OLIVEIRA, Tiala N. D. de.
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OLIVEIRA, Tiala N. D. de.
1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO VALE DO SÃO FRANCISCO CURSO DE GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA E PRESERVAÇÃO PATRIMONIAL Tiala Negreiros Dias de Oliveira URNAS FUNERÁRIAS DO PARQUE NACIONAL SERRA DA CAPIVARA: morfologia e decoração São Raimundo Nonato – PI 2010 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DO VALE DO SÃO FRANCISCO CURSO DE GRADUAÇÃO EM ARQUEOLOGIA E PRESERVAÇÃO PATRIMONIAL Tiala Negreiros Dias de Oliveira URNAS FUNERÁRIAS DO PARQUE NACIONAL SERRA DA CAPIVARA: morfologia e decoração Trabalho apresentado a Universidade Federal do Vale do São Francisco - UNIVASF, Campus Serra da Capivara, como requisito da obtenção do título de Bacharel em Arqueologia e Preservação Patrimonial. Orientador: Prof. Msc. Mauro Alexandre Farias Fontes São Raimundo Nonato – PI 2010 3 4 5 Agradecimentos Primeiramente agradecer a Deus por ter me concedido mais um lugar ao mundo. Ao meu orientador Prof. Msc. Mauro Farias pelas constantes ajudas, incentivos e puxões de orelha nos momentos (in)certos. Aos professores que compõem a banca; Dr. Celito Kestering pelas correções e sugestões ao trabalho e Nívia Paula que mesmo se tornando professora do Colegiado não deixou de ser a amiga de todas as farras e dos velhos passeios. O meu muito obrigada pela enorme colaboração e pelos conselhos. Você sabe o quanto foi essencial. Ao pessoal do ABHA. As meninas e ao nosso motora e companheiro Sebastião. A Fátima Barbosa pelas orientações e dedicação ao projeto. O crescimento a partir desse trabalho foi mais do que profissional. Obrigada pelos muitos momentos e (in)decisões compartilhadas. Aos professores Neto e Vívian e à melhor equipe de escavação – Equipe Inhame (Filipe, Lívia, Alano, SebasTiago gostoso, Tânia, Pâm, Rafa, Jouran Xi..., Nêga e Cínthia) As meninas da biblioteca que me ajudaram todos esses anos - Rochele e Eliene valeu pela paciência. À galera da FUMDHAM – Iva, Leandro e Galeguinho pela ajuda nos momentos em que precisei. À Joyce Holanda que me auxiliou na pesquisa laboratorial. Eu sei reconhecer que boas e sinceras atitudes não são cabíveis a todos. Ao Japa pela enorme ajuda e pela paciência. A galera da turma A1 – os eternos veteranos e turma A2 que ingressou juntamente comigo nessa universidade, onde alguns não quiseram me esperar para concluir o curso, ainda assim eu perdoo vocês. Aos melhores amigos – Sâm, Tia Carol, Telemar, Thalison e Cínthia. Os meus dias ganharam mais força e os meus sentimentos aumentaram o tamanho. Ao pessoal do barzinho – Gelinha, Danilo e Robinho. Ao eterno e Velho Dimas. As discussões ainda que embriagadas me fizeram perceber o quanto nossos dias foram importantes. Esse trabalho não seria concluído sem nossos momentos de lazer. Valeu pela força amigo nos bons e difíceis momentos. A galera de casa – mamis, papis e Tatys. Os melhores e mais importantes aprendizados eu tive com vocês. Todo o meu respeito e admiração pelos exemplos de honestidade e humildade em todas as situações, vocês me orgulham disso. Nunca foi possível existir construção alguma sem a segurança que sempre me foi passada. Três figuras que se destinaram a ser o meu porto seguro e até hoje cumprem com a promessa. À Júlia pelas palavras sinceras, pelo sentimento verdadeiro e pela paciência desses últimos momentos. Consegui pacientemente aprender que, quando queremos, conseguimos mudar nossos sentimentos e tornar nosso coração menos egoísta; que biscoito deve ser comido com catchup, que o leite não precisa ser adoçado, que se pode comer pizza no almoço e que um bom filme acompanhado de pipoca e refri são suficientes pra mudar o nosso dia. E, por fim, mas nem um pouco menos importante agradeço ao meu pequeno polegar com quem dividi dias sonolentos e noites na ativa. Que me ensinou que o dia tem que ter obrigatoriamente mais de 24hs e que, é necessário e essencial acordar com um longo sorriso mesmo que não se esteja vendo ninguém. Realmente existem situações que não precisam ser explicadas aos normais. Obrigada simplesmente por existir. 6 RESUMO O presente trabalho tem como objetivo identificar padrões morfológicos e decorativos – tratamento de superfície externa e interna – das urnas funerárias do Parque Nacional Serra da Capivara e entorno. A pesquisa foi desenvolvida a partir de um levantamento bibliográfico, imagético e cartográfico no acervo da Fundação Museu do Homem Americano, bem como da classificação de tais elementos componentes das urnas funerárias. Analisou-se um universo vestigial de 25 urnas de cinco sítios arqueológicos; Toca do Gongo I ou Toca do Jorge, Toca da Baixa dos Caboclos, Toca do Serrote do Tenente Luís, Canabrava e São Brás. A constatação de recorrência no universo vestigial analisado dá suporte ao levantamento de hipóteses acerca de como eram tratados os receptáculos que iriam receber os corpos de indivíduos mortos. Palavras-chave: Enterramento. Urnas funerárias. Parque Nacional Serra da Capivara. 7 ABSTRACT The present work aims to identify morphological and decorative patterns internal and external surface treatment - the funerary urns of the Serra da Capivara National Park and surrounding. The research was developed from a literature, imagery and mapping survey in the collection of the Fundação Museu do Homem Americano, and the classification of such component elements of funerary urns. It was analyzed a total of vestigial universe in 25 urns of five archaeological sites, Toca do Gongo I or Toca do Jorge, Toca da Baixa dos Caboclos, Toca do Serrote do Tenente Luís, Canabrava and São Brás. The finding of recurrence in the vestigial universe analyzed supports the survey of hypotheses about how were treated the elements that would receive the bodies of individuals death. Keywords: Burial. Funerary Urns. National Park Serra da Capivara. 8 SUMÁRIO RESUMO...........................................................................................................06 ABSTRACT.......................................................................................................07 INTRODUÇÃO...................................................................................................10 1 ARCABOUÇO TEÓRICO E METODOLÓGICO.....................................15 2 IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DAS PRÁTICAS FUNERÁRIAS PARA A ARQUEOLOGIA......................................................................25 2.1 UTILIZAÇÃO DOS ELEMENTOS CERÂMICOS PARA A ACOMODAÇÃO DO CORPO................................................................32 3 CARACTERIZAÇÃO DOS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS DO PARQUE NACIONAL SERRA DA CAPIVARA......................................................35 4 3.1 CANA BRAVA...............................................................................37 3.2 SÃO BRÁS...................................................................................38 3.3 TOCA DA BAIXA DOS CABOCLOS............................................39 3.4 TOCA DO GONGO I OU TOCA DO JORGE...............................41 3.5 TOCA DO SERROTE DO TENENTE LUÍS..................................42 ANÁLISE DOS ELEMENTOS QUE COMPÕEM AS URNAS FUNERÁRIAS...........................................................................45 4.1 SÍTIO CANA BRAVA....................................................................45 4.2 SÍTIO SÃO BRÁS.........................................................................47 4.3 SÍTIO TOCA DA BAIXA DOS CABOCLOS..................................47 4.4 SÍTIO TOCA DO GONGO I OU TOCA DO JORGE.....................50 9 4.5 SÍTIO TOCA DO SERROTE DO TENENTE LUÍS.......................51 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................55 REFERÊNCIAS.................................................................................................58 10 INTRODUÇÃO A Arqueologia utiliza-se da cultura material e toda uma gama de fatores que se encontra envolvida no cenário pesquisado para entender as relações que aconteceram em algum ambiente específico. Entende-se por cultura material todos os restos materiais encontrados (artefatos, ecofatos e biofatos) produzido por grupos humanos. É através do estudo dessa cultura material inserida em um contexto funerário que se tenta entender as relações que abarcavam o universo dos indivíduos em vida. Essa cultura material carregada de elementos simbólicos irrecuperáveis só poderá ser observável arqueologicamente. Esses artefatos4 ou essa cultura material produzida por determinados grupos e dentro de um contexto específico compõem o que se conhece como enxoval ou acompanhamento funerário5. Todos os elementos que se encontram enterrados juntamente com o corpo do morto, variando desde materiais que são ofertados no momento da morte até os meios que servem de acomodação ao corpo do indivíduo, compõem o enxoval fúnebre de determinado enterramento. O enxoval diferencia-se das práticas, uma vez que, essas últimas, além de conter os artefatos, abarcam também o universo simbólico que os mesmos possuem. Através da análise dos materiais encontrados nas escavações constróise um discurso plausível, não encontrando uma verdade absoluta, mas tentando aproximar-se do que ocorreu no passado. 4 Segundo BICHO (2006) artefatos são objetos portáteis ou móveis que foram transformados e manufaturados por mão humana, bem como os restos deixados resultantes dessa produção. Para além disso, estão incluídos neste grupo também todos os vestígios faunísticos e de flora resultantes das atividades humanas mas que não são utensílios e que Binford (1964) designou ecofatos. Alguns destes vestígios orgânicos não evidenciam alterações antrópicas, mas como, foram resultado das atividades humanas, devem ser considerados como elementos de localização de uma mancha de ocupação humana e, logo, indicativos de um sítio arqueológico”. 