Povos em Movimento - Teologando Reforma

Transcrição

Povos em Movimento - Teologando Reforma
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Povos em Movimento
Introduzindo os nômades do mundo
David J. Phillips
"Não é de se surpreender que Deus tenha revelado seu propósito de abençoar todas as nações da
humanidade por meio de uma promessa pactual feita a um nômade como Abraão, cujo neto Israel
sempre é lembrado por seus descendentes com as palavras: "Um arameu errante foi meu pai.”
Ainda que os povos nômades antigos de nosso mundo pareçam ser os últimos a receber o benefício
da grande dinâmica missionária que surgiu daquela promessa pactual. Este livro oportuno e sem
igual, como um oásis num deserto, fornece recursos muito preciosos num formato atraente e
acessível para nos ajudar a curar esta grande omissão.”
- Chris Wright, Líder de Ministério Internacional da The Langham Partnership
International (ex-diretor do All Nations Christian College).
"David Phillips tem se esforçado muito para produzir um excelente recurso cheio de
informações valiosas, muitas das quais foram colhidas de primeira mão. Peoples on the Move será
de um valor inestimável para aqueles que desejam orar com maior riqueza de informações. Já não
haverá desculpas para orações mal informadas e pouco específicas por aqueles povos
negligenciados, aqui está tudo o que você precisa saber, e até mais! Na verdade, aqueles que
escrevem e pesquisam também acharão abundante material de referência.”
"E para os novatos no ministério transcultural com povos nômades a tarefa de obter material
de estudo contextual já não será impossível, está tudo aqui, pronto, a espera de ser usado.
Sinceramente espero que muitos se sintam desafiados.”
- John Horton, Diretor Regional da TEARFUND na África do Sul e Oriental.
Para Freda, minha colaboradora em nossa parceria nômade, que colaborou de tantas
maneiras para tornar este livro possível que seria impossível mencionar todas e que agora
está com o Grande Pastor nas pastagens celestiais.
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NOTA DO AUTOR
Embora o autor tenha se esforçado para assegurar a precisão das informações contidas nesse livro
até a sua impressão, pesquisas etnográficas deste tipo exigem constante atualização. Os leitores que
estiverem instruídos acerca de um determinado grupo nômade, ou aqueles que possuírem
informação adicional ou atualizada, correções ou sugestões, são calorosamente convidados a
contatar David Phillips via ?///Piquant, PO Box 83, Carlisle, CA3 9GR, UK. Temos particular
interesse em toda informação sobre a situação do cristianismo entre os povos nômades.
David se compromete a manter completo sigilo à identidade de todos aqueles que quiserem
permanecer anônimos.
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PREFÁCIO
Após as últimas décadas do século vinte e a iniciativa do ano 2000, onde estamos agora em
relação ao evangelismo mundial?
Embora as Escrituras estejam disponíveis em menos de 2.300 das cerca de 6.800 línguas do
mundo, mais ou menos 80% dos povos do mundo têm acesso a palavra do Deus em um idioma que
elas compreendem. Os tradutores de Wycliffe Bible Translators (Missão Alem) esperam começar a
trabalhar em mil novos idiomas durante a próxima década de forma que até 2025 terá sido
começado um trabalho "em todo idioma onde a Escritura é necessária.”
Ao mesmo tempo, a iniciativa da The World By Radio (o mundo por rádio), lançada em 1985
para fornecer programação Cristã para as 279 “mega-línguas” faladas por mais de 1 milhão de
pessoas, mostra que o testemunho do evangelho via rádio está ausente em menos de 100 línguas.
O filme Jesus já foi visto por mais ou menos 4 bilhões de pessoas em centenas de idiomas
diferentes, com milhões de pessoas se comprometendo a Cristo. Todavia, especialistas em missões
concordam que tais abordagens focadas somente em mídia não podem fazer todo o trabalho
sozinhas. Paul Borthwich da Development Associates International observa que "Estas ferramentas
são maravilhosas quando usadas como pontes na apresentação do evangelho e como sementes para
plantar o evangelho, mas quando vistas como fins em si mesmas, elas diminuem severamente a
crucial importância do elemento humano no evangelismo e discipulado".
A agência Dawn Ministries tem encorajado uma abordagem conhecida como "plantação de
igreja pela saturação", e os 31 países que sediam congressos nacionais desta agência deram
início a 2,6 milhões de igrejas, incluindo entre 750 mil a um milhão desde 1990.
Sendo assim, estamos ganhando ou perdendo? Segundo Robertson McQuilkin, um antigo
missionário no Japão, são otimistas os que acreditam que a igreja está perto de cumprir a Grande
Comissão. Ele, porém aponta como pessimistas os que vêem multidões além do alcance do
evangelho. “Precisamos dos dois pontos de vista. A tarefa que nos resta é maior do que jamais foi
antes, mas os recursos e as oportunidades também são maiores.”
Embora a porcentagem dos povos do mundo que nunca ouviram o evangelho esteja diminuindo
continuamente no último século, os números absolutos ainda são um desafio surpreendente. De
acordo com o estatístico David Barrett, mais ou menos 1,5 bilhões das 6 bilhões de pessoas do
mundo ainda não ouviram o evangelho. Adeptos das principais religiões: muçulmanos, hindus e
budistas, têm resistido ao nosso testemunho e mais ou menos mil grupos de povos quase não têm
oportunidade de ouvir o evangelho porque existem poucos ou nenhum cristão entre eles.
Entre os povos menos alcançados estão os nômades. Em geral isto não é intencional. Vivendo à
margem da sociedade, eles passaram despercebidos pela visão das missões evangélicas. Nossos
modelos de ministério normalmente não se adaptam aos nômades. Não temos problemas em
alcançar as pessoas que vivam no campo ou na cidade, desde que permaneçam onde estão.
Gostamos de estabelecer raízes, aprender sobre um lugar e construir igrejas. Os estilos de vida
nômade são estranhos para nós, aparentemente estão na contramão da direção que o mundo
globalizado está tomando.
Como poucos ocidentais, David Phillips conhece os nômades. Este livro fornece uma riqueza
indispensável de insights e informações práticas para alcançar os nômades de formas culturalmente
apropriadas. Qualquer pessoa que pretenda se envolver com missões - seja pastor, obreiro
transcultural, quem envia ou intercede - irá se beneficiar deste livro. Povos em Movimento é uma
contribuição sem igual para literatura missionária e o autor merece a gratidão da comunidade
missionária mundial.
A tarefa ainda não foi feita. Que este volume nos ajude a terminar a tarefa e mobilizar
missionários para os nômades de difícil acesso que, assim como o Senhor que morreu por eles, são
verdadeiramente forasteiros e estrangeiros nesta terra.
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Stan Guthrie é Editor Sênior Associado da revista Christianity Today e autor de Missões no
terceiro milênio - 21 tendências para o século XXI (Missão Horizontes, 2000).
STAN GUTHRIE
PREFÁCIO
"
Q
uando você puder pôr sua igreja nas costas do meu camelo eu acreditarei que o
cristianismo é pra nós somalis”. Esta declaração de um pastor de camelos no norte do Quênia
realmente chamou minha atenção. Por 20 anos eu estive examinado a África Oriental em busca das
pessoas mais marginalizadas. Elas viviam, quase invariavelmente, em áreas secas e afastadas
pastoreando animais e cultivando muito pouco, quando cultivavam. Descobri também que era
pouco provável que tivessem ouvido do amor de Deus por eles.
Eu devo ter me deparado com dezenas de pessoas de etnias diferentes antes de perceber que eram
nômades criadores de animais. Eles não reivindicavam nenhum pedaço de terra para si, já que seus
animais era o que mais valorizavam. Quando ameaçados pela seca ou por um bando invasor, eles
prontamente abandonavam qualquer plantação que tivessem para salvar seu gado, ovelhas ou
cabras. Eles eram pessoas normalmente muito pitorescas e engenhosas, de tempo em tempo
lutando com as tribos vizinhas por uma pequena área de pasto e água disponível porque
fazendeiros e projetos governamentais invadiram suas áreas básicas de pastagem. Quanto mais eu
estudava e lia sobre eles, mais me fascinavam. Do meu ponto de vista de engenheiro, eles
obviamente tinham um menor avanço tecnológico, mas socialmente era exemplar a maneira como
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cuidavam de seus numerosos familiares ou clãs. Seus governantes nacionais ou os ignoravam ou
buscavam aniquilá-los. O que mais me surpreendeu foi que os missionários cristãos não
compreendiam nem a eles, nem a sua visão singular de mundo.
Sem exceção, estes nômades tinham uma compreensão evoluída sobre Deus como aquele
que envia a chuva. Cada grupo étnico tem certas cerimônias ou indivíduos que oram para que Deus
envie chuva e manter-los longe das doenças. Alguns ofereceram sacrifícios para pedir perdão
quando algo ruim foi feito, e a paz era restabelecida matando um touro e juntos se alimentado dele.
Quando vi a cerimônia de iniciação Bunna, na qual os jovens meninos são "nascidos de novo" para
se tornar guerreiros, percebi que Deus sabia como se comunicar com eles. O que eles não
compreendiam era o cristianismo ocidental num templo.
Na verdade, se é que alguma vez viram algo do cristianismo, provavelmente foi numa base
missionária com um edifício especial no qual algumas pessoas se reuniam num domingo de manhã
com roupas limpas. Como um pastor de camelos descreveu a impressão que teve: "Eles entram
naquele edifício para orar, mas um homem fica na frente e fala com Deus enquanto todos os outros
abaixam a cabeça e parecem tentar dormir. Eu sou um muçulmano por que posso orar em qualquer
lugar, oramos juntos a qualquer hora ajoelhados e de pé”. A maioria dos pastores nômades que
encontrei no sul da Etiópia, Sudão e norte do Quênia não eram muçulmanos, mas Deus era muito
mais importante para eles do que para os moradores da cidade.
Após 25 anos acumulando perguntas sobre que o que significa desenvolvimento para as
pessoas cuja visão do mundo é tão diferente, até mesmo de camponeses africanos, eu não
encontrava repostas nem mesmo de especialistas. Então decidi que deveria dar um tempo e fazer
minhas próprias pesquisas, uma dissertação sobre "Desenvolvimento Apropriado para Pastores
Nômades" pela qual recebi o título de doutor pela Open University, Reino Unido.
Quando fui convidado pela Aliança Missionária Evangélica para apresentar uma tese sobre
"O Desafio dos Povos Nômades Não Alcançados do Mundo", não me surpreendeu que poucos
tenham comparecido, mas um deles foi David Phillips. Ele era o homem chave que Deus precisava
para fazer pesquisas escritas e literárias que tomariam minha pesquisa de campo e percepções das
implicações globais e as reuniria num livro que agências missionárias poderiam usar. David fez um
grande serviço para o Reino de Deus através de seus esforços para juntar e copilar todas as
informações atualmente disponíveis sobre os povos do mundo que possuem um universo totalmente
diferente das pessoas estabelecidas ou dos povos agrícolas.
Malcolm Hunter é consultor para o desenvolvimento dos pastores nômades da SIM
International e chefe do Institute for Nomadic Ministry no US Center for World Mission e professor
do Departamento de Estudos sobre Nômades na William Carey University em Pasadena.
PREFÁCIO: LEVANTE ACAMPAMENTO!
Os nômades têm um lugar especial nos planos de Deus. Para a maioria, a palavra nômade traz a
idéia de pessoas auto-suficientes que são ao mesmo tempo diligentes e irresponsáveis, misteriosas e
perigosas, pessoas a serem invejadas por serem livres das convenções da sociedade. A visão que
temos dos nômades é que são tanto despreocupados como teimosos, por manterem um estilo de
vida desconfortável.
Os nômades são uma parte importante, mas ignorada da raça humana. As diversas estimativas
de seu número demonstram a dificuldade de se obter dados exatos, mas o total de nômades seria
grande o suficiente (contando todos juntos) para povoar muitos países. A importância dos nômades
é ainda maior porque muitos povos que têm uma história de nomadismo ainda não o abandonaram
completamente. Muitos podem voltar a ele ou sua cultura pode ainda ser influenciada por este
histórico.
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Os povos nômades representam um desafio sem igual para a missão cristã. Já foi dito que, na
prática, o cristianismo não teve nenhum sucesso em converter povos nômades pastoris, e pode ser
que isto se aplique em grande parte a outros tipos de nômades. Nós temos de examinar o porquê
disto e ver se devemos mudar nossa abordagem.
Vários fatores estão conspirando contra a vida nômade - incluindo políticas governamentais
insensíveis, repetidas secas, o fim da coletivização na Ásia Central, o avanço da irrigação e cultivo,
a pressão para a exploração comercial do pastoreio, a competição do transporte e produtos
industriais, pressão populacional sobre terras comunitárias e, mais simplesmente, preconceito e
burocracia. Além disto, a sedução da vida moderna os desafia a adaptar ou abandonar seu estilo de
vida.
Chegou a hora dos nômades! Eles foram deixados por último e resta pouco tempo. Para
evangelizar estas pessoas, temos que servi-las espiritual e materialmente de uma forma que
reafirme sua identidade e um nomadismo viável. Partimos em a algo que, para a maioria de nós, é
uma jornada pouco conhecida para entender os nômades e descobrir de que maneira podemos,
como cristãos, ajudá-los. Saber como alcançar nômades desafiará muitas de nossas idéias préestabelecidas. Trabalhar com este grupo de pessoas exige uma especialização semelhante à
daqueles que trabalham com rádios cristãs, tradução da Bíblia, evangelismo urbano e entre crianças
carentes.
Nos três primeiros capítulos iremos definir e descrever o estilo de vida nômade, especialmente
do grupo que corresponde à maioria deles, o dos pastores. O capítulo 4 trata brevemente de como
superar o preconceito entre nômades e o resto da sociedade.
Os nômades desafiam os cristãos a compreender o evangelho e o discipulado de uma nova
forma - a compreender um estilo de vida muito próximo ao dos povos bíblicos. Os capítulos 5, 6 e
7, conseqüentemente, demonstram que o interesse de Deus nestes povos andarilhos é central, e não
periférico, para seu propósito em relação a raça humana. No processo de buscar evangelizá-los,
redescobrimos que aos olhos do Deus nós também somos peregrinos que dependem dele.
Após esta avaliação bíblica, os capítulos 8 a 10 esboçam aspectos do serviço cristão ligados ao
estilo de vida nômade. A suposição de que o melhor caminho para alcançar os nômades é
estabelecer um microcosmo estático do cristianismo ocidental chamado de "estação missionária"
deve ser questionado. Por mais elementar que a estação missionária possa parecer para os
missionários ocidentais, ela pode dar a impressão errada de Cristo para os povos nômades. Uma
vez que o nomadismo moldou a auto-percepção dos próprios nômades, o cristão que irá alcançá-los
deve, de certa forma também, ser um nômade.
A segunda metade deste livro é uma pesquisa de cerca de 200 povos nômades. Alguns são
numerosos, outros parecem insignificantes aos olhos humanos. Mas cada um deles merece ser
conhecido pelo público cristão como uma expressão singular da imagem de Deus. Nosso objetivo é
que os cristãos possam ouvir o chamado de Deus para orar e alcançar os nômades com o
evangelho. Os nômades precisam de cristãos dispostos a ajudá-los no seu bem estar material e
espiritual, o que implica em dedicação para viver e adaptar-se a uma sociedade completamente
diferente, em geral sem os confortos básicos por períodos consideráveis. Implica enfim na
formação de uma rede de discípulos entre os nômades e em equipá-los para alcançar outros povos
nômades.
O alvo é retratar estes diferentes grupos nômades como sociedades humanas vivas, com seus
nomes, localização, trabalho ou ocupação pastoral e um pouco de sua vida religiosa. Mencionamos
algumas das agências que trabalham entre os nômades e elas podem ser contatadas para mais
informações para oração e serviço. Eu não tenho conhecimento de nenhuma outra pesquisa mundial
sobre povos nômades, muito menos de um ponto de vista cristão. Esta pesquisa é proposta por um
não nômade, com as limitações da pesquisa bibliográfica, como um princípio para servir a este fim.
Nós descobrimos que, em muitos casos, as agências cristãs possuem pouca informação sobre os
nômades. Sou muito grato à várias pessoas pelo mundo que me ofereceram informações e
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correções com sua experiência de primeira mão. Os muitos erros e omissões restantes são
inteiramente meus.
Finalmente, quero oferecer meus agradecimentos a Malcolm Hunter que me iniciou no interesse
pelos povos nômades. Agradeço também à biblioteca da School of Oriental and African Studies da
Universidade de Londres e especialmente à Rosemary Stevens, uma ex-bibliotecária, por sua ajuda
em grande parte da pesquisa; a Patrick Johnstone por seu encorajamento e por me permitir usar
este tempo para fazer esta pesquisa específica enquanto trabalhava no Escritório de Pesquisa
Internacional da WEC. Sou grato aos muitos cooperadores interessados ou atarefados em alcançar
os nômades por suas contribuições, comentários e ajuda prática durante as pesquisas de campo
com grupos nômades.
David J. Phillips, Escritório de Pesquisa Internacional da WEC, 2001.
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Chave Para os Mapas
País
Estado / Província
Cidade
Rio
Características Geográficas
Povo Nômade
Região Tribal
Mar, Lagos
Litoral
Grupos Espalhados em um País
Rota de Migração Anual
ABREVIAÇÕES
ACROSS
AERDD
AIC
AIM
AoG
CAFOD
CAPRO
CARE
(Britain)
CIS
CLC
CMA
COCIN
CPK
Anglican
CRWM
ECWA
EMQ
EMS
FEBA Radio
FMC
HCJB
IBT
IMA
JGLS
LCCN
LMS
MRG
NIDNTT
ODI
OXFAM
Radio ELWA
Across UK (Doncaster, England)
Agricultural
Extension and
Rural
Development
Department
(University of
African Independent
Church(es)
Reading,
England)
Africa Inland
Mission
Assemblies of God
Catholic Fund for Overseas Development
(London)
Capro
Research and Information Centre
Christian
Action Research and Education.
Jos, Nigeria)
Commonwealth of Independent States
Christian Literature Crusade
Christian and Missionary Alliance
Church of Christ in Nigeria
Church of the Province of Kenya
Christian Reformed World Missions
Evangelical Church of West Africa
Evangelical Missionary Quarterly
Evangelical Missionary Society
Far East Broadcasting Association
Frontier Missions Cent er (Cimarron, CO,
USA)
WRMF (Radio HC]B)
Institute
for
Bible
Translation
(Stockholm)
Indian Missions Association
Journal of the Gypsy Lore Society
Lutheran Church of Christ in Nigeria
London Missionary Society
Minority Rights Group
New International Dictionary of New
Testament
Theology Institute (London)
Overseas Development
A relief agency (Oxford, England)
SIM Radio and TV station (Liberia)
RBMU
REB
RSMT
SALT
LIC
SAMS
SGM
SIL
SIM
SMEE
T
SUM
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TEAM
TEAR
Fund
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WTPR
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Regions Beyond Missionary Union (now
mergedExtension
Rural
with World
Bulletin
Team,
(see Warrington,
AERDD)
PA,
USA)
Red Sea Mission Team
Semi-Arid Lands-Training and Livestock
Centres
(Isiolo,Mission
KenyaSociety
and Chippenham,
South American
England) Gift Mission
Scripture
Summer Institute of Linguistics
SIM International
Sociéte Missionnaire de l'Eglise Evangélique
au
TheTchad
SUM Fellowship (Sidcup England),
Theological Dictionary of the New Testament
The Evangelical Alliance Mission
The Evangelical Alliance Relief Fund (now
Tearfund)Old Testament Commentaries
Tyndale
Theological Wordbook of the Old Testament
Trans World Radio
Tyndale Bulletin (Cambridge)
United Bible Societies
United Bible Societies World Report (Stuttgart,
Germany)
Universities and Colleges Christian Fellowship
(Leicester,
England)
United Nations
Educational, Scientific and
Cultural
Organization
United Nations Food and Agriculture
Organization
Voluntary Service Overseas (London)
Wycliffe Bible Translators
WEC International
World Translation Progress Report (UBS)
Youth With A Mission.
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Parte I:
Características do Estilo de Vida Nômade
Jesus à Vontade nas Tendas
O convite da ferreira
Na confusão de uma tumultuada rua numa cidade no Norte da Índia, uma mulher magra,
aparentando ser mais velha do é, mas ainda assim atraente, se abaixa para pegar um pequeno forno
e uma bigorna. A família trabalha como uma equipe. A mãe segura o metal incandescente com
pinças, o filho adolescente bate com a marreta e a avó aperta o fole para dar uma assoprada no forno
de seis polegadas. O pai está agachado atrás, muito doente com malária. Juntos eles transformam o
pedaço de ferro num instrumento útil – uma enxada, pá, picareta, arado, faca ou foice, para ajudar a
sustentar sua família de cinco filhos. Todas as crianças nasceram e estão crescendo dentro, debaixo
ou ao lado do pesado carro de boi. A mãe está orgulhosa em ser parte dos Ferreiros de Carro de Boi
Ambulantes (Gadulyia Lohar). Eles são pessoas especiais - diferentes daquele povo barulhento da
cidade! É uma vida dura, viver e trabalhar o tempo todo na estrada. Eles precisam de toda a ajuda
que Kali, a deusa de destruição, possa dar. “A Dama Furiosa nos deve um favor,” pensa a mãe.
Afinal, seu marido e seus irmãos cantam nos festivais hindus e ela mesma fez muitos pujas, ou atos
de adoração. Eles não deram também aquele boi branco para a Nandiwala, que lê a sorte através do
movimento que os deuses produzem no "animal sagrado"? “Então”, pensa ela, "é tempo dos deuses
nos ajudarem.”
Ela amarra seu sári floral no corpo. “O que há de errado com aquele menino? Distraído de
novo!” Ela olha no círculo de clientes e espectadores que sempre se reúnem ao redor deles, pois
suas visitas são um pequeno evento. Um homem tinha chamado a atenção de seu filho. Ele está
vestido exatamente como os demais clientes dela, com uma camisa longa e solta. "Mãe, este homem
é um viajante como nós e quer passar a noite conosco!". Ela olha para trás em direção da carroça a lona empoeirada e rasgada estirada sobre ela, os colchões manchados e gastos, e os poucos sacos que era sua casa! "Quem em seu juízo perfeito iria querer compartilhar aquilo, a não ser que fosse
um ferreiro como nós?” Ela se volta para o viajante, pois ela é sabida e acostumada a lidar com
homens. Ela então olha para os pés dele enquanto ele permanece de pé nas cinzas e no pó ao lado
dela. Os pés dele haviam sido perfurados por cravos, e ela sabia que sofrimentos tais feridas
causavam. Seu pedido por hospitalidade tinha de estar relacionado àquilo. “Venha ao pôr-do-sol e
nos conte sobre seus pés", ela convida secamente.
O encontro surpresa do pastor de renas
No extremo norte, o pastor nômade canta em meio aos sons que denunciavam o movimento de rena
entre as arvores bétula que cobrem a vasta taiga siberiana. Ele não conseguia entender como o
homem diante dele foi capaz de se aproximar sem que ele ouvisse. Ele imaginava conhecer todo
mundo num raio de milhares de quilômetros! O homem é muito escuro para ser um russo, mas está
vestido como um Nenet, assim como ele. O pastor conta para o estranho as dificuldades de seu
povo, os Nenets. Do início ao fim das décadas negras do “Paraíso dos Operários” comunista o estilo
de vida deles tinha sido arruinado. Eles foram forçados a viver em assentamentos como se fossem
operários de fábrica. Seus filhos foram levados embora para serem escolarizados, aprendendo
abstrações tais como "luta de classe". Eles logo aprenderam que, qualquer que seja a ideologia, os
povos árticos estavam à margem da sociedade. O Nenet sabia que seu povo não estava se
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beneficiando do “progresso!” Os oleodutos tinham poluído a paisagem, recentemente, assim que
eles voltaram à velha vida de pastorear renas. Seu deus-urso e os antepassados também não haviam
ajudado muito.
O homem desconhecido ouve com simpatia, como se estivesse bem familiarizado com o
estilo de vida dos Nenets. Quando fala, o estranho dá uma impressão extraordinária de que ele
próprio é um deles! O pastor se interessa pelo viajante desconhecido, o qual tinha tirado seu capuz
para ouvir. Sua fronte é cheia de cicatrizes como se espinhos tivessem sido esmagados sobre sua
cabeça. O estranho se volta como que para prosseguir em sua misteriosa viagem. O pastor
rapidamente corre os olhos das árvores para as tendas de postes de bétulas, peles e lona onde sua
família se juntara a ele para um breve feriado de inverno. Logo eles retornarão para o assentamento
e ele ira conduzir as renas na longa e solitária viagem para a tundra para o curto verão. Mas agora
sua esposa está preparando uma deliciosa refeição. O pastor faz questão no convite: "Venha e
compartilhe da nossa humilde refeição e nos fale um pouco de você". O estranho alegremente
aceita.
O pastor tibetano encontra um amigo
O vento norte lança poeira e areia em nossos rostos congelados e agarra em nossas pesadas capas de
pele de carneiro que são feitas com oito velos de lã e batem na altura dos joelhos. Nos movemos
com dificuldade pelo terreno pedregoso, balançando nossos chicotes ao nosso redor para manter os
mastins [raça tibetana de cães] rosnando à distância. Nossos pés frios deslizam no gelo da fonte que
descongela por volta do meio-dia para fornecer a única água do acampamento. Os montículos
sombrios por todos os lados na noite escura são ovelhas e iaques. Nós nos esgueiramos
agradecidamente para dentro do calor da grande tenda preta que se contrai como uma grande aranha
no planalto do Tibete. Nosso anfitrião nos aponta um lugar vazio no estreito círculo ao redor da
fogueira central, e esticamos nossas pernas cansadas em nossa única fonte de calor. Todos os
vizinhos estão ali, todos eles pastores nômades, mas há uma expectativa silenciosa esta noite, em
vez das conversas habituais, alegres, engraçadas, sobre fofocas, caça, religião e o preço da lã.
Na meia luz, percebemos que as coisas estão diferentes hoje à noite. A vovó não está
girando sua roda de oração, o anfitrião não está resmungando orações enquanto conversa e as tábuas
sagradas budistas e os rosários em cima do baú na parte detrás da tenda estão cobertos. Nossa
anfitriã está ocupada servindo o chá tibetano - chá com manteiga de iaque e sal. Mas por que ela
está usando seu vestuário elegante com seu melhor avental colorido, como se ela estivesse nas
corridas de cavalo tribais, ou para sair em peregrinação para Lhasa, a capital do Tibete?
Um estranho se senta no lugar de honra, envolto num casaco de pele de ovelha como os
demais. Seu rosto parece familiar, embora nunca o tenhamos visto antes. Sua pele é quase tão
morena quanto a do seu anfitrião e igualmente suja com fuligem do fogo de esterco de iaque e
manchada com manteiga de iaque. Como todo mundo, ele lambe sua tigela até que ela esteja limpa
e, imediatamente, é servido novamente. Ele está totalmente à vontade entre essas pessoas humildes.
Ele aceita o conforto simples delas, sua vida dura, seus problemas e prazeres simples. Ele olha os
rostos ao seu redor com bondosa autoridade, jovens e bochechudos, velhos e enrugados. Ele
consegue ver no íntimo de cada um, suas esperanças e temores e as trevas mais profundas dentro de
cada um. É como se os conhecesse bem.
Enquanto o vento uiva e envolve a tenda, o estranho levanta sua voz: “Eu sou o Bom Pastor
e Meu Pai é o Grande Pastor. Um dia muitos, de todos os povos e os pastos altos do Tibete também
irão acampar com Meu Pai e Eu, o Cordeiro, irei pastoreá-los".1
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Seus humildes ouvintes estão atraídos por sua mensagem. "Então o futuro não é
infinitas reencarnações com a ajuda de Buda, afinal", pensam eles. Tarde da noite, após mais
ensino do estranho, mais chá e muito esterco de iaque queimado, nossa anfitriã discretamente
chora suas muitas infidelidades e calunias. Sob a meia luz da lanterna nós assistimos a duas
mãos se esticarem até se encontrar. A mão do nosso anfitrião está bronzeada e áspera devido à
dura vida nômade. É uma mão que buscou mérito nos rituais por causa de seus muitos pecados.
A mão do estranho outrora trabalhou a madeira como carpinteiro numa terra muito distante e
ainda tem a cicatriz de um prego que a atravessou à marteladas. Nosso anfitrião encontrou seu
pastor chefe e o estranho ganhou um irmão!
À vontade nas tendas
Jesus está entre os nômades antes de nós, esperando por nossas vidas e nossas vozes para
manifestar sua presença. As pesquisas mostram que a maioria das pessoas que se tornaram
cristãs o fez porque elas conheciam outro cristão. Os nômades precisam de nós para viver como
cristãos nômades, no mesmo nível deles, tanto quanto possível. O grande pastor procura por
discípulos comprometidos em ajudar os nômades do mundo, aprender o idioma, as habilidades
deles e, através de uma experiência de vidas compartilhadas, fazê-lo conhecido. Seu amor
precisa ser demonstrado na prática para melhorar o nomadismo do povo — na educação, saúde
comunitária, ajuda médica e veterinária e manejo de pasto. Precisamos compreender as práticas
religiosas dos nômades, seus temores não esclarecidos e apresentar-lhes o Deus pastor nômade
da Bíblia. Nós precisamos demonstrar pelo exemplo que o grande Pastor se sente realmente à
vontade nas tendas nômades.
1. Quem São os Nômades?
A
uto-suficiente, alguém que faz as próprias leis, um guerreiro errante… o nômade pode
parecer ter uma vida ideal e ser uma ameaça para a civilização. Para quem não está
familiarizado com a vida nômade, ela sugere liberdade da rotina, das restrições e complicações
da civilização. Parece ser uma vida simples em harmonia com a natureza. Tal visão é
influenciada pelas idéias da evolução da sociedade que supõe que o nômade vive de acordo com
o estilo de vida mais antigo e primitivo da humanidade. Nós também fomos influenciados, pela
história bíblica e clássica, a considerar o beduíno como o mais perfeito exemplo da palavra
"nômade". Com seus camelos, “os navios do deserto,” o que se imagina é que eles vagueiam
livres das restrições da vida civilizada. A realidade, contudo, é muito diferente.
Somente alguns grupos nômades beduínos, como o al murrah, se aproximam de
incorporar este conceito de nômade. Os al murrah, que têm pouco contato como outras pessoas,
viajam grandes distâncias no centro da Arábia e parecem não precisar de nada além de alguns
poços onde seus camelos possam beber. Eles gastam os meses de junho a agosto vivendo em
tendas próximas a seus poços no Sul, deixando seus camelos vaguear livremente à procura de
forragem e retornando vez por outra em busca de água por causa do calor. Entre setembro e
dezembro, os al murrah viajam distâncias consideráveis, em busca de pasto, não usando nada
além de uma proteção contra o vento como abrigo. Finalmente, em janeiro, eles fazem uma
rápida marcha em direção ao norte para alcançar os pastos que surgem após as chuvas de
inverno em Nafud, um mar de enormes dunas de areia. Viajando mais para o norte em direção
ao inverno, os al murrah confraternizam com outras tribos e supervisionam a parição de seus
rebanhos. Em março eles retornam para o sul vagarosamente, a medida que a grama cresce,
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viajando mais ou menos 10 quilômetros a cada vez até que alcançam seus poços novamente.
Tal estilo de vida só era possível com o camelo, mas as limitações do camelo incluem: sua
natureza - é um animal temperamental; é um investimento caro; difícil de criar; e, agora, é
difícil de comercializar e redundante como meio de transporte.
O fato é que a “liberdade” dos al murrah é limitada por seu ambiente natural. Para
sustentar seus rebanhos de camelos ou de ovelhas e cabras, estes beduínos viajam
constantemente, buscando sempre por mais dos poucos pastos que, por anos, recebem pouca ou
nenhuma chuva. A maioria dos beduínos já passou por longos períodos de sede e fome, e sua
alimentação é pouco variada. Seu deslocamento também é limitado por terem de manter
contatos para comprar suprimentos, comercializar ovelhas, aproveitar oportunidades de trabalho
e escola para alguns membros da família, como também por determinações do governo e por
causa de contendas com outras tribos. A realidade moderna é tal que a maior parte dos beduínos
agora está estabelecida em aldeias, mas seu sentimento de identidade e seu meio de subsistência
ainda é moldado pelo pastoreio nômade. Alguns membros da família viajam com os rebanhos
da família para buscar pasto, enquanto outros suplementam a renda da família trabalhando nas
cidades, fazendas ou em empregos temporários na indústria petrolífera.
Os nômades são distintivos
O termo "nômade" era usado originalmente somente para aqueles que, como os beduínos que
descrevemos, conduziam animais progressivamente para pastos diferentes. ii Hoje, “nômade” é
um termo usado para se referir a todas as sociedades cuja cultura e estilo de vida está baseado na
necessidade de viajar sistematicamente para encontrar um meio de subsistência. Eles se
sustentam ao se mudar para usar recursos de pasto ou comércio considerados marginais à
sociedade, que a sociedade não usa ou não pode usar. Este movimento deixa marcas importantes
em sua cultura e sociedade.iii O principal objetivo dos nômades é manter sua identidade distinta
como povo, se auto-sustentando com suas habilidades ou seus animais. Isto os torna diferentes
da sociedade que os cerca em graus variados. Este tipo de trabalho que exige viagem sistemática
molda sua visão de si mesmos, seu estilo de vida e muito de sua cultura, e valores também. O
ideal de auto-suficiência, então, é uma característica nômade até mais fundamental do que a
viagem. Assim, embora os nômades prefiram um método principal de sustento - como criação
de gado ou trabalho de ferreiro – também fazem uma complementação com outras atividades
econômicas. Todos os nômades mostram uma grande versatilidade ao adotar métodos
secundários de subsistência como cultivo, comércio ou condução de caminhão. Eles aproveitam
as mínimas oportunidades ao máximo, num total contraste com os povos sedentários, presos à
terra cultivável ou outra propriedade qualquer. Na verdade, os nômades podem até se
estabelecer por um tempo. Eles são engenhosos e não remanescentes teimosos de um estilo de
vida obsoleto incapaz de se adaptar ao mundo moderno.
Cada nômade é um membro de um povo inteiro - famílias inteiras e grandes grupos
viajam juntos ou, pelo menos, estão envolvidos com as migrações de algum modo. Deve-se
distinguí-los de vários indivíduos (tais como boiadeiros, vaqueiros, vendedores ambulantes,
tripulação de vôo ou marinheiros) que pertencem a povos sedentários, mas cuja ocupação ou
outras circunstâncias pode fazer com que viajem regularmente. Os nômades pertencem a uma
sociedade cuja identidade e cultura está baseada no nomadismo, mesmo quando tenham se
estabelecido por um tempo e possam ter iniciado outras ocupações (apropriadas ao seu
sentimento de independência).iv O termo nômade também não inclui as muitas pessoas
desalojadas e refugiadas que são removidas involuntariamente de suas pátrias, residências,
sociedades e meios de vida por causa de discriminação, perseguição, agitação pública, guerra ou
desastre natural.
O nômade às vezes pode ser forçado a abandonar o nomadismo por causa de guerra,
seca, ou novas leis contra povos migrantes, mas um nômade não é definido por este
deslocamento. O nômade não é um mendigo que embora possa ter um programa regular de
subsistência não tem nenhuma organização social. O nômade não é um sem-teto só por não ter
uma casa ou terra. Os nômades estão em casa na vida migratória de sua sociedade.
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Três tipos principais de nômade
Há três tipos principais de nômade, diferenciados por seu principal meio de
subsistência: os caçadores-coletores, os pastoralistas e os itinerantes. Os aborígines da Austrália
e os bushmen e pigmeus na África são exemplos de caçadores-coletores. Os nômades de barco,
como os bajau do sudeste da Ásia e os pescadores boso do rio Níger, são um tipo especial de
caçador-coletor. Também há agricultores móveis que mudam para cultivar por causa da pouca
fertilidade da terra. Estes incluem o iban de Kalimantan, Indonésia, ou o povo das Ilhas de
Bijagos, Guiné-Bissau, que mudam para diferentes ilhas para cultivar seus arrozais. O caçadorcoletor precisa se mudar por causa das mudanças e pequena quantidade de provisão natural de
comida e matérias-primas de acordo com as estações. Sua migração possibilita o
reabastecimento natural. Mas nós estamos preocupados com os outros dois tipos de nômades —
os pastoralistas e os itinerantes.
A subsistência e a cultura dos pastoralistas nômades são baseadas na criação e busca de
pastagem para seus animais domésticos. Os beduínos do Oriente Médio e África do Norte, os
sami da Escandinávia e os Fulbe da África Ocidental são exemplos de pastoralistas. Os
pastoralistas não estão tão diretamente envolvidos com a sociedade como um todo porque os
sistemas pastorais podem ser auto-suficientes e seu pasto, muitas vezes, fica distante dos centros
populacionais. Por dependerem primariamente dos ecossistemas naturais e só precisar
parcialmente de recursos humanos, eles desenvolvem bastante autonomia como sociedades mais
fechadas.
Muitos deles associam outros meios de subsistência com seu pastoralismo. Os mursi do
sudoeste da Etiópia, por exemplo, associam um cultivo móvel - com queimada e abertura de
clareiras durante o período de chuvas - com um cultivo nas margens dos rios na estação seca.
Ambos feitos pelas mulheres. Enquanto isto, os homens mursi alternam entre a planície e as
colinas com o gado. Os mursi habilmente usam os diferentes ambientes de acordo com as
estações.
Os itinerantes são os artesãos ambulantes, artistas e comerciantes — como os gadulyia
lohars da Índia e os ciganos da Europa. Muitos outros nomes foram sugeridos para este grupo
diverso, inclusive “nômades comerciais", “viajantes” e até povos "do tipo cigano". Mas
itinerantes dá a idéia de movimento para alcançar mercados mais amplos para ocupações que,
de outra forma, seriam praticadas a nível local.
Os pastoralistas e os itinerantes viajam sistematicamente e não ao mero acaso. Este
movimento é ilustrado pelo termo parytan, usado pelos itinerantes no Paquistão para descrever
sua vida como padrões deliberados e bem pensados de movimentos para usar suas habilidades
especializadas.v Os pastoralistas nômades e os itinerantes têm uma atividade que, embora seja
uma parte da “economia informal”, é sistemática em seu uso do trabalho, oportunidades
econômicas e recursos marginais, e deve ser levada a sério. As vidas dos pastoralistas e dos
itinerantes são determinadas por sua experiência, seja sua habilidade de interpretar o ambiente
para cuidar do gado, seja alguma forma de arte ou de serviço. Esta habilidade e estilo de vida
são a fonte de sua distinção social.
Pastoralistas e itinerantes têm recursos para usar e recursos para descobrir e
desenvolver. A diferença fundamental entre pastoralistas e itinerantes é que os pastoralistas
administram os recursos naturais de animais e pasto sem necessariamente ter muito contato com
outras pessoas. Os itinerantes, por outro lado, dependem de contato comercial com as pessoas
para ganhar seu sustento.vi Eles se mudam pra que possam lidar com seu principal bem — seja o
gado ou uma habilidade — para encontrar os principais recursos — seja pasto ou clientes.
Pastoralistas e itinerantes têm produtos para sua própria subsistência ou para oferecer à venda
ou troca (pelo que eles não podem produzir por si mesmos).
Os principais recursos dos pastoralistas nômades são seus animais domesticados, que
lhes dão produtos que os capacitam a gozar de considerável auto-suficiência - lã, pêlo, carne,
couro, esterco e especialmente leite, queijo e outros laticínios. Esta independência econômica,
porém, não é completa. Eles precisam entrar em contato com os mercados para trocar estes
14
produtos e qualquer gado excedente por aquilo, que não podem produzir por si mesmos. Muitos
podem também caçar e cuidar de pequenas plantações.
Os itinerantes são seu próprio recurso, com qualquer treino, habilidades, experiência e
mobilidade que tiverem. O artista tem seus acessórios, o artesão suas ferramentas, o comerciante
seus animais de carga ou carroça e o mascate suas mercadorias, mas acima de tudo ele e sua
família têm capacidade e desenvoltura para desenvolver muitas habilidades. Deste ponto de
vista o itinerante pode ser chamado de nômade profissional ou prestador de serviço, usando
“profissão” no sentido de ter habilidades para oferecer um serviço a outros que não têm a
mesma habilidade ou disposição. As ferramentas e recursos para sua profissão lhe são
facilmente acessíveis ou levadas com ele, para que ele não precise de um longo prazo ou
vínculos com outros na sociedade.
O recurso que os pastoralistas precisam é pasto para sustentar seu gado. Assim como a
maioria dos caçadores-coletores e agricultores de subsistência, eles estão preocupados com os
recursos naturais da terra, como sua fertilidade, umidade para colheitas ou pasto e caça
disponíveis. O pastor nômade é nômade porque cada parte de seu território produz pouco pasto
em períodos específicos, em áreas áridas demais para a pastagem permanente. “Nós só
mudamos quando percebemos que devemos", dizem eles. As mudanças sazonais dos recursos
naturais tornam a mobilidade necessária. Os pastores sedentários ou rancheiros, por outro lado,
têm acesso à terra fértil suficiente a uma distância razoável de seu povoado e por isto não
precisa migrar. Para a maioria dos pastoralistas as perspectivas comerciais de seus animais são
secundárias ou mesmo dispensáveis, mas o itinerante precisa ter clientes.
O recurso primário dos itinerantes, que exige sua viagem, é a demanda humana por
seu comércio, arte ou entretenimento. Eles viajam porque: 1) a demanda por seu serviço
como artesãos, comerciantes ou artistas é pequena ou sazonal; 2) com preços de custo
baixos eles podem cobrir qualquer tentativa do povo local de prestar o serviço e 3) eles têm
a disposição e a habilidade para servir a clientela sazonal ou dispersa.vii Eles têm que ser
engenhosos na mudança de ocupação e de habilidades, para encontrar oportunidades nos
mercados voláteis. Se a demanda crescer a ponto de sustentar um serviço permanente em
uma localidade, o itinerante irá se estabelecer pelo tempo que durar a demanda, ou
alternativamente até que a população local comece, ela mesma, a prestar o serviço. Os
itinerantes aproveitam festas e contatos estabelecidos, mercados ou períodos de colheita,
quando mais pessoas e mais dinheiro estão disponíveis. Eles não têm nenhum controle
sobre a competição dos produtos industrializados ou mudanças de costume na sociedade.
Eles também têm que juntar matérias-primas para confeccionar os artigos que vendem.
O movimento dos nômades, portanto, é governado por sua necessidade de recursos
para sustentar seus bens – pasto ou a demanda por mercado. Estes pastoralistas são melhor
descritos não como nômades pastores, o que implicaria que seu movimento é primário, e
sim como pastoralistas nômades porque a subsistência por meio de seu gado é sua
característica essencial. As habilidades de procriação e pastoreio de animais domésticos
determinam seu estilo de vida e auto-identidade. Semelhantemente, os itinerantes são mais
bem descritos como profissionais nômades, porque o serviço prestado por eles determina
seu estilo de vida. Ser um pastor ou artesão é um elemento mais importante na maneira
como o nômade vê e sustenta a si mesmo, do que seu grau de mobilidade.
O sistema migratório
“Aqui deixo todas as minhas dificuldades para trás.” As crianças pulam as chamas da
pequena fogueira, cantando estas palavras. Seus pais terminam de carregar a grande tenda
quadrada da família e seus pertences nos burros. É março, o ano novo persa, e os nômades estão
começando a migrar, saindo do frio e umidade de outro inverno próximo ao Golfo Pérsico. Os
qashqa’i experimentaram meses de luta para achar alimento para seus rebanhos de ovelha e
movê-los para terras mais altas para por fim ao apodrecimento dos cascos. Agora, após uma
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árdua jornada pelas montanhas, eles passarão o verão nos pastos da montanha. É um tempo
feliz. As moças que estão na idade de casar vestem suas melhores roupas e viajam a cavalo ou
camelo para chamar a atenção dos futuros noivos e sogros, pois a chegada nos pastos de verão é
o tempo para as famílias negociarem casamentos.
Os nômades não viajam só por viajar. Eles se mudam quando e tanto quanto for
necessário para encontrar bons pastos para seu gado e clientes que precisem de suas habilidades.
A maioria dos nômades se fixa por uma ou duas estações do ano, muitos não viajam para muito
longe com muita freqüência. O fato de eles adquirirem propriedade ou até mesmo fixarem
residência não significa que já não são socialmente distintos ou que não estejam prontos para se
mudar novamente. Mudar ou se fixar são estratégias a serem usadas de acordo com a
necessidade. Quando as condições são favoráveis, eles permanecem no mesmo lugar por longos
períodos.
As variadas razões para o nomadismo incluem: 1) como nós dissemos, é o meio de
subsistência preferido pelos nômades; 2) ele mantém a independência étnico-cultural; 3) ele
resiste à interferência externa; 4) é uma forma de evitar guerra ou hostilidade étnica; 5) é o
único estilo de vida conhecido e compatível com sua visão de si mesmos e 6) não existe uma
área que forneça recursos o ano inteiro. Os nômades podem ser divididos de acordo com os
diferentes padrões de movimento: nômade, seminômade, semi-sedentário e agropastoril:
1. Há grupos que são continuamente nômades, com um movimento sazonal estabelecido
entre diferentes áreas de pastoreio ou clientela, normalmente alternando entre duas ou mais
áreas. Entre os pastoralistas estão os beduínos al murrah, os tuvans na Sibéria, tuaregues,
maasai, beja na África, os qashqa’i do Irã e os rabari da Índia. Muitas povos pastorais, como os
fulani, mudam de localização a longo prazo cobrindo grandes distâncias por causa da seca ou da
guerra. Alguns fizeram grandes migrações históricas de uma área para outra, como os ciganos e
os kirghiz. Muitos itinerantes são nômades "autênticos", vivendo em habitações móveis e
mudando-se sistematica e sazonalmente para explorar seus mercados, tais como os gadulyia
lohar da Índia e muitos roma na Europa. Alguns estão ligados a um povo pastoril, como os
waata e inadan da África, ou os ghorbati do Irã.
2. A maioria dos nômades são seminômades, mas este termo tem vários significados.
Uma parte de cada família viaja, enquanto o resto fica num só lugar, ou a família inteira é
residente num lugar por uma parte do ano, e só viaja em certas estações. As famílias
seminômades podem ter habitações permanentes a fim de gozar das facilidades da vida
moderna, como a educação para as crianças. Elas podem suplementar o pastoralismo com
cultivo ou trabalhos numa cidade vizinha, enquanto outros membros de família viajam com seu
comércio ou rebanhos. Os gaddi da Índia estão fazendo a transição de nômades para
seminômades, com a maior parte da família escolhendo viver todo o ano nas suas aldeias que
eles previamente deixavam nos invernos. Ter uma casa ou um acampamento principal
permanente não significa que o nomadismo foi abandonado. Muitos ciganos vivem numa casa
por longos períodos e até dormem em suas caravanas no mesmo lugar, mas viajam ao longo do
verão.
O termo seminômade pode ser usado também para uma sociedade que tem uma parte
estabelecida e uma parte nômade, como muitos dos beduínos. Às vezes o termo seminômade é
usado quando 50% ou mais de povo migram e “semi-sedentário” quando menos que 50%
migram com os animais.viii Muitas famílias são totalmente sedentárias na agricultura e outras
totalmente pastoris, ou estão divididas em gênero, como os mursi e outros povos da África
Oriental.
3. O seminomadismo pode se tornar agropastoril quando o cultivo é a principal
atividade de subsistência, mas com o pastoreio sendo ainda importante cultural ou
economicamente. De fato, o pastoralismo de uma sociedade agropastoril pode funcionar como
uma forma de seminomadismo, quando parte de cada família ou aldeia viaja para pastos
distantes parte do ano. Os luri e os bakhtiari no Irã foram forçados a este tipo semi-sedentário
de pastoralismo, cultivando próximos a suas aldeias enquanto alguns deles retornaram ao
pastoralismo nômade. Muitos cazaques optaram pela a criação confinada, já que alguns gados
se alimentam da colheita, enquanto o resto é pastoreado na estepe ou nas montanhas num
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reflorescimento do pastoralismo nômade. O antigo Israel em Canaã também seguia este estilo de
vida.
4. Muitos pastoralistas nômades e seminômades podem ser chamados de nômades de
múltiplos recursos.ix Há grupos inteiros que se mudam com os animais em diferentes ocasiões
durante o ano, e então param para a estação de cultivo para cultivar plantações específicas,
como tâmaras ou milho. Embora cuidem e pastoreiem, continuamente, seus animais o ano todo,
eles também têm períodos sedentários, em locais ou assentamentos que eles consideram seus.
Os fulbe têm modelos tradicionais de adaptação aos períodos de sedentarismo ou semisedentarismo para associar agricultura e pastoreio.x Os hawazma são nômades, mas eles param
para plantar e colher a safra. Os karimojong e os somalis fazem separação entre campos
domésticos e campos para o gado para parte do ano. As famílias migram lentamente, dando-lhes
oportunidade para horticultura em pequena escala, enquanto os pastoralistas viajam com os
rebanhos.
Os lur tradicionalmente praticavam este tipo de nomadismo, cultivando duas safras nos
locais de verão e inverno, enquanto todo o povo migrava. Os yarahmadzai (shah nawazi)
baluch no Irã viajam para longe de seus rebanhos no verão para a colheita de grãos e no outono
viajam mais de 160 quilômetros para seus pomares de tamareiras. Muitos pastoralistas, de uma
forma ou de outra, usam outros recursos, por isso a plantação, colheita de frutas, contrabando,
invasão e serviço militar podem ser economicamente importantes para algumas tribos nômades.
Estas atividades se tornaram parte de suas migrações pastorais tradicionais.
Os itinerantes são particularmente engenhosos na exploração de alguns recursos, alguns
trabalhando como artesãos numa temporada e vendedores noutra, ou como caçadores-coletores,
por exemplo, os waata. Os ighyuwn entre os moors são artesãos e músicos, especializados em
canções com comentários políticos. Há vários grupos de bhotias no Nepal que são tanto
pastoralistas como comerciantes de caravana. Muitos, como os fuga na África Oriental, são
ritualistas, mágicos e assim como ferreiros.
Como começamos a perceber, estes termos não são muito precisos e cobrem uma
variedade de modelos, usá-los então para descrever um povo nem sempre esclarece muito. É
mais útil descrever um padrão típico de migração. Dois exemplos aqui ilustram bem quão
imprecisos são os termos. Entre os berberes, existem aqueles que vivem em aldeias em altas
atitudes próximas a suas pastagens de verão e que migram para habitações temporárias em
altitudes mais baixas no inverno. Outros berberes vivem em aldeias situadas próximas a sua
pastagem de inverno nos vales e migram para as montanhas em busca de pastagem para o verão.
Ainda outros vivem em aldeias numa altitude média, descem no inverno e sobem no verão.
Todos podiam ser considerados seminômades e todos são exemplos de transumância [migração
dos rebanhos por razões climáticas].
O terceiro tipo de berbere é semelhante aos gaddi da Índia. Eles têm aldeias que as
famílias deixam no inverno para viver em tendas nas planícies com os rebanhos. Muitos
arrumam emprego de inverno nas cidades próximas. Na primavera, enquanto os homens levam
os rebanhos para pasto mais altos nas montanhas, as mulheres e as crianças reabrem suas casas e
ficam nas aldeias para cultivar seus campos pouco produtivos na breve estação de cultivo. Os
homens podiam ser descritos como nômades “verdadeiros” e, como o povo inteiro faz
migrações sazonais, eles também são nômades. No entanto, como muitas das famílias agora
estão ficando nas aldeias ao longo do ano para instrução e cultivo, os gaddi também são
“seminômades". Com trabalhos de inverno nas cidades, cultivo e pastoralismo de migração, eles
também são pastoralistas de múltiplos recursos.
Os itinerantes são nômades, seminômades ou semi-sedentários. Muitos como os inadan,
uma parte da sociedade tuaregue e os ghorbati e luti no Irã, viajam como pastoralistas nômades
ou seminômades durante todo o ano ou só parte dele, prestando serviços como artesãos e
trovadores. Outros buscam seus clientes, independentemente, como os ciganos kalderash da
Europa, que originalmente trabalhavam com cobre; os khyampa do Nepal como comerciantes e
o lohar como ferreiros. Muitos do ciganos rom se especializaram na apanha de colheitas,
exposições móveis, asfaltamento, e estas profissões determinam sua migração.
5. Finalmente, há aqueles que são sedentários, mas cuja identidade étnica, valores e
história ainda são determinados pelo nomadismo. Estes incluem muitos fulbe e beduínos árabes,
17
que perderam seus rebanhos ou manada, podem trabalhar como operários, motoristas ou
mendigos, visando retornar ao pastoralismo assim que possível.xi Eles foram denominados
"nômades em espera". Devemos ter em mente que aqueles que não são nômades praticantes
ainda prefeririam este estilo de vida e ainda se vêem como nômades. Muitos retornam ao
nomadismo quando as condições políticas ou ambientais permitem.
Há um espectro, portanto, saindo do verdadeiro nômade, passando pelo seminômade até
o sedentário. As sociedades podem mudar seu estilo de vida, seja total ou parcialmente. Há
povos nômades que já foram sedentários e vice-versa. Para ajudar e servir tais pessoas é vital
compreender como elas vêem a si mesmas e compreender também o estilo de vida com o qual
estão familiarizadas ou que consideram como ideal. Devemos tratá-las como um povo nômade,
em vez de julgá-las por suas atuais circunstâncias.
Uma semelhança universal entre os nômades
Pastoralistas e itinerantes ainda podem ser agrupados como nômades, apesar de suas
diferenças. Os povos pastoris e itinerantes são distintos, com caráter e etos diferentes dos
estrangeiros. Os nômades estão prontos para migrar, mesmo quando estão estabelecidos por
muito tempo. Os itinerantes, assim como os pastoralistas, encaram uma casa como uma prisão e
se incluem no mundo de viajantes distintos daqueles “que vivem nas casas”. Se possuírem uma
casa eles a usarão para armazenamento, não para viverem nela.
O nomadismo é seu estilo de vida preferido, porque eles não estão ligados a territórios
restritos - e às conseqüentes questões de posse - e porque eles desenvolveram uma capacidade
de auto-suficiência. A vida viajante é considerada superior porque lhes dá autonomia social e
econômica para cuidar de seus próprios assuntos. O povo pastoril nômade mais numeroso é o
fulbe, com oito milhões, embora só uma porção deles seja nômade. A Mongólia pode ter mais
nômades autênticos. Os ciganos são a maior sociedade itinerante com 42 milhões, mas nem
todos eles são realmente itinerantes. Estes dois povos, contudo, valorizam as tradições de
independência característica do nomadismo. As pessoas nômades querem ser livres para serem
elas mesmas.
A maioria dos pastoralistas africanos se considera povos independentes, separados e
superiores aos outros. Os drok-pa de Chang Tang no Tibete não se consideram nômades, mas
pastores ou criadores de animais, embora vivam em tendas e migrem constantemente, buscando
pastagem. Eles se consideram a parte criadora de animais da grande sociedade tibetana, mas eles
têm seus próprios costumes e dialetos. Os Mongóis acham que o nomadismo é o método de
subsistência mais viável nos prados da estepe e por isso têm um grande amor por cavalos. A
maioria dos nômades deseja manter sua exclusividade social e não quererem ser absorvidos pela
sociedade em geral.
Muitas vezes, se atribui uma origem sobrenatural ou moral ao estilo de vida nômade.
Um número surpreendente de itinerantes tem lendas que atribuem sua vida nômade ao seu mau
comportamento passado. Estes mitos geralmente sugerem que eles já foram um povo sedentário
e sua perambulação é resultado de um voto ou de uma maldição. Os gadulyia lohar da Índia
fizeram um juramento de nunca se estabelecer, por causa de uma suposta covardia na guerra
séculos atrás. Os ghorbati do Irã, jogi do Afeganistão, watta do Quênia e os chenguin da
Turquia também sustentam esta versão de culpa passada.xii Os músicos luti do Irã não aceitaram
a generosidade do rei em se estabelecer como fazendeiros, foram então condenados a vagar.
Muitos do pastoralistas têm mitos relativos à origem divina de seu povo. Alguns
acreditam ser descendentes de alguma pessoa bíblica. Os idaksahak, por exemplo, acreditam ser
descendentes de Isaque. Os gaddi dizem que o deus Shiva os comissionou a ser pastoralistas. Os
ciganos reforçam sua separação social pela prática de suas regras de pureza. Os não ciganos são
considerados "impuros" e contaminantes.
Essas atitudes também são influenciadas por motivos mais mundanos que incluem: não
ser aceitos pela sociedade que os rodeia, sua incapacidade de possuir terras ou casas, fuga de
guerras ou impostos ou simplesmente porque outras oportunidades econômicas lhes foram
negadas. Os riasiti do Paquistão, por exemplo, eram camponeses que foram desapossados de
18
suas terras no século 20. Os povos donkey-cart (carroças puxadas por jumentos) da África do
Sul são outro exemplo da história recente.
Definição de um povo nômade
Conseqüentemente, nós descrevemos nômades como povo com um sentimento de
identidade diferente do resto da sociedade, que eles mantêm tendo ocupações que exigem
mudança sistemática em busca de recursos marginais. Os itinerantes mantêm sua independência
social prestando serviços que a população estabelecida não fornece e viajando em busca de
demanda por tais serviços. Os pastoralistas nômades satisfazem a maior parte de suas
necessidades com os produtos dos rebanhos ou crias de gado doméstico com os quais vivem e
viajam, normalmente de acordo com a estação, para utilizar a pastagem natural ou não cercada.
Um povo nômade é:
1. Um grupo social consciente de sua identidade distinta,
2. cuja estrutura social, estilo de vida e valores são formados por um método de subsistência
3. que implique em viagens sistemáticas de todo o povo ou de parte dele,
3a. somente quando necessário para a subsistência,
3b. normalmente de acordo com as estações.
4. Eles viajam a fim de trazer seus recursos principais 4a. gado no caso do pastoralistas (ovelha, cabras, vacas, camelos, iaques, renas, cavalos
ou lhamas, com uma espécie freqüentemente tendo valor cultural especial) —
4b. habilidades como artesãos, artistas, comerciantes, músicos, genealogistas, etc., no
caso dos itinerantes —
5. para se beneficiar de recursos renováveis marginais,
5a. no ambiente natural como pastagem em áreas semi-áridas ou terra desocupada no
caso dos pastoralistas,
5b. na demanda por serviços que a sociedade estabelecida ao redor não deseja fornecer
por si mesma.
6. Tal sociedade normalmente está organizada em linhas tribais,
6a. algumas com, mas a maioria sem, uma liderança central forte,
6b. todos vivendo e trabalhando como grupos descentralizados como famílias, famílias
estendias ou clãs de acordo com a demanda 4 e 5, acima.
7. Seu objetivo com este estilo de vida é manter sua identidade e valores distintos, inclusive
certa medida de auto-suficiência.
1
Apocalipse 7.15ss.
O termo deriva do grego nomas, significando “pastor perabulante”, e está relacionado a
nemein, “alimentar ou pastar”. Ver P. Salzman, “Movement and Resource Extraction among
Pastoral Nomads”, Anthropological Quarterly (s.d.), p. 185ss.
iii
N. Dyson-Hudson, “Inheriting and Extending Man's Oldest Technique of Survival,
Nomads Find Freedom and Identity in the Life they Follow”, em Nomads of the World
(Washington: National Geographic, 1971), pp. 10-24. Uma definição exata de pastoralismo
nômade é essencial para compreendê-los e só ficou disponível a partir de 1970, de acordo com
Malcolm Hunter, Appropriate Development for Nomadic Pastoralists: A Study of the Waso Borana of
Northern Kenya Illustrating the Value and Meaning of Holistic Development Amongst Nomadic Peoples
(Inglaterra: The Open University e the Oxford Centre of Missions, 1996), cap. 1. Hunter é o
“mentor” da Nomadic Peoples Network da Global Connections no Reino Unido, e possui mais de
30 anos de experiência com 27 grupos pastorais diferentes na Etiópia e Quênia com a SIM
International.
iv
Ver Claude Poulet, “Home on the Range”, The Royal Geographical Society Magazine (jun.
1997), pp. 56-62.
v
Joseph C. Berland, "Parytan: 'Native' Models of Peripatetic Strategies in Pakistan,"
Nomadic Peoples 21/22 (dez. 1986), pp. 189-205, 195.
vi
Para vários artigos sobre os itinerantes ver A. Rao (org.), The Other Nomads (Cologne:
ii
19
Bohlau, 1987), e especialmente o artigo de Rao, "The Concept of Peripatetics: An Introduction",
pp. 1-32.
vii
Oliver Leach, “The ‘Monde du Voyage’: French Carnival Nomads’ View of Peripatetic
Society”, Nomadic Peoples 21/22 (dez. 1986), pp. 71-78.
viii
Cf. Richard V. Weekes (org.), Muslim Peoples (Westport, CT: Grennwood, 1978), p. 325.
ix
Salzman sugere nomadismo de multi-recursos em "Movement", p. 185ss. Dawn Chatty
é citado como defendendo estes nômades como seminômades em Marina Leybourne, Ronald
Jaubert e Richard N. Tutwiler, Changes in Migration and Feeding Patterns among Semi-Nomadic
Pastoralsts in Northern Syria (Pastoral Development Network Paper 34a, jul. 1993).
x
Wendy Wilson, "The Fulani Model of Sustainable Agriculture: Situating Fulbe
Nomadism in a Systematic View of Pastoralism and Farming," in Nomadic Peoples, 36/37 (1995),
pp. 35-52.
xi
Provavelmente três quartos dos nômades da África Ocidental podem estar nesta situação
de acordo com Malcolm Hunter. A maioria dos beduínos saudi não estão trabalhando com o
pastoralismo.
xii
Michael J. Casimir, "On the Formation of the Niche: Peripatetic Legends in CrossCultural Perspective", Nomadic Peoples 21/22 (dez. 1986), pp. 89-102.
2
Para Onde a Grama Cresce Mais Verde
A
vida do pastoralistas nômades é moldada pela busca por pastagem em áreas
remotas não usadas pela sociedade estabelecida. Passamos agora a descrever este estilo de vida
com mais detalhes.
Quantos pastoralistas existem?
É difícil estimar o número de pastoralistas nômades, devido não só a sua mobilidade e
inacessibilidade, mas também ao grande número dos que foram forçados a abandonar
temporariamente o pastoralismo. Muitas vezes é difícil descobrir a proporção de nômades que
há entre um povo. Tudo que podemos fazer é citar as várias estimativas. A revista The New
Internationalist de abril de 1995 os estimou em 40 milhões. Malcolm Hunter cita Robert
Chambers como propondo o número de 100 milhões.xii Uma estimativa de pastoralistas em
atividade dada pela Agricultural Administration Unit of the Overseas Development Institute
[Unidade Administrativa Agrícola do Instituto de Desenvolvimento Transoceânico], Londres, é
como se segue:
Norte da África: 1,2 milhões.
África Ocidental: 6,8 milhões
África Oriental e Sul da África: 9,3 milhões
Oriente Médio e Sul da Ásia: 3,4 milhões
Ásia Central: 1,9 milhões
Total: 22,6 milhõesxii
Estes montantes podem estar atenuados. Ainda que tomemos uma média arbitrária de
cerca de 50 milhões de pessoas ativas no pastoralismo, ou optando por ele, como estilo de vida,
temos um número significativo de pessoas igual à população da Inglaterra, ou da Coréia do Sul,
ou à população combinada dos estados da Califórnia e Nova York.
Estas comparações trazem à memória populações unidas com instituições políticas
altamente articuladas para falar por ela e defender seus interesses. Em contraste, os pastoralistas
são povos dispersados e isolados, cercados por populações indiferentes, sem ninguém que fale
por eles. Eles aprenderam a viver à margem da sociedade e continuam a sobreviver e até
20
prosperar e deviam ser reconhecidos como pessoas que acharam um modo eficiente de tornar
produtivas as áreas menos férteis do mundo. Para aprender com eles e servi-los devemos estudar
suas principais características.
Apego aos seus animais
Os animais dos pastoralistas não só lhes dão subsistência, mas também moldam sua
sociedade e seu modo de pensar. O gênero humano começou a domesticar animais por volta de
8000 a.C., antes mesmo de produtos animais como leite serem usados. Este fato implica que
temos uma necessidade fundamental de nos identificar com animais não só por causa da
subsistência.
A reputação pessoal de cada pastoralista depende não só de ser parte de uma família
bem relacionada, como também do número e da qualidade de seus animais. Seus animais têm
possibilitado aos pastoralistas sobreviver e ter um grau considerável de auto-suficiência. Eles
ainda idealizam a auto-suficiência usando todos os produtos do rebanho para comida, abrigo,
roupa, transporte e ferramentas — embora hoje, muitas vezes, seja mais fácil comprar um
produto fabricado.
Cada família ou individuo tem seu próprio gado, pelo qual são responsáveis. Só os que
são pobres pastoreiam os animais de outras pessoas. Perder o animal de alguém na seca ou por
peste é um desastre que tende a excluir o indivíduo ou sua casa da sociedade nômade, deixandoos sem status ou função.
A saudação introdutória dos cazaques é: “Que seus animais domésticos estejam sãos e
salvos.” A família é mencionada em segundo plano. Na Mongólia, os hóspedes fazem três
perguntas para seu anfitrião: “Sua família está bem? O gado está gordo? O pasto está bom este
ano?”xii Um provérbio somali diz: “Estar sem gado é escravidão” e um boran diria que “Uma
pessoa sem gado não tem um espírito de vida.”xii Os sarakatsán da Grécia consideram suas
ovelhas como “guardas” de sua família. Elas são vistas como animais de Deus, ostentando
características ideais, e ser um pastor é ser imagem de Deus. A “masculinidade” dos homens e
prestígio da família dependem do pastoreio bem sucedido.xii
Na visão dos mursi da Etiópia o mundo é moldado pelo pastoralismo e a vida nômade.
Apesar de sua dependência do cultivo, os mursi continuam a ter o ponto de vista e os valores de
um povo pastoral. Todas suas relações sociais importantes envolvem a troca de gado. Mais que
isto, seu gado lhes fornece uma visão de mundo. As pessoas descrevem os padrões, formas e
cores do ambiente pela cor e forma dos chifres de seu gado.xii Não é de se admirar então que os
pastoralistas nômades tenham uma profunda ligação emocional com seus rebanhos e que sua
visão do mundo tenha sido influenciada por eles. Há até mesmo nômades que se nomeiam de
acordo com seus animais.xii
Cada grupo de pastoralistas se associa com uma espécie chave, embora seus rebanhos
normalmente consistam em animais de mais de uma espécie.xii O desafio do ambiente natural
em cada região do mundo tornou conhecida uma espécie particular que está bem adaptada
àquele ambiente e supre as necessidades básicas do pastoralistas que vivem e operam ali. Apego
a esta espécie chave é seu modo de se identificarem com sua história e seu ambiente. É como
torcedores que se identificam com seus times favoritos.
Na África Ocidental sub-saariana e na África Oriental, o gado bovino é o animal chave;
nos desertos do Norte da África é o camelo; nos Bálcãs, no Cáucaso, no Sul e Sudoeste da Ásia,
ovelhas e cabras têm importância simbólica; no Himalaia, no planalto tibetano e no norte da
China, o iaque cumpre este papel; da a Ásia Central até a Mongólia é o cavalo; no Ártico do
norte da Europa e Sibéria o (único) animal chave é a rena; e nos Andes os animais mais
importantes são a lhama e a alpaca. Estes podem não ser os animais mais economicamente
importantes hoje, mas em cada região eles determinaram o modo como o pastoralismo se
desenvolveu.
O gado confere identidade e status na sociedade para a maioria dos nômades de gado
africanos. No pensamento dos fulbe ou fulani da África Ocidental, o gado confere jawdi, ou
21
riqueza, honra e status. Os fulbe não ficam impressionados com argumentos práticos em favor
do pastoralismo, como - mais proteína na dieta ou desenvolvimento comercial. Quando meninos
eles podem ter dormido embalados por um bezerro.xii Um fulani irá chorar silenciosamente por
sua vaca morta. Paul Riesman relata a história de um homem que se retornou envergonhado
para o acampamento depois que seu gado tinha sido roubado. Ele foi repreendido por sua mãe,
envergonhada por ele não ter lutado até a morte para defender suas vacas.xii Na África, a perda
de uma cabeça de gado força uma pessoa a se tornar sedentária ou urbanizada, resultando na
perda da auto-estima — até quando a pessoa é relativamente próspera.xii Mesmo os fulakunda
do Senegal, que há muito são sedentários, passam por uma grande crise quando vendem sua
última vaca.
Quando os boran do Quênia são questionados: "Quem é um boran?” sua resposta é:
“Um povo que ama gado.”xii Um ancião wodaabe diz: “Uma vaca é alegria. Isto porque ela dá,
ela nutre, ela produz. Para nós uma vaca significa crescimento, aumento. Sim, é verdade, uma
vaca é nossa única segurança.” Uma vaca dá esperança, e duas novilhas valem mais do que dez
celeiros cheios de painço. “Se alguém já não tem mais nenhuma vaca, ele já não tem mais
nenhum amigo também".xii Os fazendeiros songhai também consideram seu gado como
personalidades e gostam de ter fotografias de seus bois.xii
Os dinka do Sudão e o karimojong do nordeste de Uganda vêem paralelos entre a vida
do gado e seus donos. Cada homem tem um boi particular que ele imita em gesto e dança e que
carrega seu nome. Acredita-se que seu bem-estar está ligado ao daquele boi e que o destino dele
e o do boi são paralelos. Deste modo, quando o boi morre, num certo sentido o homem é
considerado morto também.xii Os nuer do Sudão dão a si mesmos o nome do boi favorito. Do
mesmo modo, eles mantêm uma nítida distinção entre "gado de mulheres", que são dados como
um dote e nunca vendidos, e “gado de dinheiro” que pode ir para o mercado.xii Os maasai
chamam seu companheiro de “meu touro” ou “minha vaca”. Em geral, os pastoralistas africanos
desprezam a agricultura ou a vêem como trabalho para mulheres.xii Os fulbe associam, com
muita relutância, agricultura com criação de gado, considerando sua dieta à base de milho como
um modo de evitar sacrificar seus animais.
O camelo é principal animal da região que atravessa o Saara pela Arábia, adentrando o
sul do Irá e sul da Ásia. Os beduínos têm uma consideração especial pelo camelo e os raika da
Índia são capazes não só de identificar os rastros de cada camelo, mas também de memorizar
oito gerações da descendência de cada animal.xii O camelo foi usado primeiro para transporte
em caravanas na extremidade do deserto árabe. O nomadismo de deserto se desenvolveu depois
do nomadismo de pastoreio. Vários fatores políticos e comerciais encorajaram algumas pessoas
a desenvolver uma vida de subsistência no deserto, usando todo o potencial do camelo como
único animal capaz de sobreviver no deserto.
Os camelos podem sobreviver até duas semanas sem água, mas o gado precisa beber a
cada três dias. Os camelos também são menos prejudiciais para o ambiente do que bois ou
cabras, tanto ao pastar como por não desgastar tanto a superfície do solo.xii Longe do Oriente
Médio, os gabbra do norte do Quênia e os rabari da Índia Ocidental não sobreviveriam sem
seus camelos, para lhes dar a mobilidade para chegar à chuva e ao pasto. Hoje o camelo foi
substituído pelo caminhão e é mais lucrativo possuir ovelhas e cabras, mas muitos beduínos
ainda mantêm alguns camelos por razões sentimentais.xii
Ovelhas e cabras têm possibilitado às minorias, cercadas por poderosos estados
sedentários, manter suas identidades distintas. Tem sido assim com os povos nômades do
sudeste da Europa até a Índia, e ao longo das fronteiras do sul da Rússia; incluindo povos como
os sarakatsán na Grécia e as tribos turcas do Irã. Repetidas tentativas para assimilar ou
estabelecer estes povos à força falharam, porque seus rebanhos são um meio essencial de
subsistência e comércio. O cavalo é visto como transporte apropriado para um homem, e
camelos e burros para o resto da família, mas estes animais não têm o mesmo status que
possuem em outros lugares. Estes nômades se orgulham de serem auto-suficientes como
pastores.
O iaque é um animal de altas altitudes que torna possível a vida humana no planalto
tibetano. Como o dzo, um cruzamento entre o iaque e a vaca, o iaque é um animal de uso geral
22
que pode sobreviver nos lugares habitados mais altos da Terra. A fêmea, a dri, produz dez vezes
mais leite do que uma ovelha ou cabra e dá leite o ano todo. Os tibetanos bebem o leite dela, põe
sua manteiga no chá e do seu pêlo fazem suas tendas. Alguns iaques, de cada rebanho, serão
dedicados aos deuses. Ovelhas e cabras também são um componente vital de seus rebanhos e,
tradicionalmente, seis deles eram considerados o equivalente a um iaque. O iaque não pode
pastar com ovelhas e cabras porque eles arrancam a grama pela raiz e o pasto leva dois anos ou
mais para se recuperar.
O cavalo galopante é o emblema da Mongólia e o leite de égua fermentado, chamado de
airag, é a bebida favorita dos mongóis.xii Os tuvinians são enterrados com seus cavalos e um
homem que não tem um cavalo é considerado como não tendo nome.xii O cavalo dá ao
pastoralista controle sobre vastas pastagens para que ele possa criar ovelhas, iaques e bois como
principais animais de subsistência. Graças ao cavalo, o nômade da Ásia Central é um adversário
formidável. Quando a Grande Muralha da China foi construída para manter os mongóis à
distância, os chineses descreveram estes inimigos como tendo corações de feras batendo em
seus peitos.xii Talvez fosse mais preciso dizer que possuíam o coração de um cavalo.
O cazaques e os quirguizes também têm uma ligação emocional com os cavalos e eles
também bebem leite de égua fermentado, que eles chamam kumiss. Eles cortam uma mecha da
crina de um animal morto para continuar a ter algum contato com ele, até deixarem a mecha
num ovoo ou memorial sagrado como oferta para os deuses. Porém, os mongóis e cazaques já
não são tão emocionalmente ligados a seus animais e têm uma atitude mais funcional para com
eles.
A rena é o único animal que pode ser domesticado para sobreviver na taiga e na tundra
do Ártico. Para os nômades sami, suas renas não só representam sua riqueza, mas também sua
total razão de existir.xii Cada nenet na Sibéria possui uma rena sagrada, à qual o bem estar dele
está ligado. A domesticação e o pastoralismo se desenvolveram da caça como uma maneira
melhor de lidar com as renas. Isto é possível porque o rebanho de renas anda junto, como
ovelhas, e segue uma corça mais velha como líder. Neste ambiente pouco ou nenhum cultivo é
possível e as únicas alternativas para sustentar a vida humana seriam a caça e a pesca. Outros
animais precisam ser pastoreados e receber uma provisão ininterrupta de forragem importada,
enquanto a rena sobrevive no líquen.
A lhama, a alpaca e o guanaco são animais de altas altitudes dos Andes que foram
domesticados há muito tempo e parecem que já não há mais deles soltos na natureza. A lhama é
um animal de carga e fornece lã, pêlo e carne, embora seja temperamental como seu primo, o
camelo. Os quéchua, pastores de lhama, acreditam que cuidando de seus rebanhos estão
ajudando a manter a ordem do universo e que se falharem, o mundo acabará.xii
Os pastoralistas possuem um grande conhecimento sobre estes animais e a forma como
se ajustam na ordem ecológica. Eles têm uma atitude de gratidão e simpatia para com esses
animais. Porém, não se pode presumir que os povos vizinhos também tenham a mesma atitude
com o seu próprio gado. Alguns, como os nuer e os fulbe, têm conceitos culturais especiais
sobre seu gado. Outros, como os komachi do Irã, que se identificam como sendo pastoralistas
ocupacionais, possuem uma visão mais pragmática de suas ovelhas. Os animais são tão
dependentes dos pastores como os pastores dependem deles. Parece que animais domésticos
perderam a habilidade dos animais selvagens de encontrar pasto e água a grandes distâncias,
logo sua sobrevivência depende da habilidade dos pastores.
Um rebanho bem-composto traz segurança
A composição dos rebanhos é decidida de acordo com a qualidade do pasto, do clima,
dos produtos do gênero, sua durabilidade e a mão de obra exigida para o pastoreio. Os nômades
são capazes de criar alguns animais em ambientes que não são naturalmente apropriados para
eles, como cavalos no deserto, mas em geral o ambiente limita os rebanhos a tipos específicos.
Os pastoralistas podem se especializar numa espécie, mas a maioria possui uma
variedade de animais. Aqueles especializados numa só espécie costumam ter de viajar para
23
muito mais longe, para encontrar pasto apropriado, e podem sofrer a perda de todos os seus
animais, se as condições são inadequadas para sua espécie específica. A maioria reagiu
diminuindo a pastoreação por meio da diversificação de animais. Possuir uma mistura de
animais com diferentes exigências de pasto e abastecimento de água — normalmente vacas,
camelos, ovelha e cabras — garante que quando as condições forem desastrosas para uma
espécie, o rebanho inteiro não seja perdido. Manter um rebanho mesclado de diferentes tipos de
animais ajuda a maximizar o uso de diferentes pastagens e forragens disponíveis e melhora
também as chances de sobrevivência em uma seca.
A ovelha come as folhas da grama, enquanto as cabras comem a planta inteira — não
deixando nada para crescer mais tarde. A ovelha prefere ficar em grupos grandes de no mínimo
200 ou mais ovelhas — caso contrário elas se espalham e se juntam a outros rebanhos. Há
alguma evidência de que a ovelha em rebanhos pequenos tende a se alimentar menos do que as
que estão em grupos grandes, resultando na perda de peso e na produção de lã.xii As ovelhas se
reúnem e destroem o pasto, se um bode não estiver lá para liderá-las. A ovelha também precisa
mais de água do que as cabras, por esta razão migrações para locais distantes são mais limitadas.
A ovelha também pode perder muito peso na migração, enquanto que as cabras mantêm seu
peso. As ovelhas, contudo, são capazes de escavar a neve para descobrir a grama para as cabras.
As cabras, como os camelos, podem se alimentar de plantas com um gosto amargo e um
conteúdo de sal maior do que o suportado pelas ovelhas. As cabras também são mais resistentes
que ovelhas, sentem menos frio, escalam melhor e vão para altitudes maiores.xii Elas alertam
quando estão ameaçadas por animais selvagens balindo, enquanto a ovelha fica muda. As cabras
pastam, aproximadamente, duas vezes mais do que as ovelhas e um búfalo oito vezes mais. Mas
a cabra pode dar duas vezes mais leite do que a ovelha, por períodos mais longos. No Himalaia,
ovelhas e cabras são usadas como animais de carga, porque animais maiores têm dificuldade
nos caminhos estreitos.
Como o gado bovino precisa de melhor pasto do que os camelos para dar leite, o gado
bovino produz menos leite do que os camelos nas mesmas condições. Menos leite significa que
menos humanos podem ser sustentados, então rebanhos de gado bovino precisam ser muito
maiores para sustentar a população humana. Uma família média de gabbras precisa de 64
cabeças de gado bovino ou 28 camelos para se manter.xii Alguns camelos podem também ser
mantidos como símbolos de status, mesmo após o fim de seu tempo de vida útil.
Comparado ao gado bovino, ovelhas e cabras são relativamente fáceis de reproduzir
para formar um rebanho após uma reversão (perda de linhagem devido a seca, nevada, doença
etc.). É preciso um longo período para formar um rebanho de camelos, mas eles sempre foram
apreciados por sua habilidade de levar cargas muito mais pesadas do que qualquer outro animal
suportaria.xii Muitos beduínos na Arábia trocaram camelos por ovelhas. Os camelos bebem mais
água, mas eles podem ir mais longe sem ela. A ovelha cresce mais depressa e pode agora ser
transportada para o pasto e o mercado. A carne de carneiro também é mais comercializável do
que a de camelo, caminhões-tanque podem levar a água para onde quer que as ovelhas estejam.
Com estradas e veículos motorizados há uma demanda menor pelo camelo como animal de
carga, mas os camelos estão voltando a ser usados na Mongólia por causa do custo do
combustível.xii Camelos dão leite na estação seca, e seu leite tem um conteúdo de vitamina C
maior do que o leite de vaca.
Os produtos (lã, leite, manteiga, iogurte, sangue, couro, pêlo, capacidade de carga e
carne), como também as necessidades rituais e símbolo de prestígio, determinam a composição
dos rebanhos. A troca comercial dos produtos do rebanho sempre foi mais importante na Ásia,
mas agora há um grande mercado para carne de carneiro no Oriente Médio e uma crescente
demanda por carne de boi na África.
Contudo, a diversificação tem a desvantagem de precisar de mais pastores, já que cada
espécie tem necessidades diferentes. Nove pessoas precisam trabalhar por nove horas por dia, o
ano todo, para sustentar uma família gabbra média.xii Sistemas de cooperação entre famílias são
claramente necessários – especialmente para famílias com menos membros disponíveis para o
trabalho.
24
Ter espécies diferentes num só rebanho, portanto, dá segurança ao se deparar com
diferentes condições e pastagens, ou forragem disponível, porque pelo menos uma espécie
prosperará enquanto outra apenas sobrevive. Além disso, os vários produtos das diferentes
espécies podem ser permutados ou vendidos para atender os mercados em mudança.
Migração sistemática para pastagem
O pastoralismo nômade é uma indústria, porque é atividade organizada para a
fabricação ou extração de produtos animais. O movimento de migração não é ao acaso, mas
envolve o uso sistemático de pasto natural. O nômade vê a fertilidade da terra como um recurso
gratuito para sustentar aqueles que sabem como administrá-lo. A terra é muito mais
compartilhada do que possuída, para o uso de acordo com a renovação sazonal de sua vegetação
natural. A migração pastoral é o uso planejado destas variações sazonais e locais de
crescimento. Por outro lado, para o agricultor, a própria terra é o recurso principal — a posição
social é determinada pela posse da terra, que envolve o direito de decidir seu uso (normalmente
para a exclusão de outros).
Embora os pastoralistas normalmente não desejem possuir terra, há conflitos inevitáveis
com fazendeiros. A irrigação tornou possível a ampliação da agricultura em terras de pastagem,
o que interrompeu o padrão migratório de muitos nômades. O uso de fertilizantes também
quebrou a relação recíproca do gado fertilizando os campos como paga pela pastagem no
restolho. Mas pode haver conflito quando os animais invadem os campos para comer as mudas
da plantação. O uso de fertilizante químico significa que o fazendeiro lavrou o restolho e
construiu uma cerca ao redor dos campos para que o nômade não possa usá-los. A queimada
ainda é praticada e é prejudicial para os fazendeiros e para os rebanhos que poderiam pastar nos
arbustos.
A maioria dos nômades e clãs individuais ou tribos têm uma rota tradicional ou ideal,
com áreas de pastagem distribuídas por costume tribal ou por acordo com os líderes vizinhos.xii
Estas rotas ou territórios constantemente desenvolvem um significado cultural. Mas as
condições ambientais freqüentemente se impõem, mudando isto em parte — e às vezes tribos
têm que deixar imediatamente sua área tradicional. Quanto menos fértil é a área, maiores são as
variações anuais de rota e distância cobertas. Eles também têm áreas que não usam para
períodos longos, mas que mantêm como pasto de reserva para tempos de seca.
A maioria dos pastores tem um padrão anual de migração, normalmente viajando entre
duas áreas principais que fornecem pastos de inverno e verão e fazendo uso de diferenças
sazonais de clima e crescimento de vegetação. A grama cresce mais tarde nas regiões mais ao
norte e em altitudes mais altas, e estas áreas são frescas no verão. Estes tipos de migração
podem ser descritos em termos gerais como segue:
1. Migração vertical é o movimento entre altitudes mais baixas e mais altas para se
beneficiar do fato da primavera chegar mais tarde nas montanhas, para que após a grama ter
crescido e ter sido pastada, nas planícies mais baixas, os rebanhos subam para outro pasto que
cresceu depois. O movimento entre duas altitudes também evita o calor, frio ou chuva
excessivos, que são prejudiciais para a saúde e para alimentação da maioria das espécies, mas
especialmente para o gado bovino e as ovelhas. A distância horizontal entre pastos baixos e
altos pode ser pequena, até 15 quilômetros. Caracteristicamente, passa-se o inverno numa
planície e o acampamento pode ser mudado várias vezes a medida que o pasto é consumido ou
os animais podem ser mantidos em abrigos e alimentados com feno ou outra alimentação.
Quando a primavera avança os pastos na rota começam a crescer e a migração é feita
gradualmente, de acordo com este crescimento. Alguns nômades têm um local de pastagem de
primavera numa atitude ou distância moderada antes de subir ou ir adiante para o verão. Na
chegada nos pastos de verão, mudanças periódicas de acampamento podem ser necessárias à
medida que a grama é pastada. Fatores locais, como o uso do lado sul da montanha para abrigar
os animais do vento norte ou o uso de um determinado pasto antes dele secar no calor, também
afetam a localização dos acampamentos. A migração do outono normalmente é mais rápida, a
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fim de chegar na planície ou área mais ao sul antes do início do inverno e porque depois do
verão quente o pasto na rota já foi consumido. Na Mongólia, porém, os pastoralistas gastam o
inverno em uma parte abrigada da montanha para evitar a nevada pesada abaixo, e então descem
até o vale no verão.
2. A migração horizontal acontece quando a mudança sazonal for devida à chuva ou
inundações locais ou o movimento está entre áreas do norte e sul. Os nenets se movem entre a
tundra no verão, longe da floresta de bétulas do pântano da taiga, onde se abrigam no inverno.
Eles podem ter que viajar até 1.900 quilômetros para atingir a mudança no pasto (como fazem
os basseri no Irã e os beduínos al murrah). Há exceções a este padrão de migrações entre norte
e sul. Os beduínos de al murrah passam o verão no sul, perto de seus poços no Empty Quarter,
fazendo incursões em busca de pasto fora e retornando novamente. Mas eles mudam para o
norte no inverno porque as chuvas próximas à fronteira do Iraque fornecem a melhor forragem
ao seu alcance. Os fulbe macina saem do delta do rio Niger quando ele transborda e então
voltam, quando a grama já cresceu com o retrocesso das inundações.
3. Alternativamente, em algumas áreas não há nenhuma característica física (por
exemplo, áreas inundadas ou montanhas) que forneçam períodos de crescimento sazonal
diferentes. Esses nômades "horizontais" montam acampamento num ponto central e utilizam o
pasto ao redor sistematicamente. Este padrão rotacional é seguido na África Oriental, onde um
acampamento central é estabelecido com cabanas para as famílias e um kraal (tipo de clausura
para animais) para o gado. Os animais na África precisam ser defendidos dos grandes
predadores, como também de ladrões, muito mais que na Ásia. Todos os dias os rebanhos são
levados em direções diferentes e os homens, constantemente, os levam a uma distância
considerável, montando um acampamento temporário para evitar mudar o acampamento
principal. Contudo, como o pasto é consumido durante um certo tempo, o acampamento
principal tem que ser mudado para um novo local. Mas as cabanas são deixadas para serem
reutilizadas quando os pastos crescerem novamente.
Um padrão semelhante é seguido pelos drok-pa num ambiente muito diferente, no
planalto tibetano. Ali, qualquer mudança climática afetando o crescimento da forragem
significaria migrações para grandes distâncias. Um acampamento central é estabelecido de onde
os rebanhos saem para pastos em montanhas distantes no verão, deixando o pasto mais próximo
ao acampamento para o inverno. Nesta altitude não existe nenhuma agricultura e a área pode ser
pastada sistematicamente.
Qualquer que seja o sistema, o pasto natural é normalmente achado na rota de migração.
O restolho de campos de fazendeiros pode estar disponível como paga pela fertilização natural
feita pelos animais. O aumento no cultivo em detrimento da grama natural no norte da Síria
aumentou o tamanho dos rebanhos por um tempo, já que mais restolho da parte improdutiva das
colheitas de cevada substituiu a grama natural. Os nômades se mudaram para áreas cultivadas
em busca do restolho, em vez de procurar pasto natural. Os caminhões também são capazes de
transportar animais, água e forragem para partes da estepe que de outra forma não seriam
alcançadas.xii É comum o conflito com fazendeiros na rota e até com outros nômades, quando as
rotas estão lotadas — como, por exemplo, nos caminhos estreitos na montanha.
Uma rota de migração normalmente inclui um lugar para ajuntamentos sociais como
casamentos, festivais ou cooperação em alguma tarefa, como cavar poços, armar as tendas ou
tecer os tapetes. No Irã a migração de primavera é o tempo para as moças solteiras montarem
em camelos, vestidas com suas melhores roupas, e negociarem casamentos na chegada no pasto
do verão. Por outro lado, muitos dos drok-pa podem ficar a vida inteira sem ver membros do
mesmo clã.xii
As espécies diferentes muitas vezes são separadas para pastar em áreas diferentes para
fornecer nutrição mais adequada a cada espécie. O gado bovino deve pastar antes da ovelha,
porque estas deixam a grama pequena demais para eles, enquanto as cabras e iaques são levados
para altitudes maiores que a ovelha. Muitas vezes não se encontra água e pasto no mesmo lugar.
Mesmo quando, numa fase particular do ciclo migratório, há bom pasto onde os animais podem
ficar por um tempo, os rebanhos ainda podem ter que ser levados, alternadamente, para pasto e
água em intervalos curtos e regulares. Este intervalo varia de acordo com a espécie e o período
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do ano, como também se um caminhão-tanque está disponível! Cinqüenta anos atrás o fulbe
jeeri no Senegal mudavam mais freqüentemente, mas desde a introdução de poços artesianos
eles são capazes de ficar num lugar por mais tempo.xii Dar cria e parir, ordenhar e tosquiar
também devem ser levados em conta como parte do padrão migratório. Os pastores tibetanos
(até crianças) devem prestar constante atenção nas ovelhas prestes a parir. As ovelhas se
escondem longe do rebanho e o cordeiro precisa ser carregado de volta para o rebanho, antes do
ataque de lobos ou águias.
A mobilidade do pastoralista o ajuda a evitar áreas de estiagem, os extremos de calor ou
frio, tempo tempestuoso, brejo e várias causas de infecção como a mosca tsé-tsé. As condições
prejudiciais podem afetar rapidamente o gado de tal forma que a prosperidade dos nômades
entram em catastrófico declínio. O nômade está sempre alerta para mudanças locais na
incidência de chuva e outras condições que diferem de ano para ano.
As variações nas condições locais devido ao tempo e a outros fatores significam que a
direção, distância e escolha do tempo adequado para migrar irão variar, e depende muito da
experiência da liderança de cada grupo de acampamento.xii Decisões erradas podem ser
tomadas. Na estiagem de 1972/73 os jererikooBe tentaram ficar por causa de seu poços, mas a
falta de pastos, apesar do suprimento contínuo de água, resultou na perda de muitos animais. Na
estiagem seguinte, em 1983, eles seguiram o padrão de migração que usaram antes dos poços
serem cavados, usando a pastagem e suprimento prévio de água. Eles não foram desviados de
seu curso para a água abundante fornecida pelos poços e se saíram muito melhor.xii Muitos
povos, como os qashqa'i no Irã, determinaram períodos na primavera para se mudarem das
pastagens de inverno para as de montanha. Populações inteiras de muitas tribos se mudam no
mesmo período. Nas montanhas de Zagros, a polícia muitas vezes interferiu para fixar planos de
partida para migrações, independente de condições pastorais.
Há um tamanho crítico de rebanho — acima do qual é difícil manter o pasto, e abaixo
do qual é difícil manter a independência como nômade. Às vezes a riqueza excedente do
pastoralismo é convertida em compra de terra para cultivo, para ser usada como um seguro
contra os tempos difíceis, mas isso pode resultar em estabelecimento de nômades. A perda de
mobilidade resulta no colapso do elaborado sistema que mantinha o equilíbrio entre o potencial
do ambiente e a subsistência.
O uso eficiente das áreas menos férteis
Os pastoralistas nômades são o único povo a usar produtivamente o um terço árido ou
semi-árido da superfície da Terra.xii Os pastoralistas nômades vivem em sete áreas principais do
mundo:
1)
Os 4.800 quilômetros ao longo do Sahel, cobrindo partes da Mauritânia,
Senegal, Mali, Burkina Fasso, Níger, Chade e o Sudão Ocidental.
2)
África Oriental — em países como a Etiópia, Sudão, Somália e o
Quênia.
3)
O Oriente Médio, inclusive no norte do Saara na África.
4)
Sudoeste da Ásia (Irã e Afeganistão, com áreas do Cáucaso).
5)
Ásia Central e interior da Ásia, do mar Cáspio passando pelas
repúblicas turcas até a Mongólia, norte e oeste da China - 52% da área de solo da China
é classificada como pasto adequado para o pastoreio.xii
6)
O Himalaia, sul da Ásia e o planalto tibetano e partes relacionadas da
China.
7)
O Ártico russo e escandinavo.xii
A Europa e a América Latina possuem áreas limitadas onde o pastoralismo
nômade pode ser praticado, como os Andes e os Bálcãs.
Estas terras raramente podem ser desenvolvidas para agricultura ou para criação
confinada, por causa da baixa incidência de chuvas. Nos Andes e no Tibete, a alta altitude e a
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pequena estação de crescimento significam que ali pode não haver competição com os
fazendeiros no uso da terra. Na área de nomadismo de rena, o chão é congelado ou muito frio
para qualquer agricultura significativa. Por este motivo, a principal razão ambiental para o
pastoralismo nômade é a fertilidade limitada do solo.
A falta da água não é a única consideração, pois, às vezes, o excesso de água rompe o
delicado equilíbrio necessário para os pastoralistas utilizarem o pasto natural. A perfuração de
poços para um abastecimento constante de água, onde antes havia pouca ou nenhuma, tem
encorajado fazendeiros a invadir as áreas de pasto. Eles esgotam o solo com irrigação e cultivo e
depois se mudam. Irrigação assim tem destruído pastos por causa da salinização em lugares tão
distantes um do outro como a África Ocidental, Índia, Peru e Ásia Central. Uma provisão
constante de água também tem persuadido os pastoralistas a mudar seus padrões de migração, às
vezes com resultados desastrosos, porque embora os animais tenham água, a mera presença da
água não produziu grama suficiente.
Os fulbe da África Ocidental se mudaram para longe da chuva por causa da ameaça da
mosca tsé-tsé infectando o gado. Nas estepes da Ásia, a água na forma de rios rápidos provou
ser um obstáculo para a pastagem. Os cazaques se tornaram construtores habilidosos de pontes
usando os poucos materiais disponíveis, como juncos e peles de ovelhas infladas. Isto envolvia
a cooperação de muitos homens.xii O excesso de água também pode ser um problema no sul do
Irã durante o inverno, porque as planícies se tornam muito pantanosas e a ovelha podem sofrer
de apodrecimento no casco. Mas os basseri e os qashqa’i, por exemplo, experimentaram
invernos em que as chuvas falharam e eles tiveram que contar com a forragem suprida pelo
governo.
A neve é uma ameaça em toda a Ásia Central. Em Sichuan na China, no início de 1996,
31 dias de neve com temperaturas de menos 45°C, depois de cinco anos de seca, causaram a
morte de 50% do gado bovino — inclusive 35 mil iaques e 21,5 mil ovelhas. Setecentas famílias
de nômades golok perderam todos os seus rebanhos. Os nômades na Sibéria veneram fogo, mas
ele também pode ser um perigo, destruindo os prados. No início de 1996, as chamas dos
incêndios em 72 pastos diferentes se espalharam pelas 13 províncias da Mongólia, destruindo
oito milhões de hectares (20 milhões de acres) e milhares de cabeças de gado. Por fim, somente
uma nevada pesada apagou o fogo.
Até recentemente, os pastoralistas não tinham competidores querendo usar essas terras.
Mas hoje eles enfrentam a invasão da agricultura ou exploração de minérios e de petróleo.xii Os
nômades são o único povo capaz de extrair subsistência e produção, geralmente comercial, de
terras que, de outra forma, seriam improdutivas.
O uso de recursos não pastorais
Nós vimos que os pastoralistas nômades são pastores por preferência e nômades quando
necessário. Ser nômade dá a eles uma habilidade de se adaptar às várias condições e recursos,
bem como adotar outros estilos de vida temporariamente ou de acordo com a época.
Os pastoralistas nômades muitas vezes combinam períodos sedentários e migratórios, o
que é especialmente verdadeiro quando parte da família se estabeleceu por causa da agricultura,
trabalho temporário ou da educação escolar. Durante os anos 60 na Síria, os beduínos tiveram a
oportunidade de se tornar sedentários investindo em cultivo de cevada, que também forneceu
mais forragem e restolho para seus rebanhos.xii Os nômades podem fazer uma transição do
nomadismo para várias formas de sedentarismo ou voltar para o nomadismo, dependendo da
oportunidade econômica ou pressão da guerra ou das autoridades. Famílias no mesmo clã ou
aldeia podem ter diferentes estratégias — entre o nomadismo total, o seminomadismo e o
pastoralismo estabelecido. Só alguns povos puderam tirar seu sustento exclusivamente de seus
rebanhos, como os sami (lapps), maasai e bedawib beja.xii Muitos nômades são considerados
sedentários que abandonaram o nomadismo, porque possuem casas, cultivam plantações por
uma ou duas estações ou porque os membros da família procuram emprego em outras
atividades.xii
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Na Ásia Central e na Mongólia há evidência de um retorno ao pastoralismo nômade,
como uma resposta à incerteza das novas economias independentes. Depois de serem forçados a
se tornarem aldeões agrícolas, suas tendas serem queimadas e seus líderes exilados pelo
primeiro Xá (título do ex-soberano do Irã), muitos nômades no Irã, como os lur e os qashqa’i,
voltaram ao pastoralismo nômade anos mais tarde quando o Xá foi deposto. Na Arábia saudita
os beduínos estão pedindo que o governo lhes dê pequenas propriedades agrícolas onde eles
possam cultivar alfafa e outros produtos alimentícios para engordar os animais e se prevenir
contra a seca.xii
Alguns dos povos africanos que criam gado desprezam a agricultura como “cavando na
sujeira”. Mas na prática, eles, assim como os pastoralistas em outras partes, relutantemente
aproveitam qualquer oportunidade para cultivar várias plantações, de painço à tamareiras, para
fornecer comida pra si mesmos e forragem para seus animais. Isto evita que tenham que
comercializar seus preciosos animais para obter essas mercadorias. Os jallube fulbe de Mali, por
exemplo, aprenderam a cultivar painço — e a combinação de painço e gado é uma estratégia de
sobrevivência. Na seca, quando correm o risco de perder seus rebanhos, o painço não só os
sustenta em suas terras, como também lhes dá tempo para reconstituir seus rebanhos
novamente.xii
Um exemplo de resposta flexível às oportunidades econômicas vem do sudoeste da
Ásia. Salzman lista seis fontes de recursos usados pelos shah nawazi baluch: ovelhas e cabras
para leite, manteiga, carne, lã e pêlo; camelos para transporte; tamareiras para fruta e fibra de
corda; caravanas comerciais e invasão de povoados de camponeses em busca de comida, jóias,
tapetes e escravos; agricultura de irrigação para grãos (este trabalho antigamente era feito por
escravos, mas agora é feito por mão de obra migrante não-baluch) e caça e colheita que rende
animais e vegetais silvestres. Todos estas atividades exceto a invasão, e até certo ponto a caça,
continuam.xii Os yarahmadzai (sha mazazi) baluch do Irã também coordenam os recursos de
pastoreio de cabra, ovelha e camelo, cultivo de tamareira e cultivo de cereais em terra seca.xii
Há outros exemplos de associação de recursos. Os nuer associam pesca e horticultura
com pastoreio de gado bovino, como fazem os buduma nas ilhas em Lago Chade.xii Os drok-pa
tibetanos são bem conhecidos por ajuntar sal dos lagos de Chang Tang, usando suas ovelhas
para o transporte. O sal tem sido vendido no Nepal, até a fronteira indiana. As cabras tinham
menor valor entre os nômades tibetanos e mongóis até o mercado internacional de lã casmere
crescer.xii Os borana escolhem dois filhos para continuar como pastores e enviam os outros para
a escola para se preparar para trabalhos não pastorais. Os sherpas eram originalmente pastores
de iaque de Kham, Tibete, que no início do século XX desenvolveram uma reputação como
carregadores para alpinistas ocidentais, embora eles mesmos sempre se mantivessem afastados
das montanhas. Hoje metade deles vive do turismo e empregam nepaleses locais para fazer o
transporte.xii
Os nômades muitas vezes consideram a incursões para roubo de animais uma atividade
legitima e não um crime. A incursão para roubo de rebanhos de outras tribos é, ou era,
dependendo do policiamento, um método comum de repor os animais do rebanho perdidos na
seca. A invasão deliberada de plantações de fazendeiros para alimentar seu próprio gado
também é comum. Os ataques desenvolvem habilidades que fazem deles bons recrutas para os
exércitos. Oitenta por cento de uma amostra de famílias de beduínos tinham um membro na
Reserve National Guard, talvez para pegar os invasores. Outros nômades podem organizar
contrabando e caravanas ou, como é cada vez mais comum, mão de obra migrante não
qualificada ao lado de aldeões estabelecidos, juntando lenha ou trabalhando como pedreiros ou
construtores de estrada.xii
O nomadismo cria uma habilidade de se adaptar às oportunidades passageiras geradas
por nos novos recursos ou mercados. Os pastoralistas nômades podem fazer muitas adaptações
em seu estilo de vida a fim de preservar sua sociedade e cultura. O nômade tem as tradições de
experiência de seus parentes ou antepassados terem se adaptado a diferentes estilos de vida, nos
quais o nomadismo é mais um ideal do que uma realidade regular. A adaptação pode envolver
uma mudança de território, espécies de gado ou uma medida de sedentarismo para preservar o
que é considerado mais essencial para a identidade deles.
29
3
Possui
O
Quem Você Conhece, Não O que Você
s nômades se mantêm decididos e prontos para partir quando as condições
exigem. Por esta razão eles priorizam os relacionamentos com sua própria gente —
especialmente seus parentes próximos. A identidade e a segurança deles se baseiam em quem e
no que eles podem levar consigo e nos seus relacionamentos com outras pessoas na rota. Esta
identidade depende de pertencer a uma sociedade móvel com suas relações sociais, costumes e
até mesmo terminologia e rituais secretos. Estes contrastam, e às vezes entram em conflito, com
o da sociedade que os cerca.
Pessoas sedentárias dão importância ao que possuem, particularmente à posse de terra e
de uma casa. Isto lhes dá posição — não só geograficamente, mas também socialmente — como
parte de um bairro, cidade ou país. Os nômades dão valor ao uso dos recursos da terra,
produzidos naturalmente, como provisão para todos. Eles não dão atenção ao conceito abstrato
de propriedade que inevitavelmente limita quem tem o direito de uso. Iremos considerar agora
as várias características comuns aos pastoralistas e aos itinerantes.
Interdependência com pessoas sedentárias
O conceito de interdependência parece contradizer o ideal de independência que o
nômade cultiva, como também o estereótipo que a maioria das pessoas têm em relação a eles.
Nós vimos que os itinerantes ou nômades comerciais dependem naturalmente da sociedade que
os cerca.
Mas o nomadismo pastoral, com raras exceções, tem sido praticado, normalmente
também, em associação com a sociedade estabelecida ao seu redor. Desde os tempos bíblicos,
os pastoralistas eram parte de um sistema que os ligava ao cultivo e ao comércio. Os
pastoralistas precisam manter relações estáveis com seus vizinhos — para o uso pacífico da
terra e para a compra de cereais e outros produtos nas cidades e vilas — se não quiserem
prejudicar seus rebanhos.xii
Assim como os beduínos antes deles foram forçados a ir para o deserto por interferência
política e oportunidades comerciais, o maasai, turkana e wodaabe se tornaram pastoralistas no
meio do século 20 por causa da colonização européia.xii Os wodaabe se tornaram mais nômades
para evitar serem integrados aos estados fulbe. As diferentes formas de nomadismo são reações
aos grandes eventos humanos tanto quanto são reações aos ambientes. Os fulbe conseguiram ser
um povo à parte, até quando semi-estabelecido, por causa de suas alianças, comércio e relações
de mercado com as comunidades agrícolas.xii
Hoje os “nômades dos nômades”, os al murrah, na Arábia, dependem de seus vizinhos
sedentários ou nômades menos móveis para tâmaras, carne de carneiro, ferramentas e armas. Os
beduínos em Omã, alguns dos quais - como a tribo harasis - vivem numa parte da região
desértica conhecida como Empty Quarter, negociam diariamente nos mercados em várias
cidades na extremidade do deserto. Muitos dos homens também trabalham como mão de obra
não qualificada na indústria de petróleo vizinha. Os produtos de seus rebanhos são trocados por
forragem, peixe, roupas e outras mercadorias.xii
Em Kalat, no Baluquistão, três grupos coexistem: os fazendeiros que plantam para
vender, aldeões seminômades que plantam para subsistência e migram com gado e os brahui
que são pastoralistas verdadeiros. Trabalhadores e produção são trocados entre os três. Quando
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os brahui descem para a planície de Kachhi eles contam, em parte, com o restolho e forragem
dos não-brahui para sustentar seus rebanhos durante o inverno.
Um exemplo interessante destas inter-relações é o contato comercial entre os
seminômades nepaleses e os dolpo, nômades pastores de iaque, da parte ocidental do Nepal.
Estes últimos trocam cevada e milho por sal com os nômades drok-pa em Xizang (Tibete). Os
dolpo então retornam para o Nepal Central com sal e o trocam por mais grãos com os rong-pa,
que são pastores que usam ovelhas e cabras como animais de carga. Estes por sua vez negociam
com a Índia ao sul, de forma que os nômades tibetanos, os nômades e os fazendeiros nepaleses
cooperam todos para servir às populações sedentárias mais afastadas. Entre eles há suspeita e
desdém, já que cada um se considera melhor do que o outro, mas juntos eles formam parte de
um sistema econômico. Este comércio também envolve interação entre xamanismo, budismo
lamaista e hinduismo.xii
Muitos, como os fulbe e os árabes shuwa, associam grupos de pastoreio nômades com
vilas agropastoris semi-sedentárias de seu próprio povo, num sistema de opções econômicas e
de estilo de vida inter-relacionadas. Vários grupos dos fulbe tiveram povos dependentes, fosse
como escravos ou como clientes, fornecendo produtos agrícolas e até participando nos aspectos
de pastoralismo e proteção de pastagem.xii Outros têm contato regular por meio de
intermediários que são do mesmo povo étnico ou de um semelhante, numa vila ou cidade
próxima a sua rota de migração.xii O intermediário armazena forragem e outras mercadorias,
fornece suprimentos e adiantamentos para os pastoralistas.
Outras sociedades nômades vêem a si mesmas como a parte pastoral de uma sociedade
mais ampla. Em alguns países, como Tibete e a Mongólia, os pastores nômades formam uma
parte integral da economia do país.xii Os drok-pa tibetanos fornecem a lã e a carne para os rongpa, ou povo do vale, assim como estes fornecem cevada e outras mercadorias para os nômades.
Descendo o vale, os nômades estão sujeitos às agências e regulamentações governamentais. No
Cazaquistão, a maioria dos cazaques se tornou sedentária devido à política soviética de
coletivização.
Estes cazaques incluem os líderes de clãs e hordas a quem os poucos nômades cazaques
estão sujeitos. Embora haja orgulho e desdém de ambos os lados da divisão nômades/nãonômades, ainda há uma interdependência econômica essencial.
Os khans (chefes tribais) dos nômades iranianos e os Emires dos Beduínos vivem uma
vida sedentária nas grandes cidades e servem como intermediários tradicionais no sistema
político do país. Hoje, no Irã, estes líderes têm sido marginalizados por causa da hostilidade
gerada entre as tribos e o estado pelos xás. Atualmente a permissão para migrar tem que ser
conseguida com oficiais do governo, mas a dinâmica social entre os antigos nômades que são
sedentários e os nômades restantes é um vínculo vital tanto para eles como para aqueles que
desejam entrar em contato com eles.
Embora os boiadeiros nômades freqüentemente apreciem um padrão de vida
compatível, ou superior, ao dos agricultores sedentários próximos, estes os menosprezam como
“bichos do mato”.xii Tanto os plantadores como os pastoralistas utilizam terra pobre em termos
de suprimento de água, o que resulta em considerável tensão entre os dois grupos —
especialmente quando o gado pisoteia e come as plantações. Tais incursões podem ser toleradas
porque o gado fornece muito do precioso fertilizante para os campos de cultivo.xii
Hoje, as relações simbiôticas entre fazendeiros e pastoralistas estão sofrendo mudanças
em muitas partes da África. Porque o que um dia foi pasto está se tornando terra cultivada, os
plantadores estão usando os lucros para investir em gado (e deste modo estão competindo com
pastores). Além disso, à medida que o dinheiro substitui o escambo, o comércio entre
fazendeiros e pastores está se tornando menos estável.
Normalmente existe uma interdependência entre os pastoralistas e as comunidades
agrícolas sedentárias, havendo uma relação de comércio habitual, seja com um grupo de seu
próprio povo ou com um grupo de outro povo. Embora sua principal fonte de subsistência,
durante a maior parte do ano, sejam os animais domésticos vivendo fora da forragem natural e
tendo que se mudar para onde quer que pasto e água estejam disponíveis, eles não formam um
grupo social isolado.xii
31
Para amigos e parentes
As relações atuais dos nômades são definidas por sua ancestralidade. A maioria das
sociedades nômades pode ser descritas como tribais e isto quer dizer que a unidade delas se
baseia nas relações de parentesco reais ou presumidas. Esta afiliação com grandes grupos
aparentados dá proteção ou poder para decidir disputas, porque os nômades gastam a maior
parte de suas vidas em pequenos grupos isolados.xii “Os kinsmen devem ser como uma cerca de
espinhos protegendo o acampamento”, diz um poema somali. Sem família uma pessoa é
impotente, e isto é particularmente verdadeiro nos acampamentos e grupos de pastoreio.xii
Muitos povos nômades são sociedades tribais descentralizadas ou segmentadas. Eles
podem ter tradições de uma estrutura elaborada, mas na prática, e muitas vezes por causa das
condições de seu nomadismo, existe pouca cooperação além da família ou linhagem estendida.
Os grupos de viajantes consistem em uma ou duas famílias aparentadas, e elas se encontram
como uma linhagem ou clã talvez uma vez por um ano, mas fazem consultas mais
freqüentemente se necessário. Isto está se tornando norma à medida que o estado moderno se
ressente de qualquer estrutura política alternativa a sua própria burocracia. Seja qual fora a
estrutura presente, a família ainda é muito importante para os nômades cujo estilo de vida
significa não ter vizinhos chegados.
Embora os grupos locais na África Oriental sejam relacionados por descendência, não
há uma hierarquia política fora destes grupos locais para uni-los ou tomar decisões por eles. Os
gabbra do Quênia e da Etiópia têm sobrevivido em seu ambiente hostil devido ao nomadismo,
trabalho duro e cooperação social. A coesão social é baseada na liderança exercida por anciãos
locais.xii
O nômade gasta a vida num grupo pequeno, ou numa aldeia temporária de famílias
relacionadas. A composição de um grupo tem que ser um equilíbrio entre os estreitos laços
familiares e as exigências práticas dos meios de subsistência. Toda a família está envolvida com
o trabalho como um estilo de vida, do mais jovem ao mais velho.
Os pastoralistas podem trabalhar com a própria família, ou família estendida, cuidando
de seus próprios animais, ou podem cooperar com outras famílias para dividir o trabalho. xii O
tamanho da "casa", ainda que vivendo numa tenda, varia, mas geralmente consiste de uma
família nuclear de três ou quatro gerações. O trabalho pastoral prático exige que os grupos de
campo variem constantemente em tamanho e composição, de acordo com a estação ou estágio
de migração. Quando o pasto é pobre ou inferior, até mesmos os grupos menores se dispersam
por uma área maior. A composição dos rebanhos em si é outro fator. Rebanhos mistos dão mais
trabalho, já que cada espécie tem diferentes requisitos de pastagem e procriação. É preciso mais
pastores para cuidar dos animais no inverno e nas migrações, do que para apascentá-los no
verão.
Os gadulyia lohar formam pequenos grupos familiares de viagem determinados pelo
número de patronos em cada circuito. Eles se reúnem duas vezes por ano, quando não é possível
viajar, e nestas ocasiões as questões pendentes são resolvidas por seu concílio de anciãos.xii
Para se assegurar contra ladrões e predadores, nas migrações, muitos grupos
normalmente se fundem para viajar juntos. A distância entre pastos, o tempo e a qualidade dos
locais de pasto também podem afetar o tamanho dos grupos. Os direitos a vários pastos também
têm um peso na composição dos grupos. Alguns pastos podem estar permanentemente
separados para o grupo ou família maior, enquanto outros podem ser demarcados anualmente.
Em alguns casos os pastos são utilizados de um modo competitivo, na base do "quem chega
primeiro", e os que chegam depois podem não encontrar pastagem suficiente.xii Geralmente, os
pastoralistas que não tem preconceito contra alguma prática agrícola também tendem a ficarem
juntos sem problemas.
Locais onde é possível encontrar água se tornam oportunidades para o encontro e
cooperação social na ação de perfurar e extrair água dos poços para os rebanhos.xii Esta
cooperação significa que as mulheres podem ter maior importância entre os povos nômades do
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que entre os povos sedentários. A influência das esposas às vezes é muito maior do que uma
concepção formal da sociedade e dos estudos iniciais feitos por um estrangeiro iria indicar.xii
Certamente os aspectos restritivos para as mulheres no Islã, em geral, são mais relaxados nos
acampamentos nômades. A divisão de tarefas entre homens e mulheres também pode afetar a
composição do grupo.
Os grupos de pastoreio muitas vezes podem incluir pessoas que não têm parentesco,
mas que estão dispostas a viver juntas. Nômades mais pobres ou até estranhos podem ser
contratados como pastores e se juntar ao acampamento. Há uma variedade muito grande na
medida de igualdade e apoio que os povos pastorais dão aos seus membros menos afortunados.
Os komachi têm um sistema de classes baseado no tamanho de seus rebanhos e no
número de pastores pobres que eles empregam. O sistema de contratação de pastores tende a
perpetuar a pobreza dos pastores, e se referir a estes como "servos" ou "escravos" reforça uma
consciência de classe. Esta classificação também é manifesta pelo fato deles receberem
presentes mais humildes nos ajuntamentos sociais, enquanto que os mais ricos ganham produtos
importados. As tendas, roupas e comida dos pastores são mais humildes e a moralidade infantil
entre eles é maior.xii
Os bororo na África Ocidental, como o restante dos fulbe, não têm castas, e a família é
muito importante para eles. Eles emprestam animais para familiares e amigos, independente de
sua riqueza ou status. E, porque não têm a ajuda extra de empregados ou escravos, eles
costumam criar uma só espécie, o gado bovino. Como não podem contar com outra espécie, sua
reação à escassez ou ao conflito é se mudarem para outra área. Mas eles também são mais
flexíveis para fazer isso, porque as famílias se mudam independentemente.
No Irã, os qashqa'i encorajam os parentes mais pobres a trabalhar para eles e assim,
permanecer no pastoralismo. Mas seus vizinhos, os basseri e lur, não têm nenhuma tradição de
ajudar as pessoas de seu povo que perderam seus animais. Tais pessoas são compelidas a deixar
o grupo, viver nas cidades e se tornar “nômades em espera”.
Os tuaregues de Mali e os komachi do Irã têm sociedades estratificadas de acordo com a
riqueza. Os tuaregues têm um sistema de casta no qual os imajêghên, ou guerreiros, têm os
maiores rebanhos e muitos empregados.xii Eles costumavam tirar estes servos das castas vassalas
e escravas (apesar de que com o colonialismo francês, a vida moderna, o fim da escravidão e do
feudalismo, e com as mudanças econômicas, a sociedade tuaregue tenha se amenizado). Os
tuaregues também misturam espécies diferentes em seus rebanhos, o que exige mais pastores
para administrá-los — isto costumava ser possível porque eles tinham trabalhadores
subordinados. Isto os ajuda a sobreviver em melhores condições num período de fome. Se
necessário eles emprestam animais, mas só dentro de sua casta. A vantagem dos guerreiros é
que eles têm direitos de terra quase exclusivos.
Liderança
O grupo de viagem se forma em torno do cabeça ou líder e pode ser chamado pelo nome
dele, e a maior parte do grupo será constituída pelos parentes dele e sua esposa. A liderança de
um acampamento é determinada principalmente pela habilidade de um homem no pastoralismo
(ou, para os itinerantes, por sua habilidade comercial) ou pela liderança hereditária dentro da
família. Sua autoridade depende em última instância, porém, de tomar decisões corretas com
respeito ao apascentamento e na sua habilidade em resolver conflitos. Tal homem entre os
baluch, por exemplo, é considerado um homem de “riqueza e boa fala”.xii
Podem-se tomar decisões em quase todos os níveis, de acordo com o costume do povo.
As decisões para mudar, na maioria das vezes, podem ser tomadas por um líder individual, mas
normalmente buscando o consenso com os cabeças das famílias ou clãs no grupo. As decisões
individuais são limitadas pelas decisões coletivas, que podem ser divididas entre família,
acampamento ou clã. O consenso ajuda a manter unido um número suficiente de famílias para a
segurança. O individualismo também é encontrado entre alguns nômades, por exemplo, na
Arábia saudita, onde os beduínos insistem que a ajuda do governo seja dada à famílias, em vez
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de a grupos tribais, porque "até mesmo irmãos brigam". O cabeça pode supervisionar o
gerenciamento prático do trabalho pastoral, como a interpretação do tempo, a mudança para
pastos e fontes de água e a distância até os mercados, mas, na maioria das vezes, só após
consultar aos chefes das famílias no grupo.
Algumas das decisões chave envolvem: quando, para qual caminho migrar e a
distribuição dos pastos. Os fulbe no Níger elegem um ruga, ou administrador, que decide as
rotas, períodos e tipos de animais para o pasto. Ele também representa os Fulbe nas disputas
com outros povos, especialmente fazendeiros, nas migrações.xii O pasto pode ser distribuído de
acordo com o costume, ordem de chegada ou por uma autoridade maior como um khan. Em
alguns países, como o Irã, é cada vez mais comum o estado assumir direta ou indiretamente o
comando de decisões sobre migração e a distribuição de pasto.
Os turkana do Quênia não têm uma hierarquia de chefes. Cada individuo possui seu
rebanho e decide sua própria rota de migração. Quando há uma disputa, os “homens mais
velhos” servem de árbitros. Entre os yarahmadzai baluch, a tomada de decisão é um acordo
contratual de consulta igualitária entre os cabeças das famílias. Isto inclui decidir quais famílias
devem se estabelecer para a prática da agricultura e quais continuam no pastoralismo. Mas os
líderes hereditários tomam as decisões políticas.xii
Uma estrutura hierárquica nômade de tribo ou tribos é maior do que o grupo de família.
Muitos povos têm uma hierarquia tradicional de liderança que liga todos os grupos de famílias
locais. As famílias estendidas locais são relacionadas em uma linhagem, várias linhagens
formam um clã e os clãs formam uma tribo. Várias tribos podem também ser unidas como uma
confederação.
Estes estruturas hierárquicas elaboradas só foram desenvolvidas para manter o controle
político quando as sociedades nômades tiveram que se relacionar ou se juntar a impérios
poderosos. Barfield mostra que as hierarquias tendem a ser adotadas pelos povos vivendo mais
ao leste, do Oriente Médio até a Ásia e Mongólia.xii Os árabes e os pastoralistas na Ásia Central
estão em constante contato e conflito com os poderes sedentários. Por um tempo, os nômades,
com cavalos ou camelos, estavam diretamente envolvidos nestas disputas por poder. Os
Beduínos extorquiam dinheiro para "proteção" das cidades ao redor do Fértil Crescente e os
povos Mongóis e Turcos formavam a cavalaria de Gengis Khan para avançar através da Ásia.
No século 19, com o conflito entre os Impérios britânico, russo e otomano, as tribos
nômades do Irã e do Afeganistão formaram confederações grandes e adaptáveis. Com o
surgimento das nações-estado independentes, estas confederações nômades perderam o poder,
algumas vezes após uma luta, e seu papel político e administrativo foi assumida pela polícia e
outras agências dos governos nacionais. Provavelmente o desenvolvimento de líderes fortes
pelos pastoralistas da Ásia e do Oriente Médio em confederações, os quais geralmente eram
homens ricos e politicamente poderosos nas cidades, os ajudou a ter um papel importante na
sociedade mais ampla.
Quando visitei uma pequena propriedade na Ásia Central, então com seis ovelhas (em
vez de centenas), apenas duas vacas e três cavalos, meu anfitrião quirguiz me mostrou, com
muito entusiasmo, um livro classificando a estrutura tribal de seu povo. No quarto ele apontou
para as várias direções para me mostrar as partes do país onde seu povo estava estabelecido. O
trauma de duas gerações de coletivização impostas brutalmente não diminuiu o significado deste
sistema social para aquele jovem que nunca experimentou o nomadismo original de seu povo.
Os povos nômades, como os tuaregues, beduínos e os grupos de turcos e mongóis,
costumavam ter estruturas políticas elaboradas, em confederações sob o comando de famílias
dominantes em diferentes níveis. Mas estas foram cooptadas pela administração nacional ou
removidas no curso das mudanças trazidas pelo século 20. Hoje todos os povos nômades têm
que lidar com a burocracia e a polícia do país em que estão vivendo. O clã local ou grupo de
famílias estendidas se tornou mais importante, porque as organizações tribais e em confederação
têm menos poder e influência.
Os mongóis reclamam da falta de cooperação na era pós-comunista e lamentam o
desaparecimento das cooperativas e fazendas do estado que lhes impuseram uma organização. A
solução encontrada por eles foi formar os tradicionais xot ayl, ou seja, grupos pastorais
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cooperativos de três a doze famílias com parentesco próximo. Eles trabalham e acampam
juntos, se houver pasto suficiente. Famílias sem parentesco podem se juntar ao seres “adotados”
como parentes. Elas dizem que ser meramente vizinhos, usando os mesmos recursos naturais,
não é suficiente para "nos manter juntos”. Esta adoção foi a única forma de criar a confiança
mútua para a cooperação econômica.xii
A autoridade destes agrupamentos varia consideravelmente. Uma vez que o nomadismo
exige liderança no nível local, estes agrupamentos sociais maiores só têm influência em
casamentos e outras ligações entre famílias, distribuição de pasto, relações com autoridades
externas e resolução de disputas. O sistema para liderança e reunião de todos varia de acordo
com a necessidade, já que só uma pequena porcentagem do povo pode ter alguma necessidade
de conhecer uns aos outros. Mas estes agrupamentos maiores de fato ajudam a dar um
sentimento de identidade mais ampla para o povo.
Porém, as tribos e confederações de tribos são criadas de acordo com a necessidade
política. Elas não são tão antigas quanto às tradições e supostas genealogias alegam. O fato é
que a identidade de grupos étnicos sofre mudança de tempo em tempo. Alguns grupos foram
formados bastante recentemente e podem incluir várias pessoas de diferentes etnias. Quanto
mais remoto é o parentesco com os grupos pastorais locais, mais política é a união — sem
qualquer pretensão de relações biológicas. Há uma tensão entre as necessidades de trabalho
nômade que exigem grupos relativamente pequenos mudando semi-independentemente. Esta
estrutura formal, portanto, nem sempre é durável e estável. Determinar a descendência de
alguém, e conseqüentemente a lealdade, por meio de uma ascendência masculina, só casando
primos etc., enfraquece os laços entre clãs e tribos, e brigas entre famílias são comuns. Os níveis
mais elevados de lideranças são necessários para resolver estas disputas, ou distribuir pastagem
e negociar com autoridades externas.
A situação no Tibete era diferente, porque um sistema feudal operou lá antes de 1959. A
terra estava sob o controle de pessoas poderosas que não eram da sociedade nômade. A maioria
dos nômades eram "camponeses" pastorais, não tribos. Eles eram leais, e economicamente
dependentes, a um proprietário nobre ou mosteiro que fazia a distribuição de pastos e a quem
tinham que pagar tributo. Eles não eram livres para se mudar. Os próprios nômades estavam
divididos em classes: ricos e pobres, quem tinha menos animais, quem trabalhava para o mais
afortunado. Essas classes persistiram até que o comunismo impôs uma igualdade de rebanhos
em 1981, mas elas reapareceram desde o abandono das comunas.xii
As sociedades de nômades variam consideravelmente, mas ainda se pode afirmar que na
maioria dos casos os laços de um círculo de parentesco maior e a as exigências do estilo de vida
se unem para produzir uma sociedade de famílias próximas.
Afinado com o sobrenatural
A religião é uma influência motivadora fundamental na vida dos nômades — em sua
cultura e moralidade. Os itinerantes freqüentemente adotam e adaptam a religião predominante
da sociedade "anfitriã". A vasta maioria dos pastoralistas são muçulmanos e budistas lamaistas,
mas muitas vezes eles são relaxados na sua observância e fazem suas próprias adaptações.
Os pastoralistas vêem seus animais e o ambiente como dádivas divinas, e alguns
animais são oferecidos como sacrifício. Segundo o entendimento deles, os animais são uma
parte chave da ordem do mundo. Os pastoralistas acreditam que, de alguma forma, eles são
responsáveis diante de um poder ou poderes pessoais, e se vêem como mordomos da natureza.
Os pastores de lhama quéchua acreditam estar mantendo a ordem cósmica ao cuidar de
seus rebanhos. A continuidade da existência do mundo depende dos animais, de forma que
quando não houver mais animais o mundo acabará. Os deuses das montanhas são considerados
como "donos" sobrenaturais dos rebanhos.xii Os maasai se consideram o povo escolhido de seu
deus criador, Engai, e todos os outros povos são "pagãos". Como ele criou todos os rebanhos
particularmente para os maasai, invadir os rebanhos alheios não é um problema moral para eles.
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Os Beduínos argumentam que a falta de pasto não é resultado do tamanho do rebanho, mas
devido à falta de chuvas e, conseqüentemente, causada pela vontade de Deus.xii
Os mongóis e os tuvans entendem o universo como um sistema integrado,
supervisionado por Tenger, ou Céu, numa harmonia global. Cada criatura, inclusive os seres
humanos, tem o direito de pegar o que precisa para existir, mas não o de abusar ou desperdiçar
recursos. No caso dos animais domésticos, os seres humanos devem guiá-los, para que a
harmonia seja mantida.xii Os mongóis acreditam que a natureza sofre se eles administram mal
seus rebanhos. Para eles todos os objetos naturais têm seus "donos" espirituais, que defendem a
parte deles na natureza afligindo os humanos transgressores. O céu é como o teto de uma ger
(tenda) que se abre para enviar luz do sol, raios ou desastres. Quando isso acontece, um nômade
pode orar com rituais apropriados para receber benefícios.
O conceito de uma jornada tem grande significado para os nômades. Muitos nômades,
como os fulbe e quirguizes, têm histórias de longas migrações só de ida, da mesma maneira que
Israel migrou da Mesopotâmia para o Egito e depois para Canaã, como também tradições de
líderes-chave como Moisés. Muitos consideram seu nomadismo como divinamente autorizado,
enquanto outros o encaram como penalidade divina. Os tibetanos saem em peregrinação porque
consideram a paisagem real como um tipo de mandala da paisagem mítica de suas crenças. A
rota física, na mente deles, é transformada numa progressão em direção à salvação, que é
determinada pelas estações e a fases da lua ligadas aos deuses e à ordem cósmica. Os tibetanos
têm um termo especial para um peregrino da mesma categoria, nedrog, isto implica um laço
compartilhado de experiência espiritual na caminhada.xii
A cultura tibetana e a cosmovisão budista lamaista formam um sistema holístico
chamado chö, dentro do qual o nômade se vê como uma parte essencial. A fé num boddhisatta,
um santo quase atingindo a iluminação e com mérito de sobra, ajuda a alcançar esta “graça”. O
budismo lamaista enfatiza a vida de fé do indivíduo. A verdade religiosa deve ser alcançada por
uma busca interior por iluminação no íntimo do indivíduo. Isto dá uma liberdade maior para os
indivíduos e as mulheres e às vezes acaba por debilitar os laços familiares e matrimoniais. xii O
pecado normalmente é visto como sendo violência, especialmente contra os animais.xii Como o
budista entende o mundo material como sendo uma ilusão, cada pessoa tem um compromisso
indiscutível de obter a permanência depois de muitas reencarnações. Esta permanência é
encontrada na suprema realidade conhecida como Kön Chok, consistindo na tríade: Buda, seu
ensino e os monges. Muitos confundem esta realidade budista suprema com o deus céu
xamanista.
Normalmente não é difícil discutir religião com os nômades. A religião do nômade é
sensível aos aspectos variados e adversos da providência divina e ao problema do mal natural. A
fé dos pastoralistas no sobrenatural é afetada por sua dependência na incerteza da chuva e outros
fatores ambientais.xii Eles têm muitas razões para refletir sobre o significado do sofrimento e da
injustiça dos desastres naturais. Os maasai são conscientes das desigualdades da vida e apesar
de seu deus supremo estar distante, ele pode ser culpado pelos desastres e injustiças naturais.
Vincent Donovan diz que um ancião maasai angustiado disse: “Se eu topasse com Deus, eu o
atravessaria com minha lança.”xii
A vida de muitos nômades é precária, e a morte constantemente pode estar próxima. A
morte significa não só o fim de um indivíduo, mas também o fim de uma linhagem e, por isso,
afeta famílias inteiras. O destino do vivo e a influência da morte sobre os vivos os preocupa
tanto, ou mais, do que a vida após a morte. Quando um pai perde um filho, de alguma forma ele
também é considerado morto. Acredita-se também que um novo bebê representa a presença, na
sociedade, de um descendente falecido, trazendo consigo a continuidade da linhagem e da honra
da família.
A genuína prática religiosa dos nômades é altamente sincrética. Muitos nômades
aceitam a idéia de um deus supremo ou ser que eles normalmente consideram ser distante dos
negócios humanos. Este deus supremo não é o Criador transcendente da Bíblia, conforme
revelado pela dependência, dos nômades, em muitos poderes e intermediários espirituais. Junto
com sua adesão ao islã ou ao budismo, os nômades continuam a seguir seu xamanismo original,
bonismo ou religião tradicional africana. Os muçulmanos mais devotos ainda usam amuletos e
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outras formas de magia e, nos Andes, uma fina camada de catolicismo cobre uma suprimida,
mas florescente religião indígena que data de antes da conquista ibérica. Embora muitos na
África Oriental sejam inclinados a não usar santuários locais, lugares santos por toda a Ásia são
locais de intercessão e peregrinação.
Os mongóis precisam aplacar os "proprietários" espirituais da montanha através da
oração em marcos de pedras ou ovoos, queimando folhas de zimbro e amarrando tiras de pano
coloridos a árvores ou rochas. Na prática, o mundo dos nômades do Tibete e da Mongólia é
permeado pelo oculto e eles dependem dos especialistas com poderes secretos para lidar com os
deuses e demônios da natureza local. Este mundo tem que ser transposto e manipulado para não
impedir a busca interior individual por mérito religioso, que quase substitui os ideais éticos de
compaixão, generosidade e não violência.
Na Ásia Central e na Sibéria, o xamanismo continua a ser uma parte importante da vida
dos pastoralistas, ajudando-os a expressar sua unidade com o mundo natural. De fato, em
algumas áreas turcas a compreensão do xamanismo é mais importante do que o estudo do islã.
O xamã pode curar ao expulsar demônios, amaldiçoar pessoas, adivinhar o futuro e encomendar
a uma batalha espiritual entre espíritos. Os rituais vão do sacrifício de animais até a terapia do
riso. Seus tambores são considerados como sua "montaria" para cavalgarem para dentro do
mundo espiritual e eles são pintados com os símbolos dos espíritos-ajudantes daquele xamã em
especial.
Na Sibéria, os xamãs se opuseram aos avanços médicos e educacionais que os
soviéticos ofereceram. Os comunistas fizeram uma campanha contra os xamãs, inicialmente
sem sucesso, porque pensaram que a destruição dos tambores e outras parafernálias era
suficiente para acabar com a influência deles. O que não compreenderam é que a cosmovisão
animista dos povos siberianos estava entrelaçada com seu pastoralismo. Até a retórica e frases
marxistas eram reinterpretadas num sentido sobrenatural.xii
A vida nômade é tão importante que os nômades estão mais dispostos a se converter à
religião de seus inimigos nômades do que à de seus amigos sedentários. Os tuaregues adotaram
o islã com mais seriedade, mas ainda superficialmente, porque o colonialismo no norte da
África forçou os muçulmanos mais devotos para o sul em contato com os tuaregues. Em vez de
orar numa mesquita, eles traçam um retângulo no chão com pedras como lugar de oração. Lloyd
Briggs compara o islã a um verniz na superfície de suas mentes, que não impregnou seu
pensamento.xii
Os waso borana do norte do Quênia têm se convertido ao islã nos últimos quarenta
anos, seguindo o modelo dos somalis. Desde então, eles acham que os somalis não são
muçulmanos dignos, por causa de seus ataques brutais aos assentamentos borana. Eles também
rejeitaram o catolicismo, cujos sacerdotes os ajudaram materialmente de muitas formas, mas
não lhes deram o evangelho que poderia libertá-los de vícios como mastigar o miraa, ou chá
arábico, que tem se tornado um vício debilitante. Na África Oriental há uma divisão entre a
maioria que continua a seguir suas práticas tradicionais e as minorias cristãs.
