Dansko anais
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PARTE IX DTI 9 Estudos de Comunicação Organizacional A relação entre comunicação e cultura organizacional em instituição católica de educação The relationship between communication and culture in a catholic institution of education A m a n d a Wa n d e r l e y de Azevedo Ribeiro1 João José A zevedo Curvello 2 Resumo: A pesquisa teve como objetivo apresentar os elementos simbólicos da cultura organizacional que incidem na comunicação entre gestores e funcionários, em estudo comparativo na sede administrativa e em colégio de rede de educação, ambos localizados no Distrito Federal. Foi realizada pesquisa documental sobre o perfil da organização e de seu fundador, seguida de etnografia, com a técnica da observação participante, para o registro e a identificação da cultura e dos processos comunicacionais.Trabalho, comunicação, hierarquia e “ser marista” são elementos simbólicos da cultura organizacional identificados. A comunicação dá vida e possibilita o entendimento da cultura, e é graças à cultura que indivíduos da sede administrativa e do colégio se reconhecem como membros de um grupo que busca dar sentido ao que faz. Palavras-Chave: Comunicação organizacional. Cultura organizacional. Comunicação Interna. Estudos organizacionais. Organizações Religiosas. Abstract: The research aimed to present the symbolic elements of the organizational culture inside communication between managers and employees. It was a comparative study held on administrative headquarters and a school, both located in the Federal District. The research was conducted on the profile of the organization and its founder, using ethnography method with the technique of participant observation in order to register and identify the cultural elements and the communicational processes. Work, communication, hierarchy and “being Marist” are the symbolic elements identified in the organizational culture. Communication gives life and enables understanding of this culture, thanks to which the individuals of the administrative headquarters and the school recognize themselves as members of a group that seeks to make sense of what does. Keywords: Organizational communication. Organizational culture. Internal Communication. Organizational studies. Religious Organizations 1. Mestre em Comunicação pela Universidade Católica de Brasília - UCB, na linha Processos Comunicacionais nas Organizações. Analista de comunicação da Província Marista Brasil Centro-Norte. amandribeiro@ gmail.com 2. Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo - USP e Mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo - UMESP. Atualmente, é professor adjunto na Universidade de Brasília - [email protected] Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4763 A relação entre comunicação e cultura organizacional em instituição católica de educação Amanda Wanderley de Azevedo Ribeiro • João José Azevedo Curvello INTRODUÇÃO RELAÇÃO ENTRE cultura e comunicação constitui aspecto importante na carac- A terização e compreensão das organizações. As formas como os elementos se influenciam definem o que a organização é, os processos de aprendizagem que lhe deram origem, como deseja ser percebida pelos diversos públicos e contribuem no entendimento dos comportamentos, mudanças, dinâmicas e dimensão simbólica presente nas relações interpessoais. Quando a religiosidade faz parte da identidade organizacional, gera a necessidade de maior aprofundamento sobre as especificidades do “ser igreja” e as implicações na comunicação entre gestores e funcionários, que nem sempre se alinham com seus princípios e valores, mas contribuem para que se viabilizem. As organizações são ambientes interacionais, formados por sujeitos e contextos em constante ressignificação, tendo a comunicação como elemento das relações, da criação e consolidação da cultura organizacional, de processos e fenômenos dialógicos, e essencial para a compreensão das dinâmicas inerentes às rotinas de gestão e das relações de trabalho. A Teoria da Constituição Comunicativa das Organizações (CCO) respalda a visão da comunicação como processos dinâmicos constituintes das organizações, que dão vida às estruturas e aos contextos que as viabilizam. McPhee e Zaug (2009) afirmam que quatro fluxos são necessários para isso, dentre os quais a negociação entre os membros, para a manutenção e transformação dos relacionamentos; a autoestruturação das organizações, que pressupõe relações internas e normas sociais que são a base para a conexão; flexibilidade e formação dos procedimentos de trabalho; coordenação das atividades, que existe em função da unidade social, e o posicionamento institucional. Antes de domínio do campo da Administração, as organizações se aproximam dos estudos da comunicação, em interface com as demais áreas das ciências sociais, aplicadas e biológicas, e passam a ser entendidas também como fenômenos comunicacionais. Se a análise antes previa atores sociais a serviço da missão e dos objetivos organizacionais, abriu-se, então, espaço para o viés relacional, em que a interação entre gestores, funcionários e os ambientes interno e externo das organizações tornaram-se protagonistas das pesquisas. Compreender a complexidade da comunicação entre gestores e funcionários de instituição católica de educação é desvendar a lógica e as divergências da cultura organizacional, permeada por aspectos econômicos, políticos, hierárquicos, simbólicos, ideológicos e psicológicos. Religião, negócio, educação e dimensão social caminham juntos, em instituição com princípios e valores em consonância com a Igreja Católica, que precisa “dialogar” com os públicos sem perder a própria identidade e se adaptar aos contextos que demandam redefinir posicionamentos e formas de atuação. Com diversos perfis de funcionários e gestores, a organização tem de conciliar a eclesialidade e as dinâmicas inerentes à gestão, os dilemas trazidos pelo regionalismo, o internacionalismo, a opção pelo modelo de governança corporativa, as relações de poder e hierárquicas, além das diferentes concepções que as equipes de trabalho têm em relação à comunicação. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4764 A relação entre comunicação e cultura organizacional em instituição católica de educação Amanda Wanderley de Azevedo Ribeiro • João José Azevedo Curvello Assim, aprofundar-se na cultura organizacional, nas nuances, nos processos históricos, nos valores e crenças é, também, elucidar a comunicação na organização e entender de que forma esses elementos se influenciam e relacionam. O presente artigo traz os resultados da dissertação “Em nome do Pai: a comunicação e o simbólico na cultura organizacional de instituição católica de educação”, defendida, em 2014, no Mestrado em Comunicação da Universidade Católica de Brasília - UCB. A pesquisa teve como objetivo identificar os elementos simbólicos da cultura organizacional que incidem na comunicação entre gestores e funcionários, em estudo comparativo na sede administrativa e em colégio de rede de educação, ambos localizados no Distrito Federal. Para subsidiar a pesquisa, foi realizada revisão teórica sobre cultura e identidade organizacional, a partir de autores como Curvello, Costa, Eisenberg, Goodall, Etkin, Schein, Schvarstein, Fleury, Freitas, Geertz, Iasbeck e Thompson; a respeito da relação entre organização, comunicação e cultura, com os pesquisadores Bateson, Scrofernerker, Kusch, Luhmann, Maturana, Varela, Marcondes e Marchiori, e de comunicação interna, com as contribuições de Duterme e Curvello. A instituição católica de educação, de origem francesa, está presente em 79 países, e completa, em 2017, 200 anos de atuação. Tem como fundador um padre, que se dedicou à formação de religiosos, denominados Irmãos, para levar adiante a missão de evangelizar por meio da educação. O estudo teve como abrangência a Província Brasil Marista Brasil Centro-Norte, formada por cerca de 30 mil estudantes, 18 colégios, 111 Irmãos da congregação e, aproximadamente, 5.600 funcionários, conforme dados de 2014 da Gerência de Recursos Humanos da instituição. O enfoque da investigação foi no Escritório Central, sede administrativa da Província, onde se concentram as áreas estratégicas - educacional, social e pastoral, e em colégio da rede educacional, aqui denominado Colégio C, que atua nos segmentos da educação infantil, ensino fundamental e médio. Ambos estão localizados no Distrito Federal/DF. Distribuídas em três superintendências, cinco gerências, duas assessorias e cinco coordenações, as equipes do Escritório traçam diretrizes para colégios e unidades sociais de 16 estados e o DF, além de estabelecer diálogo com instâncias canônicas, de governo e da sociedade civil. Dessa forma, a organização volta-se para a comunicação, com a necessidade de definir os públicos, adequar os meios de comunicação aos objetivos estratégicos, definir as mensagens institucionais prioritárias e redefinir os fluxos comunicacionais, sem perder o vínculo com a identidade e os princípios fundantes. MÉTODO A pesquisa foi realizada com método qualitativo, por pesquisadora insider, ou seja, funcionária da instituição em análise, com o objetivo de identificar os elementos culturais simbólicos presentes na comunicação entre gestores e funcionários. O método permite a análise da cultura organizacional e dos significados compartilhados pelos membros da organização no ambiente das relações de trabalho. Adotou-se a etnografia como estratégia de investigação, que envolve o aprendizado sobre o compartilhamento da cultura de indivíduos ou grupos, como esclarece Creswell (2009, p.210). Ao citar Fraenkel e Wallen (2009, p.231), o autor demonstra que a intenção Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4765 A relação entre comunicação e cultura organizacional em instituição católica de educação Amanda Wanderley de Azevedo Ribeiro • João José Azevedo Curvello da pesquisa etnográfica é obter um quadro holístico do tema em estudo, com ênfase nas experiências cotidianas dos indivíduos, de forma a captar como descrevem e estruturam o mundo. Por meio da observação e de entrevistas, segundo eles, é possível identificar as percepções e vivências dos participantes. O pesquisador assume papel de destaque na coleta de dados e como intérprete dos fenômenos observados. Assim, quem está à frente da pesquisa, precisa ter função e características definidas, além de demonstrar o posicionamento diante da análise, que incidem sobre as escolhas metodológicas e a postura do “observador” diante da organização. A técnica de pesquisa permitiu à pesquisadora vivenciar a rotina das equipes das áreas estratégicas do Escritório Central – educacional, pastoral e social – e dos segmentos da educação infantil, ensino fundamental e médio, além da Coordenação de Pastoral e da direção do Colégio C, em busca das respostas às seguintes hipóteses sobre os elementos simbólicos presentes na comunicação entre gestores e funcionários. PP Elementos simbólicos relacionados ao fundador da organização e aos princípios da Igreja Católica caracterizam a cultura da instituição de educação, ressignificados pelos religiosos, gestores e funcionários. PP A hierarquia é um valor da cultura organizacional que incide na comunicação entre gestores e funcionários. PP Os processos de comunicação interna são fragilizados pelas contradições no relacionamento entre gestores e funcionários, resultantes das práticas de gestão e da percepção divergente sobre comunicação. PP Há contradição nos processos comunicacionais entre gestores e funcionários, devido às novas relações de trabalho e poder, além de interações da organização com os cenários político e canônico, e o mercado. PP Princípios institucionais, mitos sobre o fundador e ritos que valorizam o trabalho, a afetividade e a hierarquia são os elementos simbólicos da cultura organizacional presentes na comunicação entre gestores e funcionários. O primeiro passo da investigação foi a definição do perfil do fundador, a partir de pesquisa documental, em livros e registros sobre o religioso ou escritos por ele, que contribuíram na identificação das características de personalidade, de fatos que influenciaram a criação da organização, princípios, valores, histórias e momentos marcantes, objetivos e metas fundacionais, e o papel da comunicação na relação do religioso e os Irmãos. As informações foram levantadas em centro de estudos da congregação, em Belo Horizonte, em agosto/2013, sendo os registros feitos por escrito e em áudio. A coordenadora do centro de estudos, na capital mineira, especialista na vida do fundador e na história da instituição, foi entrevistada para a coleta de dados que complementassem a pesquisa documental e auxiliassem na definição do perfil do religioso e da organização. Em relação aos processos comunicacionais entre gestores e funcionários, realizouse a observação participante estruturada em duas unidades da instituição no Distrito Federal, a sede administrativa, denominada Escritório Central, em Águas Claras/DF, e em unidade educacional da rede, aqui chamada de Colégio C, em Taguatinga/DF, nos meses de outubro e novembro/2013. Os critérios de seleção das unidades foram a Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4766 A relação entre comunicação e cultura organizacional em instituição católica de educação Amanda Wanderley de Azevedo Ribeiro • João José Azevedo Curvello representatividade das áreas estratégicas – social, educacional e pastoral; localização e presença de profissionais, religiosos e leigos, de diferentes níveis hierárquicos. A observação participante proporcionou à pesquisadora a chance de fazer parte da rotina dos sujeitos em análise, o que permitiu a coleta de informações sobre a comunicação e os processos envolvidos. Dulce Suassuna (2008) pontua como vantagens desse procedimento, o rápido acesso aos dados sobre situações habituais do grupo, e outros considerados de domínio privado, além de captar palavras que explicam o comportamento dos observados. Dentre as desvantagens, para Suassuna (2008), estariam a desconfiança do grupo em relação ao pesquisador e possível visão parcial do objeto. Os riscos podem ser dirimidos, segundo a autora, a partir da postura do pesquisador diante do comportamento do grupo, estabelecer confiança, saber ouvir, ter sensibilidade para as nuances do contexto e a consciência de que, embora esteja imerso nessa realidade, é um observador que está constantemente sendo observado. Manter um diário de campo contribuiria para a autoanálise e o distanciamento também necessário à objetividade da observação. O ato de observar exige, no entanto, cuidado redobrado na análise da cultura organizacional, para “revelar seu verdadeiro significado, ir além das aparências e primeiras impressões”, como lembra Fleury, Shinyashiki e Stevanato (1997). A autora corrobora a concepção ao mencionar Schein (2009), para quem a observação poderia confundir manifestações superficiais com causas subjacentes, essências e padrões. Assim, ele propõe investigação integrada que leve em consideração o que é visto, crenças e valores, e suposições básicas, que são inconscientes, tidas como verdades compartilhadas que orientam o comportamento do grupo. A primeira observação participante foi realizada, nos meses de outubro e novembro de 2013, com a direção, coordenadores, técnicos e professores do Colégio C, com o objetivo de obter um parâmetro da comunicação entre gestores e funcionários na “ponta”. Com 2.580 estudantes, a unidade educacional está presente na região há 50 anos. A trajetória de Irmãos e leigos (aqui compreendidos como não religiosos) na direção contribuiu na análise da relação entre cultura e comunicação, bem como a presença do público majoritário da congregação - os educadores. Embora represente um dos 18 Colégios administrados pela instituição, os resultados do Colégio auxiliaram na identificação dos elementos comunicativos simbólicos a serem considerados em futuras pesquisas nos demais colégios. A observação durou sete dias, com uma média de 8 horas diárias, e contemplou a rotina da direção e das equipes de coordenação dos segmentos da educação infantil, ensino fundamental I e II, ensino médio e a Coordenação de Pastoral. A observação participante seguinte teve lugar no Escritório Central, para identificar de que forma a comunicação estava presente no relacionamento entre gestores e funcionários das áreas estratégicas - educacional, pastoral e social. A pesquisadora passou cinco dias em cada setor, em jornadas médias de 8 horas diárias na Gerência Educacional, Gerência Social e no Comitê de Pastoral. Os registros etnográficos se somaram à pesquisa documental e a análise contemplou a comparação entre as seguintes subculturas – Escritório Central, Colégio C e Comitê de Pastoral. Na percepção de Martin (1992), as subculturas relacionam-se na perspectiva da integração, com a prevalência da Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4767 A relação entre comunicação e cultura organizacional em instituição católica de educação Amanda Wanderley de Azevedo Ribeiro • João José Azevedo Curvello harmonia e do consenso; da diferenciação, com a predominância da contradição e do conflito, e/ou da fragmentação, caracterizada pelas ambiguidades. A PESQUISA Optou-se pelo método qualitativo, com pesquisa documental, no Centro de Estudos Maristas, realizada em agosto de 2013, e entrevista com a diretora do espaço; e a observação participante, no Escritório Central, nas Gerências Educacional, Social e no Comitê de Pastoral, que representam as áreas estratégicas de atuação da organização; e no Colégio C, em Taguatinga/DF, nos segmentos da educação infantil, ensino fundamental I e II, ensino médio e Coordenação de Pastoral. A observação participante foi desenvolvida nos meses de outubro e novembro de 2013, conforme Plano de Pesquisa dividido em duas etapas. A primeira envolveu levantamento das seguintes informações sobre o Colégio C e o Escritório Central: História, Atividades, Rotina de funcionamento, Números, Perfil dos gestores e funcionários, Rotina de trabalho e Meios de comunicação interna. A segunda etapa, a da observação participante, teve como objetivo a identificação dos processos comunicacionais na relação entre o gestor (diretores e coordenadores) e os funcionários do Colégio C, e, no caso do Escritório Central, entre os gerentes e coordenadores com os analistas e técnicos. Quadro 01. Roteiro de observação Ambiente/espaço • Disposição das salas. •Acessibilidade. • Proximidade dos funcionários e direção/coordenação. •Tamanho. • Presença de elementos que se referem à cultura (estátuas, documentos, quadros...). • Favorecimento à comunicação. Comunicação gestor X funcionários •Postura. • Linguagem corporal. •Vocabulário. • Natureza dos relacionamentos; (individualista ou cooperativo). • Característica dos relacionamentos (distante, profissional, com emoção). • Conteúdo das conversas. • Situações em que ocorre a comunicação. • Presença dos valores institucionais e do fundador. • Modos de lidar com os conflitos. •Silêncios. • Comunicação formal e informal. • Como lidam com hierarquia. • Sinais das relações de poder. Atividades • Rotinas de trabalho. • Tempo e ritmo. • Espaços que favorecem a comunicação. Baseado em Santos (2005, p. 29-30), Barbosa (2003, p.215) e Curvello(2012). O registro dos dados envolveu a utilização de diário de campo, onde foram descritos os aspectos observados como ações, fatos, falas, situações e comportamentos marcantes, com menção a frases e/ou palavras chaves que os representem, com seus respectivos autores. Foram indicados, ainda, indicação reações e sentimentos pessoais e percebidos nos sujeitos observados, bem como a reação dos participantes à presença da pesquisadora. Ao final das anotações, era feita da análise do dia da pesquisa. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4768 A relação entre comunicação e cultura organizacional em instituição católica de educação Amanda Wanderley de Azevedo Ribeiro • João José Azevedo Curvello ANÁLISE DOS RESULTADOS A técnica da observação participante contribuiu ao processo etnográfico para a identificação da cultura organizacional no Escritório Central e no Colégio C. A etnografia pressupõe a imersão e o aprofundamento nas realidades de grupos sociais na busca do entendimento das relações entre si, concepções sobre a realidade, interação entre culturas e a comunicação. Sobre as competências inerentes à prática, Winkin (1998, p.132) esclarece: (...) a etnografia hoje é ao mesmo tempo uma arte e uma disciplina científica, que consiste em primeiro lugar em saber ver. É em seguida uma disciplina que exige saber estar com, com outros e consigo mesmo, quando você se encontra perante outras pessoas. Enfim, é uma arte que exige que se saiba retraduzir para um público terceiro (terceiro em relação àquele que você estudou) e, portanto, que se saiba escrever. Arte de ver, arte de ser, arte de escrever. À etapa descritiva da observação participante, segue a etnologia, análise comparativa dos resultados, a partir dos critérios considerados para a pesquisa, de Ambiente/ Espaço, Comunicação gestor X funcionário e Atividades, que permitem a definição dos artefatos, crenças e valores expostos e suposições básicas que caracterizam os níveis da cultura da organização, de acordo com Schein (2009, p.2429): Artefatos: incluem os produtos visíveis do grupo, como a arquitetura de seu ambiente físico; sua linguagem; sua tecnologia e produtos; suas criações artísticas; seu estilo incorporado no vestuário, maneiras de comunicar; manifestações emocionais, mitos e histórias contadas sobre a organização; suas listas explícitas de valores; seus rituais e cerimônias observáveis e assim por diante. Crenças e valores expostos: são os valores manifestos da cultura, que predizem grande parte do comportamento do que pode ser observado nos artefatos visíveis. Como lembra Freitas (2007, p.16), são aquilo que é importante para o sucesso da organização e devem ser considerados guias para o comportamento organizacional no dia a dia. Suposições básicas: suposições implícitas que orientam o comportamento, informam aos membros do grupo como perceber, refletir e sentir. Tendem a não ser confrontadas e são difíceis de mudar. A definição dos elementos culturais e da sua propagação, por meio da construção comunicacional, possibilita caracterizar a identidade, neste caso, a marista. Afinal, como defendido por Etkin e Schvarstein (2000, p.156-157), ela materializa-se por meio de estrutura, que se manifesta na trama de relações e o seu sucesso, observado como marco de coesão entre os componentes. Em relação ao Colégio, os artefatos remetem aos princípios fundacionais de maneira viva, com a presença dos atores principais da missão: crianças, adolescentes e jovens. Os espaços e as salas retratam o fundador e Nossa Senhora, em estátuas, pinturas, “instalações”, assim como os ritos das missas e orações diárias. Dar vida ao passado e a seus atores, com a visibilidade do “DNA” de quase 200 anos de história e tradição, demonstra ser importante para a gestão, como diferencial de atuação. A disposição das salas, por sua vez, traduz aspectos da hierarquia e das Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4769 A relação entre comunicação e cultura organizacional em instituição católica de educação Amanda Wanderley de Azevedo Ribeiro • João José Azevedo Curvello relações interpessoais do Colégio – as da direção em cima, na entrada, mais próximas, fisicamente, dos pais e mais distante da sala dos professores. Que, por sua vez, estão mais próximos das coordenações e têm dificuldade de se envolver no carisma. Os gestores identificam a importância do “ser marista”, em contraponto com as poucas formações que as equipes têm sobre a instituição: instituto, província, valores e unidades administrativas. Os processos formativos são mais relacionados às práticas pedagógicas e aos processos educacionais da Província, aparentemente, na busca da unidade preconizada pela organização. A excelência educacional está entre as metas do Colégio C, além da busca pelos bons resultados em exames nacionais, bem como a captação e fidelização de alunos. Conforme observado na mobilização das equipes de coordenação para a seleção de novos estudantes, realizada durante pesquisa. A gestão é, predominantemente, feminina, tanto na direção quanto nas coordenações dos segmentos, com a valorização dos funcionários para ocupar cargos de chefia, e leva em consideração, além da competência, conhecimento institucional e dos processos internos. Vivenciar a espiritualidade marista apresenta-se ainda como diferencial, conforme mencionado por gestor, ao referir-se à funcionária que já havia ido a L´Hermitage, casa mãe do Instituto Marista. No Escritório Central, como os beneficiários da ação marista – crianças e adolescentes - não estão presentes no local, os setores se imbuem do carisma, em especial, no espaço físico. As três áreas analisadas trazem símbolos que remetem à cultura organizacional, estátua do fundador, de Nossa Senhora, três violetas, bíblia, livros, quadros, dentre outros. As salas dos gestores são separadas das equipes, à exceção da Pastoral, em que os coordenadores dividem o espaço com os funcionários e há a presença de um Irmão. Em função disso e por ser o foco de atuação, há maior visibilidade de símbolos e ritos da cultura organizacional. Se entre gerentes e coordenadores as mulheres são em maior número na Província, nos direcionamentos da área canônica, de evangelização, laicato e vocacional, a instituição opta por gestores homens, em sintonia com o perfil masculino de gestão do Instituto e do fundador. Como que para salvaguardar o “coração” da instituição e a sua perenidade. Predomina a valorização dos funcionários da casa para ocupar cargos de gestão e observa-se que o gestor estabelece maior interação com o superior direto e com os coordenadores do que as equipes de analistas e técnicos, assim como no Colégio C. As crenças e os valores expostos contribuem, ao lado dos artefatos, à para a compreensão do “mosaico” da cultura organizacional. As falas e opiniões dos sujeitos observados expressam como se sentem e veem a organização, a partir do lugar onde estão e das experiências profissionais e afetivas que vivenciaram no ambiente de trabalho. No Colégio, o acolhimento, na base da hierarquia, aparece como fator essencial às relações interpessoais. Quanto mais distante da direção, mais o “fazer parte” mostrou-se necessário aos funcionários. A comunicação mostra-se relacionada à prática da gestão, como instrumento de poder e associada aos processos. Não basta fazer parte da organização, é importante Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4770 A relação entre comunicação e cultura organizacional em instituição católica de educação Amanda Wanderley de Azevedo Ribeiro • João José Azevedo Curvello proferir e estar à frente do discurso institucional, legitimado pelo cargo hierárquico e pelo acesso aos instrumentos de comunicação. Os resultados da pesquisa mostram ainda que, no Colégio, o “ordenamento” emerge como valor, em função do receio de lidar com o inesperado, que se reflete no monitoramento constante das ações dos gestores, quer por telefone, reuniões, e-mail ou planos de ação desenvolvidos para cada projeto. Conhecer o fundador e tomar para si os seus princípios, no entanto, não é tarefa fácil, embora valorizada no Colégio. “Não há dificuldade de entendimento, mas de vivenciá-los. Ser marista não é para todo mundo”, na visão de gestor sobre o carisma. Há aqui a sinalização da complexidade da instituição e a dificuldade de envolvimento dos profissionais com ela, para além do trabalho técnico. A análise dos valores no Escritório Central, por sua vez, traz semelhanças à do contexto escolar. A começar pela visão do fundador como herói, que consola e protege nos momentos difíceis. A comunicação está entre os valores expostos, com visão instrumental. “Tem alguém de comunicação no Colégio? Porque o evento está de ótima qualidade e devia ir para a página (na internet)”, comenta funcionária na volta de visita à unidade educacional. Associação clara da comunicação com dar visibilidade ao que é feito, nos veículos institucionais. Observa-se, também, que o trabalho aparece como valor na pesquisa. Além de estar a serviço das demandas de uma causa nobre, educar e evangelizar, representa “um meio importante de realização pessoal, dando sentido à vida, e de contribuição para o bem-estar econômico, social e cultural da sociedade”, conforme apresenta o documento da Missão Educativa Marista (2000, p.51). A mesma publicação destaca que o fundador era um homem de trabalho e que a partir dele fundou sua família religiosa e empreendeu todos os seus projetos. A comunicação também está ligada à hierarquia, pois quem domina os processos e mensagens na instituição, bem como se aproxima do “ser marista”, tem mais chances de galgar postos estratégicos. O que explica a predominância da escolha de funcionários internos na seleção de gestores. Além disso, a comunicação tece as relações, constitui a organização como um todo, e contribui para a propagação de seus ideais, quer nos espaços, nas ações, dos registros escritos e no exemplo vivo do carisma, por meio de gestores, funcionários e dos Irmãos Maristas. A hierarquia mostrou relação direta com a comunicação. A estrutura física demarca os cargos e as funções e dita como as interações se efetivam. Sede administrativa e Colégio compartilham as diferenciações nos espaços. Gerentes atuam em salas separadas dos funcionários, assim como a direção na unidade educacional, o que gera menor comunicação face a face e mais intermediada por computador e telefone. A exceção aparece no Comitê de Pastoral, no Escritório Central, onde os gestores compartilham o mesmo ambiente, com relações mais horizontais e afetivas. Aqui também motivadas pela presença de um Irmão gestor e a temática de atuação, que remete ao carisma da congregação. Os processos de comunicação interna mostraram-se fragilizados pelas contradições no relacionamento entre gestores e funcionários, resultantes das práticas de gestão e da Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4771 A relação entre comunicação e cultura organizacional em instituição católica de educação Amanda Wanderley de Azevedo Ribeiro • João José Azevedo Curvello percepção divergente sobre comunicação. Para os gestores, a comunicação mostra-se relacionada à prática da gestão, como instrumento de poder e associada aos processos. Eles assumem para si a responsabilidade e são legitimados como interlocutores da instituição e se utilizam da visão instrumental da comunicação para salvaguardar a imagem e reputação organizacional, a partir do acompanhamento do desempenho dos funcionários e do que é produzido sobre a instituição. Como foi dito em diversos momentos nos dois locais de pesquisa, é “preciso estar preparado”, caso surja alguma adversidade que repercuta negativamente. Para os funcionários, no entanto, a comunicação é associada à relação, à convivência e ao conhecimento sobre as atividades da rotina do Colégio C e/ou do Escritório Central. A divergência de conceitos se reflete na maneira como ambos direcionam as práticas profissionais, um para o cumprimento das metas e outro para a busca pelo estar junto, pela convivência. O conflito se reflete nos poucos momentos de interação entre as áreas, no foco no trabalho e, no caso do Escritório Central, em longos períodos de silêncio entre funcionários e gestores. A pesquisa identificou como elementos simbólicos da cultura organizacional presentes na comunicação entre gestores e funcionários, trabalho, comunicação, hierarquia e o “ser marista”. Os princípios institucionais, mitos sobre o fundador e ritos podem ser traduzidos no “ser marista”, que, segundo um dos gestores, “seria para poucos”. Cultura e comunicação constituem, assim, a organização, que tece práticas, conceitos, jeitos de fazer e de se relacionar, com referências do fundador, atualizadas para a realidade de hoje, como, por exemplo, as histórias de superação para a criação da congregação e as regras estabelecidas aos primeiros Irmãos, utilizadas para justificar as demandas de gestores a funcionários e o monitoramento das atividades realizadas. A comunicação dá vida e possibilita o entendimento da cultura, quer por meio de artefatos visíveis, valores expostos e/ou em discursos que reproduzem as construções de significados dos sujeitos que fazem parte da instituição. É graças à cultura, por sua vez, que os indivíduos do Escritório Central e do Colégio C se reconhecem como membros de um grupo, que mesmo diverso e com funções distintas, aprende e busca dar sentido ao que faz, quer pelas relações interpessoais, pelo reconhecimento de seus integrantes e até mesmo pelos silêncios, que sinalizam a sobreposição do trabalho às partilhas “em família”, no ambiente profissional. REFERÊNCIAS Creswell, J. W. (2010). Projeto de pesquisa: método qualitativo, quantitativo e misto. Porto Alegre: Artmed. Curvello, J.J.A. (2012). Comunicação interna e cultura organizacional. Brasília: Casa das Musas. Etkin, J. & Schvarstein, L. (2000). Identidad de las organizaciones: invariancia y cambio. Buenos Aires: Paidós. Fleury, M.T.L, Shinyashiki, G. & Stevanato, L.A. (1997, Janeiro/Março). Entre a antropologia e a psicanálise: dilemas metodológicos dos estudos sobre cultura organizacional. Estória, mitos e heróis – cultura organizacional e relações do trabalho. Revista de Administração de Empresas, 32 (1). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4772 A relação entre comunicação e cultura organizacional em instituição católica de educação Amanda Wanderley de Azevedo Ribeiro • João José Azevedo Curvello Mcphee, R. & Zaug, P. (2009). The communicative constitution of organizations: a framework of explanation. In: Linda Putnam; Ane Nicotera. (Org). Building theories of organization: the constitutive role of communicationon. New York: Taylor & Francis. Santos, F.F.F (2005). Características da cultura organizacional sob a ótica da cultura nacional: estudo etnográfico do Banco do Brasil S.A. Dissertação (Mestrado em Administração) Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, USP, São Paulo. Schein, E. H (2009). Cultura organizacional e liderança. São Paulo: Atlas. Suassuna, Dulce (2008). Técnicas de investigação científica. Universidade de Brasília. Winkin, Y. (1998). A nova comunicação: da teoria ao trabalho de campo. Campinas: Papirus. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4773 Reflexão sobre o Planejamento da Comunicação Integrada em Instituições de Ensino Superior Privadas no Brasil Reflection about the Integrated Communication Planning for Private Higher Education Institutions in Brazil Sergio dos Santos Clemente Júnior 1 M i t s u r u H i g u ch i Y a n a z e 2 Resumo: O objetivo central do artigo foi o de estudar os fundamentos teóricos e aplicados relacionados ao planejamento da comunicação integrada. Kunsch (2009) e Baldissera (2009) foram utilizados respectivamente como referências principais para discutir as questões sobre comunicação integrada e a complexidade no processo da comunicação no âmbito das organizações. Ao final, o texto discute às questões relacionadas ao desenvolvimento da comunicação estratégica de marketing para IES privadas no Brasil. Diante de um cenário cuja concorrência é bastante acirrada, observar as ações mercadológicas quanto ao seu planejamento e resultados é o objetivo central da dissertação do pesquisador no Programa de Mestrado em Comunicação na USP. A pesquisa mapeará os esforços de marketing e de comunicação desenvolvidos para as Campanhas do Processo Seletivo 2012 e 2013 da FNC e buscará analisar o retorno dos investimentos mercadológicos para subsidiar a tomada de decisão da diretoria de marketing. Com os resultados espera-se poder estruturar o diagnóstico situacional da IES e, com base nele, propor um Planejamento de Comunicação Integrada efetivo para a Instituição, a partir do qual seja possível avaliar o retorno de investimentos em comunicação que viabilize melhor resultado financeiro e de construção de marca. Palavras-Chave: Planejamento da Comunicação Integrada; Comunicação Estratégica de Marketing; Comunicação Organizacional; Instituições de Ensino Superior privadas no Brasil. Abstract: The central aim of the paper was to study the theoretical and applied fundamentals related to the integrated communication planning. Kunsch (2009) and Baldissera (2009) were used respectively as main references to discuss the issues of integrated communication and the complexity in the communication 1. Mestrando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes – ECA – USP. Mestre em Hospitalidade – Universidade Anhembi Morumbi (UAM) – SP. Pós Graduação em Administração Hoteleira (SENAC) – SP. Pós Graduação em Comunicação de Marketing (UAM) – SP. Graduação em Comunicação Social com Habilitação em Publicidade e Propaganda (UAM) – SP. Professor Universitário. e-mail: [email protected] / [email protected] . Aluno Bolsista do CAPES. 2. Possui graduação em Publicidade e Propaganda pela Universidade de São Paulo (1978), especialização em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas, mestrado em Master of Business Administration - Michigan State University (1983) e doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (1994). Atualmente é professor titular do departamento de Publicidade, Relações Públicas e Turismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. É coordenador do CEACOM (Centro de Estudos de Avaliação e Mensuração em Comunicação e Marketing) da ECA-USP. Orientador do projeto de pesquisa de mestrado de Sergio Clemente. e-mail: [email protected] / [email protected] Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4774 Reflexão sobre o Planejamento da Comunicação Integrada em Instituições de Ensino Superior Privadas no Brasil Sergio dos Santos Clemente Júnior • Mitsuru Higuchi Yanaze process within organizations. Finally, the paper discusses issues related to the development of strategic marketing communication for private HEIs in Brazil. Faced with a scenario where competition is quite fierce, watch market actions on the planning and results is the central goal of the researcher’s thesis Master’s Program in Communication at USP. The research will map the marketing and communication efforts for the campaigns of 2012 and 2013 Selection Process of the FNC and will seek to analyze the return on market investment to support the decision-making marketing department. With the results expected to be able to structure the situational diagnosis of HEI and, on this basis, propose an Integrated Communication Planning effective for the institution, from which it is possible to evaluate the return on investment in communication that enables better financial results and brand building. Keywords: Integrated Communication Planning; Strategic Marketing Communication; Organizational Communication; Private Higher Education Institutions in Brazil. INTRODUÇÃO IANTE DE um cenário em franca expansão do ensino superior no Brasil, o pesqui- D sador desenvolve no PPGCOM ECA/USP, sob a orientação do Prof. Dr. Mitsuru Higuchi Yanaze, um Estudo de Caso, a fim de analisar a gestão mercadológica de uma Faculdade situada na cidade de Carapicuíba (Faculdade Nossa Cidade – FNC), pertencente à Região Metropolitana de São Paulo, quanto aos seus investimentos em comunicação para a captação de alunos em seu processo seletivo anual. A pesquisa mapeará os esforços de marketing e de comunicação desenvolvidos para a Campanha do Processo Seletivo 2012 e 2013 da FNC e buscará analisar o retorno dos investimentos mercadológicos para subsidiar a tomada de decisão da diretoria de marketing, para as campanhas que se seguirão. Espera-se com os resultados coletados na investigação empírica e pela análise desses dados poder estruturar o diagnóstico situacional real da IES e, com base nele, propor um Planejamento de Comunicação Integrada efetivo para a Instituição, a partir da qual seja possível avaliar o retorno de investimentos em comunicação que viabilize melhor resultado financeiro e de construção de marca. Pensar a comunicação de maneira integrada é dar força e relevância às características do ato de comunicar em suas diferentes faces e manifestações. O planejamento de ações tão complexas deve focar, sobretudo os atores que delas fazem parte, e suas inúmeras interações. O cenário atual exige que a organização (re)pense suas estratégicas comunicacionais a fim de tirar o máximo de proveito dos relacionamentos que estabelece com cada um de seus públicos de interesse. O aluno do ensino superior privado no Brasil mudou e, mudou para melhor. Temos um cliente muito mais integrado quanto às novidades do setor, nas características dos produtos / serviços oferecidos e principalmente nos inúmeros concorrentes atuantes no mercado. (Re)pensar então, a maneira pela qual vimos planejando as ações de comunicação de marketing torna-se hoje um ponto crucial, que dele poderemos alcançar ou não o sucesso dos empreendimentos educacionais privados de educação no nível superior no Brasil. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4775 Reflexão sobre o Planejamento da Comunicação Integrada em Instituições de Ensino Superior Privadas no Brasil Sergio dos Santos Clemente Júnior • Mitsuru Higuchi Yanaze PLANEJAMENTO DA COMUNICAÇÃO INTEGRADA: FUNDAMENTOS TEÓRICOS E APLICADOS Pensar o planejamento de comunicação de maneira integrada pressupõe entender de forma muito mais ampla as ações de comunicação pensadas e desenvolvidas no âmbito organizacional. A expressão “comunicação integrada” vem sendo utilizada por Kunsch (2009, p. 79) desde a década de 80 e define não somente a forma pela qual se processa a comunicação nas organizações, mas como ela se dá no âmbito de uma sociedade global e principalmente como fenômeno inerente à sua natureza e como resultado dos agrupamentos das pessoas que a integram. Por entender que segundo uma visão abrangente, o fenômeno da comunicação nas organizações assume um caráter cada dia mais complexo, a autora (2009, p. 79) defende a adoção de uma filosofia da “comunicação integrada”, que de maneira didática deve ser trabalhada pelas organizações a fim de não fragmentar o estudo dos processos da comunicação. Nessa perspectiva, faz-se necessário entender as orientações que os departamentos de comunicação devem dar à tomada de decisão estratégica, bem como à condução das práticas de todas as ações comunicativas na organização. Essa filosofia deve nortear todas as ações de comunicação que deve ser compreendida como o conjunto de diferentes modalidades comunicacionais que ocorrem na empresa (KUNSCH, 2003). A autora (2009, p. 79) explica que no contexto da comunicação integrada, as relações públicas e o marketing se destacam como áreas fundamentais que dirigem a comunicação organizacional. “A primeira abarcaria, pela sua essência teórica, a comunicação institucional, a interna e a administrativa. O marketing responderia por toda a comunicação mercadológica (ou comunicação de marketing)”. Por essa amplitude de frentes de ação, a comunicação organizacional deve ser trabalhada numa perspectiva complexa, que deixa de ser simplesmente uma atividade tática, ganhando estrutura, função e responsabilidades estratégicas perante o planejamento das organizações (KUNSCH, 2009, p. 80). Baldissera (2009, p. 157) também entende a comunicação organizacional como uma atividade complexa. O autor alerta para os riscos da frequente generalização do planejamento da comunicação a ações simplistas as quais tentam dar conta das necessidades do mercado de maneira superficial. Em situações como esta os resultados tendem a aparecer rapidamente, mas por não serem sustentáveis e por não estarem integrados às estratégias organizacionais, não conseguem dar conta dos propósitos da comunicação e, em pouco tempo exigem novas ações e novos investimentos mercadológicos. Ao se estudar e desenvolver a comunicação organizacional pelas bases da complexidade, a organização assume a postura de reconhecer o “outro” como agente do processo de comunicação. Baldissera (p. 158) nos ensina que nessas condições, o processo de construção e disputa de sentidos no âmbito da comunicação nas organizações estabelece a centralidade do processo na noção de relação. Essa ideia “dá conta de que a comunicação organizacional não respeita espaços físicos (planejados) bem como não se reduz à fala autorizada pela organização.” Complementa ainda dizendo que a comunicação organizacional em seus diferentes contextos e condições acaba por assumir Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4776 Reflexão sobre o Planejamento da Comunicação Integrada em Instituições de Ensino Superior Privadas no Brasil Sergio dos Santos Clemente Júnior • Mitsuru Higuchi Yanaze qualidades diversas que não se prendem exclusivamente aos planos e campanhas (sejam elas publicitárias ou institucionais) e a formalismos e hierarquias. Isso exige reconhecer que a comunicação [...] à medida que se atualiza, por um lado, possibilita que os sujeitos-força envolvidos, se necessário, revejam e ajustem suas estratégias; por outro, tende a permitir que conheçam, particularmente a partir das marcas de linguagem – as estratégias cognitivas do outro sujeito (força em relação), suas artimanhas, suas inconsistências, seus desejos de cooperação – ou não – seus valores, suas crenças e seu imaginário, etc. Da mesma forma, tratando-se de disputas de sentido, o poder não está localizado, atualiza-se e exerce-se no acontecer. Isso pode significar que, em diferentes momentos, diferentes sujeitos materializam mais poder. (BALDISSERA, 2009, p. 158) Para Kunsch (2009, p. 80), ao serem guiadas pela “filosofia” e por uma política de comunicação integrada, as ações comunicativas assumem então maior responsabilidade ao considerar as demandas, os interesses e as exigências dos públicos estratégicos da organização, bem como da sociedade na qual ela está inserida. Esse novo cenário de trabalho deve integrar todos os esforços da comunicação interna, da institucional e da mercadológica num único objetivo, agregar valor às organizações no cumprimento de seus propósitos de missão, na consecução de seus objetivos globais e, sobretudo na construção e fixação de sua marca no mercado em que atua. PLANEJAMENTO DA COMUNICAÇÃO INTEGRADA EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR PRIVADAS: A COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA DE MARKETING Segundo Galindo (2009) cabe às organizações reconhecer o seu papel de comunicadoras e resgatar as atividades de relação estabelecidas com cada um de seus públicos. O autor compartilha com Kunsch a importância da integração do planejamento da comunicação. Ele sinaliza que cada gesto desse resgate estabelece um tipo específico de mensagem (institucional ou mercadológico) e sua transmissão pensada e planejada numa comunicação integrada traduz e amplia a imagem da marca pela filosofia corporativa de maneira muito mais efetiva. Ele explica também que “a comunicação mercadológica leva aos consumidores a razão para comprar e a comunicação corporativa leva a eles a permissão para comprar” (2009, p. 232). É possível atribuir um caráter multidisciplinar ao ato comunicativo quando se observa que a busca por uma integração das ações da comunicação com o mercado atende a determinadas necessidades e que estas surgem não somente a partir das circunstâncias internas e externas da empresa, mas, sobretudo, das necessidades dos seus públicos de interesse (GALINDO, 2009, p. 227). O caráter complexo e multidisciplinar atribuído à comunicação é também compartilhado por Perez e Massoni (2009) que notam a singularidade e o individualismo das diversas áreas do conhecimento desenvolvendo estratégias que não têm a capacidade de abarcar todos os relacionamentos multidimensionais nem a complexidade que se instaura nesses relacionamentos. Os autores afirmam que a comunicação, por sua própria dinâmica, tem essa capacidade. Ela consegue se instaurar e se desenvolver num ambiente plural e complexo, Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4777 Reflexão sobre o Planejamento da Comunicação Integrada em Instituições de Ensino Superior Privadas no Brasil Sergio dos Santos Clemente Júnior • Mitsuru Higuchi Yanaze dando espaço de fala e de expressão a todos os atores envolvidos. Como comunicadores e seres humanos que somos, desenvolvemos estratégias pela linguagem e não somente com nossa racionalidade, mas sim com nossas emoções. Segundo Bueno (2009, p. 373) sem estratégia, não há inteligência. Partindo disso, o autor explica que normalmente a comunicação empresarial não é definida pelas organizações como atividade estratégica, e que esse é um pressuposto fundamental para que ela possa ser compreendida como “um autêntico processo de inteligência”. A inteligência competitiva abrange não apenas a coleta e a sistematização de dados ou informações, que serão tornados conhecimento, mas uma autêntica e complexa gestão que inclui monitoramento da concorrência, identificação dos pontos fortes e fracos das organizações, construção de cenários articulados com estratégias e ações e a utilização de métodos e técnicas variados (BUENO, 2009, p. 372). Bueno (2009, p. 377) explica que a inteligência empresarial competitiva requer planejamento e que este, por definição, é “um processo que se respalda em dados sistematizados, informações, conhecimentos, vivências e saberes intrinsecamente vinculados aos objetivos, aos valores e à missão de uma organização, e não deve ser entendido como uma atividade episódica ou meramente operacional”. Sabendo-se que o planejamento é uma atividade administrativa frequentemente realizada pelos profissionais de comunicação, Bulgacov e Marchiori (2010) esclarecem que a “estratégia como prática” tem origem nos estudos de Richard Whittington em meados da década de 90, que sugere que é necessário mudar o escopo das pesquisas sobre estratégia no sentido de observar como os atores envolvidos no processo de pensar e estruturar a estratégia (em todos os seus níveis) age nas suas práticas diárias, o que resulta e / ou influencia diretamente a maneira pela qual a estratégia é desenvolvida, viabilizada e colocada em prática. Dessa forma, a comunicação empresarial, que inclui as ações desenvolvidas pela comunicação de marketing, deve ser intimamente inserida nas estratégicas empresariais cujo papel fundamental deve vislumbrar tanto “a busca de eficácia na interação com os públicos de interesse (stakeholders), quanto no desenvolvimento de planos e ações que imprimam vantagem competitiva às organizações” (BUENO, 2009, p. 375). Yanaze (2012, p. 418) classifica a comunicação de marketing em três grandes áreas: 1) Comunicação administrativa (interna e externa), 2) Comunicação mercadológica (interna e externa) e 3) Comunicação Institucional (interna e externa). Assim como Kunsch (2003, 2009), Yanaze (2012, 2013) entende que a integração das ações comunicativas nessas três áreas é necessária e produtiva, e propõe que a empresa seja estudada por um fluxograma sistêmico intitulado “3puts”, a saber: Inputs, Throughputs e Outputs. Essa releitura da estrutura sistêmica da empresa, apresentada na Figura 1, amplia o olhar quanto aos recursos, os processos, os sistemas e as políticas de comunicação desenvolvidas dentro de uma organização. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4778 Reflexão sobre o Planejamento da Comunicação Integrada em Instituições de Ensino Superior Privadas no Brasil Sergio dos Santos Clemente Júnior • Mitsuru Higuchi Yanaze Figura 1. Fluxograma sistêmico de uma empresa. Fonte: Yanaze, 2012, p. 55. O autor orienta a necessidade de se estabelecer uma perfeita interação entre os Inputs e os Throughputs no planejamento tanto de marketing quanto da comunicação, e diz que nenhum esforço do Output Comunicação apresentará resultado pleno se não for trabalhada adequadamente a Comunicação Administrativa (YANAZE, SENISE e FREIRE, 2013). Yanaze (2012, p. 75) nos ensina que há cinco etapas a serem seguidas para a elaboração de um planejamento estratégico mercadológico. Vejamos quais são elas: PP Ter conhecimento amplo e sólido sobre os três principais personagens de uma empresa: o produto, o mercado e a concorrência. PP Identificar quais podem ser os personagens secundários, que de maneira direta ou indireta, positiva ou negativamente, podem afetar as ações propostas no planejamento. PP Conhecer todas as variáveis presentes no cenário da empresa. Tais variáveis podem ser provenientes do ambiente interno e externo. Quando vindas do ambiente externo podem estar associadas a algum dos personagens secundários que afetam a empresa. PP Identificar e analisar os pontos fortes e fracos da empresa e de seus concorrentes. PP Assim como identificar as oportunidades e as ameaças que rondam o mercado no qual atua. Normalmente vemos que os departamentos de marketing são na verdade departamentos de serviços de marketing. Para se caracterizar o marketing como um departamento estratégico, há que se pensar em suas funções gerenciais, que segundo Yanaze, Freire e Senise (2013, p. 49) são compostas pelo planejamento, pela organização, pela direção e coordenação, pelo controle e pela avaliação da viabilidade econômico-financeira. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4779 Reflexão sobre o Planejamento da Comunicação Integrada em Instituições de Ensino Superior Privadas no Brasil Sergio dos Santos Clemente Júnior • Mitsuru Higuchi Yanaze O planejamento pressupõe o estabelecimento de objetivos e metas, os quais devem ser fixados com base no potencial e no histórico do mercado a atender. A organização pressupõe a alocação de recursos que, segundo Yanaze (2012), dizem respeito aos inputs – elementos que alimentam a produção e compreendem não somente os recursos humanos, financeiros e materiais, mas todo e qualquer recurso utilizado pelo processo produtivo, acrescidos de informações e da tecnologia. Nesse cenário, todos os processos, os sistemas e as políticas de gestão, de lucros, de vendas, entre outras, compreendem o que o autor classifica como throughputs, ou seja, “o que se produz por intermédio de” (YANAZE, 2012, p. 54). O perfeito entrosamento desses 3puts pode levar o planejamento ao perfeito caminho do sucesso. A direção e coordenação correspondem às diretrizes propostas pelos gestores para a realização das tarefas. Uma vez definidos os objetivos e as metas, e alocados os recursos necessários, deparamo-nos com a necessidade da definição de como serão trabalhados tais recursos para a obtenção dos outputs – que pela leitura do autor é o produto de determinado processo produtivo (não somente o produto / serviço, mas também o preço, a distribuição e a comunicação). Para a melhoria dos processos, faz-se necessário implantar o controle, que na visão das empresas contemporâneas, é o monitoramento constante de operações previstas no planejamento. E por fim, acerca da avaliação da viabilidade econômico-financeira do projeto, Yanaze (2012, p. 73) nos explica que todas as ações mercadológicas produzem consequências financeiras, econômicas e patrimoniais ao longo do tempo. O autor ressalta que no longo prazo, tais consequências se equilibram, mas em curto prazo, podem representar a viabilidade ou não da implantação das ações propostas no projeto. A análise da viabilidade econômico-financeira tem como principal função a avaliação do fluxo de caixa quanto às entradas e saídas, receitas e despesas e também os lucros e prejuízos. Faz-se necessário então relacionar a estrutura do planejamento de marketing proposto por Yanaze (2012) com as características específicas da prestação de serviços, o que nos leva a ressaltar alguns pontos fundamentais. Primeiro que, de acordo com os dados oficiais da US Bureau of Economic Analysis – Survey of Current Business, apresentados por Lovelock e Wirtz (2007, p. 4), os serviços, já no inícios do Século XXI, representavam cerca de 80% do Produto Interno Bruto dos EUA. Por parte dos demais países a tendência desde então tem sido o acompanhamento desse percentual, o que nos faz acreditar que vivemos na Era dos Serviços. Segundo que, pelas características particulares dos serviços, há que se observar a importância de conhecer o mercado que consome tais serviços de maneira muito mais cuidadosa. As características do mercado de serviços sofreram alterações tanto por parte da maneira pela qual são entregues, como e principalmente na maneira pela qual os consumidores têm procurado, comparado, utilizado e avaliado os serviços. O planejamento deve dar maior ênfase na análise diagnóstica do setor para poder assim propor ações efetivamente mais estratégicas. Diante de um mercado de concorrência tão acirrada, como é o mercado de ensino superior privado no Brasil, as organizações atuantes nesse setor devem dar maior ênfase Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4780 Reflexão sobre o Planejamento da Comunicação Integrada em Instituições de Ensino Superior Privadas no Brasil Sergio dos Santos Clemente Júnior • Mitsuru Higuchi Yanaze ao planejamento de comunicação integrada, no qual as ações mercadológicas façam parte ao mesmo tempo em que são provenientes das ações estratégicas no negócio. Como bem já nos ensinou Bueno (2009, p. 373) ao afirmar que sem estratégia, não há inteligência, o marketing por meio de suas ferramentas de diagnóstico mercadológico pode auxiliar de maneira substancial o planejamento de comunicação das IES brasileiras, tornando esse planejamento integrado e muito mais efetivo quanto aos seus propósitos, que deve ser o perfeito atendimento das necessidades e a busca da plena satisfação dos clientes. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os processos de planejamento da comunicação normalmente são vistos e desenvolvidos nas empresas como atividades tática, estanques e que não estão de forma íntima ligadas às estratégias empresariais. Essa realidade acaba por definir e gerar ações cujo resultado superficial implica na necessidade de novas ações emergenciais que busquem dar conta do que as primeiras não deram. Pensar as ações mercadológicas de maneira integrada às ações comunicacionais estratégicas se faz necessário para que os investimentos de marketing possam alcançar os resultados esperados pela organização. O amplo conhecimento dos stakeholders e de suas necessidades, auxilia no processo diagnóstico dos planejamentos de marketing e da comunicação organizacional. Talvez, o primeiro passo seja aceitar e entender a complexidade do processo comunicacional na atualidade, e dele se valer do correto uso das informações cada qual ao seu tempo. Sabendo-se que o objetivo das ações de marketing é o atendimento das necessidades e expectativas dos clientes, o planejamento de comunicação mercadológica deve analisar os atores envolvidos no processo comunicacional, bem como as informações levantadas no diagnóstico e integrar todos os departamentos da organização (que são as fontes de informação internas) nesse estudo / trabalho, buscando assim alcançar um planejamento melhor desenhado que consiga dar conta da comunicação mercadológica, que de tão simples tarefa se torna árdua (por ser complexa) e cada vez mais importante para a sobrevivência das organizações, sobretudo as de ensino superior privado no Brasil. REFERÊNCIAS Baldissera, Rudimar. (2009). A teoria da complexidade e novas perspectivas para os estudos da comunicação organizacional. In: Kunsch, Margarida Maria Krohling (org.). Comunicação Organizacional. Vol. 1. São Paulo: Editora Saraiva. Bueno, Wilson da Costa. (2009). A comunicação como inteligência empresarial competitiva. In: Kunsch, Margarida Maria Krohling (org.). Comunicação Organizacional. Vol. 1. São Paulo: Editora Saraiva. Bulgacov, Sergio. Marchiori, Marlene. (2010). Estratégia como Prática: A construção de uma realidade social em processos de interação organizacional. In: Marchiori, Marlene (org.). Comunicação e Organização: Reflexões, processos e práticas. São Caetano do Sul: Difusão Editora. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4781 Reflexão sobre o Planejamento da Comunicação Integrada em Instituições de Ensino Superior Privadas no Brasil Sergio dos Santos Clemente Júnior • Mitsuru Higuchi Yanaze Galindo, Daniel dos Santos. (2009). A comunicação integrada de marketing e o seu caráter multidisciplinar. In: Kunsch, Margarida Maria Krohling (org.). Comunicação Organizacional. Vol. 1. São Paulo: Editora Saraiva. Kunsch, Margarida Maria Krohling. (2009). Percursos paradigmáticos e avanços epistemológicos nos estudos de comunicação organizacional. In: Kunsch, Margarida Maria Krohling (org.). Comunicação Organizacional. Vol. 1. São Paulo: Editora Saraiva. Kunsch, Margarida Maria Krohling. (2003). Planejamento de Relações Públicas na Comunicação Integrada. São Paulo: Editora Sumus. Lovelock, Christofer; Wirtz, Jochen. (2007). Marketing de Serviços. São Paulo: Editora Pearson – Prentice Hall. Perez, Rafael Alberto & Massoni, Sandra. (2009). Hacia una teoría general de la estrategia. Barcelona: Editorial Ariel. Yanaze, Mitsuru Higuchi. (2012). Gestão de Marketing e Comunicação. São Paulo: Editora Saraiva. Yanaze, Mitsuru Higuchi. Freire, Otávio. Senise, Diego. (2013). Retorno de Investimentos em Comunicação. São Paulo: Difusão Editora / SENAC. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4782 Planejamento e avaliação da Comunicação Organizacional em Universidades Públicas: o caso da UFT Planning and evaluation of Organizational Communication in Public Universities: the case of UFT B i a n ca Z a n e l l a R i b e i r o 1 Fr ancisco Gilson R ebouças Pôrto Júnior 2 Resumo: Este trabalho consiste em um exercício teórico e prático no qual propomos um composto básico para a comunicação organizacional: diretrizes de atuação, planejamento estratégico integrado e um sistema de avaliação permanente e mensuração de resultados na forma de uma Política de Comunicação, um Plano de Comunicação plurianual e uma Matriz de Indicadores para a Universidade Federal do Tocantins (UFT). A análise é baseada em um diagnóstico da instituição pelo recorte da comunicação a partir de métodos como pesquisa de opinião, estudos bibliográficos e levantamentos documentais. No cerne das discussões está o papel dos profissionais e setores especializados em comunicação nas organizações, mas também o papel dos demais sujeitos envolvidos na organização para o êxito do processo comunicacional. Palavras-Chave: Comunicação organizacional. Setor público. Universidade. Planejamento. Avaliação. Abstract: The present research consists on an exercise theoretical and practical in which we propose a compound basic to an organizational communication at the Federal University of Tocantins (UFT): operational directives, integrated strategic planning and a permanent evaluation and measurement system of results as a Communication Politics, a multiannual Communication Plan and an Indicators Matrix. Such proposal is the result of an association of qualitative and quantitative methods related to the practices of a case study and applied research to communication and management of public policies, and is based on theoretical approaches that emphasize the strategic potential of organizational communication mainly focused on public organizations in the education sector. The analysis is based on a diagnosis that aims to capture aspects of the complexity and dynamics of the researched institution by a communication clipping made from methods like opinion poll, bibliographical studies and documentary surveys. The kernel of discussions is the role of professionals and specialized sectors in communication in organizations, and also the role of other 1. Mestranda em Gestão de Políticas Públicas (Universidade Federal do Tocantins), pós-graduada em Gestão Pública (Centro Universitário Claretiano) e graduada em Comunicação Social/Jornalismo (Universidade Católica de Pelotas). [email protected]. 2. Professor da Universidade Federal do Tocantins, doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Universidade Federal da Bahia), mestre em Educação (UnB) e graduado em Comunicação Social/Jornalismo (Ulbra) e Pedagogia (UnB). [email protected]. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4783 Planejamento e avaliação da Comunicação Organizacional em Universidades Públicas: o caso da UFT Bianca Zanella Ribeiro • Francisco Gilson Rebouças Pôrto Júnior participants involved in the organization for the success of the communication process. Keywords: Organizational communication. Public sector. University. Planning. Evaluation. INTRODUÇÃO EJA QUAL for a crise em pauta, é bastante provável que, em algum momento, alguém S fará um comentário reticente e desgastado do tipo “é falha de comunicação...”. A afirmação soará como um clichê, ainda que possa ser, no mínimo, uma meia verdade. É bem possível, aliás, que o “autor” da frase esteja coberto de razão e que os demais presentes balancem a cabeça afirmativamente, e, desanimadamente, encerrem o assunto. Mas, afinal, qual é o problema? Por que a comunicação é tão associada à ideia de problema e a discussão para por aí, ou se estende em uma repetitiva sequência de queixas sobre como a organização se comunica mal (todo mundo tem sempre muitos exemplos disso para desfiar), sem, contudo, avançar no caminho de soluções? Suspeitamos que, em boa parte dos casos, isso ocorra porque as pessoas confundem problema ou falha “de” comunicação com problema ou falha “da” comunicação, como se todos os processos comunicativos dentro da organização dependessem exclusivamente da atuação do departamento que tem a tal palavra “mágica” no nome. Além de eximir de responsabilidades os demais agentes comunicativos no ambiente organizacional, o senso comum repete o tempo todo que problema de comunicação, ou “não é problema meu”, ou é problema sem solução. Daí a cena descrita anteriormente ter virado um surrado lugar-comum. A partir da prática e dos desafios diários com que nos deparamos no desempenho das atividades da Diretoria de Comunicação da Universidade Federal do Tocantins (Dicom/UFT), com base em sedimentadas teorias de comunicação e também em novos estudos que vêm encontrando respaldo no ambiente acadêmico e profissional, procuramos, neste trabalho, avançar em questões críticas da comunicação no âmbito da UFT, buscando um distanciamento cada vez maior do estigma de “problema”, e uma consequente aproximação da ideia de solução. A pergunta que sintetiza nosso problema de pesquisa é: considerando todos os questionamentos anteriores, como a comunicação organizacional deve se estruturar e funcionar para ter seu potencial melhor aproveitado nas universidades, em especial nas universidades públicas e na UFT, no sentido de contribuir de modo mais efetivo com a realização da missão social da instituição, com o desenvolvimento humano no interior do sistema organizacional e com o desenvolvimento da própria organização, em sintonia com os interesses da sociedade? Esse trabalho ainda em construção consiste em um estudo de caso inspirado nos moldes de uma auditoria de comunicação (KUNSCH, 2003 e 2006; VARONA, 1994) e de uma pesquisa institucional (KUNSCH, 2003), inicia-se com um levantamento ambiental e documental, e uma análise de produtos comunicacionais da instituição, sem perder-se de vista a inserção da autora como pesquisadora participante. Na etapa atual, traçamos um perfil organizacional e desenhar um diagnóstico em profundidade da comunicação no contexto pesquisado. A segunda etapa consiste em uma tentativa de representar qualiquantitativamente Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4784 Planejamento e avaliação da Comunicação Organizacional em Universidades Públicas: o caso da UFT Bianca Zanella Ribeiro • Francisco Gilson Rebouças Pôrto Júnior esse cenário, com base em como o público interno percebe a organização e se sente em relação a ela por meio dos canais formais e informais comunicação, do ponto de vista da efetividade. Para essa verificação foram elaborados questionários que mesclam elementos do Questionário de Auditoria de Comunicação (CAC, na sigla em espanhol de Cuestionario de la Auditoría de la Comunicación), desenvolvido por Varona (1991) a partir de estudos de Cal Downs e M. Hazen (CSQ, na sigla em inglês de Communication Satisfaction Questionnaire, datado de 1976); do Modelo de Avaliação de Relacionamentos em Relações Públicas proposto por Hon e Grunig (PR Relationship Measurement Scale); da Teoria Apreciativa (VARONA, 2004), e da Escala Yardstick, (LINDENMANN, 1993 apud GALERANI, 2006), ainda a serem aplicados. Como resultado deste trabalho ainda em desenvolvimento, temos como expectativa “traduzir” os resultados observados qualiquantitativamente, e como objetivo final propor diretrizes gerais para a comunicação na UFT e indicadores, na forma de uma política, um plano plurianual e uma matriz de avaliação, utilizando um esquema de triangulação entre o referencial teórico, a coleta de dados documentais na pesquisa institucional e os novos dados produzidos a partir dos questionários. Tendo em vista este ser um projeto ainda em andamento, o que apresentamos aqui é o diagnóstico preliminar da comunicação organizacional na UFT elaborado com base em dados pré-existentes, reunidos por meio da pesquisa documental. COMUNICAÇÃO PÚBLICA E UNIVERSIDADE Nas palavras de Elizabeth Brandão, comunicação pública é o processo de comunicação que se instaura na esfera pública entre o Estado, o Governo e a Sociedade e que se propõe a ser um espaço privilegiado de negociação entre os interesses das diversas instâncias de poder constitutivas da vida pública no país (BRANDÃO, 2012, p. 13). Um dos pioneiros a desenvolver o conceito de comunicação pública como informação para a cidadania, o autor francês Pierre Zémor considera os objetivos da comunicação pública indissociáveis das finalidades das instituições, ou seja, de sua função social. Para ele, a comunicação deve informar (levar ao conhecimento, prestar conta e valorizar); ouvir as demandas, as expectativas, as interrogações e o debate público; contribuir para assegurar a relação social (sentimento de pertencer ao coletivo, tomada de consciência do cidadão enquanto ator); e acompanhar mudanças, tanto as comportamentais quanto as da organização social (Zémor, apud Brandão, 2012). Além disso, segundo Zémor (ibid.), esta comunicação deve ser, necessariamente, bilateral – para informar, mas também ouvir o cidadão –, e legitimada pelo “interesse geral”. Para Novelli, a comunicação pública, compreendida como a “comunicação praticada pelos órgãos responsáveis pela administração pública” (2006, p. 77) ou “a comunicação que ocorre entre as instituições públicas e a sociedade e tem por objetivo promover a troca ou o compartilhamento das informações de interesse público” (id., p. 85), possui importância significativa para o exercício da participação política e da cidadania. Kunsch (1992) reforça a associação entre comunicação pública e comunicação científica em uma análise que encontra fundamento também nas ideias de Zémor a Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4785 Planejamento e avaliação da Comunicação Organizacional em Universidades Públicas: o caso da UFT Bianca Zanella Ribeiro • Francisco Gilson Rebouças Pôrto Júnior respeito da indissociabilidade dos objetivos da comunicação pública e finalidades das instituições, ao defender a difusão da ciência – aqui considerando todas as áreas do conhecimento – como prioridade para a comunicação nas universidades tendo em vista o papel destas instituições na edificação da sociedade, sua responsabilidade de responder às demandas sociais e também de prestar contas à sociedade que financia suas pesquisas e demais atividades. Tomando emprestadas as contribuições dos diversos autores aqui discutidas e considerando as peculiaridades das universidades públicas no contexto das organizações, embora sem a pretensão de “fechar” conceitos em definitivo, neste trabalho compreendemos a comunicação organizacional pública como o processo gerencial e de relacionamento que se estabelece nas organizações e entre as organizações e seus diversos públicos estratégicos (stakeholders), resultando em uma interação dialógica entre Estado, governo, outras instituições e os cidadãos. Essa comunicação pode ser estabelecida de diversas formas, abrangendo as três grandes áreas da comunicação integrada – comunicação institucional, interna (administrativa) e mercadológica –, por diversos meios e canais, e tem como objetivo contribuir com o desenvolvimento organizacional, com o desenvolvimento humano e da cidadania, e com a concretização da missão social das organizações, que no caso das universidades está estreitamente relacionada à difusão científica. DIAGNÓSTICO PRELIMINAR DA COMUNICAÇÃO BASEADO EM MÚLTIPLAS EVIDÊNCIAS O Estatuto da UFT, apresentado em agosto de 2003 e homologado pela Portaria do Ministério da Educação n° 658/2004, torna evidente essa aproximação entre os fins da Instituição e tais meios ao prever, dentre as sete finalidades da Universidade, a de “promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação” (UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS [UFT], 2003a, p. 3, grifo nosso). Exceto por essa menção, contudo, a única outra citação direta da palavra “comunicação” ou do verbo “comunicar” na carta magna da UFT aparece na página 6, no trecho que trata da estrutura da Reitoria com a Assessoria de Comunicação Social em sua composição, a qual mais tarde veio a assumir o nome e o status de Diretoria de Comunicação (Dicom)3, e incorporou a assessoria de comunicação do gabinete4. Desta forma, diretamente vinculada à Reitoria, a Dicom está centralizada em Palmas, contando apenas com colaboradores nos demais câmpus e em diferentes setores, não subordinados a ela – na maior parte servidores sem formação em comunicação que 3. Não encontramos documentos que formalizem essa mudança de nomenclatura e estruturação, mas estimamos que tenha ocorrido em 2006, quando o servidor que ocupava o cargo de assessor de comunicação desde a implantação da UFT, em 2003, foi designado para o cargo de diretor. 4. Em algumas versões do organograma da UFT encontramos a Assessoria de Comunicação da Reitoria e a Dicom em blocos distintos, ambas vinculadas ao gabinete da Reitoria, mas sem vinculação aparente entre si. Na prática, porém, entendemos que a assessoria do gabinete é um apêndice, ou núcleo avançado, da Diretoria de Comunicação, e acreditamos que essa adequação deva ser considerada pela comissão instituída em 2013 para a reformulação do organograma da Universidade, conforme mencionado no Relatório de Avaliação Institucional (UFT, 2014, p. 152), Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4786 Planejamento e avaliação da Comunicação Organizacional em Universidades Públicas: o caso da UFT Bianca Zanella Ribeiro • Francisco Gilson Rebouças Pôrto Júnior atuam em funções diversas ou estagiários sem supervisão específica de profissionais de comunicação. Isso, além de caracterizar descumprimento da Lei do Estágio (Lei n° 11.788/2008), a qual determina que a parte concedente deve indicar funcionário com formação ou experiência profissional na área de conhecimento desenvolvida no curso do estagiário para orientar e supervisionar suas atividades, implica que as ações não são coordenadas a partir de uma lógica institucional ou de uma diretriz central/global. Apesar de demandar tarefas a esses colaboradores em postos avançados, em geral a Diretoria se adapta ao conteúdo por eles apresentado, nem sempre de acordo com o que deveriam ser prioridades estratégicas. Com o concurso para técnicos-administrativos realizado em 2014 e alguns processos de redistribuição, a Dicom cresceu e chegou, no primeiro trimestre de 2015, a uma equipe de aproximadamente 35 pessoas, incluindo nove jornalistas, 16 estagiários nas diversas áreas (redação, vídeo, rádio, produção gráfica e administração), dois programadores visuais, uma relações públicas, uma administradora, duas secretárias e outros servidores em cargos diversos, em um número efetivo variável e um pouco menor devido a afastamentos de saúde e para qualificação. Apesar do crescimento, a Dicom ainda enfrenta dificuldades para capilarizar sua atuação por todos os câmpus e setores acadêmicos e administrativos, e equilibrar a balança entre diretrizes centrais e ações descentralizadas. Conforme o Decreto n° 6.555/2008, enquanto unidade administrativa com atribuição de gerir atividades de comunicação social em um órgão do Poder Executivo Federal, a Dicom integra o Sistema de Comunicação de Governo do Poder Executivo Federal (Sicom), gerido pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom). Por força da autonomia administrativa, porém, ainda que siga em grande parte as normativas e orientações gerais designadas pela Secretaria Executiva da Secom, a UFT, por meio da Dicom, resguarda-se a possibilidade de fazer adaptações. Exemplo disso é o guia próprio da Instituição de redação e formatação de documentos, elaborado com base no Manual de Redação Oficial da Presidência da República, mas com características particulares de acordo com a identidade visual da Universidade. O Regimento Geral da UFT (2003b), define, em seu Capítulo I, as atribuições da Reitoria, das pró-reitorias e dos conselhos deliberativos que compõem a Administração Superior da Universidade, mas nada versa a respeito das atribuições específicas da Dicom, então apenas Assessoria de Comunicação Social. Não tendo sido encontrados documentos posteriores que tratem especificamente das designações da Diretoria, presumimos que esta foi instituída para cumprir funções tácitas, ou que “naturalmente se esperam” de um departamento de comunicação, apenas por prerrogativa do Gabinete de delegar atribuições dentro de suas competências, sem que tenha havido uma documentação regimental deste fato. No Planejamento Estratégico 2006-2010 (UFT, 2006, p. 24), o mais recente publicado até o momento, a comunicação, especificamente a comunicação interna, adjetivada no documento como “precária”, é apontada como uma das oito fraquezas da Instituição. Oito anos depois, essa constatação negativa ainda reverbera no Relatório de Avaliação Institucional 2013 elaborado pela Comissão Própria de Avaliação (CPA), segundo o qual a “falta de mecanismos articuladores e instrumentos de comunicação interna e Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4787 Planejamento e avaliação da Comunicação Organizacional em Universidades Públicas: o caso da UFT Bianca Zanella Ribeiro • Francisco Gilson Rebouças Pôrto Júnior externa” (id., 2014a, p. 29) é um dos obstáculos enfrentados pela UFT para cumprir sua missão institucional. Para além das críticas, que se voltam para trás, tais documentos pouco contribuem no sentido de indicar, à frente, caminhos de melhoria e mudança em relação à comunicação. O Planejamento Estratégico 2006-2010 (até então sem nova edição publicitada) limitase a situar a adoção de “uma ativa política de comunicação e de divulgação (interna e externa) acerca das realizações, na busca da construção da imagem institucional” (ibid., p. 27) dentre os objetivos estratégicos de aperfeiçoamento da gestão. O Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI, UFT, 2007b) e o Projeto PedagógicoInstitucional (PPI, UFT, 2007a) da UFT ratificam o Estatuto ao estabelecer que, com vistas à consecução da missão institucional, todas as atividades de ensino, pesquisa e extensão da UFT, e todos os esforços dos gestores, comunidade docente, discente e administrativa deverão estar voltados para: I. o estímulo à efetiva interação com a sociedade, a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; [...] IV. a promoção da divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem o patrimônio da humanidade comunicando esse saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação [...] (UFT, 2011, p. 11, grifo nosso; id., 2007a, p. 11, grifo nosso). Ainda no PDI (2011-2015), a comunicação é citada entre os objetivos estratégicos da dimensão de várias dimensões, mas duas menções ao termo comunicação chamam especial atenção: entre as estratégias de extensão, consta “criar e implementar o plano de comunicação para a extensão” (ibid., p. 40), e nas estratégias de apoio à permanência dos estudantes nos cursos de graduação, tem-se “implementar, na UFT, um sistema de comunicação eficiente, para garantir que os alunos da Instituição, em especial os mais carentes, possam usufruir dos benefícios a que têm direito” (UFT, 2011, p. 43). Como as estratégias estão elencadas por departamento, estando estas no âmbito das pró-reitorias de Extensão e Cultura (Proex), e Assistência Estudantil e Comunitária (Proest), respectivamente, e a própria Diretoria de Comunicação tem no PDI ações especificadas, destacamos estas menções para ilustrar uma situação que, a nosso ver, caracteriza desvio de competências, e não se restringe, na UFT, apenas a esses casos. Outro exemplo é o fato de o PPI apontar, dentre as diretrizes para uma gestão humanizada a serem conduzidas pela Pró-Reitoria de Administração e Finanças, o item “repensar a estrutura organizacional e instâncias da UFT principalmente no que se refere à forma de comunicação [...] e à articulação com a sociedade externa. (id., 2007a, p. 27). Sob nosso ponto de vista, em primeiro lugar, se a comunicação na Universidade fosse pensada de forma estratégica e integrada, não caberia em nenhuma hipótese o desenvolvimento de “um plano de comunicação para a extensão”, muito menos desenvolvido de forma alheia à Diretoria de Comunicação, entendida aqui como o departamento responsável pela gestão da comunicação organizacional, apesar da inexistência de sua designação formal. Caberia, sim, um plano de comunicação institucional único, abrangente o suficiente para contemplar os três eixos basilares da Universidade – ensino, Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4788 Planejamento e avaliação da Comunicação Organizacional em Universidades Públicas: o caso da UFT Bianca Zanella Ribeiro • Francisco Gilson Rebouças Pôrto Júnior pesquisa e extensão –, tendo em vista serem indissociáveis, e ao mesmo tempo capaz de captar as particularidades de cada um. Em segundo lugar, não caberia ao outro departamento, que não a Dicom, a “implantação de um sistema de comunicação eficiente” para qualquer objetivo organizacional. Se o sistema de comunicação organizacional vigente é considerado ineficiente, a proposição de um novo deveria partir da Diretoria de Comunicação, em parceria com os demais setores estratégicos, e mais uma vez de forma integrada. O mesmo princípio se aplica à atribuição de “repensar a estrutura organizacional e instâncias da UFT no que se refere à forma de comunicação”, pois ainda que a gestão da estrutura organizacional seja atribuição do setor administrativo, o planejamento da comunicação e a sua reestruturação não poderiam ocorrer de forma alheia à Dicom, salvo se fosse o caso de destituí-la. A respeito da política de comunicação da Universidade, o PDI da Universidade é vago no breve trecho reproduzido ipsis litteris nas edições 2007-2011 e 2011-2015, limitando-se, em quatro parágrafos, basicamente, a afirmar que a política de comunicação da UFT consiste em construir e projetar a imagem de uma universidade forte e autônoma, integrada no contexto socioeconômico do Tocantins e da Amazônia, conforme a missão e visão de futuro definidas no Planejamento Estratégico da Instituição. (UFT, 2010, p. 53 e id., 2007, p. 30). Quais são os objetivos específicos e as atribuições próprias da Diretoria de Comunicação da UFT? Quais são suas metas? Como essas metas serão avaliadas? Quem são os públicos estratégicos prioritários? Essas e diversas outras perguntas ficam sem resposta nos documentos existentes. Ao ser, por um lado limitada e econômica em diretrizes e, por outro, abrangente demais em seu sentido, a política de comunicação proposta no PDI incorre em dois problemas principais: sem uma delegação formal de competências – o que lhe cabe e o que não lhe cabe fazer – ora a Dicom fica impedida de exercer (e de reivindicar até) suas responsabilidades pela falta de uma normativa que lhe garanta autoridade para intervir em casos, por exemplo, em que a imagem institucional seja afetada por atos inadvertidos de setores alheios; ora a Diretoria é tomada como “quebra-galho” para o desempenho de tarefas genéricas partindo-se da premissa de que “tudo envolve comunicação”, correndo o risco, por conta dessas demandas extras, de negligenciar funções que lhe seriam próprias, e ignorando-se a responsabilidade de todas as pessoas e demais setores envolvidos no processo de comunicação organizacional. Assim, ironicamente, a despeito de afirmar que busca “resolver problemas e indefinições que permeiam o dia-a-dia da Universidade” (ibid.), a Dicom tem na própria ausência de diretrizes um exemplo de algo que ainda precisa ser definido. E se a política de comunicação, que deveria servir de base para o planejamento, juntamente com os documentos elementares da Instituição, é falha, para não dizer inexistente, o próprio planejamento também apresenta problemas, com consequências óbvias no desenvolvimento de ações. A comparação entre as ações de comunicação previstas nos dois planos de desenvolvimento da Universidade evidencia que em pelo menos quatro anos de intervalo a Instituição pouco evoluiu neste quesito, e a constatação prática de que diversas ações desenvolvidas não constam no PDI deixa clara a discrepância entre o que é planejado e o que realmente é executado em relação Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4789 Planejamento e avaliação da Comunicação Organizacional em Universidades Públicas: o caso da UFT Bianca Zanella Ribeiro • Francisco Gilson Rebouças Pôrto Júnior à comunicação organizacional. Além disso, o vislumbre de que várias ações planejadas para serem desenvolvidas até 2015 não estão sequer em estágio de elaboração indica que, possivelmente, o cenário de estagnação em alguns aspectos deve se repetir no próximo PDI caso o planejamento não seja repensado e melhor estruturado, inclusive com maior detalhamento das ações em planos e projetos. O Relatório de Gestão 2013 (UFT, 2014b), corrobora com nossa análise de que existe um desalinhamento entre planejamento e prática de comunicação na UFT ao não mencionar ações previstas no PDI e citar outras, como o lançamento do novo Portal da UFT, em 22 de maio de 2013 – sem explicitar que a migração do antigo site e respectiva retirada do ar ainda não fora concluída –, o lançamento do novo Portal do Professor e a programação alusiva aos 10 anos da implantação da UFT, que incluiu o lançamento de um selo comemorativo, entre outras campanhas institucionais. Fora essas observações pontuais, focadas basicamente no nível de produto, o relatório não traz dados que possam ser comparados para uma real avaliação da evolução da comunicação na Instituição. Acrescenta apenas que “a estratégia tem sido adequar e fortalecer os veículos institucionais” (id., p. 198), e cita que “93,6% das notícias veiculadas na mídia sobre a UFT de janeiro a outubro de 2013 tiveram conotação positiva” (id., p. 200), com média de 3,5 notícias publicadas por dia. Sem bases que fundamentem uma efetividade da comunicação, o Relatório, embora admita a necessidade de aprimoramento e superação de barreiras de comunicação interna e de democratização do conhecimento acadêmico, afirma que a comunicação pode ser considerada efetiva porque abrange os diferentes públicos da Universidade e trata de estabelecer canais de relacionamento visando aproximar a instituição tanto da comunidade interna quanto da comunidade externa. (ibid.) O Relatório afirma ainda que Ela [a comunicação] é comprometida com a missão da Universidade enquanto busca, principalmente, difundir os conhecimentos produzidos na Universidade e contribuir, por meio da informação, com a formação de cidadãos e profissionais qualificados em todas as áreas, comprometidos com o desenvolvimento sustentável. (id., p. 200-201) Tal afirmação, entretanto, não se sustenta em dados e é questionável, sobretudo, no aspecto de buscar, principalmente, difundir conhecimentos, se a confrontarmos, por exemplo, com o levantamento do mês de janeiro de 2015 das ações da Dicom. O levantamento mostra que o número de matérias publicadas no Portal UFT (muitas das quais são enviadas como sugestões de pauta à imprensa) caracterizadas efetivamente como divulgação científica representa apenas 1% do total da produção jornalística para esse veículo institucional. Além disso, até o primeiro trimestre de 2015 a revista de jornalismo científico, com foco na divulgação da produção acadêmica da UFT, ainda não tinha previsão de lançamento de sua primeira edição. Além de ratificar as discrepâncias entre planejamento e prática, a análise do relatório reforça a ideia da falta de indicadores reais para a mensuração da comunicação na Instituição. O documento afirma que, na Dimensão “Comunicação com a Sociedade” Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4790 Planejamento e avaliação da Comunicação Organizacional em Universidades Públicas: o caso da UFT Bianca Zanella Ribeiro • Francisco Gilson Rebouças Pôrto Júnior do Sinaes, avaliada pela CPA, são considerados três indicadores: Coerência das ações de comunicação com a sociedade com as políticas constantes dos documentos oficiais; Comunicação interna e externa; e Ouvidoria. Esses itens, no entanto, apenas listados sem valor atribuído que permita um balizamento, não servem como termômetro demonstrativo da situação da comunicação na Universidade, tampouco como variáveis comparativas para o estabelecimento de metas e a construção de índices que sintetizem os conceitos abstratos que se pretende avaliar na referida dimensão, mesmo se considerarmos os dados nessa dimensão apresentados no próprio relatório da CPA. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES DE UM ESTUDO EM ANDAMENTO Até aqui, recorrendo a informações pré-existentes em diversos documentos institucionais, e também a outros dados não documentados aos quais tivemos acesso, procuramos compreender a comunicação organizacional na UFT nos mais variados aspectos de sua complexidade. Obviamente, todo o apanhado de dados abordado até aqui é um recorte limitado que exclui outras tantas possibilidades de análise. Nosso diagnóstico ainda será aprofundado na etapa seguinte do trabalho que consiste na pesquisa de opinião para análise da efetividade da comunicação, o que não nos impede de tecer algumas considerações preliminares acerca do cenário apresentado, as quais devem ser ratificadas e melhor desenvolvidas à medida que avançamos. Em primeiro lugar, é vidente a fragilidade das bases institucionais da comunicação na UFT e a inexistência de diretrizes claras e de uma política consistente que permita um direcionamento mais efetivo e integrado das ações nesse setor. Em segundo lugar, ao confrontarmos os PDIs, os relatórios de gestão e o relatório da CPA, fica claro que a comunicação na Universidade tem avançado pouco desde a sua implantação, pelo menos em relação às prioridades estratégicas planejadas. Talvez ainda mais grave que isso, é notável a falta articulação e sintonia entre o que se planeja, o que se executa e o que se avalia. Além disso, a falta de metas objetivas, associada à uma avaliação mais focada em produto que em efeito - nos moldes desenvolvidos pela CPA – gera uma falsa sensação de planejamento e prestação de contas, com planos meramente ilustrativos e relatórios com teor meramente descritivo, que criam apenas uma ilusão de prestação de contas, mas não permitem um efetivo controle público das ações desenvolvidas e tampouco oferecem resposta a questões práticas a serem enfrentadas pela comunicação na organização. Percebe-se, ainda, que a estrutura ampla e plural da Universidade, com seus sete câmpus, dezenas de curso de graduação e pós-graduação em diferentes áreas do conhecimento, e diversos setores acadêmicos e administrativos, é um desafio grande a ser enfrentado pela Diretoria de Comunicação, que precisa reforçar estratégias para ramificar sua composição atualmente centralizada na Reitoria. Há, na UFT, diversos ruídos, gargalos e “espaços de descomunicação” a serem explorados por ações de redefinição estratégica dos veículos e canais institucionais existentes, criação de outros inexistentes, e, sobretudo, por ações de engajamento que promovam uma “consciência comunicativa” (DUARTE e MONTEIRO, 2009) entre todos os sujeitos envolvidos. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4791 Planejamento e avaliação da Comunicação Organizacional em Universidades Públicas: o caso da UFT Bianca Zanella Ribeiro • Francisco Gilson Rebouças Pôrto Júnior REFERÊNCIAS Brandão, E. (2012). Conceito de comunicação pública. In Comunicação Pública: Estado, mercado, sociedade e interesse público (3rd ed., pp. 1-33). São Paulo: Atlas. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Recuperado em 07 ago. 2014 de http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Brasília, DF. 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Nosso estudo parte da Teoria dos Sistemas (LUHMANN, 1996) e se concretiza com o método da Hermenêutica de Profundidade, proposto por Thompson (1995), que nos possibilita compreender, interpretar e reinterpretar os sistemas e seu entorno. Quanto aos procedimentos metodológicos, optamos pela análise documental, levantamento de dados - via questionário, entrevista e observação direta, além da análise histórica e formal/ discursiva nas quais utilizamos a análise de conteúdo proposta por Bardin (1977). O objeto de pesquisa, foi composto pelas ouvidorias das universidades públicas, associadas e participantes do XIII Encontro Nacional do FNOU. Ao final, tecemos algumas considerações que expressam o resultado das reflexões realizadas e compreendemos que a ouvidoria desempenha a função de agente com múltiplos papéis: facilitador, educador e mediador, participando, mesmo que indiretamente, do sistema universitário. Nossa constatação é que a ouvidoria consolida-se por meio de um processo de comunicação, baseado em diversidade de interpretações, advindas das interações coletivas. Palavras-Chave: Comunicação Organizacional. Luhmann. Ouvidoria Universitária. Universidade Pública. Abstract: In order to reflect on the role of ombudsman in university organizations, based on the concepts of communication, university and ombudsman, we propose this article. Our study of the systems theory (LUHMANN, 1996) and is realized with the method of Depth Hermeneutics, proposed by Thompson (1995), which enables us to understand, interpret and reinterpret the system and its surroundings. In the methodological procedures, we opted for document analysis, data collection - via questionnaire, interview and direct observation, in addition to historical analysis and formal / discursive in which we use the 1. Bacharel em Comunicação Social, habilitação Relações Públicas, pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ (2002), Especialista em Gestão da Informação Estratégica pela UCS, Université de Poitiers e Universidade de Monterrey (2004), Mestre em Administração pela Universidade de Caxias do Sul - UCS (2008) e Doutora em Comunicação pela PUCRS. Atualmente é Diretora de Projetos da Intercom - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares em Comunicação, Gestão 2014 - 2017. Membro do GECOR (Grupo de Estudos Avançados em Comunicação Organizacional) PPGCOM/ Famecos/ PUCRS, da célula Brasil da CISC (Comunidade Ibero-americana de Sistemas do Conhecimento) e da RMCFM (Rede Mediterrânea de Comunicação e Formação Multimidia). E-mail: [email protected] Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4794 Os papéis e as probabilidades da comunicação na Ouvidoria das Universidades Públicas Tassiara Baldissera Camatti content analysis proposed by Bardin (1977). The object of research was composed of the ombudsman of the public universities, associates and participants in the XIII National Meeting FNOU. In the end, we weave some considerations that express the result of discussions held and understand that ombudsman plays the agent function with multiple roles: facilitator, educator and mediator, participating, even indirectly, the university system. Our finding is that the ombudsman is consolidated through a process of communication, based on diversity of interpretations, arising from the collective interactions. Keywords: Organizational Communication. Luhmann. University Ombudsman. Public University. INTRODUÇÃO REFLEXÃO QUE propomos neste artigo faz parte de nossa pesquisa de doutorado A e advém da compreensão do ambiente enquanto espaço produzido e produtor, de relações comunicativas que se estabelecem entre a sociedade, as organizações e os indivíduos. Partimos do princípio de que a sociedade tem como características principais a complexidade e a diferenciação, orientados pela teoria sistêmica, proposta por Luhmann (1990). Nossa intenção é descortinar, por meio da pesquisa científica, contribuições para os estudos em comunicação, problematizando-os ao propormos um mergulho no ambiente contemporâneo repleto de divergências, mudanças e irritações. Nesse viés, visualizamos na ouvidoria universitária uma possibilidade frutífera de pesquisa, por constituir-se, a nosso ver, um objeto de estudo instigante. Faz parte das inúmeras iniciativas que visam ampliar a interação das organizações com seu entorno, concebendo um “campo de diálogo, que se processa nos mais diversos níveis de relacionamento, tanto interno quanto externo” (BASTOS; MARCHIORI; MORAES, 2012, p. 86). Sob esta perspectiva pretendemos refletir sobre o papel da ouvidoria nas organizações universitárias públicas brasileiras, resgatando por meio da pesquisa bibliográfica as origens da universidade e da ouvidoria para então compreendê-las enquanto sistemas sociais participantes do ambiente complexo. É preciso, portanto, romper com a racionalidade do espaço e promover sua fluidez2; torná-lo domínio da liberdade, não o considerando como “simples materialidade, isto é, o domínio da necessidade, mas como teatro obrigatório da ação” (SANTOS, 1994, p. 39). Nesse prisma, além da variedade das coisas e das ações, podemos entender que o tempo e o espaço incluem uma multiplicidade infinita de perspectivas. Com isso, são quebrados antigos paradigmas funcionalistas, que consideravam tempo e espaço como padrões de controle às alterações do contexto, sendo também concebido, a partir disso, um novo entendimento de lugar. Assim, “Se o universo é definido como um conjunto de possibilidades, estas pertencem ao mundo 2. Para Milton Santos, a fluidez diferencia-se do território a medida que é colocada a serviço da competitividade e não se limita ao espaço habitado. Também para o autor, a fluidez pode ser virtual ou real. Diz ele: “De um lado, temos uma fluidez virtual, oferecida por objetos criados para facilitar essa fluidez e que são cada vez mais, objetos técnicos. Mas os objetos não nos dão senão uma fluidez virtual, porque a real vem das ações humanas, que são cada vez mais ações informadas, ações normatizadas.” (SANTOS, 2005, p. 255-256). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4795 Os papéis e as probabilidades da comunicação na Ouvidoria das Universidades Públicas Tassiara Baldissera Camatti todo e são teoricamente alcançáveis em qualquer lugar, desde que as contradições estejam presentes” (SANTOS, 1994, p. 52). Quanto ao método, visualizamos como opção fértil de interlocução para os desafios apresentados, a hermenêutica, também conhecida como a teoria geral da interpretação, por considera-la adequada quando estudamos os sistemas, seu entorno, as relações estabelecidas e as inúmeras possibilidades interpretativas que surgem no caminhar da pesquisa. Portanto, nossa escolha pela HP3 (THOMPSON, 1995) deve-se ao seu diferencial em admitir múltiplas interpretações acerca da problemática proposta, possibilitando-nos compreender como à vida cotidiana, agregada à análise sócio-histórica e à análise formal ou discursiva, propicia a interpretação e reinterpretação de contextos, organizações, indivíduos e suas relações. Outro ponto é que por meio do desenho metodológico que Thompson (1995) apresenta, concretizamos nossa proposta de caminho inicial, ao mesmo tempo em que fomos instigados a refletir sobre as infinitas (re)interpretações que podemos elucidar a partir dos achados da pesquisa. Nossa busca conta com diversos procedimentos metodológicos, tais como pesquisa bibliográfica, pesquisa documental, questionários, observação direta e entrevista, sobre as quais realizamos a análise de conteúdo (BARDIN, 1977). Além disso, acreditamos que pelo viés do método, será possível entendermos o indivíduo como um composto de corpo e mente; um sistema (LUHMANN, 1998), físico, psíquico e social, dotado de conhecimento e em constante evolução. Um ser inacabado, que constrói e reconstrói a si mesmo e seu entorno, a partir de inúmeras necessidades, constituindo-se pela comunicação. COMUNICAÇÃO: UM PROCESSO SOCIAL COMPLEXO Nossa proposição de pesquisa provém da área das Ciências Sociais Aplicadas e adentra no campo da Ciência da Comunicação por meio dos estudos organizacionais, concebidos como sistemas sociais. Buscamos compreender as relações de troca entre os indivíduos e como as mesmas revelam novas concepções, pois no processo comunicativo os inúmeros fatores envolvidos não estão sob controle dos sistemas participantes. Ou seja, “[...] não existe nenhum meio que facilite directamente um progresso constante do entendimento entre os homens” (LUHMANN, 2006, p. 45). Outro fator preponderante que pontuamos, é que a comunicação está afeta ao ambiente, o entorno, relacionando-se direta e indiretamente com ele e com a complexidade existente. Esta a nosso ver, compreende que cada Ser é um sistema em si mesmo, com princípios autorreferenciais que apresentam a “capacidade de estabelecer relações consigo mesmos e de diferenciar essas relações frente às de seu entorno.” (LUHMANN, 1998, p. 38), visto que a “Complexidade não é uma operação, não é nada que um sistema faça ou que nele ocorra, mas é um conceito de observação e descrição”, inclusive próprio (LUHMANN, 1990, p. 136). Para tanto “[...] a complexidade significa obrigação à seleção, obrigação à seleção significa contingência e contingência significa risco” (LUHMANN, 1990, p. 69). Já a diferenciação possibilita-nos entender que qualquer análise ‘teóricosistêmica’ está vinculada às diferenças entre sistema e entorno, pois “[o]s sistemas se 3. Abreviatura do método da Hermenêutica de Profundidade. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4796 Os papéis e as probabilidades da comunicação na Ouvidoria das Universidades Públicas Tassiara Baldissera Camatti constituem e se mantêm mediante a criação e a conservação da diferença com o entorno e utilizam seus limites para regular tal diferença. Sem diferença com relação ao entorno não haveria autorreferência” (LUHMANN, 1998, p. 40). O entorno constitui-se do que não é parte do sistema, está ‘externo’ a ele e distingue-se dele. Para Luhmann (1998), tudo que não for o sistema observado, será entorno. Ou seja, o sistema possui características próprias que possibilitam referir-se a si mesmo, fechando-se, mesmo que parcialmente. Isto posto, frisamos que a dualidade sistema/entorno, ponto central do paradigma sistêmico Luhmanniano, será fundamental em nossa análise, a fim de que possamos compreender se a comunicação na ouvidoria universitária possibilita que os sistemas fechados, abram-se por meio da interpenetração e do acoplamento mútuo (LUHMANN, 1998). Isso ocorre quando sistemas diversos entram em relação, desestabilizando o equilíbrio do sistema autopoiético e autorreferencial, levando à sua abertura e evolução (LUHMANN, 1998). Portanto, compreendemos a comunicação enquanto um processo social complexo, constituído a partir de informações e experiências individuais que extrapolam e propõem novas concepções coletivas, mesmo que divergentes. Podemos dizer que as organizações são unidades de conhecimento comum, compostas por sistemas organizados e indivíduos multifacetados, organismos vivos, conforme postulam Luhmann (1996, 1997, 1998, 2006, 2007) e Morgan (1996). Por isso, à medida que os sistemas sociais se tornam mais complexos, é preciso conseguir lidar com contextos de ordem e desordem, estáveis e dinâmicos, com períodos de desintegração, e, consequentemente, necessidade de reintegração, sendo a comunicação o processo capaz de equacionar diferentes perspectivas em caminhos coletivos possíveis. Partimos do entendimento de que a comunicação não é consenso, mas sim diversidade de interpretações; o que na perspectiva Luhmanniana (1992, 2006) denomina-se a abordagem complexa do mundo atual, que transpõem o sistema orgânico, psíquico e social da ideia de unidade para a noção de diferença4. Curvello e Scroferneker (2008, p. 12), referendam que a teoria dos sistemas e o estudo da complexidade são uma “possibilidade de nos redimirmos da opção limitadora que nos separa do mundo e de nós mesmos”. Deixamos de compreender o mundo com olhos complacentes e passamos a englobar novas possibilidades às realidades existentes. Para tanto, os autores expõe que “essa escolha nos leva a romper com o pensamento simplificador, reducionista, causal, linear e monádico, típico das abordagens objetivistas da realidade e adotar um enfoque de tipo interacional, circular e sistêmico” (CURVELLO; SCROFERNEKER, 2008, p. 12). Acreditamos que a comunicação é um processo destinado a normalizar as relações ‘sistema-meio’, não pelo consenso, mas pela interação5. Tida como “[...] uma operação social que pressupõe uma maioria de sistemas de consciências colaboradoras” (RODRIGUES; NEVES, 2012, p. 10), torna-se possível amenizar os impactos das mudanças e conflitos 4. A complexidade para Luhmann está diretamente ligada ao fato de que os sistemas são autopoiéticos, autorreferentes e operacionalmente fechados. Por estas características diferem-se dos demais sistemas e do entorno, que os circunda (LUHMANN, 1998). 5. Compreendemos, com base em Uhry (2010, p. 20), que “A interação é a comunicação de pelo menos duas pessoas na qual se pressupõe convívio, diálogo, trato, contato constante. É atividade compartilhada, em que existem trocas e influências recíprocas, um conjunto de relações entre indivíduos, grupos ou mesmo entre grupos”. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4797 Os papéis e as probabilidades da comunicação na Ouvidoria das Universidades Públicas Tassiara Baldissera Camatti a que estamos sujeitos, restabelecer a ordem dos sistemas sociais e sinalizar novas perspectivas interativas. Nesse sentido, “deve-se, sobretudo, esclarecer aqui que sistema e entorno, quando constituem os dois lados da forma, se encontram, indubitavelmente, separados, porém não podem existir sem estar referidos um ao outro” (LUHMANN, 2006, p. 42-43). Analisar um processo de comunicação que permeie a dinâmica dos sistemas, evolua do nível da linguagem para o nível das relações humanas complexas das sociedades atuais e vise sua autorreferência mediante a compreensão e autopreservação do ‘sistema-meio’ é a nossa busca, ao propormos o estudo na ouvidoria universitária. A COMUNICAÇÃO NAS OUVIDORIAS DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS Nossa concepção fundamenta-se no princípio de que à comunicação é um processo interativo dos sistemas existentes, a sociedade, as organizações e os indivíduos que dela fazem parte e que nela, ou com ela, se relacionam. Nossa compreensão é que a comunicação organizacional é “um metassistema social e tecnológico – que tem como objeto de estudo os processos comunicacionais, no âmbito das empresas e das instituições, suas redes de relacionamento e sociedade” (NASSAR, 2008, p. 73). Por isso, acreditamos que estudar o processo de comunicação organizacional, pressupõe aproximar os conceitos teóricos sobre organizações e comunicação, a fim de compreender como a relação ‘sistema-meio’ (LUHMANN, 2006) acontece. Nesse contexto, trazemos a universidade enquanto uma proposta peculiar de organização, questionando se a mesma pode ser compreendida enquanto uma teia de relações entre indivíduos, que agrega em si comunicação, informação e conhecimento para se desenvolver. Para dar conta de nossa pesquisa, observamos que “[...] ‘objetos de conhecimento’ não equivalem às coisas do mundo, mas são, antes, formas de conhecê-las; são perspectivas de leitura, são construções do próprio conhecimento” (FRANÇA, 2002, p. 17). Portanto, a escolha de nosso objeto de estudo teve como pressupostos: (a) atendimento a diversos públicos; (b) fazer parte do segmento educacional; (c) possuir processo de comunicação instituído; (d) ter ação de caráter interativo e mediador. Com base nesses critérios, optamos por estudar a ouvidoria das universidades públicas brasileiras associadas ao Fórum Nacional de Ouvidores Universitários - FNOU. Na primeira etapa, realizada via questionário, definimos a amostra ideal e calculamos a margem de erro (ME) da amostra atingida (18) frente a população (36). Esta apontou 16,67%, sendo considerada válida por ter abrangência de 50% da população total. Outros aspectos que destacamos para a validação da amostra, segundo Aaker, Kumar e Day (2011) é que por configurar-se numa amostragem não probabilística intencional, ou por julgamento, sua relevância encontra-se nos critérios de julgamento definidos - os filtros aplicados para selecionar os respondentes, e na escolha de experts - elementos típicos e representativos da amostra, no caso, os ouvidores universitários. Quanto ao perfil dos respondentes, no que se refere à classificação frente à categoria administrativa pública, 78% são universidades federais, 17% estaduais e 6% municipais. Quanto ao ano de fundação, cinco ouvidorias foram criadas de 1984 a 2001, duas de 2002 a 2004, duas de 2005 a 2007, quatro de 2008 a 2010 e cinco de 2011 até 2013. Se Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4798 Os papéis e as probabilidades da comunicação na Ouvidoria das Universidades Públicas Tassiara Baldissera Camatti considerarmos 2004 como ano de corte, constatamos que até esta data sete instituições respondentes criaram suas ouvidorias. No entanto, a maioria - 11 instituições, realizaram tal estruturação após 2004, provavelmente instigadas pelo SINAES6 (BRASIL, 2004). Cabe-nos destacar que a maioria das ouvidorias universitárias públicas (66%) participante da pesquisa, foi criada formalmente por meio de Portaria ou Ato Normativo. No entanto, um número expressivo (28%) foi criada por decisão institucional ou do gabinete, configurando, a nosso ver, uma posição informal ao setor e ao trabalho que desenvolve. No que tange aos motivos da criação, constatamos que para a maioria (60%) dos respondentes deve-se a intenção de evoluir como instituição. No entanto, praticamente um terço dos respondentes (28%) elencou como motivo para a criação da ouvidoria a adequação aos quesitos de avaliação do ensino superior brasileiro, isto é, o fator motivador não foi a melhoria, mas a exigência legal de fazê-lo. Nesse aspecto entendemos que para uma parcela das universidades públicas respondentes o foco é cumprir o protocolo para uma averiguação do MEC e não estabelecer um canal aberto de comunicação com os públicos da instituição. Quanto a hierarquia e subordinação, evidenciamos que está presente em todas as ouvidorias respondentes, sendo a maioria afeta à Reitoria (58%). Chamou-nos atenção que 10% estão subordinadas ao Conselho Universitário ou Conselho Superior, hierarquicamente situados acima do Reitor. Para realizar o atendimento presencial, 6% das ouvidorias respondentes não possuem local definido, 88% contam com local reservado e 6% não reservado, o que indica que o local conta com fluxo de pessoas ou é dividido com outros setores. Quanto a isso destacamos que para observar os princípios constituintes da ouvidoria - sigilo, imparcialidade e transparência (LYRA, 2012) – é preciso disponibilizar um local para atendimento, evitando a exposição pública do demandante. Já os procedimentos realizados seguem o padrão: registro, encaminhamento, resposta e relatório dos atendimentos, além do agendamento. O registro protocolado presencial, é realizado por 82% dos respondentes e possibilita assegurar transparência ao processo de atendimento na ouvidoria, pois fica disponível tanto para o demandante quanto para a instituição e referenda o princípio da imparcialidade a medida que acompanha o desenrolar da solução nos mais variados setores. Compreendemos, assim, que a comunicação tanto oral quanto escrita, verbal ou não-verbal, é fundamental para que a equipe de ouvidoria realize esta função. Luhmann (2006) sugere que alguns meios capazes de vencer as improbabilidades da comunicação são ouvir, dialogar, interagir e se relacionar. Nesse sentido buscamos compreender como acontece o atendimento presencial nas ouvidorias das universidades públicas e por meio do questionário, constatamos que existe e é prestado pela maioria das ouvidorias respondentes (94%). Este é de responsabilidade da equipe de ouvidoria, mas conta, em muitos casos (65%), com a atuação direta do ouvidor. Quanto às funções do Ouvidor, expostas na Figura 1, constatamos que são inúmeras e abrangem aspectos estratégicos, táticos e operacionais das universidades. O destaque que fazemos é que em todas a comunicação está presente, motivando a interação em menor ou maior grau entre os públicos e a instituição. Quanto a função de professor, 6. Sistema de Avaliação da Educação Superior, instituído pela Lei 10.861, de 14 de abril de 2004. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4799 Os papéis e as probabilidades da comunicação na Ouvidoria das Universidades Públicas Tassiara Baldissera Camatti esclarecemos que não está no escopo da atividade do ouvidor. No entanto, foi citada por muitos ouvidores desempenharem também a docência. Figura 1. Funções do Ouvidor - Elaborado pela pesquisadora (2013). A segunda etapa de nossa pesquisa foi composta por entrevista e observação participante, aos quais aplicamos a metodologia da análise de conteúdo (BARDIN, 1977). Avaliamos a constituição do corpus, submetendo-o às quatro regras de validação definidas pela autora: exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência. Quanto a exaustividade (grifo nosso), cabe-nos dizer que contemplamos todas as manifestações, colhidas na entrevista e no debate observado durante o XIII Encontro Nacional do FNOU, sem qualquer seleção ou corte. Quanto à representatividade (grifo nosso), o corpus está validado por ter abrangência de 50% da população total, conforme já descrito. O princípio da homogeneidade (grifo nosso) foi observado, a medida que norteamos as entrevistas por um roteiro semiestruturado e realizamos a observação direta no debate sob temas pré-definidos pela organização do evento e de conhecimento de todos os participantes. Quanto a pertinência (grifo nosso), entendemos que os documentos configuram-se como fontes de informação relevantes e válidas à análise da problemática proposta. Com a análise, percebemos que na comunicação com o demandante (grifo nosso) a ouvidoria propicia a liberdade de expressão mediante o amplo esclarecimento de dúvidas e o acesso facilitado ao ouvidor. Este, na visão dos ouvidores, define a ouvidoria como instância resolutiva, a medida que busca proativamente a solução da demanda apresentada, observando a importância da agilidade da resposta, de maneira objetiva e transparente. Com os setores (grifo nosso) da universidade, percebemos maior preocupação com a formalidade da comunicação, predominando o uso do código verbal e envolvendo termos técnicos específicos da área em questão. A observância de padrões como prazo e formato da resposta é um ponto importante para garantir um nível mínimo de compreensão e consistência às respostas que, por vezes, expõem decisões institucionais. A autonomia do ouvidor possibilita a cobrança de retorno, no caso de atrasos, ou nova resposta, no caso de inconsistência. Avaliamos que tal procedimento causa desgaste no relacionamento Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4800 Os papéis e as probabilidades da comunicação na Ouvidoria das Universidades Públicas Tassiara Baldissera Camatti da ouvidoria com os setores em questão. No entanto, percebemos que a disponibilidade do ouvidor para acompanhar a solução e resposta das demandas, ou orientar caso solicitado, assim como o respeito e a busca de aproximação via visitas e pelo diálogo, é uma iniciativa fértil para ampliar a confiança dos setores no trabalho da ouvidoria. Em relação à comunicação com os professores (grifo nosso), a ouvidoria segue as premissas dos setores, atentando para um trabalho profissional, baseado no respeito mútuo e na comunicação direta. O desafio na interação com este público deve-se à necessidade de transpor o egocentrismo que distancia os docentes, principalmente os que detém cargos de gestão universitária, da observância de prazos e consistência das respostas para as demandas encaminhadas pela ouvidoria. Nesse sentido a ouvidoria posiciona-se como órgão autônomo e independente, legitimado pelo reitor, para buscar as respostas necessárias no contexto universitário. Cabe-nos destacar, com base em nossa pesquisa, que parte dos professores das universidades públicas do contexto estudado são um obstáculo ao trabalho da ouvidoria a medida que não respondem as demandas e acumulam processos jurídicos, inclusive por assédio moral e sexual, que geram também a abertura de processos administrativos. A resignação dos ouvidores encontra-se no fato de não existir uma ação definitiva, por parte da reitoria e da cúpula administrativa das universidades, que evite esta situação. O depoimento do Ouvidor B, explicita nossa constatação ao dizer que um caso de perseguição de aluno foi solucionado com o “professor encaminhado para doutorado enquanto o aluno terminou o curso”. Para subsidiar nossa compreensão, resgatamos as imagens da organização (MORGAN, 1996), em especial a metáfora do sistema político, reforçando que a universidade pública é um espaço de relações de poder entre iguais, no caso os professores. Por isso, acreditamos que o ônus pelo erro é atenuado por ser possível que as posições se invertam e desta maneira não se é o poder, se está no poder e este pode ser perdido, dependendo do jogo político que for instituído (MAQUIAVEL, 1955). É importante também relatarmos que há professores que contribuem de forma positiva para a ação da ouvidoria, respondendo às demandas e encaminhando soluções. No entanto, estes, segundo os ouvidores, não são a maioria. Como já abordado anteriormente, a ouvidoria é criada na universidade por meio de uma decisão institucional, advinda normalmente do reitor. Nas universidades públicas observamos que a criação da ouvidoria efetiva-se por meio de portarias, resoluções, normativas, etc., o que lhe atribui autonomia para realizar seu trabalho. No entanto, a legitimidade é conquistada por meio do relacionamento que a ouvidoria estabelece com os gestores universitários (grifo nosso), baseado na confiança que possibilita liberdade de acesso e comunicação. Esta é uma realidade existente junto aos reitores, segundo os ouvidores participantes da pesquisa. No entanto, há falta de apoio por parte dos pró-reitores e gestores da linha intermediária (MINTZBERG, 2003), a medida que não respondem às demandas, o que causa morosidade e desqualifica o trabalho, comprometendo a eficiência e a eficácia do processo de ouvidoria. Nesses termos, acreditamos que é preciso mais do que atender os requisitos do SINAES, despertar a relevância da ouvidoria junto aos gestores acadêmicos e administrativos, por meio da comunicação proativa de informações estratégicas, via relatórios, que alimentem o processo de decisão e contribuam na gestão universitária. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4801 Os papéis e as probabilidades da comunicação na Ouvidoria das Universidades Públicas Tassiara Baldissera Camatti PAPÉIS E PROBABILIDADES DA OUVIDORIA UNIVERSITÁRIA Para interpretarmos os papéis da ouvidoria das universidades públicas brasileiras, precisávamos chegar a um ponto comum baseados nas principais características que encontramos na pesquisa bibliográfica e de campo. Optamos pela denominação Agente (grifo nosso), por entendermos que a ouvidoria está continuamente em ação e por meio desta característica desenvolve suas funções. Destacamos, no entanto, que não buscamos qualificá-la de modo isolado, mas sim, indicar aspectos relevantes para a análise, considerando que tanto a ouvidoria como seu entorno são complexos e, desta forma, permeados por um processo comunicativo relacional e interativo que possibilita diversos significados e interpretações. Portanto, propomos compreendê-la como um agente múltiplo da universidade: facilitador, educador e mediador. Enquanto Agente Facilitador (grifo nosso) a ouvidoria universitária está focada em desenvolver um serviço especializado de registro, encaminhamento, solução e resposta, para todos os públicos da universidade, não podendo se confundir com uma central de informações. Logo, necessita primar pela agilidade e o fácil acesso à busca de soluções, via múltiplos meios. Seus diferenciais neste sentido são o acompanhamento e o retorno que propiciam a avaliação constante do trabalho, além do fomento às mudanças quando identificados entraves que prejudiquem a resposta, o que visa melhoria da ação organizacional. Interpretar a ouvidoria como Agente Educador (grifo nosso), deve-se à sua disponibilidade em atender, ouvir e dialogar, possibilitando aos públicos a expressão de seus sentimentos e a abertura à comunicação. Nesse prisma, a ouvidoria acolhe as manifestações e compreende a fundo seu teor, procurando gerar segurança e confiança nos demandantes que a ela recorrem. Com base nos pressupostos libertadores da educação (FREIRE, 2007), a ouvidoria busca estabelecer-se como um espaço para a emancipação dos diversos públicos internos e externos da organização. Este, democrático, aberto, livre e imparcial, fortalece os relacionamentos, desenvolvendo as organizações e os indivíduos. Agente Mediador (grifo nosso), a nosso ver, é um papel delicado para a ouvidoria, pois ao mesmo tempo que busca informações válidas para antecipar e prevenir crises na organização, atua na mediação de conflitos que possam ocorrer dentro e fora do contexto universitário. Um fato comprobatório é a crítica contra a PEC 45/097, realizada por ouvidores e instituições públicas dos mais diversos segmentos, que demonstra o entendimento de que a ouvidoria não pertence ao grupo de controle interno. Ela legitimase, na verdade, enquanto “órgão autônomo e independente, voltado, [...] à mediação da relação entre a administração pública e os cidadãos e ao robustecimento da participação popular no monitoramento e na construção das políticas públicas [...]” (DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SP, 2013, p. 3) (grifo do autor). Isso corrobora com o texto do Manifesto do Colégio das Ouvidorias (2013), assim como os princípios norteadores do exercício da ouvidoria universitária: imparcialidade, autonomia e sigilo, pontuados por Lyra (2012), fortalecendo, ainda mais, nossa interpretação. No entanto, cabe-nos lembrar com base 7. Projeto de Emenda Constitucional que pretende retirar a ouvidoria pública de sua função como representante do povo, do cidadão, tornando-a subordinada às regras da Controladoria Geral da União. Foi amplamente criticada em Nota Técnica e Manifesto expedidos pela Defensoria Pública do Estado de SP (2013) com apoio de diversas instituições, pois diferencia os mecanismos de controle interno e externo, enquadrando, erroneamente, a ouvidoria como parte do sistema de controle interno junto a Corregedorias, Controladorias e Auditorias. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4802 Os papéis e as probabilidades da comunicação na Ouvidoria das Universidades Públicas Tassiara Baldissera Camatti em Lyra (2012) e Scroferneker (2010) que as resistências e a hostilidade, dos atores sociais envolvidos nas demandas; a fragilidade do perfil institucional de ouvidor, muitas vezes não respaldado pelas instâncias superiores; a instabilidade política e o atrelamento a gestão universitária são pontos de melhoria para a ouvidoria das universidades públicas. Outra questão pertinente é que a legitimação que advém de sua autonomia e relevância estratégica, ultrapassa barreiras hierárquicas e desvela problemas internos, na busca de respostas para as demandas apresentadas. Nessa posição a ouvidoria tende a ser um detector de fraquezas organizacionais, conhecendo as deficiências de setores, estruturas e gestores. Por isso precisa estar atenta aos processos gerenciais da universidade para identificar, sempre que possível, formas alternativas de solução com menores impactos e maiores resultados. De maneira geral interpretamos a ouvidoria como um sistema que permeia toda a organização via processos comunicacionais interativos (grifo nosso). Por sua capacidade de visão holística é um meio condutor de descobertas e soluções, nas mais variadas instâncias e processos das universidades. Nesses termos, identificamos que deve ser uma área de grande atenção para a gestão, visto que pode ameaçar poderes instituídos, deflagrar corrupções internas, revelar informações veladas, constituindo-se como possibilidade de governança democrática e representativa do cidadão (CARDOSO; LIMA NETO; ALCANTARA, 2011) no contexto universitário. REFERÊNCIAS Aaker, D. A. & Kumar, V. & Day, G. (2011). Pesquisa de marketing. São Paulo: Atlas. Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. Bastos, A. R. & Marchiori, M. & Moraes, M. M. A ouvidoria como processo de construção de conhecimento. In: Iasbeck, L. C. A. (2012). Ouvidoria: mídia organizacional. Porto Alegre: Sulina. p. 78-112. Brasil. Lei n.º 10.861, de 14 de abril de 2004. Institui o Sistema Nacional de avaliação da educação Superior – SINAES e dá outras providências. Portal do MEC. Recuperado em janeiro, 2015, de: <portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/leisinaes.pdf>. Cardoso, A. S. R. & Lima Neto, F. C. & Alcantara, E. L. C. (2011). Ouvidoria pública e governança democrática. Boletim de Análise Político-Institucional. Brasília: Ipea. Recuperado em janeiro, 2015, de: <http://www.ipea.gov.br/participacao/images/pdfs/book_ bapi%203.pdf> Colégio da Ouvidorias (2013). Colégio de Ouvidorias, com apoio de ABO e CONACI, acompanha votação da PEC 45/09 para garantir Emenda n. 3. 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A análise foi por meio da observação não participante nas plataformas digitais da empresa selecionada. Os resultados apontam a evolução na comunicação organizacional, assim como a existência de modelos contemporâneos de comunicação e relações públicas que podem auxiliar as empresas a planejar em tempos de mídias sociais digitais. Concluiu-se que a empresa selecionada está presente em oito plataformas digitais e apresenta interação com o público, porém não utiliza um modelo específico de comunicação na sua íntegra para atuar no ambiente digital. Palavras-Chave: Comunicação organizacional. Comunicação digital. Modelos. Mídias Sociais Digitais. Abstract: This article aims at pointing out the evolution of organizational communication reaching the point we understand it as contemporary organizational communication. It will also present communication and public relations (PR) models that can guide the communication planning in organizations. Finally, it will provide an example of how a multinational company acts in a contemporary organizational communication context. As a method, a blibliographical survey and a Nestlé Brasil S/A case study have been carried out. As techniques, netnography and in-depth interviews have been utilized. The analysis has been conducted by means of non-participant observation in the digital platforms of the selected company. The results show the evolution in organizational communication as well as the existence of contemporary communication and public relations models that can help companies plan in an era of digital social media. We conclude that the selected company is present in eight digital platforms and it shows interaction with the public, although it does not make use of a specific communication model in its entirety to act in the digital environment. Keywords: Organizational Communication. Digital Communication. Models. Digital Social Media. 1. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM-ECA/USP), Mestre em Ciências da Comunicação pelo mesmo Programa e Membro do COM+, grupo de pesquisa em comunicação e mídias digitais da ECA/USP. [email protected] Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4805 A evolução da comunicação organizacional: como planejar em tempos de mídias sociais digitais? Bianca Marder Dreyer INTRODUÇÃO COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL, hoje uma importante disciplina nos cursos A de comunicação, vem evoluindo e ampliando sua atuação principalmente após a chegada das tecnologias de informação e comunicação – as TICs que, atualmente, ampliam e, de certa forma, impõem novas estratégias aos profissionais de comunicação. O profissional de relações-públicas, responsável pela gestão da comunicação nas organizações, encontra-se, atualmente, diante de uma série de desafios para fazer com que a essência da sua atividade – o relacionamento entre organização e públicos – se desenvolva em ambientes digitais. Os desafios para esse profissional implicam na compreensão de que existe mais uma alternativa para o relacionamento entre organizações e públicos. Falamos, portanto, do espaço virtual, do ambiente digital, repleto de características voltadas para a interação, para o diálogo, para a simetria, ou seja, para elementos intrínsecos à sua essência. Sendo assim, as plataformas de mídias sociais digitais, imbuídas de todas essas características, contribuem para a proliferação de múltiplas vozes de indivíduos protagonistas para exercerem o ato de comunicar. Há, portanto, um compartilhamento do controle da comunicação, onde as organizações perdem a primazia do discurso e os indivíduos, com acesso à tecnologia, passam a ter a oportunidade de se manifestarem. Diante desse breve cenário, acreditamos que se faz necessário repensar a comunicação nas organizações incluindo o ambiente digital como mais um importante elemento do planejamento. Por esse motivo, nosso questionamento é: como planejar a comunicação nas empresas em tempos de mídias sociais digitais? Para encontrarmos essa resposta, o presente artigo está dividido em três partes. Na primeira, nosso objetivo é pontuar a evolução da comunicação organizacional até chegar ao que entendemos como comunicação organizacional na contemporaneidade. Na segunda, apresentaremos modelos de comunicação e relações públicas que podem nortear o planejamento da comunicação nas organizações. Por fim, na terceira, nosso objetivo é mostrar um exemplo de como uma empresa multinacional atua frente ao contexto contemporâneo da comunicação. Para cumprir com esses objetivos, como método, foram utilizados um levantamento bibliográfico e um estudo de caso com a Nestlé Brasil S/A. Como técnicas, foram utilizadas a Netnografia e entrevistas em profundidade. A análise foi feita por meio da observação não participante nas plataformas digitais da empresa selecionada. A COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E SUA EVOLUÇÃO ATÉ O DIGITAL De acordo com Kunsch (2009, p. 65), os estudos de comunicação organizacional tiveram início nos Estados Unidos, a partir do final da década de 1940, com raízes em diversos campos, entre eles os da administração e das teorias das organizações. Até 1950, esses estudos eram direcionados para a comunicação industrial, de negócios e entre gerências nos ambientes empresariais. Havia uma preocupação em ver a comunicação como instrução de um discurso corporativo. De 1950 a 1960, não ocorreu significativa evolução, pois o foco permanecia na comunicação de negócios, principalmente interna entre superiores e subordinados, com um caráter burocrático e vertical. A comunicação era de mão única e sem a preocupação Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4806 A evolução da comunicação organizacional: como planejar em tempos de mídias sociais digitais? Bianca Marder Dreyer com o receptor. Em 1952, nos Estados Unidos, foi defendida a primeira tese e a partir dessa data muitas outras surgiram ampliando os estudos na área. Dessa forma, ainda segundo Kunsch (Ibid., p. 66), além da comunicação de negócios, os estudos nesse período também se centravam na comunicação industrial, assim como nas habilidades comunicativas, na eficácia dos meios de comunicação utilizados e nas relações humanas. Nas duas décadas seguintes, entre 1960 e 1980, a mesma autora explica que o foco da comunicação estava nos aspectos administrativos e na visão instrumental da comunicação num formato um pouco mais abrangente que nos anos anteriores. Estudavam-se canais formais e informais entre superiores e subordinados. Bueno (2003, p. 5), ao tratar da evolução do conceito voltado especificamente para as empresas brasileiras, explica que, antes da década de 1970, as atividades de comunicação eram absolutamente fragmentadas. Não havia um departamento e nem mesmo um comunicólogo para gerenciá-la. Isso se explica, pois os primeiros cursos de comunicação no Brasil ainda estavam sendo criados. No entanto, a publicidade vigorava no rádio e na mídia impressa e começava a ganhar espaço na televisão. Por outro lado, as empresas multinacionais já apresentavam um cenário bem diferente, pois, nesse período, já tinham seus departamentos de relações públicas e relações industriais estruturados (KUNSCH, 1997, p. 57). Com o processo de industrialização e o desenvolvimento da economia brasileira, as experiências das multinacionais foram vagarosamente sendo introduzidas nas empresas brasileiras. Se formos refletir a respeito dos últimos trinta anos, podemos dizer que, na década de 1970, as atenções se voltaram para o receptor, pois estudos apontaram para o surgimento da comunicação interna e dos princípios da comunicação humana (KUNSCH, 2009, p. 67). Os anos 1970 apontam para a implantação de uma cultura de comunicação nas empresas. Os profissionais começam a chegar e as áreas específicas surgem nas médias e grandes companhias privadas, mas com atividades de comunicação pontuais (BUENO, 2003, p. 5). A perspectiva linear da comunicação dominou os estudos até a década de 1980. Nos anos seguintes, outros aspectos passaram a ser considerados, como a cultura, a interação entre as pessoas e os processos simbólicos (KUNSCH, 2009, p. 69). Além disso, a comunicação organizacional avançava como disciplina. Na década de 1980, já existiam comunicólogos de formação, inclusive trabalhando nas grandes corporações. Ainda na década de 1980, para Álvarez (2013, p.15), esses anos foram conhecidos como o período dos instrumentos de comunicação, pois as empresas pensavam e criavam suas ferramentas de acordo com suas estratégias pontuais. É um período em que já se percebe o planejamento da comunicação de acordo com o público de cada segmento, mesmo que de forma restrita. É o olhar voltado para o receptor da mensagem. Foi a época em que o trabalho das agências de comunicação despontou, pois ajudavam as empresas na criação de diversas pesquisas para diferentes públicos. É importante destacar aqui que, embora tenha ocorrido um avanço na elaboração da comunicação empresarial, ela ainda não tinha função estratégica para as corporações como passou a ter nos anos 1990. Ela era concebida, segundo Álvarez (Ibid., p. 18) como uma série de instrumentos e ferramentas a serviço dos objetivos específicos das corporações. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4807 A evolução da comunicação organizacional: como planejar em tempos de mídias sociais digitais? Bianca Marder Dreyer No início da década de 1990, o papel da comunicação nas organizações começa a mudar consideravelmente ocupando uma posição estratégica e fundamental para os negócios das corporações. Nesse período, a gestão da comunicação avança em três aspectos, conforme expõe Álvarez (Ibid., p.22): (1) Na gestão da reputação e dos intangíveis. (2) Nas relações diretas com os públicos sujeitas à revolução tecnológica e às TICs. (3) No estabelecimento de índices de valorização da comunicação. Dessa forma, o próprio planejamento da comunicação ganha em amplitude exigindo dos profissionais um olhar mais estratégico, voltado para o negócio e para as ações de relacionamento com os públicos. Soma-se a essa evolução da comunicação organizacional, ocorrida entre os anos 1980 e 1990, o fenômeno da globalização e a chegada das tecnologias de comunicação e informação, as TICs, que acabaram por revolucionar o estado da arte de comunicar. A mudança não foi radical. Ela tem acontecido ao longo dos anos e pouco a pouco alterado e, principalmente, complementado a tradicional forma de comunicar. O início dos anos 2000 trouxe importantes definições para a comunicação organizacional devido à área ter desenvolvido uma identidade interdisciplinar e ser considerada um campo de perspectivas múltiplas. Do ponto de vista da gestão da comunicação organizacional, as mudanças são ainda mais profundas e desafiadoras, pois “assistimos a um processo jamais visto de inovação/absorção de tecnologias para alavancar a comunicação humana muito perto do incontrolável” (CORRÊA, 2009, p. 318). Começou a tornar-se necessário pensar na forma de comunicar incluindo os aspectos digitais. Nesse período, Álvarez (2013) fala em perspectivas de um modelo de gestão digital de referência, assim como Corrêa (2009) reflete sobre os aspectos chaves das inovações tecnológicas ocorridas no campo da comunicação para ambientes corporativos. O que Álvarez escreveu como tendência para esse período, hoje, já entendemos como parte das características da sociedade contemporânea e das estratégias das empresas. O autor apresentou sete itens do que ele considerava como as próximas etapas da comunicação empresarial, que aqui mostraremos de forma resumida: (1) O mercado será entendido como um mercado globalmente digital. (2) O mercado será voltado para o “auto-serviço” e submetido ao controle dos consumidores. (3) O modelo de negócio na comunicação se moverá com novos parâmetros, como: (a) com financiamento diversificado e não apenas na publicidade convencional; (b) com tecnologias individuais e dominadas pela rede e pelas telas como terminais de uso e interação. (c) com ferramentas próprias de uma sociedade que não é mais de massa, nem de marketing, nem de publicidade e sim de “mensageiro mídia”. (d) com conteúdos direcionados para plataformas móveis. (4) Quanto às técnicas de gestão, essas serão determinadas pelos públicos. O trabalho mais importante estará em detectar as expectativas para, depois, planejar a comunicação; o uso da publicidade em meios online e offline (conectado e não conectado), assim como a publicidade convencional em meios convencionais, o uso do marketing viral e das redes sociais. (5) As TICs como possibilidade de compartilhar qualquer coisa a qualquer momento e em qualquer lugar. (6) A Web continuará determinando que aquilo que uma pessoa faz é mais importante do que aquilo que ela diz. É uma socialização transparente onde todos, inclusive os concorrentes, sabem o que cada Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4808 A evolução da comunicação organizacional: como planejar em tempos de mídias sociais digitais? Bianca Marder Dreyer um diz e faz. E os consumidores agradecerão essa socialização. (7) O crescimento dos nichos de mercado só poderá ser social através de comunidades em rede, com a proliferação das plataformas sociais e das exigências das pessoas. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4809 A evolução da comunicação organizacional: como planejar em tempos de mídias sociais digitais? Bianca Marder Dreyer Para Corrêa (2009, p. 318), a informação passa a ser matéria-prima da comunicação em um sistema digitalizado e intangível que surge a partir do momento da chegada das TICs nos ambientes corporativos. Assistimos à quebra dos limites entre os espaços individuais e organizacionais e à diluição do limite entre as esferas pública e privada. Tudo isso em ambientes sem fronteiras geográficas, culturais e de tempo. Nesse ambiente, surgem novos fluxos e processos comunicacionais e as pessoas, sejam pertencentes aos ambientes corporativos ou não, têm seu protagonismo potencializado e sua forma de comunicar transformada. Sendo assim, a autora (Ibid., p. 319) coloca como as principais características dos ambientes digitalizados a multiplicidade e a não-linearidade das mensagens, a flexibilização do tempo e a virtualização dos relacionamentos. Portanto, ambos os autores reconhecem que, a partir de 2000, a comunicação organizacional toma novos rumos estratégicos voltados para a comunicação digital. Para finalizar, desde o começo dos estudos em 1940 até a década atual, ocorreu uma significativa evolução do campo. De acordo com Terra (2011, p. 22): seguindo a evolução da comunicação de massa, passando dos meios impressos aos eletrônicos e, mais recentemente, aos digitais, a comunicação organizacional incorpora uma vasta lista de ferramentas que vão da intranet à televisão via satélite, agora a televisão digital, aos blogs, microblogs, chats, podcasts, entre outras. A soma desse ferramental digital que informa, treina e motiva públicos ligados à organização é o que se denomina comunicação organizacional digital. Para concluir a seção I, a figura 1 resume os principais acontecimentos dentro de cada período. É pertinente explicar que estamos direcionando este estudo para a comunicação nas organizações, por isso a retrospectiva apresentada aborda com mais detalhes os acontecimentos comunicacionais que explicam essa trajetória. MODELOS DE COMUNICAÇÃO E RELAÇÕES PÚBLICAS Dreyer (2014, p. 106) descreveu dez modelos estratégicos de comunicação e relações públicas2 que caracterizam a prática da atividade de 1984 a 2013 e mostrou os aspectos mais representativos em cada um dos modelos com o objetivo de tentar encontrar elementos que indicassem ou fizessem parte de uma comunicação contemporânea. Constatamos que o diálogo, o relacionamento, a integração, a interação e a visibilidade foram os cinco elementos mais citados e, independentemente do período em que foram elaborados seus respectivos modelos, esses elementos são considerados fundantes de uma comunicação na sociedade digitalizada. Além desses, encontramos outros elementos que também contemplavam o conjunto dos modelos, como a simetria, a cooperação, a integração, a visibilidade, a sincronia, a participação, o compartilhamento, o multiculturalismo, o digital integrado à comunicação tradicional e ao negócio, a adaptabilidade, a fluidez, a não intermediação, a circulação, o hibridismo e o storytelling. A figura 2 apresenta cada um dos modelos e suas características de forma resumida, pois é inviável descrever a totalidade dos modelos no corpo deste artigo. 2. A descrição detalhada dos modelos pode ser encontrada em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27152/tde-13112014-111159/pt-br.php>. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4810 A evolução da comunicação organizacional: como planejar em tempos de mídias sociais digitais? Bianca Marder Dreyer Frente às características que foram percebidas entre os dez modelos, optamos por fazer um estudo aprofundado da interação por quatro razões: (1) ela foi uma das características mais presentes nos modelos tanto direta quanto indiretamente; (2) na pesquisa realizada, falamos de modelos de comunicação e relações públicas bem como da atividade de relações públicas na contemporaneidade e isso implica o uso de plataformas com características específicas disponíveis a partir da Web 2.0, como, por exemplo, a interação; (3) entendemos a interação como parte da essência da atividade de relações públicas, visto que estamos falando de relacionamento entre uma organização e seus públicos nas suas mais diversas formas e, por fim, (4) há estudiosos do tema que tratam dessa variável como intrínseca à comunicação mediada pelas tecnologias de comunicação. Dessa forma, foram apresentados: o conceito de interação3 para Thompson (2014), que desenvolveu uma estrutura conceitual para a análise das interações criadas pela mídia, distinguindo três tipos: a interação face a face, a interação mediada e a quase-interação mediada; o conceito para Recuero (2011), onde a interação, assim como as relações e os laços sociais, é um dos elementos de conexão. A autora considera que estudar a interação social compreende estudar a comunicação entre os atores. Para ela, há dois tipos: a interação reativa e a interação mútua com seus respectivos laços: associativo e dialógico; o conceito para Stasiak (2014), que relaciona a interação com a visibilidade na rede e que acredita que a visibilidade inicial promovida pelo consumidor se transforma em interação e, por fim, o conceito para Barrichello (2008 e 2009), que acredita que a interação interfere no processo de legitimação das instituições na contemporaneidade sendo, portanto, uma estratégia de comunicação da visibilidade. Os autores mencionados nos levaram ao conhecimento do conceito de interação por outros estudiosos, como Primo (2007), que estabelece uma tipologia para tratar a interação mediada por computador. Para ele, existe a interação mútua e a interação reativa, como vimos. Dessa forma, frente ao conjunto de autores pesquisados, podemos inferir que o ponto comum entre todos é que as tecnologias de comunicação que surgiram com a Web 2.0 proporcionaram outros tipos de interação que, embora distantes fisicamente, apresentam suas peculiaridades e intensidades. Mesmo Thompson, que traz a noção de interação antes das TICs, reconhece que outras formas de interação podem ser criadas pelo desenvolvimento de tecnologias de comunicação que permitem um maior grau de receptividade. 3. O estudo detalhado sobre interação pode ser encontrando em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27152/tde-13112014-111159/pt-br.php>. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4811 A evolução da comunicação organizacional: como planejar em tempos de mídias sociais digitais? Bianca Marder Dreyer ANÁLISE DA PRESENÇA DIGITAL DA NESTLÉ BRASIL S/A Para exemplificar como uma empresa multinacional atua frente ao contexto contemporâneo da comunicação organizacional, apresentaremos o resultado de um estudo de caso realizado com a Nestlé Brasil S/S em 2014. Nosso objetivo era verificar se a empresa escolhida apresentava a variável interação em sua presença nas plataformas de mídias sociais digitais e se existia algum modelo de comunicação integrada digital que norteava sua estratégia de comunicação. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4812 A evolução da comunicação organizacional: como planejar em tempos de mídias sociais digitais? Bianca Marder Dreyer Sendo assim, no que tange à empresa e, de acordo com informações divulgadas pela própria companhia4, a Nestlé é considerada a maior empresa do mundo em alimentos e bebidas. Foi considerada, pela Revista Forbes5, em 2014, uma das empresas com melhor reputação no mundo e, pela Revista Época Negócios6, uma das empresas de maior prestígio no Brasil. Dona de um portfólio copioso de marcas, a Nestlé, em 2002, comprou a marca Chocolates Garoto, aumentando ainda mais seu portfólio e sua atuação no mercado. Três fatores nos levaram a escolher a Nestlé para este estudo de caso. O primeiro deles está relacionado ao critério de escolha. A empresa selecionada precisava constar na lista das “Empresas mais Admiradas no Brasil7” em 2013. O segundo fator diz respeito a uma inquietação em saber como uma empresa do porte da Nestlé, ou seja, líder de mercado no seu segmento e percebida como uma organização tradicional na sua forma de comunicar sentiu a necessidade de estar presente nas plataformas de mídias sociais digitais. Por fim, o terceiro motivo está relacionado a uma percepção do ponto de vista de consumidora. Após verificar um avanço na atuação da empresa nas diferentes plataformas digitais, surgiu a vontade de conhecer quais seriam as estratégias de atuação nas mídias sociais digitais, principalmente aquelas que correspondem às atividades de relações públicas. A técnica utilizada para realizar a pesquisa foi a Netnografia. Montardo et al (2005, p. 4) caracterizaram a Netnografia como uma das ferramentas metodológicas capazes de proporcionar o acesso dos pesquisadores da área às caracterizações específicas da contemporaneidade, sobretudo a virtualidade, a desmaterialização e a digitalização de conteúdos, formas, relacionamentos, etc. Portanto, justificamos o uso de tal técnica pelo fato de realizarmos uma observação não participante em oito plataformas digitais da empresa selecionada, sendo duas mídias da marca institucional: (1) a fanpage institucional da Nestlé no Facebook e o (2) site corporativo da Nestlé. Na marca Chocolates Garoto, analisamos seis mídias: (1) a fanpage da Garoto no Facebook; (2) o perfil da Garoto no Twitter; (3) o perfil do SAC da Garoto no Twitter; (4) o perfil da Garoto no Instagram; (5) o canal da Garoto no YouTube e (6) o site corporativo da Garoto. A observação foi realizada de forma aleatória em todas as plataformas. No total, foram doze dias de observação, o que gerou uma riqueza de informações e imagens inviáveis de serem mostradas na sua íntegra neste artigo. Por fim, foram também realizadas entrevistas em profundidade com três gestores da área de comunicação da empresa. Os objetivos eram verificar como se dava a percepção deles em relação à atuação da empresa no ambiente digital, assim como identificar se existia coerência entre o discurso e as práticas da organização nesse campo. Além disso, também foi possível identificar se a Nestlé utilizava algum modelo de comunicação integrada digital nas práticas digitais observadas. 4. Nestlé. 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Bianca Marder Dreyer Como resultado geral da observação, percebemos que na fanpage institucional da Nestlé no Facebook ocorreram diferentes tidos de interação: (a) um tipo de classificação de interação dada por Thompson (2014), que é a quase-interação mediada, ou seja, aquela que se refere às relações sociais estabelecidas pelos meios de comunicação de massa onde as formas simbólicas são produzidas para um número indefinido de receptores potenciais e ela é monológica, isto é, o fluxo da comunicação é predominantemente de sentido único; (b) interação reativa, com laço associativo, segundo os tipos de interação de Recuero (2011). Pois, apenas o fato dos públicos seguirem a página e escreverem algo nela, já se considera uma relação entre empresa e público de estímulo e resposta; (c) interação mútua com os indivíduos, pois ocorreu retorno e diálogo por parte da organização e (d) interação face-a-face, segundo Thompson, pois ocorreu o contato físico e o diálogo no local. Já nos sites corporativos da Nestlé e da Garoto, a interação com os públicos ocorre por meio de programas específicos ou links para acesso a outras plataformas. Classificamos a interação na fanpage da Garoto, no Facebook, como mútua e com laço dialógico, de acordo com Recuero, pois há o retorno da empresa aos diversos tipos de postagens por parte de seus públicos, como também há conversas que se estendem para outras plataformas ou canais de atendimento ao cliente. Quanto ao perfil da Garoto no Twitter e no Instagram, a interação é menor que no Facebook. Segundo a tipologia de Recuero, classificamos a interação da empresa nesses perfis como reativa e com laço associativo. No Canal da Garoto no YouTube, constatamos que a empresa é assídua nessa plataforma, da mesma forma que identificamos os links para acesso às outras mídias sociais. Por fim, o perfil do SAC da Garoto no Twitter também apresenta interação reativa com laço associativo. Finalmente, por meio das três entrevistas com a equipe do pilar digital da Nestlé, conseguimos identificar que a percepção deles em relação à atuação da Nestlé no ambiente digital é coerente com a prática que foi observada. Além disso, todos os entrevistados apresentaram um discurso alinhado, demonstrando clareza no entendimento de estratégias para o ambiente digital. O reconhecimento de que a Nestlé é uma empresa considerada tradicional e hierárquica, que se preparou para estar presente nas plataformas de mídias sociais digitais e que ainda precisa melhorar sua atuação para obter mais retorno que resultem em vendas também ficou nítido. Percebemos que há clareza da importância em estar presente nas plataformas de mídias sociais digitais como parte do negócio, mesmo sendo uma empresa com imagem positiva para os consumidores em geral. Para a Nestlé, o digital não assume o lugar de outras mídias de massa e nem tem esta pretensão. Ao contrário, o digital ganhou seu espaço na estratégia de exposição da marca e tem sido devidamente reconhecido, não apenas pelos seus gestores, mas também através dos resultados que eles relataram. Em relação aos modelos, a Nestlé utiliza estratégias de nove dos dez modelos de comunicação e relações públicas descritos. Portanto, só não utiliza o modelo três, que está mais voltado para estratégias em outros países. Dessa forma, não há um modelo específico de comunicação integrada digital nas práticas digitais observadas. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4814 A evolução da comunicação organizacional: como planejar em tempos de mídias sociais digitais? Bianca Marder Dreyer CONSIDERAÇÕES FINAIS Primeiramente, apresentamos a evolução da comunicação organizacional até chegar ao que entendemos como comunicação organizacional na contemporaneidade. O percurso aponta para a evolução na comunicação organizacional. No entanto, tal evolução se dá significativamente a partir dos anos 80 e 90, com o advento da Globalização e das TICs, quando novos rumos estratégicos e voltados ao campo digital se fazem necessários para as empresas. Num Segundo momento, descrevemos brevemente modelos de comunicação e relações públicas utilizados para nortear o planejamento da comunicação nas organizações. Foram dez modelos, de diferentes períodos e autores em que cada um mostrou uma importante contribuição para entendermos as características e as estratégias fundamentais para uma comunicação na contemporaneidade. Dentre os elementos que destacamos no conjunto dos modelos, optamos por aprofundar a interação para entender sua representatividade na comunicação contemporânea. Por fim, mostramos um exemplo de como uma empresa multinacional atua frente ao contexto contemporâneo da comunicação organizacional. Concluímos que a empresa selecionada está presente em oito plataformas digitais e apresenta interação com o público, porém não utiliza um modelo específico de comunicação na sua íntegra para atuar no ambiente digital. Seus gestores também reconhecem a importância do digital na comunicação com os públicos e afirmam que ele ganhou seu espaço na estratégia de exposição da marca. Com base no que foi exposto, retomamos também nosso questionamento inicial: como planejar a comunicação nas empresas em tempos de mídias sociais digitais? O cumprimento dos objetivos aqui propostos nos ajudou a entender que o planejamento da comunicação em tempos de mídias sociais digitais pode ser elaborado por meio de modelos de comunicação e relações públicas, como aqueles que descrevemos aqui, utilizados em sua íntegra ou em partes, contanto que, em qualquer uma dessas possibilidades, utilize as características que consideramos essenciais para uma comunicação contemporânea. Além disso, a compreensão da interação e de seus diferentes tipos, por parte dos gestores da comunicação, é fundamental para a comunicação e o relacionamento entre organizações e seus públicos em tempos de plataformas de mídias sociais digitais. REFERÊNCIAS Álvarez, J. T. Manejo de la comunicacion organizacional: espacios, herramientas y tendências en gestión de negocios. Ediciones Díaz de Santos, 2013. Barrichello, E. M. da R. Apontamentos em torno da visibilidade e da lógica de legitimação das instituições na sociedade midiática. In: DUARTE, Elizabeth Bastos; CASTRO, Maria Lília Dias de (orgs.). Em torno das mídias: práticas e ambiências. Porto Alegre: Sulina, 2008. Barrichello, E. M. da R. Apontamentos sobre as estratégias de comunicação mediadas por computador nas organizações contemporâneas. In: KUNSCH, M. (org.). Comunicação organizacional. v.1. Histórico, fundamentos e processos. SP: Saraiva, 2009. Bueno, W. C. Comunicação Empresarial: teoria e pesquisa. 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Também é objetivo discutir se estamos diante de um novo formador de opinião e, portanto, mais um público a ser considerado pela Comunicação Organizacional. Para tanto, apresentaremos alguns exemplos de influenciadores interagindo com as marcas e vice-versa. Palavras-Chave: Usuário-mídia. Curadoria de informação. Influenciador On-line. Comunicação Organizacional. Abstract: The article aims to describe who the user-media is, advanced participant of the internet and social media; active producer and network content sharer that, in our view, also has the function of curator in the digital environment. The theoretical route includes categorize who is the user-media, who and what makes him a digital curator and relate both to the user content producer and online opinion maker of the social networks. It is also our objective to discuss whether we are facing a new trendsetter and one more public to be considered by the Organizational Communication. We will present, also, some examples of influencers interacting with brands and vice versa. Keywords: User-media. Curator of digital information. Online Opinion Maker. Organizational Communication. INTRODUÇÃO OM O tsunami informacional que vivemos nos dias de hoje, sobretudo impul- C sionado pela web, faz-se necessário obter filtros de conteúdo que nos ajudem a consumir assuntos de nosso interesse, com fontes críveis e com reconhecimento e influência garantidos. 1. Doutora e mestre em Interfaces Sociais da Comunicação, especialista em Gestão Estratégica da Comunicação Organizacional e Relações Públicas, todos pela ECA-USP, e formada em RP pela UNESP/ Bauru. É docente de pós-graduações em Comunicação Organizacional e RP e também de Comunicação Digital, da ECA-USP, e diversas outras na FIA e na FAAP. E-mail: [email protected]. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4817 Usuário-mídia: nova figura influenciadora para a Comunicação Organizacional? Carolina Terra Chamamos esses filtros confiáveis de informação de curadores. Mais ainda, consideramos que os usuários relevantes, ativos e influentes da rede sejam os usuáriosmídia, que explicaremos adiante quem são. Para tanto, o objetivo desse artigo é conceituar o usuário-mídia, o curador informacional/de conteúdo, mostrando que podem ser os novos influenciadores e como tais acabam por serem públicos de relacionamento a serem previstos na comunicação organizacional. A seguir, veremos conceitos que aproximam a ambos, bem como os caracterizam. O USUÁRIO-MÍDIA O objetivo desse tópico é caracterizar o usuário-mídia e analisar sua proximidade com termos ou conceitos defendidos por autores reconhecidos no mundo digital. Por isso, iniciaremos com uma definição própria e partiremos para as conceituações de tais autores a fim de reforçar nossa visão a respeito do usuário-mídia. Estamos na era da midiatização dos indivíduos, na possibilidade de usarmos mídias digitais como instrumentos de divulgação, exposição e expressão pessoais. Daí o termo usuário-mídia. Temos o potencial de expressão via plataformas de mídias sociais e a oportunidade de dialogarmos diretamente com marcas, organizações, instituições e outros pares. Para Terra (2012, p. 53), o usuário-mídia é: (...) um heavy user tanto da internet como das mídias sociais e que produz, compartilha, dissemina conteúdos próprios e de seus pares, bem como os endossa junto às suas audiências em blogs, microblogs, fóruns de discussão on-line, comunidades em sites de relacionamento, chats, entre outros. Os usuários-mídia, a nosso ver, servem como mercado intermediário entre as organizações, marcas, produtos e a opinião pública digital. Os antigos e/ou tradicionais detentores de poder – imprensa, organizações e governos - perceberam que a comunicação digital ganhou força e entenderam que precisam estar presentes nas comunicações horizontais. Um exemplo disso foi a atitude da Presidenta Dilma Rousseff ao chamar ao Planalto, o influenciador online, Dilma Bolada2, para um encontro que, inclusive, teve cobertura da imprensa. Na ocasião, a Presidenta reativava sua conta oficial no Twitter3 e convidou o perfil com tom humorístico para chamar a atenção não apenas nas redes sociais online, mas também na mídia em geral. Vale ressaltar que só se consegue identificar quem são os usuários mais ativos e reconhecidos da rede, bem como entender os anseios dos consumidores/clientes, se nos utilizarmos do monitoramento das redes sociais online. É condição sine qua non para conhecer o universo o qual a marca quer operar. 2. Disponível em: <https://twitter.com/diimabr> e <https://www.facebook.com/DilmaBolada>. Acesso em 11/03/2015. 3. Disponível em: <https://twitter.com/dilmabr>. Acesso em 11/03/2015. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4818 Usuário-mídia: nova figura influenciadora para a Comunicação Organizacional? Carolina Terra Figura 1. Encontro de Jeferson Monteiro 4, criador de Dilma Bolada, com a Presidenta da República, Dilma Rousseff, em Setembro de 2013. Castro (2013, p. 2) tem um ponto de vista a respeito do monitoramento dos consumidores via redes sociais que corrobora com a ideia de primeiro entende-los e averiguar do que gostam ou desgostam, para depois empreender esforços de comunicação, diálogo e relacionamento: (...) Para os profissionais do mercado hoje, não basta conhecer apenas o perfil socioeconômico do consumidor para o qual devem dirigir os esforços de comunicação e vendas. É imperioso desvendar os gostos, anseios e aversões, bem como recolher pistas por meio das quais se venha a reconhecer seus padrões recorrentes de comportamento, com vistas a fazer previsões e diminuir as margens de insucesso. Há quem nomeie os usuários mais ativos da rede como usuários produtores de conteúdo (produsers) e consumidores profissionais (prosumers), como Montardo (2009, p. 4). Bruns & Jacobs (apud MONTARDO, 2009, p. 4) apontam que os produsers definem os “usuários de ambientes colaborativos que se comprometem com conteúdo intercambiável tanto como consumidores quanto como produtores”, fazendo o que os mesmos autores classificam como produsage (produção ou uso). Já a terminologia prosumer foi primeiramente citada por Toffler (1990) e significa consumidor profissional em que o retorno de suas necessidades, gostos e impressões das organizações culminam no desenvolvimento de novos produtos e serviços. Os produsers afetam e interferem diretamente na reputação e na imagem das corporações com o conteúdo que produzem e reverberam. A pesquisadora DJICK (2009, p. 42) acredita que os usuários sejam referidos como os internautas ativos e que prestam contribuições na rede; aqueles que dedicam certo esforço criativo e o fazem fora de sua rotina ou atividade profissional. Concordamos parcialmente com Djick, uma vez não necessariamente tais usuários o fazem fora de sua rotina profissional. Temos um contingente de influenciadores que se profissionalizou e 4. Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/centrais-de-conteudos/imagens/jeferson-monteirocriador-do-dilma-bolada>. Acesso em 11/03/2015. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4819 Usuário-mídia: nova figura influenciadora para a Comunicação Organizacional? Carolina Terra que vive de sua própria produção digital. É o caso de muitas das blogueiras de beleza, moda e fitness, por exemplo: Camila Coutinho (blog Garotas Estúpidas5); Lalá Rudge (blog Lalá Rudge6); Gabriela Pugliesi (blog Tips4Life7). Com a emergência das aplicações da web da segunda geração, Jenkins (2008, p. 24) vê uma mudança de paradigma na forma como o conteúdo é produzido e distribuído: “Audiências, fortalecidas por essas novas tecnologias, ocupando um espaço na intersecção entre a velha e a nova mídia, estão demandando o direito de participar dentro da cultura”. E essas audiências têm essa chance justamente pelas ferramentas quase sempre gratuitas da rede que as permitem produzir, compartilhar e distribuir conteúdos. O resultado é uma cultura participativa na qual o cidadão comum tem a possibilidade de dispor de tecnologias que antes eram privilégio das organizações tradicionais e que, segundo Jenkins (Ibid., p. 215), ainda oferecem ao usuário a possibilidade de negociar seus relacionamentos com as companhias de mídia. Coutinho (apud FERNANDES, 2009, p. 51) aposta que a construção de reputação em tempos de comunicação baseada no socialcast8 passa por categorias como o relacionamento, as normas compartilhadas, o conhecimento e a confiança, elementos já utilizados pela análise sociológica tradicional. Para simplificar o conceito de capital social, COUTINHO (apud FERNANDES, 2009, p. 51) assim o resume: é o conjunto de habilidades, atribuições e conhecimentos que permitem a um indivíduo influenciar as opiniões dos outros. Transportando o conceito para o ambiente corporativo, é possível dizer que as marcas devem propiciar aos indivíduos aumento do capital social de forma que consigam atingir consumidores potenciais. Em uma economia baseada em atenção, tais usuários relevantes conseguem destacar-se por seus conteúdos e por serem similares aos usuários comuns e acabam por influenciar na decisão de compra ou de empatia em relação às organizações. O contexto midiático digital se torna imprescindível para os mercados de consumo, tanto em termos de presença e engajamento, quanto nas questões ligadas às suas reputações, isto é, ao que falam sobre elas nas redes sociais digitais. As organizações perdem, portanto, a primazia do controle da informação, passando a dividi-lo com internautas e outros entes, como os usuários-mídia, por exemplo. Avaliar o sucesso de um conteúdo passa, então, pela quantidade de pessoas que o publicaram, recomendaram, endossaram e quem o fez, se um influenciador ou usuários comuns. É uma avaliação equivalente em ter mídia espontânea em um veículo de prestígio e grande circulação ou apenas em um jornal de bairro, menos expressivo. Recuero (2009, p. 130) reconhece a autoridade, a popularidade e a influência como importantes para o estudo da difusão de informações nas redes sociais, pois auxiliam a compreensão de como e por que estas são espalhadas. A popularidade e a visibilidade, 5. Disponível em: <http://www.garotasestupidas.com/>. Acesso em 11/03/2015. 6. Disponível em: <http://www.lalarudge.com.br/>. Acesso em 11/03/2015. 7. Disponível em: <http://www.tips4life.com.br/>. Acesso em 11/03/2015. 8. Socialcast é um termo criado para descrever mudanças na maneira como pessoas se comunicam e interagem depois da internet e das mídias sociais. O socialcast já acontecia antes da internet porque precisa apenas de pessoas conectadas entre si para isso. Porém, ganhou novas dimensões com a rede e sua capacidade de expansão. Em suma, podemos definir o socialcast como a modalidade comunicativa de muitos para muitos. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4820 Usuário-mídia: nova figura influenciadora para a Comunicação Organizacional? Carolina Terra por sua vez, respondem pelo alcance da propagação de uma informação viral9 na rede. A reputação e a autoridade conferem valor e influência. (RECUERO, 2009, p. 123) Jenkins (2009) enxerga o conceito de “viral” como “mídia espalhável”: O conceito de “espalhável” preserva muito do que era útil em seus modelos anteriores. (...) Ele reconhece os caminhos que teóricos como Van der Graaf ou Knoebel e Lankshear utilizaram para revisitar os conceitos passivos e estáticos de “memes” e “viral” para refletir sobre a realidade dessa nova web social, ao mesmo tempo que sugere que esse paradigma que emerge é substancialmente tão diferente das conceitualizações iniciais que exige uma nova terminologia. Esse novo modelo “espalhável” permite evitar o uso das metáforas como “infecção” e “contaminação”, que superestimam o poder das empresas de mídia e subestimam o dos consumidores. (...) nesse modelo emergente, os consumidores exercem um papel ativo em “espalhar” conteúdo ao invés de serem hospedeiros passivos de mídia viral: suas escolhas, seus investimentos, suas ações determinam o que gera valor no novo espaço midiático. Em nossa visão, a mídia espalhável é uma possibilidade que os usuários-mídia possuem na rede quando os conteúdos chamam a atenção e se tornam “viralizáveis” entre e por eles próprios. Um exemplo foi a polêmica do vestido10 que mudava de cor aos olhos de quem o via. O assunto tomou a rede não só entre os usuários-mídia, mas também entre as organizações e os usuários comuns. Figura 2. Polêmico vestido11 que dividiu a internet por suas cores pretas e azul ou branco e douradas. Para concluirmos o tópico vale expor a visão de Barichello (2009, p. 338) sobre a essência da comunicação organizacional que para a autora é o estabelecimento de relações interativas com públicos específicos oportunizadas por estratégias de comunicação. Tal visão vai ao encontro do que estamos demonstrando aqui nos contatos entre marcas e suas audiências e vice-versa. 9. Viral, aqui no texto, significa mensagem ou informação com grande capacidade de disseminação e difusão. 10. Disponível em:< http://www.adnews.com.br/internet/marcas-aproveitam-polemica-do-vestido-pretoe-azul-ou-seria-branco-e-dourado> (de 27/02/2015). Acesso em 05/03/2015. 11. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/entretenimento/debate-na-internet-alavanca-vendado-vestido-azul-e-preto>. De 28/02/105. Acesso em 05/03/2015. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4821 Usuário-mídia: nova figura influenciadora para a Comunicação Organizacional? Carolina Terra Daí a importância e a necessidade por parte da Comunicação Organizacional de entender quem são os usuários relevantes, quem são os curadores de informação e conteúdo, bem como os advogados e embaixadores das marcas, os detratores, os críticos, os insatisfeitos e assim por diante. Só assim é possível desenhar estratégias de comunicação, sejam elas digitais ou não, para se relacionar com esses públicos de interesse e relacionamento. CURADOR DE CONTEÚDO COMO PÚBLICO DE RELACIONAMENTO PARA A COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL Com o advento das mídias sociais e das redes sociais online, o termo curador vem aparecendo com frequência no campo prático. Há inúmeros sites que recomendam receitas para uma boa curadoria, dicas de ferramentas e aplicativos para “viralizar” sua seleção, entre outros. No entanto, apesar da trivialidade com que o assunto é tratado, o tema serve para pensarmos em novos formatos de produção, distribuição e disseminação de conhecimento e conteúdos em uma cultura pautada ou baseada na rede. Giselle Beiguelman (2011) propõe uma categorização da figura do curador: como filtrador, como agenciador e a plataforma como dispositivo curatorial. O curador como filtrador aborda um modelo mais conservador e individualista (“eu sou o que eu linko”), enquanto o curador como agenciador, tem papel de criar algum ponto de tensão que faça com que os outros produzam a partir de um primeiro ponto, criem mecanismos favoráveis para que os conteúdos se desenvolvam. O terceiro modelo considera que “as coisas são como você linka”, isto é, a plataforma utilizada também interfere naquilo que se dissemina à audiência. Saad Corrêa (2014, p. 226) entende o papel dos influenciadores como aqueles que trazem novos indicadores de valoração das contribuições e repercussões como a autoridade e a reputação digital, classificando-os ou posicionando-os em uma espécie de “statusfera”. Benkler (apud Saad Corrêa, 2014, p. 227): O que vemos na rede é uma ampliação das práticas de avaliação da participação pela relevância como a indicação mútua, a revisão pelos pares, entre outras. A informação trafega pela rede de uma forma bem mais ordenada que um passeio sem rumo, sugerindo uma relação menos centralizada que a dos ambientes de mídia de massa. Isso é real tanto quando olhamos para a web como um todo, quanto quando verificamos pequenos nichos de sites com a mesma temática e o comportamento de seus usuários. A legitimidade dos conteúdos disponíveis na rede está associada à reputação e à influência de quem os dissemina. Daí a importância e a necessidade dos curadores de conteúdo que hoje, a nosso ver, estão diretamente ligados aos usuários mais respeitados, com credibilidade e influência da rede, os usuários-mídia. Reconhecimento, no entanto, não significa qualidade de conteúdo. Vale pontuar aqui que discutir a qualidade dos conteúdos não é um objetivo desse artigo. Assim sendo, enxergamos total conexão entre o usuário-mídia e o curador midiático da rede. O usuário-mídia, como pudemos observar, é o internauta influente, reconhecido, ativo e formador de opinião da rede. Já o curador midiático é aquele responsável por selecionar temas, dentro de seus interesses e de sua audiência, que satisfaçam as Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4822 Usuário-mídia: nova figura influenciadora para a Comunicação Organizacional? Carolina Terra necessidades de informação destes grupos e o (re)validem continuamente dentro daquela esfera de conteúdo. Trata-se de um usuário que é responsável por curar informações a respeito de um dado tema e acaba influenciando outros usuários dada a sua posição social dentro das redes. Podemos citar aqui os blogueiros reconhecidos e citados das áreas de moda, beleza, tecnologia, gastronomia etc. A seguir, um exemplo de uma marca que enviou um kit contendo seus produtos a uma blogueira que escreve sobre maternidade, filhos, dá dicas de alimentação, passeios, brincadeiras etc. Figura 3. Postagem da influenciadora @samegui12, no Instagram, após receber um kit contendo produtos da marca Nutella. Vale destacar, no entanto, que quanto mais hub13 for um usuário, mais chance ele tem de influenciar e se fazer relevante e considerado por outros (usuários comuns, mídia, organizações). Vide as capas de revista com blogueiras de moda, ações promovidas por marcas com influenciadores e até programas de rádio conduzidos por formadores de opinião online pós-fama no ambiente digital. Figura 4. Capa da revista Estilo14 com a blogueira Camila Coelho. 12. Disponível em: <https://instagram.com/samegui/p/zznY0Dnrbk/>. Acesso em 11/03/2015. 13. Concentrador de informações e de tráfego. Palavra de origem inglesa que significa transmissão. Como esse usuário possui diversas conexões, é possível inferir que um hub distribui a mesma informação para muitos receptores ao mesmo tempo. 14. Disponível em: <http://www.fhits.com.br/lancamento-revista-estilo-n-camila-coelho>. Acesso em 11/03/2015. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4823 Usuário-mídia: nova figura influenciadora para a Comunicação Organizacional? Carolina Terra Figura 5. Mídia-kit dos influenciadores Casal Sem Vergonha15 apresentando as marcas que já anunciaram ou fizeram ações com eles. Figura 6. O blogueiro Cid, responsável pelo blog “Não Salvo”, possui um programa na rádio Mix FM16, de São Paulo, comentando as notícias mais “bizarras” da semana. Os exemplos acima reforçam que, a depender da força e da influência do curador (que em nossos casos são blogueiros de destaque), estes acabam por se tornarem pautadores e figuras presentes até mesmo dos e nos veículos de mídia tradicional. EM LINHAS GERAIS... Talvez a conclusão a que podemos chegar é de que as corporações têm que estar em determinados ambientes com fins de interação e atendimento, mas não são vistas, muitas vezes, pelos usuários, como fontes confiáveis de informações. Por isso, passam a usar figuras em destaque nas mídias digitais em seus conteúdos ou realizam ações para que estes próprios disseminem informações a respeito de marcas, produtos e serviços. Com isso, ganham em legitimidade e credibilidade junto às audiências. Scroferneker et. al. (2013, p. 5) entendem que as mídias sociais geram novas possibilidades de diálogo entre organizações e públicos, pois oferecem espaços de fala: 15. Disponível em: <http://www.casalsemvergonha.com.br/anuncie/#>. Acesso em 11/03/2015. 16. Disponível em: <http://mixfm.com.br/programas-radio/>. Acesso em 11/03/2015. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4824 Usuário-mídia: nova figura influenciadora para a Comunicação Organizacional? Carolina Terra Por meio de canais organizados em rede como o Facebook, e o Twitter, entre muitos outros, começam a ser visualizadas novas tentativas de interlocução entre os chamados públicos e as organizações. Ou seja, consumidores, admiradores, defensores e opositores de marcas, empresas, organizações não governamentais, entre outras, assumem espaço de fala direta, emitem mensagens e esperam respostas, assumindo efetivamente o papel de interlocutores. Da visão da autora, extraímos a necessidade da Comunicação Organizacional em se levar em consideração os usuários-mídia como públicos de interesse e relacionamento no meio digital. Vamos percebendo também uma mudança de postura no discurso e na prática das organizações e que afeta diretamente na forma de pensar, produzir e fazer a comunicação: informações meramente mercadológicas, unidirecionais e com fins apenas de convencimento de compra não têm espaço para um usuário ativo da rede. A aceitação de um interlocutor corporativo é feita desde que ele esteja disposto a dialogar, realmente. E desde que abra canais digitais para isso. Assim, vemos iniciativas consideradas de sucesso como os perfis de Twitter do Ponto Frio e da Netflix, que se valem de um formato de comunicação bidirecional e interativo, como podemos ver a seguir (fig. 7 e 8): Figura 7. Exemplo de interação17 entre o perfil de Twitter do PontoFrio e um usuário com dúvidas. Figura 8. Exemplo de interação18 entre o perfil de Netflix e um usuário com dúvidas. 17. Disponível em: <https://twitter.com/pontofrio/status/575732133509095424>. Acesso em 11/03/2015. 18. Disponível em:< https://twitter.com/NetflixBrasil/status/575704799653593088>. Acesso em 11/03/2015. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4825 Usuário-mídia: nova figura influenciadora para a Comunicação Organizacional? Carolina Terra Além disso, as organizações devem atentar-se aos curadores (de temas ou de assuntos que sejam de interesses afins para elas) para que, assim, outros usuários tenham interesse em segui-las e se relacionar via mídias sociais de forma favorável e positiva. Conteúdo interessante, relevante e prestador de serviço é uma das receitas de sucesso na rede junto aos públicos de interesse e relacionamento. As organizações também têm o desafio de convencer estes usuários reconhecidos e formadores de opinião da rede para que falem sobre elas, seus produtos, serviços, marcas, experiências. Inspirá-los e encantá-los é um desafio. Negociar com estes é um outro problema. REFERÊNCIAS Barichello, E M. 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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4827 Autopoiese da comunicação organizacional em redes sociais: uma análise da página da Prefeitura de Curitiba no Facebook Autopoiesis of organizational communication in social networks: an analysis of the government of Curitiba page on Facebook A lc ion i Ga l dino Vi ei r a1 Resumo: Este trabalho objetiva realizar uma análise das estratégias de comunicação da Prefeitura Municipal de Curitiba em sua página no Facebook. A partir de uma perspectiva sistêmica e autopoietica, são observados os processos comunicacionais e as estruturas formadas a partir desses processos. Verifica-se uma nova realidade no âmbito da comunicação governamental, que na atualidade mantém um acoplamento estrutural com a comunicação mercadológica e comunicação de marca, a fim de atender as expectativas dos cidadãos-consumidores e gerar engajamento para os projetos propostos pela Prefeitura. Surge, porém, uma contraopinião como resultado desse acoplamento estrutural, uma espécie de ativismo com especificidades sistêmicas próprias da Web Social. Palavras-Chave: Mídias sociais. Comunicação governamental. Autopoiese. Abstract: This paper aims to conduct an analysis of the communication strategies of the municipal government of Curitiba on your Facebook Page. From a systemic and autopoietic perspective, communication processes and structures formed from these processes are observed. There is a new reality in the context of government communication, which currently maintains a structural coupling with the marketing communication and brand communication, in order to meet the expectations of citizens-consumers and generate commitment to the projects proposed by the municipal government. Arises, however, a counter-opinion as a result of this structural coupling, a kind of activism with systemic specificities own Social Web. Keywords: Social media. Government communication. Autopoiesis. INTRODUÇÃO PARTIR DOS anos 1980, as novas tecnologias da comunicação fizeram despontar A diferentes espaços para o debate político e de gestão pública, o que, ao longo da última década evoluiu para uma espécie de cidadania digital capaz de perturbar as práticas democráticas existentes devido à intervenção mais direta dos cidadãos. Hoje, a Web em sua versão 2.0 constitui uma forma social original que contribui para a formação 1. Doutora em Comunicação e Semiótica, professora do Departamento de Linguagem e Comunicação da UTFPR – Câmpus Curitiba. E-mail: [email protected]. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4828 Autopoiese da comunicação organizacional em redes sociais: uma análise da página da Prefeitura de Curitiba no Facebook Alcioni Galdino Vieira das comunidades e pode, portanto, conduzir ao advento de um compromisso estruturado: os ativistas da democracia em rede solicitam novas formas de consulta, mobilização e tomada de decisão, o que excede os procedimentos da democracia mandatária. A Internet parece promover uma reconfiguração das relações sociais e dos espaços cidadãos, há uma reapropriação dos espaços coletivos e interativos de modo a constituir novos locais para a avaliação das marcas. A Web 2.0 intervém aqui principalmente como agregadora de interesses específicos, permitindo aos cidadãos difundir de forma densa uma opinião individualizada. Através da web social, o consumo de serviços oferecidos pelas instâncias governamentais atinge sua verdadeira dimensão, dando ao cidadão-consumidor o sentimento de aumentar consideravelmente sua capacidade de controle ou interferência sobre o poder público; o usuário dos meios de comunicação adquire status de participante no processo de coconstrução da oferta de serviços públicos, pode agir como aditivo ou subtrativo da marca pública, mas igualmente comprometer-se em formas diferenciadas de ativismo. Entramos em uma nova era da democracia na qual a definição de bem comum não é mais exclusividade dos governantes e passa a ser compartilhada e discutida. Há uma boa dose de complexidade entre a encarnação de uma vontade dos governos em um contexto de diferenciação das distintas práticas empresariais – contexto no qual o conjunto das práticas passa pelo prisma de uma visão de mundo consumista – e a abertura da práxis de comunicação governamental ao ativismo numericamente impulsionado dos consumidores. Mas há também que se ressaltar o outro lado dessa mesma moeda: cidadãos-consumidores análogos às exigências e lógicas de consumo que exercem um poder real de vigilância e denúncia no que diz respeito às instâncias de decisão pública através dos meios de comunicação. TRANSFORMAÇÕES NA COMUNICAÇÃO GOVERNAMENTAL A apropriação progressiva do campo da comunicação governamental pela comunicação das marcas coincide com o advento de uma comunicação governamental de tipo consumista. Portadoras de valores, as marcas têm por função essencial insuflar um novo sentido no sistema de comunicação governamental, de federar-se a identidades institucionais medulares ou mesmo substituí-las. Por intermédio da ótica das marcas, a comunicação governamental, já adaptada aos múltiplos canais contemporâneos de comunicação, conforma-se aos imperativos comunicacionais em vigor na sociedade de consumo, especialmente em sua forma digital. Paralelamente à era dos meios de comunicação tradicionais, os dispositivos de comunicação interativos e personalizados, tais como Facebook e Twitter, permitem uma relação horizontal com o cidadão, transformando-o em um consumidor cada vez mais exigente de serviços públicos (ROSANVALLON, 2007). Na realidade, a Web 2.0 tornou possível aos cidadãos-consumidores acessarem instrumentos para a construção da marca pública coletivamente e em tempo real, estabelecendo-se a partir daí o bi-direcionamento da comunicação governamental, o feedback imediato entre emissor e receptor. O comportamento de marca traduz-se na reorientação dos debates em torno da persona da organização governamental, da sua imagem de marca. Esta corresponde Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4829 Autopoiese da comunicação organizacional em redes sociais: uma análise da página da Prefeitura de Curitiba no Facebook Alcioni Galdino Vieira a um estilo, uma maneira de encarnar determinada função, até tornar-se “lovemark”, capaz de construir a fidelidade irracional (ROBERTS, 2004). A relação, mais emocional do que racional, unindo a marca ao consumidor baseia-se em dois sentimentos distintos: por um lado, o respeito reconhecido ao desempenho, a confiança e a reputação; por outro, a relação de amor cuja manutenção se dá pela intimidade estabelecida com o cidadão-consumidor. Cuidando para proporcionar uma experiência, uma imersão nesse universo particular, que trabalha como substituto axiológico, as marcas, segundo Heilbrunn (2004) têm como função insuflar um novo sentido às identidades institucionais e ocupar ideias para, finalmente, substituí-las. As marcas recuperam, assim, a noção política de bem comum e impulsionam esse conceito para fora do espaço da comunicação governamental tradicional, a fim de alocá-lo na esfera da mercadoria. O conceito de marca governamental responde igualmente aos anseios dos cidadãos-consumidores, de modo a atribuir sentidos ao fluxo informativo incessante ao qual o público é exposto. Uma vez que o debate democrático é reinterpretado pela ótica das marcas enquanto conteúdo consumível, os indivíduos são levados a transpor o comportamento de consumidores para essa nova oferta do governo e manifestar uma condução similar perante uma escolha de consumo ou aprovação dos governantes. Segundo Petty e Cacioppo (1986), a compreensão de uma mensagem – aqui de tipo pública governamental – e, por fim, a persuasão de uma audiência são fenômenos que dependem de uma percepção inicial. Por conseguinte, o processo de reificação das organizações governamentais, transformadas em marcas, traduz-se numa mensagem mais audível para o cidadão-consumidor. Atentas à diversidade das necessidades dos consumidores, as melhores marcas são as que melhor respondem às expectativas, público-alvo por público-alvo ou indivíduo por indivíduo. Baudrillard (2007) destaca o consumo como um modo ativo de relação, cuja principal característica é a de atividade sistemática e de resposta global, em que todo sistema cultural está embasado. Nesse sentido, o surgimento da sociedade de consumo repousa sobre a instauração progressiva de um sistema social amplamente estruturado por uma ideologia de consumo, que se tornou onipresente e invadiu de forma dissimulada a maioria das atividades cotidianas. Mais do que uma mutação isolada, o processo de reificação da organização governamental inscreve-se numa desdiferenciação2 da governança em relação ao conglomerado de práticas de consumo, uma transformação que toca o conjunto de relatórios sociais sujeitos ao entendimento do mercado. As práticas consumistas perdem aqui o seu caráter inicial para penetrar gradualmente no espaço governamental. Na terminologia luhmanniana, a sociedade de consumo pode ser apreendida como um sistema autopoietico que a partir da autorreferência, isto é, da observação de segunda ordem que o sistema faz de si mesmo, torna consumível tudo aquilo que define como consumível. Luhmann (1998) parte de uma teoria dos sistemas autorreferenciais em que cada auto-observação deve repousar sobre uma redução de complexidade dos processos comunicacionais produzidos pelo sistema. A comunicação efetua-se, por 2. Ação de regressar a uma condição primitiva. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4830 Autopoiese da comunicação organizacional em redes sociais: uma análise da página da Prefeitura de Curitiba no Facebook Alcioni Galdino Vieira conseguinte, essencialmente por meio de um processo em que o sistema interage com a matéria recorrente, internamente, e a reproduz de modo a manter a autopoiese do sistema. De acordo com Hernes e Bakken (2003), mantém e altera suas próprias estruturas em função da ideologia dominante. Nesse contexto de desdiferenciação, as marcas constituem vetores de simplificação que representam a encarnação manifesta de uma visão de mundo específica. Através da Web 2.0, a opinião individualizada dos cidadãos-consumidores toma virtualmente corpo. Numericamente arranjada de acordo com a lógica Peer-to-Peer, a nebulosa digitalmente constituída age em apoio ou reação às marcas, participando tanto da sua divulgação como do seu boicote. Este representa a vertente negativa do consumismo na esfera governamental e o princípio segundo o qual os cidadãos-consumidores, codepositários dos valores da marca, rejeitam a mesma de maneira coletiva. De acordo com Bolz (2006), os indivíduos agem como prosumidores, de modo à coproduzir a marca e seu próprio consumo, interagindo com as modalidades de divulgação da marca. Afetam, assim, a oferta de serviços do governo. Para Sunstein (2003), a Internet tende a fazer da soberania do consumidor o modelo da soberania governamental. Num contexto em que o cidadão-consumidor torna-se o novo centro de gravidade, o comportamento online dos indivíduos torna-se um verdadeiro desafio e a entrada forçada no paradigma participativo representa até agora a resposta aos imperativos de um consumismo emergente na esfera da gestão de organizações governamentais. No entanto, a interatividade típica das redes sociais permite igualmente aos órgãos do governo encarar novos horizontes de divulgação de suas marcas. Uma tomada de decisão que explica a emergência de uma forma de marketing participativo que visa recrutar os cidadãos-consumidores com benefícios para a marca. No Brasil, a fanpage da Prefeitura de Curitiba no Facebook3, lançada em 2013 e apelidada pelos fãs de Prefs, inova ao utilizar as mídias sociais diferentemente de um simples quadro de afixação de informações, e vai ao encontro de um desejo de ação comunitária. Tornou-se verdadeira placa rotativa de uma operação política de benchmarking que associa o cidadão curitibano a cada uma de suas propostas. Graças a sua maneira informal de comunicação, com postagens bem humoradas que estimulam a interação e o debate participativo, milhares de cidadãos-consumidores podem participar da evolução da marca, que constitui-se numa verdadeira persona, com características e personalidade humanas. Trata-se de uma espécie de marketing democrático, ou seja, a organização disponibiliza um canal de comunicação permanentemente aberto com a finalidade de escutar o público e também dar voz ao mesmo, abrindo espaço para o debate. Objetiva-se que um maior número de pessoas participe e exprima uma opinião. São operações estratégicas que visam delegar certo poder de iniciativa aos cidadãos-consumidores, os quais se unem a partir do fundamento da democracia participativa. 3. Disponível em: <https://www.facebook.com/PrefsCuritiba?fref=ts>. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4831 Autopoiese da comunicação organizacional em redes sociais: uma análise da página da Prefeitura de Curitiba no Facebook Alcioni Galdino Vieira O CASE DA PÁGINA DA PREFEITURA DE CURITIBA NO FACEBOOK A Prefeitura Municipal de Curitiba tem chamado a atenção do público, bem como da imprensa, e não apenas em âmbito local, mas nacionalmente e até mesmo internacionalmente pela atuação na Internet. Mas é sua página no Facebook o que mais se destaca dentre as estratégias de comunicação organizacional adotadas pela instituição nos dois últimos anos. Trata-se de um modelo pouco comum na esfera da comunicação governamental, em que impera a linguagem formal. Diferentemente, a Prefs, como é chamada, veicula conteúdos com linguagem predominantemente informal e boa dose de humor, sua principal característica. Para Heinzen: A Prefeitura de Curitiba é uma organização pública pioneira no que diz respeito à utilização das mídias sociais como ferramentas de comunicação direta e simétrica com a população. De uma maneira irreverente e bem humorada, sem, contudo, perder de vista o dever de uma organização governamental [...] a Prefeitura mantém uma relação próxima e menos burocrática com a comunidade, gerando aproximação, engajamento e interatividade, rompendo, assim, a barreira entre governantes e governados, existente na maioria das administrações públicas no Brasil (HEINZEN, 2014, p. 30). O Departamento de Mídias Sociais e Internet – vinculado à Secretaria Municipal de Comunicação Social – tornou-se responsável pela reformulação das estratégias comunicacionais da Prefeitura. O objetivo principal foi estabelecer um novo posicionamento, visando maior aproximação com os cidadãos e transparência da administração pública (HEINZEN, 2014). Desse modo, em março de 2013 foi criado o perfil da Prefeitura de Curitiba no Facebook, como parte de um conjunto de estratégias para mídias sociais que englobaram também a criação de perfis no Instagram, Twitter, Youtube e Google Plus. Conforme ressalta Heinzen (2014), nos dois primeiros meses de existência a fanpage não inovou, manteve um estilo mais formal, com predominância de textos informativos e poucas imagens; mantendo baixa a interação do público com a página. Porém, a equipe passou a adotar um estilo despojado de comunicação, com linguagem simples e direta, apelo imagético e um tom de humor bem acentuado. Imediatamente o público passou a interagir nas postagens e houve um boom de audiência. Atualmente a página conta com mais de 480 mil curtidas (Likes) e um alto índice de engajamento, uma única postagem chega a atingir a marca de 15 mil curtidas, três mil compartilhamentos e mais de mil comentários, conforme mostra a Figura 1. Esta faz parte de uma campanha de doação de sangue realizada em setembro de 2014, numa ação conjunta com a Prefeitura do Rio de Janeiro. Conhecida como “O casamento vermelho”, a campanha teve início com um pedido de namoro postado pela Prefeitura do Rio na fanpage da Prefeitura de Curitiba. O que começou como brincadeira acabou ganhando impacto junto ao público, que incentivou a união entre as cidades para que promovessem uma campanha de doação de sangue. Daí para frente, uma série de ações foram realizadas, o que envolveu desde a organização do casamento fictício entre as duas cidades, tendo como padrinhos outros municípios brasileiros, os internautas que aderiram em massa à campanha, até o engajamento de um importante hospital local, o Pequeno Príncipe, que participou da campanha como o pajem do casamento, doando 100 desenhos feitos por pacientes. Cada Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4832 Autopoiese da comunicação organizacional em redes sociais: uma análise da página da Prefeitura de Curitiba no Facebook Alcioni Galdino Vieira cidade participante promoveu sua própria campanha de doação, e O casamento vermelho obteve grande êxito em Curitiba, já que as doações durante a campanha fizeram com que fosse excedida a capacidade de armazenamento do banco de sangue do município. Figura 1. 4 A Prefs possui como mascote uma capivara (Figura 2), animal típico da região encontrado inclusive nos parques de Curitiba. A mascote interage de formas inusitadas com o público, chamando a atenção para as mais diversas questões, como meio ambiente, bem-estar social, entre outras, ou simplesmente para tratar com bom humor as intempéries climáticas da cidade. Figura 2. 5 4. Disponível em: <http://tinyurl.com/kn5mct7>. Acesso em: 14 de janeiro de 2015. 5. Disponível em: <http://tinyurl.com/lupt6qd>. Acesso em: 14 de janeiro de 2015. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4833 Autopoiese da comunicação organizacional em redes sociais: uma análise da página da Prefeitura de Curitiba no Facebook Alcioni Galdino Vieira O slogan adotado atualmente é: Curitiba. Cidade humana. Na imagem de capa, um lindo bebê embrulhado com a bandeira municipal. Aqui é nítida a intenção de amenizar aquela imagem de uma cidade fria, no sentido de pouco acolhedora que muitos têm a respeito de Curitiba. Para além das manifestações pontuais de humor, trata-se de uma forma de compromisso traduzida também na emergência de movimentos cidadãos autogeridos, localizados na periferia do sistema. Assim, a rápida ascensão da Prefs resulta dessa nova prática de comunicação governamental que, ao consolidar os ideários de consumo das marcas, acaba por produzir uma contraopinião, ciberdifundida, ao domínio das marcas. Trata-se da especificidade autopoietica desse tipo de sistema. E é exatamente nesse contexto que surge outra página no Facebook, a Prefrescura de Curitiba6, um perfil criado e mantido para opinar criticamente sobre as ações da Prefeitura em seu perfil no Facebook. A PREFRESCURA E O PROCESSO DE CONTRAOPINIÃO A lógica da democracia participativa, ancorada atualmente pelas mídias sociais e por essa nova forma de comunicação pública das instâncias governamentais, que passaram a utilizar estratégias de comunicação mercadológica e gestão de marcas, acaba por favorecer o surgimento de novos tipos de mobilizações organizadas, funcionando de acordo com o mesmo princípio. A oferta de uma politização tecnologicamente acessível conforta a transmutação do cidadão para atuar como consumidor crítico de marcas governamentais. As novas formas de participação confirmam o caráter amplificador dos meios de comunicação. Esse processo, partindo da emergente materialização de um espaço público virtual autônomo, traduz-se na agregação de cidadãos-consumidores isolados que respondem a compromissos pontuais – um ativismo ad hoc. À agregação desses interesses individuais corresponde o nascimento de uma contrademocracia (ROSANVALLON, 2007) compreendida como uma desconfiança produzida pelo sistema. O advento da Prefrescura é um fenômeno cuja amplitude deve igualmente atribuir os crédito às mídias sociais como Facebook, Twitter ou YouTube, pois essas novas mídias permitem ilustrar essa dinâmica autopoietica de desconfiança. A Prefrescura representa uma colisão entre cidadãos e o órgão governamental, nesse caso a Prefeitura de Curitiba, de um público preocupado com a tendência recente de corrupção nas instâncias governamentais; e afetados pelo crescente descrédito em relação à classe política brasileira. O elemento característico da Prefrescura está indubitavelmente na sua dinâmica constitutiva de baixo para cima, com o agrupamento de pequenos grupos isentos sob uma mesma bandeira – a crítica às ações da Prefeitura de Curitiba. Desprovida de hierarquia verdadeira, sua dinâmica orgânica comporta inclusive estruturas descentralizadas em relação à página oficial do órgão municipal. A estrutura desse espaço de debate crítico, de contraopinião é funcionalmente especializada e frequentemente com uma liderança coletiva. Funciona também como critério de aprovação moral de cidadãos-consumidores indignados, desejosos de moralizar a coisa pública. Nessa ação de contraopinião estão os elementos de uma moralização da democracia, uma preocupação de reideologização 6. Disponível em: <https://www.facebook.com/prefrescuradecuritiba?fref=ts>. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4834 Autopoiese da comunicação organizacional em redes sociais: uma análise da página da Prefeitura de Curitiba no Facebook Alcioni Galdino Vieira do campo político, engrenado pelo movimento que caminha junto com a prática de uma denúncia constante dos oponentes. Uma das principais características dos novos movimentos sociais, segundo Rosanvallon (2007), é assegurar atividades de vigilância e denúncia, com base na contrademocracia. Nesse sentido, a denúncia pode inclusive ascender à categoria de atividade democrática fundamental. A destruição da reputação – a imagem de marca – pode equivaler a uma forma de ostracismo cidadão mais grave do que a inversão desse processo de comunicação pública e governamental. Na nova governança é a reputação que constitui a principal mediação organizadora da confiança. Tornou-se em certa medida o depósito de garantia do governo. A influência de uma opinião politizada pressupõe o advento de um monitoramento da democracia: a observação permanente e o controle pela sociedade civil da gestão pública. A Internet, por intermédio das mídias sociais contribui para a constituição de tal fenômeno. A Web 2.0 parte de sua adaptação espontânea às funções de vigilância e denúncia e pode, portanto, ser percebida como o campo de ação do consumismo na esfera governamental. Um consumismo compreendido como autosseleção de benchmarks a partir dos quais cidadãos-consumidores avaliam os governantes como aptos ou inaptos. CONSIDERAÇÕES FINAIS A reativação do comprometimento dos governos com a opinião pública é testemunha de uma vontade do cidadão-consumidor de contribuir para o grande diálogo em torno das marcas públicas, afetando o campo da comunicação governamental de forma diferenciada, em que as lógicas de consumo, de benchmark, de inscrição pontual ou mesmo de boicote prevalecem. Contrastando com uma prática política amplamente desideologizada, a marca governamental é igualmente portadora de valores e de uma dimensão afetiva. No caso da Prefs, página da Prefeitura de Curitiba no Facebook, age como rótulo de qualidade oferecido aos governantes, assinalados como virtuosos num contexto político. Nessa preferência axiológica trazida aos governantes concorre uma remodelação do discurso militante e, por conseguinte, a reideologização do campo da gestão governamental. O advento de uma opinião contratada constitui, portanto, o corolário positivo do deslize da comunicação governamental para as marcas, em que a aclamação passiva dá lugar à vigilância e a constituição de forças participantes alternativas. No entanto, a vigilância 2.0 e a radicalização de uma vigilância negativa, tomando a forma de uma denúncia sistemática, suscitam igualmente questionamentos. Por intermédio da (re)composição militante de movimentos contra o sistema, como parte do processo democrático e participativo, ocorre a emergência de um populismo 2.0. Uma curva populista que pode também ser percebida como uma patologia da democracia governamental-participativa e mais ainda como uma patologia da vigilância da vigilância do sistema. Esse populismo 2.0 proscreveria, portanto, qualquer forma de delegação e radicalizaria o consumismo político-governamental na forma única de boicote. Um ativismo negativo que se traduz na depreciação dos atores em tempo real, tornado possível pela circulação de informações na Web Social. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4835 Autopoiese da comunicação organizacional em redes sociais: uma análise da página da Prefeitura de Curitiba no Facebook Alcioni Galdino Vieira REFERÊNCIAS Baudrillard, J. (2007). A Sociedade de Consumo. Rio de Janeiro: Edições 70. Bolz, N. (2006). Comunicación mundial. Buenos Aires: Katz. Heilbrunn, B. (2004). A Logomarca. Porto Alegre: Editora Unisinos, 2004. Heizen, P. (2014). 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República.com: Internet, democracia y libertad. Barcelona: Paidós. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4836 Relacionamento com o consumidor gera reputação na sociedade conectada Customer relationship creates reputation on connected society Dulce M a rga r eth Boa rini1 Resumo: O consumidor hoje exerce um papel de protagonista no relacionamento com as empresas, esteja ele no ambiente off-line ou no on-line. Pelo desenvolvimento da tecnologia digital e da crescente facilidade de acesso, o consumidor ganhou ferramentas que lhe permitem obter informações sobre empresas, produtos e serviços, a se manifestar frequentemente, de maneira impactante e com muito mais eco, capaz de transpor barreiras geográficas. Nesse cenário, a vulnerabilidade das empresas cresceu. O artigo apresenta, a partir da observação da presença de duas marcas conhecidas nas mídias sociais digitais, o comportamento das empresas, em momentos e formas diferentes. No caso da Arno, fabricante de eletrodomésticos, observou-se tímida atividade na ambiência digital e relacionamento com consumidor reativo. No caso da 99Taxis, evidenciou-se um relacionamento ativo, em rota de mão dupla. O parâmetro escolhido para observar o impacto na reputação das marcas foi o portal Reclame Aqui, reconhecido em excelência pelos 12 milhões de acessos em 2014. Os resultados constataram que nem todas as empresas ajustaram a comunicação aos novos tempos, por despreparo ou falta de conscientização. Palavras-chave: Relacionamento, Consumidor, Mídias Sociais Digitais, Reputação. Abstract: Nowadays customer is a leading actor in the consumer-brand relationship – in the offline or in the online environment. The development of digital technology and the increasing of access to it have been promoting gains for customers – more access and tools allow them to get information about companies, products and services, complaining about brands more frequently and with more eco -overcoming geographical and temporal barriers. In this scenario, companies have become more vulnerable and had to adjust their Communication strategies to attend this stakeholder within this new reality. This article presents a research about how two well-known brands have been leading their relationships with consumers on Social Media. The brand Arno, an appliance manufacturer, shows itself as a shy player and it seems low profile. 99Taxis, the other brand, is a high profile player and collects many goals. This research also used the reputation index from the Brazilian and well-reputed portal Reclame Aqui, specialized on customer relationship, to analyze how these two brands act on Social Media. In general, the results indicate that not all companies have been adjusted their Communication strategies to the new reality – maybe because they are unprepared or awareness. Keywords: Relationship, Customer, Social Media, Reputation. 1. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). E-mail: [email protected] Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4837 Relacionamento com o consumidor gera reputação na sociedade conectada Dulce Margareth Boarini UM NOVO TIPO DE RELACIONAMENTO A PARTIR DAS MÍDIAS SOCIAIS DIGITAIS RELAÇÃO ENTRE empresas e clientes tem sofrido profundas mudanças desde o A advento, o fortalecimento e a disseminação das novas tecnologias digitais e das mídias sociais desse ambiente, uma vez que possibilitou ao consumidor assumir, muitas vezes, um papel de protagonista na rota da comunicação empresarial. Ele deixou de atuar apenas passivamente, como receptor, e passou a conversar, a compartilhar e a reclamar com mais força e frequência, com um potente eco. Essa inversão na postura contribuiu, graças ao avanço da tecnologia digital e ao amplo acesso a ela, que esse consumidor conquistasse a regência da nova ordem no fluxo de informação de uma forma até então sem precedentes na história da Comunicação. O ciberconsumidor diferencia-se do consumidor tradicional ou ainda do consumidor centauro, definido por Yoram Wind (2000) como um consumidor híbrido, pois transita entre o comportamento tradicional (off-line) e o comportamento ciber (on-line), exatamente em suas práticas de acesso e relacionamentos mediados por tecnologias e próteses que viabilizam o seu envolvimento high tech, imprescindível nas relações de consumo e de troca com as organizações, certamente trata-se de um consumidor Matrix (Galindo, 2012, p. 148). Para o autor, a emergência desse perfil de consumidor, que atua na duplicidade de absorção de conteúdo ao mesmo tempo em que produz e divulga o seu próprio, equivaleria ao conceito de “prossumidor”, inaugurado por Tofler (1980, p.25). A informação produzida pelo consumidor embute oportunidades interessantes para estreitar relacionamentos, ampliar credibilidade, gerar mais negócios e demonstrar o quanto ele, nos dias atuais, está mais sabedor dos direitos a exercer e a serem respeitados, apoiado pelo tradicional “boca-a-boca”, que, por meio das mídias sociais digitais, ganhou velocidade, eco e capilaridade, inclusive internacional, tornando-se um forte componente de impacto na reputação das empresas, tanto positivamente como negativamente. Saber identificar tais oportunidades e aproveitá-las tem sido uma arte, embora nem todas as empresas estejam conscientizadas, preparadas ou dispostas para participar ativamente desse contexto. Prahalad e Ramaswamy (2004, p.16) afirmam que, no século XXI, “a mudança mais básica decorreu da transformação do papel do consumidor – de isolado para conectado, de desinformado para informado, de passivo para ativo.” O impacto desse novo perfil de consumidor se dá por conta do acesso à informação, do ganho de uma visão global, da manutenção e ampliação de uma ativa rede de contatos, da experimentação e compartilhamento dessa experiência e do exercício do ativismo. As empresas não mais podem agir com autonomia, projetando produtos, desenvolvendo processos de produção, elaborando mensagens de marketing e controlando canais, com pouca ou nenhuma interferência dos consumidores. Estes agora querem influenciar todos os componentes do sistema de negócios. Armados com novas ferramentas e insatisfeitos com as escolhas disponíveis, os consumidores fazem questão de interagir com as empresas e assim co-criar valor (Prahalad e Ramaswamy, 2004, p.19). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4838 Relacionamento com o consumidor gera reputação na sociedade conectada Dulce Margareth Boarini A assimilação da existência desse novo perfil de consumidor por parte das empresas e o reconhecimento de sua relevância, porém, não parece ter acontecido ainda de forma assertiva e permeada no mercado. O que se pode perceber é que há empresas presentes nas mídias sociais em níveis diferentes de interação, ou mesmo em nenhum deles. Há aquelas preocupadas em criar e manter um relacionamento – bom e constante –, esforçando-se para que esse stakeholder tenha a percepção de que é sequer respeitado e ouvido. Por outro lado, existem as empresas que ainda não se alertaram para a necessidade de criação e manutenção de programas de relacionamento que envolvam as mídias sociais digitais nesse sentido. Esse último grupo parece não perceber como os novos canais de comunicação ganharam eco e audiência nos últimos anos, e como críticas e elogios de clientes a marcas e empresas têm ganhado um espaço nobre e impactante por toda a sociedade a partir deles. Como define Riel (2014, p. 1), “as grandes empresas reconhecidamente afetam a sociedade de várias maneiras e contam com uma ampla variedade de stakeholders, um número certamente maior do que se considerava haver apenas uma ou duas décadas atrás.” O autor alerta para a primordialidade no desenvolvimento de um programa de alinhamento com empregados, investidores, clientes, mídia financeira, dirigentes eleitos e legisladores. Riel (2014, p. 1 e 2) afirma que, “embora as empresas detenham a promessa de marca, o novo cenário mostra que são os stakeholders internos e externos que detêm o ativo mais precioso, que é a reputação”. A construção e a preservação de uma boa reputação junto a todos os stakeholders, mais que nunca, está atrelada à Comunicação – como é realizada, de que forma, com qual frequência, entre outros aspectos. Numa sociedade conectada e povoada por consumidores bem informados, o peso da reputação tornou-se incontestavelmente muito maior. Desde que empreendida de forma estratégica e profissional, não há motivos para uma empresa temer a comunicação que objetiva o aprofundamento na relação com os consumidores, mas para que os resultados disso sejam eficazes e profícuos tornam-se necessários o entendimento e a institucionalização da área de Comunicação como um dos instrumentos imprescindíveis na gestão da empresa. O planejamento em comunicação deve resultar de uma política de comunicação, instrumento de gestão que vislumbra ações e estratégias também de longo prazo. Ele deve estar em sinergia com a cultura da organização, considerar o perfil da concorrência e da sua área específica de atuação, o contexto econômico, sociocultural, ambiental e legal em que a organização se insere, e, inclusive, estar sintonizado com a própria estrutura à disposição de quem planeja (recursos humanos e financeiros, por exemplo) (Bueno, 2009, p. 178). Saber se relacionar constantemente dentro da ambiência digital permite que as empresas percebam os movimentos, as reações, as avaliações e os sentimentos que os consumidores têm delas e de suas marcas, e, a partir daí, desenhem ações de comunicação mais aderentes às estratégias do próprio negócio. O movimento do consumidor com relação à marca e à empresa pode ser acompanhado por um processo de monitoramento, que funcionaria como um termômetro, e que demanda técnicas apuradas, profissionais de Comunicação totalmente incorporados à gestão da empresa, uso integrado de ferramentas modernas. Os autores Solis e Breakenridge (2009, p.1) são taxativos ao Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4839 Relacionamento com o consumidor gera reputação na sociedade conectada Dulce Margareth Boarini afirmarem que “a internet mudou tudo e que as mídias sociais estão dando poder a um grupo de vozes com autoridade que não podemos ignorar”2. Kotler e Kartajaya e Setiawan (2010, p.59) enfatizam que no Marketing 3.0, a propriedade da marca muda de mãos. “As empresas que adotam o Marketing 3.0 precisam se acostumar com o fato de que é quase impossível exercer controle sobre a marca. As marcas pertencem aos consumidores” (KOTLER e KARTAJAYA e SETIAWAN, 2010, p.59), e eles se transformam praticamente em sócios da missão da empresa. A mudança de paradigma apoia-se no fato de que é preciso se comunicar, interagir, exercitar o relacionamento sempre. Bueno (2014, p.222) afirma que “as redes sociais exigem uma nova cultura de relacionamento que não se confunde com o controle, a censura, a autocensura, a obsessão pelo controle e subjugação das vozes contrárias”. O momento atual pressiona as empresas a darem a devida relevância à comunicação com o consumidor. QUANDO O VENTO SOPRA NA DIREÇÃO OPOSTA Munida de uma câmera e com o simples desejo de ajudar pessoas com o mesmo problema que o seu, a consumidora Alda Silva decidiu compartilhar na rede social YouTube a descoberta de como abrir um dos modelos da linha de circulador e ventilador de ar Turbo Silêncio da Arno para limpá-lo. À primeira vista, a ideia pode causar estranhamento, mas tem se mostrado de grande utilidade para outros consumidores que, assim como ela, adquiriram o produto. O apelo de venda explorado para este modelo, categoria premium, está centrado, nos pontos de venda, em questões como circulação de ar excelente, funcionamento extremamente silencioso, de fácil transporte e com possibilidades de regulagem no direcionamento do vento produzido. Depois de um período de uso, porém, consumidores começaram a se deparar com um problema – a desmontagem aparentemente impossível para que se pudesse realizar a limpeza. Robusto, parecendo ser produzido em uma única peça, o modelo não traz em seu corpo qualquer sinal de onde pode ser aberto para que se retire a poeira que se forma internamente e ter as hélices e a parte interna limpas. Tal questão não foi contemplada de forma clara e direta pela fabricante na embalagem ou no folheto com as instruções de uso. No website da empresa, é sugerido que se leve o aparelho até uma assistência técnica para que a limpeza seja efetuada. Essa medida, provavelmente, tenta priorizar a segurança de seus consumidores, mas a mensagem não afirma que a sugestão de procurar uma assistência técnica seja por esse motivo. A Sra. Alda Silva, logo no início do vídeo postado na rede social YouTube em 22 de abril de 2013, explica que o que a motivou a gravá-lo foi o fato de poder mostrar como o produto pode ser limpo sem depender das assistências técnicas autorizadas. Disse que um funcionário de uma delas, gentilmente, mostrou-lhe o Abre-te Sésamo da tarefa. Nascia assim, na consumidora, o desejo de compartilhar, com outros clientes angustiados pelo mesmo problema, a solução de forma gratuita e didática. No seu vídeo, a sra. Alda Silva, em voz calma e serena, apresenta o produto, elogia seu funcionamento, conta o 2. “The Web has changed everything. And the Social Web is empowering a new class of authoritative voices that we cannot ignore.” A tradução do inglês foi feita pela autora do artigo. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4840 Relacionamento com o consumidor gera reputação na sociedade conectada Dulce Margareth Boarini périplo pela busca da forma de limpeza e mostra em 7:41 minutos como realizar tal tarefa, sem a ajuda de ninguém. A própria consumidora consegue limpar o ventilador sozinha enquanto filma. Ela não reclamou de forma clara da marca ou do produto, ou seja, não sugeriu que as pessoas deixassem de compra-lo. Reforçou que sua intenção era apenas a de compartilhar como o tal modelo de circulador de ar poderia ser desmontado facilmente para ser limpo, sem a necessidade de se recorrer a uma assistência técnica e consequentemente pagar por esse tipo de serviço simples. Até as 19:47 do dia 21 de março de 2015, seu vídeo na rede social YouTube, havia conquistado 27.803 visualizações. Posteriormente, em 08 de Maio de 2014, o vídeo ganhou uma segunda versão, menor, a pedido de outros consumidores que contataram a Sra. Silva, para que ela os ensinasse como limpar especificamente as hélices do mesmo modelo de circulador de ar da Arno. Esse segundo vídeo havia registrado 3.721 visualizações no dia 21 de março, às 21:53. Nos vários posts que se lê abaixo do vídeo número um (2013), pode-se constatar a diversidade de reações de consumidores, desde alguns que apenas agradecem pela iniciativa até aqueles que afirmam que desistirão da compra deste produto da Arno. A consumidora Alda Silva especializou-se em vídeos com dicas de temas variados na rede YouTube, e, inclusive, criou um sistema de cadastro, onde os interessados podem deixar email para, periodicamente, receberem o link dos novos vídeos postados por ela. Segue abaixo a imagem do primeiro vídeo (2013): Figura 01. YouTube. Alda Silva. Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=6cnWnU5Pk7U> Em 25 de dezembro de 2013, outro consumidor, o Sr. Rud Gullet, também postou um vídeo na rede social YouTube, ensinando as pessoas como limpar o mesmo produto. Tal exemplo reforça como os consumidores se ressentem pela falta dessa informação específica sobre o circulador de ar e como sentem a necessidade de compartilha-la assim que descobrem se tratar de uma ação simples. Segue abaixo uma imagem do vídeo postado pelo consumidor, que, até as 22:12 do dia 21 de março de 2015, havia registrado 6.509 visualizações. Figura 02. YouTube. Alda Silva. Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=HE_xTRGPDgk> Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4841 Relacionamento com o consumidor gera reputação na sociedade conectada Dulce Margareth Boarini A informação sobre a limpeza do produto no website da empresa, até o dia 19 de março de 2015, às 23:06, sugeria aos consumidores que procurassem uma assistência técnica: Figura 03. Arno. Fonte: <http://www.arno.com.br/#!/produtos/Conforto/linha-turbo-silencio-49/ circulador-de-ar-arno-turbo-silencio-81> O lançamento da linha Turbo Silêncio da Arno no mercado contou com forte esforço de marketing, com apelo centrado no silêncio e na potência, em mídias tradicionais e digitais. A agência de propaganda Publicis, que assinou a campanha de lançamento para a marca, criou peças bastante criativas para mostrar o funcionamento e as qualidades do equipamento. Figura 04. Comunicadores. Fonte: <http://comunicadores.info/2011/08/10/ arno-turbo-silencio-vento-na-maxima-potencia/> Em pesquisa feita em Março de 2015, no campo de busca da rede social Facebook, utilizando-se apenas a marca Arno, é possível observar que ela automaticamente muda para a denominação Arno Oficial. A segunda opção encontrada no campo de busca é Arnold Classic Brasil. Em busca realizada em dezembro de 2014, a ordem era a inversa, com Arnold Classic Brasil vindo em primeiro lugar. Abaixo, como se pode ver hoje: Figura 10. Facebook. Arno Oficial. Arnold Classic Brasil. Fonte:<https://www.facebook. com/ArnoOficial?fref=ts / https://www.facebook.com/arnoldclassicbrasil?fref=ts> Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4842 Relacionamento com o consumidor gera reputação na sociedade conectada Dulce Margareth Boarini Na página do site Reclame Aqui, a marca, que, chegou a aparecer com reputação classificada como Regular pelo identificador amarelo no ano de 2013, teve sua imagem junto aos consumidores melhorada e, nos últimos doze meses, obteve o ícone em azul, considerado Bom. Isso denota que a empresa tem realizado esforços para melhorar sua reputação com relação à comunicação referente à solução de situações adversas. Figura 04. Reclame Aqui. Fonte: <http://www.reclameaqui.com.br/indices/421/arno/> (figura à esquerda) e <http://www.reclameaqui.com.br/indices/421/arno/> (figura à direita) O site Reclame Aqui apresenta uma classificação própria para medir a reputação das empresas, baseada em ícones representados por carinhas no estilo emoticon, a partir do atendimento prestado aos consumidores, como demonstra a figura abaixo: Figura 05. Reclame Aqui. Fonte: <http://www.reclameaqui.com.br/indices/1897/reclameaqui/> A REPUTAÇÃO MEDIDA PELO GRAU DE CONVERSA E SOLUÇÃO DE PROBLEMAS Faz-se necessário um registro sobre o site Reclame Aqui, criado em 2001 por um grupo de quatro sócios – um publicitário e três desenvolvedores de sistemas –, depois que um deles, o seu hoje presidente Maurício Vargas, passou por um constrangimento ao ter sido vítima de overbooking em uma companhia aérea. Autodenominado “canal oficial do consumidor brasileiro”, o Reclame Aqui é uma plataforma que faz o meio de campo entre consumidores e empresas e serviços públicos. Sua política de atuação contribuiu muito para que o serviço se tornasse um dos mais respeitados na área de atendimento ao cliente, ao lado de institutos importantes e igualmente bem reputados, como o Procon e o Idec. O site não aceita participações anônimas ou com apelidos por parte dos consumidores e não interfere manualmente na apuração dos dados ou atualização dos índices, segundo informações prestadas no website oficial. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4843 Relacionamento com o consumidor gera reputação na sociedade conectada Dulce Margareth Boarini Foi em 2010 que a plataforma registrou seu maior pico de crescimento, com três milhões de visitas. Um ano mais tarde, obteve o reconhecimento do Ministério Público de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. Em 2012, atingiu 74% de soluções dos casos. Em 2013, atingiu a marca de nove milhões de acesso ao mês. Em 2014, o Reclame Aqui, registrou 12 milhões de visitas e ostenta hoje 15 milhões de usuários cadastrados. As informações foram fornecidas pela 4Press, assessoria de imprensa do serviço. Além do website, sua página no Facebook é bastante ativa. Tabela 1. A evolução no número das queixas. Fonte: 4Press. A existência do Reclame Aqui e seu sucesso demonstram a transformação por qual tem evoluído a postura do consumidor com o advento das tecnologias digitais, o acesso a elas e a pressão que as mídias sociais digitais exercem sobre a sociedade atual. Mais de 90% das visitas realizadas diariamente no portal são exclusivamente para pesquisar a reputação de uma determinada empresa ou serviço, e apenas 10% se destinam ao registro de uma queixa. Os dados refletem a profunda preocupação do consumidor com a idoneidade do fabricante ou prestador de serviço que ele pretende contratar. A pesquisa do melhor custo x benefício não se configura mais como o único elemento determinante para uma aquisição. Acessar um portal como o Reclame Aqui sintetiza a busca pelo testemunho de alguém que inspira confiança. Para os autores Brogan e Smith (2010, p.2) o consumidor dos dias atuais é conectado, ativo e bem informado e isso exige um tipo de relacionamento condizente com esta realidade de acesso à informação e onde o grau de confiabilidade determina o ato da compra. Ao contrário do fator preço, que pode fazer uma empresa deixar de vender por uma destreza melhor da concorrência, o fator reputação pode desestimular um consumidor a comprar por culpa da própria empresa em questão. A CONECTIVIDADE ENCURTOU A DISTÂNCIA ENTRE O TÁXI E O PASSAGEIRO A empresa 99Taxis, que se destaca por seu trabalho de comunicação com o consumidor, nasceu como aplicativo, por iniciativa do empresário Paulo Veras, eleito um dos cem brasileiros mais influentes em razão do sucesso do seu negócio, em ranking da Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4844 Relacionamento com o consumidor gera reputação na sociedade conectada Dulce Margareth Boarini revista semanal Época, da Editora Globo, com data de circulação de 13 de dezembro de 2014, dentro do levantamento chamado “Os mais influentes do Brasil em 2014”. Criado em agosto de 2012, o aplicativo é um dos serviços de táxi mais populares hoje no Brasil, com a marca de dez milhões de corridas realizadas desde a sua inauguração e cem mil motoristas cadastrados. Está presente em 300 cidades brasileiras e ativo nas redes sociais Facebook, Instagram, Twitter, LinkedIn e Google+, segundo informações prestadas pela NB Press, assessoria de imprensa. O aplicativo hoje está disponível nos idiomas Português, Inglês e Espanhol e pronto para operar nos sistemas operacionais IOS, Android e Windows Phone. Ao baixar o aplicativo e efetuar o cadastro, o consumidor passa a ter um relacionamento frequente com a empresa, uma vez que a 99Taxis está sempre encaminhando informações sobre promoções especiais, campanhas sociais, realizadas muitas vezes com empresas parceiras, brincadeiras e descontos, seja por sms, mídias sociais digitais ou e-mails. A reputação da empresa é considerada muito boa no site Reclame Aqui, em razão da quantidade de solicitações solucionadas por seus consumidores, da forma satisfatória de atendimento, do curto prazo de resposta da empresa e da disposição demonstrada pelos clientes em continuar a fazer negócios com a empresa depois da ocorrência de situações consideradas insatisfatórias. Segue abaixo imagem da carinha do Reclame Aqui para a empresa: Figura 06. Reclame Aqui. 99Taxis. Fonte: <http://www.reclameaqui.com.br/indices/71824/99taxis/> Segundo Galindo (2009, p.45), as empresas hoje enfrentam o desafio de se tornarem comunicadoras efetivas, “valendo-se, portanto, de sua capacidade estratégica em gerar percepções duradouras e de reforço contínuo a sua personalidade, frente aos objetivos propostos no plano de marketing e compartilhados junto aos seus públicos de interesse”. Quando um canal de comunicação é aberto e um relacionamento é frequente, a empresa goza da oportunidade de corrigir algum eventual deslize tendo um voto de confiança do lado descontente. A quem é visto com credibilidade e percebido como presente é, costumeiramente, ofertado um momento para explicações. A ilustração abaixo mostra como a 99Taxis tratou de um ponto negativo levantado por um consumidor no site Reclame Aqui: Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4845 Relacionamento com o consumidor gera reputação na sociedade conectada Dulce Margareth Boarini Figura 07. Reclame Aqui. 99Taxis. Fonte: <http://www.reclameaqui.com. br/9270166/99taxis/99-taxi-nao-possui-atendimento-ao-cliente/> Para reclamar de mal atendimento de um taxista, um consumidor postou sua reclamação sobre a atitude de um motorista. A empresa respondeu ao cliente, dentro de um prazo considerado rápido, e informou que o profissional sofreria sanções por tempo determinado. Depois dessa postura da empresa, ao ser perguntado pelo site se faria novamente negócios com a 99Táxis, o cliente disse que faria, pois estava satisfeito com a conduta adotada. Essa situação teve um desfecho satisfatório em termos de imagem para a marca e manteve sua boa reputação inabalada dentro do critério de classificação estabelecido pela plataforma de relacionamento. O consumidor preferiu acreditar na boa experiência que teve com a empresa antes daquele episódio especificamente ruim para dar-lhe um voto de confiança e manter sua credibilidade no serviço. CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa realizada com as marcas Arno e 99Taxis pretendeu evidenciar a relevância de abrir e manter diálogo com o consumidor no ambiente das mídias sociais digitais e que, para que essa iniciativa tenha resultado profícuo e gere boa reputação para marcas e empresas, é determinante que a Comunicação esteja alinhada às expectativas de uma sociedade conectada. A importância cada vez mais incontestável do ativo reputação tem apontado que ele pode servir de parâmetros e definição para vendas, compras, investimentos de acionistas, participação em licitações nacionais e internacionais, contratações, adesões. As mídias sociais digitais têm se configurado um ambiente fundamental para a percepção de valor que as empresas transmitem aos clientes. Saber estar presente e exercitar um relacionamento com o stakeholder consumidor nesses canais deixou de ser opção. É preciso aceitar os novos paradigmas. O capital social de uma organização também pode ser composto pelo saber ouvir e conversar. REFERÊNCIAS 99Taxis. (2014 e 2015). Acesso em Dezembro, 17, 2014 e Março, 19 a 21, 2015. Disponível em: <www.99taxis.com> Arno. (2014-2015). Acessos em Dezembro, 17, 2015 e Março, 19 a 21, 2015. Disponível em: <http://www.arno.com.br/> Arno. (2014-2015). Acessos em Dezembro, 17, 2015 e Março, 19 a 21, 2015. Disponível em: <http://www.arno.com.br/> Arno. (2015). Arno. Conforto. Circulado de Ar Arno Turbo Silêncio. Acessado em Março, 21, 2015 – Disponível em <http://www.arno.com.br/#!/produtos/Conforto/ linha-turbo-silencio-49/circulador-de-ar-arno-turbo-silencio-81> Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4846 Relacionamento com o consumidor gera reputação na sociedade conectada Dulce Margareth Boarini Arno. (2015). Arno. Conforto. Circulado de Ar Arno Turbo Silêncio. 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Tudo sobre esta empresa. Acessos em Março, 19 a 21, 2015. Disponível em: <http://www.reclameaqui.com.br/indices/71824/99taxis/> Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4847 Relacionamento com o consumidor gera reputação na sociedade conectada Dulce Margareth Boarini Redação Época, Época. (2014, Dezembro, 15). Os 100 mais influentes do Brasil em 2014. Época, p. 73-95. Riel, C. B. M v. (2014). Reputação – O valor estratégico do engajamento dos stakeholders (C. Yamagami, Trad.). Rio de Janeiro: Ed. Elsevier. Solis, B. & Breakenridge, D. (2009) Putting the public back in public relations. New Jersey: FT Press. Tofler, A. (1980). A terceira onda – A morte do industrialismo e o nascimento de uma nova civilização (J. Távora, Trad.). Rio de Janeiro: Ed. Record. YouTube. (2014 - 2015). Alda Silva. Como limpar a HÉLICE do circulador arno turbo silêncio 45cm 90w. Acessos em Dezembro, 17, 2014 e Março, 21, 2015. Disponível em: <https:// www.youtube.com/watch?v=Jj7ginFkGVk> YouTube. (2014 - 2015). Alda Silva. Como limpar circulador arno turbo silêncio 45cm 90w – revelações antes ocultas. Acessos em Dezembro, 17, 2014 e Março, 21, 2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=6cnWnU5Pk7U> YouTube. (2015). Rud Gullet. Circulador de Ar Arno Turbo Silencio CC91# Como limpar. Acessos em Março, 19 a 21, 2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/ watch?v=HE_xTRGPDgk> Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4848 Relações Públicas e ambiente digital: a pirâmide das relações públicas Public Relations and digital environment: the PR pyramid José Gabriel Andr ade 1 Resumo: Este artigo aborda os desafios com que as Relações Públicas se deparam na atualidade, operando num ambiente digital e interativo, que suporta mudanças profundas no comportamento dos públicos e na forma como se relacionam com as organizações. No âmbito académico, discutem-se novos modelos comunicacionais mais simétricos e os investigadores são confrontados com mutações profundas no exercício da profissão e no lugar que as Relações Públicas tradicionalmente ocupam nas organizações. O caso da TAP Portugal é abordado neste artigo como exemplo de estrutura comunicacional integrada para a gestão da presença nos media sociais. A partir deste caso, é proposto um modelo piramidal que engloba o marketing e o apoio ao cliente e no qual as Relações Públicas assumem a posição de orquestrador como solução para gerir a presença nos media sociais gerando imagens consistentes e obtendo a tão desejada reputação consolidada. Palavras-Chave: Relações Públicas. Pirâmide das Relações Públicas. TAP Portugal. Abstract: This article discusses the challenges faced nowadays by Public Relations within the context of a digital and interactive environment marked by profound changes in the behavior of audiences and the manner how they relate with organizations. In the academic context, we discuss new and more symmetrical communication patterns where researchers are faced with both profound changes in this kind of job and place Public Relations traditionally take on in organizations. The case of TAP Portugal is discussed in this article as an example of integrated communication structure for the management its presence in Social Media. From this case, we propose a pyramidal model that encompasses marketing and customer support and in which Public Relations take the role of orchestrator, coming up with solutions to better manage its presence in Social Media generating consistent images and thereby achieving an established reputation. Keywords: Public Relations. PR Pyramid. TAP Portugal. 1. Mestre, professor assistente. Universidade Católica Portuguesa [email protected] Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4849 Relações Públicas e ambiente digital: a pirâmide das relações públicas José Gabriel Andrade ENQUADRAMENTO TEÓRICO S Caraterização dos media sociais ÃO VÁRIOS os conceitos avançados para descrever as tecnologias de comunicação digitais que atualmente integram as nossas práticas quotidianas, como por exemplo Web 2.0, novos media e media sociais. Cada um destes conceitos enfatiza diferentes caraterísticas e está associado a um contexto temporal, geográfico e cultural concreto, bem como a tecnologias específicas. Contudo, os elementos comuns entre todos são a transição do analógico para o digital e a alteração de uma lógica de emissão massificada para uma lógica de diálogo personalizado. A designação ‘media sociais’ enfatiza a promoção da sociabilidade como a principal caraterística dos meios de comunicação a que se aplica. Na sua aceção mais restrita, é entendida como sinónimo de redes sociais, aplicações cuja finalidade é promover a comunicação, a sociabilidade e o networking (estabelecimento de ligações e relações, criação de redes) através da facilitação da criação, manutenção e eventual intensificação das relações interpessoais e sociais. Num sentido mais lato, alguns autores descrevem também como media sociais aplicações cujos conteúdos são produzidos pelos próprios utilizadores (e.g. blogues, wikis, YouTube, social bookmarking), salientando o contraste entre a estrutura horizontal e colaborativa deste tipo de meios de comunicação e os meios de comunicação de massas, também chamados media tradicionais ou ‘velhos media’ (ex. imprensa, rádio, televisão), cujos conteúdos são maioritariamente determinados pelos produtores e transmitidos ao mesmo tempo para uma audiência relativamente passiva. Postman (2011) define media sociais focando tanto a sociabilidade como a criação e difusão de conteúdos: O que são os media sociais? São o envolvimento do utilizador final na criação de conteúdo online e a facilidade e variedade de formas através das quais esse utilizador final pode criar conteúdos, comentar conteúdos, adicionar aos conteúdos e partilhar conteúdos, e ainda criar relações com outros que estão a fazer o mesmo. (Postman, 2011 [numa conferência, tradução nossa]). Kaplan e Haenlein (2010) sugerem outra definição que entende a Web 2.0 como a infraestrutura tecnológica que suporta e possibilita a existência de aplicações colaborativas que promovem a sociabilidade e a partilha de conteúdos: […] Media sociais são um conjunto de aplicações baseadas na internet que acrescentam às fundações ideológicas e tecnológicas da web 2.0, permitindo a criação e troca de conteúdos gerados pelos utilizadores. (Kaplan e Haenlein, 2010: 61 [tradução nossa]). A proliferação e crescente utilização dos media sociais é descrita por Li e Bernoff (2008) através do conceito de groundswell (avolumar, expandir, intensificar), que se refere à crescente utilização de ferramentas digitais de comunicação peer-to-peer por parte dos utilizadores para obterem o que necessitam a partir de outros utilizadores, colaborativamente. Este é, portanto, um fenómeno social generalizado, com impacto em todas as dimensões da sociedade, e que consiste na expansão, intensificação ou avolumar da comunicação entre pessoas e entre pessoas e organizações para um plano virtual, no qual os utilizadores são mais ativos e participativos. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4850 Relações Públicas e ambiente digital: a pirâmide das relações públicas José Gabriel Andrade Manovich (2002), Livingstone (2002) e Flew (2008 [2002]) concordam que é o formato digital que distingue os media sociais dos meios de comunicação de massa. Contudo, os autores referem também a articulação e convergência de ambos os tipos de meios de comunicação, referindo a presença online de jornais e de canais de televisão, por exemplo. Os autores concordam que as caraterísticas dos meios de comunicação digitais provocam alterações tanto no formato como nos conteúdos dos meios de comunicação de massas que com eles se articulam. Também o conceito de remediação de Bolter e Grusin (2001) reforça este argumento. Contudo, Livingstone (2002) sugere que o estudo dos media sociais se deve focar mais na sua utilização e no seu impacto social do que nas suas caraterísticas tecnológicas: Têm sido descritos muitos traços aparentemente novos dos novos media, incluindo a hiperrealidade, o anonimato, a interatividade, e por aí em diante. Contudo, acreditamos que os novos media podem ser caraterizados de forma mais útil em termos de, em primeiro lugar, a forma como são, ao mesmo tempo, o instrumento e o produto de mudanças sociais e, em segundo lugar, das suas consequências sociais particulares. […] os novos media moldam e são moldados pelo seu contexto social, económico e cultural. (Livingstone, 2002: 7-8 [tradução nossa]). Para Jenkins (2006), a convergência de meios de comunicação também vai além da dimensão tecnológica, sendo portanto uma convergência cultural cujo motor são os utilizadores, e não as características tecnológicas. Argumento contra a ideia de que a convergência deve ser entendida primeiramente como um processo tecnológico que conjuga múltiplas funções nos mesmos aparelhos. Em vez disso, a convergência representa uma mudança cultural, uma vez que os consumidores são encorajados a procurar nova informação e a criar ligações entre conteúdos mediáticos dispersos. (Jenkins, 2006: 2-3 [tradução nossa]). Mas mais importante do que distinguir meios de comunicação de massa e media sociais é compreender como estes meios de comunicação de natureza distinta coexistem e se articulam. Cardoso (2006) demonstra na sua aplicação do conceito de sociedade em rede de Castells (2005 [1996]) ao estudo dos media no contexto português, que os utilizadores tendem a articular os diferentes meios de comunicação em vez de optarem por uns em detrimento de outros. O autor explica que a digitalização torna a comunicação sintética, tanto na sua dimensão tecnológica (reduz diferentes tipos de sinais ao código binário) como no conteúdo (há uma tendência para redução e simplificação das mensagens em formato digital – e.g. SMS, IM, microblogging). Seguidamente, observa que os utilizadores articulam os diferentes meios de comunicação – sociais e de massa – em função dos seus objetivos, necessidades e preferências. Com base nestes dois argumentos, propõe que estamos perante a emergência de um novo modelo comunicacional que apelida de comunicação sintética em rede: Castells (2009) também propõe que a articulação entre meios de comunicação de massa e media sociais conduz a um novo tipo de comunicação, a ‘comunicação individual de massas’ (mass-self communication). O autor observa que a internet possibilita que dois tipos de comunicação distintos – a interpessoal e a de massas – ocorram em simultâneo e se misturem, dando origem a um novo tipo de comunicação: Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4851 Relações Públicas e ambiente digital: a pirâmide das relações públicas José Gabriel Andrade Eu chamo a esta historicamente nova forma de comunicar comunicação individual de massas. É comunicação de massas porque pode atingir uma audiência potencialmente global […]. Ao mesmo tempo, é comunicação individual porque a produção da mensagem é auto-gerada, a definição de potenciais recetores é auto-orientada, e a receção de mensagens ou conteúdos da world wide web específicos bem como a comunicação nas redes eletrónicas são auto-selecionadas. Estas três formas de comunicação (interpessoal, de massas e individual de massas) coexistem, interagem, e complementam-se, em vez de se substituírem. O que é historicamente novo, com consequências consideráveis para a organização social e para a mudança cultural, é a articulação de todas as formas de comunicação nu, hipertexto compósito, interativo e digital que inclui, mistura e recombina, na sua diversidade, um enorme leque de expressões culturais patentes na interação humana. (Castells, 2009: 55 [itálico no original, tradução nossa]). Alterações no papel dos recetores dos meios de comunicação, ou das audiências/ consumidores, são identificadas por Toffler (1980) na década de 80 do século passado. O autor propôs o conceito de ‘prosumidor’ (prosumer), combinando os vocábulos produtor e consumidor, precisamente para aludir ao fato de os consumidores dos meios de comunicação passarem, com as tecnologias digitais, a ser também capazes de produzir e difundir conteúdos. Este termo tem sido adotado por autores como Castells (2004) e Tapscott (2008). Em alternativa, Bruns (2008) sugere ‘produtilizador’ (produser): “[…] utilizadores de sítios noticiosos que se envolvem com esses sítios quer como consumidores quer como produtores (e frequentemente em ambos os modos ao mesmo tempo” (Bruns, 2005: 23 [tradução nossa]). O papel ativo e participativo dos utilizadores é, portanto, um dos traços mais importantes dos media sociais. Não só está presente no comportamento dos utilizadores dos media sociais, como está também, cada vez mais, enraizado na mentalidade contemporânea, levando a que os diferentes públicos das organizações, seja qual for o canal de comunicação, exijam uma relação mais dialógica, interativa e transparente (Breakenridge, 2008). Os públicos das Relações Públicas passaram, portanto, de leitores ou expetadores relativamente passivos a utilizadores ativos e participativos, o que exige uma reconfiguração profunda não só das práticas dos profissionais da área, como da abordagem geral ao papel das próprias Relações Públicas nas organizações. O impacto dos media sociais nas Relações Públicas Os media sociais, que inicialmente eram um espaço de sociabilidade no âmbito de relações pessoais, contam cada vez mais com a presença de organizações, e as interações profissionais e comerciais são cada vez mais frequentes. A par de teorias sociológicas mais abrangentes, que relacionam as tecnologias digitais com mudanças sociais – como a teoria da estruturação de Giddens (1991), o conceito de liquefação de Bauman (2000) ou o conceito de sociedade em rede de Castells (2005 [1996]) – vários autores no âmbito das Relações Públicas têm argumentado que a crescente utilização dos media sociais como ferramenta de comunicação por parte das empresas está associada a uma mudança paradigmática na comunicação organizacional, que passa da tradicional lógica assimétrica teorizada por Grunig e Hunt (1984) para uma Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4852 Relações Públicas e ambiente digital: a pirâmide das relações públicas José Gabriel Andrade lógica simétrica (Kunsch, 2003; Solis and Breakenridge, 2009; Scott, 2010; Macnamara and Zerfass, 2012). Duas abordagens diferentes ao impacto dos media sociais nas Relações Públicas têm sido propostas: por um lado, os media sociais são considerados novas ferramentas ao dispor dos profissionais da área, que pelas suas caraterísticas tecnológicas concretas, alteram as práticas profissionais; por outro lado, os media sociais têm sido concetualizados como uma caraterística contextual da sociedade contemporânea associada a alterações profundas na comunicação organizacional e nas próprias organizações. No âmbito da primeira perspetiva, a literatura sobre como comunicar através de cada media social específico é abundante, com destaque para o Facebook (Levy, 2010; Zarrella, D. and Zarrella, A., 2011; Cijo e Gul, 2014), o Twitter (Israel, 2009; Micek, Micek and Whitlock, 2009; Schaefer, 2012) e o YouTube (Evans, 2010; Scott, 2010). Alterações nas práticas do profissional de Relações Públicas associadas às exigências dos media sociais são identificadas, como por exemplo alterações na estrutura e no estilo dos comunicados de imprensa, a obrigatoriedade de disponibilidade permanente e rapidez na resposta, e ainda competências de edição e publicação digital como fundamentais (Bratton and Evans, 2008; Hay, 2009; Brogan, 2010; Halligan and Shah, 2010; Wilcox and Cameron, 2010; Scott, 2011; Schweigert, 2014). No âmbito da segunda perspetiva, as principais consequências associadas aos media sociais como elemento contextual da sociedade contemporânea são a complexificação das organizações e do seu contexto (Davis, 2009; Cornelissen, 2011) e o esbatimento das fronteiras entre as organizações e o seu exterior (Miller, 2009; Cheney, Christensen, Zorn and Ganesh, 2011). Davis (2009) sublinha que o aumento do volume e da velocidade de informação em circulação resulta num esforço muito maior por parte das organizações para conseguirem chamar a atenção dos seus públicos num contexto sobrecarregado de estímulos. O empoderamento possibilitado pelos media sociais, que permitem que os consumidores se tornem ‘prosumidores’ (Castells, 2005 [1996]; Tapscott and Williams, 2006) ou ‘produtilizadores’ (Bruns, 2008) capazes de comunicar individualmente em massa os seus próprios conteúdos (Castells, 2009) representa uma considerável perda de controlo das organizações sobre as mensagens, o que é apontado como o principal desafio colocado pelos social media à comunicação organizacional por diversos autores (e.g. Postman, 2008; Qualman, 2009; Scott, 2011). É a partir desta observação que vários autores advogam a transição de modelos comunicacionais assimétricos para simétricos na comunicação organizacional (e.g. Kunsch, 2003; Solis and Breakenridge, 2009; Scott, 2010; Breakenridge, 2012; Macnamara and Zerfass, 2012). Embora muitas organizações ainda recorram a práticas comunicacionais assimétricas e não considerem o feedback dos públicos a que se dirigem, esta atuação não é adequada às necessidades, exigências e preferências desses públicos. Por exemplo, os consumidores confiam mais nas recomendações que lhes chegam das suas relações pessoais do que nas mensagens das organizações (Qualman, 2009). Os jornalistas também consideram que a maior parte dos comunicados de imprensa que lhes chegam são demasiado longor, irrelevantes, e revelam muito pouca consideração pelas suas necessidades e preferências (Rossi and Azevedo, 2008). Assim, alguns autores argumentam que as mudanças necessárias nas Relações Públicas para dar resposta às necessidades, exigências e Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4853 Relações Públicas e ambiente digital: a pirâmide das relações públicas José Gabriel Andrade preferências dos seus públicos vão além das rotinas profissionais, sendo necessária uma mudança de mentalidade que passe a favorecer a comunicação horizontal e participativa (Breakenridge, 2012; Theaker and Yaxley, 2012). Contudo, Edwards e Hodges (2011) chamam a atenção para a perpetuação do controlo por parte das organizações, que enquanto entram em diálogo com os seus públicos numa relação aparentemente mais horizontal, recolhem informação sem precedentes através dos media sociais. Autores com uma perspetiva mais crítica também apontam os media sociais como elementos que reconfiguram os equilíbrios de poder entre as organizações e os seus públicos, mas que não condizem necessariamente a uma distribuição equilibrada ou simétrica desse mesmo poder (Coombs and Holliday, 2012; Dutta, Ban and Pal, 2012). Cornelissen (2011) sugere que o esbatimento das fronteiras entre a organização e o seu exterior é igualado por uma aproximação entre diferentes tipos de comunicação organizacional, como o marketing, as relações públicas e a comunicação interna. Miller (2009) também argumenta que a estratégia de comunicação organizacional deve ser repensada, e assente na integração e coerência entre todos os tipos e canais de comunicação. O desafio de obter atenção num ambiente sobrecarregado de informação e estímulos exige coerência e consistência na comunicação organizacional, que passa a ter de articular meios de comunicação de massa e os media sociais, mas que pretende uma imagem e reputação consolidadas. Cheney et al. (2011) propõe o conceito de comunicação integrada: […] ‘comunicação integrada’ é a noção de que as organizações, para estabelecerem a sua presença e legitimidade no mercado, devem comunicar consistentemente para diferentes audiências e em meios distintos. Coordenando e alinhando todas as mensagens da organização (incluindo os temas da visão, das estratégias e da identidade), as organizações que procuram ter uma comunicação integrada esperam criar uma impressão única do que a organização é e do que significa. (Cheney et al., 2011: 126 [itálico no original, tradução nossa]). Kunsch (2003) propõe a necessidade de desenvolver um novo mix de comunicação que incorpore de forma integrada novas práticas e ferramentas de comunicação. A autora destaca o papel das Relações Públicas na comunicação organizacional argumentando que esta deve ser estrategicamente integrada e interativa mas centrada nas Relações Públicas para promover benefícios mútuos para a organização, os seus diferentes públicos e a sociedade em geral. No mesmo sentido, Caywood (2011) fala de uma abordagem estratégica às Relações Públicas no âmbito de uma comunicação integrada de marketing. Breakenridge (2008) propõe o conceito de RP 2.0, que embora aparentemente se foque nas caraterísticas tecnológicas dos media sociais, é apresentado como uma mudança paradigmática na mentalidade do profissional de Relações Públicas que vai além das rotinas. Esta mudança assenta precisamente na transição de uma lógica comunicacional assimétrica para uma mais simétrica, que passa da divulgação para a conversa. ESTUDO QUANTITATIVO Nesta seção, os resultados do estudo quantitativo, com base na análise de conteúdo da página de fãs no Facebook da TAP são relatados. Estes resultados mostram as principais funções que a TAP realiza através de sua página de fãs no Facebook, bem como Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4854 Relações Públicas e ambiente digital: a pirâmide das relações públicas José Gabriel Andrade os diferentes tipos de comunicação, e apresenta as estratégias variadas seguidas pela organização para o envolvimento com os clientes e para a gestão de crises. Encontramos uma alta frequência de publicações na página de fãs no Facebook da TAP, ou seja, uma média de duas publicações por dia (incluindo sábados e domingos). Estas publicações são uma combinação de informações, fotos (destinos TAP) e promoções, revelando que o principal uso da página de fãs no Facebook da TAP é para o marketing, branding e construção de relacionamento. A maioria dos fãs mostram grande envolvimento, atribuindo “gosto” em várias publicações e comentários. Em nossa análise de conteúdo, na página de fãs no Facebook da TAP contabilizamos 720.809 fãs, ou “gostos” em Julho de 2014. ESTUDO QUALITATIVO Esta seção apresenta os resultados do estudo qualitativo realizado. Os entrevistados foram André Serpa Soares, chefe do departamento de relações públicas, Gilda Granja Luís, chefe do departamento de marketing, e João Santos, chefe do departamento de apoio ao cliente. Em relação à primeira entrevista, de forma consistente com os resultados da fase exploratória, todos os entrevistados concordaram que os media sociais têm um profundo impacto em todas as esferas sociais. Sobre os efeitos dos media sociais para as organizações, Gilda Granja Luís referiu à importância de se envolver com os clientes nos media sociais, oferecendo-lhes benefícios de valor agregado em comparação com outras formas de comunicação. Especificamente sobre as relações públicas, André Serpa Soares destacou a perda de controlo dos profissionais de RP em conversas nos media social, mas argumentou que existe maneira de recuperar parte das relações inevitavelmente perdida, ter algum controlo, estar envolvido em conversações com as partes interessadas através dos media sociais. João Santos argumentou que ter 15 funcionários para responder a perguntas enviadas por usuários do Facebook em 15 minutos é uma vantagem para o atendimento ao cliente, bem como para toda a organização. Sobre a presença da TAP em media sociais, a primeira experiência foi em 2009, quando um flashmob foi realizada no aeroporto da Portela para celebrar o Natal. Este flashmob foi posteriormente postado no YouTube pelo departamento de marketing da TAP e logo se tornou viral, como a TAP tinha uma imagem mais conservadora, o flashmob foi como completamente inesperado. O vídeo foi viral por um tempo, visto por mais de 2 milhões de usuários do YouTube, e contribuiu de forma positiva para reposicionar a TAP como uma marca mais jovem e fresca (o vídeo era na verdade parte de um processo de rebranding iniciado em 2005). Depois desta experiência bem-sucedida, o departamento de marketing da TAP decidiu criar uma página de fãs no Facebook. Esta página era frequentemente actualizada com promoções e informações de produtos, sendo principalmente uma alternativa e canal de comercialização complementar, mas não reunia muitos fãs ou motivava para uma participação frequente. A utilização da TAP nos media sociais mudou drasticamente em Março de 2010, durante a erupção do vulcão Eyjafjallajökull, na Islândia, quando a maioria das empresas europeias não foram capazes de voar para vários destinos por causa da propagação de cinzas vulcânicas. Como o call center da TAP foi obstruído com ligações pedindo informações sobre voos e atrasos, muitos clientes utilizaram o Facebook para obter respostas às suas perguntas. Na época, o departamento de marketing, incapaz de Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4855 Relações Públicas e ambiente digital: a pirâmide das relações públicas José Gabriel Andrade responder, articulou uma equipe mista com o apoio ao cliente para lidar com esta crise, sob a supervisão do departamento de relações públicas. Esta solução foi uma situação momentânea onde os clientes foram capazes de ver as suas perguntas respondidas e a organização foi capaz de responder a vários clientes com a mesma pergunta, ao mesmo tempo, de um modo mais simples e em menos tempo do que por telefone. Menos de um ano depois, a segunda entrevista TAP mostrou uma evolução para os media sociais: da abordagem inicial de tentativa-e-erro para uma estratégia consolidada. André Serpa Soares apresentou a ideia da pirâmide das RP, mostrado na Figura 1, para descrever a gestão da página de fãs do Facebook da TAP. Relações Públicas Estratégia Gestão Produção de Conteúdo Marketing Apoio ao Cliente Figura 1. Pirâmide das Relações Públicas Os conteúdos da página são autonomamente introduzido por uma articulação dinâmica de marketing, relações públicas e de apoio ao cliente, considerando que à procura de informação específica é a acção mais frequente feita pelos fãs do Facebook na página da TAP (o Apoio ao Cliente da TAP agora tem um Facebook Team específico). No entanto, as relações públicas ocupam o topo da pirâmide, com a responsabilidade de responder às perguntas que os outros são incapazes de responder. Além disso, sempre que uma situação de crise surge, as relações públicas imediatamente ganham o controlo sobre todos os conteúdos partilhados, centralizando informações e concentrando o poder de decisão no que diz respeito aos media sociais. Esta segunda entrevista também revelou uma mudança de perspectiva em matéria de relações públicas e media sociais como uma abordagem mais focada e uma ferramenta de tentativa e erro para uma perspectiva mais ampla sobre as interdependências entre media sociais e organizações e uma visão mais estratégica do novo papel fundamental das relações públicas na comunicação organizacional. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO Este trabalho mostra a evolução de uma abordagem focada no instrumento e de tentativa e erro para uma abordagem contextual e estratégico para os media sociais no estudo de caso da TAP. A investigação também destaca a consistência entre uma abordagem mais ampla e estratégica de media social que está sendo proposto por diversos autores (Kunsh, 2003; Breakenridge, 2008;. Cheney et al, 2011) e do estudo de caso explorado, que se destaca por apresentar um abordagem de media social que trouxe benefícios concretos para a organização, tais como imagens positivas e reputação, lidar com sucesso em comunicação de crise (como a situação de cinzas vulcânicas, mas Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4856 Relações Públicas e ambiente digital: a pirâmide das relações públicas José Gabriel Andrade também outros, como greves e a possibilidade de privatização da empresa), e uma melhor gestão de tempo e de chamadas no apoio ao cliente. Considerando o contexto de crise global vivida desde 2008, as organizações têm vindo a apostar e tirando o máximo proveito dos meios de comunicação on-line em detrimento de outros meios de comunicação existentes, na esperança de que esse processo aumente a visibilidade da organização, melhore o conhecimento dos clientes, sem fazer grandes investimentos, prevenir ou responder a críticas negativas dos clientes, e reduzir o ciclo de vendas. No entanto, é necessário consistência entre todos os canais de comunicação, a fim de atingir esses objectivos. No que diz respeito as funções de relações públicas, este trabalho também mostra que a mudança de relações públicas resultantes do uso dos media sociais não afecta apenas as práticas concretas, mas tem uma mais profunda natureza. A ideia da pirâmide das RP é uma estrutura conceitual relevante para compreender plenamente o impacto dos media sociais em relações públicas, destacando o papel preponderante das relações públicas como o orquestrador da comunicação organizacional, mostrando que as relações públicas estão passando por uma mudança profunda que vai além das práticas e técnicas. Como consequência das interacções entre as media sociais, as organizações e as partes interessadas, estão sugerindo que as relações públicas são mais do que um modelo de comunicação organizacional, assumindo um papel estratégico e crucial para garantir a articulação de todos os modelos de comunicação organizacional, bem como a desejado e necessária integração e coerência em um mix de comunicação. REFERÊNCIAS ANDRADE, J. (2009) Gestão de crises organizacionais e a Web 2.0. Lisboa: SOPCOM 2009. Universidade Lusófona. BAUMAN, Z. (2000). Liquid Modernity. London: Polity Press. BERG, B. (1989). 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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4859 Comunicação ambiental e comunicação organizacional em prol da conscientização ambiental nas organizações Environmental communication and organizational communication in support of environmental awareness in organizations Juliane do Rocio Juski 1 C e l s i B r ö n s t r u p S i lv e s t r i n 2 Resumo: Partimos do entendimento de que a comunicação organizacional, embora com o campo teórico reconhecido, requer uma maior aproximação com os estudos e práticas que configuram um campo mais recente, denominado de “comunicação ambiental”. São vários os aspectos que estimulam essa reflexão, entre eles o estudo de ações voltadas para o “esverdeamento” da imagem institucional de organizações, bem como o impacto que as questões ambientais possam causar na comunicação organizacional, com novas exigências para as assessorias de comunicação e os seus profissionais. Com essa finalidade, nesse primeiro momento, buscaremos uma maior compreensão sobre o termo “comunicação ambiental” e o seu conceito. Para ilustrar como ocorre na prática essa intersecção entre a comunicação organizacional e a comunicação ambiental, traremos o case da agência paranaense Ação Integrada, que apresenta um modelo de gestão sustentável e que promove junto aos seus clientes ações que se configuram como uma práxis da comunicação ambiental. Palavras-Chave: Comunicação ambiental.. Comunicação organizacional. Gestão sustentável. Abstract: We start from the understanding that the organizational communication, although with recognized theoretical field, requires a closer relationship with the studies and practices that shape a newer field, called “environmental communication”. There are several aspects that stimulate this reflection, including the study of actions aimed at the “greening” of the institutional image of organizations as well as the impact that environmental issues can have on organizational communication, with new demands for advisory and communication their professionals. To this end, this first time, we will seek a greater understanding of the term “environmental communication” and its concept. To illustrate how this occurs in practice intersection between organizational communication and environmental communication, we will bring the case of paranaense agency Ação Integrada, which presents a model of sustainable management and promoting with clients actions that constitute a practice of environmental communication. Keywords: Environmental communication. Organizational communication. Sustainable management. 1. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPR. Bacharel em Relações Públicas pela UFPR. E-mail: [email protected] 2. Doutora e docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPR. E-mail: [email protected] Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4860 Comunicação ambiental e comunicação organizacional em prol da conscientização ambiental nas organizações Juliane do Rocio Juski • Celsi Brönstrup Silvestrin INTRODUÇÃO S LIMITES naturais anunciados e presenciados diariamente provocaram uma O mudança profunda no pensamento da relação do homem com a natureza. Essa preocupação da sociedade com questões do meio ambiente se acentuou nas últimas décadas, ganhando aderência também no campo da comunicação, como veremos no decorrer do texto. A questão ambiental também passou a fazer parte da agenda de muitas organizações em todo o mundo, as quais começaram a entender a necessidade de zelar pelo planeta, com ações que preservem a natureza. Certamente que o exercício desses novos papéis requer um repensar sobre a forma de obtenção de lucros nos negócios dessas organizações, bem como, nos seus relacionamentos com os públicos. É aí que se constata que as questões ambientais causam um impacto significativo na comunicação organizacional. Assim, interessa nesse artigo explorar a aproximação e a articulação dos estudos de comunicação organizacional e de comunicação ambiental. Adota-se o estudo de caso, fundamentado em Yin (2010), para observar essas relações na prática, optando por analisar a Ação Integrada, uma agência de comunicação paranaense especializada em comunicação interna e com ampla atuação no mercado nacional. EXPLORANDO O CAMPO DA COMUNICAÇÃO AMBIENTAL A comunicação ambiental é o campo de estudos que relaciona as ciências do meio ambiente à comunicação. O que se propõe a seguir é explorar melhor quais seriam suas origens, significados e delineamentos. Cox (2010) descreve a comunicação ambiental como um campo de estudos multidisciplinar, e ao se dedicar a essa investigação e suas práticas verificou que elas são influenciadas diariamente pelos meios de comunicação. Ainda segundo o autor, o entendimento da natureza ou as percepções sobre o meio ambiente são construídos por meio de debates públicos, da mídia, da internet, e conversas com os outros, são essas interações que permitem “construir” a percepção a respeito do meio ambiente. Já Loose, Machado e Del Vecchio de Lima (2014, p. 2) compreendem a comunicação ambiental como um “espaço interdisciplinar que busca abarcar os diferentes conhecimentos e a complexidade da sociedade contemporânea, fundamentado a partir da epistemologia socioambiental”. E não poderia ser de outra forma, uma vez que a comunicação ambiental se origina, parcialmente, da comunicação, e só poderia se caracterizar como um campo interdisciplinar assim como o próprio campo de sua gênese, construído por meio das intersecções com outras áreas do conhecimento. Para compreender a linha do tempo desse campo, Aguiar e Cerqueira (2012) desenvolveram um “estado da arte” sobre a comunicação ambiental. Foi a partir da segunda metade do século XX que a preocupação com o meio ambiente ganhou evidência, e esse destaque passou também a intrigar pesquisadores da comunicação – o que até a década de 1960 parecia ser algo inconcebível. Esse contexto é destacado como o início das discussões sobre a comunicação e o meio ambiente. Jurin, Roush e Danter (2010 apud AGUIAR e CERQUEIRA, 2012) relatam que o primeiro registro de uso acadêmico da expressão “environmental communication” (comunicação ambiental) apareceu em 1969 em um artigo publicado na edição inaugural do Journal Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4861 Comunicação ambiental e comunicação organizacional em prol da conscientização ambiental nas organizações Juliane do Rocio Juski • Celsi Brönstrup Silvestrin of Environmental Education. E como iniciativa intencional, seu objetivo era capacitar os cidadãos a respeito do tema meio ambiente e os problemas a ele associados, possibilitando, assim, uma atuação consciente de ajuda e soluções ambientais. A socióloga Alison Anderson foi mencionada por Aguiar e Cerqueira (2012) como a pioneira nos estudos de intersecção entre a comunicação e o meio ambiente. Embora não utilizasse a expressão “comunicação ambiental”, sua pesquisa analisou as imbricações da questão ambiental com a mídia e a cultura, com ênfase na visão crítica dos estudos culturais e nas ideias construtivistas. Outras duas importantes abordagens acerca dos discursos e das ideologias ambientais foram propostas por Julia Corbett e John Dryzek. “Ambos reconhecem o sistema de crenças sobre a natureza como raiz da comunicação ambiental, sinalizando que toda mensagem ambiental é produzida e compreendida a partir de diferentes visões de mundo” (AGUIAR e CERQUEIRA, 2012, p. 12). A abordagem de Corbett evidencia a ideologia ambiental com base em seu processo constitutivo, ou seja, o processo comunicativo é compreendido por ela como um processo múltiplo e diverso, e os fatores apontados para a sua compreensão abordam as raízes ideológicas do indivíduo, as experiências vividas desde a infância, o senso de lugar ou senso de pertencimento, assim como o contexto histórico e cultural. Mas é só a partir do fim da década de 1980 que houve uma crescente institucionalização do campo, com a sistematização das práticas profissionais e a criação de entidades de comunicação ambiental. Aguiar e Cerqueira (2012) destacam ainda que as iniciativas propriamente acadêmicas deslancham apenas na década de 1990, e o momento-chave para esse crescimento acentuado é a realização da Conference on the Discourse of Environmental Advocacy em 1991, a qual serviria de embrião para a Conference on Communication and Environment (Coce), até hoje realizada bienalmente. Nos anos seguintes, segundo estes autores, ampliaram-se os espaços de informação e debate sobre as questões ambientais, como o lançamento do Eletronic Green Journal (1994), um dos primeiros periódicos de acesso livre. E o início do século XXI contribui para a consolidação do campo acadêmico da nova especialidade com mais quatro publicações: Applied Environmental Education and Communication (2002), The Environmental Communication Year Book (2004), Environmental Communication: a Journal of Nature and Culture (2007) e International Journal of Sustainability Communication (2007). Essas publicações estimularam o desenvolvimento da área. Outro fator que impulsionou os estudos foi a criação da International Environmental Communication Association (IECA, em 2011), cujo objetivo foi consolidar a expansão da comunicação ambiental, bem como disseminar experiências práticas e abordagens teóricas de outros contextos culturais. Para Aguiar e Cerqueira (2012, p. 13), a cronologia apresentada nesse “estado da arte” evidencia que a configuração da comunicação ambiental como campo de estudos foi se constituindo “a partir da crítica e da desconstrução das visões tradicionais acerca do mundo natural, por um lado, e pela incorporação da temática às práticas profissionais de comunicação, de outro”. Esses poucos mais de 40 anos da comunicação ambiental revelam que diversos pesquisadores e especialistas têm se dedicado a encontrar definições que “deem conta da pluralidade e da complexidade de sentidos derivados da interação dos multifacetados termos ‘comunicação’ e ‘meio ambiente’” (p. 14). No entanto, eles sempre Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4862 Comunicação ambiental e comunicação organizacional em prol da conscientização ambiental nas organizações Juliane do Rocio Juski • Celsi Brönstrup Silvestrin esbarram na dificuldade de designar um campo que é, simultaneamente, de práticas e de estudos sobre essas práticas. Apresentam-se a seguir as principais definições encontradas para a comunicação ambiental. Para Mark Meisner, um dos fundadores da Environmental Communication Network (ECN), comunicação ambiental trata-se de: Uma atividade/fenômeno que abarca as diversas formas de comunicação interpessoal, grupal, pública, organizacional e de massa para constituir o debate e/ou a discussão sobre questões e problemas ambientais, e nossa relação com a natureza não humana. A comunicação manifesta-se como o discurso da natureza e seu subset, do discurso ambiental (MEISNER apud AGUIAR e CERQUEIRA, 2012, p. 14). Cox (2010) também buscou apresentar uma definição para a comunicação ambiental na tentativa de minimizar as confusões sobre as diversas explicações para o termo. Para o autor a comunicação é assumida como formas de ações simbólicas, como a linguagem e outros atos, e esses símbolos são mais do que transmissão de informação, eles atuam ativamente na construção de entendimento e na criação de significados sobre o mundo. Para ele, trata-se de: Um veículo pragmático e constitutivo para o nosso entendimento do meio ambiente assim como nossa relação com o mundo natural; é um meio simbólico que nós usamos na construção dos problemas ambientais e na negociação de diferentes respostas da sociedade (COX 2010, p. 19, tradução nossa). Ao caracterizá-la como um veículo pragmático e constitutivo, Cox explica que a comunicação ambiental cumpre duas funções primordiais: 1. Comunicação ambiental é pragmática, pois ela educa, alerta, persuade e nos ajuda na resolução dos problemas ambientais. É este sentimento instrumental da comunicação que provavelmente nos ocorre inicialmente. É o veículo ou os meios que nós usamos na resolução de problemas, é frequentemente parte de campanhas de educação pública. [...]. 2. Comunicação ambiental é constitutiva, pois incorpora o papel pragmático da linguagem e outras formas de ação simbólica é um nível mais sútil da comunicação. Por constitutiva, assumimos que a comunicação sobre a natureza auxilia na construção ou na composição das representações da natureza e dos problemas ambientais como os assuntos do nosso entendimento. Essa comunicação apresenta uma perspectiva particular, pois evoca certos valores, e cria referências para a nossa atenção e entendimento [...] (COX 2010, p. 19, tradução nossa). Aguiar e Cerqueira (2012, p. 17) auxiliam no esclarecimento da ideia apresentada por Cox ao afirmar que, nessa perspectiva sociossimbólica abordada pelo autor, a comunicação é considerada “constitutiva porque ajuda a compor representações da natureza e de problemas ambientais de forma a serem compreendidos” e é “pragmática porque contribui para a solução desses problemas, ao estudar os efeitos que essa comunicação tem sobre as percepções ambientais do sujeito e sobre a relação do ser humano com a natureza”. Para Cox (2010, p. 20, tradução nossa), “a comunicação ambiental (como ação simbólica) molda ativamente nossas percepções quando vemos as representações do mundo natural, por meio desses símbolos, palavras ou narrativas”. E, quando o indivíduo Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4863 Comunicação ambiental e comunicação organizacional em prol da conscientização ambiental nas organizações Juliane do Rocio Juski • Celsi Brönstrup Silvestrin comunica-se publicamente com o outro, é compartilhado esse entendimento (percepção) e isso reflete no ponto de vista adotado pelo sujeito. Resgatando, assim, a premissa básica da comunicação, no sentido de trocar, de compartilhar e de interagir. Cox (2010) enfatiza ainda três princípios da comunicação ambiental, que auxiliam na sua compreensão: 1. A comunicação humana é uma forma de ação simbólica; 2. Nossas crenças, atitudes e comportamentos relacionados à natureza e aos problemas ambientais são mediados ou influenciados pela comunicação; 3. A esfera pública emerge como um espaço de discussão para a comunicação sobre o meio ambiente (COX 2010, p. 32, tradução nossa). Aguiar e Cerqueira (2012), assim como Cox (2010), afirmam que esses estudos podem contribuir para a evolução das teorias da comunicação, ao investigarem as formas discursivas e as expressões simbólicas envolvidas nas relações do ser humano com a natureza e com o meio ambiente. Já Mark Meisner foi um pouco além, ao afirmar que o campo de estudos da comunicação ambiental é uma variação da teoria da comunicação e também da teoria ambiental, uma vez que “examina o papel, as técnicas e a influência da comunicação nas questões ambientais” (MEISNER apud AGUIAR e CERQUEIRA, 2012, p. 17). Em uma abordagem feita por Loose, Machado e Del Vecchio de Lima (2014), a comunicação ambiental é compreendida como “espaço interdisciplinar que busca abarcar os diferentes conhecimentos e a complexidade da sociedade contemporânea, fundamentado a partir da epistemologia socioambiental” (p. 2). Defendem que a epistemologia ambiental “deveria estar sempre incorporada às práticas comunicacionais sobre o meio ambiente” (p. 6). Neste sentido, citam Leff (2001 apud LOOSE, MACHADO e DEL VECCHIO DE LIMA, 2014), que aponta para a necessidade de se internalizar um saber ambiental, cujo objetivo seria permitir um desenvolvimento sustentável, duradouro e equitativo. Ele pontua ainda, assim como Cox (2010), sobre a necessidade do rompimento com o pensamento único, cartesiano, e propõe o diálogo entre os saberes. Loose, Machado e Del Vecchio de Lima (2014) destacam, também, que é promovendo a interdisciplinaridade do campo, realizada por meio do encontro entre diferentes identidades e experiências, que se expandiria e se alcançaria uma sustentabilidade real. Para elas, mais que uma transmissão, “a comunicação ambiental se concretiza quando permite e/ou incentiva o envolvimento das pessoas em torno de direitos que considerem a complexidade da realidade ambiental e a multiplicidade de vozes e saberes” (p.8). Para Del Vecchio de Lima et al. (2014), o campo da comunicação ambiental ainda está em fase de consolidação de seus fundamentos epistemológicos. No entanto, a expressão já é bastante reconhecida, remetendo tanto às práticas como aos produtos da comunicação que tenham relação com o meio ambiente. Mas é justamente o grau de comprometimento com a questão ambiental que amplia as compreensões entre teóricos e profissionais da área, ampliando as lacunas entre teoria e prática, e, por vezes, gerando certo esvaziamento do conceito. Essa perda do sentido original da expressão é por vezes observada como o “esverdeamento” de empresas e produtos, técnicas conhecidas como greenwashing que apenas montam uma farsa para “construir” uma imagem sustentável, sem realmente alterar o modus operandi de ações ou produtos. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4864 Comunicação ambiental e comunicação organizacional em prol da conscientização ambiental nas organizações Juliane do Rocio Juski • Celsi Brönstrup Silvestrin Já a prática da comunicação ambiental, para Del Vecchio de Lima et al. (2013, p. 9), “pressupõe a utilização de fundamentos comunicacionais a favor do exercício da cidadania planetária, que estimule ações transformadoras pela sustentabilidade do meio”. Ou seja, ações verdadeiramente caracterizadas como comunicação ambiental buscam alterar o comportamento dos indivíduos e engajá-los para a adoção de uma perspectiva sustentável das ações cotidianas. Acreditam que, mesmo quando não caracterizadas como comunicação ambiental, algumas práticas em comunicação emergem como espaços e condições para o exercício alternativo desse campo, oferecendo vislumbres de caminhos a serem explorados e esforços que buscam mudar e transformar a realidade. Cabe, ainda, mencionar a contribuição de Corbett (2006, apud AGUIAR e CERQUEIRA, 2012, p.13) que diferencia a comunicação ambiental intencional e direcionada “daquela mais sutil e não declarada, embutida nas práticas e costumes do dia a dia, nos padrões de moradia, de consumo e de transporte adotados nas sociedades”. O entendimento de Corbett amplia as possibilidades da comunicação ambiental expressa em textos publicitários e matérias de jornais, entre outros. Assim, podemos entender que as mensagens ambientais também estão presentes nas escolhas das organizações no que se refere ao desenvolvimento dos seus negócios. É nesse campo de práticas, que identificamos a agência paranaense Ação Integrada, cujos procedimentos contribuem para essa finalidade, como veremos mais adiante. SITUANDO O CAMPO DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL A comunicação organizacional, assim como a comunicação ambiental, nasce em um campo de estudos de múltiplas perspectivas. Kunsch (2009a) ressalta que ela tem suas raízes fixadas em vários campos. Silvestrin (2009, p. 85) também partilha dessas múltiplas raízes apontadas por Kunsch ao afirmar que, “em decorrência dessas imbricações, observa-se que a comunicação organizacional tem instigado acadêmicos de diferentes áreas a trazerem reflexões de suas áreas de conhecimento, como da linguística e da administração [...]”. O berço dos estudos em comunicação organizacional foi nos Estados Unidos. Segundo Kunsch (2009a), o interesse dos estudiosos norte-americanos despertou a partir da metade da década de 1940 e eles se dedicaram a investigar as relações entre a comunicação e o mundo dos negócios. Os estudos desse período, que se iniciam em meados de 1950 e seguem até 1980, são definidos pela autora (2009a, p. 72) como um modelo mecanicista, uma vez que são baseados na perspectiva funcionalista que “parte da premissa de que o comportamento comunicativo pode ser observável e tangível, medido e padronizado”. Esse panorama de uma visão funcionalista e linear veio se modificando e a partir da década de 1980 o quadro começou a mudar, uma vez que muitos pesquisadores perceberam a possibilidade de se valerem da teoria crítica e da pesquisa interpretativocrítica para observarem os fenômenos comunicativos, ressalta Kunsch (2009a). E essa visão interpretativa dos estudos em comunicação organizacional trouxe novas possibilidades e perspectivas para se trabalhar a comunicação nas e das organizações. Nota-se que a partir desse momento os estudos em comunicação organizacional passam a questionar a comunicação sob uma ótica mais complexa e desafiadora, a Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4865 Comunicação ambiental e comunicação organizacional em prol da conscientização ambiental nas organizações Juliane do Rocio Juski • Celsi Brönstrup Silvestrin comunicação não possui mais apenas o papel de informar e/ou persuadir, mas de construir novas realidades, indo ao encontro do que estava sendo discutido no próprio campo da comunicação. A visão crítica proporcionou a esses estudos uma perspectiva mais complexa do processo comunicativo organizacional ao levar em conta “aspectos relacionais, os contextos, os condicionamentos internos e externos, bem como a complexidade que permeia todo o processo comunicativo”, explica Kunsch (2009a, p. 70). Mumby (2009) também esclarece como a perspectiva crítica contribuiu para os estudos sobre comunicação organizacional ao salientar que a abordagem crítica redefiniu os seus objetos de estudo. O início do século XXI trouxe múltiplas perspectivas a tais estudos, beneficiando-se com a exploração tanto das tensões como das conexões entre as perspectivas teóricas e dialógicas. O campo desenvolveu uma identidade interdisciplinar ao combinar diversas perspectivas teóricas, sendo considerado uma área de múltiplas visões e abordagem universal, por abrigar vários métodos, teorias, âmbitos de pesquisa e postulados filosóficos. E essa abrangência, segundo Kunsch (2009a), possibilitou um avanço no número de estudos na área, consolidando-se como uma disciplina acadêmica autônoma. Ao buscarmos uma definição para o campo da comunicação organizacional, encontram-se múltiplas conceituações. Para Kunsch (2009b), o campo deve ser compreendido de forma ampla e abrangente, e como uma disciplina que se dedica a estudar o processo do fenômeno comunicacional não só dentro das organizações, mas também em todo o seu contexto político, econômico e social. Assim como para Taylor (2006, p. 11) que a considera uma ciência híbrida e que se refere “ao estudo de como as pessoas se organizam por meio da comunicação e como, dialeticamente, a comunicação faz com que as pessoas se organizem naturalmente”. Já Oliveira (2009, p. 60) apresenta uma visão fenomenológica da comunicação organizacional e a conceitua como “um processo relacional que parte de práticas individuais e/ou de grupos para alcançar uma estrutura coletiva de significados, os quais dizem respeito às organizações e aos atores sociais envolvidos no processo interativo”. Apesar das inúmeras definições possíveis, é evidente que a essência da comunicação organizacional é compreender o processo comunicativo no contexto organizacional. Vejamos a seguir como é possível perceber na prática a relação da comunicação ambiental no contexto organizacional. A AÇÃO DA AÇÃO INTEGRADA Há 20 anos no mercado, a Ação Integrada oferece serviços especializados em comunicação interna, incluindo a parte de: diagnóstico; planejamento estratégico, tático e operacional; assessoramento de lideranças por meio de canais dirigidos, processos de comunicação direta, guias e treinamentos; além de incluir redes colaborativas com processos de estruturação e manutenção entre facilitadores de comunicação; desenvolvimento de programas cooperativos, ouvidorias, banco de ideias, entre outros; desenvolvimento de ações em diferentes canais (revista, mural, intranet, newsletter, mural digital, aplicativos, mídias sociais, TV, rádio e canais específicos); ativação ou engajamento dos colaboradores por meio de projetos, campanhas e eventos; e por fim avaliação e mensuração dos resultados, convergindo em novos diagnósticos, pesquisas e monitoramento. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4866 Comunicação ambiental e comunicação organizacional em prol da conscientização ambiental nas organizações Juliane do Rocio Juski • Celsi Brönstrup Silvestrin A Ação Integrada possui como propósito a contribuição para um mundo empresarial mais integrado. Segundo Pignataro, diretor de negócios da agência, o propósito “é a reflexão sobre como contribuímos para a construção de um mundo melhor”. A missão da empresa é oferecer serviços de comunicação interna assertivos, de acordo com as estratégias de negócios dos clientes e contribuir para o engajamento de seus funcionários. Os valores da Ação Integrada expressam o “nosso jeito de ser e de fazer”, como expõe o diretor, explicando que o foco está no cliente, mas a atuação está centrada nas pessoas. O empreendedorismo, a responsabilidade e a assertividade também integram os aspectos valorativos promovidos pela empresa. O modelo de gestão sustentável da agência, desenvolvido por intermédio de uma estrutura organizacional composta por células, certamente é o ponto de destaque de sua composição organizacional. Fato interessante é a autonomia de cada célula, elas possuem nomes próprios e dinâmicas distintas de trabalho. Cada núcleo celular pode atender um único cliente, ou pode atender uma cartela de clientes. Esse modelo estrutural da organização adota ainda uma célula de facilitação de desenvolvimento, com atuação exclusiva sobre as outras células com o objetivo de desenvolver o negócio, acompanhar a evolução dos outros núcleos celulares e, como premissa, buscar maior eficácia e excelência em seus projetos. A função exercida por essa célula facilitadora de desenvolvimento pode se mostrar como um exemplo da “ecoeficiência” defendida por Elkington (2012), ou seja, busca potencializar os benefícios e reduzir os impactos. Ela poderia também ser observada como similar à gestão de Recursos Humanos de organizações, e se caracterizar como um modelo de prática da comunicação ambiental no contexto organizacional. O organograma atual da agência é composto por aproximadamente 30 funcionários, todos divididos em células. O modelo celular é defendido pelo gestor de negócios da empresa como uma estrutura orgânica, uma vez que elas podem aumentar ou diminuir conforme a demanda. Os funcionários são remanejados conforme a configuração celular. Existem dois modelos de célula dentro da Ação Integrada: as células internas, que integram e trabalham na agência. E as células externas, aquelas que se desenvolvem e atuam no ambiente interno dos clientes atendidos pela Ação Integrada. O segundo modelo, segundo Pignataro, traz alguns benefícios como um ambiente propício e de maior aceitação para implantar inovações. No entanto, o lado negativo é a constante questão de identidade da equipe, uma vez que não há uma interação diária com os outros colegas da agência por pertencerem ao ambiente de trabalho do cliente. A Ação Integrada aponta ainda outros benefícios adquiridos pela adoção de um modelo de estrutura organizacional em células, sendo elas: • maior conexão com os clientes e foco na prestação de serviços; • maior autonomia da equipe; • a célula cuida dos fornecedores, da nota fiscal e de todo o processo, fechando o ciclo de contato e acompanhamento com o fornecedor; • o modelo está baseado na ideia de rede, cada um em seu nível de responsabilidade, mas em cooperação; • as células interagem muito, elas colaboram o tempo todo entre si3. 3. Para mais informações sobre o estudo da Ação Integrada ver pesquisa “Um estudo sobre o papel da Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4867 Comunicação ambiental e comunicação organizacional em prol da conscientização ambiental nas organizações Juliane do Rocio Juski • Celsi Brönstrup Silvestrin Outro método que compõe o modelo de gestão sustentável adotado pela empresa é a configuração híbrida de trabalho. Nessa perspectiva, o colaborador escolhe o local de trabalho, conforme a necessidade. Ele pode realizar reuniões e atendimento ao cliente, ou seja, executar suas funções diretamente no espaço/ambiente do cliente/empresa, assim como pode trabalhar no escritório da Ação Integrada ou realizar o seu trabalho em casa, no modo home office. Segundo Pignataro, “esse modelo exige maturidade da equipe, pois há ganho em produtividade, ganho em tempo perdido com o trânsito, ganho em qualidade de vida dos funcionários e aumenta a manutenção dos funcionários (baixa taxa de demissões e recisões)”. O próximo passo da empresa para ampliar o escopo desse modelo híbrido de trabalho – e que segundo o diretor de negócios da agência já está em execução – é transformar o escritório em um espaço coworking, local onde não há divisões ou salas específicas para cada colaborador. O que existe é um espaço de trabalho compartilhado, cujo modelo de gestão sustentável pode ser observado como prática de comunicação ambiental, de acordo com a abordagem trazida por Corbertt (2006). A Ação Integrada apresenta, ainda, outros exemplos que podem ser caracterizados como práticas de comunicação ambiental, além da gestão sustentável. A agência desenvolve em parceria com seus clientes campanhas de motivação e engajamento dos colaboradores e stakeholders em prol de temas de interesse coletivo. Um exemplo disso são as campanhas de conscientização sobre segurança, tanto no trânsito como no ambiente de trabalho. Esse tema consta como um dos principais valores de uma montadora, cliente da agência. E para potencializar o debate sobre essa questão, agência e cliente inovam nas práticas comunicativas. Exemplo disso foi a criação de um vídeo institucional, no qual os protagonistas eram os próprios familiares dos colaboradores contando as suas preocupações em relação a segurança dos seus entes queridos no ambiente de trabalho. Outras ações com outros temas também são desenvolvidos em campanhas internas, como é o caso da Semana do Meio Ambiente, oportunidade para discutir e refletir sobre pontos cruciais que afetam o meio ambiente como poluição, reciclagem de resíduos, uso consciente de água e energia. Essas ações proporcionam informações sobre os temas aos colaboradores, e oferecem espaços de reflexão, instigando o público a repensar sobre o seu papel enquanto cidadãos ativos. Práticas como essas primam por educar e discutir temas de relevância mundial, e que fazem parte do cotidiano de cada um. Portanto, as ações comunicativas empreendidas pela Ação Integrada como campanhas de conscientização sobre a segurança no trânsito4, e mais ainda, o modelo de gestão sustentável descrito acima, são práticas que vão ao encontro do que foi exposto por Cox (2010) sobre o ideal de colaboração, intencionando o engajamento dos stakeholders. Essas campanhas de mobilização realizadas pela Ação Integrada, algumas vezes caracterizadas como marketing social, segundo Cox (2010), buscam educar, mudar comunicação para a sustentabilidade no contexto das organizações: Ação Integrada, Grupo Boticário e Volvo do Brasil” de Juliane do R. JUSKI. 4. A Ação Integrada desenvolve ações de conscientização sobre segurança no trânsito em parceria com o seu cliente, estas ações integram o Programa Volvo de Segurança no Trânsito. Para mais informações ver pesquisa “Um estudo sobre o papel da comunicação para a sustentabilidade no contexto das organizações: Ação Integrada, Grupo Boticário e Volvo do Brasil” de Juliane do R. Juski. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4868 Comunicação ambiental e comunicação organizacional em prol da conscientização ambiental nas organizações Juliane do Rocio Juski • Celsi Brönstrup Silvestrin comportamentos e atitudes e mobilizar como suporte para ações. Nesse sentido, analisamos que a Ação Integrada por meio dessas práticas contribui na diminuição de problemas socioambientais e na transição para a sustentabilidade. Isso é reforçado na visão e nos valores da agência, e no engajamento do público interno em problemas reais do meio ambiente. Essa concepção de transição para um novo modelo pode significar também uma busca por mudança, transformação do meio. Ou seja, tanto a comunicação ambiental como a comunicação organizacional destacam o potencial transformador da comunicação, independentemente do contexto em que ela seja exercida, seja no contexto ambiental, seja no contexto organizacional. Pignataro aponta essa relação ao afirmar que “a sustentabilidade é uma demanda do mundo”, ela precisa existir para que as empresas continuem lucrando, e o seu negócio continue a existir. Mas ela vai além de simplesmente manter a sobrevivência de uma organização, “a sustentabilidade torna o mundo melhor, pois cuidando dos aspectos básicos da sustentabilidade, estamos compartilhando riquezas e responsabilidades”. CONSIDERAÇÕES FINAIS O que se pretendeu com esse artigo, e parcialmente se constatou, foi que a relação entre a comunicação ambiental e a comunicação organizacional é ampla e complexa, e o case da Ação Integrada só demonstra como é possível observar nuances desses imbricamentos de ambos os campos na prática. Inferindo, assim, que a agência adotou uma postura ativa, tomando para a si a responsabilidade enquanto ator social, oferecendo esforços em resposta a sociedade a qual pertence. Assim, todas as ações e práticas comunicacionais por ela exercida intencionam, em maior ou menor grau, agir e transformar o meio, caracterizando-se como uma possível práxis da comunicação ambiental. Representar uma transição para um modelo de desenvolvimento verdadeiramente sustentável, com equilíbrio entre os aspectos econômicos, sociais e ambientais é uma premissa adotada pela agência, e exercida no contexto organizacional. Esse breve exemplo demonstra as potencialidades desse novo campo, aberto para discussões sobre o meio ambiente, podendo ser caracterizado como uma forma alternativa que incorpora a questão ambiental no contexto organizacional, e que permite novas articulações dos colaboradores atuando como cidadãos, aptos para refletir, engajarse e discutir sobre temas de interesse coletivo. Desse modo, a comunicação ambiental se caracteriza como uma alternativa no sentido de repensar o processo comunicativo não apenas por formas instrumentais, mas, sobretudo, por repensar a gestão corporativa voltada para uma perspectiva sustentável e de equilíbrio com o meio ambiente, como foi apresentado no case. Embora o exemplo ilustre a relação da comunicação ambiental no contexto organizacional, sabemos que essas ações não rompem o modelo econômico atual. As questões ambientais são urgentes e requerem por parte das organizações a adoção de uma postura sustentável. Acreditamos que essa interface é uma possibilidade que suscita outros olhares, e que o recente campo da comunicação ambiental apresenta aspectos a serem explorados e adotados no contexto organizacional. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4869 Comunicação ambiental e comunicação organizacional em prol da conscientização ambiental nas organizações Juliane do Rocio Juski • Celsi Brönstrup Silvestrin REFERÊNCIAS AGUIAR, Sonia; CERQUEIRA, Jean Fábio. (2012). Comunicação ambiental como campo de práticas e de estudos. Comunicação & Inovação. Vol. 13, n° 24. São Caetano do Sul. COX, Robert. (2010). Environmental communication and the public sphere. California: Sage Publication. DEL VECCHIO DE LIMA, Myrian; LOOSE, E.B.; SILVA JÚNIOR, P. ; DUARTE, V. ; SCHNEIDER, T.C.; MEI, D.S. (2013). A comunicação ambiental como forma de enfrentamento dos dilemas socioambientais. In: II Encontro Interdisciplinar de Comunicação Ambiental (EICA), 2013, Aracaju- SE. ANAIS 2º EICA - 2013. DEL VECCHIO DE LIMA, Myrian Regina; LOOSE, Eloisa Beling; SCHNEIDER, Thaís Cristina; NOGAROLLI, Aparecida de Fátima; LAMBACH, Higor Francisco. (2014). Os dilemas da Comunicação Ambiental no contexto do desenvolvimento hegemônico. Revista Comunicação, Mídia e Consumo. Ano 11, Vol. 11, n° 32. ELKINGTON, John. (2012). Sustentabilidade, canibais com garfo e faca. São Paulo: M. Books do Brasil Editora Ltda. KUNSCH, Margarida. K. (2009a). Percursos paradigmáticos e avanços epistemológicos nos estudos de comunicação organizacional. In: KUNSCH, Margarida M. K. (org). Comunicação organizacional: histórico, fundamentos e processos. Vol. 1. São Paulo: Saraiva. _______. (2009b). Relações Públicas e Comunicação Organizacional: das práticas à institucionalização acadêmica. Revista Organicom. Vol. 6, n° 10/11. 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Em uma sociedade em rede, a empresa enfrenta a migração de um ator que dialoga linear e unidirecional com o consumidor para um ecossistema informativo descentralizado e complexo com múltiplos atores. Com base nesses pressupostos, e outros, pretendemos investigar como os contextos reticulares impactam a gestão de crise nas empresas. A principal sustentação teórica está no conceito de “ecologia de redes”, que reconfigura a ação. O objeto da pesquisa empírica é a contaminação do suco de maçã AdeS da Unilever. A Teoria Ator-Rede de Bruno Latour et al., e o conceito de Atopia em desenvolvimento por Massimo Di Felice são referenciais metodológicos da pesquisa empírica. A técnica de pesquisa Cartografia das Controvérsias tornou visíveis os atores das controvérsias, suas conexões e as suas disputas, permitindo observar a formação do social entre empresa-consumidor conectado. Palavras-Chave: ecologia de redes, empresas e consumidores em rede, crise, comunicação ecológica. Abstract: Company is a complex systemic phenomenon; digital networks are a post-systemic phenomenon “non-controllable” by companies. In a networked society the company faces the migration of an actor who dialogues linearly and unidirectional with the consumer to a decentralized information and complex ecosystem with multiple actors. Based on these assumptions, and others, we intend to investigate how the network context impacts the crisis management in companies. The main theoretical framework is the concept of “ecology networks” which reconfigures the action. The object of empirical research is the contamination of the apple juice “AdeS”, produced by the Unilever. The Theory of Actor-Network and the concept of “Atopia” were used in the methodological framework of the empirical research. “Controversy Mapping” research technique become visible actors of disputes, their connections and their disputes; allowed to observe the formation of this new social between company - connected consumers. Keywords: digital ecology, companies and consumers networks, crises, ecological communication. 1. Visiting Researcher, Alexander von Humboldt Institute for Internet and Society, Berlim, Alemanha. Pesquisadora do Atopos ECA-USP. Doutora, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, Brasil. Mestre, Comunicação e Semiótica, PUC/SP. [email protected]. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4871 Comunicação Ecológica Empresa-consumidor: a ideia de crise em contextos de redes Dora Kaufman INTRODUÇÃO PONTO DE partida2 é a constatação de que a lógica de controle que permeia as O esferas de informação e comunicação das empresas parece bloquear a evolução ao contexto de redes, fundamentada em duas hipóteses: (a) em uma sociedade em que a tecnologia digital está amplamente difundida, a empresa não é mais um ator que dialoga linear e unidirecional com o consumidor, mas é parte de um ecossistema informativo descentralizado e complexo com múltiplos atores; e (b) a lógica de controle das empresas cria um antagonismo com a tendência de descentralização comunicativa das redes digitais que se manifesta de forma mais aguda em situações de crise. Não obstante a operação e gestão das empresas estarem em rede3, há uma resistência às redes sociais digitais (controle e não controle). A principal sustentação teórica está no conceito de “ecologia de redes” (DI FELICE, 2012, 2013), que reconfigura a ação: não se trata mais de um sujeito-ator que interage com o exterior, mas de uma ação que se organiza em rede. Fundamentando essas reflexões, temos: (a) a percepção de um social não dado a priori, mas em construção e formado por atores humanos e não humanos, redefine as categorias, as organizações, as instituições, inclusive a empresa e o consumidor; e (b) a consideração das redes como nova arquitetura da complexidade (hipercomplexidade). A comunicação, como fluxo de informação, linear e frontal, típica da sociedade industrial, é suplantada pela comunicação ecológica que agrega humanos, tecnologias, dispositivos, informações, territórios, inorgânicos, banco de dados, etc. em que não há centralidade nem supremacia de qualquer ator. Com base nesses pressupostos, pretendemos reconfigurar a ideia de empresa e de consumidor, a relação comunicativa empresa-consumidor, e refletir sobre os desafios da gestão de crise. ECOLOGIA DE REDES: RECONFIGURANDO OS ATORES No conceito de ecologia da ação4, Morin (2007) pressupõe que uma ação não decorre apenas da vontade de quem a pratica, decorre também dos contextos e condições em que ela está inserida (sociais, culturais, políticas, etc.) que contribuem para formar o sentido da intenção original da ação. A ação não é controlável, “ela entra num universo de interações e finalmente o meio ambiente apossa-se dela num sentido que pode se tornar contrário ao da intenção inicial” (MORIN, 2011, p. 81). A ação supõe a complexidade: “não há de um lado um campo da complexidade, que seria o do pensamento, da reflexão, e 2. Pesquisa, teórica e empírica, desenvolvida na tese de doutorado da autora, “O despertar de Gulliver: os desafios das empresas nas redes digitais”, sob a orientação de Massimo Di Felice, defendida em 12 de março de 2015 na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. 3. Rede de fornecedores, redes internas, e-commerce, rede de parceiros, rede de distribuição, etc.. 4. Na obra “Paradigma Perdido: A natureza Humana”, Morin (1979) trata do que ele denomina de “revelação ecológica” a partir de uma visão que supera a ideia de ecologia como ciência natural, fundada por Haeckel em 1873 e cujo propósito era estudar as relações entre os organismos vivos e o seu meio ambiente. Nessa nova visão, “a comunidade dos seres vivos (biocenose) num espaço ou ‘nicho’ geofísico (biótopo) constitui com este último uma unidade global ou ecossistema” (MORIN, 1979, p. 10). Esses conceitos dialogam com o conceito de “ecologia política” de Latour (1998) no argumento de que o termo ecologia não se refere à natureza, mas contempla a complexidade das associações entre os seres (regulamentos, equipamentos, consumidores, instituições, hábitos, animais, etc.), dissolvendo as fronteiras e redistribuindo os agentes. Ao abandonar a ideia de que ecologia tem tudo a ver com a natureza propriamente dita, Latour passa a trata-la como uma nova maneira de lidar com os objetos humanos e não humanos na vida coletiva. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4872 Comunicação Ecológica Empresa-consumidor: a ideia de crise em contextos de redes Dora Kaufman de outro o campo das coisas simples, que seria o da ação. A ação é o reino concreto e às vezes vital da complexidade” (idem, ibidem). Os conceitos de ação de Latour (2012) e de ato conectivo de Di Felice (2013) convergem com o conceito de ecologia da ação de Morin. Inspirando essas ideias, temos (a) Tarde (2007) em sua noção de “domínio social” expressa em elementos agregativos, em que as diferenças que compõem o social são relacionais, com o social designando um “princípio de conexão”; e (b) Serres (1996), com foco no hibridismo, na mestiçagem, considerando o lugar de intersecção entre pontos como um lugar de mestiçagem; na ideia de comunicação estruturada como relações não limitadas ao humano (seres vivos e não vivos); e na concepção de rede entendida como um tipo de complexidade, extrapolando a noção topológica. Para Latour (2012), o ator não é uma peça que já está no tabuleiro e que depois age, mas o mesmo se constitui na ação. A ação é influenciada por todos os demais atores da rede (ou assumida por outros), não é plenamente consciente, e não está sob controle. Numa ação, temos vários actantes5 agindo simultaneamente. Já o conceito de “ato conectivo” de Di Felice (2013) exprime um agir ecológico em que a ação social é designada pelas contínuas interações de trocas de fluxos informativos entre indivíduos, dispositivos, banco de dados, circuitos informativos e territorialidade. Morin (2011) pensa a empresa como um organismo vivo, integrante de um ecossistema. A empresa, simultaneamente, processa a auto-organização e a auto-ecoprodução, preservando sua autonomia (forma fechada) e mantendo a troca constante com o ambiente (forma aberta). Em conformidade com os fenômenos físicos, a sobrevivência da empresa depende de uma permanente regeneração. “As redes informais, as resistências colaborativas, as autonomias, as desordens são ingredientes necessários para a vitalidade das empresas” (idem, p.93). A lógica de controle, contudo, é intrínseca à empresa desde seus primórdios (WEBER, 1947, 2009; MORGAN, 2007). Desenvolveu-se sob a influência dos fundamentos da produção em massa, com base nos modelos do “taylorismo” e do “fordismo”6, percorrendo uma trajetória de flexibilização nas últimas décadas do século XX adequando-se a um mercado competitivo que exigiu diversificação e qualidade. No século XXI, numa interseção entre a crise organizacional e a revolução gerada pelas tecnologias digitais, surge a “empresa em rede” (CASTELLS, 2009). Contudo, mesmo essas organizações não abrem mão do controle sobre os seus processos, suas estratégias, suas marcas e produtos7. Em uma ecologia de redes, a empresa, em sua origem um fenômeno sistêmico complexo, assume a configuração de uma rede sociotécnica - composta de funcionários, dirigentes, procedimentos, legislação, instalações, equipamentos, matéria-prima, tecnologia, etc. –, que se relacionada com outra rede sociotécnica que é o consumidor conectado. Essa interação acorre num ambiente de complexidade reticular. 