5 O enxoval funerário abarca toda a cultura material associada ao morto; material lítico, cerâmico e de origem vegetal (contas de colar, carvão, etc) 11 Os estudos referentes a essa temática no Parque Nacional Serra da Capivara são escassos quando relacionados a outros temas abordados, tais como; registros rupestres e materiais líticos. Existem relatórios das campanhas de escavação, alguns artigos descritivos sobre o que fora encontrado nos sítios escavados, pesquisa de conclusão de curso de alguns alunos da Universidade Federal do Vale do São Francisco e poucos trabalhos de pesquisadores de outras instituições. Vale ressaltar que, dentre os trabalhos científicos apresentados da UNIVASF dois deles voltam-se para a caracterização das práticas funerárias relacionadas ao contexto geológico/geomorfológico da região. Outro trabalho realizado tem o objetivo de encontrar padrões de enterramentos, visualizando as formas que o corpo do morto recebeu bem como sua acomodação ao solo 6. Dentre os pesquisadores de outras instituições encontram-se os trabalhos de Daniela Cisneiros (2003) e Viviane Castro (2009) que estudam as práticas funerárias no Nordeste, ressaltando alguns enterramentos encontrados em nossa área de estudo. A temática sobre o acompanhamento funerário não foi, até o presente momento, objeto de estudo ou análise arqueológica, tornando-se assim uma pesquisa inédita sobre o referido assunto. O presente trabalho tem como objetivo estudar os artefatos cerâmicos que compõem o enxoval funerário. Esse estudo reúne elementos importantes contribuindo assim para uma abordagem maior configura como práticas funerárias. Essa pesquisa, juntamente com trabalhos sobre outros elementos que se encontram em um contexto funerário, poderá, num futuro, revelar como se davam as relações entre os indivíduos considerando que a morte se configura como um dos momentos mais carregados de simbolismos. 6 COSTA, Ilca Pacheco da. Caracterização das práticas funerárias nos sítios abrigos da área arqueológica Serra da Capivara – PI. MORAIS, Claudeilson Santos de. Caracterização das práticas funerárias dos sítios arqueológicos Toca do Serrote da Bastiana e Toca do Barrigudo, na área arqueológica Serra da Capivara – PI. OLIVEIRA, Roberto Costa de. Análise dos sítios arqueológicos com enterramentos pré-históricos do Parque Nacional Serra da Capivara – PI. 12 Assim, parte-se do seguinte problema: As urnas funerárias dos sítios arqueológicos do Parque Nacional Serra da Capivara apresentam quais tipos de tratamento de superfície externo e interno e quais morfologias? Para responder ao seguinte questionamento fez-se um levantamento bibliográfico, imagético e cartográfico no acervo da Fundação Museu do Homem Americano. Esse levantamento resultou na criação de um banco de dados em que se pode identificar recorrências dentro de um universo de componentes cerâmicos utilizados no momento da confecção dos vasilhames cerâmicos utilizados no mobiliário fúnebre como forma de enterrar o ente querido. Com os resultados obtidos na análise verificou-se a existência de diferenças e semelhanças nas morfologias das urnas ou dos tratamentos de superfície empregados nos objetos cerâmicos dos enterramentos do Parque Nacional Serra da Capivara. Ampliou-se a compreensão de recorrências nas formas ou nos tratamentos de superfície externo e interno das urnas funerárias. Sabe-se que os grupos humanos que ocuparam essa região possuíram uma gama de opções ambientais que possibilitaram desenvolver uma variedade grande de técnicas para confeccionar as urnas cerâmicas. E dentro desse contexto que nossa pesquisa possibilitou perceber quais foram esses elementos técnicos utilizados nos diversos sítios arqueológicos em cronologias diferentes. Partindo do pressuposto de que o contexto funerário abarca uma variedade de elementos, tais como; posição em que o indivíduo se encontra, tipo de acomodação que foi dada ao corpo no momento da morte ou posterior a ela, relação com outros artefatos que se encontram presentes nos sítios, mas que não se encontram associados aos mesmos. O levantamento que foi feito ficou restrito apenas aos elementos cerâmicos da cultura material que, compondo o enxoval funerário servem como uma forma de acomodação para o corpo. Dentre os objetos da cultura material que compõem os enxovais funerários, os objetos cerâmicos de longe são os que mais estão presentes nos 13 ritos de inumação dos corpos, uma vez que a argila pode ser empregada não somente no uso cotidiano para acondicionar alimentos, mas também como objetos decorativos e na confecção de vasilhames empregados para acomodar enterramentos, as urnas funerárias. O trabalho foi dividido em quatro capítulos para uma melhor apresentação dos dados. No capítulo 1 intitulado de “Arcabouço Teórico e Metodológico” apresenta-se o corpo teórico dos estudos em práticas funerárias que ocorreram nos limites da ciência arqueológica. Apresenta-se a discussão dos conceitos de Arqueologia da Morte e Arqueologia das Práticas Funerárias, os tipos de enterramentos que podem ser encontrados em um sítio bem como, todo o procedimento que foi necessário para que esse trabalho pudesse ser concluído. Põe-se à vista desde a pesquisa bibliográfica, passando pelo levantamento imagético e cartográfico, até a análise prática dos tratamentos realizados nas urnas funerárias. No segundo capítulo apresentam-se alguns debates relacionados às práticas funerárias que ocorreram ao longo da história da Arqueologia, o início dessas práticas e sua trajetória nos grupos pré-históricos, bem como, a importância desse tipo de estudo para a ciência arqueológica e a utilização de vasilhames cerâmicos dentro do universo funerário. Uma discussão acerca desses acontecimentos faz-se necessária nesse contexto, para que possam ser feitas inferências considerando que todo trabalho deve ter uma base primeira para possuir sustentação lógica e coerente. No capítulo 3 apresenta-se uma caracterização das urnas funerárias encontradas nos sítios arqueológicos do Parque Nacional Serra da Capivara e entorno; Cana Brava, São Brás, Toca da Baixa dos Caboclos, Toca do Gongo I ou Toca do Jorge e Toca do Serrote do Tenente Luís. A intenção desse capítulo é uma breve apresentação das características gerais dos sítios bem como uma descrição minuciosa dos tratamentos da superfície interna e externa e as morfologias desses vasilhames cerâmicos. O quarto capítulo trata da discussão acerca dos dados obtidos apresentando a análise realizada a partir de gráficos. Através da análise 14 realizada buscou-se identificar recorrências na utilização de elementos componentes das urnas funerárias, bem como quantificar as mesmas. Juntamente com os trabalhos já realizados nessa área, esse levantamento contribui para as pesquisas do Parque, uma vez que essa investigação é única dentre os trabalhos realizados. Esses dados servirão de subsídios juntamente com pesquisas já realizadas e estudos que ainda poderão ser feitos sobre a temática para entender sobre as práticas funerárias que os grupos da região realizavam. O momento da morte pode ser considerado como uma das ocasiões em que os indivíduos mais aplicam materialidade aos seus sentimentos. 15 1 ARCABOUÇO TEÓRICO E METODOLÓGICO Neste capítulo define-se o corpo teórico dos estudos em práticas funerárias dentro da ciência arqueológica. Apresenta-se um breve histórico dessas práticas, o estudo das mesmas em algumas correntes teóricas arqueológicas e, a metodologia empregada para a realização deste trabalho. As práticas funerárias podem ser definidas como rituais em que se aglomera uma gama de significados e significantes produzidos pelos indivíduos que reverenciam o corpo do morto. Essas práticas particulares, carregadas de uma simbologia pré-estabelecida refletem na Arqueologia resultando em artefatos encontrados em contexto funerário, oferecendo oportunidade para interpretações. Segundo Gomes (2004) apud Bonjardim e Vargas o significado é o idealizado, o universo simbólico, a imagem mental produzida pelo significante e, este, seria a representação material, a idéia solidificada. O termo Arqueologia da Morte surgiu na Inglaterra e nos Estados Unidos na década de 1970, mas seguiu para outros países com uma pequena variação de nomenclatura. Esse termo surgiu para os estudos arqueológicos das práticas, ritos e simbologias da morte. De acordo com Py-Daniel (2009), a Arqueologia da Morte pode ser considerada como uma sub-disciplina da Arqueologia que interage de maneira íntima com a Antropologia Física, a Antropologia Forense (Arqueologia Forense) e, principalmente a Tafonomia. Esse conceito encaixa-se em uma vertente dentro dos estudos da Arqueologia Processual e que, segundo Cisneiros (2003), constitui um campo de investigação centrado no estudo e interpretação dos enterramentos, dividindo-os em quatro grandes áreas: área funerária (forma, demarcação, relação com o habitat e organização interna dos cemitérios), tumba (forma, orientação, investigação de energia empregada em sua construção e número de indivíduos sepultados), corpo (tratamento, disposição, antropologia física, 16 paleopatologia, ADN e paleodemografia), e acompanhamentos (classe, quantidade, origem, valor, riqueza e disposição microespacial). A Arqueologia da Morte visa à interdisciplinaridade para preencher lacunas entre a Antropologia Física e a Arqueologia, propondo assim, uma análise conjunta entre os sepultamentos em si e o contexto funerário. De acordo com Py-Daniel (2009) essas etapas, de estudo específico do corpo e do sepultamento, associadas a observações contextuais do sítio arqueológico em geral, permitem mostrar a intencionalidade de um sepultamento e traduzem os gestos funerários, diferenciando-os das ações naturais (Fig. 1). Forma Orientação Energia investida Número de