Alguns nômades, como os fulani e os tibetanos, muitas vezes propagam ativamente sua
fé. Pertencer a uma das maiores crenças mundiais põe os pastoralistas em contato com o mundo
exterior. O islamismo e o budismo dão certa coesão social, mas são crenças que enfatizam a
responsabilidade do indivíduo em atingir sua própria "salvação". A lei islâmica não requer uma
autoridade central e a literatura e na linguagem atribuem um caráter sagrado ao "espírito
individualista do nômade”.xii Dizem que os beduínos são muito independentes e difíceis de lidar,
exceto quando são inspirados por um profeta ou um santo.xii
O nomadismo resiste à vida sedentária
Os nômades se consideram senhores de seu ambiente e se orgulham da forma de vida
que tal domínio proporciona.xii “É a mobilidade que gera as qualidades que os torna tão
especiais — tolerância, boa vontade, independência, coragem, inteligência.”xii
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Várias razões contribuem para o assentamento — incluindo o infortúnio, assentamento
forçado, programas de coletivização ou a dificuldade de sustentar famílias grandes por meio do
pastoralismo. Como vimos a perda do rebanhou acarreta uma perda de status e estima que não é
facilmente recuperada pela posse de terra ou riqueza proveniente do trabalho agrícola ou
urbano. A vida sedentária, portanto, é temida por muitas razões, inclusive uma visível ameaça
ao status do macho devido ao efeito que ela pode ter no comportamento das esposas e filhas —
seja ao restringir sua liberdade quando leis islâmicas são aplicadas com maior rigidez ou por
conceder-lhes um nível de independência social inaceitável.xii
Os nômades que são obrigados a abandonar a vida nômade têm sido chamados de
"nômades em espera", porque quando há oportunidade eles voltam para sua vida familiar. A
experiência do nômade, na vida nas cidades e na agricultura, muitas vezes é o do desemprego e
a da mendicância. Estima-se que 500 mil nômades se estabeleceram nas favelas de seis cidades
da África Ocidental.xii Os Fulani de Burkina Fasso também têm invadido cidades em Gana para
mendigar.
As atitudes e valores de um povo, e como eles percebem a si mesmos, não corresponde
necessariamente a sua atual realidade econômica. Embora uma ínfima minoria de árabes tenha
contato com a vida nômade, as idéias culturais que dão unidade ao mundo árabe estão baseadas
no conceito da mobilidade de uma sociedade nômade. Mesmos após a geração de um
assentamento forçado, os antigos beduínos continuam a ter uma ligação com suas terras de
pastoreio tradicionais e com a estrutura familiar e tribal. Vários pastores de renas seminômades
do Ártico, embora sedentários devido à coletivização soviética, ainda têm uma profunda ligação
com sua terra natal na tundra.xii Após vinte anos de comuna forçada na China comunista, os
nômades do Tibete têm retornado à vida nômade.xii
Os cazaques têm um forte apego à suas terras de pastoreio tradicionais, e as fazendas
coletivas, em grande parte, correspondem a estes territórios. Seus clãs e famílias foram capazes
de manter seus laços com estas áreas particulares. Muitos dos pastoralistas de hoje na Ásia
Central vivem num isolado posto avançado de uma antiga cooperativa, com responsabilidade
sobre milhares de ovelhas. No meio de maio eles percorrem cerca de 200 km com as ovelhas até
o antigo pasto de verão de seu clã, ficando lá até o fim de setembro.xii
Outro exemplo de pastoralismo que persiste após uma mudança de circunstâncias
radical é o dos refugiados quirguizes do Afeganistão que chegaram na Turquia via Paquistão.
Eles trouxeram suas valiosas selas e algumas ovelhas e, apesar das dificuldades, incluindo a
altas temperaturas, buscaram comprar cavalos velozes para "vestir" as selas.xii
Muitos retornaram ao nomadismo de alguma forma. As mudanças que vemos
provavelmente são só estágios de um contínuo processo de adaptação às condições em
transformação. Quando uma família é grande e cooperativa, e seu rebanho tem que ser mantido
dentro dos limites, ela pode manter seu pastoralismo essencial não só por meio de adaptação
seminômade, mas também pelo que se pode chamar de um sistema de mudança de geração. Isto
quer dizer que o fenômeno de jovens aparentemente dando as costas para as formas antigas,
definitivamente, é muito enganoso.
Em vários lugares parece haver um padrão no qual os jovens, que não são necessários
nas atividades pastorais de suas famílias, buscam trabalhos em fábricas, na agricultura ou
estudam para uma profissão. Isto é particularmente verdade quando os homens mais novos são
casados e têm famílias jovens. Quando chegam aos quarenta, seus empregadores geralmente
querem substituí-los por homens mais jovens. Eles já obtiveram as vantagens financeiras de
seus empregos e agora seus pais estão velhos e precisam de ajuda para manter os rebanhos.
Muitos deles retornam, na meia idade, ao pastoralismo (ou pelo menos à agropecuária), e se
reintegram às estruturas tribais, agora como anciãos, e se dedicam novamente ao islã ou outra
religião tradicional.xii Parece que o pastoralismo, de alguma forma, continuará a existir,
especialmente enquanto outros tipos de subsistência nas áreas semi-áridas do mundo (ou
próximo delas) forem experimentados e falharem.
Portanto, as predições pessimistas de que o pastoralismo nômade está destinado a
acabar, provavelmente, são prematuras. Enquanto as pastagens durarem e outras condições
políticas e econômicas forem favoráveis, as tradições de pastoralismo nômade manterão viva a
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opção de retornar à vida pastoral com uma certa medida de nomadismo. Há uma grande
necessidade de ajudar os pastoralistas que são forçados a se estabelecer — não só de forma
material, com meios alternativos de sustento, mas também os ajudando a manter sua auto-estima
e valores, antes de tudo, como pastoralistas.
Tais são algumas das características dos pastoralistas nômades que os torna diferentes
da maioria das pessoas na sociedade. Os pastoralistas nômades são um tipo de sociedade
escondida, mas única e difundida, realizando a difícil tarefa de ser a imagem de Deus.
Povos Invisíveis
Rrrrrrruh! Rrrrrrruh! O som da serra elétrica ecoa descendo por entre as árvores
iluminadas pelo sol, à medida que escalamos a montanha. Numa visita imaginária à Anatólia, na
Turquia, é princípio de verão e mais fresco aqui do que no vale abaixo. Nós abandonamos a
trilha para encontrar uma pequena cabana de galhos cobertos com lona. Um homem cuida do
fogo enquanto sua esposa e filho estão acima, operando a serra.
“Eu sou um tahtaci”. Surpreendentemente, o madeireiro admite a identidade de seu
povo e nos convida a entrar em sua humilde casa temporária. Ele não teria sido tão acolhedor se
fossemos turcos. Descobrimos um povo escondido, tão desconhecido e que se mantêm tão
discreto que se estima que seu número varie de 100 a 400 mil pessoas. Muitas pessoas duvidam
de sua real existência: “Quem já ouviu falar deste povo?” Aqueles que os conhecem têm
preconceito contra eles: “Por que você iria querer encontrar tal povo?”, se perguntam. “Eles são
a mais baixa classe, como os ciganos.” Até quando passarmos por eles na rua, eles fazem de
tudo para não serem percebidos e parecerem com os turcos que os desprezam e fingem que eles
não existem. Os tahtaci são apenas um exemplo dentre muitos povos nômades que são
“invisíveis”. Há duas razões para isto: seu estilo de vida e sua religião.
Nosso novo amigo explica: “Nossos antepassados vieram da Pérsia na Idade Média e,
como todos os viajantes, só conseguiam o trabalho que outras pessoas não queriam fazer. Nosso
nome significa homens-tábua ou serradores. Viajamos e trabalhamos como famílias, e as
mulheres fazem alguns dos serviços com árvores. Começamos na base da montanha na
primavera, acampando à medida que subimos, até atingirmos o topo mais fresco nos meses mais
quentes. A Agência Florestal arrasta as árvores que cortamos para as trilhas abaixo para serem
cortadas em partes. Alguns de nossos jovens hoje trabalham em outras atividades, mas a
derrubada de árvores ainda paga melhor.”
“No inverno voltamos para nossas casas. Gostamos de viver juntos, cerca de 300
famílias juntas, e separados dos turcos.” Ele pausou, porque ele estava para nos dizer a diferença
essencial entre eles e os turcos. “Veja só, nossa religião e costumes nos separam. Os turcos se
orgulham de ser muçulmanos sunitas, mas eles não conhecem o caminho da verdadeira
experiência com Alá. Eles só sabem o caminho da obrigação, por isso os consideramos
ritualmente 'impuros'. Se um deles vier até aqui, teríamos que lavar seu copo quarenta vezes.”
Aqui nosso amigo tahtaci fez uma pausa e nos mostrou suas ferramentas. Ele então completou
com um sorriso: “Mas cristãos são bem-vindos, você pode ficar conosco se quiser.”
Os tahtaci são muçulmanos xiitas da seita alevita. Eles seguem Ali, o genro do profeta
Muhammad, e acreditam numa trindade de Alá, Muhammad e Ali. Eles preferem os cristãos por
causa de sua fé numa trindade e numa experiência pessoal com Deus. Os tahtaci acreditam que
são nascidos sobre o caminho místico que conduz diretamente a experiência pessoal com Deus.
Suas reuniões são à noite em casas ou bosques, com muita música, dança e bebida. Estranhos
não são permitidos. Derrama-se álcool para celebrar retorno de Muhammad do céu. Não se tem
notícia de nenhum testemunho cristão para estes povos.
A medida que descemos, saindo da floresta, nos lembramos de um povo “invisível”
mais bem conhecido, que está ao nosso redor na Europa e Oriente Médio — os ciganos. Eles se
vêem como um povo separado, pois rom e romani quer dizer simplesmente "homem". Eles
também têm um sistema de purificação ritual, algo parecido com o que encontramos em
Levítico. Para eles, os não-ciganos são "impuros". Os nazistas os classificaram como uma raça
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primitiva, e mais de um terço do um milhão de ciganos da Europa foram exterminados no
Holocausto. Ainda mal compreendidos, eles são constantemente hostilizados por toda a Europa.
Hoje, muitos vivem em casas, mas passam as noites em suas caravanas ocultas atrás das casas, e
pegam a estrada na primeira oportunidade. Nos últimos trinta anos, muitos na Espanha, França e
Inglaterra vieram a crer em Cristo. Esses povos rejeitados podem se identificar com Jesus.
4 A Necessidade de Compreensão
N
o decorrer de sua longa história, os nômades têm mantido diferentes relações com
o resto de sociedade, mas hoje eles encontram ainda mais incompreensão e preconceito. Eles
são forçados a entrar em conflito com mais freqüência do que antes porque já não têm a
liberdade das áreas tradicionais. Isso se deve a fatores como a pressão da população mundial, a
tecnologia avançada para a extensão da agricultura, e o poder das nações-estado de policiar seus
territórios e fronteiras. Para alcançar os povos nômades o cristão tem que levar em conta essas
tensões na vida deles.
Tensão com a sociedade circundante
Os nômades em geral têm origens étnicas diferentes dos povos dominantes e o racismo
assume várias formas sutis. Em toda parte os povos nômades são considerados desajustados que
devem ser submetidos ao modo de vida sedentária. Eles sofrem abusos na escola e nas ruas, são
tratados como suspeitos de serem atrasados ou criminosos. Eles são julgados de acordo com o
conceito criado pelos não-nômades que vêem a vida deles como, paradoxalmente, romântica e
fora da lei. O nomadismo é confundido com ociosidade e qualquer um que, evidentemente, não
possui propriedade é suspeito de criminalidade.
Existe preconceito baseado na suposição de que a vida sedentária ou urbana é uma fase mais avançada no
desenvolvimento da raça humana. A noção de que o nomadismo era um passo evolucionário entre a selvageria e a
civilização persiste. Isso agora está desacreditado tanto pelos estudiosos como pelo senso comum, pois há evidência
de que o nomadismo muitas vezes foi adotado por povos antes sedentários.
Os nômades muitas vezes são considerados "segunda classe" por povos sedentários, e
ambos têm desprezo pelo estilo de vida do outro. "Estes povos não são civilizados, eles devem
viver como nós", geralmente é a atitude das pessoas sedentárias. A suposição é que qualquer
estilo de vida que exija o sacrifício dos confortos racionais "normais" e esforço físico habitual
extra deve ser atrasado. Muitos ainda pensam que civilização significa viver em casas e cidades.
Estar estabelecido e subordinado a um empregador e a outras autoridades é considerado parte da
boa cidadania, ou até essencial à condição humana.
A premissa básica dessa atitude é que o que não é comum à experiência da maioria deve
ser eliminado ou, condescendentemente, conformado ao estilo de vida da maioria. Os nômades
as vezes são tratados também como atração turística, como os sami, e em muitos casos esta é a
única maneira que lhes é permitido contribuir para a economia da nação. O custo de ser
diferente é a conformidade forçada, ser transformado em atração ou ser excluído da sociedade.
Presumi-se também que os nômades estão condenados, pelo progresso, à extinção.xii
Supõe-se que o nomadismo é inviável, econômica e socialmente. A sociedade acha que os
nômades sofrem privação, são subdesenvolvidos e vivem sob o risco da fome. A única base para
essa opinião é o fato de que o pastoralismo é um estilo de vida precário, devido a sua
dependência de ambientes que possam ser considerados "território marginal" (um ambiente que
geralmente não pode ser usado para qualquer outra coisa).
O que se supõe é que a terra ocupada e outros recursos, frequentemente, são explorados
sem qualquer regulação, quando na verdade a maioria dos nômades tem um sistema de designálos conforme as estações, etc. Embora se sugira que a privatização do pasto encoraje os
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proprietários a cuidar do pasto o resultado, frequentemente, tem sido o mau uso do solo pela
pastagem excessiva, custos administrativos elevados e concentração de recursos nas mãos dos
ricos. Geralmente a ocupação e regulação da terra diminuem os riscos para os indivíduos, e
todos ganham quando um número suficiente de pessoas coopera e as relações com outros
grupos étnicos são reguladas.xii
As pessoas estabelecidas se sentem inseguras devido à presença dos nômades. Assim
como os ciganos na Europa, a maioria dos nômades sempre é suspeita de crimes porque são
diferentes e inacessíveis. Os ciganos têm sido presos ou deportados nas últimas décadas na
Europa. A perseguição a eles tem sido comparada ao tratamento dispensado aos judeus e
ciganos durante os anos 30 na Alemanha nazista. Eles têm sido exilados de algumas cidades na
República Tcheca, por exemplo. Por toda a Europa, mas especialmente na parte ocidental, as
pessoas se sentem econômica e socialmente ameaçadas pelas comunidades migrantes. Os que
não possuem um governo para advogar sua causa, como os viajantes e os ciganos, muitas vezes
são considerados como pessoas que não precisam nem mesmo dos direitos humanos. xii O
Presidente Tcheco Havel declarou corretamente que os ciganos são o “teste decisivo de uma
sociedade civil”, mas tais advertências passam despercebidas.
Os pressupostos da modernização
Os nômades muitas vezes são hostis a qualquer intervenção externa por causa de
experiências passadas com governos, fazendeiros e até agências de desenvolvimento. Muitos
projetos de desenvolvimento tentaram encorajar ou obrigar o sedentarismo.
A nação-estado, quase por definição, exige a administração e o controle de pessoas e
recursos dentro de um território cuidadosamente definido. No Ocidente estamos tão
acostumados a isto no curso de cinco séculos que não percebemos que passaportes e controles
de fronteiras são, em sua maior parte, invenções do último século. Fronteiras dividem pessoas
que um dia estiveram unidas, os padrões de migração têm sido quebrados e o resultado é a
pastagem excessiva. Os pastoralistas nômades têm rotas e direitos de pasto tradicional que não
tem nada a ver com limites nacionais e às vezes representam um perigo para a segurança.
Um zombador poderia sugerir que o único uso que um nômade tem para uma fronteira
internacional é o contrabando, que é uma fonte secundária de renda para muitos pastoralistas.
Contudo, fronteiras separam arbitrariamente povos nômades de seus interesses legítimos. Por
exemplo, os pastoralistas shahsevan estão sendo divididos entre o Azerbaijão e o Irã, e os
artistas nômades qalandar têm acesso negado aos festivais na Índia pela fronteira ÍndiaPaquistão.
Os administradores são influenciados por conceitos de desenvolvimento nas quais
pessoas nômades não se encaixam. Há preconceito contra os nômades porque eles resistem a
serem registrados por nascimentos, educação, emprego e assim por diante, e por essa razão não
há controle burocrático sobre eles, e eles não se ajustam à economia e políticas fiscais e de
segurança. Uma economia monetária com impostos e controles estatísticos intermináveis exige
que as pessoas tenham residência fixa. Os nômades, por outro lado, favorecem uma
fragmentação social por causa dos recursos limitados e se ressentem de controles centrais que
ignoram as condições locais. Os planejadores parecem ignorar o fato de que assentamentos no
Terceiro Mundo, sem serviços de água, esgoto e energia elétrica adequados, são menos
higiênicos do que acampamentos nômades, e que para o nômade a vida sedentária é muito
monótona e sem contato com a natureza. Não se compreendeu que um modo de vida de
subsistência era tanto um emprego como uma cultura.xii Na melhor das hipóteses, o nomadismo
parece "caótico" para as burocracias nacionais relativamente novas e bem fundamentadas.
A fim de ganhar respeito, nações devem parecer ser modernas, progressistas e
competentes na administração. Acredita-se que políticas de desenvolvimento, estimuladas por
competição nacionalista, dependam da infra-estrutura visível e fixa. Nações emergentes
frequentemente temem possuir uma reputação de atraso e se acredita que os nômades
contribuam para essa imagem. Nas suas tentativas de modernizar o Irã, o xá Reza mandou
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recolher e destruir as tendas de peles de cabras negras dos lur e qashqa'i no Irã, porque pensava
que elas simbolizavam atraso, e forçou esses povos a abandonar o pastoralismo e substituí-lo
pela agricultura. As pessoas foram forçadas a plantar num só lugar e assim, por razões
climáticas, só tiveram uma colheita no ano ao invés de duas. Deste modo, a terra foi usada de
forma ineficaz.
Reassentar pessoas nas áreas de pastagem tradicionais dos nômades, é a política
deliberada de alguns governos, para aumentar o uso de terras para o cultivo ou manter o
controle étnico. Na planície do Ganges e no Deserto Thar da Índia, pastos valiosos estão sendo
perdidos devido aos esquemas de irrigação errados que saturam a terra e elevam a quantidade de
sal. O deserto está sendo irrigado a fim de produzir lavouras de exportação para a economia.
Enquanto isso dá lucro aos fazendeiros, eles abrem caminho através dos pastos restritos para o
gado. Esta é tradicionalmente uma área de criação de gado seminômade e cultivo na estação
chuvosa. Enquanto mais de 500 mil hectares foram transformados em campos, aos pastoralistas
têm sido negados seus direitos de pastagem tradicionais porque eles não são "residentes
permanentes!” Muitas represas são gestos dramáticos para ganhar as eleições, grandes quantias
de recursos de ajuda são usadas, porém a irrigação resultante deixa o solo salinizado. xii Isso é
uma injustiça brutal para com as pessoas que têm vivido na área por séculos.xii Os governantes
encorajam a migração interna de seu povo dominante para obter maior controle político, em
detrimento das minorias e especialmente dos nômades. O governo chinês assentou chineses han
no interior da Mongólia, Tibete e Xi-Jiang para subjugar os mongóis, tibetanos e outras
minorias em suas próprias terras – assim eles têm maior controle e, além disso, mudaram o uso
do ambiente. No interior da Mongólia 4 milhões de Mongóis foram excedidos em número por
20 milhões de Chineses.xii
Nos anos 60, o governo do Sudão tentou modernizar os rebanhos dos pastoralistas. Eles
alegaram que os integraram à vida da nação e que os capacitaram a contribuir integralmente
para o progresso nacional. O motivo declarado pelos israelenses para assentar os beduínos em
1978 foi que eles poderiam ter acesso a todos os serviços fornecidos pelo estado. O governo
somali uma vez tentou assentar 120 mil pastores de camelos em quatro aldeias no litoral e
educá-los como pescadores e fazendeiros.xii Normalmente os pastoralistas ficam em
desvantagem com os fazendeiros, como é o caso no Senegal – onde uma seita islâmica que tem
muita influência política assentou fazendeiros à força com plantações de amendoim em duas
áreas de pasto pertencentes aos fulbe. Os métodos de cultivo ineficientes da seita degradaram o
solo arenoso da terra que eles haviam ocupado.xii Portanto os nômades são motivado a se
rebelar. Nas guerras civis do Chade, facções de Goran, os tubu e os zaghawa assumiram o
comando e as converteram num movimento socialista com seus próprios valores nômades.xii
A tentativa do governo de Terra Nova de transformar nômades caçadores-pastores, os
mushuau innu de Labrador, em pescadores comerciais foi desastrosa. Eles foram deslocados de
suas terras de caça de seis mil anos para o Estreito de Davis. Isto resultou numa alta taxa de
suicídios, um aumento no uso de drogas, alcoolismo e desintegração social — embora se tenha
fornecido às famílias cabanas separadas e TV a cabo!xii
A coletivização na União Soviética fez mais para destruir o pastoralismo nômade do
que qualquer outra política. O nomadismo era descrito pelos comunistas como atrasado,
deficiente, anti-higiênico e incapaz de dar aos nômades um padrão de vida seguro. Foi descrito
como feudal, explorador e como criando extremos de riqueza e pobreza. Essa era uma
interpretação sem sentido em muitos casos, já que a colaboração e a partilha são comuns entre
os nômades. A coletivização forçada dos cazaques nos anos 30 resultou na morte de cerca de
metade de sua população. Um oficial do Partido Comunista Chukchi só teve sucesso em
persuadir seus camaradas pastores de renas na Sibéria a se juntar a uma cooperativa ao lhes
dizer que ela cumpriria seus ideais de cooperação que eles mesmos sempre praticaram!
Os comunistas, como muitos outros “modernos” da época, supunham que o ambiente
urbano moderno era o pináculo do desenvolvimento humano. Sempre se alegou que o motivo,
para forçar os nômades a se estabelecer, era filantrópico.xii Mas tinha mais a ver com submeter
todos à ideologia e controle administrativo do Partido. Na Sibéria, a coletivização e o
desenvolvimento industrial assumiram o controle e destruíram o frágil ambiente. Novatos
42
chegaram para trabalhar sem qualquer conhecimento ou interesse nos povos locais. Para o
planejador central, os povos indígenas eram uma força de trabalho que podia ser deslocada do
pastoralismo antiquado e integrada ao futuro brilhante da raça humana industrial.
Muitos projetos ainda supõem que o melhor uso da terra marginal é convertê-la em
agricultura, com esquemas de irrigação enormes e caros, em vez de considerar projetos de
gerenciamento de pastagem. Muitos projetos agrícolas falharam por causa da insuficiência de
abastecimento de água. Ajuda exterior tem sido usada para estabelecer agricultura em locais
onde só há água salgada. Isso teve o efeito de atrair mais pessoas para o Sahel e fazer cair os
preços da carne, causando assim a maior de todas as ameaças ao pastoralismo tuaregue.
Esquemas de distribuição de comida mal elaborados, próximos a cidades como lagos, Dakar,
Bamako em Mali, Niamey no Níger e nos campos da Mauritânia só produziram dependência.
Os governos e agências de ajuda não entenderam a habilidade dos pastoralistas em
manter o equilíbrio entre o tamanho do rebanho e a renovação do pasto. Supõe-se que a terra
que não é propriedade privada ou estatal, e sem os controles econômicos acarretados pela
propriedade, será inevitavelmente mal utilizada. No Quênia, o superpastejo só ocorre quando a
liberdade migratória dos pastoralistas é restringida ou sofre algum tipo de intervenção.
Projetos de desenvolvimento, como a perfuração de poços artesianos, têm perturbado os
padrões de migração e a quantidade de rebanhos.xii A melhora no cuidado veterinário aumenta o
tamanho do rebanho, mas não há projetos de equilíbrio para melhorar a pastagem e a nutrição.
Além disso, tem sido imposto aos pastoralistas o aumento do tamanho do rebanho além do
sustentável pelos pastos disponíveis para encorajá-los a participar da economia de mercado. O
resultado é a expropriação dos pastoralistas em muitos paises, incluindo Quênia e Tanzânia.
Só algumas nações, como a Mongólia, reconhecem os pastoralistas como sendo
importantes economicamente e têm dado a eles a influência política correspondente para
participar em resoluções decidindo sua contribuição para a economia. Livres das pressões
externas, os pastoralistas possuem sistemas sofisticados para administrar os recursos comuns –
incluindo a terra.xii Em Mali, 60% dos rebanhos pertencem aos não pastoralistas como um
investimento.xii
Atualmente há alguns sinais de atitude mais esclarecida para com os
pastoralistas, em termos de tomada de decisão. Numa conferência patrocinada pela Save the
Children Fund (Instituição Britânica de Apoio às Crianças), representantes etíopes admitiram o
abuso contra os pastoralistas nômades, por parte de seu governo, no passado. Botsuana agora
começa a reconhecer a importância dos pastoralistas nômades dentro de uma economia
multicultural.
Uniões e acordos econômicos supranacionais, com os mecanismos para
facilitar o esforço migratório e relaxar os controles de fronteira, devem agora mudar a situação
do nômade – reconhecendo que a administração racional pode ser feita sem obstruir o
pastoralismo ou outras ocupações itinerantes. Agora há meios eletrônicos disponíveis para
administrar, policiar e fornecer serviços essenciais de comunicação, comércio e educação sem
que todos tenham que ter uma residência fixa.
Cada vez mais os projetos do Banco Mundial exigem o estabelecimento de
Associações Pastorais para que os pastoralistas participem e possuam seus próprios projetos de
desenvolvimento.xii O desenvolvimento apropriado envolve o uso apenas de tecnologias que as
pessoas possam adotar e se auto-sustentar, e isso exige sua participação nas fases de
planejamento e operação.xii A Arábia Saudita tem planos de desenvolvimento que acabam com a
situação anômala onde, apesar dos beduínos possuírem rebanhos abundantes - que poderiam ser
usados para alimentar a população urbana, o país ainda importa a maior parte da carne de
carneiro que consome.xii O irônico é que os rebanhos aumentaram devido aos subsídios
governamentais. Isso acontece, segundo Cole, porque eles ganham o subsídio sem a organização
para comercializar seus animais. O sistema de mercado é complexo demais, por isso os
pastoralistas preferem deixar que seus animais morram a vendê-los.
Outra questão que afeta o relacionamento dos pastoralistas com o governo é o
policiamento. Segurança é vital para o pastoreio bem sucedido. Os pastoralistas nômades estão
sendo cada vez mais ameaçados – não só por agricultores que tomam suas terras de pasto, mas
também pelas incursões de outros pastoralistas que não hesitam em usar armas modernas.xii
43
No Norte do Quênia e nos países do Sahel, o ideal seria se os governantes
pudessem em primeiro lugar reconhecer os direitos de pastagem tradicionais de povos
diferentes, embora em alguns casos isso pudesse incluir arbitrar as diferentes reivindicações. Em
seguida, esses governantes deveriam fornecer patrulhas aéreas e militares em pequena escala
para assegurar estes direitos de pastagem e dar segurança aos pastoralistas. A maioria dos
governantes encontrará razões porque não podem dar prioridade a isso – incluindo os custos, a
indisponibilidade de pessoal para servir em tais condições, atrito com nações vizinhas nas áreas
de fronteira e os preconceitos étnicos dos comandantes militares. Na verdade, o equipamento
não teria de ser muito sofisticado e seria possível usar os próprios pastoralistas como tropas. A
alternativa seria que cada grupo pastoral investisse logo em suas próprias armas automáticas e
até veículos militares e assim corressem o risco de intensificar conflitos antiqüíssimos ou
provocar novos. Isso não só seria prejudicial ao sucesso do pastoralismo, como também
fomentaria atitudes negativas dos governantes.
A reeducação é uma árdua tarefa nas escolas, departamentos governamentais e
entre os vizinhos dos nômades. Pretensões egoístas e preconceitos devem ser examinados para
que não influenciem em políticas contra qualquer grupo, especialmente nômades. Da mesma
forma, os próprios nômades têm que aprender que o isolamento não é prático e que para manter
seu modo de vida diferente eles têm que ser capazes de contribuir para o espírito cultural e a
economia da nação.
Os nômades do mundo são pouco conhecidos, mas são representantes ativos da imagem
de Deus. Seu nomadismo e medida de autonomia social têm o direito de serem considerados
objetivamente como parte da economia geral e da sociedade de seus países e regiões. A
tendência em direção à integração econômica regional e internacional tenderá a abrir fronteiras,
permitir a liberdade de ir e vir, e capacitar o uso da terra como um conjunto integrado. Os
nômades têm o direito de demonstrar suas habilidades em alguma forma de pastoralismo viável
que contribua eficientemente para a economia.
Preconceitos dos Nômades
Os nômades também têm seus preconceitos. Os nômades parecem encarar a vida
sedentária de um ponto de vista etnocêntrico e não simplesmente da perspectiva de seu próprio
amor por uma vida de viagens. Os nômades consideram todos os povos sedentários estranhos e
acham que o contato com eles é prejudicial para sua sociedade e estilo e vida. Para o nômade, a
vida sedentária parece claustrofóbica e evidentemente não saudável. Um fulani ou um cigano
irão considerar os não-nômades como “impuros” ou “profanos”. A experiência de vida dos nuer
os dispõe a serem incapazes de compreender uma visão de vida baseada no amor e na
reconciliação, por isso até sua adoração é cheia de canções de vingança contra seus inimigos. Os
povos siberianos também necessitam se reconciliar com os Russos.
As seitas alevitas do Islã enfrentam um problema particular de preconceito além
das tensões normais entre xiitas e sunitas. Como vimos no fim do capítulo 3, os tahtaci na
Turquia são considerados pelos turcos como não existentes e, junto com os ciganos, como
formas de vida inferior. Os tahtaci por sua vez ocultam sua identidade quando estão fora de seus
povoados, se recusam a falar livremente ou convidar um estrangeiro para sua casa na presença
de um sunita. Esta barreira se deve às suas crenças e os torna quase socialmente “invisíveis” na
opinião da sociedade circundante. Mas os tahtaci geralmente dão boas vindas aos que são
declaradamente cristãos.xii
A profunda incompreensão e os preconceitos entre o viajante e o que fixa
residência, donos de gado e agricultores, também afeta sua percepção do cristianismo. Os
nômades precisam ter certeza de que seu modo de vida, ou a fertilidade de seus rebanhos, não
estarão ameaçados se eles se tornarem cristãos. O sistema de poder e o governo estão associados
com a sociedade estabelecida e inclinados contra o viajante – porque, o nômade poderia se
apressar em dizer, eles não podem fugir! O cristianismo tem que ser adequado a eles por outro
nômade, para que supere a idéia de que o evangelho é só pra pessoas sedentárias.
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Deus tem de acabar com o preconceito que há entre povos nômades e
sedentários, como o fez com que havia entre judeus e gentios (Ef 2.11-22; At 15 etc.). A
pecaminosidade humana rapidamente transforma a variedade de experiência e costume em
orgulho competitivo de um povo contra outro, assim como Israel mudou a mensagem dada por
Deus para o mundo num nacionalismo etnocêntrico contra os gentios. Jesus se opôs a isso
ensinando que justiça para com os outros é parte de um relacionamento pessoal com Deus.
Ambos os lados desta barreira entre o nômade e o sedentário foi erigida por visões
etnocêntricas, incluindo sua visão de Deus.
Comunicar o evangelho contraria a noção etnocêntrica e henoteística, defendida
por muitos povos, de um deus supremo que está muito distante da vida e não tem propósito ou
interação com a humanidade ou a criação. Uma idéia errada sobre Deus também conduz à
personificação de poderes da natureza como agentes ou espíritos que tem que ser pacificados e
manipulados pelos humanos. Até para os modernos cazaques, um estrondo de trovão provoca
uma reação temerosa: “Os espíritos das nuvens estão irados.” Não só não há moralidade
evidente nesses poderes, mas essa crença submete a sociedade à influência de marabus,
curandeiros, lamas ou xamãs e outros “especialistas” que têm sido pessoas chaves em suas
culturas. Mas como agentes morais responsáveis a Deus, não podemos estar subordinados seja a
poderes da natureza personificados ou aos seus supostos controladores humanos.
Preconceito cristão para com os povos nômades
O cristianismo é considerado pela maioria dos povos nômades como sendo uma religião de pessoas
sedentárias. Lamentavelmente, muito do testemunho missionário tem tendido a reforçar esta compreensão errada –
especialmente onde o cristão tem participado de tentativas bem-intencionadas de introduzir projetos agrícolas ou
programas institucionais. O cristianismo então é considerado como sinônimo de fixação, como envolvendo
construções, propriedade e abandonando valores preciosos para os nômades. Mas essa má compreensão vai além,
porque nós mesmos temos compreendido mal a Bíblia e a lido com o pressuposto de que o povo de Deus é
sedentário. Somos culpados de apresentar sua mensagem como se implicitamente recomendasse a vida sedentária.
O preconceito ou suposição de que o nomadismo é inaceitável ou inconveniente
é encontrado não só entre os governantes e pessoas comuns que não gostam do que não é
familiar, mas também entre cristãos. Estes muitas vezes supõem que um estilo de vida errante é
algo não civilizado e, portanto, não cristão. Imagina-se que os nômades possam ser cristãos,
desde que deixem de ser nômades. Os cristãos podem ser influenciados pelas teorias evolutivas,
como aquelas do grande missionário presbiteriano no Alasca, Sheldon Jackson. Ele justificou a
importação de renas e treinadores sami ao governo do USA em 1890 argumentando que o
pastoralismo era um “grande passo do barbarismo em direção à civilização”, e, portanto, em
direção ao cristianismo, para aqueles que ele descrevia como “caçadores selvagens”.
O preconceito contra os nômades é só parte da suposição oculta de que a igreja
de Cristo deve, inevitavelmente, tomar a forma ocidental que está sendo reproduzida na maioria
dos centros urbanos ao redor do mundo. Infelizmente, qualquer pessoa educada ou
ocidentalizada, seja qual for seu estilo de vida ou crenças, é considerada “cristã”. Essa
concepção falsa também determina a atitude do nômade para com o evangelho.xii
Esse preconceito também é encontrado entre os cristãos nacionais, os quais
supostamente deveriam tomar a iniciativa em alcançar os povos nômades próximos a eles. A
história de conflitos locais entre fazendeiros e criadores de gado, assim como o sistema de
distinção de classes, pode ter que ser superado. Alguns líderes cristãos africanos consideram os
nômades “inalcançáveis” devido a sua aparente inacessibilidade. No Quênia, uma delegação de
pastoralistas cristãos visitou as igrejas mais próximas pedindo oração e ajuda financeira.
Inicialmente não tiveram sucesso por causa do preconceito. Depois, as igrejas responderam mais
positivamente. Evangélicos num país da Europa Oriental enxotaram os ciganos de suas igrejas
porque eles são considerados sujos, portadores de doenças e ladrões. A visão missionária das
igrejas nacionais está crescendo bastante e muitas vezes envergonha as igrejas ocidentais, mas
ainda precisa ser estimulada para responder às necessidades dos povos menos conhecidos do
mundo.
45
Alguns irão questionar o esforço e o sacrifício exigido para atingir muitos dos
nômades, os quais podem ser rejeitados como não “estratégicos”. A compreensão errada aqui é
que se um ministério está cercado por milhões de pessoas numa cidade grande, ele é mais
“estratégico”. Contudo, a verdade é que este ministério pode ter contato realista com só algumas
centenas daqueles milhões de pessoas. Tal ministério, considerado do ponto de vista do que ele
atinge, teria a mesma eficácia numa aldeia ou numa situação nômade. Mas então, pode se
argumentar, essas poucas centenas não vão atingir os milhões? A resposta muitas vezes é:
provavelmente não.
O isolamento do ambiente nômade é ilusório. Eles têm redes inteiras de
contatos entre si mesmos e com outros. Os roma percorrem toda a Europa e os árabes percorrem
do Oriente Médio ao Sahel. Os nômades foram úteis na propagação do islã na África Ocidental
e no Oriente Médio, e do budismo no interior da Ásia. Introduzir o evangelho em vários
acampamentos poderia resultar na propagação da mensagem pelos próprios nômades e não só
entre eles, mas também para outros povos numa vasta área.
A necessidade de evangelizar grupos de pessoas, especialmente os mais
remotos, muitas vezes é contrariada ao se enfatizar a unidade em Cristo no Novo Testamento
(Ef 2.11-22; Gl 2.11-17, 3.28; Cl 3.11). O Novo Testamento não nos fala de missão além da
relativa homogeneidade do Império Romano, exceto pela ação de Deus no Pentecostes (At 2.811), mas há indicações de divergências reais que a igreja primitiva enfrentou (At 15.19; Gl
2.14). Ainda há um debate nos estudos do Novo Testamento sobre a medida de diversidade nas
primeiras igrejas. Não temos, portanto, um registro de como a igreja primitiva teria reagido aos
grupos etnolingüísticos tão diferentes.
O desejo de Deus é por diversidade na unidade que está em Cristo, com
representantes salvos de cada povo. Os cristãos precisam responder por pastoralistas e
itinerantes como aqueles que são imagem de Deus. Os cristãos precisam aprender com eles
tanto quanto lhes dar ajuda espiritual e material – formando por meio disso uma parceria para o
benefício de ambos.
O resultado deste preconceito ou relutância é que os povos sedentários há
décadas estão evangelizados enquanto que povos nômades vizinhos são deixados sem o
evangelho. A repreensão perplexa dos anciãos dos maasai a Vincent Donovan deve tocar nossos
corações: “Se [o amor de Cristo] é a razão que os trouxe aqui, por que vocês esperaram tanto
para nos contar sobre ele?”xii Um cigano banjara na Índia disse: “Nunca aceitamos, nem
rejeitamos Cristo. Nunca ouvimos sobre Ele”.
Os povos nômades são acessíveis ao evangelho
A história da igreja deveria nos advertir que a cultura missionária de fala inglesa, que
tem se reproduzido beneficamente pelo mundo, é só uma fase passageira dos últimos cem anos.
Os tibetanos, fulbe e nenets serão tão influentes no céu quanto os santos do primeiro século da
Ásia Menor. Nosso alvo deve ser ensinar a Bíblia de forma apropriada ao evangelismo e
discipulado de cada povo nômade, para que eles possam contribuir para a diversidade dentro da
unidade global do corpo de Cristo.
A tarefa primordial do cristão é demonstrar o interesse de Deus por eles como
nômades e comunicar que seu estilo de vida, longe de ser uma barreira para a graça de Cristo, é
compatível com a vida cristã. No capítulo 5, iremos apresentar a evidência do interesse de Deus
pelos viajantes e pelo nomadismo. A luta contra a injustiça endêmica entre povos sedentários e
nômades deve ser discutida, assim como o direito do nômade de ouvir e responder ao
evangelho.
O propósito principal da Bíblia é mudar nossa idéia sobre Deus, nossos
conceitos sobre nós mesmos e sobre outros povos.xii A maior contribuição de um cristão para as
pessoas entre quem ele ou ela trabalha é lhes apresentar uma idéia verdadeira sobre Deus. xii
Aprender um novo conceito sobre Deus pode ser um choque psicossomático doloroso, conforme
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Donovan descreve com os maasai, mas ele pode conduzir à reconciliação com Deus, com
indivíduos e povos.xii
Atingir os nômades com a mensagem cristã envolve mais do que encontrar alguns
pontos em comum entre eles e a Bíblia. Por exemplo, há muitos profetas aceitos tanto pelo
cristianismo como pelo islã, e os tuaregues têm uma preocupação de buscar perdão, até nas
atividades ordinárias da vida.
“Mostre-me como colocar sua igreja no meu camelo antes de me falar sobre Jesus”,
protestou um nômade somali.xii O nômade tem experimentado um mundo no qual Deus é rude e
duro. É crucial que entendamos a forma de pensar do nômade e interpretemos esses pontos de
contato bíblicos do ponto de vista deles. Isso é necessário não só para a evangelização do
nômade, mas também para os cristãos de toda parte.
O contato da Bíblia, e, portanto o contato do cristianismo, com a vida nômade é mais
profundo do que simplesmente alguns pontos em comum. O desconforto e as mudanças bruscas
do estilo de vida nômade desencorajam muitos de pensar em trabalhar entre eles. É fácil
enfatizar as dificuldades práticas de atingir e manter um contato sustentável com os nômades, e
é tentador considerar outras áreas e povos como mais “estratégicos”. Nossos métodos de
evangelismo e ensino testados e aprovados dependem de edifícios e horários, e achamos difícil
conceber trabalhar de forma diferente. Mas forçar esses métodos sobre o nômade é uma tolice,
como a sugestão, já feita, de que se ensinássemos inglês a todos eles não teríamos de fazer
traduções da Bíblia!
Devemos perguntar: qual o lugar dos povos viajantes, itinerantes e pastoralistas no
propósito de Deus?
O Propósito do Peregrino
Parecendo uma lagarta gigante, um peregrino tibetano levanta seus braços cansados, então se ajoelha no
chão e se estende completamente sobre o chão da montanha, depois se levanta novamente e repete o processo.
Coberto de pó, ele ritmicamente avança sobre o chão pedregoso. Pedaços de pneus atados as suas mãos e joelhos,
como proteção, abrem caminho no chão rochoso onde nenhuma roda poderia passar. Sua jaqueta acolchoada e calça
jeans estão rasgados, já que o caminho sagrado testa a determinação dos peregrinos fazendo-os passar por diversos
terrenos. Aqui grandes pedras arredondadas enterradas na areia, atrás dele ladeiras árduas de cascalho, córregos
congelados e trilhas estreitas entre o despenhadeiro, onde peregrinos gordos ficam empacados. “Eles empacaram por
causa de seus pecados!” pensa o homem.
“Tudo por causa de meu karma”, pensa consigo, a medida que se coloca de pé
novamente, seu corpo inteiro dolorido. Toda a sua vida ele respirou uma atmosfera de constante
busca por mérito. Ele se lembra de quando ainda era um menino de colo, sua mãe o segurando
com um braço enquanto murmurava orações, balançando gentilmente seu corpo enquanto a
outra mão girava a roda de oração.
A vida do nômade tibetano é dura é monótona, mas o rebanho de iaques de sua
família os tornou prósperos. Os chineses na aldeia ficam com ciúmes. Os deuses sorriram para
sua família, eles não perderam muitas ovelhas na última nevasca do inverno, como outros
nômades no nordeste que perderam todos os seus rebanhos. Ele conduziu seus rebanhos ao
redor das estupas, os pilares sagrados parecidos com peões de xadrez, para conseguir a benção.
Ele deixou seu lenço e um pouco de seu cabelo em lugares sagrados para relembrar aos deuses
sua devoção. O vento tremula suas bandeiras de oração até rasgá-las. Teriam os deuses o ouvido
de verdade? Ele não desperdiçou nenhuma parte dos poucos animais que ele matou. Sangue
para o chouriço, leite, manteiga, queijo e nata, lã, pele e carne, esterco para combustível – ele
usou tudo moderadamente. Ele ofereceu sacrifícios em pequenas quantidades, murmurando
orações especiais por perdão – para um budista, não há maior pecado do que matar outra
criatura. Ele tinha enganado os rong-pa, o povo do Vale, no comércio por cevada para fazer
tsamba e para comprar chá, mas ele achou que foi uma boa idéia – não um pecado. Ele esperava
por essa comida de farinha de cevada torrada, faminto por causa de seu dia de peregrinação
exaustivo.
“Faça uma peregrinação para Lhasa, ou melhor, para o Monte Kailash. A
montanha sagrada é a habitação dos deuses de nossa terra. O abençoado Buda desceu do céu
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onde ele esteve para visitar sua glorificada mãe”, tinha lhe dito sua mãe. Há muitos lugares
sagrados por ai nos quais um tibetano devoto deveria fazer um circuito – as estupas, a cidade
sagrada de Lhasa – se prostrando sobre o chão para ganhar mais mérito. Mas o santo Monte
Kailash é o melhor de todos. Ele está na remota parte oeste do país, onde as tradições dizem que
o começa o Tibete e o rei Gesar de Ling viveu. Por mais de uma semana ele esteve percorrendo
o caminho. Muitos se limitavam ao método menos virtuoso de andar os 50 quilômetros em um
ou dois dias. Com o corpo dolorido e a mente entorpecida, ele imagina: “Será que isto me
renderá uma reencarnação melhor?”.
Seu irmão tinha levado adiante o equipamento de campo deles. Ele faria a peregrinação
em outra oportunidade. “De todo jeito, dizem que ajudar um peregrino é mérito”. Seu irmão
sempre achava um bom lugar para acampar, com uma boa vista da montanha majestosa com
seus declives íngremes e despenhadeiros permanentemente cobertos com uma fina camada de
neve. Seu topo branco imponente brilha em contraste com o céu, uma poderosa forma exterior
representando o que ele entende ser o mundo real dos homens e mulheres santos que atingiram
o nirvana. O resto do cenário quase lunar é habitado pelos drok-pa e seus rebanhos, bem como
pelos dragões e demônios. Pelo menos ele atinge o acampamento básico, mas seu irmão, que
normalmente pedia ajuda descontraidamente para outros peregrinos e importunava as moças,
está desconcertado em silêncio. Ele tem companhia, e o estranho é um estrangeiro. O peregrino
desmorona, exausto, enquanto seu irmão prepara um humilde tsampa. Ele tinha visto poucos
estrangeiros ao longo do caminho. Muitos passam mal por causa da altitude (superior a 5.600
metros). Eles vêm cheios de sonhos, querendo se beneficiar da sabedoria antiga. Este homem
fala tibetano razoavelmente.
- Eu estava falando a seu irmão sobre um homem. Deus se tornou um homem chamado
Jesus.
- Isto não é novidade. Muitos dos deuses do Tibete se comportam como homens. Eu quero ouvir sobre
Buda e receber ajuda dos deuses – o peregrino cansado e sem fôlego responde.
- Este homem divino também era peregrino. Ele disse às pessoas: “Sigam-me
constantemente!”
- Há! Ele deve ter tido muitos méritos para dizer isso!
- Como ele é o maior de todos os deuses, maior do que Buda, ele não precisa de méritos.
Toda a sua vida foi uma jornada para ajudar as pessoas, mas também para demonstrar seu
compromisso de morrer em lugar de outros.
- Claro! Ninguém pode chegar à perfeição sem sofrimento – o peregrino responde,
enquanto ele oferece um pouco de stamba e chá para o estranho. Ele já tinha tido o cuidado de
jogar um pouco fora como oferta para os deuses.
- Ei! Pensei que você tinha dito que ele já era divino. Quando se é perfeito, não é
preciso vir para sofrer.
- Ele morreu para dar o perdão como um presente, para que não precisássemos de
mérito.
- Você quer dizer que não precisamos de mérito pra nada? Que todas as rodas de oração,
prostrações, peregrinações e ofertas são inúteis? Ninguém pode ter certeza disto. Como posso
ser tibetano sem buscar mérito? Não consigo imaginar o Tibete sem o Senhor Buda, as
escrituras budistas, os monges! Como posso seguir este deus-homem Jesus? Ah! Sua Bíblia
cabe no seu bolso! Ora, as escrituras budistas lotam bibliotecas inteiras – os monges sagrados
lêem essa sabedoria muitos dias inteiros! – O peregrino se esforça para compreender essas
idéias novas.
Parte II:
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O Desafio Missionário dos Povos
Nômades
5 Uma Jornada com Deus
A
esperança levou um homem e sua casa a abandonar seus parentes e o local onde
estava familiarizado, por uma vida nas tendas, e a viajar 700 km para uma terra desconhecida.
Há 4.000 anos, Abraão começou uma jornada – não sabendo seu destino, mas viajando com
Deus que prometera estabelecê-lo como um povo independente. Quando Deus indicou que ele
havia chegado, ele e seu povo continuaram a viver em tendas como pastores viajantes por dois
séculos. Ele não possuiu a terra e, a maior parte do tempo, se mudou de acordo com a
necessidade de pastagem, dependendo dos recursos naturais que Deus providenciava. Essa
pequena companhia viajou em território aberto, entre as cidades cananitas e os campos
cultivados em redor delas, vulnerável a ataque em meio a uma sociedade potencialmente hostil.
Eles só ficaram sob a jurisdição de pessoas sedentárias temporariamente, quando a seca os
forçou a abandonar os pastos da Terra Prometida.
Esse nomadismo foi a maneira de Deus começar seu propósito salvador para o mundo.
Muitos povos nômades têm tradições parecidas de jornadas longas para suas atuais localizações,
o que contribui para seu sentimento de identidade étnica. Eles, também, viajam separados e
muitas vezes mal compreendidos, às vezes se deparando com hostilidade da sociedade
circundante.
Ler a Bíblia de um ponto de visa nômade nos leva a perceber que o povo de Deus,
nômades e sedentários, deve ter a mentalidade de peregrinos sendo conduzidos por Deus,
confiando nele como seu pastor. O fato de Deus chamar e conduzir Israel demonstra seu desejo
de ajudar os povos viajantes e usá-los para atingir outros. Os cristãos primitivos também se
consideravam viajantes estrangeiros e peregrinos de Deus num mundo hostil. Eles eram um
povo unido por lealdade de uns para com os outros e para com seu Senhor Pastor em vez de
laços de nação e propriedade. Deus nos chama hoje para sermos mais “nômades” em nossas
atitudes para com os planos de Deus e a vida cristã.
A teologia cristã tem se concentrado em vários temas bíblicos – incluindo aliança, lei,
povo, reino de Deus, etc. – como a chave para a compreensão de toda a Bíblia. Mas pouca
atenção tem sido dada ao tema subjacente de um povo viajante num relacionamento pastoral
com Deus. Quando examinamos a evidência bíblica, às vezes somos surpreendidos ao perceber
que há um lugar especial no coração de Deus para os povos nômades.
A partir disto podemos aprender duas coisas: primeira, que a fé no Deus da Bíblia é
preeminentemente compatível com os povos nômades e, segundo, que todo o povo de Deus
deveria ter a perspectiva dos povos viajantes e compreender a salvação nos termos da vida
nômade.
O povo de Deus: Um povo viajante
O livro de Gênesis apresenta, em miniatura, os temas que influenciam o resto da
Bíblia.xii Ele estabelece as bases para ensinar muito acerca do caráter e propósito de Deus, com
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respeito aos seres humanos como indivíduos e acerca da sociedade ser imagem de Deus. Ele
também nos conta acerca da desobediência da raça humana.
Em primeiro lugar, Gênesis demonstra Deus sendo imparcial com todas as pessoas,
independente do estivo de vida delas. Isto inclui as duas principais maneiras de se auto-sustentar
diretamente da natureza – pastoralismo e agricultura. O episódio com Abel e Caim rejeita a présuposição comum de que o caçador-coletor foi o estado evolucionário primitivo dos seres
humanos, e que o pastoralismo é um estágio intermediário até o estado mais “avançado” da
agricultura. É o fazendeiro, Caim, que é condenado a vagar (Gn 4.12). A atitude do cultivador
para com o pastoralista é o problema, e não seu sacrifício (Gn 4.6-7). Uma vida errante parece, a
primeira vista, ser a punição, mas foi permitido a ele morar numa cidade (Gn 4.17). A jornada
de Caim era pra longe de Deus, mas Deus é encontrado com o pastoralista. O relacionamento
com Deus é mais importante – do que a cultura e a realização humana.
Gênesis revela também o propósito divino de Salvação como uma jornada com Deus. O
livro tem pouco interesse nos eventos nas sociedades e impérios em redor, mas se concentra a
maior parte do tempo numa família nômade mantendo sua identidade separada pelo cuidado
pastoral de Deus. O propósito missionário de Deus para o mundo começa com a promessa a
Abraão (Gn 12.3; cf. 17.4,5; 18.18; 22.18; Gl 3.8; Hb 11.8) e conduz Abraão numa jornada de
toda uma vida.
A promessa que “em ti serão abençoados todas as nações”, na verdade um juramento, é
o “motor” da história. Ela dá início à detalhada tarefa missionária de que cada parte, de cada
uma das linhagens, família ou clã (mishpahah), deveria receber a benção de Deus. Ela se refere
à diversidade étnica da raça humana em geral e a cada subdivisão das tribos e nações. Além
disso, é uma promessa de que cada parte de cada grupo de pessoas deveria receber a palavra de
Deus. Isso é de particular significância para as sociedades nômades, que vivem e trabalham em
pequenos grupos dispersos. Essa promessa e a história que se desdobra dela são a solução de
Deus para povos nômades como minorias mal compreendidas ansiando por manter suas
identidades.
Em segundo lugar, essa promessa significava que Israel se tornou uma revelação de
Deus para as nações como o primeiro passo na redenção provida para o pecado e a formação de
um povo andando com Deus pela fé (Gn 12.3; Mt 12.15-21; At 15.14-17; Rm 1.5,16; 2.9,10; Gl
3.8).
O impulso da promessa divina transformou Abraão e seus descendentes num pequeno
grupo de viajantes, diferenciados de todos os outros, sob a direção do Pastor celestial que iria
“mostrar” sua rota geográfica e espiritualmente. Abraão pode não ter sido um nômade de início,
mas Deus escolheu usar o nomadismo para chamar e moldar um povo para si mesmo. Foi por
serem viajantes, sustentando a si mesmos como pastoralistas nômades por pelos menos dois
séculos que os descendentes de Abraão responderam à promessa.
Mesmo após chegar na Terra Prometida, Abraão e sua família não eram mais do que um
povo viajante, pois eles não se estabeleceram, nem possuíram a terra ou pertenceram ao povo
dali. Os únicos sinais duradouros da passagem de Abraão pela terra foram os altares que ele
construiu quando a promessa foi renovada (Gn 12.7-8; 13.14-18; Hb 11.8-9). Mas o fato de eles
não possuírem propriedade, nem viverem em casas, não teve importância (Gn 17.8; 28.4; 36.7;
37.1); a terra era deles no que dizia respeito ao propósito de Deus. Assim como os nômades de
hoje, eles estavam “em casa”, não sem lar, mesmo sem os acessórios legais de posse de terra
(Gn 13.17). Por uma questão de autonomia social e econômica, uma separação religiosa seria
uma parte importante de sua possessão da terra. Embora os patriarcas também soubessem que
quatro séculos de residência temporária no Egito estivessem preditas para seus descendentes
(Gn 15.13), o nomadismo lhes deu uma medida dessa independência.
Na verdade, a experiência de Abraão com Deus como um viajante, com a autosuficiência que o pastoralismo lhe deu, é uma base para a confiança em Deus como essencial
para o cumprimento das promessas e da aliança (Gn 17) dadas por Deus. Abraão viajou com
Deus por 14 anos, demonstrando e desenvolvendo sua fé com obediência. Durante sua
caminhada, Deus o justificou (Gn 15.1ss). O apóstolo Paulo mostra que o relacionamento de fé,
mesmo antes da estruturação e cumprimento da aliança, é fundamental para a aceitação por
50
Deus (Rm 4.9-12). A aliança simplesmente confirma o relacionamento. Portanto a caminhada
de fé com Deus, seja literal ou metafórica, é exigida de todos os crentes. O nômade mostra seu
próprio comprometimento como um modelo de vida sacrificial. Podemos aprender uns com os
outros. Fé, compreendida como uma jornada ilustra o progresso da vida da fé, alegria, tentações
e perseverança.
O Deus pastoral nômade
A razão para essa viagem é o caráter do próprio Deus. A liberdade de Deus sobre sua
criação e sua transcendência, e ainda cumprimento de seu propósito em sua imanência, é
expressa na metáfora do pastoralista divino. Transcendência significa que a natureza de Deus é
supremamente “nômade”; ele não necessita da criação, e não está limitado por qualquer aspecto
dela. Deus é livre para escolher seus comprometimentos e torná-los efetivos como ele desejar,
transpondo barreiras físicas e humanas.
Como Criador-Pastor, ele elegeu para ter comunhão consigo um povo viajando com ele
através do tempo. Sua liberdade é demonstrada, paradoxalmente, por seu envolvimento em
conduzir os patriarcas e Israel. Não sabemos até que ponto Deus era conhecido pelo clã de Terá
(veja Gn 31.29,30; 35.2; Jó 24.2).xii O que é apresentado na Bíblia é este Deus livre e
transcendente que “do nada” toma a iniciativa de chamar um membro da família, Abraão, para
superar os laços de família e fronteiras geográficas e confiar nele para o que, humanamente
falando, é uma missão impossível. A promessa de que Deus irá “mostrar” a terra claramente
implica que ele irá “junto com” Abraão. Isso explica como Abraão sabia que Canaã era o
destino (Gn 12.4s; veja Hb 11.8).
Essa transcendência é enfatizada pela proibição bíblica da idolatria. Alguns nômades
carregam ídolos numa tentativa de controlar o sobrenatural – nos locais especiais, ou por meio
de rituais e pessoas especiais. O Deus bíblico não pode ser controlado; não há “alças” nele para
ser manipulado. Deus realiza o ideal de auto-suficiência que o nômade cultiva num sentido
diferente. Essa independência mantém a profunda unidade pessoal da Trindade, assim como o
nômade guarda sua própria identidade de povo. A auto-suficiência de Deus determina a vida do
crente para viajar com ele e depender da provisão dele, em vez dos planos e recursos humanos.
Deus é conhecido como o pastor dos patriarcas (Gn 48.15), uma idéia que continua por
todo o Antigo Testamento, embora às vezes ela seja obscurecida na tradução para o português.
A expressão “Deus de Jacó” estende o conceito por toda a história de Israel.xii “Pastoreou” ou
“apascentou” é uma melhor tradução para o verbo hebraico relacionado a Deus do que
“sustentou”, porque o verbo hebraico usado com relação a Deus se refere a conduzir e prover
pasto para todos os animais domésticos – tais como jumentos (Gn 36.24) e gado (Gn 46.6).
Deus conduz, alimenta, zela, cuida, pastoreia e sustenta Israel como um pastoralista cuida de
suas manadas e rebanhos, coletiva e individualmente (2Sm 5.2; Sl 23; 28.9; Is 40.11; Jr 3.15; Os
4.16), e isso desenvolve o relacionamento pessoal.
Somente este pastor chefe conhecia a rota (Ex 40.34; Dt 2.3,9,15,18,24,31,37; 3.2), o
tempo, as condições de pasto e de água, e a resistência do povo e dos rebanhos num ambiente
perigoso – pois não se tratava de um teste arbitrário de obediência. Encontros pessoais
contínuos com Deus deram a certeza de que o Deus transcendente estava invisivelmente
presente durante toda a viagem deles (Gn 17.1,22; 35.13; Ex 13.19-20). A providência de Deus
nos aspectos materiais da vida foi tornada explícita em sua direção de Israel no deserto com a
coluna de nuvem (Nm 9.15-23). Deus escolheu áreas de acampamento (Dt 1.33). Até os
detalhes de higiene eram vitais, porque Deus “andava” no campo como ele fizera no Éden (Dt
23.14). Deus também usou a figura de um guerreiro e cavaleiro cavalgando nos céus para
promover a causa de seu povo (Dt 32.26; Os 104.3; Is 19.1), ele vindica seus servos (Sl 18.10),
os capacita a cavalgar com ele (Dt 32.13) e faz justiça ao desamparado (Sl 45.4; 68.4,33). A sela
e a sandália não são inconsistentes com o templo e o trono como lugares de atuação de Deus.
A natureza especial de Deus os acompanhando de uma forma especial era parte da
identidade de Israel, comparado com o ser conduzido unicamente por um anjo (Ex 23.20-23;
51
33.2-3,15): “a não ser que vás conosco, o que mais irá distinguir a mim e a seu povo de todos
os outros povos na face da terra?” O caráter de Deus é demonstrado até mesmo para outros
povos como livre de limitações terrenas. Ainda que ele dá provisão nos mínimos detalhes para
aqueles que confiam nele (Gn 20.3ss.; Nm 14.14; Js 2.9ss.). O privilégio de Israel ser conduzido
por Deus continuou mesmo após a desobediência deles com o bezerro de ouro. xii Através da
provisão de Deus em coisas materiais, confiança e obediência foram aprendidas pelos princípios
espirituais revelados para a caminhada de fé cristã (Mt 6.23-35) e o seguir a Jesus (Mc 8.34). A
imagem de seguir transforma a fé em confiança obediente e prática, não mero assentimento
mental e emocional.
A liberdade “nômade” de Deus das barreiras físicas e humanas, combinada com
seu comprometimento com seu povo, exige que o povo seja santo, separado de outros
(Ex 19.6,10; Lv 18.2-5). Os patriarcas, a geração do Êxodo e Israel (por toda sua
história) eram minorias mal compreendidas sob ameaça cultural e militar para
enfraquecer sua identidade distinta. Isso também é o que acontece com muitos povos
nômades. Por séculos, o antigo Israel teve o etos de um povo viajante unido pelo
propósito de Deus, e não por apego a um lugar ou sociedade circundante. Seguir o
propósito de Deus resulta num estilo de vida que, se não está constantemente em
movimento, pelo menos exige uma prontidão para se mudar de acordo com a direção
dele. A Páscoa ilustra, no decorrer dos séculos, a mensagem de um povo viajando as
pressas de acordo com o comando de Deus (Ex 12.11).
O nomadismo isolou os israelitas de outros povos para que eles pudessem estar sozinhos
com Deus (Ex 19.4; 33.15-16; Lv 20.26). Essa experiência formativa ensinou Israel que fé –
confiar e obedecer a Deus, recebendo sua provisão e proteção – tinha de ser sua principal
característica (Dt 4.6-8). Eles tiveram que aprender que, após sofrerem uma avaliação pastoral,
a situação só poderia ser resolvida por uma solução divina. A vida de fé é uma jornada com
Deus marcada pelas ações de Deus e não por datas – tanto quanto os nômades se lembram de
sua vida não por datas, mas por migrações e condições ambientais.
O pastoralismo nômade usado por Deus
Alguns estudiosos da Bíblia sugerem que os patriarcas não foram nômades,
argumentando que o verdadeiro nomadismo não se desenvolveu senão após o primeiro milênio
antes de Cristo, séculos após Abraão.xii Contudo, isto só é verdade se identificarmos o
nomadismo necessariamente com o tipo de nomadismo de uso posterior de camelos pelos
beduínos. O jumento era o animal de carga comum nos tempos patriarcais. O camelo foi,
provavelmente, domesticado no segundo milênio antes de Cristo e usado para transporte mais
lento através do deserto para facilitar as caravanas de comércio entre as várias civilizações do
Fértil Crescente, especialmente o comércio de incenso proveniente do sul da Arábia. Os
midianitas bíblicos podem ter tido que desmontar para lutar (Jz 6.4-5). O pastoralismo no
deserto é resultado de um desenvolvimento tardio da sela de camelo, mas só quando cresceu a
pressão para que se fizesse assim.xii
Contudo, a despeito do nomadismo de camelo, no início do segundo milênio antes de
Cristo e durante todo o período bíblico, houve povos viajantes, incluindo os ancestrais dos
beduínos posteriores, que se auto-sustentavam com bois, ovelhas e cabras. Eles viviam na
estepe próximos à populações estabelecidas e não no deserto como os beduínos posteriores que
dependeriam dos camelos.xii
Os patriarcas eram chamados de arameus (Gn 28.5; Dt 26.5), o que subentende que eles
podem já ter sido pastoralistas entre os povos nômades na Mesopotâmia. xii Certamente os
parentes de Abraão em Harã parecem ter sido pastoralistas, os quais precisavam fazer mudanças
sazonais ou praticar o nomadismo por causa do ambiente (Gn 29.6,10; 31.1, 19-22). O servo de
Abraão, na busca de uma esposa para Isaque, reconheceu não só a generosidade de Rebeca em
dar água aos camelos dele, mas também sua força e experiência porque ela teria tido que tirar
52
água para os dez camelos dele (Gn 24.14).xii Além disso, Labão não tivera muito sucesso como
pastoralista até Jacó mudar a sorte dele, o que Jacó pode fazer baseado em sua experiência
pastoral em Canaã (Gn 30.30; 31.18, com vs. 1).
Foi sugerido também que Abraão não era um nômade porque seus rebanhos não são
mencionados em sua jornada a partir de Harã e sua Jornada lhe teria tomado um dia de marcha a
partir das localidades bem habitadas e abastecidas com água. Mas as muitas “possessões” de
Abraão (Gn 12.5) devem ter incluído animais, já que o termo usado se refere a animais antes e
depois (Gn 4.2,20; 13.6; 15.14; 31.18; Jó 1.3). Abraão ganhou muitas cabeças de gado no Egito
assim como ouro e prata (Gn 12.16; 13.2) e os termos usados distinguem ovelhas e cabras de
bois e implicam grande riqueza. Abraão e Ló se separaram em Canaã porque os pastos
provaram ser inadequados para seus rebanhos cada vez maiores (Gn 13.5-12). Mais tarde, a
riqueza “repentina” de Isaque provocou inveja nos filisteus (Gn 26.13) e sabemos que Jacó tinha
bois e ovelhas (Gn 33.13).
Vários detalhes do pastoralismo estão registrados nas histórias dos patriarcas (Gn 12.89; 13.5-12; 21.22-34; 26.27-33; 29.1-10; 31.38-40; 37.12-17; Ex 2.16-25; 22.10-13). Portanto,
mesmo se Abraão não tiver começado como pastoralista – e talvez deixar sua família tenha
exigido dele deixar seu rebanho – ele logo se tornou um, na jornada para obedecer ao chamado
de Deus. Sua vida reflete a habilidade nômade em adaptar seu estilo de vida de acordo à
necessidade e, além disso, seu rebanho representa sua riqueza. Há evidência suficiente de que os
patriarcas eram, ou se tornaram, nômades vivendo em tendas, que restringiram suas andanças às
terras estabelecidas e suas periferias.xii
Está claro que o pastoralismo nômade foi a maneira de Deus preservar a independência
dos patriarcas dos poderes pagãos vizinhos daqueles dias para que ele cumprisse seu propósito.
Quando o método deixou de funcionar por causa de contato forçado com as sociedades
circundantes por causa da fome, Deus testou a fé dos patriarcas em sua proteção (Gn 12.10;
15.13; 20.2; 26.1; 41.1). A vida de Jacó, seja como viajante, seja como pastoralista, é instrutiva,
á medida que ela mostra Deus perseverando com ele para continuar seu plano. Deus poderia ter
escolhido enviar Abraão como um mercador pra viver nas cidades de Canaã, mas esse método
manteve Abraão e seu povo separados destas influências nocivas. Só temos que lembrar a
história de Ló e a experiência de Abraão com Abimeleque e o Faraó (Gn 12.10ss.; 19.1ss.;
20.1ss.), assim como as complicações posteriores de Israel com os cananitas, para perceber quão
necessário foi manter a independência espiritual e material dos patriarcas. O pastoralismo
nômade foi uma das “armas secretas” de Deus para manter seu povo separado para cumprir seu
propósito redentivo. Ele mostra também a importância dos nômades na missão cristã.
Para os patriarcas e para Israel peregrinar em fé com Deus, apoiados pelo pastoralismo
nômade, era a maneira de desenvolver confiança em Deus tanto para o sustento material como
espiritual, mesmo antes dos detalhes do plano de Deus serem revelados. A fé como uma jornada
com Deus é uma caminhada progressiva e uma prova, levando ao conhecimento de Deus e de si
mesmo. Essa jornada foi o relacionamento fundamental pelo qual Deus revelou seu propósito
para os povos do mundo.
6
O
O Deus Pastoral de um Povo Viajante
método particular que Deus escolheu para sustentar seu povo viajante e se revelar
às nações foi o pastoralismo nômade. A influência deste nomadismo não está limitada ao estado
primitivo dos patriarcas, mas se estende por toda a história do povo de Deus e, portanto, afeta a
mensagem de Deus comunicada nas Escrituras.
53
Liberdade nômade para se encontrar com Deus
O pastoralismo nômade ainda foi o estilo de vida escolhido por Deus para seu povo
mais tarde, quando os israelitas estavam no Egito. José e seus irmãos puderam descrever a si
mesmos como nada mais do que pastores do Faraó, apesar do preconceito dos egípcios contra
tais pessoas (Gn 37.2, 12, 17, 47.1- 4; 46.34). No Egito, eles continuaram no pastoralismo como
pastores assalariados para o rebanho que passou para posse do estado como resultado das
políticas de José (Gn 47.1-6, 17- 18).
Após o tempo de José, a terras de agricultura podem ter continuado em posse do estado
e é improvável que os israelitas, considerados como uma comunidade imigrante poderosa e
suspeita, tivesse sido capaz de possuir a terra de Gósen (Nm 11.5). Durante os quatro séculos no
Egito, deve ter sido permito a eles somente ser pastores especialistas. O fato de os israelitas
serem forçados a construir os projetos do Faraó pode ser comparado aos modernos “nômades
em espera”, forçados temporariamente a uma vida sedentária. Assim como estas pessoas hoje,
os israelitas mantinham uma reputação por terem uma fé associada ao deserto (Ex 5.1; 8.25-28).
A revelação seguinte para a humanidade no Sinai foi dada num contexto de
pastoralismo nômade. Moisés insistiu com o Faraó que o deserto era o lugar apropriado para o
Deus de Israel ser adorado, porque ele é um Deus que despreza as construções humanas
elaboradas de um local como o Egito. Eles poderiam se auto-sustentar no deserto, embora seu
número (não importa como interpretado) sobrecarregaria os recursos da pastagem limitada (Ex
7.16; 8.25, 27; 10.9, 26; 12.31s.). Com seus animais eles seriam auto-suficientes na jornada para
Canaã (Ex 34.3; Nm 3.41, 45; 15.3). E, uma vez que a rota direta estava fechada para eles, seria
crucial que eles pudessem se sustentar por métodos conhecidos por eles (Ex 13.17).
A jornada do êxodo era algo para o que os israelitas, como pastoralistas, estavam bem
equipados. Eles gastaram 40 anos do deserto como pastores, não como refugiados agrícolas ou
urbanos (Nm 14.33). “Deserto” (midbar) não se refere só a uma região inóspita, pois ele
também era um local para pastorear rebanhos, ou seja, estepe ou pasto. Os israelitas eram
pastoralistas com rebanhos consideráveis de bois e ovelhas (Ex 10.26; 12.32, 38). Como muitos
pastoralistas desde então, os israelitas passaram a ter, os acompanhando na viagem, um
destacamento de pastores que trabalhavam o cobre. Estes eram os queneus (que quer dizer
“ferreiros”), um ramo dos midianitas, sob a liderança de Jetro, que se juntou a Israel. Um deles
se tornou guia de Israel do deserto, ou batedor (Gn 15.19; Ex 2.18; 3.1ss., 18.1-12; Nm 10.29;
Jz 1.16). No fim da migração, as tribos de Rubem e Gade foram criticadas por tomar uma
decisão pastoral típica ao escolher o bom pasto da Transjordânia (Nm 32.1-15). As tribos da
Transjordânia podem ter levado seu gado por diferentes rotas no deserto, já que estavam mais
comprometidas com o pastoralismo de gado bovino.xii
A administração de uma migração tão grande por Moisés, com a necessidade de
orientação durante a rota, provisão de água, coleta de comida natural e a organização do
acampamento pode ser apreciada por um nômade muito mais do que por um ocidental. Assim
como a quantidade enorme de pessoas e seus rebanhos criariam enormes problemas num local
tão árido.xii O maná e as codornizes teriam sido necessárias para preservar o rebanho como
recursos móveis, e Moisés reagia com a típica relutância pastoralista a qualquer idéia de
sacrificar os rebanhos deles para uma melhora de curto-prazo na alimentação do povo no
deserto (Nm 11.22). O gado seria usado raramente somente para o sacrifício, que também
envolvia uma refeição.
Até a rebelião de Israel contra Moisés, que é interpretada como simples fraqueza moral
em muitos sermões ocidentais, é melhor compreendida quando percebemos como os nômades
modernos questionam seus líderes quando confrontados com a dura possibilidade de fome e
morte. O cabeça de um grupo de pastoreio tem que tomar decisões que podem levar
rapidamente ao desastre, se pasto ou água não forem encontrados a tempo e nos lugares certos.
Entre a maioria dos grupos pastoralistas, tais falhas na liderança resultam na troca do líder por
um homem com experiência maior comprovada. Os israelitas eram homens de considerável
experiência e não urbanistas petulantes. Eles tiveram motivos reais para reclamar, porque sua
54
experiência pastoral lhes dizia que tal empreitada estava ameaçada com a possibilidade de
falha.xii Tudo isto descreve um povo cujo estilo de vida natural era o pastoralismo, com
experiência viajando pelo deserto.
Para Abraão e Israel, o método de Deus para desenvolver confiança e temor do Senhor
foi conduzi-los numa jornada como nômades e, neste contexto, revelar seu propósito mais
adiante (Gn 15.6; Ex 14.31). Devemos questionar se os patriarcas ou Israel, ou na verdade
muitos nômades modernos, têm um destino no sentido de que suas peregrinações sejam só um
meio necessário para chegar a algum lugar pela rota mais curta; ao contrário, suas peregrinações
são parte de uma forma de viver suas tradições e ideais como um povo.
Fé testada no deserto
O Êxodo e a jornada no deserto deviam deixar uma marca indelével na espiritualidade
de Israel, para ser mencionada novamente de tempos em tempos (Gn 47.9; Sl 39.12; 119.19,
54).xii O destino de Israel era o próprio Deus, não a terra (Ex 19.4-6). O Êxodo foi uma fuga da
escravidão, mas foi também o propósito de aprenderem a crer e fazer deles uma mensagem viva
para as nações (Ex 19.4; Lv 20.26; Dt 4.6-8).
O relacionamento peregrino e pastoralista foi desenvolvido no curso de 14 anos e
precedeu a aliança. Abraão seguiu a Deus, e foi justificado por ele, antes que o relacionamento
deles tomasse a forma de uma aliança (Gn 17; veja Rm 4.9-12). Semelhantemente, Israel
confiou em Deus para fugir para o Mar Vermelho, viu Deus o abrir diante deles, e receberam o
maná, codornizes e água da rocha – tudo antes que houvesse qualquer insinuação de uma
aliança (Ex 13.14 – 19.5). A fé de Israel se desenvolveu através da experiência formativa do
nomadismo no deserto e não foi substituída, mas desenvolvida, ao Israel se tornar uma nação
pactual (Ex 19.5-6; Dt 5.3). A vida deles sob a lei na Terra Prometida, muito depois do fim da
experiência no deserto, deveria ainda ser motivada pela recordação da provisão de Deus e da
provação naquela jornada (Dt 8.2-5).
Deus revelou o suficiente de si mesmo para compelir os patriarcas e Israel a viajar em fé
antes que acertos mais detalhados de alianças fossem efetivamente feitos. Reconhecer este fato
refreia qualquer tentativa de esquecer que todo estágio da jornada do povo com Deus foi de total
iniciativa dele. Ele falou desta jornada a Abraão seis séculos antes dos israelitas escravizados
clamarem a ele. O chamado fundamental de graça, e fé como resposta ao chamado, foi
estabelecido muito antes de haver qualquer instituição religiosa formal.
Israel continuou a ser um povo errante, num relacionamento em desenvolvimento com
Deus, muito tempo após se estabelecerem. A promessa da terra, portanto, não era tanto a
respeito da provisão de um território nacional e sim acerca de dar a Israel um lugar no propósito
de Deus e espaço para um relacionamento para ser desenvolvido conforme a nação viesse a
conhecê-lo. Para promover isto, o caráter de Deus como previamente revelado na experiência
nômade continuou a ser revelado na regulamentação da sociedade pela lei (Ex 20.2; 22.21s.; Dt
1 — 4, 5.15; 24.18; Lv 11.45; 19.33s.; Nm 15.41).
A estrutura de Deuteronômio, com a fundação da nação no Sinai localizada entre a
narração de Moisés da jornada no deserto (Dt 1 – 11) e a ameaça do exílio e retorno (Dt 27 –
34), sugere que Israel estava numa jornada espiritual perpétua. “Descanso” não se referia à
cessar de viajar, especialmente no sentido metafórico de avançar com Deus, mas à segurança
dada divinamente contra os inimigos (Dt 25.19; Js 1.13s.). Gozar da responsabilidade e benção
de uma divina alocação dos recursos naturais depende da obediência humana a Deus. Deus
exige que cada geração transmita à geração seguinte o desafio moral de lealdade a sua aliança e
lei em troca de benção e segurança. A permanência de Israel na terra dependia de sua resposta, e
o exílio foi o que eles finalmente experimentaram (Dt 15.4-6; 26.14-15; 28.1-68).xii
A jornada de Israel faz paralelo com a necessidade, de muitos povos minoritários, de
liberdade da opressão numa sociedade dominante. Esta liberdade só pode ser encontrada por
meio de uma “caminhada” com Deus e pode levar ao comportamento que ganha o respeito da
sociedade mais ampla. O propósito de Deus para cada grupo de pessoas é que elas possam
55
conhecê-lo, também os padrões dele para sua sociedade, e desfrutar de liberdade para praticar a
fé e expressar o caráter dele. No caso de Israel, a Terra Prometida era uma parte essencial, e
ainda assim só uma parte, da promessa de Deus. O destino final de Israel era a liberdade – para
expressar uma nova identidade pela confiança em Deus. Para atingir isto, Israel tinha que
peregrinar, literal e moralmente.
A fé de Israel falhou quando o povo se recusou a avançar para a Terra Prometida – a
rota que até mesmo toda a sua experiência indicava era a correta – por causa de seus temores de
ser um alvo grande, movendo-se lentamente nos pastos de Canaã, sem a liberdade de se mover
para mais adiante no deserto longe do perigo. Eles optaram para as rotas mais familiares do
pastoralismo nômade. A história de Israel se assemelha a de muitos nômades modernos, que
vêem sua vida errante como punição por alguma falha moral passada (Nm 14.33). O deserto
veio a representar um lugar de revelação e teste divino, assim como de perigo espiritual.xii Israel
falharia repetidamente em aprender as lições de fé na vida pastoral no deserto.
O Novo Testamento deixa claro que Israel nunca entrou no descanso prometido e que
foi levado para o exílio (Js 1.13; 2Sm 7.10; Hb 4.8). A única pessoa que deveria ter entrado na
Terra da Promessa, Moisés, foi condenado a morrer fora dela.xii Israel falhou em cumprir o
papel que Deus designou para eles e foram suplantados por um remanescente missionário
crente, a igreja multiétnica do Novo Testamento (2Co 6.16; 1Pe 2.9).
A Bíblia vê o povo de Deus como peregrinos, motivados por uma confiança num Deus
“peregrino”, sempre prontos para obedecer à vontade e propósito dele, desembaraçados dos
compromissos e convenções da sociedade circundante. O Novo Testamento, compreendido
dentro do contexto do Antigo Testamento, mostra Cristo como sendo o meio dado por Deus
para cumprir o papel de Israel para os povos do mundo ao lidar com as falhas morais, sociais e
espirituais de Israel.xii A jornada do povo de Deus agora é pela fé na graça de Deus em Cristo,
que é o caminho para a reconciliação com Deus. O crente cristão continua a ser um peregrino ou
nômade (Hb 4; 1Pe 1.1,17; 2.11), constantemente seguindo obediente em direção ao alvo final
de Deus.
O relacionamento pastoral na aliança
Temos visto que Deus revelou seu propósito redentivo para o mundo ao criar um povo
errante sustentado pelo pastoralismo. O pastoralismo continua a ser importante por toda a
história dos povos à medida que ele lhes dá uma medida de separação dos outros e dependência
de Deus. Imagens pastorais assim são proeminentes por toda a Bíblia. Sugerimos que isto é
assim porque o relacionamento pastoral de um povo errante com Deus, implicitamente, repousa
sob outros conceitos bíblicos, como o da aliança. Fé no guia pastoral transcendente, e imanente,
de um povo errante deu a Israel sua identidade distinta.
Portanto, a compreensão básica e a experiência de uma jornada de fé com Deus foram
aumentadas por uma variedade de conceitos de aliança, lei, templo (com seu ritual), separatismo
étnico, profecia, reino e monarquia. Estas instituições bíblicas reforçaram a distinção de Israel
que já era explícita quando eles viajaram como nômades. Eles também deram a Israel uma
unidade moral como um testemunho para outras nações (Ex 19.6).
O propósito de Deus era que ele pudesse ser conhecido por todas as nações do mundo.
Israel deveria ser o segulla especial de Deus, ou seja, uma “propriedade separada para o uso
especial” (Ex 19.5). O alvo da escolha de Israel por Deus é expresso pela frase: “Pois toda a
terra é minha”. Ela não só faz uma comparação entre Israel e o mundo, mas expressa o
propósito de Deus em fazer de Israel o modelo e o meio para trazer o conhecimento de Deus às
nações.xii Israel tinha que se tornar uma sociedade “modelo” ao cumprir as instruções de Deus,
ou tora (Ex 19.6; Dt 4.6), e mostrar publicamente o caráter moral a partir de seu conhecimento e
obediência a Deus (Dt 4.7).
56
A estrutura genealógica de Gênesis enfatiza que Israel é parte do mundo através da
criação, porém mais importante é seu declarado papel missionário em muitos textos (Ex 34.10;
Dt 4.6-8, 32-34; 1Rs 8.41; Sl 22.27; 67; 86.9; 117; Is 2.2; etc.).xii A experiência nômade de
Israel sob a orientação de Deus era para demonstrar o caráter e o plano de Deus para a
humanidade às nações. Portanto, a visão e experiência de Deus como gracioso e tendo cuidado
pastoral era uma parte vital de ser seu povo.
O Deus pactual é constantemente descrito como um pastoralista de uma forma que une
seu papel de criador e Deus pactual, para que ele tenha domínio sobre a história humana e o
ecossistema cósmico. O Deus-Criador cumpre sua aliança com Israel como um pastor porque
ele fez e possui tudo, incluindo o gado sobre os milhares de montes (Sl 50.10; 95.7; 100.3; Ez
34.26-27). “Eis que eu mesmo procurarei as minhas ovelhas e as buscarei” (Ez 34.11).
Reconhecer Deus como pastor expressa mais apropriadamente sua graça pactual ou amor
imutável (‘hesed), que é a realização do relacionamento. Esta graça é o favor imerecido de Deus
que cumpre fielmente sua aliança até com um povo desobediente. Ajuntar as ovelhas, conduzilas para o bom pasto em qualquer tempo ou condição, buscar a perdida, curar a machucada,
fazer apriscos e locais de descanso, são tarefas mundanas do pastor – mas elas são imagens
usadas para cobrir a vasta extensão de atividades de Deus ao viver este relacionamento com seu
povo. Ele tem uma habilidade incrível de encontrar bons pastos e água no mesmo lugar; na vida
real elas constantemente ficam separadas por um ou mais dias de jornada (Sl 23.2).
Desde antes do tempo de Israel, deuses, reis e outros líderes eram relacionados a
pastores (Gn 49.24; Nm 27.17; 1Rs 22.17; Is 40.11; Jr 31.10), por isso a imagem bíblica de
pastor também tem muito a ver com a autoridade para prover, proteger e julgar. A contagem de
ovelhas e gado pastando na pastagem da montanha são sinais da prosperidade dada por Deus
(Lv 27.32; Jr 33.13), com também de seu julgamento (Ez 20.37; Jr 9.10). Assim como Deus
ajudou os homens a defender o rebanho contra predadores, ele também ajuda Israel contra seus
inimigos (1Sm 17.34-36). Deus pode prover, proteger e conduzir o indivíduo assim como o
grupo (Gn 49.24; cf. 48.15; Sl 23; 77.20; 78.52; 80.1; Jr 25.34-36). O fato real de que Deus
conduz os patriarcas e Israel no deserto leva a sua exigência de que o povo deveria “andar em
seus caminhos”, conformando suas vidas a vontade dele. O “caminho” da migração terrena e da
direção de Deus no deserto faz uma transição contínua para o uso do mesmo termo para a
conduta de Deus e a conduta correspondente de seu povo. Porque eles viajavam “nos passos
dele” no deserto, toda a vida deles é uma jornada com ele, até mesmo após a viajem literal ter
terminado. Seu relacionamento com Deus é repetidamente descrito como “andar nos caminhos
de Deus” (Ex 16.4; 18.20; Lv 18.3; 20.23; Dt 8.13-16; Sl 5.8; 23.3; 27.11; 31.3; 77.20; 80.1;
139.24; Ne 5.9; 9.12-19; Is 40.11; 63.11), mesmo muito tempo após qualquer viajem literal ter
terminado (1Rs 2.3s.; 3.14; 6.12; Ne 5.9; Is 2.3, 5; 30.21; Ez 11.20; Zc 3.7).
Portanto, a justiça que exalta a nação é expressa em termos nômades. O “andar” era
viajar, chegar ou partir em viagem, tal como as jornadas dos patriarcas ou a jornada de Israel no
deserto. Era avançar resolutamente, assim como os nômades viajam com um propósito
sistemático de acordo com as estações, obedecendo a seu sentimento de chamado dentro das
condições do ambiente. Esta caminhada conduz à benção e à resposta de oração (Dt 1.30s.)
assim como ao sucesso na guerra (Dt 20.4).
Deuteronômio, em especial, associa a caminhada no deserto (Dt 2.7) com andar nos
caminhos do Senhor, ou seja, obedecer a seus mandamentos (Dt 5.33; 8.6; 10.12, etc.). É
possível rastrear as ligações na narrativa (Ex 13.18, 21 com 18.20; Dt 8.2 com v. 6; 17.16 com
19.9; 25.17, 18 com 26.17; 28.7). Outras ligações incluem a desobediência de Israel como
desvio do caminho (o episódio do bezerro de ouro: Ex 32.8 com 33.13; Dt 9.12, 16 com 10.12;
e, de forma geral, Dt 1.22,25 com 1.33; 3.26 e 5.32-33). Muitos dos Salmos também ligam a
caminho terreno com o caminhar nos caminhos de Deus (Sl 1.1,6; 18.21,30; 119). Este
caminhar em fé foi expresso pela fidelidade e amor para com Deus, com o guardar imperfeito da
lei exigindo sacrifícios para reconciliação com Deus.
A preocupação de Deus por justiça na sociedade é demonstrada em termos pastorais. A
recusa de hospitalidade e celebração na época da tosa é implicitamente condenada (1Sm 25.28,36; 2Sm 13.24-39). O costume de permitir que um pastoralista pobre, que perdeu seu próprio
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rebanho, criar cordeiros órfãos e assim começar de novo, ainda é praticado hoje. Este é o
provável contexto para a parábola de Natã, que condenou o adultério de Davi contra Urias,
sobre a única ovelha de um pobre homem, criada entre seus filhos, e foi roubada por um homem
rico, possuidor de muitos rebanhos (2Sm 12.1-6). Esta é uma imagem comovente para os
nômades modernos como os fulbe, que emprestam ou compartilham gado nos tempos de
dificuldade. Deus está tão preocupado com justiça no pastoralismo quanto está com respeito ao
adultério. Ezequiel descreve Deus julgando Israel como um pastor dividindo suas ovelhas.
Ovelhas que engordaram, à custa de empurrar as outras para fora da forragem e esmagar o
pasto, são uma imagem de injustiça e desigualdade na sociedade (Ez 34.17-21).
O Êxodo foi uma redenção das conseqüências do pecado e da opressão social. A
redenção da culpa e do poder do pecado viria mais tarde, embora na antecipação desta qualquer
israelita pudesse receber justificação por Deus (Gn 15.6; Sl 32.1-5; 1Rs 8.30). É possível se
perder, não atingir o objetivo ou se rebelar, resultando num relacionamento rompido com o
Pastor. No Antigo Testamento, o perdão é buscado (Sl 25.18; Nm 14.19ª; 1Rs 8.30; 2Cr 6.21;
etc.), recebido (Sl 32.5; 78.38; 85.2; 99.8; 103.3; Nm 14.19b; cf. Ex 32.32, onde o perdão é
recusado) e prometido (Jr 18.23; 31.34). Ainda assim Israel foi desobediente e incrédulo no
deserto, e depois a própria nação praticou a opressão social, da mesma forma que tinha
experimentado nas mãos dos egípcios. Uma geração foi perdoada, mas foi proibida de entrar na
terra (Nm 14.20-22).
Ainda que o pastoralismo possa ter perdido o status de principal atividade econômica
durante a história de Israel, ele continua a receber proeminência nas Escrituras como expressão
do relacionamento de Israel com Deus. Israel aprendeu que Deus era seu pastor conduzindo a
migração, muitas vezes no limite da sobrevivência - ambiental ou militarmente. As imagens de
pastoralismo nômade integraram o caminhar de fé e obediência com a grande revelação dada. O
relacionamento pactual tornou explicito socialmente o relacionamento de confiança e
obediência já estabelecido pela jornada com Deus. Ele precisava ser completado por este
cumprimento no relacionamento de Jesus com Deus como Pai, pois liderança era uma fraqueza
crucial em Israel.
A morada de Deus
A presença do Senhor era um assunto central nessa caminhada. Convenientemente o
lugar de adoração de Deus era uma tenda, o tabernáculo; o Senhor não tinha “casa” (Lv 26.12;
2Sm 7.7). O tabernáculo representava o Deus que “viajava” com seu povo, que não só é grande
demais para construções permanentes, ainda que majestosas, mas “móvel” demais. Seu caráter é
o nomadismo proposital, um Deus em movimento conduzindo seu povo! Esta situação
continuou por três ou mais séculos, mesmo após o estabelecimento na terra.
A construção de templos entre os vizinhos de Israel era empreendida pelo estado ou por
uma elite sacerdotal para honrar um deus que tinha dado vitória para a nação. A construção era
uma estrutura prestigiosa numa cidade importante.xii Em contraste, o Yahweh “nômade” toma a
iniciativa para libertar um povo de pastores e escravos no Êxodo, e os encontra no deserto para
habitar entre eles. Isto começa na sarça ardente no contexto do pastoralismo no deserto (Ex 3).
Sua presença, confirmada pela aliança, faz deles uma nação (Ex 19.5-6).
A tenda não é um símbolo de status comparado com as construções elaboradas dos
deuses ao redor. A instituição permanente desta tenda parece estranha quando se leva em contra
que a jornada do Egito para Canaã deveria, originalmente, levar só algumas semanas, não 40
anos! Ainda é estranho quando levamos em conta que Deus sabia que a jornada seria mais
longa. A coleção dos materiais elaborados ressalta isto. Se o alvo era a construção de um
templo, por que não esperar até a chegada na terra? Parece que uma estrutura portátil era uma
parte permanente do plano, mesmo depois chegarem à terra.
A construção do templo parece ser uma concessão, relacionada à permissão de ter um
rei, que se afastava do ideal inicial de Deus pastoreando seu povo por meio de juízes (2Sm 7.229). Foi o temor de Davi em ir até o tabernáculo após sua desobediência que instigou as
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preparações para uma alternativa (1Cr 21.28 – 22.11). Há vários contrastes negativos entre o
templo e o tabernáculo. O templo só foi construído após o palácio do rei, e um tempo menor foi
dado para sua construção, ao passo que Moisés e o povo nunca construíram nada para si
mesmos. Deus parece fazer uma distinção, chamando o templo de “esta casa que vocês estão
construindo”, embora o tabernáculo tenha sido construído de acordo com um padrão dado por
Deus (Ex 25.8; 1Rs 6.12).xii Na melhor das hipóteses, o templo foi um projeto humano,
motivado por um sentimento de culpa derivado da prosperidade do rei (2Sm 7.2-7).
Além do mais, o templo foi construído com trabalho forçado, enquanto que o
tabernáculo foi construído a partir das ofertas do povo, por artesãos dotados pelo Espírito (Ex
31.1-3; 35.20s.; 36.3-5). Os materiais simples usados para o tabernáculo contrastam com o ouro
e madeiras importados, usados na construção do templo (1Rs 5.6). O templo pode ter dependido
de muros defensivos (seguindo o paralelo com a visão de Ezequiel [Ez 40.5ss.]). O tabernáculo,
por outro lado, era defendido pela ameaça de juízo divino (Ex 40.35). O templo e seu tesouro,
além de ser um alvo para invasores, foi “pilhado” pelos reis de Israel, já o tabernáculo nunca foi
atacado em seus “480 anos” de história (1Rs 6.1). De acordo com esta estimativa, o tabernáculo
durou 375 anos a mais do que o templo de Salomão.xii Embora o segundo templo, construído
depois do exílio, ter durado 500 anos após Malaquias, Deus o substituiu em silêncio. Ele foi
substituído pela estrutura de Herodes, que foi condenada por Jesus.
Salomão reitera que Deus não poderia habitar ali, mas só o seu “nome”, e as orações
seriam respondidas do céu (1Rs 8.27). Somos informados que os varais que carregavam a arca,
embora facilmente removíveis, foram deixados no lugar por séculos – ainda que fossem
inapropriados no ambiente daquele enorme edifício. Eles sobressaíam através do véu que só o
sumo sacerdote poderia passar uma vez por ano (1Rs 8.8; cf. Ex 25.12-15). Isto era
desagradável porque os construtores esqueceram de medir os varais, pois o próprio Deus dera os
planos! A arca foi colocada com os varais apontando para frente e para trás como se estivesse
sendo carregada permanentemente na marcha com a congregação seguindo atrás. Embora Israel
tivesse completado a jornada geográfica para a terra, o relacionamento do povo ainda devia ser
uma peregrinação espiritual para o “descanso” prometido (veja Hb 4).
Os profetas amontoaram desdém sobre a falsa confiança derivada da permanência
aparente do edifício magnificente e seu elaborado ritual. Eles predisseram a destruição do
templo junto com o exílio de Israel da terra por desobediência. Israel tinha perdido de vista o
caráter nômade e o propósito dinâmico de Deus, e os tinha substituído pelo relacionamento
ritual mecanicista. Tal confiança falsa contradizia a confiança completa que Deus os tinha
ensinado como pastoralistas no deserto. Por isso Deus teve que conduzi-los a viajar novamente
a fim de reaprender a lição.
A espiritualidade de Israel continuou a falar da proteção de Deus como sendo colocar
num pavilhão, tabernáculo, tenda ou até atrás de uma proteção contra o vento ou guarda-sol –
todos os quais são, fisicamente, estruturas muito frágeis.xii A ênfase é no relacionamento com o
próprio Deus como protetor. Semelhantemente, os nômades têm pouco para se abrigar, mas
confiam na proteção daqueles com quem estão relacionados. Os relacionamentos que se possui
são vitais e as estruturas físicas são de valor limitado.
Pastoralismo na terra com Deus
Após chegar na terra, os israelitas se tornaram sedentários e já não eram mais nômades,
entretanto, nem Deus nem Israel abandonaram o pastoralismo. A terra era conhecida como uma
terra de pastores desde os tempos bíblicos, e ser um pastor era a ocupação mais comum ali. xii
Como uma terra de “leite e mel” ela era um paraíso pastoralista, sendo apropriada para a criação
de ovelhas e bois, bem como para a colheita de produção natural (Ex 3.8, 17; 13.5; 33.3; Nm
13.27; 14.8; 16.13; Dt 6.3; 11.9; 26.9, 15; 27.3; 31.20; Js 5.6, etc.). Cada sete anos eram um
Sábado para a terra e o retorno para uma economia de pastores e caçadores-coletores. As
características agrícolas e urbanas da terra, que contrastavam com a aspereza do deserto, eram
somente um bônus e secundárias para a abundância natural dada pro Deus (Dt 8.7-9,15).
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Imediatamente após a conquista, a produção agrícola limitada dos israelitas só teria
suplementado o pastoralismo deles. Os israelitas devem ter tido alguma experiência como
cultivadores no Egito, assim como muitos povos pastores hoje se engajam na agricultura
sazonal sem enfraquecer seu pastoralismo essencial. Embora Israel tomasse o controle de
campos que já estavam formados e vinhas que já estavam plantadas, o gado pastando ao redor
dos estabelecimentos deve ter continuado a ser o principal meio de subsistência.
Cada aldeia dos israelitas continuou a ter seus rebanhos de ovelhas, cabras e bois. A
maioria das famílias tinha membros trabalhando como pastores próximos à aldeia, ou viajando
distancias consideráveis dentro do território de Israel, além das vastas áreas então cobertas com
florestas, praticando assim o “nomadismo fechado” (“arredores”, Lv 25.34; Nm 35.2,3,4, etc.;
Js 21.2; 1Cr 6.55). Os pastores transmitiam sua habilidade e conhecimento dentro da família e,
se trabalhassem para outros, sua remuneração assumia a forma de uma parte dos animais jovens
que eles tinham criado.
Ainda que tenham se estabelecido e já não fossem mais nômades, os israelitas estavam
em constante contato com os nômades que viviam em tendas e viviam permanentemente na
estepe com pequenos rebanhos.xii Pastores estrangeiros também passavam pelo território
israelita, pastoreando seus rebanhos no restolho dos campos em troca de fertilização dos campos
com o estrume. Eles também forneciam suas habilidades como pastores para os israelitas ou,
alternadamente, representavam uma ameaça como enganadores, invasores ou espiões.xii
Os nômades que aparecem na Bíblia, tais como os amalequitas e midianitas, geralmente
são apresentados como hostis e a maior parte das referências a eles são negativas (Ex 17.8ss.;
Nm 14.43ss.; Dt 25.17ss.; Jz 3.13). Os midianitas lançaram o que foi considerado ser o primeiro
ataque rápido em camelos registrado numa guerra, mas eles estavam na verdade aparentados a
Abraão e Moisés (Gn 25.6; Ex 2.21). Gideão conduziu a vitória dos agricultores contra os
“autênticos” pastoralistas saqueadores que moravam no deserto (Jz 6 – 8). Não seria difícil para
os nômades ver a Bíblia como preconceituosa contra eles.
Mudanças econômicas e sócias vieram quando as monarquias de Judá e norte de Israel
criaram cortes centralizadas com funcionários ricos que se tornaram os senhores ausentes de
grandes estados. Mas apesar dos abusos criados por uma corte poderosa, o padrão
descentralizado de sociedade, baseado em aldeias ou na pequena cidade ligada a seu
pastoralismo, teria continuado como o modo de vida da maioria da população. Quando os
israelitas “iam para casa”, a expressão constantemente é “eles foram às suas tendas” (1Rs 8.66;
12.16, etc.), mas em outras ocasiões “casa” é usado (e.g., Jz 20.8). Outras metáforas se referem
às tendas e suas cordas no contexto onde as tendas tinham deixado de ser usadas (Is 33.20; 54.2;
Jr 10.20).xii
As cidades de Israel eram pequenas e muito povoadas, e a maior parte da população
vivia no campo. Até os habitantes das cidades costumavam ir para o campo viver com seus
parentes e ajuda-los com as colheitas ou rebanhos nos meses de verão. No pensamento de Israel,
as cidades não tinham a conotação de cidadania, cultura e realização humana que elas tinham
para os gregos. As cidades eram consideradas úteis para servir à população rural ao redor delas,
para administração, comércio e defesa – não para se viver nelas. Como o centro religioso de
toda a nação, Jerusalém era um lugar especial para a peregrinação e adoração – mas não era
necessariamente o lugar para viver, e a influência de Deus se espalhou para bem além da
cidade.xii O ideal espiritual considerava a cidade como contendo um símbolo da presença e
benção de Deus.
O pastoralismo altamente desenvolvido de Israel era vital para fornecer os animais dos
melhores rebanhos para o sacrifício (Lv 1,3 – 6). Ser um pastoralista e ser capaz de sacrificar
definia a “linha da pobreza” (Lv 1.14s.; 12.8; Lc 2.24). O sistema reconhecia suas próprias
limitações e pode ter exigido outras coisas no lugar de gado. Mas as oferendas representavam
não só o pecado humano, mas também o sacrifício moral que Deus fazia na redenção de um
povo desobediente para si (Ex 32 – 33; Dt 1.34s., 43; 9.5-21), e apontava para um maior
sacrifício que ele faria em Jesus (Lv 17.11). Estas considerações implicam que, apesar de terem
se tornados agricultores, no coração os israelitas se viam como um povo pastoral seminômade –
pelo menos na parte inicial deste período. À medida que estes continuassem nesse estilo de vida,
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eles deveriam ter continuado a aprender as lições de dependência na provisão de Deus iniciadas
no deserto. Desta forma, o pastoralismo continuou a ser uma parte integral da experiência e
história de Israel.
O conceito israelita de terra de Deus
O conceito israelita de terra era um conceito nômade. A terra deveria ser acessível a
todos e ser alocada pelo Senhor de acordo com o uso e produção, em vez de conceder a posse
total (Nm 34). Esta visão da terra contrastava com a dos contemporâneos de Israel, que
acreditavam que a terra era possuída pelo monarca, ou por proprietários privados para usá-la
como preferissem. A Terra Prometida era dom ou herança de Deus por ser pai de Israel (Ex
4.22; Dt 32.5ss.). Contudo, Deus retinha a propriedade total – mesmo quando ele tinha “dado” a
terra a Israel – porque ele é dono de todas as coisas (Ex 19.5; Dt 10.14).xii
Somos informados que os israelitas eram estrangeiros de Deus na terra (Lv 25.23; 1Cr
29.15). Eles não podiam ser removidos a força a não ser quando ele assim decidir.xii A alocação
divina garantia a herança a cada tribo e clã, até a cada família, em contraste com ter um
proprietário humano mutável (Lv 25.23).xii Ainda que ser estrangeiros de Deus também
significasse que eles mesmos eram responsáveis a ele e não livres para dispor da terra, como
podiam os proprietários humanos, por direito ou aquisição.
A terra não devia ficar sujeita a transações comerciais ou políticas (Gn 17.8; 48.4; Lv
25). A venda de terra não era uma transferência de propriedade, mas de seu uso temporário por
um certo número de colheitas (Lv 25.14-16). A família original para quem ela tinha sido
alocada tinha o direito de resgatá-la do comprador. Além do mais, a lei do jubileu permitia que a
terra revertesse para a família original, por meio disso anulando qualquer transação comercial
subseqüente (Lv 25.13). Por outro lado, “simples” casas na cidade poderiam ser compradas e
vendidas permanentemente, já que elas eram de menor conseqüência (Lv 25.29s.). Tudo isto era
válido para as terras cultiváveis ao redor das cidades. Presumivelmente, havia liberdade
semelhante para usar os pastos comuns ou abertos – localizados além dos campos, dos quais
Israel dependia no ano sabático, e que deviam ser muito grandes.
Os benefícios da terra deviam ser compartilhados. A experiência de Israel como
“estrangeiros” em Canaã e no Egito também significava que eles sabiam quão inseguro um
estrangeiro podia se sentir. Sua sociedade, portanto, deveria ser aberta a todos que tinham uma
fé semelhante e estavam prontos para fazer morada entre eles. Semelhantemente, muitos
nômades gradualmente aceitam outros que possuem uma experiência e estilo de vida parecidos.
Foi-lhes ordenado que recebessem o estrangeiro entre eles, e que até o deixassem participar na
sua adoração (Ex 12.19, 48-49; 22.21; 23.9; Lv 19.33; Dt 1.16; Jr 7.6, 22.33; Ez 22.29, etc.). A
promessa de Deus foi abençoar cada grupo étnico com sua revelação para Israel e através de
Cristo, e isto continua em vigor hoje para os povos nômades que constantemente são minoria no
estado nação moderno. Bem no início a vida nômade não era marginal, mas central, na
revelação de Deus.
A terra também deve ter seu ano sabático como uma entidade independente (Lv
25.1ss.). A cada sete anos, Israel abandonava a agricultura para retornar ao estilo de vida de
caçadores-coletores e ao pastoralismo para sobreviver. Deus fornecia uma grande safra no sexto
ano (Lv 25.6-7, 12, 19). Esse ano sabático era qualificado como um período sem cultivo, e
parece ser um retorno simbólico à situação pastoral (Lv 25.5-7). Isto, possivelmente, implica
também que a agricultura é um trabalho necessário para a terra como uma conseqüência do
pecado (Gn 3.17-19), do qual a terra precisa descansar como os seres humanos. O ano sabático
era uma medida de renovação natural auto-sustentável do ambiente, mas era qualificado como
um período sem cultivo. Os devedores eram perdoados no começo deste ano (Dt 15.12). Tudo
isto implica num retorno simbólico à situação de entrada na terra, com a mesma confiança em
Deus para cumprir sua promessa. A permanência de Israel na terra estava condicionada à
fidelidade deles a Deus, e eles viam isto como uma continuação da experiência patriarcal (1Cr
29.15; Hb 11.13). A segurança de Israel estava somente na alocação e disposição divina que eles
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podiam perder, à qualquer momento, por causa da desobediência. O conceito israelita de terra,
dado por Deus, mantinha o relacionamento de seu passado nômade mesmo após se
estabelecerem por séculos como um povo seminômade. Já que, como nômades, a permanência
na forma de residência num lugar não dependia da propriedade da terra tanto quanto na
manutenção de um relacionamento correto com o povo ou pessoa certa – no caso deles: Deus.
O relacionamento de Israel com Deus na terra era dinâmico, pois havia constante tensão
entre sua concessão permanente e a condição do povo responder a Deus. Israel estava
consciente de que os ocupantes anteriores foram julgados e perderam a terra. O propósito de
Deus incluía a terra como o lugar de descanso de Israel (Dt 12.9-11), onde eles podiam viver
demonstrando seu caráter e obedecendo as leis dele, e assim serem testemunhas para as nações
incrédulas circundantes (Is 11.10; 66.1). Isto envolvia Deus encontrando um local de descanso
com seu povo (1Rs 8.56; Sl 132.8, 14), e entrar sem Deus era impensável como cumprimento da
promessa aos patriarcas (Ex 32.13). O templo cumpria esta exigência, com Salomão louvando a
Deus por ter dado descanso ao povo (1Cr 28.2). Mas a história subseqüente deles demonstrou
um tênue apego à terra, quando a dinâmica do relacionamento divino se voltou contra eles.
Fé num ambiente frágil
O fato de que a terra era um ambiente frágil lhes deu mais oportunidades para
desenvolver sua fé, como é o caso de muito nômades modernos. A agricultura dependia de
chuvas e orvalho nas quantidades certas, nas estações certas, usando campos terraceados em
nível, manejo de enxurradas e cisternas. Sem terraceamento, a camada superior do solo logo era
destruída pela água. O desenvolvimento de cisternas era essencial para o estabelecimento de
qualquer população significativa no país montanhoso judeu.xii A estação chuvosa de outubro era
a mais almejada depois do calor do verão (veja Is 41.17-20). A cevada era mais importante do
que o trigo, por causa das condições semi-áridas, como é no Tibete. No tempo da seca a
sobrevivência de Israel muitas vezes dependia de seu pastoralismo, já que os animais podiam
ser conduzidos por grandes distâncias até onde houvesse pasto.
A ameaça de seca estava ligada diretamente à infidelidade de Israel. A tentação de
confiar nos baals das religiões de fertilidade cananitas, baseadas na agricultura, constantemente
minava a fé de Israel. A residência continua do povo na terra dependia de sua lealdade a Deus,
que tinha se colocado a prova na situação pastoral do deserto (Dt 28.12, 23; 33.28; 1Rs
18.17ss.). Com o tempo, o ambiente estava arruinado a medida que a cobertura florestal foi
destruída e o solo sofreu erosão devido ao superpovoamento e à guerra.xii Isto se deu também
devido aos grandes estados comerciais que substituíram a administração exercida pelas casas
locais a quem a terra havia sido originalmente alocada.
A propriedade da terra era mais uma questão de ocupação para administração
divinamente sancionada do que possessão definitiva (Lv 18.28; Dt 24.4). A aliança realçava a
natureza condicional desta dádiva - a terra não era de forma alguma merecida ou possuída por
direito. Seu gozo dependia da obediência em adoração e gratidão (Lv 25.18; Dt 1.35; 4.1; 6.3,
24; 8.5-7; 9.28; 11.17; 26.9ss.; 27.1-68; Jo 1.8; Is 7.20; Jr 11; Ez 20.10-15, 23). Se Israel
falhasse em obedecer a Deus como a geração do deserto tinha falhado (sl 95.11; Mq 2.10; Hb
3.11), então a ameaça de expulsão pairava sobre eles (Lv 18.28; 26.14-25; Dt 4.26-27; 11.17;
28.15-68; 29.18-29; Jo 23.13). A fertilidade da terra podia ser sustentada pela promessa de Deus
de abundância, sob condição da obediência de Israel. Com o pecado de Israel a terra ficou
esgotada. O exílio de Israel foi visto como uma renovação e descanso para a terra, como se a
atividade agrícola fosse fatiga ou uma violação da terra, e um retorno ao crescimento natural e à
pastagem fosse o estado mais apropriado (Lv 26.34-35, 43).
Os israelitas na verdade só concretizaram o cumprimento de viver na terra por cerca de
40% do tempo entre a promessa e a vinda de Cristo. Este cumprimento foi cada vez mais
precário à medida que a ameaça de exílio pairava sobre Israel. A promessa da terra foi um meio
de manter o relacionamento dinâmico com Deus já estabelecido na jornada no deserto, e foi
62
condicionada à colocação em prática do padrão de Deus para a sociedade. A terra não era pra
ser tratada como um território nacional permanente, mas sim como evidência da confiança deles
na graça de Deus.
Apesar do que dissemos sobre Deus ser o Deus pastoralista de um povo viajante, muito
da história bíblica é acerca da sociedade sedentária e, aparentemente, só partes (da Bíblia) são
relevantes para os nômades. Embora os patriarcas fossem pastoralistas nômades, seu alvo dado
por Deus era uma vida sedentária na Terra Prometida. Seria fácil para os nômades ver Israel
como um povo essencialmente agrícola vivendo em casas – e, portanto, como sendo irrelevante
para eles.
Porém, longe de defender uma vida sedentária, a experiência de Israel resultante de sua
desobediência recorrente demonstrou toda a desvantagem da vida sedentária. Isto incluía
conflito com os vizinhos, seca nos campos, impostos altos, corrupção da cultura e da religião,
exploração do pobre pelo rico, criminalidade – roubo e assassinato, invasão e colonização! Os
perigos espirituais daquela vida parecem ser os mesmos para os nômades hoje, e a solução a
mesma! Os profetas constantemente chamavam para uma nova experiência de êxodo.
Israel de forma alguma foi um povo nômade nesse estágio de sua história. Ainda assim,
seu relacionamento com Deus e a terra foi mais parecido com o dos nômades, com uma ênfase
no crescimento natural renovável e a alocação de recursos, do que com as noções modernas de
propriedade da terra e território nacional.
Liderança pastoral para o povo de Deus
O pastoreio de Deus foi um modelo preciso para os líderes humanos. Ele enfatizou o
uso de líderes que foram pastoralistas, tais como Abraão, Isaque, Jacó, José e os fundadores das
doze tribos, Jó, Moisés, Davi e Amós (Am 1.1-2; 7.14-15). A incumbência de Josué foi para que
o povo não se tornasse como ovelhas sem um pastor (Nm 27.17). Davi como rei tinha uma
aliança para ser o pastor de Deus sobre seu povo (2Sm 5.2-3), e Jeremias usou tantas imagens
pastorais que não seria surpresa se ele tivesse trabalhado como um pastor.
Os líderes humanos de Israel que quebraram a lei de Deus estavam associados a
pastores irresponsáveis que tinha falhado em suas tarefas (Jr 2.8; 10.21; 11.3s.; 12.10; 22.22, 24;
23.1-4; 25.35ss., etc.). Quando isto aconteceu, o próprio Deus teve que se envolver para
pastorear o povo (Jr 23.1-2; Ez 34.1-16).xii Deus irá julgar o povo como um pastor chefe lidando
com pastores subordinados. Assim como um pastor tem que responder pela ovelha perdida para
os predadores recolhendo parte da carcaça, assim também Deus é responsável por julgar Israel
(Am 3.12). Os pastores ou líderes de Israel já não serão capazes de parar o julgamento, assim
como os pastores não podem amedrontar um leão (Is 31.4).
Os invasores vão ocupar Judá como pastores estrangeiros roubando o pasto alheio com
seus rebanhos (Jr 6.2), e eles farão isto despreocupadamente como um pastor que sacode sua
capa para tirar a grama (Jr 43.12). Os cães de guarda não tomarão conta do campo direito. E os
inimigos, em nada melhores que os cães, irão triunfar (Is 56.9-11; Jó 30.1). O resultado do juízo
de Deus será como tentar levantar uma tenda como uma só mão, ou como um pasto murchando
no calor, como as ovelhas que estão perdidas ou indo para o abatedouro, ou como um poço
secando (Jr 10.20; 12.2-4; 50.8). O julgamento de Deus é completado pelo exílio, mas não
durará para sempre (Sl 74.1).
Um segundo êxodo para a liberdade e uma jornada de retorno para a terra viriam. Deus
capacitaria Judá a liderar os cativos de outras nações para a liberdade como um bode que vai
adiante do rebanho (Jr 50.8; Ez 34.1-17). Os dois oráculos proféticos de Zacarias 9 -11 e 12 -14
descrevem o pastor de Deus, que iria destruir os maus pastores e que então seria ferido enquanto
as ovelhas eram espalhadas. Jesus relaciona esta profecia a si mesmo e a sua cruz. Deus
finalmente irá habitar com seu povo (usando termos aqui que correspondem a estar num campo
de tendas) e, paradoxalmente, isto implica segurança e permanência (Ez 37.27; Zc 2.10-11).
A futura peregrinação espiritual de Israel era constantemente expressada em imagens
pastorais, indiferentes ao estilo de vida da maior parte dos israelitas e dos judeus posteriores.
63
Isaías, o profeta urbano da corte de Jerusalém, também usa imagens que são relevantes para os
pastoralistas. Descrevendo o futuro como um novo êxodo, no capítulo 40, ele descreve a
melhora nas rotas de migração através das montanhas (vv. 3-4). Ele continua e menciona a seca
do pasto (vv. 6-8), o pastoreio cuidadoso dos animais mais jovens (vv. 10-11), a sabedoria do
pastor celestial na compreensão do ecossistema (vv. 13-14), o desprezo do pastoralista para com
príncipes e princesas (vv. 18-20), o efeito destrutivo do vento na vegetação (v. 24), observação
das estrelas, as aves de rapina (vv. 25-26,31) e a terra tornada em habitação de seres humanos,
com o céu sendo estendido como uma tenda ou uma cortina (v.22). Deus dá força para quem,
normalmente, tem uma vida muito dura (v. 29-30). Tudo isto é parte do retrato que Isaías faz de
um êxodo maior, além do julgamento da Assíria e outros poderes mundiais da época, que irá
cumprir a promessa de Deus para Israel.
Deus exige um relacionamento de confiança e obediência a ele como o Criador livre e
fiel. Ele também exige que a vida e a sociedade sejam moldadas conforme seu caráter. Israel se
tornou um tipo de minoria étnica, com seu etos estabelecido por uma jornada migratória
conduzida divinamente. Eles tinham que manter sua identidade distinta através de seus recursos
morais e espirituais internos. Nisto eles eram como muitos povos nômades. Sua existência entre
as nações estabelecidas, bem estabilizadas e com seus deuses territoriais, dependia de sua
lealdade ao Deus transcendente, não territorial.
Israel devia ser a testemunha de Deus para o mundo. Sua experiência pastoral
demonstrava a provisão e a proteção de Deus e revelava a graça, fidelidade e justiça dele, que
estabelecem os fundamentos do evangelho. A história de Israel fornece um modelo oficial de
revelação e redenção que desafia todos os povos a viajar com o Deus eterno que intervém nas
nossas vidas para desenvolver nossa confiança e obediência. O que foi exigido para completar
este relacionamento foi um ato de redenção “nômade” transcendente em Jesus.
7 Vem, Segue-Me
A
mensagem da Bíblia é um todo contínuo, iniciado e sustentado pela revelação de
Deus. Mas a vinda de Deus como um homem torna visível o cumprimento crucial de tudo o que
veio antes. Embora o Antigo Testamento apele para o interesse dos nômades, nós vivemos
como discípulos de Cristo e devemos levar em consideração o Novo Testamento, e como
devemos aplicar esta ênfase nômade bíblica em nossas vidas e ministérios. Como David
Livingstone disse, Deus tinha só um Filho e fez dele um missionário. Os nômades precisam
seguir o Bom Pastor para compreender sua própria vida itinerante e para compartilhar um
destino eterno. Jesus foi, por escolha própria, o supremo itinerante – e perdemos muito de seu
significado se ignorarmos isto. Jesus nos convida a todos para vir e segui-lo.
Cristo cumpre o relacionamento pastoral de Deus
O propósito de Deus começa com as jornadas dos patriarcas e de Israel para desenvolver
sua fé. Deus prometeu o bom pastor: “O meu servo Davi é que as apascentará” (Ez 34.22-24; Jr
23.1-6), para conduzir seu povo numa nova era de redenção. Jesus cumpre este papel pastoral no
Novo Testamento.xii O pastor toma a iniciativa a cada estágio da jornada, tanto no nomadismo
como no propósito de Deus para a humanidade.
O único anúncio público de sua chegada nos seus primeiros 30 anos foi só para pastores
desconhecidos. Estes provavelmente não eram moradores do local, acompanhados de suas
esposas, mas estavam apascentando as ovelhas e migrando pela terra, só retornando para os
donos das ovelhas uma ou duas vezes por ano. Eles se tornaram os primeiros missionários
64
cristãos (Lc 2.8-19). Jesus começou sua jornada cedo, passando um período no Egito e assim se
identificando com a experiência formativa de Israel de estar no Egito (Mt 2.13-15).
Os pais de Jesus eram artesãos como os modernos inadan, waata ou ghorbati e, como
muitos destes povos, também eram pobres demais para ter um rebanho para fornecer um
sacrifício (Lc 2.24). Os carpinteiros se formavam em associações e seus filhos herdavam o
negócio, fazendo portas, telhados, móveis, vasilhas, colheres, caixas, arados, cangas, carroças e
marretas para debulha (Mc 6.3; Mt 13.55). Mas havia um preconceito implícito contra tais
artesãos pelo povo de Nazaré (Mc 6.3) e o trabalho manual era desprezado pelos gregos e
romanos.xii Sua profissão permitiria que o jovem Jesus tivesse contato com todos numa
sociedade rural.
Jesus é o Caminho para viajar até o Pai (Jo 14.6). João Batista pregou arrependimento
como preparação para o Caminho do Senhor (Mt 3.13; Mc 1.2; Lc 1.76, 79; 3.4-5). Ele fez isto
citando Êxodo 23.20 e Isaías 40 (este último contendo muitos temas nômades de um novo
êxodo). De acordo com isto, João identifica Jesus como o cordeiro da nova Páscoa (Jo 1.29, 36).
Esses ecos do Antigo Testamento preparam seus ouvintes para endireitar os caminhos da vinda
do Salvador, através de uma resposta de fé e obediência. Isto pode ser compreendido como um
desafio para todas as classes apoiarem Jesus em seu caminho que irá conduzir à cruz e para
“viajarem”, moralmente, com ele.xii
Jesus deixou a vida sedentária de um carpinteiro para ser um pregador itinerante. Ele
estava “acampado” em meio a humanidade, como uma transição entre vir e retornar para o Pai
em vez de fixar residência permanente (Jo 1.14). Após ele declarar seu “manifesto” em Nazaré,
baseado em Isaías 61.1-2 como o “enviado”, houve um atentado contra sua vida. A partir
daquele episódio Jesus é apresentado como sempre a caminho, numa missão.xii Como ele
mesmo disse, o filho do homem não tinha onde reclinar a cabeça, como as raposas têm seus
covis e a as aves seus ninhos temporários, apesar do fato de sua família lhe oferecer um lugar
(Mt 8.20; 12.46; Lc 8.19; 9.58). Seu ministério cumpriu o Caminho predito por João Batista –
não como um construtor de estradas, mas como um pregador itinerante que causou impacto por
realizar sinais e experimentou aceitação ou rejeição (Mt 11.10-15). Na parábola onde é dada
também a interpretação, o semeador sedentário é retratado como muito ineficiente se ele semeia
na estrada, pois o termo geralmente se refere à estradas muito movimentadas, não a caminho
estreitos na beira de uma faixa de campo (Mt 13.4; Mc 4.15; Lc 8.5). Isto faz sentido se alude ao
próprio ministério itinerante de Jesus.xii Ele prossegue em seu caminho na medida em que é
traído e sofre violência por parte das autoridades, ainda que isto tenha acontecido por toda a sua
vida, conforme foi profetizado (Mt 2.6.21; Lc 22.22; Mc 14.21). Ele viveu um estilo de vida
itinerante por opção, um total transeunte numa sociedade sedentária. Ele rejeitou casa e família
para cumprir a vontade de Deus.
Como vimos com os patriarcas e com Israel, a jornada não era considerada só como um
meio de se chegar ao destino. Antes, era acerca de seguir a Deus e esperar por sua direção. Os
vários detalhes históricos parecem se referir a mais do que um circuito na Palestina (Lc 9.51, 53,
57; 10.1, 38; 13.22, 33; 14.25; 17.11; 18.31; 19.11, 28). Este padrão é semelhante ao dos
nômades de quem se pode dizer possuírem um destino “circular” ao cumprimento de seu
circuito anual de migração, talvez chegando ao pasto de verão com o alvo social de celebração.
Eles viajam para manter sua liberdade e identidade, com implicações de um mandato do
sobrenatural. Muitos povos nômades também têm tradições ligadas a suas migrações originais,
talvez com algum distanciamento, mas seu destino final é visto em termos sobrenaturais. Eles
são conscientes da precariedade da vida terrena.
Embora topograficamente a rota de Jesus fosse indireta, moralmente seu progresso foi
direto (Mt 16.21; Mc 10.33; Lc 9.31,51). Cada evento contribuiu para que ele cumprisse sua
missão e para nossa compreensão espiritual dele (Jo 14.4-6). Jesus viajou para se identificar
com o propósito de Deus para Israel. Como Israel viajando pela terra sob o comando de Josué,
Jesus, o Josué moderno, foi associado com o Jordão em seu batismo. Sua jornada pode ser vista
como uma reconquista espiritual da terra, levando a uma última peregrinação pascal para
Jerusalém, um novo começo ou êxodo para o povo de Deus (Lc 9.31). O termo “conquista” não
é usado no Antigo Testamento, antes, a idéia é ocupar e receber a terra do Senhor.xii
65
O ministério de Jesus simboliza o restabelecimento dos caminhos do Senhor na terra a
medida que seus discípulos recebem sua palavra do Reino de Deus. Como Israel, Jesus foi
conduzido ao deserto para ser tentado e ele, constantemente, retorna a lugares desertos em seu
ministério, para ser testado e confirmado em sua obediência ao seu Pai.xii Assim como Israel
aprendeu a obedecer no deserto e a continuar, espiritualmente, a “andar nos caminhos do
Senhor”, assim também Jesus devia usar o mesmo modelo e metáfora com relação à jornada
física com o caminho de fé nele mesmo. Há muitas alusões a aspectos do Êxodo, e à jornada no
deserto, no ministério de Jesus na Galiléia conforme descrito pelos três primeiros evangelhos. xii
Jesus parece ter vivido dentro desta visão de mundo e procurou cumpri-la.
Por exemplo, a transfiguração se assemelha a Moisés levando três companheiros com
ele na subida ao Monte Sinai. A diferença, contudo, é que Moises era um espectador da glória e
recebe os planos do tabernáculo, enquanto Jesus foi glorificado como o Filho em antecipação ao
seu retorno como o Filho do homem (Ex 24.9.16; Mt 17.1-8; Mc 9.2-8; Lc 9.28-35).xii Esse
estilo de vida certamente o identifica com figuras proféticas como Moisés, Elias e Eliseu que
nunca fixaram residência no serviço de Deus. Isto implica que sua viagem foi símbolo de seu
compromisso com sua tarefa e sua dissociação das convenções e instituições religiosas
contemporâneas. Jesus (forma grega para Josué) vê a si mesmo como cumprimento do papel de
Josué como pastor do povo de Israel, que são como ovelhas sem um pastor (Nm 27.17; Mt 9.36;
10.6; 12.11-12; 15.24; Mc 6.34; 14.27; Jo 10.10; 21.15). Todos os seres humanos desde a
criação precisam de um Criador como pastor, mas seu presente estado como pecadores é como a
desorientação, desvio e morte de ovelhas perdidas e sem liderança (Mt 9.13, 36). Mesmo
espiritualmente privilegiado Israel estava no mesmo estado (Mt 10.6; 15.24), provocando a
compaixão de Jesus (Mt 9.36; Mc 6.34).
A empatia ou cuidado de Jesus por cada pessoa é associada à busca por um animal
perdido (Mt 12.11-12; 18.10-14). Os fulbe e turkana não contam as ovelhas para saber que uma
está perdida; cada pastor as conhece individualmente.xii Percebemos que o homem que perdeu
uma em cem também não as contou. A maioria dos nômades conhece os hábitos e o caráter de
seus animais individualmente, num rebanho de mais de cem, pelas suas marcas e
comportamento (Mt 18.12s.; Lc 15.3-7; Jo 10.4).
Jesus também viajou porque estava mais interessado nas classes baixas, do que nas
elites religiosas e sociais (Mc 1.38; Lc 9.52; 10.1). Jesus demonstrou que Deus é igualitário ao
escolher seus companheiros, quando ele passou tempo com pessoas não importantes ou até
mesmo indivíduos desprezados, e quando ele se sacrificou por seus amigos. Distinção de classe
ou educação não tem lugar na igreja. Jesus foi desprezado porque se misturou com as pessoas
comuns, os pobres e os rejeitados pela religião. Os Evangelhos e o restante do Novo
Testamento, como são influenciados pelo ensino de Jesus, têm que ser relidos a partir do ponto
de vista dos interesses de todos os grupos minoritários vulneráveis, não só dos pobres
economicamente. Por exemplo, o ensino de Jesus sobre impureza interior seria do interesse aos
ciganos Roma (Lc 8.37-41). Inicialmente, Jesus tinha só 120 camponeses como resultado de seu
ministério para as multidões. Pouco, ainda que não encha os olhos, é satisfatório para Jesus.
Sua viajem não foi só para que ele chegasse até as pessoas, mas também para que elas
pudessem fazer o esforço de chegar até ele. A fé precisa de uma expressão exterior de confiança
e obediência. As multidões vinham de grandes distâncias em busca dele (Mt 4.25; 12.15-16; Mc
1.37-39; 2.2, 13; 3.7; Lc 6.17-19; Jo 6.2; 10.42). Até os que não tinham comprometimento eram
obrigados a viajar com ele para ouvi-lo, quando parar teria sido o mais conveniente para ensinar
(Mt 8.1; 12.15; 14.13; 19.2; Mc 3.7-8). Seu trajeto era tão imprevisível que em duas ocasiões as
multidões não puderam prover comida para si. Em relação às pessoas, as viagens de Jesus eram
um objeto de aprendizado, porque Jesus esperava que as pessoas o seguissem (Mt 8.20; Lc
14.33), muito parecido com um pastoralista com seu rebanho ou um itinerante lidando com seu
ofício.
A vida de Jesus e dos seus discípulos deviam ser jornadas de obediência a Deus e
serviço missionário aos outros. Podemos encontrar muitas razões para isto: primeira em relação
a Deus, segunda em relação a história de Israel e terceira em relação a seus contemporâneos.
66
Como sua vida era uma expressão de seu comprometimento com o propósito de Deus e com as
pessoas não importava quão tortuoso pudesse ser o caminho.
A Jornada de Jesus por Retidão
Jesus descreveu sua vinda em relação a Deus como cumprimento da justiça e da lei, e
seu estilo de vida errante era expressão de seu total comprometimento em cumprir a vontade do
Pai (Mt 3.15,17; 5.17). Os quatro evangelhos apresentam o ministério de Jesus na forma de sua
viajem para a cruz. Nos três primeiros Evangelhos, isto é enfatizado a partir do tempo de sua
indagação acerca de sua identidade e sua revelação de que o Filho do Homem deve sofrer (Mt
16.13-20; Mc 8.27-30; Lc 9.18-21). Marcos e Lucas particularmente enfatizam a idéia do
“caminho” de Jesus (Mc 8.27 – 10.52; Lc 9.51 –19.44).
Em Marcos, Jesus definiu o discipulado no contexto de sua jornada (Mc 8.27 – 10.45).xii
O discipulado e a cruz estão inter-relacionados por um comprometimento entre Jesus e seus
discípulos em viajar por toda parte juntos. Mas os discípulos não podiam aceitar que isto
envolvesse sofrimento e morte. Já foi sugerido que Marcos organiza seu Evangelho em torno da
idéia de Jesus trazendo um segundo êxodo espiritual para o povo de Deus como predito em
Isaias.xii Isto implica que Jesus via sua jornada para Jerusalém como uma ratificação de Deus
retornando para seu povo conforme predito na profecia.xii
Muito do ensino de Jesus, encontrado só em Lucas, é colocado na estrutura de sua
viajem em direção a Jerusalém, como o lugar de decisão para a liderança de Israel e sua própria
obediência até a cruz, a qual ele descreve como um êxodo (Lc 9.31,51 – 19.44).xii A parábola do
banquete mostra o rei convidando pessoas das estradas e dos becos – ou seja, aqueles a quem é
negado acesso à cidade por razões de pobreza, doença ou preconceito social e que vivem à
margem como os nômades. Embora este ensino possa ser organizado em alguma ordem tópica,
o contexto original do Mestre como um viajante é importante para Lucas.
No evangelho de João, Jesus é declarado como o Cordeiro de Deus e imediatamente
convida os homens a segui-lo (Jo 1.36, 43) e, como nos outros Evangelhos, seu ministério é
uma jornada que está direcionada para a cruz. O pai trabalha por meio de um Filho itinerante
como ele fez com Abraão e Moisés (Jo 5.20,45). Jesus se identifica com a experiência de Israel
ao peregrinar dentro da Terra Prometida como Abraão e, como Israel, ao não encontrar descanso
na terra. João conclui com os mandamentos de Jesus para lealdade em termos de pastoralismo e
seguir o Senhor (Jo 21.15s. 22). Isto sugere que as metáforas pastorais e de viajem têm
prioridade na mente de nosso Senhor.
Sua jornada era uma expressão de sua obediência ao Pai, como um redentor divino da
história de Israel. O estilo de vida itinerante de Jesus pode ter dificultado a prisão de Jesus, uma
vez que ele era um “alvo móvel”, mas ele poderia ter se estabelecido em Cafarnaum, Betânia e
Jerusalém e ainda assim ter sido preso e crucificado (Jo 7.1, com v. 10; 8.59). O abandono de
sua casa e família, e sua viajem circular era, na mente de Jesus, ter a cruz e o retorno ao Pai
como alvo (Mt 10.37; 12.46-50; Mc 3.31ss.; Lc 2.43-51). Jesus viu seu destino além da morte,
na redenção deste mundo através de sua ressurreição.
Um viajante cujo alvo é o sacrifício humano é considerado um escândalo, e a cruz pode
ser rejeitada nestes termos. O propósito da jornada de Jesus é que o pastor possa entregar sua
vida pela ovelha. Ele vai para sua morte como um cordeiro para o matadouro (Jo 1.29,36;
10.11,15; cf. Mt 26.31; Mc 14.27). No contexto do cordeiro pascal, seu sangue é a base para a
nova aliança (Mc 14.24; cf. At 8.32; 1Pe 1.19). A morte de Cristo está ligada à de um cordeiro
sacrificial como representando um povo unido a ele (Jo 1.29,36; 10.15,17s.; At 8.32; 1Pe 1.19).
Mas ele também descreve as circunstâncias de sua morte como semelhante a ladrões de ovelhas
matando o pastor para apanharem a ovelha (Mt 26.31; Zc 13.7; Jo 16.32), e seu retorno final
como um Pastor (1Pe 5.4). Os discípulos se opuseram a este princípio (Mt 16.21s.), contudo os
Tibetanos e Mongóis tem uma tradição de bode expiatório humano que levou a maldição em
favor de todo o povo.xii
67
Assim como um nômade, o padrão migratório terreno de Jesus foi uma parte crucial de
sua tarefa. Mas seu destino final era onde ele seria supremamente o Grande Pastor e o Cordeiro
no trono (Ap 5.6-12, passim). Foi a jornada de Jesus que uniu o chamado para segui-lo e ser um
discípulo com o fato da cruz.
