o brasilserá
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2 0 0 5 R e v i s t a d a PALESTRA DO MINISTRO LUIZ GUSHIKEN D E “ O MELHOR DO M A R Ç O/ A B R I L ÉO BRASIL BRASILEIRO” REVISTA DA ESPM – VOLUME 12 – ANO 11– EDIÇÃO N 2 –o MARÇO/ABRIL 2005 – PREÇO R$ 26,00 S MESA REDONDA O 2 BRA IL E D I Ç Ã O N COMPETITIVO ENTREVISTA COM O MINISTRO – SERGIO AMARAL “HÁ GRANDES OPORTUNIDADES NO EXTERIOR 1 1 PARA AGÊNCIAS DE PUBLICIDADE BRASILEIRAS” A N O O Brasil e sua imagem no exterior ROBERTO G IANNETTI DA FONSECA – Nossa agência internacional 1 2 C LAUDIA P ENTEADO V O L U M E Foco na Geração Z: entendendo o consumidor adolescente brasileiro em 2004 A MYRIS F ERNANDEZ E S P M – Banco de Marca A terceirização de marca chega ao mercado financeiro ARMANDO L EVY PRATINI DE MORAES “O ISSN – 1676-1316 R E V I S T A D A ENTREVISTA COM O MINISTRO BRASIL SERÁ O BREADBASKET DO MUNDO” Editorial EXPEDIENTE CONSELHO EDITORIAL Francisco Gracioso – Presidente Alex Periscinoto Alexandre Gracioso Jacques Marcovitch J. Roberto Whitaker Penteado EDITOR J. Roberto Whitaker Penteado MTB no 178/01/93 e-mail: [email protected] COORDENAÇÃO EDITORIAL Lúcia Maria de Souza PROJETO GRÁFICO E ILUSTRAÇÃO DA CAPA Miriam Duenhas FOTOS NÃO CREDITADAS Corbis Stockphotos REVISÃO Anselmo Teixeira de Vasconcelos Antonio Carlos Moreira PUBLICIDADE Amadeu Nogueira Paulo Tamanaha e-mail: [email protected] IMPRESSÃO Editora Referência Rua François Coty, 228 – CEP 01524-030 Tel.: (11) 6165-0766 – Fax: (11) 272-6921 e-mail: [email protected] REDAÇÃO Rua Dr. Álvaro Alvim, 123 São Paulo – SP – CEP 04018-010 Tel.: (11) 5085-4508 – Fax: (11) 5085-4646 e-mail: [email protected] DISTRIBUIDOR EXCLUSIVO Fernando Chinaglia Distribuidora S/A REVISTA DA ESPM – uma publicação bimestral da Escola Superior de Propaganda e Marketing. Os conceitos emitidos em artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores. Professores, pesquisadores, consultores e executivos são convidados a apresentarem matérias sobre suas especialidades, que venham a contribuir para o aperfeiçoamento da teoria e da prática nos campos da administração em geral, do marketing e das comunicações. Informações sobre as formas e condições, favor entrar em contato com a coordenadora editorial. NO DIAGNÓSTICO TODOS CONCORDAM. FALTA AGORA UM BOM PROGNÓSTICO A pauta desta edição é uma combinação inédita de depoimentos de personalidades de destaque do governo e da iniciativa privada. Dois ministros de estado e um embaixador apresentam o ponto de vista oficial sobre a nossa competitividade no exterior, enquanto um dirigente do setor financeiro, um executivo de multinacional, um dirigente de grande conglomerado publicitário, um economista financeiro, um professor acadêmico e um dirigente classista apresentam o ponto de vista empresarial. Curiosamente, ao contrário do que ocorre normalmente, neste caso, as opiniões e propostas são coincidentes. Em resumo, a questão da competitividade externa tornou-se vital para nossa sobrevivência como nação moderna e próspera. Essa competitividade ainda é pequena – pode-se dizer que é apenas incipiente – e só crescerá se houver uma conjugação de esforços das áreas governamental e privada. Por exemplo, dependem do governo os investimentos na educação e na infra-estrutura logística. Depende também do executivo e do congresso a adaptação das nossas leis às necessidades do comércio externo e dos investimentos vindos do exterior. Mas dependem da iniciativa privada as campanhas de marketing em favor de produtos específicos. Tendo como objetivo agregar valor ao que exportamos, caberá aos exportadores desenvolver vantagens competitivas e projetar as suas próprias marcas no exterior, sem esperar muita ajuda da imagem da marca “Brasil”. Embora as opiniões sejam divergentes, muitos de nossos entrevistados e debatedores dão um valor apenas relativo a essa questão. Enfim, se o Brasil desejar transformar-se em um dos dez maiores exportadores do mundo, será preciso que nos transformemos, antes, em um país bem mais educado, mais inserido no contexto das nações e menos preso às armadilhas de uma legislação arcaica e protecionista. FRANCISCO GRACIOSO PARA ASSINAR, LIGUE: (0XX11) 5085-4508 OU MANDE UM FAX PARA: (0XX11) 5085-4646 SE PREFERIR, ACESSE O SITE: WWW.ESPM.BR Cartas ESSES GOSTARAM editaram! Ficou realmente impressionante! Fico feliz que tenha participado de algumas partes dela! Acabo de ler o meu exemplar da edição sobre marketing do luxo. Resumo minha opinião numa frase: está exemplar. Abraços Carlos Ferreirinha Diretor Geral MCF Consultoria em Luxo Roberto Duailibi Sócio-diretor DPZ Para mim, a mais simples definição de “Luxo” é “aquilo que excede aos padrões”. Quaisquer padrões, em qualquer contexto, em qualquer direção. Parabéns, então, pela edição da Revista da ESPM de janeiro/ fevereiro. Ela excedeu. Em qualidade das matérias, em “prazer gráfico”, isto é, o prazer visual e do toque, em contribuição permanente para os profissionais e estudiosos dos temas que abordou. Como profissional da publicidade, durante muitos anos, fiquei surpresa com a edição da Revista da ESPM sobre o “Mercado de Luxo” porque, sinceramente, nunca imaginei que um dia pudesse vir a existir uma classificação especial de mercado, o assim chamado “Mercado de Luxo”! No meu superado conceito (provavelmente correto no tempo em que exerci o ofício...), mercado era mercado de produtos, com classificações por gêneros: alimentício, automobilístico, vestuário, imobiliário etc. De repente: “Mercado de Luxo”! Mantenham também este senso especial de atualidade. Um abraço, Luiz Augusto Cama VP, Planning Director Ogilvy Brasil, São Paulo E quem resolveu denominá-lo assim, separá-lo assim, teve uma larga visão mercadológica. É um mercado em si, sim! E, não deve ser fácil lidar com ele sem mergulhar fundo nas suas idiossincrasias, na psicologia dos seus compradores, na forma como identificá-los e como executar Parabéns! Pela incrível revista especial sobre o Luxo que vocês 6 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 o ato final: VENDER. A abordagem dada à reportagem da Revista é interessantíssima e a indicação da bibliografia, muito útil para os publicitários que pretendam lidar com este mercado. Segundo soube, já existem, no Brasil, cursos de MBA para preparar profissionais que desejem atuar neste segmento. Jovens publicitários, candidatem-se... Hilda Ulbrich Schutzer Responsável por Assuntos Internacionais da Right Saad Fellipelli Recursos Humanos Com muito prazer recebi os exemplares da Revista da ESPM com a publicação da entrevista. Gostaria de agradecê-los pela oportunidade em ter participado dessa edição e também por toda atenção, qualidade e profissionalismo. Obrigada! Viviane Polzim Marketing e Comunicação Ferrari & Maserati Se os vários números da Revista da ESPM têm merecido um lugar espe- cial na minha estante, fico querendo descartar para abrir espaço, mas a pena acaba não deixando. Este número, em particular, vai ser lido, vasculhado, compartilhado com alunos e guardado de forma muito especial. Parabéns por mais esta. Isnard Vieira Consultor de Comunicação de Marketing, Rio Reportagens atuais, que falam de tudo que precisamos e queremos saber, essa é Revista da ESPM, uma revista que já faz parte do meu diaa-dia,deixando-me informada de assuntos que as outras revistas só vão publicar bem depois. Parabéns pelo excelente trabalho e continuem assim. Andréia Cascardo Técnica em Biblioteconomia São Paulo REPARO Venho cumprimentá-los pelo número de janeiro/fevereiro 2005 da Revista da ESPM dedicado ao mer- e num mundo onde o poder da marca está cada dia mais associado à confiança e tradição, um artigo como esse seria muito valioso. cado do luxo que li aqui em Genève. A sobriedade e objetividade das abordagens adotadas tornou a leitura estimulante. Recomendo, no entanto, uma atualização das informações contidas no artigo “O Mercado do Luxo no Brasil” diante das mudanças recentes da geografia do consumo. Um grande abraço, José Eduardo Amaral Rodrigues AGF Brasil Seguros Divisão Comercial Sugestão anotada. Além do desenvolvimento do agronegócio, os problemas de segurança nos grandes centros urbanos nestes últimos anos devem ter tido uma influência na concentração das famílias abastadas no Brasil. OMISSÃO Meu nome é Ivani Cardoso e sou assessora de imprensa da Editora Barcarolla. Estranhamos não constar o nome do último livro do Gilles Lipovetsky, “Os Tempos Hipermodernos”, lançado em agosto, na matéria com ele. Acho que seria uma informação importante para os leitores. Jacques Marcovitch Ex-Reitor da USP SUGESTÃO Estou muito satisfeito pelo conteúdo da Revista (artigos, entrevistas e também pela qualidade da edição e fotos). Abraços Ivani Cardoso Gostaria de sugerir a publicação de um artigo com as marcas centenárias presentes hoje no Brasil – trabalho há 2 anos na AGF, e em 2004 completamos 100 anos de Brasil!!!, e sei que pouquíssimas pessoas/consumidores sabem disto, M A R Ç O Lamentamos a omissão. Mande-nos um exemplar do livro e as informações sobre a edição, que teremos muito prazer em fazer a complementação no próximo número da Revista. ESPM / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 7 EntreVista PR T I A IN DE NOSSA MISSÃO: FAZER DO BRASIL O “BREADBASKET” DO MUNDO 10 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 Marcus Vinicius Pratini de Moraes Imagens: arquivo ESPM aúcho de Porto Alegre, Marcus Vinicius Pratini de Moraes já exerceu diversos cargos executivos no governo brasileiro – tendo sido ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do segundo governo FHC – deixando, como saldo positivo, o reconhecimento internacional do agronegócio brasileiro, um setor em franca expansão, responsável por grande parte do Produto Interno Bruto (PIB) nacional e de todo o superávit da balança comercial do País. Casado, pai de quatro filhos, Pratini de Moraes é economista graduado pela Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Rio Grande do Sul, com cursos no exterior de Pós-Graduação em Administração Pública e Administração de Empresas. G Foi presidente da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) e atuou em diversas atividades relativas ao comércio exterior, podendo ser considerado um dos maiores especialistas brasileiros nesse importante tema. Nessa conversa com o Prof. Francisco Gracioso, demonstra seu otimismo em relação ao futuro do Brasil no cenário dos negócios internacionais – e uma certa impaciência com os obstáculos que impedem um progresso ainda mais rápido. JRWP ES MOR A M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 11 EntreVista GRACIOSO – Gostaria de iniciar, fazendo uma pergunta ligada ao seu setor, como presidente da ABIEC – Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne. Como vai a exportação de carne brasileira? ( “PRECISAMOS EXPORTAR SEMPRE PRODUTOS COM MAIOR VALOR AGREGADO.” trumento de acesso ao mercado, mas também num instrumento de restrição. “Restrição sanitária” é o novo nome do protecionismo internacional em relação à carne. O segundo fator é a questão genética – tecnologia. Houve uma grande melhoria genética do nosso rebanho, que é o maior rebanho comercial do mundo – devemos ter hoje 190 milhões de reses nos pastos – e a genética moderna permitiu carne de melhor qualidade, animais precoces e melhor ou menor taxa de conversão e alimento para cá, em peso vivo. O terceiro fator foi a abertura de novos mercados no plano internacional, viabilizada em função da melhoria da questão sanitária e da qualidade da nossa carne. PRATINI – O Brasil assumiu em 2003 – e ampliou em 2004 – a posição de líder mundial em exportação de carne bovina. Somos um tradicional exportador de carne, porém, desde a Primeira Guerra Mundial, o país exportava carne enlatada. Só recentemente passou a ser um exportador importante de carne fresca, congelada ou resfriada. Foi nesse segmento que tivemos o maior desenvolvimento, particularmente nos últimos quatro anos. Até 1999, a participação do Brasil no mercado internacional era limitada. Inclusive, durante anos, importamos carnes. Chegamos a importar carne de Chernobyl – carne contaminada. Mas agora o Brasil é líder em volume e isso decorre de três fatores: O primeiro foi o extraordinário avanço nos setores de sanidade animal – a erradicação da febre aftosa, a comprovação da inexistência da doença da vaca louca e a ampliação dos cuidados no âmbito dos produtores, municípios, Estados e da União através do Ministério da Agricultura, dos mecanismos de controle e certificação de qualidade. GRACIOSO – E o fator político? A habilidade de negociar bons acordos comerciais e romper barreiras protecionistas? PRATINI – Não há dúvida. Há dois componentes no marketing da carne: o marketing comercial e o marketing institucional, que é a tarefa do governo de abrir mercados. Essa é uma tarefa fundamental, que exige uma ação direta, forte, proativa, insistente e permanente. Não só para abrir mercados mas para mantê-los abertos. Vivi isso no Ministério da Agricultura e é uma articulação entre o setor privado, o Ministério da Agricultura e o Itamaraty. Usei muito a GRACIOSO – Você credita os bons resultados na exportação de carne ao avanço da qualidade. PRATINI – Qualidade e sanidade. São os dois fatores fundamentais. Separo-os, porque a questão sanitária transformou-se, não só num ins- 12 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 ( ação externa, de forma pessoal e com a ajuda do Itamaraty, para abrir novos mercados para a carne brasileira, vencendo as barreiras técnicas e sanitárias impostas anteriormente. Hoje, o Brasil vende carne para 143 países; vendíamos para 40 há sete anos. Isso é fruto de ações, acordos bilaterais, sanitários – alguns acordos multilaterais, mas, basicamente, é uma ação de mercado-a-mercado, porque a exportação de alimentos – em particular a de carne – pressupõe a aprovação dos critérios sanitários de países exportadores, e a elaboração de um certificado sanitário acordado entre os dois países. Isso não se faz por exemplo de forma multilateral; mas bilateral, e envolve inovação política, presença intensa e muita negociação. O Brasil também foi ajudado por dois fatores: o episódio da febre aftosa na Europa, da vaca louca nos Estados Unidos e no Canadá – e depois, na Inglaterra e Europa. A deterioração das condições sanitárias dessas regiões, aliadas ao fato de que nós produzimos um animal de campo – o boi brasileiro é boi de capim, portanto, uma carne natural – ajudaram a transformar a carne brasileira numa grande alternativa para o país. GRACIOSO – Uma vantagem competitiva, portanto. PRATINI – Ao discutir competiti- Marcus Vinicius Pratini vidade, devemos considerar dois segmentos: o conceito icardiano tradicional de vantagens comparativas, onde sem dúvida, o Brasil tem vantagens em relação à carne bovina. Mas isso não basta, no mundo moderno, que é o das vantagens competitivas. No agronegócio brasileiro, a transformação das vantagens comparativas do agronegócio brasileiro em vantagens competitivas é a grande tarefa. No caso da carne, conseguimos vantagens competitivas, apesar de problemas de logística, como o transporte, transformando essa característica do boi de capim – natural, orgânico, carne mais magra – numa vantagem competitiva na prateleira do consumidor. GRACIOSO – Em outras palavras, trata-se de aplicar os princípios do marketing à exportação. Essa receita, na sua opinião, pode servir para o agribusiness de modo geral e para outros produtos que o Brasil queira exportar? PRATINI – O agronegócio, hoje, é responsável por mais de 40% das exportações e por 26 a 27% do emprego neste país. Foi o único responsável pelo salto da balança comercial. Portanto, assumiu uma posição estratégica no cenário econômico, inclusive pelo efeito multiplicador que tem em toda a indústria e serviços ligados à economia agrícola. A aplicação dessas idéias – que desenvolvemos para a carne – é básica e acho que todos os setores devem acompanhar. Mas temos, antes, de discutir a questão do marketing: convencer-nos de que precisamos exportar sempre produtos com maior valor agregado. Por isso, defendo a exportação de carne como proteína animal – proteína animal de boi, frango, porco. Vamos transformar o maior volume possível de pastos, soro, farelo de soja, milho em carne bovina, carne de frango, de porco – proteína animal que vale vinte, trinta vezes mais do que a proteína vegetal utilizada na sua produção. O desafio do Brasil, no agronegócio, é aumentar o valor agregado da sua exportação. Vamos, sempre, exportar algumas matériasprimas, mas nosso objetivo deve ser – como no caso da carne – exportar produto com valor agregado, porque isso gera mais renda, mais emprego, mais dólares. Uma tonelada de soja vale US$ 250; uma tonelada de filé mignon pode chegar a US$ 8 mil. GRACIOSO – Nessa óptica de valor agregado, o ministro Ricupero – nosso compatriota que está na OCDE – disse, em um artigo, que o Brasil deveria olhar além das commodities e tentar entrar nos segmentos mais dinâmicos do comércio internacional, em produtos de alta tecnologia, serviços elaborados. Como vê essa observação? PRATINI – Pelas funções que exerci, nos últimos anos, e pelas atividades da ABIEC, o meu foco é o agronegócio. Mas trabalhei nesse estudo, com os dados da UNCTAD, e chamava de produtos dinâmicos. Apresentei um estudo, em 1997, mostrando que o Brasil estava fora dos produtos mais dinâmicos no crescimento do comércio internacional, e o Ricupero usou esses dados – que levantei, com base em estatísticas fornecidas pela UNCTAD – para elaborar alguns artigos e essa tese, que ele defendeu em várias conferências. Se – de um lado – no agronegócio, o Brasil adotou uma estratégia que me parece adequada e tem trazido bons resultados, na área industrial temos ainda um grande espaço a percorrer. Pecamos por várias deficiências. A primeira é a nossa cultura – o Brasil tem cultura de país colonial. Sempre foi um país comprado; nunca soube vender. Durante quase 500 anos, os estrangeiros – basicamente portugueses – GRACIOSO – Que preço médio conseguimos, por tonelada? PRATINI – Com exceção de alguns mercados, ela está sujeita, hoje, a uma taxação muito pesada. O preço médio de venda está um pouco acima de US$ 2.200 por tonelada, incluindo traseiro/dianteiro – é a média, porque o traseiro vale mais que o dianteiro. Mas como temos grandes mercados no Oriente Médio que compram só dianteiro, o volume de exportação é grande. Eu, pessoalmente, sou um grande entusiasta da exportação para esses mercados, porque a gente exporta o dianteiro e o churrasco fica aqui... ( “A GENTE EXPORTA O DIANTEIRO E O CHURRASCO FICA AQUI...” M A R Ç O de Moraes / A B R I L D E ( 2005 –REVISTA DA ESPM 13 EntreVista vieram aqui e compraram o que quiseram. Levaram o Pau-Brasil, depois o algodão, cacau, café, minério de ferro, couro, açúcar, pagando o preço que bem entendiam. A indústria do Brasil não se desenvolveu. Até 1808 – quando o mundo ingressava no setor industrial –, aqui, a única indústria que existia era a de fabricação de tecidos para roupas de escravos. Tudo era proibido, inclusive gráficas. Os primeiros exemplares do Correio Brasiliense eram editados em Londres e vinham de navio, porque era proibido ter gráfica aqui – os portugueses não permitiam. Entramos com atraso na Revolução Industrial – que só se iniciou no Brasil, de forma modesta, com a vinda dos primeiros imigrantes suíços para Friburgo no RJ, os alemães que vieram para Petrópolis por volta de 1840 e, depois, para o Rio Grande do Sul. E os italianos, em 1875. 14 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 GRACIOSO – A grande imigração européia – e italiana em particular – foi em 1890. PRATINI – O Brasil industrial é um país bem novo, com uma história recente. Não desenvolvemos, no Brasil, alguns dos princípios e culturas que são fundamentais para desenvolver a indústria. A primeira delas é a propriedade industrial. Até recentemente, o Brasil achava que não poderia dar patentes porque era um privilégio, quando – no mundo inteiro – as patentes são concedidas a quem desenvolve inovações importantes, que geram renda e emprego. No Brasil, patente era algo sinistro. Também o Brasil sempre teve, na área de exportação, um certo preconceito: nunca gostou de exportar. A cultura do Brasil era a de restringir exportações e fazer substituição de importações. Até o final da década de 70, ainda tínhamos um governo que insistia na substituição de importação. Isso nos atrasou muito. Outro fator de atraso foi a questão cambial. As regras de câmbio do Brasil são tão antigas e ineficazes, que qualquer movimentação favorável da moeda brasileira – e da conjuntura monetária – provoca a valorização do real, o que destrói as exportações – aconteceu recentemente. Marcus Vinicius Pratini GRACIOSO – E põe a perder os anos de trabalho... PRATINI – E há o marketing. Nunca soubemos vender porque não éramos vendedores. Hoje – no Brasil moderno – seja na agricultura ou na indústria, o grande desafio, de um lado, é de logística e, de outro, é de marketing. Não temos uma tradição como vendedores. Aqui em SP, vou em qualquer restaurante, de nível médio, peço uma garrafa de água mineral e me perguntam se eu quero Perrier, Evian, Badort porque esses sabem vender. Por isso digo que, se quer aprender marketing, não vá aos Estados Unidos; vá para a França. Eles vendem água – e quem vende água vende qualquer coisa. Vi uma bolsa bonita, em uma loja na Europa – a marca era Louis Vuitton – e pensei: vou levar para minha mulher. Entrei, perguntei o preço: 6.500 euros. Meu Deus! Essa bolsa custa mais de R$ 20 mil! Olhei a bolsa, nem era de couro, mas de um plástico especial. Aquilo não tinha R$ 500 de bolsa. R$ 19.500 eram design, publicidade, merchandising, imagem – era filosofia. O Brasil não aprendeu, ainda, a gerar riqueza porque tem até vergonha do luxo. É outra coisa que temos que aprender: os brasileiros não produzem luxo e não o compram aqui, mas compram quando viajam – são grandes compradores de Dior, Louis Vuitton, Catarina Herrera – porque não aprendemos que produtos de luxo criam renda, como os italianos aprenderam e os franceses exploram com competência. Isso é um bom exemplo de marketing. GRACIOSO – Há uma certa discordância, a esse respeito. Há es- ( de Moraes “NA ÁREA INDUSTRIAL TEMOS AINDA UM GRANDE ESPAÇO A PERCORRER...” pecialistas que defendem a criação, no exterior, de marcas específicas. Por exemplo, a Sadia poderia vir a ser uma grande marca no exterior. E há outros que dizem: “Não. É melhor criar a grande marca, o “guarda-chuva” Brasil, que vai beneficiar tudo o que tem origem no Brasil”. Qual é a sua opinião? sabemos nem proteger o nosso produto. Cheguei outro dia em uma churrascaria em São Paulo e me ofereceram picanha argentina. Disse ao garçom: não vim aqui comer picanha argentina; estou numa churrascaria brasileira. O Brasil tem o maior rebanho do mundo, tem uma carne excepcional e os senhores vêm com picanha argentina? Ai veio o dono da churrascaria e disse: “Olha Pratini, falamos que é argentina mas não é”. Aí eu disse: vamos vender a picanha brasileira. Se não aprendermos a valorizar o nosso produto, não vamos ter marcas no exterior. Para a Evian ser uma marca de água mineral conhecida, há mais de cem anos, às margens do Lago Leman, eles têm um hotel maravilhoso, com instalações fantásticas, e fazem muito bom marketing. Tanto que, no ano passado, realizaram a reunião dos presidentes do G8 nesse hotel. Levaram Putin, Bush, Chiraq. Eles fazem marketing há 100 anos porque valorizam o que é deles. Os franceses brigam pelos seus vinhos, queijos, pelos seus subsídios... PRATINI – Acho essa idéia equivocada. Não sei de nenhum país do mundo que venda o nome do país como marca. Pode-se dizer: calçados feitos na Itália, perfumes da França, mas a marca é Dior, os calçados são Prada. Acho que temos de desenvolver as marcas brasileiras – Sadia, Natura, Embraer, Vale do Rio Doce, Petrobras, Banco do Brasil, Bradesco, ABIEC. Criamos uma marca com o Brasil que é o Brazilian Beef, mas com o nome do frigorífico ao lado. A marca tem de ser específica. Só que, para criar marcas no exterior, o Brasil precisa prestigiar os produtos aqui dentro. Assisti, outro dia, a um anúncio de uma companhia aérea nossa, vendendo passagem para Buenos Aires e dizendo que lá havia carne muito boa. Pedi que reclamassem desse anúncio, pois é a carne brasileira que tem de ser vendida. Venda-se outra coisa de Buenos Aires; há muita coisa bonita por lá, mas não a carne Argentina, que é nosso concorrente. Não M A R Ç O ( GRACIOSO – E, quando necessário, inventam histórias. Você conhece a frase famosa atribuída a Napoleão, a respeito do champanhe francês. A história diz que, em suas campanhas, levava sempre uma caixa de champanhe. E dizia: “Se eu / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 15 EntreVista ( “BRASILEIROS EM VIAGEM SÃO GRANDES COMPRADORES DE DIOR, LOUIS VUITTON...” ganhar, mereço; se perder, preciso”. Isso mostra como os franceses são mestres no marketing. PRATINI – Em Nova Iorque, os bons cafés, bares ou restaurantes oferecem caipirinha com boas cachaças. A churrascaria Fogo de Chão – que é brasileira – tem filiais em Houston, Austin; abriu uma, agora, em Beverly Hills, o bairro mais chique de Hollywood. Há dezenas de churrascarias brasileiras no exterior e estou incentivando isso pela ABIEC porque temos que mostrar a eles como comemos a nossa carne, valorizando a nossa churrascaria... Gostamos de churrasco, vamos à churrascaria, então temos que vender isso lá fora. Quer conhecer a carne brasileira, vá a uma churrascaria. E ai vendemos a carne, o limão do Piauí, para fazer a caipirinha com a cachaça, que pode ser de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul ou Pernambuco, vendemos os sucos de frutas brasileiros, o açaí, maracujá, e vendemos, hoje, doces, aipim, banana para acompanhar o churrasco. Na medida em que vamos criando o conhecimento e o hábito de comer à moda brasileira, o produto brasileiro vai junto. Foi assim que os franceses fizeram. Lembrome de quando estava em Paris, há alguns anos, com um grupo de gaúchos – calçadistas que estavam indo à feira de Paris para tentar vender os seus calçados. Fomos a um restaurante e as pessoas que nos convidaram – franceses – escolhe- PRATINI – Precisamos criar marcas brasileiras no exterior. A Sadia é um sucesso. Vejo-a, por exemplo, em Moscou – caminhões distribuindo com a marca Sadia. É um sucesso no Oriente Médio, mas é um sucesso no Brasil. Há quantos anos comemos o frango da Sadia, salsichas etc? Então, precisamos valorizar as nossas marcas. Vou dar exemplos. Quando estava no governo, apoiei muito a cachaça mineira, de Salinas. Hoje a cachaça mineira tem programas de qualidade e controle. Em 2001, abri uma exposição de cachaça em Belo Horizonte e o jornal publicou: “Pratini, o cachaceiro”, de uma forma pejorativa. E respondi: tenho muito orgulho porque estou valorizando o produto brasileiro mais consumido no país. Hoje, há controle de qualidade – os mineiros criaram um selo de qualidade. A cachaça Havana é vendida por U$S 150 a garrafa. Preocuparam-se com qualidade, construíram marca. Hoje, as cachaças de Salinas são conhecidas na Alemanha, Dinamarca, Suécia. GRACIOSO – Já tomei cachaça brasileira na Alemanha, servida como artigo de luxo. 16 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L ( D E 2005 ram o cardápio, e o primeiro prato era escargot. Aí, o gaúcho – que estava do meu lado – disse: “Eu não como lesma”. Só que lesma francesa vem num prato bonito, com azeite de oliva, alho, salsinha, vinho especial. É marketing. É essa capacidade que ainda não adquirimos; então vamos adquiri-la. Acho que devemos fazer duas coisas para criar marcas brasileiras. A primeira é valorizar o produto brasileiro aqui dentro, exigir controle de qualidade. Tenho um amigo que devolve até Coca-Cola. “Essa está com gás demais; essa com pouco gás.” Ele faz isso – um pouco em tom de brincadeira – mas para deixar claro que precisamos ter opção. Na França, a gente devolve garrafa de vinho de 500 euros. No Brasil, somos humildes, temos vergonha. Se quisermos fazer marketing, temos até que ser um pouco arrogantes, aprender com Buenos Aires como fazer as coisas. No Brasil, temos que perder o hábito da humildade. Por exemplo, num almoço, o garçom amabilíssimo, quando termina, diz: “Desculpe alguma coisa”. Eu proíbo o pessoal que trabalha comigo usar essa expressão. Por que o brasileiro tem que pedir desculpas por alguma coisa, mesmo sem saber o que é? Tira isso do vocabulário. O Brasil não precisa pedir licença para ninguém. Só precisa perder a humildade, fazer o dever de casa bem feito. Antes de ir para uma negociação, analisar bem as posições, o tema, ir bem preparado e ter coragem de defender os nossos pontos de vista sem temor. Aí conseguiremos avançar. Felizmente, parece que a nova geração tem mais orgulho do seu país; tem conhecimento das deficiências mas Marcus Vinicius Pratini não as coloca na frente da capacidade de obter resultados. Essa é a pré-condição: valorizar as nossas coisas, falar bem do nosso país. Abro o jornal todo dia e até as estatísticas do IBGE mostram coisas negativas. Tenho uma grande preocupação com essa exploração sistemática da pobreza e da miséria. Só se fala nisso – em programas sociais – como se a miséria e a pobreza fossem coisas permanentes, no Brasil. Prefiro ser o último dos ricos a ser o primeiro dos pobres. Miséria e pobreza não são assunto para seminário; é para a vergonha nacional, para enfrentar. E isto só se resolve com crescimento econômico, educação e criação de emprego. Esse tem que ser o enfoque do Brasil. GRACIOSO – Você falou dos calçadistas gaúchos. Que eu saiba, não há nenhuma grande marca gaúcha de calçado no exterior. Eles vendem centenas de milhões de dólares, tornaram-se lançadores de novos estilos. O que explica este êxito? É apenas preço ou eles também aprenderam a fazer marketing de certa forma? PRATINI – O mercado de calçados – como vários outros – é segmentado. Há o mercado de produtos baratos onde há marcas brasileiras vendidas lá fora – Azaléia, Havaianas, Melissa. No outro extremo, são os calçados de alto preço, vendidos a 300, 500, 1.000 dólares o par. Aí sim são marcas, geralmente francesas ou italianas, feitas por designers e com um tipo de couro e acabamento que ainda não conseguimos fazer inteiramente – Charles Jourdain, Givenchy, marcas interna- PRATINI – Se você constrói uma marca aqui... Por exemplo, a Natura e o Boticário que foram para o exterior. Eles construíram suas marcas aqui. O que precisamos aprender é valorizar as nossas coisas. E para valorizar, não pode ser de graça; temos de valorizar o que é bom e exigir controle de qualidade, atenção, apresentação, inovação e todas essas características, que o Sr. conhece melhor do que eu e que o marketing impõe à tecnologia. Outro ponto fundamental: O Brasil tem o desafio de marketing e o desafio de logística – o custo-Brasil. Ele pode ser reduzido, aqui e ali, mas é um custo-Brasil intrínseco à nossa posição geográfica – o Brasil é o país mais longe do mundo. Alguém me disse que é a Austrália. Na Austrália, em menos de uma semana, você sai de Sidney de navio e está na China e no Japão, no sudeste asiático, na costa oeste dos Estados Unidos. Nós somos um país distante. Um navio de soja para a China leva de 40 a 45 dias. Somos distantes da Europa e não temos, perto de nós, nenhum grande mercado; o maior é a Argentina, que não chega a ser um grande parceiro comercial do Brasil. Todos os grandes mercados estão distantes e chegar a esses mercados e distribuir os produtos é o grande desafio de logística. E, como as vantagens cionais de moda que usam um esquema de publicidade que sai caro. Mas quando o Dior vende – ele vende de móveis a calçados, e integra o grupo LVMH que fatura 20 bilhões de euros, ou mais, por ano e que maximizou atividade de marketing e distribuição. Então eles têm um custo unitário menor do que uma marca exclusiva. Mas já estamos vendo os brasileiros entrando nisso. O Carlos Mielle, por exemplo, já tem uma loja em Nova Iorque, alguns estilistas brasileiros vendem nas grandes lojas européias de Nova Iorque. Esses são os dois extremos. Depois, há o intermediário – que é o calçado que o Brasil mais vende – aquele que leva a marca das grandes cadeias de varejo. Algumas empresas têm marcas próprias, quando têm distribuidores próprios – mas são poucas. O mercado que ocupamos, nos Estados Unidos, é o intermediário, onde se produz para o distribuidor ou para o varejista, e aí a marca do varejista predomina. Em alguns calçados mais caros, já temos a marca brasileira. Mas o problema do custo. Promover uma marca no produto de pouco valor não é viável. GRACIOSO – Como você disse, se não se tem uma base doméstica forte, não é fácil investir lá fora. ( de Moraes “ESSA IDEOLOGIZAÇÃO DAS NEGOCIAÇÕES COMERCIAIS É UMA TRAGÉDIA.” M A R Ç O / A B R I L D E ( 2005 –REVISTA DA ESPM 17 EntreVista ( “NÓS VAMOS SER O GRANDE BREADBASKET DESSE MUNDO.” comparativas do David Ricardo não estão alteradas mas substituídas, no mundo moderno, pelas vantagens competitivas, tenho de ser competitivo na prateleira do consumidor. O meu desafio é colocar o produto lá. Já melhorou muito. No setor de carne, temos um sistema de entrega cuidadosamente executado em tempo, mas é longe e os custos são altos. Ao desenvolvermos o marketing temos de pensar em logística porque é uma deficiência do Brasil. Como sempre fomos comprados e estamos distantes, muitas vezes não temos canais de distribuição adequados. Dependemos de intermediários e – às vezes – de dois ou três. Na carne, estamos diminuindo, mas ainda há intermediação, e deixamos uma boa parte da renda nessa intermediação. Marketing e logística são os dois grandes desafios. são importantes para nós. Um acordo com os Estados Unidos é fundamental. Ele tem de ser bem negociado e não pode ser ideologizado. Como país que tem preconceitos de colônia e mania de querer ser líder de pobre (quando deveria querer estar no clube dos ricos), temos resistência de vários segmentos quanto a um acordo com os Estados Unidos. Só me oporei a um acordo com os Estados Unidos se a proposta deles não for boa. Temos de ver se o negócio é bom para nós. Os Estados Unidos é um mercado de US$ 11 trilhões. Quer dizer, é o maior importador dos nossos produtos manufaturados. Temos todo interesse em fazer acordos com eles. Agora, se eles pedirem coisas inaceitáveis, não se faz. A mesma coisa com a União Européia. A única coisa que funciona, no comércio, é o pragmatismo – o toma lá, dá cá. Não é de agora que introduzimos componentes político-ideológicos nas negociações comerciais. Não é assim. As negociações comerciais podem começar por uma ação política – o encontro de presidentes, líderes de países – mas depois, vira uma negociação comercial. As pessoas têm um pouco de vergonha de falar sobre o interesse do país. Lembrome de quando eu ia negociar e as pessoas diziam: “Mas você vai negociar soja, carne de porco? Tinha de negociar é alta tecnologia”. Vou GRACIOSO – Você é a favor ou contra a ALCA? PRATINI – Jamais seria a favor ou contra qualquer acordo; sou a favor da negociação que nos pode levar a um acordo com a ALCA, com a União Européia, o Japão ou seja lá quem for. Não considero importante a discussão – que se transforma em ideológica – se faço um acordo com os americanos ou europeus, Hugo Chávez ou Fidel Castro. Temos de fazer acordos com os mercados que 18 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L ( D E 2005 negociar alta tecnologia também se e quando a tivermos, mas soja, carne de porco nós temos e são boas, criam empregos. Queremos discutir grandes teses e o comércio não funciona assim. O que funciona é: “Vou ter um ganho se fizer o negócio; ele terá um ganho”. O negócio sendo bom para os dois será feito; se não for, não será. Essa “ideologização” das negociações comerciais é uma tragédia. Não posso ser contra um acordo com os americanos porque não gosto deles. Quero saber se há negócio. Eles só pensam em negócios e por isso chegaram aonde chegaram. Eles adotaram o conceito weberiano de trabalho – coisa de protestante – e nós temos outra visão. Precisamos avançar nisso e livrar-nos dos grilhões da escravidão, do espírito de colônia, perder a humildade e fazer o dever de casa bem feito. O Brasil é o primeiro em café, suco de laranja, açúcar, álcool, carne de boi, frango, fumo. Somos a última fronteira agrícola do mundo. Nenhuma nação tem terra livre – não contando com a Amazônia – para alimentar parte do mundo – o mundo precisa do Brasil para comer. E precisamos administrar isso direito. Isso não exclui a importância dos serviços e da indústria, que são os principais segmentos da atividade econômica. Hoje os serviços são mais de 50% da economia. Mas se não houver boa agricultura – comida para comer aqui – não há mercados para serviços, e a mesma coisa serve para a indústria. Creio que esse é o desafio: modernizar a estratégia brasileira. Falamos muito em pobreza, miséria, fome zero, mas quando chegam as ações – elas são difíceis – porque temos muita emoção e pouco pragmatismo, Marcus Vinicius Pratini M A R Ç O / A B R I L D E de Moraes 2005 –REVISTA DA ESPM 19 EntreVista ( “MARKETING E LOGÍSTICA SÃO OS DOIS GRANDES DESAFIOS.” capacidade de execução. Temos que ter um pouco mais o pé no chão. GRACIOSO – Sempre trabalhei com estrangeiros, e você também tem experiência internacional, talvez a nossa percepção combine: os estrangeiros não percebem o Brasil como um país pobre, miserável; nós é que insistimos nessa tese. PRATINI – O Brasil é um país muito rico e mal-administrado por nós mesmos. Vamos ter que melhorar a gestão desse país; ter uma gestão mais pragmática e acabar com essa discussão ideológica. “Sou contra os americanos e a favor de...”