indivíduos Antropologia Física Paleopatolotogias ADN Paleodemografias Posição Disposição Tratamento Tumba Corpo Arqueologia da Morte Cultura Material Área Funerária Características Gerais Situação do lugar Relação com o habitat Demarcação formal Visibilidade Organização Disposição espacial Gasto de energia Quantidade Origem Classe Número de tumbas Número de tipos Localização relativa das tumbas Agrupamentos Fig. 1: Esquema de estudo da Arqueologia da Morte. (Fonte: Franch (1998) apud Cisneiros (2003) 17 Mesmo que esse termo “Arqueologia da Morte” se encontrar bastante disseminado acredita-se que não seja uma denominação coerente a esse tipo de estudo. Com isso na presente pesquisa se utiliza esse termo, uma vez que esse trabalho não estará voltado para a causa da morte ou às circunstâncias em que ela está relacionada. Segundo Ribeiro (2007, p. 19) muito mais que a morte a Arqueologia estuda os remanescentes das práticas que envolveram a morte, o funeral, os restos materiais dos atos que foram praticados no destino escolhido para o corpo, os vestígios das opções da sociedade e da família do morto para sua memória e a simbologia que deu lógica às práticas mortuárias. Essa nomenclatura não se faz abrangente. Não dá conta de todos os aspectos com os quais está envolvida a ciência arqueológica. A Arqueologia, através dos artefatos, busca as práticas que foram utilizadas, sendo que através destas, busca-se uma compreensão dos momentos em que se realizaram os atos. Com isso, endossa-se o que foi exposto por Ribeiro (2007, p. 19) que ressaltar o termo “práticas” significa tornar mais claro para o estudioso que estas são o objeto de estudo imediato, sendo inacessíveis os pensamentos e vontades que não se manifestaram concretamente em atos, não, pelo menos, do ponto de vista dos vestígios de cultura material. Face ao exposto utiliza-se o termo “Arqueologia das Práticas Mortuárias” 7 por ter uma abrangência mais significante, pois o foco desse trabalho está voltado para a identificação de alguns elementos em vasilhames cerâmicos que se configura dentre o universo das práticas elaboradas para a confecção de um dos elementos envolvidos no momento do enterramento. A deposição final dada ao corpo do morto sob a terra possui uma grande carga de intencionalidade. Ela é feita de diversas formas, pois o fato de um corpo ter sido encontrado não pressupõe enterramento. Entende-se por esse fato certa preocupação com o destino final que é dado ao corpo. Segundo Duday (2005) apud Py-Daniel (2009) alguns dos gestos intencionais que podem ser identificados são: práticas preparatórias ou tratamentos présepulcrais do cadáver (antes do enterramento) e práticas sepulcrais (estrutura da cova, manipulação das ossadas, redução, re-inumação). 7 Termo designado por Marily Simões Ribeiro (2007). 18 Os enterramentos podem configurar-se em individuais, duplos ou coletivos. Esse tratamento, por sua vez, também pode sofrer influências de outros fatores externos, como quando determinado grupo é afetado por algum transtorno. Durante o processo de colonização européia nas Américas, por exemplo, junto com os colonizadores vieram uma série de doenças e viroses que afetaram de maneira significativa os habitantes da região que não possuíam defesa corporal – imunidade contra diversas doenças. Isso acarretou na morte de grande parte de indivíduos de alguns grupos que, aterrorizados com o evento acabaram abandonando os mortos. Segundo Cisneiros (2003) os enterramentos podem dividir-se ainda em primários e secundários. Os primários correspondem ao primeiro ritual dado ao corpo, quando este é acondicionado ou depositado em covas. Os enterramentos secundários correspondem a um novo tratamento do corpo, desta vez constituído apenas pelos tecidos duros (ossos), quando é retirado do ambiente onde foi previamente acomodado e transportado para outro espaço. Esse enterramento pode ser individual ou múltiplo, inexistindo as conexões anatômicas. Dentro dessa divisão primeira, tanto os enterramentos primários quanto os secundários podem ser classificados em direto ou indireto. O enterramento direto dá-se quando o corpo é colocado diretamente em uma cova, com ausência de invólucro. O enterramento indireto é caracterizado pela presença de algum tipo de invólucro que pode variar desde uma cobertura de fibra vegetal até uma urna cerâmica decorada confeccionada para este fim e para aquele indivíduo. No caso dos enterramentos secundários, como afirma a autora acima, o corpo é retirado do ambiente e transportado para outro espaço. Essa idéia de espaço subentende uma idéia de lugar e, não necessariamente o corpo para receber um tratamento secundário deverá ser transportado, ele poderá simplesmente receber um novo tratamento diferenciado do primeiro e ser depositado no mesmo lugar (Fig. 2) 19 Tipos de Enterramentos Primário Direto Indireto Secundário Direto Indireto Fig. 2: Esquema dos tipos de enterramentos adaptado. (Fonte: Cisneiros (2003). Primeiramente realizou-se um levantamento sobre os trabalhos feitos no PARNA Serra da Capivara relacionados às práticas funerárias e, sendo assim, foi selecionado o referido tema para estudo, uma vez que esse é único entre as abordagens já realizadas. Escolhido o tema, foi feito um segundo levantamento, bibliográfico, imagético e cartográfico nos acervos da FUMDHAM e da UNIVASF para um maior entendimento sobre os diversos temas a que essa pesquisa está agregada. Antes de apresentar os elementos cerâmicos analisados faz-se necessária uma caracterização dos sítios que contém as urnas funerárias. Essa caracterização dos sítios arqueológicos reúne as principais informações para georeferenciá-los no espaço e no contexto ambiental. Esse tipo de informação propicia um maior entendimento sobre as urnas funerárias se encontram. Como as urnas funerárias são o principal foco de estudo pode-se caracterizá-las como artefatos confeccionados em cerâmica com fim utilitário de acondicionar o corpo de um indivíduo, ainda que não tenha sido fabricada para esse fim. 20 Em um universo de elementos que podem ser analisados a partir das urnas funerárias e seu contexto, selecionou-se três componentes técnicos uma vez que, como já foi afirmado anteriormente não se está buscando a caracterização de algum grupo cultural nem o estabelecimento de um perfil técnico cerâmico do sítio, mas apenas informações relevantes quanto ao tratamento realizado nas urnas cerâmicas. Os elementos analisados são; morfologia, tratamento de superfície externa e tratamento de superfície interna das urnas funerárias. Como as 25 urnas funerárias estão em sua maioria inteiras ou muito pouco fragmentadas, não há a necessidade de reconstituir hipoteticamente os fragmentos cerâmicos. Utiliza-se a morfologia como primeiro critério de análise, seguida do tratamento de superfície externa e tratamento de superfície interna (Fig. 3) Urnas Funerárias Morfologia Tratamento de superfície externa Tratamento de superfície interna Fig 3: Elementos analisados nas urnas funerárias. A análise morfológica das urnas funerárias segue o princípio das formas dos sólidos geométricos de acordo com Tejero (1968), Shepard (1976) e Seronie-Vivien (1975) apud FONTES (2003), ou seja, a classificação baseia-se 21 em uma relação entre o diâmetro da boca e a altura que, num primeiro momento ficam divididas em vasilhas abertas, nas quais o diâmetro da boca é maior ou igual à altura da vasilha, e vasilhas fechadas, nas quais o diâmetro máximo é maior que o diâmetro da boca. A altura da vasilha está geralmente inserida entre uma ou duas vezes o diâmetro da boca. Em cada uma dessas classes definiu-se o corpo dos vasilhames de acordo com sua forma, considerando os seguintes tipos (todos são de contorno simples - Esférico, Elipsóide horizontal, Elipsóide vertical, Ovóide e Ovóide invertido) ou composto (Esférico). Morfologia 1: Esférico – recipiente aberto, parede reta, introvertida ou extrovertida, boca circular ou oval, altura total menor ou igual a ½ do diâmetro da boca. Morfologia 2: Esférico – recipiente fechado, contorno simples ou composto com pescoço, parede reta ou introvertida, boca circular, altura total maior que ¾ do diâmetro da boca. Morfologia 3: Elipsóide horizontal – recipiente aberto, parede reta, introvertida ou extrovertida, boca circular ou oval, altura total menor ou igual a ½ do diâmetro da boca. Morfologia 4: Elipsóide vertical – recipiente aberto, parede reta ou extrovertida, boca circular, altura total menor ou igual a ½ do diâmetro da boca. Morfologia 5: Ovóide – recipiente fechado, parede reta, boca circular, altura total maior que o diâmetro da boca. Morfologia 6: Ovóide invertido – recipiente fechado, parede introvertida, boca circular, altura total maior que ¾ do diâmetro da boca. O tratamento superficial é o acabamento final dado às superfícies – tanto internas quanto externas – das paredes dos vasilhames cerâmicos. É uma parte do processo que não é aleatório. Possui uma finalidade assim como a forma do vasilhame. Pode-se caracterizar os tratamentos de superfície de duas maneiras: as decorações plásticas e as pinturas. Segundo La Salvia e Brochado (1989) a decoração plástica é aquela que resulta da modificação tridimensional da superfície da parede de uma vasilha com a argila ainda moldável e anterior à 22 queima. A pintura é a utilização de uma pigmentação nas superfícies dos vasilhames. Essa pigmentação pode ter tanto origem animal quanto vegetal e não necessariamente tem que ser feita antes da queima do artefato. La Salvia e Brochado (1989) estabeleceram dezoito tipos de decorações plásticas. A análise dos tratamentos de superfície interna e externa das urnas funerárias enquadra-se nessa tipologia, acrescentando mais duas categorias; polimento e alisamento, uma vez que os referidos autores não consideram esses dois processos como decoração plástica, mas como uma técnica de manufatura, o que não deixa de ser um fato considerável. Não se pode excluir a idéia de serem fatores decorativos. Uma única urna funerária pode apresentar uma ou mais decorações. 