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Planeta
urbano
ERMINIA MARICATO
As cidades podem ser vistas através de
diversas lentes: como produto cultural e histórico, como palco de relações
sociais, como resultado de planos e regras urbanísticas ou como um conjunto de signos, entre outras abordagens.
cidades
cities
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Mostra Contemporânea Internacional > cidades | International Contemporary Program > cities
Ei, vizinho! Hey Neighbour!
Mas, sem dúvida, a mais importante e determinante
perspectiva da vida urbana é a lente que a concebe como
mercadoria. Embora sua existência tenha precedido o capitalismo, sua produção é um dos grandes negócios desse
modo de produção. O acentuado processo de urbanização,
na década atual e na anterior, pressiona os países que ainda mantêm grande parte de sua população no campo e
desafia qualquer proposta de sustentabilidade ambien13
ERMINIA MARICATO
Cities can be interpreted from
a number of perspectives: as a cultural and historical product, as the
stage of social relations, as the results of urban plans and rules, a set
of signs, etc...
However, no doubt, the most important and determining perspective of urban life is that which conceives it as merchandise. Although
cities have existed before capitalism,
the production of cities is one of the
greatest businesses of this mode of
production. The quick level of urbanization produced in the current and
past decades pressures the countries
that still have a large part of their
populations outside cities and challenges any environmental sustainability plan, because of the intense
construction of the buildings and
urban and economic infrastructure
required (required?) for the urbanization of increasingly consumerist
societies. This gigantic movement in
construction isn’t taking place only
in countries that only recently have
become more urban (like China and
India), but also in countries already
with a high rate of urbanization,
central capitalist countries, like the
United States and Spain.
The housing market booms that
changed the face of many cities
around the world in the turn of the
21st century is a vast theme for urban,
economic, social, cultural and certainly environmental analyses. Three
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tal, devido ao intenso processo de construção de imóveis e infraestrutura urbana
e econômica necessários (necessários?) à
urbanização de sociedades crescentemente consumistas. Mas esse gigantesco movimento de construção não se refere apenas
a países mais recentemente urbanizados
(China e Índia, por exemplo), mas também
a países que contam com alta taxa de urbanização, do capitalismo central (Estados
Unidos e Espanha).
As explosões do mercado imobiliário,
ao mudarem as faces de várias cidades do
mundo após a virada do século XXI, são
tema vasto não só para análises urbanísticas como também econômicas, sociais,
culturais, e, sem dúvida, ambientais. Três
dos sete filmes da Mostra que tratam do
URBANO têm o mercado imobiliário como
ponto central a partir do qual as consequências se multiplicam. São eles: Nação
Especulação (EUA/Espanha, 2014), Ei Vizinho! (Turquia, 2014), A Última Dança na
Avenida (Canadá, 2014). Poderíamos colocar nessa lista também o documentário
O Prefeito Chinês (China, 2014), com a ressalva de que o movimento insustentável
de destruição, construção, gentrificação,
expulsão, valorização imobiliária e semantização aqui tratados têm, na China, um
papel diferente do exercido em um país
capitalista. Mas será isso mesmo?
Abusando da forma resumida e esquemática nestas rápidas páginas, vamos classificar as explosões imobiliárias ocorridas
como “bolha” ou como “boom”. A bolha,
aqui, significa que o crescimento terminou
com estouro, atingindo toda a economia.
Muito desse movimento deve-se aos abusos das jogadas financeiras em que criam-se capitais fictícios descolados do lastro de
ativos que são os edifícios. A chamada crise
financeira deixou ¼ da população espanhola desempregada. O estouro da bolha
imobiliária resultou em mais de 400.000
execuções hipotecárias em quatro anos, interferindo, portanto, na vida de bem mais
de 1 milhão de pessoas.
O documentário Nação Especulação
mostra, em várias regiões do país, megaempreendimentos com mais de 30.000
unidades habitacionais (uma “cidade fora
da cidade”), aeroportos e obras de infraestrutura abandonados como se fossem lugares fantasmas. Por outro lado, milhares de
famílias enfrentam os despejos devido à incapacidade de pagar as hipotecas bancárias
de suas moradias.