Seguindo com Fé em Jesus
Jesus tomou a iniciativa em chamar pessoas para serem discípulos num relacionamento
pessoal com ele. O discipulado envolve seguir a Cristo. Nos quatro evangelhos, palavras
descrevendo o seguir ou vir após Jesus são usados igualmente com termos para fé ou crer e eles
são usados mais do que termos para conversão ou arrependimento em Mateus, Marcos e Lucas.
Só a ênfase especial de João sobre crer ofusca sua ênfase similar em seguir Jesus, mas mesmo
aqui ser um discípulo significa seguir Jesus. No começo e no fim de seu ministério Jesus fez o
desafio de seguir (Jo 1.37s., 54; 21.19-22). Isto rivaliza com os modelos do Antigo Testamento
de pessoas chave que “seguiram” a Deus (Ex 14.15; 1Rs 19.19-21).xii
Há um comprometimento fundamental ou inicial com Cristo que é a base para o seguir
contínuo e progressivo (mostrado pelos tempos verbais em Mc 8.34; Mt 10.38; 16.24; Lc 9.23;
14.27). Justificação e perdão de pecados são elementos cruciais na salvação (Lc 1.73; Mt 6.12;
12.31s.), mas eles não são dependentes do sacrifício ou qualidade de nosso ato de seguir,
porque este seguir é uma expressão de confiança numa graça imerecida. Em outras palavras,
comportamento ou obras que são evidência da confiança de um pecador para salvação na obra
de outro não podem ser meritórias em si mesmas. O perdão é dado a um paralítico antes que ele
pudesse andar (Mt 9.1-8; Lc 5.20-24)! Há uma absolvição instantânea para a culpa que produz
um sentimento de dívida que também nos capacita a perdoar aos outros (Mt 6.14-15; 18.21-33;
Lc 7.43-49; Jo 8.11).
Além disso, essa fé e relacionamento são vividos num longo “caminhar” de fé como
perseverança em face do sofrimento (rm 8.39; Hb 2.1, passim). Isto é mostrado na crise que
Habacuque enfrentou e no caso de Abraão citado por Paulo (Hc 1.3s.; 2.2-3; Rm 4.18ss.; Hb
11.17-19; Tg 2.21ss.; etc.). Tal vida é caracterizada por atos de obediência que nada tem que ver
com “boas obras” intrinsecamente meritórias que tornariam a fé e o perdão irrelevantes. O
discípulo segue Jesus e vive a vida espiritual itinerante de gratidão por uma reconciliação
efetuada com Deus como Pai e um desejo de cumprir sua vontade na sociedade (Mt 6.9 – 7.34;
Jo 14.6); por meio disto Deus aprofunda e completa o relacionamento pastoral.
Jesus chamou indivíduos e desafiou todos que seriam discípulos a negar a si mesmos, se
identificando com ele como se eles fossem ser crucificados (Mc 8.34; Mt 10.38; 16.24; Lc 9.23;
14.27). Sua viajem geográfica foi, para muitos, um desafio literal a viajar com ele – testando o
seu comprometimento, confiança, obediência a Deus e serviço missionário para outros. De fato,
o martírio seria o fim para muitos deles. Na concepção de Jesus, ter fé e ser um cristão significa
segui-lo em sua jornada, aprendendo algo do mesmo comprometimento sacrificial do exemplo
dele (Mt 4.19-20; Jo 8.12).
A fé, então, já não é somente crer acerca de Jesus ou confiar em alguma coisa. Ser um
discípulo é se identificar abertamente a ele por tudo o que ele é, tudo o que ele faz e depender
dele em tudo. Seguir espiritualmente, como ser um viajante literal, exige sacrifício, abandonar
confortos convencionais e o pecado, e sofrer privação e insulto com ele. Para ser um seguidor é
preciso estar tão próximo quanto possível dele, em comunhão e serviço. Assim como foi com os
doze, ou metaforicamente para o resto de nós, seguir significa que nos tornamos como ele. Sua
jornada é um modelo para a vida cristã como um “caminhar” com ele. Todos nós podemos ter
uma experiência de crucificação, alguns de martírio, mas todos passaremos por provações no
caminho que testa e fortalece nossa fé nele.
O Evangelho de Marcos usa o conceito de “o caminho” como a chave para o
discipulado. Os discípulos são desafiados a levar uma vida de autonegação, a não se
conformarem com a geração pecaminosa que os cerca (Mc 8.31-38). Os atos físico e espiritual
de “seguir” se fundem (Mt 19.27-28) para que a vida, e tudo nela – possessões,
68
relacionamentos, etc. – sejam limitados ao que promove nosso relacionamento com ele. Eles são
dados como uma recompensa temporária. O desafio de deixar literalmente a segurança da
família, fortuna ou amigos traz alívio acentuado se confiamos nele e o obedecemos acima dos
confortos de nos conformar às convenções sociais da vida doméstica (Lc 9.57-62).
As imagens pastorais, lembrando o Antigo Testamento, descrevem o ministério de Jesus
para seus discípulos. Em João 10 ele “expulsa” as ovelhas do aprisco para o seu próprio bem
para se alimentarem no pasto disponível, que não é próximo do aprisco, mas na área perigosa
dos inimigos “pastorais” (Mt 7.15; 26.31). Ele sabe que as ovelhas irão responder ao seu
chamado e que cada rebanho se separa para se juntarem ao redor de seu pastor (Jo 10).xii Ele
julga de acordo com o comportamento das espécies (por exemplo, ovelhas e cabras devem ser
separadas porque elas toleram diferentes forragens e vão para pastos diferentes), assim como o
conhecimento de Deus dá diferentes tipos de anelos espirituais (Mt 25.32ss.). A escolha dele de
ser desprezado e rejeitado pela sociedade circundante durante todo o seu ministério e de ser
forçado a viajar em seu caminho se identifica intimamente com a experiência de muitos povos
nômades.
Os Evangelhos como os conhecemos provavelmente circularam anos após a ascensão
do Senhor, e ainda assim o detalhe circunstancial aparente de que Jesus não tinha morada “fixa”
foi conservado como uma parte principal de sua vida e ensino para desafiar a igreja primitiva
composta de pessoas sedentárias (Mt 8.20). Seu exemplo de estar numa missão e num
“seminário” constantemente em movimento desafia a maneira que os cristãos abraçam os
padrões convencionais de vida sedentária. Mas o principal impulso de seguir Cristo foi
metafórico – foi acerca de dar prioridade exclusiva a Cristo, seu ensino e salvação para que
estas coisas moldassem a vida dos discípulos e dessem a ele ou ela uma nova identidade
diferente da sociedade pecaminosa circundante.
A vida cristã é comparada, especialmente por Paulo, a um estilo de vida itinerante
(peripateo) no contraste moral com o mundo (Rm 6.4; 8.4; 14.15; Gl 5.16; Ef 2.2; 4.1; 5.2,8,15;
Cl 1.10; 1Ts 2.12; 4.1). Há um contraste entre a nova vida e a antigo modo de vida. O último é
rejeitado devido às trevas e ignorância obstinada com relação a Deus (1Co 3.3). O cristão
caminha pela fé (2Co 5.2; “na luz” Ef 5.8s.), de acordo com o conhecimento de Cristo (Cl 2.6),
e no Espírito e vida (Rm 6.4; 8.4; Gl 5.16). Isto se assemelha à vida nômade, que vive
constantemente de forma contrária aos caminhos da sociedade secular dominante, mas vê seus
próprios valores e modo de vida como superiores e até como representando a vida humana no
seu melhor.
Paulo se refere aos patriarcas e à jornada do êxodo como prefigurando a caminhada
cristã de fé por causa da continuidade espiritual entre Israel e a igreja. Contudo, ele enfatiza
também as mudanças que Cristo trouxe (e.g., 1Co 5.13, cf. Dt 17.7; 1Co 9.8-19, cf. Dt 25.4;
1Co 10.1-13, cf. Ex 32; Dt 32.21; 2Co 3.7, 13f., cf. Ex 31.18; 34.27-35; 2Co 8.15, cf. Ex 16.18;
Dt 8.2-3). Cristo é por fim a Rocha para os cristãos como Deus era para Israel (Dt 32.4,15, etc.,
cf. Rm 5.14).xii Os cristãos gentios devem não só conhecer a experiência formativa de Israel,
mas também se considerarem numa jornada semelhante com Cristo (Rm 4.23, cf. Gn 15.4, etc.).
O destino cristão é sobrenatural, o que também está de acordo com a visão religiosa
nômade – que visa o paraíso, nirvana ou os ancestrais (Fp 3.10s.; Hb 11.39). Portanto, o desafio
de ser um cristão é tão radical quanto o desafio de Abraão e Israel quando enfrentaram ao
embarcar em suas jornadas, deixando os confortos familiares para confiar somente em Deus. A
mensagem de ser um viajante ou um pastor em muito tem sido perdida na compreensão
ocidental da vida cristã.xii
Pastoreia as minhas ovelhas
Assim como os profetas do Antigo Testamento, Jesus condenou líderes irresponsáveis.
O contexto de João 10.1-6 é a condenação dos líderes de Israel (Ez 34.24; Jr 25.32-38). O
mercenário (pastor contratado) em João 10.12 tem que ser interpretado com cuidado, já que
muitos pastoralistas são contratados como pastores.xii O termo significa simplesmente
69
assalariado e ele é especialmente descrito como “não-pastor”, possivelmente, um trabalhador
agrícola introduzido para demonstrar a dignidade do verdadeiro pastor.xii Ele é uma figura
cômica, pois quando está encarregado do rebanho e o perigo ameaça ele hesita, incerto do que
fazer. Ele então foge de um lobo solitário, que normalmente não atacaria aos homens. Um
pastor de verdade expulsaria ou feriria tal animal ameaçador com pedras de uma funda e então,
se ele fosse capaz de se aproximar o bastante, ele o golpearia até a morte. A vida pastoral, literal
e espiritualmente, não é para novatos bem intencionados sem preocupação genuína e
experiência!
A analogia da vida nômade é que o verdadeiro pastor tem afinidade com suas ovelhas e
experiência em defendê-las contra todas as ameaças. Jesus, como o único pastor verdadeiro, tem
que ser o modelo de vida e ministério para qualquer líder entre os discípulos. Jesus descreve
como todos os grupos étnicos do mundo prestarão contas a Deus em imagens pastorais (Mt
23.32s.). Jesus está dizendo que a única pessoa qualificada para conduzir os crentes é ele
mesmo, que está moral e emocionalmente ligado a eles e até pronto a morrer por eles. Tal
sacrifício do Pastor pelas ovelhas teve conseqüências mundiais amplas devido a ser a própria
fundação da igreja.
7 Vem, Segue-Me
A
mensagem da Bíblia é um todo contínuo, iniciado e sustentado pela revelação de
Deus. Mas a vinda de Deus como um homem torna visível o cumprimento crucial de tudo o que
veio antes. Embora o Antigo Testamento apele para o interesse dos nômades, nós vivemos
como discípulos de Cristo e devemos levar em consideração o Novo Testamento, e como
devemos aplicar esta ênfase nômade bíblica em nossas vidas e ministérios. Como David
Livingstone disse, Deus tinha só um Filho e fez dele um missionário. Os nômades precisam
seguir o Bom Pastor para compreender sua própria vida itinerante e para compartilhar um
destino eterno. Jesus foi, por escolha própria, o supremo itinerante – e perdemos muito de seu
significado se ignorarmos isto. Jesus nos convida a todos para vir e segui-lo.
Cristo cumpre o relacionamento pastoral de Deus
O propósito de Deus começa com as jornadas dos patriarcas e de Israel para desenvolver
sua fé. Deus prometeu o bom pastor: “O meu servo Davi é que as apascentará” (Ez 34.22-24; Jr
23.1-6), para conduzir seu povo numa nova era de redenção. Jesus cumpre este papel pastoral no
Novo Testamento.xii O pastor toma a iniciativa a cada estágio da jornada, tanto no nomadismo
como no propósito de Deus para a humanidade.
O único anúncio público de sua chegada nos seus primeiros 30 anos foi só para pastores
desconhecidos. Estes provavelmente não eram moradores do local, acompanhados de suas
esposas, mas estavam apascentando as ovelhas e migrando pela terra, só retornando para os
donos das ovelhas uma ou duas vezes por ano. Eles se tornaram os primeiros missionários
cristãos (Lc 2.8-19). Jesus começou sua jornada cedo, passando um período no Egito e assim se
identificando com a experiência formativa de Israel de estar no Egito (Mt 2.13-15).
Os pais de Jesus eram artesãos como os modernos inadan, waata ou ghorbati e, como
muitos destes povos, também eram pobres demais para ter um rebanho para fornecer um
sacrifício (Lc 2.24). Os carpinteiros se formavam em associações e seus filhos herdavam o
negócio, fazendo portas, telhados, móveis, vasilhas, colheres, caixas, arados, cangas, carroças e
marretas para debulha (Mc 6.3; Mt 13.55). Mas havia um preconceito implícito contra tais
artesãos pelo povo de Nazaré (Mc 6.3) e o trabalho manual era desprezado pelos gregos e
70
romanos.xii Sua profissão permitiria que o jovem Jesus tivesse contato com todos numa
sociedade rural.
Jesus é o Caminho para viajar até o Pai (Jo 14.6). João Batista pregou arrependimento
como preparação para o Caminho do Senhor (Mt 3.13; Mc 1.2; Lc 1.76, 79; 3.4-5). Ele fez isto
citando Êxodo 23.20 e Isaías 40 (este último contendo muitos temas nômades de um novo
êxodo). De acordo com isto, João identifica Jesus como o cordeiro da nova Páscoa (Jo 1.29, 36).
Esses ecos do Antigo Testamento preparam seus ouvintes para endireitar os caminhos da vinda
do Salvador, através de uma resposta de fé e obediência. Isto pode ser compreendido como um
desafio para todas as classes apoiarem Jesus em seu caminho que irá conduzir à cruz e para
“viajarem”, moralmente, com ele.xii
Jesus deixou a vida sedentária de um carpinteiro para ser um pregador itinerante. Ele
estava “acampado” em meio a humanidade, como uma transição entre vir e retornar para o Pai
em vez de fixar residência permanente (Jo 1.14). Após ele declarar seu “manifesto” em Nazaré,
baseado em Isaías 61.1-2 como o “enviado”, houve um atentado contra sua vida. A partir
daquele episódio Jesus é apresentado como sempre a caminho, numa missão.xii Como ele
mesmo disse, o filho do homem não tinha onde reclinar a cabeça, como as raposas têm seus
covis e a as aves seus ninhos temporários, apesar do fato de sua família lhe oferecer um lugar
(Mt 8.20; 12.46; Lc 8.19; 9.58). Seu ministério cumpriu o Caminho predito por João Batista –
não como um construtor de estradas, mas como um pregador itinerante que causou impacto por
realizar sinais e experimentou aceitação ou rejeição (Mt 11.10-15). Na parábola onde é dada
também a interpretação, o semeador sedentário é retratado como muito ineficiente se ele semeia
na estrada, pois o termo geralmente se refere à estradas muito movimentadas, não a caminho
estreitos na beira de uma faixa de campo (Mt 13.4; Mc 4.15; Lc 8.5). Isto faz sentido se alude ao
próprio ministério itinerante de Jesus.xii Ele prossegue em seu caminho na medida em que é
traído e sofre violência por parte das autoridades, ainda que isto tenha acontecido por toda a sua
vida, conforme foi profetizado (Mt 2.6.21; Lc 22.22; Mc 14.21). Ele viveu um estilo de vida
itinerante por opção, um total transeunte numa sociedade sedentária. Ele rejeitou casa e família
para cumprir a vontade de Deus.
Como vimos com os patriarcas e com Israel, a jornada não era considerada só como um
meio de se chegar ao destino. Antes, era acerca de seguir a Deus e esperar por sua direção. Os
vários detalhes históricos parecem se referir a mais do que um circuito na Palestina (Lc 9.51, 53,
57; 10.1, 38; 13.22, 33; 14.25; 17.11; 18.31; 19.11, 28). Este padrão é semelhante ao dos
nômades de quem se pode dizer possuírem um destino “circular” ao cumprimento de seu
circuito anual de migração, talvez chegando ao pasto de verão com o alvo social de celebração.
Eles viajam para manter sua liberdade e identidade, com implicações de um mandato do
sobrenatural. Muitos povos nômades também têm tradições ligadas a suas migrações originais,
talvez com algum distanciamento, mas seu destino final é visto em termos sobrenaturais. Eles
são conscientes da precariedade da vida terrena.
Embora topograficamente a rota de Jesus fosse indireta, moralmente seu progresso foi
direto (Mt 16.21; Mc 10.33; Lc 9.31,51). Cada evento contribuiu para que ele cumprisse sua
missão e para nossa compreensão espiritual dele (Jo 14.4-6). Jesus viajou para se identificar
com o propósito de Deus para Israel. Como Israel viajando pela terra sob o comando de Josué,
Jesus, o Josué moderno, foi associado com o Jordão em seu batismo. Sua jornada pode ser vista
como uma reconquista espiritual da terra, levando a uma última peregrinação pascal para
Jerusalém, um novo começo ou êxodo para o povo de Deus (Lc 9.31). O termo “conquista” não
é usado no Antigo Testamento, antes, a idéia é ocupar e receber a terra do Senhor.xii
O ministério de Jesus simboliza o restabelecimento dos caminhos do Senhor na terra a
medida que seus discípulos recebem sua palavra do Reino de Deus. Como Israel, Jesus foi
conduzido ao deserto para ser tentado e ele, constantemente, retorna a lugares desertos em seu
ministério, para ser testado e confirmado em sua obediência ao seu Pai.xii Assim como Israel
aprendeu a obedecer no deserto e a continuar, espiritualmente, a “andar nos caminhos do
Senhor”, assim também Jesus devia usar o mesmo modelo e metáfora com relação à jornada
física com o caminho de fé nele mesmo. Há muitas alusões a aspectos do Êxodo, e à jornada no
71
deserto, no ministério de Jesus na Galiléia conforme descrito pelos três primeiros evangelhos. xii
Jesus parece ter vivido dentro desta visão de mundo e procurou cumpri-la.
Por exemplo, a transfiguração se assemelha a Moisés levando três companheiros com
ele na subida ao Monte Sinai. A diferença, contudo, é que Moises era um espectador da glória e
recebe os planos do tabernáculo, enquanto Jesus foi glorificado como o Filho em antecipação ao
seu retorno como o Filho do homem (Ex 24.9.16; Mt 17.1-8; Mc 9.2-8; Lc 9.28-35).xii Esse
estilo de vida certamente o identifica com figuras proféticas como Moisés, Elias e Eliseu que
nunca fixaram residência no serviço de Deus. Isto implica que sua viagem foi símbolo de seu
compromisso com sua tarefa e sua dissociação das convenções e instituições religiosas
contemporâneas. Jesus (forma grega para Josué) vê a si mesmo como cumprimento do papel de
Josué como pastor do povo de Israel, que são como ovelhas sem um pastor (Nm 27.17; Mt 9.36;
10.6; 12.11-12; 15.24; Mc 6.34; 14.27; Jo 10.10; 21.15). Todos os seres humanos desde a
criação precisam de um Criador como pastor, mas seu presente estado como pecadores é como a
desorientação, desvio e morte de ovelhas perdidas e sem liderança (Mt 9.13, 36). Mesmo
espiritualmente privilegiado Israel estava no mesmo estado (Mt 10.6; 15.24), provocando a
compaixão de Jesus (Mt 9.36; Mc 6.34).
A empatia ou cuidado de Jesus por cada pessoa é associada à busca por um animal
perdido (Mt 12.11-12; 18.10-14). Os fulbe e turkana não contam as ovelhas para saber que uma
está perdida; cada pastor as conhece individualmente.xii Percebemos que o homem que perdeu
uma em cem também não as contou. A maioria dos nômades conhece os hábitos e o caráter de
seus animais individualmente, num rebanho de mais de cem, pelas suas marcas e
comportamento (Mt 18.12s.; Lc 15.3-7; Jo 10.4).
Jesus também viajou porque estava mais interessado nas classes baixas, do que nas
elites religiosas e sociais (Mc 1.38; Lc 9.52; 10.1). Jesus demonstrou que Deus é igualitário ao
escolher seus companheiros, quando ele passou tempo com pessoas não importantes ou até
mesmo indivíduos desprezados, e quando ele se sacrificou por seus amigos. Distinção de classe
ou educação não tem lugar na igreja. Jesus foi desprezado porque se misturou com as pessoas
comuns, os pobres e os rejeitados pela religião. Os Evangelhos e o restante do Novo
Testamento, como são influenciados pelo ensino de Jesus, têm que ser relidos a partir do ponto
de vista dos interesses de todos os grupos minoritários vulneráveis, não só dos pobres
economicamente. Por exemplo, o ensino de Jesus sobre impureza interior seria do interesse aos
ciganos Roma (Lc 8.37-41). Inicialmente, Jesus tinha só 120 camponeses como resultado de seu
ministério para as multidões. Pouco, ainda que não encha os olhos, é satisfatório para Jesus.
Sua viajem não foi só para que ele chegasse até as pessoas, mas também para que elas
pudessem fazer o esforço de chegar até ele. A fé precisa de uma expressão exterior de confiança
e obediência. As multidões vinham de grandes distâncias em busca dele (Mt 4.25; 12.15-16; Mc
1.37-39; 2.2, 13; 3.7; Lc 6.17-19; Jo 6.2; 10.42). Até os que não tinham comprometimento eram
obrigados a viajar com ele para ouvi-lo, quando parar teria sido o mais conveniente para ensinar
(Mt 8.1; 12.15; 14.13; 19.2; Mc 3.7-8). Seu trajeto era tão imprevisível que em duas ocasiões as
multidões não puderam prover comida para si. Em relação às pessoas, as viagens de Jesus eram
um objeto de aprendizado, porque Jesus esperava que as pessoas o seguissem (Mt 8.20; Lc
14.33), muito parecido com um pastoralista com seu rebanho ou um itinerante lidando com seu
ofício.
A vida de Jesus e dos seus discípulos deviam ser jornadas de obediência a Deus e
serviço missionário aos outros. Podemos encontrar muitas razões para isto: primeira em relação
a Deus, segunda em relação a história de Israel e terceira em relação a seus contemporâneos.
Como sua vida era uma expressão de seu comprometimento com o propósito de Deus e com as
pessoas não importava quão tortuoso pudesse ser o caminho.
A Jornada de Jesus por Retidão
72
Jesus descreveu sua vinda em relação a Deus como cumprimento da justiça e da lei, e
seu estilo de vida errante era expressão de seu total comprometimento em cumprir a vontade do
Pai (Mt 3.15,17; 5.17). Os quatro evangelhos apresentam o ministério de Jesus na forma de sua
viajem para a cruz. Nos três primeiros Evangelhos, isto é enfatizado a partir do tempo de sua
indagação acerca de sua identidade e sua revelação de que o Filho do Homem deve sofrer (Mt
16.13-20; Mc 8.27-30; Lc 9.18-21). Marcos e Lucas particularmente enfatizam a idéia do
“caminho” de Jesus (Mc 8.27 – 10.52; Lc 9.51 –19.44).
Em Marcos, Jesus definiu o discipulado no contexto de sua jornada (Mc 8.27 – 10.45).xii
O discipulado e a cruz estão inter-relacionados por um comprometimento entre Jesus e seus
discípulos em viajar por toda parte juntos. Mas os discípulos não podiam aceitar que isto
envolvesse sofrimento e morte. Já foi sugerido que Marcos organiza seu Evangelho em torno da
idéia de Jesus trazendo um segundo êxodo espiritual para o povo de Deus como predito em
Isaias.xii Isto implica que Jesus via sua jornada para Jerusalém como uma ratificação de Deus
retornando para seu povo conforme predito na profecia.xii
Muito do ensino de Jesus, encontrado só em Lucas, é colocado na estrutura de sua
viajem em direção a Jerusalém, como o lugar de decisão para a liderança de Israel e sua própria
obediência até a cruz, a qual ele descreve como um êxodo (Lc 9.31,51 – 19.44).xii A parábola do
banquete mostra o rei convidando pessoas das estradas e dos becos – ou seja, aqueles a quem é
negado acesso à cidade por razões de pobreza, doença ou preconceito social e que vivem à
margem como os nômades. Embora este ensino possa ser organizado em alguma ordem tópica,
o contexto original do Mestre como um viajante é importante para Lucas.
No evangelho de João, Jesus é declarado como o Cordeiro de Deus e imediatamente
convida os homens a segui-lo (Jo 1.36, 43) e, como nos outros Evangelhos, seu ministério é
uma jornada que está direcionada para a cruz. O pai trabalha por meio de um Filho itinerante
como ele fez com Abraão e Moisés (Jo 5.20,45). Jesus se identifica com a experiência de Israel
ao peregrinar dentro da Terra Prometida como Abraão e, como Israel, ao não encontrar descanso
na terra. João conclui com os mandamentos de Jesus para lealdade em termos de pastoralismo e
seguir o Senhor (Jo 21.15s. 22). Isto sugere que as metáforas pastorais e de viajem têm
prioridade na mente de nosso Senhor.
Sua jornada era uma expressão de sua obediência ao Pai, como um redentor divino da
história de Israel. O estilo de vida itinerante de Jesus pode ter dificultado a prisão de Jesus, uma
vez que ele era um “alvo móvel”, mas ele poderia ter se estabelecido em Cafarnaum, Betânia e
Jerusalém e ainda assim ter sido preso e crucificado (Jo 7.1, com v. 10; 8.59). O abandono de
sua casa e família, e sua viajem circular era, na mente de Jesus, ter a cruz e o retorno ao Pai
como alvo (Mt 10.37; 12.46-50; Mc 3.31ss.; Lc 2.43-51). Jesus viu seu destino além da morte,
na redenção deste mundo através de sua ressurreição.
Um viajante cujo alvo é o sacrifício humano é considerado um escândalo, e a cruz pode
ser rejeitada nestes termos. O propósito da jornada de Jesus é que o pastor possa entregar sua
vida pela ovelha. Ele vai para sua morte como um cordeiro para o matadouro (Jo 1.29,36;
10.11,15; cf. Mt 26.31; Mc 14.27). No contexto do cordeiro pascal, seu sangue é a base para a
nova aliança (Mc 14.24; cf. At 8.32; 1Pe 1.19). A morte de Cristo está ligada à de um cordeiro
sacrificial como representando um povo unido a ele (Jo 1.29,36; 10.15,17s.; At 8.32; 1Pe 1.19).
Mas ele também descreve as circunstâncias de sua morte como semelhante a ladrões de ovelhas
matando o pastor para apanharem a ovelha (Mt 26.31; Zc 13.7; Jo 16.32), e seu retorno final
como um Pastor (1Pe 5.4). Os discípulos se opuseram a este princípio (Mt 16.21s.), contudo os
Tibetanos e Mongóis tem uma tradição de bode expiatório humano que levou a maldição em
favor de todo o povo.xii
Assim como um nômade, o padrão migratório terreno de Jesus foi uma parte crucial de
sua tarefa. Mas seu destino final era onde ele seria supremamente o Grande Pastor e o Cordeiro
no trono (Ap 5.6-12, passim). Foi a jornada de Jesus que uniu o chamado para segui-lo e ser um
discípulo com o fato da cruz.
Seguindo com Fé em Jesus
73
Jesus tomou a iniciativa em chamar pessoas para serem discípulos num relacionamento
pessoal com ele. O discipulado envolve seguir a Cristo. Nos quatro evangelhos, palavras
descrevendo o seguir ou vir após Jesus são usadas igualmente com termos para fé ou crer e eles
são usados mais do que termos para conversão ou arrependimento em Mateus, Marcos e Lucas.
Só a ênfase especial de João sobre crer ofusca sua ênfase similar em seguir Jesus, mas mesmo
aqui ser um discípulo significa seguir Jesus. No começo e no fim de seu ministério Jesus fez o
desafio de seguir (Jo 1.37s., 54; 21.19-22). Isto rivaliza com os modelos do Antigo Testamento
de pessoas chave que “seguiram” a Deus (Ex 14.15; 1Rs 19.19-21).xii
Há um comprometimento fundamental ou inicial com Cristo que é a base para o seguir
contínuo e progressivo (mostrado pelos tempos verbais em Mc 8.34; Mt 10.38; 16.24; Lc 9.23;
14.27). Justificação e perdão de pecados são elementos cruciais na salvação (Lc 1.73; Mt 6.12;
12.31s.), mas eles não são dependentes do sacrifício ou qualidade de nosso ato de seguir,
porque este seguir é uma expressão de confiança numa graça imerecida. Em outras palavras,
comportamento ou obras que são evidência da confiança de um pecador para salvação na obra
de outro não podem ser meritórias em si mesmas. O perdão é dado a um paralítico antes que ele
pudesse andar (Mt 9.1-8; Lc 5.20-24)! Há uma absolvição instantânea para a culpa que produz
um sentimento de dívida que também nos capacita a perdoar aos outros (Mt 6.14-15; 18.21-33;
Lc 7.43-49; Jo 8.11).
Além disso, essa fé e relacionamento são vividos num longo “caminhar” de fé como
perseverança em face do sofrimento (rm 8.39; Hb 2.1, passim). Isto é mostrado na crise que
Habacuque enfrentou e no caso de Abraão citado por Paulo (Hc 1.3s.; 2.2-3; Rm 4.18ss.; Hb
11.17-19; Tg 2.21ss.; etc.). Tal vida é caracterizada por atos de obediência que nada tem que ver
com “boas obras” intrinsecamente meritórias que tornariam a fé e o perdão irrelevantes. O
discípulo segue Jesus e vive a vida espiritual itinerante de gratidão por uma reconciliação
efetuada com Deus como Pai e um desejo de cumprir sua vontade na sociedade (Mt 6.9 – 7.34;
Jo 14.6); por meio disto Deus aprofunda e completa o relacionamento pastoral.
Jesus chamou indivíduos e desafiou todos que seriam discípulos a negar a si mesmos, se
identificando com ele como se eles fossem ser crucificados (Mc 8.34; Mt 10.38; 16.24; Lc 9.23;
14.27). Sua viajem geográfica foi, para muitos, um desafio literal a viajar com ele – testando o
seu comprometimento, confiança, obediência a Deus e serviço missionário para outros. De fato,
o martírio seria o fim para muitos deles. Na concepção de Jesus, ter fé e ser um cristão significa
segui-lo em sua jornada, aprendendo algo do mesmo comprometimento sacrificial do exemplo
dele (Mt 4.19-20; Jo 8.12).
A fé, então, já não é somente crer acerca de Jesus ou confiar em alguma coisa. Ser um
discípulo é se identificar abertamente a ele por tudo o que ele é, tudo o que ele faz e depender
dele em tudo. Seguir espiritualmente, como ser um viajante literal, exige sacrifício, abandonar
confortos convencionais e o pecado, e sofrer privação e insulto com ele. Para ser um seguidor é
preciso estar tão próximo quanto possível dele, em comunhão e serviço. Assim como foi com os
doze, ou metaforicamente para o resto de nós, seguir significa que nos tornamos como ele. Sua
jornada é um modelo para a vida cristã como um “caminhar” com ele. Todos nós podemos ter
uma experiência de crucificação, alguns de martírio, mas todos passaremos por provações no
caminho que testa e fortalece nossa fé nele.
O Evangelho de Marcos usa o conceito de “o caminho” como a chave para o
discipulado. Os discípulos são desafiados a levar uma vida de autonegação, a não se
conformarem com a geração pecaminosa que os cerca (Mc 8.31-38). Os atos físico e espiritual
de “seguir” se fundem (Mt 19.27-28) para que a vida, e tudo nela – possessões,
relacionamentos, etc. – sejam limitados ao que promove nosso relacionamento com ele. Eles são
dados como uma recompensa temporária. O desafio de deixar literalmente a segurança da
família, fortuna ou amigos traz alívio acentuado se confiamos nele e o obedecemos acima dos
confortos de nos conformar às convenções sociais da vida doméstica (Lc 9.57-62).
As imagens pastorais, lembrando o Antigo Testamento, descrevem o ministério de Jesus
para seus discípulos. Em João 10 ele “expulsa” as ovelhas do aprisco para o seu próprio bem
para se alimentarem no pasto disponível, que não é próximo do aprisco, mas na área perigosa
74
dos inimigos “pastorais” (Mt 7.15; 26.31). Ele sabe que as ovelhas irão responder ao seu
chamado e que cada rebanho se separa para se juntarem ao redor de seu pastor (Jo 10).xii Ele
julga de acordo com o comportamento das espécies (por exemplo, ovelhas e cabras devem ser
separadas porque elas toleram diferentes forragens e vão para pastos diferentes), assim como o
conhecimento de Deus dá diferentes tipos de anelos espirituais (Mt 25.32ss.). A escolha dele de
ser desprezado e rejeitado pela sociedade circundante durante todo o seu ministério e de ser
forçado a viajar em seu caminho se identifica intimamente com a experiência de muitos povos
nômades.
Os Evangelhos como conhecemos provavelmente circularam anos após a ascensão do
Senhor, e ainda assim o detalhe circunstancial aparente de que Jesus não tinha morada “fixa” foi
conservado como uma parte principal de sua vida e ensino para desafiar a igreja primitiva
composta de pessoas sedentárias (Mt 8.20). Seu exemplo de estar numa missão e num
“seminário” constantemente em movimento desafia a maneira que os cristãos abraçam os
padrões convencionais de vida sedentária. Mas o principal impulso de seguir Cristo foi
metafórico – foi acerca de dar prioridade exclusiva a Cristo, seu ensino e salvação para que
estas coisas moldassem a vida dos discípulos e dessem a ele ou ela uma nova identidade
diferente da sociedade pecaminosa circundante.
A vida cristã é comparada, especialmente por Paulo, a um estilo de vida itinerante
(peripateo) no contraste moral com o mundo (Rm 6.4; 8.4; 14.15; Gl 5.16; Ef 2.2; 4.1; 5.2,8,15;
Cl 1.10; 1Ts 2.12; 4.1). Há um contraste entre a nova vida e a antigo modo de vida. O último é
rejeitado devido às trevas e ignorância obstinada com relação a Deus (1Co 3.3). O cristão
caminha pela fé (2Co 5.2; “na luz” Ef 5.8s.), de acordo com o conhecimento de Cristo (Cl 2.6),
e no Espírito e vida (Rm 6.4; 8.4; Gl 5.16). Isto se assemelha à vida nômade, que vive
constantemente de forma contrária aos caminhos da sociedade secular dominante, mas vê seus
próprios valores e modo de vida como superiores e até como representando a vida humana no
seu melhor.
Paulo se refere aos patriarcas e à jornada do êxodo como prefigurando a caminhada
cristã de fé por causa da continuidade espiritual entre Israel e a igreja. Contudo, ele enfatiza
também as mudanças que Cristo trouxe (e.g., 1Co 5.13, cf. Dt 17.7; 1Co 9.8-19, cf. Dt 25.4;
1Co 10.1-13, cf. Ex 32; Dt 32.21; 2Co 3.7, 13f., cf. Ex 31.18; 34.27-35; 2Co 8.15, cf. Ex 16.18;
Dt 8.2-3). Cristo é por fim a Rocha para os cristãos como Deus era para Israel (Dt 32.4,15, etc.,
cf. Rm 5.14).xii Os cristãos gentios devem não só conhecer a experiência formativa de Israel,
mas também se considerarem numa jornada semelhante com Cristo (Rm 4.23, cf. Gn 15.4, etc.).
O destino cristão é sobrenatural, o que também está de acordo com a visão religiosa
nômade – que visa o paraíso, nirvana ou os ancestrais (Fp 3.10s.; Hb 11.39). Portanto, o desafio
de ser um cristão é tão radical quanto o desafio de Abraão e Israel quando enfrentaram ao
embarcar em suas jornadas, deixando os confortos familiares para confiar somente em Deus. A
mensagem de ser um viajante ou um pastor em muito tem sido perdida na compreensão
ocidental da vida cristã.xii
Pastoreia as minhas ovelhas
Assim como os profetas do Antigo Testamento, Jesus condenou líderes irresponsáveis.
O contexto de João 10.1-6 é a condenação dos líderes de Israel (Ez 34.24; Jr 25.32-38). O
mercenário (pastor contratado) em João 10.12 tem que ser interpretado com cuidado, já que
muitos pastoralistas são contratados como pastores.xii O termo significa simplesmente
assalariado e ele é especialmente descrito como “não-pastor”, possivelmente, um trabalhador
agrícola introduzido para demonstrar a dignidade do verdadeiro pastor.xii Ele é uma figura
cômica, pois quando está encarregado do rebanho e o perigo ameaça ele hesita, incerto do que
fazer. Ele então foge de um lobo solitário, que normalmente não atacaria aos homens. Um
pastor de verdade expulsaria ou feriria tal animal ameaçador com pedras de uma funda e então,
se ele fosse capaz de se aproximar o bastante, ele o golpearia até a morte. A vida pastoral, literal
75
e espiritualmente, não é para novatos bem intencionados sem preocupação genuína e
experiência!
A analogia da vida nômade é que o verdadeiro pastor tem afinidade com suas ovelhas e
experiência em defendê-las contra todas as ameaças. Jesus, como o único pastor verdadeiro, tem
que ser o modelo de vida e ministério para qualquer líder entre os discípulos. Jesus descreve
como todos os grupos étnicos do mundo prestarão contas a Deus em imagens pastorais (Mt
23.32s.). Jesus está dizendo que a única pessoa qualificada para conduzir os crentes é ele
mesmo, que está moral e emocionalmente ligado a eles e até pronto a morrer por eles. Tal
sacrifício do Pastor pelas ovelhas teve conseqüências mundiais amplas devido a ser a própria
fundação da igreja.
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O
Parceria Nômade Cristã
s nômades, como o resto de nós, são uma expressão da imagem de Deus. Sendo
feitos à imagem dele, somos todos responsáveis, diante de Deus e da criação que nos cerca, pela
maneira que vivemos, os relacionamentos em sociedade que estabelecemos e nossos objetivos e
valores. Os nômades têm sido obrigados a se adaptar ao ambiente de maneiras engenhosas e
criativas para desenvolver seu modo de vida e sociedade, usando recursos e condições
marginais. Contudo, como o resto da humanidade, eles têm deixado Deus de fora de sua vida e
buscado outras maneiras para conseguir o que eles consideram ajuda sobrenatural.
O conhecimento de Deus e do evangelho deveria intensificar o respeito próprio e bem
estar dos povos nômades e contribuir para seu nomadismo. Podemos ter esperança de fazer isto
através de uma apresentação da mensagem bíblica consistente com o estilo de vida deles, junto
com um discipulado que não seja moldado por uma estrutura de igreja sedentária. O objetivo, é
claro, é os indivíduos a se tornarem discípulos de Cristo. Como podemos apresentar a
mensagem da Bíblia de uma forma relevante para o estilo de vida e sociedade nômades? Como
podemos convencê-los de que o cristianismo não é só para pessoas sedentárias e que o
nomadismo é a fé cristã não é incompatível com o nomadismo? O que se segue são algumas
sugestões para se começar a pensar acerca das respostas a estas questões.
É preciso um nômade para atingir um nômade
As igrejas de povos sedentários evangelizaram nômades e ganharam os primeiros
convertidos. Por um tempo, cristãos dogon na África Ocidental procuraram evangelizar seus
vizinhos fulbe, mesmo depois de um período de grande tensão tribal causada pelo fato do gado
fulbe comer as plantações dos dogon e da morte de um fazendeiro dogon no conflito
resultante.xii Na Nigéria, alguns cristãos nacionais estão agora vivendo com, e atingindo, povos
nômades. Cristãos estabelecidos entre os povos com quem os nômades são interdependentes
podem, portanto, ser os meios para atingi-los.
Mas na maioria das vezes as barreiras culturais, encontradas por esses povos para levar
o cristianismo aos nômades, são grandes demais. Experiências na África têm mostrado que,
embora possa haver laços econômicos a longo prazo entre eles, muitas vezes há uma hostilidade
latente mútua entre povos agrícolas sedentários e os nômades.
Cristãos nacionais de um contexto rural ou urbano, portanto, muitas vezes não dão um
testemunho cristão eficaz para os povos nômades. As tentativas de cristãos sedentários não
produziram resultados no norte do Quênia e no sudoeste da Etiópia alguns foram martirizados
por ter ousado falar aos nômades sobre Cristo. Essa barreira entre nômades e sedentários
continua a existir mesmo entre aqueles pastoralistas que se tornaram sedentários, mas ainda se
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consideram pertencentes ao estilo de vida nômade. Os cazaques e os quirguizes, por exemplo,
consideram o cristianismo uma religião só para russos.
Constantemente se diz que um nômade pode se converter à fé de seu inimigo nômade,
mas nunca a de seu amigo sedentário. Um método mais frutífero de atingir os nômades,
portanto, pode ser a evangelização por cristãos de outros povos nômades. Há uma grande
necessidade de evangelistas nômades cristãos. No sul da Etiópia, a igreja agora é forte o
suficiente para pensar em treinar nômades ou pessoas vindas de um contexto nômade para
evangelizarem outros grupos nômades. Em outros lugares pode levar algum tempo antes de
nômades convertidos começarem a servir ao Senhor levando o evangelho a outros povos
nômades. Mas além da afinidade de estilo de vida, as afinidades étnicas e similaridades de
linguagem são importantes também. Os coreanos, que se originaram nas Montanhas Altai
séculos atrás, foram bem aceitos entre os povos turcos da Ásia Central. Os índios navajo podem
tirar vantagem da afinidade étnica entre os ameríndios e os mongóis.
O missionário expatriado, vivendo sem os confortos a que está acostumado e “sem
raízes” no país, pode encontrar grande aceitação entre os nômades porque ele(a) não está
envolvido nas culturas locais. Um comprometimento externo com os nômades pode demonstrar
que o nômade é valorizado pelo que ele é. Mas isto também pode ser interpretado como uma
maneira do expatriado ganhar “mérito”! O expatriado pode até ser um catalisador para ajudar os
dois lados a superar seus preconceitos, especialmente quando a presença de Cristo os capacita a
perdoar e amar uns aos outros como irmãos e irmãs. Por isso é essencial que não apresentemos
um cristianismo ocidentalizado e que resistamos à tentação de levar um estilo de vida ocidental.
O amor de Deus pelos viajantes engajados no pastoralismo nômade deveria nos
encorajar a orar. Algumas vezes ele trabalhou independentemente de qualquer influência cristã
humana. Ele usou vários períodos de fome e a perda de animais para forçar muitos pastoralistas
nômades de uma tribo bem conhecida ao contato com o evangelho. Fitas cassete sobre o
evangelho foram tocadas repetidas vezes, até que dois irmãos se sentiram compelidos a buscar
por Jesus num mercado local e assim entrar em contato com os missionários. O resultado foi
que, num curto espaço de tempo entre 1990 e 1995, uma igreja foi estabelecida entre eles. Eles
espalharam a mensagem entre seu povo com gravações antes que qualquer obreiro cristão os
visitasse, e logo estabeleceram uma forma de se reunirem num poço para comunhão e
encorajamento mútuo.
Uma estratégia apropriada
A ligação itinerante ou pastoralista ao ciclo migratório tem que ser uma consideração
básica em nossa aproximação. Encontrar um ponto “estratégico” para “abrir um comércio” e
esperar o “cliente” buscar o que temos a oferecer – seja ajuda médica, espiritual ou de outro tipo
– parecer prático de nosso ponto de vista sedentário, mas na verdade revela a profundidade de
nosso preconceito ou inclinação. O resultado de tal comportamento é que o evangelho se torna
associado a edifícios, alfabetização e tecnologia para povos que não tem, e talvez prefiram não
ter, estas coisas.
Malcolm Hunter e Debra Braaksma realçam a rejeição do que eles chamam de
aproximação “base missionária”, porque a mais simples casa ou base missionária dá a impressão
de que o evangelho não é para os nômades. Uma casa logo ganha uma garagem, uma clínica,
um gerador de eletricidade e uma oficina para formar um “vilarejo”. Foi esta a experiência dos
Braaksmas entre os orma no Quênia. A experiência mostra que um estabelecimento assim, que
parece muito básico para os ocidentais, vem a ser um imã para todos se estabelecerem ao redor
dele. Estando fixado, logo atrai também vizinhos sedentários, para quem vários ministérios
podem ser estabelecidos também – deixando pouco tempo para uma viagem para entrar em
contato com os nômades.
O que é preciso é uma aproximação que dedique tempo integral aos nômades e que
encoraje o ciclo migratório – para que ele permaneça, se possível, intacto. Os nômades ficam
gratos por auxílio numa emergência, se isto não for interpretado como uma aspiração deles pela
vida normal. O desenvolvimento de projetos como horticultura ou escola, embora seja
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reconhecido, com má vontade, como útil, pode ser uma recomendação negativa para o
evangelho, porque implicitamente recomenda o abandono da vida nômade.xii O evangelho tem
que se tornar nômade – não só móvel – na percepção do povo. “O evangelho será mais bem
comunicado para os gabbra no Quênia por alguém que lhes pareça compreender sua situação e
que tenha demonstrado compartilhar do mesmo estilo de vida e cosmovisão deles... que possa
entrar nas obrigações da vida gabbra para demonstrar como o cristianismo pode ser vivido por
um gabbra”.xii
A regra de ouro para missões, sublinha o missiólogo H. Kraemer, é ter um interesse
incansável na vida dos povos como um todo – suas idéias, sentimentos, religião e instituições –
por causa de Cristo, e por causa das pessoas em si. O indivíduo se identifica com o povo pelo
contato freqüente com eles. Os servos do Deus Pastor deveriam estar à frente dos antropólogos
e jornalistas que vivem entre os nômades por grandes períodos por motivos particulares.
Os missionários católicos vivem, em tendas, entre os nômades quenianos por alguns
meses de cada vez.xii A estadia do sacerdote Vincent Donovan entre os maasai é muito
instrutiva. Ele deixou a base da missão e começou a visitar anciãos e simplesmente conversar
sobre Deus – não sobre educação ou desenvolvimento. Após cinco anos, 3 mil pessoas
demonstraram evidência de vidas transformadas. Donovan ficou envergonhado quando
observou o poder e ritual dos feiticeiros maasai porque tudo que este fazia era semelhante à
experiência dele como sacerdote católico. Ele pode apresentar o evangelho como se fosse uma
questão de confiar em outro tipo de feiticeiro. Donovan refletiu sobre o fato de que Jesus não
era um sacerdote e nunca ofereceu sacrifício – exceto no supremo evento de sua morte, onde ele
fez um sacrifício que reuniu todo o significado de sacerdote e sacrifício, e acabou com a
necessidade de uma casta sacerdotal.xii
Precisamos de contato pessoal íntimo e oportunidades para uma compreensão de duas
vias. O testemunho efetivo do evangelho necessita compartilhar nas alegrias e tristezas, na
doença, privações e celebrações. Não se trata de imitar um determinado estilo de vida, nem
simplesmente conseguir acesso, mas demonstrar amor cristão ao viver em contato íntimo com
eles. O relacionamento deve ser mútuo. Uma vez que os fulbe valorizam a honestidade e
integridade, por exemplo, o cristão entre eles precisa estar num relacionamento no qual o perdão
pelos erros na cultura e língua possa ser buscado.
O cristão tem que demonstrar que a fé bíblica não exige os acessórios da vida
sedentária, mas é simpático a muitos aspectos dos valores e do estilo de vida dos nômades. Isto
cumpriria, até onde é possível, a regra de ouro de Kraemer. Precisamos nos unir a eles em sua
jornada e não tentar, implícita ou explicitamente, mudar seu modo de vida simplesmente porque
não nos preocupamos em compreendê-lo.
Parceria é a maneira de Deus
Nosso relacionamento talvez devesse visto como uma parceria entre cristãos e nômades.
A pessoa não deve vir como um estrangeiro para dar ajuda material, mas como um cristão. O
ideal seria que a única ofensa fosse o próprio evangelho – não nosso estilo de vida, método,
tecnologia, falta de habilidade cultural ou as falsas compreensões dos nômades quanto à
cristandade. Então poderíamos ser aceitos como amigos, e até parceiros, do grupo de povo nas
experiências de vida compartilhadas. Não se trata de uma aventura transcultural para uns poucos
cristãos audaciosos. Três aspectos do caráter de Deus – ele ser um Criador, Trinitário e
Transcendente – nos encoraja a fazer uma parceria com os nômades.
No ato da criação, Deus cumpriu seu propósito exclusivo sem o uso de materiais ou
ajuda externos – ex nihilo. Cada parte de sua criação existe, com suas características únicas e
habilidade para se relacionar com outros, sem qualquer esforço próprio. Isto quer dizer que
todos os seres existentes (pessoas ou coisas) receberam, de Deus, sua própria existência como
um dom para abençoar uns aos outros. Todos os seres foram interligados em relacionamentos
pelo Criador para servirem e apreciarem uns aos outros e o que os cerca. Em todas as nossas
ações somos responsáveis pelos dons que Deus nos deu: nós mesmos, outras pessoas, coisas e
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criaturas. Todos estes deveríamos aceitar como dons de grande valor dentro do propósito que
Deus busca cumprir através de nós. Portanto, os nômades e a maneira como reagem a um
ambiente hostil – ainda que insignificantes aos olhos humanos e a despeito da pecaminosidade
deles – devem ser considerados dons de Deus.
Os dons de Deus: natureza, riqueza, trabalho ou outras pessoas, implicam numa
responsabilidade de tratá-los corretamente. Os mandamentos para a conduta humana, dados na,
Bíblia não são meras regras que requerem submissão individual. Mais do que isso, eles
expressam a definição de Deus do que deve ser um ser humano e de que tipo de sociedade
reflete seu caráter e propósito. Amar a Deus e ao próximo significa formar uma comunidade
moral na qual deveríamos buscar ajudar, apoiar e encorajar uns aos outros para cumprir o
propósito de Deus. O fato de obedecermos ou não aos mandamentos, afeta não somente nosso
relacionamento com Deus, mas também a vida das pessoas ao nosso redor. Nossas ações
ajudam ou frustram o propósito de Deus para elas. Esta visão da criação nos aproxima da
situação dos nômades com seu ideal de uma sociedade altamente interdependente e dependência
da natureza.
Nossos relacionamentos com pessoas desconhecidas também estão baseados no caráter
trinitariano de Deus. Ele não só é independente da criação, ele também é uma “sociedade”
absolutamente independente composta de três Pessoas que estão unidas como uma associação
perfeita. Todas as perfeições morais, incluindo o amor, são perfeitamente percebidas em Deus
porque ele é uma Trindade, uma comunidade de três. Cada pessoa dá e recebe cuidado e
satisfação das outras, por isso Deus é amor (1Jo 5.8). Esta interação é perfeita, completa e
contínua. O amor em qualquer forma só pode ser conhecido por ser influenciado, ainda que
indireta ou imperfeitamente, por esta comunidade de Pessoas.
Na Trindade vemos que o próprio Deus é uma “sociedade nômade” autônoma e
independente que mantêm sua integridade como santidade, mas que apesar disso entra num
compromisso voluntário, mas caro, com a humanidade. Com respeito a isto, Deus é um
“autêntico nômade”. O amor de outros por nós, e nosso amor pelos nômades, é uma extensão
desse amor dentro da Trindade, experimentado direta ou indiretamente através de Cristo. Ele
veio nos reconciliar para que participemos numa comunidade de amor. Isto é um desafio, um
convite, uma agitação sufocante no coração que, infelizmente, a maioria resiste ou ignora.
A unicidade de Deus com a qual os muçulmanos estão preocupados não enfraquece a
Trindade, mas apóia a singularidade de Deus, reiterando que não há outros e que nada pode ser
adicionado a Deus. Alguns vêem a Trindade como um obstáculo para evangelizar os
muçulmanos. Mas a singularidade ou unicidade de Deus só seria arruinada se seu amor
“necessitasse” da humanidade. Dentro de si mesmo o Deus único é três Pessoas numa
comunidade de amor, um amor tão unido em ação para com a criação que muitas vezes as
Pessoas não são distinguíveis uma das outras e suas ações parecem ser realizadas por um. A
distinção das Pessoas nesse amor foi revelada quando o Filho se tornou um homem e se
identificou com a humanidade descrente e desobediente. O amor da Trindade pela humanidade é
apenas uma indicação do amor dentro desta comunidade tripla em si mesma.
Em sua transcendência, Deus é livre para ter comunhão com qualquer um, em qualquer
lugar, sem necessidade de locais, pessoas ou rituais especiais. Ele está “em casa” nos altos
pastos ou nas planícies áridas, sobre o horizonte da estepe ou na cacofonia tumultuada de um
mercado ou rua da cidade. Nenhum mediador ou intermediário de dentro da criação ou criado
por humanos são necessários para encontrar este Deus. Ele está em casa em qualquer
acampamento nômade humilde e solitário. Estamos prontos para estar ali como suas mãos e
boca? Nossa tarefa é compartilhar este amor com pessoas cujo estilo de vida e valores podem
parecer, pelo menos inicialmente, totalmente estranhos para nós.
Jesus em sua própria experiência humana ficava mais a vontade com pastores e
itinerantes pobres do que com os de padrão de vida mais confortável. No nível humano, ele
ficaria mais a vontade num acampamento com um grupo de fulanis ou qashqa’i do que nas
nossas igrejas ocidentais. O ideal é levar os nômades ao ponto de nos tornamos observadores de
seu relacionamento com Jesus. É impossível limitar Deus exclusivamente em termos de
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cristianismo ocidental ou qualquer outra forma. Não podemos alegar conhece-lo no sentido de o
“possuirmos”.
Na sociedade estreitamente organizada de um acampamento nômade, essa vida de
confiança em Deus e na sua providência seria constantemente observada, para ver se o
cristianismo tem a oferecer algo melhor do que as próprias tradições dos nômades. O
cristianismo ali demonstraria como Deus transforma nossa vida e mostraria o amor real que
muitas vezes falta na vida deles – isto contrastaria com impressão que eles têm da cultura
ocidental.xii Os nômades estão observando os cristãos mais do que os estão ouvindo, e
conversações iniciais muitas vezes ocorrem entre aqueles que viajaram e encontraram cristãos
em outras partes levando a vida normalmente. O missionário deve “viver uma vida de fé e
oração entre os nômades para que eles possam compreender a realidade de que Deus está
próximo e nos ouve, e isto é tão real que se pode depender dele nas crises, assim como nos altos
e baixos da vida”.xii
A oração respondida é um exemplo da providência pastoral divina. Há uma idéia errada
entre os muçulmanos de que os cristãos não oram constantemente, por esta razão o obreiro
cristão deveria tornar conhecidos seus hábitos diários de oração para mudar essa idéia. É
provável que precisemos mudar nosso ideal de não exibir nossa piedade, para revelar que, para
o cristão, Deus e a oração são tão importantes como para os muçulmanos.
Esta parceria significa ser aceito por eles como um membro de sua sociedade em algum
nível, ou em alguma categoria que eles considerem favoravelmente. O cristão entre eles deveria
contribuir de alguma forma, e não ser considerado como o “eterno” estrangeiro. Assim como o
apóstolo Paulo, podemos em alguma medida ser “todas as coisas para todos os homens” (1 Co
9.22) por meio de uma simpática partilha de experiência que não comprometa a mensagem de
Deus e a habilidade e saúde do obreiro cristão. Estabelecer relacionamentos significativos e
encontrar um papel, pelo menos como um membro parcial, exige contato pessoal regular para
desenvolver experiências compartilhadas. Levará tempo e, inevitavelmente, haverá falhas.
Enfim, precisa haver um padrão de comportamento que seja modelo de um estilo de vida cristã
sem possessões materiais, construções e confortos. Mas são as próprias pessoas que decidem
aceitar o estrangeiro num relacionamento ou num papel ao qual elas estejam acostumadas.xii
Muitos destes povos estão cansados das coletas de dados e câmeras de antropólogos e
turistas que os visitam, e de promessas não cumpridas de ajuda material. Para cumprir a regra de
ouro de Kraemer, o cristão precisa constantemente descobrir o máximo possível sobre o estilo
de vida e pensamento do povo através de um contato mais próximo do que tiveram a maioria
dos estrangeiros. Muito tem sido feito das perspectivas ecológica, econômica e sociológica, mas
há uma grande necessidade de compreensão e registro de um ponto de vista bíblico e cristão.
Esta visão bíblica resulta numa compreensão diferente do povo, suas aspirações e problemas –
pois como temos visto, na verdade, suas vidas estão de muitas maneiras mais próximas da vida
retratada na Bíblia.
Fazer amizade com povos nômades
Muitos nômades podem ser contatados regularmente em poços e em áreas de
acampamentos sazonais onde eles se encontram para negociar, ter contato social e para cultivo
limitado. Estes podem ser pontos para oferecer alfabetização, ajuda médica e veterinária. Isto é
útil, porque a avaliação inicial na preparação para se viver com um povo nômade pode ser feita
nestes pontos focais. O perigo é que estes pontos locais podem se transformados em mini
“estações missionárias”. Viajar ou acampar com os nômades por pequenos períodos regulares é
vantajoso se o objetivo for conhecer e ser aceito pelo povo. A idéia chave é se tornar tão móvel
quanto os nômades, para que qualquer ajuda material oferecida não encoraje uma mudança no
padrão de migração e assim enfraqueça os métodos de subsistência. Os pioneiros suecos entre
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os afar percorreram todo o percurso de migração deles para encontrar a melhor localização para
sua base.xii
Uma família de seis pessoas da Igreja Cristã Reformada, após uma década de ministério
associado à igreja, viu as necessidades das pessoas não evangelizadas que vivem do gado. Eles
planejaram viver numa vila dos fulbe pastorais por períodos cada vez mais longos.xii Sua
agência apoiou a idéia, mas insistiu que eles também tivessem uma casa na cidade, um veículo
com tração nas quatro rodas e um rádio comunicador. A aldeia ficava numa planície quente e
exposta ao vento e a um dia de viagem de qualquer cidade. Ela era semi-sedentária, próxima a
poços profundos, o que quer dizer que um terço das pessoas permanecia na aldeia enquanto que
o resto migrava com o gado.xii A família vivia numa típica casa no pasto construída pra eles pelo
povo, sem eletricidade, água corrente ou geladeira, e eles cozinhavam num forno de terra. A
mãe também ensinava seus filhos em casa, na vila, até que eles estivessem na idade de ir para o
internato.
Inicialmente os aldeões esperavam que a família lhes trouxesse mais tecnologia
moderna. Eles cobriam a família de hospitalidade e presentes contínuos de leite. A atenção
constante e as visitas a cada hora do dia, de início, foram uma provação, e isto só foi resolvido
quando as mulheres da aldeia decidiram que ser tão hospitaleiros os estava impedindo de fazer
seu próprio trabalho. Mas tarde, um severo ataque de disenteria prostrou toda a família com
exceção da mãe. Os aldeões estavam muito preocupados com eles e ofereceram seus próprios
remédios antes de persuadi-los a fazer a difícil viagem em busca de ajuda médica. Quando todos
se recobraram, eles voltaram a viver na aldeia. As pessoas então ficaram convencidas de que
essa família expatriada realmente se importava com eles.
Após dois anos na aldeia, a família descobriu que os experimentos agrícolas, o trabalho
médico e de ensino não lhes deixara tempo para o aprendizado da língua. Eles então mudaram
para criação de gado e começaram seu próprio rebanho, usando pastores da aldeia para cuidar
do gado. O pai assumiu o papel de um “marabu de Jesus” e foi aceito pelos líderes da aldeia
como um professor religioso, embora, diferente de tais líderes na cultura, ele também se
dedicasse a projetos como escavação de poços. A estação chuvosa, quando o trabalho pastoral
era mais leve, era uma boa ocasião para o ensino.
Ele orava pela aldeia todos os dias em público. Enquanto ele tentou ajudá-los com o
desenvolvimento agrícola eles não o consideraram como um deles, mas assim que ele começou
a criar gado eles o aceitaram como parte do grupo. Hoje todos os membros desta equipe são
encorajados a possuir seu próprio gado e a vestir roupas africanas. Eles estão conscientes de que
eles não estão atingindo os clãs mais nômades dos fulbe, com os quais um método mais
“nômade” seria necessário, acampando em locais diferentes a medida que o povo muda.
Uma cidade base, com algumas amenidades ocidentais, é necessária para recuperação e
para se dedicar àqueles aspectos do ministério que não podem ser feitos no acampamento ou na
aldeia nômade, como o estudo da língua, tradução, administração, receber apoio e ter comunhão
com outros cristãos. Mas só 40% do tempo da pessoa é pra ser gasto nessa base e o resto do
tempo deve ser usado entre os nômades. Isto tem provado ser um ideal que não se tem
concretizado por uma série de razões – das dificuldades de viagem à burocracia. A orientação
política da equipe diz que o método é “encarnar o evangelho entre o povo, identificando-se com
o estilo de vida do povo, ou seja – viver em casas iguais às das pessoas, comer sua comida,
vestir suas roupas, aprender sua língua, participar de seu estilo de vida, empenhar-se para uma
compreensão simpática à cultura deles... deixar o apego aos aspectos familiares e confortáveis
de nossa cultura”.
Cash Godbold viajou a cavalo e levou sua esposa e filhos numa carroça puxada por um
camelo para visitar os acampamentos tuaregues ao norte de Tahoua no Níger. Eles carregavam
sua própria comida que os tuaregues tinham preparado para eles. Eles tocavam uma espécie de
loja de penhores para os tuaregues para lhes emprestar dinheiro para comida, etc., e lhes davam
tratamento médico. Eles também tinham uma casa local de tijolos em Kao porque o mercado era
um bom lugar para entrar em contato não só com os tuaregues, mas também com os hausa e
fulani. Mais tarde eles consentiram em usar um Land Rover, mas os primeiros anos de
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disposição em usar recursos conhecidos pelos nômades foram um sucesso em ganhar a
confiança deles.
Viver numa cabana nativa ou numa tenda pode ser considerado o ideal e exige que, por
curtos períodos, limitemos nossos recursos àqueles disponíveis para os nômades. Precisa haver
um equilíbrio entre identificação com o povo e a expectativa de senso comum deles de que se
você tem algo, você deveria usá-lo. O que é necessário é uma limitação disciplinada de
aparelhos e confortos àqueles que são essenciais para se manter a saúde e eficazes no contato
diário com as pessoas.
Providenciar a própria acomodação móvel poder ser compreendido pelas pessoas e dar
um pouco de privacidade. Um Land Rover especialmente modificado, como o usado entre os
fulani no Níger, pode ser usado como uma casa móvel.xii Os caçadores usavam uma pequena
tenda em cima de um Land Rover. Ela tinha a vantagem de ficar acima dos mosquitos, cobras,
escorpiões e garantia privacidade nos períodos mutuamente combinados. As pessoas não
esperavam que o estrangeiro fosse totalmente um “nativo” e apreciavam a amizade sem pressa.
Um veículo também é útil para se achar um grupo altamente móvel, quando o “ideal” de
transporte nativo sobre uma mula ou camelo pode resultar em frustração por não fazer contato.
As pessoas não se ressentem de um veículo moderno, mas elas acham que os estrangeiros são
extremamente pobres porque elas não possuem uma única cabra!xii
Um jovem casal trabalhando com a Missão AMEM (WEC) viveu numa tenda em forma
de sino por períodos de duas semanas, por mais de um ano com uma família nômade de fulbes
na área Delta de Mali. Encontrar seus anfitriões toda vez era um problema, devido às direções
vagas e águas de inundação formando uma barreira para seus Land Roveres. No acampamento,
eles cobrem o veículo com uma lona impermeabilizada para proteger o carro do sol e para
simbolizar sua disposição em ficar. Longe de ficarem isolados, eles descobriram que o
acampamento trouxe contato com muitas outras famílias nômades ao redor deles que,
necessariamente, não seriam contatadas em nenhuma das aldeias.
Itinerantes em áreas urbanas, tais como os gadulyia lohars da Índia, também precisam
de uma aproximação dedicada. Uma cidade onde grupos desse povo visitam clientes poderia
formar uma base e o primeiro passo seria reconhecer os itinerantes de grupos ou famílias
particulares. Um ministro dentro de uma igreja na cidade constantemente faria o desafio
missionário para que os cristãos locais atingissem os lohar. Os lohar poderiam então ser
visitados em várias localizações na região e se poderia manter um contato que não interferisse
com o trabalho deles.
Há muitos exemplos seculares das questões e problemas a serem combatidos. Embora
antropólogos e obreiros cristãos tenham reservas mútuas acerca das razões do outro, eles podem
aprender uns com os outros. Um projeto de pesquisa antropológico, mesmo sem suporte
acadêmico, dá uma base para compartilhar a vida deles por um período sustentável e ganhando
uma compreensão disciplinada do povo.
Haveria algumas vantagens em viajar com um grupo por uma curta parte do itinerário
para apreciar a maneira de vida deles. Encontrar famílias particulares no itinerário deles na
maioria das vezes pode ser difícil, como Satya Pal Ruhela descobriu, e só perguntando a
diferentes grupos lohar ele foi capaz de encontrá-los. Durante sua curta viagem com eles ele
testemunhou partos e adoração à margem da estrada, como também a rotina de trabalho duro
dos ferreiros. Mas só após muita paciência ele conseguiu registrar suas canções hindus. xii Em
períodos especiais mais de uma dezena de famílias se afastaram de seus itinerários e acamparam
juntas. Essa era uma oportunidade de acampar com elas, se lhe dessem permissão. Mas só após
muitos contatos assim é que ele foi capaz de ganhar a confiança deles para atingir um de seus
alvos: gravar suas canções hindus.
Marion van Offelen e Carol Beckwith se integraram a um acampamento de famílias
wodaabe aparentadas por sete meses. Durante esse tempo Carol recebeu uma oferta de
casamento – como uma segunda esposa. As mulheres decidiram que o cabelo dela era muito
curto, então ela o deixou crescer e elas o trançaram e passaram manteiga como o delas. Eles
entraram em marcha cinco horas por dia através do deserto sob intenso calor, tendo só água
arenosa e barrenta para beber e leite como comida, muito exaustivo. Eles descobriram que
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comprar um jipe não criava uma barreira com as famílias e que os homens faziam turnos para
atuar como seus “leitores de mapa”, o que significava “ler” as marcas difíceis de ver num
deserto sem rastros. O transporte significava que a comida e equipamento deles não era um
fardo para os animais das pessoas e que eles podiam carregar comida extra em troca da
hospitalidade que recebiam.xii
Viajando com os dolpo e o rong-pa no Himalaia, Diane Summer descobriu que a
concentração de ovelhas ou iaques na rota da montanha significava que esterco cobria locais de
acampamento e poluíam os riachos que eram sua única fonte de água potável.xii As famílias
tibetanas acampavam e dormiam todas juntas ao ar livre, usando algumas das bagagens como
uma proteção contra o vento. Quando sua filha de quatro anos teve febre, as pessoas ficaram
muito preocupadas e interpretaram isso como obra de demônios invejosos e ofereceram um
exorcismo.
Um ministério assim precisa despertar a atenção das igrejas locais para esses grupos.
Não se pode presumir que cristãos locais terão o tempo ou a visão para atingi-los. Na verdade,
pode haver tanto preconceito mútuo entre os nômades e o povo local que os cristãos que vivem
próximos podem ter dificuldade em serem aceitos.
Nas culturas que são tradicionalmente nômades, mas que foram forçadas a se
estabelecer, como os quirguizes, é importante se identificar com o seu passado. Não se deve
presumir que, porque vivem em casas na aldeia com pequenas fazendas por duas ou mais
gerações, eles tenham renunciado às suas tradições e agora aspirem a maneira de vida russa. O
povo local fala apaixonadamente de visitas às pastagens na montanha para onde os pastores
levam os rebanhos da aldeia. O cristão deveria fazer o mesmo e talvez possuir algumas ovelhas
como quase todas as famílias e alugar um cavalo para montar de vez em quando.
Reação e Aceitação
O primeiro obstáculo em alguns países é conseguir permissão do governo para visitar as
áreas onde estão os nômades. Foram necessários dois anos de negociação para conseguir uma
visita aos cazaques nas Montanhas Altai na China.xii Melwyn Goldstein teve que esperar três
anos e mais um ano de negociações antes que conseguisse aprovação para viver com os
nômades do Chang Tang no Tibete. Mas uma vez que a permissão é conseguida, como os
nômades reagem a um estrangeiro vivendo entre eles?
Um pedido para acampar ou viajar com eles muitas vezes é recebida com desconfiança.
Os nômades podem ter idéias pré-concebidas acerca da posição de um estrangeiro no meio
deles. É preciso uma explicação razoável pelo interesse no povo, ainda que esta possa ser
diferente daquela dada às autoridades. Uma apresentação por um estrangeiro, com quem o povo
tenha negócios regulares, pode ser necessária. A maioria dos casos acima dependeu de um
convite de um líder em particular para que acompanhassem e fizessem parte do grupo. Ilse
Kohler-Rollefson gastou sete meses dirigindo para visitar vários acampamentos dos rabari, mas
eles se recusaram a lhe dar informação até que ela lhes fosse apresentada por um cirurgião
veterinário rabari, que traduzia diretamente para o inglês para ela.xii
O estrangeiro muitas vezes recebe a proteção ou a hospitalidade de uma pessoa chave e
de sua casa. Ganha-se muita aceitação como parte do grupo social e na mesma proporção se fica
debaixo da autoridade do anfitrião. Os estrangeiros devem obedecer à liderança na migração e
no acampamento e devem pedir permissão para sair.
Marie Herbert, uma escritora secular viajante, viajou sozinha com quatro homens sami
no norte da Noruega. Ela teve alguma dificuldade em superar a hostilidade inicial criada por sua
experiência passada de patrocinar turistas e jornalistas. Ela fez um pagamento antecipado para
despesas. Os homens questionaram a adequação de seus equipamento e roupas modernos, e
especialmente suas razões para fazer a viagem. Os sami estavam muito preocupados em
assegurar que ela escrevesse uma avaliação exata, não-romântica da vida e dos problemas
deles.xii
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Robyn Davidson descobriu que os rabari da Índia não levaram a sério seu pedido para
migrar com eles e deram todo o tipo de desculpa para recusá-la.xii Assim como Herbert, ela
descobriu que precisava de uma apresentação por parte de um estrangeiro com quem os
nômades estavam acostumados a lidar. Ela levou seu próprio camelo na migração, mas
descobriu que tinha equipamento demais pra ele carregar. As mulheres a importunaram por ser
fraca demais, dizendo que ela abandonaria a viajem e que a polícia os acusaria de tê-la raptado.
Eles até a acusaram de ser um homem disfarçado. Eles a insultaram por não ter filhos e estar
doente. Por trás de tudo isto, ela descobriu que eles estavam genuinamente preocupados com a
felicidade dela.
Os líderes assumiram, pessoalmente, a responsabilidade pela segurança dela durante
suas onze semanas com eles. Ela descobriu que todas as refeições são iguais e a solidão foi
insuportável. Muitas vezes ela só teve duas horas de sono à noite, por causa da tosse e
respiração ofegante dos animais próximos ao acampamento dela. Anos mais tarde, ela continua
a visitar sua família rabari. Isabel Fonseca descobriu que os ciganos a consideravam estéril,
porque aos trinta ela era solteira, sem filhos e, portanto,“condenada” a viajar o mundo e, de
todos os lugares, até mesmo a Albânia! Pior ainda, a ficar com pessoas completamente
desconhecidas como eles.xii
Os fulbe desconfiaram de Paul Riesman e de sua esposa quando ele pediu permissão
para viver com eles, principalmente por causa da experiência passada com europeus. Sem
qualquer demonstração de emoção, o líder deles acentuou as dificuldades da vida. Levou seis
meses para superar isto até que, ao final da estadia deles, eles se sentiram completamente
aceitos. A razão que eles deram para seu trabalho era estudar a língua, embora o motivo real
fosse para escrever uma tese antropológica.xii
Lois Beck, assim como os outros, teve que ser apresentada por um estrangeiro. Munida
de uma bolsa de estudos para pesquisa e com recomendações da embaixada americana e do
gabinete para tribos do governo iraniano, ela primeiro ficou com um khan e ensinou inglês para
os filhos dele. Mas depois ela teve muita sorte em conseguir um convite espontâneo de um
nômade, embora eles estivessem só esperando para que os animais passassem por eles na
estrada.xii Um chefe qashqa’i de uma subtribo tomou a iniciativa convidando a ela e uma
companheira para tomarem chá, depois para uma refeição de manhã com ele e finalmente para
viajar com eles. Elas gastaram doze meses, incluindo seis meses na migração, na tenda do chefe.
Elas conseguiram conhecer a maioria dos mil nômades que viajavam com ele.
Brian Hugh MacDermot viveu entre os nuer só com um guia local e “tradutor”. Ele
demonstrou que mesmo uma breve visita, no seu caso para fazer um documentário para a TV, é
útil para se aproximar do povo e para compreender melhor como eles pensam. Ele descobriu
que estudos antropológicos anteriores foram feitos por pessoas que não viveram entre o povo.
Contudo, ele se descobriu lendo estes estudos e tomou nota de suas próprias observações para
ajudá-lo a corrigir algumas das conclusões erradas deles.
Ele ficou sobrecarregado pela demanda de sua ajuda médica não qualificada.xii Um
profeta de uma das divindades nuer o admitiu na tribo. Após seu boi ser sacrificado, ele recebeu
um novo nome, que o identificou com o boi. Quando um casamento foi lhe foi arranjado, ele
decidiu que era hora de partir. É claro que há limites para a identificação!
O contato próximo muitas vezes requer mudança nos hábitos diários, incluindo aqueles
úteis para o trabalho. Faz mais que cem anos na Mongólia, James Gilmour descobriu que a
melhor maneira de aprender a língua e ganhar a confiança das pessoas era viver com um mongol
em sua tenda. Os mongóis consideravam que Gilmour lhes trazia má sorte, porque ele saiu para
caminhar algumas jardas morro acima “sem propósito”. Ele foi simplesmente em busca de
alguns momentos sozinho e de ar fresco. Ele descobriu que tomar notas lingüísticas também era
considerado como trazendo má sorte ao acampamento. O estrangeiro, concluiu ele, não deve só
se adaptar ao confinamento próximo com pessoas que tem pouca saúde, higiene e maus hábitos
num ambiente cheio de fumaça, mas nunca sair para uma caminhada, escrever ou buscar uma
alimentação melhor, se ele quiser ganhar a confiança deles.xii Ele também descobriu que, com
sua aparência saudável e seus aparelhos, esperava-se que ele tivesse poderes de adivinhação. Os
mongóis modernos podem ser diferentes, mas temos que antecipar suas reações inesperadas.
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Joseph Berland gastou 14 meses viajando 5.200 km com os treinadores de animais de
Qalandar e Kanjar no Paquistão. Ele ganhou acesso aos acampamentos dizendo que queira
estudar como as crianças aprendem suas habilidades itinerantes. Entretanto, as pessoas
estabelecidas se ofenderam com isto, até que os próprios qalandar sugeriram que ele pretendia
estudar os macacos e ursos. Berland dormiu numa barraca “iglu” feito de galhos dobrados num
semicírculo e cobertos com tecido, à margem da estrada. Ele carregava seu equipamento em três
burros, e comprou e aprendeu a treinar seu próprio urso. Ele também tinha um apartamento em
Karachi onde uma família qalandar podia ficar com ele para discutir em profundidade algumas
características de seu pensamento e cultura. Ele descobriu que não havia nada romântico em
viajar com essas pessoas.
Uma vez que os qalandar estavam convencidos de que ele realmente se importava em
conhecer seus sentimentos e aspirações, assim como os aspectos materiais da vida deles, eles o
aceitaram como “estudante” deles e fizeram todo o esforço para mostrar novos fatos a respeito
da vida deles. As pessoas eram uma mina de informação acerca das sociedades sedentárias com
quem eles “trabalhavam” e alguns deles tinham um conhecimento útil de cinco línguas
diferentes. Ele descobriu que os relacionamentos dele estavam cheios de tensão, já que essas
sociedades fechadas aceitam e permanecem afastadas em relação ao estrangeiro. Contudo, desta
forma ele finalmente teve contato com 800 famílias, muito mais do que muitos missionários.xii
Judith Okely acompanhou um grupo de mulheres ciganas no sudeste da Inglaterra em
seus circuitos de venda de mercadorias, leitura de sorte, coleta de sucata e até revenda de
mercadorias domésticas jogadas fora.xii Uma família geralmente viaja sozinha num caminhão ou
trailer velho, acampando a margem da estrada. Ela teve acesso inicial como uma encarregada,
pelo governo local, de uma área de acampamento. Ela logo aprendeu que entrevistas
antropológicas formais eram quase inúteis para conseguir informação verdadeira. Experiências
compartilhadas e companheirismo prolongado produziram mais informações voluntárias nos
comentários, gestos e ações no contexto da vida cigana.
Mais de 10 meses depois, Okely diminuiu as suspeitas deles de que ela era uma
informante da polícia ao ficar com eles, fazendo tarefas como leitura de cartas e limpando
farrapos. Ela também mudou sua maneira de se vestir e assim gradualmente construiu amizades.
Essa curiosidade aparentemente informal acerca dos costumes e crenças deles finalmente foi
reconhecida como interesse genuíno.xii Ainda assim, após meses de convivência próxima, ainda
havia reservas e suspeita em relação a ela como uma estrangeira. Ele descobriu que só pelo
casamento com um cigano e a adoção do ritual de purificação seria possível a total aceitação no
grupo.
Cristina Noble viajou com sua própria barraca e comida e dois guias entre os pastores
gaddi no norte da Índia. Ela andou quase 600 km no Himalaia, normalmente mais rápido do que
a média de 9 km por hora dos rebanhos. Isto quer dizer que ela ultrapassava as ovelhas e
pastores e seguia junto às famílias dos pastores que sempre iam na frente para montar
acampamento antes da chegada dos rebanhos a cada noite. Embora ela e seus guias tivessem
suas próprias barracas, os pastores com quem eles acampavam muitas vezes passavam a noite
numa caverna ou num abrigo de pedra.xii Casada com um indiano e simpática ao hinduísmo, ela
se envolveu com as crenças e aspirações deles e encorajou o desenvolvimento de projetos para
ajudar a manter a viabilidade do modo de vida pastoral gaddi.
Esse esforço de viajar com o povo, uma vez aceito, trazem grandes recompensas em
ganhar o respeito das pessoas, bem como fornece uma experiência em primeira mão das
preocupações e interesses delas. Tal contato proporciona oportunidades para rir e chorar com o
povo, bem como compreensão dos seus interesses e conhecimento da língua do coração deles.
Impacto na vida dos nômades
A presença do estrangeiro pode criar tensão no relacionamento do anfitrião com os
outros, bem como problemas econômicos. As regras de hospitalidade podem significar que o
estrangeiro se torne parte da família estendida principal. Esta adoção tem a vantagem do contato
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mais próximo, mas também implica em limitações. Muitas vezes é preciso devolver
indiretamente os favores. Embora sejam constantemente necessários, os projetos de saúde e
desenvolvimento podem tomar todo o tempo, ter resultados de pouca duração e resultar em
pouca amizade verdadeira com as pessoas. Pode levar tempo para que se acredite nas razões da
pessoa, mas a amizade genuína e até se oferecer para orar pelas pessoas pode ajudar. Como
muitos possuem idéias falsas e grotescas sobre o cristianismo, orar e ler a Bíblia em público
pode ajudar a criar uma nova atitude.
Richard Tapper descobriu que, como um convidado e “dependente” dos chefes
shahsevan, seu desejo de viajar com um acampamento nômade comum não foi levado a sério.
Eles achavam que isso não era “apropriado” para um estrangeiro.xii Inicialmente ele achou seu
carro útil para entrevistar membros do grupo que de outra maneira seriam evasivos. Contudo,
quando ele se tornou “taxista” para levar os nômades entre os acampamentos ele
agradecidamente o trocou por um cavalo. Ele descobriu que possuía poucos dos pequenos
símbolos de status de riqueza que eles tinham e, como um antropólogo, na verdade era mais
pobre do que muitos dos nômades.
O chefe o tratava como a um de seus muitos filhos, ficou preocupado com sua saúde e
tentou persuadi-lo a se tornar muçulmano e um membro permanente de sua família. Contudo, o
chefe também foi censurado por ter um “infiel” no acampamento. Nesta situação, os conceitos
nômades de hospitalidade com os hóspedes entravam em conflito com suas idéias acerca da
influência corrompedora de não-muçulmanos. Os mulás (clérigos muçulmanos entre os
shahseven) estavam divididos entre os que persuadiam os nômades a não ter contato com
Tapper e os que pelos menos o toleravam com base na hospitalidade.
Tapper e sua esposa tinham uma pequena barraca ao lado da barraca da família
shahsevan e assim mantinham certa independência. Ele descobriu que era melhor acompanhar
os membros da família em visitas a outros acampamentos ou casas do que ter um programa de
pesquisa no próprio acampamento. Ele também não pode contratar um assistente, já que isto era
incompatível com seu status de “filho”. Muitos dos shahsevan eram relutantes em dar-lhe
informação, mas sua esposa foi capaz de coletar informação das mulheres. Os oficiais do
governo e a polícia eram invariavelmente hostis e incomodavam seus anfitriões (isto foi em
1964).
Qualquer estrangeiro vivendo com os nômades não só aprende muito e ganha aceitação
deles, mas também causa um impacto na vida deles, como Tapper descobriu. Antropólogos,
Beck diz, não percebem o impacto que sua observação “imparcial” causa. O chefe com quem
ela viajou estava preocupado com o conforto deles e os convidou para estarem presentes quando
ele recebia os convidados e para irem com ele quando ele era convidado. Ela percebeu que sua
presença poderia afetar a posição dele política e economicamente. Ela já estava grandemente em
dívida devido ao prejuízo de manter o prestígio dele como chefe. Ela contrabandeava comida
para a esposa dele como forma de compensar a hospitalidade deles e ajudava dirigindo a
caminhonete pra ele e pagando as despesas médicas para seus parentes. Ela encorajou as
crianças a usarem o sistema de escola montado para elas (cf. o verbete qashqa’i no cap. 13,
abaixo). Consciente de que um antropólogo nunca pode retribuir à hospitalidade, ela dava
presentes de produtos americanos que eles podiam usar na vida nômade, ainda que dificilmente
pude-se arcar com os custos.
Politicamente, o chefe parecia ganhar status por ter dois americanos com ele – embora
ele tivesse pretendentes para sua posição e o que fora chefe antes dele viajasse com ele. A
presença de Beck ajudava a desviar ameaças, exigências de subornos e críticas à sua liderança
que de outra maneira ele teria sofrido. Ele adorava entreter seus convidados com perguntas
sobre a vida americana. Acima de tudo, ele apreciava o interesse deles pela vida e história
qashqa’i. Beck não via razão para aceitar convites de outros chefes e teria sido indelicado fazelo. Ela mesma era fluente competente em persa, turco qashqa’i e árabe e seu companheiro foi
capaz de aprender o suficiente das duas primeiras línguas para se comunicar com os nômades
que preferiam falar em sua própria língua, o turco, a aprender o inglês.
Embora os nômades vivam sem paredes, eles têm suas próprias idéias de privacidade e
Tejinder Randhawa, que tem viajado com muitos grupos nômades na Índia, enfatiza que é
86
preciso ter consentimento para se tirar uma foto.xii Daniel Bradburd salienta o universo social
limitado do acampamento nômade no qual se encontram as mesmas pessoas dia após dia e onde
o próprio antropólogo pode ser envolvido em controvérsias acerca de relacionamentos, tais
como negociações para casamentos arranjados.xii
Mesmo com as dificuldades em potencial, é possível cumprir a regra de ouro de
Kraemer. Isto requer paciência e muito tempo, tornar-se disponível e mostrar comprometimento
por meio de visitas regulares. Ausências necessárias devem ser explicadas como contato com a
família, uma sociedade viajante pode compreender. Isto é melhor do que sugerir que elas se
devem às dificuldades com o ambiente do acampamento, o que as pessoas logo suspeitam.
Retornar constantemente, mesmo após doença ou outras dificuldades, pode ajudar a provar o
comprometimento com as pessoas.
Habilidades especiais exigidas dos trabalhadores
Um jovem quirguiz olhou horrorizado numa viagem de visita a pé e de ônibus: “Você
não tem um cavalo?”xii Era inconcebível para ele que alguém pudesse não montar a cavalo. Esta
percepção inicial do povo pode ser importante. Os fulbe podem considerar uma pessoa que
chega num Land Rover como alguém a ser explorado, mas uma pessoa que monta um cavalo é
alguém a ser respeitado. Infelizmente, mulheres não montam cavalos naquela cultura.xii Os
pastores de rena koryaks aceitaram Robin Hanbury-Tenison porque ele fora um criador de
cervos na Inglaterra.xii Os nômades também ficam maravilhados quando um estrangeiro é capaz
de tocar o gado corretamente; mas é quase tão importante não fingir que sabe, quando você não
sabe! É fácil perder o crédito tentando lidar com camelos sem experiência prévia!
Precisamos ter algum conhecimento de animais ou nosso ministério entre grupos
pastorais provavelmente será limitado. “O evangelista cristão será desafiado pela necessidade de
relacionar a mensagem cristã à preocupação dos gabbra com seus animais. Ele precisará
articular uma ‘Teologia do Manejo do Rebanho.’”xii O conhecimento da gestão estatal do setor,
criação de gado leiteiro, pastoreio, análise de solo ou qualquer outra habilidade relacionada seria
útil. Uma agência precisava recrutar um especialista em manejo de animais, um educador em
saúde comunitária e um conselheiro em alcoolismo para a Mongólia em um ano. A Agricultural
Christian Fellowship (Irmandade Cristão de Agricultura) da UCCF ou entidades relacionadas
em outras partes podiam ajudar aqui, encontrando trabalhadores experientes e dando alguma
orientação para não-especialistas.xii Na maioria dos casos, pequenos períodos de familiarização
com animais seria o suficiente para trabalhadores não especializados. Obviamente, é preciso
obter vistos para qualificações profissionais em projetos particulares, para alguns trabalhadores
chaves. Treinamento e habilidades aprendidas no serviço militar ou qualquer experiência de
acampamento e marcha são uma vantagem.
Uma importante forma de identificação com as pessoas é você mesmo possuir alguns
animais, usando pessoas locais para pastoreá-los e, ainda assim, ser visto envolvido na
resolução dos mesmos problemas.xii Muitas vezes uma pessoa, aceita como um mestre religioso,
perde o respeito se ela pastoreia seus próprios animais. Contratar pastores é uma prática comum
para os membros mais ricos de uma sociedade. A total adoção de crianças nômades órfãs ou
abandonadas também pode ajudar a ganhar aceitação na tribo, mas, obviamente, levanta
questões muito maiores.
Os itinerantes não precisam, necessariamente, de cristãos que tenham as mesmas
habilidades que eles próprios, mas outras habilidades para ajudá-los. Mas estar pronto para
aprender as habilidades deles e talvez ter algum treinamento prévio num ofício apropriado tal
como ferreiro ou trançador de cestas, nos ajudará a tornar o trabalho deles mais viável. Os
nômades também precisam de alguém que seja capaz de fazer o que eles não podem por si
mesmos.
O mais importante para trabalhar com nômades são as habilidades lingüísticas,
observação antropológica e a habilidade de fazer amigos transculturalmente. Temos que ser
antropólogos amadores num certo sentido, porque muito pouco é conhecido sobre a maioria das
87
sociedades dos povos e de seu modo de vida. Um diário de observações iniciais que possa ser
comparado com experiências posteriores é muito útil, porque com a familiaridade nossa
observação e aprendizado logo ficam afetados e podemos habitualmente ignorar áreas inteiras
do pensamento e vida das pessoas. Precisamos ser estudantes criativos da Bíblia para sermos
capazes de mostrar-lhes quão relevante é a mensagem dela.
A idéia de treinamento adicional pode ser desencorajante, mas a disposição em aprender
é tão importante quanto qualificações profissionais, que podem ser de uso limitado em países
em desenvolvimento. Um nômade muitas vezes acredita ser superior ao estrangeiro, e a
ignorância e pobreza do estrangeiro em não compreender e não possuir animais só prova isto!
Ao permitir que eles nos ensinem, aprendemos dos próprios nômades acerca de seu modo de
vida, língua, habilidades e formas de pensamento – e isto honra a cultura deles.
Mais fundamental ainda é a habilidade de encarnar a vida cristã entre os nômades, de
um modo que eles possam apreciar. Aqueles que têm experiência entre os nômades vêem uma
clara necessidade de cursos de orientação além do treinamento fornecido pela maioria dos
cursos de escolas missionárias e períodos de orientação missionária. Muitos sentem a
necessidade de um internato que adapte o treinamento missionário formal para a situação
missionária, com um teste do comprometimento prático com o povo. Sugestões para o
treinamento incluem acampamentos no deserto semelhantes aos acampamentos na selva da
Missão Wycliffe Para a Tradução da Bíblia em países de clima temperado para ensinar
condições e habilidade rústicas e caminhadas de “aventura” no Sahara. A JOCUM (Jovens Com
Uma Missão) organiza safáris.xii A União de Escolas Cristãs (Christian College Coalition)
dirige um Programa de Estudos do Oriente Médio com 13 semanas no Cairo para projetos de
assistência, palestras em árabe, conversação em árabe coloquial e visitas a Israel. Isto
proporciona aos norte americanos uma experiência da vida urbana muçulmana, no intervalo dos
anos letivos em vários colégios cristãos.xii Há alguns anos atrás a União de Escolas Cristãs fez
um curso parecido envolvendo experiência de vida pastoral e nômade na África e no Oriente
Médio.
Viagens de oração e tarefas práticas podem ser difíceis de organizar para estudantes em
áreas remotas, mas elas podem provar ser recompensadoras para auxílio e recrutamento.
Novamente, há vários exemplos seculares. Um estudante da Trent University, Inglaterra, fez um
viajem solitária a cavalo para a área do lago Khusgul da Mongólia para estudar o impacto do
turismo na vida selvagem e dos nômades. Ele apresentou seu estudo para as autoridades
responsáveis pelo Parque Nacional da Mongólia.xii Philip Andrews-Speed fez seis visitas a
Xinjian durante um período de quatro anos e viajou a maior parte a pé, em busca de
comunidades de pastores nas montanhas nas diferentes partes da província. Mais tarde ele
publicou vários artigos.xii
Um compromisso cristão constante
A parceria exige um compromisso realista, demonstrado pelo tamanho e duração de um
grupo missionário. Quando, na experiência do povo, os obreiros permanecem só o tempo
suficiente para “matar” a língua e cometer todos os erros culturais inevitáveis, a impressão que
se deixa é que eles não tinham real interesse, ou acharam as pessoas muitos difíceis de conviver.
Dois ou três anos no ambiente nômade pode parecer ser um período muito longo para o
estrangeiro não acostumado, mas é uma inovação transitória na existência do povo. A curta
tarefa sacrificial pode ser interpretada pelos fulbe como um complemento dos próprios méritos
do(a) missionário(a) para chegar ao céu, e não como um desejo real de converter os nômades.
Um marabu bozo reclamou furiosamente para nós que estrangeiros vieram, fizeram estudos e
partiram, mas o povo nunca havia se beneficiado deles. Podemos justificar nossas visitas
irregulares, interrompidas por problemas de saúde e familiares, ou outras questões da missão,
mas um envolvimento limitado assim sem sombra de dúvida irá enfraquecer o relacionamento
88
pessoal que é o início da confiança. Aos olhos dos povos nativos, o missionário, mesmo com
uma década ou mais de serviço, é visto como um estrangeiro e um fenômeno temporário.
Muitos anos de contato para superar as suspeitas e temores dos nômades, com pouco ou
nenhum resultado aparente, é difícil. Já foi dito que a evangelização de um povo africano leva
50 anos. Os primeiros 25 anos podem resultar em 25 convertidos, mas a colheita só vem nos 25
anos seguintes.xii A presunção de que metas podem ser atingidas numa década nunca dá uma
chance aos obreiros ou a mudança da cosmovisão do povo. Um tuaregue comentou que sem
real compromisso e apresentação mais explícita da mensagem, quando há oportunidade para
fazê-lo, podemos dar a impressão de que nós mesmos não cremos na mensagem.
Esse fator de comprometimento também diz respeito ao maior medo dos nômades
quando se leva em conta a conversão – que o cristianismo fará com que fiquem socialmente
isolados, sem alguém para cuidar, casar ou enterra-los. Mas a lição de Cristo é clara. A
encarnação é permanente, o Filho permanece um homem para sempre. Mesmo sua ausência na
ascensão é uma continuação de seu compromisso e ele se foi só temporariamente para cuidar
dos interesses do seu grupo de povo adotado como seu representante com o chefe supremo
divino, Senhor de todos os povos! Ele irá retornar. O missionário ou, na sua falta, uma equipe
de revezamento, podiam ser um sinal visível do comprometimento de Deus com o povo.
Quando o obreiro já não pode viver no país, o povo deveria ficar convencido de que o obreiro
ausente continua seu interesse em oração e quaisquer outros meios para promover os interesses
espirituais deles, incluindo talvez o contato com comunidades expatriadas do povo.
Seria benéfico ter equipes designadas e treinadas juntas. Para atingir os melhores
resultados no esporte e na batalha, as equipes são treinadas juntas antes de saírem em ação. O
laço entre os obreiros ficará mais evidente para o povo e a ausência de alguns membros desta
“família” missionária será melhor explicada como negócios de família. A chegada de obreiros
que mal se conhecem antes da tarefa missionária deve parecer uma “tribo” estranha e pouco
convincente. Uma equipe torna possível a substituição de obreiros, enquanto outros
permanecem, bem como satisfação das necessidades dos grupos de um povo nômade
espalhados.
Essas equipes provavelmente exigem várias gerações para ser convincente. Mulheres
mais jovens têm problemas em ser aceitas como mestras religiosas entre os povos muçulmanos.
Obreiros mais velhos, incluindo mulheres, muitas vezes são mais respeitados como “santos” ou
sábios. Isto é ilustrado por um homem wodaabe que passou a considerar sua filha de 35 anos
não mais como uma “mulher”, mas como um “ancião”, porque ela tinha chegado à compreensão
xii
madura da vida por meio de suas experiências de sofrimento.
A parceria entre cristãos e povos nômades deve melhorar a sociedade deles e seu
nomadismo de forma realista. Devemos agora nos voltar para algumas maneiras práticas de
fazer isto.
10 Trabalhando com Nômades
N
ossa estratégia é assegurar que nossa presença não interfira no modo de vida dos
nômades, mas que contribuamos também para manter um nomadismo viável no mundo
moderno. O alvo do evangelho é reconciliar as pessoas com seu Criador para que vivam vidas
dignas dele no ambiente e sociedade em que ele as colocou. A ingenuidade dos nômades em
usar um ambiente difícil de maneira eficaz é uma das muitas formas da humanidade cumprir sua
responsabilidade para com o Criador. Os defeitos na expressão nômade da imagem de Deus não
estão no fato deles serem viajantes, ou em estarem à margem da sociedade, mas em serem tão
descrentes e egoístas quanto às pessoas sedentárias. Para atingir os nômades precisamos
compreender seus valores e relacionamentos familiares e, também, como lhes dar ajuda prática
para que possam se auto-sustentar.
89
Um testemunho para os valores bíblicos e nômades
Uma das principais contribuições da parceria cristã com os nômades é a reforma das
atitudes e normas morais. Muitos cristãos ficam confusos porque embora a mensagem do
evangelho seja acerca da cruz (e com certeza é), a maior parte do ministério do Senhor foi gasto
corrigindo os equívocos de seus contemporâneos com respeito à lei de Deus. As bemaventuranças encorajam as pessoas (que podem ser economicamente pobres, seja por escolha ou
por injustiça) a dar prioridade para relacionamentos corretos em vez de possessões. O alvo final
não é só ter um grupo de discípulos, mas também de criar uma sociedade mais caridosa para
com o grupo ou família pastoral nômade, resultando em melhor distribuição de recursos e
relacionamentos profissionais mais justos.
Muitos nômades têm seus próprios códigos e valores comportamentais, como os fulbe
pulaaku, pelos quais eles consideram sua cultura superior para preservar sua identidade. Para
eles, o gado pertenceu aos maasai muito tempo atrás e eles, portanto, como muitos pastoralistas,
consideram o roubo de gado como um método legítimo de recuperá-lo para os proprietários de
direito!xii É fácil julgar apressadamente estes sistemas e práticas, rejeitando assim todo o sistema
de valores. Até mesmo a presunção de tentar alterar os métodos e a moral de uma outra cultura
parece ser arrogância. Temos que ser cuidadosos para não justificar nenhuma prática injusta
como aceitável porque ela é “cultura”. Precisamos examinar nossas razões para querer
conservar os costumes ou sugerir sua modificação.
A base do padrão moral da Bíblia é o relacionamento pactual com Deus, mas muitos
dos detalhes foram adaptados e modificados a partir das práticas contemporâneas àquela época.
A maneira como Deus corrigiu e engrandeceu a vida de Israel por meio de sua instrução ou
Torá é um modelo para o ensino das pessoas de hoje. Deus corrigiu padrões contemporâneios e
muito do comportamento exibido pelo povo nas narrativas bíblicas. Isto deveria nos encorajar a
ver que a transformação gradual da cultura do povo é possível. A aparente simplicidade de
algumas interpretações cristãs de mandamentos bíblicos muitas vezes não leva em conta o
contexto, especialmente no Antigo Testamento. É preciso descobrir os pontos de contato entre
os valores nômades e o ensino ético da Bíblia, para saber o que manter e o que renunciar na
cultura deles. Por exemplo, os ciganos cristãos já estão modificando seus costumes – proibindo
a leitura de sorte, mas continuam seu costume de exigir um dote pela noiva por considerá-lo
bíblico.
Essas questões morais muitas vezes são complicadas, porque também afetam o modo
como as pessoas vêem a si mesmas. O pastoralista estará preocupado não só com como um
cristão deveria viver, mas também com como isto afeta seu lugar na sociedade e o futuro das
pessoas como um todo. O desafio dos cristãos é aprender o que as Escrituras dizem, ou não
dizem, acerca de muitas áreas da vida.
Já sugerimos que o ensino da Bíblia pode ser introduzido através de seus temas
nômades. Afinal, os padrões de Deus para todos os povos são os mesmos, por isso eles podem
ser encontrados, em alguma forma, nos valores das sociedades que não conhecem a Bíblia. xii
Modificar as regras das pessoas muitas vezes é o suficiente para conduzir a uma grande
mudança moral, assim como muitas das leis do Antigo Testamento parecem ser mudanças
provisórias de práticas contemporâneas visando um aperfeiçoamento posterior.
A instrução moral deve ser acompanhada pelo evangelho, assim como a graça foi
apresentada com a Lei. A salvação nos restaura para cumprir nossa responsabilidade, mas ela
também nos assegura o perdão e a reconciliação com Deus como uma razão para mudança.
Conclui-se, portanto, que os cristãos são o único povo a quem foi dado a visão total e a
motivação para servir a outros, para o evangelismo como também para o desenvolvimento
social e ambiental. Como o general William Booth disse, precisamos do evangelho e das boas
obras como precisamos de duas pernas para andar. Começamos na unidade nômade chave, a
família.
90
Mulheres nômades têm necessidades especiais
Mulheres podem ser as não atingidas entre os não atingidos, por várias razões. Elas
constantemente formam uma subsociedade dentro da sociedade nômade. Elas, muitas vezes, não
são só difíceis de contatar, mas são também desvalorizadas e literalmente sobrecarregadas de
serviço. Ainda assim, elas possuem uma enorme influência. Muitos estudos sobre grupos
nômades não mencionam as mulheres e seu papel. A primeira tarefa seria compreender
precisamente como funcionam os relacionamentos das mulheres dentro da cultura, indo além
dos julgamentos de estrangeiros bem como dos estereótipos de homens e mulheres dentro da
própria cultura.
As mulheres pastoralistas raramente deixam o acampamento ou têm contato com
estrangeiros ou mesmo como seus próprios parentes. O mais provável é que os homens que
trazem as notícias das cidades, ou de estrangeiros, as compartilhem com seus parentes homens,
do que com as mulheres. É uma falácia pensar que os povos nômades podem ser evangelizados
falando somente para os homens no mercado e nas cidades. Até mesmo o contato com os
homens chefes de famílias nos acampamentos não quer dizer que as mulheres também irão
ouvir.
Esta falta de contato com estrangeiros quer dizer que algumas mulheres fulani no norte
de Burkina Fasso nunca viram pessoas brancas. Mulheres qashqa’i anseiam pelas migrações,
quando outras famílias podem viajar com elas, e por tarefas como recolher frutas silvestres ou
buscar água. Dessa forma elas têm contato com mulheres de outros acampamentos. Elas
também recebem com alegria visitas de mascates e outras pessoas de quem os homens não
querem nem saber.
As mulheres têm pouco ou nenhum acesso à educação e, consequentemente, o número
de analfabetas entre elas é maior do que entre os homens. Muitas mulheres nem mesmo
aprendem a língua do comércio bem o suficiente para entrar em contato com estrangeiros. Não é
sempre que os maridos transmitem informação ou ensinam suas mulheres; as mulheres podem
ter desenvolvido outras formas de conseguir informação acerca do mundo exterior e aprender
informações úteis. Por séculos as mulheres mongóis eram consideradas ritualmente impuras e
condenadas a ser analfabetas, mas o comunismo forçou uma mudança nestas atitudes. As
mulheres fulani aprendem melhor ao se deparar com ilustrações e situações concretas, ao longo
do dia, do que ouvindo o ensino e tentando absorve-lo como os homens fazem. A alfabetização
pode transformar a vida das mulheres e lhes dar auto-estima, mas também pode criar tensões
nos relacionamentos familiares.
As mulheres desenvolvem relacionamentos sociais entre si que são diferentes dos
relacionamentos mais formais entre os homens. Entre os nômades turcos do Irã, as mulheres e
crianças formam um grupo de confraternização que abrange todo o acampamento quando os
homens estão fora pastoreando. Quando os homens retornam, elas voltam a ficar separadas em
suas próprias tendas como esposas e filhas submissas. Na África, as mulheres não têm o mesmo
apego ao gado que os homens. Elas estão mais preocupadas e empenhadas na subsistência mais
prática de sua familia.
As mulheres muitas vezes sabem mais sobre como vão as coisas no acampamento do
que os homens, e elas têm uma lealdade maior uma com as outras do que a seus maridos. Em
algumas sociedades nômades as mulheres se solidarizam contra os homens. Na África Oriental,
as esposas maasai defendem umas as outras contra a liberdade sexual que os homens têm de
pegar qualquer mulher da mesma classe ou faixa etária deles. Quando elas mesmas têm casos
extraconjugais, as esposas não consideram que isto seja mera luxúria, mas um protesto
deliberado contra o sistema de domínio masculino.xii
Embora sejam subestimadas, algumas mulheres nômades se aliam na luta para defender
sua pastagem ou seu homem. Lois Beck conta que 30 mulheres qashqa’i expulsaram 130
pastores luri em uma ocasião. Em outra ocasião um pastor ladrão, que tinha matado um
qashqa’i, foi executado sumariamente pelos homens porque eles temiam o que as mulheres
91
fariam a ele. No Sahel os homens reclamam porque as mulheres estão se tornando mais ativas
nos assuntos da comunidade, fora do âmbito da família.
Geralmente há uma divisão de trabalho entre os sexos e as descrições abaixo citam
algumas delas. Para os estrangeiros parece ser subordinação das mulheres aos homens, mas as
mulheres na maior parte das vezes consideram seu papel como complementar ao dos homens.
Os ideais ocidentais tendem a ver o trabalho doméstico duro como aviltante, mas na sociedade
nômade uma divisão de tarefas é necessária e não é considerada como de status inferior. As
mulheres podem ser responsáveis, sozinhas, pela construção ou armação das tendas ou por tirar
leite e produção de laticínios, e os homens cuidam do rebanho. Entre os somali e os toubou, as
mulheres muitas vezes pastoreiam. Os beduínos pastoreiam o gado ou os camelos, e as cabras –
animais de menor prestígio – são deixadas para as mulheres.
Mas a divisão de tarefas muita vezes é desigual e as mulheres frequentemente fazem a
maior parte do trabalho. Davidson descreveu as mulheres rabari com as quais ela viajou como
sendo “feitas de ferro”. As mulheres tinham pouco tempo livre, até para lavar roupas, e eram
constantemente espancadas. Muitos dos homens, por outro lado, eram inúteis e alcoólatras. Ente
os golok tibetanos, as mulheres são tímidas e permanecem de pé quando homens ou estrangeiros
estão presentes. Os fulani fazem uma segregação rígida entre homens e mulheres, por isso a
esposa pode ter que dar mais satisfações à sogra do que a seu marido. É considerado vergonhoso
para um casal conversar em público.
As mulheres nômades são desvalorizadas de muitas maneiras. Muitas vezes as mulheres
comem por último e, em tempos de dificuldade, elas ficam sem comer. Não é permitido às
mulheres qashqa’i matar animais e em tempos de fome elas são obrigadas a comer animais
mortos – o que é contrário ao costume islâmico. Só quando estão cozinhando elas podem tirar
um pouco para si. Os muçulmanos consideram o contato com as mulheres como um obstáculo
na devoção a Deus. As mulheres são consideradas como não tendo compreensão religiosa e por
isso muitas mulheres têm um hábito inerente de não discutir ou se importar com questões
religiosas.
Um homem pode ser mais leal a seu pai do que a sua esposa, o que enfraquece o núcleo
familiar (Gn 2.24). Mas nem todas as mulheres nômades são oprimidas. As mulheres na Bíblia e
nas sociedades nômades muitas vezes têm maior influência do que seu status formal parece
permitir. As mulheres shuwa, por exemplo, são responsáveis pela comercialização do leite,
enquanto que os homens ficam para pastorear o gado. Mas uma mudança moderna pode
também resultar na limitação da liberdade das mulheres. As mulheres beduínas sírias sentem
saudades dos camelos, eles foram substituídos por caminhões, porque tirar leite dos animais,
carregá-los e montá-los dava às mulheres maior envolvimento e interação social. O trabalho
com caminhões se tornou um trabalho exclusivamente masculino.xii
As mulheres itinerantes não estão confinadas a situações domésticas de isolamento
como os pastoralistas. Entre os lohar da Índia e os ghorbati no Irã, as mulheres compartilham
do trabalho de ferreiros e contato com os clientes. As mulheres ghorbati mascates do
Afeganistão herdam clientes permanentes de suas mães e tomam decisões, mesmo a contragosto
dos maridos. Mulheres romani têm um talento para usar a aura de mistério que as cerca para
“pedir” ou vender mercadorias para os não ciganos. Este talento é altamente valorizado por seus
homens, embora o contato com não ciganos as torne “impuras”.xii Mas o estereotipo de que as
mulheres romani são imorais é contrário aos fatos. Pois os ciganos têm um código rígido de
contato entre os sexos; virgindade, casamento e fidelidade subseqüente são altamente
apreciados.
As mulheres pastorais que se estabeleceram nas cidades, por causa de casamento ou
abandono do nomadismo, podem descobrir que a lealdade mais severa ao islã ali resulta no seu
confinamento em casa por meses, sem nem mesmo a variedade que o as mulheres no
acampamento têm. Muitas aspiram pela privacidade do acampamento, longe das bisbilhotices e
contato constante com vizinhos indesejáveis. Há uma necessidade de programas especiais que
vão ao encontro das mulheres nômades nas aldeias e cidades.
As mulheres e suas crianças, particularmente por causa de suas perspectivas limitadas e
poucas oportunidades de contato externo, têm muitas necessidades especiais. Isto requer uma
92
estratégia especial, que não ofenda aos homens, nos programas sérios para atingir um povo
nômade. Precisamos entender como as mulheres se relacionam e em quem elas buscam
conselho e autoridade.
Senhores e esposas
As sociedades variam consideravelmente no valor econômico que atribuem a uma
noiva. Em sociedades muito diferentes, incluindo os maures, qashqa’i, wodaabe e nuer, as
mulheres podem ter permissão para possuir seus próprios animais, mas nem sempre é permitido
a elas tomar decisões concernentes à venda ou ao sacrifício deles. Entre os sami, uma filha pode
possuir um número significativo de animais por direito – por isso seu casamento desfalca o
rebanho da família e o noivo tem que compensar o pai para recebê-la. Na Índia, contudo, o
preço da noiva é pago para o noivo para persuadi-lo a tomar a propriedade “indesejável” – ou
seja, a filha.
A maioria dos povos pratica o casamento exogâmico – ou seja, as moças se casam com
homens de outro clã, o que quer dizer que as esposa fica isolada de todos os seus parentes por
mais de um ano. A fé e coragem de Rebeca para deixar o lar seriam bem compreendidas pelas
mulheres nômades (Gn 24.5,8,38,61). Mulheres recém-casadas podem ter que viver e trabalhar
para uma sogra ou cunhadas antipáticas que muitas vezes são muito miseráveis.
O maior desastre para uma esposa é ser estéril, e muitas esposas têm pouco status até
darem a luz a um filho. Um casamento sem filhos frequentemente é comparado a uma árvore
sem frutos e até a uma morta viva. Como temo visto, filhos são considerados como a
continuação da presença do pai após a morte. Entre os wodaabe uma mulher sem filhos pode ser
considerada de menor valor que um cachorro e, na maior parte das vezes, é abandonada pelo seu
marido ou grandemente humilhada pelo fato dele tomar uma segunda esposa.
As mães transmitem os valores e superstições da sociedade. Em muitos casos as
mulheres têm atitudes e práticas religiosas diferentes dos homens. As práticas religiosas das
mulheres fulbe muitas vezes são mais supersticiosas e animistas do que a dos homens e é
improvável que elas se tornariam cristãs para seguir seus maridos, ainda que o Islã ofereça
muito pouco para as mulheres. As mulheres em acampamentos nômades geralmente não têm as
mesmas restrições religiosas que as mulheres que nunca foram nômades.
Não obstante as controvérsias nas denominações ocidentais acerca do papel da mulher,
na Bíblia há farta evidência da influência das mulheres pra que possamos redescobrir um
equilíbrio cristão apropriado dos direitos e responsabilidades entre os sexos que se ajuste ao
contexto da sociedade nômade. A Bíblia começa afirmando que homem e mulher juntos formam
a imagem de Deus e o segundo capítulo de Gênesis demonstra que o conjunto da criação estava
incompleto até que a mulher fosse criada (Gn 2.23). Eva, Sara, Rebeca e Raquel dificilmente
não influenciavam nos eventos, para não mencionar a mãe de Moises e sua irmã, Raabe, Rute,
Hulda e muitas outras, incluindo as repetidas citações da mãe do rei (1Rs 1.11; 2Rs 12.1, 22:14
etc.).
Os nômades podem apreciar a proteção que Davi, como um mercenário errante, deu aos
pastores de Nabal (1Sm 25.15-16). O testemunho deles não considera a idéia de que Davi estava
só vendendo proteção, embora mais tarde os beduínos geralmente aumentassem sua riqueza e
influência política usando este recurso. Este episódio revela a hospitalidade habitual no período
da tosquia, os planos para a vingança inevitável (v. 34) e a justiça poética infligida neste “emir”
abastado. A reviravolta no romance é a intercessão de sua esposa para salvar Davi da culpa de
sangue. Abigail representa a fé em Deus, baseada no “senso comum”, das mulheres pastorais,
que querem deixar a justiça nas mãos de Deus e impede a irrupção da ira do orgulho masculino.
Ela provou ser uma mediadora de Deus numa situação predominantemente masculina.
As mulheres são menos reprimidas com relação à hierarquia de origem familiar do que
os homens, e elas se relacionam muito mais em grupos maiores. Embora as mulheres
constantemente fiquem confinadas no acampamento, e talvez se movam para outro
acampamento só quando estão casadas, elas possuem formas de comunicação e influência além
93
das famílias e acampamentos. Elas possuem considerável influencia informal mesmo sobre seus
maridos, mas também na criação dos filhos, por isso, embora as mulheres, em muitas
sociedades, estejam subordinadas aos homens, elas são a única influência sobre os homens
como filho enquanto eles ainda são jovens. Elas constantemente guardam e transmitem os
valores e tradições numa proporção maior do que os homens.
As mulheres missionárias não deveriam ser dissuadidas de buscar desenvolver um
ministério para mulheres, no que parece ser um mundo dominado por homens. As mulheres
muitas vezes irão confiar em outra mulher, que seja de fora e não faça parte da rede de fofocas
do acampamento, de uma forma que elas nunca falariam para seus maridos. Na verdade, o único
homem em quem elas confiam pode ser um irmão. Entre os fulbe, até um casal conversar em
público não é bem visto pela sociedade. Num caso entre os fulbe as mulheres confidenciaram à
missionária que seus filhos tinham morrido ainda crianças ou bebês, muitos anos tinham se
passado e elas ainda sofriam por isso. É por tudo isso que as mulheres têm um papel crucial a
desempenhar como fazedoras de discípulos, e um ministério entre as mulheres pode produzir
frutos na próxima geração. Na verdade, tal ministério pode ser mais produtivo do que
testemunhar para os homens.
A plantação de igrejas ou as estratégias de discipulado deveriam enfatizar mais as
mulheres ou mais precisamente as mães. Elas são o esteio da família e podem até viver
separadas dos maridos. Os homens precisam dar permissão para se chegar até as mulheres, mas,
por outro lado, atingir os homens é o mesmo que atingir as mulheres também. Na hora certa, os
padrões bíblicos de parceria complementar entre os sexos iriam transformar os relacionamentos,
sem desorganizar as famílias nucleares ou extensas.
Nossa reação ao ambiente
A tarefa cristã é encorajar as pessoas a responder ao Criador e ao ambiente como dons.
Este é o papel da imagem de Deus (refletir o caráter e a natureza social de Deus, em si mesmo
como uma Trindade e em seus relacionamentos com a humanidade) e logo é a base da
moralidade. Nossa resposta não deveria ser passiva “viva e deixe viver”, mas uma busca de
maneiras de harmonizar os vários usos do ambiente para manter sua natureza auto-sustentável.
Quando paramos de responder em amor ao Criador, uns aos outros e ao ambiente, o
relacionamento com Deus é quebrado. O evangelho visa levar a humanidade a cumprir seu
papel como imagem de Deus como uma sociedade amorosa, imperfeita agora e perfeita no céu
com Cristo e mais tarde na ressurreição na nova terra. Não devemos ser mimados como “almas”
individuais no céu sem relacionamentos sociais desenvolvidos e responsabilidades.
A ênfase bíblica na confiança em Deus para a subsistência física ou renda irregular é
nova para muitos cristãos ocidentais, exceto talvez para aqueles que “vivem pela fé” para todas
as suas necessidades. A maioria de nós cresceu numa cultura em que tudo, aparentemente, é
controlado e provido por seres humanos e, como cristãos, vemos uma dicotomia entre a vida
espiritual e a vida cotidiana. Por causa do relacionamento íntimo dos nômades com o ambiente,
precisamos desenvolver o que a Bíblia diz ou subentende sobre o ambiente.
O ambiente não está restrito aos aspectos não humanos, mas inclui como os agentes
humanos o compreendem. Muitos nômades possuem uma sensibilidade ao ambiente, tal como
os budistas que acreditam que matar animais é pecado e, por isso, relutam em fazê-lo.xii Mas
muitos nômades possuem uma visão mais estreita da exploração do ambiente com grandes
rebanhos para sua própria segurança e status. A Bíblia também menciona pastores que destroem
o ambiente como parte do julgamento divino (Jr 6.3; 12.10-11). Precisamos ensinar sobre a
responsabilidade para com a criação e sobre os pecados ambientais junto com o evangelho, que
deveria também levar os nômades a uma idéia mais clara do que é pecado e da necessidade de
redenção. Olhando de fora, o ambiente nômade não parece prover muitas maneiras alternativas
de afetar o ambiente. Tanto a Bíblia como os ecologistas reconhecem que as atitudes para com o
ambiente variam de acordo com o indivíduo e não seguem simplesmente as normas culturais de
um povo. Há pastoralistas ou artesãos que respeitam o ambiente e outros que não. Os indivíduos
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que têm alguma influência como mentores podem aprender a examinar suas razões e objetivos
em sua atitude para preservar o ambiente para que alguns possam ser encorajados a manter os
aspectos renováveis do ambiente.
O desenvolvimento como tarefa nômade
O desenvolvimento deveria ser a resposta de uma sociedade às pessoas e ao ambiente
como dons de Deus. O alvo do desenvolvimento, portanto, é viver em harmonia como uma
comunidade com a natureza auto-sustentável do ambiente. Mas devemos perguntar o que é
eficaz para quem? A variedade de respostas a uma criação multifacetada é um desenvolvimento
essencial da imagem de Deus.
O ponto inicial deveria ser uma atitude positiva para com o nomadismo, aceitando o
pastoralismo como uma forma eficiente de usar áreas semi-áridas e não o capital intensivo e os
esquemas de irrigação destrutivos para converter a terra para a agricultura. Isto também se
aplica a muitos nichos econômicos dos itinerantes. Pois eles contribuem para o emprego mais
amplo e para uma sociedade mais variada do que seria atingido pela substituição dos serviços
deles por altos investimentos em produtos industrializados. O alvo mais amplo é um nomadismo
sustentado por um número significativo de pessoas, que também mantém sua identidade e
cultura como fonte de subsistência de uma forma que eles valorizam. Este alvo envolve, de certa
forma, o relacionamento delas com a sociedade que as cerca.
O desenvolvimento, portanto, deve ser apropriado para manter este modo de vida.
Alguns projetos são determinados pelas preocupações dos benfeitores – por exemplo, para
aliviar a pressão da população – em lugar do bem estar dos beneficiários. O estrangeiro – que
muitas vezes tem uma visão secular, científica e de economia de mercado do que é desejável –
pode decidir “objetivamente” o que é bom para a terra e para as pessoas. Mas a “busca por
felicidade”, subsistência e estilo de vida são todas idéias relativas. Muitos projetos tem sido um
“fracasso retumbante” porque os beneficiários não foram envolvidos nas decisões pelo
planejamento “de baixo para cima”.xii
Os projetos devem ir ao encontro das necessidades dos pastoralistas em particular em
vez ter alvos maiores de desenvolvimento, reconhecendo “que os próprios pastoralistas são os
especialistas” e que precisamos “aprender com eles”.xii A má compreensão de “pastagem
excessiva” pelos planejadores tem levado à redução dos rebanhos e à remoção dos pastoralistas,
quando a solução real está no fato de gerenciar a pastagem. Isto envolve não só a extensão do
suprimento, mas também está relacionado à regulação de tempo e extensão da pastagem para o
ciclo de crescimento do pasto. O pastoralista já está familiarizado com isto, mas seu
conhecimento pode ter sido ignorado por causa de outros temores.
Agora já é reconhecido que o pastoralista é sensível à ecologia e o itinerante à
economia, de uma forma que as outras pessoas não são.xii Os nômades têm uma compreensão
integral de seu ambiente e de seu rebanho e são conscientes de como uma variedade de
problemas estão inter-relacionados. Os agentes em desenvolvimento, por sua vez, são
especialistas em só uma área.xii Incluir os nômades no processo de planejamento desde o início
não só é uma boa estratégia de desenvolvimento, mas também um cumprimento do propósito de
Deus. Uma vez que o alvo de Deus é que a sociedade seja uma comunidade de respeito mútuo e
satisfação, mudanças como o desenvolvimento deveriam envolver ampla troca de idéias e
explicação.
Angariar o conhecimento e a cooperação do povo local num projeto de
desenvolvimento ajuda com o maior dos desenvolvimentos – o de uma sociedade atenciosa que
irá dar apoio à mudança. Por exemplo, os evens e koryaks do leste da Sibéria Oriental
compreendem e têm um sentimento de posse em relação a sua terra. Isto os torna os perfeitos
guardiões para o controle sobre o turismo e os recursos naturais.xii Muitos pastoralistas
constantemente mostram desenvoltura no desenvolvimento de estratégias de subsistência
suplementares, contrariando os estereótipos de que só estão interessados em gado.
95
Ainda assim há também um lado negativo de tudo isso. Muitos nômades têm uma visão
a curto prazo dos recursos. Os ciganos vêem o solo diante de si como terra sem dono que pode
ser maculada ou sujada, especialmente para manter os não ciganos à distância. Os fulbe não
vêem necessidade de proteger as árvores e por isso perdem o interesse em projetos de plantio.
Em muitos casos, o fornecimento de poços resultou na concentração de gado até o pasto ser
destruído. Vanderaa conta que uma bomba motorizada, que devia funcionar num curto intervalo
todos os dias para prover água para os rebanhos locais, não parou de funcionar até sua
destruição para que os homens locais pudessem vender a água para os rebanhos mais distantes.
A consulta exige um processo educacional contínuo. Ela deve lidar não só com as
vantagens práticas, mas deve também mencionar os conceitos fundamentais da cultura. O
“policiamento” local, pelos que estão convencidos das vantagens a longo prazo, pode ser
necessária para os que estão desesperados por ganhos a curto prazo.
Como os nômades participam no desenvolvimento das consultas nem sempre fica claro,
na prática.xii O objetivo é só conseguir o consentimento deles ou é para eles decidirem? Os tipos
de decisões exigidas precisam se adequar às formas de tomadas de decisões deles. Somente uma
elite entre eles deve ser envolvida ou um grupo maior de eleitores deveria participar? Muitas
sociedades nômades enfatizam a independência da família e têm dificuldade em cooperar como
uma comunidade. Aqueles que têm que implementar as decisões nem sempre são os que as
tomaram. Além disso, isto deve afinal significar que as mulheres estão pelo menos informadas,
o que pode ir contra a prática cultural habitual.
Muitas vezes é difícil chegar a um consenso – por causa da falta de visão ou porque
alguns projetos podem beneficiar alguns poucos. Alguns projetos levantam questões que a
liderança habitual normalmente não tem que enfrentar, por isso a consulta pode ter que envolver
mais do que aqueles que tradicionalmente estão envolvidos na tomada de decisões. Em alguns
casos, associações pastorais e itinerantes precisam ser criadas. As discussões, portanto, devem
ser com seus líderes e na linguagem deles.
O que as pessoas esperam do projeto pode mudar durante a consulta, quando elas vêem
o potencial do desenvolvimento.xii Muitas vezes um recipiente cobaia é necessário para
demonstrar as vantagens antes que toda a comunidade fique convencida. Muitas mudanças têm
que ser planejadas para que sejam aceitas por uma nova geração, em vez de serem confinadas a
uma curta escala de tempo dos próprios projetos. Até onde uma consulta assim pode se tornar
parte de um processo de politização a longo prazo?
A motivação de acordo com a cosmovisão do povo é crucial. A tradição dos fulbe não é
só olhar para o passado. Mais do que isso, eles possuem diferentes modelos pelos quais se
adaptam a diferentes estilos de vida de acordo com as mudanças de condições e ainda se
mantêm certos de que estas mudanças são culturalmente aceitáveis.xii Eles são, portanto, capazes
de se ajustar a novos conceitos de uso da terra.
Os projetos devem usar recursos locais e estarem dentro das habilidades de
gerenciamento do povo. Um projeto no Quênia fracassou porque tentou transformar produtores
de leite em produtores de carne. O governo chinês tentou restringir a pastagem em Chang Tang
forçando as famílias drogpa a se mudarem e ordenando uma diminuição desnecessária de 20%
nos rebanhos sem qualquer evidência de pastagem excessiva.xii
O reabastecimento do rebanho é uma das formas mais apropriadas de ajudar os
pastoralistas, se não for imposto de fora sem respeito às práticas locais.xii Mas isto deve ser feito
de tal maneira que reforce o tradicional empréstimo e doação de animais conforme praticado por
muitos povos pastorais. Os cristãos estiveram envolvidos nisto muito tempo atrás, quando as
renas da ilha de Saint Lawrence no Alasca foram todas mortas por caçadores brancos, deixando
o povo yupik local destituído e reduzido a embriagues. O rebanho foi recomeçado com renas
que vieram de navio da Sibéria pelo missionário presbiteriano Sheldon Jackson. Isto resultou,
indiretamente, no povo local evangelizando os doadores na Sibéria.xii Instituições de caridade
ocidentais também ajudaram a repor os iaques perdidos nas fortes nevadas no Qinghai, China.
Foi necessário repor o rebanho com a subespécie correta combinando a experiência dos
nômades com a produção de leite correta e hábitos alimentares.
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Um dos maiores problemas que os pastoralistas têm é conseguir que seus produtos
cheguem ao mercado. As novas companhias privadas entre os mongóis não conseguem
estabelecer estruturas apropriadas e os nômades têm sido reduzidos a troca de produtos pastorais
por outras mercadorias de mascates e negociantes. Alguns têm a sorte de possuir seus próprios
veículos e são capazes de atingir consumidores em campos distantes.xii
Os nômades não são necessariamente conservadores em suas atitudes, mas eles devem
ser convencidos dos benefícios de um novo método. Os beduínos abandonaram seu venerado
camelo pelo caminhão por iniciativa própria, por causa dos benefícios que revolucionaram suas
vidas. A maior mobilidade significa que migrações para pastos que antes levavam dois meses
levam agora dois dias, com a família gastando mais tempo em casa com acesso a educação e
outros serviços. Os intermediários que mantinham o pastor numa contínua dependência de
débito agora podem ser descartados já que os animais, a lã e outros produtos são levados para
vários mercados para conseguir os melhores preços; mercadorias e forragem podem ser
comprados a preços mais baixos. A lã é vendida para negociantes japoneses e a produção de
leite se tornou uma operação comercial, já que é vendida diretamente para os laticínios. Os
caminhões podem ser alugados para fazendeiros no tempo da colheita e os jovens podem ter
transporte para o trabalho nos campos ou cidades todos os dias.
Os lucros têm sido investidos em terra para pastagem, por causa da pressão do cultivo
abusivo e das hortas comercias. Ela também é alugada para fazendeiros numa “virada do jogo”
na tradicional hostilidade entre os dois modos de vida. A desvantagem é que as ovelhas ficam
no Vale Baqa’a por um período maior e têm que contar com a compra de forragem para a
segunda parte do verão. Mas a vida tem melhorado materialmente por meio desta única
iniciativa sem mudar a vida da família, os valores e pastoralismo dos beduínos.xii
Uma necessidade de desenvolvimento importante é cuidar do solo. A noção do avanço
do deserto não está provada e as razões para a degradação da terra são complexas.xii Pastagem
excessiva e acúmulo de combustível como na África onde 201 milhões de pessoas dependem de
lenha, são alguns dos problemas. Fornos solares podem ser uma solução. O cultivo excessivo
também leva à erosão e a irrigação excessiva leva à salinização do solo com diminuição nos
lucros com colheita.
Um método para cuidar do solo é o plantio de árvores. As árvores impedem que camada
superior do solo seja removida, fornece material orgânico para melhorar o solo e cria benefícios
de uma “micro estação” – especialmente sombra. Onde é a maior a precipitação das chuvas, as
árvores reduzem o impacto da queda da chuva sobre o solo. Isto impede que o solo se torne
impermeável e incapaz de absorver a água, reduzindo o escoamento, a erosão e a perda dos
nutrientes. As árvores contribuem com material orgânico para o solo que, em troca, ajuda na
absorção da água.xii As árvore fornecem também forragem para as cabras, bois e colheitas de
fruto para a venda, bem como servindo de fonte de combustível.
Há três projetos de plantio no Quênia, nas ilhas de Cabo Verde e no Sahel dirigidas pela
OXFAM, Christian Aid, CAFOD (Agência Católica para o Desenvolvimento), CARE
(Internacional) e SOS Sahel. Na Somália e Níger têm sido plantadas árvores para estabilizar as
dunas de areia e funcionar como quebra ventos. Na Nigéria, a SIM plantou árvores de Acácia
como quebra ventos como parte da Operação New Leaf (Nova Folha).xii A China completou um
cinturão de árvores de 7 mil quilômetros de extensão por 1 mil quilômetros de largura.
Sam David, um metodista, identificou que a temperatura tem muito a ver com a
infertilidade. A restauração da mata para prover sombra e frutos, combinada com um programa
de escavação de poços, está contribuindo para reverter esta tendência. Há muitos anos ele está
envolvido em projetos na Gâmbia.xii Um engenheiro espanhol, Antônio Ibanez Alba, estava
fazendo um experimento com 30 mil árvores feitas de polyurethano, com 10 metros de altura,
no deserto do Líbano em 1991. O ar do deserto fica frio a noite até causar um orvalho pesado. A
sombra das árvores artificiais previne que ele evapore, criando uma microclima no qual
palmeiras reais podem ser plantadas e crescer.xii
Os nômades, como parte de uma sociedade mais ampla, precisam ser ouvidos onde os
programas de ação política são implantados, para que todos os envolvidos possam participar na
tomada de decisão. Eles não podem ser descartados por ter poucos votos, como se fossem
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insignificantes. Ainda assim, por outro lado, os povos nômades já não podem usar grandes áreas
do ambiente sem contribuir econômica e socialmente para a vida da nação. Há uma causa moral
para que os nômades se envolvam na produção comercial de carne, laticínios e outros produtos
– para, pelo menos, compensar alguns dos investimentos dos estrangeiros. É preciso esclarecer
como o nomadismo contribui para a vida nacional – se é como parte da economia ou como uma
estratégia de subsistência que faz mais do que manter as pessoas longe dos assentamentos de
invasores urbanos.
Um exemplo de cooperação entre pastoralistas muito independentes – e quase
politicamente autônomos – e um governo nacional pode ser encontrado no desenvolvimento do
turismo no deserto entre os beduínos do Sinai. Usando conceitos da lei beduína, os homens
locais são encorajados a voluntariamente servirem como guardas do ambiente em sua área.xii
O obreiro cristão que conhece a linguagem e possui um comprometimento de longa data
com o povo, deveria saber como são tomadas as decisões dentro das estruturas sociais e já deve
ter a confiança dos líderes locais. Ele ou ela deveria ser capaz de participar nessa consulta,
muito melhor do que obreiros de desenvolvimento a curto prazo. O principal alvo deveria ser
uma sociedade mais caridosa e disposta a compartilhar do que uma melhoria material como
parte de uma tendência secular “modernizante”.
Os nômades vivem à margem da economia da sociedade e do ambiente, eles são
engenhosos na exploração de novas oportunidades, mesmo em face da competição dos produtos
industrializados. Obreiros com habilidades especializadas podem ser capazes de fazer
levantamentos econômicos e estabelecer negócios para o mercado pastoral ou produtos
artesanais. Contudo, o estabelecimento de um relacionamento comercial, mesmo comprar
objetos artesanais para uma coleção particular, pode enfraquecer a amizade – por isso é
importante decidir que tipo de relacionamento se quer estabelecer.xii
Cuidado veterinário vital
Os especialistas em veterinária devem desempenhar um importante papel entre os
pastoralistas e entre os itinerantes que também possuem animais. Foi descoberto que um
programa eficaz para os animais dos nômades pode dar credibilidade para todos os membros
não veterinários da equipe. Isto pode levar ao interesse em outras coisas que o missionário pode
oferecer. Qualquer grupo trabalhando entre os pastoralistas deveria ter pelo menos um obreiro
veterinário.
Muitos serviços básicos não exigem um especialista veterinário e é melhor usar um
assistente menos treinado do grupo étnico do que obreiros de desenvolvimento estrangeiros.xii
No norte do Paquistão foi descoberto que, embora estes serviços sejam fornecidos em Dir e para
o nordeste em Kohistan, eles só atingem 10% do gado no momento. Há uma necessidade não só
de fornecer vacina e outros serviços de saúde numa base maior, mas também de realizar
pesquisa para um programa assim.xii
A Veterinary Christian Fellowship (Fraternidade Cristã Veterinária) no Reino Unido e
Christian Veterinary Mission (Missão Veterinária Cristã) nos Estados Unidos, junto com
corporações semelhantes em outros países, possuem membros que poderiam estar envolvidos na
promoção da obra missionária entre os pastoralistas.xii
Assistência médica e de saúde
Uma vez que o nomadismo exige boa saúde num ambiente insalubre, a educação em
saúde é tão importante quanto o tratamento médico. A proximidade em pequenas tendas e
cabanas resulta na propagação de infecção, deformidade e morte, e há baixa resistência às
doenças comuns na infância. Os pacientes simplesmente desaparecem antes de completar o
tratamento, porque estacionar num lugar é contrário ao pensamento nômade. O rigor da vida
nômade em áreas como a África Oriental significa que os indivíduos doentes ou com
98
deficiências podem ser abandonados para morrer, e estar exilado da tribo também pode ter um
efeito prejudicial como retardar a recuperação.xii
Os nômades não são famosos por usar muita água porque ela é escassa. A higiene
básica, portanto é deficiente, o que resulta em problemas crônicos de saúde. Os goloks nunca
lavam seus copos, exceto talvez para um hóspede. Os mongóis são famosos por lamber seus
pratos para limpá-los e nunca lavar suas roupas, usando-as até estragar.xii Os maasai usam areia
e urina para lavar seus potes de comida ou deixam que os cachorros os lambam para limpar. Há
várias sociedades pastorais na África que usam a urina das vacas para lavar seus utensílios, as
mãos e até o cabelo, para adquirir uma cor estranhamente dourada. Como os cachorros comem
fezes humanas, e até cadáveres humanos e de animais, é claro que transmitem infecções.xii
A doença muitas vezes é considerada como resultado da quebra de um tabu. Gilmour
cita o caso de um budista mongol que pensava que sua tuberculose era porque ele tinha matado
vermes quando cavava um buraco muitos anos antes, quando era garoto. Vandevort descreve o
caso de doenças psicossomáticas entre os nuer, resultantes de seu medo da morte, que é
sinônimo de temer a “Deus”. A morte é considerada inevitável e a pessoa morre – mesmo
quando há tratamento.
