amanda lapour
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amanda lapour
capa por iara crepaldi FOLHA DE S.PAULO MAIO 2010 FOTOS DAVID LACHAPELLE Fotos: David LaChapelle/Courtesy Fred Torres Collaboration 90 David LaChapelle é o fotógrafo de celebridades mais célebre do mundo. Nos últimos 25 anos, suas imagens extravagantes e de cores saturadas estamparam capas de revistas, campanhas publicitárias milionárias e clipes de música pop premiados. De tal forma que, hoje, cobiçadas por galeristas de olho nos colecionadores que podem pagar US$ 30 mil por uma obra, suas fotos são familiares para qualquer um que leu revistas, assistiu à TV, comprou CDs ou foi ao cinema nos anos 1990. As mais recentes manifestações de reconhecimento de seu trabalho foram o prolongamento da exposição, “The Rape of Africa”, na galeria Robilant + Voena, em Londres, por um mês (até 23 de junho) em razão do interesse do público e da imprensa –sem precedentes na casa; e ainda a bilheteria recorde de sua mostra na Monnaie de Paris, em 2009. Claro, LaChapelle também recebe muitas críticas negativas. A principal delas é que seu trabalho não é arte. “Eu não vejo nenhuma diferença entre ser fotógrafo e artista. Os críticos não gostam quando alguém usa imagens pop para falar sobre algo profundo. Eu quero fazer algo que as pessoas entendam, não quero ser conceitualmente obscuro, como muita coisa é na arte contemporânea”, falou à Serafina, por telefone, de Londres, na semana de abertura de sua exposição, no final de abril. LaChapelle sempre quis ser artista. Mudou-se de Connecticut (EUA) para Nova York com essa intenção aos 18 anos, em 1981. A carreira na fotografia começou de forma circunstancial. Pupilo de Andy Warhol (1928-1987), LaChapelle viu o artista pela primeira vez na lendária boate Studio 54, aos 14 anos, numa festa da banda norte-americana Village People. Como não conseguia viver de sua arte quando chegou à cidade, foi procurar Warhol para mostrar as fotos que produzia quando estudava na Escola de Artes da Carolina do Norte. Warhol o convidou para ser fotógrafo de sua revista, “Interview” –para LaChapelle, “suas páginas eram paredes de galerias”. Após romper com a fotografia comercial e se isolar da fama no Havaí, o fotógrafo mais pop dos anos 1990 saiu da ilha para falar e mostrar as imagens –inéditas no Brasil– de sua nova fase o nirvana de Fotos: David LaChapelle/Courtesy Fred Torres Collaboration Na página anterior, autorretrato do artista (2009) feito com elementos usados em várias de suas fotos. Acima, da esq. para a dir.: “The Kindgom Come” (2009), parte da série “Deluge” (dilúvio), faz referência ao trabalho de Maurizio Cattelan (que mostra um meteoro caído sobre o papa); “Fleur Du Mal” (2009), inspirada na obra homônima do francês Charles Baudelaire e fotografada no Havaí; “American Jesus: Hold Me, Carry Me Boldly” (2009), reprodução de “Pietá”, de Michelangelo, com Jesus carregando Michael Jackson A vida em Nova York com Warhol e na cena do Studio 54 era uma montanha-russa de sexo, drogas e rock’n’roll. No começo, ele fotografava somente em preto e branco, imagens escuras e densas. Muito depois de ter mudado para cor, entendeu o porquê do período sombrio e explicou que tinha uma atitude muito séria, circunspecta, diante de tudo na época, por achar que iria morrer como seu primeiro namorado, HIV positivo –LaChapelle não é portador do vírus. Com a cor, começou a criar imagens icônicas, que registravam o mundo sem reproduzir o que é visível e retratavam as obsessões da cultura ocidental –glamour, cirurgia plástica, fama, riqueza, sexo, religião. “Eu buscava alguma forma de escapismo para o peso de tudo o que havia