O filme não se limita a mostrar esse
cenário aparentemente irracional (como
se não soubéssemos qual é a lógica que
conduz o capitalismo neoliberal), mas
felizmente concentra-se nas formas de
organização popular que buscam responder ao caos social e econômico criado pela
flexibilização nas regras de ocupação do
solo e das operações financeiras. O documentário assume, portanto, um partido
otimista: a resposta social é política, criativa e diversificada (lembrando de perto
o ocorrido na Grécia de 2014 e 2015). Os
movimentos sociais representados pelos
of the seven films in the festival that
talk about cities mention the real estate market as a central point from
which consequences multiply: Speculation Nation (USA/Spain, 2014),
Hey Neighbour! (Turkey, 2014) and
Last Dance on the Main (Canada,
2014). We could add The Chinese
Mayor (China, 2014), except that the
unsustainable movement of destruction, construction, gentrification, expulsion, housing boom and semantization in China plays a different role
when compared to a capitalist country. But is it the case?
With the risk of being excessively short or schematic, let us classify the housing market expansions
as “bubbles” or “booms.” “Bubble”
implies that the expansion ended
with a rupture, which impacts the
whole economy. A lot of that can be
blamed on the financial maneuvers
through which fictitious, non-asset-backed capital are created. The
financial crisis left one-fourth of the
Spanish population unemployed.
The burst of the housing bubble resulted in more than 400,000 mortgage foreclosures in four years, affecting the lives of way more than
one million people.
Speculation Nation is a documentary that shows, in many places
in Spain, megaprojects with more
than 30,000 units (a “city outside
the city”), airports and public works
that were abandoned, becoming
ghost towns. On the other hand,
thousands of families have to face
foreclosures because they were unable to pay for their homes.
Mostra Contemporânea Internacional > cidades | International Contemporary Program > cities
Urban planet
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Indignados, ou 15M, apresentam novas
formas de organização que têm surpreendido os teóricos de esquerda e fomentado
novas teses sobre as revoltas populares na
era da internet. Estrutura horizontal, sem
lideranças centrais, assembleias abertas,
cultura colaborativa, espaço público tomado como espaço comum autogovernado.
Os movimentos de moradia, como é o caso
do PAH - Plataforma de Afetados Pela Hipoteca – ocupam condomínios falidos, enfrentam os bancos e fazem fortes demandas ao Estado. Estamos no campo do que
apontou Boaventura Souza Santos: nem
só autonomia e nem só institucionalização, mas um pouco de ambos. É por isso
que tais movimentos estão revelando uma
geração de jovens que assumem, por meio
de eleições, o governo de cidades.
Mas o que pensar quando o movimento
de construção que despeja massivamente moradores de suas casas é dirigido por
um comunista? O documentário O Prefeito
Chinês mostra um dirigente do Partido Comunista Chinês escolhido, em 2008, para
administrar a cidade de Datong, capital da
China Imperial há 1.600 anos.
Datong é considerada a cidade mais
poluída do país; foi centro de exploração
de minas de carvão. Para recuperar a glória e o prestígio histórico da cidade e atrair
turistas, o prefeito planeja e inicia rapidamente as obras de reconstrução de quatro
muralhas e recuperação do centro antigo.
O problema é que seu plano exige deslocar
30% da população urbana. As megaobras e
a destruição avançam sobre 140.000 moradias (casebres ou apartamentos populares),
atingindo mais de 500.000 pessoas.
As relações entre o prefeito Geng
Yanbo, o Partido Comunista Chinês, os
empresários de construção e a população
removida (que buscava cercar o prefeito
com suas demandas, obtendo promessas
como resposta, numa relação tipicamente
populista) surpreendem pelos detalhes e
malabarismos revelados ou subentendidos. Muitos dos moradores eram convencidos a se retirarem sob o argumento da
ilegalidade da posse em um país onde o
Estado é o maior e quase absoluto proprietário (haja dialética)!
O Prefeito foi transferido repentinamente para Taiyuan quando as obras estavam em andamento. Sua saída provocou
manifestações populares de apoio e não
faltaram nem mesmo suas próprias lágrimas de frustração por precisar abandonar a missão no meio do caminho. Geng
deixou uma dívida de R$ 3 bilhões e 125
obras em andamento. Mas o documentário lembra rapidamente que, mais tarde,
em Tayuan, sua carreira de grande tocador
de obras foi potencializada.