Os programas de educação em saúde podem ser planejados para que pelos menos
atendam em parte à mentalidade e à mobilidade do povo. Materiais modernos de ensino como
canções, peças, filmes e conversação podem ser usados. Um programa de saúde comunitária na
Mongólia não só necessita da cooperação de líderes civis, mas também tem que persuadir os
anciãos que são muito respeitados, para que eles, por sua vez, convençam as gerações mais
jovens.
Um serviço médico móvel pode atingir mais pacientes, mas por causa das baixas
densidades populacionais e da mobilidade dos nômades, o custo do combustível pode ser muito
alto. Isto quer dizer que os governos só tentam serviços assim onde o número de nômades é
maior e politicamente significativo. Em um exemplo entre os maasai, uma clínica móvel tratou
12.400 pessoas – ao contrário de um hospital da região que tratou somente 1.100. Um serviço
assim ente os turkana geralmente gasta 25 dias visitando os grupos de pessoas, alternando com
13 ou mais dias de administração e ausência. Oito jornadas foram feitas dentro de um ano,
seguidas por um período de treino de pessoal. Esta unidade móvel era composta de diagnóstico,
imunização, pré-natal, setores de laboratório e um dispensário.xii
Um serviço médico tem que conquistar a confiança das pessoas. A maioria das pessoas
nômades irá consultar uns aos outros acerca da diagnose e do que fazer muito antes de
procurarem ajuda médica. Na Somália, se não houver ninguém por perto que tradicionalmente
os ajude a tomar decisões, as mulheres podem se demorar não fazendo nada. Os homens que
estão fora numa migração de pastoreio podem demorar em buscar ajuda por causa das
dificuldades de pastorear e pelo gado ter prioridade sobre a vida deles, e não por falta de
comunicação com sua aldeia ou com uma clínica. Eles tendem a confiar em funcionários da área
da saúde que eles conhecem e são relutantes em buscar ajuda na fonte mais próxima. xii
Novamente, é necessário um relacionamento semelhante a uma parceria para preparar
habilidades profissionais e equipamentos eficazes.
Um aspecto do treinamento médico que é particularmente útil entre os pastoralistas é a
enfermagem oftálmica, por causa das condições dos olhos causadas pela areia nas áreas áridas. xii
Tracoma e cegueira noturna devido a deficiência de vitamina A também são problemas
comuns.xii Muito tempo atrás, James Gilmour percebeu que as doenças dos olhos eram comuns
entre os mongóis por causa da luz ofuscante da estepe ressecada, da neve e da fumaça dentro das
cabanas.xii Michael Wood também descreveu como o esterco cobrindo o chão e cabanas nos
acampamentos maasai atraem muitos mosquitos que espalham infecção dos olhos.
A provisão de cuidado médico ocidental pode ter um efeito negativo quando não
coincide com os próprios conceitos de boa saúde do povo e como mantê-la. A descrição da
diagnose e o tratamento oferecido podem contradizer a considerável compreensão popular
destas coisas e assim enfraquecer a confiança do paciente. Uma forma de suprir a lacuna é
treinar, em primeiro lugar, trabalhadores da área da saúde do grupo étnico, que possam se
99
especializar em alguns procedimentos. Os missionários deveriam ter algum treino paramédico,
assim eles seriam capazes de pelo menos cuidar de si mesmos.
Uma educação muito desejada
Educação é vital para equipar nômades a representar interesses tribais nas questões
nacionais, para preparar crianças para entrar em outros tipos de trabalho e, talvez o mais
importante, para capacitar nômades a tornar mais eficientes sua criação de animais e outras
atividades, usando recursos modernos. Outro benefício da educação que não deveria ser
ignorado é uma vida mais completa para o nômade, superando as limitações da vida nômade.
Muito do trabalho de pastorear é tedioso e a alfabetização capacita o nômade a conhecer mais
do mundo exterior. O rei, salmista e guerreiro de Israel tinha educação e habilidades muito além
das necessárias para o pastoreio!
Donald Cole nos dá uma visão geral das atitudes necessárias para a educação e
alfabetização entre os beduínos sauditas. Embora 95,2% dos entrevistados acreditassem
fortemente no valor da escola, por razões como aprender sobre o Islã ou assuntos práticos, mais
de 90% viam o nomadismo como o maior impedimento para freqüentar a escola. Uma
significativa minoria achava que a educação não tinha proveito para um beduíno de tempo
integral. Contudo, 89,1% dos seminômades e 79,1% dos que tinham uma perspectiva de
continuar nômades por muito tempo achavam que, no geral, a educação seria útil mesmo se eles
continuassem como nômades.xii
As exigências do pastoreio muitas vezes tiram as crianças da escola – mesmo nos
assentamentos. Os rabari da Índia consideram a educação necessária para sua sobrevivência,
para aprender outras línguas, para se corresponderem com outros rabari que partiram e para ter
maiores opções de emprego já que cada vez mais isto é imposto a eles.xii Os mursi na Etiópia
desejam a alfabetização, agora que o valor dela está demonstrado.
Desde 1950, os governos têm tentado esquemas de educação com resultados limitados –
como aqueles entre os maasai, os somali no Quênia e os qashqa’i no Irã. Há uma descrição do
esquema altamente desenvolvido entre os qashqa’i na seção sobre o sudoeste da Ásia, no
capítulo 13. A educação é provavelmente o serviço moderno mais difícil de fornecer aos povos
nômades, mesmo quando eles estão entre os povos sedentários que têm bons sistemas
educacionais.
Pode haver conflito de interesses entre o governo e os nômades, com preconceitos e
pressuposições ocultas por parte dos lados. A intenção oculta de muitos esquemas é conseguir
que o povo se estabeleça. No Quênia, professores vindos de um contexto agrícola têm uma
atitude de superioridade em relação aos nômades. Semelhantemente, o programa para os
qashqa’i visava converter os tribais turcos em iranianos, usando material projetado por
americanos!
Muitas vezes os esquemas não foram planejados claramente. A educação é organizada
de acordo com as divisões territoriais do governo local, que são sem sentido para os nômades, e
restringi-los a estes territórios somente traz pressão para se estabelecerem. Os sistemas
educacionais também estão ligados aos edifícios. Oficiais buscando fornecer educação para uma
tribo remota de beduínos estavam maravilhados de não haver aldeias, mas ainda assim foram
em frente com um esquema baseado somente na existência de um prédio escolar. Os beduínos
foram flexíveis o suficiente para se adaptar ao esquema alojando algumas de suas crianças no
prédio.xii
O sucesso de um programa educacional pode depender de se o governo acha que o povo
contribui ou não para a economia da nação. Mas embora a criação de gado seja importante para
a economia da Nigéria, os fulbe são uma minoria negligenciada, pelo menos no que diz respeito
à educação.xii
Uma população que segue o estilo de vida optado por si mesma fica satisfeita. Qualquer
currículo para educação e alfabetização deve ser sensível à identidade de minoria e estilo de
vida nômade, e seu lugar na unidade nacional.
100
Alvos claros relacionados aos interesses sociais e econômicos são mais importantes do
que simplesmente providenciar facilidades e serviços. Uma consulta com os líderes para
descobrir o que os nômades mais valorizam para seus filhos é essencial. O projeto qashqa’i
tinha sérios problemas a este respeito. Os nômades precisam de tempo para discutir as idéias e
como combinar seu nomadismo com a educação de algumas de suas crianças. A liderança
nômade precisa apoiar o projeto e as famílias precisam de tempo suficiente para pesar as
alternativas. A educação pode envolver gastos consideráveis ou tirar as crianças das tarefas
nômades ou outros empregos.
O currículo deve incluir material relacionado às novas possibilidades de emprego que
podem ser combinadas com o estilo de vida herdado da família.xii Entre os maasai, só os
meninos menos úteis para o pastoreio são enviado para a escola, e a única oportunidade de
emprego mais tarde é ser um professor, mas os professores maasai continuam a ser uma
minoria.xii Outros projetos podem ajudar indiretamente na educação, como a ajuda para os
estudantes na forma de um albergue. Têm sido levantados fundos, para ajudar os nenets que vão
para a cidade para o treinamento vocacional, para fornecer uma refeição por dia para aqueles
que de outra forma voltariam com fome, ou que abandonam o curso ou roubam para comer.
Um projeto de alfabetização e escola primária entre os fulbe no norte da Nigéria não é
um encorajamento para o estabelecimento, mas capacita os nômades a tomar suas próprias
decisões a respeito do futuro. Todo o projeto foi considerado uma parceria entre os nômades e
estrangeiros, usando consulta com cada clã seguido por reconsiderações para aperfeiçoar o
esquema. Os nômades contribuem para o custo do esquema de educação dos adultos. Foram
produzidas pequenas cartilhas, que tratam de assuntos como migração e remédios paras as
doenças dos animais. Os nômades viram que a educação os capacita a lidar com os
departamentos governamentais, melhorar a criação de animais – incluindo se tornando
enfermeiros e médicos veterinários, e os ajudando a lidar com a aquisição de terras para
pastagem.xii
Quando o sistema escolar tende a encorajar a manutenção de sua identidade cultural,
como fez entre os qashqa’i, ele leva ao entusiasmo e altos índices de participação, com adultos
não instruídos se matriculando. Os que estão nas escolas qashaq’i estão bem motivados, ainda
que as lições sejam em farsi, sua segunda língua. Ensinar em farsi, contudo, parece ter tido
menos sucesso entre os baluch, porque a língua deles foi banida e era utilizado um currículo
nacional iraniano.xii Um projeto para os fulbe em qualquer linguagem além do fulfulde estaria
condenado ao fracasso, porque a língua é como uma parte integral da cultura deles.
A instrução acima de tudo precisa ser descentralizada. Escolas fixas em acampamentos
sazonais e internatos incorrem em despesas para o governo e podem limitar a motivação dos
nômades. O projeto qashqa’i mostra que é possível ter escolas primárias em forma de tendas
que acompanham os nômades para as pastagens de inverno e de verão, exceto durante a
migrações sazonais efetivas duas vezes por ano, seguidas por internatos e escolas secundárias.
Escolas em tendas também estão sendo introduzidas entre os tibetanos. A maior parte dos
projetos tem uma alta rotatividade de professores, provavelmente por causa da distância das
escolas e porque os professores não vêm de um contexto nômade. Uma idéia de um professor
móvel entre os beduínos tropeçou nesta dificuldade.
Ir ao encontro das necessidades de crianças enviadas para internatos é uma área em que
os cristãos poderiam desempenhar um importante papel. A alienação de sua própria cultura e de
suas famílias, sem aceitação de outra cultura, exige uma atenção compassiva e cuidadosa. xii É
necessário prover a melhor educação para os pastoralistas tão próxima quanto possível ao
ambiente tradicional deles.xii Técnicas de educação em casa estão bem desenvolvidas para
crianças missionárias e é hora de voltar nossa atenção para o desenvolvimento de um esquema
semelhante para os nômades. Fitas cassete e até vídeos e programas de rádio precisam ser
desenvolvidos. Um esquema de educação em casa assim poderia ser realizado em primeiro lugar
ensinando um adulto, que poderia então supervisionar um grupo de crianças.
O desenvolvimento de uma cultura literária
101
Muitas culturas orais, como os pathans e cazaques, agora estão buscando estabelecer
sua cultura na forma literária. Cristãos com as habilidades acadêmicas certas podem ser capazes
de ajudar nisto.xii O Quirguistão, por exemplo, recentemente celebrou o milênio do poema épico
sobre Manas, um lendário guerreiro quirguiz que morreu defendendo suas pastagens na
montanha. Este poema épico está sendo promovido como um símbolo nacional. Há pelo menos
18 versões diferentes deste longo épico – leva três dias para recitá-lo – e a Academia de
Ciências está promovendo pesquisas sobre a história dele.
Os tibetanos contam, e recontam em muitas versões que levam semanas, a lenda do Rei
Gesar de Ling.xii Um outro deus tibetano é Anye Machen que vive, segundo se acredita, na
montanha de mesmo nome em Qinghai. O nome significa algo como “Grande Pavão Santo”,
mas muitas vezes ele é retratado cavalgando um cavalo branco, com o sol e a lua um de cada
lado. O Épico Jangar, dos mongóis weilat em Xinjian, agora é um assunto de estudo
internacional. Ele une história e lenda e ajuda na compreensão da história social mongol.
Os buryats têm seus uligers, ou épicos-poéticos, falando de heróis prósperos com seus
cavalos, lutando contra as forças do mal. Um deles descreve a criação do mundo. Ele é
encontrado em várias formas por toda a Sibéria e, portanto, não é de origem mongol. O deus
mandou que um pássaro trouxesse terra do fundo do mar e o deus moldou as formas de um
homem e de uma mulher da argila e os cobriu com pelos. Um lobo sem pelo foi feito para
guardar estas formas ainda sem vida, mas o Destruidor se aproximou e tentou o lobo, que estava
tremendo de frio. O Destruidor cuspiu nas formas humanas, e o lobo conseguiu sua cobertura de
pelos. O deus retornou e amaldiçoou o lobo, mas raspou o pelo do homem e da mulher.
O pastoralismo então é “explicado” por mito. Os chukchi do ártico russo descrevem
como o Criador primeiro fez do homem um carnívoro muito veloz. Para reduzir este poder, ele
foi refeito nu e lento, com renas e cachorros especialmente criados para ajudá-lo.xii Os beduínos
têm poetas itinerantes e um americano na Universidade de Tel Aviv estudou seus poemas não
escritos por 23 anos. Como este conjunto de poemas é composto por contextos particulares tais
como troca de notícias, expressando visões políticas ou apaziguando uma rixa, visitar os
acampamentos regularmente era essencial.xii Esses vários contos podem ser usados para recontar
a verdade bíblica.
Os fulbe vêem a habilidade e o conhecimento nos seus enigmas, provérbios, alegoria e
mito como partem de pulaaku – ou seja, são parte do ser um autêntico fulbe. A genuína pesquisa
nos estudos antropológicos e de desenvolvimento podem dar acesso à área nômade. Isto pode
ser relacionado ao ajudar o grupo de povo a manter sua identidade distinta registrando suas
técnicas, conhecimento e valores culturais para seu próprio benefício bem como para
instituições acadêmicas. Certamente há uma grande falta de estudos missiológicos da cultura e
da cosmovisão dos povos nômades. Esta lacuna deve ser preenchida por aqueles poucos com
experiência no campo.
Abraão saiu numa jornada para redescobrir Deus, e a jornada se tornou a história de sua
vida e continua até hoje como a história de Deus com a humanidade. Devemos conduzir outros
grupos étnicos em sua jornada de descoberta.xii As parcerias entre cristãos, pastoralistas e
itinerantes envolve tornar conhecido o evangelho para as pessoas, e no próximo capítulo iremos
considerar alguns dos problemas que surgem daí.
Sobre Heróis e Cavalos!
N
ós humanos sempre sentimos ligações com nossos animais favoritos. Mogli – o
menino lobo, Tom e Jerry, o Zé Colméia ou o ursinho Puff, assim como símbolos nacionais
como o leão britânico, o castor canadense e a águia americana, todos dão testemunho desta
verdade. Histórias sobre animais são atraentes porque os animais expressam características
humanas e as pessoas se tornam heróis ao partir em aventuras com animais como seus fieis
companheiros.
102
Os nômades se identificam com seus animais – não só como um meio de subsistência
como na Ásia, mas também com afeição especial como muitos nômades africanos têm pelo
gado. Os fulbe da África Ocidental descrevem o mundo em termos das cores de seu gado ou do
formato dos chifres deles. Para ser aceito como um “autêntico” fulbe, espera-se que um homem
seja um pastor experiente, e a morte de seu gado é motivo de vergonha. Na sociedade
karimojong cada homem possui o nome de um boi, por exemplo, “Pai do boi com chifres
pesados”. Isto concede status ao homem adulto na sociedade. Quando o boi está doente ou
morre, o homem é considerado “doente” ou “morto”.
Ao redor do mundo, outras espécies têm importância cultural especial, como a lhama
para os caravaneiros e pastores dos Andes, e o camelo para os beduínos por todo o norte da
África e Oriente Médio. A rena é especial para os nenets e outros povos do ártico siberiano. O
iaque é muito importante para os nômades tibetanos, que dedicam um animal no rebanho para
os deuses, e o deixam para pastar e não trabalhar. Um iaque branco aparece em seus mitos como
um animal divino. É considerado de bom agouro ter um animal assim no rebanho da família.
Todas estas espécies ganharam um lugar de honra na cultura destes povos – porque eles
sobrevivem em climas difíceis, fornecem leite e laticínios, couro, pelo, ossos, bucho e tendões
para satisfazer a maioria das necessidades dos nômades e lhe dar auto-suficiência. Hoje, a
maioria destas espécies está sendo substituída está sendo substituída como principais raças
comerciais pelas onipresentes ovelhas e cabras.
Mas há uma espécie acima de todas – o cavalo – que dá aos nômades sua mobilidade e
uma imagem heróica. O cavalo permite que os mongóis, cazaques e quirguizes deixem os vales
superlotados da Ásia Central e desenvolvam uma vida nômade nos vastos pastos da estepe.
Livremente, sem fortificações, o cavalo também dá ao nômade sua única segurança, através de
movimentos rápidos e ajudando-os a se reunirem em tribos. O nômade confia em
relacionamentos, não em possessões – exceto pelo seu cavalo! Da Arábia à China, o nômade a
cavalo se tornou uma máquina de guerra temida e admirada. Esta combinação de pastor robusto
e pequeno cavalo robusto formavam a cavalaria de Genghis Khan, que criou um império que ia
da China à Europa Oriental. Ele teria cavalgado 100 quilômetros num dia, muitas vezes sem
comida, e montado bonecos nos seus cavalos reservas para dar a impressão de uma força maior.
Hoje, crianças mongóis e cazaques aprendem a montar quase tão cedo quanto andar e
participam de corridas cross-county a cavalo.
Os heróis são considerados como ganhadores de particular graça ou poder, através de
sua bravura, para ajudar outros em tempo de necessidade. Genghis Khan se tornou um herói
nacional para os mongóis, por meio da bravura de seus cavaleiros, e hoje ele é uma figura
conhecida e adorada. Os tibetanos contam muitas versões da lenda do Rei Gesar de Ling, um
tipo de George Washington para eles. Ele nasceu, segundo se diz, por mágica. Sua mãe era uma
pastora de iaque que outrora fora uma fada da água. Após desbaratar os ataques assassinos de
uma rainha invejosa, o mordomo do rei e uma feiticeira com um olhar penetrante, ele e sua mãe
foram banidos para os altos planaltos, onde ele cresceu e se tornou um caçador nômade. Ele se
tornou rei ao ganhar uma extraordinária corrida de cavalos. Os tibetanos acreditam que ele ainda
está vivo para ajudá-los nas dificuldades. Alguns exilados tibetanos estão tentando desenvolver
uma visão mais secular da identidade tibetana, usando uma versão original do épico de Gesar,
sem seus elementos budistas.
O herói é, acima de tudo, uma forma de salvação espiritual. Para o muçulmano, a vida e
os tempos de Mohamed muitas vezes são considerados a era de ouro a ser imitada. Porém, mais
importante para os povos nômades da Ásia Central é a busca pelo baraka – um poder ou graça
quase físico que reside no povo santo. Isto pode ser alcançado pela peregrinação até os pirs
(homens santos muitas vezes alegando ser descendentes de Mohamed) ou até os túmulos de pirs
já mortos e carregando roupas ou outros objetos para absorver o baraka e “trazê-lo” de volta
para casa.
Os tibetanos constantemente dizem que: “O Dalai Lama é nosso herói, o Buda vivo.” O
Buda e os que estão ás margens da “iluminação” atingiram a “graça” por suas boas obras para
dispensá-las aos que se esforçam através de suas reencarnações. Mais subversivos são os vários
deuses tântricos que os lamas visitam em transe para aprender novos rituais de liberação do
103
karma. Os tibetanos e mongóis tem uma busca incessante para ganhar méritos com rosários,
rodas de oração e devoções.
Na Índia, os pastores gaddi do Himalaia e os pastores de camelos rabari de Rajasthan
são devotos do deus Shiva, que, acreditam eles, lhes deu seus animais para que cuidassem. Os
ferreiros oxcart, que vivem e trabalham na margem das estradas, são devotos de Kali, a deusa da
destruição, por causa de sua suposta covardia em face de um ataque muçulmano séculos atrás.
Os fulbe têm um código cultural de comportamento que admira as virtudes da
paciência, respeito, modéstia, resistência, coragem, solidariedade e lealdade. Ao cumprir isto
como um pastor nômade sábio, cada pastor é seu próprio herói!
Deus se revelou a Israel usando a figura de um guerreiro e cavaleiro cavalgando os céus
para promover a causa de seu povo (Dt 33.26; Sl 104.3; Is 19.1), vindicar seus servos (Sl 18.10),
capacitá-los a cavalgar (Dt 32.13) e fazer justiça aos vulneráveis (Sl 45.4; 68.4,33). O lugar de
ação de Deus tanto é a sela como o templo ou o trono. Vemos claramente a necessidade de
apresentar aos nômades o Herói dos Heróis, Jesus Cristo, um líder de homens, que montou em
humildade num jumentinho, declarando sua vinda em paz e reconciliação. No lugar de mágica,
ele dá amor e graça imerecidos. Em vez de agressão, ele dá coragem moral em face do
sofrimento. Em vez de mérito incerto, ele dá perdão completo. Ele é um amigo para os
desprezados e sela seu cuidado com amor sacrificial para todos que confiam nele.
11 Comunicando o Evangelho aos Nômades
O
nômade tem o direito de ouvir a mensagem cristã de uma forma clara e não
ameaçadora. Como temos visto, a Bíblia e o evangelho têm muita afinidade com os povos
nômades – talvez mais do que com o mundo ocidentalizado. Temos que tentar compreender o
ponto de vista dos nômades e sua compreensão errada sobre o cristianismo. Devemos
redescobrir as maneiras de Deus se comunicar (conforme reveladas na própria Bíblia), quando
alcançamos sociedades que, por exemplo, dependem da comunicação oral e têm uma
solidariedade maior do que as sociedades ocidentais.
Como o estilo de vida nômade é estranho para a maioria dos obreiros cristãos, a
evangelização dos nômades é um desafio radical. Nosso conhecimento da Bíblia, testemunho e
culto cristão são moldados por séculos de pensamento e necessidades de pessoas sedentárias. Há
muito que abandonamos o ensino bíblico apropriado para sociedades tribais e pastorais.
Começamos a comunicar o evangelho ao reconhecer que Deus usa o pastoralismo
nômade e os povos viajantes para revelar a redenção. Os patriarcas, mesmo possuindo laços
estreitos com os povos sedentários no Crescente Fértil, mantiveram sua independência –
exatamente como hoje a maioria dos pastoralistas, ainda que viva próxima a populações
sedentárias e forme uma parte de sua economia, se considera diferente. A aliança redentora (a
lei) e o desafio de ser um povo santo foram revelados a Israel – um povo errante que já estava
socialmente separado.
Atingir os nômades envolve uma dupla tarefa: redescobrir como seguir o modelo
bíblico de um povo errante e compreender como o povo vê a si mesmo. Precisamos
compreender como o nômade pode se apresentar – exagerando sua auto-suficiência e ainda
possuindo íntimas ligações com aqueles de quem ele aparentemente não gosta. Essas atitudes de
auto-suficiência e separação dos outros pode fazer com que o nômade tenha uma idéia errada da
Bíblia e do cristianismo, como a religião dos estrangeiros sedentários.
A comunicação oral num mundo letrado
104
A palavra falada e relembrada predomina entre os povos nômades. Problemas são
resolvidos, lições são aprendidas e valores são aplicados não pelo argumento racional, mas pela
memorização cuidadosa e pela narração de histórias. A comunicação oral retém a informação
usando exemplos concretos de eventos e idéias, por isso os nômades deveriam ser ensinados
usando narrativas ou formas biográficas. Eles também preferem o aprendizado interativo ao
monólogo. Eles aprendem valores e cosmovisões transmitidos e decorados desde épocas
antigas, pela repetição de histórias tradicionais. No geral, a memorização é três vezes mais
usada para a forma de história do que a apresentação analítica.xii
Embora muitos nômades sejam alfabetizados, a cultura prevalecente da maioria é oral.
Mesmo as pessoas, no Oriente, capazes de ler preferem não fazê-lo, e as que vivem em
sociedades orais estão acostumadas a se expressar e compreender umas as outras oralmente.
Muitos pastores nômades são muçulmanos e memorizam o Corão oralmente em árabe, e as
práticas religiosas são aprendidas mais pela pressão de seus pares, assim a literatura em árabe ou
no vernáculo não é necessária.
Em muitas línguas a forma oral tem prioridade, e línguas como o cazaque e o quirguiz
só adquiriram forma escrita no século vinte. Os quirguizes têm recitadores profissionais de seus
épicos Manas. Os cazaques se regozijam em contar sua história e valores oralmente com lendas
como “Alash e seus três filhos”. Uma outra é “O jardim de ouro”, que narra a fundação de
Almati e recomenda a honestidade como a base para a terra próspera. Mas os cazaques rurais, na
verdade, ficam tristes por encontrar algumas de suas canções escritas em cazaque, pois na
mente deles estas canções só têm poder na forma oral. O mesmo acontece com os ciganos do
Oriente Médio, cujo domari não é considerado uma língua escrita. Para eles, a impressão é parte
de um mundo estranho, e eles preferem fitas cassete.
Os beduínos e muitos povos nômades têm poetas itinerantes. As tradições somali são
transmitidas oralmente por um complexo conjunto de poemas.xii Os mongóis têm lendas em
poesia e narrativas como “O mar de parábolas”, “Jangar” e “Badarcha” que transmitem
ensinamento budista. “Uma vez que histórias e fábulas são uma parte tão importante da cultura
mongol, as parábolas de Jesus podem ser um meio eficaz de comunicar a verdade do Evangelho
ao mongóis”xii
Alguns nômades não têm interesse na literatura, e civilizações inteiras funcionaram no
passado sem ela. A literatura não deve, portanto, ser considerada como uma condição
indispensável da cultura.xii As culturas orais não são primitivas ou imaturas – antes, são
adequadas aos desafios que tiveram de enfrentar. Muitos tuaregues vêem a literatura e a escola
só como uma forma de se livrarem das crianças excedentes, equipando-as para uma vida
sedentária.
Supõe-se muitas vezes que para ser cristão é preciso ser alfabetizado, e a ênfase
missionária na educação tem transmitido a falsa concepção de que a cultura local não é
adequada para expressar a verdade cristã. Para muitos, o cristianismo é mais ou menos
identificado com a cultura ocidental.xii Quando uma maioria dos rapazes alfabetizados forma
uma congregação, a imagem que se tem é que o cristianismo está enfraquecendo a autoridade da
geração mais antiga. O islamismo e o budismo enfrentam o mesmo problema.
Tanto no judaísmo quanto no cristianismo, a forma de autoridade primária da Bíblia é
sua forma escrita final, e a escrita foi uma parte importante da revelação mais primitiva para
Israel. Ainda assim esta revelação, em primeiro lugar, foi falada e circulou entre a maior parte
das pessoas como uma história oral, ou lida em voz alta. Elas ainda retêm características desta
forma.xii Grande parte do Antigo Testamento tinha por objetivo a leitura em voz alta. xii Jesus foi
o mestre da comunicação oral, confiando seu ensinamento à memória dos apóstolos e dos
amigos deles. Jesus ensinou por meio de muitas imagens vívidas e da repetição, e
provavelmente não deixou nada escrito. Se isto for verdade, foi um extraordinário passo de fé na
comunicação oral, por um líder religioso que foi muito bem educado (Mt 12.3,5; 19.4, etc.; Lc
2.46; 4.4; 16-19; Jo 8.6-8).
Israel e a igreja do Novo Testamento, com sua liderança letrada e o valor que atribuíram
às tradições em forma escrita, devem, apesar disto, ter operado com sucesso dentro de uma
sociedade oral. A igreja do Novo Testamento teria sido parcialmente iletrada, numa sociedade
105
que confiava no desempenho oral de todos os tipos de comunicação. Os evangelhos eram ensino
oral transmitido por mestres itinerantes, muito antes de cópias de eles terem sido feitas. Baseado
em sua experiência moderna de tradições orais e histórias contadas nas aldeias do Oriente
Médio, Kenneth Bailey sugere que as tradições acerca do ensino e ministério de Jesus teriam
sido transmitidas com exatidão por parte daqueles que primeiro as ouviram até serem escritas
nos textos do Novo Testamento.xii
Ainda assim a igreja produziu muita literatura e contribuiu para o desenvolvimento da
forma de códex mais do que seus vizinhos pagãos.xii Nos tempos apostólicos, o evangelho foi
espalhado pelo testemunho oral que mais tarde foi endossado pela versão escrita. Temos que
começar com o texto escrito para formar várias apresentações orais. A Bíblia memorizada é tão
completamente inspirada quanto o texto escrito.
Nos tempos do Novo Testamento, os métodos de comunicação oral e escrita foram
usados – para espalhar a mensagem bem como para o ensino de cada congregação.xii Esta é a
situação da maioria das sociedades nômades hoje, nas quais tradições orais indígenas com uma
visão mais circular da história adotam, em vários níveis, religiões com tradições escritas e uma
visão mais linear da história. Uma vez que a igreja do Novo Testamento transmitia a mensagem
do evangelho tanta na forma oral quanto escrita, não deveria ser surpresa que fossemos
chamados a fazer o mesmo na tarefa missionária hoje.
Precisamos redescobrir e usar as várias formas de literatura que a própria Bíblia usa,
como a narrativa, provérbios e poesia. As partes da Escritura menos populares na história
teológica ocidental, como as narrativas históricas e a literatura da sabedoria, podem bem ser a
chave para atingir povos nômades.xii Na cultura ocidental estamos mais preocupados com o
conteúdo do que com a forma de transmissão de alguns conteúdos. Embora, na Bíblia, se
encontre aplicada a idéia abrangente de um povo viajante, outros conceitos bíblicos, como a
redenção e a aliança, podem ser explicadas por histórias extraídas da cultura local.
Sabedoria e verso
Primeiro iremos considerar a literatura de sabedoria bíblica. Ela transmite muitas
verdades práticas que são universalmente válidas para todos os povos, e as apresenta de maneira
expressiva e prática. A sabedoria é baseada na criação e extrai suas lições da observação da
experiência humana e da natureza. Provérbios 30 define a sabedoria como um conhecimento
vindo de Deus, e segue em frente ao mencionar mais de doze atividades e deficiências humanas,
se referindo a 11 espécies de animais. Em Provérbios, a sabedoria constantemente está ligada ao
caminhar – não é tanto uma jornada para um destino, mas uma conduta habitual da vida normal
de acordo com a justiça e o conhecimento de Deus (Pv 2.20; 14.7,8; 15.12,21; 20.7; 30.29-33).
O nômade também não está indo para um destino em particular, mas está engajado em
atividades dentro de sua viagem que mantêm sua independência distintiva, identidade e caráter.
A relativa depreciação da literatura da sabedoria pelo ocidental é resultado de uma
cegueira seletiva aos aspectos importantes da vida. A sabedoria apresenta o problema para o
qual a salvação é a solução final, como a redenção da criação humana de Deus. Cristo usava o
conhecimento popularmente aceito para apresentar a si mesmo como o cumprimento total e
final da sabedoria.xii É possível reunir os provérbios do povo e usar o senso comum para
transmitir a verdade bíblica. Percebemos que a cultura oral pode melhor compreender os
provérbios dentro de um contexto narrativo. Os evangelhos dão tal contexto para a sabedoria de
Jesus.
A resposta divina para a crise de declínio espiritual de Israel foi em verso – talvez
pregado e certamente escrito – pelos profetas. Os nômades armazenam muita informação
importante em verso. Os quirguizes percebem sua identidade expressa nas lendas do Manas que,
com mais de um milhão e linhas, leva três semanas para ser recitado. A poesia casaque é de dois
tipos diferentes. A poesia das cortes errantes dos khans foi influenciada mais pelo mundo
exterior e pelos sufis. A poesia dos akyns mais pobres, ou poetas itinerantes que viajavam entre
106
os auls, por outro lado, refletia a vida dos nômades e é mais facilmente compreendida pelos
cazaques. Ela só foi transmitida oralmente até o último século.
As tradições somalis são transmitidas por poesia. Uma criança somali aprende as
tradições, costumes, história e genealogias de sua tribo e clã – primeiro com canções e versos de
sua mãe durante as tarefas, depois nas canções de trabalho cantadas, pelos homens, durante a
cavalgada, pastoreio e lavragem. Isto lhe dá um considerável vocabulário, formas simples para
compor seus próprios poemas e uma habilidade bem desenvolvida para memorizá-los.xii Bem
pode ser que a poesia prove ser o caminho para os fulbe se expressarem na adoração. Entre os
beduínos viajam poetas que transmitem notícias, comentários políticos e tradições através de
seus versos. Esta pode ser uma excelente maneira para aqueles que possuem dons e habilidades
adequadas comunicarem o evangelho.
Os recursos visuais comunicam de uma maneira que respeita a narração de histórias por
pessoas iletradas. O sistema de figuras bíblicas usado pelo pioneiro Gunnar Kjaerland entre os
borana possibilitou aos homens analfabetos mais velhos serem líderes nas igrejas nômades e
assim satisfazer às exigências da cultura borana. Uma ilustração da Bíblia os capacita a recontar
as narrativas bíblicas, de uma forma semelhante à narrativa que comunica a história dos borana.
No mundo dos budistas na Ásia Central, o thanka é usado para recordar a vida de Buda. Uma
versão parecida foi produzida sobre a vida de Jesus. Os baluch se divertem durante a migração
contanto provérbios e charadas, e transmitem suas tradições cantando baladas.xii
A música também ajuda todo o povo a cultuar e a ouvir as Escrituras – especialmente
quando é o tipo de música com a que se identificam mais profundamente. O uso das Escrituras
por Handel em seus oratórios tem sido uma inspiração para milhões. A própria Escritura, em
muitas partes, faz uso de canções (Ex 15; Dt 32; 2Sm 1.19-27 e, é claro, os Salmos). Outras
seções da Escritura podem ser dispostas em forma de música – incluindo profecia, que em sua
maior parte é poesia, e muito dos evangelhos, cujos originais em aramaico, provavelmente,
estavam em verso.xii Há muitos casos em que a música nativa agora está sendo usada para
transmitir a mensagem cristã, como para os tibetanos e tuaregues. Levam-se anos de
convivência na cultura para dominar a forma adequada de música, mas é muito recompensador.
A história da Escritura
Como a verdade bíblica pode ser ensinada para povos nômades? Três quartos da Bíblia
são narrativa, e os cristãos ocidentais têm dificuldade em interpretar boa parte dela, porque
muitas vezes ela leva seu leitor a tirar as próprias conclusões. Mas dentro de sua própria cultura,
esta narrativa contem dicas e alusões que transmitem sua mensagem para os ouvintes. Culturas
diferentes percebem lições e valores diferentes do mesmo texto bíblico, e isto pode dar aos
missionários novas percepções que eles não haviam visto. Eles podem descobrir a série de
significados consistentes com o contexto imediato e o mais amplo.
É necessário um método que enfatize o valor das histórias e narrativas – especialmente
para sociedades orais e pré-letradas. Temos que aprender não só a mensagem bíblica, mas
também os métodos de comunicá-la.xii Há uma necessidade, portanto, de unir a narrativa ou
forma de história da Escritura e as habilidades locais de contar histórias.
Uma maneira de ensinar a Bíblia é o método cronológico. Este método bem conhecido
usa o progresso histórico da revelação para comunicar toda a Bíblia. Há duas ferramentas
principais para ensinar este método cronológico que agora são bastante usadas. Um Deus e o
Homem de Dell e Rachel Schultze consistem de 35 lições. Vinte e duas delas no Antigo
Testamento, as 19 primeiras em Gênesis e Êxodo.xii A outra foi desenvolvida por Trevor
McIlwain e David Rodda da Missão Novas Tribos. O Antigo Testamento é visto corretamente
como uma preparação essencial para a conversão.xii Eles acreditam que a mensagem da Bíblia
só pode ser aprendida pelo repasse da ordem cronológica em que ela foi revelada. A doutrina
cristã básica é estudada usando a estrutura histórica das partes narrativas de cada Testamento.
Eles abordam os livros proféticos, a literatura da sabedoria e as epístolas na ordem cronológica,
de acordo com seu lugar na narrativa histórica, em vez da ordem da Bíblia moderna.
107
O método cronológico corretamente levanta vários pontos importantes acerca da
natureza da Bíblia, do desenvolvimento histórico e do conteúdo de suas narrativas. Ele protela a
apresentação do evangelho - primeiro, ao corrigir a visão do estudante sobre Deus, a criação e a
necessidade de mudança moral na vida do indivíduo e da sociedade, e dá oportunidade para a
convicção pessoal de pecado e incredulidade antes que a solução seja oferecida no evangelho. xii
O método cronológico confirma o controle da história por Deus ao enfatizar que a profecia
messiânica é cumprida. Ele deixa clara a natureza do pecado, antes de apresentar Cristo. Ele se
concentra na apresentação da verdade através de exemplos concretos de pessoas em situações
reais da vida, em vez de em linguagem discursiva e analítica, e assim apela para o uso, pelo
povo, de narração de histórias e para a importância de relacionamentos pessoais.
O método fornece muito mais ensino religioso do que os ouvintes jamais tiveram, mas
isto é feito numa estrutura bíblica em vez de ensinar novamente a eles sua própria religião. Uma
crítica comum é que gasta muito tempo, especialmente entre os nômades, que geralmente não
ficam num lugar tempo o suficiente para mais do que três ou quatro lições. Além disto, muitos
ouvintes ficam convencidos da necessidade de um Salvador antes de atingir a lição apropriada.
Cursos reduzidos de seis ou oito lições foram tentados, nas seções de concentração de uma
semana ou mais, mas a redução não forneceu o ensino preparatório no Antigo Testamento
desejado pelo método.
O método cronológico não pode ser usado com um povo, até que a maior parte da Bíblia
seja traduzida na língua deles. É preciso reconhecer que muitos dos livros da Bíblia reiteram
verdades básicas do esquema abrangente da revelação, por isso não é necessário trabalhar com
eles. Muitas das doutrinas fundamentais de Gênesis no início dos cursos serão encontradas, ao
fim, em Romanos. Além disso, um resumo do progresso da revelação na história bíblica pode
ser dado na mesma seção. Ainda assim o ideal de construir o entendimento e a autoridade da
revelação progressiva de Deus, como ele fez por Israel, ainda é desejável.
Esses cursos não usam histórias ou narrativas como o verdadeiro método de ensino. xii
Embora este método enfatize a ordem cronológica sobre a ordem canônica, a própria Bíblia
conta sua história mais com biografia associada a genealogia do que simplesmente seguindo o
curso dos eventos. A ênfase cronológica se ajusta a idéia ocidental de historicidade – ou seja, se
podemos “datar” alguma coisa com precisão, com certeza ela aconteceu. Mas a maioria dos
povos olha para ligações, pessoais e ancestrais, a eventos e se perguntam em que sentido são
herdeiros e descendentes das pessoas na Bíblia, sem considerar os anos decorridos desde então.
Tais ligações também são uma ajuda para a recordação nas culturas predominantemente orais.
Compreendendo a narrativa bíblica
Precisamos compreender como a Bíblia conta sua história e como os nômades contam
as suas. Já nos referimos aos épicos poéticos Manas dos quirguizes e Gesar dos tibetanos. Os
tibetanos têm seus próprios estilos de contar histórias, incluindo a alternância entre narrativa e
canção e também diálogos de perguntas e respostas. Precisamos ligar a história bíblica à vida
dos nômades numa forma com a qual possam se relacionar. Para que façamos isso mais
efetivamente, primeiro precisamos aprender como os nômades usam a narração de histórias para
comunicar sua identidade e valores, e como as pessoas e eventos nas histórias estão
relacionados com os ouvintes.
Embora as histórias comuniquem trans-culturalmente, porque elas se ocupam da
experiência humana comum, seu valor está em interagir com coisas e situações no mundo real
que também afetam a vida dos ouvintes numa época posterior. Elas podem ser tipicamente casos
que são lições de vida individuais ou acerca de eventos específicos que influenciam todos nós
desde então, como os principais atos de Deus. É importante saber como o povo compreende a
historicidade de suas próprias histórias. Se as histórias bíblicas são consideradas como
simplesmente hipotéticas e nunca tendo acontecido, então a autoridade delas é enfraquecida.
Podemos acentuar a tendência de não considerar as histórias bíblicas como fatos históricos
isolando a vida de Jesus da história do Antigo Testamento e da história relevante da igreja, para
além do alcance daquele povo em particular.xii A maioria dos nômades são muçulmanos que já
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acreditam que a igreja falsificou os evangelhos. Embora eventos como as migrações passadas
sejam parte de suas histórias, muitos nômades têm uma visão circular da história, derivada dos
ciclos da natureza. E, como os qashqaí, eles pensam mais em termos de estações repetidas do
que em seqüência de anos.
Nós estamos convencidos da historicidade de alguma coisa quando vemos que ela está
ligada a uma crença que já aceitamos. O Novo Testamento responde a isto ao demonstrar como
Cristo cumpriu a promessa e profecias sobre o que Deus já começara com Israel. Além disso, a
maior parte das culturas não-ocidentais estão preocupadas não com o argumento, mas com o
estabelecimento de relações pessoais confiáveis por meio da experiência. Isto é visto na
importância que eles dão às genealogias. Que importância damos às genealogias de Jesus?
Como história, a Bíblia não é só uma história contada como uma ferramenta heurística,
como é o caso de muitos mitos tradicionais. A Bíblia mostra o progresso de um propósito divino
partindo da criação, passando pela queda, as promessas a Abraão, a revelação a Israel, levando a
Jesus e apontando para a missão mundial e a segunda vinda. Mas não encontramos este sentido
linear de história fora da Bíblia. A narrativa bíblica é a explicação do próprio Deus de suas
ações, e por meio desta mensagem somos capazes de compreender e responder para receber
pessoalmente os benefícios das ações dele. A narrativa bíblica se concentra na interação de
personagens como agentes morais. As ações de Deus estabelecem uma “reação em cadeia” de
respostas humanas que afetam as ações de outras pessoas após elas. É nesta interação com Deus
que apresentamos um conceito mais linear de história a partir da Bíblia. Os nômades precisam
aprender os propósitos de Deus como história progressiva acontecendo na Bíblia até que o
evangelho atinja suas vidas para incluí-los no processo.
Isto quer dizer que as histórias bíblicas não são meras ilustrações ou exemplos, mas
devem ser vistas como capítulos anteriores de nossa própria história. Nossa vida e decisões são
uma extensão da mesma história que começa na Bíblia. Temos a responsabilidade pelo próximo
“capítulo” na história entre Deus e a humanidade, e isto, por sua vez, tem conseqüências para
outros. A graça, felizmente, pode reverter os erros passados e dar novas oportunidades para
reescrevermos a “história” na direção de Deus. Ver a vida como uma história enfatiza o
relacionamento pessoal com Deus e dá valor a qualquer testemunho de um trabalhador solitário
e desanimado entre os nômades como sendo parte de uma reação em cadeia de fé e serviço se
perpetuando na história.
Estas três coisas: o uso de história para transmitir a verdade, o progresso histórico do
propósito de Deus e a vida como relacionamentos pessoais, estão todas envolvidas no ensino de
narrativa e história. A história da humanidade, e a história de cada grupo de pessoas, é a história
de um relacionamento pessoal contínuo com Deus que está quebrado ou sendo reconstruído. Os
povos nômades têm seu próprio capítulo para escrever em resposta a seu Criador. Eles podem
fazer isto administrando eficientemente uma parte difícil da criação de Deus, desenvolvendo a
imagem de Deus dentro de seu tipo particular de sociedade e estilo de vida e, acima de tudo,
sendo incluídos na redenção da criação como crentes em Cristo. Cada indivíduo é um
desenvolvimento linear de um relacionamento com Deus, de recebimento de seus dons para a
vida, de resposta de incredulidade ou possível fé e reconciliação. Cada um de nós é uma
pequena parte da reação em cadeia dos eventos pessoais no desenvolvimento contínuo da
história de Deus.
Precisamos compreender como os escritores contaram a história bíblica de uma maneira
que seus contemporâneos compreenderam, pois muitas vezes a aplicação que seria clara para
eles podem ser apenas deduzida por nós. Ser capaz de distinguir a estrutura da história – seus
personagens, cenários, enredo e temas – nos ajuda a descobrir o que o autor pretendia, o que é
mais útil do que nos apressarmos em ler nossas próprias idéias no texto.
A recente ênfase teológica na Teologia Narrativa pode ser útil no desenvolvimento de
um método de ensino bíblico oral.xii Ela nos ajuda de duas formas, a interpretar as narrativas da
Bíblia e a reconhecer a qualidade histórica da vida humana. Este estudo produziu uma variedade
de teorias e é usado para evitar a historicidade dos eventos da Bíblia. Ainda assim, como
evangélicos podemos usar este estudo para interpretar os textos narrativos da Bíblia. Dispor a
109
verdade na forma de uma história leva o ouvinte a prestar mais atenção a ela, a ser movido a
reconsiderar o que de outra forma poderia facilmente se tornar uma banalidade.xii
O papel vital de fitas, filmes, rádio e TV
Como nômades dispersos por toda parte poderão ser discípulos de Jesus? A narrativa,
poesia e sabedoria bíblicas podem ser comunicadas por meio de fitas de áudio, rádio, TV,
vídeos e CDs. Estes recursos podem atingir pessoas em toda parte como apresentação oral do
evangelho, e atualmente eles são a única maneira de atingir muitos nômades. Gravadores à pilha
cada vez estão presentes em quase toda parte, e aparelhos manuais também estão disponíveis.
As porções da Escritura gravadas em fitas de áudio são meio-caminho para a maioria
das línguas. O monólogo não é tão adequado para uma cultura oral quanto o diálogo e a
dramatização, e a entonação e expressão também precisam ser usadas cuidadosamente. A Bíblia
dramatizada, “A Fé Vem Pelo Ouvir”, dá um exemplo de superação do monólogo.xii Fitas de
áudio incluindo o ensino básico da Bíblia com um elemento interativo, preparado por um
mentor que o povo conheça, seria útil para discipular nômades nos intervalos das visitas
missionárias.
O número de programas de rádio disponíveis ainda é muito limitado. Os rádios
transistorizados são comuns entre os nômades, dos fulani aos ciganos. Os cazaques e os
mongóis têm rádios e televisores em suas cabanas. Milhares de aerogeradores de 100W de
corrente direta estão em uso no interior da Mongólia e Xinjiang para carregar baterias de
caminhão, e também para luz e televisão.
Cada vez mais há maneiras de difundir o evangelho. Gravadores de linguagem
produziram um transmissor portátil com um alcance de oito quilômetros. Comprar tempo em
rádios comerciais pode ser mais eficaz. Já no Oriente Médio, as pessoas nas cidades podem
escolher entre 80 canais de televisão. SAT-7 é um canal de TV por satélite que começou uma
grade de programação regular em 1997.xii Não há programas assim para muitos dos grupos de
povos discutidos neste livro por causa da falta de falantes nativos dessas línguas que sejam
cristãos. Muitos só têm programas de 15 minutos em certos dias da semana.
O filme Jesus certamente induz as pessoas a refletir sobre o cristianismo e continua a
ser traduzido para diferentes línguas. Mas a experiência prévia de filmes pelas pessoas, e suas
percepções de histórias de fora de sua cultura, precisam ser consideradas. Quando o filme foi
mostrado pela primeira vez no Senegal, a audiência riu o tempo todo, especialmente na
crucificação, porque antes só haviam assistido a desenhos animados nos quais os personagens
voltam à vida após calamidades grotescas! Muitos filmes chineses são tragédias, então Jesus
ainda pode ser visto como outro herói fictício que tem um final trágico. Portanto, essa excelente
ferramenta precisa de explicação local para maximizar seus efeitos.
A igreja é formada unicamente por pessoas
A grande comissão de Cristo não menciona a construção ou “plantação” de igrejas, mas
enfatiza a importância de ser testemunha e fazer discípulos. Jesus usou ‘semear’ e ‘plantar’ para
falar do ensino da Palavra, não de estabelecer igrejas. Discipulado significa o desenvolvimento
de um relacionamento próximo com Cristo, com uma compreensão cada vez maior da salvação,
da assimilação progressiva e prática do seu ensino. O chamado do Jesus itinerante era para fora
das instituições e em direção a relacionamentos dinâmicos em pequenos grupos. Ele se
concentrou no mestre acompanhando o discípulo, como um pastor com sua ovelha.
É extraordinário que a primeira evidência do cristianismo que as pessoas têm hoje é
uma instituição chamada igreja. Infelizmente, a palavra “igreja” carrega uma conotação de
edifícios elaborados, horários e rituais bem estabelecidos, tradições sagradas e estruturas não
familiares de liderança – como se elas fossem durar como parte deste mundo para sempre. A
maioria das agências missionárias está comprometida em reproduzir a sabedoria acumulada nas
estruturas da igreja de seus países de origem como o resultado final mais desejável. Esta idéia é
110
apropriada para os obreiros e impõe um pacote pronto para superar a inconveniência da
aprendizagem vagarosa dos convertidos.
A igreja em estilo ocidental é orientada no sentido de tempo e propriedade. A atividade
cristã centralizada num edifício com horário semanal é estranha para as pessoas que vivem de
acordo com onde a grama está crescendo. Essa estrutura, portanto, reforça a compreensões
erradas, pelos nômades, do cristianismo. O relacionamento dos membros e líderes pode ser
transmitido, correta ou erroneamente, ao sentarem juntos – mesmo numa reunião informal no
acampamento. Muitas vezes a construção de um lugar de reunião especial ou “estação”
missionária (significando algo estacionário) pode ser o anúncio da morte do trabalho entre os
nômades. Ela pode ser ignorada, deturpar ou destruir o ciclo nômade e demonstrar a ignorância
dos obreiros em relação ao valor do nomadismo do povo. O cristianismo poderia facilmente se
tornar sinônimo de rompimento com o estilo de vida deles.
Este erro já ocorreu em vários lugares. O evangelho foi espalhado de uma forma
extraordinária entre alguns ciganos europeus, mas as igrejas resultantes e formas de adoração
foram importadas das igrejas não ciganas. Esta pode ser a razão porque muitos da segunda
geração estão crescendo como evangélicos nominais.
Semelhantemente, Eleanor Vandervort recorda a briga do primeiro pastor nuer para
relatar a cultura do missionário em vez de criar uma cultura cristã nuer. Os missionários
trouxeram não somente o evangelho, mas também seus pertences que as pessoas queriam mais
do que o evangelho. A missão insistiu que as pessoas usassem roupas – estes povos que
consideravam seus corpos “completos” quando usavam somente um cordão de contas na cintura
e não tinham nenhuma palavra para “nu”. Eles introduziram a educação formal numa cultura
oral; casas retangulares permanentes, entre suas próprias cabanas circulares e uma vida
sedentária numa sociedade que era móvel. Um sistema de governo totalmente presbiteriano foi
estabelecido numa sociedade cujas estruturas de autoridade eram totalmente diferentes.
As idéias de propriedade privada foram inadvertidamente introduzidas numa sociedade
que pensava que todas as coisas eram compartilhadas, incluindo a propriedade dos missionários.
Ao tentar encontrar uma palavra nuer para “consciência” Vandevort sugeriu para sua
informante. “Se você pegar um pouco do meu dinheiro seu coração irá incomodar você?”
“Sim”, foi a resposta. Checando mais tarde, ele descobriu que o coração estaria dizendo “volte e
pegue um pouco mais.” O resultado dessa falta de sensibilidade para com a cultura foi colocar o
primeiro pastor nuer continuamente em débito.xii
Também não se pode presumir que uma experiência importada de comunhão alegre de
multidões de cristãos reunidos num cômodo, cantando e expressando suas emoções em
adoração, possa ser reproduzida entre os nômades. Os fulbe, por exemplo, desprezam a
expressão de emoção em público, acham que cantar é só para mulheres e não querem ficar
envolvidos com compromissos desnecessários. Eles valorizam a independência estóica e são
ensinados a sofrer e a tomar decisões solitariamente.xii Contudo, eles cantam e dançam sim –
nos arbustos para as garotas como parte de celebrações.xii Até que ponto nossa experiência
espiritual pessoal depende do estímulo de grandes congregações, musica profissional em
edifícios confortáveis, cercados por amigos que não desafiam nossas convicções? O
cristianismo é visto como uma terapia, quando, na verdade, o Senhor predisse sofrimento e
perseguição.
Nossa dependência das práticas e estruturas familiares se deve à falta de fé? Vincent
Donovan expressou isto ao dizer que o evangelho pode ser pregado e a igreja até dar resultados,
mas ela pode não ser a igreja que o missionário tinha em mente. Por mais diferente que a igreja
seja, em suas estruturas, de qualquer igreja que possamos conhecer, ela deve ser reconhecida
como a igreja de Cristo em meio àquele povo.xii Embora isto seja significativo vindo de um
católico, também é necessário para os evangélicos, cuja ênfase na igreja confinada ainda se
esconda nas idéias ocidentais de organização e estruturas sociais que têm suas origens no século
17. Felizmente para nós, o Senhor também é divino e por isso é capaz de acomodar sua
humanidade à nossa fraqueza, já que concebemos a igreja como a experimentamos em nossa
própria cultura. Mas por que tornar a tarefa dele mais difícil? O ideal é expresso pelo segundo
objetivo do Programa Norte Nigeriano para atingir os fulani “para ajudá-los a encontrar
111
maneiras adequadas de adoração dentro de suas estruturas culturais como o mínimo de intrusão
no estilo de vida deles.”xii
Tanto para os cristãos nômades como para os sedentários não há lugar para o
comprometimento com interesses mundanos, ou para estruturas cristãs estáticas estabelecidas
para durar. A temática nômade da Bíblia despreza totalmente o que a maior parte da
humanidade considera de grande importância, que é o cumprimento de convenções e ambições
da sociedade ao redor.
O desenvolvimento de discípulos
Nossas suposições sobre a natureza da igreja e da adoração precisam ser revistas. Os
cristãos não pertencem à igreja, mas a igreja é derivada do relacionamento dos discípulos com
Cristo. Uma tentativa consciente de “plantar uma igreja” e então fazer discípulos prioriza um
conceito abstrato cheio de conteúdo estranho. Quando esquecemos que tudo o que o Novo
Testamento diz se aplica a cada cristão individualmente. A responsabilidade final de cada
discípulo é reduzida por muito do que é só tenuemente derivado de Jesus, e a autoridade das
estruturas da igreja também podem substituir o senhorio de Cristo.
Temos que reconhecer que o próprio Cristo fica mais a vontade num acampamento
nômade – com sua humilde hospitalidade, sua comunhão em pequenos grupos e sua forma de
trocar novidades – do que numa igreja ocidental. Não deveríamos buscar o padrão da igreja num
tratamento doutrinário separado chamado “Eclesiologia”, mas, em vez disso, deveríamos
começar com a natureza do próprio Deus.
O exemplo de Jesus é que a adoração é um estilo de vida completo de submissão e
serviço ao seu Pai, e não algo feito uma ou duas vezes por semana.xii Ele obtinha sua força,
como Filho encarnado, de seu caminhar particular com o Pai. Era uma continuação da Trindade
ou Comunidade de amor auto-sustentável, comprometimento mútuo e auto-afirmação em
santidade. Deus, como Trindade, é uma comunidade autônoma ou fraternidade que também se
estende a outros, oferecendo comunhão para a humanidade crente.
Jesus permitiu que o amor de Deus fosse observado e compartilhado com os três, os
doze e também com muitos outros discípulos. Este bando itinerante e autônomo de discípulos,
unidos pela aceitação individual da instrução de Jesus e da singularidade de sua Pessoa, foi a
base para a igreja. Discipulado é receber o ensino de Cristo, que foi exibido pelo próprio Jesus
nos encontros e situações comuns da vida que demonstram o ensino na prática. Cristo se
separou das instituições reverenciadas e da liderança religiosa de sua sociedade. Ele se
concentrou num grupo maior de pessoas “comuns”.
Como já mencionamos, o evangelho e a igreja foram chamados de “o Caminho”. Uma
igreja entre nômades tem que começar com indivíduos praticando o caminhar da fé. Esta fé
requer confiança unicamente no Criador, que é transcendente e provê os recursos naturais
renováveis, e envolve mordomia sábia e contentamento com a posse do que é suficiente para as
necessidades da pessoa. Isto leva ao ensino de que Deus ama e espera amor em troca, para
consigo mesmo e para com os outros, e que Deus julga a incredulidade e os erros sociais e
individuais. Temos que começar com o cristão em particular, que precisa desenvolver a
habilidade de desenvolver sua fé durante algum tempo sem ajuda de outros. Muitos dos
problemas da vida cristã surgem de um conhecimento inadequado de Deus.xii Falhamos em
confiar Espírito Santo e seu papel de nos ensinar e recordar do ensino (Jo 14.26; 16.13,14).
Pacotes da Escritura, do tipo faça você mesmo, mais instrução, orientação na oração e até
mesmo músicas, são necessárias em fitas de áudio. Em muitos casos elas também são
necessárias em forma literária e gráfica. O discipulado tem de ser aprendido dentro do grupo de
pastoreio ou itinerante, o ideal é que seja pelo menos com mais uma pessoa do mesmo sexo
interessada também.
Outras religiões também reconhecem o papel do individuo solitário ou peregrino que sai
empreende uma busca religiosa, mesmo em detrimento da família ou negócios. O muçulmano se
orgulha de orar em qualquer lugar, embora a prática do islã seja menos rígida onde não há
112
mesquitas. O budismo lamaísta também enfatiza a busca do indivíduo para encontrar sua
própria “salvação”. Alguns povos, como os fulbe, valorizam a independência e o isolamento
parcial. Eles também estão acostumados à idéia de pessoas mais velhas se retirando da vida
ativa para propósitos religiosos.
O aspecto solitário do ministério de Cristo é um modelo aqui, já que ele se deparou com
hostilidade e falta de compreensão por parte de seus amigos e familiares. O maior temor é que o
cristianismo traga isolamento social, deixando o cristão sem casamento, família ou enterro. No
islã, matar o apóstata é dever da família. Paciência, proteção e oração são as palavras chaves! O
convertido precisa de paciência quando ele(a) se debate com a prática de novos conceitos
religiosos sobre Deus, pecado, fé e obras. Ele(a) precisa de proteção da exposição da fé ainda
frágil à conflitos de lealdade e temor. O convertido também precisa orar para que Deus se revele
de maneira prática no seu dia a dia e lhe dê convicção de que Ele é real.
Tudo o que sugerimos em relação aos cristãos serem amigos do nômade, vivendo
próximos e demonstrando que a vida cristã pode ser vivida dentro do contexto nômade, leva à
tutelagem. Os indivíduos que estão pensativos sobre o evangelho do Criador pastoralista por
meio do Filho viajante precisam ser tutelados. A natureza dispersa e móvel do povo nômade
exigirá viagem para visitar regularmente muitas dessas pessoas. Esta era a norma da igreja do
Novo Testamento já que líderes e membros, constantemente, circulavam entre as igrejas locais,
transmitindo ensino oral e escrito. Muitas jornadas teriam sido a pé e levavam semanas. xii Ainda
hoje isto não é incomum para muitos nômades. Desta maneira os nômades deveriam estar
conscientes de que eles pertencem a uma comunidade universal de Cristo. O uso sensato de
exemplos de cristãos da Bíblia e da história da igreja deveria demonstrar que os demais
discípulos formam uma longa linhagem do passado ao futuro, assim como os próprios ancestrais
deles e de sua história tribal.
A igreja “do caminho” novamente?
A mensagem cristã e os discípulos que o seguiram são chamados ‘o caminho’ em Atos
(9:2; 16:17; 18:25-26; 19:9,23; 22:4; 24:14,27). O conceito ocidental de conversão como algo
instantâneo que envolve uma “decisão”, ou um ato de vontade, geralmente só é compreendido
entre pessoas que já vêm de um contexto cristão e são, na verdade, membros não-praticantes da
igreja. Entre as pessoas não provenientes de tal contexto é necessário um período de préevangelismo e até de discipulado. Talvez uma pessoa só deva ser declarada cristã quando
houver número mínimo de cristãos para formar um grupo. Entre os somali do norte do Quênia e
no Oriente Médio, foi adotada uma estratégia deliberada de esperar pela conversão de vários
membros da família antes do batismo.xii Devemos ter fé para esperar resultados a medida que
membros de uma geração mais jovem, que tenha absorvido secretamente alguns dos ensinos do
evangelho, cresça para aceitar liderança na tribo ou clã. Os padrões morais cristãos precisam ser
apresentados como promovendo o bem da sociedade e seu estilo de vida nômade. O ensino não
pode se resumir a algo que um cristão faz.
A vida de culto do próprio Jesus com o Pai e o Espírito é corretamente expressada não
num templo ou num seminário, mas no caminho ou no ambiente pastoralista (Mt 4.1). A
implicação do ministério de Cristo é que a igreja é um grupo de pessoas que não precisa de
locais sagrados especiais ou edifícios, e assim a igreja tem usado locais seculares por
conveniência. A igreja universal foi formada pela morte e ressurreição de Cristo, não da
organização de igrejas locais. Estas expressam a igreja universal, mas elas dependem da
qualidade e oportunidade de crentes locais. A reunião local de cristãos não tem que ter uma
localização, mas é “local” no sentido de ser uma comunidade “cara a cara”, baseada no
comprometimento pessoal com o Senhor e uns com os outros, não importando quem possam ser
os membros.
A igreja primitiva parece ter crescido por mais de dois séculos sem qualquer edifício
especial para o culto. Já não há sacrifício para ser oferecido na terra e, portanto, já não há a
necessidade de locais sagrados. Entre os nômades o único móvel eclesiástico pode ser um pano
113
esticado sobre o chão com tigelas de leite e milho ou tsampa para a comunhão, assim como
Cristo usou a comida que estava disponível na Páscoa. O rio mais próximo ou tanque de água é
suficiente para o batismo. O lugar da igreja é secundário, de acordo com as circunstâncias.
Na Bíblia, geralmente eram as famílias que cultuavam juntas (Ex 2.3; At 16.39). As
igrejas do Novo Testamento eram grupos de não mais de 40 pessoas que se reuniam na casa de
uma família (At 20.20; 1Co 16.19; Cl 4.15). Provavelmente, até mesmo nas cidades a estrutura
era esta. As epístolas dizem respeito a como os cristãos deveriam se relacionar uns com os
outros e com o mundo, e não com detalhes organizacionais – por isso é tão fácil “ler” nelas
nossa eclesiologia favorita e nos frustrarmos por não conseguir “provas” dos detalhes que nos
parecem tão importantes. Tal sociedade “igualitária” e descentralizada interessa ao nômade que,
embora sentindo a necessidade de pertencer a um corpo maior do que seu próprio povo – o que
é fornecido pelo islã, hinduísmo e budismo, por exemplo – ainda necessita de uma vida
devocional prática que seja flexível e independente de estruturas externas. O evangelismo dos
nômades provê uma oportunidade de voltar à eclesiologia da igreja congregada.
O nômade já está acostumado a uma vida social que pode consistir de contato mais
próximo com não mais do que algumas dezenas de pessoas na maior parte do tempo, e longos
períodos solitários com somente dois ou três companheiros. O desenvolvimento de
relacionamentos pessoais é mais importante do que organização. As pessoas nômades também
têm seus ajuntamentos e celebrações maiores, geralmente só uma vez por ano, envolvendo
observâncias religiosas e rituais de passagem envolvendo a família estendida como circuncisões,
rituais de iniciação e casamentos.
Um padrão social de pequenos grupos parecidos, com ajuntamentos maiores ocasionais,
deveria ser possível para a igreja entre povos nômades. É possível ver pessoas em pequenos
grupos se reunindo por meses para ouvir um toca fitas e só se ajuntando a outros crentes
algumas vezes por ano. Estes ajuntamentos podem tomar o lugar da peregrinação tão comum no
islã, budismo e hinduísmo. Mas a igreja nômade local, formada por crentes espalhados talvez
dentro de algumas famílias estendidas próximas, terá de aprender a tempo a desenvolver
contatos de amizade e evangelísticos na sociedade nômade mais ampla de clãs e tribos. Ela terá
então de se ajustar às dinâmicas dos pequenos grupos e de reuniões maiores ocasionais.
Um novo modelo de igreja, como a igreja em células, precisa ser considerado. Mas a
maioria dos conceitos de igrejas em grupo familiares e de células foi desenvolvida em grandes
ambiente urbanos, para que as grandes congregações impessoais fiquem mais pessoais e
interativas. Na situação nômade, a igreja inteira pode consistir de somente alguns grupos
pequenos se reunindo juntas ocasionalmente e exigindo maior participação de cada membro.
Jesus costumava dialogar com grupos pequenos (Mt 16.13, 15; Mc 14.17-19; Lc 22.24ss.; Jo
3.2-14; 4.5-29; 14.5-8). A participação total funciona em grupos de no máximo doze pessoas; o
método de pergunta e resposta funciona mais em dupla do que com muitas pessoas, e o
monólogo por parte do “especialista” funciona melhor em grupos de mais de 35 pessoas.xii
Cada membro contribui de acordo com a renovação de sua mente, dedicação e
comportamento em resposta ao treinamento recebido. Cada discípulo dentro do grupo é levado a
tomar decisões para aplicar o ensino. Contudo, o nível de fé mais baixo pode dominar, tentando
conseguir ajuda para seus próprios problemas e ser inútil para outros. O próprio Cristo
experimentou isto (Mt 8.26; 16.23; 26.40). A história da igreja ilustra os perigos de estruturas
institucionais bem como dos pequenos grupos. Membros maduros precisam enfatizar a
autoridade de Jesus nas Escrituras. Os missionários precisam, eles mesmos, utilizar o pequeno
grupo para fins de adoração e comunhão entre eles, examinando como a estratégia iria se aplicar
às estruturas tribais e familiares, e tentar antecipar os problemas potenciais.
Que forma a igreja entre os povos nômades irá tomar é uma das questões cruciais que
ainda precisam ser resolvidas, e oramos para que o Espírito Santo mostre a resposta. Agora
temos que considerar um importante aspecto das sociedades nômades – o senso obrigatório de
mútua responsabilidade. Pois isto terá de ser levado em conta pela igreja.
A solidariedade do povo
114
Uma das características mais fortes das sociedades nômades que afeta a vida cristã é sua
solidariedade. Ela vai além do envolvimento voluntário de cristãos individuais admitido na
sociedade ocidental por causa da separação entre igreja e estado. Pois implica em cristãos sendo
obrigados a se envolver no que não deveriam. Muitos indivíduos nômades se identificam quase
completamente com seus grupos sociais. As decisões são tomadas ou pelo cabeça de uma
família estendida, de um grupo de pastoreio; ou pelo consenso de todos os homens adultos.
Todos os membros defendem a posição e reputação do grupo, e assumem responsabilidade por
ele em face dos insultos, ofensas contra a vida ou propriedade, e especialmente na violação de
suas mulheres. Isto muitas vezes leva a um equilíbrio de ofensas “olho por olho” com, por
exemplo, mortes por vingança. Os homens encaram a zombaria se falham em manter sua honra.
Este conceito é encontrado em grupos tão diversos como os beduínos muçulmanos, com seu ird,
e os gregos ortodoxos sarakatsán com seu timê.
Esta solidariedade afeta a percepção de cristianismo deles e como um convertido a
Cristo é tratado. Ser um membro de um povo e praticar sua religião é a mesma coisa para a
maioria dos nômades. Ser um tibetano é ser um budista, ser um quirguiz é ser muçulmano. Os
únicos cristão nômades são os sami e os roma. O fato de uma pessoa ultrapassar os limites se
tornando cristã, ou mesmo demonstrando interesse, muitas vezes resulta num sentimento
vexatório sobre o grupo, levando a perseguição e sua expulsão da família. A herança do gado,
carroças ou ferramentas para seu comércio também pode ser negada. Os cristãos, que passam
então a ser parias, podem ser alvo preferencial para roubo de gado. Mesmo hoje a conversão
pode resultar em morte ou ameaças de morte. A maioria dos crentes será abandonada ou morta
logo após a conversão.xii Apesar da hostilidade a família estará pensando e ansiando pelo
membro excluído, e a reconciliação geralmente é possível com o tempo.
Para um crente imaturo permanecer no campo pode ser também uma fonte de grande
tentação, moral e ritualmente. A opção fácil seria persuadir o convertido a deixar a vida
nômade, se mudar para a cidade e se unir a uma igreja sedentária. Ainda assim deixar a família
faz com que o convertido seja considerado parte da “família” missionária ou se torne um tipo de
pessoa fora da estrutura tribal.
Sejam quais forem as dificuldades imediatas para cuidar dos primeiros convertidos,
devem ser traçados planos para uma igreja que assuma a responsabilidade por seu grupo de
povo. Temos que combater a acusação de que o missionário, sua mensagem e método fazem
com que o convertido rejeite seu povo e seu modo de vida. Com o tempo pode ser possível
formar um rebanho cristão ou grupo itinerante, mas quando autoridades tribais hostis designam
a clientela ou direitos de pastagem, isto pode ser difícil. A igreja nômade deve se preocupar com
o povo e a continuidade de seu estilo de vida num nomadismo viável.
Embora o evangelho enfatize a fé e obediência individual, a maior parte das instruções
morais da Bíblia leva em consideração como o indivíduo contribui ou participa num grupo e o
afeta passiva ou adversamente. Encontramos a idéia de responsabilidade corporativa no antigo
Israel com seus níveis de sociedade em famílias estendidas, clãs e tribos. Sua fé era vivida em
pequenas comunidades agropastoris semi-autônomas. O indivíduo era responsável pelo bemestar do grupo, como o grupo era responsável pelo bem-estar e o comportamento de seus
membros (Gn 3.16-19; Ex 20.5, 32; Nm 16.26; Dt 5.9; 13.12ss.; 21.1-9; Js 7.10-12; 22.18, 31;
Jz 20.8; 1Sm 14.27ss.; 1Rs 2.31; 9.6-9). Jesus também ensinou que a obediência do indivíduo à
lei divina tem um impacto social (Mt 5.19), e Paulo compara a influência de Adão e Jesus no
nosso relacionamento com Deus (Rm 5.12ss.).
As ações de qualquer indivíduo afetam outros com quem ele tem laços. Esta idéia de
responsabilidade corporativa dificilmente é mencionada no pensamento cristão ocidental, mas é
importante para os nômades com sua preocupação com seu próprio povo, sua hospitalidade e
cooperação, pelas quais são famosos. A redenção põe em prática os aspectos positivos da
solidariedade do povo, à medida que o amor está sendo totalmente comprometido com o bemestar daqueles a quem se está ligado.
O supremo exemplo de um membro agindo por seu grupo social foi Jesus. Ele também
é modelo não somente de responsabilidade do nômade cristão para com seu povo, mas também
115
da responsabilidade missionária para com seu povo adotado. Jesus voluntariamente se juntou ao
infortúnio da humanidade, e permanece homem para sempre (1Co 15.28). Ao se identificar com
o destino de Israel ele também cumpriu a promessa a Abraão de que através da semente dele
todas as famílias ou clãs da terra seriam abençoados. Ele fez de si mesmo um representante de
todos os grupos de povos e do destino deles nos planos de Deus. Ele se assumiu sua culpa para
morrer por eles.
O sacrifício na Bíblia pode ser ofensivo para os budistas, mas os hindus gaddi e os
muçulmanos turcomanos ainda sacrificam cordeiros. A expiação não é uma forma impessoal de
lidar com o pecado, pois Jesus pessoalmente se colocou no lugar de outros. Ele fez isto tão
completamente a ponto de ser tratado como as pessoas na culpa delas. Ele se identificou com
todos os povos, mas especialmente com os crentes que moralmente se identificaram com ele
pela fé. Assumir uma responsabilidade assim não significa ser um participante no pecado, mas
significa sim se identificar com os pecadores diante de Deus sem ignorar bem-estar deles como
um grupo.xii
Ser um cristão é participar de uma responsabilidade conjunta com Deus em seu
propósito para os cristãos, e estar interessado no bem-estar e conversão do povo de alguém. Isto
envolve missão holística no sentido de evangelismo para conversões e preocupação pelo bemestar material, moral e social do povo ou clã. O chamado para servir a um povo em particular
significa não só parceria com eles por um período de serviço, mas uma identificação com eles
para a vida, na intercessão e qualquer outra forma de promover o interesse cristão deles. Nós
perdemos o sentimento de envolvimento corporativo que os israelitas conheciam e que é
encontrado na expiação.
O nômade como missionário
As estruturas sociais dos povos nômades variam, e em algumas a independência do
indivíduo é enfatizada, enquanto outras enfatizam a interdependência. Algumas têm uma
hierarquia social que precisa ser consultada, enquanto em outros grupos cada família ou grupo
de pastoreio tem autonomia virtual. De acordo com Art Everett, os navajos insistiam em se
sentar em círculo em vez de arcos, para que ninguém tenha proeminência. Isto tinha o efeito de
encorajar a liderança indígena natural a se revelar e desenvolver.xii Em algumas sociedades o
líder religioso local pode ter uma autoridade mais prática, para conseguir que as coisas sejam
feitas, do que a estrutura tribal formal de líderes. Isto se aplica aos fulbe, entre os quais os
cabeças de famílias têm a maior parte da autoridade, e só os marabus possuem influência
suficiente para conseguir cooperação.xii
Todos os cristãos estão no mesmo nível e, no cristianismo, não pode haver imitação das
estruturas executivas do mundo ou da dependência de líderes, conforme se vê em algumas
religiões. Ser salvo pela graça imerecida remove qualquer aura de santidade de poderes
especiais no caso do mestre cristão. Todos são diretamente dependentes de Jesus, que
determinou a liderança pela tutelagem num grupo pequeno. A eleição de um substituto para
Judas mostra que um grande número de discípulos desconhecidos, além dos 12, estive
continuamente com Jesus (At 1.21). Jesus os qualificou para a liderança logo após seu batismo,
e a implicação era que José, o que não foi escolhido, estava tão apto para liderança quanto os
outros.
Os cristãos que pastoreiam esses pequenos grupos podem se adequar parcialmente em
alguma tradição local de mestre religioso. São comuns homens santos viajantes visitando os
acampamentos e, da mesma forma, seria possível um evangelista ou catequista visitando para
encorajar os grupos pequenos. A autoridade deles não está baseada em instituições
constitucionais ou tradicionais, mas vem de um conhecimento e conformidade com o caráter do
próprio Cristo, como também de sua habilidade de solucionar os problemas práticos de questões
de fé e moral. Eles precisam ser ensinados para que possam re-ensinar outros através da
narração de histórias e outros auxílios que transmitam verdades básicas e, depois, aplicações
adicionais.
116
A igreja que é “nômade” em suas atitudes será uma igreja missionária. Este novo padrão
nômade da igreja já está tomando forma. Os cristãos de um povo nômade em particular se
reúnem num poço, sem qualquer prédio religioso, e lêem e oram sempre que viajam. Nenhum
missionário pode alegar ter começado este trabalho. O evangelho surgiu entre eles por meio de
fitas de áudio ouvidas repetidas vezes. Dois irmãos, sob convicção de pecado vinda da parte de
Deus, foram a um mercado procurando por um Messias, um homem chamado Jesus, que
poderia perdoar os pecados deles. Eles encontraram um missionário “fazedor de tendas” que,
com um conhecimento limitado da segunda língua deles, foi capaz de lhes dizer como encontrar
Jesus. O resultado é que estes poucos cristãos espalharam o testemunho não somente para seus
familiares, mas também para muito mais pessoas do que seria possível se eles tivessem morada
fixa.
O fulani é treinado em sua cultura para superar as vicissitudes da natureza, a ter orgulho
em suportar a dor, a fome, a sede e a nunca expressar suas emoções. Ele valoriza sua
independência, está pronto para ficar sozinho por longos períodos, e toma suas próprias
decisões. Este conceito altamente desenvolvido do homem do gado solitário e resiliente ajudam
o convertido a ser independente, apesar de que, no islã, a unidade do grupo mais amplo e da
família se oporia à conversão com endurecimento e perseguição.
O nômade seria um excelente evangelista. Ele(a) tem a experiência da interação pessoal
constante dentro de um grupo social pequeno.A dependência das circunstâncias que fogem ao
controle humano e o fato de aprender a administrar as incertezas leva os cristãos a uma vida de
dependência de Deus. Uma pessoa assim muitas vezes tem que aproveitar, ao máximo,
oportunidades na vida que outros nem perceberiam.
O nômade aprendeu a viver com poucas posses pessoais, está acostumado a ser errante e
experimenta a pobreza, fome e longos períodos de trabalho duro e não remunerado. Ele ou ela
também já conhece o desespero, o fatalismo e o que é ser desprezado. Um cristão assim seria
capaz de atingir os maiores setores dos dois terços do mundo. É de se admirar de como o
movimento missionário moderno foi tão longe sem um esforço especial para atingir povos
nômades e sem a participação de cristãos nômades!
O próprio Jesus tinha um ministério eficaz como mestre itinerante (Mt 8.20). As igrejas
do Novo Testamento eram muito móveis, tendo contatos umas com as outras e tendo uma
compreensão muito mais uniforme do evangelho do que geralmente se pensa. Os cristãos
nômades já são capazes de ser móveis. Mais cedo do que se imagina, já não seremos capazes de
fazer a obra de anunciar o evangelho sem os nômades.
xii
Rick Brown, "Communicating God's Word to an Oral Culture" (artigo não publicado,
1998).
xii
Widdows (org.), Family, p. 2396.
Mongolia Challenge,II/9v.
xii
John Mbiti, '''Cattle are Born with Ears, Their Horns Grow Later' and Appreciation of
African Orai Theology”, Africa Theological Journal, 8.1, lS-25. John Windsor, "Sitting
Comfortably? Then I’ll Begin”, The Independent (Londres, 20 de agosto de 1994). Ele fala sobre
um festival de conto de histórias e da importância da habilidade de contar histórias oralmente
mesmo numa sociedade letrada. Ele cita o exemplo dos ibos, Nigéria.
xii
Timothy Lenchak, "The Bible and Intercultural Communication”, Missiology: An
International Review (out. 1994), pp. 457-68. Working in the Amazon area, the author constantly
met Brazilians who said they could not become evangelical Christians because they did not know
how to read.
xii
Por exemplo J.D. Wilson, "What it Takes to Reach People in Oral Cultures”, EMQ (abril
de 1991);]. Goldingay, "How Far do Readers Make Sense? Interpreting Biblical Narrative”,
Themelios (jan. 1993).
xii
Lenchak cita Herbert Klem, dizendo que é provável que 70% da população mundial não
tenha interesse na Bíblia, ainda que insistamos que todos devem lê-la ("Bible”, 462-4). Cf. Herbert
V. Klem, Oral Communication of the Scripture: Insights from African Oral Art (Pasadena: William
Carey Library, 1982).
xii
Kenneth Bailey, "Informal Controlled Oral Tradition and the Synoptic Gospels”,
Themelios 20.2 (jan. 1995).
xii
117
xii
Loveday Alexander, "Ancient Book Production and the Circulation of the Gospels”, in
The Gospels for All Christians (org. R. Bauckham; Edinburgh: T. & T. Clark, 1998), pp. 71-105,
73,86.
xii
Alexander, "Ancient Book Production”, p. 101.
xii
Ver, e.g., Keith Carey, "Reaching Buddhists through Wisdom Literature of the Old
Testament”, International Journal of Frontier Missions (out. 1985), pp. 335-42, e Howard S. Olson,
"The Place of Traditional Proverbs in Pedagogy”, Africa Theological Journal 10:2 (1981), pp. 28-35.
xii
Ver: Graeme Goldsworthy, Gospel and Wisdom (Carlisle: Paternoster, 1997).
xii
Mohammed Abdillahi Rirash, "Somali Oral Poetry as a Vehicle for Understanding
Disequilibrium and Conflicts in a Pastoral Society”, Nomadic Peoples 30 (1992), pp. 114-21.
xii
Sylvia A. Matheson, The Tigers of Baluchistan (Karachi: Oxford University Press, 1975),
p. 170.
xii
Eddie Gibbs, The God Who Communicates (London: Hodder, 1985), p. 18, 140ss.
xii
Charles H. Kraft, Communicating the Gospel God's Way (Pasadena: William Carey
Library, 1979), p. 3; Gibbs, God.
xii
Dell and Rachei Schultze, God and Man (Mandaluyong, Manila: 1984 and rev.
Singapore: SBC-IMB, 1987).
xii
Trevor McIlwain, Building on Firm Foundations 1-9, e cf. McIlwain, Chronological
Approach Seminar (cassette and video, New Tribes Mission).
xii
Richard Shawyer, "The Chronological Approach" (WEC Fula Ministry Conference, The
Garnbia, 1997).
xii
Shawyer, "Chronological”, p. 169.
xii
Carta de Eugene Thieszen, EMQ (out.. 1996), pp. 393-94.
xii
Um livro escrito para "leigos motivados” e outras pessoas é: Richard L. Pratt, Jr.'s He
Gave Us Stories The Bible Student's Guide to Interpreting Old Testament Narratives (Nutley, NJ:
Presbyterian and Reformed, 1993). Ver: Robert Alter, The Art of Biblical Narrative (New York:
Basic Books, 1981) e Ronald F. Thiemann, Revelation and Theology - The Gospel as Narrated
Promise (Notre Dame, 1985). Robert C. Tannehill, The Narrative Unity of Luke-Acts (Philadelphia:
Fortress Press, 1986), é um exemplo de um comentário, e Gabriel Fackre, The Christian Story
(Grand Rapids: Eerdrnans, 1984) é uma revisão de um trabalho mais antigo apresentando a
doutrina básica na forma narrative. Ver Goldingay, "How Far" e R.W.L. Moberley, "Story in the
Old Testarnent”, Themelios XJ.3 (abril de 1986), pp. 77-82, e "Sternberg on Biblical Narrative”,
Themelios XVI.3 (abril de 1991), pp. 21-2.
xii
Tremper Longman III, Literary Approaches to Biblical Interpretation (Foundations of
Contemporary Interpretation 3; Grand Rapids: Zondervan, 1987), P. 151. Também Anthony C.
Thiselton, New Horizons in Hermeneutics (London: HarperCollins, 1992),pp. 32-35, 283-312, 47186, e esp. 566-82; Grant R. Osbourne, The Hermeneutical Spiral (Downers Grove: IVP, 1991), pp.
153-73. Estes dois últimos autores consideram a forma narrativa como comunicando uma alegação
de verdade envolvendo referência à pessoas e eventos reais que é transmitida pelas convenções
literárias aceitas pelos autores e seus leitores originais. Eles argumentam que esta alegação de
verdade não pode ser ignorada, dando às Escrituras um tratamento de mera composição literária ou
história fictícia.
xii
The Dramatised Bible (Swindon: The British and Foreign Bible Society, 1989).
xii
SAT-7 Project Office, P.O. Box 6760, CY-1647 Nicosia, Cyprus.
xii
Eleanor Vandevort, A Leopard Tamed (London: Hodder, 1968).
xii
Vanderaa, "Strategy”, pp. 5-7.
xii
Riesman, Freedom, p. 217s.
xii
Donovan, Christianity Rediscovered, p. 81, 83.
xii
G. Swank, "The Evangelization of the Fulani”, Unreached Peoples '79 (1978), pp. 10717.
xii
David Peterson, "Worship in the New Testament”, in Worship: Adoration and Action (org.
DA Carson; Grand Rapids: Baker; Carlisle: Paternoster, 1993), pp. 51-91,52.
xii
John Mallison, Mentoring to Develop Disciples and Leaders (Lidcornbe, NSW, 1998), 25s.
xii
Ver Richard Bauckham, "For Whorn Were Gospels Written" e Michael B. Thompson,
"The Holy Internet: Communication Between Churches in the First Christian Generation”, ambos
no The Gospels for All Christians (org. R. Bauckham; Edinburgh: T. & T. Clark, 1998), pp. 9-70.
xii
Earl Anderson and David Cashin, "Responsive Somali Peoples in Kenya”, in Unreached
Peoples '80, pp. 67-73.
118
xii
Albert J. Wollen, God at Work in Small Groups (London: Scripture Union, s.d.). Jesus
também ensinou grupos maiores (Mt. 5 - 7, etc.) sem os acessórios dos modernos edifícios da
igreja.
xii
Repkin, "Unreached?”, 286.
xii
Cf. David J. Phillips, Divine Law as a Basis for Moral Community and Political
Participation with Special Reference to Latin America (tese de PhD não publicada; University of
Wales, 1994), seções 1.5, 2.4, 4.6. A questão de Cristo representando dois grupos: a humanidade,
da qual ele é membro pela encarnação voluntária; e o grupo dos crentes, com quem ele está unido
pela redenção e a fé deles, é tratada no capítulo 2.
xii
"200 Unreached Peoples in Our Midst”, Mission Frontiers Bulletin (maio-junho de 1994).
xii
Vanderaa, "Strategy”, p. 4.
12 Seguindo Adiante
N
ós descobrimos que os povos nômades são uma representação única da imagem de
Deus com um estilo de vida que utiliza as áreas menos frutíferas da superfície da terra
proveitosamente ou que fornecem serviço marginal para a sociedade estabelecida. Eles vêem a
si mesmo não tanto como pessoas sempre em viagem, mas como pessoas separadas que baseiam
seus valores e vida prática numa prontidão para viajar sistematicamente. Estas sociedades
valorizam os relacionamentos pessoais mais do que as posses, a desenvoltura e autoconfiança
mais do que a dependência da sociedade, e vêem a terra e seu produto como recursos a serem
compartilhados e usados, e não possuídos.
Os nômades representam alguns dos povos remanescentes menos alcançados para
Cristo. Eles não podem ser negligenciados, ou mesmo deixados por último. O evangelho de
Cristo é também para os povos errantes cujo modo de vida é próximo ao do nômade Abraão,
através de quem Deus escolheu dar sua promessa de benção para todos os povos. É possível
ouvir uma longa lista de objeções contemporâneas: as cidades são mais estratégicas, os nômades
são de difícil acesso, não é possível trabalhar fora das estruturas da igreja, os nômades não têm
mobilidade de classe para se atingir a sociedade mais ampla, há poucos deles, os obreiros
ficarão isolados da comunhão e fora do “controle” – estas são só algumas das desculpas
possíveis. Na maioria das vezes a palavra “estratégico” significa desistir de grande número de
pessoas para se concentrar no trabalho em outro lugar, ou é uma forma disfarçada de dizer que
não temos os recursos para atingir o mundo. Talvez os problemas que enfrentamos em atingir
esses povos tenham mais a ver com expectativas de missões e de igrejas mantenedoras do que
com os problemas reais de desconforto e ameaças à saúde. As objeções têm o peso da evidência
bíblica contra elas.
Devemos, portanto, dedicar um esforço considerável para levar o evangelho aos povos
nômades. Para cada povo listado neste livro, deveria haver cristãos dispostos a cumprir a regra
de ouro de Kraemer de ter “um interesse incansável e descomprometido” nos povos, por causa
destes e pela causa de Cristo. As equipes para pessoas nômades deveriam ser vistas como
ramificações essenciais de uma obra para atingir uma região ou nação inteira, reconhecendo
assim o relacionamento desse povo com o resto da sociedade. Um ministério assim é
incomparável.
A comissão para atingir os povos nômades é urgente de duas maneiras.
Primeira, os povos nômades deveriam ser atingidos com o evangelho e ter acesso ao
amor de Cristo.
Segundo, precisamos aprender com eles essa lição de ser nômades espirituais – antes
que eles e suas igrejas, que certamente surgirão, aprendam de nós as lições erradas acerca do
cristianismo. Os povos nômades são um desafio para os cristãos, que deveriam ser autênticos
“nômades” em não se conformar às convenções de estilo de vida e preconceitos da sociedade ao
119
redor deles. Deveríamos aprender a fazer o máximo com o mínimo, para que pudéssemos fazer
mais.
Além disso, os cristãos de todo o mundo precisam interceder fervorosa e criativamente
pelos nômades com respeito a cada aspecto e época de suas vidas e famílias, para que sejam
capazes de manter um estilo de vida nômade viável, por seus relacionamentos com os governos
e outros estrangeiros, por sua saúde e necessidades educacionais. Precisamos orar pela tradução
e fornecimento das Escrituras, por projetos de desenvolvimento, pelo crescimento de grupos de
crentes – com a reforma moral de muitas vidas individuais, e pelo combate do ocultismo. Deus,
inicialmente, atingiu povos sem estrangeiros para ajudá-los material e espiritualmente, e um
comprometimento assim com a oração trará também missionários para se dedicarem a parceria
com eles.
Além do mais, esse é um desafio para os cristãos dedicados às necessidades materiais e
espirituais desses povos. Tais obreiros precisam de orientação e habilidades apropriadas para se
identificarem com as preocupações e cosmovisão desses povos. A evidência bíblica nos mostra
que o nomadismo é um modo legítimo de vida e auto-identidade, e a vida sedentária organizada
como uma nação estado não é a única maneira de expressão da imagem de Deus.
O amor cristão exige que uma parceria seja formada com esses povos, para os encorajar
a ter sociedades generosas, com desenvolvimento apropriado para manter um estilo de vida
viável, seja como um relacionamento simbiôtico com os animais num ambiente frágil, ou
quando oferecendo serviços que outros não podem oferecer. O cristão que está disposto a prover
serviços sem consideração de custo-benefício está numa melhor posição para satisfazer as
necessidades do nômade.
Atitudes seculares paternalistas sugerem que o impacto do cristianismo destrói culturas
assim. Mas os nômades possuem independência de mente e o direito de tomar suas próprias
decisões, conforme constantemente fazem nas muitas variáveis de sua vida nômade. O perigo é
que eles possam considerar o abandono de seu nomadismo como um atalho para o que
percebem como um estilo de vida superior ou mais conveniente. Os perigos não estão com os
missionários, mas com a propaganda comercial enganadora do governo e cultura “internacional”
e outras pressões que são contra o nomadismo por o considerar “atrasado” ou apenas
administrativamente inconveniente. Depende muito da força da cultura e auto-identidade deles.
O programa de alcance dos nômades deve trabalhar para manter o etos e praticidade da
vida nômade de alguma forma. Em alguns casos o missionário pode ser o único a considerar se
há uma violação dos direitos humanos na forma como o nômade é marginalizado, acossado ou
pressionado por legislações. A forma como os direitos humanos são interpretados localmente
pode pressupor um estilo de vida sedentário, urbano como o ideal. Por exemplo, insistir que as
crianças nômades deveriam ter uma educação convencional, como um “direito”, pode destruir
tudo que o nômade acredita ser precioso na vida. O cristão deve acabar com o preconceito que
supõe que um nômade cristão deva se tornar “como nós”. Ser um discípulo de Cristo é mais
compatível com a vida nômade, do que com a vida urbana, sedentária e baseada nas posses – e
isto precisa ser provado.
Estes povos representam um desafio crucial para os cristãos redescobrirem o significado
de sua fé na proclamação em meio a uma das últimas barreiras transculturais conhecidas. A
evangelização dos nômades é o teste final de se podemos tornar Cristo conhecido fora de nossa
cultura ocidental urbana e individualista. Para atingir o nômade precisamos redescobrir o
cristianismo e suas fontes bíblicas. Precisamos aprender muito dos próprios nômades antes que
possamos ganhar seu respeito o suficiente para recomendar um modo cristão de viver como um
nômade. Podemos, portanto, testar se o impacto do cristianismo destrói ou transforma e
acrescenta à vida e identidade de um povo. Tendo em vista que Cristo os comprou para si,
devemos nos perguntar como a igreja poderia ficar sem os nômades.
Parte III
120
Levantamento sobre Povos
Nômades
13 Um Levantamento Mundial dos Povos
Pastorais Nômades e Itinerantes
M
ais de 250 povos tradicionalmente nômades são descritos aqui – muito mais se
contarmos as subdivisões de grupos de povos maiores. É difícil calcular que proporção destes
povos é ativamente nômade. Há uma descrição mais extensa de alguns destes povos
simplesmente porque há mais informação disponível. Estas servem como ilustração para outros,
acerca dos quais sabemos pouco. Favor notar que onde há transcrição diferente para o nome de
um grupo, o autor usa todas as formas para mostrar a diversidade que existe na literatura, em
vez de impor um sistema próprio de nomes padronizados. Todas as transcrições alternativas
estão listadas no Índice Analítico.
Nomadismo
As descrições esclarecem que o termo “nômade” não se refere apenas à movimentação,
que depende da necessidade, mas também à cultura e sociedade moldada por uma vida
peregrina, seja com animais ou para buscar fregueses. Termos como seminômade são evitados
porque, conforme descrito acima, podem significar muitas coisas diferentes. Uma descrição do
estilo de vida real é mais significativa. Em alguns casos a maioria do povo se tornou sedentário,
mas sua auto-identidade ainda é moldada por seu passado nômade. Listamos brevemente as
seções sedentárias de povos maiores, como os fulbe e ciganos, para complementação.
Nomes
A maioria dos povos é conhecida por uma variedade de nomes. Sempre que possível,
listamos o nome que as pessoas usam para se referir a si mesmas. Isto as honra, especialmente
quando os nomes comuns usados por estrangeiros podem ter conotações depreciativas. Alguns
nomes comuns são ocupacionais, como baggara e lohar, e podem causar confusão ao serem
aplicados a vários grupos de povos não aparentados. Outros nomes se referem à linguagem
falada, por isso o povo pode ser confundido com uma população maior que também fala a
mesma língua. A semelhança de nomes pode confundir dois grupos muito diferentes, como os
dois hazaras (Irã e Afeganistão) e os lur iranianos com os luri “ciganos”. Em geral as seguintes
convenções são usadas no texto: TODAS AS LETRAS MAIÚSCULAS EM NEGRITO se
referem ao nome principal de um grupo de povo, seguido por negrito itálico para indicar o nome
alternativo ou transcrições alternativas do título deste grupo de povo. Os nomes subseqüentes
em negrito se referem a subgrupos, tribos, ou grupos relacionados encontrados em países
vizinhos ou regiões remotas geograficamente.
Regiões
O mundo está dividido em regiões e os povos dentro de cada região são listados do
oeste a leste, e do norte ao sul. Esta disposição é para conveniência de referência e não implica
121
em quaisquer relações histórias ou étnicas. O levantamento começa com a África Ocidental,
movendo-se em seguida para a África Oriental e Sul, norte da África e o Oriente Médio,
seguindo pelo sudoeste da Ásia, Ásia Central, interior, sul e sudeste da Ásia. Em seguida,
fazemos o levantamento do Ártico Russo, das Américas e finalmente da Europa.
Divisões
Cada seção regional está dividida entre pastoralistas e itinerantes, embora no caso de
alguns itinerantes que usam animais para transporte, como os bhotia, seja difícil manter a
distinção. Os grupos foram incluídos não de acordo com qualquer conceito rígido de etnicidade,
mas porque eles podem ser identificados como um grupo social móvel distinto necessitando de
envolvimento cristão.
Itinerantes
Às castas de artífices das grandes sociedades pastorais, como os lawbe e inadan na
África Ocidental, ou os ghorbati no Irã, foi dado tratamento separado como itinerantes, para que
suas necessidades especiais possam ser consideras. Isto não implica que eles sejam considerados
como “povos” separados, embora alguns deles possam ter tido origens étnicas diferentes. Mas
eles muitas vezes possuem uma subcultura distinta e são consideradas como socialmente
diferentes por um pastoralista. Muitos grupos itinerantes são pequenos e parecem se fundir com
a população urbana nos mercados e ruas, mas sua identidade distinta precisa ser reconhecida.
Espera-se que os cristãos venham usar estas descrições limitadas para oração, e que a
informação os desafie a se identificar com as necessidades de muitos povos remotos e
negligenciados. Por muitas razões, informações atualizadas sobre trabalho cristão entre esses
povos são difícil de incluir aqui, mas informação adicional pode ser obtida das agências
missionárias e fontes mencionadas.
SAHEL OCIDENTAL
E
sta área inclui o Senegal, Mali, Burkina Fasso, Níger e os países ao sul como
Guiné-Bissau, Guiné, Costa do Marfim, Gana, Togo, Benin, Nigéria e Camarões, o norte do
Chade é parte do Sahel, mas é tratado abaixo com o Sudão. Grande parte da superfície da terra é
deserto, metade da qual forma o Saara (que significa “desertos” em árabe). O Sahel é uma área
de estepe semi-árida na fronteira sul do Saara. Os pastoralistas são encontrados em 20 países da
África Ocidental, aproximadamente entre 9° e 16° latitude no Sahel e áreas de savana, e também
nas pastagens que se estendem pela parte central de Camarões e parte ocidental da República
Centro-Africana.
O livro World Directory of Minoritiesxii (Manual Mundial de Minorias) calcula uma
população de cerca de 4 milhões de povos nômades ou seminômades para essa área. Mas o ODI
lista 5,6 milhões de pastoralistas para o norte da África Ocidental, como segue: Algéria 500 mil;
Marrocos 200 mil; Burkina Fasso 800 mil; Mali 1,5 milhão;xii Mauritânia 1,5 milhão;xii Níger
800 mil; Senegal 3,4 milhões. Vários fatores têm afetado os pastoralistas na África Ocidental
nas últimas décadas. O pastoralismo agora é cada vez mais comercial, porque o povo fornece
carne para os crescentes centros urbanos e para a exportação; os nômades aprenderam a mudar
seus animais por rebanhos que produzem o que os mercados querem. Os agricultores estão se
mudando para o norte e se envolvendo com o pastoralismo, embora os pastoralistas tenham se
mudado para o sul e alguns se envolvido com a agricultura. Alguns dos pastoralistas têm
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adotado residência fixa para estabelecer a posse de seus pastos. Muitos deles se mudaram para o
sul para evitar as secas periódicas ou desistiram completamente do pastoralismo. Somente
alguns pastoralistas continuaram, com rebanhos muito reduzidos, após a seca que ocorreu entre
1968 e 1973. Muitos nômades morreram ou perderam entre 40% e 80% de seus animais
durante outra seca que coincidiu com uma queda na demanda por carne em 1984.xii Estas
mudanças fragmentaram os povos étnicos, e suas estruturas sociais estão se rompendo. As
famílias estão perdendo seus jovens para o trabalho nas cidades e têm que contratar estrangeiros
para pastorear os animais.
Nós listamos os maccube, lawbe e inadan separadamente de suas sociedades fulbe e
tuaregue como merecendo consideração especial como nômades artífices, porque com o
rompimento desses laços eles estão encontrando suas próprias áreas independentes para
trabalhar. Este tratamento separado será considerado controverso por algumas pessoas.
O cristianismo dificilmente teve algum sucesso entre os povos pastorais na África
Ocidental, e os contatos que esses povos tiveram com os muçulmanos mais zelosos ao sul
tendem a aprofundar a fé muçulmana dos, até aqui nominais, nômades pastorais.xii
Pastoralistas Nômades do Sahel Ocidental
TAMAJEQ, Tuaregues ou Taureg (sing.) Tarqi)
Eles só se referem a si mesmos como tuaregues quando estão fora de sua própria região,
e muitos consideram o nome depreciativo. Eles chamam a si mesmos de os kel tamajeq (sg. Aw
tamajeq), ou o povo que fala a língua tamahaq no Níger e kel tamahaq na Algéria. Tamasheq é
a tradução francesa.
As estimativas do número deles variam consideravelmente, mas os números seguintes,
provavelmente, estão razoavelmente corretos: Mali: 800 mil; Burkina Fasso: 100 mil; Níger 600
mil.xii No norte da África há entre 25 mil e 76 mil na Algéria e 17 mil na Líbia, mas aqui há
controvérsias. O numero total, então, é 1,3 milhão. Contudo, o Survie Touregue estima um total
de 3 milhões, com 1,5 milhão no Níger; 1 milhão em Mali; e 500 mil na Algéria, Burkina Fasso
e Líbia.xii
Historia
No passado, os tuaregues ou tamajeq eram guerreiros que montavam camelos, com o
rosto coberto. Os hawwara ou tuaregues primitivos, um povo berbere já conhecido das pessoas
que cruzavam a região nos tempos antigos, viviam na remota Fezzan, hoje – sul da Líbia. O
nome tuaregue é considerado por muitos como proveniente de uma palavra significando
“esquecido por Deus”, e que se referia ao fato de que eles inicialmente resistiram à conversão ao
Islã. Mas outros acham que o nome é derivado de Taraqi, “um homem do Tarq”, o velho nome
de Fezzan.xii Sua escrita especial é relacionada à de um antigo reino Fezzan por volta de 500
a.C. Embora a maioria dos berberes tenha prosperado sob o Império Romano, os hawwara
permaneceram independentes do poder e influência romana. Alguns deles foram convertidos ao
cristianismo no século 6, e um desenho de cruz que aparece em sua arte é considerado como
datando desta época. O cristianismo não teve a influência duradoura, já que parece não ter
havido nenhuma tentativa de traduzir a Bíblia em sua língua. O cristianismo daquele tempo,
portanto, continua a ser associado com a cultura grega e bizantina. Quando os árabes invadiram
o norte da África foram encerrados em grandes encraves separados uns dos outros por grandes
distâncias, como ainda são hoje. Mas diferente dos romanos, os árabes se espalharam pelo Saara
e os primeiros tamajeq partiram para o sul e adotaram o pastoralismo no deserto, muitos se
mudaram para mais de dois mil quilômetros de distância. Alguns deles tomaram o controle das
montanhas Hoggar parecidas com fortalezas em 1050 d.C. e o resto ocupou a área ao sul até o
Rio Níger. Nenhum lugar poderia ser mais remoto do que o centro do deserto do Saara, no que
hoje é o sul da Algéria e o norte do Níger e Mali. Os tamajeq usaram suas habilidades para
dominar militarmente a região, vendendo proteção e exigindo tributo de todos ao seu redor –
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não somente das caravanas cruzando o deserto, mas também de fazendeiros que se mudavam
para área. Estas práticas produziram uma elite de guerreiros tamaraq poderosa e rica.
Este domínio pelos tamajeq continuou até vir o colonialismo francês com armas
modernas no início do século 20. A nobreza tamajeq rapidamente perdeu o controle político e
sua capacidade de sustentar sua riqueza através da pirataria. Eles tiveram que se mudar para o
sul para conseguir melhores pastagens para seus rebanhos, ao mesmo tempo em que os fulbe e
outros povos migraram ao norte para as mesmas áreas. As polícias coloniais francesas não
favoreciam o pastoralismo dos tamajeq, e uma rebelião contra o exército francês resultou na
morte de muitos nobres. Desde a independência das nações do Saara, a divisão do deserto por
fronteiras nacionais divide a sociedade tamajeq. Ainda mais tarde, as secas em 1973 e nos anos
seguintes causaram sérios danos às condições para o nomadismo.xii
Nomadismo
Os que ainda são nômades criam rebanhos de camelos, bois, ovelhas e cabras numa área
de mais de 1,5 milhão de quilômetros quadrados do Saara e Sahel. Muitos deles são nobres cuja
riqueza os têm capacitado a sobreviver, porque possuem as maiores manadas e rebanhos,
enquanto outras castas possuem poucos animais e sofrem grandemente. Para os nobres o camelo
tem sido o animal “chave” ou premiado, mas eles também criam grandes rebanhos de bois e
ovelhas como também de cabras e jumentos. O típico grupo de pastoreio consiste de cinco ou
seis tendas de famílias com cerca de 12 pessoas. Os tamajeq do norte usam tendas feitas de pele
de cabra.
Os homens freqüentemente estão fora do acampamento em viagens, conduzindo
caravanas de camelos, carregando sal de Taoudenni (norte de Mali) para trocar por comida,
roupa e utensílios no sul. Eles deixam suas esposas para cuidar dos rebanhos tamajeq. Os
ahaggar, um subgrupo, costumavam viajar para o sul com seus rebanhos, pegar um
carregamento de sal e levá-lo até a fronteira nigeriana em julho, retornando ao norte novamente
em janeiro.
Muitos tamajeq se estabeleceram, porque têm poucos animais para sustentar seu
nomadismo. Muitos homens se mudam para as cidades, ou trabalham nas minas, para ganhar o
suficiente para pagar o dote de uma noiva, ou para se restabelecerem com animais. Infelizmente,
a AIDS agora está sendo transmitida de volta para as áreas tamajeq.
No Níger e em Mali os tamajeq, que já foram os senhores do sul do Saara, hoje são os
menos privilegiados em dois países que são desprivilegiados. Quando o Níger se tornou um
estado de um só partido sob o governo militar em 1974, muitos dos tamajeq ficaram fora do
país, indo para a Algéria e Líbia para escapar das secas. Mais tarde, 18 mil tamajeques
retornaram para o Níger e, em 1990, o atrito entre eles e o governo tinha se desenvolvido. Uma
resposta com mão de ferro, por parte das autoridades resultou na prisão de várias pessoas
inocentes, o que provocou seus amigos a forçar sua libertação da cadeia e no processo um
policial foi morto e armas foram roubadas. Depois houve represálias que resultaram na morte de
muitos tamajeques.xii Muitos milhares de tamajeques agora estão vivendo em Niamey, a capital
do Níger.
Semelhantemente, protestos pró-democracia em Mali encorajaram os tamajeq à revolta
para apresentar suas próprias queixas, e rebeldes tamajeq atacaram a base da Visão Mundial e
mataram trabalhadores malineses em 1991.xii Conversações de paz posteriores resultaram na
oferta de trabalho para os tamajeq na polícia e no exército malinês, serviços civis e nas
alfândegas. Cinqüenta mil tamajeques são refugiados no sudeste da Mauritânia, apoiados pelo
World Food Programme (Programa Contra a Fome Mundial da ONU).
Sociedade
Os tamajeq são compostos por várias confederações de tribos e não são um único povo.
As tribos são chamadas de grupos de tambores, porque um grande timbale, de um metro de
diâmetro, costumava ser batido para chamar os guerreiros a se reunir, e tornou-se também o
símbolo de autoridade dos chefes. O termo grupo de tambores agora se refere aos líderes, às
tribos e às linhagens de famílias aparentadas dentro das tribos. As tribos cresceram ou
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diminuíram em poder e número no decorrer dos anos. Os tamajeq do norte são as tribos kel
ahaggar ou inaggaren que ocupam as montanhas Hoggar (ou Ahaggar). Os kel ajjer e ganet
ocupam o território ao sul de Hoggar e sudoeste da Líbia.
Os tamajeq do sul estão no leste de Mali e oeste de Níger, e consistem dos
iwellemmeden ou tewellemet ocidentais e orientais, os kel adrar, os kel geres e os kel ayr. Os kel
insar estão situados a oeste e sul de Timbuktu e do sul ao noroeste de Burkina Fasso. A maioria
dos tamajeq traça sua descendência através de sua mãe, porém os iwellemmeden através dos
homens. Os iwellemmeden se separaram dos outros ao usar um método diferente para traçar sua
descendência e se mudar para longe de Timbuktu após a guerra em 1640.
Cada um desses kels, ou “povos”, é na verdade uma confederação de tribos de
guerreiros que, por sua vez, estão subdivididos em clãs e linhagens. Cada tribo possui, ou
possuía, seus próprios povos dependentes ou castas trabalhando para eles, os quais, também,
ainda usam o nome da tribo e da confederação. A vasta maioria dos tamajeq está nestes grupos
ao sul. Os iwellemmeden compõe mais da metade de todos os tuaregues.
Os tamajeq originais dominaram a região através do desenvolvimento de uma sociedade
feudal ou de castas. Eles mesmos formavam a imajaghan, ou a casta de nobres ou guerreiros.
Cada família de nobres ou guerreiros tuaregue tinha vassalos chamados imrad que também
estavam organizados em tribos. Desta maneira os nobres mantinham seu papel de liderança na
região incorporando outros povos em sua sociedade. Havia ainda uma distinção de “cor”. Os
tamajeques originais eram considerados de pele “branca”, mas hoje eles são uma mistura de
cores de pele. Os kel ahaggar chamavam seus imrad de kel ulli, ou seja - “o povo que pastoreia
cabras”, os quais sustentavam os guerreiros ao pagar tributos e dinheiro de “proteção”, bem
como fornecendo leite e carne. Isto deixava os guerreiros livres para fazer incursões e lutar em
seus camelos, movendo-se rapidamente pelo deserto. Os nobres muitas vezes brigavam entre si
pelas contribuições dos vassalos, no que era um sistema explorador.
Os kel ahaggar também tinham um segundo grupo de 14 tribos vassalas chamadas de
isekkemaren. Juntos os vassalos excediam as poucas centenas de guerreiros em cerca de doze
por um. Só no meio do século 20 esta hierarquia social injusta se rompeu, mas os imrad
continuam a formar parte do povo tuaregue. Eles se tornaram fragmentados, misturados entre
outros povos, mas os nomes das divisões ainda são usados. O compartilhamento da língua e da
cultura é o que determina quem é um tarqi hoje.
Os tamajeq também têm uma casta de mestres religiosos chamados inselman (sg.
aneselem) ou marabus, que são organizados em tribos. Eles realizam casamentos e outras
cerimônias, agem como mediadores em disputas e interpretam a lei islâmica. Eles não são
necessariamente os que alegam ser descendentes do profeta Maomé, como alguns dos nobres
alegam ser.
Os inadan (sg. ened) são artesãos, músicos e mágicos da sociedade tuaregue e estão
listados com os povos não pastorais abaixo.
Os iklan (sg. akli) eram os escravos divididos entre cada grupo de tambores de nobres.
O termo significa “negro”, porque eles eram capturados em ataques aos povos do sul. Eles eram
servos domésticos, deixando os nobres tamajeq e suas esposas livres da rotina dos afazeres
domésticos. Os escravos adotavam um relacionamento de parentesco fictício com as famílias de
seus senhores, e muitos se referiam a seus senhores como pai e a seus filhos como irmão e irmã.
Algumas mulheres se tornavam esposas dos nobres, e os escravos machos podiam se tornar uma
classe de homens livres. Todos os iklan estavam emancipados por volta de 1960, e houve um
movimento entre eles chamado de tamadraya, que dirigiu uma campanha para que eles tivessem
seus próprios representantes políticos e coletores de impostos. Havia também uma classe
subordinada de agricultores sedentários ou izeggaren (sg. azeggar). Eles eram chamados de
harratin em árabe, que significa “fruto da árvore de Acácia”. Estes povos migraram para as
montanhas Hoggar no século 19 e agora excedem em número aos tamajeq. Antes daquele tempo
os tuaregues não tinham agricultura. Como pagamento por “proteção”, era permitido a esses
fazendeiros manter somente um quinto de sua produção. Eles constituíam a mais baixa camada
da sociedade e eram menosprezados pelos nobres, por trabalharem como lavradores, que apesar
disto desfrutavam da produção deles.
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Tradição
Os tamajeq têm um conceito de takarakayt, ou um sentimento de reserva e dignidade
que deve ser mantido em relação aos anciãos, parentes por afinidades e subordinados. Uma vez
que a descendência nobre era traçada através da mãe, os tamajeq tratam as mulheres quase
como iguais. As mulheres andam sem véu e têm muito mais liberdade no contato com outras
pessoas do que teriam na maioria das sociedades muçulmanas. Elas podem escolher seus
próprios maridos, animais, vassalos e escravos. A maioria dos afazeres domésticos como
cozinhar são feitos, ou costumavam ser feitos, por escravos.
Uma das coisas distintivas acerca dos tamajeq é que os homens maiores de 16 anos de
idade usam véu no rosto. O tarqi usa o turbante e o véu não somente quando está em
companhia, ou quando as mulheres se aproximam, mas também quando está dormindo. Este
costume antecede o Islã, e tem havido muitas sugestões sobre a origem disto e de seu propósito
original. As explicações práticas, como se proteger da poeira e do sol na face, se aplicariam
também às mulheres, e somente quando estivessem cavalgando no deserto. Talvez isto tenha
começado como uma ferramenta prática para mascarar a identidade do indivíduo na guerra, mas
os tarqi acreditam que hoje o turbante e o véu mostram que ele é um homem maduro e um
muçulmano. Parece que isto tem algo a ver com cobrir a boca diante de alguém que eles
respeitam. De acordo com Keenan, que tem um capítulo sobre o assunto, os homens o
manuseiam na conversa, subindo e abaixando o pano como uma forma de expressar suas
diversas atitudes para com o assunto, ou a companhia, e assim independente de sua origem, isto
é parte da takarakayt masculina, ou dignidade.
Burkina Fasso
Cinqüenta e cinco mil tamajeques vivem na província de Oudalen no extremo norte. As
três tribos de nobres estão diminuindo de tamanho à medida que muitos procuram trabalho em
outros lugares. Há três grupos de antigos vassalos (imaghad) e dois grupos de antigos escravos,
e artesãos inadan, todos denominados de acordo com as tribos de nômades ou marabus para
quem eles trabalhavam. O povo bella, como os songhai os chamam, se espalharam pelo norte de
Burkina Fasso. Eles são iklan, ou antigos escravos, e se identificam pelos nomes das linhagens
de marabus tamajeq em Timbuktu com quem eles antes estavam associados. Esses tamasheq ou
tuaregues em Burkina Fasso têm diversas ocupações, do pastoralismo nômade e plantação de
milho até trabalho na cidade. Muitos são seminômades, plantando milho em suas vilas e na
estação das chuvas e migrando em pequenos grupos familiares com seus animais no resto do
ano. No início dos anos 90 havia muitos campos de refugiados tamajeq em várias partes de
Burkina Fasso devido à fome e a guerra em Mali e Níger.
Idioma
O idioma tuaregue é chamado tamahaq, ou tamasheq, e tem oito dialetos que são
mutuamente inteligíveis: tewellemet oriental e ocidental, taggadart (do kel-ader), tayert,
tadghaq, teneslemt (kel-ensar), tahaggart, e ghat e ganet. O povo se orgulha de sua escrita
antiga, chamada shifinagh, que está sendo revivida. Porções bíblicas da SGM estão disponíveis
nesta escrita, e uma tradução do Novo Testamento está em progresso no Níger.xii Há alguns
cristãos tamajeq.
Alcance
A SIM está envolvida com os tamajeq desde os anos 30, quando o pioneiro Dr. Fances
Wakefield viveu em Tamanrassett, Algéria, por 30 anos e fez a primeira tradução do Novo
Testamento num dos três dialetos principais. Um programa de alcance foi estabelecido mais
tarde no Níger e em Mali. A SIM está continuando com a plantação de igreja e trabalho de
tradução no Níger. Maurice Glover compôs musicas cristãs no estilo tuaregue e cantar estas
canções são um método eficaz de evangelismo.
Os tamajeq têm um hábito de pedir perdão por qualquer possível ofensa causada, e isto
é um ponto de contato para o testemunho cristão. Um tuaregue tem ajudado os Glovers
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(ministério musical) na Inglaterra na tradução da Bíblia e de clássicos cristãos como O
Peregrino.xii Fitas de áudio com cerca de um terço do Novo Testamento estão disponíveis, e os
evangelhos sinóticos e Tiago foram impressos. O Novo Testamento completo logo deverá estar
disponível.xii
A World Horizons trabalha em Burkina Fasso, Mali e Níger com uma pequena igreja
tamajeq. Os eventos trágicos envolvendo as revoltas em Mali tiveram o efeito de fortalecer os
cristãos ali. Em 1994, a JOCUM estava envolvida com a implementação de medidas de baixo
custo para conservar as águas escassas da chuva e produzir pequenas áreas de pasto e cultivo no
Níger. A JOCUM também conduziu um esquema de empréstimo de animais envolvendo mil
animais. Novas oportunidades anteciparam a ajuda esse povo.xii A Missão Batista Internacional,
a Porte Ouverte e um casal francês de outra organização trabalham no Níger. Há obreiros
africanos em Timbuktu e Gao. As duas pequenas congregações de fala tamasheq consistem de
uma família extendida bella e jovens tamasheq sem famílias. As burquinenses, as Assembléias
de Deus costa riquenhas e francesas e a Igreja Presbiteriana chilena também trabalham entre os
tuaregues.
IDAKSAHAK ou Belbali ou Dawsahaq, Dausahaq
Há 1.800 na Algéria e de 25 mil a 35 mil no leste de Mali. Os idaksahak, que significa
“filhos de Isaac”, costumavam ser pastores para os nobres tuaregues em troca de proteção. Este
relacionamento agora está rompido e há menor mistura dos dois povos, exceto pelo fato de
usarem os mesmos poços de água e negociarem nos mesmos mercados. Alguns se tornaram
agricultores sedentários.
Nomadismo
Como nômades, os idaksahak têm mais animais do que possessões materiais, e
jumentos e camelos carregam suas tendas de um acampamento para outro. A quantidade de
chuvas anuais é de cerca de 200 milímetros. As chuvas caem de julho a setembro, quando os
idaksahak estão viajando com seus animais para as planícies de sal ao norte, em busca da
melhor pastagem. Às vezes eles atravessam a Algéria e o Níger.xii Mais tarde eles retornam para
o sul a menos de 200 quilômetros de Menaka, onde algumas das pessoas fizeram construções de
adobe para armazenamento de grãos e para classes de alfabetização, onde há um suprimento de
água permanente.
Eles negociam com os árabes ou songhai nas cidades, vendendo gado em troca de
produtos agrícolas. Há somente algumas estradas de terra na área e a viajem na maioria das
vezes é por meio de camelos e jumentos. Este comércio depende do transporte para o sul.
Caminhões suprem duas ou três das maiores cidades/mercado, mas isto diminuiu
consideravelmente durante os anos 90 por causa da agitação civil na área.
Idioma
O idioma deles, o dausahaq, está relacionado ao songhai, mas cerca de um quarto de seu
vocabulário é da língua tamahaq dos tuaregues. Muitos dos homens são bilíngües e falam o
dialeto tewellemet ocidental, por exemplo, porque eles viveram com os tuaregues por muito
tempo.xii Mas as mulheres e as crianças ficam isoladas em seus acampamentos e compreendem
muito pouco de qualquer outra língua. O SIL está fazendo uma análise do idioma dos Dausahaq.
A educação formal em francês está disponível somente nas cidades, por isso muitas das crianças
nômades não têm acesso à educação. O trabalho de alfabetização de alguns adultos na sua
linguagem tem sido realizado em conjunto com uma agencia de desenvolvimento cristão e tem
tido bastante sucesso entre os nômades. É possível fazer algum evangelismo usando o francês e
o tamasheq.
Alcance
As secas dos anos 70 e 80 reduziram em muito as áreas de pastoreio deles, e uma
grande proporção de seus rebanhos foi perdida. Alguns grupos idaksahak se tornaram
dependentes de programas contra a fome e serviços de desenvolvimento. Os programas cristãos
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de auxílio os têm ajudado com a reposição dos rebanhos, cuidados com a saúde e nutrição. Por
volta de 1994 a situação tinha melhorado e eles tinham se tornado mais auto-suficientes
novamente.xii Eles misturam crenças animistas com islamismo e se consideram descendentes de
Isaque, não Ismael. Eles alegam ter tido um conhecimento dos líderes do Antigo Testamento
antes da vinda do islã. Só há dois cristãos idaksahak conhecidos.
FULBE ou Fulani, Fula ou Peul
Fulbe é como o maior grupo de povo pastoral nômade no mundo se autodenomina;
Pullo é o singular e vem da palavra fulfulde que quer dizer “novo” ou “criado novo”. Fulani é o
nome geralmente usado em português, que é derivado de Hauçá, e Peul no francês. Fula é uma
forma mandinka usada para os fulbe em Senegal-Gâmbia. No Sudão, os árabes os chamam de
Fellah.xii Os fulbe têm uma população estimada em cerca de seis a 19 milhões; a estimativa
maior poderia crescer ainda mais se todos os grupos sedentários fossem incluídos. O povo fulbe
é tão grande e espalhado pela África Ocidental que suas atitudes e sentimento de identidade
variam consideravelmente de um lugar para outro. Há várias sugestões com respeito à origem
dos fulbe. Alguns dizem que são descendentes de um povo pastoral pré-histórico do Saara
anterior a 1800 a.C. que teria migrado primeiro para o norte e leste de Senegal, e depois se
espalhado em direção ao oriente pelo Níger por volta 1000 d.C em busca de pastos para seus
grandes rebanhos.
Os fulbe poderiam ter se originado de um mistura caucasiana e negróide ou tukulor e
bérbere, já que eles são de pele mais clara do que seus vizinhos. Alguns grupos se uniram em
casamento com vários povos, enquanto outros grupos se recusaram a fazê-lo – resultando na
variedade de grupos fulbe modernos. Estas características físicas, junto com seu pastoralismo,
seu conceito cultural de pulaaku e islamismo, os têm ajudado a manter sua distinção. Alguns,
como os wodaabe e fulbe jeeri, mantêm esta cultura mais do que outros, como os fula no
Senegal.
Os fulbe têm quatro ramificações principais, cada uma descendendo de um ancestral
comum: os wollarbe ou dayebe; os ouroube; os yirlabe ou yillaga e os férobe. Mas
normalmente os fulbe se identificam por suas linhagens territoriais locais, dentro das quais estão
os grupos migratórios a que eles pertencem, conduzidos por um ardo ou “guia”. A sociedade
fula ou fulani também possui três castas. A casta rimbe consiste dos fulbe propriamente ditos
que criam gado e que têm poder político. Dois outros grupos principais são os neeybe, que são
artesãos e incluem os maabube e os lawbe que são também cantores, genealogistas e são
mencionados abaixo entre os nômades não pastoralistas; os jeyaabe ou muccube, que são os
outrora escravos, alguns dos quais são tecelões entre os tukulor, também descritos abaixo.
Outros termos descritivos usados para vários grupos são:
Fulbe mbalu, ou fulani ovelha, são pequenos grupos em vários países pastoreando
ovelhas em vez de gado bovino.xii Fulbe ladde ou na’i, ou fulani de mato ou de gado, são
encontrados em diferentes áreas. Há alguns clãs que são completamente nômades, com cabanas
de grama. Muitos migram entre aldeias de estações chuvosas e estações secas. Alguns são semisedentários e dependem das plantações de fazendeiros vizinhos. Alguns são prósperos com
pequenos rebanhos; os homens migram com o gado parte do ano e deixam suas famílias em
casa.
Fulbe ouro, ou fulani sedentários, se estabeleceram por várias razões incluindo o
cultivo e a educação. Na Nigéria eles são chamados de joodiibe, ou fulbe gariri. Aqueles que
perderam seu gado são os mais pobres e desprezados pelos outros fulbe.
Alguns fulbe foram convertidos ao islã muito cedo no século 14 e se orgulham de terem
difundido sua fé através da jihad (guerra santa) no século 19 na Nigéria e outras partes da África
Ocidental. Embora a maioria dos fulbe continue no pastoralismo nômade, alguns chamados
toroobe se especializaram na leitura do árabe e se estabeleceram como eruditos islâmicos e
mestres nas cortes de líderes não fulbe muçulmanos nominais ou não religiosos ao sul. Os
toroobe podem ter sido escravos que adotaram o islamismo para enfatizar sua diferença dos
animistas ao redor, que fugiram de seus senhores, e viviam de esmolas – ou podem ser apenas
fulbe que perderam seu gado, ou se tornaram diferentes devido a casamentos mistos. Seja qual
128
for sua origem, através da influência dos toroobe os fulani logo tiveram um império vagamente
unido por um curto período no começo do século 19 que se estendeu de Futa Jalon no oeste
passando por Mali, norte de Burkina Fasso, sul do Níger até a Nigéria e Camarões, o que lhes
deu grande auto-respeito e autonomia. Usumanu dan Fodio, que liderou a jihad na Nigéria, veio
dos toroobe. Muitos dos fulbe pastorais não se converteram ao islã até muito mais tarde.
A influência dos toroobe pavimentou o caminho para que os fulbe pastorais se
mudassem para essas áreas ao sul em busca de pastagem. Os fulbe não apreciam a agricultura,
embora muitos se dediquem a ela, mas preferem o gado e trocar produtos como couro, carne e
laticínios por produtos agrícolas. Eles são tanto desprezados quanto temidos por outros,
especialmente pelos fazendeiros que reclamam dos estragos causados a suas plantações pelo
gado fulani.
Tradição
Os fulbe consideram sua cultura superior a de outros. Seu código de comportamento,
chamado pulaaku, é fundamental e os capacita a manter sua identidade por meio de limites e
mudanças de estilo de vida. O pulaaku tem sido descrito como “fulanismo” e inclui a língua e a
honra pastoral deles. Ele envolve virtudes importantes como munyal, que é paciência,
autocontrole, disciplina mental e prudência; semteende, que é modéstia e respeito pelos outros,
até pelos inimigos; e também hakkillo, ou sabedoria, previdência, prudência no cuidado com as
questões pessoais e no oferecer hospitalidade. O pullo é treinado para ser estóico, nunca mostrar
seus sentimentos, até mesmo parecer introvertido para os estrangeiros e ter um profundo apego
emocional ao gado. Ele mantém seu respeito mantendo distância dos outros. Isto quer quanto
mais auto-suficiente e confiante em seu conforto e possessões pessoais, melhor é a pessoa.
O pulaaku pressupõe que o indivíduo possa administrar bem o rebanho. O pullo, o
homem fulbe, vê a si mesmo como tendo um papel sacerdotal de manter os relacionamentos
triangulares de interdependência entre si mesmo, sua esposa e seu gado. O gado de um homem
lhe dá leite e prestígio e é tratado como uma família estendida e não como um recurso
econômico. Em troca eles lhe dão pasto, água e proteção. A esposa contribui com a preparação
de comida, produção de laticínios e fertilidade. Portanto o homem tem que mostrar habilidade
não só como pastor, mas também na sabedoria e caráter para cumprir sua responsabilidade.
O pulaaku deve ser transmitido por cada geração – caso contrário ele desaparecerá, o
que parece acontecer quando rebanhos são perdidos e os clãs se separam para buscar trabalho na
sociedade sedentária. Ele é ensinado por qualquer parente rimbe, ou talvez pelos pais e também
pelo maudo laawol pulaaku, um lider de clã.xii Ser um autêntico fulbe, e ser descrito por termos
como o waadi, ou banti, ou teendru pulaaku, significa que ele não só fala a língua mas também
conhece como viver como um fulbe.
Os wodaabe (veja abaixo) possuem sua própria forma de pulaaku chamada
mbodangaaku que os une ou “junta suas mãos”. Um sentimento de responsabilidade para com
seus irmãos wodaabe, envolvendo hospitalidade e generosidade, os mantém unidos. Eles têm
um tipo de medo ou respeito pelos outros, especialmente pessoas idosas, que inclui um medo de
pronunciar nomes, e esta prática revela quem cada indivíduo respeita mais. Mesmo um hóspede
não desejado é tratado como se fosse deus, como diz um provérbio deles: “Seu hóspede é seu
deus.” Para todos os fulbe, pulaaku significa que os adultos deveriam mostrar às crianças uma
face “negra” ou severa para que sejam respeitados.xii
Idioma
Os fulani se orgulham de sua cultura oral com sua poesia, mitos, provérbios e enigmas.
Eles se orgulham do islamismo e são resistentes à mudanças.xii Seu idioma é chamado de
fulfulde na maior parte da região e pulaar no oeste de Mali e Senegal. Os diferentes grupos fulbe
pela África Ocidental usam o alfabeto arábico para escrever, mas há também uma versão com
letras européias.
Alcance
129
O SIL possui um programa de Adaptação de Dialeto Auxiliado por Computador para
facilitar a tradução em vários dialetos fulfulde. Traduções do Novo Testamento estão em
progresso em Benin, Burkina Fasso, Guiné, Mali, Níger, Nigéria e Senegal.xii Uma tradução
provisória está em circulação no dialeto jelgoore desde 1997, e a tradução fulakunda logo
deverá estar impressa. A Bíblia fulbulde num dos dialetos adamawa de Camarões está completa.
Uma Sociedade Internacional de Cristãos Fulani foi projetada para ficar baseada em Jos
e reunir cristãos fulani de toda a África Ocidental, mas isto nunca aconteceu. A Joint Christian
Ministries in West África (Ministérios Cristãos Reunidos na África Ocidental) reuniu cerca de
50 organizações para uma consulta sobre o trabalho fulbe. Os Watikins da CMA começaram a
trabalhar entre os fulbe na Guiné de 1923 a 1967, com poucos resultados visíveis, mas na
verdade influenciaram muitos que foram convertidos mais tarde. A WEC trabalha entre os fula
agropastoralistas no sul do Senegal. Em Burkina Fasso há uma pequena resposta por meio de
cinco equipes da SIM e das Assembléias de Deus. A Christian Reformed World Missions e a
United World Mission estão atingindo os fulbe em Mali.
Há menos de mil cristãos entre os 10 milhões de fulani no norte da Nigéria. Os cristãos
geralmente são rejeitados por suas famílias, perdem seu gado, esposas e filhos. Um programa
foi estabelecido para ajudá-los, fornecendo um livreto intitulado: “Vamos Ajudar os Fulani” e
toca-fitas com fitas em fulani e sugestões para desenvolver seus contatos comerciais com
cristãos de outros povos.xii Os missionários nigerianos da Igreja de Cristo na Nigéria e da Igreja
Evangélica Reformada de Cristo têm programas de alcance para os fulani no nordeste da
Nigéria. A COCIN e a ECWA têm programas veterinários extensivos para os fulani.xii O filme
Jesus está disponível no dialeto de Camarões, mas não é compreendido na Nigéria ou outros
lugares.
Em 1974 havia uma estimativa de 1.500 convertidos em Benin, mas se alega que 2.000
responderam ao programa de alcance da SIM em Benin. Naquele tempo, uma transmissão de 30
minutos do evangelho era a única em fulfulde. Os batistas, a Evangelical Free Mission e a
Orebro Mission também estão trabalhando com o fulfulde na República Africana Central.
Subdivisões de Fulbe
Nós dividimos este povo espalhado e muito grande em seções de nômades e
sedentários, alguns dos quais já estão estabelecidos a muito tempo e não têm nenhuma intenção
de mudança. Cerca de um terço são seminômades ou nômades. Contudo, na cultura fulbe, é
possível o uso de várias estratégias de combinar agricultura com a criação de gado, e períodos
de sedentarismo com nomadismo.xii
1. Grupos Nômades – cerca de 20%
a) Mauritânia
Estimativas da população fulbe variam entre 12 mil e 100 mil.xii Milhares se mudaram
para Mali.
b) Senegal
Fulbe waalo e fuuta tooro
Havia 80 mil no início dos anos 80. Eles são os fulani pastorais do delta do Senegal e
vale. Waalo é a planície inundada na margem sul do Rio Senegal onde plantações podem ser
cultivadas quando as inundações recuam todos os anos durante o período de outubro a
novembro. Ela é diferenciada da região de Jeeri ou Ferlo, que é uma área um pouco mais
elevada ao sul do rio Senegal que corre para o sul até desaguar no rio Ferlo. No centro está a
cidade de Lingeer (Linguère). Em Jeeri, as lavouras só podem ser cultivadas na estação
chuvosa. Duas represas foram construídas nos anos 80 no rio Senegal – uma em Manantali em
Mali e a outra em Diama no Senegal. Elas agora possibilitam a irrigação ao longo do rio e o
governo tem promovido o arroz como principal lavoura. Estas mudanças tem sido prejudiciais
para os pastoralistas, porque transformam seus melhores pastos em campos de cultivo para
fazendeiros ricos e interrompem as cheias que formam pastagem na área do delta, como também
reduzem o nível da água até salinizar os açudes onde o gado costumava beber.
130
Os fulbe waalo e os Fuuta Tooto são difíceis de distinguir, porque eles não param de
viajar entre estas duas áreas, de leste a oeste e vice-versa. Os fulbe waalo habitam a região do
delta, e Richard Toll é o centro deles. No delta os grupos fulbe estão situados próximos de Lac
de Guier, e ao longo da estrada entre St. Louis e Richard Toll, e estão misturados com mouros e
wolofs.
Os fulbe da região de Fuuta Tooro vivem principalmente na região conhecida como La
Région du Fleuve do Departamento de Podor. É uma planície, de uns 250 km, no lado sul do
Rio Senegal entre a parte mais ao sudoeste de Podor e Matam ao leste. Muitos se mudaram para
Richard Toll para encontrar trabalho na usina de açúcar.