. Danese. Dá para fazer negócio? Cria emprego? Então faz. Imagine se os países europeus – que há dois mil anos se matam, entre eles – pensassem assim. Eles são pragmáticos e superam essas divergências. GRACIOSO – Lembra-se dos canadenses espalhando que havia aqui a doença da vaca louca? Um amigo executivo contou-me, na ocasião, que estava na Holanda e um jornal de lá estampou a manchete “Canadá diz que Brasil tem doença da vaca louca, mas é bobagem. Loucos lá são os políticos”. PRATINI – Aliás a Holanda nos ajudou muito. Na época fui ao Cana- 20 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E ( dá e disse ao primeiro-ministro de lá: o Sr. está cometendo um crime contra a nação brasileira porque nem os seus cientistas sustentam essa posição. No Brasil, boi come capim. E inventei aquela comissão técnica. Quando chegaram aqui pedi ao comando da aeronáutica dois Brasilia fabricados pela Embraer, eles tiveram que viajar nos aviões da Embraer. Porque, na realidade, a motivação de tudo isso foi a briga da Bombardier com a Embraer. GRACIOSO – Qual a sua visão do futuro? PRATINI – Sou um entusiasta do meu país. Acredito no Brasil. Acho que temos deficiências, porque somos uma nação continental, muito jovem, que enfrenta grandes desafios. Mas há soluções, temos de ser mais audaciosos e não ter medo de errar. Só não erra quem nada faz. Toda pessoa que realiza alguma coisa, em algum momento cometerá erros. Se fizer muitas coisas boas, terá o benefício dos êxitos para compensar eventuais insucessos que fazem parte da vida. Acredito muito no futuro e no presente do Brasil. Uma grande deficiência nossa ainda é uma postura ideologizada, politizada, em questões econômicas e comerciais que nos impedem de maximizar as oportunidades, tanto 2005 no plano interno quanto internacional. Isso cria empregos. O problema mais sério do Brasil é emprego. E criando mais empregos, o salário melhora. E, ainda assim, não é só emprego; o que nossos filhos vão ter? O problema da nossa sociedade brasileira é não criar ainda para uma grande massa da população. O que meu filho vai fazer depois que sair da ESPM? Será que terá uma boa colocação? Essa é a grande pergunta. Nosso dever – como pessoas que têm responsabilidade de liderança – é criar oportunidade, esperança, confiança com coisas objetivas. E a única forma de fazer isso é fazer o país crescer. O Juscelino entendeu isso, os militares entenderam isso. Mas parece que o dispositivo político brasileiro de hoje está mais preocupado em arranjar emprego para eles, para os parentes, amigos e cabos eleitorais do que para o povo brasileiro. Desenvolvi o setor coureiro calçadista do Rio Grande do Sul e ajudei a criar 250 mil empregos entre RS e Franca. Não perguntei para quem foi esse emprego, não empreguei nenhum parente, mas sei que criei oportunidades para muita gente. Quando fiz o plano siderúrgico, os pólos petroquímicos – na minha gestão, no Ministério da Indústria e Comércio – criamos centenas de milhares de oportunidades. Não perguntei se empregaram meu parente ou cabo eleitoral. Temos de ter um pouco mais de generosidade. Às vezes, trabalhamos com certa pequenez – somos ainda paroquiais. Acredito que o agronegócio brasileiro será o maior do mundo até o final desta década; o mundo precisa do Brasil para comer e nós vamos ser o grande breadbasket desse mundo. ESPM O Brasil e sua O Brasil e suaimagem Imagemno noexterior Exterior 22 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 Roberto Roberto Giannetti Giannetti da da Fonseca Fonseca O S BR A IL E SUA IMAGEM NO EXTERIOR D entro do atual quadro de aprofundamento do fenômeno da globalização, tornam-se cada dia mais relevantes ações que promovam o aprimoramento da imagem de um país, pois a ela estará associado o conceito universal sobre a sua respectiva sociedade, e, o que é mais importante, sobre a qualidade de seus produtos de exportação, a confiabilidade de sua economia para atrair investimentos externos, e a atratividade de seu turismo doméstico para estrangeiros. Desnecessário se torna argumentar sobre a resultante destas três variáveis – exportações, investimento externo, e turismo estrangeiro – sobre o nível de renda e de emprego em nosso país. Portanto a questão de investimento institucional na imagem do país não é uma mera questão de patriotismo ufanista, ou de ingênuo orgulho nacional. Tratase, isto sim, de uma questão pragmática, que resulta em fatos concretos e tangíveis no nível de atividade da economia, e que merece, por isto, uma atenção e dedicação profissionais, tanto por parte do setor público, como por vários segmentos do setor privado, que são diretamente beneficiários desta desejada melhoria da imagem do país. M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 23 O Brasil e sua imagem no exterior A construção da boa imagem de um país é uma tarefa árdua e complexa, que exige estratégias bem concebidas de médio e longo prazo, e que exige, antes de mais nada, uma profunda noção de autocrítica, que permita identificar fraquezas e virtudes de uma nação ou de um povo, aos olhos de um estrangeiro. Alguns paradigmas que podem exemplificar esta noção de imagem nacional, já estão nitidamente definidos para alguns países no mercado internacional: ninguém duvida, por exemplo, que: JÁ A ITÁLIA DESTACA-SE PELA IMAGEM DE SEU CRIATIVO E ELEGANTE DESIGN EM VÁRIOS CAMPOS DA INDÚSTRIA DE BENS DE CONSUMO; O JAPÃO TEM A SUA IMAGEM ASSOCIADA A MINIATURIZAÇÃO E INVENTIVIDADE NO SETOR ELETRO ELETRÔNICO; A IMAGEM DA ALEMANHA ESTÁ ASSOCIADA AOS CONCEITOS DE ALTA PRECISÃO, MODERNAS TECNOLOGIAS E ALTA CONFIABILIDADE; A FRANÇA, POR SUA VEZ, ESTÁ ASSOCIADA À IMAGEM DE SOFISTICAÇÃO, PRODUTOS DE ALTO LUXO E VALOR ESTÉTICO; 24 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E E OS ESTADOS UNIDOS TÊM COMO IMAGEM PRINCIPAL A FUNCIONALIDADE E A TECNOLOGIA APLICADA NOS VÁRIOS SEGMENTOS DE SUA PUJANTE ECONOMIA, COM DESTAQUE NO PASSADO MAIS RECENTE PARA AS EMPRESAS DE SOFTWARE E INFORMÁTICA, AEROESPACIAIS, E SERVIÇOS EM GERAL. 2005 Neste contexto, avalia-se que a imagem do Brasil, como país e como sociedade, está associada a noções de modernidade (Brasília), criatividade (futebol, música), informalidade (jeitinho), espontaneidade (calor humano), alegria (carnaval, festas), e cordialidade (hospitalidade, generosidade), todas características positivas. No entanto, não temos uma imagem bem fixada no cenário internacional, e disto resulta uma perigosa vulnerabilidade na mídia impressa e eletrônica, nem sempre realista, e muito menos favorável ao nosso país. Cabe destacar, por exemplo, a sórdida campanha levada a efeito contra o Brasil no final dos anos 80 a respeito de nossa alegada irresponsabilidade com o meio ambiente, quando na verdade os grandes vilões neste campo eram e continuam sendo até hoje os próprios países desenvolvidos. Seguindo nesta linha de raciocínio, cabe verificar de que forma o Brasil poderia utilizar seus principais valores culturais e humanos no esforço de promoção de nossas exportações e de nossas empresas no exterior. Nossa imagem internacional ainda é bastante associada a estereótipos relacionados ao exótico, à natureza, ao futebol-arte, ao carnaval, elementos que não podemos negar, fazem parte de nossa essência cultural, mas que não esgotam ou eliminam outros aspectos virtuosos de nossa sociedade e economia. Desta constatação resulta a necessidade de se definir novas estratégias de difusão da imagem internacional do Brasil, que a associem, também, a aspectos relacionados com a qualidade, a criatividade, a Roberto modernidade, e a confiabilidade; todas essas virtudes que gostaríamos de ver associadas aos nossos produtos de exportação. Importante também seria angariar do público internacional e, principalmente, dos líderes políticos e empresariais, da mídia, e enfim dos formadores de opinião, uma imagem favorável e simpática para o Brasil, mas, que também resulte na expansão dos fluxos de turismo e de capital estrangeiro para o nosso país. Cabe destacar que, atuam nesta área inúmeras instituições públicas e privadas que objetivam tanto a excelência da imagem geral do país, como a de seus respectivos campos de atuação. Entre outras poderíamos relacionar o Banco do Brasil, com suas dezenas de agências espalhadas por países da Europa, América Latina e do Norte, e Ásia; a Embratur, responsável pela promoção do turismo brasileiro no exterior; a APEX – Agência de Promoção das Exportações –, ligada ao Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, responsável pelas inúmeras ações de promoção das exportações brasileiras; o DPR – Departamento de Promoção Comercial do Ministério de Relações Exteriores, também relacionado com a promoção de nossas exportações, turismo e captação de investimentos estrangeiros, através da rede de Embaixadas e Consulados espalhados pelo mundo. A força conjugada dessas instituições governamentais, somada a parcerias com o setor privado , através de associações de classe e de instituições de comércio exterior, nação destas atividades relacionadas à promoção da imagem do Brasil no exterior, e que estimule múltiplas parcerias com o setor privado, de forma a orientar, também, as ações paralelas do setor privado, na mesma direção. como a FUNCEX – Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior–, a AEB – Associação de Comércio Exterior do Brasil –, a FIESP – Federação de Indústrias do Estado de São Paulo –, representa um vetor de razoável poder de fogo para levar a cabo uma missão desta relevância. Torna-se imperativo, no entanto, para a otimização dos esforços nesta direção que, o Governo Federal, através do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, assuma, com firmeza, a coorde- A título de exemplo, poderíamos imaginar uma série de eventos culturais e esportivos, em que a promoção da imagem do Brasil e de seus produtos de exportação poderia ter um resultado extremamente positivo: ❖ shows de destacados músicos e intérpretes brasileiros nas principais capitais e cidades do mundo, incluindo turnês programadas, bem como eventos específicos, como a comemoração dos 43 anos do show de lançamento da bossa nova no Carnegie Hall em Nova Iorque, ou do falecimento de nosso compositormor Antonio Carlos Jobim (o maravilhoso show Jobim Sinfônico está por lá!!). ❖ propaganda e promoção da imagem do Brasil e dos produtos de exportação brasileiros nos principais eventos esportivos mundiais em que o Brasil se destaca, como o automobilismo (Fórmulas Indy, Um e Três), tênis, futebol, vôlei, natação, atletismo, hipismo, iatismo etc. ❖ produção de filmes e programas televisivos que promovam a imagem do país e de produtos de exportação para exibição em circuitos internacionais de cinema e de televisão. ❖ participação de ícones brasileiros de fama internacional (Pelé, Ronaldo, Guga, Lucélia Santos na China, Zico no Japão etc.), em eventos promo- M A R Ç O Giannetti da Fonseca / cionais como feiras internacionais, missões empresariais, festivais de gastronomia, desfiles de moda brasileira, entre outros. ❖ edição e distribuição de livros promocionais de produtos brasileiros, por exemplo, sobre design brasileiro, turismo de aventura e de lazer no Brasil, pedras e gemas preciosas do Brasil, entre outros títulos do gênero. ❖ festivais de cinema e de música brasileira em centros internacionais de cultura e de negócios. ❖ seminários e palestras sobre a economia, a cultura, o turismo no Brasil para variados públicos-alvo, divulgando informações positivas e atualizadas sobre o nosso país. ❖ kits escolares para o nível básico, trazendo aos jovens estudantes de diversos países do mundo informações básicas sobre a geografia, a história, a cultura, a política e a economia do Brasil, de forma que as novas gerações em outros países saibam melhor sobre este gigantesco e fascinante país que é o Brasil. A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 25 O Brasil e sua imagem no exterior Em eventos como estes poderemos mostrar que o Brasil também é o país que produz excelentes e modernas aeronaves regionais; que produz carne bovina, suína e de frango saudáveis e saborosas; que é o país que produz móveis de formidável estética e design; que produz sapatos quase tão bons como os europeus e quase tão baratos como os chineses; que, também fabrica ônibus, caminhões e veículos que circulam por quase todo mundo; que é o maior exportador mundial de suco de laranja, café (melhor que o colombiano), açúcar, soja, entre inúmeras outras commodities agrícolas; que tem a caipirinha e pão de queijo para a happy hour ao redor do mundo; que tem a melhor moda praia do mundo e as modelos mais bonitas entre todas nacionalidades; que tem um sistema de votação eletrônica e de tecnologia bancária sem paralelos no mundo, e tantas outras virtudes e casos de sucesso que, sem ufanismo, poderíamos passar horas relacionando. Por que não divulgar extensa e intensivamente tudo isto, de forma profissional e organizada? Enfim, muito pode ser feito em prol da imagem do Brasil através desta iniciativa coordenada entre o Governo e o setor privado, e que, se bem conduzida, poderá resultar na criação de milhões de novos empregos e de bilhões de dólares de acréscimo na renda nacional, resultantes dos efeitos sobre as exportações, o turismo e o fluxo de in- vestimento direto estrangeiro na economia brasileira. Em boa hora, e antes tarde do que nunca, existe hoje uma nítida consciência da necessidade de atuação nesta área de promoção da imagem do país. É hora de agir. AUTOR ROBERTO GIANNETTI DA FONSECA Economista e empresário, diretor titular de Comércio Exterior e Relações Internacionais da FIESP, e presidente da FUNCEX – Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior. ✱ O país fabrica ônibus, caminhões e veículos que circulam por quase todo o mundo. 26 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 ESPM Nossa agência Internacional NOSSA AGÊNCIA INTERNACIONAL R ecentemente, Eduardo Fischer, presidente da FischerAmérica, controlador e acionista majoritário do Grupo Total, foi convidado a dar uma palestra, na Venezuela, para cerca de 1.200 empresários. O anúncio convidando para o evento dizia mais ou menos o seguinte: “Senhores clientes, lançamos um desafio para vocês: qual é a diferença entre o Sr. James Walter Thompson, o Sr. Rubicam, o Sr. McCann-Erickson, o Sr. Leo Burnett e o Sr. Eduardo Fischer? É que o Sr. Eduardo Fischer está vivo, e você vai poder encontrá-lo pessoalmente”. O anúncio é simbólico, e demonstra como a marca FischerA- 28 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E FischerAmérica é a única ✱ Aagência de propaganda brasileira presente em vários mercados latino-americanos: nove, exatamente. 2005 Claudia A FischerAmérica é a única agência de propaganda brasileira presente em vários mercados latino-americanos: nove, exatamente. A empresa é parte da holding Totalcom, o que facilitou o desenvolvimento da rede através do aporte de tecnologia e know-how às agências. Eduardo Fischer fundou sua agência em São Paulo, em 1977 e, em 1984, associavase à multinacional Young & Rubicam, num acordo que durou cinco anos. Depois da separação, veio a decisão de não mais vender a agência. Em 1990, a conquista da conta de US$ 60 milhões da cervejaria Brahma Imagens: FischerAmérica mérica é reconhecida hoje, em vários países da América Latina, onde seu presidente, Eduardo Fischer é, em alguns casos, recebido com honras de chefe de Estado. Isso é um dos resultados de cerca de cinco anos de importantes e até exaustivos investimentos, não só financeiros, mas em algo que Fischer chama de “aculturização”. Embora próximos, os países da América do Sul e Central – para onde a Fischer expandiu sua marca – têm maneiras bastante distintas de fazer muitas coisas, inclusive conduzir negócios. Em comum, às vezes, temos, com eles, apenas o gosto pelo futebol, uma certa atávica “joie de vivre”, e as mulheres bonitas. Penteado processo de expansão pela América Latina começou ✱ Oinvoluntariamente – em 1995 – com o início do projeto de internacionalização da marca Brahma. precipitou a implantação do conceito da Comunicação Total, que a agência vinha desenvolvendo há algum tempo: um mix de serviços utilizados para atender ao cliente em todas as suas necessidades. Uma preocupação bem atual de todo o mercado – em que a Fischer foi a precursora. M A R Ç O O processo de expansão pela América Latina começou involuntariamente – em 1995 – com o início do projeto de internacionalização da marca Brahma. Junto com o cliente, a FischerAmérica realizou concorrências para encontrar agências parceiras na Venezuela e na Argentina, / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 29 Nossa agência Internacional A DECISÃO DE EXPANDIR FOI BASEADA EXATAMENTE NESTA PREMISSA: POR QUE NÃO APROVEITAR UM SEGMENTO NO QUAL SOMOS RECONHECIDAMENTE BONS, PARA EXPORTAR? FISCHERAMÉRICA VENEZUELA respectivamente Nölck e Quintana y Asociados. Com a saída da Brahma, em 1998, inicialmente Eduardo Fischer não pretendia manter operações naqueles países. Entretanto, acabou capitaneando essa experiência única para uma agência brasileira, que é quase, essencialmente, fruto da determinação e do “espírito de bandeirante” do seu CEO. FISCHERAMÉRICA MÉXICO A escolha acabou se tornando um misto de projeto de empresa e projeto de vida. Coube a Eduardo Fischer ter iniciado, solitariamente, um movimento que, historicamente, era inverso do que vinha acontecendo no Brasil. Era um grande desafio, A Fischer estava focada em expansão sim, porém dentro do Brasil. Entre 1996 e 1999, chegou a fazer aqui- REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L O que havia para “vender”, inicialmente, era uma marca forte. E, para iniciar a exportação, a Fischer teve de investir. Os primeiros movimentos dependeriam de investimentos próprios. Para atrair investidores para o negócio, foi montada uma holding, onde prevaleceu a gestão sições de 12 empresas no mercado nacional, instalando-se em Porto Alegre, Brasília, Salvador, Curitiba e Rio de Janeiro. A expansão para fora do Brasil acabou sendo uma conseqüência natural. Decidido a não dar ouvidos, e muito menos, ceder aos convites – bastante freqüentes – de vender sua empresa a grupos estrangeiros, Eduardo Fischer começou a sentir-se atraído pela idéia de montar – ele próprio – uma rede internacional, convencido de que, se o Brasil tanto atraía os estrangeiros, teria condições de exportar a qualidade ímpar de serviços publicitários, da mesma maneira que exporta outros produtos e serviços. Ao perder a Brahma, Eduardo desligou-se da Quintana, a agência parceira na Argentina, e pensou em desistir daquele mercado. O parceiro da Venezuela, Nölck Fischer América, no entanto, convenceu Fischer a ficar, pois manter-se ligado à marca lhe interessava, como negócio. Tempos depois, a Fischer acabou adquirindo uma participação na Nölck. Este acabou sendo o embrião da rede FischerAmérica, embora, naquele momento, ninguém ainda soubesse disso. 30 pois não havia como fazer benchmarking. A não ser por algumas iniciativas isoladas de agências brasileiras que montaram estruturas em Portugal ou Argentina, sem pretensão de se tornarem redes de agências, pois não havia, no país, outros exemplos com os quais aprender. Havíamo-nos acostumado a ser caça; não caçadores. D E 2005 FISCHERAMÉRICA COLÔMBIA Claudia Penteado TIME-LINE DA EXPANSÃO maio de 1995 agosto de 2000 janeiro de 2001 janeiro de 2002 julho de 2003 agosto de 2003 setembro de 2003 janeiro de 2004 VENEZUELA MÉXICO COLÔMBIA ARGENTINA COSTA RICA GUATEMALA HONDURAS EL SALVADOR FISCHERAMÉRICA ARGENTINA senvolver”, conta Eduardo. dia atrair sócios em outros países usando argumentos baseados na qualidade da propaganda brasileira. Eduardo Fischer explicava aos potenciais parceiros quem era a Fischer – então uma das 5 maiores agências do mercado brasileiro. Muitos estranhavam o interesse em se estabelecer fora e perguntavam: “você vem para cá com o quê?” Ele dizia: “com o know-how, o seu país precisa desse know-how para se de- Em agosto de 2000 – já estabelecido na Venezuela – Eduardo Fischer lançou-se à conquista do México. O mercado foi e continua sendo o maior desafio de todos. À primeira vista nem parece, pois o escritório da FischerAmérica México tem 11 clientes. Mas os lucros e o próprio acordo não vão tão bem naquele mercado e, em breve, poderá haver FISCHERAMÉRICA COSTA RICA compartilhada com profissionais não-publicitários. Isso foi feito a partir de 1996, quando Eduardo Fischer tornou-se o primeiro publicitário brasileiro a montar uma holding nos moldes das empresas internacionais e iniciar o seu processo de “transnacionalização”. Hoje, essa holding é formada por Eduardo Fischer (CEO e presidente do Conselho), Antônio Carneiro (Conselho), Antonio Camanho (Conselho), Antonio Fadiga (Diretoria) e Cláudio Venâncio (Diretoria). No início, a FischerAmérica preten- FISCHERAMÉRICA GUATEMALA M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 31 Nossa agência Internacional FISCHERAMÉRICA HONDURAS mudanças. Na gestão dos negócios, segundo relata Eduardo Fischer, o México se apresenta como um dos mercados mais difíceis. Outras empresas têm dificuldades ou desistiram de se estabelecer lá. Mas Eduardo não pensa em desistir, e acredita ter contribuído para o desenvolvimento do mercado local, uma vez que após a implantação da FischerAmérica, várias agências independentes se fortalaceram, como a “Oveja Negra” e a S2. FISCHERAMÉRICA EL SALVADOR na água”. Aliás, foi o que aconteceu com a gente em alguns lugares, inclusive mesmo na nossa expansão pelo Brasil”, assinala Eduardo. A expansão seguinte, para a Colômbia, teve lances pitorescos. Em janeiro de 2001, Eduardo Fischer estava em NY para uma reunião com a gigante japonesa Hakuhodo, a maior agência japonesa, com a qual mantém acordo operacional. Lá, foi procurado por executivos colombianos frustrados com seus respectivos acordos com multinacionais estabelecidas na Colômbia. Tratava-se dos publicitários Christian Toro e Rafael Mora. Pouco tempo depois, nasceu a Toro Vázquez Mora Fischer América, instalada num moderno prédio na rua Carrera, em Bogotá. “No primeiro momento fomos atrás de agências que já existiam. Pensávamos em comprar o controle dessas empresas, colocar a marca e pronto. Essa foi a primeira idéia. Mas havia um erro. É a mesma coisa que as multis fazem. Não adianta ir pra lá e comprar se você não exporta a cultura. Se você não ‘acultura’, não confere se a empresa que está comprando tem as mesmas crenças que você, os mesmos valores, e se aceita que você tenha o comando operacional, o seu comando, suas idéias estratégicas, vai dar com os “burros 32 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 Ao longo do processo, procurou-se manter, sempre, o foco na integração cultural – na maioria das vezes com resultados positivos, outras, como no México, constatando a necessidade de ajustes. Depois da Colômbia, veio – de novo – a Argentina, que Eduardo considera como a experiência mais bemsucedida até agora, e uma referência para o futuro. Ainda nos tempos pósBrahma, a Fischer mantivera a sociedade com a Quintana, mas o acordo foi desfeito em fins dos anos 90. A Fischer ficou afastada da Argentina até 2002, quando encontrou um novo modelo para o seu reingresso, uma espécie de “começo pelo fim”. A base do negócio foi construida através de conversas, que levaram Claudia cerca de um ano, entre Eduardo e dois profissionais representativos do mercado local: o CEO da bemsucedida operação da Young & Rubicam argentina, Cesar Padilla, e um criativo da BBDO local, Fernando Fernandes, ganhador do primeiro leão para a Argentina em Cannes, nos anos 90. Com os dois profissionais, foi montada a operação – inteiramente nova, embora, inicialmente, pequena. “O processo foi lento, mas com a competência e a qualidade profissional de cada um deles, mais “a aculturização” que tiveram, a força da nossa marca, a respeitabilidade que nosso delivery foi obtendo, pouco a pouco fomos crescendo no mercado”, conta Eduardo. Coincidentemente, a nova agência foi aberta exatamente na semana de grande crise política (da Argentina), com a saída de Fernando De La Rua, a baderna nas ruas e Buenos Aires tomada pelo caos. Em julho de 2003, a FischerAmérica ingressou na Costa Rica inaugurando um formato novo de negócio: a franquia de sua marca, com o recebimento de royalties pelo seu uso. Eduardo Fischer convenceu-se de que não precisava ter agências próprias em todos os mercados e que, em alguns deles, mesmo, não seria necessária operação alguma; a marca Fischer tornava-se desejada na América Latina, e havia gente disposta a pagar por ela. Assim foram fechados acordos de royalties também na Guatemala e em Honduras e El Salvador. Penteado troca de know-how. A agência da Venezuela, hoje, coordena a expansão na América Central. E a Argentina avalia oportunidades de expandir a rede na América do Sul. Isso proporciona, ao “capitão” Eduardo Fischer, tempo para respirar e cuidar de seu headquarter, o Brasil. “Lembro-me de quando fui sócio da Y&R, há 28 anos, e a preocupação maior deles sempre era com NYC. O coração da empresa tem que ter um foco, por isso tenho estado, agora, muito mais no Brasil. Nossa primeira fase da expansão está pronta.” No Chile e no Uruguai, Eduardo optou por estabelecer acordos operacionais, com as agências WZ Publicidade com a Nueve & Associados, respectivamente. Esses acordos, estão a caminho de transformaremse no já bem-sucedido sistema de franchise da marca – que, de imediato, não gera grandes dividendos, mas é conveniente, para ambos os lados. Não há troca de ações, apenas Ainda há oportunidades – e novos países a conquistar, mas Eduardo está cauteloso. A marca FischerAmérica já tem prestígio suficiente para que se pense na entrada em países como Espanha e Portugal. Há, inclusive, alguma curiosidade da imprensa especializada desses países pelos passos de Eduardo Fischer na penín- FISCHERAMÉRICA: SÃO PAULO, CURITIBA, RIO DE JANEIRO, PORTO ALEGRE E BRASÍLIA M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 33 Nossa agência Internacional com a espera, o longo prazo; chega a ficar estupefato com isso. Eu também sou brasileiro. Nós pensávamos que pudesse ser de outra forma, mas hoje eu sei que, se você quer construir o que as grandes companhias americanas e européias construíram – ao longo de tantos anos – tem de ter, além de competência, paciência.” sula ibérica. Eduardo não tem pressa: “nossa entrada lá deverá acontecer através de sociedades com agências locais”. E o formato ideal incluiria clientes dispostos a apostar na expansão. ERROS E ACERTOS De maneira geral, o mercado publicitário da América Latina hoje é diferente daquele de há cinco anos. Está mais criativo, e os clientes – cada vez mais abertos – cobram esta criatividade. A situação econômica, nem sempre favorável, de alguns mercados, dificulta e influencia na disposição dos clientes de apostar em idéias novas, arriscar. Trabalhar by the book é mais seguro. “Outro aprendizado: é um erro sair montando lindos escritórios. Este é um negócio de gente, de talento, que sobe e desce nos elevadores, todos os dias. O maior acerto ou erro consiste na escolha dos parceiros.” No México, Eduardo Fischer reconhece Eduardo Fischer, contudo, afirma que este pode ser um projeto para – quem sabe – os netos colherem os frutos do sucesso. Fischer lembra que nenhuma rede internacional se estabeleceu em tão pouco tempo, em qualquer lugar do mundo. “A propaganda está repleta de exemplos que comprovam isso e esse foi um dos nossos grandes aprendizados.” “O brasileiro não está acostumado REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L “Mas eu nunca desisto de nada. Podemos mudar de área, repensar, abrir aqui, fechar ali, sair de um segmento, ir para outro. Optamos nos lançar em algo que ninguém fez. Somos bandeirantes; cuidado, se ali tem cobras e ninguém pode ir, vai-se pelo outro lado. Se tem um pântano, então pula-se o pântano. Tem cachoeira? Então use uma corda. Alguém trouxe a corda? Fabrica-se uma, com cipó...” (Eduardo Fischer) brasileiro não está acostumado com a espera, o longo ✱ “O prazo; chega a ficar estupefato com isso.” Avaliar o sucesso do processo de expansão da FischerAmérica é uma tarefa complexa. Financeiramente, o projeto atinge o ponto de break-even em alguns mercados. Na Argentina, a agência já mostra lucros. O ano passado foi o primeiro de break-even na Colômbia. Na América Central via franchise da marca – o retorno ainda não pode ser considerado significativo. No México, a agência investiu sem obter retorno. 34 não ter escolhido parceiros adequados. No Panamá – a certa altura – também não. Com isso, a operação do Panamá foi extinta e a do México terá de ser inteiramente revista. D E 2005 Claudia Penteado OS CLIENTES DA FISCHERAMÉRICA NA AMÉRICA LATINA FischerAmérica Comunicação Total – BRASIL Toro Vázquez Mora FischerAmérica – COLÔMBIA ❖ Ação Comunitária ❖ ALTANA Pharma ❖ Bovespa ❖ Caixa Econômica Federal ❖ Cia. Suzano de Papel e Celulose ❖ Electrolux do Brasil ❖ Editel ❖ Faculdades Trevisan ❖ Honda Automóveis ❖ Instituição israelita Ten Yad ❖ Grupo Schincariol ❖ Listel ❖ Monsanto do Brasil ❖ Melitta ❖ Panasonic ❖ Polenghi ❖ Vivo ❖ Armonia – Punto Sport ❖ Aviatur ❖ Banco Lloyds TSB ❖ Casa Toro (concesionario) ❖ Cine Colombia (distribuidor y exhibidor de películas) ❖ Colombia Distr. (Nucita, ChocoBreak, Kick) ❖ Colseguros – Allianz ❖ Corferias ❖ Harinera del Valle (aceite y margarina, pastas alimentícias) ❖ Lafrancol (laboratorio farmaceutico) ❖ Minolta ❖ Ministerio de Defensa ❖ Mitsubishi ❖ Parmalat ❖ Pedro Domecq ❖ Warner Bros C&M FischerAmérica Comunicación Total – EL SALVADOR ❖ Mabe de El Salvador ❖ General Electric ❖ Casa del Mueble (muebles importados) ❖ Avigar (construccion) ❖ Leonel Aviles ❖ Lopez Davidson ❖ Dircam ❖ Industrias Facela Nölck FischerAmérica – VENEZUELA ❖ Línea aérea Aeropostal ❖ Bolsa de Valores de Caracas ❖ Autos BMW ❖ Laboratorios Leti ❖ Merisant (Equal – endulzante) ❖ Manpa – fabricante de papel higienico, toallas de cocina etc ❖ Molinos Nacionales ❖ Cadena de Farmacias ❖ Revista P&M ❖ Pharsana de Venezuela (productos chicco, pañales infantiles y adultos, cosmeticos etc.) ❖ La Primera Casa de Bolsa ❖ Pinturas Arquitectonicas Pinco ❖ Motos BMW ❖ Grupo Caracas ❖ Canal Fox C&M FischerAmérica Comunicación Total – COSTA RICA FischerAmérica Argentina – ARGENTINA ❖ Santa Cruz (alimentos) ❖ Estaciones de Servicio Enersol (combustible) ❖ General Electric ❖ Mabe ❖ Laboratorios Calox ❖ Grupo Z (imobiliaria) ❖ Aeropostal Alas de Centro América ❖ Supermercado Cristal ❖ Aerohonduras ❖ Academia Europea (instituto de idiomas) ❖ Banco Nacional ❖ Bardahl (automotor) ❖ Bodegas Nieto Senetiner (bebidas alcoólicas) ❖ Fundación Cimientos (fundación para la igualdad de oportunidades educativas) ❖ Laboratorio Bagó ❖ La Nación (medio de comunicación) ❖ Loma Negra (construccion) ❖ Laboratorio Elea (Mylanta) ❖ Molinos Río de la Plata (margarinas, jugo, linea de harinas, pastas y derivados) M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 35 Nossa agência Internacional O “MANUAL” DO PARCEIRO INTERNACIONAL FischerAmérica México – MÉXICO Os valores que a FischerAmérica busca nos parceiros internacionais são os seguintes: primeiro, o parceiro tem de estar preocupado primeiramente com o sucesso dos clientes e só depois o seu. Em segundo, a empresa tem de crer na comunicação total, diferencial da empresa há quase 20 anos e trademark registrado em ❖ Direct TV ❖ Panasonic ❖ Universidad del Valle de México ❖ Sylvan International Universities ❖ José Cuervo (bebidas) ❖ National Football League ❖ MVS Noticias (radio) ❖ HBO (canal de filmes) ❖ Editorial Televisa ❖ Secretaría de Comunicaciones y ❖ Transportes ❖ Unicef 16 países. O parceiro não deve ser um hot shop criativo. Mas precisa ser muito criativo sim, e ter na liderança da criatividade o seu foco para administrar o negócio. Em terceiro lugar: tem de ser uma empresa que acredita no planejamento estratégico. “Só depois entregamos a bola, a nossa marca, FischerAmérica.”, conclui Eduardo. ESPM C&M FischerAmérica Comunicación – GUATEMALA ❖ Mabe Guatemala – Geaca ❖ Magno Mercantil (tiendas de departamentos) ❖ Atlantis ❖ Alimer – Santa Cruz (alimentos envasados) ❖ Agencias Quesada (corretores de seguros) ❖ Industria Licorera Guatemalteca ❖ Frente Contra el Hambre (instituición de la presidencia de la República) AUTORA CLAUDIA PENTEADO Jornalista correspondente do jornal Advertising Age e da Revista Graphis (EUA) e editora dos websites do Clube de Criação do Rio de Janeiro e do Grupo de Mídia do Rio de Janeiro. C&M FischerAmérica Comunicación Total – HONDURAS ❖ Academia Euroea ❖ Aerohonduras ❖ Banco Continental ❖ Electrodomesticos Mabeca ❖ Heman Alas (transporte terrestre) ❖ Lacthosa ❖ Licores de Guatemala ❖ Yude Canahuati (concessionaria Ford) 36 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 Palestra PALESTRA DO MINISTRO LUIZ GUSHIKEN “O MELHOR DO BRASIL É O BRASILEIRO” Imagens cedidas pelo Ministério das Comunicações O Foto: Matheus Alves Pássaro. Ministro de Comunicações do Governo Lula (e de Planejamento Estratégico), Luiz Gushiken veio de Brasília, diretamente à ESPM – num sábado pela manhã – para pronunciar a Aula Magna do novo curso de pós-graduação em Comunicação Pública – diante de um auditório repleto de alunos, professores e profissionais ligados à administração e ao Conselho da Escola. Compreensivelmente, sua primeira preocupação foi informar aos presentes que não era um especialista em propaganda... para – na seqüência – dar uma verdadeira aula sobre todos os passos – desde a criação até a veiculação de peças cooperativas – de uma campanha extremamente profissional – assinada pela SECOM e pela ABA – que conquistou a simpatia unânime de todos os setores da sociedade. Inclusive dos publicitários. 