O que essas experiências têm de semelhante, já que uma se dá em uma economia
liberal de mercado e a outra em um governo dito comunista, constituído a partir,
portanto, de um Estado centralizador? Responder a essa questão exige mais espaço e
certamente mãos mais hábeis. Com certeza,
o motor da experiência mostrada no docu-
was chosen in 2008 to administer
the city of Datong, the capital of Imperial China 1,600 years ago.
Datong is considered the most
polluted city in the country. It had
been a center for coal exploration.
To recover the glory and the historical prestige of the city and attract
tourists, the mayor quickly plans
and initiates the reconstruction of
four walls and the recovery of the
old center of the city. The problem
is that his plan demands evicting
30% of the urban population. The
megaprojects and the destruction advance over 140,000 homes
(shacks or popular apartments), affecting more than 500,000 people.
The relations between mayor
Geng Yanbo, the Chinese Communist Party, the construction companies and the removed population
(which surrounded the mayor with
demands, obtaining typical populist promises) are very surprising in
its overt or implicit juggling. Many
dwellers were convinced to leave
under the argument of the illegality of their ownership in a country
where the State is the largest (almost absolute) landowner (talk
about dialectics!).
The mayor was suddenly transferred to Taiyuan after the work had
begun. His departure produced popular demonstrations of support, and
he even cried in frustration for having to abandon the mission midway
through. Geng left a debt of U$750
million and 125 ongoing projects.
The documentary remembers that,
later, in Tayuan, his career as a great
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The film doesn’t simply display this
apparently irrational landscape — after all, we know the rationale behind
neoliberal capitalism —, but, fortunately, focuses on the forms of popular organization that seek to respond
to the social and economic chaos
generated by the flexibilization of the
rules for land use and financial operations. The documentary is, therefore,
optimistic: the social response is political, creative and diversified (which
reminded what happened in Greece
in 2014 and 2015). The social movements represented by the Indignados
Movement (or 15-M) introduce new
forms of organization that have been
surprising the left and produced new
theses on popular revolts in the age
of the internet. A horizontal structure with no central leaders, open
assemblies, a collaborative culture,
the public space as a shared, self-governed space. The housing movements
— such as PAH (the Platform for People Affected by Mortgages) — occupy
bankrupt condominiums, face the
banks and make strong demands to
the State. We are at the point highlighted by Boaventura Souza Santos:
neither autonomy nor institutionalization, a little of both. That is why
such movements are revealing a generation of young men and women
who are being elected for the governments of cities.
What can we say about a construction movement that massively
evicts people from their homes and
is directed by a communist? The
Chinese Mayor shows a leader of
the Chinese Communist Party that
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mentário chinês não está apenas na utopia
e carisma do prefeito. Nos últimos 10 anos,
a China provou que as megaconstruções
estão entre as vias preferidas no processo
de crescimento e na acumulação de capital
pelo Estado (como disse meu amigo André
Singer: um verdadeiro “Estado neoliberal”).
O “boom” imobiliário que impactou
Istambul, a principal cidade da Turquia, é
tratado no filme documentário Ei Vizinho!.
Edifícios-torres e condomínios coexistem
com casas simples, térreas ou sobrados
que, antes do “boom”, marcavam todo o
bairro. O filme entrevista os novos (e socialmente emergentes) moradores dos
condomínios, os moradores remanescentes do bairro e até mesmo um antigo morador que negociou a troca de casas pelo
apartamento em que vive atualmente.
Apesar da reiterada menção às amizades
entre vizinhos (que, aparentemente, não
existem no condomínio), às trocas solidárias, às brincadeiras das crianças nas ruas,
aos quintais e jardins que tendem a desaparecer com a nova tipologia de apartamentos e condomínios, o que se destaca
dessa transição do espaço urbano é a luta
de classes desvelada nas fissuras dos depoimentos. Para quem consegue ler, fica
implícito também o vantajoso negócio
realizado pelo capital imobiliário ao apropriar-se da renda imobiliária gerada a partir dos baixos preços do solo pagos pelas
casas simples do bairro popular. O filme
deixa de mencionar a violência criada pelas torres de apartamentos que passaram
a desafiar, na paisagem de Istambul, as
mesquitas ou monumentos centenários
dessa cidade milenar, o que gerou controvérsia internacional1.