Os fulbe waalo e os fuuta tooro têm cinco grupos de gerações e políticos cada que
podem ser identificados, e alguns destes grupos também possuem representantes entres os fulbe
jeeri ao sul. Eles migram para o Jeeri com seus rebanhos de gado Zebu durante a estação
chuvosa de junho a outubro, onde plantam uma lavoura regada pelas chuvas. Após a colheita
eles retornam para Waalo e Fuuta Tooro para plantar novamente à medida que as águas das
cheias retrocedem. As distâncias das migrações variam entre 30 e 70 km de acordo com o
grupo. O grupo fuuta tooro de Ururbe é o que viaja para mais longe – da área próxima a Njum
até a região entre Mbidi e Yaare Law.
Os fulbe tentam manter seu pastoralismo e também se dedicar ao cultivo, pois criar um
rebanho é segurança contra colheitas ruins. Ultimamente eles tendem a dividir a família, com o
pai cultivando o campo e os filhos cuidando do gado. Mas com as condições instáveis na
planície, nenhum das duas atividades está tendo sucesso, e muitos fazendeiros fulbe e pastores
sedentários estão sendo forçados a se mudar para Ferlo, a área dos fulbe jeeri, por isso há uma
condição de conflito entre estes dois grupos de fulbe.
Fulbe Jeeri
Há 350 mil deles no centro da parte norte do Senegal e um grande número de linhagens
diversas ainda seguem uma vida seminômade, mas este total possivelmente inclui os fulbe de
Waalo.xii Cheikh Bâ estima um total de 236 mil ou 40% de todos os fulbe no Senegal. Eles
recebem o nome de Jeeri, região central de área mais alta ao sul do Vale do Senegal, aonde a
maioria vive desde o século 15. Os fulbe jeeri podem ser divididos entre aqueles grupos que
vivem nas áreas dos antigos reinos pré-coloniais próximos à costa, e os que vivem em Jeeri
mais para o centro de Senegal. Há 40 mil fulbe jeeri em Mali e provavelmente outros no oeste
da Gâmbia.
O Jeeri é uma área semi-árida exposta ao vento que recebe chuvas esparsas. Ele é
atravessado pelo vale do rio Ferlo e numerosos vales secos e leitos fluviais que só tem pastagem
durante a estação chuvosa. A cidade de Lingeer (Linguère) é o centro ao redor do qual os vários
grupos de fulbe são encontrados. Os fulbe no Jeeri estão divididos em dois grupos maiores
chamados Laccenaabe, ou fulbe da área do Lacce, e os Jeenglebe, ou Jengeloobe. Os primeiros
têm doze clãs. Alguns destes estão relacionados aos waalwaalbe, com quem eles têm contato
quando migram para o norte na estação da seca. Os jeenglebe consistem de três grupos
localizados ao sul da estrada de ferro entre Louga e Lingeer e região sul até o vale Saalum.
Nomadismo
Os fulbe jeeri que vivem no Jeeri são grupos de famílias relacionados por descendentes
que ainda são nômades, ou seminômades, como criadores de gado com rebanhos de ovelhas e
cabras. Durante o mês de abril os fulbe jeeri plantam lavouras de milho, amendoim e feijão no
Jeeri. Nos meses seguintes, durantes as chuvas, eles cuidam de seus animais e mantêm seus
acampamentos. Após a colheita em outubro, quando as chuvas terminaram, eles abandonam o
Jeeri, porque os poços de água secam na estação da seca. Eles se mudam para o norte em
direção a Waalo ou ao Sul para a bacia do amendoim, e então retornam para o Jeeri no mês de
abril seguinte.
Esta movimentação foi modificada nos anos 50 quando foram feitos poços oficiais em
intervalos de 30 km no Jeeri. O suprimento constante de água está possibilitando o cultivo de
campos onde a terra antes era seca demais. Os fulbe sedentários e os fazendeiros wolof são
131
encorajados a se estabelecer no Jeeri e pastorear seus rebanhos próximos aos poços, por isso os
poços próximos ao vale Ferlo estão se ficando cercados por tais assentamentos. Os pastoralistas
estão achando cada vez mais difícil levar seus rebanhos para próximo da água. A água dos
poços não garante pastagem próxima às aldeias, como os pastoralistas descobriram na seca de
1972-73 quando muitos jeerinkoobe decidiram permanecer próximos aos poços para ter água.
Eles logo acabaram com a pastagem e perderam muitos animais.
Tendo aprendido esta dura lição, os fulbe jeeri continuaram a ser altamente móveis,
possuindo grandes rebanhos de gado bovino e - ainda mais importante - ovelhas e cabras, dos
quais eles possuem rebanhos de 500 a 1000 animais. As chuvas têm sido melhores desde a seca,
por isso na maioria dos anos a maior parte dos fulbe jeeri são capazes de ficar de 15 a 20 km dos
poços na estação seca e conseguir melhor pastagem do que os fazendeiros próximos aos poços.
Isto os capacitou a adotar um estilo de vida seminômade com acampamentos semipermanentes
para as famílias ao alcance dos poços, enquanto os homens viajam com os rebanhos procurando
por pastagem. Desta forma os rebanhos conseguem a melhor da pastagem, antes dos rebanhos
dos povos sedentários; eles só precisam ir para os poços a cada dois dias. Isto quer dizer que
eles mudam de acampamento várias vezes no ano para fazer a “rotação” dos rebanhos nas
pastagens. Mas outros fulbe jeeri continuam a ser autenticamente nômades com famílias inteiras
saindo de Jeeri na estação seca em busca de pastagem. Eles vivem em cabanas de palha, que
eles separam para levar consigo.
No passado, os fulbe jeeri encontraram pastagem de estação seca nas reservas florestais
estabelecidas pelos franceses no sul, de onde os agricultores foram banidos. Não há alternativa a
estas reservas para os pastoralistas, porque a região ao redor é altamente povoada e cultivada
por povos serer e wolof. Infelizmente, uma das reservas, a floresta Mbegué, foi tomada por
plantações de amendoim pela Irmandade Islâmica Mouride, expulsando os fulbe. A Irmandade é
um dos três movimentos sufi que tentam dominar o Senegal. Eles ensinam seus membros que o
trabalho físico é um meio de ganhar o paraíso, e a obra de estabelecer plantações de amendoim
em pastos virgens se enquadra nesta crença. Os jovens são enviados, ignorando deliberadamente
os direitos legais e tradicionais, para plantar amendoins nas terras que até então eram usadas
para pastagem fulbe. Na primavera de 1991, eles expulsaram 6 mil pastoralistas fulbe e suas 100
mil cabeças de gado, e 5 milhões de árvores foram cortadas para serem substituídas por uma
vasta plantação de amendoins.
O governo erra ao não encarar o pastoralismo nômade como uma resposta eficiente para
pastagem variada numa região semi-árida que possui uso limitado para o cultivo. Embora o
amendoim seja uma lavoura de exportação que contribui com a economia à curto prazo, ele
esgota a fertilidade do solo sem dar nada em troca, pois toda a plantação é arrancada já que se
pode vender até a planta seca. Uma resposta dos pastores fulbe é entrar com uma ação de posse
de parte da terra, já que algumas autoridades locais são favoráveis a outros povos que não são da
Irmandade.xii O objetivo dos pastoralistas não é restringir o uso para pastores individuais, mas
excluir o cultivo para que eles possam usar a terra todos juntos como pasto coletivo. A parte
oeste e sul da região Jeeri é a área que já foi ocupada pelos antigos reinos de Njambur, Kajoor,
Bawol, Siin e Saalum. Ali estão outros grupos de fulbe jeeri. A região de Njambur tem 16,5 mil
fulbe em seis grupos diferentes. A região de Kajoor ao sul e a 100 km leste de Dakar tem 50
mil; Bawol, logo ao leste, tem 20 mil. Próxima a fronteira com a Gâmbia, Saalum tem 78 mil e
Siin tem 8,2 mil. Estes grupos tiveram grande contato com as comunidades agrícolas e por isso
tiveram mais incentivos para se estabelecer.
Alcance
Talvez haja alguns cristãos entre os fulbe jeeri. A Missão Luterana Finlandesa tem três
obreiros na área médica e de alfabetização em algumas aldeias. A Igreja Evangélica Luterana da
América está trabalhando em Linguère, leste de Louga. Isto inclui algum trabalho veterinário.xii
c) Mali
Há cerca de 90 mil fulbe na parte ocidental de Mali, incluindo 40 mil fulbe jeeri em
Nioro e Kayes e 100 mil em Tukulor. A estimativa é que os fulbe sejam de 8 a 10% de toda a
132
população de Mali. Não havia nenhum trabalho na língua pulaar com este povo em 1990. xii Dez
mil de fulbe mauritânios se mudaram para Mali e receberam status de refugiados e estão sendo
ajudados pela New Opportunities (Novas Oportunidades). Os poucos crentes desde então eram
contatados por CRWM.
Fulbe Fuuta Tooro, Ségala e Nioro
Muitos destes, procedentes dos arredores de Podor, na área de Fouta Toro no Senegal,
mas há outras aldeias de fulbe que possuem uma origem diferente. Eles passam a estação
chuvosa em cerca de 30 aldeias dentro de um raio de 30 km, na maior parte no sudoeste de
Nioro nas proximidades de Govmané. Na estação seca eles migram em direção ao sul para o
Vale do Rio Senegal, a noroeste de Bafoulabé. Outros são encontrados em 50 km a nordeste de
Kayes, perto de Kontela. Eles falam pulaar. Não há nenhum trabalho cristão conhecido entre
eles.
Fulbe próximos a Nara e Dilly
Estes provavelmente são wolarbe e migram para o sul a uns 150 km de Didieni ou a
sudeste para a área de plantação de arroz próxima a Niono. Não há nenhum trabalho cristão
conhecido entre eles.
Fulbe Maasina (Macina) e Fulbe Nampala
Estes fulbe ocupam a parte central de várias áreas correlacionadas de fulbe, de Dilly
passando por Nara até o norte de Burkina Fasso. Eles usam, ou no passado usavam, a cheia do
Níger em seu delta na parte central de Mali como parte de seu pastoralismo migratório. O
número estimado de fulbe na Maasina varia entre 600 mil e 1 milhão, mas estes são
possivelmente 50% Maccube. Há cerca de 100 mil fulbe nômades ou seminômades.xii
Os fulbe vivem em meio a muitos outros povos, incluindo centenas de bella, mouros,
tamasheq, bozo, songhai e dogon, e a estimativa da população deles pode ser afetada pelo fato
de que sua organização social, chamada de wuro, ou uma comunidade residencial, muitas vezes
inclui mais do que os fulbe.
Cada wuro está sob a liderança de um jooro ou dioro que negocia o uso das pastagens
com outro wuro fulbe. O wuro pode ter 30 mil cabeças de gado, por isso o arrendamento
recíproco de pasto entre os wuro muitas vezes é necessário na estação seca, entre maio e julho.
Neste período os fulbe conseguem permissão em “portões”, como os próximos a J’Afarabe e
Yuwaru, para se mudar para a planície irrigada do Rio Níger para usar o pasto verde até julho.
Quando o rio transborda de agosto a dezembro, os fulbe migram em direção ao noroeste
no Sahel para evitar a lama e as moscas de agosto a outubro. Eles chegam a atingir Néma sul na
Mauritânia, uma distancia de mais de 300 km. Nos anos 90 muitos foram para o sul nas áreas de
cultivo, por causa da ameaça de ataque pelos kel tamasheq. Eles retornaram para a planície
irrigada do Níger em novembro e assim recomeçaram o ciclo. Os grupos nômades incluindo os
cookinkoobe, naasaadinkoobe e sonnaabe migram a partir do norte. Outros deixaram de ir para
o delta e pastoreiam seu gado nas áreas localizadas.
Os fulbe vivem em aldeias semipermanentes, com uma ou duas famílias de uma casta de
artesãos, provavelmente lawbe ou inadan, trabalhando em madeira, couro, ouro e prata. Há
também ex-escravos chamados maccube vivendo entre eles, que hoje em dia tem que ser pagos
para fazer o trabalho servil como o cultivo, limpeza e carregamento. Embora os fulbe afirmem
ser o leite a base de sua alimentação, na prática eles comem um mingau de milho e negociam
leite e manteiga com seus vizinhos agricultores.xii
Pastores Jallube (sg. Jallo)
Na região de Douentza ou Haayre de Mali, eles vivem em acampamentos a poucos
quilômetros das aldeias dos riimaybe, os outrora escravos dos fulbe, que são agricultores de
milho sedentários. Os riimaybe pertenciam a um jallube ou aos clãs destes, mas este sistema foi
abolido em 1945. Os próprios jallube agora plantam milho durante a estação chuvosa e trocam o
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leite com os riimaybe por mais milho, temperos e outras mercadorias. Eles também pastoreiam
os animais dos riimaybe.
Os jallube migram para a estação seca, ao norte em direção ao delta ou para o sul.
Alguns se movem pequenas distâncias para os campos dos riimaybe; o resto viaja de 30 a 100
km para os campos dos fazendeiros dogon. Eles retornam antes da estação chuvosa (julho até
setembro) para plantar novamente.xii Os homens são responsáveis pelo pastoreio e cultivo do
milho. As mulheres são responsáveis por tirar o leite. De acordo com o pulaaku, os pais jallube
nem comem, nem falam com seus filhos. Embora os filhos façam todo o trabalho de cultivo e
pastoreio por eles, as instruções têm de ser passadas por intermediários.
Os fulbe vêm a prática do islamismo popular, combinado com sua cosmovisão animista,
com suas superstições e magia, como suprindo todas as suas necessidades espirituais e
materiais. Muitos dos homens podem ler fulfulde na escrita arábica, mas só os mais bem
educados são capazes de compreender o árabe.
A Aliança Cristã e Missionária começou um trabalho entre os fulbe em 1923, mas os
deixou para trabalhar entre pessoas que respondiam melhor à mensagem do evangelho. Em
1982, eles encorajaram os cristãos dogon a atingir sua “Samaria” – os fulbe. A ACM está agora
trabalhando na região BaKo de Mali e fornece ajuda veterinária de curto prazo. xii A RSMT e a
United World Mission começaram um “alcance”. A Christian Reformed World Missions tem
uma equipe trabalhando na área de Maasina. Há cerca de 60 crentes.xii
d) Burkina Fasso
Há mais de 700 mil fulani no nordeste de Burkina Fasso.
Jelgoobe, Djibo, norte de Burkina Fasso
Os jelgoobe alegam ser descendentes de duas tribos com chefes tradicionais que
migraram da região de Hairé de Mali antes de 1750. De acordo com suas tradições orais, eles
chegaram de Maasina em Mali no século 17. Eles ficaram cuidando do gado dos jallube no
século 17 por causa da fome e das disputas políticas daquela região. Mas eles não se livraram
completamente destas, pois em 1824 eles se tornaram a extremidade oriental do reino islâmico
Diina de Aamadu Seeku, sediado na Maasina, mas eles se rebelaram e seus líderes jelgoobe
foram mortos. Eles apelaram para o rei (não fulbe) Mossi de Yatenga, que tentou impor a lei
Mossi. Os jelgoobe se livraram de ambos até a chegada dos franceses em 1864.
Eles continuam a ser um grupo muito independente. Muitos fulbe que migraram em
direção ao leste para Oudalan, Liptako, Yagha e para o Níger continuam a chamar a si mesmos
de jelgoobe. Estes e outros fulbe de diferentes origens e datas variadas de chegada são chamados
de fulbe jelgooji, como os fulbe kelli, que vieram a ser dominados pelos jelgoobe.xii Mas alguns
dos Riimaybe, ex-cativos, que possivelmente conseguiram sua liberdade no conflito com os
mossi por volta de 1834, vivem na cidade de Djibo e falam a língua dos mossi. A cidade é de
cerca de 25% mossi; um grupo de mais 18% também são falantes do fulfulde riimaybe.
Nesta região, 72% da população fala fulfulde e mantêm a cultura fulfulde. Mas somente
44% destes são fulbe, sendo o restante de antigos escravos riimaybe que agora têm comunidades
agrícolas independentes. Os fulbe vivem nas aldeias vizinhas falam fulfulde e insistem em criar
gado para ter status de donos de gado na tradição fulbe. Muitos migraram para o sul durante as
secas dos anos 80. Mas, desde então, aqueles que permaneceram prosperaram mais do que a
população agrícola. Novos poços de água e um mercado de gado em Djibo lhes têm
possibilitado esta prosperidade.xii Eles têm uma comunidade de profissionais tuareq inadan e
maabube-griots, vivendo com eles. Griots são cantores de baladas africanos ocidentais que
cantam com acompanhamento de instrumentos de cordas.
A SIM tem uma equipe em sete centros em Burkina Fasso. A SIM também trabalha na
Nigéria e no Níger, alcançando os fulani e tendo a esperança de logo ter mais três centros. A
COCIN trabalha com a Action Partners no trabalho veterinário e evangelismo por meio de
amizade. Muitos fulani possuem rádios transistorizados para receber programas da Rádio
ELWA quanto ela estava transmitindo. A World Horizons tem dois obreiros em Burkina Fasso;
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A Evangelical Missionary Society of Nigéria recrutou outros pastoralistas para trabalhar entre
os fulani; e as Assembléias de Deus estão trabalhando entre eles também.
Fulbe Queguedo
Para o oeste de Tenkodogo no sudeste de Burkina Fasso, os fulbe queguedo são um
exemplo de grupos pequenos de fulani que estão estabelecidos entre outros grupos étnicos e
assumindo um papel pastoral especializado. Seu número chega a 300. Eles vêm de Maasina em
Mali e trabalham como pastores para os mossi, como também possuem seu próprio gado.
Embora os dois lados lucrem com o arranjo, eles tendem a desconfiar um do outro – os mossi
alegam que os fulani tendem a “perder” somente o gado mossi. As vantagens dos mossi incluem
manter seu gado separado de suas plantações. Eles também costumam manter o gado
escondidos dos fiscais! Mas o imposto foi abolido. Os fulbe migram com os rebanhos de gado,
deixando a área e partindo para o norte durante a estação de crescimento das lavouras. Os fulbe
também cultivam algumas lavouras, mas eles vivem em casas portáteis que podem ser
transportadas.xii
e) Niger
O Níger tem 825 mil fulbe, incluindo os bororo, por toda a parte sul do país, a oeste e
norte de Agadez. Alguns deles têm respondido ao evangelho. A equipe da SIM no Níger ajuda
com o desenvolvimento comunitário, criação de animais e outros ministérios.
Wodaabe, Bororo, M’Bororo ou Wooda(a)be
O singular é bodaado. Wodaabe significa “o povo do tabu” ou “o povo a escapar”. Eles
são um clã migratório dos bororo. Há 45 mil deles no Níger e outros na República Africana
Central, Camarões e Chade – 100 mil no total.xii Pode haver 50 mil no sul do Chade.
História
Os wodaabe afirmam ser descendentes de dois irmãos vindos da parte superior do vale
do Nilo na Etiópia, mas isto contradiz a idéia de que os fulbe originalmente vieram do Senegal.
É possível que eles tenham uma origem distinta, já que eles não têm contato ou casamentos
mistos com os fulbe ou outros povos. Eles se tornaram nômades, ou voltaram para o
nomadismo, para escapar da incorporação nos reinos fulbe. A colonização os empurrou em
direção ao norte para as áreas semi-áridas durante os séculos 19 e 20, mas hoje eles são
ameaçados pelo avanço dos tuaregues pelo sul e pelo avanço dos fazendeiros plantadores de
milho para o sul.xii
Nomadismo
Os wodaabe se especializaram em gado, especialmente gado vermelho, em vez de
possuírem rebanhos mistos de vacas e cabras. Eles tiveram que contar com a mudança para
sobreviver às repetidas secas, e assim eles estão espalhados por 250 mil quilômetros quadrados.
Durante a estação seca, de outubro a maio, os homens saem com os rebanhos em pequenos
grupos para usar o pasto ao redor dos poços no sistema de rotação. Os poços servem como um
ponto de ajuntamento central para os acampamentos familiares a que eles pertencem. A cada
dois ou três dias os rebanhos retornam e homens e mulheres ficam envolvidos na difícil tarefa
de tirar água do poço para o gado. Se as chuvas atrasam os wodaabe passam por um mau
bocado, pois há pouco leite e pasto, e os suprimentos de água e milho também são pequenos.
Em tempos assim os nômades podem começar a vender seu amado gado, em troca de milho, só
para sobreviver.
Quando as chuvas finalmente chegam os wodaabe se mudam constantemente,
“seguindo as nuvens”, já que a grama verde é produzida sempre que a chuva cai. Por algumas
semanas, a paisagem antes seca é varrida com tempestades repentinas. Os rebanhos se movem
gradualmente para o norte em grandes grupos, por causa da maior quantidade de pastagem após
a chuva. Durantes este período eles podem ir a distancias consideráveis dos poços porque as
piscinas temporárias estão cheias de água da chuva. Enquanto os homens pastoreiam o gado a
135
pé, as mulheres cavalgam com todos os pertences deles carregados por vacas selecionadas. Em
setembro cessam as chuvas e eles retornam para os poços novamente.
No início da estação seca os clãs se reúnem, e as famílias acampam numa ordem exata
de acordo com as gerações. O acampamento como um todo deve estar voltado para o oeste, que
é a “frente”, e a geração mais velha acampa naquele lado. Dentro do acampamento, cada família
acampada fica separada por uma corda de couro, o daangol, com a “frente” voltada para o oeste
com a parte formada por gado e homens chamada de waalde, no centro do qual arde uma
fogueira de esterco de vaca. Este é o alvo de muitos mitos associados com o gado. O lado leste
da corda é para as mulheres. A esposa é a cabeça da “casa”, e tudo o que está no seu interior
pertence a ela. Embora o Bodaado seja o senhor do acampamento, ela é responsável pelo
transporte e cuidado de sua própria cabana e acampamento. A barraca, ou suudu, é coberta por
folhas de palmeira ou capim. Dependendo da estação, ela é deixada sem cobertura. Ela pode ser
facilmente desmontada e carregada, porque é feita de esteiras de tecido cobrindo varas curvadas.
A alimentação deles é muito pobre, o leite é a base.xii As mulheres preparam a comida, fazem
manteiga e montam e desmontam o acampamento, e os homens tiram o leite das vacas.
Sociedade
Hoje os wodaabe têm 15 linhagens e muitas sublinhagens, ou clãs. A um Bodaado é
permitido se casar somente com uma prima de seu próprio clã – qualquer outro casamento
dentro do clã é considerado adultério. Contudo, um homem pode tomar até três esposas
secundárias de outros clãs. Quatro esposas é o limite em qualquer época, e os divórcios são
comuns para mudar de esposas. Além disso, eles também têm muitas relações promíscuas nas
festas especiais. Os símbolos de status de uma mulher são cabaças cerimoniais muito decoradas
que ela exibe num suporte em ocasiões especiais. Muitas vezes uma grande parte do rebanho
pertence a ela, embora se faça referência a ele pelo nome do marido. Os filhos são considerados
um presente de Alá e dão status para a mulher. Uma mulher sem filhos pode ser considerada
inferior a um cachorro. Uma menina é de pouco de valor para seu clã porque ela deve se casar
em outro clã. Quando os filhos morrem, num certo sentido os pais são considerados mortos
também.xii
Os wodaabe são encontrados em Bongor, no Chade Ocidental, durante a estação seca, e
se mudam para a área administrativa de Kanem, norte do Lago Chad, durante junho para a
estação chuvosa. No fim do agosto, ou início de setembro, eles começam sua jornada para o sul
com o gado, para aproveitar a grama nova crescente. Alguns viajam 800 km para o sul até
atingir a República Africana Central. Assim como gado fino com grandes chifres, os bororo no
Chade possuem ovelhas de pernas compridas que têm a parte de trás branca e a da frente negra.
Os wodaabe são renomados por seu nomadismo de longa extensão, sua imoralidade, sua
prática de magia e medicina sobrenatural. Seus talismãs mágicos e outras artes mágicas lhes
deram uma reputação que vai muito além de sua área. Eles acreditam que têm uma mágica
especial para torná-los atrativos para as mulheres. Os wodaabe temem os espíritos, por isso eles
mantêm os verdadeiros nomes em segredo. Sua arte é famosa por usar motivos não só de sua
maneira de vida, mas também do mundo moderno. As celebrações são uma ocasião para dançar
e cantar. As mulheres são tatuadas, e os homens se decoram e pintam seus rostos para dançar.
Eles gastam longas horas contando histórias, pois os wodaabe não usam o fulfulde escrito.
Os wodaabe são os fulani que foram menos influenciados pelo islamismo e seguem sua
própria religião tradicional.xii Eles provavelmente seriam considerados como a última sociedade
na África a se interessar pelo cristianismo, ainda assim Deus está trabalhando entre eles. Estão
trabalhando entre os wodaabe: A Chadian Ba Illi Missionary Training Centre; a Igreja Luterana
de Cristo na Nigéria (LCCN-SUM na Dinamarca) no nordeste e os Batistas do Sul (EUA)
trabalham no sudoeste e nordeste. A CAPRO tem cinco obreiros em Borno e Taraba. A World
Horizons mantem contatos em Burkina Fasso, Mali e Níger. A SIM trabalha entre eles no Nìger,
com uns 80 crentes. A SIL está implementando um projeto de tradução múltiplo ininterrupto
para dialetos relacionados chamado de Projeto de Harmonização Fulfulde. Porções da Bíblia
estão disponíveis e uma tradução do Novo Testamento está em andamento.
136
f) Chade
Há 32 mil fulbe vivendo em Kanem, nordeste do Lago Chade, ao sul de Batha e no
norte nas áreas administrativas Baguirmi. Eles chegaram no Chade a partir da Nigéria, Níger e
Camarões durante os anos 20e 30.xii Muitos criam rebanhos de ovelhas, gado Zebu e alguns
camelos. Alguns deles se estabeleceram como fazendeiros e alguns como comerciantes na
cidade. A Action Partners relatou progresso na difusão do evangelho entre os fulani
estabelecidos em 1995.
g) Benin e Togo
Os fulbe em Benim são mais de 300 mil, incluindo cerca de 30 mil gannunkeebe, ou
antigos escravos. Em Togo são 48,2 mil. Eles são pastores e fornecem leite e queijo para a
população estabelecida. O trabalho cristão pela SIM está em progresso com cerca de 1,5 mil
cristãos.
h) Nigeria
Os fulani na Nigéria totalizam entre nove e 11 milhões. Os fulbe chegaram na Nigéria
no século 17. Uma divisão desenvolvida entre os “fulani” sedentários, ou fulbe wuro, que se
tornaram uma elite religiosa urbana e militar nos reinos hauçá da região e cada vez mais falam a
língua hauçá, e os fulbe na’i que continuaram no estilo de vida pastoral. Contudo, eles juntaram
forças para derrotar os hauçá com uma jihad no início do século 19.
Os pastoralistas se beneficiaram da derrota dos hauçá ao se tornaram capazes de se
mover para o sul com seus rebanhos em direção a Nigéria e Camarões durante a estação seca e
retornar pelo norte de novo na estação chuvosa para evitar a mosca tsé-tsé. Serviços veterinários
melhores sob o governo colonial capacitaram os rebanhos a ir mais longe ao sul para pastagens
no estado de Oyo. Com a difusão da agricultura para o norte durante os anos 60 a 80, e a
demanda por carne bovina nos centros urbanos, os fulbe se mudam cada vez mais em direção ao
sul para o estado de Rivers.xii Hoje os fulbe pastorais são encontrados por toda a Nigéria. Os
fulani suprem 90% da carne bovina da Nigéria e couro de gado, representado por 15 milhões de
cabeças de gado.xii
Os bebeji, um clã de autênticos nômades fulbe com grandes rebanhos, são encontrados
nas proximidades de Gombe, no sul de Borno e leste do estado de Bauchi, Nigéria. Há muitos
anos que este grupo permanece no mesmo local, mas pode se mudar quando as circunstâncias
exigirem. A CAPRO tem dois obreiros trabalhando entre eles e os acompanhando nas viagens.
Os obreiros vivem em cabanas temporárias ou barracas, como o povo, e cuidam de suas próprias
cabras, com vistas a, eventualmente, adquirir vacas. Eles estão aprendendo a língua e dão
conselhos veterinários simples.xii Também há muito contato com os fulani totalmente nômades
que ficam por alguns dias e depois se mudam com seu gado. Para de fato fazer amigos entre
estes criadores de gado, os obreiros precisam viajar com eles.
Os fulbe pastoralistas visitaram o planalto Jos pela primeira vez nas estações secas em
busca de pasto, migrando a partir de Bauchi e Zaria no norte. Então os fulani lançaram uma
jihad no século 19 e finalmente ganharam a batalha de Panyam. Depois disso, os fulbe pastorais
ficaram livres para vir com mais freqüência. O desenvolvimento de mineração pelos britânicos
na região, começando em 1910, criou um mercado para produtos laticínios. Isto encorajou mais
pastoralistas a migrar com suas famílias e se estabelecer no planalto pela primeira vez. Contudo,
em 1946 o planalto tinha se tornado superpastejado, com cerca de 1 milhão de cabeças de gado.
Uma política de curto prazo para reduzir os rebanhos para um terço só serviu para que os fulbe
migrassem para fora dali. Políticas subseqüentes tiveram o efeito de fazer com que os cabeças
de famílias ficassem mais independentes de sua liderança fulani.xii
Há cerca de 2 mil cristãos fulani na Nigéria. Várias agências estão ajudando estas
pessoas, incluindo: COCIN, ERCC, LCCN e CAPRO no norte, e os Batistas e a SIM ou SEM
sob a ECWA no sudoeste. Há gravações lingüísticas em áudio nos três dialetos. A cada dois
anos, as agências trocam informações sobre projetos para ajudar os fulani.xii
i) Sudão
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Fellah ou fellata: Há 90 mil fulbe ou fulani na’i no Sudão Ocidental.
2. Grupos Fulbe Sedentários
Toucouleurs, Tukulors, ou Futa Toro
Eles vivem no Senegal e são cerca de 700 mil, com 140 mil nas áreas de Richard Toll e
Podor e margens do Rio Senegal. Eles são agricultores que falam pulaar, e usam o nome tukulor
para se distinguirem dos fulbe – nome que eles reservam para o povo do gado.xii Contudo, há
evidência de que eles podem ser uma mistura de povos serer e fulbe, pois ele não tem problemas
para se casar com uma pessoa fulbe. Eles desprezam os fulakunda porque são novos convertidos
ao islamismo. Há uma tendência, em face da dominação por outros grupos étnicos, por parte de
todos os falantes pulaar, sejam fulbe ou tukulor, de se identificarem como haalpulaar, ou
falantes do pullar. A Missão AMEM (WEC) trabalha entre eles no Vale do Rio Senegal e visa
expandir a equipe, e alguns tukulors têm demonstrado algum interesse no cristianismo. A
tradução tukulor do Novo Testamento foi terminada em julho de 1998. Os pastores tukulor
próximos a Ndioum foram contatados pelos Luteranos finlandeses e americanos. O filme Jesus
está disponível em futa toro.xii
Fulakunda, Senegal, Gâmbia e Guiné-Bissau
Os fulas era pastores de gado e ovelha que gradualmente entraram na terra a partir do
século 15. Alguns se estabeleceram para exercer a agricultura e adotaram a organização social
dos mandinkas, por isso eles foram chamados de fulakundas. Eles criaram uma sociedade
dividida em classes, sendo os fula forro os fulas “livres”, os fulakundas eram os camponeses, e
outros povos cativos incorporados eram escravos ou “negros”.
Os 700 mil que vivem no Senegal formam 17,8% da população do país, com 450 mil
nas áreas vizinhas na Mauritânia e Mali. Muitos estão concentrados próximos a Kolda como
agricultores de subsistência, embora suas rotas como povo de gado sejam muito evidentes na
cultura deles. Contudo, não há sentimento de arrependimento ou desejo pela vida pastoralista
nômade. Os pastores viajam à curtas distâncias das aldeias para encontrar pasto, mas o povo é
sedentário. Eles consideram vender uma vaca como sendo uma crise, e vender a última vaca é
de fato muito sério.xii A poligamia é normal. Tanto os fulakunda como os tukulors são
sedentários. A Missão AMEM tem trabalhado entre os fulakunda por vários períodos de 1936
até hoje e completou a tradução do Novo Testamento em julho de 1998.xii A WEC fundou duas
igrejas de fala pulaar multiétnicas com convertidos fula. Uma em Velingara (pop. 14 mil), e
outra em Koukani, a 30 quilômetros de distância. Há fitas de áudio de todo o Novo Testamento
que também são usadas em Guiné Bissau, Gâmbia e Mali. O filme Jesus foi entregue a eles em
fevereiro de 2000.
Na Gâmbia, cada aldeia geralmente tem uma ou duas famílias fula que servem como
pastores de gado para os mandinkas e outros agricultores, encontrando pastagem nas
proximidades. Eles foram estimados em cerca de 155 mil em 1993, e há 32 cristãos fulbe em
oito igrejas da Missão AMEM.
Os fulas, com 223 mil, ou 23% da população, são o segundo maior grupo de povo em
Guiné-Bissau, depois dos balantas. Segundo eles mesmos, estão divididos nos seguintes grupos:
fula de gabu; fula preto (ou fulas escravos); fula de baka (fulas de gado). Eles vivem na parte
oriental interior do país centralizados em Bafata e são o maior grupo muçulmano. Eles são
agropecuários, ficando estabelecidos nas aldeias e cidades. Mas o gado de um fula ainda é a
riqueza deles. Nas aldeias, os homens que possuem rebanhos de gado migrarão durante a
estação seca, de novembro a maio, ou enviarão seus animais em busca de comida adequada e
água com seus filhos ou pastores contratados. De todos os grupos de povos em Guiné-Bissau,
os fulas são os mais avançados tecnologicamente na agricultura. Eles importam arados de aço
de uma lâmina do Senegal, como também pequenos escarificadores de cinco hastes e
semeadeiras de uma lâmina, todos os quais são puxados por bois. Muitos dos jovens estão se
mudando para cidades grandes.
A prática animística continua a existir sob o verniz de islamismo. Eles respeitam o
mouro ou iman da mesquita, mas também o mouro, ou sacerdote, dos demônios. Eles falam fula
138
forro com cinco dialetos em Guiné Bissau. O filme Jesus em tukulor e fitas de áudio do Novo
Testamento em fulakunda são usados com grande eficácia. As histórias da Bíblia do tipo veja,
ouça e viva, preparadas pela Gospel Recordings para fulas em Burkina Fasso, também estão
sendo usadas. Há agora pelo menos 12 crentes fulas, mas poderia haver pelo menos 20 em todo
o país. A Missão AMEM (WEC) e a Missão Kairos do Brasil trabalham em Bafat; os batistas do
sul, a JOCUM e a Assembléia de Deus (Brasil) trabalham em Gabu.xii
Peul ou Fulbe Futa Jalon, Guinê
A população estimada varia entre 800 mil e 2,55 milhões. A maior parte vive em Fouta
Djallon e está concentrada nas regiões de Labé, Pita, Calaba e Mamou. Há 100 mil no Senegal
que vieram de Guinê. A população inteira está espalhada por todo o país.xii Os futa fula de
Guinê possuem uma marca distintiva semelhante à forma do “11” em ambas as têmporas,
adquirida na época da circuncisão. Os futa jalon também estão no sudoestede Mali e na Falea e
Faraba, sul de Kenieba – tendo se mudado para local por volta de 1926.xii
Eles se mudaram para Guinê antes de 1700 e viveram como pastoralistas, movendo-se
entre os povos agrícolas, pastoreando os rebanhos locais, permutando produtos laticínios e
fertilizando os campos em troca de pastagem no restolho. Os que eram muito fiéis ao islamismo
se recusavam a se submeterem aos líderes locais, provocando as jihads entre 1725 e 1776. Mais
peuls entraram na região, converteram à força a população local, e se tornaram criadores de
gado estabelecidos e agricultores. Por um tempo os fulbe impuseram um sistema feudal. Após
Guinê se tornar independente, o monopólio de carne pelo governo, com uma cota de abate de
10% sobre os fulbe, limitou seriamente o poder deles. Muitos perderam seus rebanhos, sendo
forçados a vendê-los para o governo a preços baixos. Os pequenos rebanhos restantes não
podiam se reproduzir rapidamente e foram uma fonte de vergonha e humilhação para seus
outrora orgulhosos donos. Os antigos vassalos dos fulbe se tornaram livres. A Christian
Missionary Alliance começou a trabalhar em Labé em 1923, e a CRWM veio em 1985. Uma
tradução da Bíblia no dialeto foi iniciada.xii Alguns cristãos se converteram fora da região.
Fulbe ou Fulakunda
Há 3 mil deles em várias aldeias do noroeste de Guinê, próximo a Sareboido. Eles
também falam o dialeto fulbe fuuta-jalon.xii
Fula Bamana
Este povo é assim chamado pelos bambara, entre os quais eles se estabeleceram e
perderam sua língua e cultura fulbe. Vários povos na região Bambara de Mali Ocidental
provavelmente foram fulbe que perderam sua identidade original.xii
Khassonke
Há 120 mil pessoas deste grupo em Mali, 6 mil no Senegal, e um pouco em Gâmbia.
Eles provavelmente são fulbe que perderam sua língua e cultura ao se misturar com outros. Eles
são encontrados nas cidades de Bafoulabé, Kayes, Kita e Yélémané. A Norwegian Mission to
the Santals e a New Opportunities trabalham entre eles.xii
Há 1,2 mil peuls em grupos dispersos na Costa do Marfim, trabalhando como pastores
para outros povos. Eles são estimados entre 7,3 mil e 36 mil fulani em Gana.
Fulbe-Borgu
Há 224 mil deles nos quatro grupos que vivem na região de Parakou, Benin, próximo à
fronteira com a Nigéria. Desde 1980, entre 40 mil e 50 mil fulanis migraram para a área
Banikoara. Há evidência de que muitos são resistentes aos missionários muçulmanos e seriam
receptivos ao evangelho. As Assembléias de Deus têm tido contato com eles.xii Há 2 mil que
têm respondido à SIM e a ministério Assembléia de Deus. Há uma transmissão de rádio cristã
todos os dias na língua fulani, e a SIM está trabalhando no dialeto do norte de Benin.
Fulanin Gida ou Fulani e Fulani Sokoto
139
Há 452,7 mil deles, no estado de Sokoto, no noroeste da Nigéria. Eles possivelmente
são do mesmo povo que os fulani ocidentais no Níger, entre o Rio Níger e Dogondoutchi. Eles
possuem um dialeto distinto próprio.xii O nome Fulanin Gida significa fulani “caseiro” ou
sedentário. Eles inicialmente se estabeleceram nos campos fora das cidades de Hauçá, e eram
muçulmanos nominais. Contudo, com a pregação da reforma islâmica pelo movimento “jihad”
no último século, eles estabeleceram estados muçulmanos fulani em Sokoto, e outros lugares, e
restrições sobre as mulheres foram impostas. A maior parte dos Fulani em Sokoto, Kano e
Katsina são agricultores de subsistência e adotaram a língua e a cultura hauçá. No norte do
estado de Borgu a maioria ainda fala fulfulde, embora a geração mais jovem esteja adotando o
hauçá.xii
Fulani zaure
Este povo que vive em Sokoto, noroeste da Nigéria, é uma aristocracia com uma
história mesclada de raízes árabe e fulbe. Originalmente eles eram pregadores do islã e tomaram
parte numa revolução islâmica no norte da Nigéria, com o apoio de seus clãs pastorais.xii As
elites urbanas em Bida falam nupe, e os agricultores sedentários em Oyo falam yoruba – no
entanto eles ainda insistem em sua identidade como fulbe.xii
Fulbe no Estado Kwara, Nigéria
Os primeiros cristãos convertidos entre eles provavelmente foram envenenados em
1963. Vinte anos de ministério cristão se seguiram, com desapontamentos contínuos. Mas
quando os cristãos entre os povos batou vizinhos distribuíram Novos Testamentos na língua
deles, um pullo pediu uma cópia para sua aldeia. Muitos jovens fulbe de duas aldeias diferentes
aprenderam a lê-lo e se consideram cristãos.xii Eles também receberam o ministério de um pullo
convertido de Benin, e duas igrejas foram formadas como congregações fulbe separadas. Os
Batistas do Sul, Gospel Recordings, Cristãos Reformados e a SIM, entre outros, também têm
contribuído para o trabalho entre eles.
Toorobe (sg. Tooroodo)
Estas pessoas eram fulbe muçulmanos que foram atraídos pela cultura hauçá e se
estabeleceram nas cidades ao norte da Nigéria. Eles se esqueceram do fulfulde e se misturaram
por casamento com os hauçá. Eles se tornaram os clérigos, professores e juizes, embora muitas
vezes continuem a possuir rebanhos de gado. Eles dominaram os estados hauçá por alguns anos,
seguindo a jihad de 1804. Eles têm dois clãs, o Lido e Tal – mais conhecido.xii
Walawa
Há vários grupos de clãs de walawa dominantes na Nigéria. A CAPRO possui dois
obreiros entre eles próximo à cidade de Jalingo, estado de Taraba, Nigéria.
Fulani Adamawa
Os fulani adamawa, em Camarões, totalizam 669 mil, ou 7% da população. Eles
chegaram no século 18 e se tomaram parte na jihad nos arredores de Terra Hauçá. Os povos não
fulani foram escravizados, e o estado de Adamawa foi estabelecido no início do século 20. Os
fulbe ali continuam a falar fulfulde, embora estejam estabelecidos, e muitos outros grupos
étnicos nos arredores usam o fulfude como uma segunda língua.xii No norte de Camarões, até o
oeste de Rei Bouda, os fulani ainda tiveram escravos até 1970. Um missionário luterano
norueguês fez uma campanha bem-sucedida contra a posse de escravos e de haréns, e cerca de
50 mil escravos foram libertados, ajudados por uma reforma na região, que lhes deu uma certa
medida de independência.xii O evangelismo pelos cristãos hauçá não é aceito pelos fulani, que se
consideram superiores a esses “lavradores”, embora as igrejas nacionais hauçá esperem que o
povo do gado adote uma prática religiosa estilo ocidental. A Bíblia está no dialeto maroua. A
SUM, a RBMU e a Worldteam estão trabalhando no noroeste, províncias da Adamawa, e a
Lutheran Brethren nas províncias do norte e extremo norte, Camarões. A Igreja Luterana
Evangélica faz transmissões de rádio da TWR.xii Há muitos cristãos entre eles.
140
SONGHAI
Em Burkina Fasso: 112,7 mil; em Mali: 600 mil; no Níger: 390 mil. xii Em Oursi em
Burkina Fasso há 600 lavradores songhai misturados com pastoralistas fulani e tuaregues, com
12 mil cabeças de gado próprio. Os dendi, um subgrupo dos songhai que totalizam 28 mil em
Benin, não são nômades, mas são parcialmente pastorais, e a SIM espera trabalhar entre eles.
BEDUÍNOS
Há 10 mil beduínos em Burkina Fasso.
ÁRABES SHUWA
Há 1.773.600 deles no Chade, Camarões e Níger. Quinhentos mil deles estão no Chade
Basin, e 100 mil no nordeste do estado de Borno, Nigéria.xii Os shuwa se encaixam na idéia
“romântica” do nômade, uma vez que eles têm uma reputação de serem hostis – atacando e se
retirando para o deserto, montados em cavalos. Como são encontrados do Nilo a Borno,
Nigéria, eles são os grupos baggara mais ocidentais. O total de todos os grupos baggara da
Nigéria ao Sudão é estimado em 3 milhões.xii
Historia
Eles chamam a si mesmos de árabes, e shuwa é o nome dado a eles pelos kanuri
sedentários. Eles provavelmente se originaram da tribo juhayna, que migrou do Iêmen para o
Egito. Eles deixaram o Egito para Sudão no século 7 após a conquista muçulmana. Mas eles
parecem ter sido pessoas incômodas, pois o Sudão pediu por ajuda contra eles. Eles se
mudaram, ou foram deportados, e finalmente migraram da região de Darfur do Sudão para
Kanem no Chade, no século 16. Eles se foram ao sul para a área de Borno da Nigéria por volta
de 1800. Os shuwa em Borno, portanto, estão relacionados aos árabes do Chade, onde eles são
30% da população.
Os shuwa têm mantido sua independência por toda sua história como pastoralistas
nômades. Eles resistiriam a controles políticos no Egito, Sudão e Nigéria e evitaram ter relações
políticas com outros grupos. Os shuwa próximos ao Lago Chade continuam a pastorear
camelos. Mas outros se mudaram no século 17 para áreas menos áridas e adotaram a criação de
gado dos fulbe, combinada com o cultivo de milho.xii Este foi um caso de adaptabilidade
nômade.
Sociedade
Os shuwa não se integraram na sociedade local de Borno e são considerados arrogantes
e até exploradores pelos povos sedentários. O único povo com quem eles possuem associações
mais próximas são os kanuri, mas as relações muitas vezes foram difíceis devido ao conflito
sobre o uso da terra, até depois dos anos 80. A maioria dos shuwa possue assentamentos
permanentes, mas eles estão divididos entre os hallal, ou “povo da aldeia”, e os nas al-diran, ou
“povo do campo e gado”. Eles misturam os dois estilos de vida conforme há necessidade. Eles
podem praticar pastagem próxima usando a aldeia como base, pastoreio transumante para locais
bem longe, ou nomadismo distante, de acordo com as condições e o tamanho dos rebanhos.
Eles estão organizados em uns 31 clãs em Borno sob um líder de clã eleito chamado de
fugu. Estes clãs estão divididos em grupos menores de irmãos aparentados e seus filhos para a
cooperação no pastoreio e para a defesa. Estes clãs mantêm contato, mesmo quando os grupos
de pastoreio se dividem ou se unem devido às decisões ruins dos líderes acerca de onde
pastorear e das condições ambientais. O líder patriarcal de cada grupo é chamado de jauro e é
considerado como uma figura paterna e também como lei e juiz, embora a maioria das decisões
sejam tomadas após conversa com os cabeças das famílias. Ele é também um herói do grupo e
deve ser capaz de sacrificar sua vida pelo bem estar dos grupos, se necessário.xii
Nomadismo
141
Uma unidade básica de pastoreio, ou da’n, consiste de um homem com mais de 40 anos
de idade, com sua esposa (ou esposas) e filhos, e cerca de 60 a 100 cabeças de gado. Os filhos
são considerados propriedade da família e não participam na vida política do grupo mais amplo.
Eles são casados aos 20 anos de idade e têm considerável responsabilidade pastoreando o gado
de seu pai e construindo seu próprio rebanho, do qual depende seu próprio status. As mulheres
vendem leite nas cidades, enquanto os homens tomam conta do gado. Homens e mulheres
trançam seus cabelos. O gado fica abrigado durante o dia, por causa da mosca tsé-tsé
predominante. Cada família vive numa cabana circular de cerca de 10 metros de um lado a
outro, com seu gado. Há um cômodo interior levantado para a família, e a parte externa é para
os animais. Os shuwa compraram centenas de crianças como escravos dos wulla ou matakam
durante a fome de 1930, mas eventualmente a maioria delas foi devolvida.xii
Religião
Eles são muçulmanos e sacrificam uma vaca ou cabra, após uma morte, que, segundo
acreditam, ajuda o morto a ir para o paraíso. Não há cristãos shuwa. O Novo Testamento está
disponível.xii A CAPRO tem dois obreiros entre Ngala e Wulgo, no extremo nordeste da
Nigéria, próximo ao Lago Chade.xii Foram feitas tentativas de atingi-los pela introdução de
projetos agrícolas e clínicas médicas, mas sem resultados visíveis. A Action Partners repassou
este trabalho para as igrejas nigerianas, mas a CAPRO só tinha informações de seus dois
missionários trabalhando entre eles em 1995.
ARÁBES
No Níger, norte do Lago Chade, há 12 mil árabes em contato próximo com os toubou.
Eles adotaram o estilo de vida e cultura deles. Eles não foram alcançados com o evangelho.
KOYAM ou Keletti
Eles são uma tribo criadora de gado do povo kanuri no estado de Borno, Nigéria. Eles já
possuíram caravanas de camelo ligando Kanem no Chade com Trípoli e o Sudão e negociavam
no sal da Saara até o sul. Os koyam têm seu próprio dialeto e estilo de se vestir e têm mantido
sua identidade distinta por mil anos. Eles agora estão situados entre o Lago Chade e Maiduguri,
próximo a Bama, Dikwa, Munguno, Kukawa e Baga. Outros mais afastados para o oeste,
próximo a Illela e Hadeija, aparentemente se integraram com os fulani.
Nomadismo
Os koyam seguem uma rota de migração anual se mudando para o sul e oeste durante a
estação seca e retornando para o norte para suas fazendas para a estação chuvosa. Hoje as
famílias viajam mais em caminhões do que em animais de carga. Os koyam muitas vezes podem
ser encontrados no mercado em Shattaram, oeste de Gajiram. A subida nos preços da carne
criou renda extra, o que encorajou muitos a estabelecer suas famílias nos arredores de
Maiduguri, embora eles ainda retornem para suas terras para ocasiões especiais. As mulheres
compram manteiga dos fulani próximo a Jos e a vendem nas ruas. Eles usam a renda extra para
investir em mais gado de chifres compridos.
Religão
Os koyan são muçulmanos fiéis e bem podem provar ser os últimos a refletir sobre o
evangelho. Eles preferem enviar suas crianças para as escolas coránicas, em vez de usar as
escolas do governo. Após muitos anos de testemunho pela SUM e outras na área, há somente
uns 20 cristãos kanuri e nenhum cristão koyam. A COCIN iniciou um projeto kanuri de alcance
com uma tradução da Bíblia, filmes e programas médicos e de alfabetização.xii
Nômades Não-Pastorais no Sahel Ocidental
LAWBE, ou LaoBe (sg. labbo)
142
Os lawbe são fulbe itinerantes, escultores em madeira, encontrados no Senegal, Guinê,
Mali, Nigéria e outros lugares na África Ocidental. Eles são parte de uma casta de artesãos da
sociedade fulani e falam pulaar, mas muitos vivem e trabalham independentemente dos fulbe de
gado. Além disso, uma vez que os fulbe na Nigéria, Chade e Nigéria usam escultores de outros
grupos étnicos, eles merecem tratamento separado.xii
História
Os lawbe contam um mito que ilustra seu relacionamento com os fulbe. Os ancestrais
dos lawbe, os pastores fulbe e os menestréis fulbe bambaabe e cantores de elogios eram três
irmãos. Os espíritos deram a cada um dons diferentes, mas os fulbe de gado, tendo recebido
todo o gado, ficaram sob a obrigação de dar aos lawbe leite de graça. Dentro da sociedade fulbe,
e até um certo ponto entre outras sociedades entre quem eles trabalham, os lawbe tem um status
baixo, mas intermediário. Pois já que eles não têm direito de herdar gado eles são “pobres”,
embora na verdade eles possam possuir alguns animais. Mas eles estão livres para se mudar de
forma independente com seu trabalho, o que não foi permitido aos antigos escravos. Acredita-se
que os lawbe tenham contato com os espíritos e a habilidade de transmitir bênçãos e maldições,
por meio de objetos que eles fazem para seus clientes. Seu poder para proferir encantamentos
lhes dá proteção que, supostamente, eles podem transmitir para outros. Assim, embora eles
possam ser considerados inferiores pelos fulbe de gado e classes semelhantes entre outras
pessoas, seu contato com o mundo dos espíritos significa que eles serão procurados para
abençoar, curar ou “dar sorte” quando as coisas não vão bem. Eles fazem orações aos espíritos
das árvores que eles derrubam, e sua habilidade para transformar madeira em objetos é
considerada um poder dado pelos espíritos. Cada linhagem se apega a mitos que transmitem a
crença num taana, um animal que é seu protetor. Seus ancestrais parecem ter acompanhado os
fulbe do oeste para a área do Senegal, antes dos fulbe fazerem sua histórica expansão em
direção ao leste novamente. Os lawbe já foram mais nômades do que os fulbe de gado,
migrando com os pastoralistas ou viajando independentemente através do Sahel, procurando por
madeira adequada para entalhe e por clientes. Os pastores fulbe cada vez mais usam cabaças em
vez de vasos de madeira entalhados pelos lawbe; isto parece ter levado os lawbe a procurar
trabalho entre outros povos. Há cerca de sete milhões de lawbe espalhados em pequenas
comunidades de duas ou mais famílias desde o Senegal até o Chade – incluindo Guinê, Burkina
Fasso, Mali e Camarões – na maioria das vezes completamente independentes dos fulbe. Os
lawbe comumente só se casam com alguém do próprio povo, de preferência primos próximos.
Eles precisam ser distinguidos de muitos outros grupos que fazem trabalho semelhante.
Nomadismo
Os lawbe migram para encontrar árvores adequadas ou para viajar com vários grupos de
gado – sejam fulbe, mouros ou tuaregues. No passado eles usavam grandes tropas de burros
para carregar a madeira, mas agora eles usam outro transporte. O cabeça de uma família pode
viajar sozinho para cumprir uma ordem particular. Alguns migram para a Europa como
comerciantes. Embora hoje eles comumente estejam estabelecidos nas cidades, muitas vezes
eles viajam para acampar próximos a uma aldeia por um tempo.
Eles fazem almofarizes e pilões para triturar milho, tigelas para armazenar comida,
cochos de água, canoas, bancos, colheres, cabos de ferramentas e porta bagagem para animais
de acordo coma a demanda local. Algumas famílias são capazes de se especializar em fazer
alguns artefatos em particular. Suas ferramentas são poucas: machados, enxós e goivas que o pai
deixa para seu filho. Suas esposas fazem poções do amor e perfumes, além de fazerem algumas
esculturas.
Por serem de uma “casta” inferior, eles não têm permissão para possuir ou herdar terra e
têm que confiar num patrão que lhes arrenda um pedaço de terra. Outros povos, como os wolofs
no Senegal, também os tratam como casta inferior. Isto quer dizer que eles nunca se
estabelecem permanentemente. Aqueles que se consideram lawbe “legítimos”, com o poder de
abençoar, fazem pouco caso do cultivo da terra, acreditando que devem confiar em seu
comércio para receber o lucro que precisam.
143
No Senegal, os lawbe são encontrados nas cidades e nos pontos de travessia do Rio
Senegal, trabalhando para fazendeiros e pastores. Alguns migram com os pastores fulbe na
estação seca. A maioria faz utensílios domésticos, mas muitos aprenderam a trabalhar como
escultores para atender a demanda do turismo e para a exportação para a França. Estes são
chamados de lawbe-yett, que, em contraste com outros grupos étnicos que trabalham em
cooperativas, formaram a União Nacional dos Lawbe do Senegal. Lawbe que se tornaram
genuínos comerciantes são chamados lawbedyala e os lawbe-yett não confiam neles. Há muitos
subgrupos que são reconhecidos de acordo com a região, mas também por causa da incerteza de
suas origens fulbe. Há uma subdivisão que faz canoas para pescadores, e eles se consideram
superiores aos outros.
Língua
Sendo parte dos fulbe, eles falam pulaar.xii
Alcance
Aqueles que levarem o evangelho aos lawbe precisarão levar em conta as tradições
distintivas e modo de vida deles, e não presumir que eles estejam assimilados na cultura da
sociedade de seus patrões.
BAMBAABE
Estes povos são os cantores de elogios nas cerimônias fulbe e tukulor de atribuição de
nomes. Eles também são genealogistas, gravando e transmitindo tradições de clãs e linhagens.
Eles são arquivos ambulantes numa sociedade não alfabetizada e são consideradas capazes de
curar os doentes. Seus instrumentos tradicionais são halams de cinco cordas e rites de uma
corda. Uma vez que lhes é permitido viver de esmolas, eles são considerados pessoas de status
muito baixo. Antigamente eles eram ligados à famílias, mas agora eles são itinerantes e viajam
para encontrar clientes.xii
MAABUBE e Maccube
Os maabube são tecelões do povo tukulor, ou toucouler, no Senegal. Eles são parte do
povo fulbe. Entre os tukulor, tecer tecidos é uma ocupação masculina e os tecelões são
nômades, viajando até seus clientes por pelo menos parte do ano. As partes móveis do tear são
prontamente transportadas e levadas nos ombros. A estrutura principal pode ser montada a partir
de madeira encontrada em arbustos ou na rua, de forma que só leva duas horas para montar o
tear num lugar diferente. Diz uma lenda que pescadores deram o tear para os tukulor, já que não
viam a utilidade pra si mesmos.
Os maabube, também chamados de maaboobe, são parte da casta média dos nyeenbe,
ou artesãos, que compõe cerca de 10% da sociedade tukulor. Os homens livres desprezam os
maabubei por considerá-los “pedintes” que desempenham tarefas em troca de um donativo, e os
consideram irresponsáveis e indignos de confiança. Há evidência demonstrando que há quatro
séculos os maabube eram tecelões espalhados em vários impérios da África Ocidental,
explorando as oportunidades dos centros urbanos que estes poderes criaram. Mas com a vinda
do colonialismo francês, eles, mais uma vez, se concentraram no norte do Senegal e de Dakar.
Eles só se associam a seus filhos. Eles podem recitar sua linhagem até há 16 gerações e só se
casam dentro do próprio grupo e suas esposas trabalham como ceramistas.
Nomadismo
Os tecelões, os maabube sanyoobe, dividem seu tempo entre trabalhar num barracão de
tecelagem em sua própria aldeia ou viajar para visitar um número regular de clientes em outras
aldeias, onde eles montam seus teares e recebem hospitalidade. Mas o trabalho itinerante muitas
vezes fica limitado ao tempo da colheita após as chuvas (de outubro a junho), eles visitam então
as cidades de St. Louis, Podor, Diourbel, Matam e até mesmo Dakar, em busca da demanda
permanente dos mercadores de tecidos. Eles levam suas famílias e ficam com os grupos
144
estabelecidos de comerciantes e tecelões maabube. No período da colheita ele revisitam as
aldeias, acompanhando pessoas da cidade que vão ajudar seus parentes com as colheitas.
Crenças
Os maabube são conscientes das inovações modernas, mas tendem a ser conservadores
em suas técnicas, por causa de suas crenças acerca do tear. Uma lenda diz que pescadores deram
o tear aos tukulor, já que não viam utilidade pra si mesmos. Mas os maabube alegam ter um
ancestral semi-divino, Juntel Jabali, que recebeu o primeiro tear dos espíritos. O tear é
considerado como o local de encontra entre os espíritos e o homem, e cada parte do tear possui
um nome recebido divinamente. O tecelão representa a humanidade em contato com os
espíritos, e a armação do tear é feita de acordo com as proporções do tecelão e o ideal é que seja
montado de tal forma que o tecelão fique voltado para o leste. Eles acreditam que os dois postes
frontais sejam a entrada para a humanidade, representada pelo tecelão, e a os postes de trás
sejam a saída para os espíritos. Os tecelões devem ser ritualmente limpos e remover seus
sapatos antes de tecer. Acredita-se que os espíritos vivam em cidades de gênios/demônios
(djins) ao noroeste e sudeste, por isso o milho é plantado sob os postes que correspondem a
estas direções, para propiciar os espíritos. Acredita-se que os espíritos freqüentem a armação à
noite, por isso o tecelão desmonta e leva todas as partes consigo a cada noite. Por causa dessa
associação de seu ofício com o mundo dos espíritos, os tecelões maabube são considerados
especialistas em mágica. Eles usam encantamentos especiais para proteger sua ocupação como
artesãos e itinerantes que viajam sozinhos. Eles se identificam com a hiena, que até eles, como
os outros tukulor, consideram imunda. Eles agem como curandeiros, adivinhos e também como
sacrificadores. Eles também são empregados como cantores de elogios. Suas mulheres são
cabeleireiras especializadas. Por isso, da mesma maneira que os artesãos itinerantes nas
sociedades de castas em outros lugares, eles são desprezados, mas também temidos por sua
mágica e ainda são respeitados por suas habilidades.
Há uma subcasta de maabube, os maabube jaawambe, que são cantores de elogios e
genealogistas. Muitas vezess eles não sabem tecer e não se misturam com os tecelões, mas
trabalham como contadores de histórias, trovadores e cantores para animar os festivais, e festas
organizadas pelos maabube. Há também os maabube suudu paate, que são entretenedores entre
os fulas sedentários. Os maccube são diferentes dos maabube por serem trabalhadores escravos,
descendentes da classe mais baixa de ex-escravos na antiga sociedade tukulor. Eles exercem, ou
já exerceram o ofício de tecelagem e outras tarefas para líderes prósperos e donos de terra no
Vale do Rio Senegal, e até recentemente eles ficavam restritos às aldeias de seus senhores. Eles
são claramente distinguidos dos maabube por serem chamados maccubesanyoobe, ou
“escravos-tecelões”, mas eles provam que os maabube não possuem um monopólio sobre a
tecedura. Os maccube formam parte da casta mais baixa de rimaybe, ou escravos que são cerca
de um quarto da sociedade tukulor. Muitos tecelões escravos agora estão emancipados para se
estabelecer como tecelões nas cidades, mas como os mercadores na maioria das vezes são
homens livres, ou maabube, os caccube não escapam de seu status servil. Mas a competição
deles tende a limitar as oportunidades para os maabube, o que faz com que se mudem. Uma vez
que a demanda é sazonal, os maccube precisam visitar várias localidades durante o ano. Eles
também estão prontos para vender tecido em barracas no mercado, ou vender pelas ruas nas
sextas-feiras.xii O costume de dar tecidos nos casamentos e cerimônias de atribuição de nome à
criança fornece muito trabalho para eles.
Sanyaobe
Os sanyaobe, ou tecelões fulbe na parte ocidental de Mali, são um exemplo da migração
regular dos artífices para bem longe de seu povo pastoralista. Cerca de cinqüenta dos nioro du
Sahel, por muitos anos, se mudaram para Kayes para a estação seca por causa de melhores
perspectivas de comércio. Eles se estabeleceram nas áreas desocupadas da cidade, sendo que os
melhores lugares ficam com os artesãos mais experientes. Eles enviam dinheiro para suas
famílias e voltam pra casa para fazer suas plantações para a estação chuvosa. Eles compram
linha em Segou, Mali, embora os fios de melhor qualidade venham da Costa do Marfim e
145
França. A associação elaborada de seus teares com espíritos nem sempre é confirmada ao se
perguntar a alguns deles.
INADAN (pron. Inhadan; sg. Enad)
Os inadan são ferreiros da sociedade tamajeq em Mali e Níger, totalizando talvez 10 mil
pessoas. Muitas ainda trabalham como parte integral dos campos tamajeq.
As duas principais características de um enad são seu ofício, com sua associação com
magia, e sua capacidade de persuadir alguém a comprar. Eles adoram descrever sua mercadoria
como estando associado a algum lugar, pessoa ou evento especial; o que pode encarecer seu
valor para o comprador. Eles fazem jóias, ornamentos de prata, selas, bolsas para usar sob os
camelos, várias ferramentas, tigelas e utensílios de todos os tipos. Eles fabricam espadas e
lanças e muitos são escultores em madeira e pedra.
Para eles, seu trabalho mais prestigioso é fazer as selas, altamente decoradas, dos
tuaregues. No passado eles ficaram famosos por sua capacidade de equipar, inteiramente, o
guerreiro tuaregue e seu camelo para a guerra. O tuaregue acha que a perícia profissional está
“no sangue”, por isso ninguém pode exercer a profissão se não for um inadan. Qualquer outro
que tentar praticar esta habilidade é atacado ou pressionado. Quando o inadan se estabelece ele
continua apegado a sua cultura e muitas vezes voltam a trabalhar como ferreiro. Eles também
são encontrados trabalhando bem longe dos tamajeq pastorais, estabelecidos nas cidades
maiores e também como grupos de artesão móveis servindo à população não-tamajeq das
redondezas.
Sociedade
Eles possuem um relacionamento complexo de interdependência e vassalagem com os
tuaregues. Eles são considerados socialmente inferiores, devido as suas origens obscuras e pele
escura. Eles alegam ser descendentes do rei Davi, porque em algumas lendas islâmicas antigas
Davi é retratado como sendo o primeiro ferreiro. É possível que os inadan sejam descendentes
de judeus marroquinos. Eles acreditam estar condenados à sujeição aos nobres tuaregues e à
miséria por causa de sua ingratidão para com o profeta Muhammad. Eles não podem formar
tribos como a casta de guerreiros tuaregues, mas são livres para viajar à vontade, o que não é
permitido aos escravos tuaregues.
Os inadan também possuem seus próprios camelos como animais de carga. Eles são
remunerados com donativos e não com salários. Quando os tuaregues viajam, eles sempre se
asseguram de estar no raio de alcance dos acampamentos inadan. Os inadan adotam tendas no
estilo tuaregue ou mouro. As mulheres fazem muito do trabalho de artífice, especialmente os
itens de couro como bainhas para espada e cintos. As mulheres também são parteiras para as
tuaregues. Elas são deixadas em casa por até seis meses do ano, quando os homens estão fora
com as caravanas ou vendendo de forma itinerante o trabalho em couro delas e a produção deles
também.
Os homens usam o véu como os tuaregues, mas suas esposas não. Isto é para cumprir o
conceito de reserva e dignidade com mulheres, anciãos e, especialmente, parentes do cônjuge.
Uma vez que se acredita que esta separação é menor entre os inadan, eles podem ser usados
como negociadores nos casamentos arranjados e outras negociações delicadas entre os
tuaregues. Os inadan também agem como mestres de cerimônias, tocadores de tambor e
fornecedores de serviços para festas nos casamentos e circuncisões dos nobres tuaregues, eles
têm grande habilidade como poetas e contadores de histórias. Embora sejam muçulmanos
nominais, eles são temidos por sua magia negra, que é associada ao seu trabalho com ferro e
fogo.
Língua
Os inadan falam a língua tamajeq, mas em algumas áreas eles parecem usar um dialeto
particular chamado tenet.xii Riesman descobriu que os ferreiros com os fulbe jelgoobei no norte
de Burkina Fasso falam tamasheq e um fulfulde pobre, embora eles tenham vivido nesta
146
situação for muito tempo.xii Eles são encontrados em Mali bem longe dos acampamentos
tamajeq.
Alcance
Não há nenhum cristão conhecido entre eles especificamente, e embora eles tenham
contato com o evangelho como parte da sociedade de fala tamajeq, é necessário assegurar que
eles não estejam sendo negligenciados – especialmente onde uma forma de alcance
especializada relacionada a seu ofício é mais prática.
Itinerantes da África Ocidental
Há vários grupos que não são exatamente povos nômades, mas que, no entanto viajam
constantemente, como os peregrinos para Meca, ou fellata que muitas vezes se estabelecem por
longos períodos nas cidades sudanesas na jornada. Marabus, como os sadus indianos, viajam
por alguns anos e se sustentam esmolando, antes de se estabelecer para abrir um centro de
ensino.
FILHOS DO ALAÚDE DE ARCO (CHILDREN OF THE BOWED LUTE), or
‘Yan goge, norte da Nigeria
Eles não são um povo nômade, porque não formam uma sociedade totalmente baseada
na família. Os membros são indivíduos que, embora vivam outros estilos de vida, estão sempre
prontos para a vida móvel. Eles são, provavelmente, centenas de entretenedores viajando em
trupes de 20 a 50 músicos e dançarinos. A música goge é associada com escapismo e
licenciosidade moral, e estas trupes surgiram no período de independência como parte da cultura
dandi. Os dandi são regiões de bares e bordeis nas extremidades das cidades, e estão associados
com o rompimento das restrições da sociedade islâmica ou a fuga de lares infelizes. Este estilo
de vida tem sido descrito como “ocidental”, “moderno” ou “livre”. A maioria dos membros da
trupe é jovens, párias individualistas. Dizem que a música dá “força de coração” para que as
pessoas esqueçam seus problemas, ou percam o sentimento de vergonha de seu vício. As
performances acontecem a céu aberto, no saguão de um hotel ou do lado de fora de um bar. Um
cantor de elogios coleta as contribuições da audiência e passa os pedidos de música para os
músicos, ou canta músicas de improviso sobre a platéia ou eventos locais. Os instrumentos são
feitos pelos músicos e são a cabaça, tambores e o goge, um alaúde feito de cabaça e tocado com
um arco de crina de cavalo e metal descartado. Os dançarinos executam um estilo livre de
passos formais, sincronizados e eróticos. Os dançarinos são homens e mulheres. Durante o dia
os homens limpam os sapatos ou algum trabalho parecido, e as mulheres servem como
prostitutas. Muitas das mulheres também estão envolvidas com os cultos de possessão espiritual
bori, imitando os supostos movimentos do espírito em sua dança.xii Eles são muito itinerantes,
cada qual com um gerente que viaja antes da trupe para conseguir agendar apresentações da
Nigéria ao Níger. Eles são encontrados em cidades como Kano, Zaria, Funtua, Kaduna e Jos. A
necessidade espiritual é obvia, e a maioria dos membros tem um passado atribulado.
AKWA
Eles são ferreiros itinerantes da sociedade ibo, no sudeste da Nigéria, que receberam o
nome de sua terra natal. Eles se estabelecem num lugar por um longo período e depois se
mudam de novo, ou voltam para Akwa. A qualquer tempo, metade da população de ferreiros
está viajando, ou parada em lugares de trabalho, enquanto os outros trabalham ou cultivam em
Akwa. Mesmo quando, aparentemente, estão vivendo ou trabalhando longe por longos períodos,
eles ainda se consideram pertencentes a Akwa. Eles são famosos por serem especialistas em
rituais, como a adivinhação e a circuncisão.xii
SOROGE, Bozo, Sebbe
147
Estes povos são pescadores seminômades e construtores de barco em Mali, com uma
cultura distinta própria. Eles são encontrados nos rios Níger e Senegal, e outros lugares onde há
água. Eles logo colonizam os novos lagos formados por represas. Sebbe é o termo fulfulde.
Bozo é o termo bambara estrangeiro para aqueles que falam um grupo de quatro línguas, uma
das quais é o sorogama, que tem seis dialetos. Estima-se que os que falam estas línguas variem
entre 20 mil e 200 mil.
Sociedade
Esta situação atualmente é mais complexa, porque quatros destas línguas são faladas por
povos de quatros origens étnicas diferentes. Soroge (sg. sorogo) é o nome que um grupo usa
para se referir a si mesmos. Os outros são marka, um dos povos originais do Delta do Níger
antes da chegada dos fulbe, considerados como sendo agricultores soninke que mudaram para a
pesca. Um outro povo entre eles são os pescadores somono. O quarto grupo são pessoas de
descendência mesclada dos bambara, dogon, malinke e soroge.xii
Nomadismo
As aldeias soroge são próximas aos rios Djaka, Bani e Níger, rio acima a partir de Lac
Demo. Muitas vezes elas ficam isoladas pela água e são difíceis de encontrar. Tipicamente elas
consistem de áreas cercadas por madeiras flutuantes unidas umas às outras, com cabanas baixas
com telhado de folhas de palmeiras ou mato trançado. Geralmente eles deixam peixe secando ao
sol sobre o telhado. Os bozo comem peixe fresco, mas vendem peixe seco ou o trocam com
estrangeiros para cobrir suas outras necessidades. Eles usam vários tipos de redes e armadilhas
para pegar o peixe. Durante as secas dos anos 70 e 80 os pescadores sorage e somono
começaram a plantar e muitos se adaptaram muito bem a isto, com bombas de irrigação para
cultivar arroz o ano todo. Eles preferem arroz em vez do painço – preferido pelos fulbe e outros.
Quando o delta do Níger transborda de outubro a fevereiro, os pescadores se mudam para
acampamentos temporários seguindo os peixes. Há umas 130 espécies de peixe no delta.
Durante a estação seca todos os rios secam, com exceção do Níger; então as aldeias bozo são
acessíveis de carro. Caso contrário, só é possível chegar às aldeias de barco.
Uma outra ocupação importante dos bozo é construir um estilo de barco diferente para
vender para outros povos para o comércio no rio, transporte e pesca. Ele tem fundo achatado
com as laterais planas, primorosamente feito de uma prancha impermeabilizada pela
calafetagem com uma cola local e fibra de algodão. Os barcos possuem extremidades longas,
finas e pontudas. Cada construtor pinta seu próprio padrão de linhas coloridas e formas de olhos
nas proas como uma forma de marca registrada.
Os bozo migram para onde quer que encontrem oportunidades de pesca e construção de
barcos, como o Senegal e Costa do Marfim. Os bozo trabalham como balseiros e construtores de
barcos em Kayes, e vieram de Ségou.
Em Kayes e Segou há festivais anuais de embarcações. Nos barcos há grupos de pessoas
vestidas como animais: leões, hienas, pássaros, crocodilos, cobras e, é claro, o tão importante
peixe. Os expectadores têm que adivinhar quem está por trás da máscara de animal. Há histórias
populares de fulbe e outros não-bozo sendo afundados pelos espíritos das águas, embora os bozo
possam nadar como peixes, estando acostumados a concertar suas redes e armadilhas. O medo
da água e a falta de habilidade para nadar é causa de morte, dizem os bozo, que afirmam não ter
medo da água ou de seus espíritos. Os bamara, e não os bozo, oferecem sacrifícios para os
espíritos da água.
Bozo Pulaar
Um grupo migrou para a área de Kayes no fim do século 19, mas os sonnike expulsaram
estas pessoas para dentro do Senegal. No Vale do Senegal eles se misturaram por casamento
com os fulbe e perderam sua língua bozo e só falam pulaar. Eles parecem chamar a si mesmos
de “bozo-fulbe”. Desde então eles migraram de volta para o Níger, vivendo em pequenos grupos
próximos ao rio e migrando para acampamentos temporários quando necessário de acordo com
a pesca. Deve haver algumas centenas de pessoas neste grupo.
148
Todos os bozo são muçulmanos nominais, embora se alegue que eles tenham pouco
tempo para a religião. Um marabu na aldeia que visitamos ficou irado com nosso guia, dizendo
que esses estrangeiros sempre vêm com perguntas, mas nunca chega ajuda alguma. Há bem
poucos cristãos bozo. Alguém disse que os cristãos deveriam viver com os bozo, aprendendo a
língua e a pesca, para ganhar a aceitação entre eles. A língua é sorogama, e a SIL tem um
projeto de tradução em um dialeto. O povo resiste à educação e à alfabetização em francês e
bambara, por isso o projeto sorogama é crucial para eles. A German Allianz Mission tem uma
família trabalhando entre eles e a CMA mantém um ministro entre os bozo.
SORKAWA, África Ocidental
Os sorkawa são pescadores migrantes no Rio Níger que viajam anualmente entre o delta
na Nigéria e Gao em Mali. Eles trocam seu peixe por painço e outros produtos necessários.
Como “estrangeiros” na cultura local eles são constantemente usados como mediadores e
negociadores nas disputas.xii
14 SAHEL ORIENTAL
A
parte oriental do Sahel é composta na parte de cima pelo Chade e o Sudão, com
3.800 quilômetros quadrados – o equivalente à Europa Oriental ou metade da Austrália. Estimase que haja 6 milhões de pastoralistas nestes dois países.xii Quarenta por cento do norte do
Chade é coberto por montanhas do Tibesti cercadas pelo deserto, e 60 % do Sudão é deserto.
Somente as extremidades ao sul destes paises são férteis para a agricultura, de maneira que “os
nômades e seminômades controlam cerca de 50% do território do Chade, embora eles
representem somente 20% da população”.xii
O Chade está em guerra com a Líbia no norte e com vários movimentos dissidentes
desde o seu período de independência, enquanto o governo tenta avançar em direção à
democracia. Os povos goran, tubu e zagawa têm líderes que contribuíram nas guerras civis no
Chade nas décadas de 70 a 90.xii De acordo como o recenseamento de 1984, o Sudão tinha
2.192.000 pastoralistas nômades, ou cerca de 20% da população.xii Enquanto as populações de
outros tipos de animais permanecem estáveis, o número de ovelhas cresceu duas vezes e meia
por volta da metade dos anos 90. Desde o início dos anos 80, o Sudão tem sido assolado pela
guerra civil porque o governo tem tentado impor um estado islâmico fundamentalista sobre o
sul cristão e animista. Os sulistas se dividem entre os que exigem um Sudão secular e outros que
buscam um Sul completamente independente. Milhões tem sido reduzidos à fome ou se
tornaram refugiados.
Os povos abaixo são listados do oeste para o leste e então para o sul.
Pastoralistas Nômades do Sahel Oriental
TOUBOU ou Tebu e Daza
São um grupo de povos semelhantes, que às vezes recebem o nome de teda (prouncia-se
tedá), que é um povo entre eles. Toubou significa “Povo do Tibesti”, Chade, mas somente 10
149
mil vivem lá agora. Eles não possuem uma unidade social ou mesmo genealógica, mas estão
espalhados pelo norte do Chade, leste de Níger e oásis ao sul da Líbia.
Eles estão divididos em dois grupos à aproximadamente 18 graus de latitude: 72.500
teda ao norte, que falam tedaga; e 282.300 daza ao sul, que falam dazaga. Há 40 mil teda e 15
mil daza no norte do Níger. Entretanto, a língua dazaga também é usada pelos dois grupos como
o meio termo do estilo de vida comum que eles chamam de cultura “teda”.
História
Os toubou têm uma longa história como guerreiros do deserto que controlam as rotas de
caravana que atravessam o Saara. Eles estavam livres para fazer isto porque ambos os grupos
costumavam ter uma sociedade de castas com vassalos e plebeus que trabalhavam para eles.
Entre estes estavam os ferreiros chamados azza, escravos negros chamados kamadja, como os
haratin entre os mouros e saharawis (veja abaixo), e escravos. Para uma descrição dos azza veja
um item separado abaixo, já que eles são nômades não pastorais. Os kamadja são sedentários e
vivem próximos a Borkou, sul de Tibesti, e são 3,6 mil. Eles já foram vassalos dos toubou e lhes
pagavam tributo, mas agora são pagos por sua produção e possuem suas próprias cáfilas de
camelo.
Sociedade
Os toubou têm uma sociedade bastante descentralizada ou fragmentada, com clãs se
dividindo e reorganizando freqüentemente, e por isso a principal unidade social é a família
nuclear. Eles possuem laços de proximidade com outras famílias por parte do homem, em vez
de através da mãe ou irmã. Os rapazes podem escolher suas esposas, mas a moças não podem
escolher seus maridos. Ainda assim o nascimento de uma filha é considerado como motivo de
tanta alegria quanto o nascimento de um filho (contrastando com as reações de muitos povos).
As mulheres podem possuir propriedade, incluindo gado, e quando seus maridos viajam elas
assumem o lugar deles. Ajudar os parentes necessitados é obrigatório, e rixas entre famílias são
comuns. A vingança exige não só que o assassino seja morto, mas também um de seus parentes
próximos.
Os daza são chamados gorans, ou booboo, pelos árabes no Chade. Eles chegam a 159
mil no Chade e 23 mil no Níger.xii Eles correspondem a cerca de 90% dos toubou e estão
divididos em 14 subgrupos. Seus clãs parecem estar ligados ao território e não aos ancestrais,
mas eles estes por sua vez são divididos em grupos de linhagem com um ancestral macho. Os
kreda são o maior clã e são encontrados em Bahl el Ghaza, a 200 quilômetros a nordeste do
Lago Chade. O segundo maior clã é o dos que também são chamados daza, com dois grupos
menores em Kanem, próximo ao lago. Mais para o norte, em Borkou, estão mais cinco grupos.
Para o leste em Ennedi, paralelo com o norte de Darfus do Sudão, estão os ounia, gaeda e
erdiha. Os char’afarda estão em Ouaddai, sul de Abéché. Os dowaza são um grupo de teda que
vivem nos oásis e sobrevivem da criação de gado. Wajunga é um grupo menor.
Os daza são pastores de gado e camelo que também possuem ovelhas e cabras, cavalos
e jumentos. Eles vivem em aldeias de cabanas de esteira com forma de cúpula que eles ocupam
de julho a setembro, a estação chuvosa, para plantar lavouras sazonais. Eles se espalham por
vários pastos durante os outros nove meses, mudando-se de poço em poço, alguns chegam a
viajar até o sul do Lago Chade. As mulheres cuidam do gado enquanto os homens vão para o
mercado. O divórcio é comum e não implica em estigma social. Eles adotaram os costumes
árabes e alguns vivem nas cidades. Eles se rebelaram contra o governo do Chade durante os
anos 80.
Os teda, ou teda-tou, são o segundo maior grupo de toubou. Quinze mil vivem no
Tibesti, noroeste do Chade, e 3 mil vivem no Níger e Líbia. Eles chamam a si mesmos de
tedadaga, ou “o povo que fala tedaga”. Os teda estão divididos em cerca de 40 clãs, e muitos
parecem ter um ancestral que é descrito como um rebelde que fugiu de algum outro lugar. O
tomaghera é o clã nobre dominante, e o líder deles é considerado o governante nominal de
150
Tibesti, famoso pelo simbólico turbante verde que usa. Os arna vivem em Borkou, e os gourous
e mourdia vivem em Ennedi. O idioma deles é o tedaga (na verdade um dialeto de Dazaga),
língua dos seus ferreiros e na qual estão escritas todas as canções e poesias teda. Ao redor de
Bilma e Djado no leste de Níger, os teda falam kanuri e adotaram os costumes kanuri e são
chamados guezebida.
Nomadismo
Cerca de três mil teda praticam o agropastoralismo no Tibesti, mas o restante é nômade.
A agricultura tem declinado por três razões: primeiro, devido à aridez cada vez maior da região;
segundo, porque seus escravos foram emancipados; e, terceiro, porque os teda consideram o
trabalho degradante demais para si mesmos. Isto significa uma crescente ênfase no pastoralismo
de camelos e cabras. Os camelos são criados para dar leite e transporte e são deixados para
vagar livres quando não são necessários. As cabras fornecem leite, carne e couro, e são
pastoreados perto do acampamento.
Os teda vivem em cabanas simples de varas dobradas, cobertas com esteiras ou peles,
de cinco a oito metros de altura, aproximadamente, por dois de largura, com uma entrada
estreita. Há alguns anos eles costumavam usar uma túnica de couro chamada farto. Os homens
teda viajam com manteiga e animais para venda ou transporte, que são trocados por grãos,
tecidos, sal e outras mercadorias. As mulheres também ajuntam nozes e bagas. A maior parte do
pastoreio é feito pelas mulheres, porque os homens constantemente estão fora negociando.
Religião
Os teda são muçulmanos, mas sua cosmovisão é essencialmente animista. Alguns teda
reconhecem algumas antigas influências cristãs em sua cultura. Os demônios são concebidos em
termos bastante humanos, embora eles sejam invisíveis. Acredita-se que eles vivam no norte,
aos pés das montanhas ou em lugares arenosos. Os teda, portanto, nunca montam suas tendas
voltadas para o norte. Eles acreditam que objetos brancos e negros protegem contra o mal, e que
os mortos ainda estão vivos e afetam a vida para o bem ou para o mal. Cada clã possui um
animal tabu associado a si. Os teda gostam de grandes ajuntamentos para festas, e a maioria das
ocasiões, como rituais de passagem, exigem sacrifícios de cabras. Pelos menos uma vez por
ano, um bode expiatório é sacrificado com uma confissão geral de todas as faltas da aldeia.
Língua
Os dois dialetos de Dazaga e Tedaga são diferentes o suficiente para merecer duas
traduções da Bíblia, mas elas parecem ser mutuamente inteligíveis. Traduções da Bíblia em
dazaga e tedaga estão em progresso.xii
Alcance
Quatro freiras católicas romanas fizeram uma tentativa de atingir os teda, migrando com
eles e vivendo em tendas. A AIM possui uma equipe médica entre eles e a SIL e a TEAM
trabalham em Bardal, Chade. Eles buscam contatar os teda atingindo primeiro os daza. A SIM,
SIL, World Horizons e New Opportunities também possuem equipes no Níger.xii Um soldado
cristão do Chade testemunhou na região, resultando no início da formação de uma congregação.
Os teda têm contato com os fulani e toubou em Galmi, incluindo a equipe do hospital.
ÁRABES SHUWA, Chade
Os árabes shuwa, no Chade, formam o segundo maior grupo étnico ali. Eles se
mudaram para o Chade pela primeira vez durante o longo período entre os séculos 14 e 19. As
estimativas do número deles varia muito, entre 30 mil e 450 mil, porque sua mobilidade torna
impossível um recenseamento. Grupos de árabes semelhantes são encontrados fora do Chade,
incluindo os shuwa (veja verbete para Nigéria acima) e o dialeto deles é falado por metade da
população como árabe do Chade. Veja o verbete para Nigéria, acima.
Nomadismo
151
Os árabes são encontrados entre os paralelos de 20 e 14 graus de latitude, e podem
viajar até 1.600 quilômetros ao norte para a Líbia.xii Mas eles normalmente deixam a área norte
para os toubou.xii Embora nascidos no Chade, muitos não são registrados com esta
nacionalidade. Muitos árabes vieram também para o oeste, do Sudão para o Chade ao longo de
muitos anos, como condutores de camelos ou pastores de gado. Como autênticos nômades, eles
tendem a nunca aceitar governo territorial. Politicamente, eles são inconstantes em seus
relacionamentos com os sultanatos locais, recusando-se a pagar as grandes somas de tributos
exigidos pelos representantes dos sultões. O envolvimento deles na política no Chade tem sido
irregular, e eles tendem a se preocupar com sua própria independência e são relutantes em
aceitar educação, tecnologia e emprego.
Ainda assim, os árabes desempenham um papel cultural chave porque até a colonização
o árabe foi a única língua escrita, e também por causa de seu conhecimento do islã. Assim, o
árabe se tornou a língua do comércio e da religião no Chade. Os árabes exercem influência
através de seus contatos comerciais nos mercados, trocando gado, leite e manteiga por comida e
mercadorias fabricadas. Apesar de alguns casamentos mistos com povos locais, os árabes não
foram assimilados.
Sociedade
Os árabes estão divididos em três tribos principais. A maior é a djoheina, formada
pelas tribos ouled rachid, ouled hemat, atié e salamat. Ironicamente, eles recebem o nome de
um ancestral que foi expulso da Arábia no século sete por não aceitar o islã. A tribo hassouna
inclui as tribos assahé, assala e dagana no oeste, norte do Lago Chade. Aquelas situadas na
margem oeste de Chari são chamadas gawalmé. A tribo ouled sliman é o menor grupo. Eles
uma vez foram comissionados para espalhar o islã pelo norte da África.xii Este grupo inclui as
tribos missirie, mahamid, awazme e khozam.
Estas tribos possuem uma estrutura patriarcal de liderança, mas elas se dividiram com o
tempo porque outros contendedores constantemente desafiavam a liderança dos clãs e outros
grupos. Eles já não fazem migrações em conjunto, por causa das diferenças de opinião sobre
como sobreviver no ambiente frágil.
A unidade social básica consiste de famílias estendidas chamadas kochinbet, ou “boca
da tenda ou casa”. Estas consistem de um grupo de tendas ou casas, cada qual com uma família,
estabelecida ao redor da tenda do chefe. Eles fazem casamentos arranjados, sem consultar a
noiva, e com um dote estabelecido de acordo com a riqueza e status do pai da noiva. Os
casamentos são grandes celebrações para as duas famílias estendidas, e não para o casal. A
poligamia é comum, e cada esposa tem sua própria casa. O divórcio é comum, especialmente se
não houver filhos. Ter filhos e netos é tão importante quanto possuir grandes rebanhos.
ÁRABES no leste do Chade
Os árabes no leste do Chade consistem de tribos com gado ou camelos, ou com
rebanhos mistos, que se descrevem como árabes. Eles falam árabe e a maioria parece não falar
uma segunda língua. Eles também possuem cabras, junto com jumentos para as mulheres
montarem e cavalos para os homens.
O número de hawazme é entre 6 e 13 mil, com seções separadas com camelos e gado.
Junto com os khozam e seus camelos, eles são uma autêntica tribo nômade, migrando para uma
distância de 600 quilômetros ou mais. Seus chefes possuem uma base em Abougoudam,
sudoeste de Abéché.
Outras tribos de nômades árabes com seus chefes com base em Abougoudam são os
wuled zed, os zaghawa (de complexões mais escuras), os wuled rashid (com peles mais claras)
e os missiriye. Os mimi não migram, e os nuwabye só migram para pequenas distâncias. Estas
tribos vivem em cabanas circulares de esteiras.
Nomadismo
Durante a estação seca, os hawazme podem ser encontrados no extremo sul do Chade
em Salamat, uma área de pântanos alagados sazonais que fornece boa pastagem. Num ano muito
152
seco eles viajam até o sul, entrando na República Africana Central. Após o início das chuvas,
eles se mudam para o norte, passando por Abougoudam, e então seguem até próximo de Arada
ou até além, para Qum Chalouba. Quando as chuvas e as enchentes no sul diminuem, eles
refazem o caminho para o sul. Cada acampamento deve ter muitas “casas árabes”, ou cabanas,
que consistem de armações de varas arqueadas com esteiras amarradas sobre elas, com lâminas
de plástico azul sobre as esteiras. Uma ONG francesa perfurou vários poços e ofereceu cursos
de criação de animais, cuja procura tem sido desanimadora. A UNICEF tem planos para um
programa de educação.
ÁRABES no Sudão
O número deles pode chegar a 5 milhões. Os árabes cruzaram o Mar Vermelho antes do
primeiro século antes de Cristo, mas a afluência principal dos beduínos para o Sudão ocorreu do
Egito entre os séculos 13 e 15, quando eles ocuparam as savanas. Eles são de origem mista,
porque se misturaram por casamentos com o povo local. Alguns eram de origem berbere, mas
adotaram os costumes árabes. Eles se dedicaram ao comércio de escravos africanos no mundo
árabe no século 19.
Sociedade
A sociedade árabe está dividida entre dois grupos principais de tribos, os gaalin e os
guhayna, de acordo com classe social, estilo de vida e alegações de descendência. Os gaalin,
que se estabeleceram nas cidades, alegam ser descendentes de um primo de Mohammed. Os
guhayna, que nos interessa aqui, são os que continuaram a ser pastoralistas nômades. Eles, por
sua vez, estão divididos em os jamala, nômades de camelos, no norte e os baggara, que são
pastoralistas de gado ao sul. Os jamala abrangem confederações como os kababish (veja
abaixo) no norte de Kordofan e Darfur, e os sukriyyah no sul de Kassala próximo a Beja. Os
baggara incluem os rizaygat e os taaisha em Darfur e os homr, os messiriyyah e os hawazma e
selima no sul de Kordofan - em sua maioria estabelecidos (veja abaixo). O número de baggara
chega a 3 milhões na Nigéria, Camarões, Chade e Sudão.xii
A VSO está envolvida em projetos de reabastecimento de rebanhos, mas os árabes do
Sudão ainda não receberam um programa específico de alcance cristão. A Societé Missionaine
de l’Eglise Evangelique au Tchad (SMEET) trabalha com a Action Partners num projeto de
desenvolvimento de poços para povos nômades e sedentários na região. O que também inclui
trabalho médico, especialmente o tratamento de hanseníase.xii
ZAGHAWA, Sudão
Há 105 mil pessoas deste povo antigo vivendo a noroeste de Kutum, a mais de 200
quilômetros a noroeste de El Fasher em Darfur, Sudão. No noroeste de Níger vivem 35 mil e na
região das Montanhas Ennedi, norte do Chade, vivem 17,5 mil, incluindo três mil pessoas dos
badiyat, ou bideyat. Eles são nômades com rebanhos de camelos, ovelhas, cabras e algum gado.
Seus ancestrais estavam na região antes dos árabes chegarem, mas eles adotaram os costumes
árabes em grande escala. Contudo, isto não pôs fim à sua rivalidade com os kababish.
Seus gom, ou grupos de viagem, são temidos por roubar camelos. Sua terra é
semidesértica no norte de Darfur. Esta região sofreu muito com a seca nos anos 70, e muitos se
mudaram para o sul com pequenos rebanhos ou abandonaram o pastoralismo para ir para as
cidades, tais como El Fasher, construindo favelas ao redor dos mercados. A língua deles parece
estar morrendo, e eles falam sua própria versão de árabe.
Eles têm uma casta distinta de armeiros viajando com eles, carregando seu equipamento
sobre camelos. Tudo o que eles precisam obter de uma arma é um cano importado, e o resto eles
fazem no acampamento. Segundo eles, as armas modernas são mais fáceis de concertar porque
as partes são mais padronizadas. Embora os kababish e outros povos sejam inimigos dos
zaghawa, eles também podem contratar os serviços dos armeiros, porque a habilidades destes é
muito respeitada.xii
MEIDOB, Midob, Sudão
153
Este grupo é formado por 30 mil pastoralistas seminômades que cuidam de ovelhas,
cabras e camelos nos Montes Meidob, cerca de 60 quilômetros a oeste de Hattam, no nordeste
de Darfur, Sudão. Um levantamento de 1997 estima que havia somente 1,8 mil deles. Para por
fim ao roubo de animais entre eles, em 1922, o governo britânico proibiu os kababish de irem
até os montes. Eles possuem um grande depósito de sal em sua região, do qual também tiram
proveito comercial. Os meibob também possuem comunidades estabelecidas.xii
KABABISH, Sudão
É uma confederação de 19 tribos árabes, situada ao norte de Kordofan, norte do Sudão
entre Khartoum e fronteira oriental do Chade. Talvez eles sejam 100 mil.
História
A maior parte dos ancestrais deles veio da Arábia antes do século 17. Outros, de origem
beja e mouro, formam partes de suas tribos. Os árabes kababish originalmente vieram como
mercenários de governantes locais, e quando estes governantes dispensaram seus serviços eles
passaram a se dedicar ao pastoralismo e formaram a confederação kababish, por volta de 1300.
O nome vem de kabish, que quer dizer “um carneiro”.xii
Os árabes a oeste do Nilo se uniram em casamento às mulheres do reino cristão núbio e,
tendo-se tornado herdeiros, obtiveram controle da terra através de suas esposas. Uma outra
tribo, os awlad sulayman, foram beduínos que tinham se estabelecido em Fezzan na Líbia e
perderam a batalha contra os tuaregues. Eles se mudaram para o Chade em 1850, e de lá alguns
se juntaram aos kababish no Sudão. Eles costumavam servir como guias e fornecedores de
camelos para as caravanas que atravessam as rotas entre o Nilo e a África Ocidental. Eles
tiveram sucesso em reivindicar sua área do norte de Kordofan empurrando os zaghawa, bani
jarrar e dar hamid para o sul. Eles se tornaram mais unidos à medida que o estado moderno
estendeu seu controle durante o século vinte.
Sociedade
Os kababish estão organizados em famílias economicamente independentes. Para os
kababish, uma tenda simboliza um casal unido pelo casamento, o que implica em oferecer
hospitalidade. Hospitalidade e comida são sinônimos – chamados karam, de karama, ou comida
oferecida em sacrifício. Cada tenda pertence a uma esposa, e as mulheres são mantidas isoladas
em suas tendas. Homens solteiros não possuem tendas, porque não têm uma esposa para
cozinhar para eles e assim oferecer hospitalidade. As tendas, geralmente, são armadas sob uma
árvore próxima para ter sombra e são voltadas para o leste. Elas são feitas de shugga, ou tecido
de pelo de camelo e um pouco de pelo de cabra. Dois postes suportam a tenda, com uma aresta
no meio e as extremidades externas apoiadas por mais dois postes. O beduíno na Arábia prefere
usar somente o pelo de cabra. Fora da tenda um pequeno abrigo feito de madeira solta, chamado
de tukul, serve como uma cozinha. Em geral, os únicos pertences dentro da tenda são a cama
dobradiça (de cerca de 30 cm de altura), algumas bolsas grandes para camelos e uma estrutura
para carregar a tenda no camelo.
Nomadismo
Os kababish se consideram jamala, ou nômades de camelo, mas eles logo aprenderam a
criar ovelhas e algum gado. Os jumentos são usados para carregar mercadorias, incluindo água.
Os kababish criam seus camelos para vendê-los nos mercados do norte do Sudão. De onde são
revendidos para o Alto Egito. A tosquia dos camelos é um tempo de celebração no fim do
inverno, e eles convidam todos os vizinhos para festejar. Os kababish não confiam na carne de
camelo para sua dieta regular, preferindo mingau de painço, com carne ou leite quando
disponíveis. Suas roupas geralmente são farrapos, mas seus camelos e suas selas recebem um
cuidado especial. Os kababish se consideram nus sem uma espingarda ou rifle e uma adaga
atada a seu braço esquerdo.
154
A escassez de pasto significa que os rebanhos têm que se mudar rapidamente, e decisões
pastorais cautelosas têm que ser tomadas. Durante a estação seca eles permanecem próximos
aos seus damars, ou poços permanentes, ou cavam novos buracos nos cursos de água secos.
Alguns passam a estação seca no sul do Deserto Líbio. As chuvas são escassas e só caem entre
julho e setembro. Nestes meses os homens levam os rebanhos para 100 quilômetros longe dos
acampamentos principais.
DAR HAMID, Sudão
É uma confederação de tribos árabes, agora sedentárias, na região de Qoz de Kordofan
central, Sudão. É uma zona de transição entre o nômade e o agricultor. Os 164 mil dar hamid
são descendentes dos cuidadores de camelos que migraram do Egito, e eram nômades até 1890,
quando perderam seus rebanhos em conflito com os baggara. Alguns são pastoralistas. Seus
filhos aprendem a cuidar do gado, começando com cabras até chegar ao gado e ovelhas, e mais
tarde indo a distâncias maiores com os camelos. A maioria tem uma existência penosa,
combinando algum cultivo com pequenos rebanhos e ajuntando goma-arábica. O solo não é
muito fértil e os campos cada vez mais se tornam distantes das limitadas fontes de água. Eles
têm que mudar seus campos em curtos intervalos de anos, e portanto são nômades no sentido de
serem agricultores em deslocamento. Eles praticam o islamismo popular.xii
BEJA ou Bedawi
Um número de 951 mil a 1,5 milhão de bejas vive no nordeste do Sudão na província de
Kassala, Etiópia, entre o Nilo e o Mar Vermelho. Na Eritréia vivem 120 mil, e 77 mil no Egito.
Eles se autodenominam bedawi e falam a língua, não grafada, to-bedawie. Eles estão na região
há quatro mil anos e podem ser descendentes dos antigos egípcios. Eles vieram a dominar a área
no terceiro século, até os árabes invadirem o Egito no século 17.
Os beja têm sido pressionados política e militarmente no Sudão, Eritréia e Egito. Sua
pastagem está sendo tomada deles, e alguns têm sido internados em acampamentos. Eles só
migram a pequenas distâncias entre os montes do Mar Vermelho e a planície costeira na estação
seca, ficando próximo de seus poços. Só 3% habitam nas cidades.
Sociedade
Há quatro tribos beja principais – hadendowa, bisharin, amarar e beni-amer na
Eritréia todas têm em comum a língua to-bedawie.
Os hadendowa no nordeste do Sudão eram chamados “fuzzy wuzzies” pelos Kipling.
Há 30 mil deles no Sudão, vivendo junto aos deltas dos rios Gash e Tokar. Eles estavam
originalmente situados ao redor de Sinkat, mas se mudaram para o sul. Os hadendowa sempre
têm escassez de comida, que precisa ser trazida para suplementar os produtos de seus camelos e
cabras. Eles cultivam algodão e investem os lucros em gado. Um esquema do governo sudanês
para cultivar algodão e mamona está em operação, mas poucos se estabeleceram nas aldeias
associadas, preferindo contratar outros para cultivar sua terra enquanto eles continuam com sua
vida nômade. Na cultura deles cada mulher recebe uma tenda permanente quando ela se casa,
que é herdada por suas filhas.xii
Os bisharin, bishariyyan ou abadan são uma tribo beja, mas de descendência mista
beduína e beja. Há 15 mil no nordeste do Sudão, junto ao Rio Atbara, com camelos, ovelhas e
cabras. Há 58,4 mil vivendo no sul do Egito, nos montes e na costa do Mar Vermelho. Eles
ainda vivem em cabanas de toras de madeira e galhos ou tendas de fibras de palmeiras
trançadas.xii
Os amarar vivem no centro dos Montes do Mar Vermelho e são seminômades.
Os beni-amir – nome usado para todos os beja, mas também para este grupo de bejas –
vivem na fronteira do Sudão e Eritréia, mudando de acordo com as chuvas.
Religião
Os beja se tornaram muçulmanos nos séculos 15 e 16. O que mudou sua sociedade e os
tornou politicamente ativos no Sudão em favor do islã. Eles eram originalmente matriarcais com
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uma herança por parte da mãe. As mulheres administram suas famílias e podem possuir cabras e
camelos, embora não lhes seja permitido tirar leite. Elas não precisam de permissão para viajar.
Os homens fazem a maior parte do trabalho pesado. As mulheres podem se divorciar de seus
maridos.xii
Alcance
Não há tradução da Bíblia para o beja. Uma versão árabe do filme Jesus está
disponível.xii A New Opportunities antecipa ajuda para este povo e a Red Sea Missiam Team
trabalha na área, mas duas outras organizações foram expulsas. Houve só um batismo em 1991.
YEDINA, Buduma ou Boudouma e Kouri
O nome deles mesmo é yedina, que significa “o povo do lago”. Buduma significa “povo
do mato”, referindo-se aos juncos de papiro que eles usam para suas casas e barcos. Os povos ao
redor, dos quais eles diferem consideravelmente, usam o nome num sentido depreciativo. Os
yedina migraram do Oriente Médio com os kanji. Há 25 mil no Chade, 4 mil no Níger e 3 mil
no estado de Borno, Nigéria.xii Eles estão divididos em cinco ou seis clãs de pescadores e o clã
guria, que são pastoralistas seminômades.
Os yedina vivem na costa norte do Lago Chade em suas duas mil ilhas reais e
flutuantes. Por causa do relativo isolamento destas ilhas, os buduma conseguiram manter sua
identidade, e eles possuem uma longa história de invadir a terra firme e depois bater em retirada
para suas ilhas. Eles têm aldeias de cabanas de papiro em algumas das ilhas mais permanentes.
Mas se o lago inunda as ilhas, eles simplesmente carregam as cabanas para as partes mais
elevadas.
Nomadismo
Eles podem ser considerados como um povo nômade, por suas mudanças sazonais e por
causa de suas viagens a comercio. A vida deles gira ao redor de seu gado - usado não para
carne, mas para leite e sacrifícios. Desta forma a dieta dos yedina é baseada no leite de vaca e
no peixe. Eles também plantam painço e milho. Os homens yedina apascentam seus rebanhos,
cada um com cerca de 100 cabeças de gado. Na estação seca, eles se mudam das aldeias para
estabelecer acampamentos temporários nas ilhas flutuantes e pescar com seus barcos de papiro
chamados kadai. Alguns dos barcos maiores podem carregar gado.
Os homens vão até a distante Kanem para vender peixe, ou para vender peixe seco para
ser vendido nos mercados da Nigéria. Este é um exemplo de uma estratégia de subsistência
sendo transformada numa operação comercial, mas que também põe em risco seu estilo de vida
se houver pescaria excessiva.xii Muitos buduma, tanto os pescadores quanto os pastoralistas
guria, estão migrando para a Nigéria. Eles têm dois assentamentos, Baba e Mallamfatori, no
estado de Borno. Eles falam sua própria língua e alguns falam kanuri ou hausa. Eles se
misturaram por casamento com os kanuri.
Os homens só criam gado ou pescam. As mulheres constroem as casas e fazem o resto
do trabalho, pois tal trabalho é considerado inferior à dignidade dos homens. O casamento é
arranjado, mas com o consentimento do casal, e o noivo paga o dote da noiva em dinheiro e
vacas. O casal vive com a família do noivo pelo primeiro ano antes de se estabelecerem
sozinhos. A poligamia é permitida e o divórcio é comum. O adultério costuma ser punido, mas
uma atitude mais relaxada permitindo o divórcio prevalece hoje. Os filhos permanecem sem
nome por algum tempo após o nascimento já que a mortalidade infantil é alta, e eles recebem
um nome secreto e um para o dia a dia. Os meninos são iniciados na sociedade ao cinco anos.
Isso envolve cortando sete ou mais cicatrizes nas faces. Eles são circuncidados aos sete anos e
recebem vacas como presentes.
Religião
Os vários clãs possuem seus próprios ritos religiosos, misturados com um islamismo
superficial. A maioria deles adora o espírito do Lago Chade com sacrifícios e acredita numa
criatura assustadora que supostamente vive no lago. Sua língua é diferente das dos povos ao
156
redor deles, e por isso uma tradução da Bíblia está em andamento. Um trabalho médico inicial
entre eles no Chade pela SUM foi interrompido pela perseguição. Por volta desta época, muitas
pessoas foram convertidas ao islã. A COCIN e a Action Partnes trabalham entre este povo em
Mallamfatori e Baga, Nigéria. Não há cristãos buduma. A TEAM e a SMEET estão na região,
mas de acordo com a Patience Ahmed nenhum grupo está atingindo especificamente os
buduma. Gravações evangelísticas em fitas de audio estão disponíveis em buduma.
BUA, Boa, Boua ou Bwa, Chade
Há 20 mil buas, embora o recenseamento de 1993 tenha listado somente 7,7 mil –
divididos em dois grupos de fazendeiros e pastores. Eles vivem a 150 quilômetros ao norte de
Sarh e leste de Kono e Korbol. Os pastoralistas viajam grandes distâncias por semanas com seus
grandes rebanhos de gado, ovelhas e cabras. Os bua foram convertidos à força ao islã pelos
rabas por volta de 1900. Os que se recusaram foram mortos. Muitos têm voltado para sua
própria forma de animismo, embora 20% aleguem ser muçulmanos. Não há cristãos entre eles,
mas há algum interesse em contatos com cristãos entre os obreiros do governo do Chade
enviados para lá. A AIM também tem uma família entre eles. Os bua possuem um
conhecimento muito limitado de árabe, e por isso é necessária uma tradução da Bíblia.xii
OUADDAI ou Maba
Há 300 mil no nordeste do Chade. Eles são agropastores semi-sedentários baseados em
200 aldeias, a maioria dentro de um raio de 150 quilômetros de Abéché. Os maba ocupam suas
aldeias por um período de três a quatro meses durante a estação chuvosa para cultivar painço e
sorgo, sua mais importante alimentação. Cada aldeia consiste de cerca de 500 pessoas vivendo
numa centena de cabanas de palha com pequenos quintais, com passagens que ligam todas elas
a um local central de reunião. Este local de reunião consiste de um abrigo de cerca de oito
metros quadrados que serve com mesquita, salão da aldeia e tribunal.
Os jovens (16 a 25 anos) ficam fora de dezembro a abril, a estação seca, com seus
rebanhos de gado, ovelhas e cabras, viajando por grandes distâncias para o sul em busca de
pastagem. Enquanto isto, os pais e os filhos adolescentes mais novos se mudam para a região
fértil que costeia os leitos fluviais, onde eles vivem em abrigos temporários. Outros jovens
buscam trabalho manual em Abéché e no Sudão. O ciclo migratório deles funciona de tal forma
que, por parte do ano, somente os idosos ou crianças estão nas aldeias.
Eles vivem no fio da navalha numa região cada vez mais árida, já que a maior parte das
parcas chuvas foge da região e são necessários açudes para reabastecer o nível do lençol de
água. Mesmo poços novos e profundos podem secar após dois anos. Em 1984 a seca levou
muitos à morrer de fome e aldeias foram abandonadas.
A língua é o bora mabang, e a SIL inicio uma tradução. A WEC entrou em contato com
os maba urbanos, que por sua vez têm contato com suas aldeias.
DADJO ou Daju, Saaronge
Acredita-se que os dadjo tenham migrado do vale do Nilo no século 13 e estabelecido
um sultanato na região de Darfur, antes de serem desalojados pelos fur. Agora eles formam
grupos isolados que ainda falam sua língua tanto em Darfur como no Chade. Eles são
agricultores sedentários e criadores de gado. No Chade, os dar daju se autodenominam
saaronge. Eles totalizam 21,1 mil e são semisedentários na área ao redor de Mongo e Eref. Eles
falam árabe shuwa, bem como dadjo e negociam com os árabes missirié. Os dar fur totalizam
90 mil e vivem a 40 quilômetros a nordeste e sudeste de Niyala, província de Darfur, e também
a oeste de Kordofan, Sudão. Os dar sila, que se autodenominam bokoruge, totolizam 33 mil em
Goz Beida, Chade e Darfur, Sudão. Eles falam a própria língua e um dialeto árabe. Eles não
possuem as Escrituras em sua língua. Seus sultões os conduzem numa mistura de islamismo e
religiosidade popular, que envolve a veneração de pedras e árvores sagradas.xii
FUR, For(a)
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Há 500 mil fur vivendo em Darfur, ou terra dos fur, oeste do Sudão e 1,8 mil se
encontram no Chade. Os fur estão na região há dois mil anos e tinham um sultanato
independente, reduzindo os povos ao redor à vassalagem. Eles dominaram a região a partir das
aldeias nas montanhas Marra. Isto acabou quando os ingleses chegaram. Os fur gostam de se
distinguir dos árabes, que são relativamente recém-chegados.
Eles vivem em casas feitas de rochas de lava, cercadas por terraplenos que sobem a três
mil metros, pois caem chuvas pesadas nas montanhas de julho a setembro. Sua dieta é
basicamente mingal de painço e vegetais. Eles trocam seus produtos por frutas nos mercados de
Nyala, El Fasher e Kutum. Os fur não tiveram sucesso em dominar os baggara e dar-hamid em
Qoz ao sul, e agora eles fazem comércio. Eles compram seus bezerros e depois os revendem
com cinco ou seis anos para suplementar seus poucos rendimentos do cultivo. Cada homem é
uma unidade econômica separada e geralmente possui duas esposas que vivem em casas
separadas. Os homens comem juntos em suas casas comunitárias. Eles são muçulmanos.xii
ZAIYADIYA ou Zayadiyya
Eles são pastores de camelos árabes nômades no oeste do Sudão, que invernam em Bahr
el Arab, entre Darfur e Bahr Al Ghazal, e passam o verão no norte em Darfur. Pouco se sabe
sobre eles.xii
BAGGARA, ou Baqqara
Seu nome significa “criadores de gado” e também poderia ser aplicado à vários grupos.
Eles vivem ao sul de Darfur e sul de Kordofan, Sudão, ao sul dos kababish. Eles são um grupo
relacionado aos povos árabes que se misturam por casamento aos núbios. Eles têm preconceito
acerca de possuir uma pele mais clara. Os baggara são formados pelos rizaygat e taaisha em
Darfur, e os homr, hawazma, messiriyyah e selima no sul de Kordofan. Seu território foi
definido por fatores naturais e políticos do início do século vinte.
Nomadismo
Cada tribo está dividida em clãs, subdivididas em grupos chamados surras ou
acampamentos que viajam juntos. Cada homem possui seu próprio rebanho e os surras são
flexíveis em sua composição. Eles podem se dividir por causa da escassez de pastagem, ou as
famílias podem deixar o grupo para se unir a um outro. O gado é o centro da vida dos baggara e
fornece a maior parte da dieta de leite e carne; somente o gado que está para morrer de doença
ou por idade é sacrificado. O gado também fornece transporte para a família, se auto prolifera e
auto transporta, e é uma forma de moeda para toda sorte de negócios entre os baggara. É
também a única base de status social, pois o tamanho do rebanho decide a influência do homem
e de sua família. Qualquer dinheiro de outros negócios é gasto na obtenção de mais gado. Esta
preocupação com a quantidade do rebanho em vez da qualidade, por motivos de status social,
está causando uma grave superpopulação na pastagem escassa. Contudo, pode ser possível que
eles mudem de atitude, uma vez que também gostam de manter alguns animais nobres, como
touros, como símbolos de qualidade.
Um rebanho grande confere status porque implica que o dono é um administrador de
animais habilidoso, o que lhe dá os meios de ser hospitaleiro e influenciar os negócios. Os
homens, o tempo todo, carregam uma lança e um amuleto contendo porções do Alcorão. As
mulheres têm um importante papel nos acampamentos e não usam véu, nem são segregadas
(como acontece entre os beduínos árabes).xii Os baggara migram para o sul em dezembro com
seus rebanhos de gado e retornam ao norte em abril, para chegar em seus acampamentos mais
permanentes em junho onde as mulheres cultivam painço enquanto os homens levam o rebanho
mais para o norte.
Os homr (sg. homrawi) são o maior e mais conservador grupo de baggara; eles são 55
mil e vivem em Dar el Homr, entre El Fula e Bentiu no sul de Kordofan, Sudão Central. Em
suas tradições, eles alegam ter vindo da Arábia, cruzando o Mar Vermelho e o Nilo para se
estabelecer no sul do Saara. Eles permaneceram em peregrinação por muito tempo para evitar
cair em poder dos sultões, só se estabeleceram em Kordofan por volta de 1775, atacando outras
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tribos baggara no processo. Eles estão divididos em duas subtribos, os ‘ajaira e felaita, que por
sua vez têm cinco clãs cada, e hoje os líderes do clã são pagos pelo governo do Sudão para
manterem a ordem.
O homrawi vive e trabalha como parte de um grupo de famílias relacionadas chamado
surra, ou acampamento. O acampamento em si consiste de um círculo de barracas portáteis em
forma de cúpula. Seu gado lhe dá auto-suficiência e sua habilidade como pastor também atrai as
mulheres para se tornarem suas esposas. É comum o casamento entre primos, ou pelo menos
dentro da surra, e as esposas são responsáveis por tirar o leite e fazer manteiga, que é vendida
nos mercados. Os homrawi trabalham para outros em seus campos para ganhar dinheiro que eles
investem em mais gado, em vez de outras mercadorias. O que leva à ameaça de
superpastagem.xii
Os surras passam o verão no norte entre El Muglad e El Fusa. Felizmente esta é a
estação chuvosa para revitalizar o pasto, porque o espaço é restrito e a pastagem tem que ser
compartilhada. Eles migram via Muglad para o sul da cidade, onde fazem a colheita do painço
que plantaram quando estavam a caminho do norte. Eles fazem a viajem mais para o sul
devagar, gastando algumas semanas. Os rebanhos usam o pasto na rota e eles esperam que os
insetos morram na pastagem ao sul. Em Bahr el Ghazal, onde eles ficam de dezembro até a
primavera, cada surra fica localizado próximo a seu próprio poço para a estação seca.
Hawazma: É uma confederação de duas tribos – os halafa no leste de Kordofan, Sudão
e os próprios hawazma nos distritos centrais do sul de Kordofan. Entre os hawazma há
pastoralistas nômades, agropastores estabelecidos e aqueles que começam a se estabelecer,
como também os que estão recomeçando o nomadismo – fora os que se estabeleceram nas
cidades e que também foram parte de uma rede social em constante mudança. Mais da metade
dos hawazma se estabeleceram como fazendeiros ou trabalhadores do governo nas cidades.
Há um constante intercâmbio entre as famílias sedentárias que visitam os grupos
nômades e os nômades que estão se estabelecendo. A maior parte dos fazendeiros estabelecidos
possuem pequenos rebanhos de cerca de 20 vacas, como é o caso de outras pequenas famílias
estabelecidas que estão buscando voltar ao pastoralismo formando seus próprios rebanhos. Eles
formam grupos temporários que apascentam seus animais ao norte durante a estação chuvosa,
deixando suas esposas para cuidar das plantações. Muitas vezes eles não possuem a experiência
de nômades, e isto pode ser um negócio arriscado. Mas se um homem tiver sucesso, sua esposa
pode se juntar a ele na migração e se tornar parte de um novo grupo nômade tentando se
estabelecer. Este é claramente o caso de alguns pastoralistas sedentários retornando para o
nomadismo, embora outros continuem estabelecidos. Os nômades podem deixar seus filhos com
parentes sedentários para a educação. O sistema dá segurança para o caso de ou o cultivo ou o
pastoralismo falharem.
Sociedade
Um acampamento é chamado de fariq e é formado por várias famílias. Os membros do
acampamento têm parentesco próximo, embora famílias sem parentesco sejam constantemente
incorporadas como membros da mesma categoria. Muitas vezes há casamentos entre os
membros, e eles cooperam nas tarefas pastorais e devem ser leais uns com os outros. A
disposição do acampamento é circular, simbolizando o relacionamento igualitário entre os
homens. Um homem conduz cada família com várias tendas administradas por esposas ou irmãs
com os filhos mais novos. Dentro do círculo de tendas há kraals (cercados) de espinheiros
construídos por cada família. No centro está o local de reunião para os homens. Casas portáteis
para casamentos e velórios feitas de varas e palha ficam situadas do lado de fora das tendas. A
maioria das linhagens nômades tem pelo menos uma família que permanece o ano inteiro nos
acampamentos, para cuidar das plantações na ausência dos demais. A partir deste acampamento
central eles fazem viagens para pastos de estação seca e chuvosa em diferentes direções. As
famílias pastoralistas possuem uma média de 100 vacas por rebanho, mais ovelhas e cabras, e
em geral só aquelas com mais de 30 cabeças de gado, além de ovelhas e cabras, migram. Bois,
jumentos e camelos são usados para transporte. As rotas de migração têm que primeiro passar
por um reconhecimento já que não só o suprimento de água e a grama crescida têm que ser
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checados, mas também as áreas cultivadas e cursos de água dentro de linhas divisórias de
propriedade têm que ser evitados. Os hawazma passam a longa estação seca do ano nos
acampamentos próximos às fontes de água permanentes nas campinas argilosas das montanhas
Nuba no sul de Kordofan.
Para a estação chuvosa, de julho a setembro, os acampamentos pastoralistas nômades se
mudam para o norte para os solos arenosos ao sul de El-Obeid, norte de Kordofan. A viagem
leva cerca de seis semanas, e o retorno 3 semanas. Cinco rotas diferentes são usadas,
aproveitando as estradas pavimentadas e lugares com água. Os hawazma também fazem
plantação de sorgo, gergelim e ervilha-de-vaca ao longo da rota no início das chuvas, e colhem
quando retornam no fim da estação chuvosa.
Religião
Os hawazma possuem um relacionamento próximo com seus animais e seus valores são
uma mistura de crenças e mitos acerca do gado e da ideologia muçulmana.xii
FELLATA, Fulfulde ou Fulani
Este grupo vive próximo a baggara no sul de Darfur. Há 90 mil fulbes ou fulanis na’i
no oeste do Sudão. Eles são uma ramificação dos m’bororo. Muitos falam árabe e fulfulde. A
Bíblia no dialeto fellata de fulfulde está disponível desde 1983.
DINKAS
Há 320 mil no sul do Sudão, divididos em 20 tribos que vivem numa área de 250 mil
quilômetros quadrados.xii Há quatro grupos principais: 400 mil padang; 250 mil bor; 250 mil
agar; 450 mil rek (total 2 milhões).xii
Nomadismo
O gado predomina na cultura deles, com cada homem tendo um boi favorito. Eles vêem
paralelos entre a vida do gado e da humanidade. A identidade de um homem está relacionada
com seu boi, por isso o status de sua virilidade depende da presença de seu boi no rebanho. Sem
gado, um homem não tem lugar na sociedade. Ele não pode se casar, apaziguar os mortos,
resolver disputas e pagar dívidas. Pessoas sem gado, como os missionários, são consideradas
quase sub-humanas. O gado tem direitos e não é considerado propriedade. Os animais são
mortos em primeiro lugar, não como comida, mas como sacrifício. Contudo, os dinka não se
fiam inteiramente no gado, mas também plantam painço, vegetais e pescam.
Eles possuem assentamentos permanentes de algumas barracas circulares próximo das
quais fazem suas plantações, nas primeiras chuvas de março a maio. Eles têm poucas possessões
pessoais. Em junho e julho a terra pantanosa próxima aos rios alaga os pastos, fazendo com que
os jovens tenham que migrar com os rebanhos. Eles constroem acampamentos para o gado onde
homens e animais jovens ficam alojados nos abrigos temporários, que são pouco maiores que
quebra-ventos. A chuva termina em outubro. Alguns dos homens retornam para ajudar com a
colheita e quando terminam o gado é trazida de volta para a pastagem original, com sua recémcrescida forragem. Novembro é o período em que os dinka se reúnem para atividades religiosas,
sociais e criativas. Mas em janeiro, como a pastagem domiciliar está consumida, os pastores
retornam para os rios com o gado.
Religião
Os dinka alegam conhecer a divindade universal chamada Nhialic, que eles dizem ser
também o Kuoth dos nuer, o Alá dos muçulmanos e o Deus cristão. Mas é aos deuses menores
que eles sacrificam – como a Deng, Garang, Macardit e Abuk, ou, entre os agar dinka, uma
divindade chave chamado Loi. Alguns desses deuses não são conhecidos por todos os dinka.
Essas divindades só podem agir quando invocadas pelos nomes corretos. Os homens chamados
“Mestres da lança de pesca” têm funções hereditárias como sacerdotes e muitas vezes são
enterrados vivos como que para manterem seus poderes após a morte. Eles também são
videntes, ou tyet, que alegam serem divinos. G. Lienhardt foi capaz de demonstrar que um
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vidente que ele e seus companheiros consultaram estava predizendo eventos gerais a partir de
informações que ele tinha ajuntado na conversação. Um ran wal, ou homem remédio, vente
fetiches como feixes de raízes e ramos, que são considerados remédios poderosos contra os
inimigos de um homem. O poder deste amuleto supostamente ameaça um homem com
conseqüências, más a não ser que ele corrija seus supostos atos errados.xii
Os dinkas lideraram a coalizão rebelde do sul contra o governo muçulmano do norte.
Em 1992 os nuer e outros povos se rebelaram contra essa liderança, permitindo que o exército
do governo avançasse até Juba. Em 1995 os dinkas novamente estavam liderando a coalizão
rebelde e buscando a independência, e não um Sudão secular, com a ajuda dos rebeldes do
norte. Sua sociedade está estruturada de acordo com o acampamento de gado, com famílias
trabalhando juntas quando conveniente. Vários destes acampamentos formam acampamentos
maiores que por sua vez formam subtribos.
Eles são animistas, com 4% de cristãos e 1% de muçulmanos. Os padang, bor e agar
possuem porções da Bíblia. A tradução dinka padang do Antigo Testamento está 14%
completa.xii A tradução do Novo Testamento em rek pela SIL está em andamento.xii As dioceses
de Bor, Rumbek e Wau da Igreja Episcopal na província do Sudão são, em sua maior parte,
dinka.xii A ACROSS trabalha com igrejas locais e com a Action Partners. A SIM e a Sudan
Interior Church também estão envolvidas com os dinka. Uma transmissão de rádio em dinka
está no ar desde de 1996.
NUER
Os dinka chamam estes vizinhos próximos de nuer, mas estes se autodenominam naath
(povo). Eles totalizam 40 mil na Etiópia e 740 mil no Sudão.xii
Os nuer estão cercados por um anel de grupos dinka. Eles possuem tantas semelhanças
culturais com os dinka que já foi sugerido que o conflito interno entre os dinka levou a uma
diferenciação dando origem aos nuer, cerca de 400 anos atrás – ou talvez mais.xii Tanto os dinka
como os nuer são formados por tantos grupos separados que não fica claro até que ponto eles se
consideram como um povo.
Sociedade
As tribos tendem a se considerarem comunidades distintas. Elas estão divididas em clãs
e linhagens, esta última tendo a responsabilidade de administrar o pastoreio e a migração. Como
não há autoridade suprema para servir como árbitro, as disputas tendem a ser decididas por
conflitos a nível local. Por isso, rixas são comuns. A compensação é a base para a resolução de
disputas. Atualmente, dizem que os tribunais locais assumiram um papel conciliador. No
casamento, a família da noiva recebe gado em troca moça.
Nomadismo
Os nuer dividem com os dinka uma área de pastoreio no sul do Sudão que tem como
barreiras naturais, o deserto ao norte e a floresta no sudoeste, sul e leste que torna a pastagem
difícil e abriga doenças do gado. Os nuer estão encerrados numa área menor do que a região
mais aberta dos dinka, e por isso eles são forçados a usar o pasto mais eficientemente. Isto
significa que eles podem se mudar menos e precisam de maior cooperação entre si.
Cada família possui seu próprio gado. O status e o interesse dos nuer estão em seu
gado, e eles desprezam aqueles que não possuem animais. Um menino é iniciado na maioridade
por meio de cicatrizes paralelas produzidas em sua fronte. Um boi é dado a ele como seu
companheiro e ele deixa pra trás o mundo de sua mãe – tirar leite e tarefas domésticas. Casar e
contar gado são ações expressadas pela mesma palavra, porque o dote da noiva pago em gado
atribui o valor das mulheres.
O centro de sua terra é ao redor do Lago No, que constantemente transborda de junho a
agosto. Exceto para os que vivem nas poucas aldeias espalhadas nas terras altas, o povo precisa
se mudar para evitar as cheias. Mais tarde, em agosto, quando as águas recuam, a grama alta é
queimada para estimular um novo crescimento. Na estação seca o solo pantanoso retém água o
suficiente para o gado pastar. Os rebanhos tendem a ficarem próximos dos rios que ainda têm
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água. Quando se esgota esta pastagem, eles viajam cruzando as planícies para encontrar grama.
Nesta estação a dieta à base de leite tem que ser suplementada pela caça e a pesca. Quando as
cheias retornam os rebanhos são movidos para a região mais alta, mais afastada dos rios e
próximas às aldeias, se possível.
Religião
Muitos dinkas têm sido assimilados pelos nuer, incluindo no compartilhar da religião,
mitos e rituais. O que inclui os “espíritos do ar” ou diel. Kuoth nhial, o deus do céu, é a
divindade suprema associada com o respirar ou sopro. Os outros deuses, ou kuth, incluem as
divindades serpentes Lual e Deng. Para expiar o pecado, uma ovelha é cortada ao meio por um
profeta. O profeta e a profetisa alegam entrar em transe quando dançam para revelar a vontade
divina e aplacar os deuses, dizem também possuir poderes para curar. A morte pode exigir
sacrifícios ou até o casamento levirato. Como espíritos, os mortos podem se comunicar com os
vivos através de sonhos.xii
Alcance
Os Presbiterianos Unidos estão envolvidos com os nuer desde o início do século 20. Há
várias igrejas entre eles. A primeira tradução da Bíblia está sendo impressa.xii Desde os anos 60,
o governo muçulmano têm enviado cristãos para o exílio. Uma transmissão de rádio cristã em
nuer teve inicio em 1996. O exército da salvação esteve envolvido no resgate de cristãos nuer
vendidos como escravos para o norte do Sudão em 2000.
MURLE
Eles são 60 mil no Sudão e 6 mil na Etiópia. No Sudão os murle são nômades de gado e
vivem nas montanhas junto ao rio Pibor, próximos à fronteira com a Etiópia. Esta é uma área
muito remota, mas ainda assim ela tem sido grandemente afetada pela guerra civil no Sudão.
Eles constantemente invadem as comunidades agrícolas do anyuak na Etiópia em busca de
gado, pesca e até crianças. O projeto de tradução da Bíblia começou em 1976, e um grupo de
várias missões tem fornecido serviços médicos e veterinários, aulas de alfabetização, bem como
evangelismo. A guerra civil interrompeu o trabalho, os missionários foram tomados como
reféns por alguns meses, e a tradução foi terminada no Quênia. Uma igreja foi formada entre
eles. O Novo Testamento e porções da Scripture Gift Mission estão disponíveis.xii
TOPOSA
Há 95 mil deles que são pastoralistas seminômades no sudeste do Sudão, e 10 mil
vivem na extremidade sudoeste da Etiópia. Eles habitam uma planície pantanosa na província
equatorial oriental. Uma tradução da Bíblia está em progresso e duas coleções de fitas de audio
evangelísticas estão disponíveis.
Povos Não Pastorais no Sahel Oriental
AZZA ou Haddad
São um povo ou uma casta de artesãos entre os toubou. Eles estão espalhados em
pequenos grupos entre os daza e teda, trabalhando como oleiros, fazedores de cordas, tecelões e
curtidores. Há também ferreiros que, como outros artesãos, vivem em grupos espalhados por
diferentes partes do norte do Chade – mas cerca de um quarto deles vivem em Kanem. Os teda
acreditam que o ferro tenha uma qualidade mágica que oferece proteção contra os demônios. Os
azza também são açougueiros, tintureiros, curtidores, sapateiros, menestréis, oradores e
tecelões. Briggs os trata como uma casta na sociedade toubou, e ele pessoalmente está
descrevendo os teda no Tibesti. Ele diz que eles estão mais integrados com os clãs a quem eles
servem entre os teda e daza, embora até aqueles que vivem entre os teda do Tibesti falem
dazaga. Mas esta língua parece ser uma língua franca entre todos os grupos de povos toubou.
Weeks e Godbold os consideram um povo distinto. Tradicionalmente, eles usam roupas de
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couro ou um cinto de couro com uma franja como um sinal de sua casta. O termo parece
também incluir os menestréis e caçadores. Eles são desprezados por causa de suas ocupações e
temidos por seu contato com os espíritos.xii
15 ÁFRICA ORIENTAL
E
sta área inclui a Etiópia, Eritréia, Somália, Quênia, Tanzânia e Uganda. Esta é a
área do mundo em que podemos encontrar o maior número de pastoralistas de gado. O gado é
criado ali por razões sociais e comerciais ou de subsistência. Os acampamentos permanentes se
desenvolveram por causa da necessidade de ter cercados para guardar o gado dos grandes
predadores, comuns na região. Esta permanência também permite o cultivo suplementar. A ODI
fornece os seguintes números em relação aos pastoralistas: 1,6 milhão na Etiópia;xii 1,7 milhão
na Somália; 1, 5 milhão no Quênia; 500 mil em Angola; 14 mil em Botswana e 100 mil na
Tanzânia (somente maasai).
A Etiópia parece ter o maior número de animais domésticos na África, e 40% da região
é de pastagem. Cinqüenta por cento da terra na Eritréia é adequada para o pastoralismo, e outros
3,6 % do total da área são adequados para a agricultura. O pastoralismo é principal modo de
vida em 11 distritos do Quênia. Estes distritos representam cerca de 70% da região, mas
sustentam apenas 8% da população. Há 3,5 milhões de pastoralistas no Quênia ocupando as
partes norte, sul e oeste. O Kenya Pastoralist Fórum (Fórum Pastoralista do Quênia) foi fundado
em 1994 para estimular o desenvolvimento e para que a assistência seja ainda mais disseminada
para ajudar o norte pastoral do país.xii
Pastoralistas Nômades da África Oriental
'AFAR ou Danakil
São pastoralistas seminômades, e moradores de aldeias estabelecidas, divididos
entre Djibouti (170 mil), Etiópia (450 mil), Somália (488 mil) e Eritréia (300 mil).xii Eles
preferem ser chamados de ‘afar, que significa “o melhor” ou “primeiro”, e consideram
pejorativo o termo danakil. Eles provavelmente vieram da Arábia, mas estão no deserto
Danakil há 10 séculos. Eles foram capazes de manter sua independência, a invasão italiana
da Etiópia nunca derrotou os ‘afar. A maioria deles agora vive em cidades. Os ‘afar estão
divididos em asahiyamara (asiema), ou “vermelhos”, na região de Assayita, e os
adohiyamara (asiemra), ou “brancos”, que vivem no deserto. Os que vivem ao longo da
costa associam a pesca e o comércio, com o Iêmen, com a criação de ovelhas e cabras.
Nomadismo
Os ‘afar formam kedos, ou grupos de pastoreio, formados por várias famílias
relacionadas. Eles geralmente possuem mais cabras do que ovelhas, mas ainda precisam de
carne de carneiro para as festas muçulmanas. Os somalis, por outro lado, tendem a possuir
mais ovelhas do que cabras. Na Etiópia, os ‘afar gastam o período das chuvas, de
novembro a fevereiro, na região mais alta, logo abaixo do escarpamento, para evitar os
mosquitos e a lama. Eles descem quando a inundação diminui até estarem estabelecidos ao
redor de suas fontes permanentes de água, para esperar as chuvas novamente. Em Djibouti,
os ‘afar praticam um nomadismo horizontal percorrendo pequenas distâncias em
diferentes direções, de acordo com o pasto e as chuvas. Muitos receberam ajuda para
utilizar melhor suas fontes de água, no cultivo de hortas, e agora alguns plantam grama
como forragem.
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Sociedade
No acampamento, cada esposa ou mãe é a cabeça de sua própria casa e vive numa
cabana em forma de domo chamada de ‘ari, feita de esteiras de palmas cobrindo talos de
palmas curvados. A cabana é feita por todas as mulheres e dada a uma noiva em seu
casamento. Quando esta cabana é reconstruída em um novo lugar, os objetos que estavam
na barraca primeiro são deixados no chão, na mesma posição que ocupavam dentro, a
cabana então é montada sobre eles pela dona. A maioria das mulheres é dada em
casamento por volta dos quatorze anos de idade, aos primos para que um dote pequeno ou
nenhum tenha que ser pago, evitando assim uma diminuição no rebanho. Há uma taxa
muito grande de divórcio. As mulheres geralmente tiram leite das cabras, fazem manteiga
líquida ou sólida e dirigem a música, cantando e tocando tambor. Elas também ajuntam
lenha e buscam água.