1. Corrugado – ação lateral do dedo sobre a superfície cerâmica, pressionando uma parte da argila, por arraste, e formando uma crista de forma semi-lunar como resultado do acúmulo de argila arrastada. 2. Digitado – tem como expressão decorativa a DEPRESSÃO – impressão da polpa do dedo calcada verticalmente sobre a superfície cerâmica. 3 Dígito-ungulado – tem como expressão decorativa a DEPRESSÃO ESTOCADA – impressão da polpa do dedo calcado perpendicularmente sobre a superfície da cerâmica, armado com a unha, deixando a impressão desta no fundo da depressão. 4. Imbricado – tem como expressão decorativa a CARQUILHA – enrugamento da pasta pela pressão do dedo no momento em que junta os roletes. 5. Acanalado – tem como expressão decorativa a CANELURA – pequeno sulco contínuo do fundo côncavo produzido pela polpa do dedo arrastado sobre a superfície da cerâmica. 6. Ungulado – tem como expressão decorativa a UNGULAÇÃO – ação frontal da unha, na forma de um arco, com sentido e formato de quem aplica. 23 7. Beliscado – tem como expressão decorativa o BELISCO – ação de dois dedos em forma de pinça que pressionam a superfície cerâmica, produzindo a elevação de uma porção de pasta ladeada pelas marcas da unha em sua base. 8. Serrungulado – tem como expressão decorativa o CORDOAME – resultado da ação de dois dedos em forma de pinça, em sentido contínuo e sucessivo sobre a superfície cerâmica, determinando a elevação de uma porção da pasta semelhante a um cordel retorcido, ficando com a base mascada pela ação das unhas. 9. Ponteado – tem como expressão decorativa o PONTO – ação de um instrumento de seção variada, aplicada pelo artesão, de forma impressa sobre a superfície cerâmica. 10. Estampado – tem como expressão decorativa a ESTAMPA – preparação de um painel, em partes ou em um todo, cestaria, têxtil ou outro, aplicado sobre a superfície cerâmica por pressão. 11. Estocado – tem como expressão decorativa a ESTOCADA – corte produzido pela ação da ponta de uma lâmina reta, pressionada sobre uma superfície cerâmica, em uma única ação. 12. Inciso – tem como expressão decorativa o CORTE – ação de um instrumento de ponta aguda, ou não, que risca mais ou menos profundamente a superfície cerâmica, por pressão ou arraste. 13. Escovado – tem como expressão decorativa o SULCO – ação produzida por um instrumento de múltiplas pontas arrastadas na superfície cerâmica ou sobre ela friccionada. 14. Espatulado – expressão decorativa a CAVIDADE – resultante da ação de uma espátula, agindo por pressão ou araste, sobre a superfície cerâmica com a deposição de argila no seu entorno e apresentando lados angulares e fundo plano. 24 15. Estriado – expressão decorativa a ESTRIA – ação de um instrumento de uma única ponta aguçada ou rômbica ou, de várias pontas, simetricamente dispostas e arrastadas em uma superfície. 16. Roletado – expressão decorativa o ROLETE – cordel de argila utilizado na produção das vasilhas e não apresentando outra atividade produtiva sobre o mesmo. 17. Nodulado – expressão decorativa o NÓDULO – porção de argila repuxada ou aplicada na superfície cerâmica, de forma cônica ou tronco-cônica. 18. Exciso – expressão decorativa a EXCISÃO – retirada de uma parte da argila, através de um instrumento, buscando criar um motivo ou uma superfície áspera para aderir um aplique. 19. Alisado – o tratamento alisado consiste em eliminar a rugosidade da peça, buscando nivelar a superfície total. 20. Polido – é uma técnica que complementa o alisado para tornar impermeável e lustrosa a superfície do vasilhame. La Salvia e Brochado separam as decorações plásticas da pintura. Pode-se até incluí-la dentre as decorações plásticas uma vez que a pintura pode ser realizada antes da queima como as demais. Pondera-se porém dentre os tratamentos que foram apresentados é a única decoração que pode ser feita após a queima. Os motivos na pintura são variados. Não existem repetições totalmente iguais. O que pode ocorrer são apenas semelhanças. Durante a análise não se faz distinção entre traços e origem da tinta, apenas uma classificação simples, em que se verifica se o vasilhame analisado possui pintura ou não. A partir do levantamento dos elementos assinalados acima e da criação de um banco de dados é que se pode cruzar os resultados obtidos, analisá-los e perceber as possíveis recorrências existentes nos tratamentos de superfície tanto externo, quanto interno, e na morfologia desses receptáculos. 25 2 IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DAS PRÁTICAS FUNERÁRIAS PARA A ARQUEOLOGIA É dentro do estudo das práticas funerárias que a Arqueologia possui um terreno palpável para entender aspectos de organização social, mais especificamente, uma possível estratificação social que poderia ocorrer dentro do grupo, além de inúmeros elementos no campo ideológico. Acredita-se que os sepultamentos sejam os locais mais marcantes para se verificar o que foi posto acima, quando nos remetemos a um tempo bastante recuado, no caso, a pré-história. Os humanos sempre trataram os mortos de uma forma diferenciada, uma vez que o corpo do morto geralmente recebe um tratamento específico, pré-determinado pela sociedade que o consagra, em rituais que refletem o comportamento do grupo. Esses rituais podem estar ligados a religiosidade presente nos indivíduos ou somente à conservação de práticas que os mesmos realizavam por tradição. A Arqueologia nos mostra que essa preocupação em tratar os mortos de forma diferenciada tem um índice cronológico bastante recuado, com testemunhos com datas a cerca de 300 mil anos atrás. Existem estudos que comprovam que as práticas funerárias não são exclusivos do Homo sapiens. O Homo neanderthalensis possuía dois aspectos comportamentais que se aproximavam da nossa espécie; o uso do fogo e a prática de enterrar seus mortos. É nesse contexto que o enterramento pode ser considerado uma prática cultural. Los neandertales enterraban a los muertos há parecido siempre evidente y muchos de los esqueletos neandertales excavados em yaciamientos em cuevas há sido históricamente considerados El resultado de esta práctica funerária (...) em la tierra que cubría el esqueleto de uno de los neandertales de Shanidar (Irak) se identificaron granos de polen procedentes de flores que supostamente habrían sido depositados sobre el cuerpo; rodeando el esqueleto del niño de nueve años de la cueva de Teshik Tash (Uzbekistán) se habrían dispuesto varios pares de cuernos de cabra montés clavados en el suelo (...). (MARTÍNEZ; ARSUAGA, 1998) 26 Esses indicadores são alguns casos de como a espécie Homo neanderthalensis tratava e preocupava-se com seus mortos. Essa espécie é responsável por iniciar alguns comportamentos que se assemelham com os atuais e de indicar que o exercício de enterrar os mortos não é herança genética, já que outros hominídeos não o fizeram. Após a extinção do Homo neanderthalensis, o Homo sapiens prosseguiu com as práticas funerárias, incorporando uma gama maior de elementos nos rituais. A literatura mostra que vários grupos realizavam práticas funerárias utilizando os mais variados elementos e rituais, como, canibalismo, cremação, mumificação, entre outros. A ciência arqueológica passou por inúmeras mudanças teóricas e metodológicas, indo desde a simples classificação dos artefatos ao estudo dos indivíduos dentro dos grupos culturais. Essas variações podem ser identificadas no estudo das práticas funerárias. Desde a Antiguidade a sociedade se interessa pelo passado, no Egito, por exemplo, existem registros de que faraós se apoderavam de elementos antigos na construção de suas tumbas. Segundo TRIGGER (2004), na XVIII dinastia, (1552 – 1305 a.c.), escribas deixaram grafitos para registrar sua visita a monumentos antigos abandonados. Encontrou-se uma paleta pré-dinástica fragmentária com a inscrição do nome da rainha Tiye (1405-1367 a.C.). Dentro dessa ligação com o passado está subentendido uma idéia de religiosidade, de uma busca pelos ancestrais. Nesse período não havia uma busca sistemática pelos artefatos. Não se tinha noção de que tais objetos poderiam revelar a história de um povo que não existia mais. Tucídides, investigador grego, inicia o relato histórico. Essa “Arqueologia” nada mais é do que uma extensão cronológica da história para os períodos mais antigos, um período em que não há relato escrito. Segundo TRIGGER (2004, p. 69) a explicação de um monumento consistia na tentativa de identificar que povo ou indivíduo mencionado em textos antigos o tinha construído, e com que propósito. 