A mudança de cenário promovida por
novos empreendimentos que apagam da
memória da cidade edifícios históricos
é o tema da animação de pouco mais de
3 minutos, A Última Dança na Avenida.
Atores, músicos, dançarinos, prostitutas e
transformistas uniram-se para impedir a
derrubada de um conjunto de casarões do
século XIX por um empreendimento imobiliário no multicultural Boulevard Saint
Laurent, em Montreal.
E já que a cidade é vista como negativa, ou ao menos constitui para alguns a
oposição principal à natureza, então vamos abandoná-la, ao menos por 9 meses.
Essa é a aventura que decide viver uma
família: pai, mãe, ambos médicos, três filhas com idades de 10, 8 e 4 anos, 2 gatos
e um cachorro. Eles mudam-se para uma
cabana em Yukon, sem estradas de acesso, sem energia, telefone, internet, água
encanada, relógios e, além de tudo, cercada por gelo ou neve (ou ursos) durante
o longo inverno. A mãe, Suzane Crocker,
planejou fazer o documentário dessa
experiência radicalmente inesquecível
para qualquer um deles: Todo o Tempo do
Mundo (Canadá, 2014).
Numa das muitas entrevistas que deu
a propósito dos prêmios que ganhou com
o documentário, Suzane destaca ter percebido agora como suas vidas são cercadas
class struggle that emerges from the
testimonials. For the most attentive,
the very profitable real estate capital
business of appropriating the profits
generated by the low prices paid for
the land of the popular neighborhood.
The film, however, doesn’t mention
the violence created by the towers of
apartments that began challenging,
in the Istanbul skyline, the mosques
and centennial monuments of this
millennial city, which produced a lot
of international controversy” 1.
The change in the landscape promoted by new projects that erase
historical buildings from the memory of the city is the theme of an animation of a little more than three
minutes, Last Dance on the Main.
Actors, musicians, dancers, prostitutes and transvestites gathered to
obstruct the demolition of a set of
19th-century houses by a real estate
project at the multicultural Boulevard Saint Laurent, in Montreal.
Since the city is seen negatively —
at least is understood as the main
opposite of nature —, what about
leaving it, at least for nine months?
This is the adventure that a family
decided to embark on: father, mother (both doctors), three kids (10, 8
and 4 years of age), two cats and a
dog. They moved into a cabin in Yukon, with no access roads, no energy,
no phone, no internet, no running
water, no clocks and, on top of that,
surrounded by ice or snow (or bears)
during the long winter. The mother,
Suzane Crocker, planned on making
a documentary of this radically unforgettable experience for every one
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propeller of construction work was
potentialized.
What do these experiences have
in common, since one takes place
in a liberal market economy and
the other under a supposedly communist government, that is, implemented by a centralizing State?
Responding to that requires more
space and certainly more skilled
hands. However, certainly, the driver of the experience depicted in the
Chinese documentary isn’t only the
utopia and charisma of the mayor.
In the last 10 years, China proved
that mega constructions are one of
the most favored strategies for the
State to grow and accumulate capital (as my friend André Singer puts it,
“a true neoliberal State”).
The housing “boom” that hit Istanbul, the main city of Turkey, was
addressed by the documentary Hey,
Neighbour!. Tower buildings and condominiums coexist with simple, one or
two-story buildings which, before the
“boom,” were the face of the neighborhood. The film interviews the new
(and socially-emerging) dwellers of
the condominiums, the remaining old
dwellers and even a man who traded
the exchange of houses for the apartment he currently lives in. Despite the
reiterated mention to the friendship
between neighbors (which, apparently does not exist in the condominium),
the solidarity, the children playing in
the streets, the front and backyards
— which tend to disappear with the
new model of apartments and condominiums —, what stands out in this
transition of the urban space is the
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de objetos e eventos para nos distrair e
ocupar o tempo. Na cabana, o tempo se
alonga, permitindo, assim, a experiência
de desconectar-se da vida urbana e conectar-se com cada membro da família e consigo mesmo.2
O oposto da ideia que orientou Todo o
Tempo do Mundo – o mergulho na natureza selvagem - orientou a animação de 21
minutos Auto-Fitness (Alemanha, 2015),
elaborada com técnica stop motion. Tempo é dinheiro e, nesse caso, conceitos como
competição, racionalização, repetição, rentabilidade e pressa são fundamentais. Os
seres humanos coisificam-se e movem-se
como produtos industriais em uma esteira
fordista. Aqui não há tempo para nada e as
tarefas da agenda fazem o mundo externo
parecer inexistente.