vivido”, explica. Em pouco tempo, um dos primeiros fotógrafos a manipular suas imagens digitalmente para criar cenas surreais e barrocas, LaChapelle havia conseguido fotografar uma série de personagens do showbiz –de Madonna, Uma Thurman e Elton John a Drew Barrymo re , N a o m i Campbell e Gisele Bündchen– em situações extremamente imaginativas e, frequentemente, com forte conotação sexual. A VIRADA Histórias de suas festas, do trabalho como garoto de programa para pagar as contas no começo da carreira e de suas passagens em clínicas psiquiátricas (ele sofre de transtorno bipolar), ajudaram a forjar o mito. Workaholic, durante duas décadas trabalhou meses seguidos sem tirar folgas, até perceber que a fotografia comercial já não era o que queria e que aquele estilo de vida o desequilibrava. “Eu senti que já havia dito tudo através do meu trabalho, e não aguentava mais aquele ritmo. Precisava levar uma vida saudável, fazer exercícios”, afirma. Então, em 2006, no topo da indústria, LaChapelle virou o jogo e rompeu com a mídia publicitária e editorial. Comprou a área de uma antiga colônia de nudismo, de 80 mil m2, em Maui, no Havaí, e a transformou em uma fazenda orgânica, para viver de modo saudável e fotografar cenas que comunicassem seus ideais. Ele conta que, após a ruptura, ficou meses sem atender a telefonemas de revistas. Em algumas entrevistas, chegou a se referir a Hollywood como um “mundo de merda”. Mas, aos poucos, LaChapelle se reconcilia com o circo da fama. Voltou à cena para expor, segundo ele, o que está no centro do seu coração em galerias e museus. A seguir, o fotógrafo norteamericano fala sobre a nova vida. “Para mim, viver e fotografar são uma coisa só.” (A assessora da galeria em Londres coloca LaChapelle na linha e ele começa a falar em português.) Tudo bem? Vitamina de abacate (risos). Essas são as únicas coisas que sei falar em português. Aprendi quando estive no Brasil. Não sabia que o abacate poderia ser doce, amei. Na minha fazenda, tem muitos abacateiros, e adoçamos a vitamina com o mel das abelhas de lá. Já temos tantas espécies de abacate que, em alguns anos, vamos ter a fruta o ano inteiro (risos). Como foi sua viagem ao Brasil? Os brasileiros são incríveis, gentis, pacíficos. Passei meu Ano Novo favorito no Brasil em 1992. Fui fotografar a noite em Ipanema. Todos os grupos religiosos vestidos de branco, as pessoas cantando para Iemanjá e mandando oferendas ao mar. A festa na favela me assustou um pouco. Mas foi a noite mais mágica da minha vida. E o que você tem feito no Havaí? Eu continuo fotografando na floresta, isolado, conectado pela internet. Eu recebo artistas famosos ou pouco privilegiados de vários países para trabalhar na fazenda, aprender sobre sustentabilidade e se inspirar. Todo mundo ajuda a cuidar da natureza, dos bichos, da cozinha, e tem de deixar dois livros na biblioteca antes de partir. Lady Gaga esteve “Eu quero fazer algo que as pessoas entendam, não quero ser obscuro” lá no verão passado e cozinhou massa no meu aniversário. É uma troca de ideias, eles me interessam, quero saber o que fazem, leem, escutam, fotografam. Qual foi o primeiro trabalho que fez depois de se mudar para a ilha? Fui para Los Angeles criar a série “Deluge”, que é uma relei- tura do dilúvio de Michelangelo na Capela Sistina e em museus cheios de água, uma tragédia que destrói a arte, a Igreja. Uma reflexão sobre excesso, dinheiro, consumo, fanatismo. Mas já fiz muita coisa lá. No começo, pensei que nunca mais iria trabalhar para revistas e campanhas. Mas, vez ou outra, farei algo que me interesse, mas apenas do meu jeito. Fotografei Lady Gaga para a capa da ”Rolling Stone” americana