38 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 Luiz Não sou um especialista em propaganda; por razões da política, fui designado para dar curso a um setor do governo e, por conta disso, vejome obrigado a me especializar cada vez mais. Quero transmitir um pouco do que tenho aprendido – inclusive para ajudá-los, no futuro, a entender melhor como certas questões relativas à publicidade são articuladas no governo. A primeira grande campanha que fizemos teve uma atuação conjunta do governo e do setor privado. Costumo dizer que é a primeira PPP – Parceria Pública Privada – na área de comunicação. O fato é que conseguimos articular o setor privado e o governo, e o governo com papel coadjuvante. Trata-se de uma campanha que trabalha com valores, um terreno complexo – e, às vezes, até mesmo delicado. quais seriam as soluções. Foram feitas pesquisas sobre o tema e concluímos que, realmente, valia a pena. Quando o presidente Lula ganhou a eleição, ele me falou: “Gushiken, esse povo tem uma oportunidade ímpar de buscar elementos para se valorizar. Veja se consegue encontrar um meio de ajudá-lo nessa tarefa”. Era um enunciado genérico, um tanto vago e fiquei pensando em como desenvolver esse conceito tão rico, que é a oportunidade de um povo valorizar a si próprio e elevar a sua auto-estima. Por sorte já havia uma associação pensando em fazer alguma coisa nesse sentido – a Associação Brasileira de Anunciantes e uma das agências de publicidade da SECOM. Começamos então a discutir seriamente o assunto. Mas, antes de entrar nesse tema, quero dar uma idéia a vocês do que é a SECOM – a Secretaria de Comunicação –, que eu comando. A SECOM trabalha com duas grandes áreas: assuntos estratégicos, uma área que lida basicamente com cientistas e pessoas vinculadas ao campo do conhecimento – uma estrutura apartada dos ministérios, que tem por finalidade prospectar e oferecer ao presidente elementos sobre a visão estratégica de futuro. Por exemplo, biodiesel, nanotecnologia etc. São setores importantes, como nossas capacidades científica, tecnológica e industrial, para saber como nos posicionarmos estrategicamente em relação ao futuro. A outra área é a de comunicação stricto sensu e procura pensar comunicação como governo. Por exemplo, todas as peças que saem na televisão são uma comunicação stricto sensu de governo. Comunicação de parcerias foi a base sobre a qual montamos essa campanha “O melhor do Brasil é o brasileiro”. E é sobre isso que irei discorrer. Eu precisava, também, saber se o diagnóstico do presidente estava correto – se a auto-estima era um problema e SECOM comunicação GOVERNO PARCERIAS assuntos estratégicos PROJETO BRASIL 3 TEMPOS Gushiken Precisávamos de uma idéia forte que contivesse o que o presidente pediu. Com um pouco de sorte encontramos uma frase do escritor Câmara Cascudo, do Rio Grande do Norte, que diz: “O melhor produto do Brasil é o brasileiro”. Retiramos a palavra produto e ficou: “O melhor do Brasil é o brasileiro”. PROSPECÇÕES ESTRATÉGICAS No que se refere ao planejamento, precisávamos definir os objetivos da Fonte: Ministério das Comunicações M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 39 Palestra Objetivos de comunicação Campanha “O melhor do Brasil é o brasileiro” INDIVÍDUO PARCERIAS O brasileiro tem valor Projeto Auto-estima Ações temáticas: FAMÍLIA A família deve ser fortalecida “O MELHOR DO BRASIL É O BRASILEIRO” COMUNIDADE Os grupos sociais devem ser valorizados PAÍS Idéia-força O Brasil tem futuro MUNDO Campanha “Imagem do Brasil no Exterior” (Marca Brasil) Campanhas “Crescimento”(Indivíduo, empresa, país) O mundo vai nos conhecer Fonte: Ministério das Comunicações comunicação em vários níveis. O primeiro era uma comunicação pensando no plano do indivíduo, cujo objetivo ficou assim definido: mostrar que o brasileiro tem valor; no plano da família, o objetivo é de que a família deve ser fortalecida; no plano da comunidade, que os grupos sociais – idosos, mulheres, negros – devem ser valorizados; e, no que tange ao país, mostrar que o Brasil tem futuro, porque não há possibilidade de um povo criar auto-estima se seu país não tem uma perspectiva positiva de futuro; e – no plano do mundo – temos de dizer que o mundo vai conhecer e apreciar melhor este país. Também em termos de mundo, no mês passado, começamos uma campanha, vinculada à imagem do Brasil no exterior – criamos a marca Brasil. Essa marca Brasil surgiu de uma pesquisa de opinião entre o trade turístico que diz: o Brasil é um país ✱ 40 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 colorido – verde, floresta, luz, calor, clima, azul, céu, água, vermelho, laranja, com festas populares, e branco religião. O principal valor do brasileiro – que salta aos olhos do turista – é a alegria. O Brasil é um país diverso; o turista tem desejo de voltar para conhecer outros lugares. Na chegada ao país, a principal motivação do turista é a natureza; na saída o turista agrega valor ao povo brasileiro. Ou seja, nessa pesquisa que realizamos, quando perguntado ao turista o que ele achava do Brasil, dizia: “O Brasil é natureza”. Quando ele saía, dizia: “O melhor deste país é o povo brasileiro”. Com base nesse estudo, o Ministério do Turismo definiu uma marca, que é baseada em um trabalho de Burle Marx e não é “do governo”. No mês passado, eu, o Ministro da Indústria e Comércio – Furlan e o Ministro de Turismo – Mares Guia, nos reunimos e concluimos que, se é uma marca para ser levada para o exterior, o bom seria que os empresários assumissem essa marca, junto às marcas de suas empresas, se assim julgassem conveniente. Nossa aposta era a de que, as empresas exportadoras teriam interesse em expor a marca, porque o mundo inteiro está vendo o Brasil como o país da moda. Levamos a proposta à Fiesp, no mês A marca Brasil surgiu de uma pesquisa de opinião entre o trade turístico que diz: o Brasil é um país colorido – verde, floresta, luz, calor, clima, azul, céu, água, vermelho, laranja, com festas populares, e branco religião. Luiz passado, convocamos os maiores exportadores brasileiros e eles concordaram que essa é a marca para ser levada lá fora. O primeiro grande avanço – do ponto de vista da comunicação – para promover nossa auto-estima para o mundo é tentar difundir essa marca. Começa, com muita força, na Fran- Gushiken CAMPANHA DA AUTO-ESTIMA ça. A França tem um programa em que, todo ano, destaca um país; esse ano será o Brasil, e a marca será bem difundida, por muitas empresas privadas – que estarão lá, fazendo suas demonstrações. Com o tempo, isso pode estar na cabeça de milhões de pessoas pelo mundo afora e melhor identificar o nosso país, nesse jogo de cores. É importante perceber que a campanha da auto-estima nasceu a partir de várias atividades, aparentemente separadas do conceito. Mas que na verdade não estão. A comunicação deve estar sempre integrada, como qualquer atividade do governo. CAMPANHA DO CRESCIMENTO Esta campanha está vinculada à idéia de que o Brasil tem futuro. Em dezembro do ano retrasado, o “clima” era bastante eufórico – em particular entre os empresários. Havia otimismo: o Brasil vai crescer. Depois, veio um ano difícil, em especial para o governo quando fomos obrigados a fazer ajustes pesados na economia e, de fato, puxando o freio. A economia encontrou dificuldades para crescer. Por várias razões, entre dezembro e março, começouse a difundir o sentimento de que o Brasil não ia crescer. Ora, se isso faz a cabeça dos agentes econômicos, o Brasil pode não crescer mesmo. A vitalidade da economia depende de muitos fatores, mas, em particular, dos agentes econômicos, e eles não devem achar que o Brasil não vai crescer. O investidor não investe, se pensa que não vai conseguir vender sua mercadoria. Mas os indicadores que tínhamos sobre áreas de ponta, as que alavancam a economia – siderurgia, papel e papelão – eram todos positivos. Eu discutia com o Palocci: Palocci, alguma coisa está errada; a economia vai crescer, porque as encomendas, nessas áreas, indicam vitalidade, mas o estado de uma idéia forte que contivesse ✱ Precisávamos o que o presidente pediu. Com um pouco de sorte encontramos uma frase do escritor Câmara Cascudo, do Rio Grande do Norte, que diz: “O melhor produto do Brasil é o brasileiro”. Retiramos a palavra produto e ficou: “O melhor do Brasil é o brasileiro”. discutia com o Palocci: Palocci, alguma coisa está errada; a ✱ Eu economia vai crescer, porque as encomendas, nessas áreas, indicam vitalidade, mas o estado psicossocial não estava em sintonia com essa realidade. Precisávamos inverter isso. Mas como? M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 41 Palestra ✱ COM BASE EM TUDO ISSO, FIZEMOS UMA SÉRIE DE FILMES, QUE FORAM VEICULADOS. POR EXEMPLO, O DO RONALDINHO E DO HERBERT VIANA QUE SÃO FIGURAS CONHECIDAS. FIZEMOS TRÊS PEÇAS COM PESSOAS DESCONHECIDAS, CUJA CONDUTA NA VIDA PESSOAL É EXEMPLAR. psicossocial não estava em sintonia com essa realidade. Precisávamos inverter isso. Mas como? nenhum prejuízo da sua autonomia, vocês devem pensar nas suas campanhas de produto, mas, nas institucionais, sugiro que, como idéia central, coloquem o crescimento. Digam que a empresa vai crescer, que o país vai crescer, que o consumidor vai crescer. Interessa? Numa pesquisa que havíamos feito, constatamos que, quando se falava em crescimento econômico, o povo só acreditava em crescimento quando o irmão, o pai ou vizinho tinham emprego – porque essa é a maneira concreta de viver crescimento, no mundo dele. Além disso, ele acreditava nas empresas quando diziam que ia crescer; depois, no noticiário da imprensa e – bem distante – nos políticos. Então não adiantava, nós, políticos, dizermos que íamos crescer, porque nossa credibilidade era baixa. Chamei as empresas estatais, em primeiro lugar, e propus: Sem 42 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L Claro que sim, porque, se o Banco do Brasil fala em crescimento e a Petrobras também, isso ajuda um e outro numa sinergia mercadológica. Assim foi feito e um dos autores disso é o Mauro, um publicitário que hoje está no Banco do Brasil, junto com outra empresa de publicidade da Paula Matice e do Nelson Biondi. Depois, contatamos a área privada – Bradesco, Itaú, Telemar etc., e to- D E 2005 dos gostaram da idéia. No mês de março, vários filmes foram produzidos. A Telemar fez sete filmes, veiculados durante uma semana, em cima do tema crescimento, fechando sempre com “O melhor do Brasil é o brasileiro”. E a Telemar ligou isso às características da empresa, que é 100% brasileira. A CPFL também fez uma bela peça. Entre julho e outubro, milhões de brasileiros viram, na televisão, uma carga pesada de empresas fazendo a sua publicidade normal, mas sob um eixo condutor – crescimento. Seja da empresa, como fez o Itaú, ou da Telemar e da CPFL, que é o Brasil. E resolveu-se o paradoxo: “Brasil Luiz crescendo, mas o estado psicossocial dos agentes econômicos descendo...” E o que teria de acontecer aconteceu: o crescimento do PIB de 5.2 foi o maior destes últimos dez anos. Mas a campanha de peso mesmo foi a “O melhor do Brasil é o brasileiro”, com foco no indivíduo. Como disse, pesquisas e estudos realizados nos últimos anos revelaram a existência de baixo grau de auto-estima entre os brasileiros. Por exemplo, em 1998, o Instituto Latino Barômetro constatou que apenas 22% dos entrevistados brasileiros declararam ter confiança em seus compatriotas – um percentual muito baixo, se comparado às respostas do Uruguai, 64%; Colômbia, 55%; e Chile, 52%. Respondendo a outra pergunta, 79% dos entrevistados brasileiros afirmaram sentir orgulho de sua nacionalidade. Poderia parecer um bom número, até compararmos com a média de 86% para os demais países da América Latina. O estudo realizado em 2002, pelo SEBRAE, identificou os principais pontos fracos do Brasil, em ordem de importância: ❖ a falta de auto-estima, valorizan- Gushiken cuja conduta na vida pessoal é exemplar. Desses três, com um brasileiro chamado Roberto Carlos, que acabou sendo lançado antes de colocarmos o filme na televisão, porque ele foi convidado pelo Jô Soares para uma entrevista, e mostrou o filme no programa dele, lançando o um exemplo de uma pessoa que teve muito sucesso na vida. Tivemos um outro chamado Chico Brasileiro. do apenas o que vem de fora; ❖ a falta de confiança nas autoridades e no governo, que se reflete na desconfiança geral em relação às empresas públicas; ❖ um certo desprezo pela técnica; ❖ a idéia de malandragem como necessidade de tirar partido de tudo, sobretudo em detrimento dos mais humildes; ❖ a escassa divulgação do trabalho cultural brasileiro em todos os setores. Agora, quero acrescentar uma dica para futuros profissionais de comunicação: fazer e montar um comercial como o que fizemos, com a participação do Ronaldinho, não é difícil; o problema é ter a autorização de todas as pessoas envolvidas para veicular. Há duas formas: ou paga, ou obtém a autorização deles. E pagar ao Ronaldinho é uma fortuna. Mesmo conseguindo o Ronaldinho de graça, pagar a Globo, o SBT, a Record, Bandeirantes custa uma nota. E essas peças foram feitas e difundidas gratuitamente, por um longo período no Brasil, porque o conceito e o objetivo da campanha eram nobres. Mostramos à mídia que isso teria um impulso vitalizador no próprio país – e a mídia também tem Era importante, então, despertar, nos brasileiros, o sentimento de orgulho e satisfação a respeito das suas próprias realizações e potencialidades, para dar-lhes o espelho positivo, livre de chavões ultrapassados e preconceituosos; para conscientizar os cidadãos sobre o efeito das suas atitudes e ações, para a sua auto-realização e para o futuro da nação. Com base em tudo isso, fizemos uma série de filmes, que foram veiculados. Por exemplo, o do Ronaldinho e do Herbert Viana que são figuras conhecidas. Fizemos três peças com pessoas desconhecidas, SEGUNDO O INSTITUTO LATINO BARÔMETRO (1998) 86% 79% é a média dos demais países da América Latina. dos entrevistados brasileiros afirmaram sentir orgulho de sua nacionalidade. M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 43 Palestra interesse em promover aspectos que possam valorizar o país. conceito “O melhor do Brasil é o brasileiro” era forte e decidiram entrar. Pagando. Utilizando “O melhor do Brasil é o brasileiro” como reforço de publicidade para seus produtos. E foi a grande sacada da campanha: permitir que os agentes econômicos se utilizem, voluntariamente, de uma marca que agrega valor ao produto dele, dando impulso à própria marca e aos produtos. Tivemos várias empresas que divulgaram seus produtos com esse slogan. A AmBev fez um comercial com o guaraná Antarctica com esse slogan. Todo conteúdo da peça é o enal- Então, fizemos um grande acordo, consultas intensas às agências patrocinadoras desses ídolos e fechamos tudo desde a letra do Raul Seixas, com uma música belíssima, que acabou ganhando popularidade, pois muitos não tinham noção do gênio que foi Raul Seixas. Enfim, um trabalho de grande articulação e que divulgou essas peças em grande escala. Aí o setor privado percebeu que o ✱ 44 tecimento do país e do produto guaraná Antarctica. Parece, inclusive, que o comercial custava R$ 130 mil e a empresa só liberava R$ 100 mil. O publicitário que criou o comercial bancou do bolso dele a produção, e a empresa admite que esse foi o melhor comercial para divulgar o guaraná Antarctica. O Pão de Açúcar, que patrocina o Wanderley de Sousa, pediu que a estrutura das campanhas do Ronaldinho e do Herbert Viana, fosse aplicada à publicidade que eles queriam fazer, mas que pagariam. E fizeram A AmBev fez um comercial com o guaraná Antarctica com esse slogan. Todo conteúdo da peça é o enaltecimento do país e do produto guaraná Antarctica. REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 Luiz Gushiken um belíssimo comercial, com a música do Raul Seixas e a imagem do Wanderley. Algo simples mas de alto impacto. Mas essa campanha, em que a frase central é “Sou brasileiro e não desisto nunca”, que teve um impacto monumental no Brasil, também foi utilizada por vários comunicadores – não de maneira negativa, mas jocosa, divertida, porque tudo tem um preço e nem sempre só o lado bom aparece. Os bancários em greve em Brasília fizeram uma faixa e colocaram: “Os bancários em greve não desistem nunca”. O Zé Simão, na sua coluna, fazia brincadeiras usando a frase “Sou brasileiro e não desisto nunca”, que hoje está na boca de muita gente, de forma espontânea. E o Banco do Nordeste também fez um comercial com “O melhor do nordeste é o nordestino”. Esse conceito amplo pode ser utilizado em muitos setores, sempre no sentido da autovalorização. Isso que é importante porque o conceito “O melhor do Brasil é o brasileiro” realmente tem muita potência. Uma prova importante do sucesso da campanha foram os testemunhos que a ABA recebeu. Pão de Açúcar, que patrocina ✱ Oo Wanderley de Sousa, pediu que a estrutura das campanhas do Ronaldinho e do Herbert Viana, fosse aplicada à publicidade que eles queriam fazer, mas que pagariam. E fizeram um belíssimo comercial. M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 45 Palestra ❖ “Realizo palestras motivacionais e finalizei a última com os presentes montando um quebra-cabeça com a frase: ‘Eu não desisto nunca’. O resultado foi emocionante, entusiasmante, contagiante.” ❖ “Solicito à ABA autorização para uso das imagens da campanha na colação de grau dos formandos em Fisioterapia. Desde já parabéns pelo belíssimo trabalho.” ❖ “Faço questão de parar para ver a garra, coragem e fé que o povo brasileiro tem.” ❖ “Os grandes profissionais da área de comunicação nos abrem as portas para o mundo, a verdade, o desconhecido. Foram as propagandas mais lindas que já vi.” ❖ “Vocês começaram exatamente pelo que deve ser o nosso ponto de partida: nos orgulharmos de nós mesmos pelos bons valores que representamos. Parabéns.” ❖ “Sou um brasileiro que acredita no conteúdo da campanha que vocês conseguiram emocionar.” ❖ “Essa propaganda mudou a minha vida. Há três anos uma lesão no joelho me impossibilitou de dançar, andar de bicicleta e correr. Sentia-me uma inválida; não tinha força para reagir. Agora, quando meu joelho dói, penso na propaganda e continuo fazendo as coisas normalmente, pois também sou brasileira.” Uma outra fase importante dessa campanha foi a utilização do slogan “O melhor do Brasil é o brasileiro” nas Olimpíadas de Atenas. Simultaneamente, então, era Ronaldinho, Herbert Viana, crescimento econômico com as empresas privadas e Olimpíadas de Atenas. O único gasto que teve o governo nessa campanha foi a primeira peça que fizemos. Por isso, é que considero que o papel do governo foi de coadju- 46 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E – Fiori Gigliotti – o maior comentarista esportivo na ✱ Utilizando história do país, com belas frases que ficaram na memória de quem gosta desse esporte. E o Fiori deu a sua contribuição nesse comercial que a Caixa Econômica ajudou a divulgar. vante, pois era uma campanha bem cara se tivesse sido paga. Fizemos, também, uma peça – Maria – porque achei que tínhamos que homenagear as mulheres naquele momento, e queria ter a autoria dessa peça por uma questão de convicção pessoal. E foi um filme em homenagem às mulheres. Vocês se recordam que, nas Olimpíadas de Atenas, o Brasil havia sido 2005 desclassificado no futebol. Aí a inteligência publicitária fez uma coisa belíssima, utilizando uma figura do futebol, que é o Fiori Gigliotti – quem é um pouco mais velho conhece bem. Ele foi o maior comentarista esportivo na história do país, com belas frases que ficaram na memória de quem gosta desse esporte. E o Fiori deu a sua contribuição nesse comercial que a Caixa Econômica ajudou a divulgar. Luiz Gushiken nome desse filme é “Maria José” que queria ser professora e lutava contra um pai ✱ Oviolento, a falta de recursos e a cegueira. Maria José, hoje terminou seu mestrado e já começa a fazer seu doutorado. Porque Maria José é brasileira e não desiste nunca. M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 47 Palestra Outros dois exemplos de empresas privadas que também – naquele momento – se aproveitaram e fizeram comerciais para fortalecer os seus próprios produtos: o Bradesco fez um comercial, utilizando-se da idéiaforça “O melhor do Brasil é o brasileiro”. O Bradesco tinha produzido três peças publicitárias e ia colocar na mídia quando o presidente Lula lançou a campanha de auto-estima com esse conceito. Imediatamente, o Bradesco mudou toda programação e adaptou a idéia do programa deles para o de Atenas. O Correio também fez um belo comercial. E esses são alguns exemplos dos muitos comerciais que foram criados pelo setor privado nesse período, e fortalecendo a campanha “O melhor do Brasil é o brasileiro”. Bradesco tinha produzido três peças publicitárias e ia ✱ Ocolocar na mídia quando o presidente Lula lançou a campanha de auto-estima com esse conceito. Imediatamente, o Bradesco mudou toda programação e adaptou a idéia do programa deles para o de Atenas. 48 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 Agora, o tiro forte é o que chamamos de “marketing viral”, que foi a difusão dessa frase, com esse logotipo, em banners, shoppings, supermercados, Internet, embalagens, revistas, jornais, carteirinha de estudante – a própria UNE decidiu colocar a logomarca na carteirinha de estudante – caminhões da Unilever. A Bombril mandou, no ano passado, uma carta dizendo que iriam fazer esse aplicativo em 60 milhões de unidades/mês e 1,2 milhão de caixas com o aplicativo. A Friboi – maior exportadora de carne – decidiu colocar, em inglês, “O melhor do Brasil é o brasileiro” no invólucro da carne que eles vendem. A Coca-Cola introduziu o verde, amarelo e o slogan no canto de uma publicidade institucional da empresa. E vocês sabem o que é Coca-Cola em matéria de marca. Empresas desse tipo jamais usam alguma coisa que não represente Luiz Gushiken também gastei um ✱ Eu pouquinho em um livro que publicamos 100 brasileiros como parte da campanha. Percebi que, no Brasil, não temos muitas biografias de brasileiros ilustres, por temas. um valor agregado à marca. E o valor agregado foi o povo brasileiro, que contém riqueza, algo que é possível explorar positivamente. Na Fórmula 1, por exemplo, a equipe da Renault colocou “O melhor do Brasil é o brasileiro” no seu carro. Algumas empresas utilizaram em anúncios: a General Motors – maior montadora do mundo – usou o slogan, a Ford. A AmBev e a Schin – duas concorrentes – aderiram ao movimento. A CVC – maior operadora de turismo no Brasil – também colocando a marca nos seus anúncios. A TAM, bancos, operadoras de telefonia se engajaram. A Gradiente, o Magazine Luiza – eleita melhor empresa para se trabalhar, em 2004, promove o concurso “O melhor do Brasil é o brasileiro”. A Michelin – uma indústria estrangeira – que percebe a força da marca, a revista About. A campanha foi tema do Prêmio Colunistas; a Rede TV no programa Super Pop que fez uma homenagem a Osmar Santos usando a música tema da campanha; o Faustão fazendo link com Atenas usando a música! Tente outra vez”, como sinônimo das vitórias. No carnaval de SP, a cada escola que passava, vinham os garis limpando e com uma mas não foi o que aconteceu. O livro teve uma tiragem de cinco mil exemplares. Entramos em contato com as empresas para que elas difundissem essas biografias em escala de massa. O BNDES vai fazer 250 mil livros infanto-juvenil, com projeto gráfico do Ziraldo, adaptando a linguagem para esse público; a Caixa Econômica, agendas; o Pão de Açúcar, uma exposição na Esplanada dos Ministérios. Mas o tiro pesado foi quando os bancos começaram a entrar. O Banco Real, por exemplo, conseguiu colocar em aplicativo de talão de cheques – 700 mil talões – um resumo dessas biografias. Estou esperando que outros bancos façam o mesmo. A Associação Brasileira de Shoppings decidiu montar, dentro do espaço privado do shopping, uma demonstração desses 100 brasileiros. E quero lançar, com o presidente da República, essa exposição, em Brasília, com crianças, através das escolas. A CPFL vai imprimir 4 milhões de contas de luz com essas biografias. Percebemos que, em muitos desses papéis que o cidadão recebe, há espaço e muitas empresas o utilizam para fazer comercial. Conversamos com elas e a CPFL e outras empresas distribuidoras de energia elétrica toparam. Então, te- faixa “O melhor do Brasil é o brasileiro”. Então, esse marketing viral é algo estrondoso. Disse a vocês que o governo só teve gastos com o comercial em homenagem às mulheres nas Olimpíadas. Eu também gastei um pouquinho em um livro que publicamos 100 brasileiros como parte da campanha. Percebi que, no Brasil, não temos muitas biografias de brasileiros ilustres, por temas. Há um dicionário de verbetes dos brasileiros ilustres, mas não tem muita substância. Então pedi à Biblioteca Nacional que organizasse um livro, partindo do seguinte critério: elencar alguns temas como arquitetura, cultura, militar, heróis desconhecidos. Fizemos um painel de vários temas e uma consulta. Cada grupo tinha um corpo de jurados – pessoas de notório saber na área – que escolheram as figuras mais ilustres da nossa história. A única área em que não houve jurados foi o esporte – que foi feito pela Internet. Foi-me dito que se colocássemos, nessa área, duas pessoas para dizer quem é o mais importante, haveria briga. Fiquei um pouco apreensivo porque a nossa juventude poderia não se lembrar dos nossos ilustres mais antigos em esportes, M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 49 Palestra com o governo, e o governo sempre com um papel coadjuvante, em uma campanha que tem mobilizado milhares de pessoas; o setor privado colocando dinheiro gratuitamente na campanha e, com isso, produzindo aquilo que, originalmente, foi identificado como objetivo central, ou seja, elevar a auto-estima do povo brasileiro. As empresas não apostam seu dinheiro simples em diversão. Quando colocam dinheiro é porque querem retorno na aplicação desse recurso. Essa grande adesão das empresas nessa campanha revela uma coisa só: que o nosso povo tem um valor que deve ser potencializado e explorado. É isso que a campanha demonstra. Ela, em si, pode elevar a auto-estima, mas o importante é perceber que, por trás dessa belíssima frase do Câmara Cascudo, temos um diamante que ainda revelará a sua verdadeira beleza, que é o nosso povo. Estou tão convencido disso, que acho que, no futuro, o mundo vai olhar para o Brasil. Parte das turbulências e tragédias que vivemos, hoje, no mundo, são desencadeadas por preconceitos religiosos, étnicos. E vai chegar um momento em que o mundo vai dizer: “Isso é insuportável; ninguém agüenta mais”. E vão se perguntar em que país desse planeta há um povo que pode ser a síntese das coisas boas e que relega os preconceitos a um patamar inferior. Nesse momento, em que o mundo sentir necessidade de encontrar resposta para essa pergunta, vai focar o Brasil. Porque nosso povo – além dos valores remos, provavelmente, por mês, 40 milhões de contas com biografia dos brasileiros ilustres. A TIM fez 10 milhões de lâminas avulsas nas contas telefônicas, difundindo os 100 brasileiros. Portanto, tivemos 150 grandes empresas aderindo à campanha, sem contar as pequenas. O valor estimado que tivemos em mídia gratuita é de R$ 70 milhões. E os comerciais do Ronaldinho, Herbert Viana, Roberto Carlos, Maria José etc. conseguiram três prêmios do Festival Internacional no RJ da ABAP – Lâmpada de Ouro, Jeca Tatu e o Prêmio Especial dos Delegados; a revista About com o prêmio do voto popular “A melhor campanha do ano”; e a agência Lew, Lara, que fez esse belo trabalho. A criação do Adriano, que teve brilhantes insights, e produziu belíssimas peças que foram propulsoras dessa grande campanha, que está em curso e vai ter um desdobramento ainda mais poderoso do que essa. A pesquisa do IBOPE, de 2004, mostrou que 9 entre 10 brasileiros conhecem a frase “Sou brasileiro e não desisto nunca”. O slogan “O melhor do Brasil é o brasileiro” é aprovado por 89% das pessoas. Este é o primeiro grande case de Parceria Pública Privada em comunicação, e cujo mérito cabe à ABA. E aproveito para reiterar os meus agradecimentos e meus elogios à ABA por ter percebido que valia a pena fazer uma articulação intrínsecos que precisam ser desvelados – é produto de um processo histórico de miscigenação de várias etnias, com uma imensa diversidade cultural, um território imenso mas com identidade lingüística, que é muito raro vermos no mundo. Pouca gente se dá conta como o mundo deixou que o Brasil tivesse um território desse tamanho incólume durante 500 anos. Não é fácil a um país ter essa dimensão territorial. A história dos povos – para conseguir os marcos territoriais, são de lutas, guerras. O estado americano, na sua origem, era um território pequeno. Para ir para o Oregon, Texas, teve que brigar com a Inglaterra, México e formou a grande nação americana, mas no porrete. No caso do Brasil, não. E nesse vastíssimo território temos riquezas enormes, como a Amazônia – que todos acham que é do mundo inteiro – e tem o essencial, que é o povo, com características distintas. Tão distintas, que se perguntarem a um espanhol americano “o que você é?”, ele dirá: “Sou hispanoamericano”. O negro: “Sou afro-americano”. O Chinês: “Sou sino-americano”. Imaginem se perguntarem a mim com esses olhos rasgados e eu responder: “Sou um nipo-brasileiro”. Não soa bem, porque o nosso povo se afina pela unidade e não pelas diferenças. E por essas características de cordialidade, alegria, criatividade, eu acho que o mundo vai dizer: “Naquela região há um povo que demonstra que é possível a convivência pacífica entre etnias e religiões Friboi – maior exportadora de carne – ✱ Adecidiu colocar, em inglês, “O melhor do Brasil é o brasileiro” no invólucro da carne que eles vendem. A Coca-Cola introduziu o verde, amarelo e o slogan no canto de uma publicidade institucional da empresa. E vocês sabem o que é Coca-Cola em matéria de marca. 50 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 Luiz ✱ Gushiken diferentes”. E acho que o Brasil tem essa missão: o de ser o espelho de algo civilizatório para o mundo. Esse outro lado do nosso povo, ainda não desvelado, vai depender das condições objetivas de uma consciência mundial, em busca dessa referência, porque não é admissível o conflito que vemos no mundo inteiro. Uma hora, todos dirão: “Chega. Ninguém agüenta mais”. E, nessa hora, alguém poderá dizer: “O melhor para o mundo é o povo brasileiro”. Portanto, tivemos 150 grandes empresas aderindo à campanha, sem contar as pequenas. Não sou um especialista em comunicação, já disse, mas quero ainda dizer uma coisa. Os homens de criação são fundamentais, mas é preciso ter insight para dar uma liga melhor. A Lew, Lara teve o insight de lançar “Sou brasileiro e não desisto nunca”, pegar o Ronaldinho, fazer toda aquela aliança e deu grande impulso à campanha. Nós tivemos outro insight que se juntou ao do Lara que é “O melhor do Brasil é o brasileiro”. E esses grandes insights, às vezes, não ficam na mão do criador; ficam na mão de outras pessoas. Não sei qual é a tipologia dos senhores, mas assegurolhes que o campo da comunicação envolve muitas expertises. E fiquem atentos porque, na seqüência dessa campanha, estamos pensando em um novo conceito que é “Um bom exemplo; tudo começa aí”. E esperamos que o setor privado – cada qual na sua área – possa difundir aquilo que eu chamo de hábitos saudáveis – o prazer da leitura, o respeito ao trânsito, a idéia de como se evitam doenças – de tal maneira que esse mercado de hábitos saudáveis possa ter uma alavancagem a partir dessa campanha de sucesso, que, agora, assume outras facetas. ESPM M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 51 Foco na Geração Z ENTENDENDO O CONSUMIDOR ADOLESCENTE 54 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 Amyris Fernandez INTRODUÇÃO O s profissionais ligados ao mercado de consumo sempre precisaram entender a dinâmica do mercado e o comportamento do consumidor antes de desenvolver suas estratégias de marketing e o plano de comunicação. Ao analisar o mercado, as empresas verificavam quem eram seus ocupantes, o que esse grupo comprava, as razões que os faziam comprar, quem participava e como participava deste processo e quando a compra ocorria. Em 2004, as pessoas nascidas entre 1977 e 1994 estavam na adolescência, portanto, entrando em cena como consumidores ativos de bens. É a chamada Onda Jovem composta por 58 milhões de brasileiros, ou seja, uma entre cada três pessoas faz parte deste grupo. Uma multidão nascida em um mundo onde as imagens e as mensagens são apresentadas em janelas, de forma fragmentada, por meio de diferentes tecnologias, para consumo rápido e que, de uma forma igualmente veloz, torna-se obsoleta. Nos Estados Unidos, esse mercado representou US$ 153 bilhões em 1999. O que esses números indicam é que não se pode ignorar ou desperdiçar a oportunidade que criar e vender produtos para esses jovens representa (DOSSIÊ Universo Jovem, 1999; MORTON, 2002). O contexto que envolve o objeto deste estudo, os adolescentes brasileiros, é ao mesmo tempo triste e fascinante. Triste pela fugacidade das coisas que o cercam, fascinante, pois levará gerentes de marketing e pu- BRASILEIRO EM 2004 M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 55 Foco na Geração Z blicitários a criar estratégias e a utilizar táticas inovadoras, ou não conseguirão atingir seu público. O objetivo deste trabalho é entender o comportamento do consumidor adolescente brasileiro e comparar seu comportamento ao de adolescentes de outros países, para poder adequar as mensagens publicitárias. O CONSUMIDOR ADOLESCENTE eles ainda moram na casa dos pais, o que permite que permaneçam hábitos de consumo adquiridos durante o início da adolescência (O QUE É adolescência, 2003). É durante a adolescência que acontecem mudanças físicas, psicológicas e comportamentais de forma aguda. DEFINIÇÃO Há muitas pesquisas abordando diferentes aspectos do mercado e do comportamento desse consumidor. Os critérios para segmentar esse público oscilam entre as definições da Organização Mundial de Saúde e do Estatuto da Criança e Adolescente, que usam critérios cronológicos e uma segmentação que reúne critérios de renda/poder de compra com faixa etária e comportamento. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a adolescência é o período da vida que começa aos 10 e vai até aos 19 anos e, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, começa aos 12 e vai até aos 18 anos. As pesquisas, que reúnem mais de um critério, classificam como crianças pessoas com até 8 anos de idade; são chamados tweens jovens entre 9 e 12 anos; teens ou adolescentes pessoas entre 13 e 19 anos. Por questões culturais e econômicas, nos países asiáticos e latinos, os jovens adultos, na faixa entre 20 até os 30 anos, são incluídos nas observações de campo. Isto ocorre porque, apesar da maturidade sexual e da idade, pesquisas, que reúnem mais ✱ As de um critério, classificam como crianças pessoas com até 8 anos de idade; são chamados tweens jovens entre 9 e 12 anos; teens ou adolescentes pessoas entre 13 e 19 anos. 56 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 É o começo de um despertar para um mundo novo, onde o indivíduo pode passar a ser ator principal de sua própria vida e, por conseqüência, adquirir a capacidade de fazer escolhas. CONTEXTOS Para entender as características dessa geração, é importante entender o ambiente que os cerca: a composição da população, os aspectos geopolíticos, os fatores econômicos, os efeitos da tecnologia e as questões ambientais no Brasil e no mundo. Sabemos que as “pirâmides etárias” de uma população podem sofrer alargamentos ou estreitamentos em sua base, determinados por fatores como fecundidade, mortalidade e migrações. Chama-se de “onda” quando há o alargamento de determinada faixa. A partir do final dos anos 90, vivemos a concomitância da “Onda Jovem”, com faixa etária de 12 a 30 anos, com a ”Onda dos que têm idade a partir dos 40 anos”. Isso significa que temos pais ainda jovens, que buscam o rejuvenescimento, competindo em poder de Amyris Fernandez Um dos aspectos que aparece na pesquisa mostra que as organizações não governamentais têm aumentado ✱ sua capacidade de influenciar a cultura mundial, mas ainda não mobilizaram, de forma politizada, esta juventude. Logos oferecidos pelas instituições. consumo, influindo nos indicadores de desemprego, interagindo com esses adolescentes. Essas duas gerações são diferentes em hábitos de compra e reivindicações, pois cresceram em contextos diferentes. Enquanto os pais tiveram que se rebelar contra a ditadura e valores so- pela presença de empresas transnacionais com suas marcas poderosas e seus interesses econômicos. Essas empresas usam a tecnologia da informação para ligar as economias, tornando a segurança e a interdependência entre países questões importantes. ciais que restringiam sua liberdade de expressão, esses jovens já encontraram os caminhos abertos. Slogans como “Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada” não fazem mais o menor sentido. Hoje temos jovens urbanos, posto que, oito em cada dez brasileiros vivem em grandes cidades, fortemente influenciados Esses jovens vivem num mundo polarizado, onde as nações-estado estão perdendo o poder e os grandes blocos são dominantes. Em uma pesquisa realizada em 1999 pela MTV entre um grupo de 2.425 jovens brasileiros de 12 a 13 anos, de 6 capitais brasileiras, chamado Dossiê Universo Jovem, diversas facetas de comportamento foram analisadas. Um dos aspectos que aparece na pesquisa mostra que as organizações não governamentais têm aumentado sua capacidade de influenciar a cultura mundial, mas ainda não mobilizaram, de forma politizada, essa juventude. Os números mais altos de participação aparecem em cam- PIRÂMIDE ETÁRIA ABSOLUTA - 2000 80 anos e mais 75 a 79 anos 70 a 74 anos 65 a 69 anos 60 a 64 anos 55 a 59 50 a 54 anos anos 45 a 49 anos 40 a 44 anos 35 a 39 anos 30 a 34 anos 25 a 29 anos 20 a 24 anos 15 a 19 anos 10 a 14 anos 5 a 9 anos 0 a 4 anos de “onda” ✱ Chama-se quando há o alargamento de determinada faixa. 10.000 8.000 6.000 4.000 2.000 Homens 0 2.000 4.000 6.000 8.000 10.000 Fonte: IBGE Mulheres M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 57 Foco na Geração Z BRASIL 41% vivem em famílias não tradicionais. panhas de doações (41%) e nos movimentos organizados pelas igrejas (36%). A maioria declara não ter intenção de participar de entidades de qualquer natureza, e nas poucas vezes em que são experimentadas, são abandonadas porque deprimem, não sabem o que fazer e roubam o tempo de coisas mais interessantes (DOSSIÊ Universo Jovem, 1999). Apesar deste cenário, os Estados Unidos ainda permanecem como a nação de maior poder mundial, influenciando os costumes e hábitos dessas novas gerações em todo o mundo. De Los Angeles a Tóquio, os adolescentes parecem compartilhar similaridades em gosto, linguagem e atitudes. Pesquisas realizadas nos Estados Unidos, Europa e Ásia mostram que há um elenco comum de marcas eleitas por categoria de produtos e que os quartos dos jovens do mundo inteiro se parecem (WEE, 1999). 54% 61% Estes jovens já nasceram rodeados por tecnologia, portanto estão familiarizados com ela. Desde a mais tenra infância assistiram a programas de televisão, ouviram rádio, usaram o telefone e consumiram revistas. Recentemente, incorporaram o computador pessoal, o celular e os outros eletrônicos portáteis ao seu cotidiano de mídias. não querem sair de casa. acreditam que os pais sabem dar liberdade na medida certa. 58 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 CARACTERÍSTICAS DA GERAÇÃO Para estruturarmos a discussão, discutiremos os valores, o estilo de vida, seu poder de compra e comportamento, hábitos de consumo e relação com as mídias. Amyris VALORES Os resultados da pesquisa da MTV indicam que esse jovem brasileiro é aberto ao novo, tanto no aspecto social como no tecnológico. Possui uma natureza tolerante às questões raciais ou de preferências sexuais, posto que, em países como os Estados Unidos, a ascensão social das minorias é um fato e, em países como o Brasil, apesar de a pluralidade racial já estar incorporada à cultura, a grande exposição do jovem a outras realidades através da mídia, o faz ter um respeito ainda maior pelas diferenças. Devemos considerar também que esse jovem, no Brasil, faz parte de uma geração em que 41% vivem em famílias não tradicionais. Nos Estados Unidos, 70% dos jovens convivem somente com o pai ou somente com a mãe, com um deles e seu novo cônjuge, com ou sem novos irmãos desse casamento, além de formas pouco tradicionais de parcerias (DOSSIÊ Universo Jovem MTV, 1999). Como foram criados por famílias onde pai e mãe estavam no mercado de trabalho, desde cedo foram obrigados a ser mais independentes e, por viverem num ambiente competitivo, tiveram de se tornar mais determinados. O resultado são jovens mais individualistas, pragmáticos e materialistas. Dos entrevistados na pesquisa intitulada Dossiê Universo Jovem, 74% acreditam que seriam mais felizes se tivessem mais dinheiro. Esse mesmo grupo, tem no sucesso profissional, seu maior sonho (24%) e seu maior problema (27%), porém preferem trabalhar em algo de que gostem, mesmo ganhando menos, e acham melhor proteger o tempo pessoal, a qualidade de vida, mesmo que isso limite seu sucesso profissional. Para eles, a garantia do sucesso está nos estudos. Fernandez realizadas nos ✱ Pesquisas Estados Unidos, Europa e Ásia mostram que há um elenco comum de marcas eleitas por categoria de produtos e que os quartos dos jovens do mundo inteiro se parecem. (WEE, 1999). Esse dossiê também indica que o adolescente brasileiro tem uma relação muito positiva com seus pais, sejam eles separados ou não, considerando-os “seus ídolos”. Do grupo entrevistado, 54% não querem sair de casa, pois seus pais são atualizados, trabalhadores e honestos, 61% acreditam que os pais sabem dar liberdade na medida certa. Se considerarmos que a rua oferece a possibilidade de desemprego, competitividade acirrada, violência e solidão, há razões de sobra para não sair de casa no Brasil. No entanto, o comportamento pouco apegado a papéis tradicionais que esses pais têm gera frustrações. Para eles os papéis dentro da casa são pouco claros ou mudam muito, e isso os confunde. Ter pais jovens e de atitude jovial é também um problema. Devemos lembrar que, nessa idade, o jovem quer encontrar seu espaço, conhecer seus limites. Para conseguir essa distinção no ambiente doméstico, já que os pais parecem tão próximos, usam alguns recursos interessantes: criam expressões e rapidamente as envelhecem, adotam e descartam modismos em alta velocidade, tornando todas as escolhas provisórias. Por estarem familiarizados com a tecnologia, aproveitam-se desse conhecimento para mostrar sua superioridade e assim influenciar os pais na compra de eletrônicos (MERRILL, 1999). 74% acreditam que seriam mais felizes se tivessem mais dinheiro. Seu maior trunfo, no entanto, ainda M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 59 Foco na Geração Z ESTILO DE VIDA é fechar a porta do quarto e assumir o controle de todas as mídias disponíveis. É lá que eles sentem aconchego e usufruem da privacidade que desejam. Também é nesse espaço onde expressam sua individualidade, colorindo paredes, colocando as imagens de seus ídolos. É onde guardam objetos que os identificam com o seu grupo. Os adolescentes de todo o mundo são bagunceiros e orgulham-se disso. Outra característica interessante é que vivem em tribos. Essas entidades possuem características marcantes e próprias, que as segmentam. São grupos de referência de comportamento e que, uma vez adotadas as regras, fazem com que seus integrantes sejam diferentes dos pares (WEE, 1999). Esses jovens, cujas tribos variam nos termos como ponderam o poder aquisitivo e o consumo, com a modernidade, a consciência e a tolerância, a atividade física, com a música, a contestação e a contravenção. As tribos são um exercício de pluralidade, de diferenciação, uma manifestação de opções estéticas, musicais, mas é um caminho alternativo, sem as características de contestação das gerações anteriores. Da intersecção de todas essas vertentes nascem “os normais, a turma do meio, os neutros”, composta por pessoas que trabalham, estudam, pagam suas contas, e que têm coisas para se preocupar. São pessoas confiáveis, sempre prontas para conversar, ajudar, brincar. Procuram vestir o que as faz sentir-se bem, seja moda ou não. De uma forma geral, sabem selecionar os lugares “tran- sados” (DOSSIÊ..., 1999). As pesquisas realizadas entre jovens americanos indicam que eles são calmos e gregários. As atividades preferidas desses jovens são ir ao cinema, ouvir música, ficar com os amigos, ir a restaurantes e ver TV. Os jovens americanos gostam de conveniência e são orientados para valores (MORTON, 2002). PODER E COMPORTAMENTO DE COMPRA Os jovens americanos de 1999 tinham 51% a mais de dinheiro para gastar que seus semelhantes em 1995. Nesse levantamento, os rapazes ganhavam algo como US$ 88 por semana e as moças, US$ 75. Um em cada seis jovens americanos tinha acesso a cartão de crédito próprio ou ao de seus pais. Essa geração gastou US$ 84 bilhões de seu próprio dinheiro em 1997, US$ 94 bilhões em 1998 e US$ 153 bilhões em 1999 (HARVEY, 2000). Em estudo realizado em Singapura durante 1999, 600 adolescentes entre 14 e 19 anos foram entrevistados. Esse grupo recebe US$ 180 por mês dos pais, sem contar os ganhos obtidos através de empregos parttime e presentes dos pais. Possuem poucas responsabilidades, exceto estudar, fazendo apenas pequenos trabalhos dentro da casa, o que inclui cuidar dos irmãos menores. Os poucos que não podem ter o que desejam andam em gangues e roubam nas lojas. No caso dos países asiáticos, permite-se aos filhos permanecer em casa até por volta dos 26 anos, pois os pais entendem que 60 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 Amyris Fernandez e a música como principais identificadores das diferentes tribos. Em estudo realizado entre um grupo de 218 jovens americanos, verificou-se que o grupo não determina em que tipo de itens o novo membro do grupo deve investir, se em roupas, sapatos, lugares que freqüenta, mas diz a marca e o estilo da roupa que deve ser usada para indicar que pertence ao grupo (MERRILL, 1999). O público feminino é particularmente sensível a esse tipo de pressão, o que diminui o valor do testemunhal de uma celebridade sobre uma roupa, mas não o invalida. No caso dos rapazes, celebridades ligadas aos esportes têm uma profunda influência sobre a compra de marcas de roupas e sobre a escolha dos esportes. Os jovens negros americanos são particularmente sensíveis e a presen- jovens negros americanos ✱ Os são particularmente sensíveis e a presença de negros na propaganda indicou melhora de auto-estima no grupo pesquisado. o nível de exigência, em termos de estudo, é grande. Logo, esses jovens passam parte de sua vida adulta na casa dos pais e têm disponível dinheiro para o lazer e compra de marcas caras (WEE, 1999). No Brasil, as pesquisas mostram que os jovens de diferentes classes sociais têm diferenças significativas em poder de compra. No entanto, não há muitos dados sobre o valor da mesada ou dos trabalhos em tempo parcial. As jovens de classe média alta declararam dispor de R$ 200 por mês para despesas pessoais (KOSTMAN, 2003). HÁBITOS DE CONSUMO Essa geração demanda as últimas tendências em tempo recorde. A comunicação que desejar atingir o grupo deve antecipar essa necessidade de atualização rápida. Também deve ser inteligente e desafiadora, pois o óbvio e as vendas agressivas têm alto índice de rejeição (DOSSIÊ Universo Jovem MTV, 1999). Os adolescentes dessa geração conhecem as marcas mundiais e usam as roupas M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 61 Foco na ✱ 62 Geração Z M A R Ç O pre pagam a vista e costumam dar gorjetas, quando bem tratados. Segundo Susie Stephenson: Posto que as tribos freqüentam lugares públicos, pelo menos uma vez por semana, aos pares ou em grupo, os shopping centers parecem ser os locais de preferência para jovens entre 8 a 12 anos. Esses jovens vão aos restaurantes e lanchonetes para gastar algo em torno de US$ 5, concentrando a compra em refrigerantes. O que pode parecer pouco, em termos unitários, no entanto, deve ser encarado sob duas perspectivas, uma de curto prazo e outra de médio e longo prazo. Em primeiro lugar, esse grupo é numeroso e, nos centros urbanos, há poucas opções de lazer. Em segundo lugar, é durante a adolescência que os hábitos de consumo são formados. Sabe-se que, a cada dia, a influência dos pais sobre a compra diminui e a dos amigos aumenta (GILKINSON, 1973). “TEENS CERTAINLY DON’T HAVE POCKETS AS DEEP AS THE BUSINESS EXPENSE CROWD. BUT THEY WILL GROW UP TO BECOME THE “BOOMERS” OF TOMORROW. TREAT THEM WELL NOW, AND THEY’LL UNDOUBTEDLY REPAY THE FAVOR.” Em pesquisa realizada pela Teenage Research Unlimited, levantaram-se alguns princípios básicos para tornar os restaurantes atrativos para os adolescentes, que reclamavam do mau tratamento na maior parte dos restaurantes americanos. Primeiramente, é preciso usar uma linguagem adequada, verdadeira e nada autoritária. Em segundo lugar, tratá-los com respeito e procurar adequar suas táticas às diferenças entre os subgrupos, posto que, jovens de 19 anos em diante querem ser tratados como adultos. Logo, manter os preços baixos e tocar músicas da moda podem ser táticas eficientes para satisfazer a esse consumidor, diz o estudo. Para finalizar, criar programas de entretenimento e fidelização de acordo com esses subgrupos. Esses jovens sem- Esses jovens vão aos restaurantes e lanchonetes para gastar algo em torno de US$ 5, concentrando a compra em refrigerantes. REVISTA DA ESPM– ça de negros na propaganda indicou melhora de auto-estima no grupo pesquisado (MARTIN; BUSH, 2000). / A B R I L D E 2005 Os estudos da Ipsos-Marplan com jovens brasileiros entre 10 e 14 anos das classes A, B e C (critério Brasil), em nove regiões metropolitanas do país em 2002, indicavam que: 81% das meninas usavam esmalte. 71% das meninas decidiam a marca de sua roupa. Amyris Fernandez 76% escolhiam a marca do tênis. 53% consomem sucos prontos. O Dossiê Jovem MTV de 1999 mostrou que no segmento A/B jovens de 12 a 30 anos: 88% consomem refrigerantes. 23% usam isotônicos e bebidas energéticas. 73% consomem iogurte. A audiência da MTV, nesse mesmo estudo, disse consumir sorvete (93%), biscoito (91%), chocolate (87%), balas (77%), snacks (74%), goma de mascar (63%), cereal em flocos (44%), cereal em barra (17%). Na categoria higiene pessoal, 100% da audiência da MTV disse usar creme dental, 98% xampu, 97% sabonete em barra, 97% desodorante e 97% lâmina de barbear/depilar. M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 63 Foco na Geração Z ✱ Se para os jovens americanos o carro é objeto de desejo, para os jovens brasileiros, o celular é o centro das atenções. São jovens que têm todo tipo de aparelho eletrônico dentro do domicílio, e os de classe média alta fazem do quarto uma central multimídia. tantes (ROGAR, 2003). Se para os jovens americanos o carro é objeto de desejo, para os jovens brasileiros, o celular é o centro das atenções. Os 27 milhões de americanos acima de 16 anos preferem carros pequenos, com todo o tipo de conforto, de alta qualidade e preço justo. Querem carros divertidos de dirigir em qualquer tipo de estrada (MORTON, 2000). Quanto aos celulares a questão é de estilo. Inovações de design e a aquisição de novos modelos com mais funcionalidades são o principal motivo para a troca de aparelhos. Os pacotes de serviços devem antecipar que os adolescentes estão divididos em dois grandes grupos: aqueles com poder aquisitivo e de decisão e aqueles cujos pais decidem a compra. Para ambos, funcionalidades ligadas à socialização e à personalização são fundamentais, salas de bate-papo, blogs e personalização de campainhas são coisas impor- 64 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L Diante desses números, fica claro que há categorias de produtos mais competitivos, tais como refrigerantes e cosméticos, mas também há categorias de produtos e serviços que ainda não ofereceram produtos destinados a este público, tais como vestuário, roupas íntimas e cartões de crédito. Se por um lado falta oferta em um setor, sobra oferta de produtos ilícitos como maconha, cocaína, crack e sintéticos derivados do LSD. Também é maciça a exposição do jovem a bebidas alcoólicas. Os estudos americanos do National Institute of Drug Abuse, conduzidos pela Universidade de Michigan, indicam que o uso de maconha caiu ao longo dos anos. O LSD teve a queda mais significativa entre as drogas, porém, a dimensão do uso de cocaína e crack ainda não foi tão marcante. Jovens entre 8 e 18 anos, segundo os pesquisadores, parecem estar mais conscientes dos malefícios das drogas, e o papel do grupo como inibidor do uso aumentou. Apesar da queda no uso de álcool, que está no uso mais baixo desde 1991, a preocupação da sociedade sobre a exposição do jovem à mídia continua (HIGH School and Youth Trends, 2002). os pesquisadores, parecem estar mais conscientes dos ✱ Segundo malefícios das drogas, e o papel do grupo como inibidor do uso aumentou. D E 2005 Amyris ✱ Em um estudo, conduzido pelo The Center on Alcohol Marketing and Youth, verificou-se que nunca os jovens estiveram tão expostos a propagandas de bebidas como cervejas e destilados, nunca houve tanta oferta de alternativas como as bebidas Ice, indicando que os clamores de empresas e publicitários dizendo que os jovens não são seu público-alvo é falsa. A questão é como os governos e os órgãos reguladores irão restringir a publicidade, e quais os impactos na sociedade. Se observarmos o que foi feito com os cigarros, certamente um novo mercado irá surgir. Assim como existem drogas que auxiliam no tratamento de dependentes de nicotina, uma oportunidade semelhante deverá aparecer para os usuários dependentes de bebidas alcoólicas (OVEREXPOSED..., 2002). Fernandez Apesar da queda no uso de álcool, que está no uso mais baixo desde 1991, a preocupação da sociedade sobre a exposição do jovem à mídia continua. RELAÇÃO COM AS MÍDIAS Os jovens desta geração nasceram numa época de grande profusão de mídias eletrônicas e, de uma forma ou outra, têm acesso a elas. São pessoas que, diariamente, estão expostas a mídias em todos os lugares aonde vão ou estão. Uma segunda pesquisa foi realizada pela MTV, entitulada Dossiê Universo Jovem II em 2000. Foi realizada em 8 capitais brasileiras, entre 1.859 jovens, de 12 a 30 anos, das classes A, B e C. Dos entrevistados, 79% disseram lembrar-se de ter visto propagandas em cartazes de ponto de ônibus, 87% em busdoor, 63% em cartazes de metrô, 90% em outdoors. 79% 63% disseram lembrarse de ter visto propagandas em cartazes de ponto de ônibus m cartazes de metrô 87% 90% em busdoor em outdoors. M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 65 Foco na Geração Z Para esses jovens urbanos, posto que 80% da população vive em cidades no Brasil, o mundo é fracionado em janelas: da casa, do carro, das vitrines, as imagens na TV e no computador, nas telas dos PDAs como o Palm Pilot ou do celular. Dentro delas a mensagem deve ser rápida e direta, pois há muito o que saber. das peças publicitárias pode pedir a participação do público, comerciais com jovens em situações ligadas à natureza, viagens e ao lado do grupo são bem vistos, assim como comerciais que desafiem o intelecto e sejam exibidos em pequenas partes, como num seriado. Em resumo, devem usar a já conhecida fórmula do videoclipe, algo entre o game e o cinema. Para aqueles que nasceram diante do aparelho de TV, ouviram músicas no rádio, ter o controle remoto nas mãos possui um significado muito próprio, é algo como ser o “senhor do universo”. Isso é um tremendo desafio para a mídia e para os publicitários, posto que o comportamento de pular de um programa para outro durante os intervalos comerciais conhecido como zapping, evoluiu na mão desta geração. Tornou-se ainda mais agudo e desafiador, pois agora eles pulam durante a programação regular de um canal para outro, de uma mídia para outra e de uma atividade para outra. Este comportamento é conhecido como Total Zapping e é desse comportamento que vem o nome Geração Z. Dele nasce um novo conceito de tempo, já não é mais linear como no passado, permite trânsito livre para frente e para trás, e por haver tantas coisas para ver, conhecer e fazer, dá sempre a impressão de ser curto (ENTENDENDO as leitoras de Capricho, 2002). De uma forma geral, a propaganda inovadora é vista como mais um veículo de informação, só que destinado aos produtos e marcas. Estas últimas, objetos de desejo, já que agregam o indivíduo ao grupo e o identificam, separando-o da multidão. Posto isso, é claro que a linguagem que lhes agrada mudou radicalmente. Eles não gostam de estórias longas, contadas em formato linear tradicional. As cores devem ser cítricas e vibrantes, as letras devem levar a imagem de inovação e irreverência. O formato dos programas e 66 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 Uma questão a ser resolvida é como planejar a mídia. A pesquisa realizada pela MTV indica que há dois grandes grupos de mídias, as invisíveis e as visíveis. No primeiro grupo estariam TV, rádio e telefone. São aparelhos eletrônicos de alta penetração em domicílios de todas as classes sociais, que já estão incorporados ao cotidiano e ao budget da casa. Quase 100% dos entrevistados declararam ter o hábito de assistir a TV, muitas vezes “sem querer”, já que o aparelho estava ligado e eles estavam “só passando pela sala”. Para 98%, o rádio é muito pre- Amyris sente e é “supercompanheiro”. Os entrevistados também disseram que usam o telefone regularmente (99%) e sabe-se que conversam 21 minutos por ligação em média. É através dele que trocam emoções. As mídias visíveis são as revistas, jornais, o cinema e a Internet. Logo, são mídias de interrupção. Neste mesmo estudo, 87% declararam ler Fernandez “desajeitado”. Para 61% destes jovens, o cinema é um lugar de descanso sensorial, ou “o único lugar em que eu vejo algo inteiro”. revistas para atualizarem-se, sendo que 96% dos leitores são do sexo feminino. Os jornais são mais lidos por jovens acima de 17 anos, geralmente são levados pela pressão do vestibular ou trabalho. Suas principais queixas em relação aos jornais são a linguagem antiquada, que deixa a mão “suja de tinta” e que é De todas as mídias, a Internet é a mais difícil de ler textos longos e a que mais isola as pessoas. Também parece ser a mídia que mais exclui, já que apenas 34% dos entrevistados declararam ter acesso a computa- 34% dos entrevistados declararam ter acesso a computadores ligados à Internet. 51% dos jovens entrevistados acham que a Internet é o meio de comunicação que tem mais a ver com a geração deles. 73% dos que usam a Internet regularmente sentem-se parte do mundo quando a acessam à rede. M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 67 Foco na Geração Z maior destaque desta última década, no Brasil, são as bebidas: yogurtes, refrigerantes, isotônicos e coolers. 15,7% comerciais com maior índice ✱ deOs lembrança são aqueles que usam o humor e situações nas quais o público se identifica, tal como o da Coca-Cola. dores ligados à Internet.1 Por outro lado, esses mesmos jovens sabem que é um meio que permite a concomitância de som, imagens, movimento e texto, além de permitir que se atualizem com rapidez e comuniquem-se através de e-mails, salas de bate-papo e mensageiros instantâneos (ICQ, MSN Messenger). Apesar da baixa adesão quantitativa, a Internet é reconhecida como o mais moderno meio de comunicação, pois “51% dos jovens entrevistados acham que a Internet é o meio de comunicação que tem mais a ver com a geração deles e 73% dos que usam a Internet regularmente sentem-se parte do mundo quando a acessam à rede” (DOSSIÊ Universo Jovem MTV II, 2000). A PUBLICIDADE E O JOVEM Diversas categorias de produtos têm procurado comunicar seus produtos para o segmento jovem. O grupo de 1. Dos entrevistados que tinham acesso à rede, 74% tinham curso superior e 77% pertenciam à classe A, sugerindo que o poder aquisitivo é determinante no acesso à Internet. 68 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 As características comuns dessa comunicação são o uso do humor, ou melhor, do bom-humor, cores fortes tendendo ao cítrico, frases curtas ou nenhuma frase, usando o desafio intelectual como principal gancho. A seqüência de imagens em inserções de TV utiliza a linguagem veloz e não linear do videoclipe. Os comerciais com maior índice de lembrança são aqueles que usam o humor e situações nas quais o público se identifica, tal como o da CocaCola (15,7%), ou que desafiam a lógica e o intelecto, como a série de comerciais da Brahma, que durante todo o ano de 2002 obteve os maiores índices de recall ou de preferência nas pesquisas realizadas pela Datafolha para a revista Meio e Mensagem (FUKUSHIMA, 2002). CONCLUSÕES O volume e o tipo de informações disponíveis sobre os adolescentes permitem que os profissionais de propaganda façam um trabalho adequado de comunicação. Por outro lado, há inúmeras oportunidades de mercado para as empresas que ainda não foram exploradas. Ora faltam produtos, ora falta um posicionamento claro do produto e da empresa, outras vezes falta uma comunicação adequada. É claro que esta visão tem como foco somente uma parcela do público, as classes A/B. Porém, é justamente esse grupo que determina as tendências para os grupos com maior capacidade de consumo. Por outro lado, esse Amyris grupo é parte do imaginário de outras tribos, seja como ícones de desejo, seja como exemplos e antítese de todos os valores. Também é preciso que os profissionais de marketing e comunicação compreendam as tendências de comportamento desses jovens, para poder conversar com eles numa época em que estão adquirindo seus próprios hábitos de consumo. Se as empresas conseguirem educá-los neste momento, terão consumidores para toda a vida desta pessoa e, provavelmente, dos filhos destes. Não creio que esta recomendação seja aplicável na íntegra para produtos da área tecnológica; certamente é mais adequada para produtos alimentícios, que sofrem uma mudança mais lenta. O que parece certo é que esses adolescentes, ao chegarem à vida adulta, já terão visto uma quantidade considerável de tecnologias em obsolescência. Por isso, terão aprendido a usar produtos e a descartar conceitos, aceitando as mudanças de uma forma que o grupo de pessoas acima de 40 anos não conseguiu. O grande desafio é como aliar a criatividade à tecnologia, para gerar produtos e peças de comunicação que garantam lucros crescentes. ESPM AUTORA AMYRIS FERNANDEZ Mestre em Comércio Eletrônico pelo Rochester Institute of Technology, NY; Doutoranda em Comunicação e professora da FGV e do IBMEC. [email protected] Fernandez BIBLIOGRAFIA BARRET, Amy. To reach the unreacheble teen. Business Week. New York, n. 3681 p. 78, sept., 2000. influence teenagers’ purchase intentions and behavior? The Journal of consumer marketing. Santa Barbara, v. 17, n. 5, 2000. BOTTONI, Fernanda, Rebeldes com calça curta: Mash e CMR lançam linha de roupas íntimas para adolescentes de 11 a 16 anos, Meio & MARTIN, Mary C.; GENTRY, James W. 