Finalmente, para completar a série, um
filme de ficção maravilhoso e atordoante.
A transição entre uma sociedade baseada
na produção agrícola, organização tribal
ou familiar e uma sociedade urbana de
mercado é o pano de fundo para a ficção
A Mudança (Quirguistão, 2014). Dos filmes
que compõem o segmento de “Cidades”
nesta mostra Ecofalante de 2016, ele é o
mais marcante. É perturbador perceber o
quanto um processo social, que é econômico e global, portanto de grande escala,
define os destinos de cada um em sua
aldeia, destruindo a harmonia existente
entre as pessoas e a natureza. O país é o
Quirguistão, pertencente à antiga União
Soviética, com menos de 5 milhões de ha-
bitantes, e com pouco poder para, como
nação, enfrentar as forças envolvidas na
sua integração no sistema global. É o único
país do mundo que tem, ao mesmo tempo,
uma base militar russa e outra americana.
Em quase três horas de filme, o diretor
Marat Sarulu nos conduz de um ponto de
partida poético, marcado por um intenso
equilíbrio entre pessoas e entre elas e o
meio ambiente, para uma completa falta
de saída. Os diálogos são parcos, apenas o
necessário é falado.
As cenas iniciais despertam a ancestralidade existente em cada um de nós:
um avô (ou o amigo do avô) com sua neta
num barquinho diminuto em um cenário
grandioso de água e montanhas. Vivem
em condições extremamente simples, na
beira do rio, sem água corrente ou energia
elétrica. Mas há uma evidente harmonia
entre eles e entre os amigos que compõem
uma comunidade local. Os movimentos
da água, do vento e do capim são completados por uma trilha sonora que evoca a
natureza e memórias de situações vividas
ou não. Tudo começa a ruir quando a filha
vem buscá-los para levá-los à cidade.
Uma crise hídrica ronda todo o filme,
mas nada é mais forte que a crise que
atinge a natureza humana, configurada
na vida de um avô, sua filha e sua neta. A
fragilidade do idoso, da criança e da mulher que queria resgatá-los para uma vida
pretensamente mais segura pode ser vista
como um processo histórico, social e familiar, mas também adquire aspectos espe-
every one at the village, destroying the existing harmony between
people and nature. The country is
Kyrgyzstan — a former part of the
Soviet Union —, with less than 5
million people and little power to, as
a nation, fight the forces involved in
its integration to the global system.
It is the only country in the world to
simultaneously have Russian and
American military bases.
In almost three hours of film, director Marat Sarulu takes us from a
poetic starting point — marked by
an intense balance between people
and between people and the environment — to a point of no escape.
Dialogues are sparse, only the truly necessary is spoken. The initial
scenes cause the ancestrality that
exists in each one of us to emerge:
a grandparent (or the friend of the
grandparent) with his granddaughter on a minuscule boat in an absolutely grandiose landscape of water
and mountains.
They live in extremely simple conditions, at a riverbank, with no running water or electricity. But there is
an evident harmony between them
and their friends, which make up the
local community. The movement of
the water, the wind and the grass is
complemented by a soundtrack that
evokes nature and memories of real
or imagined experiences. Everything
starts to crumble when the daughter comes to pick them up and take
them to the city.
A water crisis is present throughout the film, but nothing is stronger
than the crisis of human nature, as
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of them: All the Time in the World
(Canada, 2014).
In one of the interviews she gave
because of the awards she earned
for the documentary, Suzane highlights that she now understands
that our lives are surrounded by
objects and events that distract us
all the time. At the cabin, time is
stretched, which allowed a disconnection from urban life and a greater connection with each member of
the family and with oneself. 2
The opposite idea of All the Time
in the World — a dive into wild
nature — guided the stop-motion,
21-minute animation Automatic
Fitness (Germany, 2015). Time is
money and, in this case, ideas such
as competition, rationalization, repetition, rentability and hurry are
fundamental. Human beings become things and move like industrial products on a conveyor belt. There
is no time for anything, and the
tasks on the agenda seem to cover
the exterior world with a sense of
unreality.