5. Actantes com o sentido dado pela Teoria Ator-Rede. Emprestado da semiótica por Latour, significa qualquer coisa que altere uma situação (que deixe rastros), humano ou não humano. 6. Estruturas rígidas, centralizadas, com divisão de trabalho mecânica. 7. Não significando que sejam sempre bem sucedidas. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4873 Comunicação Ecológica Empresa-consumidor: a ideia de crise em contextos de redes Dora Kaufman PESQUISA EMPÍRICA Desafios O primeiro desafio da pesquisa foi escolher a controvérsia. A opção pela crise da contaminação do produto Ades da Unilever decorreu de um conjunto de fatores 8, dentre eles seu potencial de universalização. O segundo desafio foi constituir o corpus da pesquisa. O corpus inicial difere do corpus final à medida que as investigações, mapeamentos, coleta de dados, entrevistas, etc. apontavam novas possibilidades9. O terceiro desafio foi construir e analisar os grafos dos atores e suas conexões no Twitter10, os posts do Facebook e os tweets do Twitter. O quarto desafio foi categorizar os tweets e posts pela agregação de conteúdos similares11. A pesquisa empírica foi conduzida numa perspectiva imersiva (DI FELICE, 2012), em que a rede é engendrada como um espaço de sociabilização e de interação e não como um elemento externo e independente. Foram observadas e documentadas as práticas sociais dos atores conectados em redes, sendo a descrição de seus resultados composta da narrativa da controvérsia e da visualização da controvérsia graficamente12. 8. Fatores de escolha: (a) sendo a Unilever uma fabricante de produtos de consumo de massa, mantém relação relativamente próxima ao consumidor do ponto de vista de reconhecimento de marca, de seus produtos e de suas mensagens; (b) a Unilever é uma das líderes de produtos de bens de consumo no mundo, com uma das melhores reputações de marca. No Brasil foi o maior anunciante em 2013, configurando uma estratégia marketing-oriented. A multinacional Unilever é reconhecida como uma “escola de marketing”, situando-se na vanguarda das práticas inovadoras; (c) o suco AdeS é líder absoluto no mercado brasileiro de sucos à base de soja, com cerca de 70% de market-share.; (d) a crise da contaminação do suco de maçã AdeS foi a maior crise enfrentada pela Unilever em seus 85 anos de atuação no mercado brasileiro; (e) o somatório dessas razões implicou numa reação imediata, com a multinacional alocando todos os esforços para dar suporte aos consumidores afetados, atender aos órgãos reguladores e minimizar os impactos negativos de imagem, num formato que nos permite extrapolar para um comportamento padrão de mercado (ao menos o mercado das grandes companhias). Outra vantagem adicional, e extremamente relevante, foi a oportunidade de debater parte das etapas da pesquisa com um dos seus executivos, inicialmente em caráter formal e posteriormente informal, fundamental para compreender melhor a lógica das decisões e das ações da Unilever durante e após a crise. 9. Considerando qualquer documento como um “traço” da interação, a pesquisa fundamentou-se em seis grandes conjuntos: (a) coleta de documentos e registros da controvérsia na web, englobando plataformas online de veículos de mídia, órgãos reguladores, páginas da Unilever e do produto AdeS nas redes sociais, etc. ; (b) entrevistas qualificadas com executivo estratégico da Unilever na crise de AdeS, visando aprofundar o conhecimento sobre os procedimentos internos adotados, sua lógica e motivações; (c) acesso, em caráter confidencial, a relatórios de análise da repercussão da crise nas redes sociais digitais gerados pela agência especializada da Unilever (“fornecedor”); (d) identificação do glossário de elementos – chave a partir de análise dos textos dos tweets, na rede social Twitter, e os textos dos posts da página oficial da Unilever na rede social Facebook; (e) manipulação manual dos posts no perfil oficial do Unilever AdeS no Facebook no período, definindo categorias em função de seus conteúdos; e (f) aquisição, diretamente do Twitter (Gnip), do dataSet contendo os tweets no período da crise de AdeS, com base em termos de busca definidos pela análise de conteúdo dos posts e tweets. 10. A cartografia contou com a colaboração dos pesquisadores do Labic – UFES, Allan Cancian e Rafael De Angeli. 11. Reconhecemos que a análise desses conteúdos geraria melhores resultados se tivéssemos recorrido a metodologias de pesquisa em linguística e/ou a teorias de sistemas de significação em uma das correntes da semiótica, ambas com o potencial de trazer mais consistência às interpretações dos significados. 12. Ressaltamos a dificuldade em apresentar seus resultados num texto linear, contrariando a lógica da técnica pensada para sites interativos e recursos multimídia. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4874 Comunicação Ecológica Empresa-consumidor: a ideia de crise em contextos de redes Dora Kaufman Objeto O objeto da pesquisa foi a crise nas redes sociais digitais decorrente da contaminação do suco de maçã AdeS de fabricação da multinacional Unilever13 14 com solução de limpeza em um lote de 96 unidades da fábrica de Monte Alegre (Minas Gerais). A Unilever anunciou recall e recomendou que o consumidor verificasse se os produtos adquiridos faziam parte do lote indicado; se positivo, aconselhava não consumir o produto e entrar em contato pelo Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC)15. A multinacional assumiu uma postura defensiva e centrada em atender aos órgãos de controle e se proteger de potenciais passivos legais, atuando através de seu “Comitê de Crise” 16. Um “estado de crise” na multinacional é caracterizado quando alguma de suas áreas identifica que há potencial de risco à saúde do consumidor e/ou à reputação de sua marca corporativa e às marcas de produtos de seu portfólio17. Com a confirmação da contaminação, proliferam nas redes digitais memes18. A 13. A crise do produto AdeS, março de 2013, foi a maior crise enfrentada pela Unilever Brasil nos seus 85 anos de atividades no País em função de dois fatores: (a) trata-se do primeiro produto de seu portfólio que efetivamente causou danos à saúde do consumidor e (b) as circunstâncias do ambiente das redes sociais digitais, com potencial de multiplicar a repercussão do fato. A única circunstância próxima a uma crise dessa natureza ocorreu em 2007 envolvendo a marca Kibon do portfólio da Unilever. 14. O primeiro sinal surgiu no dia 7 de março de 2013, quando a Unilever recebeu um email de um consumidor de Ribeirão Preto reclamando de ardência na boca após ingerir o suco de maçã AdeS. Há indícios, contudo, de que em 06 de março de 2013, uma moradora do Guarujá ingeriu o suco de maçã AdeS e sentiu fortes queimações na boca. Ela foi levada para o hospital e só voltou a comer e beber cinco dias após o incidente. Antes de ser atendida no hospital, a jovem ligou para o SAC da Unilever para pedir a retirada do produto das prateleiras. A resposta da atendente foi que isso não iria acontecer por ter sido um caso pontual. No dia seguinte, ela recebeu uma ligação da área de saúde da fabricante, orientando beber muita água para limpar as mucosas internas. A vítima fez exame no material e detectou contaminação com soda cáustica. (Disponível em: <http://pt.slideshare.net/nadiaramirez3101/gesto-de-crise-suco-ades>. Acesso em: 01 setembro 2014). Não obtivemos a confirmação desse histórico junto à Unilever. Seguindo a linha do tempo a partir do fato de 7 de março, a coleta do produto foi realizada no dia 11 de março e a análise no dia 12 de março, e no dia 13, à noite, a Unilever emitiu seu primeiro comunicado ao público. No dia 14, o Instituto Adolfo Lutz confirmou em laudo que o suco de maçã AdeS ingerido pelo adolescente de 17 anos de Ribeirão Preto estava insatisfatório para o consumo, sem especificar a substância contida na embalagem: o pH (potencial hidrogeniônico), ou índice de alcalinidade do produto recolhido era 13,6, o mesmo de substâncias corrosivas como soda cáustica e amônia. 15. De acordo com a assessoria de imprensa da Unilever, 14 pessoas entraram em contato com a empresa por meio do SAC, alegando ter consumido o produto; desse total, 12 receberam atendimento médico e foram liberadas e duas não quiseram ser atendidas. O serviço de SAC da Unilever recebeu no seu call center em dia 14 de março, aproximadamente 220 mil ligações, das quais foram atendidas 30 mil ligações (limite máximo da capacidade instalada do call center, mesmo tendo triplicado o tamanho da operação em função da crise). Informações transmitidas diretamente à pesquisadora pelo interlocutor da Unilever. 16. Composto por membros do Board (Conselho Administrativo), do jurídico e das áreas de marketing, comunicação e atendimento ao consumidor. Seus executivos são treinados para perceber, antecipar e agir diante de ameaças. Seu modus operandi: plantão de seus membros, reuniões permanentes, ligação direta com a matriz. 17. No dia 13 de março de 2013, foi instaurado o Comitê de Crise da contaminação do suco de maçã AdeS com a missão de definir o posicionamento, a estratégia e o plano de ação da companhia, demandando iniciativas em distintas direções: relacionamento com os órgãos oficiais de defesa do consumidor, revisão dos procedimentos na fabricação do produto, reforço nas plataformas de atendimento ao consumidor, comunicação com o público em geral e o consumidor de AdeS em particular atendimento ao consumidor, comunicação com o público em geral e o consumidor de AdeS em particular. Basicamente, sua ação concentrou-se em: (a) decidir sobre um formato de ação e um texto base a ser replicado pelas suas agências de publicidade e comunicação e (b) uniformizar o texto da mensagem, condensar num único texto todos os conteúdos a serem transmitidos tanto aos órgãos de controle quanto ao público em geral, evitando“misunderstanding” (falsas interpretações). 18. O termo “meme” foi originado por Richard Dawkins (The Selfish Gene, 1976) e refere-se a qualquer entidade cultural considerada por um observador como um “replicador”. Pela definição, trata-se de uma unidade de Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4875 Comunicação Ecológica Empresa-consumidor: a ideia de crise em contextos de redes Dora Kaufman multinacional enfrentou controvérsias também com os órgãos reguladores19. As controvérsias mais relevantes identificadas20: a)Unilever versus consumidor e órgãos de controle: demora em reconhecer e se pronunciar em relação à crise, ocorrida somente após a hospitalização de consumidor contaminado. b)Unilever versus consumidor: ocultação de informação/ falta de transparência; ausência de diálogo nas redes sociais. c)Unilever versus órgãos de controle: controles de qualidade ineficientes. Formaram-se várias alianças no processo. As resoluções da ANVISA, p.ex., estabeleceram uma aliança tática (momentânea) com os consumidores contra a Unilever. CATEGORIAS ACTANTES PRINCIPAIS Empresas Unilever filial, Unilever Matriz, varejo (Pão de Açúcar) Produtos Soda cáustica, Lote AGB25, suco de soja Governo ANVISA, VISA, Vigilância Sanitária (estadual, municipal), Câmara dos Deputados, DPDC Especialista Instituto Adolfo Lutz Redes sociais digitais Facebook, Twitter Mídia Analógica21 Estado de São Paulo, Globo, Revista Veja, G1 Consumidor Brand Lovers, Datratores, Neutros, consumidor contaminado Tecnologia Dispositivos de conectividade (tablets, celular, banco de dados) Figura 1. Quadro ator-rede da controvérsia. Definimos como o momento de formação do “Black Box” (estabilização) a constatação pela Unilever de que os seus indicadores de valor de marca22 não tinham sido afetados, permanecendo estáveis vis-à-vis o período anterior à crise23. Prevaleceu a percepção positiva “histórica” em relação aos produtos e marcas AdeS e Unilever, caracterizando uma espécie de reconciliação dos consumidores com a multinacional24. transmissão cultural, ou uma unidade de imitação e replicação. Nas redes digitais, meme é um conceito do qual as pessoas se apropriam e criam em cima (uma imagem, uma gíria, uma paródia ou qualquer outro formato). Um meme tem sucesso quando “viraliza” (propaga-se pela rede espontaneamente). 19. O histórico detalhado da crise consta da tese de doutorado da autora (ver menção anterior). 20. A relativa limitação qualitativa e quantitativa das repercussões das controvérsias é função da quase ausência da Unilever nas redes; se a interação da empresa tivesse sido maior, provavelmente teríamos outro resultado. 21. O significado de “Mídia Analógica” extrapola o fato de estar ou não nos meios digitais (Internet, Web). O importante é o seu caráter disseminativo, em que a informação é produzida em um centro-emissor e distribuída aos consumidores dessa informação. Os veículos de comunicação, como os grandes jornais, preservam essa dinâmica mesmo em suas plataformas online. 22. Existem várias metodologias para definir o valor da marca como um ativo da empresa, contribuindo para desenvolver e avaliar a gestão de marketing. Em linhas gerais, temos duas correntes distintas: abordagens macro com base na avaliação financeira da marca como ativo e uma abordagem do valor da marca a partir da percepção do consumidor. 23. Informação transmitida diretamente à pesquisadora pelo interlocutor da Unilever. 24. Esses indicadores são considerados como informação sigilosa, não disponível a fontes externas à multinacional; nesse sentido, não nos foi possível avaliar a evolução individual de cada um, bem como a evolução do conjunto de indicadores. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4876 Comunicação Ecológica Empresa-consumidor: a ideia de crise em contextos de redes Dora Kaufman METODOLOGIA E TÉCNICA A metodologia foi a Teoria Ator-Rede, que, apesar do nome, é reconhecida como metodologia ou meta-metodologia25. O esforço foi de contemplar as revisões em curso, inclusive por Latour, e mesclar com elementos da narrativa reticular “Atopia” em desenvolvimento por Di Felice. A técnica empírica foi a Cartografia das Controvérsias. Para a TAR (Sociologia das Associações) o social é um tipo de conexão, movimento de reassociação e reagregação, um deslocamento, uma contínua construção. A vida social resulta das controvérsias entre os atores sociais, logo sua compreensão requer observar e descrever essas controvérsias (propósito da técnica de pesquisa). Essa noção de social e o rompimento, em parte, com a visão antropocêntrica incorporando à ação social os atores não humanos compõem nossa base teórica26. Convergências entre a TAR e a Atopia: (i) reconhecimento da necessidade de superar o conceito de social tradicional da sociologia (independência e supremacia do humano sobre a técnica e sobre a natureza). A ação social não está mais circunscrita ao agir do sujeito; (ii) protagonismo dos objetos expande o conceito de social, extensivo a todos os componentes da biosfera; (iii) interatividade é determinada por uma ação em rede, não mais decorrente da atividade de um único sujeito-ator, mas de um ato de conexão entre vários actantes27. Existem, todavia, distinções tais como os conceitos de agregativo e conectivo, em que o primeiro mantém a individualização entre os atores de uma rede e o segundo enfatiza a mudança dos contextos da sociabilidade “antes baseados na divisão clara de setores, instituições, públicos, etc., gora se manifestam como ambientes metamórficos e híbridos, no interior dos quais se torna difícil distinguir as identidades e a função de cada setor” (DI FELICE, 2009, p. 277). Outra distinção é o caráter estratégico dado ao conceito de “habitar” por Di Felice (2009), para quem não houve apenas uma digitalização das relações comunicativas entre os atores sociais, mas também dos territórios, dos produtos, dos serviços, da natureza. A lógica da Cartografia das Controvérias28 passa pelo entendimento do social como o resultado provisório de ações em curso (AKRICH, CALLON, LATOUR, 2006), sendo que as controvérsias têm início quando coisas e ideias que eram tidas como certas (concedidas) começam a ser questionadas (VENTURINI, 2009) 29. Sua característica é a “traçabilidade” da interação social permitindo identificar a produção da existência coletiva a partir das interações30. As controvérsias desenvolveram-se nas redes sociais Facebook e Twitter, foco de atenção da Unilever. A coleta e a manipulação dos dados do Facebook foram 25. Como propõe Venturini, uma vez que a TAR se assemelha menos a um protocolo de pesquisa do que a uma estrutura que pode acomodar e correlacionar teorias e metodologias diversas (VENTURINI, 2008). 26. Revisões estão em curso pelo próprio Latour (2012), questionando o fato de que ao representar o social por redes, formada de nós e conexões, deixamos de considerar o que está entre eles, o “vazio”, a descontinuidade entre as redes. 27. Dispositivos, tecnologia, banco de dados, instituições, natureza, orgânicos e inorgânicos em geral. 28. Bibliografia básica: VENTURINI, 2008, 2009, 2012. 29. A contaminação do suco de maçã AdeS colocou em xeque a reputação da marca Unilever, a confiabilidade em seus produtos e o reconhecimento de qualidade como um de seus principais atributos. 30. Com tecnologias digitais é possível revelar os rastros dos actantes de uma controvérsia com inédita precisão e extensão (voluntários ou involuntários). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4877 Comunicação Ecológica Empresa-consumidor: a ideia de crise em contextos de redes Dora Kaufman realizadas manualmente. No caso do Twitter31, recorremos à tecnologia de visualização Gephi32. Resultados Os mapas cartográficos e a análise da movimentação nas redes sociais indicaram que no Facebook a Unilever limitou-se a postar comunicados formais e estabelecer uma interação centrada no convite ao diálogo na esfera privada33, e praticamente não interagiu no Twitter. O estado de crise provocou uma mudança de estratégia na página de AdeS no Facebook. De uma linguagem lúdica34 para uma linguagem formal, mantendo a uniformidade entre os textos publicados. Do ponto de vista da interatividade, a reação dos usuários aos comunicados ultrapassou a média diária fora da crise (“likes”, comentários e compartilhamentos). A análise dos conteúdos indicou uma predominância de posts “detratores”, seguido de “neutros” e “brand lovers”. Foram observadas raras interações diretas entre “detratores” e “brand lovers”35. Foram produzidos vários mapas de visualização da movimentação dos consumidores no Twitter 36. No mapa da rede geral dos actantes da controvérsia, sobressaem-se dois clusters: a rede de mídia e a rede de humor. O mapa geral das autoridades indica que diversos perfis participaram de mais de uma rede (“perfis pontes”), sendo que a maioria atuou como intermediário “retuitando” as mensagens das autoridades. A chamada grande mídia repercutiu os comunicados da ANVISA, na sequência propagados pelos perfis de humor informativo. O mapa 1 mostra um único tweet publicado pelo perfil @AdeS_Brasil durante a crise37. Identificamos outros dois perfis da Unilever com atuação similar: @unileverbrasil, que recebe cinco tweets e não publica nenhum, e perfil @unilever, que recebe três tweets e não publica nenhum. Os mapas não retrataram disputas ou controvérsias diretas entre AdeS e os consumidores. Outra característica foi o baixo envolvimento entre os “nós”, gerando “vazios”: as redes tratam de assuntos concernentes à crise de AdeS, sem convergir entre si e sem criar laços sociais de valor. 31. A primeira etapa, sendo uma controvérsia do passado, foi adquirir o dataSet, diretamente do Twitter, a partir de um conjunto de “termos de busca”, detectado com base num estudo prévio dos conteúdos de tweets e posts vinculados à crise no período de um mês. Para tornar visível, ou seja, navegável, como recomendado pela própria técnica, utilizamos a plataforma open source Gephi. 32. Gephi é um software de código aberto para visualização e análise de informação em rede, escrito em Java na plataforma NetBeans e desenvolvido por estudantes da Universidade de Tecnologia de Compiègne, na França. O Consórcio Gephi é uma corporação francesa sem fins lucrativos cujos membros incluem SciencesPo, Linkfluence, WebAtlas e Quid. Tal software permite representar, na forma de cartografia, os dados brutos e, posteriormente, analisá-los. 33. Ao longo da crise, o consumidor era convidado (via os comunicados oficiais, via grande mídia, via posts no Facebook) a entrar em contato pelo SAC em números de telefones disponibilizados para essa finalidade. 34. Disseminar ou consolidar os atributos de marca junto ao consumidor. 35. Esta constatação coloca em dúvida a própria relação de lealdade dos consumidores com a marca, ou seja, a lealdade dos denominados “brand lovers”. 36. Os mapas estão disponíveis na tese de doutorado da autora. 37. Provavelmente o tweets: Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4878 Comunicação Ecológica Empresa-consumidor: a ideia de crise em contextos de redes Dora Kaufman Mapa 1. Perfil oficial “ades_brasil”. CONSIDERAÇÕES FINAIS A opção metodológica visou um campo das relações sociais específico: a formação do social na relação em rede empresa-consumidor. A estratégia da Unilever pautou-se por duas linhas de atuação: (a) apelar para uma comunicação formal, tentando atender aos requisitos legais e não às características e demandas das redes sociais digitais. A aparente orientação estratégica “seguir a lei” produziu peças de comunicação frias, formais, burocráticas e com baixo potencial de “viralização”38; e (b) “falar” com os líderes das redes esperando que eles propagassem suas mensagens. A não participação ativa da Unilever nas redes sociais comprometeu o desenrolar da controvérsia limitando a formação do social39. O interesse das empresas nessas redes, em geral, é monitorá-las e rastrear insumos úteis na concepção e gestão de suas estratégias. As ações são direcionadas para falar para o consumidor conectado, e não para falar com o consumidor conectado, o que representaria uma abertura de diálogo com nível de transparência e descentralização que as estruturas e as práticas de controle nas empresas dificultam40. Em nosso ponto de vista, a crise de AdeS foi vivida pela Unilever pelo seu aspecto negativo, não como uma potencial oportunidade de agregar valor aos seus indicadores de marca41. A primeira ação da Unilever após a contaminação foi convocar seu Comitê 38. Termo usual da internet para designar a ação de fazer com que uma informação ou mensagem se propague rapidamente, semelhante ao efeito viral (similar a uma epidemia de um vírus). O chamado “Marketing Viral” refere-se a técnicas de marketing que se utilizam das redes sociais digitais para ampliar exponencialmente o conhecimento de marca. Em geral, o recurso mais utilizado nessas estratégias é apelar para o humor, imagem, vídeos, que contenham intrinsecamente componentes emocionais que estimulem os usuários a compartilharem as mensagens. 39. Mesmo com limitações, contudo, a cartografia permitiu rastrear os actantes envolvidos e as interações entre eles, gerando reflexões. 40. Atentar para o fato de que os mecanismos de controle corporativos extrapolam o que o senso comum reconhece como “sistemas de controle” (FOUCAULT, 1999; DELEUZE, 1992). Michel Foucault (1999) introduz esse debate ao analisar as transformações na sociedade com relação à utilização do tempo (“tempo integralmente útil”), à distribuição do espaço (“arquitetura para vigiar”), e à questão do poder, considerado por ele não como um objeto natural, mas antes como uma prática social. Por sua vez, Gilles Deleuze (1992) adiciona ao debate sua noção de “Sociedade de Controle” ao delimitar a migração da fábrica para a empresa pela migração dos confinamentos como moldes (molde fixo aplicado às distintas formas sociais) para os controles como modulação, em contínua mutação. O advento das tecnologias digitais trouxe outra lógica à sociedade, a lógica da descentralidade e do “não-controle”. 41. Neste sentido é que consideramos como momento de formação do “black box” a percepção de estabilidade Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4879 Comunicação Ecológica Empresa-consumidor: a ideia de crise em contextos de redes Dora Kaufman de Crise, com a intenção de “controlar” as circunstâncias e se proteger de ações legais e ações com potencial de afetar negativamente sua imagem de marca. Longe de representar uma atitude particular, exclusiva da Unilever, essa reflete os fundamentos da ideia de empresa. Um dos atributos das redes é seu caráter imersivo: as empresas têm que estar nas redes para se conectarem com os consumidores. Ao criar um perfil digital, a empresa está convidando seus consumidores e fãs a se relacionarem numa esfera pública. São comunidades abertas que demandam uma gestão transparente, e cuja interatividade pressupõe o diálogo. Tendo como pressuposto a visão de empresa como um fenômeno sistêmico e as redes digitais como um fenômeno complexo pós-sistêmico, a empresa não pode mais ser pensada como um sujeito-ator interagindo com o exterior, mas parte de uma ação em rede. Há indicações de que as empresas estão incorporando os fundamentos das redes à sua cultura, à sua operação, às suas práticas e à sua gestão. É uma incógnita, contudo, se e como as empresas ultrapassarão o limiar do comprometimento com o controle sobre todas essas mesmas etapas. Diversos autores (BARABÁSI, CASTELLS, TAPSCOTT, BENKLER, MORGAN, RIFKIN, KEVIN, MCAFEE) chamam atenção para a transformação das empresas particularmente no início do novo milênio, indicando um processo evolutivo e não de ruptura como defendemos. O futuro nos parece atrelado ao diálogo entre as empresas, os consumidores, as tecnologias, os dispositivos, as regulamentações e demais atores dessa ecologia de redes, na construção de inéditos modelos de geração de valor na sociedade. REFERÊNCIAS AKRICH, Madeleine; CALLON, Michel; LATOUR, Bruno. Sociologie de la traduction: textes fondateurs. Paris: Mines ParisTech, 2006. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 2009, v. 2. DELEUZE, Gilles. Post-Scriptum sobre as Sociedades de Controle. In: DELEUZE, Gilles. Conversações: 1972-1990. Trad. de Peter Pál Pelbart. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992, pp. 219226. Disponível em: <www.portalgens.com.br/filosofia>. Acesso em: 10 novembro 2014. DI FELICE, Massimo. Paisagens pós-urbanas: o fim da experiência urbana e as formas comunicativas do habitar. São Paulo: Annablume, 2009. _______ . Ser redes: o formismo digital dos movimentos net-ativistas. MATRIZes, São Paulo, jul./dez. 2013. 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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4881 A Gestão da Comunicação Organizacional sob a perspectiva da Comunicação Pública para o Interesse Público e para a Sustentabilidade Management of Organizational Communication in the perspective of Public Communication to the Public Interest and Sustainability Simone Denise Gardinali1 Resumo: A comunicação pública se estabelece como paradigma, quando governos, organizações e sociedade demandam um novo e mais alto patamar de interlocução e intercâmbio, com o propósito de transformar a realidade. A Comunicação Organizacional se insere para a construção de políticas voltadas ao interesse público e à sustentabilidade, sob a perspectiva da comunicação pública, face às demandas apresentadas, impondo diálogo e o enfrentamento de responsabilidades individuais e coletivas frente ao comodismo reinante. Como ela se posiciona, como se manifesta no ambiente organizacional, qual é a importância do capital social neste contexto, a fim de atender e promover conhecimento e inovação prementes para um novo contexto social, cultural, econômico e ambiental que se apresenta a partir de valores atuais insustentáveis. Palavras-chave: Comunicação organizacional. Comunicação pública. Interesse público. Sustentabilidade. Sustentabilidade e Comunicação. Abstract: The public communication is established as a paradigm, when governments, organizations and society require a new and higher level of dialogue and exchange, in order to transform reality. Organizational Communication falls for the construction of policies to the public interest and sustainability from the perspective of public communication, given the demands presented by imposing dialogue and confrontation of individual and collective responsibilities against the reigning indulgence. As it stands, as manifested in the organizational environment, what is the importance of social capital in this context, in order to meet pressing and promote knowledge and innovation to a new social, cultural, economic and environmental context who presents itself from values current unsustainable. Keywords: Organizational Communication. Public communication. Public interest. Sustainability. Sustainability and Communication. 1. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP - Área Interfaces Sociais da Comunicação - Linha de Pesquisa Políticas e Estratégias da Comunicação; Docente da Universidade Metodista de São Paulo, nos Cursos de Relações Públicas e Publicidade e Propaganda. E-mail: [email protected]. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4882 A Gestão da Comunicação Organizacional sob a perspectiva da Comunicação Pública para o Interesse Público e para a Sustentabilidade Simone Denise Gardinali A COMUNICAÇÃO PÚBLICA COMO PERSPECTIVA PARA A GESTÃO DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL A Perspectivas da Comunicação Pública COMUNICAÇÃO PÚBLICA já esteve vinculada a muitas questões ao longo da história em nível internacional: à propaganda, a manipulações, à excitação das massas, guerras, destruição de inimigos, criação de leis injustas, discriminação social e ética, poder pessoal e à humilhação da democracia, mas também já serviu para a “utilidade pública”, levantando muitas bandeiras em prol da liberdade, de identidades partidárias, de causas trabalhistas, dentre outras (ROLANDO, 2011). Matos (2011) revela que existe uma diversidade de estudos em torno da comunicação pública voltada para um dos atores envolvidos no processo, mas não sobre as interações entre eles. Segundo a autora, a comunicação pública que se sustentava pelos conceitos de propaganda política, comunicação governamental, comunicação institucional, marketing político e eleitoral durante a ditadura militar de 1964-1985 e durante o período da consolidação democrática, passou a desvincular-se do papel que demarcava a comunicação entre governo e cidadão, para tratar das questões ligadas às transformações políticas, sociais e econômicas no Brasil nas últimas três décadas. Houve também o incremento de outros atores sociais no debate, como as instituições privadas e do terceiro setor, que passaram a participar do debate sobre políticas e estratégias públicas (MATOS, 2011, p.40). Rolando respalda que vê: [...] a comunicação pública não apenas como a instrumentação do poder, mas, sobretudo como o território em que muitos sujeitos (mesmo se confrontando) buscam interesses legítimos e usam a informação e a comunicação não tanto para vender algo, mas para apresentar sua identidade, sua visão e seus objetivos (ROLANDO, 2011, p.26). Há que se esclarecer que a comunicação pública muitas vezes ainda tem sido confundida como sinônimo de comunicação governamental, constituída por normas, princípios e rotinas da comunicação social do governo. A comunicação governamental se afirma como elemento estratégico da mediação entre atores cívicos e o governo, visando criar bem como reforçar o vínculo social entre os parceiros da ação pública (MÈGARD; DELJARRIE, 2003 apud MATOS, 2011). Desta forma, a comunicação pública não se restringe a fluxos de mensagens institucionais por parte do governo, ela deve ser um processo de interação onde haja expressão, interpretação e diálogo entre todos os atores da sociedade. Ao longo dos anos, venho propondo que a comunicação pública seja entendida como o processo de comunicação instaurado em uma esfera pública que englobe Estado, governo e sociedade, além de um espaço para o debate, a negociação e a tomada de decisões relativas à vida pública do país (MATOS, 1999, 2000, 2007,2009 apud MATOS, 2011, p.45). Matos (2009) também levanta outra questão determinante para a construção da comunicação pública, o capital social. Este é um conjunto de ganhos que são produzidos através da interação social e que podem ser desfrutados por indivíduos e grupos. O capital social não é uma propriedade privada e “quanto mais se usa o capital social, Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4883 A Gestão da Comunicação Organizacional sob a perspectiva da Comunicação Pública para o Interesse Público e para a Sustentabilidade Simone Denise Gardinali mais forte ele se torna. Quando não é ativado, o capital social atrofia” (GOMES apud MATOS, 2009). O capital social é produto de um tipo particular de comunicação: somente uma comunicação comprometida com o interesse coletivo (na origem) e com o benefício público (como meta), que pressuponha a acessibilidade, a participação, a negociação, a tomada universal e conjunta de decisões (como regras processuais) e que implique a abertura, a transparência, a visibilidade, a livre expressão, o respeito ao pluralismo e a interatividade (como normas deontológicas) poderá gerar capital social (MATOS, 2009, p.131). Ele é na essência a causa e a consequência da comunicação pública quando é entendido como engajamento cívico, no sentido de cooperação e participação, estabelecimento de confiança e reciprocidade (MATOS, 2009). Apresenta-se aí um desafio para a comunicação pública quando assistimos a sociedades e organizações que não são capazes de desenvolver capital social por apresentarem baixo grau de confiança, respeito, reconhecimento, reputação e reciprocidade entre elas, sejam do primeiro, segundo ou terceiro setores. Koçouski considera que a comunicação pública não é um modelo utópico, que poderia substituir outras formas de comunicação. O que a define é a sua abrangência. “Apresenta como característica intrínseca a perspectiva ética do interesse público – sem a qual ela deixa de existir enquanto conceito” (KOÇOUSKI, 2013, p. 54). A comunicação pública se estabelece como um paradigma, quando sociedades, governos e organizações procuram um novo e mais alto patamar de interlocução, de diálogo e de intercâmbio, com o propósito de transformar a realidade através de práticas e experimentações novas. Há um caminho longo a ser seguido porque depende de conscientização, comprometimento e participação política para se exercer um papel que em muitas sociedades não lhe foi conferido por diversas questões, que pode estar ainda em estado latente, que está sendo processado. Estamos vendo surgir a necessidade de uma comunicação de interesse público, ou de comunicação pública que possa trazer informação de qualidade, conhecimento efetivo para a sociedade civil sobre seus reais direitos, deveres e sobre seu papel social. No Brasil, percebe-se que o terreno começa a ser preparado, quando se verifica a inserção de outros sujeitos no espaço público. A ascensão da classe C, não simplesmente como tem sido vista enquanto possibilidade de expansão do mercado consumidor, mas tendo esta acesso à educação, ao mercado de trabalho e à tecnologia pode alterar e ampliar a interlocução para uma comunicação pública efetiva, associada à sociedade em geral, e possibilitar a discussão de questões de interesse público, como estamos começando a verificar. Outra análise que se deve considerar diz respeito às responsabilidades que hoje são atribuídas às organizações, que vêm preenchendo espaços na solução de muitos problemas de interesse público e que vêm se conscientizando do seu lugar no espaço público. Desta forma, prevê-se um empoderamento da sociedade civil e das organizações, quando se verifica que o interesse público efetivo pode e deve ser defendido em todos os sentidos. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4884 A Gestão da Comunicação Organizacional sob a perspectiva da Comunicação Pública para o Interesse Público e para a Sustentabilidade Simone Denise Gardinali A intersecção entre a Comunicação Pública e a Comunicação Organizacional As organizações cada vez mais devem assumir a sua missão central de produzir e promover o bem-estar social, nos diversos níveis que isso possa alcançar e de, portanto, exercer a comunicação pública, de forma legítima, em uma nova perspectiva de uma comunicação de excelência, baseada em atender ao interesse público e às novas demandas sociais, econômicas, ambientais, culturais etc. O advento da globalização contribuiu para a transformação do perfil dos Estados, que passaram a incluir as organizações privadas e do terceiro setor como parceiras de demandas anteriormente delegadas somente ao primeiro setor (MATIAS, 2005 apud HASWANI, 2011). Outro marco que determina a ampliação do espectro da comunicação pública, que era gerida somente pelos Estados foi a Agenda 21 (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2015), que passou a responsabilizar os Estados, o mercado e as organizações não governamentais pela sobrevivência do planeta (FIORILLO, 2000 apud HASWANI, 2011). O conceito do welfare state cai por terra e estabelece-se uma nova dimensão, a do welfare society, que transfere a responsabilidade paternalista do Estado em promover o bem-estar social para a sociedade civil, que passa a discutir e deliberar causas coletivas. Desta forma, abre-se espaço para o voluntariado, para o associativismo social, para o sujeito privado que resgata a sua dignidade como cidadão de uma comunidade (DÁMBROSI; GIARDINA, 2006 apud HASWANI, 2011). [...] A sociedade civil muda, reúne-se em redes de relações intersubjetivas, voluntárias, espontâneas, gratuitas, busca espaços de gestão e não só reinvidicativos, para finalidades comuns de bem-estar, materiais e espirituais, traçando, segundo Ardigó (1993,p.77), a diferença entre welfare state e welfare society (HASWANI, 2011, p.83). Desta forma, inserem-se no espaço público sujeitos públicos, privados e do privado social com o objetivo de atender a um interesse geral, ao bem-comum, sob o princípio da solidariedade. Neste contexto surge o welfare community (HASWANI, 2011). No contexto da comunicação pública, López defende o conceito de advocacy (advocacia), termo inglês que propõe “defender uma causa”, “promover políticas”. Advocacy, segundo ele, é uma ação de comunicação e de comunicação pública, já que tem por missão a prática de convocação e de construção de propósitos comuns relativos a assuntos de interesse coletivo, de interesse comum (LÓPEZ apud KOÇOUSKI, 2013, p.47). López (2011) afirma que comunicação pública se move em diversos planos ou níveis, dependendo dos interlocutores, da intencionalidade ou da forma de atuação, sendo possível abarcar pelo menos cinco dimensões: a Política, a Midiática, a Estatal, a Organizacional e a da Vida Social. Na dimensão Organizacional, destaca que “se entendemos que uma organização privada é um cenário no qual circulam mensagens e interesses de grupos que lutam por predominar e impor seus sentidos, é claro que em seu interior há uma “esfera pública” particular.” (LÓPEZ, 2011, p. 65). Há iniciativas de empresas que parecem seguir tal orientação, criando canais de comunicação para que as comunidades internas e externas se manifestem sobre suas reais necessidades, inclusive indicando ações que se transformam em projetos sociais de grande impacto (OLIVEIRA, 2013, p.24). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4885 A Gestão da Comunicação Organizacional sob a perspectiva da Comunicação Pública para o Interesse Público e para a Sustentabilidade Simone Denise Gardinali Neste novo contexto social, cultural, político e econômico as organizações privadas, inseridas na esfera pública, são impactadas e geram impacto nos outros atores que fazem parte dessa esfera. O cenário constituído por avanços na qualidade do processo democrático, novas tecnologias e cidadania trouxe grande reflexo para as políticas de comunicação organizacional, exigindo maior atenção com as demandas da sociedade, convergindo para o conceito de comunicação pública. Porém, ainda há que se discutir em que grau de legitimidade ou interesses essa integração entre a comunicação organizacional e a comunicação pública se dá (OLIVEIRA,2014). Antes de se inserirem no contexto da comunicação pública, as organizações devem ocupar-se em direcionar suas políticas não somente para favorecer e garantir o seu negócio, mas numa visão ampliada: para o interesse público e para a sustentabilidade. Segundo Haswani, o paradigma holístico para as políticas de comunicação traz para o debate o tema da sustentabilidade que chega a “confluir com parte dos conceitos da comunicação pública” (HASWANI, 2011, p.93). [...] a proposição da comunicação para a sustentabilidade requer das organizações um triplo vínculo. Primeiro, precisam dar uma resposta à sociedade, na medida em que têm grande responsabilidade pela situação atual do planeta. Segundo, precisam mudar, mais que suas práticas e discursos, mudar seus valores, suas convicções e modos de pensar, com a consequente mudança não só dos processos produtivos mas, também, do entendimento da atual organização econômica e social. Terceiro, por serem as instituições mais poderosas do planeta (HART, 2006, SENGE et al, 2007) devem assumir seu papel de agentes de mudança na construção de uma nova visão de um modo de vida sustentável (KUNSCH; MOYA; ULSEN, 2014, p. 9). A convergência entre comunicação organizacional e comunicação pública exige que os interesses das organizações estejam alinhados com os da sociedade. Outra necessidade é que as políticas de comunicação levem em consideração “questões fundamentais como a garantia de participação de todos no âmbito organizacional, já que o ideal democrático não se restringe à esfera estatal” (OLIVEIRA, 2014, p.4). Outra questão importante a ser considerada é que uma organização terá uma comunicação pública legítima, isto é, alinhada com o interesse público, quando possuir valores que estejam incorporados em sua cultura. Oliveira (2014) apresenta um modelo de mensuração que permite analisar o comprometimento organizacional, baseado em Sete Níveis de Consciência, desenvolvido por Richard Barrett (apud FEJGELMAN, 2008). Conforme pode ser observado, há a evolução do nível de consciência, seja pessoal ou organizacional, dependendo da cultura, dos valores e da maturidade. Isso sugere que as empresas que estão efetivamente comprometidas com o interesse público são aquelas que estão localizadas em níveis mais elevados de consciência, já que os níveis mais baixos restringem-se a buscar a sobrevivência pessoal ou atender a sustentabilidade financeira das organizações (OLIVEIRA, 2014, p.5-6). Para uma comunicação pública de excelência as organizações devem possuir uma postura numa perspectiva “ativa”, quando as mesmas promovem um fluxo de comunicação externo com a veiculação de conhecimento e também intervém nas Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4886 A Gestão da Comunicação Organizacional sob a perspectiva da Comunicação Pública para o Interesse Público e para a Sustentabilidade Simone Denise Gardinali percepções e no comportamento de seus públicos ou da sociedade em geral (MANCINI apud HASWANI, 2011). A comunicação organizacional hoje precisa se basear em pautas muito maiores e mais abrangentes, numa visão complexa da sociedade e do planeta. Sua responsabilidade sobre suas demandas internas e externas se multiplicam, face ao novo contexto, quando cada célula da sociedade vem sendo cobrada a participar do espaço público, impondo responsabilidades individuais ou coletivas. A comunicação organizacional ocupa papel central na interlocução com todos os setores do mercado e na determinação de políticas de comunicação que promovam o interesse público, e na atualidade alcançam espectros político, social, cultural, econômico, ambiental etc. e os seus profissionais terão que se preparar para uma visão mais estratégica da comunicação e do que ela representa para a sociedade. Assim, a missão está posta. SUSTENTABILIDADE – NOVAS PERSPECTIVAS A cultura instituída voltada para o crescimento econômico como saída para o desenvolvimento social caiu por terra. O modelo de vida das pessoas está ultrapassado, bem como as relações sociais, políticas, morais, econômicas, ambientais. Há pouco tempo, as políticas de crescimento não consideravam um quesito fundamental – o limite imposto pela natureza. A população mundial consome 50% a mais de recursos naturais do que o planeta é capaz de repor (Global Footprint Network apud PORTAL EU GESTOR, 2015). A partir dessas informações que vêm sendo propaladas, o tema sustentabilidade vem tomando espaços na mídia internacional, políticas internacionais são discutidas e assinadas em eventos de grande porte, de forma que o mesmo se converteu numa espécie de mantra da atualidade, repetido em todo discurso que se relacione com desenvolvimento/crescimento econômico ou desenvolvimento sustentável, considerando que este só será possível se for sustentado pela natureza, pelo ecossistema, pois de outra forma será insustentável. “No fundo, trata-se de minimizar o uso da natureza, com obtenção de máximo bem-estar social” (CAVALCANTI, 2015). De acordo com o autor, não é possível equilibrar crescimento econômico ilimitado, valor incorporado pelas grandes potências e perseguido por muitos países, com um meio ambiente que não entre em desequilíbrio. Nesse contexto, a expressão “crescimento sustentável” é uma “impossibilidade geofísica, haja vista que não há nada na natureza que cresça continuamente de forma saudável” (GEORGESCU-ROEGEN, 1971; PEARCE, 1988; PENNA, 2008 apud CAVALCANTI, 2015). Mas o que se pode considerar é um desenvolvimento, que prevê e é definido como mudança, evolução, progresso, mas que não é crescimento, que propõe aumento ou expansão, e que sempre irá impactar negativamente os recursos naturais (CAVALCANTI, 2015). Diante dessa perspectiva econômica, verifica-se que a percepção que se tem sobre sustentabilidade é baseada em informações sem aprofundamento, motivada por modismos, e com adoção e divulgação de ações paliativas, adotadas por muitos, que não irão resolver o problema da insustentabilidade, que começa a ser discutida. As organizações vêm adotando e repetindo conceitos e modelos compartilhados e implantados pelas precursoras quando o tema é sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4887 A Gestão da Comunicação Organizacional sob a perspectiva da Comunicação Pública para o Interesse Público e para a Sustentabilidade Simone Denise Gardinali Baseados em documentos e pesquisas muito propaladas, como o Relatório Brundtland, da primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, intitulado Nosso Futuro Comum, resultante da Conferência da ONU e publicado em 1987, desenvolvimento sustentável é definido como “aquele que atende as necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender suas próprias necessidades” (BOFF, 2013), que considera como parte do ecossistema somente a espécie humana. Outro conceito adotado pelas organizações é o de Elkington (2001), o do Triple Bottom Line (Tripé da Sustentabilidade) que foi defendido como sinônimo de desenvolvimento sustentável para os negócios. As organizações devem medir o valor que geram, ou destroem, por três dimensões: a econômica, a social e a ambiental. Pesquisa realizada pelo CECORP/ECA-USP - Centro de Estudos de Comunicação Organizacional e Relações Públicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo - aponta que 84% das empresas concordam com o conceito (KUNSCH; MOYA; ULSEN, 2014, p. 6). Este conceito reforça uma visão bastante economicista do proponente, que aponta pesos iguais para as três dimensões e reforça, também, a visão de negócio que corre por trás do conceito de sustentabilidade adotado pelas organizações. Não é o objetivo deste artigo discutir os mais diversos conceitos e modelos incorporados pelas organizações, já apontados em outros estudos, mas sim apontar que as questões relacionadas à sustentabilidade vêm sendo adotadas numa perspectiva restrita. Sustentabilidade virou estratégia de mercado, modismo, pode ser mensurável e se transformar em diferencial competitivo. Reduzir a insustentabilidade não é o mesmo que criar sustentabilidade. Outros estudos, muitas vezes desconhecidos da sociedade em geral, apontam para novas perspectivas que pressupõem mudança radical de percepção e de valores relacionados ao tema, que prevê interdependência entre os seres, num processo de autorreconhecimento e reconhecimento do outro (CAPRA, apud FERNANDES, 2014, p.75). Segundo Neuberger (2015), o caminho para a mudança parte do reconhecimento dos limites e do tema de forma complexa a fim de que se possa mudar o significado em rede, e apoiando-se em exemplos de outras culturas, outras formas de viver no mundo, tendo a coragem de se dar o primeiro passo. A autora comenta que há necessidade de uma educação para a sustentabilidade para que haja desenvolvimento efetivo - em todos os níveis. O modelo mental é equivocado, há que ser alterado. SUSTENTABILIDADE E COMUNICAÇÃO – EVOLUÇÃO As organizações não têm clara a missão premente de que a comunicação tem de promover e estimular efetivamente a discussão voltada para a sustentabilidade. O tema vem sendo inserido na pauta das organizações, na maioria das vezes, numa visão restrita, como diferencial competitivo de mercado, ou simplesmente implantado a fim de contribuir para a sustentabilidade apenas do próprio negócio. As organizações estão assentadas sobre a premissa do “dever cumprido”, como se a disciplina já tivesse sido resolvida. A comunicação organizacional tem muito mais o objetivo de divulgar o que a organização faz em relação ao tema sustentabilidade, a fim de promover a aproximação Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4888 A Gestão da Comunicação Organizacional sob a perspectiva da Comunicação Pública para o Interesse Público e para a Sustentabilidade Simone Denise Gardinali de seus públicos do que efetivamente propor o diálogo, a mobilização e a educação numa perspectiva de comunicação pública voltada para o interesse público, multiplicando conhecimento e discussões ao lado de parceiros dos diversos setores do mercado e da sociedade em geral. A sua tarefa é grande, através de uma comunicação de excelência, transparente, dialógica, poderá alterar por meio de uma política voltada para a educação para a sustentabilidade os modelos que se colocam à frente de uma sociedade que ainda preza muitas vezes o comodismo, o que pode resultar em colapso. Numa perspectiva mais aprofundada, verifica-se o surgimento de estudos que são um amadurecimento do conceito de sustentabilidade. Ehrenfeld e Hoffman (2013), americanos da University of Stanford, da área da administração, trazem um novo conceito – o do Flourishing. Se o termo sustentabilidade está se dispersando, nós precisamos não somente de um melhor significado, mas de um mundo melhor, um que aponte para novas práticas e de possibilidade de resultados muito melhores. Para nós, bem como para um número crescente de líderes de renome, a palavra certa é muito mais ambiciosa: florescente. Florescente em todos os níveis - individual, de equipe, organizacional e global. Pense em relações florescentes, saúde radiante, prosperando empresas e cantarolando as comunidades (LAZLO; BROWN et al., 2014, p.13-14, tradução nossa)2. Flourishing traz um novo pressuposto, o de apostar no desenvolvimento através do envolvimento entre as pessoas, trazendo prosperidade para todos, mudança da lógica econômica, quando muitos são beneficiados. A palavra florescente tem o poder de envolver uma ampla gama de pessoas, de líderes a funcionários da linha de frente e parceiros da cadeia de abastecimento, de uma forma que a sustentabilidade simplesmente não o faz. As empresas que podem ver florescer em sua visão e missão são capazes de envolver plenamente o potencial de todos na empresa e de atrair os melhores parceiros e interessados e ao mesmo tempo reduzir a rotatividade de funcionários . Empregados em e parceiros de organizações florescentes são melhores em trabalhar em conjunto e são mais criativos e inovadores.[...] (LAZLO; BROWN et al., 2014, p.14-15, tradução nossa)3. Outros movimentos, como o B Corp devem ser apontados como iniciativas importantes que tem o objetivo de fomentar a responsabilidade das empresas sob vários aspectos. Empresas como a Ben & Jerry’s, a Dansko, a Etsy, a Method, a New Belgium Brewery, a Patagonia, a Plum Organics ou a Seventh Generation entre 1100 organizações, 2. If the term sustainability has run out of steam, we need not only a better meaning but a better world, one that points to fresh practices and the possibility of far better results. For us, as well as for a growing number of renowned thought leaders, the right word is much more ambitious: flourishing. Flourishing at all levels – individual, team, organizational, and global. Think of flourishing relationships, radiant health, thriving enterprises, and humming communities (LAZLO; BROWN et al., 2014, p.13-14). 3. The word flourishing has the power to engage a broad range of people, from leaders to front-line employees and supply chain partners, in a way that sustainability simply does not. Companies that can see flourishing in their vision and mission are able to engage fully the potential of everyone in the company and to attract the best partners and stakeholders while also reducing employee turnover. Employees in and partners of flourishing organizations are better at working together and are more creative and innovative. [...] (LAZLO; BROWN et al., 2014, p.14-15). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4889 A Gestão da Comunicação Organizacional sob a perspectiva da Comunicação Pública para o Interesse Público e para a Sustentabilidade Simone Denise Gardinali provenientes de distintas nações (Afeganistão, Austrália, Brasil, Chile, Quénia, Mongólia etc.) participam desta rede, que vem impulsionando e educando parceiros, sob o princípio de que o Sistema B (Brasil) não quer unir somente as melhores empresas do mundo, mas sim, as melhores empresas para o mundo (Sistema B-Brasil, 2015). Este tipo de iniciativa ou movimento poderá levar os diversos setores a gerarem capital social, que poderá ser multiplicado com a sociedade como um todo, trazendo conhecimento e novos valores. Organizações e pessoas estão se interconectando, propondo soluções para o compartilhamento. Estamos no fim de um modelo, muitas organizações estão florescendo, prosperando, mas respeitando a essência. A experiência da Carta da Terra é um florescimento (CARTA DA TERRA, 2015). No Brasil, outras iniciativas apresentam-se no espaço público. A ONG AKATU, a empresa Ideia Sustentável, que promove a Plataforma Líderes Sustentáveis, a associação sem fins lucrativos CEBDS-Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável são atores que poderão, juntamente com a sociedade civil, organizações em geral, governos, orquestrados pela Comunicação, alterar valores arraigados e equivocados que poderão conduzir à insustentabilidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS As organizações hoje já adotam o conceito de comunicação pública quando criam políticas de comunicação com o objetivo de disseminar ações voltadas a atender demandas sociais, econômicas e ambientais, algumas delas intuitivamente, sem ter clara esta percepção e esta missão política que a comunicação tem ao estabelecer programas de comunicação voltados para o interesse público. Ela se estabelece como paradigma, quando governos, organizações e sociedade necessitam de um novo e mais alto patamar de interlocução e intercâmbio. Diante dessa nova necessidade de diálogo entre os mais diversos atores sociais, nos diversos setores do mercado, espera-se que a comunicação organizacional nesta perspectiva da comunicação pública, voltada para o interesse público, possa colaborar e provocar a transformação cultural, política, ambiental e social da sociedade, impondo diálogo e o enfrentamento de responsabilidades individuais e coletivas frente ao comodismo reinante, trazendo desenvolvimento em suas mais diversas perspectivas, podendo ser denominado por sustentabilidade ou por Flourishing, denominações que têm limites de entendimento ou de conceituação clara para a maioria, mas que trazem a premissa de que o desenvolvimento sustentável deve ser um princípio de gestão e a educação um pressuposto para a sustentabilidade. Para se alcançar o desenvolvimento haverá a necessidade de mudança no comportamento humano, conflitos diários de conceitos nas lideranças que são imprescindíveis para desenvolver a educação para a sustentabilidade. As organizações dos mais diversos setores deverão ser parceiras em projetos, como já se vê em algumas iniciativas bem-sucedidas. Dessa forma, diante da interlocução entre essas e a sociedade, a comunicação organizacional poderá colaborar e provocar transformação cultural, trazendo efetivo desenvolvimento em seus mais diversos aspectos. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4890 A Gestão da Comunicação Organizacional sob a perspectiva da Comunicação Pública para o Interesse Público e para a Sustentabilidade Simone Denise Gardinali REFERÊNCIAS AKATU- consumo consciente para um futuro sustentável. (2015, 18 de março). Disponível em: http://www.akatu.org.br/. Acesso em 18.03.2015. BOFF, L. (2013). 