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Do role models M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 69 EntreVista E GIO S M R A A AL O ENTREVISTA “HÁ GRANDES OPORTUNIDADES NO EXTERIOR PARA AGÊNCIAS DE PUBLICIDADE BRASILEIRAS” embaixador Sergio Amaral, que está chegando ao final do seu mandato como representante máximo de nosso país na França – um dos cargos mais importantes da nossa diplomacia – não é nenhum neófito em assuntos de comunicação e de marketing. Ele foi Ministro de Estado da Comunicação Social e porta-voz do presidente Fernando Henrique Cardoso de 1995 a 1999. Nessa função, teve a oportunidade de conhecer, de perto, muitas das nossas melhores agências de propaganda, assim como diversos profissionais da área. Por isso, não hesita em dizer: o Brasil precisa de mais marketing para a projeção de sua imagem no exterior, assim como os diplomatas brasileiros precisam aprender as técnicas de marketing e de comunicação para ter sucesso na carreira. E faz essa importante revelação: as agências brasileiras precisam perder a timidez e ir disputar mercados com as grandes multinacionais – não só no Brasil – mas também lá fora, no campo do adversário. Leia, nas páginas seguintes, essa importante entrevista que Sergio Amaral concedeu à Revista da ESPM. JRWP 72 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 Sergio Amaral JR – Ministro, apesar de toda euforia do agribusiness e dos recordes na balança de pagamento, o Brasil ainda não representa mais que 1% do comércio internacional do mundo. Isso é pouco. SERGIO AMARAL – Há anos o Brasil vem tendo uma participação no comércio exterior da ordem de 1%, ainda que – no passado – tenha exportado um pouco mais. Nos últimos anos, houve um salto considerável. Nosso comércio exterior – exportação mais importação – em 2002 representava 13% do produto; em dezembro de 2004 passou a 26%. Portanto, como participação do PIB, dobrou – é um grande resultado. Mas em economias comparáveis – México, Coréia, China, os países emergentes de grande porte –, a participação do comércio exterior no PIB está sempre acima de 30%. JR – O nosso PIB, nos últimos anos, não foi nenhuma Brastemp ... Fotos: arquivo SERGIO AMARAL – O fato é que tivemos progresso. Aumentamos exportações, diversificamos produtos e acho que o desafio pela frente, além de exportar mais, é fazer um esforço na qualidade. Mas precisamos fazer um esforço para avançar um pouco mais nas etapas da cadeia produtiva. Quer dizer, no agronegócio, em vez de exportar café em grão, M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 73 EntreVista exportar café solúvel, torrado... Em vez de exportar tanto couro, aumentar o percentual de sapato; em vez de estarmos nos produtos de baixo valor agregado, entrarmos nos patamares mais elevados. Mesmo porque vamos sofrer uma grande concorrência da China. Se nos entusiasmamos muito com a China compradora – ela nos comprou muita soja, minério de ferro – viveremos, nos próximos anos, a China exportadora, e precisamos estar preparados. Nos setores industrializados, encontrarmos nosso nicho de exportação, que não é necessariamente de alta tecnologia; mas também não pode ser a faixa de mão-de-obra barata porque, nessa, nós perdemos. na Europa. E o que faziam? Conservavam a pesquisa, o marketing, a marca, distribuição – e transferiam a produção para a China. Eles já sabiam que não basta ter um bom produto; é preciso ter o marketing, a pesquisa, distribuição e, fundamentalmente, a marca. Nos últimos anos, nossos esforços de exportação foram bem-sucedidos. Hoje, precisamos cuidar de componentes como o marketing – que é fundamental. JR – É lícito esperar um aumento da participação do Brasil no comércio internacional como um todo? JR – Isso é música para meus ouvidos, pois o Sr. está falando para a Revista da ESPM. Mas o marketing leva-nos à questão da imagem de marca – e do que foi definido como a “marca Brasil”. O Sr. pode nos falar a esse respeito? SERGIO AMARAL – Isso faz parte da lógica do nosso modelo econômico: ser mais produtivos, competitivos, melhorar a infra-estrutura e fazer um esforço exportador; é razoável esperar que cresça nossa participação no comércio mundial. Mas é preciso, também, um esforço macroeconômico. Pensamos que a China é só mão-de-obra barata e isso não é verdade. Trata-se de uma economia com taxa de inflação de 2%, carga tributária de apenas 16% do PIB e poupança de 43%. A China demonstrou uma compreensão do funcionamento da economia de mercado melhor do que muitos países que a praticam há mais tempo. No ano de 2003, empresas chinesas gastaram US$ 3 bilhões para adquirir o controle de empresas 74 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L SERGIO AMARAL – Houve pesquisas interessantes sobre marcas. Uma delas mostra correlação entre a imagem do país desenvolvido e a boa qualidade; e a imagem de um país em desenvolvimento leva à idéia de uma marca de menor prestígio. Não temos condições de mudar o país para atender às expectativas dos consumidores internacionais. Como a nossa marca não carrega o mesmo valor que a marca de um produto francês ou americano, o nosso produto é visto como menos seguro, menos eficiente ou menos durável e, – por isso – tem D E 2005 de ser mais barato. Partimos de uma desvantagem – temos de vender mais barato, dar garantia ou financiamento maiores, além das nossas reais condições. JR – O Sr. acha que existe, na mente dos nossos clientes potenciais nesses países – de fato – uma imagem do Brasil que se reflete nas nossas marcas? SERGIO AMARAL – Sim. E diria que ela é, em geral, positiva. Houve tempo em que a nossa imagem era associada ao desflorestamento da Amazônia, ao trabalho infantil, à prostituição infantil. Mas o Brasil progrediu muito, temos conseguido desfazer essa imagem. Hoje gozamos de respeitabilidade no campo da economia; demos mostra de maturidade, no campo da política; estamos enfrentando os nossos problemas sociais – ninguém espera que a gente resolva tudo da noite para o dia, mas querem saber que estamos enfrentando. Isso tudo contribui para uma imagem positiva. Mas eu acho que o problema não é de imagem, mas de falta de informação: as pessoas gostam do Brasil porque tem praias bonitas, povo alegre, carnaval, futebol de grande talento – e só sabem, muito vagamente, de outras coisas. Não sabem, por exemplo, que temos capacitação tecno- Sergio Amaral lógica para construir satélites e que a Amazônia é vigiada por satélites que fotografam os riscos potenciais; poucos sabem que somos a quarta indústria aeronáutica do mundo. Há outro lado do Brasil que as pessoas não conhecem: um povo sério e trabalhador. Trabalha-se muito mais aqui do que na Europa, por exemplo. O problema da imagem é, de um lado, desfazer a imagem associada aos países em desenvolvimento – mas, mais do que tudo, dar mais informação. JR – O Sr. acha que existe uma associação entre a imagem nacional e a qualidade dos produtos e serviços? SERGIO AMARAL – Sem dúvida. Se você for comprar um marcapasso, e o vendedor oferece um feito na China e outro na Suíça, você vai escolher o que é feito na Suíça – porque a imagem ligada à do relógio, da precisão... JR – E se for francês? Um marcapasso francês pode ser bom. SERGIO AMARAL – Porque a França também tem uma imagem de qualidade. Agora, se a Índia quiser vender marca-passo, enfrentará desconfiança. Quando era embaixador em Londres, fui convidado para um evento cultural na embaixada suíça. O evento era na garagem: uma noite de grafite. Jovens artistas suíços e franceses fazendo grafite nas paredes da garagem. Pensei: “Que interessante. A Suíça tem uma imagem positiva, do ponto de vista da tecnologia, mas tem outra, não tão positiva, de país velho, sem graça...” E o embaixador suíço descobriu uma forma de trabalhar essa imagem, mostrando que lá também há coisas novas, jovens, arte de vanguarda. Essa é a questão da imagem do Brasil. Temos uma imagem simpática, mas que nem sempre ajuda a vender os nossos produtos – a não ser os associados a essa idéia tradicional: música brasileira vende bem, cinema brasileiro é apreciado. Mas não produtos de alta tecnologia. Mas há outros aspectos. Se exportamos um carro da marca Volkswagen, a marca é forte, seja produzido onde for. Se queremos vender mais produtos manufaturados brasileiros, teremos que trabalhar a imagem do país, ter uma estratégia de penetração no mercado que não inclua apenas as questões econômicas, de qualidade, distribuição mas que têm a ver com a marca do produto. A Natura está fazendo isso em Paris e no Japão, e muito bem feito, porque associaram o nome deles, Natura, à Amazônia e criaram um show room que é uma reprodução da Amazônia. que existe há 20 anos: a cada ano, um país é escolhido para ser o país do ano e os espaços culturais franceses o acolhem. Nós estaremos presentes nos espaços mais prestigiosos de Paris e outras cidades, teremos uma variedade de eventos culturais, nos mais diferentes campos. JR – Como isso funciona? SERGIO AMARAL – Há dois comissários – um brasileiro e outro francês – responsáveis pela montagem das exposições. No caso brasileiro, é o Ministério da Cultura, com a participação do Itamaraty, sobretudo da embaixada, SECOM, na comunicação e outros ministérios, como Indústria e Comércio, na parte comercial. Insisti com esses ministérios para que o ano cultural fosse também uma oportunidade de mostrar produtos brasileiros, já que, evidentemente, isso contribui para melhorar a nossa imagem de qualidade. Em parceria com a APEX – Agência de Promoção de Exportações –, estamos realizando duas grandes mostras de produtos brasileiros na Lafayette e Printemps, que são duas lojas de departamento de prestígio. E produtos brasileiros em dois supermercados – o Carrefour e o Casino. Isso é importante porque todos sabem que, numa loja dessas, um produto de má qualidade não JR – O Sr. pode relatar algumas experiências recentes, em relação a isso? SERGIO AMARAL – Um esforço importante é o que está sendo feito agora, para o ano cultural do Brasil na França. É um programa da França, M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 75 EntreVista nuidade. Não se pode fazer isso com eventos episódicos. Precisa de uma estratégia de penetração no mercado, que começa com a participação em feiras e exposições. Visito quase todas as feiras, e visitei agora a de têxtil e confecção. Estamos avançando. Mas é importante que, quando houver uma feira ou exposição, haja um desfile de moda brasileira, para difundir o nosso design. Hoje temos designers em Nova Iorque, Londres, Paris – isso vai ajudar a valorizar o nosso prêt-à-porter. Primeiramente, temos que ter uma estratégia – começa com a feira ou exposição; depois a distribuição, as lojas de prestígio – não necessariamente para vender, mas para ter o seu produto associado aos lugares de prestígio. E ter uma estratégia de marketing para valorizar os seus produtos, inclusive com publicidade; não a grande publicidade, mas a do trade. Se quisermos exportar móveis, é importante trazer os compradores e os jornalistas ao Brasil, para conhecer a nossa indústria de móveis, ver que é uma indústria séria, ampla, diversificada, com bom controle de qualidade. entra. E teremos lá 500, 1.000 produtos diferentes. Então, estamos entrando na distribuição; se venderem bem, passarão a comprar regularmente. E outro aspecto fundamental é a questão das marcas dos produtos... JR – Como se distingue a marca Brasil de uma marca Natura ou H.Stern? Tenho a desconfiança de que as pessoas viajam, encontram lojas H.Stern nos aeroportos e não sabem que é brasileira... SERGIO AMARAL – Alguns produtos temem que a marca brasileira não ajude e não querem aparecer como tal. Conheço um caso de produto brasileiro, com boa aceitação na Argentina, mas que buscou se afastar da sua origem, porque achou que a marca Brasil, na Argentina, não seria boa. Há vários outros – na área de calçados – que não aparecem como brasileiros porque serão classificados numa gama de produtos mais baratos, de menor qualidade. Isto mostra a importância de associar a marca Brasil a qualidade e eficiência. É um grande desafio. JR – Mas isso passa por ações associativas. Precisa que uma Federação de Indústria, uma associação de fabricantes de móveis... JR – Como o Sr. propõe que isso seja feito? SERGIO AMARAL – O primeiro requisito é um esforço de conti- 76 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 SERGIO AMARAL – Essa foi a idéia da APEX – uma agência do governo, trabalhando em parceria com o setor privado –, que trabalha hoje com 38 cadeias produtivas. Mas os produtores brasileiros, muitas vezes, não se dão conta de que não basta ir lá e levar o produto; precisam ter folheteria de boa qualidade; dependendo do produto, é necessário um bom filme... JR – Mas qual o problema? A propaganda e o marketing brasileiros estão entre os melhores do mundo – temos essa competência. SERGIO AMARAL – Porque nos acostumamos a produzir para o mercado interno – não íamos vender lá fora. E as agências de publicidade também se acostumaram a trabalhar para o mercado interno. Pois, no momento, há grandes oportunidades no exterior para agências de publicidade brasileiras, escritórios de relações públicas ou de marketing. O Brasil descobriu que o mundo existe; a exportação veio para ficar. O próximo passo da exportação é a agregação do valor e a presença das empresas brasileiras no exterior. Elas têm de estar acompanhadas pelas suas agências e as agências de publicidade e marketing têm que se preparar para apoiar seus clientes no exterior. Não há empresas multinacionais que estão aqui e também lá fora? Mesmo que o trabalho de uma agência, em outro país, exija ambientação, conhecimento da cultura, do valor, das formas de atingir o mercado – mas não vejo por que não podemos também exportar serviços de publicidade. Afinal, os serviços são a área que mais cresce no Sergio Amaral comércio mundial: turismo, marketing, escritório de advocacia – temos de apoiar as exportações de serviços. JR – Como será que os grandes blocos comerciais que dominam o comércio, a prestação de serviços – mesmo de publicidade – os serviços bancários, reagirão? Vão deixar que o Brasil entre? SERGIO AMARAL – Se perguntarmos, vão dizer que não. Mas, se nos empenharmos, vamos abrir esse mercado como fazemos no resto. Acho que – nos próximos anos – haverá setores produtivos seguindo uma estratégia de marketing, com o ajustamento de produtos para esses mercados. Se não tiverem boa apresentação, boa embalagem, folheteria, bons filmes, não entram. Estamos abrindo um mercado para o setor de propaganda e marketing que ele não pode ignorar. Veja o que estão fazendo as empresas exportadoras: a Gerdau comprou sete usinas de aço nos Estados Unidos, a Sadia está presente no mundo todo, a Odebrecht tem 85% da atividade de construção no exterior; e começaram aqui perto – Argentina, Chile, Peru, Venezuela. Por que as multinacionais que operam aqui não se associam às nossas empresas, desenvolvendo uma expertise na abertura de novos mercados? JR – Então o Sr. acha que o Brasil pode participar da globalização como um player de primeira linha? SERGIO AMARAL – Não tenho a menor dúvida. O que explica o desenvolvimento espantoso da China é que ela percebeu que o mundo global envolve riscos, mas também M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 77 EntreVista decorre do fato de que o Estado pratica uma política industrial ativa. Ninguém investe na China, sem negociar com o governo chinês – onde se pode ou não investir. O governo tem um departamento de planejamento da economia... Eles resolveram essa ambigüidade, chamando a sua economia de “economia socialista de mercado”. Na verdade, o que eles mostraram é um grande pragmatismo e uma capacidade de administrar uma economia, respeitando seus fundamentos – eles não têm inflação, têm uma situação fiscal absolutamente sob controle e o pragmatismo na sua política de promoção das exportações. muitas oportunidades – e soube desenvolver um mix, protegendo-se de alguns riscos e explorando as possibilidades. Vou dar um outro exemplo: o da indústria têxtil. Todos acham que a China vai exportar panos de segunda categoria ou que vai ter fábricas tipo maquiadoras, com centenas de máquinas de costura e milhares de funcionários. Nada disso. No ano passado, a China comprou 80% de todo o equipamento têxtil fabricado no mundo – a ponta da tecnologia. Se visitar as indústrias da China, vai ver que são todas computadorizadas. Vem o chinês e pergunta de que marca você quer o terno – Armani. Ele põe no computador, Armani, o computador programa e a máquina entrega. Não temos essa tecnologia no Brasil, mas o mercado global vaise abrir para os mais competentes. Podemos ser altamente competitivos – ninguém compete com o Brasil na área do agronegócio. 78 JR – Como o Sr. vê o recente lançamento do logotipo em apoio à marca Brasil? SERGIO AMARAL – É importante, porque vai dar unidade visual ao produto brasileiro, facilitando a sua identificação. É um passo positivo. JR – Gostaria de estar errado – mas será que a economia dirigida – na China – não favorece um pouco as coisas? JR – E como o Sr. vê a ação da nossa imprensa, que – na minha opinião – tende a dar muito destaque aos fatos negativos? SERGIO AMARAL – A China é um enigma. Há os que dizem que o seu grande êxito foi a liberalização comercial e a introdução da economia de mercado; outros dizem que SERGIO AMARAL – Sempre que se está no governo, se acha isso; e, quando na oposição, é o contrário. Acho importante que a imprensa seja livre e que noticie o que o leitor REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 quer ler. Isso depende também do nível cultural: uma sociedade de nível cultural mais elevado tenderá a ter informação de maior qualidade. A imprensa inglesa, por exemplo, tem veículos de altíssima qualidade, como o Financial Times, e outros péssimos. Mas a nossa exagera um pouco na cobertura de assaltos e seqüestros – mesmo verdadeiros – não porque ela os noticie, mas porque os correspondentes estrangeiros, poucas vezes, têm informação de primeira mão, e se limitam a reproduzir matérias que saem na imprensa. Ao passar para outra sociedade, transmitem de forma deturpada, pois as notícias tendem a maximizar os eventos... JR – O que me leva a outro assunto que é o lobby. Ouvimos que o México gasta bastante dinheiro com escritórios de lobby, em Washington, para defender os interesses mexicanos, nos Estados Unidos. O Brasil faz alguma coisa nesse sentido? SERGIO AMARAL –Vivemos um momento novo da realidade internacional, em que diminui o papel dos Estados e aumenta o das sociedades. Estamos assistindo – mesmo que ainda insuficientemente – a uma liberalização das barreiras comerciais. Mas estão aumentando as barreiras da sociedade. Em breve, não se exportará mais nada de origem animal, para a Alemanha, sem garantias de que os animais não sofreram. A questão ambiental é cada vez mais importante para certos países – os consumidores querem saber se o café foi produzido sem afetar o meio ambiente, se a sua produção não incorporou mão-de- Sergio Amaral obra infantil. Por isso, a estratégia de comercialização do produto brasileiro demanda cada vez mais uma postura de marketing – saber como você se relaciona com aquela sociedade. A mesma coisa vale para os processos decisórios. O Congresso americano tem um papel fundamental no comércio exterior e, várias decisões suas afetam os nossos negócios, como subsídios na área agrícola, no algodão. Nossa postura é correta, ao levar o caso à OMC, mas também temos de estar presentes no Congresso americano, para tentar evitar medidas que nos prejudiquem. Aí, as ações especializadas de escritórios de advocacia, marketing, business são necessárias. JR – O Sr. tem uma visão profissional de marketing. SERGIO AMARAL – Fui Secretário de Comunicação por quatro anos e fiz pós-graduação na Sorbonne em Comunicação Política. JR – Será que o Itamaraty pode desempenhar um papel ainda mais importante na expansão dos negócios internacionais do país, se tiver mais profissionais de marketing e comunicação? SERGIO AMARAL – Acho que o marketing é uma realidade nova nas relações exteriores, e os diplomatas brasileiros deveriam – desde a sua formação – estar atentos a essa nova realidade. Hoje, o diplomata não é apenas um negociador com outro, governo – como na diplomacia tradicional – mas tem de trabalhar com o peão, com a opinião pública para vender as idéias de seu país, economia americana. E mais ainda para economias de porte médio, como a nossa. Portanto, temos de darnos conta de que a realidade exterior é fundamental para nós em quase todos os ramos de atividade. Acho que está demorando, essa interação mais freqüente e rápida com o exterior. Estamos descobrindo que o comércio exterior veio para ficar e que temos de nos preparar para isso. ter experiência em lidar com a imprensa, mobilizar a opinião pública, e, talvez, até ajudar a seduzir os consumidores. JR – A ESPM está às ordens do Ministério e do Instituto Rio Branco. Embaixador, pelas suas características e história, o Brasil nunca foi um país voltado para fora. Apesar de tantos cursinhos que existem por aí, a verdade crua é que o brasileiro não fala línguas, não é um ser internacional. Como o Sr. vê a reação de nossa sociedade, diante dessa conquista de mercados internacionais? JR – O Sr. acha que as escolas como a ESPM têm um papel a desempenhar nesse processo? SERGIO AMARAL – Sim. Como acho que seria interessante o Rio Branco ter uma exposição maior à realidade do marketing, também acho que as escolas de marketing precisam ter maior exposição à realidade internacional. Não basta saber fazer o marketing lá fora; precisa saber como funciona a realidade exterior, quais são os órgãos políticos que estão por trás da realidade do protecionismo, por exemplo. SERGIO AMARAL – São fatores históricos, mas também geográficos. Quando morei em Genebra, Suíça, estava do lado da fronteira com a França. Pela manhã, passeava de bicicleta e, no passeio, cruzava cinco vezes a fronteira. Para quem mora em São Paulo, a fronteira mais próxima está a quase 2 mil quilômetros. É natural que a realidade interna tenha um peso grande e a externa menor. Mas acontece que, com a globalização e as novas tecnologias de comunicação e transporte, as distâncias se encurtaram e, o que acontece no exterior tem peso para nós. Se alguns países asiáticos começarem a converter suas reservas de dólar para euro ou libra, isso pode ter séria repercussão para a M A R Ç O É preciso entender como funcionam os grandes players mundiais. Na era global, o mercado é planetário. Ele não está mais limitado pelas fronteiras nacionais, e todos atuam em todos os pontos. Precisamos estar conscientes disso para saber como atuar no setor externo. ESPM / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 79 Banco de Marca BANCO DE MARCA A TERCEIRIZAÇÃO DE MARCA CHEGA AO MERCADO FINANCEIRO 80 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 Armando INTRODUÇÃO A s elevadas taxas de juros que o governo é obrigado a praticar para rolar a dívida pública explicam, em grande medida, por que o país não cresce. Essa difícil realidade, que engorda a lucratividade de alguns bancos enquanto sacrifica a capacidade de geração de empregos do setor produtivo, já foi diagnosticada como o principal obstáculo ao crescimento do país há pelos menos duas décadas, mas pouco tem sido feito para desarmar essa bomba-relógio. No entanto, o agravamento das condições econômicas, o crescimento brasileiros. Mas Matias foi além: estudou os balanços dos bancos que cerraram suas portas ou foram incorporados e comparou esses balanços com os balanços de outros grandes bancos em operação e chegou a uma fascinante conclusão: do desemprego e o evidente compromisso que os governos atual e futuros terão que assumir com a geração de empregos, permite vislumbrar que a saída para esse problema será alcançada através da redução do peso da dívida pública, com a conseqüente redução da taxa de juros. “A aplicação dos modelos de previsão de insucesso aos dez grandes bancos privados nacionais de varejo, em atuação em 30/06/1998, indica que, caso não haja transferência de renda forçada para o setor bancário brasileiro por elevação de juros, desvalorização de notas ou benefícios tributários: E quando a taxa de juros cair para níveis civilizados, os bancos brasileiros estarão frente a frente com uma nova realidade: precisarão ganhar dinheiro através das relações com seus clientes e não apenas através de artifícios de tesouraria. Alberto Borges Matias, mestre em contabilidade pela Universidade de São Paulo, escreveu um estudo lançado em 2002 pela Editora Manole1 onde aponta as causas do insucesso de grandes bancos privados Levy 1. 2. 3. 4. Em um período de seis meses, sete dos 10 bancos analisados terão insucesso. Em um período de um ano, dos três bancos restantes, um terá insucesso. Em um ano e meio, dos dois bancos restantes, um terá insucesso. Em dois anos, o banco sobrevivente terá insucesso.” Matias enfatiza que, por “insucesso”, deve-se entender não apenas a liqüidação formal, mas, também, fusões, aquisições e incorporações. Ou seja: segundo o modelo desenvolvido por ele, sem uma taxa de juros elevada, os 10 maiores bancos privados brasileiros não sobreviveriam da forma como são hoje. A conclusão óbvia é que, mais do que a taxa de inflação, usada como desculpa pelo Banco Central para elevar a taxa de juros, a ameaça de extinção dos bancos privados realidade, ✱ Aquedifícil engorda a lucratividade de alguns bancos enquanto sacrifica a capacidade de geração de empregos do setor produtivo, já foi diagnosticada como o principal obstáculo ao crescimento do país. M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 81 Banco de Marca brasileiros é também uma das causas para a manutenção da taxa de juros em patamares tão elevados. Em suma: a sociedade está bancando – a preços elevados – toda a ineficiência do setor financeiro brasileiro sem uma contrapartida econômica razoável para esse sacrifício. Com a queda da taxa de juros, vital para que a economia volte a crescer, tudo indica que a rivalidade entre os participantes do setor será crescente, o que resultará em iniciativas desesperadas, como contas correntes com tarifa zero (medida já adotada pela Caixa Econômica Federal), reduzindo ainda mais a lucratividade do setor. Lucratividade decrescente, disputa crescente por clientes; este mercado dá sinais de que vai se concentrar ainda mais, e muitos bancos, entre eles até alguns grandes, terão muito pouco a fazer para sobreviver. Segundo dados da Federação Brasileira das Associações de Bancos, Febraban2 , o mercado bancário brasileiro vem experimentando mudanças em ritmo mais intenso desde a implementação do Plano Real, há nove anos. Essas mudanças ainda não terminaram. Fusões, aquisições, entrada e saída de competidores estrangeiros, iniciativas como estas, tão comuns nos últimos anos, continuarão a acontecer. SETOR É INEFICIENTE Não bastasse a evidência do acirramento da competição, a verdade 82 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E é que o setor bancário no Brasil é ineficiente. Um recente estudo do FMI apontou os bancos brasileiros como os mais ineficientes do mundo, como mostra o quadro abaixo. Esta realidade evidencia que o elevado grau de competição entre os bancos, a baixa fidelidade dos clientes e os ganhos fáceis com intermediação financeira fizeram do setor financeiro um segmento que vive à espera de uma grande crise, aquela que virá no dia em que os juros praticados pelo Governo Federal apresentarem, de fato, uma queda consistente. Em meados de 2003, o FMI publicou o estudo “Do Brazilian Banks Compete?”, que analisa de forma detalhada o mercado financeiro brasileiro e aponta questões relevantes que a sociedade brasileira não discutiu. Os veículos de comunicação brasileiros, provavelmente preocupados com o volume de propaganda que recebem dos bancos, ignoraram olimpicamente o estudo do FMI, que aponta sérias inconsistências no mercado financeiro brasileiro. Uma delas é o fato de que os grandes bancos, justamente os que apresentam maiores índices de lucratividade, têm elevada exposição a títulos da dívida pública. Ou seja: o lucro dos grandes bancos não está sendo originado em operações bancárias tradicionais, como empréstimos, investimentos e prestação de serviços, mas, basicamente, através dos juros cobrados ao Governo Federal para o giro da dívida pública. Em alguns grandes bancos, nada menos do que 80% do lucro têm origem em títulos da dívida pública. BAIXA EFICIÊNCIA Comparação do sistema financeiro do Brasil com o de outras regiões. RELAÇÃO ENTRE O CUSTO OPERACIONAL E A RECEITA OPERACIONAL (no ano de 2000, em %) 88,8 BRASIL AMÉRICA LATINA 69,0* UNIÃO EUROPÉIA 67,1** JAPÃO 60,9 EUA 60,5 *Argentina, Chile, Colômbia, México e Peru. **1998 Fonte: FMI 2005 Armando Levy O AVANÇO DOS CORRESPONDENTES BANCÁRIOS Dados da Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban) sobre o desempenho do mercado financeiro entre 2001 e 2002 evidenciam tendências importantes. Os 166 bancos que atuam no Brasil oferecem seus produtos e serviços através de uma rede de atendimento com 63.567 dependências, entre agências, postos tradicionais ou eletrônicos, além de correspondentes bancários. Atualmente todos os 5.659 municípios do País possuem dependências bancárias – fruto de parcerias dos bancos com redes de supermercados, correios, padarias, lotéricas, entre vários tipos de estabelecimentos comerciais. Só no último ano foram instalados em torno de seis mil postos eletrônicos. A introdução dos correspondentes bancários, definida pela resolução do Banco Central 2.707/2000, começa a alterar a maneira como a população se relaciona com os bancos. Em dois anos o número de correspondentes registrou alta de 61,50%, totalizando 13.950 pontos. No entanto, isso significa que, na prática, os bancos estão tendo de repartir o ganho com o giro dos recursos com as entidades responsáveis pela capilaridade do sistema, como Correios, Lotéricas, Lojas, Supermercados, entre outros. E A QUEDA DOS RECEBIMENTOS Nesse mesmo período, o volume de recebimentos por parte dos bancos ampliação da oferta de ✱ Aserviços automatizados e a consolidação da política de cobrança direta permitiram ampliar a receita de serviços. DESPESAS ADMINISTRATIVAS caiu 4% no total, mas apresentou queda maior (12%) em recebimentos de contas de água, luz e telefone, o que mostra que os correspondentes bancários estão, de fato, tirando recursos que antes giravam nos caixas dos bancos. Isso porque as pessoas preferem pagar uma conta nos Correios ou nas Lotéricas, a enfrentar as filas dos bancos. M A R Ç O Continuou ocorrendo aumento expressivo das despesas administrativas em função dos gastos crescentes dos bancos para implantação e manutenção de novos serviços automatizados, além do crescimento dos gastos com atividades terceirizadas e integração de sistemas de / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 83 Banco de Marca VALORES EM R$ MIL 1998 1999 2000 2001 2002 Despesas de Pessoal + Outras Despesas Adm. 41.497.686 44.539.332 47.546.418 50.691.730 54.579.021 Resultado Bruto Interm. Financeira 24.612.657 32.943.793 34.558.599 36.043.350 57.457.629 Receitas de Prestação de Serviços 14.045.930 15.862.467 17.688.878 20.011.532 22.643.084 Res. Bruto Interm. + Rec. Prest. Serviços 38.658.587 48.806.260 52.247.477 56.054.882 80.100.713 Índice Custo/Receita (1) 107,34% 91,26% 91,00% 90,43% 68,14 Fonte: Austin Asis - Balanços Consolidados (1) (Despesas de pessoal + Outras Despesas Administrativas) / (Resultado Bruto da Intermediação Financeira + Receitas de Prestação de serviços) bancos incorporados. A ampliação da oferta de serviços automatizados e a consolidação da política de cobrança direta permitiram ampliar a receita de serviços. O substancial aumento do patrimônio líqüido dos bancos, nos últimos anos, revela a crescente capitalização do setor. No entanto, o índice custo/receita, usado para medir a eficiência do setor, ainda é elevado, como mostra o quadro acima. É bastante evidente que os bancos brasileiros são ineficientes e se sustentam graças à intermediação financeira, tomando dinheiro dos clien- 84 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E tes a juros baixos e emprestandoos a juros elevados tanto ao governo como a tomadores dispostos a pagar juros que superam a casa dos 10% ao mês em operações como o financiamento de cheque especial ou cartão de crédito. ESTRUTURAS PADRONIZADAS Este cenário, de elevada ineficiência, estruturas tecnológicas ultrapassadas e perspectivas de redução de taxas de juros enchem o hori- 2005 zonte dos bancos de nuvens negras, a despeito dos elevados ganhos verificados nos últimos anos. Uma análise um pouco mais demorada da cadeia de valores3 das maiores instituições financeiras brasileiras pode ser traduzida no quadro seguinte. O modelo evidencia a infra-estrutura dos cinco maiores bancos privados de varejo do país, relativamente aos serviços prestados através de áreas criticas, como relacionamento com clientes, marketing, logística e operações. O quadro demonstra enorme similaridade entre as cadeias de valores das insti- Armando tuições financeiras, o que limita drasticamente a capacidade dessas organizações de inovarem e se diferenciarem no mercado. Enquanto as receitas decorrentes de transações com títulos de dívida pública e operações de câmbio, que respondem por boa parte da lucratividade dos bancos, continuarem a fluir, o anacronismo das estruturas dos bancos não será um problema. No entanto, quando es- Levy PONTO DE RELACIONAMENTO DE VALOR sas receitas começarem a minguar em função da redução da taxa de juro básica da economia, os bancos terão de começar a se expor em busca de mercado, clientes, receita com operações de crédito e serviços. Esse movimento vai acirrar a disputa e levar grandes bancos a uma disputa de clientes baseada em preço, o que poderá significar a morte para vários pequenos e médios bancos que não terão como competir. Produtos comoditizados, competição acirrada, a busca por novos mercados e a feroz disputa por clientes são os motores que têm impulsionado o fenômeno de terceirização de marca em várias indústrias, do vestuário à alimentação e, inclusive, no setor financeiro, com o surgimento dos correspondentes bancários. INFRA-ESTRUTURA DA EMPRESA RECURSOS HUMANOS DESENVOL. TECNOLOGIA – Desenvolvimento terceirizado junto a empresas como Procomp. – Sistema SAP – Gestão de concorrências – Uso de SAP – Recebimento de pagamentos via agências e caixas automáticos – Desenvolvimento terceirizado junto a empresas como Procomp. – Sistema SAP – Gestão de concorrências – Uso de SAP – Envio de dinheiro, talões de cheque e cartões de débito e crédito via Correios ou agências – Oferta de dinheiro a clientes via caixas automáticos e agências – Recebimento de contas e pagamentos via caixas automáticos, agências, telefone ou Internet LOGÍSTICA SAÍDA – Contratação e treinamento das equipes das áreas operacionais – Contratação das equipes de MKT e vendas – Treinamento terceirizado – Desenvolvimento terceirizado junto a empresas como Procomp. – Sistema SAP – Desenvolvimento terceirizado junto a empresas como Procomp. – Sistema SAP – Gestão de concorrências – Uso de SAP – Homologação das compras definidas pela área de MKT – Central de atendimento a clientes própria – Terceirização de operações de telemarketing OPERAÇÕES – Gestão das vendas via telemarketing e agências – Datawarehouse operado por equipe exclusiva – Contratação e treinamento da equipe de call center – Desenvolvimento terceirizado junto a empresas como Procomp. – Sistema SAP – Gestão de concorrências – Uso de SAP – Atendimento a clientes via telefone e agências – Internet Banking – Consultoria financeira nas agências ou por telefone MARKETING & VENDAS M A R Ç O / A B R I L MAR GEM LOGÍSTICA ENTRADA – Contratação e treinamento das equipes das agências GEM MAR COMPRAS – Contratação e treinamento SERVIÇO D E 2005 –REVISTA DA ESPM 85 Banco de Marca Mas este fenômeno depende de condições mercadológicas bastante específicas para se realizar em sua plenitude. Uma das principais condições mercadológicas que o fenômeno de terceirização de marca exige é o que resolvi chamar de “ponto de relacionamento de valor”. As pessoas têm relacionamentos de valor com vários fornecedores de produtos e serviços. Por exemplo: supermercados. De modo geral, as pessoas gostam de ir às compras em supermercados, que, antes de significar um mero abastecimento de víveres, resulta ser uma atividade lúdica e prazerosa. As pessoas percorrem as gôndolas, pesquisam preços, experimentam produtos, acompanham as ofertas e elegem os supermercados preferidos, onde passam a realizar, periodicamente, suas compras. O relacionamento de valor entre os consumidores e os supermercados possibilitou o fenômeno da terceirização de marcas de vários produtos. Farinha Carrefour, Detergente Pão de Açúcar, Macarrão Sonda, Caldo de Carne Coop; nos últimos anos, uma série de produtos surgiram nas gôndolas ostentando as marcas dos pontosde-venda. Embora muitos consumidores não percebam, o fato é que esses produtos não são fabricados pelos supermercados. Na verdade, alguns fabricantes, em parceria com os pontos-de-venda, escolheram comercializar seus produtos com marcas terceirizadas com o objetivo de garantir uma comercialização preferencial, ainda que, com isso, tenham de partilhar mais receita com os pontos-de-venda. Outro ponto de relacionamento de 86 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E valor são as lotéricas. As pessoas freqüentam as lotéricas com o objetivo de apostarem em jogos que podem significar uma fortuna em prêmios. É uma atividade lúdica e prazerosa, muito embora de difícil realização. Além disso, as pessoas podem pagar contas como água, luz, telefone, eletricidade sem precisar esperar por uma hora e meia em uma fila de banco. Mais um relacionamento de valor? Os Correios. Outro? As lojas de roupas em shopping centers e centros comerciais. Outro? As universidades. E OS BANCOS? OS BANCOS SÃO PONTOS DE RELACIONAMENTO DE VALOR? Embora alguns bancos estejam trabalhando no sentido de transformar a experiência de uma ida à agência bancária uma experiência menos dramática, colocando cadeiras para que as pessoas esperem sentadas, servindo cafezinho e colocando moças simpáticas para orientar as filas, a verdade é que, façam o que fizerem, os bancos não conseguirão se