Finally, to complete the series,
there’s a wonderful and striking
fiction film. The transition between
an agricultural society, a tribal or
family-based organization and a
market-based, urban society is the
backdrop for The Move (Kyrgyzstan,
2014). Out of the films in the “Cities” segment of the 2016 Ecofalante
Film Festival, The Move is the most
striking. Seeing how a social process
— which is also economic and global
and, therefore, of a large scale — determines the destinies of each and
21
1 This reminds us that, in Brazil, in the city of
Camboriú, in the state of Santa Catarina, the
extremely high, recently-built apartment towers keep the sunlight from reaching the beach
during a part of the day. The greed of the real-estate market and the flexibilization of the
law killed the goose that laid golden eggs. In
Recife, the construction of two towers at the
historical center of the city kept the area from
being considered a UNESCO World Heritage
Site. A strong social movement, Ocupa Estelita,
fights against a project that will build another
13 towers at the same site.
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cíficos. Não somente as famílias estão se
desmanchando, mas a ausência individual
de perspectivas de futuro também.
A cidade, no entanto, é uma referência
que aparece sempre longe. Os personagens
não são nem urbanos, nem rurais. Eles não
conseguem entrar na cidade, permanecendo sempre em espaços de passagem, em
estradas rodoviárias ou ferroviárias. Eles
não conseguem se inserir na sociedade de
mercado, mas já foram expulsos da ordem
antiga. Não há lugar para eles.
1 Esse caso nos faz lembrar que, no Brasil, na
cidade de Camboriú- SC, as altíssimas torres de
apartamentos recém construídas impedem que
o sol chegue à praia durante uma parte do dia.
A ganância do mercado imobiliário e a flexibilização das leis mataram a galinha dos ovos de
ouro. Na cidade do Recife, a construção de duas
torres no centro histórico da cidade impediu que
a área fosse considerada Patrimônio Histórico da
Humanidade pela UNESCO. Um forte movimento social, o Ocupa Estelita, luta contra um projeto
que acrescentará 13 torres ao mesmo local.
2 Maybe it should be mentioned that their
food came from the city and was preserved
and kept out of the reach of animals, that is,
the isolation had clear boundaries.
2 Talvez seja fundamental lembrar que a alimentação básica vinha da cidade e era preservada
fora do alcance dos animais, ou seja, o isolamento teve limites claros.
ERMINIA MARICATO, urbanist, senior retired
professor at FAU - USP, visiting Professor of IE
UNICAMP.
ERMINIA MARICATO, urbanista, professora titular
aposentada da FAU USP, professora visitante do IE
UNICAMP.
Auto-Fitness
Automatic Fitness
ALEMANHA, 2015, 21’
Ser ou não… ter tempo de ser?
O filme é uma poesia labiríntica
sobre o automatismo humano. Uma reflexão sobre nossa
relação diária com o dinheiro
e com o tempo, uma animação tragicômica que brinca
com o conceito da constante
e penetrante aceleração. Um
filme sobre a opressiva loucura
cotidiana e o automatismo em
que somos forçados a viver, trabalhar, respirar, pensar e: existir.
Uma paródia da já antiga “vida
moderna”.
To be or...haven’t time to be? The
film is a labyrinthic poetry on the
human automatism. A reflection
about our daily relationship with
money and time. It’s an animated tragicomedy which plays with
the concept of an all permeating acceleration. It is about
the stranglehold of everyday
madness and the automatisms,
in which we are forced to live,
work, breathe, think and: exist.
It’s a parodie of this already aged
so- called “modern way of life“.
DIREÇÃO DIRECTOR
Alejandra Tomei e
Alberto Couceiro
EDIÇÃO EDITOR
Dietmar Kraus
CONTATO CONTACT
contact@
animas-film.de
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seen in the lives of a grandfather, his
daughter and granddaughter. The
fragility of the old man, of the child
and the woman who wanted to rescue them for a supposedly safer life
may be understood as a historical,
social and family-related process,
but it also includes other specific
aspects. There are both the fact that
families are breaking up and the
fact that there are not many perspectives for the future.
The city, however, is a reference
that always appears at a distance.
Characters are neither urban nor rural. They cannot go into the city and,
so, they linger in passageways, roads
or railways. They are unable to belong to the market society, but they
are also not a part of the old order.