27 Por conta de sua dependência com relação aos registros escritos, [...] os antiquários, em geral, perderam a esperança de vir a saber, algum dia, coisa de monta sobre períodos anteriores à existência desses registros. (TRIGGER, 2004, p. 69) Na Idade Média o fator religioso era a chave para orientar estudos do passado, contrariamente à Antiguidade que tinha uma relação íntima com o passado. Para os homens medievais o tempo é linear e o passado não pode estar presente nos artefatos. As escavações desse período possuíam sempre cunho religioso e aos objetos arqueológicos eram atribuídas forças criativas da natureza e quando possuem ligação com humanos (túmulos) eram atribuídos aos hunos, aos druidas, a Merlin. Posteriormente, com a chegada do Renascimento, teve-se a volta da razão, intermediando a relação homem/meio. Houve uma percepção do distanciamento entre o presente e o passado, possibilitando uma investigação sobre o mesmo na coleta e valorização de objetos de sociedades passadas. Essa coleta de objetos servia para alimentar as coleções de europeus. Segundo Ribeiro (2007, p.31) as investigações em contextos funerários não se distinguem daquelas idealizadas em outros contextos, ou seja, são marcadas pela busca de objetos valiosos e artísticos depositados junto aos mortos. Os saques aos túmulos mantêm-se como tônica desde os períodos mais antigos. Os séculos XVII e XVIII foram marcados por algumas contribuições para os estudos do passado. Foi no século XVII que se realizaram as primeiras tentativas de organizar as escavações arqueológicas, com Treuer, em 1688, com instruções específicas de como escavar urnas funerárias. Os antiquários buscaram uma seleção de monumentos no campo da investigação. Dentro do contexto arqueológico a busca tornou-se incansavel por objetos valiosos e de arte. A Arqueologia Antiquarista visava a recuperação de objetos valiosos, de modo que as primeiras escavações não estavam relacionadas à interpretação do contexto arqueológico e os túmulos eram considerados locais privilegiados. As estruturas funerárias eram saqueadas, na busca por objetos preciosos que poderiam acompanhar o morto, indo alimentar coleções de antiquários e historiadores da arte. Diante disso, novas perspectivas foram abertas e surgiu 28 um novo modo de pensar o passado humano. Surgiram as bases para o cientificismo do século XIX. O século XIX, por sua vez, foi marcado por grandes transformações em todas as áreas da pesquisa. Nesse período a Arqueologia aprimorou as técnicas iniciadas pelos antiquaristas. Deu início a novas abordagens e sistematização das técnicas de escavação, datação, estratigrafia e seriação. Como a Arqueologia ainda não era entendida como uma disciplina autônoma e nesse período estava nascendo uma nova área de conhecimento humano, a Antropologia, acabou servindo de fornecedora de dados para o estudo antropológico. É nesse contexto que identifica o período dedutivo-classificatório quando é lançado o Sistema de Três Datações de Thomsen8, elaborado em 1836 e Worsaae lança as técnicas de estratigrafia e conceitos para análise. Worsaae9 recomendava a utilização de desenho, descrição dos artefatos localizados espacial e estratigraficamente e é justamente por conta da junção dessas idéias que os túmulos poderiam contribuir com uma cronologia regional, uma vez que seus objetos serviam de acesso para o estudo de um dado momento histórico. Durante a primeira metade do século XIX, algumas dessas técnicas de escavação começaram a ser utilizadas, mas quando era encontrado algum objeto valioso nos túmulos, o mesmo era saqueado e enviado ao país ou à coleção do financiador da pesquisa. Esse período também foi marcado pelo surgimento do Evolucionismo, a partir do lançamento do livro de Charles Darwin A Origem das Espécies, de 1859, que impactou as áreas de ciências humanas, biologia e religião. Como já foi afirmado anteriormente, a Antropologia que nascera nessa época, utilizouse dos dados arqueológicos para estudar a evolução humana e seus modos de vida. A partir disso, a Antropologia apresentou estágios de evolução das sociedades, partindo das sociedades mais primitivas às mais complexas. No estudo das práticas mortuárias não foi diferente. Esse período foi marcado pela 8 Christian Jürgensen Thomsen (1788-1865), pesquisador dinamarquês, criou o Sistema das Três Idades sucessivamente – idade da pedra, do bronze e do ferro. 9 As técnicas de escavação indicadas por Worsaae somente foram empregadas na sua totalidade durante a segunda metade do século XIX. 29 interpretação antropológica da cultura material, ou seja, os artefatos recebiam uma análise também evolutiva partindo dos mais simples aos mais elaborados, situação que hoje se entende como preconceituosa. A Antropologia apresentava os modelos das sociedades. Aquelas que eram entendidas como primitivas serviam de suporte para a Arqueologia entender os povos préhistóricos. Posteriormente surge o conceito de cultura arqueológica apresentado primariamente por Tylor (1871), aprimorado por Kossina (1911), mas somente aplicado sistematicamente por Gordon Childe (1925) marcando o início do período histórico-classificatório. Segundo Willems (1978, p. 81) apud Ribeiro (2007) o conceito de cultura arqueológica também foi utilizado na Arqueologia das Práticas Mortuárias, definindo-se uma cultura típica da região (em termos de padrões e mobiliários funerários). A partir, de seus elementos constitutivos, observava-se o que poderia ser considerado como parte da cultura e o que lhe seria estranho, buscando-se as explicações de tais elementos como frutos de contato e hibridez. Até o início do século XX, o Evolucionismo continuou dominante, com suas duas correntes: o Difusionismo e o Migracionismo. De acordo com RIBEIRO (2007, p.49) o Difusionismo e o Migracionismo são tendências explicativas, geradas no contexto do Evolucionismo, que tomam o contato cultural entre grupos diferentes como o fator de alteração em uma ou outra cultura, especialmente na difusão ou migração de caracteres culturais de um grupo para outro. Essa visão acabou privilegiando alguns grupos em detrimento de outros, já que, de acordo com esse pensamento, algum artefato poderia ser criado somente uma vez e a partir de então ser disseminado para outras culturas, através da migração ou difusão. O contexto funerário servia como uma cápsula do tempo. Era um local privilegiado para o estudo dos artefatos, permitindo o acesso a uma gama de fatores que podiam ser identificados desde os mais simples aos mais complexos. Podia-se mapear os locais em que foram produzidos ou os locais 30 de contato entre os grupos. Assim as práticas funerárias começaram a ser entendidas como elementos identificadores de cultura. De acordo com Cisneiros (2003, p.30) os locais com uma única prática eram considerados o centro. Sociedades que apresentavam práticas diversas eram periferias. As práticas funerárias eram tomadas aqui como campo fértil para detectar tais contatos. Dentre os traços culturais, temos a presença de mounds, a posição do corpo, pintura de ossos e as decorações dos potes cerâmicos do mobiliário funerário, cuja presença em local afastado do „grupo de origem‟ é lida como contato de grupos e/ou movimentação no território. (RIBEIRO, 2007, p. 53) Partindo do pressuposto de que o contato entre grupos modifica não apenas o grupo que obteve o contato, mas existindo uma reciprocidade entre a troca de caracteres culturais, isso inviabiliza o rastreamento de traços culturais nos grupos estudados. Gordon Childe apud Ribeiro (2007, p. 51) acredita que as características culturais possuem traços resistentes às mudanças. Sendo assim, identificados traços culturais de um determinado grupo, seria possível perseguí-lo nas diversas regiões e obter um mapa de sua área de domínio ou influência. Na segunda metade do século XX, mais precisamente a partir da década de 1960, é a vez dos arqueólogos se apropriarem das teorias antropológicas na explicação dos vestígios. Essa Nova Arqueologia está atribuída a Taylor, Clarke e Binford. Esse último pesquisador lança os novos objetivos da Arqueologia que seria compreender a cultura dos povos que deixaram vestígios e tentar reconstruir o comportamento humano através dessa cultura material. Segundo Trigger (2004, p. 286) o objetivo básico dos arqueólogos deve ser explicar as mudanças das culturas arqueológicas em termos de processo cultural. A Nova Arqueologia passa, então, a abordar questões até então não formuladas por arqueólogos, como a reconstrução do meioambiente, a compreensão dos vestígios no contexto cultural, o comportamento humano, os padrões de assentamento, a reconstituição dos subsistemas de organização social, econômica e política dos povos antigos estudados arqueologicamente, e o estudo das variáveis que interferem nos padrões culturais. (RIBEIRO, 2007, p. 68) 31 No estudo das práticas mortuárias o objetivo segue o mesmo; alcançar a sociedade que produziu os artefatos. Nesse trabalho aborda-se preliminarmente esse enfoque uma vez que o tratamento dado às urnas funerárias permite lançar hipótese de como seria o grupo que realizou o fabrico das mesmas nos sítios arqueológicos do Parque Nacional Serra da Capivara. Parafraseando Cisneiros (2003, p. 30 e 31) com o surgimento da New Archaeology veio a primeira transformação significativa no estudo das práticas funerárias. A tipologia10 e a Antropologia Física ficaram menos evidenciadas no estudo. Passou-se ao entendimento das práticas funerárias dentro do funcionamento social. Segundo Ribeiro (2007, p. 73) Binford assinala o conceito de persona social do morto11. Em quem os diferentes vestígios mortuários, que por sua vez são conseqüências de diferenças sociais baseadas em sexo, idade, status social e filiações nas unidades sociais. Seguindo esse raciocínio, se em um grupo existir uma estratificação social ou indivíduos que sejam respeitados dentro do grupo isso estará materializado no contexto funerário, ou seja, um ou mais indivíduos que receberam tratamentos diferenciados quando vivos receberão no momento da morte. Nos anos 1980 surgiu a Arqueologia Pós-Processual, tendo como caracterizador principal Ian Hodder. A Arqueologia Pós-Processual surgiu a partir de duras críticas à Arqueologia Processual. Para esses críticos, a cultura material não deveria ser vista como algo passivo refletindo somente as relações sociais, mas um resultado entre um jogo articulado entre o individual e o social. Segundo Hodder (1986) apud SENE (2003) a cultura material não apenas existe. Ela é feita por alguém. É produzida para fazer alguma coisa. Então, ela não reflete passivamente a sociedade. Ela cria a sociedade através das ações dos indivíduos. Cada objeto arqueológico é produzido por um indivíduo (ou por um grupo deles) não por um sistema social. 10 Esse período tipológico permitiu a classificação dos objetos funerários em tipos e categorias, permitindo assim, a identificação de culturas. 11 Esse conceito já foi utilizado por Hertz (1907) e Van Gennep (1908). 