no ano passado. Você ainda usa celebridades como modelos e cenários produzidos em suas novas imagens. O que as difere das fotos comercias? Eu amadureci trabalhando para revistas e FOLHA DE S.PAULO MAIO 2010 Como foi fotografar Michael Jackson? Eu nunca o fotografei. Então as imagens com ele são montagens? Sempre quis fotografá-lo, mas nunca deu certo. Eu usei um sósia e manipulei a imagem para criar o rosto que o Michael tinha nos anos 1990. O que fiz é uma foto, não um retrato. Mas não há dúvida de que é Michael Jackson, uma pessoa que viveu extremos, foi amada e odiada pela sociedade, como um personagem bíblico. 2 1 música Alteraria algo em sua própria realidade, como faz com suas fotos? Não mudaria o que já foi, mas o que é. Estou constantemente tentando melhorar. Ainda tenho muita dificuldade de lidar com a raiva, digo coisas desagradáveis, fico com remorso, peço desculpas. Mas está acontecendo menos. Controlo as oscilações de humor com dieta, exercícios e remédios. Estou saudável, tenho energia, não vivo mais aquela insanidade, como se o mundo fosse acabar se não cumprisse um prazo. 3 LaChapelle diz que seus retratos de personalidades do showbiz “definem as pessoas, captam sua essência e criam uma imagem que se soma à imagem delas”. A atriz Angelina Jolie (1), Andy Warhol (2) em seu último retrato Não confunda o fotógrafo David LaChapelle, 47, com o comediante Dave Chappelle, 36, que apresentava a série “Chapelle’s Show” e participou do filme “O Professor Aloprado”. LaChapelle tem 14 livros publicados, como o primeiro, “LaChapelle Land” (1996), “Hotel LaChapelle” (1999), “Heaven to Hell” (2005), Lady Gaga Book (2009) e “Rape of Africa” (2009), tema de sua atual exposição 4 5 campanhas publicitárias antes de morrer, a cantora Björk (3), o ator Leonardo DiCaprio (4), a transexual Amanda Lepore (5, sua musa) como a Marilyn de Warhol, o estilista Alexander McQueen (6) com a stylist Isabella Blow e a atriz Liz Taylor (7) 6 Pouco impressionado pela fotografia contemporânea, Helmut Newton disse que LaChapelle era muito bom e o fazia rir. Marca característica do fotógrafo, o humor está presente em todos os seus trabalhos, inclusive em suas campanhas publicitárias para grandes grifes, como Lavazza (à esq.), Jean Paul Gaultier, Phillip Morris, Cadillac, Lexus etc. 7 videoclipes O outro Chapelle livros Antes de desistir de trabalhar com Madonna em “Hung Up” por não concordar com as ideias dela, LaChapelle fez muitas fotos para discos e DVDs da cantora e de outros músicos famosos, como Mariah Carrey, Janet Jackson, Tom Jones, Elton John e Liza Minnelli, só para citar alguns celebridades AFP Suas fotos recentes interpretam temas mitológicos e religiosos. Você tem alguma crença? Eu acredito na possibilidade de milagres. Tenho muita fé, sei que há algo além desta vida. “Eu não vejo diferença entre ser fotógrafo e artista. Os críticos não gostam quando alguém usa imagens pop para falar sobre algo profundo” Entre outros, LaChapelle ganhou os prêmios de Melhor Vídeo no MTV Europe Music Awards por “Natural Blues”, de Moby, além de Vídeo do Ano e Diretor do Ano no Annual MVPA Awards, por “This Trains Don’t Stop Here Anymore”, de Elton John, e por “It’s My Life”, do No Doubt. Filmou ainda clipes para Amy Winehouse, Jennifer Lopez, Britney Spears e Christina Aguilera (à esq.) cinema Além de fazer cartazes para filmes como “Tomb Raider” e “Show de Truman”, o fotógrafo financiou seu próprio filme, “Rize”, sobre o estilo de dança urbana krumping. Lançado internacionalmente em 2005, o filme foi aclamado pela crítica e abriu o “Tribeca Film Festival”, em Nova York, naquele ano Fotos: David LaChapelle/Courtesy Fred