There is no place for them.
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A Última Dança na Avenida
The Move
Last Dance on the Main
QUIRGUISTÃO, 2014, 178’
CANADÁ, 2014, 3’
Um velho e sua neta vivem em
harmonia em uma pequena vila
à beira de um rio. É uma vida
simples e tranquila em uma paisagem estonteante. Até que sua
recém-chegada filha o convence
a vender a casa e se mudar para
a cidade, para que vivam juntos.
Uma dramática mudança para
o velho homem e sua neta e
um sonho inalcançável para a
filha, em uma excepcional obra
cinematográfica.
24
An old man and his little
granddaughter peacefully live
in a small village by the river.
It is a simple life in an imposing landscape, till one day his
daughter arrives and convinces
him to sell the house and move
to the city, to live with her. A
dramatic change for them and
an intangible dream for her in an
outstanding piece of cinema.
DIREÇÃO DIRECTOR
Marat Sarulu
PRODUÇÃO PRODUCER
Gulmira Kerimova
ROTEIRO WRITER
Marat Sarulu
FOTOGRAFIA
CINEMATOGRAPHER
Boris Troshev
Documentário de animação
sobre a demolição de uma série
de edifícios históricos no Boulevard St. Laurent, em Montreal,
- também conhecido como “A
Avenida” - levada a cabo por
políticos e especuladores, e
sobre a resistência levantada
por artistas burlescos e pela
comunidade local.
An animated documentary on
the demolition of a row of historic buildings on Montreal’s St
Laurent boulevard – also known
as “The Main” – by politicians
and building developers, and
the resistance put up by the
burlesque artists and the local
community.
Mostra Contemporânea Internacional > cidades | International Contemporary Program > cities
A Mudança
DIREÇÃO DIRECTOR
Aristofanis Soulikias
EDIÇÃO EDITOR
EDIÇÃO EDITOR
Gani Kudaibergen
Aristofanis Soulikias
CONTATO CONTACT
CONTATO CONTACT
ratma.luusar@
gmail.com
aristofanis@
hotmail.com
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Speculation Nation
EUA / ESPANHA, 2014, 75’
Quando a crise financeira
atingiu a Espanha como um
tsunami, deixou marcas
permanentes na paisagem e
na vida dos cidadãos. Deixou
para trás cidades fantasmas da
especulação imobiliária, tirou o
emprego de mais de um quarto
da população e os lares de centenas de milhares de pessoas. O
filme acompanha aqueles que
perderam a fé em um sistema
que os decepcionou e que agora
passaram a se mobilizar. Porém,
ocupar prédios vazios não é
tão simples quando as regras
e leis ainda seguem a lógica
de especuladores, bancos e
empresários. O filme apresenta
um olhar sensível aos avanços,
dificuldades e controvérsias
desta luta.
Ei, Vizinho!
Hey Neighbour!
TURQUIA, 2014, 54’
Recentemente, um monstro
chamado redesenvolvimento
urbano atacou a Turquia, destruindo tudo o que restava dos
bairros tradicionais. Torres de
vidro foram erigidas onde antes
havia casas e as últimas árvores
restantes foram engolidas. Em
sua investida, o monstro fez
com que novo e velho, rico e
pobre se tornassem vizinhos.
Testemunhamos a turbulenta
relação entre estes cenários em
fusão e seus habitantes, ouvindo seus sonhos e sentimentos
uns sobre os outros e sobre a
transformação da cidade.
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A monster called urban redevelopment has recently risen
in Turkey, destroying whatever
was left from the traditional
dwellings, erecting glass towers
where houses once stood and
swallowing up the few trees left.
While this monster is at work,
he makes the old and the new,
and the rich and the the poor
become neighbors. We witness
the uneasy relationship between
those merging scenarios and
their residents, listening to their
dreams and feelings about each
other and about the city’s transformation.
When the financial crisis hit
Spain like a tsunami, it left an
indelible mark in the landscape
and in its citizens’ lives: it left
behind housing speculators’
unfinished ghost towns, took
the jobs of over a quarter of
the population and the homes
of hundreds of thousands of
people. The film follows the ones
that have lost faith in the system
which has failed them and are
now mobilizing. But moving
into empty buildings is not a
straightforward affair when the
law and rules still follow the
logic of housing speculators,
banks and money men. The film
features a sensitive look to the
advancements, difficulties and
controversies of this fight.