transformar em pontos de relacionamento de valor pelo simples fato de que idas aos bancos significam dissabores: pagamento de contas e impostos, taxa de juros no cheque especial de 10% ao mês, uma porta giratória que impede a sua entrada e muitas outras situações que lembram aos clientes que estão diante de máquinas de cobrar tarifas e gerar lucros. Bancos não vendem nada, seus serviços são ruins, obrigam as pessoas a se auto-atenderem em 2005 caixas automáticos que exigem senhas e contra-senhas e, com uma freqüência cada vez mais comum assombram o cliente com a notícia de que alguém invadiu sua conta e sacou todo seu dinheiro. Não há marketing no planeta que consiga fazer dessas instituições um ponto de relacionamento de valor. Mas há um ponto de relacionamento de valor que supera, em intensidade, todos os outros apontados aqui: a relação entre uma empresa e os seus funcionários. Ter um emprego, receber um salário, ter para onde ir todos os dias, encontrar amigos, produzir, os locais de trabalho dominam as vidas das pessoas boa parte do dia. No local de trabalho pessoas se conhecem, constroem relacionamentos, são amigos ou inimigos, namoram, casam-se e se separam. Os locais de trabalho são pontos intensos de relacionamento de valor. Em outras palavras: os locais de trabalho são os pontos ideais para o surgimento do banco de marca. BANCO DE MARCA A análise da realidade do mercado financeiro revela que estão dadas as condições econômicas e políticas para o surgimento de um novo modelo de negócio: o banco de marca. Pequenos e médios bancos, com marcas inexpressivas, encontrarão neste modelo de negócio uma alternativa para uma sobrevivência lucrativa. As parcerias do Bradesco com os Correios e do Itaú com o Pão de Açúcar revelam que algumas instituições já se aperceberam do valor dessas marcas com grandes esferas de relacionamento. Armando Estas empresas giram suas folhas de pagamento em bancos tradicionais como Itaú, Bradesco, Unibanco ou Real. É evidente que estas empresas não precisam pagar aos bancos para girar suas folhas de pagamento nessas instituições. Muitas delas, no entanto, em função de endividamento ou necessidade de crédito, acabam girando suas folhas em 2, 3 ou mais parceiros financeiros. Um diretor de finanças de uma grande companhia telefônica brasileira, por exemplo, afirmou que é “obrigado” a distribuir sua folha de pagamento entre os bancos aos quais a empresa deve dinheiro; em uma contrapartida que pode garantir alguma paz de espírito à companhia, mas não é interessante para os funcionários da empresa, que são obrigados a pagar tarifas por todos os serviços bancários, engordando os lucros das instituições financeiras. parcerias do Bradesco com os Correios e do Itaú com o Pão ❖ deAsAçúcar revelam que algumas instituições já se aperceberam do valor dessas marcas. Logos oferecidos pelas instituições. Considere as 20 empresas brasileiras que mais empregam pessoas.4 POSIÇÃO EMPRESA EMPREGADOS 01 Correios 98.015 02 Pão de Açúcar 57.898 03 Carrefour 46.171 04 McDonald´s 36.000 05 Petrobras 34.376 06 Sadia 32.067 07 Volkswagen 26.129 08 Atento 25.274 09 Perdigão 24.151 10 Sonae 19.994 11 Grendene 19.648 12 Sabesp 18.505 13 Casas Bahia 17.623 14 GM 17.136 15 AmBev 17.033 16 GR 15.682 17 Norberto Odebrecht 14.354 18 Vale do Rio Doce 14.289 19 Camargo Corrêa 13.358 20 Sendas 13.353 Total Levy Mas esse modelo de negócio, que gera elevadas receitas para os bancos em detrimento de companhias e funcionários das empresas, pode ser posto à prova pelo conceito de banco de marca. De que forma? Premido pela concorrência, um pequeno banco vai tomar a iniciativa de procurar companhias como as listadas no quadro para oferecer um serviço inusitado: girar a folha de pagamento dessas empresas em um banco com a marca dessas companhias. Embora a figura jurídica do banco continue a existir e a operar, a instituição vai atuar não mais com a própria marca, mas com as marcas de seus parceiros, exclusivamente focadas no giro das folhas de pagamento desses parceiros e no relacionamento com os 561.056 M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 87 Banco de Marca clientes dessas marcas. Esse modelo de negócio tem enormes vantagens tanto para o banco que vai operacionalizá-lo quanto para o parceiro que vai girar sua folha de pagamento em um banco que usa sua marca. VANTAGENS PARA O PARCEIRO Uma empresa com 30.000 empregados e uma folha de pagamento com um salário médio de R$ 1.500,00 deposita, mensalmente, R$ 45 milhões nas contas de seus funcionários, além de valores próximos a esses a título de encargos. Esses recursos, embora estacionados nas contas dos funcionários, geram ganhos financeiros para os bancos sem nenhuma compensação para os clientes ou para a empresa. Numa estimativa conservadora, é possível estimar que os bancos ganham 0,7% desse valor por mês sem precisar remunerar o dono do dinheiro, o que corresponderia a R$ 270.000,00. Ao mesmo tempo, também de modo conservador, pode-se estabelecer que o banco cobre, a título de tarifa mensal, o valor de R$ 9 por cliente para administrar sua conta, o que corresponderia a R$ 270.000,00. Esta conta simples, muito conservadora, demonstra que, ao girar uma folha de salário de 30.000 pessoas com remuneração média de R$ 1.500,00, o banco ganha cerca de R$ 540.000,00 a título de cobrança de tarifa e giro financeiro por mês, sem quaisquer custos operacionais significativos. 88 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E Quando uma empresa com esse porte passa a girar a folha de salário em um banco com sua marca, operada por um banco com o qual firmou uma parceria, estes recursos não são mais apropriados pelo banco, mas passam a ser compartilhados entre a empresa, que detém a relação de valor com seus funcionários, e o banco, que está operacionalizando a folha de pagamento. Empresas desse porte certamente não têm interesse em embolsar os R$ 270.000,00 resultantes de cobrança de tarifa e podem simplesmente reverter esse valor para seus funcionários, dandolhes serviço bancário sem a cobrança de tarifas. MAS OS GANHOS SE LIMITAM A ESTES? É evidente que não. Operações de crédito (pessoal e cheque especial), venda de seguros (vida, automóvel, residência), planos de previdência e cartões de crédito, todas estas operações resultam em ganhos financeiros que as empresas poderão compartilhar com o banco que operacionaliza a folha de pagamento da companhia com a marca da empresa. Uma vez consolidada a relação entre o banco de marca e os funcionários da empresa, banco e companhia podem considerar a abordagem aos clientes da empresa, que ganhariam vantagens para abrir uma conta no banco com o qual se relacionam, mas deixariam ali uma receita que seria compartilhada entre as instituições. de crédito (pessoal e cheque especial), venda de seguros ❖ Operações (vida, automóvel, residência), planos de previdência e cartões de crédito, todas estas operações resultam em ganhos financeiros que as empresas poderão compartilhar com o banco. 2005 Armando Além disso, a companhia ganha um canal adicional para difundir sua marca, que estará estampada nos talões de cheques e cartões magnéticos de seus funcionários, reforçando sua imagem ao agregar seu posicionamento no mercado financeiro. Para os funcionários desta empresa, a relação com o banco que operacionaliza o pagamento do salário muda radicalmente. O nível de estresse verificado hoje, na relação entre correntistas e bancos é reduzido porque o banco onde o funcionário tem conta é o que leva a marca de sua empresa. Eventuais problemas tenderão a ter canais de solução muito mais focados e efetivos, elevando a qualidade do atendimento e o grau de satisfação dos clientes. VANTAGENS PARA O BANCO Ao abrir mão de sua marca para operar um serviço bancário com a marca de um parceiro, o banco tem uma série de vantagens. A mais concreta delas é o fato de que todo banco de marca que ele operacionalizar vai reunir uma base de clientes 100% ativa. Este dado é importante porque a maioria dos grandes bancos que atuam no Brasil carrega enormes bases de clientes inativos que, em algumas instituições, representam cerca da metade do número total de clientes. Outra vantagem considerável é que o banco não precisará abrir um elevado número de agências para atender aos clientes do banco de marca. Como esses clientes são os funcio- nários da empresa, basta um posto bancário na sede da empresa, associado a caixas automáticas nas regionais e lojas, para que o sistema funcione perfeitamente. Se o banco já tem uma conexão com redes de caixas, como o Banco 24 Horas, por exemplo, este serviço é suficiente para atender às necessidades dos clientes. com largas bases de clientes e pesados investimentos em marca, porque, em tese, tem como objetivo justamente minar as posições desse tipo de instituição. No entanto, com o intuito de defender sua posição, é possível que um grande banco crie uma operação alternativa para atender ao mercado de banco de marca que começa a se delinear no horizonte. Exemplos marcantes disso são as parcerias entre Bradesco e Correios e Itaú e Pão de Açúcar, nada menos do que os dois maiores empregadores do Brasil. Mais? Ao operar folhas de pagamento com as marcas de seus parceiros, os bancos passam a ter acesso direto e focado aos clientes, podendo oferecer produtos e serviços, de modo direto, via marketing direto ou email marketing, sem a necessidade de investir maciçamente em propaganda para atingir seus clientes. Ao mesmo tempo, o modelo de banco de marca não será adotado por companhias pesadamente endividadas no sistema financeiro porque este tipo de situação as torna reféns dos bancos, que não aceitarão compartilhar resultados com um devedor sob sua marca. Hipoteticamente, ao reunir 20 parceiros como os listados no quadro, um pequeno banco reuniria uma base de clientes ativos ao redor de 600.000 pessoas, que representariam receitas impensáveis para essas instituições hoje, mesmo que tenham que ser compartilhadas. E quando esses bancos de marca começarem a se mover na direção dos clientes das empresas que eles representam, podemos estar falando de estruturas que vão se relacionar com milhões de clientes. Em princípio, embora parecesse que o modelo de banco de marca interessaria a pequenos e médios bancos, que não investem na comunicação de suas marcas, começa a ficar evidente que, são os grandes bancos os que colocarão a idéia para andar. Isso porque, também neste modelo, a escala é vital. Por isso, ainda que o banco opte por gerir uma folha de pagamento de 3.000 funcionários, por exemplo, deverá reunir uma carteira de parceiros corporativos que permita a geração de escala. Importante é assinalar que, folhas de pagamento de empresas como IBM, por exemplo, com 4.000 funcionários, têm um salário médio elevadíssimo. OBSTÁCULOS Bancos de Marca serão o resultado de parcerias entre bancos que aceitarão abrir mão de suas marcas e empresas que preferirão girar suas folhas de pagamento em bancos que concordem em compartilhar os resultados dessas operações. Aparentemente, este modelo de negócio não será adotado por bancos M A R Ç O Levy Já as empresas que se sentirão atraídas por esse modelo serão aquelas / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 89 Banco de Marca Postal, no entanto, não operacionaliza a folha de pagamento dos Correios, mas esse é um passo que pode vir a ser dado em breve. CONCLUSÃO os bancos estatais, até por ✱ Entre força de sua estrutura e de suas relações com os lotéricos, a Caixa Econômica Federal tem uma atuação com correspondentes bancários mais clara e definida. com sólidos mercados, sem endividamento, que utilizarão o conceito de banco de marca para projetar suas marcas, entrar no mercado financeiro, garantir um melhor atendimento financeiro a seus funcionários e atrair seus clientes para um relacionamento mais próximo, incluindo a oferta de serviços financeiros, mesmo que terceirizados. Embora empresas com este perfil não sejam encontradas em cada esquina, há um número suficiente delas para tornar uma iniciativa de banco de marca um grande sucesso para aquelas instituições que assumam a iniciativa do processo. BANCO DE MARCA ESTATAL? Entre os bancos estatais, até por força 90 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E de sua estrutura e de suas relações com os lotéricos, a Caixa Econômica Federal tem uma atuação com correspondentes bancários mais clara e definida. Essa posição, no entanto, está sob ataque. Recentemente, o Unibanco firmou com os lotéricos do Rio de Janeiro um contrato de parceria que foi imediatamente questionado pela CEF na Justiça. O processo está em fase de julgamento e pode revelar surpresas, caso a Justiça decida que os lotéricos, assim como toda empresa, são livres para definir as parcerias que considerem mais rentáveis para seus negócios. No entanto, muitas empresas estatais (ou ex-estatais), estão entre as maiores empregadoras do país. Revelando visão de futuro apurada, o Bradesco formalizou uma parceria exatamente com a maior delas, os Correios, que empregam 98.000 pessoas. O Banco 2005 Incapacidade de diferenciação, produtos similares e comoditizados, nível de atendimento idêntico, concentração da receita em intermediação financeira, a realidade do mercado bancário brasileiro torna esse segmento terra fértil para o fenômeno de terceirização de marca que, já é comum em indústrias como a da alimentação e moda. Os bancos de marca vão surgir. Para alguns pequenos e médios bancos, essa alternativa de negócio pode significar a garantia de sobrevivência. Para os grandes bancos que ignorarem o fenômeno, pode significar o começo do fim. ESPM AUTOR ARMANDO LEVY Tem pós-graduação em Gestão de Comunicação pela USP, especialização em Gestão de Informática pela FGV e MBA em EManagement também pela FGV. Atuou como Gerente de Comunicação e Internet de empresas como Credicard, Vésper e Banco 1. Hoje dirige a EPress Comunicações. 1. Matias, Alberto Borges. Insucesso de Grandes Bancos Privados Brasileiros de Varejo. Manole: São Paulo: 2002. 2. Relatório Febraban 2002. 3. Porter, Michel. Estratégia Competitiva. São Paulo: Campus: 1986. 4. Revista Exame, junho de 2002. Mesa-Redonda PARTICIPANTES CARLOS SALLES Presidente do Movimento Brasil Competitivo. Ex-presidente da Xerox do Brasil FERNANDO DIAS MENEZES DE ALMEIDA Secretário Adjunto de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo do Estado de SP JOSÉ FRANCISCO VINCI DE MORAES Chefe Deptº de Economia e Direito da ESPM OCTÁVIO DE BARROS Economista Chefe do Bradesco PAULO SALLES Chairman & CEO Regional para a América Latina da Publicis Worldwide ROBERTO GIANNETTI DA FONSECA Diretor titular de Comércio Exterior e Relações Internacionais da FIESP e presidente da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO Moderador 92 REVISTA DA ESPM– FERNANDO DIAS MENEZES DE ALMEIDA JOSÉ FRANCISCO VINCI DE MORAES M A R Ç O / A B R I L D E 2005 PAULO SALLES J. ROBERTO WHITAKER PENTEADO BR S Totos: Júnior de Oliveira A IL COMPETITIVO S erão as recentes conquistas do Brasil no mercado internacional – aumentando a sua participação percentual e gerando superavits na balança de pagamentos – o resultado de condições econômicas e históricas particularmente favoráveis – até acidentais? Ou – de fato – estamos no limiar da maturidade do país como nação competitiva no mundo globalizado? Para tentar responder a essas perguntas, a Revista da ESPM reuniu um poderoso grupo de profissionais e especialistas – representando diversos setores da sociedade e incluindo a administração pública. O resultado foi uma verdadeira viagem – muitas vezes pragmática, por vezes intelectual – pelo presente e pelo futuro de um país que todos almejamos: o Brasil Competitivo – e vencedor. Como quase todas as questões em nossa nação-continente, nada se pode considerar, ainda, como definido ou definitivo. Há o consenso de que estamos ocupando uma das posições de frente – contudo, em uma corrida de longo curso, que apenas começou. A vitória final é possível; mas não se apresenta nem como provável, estatisticamente, nem viável – a não ser que sejam feitos muitos esforços, pelas empresas privadas e – sobretudo – pela administração pública. Ao que tudo indica, ainda falta – nesse governo como nos anteriores – um plano estratégico nacional, que motive a sociedade e provoque a sinergia indispensável para que o Brasil ocupe um espaço que já deveria ser seu. ROBERTO GIANNETTI DA FONSECA OCTÁVIO DE BARROS CARLOS SALLES M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 93 Mesa-Redonda “NÃO FAZ SENTIDO DIZERMOS PARA O INVESTIDOR INVESTIR AQUI E IR BUSCÁ-LO, NO AEROPORTO, COM UM CARRO BLINDADO.” JR – Reunimos esses profissionais e especialistas, que bem conhecem essa questão da competitividade do Brasil no conjunto de nações, as experiências positivas e negativas e as perspectivas para o futuro. Gostaria de pedir ao Octávio que desse início ao debate. gem de expor a sua moeda para competir com outras, no mundo, a partir de janeiro de 1999. Criou-se uma cultura de exportação. Por exemplo, em 1998, as exportações representavam apenas 13% da produção total da indústria paulista; hoje 28% – mais que o dobro. OCTÁVIO – Minha impressão é de que houve mudanças estruturais no Brasil, sobretudo depois da mudança cambial. Essa cultura exportadora no Brasil inaugurou-se, de fato, em 1999, e ficou ainda mais explícita em 2002, em termos da exportação de manufaturados. O gráfico dos produtos manufaturados exportados pelo Brasil mostra, claramente, uma inflexão a partir de meados de 2002, quando o regime cambial ganhou maturidade, revelando um novo apetite exportador das empresas brasileiras. Essas empresas passaram por um período difícil de reestruturação financeira e gerencial, mas exibiram grandes eficiência e competitividade, o que as tornou, também, agressivas no mercado internacional. JR – No passado, isso acontecia devido à queda do mercado interno. JR – Isso tem a ver com o Plano Real? OCTÁVIO – Certamente. Estamos comemorando dez anos de relativa estabilidade monetária; mas acho que – acima de tudo – foi o momento em que o Brasil teve a cora- 94 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E OCTÁVIO – Esse trade-off não existe mais. No passado, qualquer aumento no mercado interno reduzia o apetite exportador. Agora a exportação também é um porto seguro e o exportador vê o mercado externo conquistado como sagrado, de que não vai abrir mão – aprendeu a lição. Na época da desvalorização do Real – entre 94 e 98 – vários mercados, que eram quase cativos, foram perdidos. Quando o exportador reconquista esses mercados, não quer mais perdê-los. A exportação entrou, definitivamente, na vida das empresas, virou coisa séria. Ganha-se dinheiro exportando – não apenas pelo câmbio, mas porque as empresas são, de fato, mais eficientes. JR – Ouvindo o Octávio, tenho a impressão de que o que determinou o movimento do Brasil para fora de suas fronteiras foram, puramente, fenômenos financeiros – câmbio, moeda. Será que foi só isso? 2005 PAULO – Houve vários fatores – uma mudança de geração política e empresarial, a partir do final dos anos 80 e começo dos 90; nova gestão, novos processos, novas formas de ver o mercado. Muitas pessoas foram cursar universidade no exterior, fazer MBAs, aprender outras línguas. O Brasil começou a se perceber não mais como a ilha do país do futuro, mas como uma peça nas engrenagens do mundo. Segundo, a comunicação e a fluência, e a velocidade das comunicações e da transmissão da informação – tudo isso fez com que o mercado tivesse uma outra dinâmica. Somando esses fatores aos econômicos, começamos a ver mais claro. A inserção no mundo não é a passeio – mas a negócios. Essa reorganização da sociedade, principalmente das empresas, foi a base de tudo. JR – Também tivemos mudanças políticas importantes. Afinal, já são vinte anos de democracia... FERNANDO – O componente político vem-se somar aos outros fatores – financeiros, econômicos, humanos e empresariais. Mas houve, também, uma consciência dos governos para a necessidade dessa abertura para o mundo. Digo dos governos, porque o comércio exterior também entrou na pauta dos governos estaduais. Um assunto visto como questão nacional – mas que os estados têm muito a contribuir. Mesmo com retrações do mercado interno, o Brasil tem conseguido até apoiar o seu desenvolvimento no mercado externo, trazendo recurso, renda, trabalho. não os produz – há excesso de serventes de pedreiro, mas falta mão-de-obra qualificada, científica de alto nível. Atrás disso vem o resto, como, por exemplo, a saúde, que deteriora porque as pessoas não têm educação para impedir. Então, o lado IDH, para mim, é muito importante. O outro lado é o arcabouço institucional. Como o país é administrado? Como funcionam os poderes, qual a eficácia da burocracia, como andam os desperdícios governamentais, como está a seriedade da gestão pública – e privada – existem marcos regulatórios definidos, observados e atendidos? Quando um país desenvolve esses dois pilares, ele acaba tendo produtividade, desenvolvimento – e o comércio exterior é resultante. Logo, o que está tornando o Brasil mais competitivo – em primeiro lugar – é o amadurecimento do seu arcabouço institucional. Quem trata, como eu tratei, durante anos, com países da América Latina, sabe que estamos muito adiante deles todos, apesar das nossas deficiências – em especial na área de governo. Tive contato direto com governos catastróficos – Equador, México, Venezuela, até Argentina. Em 1992, conseguimos fazer o impeachment de um presidente da república, sem que houvesse um só general que desse entrevista. Tenho 66 anos e, quando tinha 20, esses temas eram privativos dos generais, E não vejo como meramente circunstancial esse momento de ampliação das exportações. OCTÁVIO – Na história econômica do Brasil, é a primeira vez que as exportações crescem junto com o aumento do mercado doméstico. CARLOS – Queria propor que tentássemos olhar a competitividade através de uma suposta lente “grande angular”. Acho que devemos ver o comércio exterior como resultante e não como causa da competitividade. Na minha visão, o país tornase competitivo, não apenas para vender os seus produtos, mas para atrair talentos, investimentos. Não é apenas comércio exterior. Quando falo da competitividade de uma nação, vejo – basicamente – duas vertentes: uma é definida pelo IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, instrumento de medição usado pela ONU quando elabora os relatórios anuais do PNUD. O IDH de um país é a resultante das notas obtidas por esse país em itens como educação, saúde, saneamento, habitação, segurança pública, mortalidade infantil, presença (ou ausência), de endemias e mais uma série de indicadores que têm a ver com a qualidade de vida. Talvez o problema central que temos de enfrentar, no Brasil, seja a educação. Empresas importam pessoal qualificado, tecnologia da informação, porque o Brasil “NO SETOR PRIVADO, VOCÊ É PERMANENTE E SEUS SUBORDINADOS TEMPORÁRIOS. NO SETOR PÚBLICO, É O CONTRÁRIO.” M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 95 Mesa-Redonda almirantes, brigadeiros; ninguém mais. Isso mostra o desenvolvimento do nosso arcabouço institucional. Acho que, também, devemos olhar a questão da competitividade por esse lado. JOSÉ FRANCISCO – Voltando ao que disseram o Octávio e o Fernando, acho que a mudança da política cambial foi fundamental. O nosso modelo militar, econômico, o processo de substituição de importação – tudo isso se esgotou na crise do estado. Tivemos duas eleições em que foi vitorioso o discurso da abertura econômica de mercado, exprimindo o desejo da sociedade. A mudança institucional veio como conseqüência. Fundamental também foi a queda da inflação porque ajudou a compreender o que é mercado. O fim da inflação é um marco importante. JR – Estou percebendo um certo triunfalismo nessa conversa. Será que estamos tão bem assim? Quando – por exemplo – ultrapassaremos essa modesta marca, de apenas 1% do comércio internacional? ROBERTO – Já passamos – hoje é 1.1%. Mas para chegar a uns 3% demora um pouco. Recentemente, escrevi um artigo dizendo que, se estivéssemos participando de uma corrida de 100 metros, a competitividade brasileira seria satisfatória. Temos crescido acima dos índices do comércio mundial durante cinco anos seguidos. Quando a média do comércio mundial foi de 6%, nós crescemos 12%. Quando foi 15%, crescemos 30%. No curto prazo, nosso desempenho foi bastante satisfatório: saímos de 0.8% para 1% – foi o ganho recente. Mas, se analisarmos a corrida como uma maratona, e considerarmos o ano de 85 como partida, estamos no fim da fila... Esse é o desempenho de que precisamos. Anos de equívocos de políticas públicas, de câmbio supervalorizado – que foi um fator fundamental no desajuste do setor exportador brasileiro – tudo isso prejudica a competitividade. Em 1985, nós exportávamos US$ 25 bilhões; a China US$ 23 bilhões e o México 21. Se tivesse de apostar, naquela data, que país sairia na frente, como potência emergente na exportação, certamente apostaria no Brasil. O México era um país de economia fechada, com estrutura industrial incipiente. A China nem sonhava em ser uma economia emergente. Eu mantinha contatos pessoais com esse país naquela época, e a maior dificuldade era comprar alguma mercadoria chinesa; íamos lá vender aço, manufaturados e produtos químicos e era difícil comprar alguma coisa da China. Cheguei a importar até artesanato. Hoje, a China está chegando aos US$ 500 bilhões; o México entre US$ 180 e 200 e o Brasil “FIQUEI ESCANDALIZADO QUANDO FOI LANÇADO O “FOME ZERO”. DISSE: É VIOLAÇÃO DA REGRA NÚMERO 1.” 96 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 se vangloriando de chegar a US$ 100. É pouco. De pouco adiantaram esses cinco anos de sucesso. E conversa-se sobre aplicar ICMS na exportação, câmbio supervalorizado e a nova tendência ideológica do Itamaraty que quer evitar acordos com países desenvolvidos... Desse jeito, não podemos esperar sucesso dessa maratona rumo ao futuro. Estou cético. OCTÁVIO – Acho que o Roberto tem razão, porque tem uma experiência que nenhum de nós tem, por ser um exportador e líder na área de comércio exterior. Mas também tenho uma visão mais construtiva do horizonte visível para o Brasil. Vejo exportação como algo sério para o país, um porto seguro para as empresas e uma forma de escapar da volatilidade do mercado doméstico. Hoje, quem destina 30 ou 40% do total da produção à exportação está bem, porque consegue evitar parte da pesada carga tributária do país, financia-se de forma barata e, ao mesmo tempo, tem mercados que são crescentes. Converso com exportadores e eles dizem que a perspectiva de crescimento no mercado externo é maior do que no doméstico. Há um grande número de empresas que vêem o mercado externo de forma completamente diferente do que viam no passado. JR – Isso não está em oposição ao que disse o Carlos: de que não será bom lá fora, se não for bom aqui dentro? OCTÁVIO – Acho que ele estava falando do lado institucional; nós já somos a maior democracia da América Latina, depois da chilena. JR – Há uns dez anos, a revista The Economist dedicou um suplemento ao Brasil, onde dizia, em bom inglês, que aqui havia quadros executivos, na empresa privada, de boa qualidade, comparáveis aos melhores do mundo. Mas, quando examinavam a administração pública, descobriam que lá é que estava o problema. Gostaria que vocês falassem sobre essa equação entre público versus privado. PAULO – Sempre tendemos a ser mais críticos conosco do que com os outros. É mais ou menos como quando você vai jantar na casa do vizinho, vê a sala de jantar, de visitas, o banheiro, tudo arrumado, perfumado e com flores. Aí você comenta com sua mulher: viu que legal, a casa do fulano? Só que você não viu a máquina de lavar vibrando, a parede trincada, a parte desarrumada, porque foi tudo preparado para receber a visita. Acho que o J. Roberto diz algo importante, que temos um bom nível de gestão, tão bom quanto, ou melhor. Em 2003, entre as 100 maiores empresas americanas, da Fortune, 35% tinham – entre os seus cinco principais executivos – um brasileiro ou um executivo treinado no Brasil por mais de dois anos. Isso é fato; não é especulação. ROBERTO – A Alcoa, que aparece na Fortune como uma das empresas mais admiradas dos Estados Unidos; o presidente, Belda, saiu daqui. PAULO – Outra coisa em que devemos pensar é que temos de ser M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 97 Mesa-Redonda competitivos interna e externamente. Se preciso de uma nova fábrica, posso pô-la em qualquer lugar do mundo. O que se precisa é de qualidade de gestão, de infraestrutura, mas, principalmente, de estabilidade institucional – e isso se fundamenta na segurança pública. Não dá para decidir que hoje tem ICMS e amanhã não tem; o IPI é tanto; amanhã será de quanto? Hoje vale para exportação mas não vale para importação; amanhã vale mas – quem sabe – segunda-feira muda. Todo dia alguém, em algum lugar do mundo, está-se perguntando onde montar sua próxima fábrica, ou um centro de tecnologia. Na área de serviços, o Call Center da Microsoft é na Índia e liga-se nos Estados Unidos para um número 0800. Por que não está aqui, no Triângulo Mineiro? E estou falando de uma área que não precisa de investimento de capital intensivo. FERNANDO – Nessa linha, o papel do Estado também mudou: ele tem muito menos condições de investir e liderar processos interventivos na economia do que tinha há 20 ou 30 anos. Inverteu-se a participação da formação do capital fixo entre público e privado. Há 30 anos, 2/3 da economia estava nas mãos do setor público; hoje mais de 80% está nas do privado. O Estado moderno tem de ter boa gestão e garantir o ambiente de competitividade. O governo do Estado tem trabalhado muito nesse sentido: São Paulo competitivo para um Brasil competitivo. Mas gostaria de voltar a um ponto que já foi levantado: a educação – ela é fundamental. O empreendedorismo 98 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E “SE PARTICIPÁSSEMOS DE UMA CORRIDA DE 100 METROS, NOSSA COMPETITIVIDADE SERIA SATISFATÓRIA.” inato dos brasileiros reflete-se nos que tiveram treinamento adequado e chegaram à direção das empresas privadas – na verdade, permeia toda a sociedade. Para lembrar um outro segmento, que está na pauta do governo do Estado, é o ensino profissional. O Estado de São Paulo já tem 1.1 milhão de alunos nas universidades. Ainda é um número pequeno. Mas é gritante a situação dos alunos em cursos de tecnologia de nível superior, mas com formação específica para produção: são 20 mil dos quais 15 do Estado, que desempenha, razoavelmente, o seu papel. Se somarmos os cursos de nível técnico, chegamos a 150 mil. 150 mil versos 1.1 milhão... Essa disparidade tem de acabar. CARLOS – O papel do Estado brasileiro, para o aumento da competitividade internacional, é algo que está precisando ser melhor discutido. Por exemplo, para quem, como eu, trabalha há 25 anos com qualidade de gestão, fiquei escandalizado quando o “Fome zero” foi lançado. Disse: é a violação da regra número 1 da qualidade – propor a solução sem saber qual é o problema que se vai resolver. Esse programa é um exemplo típico de antiqualidade. Resultado: está onde está e discute-se se o problema é a desnutrição ou a obesidade. Entramos pelo terreno, agora, da “ópera bufa”. Para fazer justiça, acho que o Estado fez progressos, moder- 2005 nizou-se, tem ilhas de excelência. Mas acho importante se pudesse haver um esforço nacional para ajudar o governo a preparar o seu plano estratégico. Ele pode ser influente, decisivo, numa série de coisas, mas fica se perdendo em iniciativas que nada têm a ver com competitividade. Tenho tido experiências frustrantes, conversando com pessoas da área governamental, que parecem estar sempre à procura da solução mágica, milagrosa. Usando a metáfora da maratona, do Roberto: algo que nos pegasse nesse estágio da maratona – no último quartil – e de repente nos jogasse lá na frente, em dois anos. Isso não existe. Mas, se esticarmos a maratona – não para 20, mas para 50 anos – aí tenho números a dar de uma fonte importante, que sempre consulto: o plano de metas do governo Kubitschek. O Brasil, em 1954, era o 53º PIB do mundo e a quarta economia da América Latina. O primeiro era a Argentina, o segundo o México, terceiro Venezuela. Tínhamos 59% de analfabetos. Olhando a maratona nessa perspectiva – de 60 anos – o Brasil estava no último décimo; está agora no sexto ou no sétimo décimo. Houve um grande avanço. E acelerou-se, no momento em que o Brasil começou a fazer coisas corajosas como a abertura de fronteiras, câmbio flutuante, quando abandonou a substituição de importações. Quando abando- desvios – que geram uma carga tributária cada vez maior. E, de outro, levam a dívida pública a um crescimento contínuo, tornando os juros do Brasil, absolutamente incomparáveis com os do resto do mundo e criando o ônus do custo financeiro, prejudicando nossa competitividade. Se fizermos progresso nessa área, esse sim será um marco histórico. Já temos a Lei de Responsabilidade Fiscal, que o FHC considera como o grande momento do governo dele. Ele chegou a dizer: “Esse é o melhor dia do meu governo”. Trata-se da primeira limitação para que se gaste apenas o que se arrecada... nou, por exemplo, uma coisa que infernizava minha vida – como dirigente de empresa – que era o índice de nacionalização. Era em peso – num celular, por exemplo, o chip não valia nada; precisava nacionalizar a caixa porque tinha peso... Ainda ouço críticas – como ouvi outro dia, de um professor universitário: “Não sei qual é a vantagem dessa tal de Embraer porque tudo é importado. Não tem conteúdo nacional”. E respondo: tem tudo. Tem a inteligência toda, a criação do avião, a descoberta do nicho – o marketing – e a tecnologia que resultou num avião mais leve e mais econômico, que pode competir. Commodity compra-se da prateleira, mas inteligência não se vende. JR – Não existe alguma coisa intrinsecamente perversa na administração pública devido ao fato de que a meritocracia é inerente à empresa privada, para sua sobrevivência, enquanto que a pública depende de eleições? ROBERTO – Há 20 anos, tive uma experiência muito rica, no setor público – na Camex – e aprendi, um pouco, como funciona o Estado. Acho que ele precisa, de fato, de uma ação que nós, empresários, chamamos de “reengenharia”. Talvez até de um plano de metas, como referência. Mas fazer um plano estratégico é difícil. Qual é a missão? Quais são os valores, objetivos, estrutura? É preciso reinventar o Estado. Hoje, na Fiesp, o combate é contra o gasto público. Não adianta falar mal do juro, que subiu. Temos de lidar com