32 Com um discurso anti-evolucionista e com a necessidade de compreender os propósitos das ações humanas, o contexto histórico e a individualização dos grupos é que esse novo postulado se ergue. Nesse novo olhar que surge os arqueólogos afirmam buscar fenômenos dentro de cada grupo. Utilizando-se desses argumentos os pós-processualistas realizam críticas à Arqueologia Processual como se o conceito de cultura utilizado pelos processualistas ficasse restrito apenas às condições físico-ambientais e não considerasse a percepção de individualidade envolvida. 2.1 UTILIZAÇÃO DE ELEMENTOS CERÂMICOS PARA ACOMODAÇÃO DO CORPO Para o presente trabalho o interesse volta-se para o estudo e análise dos elementos cerâmicos utilizados como urnas funerárias. Por isso, faz-se necessário o estudo dos enterramentos, tanto primários quanto secundários e/ou indiretos, tendo o corpo sido acondicionado em vasilhames cerâmicos. Pode-se afirmar que os grupos que fabricavam vasilhames cerâmicos eram detentores de uma técnica de manufatura própria. Possuíam conhecimento acerca dos materiais que poderiam ser misturados à argila, tempo de queima e ornamentação que cada vasilha poderia receber. Esse trabalho permite identificar diferenças e/ou semelhanças quanto aos tipos de tratamentos de superfícies interna e externa, bem como a morfologia das urnas funerárias. Não se tenta identificar ou distinguir grupos culturais, uma vez que, para uma caracterização completa das culturas préhistóricas faz-se necessária uma abordagem analítica mais ampla do conjunto arqueológico. Essa identificação só poderá ser realizada a partir da análise do contexto arqueológico como um todo. O estudo dos objetos cerâmicos inseridos em um contexto funerário é apenas um elemento dentro do contexto cultural dos grupos humanos do passado. Para os arqueólogos, que estudam sobre as práticas funerárias, as várias formas de acondicionamento do corpo e os seus diversos acompanhamentos funerários são interpretados como diferenças entre grupos culturais. Parte-se do princípio de que os enterramentos encontrados nos sítios 33 arqueológicos do Parque Nacional Serra da Capivara apresentam diferenças nos tipos de tratamento de superfície e na morfologia das urnas funerárias. Segundo Nacimento e Luna (1994) a etapa de acabamento dos objetos pode se configurar a partir de vários procedimentos de uniformização de superfícies. São procedimentos de fácil identificação, a não ser por algumas marcas que, às vezes, podem escapar ao artesão. Com isso, considera-se a última ação humana que determina as superfícies, como sendo o acabamento das superfícies propriamente dito. Portanto, além do alisamento e polimento, as decorações plásticas e pintadas são consideradas como tratamento de superfície. O tratamento dado à superfície do artefato reúne um conjunto de outras técnicas que dão um acabamento final ao produto fabricado, que nem sempre terá a finalidade decorativa dentro do universo dos materiais cerâmicos como um todo. Essa variedade de técnica pode ser facilmente identificada pela simples observação da superfície dos objetos que, nesse caso, é tanto no exterior quanto no interior do vasilhame cerâmico. Existe uma quantidade significante de instrumentos que podem ser utilizados durante o processo de fabrico dos objetos cerâmicos e, que, em alguns casos podem ser identificados. De acordo com Alves (1991), esse reconhecimento depende da análise do efeito deixado pelo instrumento, relacionado à causa que o produziu. Assim, por exemplo, na técnica de tratamento de superfície plástica, no tipo escovado, é possível ter uma aproximação com respeito às características do tipo de instrumento que produziria tal efeito. Para o fabrico de vasilhames cerâmicos, existem etapas básicas a serem consideradas, tais como; aquisição de matéria-prima, tratamento inicial dado ao material, produção do objeto, fabricação do artefato, tratamento de superfície e queima. Para cada uma dessas etapas existem caracteres únicos que podem ser identificáveis a partir de um estudo detalhado. A morfologia está relacionada diretamente com a última instância do processo de elaboração do artefato, ou seja, seu fim utilitário. A confecção das 34 urnas não obedece aos mesmos parâmetros que o fabrico dos vasilhames para utilização no dia-a-dia. Não se exclui, porém, a possibilidade da confecção de um vasilhame cerâmico para utilização no cotidiano e posteriormente ser utilizado em um ritual funerário. Acreditamos que a confecção de um vasilhame para ser utilizada em ritual possuirá uma carga simbólica diferente dos outros vasilhames já que é utilizada em um momento único, que não pode ser retomado. O modo de utilização é importante por que irá revelar a forma que a vasilha deve possuir, bem como o tratamento da superfície. 35 3 CARACTERIZAÇÃO DOS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS COM URNAS FUNERÁRIAS DO PARQUE NACIONAL SERRA DA CAPIVARA Localizado no Nordeste do Brasil, mais precisamente no sudeste do Piauí, o Parque Nacional Serra da Capivara está inserido em um amplo contexto arqueológico. Abrange uma área de aproximadamente 130.000 ha e possui mais de 1000 sítios registrados com caráter histórico e pré-histórico. Os sítios possuem, em sua grande parte, registros rupestres. Abarcando uma área entre os municípios de São Raimundo Nonato, João Costa, Brejo do Piauí e São João o Parque se localiza dentre as coordenadas 8º26‟50” e 8º54'23” de latitude sul e 42º19'47" e 42º45'51" de longitude oeste. Pesquisadores da missão franco-brasileira trabalham na região desde a década de 1970, quando realizaram o pedido de criação do Parque com o objetivo de proteger os sítios arqueológicos e a grande reserva de caatinga existente. O Parque Nacional Serra da Capivara está situado entre duas formações geológicas, a Faixa de Dobramentos Riacho do Pontal e a Bacia Sedimentar do Parnaíba. Está inserido no domínio da caatinga, com a presença de cerrado e floresta semi-decídua em menor escala e marcado por uma grande variedade de espécies animais. Considerando que essa grande variedade ambiental proporciona um número de recursos naturais mais amplo, as populações pré-históricas possuíam uma gama de recursos disponíveis para confeccionarem seus artefatos contribuindo assim para uma maior diversidade no resultado final das peças e possibilitando um leque de hipóteses que podem ser sugeridas para as técnicas de produção elaboradas pelos grupos. Nesse capítulo apresenta-se somente os sítios arqueológicos que contêm urnas funerárias, uma vez o objetivo da pesquisa é a análise individual desses artefatos, fazendo-se necessária apenas a descrição geral dos sítios 36 uma vez que o presente estudo está direcionado para as urnas funerárias em si. (Fig. 4) Fig. 4: Distribuição espacial dos sítios arqueológicos que possuem urnas funerárias do Parque Nacional Serra da Capivara e entorno. 37 3.1 SÍTIO CANA BRAVA12 O sítio Cana Brava localiza-se ao sul do Parque Nacional Serra da Capivara, no povoado de Cana Brava entre as coordenadas 9°06‟18‟‟S e 43°09‟35‟‟W. Está posicionado num vale que apresenta serras ao redor. A área de baixada apresenta um suave declive em direção a um riacho e a uma fonte d‟água. O riacho é intermitente e só reaparece na estação chuvosa, porém a fonte d‟água é permanente e está próxima ao povoado, a 280m (Fig. 5) Figura 5 - Vista geral do sítio Cana Brava (Fonte: Acervo FUMDHAM) Configura-se em um sítio a céu aberto e encontra-se hoje, precisamente, na fazenda Cana Brava. Os locais de maior concentração dos vestígios são as áreas de cultivo da fazenda, a área de pastagem e por detrás das casas da vila. O sítio constitui uma unidade caracterizada como uma aldeia préhistórica, situada cronologicamente entre 790 ±50BP (BETA - 106389) e 490 ±50 anos BP (BETA - 106388). Apresenta grande extensão territorial, com áreas de concentração de vestígios líticos e/ou cerâmicos, com estruturas arqueológicas como fogueiras e sepultamentos. Os vestígios, principalmente 12 (CASTRO, 2000 e CISNEIROS, 2003) 38 cerâmica e lítico, distribuem-se por uma vasta área e apresentam-se em grande número com uma diversidade de formas e tamanhos. Estes vestígios estão presentes tanto na superfície, como em profundidade. Durante a escavação foi evidenciado um total de cinco urnas funerárias que foram escavadas em laboratório e revelaram enterramentos primários de crianças. Todos os enterramentos encontrados nesse sítio estavam acondicionados em vasilhames cerâmicos. As urnas foram encontradas em locais de grande concentração de vestígios arqueológicos variados, indicando que os enterramentos podem ter sido realizados dentro da própria aldeia. Não foram encontrados vestígios de enterramentos de adultos. Pode-se inferir que os enterramentos adultos que eram depositados fora da aldeia como freqüentemente encontra-se na etnografia, ou mesmo realizado dentro da aldeia, mas com outro tipo de inumação. 3.2 SÍTIO SÃO BRÁS O sítio arqueológico São Brás está localizado no município de São Brás do Piauí dentre as coordenadas S09°03‟96” e W042°59‟87”. É um sítio a céu aberto, situado dentro da propriedade do Sr. Hilário de Souza que informou à Fundação Museu do Homem Americano – FUMDHAM - a presença de uma urna funerária no momento da abertura de uma fossa (Fig. 6) 39 Fig 6 – retirada de urna no sítio São Brás (Fonte: Acervo FUMDHAM) A FUMDHAM enviou uma equipe para realizar a escavação. O vasilhame cerâmico estava intacto e foi feito todo o procedimento de engessamento para retirada do mesmo. Nesse mesmo período foram identificados em outro local fora dessa propriedade concentrações líticas, possíveis locais de enterramentos préhistóricos e vestígios cerâmicos. De acordo com os cadernos de campo da FUMDHAM, nesse sítio foram encontradas duas outras urnas funerárias, uma urna denominada de urna 1997 e outra urna nomeada de urna Humberto. 