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Para a realização do estudo, foi constituída uma amostra de MPMEs localizadas em todas as regiões do país, cujo foco de negócios é o desenvolvimento e a oferta de produtos e serviços posicionados como sustentáveis. A opção pela realização da pesquisa, em organizações desse segmento, deve-se a sua importância estratégica para a geração de renda, empregos, potencial de inovação e desenvolvimento de práticas sustentáveis que possam ser compartilhadas com a sua rede de stakeholders. Mesmo sem conhecer plenamente o seu processo e ferramentas, 82,5% dos entrevistados consideraram a comunicação estratégica e alinhada aos objetivos de sustentabilidade de sua empresa. Um percentual significativo dos respondentes relaciona a comunicação a um processo educativo que leva ao engajamento dos stakeholders. Palavras-Chave: Sustentabilidade, Comunicação, Empreendedorismo, MPMEs Abstract: The theme of this article is communication for sustainability in micro, small and medium enterprises (MSMEs). The approach is based on the results of a Master thesis in development that aims to reflect on the contribution of the process of communication for sustainability in those organizations. For this study, a sample of MSMEs in different regions of the country was selected, considering those whose core business is the development and the offer of sustainable products and services. The organizations of this segment have been selected due to their strategic role for the generation of income, jobs, potential for innovation and development of sustainable practices that can be shared with their stakeholders. Although they do not have full knowledge of their process and tools, 82,5% of the respondents have considered the strategic communication as a key mechanism to achieve the sustainable goals of the business. A meaningful amount of the respondents relates communication to the educational process that leads to stakeholders’ engagement. Keywords: Sustainability, Communication, Entrepreneurship, MSMEs 1. Mestranda em Ciências da Comunicação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4893 A comunicação como indutora da sustentabilidade: um estudo de micro, pequenas e médias empresas brasileiras Valdete Cecato INTRODUÇÃO PESQUISA, QUE é tema desse artigo, visa primordialmente buscar informações A sobre como as MPMEs avaliam a contribuição da comunicação para as suas estratégias de crescimento e desenvolvimento sustentável. A relevante participação dos micro, pequenos e médios negócios na economia, que pode ser constatada por meio de vários indicadores medidos por órgãos oficiais e setoriais, foi a principal motivação e justificativa para a realização do estudo. As MPMEs brasileiras constituem um universo que corresponde a 99,7% do total de estabelecimentos com mais de um empregado e geram cerca de 65% dos empregos formais, segundo estudo do Programa de Capacitação da Empresa em Desenvolvimento (Proced) da Fundação Instituto de Administração (FIA), feito com base nas informações do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). O Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae, 2014) calcula que empresas de micro e pequeno portes sejam responsáveis pela geração de 25% do Produto Interno Bruto (PIB) e por 40% de toda a massa salarial do país. Em relação à competitividade das MPMEs, um dos indicadores de sua relevância é a pesquisa Estatísticas do Empreendedorismo 2012 (2014), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com o Instituto Empreender Endeavor. O foco do estudo é identificar, no contexto das empresas de todos os tamanhos, quais poderiam ser classificadas como Empresas de Alto Crescimento (EAC) e gazelas. O estudo revelou que havia, em todo o país, ao final de 2012, (considerando o triênio analisado 2010-2012) um total de 35.206 empresas que poderiam ser definidas EAC e gazelas2 sendo que mais da metade possuía até 49 pessoas empregadas. Eram, portanto, pequenas. Para alguns autores, o segmento formado pelas organizações de menor porte apresenta elevado potencial de difusão de inovação e práticas que contribuem para a sustentabilidade. Estudiosos como Hardt (2012) e Sachs (2008), por exemplo, enfatizam a importância desse segmento de empresas para a construção de um padrão de desenvolvimento, que não seja entendido apenas como o resultado de um permanente aumento no consumo. Hardt (2012, p. 56) diz realmente acreditar que “as pequenas empresas – não qualquer uma, mas um tipo participar delas – têm a chave para nos conduzir a um mundo mais sustentável”. Na opinião de Sachs (2008) a expansão e geração de empreendimentos de pequeno porte como prioridade em políticas que visam à inclusão social pelo trabalho decente. Em relação à categorização, existem dois critérios para definir empreendimentos como MPMEs. Um deles considera a receita operacional bruta anual, que deve situar-se entre R$ 360 mil (microempresa) e R$ 90 milhões anuais (média empresa) ao ano. Esse modelo serve, principalmente, para determinar as políticas de concessão de crédito pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e sistema financeiro em geral. O Sebrae também utiliza o parâmetro da receita bruta anual (ou faturamento) para determinar as organizações que são o foco de sua atuação: aquelas que faturam entre 2. Empresas de alto crescimento (EAC) são aquelas que, por três anos ininterruptos, registram aumento médio do pessoal ocupado assalariado de 20% ao ano e que, ao final da observação, possuem dez ou mais trabalhadores assalariados. Empresas gazela são um subconjunto das EAC, com até três anos de idade, no ano inicial de observação. Essas definições, utilizadas pelo IBGE, estão de acordo com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4894 A comunicação como indutora da sustentabilidade: um estudo de micro, pequenas e médias empresas brasileiras Valdete Cecato R$ 60 mil e R$ 360 mil, para micro, e R$ 360 mil e R$ 3,6 milhões para pequenas. Abaixo de R$ 60 mil está a categoria Microempreendedor Individual (MEI). Já o IBGE determina o porte das empresas por meio do número de empregados formais. Esse critério é, também, o mais usado pelos pesquisadores europeus e americanos (Proced/FIA, 2012). Por esse parâmetro, são MPMEs organizações que possuem entre um e 499 empregados (indústria) ou até 99 empregos formais (comércio e serviços)3. Esse foi o principal critério de seleção da amostra utilizado na metodologia da pesquisa que é tema desse artigo. Nos próximos itens dessa abordagem, serão tratados os principais conceitos de comunicação, sustentabilidade, princípios metodológicos que embasaram o estudo, bem como alguns resultados da pesquisa – já disponíveis – e as considerações finais. A COMUNICAÇÃO COMO EXPRESSÃO DAS EMPRESAS O processo de comunicação é inerente às organizações. De acordo com Taylor e Cooren (1997, apud Casali, 2009, P. 113) as organizações não apenas se constituem pela comunicação como também se expressam em comunicação, “o que se dá por meio de palavras, ideias, conceitos ou outros elementos de expressão oral ou corporal”. Tal definição remete ao pensamento de Freitas (1991, p. 34) que entende as organizações como “fenômeno de comunicação sem o qual inexistiriam”. Segundo ela, é o processo de comunicação que possibilita a criação da cultura organizacional. Essas perspectivas sinalizam para a interdependência entre o processo de comunicação e a organização, tendo em vista a sua expressão ou reconhecimento pelos públicos de interesse. Indica ainda, com base na definição de Freitas (1991), que também cultura e comunicação estão fortemente articuladas, como explica Ferrari: A cultura e a comunicação estão estreitamente relacionadas, por um lado, porque a cultura traz em si os significados compartilhados e, por outro, é necessário um grande esforço da organização para comprometer as pessoas com os valores estabelecidos como desejáveis, o que implica no uso de canais de comunicação de todos os tipos. FERRARI (2011, p. 153). Yanaze (2010 p. 415) relaciona comunicação e organização, levando em conta também os aspectos de manutenção da imagem e apoio a vendas. Mesmo assim, enfatiza que a comunicação “antes de mais nada é uma dimensão que cria e dá forma às organizações”, o que ocorre da seguinte forma: A comunicação e seus processos garantem fluxo informacional, canais constantes de alinhamento dos objetivos, interações constantes entre as várias partes de um negócio, contribuindo para a consecução dos resultados. Comunicação, sob essa perspectiva, torna-se fator central na construção de valor para as organizações e suas marcas. (YANAZE, 2010, p. 415). Ou seja, a partir da colocação de Ferrari (2011) sobre o esforço empreendido pelas organizações para transmitir os seus valores às pessoas e, considerando que a sustentabilidade pode ser entendida como um valor (Boff, 2012 apud Sodré, 2012; Veiga, 2010), então, a comunicação para a sustentabilidade não pode prescindir do contexto cultural da organização, conforme Schein: 3. Disponível em http://www2.fia.com.br/PortalFIA/Default.aspx?idPagina=27012. Acesso em 06/02/2014. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4895 A comunicação como indutora da sustentabilidade: um estudo de micro, pequenas e médias empresas brasileiras Valdete Cecato [...a cultura é um fenômeno multidimensional e multifacetado, não facilmente redutível a algumas dimensões importantes. No final, a cultura reflete o esforço do grupo para competir e aprender; é o resíduo desse processo de aprendizagem. Assim, ela não apenas preenche a função de dar estabilidade, significado e previsibilidade no presente, mas é resultado de decisões funcionalmente eficazes no passado do grupo. (SCHEIN, 2007. P. 101). A inclusão da cultura, na abordagem desse artigo, é muito conveniente porque, como veremos na seção que trata de resultados da pesquisa, a maioria dos respondentes a relacionam com o entendimento de sustentabilidade que prevalece em suas empresas. Além disso, apontam como uma das contribuições relevantes do processo de comunicação o fortalecimento dessa cultura voltada à sustentabilidade em seus empreendimentos. Voltando a Shein (2007, p. 380), outro aspecto que merece ser citado, refere-se ao papel da liderança na criação de cultura em uma organização. Referindo-se especificamente a empresas que se encontram em fase de crescimento, o estudioso afirma que os líderes ou empreendedores introduzem no seu projeto as suas “crenças-guia, modelos mentais, princípios básicos ou visões-guia [...]”. Mas, para que esses princípios passem a constituir a cultura que está sendo criada, Schein (2007) ressalta que o líder (o empreendedorfundador, no caso da amostra das MPMEs da pesquisa em questão) precisa inserir os seus próprios princípios na missão, metas, estruturas e procedimentos de trabalho e ter capacidade e condições para desenvolver a cultura, o que se dá por meio de um processo de aprendizagem. Shein (2007) utiliza também o verbo impor para definir a função do líder na construção da cultura em uma organização. No entanto, em um processo como o da sustentabilidade, que exige engajamento dos públicos, com base na credibilidade e na interação, o diálogo se sobrepõe. Para França (2011, p. 265), o diálogo é a “estratégia maior dos relacionamentos” e essencial para a construção de relações saudáveis e comprometidas com os princípios e metas da organização. O diálogo é entendido pelo autor como a capacidade que têm as partes envolvidas de ouvir e compreender pontos de vista divergentes e, por meio da negociação, chegar a um consenso. Considerando os conceitos de Sigtnitzer e Prexl (2008 apud Bortree 2011) afirma que, quando uma organização foca em sustentabilidade o seu diálogo com os stakeholders não estará apenas modificando a percepção atribuída a ela pelos seus públicos. Criará, também, engajamento e essa é uma maneira de contribuir para a sociedade por meio da comunicação para a sustentabilidade (Macedo, 2013). Essa afirmação está em consonância com Sodré (2012, p. 36). Segundo ele, comunicação e educação andam juntas e, na sustentabilidade, o processo de aprendizagem se sobrepõe à mera distribuição de informações: [...] a sustentabilidade requer uma ampla partilha do conhecimento, que não pode ser entendida como mera vulgarização de informações técnicas, ainda que caracterizada pelo gigantesco volume de dados e pela velocidade das tecnologias digitais. (SODRÉ, 2012, p. 36) O vínculo entre comunicação e sustentabilidade está presente na grande maioria das respostas dos empreendedores que participaram da pesquisa com a amostra das MPMEs, o que sugere um pensamento que articula os dois assuntos na gestão das empresas. Por outro lado, a ideia de cultura é dominante quando os empresários são Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4896 A comunicação como indutora da sustentabilidade: um estudo de micro, pequenas e médias empresas brasileiras Valdete Cecato questionados sobre o entendimento de sustentabilidade adotado nas suas organizações, o que abordaremos com mais detalhes na seção do artigo que trata dos resultados da pesquisa. Tal posicionamento indica que, no ponto de vista da maioria dos respondentes, os conceitos de comunicação, sustentabilidade e cultura estão conectados em suas empresas, em níveis de intensidade que se diferenciam de acordo com o entendimento dos empreendedores. SUSTENTABILIDADE E SEUS CONCEITOS Sustentabilidade é uma palavra que adquire múltiplos significados, mas nem todos embutem a sua real complexidade. Tal afirmação pode ser explicada, em parte, pela definição de Veiga (2010). Ele considera a sustentabilidade um valor e, exatamente por isso, cada pessoa tem o seu próprio entendimento, de acordo com suas experiências individuais. Esse fato impossibilita uma definição capaz de expressar todos os seus sentidos: A sustentabilidade não é, e nunca será, uma noção de natureza precisa, discreta, analítica ou aritmética, como qualquer positivista gostaria que fosse. Tanto quanto a ideia de democracia – entre muitas outras ideias tão fundamentais para a evolução da humanidade –, ela sempre será contraditória, pois nunca poderá ser encontrada em estado puro (VEIGA, 2010, p. 165). A compreensão do significado da sustentabilidade, em sua profundidade, tem sido prejudicada pelas práticas de greenwashing4 que, segundo Engelman (2013) contribuíram muito para a banalização do termo. No entanto, o crescimento da conscientização da sociedade sobre os seus direitos, comprometimento com a ética, preocupações com a preservação da natureza, desastres ambientais, clima, além de regulações, exigências de certificação e outros fatores estão fechando o cerco sobre as empresas. Portanto, como enfatiza Kunsch (2009), não resta às organizações outra alternativa a não ser a conscientização sobre o real significado da sustentabilidade. Para a pesquisadora, as empresas precisam entender que não se trata de um modismo e nem algo que resultará apenas em ganhos financeiros e de imagem. Envolve uma filosofia de gestão e um compromisso público de extrema relevância, que exige delas um compromisso efetivo com a sociedade: Hoje as organizações são cada vez mais instadas a superar a lógica do crescimento econômico sem propósitos claros de uma interconexão com o desenvolvimento social, a preservação ecológica e a sustentabilidade. Elas devem assumir sua responsabilidade e seu compromisso com a sociedade. Isso pode ser traduzido em uma participação efetiva de ações conjuntas com o Estado e a sociedade civil para transformar a realidade social em situações de riscos ambientais de agravamento da pobreza e da fome das populações, sobretudo daquelas que vivem à margem do progresso e são excluídas do desenvolvimento econômico e tecnológico. (KUNSCH, 2009, p. 64). 4. O termo pode ser traduzido como ‘maquiagem verde’, ou seja, propaganda enganosa que confere atributos ‘verdes’ que não existem ou não estão comprovados nos produtos, serviços ou marcas. Em 2011, o Conselho de Autorregulamentação Publicitária (Conar) estabeleceu alguns princípios para evitar que a publicidade enalteça características de sustentabilidade sem comprovação. Disponível em <http://www.akatu.org. br/Temas/Sustentabilidade/Posts/Conar-define-normas-para-combater-greenwashing-na-propaganda->. Acesso em 21/02/2015. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4897 A comunicação como indutora da sustentabilidade: um estudo de micro, pequenas e médias empresas brasileiras Valdete Cecato Um outro entendimento relaciona a sustentabilidade organizacional com a licença social para operar5. Pereira, Costa, Murad et al (2009) conferem ao conceito uma compreensão que inclui todas as ações desenvolvidas pelas empresas com o objetivo de buscar o aval da sociedade para o seu funcionamento, conforme a seguinte explicação: A sustentabilidade organizacional é o resultado do somatório da responsabilidade social, dos investimentos sociais, da gestão dos impactos sociais e ambientais, dos resultados mercadológicos, da construção de valor para o acionista e da transparência na relação com os investidores e normas de mercado (PEREIRA, COSTA, MURAD et al, 2009, P. 300). Já Kruglianskas e Pinsky (2013) dizem que, no contexto geral das empresas, os conceitos mais reconhecidos são o triple botton line (Elkington, 1998), que define a sustentabilidade como o resultado sistêmico das dimensões ambiental, social e econômica, e o Relatório Brundtland, que conceitua desenvolvimento sustentável como aquele que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras suprirem as suas próprias necessidades. Mas, para Amato Neto (2011), a visão de sustentabilidade efetivamente existe em uma empresa quando está integrada em todas as suas áreas desde a pesquisa, passando pela operação, marketing e vendas: A empresa sustentável é aquela na qual o foco das atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, da política de recursos humanos, do trabalho produtivo, das estratégias de marketing e mesmo do departamento financeiro encontram-se no horizonte da sustentabilidade (AMATO NETO. 2011, p. 10). Os pontos de vista sobre sustentabilidade, que foram expostos, mostram que há vários entendimentos e que o uso “banal” do termo, que desconsidera a sua profundidade, contribui para descaracterizar a sua importância estratégica para as empresas e para a própria sociedade como um todo. Para a pesquisa desenvolvida com as MPMEs optou-se por uma definição que fornecesse uma dimensão mais abrangente do que aquela que enxerga a sustentabilidade com mais ênfase no meio ambiente ou então no resultado financeiro da organização. Buscou-se um conceito que incluísse outras dimensões como, por exemplo, ética nos negócios, transparência, preocupação com gerações futuras, pró-atividade e iniciativas de desenvolvimento contínuo de processos de inovação e aprimoramento de suas práticas e relacionamentos. Com esse objetivo, a pesquisa baseouse no conceito de sustentabilidade adotado pela Fundação Dom Cabral (FDC) para os estudos que desenvolve sobre o estágio em que se encontram as empresas brasileiras (2012; 2014). Para esse fim, a FDC utiliza a metodologia do Boston Center of Corporate Citizenship, que considera a sustentabilidade como sinônimo de cidadania corporativa, de acordo com a seguinte explicação: A ideia da cidadania corporativa é a de que as empresas devem possuir uma conduta ética, levando em consideração os interesses das pessoas, sejam elas funcionários, fornecedores, 5. É definida pelo IBGC como “um contrato social não formalizado, onde é mantido o voto de confiança dos stakeholders com relação às operações da empresa. É obtida a partir do entendimento de como suas ações afetam os stakeholders. [...]Nesse contrato, a sociedade legitima a existência da empresa, reconhecendo suas atividades e obrigações, bem como estabelecendo limites legais para sua atuação”. Disponível em: http:// www.ibgc/userfiles/4.pdf. Acesso em 18/06/2014. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4898 A comunicação como indutora da sustentabilidade: um estudo de micro, pequenas e médias empresas brasileiras Valdete Cecato comunidade etc. Em uma perspectiva ampla, a cidadania corporativa pode ser definida como sinônimo de sustentabilidade, isto é, a busca por atividades e processos corporativos com resultados ambientais, econômicos e sociais equilibrados para todas as partes interessadas da organização. (MIRVIS, GOOGINS, 2006 apud LAURIANO, BUENO, SPITZECK, FDC,2014). Na elaboração do questionário da pesquisa, tratada nesse artigo, buscou-se também informações sobre os níveis de sustentabilidade das empresas brasileiras elaborados pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), que foram estabelecidos com base em na categorização de Willard (2005). O quadro do IBGC é composto por cinco estágios: a) pré-cumprimento legal; b) cumprimento legal; c) além do cumprimento legal; d) estratégia integrada; e) propósito e paixão. Cada uma dessas etapas corresponde a um estágio de sustentabilidade sendo o pré-cumprimento legal o mais rudimentar e o propósito e paixão o mais evoluído. A partir dessas informações e pontos de vista sobre comunicação e sustentabilidade, bem como da caracterização do segmento das MPMEs, foi elaborado o questionário da pesquisa enviada à amostra. No total, foram 21 questões estruturadas e fechadas e apenas uma questão aberta. Os empreendedores foram instigados a opinar a respeito de 97 itens relacionados ao seu negócio, comunicação, sustentabilidade e contexto geral das MPMEs. Esse modelo permitiu a captura de um grande volume de informações, que foram submetidas à análise estatística. PRINCÍPIOS METODOLÓGICOS Além de serem MPMEs, de acordo com o conceito adotado pelo IBGE e já abordado na introdução desse artigo, para integrarem a amostra da pesquisa, as empresas deveriam ser privadas, de capital nacional, visar ao lucro e se dedicarem a produtos e serviços vinculados à ideia de sustentabilidade. Em algumas, esses atributos estavam mais claramente expressos na própria base de dados6 em que foram identificadas. Em outros casos, buscou-se a confirmação dos critérios para a amostra em seus sites, notícias publicadas na imprensa (inclusive especializada) e em premiações de órgãos reconhecidos que destacam organizações com posicionamento em sustentabilidade, responsabilidade social corporativa ou cidadania corporativa. A amostra, portanto, é não probabilística e foi selecionada de acordo com critérios de intencionalidade e conveniência (Novelli, 2012). Escolheu-se esse caminho para tornar viável a pesquisa, o que ocorreu por quatro motivos: o número elevado de MPMEs em todo o Brasil, cerca de 3,6 milhões, segundo o Proced/FIA (2012), com base nas informações da Relação Anual de Informações (RAIS) do Ministério do Trabalho e Emprego; a enorme disparidade, informalidade (especialmente entre as MPEs) e diversidade 6. As bases de dados utilizadas para identificar MPMEs para a pesquisa foram: Finep - Prêmio Nacional de Inovação – Categoria Micro e Pequenas Empresas – Edições 2006-2013 –Disponível em <http://www. premiodeinovacao.com.br/>. Acesso em 10/09/2014; Centro Sebrae de Sustentabilidade. Disponível em <http://sustentabilidade.sebrae.com.br/Sustentabilidade/>. Acesso em 11/09/2014; Exame PME- 250 empresas que mais crescem no Brasil, 2014. Disponível em <http://exame.abril.com.br/pme/noticias/examepme-lista-as-250-pequenas-empresas-que-mais-crescem>. Acesso em 15/09/2014; Instituto Empreender Endeavor. 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A aplicação dos critérios às bases de dados resultou em uma amostra de 79 MPMEs e 103 destinatários, os receptores do questionário. O envio começou na segunda quinzena de novembro de 2014 e a captura das informações foi concluída em janeiro de 2015, com uma interrupção nos feriados de final de ano. Foram respondidos 42 questionários, um índice de 53,2% sendo que, dois não entraram nos cálculos finais por estarem em desacordo com os critérios do estudo. A segunda etapa da pesquisa – entrevistas em profundidade – prevê a abordagem de 20% dos respondentes do questionário considerando a proporcionalidade da sua participação, em cada região do país. A busca de dados quantitativos (por meio do questionário) e qualitativos (entrevistas em profundidade) visa tornar o estudo um instrumento que auxilie pesquisadores e os profissionais do mercado a entender as expectativas do segmento de MPMEs no que diz respeito à comunicação para a sustentabilidade. A pesquisa, em si, é de caráter exploratório porque há pouca disponibilidade de conhecimento acumulado sobre o assunto, o que gera desconhecimento e dúvidas (Sampieri, Collado e Lucio, 2006, apud Caridade, 2012). O questionário enviado foi dividido em três partes: a) dados gerais da empresa e empreendedor; b) entendimento de sustentabilidade e comunicação; c) avaliação do processo de comunicação para a sustentabilidade de sua organização. A pergunta aberta visava complementar essa questão, a mais relevante para a pesquisa, e solicitava aos respondentes as impressões finais sobre como a comunicação poderia ajudá-los no desenvolvimento sustentável de seus negócios. Mesmo não sendo obrigatória, foi respondida pela maioria dos empreendedores que aceitaram participar da pesquisa. As informações dessa questão reforçaram alguns pontos que tinham ficado evidentes nas perguntas fechadas como, por exemplo, o vínculo entre comunicação para a sustentabilidade, processo educativo/aprendizagem e formação de uma cultura voltada aos princípios sustentáveis. ALGUNS RESULTADOS DA PESQUISA Das 79 empresas que receberam o questionário, 53,2% o responderam, resultando em 42 retornos. No entanto, como afirmamos anteriormente, duas participantes não foram incluídas no estudo porque as respostas indicavam que elas possuíam um número de empregados formais acima do critério de classificação para a amostra. A maioria das respostas veio da indústria (55%), seguida do setor de serviços (30%), comércio (10%) e agronegócio (5%). Os respondentes são o presidente e/ou fundador da empresa (55,26%), seguido pelos sócios ou executivos (21,05%) e diretores (7,81%). Esses índices mostram que a participação deu-se, em sua maior parte, por meio da liderança das organizações o que era esperado devido ao porte das empresas pesquisadas e atendeu a uma meta estabelecida para o estudo. Em sua maioria, são homens (78%), cuja idade média é de 45 anos. Em relação à formação dos respondentes, mais da metade (52,3%) Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4900 A comunicação como indutora da sustentabilidade: um estudo de micro, pequenas e médias empresas brasileiras Valdete Cecato têm pós-graduação e outros 26,52% possuem curso superior completo. A média de idade das empresas que responderam o questionário é de 14,3 anos que geram, também em média, 57 empregos. O resultado tem abrangência nacional e essa era outra meta estabelecida na captação dos resultados. A grande maioria das respostas (62,5%) vieram da região Sudeste, o que era esperado, seguida do Nordeste (12,5%), Sul (10%), CentroOeste e Norte, com 7,5% cada uma. Como conclusão, pode-se aferir que o retorno da pesquisa foi representado, em sua maioria, por empresas criadas a partir do ano 2000, de pequeno porte e que vendem seus produtos ou serviços ao cliente final. Todos os entrevistados consideraram o processo de comunicação importante para a sustentabilidade da sua empresa, o que confirma a percepção de vínculo entre os dois conceitos. Em relação à forma como a comunicação é desenvolvida em suas organizações, 82,5% disseram que ela é estratégica e alinhada com os seus objetivos. Para os demais (17,5%) ela ocorre sem planejamento prévio. Essa informação é intrigante e merecerá uma abordagem mais aprofundada nas entrevistas que serão feitas na segunda etapa da pesquisa. Como a maioria das empresas é de pequeno porte, presume-se que elas não possuam comunicação estruturada e planejada. No entanto, apesar disso, a grande maioria dos participantes disse que a comunicação é estratégica e alinhada aos objetivos de seu empreendimento o que, aparentemente, pode indicar uma contradição. Uma das possibilidades é que a liderança entende a importância da comunicação e a inclui nas suas atividades, o que parece se confirmar na resposta dada pela maioria dos participantes à pergunta que busca entender quem é o responsável estratégico pela comunicação na organização. 80% disseram ser os fundadores, sócios e/ou proprietários. Questionados sobre o entendimento de sustentabilidade, que prevalece em seus empreendimentos, a maioria dos respondentes (72,5%) optou pela seguinte alternativa: uma cultura transformadora e colaborativa, cuja finalidade é mobilizar a empresa para o desenvolvimento de produtos e serviços sustentáveis, contribuindo para a preservação do meio ambiente, melhoria contínua da qualidade de vida das pessoas e garantia dos direitos das gerações futuras. Alguns apontamentos feitos por eles nas respostas à única questão aberta (e não obrigatória) do questionário evidenciam que parte considerável dos empresários e executivos que participaram da pesquisa estabelecem um vínculo entre comunicação, educação e cultura. Outros 21,05% optaram por uma estratégia de negócios que considera os pilares econômico, social e ambiental. Dois respondentes disseram que o conceito de sustentabilidade adotado visa ao posicionamento de marketing, produtos e serviços. Apenas um empreendedor escolheu a alternativa relacionada à ecoeficiência, que tem foco na redução de custos com o consumo de água, energia e outros recursos. Outro dado interessante refere-se à relevância atribuída pelos empreendedores a aspectos diretamente relacionados ao processo de comunicação. A grande maioria (81,08%) considerou muito relevante informar clientes e consumidores sobre os atributos sustentáveis de seus produtos e/ou serviços. Outros 68,42% atribuíram o mesmo grau de importância ao engajamento de funcionários e outros colaboradores, seguido da fidelização de clientes e fornecedores (63%) e atração de profissionais alinhados aos objetivos e estratégias da empresa, também 63%. No entanto, conferem menos relevância Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4901 A comunicação como indutora da sustentabilidade: um estudo de micro, pequenas e médias empresas brasileiras Valdete Cecato a ações como definição de mensagens-chave, busca de espaços qualificados na mídia e apoio à definição da política de comunicação e relacionamento da empresa. Quanto aos stakeholders considerados mais estratégicos pelos respondentes, há consenso em relação à alta relevância de funcionários, clientes e parceiros de negócios. Imprensa, ONGs e ativistas, além de entidades de classe não tem tanta importância para a amostra de empreendedores. CONSIDERAÇÕES FINAIS As informações preliminares da pesquisa indicam que a comunicação – não de forma estruturada - está muito presente no dia a dia da maioria das MPMEs pesquisadas. Mais do que espaços na mídia, os respondentes do questionário defendem um modelo de comunicação que possibilite a valorização dos atributos de sustentabilidade dos seus produtos e serviços, o que se dá por meio de um processo que inclua a disseminação de informações sobre sustentabilidade. Esse desejo está diretamente relacionado à busca de mais competitividade em relação a concorrentes que oferecem apenas a vantagem do preço mais baixo. Interessante também é que a maioria dos respondentes (66,7%) considera a autonomia dos stakeholders de emitirem sua opinião sobre a empresa nas redes sociais como uma oportunidade para a sua empresa. Outros 23,81% veem como um desafio lidar com esse cenário de mais liberdade de opinião. Apenas 7,14 entendem esse movimento de mais autonomia como uma ameaça e um índice semelhante de respondentes acha esse aspecto sem relevância para o seu negócio. A ideia é refinar essas opiniões nas entrevistas com os empreendedores mas, a princípio, esse resultado parece indicar que os participantes da pesquisa convivem muito bem com a possibilidade de seus públicos opinarem sobre a empresa, produtos ou serviços nas redes sociais. Outra sinalização, oferecida pelas informações obtidas por meio dos questionários, é o interesse dos empreendedores por um modelo de comunicação que fortaleça o processo de aprendizagem dos seus públicos sobre sustentabilidade. Para eles, está muito claro que a competitividade do seu negócio está diretamente relacionada à disseminação de informações sobre o tema. Para concluir, apesar da amostra da pesquisa não ser numericamente representativa do conjunto das MPMEs brasileiras, acreditamos que as informações captadas na pesquisa online, associadas às entrevistas e à análise posterior, apresentarão um quadro muito interessante sobre como as empresas desse segmento entendem que a comunicação pode apoiá-las na sua estratégia de desenvolvimento sustentável. REFERÊNCIAS Amato Neto, J. (2011). Os desafios da produção e do consumo sob novos padrões sociais e ambientais. In: Amato Neto, J. (Org). Sustentabilidade & Produção. (p. 1-12), São Paulo, SP: Atlas. Bortree, D. S (2011). The State of Environmental Communication: A Survey of PRSA Members, 2011. Recuperado em 04 de março de 2015, de: <http://www.prsa.org/SearchResults/ view/6D-050106/0/The_State_of_Environmental_Communication_A_Survey#.VPi8f_ldXWg>. Caridade, A. V. (2012). Estratégias corporativas para a sustentabilidade: estudos de casos múltiplos. 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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4904 Identidade e os profissionais de comunicação: aproximações teóricas entre o processo de identificação e a comunicação nas organizações Identity and the communications professionals: theoretical approaches between identification process and communication in organizations B r u n o C a r r a m e n ha 1 Resumo: A partir do estudo da prática da comunicação no âmbito das organizações por meio de pesquisa bibliográfica da área de Relações Públicas, o presente artigo pretende relacionar os conceitos de identidade e identificação, advindos da sociologia, com as posições que os profissionais de comunicação corporativa têm assumido nas organizações. Por meio de um olhar histórico, objetiva-se investigar o processo de identificação do profissional no realizar de suas atividades, seja na gestão dos processos midiáticos organizacionais ou na liderança estratégica dos departamentos de comunicação, com base nas interpelações dos executivos com quem se relaciona profissionalmente ou da própria categoria da qual faz parte. Palavras-Chave: Identidade. Identificação. Comunicação corporativa. Comunicação com empregados. Processos midiáticos. Abstract: Based on the study of communication practice within organizations through literature research of the area of Public Relations, this article aims to relate the concepts of identity and identification, arising from sociology, with the positions that corporate communication professionals have assumed in organizations. Through a historical look, the objective is to investigate the professional identification process in performing their activities, no matter if managing organizational media processes or leading strategic communication departments, based on interpolations of executives with whom they relate professionally or the own category to which they belong. Keywords: Identity. Identification process. Corporate communications. Employee communications. Media process. [...] Você diz que eu já não sou mais aquele Passa por mim e pergunta quem é ele? Como é que pode alguém deixar 1. Mestrando em Comunicação na Contemporaneidade pela Faculdade Cásper Líbero e Professor na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), ambas em São Paulo/SP. E-mail: [email protected] Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4905 Identidade e os profissionais de comunicação: aproximações teóricas entre o processo de identificação e a comunicação nas organizações Bruno Carramenha De ser aquele que já foi? Se quem já foi ainda é Enquanto vive ainda é Estou aqui pra provar que eu sou eu Vim desfazer essa dúvida cruel Pois só de te mostrar que não sou outro Eu já me sinto outro, já valeu Eu sou eu, Luiz Tatit, 1997. INTRODUÇÃO DESENVOLVIMENTO E a prática da comunicação nas empresas se confundem O com o próprio estabelecimento das estruturas organizacionais. Tomando-se por base que a comunicação é o fundamento das relações humanas (MARCHIORI, 2008), é, portanto, indispensável no funcionamento das organizações, que são “sistemas sociais e históricos, constituídos por recursos materiais e imateriais e pessoas - que se comunicam e se relacionam entre si” (NASSAR, 2009, p. 62). A partir da metade do século XX, entretanto, as organizações passaram a sentir a necessidade de gerenciar seus relacionamentos com públicos diversos e de dar conta formalmente dos processos midiáticos corporativos e, portanto, a tratar a comunicação sob uma perspectiva funcional, neste caso, tendo a necessidade de um profissional para este gerenciamento. Este profissional, por sua vez, como qualquer indivíduo contemporâneo, está sujeito às mazelas do tempo em que vive. As organizações são um “produto da história e do tempo das sociedade em que se inserem” (FREITAS, 2006, p.55) e estão, portanto, suscetíveis a sediar – e a participar ativamente - dos diversos processos aos quais os indivíduos estão sujeitos, como o processo de identificação daqueles que dela fazem parte. Apegando-se temporariamente a posições diferentes, o sujeito contemporâneo está necessariamente submetido a um processo de identificação, ora por si próprio ora pelas pessoas a sua volta. Submetida a um processo - diga-se, que nunca será acabado - a identidade do sujeito está sempre em formação, em andamento, construindo-se a partir de uma busca prioritariamente externa para completar aquilo que lhe falta internamente. Este processo tem relação, prioritariamente, com aquilo que o outro projeta sobre o indivíduo. Como afirma o sociólogo Stuart Hall, as identidades são as posições que o sujeito é obrigado assumir, embora ‘sabendo’ [...] sempre, que são representações, que a representação é sempre construída ao longo de uma falta, ao longo de uma divisão, a partir do lugar do Outro (HALL, 2014a, p.112). No contexto organizacional, está o profissional de comunicação, que precisa se afirmar em posições e representações por meio de um processo sem-fim de identificação. A partir do estudo da comunicação organizacional por meio de pesquisa bibliográfica da área de Relações Públicas (CARRAMENHA, CAPPELLANO e MANSI, 2013; FERNANDES, 2011; FERRARI, 2009; KUSCH, 2002, 2003, 2009; MARCHIORI, 2008, 2010; Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4906 Identidade e os profissionais de comunicação: aproximações teóricas entre o processo de identificação e a comunicação nas organizações Bruno Carramenha NASSAR, 2009), este artigo pretende relacionar os conceitos de identidade e identificação, advindos da sociologia (BAUMAN, 2001, 2005; HALL, 2013, 2014a, 2014b; WOODWARD, 2014), com o papel que os profissionais de comunicação corporativa têm assumido nas organizações. Acreditamos, como Ferrari (2009), que há uma confusão na prática - e, por conseguinte, no reconhecimento - da comunicação realizada nas organizações que contribuiu para uma perda de identidade da atividade. Serão avaliados os aspectos históricos do surgimento da atividade de comunicação corporativa que contribuem para a formação da identidade da categoria profissional e, igualmente, dos indivíduos que ocupam estes postos nas organizações. O olhar para a história é relevante ao passo que nos permite compreender com mais clareza a realidade contemporânea. Nas relações que se faz da atividade de comunicação corporativa com o conceito de identidade, é importante mencionar que o próprio entendimento da identidade se transforma com a história, de acordo com as concepções de sujeito (GREGOLIN, 2008). ATUAÇÃO PROFISSIONAL DA COMUNICAÇÃO E A IDENTIDADE A Comunicação vem ganhando mais relevância nas organizações do que em décadas anteriores, especialmente por conta das grandes transformações sociais e tecnológicas que emergiram (FERRARI, 2009). As principais responsabilidades da disciplina enquanto departamento organizacional, no que tange a comunicação com empregados, variam significativamente dependendo do contexto organizacional, ainda que, academicamente destaque-se o forte vínculo e contribuição para o alcance dos objetivos organizacionais, promoção de clima positivo, por meio do alinhamento entre discurso e prática e geração de engajamento (CARRAMENHA; CAPPELLANO; MANSI, 2013). Há duas perspectivas de análise da comunicação das organizações. Como um processo, a comunicação é estudada como agente de criação da realidade e do mundo social (MARCHIORI, 2008). “A organização depende da comunicação para sua sobrevivência” (MARCHIORI, 2008, p. 148). Corrobora Kunsch com essa visão quando afirma que o sistema organizacional se viabiliza graças ao sistema de comunicação nele existente, que permitirá sua contínua realimentação e sua sobrevivência. Caso contrário, entrará num processo de entropia e morte. Daí a imprescindibilidade da comunicação para uma organização social (2003, p. 69). Nesta perspectiva, a comunicação é entendida como um processo, ou seja, ela cria a realidade e o mundo social (MARCHIORI, 2008). Desta forma, independem os modelos administrativos adotados pela gestão, uma vez que a comunicação se estabelece na dinâmica do dia a dia de trabalho, nas relações internas, na construção e no compartilhamento de significados entre empregados e empresa, na criação e disseminação de regras, regulamentos, procedimentos, direitos e deveres (NASSAR, 2009), que pode acontecer nos fluxos formais ou informais2 das organizações. 2. Por fluxos formais entende-se a comunicação que se estabelece por meio dos canais institucionalizados da companhia e costuma ser disseminada verticalmente. Já os fluxos informais acontecem fora dos canais oficiais da companhia, de forma espontânea e usualmente de forma oral. (CARRAMENHA; CAPPELLANO; Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4907 Identidade e os profissionais de comunicação: aproximações teóricas entre o processo de identificação e a comunicação nas organizações Bruno Carramenha A comunicação, no entanto, também assume um caráter funcional, adquirindo um papel de servir um propósito nos processos de interação nas organizações (MARCHIORI, 2008). Neste caso, está sedimentada nos fluxos formais e tem relação direta com a gestão dos negócios. Nas organizações, comumente, este caráter funcional diz respeito ao que se atribui aos departamentos de Comunicação. A prática da comunicação corporativa de maneira mais formal está diretamente relacionada à história das Relações Públicas no Brasil3. A partir da década de 50 “surgem os primeiros e efetivos departamentos de Relações Públicas nas empresas multinacionais e nas agências de Publicidade e Propaganda” (KUNSCH, 2002, p. 121) para lidar com uma demanda latente de estabelecimento de relações formais e estruturadas entre as organizações e seus públicos. É também, nesta mesma época, que surge o conceito de “Jornalismo Empresarial”, que tratava exclusivamente da gestão dos processos midiáticos, por meio da produção de boletins institucionais e house organs. Antes disso, são poucos e sem representatividade os registros do uso funcional da comunicação nas organizações. Não é à toa que as áreas correlatas de jornalismo e publicidade e propaganda tenham sido fundamentais na formação e consolidação da prática da comunicação nas organizações, uma vez que o primeiro curso universitário de Relações Públicas surgiu em 1967, 20 anos depois da fundação da faculdade de jornalismo e 16 anos depois da primeira escola superior de propaganda (HIME, 2004; DURAND, 2006). A história ajuda a compreender a práxis. A pesquisa ‘Comunicação Interna 2012’, da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial - Aberje (2012), revela que a vasta maioria (43%) dos profissionais responsáveis pela Comunicação Interna nas organizações é formada em jornalismo. A formação em Relações Públicas está em segundo lugar, com menos da metade dos profissionais (21%), seguida, de perto, por Publicidade e Propaganda (16%). Esses dados são congruentes com pesquisa desenvolvida pela professora Maria Aparecida Ferrari (2009) em empresas da América Latina, que apontou, no Brasil, que entre as 22 empresas pesquisadas, oito delas tem um jornalista de formação na liderança do departamento de Comunicação. Três delas contam com um profissional de Relações Públicas e nas demais são profissionais de outras habilitações da comunicação, além de advogados, engenheiros, administradores, entre outros. A pesquisa de Ferrari aponta ainda que é comum a confusão que se estabelece [por parte da alta direção das organizações latino-americanas] principalmente entre as profissões de relações públicas e jornalismo, com forte predominância da segunda sobre a primeira, uma vez que existe maior clareza em relação ao fazer jornalístico (FERRARI, 2009, p. 190). A “confusão” tem outros fatores determinantes, além da formação universitária. Entre eles está a forma como o profissional se posiciona e é reconhecido na organização. MANSI, 2013). 3. O início da profissão de Relações Públicas no Brasil é reconhecido como tendo sido em 1914, com a criação do Departamento de Relações Públicas da Light, entretanto, essa experiência, apesar de pioneira, foi isolada, não ocorrendo maior crescimento nas três décadas seguintes. (KUSCH, 2002). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4908 Identidade e os profissionais de comunicação: aproximações teóricas entre o processo de identificação e a comunicação nas organizações Bruno Carramenha Uma constatação curiosa que fizemos foi a divergência entre as visões [...]. Enquanto quase a metade da amostra dos CEO’s identificava o profissional de relações públicas com a função mediática e técnica, os comunicadores, na sua maioria, afirmavam exercer sua função na dimensão estratégica (FERRARI, 2009, p. 191). Isto, acredita a pesquisadora, tem estreita relação com a realidade vivida pelo profissional de comunicação nas estruturas cada vez mais enxutas das organizações, que o forçam a desenvolver papéis altamente estratégicos e meramente operativos, por falta de recursos humanos (FERRARI, 2009). Essa “troca de papéis” a qual o profissional de comunicação está sujeito nas organizações não é exclusiva aos comunicadores. Não é, aliás, exclusiva de quem está vinculado a organizações apenas - e tampouco está fadada a acontecer apenas no interior dos muros organizacionais. O apego temporário a diferentes representações é inerente ao sujeito contemporâneo. A ruptura da antiga concepção de que as condições humanas seriam divinamente estabelecidas - apoiadas, portanto, nas tradições - causou um deslocamento do sujeito e, portanto, uma fragmentação da identidade (HALL, 2014b). As identidades que o sujeito assume se constroem por meio de práticas discursivas, a partir de um encontro entre a expectativa e interpelação alheia e os “processos que produzem subjetividades, que nos constroem como sujeitos aos quais se pode ‘falar’” (HALL, 2014a, p. 112), podendo o sujeito se reconhecer em múltiplas identidades, conforme a posição discursiva que ocupa ou a maneira pela qual é interpelado ou representado. Assim, o sujeito se vê, constantemente, obrigado a oficializar em discurso uma resposta para a pergunta “Quem sou eu?”, como se precisasse fazer essa afirmação ao outro para, de fato, ser. Afinal de contas, a essência da identidade - a resposta à pergunta “Quem sou eu?” e, mais importante ainda, a permanente credibilidade da resposta que lhe possa ser dada, qualquer que seja - não pode ser constituída senão por referência aos vínculos que conectam o eu a outras pessoas e ao pressuposto de que tais vínculos são fidedignos e gozam de estabilidade com o passar do tempo. Precisamos de relacionamentos, e de relacionamentos em que possamos servir para alguma coisa, relacionamentos aos quais possamos referir-nos no intuito de definirmos a nós mesmos (BAUMAN, 2005, p. 74). Desta maneira, a identidade não pode ser entendida como algo que emerge naturalmente do indivíduo, mas sim como um processo contínuo, de formação ao longo do tempo. Portanto, recomenda Hall que “em vez de falar da identidade como uma coisa acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em andamento” (2014b, p. 24), que, por operar por meio da différance, “envolve um trabalho discursivo, o fechamento e a marcação de fronteiras simbólicas” (2014a, p. 106). IDENTIFICAÇÃO: UM PROCESSO EM CONSTRUÇÃO No contexto organizacional, a demanda pela formalização e “funcionalização” da comunicação, por meio da gestão dos relacionamentos e dos processos midiáticos, fez surgir uma nova categoria de profissionais de comunicação corporativa, que assumiram a tarefa de liderar a área de Comunicação para a consecução dos seus objetivos. Dentro das organizações, estes profissionais, como tantos outros, estão sujeitos à dinâmica Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4909 Identidade e os profissionais de comunicação: aproximações teóricas entre o processo de identificação e a comunicação nas organizações Bruno Carramenha contemporânea que o trabalho assume na sociedade, e, igualmente, ao processo de identificação, advindo das interpelações que acontecem dentro e fora do ambiente organizacional, e que gera a fragmentação identitária. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas (HALL, 2014b, p. 12). O processo de identificação do indivíduo se dá, muitas vezes, com grupos sociais que se faz - ou quer fazer - parte, a procura de um “nós” a que possa pedir acesso (BAUMAN, 2005). Assim,Woodward (2014) defende que o sujeito atenderá sempre às diferentes expectativas e restrições envolvidas nos campos sociais nos quais atua, especialmente em face à complexidade da vida moderna, que exige dele assumir diferentes identidades. Os indivíduos vivem no interior de um grande número de diferentes instituições, que constituem aquilo que Pierre Bourdieu chama de ‘campos sociais’, tais como famílias, os grupos de colegas, as instituições educacionais, os grupos de trabalho ou partidos políticos. Nós participamos dessas instituições ou ‘campos sociais’, exercendo graus variados de escolha e autonomia, mas cada um deles tem um contexto material e, na verdade, um espaço e um lugar, bem como um conjunto de recursos simbólicos (WOODWARD, 2014, p. 30). No contexto social contemporâneo, em que o trabalho assume cada vez mais importância na vida dos indivíduos, a representação de “trabalhador” ganha lugar de destaque entre os papéis assumidos pelo sujeito (JAQUES, 1996), uma vez que as organizações assumem posição relevante entre os grupos com os quais se quer identificar. Apesar da realidade descrita por Bauman (2005), cuja tendência é de formação de grupos que são “frágeis ‘totalidades virtuais’, em que é fácil entrar e ser abandonado” (BAUMAN, 2005, p.31), as organizações tendem a oferecer mais segurança e estabilidade nesse sentido, e passam, portanto, a se apresentar como “produtoras de identidades sociais” (FREITAS, 2006, p.58). Hoje, frente ao esfalecimento do Estado [...], qual o discurso de relevância que resta ao sujeito? Diante da anemia coletiva proveniente de toda esta perturbação dos processos anteriormente possíveis de identificação, fica fácil para que o discurso das grandes corporações construa um novo imaginário coletivo. Seu pleno potencial identitário mostra-se capaz uma vez que as corporações produzem um sentido para existência do sujeito - além de conseguir tangibilizar tal narrativa em seus produtos ou serviços, de forma palpável. Hoje, é com grande facilidade que nota-se o valor do ‘sobrenome corporativo’ (CAPPELLANO, 2014, p. 41). Assim, é comum que, quando interpelado pela questão “Quem é você?”, o sujeito responda seu nome seguido da empresa em que trabalha. Como afirma Freitas (2006), as significações imaginárias sociais tornam central a função da identidade, do reconhecimento e do pertencimento sociais. Essa função, antes preenchida pelo social, parece agora deslocar-se para as organizações e empresas, onde a carreira ou o status profissional torna-se a grande referência da identidade social que vai falar mais alto no psiquismo dos indivíduos (FREITAS, 2006, p.59). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4910 Identidade e os profissionais de comunicação: aproximações teóricas entre o processo de identificação e a comunicação nas organizações Bruno Carramenha Adicionalmente, Silva (2014) afirma que é a criação linguística que define, ativamente, no contexto das relações culturais e sociais, a identidade. Referenciando Ferdinand de Saussure, Silva defende que a língua é um sistema de diferenças. É por meio da linguagem que o indivíduo é colocado em uma cadeia infinita de conceitos que o permite identificar que uma palavra se refere a seu significado e, portanto, nega todos os outros possíveis (SILVA, 2014). Ainda assim, o significado daquilo que se produz na linguagem é instável e pode gerar interpretações diferentes da desejada, apesar do esforço natural de se fazer entender perfeitamente sempre que se fala. A língua precede o sujeito, portanto, a ordem natural é de que este se adapte àquela. É submetido às regras da língua e dos sistemas culturais que se pode produzir significados, que surgem “nas relações de similaridade e diferença que as palavras têm com as outras no interior do código da língua” (HALL, 2014b, p. 25). Neste sentido, sendo a língua um sistema social e não individual, o processo de identificação é uma relação social e está submetido às relações de poder4 (SILVA, 2014). As posições que os sujeitos assumem nos processos de identificação não são, portanto, necessariamente individuais. Há recorrentes posições-de-sujeito que estão vinculadas a grupos de maior ou menor envergadura, mas que estabelecem, igualmente, seus limites por meio da identidade e da diferença. “Nós somos ‘nós’ porque não somos ‘eles’”. Neste caso, coletivo, evidenciam-se claramente as relações de poder, pois, presume-se uma classificação entre quem faz e quem não faz parte. Surgem, por conseguinte, práticas coletivas que estabelecem um sistema de significações para ações e linguagens próprias, que passam a identificar e definir características de reconhecimento a estes grupos e os indivíduos que deles fazem parte. Neste sentido, Freitas (2006) afirma que a identidade, por não ser fixa, depende do seu ponto de definição, podendo estar relacionada ao indivíduo, a um grupo ou à sociedade em geral. Um sujeito tem diversas identidades, e o conjunto delas lhe permite experimentar um sentimento de identidade, visto que não existe identidade sem esse sentimento interno. Este é composto dos sentidos de unidade, de singularidade, de coerência, de filiação ou pertencimento, de valor, de autonomia e confiança, organizados em torno de uma vontade de existência (FREITAS, 2006, p. 40). É reconhecendo-se nesses grupos que o indivíduo se insere num sistema cultural, que garantirá o compartilhamento de significados às representações próprias daquele ambiente. “Todo grupo acaba desenvolvendo seu próprio ‘código’, pelo qual tudo pode ser compreendido por meias palavras ou mesmo pelo silêncio” (FREITAS, 2006, p. 31). O PROCESSO DE IDENTIFICAÇÃO DO PROFISSIONAL DE COMUNICAÇÃO Sendo o processo de identificação contínuo e inerente ao indivíduo ao longo de sua vida, independentemente da posição que esteja ocupando, não importa a posição-de-sujeito, nunca haverá uma em que se deseje (ou possa) fixar. Em se tratando da identificação com as organizações, a fragmentação da identidade se fortalece nos programas de 4. Segundo Silva, as marcas da presença do poder são “incluir/excluir (‘estes pertencem, aqueles não’); demarcar fronteiras (‘nós’ e ‘eles’); classificar (‘bons e maus’; ‘puros e impuros’; ‘desenvolvidos e primitivos’; ‘racionais e irracionais’); normalizar (‘nós somos normais; eles são anormais’)” (2014, p.81-82). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4911 Identidade e os profissionais de comunicação: aproximações teóricas entre o processo de identificação e a comunicação nas organizações Bruno Carramenha “flexibilidade” de trabalho recentemente adotados pelas empresas, tendência que vem aumentando a quantidade de contratos de emprego de curto prazo5. Adicionalmente, segundo Bauman, “um jovem americano com nível médio de educação espera mudar de emprego 11 vezes durante sua vida de trabalho” (2001, p.185), o que evidencia a temporalidade da identidade que a corporação lhe confere. Ao atuar em um cargo cujas responsabilidades e atribuições não são extremamente claras nem aos executivos do mais alto escalão das organizações (FERRARI, 2009), o profissional de comunicação tem acentuado seu processo de identificação, ao precisar se apegar às diferentes interpelações que lhe são postas acerca do trabalho que realiza. Ou seja, adicionalmente ao processo contínuo e natural de identificação do sujeito contemporâneo, o profissional de comunicação corporativa padece também da confusão de seus interlocutores - e, por vezes, sua também - a respeito do trabalho que desempenha. A comunicação foi e ainda é confundida pela alta direção na medida em que muitos executivos não a veem como um processo contínuo e permanente de construção de sentidos e significados que se traduzem em percepções e opiniões da sociedade para as organizações. As entrevistas por nós realizadas com os CEOs de empresas mostram que a visão deles está centrada na comunicação vista como ‘instrumento’ e como ‘meio’ tangível para conseguirem benefícios concretos para seus negócios (FERRARI, 2009, p.155). Segundo a autora, a história da comunicação ajuda a explicar a realidade vivida pelo profissional nas organizações. “Uma das razões dessa situação parece ter origem no consenso entre os primeiros pesquisadores de que o campo da comunicação teria uma estreita vinculação com os meios massivos de informação” (FERRARI, 2009, p.155). Concorda com a afirmação Mansi ao dizer que A comunicação com empregados é um espaço relativamente recente dentro do campo da comunicação organizacional que, por sua vez, também não carrega muitas décadas de existência. Ambas têm sua origem na prática. Talvez resida aí uma característica muito marcante da função: seu aspecto instrumental (MANSI, 2014, p.10). Fernandes atribui tal característica à relação (ou à falta dela) entre academia e mercado. A universidade brasileira fundamenta relações públicas na vertente humanista administrativa; em contrapartida, o mercado segue a escola norte-americana e caminha no mesmo sentido de direção. [...] A universidade comete o pecado capital de buscar incessantemente sua integração com o mercado, que não dá a menor importância aos fundamentos teóricos ministrados por ela. Apesar de todos os esforços, não existe nenhuma ponte entre o ensino e a prática de relações públicas, pois os próprios alunos se curvam ao imperialismo do mercado, abandonando os princípios e fundamentos aprendidos na universidade. E, por razões inexplicáveis, ao deixarem a universidade, recomeçam o aprendizado submetendo se às regras e práticas impostas por ele (FERNANDES, 2011, p. 46-47). 5. Para Bauman (2001), o termo ‘flexibilidade’ “quando aplicado ao mercado de trabalho augura um fim do ‘emprego como conhecemos’, anunciando em seu lugar o advento do trabalho por contratos de curto prazo, ou sem contratos, posições sem cobertura previdenciária, mas com cláusulas ‘até nova ordem’” (BAUMAN, 2001, p.185). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4912 Identidade e os profissionais de comunicação: aproximações teóricas entre o processo de identificação e a comunicação nas organizações Bruno Carramenha Não havendo clareza no mercado sobre a atividade principal a qual o profissional de comunicação deve responder, a categoria como um todo se fragmenta e, portanto, enfraquece. A pesquisa da Aberje (2012) mostra que vem diminuindo a quantidade de empregados que trabalham em comunicação interna nas organizações pesquisadas. A reflexão proposta por Fernandes (2011) dá pistas sobre os motivos deste enfraquecimento da prática da comunicação que se observa nas organizações. A profissão de relações públicas se estabeleceu no fim da década de 60 para dar conta da demanda de comunicação corporativa que o mercado vinha apresentando há pelo menos 20 anos. Neste período sem um profissional de formação específica e sem regulamentação da atividade profissional, jornalistas, publicitários e outros profissionais assumiram este posto nas organizações. Praticamente desde sua formalização, as relações públicas, enquanto categoria profissional, passaram reivindicando um espaço exclusivo no gerenciamento da comunicação das organizações, sem - aparentemente - reconhecer que a demanda empresarial não está vinculada à formação acadêmica. Dividida, a categoria dos profissionais de relações públicas experiencia, há anos, uma polarização sobre a regulamentação da profissão. Há, entre esses profissionais, aqueles que defendem uma maior fiscalização nas organizações para garantir uma reserva de mercado - no desenvolvimento da comunicação corporativa – a quem se formar nos cursos de graduação em relações públicas. Do outro lado, há um grupo de profissionais que argumenta que esta regulamentação, por não refletir a realidade do mercado de trabalho, deveria ser flexibilizada, para valorizar, desta maneira, a atuação efetiva das relações públicas, enquanto disciplina organizacional, para além da formação universitária. Neste embate entre proposição acadêmica e práxis, a atividade de comunicação organizacional tem dificuldade de se sedimentar, ainda mais na realidade contemporânea fragmentada. É, então, em muitos casos, relegada a uma categoria profissional que Robert Reich (apud BAUMAN, 2001) chama de “trabalhadores de rotina”. Hoje em dia tendem a ser as partes mais dispensáveis, disponíveis e trocáveis do sistema econômico. Em seus requisitos de emprego não constam nem habilidades particulares, nem a arte da interação social com clientes - e assim são as mais fáceis de substituir; têm poucas qualidades especiais que poderiam inspirar seus empregadores a desejar mantê-los a todo custo; controlam, se tanto, apenas parte residual e negligencial do poder de barganha (BAUMAN, 2001, p.191). Paradoxalmente, este profissional, com acentuada dificuldade no processo de identificação e frequente designação meramente técnica e operativa, comumente se responsabiliza pela construção do discurso organizacional. A ele é designada a responsabilidade de produzir ou decodificar os interesses corporativos e encontrar formas assertivas de transmiti-lo adequada e coerentemente aos empregados da organização a qual está vinculado. O trabalho do profissional que responde pela área de comunicação, portanto, abrange a tarefa de auxiliar o processo de identificação dos demais empregados da organização, uma vez que o discurso adotado nos processos midiáticos organizacionais faz o papel do Outro, em nome da empresa, na construção da identidade de todos aqueles que trabalham para uma organização. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4913 Identidade e os profissionais de comunicação: aproximações teóricas entre o processo de identificação e a comunicação nas organizações Bruno Carramenha CONSIDERAÇÕES FINAIS A sociedade está se transformando em uma velocidade nunca antes vista. Não há na história período de mudança nas relações sociais tão significativas que tenha acontecido em tão pouco tempo quanto na sociedade contemporânea. Indivíduos inseridos em uma sociedade em transformação são afetados por essas mudanças, ao mesmo tempo em que são responsáveis por elas. Buscam incessantemente se reconhecer em diferentes representações, que os posicionem em consonância com grupos aos quais fazem (ou querem fazer) parte. Com o presente artigo buscou-se investigar como os profissionais de comunicação nas empresas se submetem aos processos de identificação e em quais instâncias a confusão de sua atuação na práxis profissional pode afetar seu processo de reconhecimento e identificação em determinados sistemas sociais. É no realizar da sua atividade que o profissional está construindo sua identidade - e a da categoria como um todo. As posições a que se apega durante sua atuação terão contribuição direta para aquelas que surgirão em seguida, seja na organização em que atua ou nas próximas que potencialmente atuará. As referências bibliográficas e estudos realizados pelos autores aqui citados contribuíram para esta reflexão que perpassa pelo próprio reconhecimento da atividade de comunicação corporativa e da categoria de relações públicas pelo mercado. A confusão aqui mencionada, evidenciada pelas pesquisas de Ferrari (2009), é apenas um reflexo de um processo histórico da atividade. Com este artigo, abre-se, ainda, a possibilidade de outra reflexão a respeito do discurso organizacional que está sendo transmitido aos empregados. Teria o profissional de comunicação - ou o processo de comunicação corporativa como um todo - parte representativa de responsabilidade pela alta rotatividade de emprego observada na contemporaneidade? A reflexão a este tema cria espaço para um novo artigo acadêmico que passe pelas ideias paradoxais de, por um lado, as organizações terem assumido um papel relevante, enquanto instituições sociais, nos processos de identificação do sujeito contemporâneo e, por outro, a acentuada mobilidade de emprego de trabalhadores das mais diversas áreas, eventualmente como uma forma de “evitar frustração iminente [...], uma reação natural à ‘flexibilidade’ do mercado de trabalho” (BAUMAN, 2001, p. 191). REFERÊNCIAS ABERJE, Associação Brasileira de Comunicação Empresarial,. (2012). 