a causa do problema, que é o excesso de gastos públicos, desperdício, corrupção, ROBERTO – Perguntaram-me, certa vez, qual a diferença entre ser um líder no setor privado e no setor público. Comecei a pensar e percebi a grande diferença: na empresa privada, há subordinados a avaliar – uns, você promove; outros demite. No setor privado, você se sente permanente e, os seus subordinados, temporários. No setor público, é o contrário: eles são permanentes e você temporário. Eles é que te avaliam. “O MOTORISTA DO TÁXI PERGUNTOU: “O SR. ACHA QUE ESSA TAL DE MP232 SERÁ APROVADA?” M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 99 Mesa-Redonda bilhões de recursos próprios – sem contar as estatais – com possibilidade de mais. Isso é um dado. Nossa experiência na secretaria – que é de desenvolvimento econômico na interlocução com as empresas – é que o fator número 1, pelo qual procuram São Paulo para expandir sua atividade, ou aqui se instalar, é justamente isso: previsibilidade, confiança, cumprimento das regras. Nesse período, não aumentou impostos; pelo contrário, diminuiu em mais de 200 itens a política tributária. JR – O embaixador Sergio Amaral, entrevistado, foi claro: “Na administração pública, tudo é negociado”. CARLOS – Não é diferente em nenhum lugar do mundo; todos os países são iguais. Estamos querendo aqui uma utopia. Os Estados Unidos – país mais rico do mundo – corre o risco de falir, com um governo que gasta mais e pior do que o nosso. JR – Li uma análise do governo da Margareth Thatcher – pessoa absolutamente liberalizante – que, nos 14 anos do seu governo, a participação do estado na economia do Reino Unido diminuiu em 1%... CARLOS – Acho bacana essa definição do crescimento como cumulativo: porque, realmente, não se anda para trás. E acho sensacional que uma grande parcela da população brasileira esteja preocupada com a carga fiscal. Entrei, outro dia, no táxi, e o motorista – sem saber quem eu era – viu pessoas fazendo barulho na rua e disse: “O Sr. acha que essa tal de MP232 será aprovada?” Vejam o raciocínio dele: “Tudo quanto é pequeno empresário que conseguiu CNPJ, endereço, não sei mais o quê, vai virar camelô de novo, para fugir dos impostos. Será que essa gente não enxerga isso?” Um motorista de táxi! OCTÁVIO – Uma coisa aprendi, na minha vida profissional: o processo de amadurecimento institucional é cumulativo. Não se anda para trás. Vai desde a inflação, pois é uma conquista institucional, ter uma gestão da moeda... A própria cultura do país rejeitaria uma nova inflação. Então, o nome do jogo da competitividade é previsibilidade – proporcionar previsibilidade decisória às famílias e às empresas, conquistando uma estabilidade monetária – garantindo uma política macro, robusta, consistente; avançando nesse amadurecimento institucional. FERNANDO – Há impostos que são contraproducentes. Pensando apenas em caixa: há imposto que, quando aumentado, diminui a arrecadação. Aqui em São Paulo, num setor propenso à informalidade – reduzimos de 25 para 12%; a alíquota e a arrecadação aumentaram em 7%. FERNANDO – O governo do Estado tem uma razoável estabilidade – estamos no terceiro mandato de um mesmo grupo e numa mesma linha. Ninguém nega a preocupação do governo com a correção, boa gestão, austeridade. Hoje, o Estado de São Paulo está investindo R$ 6 100 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E JR – Isso teve divulgação pela imprensa? Essa é o tipo da boa notícia 2005 que os jornalistas não dão. FERNANDO – Temos reduzido as alíquotas. Se não é na ponta do consumidor, é ajustando a cadeia. São Paulo sofre muito com esse fenômeno perverso, decorrente de distorções no âmbito federal, que é a guerra fiscal. Os estados praticam um verdadeiro terrorismo, e São Paulo sofre. Mexer na alíquota inter-estadual – levando aos 12% mínimos permitido pelas regras nacionais – dá competitividade para a indústria paulista. O produto que viria de fora entra competindo em igualdade de condições. PAULO – Acho que estamos falando a mesma coisa. Há vários exemplos – o da indústria automobilística, quando diminuiu o IPI e a produção de automóveis aumentou; e não estamos falando de pequenos produtores, mas de grandes indústrias com artigos importantes. Mas quero propor uma outra pergunta: como – baseados no cenário de hoje – olhamos para o mercado da frente? Se queremos sair dos US$ 100 bilhões e passar para US$ 150, o México também quer sair dos 180 e ir para 250; a China tem agenda própria; a Europa tem o problema da inclusão do leste europeu. Há mercados que se unem e a comunicação faz com que as fronteiras desapareçam. O que precisamos, para agregar à nossa competitividade atual, é de fatores importantes, que aumentem a nossa produtividade, nos diversos níveis. Precisamos ter – não só a competitividade de exportação de que estamos falando – mas também a competitividade no mercado in- terno, competitividade na educação, para nos prevenir da importação de mão-de-obra. Em vez de um debate sobre um diagnóstico – no qual creio que todos concordamos – podíamos passar à discussão sobre o futuro... CARLOS – Sobre essa proposta do que faremos daqui para frente, queria sugerir a vocês o seguinte: existem alguns exemplos, do passado, que podemos usar para o salto ao futuro. Repito: sou quase septuagenário, portanto testemunha ocular de muito do que se passou no Brasil. Vi o Brasil importando feijão, açúcar, milho, arroz. Chegava um navio da Tailândia, com feijão – era notícia do jornal. Comparese a isso o estágio de potência agropecuária a que chegamos. Por trás desse salto, há um herói que não está sendo reconhecido que é a Embrapa. Lutando contra tudo e contra todos a Embrapa adaptou – com sucesso – as tecnologias de clima temperado para o Brasil. Essa discussão em torno de transgênicos é esotérica. O mamão-papaia é um transgênico, todos comem e não acham ruim. Foi criação dos japoneses da Amazônia – imigrantes – com a ajuda da Embrapa. Outro centro que fez milagres no país é o CTA em São José dos Campos. A Embraer existe porque existe o CTA. Caso contrário, o máximo que teríamos aqui seria uma indústria de montagem de aviõezinhos. Precisamos de outros centros de excelência como esses. JOSÉ FRANCISCO – Falamos, no início, sobre a participação de exportações – é uma das formas de inserção – mas existem outras. Por exemplo, a exportação de capitais brasileiros – como está fazendo a Gerdau. Também podemos receber mais empresas internacionais. Concordo com o Paulo – encarar a competitividade nesse parâmetro. O Japão exporta 9% do PIB. Não digo que o Brasil deva fazer o mesmo, mas o comércio internacional não é o único setor que exige competitividade. OCTÁVIO – Mas o comércio é que está mais perto da fronteira tecnológica. Quem exporta precisa ter capacitação técnica. JOSÉ FRANCISCO – Das dez maiores exportadoras do Brasil, seis são empresas globais. OCTÁVIO – Por isso, acho que o Brasil precisa, também, importar cada vez mais. Só seremos mais competitivos, se tivermos uma economia mais aberta e que não seja refratária aos acordos internacionais. Precisamos ganhar market-share nos Estados Unidos, na Europa. JOSÉ FRANCISCO – O ITA, formado no Brasil, com a importação de técnicos. FERNANDO – São grandes exemplos “QUANDO TINHA 20 ANOS, ESSES TEMAS ERAM PRIVATIVOS DOS GENERAIS, ALMIRANTES, BRIGADEIROS.” M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 101 Mesa-Redonda e o que está por trás é inovação tecnológica. Quando exportamos soja, estamos exportando tecnologia. Quando temos uma produção por hectare maior do que a norte-americana – são fatores naturais? Sem dúvida, mas também tecnologia. CARLOS – Essa é outra vertente da competitividade: produzimos mais barato; mas a nossa logística e a infra-estrutura jogam a favor do inimigo. FERNANDO – Em setembro do ano passado, o governador lançou um novo modo de articular as ações do governo – chama-se “São Paulo Competitivo”. Baseia-se em quatro pilares: o primeiro deles é a inovação tecnológica. Depois, vem a infra-estrutura – os programas que passam pela capilaridade das estradas rurais até os grandes corredores de exportação. O terceiro pilar é a formação de recursos humanos – universidade, ensino técnico, tecnológico. E o quarto, a estrutura do Estado, diminuição de burocracia, dos prazos para licença 102 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E “EXCESSO DE GASTOS PÚBLICOS, DESPERDÍCIO, CORRUPÇÃO, DESVIOS GERAM UMA CARGA TRIBUTÁRIA CADA VEZ MAIOR.” ambiental, estímulo à formalidade, combate à pirataria, sonegação. JR – Será que não devemos todos nos envolver numa grande cobrança do Estado brasileiro? CARLOS – O Brasil carece de um projeto estratégico de governo, que deve ser o grande indutor. Não sei se o plano de metas do Juscelino era um plano estratégico; talvez fosse um plano tático porque era de curtíssimo prazo – 5 anos. FERNANDO – Mas pôs o planejamento na pauta. CARLOS – Exatamente. Mas, daí em diante, foi da-mão-para-a-boca, sempre. PAULO – Qual a diferença, básica, entre o planejamento de uma em- 2005 presa e o planejamento do Estado? Na empresa, o planejamento é aprovado e imediatamente vira uma lista de metas, objetivos e responsabilidades com cobranças fixas – que têm de dar resultado. O planejamento do Estado não. Por que o plano do Lucas Lopes deu certo? Porque tinha um gestor; o Juscelino que ficava todo dia cobrando: faltam 32 dias para inaugurar Brasília, o cimento tem de crescer, quando chega o Fusca etc. Aí vamos discutir carga tributária/não tributária; toda essa discussão é importante, conseqüente. Mas se não se conseguir elaborar um plano... Se ele não for feito pelo governo, ou pelo senado, ou congresso; tem de ser feito pela sociedade produtiva. Vamos juntar um grupo com os setores produtivos para tentar criar um plano de metas, com a competiti- vidade como conseqüência; não vamos ficar só de estilingue. OCTÁVIO – Não sei. Talvez o Brasil não precise de plano nenhum, do ponto de vista formal. Mas precise, sim, de uma visão estratégica de longo prazo. Quero fazer uma pergunta a vocês: quem, dentro do atual governo, está olhando os 10 anos à frente? É possível que existam essas pessoas, mas gostaria de saber quem são. Precisamos de alguém com o compromisso de olhar para uma agenda microeconômica com prioridades – aumento de eficiência, redução do custo unitário do trabalho, popularização do crédito, lei de falências. Uma intertemporal, que sirva para esse e para os próximos governos. Não precisamos de um plano de metas, que corre o risco de ser uma camisa de força. O Brasil precisa investir para o amadurecimento institucional, regulatório, criar previsibilidade – todos os planos na parte macro – melhorar a parte gerencial. JR – Vamos fazer de conta que temos a lâmpada mágica. Que coisas devem acontecer em nosso país – a curto e médio prazo – para que se faça o caminho proposto pelo Paulo? para esperar do Estado um plano de desenvolvimento. Cabe-nos lutar e estabelecer uma agenda, que nunca será perfeita, porque a sociedade sempre terá as suas divergências. Mas há de ser uma agenda para a competitividade. Precisamos de um Estado mais racional – não precisamos de farmácia popular. Não consigo educação apenas com uma solução irracional como: universidade federal, um gestor; universidade estadual, um gestor; universidade municipal, um gestor. Alguns pontos da agenda, sim, como o marco regulatório microeconômico, a reforma judiciária... Mas será uma conquista paulatina da sociedade. É ilusório esperarmos que um governante faça tudo. FERNANDO – Algumas coisas que discutimos já existem. Gestão responsável por parte do Estado – a sociedade já está consciente da importância disso. Estabilidade democrática das instituições; também acredito que já tenhamos adquirido maturidade suficiente. Acho que o ponto principal é o de investir em formação de recursos humanos – em educação. Essa ainda é a grande barreira a ser superada. O Brasil tem riquezas, virtudes e já mostra que – quando se investe em formação de pessoas – os resultados aparecem. Mas há muita gente ainda à margem desse processo. Temos de investir mais na qualidade e na maior abrangência dos níveis superiores de ensino. O tópico número 1 dessa visão de futuro é o investimento em educação. ROBERTO – Já que o J. Roberto prometeu a varinha de condão, vou-me permitir uma certa utopia. É interessante essa discussão sobre competitividade e vimos que, do ponto de vista microeconômico – no que é responsabilidade da empresa – estamos bem. Somos competitivos na porta da fazenda e na JOSÉ FRANCISCO – Não há mais espaços no Brasil – e ainda bem – M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 103 Mesa-Redonda porta da fábrica. Podemos melhorar, mas estamos bem. O problema são as externalidades; essa é a grande preocupação, que ficamos aqui discutindo 90% do tempo. Falar de investimentos em tecnologia, educação, é perfeito. Só que não há recurso para isso. A capacidade de geração de poupança do país é muito inferior à necessidade. Seja o setor privado, com poucos recursos, pouca capacidade de geração de resultados e investimentos; seja 104 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E “PELA PRIMEIRA VEZ, AS EXPORTAÇÕES CRESCEM JUNTO COM O AUMENTO DO MERCADO DOMÉSTICO.” o setor público, porque tem um “desinvestimento”, que é o déficit nominal; seja porque, na poupança externa, temos uma capacidade limite de atração e exigiria déficit acima de 2% ou 3% em contas correntes, que vai gerar uma crise 2005 cambial logo em seguida. Sem aumentar a capacidade de investimento do país, não vamos conseguir resolver esses problemas. Então, a varinha de condão, a qual me referi, é reiventar o Estado brasileiro – reformas de fato corajosas: tributária, trabalhista, política, cambial, judiciária que, quando feitas, têm sido feitas de forma parcial, insatisfatória, e não vão gerar crescimento econômico. No fundo, é aí que queremos chegar: o país crescendo 7%, 8% ao ano, gerando 2 a 3 milhões de empregos por ano e tendo, conseqüentemente, elevação de renda per capita, nível de emprego satisfatório, população otimista, infra-estrutura melhorando. Esse país dos sonhos só existirá com essas reformas: com executivo, congresso e judiciário funcionando de forma adequada. Essas externalidades são a grande desvantagem competitiva do Brasil. Sei que outros países do mundo têm problemas, mas não devemos nos desculpar com os maus exemplos dos outros; temos a missão de tornar este país competitivo, socialmente justo e desejável do ponto de vista do habitante. E, para isso, precisamos ter coragem. JR – Em relação à sua última observação, tenho um amigo, professor da Escola de Administração Pública, que costuma dizer: “Quando examino a qualidade da nossa administração pública, desespero-me; mas, quando comparo, tenho esperança”. OCTÁVIO – O resumo da ópera, do que o Roberto disse é: o ímpeto reformista não pode arrefecer; tem de ser permanente. E, certamente, na macroeconomia, vamos amadurecer – institucionalmente e na boa direção. CARLOS – Fico contentíssimo ao ver que a educação é destacada como pilar – essa é uma antiga briga minha. Investimento em educação não é dar dinheiro para a educação. “O PROCESSO DE AMADURECIMENTO INSTITUCIONAL É CUMULATIVO. NÃO SE ANDA PARA TRÁS.” Até damos; só que ele não chega na ponta. Quero acrescentar outra coisa: acho que estamos precisando, também, de um pouco de endomarketing. Não há empresa que tenha sucesso sem cuidar tanto do marketing externo como do marketing interno. Na empresa que presidi durante uma década havia um exército de 14 mil pessoas e tinham de estar, todas, motivadas e comprometidas. Acho que, no Brasil, está faltando esse endomarketing; cultivamos demasiadamente o gosto pela autoflagelação. Há uma grande necessidade de se posicionar o Brasil numa perspectiva correta. Li a entrevista do Ministro Pratini de Moraes, que teve a coragem de chamar o dono do restaurante e dizer: “não me ofereça picanha argentina no Brasil!”. Isso não é comum; fomos educados – colonizados – para achar que tudo que está fora das nossas fronteiras é fantástico e tudo, de dentro, não presta. A Embraer faz sucesso fora do país, mas aqui falam: “Não compro avião cai cai”. Se é fabricado na China, compra! Esse ainda é um lado que precisamos trabalhar. Por séculos arrastamos isso – e temos uma imensa dificuldade de associar o Brasil com a qualidade. Quando se fala de alguma coisa francesa, o que vem à cabeça? É chique, elegante, sofisticado, tenho vontade de ter. Lembro-me dos produtos japoneses da década de 70; eram de “PELA PRIMEIRA VEZ, AS EXPORTAÇÕES CRESCEM JUNTO COM O AUMENTO DO MERCADO DOMÉSTICO.” M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 105 Mesa-Redonda 106 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 “O BRASIL TEVE CORAGEM DE EXPOR SUA MOEDA PARA COMPETIR COM OUTRAS.” baixa qualidade e preço baixo. Eles deram a volta por cima. A China é a mesma coisa – eles já estão bem evoluídos. Esse lado brasileiro tem de ser objeto desse esforço; não podemos esperar que o país se torne competitivo enquanto pedimos desculpas por sermos melhores. JR – Olhar para frente e para o alto. OCTÁVIO – Temos de enfrentar os nossos problemas. Isso me lembra uma metáfora, que um amigo fez, do nosso esforço de atrair o investidor para o Brasil, falar do nosso país, que é bom investir aqui etc. E aí diz: “Não faz sentido dizermos para o investidor investir aqui, que é seguro – e ir buscá-lo no aeroporto com um carro blindado”. Ou seja, temos de reconhecer os nossos problemas para poder enfrentá-los. CARLOS – Mas os investimentos chegam à China – e eles têm problemas mil vezes maiores do que os nossos, inclusive a instabilidade, porque basta que o ancião da vez morra, quem vai para o lugar dele pode mudar toda a regra do jogo. E isso não impediu os investimentos na China. sumirmos o conceito da autoflagelação. Temos problemas estruturais, institucionais mas temos uma infinidade de qualidades. E a nossa competitividade está num só eixo que é comparando nossas qualidades e defeitos com as qualidades e defeitos daqueles com quem estamos competindo. À medida que conseguirmos diminuir essa desvantagem, seremos mais competitivos; à medida que conseguirmos aumentar nossas qualidades, também. Não podemos esquecer tudo o que já andamos. Se ganhamos nos 100 metros, vamos mudar os parâmetros. Vamos falar que é maratona – pegamos o eixo dos quilômetros 22, 25 para dizer que estamos atrás; ou inventamos a regra: vamos disputar outra competição; vamos entrar na corrida de bicicleta, lá atrás porque aí estamos de novo na frente. Joga-se o que se quer. Se tomarmos, por ponto de partida, fazer um mapa honesto de nossas qualidades e defeitos – e colocarmos isso em termos comparativos, focando nas melhorias possíveis – teremos uma chance. ROBERTO – Uma coisa que sempre me chamou a atenção, nessa questão de investimento no Brasil, é que o estrangeiro – ao discutir os problemas do Brasil – gosta da nossa sinceridade. Temos de ser sinceros, não esconder que temos problemas, para que acreditem em nós e nos respeitem. “Tudo bem, vocês têm defeitos, mas também têm virtudes – economia dinâmica, criativa, emergente.” Então, ele acaba vindo aqui e investindo. Se tentarmos iludi-lo, ele passará a desconfiar da nossa informação. CARLOS – Mas não podemos dizer, quando eles vêm investir aqui: “Você é louco. Não faça isso”. Há um jornalista belga – que mora no Brasil há 20 anos – que escreveu um artigo muito interessante, no Jornal do Brasil. Ele disse não entender por que, quando chegou ao Brasil, as pessoas perguntavam: “Você é belga? Como veio parar no Brasil?” E ele respondia: “Vim de avião”. Mas ele não entendia que a pergunta era: “como um belga sai da Bélgica e vem parar neste inferno?” JR – Infelizmente, tenho que encerrar e fico satisfeito com as respostas de vocês à proposta da varinha de condão – ou da lâmpada mágica – são formas do “faz de conta”, invenção criativa de um grande brasileiro – Monteiro Lobato. Acho que ouvimos isso de vocês: há diversas formas pelas quais poderemos transformar esse “faz de conta” em realidade. ESPM PAULO – Não adianta fugir da realidade mas também, não adianta as- “O JUSCELINO FICAVA TODO DIA COBRANDO: FALTAM 32 DIAS PARA INAUGURAR BRASÍLIA!” M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 107 Case-Study Olympikus Fotos oferecida pela Olympikus A CONSTRUÇÃO DE UMA MARCA INTERNACIONAL DE TÊNIS 108 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 Tiago Pinto da marca Olympikus. Segmento de maior valor na indústria de calçados, o tênis, que na origem dessa indústria fundada em 1958 no município de Parobé no interior do Rio Grande do Sul, nem fazia parte da sua linha de produtos, hoje já representa 40% do seu faturamento. Este caso mostrará as origens dessa marca, sua evolução e as razões que levaram a Azaléia a lançá-la, relançá-la e expandi-la pelo mundo. Será visto, também, um cenário da competição nesse segmento de produto para ajudar na compreensão dos caminhos adotados pela Azaléia para o crescimento da Olympikus. 2. A HISTÓRIA DO TÊNIS A origem do calçado esportivo como é conhecido hoje remonta ao século XIX, com as primeiras sandálias de críquete, esporte nobre inglês. Já no século XX a necessidade de tênis adaptados à prática de basquete fez com que algumas indústrias que trabalhavam no processamento de borracha desenvolvessem os calçados vulcanizados que seriam utilizados nas quadras de madeira. Também o desenvolvimento das sapatilhas de corrida contribuiu para formar a base dos tênis atuais. É deste período o clássico Converse All-Star, um dos tênis mais vendidos até hoje. Pouca coisa, ou quase nada mudou, até o início dos anos 60 com a introdução dos tênis de couro pela Adidas e Puma. Mas até os anos 70 o tênis continuava como calçado esportivo. A grande mudança nessa indústria ocorreu no final dos anos 70 no século XX que surge o ✱ ÉConverse All-Star, um dos tênis mais vendidos até hoje. 1. INTRODUÇÃO O tênis hoje é um objeto tão popular, de uso tão generalizado, que fica difícil imaginar que em sua origem era apenas um calçado esportivo usado somente por atletas na prática esportiva. Foi somente nos últimos 30 anos que esse produto saiu das pistas e quadras esportivas para tomar conta das ruas, pistas (de dança) e das arquibancadas de todo o mundo. É para produzir e vender esse produto que a Calçados Azaléia S.A. direciona seus esforços na construção M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 109 Case-Study Olympikus sido o tênis assinado pelos maiores ídolos do esporte. Dessa forma, as empresas procuram direcionar para os seus produtos o carinho e a admiração que essas figuras despertam no público. É como se os compradores dos produtos pudessem ter um pouco da magia dos seus ídolos nos seus pés. quando as tribos urbanas adotaram o tênis como seu uniforme, fazendo com que esse produto deixasse a categoria de equipamento esportivo e se transformasse em um dos maiores ícones culturais dos jovens do início do século XXI. As marcas que dominam o mercado mundial de tênis hoje são a norteamericana Nike, a também norteamericana, mas de origem inglesa, Reebok e as alemãs Adidas e Puma, todas com faturamento mundial acima de US$ 1 bilhão por ano. No caso da Nike, líder mundial, seu faturamento já alcança quase US$ 15 bilhões. 5. O CASAMENTO COM A MODA Como o tênis já havia conquistado outras áreas além da puramente esportiva, não demorou para o mundo da moda se interessar por esse novo campo de atuação. Em meados dos anos 90, caiu definitivamente por terra a definição de tênis como sendo um 3. INVESTIMENTOS EM COMUNICAÇÃO calçado em que a função vem antes da estética em sua concepção. Para atender à necessidade de as pessoas vestirem-se de maneira mais confortável, as grandes marcas da moda entraram no mercado de tênis, tornandose concorrentes ou colaboradoras das marcas tradicionais. Já o Brasil só passou a fazer parte desse mundo com a abertura comercial do início dos anos 90. Antes disso havia no país apenas a oferta de produtos nacionais. Das marcas internacionais apenas a Adidas estava presente, mas não alinhada com as estratégias da matriz. A entrada das grandes marcas internacionais, associada à reestruturação das marcas nacionais, está transformando a percepção dos consumidores desse mercado. Esse movimento de popularização do tênis está intimamente ligado à sua exposição nos meios de comunicação. A qualquer momento o tênis está presente em todas as casas do mundo através da televisão, de revistas e jornais. Sejam os últimos comerciais preparados pelas marcas, sejam as transmissões de futebol onde todas as camisetas e chuteiras têm o logo da marca oficial em tamanho grande o suficiente para não passar desapercebido, seja o artista popular se apresentando em um programa de auditório com o último lançamento nos pés. 4. O ENDOSSO DOS ÍDOLOS ✱ Outro recurso utilizado ao longo dos anos pelas marcas esportivas tem 110 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E O logo da marca oficial em tamanho grande o suficiente para não passar despercebido pelo público é uma boa estratégia de visibilidade, seja em quadras ou estádios. 2005 Tiago ✱ Pinto A grande mudança ocorreu nos anos 70, quando as tribos urbanas adotaram o tênis como seu uniforme, fazendo com que esse produto deixasse a categoria de equipamento esportivo e se transformasse em um dos maiores ícones culturais dos jovens do início do século XXI. 6. O MERCADO DE TÊNIS NO BRASIL O mercado brasileiro de tênis se divide em três segmentos: o das marcas premium, o das marcas nacionais e o dos produtos sem marca: O quadro abaixo mostra a divisão do mercado brasileiro de tênis, por marca, em unidades vendidas, segundo o estudo Latin Panel. VOLUME % 2003 2004 TOTAL TÊNIS 100 100 Olympikus Topper Rainha Nike All-Star Mizuno Klin Reebok Dal Ponte Penalty Kolosh Bical Adidas Try On Kidy Beira Rio Bibi Umbro Fila Ortopé Pé com Pé Diadora Puma Asics Outros 7,9 3,8 4,1 2,7 2,8 3,4 2,8 1,7 1,2 1,3 1,3 1,3 1,3 1,5 1,2 2,0 1,1 1,1 0,7 0,6 0,7 0,5 0,1 0,1 54,7 7,5 3,2 3,2 3,0 2,9 2,5 2,5 1,8 1,7 1,4 1,3 1,2 1,1 1,1 1,1 1,0 0,9 0,9 0,7 0,7 0,6 0,5 0,4 0,2 58,6 ❖ MARCAS PREMIUM: é o segmento dos produtos vendidos com preços acima de R$100,00, representando 7% dos pares vendidos no Brasil. As marcas que dominam essa faixa de mercado são marcas internacionais, como Nike, Reebok e Adidas. ❖ MARCAS NACIONAIS: este é o segmento médio do mercado Brasileiro. São tênis vendidos por preços entre R$ 49,00 e R$ 99,00, que representam 38% do total de pares vendidos anualmente. Essa faixa do mercado é, predominantemente, ocupada por marcas nacionais, como Olympikus, Rainha, Topper e Penalty, mas está sendo disputada, também, por marcas internacionais que ambicionam maiores fatias do mercado, com preços mais adequados ao padrão médio de consumo de tênis, como Reebok, Diadora e Mizuno. ❖ SEM MARCA: nas condições competitivas atuais, dificilmente empresas que buscam algum valor de marca oferecem produtos na faixa de preços abaixo de R$ 50,00. Esse segmento é ocupado por produtos chineses sem marca, tênis com marca própria dos grandes varejos e outros ofertantes de produtos com materiais de segunda linha, sem condições para a prática de esportes. M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 111 Olympikus tênis foi criado como modelo colegial, ✱ Ocomprimeiro sola de borracha, cabedal em couro, com o 7. A OLYMPIKUS objetivo de ser robusto o suficiente para durar até as próximas férias. A Olympikus nasceu de um problema de sazonalidade de produção dos calçados femininos que a Calçados Azaléia S.A. enfrentava todos os anos. Devido à troca das estações, a indústria gaúcha ficava sem pedidos nos meses de janeiro e fevereiro e junho e julho. A pergunta que o fundador da empresa, Nestor de Paula, se fazia era justamente como Paula acabara de retornar de uma viagem de férias com ✱ De sua família pela Europa, onde achou muito interessante o nome e o logotipo da companhia aérea grega Olympic Airlines. Da inspiração do berço dos Jogos Olímpicos surgia o nome da nova linha de produtos Olympikus. 112 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 Fotos: arquivo Olympikus Case-Study Tiago Pinto preencher estes vazios; afinal, precisava manter sua estrutura girando e pagando seus funcionários. Como nessa época o governo militar brasileiro acabara de instituir a educação física obrigatória nos colégios, abria-se um forte mercado consumidor para tênis. Nestor de Paula enxergou neste fato a solução para seu problema de sazonalidade. Propôs a grandes escolas brasileiras que recomendassem seus tênis como parte do uniforme obrigatório; em troca, colocaria o nome da escola nos tênis. Surgia aí a linha de tênis da Calçados Azaléia S.A. O próximo passo seria a escolha de um nome que não conflitasse com o da linha de sapatos femininos chamada Azaléia. De Paula acabara de retornar de uma viagem de férias com sua família pela Europa, onde achou muito interessante o nome e o logotipo da companhia aérea grega Olympic Airlines. Da inspiração do berço dos Jogos Olímpicos surgia o nome da nova linha de produtos Olympikus. nessa época o governo militar brasileiro acabara de instituir a ✱ Como educação física obrigatória nos colégios, abria-se um forte mercado consumidor para tênis. Para atender à necessidade de um tênis resistente a todas as provas a que uma criança no colégio submete o seu calçado, foi criado o modelo colegial, com sola de borracha, cabedal em couro, com o objetivo de ser robusto o suficiente para durar até as próximas férias. Desta maneira haveria mercado para os tênis no início do ano e nas férias de julho, justamente os buracos de produção da Azaléia. As mães adoraram. Já as crianças encaravam-no como o tênis que a sua mãe escolheu, o que mais tarde acarretaria problemas para a marca. O lançamento foi um sucesso, tanto que a Olympikus se firmou como uma das grandes marcas brasileiras desde o seu início através de um agressivo trabalho de propaganda em televisão. Nos anos 70 os comerciais falavam apenas de atributos de qualidade e resistência. Nos anos 80 passaram a abordar temas como música e sexo, mostrando que o tênis Olympikus era o companheiro para todas as horas. Além da preocupação com a qualidade intrínseca, havia também a necessidade de dar aceitação social para a marca. Nessa época, o tênis se popularizava rapidamente entre os jovens, ganhando cada vez mais as ruas, tornando-se o calçado preferido para o dia-a-dia fora das escolas também. A Olympikus começou, então, a mudar o seu posicionamento, afastando-se do conceito de tênis para o colégio e passando a incorporar elementos de comportamento em sua comunicação. M A R Ç O É dessa época o envolvimento da marca com o nascimento do surfe profissional brasileiro, esporte que era a principal referência de moda / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 113 Case-Study Olympikus vôlei, além da enorme popularidade na época através da ✱ Opresença de ídolos da garotada, como Maurício e Giovane, possuía uma base de praticantes de ambos os sexos que gerava uma base de consumidores bastante ampla. para os jovens brasileiros da década de 80. A Olympikus foi a patrocinadora dos primeiros circuitos profissionais de surfe e um dos patrocinadores do filme Menino do Rio, totalmente voltado à temática do surfe. No final dos anos 80, o mercado é sacudido pela chegada das marcas internacionais e dos primeiros tênis importados. Foi uma revolução. De repente os consumidores não queriam mais um tênis prático e confortável de uma marca companheira; queriam um tênis para a prática de 114 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L esportes de uma marca “americana”. tirar a marca Olympikus do mercado. Nessa época, o Brasil vivia o início da abertura da economia e havia um desejo muito grande de experimentar coisas antes inacessíveis. Além do que, os tênis que chegavam eram incomparáveis em termos de tecnologia com os fabricados no país. Destacou um grupo de profissionais para estudar esse novo mercado e determinar a viabilidade de o grupo competir com aqueles novos entrantes. Durante quatro anos esse grupo de profissionais percorreu o mundo em busca de tecnologia de produção, maquinário, fornecedores de matéria-prima e design para poder relançar a marca no mercado. A Calçados Azaléia S.A., ciente da impossibilidade de competir com os produtos das marcas internacionais, e respaldada pelo desempenho da divisão de calçados femininos, decidiu D E 2005 Ficou claro que o consumidor queria um tênis que tivesse tecnologia para Tiago Pinto ximizar a capacidade produtiva da empresa, os preços estabelecidos foram cerca de 40% mais baixos do que os das marcas internacionais. a prática de esportes, falasse uma linguagem internacional, a mesma a que ele passara a ter acesso via televisão a cabo, que acabara de chegar ao Brasil, e estivesse sendo usado por atletas conhecidos que ele via na TV. Para completar a equação, a Olympikus passou a patrocinar diretamente o esporte, visando credibilizar sua mensagem publicitária de tênis para a prática esportiva, garantir um laboratório adequado ao desenvolvimento de produtos de alto rendimento e garantir uma visibilidade de marca através das transmissões de televisão. No início de 1994 a Azaléia relança a “nova” Olympikus para atender a estes consumidores. Com novos produtos, adaptados à nova realidade e inspirados nos dos concorrentes e, com novo posicionamento, a Olympikus agora seria uma marca esportiva internacional com produtos voltados à prática de esportes de alto rendimento. O esporte escolhido foi o vôlei, que em 1992 havia conseguido a primeira medalha de ouro em esportes coletivos para o Brasil em Jogos Olímpicos. Esse esporte, além da enorme popularidade na época, através da presença de ídolos da garotada, como Maurício e Giovane, possuía uma base de praticantes de ambos os sexos que assegurava uma base de consumidores bastante ampla. Para mostrar sua nova cara para o consumidor, a marca utilizou nas suas mensagens o mesmo veículo de outras marcas mundiais, usando atletas americanos da NBA, com comerciais produzidos nos EUA, estabelecendo a linguagem internacional tão aceita. Entretanto, para fugir da concorrência direta e buscar ma- O início aconteceu através do patrocínio da equipe Telesp de São Paulo em 1994, passando depois a empresa a administrar diretamente um clube de vôlei em Campinas. Depois de campeão brasileiro, esse time foi transferido para algumas cidades por motivos promocionais até encerrar as suas atividades no Rio de janeiro em 1999. Fotos: arquivo Olympikus Em três anos essa estratégia possibilitou à marca pular para o primeiro lugar no mercado brasileiro de