3.3 SÍTIO TOCA DA BAIXA DOS CABOCLOS13 O sítio arqueológico Toca da Baixa dos Caboclos localiza-se na Chapada do São Francisco, no município de Gervásio de Oliveira (PI), nas coordenadas 8°26‟‟667‟ sul e 42°05‟‟034‟ oeste. 13 (CASTRO, 2009) 40 Esse sítio configura-se como um abrigo envolvido pelo escalpamento que marca o limite da chapada, chegando a medir 51m de comprimento e 15m de profundidade. Seu terreno foi tomado pela agricultura de subsistência. Os constantes trabalhos no solo revelaram fragmentos de cerâmica e urnas, impulsionando uma intervenção arqueológica em 1996, retomada em 1998. (Fig. 7) Figura 7 - vista geral do sítio Toca da Baixa dos Caboclos (Fonte: Acervo FUMDHAM) Todos os enterramentos evidenciados na Toca da Baixa dos Caboclos foram identificados como primários e individuais. De nove enterramentos encontrados nesse sítio, oito foram realizados em urnas cerâmicas. Foram estabelecidas duas datações para esse sítio 450 anos para o enterramento de número 1 e 230 anos para o enterramento de número 8 ambos ocorridos em vasilhames cerâmicos. Os enterramentos realizados em urnas apresentaram esqueletos tanto de crianças quanto de adultos, inserindo nesse sítio uma condição bastante singular no Nordeste do Brasil; o ato primário de enterrar adultos em urnas funerárias. 41 Esses enterramentos sofreram um processo de decomposição incompleta e permaneceram parcialmente mumificados no interior das vasilhas. Durante a realização do enterramento não foi colocado sedimento dentro das vasilhas; estas foram tampadas, criando um ambiente de pouco oxigênio favorecendo a preservação. 3.4 SÍTIO TOCA DO GONGO I OU TOCA DO JORGE14 Esse sítio fica situado no município de São João do Piauí. Possui um comprimento de 32,5m, altura de 1,6m e largura máxima de 4,5m. O solo do abrigo é composto de calcário, areia fina e sedimento bastante seco, responsáveis pela boa conservação do material (Fig. 8) Fig. 8 - Vista geral do sítio Toca do Gongo I ou Toca do Jorge (Fonte: Acervo FUMDHAM) A Toca do Gongo I ou do Jorge foi o primeiro abrigo escavado no sudeste do Piauí a apresentar enterramentos com uma datação de 420 ± 50 anos BP e 310 ± 40 anos BP. Dentre os seis enterramentos escavados no sítio, quatro deles foram realizados em fossas. Eram do tipo primário. Sobre os 14 (CISNEIROS, 2003) 42 esqueletos havia restos de fogueiras. Os outros dois esqueletos estavam sepultados em urnas bastante fragmentadas. O fardo funerário estava composto de um tecido. Análises posteriores revelaram tratar-se de uma fibra vegetal, provavelmente caroá (Neoglazovia variegata Mez). O esqueleto do enterramento quatro, também em posição fetal como os outros, apresentava o diferencial de ter um vaso cerâmico emborcado sobre o crânio. Nos enterramentos em urnas, envolvendo o esqueleto, também foi evidenciado o mesmo tipo de material que compunha os enterramentos em fossa. 3.5 SÍTIO TOCA DO SERROTE DO TENENTE LUIZ15 O Sítio Toca do Serrote do Tenente Luiz é um abrigo sob rocha. Está localizado nas coordenadas UTML 23 783909E/9024947N, no entorno do Parque. Situa na depressão do São Francisco, 9km a leste da cidade de Coronel José Dias que fica próximo à BR-020. Nos trabalhos de escavação arqueológica realizados na Toca do Serrote do Tenente Luiz foram coletados 24 esqueletos humanos, 2775 fragmentos cerâmicos e 8 urnas funerárias. Alguns dos enterramentos foram realizados em fossas e outros em urnas (Fig. 9). 15 (CASTRO, 2009) 43 Fig. 9 - Escavação na Toca do Tenente Luiz. Fonte: Acervo FUMDHAM Os enterramentos realizados em urnas eram caracterizados pelo uso de duas vasilhas: uma urna como envoltório para o corpo e a outra como tampa; apresentavam bom estado de conservação. A maioria dos indivíduos enterrados era criança. Foram realizadas datações. Para o enterramento 9 obteve-se dois resultados para datação de dentes 920 ±35BP (Ua - 23386) e 935 ±40 BP (Ua 22776). Uma terceira datação de 365 ±40BP (Ua 22074) poderia indicar uma continuidade no sítio ou enterramentos de grupos distintos. Os dados levantados possuem um universo de quatro sítios com um total de 25 urnas funerárias analisadas de acordo com a metodologia descrita no capítulo 3. (Tab. 1) 44 Tabela 1 – quantidade de urnas a serem analisadas SÍTIO Cana Brava São Brás Toca da Baixa dos Caboclos Nº DE URNAS 5 2 8 Toca do Gongo I ou Toca do Jorge 2 Toca do Serrote do Tenente Luiz 8 TOTAL 25 45 4 ANÁLISE DOS ELEMENTOS QUE COMPÕEM AS URNAS FUNERÁRIAS Apresenta-se a análise dos elementos de cada sítio arqueológico estudado e, posteriormente, organizam-se os dados em gráficos para obtermos um percentual geral. Os elementos analisados nas urnas funerárias dos sítios arqueológicos Toca do Gongo I, Cana Brava, Toca da Baixa dos Caboclos, Toca do Serrote do Tenente Luís e São Brás puderam ser organizados a partir das classificações propostas por Tejero (1968), Shepard (1976) e Séronie-Vivien (1975) apud Fontes 2003 na variável morfologia. Na classificação dos tratamentos de superfície externa e interna os dados foram organizados a partir da classificação estabelecida por La Salvia e Brochado (1989) o que ainda possibilitou um panorama gráfico e percentual da distribuição de cada uma das características apresentadas. 4.1 SÍTIO CANA BRAVA Nesse sítio foi encontrado um total de cinco urnas funerárias. Duas urnas encaixam-se na morfologia ovóide. Duas urnas possuem morfologia ovóide invertida e uma urna, morfologia esférica. Todas as urnas apresentam o mesmo tratamento de superfície interna e externa – alisado. (Tab. 2) Tabela 2 - Análise das urnas funerárias encontradas no sítio MORFOLOGIA TRATAMENTO DE TRATAMENTO DE SUPERFÍCIE EXTERNA SUPERFÍCIE INTERNA Imagem1 Ovóide Alisado Alisado Imagem2 Ovóide Alisado Alisado Imagem3 Esférica Alisado Alisado Imagem4 Ovóide Alisado Alisado Imagem5 Ovóide invertida Alisado Alisado invertida 46 Imagem 1: Foto Acervo FUMDHAM Imagem 2: Urna exposta no museu do Homem Americano Imagem 3: Foto Acervo FUMDHAM Imagem 4: Foto Acervo FUMDHAM Imagem 5: Foto Acervo FUMDHAM 47 4.2 SÍTIO SÃO BRÁS As duas urnas descritas nos cadernos de campo e relatórios da FUMDHAM apresentam características morfológicas indeterminadas. Possuem tratamento de superfície externa alisado e corrugado e decoração plástica alisada como tratamento de superfície interna nas duas urnas. Essa morfologia indeterminada se deve ao fato de as urnas estarem fragmentadas nas bordas impossibilitando estabelecer um diâmetro para as bocas (Tab. 3). Tabela 3 - Análise das urnas funerárias encontradas no sítio. MORFOLOGIA TRATAMENTO DE TRATAMENTO DE SUPERFÍCIE EXTERNA SUPERFÍCIE INTERNA Imagem6 Indeterminada Corrugado Alisado Imagem7 Indeterminada Alisado Alisado Imagem 6: Foto Acervo FUMDHAM Imagem 7: Urna acondicionada no Museu do Homem Americano 4.3 SÍTIO TOCA DA BAIXA DOS CABOCLOS Dentre nove enterramentos encontrados nesse sítio, oito foram realizados em urnas funerárias. 48 Os elementos morfológicos das oito urnas encontradas são: ovóide – 1 urna; ovóide invertida – 1 urna; indeterminadas – 6 urnas. No que diz respeito ao tratamento de superfície externa, duas urnas apresentam a decoração plástica corrugada, duas urnas são polidas e uma urna apresenta o alisamento como tratamento de superfície externa. No tratamento de superfície interna as urnas configuram-se da seguinte maneira; quatro urnas alisadas e uma urna pintada (Tab. 4). Tabela 4 - Análise das urnas funerárias encontradas no sítio. MORFOLOGIA TRATAMENTO DE TRATAMENTO DE SUPERFÍCIE EXTERNA SUPERFÍCIE INTERNA Imagem8 Indeterminada Alisado Alisado Imagem9 Indeterminada Polido Pintado Imagem10 Ovóide Corrugado Alisado Imagem11 Ovóide Corrugado Alisado Imagem12 Indeterminada Polido Alisado Indeterminada Indeterminado Indeterminado Indeterminada Indeterminado Indeterminado Indeterminada Indeterminado Indeterminado Invertida Imagem 8: Urna acondicionada no Museu do Imagem 9: Urna acondicionada no Museu do Homem Americano Homem Americano 49 Imagem 10: Urna acondicionada no Laboratório de Vestígios Orgânicos Imagem 11: Urna acondicionada no Museu do Homem Americano Imagem 12: Foto Acervo FUMDHAM Os dados referentes a esse sítio encontram-se confusos, uma vez que algumas urnas não se encontram com numeração ou algum outro tipo de referência. Três urnas não foram localizadas por causa da ausência de tais dados. Segundo Asón (caderno de campo 1998), a urna de número 9 é uma vasilha de pequenas dimensões, com paredes finas e alisadas, sem decoração. No laboratório de Cerâmica16, a urna catalogada como sendo a de 16 Laboratório de Vestígios Cerâmicos da Fundação Museu do Homem Americano. 50 número 9 está totalmente fragmentada e possui tratamento de superfície externa polida (Imagem 12). 4.4 SÍTIO TOCA DO GONGO I OU TOCA DO JORGE A Toca do Gongo I ou Toca do Jorge possui duas urnas funerárias com enterramentos. A Urna I possui morfologia Ovóide, tratamento de superfície externa corrugada e tratamento de superfície interna alisada. A Urna II possui morfologia esférica, tratamento de superfície externa e interna alisada. (Tab. 5) Segundo Castro (2000) apud MARANCA (1976) o enterramento da Urna I estava em mau estado de conservação. A urna possuía forma globular, boca aberta e superfície externa e interna alisadas. A urna II estava fragmentada, mas possuía superfície externa corrugada e interna alisada. Tabela 5 - Análise das urnas funerárias encontradas no sítio MORFOLOGIA TRATAMENTO DE TRATAMENTO DE SUPERFÍCIE EXTERNA SUPERFÍCIE INTERNA Imagem12 Ovóide Corrugado Alisado Imagem13 Esférica Alisado Alisado Imagem 12: Foto Acervo FUMDHAM Imagem 13: Foto Acervo FUMDHAM 51 4.5 SÍTIO TOCA DO SERROTE DO TENENTE LUÍS Na Toca do Serrote do Tenente Luís foram encontradas oito urnas funerárias apresentando a seguinte morfologia: quatro urnas com característica morfológica ovóide, duas esféricas e duas urnas com morfologia indeterminada. A decoração plástica corrugada aparece como tratamento de superfície externa de seis urnas e o alisado nas duas urnas restantes. Como tratamento de superfície interna o alisamento encontra-se presente em todas as urnas do sítio (Tab. 6). Tabela 6 - Análise das urnas funerárias encontradas no sítio. MORFOLOGIA TRATAMENTO DE TRATAMENTO DE SUPERFÍCIE EXTERNA SUPERFÍCIE INTERNA Imagem14 Indeterminada Corrugado Alisado Imagem15 Ovóide Corrugado Alisado Imagem16 Indeterminada Corrugado Alisado Imagem17 Ovóide Corrugado Alisado Imagem18 Ovóide Corrugado Alisado Imagem19 Ovóide Corrugado Alisado Imagem20 Esférica Alisado Alisado Imagem21 Esférica Alisado Alisado Imagem 14: Foto Acervo FUMDHAM Imagem 15: Foto Acervo FUMDHAM 52 Imagem 16: Foto Acervo FUMDHAM Imagem 17: Foto Acervo FUMDHAM Imagem 18: Foto Acervo FUMDHAM Imagem 19: Foto Acervo FUMDHAM Imagem 20: Foto Acervo FUMDHAM Imagem 21: Foto Acervo FUMDHAM 53 Gráfico 1 - Características morfológicas das urnas funerárias. Gráfico 2 - Decoração plástica externa das urnas analisadas 54 Gráfico 3 - Decoração plástica interna das urnas analisadas. 