FLORES,Vinicius Martins

Transcrição

FLORES,Vinicius Martins
Planejamento didático para o ensino de Surdos na perspectiva bilíngue.
Vinicius Martins Flores
Universidade Luterana do Brasil – ULBRA
Resumo:
O presente trabalho apresenta uma análise, que se originou a partir de um estudo
bibliográfico e observação das práticas de ensino dos discentes de cursos de extensão
universitária de formação de professores para o ensino de surdos. Foi realizada a
observação do período de estágio, sendo que os professores estagiários cumprem um
período de dez horas de observação, dez horas de planejamento orientado e vinte horas
de prática em escolas inclusivas e/ou para surdos no Estado do Rio Grande do Sul, nas
séries iniciais do Ensino Fundamental. O objetivo do estudo foi de apontar e reafirmar o
processo bilíngue dos materiais didáticos, bem como saber de que forma os professores
estagiários os perceberam durante o processo de ensino-aprendizagem nas suas práticas.
Sendo a disciplina de Didática e Tradução proposta pelo curso de formação que fornece
a base para o planejamento, pensando no espaço bilíngue e o uso de materiais nas suas
diferentes formas, os quais podem ser: material didático em Libras; ou uso de Intérprete
de Libras; ou via Youtube e mais comumente por meio do próprio professor. A partir
dessa análise e dos levantamentos bibliográficos, percebe-se a importância do docente
ouvinte conhecer o bilinguismo em suas formas para poder utilizar um material
traduzido em sua dinâmica em sala de aula e ter um planejamento que atenda as
necessidades de ensino e seus objetivos. Como resultado, apresento novos
questionamentos sobre o processo de formação do professor e a confecção de materiais
didáticos que chegam as escolas para uso dos docentes envolvidos na educação de
surdos.
Palavras-Chave: Planejamento – Libras – Bilinguismo
Introdução
Pensar no ensino para surdos exige compreender o ensino na sua dimensão
linguística além de conhecer o sujeito está inserido no espaço social. Ou seja, pensar a
Educação de Surdos é pensar que o sujeito permeia dois espaços de grande diferença,
por envolver línguas de modalidades distintas. Devemos analisar a Lei de oficialização
da Libras no Brasil:
Art. 1o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a
Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela
associados.
Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a
forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza
visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema
lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de
pessoas surdas do Brasil.
Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais - Libras não poderá substituir
a modalidade escrita da língua portuguesa. (LEI Nº10.436, 2002)
Reconhecendo que as línguas envolvidas no processo de planejamento de ensino
do discente surdo é a Língua Brasileira de Sinais na forma sinalizada e Língua
Portuguesa na modalidade escrita. Assim começo a apresentar um recorte de pesquisa
realizada nos estágios obrigatórios do curso de Formação de Professores para o Ensino
de Surdos de extensão universitária da Universidade Luterana do Brasil, situada na
cidade de Canoas/RS, a qual proporciona uma formação continuada para professores em
formação acadêmica ou já licenciados com duração de 430 horas de curso presencial
com estágio obrigatório de 40 horas em escolas inclusivas ou especiais para surdos.
Metodologia
O estudo teve início com leituras, contato com os docentes do curso de formação
de professores para o ensino de Surdos durante e após a disciplina de Tradução e
didática.
A pesquisa é de cunho bibliográfico e observante. Utilizei como ferramentas de
coleta de dados a observação das orientações de estágio e conversas informais.
[...] a observação ocupa lugar de destaque nas novas abordagens de pesquisa,
sendo muito útil para que se descubram aspectos novos de um problema. [...]
Desempenha papel importante não apenas nas atividades cientificas, mas
também em diversas atividades humanas. (FURTADO, 2008, p.34)
As observações foram realizadas durante o período do estágio no ato das
orientações, buscando compreender o planejar de cada orientando e do processo de
criação das aulas, que foram aplicadas em escolas de Surdos e em escolas inclusivas.
Completando dessa forma a análise do tema pesquisado com referencial teórico
embasado na realidade presenciada através do decorrer da pesquisa.
Planejamento e Bilinguismo
A disciplina de Didática e Tradução, que serve de base para a discussão do
presente artigo, apresenta temas que se interligam para um planejar didático para o
ensino de Surdos nos espaços acadêmicos nos seus diferentes níveis, sempre pontuando
a necessidade de compreender o bilinguismo e sua complexidade, conforme Quadros
(1997):
O bilinguismo envolve a competência e o desempenho em duas línguas,
podendo ser individual ou grupal. Diglossia envolve uma situação linguística
em que duas línguas estão em relação de complementariedade, isto é, uma
língua é usada em determinadas ocasiões em que outra não é usada. O
bilinguismo e a diglossia podem ocorrer simultaneamente. [...] Parece que a
língua portuguesa é usada pelo surdo somente em situações que exige o
contato com pessoas ouvintes e para leitura e escrita. A língua de sinais, por
outro lado, é usada entre os surdos preferentemente em ocasiões informais.
(QUADROS, 1997, p. 31)
Temos que não pensar somente no surdo, que é discente nesse processo, mas
também no professor ouvinte que por sua vez deve ser bilíngue.
Tentando buscar encontrar o “bi(multi)lingüismo” em meio a tantos
desencontros, percebe-se que estamos diante de grupos sociais que utilizam
diferentes línguas em diferentes contextos, em diferentes espaços.