tênis, superando rivais nacionais e internacionais. A combinação de imagem internacional com preço nacional tornou-se imbatível. M A R Ç O Com o sucesso no mercado interno e / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 115 Case-Study Olympikus A Olympikus foi a fornecedora dos uniformes da delegação brasileira ✱ nos Jogos Olímpicos de Sydney em 2000. utilizando a rede de distribuição internacional já implantada pela divisão de calçados femininos, o próximo passo da marca seria ganhar o mundo. Para tanto, se estendeu o uso da mesma mensagem publicitária, comerciais com temática internacional e investimento no esporte. Para isso foi iniciado o patrocínio das seleções do Brasil e da Argentina de vôlei, duas das principais do mundo, e da Federação Internacional de Vôlei. garantir maior visibilidade no exterior foi o de patrocinar o Comitê Olímpico Brasileiro, tornando a Olympikus a fornecedora dos uniformes da delegação brasileira nos Jogos Olímpicos de Sydney em 2000. A presença nos Jogos seria utilizada para mostrar aos consumidores que os produtos Olympikus, efetivamente, possuíam desempenho esportivo no nível dos melhores do mundo e, nada melhor do que o maior evento de esportes do mundo para servir como prova. Para isso, foram feitos O próximo passo para reforçar a imagem de marca esportiva no Brasil e 116 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 Tiago Pinto diversos investimentos em produtos como os maiôs de menor atrito com a água e sapatilhas de atletismo. Além disso, foi desenvolvida uma grande campanha publicitária ligando os maiores nomes brasileiros dos Jogos, Gustavo Borges, Maurrem Maggi e Claudinei Quirino à Olympikus. Essa campanha incluía inserções comerciais em todos os canais abertos e fechados que transmitiriam os Jogos Olímpicos. Ao final do ano 2000, a Olympikus mantinha sua liderança do mercado de tênis, passara a contar com uma unidade de negócios de vestuário e acessórios e havia alcançado o prêmio Top of Mind do Datafolha, como a marca mais lembrada do segmento, empatando com a Nike e a Rainha. Porém, havia algumas sinalizações para o futuro que preocupavam a empresa: ❖ O esporte estava fundindo-se com a moda, gerando uma demanda por um novo tipo de produto e a necessidade de adequar a imagem da marca à essa nova tendência. ❖ As marcas internacionais estavam se reorganizando no país após a desvalorização do Real frente ao dólar, que encareceu demais o preço do produto importado, através da fabricação local de seus produtos. ❖ Para manter o ritmo de crescimento das exportações era necessário criar uma imagem com apelo universal. Para adequar a Olympikus àquele novo cenário competitivo, a empresa buscou ajustar a sua estratégia de comunicação para focar seus investimentos em assuntos de relevância para o grande público e não só para esportistas, utilizando temas mais ligados a M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 117 Case-Study Olympikus comportamento e atitude inovadora. Continuava sendo posicionada como uma marca esportiva, mas adequada ao uso fora das quadras, campos e pistas. Outra preocupação foi a de que os seus comerciais de televisão pudessem ser entendidos em qualquer lugar do mundo sem perderem o sentido. No início de 2002 foi contratado o tenista Gustavo Kuerten, então número dois do ranking mundial, para ser o novo rosto da marca. Com isso, a Olympikus pretendia ter uma personalidade conhecida por todos, tenistas, não tenistas, e até mesmo por quem não soubesse nem que esporte ele praticava. Kuerten tam- Um exemplo dessa nova atitude foi a iniciativa de passar a patrocinar o evento RockGol da MTV brasileira, onde os músicos mais populares do Brasil jogam um campeonato de futebol entre si. Além da exposição de marca no evento, a Olympikus passou a vender os uniformes de jogo em seu canal de distribuição, tornandose, em apenas dois anos, na linha de vestuário, a mais vendida da marca. Este novo cenário também representou uma grande pressão sobre os preços da Olympikus, uma vez que as marcas internacionais, para adaptarem-se aos novos patamares do dólar, passaram a fechar parcerias com produtores locais e, com isso, puderam oferecer seus produtos por preços similares. Frente a essa situação, a empresa decidiu reajustar os seus preços e manter seus volumes de produção. Por pertencer a um grupo industrial, ao contrário das concorrentes internacionais, é de interesse da empresa manter suas fábricas com alto nível de ocupação. Fotos: arquivo Olympikus exemplo desta nova atitude foi ✱ Um a iniciativa de passar a patrocinar o evento RockGol da MTV brasileira, onde os músicos mais populares do Brasil jogam um campeonato de futebol entre si. 118 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 Tiago bém seria reconhecido em qualquer país do mundo e, por praticar um esporte considerado de elite, poderia endossar a aceitação social da Olympikus no topo da pirâmide de renda, onde a presença da marca era mais restrita. Após encerrar o contrato com Gustavo Kuerten no final de 2003, a empresa buscou um caminho alternativo para acompanhar os desejos desse novo consumidor, mais interessado em esporte como estilo de vida do que em esporte competitivo. Pinto Já se vislumbrava o ano de 2004 e os Jogos Olímpicos de Atenas como o evento de interesse da grande audiência televisiva. Para aproveitar-se do fato de uniformizar todos os atletas brasileiros, fruto do seu contrato com o Comitê Olímpico Brasileiro, a Olympikus preparou um projeto de marketing para aliar a visibilidade da marca, gerada na televisão, com a possibilidade de reforçar os seus conceitos de design e tecnologia. início de 2002 foi contratado o tenista Gustavo Kuerten, então ✱ No número dois do ranking mundial, para ser o novo rosto da marca. Como forma de garantir que o consumidor ouvisse e compreendesse a mensagem da marca, a Olympikus investiu na compra do patrocínio das transmissões dos Jogos pela TV Globo. Para mostrar sua adequação à mistura de esporte e moda, contratou o estilista Alexandre Herchcovitch para desenhar os uniformes dos atletas brasileiros, e para reforçar seu conceito de tecnologia de produto, lançou o Tube, exclusivo sistema de amortecimento de impacto nos tênis. Como rostos desse ambicioso projeto foram postos lado-a-lado nos comerciais de televisão, o treinador da seleção masculina de vôlei Bernardinho e o galã da novela das oito da TV Globo, Paulinho Vilhena para, juntamente com a apresentadora de TV Paula Orsini, jogarem uma inusitada partida de vôlei pelas ruas do Rio de Janeiro. A estratégia de aliar comportamento, esporte e moda em um evento de grande repercussão, aliada aos excelentes resultados da delegação brasileira nos Jogos, fizeram com que a Olympikus voltasse a ter resultados positivos após um período de estagnação. Quando este estudo foi feito, em M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 119 Case-Study Olympikus março de 2005, nesse momento, a Olympikus mantinha a liderança do mercado brasileiro de tênis, exportando os seus produtos para cerca de vinte e cinco países da América Latina e Europa, e mantinha-se, há cinco anos, empatada com a Rainha e a Nike como a marca de tênis mais lembrada pelos brasileiros, segundo o instituto Datafolha. criar uma identidade de marca que seja reconhecida e valorizada pelos usuários do mundo todo, através de sua tecnologia esportiva, irreverência e brasilidade. Como mais um passo nessa direção, a Olympikus acabou de lançar a sua nova campanha publicitária chamada “Invente seu Jogo” em que mistura atletas, atrizes, cantores e apresentadores extremamente populares, como Giba, Daniele Winits, Juliana Knust, Marcelo D2, Toni Garrido, Luciano Huck e Paulo Bonfá, envolvidos em uma O grande desafio para a Olympikus manter a sua liderança no mercado interno e conseguir crescer as suas vendas no mercado internacional é mostrar sua adequação à mistura de esporte e moda, ✱ Para contratou o estilista Alexandre Herchcovitch para desenhar os série de esportes criados especialmente para os comerciais: VôleiFute, BeatVôlei e SocoVôlei. Além disso, a marca se tornara patrocinadora oficial dos Jogos PanAmericanos de 2007, no Rio de Janeiro, além de já ter renovado o seu contrato para continuar sendo a fornecedora oficial de material esportivo para o Comitê Olímpico Brasileiro e para diversos outros países da América Latina. Essas ações tinham como objetivo tornar a Olympikus a marca número 1 na América Latina até 2008. ESPM 8. QUESTÕES uniformes dos atletas brasileiros. ❖ Quais os possíveis caminhos para a Olympikus não enfrentar as marcas internacionais? ESPM ❖ É possível replicar a estratégia da Olympikus em outros produtos de consumo com concorrentes globais? ❖ Caso você fosse empresário do setor calçadista, qual caminho seguiria: desenvolver marca própria ou produzir tênis com marca de terceiros? ❖ É possível ter uma marca de tênis brasileira com atuação global, como propõe a Olympikus? AUTOR Fotos: arquivo Olympikus TIAGO PINTO 120 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 Formado em Administração pela PUC/ RS, especialização em marketing pela PUC/RS, especialização em marketing esportivo pela New York University e Mestrado em Gestão empresarial pela UFRGS. Leit ura RECOMENDADA PAULO BARALDI Gerenciamento de Riscos JEFFREY GITOMER Editora Campus/Elsevier Rio de Janeiro, 2005 248 p. – R$ 49,00 A Bíblia de Vendas Editora M. Books São Paulo, 2005 370 p. – R$ 75,00 Empresas e vendedores estão sempre à procura de “milagres”, técnicas e métodos comprovados que proporcionem aumento nas vendas e fidelização de clientes. Muitas dessas informações estão disponíveis nesse livro de Jeffrey Gitomer – considerado um dos melhores treinadores de vendas da atualidade. A Bíblia de Vendas é um bom livro para se ter sempre por perto para consulta. O próprio autor sugere que não se trata de um livro de estante: “Leia-o de capa a capa” ou “abra-o em qualquer página e aprenda o que você precisa no momento”, ou mesmo “use-o a partir do minuto em que lê”. Com abordagem geralmente objetiva e dicas criativas e bemhumoradas – além de ferramentas e técnicas que mexem com a cabeça – esse best seller tem ajudado muitas pessoas a enfrentar o desafio de vender e conquistar o sucesso. Numa aula intensiva, Jeffrey Gitomer ensina as regras e os segredos para que o leitor se torne um “Homem de Vendas”, além de oferecer respostas para questões como “por que os representantes de vendas fracassam?” e “você nasceu para vender?” Para o vice-presidente de vendas da Unishippers Cincinnati/Dayton, Jeff Williams, “A Bíblia de VENDAS ilumina o mundo das vendas”. Jeffrey Gitomer conduz mais de 150 programas de treinamento e reuniões de vendas anualmente para empresas como a IBM, AT&T, Coca-Cola, Hotéis Hilton e Siemens. É autor da coluna “Sales Moves”, publicada em 85 jornais e revistas dos EUA e Europa. 122 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E SYLVIA CONSTANT VERGARA Métodos de pesquisa em administração Editora Atlas São Paulo, 2005 288 p. – R$ 38,00 Teoria e método são interdependentes. Ambos buscam realizar o objetivo da pesquisa, oferecendo resposta ao problema que suscitou investigação. Embora conscienteda relação teoria/ método, este livro elege o método e apresenta alguns postos à disposição do pesquisador. A separação da teoria dá-se aqui apenas para fins didáticos. Trata-se de um livro prático, estruturado em 22 capítulos, cada um deles apresentando um método diferente, por ordem alfabética. De cada método são explicitadas as palavras-chaves, características principais, como utilizá-lo, além de exemplos de uso em pesquisas já publicadas. Na seção sobre como utilizar, são apresentados passos básicos e recomendações operacionais para o leitor. Sylvia Constant Vergara é doutora em Educação pela UFRJ, mestre em Administração pela Ebape/ FGV, pedagoga pela UFRJ, com estágio na Beckman High School. 2005 Gerenciamento de riscos empresariais tem sido uma especialidade complexa na administração das empresas no exterior e, mais recentemente, no Brasil. Mas quais são exatamente os riscos empresariais? São todos os eventos que impedem a empresa e as pessoas que nela trabalham de ganhar dinheiro e respeito e que podem levála à falência. Cada vez mais as empresas têm investido tempo e recursos no desenvolvimento e implementação do gerenciamento de riscos, buscando sempre as melhores práticas administrativas. Metodologias como Balanced Scorecard, Estratégia Seis Sigma, Gestão do Conhecimento, Teoria das Restrições, Reengenharia, Qualidade Total e outras têm sido aplicadas com sucesso, ou não, nas empresas. Algumas delas utilizam uma visão mais holística, mas a maioria não. Os riscos, as oportunidades e os controles inteligentes têm sido pouco abordados. O livro reúne as visões e metodologias globais customizadas com o propósito de fornecer soluções abrangentes. A customização considera que as soluções e ferramentas sejam integradas, inter-relacionadas, priorizadas e constantemente melhoradas. E a concorrência local e internacional exige cada vez mais isso, fazendo com que o bom-senso e a valorização das pessoas imperem. Paulo Baraldi estudou criminologia e psiquiatria em Bruxelas, e em Anvers (França). Seguindo o método terapêutico para crianças psicóticas de Françoise Dolto, teve sucesso na elaboração teórica de sua experiência, usando também ensinamentos de Jacques Lacan. AMÁLIA SINA Mulher e Trabalho: o desafio de conciliar diferentes papéis na sociedade RICARDO BELLINO Editora Campus/Elsevier Rio de Janeiro, 2005 216 p. – R$ 39,00 Em seu segundo livro, o empresário Ricardo Bellino usa a lenda da sopa de pedra como uma metáfora da transformação de obstáculos em vitórias. O autor considera-se um especialista em fazer sopa de pedra. Aos 21 anos, sem dinheiro e sem ter ninguém que o introduzisse no mundo dos negócios, teve a idéia de trazer para o Brasil a agência Elite Models e o mais badalado concurso de modelos do mundo. Graças à iniciativa e capacidade de transformar idéias em negócios de sucesso, tornou-se sócio de John Casablancas na filial brasileira da célebre agência, que tinha em seu cast nomes como Cindy Crawford e Naomi Campbell e lançou a brasileira Gisele Bündchen. O livro também fala de um – agora lendário – negócio de mais de US$ 200 milhões – o Villa Trump – fechado entre o milionário americano e Bellino, um case único no mundo empresarial, aqui exposto em detalhe. O autor também analisa a trajetória de sucesso de pessoas ilustres e os homenageia como grandes mestres da arte de fazer sopa de pedra e que encarnaram, na prática, os preceitos para a prosperidade e o sucesso contidos na lenda. Ricardo Bellino é presidente e deal maker da Trump Reality Brazil S. A., e é o primeiro parceiro comercial do megaempresário americano Donald Trump, fora dos Estados Unidos. Editora Saraiva São Paulo, 2005 232 p. – R$ 45,00 MARTINHO ISNARD RIBEIRO DE ALMEIDA/ BENNY KRAMER COSTA Nunca se exigiu tanto da mulher como nos dias de hoje. Logo pela manhã, já tem de estar bem, se preparar para ser vista, admirada, julgada, às vezes preterida, cobiçada, amada entre outras tantas coisas. A própria mulher não se aceita sem tentar obter o que é melhor para si. Tem uma noção clara do que é bom e do que é duradouro. Recentes pesquisas demonstram que apesar de realizada com os seus vários papéis na sociedade, a nova mulher está insatisfeita ou até infeliz. Em seu novo livro, Amalia Sina procura tratar o tema do ponto de vista da mulher e seus anseios, passando pelos interesses da sociedade, chegando aos interesses do empresariado e até do governo. Estratégia – direcionando negócios e organizações Editora Atlas São Paulo, 2005 240 p. – R$ 42,00 Este livro origina-se dos congressos internacionais da Sociedade Latino-Americana de Estratégia realizados em 2002 e 2003, respectivamente em Montevidéu (Uruguai) e Lima (Peru). Desses eventos foram selecionados os melhores trabalhos de autores brasileiros apresentados e complementados por estudos de outros pesquisadores. Os doze capítulos foram elaborados por professores, pesquisadores e consultores com experiência nos assuntos abordados. A busca frenética pelo equilíbrio é o seu maior desafio. Qualquer que seja a área de atuação, a nova mulher procura se informar de todas as tendências, não se descuidando de quase nada. Trata de sua beleza, busca conhecimento, estudos, aperfeiçoa idiomas, investe em roupas, treinamentos, um sem-fim de atividades utilitárias. Isso tem um preço, que ela paga sem pedir recibo. Assim caminhando, vai conquistando e deixando para trás os desafios. Tem clara a noção de que não há bônus sem ônus. A obra tem como foco inicialmente os aspectos estratégicos relacionados a cenários, tendências e internacionalização. Em seguida discute questões inerentes ao planejamento e à formulação de estratégias, bem como à análise de estratégias em áreas funcionais e no mundo eletrônico. E finaliza o texto com alguns temas especiais no campo estratégico. Amalia Sina é graduada pela Escola Superior de Administração de Negócios/FEI, pós-graduada em Marketing e Gestão pelo Triton College, em Chicago, e tem o MBA em Marketing da FEA/USP. Vem atuando em empresas nacionais e internacionais e foi professora de Marketing da ESPM. É co-coordenadora do Fórum de Varejo da Fundação Getulio Vargas. Benny Kramer Costa é doutor em Administração pela FEA-USP e membro da Sociedade LatinoAmericana de Estratégia (Slade). Martinho Isnard Ribeiro de Almeida tem mestrado e doutorado pela FEA-USP, onde atualmente é professor e consultor. M A R Ç O / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM Fotos Júnior de Oliveira Sopa de Pedra – 10 ingredientes para você criar sua receita de sucesso 123 Leit ura RECOMENDADA MARCOS FAVA NEVES/ LUCIANO THOMÉ E CASTRO COORDENADOR: EDUARDO VASCONCELLOS Administração de Vendas – planejamento, estratégia e gestão Competitividade e Negócios Eletrônicos – experiências de empresas brasileiras Editora Atlas São Paulo, 2005 216 p. – R$ 39,00 MARIO PERSONA O papel do vendedor tem mudado com a crescente exigência dos clientes e da concorrência. Espera-se hoje um consultor de negócios ao invés de um simples entregador de produtos ou “tirador de pedidos”. No entanto, para conseguir de fato mudar a atuação comercial de uma empresa neste sentido, é necessário repensar pontos cruciais de gestão de vendas. Marketing de Gente Editora Futura São Paulo, 2005 192 p. – R$ 25,00 A competitividade e as exigências no mercado de trabalho têm valorizado cada vez mais os profissionais que visualizam a sua carreira e a sua vida pessoal como um executivo de marketing enxergaria o seu produto e serviço. Daí a necessidade constante de atualização para rever ações e estratégias para descobrir novos nichos, e a flexibilidade na adaptação às mudanças que estão ocorrendo num ritmo frenético. São essas as posturas destacadas nesse livro. Por meio de crônicas e situações vivenciadas por ele ou por amigos, o autor amplia a discussão sobre conceitos como gestão de carreira, inovação, criatividade, reinvenção, aprendizado contínuo e senso de oportunidade. Com exemplos recentes, trata da difusão de comunidades como o Orkut e dos blogs na Internet e quanto a falta de bom-senso na divulgação das informações pode causar dissabores na carreira, citando que um rapaz em seu “blog” fez um comentário sobre a empresa em que trabalhava, mas o que era para ficar restrito ao seu círculo de amigos ganhou domínio público – pela força da Internet – chegando aos ouvidos do diretor da empresa. Sem recorrer a fórmulas mágicas, o autor procura mostrar quanto as empresas precisam focar nos seus recursos humanos para atingir os seus objetivos e também por que as pessoas precisam dar a devida importância para o marketing pessoal. 124 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L Luciano Thomé e Castro é mestre em Administração de Vendas pela FEA/USP, com especialização em Vendas na Alemanha, onde atuou como pesquisador visitante do Departamento de Novas Mídias, da Universidade de Kiel. Com textos que oferecem diferentes exemplos de técnicas de gerenciamento aplicadas aos negócios eletrônicos, este livro versa sobre o mundo da tecnologia da informação, para demonstrar como os negócios eletrônicos tornaram-se ferramenta essencial para a competitividade, ou seja, um instrumento adicional para agregar valor ao negócio. Um grupo heterogêneo de organizações e temas de análise foi selecionado. O caso da Ford do Brasil foi utilizado para estudar o fenômeno da adoção do ebusiness pelas montadoras. O estudo focalizou a seleção do melhor arranjo organizacional para a unidade coordenadora dos negócios eletrônicos. A estrutura organizacional como diferencial competitivo em negócios eletrônicos foi estudada em uma empresa familiar, nacional, do ramo de serviços: a Investware Tecnologia e Marketing, voltada para sistemas de relacionamento com clientes. Pesquisa semelhante foi realizada na subsidiária Telefonica. O caso da Microsiga focaliza o papel de parcerias estratégicas na realização de negócios eletrônicos. O estudo da EverSystems mostra como uma empresa da área de negócios eletrônicos pode realizar um plano estratégico de tecnologia que possibilite tratar o componente tecnológico como fator impulsionador da competitividade. A Bolsa Eletrônica de Compras do Estado de São Paulo foi estudada e sua efetividade analisada. Os focos do estudo formam o arranjo institucional, a forma de operação e a estrutura de suporte. Marcos Fava Neves é engenheiro agrônomo, doutor em Administração de Empresas pela FEAUSP. Fez cursos de pós-graduado na França e na Holanda. Professor da FEARP-USP. Eduardo Vasconcellos, coordenador da obra, é graduado e doutor em Administração pela FEAUSP e Master of Management pela Vanderbilt University (EUA). ESPM Este livro baseia-se em trabalhos de planejamento e gestão de vendas em grandes empresas brasileiras e pesquisas nacionais e internacionais dos autores. Apresenta uma seqüência estruturada de decisões cruciais na área, algumas envolvendo o entendimento das necessidades de um cliente, o papel estratégico de vendas no esforço de marketing da empresa, a análise da concorrência em vendas, o tamanho de uma equipe de vendas, a questão do uso de representantes comerciais autônomos, a definição de um plano de remuneração em vendas, o uso de tecnologia de informação, o desenho de gerenciamento de territórios, a contratação, treinamento e controle dos vendedores e dos resultados de vendas. São pontos que irão influenciar o comportamento de uma equipe de vendedores e, por fim, o desempenho de toda a empresa. Mario Persona é autor de vários livros e é também professor e consultor de comunicação e marketing em diversas empresas e universidades. D E Editora Atlas São Paulo, 2005 160 p. – R$ 38,00 2005 Sumário EXECUTIVO O Brasil e sua imagem no exterior ROBERTO GIANNETTI DA FONSECA pág. 22 Neste artigo o autor defende a necessidade de se promover a boa imagem do país no exterior, pelas vantagens políticas e econômicas que uma boa imagem acarreta. Mas alerta também para a necessidade de uma autocrítica rigorosa, definindo as nossas forças e fraquezas. Nossa imagem no exterior está associada a fatores como o carnaval, praias, futebol e cordialidade. Mas, embora positivos, esses fatores não possuem substância econômica. Neste sentido, o autor cita o trabalho de inúmeros órgãos públicos e privados que contribuem para atrair mais turistas e investimentos. 126 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E O artigo cita, em seguida, inúmeros exemplos de grandes eventos culturais, esportivos, turísticos e comerciais que poderiam ser utilizados para reforçar, cada vez mais, a nossa imagem. E conclui dizendo que o objetivo final será sempre a ênfase nos excelentes produtos que exportamos, desde calçados até aeronaves regionais. Nossa agência internacional CLAUDIA PENTEADO pág. 28 A FischerAmérica é a única agência de propaganda brasileira presente em nove países – todos na América Latina. A empresa é parte da holding Totalcom, o que facilitou o desenvolvimento da rede através do aporte de tecnologia e 2005 know-how às agências. Eduardo Fischer fundou sua agência em São Paulo, em 1977. Em 1990, a conquista da conta de US$ 60 milhões da cervejaria Brahma precipitou a implantação do conceito da Comunicação Total, que a agência vinha desenvolvendo há algum tempo: um mix de serviços utilizados para atender o cliente em todas as suas necessidades. O processo de expansão pela América Latina começou em 1995, com o início do projeto de internacionalização da marca Brahma. Inicialmente, a FischerAmérica realizou concorrências para encontrar agências parceiras na Venezuela e na Argentina. Financeiramente, o projeto atingiu o break-even em alguns mercados. Só na Argentina, a agência mostra lucros e, no México, a agência investiu sem obter retorno. Fischer afirma que este pode ser um pro- Orivaldo jeto para seus netos e lembra que nenhuma rede internacional se estabeleceu em tão pouco tempo, em qualquer lugar do mundo. “O brasileiro não está acostumado com a espera, mas é preciso, além de competência, paciência.” Hoje, a FischerAmérica está presente nos mercados de Venezuela, México, Colômbia, Argentina, Costa Rica, Guatemala, Honduras e El Salvador. Foco na Geração Z: entendendo o consumidor adolescente brasileiro em 2004 marca chega ao mercado financeiro 1977 e 1994 estavam na adolescência, portanto, entrando em cena como consumidores ativos. Composta por 58 milhões de brasileiros, ou seja, uma entre cada três pessoas faz parte deste grupo. Nascidos em um mundo onde as imagens e as mensagens são apresentadas em janelas, de forma fragmentada, por meio de diferentes tecnologias, para consumo rápido e que, de uma forma igualmente veloz, torna-se obsoleta. ARMANDO LEVY pág. 80 O sistema financeiro brasileiro vive momentos controversos. Os grandes bancos do país apresentam uma lucratividade assombrosa, projetando a imagem de instituições sólidas, modernas e competitivas. Mas boa parte dessa lucratividade está atrelada às taxas de juros que o governo brasileiro é obrigado a praticar para girar a dívida pública. Com a evidente tendência de redução dessa taxa já em desenvolvimento, o mercado financeiro brasileiro deverá ver acirrada a competição e retomado o processo de concentração. Para alguns bancos, a opção pela sobrevivência com lucro poderá se dar através de ações de terceirização de marca, como as verificadas nas indústrias de moda e alimentação. ESPM O contexto que envolve os adolescentes brasileiros é ao mesmo tempo triste e fascinante. Triste pela fugacidade das coisas que o cercam, fascinante, pois levará gerentes de marketing e publicitários a criar estratégias e a utilizar táticas inovadoras, ou não conseguirão atingir seu público. AMYRIS FERNANDEZ pág. 54 Em 2004, as pessoas nascidas entre Banco de Marca A terceirização de M A R Ç O O. Gallasso / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 127 ENGLISH Abstracts Brazil and its external image entrance of more tourists and investments. ROBERTO GIANNETTI DA FONSECA The article goes on to enumerate examples of significant events in the areas of culture, sports, tourism and business which may successfully be mustered to enhance the country’s image. Summing up, it states that the final objective will always be to put emphasis in the excellence of the products Brazil exports, from shoes to medium-range aircraft. pagE 22 The author initiates saying that the construction of a good external image is vital for any nation, since this is a source of political and economic advantages. In order to do that, however, it is essential to objectively evaluate strengths and weaknesses. Brazil’s external image remains associated with icons such as carnival, beaches, soccer and friendliness. Even if they are benign, these elements lack economic substance. In this context, the author describes the work developed by public and private institutions aimining at stimulating the 128 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E Our international agency CLAUDIA PENTEADO pagE 28 FischerAmérica is the only 2005 Brazilian advertising agency which operates in nine Latin American countries. The agency belongs to Totalcom, a holding. Eduardo Fischer founded it, in 1977. In 1990, with the conquest of the US$ 60-million Brahma account, the agency improved and developed a concept of Total Communication: a mix of services which aim at covering all clients’ needs in the area of market communication. The expansion project began in 1995, with the exporting of the Brahma brand to other markets in Latin America. FischerAmerica started with partner agencies in Argentina and Venezuela. Presently, the project results break even in some of the markets, show a profit in Argentina and losses in Mexico. Fischer, however, is set on his goals, pointing out that no international network of agencies Orivaldo established itself in such short time: “Brazilians are not much used to waiting; but, in this business you need to have patience, besides competence”. FischerAmérica is present in Venezuela, Mexico, Colombia, Argentina, Costa Rica, Guatemala, Honduras and El Salvador. pagE 54 In 2004, people born between 1977 and 1994 could be Branded banking. Brand management by Focus on generation Z: understanding Brazil’s teenager consumer in 2004 AMYRIS FERNANDEZ delegation arrives in the financial market considered adolescents, and thus entering the market as active consumers. This population group comprises 58 million persons, or 1 in 3 Brazilians who were born to a world where images and messages are presented in windows, in fragmented forms, through different technologies, to be quickly consumed – and which, almost just as fast, become obsolete. The context surrounding Brazilian teen-agers is, at once, sad and fascinating. The sadness arises from the ephemerous nature of almost everything, whereas the fascination – from the marketing professional’s point of view – stems from the need to create innovative strategies and tactics in order to effectively reach this segment of the public. M A R Ç O O. Gallasso ARMANDO LEVY pagE 80 The Brazilian financial system is living controversial times. The big banks show tremendous profitability, and project an image of solid, modern and competitive institutions. But a good slice of these fat profits is the result of high interest rates paid to them by the Brazilian government, trying to administer its internal debt. As this source of income diminishes, the financial market in Brazil is due to review its competition rules, and – eventually – evolve to a new centralization. For some institutions, the option to keep profits high may go through actions of brand-franchising, as it happened in the areas of fashion and fastfood. ESPM / A B R I L D E 2005 –REVISTA DA ESPM 129 Ponto de Vista CONSIDERAÇÕES SOBRE COMPETITIVIDADE DO BRASIL A tendem a possuir vantagens comparativas, competitividade, na produção agrícola. Por outro lado, países com abundância de mão-deobra tendem a ter vantagem comparativa na produção de bens intensivos no fator trabalho. Esta é a situação da China. Já países onde o fator capital é relativamente abundante, como os EUA, têm vantagens no que se refere à oferta de bens e serviços capital-intensivos. noção de competitividade é freqüentemente mencionada no debate sobre políticas públicas no Brasil e no exterior. Certas abordagens tratam da competitividade como um índice que resume vários fatores, como o ambiente de negócios, determinantes para a atratividade de certo país como destino de investimentos estrangeiros. Nossa carga tributária relativamente elevada reduz a competitividade sob esta ótica. Outra visão afirma que países são mais competitivos na produção de certos bens ou serviços quando usam menos recursos na produção do que em outros. Esta noção é facilmente aplicada no que se refere à produção agrícola, usando o critério de rendimento por hectare, e corresponde, grosso modo, ao que os economistas denominariam de “vantagens comparativas absolutas”. Mas o comércio internacional é regido por um conceito mais sutil, o de “vantagens comparativas relativas”, segundo o qual as trocas entre dois países refletem os termos de troca internos e não apenas as diferenças de custo de produção internacionais. Em um mundo “liberal” hipotético, no qual as dotações de fatores de produção estão dadas, e livre comércio internacional, o Brasil importaria tecnologia e produtos trabalho-intensivos dos EUA e da China, respectivamente, e exportaria produtos agrícolas e de extração mineral a estes países. Esta organização espacial da produção tenderia a maximizar o bem-estar econômico das diversas regiões. Ocorre que estamos muito distantes dessa realidade: o comércio internacional, especialmente de produtos agrícolas, não se dá sob normas liberais, e dotações de fatores de produção mudam com o tempo. Por exemplo, o Japão passou de país exportador de produtos trabalhointensivos, com baixa densidade tecnológica, na virada do século 19/20, para um dos maiores centros no desenvolvimento e exportação de produtos capital-intensivos na Vantagens comparativas refletem as dotações naturais de cada região. Assim, países que possuem ampla disponibilidade de terras agricultáveis, com relativa escassez de mão-de-obra por hectare, Fábio Barbosa – Presidente do Banco Real ABN-AMRO 130 REVISTA DA ESPM– M A R Ç O / A B R I L D E 2005 FÁBIO BARBOSA virada do século 20/21. Mudanças semelhantes parecem estar ocorrendo em outras regiões da Ásia. Atualmente, a composição de nossa pauta de exportações (50% produtos básicos e semi-elaborados, 50% produtos manufaturados) é típica de uma transição incompleta. Dada nossa dotação natural de fatores de produção, é provável, e desejável, que produtos básicos tenham um papel permanentemente mais importante no Brasil do que em países como Japão e Coréia. Se quisermos avançar na escala de valor adicionado, será preciso aumentar a qualificação da nossa mão-de-obra (esta ainda passa menos tempo na escola que trabalhadores argentinos ou chilenos, sem falar daqueles localizados em países avançados, ou em rápido desenvolvimento, como os asiáticos). Ademais, seria importante obter maior retorno, em termos de pesquisa tecnológica de ponta, do que temos obtido até aqui, se compararmos com países como Índia e China. O montante total gasto em educação pública não parece ser insuficiente, levando-se em conta os três níveis de governo, mas o foco e a eficácia parecem inadequados, afetando a competitividade brasileira. Precisaremos, cada vez mais, ser competitivos internacionalmente. O caESPM minho é a educação.
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