Torres Collaboration campanhas de publicidade, aprendi a me comunicar. Eu continuo amando moda, glamour e beleza, mas, agora, comunico ideias para tocar as pessoas. Eu quero que elas saiam diferentes da galeria. Estou tentando expressar a ideia de iluminação pela natureza, a ideia do paraíso perdido, mas mantendo as coisas que amo nessas imagens. a estética de excessos do fotógrafo multimídia 95 O arco-íris de LaChapelle 94 capas de revistas Considerado por Richard Avedon o fotógrafo de imagens surreais com maior potencial para se tornar o Magritte do seu gênero, LaChapelle fotografou capas e ensaios para revistas prestigiadas como “I-D”, “Interview”, “The Face”, “Vogue” e “Rolling Stone” O Fellini da fotografia Fotos: David LaChapelle/Courtesy Fred Torres Collaboration Eder Chiodetto especial para a Serafina “The Birth of Venus” (2009), inspirado no quadro de mesmo nome do pintor Botticelli e clicado no Havaí; e “Rape of Africa” (2008), com a modelo Naomi Campbell, critica o consumismo do mundo ocidental e suas consequências no continente africano O trabalho de LaChapelle é desses que provoca paixão e ira na mesma voltagem. Jamais indiferença. Transitando entre o glamour e o bizarro com o apoio de toda a tecnologia possível para pós-produzir sua imagens, seus retratos de celebridades, há até pouco tempo, eram aguardados como se espera o novo filme do galã da vez. Ter sido um dos melhores amigos de Andy Warhol foi algo que lhe formatou cabeça e olho. Herdou a forma de pensar celebridades como produtos de consumo. Contra a tradição do retrato que investiga personalidades, LaChapelle optou por sublinhar exatamente o inverso: a pessoa como um invólucro, um ser automatizado, robotizado, irreal. A fama e, portanto, as fantasias que o público projeta sobre os ídolos é o seu material de trabalho. Esse é o processo que o faz trazer à luz, de forma precisa, imagens que rondam o (in)consciente coletivo, como os lábios de Angelina Jolie, flagrados como no ápice de um orgasmo. Esse “Fellini da fotografia”, como o ”New York Times” certa vez o chamou, passa meses pensando como resolver uma foto. A literatura de Tennessee Williams, os filmes de horror, o mundo gay nova-iorquino e a pintura surrealista são fontes de inspiração. A usina de formatação de celebridades que é, ou era, a câmera de LaChapelle, acabou por transformar criador em criatura. Hoje, ele é tão celebridade quanto qualquer um dos megaastros que fotografou. Tão celebridade que plantar abacates se tornou mais sedutor que acumular dinheiro, poder, reconhecimento. Mas nem tanto assim. LaChapelle agora se regozija em ser um artista popular, menosprezando contratos publicitários. Aos 47 anos, parece só ter a preocupação em inscrever seu nome na história. No ano passado, em uma grande retrospectiva de sua obra em Paris, o público ficava horas numa fila sob o frio para ver uma exposição delirante, algo semelhante com o que ocorre agora em Londres. Sua fotografia, hoje, surge despudoradamente como esculturas tridimensionais, cenários gigantescos, histórias épicas completas. Tudo muito barroco, excessivo, brilhante, colorido. É a catarse de um louco genial, de um provocador que tem pleno domínio de sua linguagem a ponto de subvertê-la sem medo. Mas isso é arte? É publicidade? É só Photoshop?, perguntam os eternos e ranzinzas vigilantes da arte tentando, às cegas, separar o que é arte culta de arte popular, como se isso ainda fosse possível ou necessário. Que plantem eles os abacates! Assim liberam LaChapelle para fecundar museus com sua loucura inclassificável. Eder Chiodetto é jornalista, fotógrafo, curador e autor do livro “O Lugar do Escritor” (Cosac Naify)