O prestígio de um homem depende de sua bravura e de seus animais. O status
entre os ‘atar depende de quantas pessoas o guerreiro matou, porque a guerra é
fundamental para seu modo de vida. Bravura na circuncisão, caça e batalha são medidas
de prestígio e virilidade para o casamento. Quando os meninos são circuncidados, eles
ganham tantas vacas ou touros quantos forem capazes de chamar, apesar da dor. Os ‘atar
costumam ser desconfiados e reservados, mesmo em relação a outro ‘afar que eles não
conheçam. Os clãs são competitivos, e as constantes rixas e conflitos são comuns. A
escassez de água no fim da estação seca é uma das causas mais freqüentes de atrito. É
bastante comum que os animais bebam antes das famílias. A única decisão coletiva a ser
tomada é sobre quando migrar. Embora o pasto seja compartilhado, as fontes de água
pertencem exclusivamente a cada clã e são ciosamente defendidas. Os grupos de
guerreiros chamados filma têm uma existência destacada guardando os rebanhos e poços
de água. Os homens sempre pastoreiam e tiram leite dos camelos.
Os ‘atar comerciam animais com os agricultores galla ou oromo das montanhas,
que criam gado leiteiro. Muitos trocam sal do lago Karum, na depressão Danakil, por
grãos cultivados nas montanhas. O sal se torna mais valioso e o adicional entra na Etiópia.
De fato, os jovens ‘atar são condutores de caravanas de camelos itinerantes. Os ‘afar
usam seus camelos machos somente como animais de carga, e nunca os montam, a não
ser que estejam doentes demais para caminhar.
Os harsu, que vivem no sopé das montanhas, provavelmente deram origem aos
‘atar. Eles atuam como pastores contratados pelos galla e como intermediários no
comércio entre os dois povos. O número total de falantes da língua inclui 400 mil na
Etiópia e Eritréia, e 300 mil em Djibouti. xii Os grupos de ferreiros viajando com eles
parecem ser exilados dos clãs, mas eles não seguem os costumes ‘afar.
Religião
Os ‘afar são muçulmanos, mas possuem um sistema ritual elaborado envolvendo
o lado direito e o esquerdo. O direito significa “puro” e “masculino”, o esquerdo significa
“impuro” e “feminino”. Não há cristãos entre eles. A tradução do Novo Testamento, da
RSMT, foi publicada em 1994, e a primeiro rascunho do Antigo Testamento está
pronto.xii Um hinário e fitas de áudio estão disponíveis. A RSMT estabeleceu clínicas em
três cidades, com grupos de visita partindo delas. Um projeto agrícola foi realizado
também. Os Batistas do Sul também estão trabalhando na Etiópia, a TEAR Fund os ajuda
com projetos, e os ‘atar podem ouvir uma transmissão diária da FEVA Radio. Há um
testemunho cristão entre eles em Djibouti.
RASHEIDA, ou Rashaida
Os rasheida são árabes nômades com camelos e cabras; eles migraram da Arábia
Saudita em 1846, sob a liderança de um homem chamado Rasheid. Eles estão distribuídos
ao longo da costa do Mar Vermelho na Eritréia e as estimativas sobre o total deles variam
entre 3,5 mil e 10 mil. Eles costumam usar seus camelos como animais de carga e
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caminham com eles, em vez de montá-los. Hoje eles levam as ovelhas e cabras até o pasto
em camionetas, e os camelos machos são mantidos mais por prestígio. A fêmeas são
mantidas para dar leite e aumentar o rebanho. Os rasheida acampam apenas com uma
manta sobre estacas (como um quebra-vento ou para fazer sombra). Eles são um povo
extrovertido, embora sejam reservados e não tenham nada assimilado. Contudo, as
mudanças políticas na região os têm tornado mais abertos à influência externa. Eles falam
sua própria versão de árabe e porções da Escritura em fitas de áudio estão disponíveis. A
RSMT teve duas clínicas durante os anos 70, mas desde então a Kale Heywet Church da
Eritréia trabalha entre eles.
SOMALIS
Eles podem ter viajado do Iêmen no século 7 d.C. para se estabelecer na atual
área. O nome é derivado do árabe e significa “afortunado” – na posse de animais,
especialmente camelos. Ainda há 290 mil somalis vivendo no Iêmen, principalmente nos
acampamentos próximos a Aden. Hoje há mais de 7 milhões de somalis – a maioria vive
na Somália, sendo que 2 milhões vivem na Etiópia, 380 mil no Quênia, 180 mil em
Djibouti e cerca de 30 mil na fronteira com a Tanzânia. Eles são cultural e
lingüisticamente aparentados com os mar, oromo e borana.xii
História e distribuição
Cada somali pertence a uma ou mais confederações de clãs. Os dir, formados pelos clãs
esa e gadabursi, estão espalhados pelos quatro países. Os daagood são o maior clã e estão
situados no nordeste da Somália e nos arredores de Ogadan, Etiópia, sul da Etiópia e nordeste
do Quênia. Os isxaaq são encontrados no nordeste da Somália, Djibouti e Etiópia. Os rahanwiin
vivem no sul da Somália. Os hawiye também vivem no sul da Somália e Etiópia e nordeste do
Quênia. Em parte eles se misturam com duas outras confederações de clãs chamados digil e
rahanwin, que são de uma descendência mais misturada e são, antes de tudo, agricultores no sul
da Somália entre os rios Shabeelle e Jubba. A maioria dos pastoralistas os chamam de sab,
porque são agricultores, embora o termo seja usado em outros lugares e pelos somalis para se
referir a caçadores e artesãos itinerantes.
Estas confederações maiores possuem pouca coesão política, já que são grupos
nômades por prática e tradição. Os anciãos ou adultos (homens) lideram cada clã, e uma
liderança central com um chefe é rara. Isto torna a Somália instável como nação e é um exemplo
de descentralização e estrutura democrática que o pastoralismo nômade criou. O símbolo da
nação, uma estrela de cinco pontas, alude a outras divisões causadas pelo colonialismo e não
pela confederação de clãs. As tensões entre estes grupos obrigaram a ONU a intervir
militarmente durante o período de 1993-94, para tentar estabelecer a paz entre as três facções
rivais. O norte do país declarou sua autonomia e alguns países estão começando a reconhecer
esta parte como Somaliland.
a) Somália
As diferenças entre somalis do sul e do norte criaram uma cultura de desprezo e
desconfiança. Os somalsi do norte constituem 77,5% da população da Somália, e dois
fatores moldam sua cultura: o pastoralismo nômade, como a única forma possível de meio
de vida nesta área árida, e sua adoção do islamismo no século 10.
Por outro lado, os somalis do sul se misturaram com os agricultores bantu, entre
os rios Jubba e Shabeelle, o que os levou a um estilo de vida diferente daquele do norte.
No extremo sul da Somália, dois grupos, os maxamed zubeer e os herti, deram início a
uma parceria na exportação de gado para fora da região, o que ilustra como o comércio
internacional afeta o pastoralismo. Os maxamed zubeer do clã ogaadeen ocupam uma
grande faixa de terra que se estende até o Quênia pelo oeste. Eles dominaram a parte sul
da Somália por um século, tendo forçado os orma a se tornarem os principais criadores de
gado da região. Os herti são criadores de camelos com experiência no comércio e, após
um período de conflito, eles se estabeleceram nos portos e formaram alianças comerciais
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com seus antigos inimigos. O comércio fortaleceu os pastores locais, que passaram a
fornecer carne para o mercado local e para a exportação. Nos anos 80 eles exportaram
gado do Quênia e da Somália para a Arábia Saudita. Eles perderam este mercado para os
produtos de exportação australianos mais baratos, mas eles compensaram esta perda
estabelecendo um comércio de exportação para os mercados do Egito e Iêmen, e depois
para os mercados quenianos.xii
b) Etiópia
Os somalis na Etiópia são representados por clãs como os ogaadeen (4.000) e os murille
(4.000). Os somalis em Djibouti são 215 mil, divididos entre os issa (103 mil), os gadaboursi
(48 mil) e os issaq (41 mil).
c) Quênia
Os somalis representam um terço de todos os pastoralistas no Quênia, totalizando 400
mil, de acordo com o recenseamento de 1979. Eles formam cerca de 90% da população nos
distritos de Mandera, Wajir e Garissa, junto à fronteira oriental com a Somália e a Etiópia. Os
quenianos os consideram uma ameaça e em 1989 os somalis foram forçados a se registrar como
residentes sem cidadania plena.xii Os ajuran, umas das cinco divisões dos hawiye, são 17, 1 mil.
Eles migram em grupos de famílias vagamente relacionadas, com seus rebanhos de camelos,
ovelhas e gado. Poucos deles são capazes de ler, mas fitas de áudio evangelísticas estão
disponíveis. Os menonitas e os anglicanos estão envolvidos, sendo que o trabalho deles entre os
gabbra estabelece uma base para um trabalho posterior.xii
Os gurreh são outro clã dos hawiye em número de 30 mil, mas este número
inclui muitos que se uniram por casamento com os borana. Seis por cento são pastoralistas
nômades, e eles são semelhantes aos somalis do norte. Há 400 mil em acampamentos de
refugias no norte do Quênia.xii Os degodia são um outro grupo de somalis no norte do Quênia
em número de 40 mil. Eles são o mais próspero grupo somali com os maiores rebanhos. A
maior parte das pessoas que se converte, ouvindo o evangelho nas fitas de áudio pertencem a
este grupo. Sua crença sunita no retorno de Isa ou Jesus contribuiu para as conversões.xii
d) Tanzânia
Há cerca de 34 mil somalis na Tanzânia, na nação Maasai nos arredores da cidade
fronteiriça de Namanga. Eles possuem muitos camelos e, provavelmente, consideram estar no
Quênia. A Moravian Missions tem um interesse neste grupo. Há também um grupo a oeste do
Lago Natron, a oeste de Namanga, que são considerados invasores que outrora pertenceram ao
exercito somali.xii
Nomadismo
Os homens somali criam camelos e os consideram sua fortuna, e somente em
condições mais favoráveis eles criam gado, ovelhas e cabras. As mulheres e crianças
cuidam das ovelhas e cabras. Os clãs garre e gaaljacel desenvolveram mercado para o leite
de seus camelos, o que os integrou à economia nacional do sul da Somália. xii Eles
continuam a ser nômades, buscando pastagem e viajando em grupos e famílias relacionadas
formando um reer, ou acampamento. Na estação chuvosa os rebanhos podem ser mantidos
próximo ao acampamento por causa da maior quantidade de pastagem. Esta é a estação
para o descanso e cerimônias, como casamentos. Como muçulmanos, os somali podem se
casar até com quatro mulheres, mas há uma distinção de status entre as esposas. Com a
primeira esposa e seus filhos ele forma o que eles chamam de “casa grande”, e com as
outras esposas a “casa pequena”.
Religião
A Bíblia foi traduzida para o somali em 1979, mas só há 1.000 cópias em
circulação. O filme Jesus está disponível em somali. A SIM transmitiu um programa de
rádio por mais de 20 anos, a partir de Nairobi e FEBA. Muitas cartas foram recebidas e
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cursos por correspondências foram enviados. Esta missão precisava de mais obreiros em
1995. A AIM apoiou os obreiros da SIM em Garba Tula, Lokichogio, Moyale e Wajir, e
está formando uma equipe de treinamento e alcance. Há cerca de 2.000 cristãos somalis que
foram perseguidos na Somália. Lokichogio já foi uma aldeia pequena com uma igreja,
dispensário e escola primária, mas agora se tornou a base principal para enviar suprimentos
para o sul do Sudão.xii
Bodi ou Podi
São pastoralistas no sudoeste da Etiópia, eles vivem na curva do Rio Omo ao norte
dos mursi, a quem chamam de dama. Os bodi têm um histórico de ataques e saques a todos
os povos ao redor, para repor animais de seus rebanhos que morreram de doenças bastante
comuns. Todos os homens são obrigados a participar, e eles não deixam sobreviventes entre
aqueles que eles atacam. Mas os mursi eventualmente expulsaram os bodi de seus pastos ao
sul no canal do Orno e, nos anos 70, uma guerra entre eles resultou em sua retirada do vale
Mara também.
Evangelistas gofa e wallayta proclamaram o evangelho para os bodi por muitos
anos, como o fizeram missionários ocidentais em visitas ocasionais a eles. Os bodi mataram
um evangelista dimi em 1990 e Nana Shaga, um evangelista do povo wolayta, foi
apunhalado até a morte por um bunna em 1991, enquanto trabalhava entre os bodi. Os bodi
falam o me’en, uma língua relacionada ao mursi, que eles compartilham com seus vizinhos,
os agricultores tisheni. O método cronológico tem sido útil na salvação de milhares destes
agricultores. Muitos deles agora são cristãos e há esperança de que um dia os bodi possam
ser evangelizados pelo testemunho deles. A SIM e a WBT estão trabalhando lado a lado, e
a tradução da Bíblia está progredindo. xii
DIMI ou Dime
Os dimi vivem em Kefa, Etiópia, próximo ao rio Orno e após os bodi. Eles agora
são só 2.100, devido a doenças não tratadas. A SIM estabeleceu uma clínica médica em
Bako em 1954, onde um paciente terminal dimi fez as primeiras gravações do evangelho
em sua língua. Nesse meio tempo o pai do homem teve um sonho acerca da “Palavra da
Vida” vindo aos dimi. Um evangelista dimi foi morto pelo povo bodi em 1990. xii Há
também evangelistas aari e gofa entre eles. Há três igrejas entre os povos nômades, mas
eles não possuem as Escrituras em sua própria língua e o povo não é bilíngüe.
MURSI ou Mun
Eles chamam a si mesmos de mun, e há entre 6.000 e 7.000 deles situados no
sudoeste da Etiópia entre os rios Orno e Mago. Até pouco tempo atrás eles eram um povo
nômade relativamente remoto, nunca sujeitado a invasores ou impostos. Agora o governo
e o turismo estão entrando na região. Eles são relacionados aos chai, atravessando o Orno
em direção ao oeste. Muitos dos chai estabeleceram residência entre os mursi por causa
da fome e da guerra. Os mursi parecem ter se mudado para esta região na segunda metade
do século 18, partindo das montanhas que eles chamam Dirka no oeste e cruzando o
Orno. Eles não puderam se estabelecer no canal oeste do Orno porque ele tinha ficado
inundado durante a estação chuvosa. Eles cruzaram o rio e expulsaram os kwegu, um
povo de caçadores coletores, e enganaram os primeiros exploradores europeus na região
escondendo o gado e dando a impressão de que eram caçadores, porque seus rebanhos
estavam fracos devido a uma epidemia de peste bovina.
Os mursi estão divididos em três grupos tribais ou buranyoga (sg. buran),
chamados: doia (com três subdivisões de 1,5 mil cada), ariholi (500) e gongulobibi
(1000). Estes grupos circulam pelo território, mas estão distribuídos nesta ordem do norte
ao sul, ao longo do rio Orno na estação seca. Eles praticam não só o pastoralismo de
gado, mas também o cultivo em áreas alagadas e rotação de cultura em montes, todos
num ciclo anual.
167
Nomadismo
O pastoralismo molda o pensamento dos homens mursi. Eles são tão apegados aos seus
animais que se um homem não é fascinado pelo gado, ele é considerado delinqüente. Mas eles
dependem das duas formas de agricultura praticadas por suas mulheres. A chuva é muita incerta,
e em muitos anos a água só é encontrada nos rios Orno e mago. Eles ocupam o canal do Orno na
estação seca, e na estação chuvosa eles cultivam o pasto de vales de rios afluentes. Eles não
possuem estabelecimentos permanentes ou cabanas.
O rio Orno transborda em agosto e fertiliza novamente suas margens, que são mais
confiáveis para o cultivo do que as plantações em clareiras nas montanhas. Quando as águas
recuam em setembro, as famílias mursi se dividem, vivendo separadas de setembro a fevereiro.
As mulheres e as meninas vivem nas margens tomando conta dos campos de sorgo, plantado em
faixas estreitas ao longo dos barrancos do rio. O sorgo pode ser colhido em cerca de dez
semanas. Cada buran dos mursi ocupa uma área de cultivo diferente ao longo de 80 -100 Km do
rio Orno.
Neste meio tempo, os homens e os meninos levam o gado para pastagens nos
montes Arichukgirong e Dara, e no vale Elma entre eles, a uns 15-25 km de distância. O
gado não pode ser mantido na planície alagada, próxima ao Orno, por causa da mosca tsetsé. Eles vivem em acampamentos temporários, dependendo de leite, sangue e carne do
seu gado como base de sua alimentação.
O período de chuvas mais fortes começa em março. O período que vai até
novembro, quando há um segundo período de chuvas, é chamado de estação molhada.
Este é o início do ano mursi e do ciclo de migração que eles chamam de bergu. O povo
vem junto, as mulheres indo para o interior para os vales de alguns afluentes sazonais do
Orno e os homens descendo dos montes com o gado em direção ao oeste até distancias de
uma caminhada dos campos. Estes afluentes só contêm água suficiente para cerca de duas
semanas durante as chuvas. Mas as chuvas variam consideravelmente, e os mursi têm que
abrir clareiras para formar novos campos a cada quatro ou seis anos. Os lugares de
precipitação de chuvas fornecem pastagem suficiente e uma segunda colheita de sorgo.
Isto quer dizer que durante três meses todo o povo pode se beneficiar do leite e do gado.
Junho é o tempo de ajuntamentos sociais como casamentos.
Em setembro eles se dispersam novamente, para que as mulheres cultivem nos
barrancos a leste do canal do Orno e os homens pastoreiem o gado nas pastagens. Antes
de partir no início das chuvas, os mursi queimam a vegetação restante, para permitir o
crescimento de grama fresca no vale Elma. Se forem bem sucedidos, o gado pode
encontrar pasto suficiente. Caso contraio, a escassez de água nas montanhas geralmente
significa que eles têm que descer com os rebanhos para o vale Orno infestado com a
mosca tse-tsé.
Estas separações nômades sazonais significam que o sucesso da atividade
econômica deles cada vez mais determina a composição de seus grupos sociais, em vez de
laços familiares ou descendência. Os mursi se ajuntam para discutir ações cooperativas,
como defesa contra ladrões de gado. Por outro lado, as pessoas costumam viver separado
com seus rebanhos.xii
História
Todo o período desde 1970 tem sido de tensão. Os mursi agora adquiriram armas
automáticas. Um conflito com os bunna foi resolvido por eles “ao se sentarem juntos para
comer a carne das vacas um do outro” em cerimônias de paz. xii Alguns do mursi dola
ocupara o vale do rio Mago, a leste da área de pastagem mursi, que foi território bodi nos
anos 70. Outros mursi ocuparam o vale do Mara ao norte. Esta ação provocou a guerra
com os bodi ao norte em 1952, 1971-75, e novamente em 1997-98. O rio Mara se tornou
a fronteira entre estes dois povos pastorais, já que 200 mursi se instalaram ali. Mas estes
mursi tiveram que deixar seu gado nas pastagens, para ser pastoreado por outros, por
causa da tse-tsé.
168
Os mursi são um exemplo de uma sociedade pastoral que sofre adaptações
sucessivas a condições inconstantes. Eles usam duas formas de cultivo com o
pastoralismo de imigração e somente cerca de 20% de sua subsistência vem de seu gado,
por causa de baixo número de gado para a população. Muitos dos mursi morreram nos
períodos de fome dos anos 70 e, quando falha o cultivo, sua sobrevivência depende da
troca de gado por comida. Muitas vezes as chuvas para a segunda colheita ao longo dos
afluentes não vêm, e o espaço para novas clareiras para a mudança do cultivo de
plantações está diminuindo. As áreas fertilizadas pelas cheias do Orno também estão
ficando cada vez menores porque o nível do lago Turkana, que é alimento pelo rio, têm
diminuído nos últimos 100 anos. Estas cheias menores também resultam na perda de
valiosas pastagens de estação seca junto ao Orno por causa do crescimento de arbutos
densos. Esta é a razão porque os mursi terão de continuar a adaptar seus métodos de
sobrevivência.
Religião
Os mursi seguem sua religião tradicional. Sua sociedade está dividida em grupos
de idade e clãs. Tentativas de estabelecer escolas para ensinar o amharic falharam, e
somente uma pessoa foi alfabetizada nesta língua em 1998. A SIM possui um centro
médico no rio Mago. Uma epidemia de meningite nas pastagens em 1992 foi tratada com
sucesso. Visitas médicas e veterinárias regulares são feitas aos acampamentos de
pastagem, e estão em andamentos tentativas de treinamento em alfabetização. Um outro
homem foi ensinado pelos missionários a ler e escrever mursi. Sua habilidade em
comunicar desde os acampamentos de gado até a base no Mago criou uma nova atitude
positiva para com a educação. Estão sendo feitas tentativas de outros tipos de cultivo e
projetos para melhorar as áreas de plantação.xii Evangelistas dos aari, um povo das
montanhas ao leste, estão vivendo na área, mas não são livres para viajar entre os mursi.
DAMA, Dhuak, Suri ou Surma
Os dama, em numero de 20 mil a 40 mil, possuem um estilo de vida parecido com
os mursi como pastoralistas de emigração e agricultores swidden. Eles vivem no sudoeste
da Etiópia, até o oeste dos mursi. Está em andamento uma análise lingüística e a Igreja
Luterana Mekane Yesu está trabalhando entre eles.
HAMER e BANNA ou Bunna
São dois povos pastorais diferentes, cada um totalizando 25 mil pessoas, no
sudoeste da Etiópia. Eles vivem a nordeste do término norte do lago Turkana – os hamer
ao sul, e os banna ao norte. Os dois falam a mesma língua.
As mulheres hamer ficam no acampamento, cada família cultivando um campo de
sorgo. Os jovens constantemente estão fora com o gado e as cabras em pastos distantes
até se casarem. Quando se casam, mulheres e homens são considerados “anciãos”, e os
homens descrevem seu tempo como dividido entre suas esposas no acampamento e seu
boi favorito no pasto, e entre uma dieta de grãos no acampamento e uma dieta de leite e
sangue com o gado. Dois evangelistas africanos, os dois de nome Peter, que tinham
trabalhado com os mursi, foram mortos pelos hamer.
Há 30 anos que os banna têm sido evangelizados pela SIM. Dois veterinários da
SIM e evangelistas nacionais dos aari, um povo de agricultores ao norte dos banna, estão
trabalhando com eles. Pode ser o início de cerca de oito igrejas diferentes. Fitas de áudio
estão disponíveis, e a tradução da Bíblia está em andamento.
ARBORE
Os arbore são um pequeno povo, de cerca de 5.000 pessoas, situado a leste dos
hamer-banna e norte do lago Chew Bahir, Etiópia.
DAASANICH ou Daasanetch, Merille,Glena, Reshiat, ou Shanhilla
169
Eles vivem entre os menos atingidos do rio Orno e termo norte do lago Turkana,
sul dos hamer-banna. Há 27,5 mil deles na Etiópia e 2,5 mil no Quênia. Os turkana, que
eles atacam constantemente, os chamam de merille. Shanhilla é seu nome em amharic.
Eles são formados por oitos pequenos grupos de povos, pastoralistas e agricultores. No
Quênia, a maioria deles são pescadores que pescam com lança. O maior povo são os
inkabelo – 7.000 pessoas.
Nomadismo
Os daasanich são pastoralistas que suplementam sua subsistência com agricultura
e pesca. Seu estilo de vida é seminômade porque o gado é central para sua sociedade e
essencial para sua sobrevivência. No nascimento e em cada fase da vida, seus filhos
recebem animais de presente, cada um construindo a base para seu status e riqueza com
um rebanho. Uma filha é muito valorizada, e quando ela tem sete ou oito anos é realizada
a cerimônia de dimi, durante a qual sua família sacrifica uma vaca de seu rebanho para
aumentar a fertilidade dela. Um homem deve matar muitas vacas para sua filha, pois isto
aumenta seu prestígio e status como um ancião, ainda que o empobreça.
As chuvas na Etiópia descem o rio Orno e provocam enchentes no delta de
outubro a novembro. Quando as águas recuam, elas deixam um lodo fértil, é quando os
nômades podem plantar sorgo, painço e tabaco, que já podem ser colhidos em abril. De
abril a maio mais chuvas pesadas anunciam a vinda da estação seca novamente, e é o
período para os sacrifícios rituais e as festas do povo. Estas e o dimi acabam por diminuir
o número de animais, o que deve ser corrigido saqueando e roubando os animais dos
turkana, gabbra e rendille. Durante a estação seca os homens levam os rebanhos a oeste
para pastar.
Linguagem
A lingua daasanich ou geleb é um dialeto de ormo. O povo pratica sua religião
tradicional e o cristianismo. O ritual de passagem da adolescência para a vida adulta de
um menino é pela circuncisão e participação em incursões. Eles se orgulham muito de
matar um inimigo, e mais tarde fazer um sacrifício de “purificação” durante o qual são
feitas cicatrizes em seu peito. A SIL está envolvida com outras equipes na tradução da
Bíblia, que deverá estar logo disponível. Na Etiópia, os projetos de desenvolvimento
iniciados por missionários foram interrompidos por um tempo pelo governo marxista,
mas agora eles retomaram o trabalho. A SIM e suas parceiras, Kale Heywet Church e
African Inland Church, têm alguns crentes entre eles. xii A Linguistic Recordings também
possui fitas de áudio evangelísticas disponíveis.
OROMO ou Galla
No sul da Etiópia, este é um grupo grande de povos que pode constituir entre 25%
e 40% da população da Etiópia – cerca de 15 milhões de pessoas. Estes povos incluem os
arusi (1,33 milhão), guji (380 mil) e salale (1,946 milhão). Os 1,077 milhão de harer
falam o oromo oriental. Os wellega (8 milhões) falam outra forma de oromo.
Os oromo originalmente eram pastoralistas no sul da Etiópia, mas no século 19
eles aproveitaram o conflito entre o reino cristão habesha e as forças muçulmanas, e se
expandiram para o norte para ocupar a maior parte das terras altas. Muitos deles foram
assimilados na cultura daqueles com quem entraram em contato, aprenderam a
agricultura, e alguns até se casaram com membros da família imperial. xii Uma
característica de sua sociedade é o gadai, ou uma organização de gerações de homens
numa hierarquia, cada um com direitos e responsabilidades na sociedade.
Religião
Os oromo seguem suas religiões tradicionais em diferentes regiões. Waka é
considerado a divindade suprema, mas Ataytay, a deusa da fertilidade, e o deus Astaro
são importantes na vida dos oromo. Ataytay é importante para doentes ou grávidas, pois
170
são feitas oferendas para apaziguá-la e o sangue de uma cabra sacrificial é derramado
sobre uma mulher e depois é passado manteiga. Outros, como os harer e arusi se
converteram ao islã ou à Igreja Ortodoxa Etíope.
Há só alguns crentes oromo. Os luteranos suecos e alemães foram os primeiros a
atingir os oromo, e hoje há uma igreja entre os wellega. Há cerca de 30 congregações
pequenas relacionadas com a SIM entre os arsi.xii Os 380 mil guji seguem sua religião
tradicional. Um ancião entre eles teve uma visão há 50 anos, antes dos cristãos chegarem,
de uma roda no céu e homens brancos vindo. Há cerca de 200 crentes, embora este
crescimento pequeno, mas significante, tenha custado o martírio de um evangelista.
Alguns desses crentes foram treinados como evangelistas. A SIM também está envolvida
em projetos de suprimento de água entre eles.
BORANA ou Bom, Quênia e Etiópia.xii
Os borana são um dos grupos que falam oromo, mas os borana não consideram o
termo “oromo” como se referendo a si mesmos – para eles o termo implica em alguém
que é hostil. Uma oportunidade para uni-los dentro do que mais tarde se tornou o Quênia
foi perdida quando a fronteira com a Etiópia foi estabelecida pelos ingleses. A maioria
dos borona, talvez 150 mil, vive na Etiópia. Há vários grupos entre eles, incluindo um
grupo recentemente identificado por Malcom Hunter como os wato wando. No Quênia, os
povos oromo falam oromo do sul, ou “gallq”, e são formados por 69 mil borana; 30,5 mil
gabbra e 6,5 mil sakuge ou saskuye (veja abaixo).xii
Nomadismo
Os borana são criadores de gado numa área muito árida. Eles migram
constantemente em pequenos grupos de 10 a 30 famílias, chamados ollas, para encontrar
pasto. Um olla consiste de famílias ou waaras pertencentes a diferentes dans. Os waaras,
ou famílias costumam ser economicamente independentes – com um homem
administrando os animais e a mulher responsável por tirar leite, preparar comida e
alimentar as crias. Ela também é encarregada de vender a produção de laticínios. Os
borana criam camelos e animais pequenos também, mas eles possuem um sistema de
pastoreio que prioriza o gado leiteiro sobre os outros animais.
Vários ollas se agrupam para compartilhar os recursos de pasto e água. Como
outros pastoralistas da África Oriental, eles classificam a terra de acordo com o
suprimento de água, vegetação e tipo de solo como “país do camelo”, “país da ovelha” ou
“país do gado”. Esta parte de sua administração consciente da terra pode ser interrompida
pela seca, pelo ataque de outras tribos aos rebanhos e por pressões oficiais e voluntárias
para que eles se estabeleçam. O olla é um sistema bem desenvolvido de dons e
empréstimos para ajudar os waaras pobres, até o ponto de abnegação. Este sistema é
chamado maaro, ou “preocupação mútua”. xii Repor os animais dos rebanhos dos pobres,
tradicionalmente, é responsabilidade do dan. O dan cumpre esta tarefa pedindo aos
membros para financiar animais para os membros pobres.
Na Etiópia, os borana habitam a área sul de Sidamo, que é formada por
montanhas com 1.000 metros de altitude, mas o único rio é o Dawa. As chuvas mais
fortes caem na região mais alta em dois períodos, de março a maio e depois de setembro a
novembro, com nuvens baixas, neblina e nevoeira. Na estação seca de novembro a março,
o gado tem que ser levado para um poço no mínimo de três em três dias.
Os antigos poços centenários muitas vezes são muito fundos e têm uma rampa
para o gado descer e chegar ao nível da água. Os borana se revezam para descer ao poço
e levar água até os cochos junto ao fim das rampas onde o gado pode beber. Nos anos 90
os somali garre expulsaram os borana dos poços, o que ameaçou sua sobrevivência. Os
garre falam borana, indicando que eles já foram próximos dos borana.xii A CARE
internacional concertou e reabriu alguns desses poços.
Os borana mudaram da Etiópia para o sul no Quênia pelo fim do século dezenove.
Os borana no Quênia rejeitam o termo oromo para si, porque eles o associam com os
171
orma ao sul deles. Eles estão divididos entre o borana do norte ou borana obbu nos
arredores de Debel e Moyale, e os do sul ou borana ewaso em Merti e Garba Tula, com
os rendille no meio. Os borana se estabeleceram pela primeira vez em Wajir no nordeste
do Quênia próximo à fronteira com a Somália (embora não se possa dizer que os somalis
necessariamente respeitaram a fronteira quando ela foi estabelecida).
As tribos somali ajuran e garre aceitaram a presença do borana quando o
suprimento de água era abundante, e adotaram a língua borana. No entanto, a chegada dos
degodia, um outro grupo somali, foi demais e por isso o suprimento de pasto e água se
tornou insustentável para todos eles. Por isso, os borana foram relocados pelos ingleses –
primeiro para o norte, em Buna, em 1908; e depois para a região de Ewaso em 1993, que
já fora ocupada pelos samburu. Desta forma os borana no Quênia ficaram divididos em
dois, e os somalis se espalharam pelo oeste. Esta divisão também envolveu uma divisão
da religião.
Os bora do norte, gutta ou obbu no Quênia habitam os declives da Escarpa Badha
que forma a fronteira natural entre o Quênia e a Etiópia. Por gerações os rebanhos foram
capazes de cruzar a fronteira em busca de água e pasto, mas nos anos 90 isto foi
restringido. Por causa da seca e outras dificuldades, muitos waara agora só têm dez
cabeças de gado. Estes borana do norte começaram a diversificar seus recursos e
passaram a seguir as demandas do mercado, vendendo leite nos mercados em Sololo. Eles
também diversificaram para a agricultura. Uma vez que as chuvas caem de abril a maio e
entre outubro e dezembro, é possível ter duas colheitas no ano. Mas os borana, sendo
pastoralistas de coração, só aceitam plantar como uma suplementação oportunista à
criação de gado. Muitos homens saíram para trabalhar no sul do país. xii
Os borana ewaso foram deslocados pelos britânicos nos anos 30 do nordeste para
as pastagens semi-áridas que eles habitam. Esta área depende da água proveniente das
encostas do monte Quênia formando o rio Ewaso Nyiro, que atravessa a região até o
sudoeste. À medida que os somalis se mudam para o oeste, eles são prejudicados em sua
pastagem. Ainda assim nos anos 60, na guerra civil entre as autoridades quenianas e os
somalis, os borana, surpreendentemente, deram apoio aos somalis. Este é um outro
exemplo de pastoralistas que preferem se unir com seus inimigos pastoralistas a se
submeter às leis de agricultores. Muitos dos borana ewaso foram mortos, suas famílias
morreram em campos de concentração, e outros perderam seu gado.
Em meio a estes traumas eles aderiram ao islamismo dos somalis, em vez do
cristianismo nominal dos quenianos. Em 1979 havia 21 mil boranas na Província
Oriental, dos quais 41% eram pastolistas. xii A adoção do islamismo também mudou seus
hábitos de casamento, uma vez que tradicionalmente eles eram monogâmicos. Hoje,
contudo, o divórcio e a poligamia são comuns.xii
A sociedade boran é estruturada de acordo com o sistema gada de grupos de cinco
gerações, cada um consiste de todos os homens nascidos num período de oito anos. De
acordo com este sistema, um borana não pode ser casar até que o grupo de sua geração
tenha atingido seu trigésimo segundo ano, que não é necessariamente a idade dele. Não é
permitido a um homem ter um filho até que faça quarenta anos, e o desejo de cumprir
estas regras pode resultar no infanticídio ou adoção fora da sociedade. Este sistema pelo
menos tem a vantagem de manter baixos os números da população borana.
Religião
Os borana acreditam numa divindade suprema chamada Wak. Seus sacerdotes, os
qallu, criam gado negro e são considerados reencarnações de seu primeiro sacerdote. De
acordo com os mitos, os wata, um povo caçador-coletor que vivia nas montanhas
fronteiriças com a Etiópia, descobriu o primeiro sacerdote (veja abaixo) e afiançaram seus
serviços para os borana.xii
O alcance cristão aos borana começou em 1931 em Marsabit. A cultura borana
exige homens mais velhos para liderar, por isso Gunnar Kjaerland desenvolveu um
sistema de figuras bíblicas para que os anciãos iletrados nas igrejas borana possam contar
172
as narrativas bíblicas, de forma semelhante à usada pelos contadores de história borana
para recordar a história. Desta forma a igreja é capaz de crescer sem a dificuldade de ter
que alfabetizar os mais velhos. A primeira Bíblia borana completa foi publicada em
março de 1995. Um homem local, David Diida, completou esta tradução após a morte do
tradutor, mas não sem alguma dificuldade. No processo de preparar a tradução David
sobreviveu a uma colisão de ônibus, foi pisoteado e seriamente ferido por um elefante, e
foi atrasado por ladrões que roubaram seus materiais de alfabetização. Felizmente, os
ladrões não acharam que era vantagem aprender a ler, e o material foi encontrado mais
tarde.xii
A AIM International está trabalhando entre os borana em Garba Tula, Marsabit,
Moyale e Wajir. A Crosslinks passou a obra para a Church of Province of Kenya (CPK
Anglicana) – e seu trabalho grandemente auto-sustentável através da Diocesan
Missionary Associations. A SIM também trabalha entre os borana. Há cerca de 6.000
borana reúnem em 42 congregações de oito denominações diferentes.
KARIMOJONG, ou Karamajong
Há 370 mil karimojong vivendo no nordeste do distrito de Karamojo, Uganda. Os
homens têm um apego especial ao seu gado, e as pessoas adotam símbolos e alusões a seu gado
em todos os aspectos da vida.xii Cada homem tem um nome de boi, prefixado com apa, que
significa “pai de”. Por exemplo, Apaloraianjiran significa “Pai do boi com os chifres
grosssos”.xii O nome de um homem lhe confere um status adulto na sociedade karimojong como
sendo responsável pelo rebanho, mas ter o mesmo nome não significa que o homem e o boi são
identificados um com o outro.
Nos fim dos anos 80, os karimojong eram conhecidos por suas incursões para roubo de
gado na região que cruza o norte de Uganda, principalmente contra os teso, e dentro do Quênia.
As forças militares eram incapazes de contê-los.xii A agricultura ainda é importante para eles, e
Barfield mostra que eles possuem poucas cabeças de gado por pessoa, comparado a outros que
dependem mais do gado, mas eles são seminômades. Isto também se aplica ao jie e dodoth, e
todos os três povos falam karimojong.xii
Entre eles, há cristãos e os que seguem sua religião tradicional – e não há dúvidas de
que alguns misturam as duas coisas. O Revised New Testament foi publicado em 1996.xii A
igreja anglicana local agora é responsável pelo antigo ministério Crosslinks.
DODOTH, ou Dodos
Os dodoth são um dos cinco povos relacionados aos karimojong no nordeste de
Uganda. Há um total de 370 mil pessoas que falam karimojong. Os dodoth chegaram à
área por volta de 1.000 d.C. Eles têm uma sociedade descentralizada de acampamentos de
gado. Os homens deixam crescer o cabelo e o status de guerreiro é importante. Eles
recebem o nome do boi que lhes é dado na iniciação. O dodoth ou dodos é considerado
como um dialeto de karimojong, com 90% de semelhança lexical. Eles compartilham uma
lenda sobre a criação que diz que o povo originalmente vivia no céu com o Grande Deus.
Alguns permaneceram no céu, mas outros vieram para a terra.xii
JIE
Há 50 mil jie. Eles são relacionados aos karimojong e falam sua língua. Eles
praticam sua própria religião tradicional.
NGATURKANA ou Turkana
Há 250 mil ngaturkana vivendo no deserto entre o lago Turkana e a fronteira de
Uganda, no nordeste do Quênia. Eles são um dos grupos de povos karimojong, ou ateker
relacionados que se originaram no nordeste de Uganda. De acordo com seus mitos, eles
são descendentes de uma mulher do povo jie. Há 200 mil turkana vivendo nos distritos de
Turkana e Samburu do extremo noroeste do Quênia onde, em 1979, eles formavam 96% e
17% respectivamente da população. Os turkana vivem nesta área, que é mais seca do
173
Quênia, há mais de 100 anos. xii No início do século 20, os ingleses lutaram contra eles
para impedir que eles se mudassem mais para o sul.
Nomadismo
Os turkana são criadores de gado, mas eles também têm camelos, ovelhas e
cabras. Eles passam a estação chuvosa nas planícies e a estação seca nas regiões mais
altas. No começo da estação seca, eles migram das planícies em grupos de cerca de cinco
famílias nucleares. Progressivamente, eles deixam os vales e sobem para as montanhas.
Na frente vai o gado pastando, seguidos por ovelhas e cabras que pastam as mesmas
áreas. Durante a estação seca os rebanhos têm que ser divididos em grupos cada vez
menores para encontrar pastagem, por isso não só as famílias se separam umas das outras,
mas também os membros da família se separam para levar parte do rebanho para
pastagens diferentes. Como os rebanhos de camelos, gado, ovelhas e cabras são mantidos
pela mesma família, e têm que pastar em áreas diferentes, cada família precisa de vários
pastores. O gado se adapta melhor às pastagens mais altas, enquanto os rebanhos de
camelo ficam para vegetação sazonal nas planícies. O território deles tem cerca de 67 mil
quilômetros quadrados de areia e planícies pedregosas no vale Rift.
Os turkana então migram de volta para os vales quando vêm as chuvas, de abril a
julho, e num ano bom eles tiram mais leite do que podem beber. Esta é a estação para
eventos sociais, como festas, danças e casamentos; quando os animais são postos em
currais. É também a época dos animais darem crias. Eles suplementam sua dieta com o
cultivo de sorgo de crescimento rápido e pescaria. xii Quando acaba o leite eles bebem o
sangue de seus animais. Os animais inferiores são sacrificados primeiro, e a cabeça de
uma cabra é considerada uma iguaria. Dizem que às vezes eles comem carne de crocodilo
e de leão.
Após várias secas nos anos 80 os turkana conseguiram restabelecer seu
pastoralismo nômade. Alguns dos turkana mais pobres abandonaram o pastoralismo por
causa da estação seca. Mas a comida de graça que foi distribuída como ajuda nos
acampamentos durante as secas teve um efeito social negativo, de acordo com Terrence
McCabe.xii É comum o roubo de gado de outras tribos, como os pokot.
Sociedade
A família é a unidade social mais importante, e cada família individualmente
possui rebanhos. O cabeça de cada família toma decisões acerca do pastoreio, e os
membros da família são enviados em busca de forragem. Eles não têm chefes, e as
disputas são resolvidas pela discussão entre os homens mais velhos. Cada divisão, ou
ekitela, possui seu próprio território. Embora o pasto seja compartilhado por toda a
divisão, os poços pertencem às famílias que os cavam. No norte o solo é mais árido e as
seções têm que compartilhar seus territórios conforme se mudam para distancias maiores
para encontrar pastagem adequada.
A poligamia é encorajada, e é comum um homem ter cinco esposas. Eles
consideram necessário ter muitos filhos para ser um pastoralista bem-sucedido. Nos
acampamentos, cada mulher possui um abrigo para o dia e dorme numa cabana de pele
em forma de domo chamada aki. As mulheres são responsáveis por grande parte da
segurança da família, por fornecer comida e cuidar dos animais. xii Os filhos crescem com
os animais e bebem leite direto nas cabras, que eles também ajudam a pastorear. Diferente
de outras sociedades, uma filha é uma fonte de fortuna, pois para o casamento é exigido
um dote na forma de animais, aumentando assim o rebanho do pai.
Religião
Os turkana acreditam que a maior parte das doenças seja causada pelo deus
supremo e que eles sejam capazes de tratá-las com remédios caseiros. Muitos destes
remédios são purgantes que eles acreditam expulsar a doença. Para lidar com reclamações
mais sérias eles procuram um emuron, ou adivinho ou mago. Eles são receptivos à
174
medicina ocidental. A African Medical Research Foundation fornece um serviço de
“médicos voadores” na África Oriental, e estabeleceu um Specialist Outreach Programme
com uma clínica móvel.xii Os turkana acreditam que o morto recente precisa ser
apaziguado pela morte de um animal que pertenceu a ele. O sangue do animal é então
passado nos corpos de todos os membros de sua família.
O Novo Testamento Turkana foi publicado em 1987 e a Bíblia completa foi
impressa em 1999.xii Uma estimativa do número de cristãos é difícil, talvez 30%. A Africa
Inland Church está trabalhando na área de Eliye Springs, Loiyanggilan, Horr do Sul e os
católicos romanos também estão presentes. Há classes de alfabetização. xii A AIM
trabalha em Gatab, Kalokol, Lokichogio, Lokori e Napuu, e está envolvida num hospital
em Kalokol e numa escola secundária para meninas em Lokori.xii A United World
Mission tem uma equipe trabalhando entre esse povo.
GABBRA
Os gabbra são um povo cushita que falam oromo e vivem no distrito de Marsabit,
norte do Quênia a leste do lago Turkana. Previamente, eles foram forçados a sair da
Somália. Eles são 30,5 mil e eram por tradição criadores de camelo, diferente dos oromo
que possuem gado – embora na prática eles também possuam gado, ovelhas e cabras.
Nomadismo
Durante o período das chuvas, os gabbra vivem com seus rebanhos nos montes
Huri enquanto os reservatórios são cheios, mas não há fontes permanentes de água ali.
Eles então descem para o deserto Chalbi, onde os camelos podem pastar num raio de
cerca de 80 quilômetros do acampamento. Eles retornam aos poços no sopé das
montanhas a cada cinco dias. Suas aldeãs (ala) são formadas por cerca de 10 a 15 cabanas
e são mudadas com freqüência – até dez vezes num ano. Tudo pode ser empacotado e
carregado nos camelos, em cinco horas. Na maioria das vezes eles mudam para
acompanhar as chuvas. Os animais que dão leite são mantidos no acampamento. Os
camelos dão leite até na estação seca, já o gado só dá leite quando a grama é boa. Os
animais que não produzem leite são enviados com os guerreiros para acampamentos
distantes (fora) para evitar pastar demais seu pasto local. Os rebanhos freqüentemente são
assaltados por outras tribos, que podem ser afugentadas pelos helicópteros do exercito
queniano. Os gabbra tiram água de poços grandes e fundos, o que requer uma corrente de
homens para passar a balde até a superfície.xii
Sociedade
Os gabbra estão divididos em seis clãs que estão ligados aos moieties borana,
mas os homens gabbra que nasceram durante um determinado período são agrupados
juntos, e isto determina seu papel como guerreiros e anciãos, como também com quem
eles podem se casar. No calendário especial deles, os anos são contados de sete em sete
para corresponder aos dias da semana, com períodos de 100 dias e outros que dividem o
ano. Muitos se estabeleceram em Maikonas, norte de Horr, Sololo e Marsabit. As
pessoas foram alcançadas pela guerra na fronteira com a Somália nos anos 60 e
perderam muitos homens e animais.
Eles têm um sistema de redistribuição de gado para ajudar os pastoralistas mais
pobres, como o ano do jubileu praticado pelos israelitas.xii Os mais ricos não podem
amontoar ou acumular posses, por isso eles preferem redistribuí-las. É difícil saber
quem possui o que, por causa dos vários métodos de empréstimos e redistribuição. Eles
se ajuntam três vezes no ano, e as famílias que por vários meses estiveram separadas,
por causa do pastoralismo, são reunidas.
Religião
Os gabbra costumavam ser muçulmanos, mas nos anos 70 eles reviveram sua
tradicional crença monoteística na esperança de que seu deus superior há de se revelar a
175
eles num futuro próximo. Eles adoram o camelo em muitos rituais. Cada família
sacrifica ovelhas e cabras, e são feitos braceletes do couro dos animais. Um culto
islâmico espírita também está ganhando influência entre eles.
Os católicos romanos e a Igreja Anglicana trabalha entre os gabbra. Esta última
possui vários evangelistas, e já há pelos menos um bispo gabbra. A AIM tem obreiros
em contato com os gabbra em Kalacha e conduz um extenso trabalho de suprimento de
água e plantação de árvores. Obreiros da SIM e da SIL que substituíram os AIC também
trabalham entre os gabbra.xii A Linguistic Recordings produziu quatro coleções de fitas
de áudios e comentários para duas séries de imagens.
GARRE e AJURAN
Os garre e ajuran são pastoralistas somali seminômades no extremo nordeste do
Quênia, totalizando 96 mil e 32 mil respectivamente. Suas línguas estão relacionadas ao
somali, embora sejam entendidas pelos borana.
RENDILLE
Há 22 mil rendille, com 9 mil ariaal, que são pastores de camelos no distrito de
Marsabit, norte do Quênia, sudeste do lago Turkana. Os padrões de migração têm
mudado e se tornado cada vez mais restritos desde o século 20. Os rendille costumavam
subir com seus rebanhos para o monte Marsabit, mas ele foi transformado num parque
de animais selvagens para os turistas e o pastoralismo foi banido. Hoje eles estão
localizados ao sul no inóspito deserto Kaisuit.
Os rendille vivem em grupos baseados em clãs, chamados gobs, de 70 pessoas,
com algumas camelas para tirar leite. Os camelos carregam nas costas as estruturas de
suas pequenas cabanas em forma de domo, dando uma característica de silhueta em
forma de lua crescente quando eles se deslocam através da paisagem. Os rebanhos
principais são guardados a alguma distância pelos jovens que mudam o fora, ou
acampamento, com freqüência. Os camelos encontram pouca forragem, embora eles
possam ir a maiores distâncias das fontes de água, por isso os acampamentos têm que
mudar com freqüência. A população humana é limitada pelo nível de subsistência dos
camelos, que por sua vez dependem da baixa média reprodutiva do rebanho. Eles
combinam diferentes animais para superar estas limitações, por isso as meninas tendem
a pastorear ovelhas e cabras. A UNESCO tem um projeto de reposição dos rebanhos de
camelos, gado, ovelhas e cabras.xii Por causa da baixa reprodução do rebanho, os filhos
mais jovens dos turkana muitas vezes não conseguem herdar sua parte do rebanho de
camelos da família, e por isso eles se mudam para se juntar aos ariaal ou aos samburu.
Há cerca de 6.000 ariaal, ou rendille do sul, que são criadores de gado. O gado
precisa da grama mais alta do que a que os outros animais vão pastar, e eles precisam de
água a cada dois dias. Os ariaal rendille têm um relacionamento interdependente com
os samburu, e por isso alguns também falam samburu.
Os rendille estão relacionados aos maasai e falam a mesma lingual. Após um
trabalho da SIL, algumas partes da Bíblia já estão publicadas em ki-rendille, uma língua
semelhante ao somali.xii A AIM trabalha em Gatab, Laisamis e Loglogo. A CPK
(anglicana) assumiu a responsabilidade pelo trabalho da Crosslinks ali. A igrejas AIC em
Kiturum, Sul de Horr, Nguronit e Soriadi provavelmente têm contato com esse povo. xii O
filme Jesus está disponível em ki-rendille.
POKOT ou Pökoot
Os pokot, no oeste do Quênia, são um dos povos kalenjin como os tuken. A
maioria dos 175.000 pokot são agricultores, “o povo do milho”, vivendo nos montes
Cherangani. Mas cerca de 29 mil deles são pastores seminômades na planície árida do
grande Vale Rift entre a estepe dos montes Tiati e dos montes Karasuk na fronteira de
Uganda. Há 5.000 em Uganda próximo a Kupsabing. A população pode ser maior, e mais
da metade ainda podem ser pastoralistas. Há um pequeno grupo de kadam pastorais que
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ainda vivem com eles.
Nomadismo
Os pokot têm amor pastoral pelo gado, que não só confere status, mas também
ajuda a superar as limitações do indivíduo, porque o gado é trocado na maioria das
transações para firmar relacionamentos, reconciliar nas disputas, garantir uma herança ou
demonstrar a generosidade de seus donos. Aldeias inteiras podem perder seu gado ao
sofrer incursões por parte dos pokot ou contra os pokot. Se os pokot atacam outras tribos,
o governo toma gado de qualquer pokot para fazer a restituição. Os pastoralistas pokot
preferem matar com a lança, do que com o arco e flecha dos agricultores, e os vizinhos
são mortos indiscriminadamente por causa do gado. Se um homem mata um pokot ele tem
que abrir mão de todo o seu gado para a família do falecido.xii Os pokot, constantemente,
estão em conflito com os turkana ao norte por causa de pastagem.
Quando uma mulher pokot se casa, a ela são concedidos animais suficientes para
suas necessidades. Estes animais, por sua vez, são repassados para os filhos dela, para que
no futuro eles possam pagar o dote da noiva. xii Os pokot comem a carne de quase todos os
animais e suplementam sua dieta com sangue de vacas e mel. As mulheres já têm trabalho
suficiente. Por isso, introduzir a agricultura, que os homens desprezam por considerar
trabalho de mulher, só iria aumentar sua carga de trabalho. xii Suas casas são estruturas
temporárias feitas de paus torcidos cobertos de folhas. Os meninos são circuncidados em
grupos que formam um conjunto mais ou menos da mesma idade.
Religião
Os pokot acreditam num criador remoto chamado Tororot, mas não numa vida
após a morte.xii Eles acreditam que este deus ouve suas orações. Ilat é o espírito do vendo
enviado por Tororot para refrescar a terra, trazer chuva e varrer o pó. Ilat é também o
mensageiro divino enviado para advertir a humanidade, por isso secas e inundações são
explicadas como repreensões contra o mau comportamento humano. Os pokot acreditam
que a humanidade seja responsável pelo ambiente, e uma harmonia entre o ambiente e os
humanos, bem como entre os humanos, é o ideal.
Os profetas pokot, ou mensageiros, têm sonhos ou transes para encontrar o divino.
Eles buscam dar conselhos sobre como combater o azar por meio da alegação de viagens
ao céu, ou a interpretar entranhas ou a disposição das sandálias ao cair, após serem
jogadas para cima. Estes presságios devem ser obedecidos. O azar pode ser resultado do
egoísmo dos outros, como armazenagem escondida de comida enquanto alguém passa
necessidade. A doença pode atingir como o vento. A magia nem sempre é direcionada à
vítima, mas também contra familiares e amigos, para que o inimigo seja deixado sozinho.
A administração colonial britânica restringiu o pastoralismo pokot e, nos anos 40
e 50, eles recorreram à ajuda de uma versão da seita, banida, Dini ya Msambwa. Em toda
parte, ela encorajava a prática de incêndio e a violência contra os europeus, mas entre os
pokot ela foi modificada para envolver cânticos e orações. Muitos acreditavam que ela os
livraria do colonialismo, e em particular da perda de pastagem e da liberdade de ir e vir. O
alvo era uma “terra prometida” onde não houvesse impedimento para os rebanhos e a
viagens pastorais, e onde os privilégios dos europeus fossem dados para os africanos. A
seita encorajava as pessoas a serem possuídas por um espírito e assim revelar o divino por
meio de seu comportamento estranho. O que era induzido por hinos invocando Tororot
como “Nosso Pai”, até que tremessem e caíssem no chão, proferindo um estranho
discurso, incluindo o falar em outras línguas. As pessoas iam às reuniões esperando ser
possuídas, mas elas acreditavam que isto só ocorria para aqueles que eram relativamente
bons.xii
A Language Recordings produziu fitas de áudio em pokot, e a Bíblia ficou pronta
em 2000. A AIM têm obreiros em Alale, Amaya, Liter, Loruk e Orus. A África Inland
Church among the Pokot está em Maron, Kipchere e Yatia. xii A Crosslinks serviu entre os
pokot por muitos anos. A Igreja Anglicana da Província do Quênia, a B.C. Faith
177
Churches, a África Gospel Church e a Faith Home do Quênia também estão trabalhando
entre os pokot agricultores.xii
NANDI
Há 262.000 Nandi incluídos no povo kalenjin vivendo no oeste do Quênia. Eles
têm casa espalhadas em vez de aldeias, sem qualquer organização social central. Estas
estão situadas a uma altura de cerca de 2000 metros, a oeste na Província do Vale do Rift
onde há boas chuvas. A vida deles é centralizada no seu gado, embora eles também
cultivem vários tipos de vegetais. Homens e mulheres praticam sua religião tradicional,
com magia e feitiçaria.xii Alguns nandi são cristãos, e a Bíblia está disponível em kalenjin.
TUGEN
Há 131 mil tugen no distrito de Baringo do sul, Quênia. Eles são parte dos
kalenjin, relacionados ao nandi e poko, e estão divididos entre os arror, ou tugen do
norte, e os samorr, ou tugen do sul. Cerca de um terço dos tugen vivem nas planícies, que
foram deixadas vagas pelos maasai no fim do século 19, e eles adotaram o pastoralismo
com gado, ovelhas e cabras. O restante vive nos Montes Tugen e são agropastoralistas,
mas preferem criar animais à agricultura.
No início do século 20 ocorreu um conflito entre os pastoralistas e colonizadores
europeus, que pegaram o melhor pasto da estação seca para o cultivo. Os tugen variam
sua ênfase no cultivo e pastoralismo de acordo com as condições. À cada família foi
distribuído entre 30 e 50 hectares de terra nos anos 70. O presidente Moi do Quênia, um
tugen, ficou na presidência desde 1978 a 2002. xii A Bíblia está disponível em kalenjin.
SAMBURU ou Loikop
O nome deles significa “o Povo” (das Cabras Brancas). Há 85 mil deles vivendo
no norte do Quênia entre o lago Turkana e o rio Ewaso Ngiro. Eles são criadores de gado,
ovelhas e cabras que vivem dispersos numa terra árida. Eles dividem seus rebanhos para
que o gado leiteiro seja pastoreado próximo ao acampamento, e as cabras e ovelhas
também fiquem por perto, mas os jovens guerreiros levam os outros animais para pastos
mais distantes. Os maridos designam pastagens para cada uma de suas esposas e seus
filhos para que possam cuidar de seus próprios rebanhos.
Religião
Os samburu, como os maasai, acreditam num deus superior benevolente, Nkai,
que criou tudo o que vêem para prover todas as necessidades dos pastoralistas. Os
espíritos habitam as coisas visíveis, e cada pessoa e animal possui um espírito guardião,
ou nkai, para lhe dar orientação moral. Filhos são valorizados e a poligamia é tida como
ideal.xii Há um grupo de ferreiros entre eles que são considerados como tendo poderes
especiais para amaldiçoar. Os samburu são relativamente incomuns por evitarem uma
postura agressiva para com as outras tribos.
A Language Recording tem produzido fitas de áudio evangelísticas e com outros
conteúdos em samburu. Nas cidades de Laisamis, Loglogo, Marsabit e Orus, a AIM
International trabalha entre os samburu. Há igrejas AIC em Kiturun, Loiyangilan,
Nguronit, e Horr ao sul e Soriadi. Pelo menos 13 denominações diferentes estão
trabalhando entre os samburu.
SAKUYE ou Sakuge
Em várias estimativas, o número de pastores de camelos sakuye variam entre
1.800 e 6.500. Eles são um dos povos que falam oromo. Segundo uma lenda deles, eles
vieram da Arábia e viajaram através da Etiópia para chegar aos arredores do lugar
chamado Saku, que possivelmente é Marsabit. Eles perderam muitos de seus camelos na
guerra civil entre o Quênia e os somalis. Hoje eles são encontrados no norte do Quênia
com os gabbra, onde eles aceitaram a religião e os sacerdotes dos boran. Outros são
178
encontrados junto ao rio Ewaso Ngiro, onde são muçulmanos. Os que vivem nos
arredores de Merti e Garba Tula estão adotando a criação de gado e se estabelecendo. As
crianças recebem nomes de acordo com as condições e a época de seu nascimento, como
“manhã”, “seca” ou “lua nova”.
Eles falam borana (oromo do sul), e a Bíblia está disponível desde 1995. Os que
vivem em Isiolo são muçulmanos, mas os que vivem no norte aceitaram os sacerdotes ou
qallu dos borana. A CPK tem um ministro dos Moyale, e a AIC tem um grupo de cristãos
em Debel no norte.xii
ORMA
Há 37.720 ormas no nordeste e províncias litorâneas do Quênia. Contudo,
números extra-oficiais estimam que pode haver 50 mil. Eles são mais um dos povos que
falam oromo, situado ao sul destes povos nas duas margens do rio Tana no sudeste do
Quênia.
Nomadismo
Eles pastoreiam seu gado, ovelhas e cabras ao longo da do vale Tana, região mais
baixa, na estação seca, mas se mudam para o oeste para as terras mais altas da região de
Kitui para a estação das chuvas. É irônico que eles sejam capazes de usar estradas
abandonadas pelas equipes de exploração de petróleo. Pois se estas equipes tivessem
encontrado petróleo, elas teriam transformado a região num campo de extração de
petróleo. Há quem diga que alguns dos orma são sedentários, mas como todos eles
dependem de seus animais numa área semi-árida; eles provavelmente são pastoralistas
que têm água suficiente para permanecer próximo ao rio Tana o ano todo. Os que são
nômades permanecem no vale por seis meses no ano.
Os orma são considerados os pastoralistas mais bem-sucedidos no Quênia, sendo
um exemplo de uma sociedade que vive do leite, carne e couro do gado. Sua vida é
permeada por referências ao gado. Eles dão nomes a todos os animais, e os homens que
possuem mais de mil cabeças de gado têm um status especial – além de grande habilidade
para escolher nomes! Sua dieta, em maior parte, é leite, manteiga sólida e líquida, e carne.
Suas plantações não são muito produtivas, sendo suficientes para sustentar a família
somente uma vez a cada quatro colheitas. Mas por causa da seca em 1984-85, eles estão
se empenhando mais no cultivo.
Um homem ganha status não somente por ter um grande rebanho, mas também
por matar cinco homens, leões ou búfalos com uma lança e espada. Este status não
assegura um estilo de vida muito diferente dos seus vizinhos mais pobres, mas faz com
que um homem seja mais influente e seja capaz de emprestar ou dar gado para ajudar os
pobres, ou para apoiar projetos comunitários como a construção de escolas. Um cliente
pobre que pastoreia o gado de um pastoralista rico pode ficar com o leite e as crias para
poder se restabelecer. Esta ajuda aos pobres geralmente é decidida no nível corporativo
dos anciãos de grupo de linhagem. As castas desprezadas de wata (veja abaixo), boda
(antigos escravos) e tumtus (ferreiros) são excluídas de qualquer ajuda.
Sociedade
Há um aspecto fortemente igualitário na sociedade orma, porque todas as decisões
dão tomadas coletivamente pelos anciãos, incluindo os homens pobres. A vida familiar e
os filhos são importantes para os orma. O casamento é acompanhado por sacrifícios, e
uma grávida recebe muitos presentes de comida. Num dia de bom augúrio decidido pela
divindade, o pai dá nome ao filho publicamente e o banha em leite. Os pais não são
tratados pelo próprio nome, mas como pai e mãe de seu filho mais velho.
Religião
Sua lingual é o oromo afan ou orma uma. Tradicionalmente, eles acreditam num
deus do céu supremo chamado Wak, cuja vontade deve ser revelada pela adivinhação.
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Eles acreditam que a humanidade seja responsável pelo ambiente e crêem na
possibilidade do deus do céu destruir o que ele criou se a humanidade abusar dos recursos
naturais. Eles se tornaram 99% muçulmanos nos anos 30, e não há cristãos entre eles. O
trabalho missionário já foi interrompido muitas vezes por causa de ataque dos somalis.
A CMS foi a primeira a evangelizar os orma em 1844, mas a pequena igreja logo se
desfez. Fitas de áudio cristãs estão disponíveis. A SIL está comprometida com a tradução da
Bíblia, e o Novo Testamento estava previsto para 2000. A AIC e a Igreja Reformada na
América buscam atingi-los no distrito de Kitui. Del e Debra Braaksma estabeleceram um
serviço veterinário e fizeram um estudo de desenvolvimento entre este povo com base na
missão.xii
MAASAI ou Masai
Eles são 382 mil. O recenseamento de 1979 contabilizou 250 mil maasai no
Quênia, vivendo em sua maioria nos distritos do sul, Narok e Kajiado, onde eles
respondem por 60% da população.xii Há 327 mil maasai na Tanzânia.
Nomadismo
Os maasai são nômades de gado com uma sociedade altamente organizada. A
maioria das aldeias são semipermanentes, e permanecem num lugar por cerca de quatro
anos, antes de se mudar para novas pastagens e fontes de água; e para longe da lama e
moscas geradas pelo acampamento antigo. Em cada acampamento vivem de uma, ou
duas, a vinte famílias. As cabanas são cercadas por uma cerca de espinhos ou cerca viva –
não só para afastar predadores, mas os espíritos também. O gado, cabras e ovelhas partem
para o pasto bem de manhã com os jovens e voltam à noite. Quando eles usam pastos
mais distantes, os homens e algumas das mulheres montam acampamentos ali. As vacas
leiteiras são deixadas próximas à aldeia. As pessoas cooperam no pastoreio e consideram
que a posse da terra deve ser compartilhada, mas os animais pertencem ao indivíduo.
Quando se casam as mulheres recebem vacas de presente, que elas criam para dar a seus
filhos – que também recebem animais de seus pais. As mulheres têm direitos sobre o leite
e seus produtos, e sobre a pele dos animais, mas os homens, por outro lado, tomam as
decisões.
Tanto o governo britânico como o queniano consideram o nomadismo dos maasai
como uma ameaça. Os grupos de povos maasai e kalenjin estão relacionados com o
partido político do governo, o que parece favorecer uma divisão étnica no Quênia.xii A
maioria das pessoas já não são nômades devido ao programa de assentamento agrícola
governamental.xii Este esquema removeu 1,6 mil quilômetros quadrados dos maasai, e em
1968 os pastos foram divididos em “Fazendas Grupais”, ou seja, construídas como
pertencendo às comunidades particulares de maasai. O que resultou no ganho de terra,
pelos indivíduos mais poderosos, para seu uso privado, com os pastores inferiores
geralmente sendo deixados sem nada. A riqueza que costumava ser compartilhada agora
está concentrada nas mãos de alguns indivíduos.
A noção de propriedade privada da terra não leva em conta a produção variada de
pastagem e a necessidade de variar o tamanho dos rebanhos e, também, de mudá-los
constantemente. Como as fazendas foram divididas, na maioria os lotes ficaram pequenos
demais para o pastoralismo e o gado morreu por causa da falta de chuva ou
superpastoreio. O que levou à venda dos lotes para pessoas de fora, incluindo oficiais
corruptos.xii O resultado final é que cerca de 300 mil maasai estão em áreas desocupadas
nas cidades, como “nômades em espera”. Alguns têm trabalhos que eles esperam dar-lhes
dinheiro suficiente para voltarem a seu estilo de vida tradicional, e as organizações
maasai estão trabalhando para um retorno, em alguma medida, ao pastoralismo.xii Sua
terra está sendo cultivada de forma ineficaz pela agricultura mecanizada e destruída como
pastagem, e depois abandonada pelos fazendeiros. Alguns dos maasai estão ajuntando
suas terras novamente, recuperando os campos atualmente degradados. Os maasai
atacaram fazendeiros kikuyu em 1995, alegando que a área do Vale do Rift a nordeste de
180
Nairobi era terra maasai.
Sociedade
A sociedade maasai está dividida por grupos de classe, sexo e idade. Os homens
estão divididos entre anciãos, que são casados, os moran ou guerreiros sem permissão
para casar, e meninos. As mulheres estão divididas entre as meninas não circuncidadas e
as circuncidadas, que geralmente são esposas dos anciãos. Estas classes formam uma
hierarquia na qual as mulheres são consideradas inferiores. Os homens de uma classe só
comem, ou fazem sexo com mulheres “abaixo” deles. Os grupos de idade, ou olporrar,
incluem todos os homens nascidos dentro de um período de aproximadamente 14 anos.
Eles mantêm um relacionamento especial por toda a sua vida e até compartilham suas
esposas.
Os homens buscam “fortuna” que não quer dizer dinheiro, mas direitos sobre os
animais, mulheres e crianças. As mulheres são consideradas como um complemento ao
gado, e não como iguais. Tal “fortuna” garante imortalidade para um ancião maasai, e a
morte é considerada como adormecer. Geralmente os homens pastoreiam e cuidam do
gado; as mulheres cuidam dos filhos, do acampamento, tiram leite, e carregam água e
lenha.
A sociedade maasai é regulada por um conceito de enkanyit, ou respeito,
dignidade ou relacionamentos corretos dentro dos limites da posição dos indivíduos na
hierarquia. Infringir as regras resulta em enturuji, ou vergonha ou embaraço. Os maasai
têm profetas ou adivinhos chamados oloiboni.
Alcance
Eles falam maasai, e há uma tradução maasai da Bíblia disponível. A AIM dirige
uma Faculdade Bíblica em Norok e um centro de tratamento para crianças deficientes em
Kajiado. Eles também trabalham em Siyapei e Sajiloni. Além disso, a AIM começou um
alcance para a área ao redor de Osupuko nos montes do norte, entre os maasai antes não
atingidos, entre os quais a magia ainda é forte. Tem havido uma extraordinária atuação do
Espírito de Deus na região.xii Há muitas igrejas AIC entre os maasai. O ministério
católico, não convencional, de Vincent Donovam entre os maasai demonstrou muitos
pontos de contextualização da igreja entre os pastoralistas, mas a hierarquia católica local
abandonou este trabalho depois que ele saiu. xii Há uma versão maasai do filme Jesus. A
African Enterprise, a World Horizons e as Assembléias de Deus estão envolvidas com o
trabalho entre eles. A SALTLIC fornece treinamento e projetos de aperfeiçoamento de
animais, a maioria conduzida por pessoas locais.
DATOGA
Há 400 mil datoga, vivendo na sua maioria em Arusha, nordeste da Tanzânia. xii
Eles são pastoralistas seminômades que perderam muito de sua pastagem para um projeto
de plantação de trigo fundado pelo governo canadense. xii Eles possuíam 485 mil cabeças
de gado e 265 mil animais pequenos nos anos 70. Eles são formados por 10 grupos,
grandemente espalhados na região, e estão perdendo sua identidade por serem assimilados
por povos vizinhos. Eles foram reassentados num esquema especial durante 1978-81, mas
os serviços sociais fornecidos como parte deste esquema nunca foram completados, e os
poucos serviços que há tornaram as áreas datoga atrativas para os vizinhos sedentários
que também utilizam estes serviços.
Os barbaig são um grupo forte de 76 mil datoga, que tradicionalmente roubavam
o gado dos maasai no norte, e os maasai parecem tê-los expulsado para o sul. Eles têm
uma reputação de assassinos, porque todo não-datoga é considerado um ladrão de gado
potencial – portanto, um “inimigo”. Os barbaig recompensam qualquer guerreiro que
mata um inimigo com 5 a 25 cabeças de gado. Esta era a forma dos jovens conseguirem
reconhecimento e status. Eles seguem o cristianismo e sua religião tradicional. A tradução
da Bíblia está em progresso.
181
ILPARAKUYO ou Baraguyu
Os ilparakuyo são um povo de 30 mil bravos pastoralistas na Tanzânia, ao norte
de Dar es Salaam. Eles foram expulsos de seu próprio território pelos maasai no século
19, e agora vivem dispersos em 20 distritos diferentes. Eles vivem entre os agricultores, e
a disseminação do cultivo está empurrando os ilparakuyo para próximo da região onde
estão as moscas tsé-tsé. Embora eles sejam considerados retrógrados pelos fazendeiros e
pelo governo, eles costumam ser mais ricos do que os agricultores locais. Suas vestes
tradicionais declaram sua identidade, distrito, status social e estado civil, mas o governo
tem tentando fazer com que se vistam ao estilo europeu.
Em Bagamoyo, uma fazendo do estado assumiu o controle de grande parte da área
de pastoreio na estação seca sem pagar compensação aos ilparakuyo, alegando que a área
era “pouco/má utilizada” por “alguns pastoralistas”. Além disso, o governo também
mandou que reduzissem seus rebanhos devido à superpastagem! A fazenda ocupa um
número semelhante de gado na terra, mas seus administradores não possuem a mesma
perícia que os ilparakuyo. Os ilparakuyo se mudam constantemente por causa da doença
do gado. Só alguns deles têm hortas, e eles tendem a contratar agricultores para cuidar
delas.
O governo forneceu uma aldeia, chamada Mindu Tulieni, exclusivamente para os
pastoralistas. Há também um serviço veterinário, que os pastoralistas usam, mas a maioria
de seus filhos não vai às escolas fornecidas porque o currículo era tendencioso para a
agricultura. Este esquema não funcionou porque os fazendeiros permaneceram na área
que foi demarcada para a pastagem e porque a mosca tsé-tsé era predominante.
Os ilparakuyo preferem ter pequenos cercados e acampamentos para fazer uso de
pequenas áreas de pastoreio. Eles levam o gado, alguns conduzidos por outras pessoas,
até por 150 quilômetros para vender em Dar es Salaam. Eles são polígamos, o que
significa que possuem grandes famílias. xii Suas mulheres criam galinhas e vendem ovos
para os vizinhos agricultores, embora eles mesmos não comam, eles também usam seu
conhecimento sobre remédios naturais para ajuntar ervas e vendê-las. Os ilparakuyo são
um exemplo de uma comunidade forçada a um pastoralismo “fechado” em áreas restritas,
e eles têm mantido sua vida e identidade pastoral em parte porque o governo o
reconheceu como distinto. Eles têm conseguido manter seus rebanhos. Eles precisam,
constantemente, descobrir novas áreas para pastagem e descobrir maneiras de eliminar a
tripanossomíase. Eles falam maa, ou maasai. Fitas de áudio com a mensagem do
evangelho são disponibilizadas pela Language Recordings e pela SGM.
Povos Nômades Itinerantes na África Oriental
FUGA
Fuga é um termo usado na parte sul da Etiópia pelos agricultores gurage,
kambata, yemma, oromo e wolayata para seus grupos artesãos associados. O termo fuga é
depreciativo. Eles podem ter se originado como um dos antigos povos coletorescaçadores da região, ou pela especialização dentro de seus povos anfitriões.
Estima-se que cerca de 1% dos 1,860 milhões de gurage sejam fuga – consistindo
dos ferreiros n’afarä, os curtidores gezha e os madeireiros fuga, que derrubam árvores e
constroem casas. Muitas vezes eles têm um relacionamento comercial com um gurage
rico, que controla o acesso deles a outros fregueses na aldeia dele. Eles conduzem suas
jovens a um retiro isolado para iniciá-las numa sociedade especial e ensiná-las fedwat,
que os homens não compreendem.
Os 1 milhão de kambata chamam seus oleiros de fuga, os artesãos que trabalham
com couro de awada ou faki, e seus ferreiros de tumanu. Eles se sustentam como
escultores em madeira, músicos, ritualistas e caçadores. Eles possuem algumas cabras e
182
galinhas e só têm o suficiente para alugar pequenas hortas. Eles têm seu próprio
vocabulário especializado ou jargão, com muitas palavras emprestadas das línguas dos
povos vizinhos.
Os yemma ou janjero, que são meio milhão de agricultores no sudeste da Etiópia,
chamam seus 4.000 oleiros, ferreiros e curtidores de fuga. Eles também fazem
circuncisões e ritos funerários. Eles têm permissão para plantar algumas coisas entre os
jangero, mas não para possuir terra ou gado. Os fuga no distrito de Jimma a sudoeste
podem falar uma língua distinta da língua yemsa, falada belos yemma, mas isto ainda não
foi provado.
Os oromo, ou galla, e os wolayata têm os fuga como músicos, ritualistas, e
fazedores de amuletos e talismãs. Os fuga também são os carrascos. Os orma chamam
seus ferreiros de tumtus. Eles são desprezados como não religiosos porque eles não
guardam, ou não lhes é permitido guardar, os tabus relacionados a comida da sociedade
que os acolhe.xii Eles cruzam as fronteiras tribais de acordo com as oportunidades para
praticar seu comércio, e os fazendeiros sedentários que os acolhem os consideram
nômades. Eles são descritos como “móveis”, e presumi-se que sejam itinerantes sem
qualquer rotina sistemática de migração. Eles têm suas próprias maneiras de falar as
línguas das sociedades que os acolhem, e usam muitas palavras emprestadas de outras
línguas. Eles se estabelecem temporariamente em cabanas fragilmente construídas, fora
das aldeias que os acolhem, num pedaço de terra reservado para eles.
Nomadismo
Os fuga levam um estilo de vida itinerante porque a sociedade que os acolhe lhes
nega a posse de terra e a liberdade para praticar a agricultura. Os fuga são temidos por
seus poderes mágicos e desprezados por não serem agricultores. Acredita-se que eles
tornam as casas e comida impuras, e os campos inférteis. Se alguém visita os fuga, como
os obreiros cristãos, estes visitantes então são considerados contaminados, e o povo
anfitrião recusa ter qualquer contato com eles. Os fuga se mudam para encontrar parceiras
para o casamento ou um lugar onde sejam respeitados. Eles só se casam com mulheres
fuga.
DORZE
Há 3.000 tecelões itinerantes dorze que estão espalhados pelo sul da Etiópia. Eles
têm suas casas nas terras altas de Gamu, da província Gamo Gofa, sudoeste da Etiópia.
Enquanto suas famílias ficam em casa, os homens migram regularmente para buscar
clientes nas pequenas e grandes cidades do sul da Etiópia. Eles são encontrados nas áreas
rurais no período da colheita, especialmente nas áreas de plantio de café. Um artesão viaja
junto com um ou dois aprendizes, ficando em casas alugadas com outros tecelões dorze
nas extremidades da cidade. Há uma comunidade dorze significativa em Addis Ababa.
Após dez meses fora, eles retornam para casa para a festa Maskal, a mais importante
celebração do ano. Eles falam dorze, ou dorzinya, na província Genu-Gofa, que
possivelmente é um dialeto de wolaytta. xii
SAB
Os sab são os servos dos pastoralistas somais no norte da Somália. Sab é um
termo depreciativo, para indicar que eles não pertencem aos somalis. Os grupos principais
são os yibro e os caçadores midgan, que trabalham com couro e são barbeiros, e os
tumalod, ou ferreiros tumaal. Eles podem ter se originado na Arábia. Eles possuem uma
tradição que diz que são descendentes de um sacerdote pagão que, alegam eles, foi morto
pelos muçulmanos. A pesquisa de grupo sanguíneo, contudo, mostra que eles são
relacionados aos somalis.
Os midgan acreditam ser descendente do clã Dir dos somali. Mas eles são
indistinguíveis dos somalis porque na maioria das vezes eles se chamam pelo nome do clã
ao qual estão ligados ou pelo nome da própria linhagem. Em geral eles não têm direitos
183
ou influência na sociedade somali. Alguns que possuem riqueza independente por meio
do comércio ou serviço ao governo agora podem participar nas assembléias somalis. Mas
os somalis os tratam como inferiores e não permitem o casamento misto. Dizem que
nenhum somali jamais entra na ferraria de um tumalod ou aperta sua mão. Os diferentes
grupos sab casam entre si, só socializam entre eles e têm seus próprios líderes, ou
xeiques. Eles tendem a só se relacionar com os somalis através de seus próprios patrões.
Os vibro (sg. yibir, tebir, ou ebir, ou tiber) em número de 1.300, são itinerantes
adivinhos, fazedores de talismãs, mágicos, benzedores e circuncisadores. Cada linhagem
de vibros está associada a uma subtribo somali e fala o dialeto dos somalis aos quais estão
ligadas. Não se sabe se eles têm seu próprio dialeto ou só um vocabulário especializado.
Os somali acham que eles possuem grande poder mágico e podem até voar para longe
após a morte!
Eles são sustentados por presentes dados em troca de seus serviços religiosos e
também por meio da mendicância. Eles interpretam estas doações como indenização pela
morte do ancestral, e eles ameaçam amaldiçoar qualquer somali que não lhes “pague”.
Este é um outro exemplo de um estilo de vida nômade interpretado como resultado de
infortúnio no passado.xii
WAATA, Wata, Wasanye, Ariangulu
Os waata na Etiópia e norte do Quênia são caçadores e artesãos vivendo entre os
borana, groma, pokomo, somali, sidamo e amhara. Cada um destes povos os chama por
nomes diferentes. “Wata” também é usado pelos ormo para todos os caçadores-coletores.
Eles vivem nas montanhas a leste de Moyale, adentrando a parte sul da Etiópia e ao longo
do rio Tana. Há outros no litoral, e é provável que todos tenham sua própria identidade
étnica local ocultada.
Nomadismo
Os waata estão espalhados em pequenas comunidades como cortadores de
madeira, curtidores, vigias de hortas, fazedores de vinho e ritualistas. Sua atividade de
caça parece ser só uma pequena parte de seus meios de subsistência. Eles vivem em
pequenas cabanas de esteiras em forma de domo que podem ser rapidamente
desmanchadas. Eles são versáteis o suficiente para realizar tarefas para os pastoralistas e
fazendeiros, bem como para retornar à vida de caçadores-coletores. Eles mantêm uma
certa autonomia e se mudam de acordo com as oportunidades dos ambientes pastorais e
de caça.
Religião
Eles desempenham um papel importante nos rituais borana, e têm fama de terem
encontrado o sacerdote borana. As sociedades que recebem os waata os desprezam e têm
histórias tradicionais sobre porque eles estão nesta situação desfavorável. Os waata têm
seus próprios mitos acerca da própria origem e de seu status inferior. Eles falam sobre
como o deus do céu convocou uma reunião de povos para distribuir os animais, e o
ancestral dos waata se recusou a comparecer ou chegou atrasado, e por isso eles foram
condenados a sempre ser pedintes.
Uma outra versão da história relata que o deus do céu estava caminhando e
escorregou e tropeçou. Embora os outros corressem para ajudar, os waata simplesmente
riram. Os arma acreditam que os waata em vez de escolherem ser pastores de gado,
tolamente, preferiram se tornar caçadores. xii Por esta “razão”, é negado aos waata a posse
de gado. Estes mitos mais uma vez demonstram o padrão típico de itinerantes, que
acreditam que um leve delito passado foi a causa de eles serem subordinados e nômades.
Eles parecem ter um jargão próprio. xii Sua língua é uma versão de sanye, diferente do boni
e do dahalo.
MANNA
184
Os manna no sul da Etiópia são artesãos associados com o povo koorete ou amarro.
Koorete é o seu próprio nome; Amarro é a área montanhosa onde eles vivem. Os manna têm um
mito que diz que um de seus ancestrais era tão pobre que ele só tinha sobras de carne crua para
oferecer para um rei amarro faminto. Por causa desta hospitalidade medíocre, o rei os proibiu de
ser membros plenos da sociedade amarro.xii
HAUDA
Os hauda vivem no sul da Etiópia e são associados com os komso na província de
Sidamo a oeste. Eles foram proibidos de possuir terra e trabalhar na agricultura. Como
artesãos eles são considerados nômades, mudando-se de acordo com os ditames do
comércio e, constantemente, tentando encontrar algum lugar onde sejam respeitados.
CAMELEIROS E CAMINHONEIROS
Estes são grupos ocupacionais, na Etiópia e Djibouti, que consistem de indivíduos
de vários povos. Comboios de camelos carregam sal do lago Assal, de Djibouti e da
região de Danakil na Eritréia, até os mercados etíopes. Eles retornam com grãos, metal e
pedra, tempero e produtos manufaturados. A maioria destas pessoas pertenceria aos vários
grupos pastoralistas listados acima. Trezentos caminhões viajam entre as terras altas da
Etiópia e o porto de Djibouti a cada dia, e as igrejas locais estão fornecendo repouso e
literatura para eles.xii
16 SUL DA ÁFRICA
H
á poucos povos nômades no sul da África. A região é formada por: Angola,
Namíbia, África do Sul, Zimbábue, Botswana e Moçambique. Basicamente a região é seca a
oeste com deserto e vegetação desértica, a leste predominam a savana e bosques. Os
portugueses chegaram até o Cabo da Boa Esperança antes que Colombo descobrisse o Caribe, e
os europeus faziam comércio com os nômades koikhoi ou hottentot em troca de gado no século
dezessete. O gado foi um importante ativo na história antiga, porque os trekboers holandeses
também adotaram um estilo de vida pastoralista seminômade no interior. Quando a população
local foi utilizada para o trabalho, eles mudaram para a vida sedentária em fazendas. Hoje
grande parte da terra é cultivada.
Pastoralistas Nômades no Sul da África
HIMBA ou Zemba
Eles são uma distinta subdivisão de 5.000 pessoas do povo herero na Namíbia e
Angola, que preserva muito de seu antigo estilo de vida pastoralista nômade. Os herero
migraram do norte da África e chegaram na área atual por volta do século 17. No último
século havia por volta de 100 mil herero com cerca de 150 mil cabeças de gado em
Kaokoveld no norte da Namíbia.
Os herero estabeleceram comércio com os Europeus na Colônia do Cabo, pedindo
e aceitando mercadorias européias em troca de gado. A colonização alemã de 1884 trouxe
leis injustas e provocou a revolta em que a administração colonial tentou e quase
conseguiu exterminar os herero com metralhadoras. Um clamor público na Alemanha pôs
fim a isto, mas muitos herero fugiram para o que hoje é Botsuana. Os herero estão na
linha de frente dos que buscam a independência da Namíbia.
Sociedade
O status de um homem era, e ainda é, determinado pelo tamanho de seu rebanho e
185
por sua ascendência, por parte de pai e mãe. Os homens também têm postos, no estilo
militar, que refletem sua posição na sociedade. A vida dos himba gira em torno de seu
gado, e eles ainda migram em busca de pastagem. Durante a migração eles vivem em
cabanas em forma de domo feitas de galhos cobertos com esterco e argila. A base de sua
dieta tradicional é a coalhada, preparada numa balde de madeira que passa de mão em
mão no acampamento. Geralmente, eles esperam que os animais morram ou sejam mortos
por predadores para depois consumir a carne, porque eles relutam em matar seus animais.
Religião
Os herero tinham uma fé monoteísta num ser supremo que leva homens e animais
para o céu. Este ser criou o primeiro casal herero a partir de uma árvore e eles escolheram
se tornar criadores de gado, tornando-se assim superiores aos outros povos. Eles tinham
profetisas que mantinham um fogo santo que era usado para o sacrifício de gado santo
especial. Hoje, a maioria dos herero é luterana e anglicana, e as mulheres usam longos
vestidos coloridos e turbantes que teriam sido originalmente copiados dos vestidos das
missionárias. A maioria dos herero são sedentários, mas os himba continuam a ser
pastoralistas!xii Há porções da Bíblia na língua herero, e a AIM e outras organizações
trabalham entre eles.
MENINOS PASTORES BASOTHO, Lesotho
São meninos e rapazes da população basotho porque, como colônia inglesa, o país
era chamado Basutolândia. Esta é uma subcultura ocupacional pastoral de um povo
sedentário. Os rapazes são “alugados” como pastores por cerca de cinco anos e se tornam
parte do rebanho da casa do dono. Quando ficam maiores eles passam longos períodos
nas montanhas com as ovelhas e cabras, vivendo à base de milho e plantas silvestres,
construindo suas próprias cabanas de pedra para sobreviver em todo tipo de tempo. A
exposição a ventos fortes e tempestades de neve pode causar a morte dos animais e dos
meninos.
Esta separação de casa também prejudica os meninos por privá-los de treinamento
e educação para empregos futuros, quando acabar sua carreira de pastores. O número de
meninas alfabetizadas é maior do que o de meninos, mas o esquema de aprendizagem à
distância fornece material para os meninos levarem para os montes. xii Os basotho adoram
seus badimo, ou espíritos ancestrais, como a única maneira de entrar em contato com o
deus supremo. Um, outrora, menino pastor que iniciou sua busca pessoal por Deus
enquanto meditava nas montanhas, agora, é diretor de uma missão que exibe o filme Jesus
para seu povo. Os meninos pastores também estão sendo contatados pelos obreiros da
AIM.xii
Povos Nômades Não-Pastorais no Sul
BaSARWA, Botsuana e Zimbábue
Há cerca de 4.500 bushmen, ou san, que originalmente eram caçadores-coletores,
mas que adaptaram seu estilo de vida ao que alguns consideram ser grupos itinerantes.
São entre 90,000 ‘Bushman’ em Botswana (55,000), Namibia (27,000) e South Africa
(10,000). Os sarwa se associam a kgalagari ou aldeias tswana por cerca de noves meses
do ano, onde eles trabalham para seus patrões dando água ao gado, buscando lenha,
limpando o kraal, tratando dos animais doentes e fazendo a dança da chuva, ou caçando e
trazendo objetos para o comércio com os aldeões. Os kgalagari consideram os bushmen
como “não civilizados” porque eles não possuem gado. Mas este fato significa que, como
os sarwa são selvagens, eles também são considerados mais suscetíveis aos poderes
mágicos para curar ou executar a dança da chuva. Muitos outros san se mudam com toda
a família de fazenda em fazenda como operários, tocadores de gado ou construtores de
cercas. Eles vivem em aldeias próximas às fazendas, mas na estação úmida eles se
186
mudam em grupos espalhados no bosque para caçar e coletar.
Os tswana são um povo agropastoril que vive principalmente na África do Sul,
mas há cerca de 850 mil em Botsuana. Tradicionalmente eles migram de suas aldeias
principais para os campos, em grupos de família, de novembro a junho. O missionário
pioneiro James Moffat foi o primeiro a traduzir a Bíblia em tswana, e cerca de metade do
povo se considera cristã em algum sentido. Os sarwa entendem tswana, mas eles mesmos
falam hiechware, com 3.000 falantes em Botsuana e 1.600 no Zimbábue. Eles praticam
uma religião africana tradicional.xii
KARRETJIE, Província do Cabo, África do Sul
O nome deles quer dizer “povo do carro de burro”, e eles se sustentam como
tosadores de ovelhas itinerantes na temporada e fazendo outros trabalhos ocasionais em
fazendas. Eles são descendentes dos habitantes originais da região de Karoo, os koikhoi
(hottentot). Eles eram pastoralistas nômades que resistiram ao colonialismo europeu, mas
finalmente foram reduzidos a trabalhadores de fazenda e, o que é mais importante, se
tornaram sem-terra. Eles são tratados como a mais baixa classe social e há 200 anos são
discriminados. A região de Karoo, que significa “terra sedenta”, cobre 260 mil
quilômetros quadrados, mas as terras cultiváveis pertencem a algumas centenas de
criadores de ovelhas. A maioria dos karretjie perdeu seus empregos, ou extras, nas
fazendas e têm sido forçados a vida itinerante precária em busca de qualquer trabalho que
a comunidade agrária branca possa lhes dar. Há milhares deles, e eles representam 1,5%
da população da região.
Nomadismo
Os karretjie, em grupos de cinco a 12 famílias, acampam numa fazenda com a
permissão do fazendeiro ou nos acostamentos das estradas – o que é legalmente permitido
por 24 horas, antes serem removidos. Eles constroem pequenos barracos para cada
família. As famílias geralmente ficam divididas uma vez que os pais, em especial os
homens – que são tosquiadores, deixam os filhos mais novos com os avós para viajar ou
acampar separadamente. Eles viajam por grandes distâncias, talvez centenas de
quilômetros, por alguns dias de trabalho. Eles usam carroças puxadas por burros, mas eles
também caminham e pegam caronas em caminhões. As famílias muitas vezes utilizam o
mesmo lugar na estrada como sua “casa”. xii Qualquer testemunho cristão entre eles além
de vencer a desconfiança do próprio povo, ainda terá de vencer a desconfiança da
comunidade de fazendeiros.
xii
Widdows (org.), Family, pp. 152-55; The Namibians (London: MRG Nº 19, 1984).
New International (março de 1998), p. 5.
xii
AIM People Profile.
xii
Bollig, “Ethnic Relations”, p. 199; Widdows (org.), Family, pp. 2524-26.
xii
Michael de Jongh e Riana Steyn, “Methodology on the Move: Studying Itinerants and their
Children” Nomadic Peoples 1.2 (1997), pp. 24-35; e Michael de Jongh, “Karretjie People, Agency and
‘Karoo Culture’”, South African Journal of Ethnology 23.1 (2000), pp. 1-13.
xii
17 NORTE DA ÁFRICA
Mauritânia, Saara Ocidental, Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia e Egito são os países que
formam esta região e há muito estão associados com as civilizações do Mediterrâneo, mais do
que com a África subsaariana. Desde a invasão dos árabes no século dezessete, trazendo o islã, a
região também é influenciada pelo Oriente Médio e, por séculos, foi parte do império otomano.
O trigo argeliano, e não os produtos pastorais, foi indiretamente responsável pela intervenção
francesa e o colonialismo, seguido pela Espanha e Itália no século 20.
O pastoralismo nômade é praticado no norte do Saara e em sua forma migratória nas
187
montanhas Atlas. Este estilo de vida possibilitou a algumas sociedades manter uma certa
medida de independência das principais tendências da região, e a desenvolver contatos com o
sul. Os que vivem no Saara tanto fazem transporte de caravanas como também as atacam. Os
veículos motorizados e as armas modernas introduzidas pelo colonialismo limitaram a
autonomia das sociedades nômades. Uma vez que o islamismo reprimiu a antiga presença de
cristãos, o norte da África tem apresentado uma longa história de resistência ao cristianismo.
Pastoralismo Nômade do Norte da África
MOUROS, ou Mauros
Há 1,2 milhão de mouros vivendo na Mauritânia e em outros países. Mais de 200
mil deixaram o Senegal e foram para a Mauritânia seguindo uma agitação no início dos
anos 90.
Os sanhadja, ou berberes do deserto, provavelmente foram alguns dos habitantes
originais desta região. Eles resistiram às invasões árabes por séculos, mas na guerra de
Cherr Baba no meio do século 17 eles finalmente foram derrotados. Eles se misturaram
por casamento com os árabes e o resultado foi os binda, ou mouros brancos, que
desenvolveram um estilo de vida derivado dos beduínos e dos sanhadja nômades. Eles
perderam sua língua berbere, adotaram o árabe hassaniya e aprenderam as costumes
árabes.
Os bidan estão divididos entre uma classe nobre e os antigos vassalos destes, eles
são mais da metade da população da Mauritânia. As classes nobres são compostas por
guerreiros, chamaos hassan, ou “o povo da espada”, e os marabus, ou zawija, que são os
homens santos, também chamados “o povo da palavra”. Os hassan eram principalmente
de descendência árabe e monopolizaram o uso das armas. Os zawiya eram uma força
cultural unificada, compensando a desunião entre a liderança política dos hassan, ou
emires.
Quando os franceses interferiram para transferir todo o comércio saariano da
Mauritânia para sua colônia do Senegal, eles debilitaram o poder político da elite. Os
zawiya se beneficiaram ao máximo da educação, e ocupam posições de poder na
Mauritânia. Tradicionalmente, eles têm maior influência e riqueza – possuindo os maiores
rebanhos, organizando comércio de caravanas e cavando os poços. O resultado é que a
Mauritânia é um dos poucos estados que não consideram os nômades como “retrógrados”
ou como uma ameaça. A segunda classe são os pastoralistas vassalos, ou zenaga, que
costumavam pagar tributo para os nobres e eram proibidos de possuírem armas.
Os outros mouros são os haratin, ou mouros negros, que são fazendeiros,
pastores, pescadores e artesãos, e são descendentes dos escravos africanos do sul. Os
bidan ainda os discriminam socialmente. Os mouros negros agora são classificados como
haratan, ou libertos, mas muitos continuam numa posição servil, cultivando campos para
os proprietários nobres. Os mouros são grandes negociantes e poetas, mas em geral só as
mulheres fazem música. Para saber mais sobre os artesãos e músicos que trabalham com
eles, veja abaixo o texto sobre os mu’allmin e ighyuwn.
Os mouros estão organizados em mais de cem qabila, ou tribos patrilineares, cada
qual sendo hassan, zawaya ou zenaga. Mas tradicionalmente, dentro destas tribos, havia
também castas especializadas, ou os artesãos, músicos e escravos. Cada tribo paga tributo
para outras mais influentes na hierarquia. Mas a estrutura social é bem mais fluída e se
dissolveu um pouco devido às políticas colônias francesas e das influências da vida
moderna. As tribos se tornaram agrupamentos políticos livres dos clãs mais permanentes
de famílias relacionadas.
Nomadismo
Os mouros no passado foram nômades, e 80% ainda eram pastoralistas ativos em
1960. Mas as grandes secas dos anos 60 mataram a maior parte de seus rebanhos, e eles
188
venderam o resto. Isto quer dizer que 80% deles se estabeleceram, aderiram à agricultura
e construíram novas aldeias. Contudo, eles ainda se orgulham de serem nômades. As
famílias bem sucedidas podem ser descritas como agropastoralistas – geralmente eles
gostam de ficar em tendas próximas a suas casas e ter rebanhos de ovelhas e cabras. As
novas represas de irrigação no rio Senegal e mudanças nas leis sobre terras os têm
ajudado. Mas muitos se estabeleceram em Nouakchott e outras cidades e vivem em
grande pobreza. Grandes grupos de haratan vivem nas cidades às margens do rio Senegal
como Podor, Richard Toll, Rosso e St. Louis que também ficam de frente para outras
cidades mauritanas do outro lado do rio.
Somente cerca de 12% deles são pastoralistas nômades no início do século 21 e
vivem nos desertos desde o rio Draa, no sul do Marrocos, passando pela região sul até o
Senegal.xii Ainda há muitos nômades a serem descobertos na remota região de Hodh,
sudeste da Mauritânia. Algumas tribos ou clãs se especializaram em criação de gado e
outras em camelos. Desta forma, clãs com relacionamento muito próximo podem ser
separados um do outro por causa de diferentes necessidades de pastagem para seus
animais. Os indivíduos, homens e mulheres, têm a posse dos animais, e o status e a
riqueza é determinada pelo tamanho do rebanho de camelos e cabras do homem ou da
mulher. Cada família pastoreia seus animais juntos. Os camelos são deixados soltos, mas
ovelhas e cabras sempre estão acompanhadas.
Os mouros se deslocam em pequenos grupos bastante espalhados por muitos
quilômetros de distância um do outro, por causa da escassez de pasto e de água. Eles
formam pequenos acampamentos, ou frigs, alguns de apenas cinco tendas; o tamanho
depende da qualidade do pasto ao redor. Cada tenda, ou khayme, representa um casal e
seus dependentes. Os camelos são usados para transportar as tendas e os pertences da
família, com as mulheres e as crianças. Eles vivem em cabanas em forma de abóbada
semicilíndrica feitas de capim entrelaçado, chamadas tegits. A área é tão árida que os
grupos de pastoreio têm que se mudar com freqüência e carregar seu suprimento de água
com eles; cada família possui um tambor para armazenagem de água carregado sobre um
camelo. Eles gastam os meses frios de outubro a dezembro no norte, em Awker. Os
mouros então se mudam para o sul, parando por poucos dias, e atingem sua área mais ao
sul para o período das chuvas, de junho a setembro. Os que têm plantações de tâmaras
colhem as tâmaras em julho. Em períodos de seca, eles se mudam mais para o sul, até
Mali. A típica resposta nômade para as secas recentes é migrar temporariamente para
Mali, ou se estabelecer por um curto tempo e depois continuar a vida pastoral à medida
que as condições melhoram.
Os mouros tendem a cooperar uns com os outros em várias tarefas, o que nem
sempre é comum entre os pastoralistas nômades. Eles também emprestam animais para os
parentes pobres, como é feito pelos fulani. Associações pastorais têm sido criadas para
melhorar a viabilidade do modo de vida nômade, com cuidado veterinário e outros
serviços, e com apoio de organizações internacionais. A subnutrição é comum porque eles
raramente comem carne. Sua dieta é à base de leite, iogurte, manteiga e coalhada, como
também pão e milho. Para comprar os outros produtos que eles precisam, eles têm que
vender seus animais num mercado muito inconstante.
Sociedade
As famílias sempre desejam ter vários filhos, porque os homens pastoreiam e
tiram o leite dos animais. Eles também tiram água para humanos e animais. Geralmente
leva muitos dias até chegar aos poços. Por causa disto, os homens podem ficar dias longe
do acampamento.
As mulheres mouras cuidam do acampamento, da comida e dos filhos, e elas
também fazem os laticínios. As mulheres se casam com cerca de doze anos de idade, e
muitas vezes ficam até um ano com seus pais após o casamento, sendo visitadas pelo
marido. A monogamia é a regra entre os mouros e as mulheres possuem uma influência
relativamente grande entre eles. Uma noiva recebe um dote em dinheiro de seu novo
189
marido, em vez de receber camelos – como no passado, e também uma caixa de madeira
cheia de roupas e perfumes, que ela dá para as outras mulheres de seu acampamento. As
mulheres não cobrem a face com véu e podem se misturar livremente com os homens, ao
contrário das mulheres em outras sociedades muçulmanas. As mulheres podem possuir
animais e outras propriedades e também podem comprar um divórcio. Embora os clãs
sejam patrilineares, muitas vezes um marido pode ser adotado na família e no clã de sua
esposa.
A tenda, ou khaume, representa uma família – a palavra em hassaniya é a mesma
para ambas. A tenda é armada, concertada e desmontada pelas mulheres, porque ela
pertence às mulheres, e geralmente é feita por sua mãe antes do casamento e permanece
com ela se ocorrer o divórcio. Neste caso ela tem permissão para viver sozinha. A tenda é
de tecido de algodão, e não do tradicional pelo de cabra trançado, cobrindo aros
semicirculares de madeira. Ela tem os lados abertos e sempre é montada voltada para o
leste. Dentro de cada tenda no lado norte, geralmente, há uma armação de quatro pernas
ou rhal (parecido com uma mesa de cabeça pra baixo e pernas pra cima) que serve como
uma plataforma para os pertences deles. Ela também serve como uma estrutura de carga
sobre os camelos deles, e esta é uma característica distintiva quando um acampamento se
move pelo deserto. Celas de camelos são símbolos de status e são colocadas no lado sul
da tenda. O empacotamento e carregamento podem levar até duas horas.
Cada clã tem algumas famílias que vivem em cidades mercado para facilitar a
troca de mercadorias para seus parentes pastorais. Por exemplo, desde 1981 a tribo
hammunal tem construído as aldeias de Numal e Tuwiln com escolas e clínicas, porque
são conscientes de sua desvantagem dentro da sociedade mauritana devido à falta de
educação e serviços de saúde. As represas ao longo do vale do rio Senegal têm
possibilitado um considerável desenvolvimento da agricultura. Há 55 mil haratins, que se
estabeleceram em cidades do vale do rio Senegal por causa do avanço do deserto.
Religião
Os mouros são religiosamente motivados pela forma de islamismo místico, o sufi,
e pela magia. Entre eles há muitas irmandades de discípulos seguindo um “santo” vivo ou
morto, que é considerado possuidor de muito baraka, ou um poder divino mágico para
abençoar e curar. Este poder pode ser adquirido tocando-os ou, se eles estiverem mortos,
fazendo uma peregrinação até seus túmulos. Os marabus, ou “homens santos”, são
intercessores que ensinam seus discípulos e também praticam mágica. O temor aos
espíritos, os djins, ainda prevalece entre os mouros.
Os mouros acreditam que o mundo possui uma hierarquia destes espíritos
invisíveis, mas de aparência humana que se aproximam silenciosamente à noite,
especialmente próximo dos cemitérios. Eles também acreditam que os dijin são a causa da
maior parte dos infortúnios, e uma desculpa para as falhas humanas. Os marabus e os
feiticeiros africanos são usados para combatê-los. Eles acreditam que os espíritos vêm do
norte e o pai de uma família dorme próximo do rhal na tenda para proteger a família, que
dorme do lado oposto ao centro da tenda. Dias de mau agouro e certas ações e objetos
podem proporcionar controle sobre estes espíritos. Proferir fórmulas especiais, recitar
versos do Alcorão, nunca ficar sozinho à noite e usar talismãs em diferentes partes do
corpo – segundo se crê – afastaria os espíritos. Embora os espíritos possam causar
doenças mentais, reais e imaginárias, as pessoas acreditam que a feitiçaria e as maldições
causam doenças físicas e infortúnios. Eles também se preocupam em se defender do “mal
olhado”.
As diferentes tribos têm várias práticas e tabus, e os que praticam o ocultismo têm
reputação ou por eficácia ou por extorsão. O envenenamento por causa de rixas é comum
e constantemente temido.
Alcance
Os mouros têm uma necessidade muito grande de ajuda prática no
190
desenvolvimento, porque as secas dos anos 80 fizeram com que perdessem seus rebanhos,
e a maioria não têm outro emprego. A Mauritânia se tornou uma república islâmica em
1958, e o resultado é que o evangelismo só é possível no Senegal, além de ser necessário
usar o árabe em vez do francês. Eles revelam pouco conhecimento do cristianismo ao
chamar os cristãos de “nazarenos”, e o termo “católico” é usado para qualquer pessoa de
má reputação. Eles também podem ser atingidos com a mensagem do cristianismo na
capital e nas cidades. Há igrejas da WEC estabelecidas no Senegal, a World Horizons está
trabalhando entre eles. As fitas de áudio da Language Recordings estão disponíveis em
hassaniya.
ZENAGA
O zenaga são árabes pastorais, talvez 25 mil pessoas. Eles vivem no sudoeste da
Mauritânia, entre o litoral e Mederdra, com brancos e negros ou antigos escravos entre
eles. Eles parecem ter se engajado no comércio em caravanas. Eles falam a língua
berbere.xii
SAHARAWI
Os saharawi ou sahawari são uma mistura de berberes e de beduínos árabes,
provavelmente do Iêmen, que chegaram no Saara Ocidental no século 13 e se misturaram
por casamento com os berberes e seus escravos africanos. Mas os saharawi são distintos
dos berberes ao norte, dos tuaregues a leste e dos mouros e africanos negros ao sul. Os
saharawi tiveram “distinção” de serem os primeiros escravos do moderno comércio
europeu de escravos. Os portugueses, num programa de descoberta que em outras
circunstancias seria louvável, capturaram milhares de “azengues”, “tuaregues sanhaja” ou
“berberes” de 1441 em diante, e os levaram para Portugal.
Os saharawi são um total de cerca de 200 mil em tribos como a dos reguibat, que
alegam ser descendentes de Muhammad, os ould delim ou “povo do rifle”, e os tekna.xii A
Peoples Database faz uma estimativa de 93,4 mil reguibat e 105 mil delim na Mauritânia,
e 91 mil no Saara Ocidental. Os tekna totalizam 50 mil. Outras tribos são os izarguien e
os ait lahsen. Os tekna são seminômades, no norte ao longo da fronteira com o Marrocos.
Algumas tribos, como os ould delim, chamados “filhos do rifle”, não alegam ser
descendentes do profeta. Muitas deles serviram no exército colonial espanhol. Outros,
como os reguibat (a maior tribo), alegam ser “filhos do profeta”.
Os saharawi já dominaram o deserto ocidental e eram chamados “os filhos das nuvens”,
em referência às grandes distâncias que eles viajavam sobre camelos no deserto. Como nômades
de camelos, eles têm um infalível senso de direção ao atravessar o deserto que contribui para
suas habilidades nas incursões. Eles formaram a resistência aos poderes coloniais e forneceram
muitas tropas para o movimento de independência Polisário. Eles se locomovem em pequenos
grupos por causa da escassez de vegetação e água, entre o sul do Marrocos e a Mauritânia, numa
área onde quase não há oásis. Eles não conseguem suplementar sua dieta plantando cevada, e
por isso eles têm que comprar cereais, chá, açúcar e sal.
Sua unidade social é o fiq, um grupo de cerca de 50 tendas. As mulheres não costumam
usar véu. Sua sociedade já foi dividida não só em tribos, mas também em castas, como os
tuaregues. Eles também foram pequenos grupos de pastores vassalos, escravos e haratin, ou
fazendeiros. Veja abaixo os artesãos e músicos ligados a eles: um’allmin e ighyuwn.
História
Quase no fim do período colonial espanhol nos anos 60, muitos saharawi se
estabeleceram nas cidades. Quando os espanhóis deixaram a colônia, uma administração
conjunta sob a Mauritânia e o Marrocos tomou lugar, mas a população ofereceu
resistência. Em jogo estão as reservas de fosfato e áreas de pesca. Quando a Mauritânia
renunciou a suas pretensões pelo país em 1979, o Marrocos invadiu e muitos saharawi
voltaram para a vida no deserto para evitar o poder estrangeiro. Eles eram 170 mil
refugiados que se mudaram para a Argélia, onde eles têm acampamentos que
191
desenvolveram consideráveis facilidades como escolas, hospitais e plantações.
Como os reais habitantes do Saara Ocidental, a maioria deu apoio à frente
Polisário, preferindo um país independente. A Argélia encorajou o estabelecimento da
República Democrática Árabe do Saara em 1976, que é reconhecida por 70 países. O
resultado foi mais de duas décadas de guerra com cerca de 20 mil guerrilhas nômades
lutando contra o exército marroquino. O Marrocos agora controla grande parte do território
após um cessar fogo apoiado pela ONU, atrás de uma área de 1,5 mil quilômetros com
arame farpado e barreiras de pedra. As conversações entre o Marrocos e os saharawi que
visavam permitir um referendo da ONU em 2000 falharam.
Língua
Os saharawi falam árabe hassaniya e um pouco de espanhol. Há 70 mil deles que
são refugiados em Tindouf, Argélia, desde os anos 80, e muitos foram para a Espanha. Nos
acampamentos as pessoas são educadas no nacionalismo saharawi, e a alfabetização saltou
de 5% para 95%. Muitos estão viajando para o exterior para se formarem em
universidades.xii Há 75 mil saharawi que ainda permanecem independentes na Mauritânia.
Nenhum progresso, material ou espiritual, é realmente possível até que a comunidade
internacional seja capaz de estabelecer um acordo justo. Há abertura para um testemunho
cristão para os saharawi na Europa.
IMAZIGHEN, ou Berberes
Eles vivem espalhados na região das montanhas Middle Atlas, Marrocos e ao
longo da cadeia montanhosa Atlas na Argélia. Eles são algo em torno de 18 a 20 milhões.
O nome predileto deles é imazighen e significa “homens livres” ou “mestres” – só
estrangeiros os chamam de berberes. Acredita-se que eles sejam descendentes dos
habitantes originais do norte da África. Há evidências históricas de que os berberes foram
cristãos e judeus no tempo do império romano. Como resultado das invasões árabes, este
povo outrora independente agora é cercado por sedentários árabes, de maneira que eles
agora formam vários povos autônomos separados. Eles não têm nenhum senso de unidade
maior do que o que há dentro de sua tribo e têm pouco contato uns com os outros, mas isto
está desenvolvendo numa consciência política maior. Os tuaregues pastorais e os kabyle
agricultores (2 milhões), nas montanhas do leste da Argélia, também são grupos
berberes.xii Os berberes falam cerca de 33 línguas berberes diferentes.
Berberes rif ou shilha do norte: eles vivem nas cadeias de montanhas Rif,
Marrocos. Há cerca de 1,5 milhão de ishilhayn ou shilha do sul, com 3 milhões no oeste e
montanhas Anti-Atlas, Marrocos. Ambos os grupos são agricultores sedentários. Shilha é o
nome árabe para todas as línguas berberes. Um rif também é um grupo de tendas de
famílias estendidas relacionadas. Há várias agências tentando atingir os berberes na
Europa, incluindo a JOCUM, que tem uma equipe latino-americana trabalhando em
Amsterdã em meio a 20 mil berberes rif.
Soussi ou berberes shleuh ou shilha do sul: No Marrocos, há 2 milhões deles
habitando na parte leste das montanhas High Atlas e Anti-Atlas. A área é chamada Sous
no Marrocos. As duas cadeias montanhosas sofrem os extremos do tempo; a High Atlas
fica coberta com neve no período de novembro a maio, mas os declives mais baixos ao sul
são áridos e sem árvores. Os aldeões são agropastoralistas e tendem a fazer terraplenos
com regos e represas para irrigação, geralmente produzindo duas safras por ano. No verão,
famílias inteiras sobem as altas montanhas com seus rebanhos em busca de pastagem, e no
inverno elas podem contratar pastores para levar as ovelhas para as planícies.
Nas montanhas Anti-Atlas as aldeias são construídas em declives rochosos, muitas
vezes com casas de três pavimentos, sendo o terraço um abrigo para os animais. Embora
cada família tenha algum gado, eles não praticam o estilo de vida itinerante como os
outros berberes.
Muitos soussi migraram para as cidades, e algumas famílias dos ammein e as tribos
ait sonab das montanhas Anti-Atlas conseguiram um monopólio no negócio de armazéns
192
em Casablanca, Tangiers e Larache. Outros conseguiram transformar seu pequeno negócio
em operações de cadeias de lojas e vendas por atacado. Embora grande parte de seus pais
sejam analfabetos, a geração mais jovem avançou até a universidade e alguns até mais. Os
soussi sempre tiveram uma influência nos eventos políticos no Marrocos, e não menos em
seu apoio para a independência da França. A língua berbere que os soussi falam é o
tashilhit.xii A New Opportunities está trabalhando para ajudar este povo.xii
Central Shilha, berberes do Middle Atlas ou berberes da parte central do
Marrocos são também chamados Tamazight, que é o nome de sua língua. Há 2.758.000
no Marrocos, com outros na Argélia e outras partes do norte da África e França. Eles são
3.918.000. Os que vivem na cordilheira Middle Atlas dependem, antes de mais nada, do
pastoralismo de emigração com ovelhas e cabras. Alguns deles são nômades de inverno,
que têm aldeias nas montanhas, e viajam para os vales no inverno. Outras tribos são
nômades de primavera, tendo suas aldeias nos vales ou na estepe e levando seus rebanhos
para as montanhas durante o verão. Ainda outros têm um duplo estilo de vida de
emigração. Eles têm suas aldeias em atitude média e vivem nas partes mais altas das
montanhas no verão e descem para os vales no inverno. Parte de cada família sempre
permanece nas aldeias durante as migrações. Todos eles plantam um pouco e suas aldeias
têm características de cidades celeiros. Cada vale têm várias aldeias relacionadas
patrilinearmente que juntas formam um distrito quase autônomo, ou ait. De 10 a 15
famílias estendidas formam uma aldeia.
Os berberes são muçulmanos sunitas, mas a adoração de santos, ou igurramen, é
vital para eles. Os igurramen perfazem cerca de 5% da população das tribos, e por esta
razão o poder de nenhum deles pode ser limitado. Eles acreditam que poder “mágico”
santo de baraka, que estes homens supostamente possuem, pode curar ou resolver outros
problemas. O poder transmitido por herança para que famílias religiosas tenham bastante
influencia e vivam vidas separadas, geralmente próximas ao túmulo de seus ancestrais.
Para obter proteção contra o mal, portanto, é preciso usar amuletos abençoados por um
homem santo, ou fazer peregrinações para os túmulos dos santos, ou consultar mestres que
são seus descendentes.
Três agências cristãs estão em contato com eles. Um programa de rádio de 15
minutos é transmitido uma vez por semana.
Berberes kabyle, Argélia, são agricultores e, portanto, estão fora de nosso
levantamento. Eles têm um simbolismo dualista bem desenvolvido expressado pela forma
de suas casas tradicionais. Um programa de rádio de meia hora é transmitido cinco vezes
por semana em kabyle.
Berberes da Argélia central – são 57 mil de vários grupos, falando diferentes
línguas, que vivem em Tougougourt, Gourara e Ouargla, e arredores. Há somente 2 mil
pessoas de falam berbere. Eles estão relacionados com os mzabi, que são comerciantes.
Shawiya, Argélia. Há 450 mil destes berberes do maciço montanhoso Aures no
oeste da Argélia. Eles seguem um estilo de vida seminômade que é parcialmente agrícola e
parcialmente pastoral. Eles ocupam estas montanhas escarpadas desde a retirada da
Tunísia durante as invasões árabes na idade média. Os shawiya vivem em isolamento com
uma sociedade e economia auto-suficientes. Por causa disso, eles conseguiram conservar o
caráter original de seu povo. Eles resistiram aos romanos, aos vândalos, aos impérios
bizantino e árabe. Só os franceses conseguiram capturar e destruir suas aldeias e colocá-los
em acampamentos na década de 1850. Eles ainda se ressentem disto. Não há testemunho
cristão entre eles.
Nafusa: um grupo de 40 mil berberes em Jebel Nafusa, leste da Líbia. Suas
aldeias, nas montanhas, são difíceis de atingir. Eles são agropastoralistas que cultivam
várias plantações, mas no outono eles levam suas ovelhas para pastar ao sul, fora de Jebel.
Eles também são distintos de seus vizinhos árabes por pertencer à seita Ibadi. Eles têm
contato com a comunidade da ilha Djerba. Muitos dos homens migraram para as cidades. xii
CHAAMBA
193
Há 60 mil árabes vivendo no noroeste do Saara. Eles podem ter vindo da Síria por volta
do século 14 e se estabelecido nessa região do Great Erg por causa do desenvolvimento do
comércio de caravana. Metlili, no declive sul das montanhas Atlas na Argélia, é um dos centros
deles. Eles estão espalhados ao sul e oeste, mas continuam a ter uma estrutura de confederação
livre de vários grupos, como os mouadhi chaamba em El Golea, os bou rouba em Ouargla, e os
chaamba berazga, dos quais todos têm tribos membros. Há algumas tribos de nobres, e algumas
tribos de cidadãos ou vassalos. Sua sociedade também está dividida entre elementos sedentários
e os nômades, que criam camelos, ovelhas e cabras. Eles têm também uma dupla divisão
política de sociedade, que perdeu seu significado real, mas os acampamentos são divididos em
dois.
Os acampamentos são formados por grupos de 4 a 30 tendas de famílias. A maioria das
famílias pastorais também possui tamareiras. Eles têm casas na cidade e as alugam para viver
em suas tendas. Entre setembro e janeiro eles ficam em suas bases domésticas, mas eles migram
no resto do ano. Eles geralmente evitam se casar com africanos negros, mas o fato de haver
algumas concubinas negras dá a entender que agora já há alguns africanos nas famílias
chaambas.xii
BEDUÍNOS
Os beduínos estão na Argélia, com 130 mil no nordeste da Líbia e 150 mil na
Tunísia. Era comum usar o termo árabi para descrevê-los em contraste com os povos
estabelecidos. Os árabes sempre foram uma minoria na população, mas eles tiveram
grande influência através do casamento misto à medida que eles se estabeleciam no litoral
e tiveram sucesso em converter o norte da África ao islamismo antes do século 13. Por
outro lado, os beduínos sempre permaneceram auto contidos como tribos endógamas, e
eles conseguiram expulsar os fazendeiros berberes.
Os 30 mil beduínos gafsa vivem em 19 mil quilômetros quadrados de semi-árido
assim chamado “estepe” na Tunísia central. Eles criam ovelhas e cultivam tâmaras e
oliveiras, que são os principais produtos comercias da região, nos oásis. O ambiente é
afetado pelo fosfato sendo minado e transportado para Sfax. Os beduínos falam árabe
levantine, uma língua na qual estão disponíveis fitas de áudio evangélicas.
Os beduínos em Cirenaica, Líbia, foram estimados num total de 130 mil. A
colonização italiana da Líbia desorganizou a vida tribal e expulsou os pastoralistas para
terras mais áridas, e em Cirenaica eles nunca se renderam para os invasores. As tribos
alegam descender de marabus e nobres. O governo líbio tem tentando nomear os líderes
deles de acordo com a competência, em vez de seguir o método tradicional baseado na
descendência e experiência local.
A maioria fica num lugar durante o inverno, mas eles migram no verão com seus
rebanhos em grupos de famílias de parentesco próximo chamados de bait, ou “casa”. A
área tribal de pastagem e poços é chamada watan. As mulheres não costumam usar véu e
são encarregadas de carregar água para o acampamento ou aldeia. No século 19, o
islamismo deles foi influenciado pelo movimento sanusi que estabeleceu irmandades nos
oásis, e encorajou a resistência aos poderes europeus. Eles falam um árabe coloquial
líbio.xii Eles têm contato com uma clínica médica. xii A New Opportunities prepara ajuda
para estes povos.
Há 1,2 milhão de beduínos no Egito. Há muitas tribos, como os awlad’ali ao
longo do litoral norte na margem do Mediterrâneo, os ‘amarin no oeste de Suez, os
ma’aza entre o Nilo e o Golfo de Suez e os ‘ababda e bisharin ao sul da margem do Mar
Vermelho. No Sinai há cerca de duas dúzias de tribos. Os ayayda, huwetat e ahaywat
estão a leste de Suez, e os muzena ao sul e leste de Gebel Musa (Monte Sinai). Os
tarabin, azazma e ahaywat vivem nas fronteiras com o Egito do Mediterrâneo até Aqaba.
O estilo de vida deles é dividido entre o nomadismo, vivendo em tendas de pelos de
cabra, e a vida seminômade, usando casas de concreto para o inverno. A maioria vive
agora dos rendimentos com o turismo e o serviço de dirigir caminhões, ou do dinheiro
enviado por parentes que vivem na cidade.
194
TUAREQ
Estes povos são descritos na seção sobre o Sahel Ocidental. Talvez 25 mil deles
estejam nas montanhas Aijer e Ganet e no oeste da Líbia e nos arredores de Ghat.
Povos Nômades Não Pastorais
NEMADI ou Namadi (sg. Nemedai)
Há cerca de 200 que vivem na fronteira sudoeste do Saara na Mauritânia e norte de
Mali. Eles são nômades caçadores de antílope, que usam uma matilha de cachorros. Eles
também caçam javalis e os vedem para os muçulmanos. Eles fazem comércio com os mouros e
povos negros ao sul. Os nemadi são caçadores coletores, mas eles estão incluídos aqui porque
viajam para comercializar carne seca e couro para roupa, armas de fogo e painço. Este comércio
é uma parte importante do estilo de vida deles, que de outra forma seria impossível.
Eles são muito pobres, com poucas roupas ou pertences, e só alguns possuem um
camelo. Eles evitam assentamentos e vivem em tendas feitas de peles ou lã tecida e pano, mas
às vezes também eles simplesmente fazem um quebra vento de tijolos de argila. Dizem que as
tendas caem sobre os ocupantes como um cobertor à noite. Os nemadi vieram das regiões de
Nara e Kayes. Alguns acamparam numa aldeia fulbe jeeri em 1995, com, segundo se diz, cerca
60 a 100 cachorros. Eles muitas vezes causam problemas por causa de seus cachorros, que
seriam mantidos com fome para caçar. Os fulbe dizem que eles “são maus vizinhos”.
Eles têm uma tradição de que eles já foram mouros que escolheram ser
independentes, mas os mouros negam isto. De fato, um levantamento preliminar recente
indica que eles são uma casta de caçadores da sociedade mourisca. Embora
nominalmente muçulmanos, eles têm a fama de serem completamente ignorantes das
práticas muçulmanas. Eles falam árabe hassanya, mas muitos detalhes sobre eles são
desconhecidos incluindo se eles têm uma língua própria, embora um levantamento
recente tenha descartado esta hipótese.xii
IMRAGUEN ou Hawata
Eles são pescadores seminômades no litoral do Saara Ocidental e Mauritânia. xii
Há vários grupos entre eles, incluindo parte-europeus. Acredita-se que alguns deles
sejam descendentes do bafou os habitantes originais da região, que eram uma
ramificação dos soninke próximos ao rio Senegal. Os imraguen originais,
provavelmente, são um grupo de 120 situados ao norte de Nouakcott, ao longo de 150
quilômetros do litoral a norte de Cape Timiris. Nos tempos antigos eles usavam canoas,
escavadas em troncos, impulsionando-as com suas pernas. Os exploradores portugueses
do século 15 que os viram pela primeira vez pensaram que eles estavam voando baixo
sobre a água. Alguns ainda usam lanchas, vivendo nelas por meses com suas famílias,
pescando e levando peixe fresco para vender em Nouadhibou (Porto Etienne).
A maioria dos imraguem vive em pequenos grupos de cabanas ou tendas entre as
dunas na praia. A área é deserta, sem árvores ou estradas. As cabanas são construídas de
restos de navios e outros escombros e possuem cercas para as redes e mesas para secar
peixes. Os homens imraguen normalmente não usam roupas, exceto por perneiras de
couro quando pescam. O método normal de pesca é por meio de duas linhas de homens
entrando na água com uma rede entre eles. Eles cevam o peixe, geralmente com painço,
entre a rede e a praia. Os tubarões são um perigo constante. O peixe é secado ao sol para
ser vendido mais tarde. Eles também pegam golfinhos, tartarugas e ovos de tartaruga.
195
Eles supostamente usam golfinhos para levar os cardumes de peixes próximos à praia. A
pesca tem que ser na base da cooperação, já que o suprimento de peixes capturados
dessa forma não é muito grande.
O número de peixes pescados afastados da praia é maior, e os barcos das Ilhas
Canários e outras partes pegam mais peixes lá. Os imraguen precisam de ajuda para
conseguir barcos melhores. Nos anos 60 o governo mauritano tentou desenvolver a
atividade de pesca deles porque os mouros, que são maioria da população, têm aversão a
este trabalho.
Os imraguen só podem pescar de agosto a abril, porque durante o verão o pouco
suprimento de água fresca próximo ao litoral seca. Os imraguen migram para viver ao
alcance dos poços usados pelos pastoralistas a cerca de 20 quilômetros do litoral, e
negociam seu peixe seco e óleo de peixe nos arredores dos acampamentos dos mouros.
Eles são clientes dos guerreiros mouros e dos marabus, especialmente os oulad bou sba,
pois eles têm que pagar por seus “direitos” de peca e são fracos demais para resistir às
ameaças destes pastoralistas nômades. Os mouros geralmente visitam os imraguen
durante o inverno para coletar os tributos e trocar mercadorias. Eles têm sua própria
língua, que parece ser uma mistura de árabe e soninke, mas alguns também falam
francês. Eles não sabem nada sobre o cristianismo.
IGHYUWN
É a casta de artistas dos mouros do Saara Ocidental e Mauritânia. Eles
provavelmente são algumas dezenas e trabalham em pequenos grupos familiares, viajando
por entre as tribos de seus clientes. xii Tradicionalmente eles atuam em casamentos ou
circuncisões ou para os visitantes entre os guerreiros ou tribos hassan. Mas as tribos
zawaya, ou marabus, os rejeitam. Homens e mulheres participam das apresentações como
cantores, dançarinos, palhaços e contadores de histórias. Esta ultima atividade inclui
recontar a história das tribos ou indivíduos e fazer um comentário político sobre os
eventos recentes. Desta forma eles costumavam ser a “mídia” antes do advento do rádio e
da imprensa. Sua música tem influências berberes, árabes e africanas e usa o tidinit, ou
alaúde de quatro ou cinco cordas; o ardin, uma harpa tocada pelas mulheres, e tambores.
Os mouros, assim como os árabes e outros povos da África, desprezam os
ighyuwn e os temem por considerá-los feiticeiros, representando todos os aspectos dúbios
do caráter mourisco. Eles são vistos como conspiradores políticos, espiões e
extorsionários. Acredita-se que eles tenham poderes ocultos e sejam capazes de
amaldiçoar qualquer um que os ofenda, incluindo líderes tribais. Na segunda metade do
século 20 eles se mudaram para áreas urbanas, em busca de melhores oportunidades
comercias. Na Mauritânia, a música ocidental está ganhando espaço e por isso tem-se
buscado as possibilidades de comercialização de musica tradicional gravada. Os ighyuwn
são essencialmente animistas, sendo mais negligentes na prática do islamismo do que seus
clientes mouros. Grupos assim, e os um’allmin abaixo, não deveriam ser desprezados num
ministério para os mouros.
MU'ALLMIN
Os mu’allmim são uma casta de artesãos trabalhando para as tribos de mouros na
Mauritânia e Saara Ocidental. Eles viajam e trabalham junto a uma tribo e suas castas
dependentes, como os inadan dos tuaregues. As mulheres fazem artigos em couro e os
homens trabalham em madeira e metal, fazendo coisas como as varetas curvadas das
tendas e estruturas que vão sobre os camelos. Os mouros os desprezam. O governo
mauritano desenvolveu um mercado para os artesanatos deles no turismo e exportação, o
que tem ajudado os mu’allmin a obter mais status social.xii
OULOUD n'SIDI AHMED ou Moussa
Eles são trupes de acrobatas que migram entre os berberes das montanhas Atlas no
Marrocos. Há vários grupos chamados r’rma, consistindo de 20 a 30 meninos e homens
196
dos quais se diz terem sido abençoados pelo santo do mesmo nome, do século 17, e de
quem eles alegam serem descendentes. A benção os capacita a praticar uma forma de arte
marcial para o entretenimento. Muitos acreditam que eles praticam mágica, roubo e
exigem hospitalidade, caso contrário usam sua influência com o santo para amaldiçoar.
Eles viajam a pé ou com burros. Durante o dia eles vão de casa em casa tocando seus
tambores, dando bênçãos e recebendo doações e presentes. As apresentações são à noite.
Os presentes recebidos das mulheres na coleta da manhã são leiloados e considerados
portadores de baraka, o poder mágico do santo. Em agosto todas as trupes se reúnem no
túmulo do santo, para dar presentes e assim garantir seu poder para trabalhar por mais um
ano. Cerca de 100 mil peregrinos comparecem a este festival. Muitos acrobatas “se
aposentam” e abrem pequenos hotéis e ou cafés em Marrakech. Outros são recrutados por
circos fora do país.xii Não é um grupo de povo distinto.
HARRATIN
São descendentes dos “escravos libertos” dos mouros negros e vivem nos oásis do
Saara e trabalham para os mouros ou proprietários de terra bidan. Mas agora eles são
sedentários.xii
GYPSIES
Marrocos e Argélia: Os 2.500 xoraxai na Argélia são muçulmanos, e o nome
implica que eles vieram do Oriente Médio. Eles também estariam no Marrocos. Alguns
podem estar na Tunísia. Alguns kali ou gitan provavelmente estão no Marrocos. Os
afrikaya na Argélia possivelmente são manouche, falam francês, e são originários da
França no tempo da colonização francesa.xii
Halebi ou dam no Egito e Líbia (33 mil), e possivelmente Tunísia. Alguns deles
viajam pelo Sudão por causa das dificuldades econômicas.
Nawar: Minorsky defende que nawar é derivado de luri, ou luti no Irã, e que portanto
eles provavelmente se originaram na Índia.xii Van de Pijpekamp lista 100 mil no Chade, Líbia e
Egito e um índice de alfabetização inferior a 5%. Eles vendem animais e remédios veterinários,
mas não são pastoralistas. As mulheres lêem a sorte. Eles acreditam terem sido condenados ao
nomadismo porque seus ancestrais roubaram lamparinas em Meca.xii
O Egito alega possuir um alto nível de homogeneidade étnica, só os núbios não falam
árabe. Mas os 1.080.000 de ciganos representam 2% da população, e embora a maioria fale
árabe, um número muito grande fala dialetos de domari.
Os 864 mil halebi ou dam estão no delta no Nilo em quatro tribos, e dizem que alguns
vivem em ilhas flutuantes. Halebi é um nome egípcio para cigano. Eles alegam ter vindo do
Iêmen ou Síria, mas isto pode refletir um desejo de parecer muçulmanos melhores.
Tradicionalmente, os homens negociam em cavalos e as mulheres praticam medicina popular,
lêem sorte e fazem adivinhação. Alguns deles viajam para o Sudão por causa da dificuldade
econômica.
Há 216 mil ghagar ou nawar (sg. nuri) que migraram de volta da Europa e vieram da
Turquia no século 19. Eles vivem nos arredores ou no norte do Cairo, trabalhando como
balseiros, ferreiros, funileiros ambulantes ou como artistas ambulantes. As mulheres são
funâmbulos, dançarinas, músicas e tatuadoras. Eles também são encontrados em outras partes
do Egito, em Maghreb e no Sudão. Os halebi gostam de serem distinguidos dos ghagar, mas
ambos são tratados com desdém pela cultura árabe dominante.xii
197
18 ORIENTE MÉDIO
O
Oriente Médio é onde o nomadismo, como pastoralismo e como caravana,
provavelmente começou. A área inclui Turquia, Síria e Iraque e região sul até o Sinai e a
península arábica. Antes dos tempos bíblicos, os povos migravam permanente e sazonalmente
no Crescente Fértil, formado pela Mesopotâmia, Líbano e Palestina. No decorrer da história da
região, a maioria dos nômades se mudou para perto das partes estabelecidas. A criação de
animais nas periferias abertas, semi-áridas, que só serviam como terra para pastores, foi parte da
economia para sustentar as civilizações localizadas nos vales irrigados dos rios. Só em períodos
específicos, sob pressões políticas, foi necessário que os nômades vivessem no deserto. Os
rebanhos de camelos nômades, quase autônomos, nunca desapareceram desta região, pelo
contrário, a cultura derivada deste estilo de vida continua a persistir em diferentes formas.
Hoje, embora a irrigação para o cultivo tenha se estendido além do que era em tempos
antigos, muito da terra ainda é adequada somente para o pastoralismo nômade. A escassez de
água nessa região está ficando exacerbada pelo desenvolvimento em larga escala da agricultura,
de maneira que algumas nações estão consumindo além do seu suprimento. Ter que
compartilhar a água dos rios Eufrates, Tigre e Jordão para irrigação é um potencial para conflito
entre Turquia, Síria e Iraque. A redução de aqüíferos poderia resultar numa deficiência séria que
afetaria a vida de muitos.xii Os nômades estão usando máquinas de perfuração de poços e
carregando água em caminhões com tambores para seus rebanhos nas áreas de pastoreio no
deserto.xii
Os povos nômades da região são todos muçulmanos, e o nomadismo e a vida nos
limites do deserto seriam considerados como parte da herança de fé. Por causa do conflito com
Israel e o Ocidente, que representam fortemente a vida urbana sedentária, bem como o fato de
que todos os cristãos da região são sedentários, o cristianismo parece ser a antítese dos valores
nômades.