DIREÇÃO DIRECTOR
Sabine Gruffat
e Bill Brown
PRODUÇÃO PRODUCER
Sabine Gruffat
e Bill Brown
FOTOGRAFIA
CINEMATOGRAPHER
Sabine Gruffat
e Bill Brown
CONTATO CONTACT
sgruffat@
hotmail.com
Mostra Contemporânea Internacional > cidades | International Contemporary Program > cities
Nação Especulação
DIREÇÃO DIRECTOR
Bingöl Elmas
ROTEIRO WRITER
Bingöl Elmas
FOTOGRAFIA
CINEMATOGRAPHER
M. Eren Bozbaş
e Koray Kesik
EDIÇÃO EDITOR
Uǧur Hamidoǧulları
CONTATO CONTACT
hakanpasali@
gmail.com
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Todo o Tempo do Mundo
The Chinese Mayor
All the Time in the World
CHINA, 2015, 87’
CANADÁ, 2014, 87’
Há 1600 anos, Datong era a
capital da China. Durante o período de abertura e reforma chinesas, ela continuou a prosperar
com o boom de carvão local.
Mas décadas de mineração desenfreada sufocaram a cidade
em fuligem, e o esgotamento de
recursos estagnou a economia,
rendendo à cidade a reputação
de um dos lugares mais feios
do mundo. Hoje, o prefeito
Geng acredita que o futuro de
Datong depende de sua cultura.
Seu plano radical de reforma
é restaurar a antiga muralha,
trazendo de volta a grandeza da
cidade antiga. Mas, para isso,
uma demolição em massa será
necessária, junto com o despejo
de 40.000 pessoas.
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Datong was an ancient capital
of China 1,600 years ago. During
China’s reform and opening up
period, it became a coal mining
boomtown. But decades of rampant mining have choked the
city in soot, depleted resources
and left the economy stagnated,
earning Datong a reputation as
one of the world’s ugliest cities.
Mayor Geng believes that the
Datong’s future lies in culture.
His radical reform plan is to
recreate Datong’s four great ancient walls side by side to restore
the ancient city. But for him to
succeed, mass-scale demolition
is needed, along with the relocation of 40.000 people.
Mostra Contemporânea Internacional > cidades | International Contemporary Program > cities
O Prefeito Chinês
DIREÇÃO DIRECTOR
Zhou Hao
PRODUÇÃO PRODUCER
Zhao Qi
ROTEIRO WRITER
Zhou Hao e Zhao Qi
FOTOGRAFIA
CINEMATOGRAPHER
Zhou Hao e
Zhang Tianhui
EDIÇÃO EDITOR
Yu Xiaochuan
e Tom Lin
CONTATO CONTACT
zhaoqifilms@
gmail.com
O filme explora uma experiência de desconexão com a vida
moderna, frequentemente
agitada e saturada de tecnologia, para se reconectar com o
outro, nós mesmos e a natureza.
Em busca de novas perspectivas,
uma família de cinco membros
decide deixar o conforto do
lar para viver por nove meses
em um bangalô isolado na
natureza, sem vias de acesso,
eletricidade, água encanada,
internet ou sequer relógios. Em
tempos oportunos, este inspirador documentário mostra o
desenvolvimento natural da
vida quando uma família tenta
se livrar do controle necessário
nesse mundo marcado pelo
tempo do relógio.
The film explores the theme of
disconnecting from our hectic
and technology laden lives in order to reconnect with each other,
ourselves and our natural environment. In search of a new perspective, a family of five makes
the decision to leave the comfort
of their home to live remotely
in the wilderness, spending nine
months in a small cabin with no
road access, no electricity, running water, internet or a single
watch. The film is a timely and
inspiring documentary which
chronicles life’s natural unfolding
when a family tries to let go of
the required control in our timebased world.
DIREÇÃO DIRECTOR
Suzanne Crocker
PRODUÇÃO PRODUCER
Suzanne Crocker
FOTOGRAFIA
CINEMATOGRAPHER
Suzanne Crocker
EDIÇÃO EDITOR
Michael Parfit
CONTATO CONTACT
suzanne@
dirftproductions.ca
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