55 CONSIDERAÇÕES FINAIS Partindo-se do pressuposto de que os humanos são dotados de uma consciência individual, a idéia de morte torna-se uma perda dessa individualidade, culminando em algo dramático e doloroso. Segundo Morin (1997), a perda dessa individualidade é causada pela dor e pelo terror. O complexo dessa perda é algo traumático uma vez que a morte destrói a consciência do ser. Na tentativa de manter uma integridade que vai além da decomposição física, o homem, muitas vezes, se mantém apegado a uma imortalidade idealizada, baseada em deuses ou seres que possuem alguma “força maior” e rituais repletos de artefatos. Os dados trabalhados nos cinco sítios arqueológicos estudados estão centrados em três variáveis; morfologia, decoração plástica da superfície externa e interna. As categorias indeterminadas acabam não permitindo um melhor aproveitamento das informações para a análise completa dos vestígios estudado Inicia-se o trabalho partindo do seguinte problema; as urnas funerárias dos sítios arqueológicos do Parque Nacional Serra da Capivara apresentam quais tipos de tratamento de superfície externo e interno e quais morfologias? Os dados analisados permitem responder ao questionamento proposto da seguinte maneira; foram identificadas morfologicamente 8 urnas ovóides, 3 urnas ovóides invertidas, 4 urnas esféricas e 10 urnas indeterminadas. Nas decorações plásticas, tem-se como tratamento de superfície externa 10 urnas alisadas, 10 urnas corrugadas 2 urnas polidas e 3 indeterminadas. Finalmente, como tratamento de superfície interna tem-se 21 urnas alisadas, 1 urna pintada e 3 urnas indeterminadas. Dentre a classificação morfológica e os tratamentos de superfície dos vasilhames cerâmicos apresentados na literatura, os indivíduos que habitaram o Parque Nacional Serra da Capivara confeccionaram urnas funerárias com morfologias ovóide, ovóide invertido e esférica. 56 Nas decorações plásticas o alisamento é o tratamento mais utilizado na superfície externa. Na superfície do interior das urnas tanto o alisamento quanto a técnica do corrugado são utilizadas em sua grande maioria. A análise vestigial, por sua vez, apresenta recorrência de dois tipos de decoração plástica em detrimento dos outros. O alisado e o corrugado aparecem em maior quantidade, sendo que alguns tipos de decorações plásticas apresentados dentro da classificação proposta não aparecem ou se apresentam com escassez. A técnica de acabamento externo conhecida como corrugada, por exemplo, que é utilizada como decoração plástica no tratamento de superfícies e assim considerada um fator decorativo, denota também certa funcionalidade. A mesma estaria relacionada ao fato de que um objeto com superfície áspera é consideravelmente mais fácil de ser transportado de um local para outro. Entretanto, esse “caráter funcional” não estaria aplicado diretamente aos vasilhames cerâmicos com fabricação exclusiva de urnas funerárias, uma vez que, tais tipos de vasilhames não precisam ficar sendo transferidos de um local para outro. O alisamento assim como a corrugação são considerados decorações plásticas, mas que também podem ser considerados como técnicas de manufatura. No primeiro caso – alisado – o processo ocorre para a junção dos espaços vazios que são formados ao ir sobrepondo os roletes feitos de argila. Percebe-se que na medida em que vasilhames fazem parte de momentos tanto da vida cotidiana quanto da vida cerimonial. A utilização desses objetos não fica restrita apenas para armazenar, conservar e transportar alimentos e líquidos. Ela estende-se até sua re(utilização) como objeto fúnebre. Esses artefatos podem ter sido confeccionados com finalidade de uso cotidiano, doméstico e posteriormente retirados de sua função primeira para ganhar uma conotação simbólica diferente da existente no primeiro momento. O objeto retirado de seu uso cotidiano não volta mais a ser utilizado como era anteriormente. 57 Nos limites desta pesquisa, é possível somente que se levantem questionamentos para trabalhos futuros, no que diz respeito à confecção de objetos cerâmicos de cunho utilitário. Tendo em vista que não foi identificado um padrão técnico, morfológico e decorativo específico para as urnas funerárias que as distinguisse das cerâmicas cotidianas, deixa-se aqui a constatação de um fenômeno a ser posteriormente observado: Havia distinção no fabrico de vasilhames cerâmicos na região do Parque Nacional Serra da Capivara? Os mesmos eram “(re) significados” a partir das necessidades de cada grupo? Um mesmo vasilhame podia ser empregado para acondicionar alimentos e depois (re) utilizado em rituais funerários? Por outro lado, a ausência ou a presença em pequena quantidade de outros tipos de decoração nas urnas funerárias, como a pintura, não significa que inexista uma confecção exclusiva desses artefatos para o destino final do corpo, uma vez que o ato da utilização de vasilhames cerâmicos indica uma preocupação maior em salvaguardar um “ente querido”. Essa diferenciação funerária identificada não pode ser analisada por completo uma vez esse estudo é apenas um dos elementos que compõem um ritual funerário. É necessário que outros dados sejam analisados para se identificar grupos culturais. Para serem feitas outras inferências com relação às práticas mortuárias do Parque Nacional Serra da Capivara é necessário um estudo minucioso dos elementos componentes do que venha a se caracterizar como práticas mortuárias. Por fim, partiu-se do pressuposto de que as urnas cerâmicas utilizadas nos sítios arqueológicos estudados apresentam diferenças nos tipos de tratamento de superfície e na sua morfologia. Percebe-se então que, dentre a variabilidade que poderia ter sido confeccionada a seleção feita pelos grupos que habitaram essa região se caracteriza como mínima diante do que foi apresentado. Encontra-se assim, um padrão quanto às técnicas empregadas pelos homens pré-históricos do Parque Nacional Serra da Capivara e entorno. 58 REFERÊNCIAS ALVES, Cláudia. A Cerâmica Pré-Histórica no Brasil: Avaliação e Proposta. Clio Arqueológica, v.1, nº 7, 1991. BARRETO, Cristiana Nunes Galvão de Barros. Meios Místicos de Reprodução Social: Arte e Estilo na Cerâmica Funerária da Amazônia Antiga. Tese (doutorado). Programa de Pós-Graduação em Arqueologia. Museu de Arqueologia e Etnologia, USP. São Paulo, 2008. BICHO, Nuno Ferreira. Manual de Arqueologia Pré-Histórica. 2006. BONJARDIM, Solimar Guindo Messias. VARGAS, Maria Augusta Mundin. A percepção da paisagem arqueológica da morte. CARVALHO, Fernando Lins. Simbologia dos Ritos Funerários na PréHistória. Canindé, Xingó, nº 1, Dezembro, 2003. CASTRO, Viviane Maria de. O Perfil Técnico Cerâmico do Sítio Cana Brava, Jurema, Sudeste do Piauí. Revista CLIO – Série Arqueológica, nº 14, 2000 CASTRO, Viviane Maria Cavalcanti de. Marcadores de identidades coletivas no contexto funerário pré-histórico no Nordeste do Brasil. Recife: O Autor, 2009. COSTA, Ilca Pachedo da. Caracterização das práticas funerárias nos sítios abrigos da área arqueológica Serra da Capivara – PI. (Monografia - 2009) FONTES, Mauro Alexandre Farias Fontes. A Cerâmica Pré-Histórica da Área Arqueológica do Seridó/RN. Recife, 2003. LA SALVIA, Fernando. BROCHADO, José Proença. Cerâmica Guarani. Porto Alegre, Posenato Arte e Cultura, 1989. LUNA, Suely; NASCIMENTO, Ana. Procedimentos para Análise da Cerâmica Arqueológica. Revista CLIO – Série Arqueológica, nº10, 1994. MARTÍNEZ, Ignácio; ARSUAGA, Juan Luis. La especie elegida: la larga marcha de la evolución humana. Madrid, 1998. MORIN, Edgar. O homem e a morte. Editora Imago, 1997 MORAIS, Claudeilson Santos de. Caracterização das práticas funerárias dos sítios arqueológicos Toca do Serrote da Bastiana e Toca do Barrigudo, na área arqueológica Serra da Capivara – PI. (Monografia 2009) OLIVEIRA, Roberto Costa de. Análise dos sítios arqueológicos com enterramentos pré-históricos do Parque Nacional Serra da Capivara/PI. Trabalho de Conclusão de Curso, 2009. 59 PY-DANIEL, Anne Rapp. Arqueologia da Morte no sítio Hatahara durante a fase Paredão. São Paulo, 2009. Tese (doutorado). Programa de PósGraduação em Arqueologia – Museu de Arqueologia e Etnologia, USP. RIBEIRO, Marily Simões. Arqueologia das práticas mortuárias: uma abordagem historiográfica. São Paulo: alameda, 2007. SENE, Gláucia Aparecida Malerba. Indicadores de Gênero na Pré-História Brasileira: Contexto Funerário, Simbolismo e Diferenciação Social. O sítio arqueológico Gruta do Gentio II, Unaí, Minas Gerais. 2007. Tese (doutorado). Programa de Pós-Graduação em Arqueologia da Universidade de São Paulo, 2007. SENE, Gláucia Malerba. Rituais funerários e processos culturais:os caçadores-coletores e horticultores pré-históricos do noroeste de Minas Gerais. 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