Pastoralistas Nômades do Oriente Médio
BEDUÍNOS ou Bedu (sg. Badawi ou Bedui)
Beduíno significa “morador do deserto”, que cada vez mais é uma designação
incorreta para muitos deles. A estimativa do número de beduínos na Síria, Líbano,
Jordânia, Arábia Saudita, Iêmen, Estados do Golfo Árabe, Egito e Israel é de 6,5
milhões. Alan Keohane estima que há entre 4 e 5 milhões. Junto com os da África
Saariana, há entre 12 e 19 milhões. As monarquias jordaniana e saudita derivam seu
apoio político inicial dos beduínos. Três quartos da população da Península Arábica
alegam ter origem entre os nômades do deserto e idealizam seus valores tradicionais,
mas constantemente desprezam a minoria que ainda vive daquela forma. O estilo de
vida beduíno forjou valores de um igualitarismo essencial, autoconfiança e
hospitalidade generosa num ambiente inóspito.xii
Alguns povos da Bíblia, como os amalequitas e os descendentes de Esaú que
viviam a sul de Canaã (Ex 17.8s., etc), e os midianitas, descendentes de Abraão na
fronteira da Transjordânia (Gn 25.14, etc.), estão entre os precursores dos Árabes (Nm
22ss.; Jz 3.13; 6.3s.; Dt 25.19). Embora os camelos já fossem domesticados nos tempos
bíblicos para transporte e combate, os nômades daquele tempo, como a maioria agora,
eram seminômades e criavam principalmente ovelhas e cabras. O pastoralismo de camelo
se desenvolveu como uma ramificação do comércio de caravanas usando camelos no
segundo milênio antes de Cristo, e portanto estava extremamente ligado às complexidades
políticas e econômicas dos poderes do Crescente Fértil. xii Os rwala bedu acreditam que se
198
tornaram pastoralistas de camelo para escapar do imperialismo de Bagdá e assim
preservar seus próprios valores. Por isso as noções românticas de que o beduíno é primal
e completamente autônomo da civilização são mitos. xii
As tribos bedu do sul no Iêmen alegam ser os árabes originais, arab al araba,
descendentes dos Qahtan (Joctã em Gênesis 10.25-26). As tribos jordanianas e sírias ao
norte, com tendas e um pastoralismo mais desenvolvido, são consideradas descendentes
de Ismael. As tribos no centro da península no Nejd, como os sham mar, são consideradas
descendência de um casamento entre as duas linhagens. Embora os autênticos bedu sejam
só uma pequenina parte da população do Oriente Médio, ainda assim os valores e senso
de história da região foram herdados deles.
Sociedade
Uma cosmovisão integral dos badawi, senso de honra e lealdade, é determinada pelo
conhecimento de quem foram seus ancestrais e por pertencer a sua família estendida, clã ou
tribo. Sua genealogia é transmitida oralmente de seu pai e avô, remontando a cinco gerações,
embora eles reconheçam que perscrutar entre tantas gerações seja inexato e mítico, e muitas
vezes, tenha mais a ver com fidelidade política do que com descendência literal. O indivíduo
está subordinado à linhagem, à tribo e seus líderes, como os emires (príncipes) de uma tribo
(kabila ou ashira). Um clã é formado por várias famílias estendidas traçando sua descendência
por cinco gerações (fakhida) e é conduzida por um mukhtar. Estes agrupamentos não são tão
permanentes como as alegações genealógicas sugerem, e os clãs podem mudar sua afiliação de
tribo.
O conceito cultural chave badawi é o ird – ou seja, ele deve manter a honra ou ser leal à
reputação dos vivos e mortos da linhagem. Ele, seu pai, tios, irmãos e outros homens de sua
linhagem formam uma unidade mutuamente responsável, ou khmas, corporativamente
responsável pelas ações uns dos outros. Às vezes um membro pode ser expulso (meshamas, ou
“ser exposto ao sol”) por uma ofensa séria.xii Ele e seus companheiros assumem a
responsabilidade pela conduta dos homens, mulheres e crianças da família estendida, cujo
comportamento é julgado levando em consideração se preservou a honra da família ou da tribo,
ou ofendeu a honra de um grupo semelhante. As ofensas contra a família, linhagem ou tribo
exigem compensação através da imputação de uma pena semelhante sobre um membro do
grupo ofensor.
Este sistema visa um equilíbrio de dano, visto como compensação e não como uma pena
apropriada. No passado, isto levou (e muitas vezes ainda leva) às incursões de vingança e
assassinatos. Mas os conflitos entre as partes da mesma tribo podem ser resolvidos pela
mediação dos líderes de um nível mais elevado na tribo. Há também maneiras de forjar
relacionamentos mais próximos entre as famílias, como através do casamento e hospitalidade.
Compartilhar uma refeição cria um laço especial entre os participantes. Um beduíno considera
que ele não pode atacar um inimigo que foi seu hóspede antes de três dias, quando a comida
compartilhada é considerada ter deixado o seu corpo.
Quinze por cento dos bedu têm menos de quatorze anos de idade. Aos sete anos as
crianças começam a aprender tarefas de adultos, sob a instrução, muitas vezes severa, dos
homens da família. Em alguns lugares as crianças recebem educação gratuita com um almoço
grátis. O casamento badawi geralmente é arranjado pelo pai e tios. O encontro não é permitido,
mas os jovens se conhecem, quando levam os rebanhos para o poço, por exemplo (Gn 29.9ss.),
e podem dizer suas preferências. O casamento com primos paternos de primeiro grau é
preferível, e geralmente ocorre entre os dezesseis e vintes anos de idade.
As mulheres foram, e ainda são, classificadas como pertencendo à esfera de honra do
pai ou do marido. As meninas crescem com um relacionamento próximo com os irmãos como
seus protetores. No casamento, uma esposa vive com a família de seu marido e só ganha
respeito quando ela dá a ele um herdeiro. Quase todas as mulheres são casadas e o divórcio,
geralmente seguido por um novo casamento, é muito comum. Em tais casos, os filhos
permanecem com o pai. Uma mulher geralmente não tem direito à herança, ainda que isto viole
a lei islâmica, mas os bedu acham que permitir que as mulheres também tenham direito à
199
herança resultaria na dissipação de sua pouca riqueza. Que os seus filhos tenham o suficiente
para herdar é importante, porque a expectativa de vida para os nômades é de cerca de 44 anos.
Atingir a velhice, especialmente como avós, é ser muito respeitado.
Há três divisões principais entre os beduínos.
Hadari
Na Arábia, 55% dos beduínos são sedentários ou hadari, mas eles têm a mentalidade do
nômade e muitas vezes têm parentes próximos que ainda são pastoralistas ativos. Eles são
considerados fallaheen, ou agricultores pobres, num sentido depreciativo pelos nômades
“autênticos”, mas os clãs seminômades sempre tiveram contato com os nômades e os hadari.
Sharwaya
Cerca de 35 a 40% dos beduínos são seminômades sharwaya ou criadores de ovelhas,
vivendo em aldeias com rebanhos de ovelhas e cabras. Alguns deles não se consideram bedu
que possuem camelos, mas árabes. Em meados do século 20, os veículos automotores acabaram
com a necessidade de camelos, por isso os nômades passaram a criar ovelhas para fornecer
carne para as cidades. Atualmente, os poucos camelos que ainda restam esperam para viajar
pelo menos parte do caminho numa picape! Muitos deles não estão preparados para longas
jornadas pelo deserto. Até mesmo algumas dos nômades de tribos “nobres” de camelos, como
os peedan na Síria e os howietat e Bani sakhr no Jordânia, mudaram para ovelhas. As razões
para isto são que as badia, ou as planícies cobertas com pedregulhos no norte da Jordânia e
Síria, são mais propícias e também mais seguras para os caminhões transportarem as ovelhas e
água. O mercado para carne de carneiro está ainda maior do que o de camelos, e os rebanhos são
mais baratos e fáceis de cuidar do que os rebanhos de camelo. Eles podem recuperar seu
investimento num terço do tempo necessário para fazer o mesmo com camelos. Os camelos
também têm maior dificuldade de suportar o inverno.xii A maioria dos bedu, portanto, têm
mudado seu estilo de vida.
O papel dos criadores de ovelhas seminômades ainda é economicamente importante,
porque a pouca terra de agricultura é irrigada e cara demais para pastagem.xii Duas ou mais sublinhagens podem formar uma sharwaya, ou aldeia, e as famílias estendidas vivem agrupadas
bem próximas. Os sharwaya migram para encontrar pastagem para os rebanhos e retornam para
as aldeias cerca de três vezes por ano. Outros membros da família têm a oportunidade de ter
trabalhos na cidade para suplementar seus rendimentos, e as crianças podem ir a escola. Muitos
homens trabalham nas cidades como motoristas de táxi ou de caminhão, mas “continuam a se
considerar beduínos”, e vários homens têm duas famílias – uma na cidade e outra com os
rebanhos.
Bedu (badawijin)
O nome deles significa “os não estabelecidos”, “os habitantes do deserto”. Estes são os
verdadeiros nômades que possuem rebanhos de camelos e que se mudam constantemente,
geralmente vivendo em tendas. Eles são cerca de 5 a 10%, por volta de 350 mil, do total de
beduínos. Eles mostram afeição por seus camelos beijando-os, dando-lhes nomes e compondo
versos sobre eles. Eles podem reconhecer as pegadas de cada um de seus animais.xii Mas,
mesmo entre os nômades, os camelos de carga estão sendo substituídos por automóveis, e as
tendas estão sendo trocadas por cabanas residenciais. O que tem resultado em novos
assentamentos para residência sazonal e algum cultivo de produtos agrícolas que eles podem
vender nas cidades. Uma casa consiste de uma família nuclear com cerca de seis a nove pessoas,
normalmente possuindo uns 20 camelos. A sub-linhagem ou clã pode ser formada por mais ou
menos nove casas seguindo viajem juntas, e esta é a unidade permanente para os nômades. A
estrutura tribal ainda persiste, com cerca de 60 tribos de uns 1.000 bedu cada.
Nomadismo
O nômade clássico é representado pela tribo al murrah, que totalizam 15 mil e cobrem
vastas distâncias no Rub el Khali, ou Quadrante Vazio, que é do tamanho da França ou de
200
Minas Gerais. Eles podem viajar até 3.000 quilômetros num ano, cobrindo todo Rub el Khali e
até atingindo o Iraque ou a Síria. Um grupo de apenas 400 pessoas “ocupa” uma área de 5.000
quilômetros quadrados. Mas eles também compartilham esta enorme área com outras tribos. As
distâncias percorridas em suas migrações variam de acordo com as chuvas escassas e sua
posição. No verão eles acampam perto de seus poços, deixando seus camelos vagarem
livremente já que eles precisam de água pelo menos de quatro em quatro dias. De setembro a
dezembro eles constantemente viajam curtas distâncias no Quadrante Vazio, seus camelos
bebem uma vez por semana ao retornar para os poços ou ao serem supridos por um caminhão
pipa. Eles deixam suas tendas nos poços de verão porque não é frio o bastante para usá-las e
então vivem ao abrigo de nada mais do que um quebra vento.
Suas migrações de inverno e primavera cobrem a extensão de 650 quilômetros do
território da tribo. Em janeiro, eles estão em seus poços de verão no sul. Quando eles ficam
sabendo da chegada da chuva de inverno ao norte, pelo rádio, por visitantes de passagem,
funcionários da companhia de petróleo ou patrulhas do exército, eles recolhem suas tendas e
pertences para levantar acampamento antes que o rebanho chegue e pisoteie tudo. Esta jornada é
rápida, viajando 60 quilômetros num dia em Nafud, que parece ser um mar de dunas de areia,
mas que lhes dá pastagem de inverno adequada após um pouco de chuva.
Uma vez no norte eles percorrem cerca de 10 quilômetros, param por poucos dias e
seguem novamente, apascentando os camelos. No norte, como ficam fora de sua área, eles têm
contato com outras tribos como os beduínos de aldeia e pastores. É também o período dos
animais darem cria. O cruzamento de camelos é planejado para que dêem cria no inverno, num
período de mais leite e pasto. Esta é a época em que eles comem carne, já que algumas das crias
machos excedentes são exterminadas. Somente alguns machos são preservados, para procriar e
para o transporte de bagagem. Todas as fêmeas são preservadas, já que o beduíno está
primeiramente interessado em leite, não em carne. Em março eles retornam, mais
vagarosamente, rumo ao sul, para seus poços permanentes para o verão.xii Os al murrah,
portanto, representam o que talvez seja a visão mais comum sobre o nômade. Outras tribos na
área deles são os ajman, mutayr, dawasir e subai.
Na Província Ocidental da Arábia Saudita há uma minoria de assentamentos xiitas, cada
um com uma husainiya, um salão para ajuntamentos religiosos xiitas, junto à mesquita. Eles são
considerados de uma classe social inferior, pelos sunitas, e só se casam entre eles mesmos.
a) Arábia Saudita
Noventa e cinco por cento da população é sedentária desde cerca de 1960, mas uns 200
mil ainda são beduínos pastoralistas.xii O século vinte viu o clímax de um processo de conquista
e amalgamação do país pela família saudita. A expansão da seita wahabita, o desenvolvimento
de um exército e a lealdade das tribos se tornaram a base para a fundação do estado da Arábia
Saudita. A seita encorajou os beduínos a acreditarem que eles eram os autênticos muçulmanos, e
que os membros das outras tribos deveriam ser tratados e defendidos como “irmãos”. Isto
ajudou a enfraquecer a hostilidade que até então era endêmica. Uma força beduína que impôs o
wahabismo tornou-se o exército saudita. Paradoxalmente, a Arábia Saudita pagou subsídios para
estabelecer as tribos, com ajuda para o equipamento agrícola. Mas nem sempre tiveram sucesso
nisto.
O dhafir, no norte da Arábia Saudita, é uma confederação de cerca de nove tribos, cada
qual com badidas ou clãs.xii O século 17 os assistiu serem expulsos do Hejaz e migrarem para o
oeste do moderno Kuait.xii Junto com outros grupos, eles se estabeleceram em aldeias como
Sufairi, com água encanada e eletricidade em cabanas de pau-a-pique ou casas de alvenaria, mas
muitos ainda guardam suas tendas para usá-las parte do ano. Eles criam rebanhos de camelo
para tirar leite e por razões sentimentais. Seus rebanhos de ovelha são a reserva econômica, e
são transportados pelo deserto por caminhões, para pastar. Eles também usam carros ou
caminhões para carregar água, lenha e tendas.xii Eles se consideram “beduínos”, e não
“sedentários”, que depende mais de pertencer a determinadas tribos do que do estilo de vida.
Conseguir a cidadania saudita é mais fácil para os que são considerados beduínos do que para os
que são considerados “assentados”.
201
Os Hejaz na Arábia Saudita é antiga terra santa do islamismo. Tribos de criadores de
camelo beduínos incluem os huwaytat, bali e juhayna no norte de Hejaz, zahrani e ghamid no
sul, e hudhayl, thaqif, fahm e sa’d entre Medina e Meca.xii
b) Síria
No século 18, os beduínos de Nejd na Arábia Saudita se mudaram para o norte na Síria,
forçando os nômades locais a se estabelecer ou se tornar seminômades, já que uma parte maior
da terra foi cultivada. Nos anos 80 ocorreram duas tendências. Alguns dos 927 mil beduínos se
tornaram fazendeiros, mantendo pequenos rebanhos de 48 ovelhas, em média, para uma família.
Estes rebanhos eram pequenos demais para migrar e eram alimentados com cevada, restolho,
forragem e pão subsidiado amanhecido. Outros bedu se tornaram baseados em aldeias
espalhadas nas estepes e tendem a reverter para uma existência mais nômade, indo a distâncias
cada vez maiores porque era mais barato manter os rebanhos em campos de pastagem natural ou
resíduos de plantações do que comprar comida. Estes bedu gastam grande parte do ano se
deslocando entre três áreas cultivadas diferentes em busca de restolho.xii
Os al-fadl e al-hassanna são tribos na Síria que foram parte daquele movimento em
direção ao norte a partir de Nejd há mais de duzentos anos. Por volta do início do século vinte
eles ficaram cercados por terras cultivadas. As tribos são divididas em beits, ou clãs, de famílias
estendidas relacionadas. Dois ou mais beits geralmente acampam juntos – de 30 a 100 “casas”.
Incluído nisto está o grupo de pastagem, com mais de uma dúzia de “casas”, vivendo em tendas
e casas. Uma “casa” de 8 a 15 indivíduos é também chamada um beit.
Os pastores dessas tribos dividem o tempo entre Palmyra, no deserto, e o vale Baqaa. xii
Após passar o inverno no deserto, ele se mudam para o vale, após a primeira chuva em abril.
Durante o verão os homens e meninos pastoreiam as ovelhas e cabras nas escarpas da montanha,
se mudando primeiro para o sul e depois para o norte no campo de pastagem na serra AntiLíbano, incluindo a escarpa oriental menor do monte Hermon, norte de Damasco. Durante o
verão eles vendem lã, leite e manteiga para suprir suas outras necessidades, usando camelos nos
mercados locais. Ao fim de junho eles formam pequenos grupos que têm acordos com
fazendeiros para pastar no restolho. Em novembro eles chegam novamente no norte do vale, e
quando começam as chuvas de inverno eles voltam para o norte em direção ao leste para o
deserto, onde há pastagem adequada de janeiro a março quando as ovelhas começam a parir e
começa a produção de manteiga.
Após trocar os camelos de carga por caminhões por volta de 1963, a vida deles foi
revolucionada, reforçando seu pastoralismo com a criação de mercado para seus produtos. Eles
foram capazes de conseguir melhores preços em regiões mais distantes, o que os está tornando
mais prósperos. Os acampamentos agora têm que ser montados ao lado das estradas que são
acessíveis aos caminhões, e as migrações que levavam semanas podem ser feitas em um dia. E
os caminhões, é claro, eliminaram, para muitos, a necessidade de acampamentos intermediários
e reduziu o número de homens necessários para o pastoreio. O uso de caminhões também
mudou o papel das mulheres, que tendem a ter mais tempo livre. A produção de queijo e
manteiga agora é feita em laticínios na cidade. Elas costumavam carregar e descarregar os
camelos, mas os caminhões são considerados uma coisa para homens, por isso as mulheres
agora são excluídas deste papel. Sem camelos também não há pelo disponível para as mulheres
tecerem tapetes e mantas. Muitos dos rapazes trabalham em fazendas para economizar para se
casar ou comprar motocicletas. Eles valorizam a educação, e estão dispostos a vender suas
ovelhas para construir uma escola. Os líderes tribais também ensinam os meninos a ler para que
eles possam ler o Alcorão.
c) Jordânia
Há entre 168 mil e 240 mil beduínos nômades ou seminômades, ou cerca de 6% da
população da Jordânia. xii A principal fonte de renda para 22% da população é a criação de
animais, além de ser a principal atividade para outros 33%. Os agricultores são subsidiados de
acordo com o número de ovelhas que possuem, e a Badia agora está superpovoada. Embora haja
muitos projetos de pesquisa nesta área, uma necessidade urgente é um programa para ensinar o
202
povo a como aumentar a produtividade sem aumentar seus rebanhos. Tribos chaves na Jordânia
são as ricas bani sackhr e a ruwalla, que totalizam de 250 mil a 500 mil e também estão no
Iraque. A tribo al howietat é a maior no sul da Jordânia. Em sua maioria eles estão estabelecidos
e construíram casas de alvenaria nos arredores da cidade de Ma’na, trocando camelos por
ovelhas. Mas algumas famílias ainda migram com seus rebanhos para fora das aldeias e vivem
em tendas no verão.
d) Negev (Neguebe), Israel
Após o estabelecimento do estado de Israel em 1948, a maioria dos árabes fugiu para a
Jordânia. As tribos nesta área são as wuhaydat, jubarat, hanjra e os tityaha, situadas a norte e
leste de Gaza. Os zullam estão do leste de Berseba até Arabá, sul do mar Morto. Os tarabin,
azazma e ahaywat habitam na fronteira com o Egito, do Mediterrâneo até Aqaba. Em 1974
havia 33 mil bedu restantes em Israel, numero que não parou de aumentar. O Projeto Joshua
estima que hoje há 732 mil deles em Israel.
Estas tribos costumavam possuir terras tradicionais reconhecidas com lotes plantados
para os quais eles retornavam anualmente. O governo israelense reassentou 11 tribos e, desde os
anos 60, tenta fazer com que se estabeleçam. Sete cidades foram construídas para eles em 1969.
Estas são as únicas áreas demarcadas para os beduínos, e cerca de metade deles agora vive lá. A
educação primária e secundária estaria disponível para eles, e unidades de saúde móveis
reduziram a taxa de mortalidade que já foi alta.xii A população beduína do Neguebe em 1986 foi
estimada em 60 mil de 30 tribos, com cerca de 30 mil vivendo em assentamentos urbanos
planejados, outros 20 mil vivem em cabanas espalhadas nas áreas tribais e cerca de 10 mil ainda
nômades, vivem em tendas com seus rebanhos.
A criação de animais ainda é a fonte econômica primária, embora muitos beduínos
agora trabalhem em fazendas modernas.xii Os bedu têm que negociar com três diferentes
destacamentos do exército israelense para buscar pastagem fora de sua área tribal imediata de
1.000 quilômetros quadrados, o que requer o serviço de intermediários especiais. Isto resulta
num relacionamento patrão / freguês com a habitual dependência econômica e social por parte
do beduíno.xii Os azazma foram reassentados na terra pertencente a seus vizinhos em 1951, onde
eles foram forçados a cultivar terrenos que não lhes era permitido comprar, tendo que pagar
muito tempo pelo arrendamento ou se estabelecer permanentemente. A terra estaria
contaminada por agentes químicos. Uma manifestação com 5.000 beduínos ganhou a concessão
para estabelecer uma cidade em sua terra tradicional.xii
e) Egito - Sinai
Há 33 mil bedu de 13 tribos diferentes vivendo no sul do Sinai. Embora eles sejam
cidadãos egípcios, eles se consideram um povo à parte, vivendo de acordo com a lei beduína.
Eles tiveram considerável autonomia sob os israelenses e agora sob o Egito. Eles prosperaram e
ganharam escolas e clínicas sob a ocupação israelense de 1967 a 1982. Israel estabeleceu a
infra-estrutura para uma indústria turística e o Egito a está desenvolvendo, incluindo passeios
para se obter uma compreensão do modo de vida do beduíno.xii O povo combina trabalho como
operários ocasionais nas aldeias de turistas com criação de rebanhos de ovelhas e cabras, e
pomares. O movimento pastoral deles não é tão extensivo como no Egito ocidental ou Arábia,
sendo centralizado como o é nas aldeias mais estabelecidas. Eles produzem leite, queijo, frutas e
grãos.
As tribos são a gebelya (5.000 na área de Gebel Musa, ou Sinai) e a tribo
azeema no Sinai, que são pobres – uma indicação disto é que eles ainda usam camelos para
transporte. Eles podem suplementar sua dieta com peixe. Os jabaliyyah no Sinai central,
próximo a Gebel Musa, são em número de 1.500. Eles diferem dos outros beduínos por se
concentrarem em jardins terraplenados nos uádis no alto das montanhas. Eles vivem na cidade
de St. Catherine no inverno, e no alto das montanhas no verão. Esta é outra ilustração do
pastoralismo sendo oportunistas econômicos considerando seus vegetais e hortas como uma
forma bem sucedida de conseguir sobreviver num ambiente inóspito.xii
203
f) Oman e os arredores do Quadrante Vazio da Arábia Saudita
As tribos nesta área são a al kathir, que inclui os bait kathir, rashid e bait imani. Os
rashid vivem no Quadrante Vazio, perto dos poços que ficam no centro dele. As outras tribos
vivem próximas do litoral. Outras tribos em Oman são as ‘amir, hikman e mawalik, e a maior é
a al wahibah. A walhibi e bani yas não usam tendas, mas vivem em cabanas retangulares feitas
de folhas de palmeiras, chamadas barasti, para refrescar. As mulheres cuidam das cabras e os
homens cuidam dos camelos. Os beduínos regularmente vão aos mercados nas cidades de
Sanaw, Adam e Nizwa para comprar folhas de palmeiras e corda para construir seus abrigos,
suprimentos de grãos e vegetais, e para vender gado.
Os pescadores bedu no litoral de Oman também vendem carne seca de tubarão para
consumo humano, anchovas para adubo, e sardinhas secas para tratar dos camelos (veja abaixo).
Muitas mercadorias importadas estão mudando o estilo de vida deles.xii
g) Iêmen
O Iêmen é o único lugar na Península Arábica onde chove o suficiente para o cultivo
regular. Ali se produz, entre outras coisas, o café moca. A cordilheira central, de 1.500 a mais
de 3.000 metros de atitude, é casa das tribos hashid que são cercadas pelas tribos baqil nas
escarpas ocidentais e no planalto a leste. Os saar vivem no planalto e montanhas ao norte do
Hadhramaut, tirando sua água de dois poços profundos. Eles são uma tribo grande e poderosa,
com uma reputação de atacar outras tribos. Eles são chamados “os lobos do deserto”, e são
inimigos tradicionais dos rashid.xii Eles alegam receber revelação do próprio Muhammad a
partir de jejum e oração diária. Os dahm e abida são agricultores sedentários que, contrário à
prática comum, atacam os bedu.
Religião
Noventa e oito por cento (98%) dos beduínos são muçulmanos sunitas, mas eles não
observam rigidamente os cinco pilares do islamismo. A chamada para a oração começa e
termina o dia, no nascer e pôr do sol, e é correspondida pelos homens. As mulheres fazem
devocionais em suas tendas ou casas. A vontade de Alá é considerada responsável por eventos
que estão além da influência humana. Eles acreditam que dois anjos apresentam relatórios de
todos os atos de cada indivíduo para o dia do julgamento. Eles também usam amuletos e
pronunciam o nome de Alá para se proteger de djins que ele acreditam aparecer em forma
humana. Muitos não-xiitas aceitam a idéia de santidade, ou baraca, em algumas pessoas e
objetos. Visitas a santuários dedicados a estes, portanto, especialmente pelas mulheres, trariam
alívio das doenças ou outros problemas pessoais. Há duas tribos de cristãos nominais próximo a
Madaba e Kerak que alegam pertencer às igrejas Católica e Ortodoxa.xii
Alcance
A North African Mission tentou atingir os beduínos próximos a Homs, agora na Síria,
em 1892. Eles foram recebidos pelos beduínos, mas foram frustrados pelas autoridades
otomanas. Os árabes sauditas foram escolhidos como um povo chave para intercessão
estratégica.xii A oração por estas pessoas carentes em todas as áreas é muito necessária, para
ajudá-los a se adaptar às transformações no seu estilo de vida e também para que ouçam o
evangelho. Traduções da Bíblia no árabe clássico e coloquial, o filme Jesus e fitas de áudio
estão disponíveis. Transmissões de rádio em árabe estão disponíveis, mas nenhuma delas está
nos dialetos beduínos.
MAHRA, ou Ahl al Hadara
Mahra é o nome árabe para as tribos beduínas que têm uma aparência diferente dos
outros árabes, quase não têm barba, seu cabelo é crespo e sua pele escura – como os qarra,
mahra e hadhramaut. Há estimativas de que sua população chegaria a 900 mil. Muitos ainda
falam a língua mahri, 76,5 mil; há 58 mil no Iêmen; 15 mil em Oman e 3.537 no Kuait.
204
O país Mahra é uma enorme área entre Wadi Masileh e as montanhas Qarra, que se
estende até o Mar da Arábia e termina em Wadi Jiza, a qual se curva num grande arco num vale
com bosques de palmeiras e pequenos assentamentos até entrar no Mar da Arábia próximo a
Ghaidat, a maior aldeia Mahra.
Mahra pertence à confederação ghafiri de tribos junto com durus, bani ghafiri, bani
amr, qarra, shihuh e outras. A outra confederação no Hadhramaut é a hanawi, que inclui os
rashid e bait kathir, com quem os mahra têm uma trégua. A tribo gh’afiri inclui grupos mahra,
duru e junuba. A divisão entre estas confederações em Oman é religiosa. Os hinawi seguem a
versão de islamismo ibadi. Os ghafiri estão mais associados com influências estrangeiras,
algumas tribos são sunitas, outras adotaram o wahabismo. O wahabismo é a seita islâmica ou
ênfase baseada na tentativa de derivar toda a fé e lei direta e unicamente do Alcorão, rejeitando
grande parte do ensino e prática islâmica posterior. A família saudita adotou a seita para a
Arábia Saudita. Isto permite uma surpreendente flexibilidade em relação a coisas que não
mencionada, de fato, no Alcorão, como as inovações da vida moderna.
Os bait kathir vivem como os beduínos harasis – não em tendas tradicionais, mas a céu
aberto com talvez um quebra-vento de mantas numa árvore. Os harasis estão limitados até o
Jiddat, o planalto no deserto central de Oman. Não menos que 80% dos homens estão
empregado na companhia de petróleo no planalto. Novos poços de água foram perfurados para
que os camelos já não precisem depender da água que fica no solo após o orvalho da manhã.xii
Cada família dos mahra tem alguns camelos e vive nas montanhas e no planalto ao
longo da litoral. Os homens deixam crescer seu cabelo ondulado e têm um grande brinco na
orelha direita. Os mahra circuncidam os homens na véspera do casamento. Para ocasiões
especiais as mulheres pintam o rosto com cores claras, com listas verdes e azuis.xii
Os qarra são diferentes, eles criam gado e cabras, como também camelos. Eles estão
entre as pessoas mais primitivas da Arábia. De acordo com Thiesigner eles são parecidos com
os al kathir. Os qarra conquistaram o povo shahara original de Dhofar, e somente 300
permanecem como servos. Eles adotaram os costumes e a língua shahara. Eles estão divididos
em 15 clãs. Semelhante aos pastoralistas da África, os homens qarra são obcecados pelo seu
gado. Cada vaca tem um nome, o leite é a parte mais importante de sua dieta, e só os homens
tiram leite. Eles reúnem seus rebanhos nos vales para os proteger da monção (vento periódico de
ciclo anual) em cavernas e estábulos construídos sobre pedras e telhados de sapê. As mulheres
cuidam das cabras e aram a terra. Eles vivem em cabanas de pau-a-pique baixas e cavernas. Os
homens prendem os cabelos trançados ao redor da cabeça.
Os meninos são circuncidados por uma pessoa de reputação, como um xeique. Eles
também praticam uma circuncisão feminina completa rudimentar no nascimento. As mulheres
são pequenas e atraentes. Elas não usam véu, e pintam o rosto de vermelho e verde para
ocasiões cerimoniais. Os homens se casam com quinze anos, e as meninas aos treze. Uma noiva
pode ser comprada de seu pai ou de seu marido por um preço entre 10 e 30 vacas. Trinta dias
após o casamento, é feita uma cicatriz no meio do couro cabeludo. Divorciar-se e casar de novo
é fácil. A mãe do sultão qaboos de Oman era uma qarra.
Os qarra praticam os sinais exteriores da fé muçulmana quando vão a cidade e quando
um árabe está presente, mas eles desprezam o wahabismo, e em seus acampamentos eles são
animistas. Eles consideram, por exemplo, que proferir um juramento em um dos santuários
locais teria grande poder em ajudar a conseguir vingança. Eles sacrificam uma vaca e espalham
o sangue sobre quem quer que esteja doente. Eles também aplicam um ferro em brasas. A morte
é atribuída ao mau-olhado, e eles perseguem muitas mulheres que eles acreditam ser feiticeiras.
Metade do rebanho de um homem é sacrificada quando ele morre. Os qarra comem hiena, que
eles consideram um bicho mágico, e os músculos da mandíbula são considerados uma iguaria.
Eles se recusam a comer raposas, aves e ovos. O mau-olhado é considerado a causa da queda da
produção de leite, e é abrandado com o uso ritual de olíbano.xii
YORUK ou Yörük
Na Turquia estes pastores são 313 mil. Os yoruk são um grupo cultural étnico distinto,
mas eles falam o dialeto turco anatoliano local. Eles são distintos dos turcos por terem uma
205
história de migração do Irã e Turquia no século 11, e é provável que tenham parentesco com os
turcos. Eles vivem junto ao litoral mediterrâneo e do Egeu nas aldeias estabelecidas pelo
governo turco. Linhagens inteiras se estabeleceram juntas, por isso é comum que todos os
habitantes de uma aldeia tenham parentesco. As linhagens são endógamas, os filhos muitas
vezes preferem se casar com suas primas. A poligamia também é aprovada. Há grupos de yoruk
na Macedônia e Chipre.
Os çobanlar semi-sedentários, ou pastores, são transumantes. Eles tradicionalmente
passam o inverno nas planícies costeiras e se mudam para as montanhas Taurus para o verão. A
maioria deles tem abandonado a vida pastoral por causa da dificuldade de conseguir os direitos
de pastagem dos fazendeiros e comprar grãos como forragem. Como estes preços têm subido, só
algumas poucas famílias podem ser sustentadas pelo sistema pastoral. Os pastos têm que ser
alugados a preços altos e é muito difícil comprar terra para se estabelecer. Mas cerca de 20%
deles estão na agricultura.
Nomadismo
Os yoruk que ainda são nômades acampam no inverno nas planícies de Antaky
(Antioquia), ou Hatay, Gaziantap e Maras. Os yoruk nômades têm parentes que compram e
armazenam suprimentos e comercializam o gado para eles. Cada família precisa de cerca de 270
ovelhas para se auto-sustentar. Os yoruk se orgulham de serem capazes de reconhecer todos os
seus animais. Os rebanhos têm que encontrar pastagem nos campos sem cultivo amplos, numa
área onde são feitas três ou quatros colheitas de arroz e algodão num ciclo de dois anos. As
aldeias nas planícies têm fazendas mecanizadas, e os campos são controlados por proprietários
curdos que são descendentes de tribos que já foram nômades. Mas há também massas rochosas
com pasto suficiente.
Na primavera os yoruk migram para as montanhas Anti-Taurus, 200 quilômetros, para
as pastagens de verão nos arredores de Sariz na Anatólia central, província de Kaseri. A
migração exige uma mudança de altitude de mais de 2 mil metros e leva cerca de seis semanas.
Os pastores migram à noite com as ovelhas, camelos e burros e vivem em tentas de peles de
cabras negras. Os grupos acampados são formados por até 20 tendas, tanto para socialização
como para segurança. Eles visitam um a tenda do outro para jogar um pouco de conversa fora, o
que eles jocosamente chamam de “parlamento”. Os homens usam uma manta de feltro feita da
lã de suas ovelhas chamada de kepenek, que é muito eficaz para mantê-los secos e aquecidos. A
migração é difícil, por causa da hostilidade os aldeões não-yoruk e da pouca forragem. Na
viagem eles dependem da negociação para alugar os campos. Estas negociações têm que ser
renovadas a cada estação. Uma outra dificuldade é que os animais ficam enfraquecidos pelo
ritmo veloz, sem nutrição adequada, e uma tempestade de neve fora de hora pode causar perdas
nos rebanhos. Outro perigo constante é o roubo de rebanhos inteiros em caminhões que levam
os animais para mercados distantes nas estradas que foram melhoradas.
O período de maio a setembro é gasto nas pastagens de verão nas montanhas. As
próprias aldeias turcas ou çerques (circassian) mais altas na rota de migração e na região de
pastagem de verão são mais ativas na criação de animais, por isso elas são relutantes em
permitir que os yoruks compartilhem a pastagem. Por causa dos invernos severos nas
montanhas, estes aldeões só têm o verão para se beneficiar das pastagens, e por isso o aluguel
para os yoruk têm que ser lucrativo. Os grupos de tendas yoruk se reúnem ao longo de um rio,
enquanto o pasto é utilizado, o qual pode estar esgotado já por volta de agosto a não ser que haja
chuvas serôdias.
A migração de outono é melhor do que a de primavera, porque há mais restolho sem o
risco de dano à plantação para irritar os aldeões. Os yoruk são muçulmanos sunitas. Ataques
para vingança e mortes em rixas são um problema sério, incluindo ataques devido a vingança
coletiva de uma família contra outra.xii
TURCOS
Há registros de grupos de pastores seminômades na Turquia. Muitas vezes eles são
confundidos com yoruks e outros grupos.xii Porções da Bíblia estão disponíveis para eles.
206
CURDOS
Há cerca de 25 milhões de curdos, incluindo 13 milhões na Turquia, 2,786 milhões no
Iraque e outros no Irã, Síria, Líbano e Cáucaso. Seu lema é “Os curdos não têm amigos.” As
tribos beritan são pastores migrantes no leste da Turquia seguindo um padrão migratório de 800
quilômetros. Eles comercializam leite e outros produtos das ovelhas nos mercados próximos.
Seus acampamentos de verão são próximos a Karliova.xii Eles possivelmente falam kurmanji
padrão. Há também pastores semi-sedentários na região autônoma curda no norte do Iraque,
vivendo nas montanhas em tendas com seus rebanhos de cabras e ovelhas.
Nômades Não-Pastoralistas do Oriente Médio
TAHTACI
Estes povos são “os que trabalham com madeira”, um nome que eles têm desde que
trabalharam como vendedores de madeira nas florestas trabalhando para senhores feudais no
império Otomano. Há estimativas de que eles podem chegar a 400 mil, mas Kehl faz uma
estimativa de mais de 100 mil.xii A maioria sunita discrimina os muçulmanos não-conformistas
e omitem o número da população deles.
Os tahtaci podem ser um caso de nômades que já foram pastoralistas e se adaptaram a
uma oportunidade econômica, dentro da sociedade otomana, assumindo o trabalho de serrar
madeira. Mas segundo uma tradição deles, eles vieram de Khorasan, Irã, e é possível que eles
tenham uma origem iraniana, chegando à Turquia no século 15. Eles estão divididos em obas,
ou clãs que por sua vez estão agrupados num boy, ou asiret, ou tribo. O clã é a principal unidade
social, consistindo de mais de 200 famílias nucleares que vivem juntas com base num
assentamento.
Nomadismo
No inverno, eles são encontrados nestes assentamentos nos vales das montanhas do sul
e sudoeste da Turquia, nos distritos de Balikesir, Manisa, Izmir, Aydin, Denizli, Isparta, Mugla,
Finike, Antalya, Akseli, Manaygal, Anamur, Mersin, Adana, Maras e Malatya. Alguns grupos
ou clãs têm conseguido comprar terra marginal, construir casas e cultivar plantações de inverto
de cevada e milho, plantando no outono e colhendo no início da primavera. Algumas destas
aldeias agora têm campos irrigados próprios, nos quais eles plantam frutas e vegetais. Outros
tahtaci tentam trabalhar na agricultura, como colheita de algodão, nas novas plantações
irrigadas que dominaram os vales. O inverno é uma época difícil para eles conseguirem
emprego.
No início da primavera, pequenos grupos de famílias relacionadas se mudam para as
florestas na montanha. Cada família tem duas ou três mulas para carregar as crianças e pertences
domésticos, e o líder de um grupo pode possuir um ou dois cavalos. Eles nunca usam camelos
como o fazem os pastores yoruk. Eles podem ter uma dúzia de cabras consigo, por causa de
alguma crença em magia, eles também gostam de possuir um gato.
Para derrubar as árvores eles têm que se dividir em pequenos grupos de duas ou três
famílias, ficando separados por mais de uma hora de caminhada pela floresta. Casais mais
velhos ficam com o seu filho mais jovem. Eles vivem em cabanas retangulares feitas de galhos
não podados, com vigas cobertas com lonas ou plástico. Sua tradição diz que eles já usaram
tendas negras e um tipo de yurt como os nômades pastorais. As entradas de suas cabanas
possuem soleiras de madeiras, e é um tabu pisar nestas tábuas. As mulheres usam lenços na
cabeça que são decorados com argolas de prata e ouro que podem representar significativa
riqueza para eles.
Cada grupo trabalha seu próprio yayla, ou território de verão. Na primavera, os tahtaci
começam a derrubar árvores nas escarpas mais baixas. Eles trabalham subindo gradualmente à
medida que o calor da estação vai aumentando até que, no auge do verão, eles estão trabalhando
nas altitudes que são mais frescas. Antigamente eles não só derrubavam árvores, mas também as
207
serravam em pranchas de tamanhos específicos. Hoje eles geralmente deixam os troncos em
estradas de acesso, e os caminhões os levam para serrarias. Tradicionalmente, eles não usavam
ferramentas elétricas, mas hoje eles estão começando a usar. No outono eles voltam para os
vales para o seu kislak, ou território de inverno.
O padrão de trabalho tradicional mudou já que agora eles têm que trabalhar com a
agência florestal do governo. Alguns tahtaci agora se especializaram em transporte de pranchas
de madeira, mas eles ainda são considerados o melhor povo para fazer a derrubada de árvores.
Contudo, às vezes o trabalho é escasso e muitos assumem, ou até preferem, outros trabalhos
quando disponíveis.
Sociedade
Os tahtaci são fechados, mesmo quando moram em cidades. Eles tendem a ser
discretos, escondendo sua identidade em meio à maioria sunita. Os turcos suspeitam deles e os
acusam falsamente de serem ladrões ou imorais. Isto se deve principalmente ao preconceito dos
turcos, pelo fato dos tahtaci serem xiitas. Eles são evasivos com estranhos quando um turco está
presente, mas são receptivos quando visitados sozinhos. Por causa da desconfiança e até do
aborrecimento que sofrem da maioria turca, eles dão apoio a qualquer movimento que combata
o poder sunita, como Ataturk e sua visão de uma Turquia secular, e têm fama de serem
vagamente simpáticos ao cristianismo. Eles também desconfiam do fundamentalismo iraniano.
Religião
Os tahtaci não são só xiitas, mas também alevitas. Eles são considerados por outros
grupos xiitas na Turquia como kizilbas, quer dizer “cabeças-vermelhas” exemplares, ou
seguidores de Ali, o genro do profeta Muhammad. Eles acreditam numa trindade de Alá,
Muhammad e Ali. Este último é considerado uma revelação especial do próprio Alá, mas
porque ele também é humano seus seguidores, que são iniciados num relacionamento místico
com ele, podem compartilhar da natureza divina. Isto é heresia para a maioria sunita, mas é
possível ver paralelos com Cristo no cristianismo. Todos os sunitas, acreditam eles, estão
somente no nível do pó, mas os alevitas são nascidos no caminho místico passando pelos três
“portões” ou estágios da experiência pessoal direta com Deus.
Os tahtaci são extremamente comunais – a experiência com Deus só é possível como
uma irmandade fechada. Seus ajuntamentos religiosos acontecem à noites em casas ou florestas.
Estrangeiros não são permitidos. Eles incluem muita música, dança e bebida. O álcool é
derramado como celebração do retorno de Muhammad do céu. Os líderes que alegam descender
de Ali visitam cada grupo. Há pouca separação entre homens e mulheres nos ajuntamentos
religiosos e sociais deles, em contraste com seus vizinhos sunitas. As mulheres mais velhas
tendem a ser tratadas em pé de igualdade com os homens.
Eles consideram os turcos sunitas “impuros”, os quais pensam o mesmo sobre eles
porque os tahtaci não observam os rituais de purificação sunitas. Se eles têm que dar
hospitalidade a um sunita, depois, a louça de barro precisa ser cerimonialmente lavada 40 vezes.
Mas um cristão será bem vindo, e até mesmo terá permissão para passar a noite. Eles também se
recusam trabalhar nas terças e sextas-feiras, o que difere do departamento florestal cujo único
dia de folga é o domingo.
Contudo, os tahtaci também têm crenças e tabus pré-islâmicos sobre as quais eles se
mantêm calados. Uma oração não-islâmica é oferecida para cada árvores derrubada como uma
desculpa por matar um ser vivo. No início da estação uma cabra é sacrificada e são realizados
rituais e orações especiais. Eles se recusam a derrubas árvores retorcidas de velhas. A água é
considerada sagrada e deve ser tratada com cuidado.xii Não há alcance cristãos conhecido entre
eles.
Ciganos
A história dos ciganos parece ser que muitos saíram da Índia nos séculos 3 e 5, e muitos
foram levados para a Pérsia como menestréis e dançarinos. Com a expansão árabe para o leste,
muitos foram levados de volta durante os séculos 7 e 8 para várias nações do Oriente Médio. A
208
invasão selêucida no Levante causou mais dispersão para o norte da África e Ásia Menor. Um
nome árabe comum para eles era zott, ou jat.
Chingene, como eles são chamados pelos Turcos, são 70 mil ciganos roma indígenas,
possivelmente, xoraxane, na Turquia. De acordo com uma lenda, os chingene vieram do
casamento de Chin (ou Chen), seu ancestral, com uma filha de feiticeira chamada Guin. Um
santo muçulmano considerou a união como não natural e amaldiçoou todos os chingene a serem
párias e viajantes.xii Eles passam o inverno próximo a Hatay, e viajam a cada primavera e verão
na Anatólia central como músicos, dentistas, circuncidadores, adivinhos e comerciantes.
Arrancar dentes e fazer a circuncisão são considerados ofícios “impuros” no islamismo. Eles são
desprezados pelos turcos como “sub-humanos” e não religiosos, porque eles não possuem um
livro como o Alcorão, e são considerados imorais. Na verdade eles são muçulmanos.xii Eles têm
poucos animais, mas viajam de burro e vivem em tendas brancas. Eles são considerados
muçulmanos nas escolas públicas, embora eles não sejam contados como tais pelo governo e,
portanto, há maior liberdade para que eles sejam evangelizados.xii
Os arabaci, na Turquia, alegam ser ciganos da Europa Oriental. Eles viajam em carros
de boi e se sustentam como diversos tipos de artesão, como descrito em cima. Eles vivem em
Hatay e ao longo do litoral. (Veja o texto completo sobre eles na seção sobre a Europa, abaixo).
Os lom, ou bosha, vivem na Armênia, Turquia Oriental e são cerca de 100 mil. Eles são
principalmente nômades, mas pouco se sabe sobre eles. Lom é nome que dão a si mesmos. Eles
ainda falam uma forma armeniana de romani chamada lomavren.xii
Os dom, significando “homem”, são encontrados em Chipre, Iraque, Síria, Líbano,
Jordânia, Israel, Cisjordânia e Gaza, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e norte da África.
Séculos atrás, os árabes os removeram do Irã. Eles eram então chamados zott, ou jat. Os árabes
os chamavam de “nawar”, com a conotação de desprezo. Acredita-se que haja entrem 3 e 5
milhões deles. Tais estimativas são difíceis, porque eles se mudam de país em país. Eles não são
um grupo homogêneo e possuem estilos de vida e práticas lingüísticas diferentes.
Tsigani: vários dom estão no Chipre há cinco séculos. Eles se autodenominam kurbet, e
sua língua é o kurbetcha, mas a maior parte fala turco. A maioria era nômade até a divisão da
ilha em 1974. Há 600 em Famagusta e Morphou. Outros viajam a partir da Grécia para vender
suas mercadorias pelas ruas. Uns outros 600 estão na Chipre turca, onde eles vivem num
acampamento. Vintes destas famílias atravessaram e ficaram assentadas em Limassol em 1999,
e outras em Paphos. Como falam turco, eles não podem se beneficiar totalmente da Previdência
Social e oportunidades de trabalho ali.xii
Os ciganos são chamados ghorbati ou kurbat no norte da Síria, e barake nos demais
lugares da Síria. Os ghorbati que trabalham como artesãos e músicos geralmente se distinguem
dos nawar, que costumam viver esmolando. Há 50 mil zott, ou ghorbati, no Iraque. Há alguns
chamados zargaris, que se autodenominam roma, que migraram da Europa.
Muitos entre eles falam domari; outros alegam ter esquecido esta língua e a maioria é
analfabeta. Eles costumam encorajar seus filhos a falar árabe. As famílias nômades são de
músicos, artesãos em metal, adivinhos e dançarinos, ou trabalham quando surge um serviço
temporário nas colheitas. Outros dom estão estabelecidos e adotaram um estilo de vida mais
ocidental. Como os árabes dominantes os tratam com desprezo, os dom adotaram as línguas e
costumes dos países nos quais eles vivem, e até se declaram nativos, embora a maioria não
tenha certidão de nascimento ou de cidadania. Eles são considerados desterrados.
No Líbano eles são 8.000 ou mais em Beirute, Jubayal, Trípoli e Beqaa. No vale eles
vivem em tendas, embora nas cidades sejam encontrados em cabanas construídas por eles
mesmos.xii
Nomadismo
Muitos itinerantes dom serviram os beduínos no passado. Entre eles os ageyi, ou
mercadores de camelos, que viviam nas cidades, mas visitavam os acampamentos, e os sunna
(sg. sani), ou ferreiros, que se vinculavam aos acampamentos dos que eram ricos o bastante para
possuir cavalos. Havia também muitos comerciantes e mascates.
209
Hoje os nawar fornecem vários serviços nas cidades. Os homens trabalham como
armeiros, joalheiros, funileiros e dentistas, e as mulheres são herboristas, curandeiras, adivinhas,
tatuadoras e também “dentistas”. Mas ainda é costume deles visitar os acampamentos uma vez
por ano, explorando a idéias dos beduínos de que se eles são prósperos, também devem ser
generosos com os visitantes como os nawar, e também de que dar esmolas é meritório. Por
outro lado, os nawar revelam não ser beduínos ao acreditar que riqueza é para ser acumulada.
Mas muito do comércio com os beduínos foi substituído por armazéns nas aldeias e porque os
próprios beduínos podem ir às cidades comprar mercadorias. Na Jordânia eles alegam ser
turcos, dos quais há cerca de 4.000.
Tsoani é o nome dado aos dom em Israel. Eles estão lá há mais de um século. Eles se
beneficiam da educação e outras formas de integração, e querem ser conhecidos como árabes.
Muitos migraram para a Jordânia durante as várias guerras. A comunidade em Jerusalém é de
cerca de 1.200. Em 1999, eles formaram sua própria sociedade para promover sua educação,
saúde e o lugar das mulheres.xii
Outros migrantes viajam com os nawar hoje, incluindo peregrinos pedindo esmolas
para chegar à Meca e também refugiados políticos. Os “autênticos” nawar falam árabe. Não se
sabe se eles são ciganos, ou falam domari, mas eles são capazes de usar as redes de contato ao
estilo cigano para viajar pela Europa até a França e outros lugares sem documentação.xii
PESCADORES BEDU JÁ’ALÂN
Os pescadores bedu são encontrados entre Shiyya e Daffa, no litoral de Oman, onde o
Golfo de Omã se torna o Mar da Arábia. Etnicamente eles não são diferentes dos bedu listados
acima, e pertencem aos clãs das tribos pastoralistas próximas. Nós os descrevemos
separadamente aqui para realçar seu estilo de vida diferenciado. Embora muitas famílias tenham
membros que estão no pastoralismo com rebanhos de cabras, eles também se sustentam da
pesca nômade e cultivo de tamareira. Uma família típica pode pescar em dois lugares no litoral,
separadas por até 100 quilômetros, de acordo com os movimentos sazonais do peixe, e também
migrar para sua plantação de tamareiras, a 200 quilômetros para o interior, de agosto a outubro.
Eles usam três tipos de barcos na pescaria: canoas para as lagoas entre os bancos de
areia da borda litorânea; escaleres para ir mais longe no mar; e os lanjes a motor, com uma
tripulação de seis ou mais, que costumavam comercializar peixe seco até a Índia, África
Oriental e arredores do Golfo. Hoje eles negociam com os bedu locais e também levam peixe
fresco em picapes até as cidades dos Estados do Golfo. O comércio local é facilitado pela troca
de adubo, forragem e peixe também.
Os bedu consideram que todos os recursos naturais, incluindo o peixe, são providos por
um generoso Alá. Eles têm suas próprias idéias sobre conservação, decidindo quais são os
tamanhos aceitáveis de redes e outros equipamentos. Estas idéias são baseadas no conhecimento
local de movimentos dos cardumes, do terreno subaquático e do tempo. Conservar as reservas é
visto como uma tarefa moral ou religiosa, e não mera prudência econômica. O acesso ao mar é
aberto para pescadores de todas as partes do litoral, desde que eles sigam as medidas de
conservação locais. Este é um caso claro de conservação e desenvolvimento tendo que trabalhar
junto com a cosmovisão religiosa dos participantes. O produto da pesca é dividido de acordo
com quem possui os vários equipamentos, que são financiados por empréstimos dentro da
família estendida de um homem.xii Não há evidência de que o cristianismo tenha atingido estas
pessoas.
ZATUT
Eles são uma comunidade nômade separada de circuncisadores. Eles vieram de Punjab,
Índia, como hindus, a mais de 1.000 anos atrás. Seu status entre as tribos de Oman é inferior ao
dos escravos, mas eles são aceitos e viajam desarmados para realizar circuncisões para todas as
tribos. Eles têm sua própria língua.xii
210
19 SUDOESTE DA ÁSIA
O
Irã e o Afeganistão têm um grande número de povos pastoralistas nômades,
comerciantes itinerantes, artesãos e artistas, mas não há um levantamento atualizado. O
Paquistão ocidental, formado em sua maior parte pelo Baluquistão e fronteira noroeste, está
dentro desta região. O Baluquistão responde por 40% da área do Paquistão, com somente 6% de
sua população. Há provavelmente um adicional de 340 mil povos vivendo na província da
fronteira noroeste.xii
O movimento pastoral migratório no Irã e Afeganistão é, em geral, em direção às terras
altas centrais no verão, e de volta para as terras baixas ao redor das fronteiras no inverno. A
maior parte do Irã é dominada geograficamente por seu planalto central cuja maior parte é
desértica, mas há vários povos pastoralistas nômades na direção ao norte nas montanhas centrais
do Afeganistão e arredores, desde o noroeste e por toda a extensão do Zagros até o sudeste.
Vinte e sete por cento do Irã é considerado pastagem.
No Afeganistão, os nômades têm usado a região alta central do Hazarajat e Hindukush
para pastagem de verão, retornando para as regiões periféricas mais baixas para o inverno. Dois
terços do país só podem ser usados como pastagem sazonal, por isso o futuro do pastoralismo
nômades deveria estar assegurado, mas a limitação parece ser a baixa produtividade das áreas
cultivadas para forragem. A parte que abrange o sul do Afeganistão, sudeste do Irã e uma área
dentro do Paquistão, é o Baluquistão – uma outra área para o pastoralismo nômade. Os
pastoralistas usam a variação na altitude – e suprimento de água dentro dela, ou migram em
direção ao vale Indus.
No Irã, há muito tem havido uma tensão entre a maior parte dos nômades, que são de
origem não iraniana, e os iranianos e as políticas governamentais. Muitos são forçados a se
estabelecer sem meios adequados para isto. Há, provavelmente, 5 milhões de povos “tribais” de
tradições pastorais nômades, embora o número de nômades ativos seja muito menor. No
Afeganistão foram calculados 2,5 milhões de kochis, ou nômades e seminômades, em 1989.
Muitos foram forçados a ir para acampamentos de refugiados no Paquistão pela guerra com a
Rússia e suas conseqüências.xii As milhares de minas terrestres deixadas naquele conflito, a
guerra civil que se seguiu, e a pobreza extrema interromperam o pastoralismo em muitas áreas.
Um dos resultados da pobreza no norte do Afeganistão é que muitos voltaram a plantar para
suprir o comércio de drogas, o que está produzindo um problema de vício por toda a Ásia
Central e Europa.
Pastoralistas Nômades do Sudoeste da Ásia
SHAHSEVAN, shahsavan
Sua terra está na província do Azerbaijão, noroeste do Irã. O número de pessoas
envolvidas no pastoralismo nômade ou seminômade cresceu de cerca de 20 mil, em 5 mil
famílias, nos anos 60, para 5.897 famílias, em 1987, e 7.800 famílias em 1995. Contudo, há
cerca de 80 mil shahsevans estabelecidos. Há um outro grupo de 28 mil que tem uma mistura de
economia de pastoralismo e agricultura, próximo a Zanjan, Qazvin e Saveh, oeste e sul de
Teerã. Esta região é chamada Khamseh para não ser confundida com as tribos no sul de Fars.
Contudo, parte de uma tribo shahsevan desta região se juntou à Confederação Khamseh em
Fars. Há cinco regiões diferentes no Irã com este nome.xii Há 49 tribos de shahsevan.
Os shahsevan falam turco azerbaijano e são muçulmanos shia, que no século dezoito
resistiram ao avanço dos turcos otomanos e à religião sunita. Eles podem ter recebido seu nome,
que significa “os que amam o xá”, do xá Abbas o Grande (1587-1629), que teria criado a
confedereção tribal para ser leal a ele. Eles não têm amado os xás do século vinte, por causa de
211
suas políticas de estabelecer os nômades. Uma explicação mais provável do nome é que eles
tomaram o nome de um chefe chamado Shahsevan, que os liderou no século 18. A Revolução
Islâmica tenteou renomea-los de Elsevan, “os que amam o povo”, mas este nome nunca foi
adotado.
A área Moghan, onde se encontram seus pastos e acampamentos, foi dividida pela
fronteira russo-iraniana em 1828. Primeiro os russos permitiram que os nômades cruzassem a
fronteira sob a condição que pagassem taxas de pastagem para os chefes locais. Os shahsevan
rejeitaram a proposta e se apoderaram dos pastos pela força. Por esta razão, a Rússia fechou a
fronteria em 1884 e cerca de dois terços dos shahsevan perderam suas pastagens. Isto provocou
o conflito entre suas tribos e outras. Dizem que alguns milhares ainda vivem no sul do
Azerbaijão.xii Os shahsevan sempre tiveram amor pelo banditismo, e este conflito a respeito das
pastagens criou pressão que por um tempo intensificou suas incursões como uma fonte de renda
alternativa. Os agricultores iranianos locais são chamados tats, e suas aldeias ainda contêm as
ruínas das muralhas que as cercavam e passagens estreitas entre as construções usadas para se
defender contra os bandoleiros nômades. A redistribuição final de pastagens no lado iraniano
favoreceu os shahsevans mais ricos, dando-lhes mais do que eles necessitavam. Somente em
1966 foi organizada uma distribuição de terras mais eqüitativa.
O xá Reza, no interesse do que ele percebeu ser a modernização do Irã, baniu as roupas
e tendas nômades e obrigou, brutalmente, os nômades a cultivar e construir casas. Os tats foram
encorajados pelos xás a expandir o cultivo nas terras de pastagens e também a comprar suas
próprias aldeias e campos nas reformas agrárias que reduziram o sistema feudal anterior sob o
qual eles eram arredatários de donos de terras ausentes que podiam reclamar até 25% da
produção como pagamento. Contudo, os agricultores muitas vezes não produziam nem o
suficiente para o próprio consumo. Estas mudanças também afetaram os nômades porque
muitos dos chefes shahsevan também eram donos de terras usadas pelos tats. No combate às
reformas dos xás, que tendiam a favorecer o cultivo e os lavradores iranianos, os shahsevan
tentaram acabar com a vegetação de terras de agricultura para dar força à sua própria alegação
de direito sobre a terra.xii
Com a ocupação soviética do norte do Irã entre 1941 e 1946 e o exílio do xá, os
shahsevan voltaram para o nomadismo. O resultado foi que tribos individuais da confederação
ganharam reconhecimento como unidades políticas distintas. As tribos principais, de acordo
com Tapper nos anos 60, são os geykly, com 750 famílias nômades; os hajji-khojalu com mais
de 350 famílias; os maghanlu com talvez umas mil famílias; os ajirlu com 440 famílias e os
talesh-mikaillu com mais de 300 famílias. Sua afiliação às tribos e sub-tribos forneceu uma
identidade cultural que não é determinada pela descendência, mas pela locação de sua pastagem
de inverno. A família que perde seu pasto é considerada “destribalizada” e só lhe resta a vida na
cidade, ou se tornar um tat ou lavrador. Por esta razão os shahsevan consideram o roubo de terra
de pastoreio pior do que o roubo de seus animais – sem terras eles deixam de pertencer a sua
tribo e povo.
Sociedade
Os pastoralistas acham que seu estilo de vida é superior ao dos aldeões, sendo mais
saudável e mais independente. Sua alacig, ou tenda, é símbolo não só de sua resistência à
interferência do estado iraniano, mas também de sua identidade como nômades – em contraste
com os tats ou lavradores das aldeias na região. Estas tendas têm a forma de domos e são feitas
de estacas curvadas em forma semicircular, ligadas na extremidade superior por uma pesada
armação anular (como o yurt na Ásia Central), e cobertas com lençois de feltro brancos feitos no
acampamento. Sete ou oito pessoas em média vivem numa tenda, mas elas podem abrigar 20 ou
mais pessoas. As famílias mais pobres vivem em versões menores em forma de barril. Nos anos
recentes eles têm construído casas de tijolos, embora ainda desprezem a vida sedentária que a
casa simboliza. Mas muitas pessoas deste povo foram forçadas a se estabelecer e se misturar aos
agricultores.
Os shahsevan enfatizam a independência social e econômica da família. Uma família é
chamada de um “lar”, enfatizando sua unidade, mesmo quando um homem polígamo tem várias
212
tendas para cada esposa e os filhos dela. Os meninos vivem com o pai o máximo possível.
Mesmo após a morte do pai os filhos podem continuar a viver juntos para não dividir a herança
da família. Cada filho é considerado como detentor de duas partes, e cada filha de uma parte.
Mas no casamento uma filha raramente dá sua parte para seu marido. Esta herança incluirá uma
parte nos direitos de pastagens, e isto ela geralmente dá para seus irmãos, quando ela sai de casa
para se casar.
Nomadismo
Os shahsevan migram entre as pastagens mais baixas de inverno no norte e pastagens de
altas altitudes de verão nas montanhas – só a uma pequena distância para o sul. As pastagens de
inverno são alocadas para famílias e demarcadas com pedras ou estradas. Esta alocação é
decidida pelo grupo de pastagem constituído de 8 a 15 tendas, ou famílias, que geralmente são
relacionadas. Na chegada às pastagens de inverno no início de dezembro, a família está
envolvida na reparação dos currais de ovelhas, abrigos e alojamento subterrâneo nos quais eles
têm que passar a parte mais severa do inverno. Ali eles guardam forragem e os animais mais
fracos. Quando o vento oeste mais severo sopra, a família troca suas casas ou tendas pelo abrigo
subterrâneo. É necessário levar as ovelhas do curral para três áreas diferentes a cada dia, e
também levá-las para fora após a meia-noite para uma ou duas horas de pastagem. Durante o
dia, um pastor pode guardar um rebanho de 200, mas à noite são necessários três homens.
Cada casa shahsevan pode possuir de 40 a mais de 100 ovelhas e algumas cabras, seis
ou oito camelos e burros para transporte, com talvez um cavalo para o cabeça da família montar.
Uma família grande com um pequeno rebanho subsiste com dificuldade, uma vez que a
produção comercial de carne de carneiro e leite é necessária para comprar produtos de primeira
necessidade como roupa, farinha, açúcar, selas, armação de tendas, lampiões e óleo de parafina.
Laticínios da cidade vão para os acampamentos de inverno em busca de leite e queijo, e a lã é
vendida para os aldeões. Um rebanho deve ser constantemente renovado, não só por causa das
vendas e doenças, mas também porque as ovelhas devem ser sacrificadas por volta de seu quinto
ano, quando seus dentes caem.
Março é chamado de o “mês nublado” e “mês alegre-triste” por causa da variação do
tempo. Mas eles acreditam que é em março que Deus envia um “vento de promessa” para
despertar a criação do inverto. A “febre de primavera” se espalha pelos campos, diz Tapper, à
medida que cada família se envolve na produção de feno para ser guardado para o próximo
inverno e eles enviam algumas de suas bagagens com antecedência para uma aldeia próxima
para sua pastagem de verão. Na última quarta-feira do mês é costume acender uma fogueira, e
os jovens pulá-la gritando “fiquem aqui minhas angustias e sofrimentos”, significando o fim de
um duro inverno. O acampamento inteiro é envolvido na limpeza de primavera, consertando e
desmontando a cobertura extra das tendas e estábulos usadas para o inverno. Eles visitam uns
aos outros e cresce a excitação pela migração para o sul que virá.
Tradicionalmente, em cinco de maio, o quadragésimo quinto dia após o equinócio de
primavera, os grupos de família iniciam a viagem. Em algum ponto na jornada são recolhidos os
impostos iranianos de acordo com o tamanho do rebanho, e por esta razão animais fracos e
magros são vendidos antes da partida. As ovelhas não pastam bem e são propensas à doença no
crescente calor da primavera, por isso as tribos se locomovem de acordo com a quantidade de
suas pastagens de inverno; os moghanlu partem primeiro, mas os geyklu partem por último
porque seus pastos duram mais. As mulheres vestem as roupas mais novas e coloridas, sentadas
nos camelos que também são decorados com borlas e tiras. As moças, principalmente, são as
mais bem arrumadas para atrair propostas de casamento que na maioria das vezes são feitas
quando os acampamentos estão assentados nas pastagens de verão.
Os shahsevan migram cerca de 150 quilômetros, da invernada próxima ao nível do mar
na estepe Moghan para sua pastagem de verão a 4 mil metros de atitude na cordilheira Savalan
ao sul.xii É costume dos nômades “sair ao nascer da lua e parar no crespúsculo”. Usando
camelos, cada grupo de acampamento se locomove de 10 a 15 quilômetros em quatro horas cada
noite. Desta forma eles evitam viajar no calor do dia e os rebanhos podem pastar de manhã e de
noite. Os aldeões costumavam permitir um dia de parada a cada acampamento com pastagem
213
grátis no restolho, mas nos anos recentes eles têm ficado impacientes pela partida dos nômades.
Mas por volta dos anos 70, contudo, caminhões e picapes substituíram os camelos no transporte
de tendas e ovelhas. Quando os nômades atingim o sopé das montanhas da cordilheira Savalan,
as ovelhas podem vagar livremente numa área livre de plantações e abundante em grama. Este é
também o tempo para os shahsevan realizarem festas e celebrações.
Os acampamentos de verão são menores do que os de inverno, já que cada subtribo vai
para sua pastagem alocada. As ovelhas são enviadas para pastar três vezes ao dia, em três
locações diferentes, começando com os declives voltados para o sul, já que estes são os
primeiros a secar no verão. As ovelhas são mantidas num aprisco no acampamento à noite
quando há abundância de lobos e outros predadores. No terreno mais irregular das montanhas a
mais de 4 mil metros, três pastores são necessários para um rebanho que só requer um pastor
durante o inverno. Cada unidade de rebanho de cinco ou mais casas deve fornecer pelo menos
dois homens o tempo todo para guardar pelo menos 200 ovelhas e cabras. Cada animal pode ser
reconhecido e é contado pelo menos uma vez por dia.
As famílias pobres demais para ter grandes rebanhos podem trabalhar como pastores
empregados por seis meses. Normalmente eles podem receber animais recém-nascidos
equivalentes a 4% e 5% do número de ovelhas cuidadas, para que eles tenham a oportunidade
de constituir um rebanho próprio novamente. Os camelos também são mantidos juntos como um
rebanho. Lá pela metade do verão as ovelhas já não dão leite, mas há tosquia, concerto de tendas
e produção de manteiga para manter a família ocupada. Os acampamentos se mudam três ou
quatro veze durante o verão. Eles consideram que por volta de cinco de agosto as ovelhas estão
em sua melhor condição, que é julgada pela quantidade de gordura no rabo. Nesta época o
tempo se torna nebuloso e abafado e a pastagem fica exaurida, por isso eles descem com os
rebanhos para o sopé da montanha novamente.
A jornada de volta é condicionada pelas notícias das primeiras chuvas caindo nas
pastagens de inverno. Esta jornada é mais rápida e sem a alegria da primavera, já que a
pastagem é escassa por toda parte e os pastores têm que alugar restolhos das aldeias e pastos
marginais para suas ovelhas. Logo após o estabelecimento dos acampamentos de inverno os
shahsevan celebram o ramadã no fim do qual eles dão presentes e recebem visitas de parente e
amigos. Eles se consideram bons muçulmanos e tendem a explicar seus valores em termos de
islamismo. Eles são xiitas, e Richard Tapper faz um excelente relato da vida ritual dos
shahsevan.
O nomadismo dos shahsevan tem sido progressivamente desorganizado pela perda de
pastagens de inverno nos Moghan para represas e esquemas de irrigação para a agricultura.
Muitos foram desalojados de suas casas de inverno. A expansão dos aldeões, novos campos na
rota de migração e a invasão de plantações nas escarpas do Savalan, a área de pastagem deles (e
para a qual eles tinham que conseguir permissões e não tinham direito de posse de longo prazo),
estão aumentando cada vez mais suas dificuldades. O governo do xá não tinha interesse no
pastoralismo e encorajou a importação de animais – mesmo que grande parte do Irã, como a
cordilheira Savalan, só seja adequada para a pastagem de gado. Os qashqa’i e o bakhtiari, entre
outros, eram utilizados mais para o turismo, e o desequilíbrio no interesse cristão entre “tribais”
iranianos pode ser o resultado disto.
A Revolução Iraniana chamou as tribos nômades de “Tesouros da Revolução” e fundou
a ONA - Organization for Nomadic Affair (Organização para Assuntos Nômades) – para lhes
dar representação e infraestrutura para saúde, educação e controle de pastagem. Ela estabeleceu
armazéns, tendas e serviços veterinários nos pastos de inverno e de verão e encorajou o mercado
de carne e produtos pastorais. Mas por volta de 1993 o estabelecimento ainda era a política
governamental e Moghan foi destinada para a indústria e desenvolvimento agrícola. A ONA
dividiu os pastos de inverno restantes em “habitats pastorais” em 1995.xii
Religião
O xiismo aceita a autoridade somente de interpretações que venham do profeta
Muhammad e dos doze imames descendentes dele. O último destes, segundo se diz, retornará no
fim dos tempos como o mahdi, ou “o esperado”, para encher a terra com justiça. A celebração
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do martírio de Hussein é um culto nacional no Irã, e os shahsevan o celebram com a construção
de uma tenda mesquita ao redor da qual os jovens marcham vestidos em lenços negros e
aventais, cantando lamentos e gritando saxsey, uma corrupção da exclamação “xá Hussein!”, de
forma que apesar dos motivos serem solenes, é mais como uma festa.
O islamismo xiita é escatológico e sobrenatural, tanto que os shahsevan acreditam que
pela oração e purificação todas as classes têm uma chance de entrar no paraíso. A boa conduta
tem a ver com recompensas na vida após a morte e, em contraste com a suposição de muitos
povos, o fato de uma pessoa ser materialmente próspera não indica a benção de Alá. Contudo,
muitos dos nômades são impacientes com os chavões dos mulás sobre os infortúnios da vida.
Eles consideram a promessa do paraíso inadequada, e por isso a humanidade deve cooperar com
a vontade de Alá através da medicina popular e da magia. Embora os homens tendam a
considerar os amuletos contra o mal olhado não ortodoxos, eles os usam mesmo assim e os
colocam em seus animais favoritos também.
As circuncisões e os casamentos são ocasiões para estabelecer novos relacionamentos
entre as famílias extendidas e clãs, e há pouco interesse na noiva e noivo ou criança. Os que já
estiveram em Meca, a hadji, têm prestigio entre as pessoas para serem mediadores em disputas.
Os nômades acreditam que os moribundos têm que ouvir a leitura do Corão. O morto é envolto
numa mortalha, amarrado a uma plataforma e carregado por um camelo até o local do enterro.
Muitos tentam tocar o féretro no caminho, acreditando que ao fazer isto ganham mérito para o
paraíso.
Alcance
Eles não possuem linguagem escrita. Nenhum alcance para os shahsevan foi tentado. As
atuais condições não permitem maior ajuda a este povo do que a oração, mas orar por
transmissões de rádio da FEBA em azeri e farsi.
TURCOMANO
Há 600 mil turcomanos vivendo no nordeste do Irã, proximos à extremidade sudeste do
Mar Cáspio e junto à fronteira turcomena. Muitos são seminômades. Há 300 mil da tribo yomut
na planície Gurgan, e 30% são Goklan (veja a seção sobra a Asia Central, abaixo). Um milhão
fala turcomeno no Irã. A Elam Ministries, da Inglaterra, está comprometida com a produção de
um programa de rádio para esse povo.xii
AIMAQ ou Berbere
Há 800 mil aimaq vivendo em duas áreas separadas no nordeste do Irã e noroeste do
Afeganistão como pastoralistas emigrantes. Eles passam o inverno em suas aldeias no vales,
onde eles também tecem carpetes de desenhos tradicionais que diferem de acordo com cada clã.
O maior grupo, os chahar aimak, consistem de grupos de baluch, kipchaks e uzbeques que se
uniram nos últimos dois séculos.
Chahar aimaks, Afeganistão, são grupos seminômades, totalizando talvez 300 mil, nas
terras altas centrais do oeste entre Herat e Changhcharan. Eles são uma mistura de povos
caucasianos e mongóis e parecem ter parentesco com os aimaq. No inverno eles vivem em
aldeias permanentes, mas migram para pastagens de verão para viver em tentas parecidas com
as dos yurt, diferentes da tendas de pelas negras usadas em outras partes do Afeganistão.
Suas tribos são as seguintes: jamshidi: 80 mil na área de Kushk, 70 quilômetros a
nordeste de Herat. Firuzkuhi: 40 mil estão centralizadas no vale Murghab, províncias de
Badghis e Ghor. Taimanni: há 40 mil nos dois lados de Hari Rud, província de Ghor, e portanto
divididos a norte e sul. Os taimanni do sul adotaram as tendas negras e algumas culturas dos
pushtuns próximos, ao sul. Os taimanni do norte são agricultores. Hazaras: eles não têm
conexão étnica com os outros grupos de povos no Hazarajat. Há 50 mil que deixam suas aldeias
espalhadas e vão para as montanhas com seus rebanhos no verão.xii Eles falam dialetos de Dari
com elementos turcomenos e mongóis e estão listados como aimaq com um total estimado de 80
mil falantes. Els são muçulmanos sunitas.
215
A guerra civil afegã destruiu os rebanhos deles, e os campos minados restantes
reduziram os aimak a refugiados urbanos. Muitos provavelmente retornarão ao pastoralismo
quando as condições melhorarem. Eles falam seus próprios dialetos de dari diferenciados. Eles
são muçulmanos sunitas da escola de Hanafi: não há cristãos conhecidos entre eles. Eles não
possuem nenhuma tradução da Bíblia. A New Opportunities tem planos de ajudar este povo.
São feitas transmissões de rádio diárias em dari pela FEBA.
HAZARA
Há dois grupos distintos chamados por este nome. Eles podem ter parentesco, mas
geralmente são tratados separadamente.
Os hazara (hazare’i, hezaesh) em Khorasan, Irã, estão situados a sul de Mashdad
próximo a Torbat-e Heydariyeh. Há outros nas montanhas Kuh-e Hazari norte da cidade. Eles
são agropastoralistas semisedentários. Eles são descendentes dos muitos refugiados do
Afeganistão no fim do século dezenove e totalizam 290 mil. Eles são muçulmanos e não há
cristãos conhecidos entre eles.xii Há 70 mil hazaras em Quetta, Paquistão.
Os hazara ou hazaragi vivem em Hazarajat, no oeste de Hindu-Kush, a região
montanhosa central do Afeganistão.xii Eles chamam a si mesmos e a região de Azra.xii As
estimativas do número deles varia entre 2 e 6 milhões. Eles vivem principalmente nas
províncias de Ghowr a oeste (242 mil), Oruzgan (370 mil) e Bamiyan (241 mil) no centro, e
Ghazni (561 mil) a sudeste. Eles estão massissamente concentrados nestas áreas, onde 80% da
população é Hazara. Parvan (88 mil ou 18%) e Vardak (150 mil ou 40%) oeste de Karul formam
a extremidade oriental da pátria Hazara. Os hazaras respondem por 20% da população de Cabul,
a capital do país, com 411 mil. Outros vivem em Herat, Qandahar e outras áreas.
A origem dos hazaras é desconhecida, mas há três sugestões: que eles são descendentes
de soldados do exército mongol de Genghis Khan, ou uma mistura de tajiks e mongóis, ou que
eles são representantes dos habitantes aborígenes de Hazarajat. Algums sugerem que o nome
hazara vem do termo dari para “mil”, provavelmente se referindo a uma origem militar.
O relacionamento deles com todos os povos ao redor foi afetado pelo fato deles serem
xiitas das seitas Ishmaili e J’afari. A maioria sunita no Afeganistão os considera hereges, porque
a área hazara era sunita antes do Irão se tornar oficialmente xiita. A maioria dos hazaras
provavelmente se converteu ao xiismo em estágios nos séculos quatorze e dezessete. Mas as três
tribos hazara são sunitas.xii No passado o clero xiita sempre foi pago por uma elite e deu suporte
religioso para a divisão da sociedade, e ajudou também a manter a unidade hazara contra os
estrangeiros.
Os hazaras têm sido furiosamente independentes por toda a sua história, sendo capazes
de se defender nos territórios montanhosos e totalmente capazes de lançar ataques contra
caravanas em trânsito, exércitos ou cidades. Os hazarajat sofrem seis meses de inverno, mas têm
os melhores pastos. A independência hazara terminou quando o Império Britânico, temendo
uma ameaça russa a sua influencia na Índia, instigou a unidade afegã pela volta do rei a Cabul
que finalmente venceu os hazaras em 1893. Com grande custo para os hazaras, o Afeganistão
como nação nasceu, dominado pelos pathans, ou pukhtana. O Hazarajat foi dividido em três, e
as pessoas foram escravizadas. O clero e a prática sunita foram impostos, de maneira que agora
uma minoria de hazaras são muçulmanos sunitas. Os governos afegãos tentaram substituir o
nome hazara por shi’ia, e assim remover a identidade étnica, fingindo que os hazara são
somente um desvio religioso.
Nos anos 30 um pakhtun depôs um rei posterior e, adaptando a ideologia nazista, impôs
a supremacia pukhtana tentando destruir a cultura e a língua hazara e encorajando os nômades
pukhtana a ocupar os pastos hazara. Quando os hazaras se rebelaram, muitos foram executados.
A exploração econômica de seus próprios líderes, bem como o domínio do comércio pelos
pukhtana, forçou muitos hazaras mais pobres a se mudar para as cidades para trabalhar em
subempregos como domésticas, porteiros e lavradores. Os hazaras sofriam discriminação e
muitos escondiam sua identidade étnica, até se envergonhando dela. Eles ficaram divididos por
estas pressões externas e alguns tomaram partido do governo central, outros sob a influência
iraniana são fortemente islâmicos e ainda outros aceitaram um nacionalismo hazara. Muitos se
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declaram usbeques ou tadjiques e não admitem serem hazaras. Durante o século vinte, os
hazaras perderam metade de seu território, a maior parte no oeste.
Durante a invasão russa os hazaras lutaram contra os comunistas, mas foram traídos por
seus aliados sunitas e 11 mil foram mortos no anoitecer de 23 de junho de 1979. Muitos deles
foram enterrados vivos. Mais tarde os rebeldes hazara entraram em conflito entre si, e eles
continuam a ser desunidos. Uma assembléia hazara, a Shura, foi formada em 1979, com todo o
jeito de um governo nacional, incluindo um exército. Mas falhou em unir os hazaras e acabou
sob o controle do fundamentalismo xiita treinado no Irã. Os refugiados hazara no Irã também
eram obrigados a lutar pelo Irã na guerra Irã / Iraque. Um partido de unidade foi organizado em
1989, mas esgotou seus recursos em três anos de luta e os aliados talibãs minaram seu poder. A
própria região deles não pode sustentar a todos, por isso muitos foram forçados a sobreviver
como plantadores de trigo, se tornaram invasores de terras nas cidades próximas ou foram
trabalhar em trabalhos braçais em Cabul. As minas terrestres deixadas pela guerra afegã
reduziram a habilidade deles como pastoralistas. A lepra e as infecções nos olhos são comuns
nessa área, e há necessidade de muitas clínicas médicas. Eles são o povo mais necessitado
materialmente no Afeganistão.
Sociedade
A família hazara típica consiste de pais e filhos casados com suas famílias e os filhos
não casados, mas muitas vezes abrange também famílias nucleares não relacionadas que não
têm parentes próximos ou terra própria. Esta família extendida vive, come e trabalha junta sob a
liderança do pai mais velho e como grupo possuem casa, campos, ferramente e coisas assim.
Várias famílias extendidas assim vivem num qala, ou castelo – uma casa reunida cercada por
um muro alto com um grande portão de entrada. Todos os cômodos dão para o pátio, mas o
melhor quarto com visão para as montanhas fica sobre o portão. Aldeias e cidades agora estão
se desenvolvendo, com estradas que ligam todas elas.
As famílias num vale ficam unidas como um tol, com o cabeça que lidera uma casa, o
malak, que representa todos na unidade mais complexa maior, o tayefa, conduzido por um
arbab, ou khan. O tayefa é parte de um grupo de qaum que supre liderança política e
econômica, que os dominou como sociedade feudal até 1893 e depois a partir de 1978. A
sociedade hazara costumava ser dividida entre uma elite de emires e sultãos, que controlaram a
terra e os recursos, e as classes mais baixas de camponeses, artesãos, nômades e outros
pastoralistas. Esta estrutura é modificada por assembléias, muitas vezes reunidas a céu aberto,
onde hazaras comuns podem se juntar aos líderes na decisão de questões importantes.
Nomadismo
A região de Hazarajat, nordeste de Chaghcharan, é quase inacessível e consiste de
montanhas aridas cuja umidade depende da neve derretida. As montnhas são vistas de forma
proverbial e praticamente como representando força e segurança. Os hazaras vivem em cabanas
de barro em pequenas aldeias, ou qalas, conforme descrito. As mulheres e as crianças conduzem
os rebanhos de ovelhas de caudas gordas deles nas montanhas por várias semanas a cada verão,
enquanto os homens ficam para cuidar das plantações de trigo, por isso cerca de um terço da
população têm um estilo de vida itinerante. A cada verão, eles reestabelecem acampamentos de
pastagem na montanha que eles chamam de aylok, usados por várias gerações e geralmente
situados em posições bem defendidas. Ali eles vivem em tendas simples parecidas com yurt
feitas de esteiras de juncos. Eles possuem algumas vacas e burros, e os meninos constantemente
têm que proteger as poucas ovelhas e cabras das aguias e lobos. As mulheres se ocupam na
aylok, fazendo manteiga e iogurte, e um pesado aut, semelhante a um queijo, para ser guardado
para o inverno. A refeição principal é servida à noite, quando os rapazes voltam com os
rebanhos. Eles raramente comem carne, já que os animais são valiosos demais e mantidos para a
produção de laticínios, para a troca como um dote pela noiva ou para aquisição de terra no vale.
Religião
Como muçulmanos xiitas, eles ficam isolados da maior parte das pessoas ao redor deles,
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que os tratam como párias, e dizem que eles adoram Ali como uma divindade, e de quem eles
diriam ser escravos. Eles continuam a sofrer discriminação por causa disto como “infiéis” e
“extremistas”. A mesquita no centro da aldeia é o lugar para tomar decisões e para acomodação
dos visitantes. Algumas de suas casas recebem a visita semanal de um maddah, um homem que
recita poemas venerando o profeta ou a natureza, carregando o bastão “santo” de um ancião
local. Eles também fazem peregrinações às tumbas de mártires ou figuras religiosas chaves,
onde alegam ocorrer sinais miraculosos.
A língua deles é o hazaragi, uma forma de dari semelhante ao tadjique, com 10% de
palavras mogul. Há pouca literatura na língua, mas há muita poesia oral e muitos provérbios e
ditos filosóficos, e o alcance na fé bíblica deveria desenvolver estes aspectos. A poesia é
acompanhada por instrumentos de cordas locais tocados pelos homens, e flautas e pandeiros
pelas mulheres.
Alcance
Somente 5% dos hazaras são alfabetizados. Fitas de audio de Gênesis, Êxodo 1-20,
Atos, oito epístolas e partes dos evangelhos estão disponíveis. Uma tradução da Bíblia é
necessária. Há um programa de rádio diário de quinze minutos em hazara. A Operação
Mobilização os visitou em 1983. A New Opportunities e outras missões têm planos de ajudar
esse povo no Afeganistão.
ARÁBE KOOCHI ou Kuchi
Eles são comerciantes nômades e pastoralistas no Afeganistão e são de origem étnica
árabe, e possivelmente de outras. Koochi significa “nômade”, e eles foram estimados em 2,5
milhões no Afeganistão em 1978 embora este número deva incluir muitos caravaneiros e
pastoralistas. A invasão russa e os campos minados resultantes interromperam completamente
as viagens deles. Por exemplo, um grupo de mil famílias árabes costumava viajar para o
Paquistão, mas agora este número é inferior a 200. Eles têm trocado animais por tendas da Cruz
Vermelha, substitundo suas tendas tradicionais. Sua pastagem de verão está em Sakardara,
noroeste de Cabul, e sua pastagem de inverno está próxima a Jalalabad, 150 quilômetros a leste
de Cabul. Os koochi também são encontrados, como afegãos, no Paquistão – como pastoralistas
e caravaneiros.xii
ÁRABES
Eles vivem nas províncias de Konduz, Takhar e Badakhshan, nordeste do Afeganistão.
Eles são aproximadamente 29 mil, embora agora haja provavelmente mais. Eles vieram
originalmente da Arábia no século 8 e foram assimilados no pastoralismo estabelecido dos
khanate de Bukkara.xii Embora conscientes de serem árabes, eles não continuam tão distintos
como outros povos nômades que também estavam se locomovendo naquela área. A invasão
russa na década de 1860 os fez mudar para o sul para a atual área que anteriormente tinha sido
despopulada pelas incursões dos turcomanos em busca de escravos. Sendo móveis, os árabes
puderam se defender destas incursões. As incursões pararam com o estabelecimento da fronteira
russo-britânica em 1873 no rio Amu, e os árabes ficaram sob o controle do Afeganistão.
Após se mudarem para o Afeganistão, os árabes se tornaram nômades autênticos a
explorar a pastagem em diferentes altitudes. Qataghan, onde eles tinham suas quishloq ou
aldeias de inverno de casas junco, era pantanoso e conhecido pela malária, mas os árabes
sobreviviam passando só os invernos lá, migrando para as montanhas durante a estação dos
mosquitos. Os pântanos desde então foram drenados e se tornaram bem-sucedidos campos de
algodão. Desde a Segunda Guerra Mundial, os pathans ou puktuns se mudaram para a área e as
cidades principais, como Kunduz, Khanabad, Baghlan e Pul-i-Khumri, agora têem maioria
pukhtana e os nômades pukhtana também pastoreiam junto aos árabes.
Nomadismo
Os 13 clãs árabes se identificaram com seus quishloq, no qual famílias relacionadas
vivem próximas umas as outras. Os clãs, diferentes dos de outros povos, têm um papel político
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menor. Isto porque a terra e os rebanhos pertencem a cada família, e elas tomam suas próprias
decisões com respeito a quando migrar, por isso cada família tem um relacionamento com as
autoridades do Afeganistão. Os clãs têm um representante que geralmente é apontado pelo
estado, mas os árabes também têm bais, ou homens ricos, que possuem uma grande influência
informal para mediar às disputas e uma reputação de possuir sabedoria prática. Além da família
extendida imediata, os árabes tendem a se relacionar de acordo com a mesquita que freqüentam
e não de acordo com a linhagem ou outros fatores.
Após passarem o inverno em Qataghan na rica pastagem próxima a suas aldeias de
inverno, com a chegada da primavera os rebanhos árabes migram para o leste cruzando o rio
Kokcha. Os rebanhos consistem, em média, de 250 ovelhas turki grandes criadas para o corte e
suas caudas gordas, ou a raça qarakuli muito menor criada por sua lã de carpete de boa
qualidade. Algumas cabras são mantidas para conduzir as ovelhas, porque ovelhas não são
muito confiantes nas montanhas a não ser que tenham cabras adiante delas. A família inicia a
jornada uma semana após os rebanhos. O status social é mostrado por quais animais os
membros da família montam na migração. Somente os homens montam garanhões, as mulheres
com filhos pequenos montam éguas, e as filhas mais velhas montam camelos carregados com as
bagagens da família, mostrando sua disponibilidade para o casamento. Os meninos montam os
burros.
A tenda é feita de esteiras de juncos e feltro, feitos pelas mulheres. Eles passam as
primaveras nas montanhas mais baixas próximas das aldeias uzbeques. Estes uzbeques já foram
nômades, mas agora a maioria se sustenta plantando trigo nas escarpas das montanhas. Nestas
pastagens de primavera as ovelhas dão cria. Geralmente há somente uma cria por ovelha a cada
ano, mas é o suficiente para rapidamente mudar a sorte de uma família no pastoralismo,
comparado à agricultura. Tradicionalmente as mulheres cuidam do acampamento, tiram leite e
fazem iogurte, mas não o queijo. As ovelhas dão uma média de um quilograma de leite por dia
de março a agosto. As ovelhas são mantidas como capital e os machos são castrados e
engordados para a venda.
Para a pastagem de verão os rebanhos são levados para os desfiladeiros das montanhas a
2,5 mil metros nos planautos Shahr-i Bozog de Badakhshan e Rogh. Nesta altitude há aldeias
tadjiques, que também têm suas pastagens nos vales. Cada família árabe possui direitos de
pastagem para áreas designadas que foram reconhecidas pelo governo afegão desde 1921 nas
escarpas acima e abaixo dos tadjiques a mais 4 mil metros. Geralmente eles precisam de
somente um pastor para guardar as ovelhas nestas áreas. Tempestades súbitas podem resfriar as
ovelhas e matar a maior parte do rebanho de uma só vez, além das perdas devido a quedas,
doenças e predadores. Eles acreditam que estas ameaças são kismet, ou destino. Mesmo na
migração, viagens de três dias a bazares próximos para compra de sal, chá, açúcar, arroz e
outros artigos manufaturados são necessárias. Ali a vida geralmente solitária do nômade é
animada pelo contato com tadjiques e uzbeques.
Durante a Guerra Fria mais estradas foram construídas na região. Isto significou o
acesso da carne ou ovelha a mercados maiores distantes, e por sua vez criou uma demanda por
produtos importados. Eles deixaram de ser pastoralistas de subsistência para se tornar
fornecedores de carne comercial. Os preços da ovelha duplicaram depois de 1965, com isso os
árabes puderam contratar pastores, para não ter que sair eles mesmos em migração, e investir
em outros negócios além do pastoralismo, e uma estratificação econômica foi desenvolvida
entre eles. Isto resultou na maioria das famílias vivendo na quishlaq o ano todo, e elas
construíram amplas casas para morar. Por isso embora os homens possam ser empregados na
supervisão dos animais, as mulheres, sem um acampamento para administrar e trabalho de
laticínios para fazer, têm tempo livre.
Como um homem tem que ganhar seu dote, ele geralmente se casa por volta dos vinte
anos, embora sua noiva possa ter somente dezesseis. Os filhos casados continuam a viver e
trabalhar com seus pais, porque os árabes só herdam com a morte do pai. Embora seja bastante
comum se casar com mulheres uzbeques ou tadjiques, os árabes relutam em permitir que suas
filhas se casem com homens destes povos.
Eles falam farsi, e não árabe, e alguns são bilíngües em uzbeque. Somente 5 mil falam
219
um pouco de árabe nas aldeias a oeste de Daulatabad e Balkh, norte de Mazar-i Sherif.xii Não há
discípulos de Jesus conhecidos entre eles. Várias transmissões de rádio diárias em farsi da
FEBA e TWR atingim a área.
TADJIQUES
Vivendo em Hindu Kush, Afeganistão, os tadjiques eram originalmente um grupo que
não falava dari e se parecia com os hazaras. Eles migram entre pastos de inverno e verão nas
escarpas do norte das montanhas Hindu Kush leste e oeste de Baghlan.
NURISTANI
Há 90 mil vivendo no vale de Laghman, noroeste do Afeganistaão. Eles estão divididos
entre os nuristanis orientais no vale Bashgal e nuristanis ocidentais no Ramgal e outros vales.
Eles passam o inverno em aldeias construídas de pedra, mas se mudam para as pastagens de
verão nas montanhas para viver em ailogs, que são abrigos de pedra sem telhado.
A subsistência deles se baseia pricipalmente no gado, ovelhas, cabras, queijo e
manteiga. Os homens são os pastores e as mulheres cultivam painço, milho e trigo. Eles fazem
comércio com os pathans. Eles foram tratados como kafirs até se converterem ao islamismo
sunita após uma longa batalha de resistência na década de 1890, e a área ainda é chamada
Kafirstan. Eles falam kati, uma língua dardic, e 6% são alfabetizados. Não há cristãos entre eles.
Eles possuem rádio, mas eles só têm uma compreensão limitada das transmissões em pushto e
dari. Eles são receptivos à ajuda médica e veterinária, e auxílo com engenharia de irrigação.xii
KALASH KAFIRS ou Ashkund, Ashkun ou Wamayi
Eles são 2,5 mil ou 4,5 mil e vivem na fronteira do Afeganistão e distrito Chitral do sul,
Paquistão.xii Esta localidade é no limite extremo das montanhas Hindu Kush. Eles vivem em
cerca de 20 aldeias em três vales. Uma estrada foi construída para transportar madeira de
construção de um dos seus vales. As mulheres tomam conta dos campos irrigados próximos às
aldeias, enquanto que os homens pastoreiram cabras, ovelhas e gado nas montanhas longe de
suas aldeias. Eles são antes de tudo pastoralistas. Sua riqueza e status é medido em cabras, que
produzem leite para queijo, pêlo longo para cordas e tapetes, couro, carne e sacrifícios.
Eles parecem ser uma sociedade muito antiga que resistiu à influência do hinduísmo,
budismo e islamismo. Eles são muçulmanos nominais no sul, mas politeístas no norte. Muitos
consideram a cultura politeísta a sua verdadeira identidade, com mitos aliados semelhante às
tradições védicas e pré-zorastianas. Estes últimos consideram os próprios vales como “puros” e
os muçulmanos ao redor como “impuros”. Cada um que viaja para fora de seu território tem que
passar por rituais de purificação na volta. As estações são marcadas por festivais em honra a
várias divindades, nos quais o canto e a dança expulsam os espíritos. Os espíritos possuem seus
territórios e não perdoam a intrusão de humanos. É preciso um dehar, ou xamã, para se
comunicar com os deuses e espíritos e para curar.
Em ocasiões especiais as mulheres usam longos ornatos na cabeça que descem por suas
costas, semelhante aos usados no Tibete e Ldakh. O parto exige separação da família e torna a
mulher “impura”. As aldeias têm uma casa para mulheres durante menstruacao e os partos; mas
alem disso o povo não separam os sexos. Há uma estalagem em Islamabad para os meninos
kalash.xii Eles adoram diversos deuses com festas durante o ano e dão oferendas aos ancestrais.
A língua deles é o kalasha, e a cultura era oral até um alfabeto e dicionário foram feitos no fim
do século 20. A tradução da Bíblia está em andamento.xii
PAMIRI, “Tadjiques Montanhêses” ou Galchah
Há 55 mil pastoralistas em pequenos grupos de pessoas, divididas de acordo com seus
dialetos que na verdade podem ser línguas distintas já que, na prática, elas são mutuamente
inintelegíveis.xii O tadjique é a língua escrita. Eles foram mencionados pela primeira vez na
história nas crônicas chinesas do século 2, e Marco Pólo também os menciona. Eles estão
constantemente em conflito entre si e com os tadjiques. Após sua derrota para o Exército
Vermelho em 1920, foi estabelecida a Província Autônoma de Gorno Badakhshan, formada por
220
44% da área do Tadjiquistão de 64,200 km. quadrados. Ela só tem uma cidade, Khorog (pop. 13
mil). Eles são pastoralistas, nas montanhas Pamir, que foram coletivizados sob o regime
soviético:
Shugnis (o nome que usam para si é khugnon): 20 mil; e 2 mil oroshur têm parentesco
com os 4 mil bargangis (bartangidzh); os 1.500 khufis (khufidzh); e os 18 mil rushanis
(rykhen) no Tadjiquistão (3 mil no Afeganistão) falam dilectos de shughni.
Os 20 mil sarikol em Xinjiang são chamados ‘Tidjque’ e têm sua própria língua.
Os yazgulemis são 2 mil no vale do rio do mesmo nome no Tadjiquistão.; a lingua tem
dois dialectos, mas o povo também fala Tadjique. Em contraste com os outros povos não são
muçulmanos ismaili.
Há 500 sanglechi-ishcashimis no Tadjiquistão e 2 mil, com duas e 17 aldeias
respecitivamente, no Afeganistão. Não há informação disponível sobre os badzhuis ou
badzhuwedzh.xii
Estes povos são muçulmanos ismaili, com exceção dos bartangis e alguns dos
yazgulemis.
Wakhi, guhjali, se autodenominam khik, um povo outrora nômade com 29 mil pessoas:
6 mil vivem no Tadjiquistão; 9 mil no vale Hunza, Paquistão; e 7 mil em Corredor Wakhi em
Pamirs entre o Tadjiquistão e o Paquistão; e 6 mil em Xinjiang. No vale Hunza eles vivem com
50 mil burushos agricultores.
No Corredor, os Wakhi estão aglomerados em aldeias de casas de pedra nas terrras do
vale fértil, embora os quirguizes na vizinhança vivam somente nas altas altitudes.xii Os wakhi
podem ser descritos como agropastoralistas, uma vez que todos eles cultivam campos próximos
de suas aldeias ou trabalham nos campos de outros.
Nomadismo
Um pequeno número de famílias pratica o pastoralismo nômade, com grandes rebanhos
de mais de cem ovelhas e cabras, com iaques e gado. Alguns membros das famílias acampam
num yurt com os animais, geralmente o ano todo, passando os verões nas escarpas mais baixas
do Pamirs e invernando nos vales, às vezes a alguma distância de sua aldeia natal. As famílias
com rebanhos menores têm uma comunidade de pastoreio para cuidar dos rebanhos juntos nos
pastos próximos a suas aldeias. Embora homens e mulheres trabalhem nos campos, os homens
pastoreiam os animais, ajuntam feno, fazem a tosquia e tecem. As mulheres tiram leite,
alimentam e cuidam dos animais mais jovens, e fiam.
Sociedade
A sociedade deles tem seis castas. As duas castas mais altas alegam ser descendentes de
Muhammad ou seu tio e são consideradas intermediárias espirituais para os outros, que são
“seguidores”. Eles dão conselhos e bençãos em troca de tributo. As três castas mais altas não se
misturam por casamento com as castas mais baixas. Khik significa “plebeu”, a casta mais baixa
da maioria, mas o termo também é usado para distinguir todos os wakhi dos quirguizes. Os
quirguizes desprezam os wakhi por serem agricultores, ismailitas, por usarem ópio e serem
economicamente mais pobres, mas os dois povos se tornaram economicamente
interdependentes, especialmente desde que as fronteiras soviéticas e chinesas foram fechadas.
Este fechamento lhes negou acesso a grandes pastagens ao norte.xii Muitos se tornaram viciados
em beber chá e em ópio. A IBT traduziu o evangelho segundo João.
QUIRGUIZES
Os quirguizes vivem em Pamirs, Corredor Wakhi.xii Para saber mais, veja a seção sobre
a Ásia Central, abaixo.
PUKHTANA (sg. Pakhtun ou Pushtun) ou Pathans
O primeiro nome é como eles se autodenominam, o último é o nome em inglês que eles
consideram depreciativo. Muitos gostam de chamá-los de afegãos, embora isto só reflita o
dominínio de todos os cidadãos do páis por eles. Eles respondem por 55% da população do
221
Afeganistão e 13% do Paquistão.xii Há 13 milhão pukhtana no Afeganistão e 28 milhao no
Paquistão,xii mas um estudo mais recente estima que haja 42 milhões de pukhtana (200 mil no
Reino Unido). Eles entraram para a história registrada ao resistir a Alexandre o Grande em
Khyber Pass.
Nos últimos 100 anos, a consolidação do Afeganistão como um país encorajou o
comércio e o desenvolvimento de estradas, e por isso o uso de caravanas foi adotado pelos
nômades. As tribos com migrações pastorais de longa distância foram capazes de se desenvolver
no comércio de caravanas, até o ponto de abandonarem o pastoralismo. Suas rotas de comércio
são ao norte da Ásia Central e oeste do Irã, sendo que alguns são capazes de se estabelecer
como mercadores ou donos de terra com casas em Mazar-e Sharif, Cabul e Jalalabad. O maior
efeito da mudança para o comércio é que alguns deles decidiram se estabelecer.xii
A maioria do povo se converteu ao estilo de vida sedentário por volta da metade do
século vinte, mas muitos dos aldeões estabelecidos também emigram com seus animais em
busca de pasto. Uma estimativa em 1991 avalia que 2 ou 3 milhões ainda são nômades sazonais,
locomovendo seus rebanhos para terras mais altas no centro do país para viver em tendas no
verão. Somente cerca de 100 mil eram “nômades puros”, chamados kouchis, um termo farsi que
significa “nômades”, e vivem em tendas o ano inteiro.
A barreira social entre os nômades e a sociedade estabelecida não se aplica no
Afeganistão. As ligações do indivíduio com a tribo e a região são mais importantes que o estilo
de vida. As tribos deles são divididas entre duas confederações, os durani, ou durrani, e os
ghilzais:
Os durrani eram originalmente chamados abdali, que mudaram o próprio nome para
durrani no meio do século dezessete. Alguns dos líderes do Afeganistão vieram desta tribo.
Dizem que há tadjiques e hazaras entre eles. Eles são divididos novamente em ziraks, com
quatro tribos, ou kaum, e os panjpaos, com três tribos. Muitos se tornaram urbanos, vivendo em
Cabul e outras cidades, e outros são agricultores. Cerca de metade deles ainda são nômades ou
seminômades, com rebanhos de ovelhas. Eles formam acampamentos de até 100 famílias e
migram de março a agosto nas montanhas centrais.xii Eles estão situados no sudoeste do
Afeganistão entre Herat e Kandahar, que é uma área árida exceto pelos vales - onde o cultivo é
possível. Muitos se mudaram para o nordeste entre Herat e Mazar-i Shaarif, onde os montes
ainda são tão férteis que alguns se estabelecem lá o ano todo. O status das mulheres é derivado
dos maridos. Elas tiram leite dos animais e tecem tapetes, mas não têm ganho independente. Os
durrani falam pushto e vestem roupas quase idênticas.
Os ghilzais, ou ghaljis, estão no sudeste do país, principalmente sul e sudeste de
Ghazni. Há uma historia popular que diz que ghilzai significa “filho de um ladrão” porque o
ancestral deles era bastardo. Eles infligiram derrotas às forças britânicas nos dias do “Grande
Jogo” (1813-1907). Eles também estão divididos em dois grupos de tribos, os turans e os
burans. Muitos estão estabelecidos, mas grande parte deles ainda é nômade, embora
tradicionalmente eles sejam menos dependentes economicamente do pastoralismo que os
durrani, por causa de seu comércio e ampliação de crédito para os hazara nas terras altas
orientais centrais.
Há também várias tribos pukhtana não afiliadas ao longo da fronteira paquistanesa
como os yusufzai, afridis e shinwaris.
Os pukhtana possuem seu próprio código moral chamado pukhtunwali, interpretado
pelo jirga, ou conselho de anciãos, que muitas vezes entra em conflito com as leis islâmicas. Ele
enfatiza a manutenção da honra pessoal e a do grupo, com vingança, dominação masculina e
defesa da propriedade privada. As mulheres estabelecidas são conhecidas não por seu nome,
mas como mãe de seus filhos mais velhos. A burca é a vestimenta que cobre totalmente as
mulheres muçulmanas, com graus variados de cobertura da face mostrando somente os olhos: 1)
um lenço cobrindo a parte de baixo do rosto; 2) um buraco para um olho ou 3) uma grade
bordada cobrindo toda a face. As mulheres são especialmente guardads da exposição à cultura
ocidental, que é considerada imoral.
A guerra civil interrompeu a vida rural desde 1978, e cerca de 5 milhões de pukhtana
partiram para acampamentos de refugiados no Paquistão e Irã. Alguns homens se tornaram
222
nômades comerciantes. Algumas tribos voltaram ao nomadismo pastoral nas montanhas Hindu
Kush, deslocando-se no território do Paquistão em outubro ou novembro. Para os refugiados um
retorno mais cedo ao Afeganistão é impossível, por causa da destruição de 90% das aldeias, dos
sistemas de irrigação e a da conseqüente erosão. Há ainda o perigo das minas.xii Há um
movimento nacionalista pukhtana exigindo um Pakhtunistão, formado a partir de partes do
Afeganistão, de noroeste de Frontier noroeste e norte do Baluquistão. Historicamente este
movimento ganhou mais votos do que a Liga Muçulmana na Índia quando ela teve sucesso em
conseguir nas urnas a criação do Paquistão.
Powindahs, no Paquistão, são ghilzais. Eles são estimados em 500 mil. Eles
costumavam fazer comércio a partir da Ásia Central, passando por Ghazni, Afeganistão,
descendo para Sind, Punjab e chegando até mesmo em Calcutá. Os ancestrais destes
pastoralistas estabeleceram reinos puktun na Índia nos séculos 14 e 15. Mas a fronteira entre o
Afeganistão e o Paquistão está restrita ou fechada desde 1961, embora um pequeno grupo de
pessoas continue a cruzá-la. Eles criam e vendem cabras, ovelhas e algum gado, e usam camelos
e burros como animais de carga. Eles migram entre o sul do Wazirstão no verão e Sind e Punjab
no inverno. Muitos trabalham cavando canais de irrigação nestas áreas durante o inverno.
A maioria dos pukhtuns se considera como maldar, donos de rebanhos, ou pastoralistas
powindah, em vez de “nômades”. Eles costumam ser desdenhados pelos pukhtuns estabelecidos;
não tanto por suas condições de vida, mas por depender de outros para lhes dar permissão para
passar por suas terras e pastos. Hoje, na maioria das vezes, eles usam tratores e caminhões, em
vez de camelos. Eles preferem passar fome a mendingar. Embora sejam muçulmanos, eles têm
uma reputação de usura e suas mulheres não usam véus.
A língua pashto tem sido suplementada com o persa e o urdu, do que eles se ressentem.
Há um ressentimento contra o fato do urdu ser ensinado para as crianças pukhtana, e os
pukhtana estão tentando desenvolver uma escrita persa modificada e registrar suas tradições
orais em forma escrita. Os pukhtana são muçulmanos sunitas da seita hanafi, e eles consideram
que ser pukhtana é ser muçulmano. A New Opportunities está interessada em trabalhar entre
eles.
BAKHTIARI
Eles são uma conferação iraniana de tribos pastorais que vivem nas montanhas
Zagros no oeste do Irã. Os bakhtiari formam parte de uma grande cadeia de pastoralistas
tradicionalmente tribais que usam as pastagens mais férteis de áreas de inverno mais baixas
a oeste e as pastagens de altas altitudes nas Zagros no inverno. Estes povos são, do noroeste
para o sudeste, os curdos, os lur, os bakhtiari, os lur de novo e os qashqa’i e confederações
khamseh. Há um milhão bakhtiari, dos quais cerca de 200 mil ainda eram pastoralistas em
1970. O território tradicional deles fica entre os dois principais territórios dos lur entre
Ahvaz e Esfaham, e entre Arak e Shah-e Kord. Os lur estão dos dois lados deles e eles têm
contato com os qashqa’i em suas pastagens de inverno nas montanhas.
Sociedade
Os bakhtiari são de origem indo-européia e não turcomana. Suas tradições contam
como eles eram um povo com os Lur até cerca de 1500 anos atrás. Como vários povos tribais,
às vezes eles tiveram considerável influência em eventos na Pérsia, e eles forneceram forças
militares e ministros de governo. Eles capturaram Teerã sob a liderança de Haft Lang Shah
Sardar Assad e participaram nas reformas constitionais e a abdicacao do Shah Mohammed Ali
in 1909. Depois 1925, eles perderam suas influência devido a suas divisões internas.
O xá Reza Pahlevi (1925-1941) tentou destriur os bakhtiari e removeu a liderança tribal
por meio de execuções após a guerra civil em 1925. Desde então o relacionamento deles com os
qashqa’i têm sido tensos já que eles têm apoiado outras confederações tribais contra o estado.
Os árabes, lur e bakhtiari perderam grandes áreas de terra em suas pastagens de
inverno devido à exploração e o desenvolvimento de campos de petróleo. O segundo xá,
Mohammed Reza, tentou estabelecer os bakhtiari nos anos 60. Mas este plano falhou
devido ao solo pobre e à falta de recursos naturais para dar suporte ao estabelecimento da
223
agricultura. O xá tentou abolir as tribos em 1975, tratando os pastoralistas como
camponeses e portanto como clientes ou peões dos donos de terra. Seus pastos foram
confiscados e eles foram forçados a se estabelecer em pequenos lotes que logo ficaram
superpastoreados e superpovoados. xii
Os bakhtiari estão divididos em confederações haft lang e chahar lang, cada qual
possui várias tribos. Três quartos dos bakhtiari pertencem às tribos chahar lang de
agricultores estabelecidos nos vales das Zagros junto às comunidades camponesas
iranianas. Os haft lang são nômades pastorais. As vantagens econômicas do assentamento
nas aldeias e da mudança para as cidades estão atraindo muitos deles a abandonar a vida
árdua de nômade.
O poder político entre os bakhtiari sempre tendeu a ser descentralizado, tanto que
os líderes de grupos menores tomam decisões. Hoje é cada vez maior a lealdade à nação,
em vez de à tribo. Cada tribo consiste de linhagens, ou taifehs, mas suas unidades menores,
as sub-linhagens, ou korboh, e suas subdivisão, o mal, ou grupo de acampamento, possui
mais autoridade. O mal é formado por até 10 famílias aparentedas que migram juntas como
um acampamento ou formam uma aldeia. A família é a unidade que possui os rebanhos e a
terra. As ovelhas as capacitam a contribuir com a economia externa, mas o pobre faz o que
pode com um rebanho de cabras.
Nomadismo
Os bakhtiari têm seus alojamentos de inverno nas planícies do nordeste de
Khuzestan, onde centenas de seus parentes sedentários vivem como agricultores nas
aldeias. Os grupos nômades passam o inverno nas escarpas depois dos campos em tendas
de pêlos pretas. Em abril esta pastagem seca, então eles pegam as difíceis rotas sobre seis
cordilheiras, avançando gradualmente cada vez mais alto à medida que as pastagens
crescem com a vinda da estação mais quente. É uma jornada de cerca de 400 quilômetros, e
cerca de dois a três meses sãos gastos em migração a cada ano.
As pastagens de verão ficam nos vales no limite do planalto central do Irã, nas
províncias de Bakhtiari e Esfahan, onde os nômades permanecem até outubro. Os grupos
mais ao norte têm um terreno mais difícil e suas rotas são maiores, o que os leva a ter um
contato hostil com os lur e outras tribos, como também com pessoas estabelecidas. Os
grupos ao sul têm rotas mais curtas para as pastagens de verão, mas eles podem entrar em
conflito com os qashqa’i. Eles migram a partir desses acampamentos de verão no fim da
estação para retornar o Khuzestão para o inverno. Esta jornada é a mais difícil, porque toda
pastagem na rota já foi consumida. xii O filme "People of the Wind"xii mostra a migração. Em
2006, os bakhiari levam os rebanhos por caminhao.
As mulheres bakhtiari têm maior liberdade na vida nômade. Suas roupas declaram
sua identidade étnica e status social, e estrangeiras são proibidas de usá-las. O mundo
social é o acampamento, mas quando eles se estabelecem os limites físicos de áreas
cercadas e paredes de casa tornam a família uma unidade mais independente. Parece que
elas fazem menos mantas e teceduras de tenda do que outras mulheres nômades dessa
região.
Os bakhtiari se consideram descendentes do rei mítico Fereyedun que reinou sobre
o oriente médio e deu a Irã a um dos seus filhos. São bem conehcidos por sua música. A
língua bakhtiari é um dialeto do luri. Eles são muçulmanos shia como seus vizinhos os lur e
os qashqa’i; diferente dos curdos, que são sunitas. A New Opportunities planeja ajudar este
povo.
LUR, Lors ou Lori, Irã
Os lurs são um povo nômade pastoral, possivelmente de origem indígena pré-persa
como elamitas ou kassitas. Os nomes lur e lurs são preferidos a luri, porque luri se refere a
qualquer grupo cigano no sudoeste do Irã. Portanto, chamar os lur de luri é confundí-los
com os artistas de rua e acrobatas luti ou luri que trabalham com eles e se originaram,
provavelmente, na Índia muito mais tarde do que os lur. Os luti (veja em baixo) consideram
224
depreciativo serem chamados de luri.xii
Há 2,6 milhões de lur, e eles vivem nas montanhas Zagros, no oeste do Irã. xii Os
bakhtiari são um povo aparentado e provavelmente estão incluídos no total de 4,28
milhões. Eles são um elemento chave no grande sistema de pastoralistas nômades nas
montanhas Zagros do oeste do Irã. Estes podem ser listados vindos do sudeste com os
curdos no norte, seguidos pelos lur da província de Bakhtaran, e depois pelos próprios
bakhtiari. A sudestes deles estã os kuhgiluyeh, centralizados ao redor de Yasur, seguidos
pela confederação qashqa’i em duas áreas norte e sul da importante cidade de Shiraz. Mais
para o sul estão os khamseh e os árabes.
Em 1978, 50% deles eram pastoralistas, e em 2008 muitos ainda são. Eles estão
divididos entre três áreas:
As duas tribos luri na província Bakhtaran no noroeste são os ahmadvand e
harsini.
Os lur em Posht-e Kuh, próximo à fronteira iraquiana no oeste do Luristão,
totalizam 600 mil e consistem de tribos que são nômades com ovelhas como os tarhani,
jalalvand e hulailani.xii
As seguintes seis tribos: os boyr ahmed, bavi, bhmei, tayebei, doshmanziari
(mamassani) e choram estão na remota Kuhgiluyeh no sudoeste.
A origem dos lur é desconhecida e alguns sugerem que eles são descendentes do
povo original do Irã. Mas vários povos, como os árabes, curdos e turcos, se misturaram
nestas áreas. A primeira menção aos lur data do século 10. Como os vales são férteis para a
agricultura, o nomadismo tradicional dos lur parece ter sido forçado sobre seus ancestrais
no século 14 quando as invasões mongóis destruíram suas aldeias e campos terraceados. O
nomadismo deles, portanto, foi um mecanismo de defesa, para evitar contato com poderes e
invasores estrangeiros.
Esta independência dos lur persistiu até o xá Reza e seu filho, de 1925 a 1979. Um
estado de anarquia prevaleceu após a Primeira Guerra Mundial, mas o xá Reza desejava
modernizar e ocidentalizar o Irã, e ele considerava o nomadismo como retrôgrado. Quando
os lur se rebelaram, o exército do xá lutou contra eles no período de 1922 a 1933 e os lur
perderam. Os lur não têm os recursos ou posição a estratégica dos qashqa’i e assim não
tinham desenvolvido uma liderança política central. Suas tendas foram queimadas e as
tribos desarmadas e forçadas a usar um “uniforme” de roupas ocidentais. Eles foram
forçados a se estabelecer e lavrar até mesmo em suas pastagens de verão, o que foi
desastroso. A terra foi registrada de tal maneira que somente os khans mais ricos e outros
donos de terras a adquiriram. A maioria continuou a se opor ao regime do xá e à autoridade
de seus próprios khans, que tinham se beneficiados das políticas do xá. O resultado foi a
destribalização dos lur de forma que a aldeia local, e não a tribo, se tornou o centro da
liderança política. Muitos deles se mudaram para cidades como Khorramabad e Burujird, e
muitos agora são carregadores em Bagdá. xii
Durante a Segunda Guerra Mundial, muitos lur voltaram para o nomadismo. Mas
tarde as reformas agrárias durante os anos 60 acabaram com o monopólio dos donos de
terra para fazer uma distribuição mais ampla da terra. Mas a tribo boyr ahmed no sul, em
particular, sofreu com as reformas que converteram boas pastagens em terrenos agrícolas
indiferentes.xii A educação e a reforma agrária ecorajaram uma mudança para a agricultura
sedentária. Eles comercializam sua produção em duas cidades, Behbakaan e Ardekaan,
comprando o que eles não produzem com crédito a juros altos. xii A transumância ainda
ocorria nos anos 70. A maioria se estabeleceram nas cidades.
Os pish-e kuh, na parte oriental do Luristão, incluindo os baharvand, judaki, mir,
papi, qualvand e bairanvand. Inge Mortensen descreve estes grupos. xii Estes foram
forçados a se tornar agricultores estabelecidos, e eles se tornaram parecidos com os persas.
Eles vivem em aldeias entre outubro e abril na pastagem de terras baixas com algum cultivo
e pastagem para seus rebanhos por perto, mas em maio eles viajam por 25 dias, percorrendo
250 quilômetros até as montanhas para a estação seca até setembro.
A autopercepção dos lur está ligada a pertencer a uma sub linhagem, ou owlad, que
225
consiste de vários huna, ou famílias, que descendem de um ancestral comum.
Tradicionalmente a terra pertence a owlad, não às famílias. Estas linhagens foram
agrupadas como tireh, que costumava fornecer a liderança política dentro da tribo, que era
conduzida por um khan, que costumava controlar a terra de agricultura, a água e o pasto.
Nomadismo
Tradicionalmente, os lur usavam três tipos de habitação em suas migrações anuais.
Na primavera, abril e maio, eles viviam em tendas de pêlos de cabras negras chamadas siah
chador, mas no calor de junho a setembro eles usavam abrigos cobertos de galhos e folhas
chamados kula, que eram mais frescos que as tendas. Enquanto isso eles lavravam e
plantavam nas pastagens mais altas de verão. Em outubro eles novamente usavam suas
tendas. Contudo, para o inverno de novembro até o fim de março, eles e seus animais de
estimação se mudavam para casas de dois extemos chamadas zemga. Estas eram, em parte,
escavadas no declive de um monte, construidas de pedras grandes, e dois terços da área
eram coberta com galhos e placas de grama. Um terço, numa extremidade, era o alojamento
da família, e a outra extremidade coberta era para os animais. O terço central era um patio
coberto usado para cozinhar, abrigar pequenos animais e receber hóspedes. Ela geralmente
era coberta pela tenda. Plantações de trigo de inverno eram cultivadas nos vales próximos.
Cerca de oito bois e mulas eram usados para o transporte de uma família, e de fato, por um
certo tempo, os lur forneciam mulas para a maior parte do Irã. Mantas tecidas, cobertores,
alforges e outros itens também têm sido uma grande atividade. Alguns destes itens ainda
são usados pelos que estão no pastoralismo, dependendo da estação e da altitude.
Língua
Os lur falam dois dialetos semelante a farsi: o laki é falado pelos ahmadvand,
harsini, tarhani, jalavand, hulailani e bairanvand. Já o luri é falado pelos baharvand,
judaki, mir, papi e qualvand. A maioria dos homens são bilíngues em farsi-turco, mas as
mulheres falam somente luri ou laki. Seus valores de lealdade e bravura são extraídos do
islamismo e do folclore lur, incluindo contos de heróis do passado.
Religião
Os lur são em sua maioria muçulmanos xiitas, embora alguns sejam sunitas e outros
da seita Ahl-i haqq. Como o islamismo insista numa visão de inspiração do Corão palavra a
palavra, as escrituras islâmicas são consideradas autênticas só em árabe. Isto significa que
as pessoas que não falam árabe têm um conhecimento limitado do conteúdo do Corão. É o
caso dos lur – por causa disto e de seu isolamento geográfico, eles foram considerados
como necessitando de uma “reconversão” ao islã cerca de 150 anos atrás. Havia poucas
mesquitas e somente nas cidades. Como para outros no Irã, a comemoração do martírio de
Hussain e do infant ‘Ali Asghar, no mês de muharram, é importante para os lur. É quando
eles encenam a ta’ziya, ou peças da paixão, ou procissões. xii Somente a partir da Revolução
Islâmica é que uma tentativa séria foi feita para torná-los ortodoxos. A maioria dos homens
usa roupas ocidentais e as mulhers são encorajadas a abandonar seus turbantes tradicionais
e usar o hejab islâmico com um véu.
É comum eles acreditarem que Noé, Abraão, Moisés e Jesus receberão no céu
somente os que estiverem em tal peregrinação. A compreensão deles é que para ser aceito
por Alá, ter sucesso e evitar o mal, é preciso ganhar baraka. Isto ilustra uma característica
do islamismo popular na Ásia Central e Oriente Médio. Baraka é “graça divina”,
considerada, quase como um poder ou influência física, que é transferida pelo toque ou
possessão de objetos dotados com ela. As páginas no Corão, Muhammad e seus
descendentes, santos e profetas especiais, sultões e objetos em contato com eles, podem
todos transferir a graça às pessoas comuns. No Irã e Ásia Central, baraka está disponível
nos túmulos dos santos, sobre os quais imanzadek ou santuários são construídos. Eles
adoram líderes místicos e fazem peregrinações à suas tumbas. Os lur consideram
importante ser enterrados próximos a estes santuários, e caravanas costumam passar pelo
226
país para ajuntar todos os mortos recém enterrados para reenterrá-los em um dos santuários.
Roupas, velas, comida, rosários ou outros presentes são deixados no santuário para se
tornar dotados de poder com baraka. Certas árvores são consideradas possuidoras de
baraka, e roupas são deixadas penduradas em seus galhos. Os imãs rasgam bandeiras que
foram postas próximas a um santuário e vendem as tiras para os devotos. Se o pedido for
para cura, a tira será amarrada na parte apropriada do corpo. Em tudo isto o alvo é
apaziguar ou satisfazer o santo com a atitude: “Se me concederes tal graça ou solução, eu
vos farei isto ou aquilo”. Os seyyids, ou supostos descendentes do profeta, geralmente
vivem próximos a grandes santuários.
Alcance
Nenhum evangelismo foi feito entre os lur. Não há cristãos conhecidos entre os lur,
e a New Opportunities espera ajudá-los. A língua, que tem três dialetos, ainda não recebeu
a forma escrita. Uma tradução da Bíblia em lur é necessária. Uma gravação do evangelho
está disponível. Transmissões de rádio atualmente são a única maneira de atingir este povo,
e um programa de rádio logo pode estar no ar.
QASHQA’I ou Gashgai
Há 1,5 milhão qashqa’i na província de Fars e outras províncias ao norte, no sudoeste
do Irã, mas eles estimam que suas própria população seja de cerca de 2 milhões. Eles formam
uma confederação il-e qashqa’i, que é formada por umas 14 tribos e outros grupos afiliados. A
confederação qashqa’i data de cerca de 1600, quando Jani Agha Qashqa’i foi khan.
Os qashqa’i têm uma mistura de origens e sua confederação só teve a atual forma como
resultado de pressões políticas e militares externas e a formação do moderno Irã durante os
últimos 150 anos. Mas as tribos estão na região há séculos. Algumas delas se originaram no
Cáucaso, entrando no Irã no século 11. O tamanho das tribos qashqa’i varia de 1000 a 50 mil.
Em média uma tribo é dividida em 20 subtribos, cada uma com suas próprias tradições e
história. Eles se consideram turcos, em distinção aos persas e árabes ao redor deles. As
subtribos consistem de linhagens que em média são formadas por um número entre 15 e 50
famílias de talvez cinco ou seis indivíduos cada. As seguintes são as cinco principais tribos
conforme descritas por Lois Beck:xii
A tribo amaleh tem aproximadamente 45 mil pessoas, com cerca de 54 subtribos. O
nome significa “trabalhadores”, ou seja, os serventes de ilkhani e ilbegi, o príncipe supremo e
seu representante da confederação. Somente cerca de 500 deles são realmente parte da família.
Suas pastagens de inverno tradicionais estão próximas a Firuzabad e eles passam os verões em
Khosrow Shirin.
O nome dos darrehehuri, ou “povo do Vale Salgado”, se refere a uma área nas
montanhas que eles alegam uma vez terem confiscado para si mesmo do resto dos qashqa’i. Eles
eram 45 mil com 44 subtribos em 1960. Eles invernam próximos a Dogonbadan, noroeste de
Shiraz, e acampam no verão na parte mais ao norte do território qashqa’i próximo a Bakhtiari.
Os shish boluki são 35 mil com 40 subtribos, e o nome deles significa “Seis Famílias” –
provavelmente se referindo às seis seções tribais das quais eles foram originalmente formados.
Eles invernam próximos a Farrashband.
Os kashkuil borzog são 25 mil com 40 subtribos, e o nome deles se refere à tigela de
esmolas dos sufis. Eles podem ser uma divisão dos kalhor, que provavelmente se originaram
dos curdos ou lur. Muidos deles podem traçar suas raízes até a tribo mamassani dos lurs. Eles
podem ser encontrados no inverno próximos a Mahur-e Milati.
Os farsi maden parecem ter migrado da área de Teerã, primeiro para a região de
Kuhgiluyeh e então para o sul de Fars, para se juntar com seus camaradas turcos. Eles são
cerca de 20 mil pessoas, divididas em 21 subtribos de vários tamanhos. O nome deles
signifca “Aqueles que não sabem persa”, o que possivelmente implica na conservação de
sua independência em sua história primitiva quando eles vagavam pela Pérsia. Eles
compraram sua pastagem de verão em Padena dos basseri no século 19. A locação de
inverno deles é próxima a Jereh.
227
Há muitas tribos menores, como: os qarachahi, ou “Poço Negro”, que se acredita
ser um remanescente do primeiro povo turco a atingir Fars (3 mil a 10 mil) e se dispersar
entre outras tribos. A tribo kashkuli kuchek é formado de bakhtiari, curdos e grupos de Lak,
mamassani e boyr ahmad das tribos luri. Mas o grupo principal destas tribos menores é o
dos turcos n’afar, a mairoria dos quais pertenecem à confederação khamseh com os
basseri. Os kashkuli eram 4,3 mil nos anos 70. Os safi khani, “Os de Safi Khan”, são 4 mil
com 10 subtribos. Os namadi, ou “Tapete de Feltro”, são 7 mil. Há varias tribos ainda
menores.
Os quashqa’i, portanto, não são etnicamente homgêneos, e cada tribo afiliada tem
uma história primitiva vaga. Isto quer dizer que “qashqa’i” e “turco” em fars possui um
significado mais sócio-político, consistindo de afiliação àquela hierarquia política, em vez
de serem agrupamentos etno-lingúisticos.xii Como vimos, muitos qashqa’i são de origem
luri. Os grupos não turcos adotaram algumas características da cultura turca somente no
início do século vinte. Embora estas culturas não sejam uniformes, elas são suficientes para
distiguir os que são afiliados dos que não são. Ter pelos menos algums membros da família
comprometidos no pastoralismo nômades tem sido uma dessas características unificadoras.
Cada tribo, ou tayefeh, costuma ser liderada por uma família de khans que vivem
nas cidades, mas possuem grandes rebanhos cuidados por pastores qashqa’i. A il, ou
confederação, é liderada por um ilkhani. A maioria dos qashqa’i foram, ou são,
pastoralistas nômades que receberam o uso de suas pastagens em troca de sua fidelidade
política aos khans. O poder militar dos khans lhes proporcionou proteção contra outras
confederações e tribos na competição for uma área fértil e superpopulosa. O xá Reza
exilou, prendeu ou executou a liderança qashqa’i nos anos 30, confiscou seus pastos e
interrompeu seu nomadismo pela imposição do regime militar e códigos de vestimenta
sobre eles. O resultado foi que a liderança mais baixa se tornou mais ativa para defender a
identidade qashqa’i, com suas tradições lingüísticas e culturais.
Após a abdicação do xá em 1941, e depois a ocupação do Irã pelos Aliados, a
liderança qashqa’i reviveu o pastoralismo nômade. Nesta época o do gushi distintivo, ou
boné de feltro de “duas orelhas”, foi adotado como símbolo da independência qashqa’i.
Neste período uma escola e um hospital também foram fundados em Firuzabad. xii Nos anos
60, os khans e a elite rica conseguiram sua fortuna pela posse de grande parte da terra de
cultivo e da exploração dos agricultores não qashqa’i. Mas agora a polícia distribui as
pastagens e estabelece um prazo para as migrações. Por causa da influência da D.S.,
educação e outros benefícios chegaram aos qashqa’i sob o segundo xá.
Nomadismo
O território deles fica entre as tribos luri do Kuhgiluyeh a noroeste e a confederação
khamseh, incluindo os basseri e kordshuli, a sudeste. O padrão de migração deles é em
direção ao norte pelas montanhas Zagros entre as pastagens de verão dos lur e das
confederações khamseh. xii Os boyr ahmed dos lur kuhgiluyeh são os vizinhos mais
próximos, e os darrehehuri qashqa’i migram através do território deles. O território
qashqa’i é remoto e defensável, pelo menos até o dia que forem utilizados helicópteros de
combate. Shiraz é o centro da vida política qashqa’i e fica entre as áreas de pastagem de
verão e de inverno, por isso eles passam por ela duas vezes por ano.
Uma tireh, ou subtribo, é constituída por vários grupos de pastagem, definidos por
laços de parentesco e fidelidade a um cabeça ou kadkhuda, e geralmente recebe o nome
dele. Os qashqa’i migram entre pastagens de inverno nas planícies próximo ao Golfo
Pérsico e pastagens de verão nas montanhas Zagros no norte para o território norte e sul de
Semirom. As pastagnes de inverno ficam a noroeste e sudeste da cidade de Kazerun. Para
evitar a terra pantanosa devido à chuva e neve, os acampamentos de inverno deles ficam
espalhados pelo terreno mais alto entre as montanhas e a planície. Muitas vezes eles têm
que alternar seus rebanhos entre a planície e as escarpas. Eles usam tendas mais grossas
para o inverno que geralmente têm um cercado para os cordeiros sob cuidados. Os rebanhos
são colocados em cercados à noite por causa dos predadores e ladrões. Os qashqa’i têm
228
muitas dificuldades durante o inverno: muitos têm que pagar aluguel para os aldeões luri;
eles têm que carregar água das planícies para o alto e precisam comprar feno para os
animais passarem o inverno. A planície próxima ao Golfo Pérsico é também uma área de
pesado tráfego comercial e militar.
Na primavera, eles migram diagonalmente através das cordilheiras e vales férteis
das Zagros, já que as rotas ficam difíceis para os rebanhos em muitos lugares. Visto de
cima, esta paisagem mostra sua natureza ondulada de cordilheiras paralelas próximas
separadas por vales estreitos. Os aldeões na rota muitas vezes são hostis, guardando seus
campos. A maioria das tribos passa próximo a Shiraz. As pastagens de verão são altas nas
montanhas varridas por fortes ventos. Contudo, os qashqa’i que se estabeleceram
escolheram construir casas e aldeias ao redor de Semirom, achando mais fácil enfrentar os
duros invernos do que o longo período de calor e seca dos verões nas planícies de
“inverno” perto no Golfo.
Estas pastagens de verão agora são destituídas de vegetação que sirva como lenha,
por isso as meninas têm que pegar esterco para acender o fogo para cozinhar. Os campos
dos aldeões persas e luri invadem o território qashqa’i. Mas isto também significa que há
menos predadores como leopardos, lobos, hienas, raposas e ursos. Portanto fica mais fácil
guardar os rebanhos com apenas um pastor e cachorros. O verão é um período descontraído
para os nômades, comparado com o resto do ano. Contudo, eles precisam mudar o
acampamento várias vezes dentro do território da tribo ou clã e expulsar, ou negociar, com
intrusos à medida que a pastagem fica escassa.
Cada casa qashqa’i, ou oba, é independente para tratar de suas próprias questões
econômicas. Cada família tem um rebanho de cerca de 70 cabras e ovelhas. Os camelos são
mantidos como símbolos de status e para o transporte. Outras tribos na província de Farás
não criam camelos. Os clãs têm plantações de trigo e cevada em suas áreas de inverno ao
sul, e cultivam maçãs e vegetais nas áreas de verão ao norte, embora enviem os rebanhos
para as pastagens mais próximas. Eles se agrupam em aldeias ou acampamentos
temporários flexíveis, alguns dos quais formam grupos de pastagem para cuidar dos
rebanhos. Os qashqa’i são famosos como tecelões de tapetes.
Os qashqa’i sem rebanhos servem aos homens da tribo como pastores contratados,
guias de camelos, lavradores, e assim por diante, o que significa que eles permanecem
integrados na tribo e no pastoralismo nômade dela. Esta é uma situação diferente da de
outras sociedades pastorais, como os basseri ou lur, na qual os que são desafortunados a
ponto de não ter seus próprios animais têm que deixar as cidades e se tornar “nômades em
espera”. Os qashqa’i pobres conseguem permanecer como membros das tribos no
pastoralismo graças aos qashqa’i mais prósperos e porque são mais protegidos. Os qashqa’i
também não têm inibições acerca de serem pastoralistas e agricultores também. Isto
contribui para o poder de recuperação deles.
Sociedade
Um notável sistema de escola tribal foi iniciado por um qashqa’i, Muhammad
Bahmanbegui. Ele era o filho de um atendente da liderança dos ilkhani que só aprendeu a
ler e escrever porque seu pai era rico o suficiente para contratar um escriba. Ele foi
encorajado a estudar e se formou em direito em Teerã, e mais tarde estudou nos Estados
Unidos. Bahmanbegui era um tradutor de alemão, francês e inglês durante a Segunda
Guerra Mundial e se tornou um agente cooperador para o programa da USAID no governo
do segundo xá. Ele iniciou um programa de alfabetização qashqa’i em 1952, e depois outro
em farsi. O programa foi extendido pelo governo iraniano e pela USAID para dar uma
educação formal para os nômades com escolas tendas em cada subtribo qashqa’i. Havia
212 escolas em 1979, e algumas foram transformadas em edifícios permanentes para
famílias estabelecidas. Outras tribos dos lur também ganharam escolas. xii
Uma escola de treinamento de professores tribais em Shiraz foi fundada em 1957,
servindo a maioria dos grupos tribais. Uma escola secundária tribal com 1000 estudantes
229
foi fundada em 1967 com professores das forças de paz. Uma escola tribal de tecelagem de
tapetes e uma escola técnica vieram em seguida. Os estudantes lur reclamaram que havia
uma tendência de conceder os estágios para os alunos qashqa’i, e até mesmos os padrões de
tapetes ensinados estavam promovendo as tradições qashqa’i. Os cursos de treinamento em
habilidades obstétricas, paramédicas e paraveterinárias também foram estabelecidos.