Bilingüismo, então, pode, entre tantas possíveis definições, assim ser
definido: o uso que as pessoas fazem de diferentes línguas (duas ou mais) em
diferentes contextos sociais. Aqui já temos uma relativização do “bi” em
bilingüismo, uma vez que genericamente o termo é usado para se referir ao
uso de mais de uma língua, apesar de haver o uso do termo “multilingüe”
neste sentido. (QUADROS, 2005, p. 26-36)
Percebe-se que o entendimento do que é ser bilíngue perpassa por várias
situações que permeiam os estudos linguísticos e educacionais, mas que é necessário
compreender que o planejar uma aula é estar em contato com duas línguas de
modalidades e estruturas diferentes.
Conhecer a Libras não é o suficiente, porém manter a comunicação é sim de
grande importância, embora por si só não garanta o aprendizado do aluno surdo, visto
que os materiais didáticos são publicados em língua portuguesa escrita, faltando acesso
para os discentes surdos, obrigando que os mesmos leiam em segunda língua o material
explanado em primeira língua.
Dessa forma o planejar é de extrema importância, visto que
O planejamento é um processo de racionalização, organização e coordenação
da ação docente, articulando a atividade escolar e a problemática do contexto
social. A escola, os professores e os alunos são integrantes da dinâmica das
relações sociais; tudo o que acontece no meio escolar está atravessado por
influências econômicas, políticas e culturais que caracterizam a sociedade de
classes. Isso significa que os elementos do planejamento escolar – objetivos,
conteúdos, métodos – estão recheados de implicações sociais têm um
significado genuíno politico. (LIBÂNEO, 1994, p. 222)
Pensar o planejar como algo que deve ser bilíngue é rever o processo
por duas esferas linguísticas, sendo uma na língua do aluno surdo e outra por
nossa língua, oportunizando assim que o envolvimento do aluno se construa
nesse espaço bilíngue e de aprendizagem cultural.
Dentre a lista de funções apresentadas por Libâneo (1994), destaco dois
itens que vem colaborar com nosso enfoque, que são o:
Assegurar a unidade e a coerência do trabalho docente, uma vez que torna
possível inter-relacionar, num plano, os elementos que compõem o processo
de ensino: os objetivos (para que ensinar), os conteúdos (o que ensinar), os
alunos e suas possibilidades (o que ensinar), os alunos e suas possibilidades
(a quem ensinar), os métodos e técnicas (como ensinar) e a avaliação, que
está intimamente relacionada aos demais. [...] Facilitar a preparação das
aulas: selecionar o material didático em tempo hábil, saber que as tarefas
professor e alunos devem executar, replanejar o trabalho frente a novas
situações que aparecem no decorrer das aulas. (LIBÂNEO, 1994, p. 223)
Análise e discussão dos dados
Analisar a observação e as conversas de orientação possibilita abrir várias
discussões relacionadas a formação continuada de docentes para o ensino de surdos.
Procuro focar nos materiais didáticos e o planejar bilíngue, nessa perspectiva, tendo
como vivência neste projeto que o planejar uma aula bilíngue é tarefa artesanal, no
sentido de que o professor não consegue com facilidade materiais complementares para
compor uma aula de português ou matemática, visto que os materiais disponíveis são
impressos na língua portuguesa escrita e os sites especializados em Libras não possuem
uma variedade de jogos nos diversos conteúdos, assim como acontece por exemplo na
língua Inglesa.
Como a função é orientar a prática, partindo das exigências da própria
prática, ele não pode ser um documento rígido e absoluto, pois uma das
características do processo de ensino é que está sempre em movimento, está
sempre sofrendo modificações face às condições reais. (LIBÂNEO, 1994, p.
223)
O ato de planejar como apresentado por Libâneo (1994) fomenta que devemos
ser flexíveis com o planejar, de poder construir a partir do que já é existente dos alunos,
que o material possa ser utilizado conforme as necessidades.
Um ponto importante das práticas de estágio foram os vídeos já existentes no
Youtube e em DVD com história e conto infantil. A maioria dos estagiários optou por
não utilizar visto desconhecerem a variação linguística ou por vezes porque as histórias
eram contadas sem dramatização, assim não contemplando as faixa etárias
correspondentes.
Resultados
Findar uma discussão dessa complexidade é inviável, por isso deixo meus
questionamentos, angústias, anseios e desejos. Após orientar, buscar alternativas de
planejamento contemplando o bilinguismo, percebe-se a escassez de materiais, criando
uma angústia por parte do docente que constrói materiais alternativos para suprir as
necessidades. Meu anseio e desejo é poder ver materiais bilíngues nas variedades e com
planejamento adequado para as faixas etárias adequadas, pois durante esse processo
percebe-se que foi o maior empecilho no ato da escolha dos materiais.
Concluo que o planejar bilíngue é algo recente, tendo como grande preocupação
a fluência da Libras, esquecendo que uma sala de aula é mais ampla e complexa que
apenas uma comunicação, envolve diferentes aspectos que finalizam no ensinoaprendizagem através de duas línguas em contato.
Referências
BRASIL. Lei nº. 10436, de 24 de abril de 2002.
FURTADO, Rita Simone Silveira. Surdez e a relação pais-filhos na primeira
infância. Canoas: Ulbra, 2008.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Editora Cortez, 1994.
QUADROS, R. M. de. O bi do bilingüismo na educação de surdos In: Surdez e
bilingüismo.1 ed.Porto Alegre : Editora Mediação, 2005, v.1, p. 26-36.
QUADROS, R. M. de. Educação de Surdos: Aquisição de linguagem. Porto Alegre:
ARTMED, 1997.