Obstetras também trabalhavam entre as tribos.
Bahmanbegui tinha grande habilidade diplomática em convencer os chefes locais,
os qashqa’i ilkahni, os chefes de outras tribos não qashqa’i, o governo iraniano (já hostil às
tribos) e a administração da USAID a cooperarem todos juntos nesses projetos. A
participação local era essencial para o sucesso. Os professores tinham que ensinar a história
e o resto do currículo persa em vez da história tribal. Alguns dos livros eram taduções
diretas dos livros americanos, incluindo ilustrações da vida da família americana de classe
média! A educação tinha pouco ou nenhuma relevância para uma vida rural ou pastoral
nômade, diz Lois Beck, porque Bahmanbegui pensava que a vida tribal iria eventualmente
acabar.xii Por alguma razão ele encorajava as mulheres a usar roupas tradicionais mais
elaboradas, mas os homens a se vestir como persas moradores da cidade.
Contudo, naquela época, as reformas agrárias do xá favoreceram os agricultores não
turcos. O que significa que muitos dos pastos qashqa’i foram convertidos em terras de
agricultura, mesmo nas áreas além do alcance dos suprimentos de água da aldeia. Setenta e
cinco por cento da terra não cultivada, incluindo a maior parte das pastagens dos nômades,
foi apossada pelo governo. A irrigação para os campos foi ampliada com bombas
motorizadas que aprofundaram o lençol de agúa e causaram dano ambiental. Os lideres da
confederação foram demitidos ou exilados, e as tribos e subtribos ficaram sob liderança
policial. A pastagem foi então alocada pela polícia, com os nômades sendo forçados a ficar
em pequenos terrenos para a estação, sem levar em consideração a superpastagem, o
tamanho do rebanho, e coisas assim. Criadores de gado comercial persas e pastoralistas
aldeões não qashqa’i receberam permissão para usar a pastagem primeiro a cada estação.
Durante os anos 70, de 30 a 40% do povo se estabeleceu, e 50 áreas de
assentamento próximas a novas indústrias foram estabelecidas. Em 1975 as tribos foram
“abolidas”, e os nômades tiveram que se inscrever para obter licensas de pastagem. Eles
foram colocados em último lugar nas listas de espera, depois de outros utilizadores de terra.
A terra e os direitos de pastagem foram distribuídos para cerca de 25 mil famílias
individuais pelo governo pré-revolucionário, em vez de serem concentrado nas maõs de
chefes, e os clãs foram desarmados nos anos 70.
Após a Revolução Islâmica de 1979, os qashqa’i anticlericais apoiaram a mudança
de governo. Nesta época os qashqa’i eram o grupo tribal mais bem armado. Isto fez com
que conseguissem de volta os pastos confiscados pelo xá. Durante este período os preços da
carne e do leite subiram, tornando o pastoralismo mais atrativo até para aqueles que tinha se
estabelecido. Estima-se que cerca de 25 mil pessoas ainda sejam nômades. Eles são xiitas
moderados, mas poucos são muçulmanos praticantes. Sua capacitade política e militar,
junto com sua prática religiosa relaxada, quer dizer que eles não têm a simpatia do estado
teocrático. Logo no início da Revolução o governo tentou remover os ilkhani, Naser Khan,
e a resistência qashqa’i foi revivida, novamente com o do gushi como um simbolo de
oposição. O líder qashqa’i Khosrow Khan Qashqai voltou para Irã. Porém em pouco tempo
ele foi preso e executado em públic por promover uma revolta contra a Revolução.
A Revolução Islâmica baniu a educação conjunta de rapazes e moças e impôs
roupas islâmicas, desencorajando as meninas a ir à escola. Na cidade qashqa’i as mulheres
tinha que usar o chador negro (a vestimenta usada pelas mulheres muçulmanas), mas elas
claramente se distinguiam por suas roupas alegremente coloridas que apareciam sob o
chador! A Revolução também proibiu musicas e danças qashqa’i.
De 1980 a 1982, a Guarda Revolucionária atacou os rebeldes qashqa’i e seus
aliados bakhtiari nas montanhas com tanques e helicópteros armados. Batalhas chaves
ocorreram em Farrashbad na primavera de 1981, e em Jahrom no verão de 1982. Após dois
anos de resistência, os líderes foram traídos e a revolta chegou ao fim. xii A Revolução
230
provou estar inclinada contra os não persas tanto quanto os xás tinham sido, restringindo a
expressão política e cultural dos povos tribais.
O futuro parece ser difícil para os qashqa’i, como é para outros pastoralistas
nômades nas montanhas Zagros. O nomadismo deles está sendo restringido pela doação da
terra aos agricultores para o cultivo, mas muitos ainda são nômades no século vinte e um.
Eles superaram dificuldades muitas vezes antes. Eles precisam de ajuda médica e
veterinária.
Embora eles se autodenominem “turcos”, a maioria dos qashqa’i estabelecidos são
bilíngües em farsi e falam bem esta língua. Mas a língua deles é algo próximo ao
azerbaijano, falado por cerca de 200 mil pessoas. xii Não há cristãos entre os qashqa’i.
Alcance
A New Opportunities planeja ajudar este povo. Há várias transmissões de rádio da
FEBA e TWR, diariamente em farsi, mas nenhum dos programas e nem as Escrituras estão
numa língua qashqa’i e a recepção parece ser difícil. A tradução da bíblia na parte sul de
Azeri está em progresso e vai satisfazer uma necessidade ali. A Bíblia Farsi está disponível
desde 1994.
As famílias de kowli ou qorbati ou ghorbati se juntam a alguns dos bandos qashqa’i
como ferreiros, ou mascateam panelas e potes entre os grupos pastorais e de aldeões.
Confederação KHAMSEH, Irã
A confederação khamseh, ou “Cinco Juntos”, tem cerca de 100 anos e é formada por
tribos jabareh (13 mil) e shaibani (16 mil), as tribos turcas ainalu ou inallu (uma tribo afshar
turca de 5 mil pessoas), os baharlu (7,5 mil) e n’afar (3,5 mil), bem como as tribos iranianas
basseri e kordshuli (veja abaixo). O nome foi atribuído em 1860 provavelmente em erro. Lois
Beck diz que esta confederação foi formada para se opor ao poder político dos qashqa’i. O
nome é da província e usado para os tapetes produzidos. Não se sabe se ela se dispersou, ou se
essas tribos ainda são entidades separadas. Os n’afar e inallu estão a oeste, os baharlu no centro
e as tribos árabes no leste.
BASSERI
Há 16 mil or ‘2 ou 3 mil tendas’ deles ou mais na província Fars, sudoeste do Irã,
que formam parte da confederação khamseh. Eles são um povo iraniano, que fala o dialeto
shiraz de Dari, e não têm tradição de ter migrado para fora da região. Eles foram forçados a
se estabelecer no governo do xá Reza, mas após sua abdicação em 1941 muitos retornaram
à vida nômade. O interessante é que começaram o padrão de migração sem qualquer
animal, o estilo de vida é mais importante para eles do que o pastoralismo. Eles criam
ovelhas e cabras para vender carne e lã nos mercados, mas eles possuem cavalos, burros e
camelos como animais de carga.
Nomadismo
Os basseri enfatizam a auto-suficiência de cada família, cada qual tendo cerca de
cinco ou seis pessoar por tenda, ou khune. A família possui animais e forma a unidade
social básica. Uma família tem que possuir um rebanho mínimo de cerca de 60 ovelhas e
cabras para se sustentar, mas a maioria possui 100 ou mais. De duas a cinco tendas seguem
juntas e cooperam, de forma limitada, no pastoreio e na tirada do leite. Contudo, estes
grupos de pastoreio não são necessariamente aparentados e só permanecem juntos enquanto
os cabeças das famílias assim decidirem. Se eles não concordam nas decisões o grupo
rapidamente se desfaz.
A principal rota de migração tradicional deles, ou a il-rah, a estrada tribal, têm
cerca de 500 quilômetros de extensão e entre 30 e 80 quilômetros de largura, passando a
norte entre o sul da cordilheira Zagros e o deserto próximo ao Golfo de Hormuz. xii Suas
pastagens, poços e passagens são reconhecidas como propriedade do povo e eles precisam
estar em jornada por três meses no ano. Os basseri são nômades autênticos, às vezes
231
levantando acampamento todos os dias. A tenda, em média, é montada e desmontada cerca
de 120 vezes num ano. xii Os acampamentos ficam dispersados por cerca de três quilômetros
um do outro nas cordilheiras e escarpas logo acima da planície costeira ao redor de Lar para
evitar a lama.
Na primavera a saúde das ovelhas rapidamente deteriora à medida que a
temperatura sobe, por isso o ciclo migratório é necessário para manter a saúde dos rebanhos
dos nômades, além, é claro, da sua necessidade de pastagem.xii Os basseri se agrupam para
migrar na planície Benaron-Mansurabad, entre Jahrom e Lar, em nowruz, o ano novo persa,
ou 21 março. Neste dia eles se reúnem usando roupas novas e cumprimentam uns aos
outros, e os atos rotineiros de preparar e levantar acampamento adquirem um significado
especial de antecipação da jornada que farão juntos. Vários grupos de pastoreio acampam
juntos na migração para formar um oulad de 10 a 40 tendas, geralmente de famílias
relacionadas. O oulad é conduzido por um “barba grisalha”, mas ele toma decisões
consultando cada cabeça de família para que haja unanimidade. O “barba grisalha” não tem
autoridade para tomar decisões sozinho, e a decisão pode ser influenciada por quantos dos
cabeças de famílias tiverem parentesco.
Eles migram sobre os desfiladeiros, passando próximo a Khafr e Shiraz,
onde muitos basseri sedentários vivem na pastagem de primavera em crescimento de vários
vales. No nordeste de Shiraz alguns grupos passam por Takhte Jamslid, as ruínas de
Persépolis. Cruzando o rio Kur, eles podem ter contato com as tribos qashqa’i e árabes
também atravessando o rio, mas normalmente eles não têm nada a ver uns com os outros, a
não ser quando buscam por animais perdidos. Além do rio as divisões tomam rotas
diferentes até que atinjam o parte superior do vale Kur ou sobem mais, para o Kuh-i Bul a 4
mil metros para passar o verão. Eles ocupam estas pastagens em altas altitudes, que
fornecem uma situação pastoral ideal no verão. A jornada de retorno no outono é mais
rápida já que a maior parte da pastagem está seca e geralmente são usados caminhões.
Sociedade
A unidade maior dos basseri é formada por 12 linhagens, ou tira, com sujeição aos seus
chefes ou khans. Os khans não tomam parte na vida nômade, mas resolvem disputas,
especialmente com outras tribos. O poder autocrático do khan pode intervir diretamente em
qualquer família ou acampamento, passando por cima do “barba grisalha”. Alguns dos basseri
nômades possuem campos, ao longo da rota, que eles alugam dos aldeões para plantar. William
Irons descreve como os basseri mais ricos muitas vezes investem na terra em vez de encarar as
perdas sofridas com a contratação de pastores e com o roubo. Os basseri pobres tendem a se
estabelecer, sendo incapazes de se associar com outras casas, ou se tornam pastores para outros
basseri. Ambas as direções levam ao sedentarismo, em vez de desenvolver um pastoralismo
auto-suficiente.
Há outros grupos de basseri: os bugard basseri ficam situados a oeste dos qashqa’i no
noroeste de Fars, e eles migram paralelamente aos qashqa’i. Os isfahan (ou esfahan) basseri
são um grupo que desertaram do corpo principal no fim do século 19 e migram passando o
inverno na planície de Yazd-Isfahan e o verão próximo a Semiron ou Yazd-e Khast. Um grande
grupo no deserto a leste de Teerã é reconhecido pelos basseri como possuindo parentesco com
eles.
Religião
Os basseri são muçulmanos xiitas e parecem conhecer os princípios básicos do Islã,
mas eles seguem menos os rituais e costumes do que outros povos vizinhos. Eles não possuem
especialistas em rituais ou religiosos na tribo. Eles confundem o calendário islâmico e oram
sozinhos e de forma irregular, e não costumam observar o Ramadã. Durante o período dos xás
eles tinham pouco interesse na religião, com exceção do clã il-e khas que tinha vivido na área de
Isfahan por 100 anos e que são considerados rigorosos demais. Esta situação pode ter mudado
desde a queda do xá. O calendário persa ou solar é mais importante para eles do que as festas
islâmicas porque eles organizam suas migrações por ele. Barth descreve a cerimônia de
232
casamento.xii Eles têm vários tabus que parecem não ter explicação racional. A crença no mal
olhado é difundida, fazendo distinção entre inveja consciente que é ineficaz e inveja
inconsciente que geralmente parte de alguém próximo à família. Eles acham que sal, espelhos e
objetos amarrados por uma criança ou animal servem para transformara inveja inconsciente em
consciente, e portanto inofensiva.
Os grupos ghorbati, qorbati ou kurbat viajam com os basseri.
KORDSHULI, Província de Fars, Irã
É uma tribo da confederação khamseh com basseri e ‘arab, ou as tribos árabes. Os
kordshuli têm varias tradições acerca de sua origem, como a de terem entrado na Pérsia
antes de, ou com, os qashqa’i. Outras tradições os consideram como um grupo que é fruto
de uma divisão dos qashqa’i ou grupo bakhtiari, esta última parece mais provável já que
eles falam o dialeto lur de Farsi e não o turco dos qashqa’i. Pelo menos duas tirehs, ou
seções, já foram seções bakhtiari. No início do século vinte, eles eram uma tribo
independente. Eles foram considerados parte da confederação khamseh de 1943, mas eles
não conseguiram formalmente reconhecimento como membro até os anos 70 e o poder
político ficou concentrado nos líderes das seções.
Na metade dos anos 70 eles eram 353 casas, das quais 296 eram nômades ou 1,7
mil nômades. As 57 casas estabelecidas eram de donos de terra ou trabalhadores agrícolas
que viviam na área de pastagem de verão e ainda estavam integrados à estrutura tribal. Os
kordshuli consideram os sarhad, ou a área de pastagem de verão no norte de Fars, como
sua terra natal, ou vatan. Trata-se do vale Shadkan e fica a 120 quilômetros a norte de
Shiraz. Eles possuem aldeias, a maior delas é Khongesht, estabelecida nos vales – embora
os invernos sejam severos demais para se manter as ovelhas lá. As plantações de trigo e
cevada são importantes para o pão e o feno respectivamente. Beterraba e outras plantações
são cultivadas para a venda.
Nomadismo
Durante o verão, a maioria nômade leva suas ovelhas para próximo das pastagens
da montanha, diariamente, e o tempo deles é produtivo em termos de produção de tapetes.
No verão eles vivem numa hajir, ou tenda leve, aberta no lado sul. Os kordshuli mais
pobres não migram, mas invernam na vatan, mantendo seus animais pequenos em abrigos,
mas eles passam o verão acampando com seus parentes nômades. Os nômades migram com
o início da estação fria em setembro.
Os kordshuli não se sentem em casa nas pastagens de inverno a uns 250
quilômetros ao sul. As seis seções tribais deles, ou tirehs, invernam bem distantes umas das
outras, acampando nas montanhas a cerca de 1000 metros de altitude, próximo a
Mobarakabad e Jahrom, sul de Fars. Nesta área eles competem pelos pastos mais baixos
com os qashqa’i, ‘arab, basseri e o povo kuhaki de pastoralistas nômadeas locais, que
vivem em tendas ali o ano todo. A polícia tem que arbitrar as disputas. Eles passam o
inverno em seu chador, ou tenda preta crespa de pelo de cabra com muros de pedras soltas
ao redor da base. Uma parede feita de suprimentos da casa divide o interior - metade é
usada para cordeiros e cabritos, e medate para a família. São colocados tapetes ou piso de
calhau, e a posição mais honrada para um convidado é se sentar de costas para a bagagem
no centro. O acampamento, ou beilah, é formado por parentes próximos e mais distantes
que compartilham o mesmo pasto. Os membros se referem uns aos outros como hamsayeh,
ou a mesma sombra, mas cada “família / tenda”, ou huneh, é economicamente independente
e eles tendem a cooperar somente em conduzir as tropas de animais na migração e na
escavação de poços.
A migração de primavera começa no ano novo iraniano, é um tempo de alegria para
a maioria dos povos nômades. Os kordshuli carregam seus burros e os conduzem entre duas
fogueiras como um “portal” simbólico para o ano novo, e eles consideram que dá azar
voltar o olhar para o lugar do acampamento de inverno. A rota de migração deles, que é
compartilhada com os basseri, os leva a atravessar a planície onde agora há muita
233
agricultura com irrigação e menos pasto, e os animais ficam fracos por ser levados para
além dos campos plantados. O roubo de animais, de outros nômades e de agricultores
locais, também é um problema constante. Eles têm que viajar pela margem da rodovia
Shiraz-Esfahan, que têm um tráfego pesado. A migração leva de 30 a 50 dias. Na jornada
de volta em setembro eles podem encontrar restolho para alimentar as ovelhas.
Os homens pastoreiam, fazem a tosquia, costuram e ajuntam lenha. Quando está na
adolescência, o filho fica responsábel por todo o rebanho. Eles preferem o casamento com
primos de primeiro grau, e a maioria dos casamentos ocorre pelo menos dentro do mesmo
tireh. O casamento levirato também é uma obrigação. Quando um homem se casa o novo
casal vive com seus pais por cerca de um ano, mas muitos continuam. As mulheres são
responsáveis para cozinhar, tirar leite e produzir laticínios, como iogurte, leitelho, bolinhas
de coalhada, manteiga clarificada e soro de leite. xii Não se sabe de nenhum contato cristão
com eles.
KOMACHI
No sul do Irã, este é o elemento pastoral de um grupo maior de cerca de 120 casas
de umas 550 pessoas, nos anos 80. O nome possivelmente vem de komaj-i, que significa
“parecido com o pão”, se referindo às ofertas de pão sem fermento que eles ofereciam a um
emir. Segundo sua tradição eles são descendentes de três linhagens distintas de diferentes
partes do Irã, que formavam uma tribo no início do século vinte. Um terço deles, de acordo
com um levantamento de Bradburd, veio de outras comunidades pastorais que desde então
se desintegraram.xii A locação deles é a região de Kerman, sul do Irã, que faz comércio de
xales de caxemira e tapetes de lã com a Europa desde o século dezessete.
Nomadismo
O comércio internacional fez com que os komachi mudassem a composição dos
rebanhos para ovelhas no final do século vinte. Eles costumavam usar camelos como animais de
carga, mas hoje eles alugam caminhões e usam motocicletas em vez de cavalos. Os komachi
também prosperaram com a alta dos preços do petróleo nos anos 70, pois isto resultou num
padrão de vida mais elevado para a população do Irã e maior consumo de carne de carneiro. Os
preços da carne subiram enquanto que os preços dos grãos ainda estavam controlados. Kerman é
uma região muito pobre, e os rebanhos demoram três vezes mais para se reproduzir, na
pastagem escassa, do que os rebanhos dos turcomanos yomut no norte do país.
A pastagem de inverno deles, que eles chamam de garmsir, está situada na
planície próxima ao golfo de Hormuz, nos arredores da cidade de Manujan, 110 quilômetros a
leste do maior porto naval de Bandar Abbas. Eles têm ocupado esta área durante os invernos
desde 1960, quando os acampamentos de inverno anteriores deles em Jiroft ficaram cheios
demais – uma mudança de quase 200 quilômetros. Nos anos 70, o governo conseguiu aplacar o
banditismo e a malária na região. Agora há uma produção intensiva de tâmaras, laranjas e
limões para Teerã e outras cidades do norte. Na teoria, a terra além dos campos irrigados das
aldeias é estatal e aberta a todos que recebem permissão para pastoreação. Na prática, as
permissões são limitadas àqueles que possuem capital para perfurar poços e desenvolver a terra.
Os cordeiros e cabritos nascem em novembro e inicialmente o leite é dado a
eles, até que gradualmente sejam desmamados para que o leite possa ser destinado para a
produção de laticínios. As primeiras e últimas chuvas em dezembro e fevereiro afetam o volume
e a quantidade da produção de leite. Em fevereiro, as mulheres ficam ocupadas o dia todo
tirando leite, fazendo iogurte e manteiga batida. A área é árida demais na primavera e quente
demais para o pastoralismo efetivo.
Em abril, eles migram 300 quilômetros em direção ao norte para as montanhas
Zagros. Os rebanhos demoram 30 dias para a árdua jornada dos 100 metros de altitude das
pastagens de inverno para os 3 mil metros. Como os vales pelos quais eles passam já foram
pastados o inverno todo pelos animais dos lak, lurak e outras tribos, os komachi não podem
demorar na jornada. Estes vales são ligados por um uádi chamado de o “Rio dos Ladrões”, e
depois mais acima por outro chamado de “Desfiladeiro de Morte”. Eles têm que atravessar o
234
vale Esfandagheh, onde há tribos lori e luri que migram somente dentro do vale. Os komachi
podem comercializar tâmaras que eles trouxeram da planície litorânea para vender. Após cruzar
uma passagem na montanha a 3 mil metros, eles chegam nas pastagens de verão.
Os komachi sentem que sua sarhad, ou pastagens de verão em Kerman, é sua
“terra natal”, onde eles são relativamente livres da interferência do estado. Logo após chegarem
lá, pelo início de junho, a produção de laticínios começa a desacelerar e o trabalho muda para a
confecção de tendas de pêlo de cabra e bolsas. O verão é o tempo para ritos de passagem e
outras cerimônias. Negociações de casamentos em especial tomam a atenção de todos, até
mesmo dos que não estão envolvidos – como se estivessem assistindo uma novela, sugere
Bradburd.
Os acampamentos são chamados de ehshams, ou “comitivas”, e
consistem de 3 a 12 casas em tendas. Aqueles que se juntaram aos grupos mais recentemente
servem como pastores contratados por alguns anos e, junto com os que perderam seus rebanhos,
continuam como uma classe mais baixa, cujas tendas são montadas separadamente e são mais
inferiores em tamanho e qualidade. O relacionamento entre estas duas classes é tenso, já que a
maior parte do trabalho é feito pelos pastores contratados, ainda assim eles continuam a ficar
mais pobres e são tratados como socialmente inferiores, enquanto que os proprietários têm uma
vida relativamente folgada, desfrutando de uma dieta melhor e de mercadorias importadas.xii O
ciclo de migração fecha com a jornada de outono, com os rebanhos sendo conduzidos primeiro.
As famílias dos proprietários dos rebanhos seguem em caminhões alugados, levando só dois
dias de viagem.
Religião
Os komachi são muçulmanos xiitas e acreditam que pra ser um komachi é preciso ser
um pastoralista nômade, mas para ser um ser humano ou uma pessoa de verdade o indivíduo
tem que ser um xiita. Eles falam farsi, por isso as traduções da Bíblia disponíveis são
adequadas.
AFSHAR
Há 290 mil afshar na província de Kerman, com cerca de 40 subtribos de
pastoralistas na região de Baft, Bann, Jiroft, Kahnooj e Sirjan. Há 5 mil no Afeganistão. Os
afshar são o maior grupo vivendo num grande território a oeste e sudoeste de Rafsanjan, e
eles migram para o sul até Bolook Orzooyeh no inverno e norte de Bolook Aghtae para o
verão. Eles são de origem turca e falam afshari, língua próxima ao azeri do sul. Não há
testemunho cristão entre eles, porém há uma gravação do evangelho em fita de audio na
língua deles.
BALUCH ou Balochi
O Baluchistão cobre as partes adjacentes do sudeste do Irã, Afeganistão e oeste do
Paquistão. Há cerca de 15 milhões de baluch, incluindo 8 milhões que correspondem a 3%
da população do Paquistão e 4 milhões em Irã. xii Os baluch parecem ter sido formados a
partir de vários povos diferentes, e a evidência histórica para o povo atual remonta apenas
ao século 17. Houve, contudo, outros grupos mais antigos em outras partes do Irã com o
mesmo nome. O governo persa só começou a controlar a região no fim do século 19, e
muitos baluch fugiram para o Turcomenistão. O xá Reza baniu a língua baluch e os
subjugou com força militar.xii
Eles são unidos pela língua e uma cultura comum, e o nome baluch tem a conotação
de um pastoralista nômade que vive em tendas, embora a maior parte deles nunca tenha
vivido assim. Os baluch praticam diferentes combinações de agricultura e pastoralismo –
alguns são agricultores estabelecidos, alguns são agropastoralistas seminômades, e cerca de
25% ou 650 mil deles, são nômades genuínos. xii A variedade de ambientes os têm induzido
a adotar uma variedade de estilos de vida entre agricultura e nomadismo.
Nomadismo
235
Os baluch são gregários e valorizam a família extendida dos parentes de seu pai e mãe
para fornecer uma rede de relacionamentos. Eles gostam de estar num acampamento e vários
grupos de pastoreio podem acampar juntos se o pasto e o suprimento de água permitirem. O
grupo de pastoreio, ou halk, geralmente consiste de famílias relacionadas, mas podem incluir
outras também. As necessidades práticas de pastoralismo e outras fontes de renda limitam o
tamanho do grupo de pastoreio. Os grupos nas planícies tendem a ser maiores, tendo talvez 10
casas, cada qual com rebanhos menores de 16 animais porque eles também são capazes de
explorar outras fontes de renda. Na planície Sarhad no norte, os grupos são menores, com umas
três casas, mas cada família possui um rebanho de cerca de 40 animais. Os camelos são poucos
e mantidos só para carregar o equipamento do acampamento.
As ovelhas e cabras pertencem a cada casa, e a halk está organizada com base num
contrato não escrito, ainda assim formal, com um shwaneg, ou pastor, que supervisiona os
rebalnhos do conjunto de famílias e é pago em espéice ou em dinheiro. O pastor pode ser um
membro de uma das famílias, do halk ou um alguem de fora. Este acerto deixa os outros
membros do halk livres para formar grupos de trabalho para compartilhar de outras tarefas,
como plantio, reparação de cabanas ou represas, cuidado com os camelos, visita a mercados ou
vigilância do acampamento.
Os casamentos geralmente são arranjados quando a noiva só tem alguns dias de vida. Os
estrangeiros são vistos como uma ameaça, e por esta razão os baluch são relutantes em se
estabelecer em aldeias. A herança é dividida igualmente entre filhos e filhas. As mulheres nunca
deixam o acampamento e trabalham juntas carregando água, cozinhando para os visitantes,
cuidando das crianças, cardando, fiando e tecendo lã.xii Alguns nômades são mais prósperos do
que os baluch sedentários.
O Baluchistão é dividido em várias zonas diferentes, mas todas têm chuvas
imprevisíveis. Oito por cento no Irã são agricultores em oásis com criação seminômade de
animais. Ao norte, no planalto Sarhad a 1,5 mil metros de altitude, geralmente há chuva
suficiente para prover pastagem para ovelhas e cabras e também para o cultivo de plantações.
No norte, os baluch estão organizados em tribos enquanto que no sul eles têm uma sociedade
hierárquica feudal.
No norte há quatro tribos principais: os rigi, ismailzai, gamshadzai e yarahmadzai ou
shah nawazi.xii O sufixo –zai significa “descendentes de”. Os baluch yarahmadzai são cerca de
5 mil e vivem no planalto Sarhad.xii As três seções territoriais da tribo estão divididas em cerca
de 60 linhagens conduzidas por cabeças, que têm a maior parte da responsabilidade política. O
cultivo de grãos e plantações de tâmaras em seus três oásis suplementa a economia, mas tem
que ser acrescido por caravans para buscar grãos. Os não tribais ou antigos escravos cuidam do
cultivo, já que os yarahmadzai acham que o trabalho manual está abaixo de sua dignidade.
Os yarahmadzai invernam em acampamentos de tendas fixos, mantendo os animais
aquecidos colocando as ovelhas e cabras em tendas e pondo corbertoes sobre os camelos. De
março a maio, eles fazem até dez excursões para pastorear os rebanhos e encontrar grama
fresca. Durante o verão, muitos dos homens, como proprietários ou como trabalhadores, viajam
a alguma distância para a colheita de grãos. Então, de agosto a outubro, assim que possível
deixam os acampmentos e rebanhos no planalto para viajar 160 quilômetros descendo para a
Hamun-i Mashkel Basin, para polinizar e colher tâmaras em seus pomares.xii
No sul do Baluchistão a vida política e social está, ou estava, nas mãos de uma elite não
baluch. Os nômades historicamente serviram as forças militares nas disputas de poder com as
cidades ou oásis. Os oficiais paquistaneses agora substituem o poder da elite. Os baluch formam
uma classe de pastoralistas e agricultores independentes no meio da sociedade, entre a elite e
uma casta de trabalhadores servis ou antigos escravsos. O vale do rio e as planícies têm
fazendas espalhadas usando irrigação. Estes fazendeiros são chamados shari, em contraste com
o termo balluch, que é reservado para os pastoralistas. Os baluch possuem tribos, ou kom, mas
estas têm pouca autoridade de verdade, comparada com os cabeças locais e seus protetores entre
a elite.
A parte sul do Baluchistão tem três regiões distintas: o sudeste, o centro-sul e o
sudoeste. Além destas está a região costeira Makran, onde vivem os pescadores baluch.xii Ao
236
sudeste de Sarhad fica a parte mais baixa, o vale do rio Saravan, que segue esse padrão, onde os
baluch estão estabelecidos e cultivam campos e plantações de tamareiras e também são
pastoralistas de ovelhas e cabras.
A parte sul do Baluchistão não tem acesso ao Mar da Arábia por causa das escarpadas
montanhas Makran, e a água da pouca chuva que há, têm que ser capturada em açudes
temporários. Cabras e tamareiras são as únicas fontes confiáveis de subsistência. Um
acampamento é formado pelas tendas das famílias do grupo de pastoreio, ou halk, posicionado a
pequenas distâncias de uma fonte de água na superfície e seus pequenos terrenos cultivados.
Estes terrenos são formados por sedimentos coletados em uádis represados, e eles têm que ser
irrigados diariamente com o escasso suprimento de água disponível. Ali cada família pode
plantar algums tamareiras, pesegueiros, cebolas e romãzeiras, como meios de subsistências
suplementares ao pastoralismo. Os padrões de migração no sul são mais irregurares do que em
outros lugares. Eles tendem a se locomover entre suas áreas mais férteis e as relativamente
férteis, onde eles têm pequenos terrenos de terra de cultivo compartilhados, e estes formam os
pontos fixos em suas migrações à medida que eles tentam encontrar pastagens criadas pelo
cheias repentinas e chuvas irregulares.
As chuvas de dezembro a fevereiro e os acampamentos baluchi têm que ficar afastados
dos leitos dos rios, por causa das cheias repentinas, e estar prontos para migrar na primavera
para explorar a nova pastagem. Trinta ovelhas e cabras, e um camelo ou burro de carga por
acampamento em mudança são o suficiente para uma família sobreviver, mas na primavera o
acampamento tem que ficar próximo da pastagem, para que se possa tirar leite das ovelhas duas
vezes por dia. Muitos dos nômades têm um acordo de fornecer manteiga para os baluch
agricultores em troca de tâmaras e grãos. No outono, as cabras são levadas para longe do
acampamento com alguns membros da família, enquanto o resto da família se muda para uma
aldeia para a colheita de tâmaras. Em Makran, os nômades também podem ajuntar os núcleos
brancos das tamareiras silvestres anãs.xii
Na região sudoeste do Baluchistão está a grande depressão Jaz Muriam que atravessa a
região por 400 quilômetros e contêm deserto e pastagem. Ali os baluch adotaram o pastoralismo
de camelos, e eles criam alguns dos camelos mais velozes do mundo, que são capazes de atingir
40 quilômetors por hora por uma hora ou mais.
Outros trabalham dirigindo caminhões, plantando nos vales dos rios e pescando no
litoral, e muitos se empregam em Karachi, Bahrain, Emirados Árabes Unidos, Quênia e
Tanzânia. Eles têm bastante influência política no oeste do Paquistão. A maioria dos baluch do
Afeganistão sempre foi nômade ou voltaram para o nomadimso a partir da guerra civil de
1978.xii
Religião
Os baluch são muçulmanos da seita hanafi. A maioria deles tem fé nos pirs, ou “santos”
e em seus descendentes, que eles acreditam terem alcançado união com Alá pela experiência
mística, obtendo poder espiritual por longos períodos de jejum para mortificar os desejos
carnais. Eles tendem a ser independentes da instituição islâmica oficial.xii O pir tem poder para
curar, salvar da seca, ou derrotar os inimigos humanos ou espíritos malignos. Os pirs vão visitar
seus clientes ou seguidores regularmente e recebem muitos presentes. Na parte sul do
Baluchistão, o zikrismo é comum. Trata-se de uma seita que considera os ensinos de um mahdi
do século 16, Syed Mahmud, como superiores aos do profeta. Os sunitas os perseguem e muitos
se mudaram para ficar próximo a Karachi. Muitos dos pescadores baluch são desta fé.
O índice de alfabetização é baixo, e possivelmente menor do que entre os pastoralistas,
embora o balochi, como é chamado no Paquistão, seja uma língua principal e tenha alguma
literatura.
Alcance
Porções da Bíblia estão disponíveis no balochi oriental e ocidental, que são distintos um
do outro. O Novo Testamento já estava disponível em balochi do sul em 1998. xii Um programa
237
cristão de quinze minutos é transmitido duas vezer por semana em balochi. O acesso ao
Baluchistão é relativamente mais fácil para os cristãos locais.
BRAHUI
Há 2 milhão de brahui vivendo no Paquistão, 16 mil no Irã e 260 mil no
Afeganistão. Eles alegam ter se originado na Síria, mas provavelmente são habitantes
originais de Dravidian do Baluchistão, onde eles são cerca de 576,8 mil, ou 25% da
população. Eles formam uma confederação de 29 tribos étnicas diferentes divididas em
quatro grupos incluindo as oito “tribos brahui autênticas” em Kalat e as outras no sul de
Kalat. Alguns pushtun e baluch foram absorvidos em suas tribos e muitos não brahui
escolheram ser adotados numa linhagem para ser parte das tribos, mas todos eles usam a
mesma língua. O estilo de vida deles varia – de agricultores sedentários, alguns dos quais
migram para as planícies para o inverno, a nômades pastorais montadores de camelos.
Nomadismo
Os brahui migram entre Kalat, nos planaltos de Sarawan e Jhalawan a 1,8 mil
metros, e a planície de Kachhi, norte de Sind, que fica a 150 metros. Muitos brahui são
seminômades – ou seja, eles cultivam suas plantações de cereais, frutas e vegetais de março
a outubro, depois migram em novembro para as planícies com seus rebanhos de cabras.
Outros são nômades autênticos, que só passam um breve verão em Kalat. Eles criam
principalmente ovelhas para a lã e transporte e algumas cabras por causa de seu pêlo.
Embora a cordilheiras Suliaman e Kirthar cruze o caminho deles, as passagens Bolan
ajudam a encurtar a jornada de forma que a distância horizontal é de somente 130
quilômetros. O verão dura de abril a outubro nas planícies, e há muito pouco pasto quando
so brahui chegam no meio de novembro. As planícies não fornecem pastagem natural
suficiente, mas os fazendeiros locais controlam os seis rios, com represas durante o quente
verão, para que haja pastagem e forragem nos campos para alimentar os animais durante o
inverno até o meio de março. Ali os brahui vivem em tendas e buscam vender seu gado e
artesanato ou buscam por trabalho como lavradores.
As planícies logo ficam quentes demais na primavera para as ovelhas, cabras e
camelos, e os brahui migram de volta para Kalat em março onde a neve derretida fornece
umidade suficiente para a pastagem de verão. De volta aos planaltos os nômades só ficam
acampados num lugar por alguns dias, permanecendo à distância de alguns quilômetros do
suprimento de água mais próximo. É preciso tirar leite das ovelhas duas vezes por dia, para
que todo o acampamento acompanhe os rebanhos para ajudar com o trabalho de tirar leite.
Por volta de junho a grama já secou, e o leite também, e os acampamentos podem
permanecer num lugar enquanto os rebanhos são levados para campos mais distantes com
alguns dos homens. As famílias não necessárias para pastorear os animais ficam livres para
trabalhar nos campos, e sua dieta de verão muda já que o leite é substituído por trigo.
O tamanho dos rebanhos e grupos de pastoreio é determinado pelas dificuldades de
encontrar pastagem natural suficiente nas locações de verão e inverno. Os acampamentos
formam associações voluntárias chamadas khalk, e o tamanho delas parece ser determinado
pelo tamanho dos rebanhos, e não pelos relacionamentos entre as famílias. Parece haver um
tamanho mínimo do rebanho por grupo de 250 animais, e a média de animais por casa é de
cerca de 80 ovelhas. Cada tenda casa é economicamente independente, mas a khalk fornece
proteção e cooperação nas tarefas pastorais. A liderança tende a ser uma questão de atingir
um consenso entre os membros. Uma casa concorda em se juntar a tal grupo pelo ciclo de
migração anual, mas depois fica livre para sair. A cooperação ente as mulheres para tirar
leite muitas vezes aproxima as tendas. Os grupos brahui migratórios são constantemente
acompanhados por dois ou mais luri como menestreis. Esta natureza voluntária dos grupos
em face da pastagem limitada significa que as famílias estão constantemente mudando seu
estilo de vida, e devida a irrigação aperfeiçoada muitos estão ficando em Sind como
agricultores.xii
238
Alcance
Os brahui falam sua própria língua e alguns são bilíngües, falando balochi também.
Há alguma literatura cristã em brahui, e há porções das Escrituras em escrita árabe e
romana. O Novo Testamento e Gênesis foram publicados em 1998. xii Uma transmissão de
rádio começou em 1997. A Church Mission Society trabalha entre este povo há muitas
décadas.
Itinerantes no Sudeste da Ásia
Há vários grupos tradicionalmente itinerantes no Afeganistão que são chamados
pelos de fora de jats, zott, zatt, djatt e termos derivados. Eles consideram tais termos
depreciativos e eles mesmos podem usá-los para descrever outros grupos nômades. Não
existe consenso sobre a origem do significado do termo jat, mas embora seja provável uma
origem indiana de alguns destes grupos, eles não está ligados aos agricultores jat de Punjab.
É um termo comum usado para grupos bastante diferentes que por acaso têm um estilo de
vida nômade parecido. As conotações populares de serem sujos, ladrões, inferiores, rudes,
preguiçosos, maus muçulmanos, ou terem maus hábitos só mostram o preconceito da
sociedade estabelecida.xii
GHORBATI ou Kurbat ou Qorbati
Eles também são conhecidos como koli ou kowli, o termo farsi para todo o tipo de
povos “ciganos”, que geralmente tem um sentido pejorativo. Mas sua origem é
provavelmente do termo romani kalo, “negro”, e eles chamam a si mesmos de kauli-ye
girbalbend, que signifiva koli fazedor de peneira. O termo ghorbati é derivado do termo
árabe para “estrangeiro” ou “estranho”. xii Eles provavelmente têm parentesco com os luti.
Ghorbati, Irã
Eles são latoeiros e ferreiros ciganos, que estão dispersos por todo o Irã e também
se associam aos pastoralistas como os basseri e qashqa’i, e aos curdos no Iraque.xii Eles
preferem chamar a si mesmos de haddad, trabalhador de ferro, e não como kauli-ye
girbalben, koli fazedor de peneira. Eles imitam o modo de vestir e os costumes do povo
que adotam para esconder sua identidade. Eles servem como flautistas e tocadores de
tambor, adivinhos e pedintes, nas ocasiões sociais dos pastoralistas. Eles também viajam no
Paquistão, Índia, Afeganistão e Kuwait. Eles são encontrados no Baluchistão (veja Luti,
abaixo).
Nomadismo
Eles vivem em aldeias durante os invernos, mas grupos de 10 a 60 famílias ou
“tendas” se associam aos basseri, qashqa’i outros nômades na primavera. Eles não
possuem ovelhas ou cabras, mas produzem ou consertam ferraduras, pinos com rosca para
tecelagem, tesouras de tosquiar ovelhas, potes e panelas, e coisas assim. As mulheres deles
se locomovem entre os grupos acampados vendendo seus artigos e divulgando notícias e
fofocas, mas por outro lado há pouca comunicação entre os dois grupos étnicos. xii
Língua
Eles provavelmente falam a língua de seus anfitriões, qashqa’i ou farsi, e kurbat,
um dialeto de domari. Eles são nominalmente muçulmanos e é provável que nenhum
trabalho cristão específico tenha sido tentado entre eles.
Ghorbati, Afeganistão
De acordo com uma lenda, eles acreditam ser descendentes de um rei persa que
desrespeitou o profeta Muhammad e por isso foi condenado à vida nômade. Eles parecem
ter se espalhado a partir de Kandahar, onde há uma comunidade que não se lembra de viver
em tendas. Outros se mudaram para Herat no fim do século 19 e em direção a Mazar-e
239
Sarif por volta de meados do século 20. Eles agora são encontrados numa grande área por
todo o país, exceto nas montanhas de Hindu Kush, do nordeste de Herat até Fayzabad no
nordeste, Nimruz e Helmand no sul e nos arredores de Gazni, Cabul e Jalalabad no leste.
Sociedade
Eles têm três divisões tribais principais. Há os faray, que estão estabelecidos em
Karbul com 100 famílias em Peshawar. Suas outras duas tribos são em sua maioria
nômades – os syawun no leste e os kayani no sul e oeste. Os syawun se tornaram nômades
porque suas casas foram demolidas no início do século 20. Os ghorbati são chamados jat,
que tem uma conotação desfavorável, significando que eles são desonestos e briguentos.
Eles são considerados socialmente inferiores porque são pobres e trabalham com couro, e
eles muitas vezes tentam esconder sua identidade. Na maioria das aldeias eles dificilmente
se estabeleceriam, mesmo se quisessem, porque são desprezados. Somente em Cabul eles
se sentem seguros o suficiente para se estabelecer e mudar de ocupação, para lojistas ou
empregos remunerados.
Nomadismo
A principal ocupação dos ghorbati é a produção de tambores e peneiras que são
feitas e vendidas pelos homens. Eles também concertam sapatos, fazem gaiolas e flautas de
bambu e vendem animais. As mulheres mascateam roupas e artigos de armarinhos
comprados de atacadistas, num intinerário de clientes regulares. As mulheres mais velhas
também fazem sangrias. Muitas de suas mercadorias podem ser feitas localmente, por isso
o estabelecimento logo resultaria num mercado saturado. Mas o comércio deles não pode
crescer por meio de uma produção maior de seus artigos tradicionais ou por meio mais
viagens. O único trabalho aberto às mulheres é vender mercadorias compradas – como
roupas, mas isto provoca hostilidade numa sociedade muçulmana.
O típico ciclo migratório começa com a venda de peles e peneiras que foram
preparadas durante o inverno. Em março eles compram matéria prima para seus produtos.
Durante o mês de maio os ghorbati deixam suas casas para viver em tendas e migram em
grupos de família para maiores altitudes, subindo uns 2 mil metros. Cada linhagem e
família segue seu próprio circuito de clientes. Nos meses de julho a setembro eles viajam
constantemente, fazendo peneiras e pandeiros, e vendendo mercadorias à vista ou no
crediário. Durante outubro e novembro eles fazem a jornada de volta, recebendo os débitos
dos agricultores, depois da colheita. No início de dezembro eles já retornaram para seus
acampamentos de inverno ou casas. No inverno, a maioria vive em cabanas feitas de latão
em comunidades, mas alguns ainda usam tendas durante o ano todo, reunidos em
acampamentos próximos às grandes cidades.
Família
Uma tenda representa um casamento, uma vez que um homem não tem uma até que
seja casado, mas ele pode ter que providenciar uma segunda tenda se ele se casa com uma
segunda esposa. Antigamente eles costumavam fazer suas próprias tendas cônicas, mas
hoje eles compram tendas crespas cáqui feitas no Paquistão. No interior não há divisão
entre homens e mulheres, mas o lugar de honra para o hóspede fica próximo da estaca
central. Os homens são responsáveis por erigir a tenda; diferente dos koochi, cujas
mulheres é que fazem isto. É importante alinhar a tenda para que quando uma pessoa entrar
ela fique de frente para o oeste em direção a Meca, e também para que os que passam
possam ver as pessoas do lado dentro e sintam que podem receber a tradicional
hospitalidade.
As mulheres arrumam o interior, constroem paredes de tijolos de barro dos lados,
preparam as refeições e lavam roupas – segundo se diz, nas quintas-feiras. As mulheres
costumam ter uma posição econômica mais forte do que entre os outros grupos
muçulmanos, porque elas herdam seus clientes de geração em geração. Elas podem ter mais
sucesso na venda de mercadorias do que os homens, com sua demanda variada por itens
240
manufaturados. Algumas mulheres podem tomar decisões até mesmo contrariando as de
seus maridos. As crianças ajuntam lenha, mas a esposa cuida do fogo. Todas as noites o
fogo é apagado, e no inverno a família dorme sob um edredom e também usa um aquecedor
a carvão.
Religião
Os ghorbati são muçulmanos, mas, como outros no Afeganistão, maridos e
mulheres dormem juntos. Eles consideram que dormir é como a morte, por isso é
importante dormir com o corpo orientado na direção certa. As mães dão à luz, voltadas para
Meca e as crianças dormem numa rede ou berço na tenda com sua cabeça para o sul. Eles
consideram que dois bebês nascidos quase ao mesmo tempo no mesmo acampamento
podem lançar feitiços um no outro, e isto é evitado pela troca de presentes de sal e pão,
pelas duas famílias, antes que as duas crianças tenham permissão para entrar uma na tenda
da outra. Os corpos dos mortos são preparados com a cabeça para o norte e a mão direita
apontando para Meca.
Como muitos itinerantes, eles têm mitos que sugerem o mau comportamento como
explicação para seu infortúnio ou status social baixo. Alá precisava de uma peneira para
separar o pó para fazer o corpo de Adão, e Satã ensinou um anjo a fazer uma que espalhava
com o vento. Portanto é falta de sorte ser um fazedor de peneiras. Uma outra versão é que o
ancestral deles ao fazer a primeira peneira caiu quando ela escapou dele, e por isso
amaldiçoou todos os seus descendentes que seriam fazedores de peneiras. Na verdade, os
ghorbati aprenderam o ofício de outro grupo em Kandahar. xii Não há testemunho ou mídia
cristã entre eles.
Os ghorbati também são encontrados no Baluchistão, Paquistão.
LUTI
Os luti vivem no Iraque e preferen não ser chamados luri (pronuncia-se lori). Eles e
os ghorbati podem ser um mesmo povo. Luli e luti são nomes persas comuns para qualquer
povo do tipo cigano, por isso não há, necessariamente, uma conexão deste povo com os
modernos ciganos. O nome pode ter vindo da cidade na províncida de Sind, da qual eles
podem ter se originado. xii Eles vivem no sudeste do Irã e no Baluchistão e Paquistão, onde
eles se autodenominam dom, e alguns viajam com os nômades brahui. Outros no sul de
Sind são chamados lori.
Eles são músicos itinerantes. Eles têm um conto para explicar como eles vieram da
pérsia para serem nômades, e também o desprezo deles pelos agricultores e pela vida
sedentária. Era uma vez, no quinto século, um rei persa chamado Bahram Gur que
requisitou músicos, Luri, da Índia e 10 mil foram enviados. O rei estava tão satisfeito com a
música deles que lhes deu, a todos, terra, gado e grãos para se estabelecerem como
agricultores e servir como menestréis dele. Mas os luti estavam mal preparados para a vida
de agricultores, e rapidamente consumiram o gado e os grãos. Isto irritou tanto o rei que ele
os expulsou das terras deles e o condenou a sua existência nômade com nada mais do que
um burro e seus instrumentos musicais. xii
Os luti só se casam entre eles. Os muçulmanos os consideram ritualmente
“impuros”. Os pastoralistas lur tradicionalmente os convidam para tocar e entreter nas
circuncisões, casamentos e funerais, mas a Revolução Islâmica baniu a música entre 1979 e
1989, e eles sofreram grande dificuldade. Contudo, desde então a situção pode estar
melhorando para eles. xii Os luti falam lur e o que alguns consideram uma língua “secreta”
entre si, que possivelmente é o dialeto kurbat de domari.
SHADIBAZ
Eles são mascates de roupa, perfume e produtos de armarinho, que viajam e vivem
em tendas. Eles também treinam macacos e ursos. As mulheres deles mascateam braceletes
e pulseiras. A área de migração deles é no leste do Afeganistão nos arredores de Cabul,
Gardez e descendo para Jalalabad. xii
241
JALALI
Eles esmolam e vendem frutas, fazem bijoterias e têm ursos e macacos. Eles viajam
no norte o Afeganistão, nos arredores de Aqchah, Mazar-e Sharif, leste de Kunduz até
Feyzabad, e vivem em tendas ou casas de acordo com a necessidade.
JOGI
Eles são adivinhos e pedintes que geralmente viajam em caminhões ou de ônibus. xii
Os jogi têm uma lenda que diz que eles são nômades devido a um infortúnio, o que é
paradoxal para quem lê a sorte. Seus ancestrais tentaram se apoderar de outro pedaço de
terra, mas o arcanjo Gabriel revelou o intento para o profeta Muhammad e os jogi foram
amaldiçoados a vagar para sempre.xii
VANGAWALA
Eles são itinerantes vendedores de roupas, perfumes, imagens, animais e lingeries.
Mas eles também se especializaram em mágica. As mulheres costumam mascatear
pulseiras. Eles vivem em tendas durante o verão, retornando para casas no inverno. Eles
viajam em três áreas – nos arredores de Konduz e Feyzabad; Gazni, Cabul e Jalalabad; e numa
área menor de Qalat e Durani no sul.xii
PIKRAJ
Eles são mercadores de cavalos e mágicos viajantes. Suas mulheres mascateam
roupas e pulseiras. Eles vivem em casas e tendas no norte do Afeganistão nos arredores
de Mazar-e Sharif, Konduz e Feyzabad, e também nos arredores de Herat. xii
“BALUCH”
Eles vivem da prostituição, no Afeganistão, cruzando o norte do país de Heratt
até Feyzabad.
SHEIKH MOHAMMADI
Eles são grupos de mascates no leste do Afeganistão. Os nomes dos principais
grupos são tela khel, nadaf khel, patragar, babar khel e faqir. Os maskurahi e
chaharbaghi recebem o nome de aldeias na província de Laghman, a 60 quilômetros de
Jalalabad. Os kolukhi são assim chamados porque suas cabanas parecem bancos de terra.
Eles continuam a se deslocar vivendo em tendas o ano todo, embora alguns agora passem
os invernos em casas. Segundo suas tradições eles descendem do xeique Mohammed
como seu pai espiritual, que viveu na região, mas os grupos não estão relacionados por
descendência e eles provavelmente foram formados a partir de origens étnicas diferentes.
A unidade deles parece consistir no fato de falarem a língua adurgari, que é parecida com
o kohistani no Paquistão. O adurgari é deliberadamente aprendido como uma segunda
língua particular, a primeira é o farsi. Um grupo é aqui descrito como exemplo:
Os maskurahi são cerca de 150 famílias também chamadas balatumani, ou “Mais
de Vinte”, e siyahpayak, ou “Pés Negros”. Eles são mascates de pulseiras, grampos de
cabelo, linhas, e coisas assim, mas os mais ricos vendem roupas. Eles passam os
invernos em suas próprias casas em Laghman, mas quando o trigo de primavera é
colhido em junho eles vendem suas mercadorias nas aldeias nos arredores de sua própria
área. A colheita é o período não só quando as pessoas têm algo para trocar, mas também
para celebrações e casamentos, quando as pessoas se vestem melhor e consideram
comprar alguns pequenos luxos que os mascates trazem. Deixando Laghman em julho
eles migram cerca de 200 quilômetros, primeiro em direção a oeste passando por Cabul e
depois para o norte na região de Koh-i Daman, logo ao sul de Charikar, uma das
principais áreas de cultivo de uvas do Afeganistão.
A jornada leva duas semanas. Como a jornada é para uma altitude menor as
colheitas de trigo, milho e frutas são de julho a outubro, e o amadurecimento das uvas
242
em agosto. Os mascates podem assim vender para receber alguns dos produtos como
paga. Várias famílias relacionads acampam juntas por cerca de quatro meses. Elas
preferem acampar juntas mesmo quando não há comércio suficiente para todas elas. Uma
razão é a segurança contra ataques dos aldeões. Eles fazem a jornada de volta para
Laghman no fim de novembro. No caminho eles vendem as uvas e o trigo dado em
pagamento em Cabul e outros mercados. De volta a sua aldeia para o inverno e
primavera eles continuam a vender na região, inclusive fazendo viagens até nordeste de
Kohistan. As colheitas de arroz e milho em Laghman são em novembro, e os mascates
retornam a tempo de buscar cliente nesta estação. A primavera é seu período de férias.
Os maskurahi são um exemplo de nômades que exploram os períodos de
relativa abundância em duas áreas distintas devido às condições climáticas diferentes
causadas por uma diferença de altitude de mil metros. O comércio em cada área está
diretamente ligado aos períodos das várias colheitas. Cada família é economicamente
independente, sendo que os meninos aprendem a negociar quando têm idade o suficiente
para se defender e carregar os produtos agrícolas dados como pagamento. Os grupos
migram juntos por segurança. A maioria dos homens passa a trabalhar sozinhos após o
casamento. Geralmente as mulheres fazem o trabalho doméstico, embora as viúvas
possam se ver obrigados a mascatear também. O retorno econômico pode variar de
acordo com os diferentes períodos de colheita, mas as famílias ganham além da
subsistência. Isto quer dizer que nenhuma família pobre é forçada a sair do grupo para
exercer outra atividade. Algumas das famílias mais bem sucedidas, contudo, podem
investir numa loja nos bazares de Jalalabad, e podem emprestar dinheiro para que seus
parentes comecem o ciclo de comércio anual novamente. A maioria não possui
excedente para comprar um estoque novo.xii
Religião
Eles são muçulmanos. Eles acreditam que o mundo começou com os filhos do
xeique Rohari, um homem santo, mas eles caíram nos vícios como o jogo e estão
condenados ao nomadismo por causa disto. Não há contato cristão conhecido entre eles.
COMERCIANTES BADAKHSHI
Eles são originários de Badaquistão, parte do Tadjiquistão, mas viajam no
Afeganistão a partir de bases rurais e urbanas. Alguns se estabeleceram em Wakhan. Eles
são tadjiques ou uzbeques e falam dari, wakhi e sua própria língua também. Eles são
importantes mercadores de lã, feltro e carne de carneiro para as cidades como Jalalabad e
Cabul. Chá e ópio também são mercadorias importantes. xii
COMERCIANTES KOUCHI
Eles possivelmente são pathans, não ciganos (veja item acima). Eles se vestem de
forma diferente, e muitos só mantêm gado e jumentos suficients para o uso doméstico.
Eles entram nas cidades para esmolar. Há 3 milhoes no Afeganistão que falam pashto. xii
Contudo, os termos kouchi e maldar se referem mais comumente aos pastoralistas, e jat
aos itinerantes.xii
JATS
Eles são mil ciganos no Afeganistão. Zott é a forma árabe de jat, que parece ter
sido o nome que os árabes deram para qualquer pessoa vinda do vale do rio Indus. Sua
língua é o jakati, que não está relacionada ao rom, de acordo com o Ethnologue. Eles
trabalham como ferreiros, mascates, adivinhos e músicos. Eles não se autodenominam
rom. Eles também são chamados de charwala.xii
20 ASIA CENTRAL
243
A
Ásia Central inclui o sul da Rússia e as repúblicas turcas até o noroeste da China.
É a metade oeste de uma vasta área que vai até a Mongólia. Ela é formada pela estepe quase ao
nível do mar, em contraste com a metade oriental, que é planalto de uma altitude de cerca de 1,5
mil metros. Muçulmanos e russos são influências dominantes ali, embora a leste as influências
sejam budistas e chinesas, que vamos tratar na próxima seção. Estes povos destas regiões se
tornaram unidos, contudo, na domesticação do cavalo por volta de 4 mil antes de Cristo como
um animal de carga e mais tarde como montaria. Isto revolucionou o mundo. Por volta de
século 10 d.C., a capacidade de montar um cavalo transformou a agricultura sedentária, nos
vales, no pastoralismo nômade vagando pela Ásia Central – uma característica cultural que une
os vários povos.
Os povos turcos no oeste da Ásia Central ocupam o centro da Ásia há séculos e
sentiram a influência imperial e cultural das civilizações vizinhas: China, Rússia, Índia e
Pérsia.xii Hoje eles se encontram em meio a uma batalha pela influência cultural e econômica,
travada pelos poderes islâmicos de Turquia, Irã e Arábia Saudita. A federação Russa parece
continuar a ter influência econômica dominante, mas alguns de suas próprias minorias são
indóceis. Após os traumas da coletivização e de serem tratados como “retrógrados” e
ineficientes, os nômades estão experimentando uma renovação cautelosa como figuras chaves
na formação de novas identidades nacionais de países independentes. Eles também estão
aprendendo a trabalhar numa base mais comercial. Um seminomadismo modificado está
tomando forma, combinado com outros métodos de criação de animais como a criação de gado
confinado. Os problemas chaves são a falta de água (muitas estações dependem de caminhões
pipa), serviços veterinários inadequados, o estrago ambiental feito pelas tempestades de areia e
a expansão do sal do Mar de Aral, comida e serviços médicos também são difíceis de se obter
nas áreas rurais. Os problemas de qualidade e transporte precisam ser resolvidos antes que eles
possam entrar na dura competição internacional por exportação de lã.xii
No decorrer da história tem havido várias influências religiosas: xamanistas, budistas,
maniqueísta, cristã nestoriana e a atual dominação islâmica. O islã está sendo revivido com
novas mesquitas nas cidades e buscando aumentar sua influência política em todas as
repúblicas. Havia um bispo e 33 sacerdotes católicos romanos na Ásia Central em 1994. xii A
UBS e a IBT têm cerca de 40 projetos conjuntos de tradução em desenvolvimento para as
repúblicas da Ásia Central.xii Os turcos foram considerados um povo chave para atingir a Ásia
Central, mas outros sugerem que o progresso cristão pode se desenvolver a partir da Ásia
Central primeiro.
Pastoralistas Nômades da Ásia Central
KALMYKS ou khalmyks
Há 174 mil kalmyks na República Kalmyk, Rússia. Eles estão relacionados aos 100 mil
torguts em Xinjiang, e 166 mil em Qinghai, China. Os kalmyks são os descendentes dos oirats,
ou mongóis ocidentais, que migraram de Jungaris entre as montanhas Altai e Tien Shan e se
estabeleceram na baixa bacia Volga. Tradicionalmente eles são criadores de gado e chamam
suas iurtas de kibitka. Em 1771, os kalmyks tentaram migrar de volta para a Mongólia para
ajudar a defender o corpo principal de mongóis oirat contra os chineses. No caminho e no
retorno eles foram atacados pelos cazaques e baskirs e muitos morreram. “Kalmyk” quer dizer
“aqueles que permaneceram”.
Um grupo de kalmyks não tentou retornar para a Mongólia, mas se estabeleceu na área
do rio Don. Eles estão divididos em derbet, ou durbet, torgout e khosheut, estabelecidos numa
estrutura militar antiga chamada ulus. O dialeto derbet forma a base para a linguagem literária.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a maioria foi deportada por suposta colaboração e não
tiveram permissão para retornar para Kalmik ASSR até 1960.xii Eles são budistas lamaistas.xii
244
Há boatos de que há uma comunidade kalmyk nos Estados Unidos, em Nova Jersey. A
linguagem deles é compreendida pelos buryats.
Desde o fim do comunismo, os kalmyks estão revivendo sua religião budista tibetana,
reconstruindo templos e enviando homens para receber treinamento de monges na Índia. O
primeiro alcance cristão provavelmente foi feito pelos morávios, que estabeleceram uma cidade
“modelo” chamada Sarepta de frente para um acampamento de doentes e parias em 1768, mas o
trabalho foi dificultado pela ignorância morávia em relação ao budismo e a indiferença e
constantes migrações dos mongóis. Naquela época havia uma divisão religiosa entre os dois
ramos de xamanismo. A fé negra, ou inculta do xamanismo tinha seu ougon ou ídolos de feltro
ou roupas e os obos. A fé amarela, mais sofisticada, dos monges gelugpa, com seus livros e
aprendizado, tinha uma organização hierárquica que remontava ao Tibete. Os três convertidos
que os morávios tiveram foram compelidos a se batizarem na Igreja Ortodoxa. A migração dos
kalmuks para a Mongólia acabou com o assentamento.
Alcance
A Sociedade Bíblica e, por um curto período, a London Missionary Society,
trabalharam entre os kalmyks no início do século 19. Uma nova tradução do Novo Testamento
está em desenvolvimento, e os Evangelhos e Atos têm sido publicados.xii Nesta tradução, o
termo budista para “divindade” usado nas traduções anteriores está sendo substituído pela frase
“Senhor do Mundo” para deixar claro que Deus não é uma divindade entre outras, mas único.
Uma Bíblia para crianças foi publicada em 1998. A CMA, Canadian Campus Crusade e
Swedish Slavic Mission estão trabalhando com este povo. Há vários crentes que enfrentam
perseguição.
NOGAI ou Noghaylar
Os nogai eram 76 mil em 1989, mas dizem que a população está aumentando
rapidamente, ate 90 mil na Turquia e 91 mil na Rússia. Os 30 mil nogai negros são os antigos
criadores de gado nômades que vivem no Cáucaso na estepe semidesértica Nogai entre os rios
Kuma e Terek no norte de Daguestão. Os outros são os agricultores nogai brancos. Os nogai se
retiraram do Canato da Horda Dourada dos invasores mongóis no século 14. No século 16 as
pastagens deles eram a leste do Volga, mas por causa dos conflitos com os russos, kalmyks,
tatars da Criméia e cossacos eles se mudaram para a área de Cherkes a norte do Cáucaso.
Os nogai negros se originaram da união por casamentos entre vários grupos turcos e
mongóis misturados com os turcos polovtsy, cuja língua eles adotaram. xii Muitos deles foram
absorvidos pelos circassianos e os kumyk, mas durante o século vinte eles pareceram ter tido
sucesso em manter sua própria identidade. Eles tradicionalmente eram nômades, mas
atualmente estão estabelecidos. Eles têm suas pastagens de verão nas montanhas na fronteira
Kalmykia, e isto tem provocado disputas com relação ao direito sobre a terra. Eles ainda se
envolveram com agricultura e criação de gado nas antigas fazendas coletivas. Eles são
muçulmanos sunitas. Eles falam nogai, uma língua do oeste da Turquia. Há porções da Bíblia
disponíveis e já teve início a tradução de Lucas, mas não há trabalho cristão conhecido entre
eles.
Há vários povos agropastoris no norte do Cáucaso que ainda seguem sua tradicional
economia de criação de ovelhas, com base nas aldeias, mas a agricultura é bastante limitada.
Estes são os avars ou maarulah, em número de 596 mil no Daguestão e Azerbaijão; e os
darghins, dargins ou dargwa (369 mil). Os laks, laktsy ou kazikumukhs no sul do Daguestão,
junto com outros grupos amplamente espalhados, são 112 mil. Tradicionalmente os homens
cuidam de pastorear e tirar leite das ovelhas, e as mulheres do gado. Os 347 mil lezghis vivem
no sudeste do Daguestão e Azerbaijão. Todos estes povos são alfabetizados em suas próprias
línguas, embora a maioria também fale russo como uma segunda língua. Todos eles são
muçulmanos sunitas. Há cristãos espalhados entre eles. O filme Jesus tem sido traduzido em
muitas destas línguas. Em todas as línguas mencionadas aqui há projetos de tradução, com os
evangelhos publicados ou prestes a serem publicados.
245
JYKHI, tsakhur
É como os tsakhur ou tsakhuri se autodenominam. Eles vivem no Cáucaso e
totalizavam 13,5 mil em 1989 e agora provavelmente totalizam 16 mil em Azerbaijão e 29 mil
na Russia. Eles duplicaram sua população no Daguestão desde 1956, para 7 mil. Akiner mostra
que a população deles renovou-se a partir de 1959 quando havia 2.876, comparados com os
8.546 em 1979.xii
Os tsakhur são um povo montanhês indígena criadores de ovelhas, vivendo em 12
aldeias diferentes nas montanhas às margens do rio Samur, no sul do Daguestão, no Cáucaso.
Eles mantêm sua língua e cultura tsakhur. Os que vivem no Azerbaijão têm sido assimilados.
Eles são muçulmanos sunitas.
A Academia de Ciências local assumiu o projeto de traduzir a Bíblia nas línguas do
Daguestão, mas não está claro se isto envolve a língua tsakhur, que não é grafada.
Possivelmente a tradução da Bíblia poderia ajudar também a desenvolver a literatura tsakhur.
Dizem que o povo possui um bom conhecimento de russo e o usa para propósitos literários. Há
transmissões de rádio cinco dias por semana em azerbaijano.
TURCOMANOS
Os turcomanos são o principal povo turco da Ásia Central encontrados no
Turcomenistão (3,600 mil), Afeganistão (932 mil), Irã (1,1 milhão), Rússia (33 mil), Paquistão
60 mil e Síria (98 mil).xii
Os turcomanos podem ter migrado da região de Altai e se estabelecido no
Turcomenistão dos dias atuais. Eles conquistaram os árabes, mas se converteram ao islã. Estes
turcos foram chamados oghuz. Outros clãs turcos seguiram adiante para ocupar o Azerbaijão e a
Ásia Menor. Aqueles centralizados em Merv acabaram se tornando uma identidade étnica
distinta, os turcomanos, que se consideram os “verdadeiros turcos”. Eles estabeleceram seu
próprio império com base em Merv e invadiram o Irã e o Afeganistão. Eles também adotaram o
Islã. Eles, por sua vez, foram subjugados pelas invasões dos mongóis, mas se reergueram como
um povo distinto por volta do século 15.
Os turcomanos são formados por cinco ou mais tribos principais, e muitas subtribos.
Das tribos, os yomuts são encontrados principalmente no norte e noroeste, e os ersari no
nordeste e leste, no distrito de Lebap. As tribos no lado norte do deserto Kara-Kum ficaram sob
influência dos uzbeques. No sul, os tekke, politicamente dominantes, e outras tribos são
influenciadas pelo Irã. Estes dois grupos de tribos eram semi-independentes um do outro antes
da União Soviética ser formada, e ainda há preconceito intertribal e hostilidade, mas muitos hoje
estão valorizando a unidade turcomena.
O nomadismo era o estilo de vida deles antes dos soviéticos chegarem, e proporcionou
uma forma efetiva de incursão sobre fazendeiros e comerciantes, bem como serviu para evitar a
submissão aos invasores, taxação e retaliação. O deserto Kara-Kum, que cobre o coração do
Turcomenistão, servia de refúgio para eles contra os estrangeiros. Desde a metade do século 19,
a Rússia os dominava cada vez mais. Os soviéticos impuseram fazendas coletivas sobre os
turcomanos nômades em 1929, e mesquitas e escolas islâmicas foram fechadas. Os turcomanos
foram forçados a se estabelecer para trabalhar em campos de algodão que se tornou a plantação
exclusiva na economia planejada. Muitos turcomanos se tornaram o que eles consideram
turcomanos “modernos”, que falam principalmente o russo e rejeitam a “religião”. Desde então,
descobriu-se que o deserto contém vastas reservas de gás natural.
Hoje, a maioria dos turcomanos são agropecuaristas, com exceção das tribos balkan ata,
maggyshlak e abdal, que são puramente pastoralistas. A maioria deles são agricultores que
vivem em oásis pelo deserto, mas é tradição para alguns dos lavradores se locomoverem pelo
deserto com os pastoralistas na primavera, para tirar leite e preparar queijo e então retornar para
suas aldeias para as colheitas. Mas os rebanhos sempre foram conduzidos por chopans, ou
pastores, que na maior parte das vezes são jovens trabalhando para ganhar o suficiente para o
dote da noiva. Eles passam o inverno em pequenos grupos de família.
O Turcomenistão tem mais ou menos a mesma proporção de animais a população
humana que do Quirguistão, onde 80% da população está envolvida com a criação de animais.
246
No noroeste, os rebanhos estão nas pastagens de inverno (gyshtag), nos vales, de março até
maio, quando eles são conduzidos para as terras de primavera (yaylag) até que o sol seque a
grama. No verão, a unidade social pastoral é composta por várias famílias relacionadas de 50 a
200 pessoas. As pastagens de verão ao redor dos poços são ocupadas de junho até novembro. xii
Em Kara Kum os pastoralistas são semi estabelecidos, já que o deserto dá alguma vegetação em
todas as estações, apenas a uma pequena distância de suas aldeias. Os turcomanos no sudeste de
Akhal, com sua pastagem fértil e bons suprimentos de água, são os mais estabelecidos.xii
Agora, com a independência como Turcomenistão, os turcomanos estão revivendo sua
língua e tradições. Eles estão reagindo de várias formas a esta nova situação. Alguns, sendo
turcomanos “modernos”, aprendem mais de sua própria língua, e outros turcomanos
“tradicionais” aprendem russo e até inglês. Sua atitude para com o islã também é variada. Para
alguns, ser “muçulmano” é popular, e novas madrassas e mesquitas estão sendo construídas.
Contudo, muitos consideram que a religião é mais para os velhos, e eles se ressentem da
influência de paises muçulmanos, como o Irã, sobre o Turcomenistão.
Religião
Os turcomanos se orgulham de que sua religião seja diferente do islamismo em outros
lugares. Por meio do casamento com mulheres xiitas, sua religião se tornou uma síntese única
de islamismo sunita com forte sufismo, xamanismo, adoração ancestral e influência constante de
seu antigo animismo.xii O Corão dificilmente é conhecido. Mas mesmo os turcomanos mais
seculares sacrificam cordeiros como uma forma de conseguir a atenção de Deus em ocasiões
especiais na família, honram os ancestrais e os sustentam com oferendas.xii
Alcance
A primeira tradução do Novo Testamento foi apresentada para autoridades
representativas em Achkhbad, a capital do Turcomenistão, em 1995. Vários acadêmicos
importantes aplaudiram a obra, dizendo que é importante ter um injul em turcomeno. Entre estes
um mulá admitiu que nunca tinha lido o Novo Testamento.xii Mas a tradução está em escrita
cyrillic e não pode ser lida pelos turcomanos iranianos. A tradução do Antigo Testamento está
em desenvolvimento sendo que vários de seus livros já foram publicados.xii O filme Jesus está
disponível em turcomeno. A Igreja da Unificação e seitas bahai também estão ativas em
Askgabat.
Os turcomanos akto são 2,4 mil pastores seminômades com base em duas aldeias a sul
de Kashgar, Xinjiang, China, na extremidade ocidental do deserto Taklinmakan. Muitas vezes
eles são confundidos com os quirguizes, mas são diferentes. Eles possuem um dialeto único
com similaridades com o uygur. Eles são muçulmanos sunitas que observam os costumes e
festas islâmicas uygur e quirguizes. Nenhum trabalho cristão é feito entre eles.xii
Nomadismo
Os charwa criam ovelhas e cabras para vender nos mercados das cidades. Seu padrão de
migração é limitado e não é determinado pela mudança de estação de acordo com a altitude.
William Irons destacou este contraste. Quando a pastagem seca durante o verão e o outono eles
ficam em acampamentos próximos a fontes de água permanentes. Com as chuvas eles dispersam
seus acampamentos, se locomovendo a curtas distâncias para usar a grama crescente. Durante o
verão, o pastoreio próximo a fontes de água é menos trabalhoso, e os rebanhos são deixados nas
mãos dos mais jovens enquanto outros membros da família se dedicam a pequenas plantações.
Alguns charwa estão começando seus próprios lotes de terra em áreas chomar. Os níveis de
prosperidade variam continuamente e constantemente estão relacionados ao número de
trabalhadores na família, a fertilidade do rebanho e a venda de animais, lã e tapetes.
Sociedade
A sociedade charwa é fortemente patrilinear.xii Os grupos migratórios, obas, geralmente
são formados por famílias relacionadas, mas outras podem entrar para o grupo com a
247
concordância dos membros. É comum a cooperação entre os parentes em acampamentos e obas
diferentes. As famílias de filhos independentes permanecem como membros do oba do pai.
O casamento, muitas vezes, é entre primos de primeiro grau. Os filhos são casados em
ordem de idade, com um dote de dez camelos ou o equivalente em ovelhas e cabras dadas para o
pai da noiva. Isto não só valoriza as mulheres, mas também é uma despesa representando anos
de trabalho. Há um período de “noivado” de três anos quando a noiva e o noivo ficam com suas
respectivas famílias antes do casamento. Quando uma família nuclear tem filhos com idade o
suficiente para ajudar com o trabalho, ela se separa da casa do pai. Os filhos fazem isto em
ordem de idade, mas geralmente eles têm pelo menos 30 anos de idade. As filhas saem de casa
por volta dos 18 anos de idade. O filho mais jovem herda o que sobra da casa e do espólio do
pai. Portanto, os pais são muito ajudados por seus filhos por um período de 12 a 15 anos.
Homens sem filhos podem adotar os meninos mais novos, ou contratar um pastor
yomut. Os homens de casas muito pobres podem se ligar a uma família de parentes mais
prósperos, ou serem contratados como pastores para outros, mas eles só trabalham ou são
contratados por outros yomuts.
a) Irã
Os turcomanos charwa, no norte do Irã, vêm de tribos diferentes – metades deles são
yomut e os outros são goklan ou gokleng. Eles são seminômades.xii Geograficamente, os yomut
ficam separados por 500 quilômetros – os do oeste de Khiva, no noroeste do Turcomenistão, e
aqueles na planície Gurgan no norte do Irã, a sudeste do Mar Cáspio. O Irã tem tido dificuldade
em controlar esta região, e os persas construíram cidades refúgio contra as incursões
turcomanas. As incursões, chamadas alaman, eram a forma dos turcomanos demonstrarem
virilidade. Os xás e a Revolução Islâmica de 1979 entraram em conflito com os turcomanos.
Como outros turcomanos, eles estão divididos entre agricultores chomar e pastoralistas charwa.
Os yomut vivem no oeste da planície Gurgan e os goklan ou gokleng estão situados a leste de
Mashhad, próximos à fronteira afegã.
b) Afeganistão
Os turcomanos no Afeganistão estão situados junto à fronteira que os separa do
Turcomenistão. Esta fronteira foi estabelecida entre os britânicos e os russos em 1895. Antes de
1979 e a invasão soviética, a estimativa é de que havia menos de 400 mil turcomanos, mas
muitos voltaram para o Turcomenistão desde que eles conseguiram a independência. Eles criam
ovelhas, cabras, cavalos, camelos e cultivam trigo e cevada. Alguns são seminômades e
conseguiram ficar isentos de impostos, do recrutamento e da vida nacional do país. Ocorreram
poucas mudanças em sua vida social, e eles ainda têm famílias estendidas com o domínio do
homem.xii
BALUCH e BRAHUI
No Turcomenistão, esta comunidade pastoral de 19 mil se mudou para a Ásia Central
nos anos 20 e continuou a ser nômade com rebanhos de ovelhas e cabras, vivendo em tendas de
pele de cabra próximas a Merv. Alguns ainda eram seminômades nos anos 80. Eles tendem a se
identificar como turcomenos, e as crianças freqüentam as escolas locais e falam e escrevem
turcomeno. Os brahui se consideram o clã brahui dos baluch, embora eles ainda falem brahui.
Um grupo menor está sendo assimilado no Tadjiquistão.xii
KARAKALPAK
O nome significa “chapéu negro”, e 409 mil deles vivem na costa sul do Mar do Aral,
Uzbequistão, e na fronteira em Tazhauz, Turcomenistão. Outros são encontrados no Irã e
Turquia. Eles estão divididos em clãs, ou koshe, de várias famílias estendidas que alegam serem
descendentes de um ancestral comum, mas parecem não ter uma identidade nacional forte. xii
Eles são rodeados pelos cazaques e étnica e lingüisticamente eles podem ser relacionados, e
geralmente eles só se casam entre eles.
248
Tradicionalmente os karakalpaks são agropecuaristas. Eles continuaram a viver em
iurtas por um longo período após se tornarem agricultores estabelecidos. Eles decoram as iurtas
ostentosamente com tapetes e reposteiros e são excelentes artesãos. Eles vivem nos oásis, ou
próximos, no delta do rio Amu Darya e no deserto. Bois são mais importantes para eles do que
os cavalos – tão amados pelos outros povos turcos. Eles usam o boi para arar, girar rodas de
água e para debulhar. Quando os rios ao redor da extremidade sul do Mar Cáspio transbordam,
os karakalpaks fazem o que eles consideram uma migração obrigatória em carros de boi para
uma pequena distância com seu gado. Durante o inverno a maior parte dos animais eram
abrigados e alimentados com forragem.xii Hoje eles são agricultores que trabalham na produção
de algodão ou são trabalhadores da indústria. Poucos foram assimilados na cultura uzbeque.
Os 62 mil karakalpak, na Turquia, vivem nas montanhas próximas ao rio Murat, oeste
do Monte Ararate, na parte oriental do páis.
Os 36 mil karakalpak, oarapapakh, no Irã, vivem a oeste do rio Zarineh que deságua no
Lago Urmia, no noroeste do país entre as áreas curdas e azerbaijanas.
Eles são relativamente mais pobres do que os outros povos turcos. Eles são muçulmanos
sunitas, mas seguem rituais xamanistas, meticulosamente, como os ritos de passagem. Os quatro
evangelhos foram publicados na língua deles.xii O filme Jesus está disponível. Havia alguns
crentes entre eles nos anos 90.
UZBEQUES
Os uzbeques eram, em sua maioria, não nômades, e por volta do século 20 somente os
que viviam na área semidesértica do rio Sherabad Darya no sudeste do Uzbequistão eram
pastoralistas nômades. Estes últimos acreditavam que as ovelhas vieram do céu, e os pastores
eram muito respeitados. No inverno eles permaneciam a dois ou três quilômetros de suas
aldeias, mas no verão eles iam para os montes mais próximos.
O governo do Uzbequistão impôs restrições sobre o trabalho cristão em geral, bem
como limitou a liberdade política e de imprensa.xii O Novo Testamento, com Gênesis e Salmos,
foi publicado em 1999.xii O livro Jesus Friend of Children em uzbeque está disponível a partir
do IBT em Estocolmo. A New Opportunities planeja ajudar esse povo. Na maior parte da
semana há um programa de rádio em uzbeque.
CAZAQUES, ou Kazakhs ou Qazaq
Os cazaques preferem a primeira ortografia, com o nome possivelmente vindo do árabe
e significando “proscrito”. Mas há séculos que eles chama a si mesmos de quirguizes (veja
abaixo). Eles são um dos mais importantes povos turcos que se auto-sustentam através do
pastoralismo nômade na estepe da Ásia Central. Eles têm uma população de 16 milhões vivendo
principalmente no Cazaquistão, Xinjiang e parte ocidental da Mongólia. Muitos migraram para
o Cazaquistão após a independência, e com a alta taxa de natalidade eles logo serão 42% da
população de seu novo país. xii
História
Os cazaques se originaram de uma mistura de diversas tribos turcas e mongóis não
relacionadas. Elas se tornaram um povo distinto no século 15, quando os dois filhos de um
khan, Janbek e Kirai, os conduziram à independência de seus senhores de terra uzbeques e mais
tarde Qasim Khan (1511-23) os uniu. Eles obtiveram o controle, primeiro do sudeste do
Cazaquistão, depois de todo o sul e finalmente da maior parte do atual Cazaquistão.
A história dos cazaques tem sido moldada por seus poderosos vizinhos. Em 1730, os
cazaques ocidentais apelaram para a ajuda da Rússia, porque os kalmyks os estavam expulsando
de suas terras. O resultado foi que a Rússia ganhou firme controle sobre o que é agora o
Cazaquistão. Em 1861 os camponeses russos foram libertados da servidão e muitos buscaram
sua própria terra nas pastagens cazaques abertas no Cazaquistão, forçando muitos cazaques a se
mudarem para Xinjiang.
Por volta de 1876 o povo de Kokhand, no vale Fergana, e o líder da resistência cazaque,
renderam-se e o controle russo se tornou completo. O resultado foram mais russos se
249
estabelecendo na área e fazendas russas limitando gradualmente a pastagem para os rebanhos
cazaques. Uma “reforma agrária” deu mais pastagem para os lavradores em 1912, forçando
mais 300 mil cazaques a se mudarem temporariamente para a China. Em 1916, a Rússia tentou
recrutar cazaques no exército czarista. O que provocou uma rebelião que foi severamente
esmagada pelos russos.
A partir dos anos 20, a política soviética rural desconsiderou o pastoralismo nômade
como um modo de vida válido. Muitos pastoralistas foram forçados a se tornar agricultores sem
treinamento, disposição ou ferramentas. Eles foram forçados a se estabelecer em kolkhozes, ou
assentamentos agrários, e suas manadas e rebanhos ficaram concentrados em pastagens
inadequadas. Entre 80% e 90% dos animais foram sacrificados pelos cazaques como um
protesto em 1932. O resultado foi a fome, entre 1 e 3 milhões de cazaques, ou um terço da
população de cazaques, morreram. Os pecuaristas que restaram eram obrigados a cumprir cotas
de produção de carne e laticínios como se a redução nos animais nunca tivesse ocorrido.
Epidemias de tifóide e a fome resultaram em muitas mortes. Os cazaques se tornaram servos de
um sistema de estado feudal dirigido por estrangeiros, sem os efeitos amenizadores do
paternalismo comum ao velho sistema. Os efeitos da coletivização foram descritos como um
holocausto cazaque.xii
Políticas russas posteriores também foram desastrosas para os cazaques. Por exemplo, a
política de Terras Virgens nos anos 60 para transformar o Cazaquistão numa pradaria de grãos
só fez das pastagens uma região sujeita a tempestades de areia e deixou grande parte dela
imprópria para o cultivo. Alemães e outros exilados de outras partes da União Soviética foram
reassentados na República. Estes e outros projetos russos fizeram dos cazaques uma minoria em
sua própria terra.
O período soviético deixou uma grande área afetada pela radiação de testes de armas
nucleares, o equivalente a 20 mil Hiroshima – o último foi feito em junho de 1995. A área mais
tarde foi poluída porque serviu como base para o programa espacial russo. A irrigação intensiva
drenou o Mar de Aral causando a salinização de grandes áreas de terra de cultivo e o uso de
fertilizantes para os campos de algodão, e arruinou a saúde de uma grande parte da população,
incluindo crianças que ajudam nos campos.
Finalmente, um massacre brutal em dezembro de 1986 de cazaques que protestavam
contra a remoção do único cazaque no governo provocou o renascimento do nacionalismo
cazaque. Isto levou ao fim da União Soviética no Cazaquistão, e a independência foi declarada
em 25 de dezembro de 1991. As forças democráticas ainda não estão bem organizadas e não
têm tido sucesso em influenciar os eventos. Isto provavelmente se deve ao presidente
Nazarbayev ter adotado uma neutralidade presidencial em relação aos partidos políticos e ser
acusado de métodos autoritários.xii Em 2007 ele ganhou todas as cadeiras do Parlamento. A
capital foi mudada à Astana em 1997. A economia está desenvolvendo com o exporto de
petróleo.
Sociedade
Deste processo logo surgiram três confederações de tribos, geralmente chamadas de
hordas – mais precisamente de zhuz, ou centenas. Elas são mais alianças militares regionais, do
que alianças de descendência em comum.
Os ulu zhuz (Grandes Centenas) migram ao longo dos rios Chu, Talas e Ili no sudeste e
passam os verões nas montanhas Ala Tau. Eles são famosos como pastores.
Os orta zhuz (Meia Centena) viviam no Cazaquistão Central com pastos de inverno ao
longo do rio Syr Darya e passavam os verões na estepe central, próximos aos rios Sarysu, Tobol
e Ishim. Este zhuz é considerado como o que produz os melhores escritores e poetas, mas é
também o mais influenciado pela colonização russa.
Os kichi zhuz (Pequena Centena) residem na parte ocidental do país, com
acampamentos de inverno ao longo dos rios Syr Darya e Vral, e eles migram no montes ao
redor dos afluentes do Vral e Tobol. Eles eram considerados grandes guerreiros. As hordas
costumavam ser conduzidas por khans que alegavam ser descendentes de Genghis Khan ou
daqueles que tinham feito a peregrinação para Meca. A aristocracia era chamada “osso branco”,
250
em contraste com todo o povo, chamado de “osso negro”. Cada tribo era conduzida por um
sultão, e seus clãs membros por biis, ou magistrados, eleitos de entre os aksakal, ou “barbas
brancas” das famílias estendidas.
Apesar das tribos não terem parentesco próximo, elas têm uma cultura comum moldada
por um pastoralismo nômade. Para ser um cazaque é preciso ser capaz de traçar a própria
descendência até a sete gerações passadas, que identifiquem o cazaque dentro da estrutura
tribal, clã e família. Apesar da colonização russa, a era comunista e o assentamento dos
cazaques em casas, estes ainda mantiveram sua organização tribal local. Esta organização se
originou da tomada de decisões na administração pastoral nômade, como a alocação de áreas de
pastagem disponíveis. Isto quer dizer que cada cazaque é conhecido de acordo com sua
linhagem e por uma locação particular de acampamentos e pastagem, mesmo após ele deixar o
pastoralismo.
Tribos e clãs são chamados uru. Tribos chaves em Orta Zhur, por exemplo, são os kerey
e nayman, presentes no Cazaquistão e em Xinjian. Os kerey estão divididos em 12 linhagens e
os nayman 9, cada uma destas recebe o nome de um ancestral comum. Dentro de cada clã havia
auls, ou seja, aldeias de 30 a 40 famílias relacionadas sob a liderança de um aksakal, ou “barba
branca”.xii Uma tribo pode ter cerca de 100 auls. Neste nível ter parentesco é importante. Como
diz um provérbio cazaque: “O que se aparta de seus parentes será comido pelos lobos”.
a) Cazaquistão
Os cazaques tradicionalmente consideram que ser um cazaque é ser um nômade;
possuir animais é o estilo de vida deles, sua saúde e bem estar, e a terra era para ser usada e não
para ser possuída. Suas tradições orais são sobre guerreiros montados cujos cavalos são
personagens tão importantes quanto os próprios homens. Os cazaques modernos ainda gostam
da estepe, simbolizada pela fragrância do absinto crescendo lá. Um ramo de absinto é colocado
nos berços de seus filhos, para que eles possam crescer amando as clareiras abertas da estepe.
Eles possuem termos depreciativos como jakat, ou pessoa inútil, para descrever aquele que não
migra como um nômade.
Nomadismo
Os cazaques deliberadamente mantêm rebanhos mistos de ovelhas, cabras, cavalos,
gado e camelos por segurança. Durante o século 19 a composição dos grupos de pastoreio,
como distinto das linhagens, cresceu bem menos até que tivessem somente cerca de meia
dezena de iurtas ou casas. O objetivo era evitar o pisoteio e a superpastagem dos campos pelos
rebanhos reunidos, como ocorria antigamente com os grupos maiores. Eles passavam quatro
meses de inverno num acampamento de iurtas e cabanas numa área abrigada dos ventos e
nuvens por morros ou florestas. Ali eles produziam e concertavam seu equipamento e
pastoreavam os rebanhos. Um problema no inverno é o jut, quando o gelo cobre a grama e os
animais não conseguem se alimentar.xii
Cazaques e quirguizes consideram quartas e sextas dias de sorte para começar a
migração de primavera, o que requer que eles se banhem e usem suas melhores roupas e até
cubram sua bagagem com tapetes ou cobertores vistosos. É celebrada uma festa na véspera da
jornada. Os rebanhos têm que ser “purificados” sendo conduzidos entre duas fogueiras. As
moças sobre cavalos costumavam ir à frente, seguidas por suas mães com as crianças menores,
mas hoje os caminhões substituíram os camelos para transportar o acampamento.
Ao longo da rota, as auls geralmente param nas árvores e pedras sagradas para oferecer
orações ou sacrifícios. Mensageiros montados, ou “orelhas cumpridas” transitavam entre as auls
para dar notícias, ou para planejar as migrações para que os rebanhos não ultrapassassem os
limites uns dos outros, mas hoje são usados rádios. As distâncias percorridas na primavera
ficam menores a cada dia, determinadas pelo crescimento lento da grama e o número de poços
ao longo da rota. As iurtas eram tradicionalmente erigidas num círculo com a entrada de frente
para o centro, onde os animais mais jovens eram confinados. Na chegada no acampamento de
verão, ou jailu ou jailau, as pastagens seriam “purificadas” novamente por uma fogueira acesa,
251
e outra festa celebrada para assegurar a “boa sorte”. O acampamento de verão era mudado
várias vezes, à media que acabava a pastagem entre junho e setembro.
As kokteu, ou migrações de antigamente, foram interrompidas pela coletivização, mas
desde a independência muitos ainda as praticam de uma forma modificada, e com as incertezas
econômicas dos dias atuais, outros o farão também para sobreviver. A extensão das migrações
pode variar de 200 quilômetros, para as tribos da Grande Horda, até a 1.000 quilômetros para as
outras tribos, se mudando com dificuldade para o norte e sul de acordo com as estações. Na
estepe a oeste os cazaques praticam um pastoralismo “horizontal”, mas nas áreas de montanha
para o sudeste do Cazaquistão, e nas montanhas Altai e Tien Shan de Xinjiang, as migrações
são mais curtas e aproveitam a mudança no crescimento da grama de acordo com a altitude das
montanhas.
Nos anos 90 cerca de 20% da população do Cazaquistão, ou mais de 3 milhões de
pessoas, estavam na agricultura. É o mesmo número de pessoas na indústria. Elas trabalhavam
em mais de 7 mil fazendas estatais ou coletivas, com um tamanho médio de mais de 35 mil
hectares. Cerca de 82% da terra está disponível somente para o pastoreio, e um terço dos 18%
de terra cultivável restante provê restolho para o setor pastoral. Os pastoralistas cazaques no sul
do Cazaquistão costumavam produzir 22% da madeira e 7% da carne para a União Soviética.
Felizmente havia uma prática de agricultura privada bem estabelecida e criação de animais em
terrenos particulares além da agricultura estatal e coletiva, e esses costumavam contribuir com
30% da carne e 43% do leite no Cazaquistão durante os últimos anos da União Soviética.
Hoje, a privatização das fazendas coletivas ocorre mais devagar do que o esperado, mas
muitos pastoralistas parecem preferir arrendar a terra que permanece nas mãos do estado. xii
Felizmente as antigas fazendas coletivas tendem a seguir as estruturas tribais e de linhagem de
suas terras tradicionais, por isso a restauração dos padrões pastorais e sociais está mais fácil.
Diferentes formas de pastoreio de ovelhas são praticadas, como criação confinada ou
pastoreio próximo às fazendas durante o inverno, com pastoreio próximo ou distante durante o
verão. O pastoreio em pastagens sazonais também é feito o ano todo, com acampamentos de
inverno em áreas semidesérticas, principalmente a criação de ovelhas para a extração de lã. A
criação de gado leiteiro, geralmente confinado, muitas vezes é combinada com a criação de
ovelhas.xii Os acampamentos dos criadores agora são estabelecidos próximos à rede elétrica para
que eles possam ter televisão nas iurtas, mesmo se não tiverem água corrente! Pastores isolados
são ajudados pelos membros da família ficando com eles por algum tempo, bem como
mantendo contato com os centros de saúde e auxílio ao pastoreio.
O modo de vida dos criadores e suas famílias está voltando, de muitas maneiras, ao
modo tradicional do pastoralismo nômade. Geralmente eles preferem a iurta às casas fixas,
mesmo em assentamentos. O acampamento de pastoreio, ou awiel, é formado pela família do
líder, ou bastiq (barba branca), na iurta central, as famílias de seus filhos à direita, e as iurtas de
outras famílias agregadas à esquerda. Os homens pastoreiam os animais, tosquiam as ovelhas e
fazem a estrutura da iurta e sua mobília. Os homens também produzem selas e plantam alguma
coisa.
Estilo de vida
Há um reavivamento geral da língua e tradições cazaques, embora eles também
busquem as vantagens da modernização. Noventa e cinco por cento falam cazaque, e a maioria é
leal a suas raízes pastorais e xamanistas. Há pescadores cazaques nos Mar Cáspio e no Mar de
Aral. Eles são considerados um grupo de povo distinto, que abandonaram seus ancestrais porque
eles desistiram de criar animais. Os comunistas podem ter buscado exagerar a diferença entre os
pescadores e o resto dos cazaques.
Os cazaques de hoje vêem a si mesmos como divididos entre tazas tradicionais, tazas
modernos e cazaques russificados. Taza é uma palavra cazaque que significa “puro”.
Tazas tradicionais são cazaques que vivem no campo, falam principalmente o cazaque,
vestem-se de uma forma tradicional e ainda valorizam as maneiras antigas. Para a eles a unidade
social básica é a família, ou uey, vivendo numa iurta (ou hoje numa casa numa aldeia), que antes
formava uma brigada, ou subdivisão de uma fazenda coletiva. Os cazaques rurais agora podem
252
migrar para as cidades, encorajados por um uso mais difundido da língua cazaque, e procuram
trabalho ou educação. Os jovens na escola podem conseguir permissões para ter um lugar num
dormitório, caso contrário eles têm que viver com um “parente”. Alguns se mudam para a
periferia da cidade para que possam plantar e criar alguns animais. Eles mantêm fortes laços
com sua zona rural.
Os cazaques têm famílias grandes. Os casamentos são a principal celebração na
sociedade cazaque e implicam na reunião dos clãs, sacrifícios, corridas de cavalo, a troca do
dote da noiva por animais e o presente de uma iurta para o casal. O casamento é arranjado talvez
com anos de antecedência pelos pais, entre linhagens, o que cria laços fortes em toda a
sociedade. Uma prenda e um dote são dados, bem como muitos outros presentes. A poligamia e
o casamento levirato são praticados.
As mulheres costumavam ser, e ainda são, as pessoas
indispensáveis numa casa. Elas tiram leite dos animais; fazem manteiga, queijo, iogurte; fazem
feltro da lã para roupas e para cobrir a iurta. Na migração as mulheres desmontam a iurta,
carregam os animais de carga e levantam a iurta novamente. As mulheres também preparam
refeições, costuram, bordam e fazem roupas. A taxa de divórcio é de cerca de 50% e o
alcoolismo é endêmico.
Os tazas modernos são cazaques que tiveram uma educação, vivem em grandes
cidades, falam cazaque e russo. Mas eles seguem os costumes cazaques e preferem falar
cazaque para reafirmar sua identidade cazaque. Falar russo já foi essencial para uma educação
superior, mas agora a proficiência em cazaque é uma qualificação social necessária para vagas
de estudante e emprego. Desde a independência estes cazaques modernos preferem a
modernização e a urbanização, mas sem se identificarem com os russos. Eles são talvez o povo
chave para a estabilidade futura do Cazaquistão e também para o evangelismo. Eles têm uma
visão de mundo mais oriental. Eles se consideram ateus mais também seguem práticas islâmicas
populares.
Os cazaques russificados falam russo, mas agora estão tendo que ensinar cazaque a
seus filhos. Eles se consideram parte de um mundo russo.xii Mas as divisões entre os próprios
cazaques, bem como sentimentos negativos para com os russos, ainda podem gerar conflito na
nova república. Os cazaques tradicionais se referem aos russificados como shala, ou meia raça,
porque eles já falam a língua e nem preferem os costumes cazaques, e consideram os hábitos
tradicionais como atrasados. Até mesmo os cazaques russificados mais seculares acreditam em
espíritos, astrologia, adoração dos ancestrais, xamãs ou curandeiros e mal olhado.
Religião
Os cazaques passaram por uma conversão nominal ao islã no século 19, mas esta só
afetou aos “ossos brancos”, ou elite social, e os que moravam nas cidades. O fato dos cazaques
serem nômades ainda no século 20 significava que a maioria dos cazaques tinha pouco contato
com as instituições do Islã, exceto pelos homens santos do sufismo que viajavam entre eles. Ser
um muçulmano significa a aceitação de Alá como cabeça de seu panteão de seres inferiores,
numa batalha entre o bem e o mal. O islã simplesmente foi acrescentado ao “bem”. Estes seres
incluem os espíritos dos mortos e dos animais que residem na natureza, e especialmente no
gado, que podem ser persuadidos por oferendas a combater o poder do mal.
Hoje o islã é misturado com o xamanismo numa renovação religiosa na qual os xamãs
atraem grandes multidões por meio de seus milagres, devido ao temor aos espíritos e pela
promoção na televisão. Muito disto é uma reação contra a influência russa. A religião deles
permeia sua língua e domina sua literatura e arte. Na visão cazaque tradicional, o mundo é
considerado um morro de quatro lados e o lado que mostra o presente é azul, por isso céu é
desta cor.
Os sacrifícios e a gordura derramada sobre fogueiras encorajam os ancestrais a ajudar os
vivos, e são feitas orações para vários espíritos nos tempos de crise. Os animais, também, são
levados para lugares santos para serem curados, já que toda doença seria causada pelos maus
espíritos. Um cajado de pastor e as cordas para amarrar animais jovens costumam ser
considerados como tendo poder mágico. O omoplata e os ossos do cotovelo de uma ovelhas
predizem o futuro ou protegem contra os espíritos.
253
Os cazaques são os muçulmanos menos praticantes dos povos turcos da Ásia Central. O
governo do Cazaquistão adotou um tom conciliatório para com os clérigos muçulmanos para
evitar sua radicalização. O governo estabeleceu seu próprio Conselho Islâmico para substituir o
Conselho Religioso Muçulmano da Ásia Central estabelecido pelos soviéticos, que foi usado
para controlar grupos religiosos.
Outros grupos estão trabalhando para obter uma maior influência islâmica no
Cazaquistão. O Partido Pan Turco do Turquistão, por exemplo, está trabalhando para uma
unidade islâmica mais ampla, enquanto várias personalidades da literatura estão fundando um
Partido Islâmico. O Irã e a Turquia estão buscando influenciar e transmitir programas de TV
diretamente para o Cazaquistão. O clero turco está treinando um clero cazaque em várias
cidades, mas a articulação por um estado islâmico não está bem organizada. Os curandeiros
xamãs são treinados e registrados pelo governo. Os ensinos Hare Krishna e da Nova Era estão
sendo ativamente difundidos.
Alcance
Há muitas agências cristãs trabalhando no Cazaquistão, mas até hoje pouco trabalho
está sendo feito entre os cazaques rurais. A maior parte do interesse cristão no Cazaquistão tem
sido centralizada na horda ulu, até recentemente. Há 36 igrejas em Almati, a antiga capital, e
agora elas estão usando a língua cazaque, o que é essencial para os cazaques tradicionais. Os
cazaques tradicionais nas aldeias não são só mais religiosos, como também mais responsivos ao
cristianismo do que os cazaques russificados. Contudo, em um grupo tem havido uma resposta
tanto de cazaques tradicionais como de russificados, e as línguas cazaque e russa são utilizadas.
Os cristãos distribuíram 81 mil evangelhos em cazaque em 1994. Mais de 100 são crentes
conhecidos, e alguns estão retornando para suas aldeias.
O filme Jesus está disponível na versão cazaque e russa, e vídeos cristãos, com
dublagem cazaque, passaram várias vezes na TV. As tradições orais cazaque de contar histórias
são importantes, por isso a Gospel Recordings está trabalhando em fitas de áudio para atender a
esta necessidade.xii Dezoito livros do Novo Testamento, junto com Gênesis e alguns Salmos,
foram publicados e são famosos, e a primeira tradução do Antigo Testamento em cazaque está
em desenvolvimento. A Bíblia para Crianças, produzida pela IBT e UBS, é muito famosa. xii A
TWR e a FEBA transmitem programas de rádio cinco vezes por semana em cazaque.
b) Antiga União Soviética
Os cazaques na Rússia são 630 mil; e há 800 mil no Uzbequistão; 87 mil no
Turcomenistão; 38 mil no Quirguistão; e 11 mil na Tadjiquistão. Muitos destes preferem deixar
suas terras tradicionais, que estão localizadas no lado errado da fronteira, para viver no
Cazaquistão onde eles podem encontrar sua identidade cazaque. Também há comunidades
cazaques no Irã, Azerbaijão, Moldova e Turquia. Estas são comunidades de refugiados da
China. Cada uma destas comunidades precisa ser atingida com o evangelho.
c) Mongólia
Os cazaques na Mongólia são chamados hasaq, e totalizam 100 mil, ou 4% da
população.xii Eles vivem como pastoralistas e agricultores principalmente em Bayan-Olgiy
Aimag, que fica no extremo oeste do país, nas montanhas, e próximo às montanhas em
Xinjiang, Cazaquistão e Rússia. Imediatamente após o colapso do comunismo na União
Soviética e Mongólia, houve uma tendência de migração para o Cazaquistão, que era visto como
sua terra natal. Razões econômicas mais práticas, desde então, refrearam esta prática, e muitos
preferem ficar na parte ocidental da Mongólia.
d) Xinjiang, China
Há 1,4 milhões de cazaques em Xinjiang, China.xii A maioria deles vive nas pastagens
nas montanhas do norte e leste de Xinjiang, em Ili, Borkal e prefeituras cazaques autônomas em
Mulei.xii Eles se mudaram para o leste na última metade do século 19. Os mongóis, que tinham
fugido para o vale Volga em 1654 por causa do ataque chinês, retornaram para o que é agora
254
Xinjiang, e os cazaques de lá se aliaram aos chineses para expulsá-los e assim se aproximaram
mais do controle chinês. Um pequeno número deles é de agricultores. Eles têm resistido à
assimilação na vida chinesa, e eles só vivem com seus parentes, continuando um estilo de vida
seminômade, nas escarpas norte de Tien Shan ou nas montanhas Altai.
Nomadismo
O ciclo migratório os cazaques em Xinjiang difere daquele no Cazaquistão, já que eles
usam esta cordilheira para as pastagens de verão numa migração “vertical” que envolvem
distâncias de 150 quilômetros. Durante o inverno eles vivem em casas de toras de madeiras ou
de adobe em suas pastagens de inverno, ou qistaw, nos vales. Na primavera, suas pastagens
amadurecem em Tien Shan no fim de março e em abril nas montanhas Altai, e os nômades se
mudam para suas pastagens de primavera, ou koktew, nas escarpas mais baixas. Eles sobem
gradualmente em maio para as pastagens de verão mais altas, ou jay law, se mudando
novamente em julho. Uma aul pode ter entre 20 e só uma ou duas iurtas, com até 5 mil ovelhas,
centenas de cavalos e talvez 100 camelos, embora os caminhões estejam substituindo estes
últimos. A tosquia das ovelhas é feita nas pastagens de outono, ou kuzin, em setembro.
Os cazaques em Tien shan são mais prósperos porque eles têm uma ligação direta, por
estrada, com os mercados de Urumqi na base das montanhas, e também porque as pastagens de
verão e inverno ficam a uma distância menor do que qualquer outra devido à subida rápida pelas
rampas ao norte. As comunas foram abolidas em 1985, e a casas cazaques possuem rebanhos
mistos e têm direitos de pastagem e de trânsito para restabelecer as migrações nômades. A
privatização resultou não somente num padrão de vida mais elevado para muitos nômades, com
ligações com os mercados urbanos para seus produtos, mas também em animais mais saudáveis
com taxas de mortalidade muito mais baixas e rebanhos maiores. Os serviços de saúde e de
educação parecem ter melhorado, mas há uma necessidade de habilidades de marketing para que
eles não fiquem em desvantagem com os comerciantes uighur.xii
Os cazaques, cujas pastagens de verão estão em Altai Shan, desfrutam do melhor pasto
em Xinjiang. Era ali que, séculos atrás, Genghis Khan tinha os quartéis generais militares de seu
império. As montanhas têm somente 4,3 mil metros de altura, por isso elas são cobertas com
grama e áreas de floresta. Contudo, os invernos rigorosos nessas montanhas, com pesadas
nevadas, significam que eles têm que viajar mais de 250 quilômetros para suas pastagens de
inverno no deserto de Junggar. As migrações de primavera e outono levam, cada uma, três
meses. A maioria das famílias passa os invernos em cidades, ou nas proximidades, como Altay
ou Kuerte, onde alguns têm casas simples mantidas por seus membros mais velhos.
Os chineses organizaram as famílias em equipes de produção de rebanho numeradas.
Após o fracasso de seu esquema para estabelecer a agricultura de irrigação próximo à cidade de
Altai, o governo chinês parece reconhecer que o pastoralismo nômade é a única forma de usar a
terra. Ele estabeleceu um sistema de saúde e educação, e vê a necessidade de usar o
pastoralismo como um recurso econômico, bem como administrar cuidadosamente as pastagens.
Cada família costumava ter um comboio de quatro a cinco camelos para carregar a iurta
e os utensílios domésticos, e devido à necessidade a iurta agora é muito mais básica. Cada
família pode ter cerca de duas dúzias de gado, e por esta razão eles param por dois dias em cada
acampamento para que o gado possa pastar. Os jovens viajam separados com as ovelhas e
cabras, viajando sem muito peso com uma tenda de feltro. Os cavalos são seu orgulho e alegria,
e os que não estão sendo montados são conduzidos separados. Esses cazaques jogam seus
tradicionais jogos de pólo, nos quais dois times montados em cavalos tentam apanhar a carcaça
de uma ovelha e carregá-la até ultrapassar uma linha. Há também o jogo de perseguir, a cavalo,
e beijar as mulheres enquanto elas brandem seus chicotes sobre os homens.
Durante a maior parte do ano os cazaques ficam em suas iurtas em grupos nos vales das
montanhas para se proteger dos ventos, cada uma montada no mesmo local a cada ano. A
hospitalidade é comum e os filhos adolescentes constantemente são enviados para convidar
visitantes. A iurta tem cerca de 10 metros de diâmetro e cinco metros de altura, com um fogão
com um cano de chaminé no centro. As benções são trocadas ao se voltar as palmas das mãos
em direção a outra pessoa.
255
Uma visita é motivo de celebração, com o sacrifício de uma ovelha, e tudo menos o
velo é servido. Espera-se que o convidado corte a carne da cabeça da ovelha cozida e coma os
olhos; as orelhas vão para o filho mais jovem. Os convidados devem mostrar que apreciou a
refeição esvaziando o prato com entusiasmo. Iogurte em pedaços brancos e firmes é servido
junto com o chá, feito de folhas cortadas em tiras finas de um bloco de chá gravado com um
emblema comunista. Depois ainda há mais diversão por meio de troca de histórias, composição
de poemas e canções acompanhadas por palmas.xii
Em 1990, dois terços dos cazaques em Xinjiang ainda eram considerados envolvidos no
pastoralismo. A política chinesa é considerar primitivas todas as etnias minoritárias e
necessitadas da liderança chinesa han para se estabelecer e obter as vantagens da educação e
trabalho assalariado nas cidades. Quando as comunas foram desmanteladas os cazaques tiveram
seus animais de volta para que eles pudessem pastorear e vender os produtos. Mas se eles
quisessem possuir os próprios animais tinham que comprá-los. As pastagens tinham que ser
alugadas do governo, e os fundos supostamente seriam destinados para a melhoria dos pastos,
mas isto não aconteceu. A maioria dos cazaques é relutante em mudar seus métodos – não por
causa de conservadorismo, mas porque o pastoralismo é muito importante para sua identidade
dentro de uma cultura estrangeira, e as alternativas oferecidas proporcionam pouca melhoria.xii
Religião
Em Xinjiang, os mulás também são xamãs.xii Há muitos motivos para o nacionalismo
incansável em Xinjiang, como a repressão chinesa aos levantes muçulmanos, a política de um
filho por família, a ameaça ambiental dos testes nucleares de superfície até 1983 e o fechamento
das fronteiras com o Quirguistão.xii Eles usam letras romanas e árabes modificadas para o
cazaque. A Swedish Mission Church sofreu perseguição até desaparecer no início do século 20.
A Little Flock tentou atingi-los mudando cristãos chineses para a região. A New Opportunities
tem uma equipe lá também.
Os cazaques também vivem em regiões cazaques autônomas em Gansu e Qinghai,
China. Eles têm uma história trágica.
Em 1939, durante as guerras civis na China causadas por vários líderes militares, um
grupo de 10 mil cazaques fugiram em direção ao sudeste para Qinghai. Mas eles foram
acossados pelos mongóis e foram forçadas a ir mais para o sul, onde eles tiveram que combater
um líder militar local até sobrarem somente 700 deles. Maiores perdas foram evitadas por causa
de seu nomadismo. Quando eles tentaram deixar a República do Povo em 1953, 12,6 mil de 15
mil foram mortos. Hoje, cerca de 2 mil vivem em iurtas como seminômades criando ovelhas,
cavalos, bois e camelos. Durante o inverno eles vivem em casas próximas de Golmud, a
segunda maior cidade da província. A linguagem deles é diferente da falada em Xinjiang, sendo
influenciada pela língua mongol.xii
e) Afeganistão
Há 2 mil cazaques no distrito de Chahar Dara, oeste de kunduz, norte do Afeganistão,
que são descritos como nômades.xii
QUIRGUIZ
O nome quirguiz pode significar “tribos descendentes de quarenta donzelas”. Eles
costumavam ser chamados de quirguizes kara, ou quirguizes autênticos, para diferenciá-los dos
otez oghul, ou assim chamados quirguizes-cazaques, que são os cazaques dos dias atuais. A
maneira mais simples de diferenciá-los é considerar os quirguizes como habitantes da
montanha, que desenvolveram um nomadismo migratório no Quirguistão, Xinjiang, nos vales
Pamirs e Fergana, enquanto que os cazaques foram aqueles que desenvolveram uma cultura e
um nomadismo na estepe aberta.
Hoje os quirguizes são 2,45 milhões no Quirguistão. Há 64 mil no Tadjiquistão, embora
20 mil tenham deixado o Quirguistão como refugiados. Há 175,78 mil no Uzbequistão, e 141,6
mil em Xinjiang, China. Nos anos 70 havia 1,9 mil em Wakhan, Afeganistão, mas a maioria
destes foi reassentada na Turquia, restando somente cerca de 500.
256
Sociedade
O Quirguistão é uma nação pequena, e em qualquer pequena reunião de quirguizes
pelos menos duas pessoas irão descobrir que têm parentesco, porque eles preservaram sua
estrutura tribal. Esta estrutura é dividida em duas confederações: os otuz uul, ou Trinta Filhos, e
os ich kilik. A confederação ich kilike é formada por tribos e clãs espalhados, alguns de origem
não quirguiz. Os otuz estão divididos em uma Ong Kanat (Asa Direita) e uma Sol Kanat (Asa
Esquerda). As principais tribos da Ong Kanat são os tagay, com 13 clãs incluindo os bugu e
salto, que foram berço de muitos políticos e intelectuais quirguizes. Os tagay vivem em Issyk
Kul e a parte leste de Naryn oblasts. Da Asa Direita também são as tribos adigene com seis clãs,
e mungush com dois clãs, na parte oriental do Vale Fergana. Mas um clã adigene, os kungrat,
está separado do resto no extremo leste do lago Issyk Kul. O Sol Kanat possui oito tribos na
parte oeste e central do Quirguistão.
Tradicionalmente um quirguiz deveria ser capaz de traçar sete gerações de sua
genealogia para provar de qual linhagem, ou oruq, ele pertence. As kechek oruq, ou linhagens,
servem para identificar indivíduos e os oeylar (sg. oey), ou casas, e seus nomes podem ser
usados como sobrenomes. Por todo o período da coletivização soviética, a tendência era que os
líderes locais fossem também os líderes dos oruq. Eles são conduzidos por um aqsaqal, ou
“urso branco”, famoso não só como um pastor de sucesso, mas também como um conselheiro e
juiz imparcial. Sua posição é por consentimento dos líderes dos acampamentos ou famílias
estendidas em sua linhagem, que são considerados seus iguais.
História
Os quirguizes são um exemplo de um povo sedentário que se tornou pastoralista e
depois parcialmente sedentário de novo. Originalmente os quirguizes eram fazendeiros e
mineiros na parte mais alta do rio Yenisei na Sibéria central, que com a invenção de selas
melhores e as pontes no rio vieram a estender seu pastoralismo por toda a vasta pastagem. Eles
se mudaram para oeste e sul nos séculos 15 e 17, batendo em retirada dos ataques dos kalmuks,
para a área do Quirguistão dos dias atuais, uma terra que eles chamam de Altyn Beshik, ou “o
Berço de Ouro”, cercada como é pelas montanhas cobertas de neve que eles chamam de Asas da
Terra.xii Durante essa longa jornada eles se converteram ao islã, e seu poema épico Manas fala
sobre as guerras religiosas que eles lutaram. Eles finalmente se estabeleceram nas montanhas ao
redor do lago Issyk Kul e têm muitas lendas sobre o lago.
Os quirguizes resistiram à expansão da Rússia czarista atacando as cidades e fazendas
russas por todo o Turquistão, mas eles foram enfraquecidos por um inverno severo em 1859. A
Rússia tomou o controle de grandes áreas do que agora é o Cazaquistão e o Quirguistão para
fazendeiros russos. Os quirguizes se juntaram aos turcomanos numa revolta, novamente, em
1916, participando num massacre de colonizadores russos locais. Num dramático encontro a
cavalo numa noite iluminada pela lua, os líderes quirguizes insistiram para que o missionário
morávio pioneiro Hermann Jantzen (1866-1959) convencesse os aldeões alemães vizinhos a se
juntar a eles na revolta. Mas Jantzen, consciente do poder das forças russas mais modernas,
convenceu os líderes quirguizes a fugir, antes que a Rússia se vingasse para as montanhas a sul
onde muitos deles permanecem até hoje. Mais tarde, quando ele foi acusado pelos comunistas
de ser um “contra-revolucionário”, ele também encontrou refúgio entre as montanhas nas iurtas
daqueles mesmos quirguizes.xii
Quando a coletivização foi forçada sobre os nômades em 1924, os quirguizes mataram
seus rebanhos e muitos fugiram para a China em vez de se submeter. Eles mantiveram sua
cultura viva porque só era possível viver nas condições naturais da forma quirguiz tradicional.
Os contadores de história ambulantes (a principal diversão no inverno) mantiveram as tradições
indo de um acampamento a outro, para que o comunismo não conseguisse erradicar o
nomadismo. Mas as fazendas coletivas tendiam a usar a estrutura social quirguiz tradicional e
manter as alocações de terra tradicionais, e assim elas se tornaram organizações bastante
descentralizadas mantendo os clãs e famílias locais intactas.
257
No Quirguistão, colonizadores russos e uzbeques pegaram a melhor terra e os melhores
trabalhos e agora são 34% da população, e os quirguizes étnicos são somente 53%. Já que suas
antigas planícies foram transformadas em fazendas russas eles se mudaram para as aldeias nas
terras montanhosas mais baixas, e os quirguizes foram forçados a mudar seu pastoralismo. Eles
tiveram que aumentar o tamanho de seus rebanhos, mudando para a raça Merino para produzir
lã fina, e eles foram forçados a depender de feno importado para o inverno. Enquanto os
rebanhos dentro das áreas montanhosas quirguizes seguiam um padrão migratório, os do vale
Clui eram levados de trem ou caminhão para o Cazaquistão para invernar, enquanto, em troca,
os rebanhos cazaques e uzbeques seriam transportados para pastagens de montanha no
Quirguistão para o verão.
A criação de ovelhas ainda é a indústria mais importante depois da mineração, e está
recebendo prioridade do governo. O Quirguistão, com seus 10 milhões de ovelhas e cabras e 2
milhões de outros animais, é capaz de produzir manteiga, iogurte e queijo o suficiente para
suprir a antiga União Soviética.xii Cerca de 43% da terra do Quirguistão é pastagem de
montanha, e 80% da população vivem em kolkhoz rurais, ou assentamentos de aldeias.
Desde o desmantelamento da União Soviética, o retorno para uma economia privada
têm sido difícil. Por volta de 1994, os animais pertencentes às famílias aumentaram de 22%, sob
a União Soviética, para mais de 43% e a criação de fazendas privadas aumentou por volta de
16%. Mas a independência também trouxe um declínio na produção de forragem e falta de
combustível para transportar os animais para pastagens distantes, resultando num declínio de
50% no número de animais e na superpastagem dos pastos de montanha mais baixos. Trouxe
também uma taxação sobre a utilização dos pastos.
Nomadismo
Hoje, o povo segue diferentes formas de pastoralismo. Eles misturam alimentação em
estábulo ou pastoreio próximo às fazendas durante o inverno com pastoreio próximo, ou
distante, durante o inverno, semelhante ao método nômade antigo. Assim sendo o pastoralismo
de migração ainda é praticado, com os membros das famílias deixando os acampamentos de
iurtas nas pastagens de verão nas montanhas. Enquanto os homens pastoreiam nas montanhas,
as mulheres na maioria das vezes trabalham nas fazendas no vale fazendo o na produção de
laticínios e têxteis, mas elas visitam as pastagens para buscar o leite de égua para fazer kumiss.
Kumiss é o leite de égua fermentado, apreciado e bebido em grandes quantidades. Uma família
precisa de um rebanho de no mínimo 35 animais para a subsistência básica, provendo leite para
korut, ou bolas de queijo, kumiss e lã para produzir feltro para suas roupas e tapetes, e uma iurta
se eles precisarem de uma. A maioria dos rebanhos é muito menor e seus proprietários os
entregam aos cuidados de pastores de tempo integral em suas aldeias. Muitos das novas
propriedades de criação de ovelhas também têm terra para o plantio e para a criação de gado. A
maioria das famílias sobrevive porque não são taxadas e têm seus filhos para trabalhar para elas
plantando vegetais ou frutas.
O período de novembro até o meio de abril é passado nos vales das áreas montanhosas
no assentamento, ou kyshtoh, ou acampamento de inverno, onde as vacas e animais mais novos
são mantidos. As ovelhas podem ser levadas para onde há menos neve, mas elas geralmente são
trazidas para um aprisco à noite por causa dos predadores. Os cavalos podem escavar a neve e
assim podem tolerar áreas cobertas de neve, e as outras espécies geralmente vão atrás deles. As
ovelhas podem dar cria em abrigos aquecidos no fim do inverno, e os cordeiros são criados em
salman, ou grupos da mesma geração, até eles se juntarem ao rebanho quando tiverem quatro
semanas de vida.
As migrações dos quirguizes para as pastagens de verão nas montanhas Tien Shan na
altitude de 3,5 mil metros ficam, ou costumavam ficar, a uma distância entre 100 e 200
quilômetros. O início da migração de primavera é um tempo de celebração, e é relativamente
vagaroso. A pastagem de primavera, numa altitude média, é o lugar para a tosquia e a parição.
As ovelhas são mantidas em rebanhos de acordo com a idade e a raça. A tosquia é feita em
junho com lâminas mecanizadas que aumentam a produção cinco vezes mais, comparando com
258
um tosquiador experiente que trabalha manualmente. As cabras são tosquiadas mais cedo, em
abril.
Um acampamento na jayloo, ou pastagens de verão, é chamado qorow (literalmente um
kraal para ovelhas e cabras), e consiste de uma família, ou oey, com o maior rebanho e
geralmente outro menor, o oeylar relacionado com rebanhos menores ou nenhum. O homem
mais velho da principal família é o líder, ou bii, e os hóspedes geralmente são recebidos em sua
iurta, embora um hóspede seja considerado hóspede de todo o acampamento e todos colaborem
na hospitalidade. Eles ajudam uns aos outros, e se uma oey está sozinha, um acampamento
vizinho a ajudará nos períodos de doença, morte ou celebrações. Dependendo da pastagem
viável, a aul pode se dividir por uma estação.
A aul que chega primeiro no jayloo recebe as outras para uma refeição e jogos. O verão
é a época de fazer iogurte, queijo e feltro, e de assegurar que os animais estejam bem
alimentados para encarar o inverno. As mulheres também ajudam com o pastoreio à noite. Após
um breve período parado de junho ao meio de julho, os rebanhos são deslocados pelas pastagens
montanhosas de verão durante julho e agosto. A descida começa devagar em setembro, usando
de novo as pastagens de primavera no caminho, porque a grama cresceu durante o verão. Mas,
com o súbito começo da geada no meio de outubro, eles retornam rapidamente para o
acampamento de inverno.
O cavalo é vital para o pastoralismo nômade e é celebrado nas tradições quirguizes
como o protetor daquele que o monta e das ovelhas. Nas histórias, o nome e a personalidade do
cavalo são uma parte vital do enredo. Os quirguizes se gabam que seus filhos aprendem a
montar antes mesmo de andarem.xii A maneira como uma pessoa trata um cavalo é considera um
sinal de sua atitude para com as pessoas e a natureza.
Tradicionalmente a pastagem de montanha não era alocada para rebanhos, mas usada de
acordo com a tribo (a que chegasse primeiro). Isto não era o adequado, e a Constituição de 1993
estatizou todas as terra e as autoridades do governo local, ou raions, as arredam por 49, 25 e 5
anos e cobram impostos. Levou algum tempo para estabelecer um sistema consistente e
encontrar formas alternativas para migrar com as ovelhas, por exemplo, a pé, após o colapso das
fazendas coletivas. Os métodos para tosquiar, classificar e colocar no mercado precisam ser
melhorados.
O Quirguistão, embora, em 1991, fosse o penúltimo dos antigos estados da União
Soviética em urbanização com 38%, agora lidera a lista na Ásia Central por causa do êxodo
rural para suas cidades. Muitos quirguizes rurais estão migrando para Bishkek e outras cidade.
No primeiro trimestre de 1993 havia mais de 30 mil migrantes registrados. As razões para este
movimento são a superpopulação no campo, a queda na produção agrícola e a insatisfação dos
jovens com a vida nas aldeias, onde eles têm pouca perspectiva de emprego integral ou de uma
vida melhor, embora eles dificilmente se saiam melhor na cidade.
Em 1994, os migrantes rurais eram 10% da população de Bishkek. Agora a cidade está
cercada por assentamentos irregulares que cobrem uma área quase igual à do resto da cidade. O
perfil dos típicos migrantes rurais em Bishkeke é o de um jovem casal na casa dos vinte,
geralmente com um ou mais irmãos ou irmãs vivendo com eles. Eles mantêm fortes laços com
sua família no campo e descobrem que a cidade é um ambiente estranho que é pouco receptivo a
eles, e a seus laços familiares próximos. Estima-se que entre 60% e 90% não tenham emprego.
Muitos tentaram, sem sucesso, estabelecer pequenas plantações nos terrenos de suas casas.
Atividades criminosas, informais, e os “bicos” são as únicas fontes de renda que eles encontram.
Muitos vivem em cabanas, barracões, abrigos ou casas inacabadas. Nos subúrbios faltam ruas
pavimentadas, esgoto, água e eletricidade.xii
a) Xinjiang, China
Há 141,6 mil quirguizes vivendo na Prefeitura Autônoma Quirguiz em Kizilsu, oeste de
Xinjiang, e sobre a fronteira do Quirguistão.xii Eles se mudaram para Xinjiang para evitar o
recrutamento e um massacre pelo Exército Vermelho no qual 30% dos quirguizes morreram. A
capital é Artux, num oásis a 40 quilômetros a norte de Kashi no planalto Pamir, e tem uma
259
população de 30 mil. Eles são só parte nômades devido às políticas governamentais, mas eles
criam camelos, iaques, ovelhas, cabras e, especialmente, cavalos.
As pastagens deles, em Pamirs nas fronteiras do Tadjiquistão e Quirguistão, são as mais
altas em Xinjiang. Ali eles vivem em iurtas o ano todo a 3,4 mil metros e no verão sobem para
pastagens reservas em duas montanhas de cerca de 4,2 mil metros. Em altitudes menores, eles
mantêm a grama cortada para forragem de inverno. Mas a pastagem é tão escassa que eles não
podem desenvolver rebanhos melhores, e um dos resultados é a falta de trabalho para as
gerações mais jovens. Os chineses estão tentando impor um esquema de alocação de terra, mas
não está funcionando porque é estranho à cultura quirguiz. Eles fazem seus próprios tapetes, e
feltro da lã, e só importam farinha, já que eles não têm plantações próprias. O governo fornece
escolas e programas de saúde. Eles têm poucos mulás ou mesquitas próprias, e a embriagues é
um problema sério.xii
b) Afeganistão
Os quirguizes no nordeste do Afeganistão foram para lá após a Revolução Comunista
Chinesa, enquanto outros se mudavam para o Paquistão. No passado as Pamirs geralmente eram
desabitadas, e usadas somente como pastagem de verão ocasionalmente por alguns quirguizes.
Contudo, os eventos políticos e o fechamento das fronteiras soviéticas e chinesa forçaram os
quirguizes a viver permanentemente nesta área restrita desde 1949. Denker credita à liderança
dos khan a bem sucedida adaptação deles a esse pastoralismo de grande altitude, que só foi
possível por causa da mudança de seus padrões de migração, do aumento de pastagem e
forragem de inverno pela irrigação, e pela ampliação dos métodos tradicionais de partilha de
animais. Shanrani estima que havia 1.825 quirguizes em 333 famílias, unidades oey, vivendo
nas cordilheiras Grande e Pequena Pamir em Wakhan em 1978.
Os quirguizes estão divididos em quatro tribos principais, ou zor oruq (principais
raízes), que receberam o nome de quatro ancestrais: os teyet, kesak, qephaq e naiman. Os teyet e
kesak têm 17 e 14 linhagens respectivamente. Estas linhagens, ou kecheq oruq, formam
políticas semi-autônomas e unidades sociais, que possuem suas próprias pastagens, administram
seus próprios negócios pastorais, e geralmente são identificados por suas locações. Vivendo a
4,5 mil metros, eles são totalmente dependentes de seus rebanhos. Este é um dos ambientes
mais rigorosos, em termos de altitude e temperatura. Eles desenvolveram um relacionamento
com os wakhi, que fornecem produtos agrícolas em troca de produtos animais.
Eles têm rebanhos mistos de 100 a 500 ovelhas e cabras e 20 iaques para cada “casa”,
ou oey de seis adultos e crianças. Um iaque é montado para pastorear as ovelhas. Algumas
famílias não possuem animais e vivem e trabalham quase como membros da família estendida,
para as famílias mais ricas. Eles valorizam os cavalos como transporte, mas têm que comprá-los
dos wakhi no vale já que nem cavalos nem gado, incluindo os dzo, procriam facilmente em altas
altitudes. Isto quer dizer que não há nenhum kumiss nas altas Pamirs. Os quirguizes não
costumam beber leite fresco, mas eles o transformam em mai (manteiga clarificada) e groot
(iogurte desidratado) para usar no inverno.
Depois que a invasão soviética do Afeganistão os empurrou para campos de refugiados
em Gilgit, Paquistão, eles sofreram com a baixa altitude, a perda de seus rebanhos, malaria e o
calor. Primeiro eles sondaram a possibilidade de se mudar para o Alaska, mas vistos coletivos
para a tribo inteira foram recusados. Mas a Turquia concordou, e cerca de 1.130 destes
quirguizes foram reassentados em Karakondoz, na província Van, em 1982.xii Eles receberam
casas de concreto com estábulos para o gado, e escola. O reassentamento deles foi difícil porque
as ovelhas não produziam grandes quantidades de lã. Esta mudança lhes proporcionou o
primeiro contato com o Ocidente, mas eles ainda mantêm contato com o Quirguistão e
Xinjiang.xii
c) Heilongjiang, China
Também há quirguizes em Emin e Fuyu, Heilongjiang, China, mas eles foram
assimilados com os mongóis e adotaram o budismo lamaista. Eles vivem em iurtas
arredondadas, mas alguns possuem pequenas cabanas de adobe de um só cômodo para o
260
inverno. Os quirguizes geralmente se casam na adolescência, e o ideal é ter três filhos para ficar
confortável. Uma família fica sozinha por nove meses, mas tem a chance de acampar com
outras no verão. Trinta por cento das crianças morrem no primeiro ano de vida, devido aos
longos invernos e à dieta pobre.xii
Os quirguizes vestem seus filhos da mesma forma até os meninos serem circundados
aos seis ou sete anos de idade. A razão é para confundir os maus espíritos. Um bebê é mantido
escondido por um período após o nascimento, e não se pode permitir que a luz da lua incida
sobre crianças pequenas para que não as enfeitice. Em ocasiões especiais, as filhas solteiras
usam ornatos para a cabeça na cor vermelha, e as esposas na cor branca.
Kipchak, a língua quirguiz, é próxima ao cazaque, mas até o século 20 não era uma
língua grafada. Cerca de 30% dos quirguizes falam russo como uma segunda língua.
Religião
Os quirguizes são muçulmanos sunitas e o islã foi difundido, não pela conquista como
entre os vizinhos, mas pelos mestres sufistas ambulantes, por isso ocorreu o sincretismo com as
crenças quirguizes antigas. Muitas pessoas vão para a cidade de Osh em peregrinação para
muitos lugares muçulmanos, incluindo a suposta sepultura de Jó. Eles mantêm suas crenças
xamanistas e prática relaxada do islã. Por exemplo, nove é considerado um número mágico.
Para os quirguizes, lealdade a tribo e a identidade quirguiz é bem mais importante do que a
unidade com outros muçulmanos. O Quirguistão está permitindo a liberdade religiosa apesar da
oposição muçulmana, “para satisfazer as necessidades religiosas dos cidadãos professarem e
difundirem sua fé”.
Os quirguizes acreditam que os seres humanos são uma parte integral da natureza, uma
paisagem que é habitada pelos arbak, ou ancestrais, e outros espíritos. A natureza está sempre
buscando voltar à harmonia na qual os humanos no final irão se integrar e se fundir. A visão de
mundo dos quirguizes é orientada para o passado e, porque a história é considerada cíclica, o
passado sempre pode trazer direção sobre como agir no presente. Eles consideram essencial
consultar os ancestrais e apaziguá-los para se beneficiar de sua sabedoria.
Os quirguizes são profundamente influenciados pelo espiritismo e o xamanismo, que
são ajudados por muitos programas na TV e anúncios nos jornais.xii O medo de espíritos é tão
evidente que resulta na falta ao trabalho reduzindo a produção. Um xamã, ou bugsa, pode ser
chamado para curar ou ser consultado acerca do futuro. Um demônio fêmea com pés tortos
chamado Albarste é considerado responsável por um parto difícil, mas eles acreditam que ele
pode ser espantado mantendo-se uma copia do Corão sobre a mãe, atirando com armas de fogo
e colocando os cachorros para latir. A construção de uma iurta é acompanhada com rituais e
sacrifícios especiais. A manteiga é passada sobre as estacas das iurtas e feixes de grama, sal,
cebolas e outras coisas são penduradas na treliça para assegurar a prosperidade.xii
Alcance
A tradução do Novo Testamento é arcaica, mas os quirguizes mais jovens podem ler as
Escrituras na língua cazaque que é parecida. A revisão do Novo Testamento quirguiz está em
desenvolvimento, e partes do Antigo Testamento também estão sendo publicadas.xii A Lion
Children’s Bible foi traduzida e está sendo distribuída.xii
Há uma comunidade crescente de 1.000 crentes, que sofrem perseguição especialmente
longe da capital, mas têm contatos com famílias na zona rural. O cristianismo é visto como uma
religião russa e não compatível com a identidade quirguiz. Em 1995, os Ortodoxos e o clero
muçulmano se juntaram para exigir restrições sobre todos os ministérios, com exceção dos
deles. Há uma transmissão de rádio cristã seis dias por semana em quirguiz. Metade dos
estudantes na escola “Ray of Hope” Mission Bible School em Bishkek são quirguizes. Várias
agências estão interessadas em atingir os quirguizes nas cidades de fala russa, mas o alcance aos
quirguizes rurais está somente no início. A Back to Jerusalém Band and Golpel Recordings tem
um interesse no Afeganistão e na Turquia.xii
TADJIQUES
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Há 3,36 milhões de tadjiques vivendo no Tadjiquistão; 4 milhões no Afeganistão; 34
mil no Quirguistão e 28 mil no Cazaquistão. Há 1,007 milhão no Uzbequistão, mas com mais os
que são contados entre os uzbeques.xii Os uzbeques e os tadjiques viviam juntos no Turquistão
até a União Soviética criar o Tadjiquistão, deixando de fora duas importantes cidades da cultura
tadjique, Samarkand e Bukhara. Por séculos os tadjiques controlaram parte da Rota da Seda a
partir destes lugares. Desde a independência, uma guerra civil entre muçulmanos e outros
elementos exasperou as profundas divisões tribais. O povo é uma mistura de descendências
persas, mongóis e gregas.
Noventa e três por cento da região rural do Tadjiquistão é formada
pelas
montanhas Pamir