4ª Pesquisa comunicação interna. São Paulo: ABERJE. Retrieved from http://www.aberje.com.br/pesquisa/ PesquisaComunicacaoInterna2012.pdf Baldissera, R. (2010). A complexidade dos processos comunicacionais e interação nas organizações. In M. Marchiori, Faces da cultura e da comunicação organizacional. vol. 2 (1st ed.). São Caetano do Sul, SP: Difusão. Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar. 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Nesse sentido, num primeiro momento, propomos identificar práticas organizacionais de controle da expressão e do discurso dos trabalhadores de modo a compreender como são desenhados os espaços de expressão individual e como os direitos individuais, no caso a liberdade de expressão, são significados. Pretende-se assim recuperar pelo delineamento do sistema de interdições a rede argumentativa que dá sustentação à formação discursiva sobre a liberdade de expressão e a censura no discurso das organizações. Num segundo momento, buscamos identificar como a liberdade de expressão e as práticas de interdição são significadas pelos sujeitos trabalhadores. Espera-se, portanto, avaliar como este direito individual, consagrado constitucionalmente, é significado e vivenciado em ambientes de restrição ou controle simbólico. Palavras-Chave: Liberdade de expressão. Trabalho. Comunicação. Abstract: This work aims to explore the tense relationship between individuals and business organizations with regards to the limitations imposed on individual expression. To this end, we propose a research aiming to examine the discursive boundaries between freedom of expression and censorship, and the interdiction practices mapping that establish a symbolic restriction in such places. In this sense, at first, we propose to identify organizational practices controlling the expression and speech of workers in order to understand how the spaces for individual expression are designed and how individual rights, specifically freedom of expression, are meant. The aim is to recover, via the design of the interdiction system, the argumentative network that supports the discursive formation on freedom of expression and censorship in organizational discourse. Subsequently, we seek to identify how freedom of expression and interdiction practices are meant by individual workers. Therefore, it is expected to evaluate how this individual right, constitutionally consecrated, is experienced and meant in restrictive and symbolic controlled environments. Keywords: Freedom of expression. Work. Communication 1. Doutor em Linguística, Pós-doutorando ECA-USP, professor da Unip e da Faculdade de Tecnologia Termomecania [email protected] Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4917 Limites e possibilidades da liberdade de expressão no mundo do trabalho Fernando Felício Pachi Filho INTRODUÇÃO AMADURECIMENTO DOS estudos sobre a liberdade de expressão e a censura no O Brasil demonstra a necessidade de alargar a reflexão para outros campos além da relação do Estado com as artes e os meios de comunicação. Propõe-se neste momento, portanto, avançar na discussão sobre as interdições postas na contemporaneidade num cenário em que a censura não integra mais o arcabouço constitucional do País. De certo modo, isso significa que a prática da censura arraigou-se nas mais diversas relações sociais ao longo da história e migrou para outras instâncias, tendo aparentemente se naturalizado e se sofisticado. Guimarães e Lima (2013) afirmam que a longa história colonial e a fundação de um Estado nacional autocrático, assentado na escravidão, na cultura patriarcal e nos privilégios patrimonialistas, deixou como herança ao longo de nossa formação a ´cultura do silêncio´ao invés da participação ativa dos cidadãos em uma opinião pública democrática. Como afirma Carvalho (2001, p. 219), permanece uma sensação ´desconfortável de incompletude´, ainda que a democracia seja proclamada como um valor nos meios políticos e amplas esferas da sociedade. Ferin (2014, p. 12) explica que o cenário contemporâneo demonstra constragimentos à democracia e ao exercício da liberdade de expressão. Há aumento das tentativas dos governos controlarem a informação, resultado de sua crescente fragilidade perante o poder econômico e financeiro; práticas de autocensura decorrentes do desemprego e do aumento da insegurança no trabalho. Bobbio (1997) também alerta para o fato de que numa sociedade tecnocrática o problema da liberdade não nasce no interior do sistema político, mas no sistema social em seu conjunto. Nesse sentido, as preocupações dos pesquisadores se deslocam progressivamente para a observação de outros espaços sociais e novas linhas de pesquisa se abrem para a compreensão da difusão e dispersão das práticas de interdição em ambientes variados. Uma delas, à qual nos filiamos, é a que visa investigar a censura no mundo do trabalho, tema de difícil apreensão dado o silenciamento a que está submetido e a pouca visibilidade de casos que evidenciem a prática da censura. A temática proposta também nasce das observações já realizadas pelo Centro de Pesquisa Comunicação e Trabalho (CPCT) da Escola de Comunicações e Artes, que direciona seus esforços para a compreensão das redes de sentido que se formam e se transformam no mundo trabalho num cenário socioeconômico instável e de mudanças aceleradas em suas condições de produção. Neste ponto, cabe observar, portanto, que ainda nos carecem mapeamento e definição das possibilidades de liberdade de expressão e de práticas de censura no trabalho, devido ao debate ainda incipiente entre os pesquisadores, que, ao observar a censura, centraram seus esforços a partir do ponto de vista das relações com o Estado2. Neste trabalho, apresentamos reflexões iniciais sobre a liberdade de expressão no mundo do trabalho em pesquisa de pós-doutorado recentemente iniciada. 2. Neste contexto, destacam-se os estudos de Figaro (2014), sobre vigilância e controle à comunicação no mundo do trabalho, e de Barry (2007), sobre liberdade de expressão no ambiente de trabalho, nos quais nos apoiamos para esta reflexão inicial. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4918 Limites e possibilidades da liberdade de expressão no mundo do trabalho Fernando Felício Pachi Filho OS ESTUDOS SOBRE LIBERDADE Toda a tradição dos estudos sobre liberdade deriva de perspectivas filosóficas desenhadas ao longo da história desde a Antiguidade, indubitavelmente formadoras do arcabouço conceitual da política ocidental, mas precariamente adaptadas para a compreensão de situações como as de trabalho. Tais estudos (BOBBIO, 1997; LIMA, 2013) demonstram a existência de duas vertentes para a compreensão da liberdade: os que enfatizam a liberdade negativa e aqueles que defendem a liberdade positiva. Dessa forma, a liberdade negativa3, liberal ou dos modernos (CONSTANT, 1985) corresponde à situação na qual os indíviduos podem agir sem serem impedidos, ou de não agir sem serem obrigados por outros. Nesta tradição, definida a partir do século 17 na Inglaterra, defende-se o indivíduo como pessoa que tem valor em si contra a intromissão de entes coletivos, como o Estado e a Igreja . A liberdade positiva4 ou republicana, por sua vez, corresponde à situação em que os sujeitos têm a possibilidade de tomar decisões e agir conforme sua própria vontade, sem ser determinado pelo querer de outros sujeitos, ou seja, a liberdade positiva pode ser compreendida como autodeterminação ou autonomia. Ela se relaciona à vida ativa, ao livre arbítrio, à participação na vida pública e ao autogoverno. Neste caso, a liberdade é atribuída a uma vontade coletiva, ou seja, há uma autodeterminação do grupo social do qual o indivíduo faz parte. Assim, nosso desafio é formar um referencial teórico adequado para observação, análise e interpretação das manifestações de liberdade de expressão e censura no ambiente de trabalho e constituir uma base empírica para a pesquisa. UM SISTEMA DE RESTRIÇÕES Foucault (2005, p.9) nos ensina que em ´toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seus acontecimentos aleatórios, esquivar sua pesada e temível materialidade´. Este mesmo autor propõe ainda que a vida está sob intensa supervisão, sendo que a sociedade normalizadora é ´o ´efeito histórico de uma tecnologia de poder centrada na vida´ (FOUCAULT, 1997, p. 135). Deleuze (1992) centra suas análises também na questão do controle, afirmando que o sujeito é continuamente modulado e investido. Para Orlandi (1992, p. 132), a censura busca impedir que haja elaboração histórica dos sentidos e movimento no trabalho de identificação dos sujeitos. Conforme afirma Gomes (2014, p. 49), o intento de controle caminha em linha fronteiriça com a censura: ´num piscar de olhos aquilo que é norteamento se torna interdição´. Mas antes de apropriarmo-nos do termo censura e categorizá-lo como prática instituída ou difusa nas organizações, com o intuito de silenciar ou apagar a expressão dos trabalhadores sem questionar sua abrangência semântico-discursiva, acreditamos ser necessário observar o funcionamento de práticas discursivas. O pensamento destes autores nos leva a um questionamento sobre os limites que se estabelecem entre liberdade de expressão, controle e censura, como se houvesse uma escala a ser observada e problematizada do ponto de vista social e discursivo na 3. A liberdade negativa é defendida por filósofos como Hobbes, Locke, Constant, Mill e Berlin (BOBBIO, 1997). 4. Filósofos como Rousseau, Kant e Hegel se associam à definição de liberdade positiva (BOBBIO, 1997). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4919 Limites e possibilidades da liberdade de expressão no mundo do trabalho Fernando Felício Pachi Filho tensa relação entre indivíduos e instituições e no conflito inerente à relação capital e trabalho. Falar de liberdade de expressão e censura no trabalho significa encontrar um ponto de intersecção entre trabalho, economia, democracia e sociedade (BARRY, 2007). Segundo este autor, as relações entre liberdade de expressão e trabalho ainda não foram suficientemente exploradas, sendo que as poucas análises se restringem a limitar o foco em fala no trabalho e fala sobre o trabalho. Por essa razão, ele propõe outras entradas para a análise que incluam variáveis como expressão que ocorre dentro e fora do trabalho, no horário e fora do horário de trabalho, na comunicação com colegas e com o público externo, falas sobre a organização de tópicos variados, falas para um grupo restrito de ouvintes ou para audiências mais amplas, com uso de veículos de comunicação e a expressão regulada pelas organizações. Num momento histórico em que a liberdade de expressão está consagrada em termos jurídicos e que as possibilidades de expressão são redimensionadas pelas tecnologias digitais devido à ampliação de espaços, como os limites são desenhados em relação a este direito fundamental? Paralelamente, amplia-se o controle das organizações sobre a expressão dos indivíduos e de suas ações. Como este direito individual é tratado e vivenciado num ambiente de restrições progressivas? Como o direito de se expressar e ser ouvido é assegurado? Questões como estas norteiam nossas preocupações. Nesta pesquisa, porém, nos propomos num primeiro momento a um mapeamento sobre as práticas de liberdade de expressão, controle e interdição existentes em organizações empresariais. Figaro (2014) explica que o controle, a vigilância e a interdição da comunicação no mundo do trabalho fazem parte das lógicas produtivas que têm como objetivo disciplinar e impedir a criação de uma cultura própria do trabalho. Neste aspecto, portanto, nos perguntamos: como se constrói o sistema de interdições que inibe a expressão dos trabalhadores? Em que valores e formações discursivas ele se baseia? O que é proibido e por quê? Que tópicos são autorizados e quais são controlados ou proibidos? Temos em mente que ao falar de censura e liberdade de expressão o que está em jogo é o uso da linguagem, seja ela verbal ou não. Nesse sentido, a análise das práticas organizacionais de controle da expressão e do discurso dos trabalhadores nos permite compreender como são desenhados os espaços de expressão individual e como os direitos individuais, no caso a liberdade de expressão, são significados. Pretende-se assim recuperar pelo mapeamento do sistema de interdições a rede argumentativa que dá sustentação à formação discursiva sobre a liberdade de expressão e a censura, permitindo uma tomada de posição5 de defesa dessas práticas por parte das organizações. Além disso, será possível indentificar o funcionamento destes dispositivos (FOUCAULT, 2006; AGAMBEN, 2009) na produção de subjetividades. 5. ´ Tomada de posição´ refere-se ao que Pêcheux (2002, p. 57) demonstra ser um momento de interpretação, passível de ser descrito regularmente em montagens discursivas, e correspondentes a efeitos de identificação assumidos e não negados. Desse modo, estas tomadas de posição deslocam saberes, reconfiguram formações discursivas (FD) e alteram posiçoes identitárias dos sujeitos, num rearranjo constante. O espaço de memória, configurado nestas tomadas de posição, são atravessados por divisões heterogêneas, rupturas e contradições (PÊCHEUX 2001, p. 317). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4920 Limites e possibilidades da liberdade de expressão no mundo do trabalho Fernando Felício Pachi Filho A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA O contexto empresarial é marcado pela reestruturação produtiva em escala global com predominância do toyotismo, das práticas de administração científica em busca de maior produtividade, pelo aumento do uso de tecnologias de informação e comunicação, num panorama que acirra a competitividade (SANTOS, 2000), acentuando o desemprego estrutural e tecnológico e intensificando os processos de trabalho. Desenvolvem-se ainda estratégias de gerenciamento que objetivam a mobilização permanente da força de trabalho, a cooperação constrangida, a administração por metas, a qualidade total (ANTUNES, 2002; 2005) e uma governança em prol de uma ´relação equilibrada e transparente´ com stakeholders6 (FREEMAN;MCVEA, 2000; DONALDSON;PRESTON, 1995), pautada por compromissos e resultados. Em linhas gerais, tem-se novas maneiras de organização do tempo, sobretudo o tempo do trabalho (SENNETT, 2005). Busca-se ainda uma proteção e diferenciação de marcas, cenário em que a comunicação é instrumentalizada para alinhamento dos propósitos organizacionais e para a construção de estratégias que contribuam para a reputação das empresas (TORQUATO, 2002; LUCAS, 2004), que em seu discurso institucional tentam inibir a força de acontecimentos e produzir interpretações sobre um eixo já sintetizado que constrói um mundo semanticamente normal (PÊCHEUX, 2002, p. 34) e que gera o efeito de um sentido único. Assim, a fala dos trabalhadores se relaciona à proteção que as empresas exercem de suas marcas (BARRY, 2007). Ao mesmo tempo, as organizações são afetadas por uma discursividade que busca reinterpretar os conflitos derivados da lógica capitalista. A empresa flexível consagra o trabalho em equipe, exige sensibilidade para com o outro, o diálogo e capacidade de resolução de conflitos. Nesse sentido, destacam-se os discursos sobre qualidade de vida no trabalho, sobre responsabilidade social empresarial, sobre sustentabilidade e ética empresarial, que apagam as complexas interações sociais, despolitizando a questão social (DUPAS,2003) e tornando o envolvimento comunitário de empresas valor de marketing. IMPACTOS NO MUNDO DO TRABALHO Para a classe que vive do trabalho, explica Antunes (2002; 2005), tais desdobramentos limitam sua ação, precarizando suas condições de trabalho e aumentando a insegurança quanto ao futuro do emprego. Assim, na visão de Antunes (2002), impõe-se uma lógica desprovida de medida e de ´um quadro de orientação humana´ que inibe reivindiçações emancipatórias. Adicione-se a isso o fato de que o tempo livre é manipulado, dedicado ao consumo, em suas várias formas, e uma vida plena de sentido não pode ser vivenciada, havendo ainda uma aparência de liberdade individual. As incertezas geradas pelo contexto contemporâneo de flexibilização das formas de trabalho apagam o horizonte de longo prazo, corroendo a confiança, a lealdade e o compromisso mútuo (SENNETT, 2005, p. 24), afetando ainda a vida emocional dos indivíduos fora do local de trabalho. As mudanças em curso, portanto, impactam a subjetividade dos trabalhadores, sua percepção social, seus valores e ideologia e, hipoteticamente, têm decorrências na sua liberdade de expressão. Neste cenário, Barry (2009) argumenta que há um clima hostil 6. De acordo com Freeman (1984) o termo stakeholder é definido como “qualquer grupo ou indivíduo que afeta ou é afetado pelo alcance dos objetivos da empresa” Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4921 Limites e possibilidades da liberdade de expressão no mundo do trabalho Fernando Felício Pachi Filho para a liberdade de expressão de empregados que temem as consequências de seus atos de fala. Podemos observar que o panorama desenhado no discurso das Ciências Sociais aponta para restrições progressivas da liberdade e em alterações da subjetividade do trabalhador como ser social, ainda que não haja uma exploração mais atenta dos significados de liberdade de expressão e censura produzidos pelos sujeitos, segundo aspecto de nossa pesquisa. Ainda assim, é no trabalho e por meio do trabalho que os sujeitos elaboram um sentido comum, uma experiência coletiva e uma compreensão comum da vida social e constroem suas identidades sociais (ROSENFIELD, 2009), obtendo reconhecimento material e simbólico que contribuem para a realização pessoal (DUBAR, 2004). Mantêm-se no trabalho laços sociais que fundamentam a sociedade civil. O trabalho é um espaço constituinte da individualidade desse trabalhador e fundamento para que o indivíduo se realize como ser social e para sua humanização (ANTUNES, 2002). Na atividade de trabalho, os sujeitos constituem para si universos de pensamento e discurso estruturados e transformados coletivamente. (SCHWARTZ, Y.; DURRIVE, L., 2010, p. 174). Figaro (2014) explica que o mundo do trabalho é um espaço de sociabilidade, em que pessoas de diferentes níveis e profissões se articulam para realizar um trabalho comum que inclui regras, técnicas, processos, métodos, sendo a síntese das contradições e conflitos da sociedade. Na concepção desta autora, o mundo do trabalho se alinha aos interesses públicos e à liberdade de expressão, que, neste caso, não pode ser considerada propriedade de ninguém, apesar de as empresas impedirem a existência de enunciadores autônomos. Como ensina Bobbio (1997), ao abordar o tema dos problemas atuais da liberdade, a não liberdade nasce continuamente no próprio seio da liberdade e a liberdade renasce continuamente no próprio seio da não liberdade. Assim, à medida que aumentam as formas de domínio, mais se fortalecem as defesas da liberdade. Nesse sentido, nos explica Pêcheux (1997, p. 304) que ´não há dominação sem resistência: primado prático da luta de classes, que significa que é preciso ´ousar se revoltar` e também que ´apreender até seu limite máximo a interpelação ideológica como ritual supõe reconhecer que não há ritual sem falhas; enfraquecimento e brechas, ‘uma palavra por outra’ é a definição de metáfora, mas é também o ponto em que o ritual se estilhaça no lapso´ (1997, p. 300-301). Ora, se o contexto atual compromete a margem de manobra e de negociação da classe trabalhadora, alterando sua subjetividade, cabe o questionamento de como, submetido a um fluxo de trabalho e informações intensos, o trabalhador constrói significados para a liberdade de expressão ou negocia sentidos para ´escapar´ dos processos de controle inerentes à administração contemporânea, instaurando uma resistência subjetiva ou deslocando sua expressão para outros espaços sociais. Como este sujeito resiste em seu cotidiano às diversas regras que limitam sua expressão? Que táticas (CERTEAU, 1994)7 utiliza para resistir às estratégias organizacionais e ressignificá-las? Ou ainda como se constrói a adesão ao discurso e às práticas de interdição hegemônicas propostas pelas organizações, por vezes, reafirmadas nas falas do sujeito? 7. No pensamento de Certeau, a estratégia se associa aos espaços do poder legitimado. A tática, por sua vez, se refere ao modo de ação para aguentar ordens e regras, sendo a a arte dos ´fracos´ para resistir e iludir o poder. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4922 Limites e possibilidades da liberdade de expressão no mundo do trabalho Fernando Felício Pachi Filho PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O caráter exploratório desta pesquisa e sua inserção no amplo domínio dos estudos da Comunicação nos impõe um duplo desafio. Primeiramente, por ser exploratória, esta pesquisa necessita da formação de um referencial teórico disperso na Filosofia Política e nas Ciências Sociais. Além disso, tendo sua centralidade nos estudos da Comunicação, a pesquisa exige, por definição, uma reflexão sobre abordagens empíricas e quadros teórico-metodológicos que nos permitam constituir um objeto de pesquisa condizente com nossos objetivos de estudo, a saber: compreender os limites da liberdade de expressão em ambientes de trabalho e como os sujeitos do trabalho significam este valor e direito individual historicamente construído nas sociedades democráticas. Isso porque a Ciência da Comunicação, como explica Ferrara (2010, p. 58), necessita de uma teoria adequada à mobilidade do objeto e que crie um ´substrato científico confiável e indispensável para alicerçar seu campo científico´. Sabemos que os estudos exploratórios servem para preparar o campo para pesquisas posteriores (DANHKE, 1989) e quando o objetivo é abordar um tema ou problema pouco estudado e ideias vagamente relacionadas com o problema de estudo (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2006). Nesse sentido, esta pesquisa já traz uma primeira abordagem de como estamos tateando a questão da liberdade de expressão e da censura em ambientes de trabalho, que só pode ser observada por meio de construções teóricas sobre estes conceitos. Nossa proposta é a de observar esta questão tomando como base a tensa relação existente entre indivíduos e organizações. De um lado, temos indivíduos, interpelados continuamente por formações ideológicas e discursivas (PÊCHEUX, 1997; ORLANDI, 2002), num embate com estruturas sociais que, por definição, o limitam, como explica Elias (1994). De outro, organizações, pressionadas por estruturas de produção e de racionalização do trabalho que perseguem a lógica da competitividade (SANTOS, 2000: ANTUNES, 2002) ilimitada. Sofisticam-se assim os mecanismos de controle, expressos no desenvolvimento das ciências administrativas, das tecnologias da informação e comunicação e da própria comunicação organizacional. Paradoxalmente, o indivíduo contemporâneo é interpelado pela ideologia dos direitos humanos, da liberdade, da autonomia, da flexibilidade, marcas da condição pós-moderna (LIPOVETSKY, 2005). Estas primeiras reflexões nos orientam na formação de uma base empírica para a construção de nosso objeto de pesquisa e posterior análise e interpretação. Assim, compactuamos com Orozco Gómez (2010) sobre a necessidade de constituição empírica para a Ciência da Comunicação, de modo a contribuir para a elaboração de uma teoria própria a partir de processos investigativos em cenários próprios. Nesta pesquisa, entendemos, assim como Figaro (2008), o trabalho como espaço de mediações, no qual há reelaborações dos significados pelos sujeitos em seu meio cultural. Nesta perspectiva, consideramos que os significados para a liberdade de expressão e censura são elaborados pelos sujeitos no confronto com as situações reais de trabalho. Para mapear significados e práticas, adotaremos enfoques quantitativo e qualitativo, conforme desenho metodológico proposto por Figaro (2013), adapatado à complexidade e à interdisciplinaridade necessária nos objetos de estudo no campo da Comunicação. Os enfoques são complementares e exercem funções específicas para a abordagem do fenômeno (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2006). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4923 Limites e possibilidades da liberdade de expressão no mundo do trabalho Fernando Felício Pachi Filho Para esta pesquisa, constituiremos amostras com dados obtidos de empresas reconhecidas por serem ´bons lugares para se trabalhar´, que tenham gestão de comunicação e alinhamento a práticas de responsabilidade social empresarial. Os dados também serão obtidos em depoimentos de trabalhadores destas empresas. Optamos por este perfil de empresas por aderirem a um discurso empresarial contemporâneo que enfoca a cidadania, a ética e a transparência, termos que podem ser devidamente problematizados numa análise discursiva, e por supostamente serem mais permeáveis a diversas significações sobre liberdade de expressão e censura, dada a diversidade de seu público interno. Nesse sentido, a pesquisa será realizada em duas fases, que se integram para análises posteriores. Num primeiro momento, os esforços serão dedicados à fase quantitativa, direcionada a organizações e trabalhadores. Serão elaborados questionários fechados de múltipla escolha. Nesta fase, o objetivo é identificar as práticas administrativas e de controle adotados pelas empresas no que se refere à expressão dos trabalhadores. Um mesmo questionário fechado será aplicado a uma amostra de trabalhadores das empresas selecionadas. No segundo momento, que corresponde à fase qualitativa, adotaremos grupo focal, técnica da entrevista em profundidade e a análise de discurso na vertente francesa como método para interpretação. Em ambas as fases, procuraremos explorar as categorias propostas por Barry (2007) sobre liberdade de expressão no ambiente de trabalho, que engloba as liberdades de crença, fala, de divulgação e de associação. A segunda fase da pesquisa, que corresponde ao enfoque qualitativo, se orientará pelos princípios teórico-metodológicos da Análise do Discurso de linha francesa. Para procedermos a tal análise, formaremos um corpus de arquivo (COURTINE, 1981) a partir de peças de comunicação das empresas pesquisadas e de reportagens sobre a empresa veiculadas em mídias sobre a empresa, de modo a compreender como os trabalhadores e o trabalho são significados e como se forma o ethos8 destas organizações e seu discurso institucional. A pesquisa em meios de comunicação permite conhecer diferentes discursos, como explica Costa (2013). A partir da análise discursiva desses materiais, entendemos ser possível distinguir o discurso das empresas do discurso sobre as empresas (MARIANI, 1998), bem como as diferentes discursividades que se formam sobre estas organizações. Paralelamente, formaremos um corpus experimental (KRIEG-PLANQUE, 2003, p. 20) com entrevistas em profundidade feitas com locutores selecionados nas empresas pesquisadas e através de grupo focal, com a participação de gestores de comunicação das empresas selecionadas, profissionais conhecedores dos processos comunicacionais presentes na organização e que estão na confluência dos discursos sobre a organização e da organização, além de integrarem a classe que vive do trabalho. O uso de entrevistas se justifica porque se pretende compreender como os sujeitos trabalhadores significam a liberdade de expressão e a censura em relação ao discurso e as práticas institucionais de trabalho a que estão submetidos. Além disso, esta técnica se adapta a trabalhos de perfil exploratório como o que propomos (DUARTE, 2011, p. 64). 8. O ethos corresponde à imagem de si que o enunciador constrói em seu discurso para produzir efeitos no seu auditório. Segundo Maingueneau (1997, p. 45), esses efeitos são impostos pela formação discursiva ao sujeito que ocupa um lugar de enunciação. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4924 Limites e possibilidades da liberdade de expressão no mundo do trabalho Fernando Felício Pachi Filho Como método qualitativo, o grupo focal (COSTA, 2011) permite mapear mapear aspectos valorativos e de referência de um grupo, podendo complementar dados obtidos por meio de outros instrumentos qualitativos. A intenção é, portanto, compreender aspectos de um tema em questão por meio de um roteiro de entrevistas. Para a nossa pesquisa, serão convidados profissionais de comunicação das empresas que participaram da fase quantitativa. A escolha por estes profissionais se deve ao fato de eles estarem familiarizados com o discurso institucional e com as questões que afetam o processo comunicacional. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como expusemos acima, esta pesquisa visa formar uma base empírica para análise da liberdade de expressão em ambientes organizacionais, levando-se em conta a constituição dos sujeitos nas instituições e como eles significam a própria liberdade. A nosso ver, tal procedimento é necessário. Em países como o Brasil em que a prática da censura e as consequentes restrições à liberdade de expressão se naturalizaram desde o período colonial e atravessaram o Império e a República (CARNEIRO, 2002), período no qual as interrupções na ordem democrática se tornaram constantes, a reflexão se justifica pela permanência de tais práticas mesmo num momento em que a censura não faz mais parte do arcabouço constitucional brasileiro. Esta pesquisa, portanto, contribui para uma reflexão mais ampla sobre cidadania, liberdades e a democratização da sociedade, tendo como pano de fundo seus limites culturais. A liberdade de expressão no mundo do trabalho carece ainda de uma reflexão mais acurada, dada a ausência de parâmetros para sua análise e da adaptação precária dos conceitos advindos da Filosofia Política. A consolidação dos direitos humanos, entre eles a liberdade de expressão, nas sociedades ocidentais associada às mudanças aceleradas por que passam as organizações e o mundo do trabaho devido à revolução das tecnologias de comunicação e informação, abrem margem para a observação de um tensionamento entre os direitos individuais e a possibilidade de ampliar o controle, a vigilância e o endurecimento de regras para a expressão individual. Este tensionamento, na nossa visão, se efetiva no discurso das organizações que buscam se aproximar dos padrões de civilização determinados pelos direitos humanos e a necessidade de estabelecer normas de conduta para a proteção de marcas, segredos e práticas de competição por vezes contraditórias em relação a estes parâmetros. Estabelece-se, portanto, um sistema de restrições do qual ainda não temos conhecimento definido. Paralelamente, no discurso dos sujeitos, imersos numa cultura nacional e organizacional, que os interpela , poderemos observar como os significados para a liberdade de expressão e a censura se constituem em ambientes que aprimoram mecanismos de controle. Por essa razão, acreditamos ser necessário realizar pesquisas para observar as margens de sentido para a liberdade de expressão e a censura com objetivo de compreender melhor as formações ideológicas e discursivas que as determinam. REFERÊNCIAS AGAMBEN, G. (2009). O que é o contemporâneo e outros ensaios. Chapecó: Argos ANTUNES, R. (2002). Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorphoses e a centralidade do mundo do trabalho. 8a. ed. São Paulo: Cortez. 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Objetivou-se investigar e compreender os fenômenos comunicacionais da instituição relativos à ciência e à divulgação científica para o fortalecimento de sua identidade, imagem e reputação. Consideraram-se, como ponto de partida, as políticas públicas direcionadas à divulgação científica. As ações de popularização da C&T executadas pelo LNA são analisadas a partir do proposto em seu plano diretor, documento em que se descrevem as ações previstas para 2011 a 2015. Empregou-se a metodologia da pesquisa-ação, iniciada pela análise situacional das políticas que dão suporte às estratégias observadas na unidade de pesquisa. Esse momento permitiu entender questões que envolvem a identidade institucional. Os resultados englobam o relato de como acontece a comunicação no LNA, dividida em duas frentes: a divulgação científica e a assessoria de comunicação. As atividades foram classificadas como ações de divulgação científica e ações internas e externas ligadas à assessoria. A principal conclusão que este estudo proporcionou foi a percepção do envolvimento da instituição no tocante às ações de comunicação organizacional e ao grande desafio de estabelecer e incluir estratégias para a comunicação em C&T em seu plano diretor. Palavras-Chave: Comunicação organizacional. Políticas e Estratégias. Ciência e Tecnologia. Abstract: Present work analyzes the strategies used in a research unit for favoring communication in science and technology (S&T). The aim was to investigate and understand the communication phenomena of the institution relating to science and science communication to strengthen their identity, image and reputation. Were considered as a starting point, public policies aimed at scientific dissemination. The popularization actions of S&T performed by the LNA are analyzed from the proposed in its master plan, a document which describe the actions planned for 2011-2015. We applied the methodology of action research, initiated by situational analysis of policies that support the strategies observed 1. Doutoranda em Comunicação Social na Universidade Metodista de São Paulo e Assessora de Comunicação no Laboratório Nacional de Astrofísica, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (LNA/MCTI). E-mail:[email protected] Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4928 Estratégias para a comunicação em C&T: das políticas públicas ao desenvolvimento de ações de comunicação organizacional em uma unidade de pesquisa Giuliana Capistrano Cunha Mendes de Andrade in the research unit. This allowed to understand issues involving institutional identity. The results include the story of how communication happens in LNA, divided into two areas: science communication and the press office. The activities were classified as science communication actions and internal and external actions related to press office. The main conclusion of this study provided was the perception of the institution’s involvement with regard to organizational communication actions and the challenge of establishing and include strategies for communication in S & T in its master plan. Keywords: Organizational communication. Policies and Strategies. Science and Technology. INTRODUÇÃO DIVULGAÇÃO DA ciência é produto da interface entre ciência e sociedade e é dever A dos órgãos públicos prestar contas à sociedade de todos os atos administrativos. Além disso, o acesso às informações de C,T&I é fundamental para o exercício pleno da cidadania e, consequentemente, para o estabelecimento de uma democracia participativa. O estudo, amparado em teorias da informação e da comunicação, foi desenvolvido em uma unidade de pesquisa do MCTI, o Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), com o objetivo principal de analisar as ações de comunicação organizacional do instituto para a divulgação do conhecimento científico e tecnológico. Empregou-se a metodologia da pesquisa-ação, iniciada pela análise situacional das políticas que dão suporte às estratégias observadas na unidade de pesquisa. As ações de popularização da C,T&I executadas pelo LNA foram analisadas a partir do proposto em seu plano diretor, documento em que se descrevem as ações previstas para 2011 a 2015 e das atividades desenvolvidas de acordo com a demanda e exigências dos vários públicos de interesse do instituto. O desenvolvimento do artigo está dividido em duas seções. Na primeira, apresenta-se a unidade de pesquisa em estudo e o papel da assessoria de comunicação do LNA, ressaltando o entendimento sobre comunicação organizacional. Na segunda, faz-se a análise das ações realizadas pelo LNA a partir do que foi estabelecido em seu plano diretor e da demanda espontânea gerada pela necessidade social de compreender a ciência. Finaliza-se com as conclusões alcançadas pelo estudo. A UNIDADE DE PESQUISA EM ESTUDO: O LABORATÓRIO NACIONAL DE ASTROFÍSICA O Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), com sede em Itajubá, Minas Gerais, pertence ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Criado no início da década de 1980, para impulsionar os estudos científicos em astronomia, prioriza a pesquisa e o desenvolvimento em instrumentação. A instituição gerencia o maior telescópio brasileiro em terra, instalado no Observatório do Pico dos Dias (OPD), em Brazópolis, Minas Gerais. Gerencia também a participação do Brasil em dois consórcios internacionais: o Observatório Gemini e o Telescópio SOAR, instalados no Chile e no Havaí. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4929 Estratégias para a comunicação em C&T: das políticas públicas ao desenvolvimento de ações de comunicação organizacional em uma unidade de pesquisa Giuliana Capistrano Cunha Mendes de Andrade A história do OPD entrelaça-se à história da astronomia brasileira. Foi ele o grande propulsor do salto em qualidade que essa ciência experimentou após 1980. Em 1989, o LNA foi efetivado como unidade de pesquisa do CNPq do então Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), atualmente MCTI, e, em 1992, estabeleceu sede própria em Itajubá. Em 2000, o LNA tornou-se oficialmente uma unidade de pesquisa do MCTI. Desde então, o LNA seguiu sua vocação para a promoção da astronomia brasileira e, mais do que administrar o OPD, tornou-se gerente da participação brasileira em observatórios internacionais. Em 1993, o Brasil tornou-se parceiro do Observatório Gemini, que compreende dois telescópios idênticos, com espelhos de 8,1m de diâmetro, respectivamente localizados nos Andes chilenos (Gemini Sul) e em Mauna Kea, Havaí (Gemini Norte). O LNA assumiu o papel de escritório nacional do Gemini. A participação brasileira no consórcio aumentou de 2,5% iniciais para 6% com a saída de alguns parceiros. O Brasil é o país com a maior produção proporcional de artigos com dados do Gemini, o que evidencia a importância do observatório para a comunidade científica. Em 1999, o MCTI firmou acordo com os Estados Unidos para a construção e operação de telescópio de última geração, com abertura de 4,1m, situado em Cerro Pachón, a algumas centenas de metros do Gemini Sul - o Telescópio SOAR. Além de ser responsável pela comissão que distribui o tempo de telescópio e de dar suporte aos usuários, o LNA foi responsável por projetar e construir, em suas oficinas, dois instrumentos para o telescópio. O LNA passou a desenvolver, portanto, sua mais nova vocação: a instrumentação astronômica. Nas últimas décadas, ampliou sua capacidade tecnológica ao conceber e construir instrumentos para os observatórios consorciados e para observatórios de outros países. Hoje, o LNA é referência internacional em instrumentação astronômica. Em 2008, o MCTI firmou acordo com o consórcio do Canada-France-Hawaii Telescope (CFHT), um telescópio de 3,6m de diâmetro localizado ao lado do Gemini Norte. O LNA é o responsável pelo gerenciamento do tempo brasileiro também nesse telescópio. A história do LNA, portanto, pode ser organizada em três frentes de ação: a primeira envolve a criação, o desenvolvimento e a manutenção do OPD; a segunda tem início com a entrada do Brasil nos consórcios para a construção de grandes telescópios internacionais; a terceira, o desenvolvimento de instrumentos para pesquisa em astronomia, área que concentra grande esforço da instituição e delineia sua visão de futuro. Divulgar ciência é colocar ao alcance da população os conhecimentos científicos e tecnológicos para que possam ser usados nas suas atividades cotidianas e nas tomadas de decisão (BUENO, 2009). As formas de divulgação e popularização da ciência variam de eventos científicos, como congressos, conferências, a publicações como livros, revistas, jornais, a criação de museus, jardins botânicos, planetários, a produção de filmes, vídeos, programas de rádio e TV, internet, centros de ciência, parques temáticos, incluindo escolas, faculdades e universidades. O MCTI possui o Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia (DEPDI) cuja finalidade é “subsidiar a formulação e a implementação de políticas, programas e a definição de estratégias para a popularização e para a difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos, nas diversas instâncias sociais e nas instituições de ensino” (MCTI, 2011). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4930 Estratégias para a comunicação em C&T: das políticas públicas ao desenvolvimento de ações de comunicação organizacional em uma unidade de pesquisa Giuliana Capistrano Cunha Mendes de Andrade Já, divulgar conteúdo é informar à sociedade sobre as atividades desenvolvidas pelo Ministério, mediante divulgação das políticas públicas, programas, ações e projetos de interesse público. Os atos são realizados mediante a produção de conteúdos em formato de noticiários, documentários, entrevistas e reportagens para veiculação em televisão, rádio, internet e outras plataformas digitais. Embora relevante, a comunicação com seus públicos de interesse nunca esteve entre as principais atividades desenvolvidas pela instituição. A comunicação do LNA com seus públicos de interesse deu-se de formas variadas. A comunidade astronômica, que faz uso dos telescópios gerenciados pela instituição para desenvolver suas pesquisas, sempre foi o público prioritário. Conhecidos como “usuários”, os cientistas espalhados por institutos de pesquisa e universidades do país atribuem ao LNA uma reputação devido ao trabalho de excelência que executa. Bueno (2012, p.24) ensina que a reputação é “uma representação mais consolidada, mais amadurecida, de uma organização.” O público leigo, ainda que fascinado esteticamente pelo espaço e pela busca da origem da vida, vê as atividades desenvolvidas no LNA com distância e obscuridade. O LNA, não obstante a divulgação institucional e científica que realiza, ainda é desconhecido desse público e da mídia especializada. Destaca-se, como estratégia de comunicação organizacional o modo de lidar com essa variação de público. Cardoso (2006, p.1132), ao citar Genelot (2001) afirma que é evidente a presença de processos e ações de comunicação que não devem ser entendidos como complementos da estratégia organizacional, mas como componentes essenciais na construção de uma estratégia comum. Além disso, tais processos e ações são formadores da identidade cultural de qualquer organização e, por fim, da projeção de sua imagem. Kunsch (2007, p.44-45) diz que muitos autores já escreveram sobre públicos em relações públicas. Numa visão contemporânea, temos que considerar as tipologias dos públicos dentro da dinâmica da história, levando em conta as forças sociais do macro-ambiente e os comportamentos dos grupos de interesses que podem vir a formar um novo público. Um público que praticamente nunca foi pensado como prioritário ou que não tem nenhum vínculo com a organização, dependendo dos acontecimentos, isto é, de como o comportamento institucional o afeta, pode vir a ser um público estratégico. O LNA apresenta duas frentes de comunicação social: a assessoria de comunicação e a divulgação científica. A divulgação científica é responsável por disseminar o conhecimento científico e tecnológico por meio de visitas às instalações do OPD e do LNA, palestras, exposições, participações em feiras, realização de concursos de astronomia para estudantes e coordenação da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia em Itajubá. A equipe da divulgação científica é formada por uma pesquisadora, um técnico e três estagiários, todos estudantes de Física e aspirantes a seguir a carreira em Astronomia. A pesquisadora dá o suporte e treinamento científico para que os membros do grupo possam receber as visitas escolares e do público em geral, esclarecer as dúvidas e participar dos eventos e planejar as ações de disseminação de C,T&I. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4931 Estratégias para a comunicação em C&T: das políticas públicas ao desenvolvimento de ações de comunicação organizacional em uma unidade de pesquisa Giuliana Capistrano Cunha Mendes de Andrade A assessoria de comunicação, por sua vez, tem como papel, grosso modo, trabalhar a notícia gerada pela instituição. Esse trabalho subdivide-se em múltiplas atividades, que envolvem desde o contato e divulgação das pesquisas do instituto para a mídia até ações de comunicação integrada com os públicos de interesse, passando pela construção da imagem junto à opinião pública. O trabalho de assessoria no LNA deve levar a informação a dois níveis de público: o interno e o externo. O público externo subdivide-se em três segmentos: a comunidade astronômica brasileira, conhecida como “usuários”, a mídia e o público em geral. A assessoria é formada por uma única servidora. Muitas atividades desenvolvidas pela assessoria de comunicação são impulsionadas pelo interesse público e não estão previstas como metas do plano diretor. Essa demanda espontânea revela o crescente envolvimento da sociedade com a ciência e a curiosidade em relação aos atos administrativos para o suporte à pesquisa. O PLANO DIRETOR E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DIRECIONADAS À DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E AS AÇÕES DE POPULARIZAÇÃO DA C&T EXECUTADAS PELO LNA O plano diretor em vigência (LNA, 2010) foi elaborado para abranger ações a serem desenvolvidas de 2011 a 2015. É constituído por eixos estratégicos, diretrizes de ação e projetos estruturantes que definem e delineiam claramente a finalidade estratégica de fortalecer a área de desenvolvimento tecnológico e aprimorar o gerenciamento da infraestrutura existente para a astronomia observacional. Com a missão de “planejar, desenvolver, prover, operar e coordenar os meios e a infraestrutura para fomentar, de forma cooperada, a astronomia observacional brasileira” (LNA, 2010, p. 13), fica evidente a identificação do LNA como instituto vocacionado para o desenvolvimento de pesquisa, seja observacional ou na área da instrumentação. A visão de futuro institucional permanece a mesma formulada no plano diretor anterior, que abrange ações a serem desenvolvidas entre 2006 e 2010, que é ser reconhecido nacional e internacionalmente como referência brasileira em desenvolvimento instrumental para a astronomia terrestre, e como contato principal em assuntos de abrangência nacional na área de astronomia observacional, com o intuito de otimizar as condições de pesquisa da comunidade científica e de socialização de conhecimento, e desenvolver pesquisa científica e tecnológica de ponta (LNA, 2010, p.14) Percebe-se que não há referência específica sobre a necessidade de divulgação da ciência, mas pode ser incluída na menção ao “intuito de otimizar as condições de pesquisa da comunidade científica e de socialização de conhecimento”. A preocupação ainda modesta de inserção social dos frutos das pesquisas desenvolvidas é perceptível já na visão de futuro explicada no plano diretor de 2006-2010: a visão do futuro formulada acima não visa a “glória maior” para o LNA, mas é o meio para uma finalidade maior que deve beneficiar toda a comunidade astronômica, e, além disso, deve, diretamente (através de divulgação pública) e indiretamente (p.ex. através de Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4932 Estratégias para a comunicação em C&T: das políticas públicas ao desenvolvimento de ações de comunicação organizacional em uma unidade de pesquisa Giuliana Capistrano Cunha Mendes de Andrade benefícios provindos do desenvolvimento tecnológico), beneficiar a comunidade como um todo, contribuindo, desta forma, para a socialização do conhecimento. (LNA, 2006, p.18) Embora o plano diretor atual apresente eixos estratégicos, diretrizes de ação e projetos estruturantes, somente faz menção direta à divulgação científica no primeiro desses tópicos. A instituição deve responder a três eixos estratégicos estabelecidos pelo MCTI – os eixos I, II e V –, apresentados e detalhados no documento. O eixo estratégico V, denominado “C,T & I para o Desenvolvimento Social” , tem uma única linha de ação: “fortalecimento da área de divulgação pública da astronomia”. O programa que compõe essa linha de ação é assim descrito: Divulgação pública e popularização da astronomia, e alfabetização científica com atenção especial à Inclusão Social, tanto regionalmente, por meio de produtos e serviços dirigidos à população local, como nacionalmente, por meio de medidas junto a agentes multiplicadores (LNA, 2010, p. 22). As quatro metas do programa somadas a outras ações já anteriormente desenvolvidas no LNA com foco em divulgação da ciência são apresentadas na Tabela 1. Com a tabela, pode-se notar que as ações de divulgação científica não ficam restritas às metas estabelecidas no plano diretor. No entanto, todas essas ações, mesmo registradas e documentadas, não receberam até o momento nenhuma análise qualitativa mais aprofundada de seu alcance. Pode-se citar, por exemplo, que os registros acerca das visitas escolares ao OPD e ao Observatório no Telhado (OnT) abarcam sua natureza (se escola pública – municipal, estadual, federal – ou privada), mas não se pode precisar a penetração da divulgação científica em cada uma dessas instâncias bem como seu efeito sobre a população da região. A ausência dessa análise é reflexo do fato de a divulgação científica não ser prioridade institucional. Assim como o plano diretor prevê timidamente ações de divulgação científica, ainda menos estabelece atividades mais específicas de estudos e relatos dos resultados obtidos. Por meio da pesquisa-ação desenvolvida percebe-se ainda que as ações de divulgação científica realizadas pelo LNA estão concentradas na difusão da ciência ligada à Astronomia em geral, e não na pesquisa particularmente desenvolvida pela instituição. Os astrônomos usuários e/ou os astrônomos que compõem o quadro de servidores da instituição raramente promovem as pesquisas que desenvolvem utilizando a infraestrutura do LNA. Observa-se, ainda, que os papeis de divulgação científica e assessoria comunicacional, embora distintos em sua concepção e em seu arranjo organizacional, mesclam-se nas ações desenvolvidas. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4933 Estratégias para a comunicação em C&T: das políticas públicas ao desenvolvimento de ações de comunicação organizacional em uma unidade de pesquisa Giuliana Capistrano Cunha Mendes de Andrade Tabela 1. Metas e Ações do LNA para a divulgação da ciência METAS 18: Operacionalizar, até o final de 2011, o Observatório no Telhado e implementar, até o final de 2012, um programa para seu uso na divulgação pública. O LNA já possui um sistema regular de visitas diurnas ao OPD, sem possibilidade de observação do céu. A construção de um observatório no telhado da sede, com observação noturna, atende a uma solicitação antiga da sociedade. O Observatório no Telhado foi criado e implementou-se um programa para seu uso efetivo e para a divulgação da astronomia. A observação é aberta ao público em geral e sempre precedida de palestras. 19: Realizar, até o final de 2012, um minicurso para jornalistas, com eventual colaboração com outras instituições nacionais, com perspectiva de repetições periódicas. A motivação da meta era aumentar a visibilidade da instituição junto à mídia nacional. Os jornalistas, além de aprender noções básicas de astronomia, conheceriam a infraestrutura de laboratórios e oficinas do LNA e dos observatórios aos quais os astrônomos brasileiros têm acesso. O LNA passaria a ser uma das fontes de notícias e contatos. A meta não foi realizada devido ao corte orçamentário com despesas de diárias e passagens. Descritas na coluna conforme o plano 20: Realizar, até o final de diretor (LNA, 2010, 2012, um estudo sobre o desenvolvimento do p. 22-23) LNA desde os primórdios do OPD até o presente momento e publicar um livro sobre sua história para o público geral. O livro foi escrito em parceria com o Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST). Já foi revisado, a empresa que vai publicar já foi contratada e está, portanto, em fase de editoração e publicação. Será feita uma cerimônia de divulgação do livro junto com a comemoração dos 30 anos do LNA, no primeiro semestre de 2015. 21: Criar, até o final de 2015, em colaboração com o MAST, o museu virtual do OPD. O objetivo é preservar a memória do desenvolvimento técnico por meio da impressionante evolução das técnicas de observação e registro dos dados astronômicos, testemunhada durante a criação e o desenvolvimento do OPD. As ações para a criação do museu virtual estão em andamento. Visitas ao OPD As visitas ao OPD, ação de divulgação científica mais antiga do LNA, são marcadas e acompanhadas por um estagiário treinado para orientar alunos e professores. Consistem em apresentar as instalações do OPD e o que envolve a pesquisa em astronomia. Geralmente a visita é precedida de palestra e finalizada com a apreciação do campus, instalado a 1.864m de altitude. Criado em 2005, o evento consiste em abrir os portões do OPD ao público, 1 vez ao ano, das 14h às 22h, para que se possa conhecer o campus e realizar observações diurnas e noturnas, com filtros especiais para ver o Sol. A programação inclui sessões de vídeos sobre astronomia e explicações sobre o que está sendo observado. O evento tornou-se tradição na região e, nos últimos anos, chegou Tarde e Noite de Portas a receber em torno de 1.700 pessoas, o que obrigou o LNA a restringir o acesAbertas so. Para isso, estabeleceu-se a entrada gratuita somente mediante convite, que deve ser retirado em datas e horários específicos, informados pelo site da instituição. Em 2014, foram colocados 1.500 convites, em três lotes de 500 convites cada. O primeiro lote esgotou-se em 40 minutos, o segundo em 20 minutos e o terceiro em 12 minutos. O evento pode ser considerado uma tradição regional. AÇÕES O concurso teve a 1ª edição realizada em setembro/2013. Com a ajuda da equipe que organiza a Olimpíada Brasileira de Astronomia (OBA), foi divulgado no Brasil todo. Teve a participação de 267 estudantes e 92 professores de 72 cidades distribuídas em 18 estados. Os alunos deveriam escolher um objeto astronômico e justificar a escolha. O prêmio para a melhor proposta apresentada seria a imagem do objeto astronômico escolhido, feita por astrônomos profissionais com o Telescópio SOAR, uma viagem às instalações do SOAR no Concurso de Astronomia Chile, acompanhado do professor- orientador e a visita de um astrônomo do LNA à escola vencedora para entregar a imagem impressa e enquadrada e para para Estudantes proferir palestra. A edição de 2014 foi dividida em duas categorias: Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Foram aceitas 409 propostas, submetidas por um total de 561 estudantes. Aos vencedores, será entregue a imagem impressa e enquadrada e a escola vencedora receberá a visita de um astrônomo para proferir uma palestra. Os vencedores do Ensino Fundamental II irão visitar o Observatório do Pico dos Dias e os alunos do Ensino Médio irão ao Chile para visitar o SOAR. Exposições em parceria com o Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), unidade de pesquisa do MCTI O Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), em parceria com o LNA, Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI) e Prefeitura de Itajubá, traz para a cidade, desde 2012, exposições itinerantes de seu acervo. A primeira foi a exposição “Luiz Cruls, um cientista a serviço do Brasil”, em 2012, seguida, no mesmo ano, da mostra “Passo a passo, salto a salto, voo a voo: o cientista Santos-Dumont”. Em 2013 chegou a Itajubá a exposição “Leonardo da Vinci – Maravilhas Mecânicas”. Em 2014 foi a mostra “O eclipse e o presidente”, que conta a história da vinda da comitiva presidencial ao Sul de Minas para ver o eclipse de 1912. As exposições, abertas e gratuitas, são montadas na Biblioteca da UNIFEI, recebem a visita de escolas de Itajubá e região e do público interessado. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4934 Estratégias para a comunicação em C&T: das políticas públicas ao desenvolvimento de ações de comunicação organizacional em uma unidade de pesquisa Giuliana Capistrano Cunha Mendes de Andrade CONCLUSÃO Uma instituição, seja ela pública ou privada, deve considerar fortemente a informação e comunicação em suas estratégias organizacionais. Os públicos com os quais a instituição se relaciona, sejam eles internos ou externos, são de grande relevância para a construção das estratégias comunicacionais e para a constituição de sua identidade e imagem. Como se observou na unidade de pesquisa analisada, é preciso que os papéis da assessoria de comunicação e da divulgação científica, estejam bem delineados para melhor desenvolver as ações competentes a cada um. Ressalta-se a importância de aproveitar os registros dos resultados das ações, atividade ainda de pouco destaque. A definição da atuação de cada segmento favorece a comunicação mais eficiente com os públicos de interesse e fortalece tanto a divulgação científica quanto à assessoria comunicacional, que passariam a ter mais relevo nas ações descritas no plano diretor. REFERÊNCIAS Bueno, W. da C. (2012). Auditoria de imagem das organizações: teoria e prática. São Paulo: All Print Editora: Mojoara. Bueno, W. da C. (2009). Comunicação científica e divulgação científica: aproximações e rupturas conceituais. Informação e informação, Londrina. Cardoso, O. de O. (2006). Comunicação empresarial versus comunicação organizacional: novos desafios teóricos. RAP. Rio de Janeiro 40(6):1123-44, nov./dez. Genelot, D. (2001) Manager dans la complexité — reflexions à l’usage des dirigents. 3. ed. Paris: Insep Consulting. Kunsch, M. M. (2007) Comunicação organizacional na era digital: contextos, percursos e possibilidades. Signo pensam., Bogotá, n. 51, Dec. 2007 . Recuperado em 09 de março de 2015 de<http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid =S0120-48232007000200005&lng=en&nrm=iso>. LNA. Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA) (2006). Plano diretor 2006-2010. Itajubá: LNA Recuperado em 09 de março de 2015 de: <http://www.lna.br/lna/relatorios/PD_LNA_FINAL.pdf> LNA. Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA). (2010). Plano diretor 2011-2015. Itajubá: LNA. Recuperado em 09 de março de 2015 de: <http://www.lna.br/lna/LNA-PDU-2011-2015.pdf>. MCTI. Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia – DEPDI. (2011). Brasília: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Recuperado em 09 de março de 2015 de: <http://www.mct.gov.br/ index.php/content/view/12926.html>. MCTI. Estratégia Nacional para Ciência, Tecnologia e Inovação – ENCTI. (2012) Brasília: Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4935 Exposição Universal de Milão 2015: a cidade-empresa em busca de uma (nova) imagem R i ca r d o F e r r e i r a F r e i t a s 1 F l áv i o L i n s 2 Maria Helena Carmo dos Santos3 Resumo: A Exposição Universal Milão 2015 como estratégia para promover a imagem da marca-cidade e, por consequência, da Itália, tendo o megaevento como propulsor desse processo em nível internacional. Palavras-Chave: Exposição Universal. Milão 2015. Cidade. Abstract: Expo Milano 2015 as a strategy to promote the brand image of the city and, consequently, of Italy, and the megaevent as a promoter of this process internationally speaking. Keywords: Universal Exhibitions. Expo Milano 2015. City. INTRODUÇÃO UANDO FALAMOS da Itália, nosso imaginário nos conduz a um parque de Q esculturas, ruínas, vinhedos ou, ainda, à figura papal e da igreja católica. Repleto de muitas belezas, o país tem símbolos poderosos, como a figura do David de Michelangelo e o Coliseu, que produzem imagens-síntese nos remetendo à antiguidade. Por outro lado, a cidade de Milão permanece envolvida em um imaginário de indústria e moda. Caracterizando-se por ser uma metrópole sintonizada com as tecnologias, torna-se ambiente perfeito para receber uma Exposição Universal. A confirmação veio em 2008, quando o Bureau International d’Expositions (BIE) declarou a cidade sede da Exposição Universal de 2015, com o tema “Nutrir o planeta. Energia para a vida”, abordando a questão alimentar, a nutrição e o desenvolvimento sustentável. Com um dos maiores PIB da União Europeia, Milão é também uma das cidades mais caras do mundo e um dos centros mais influentes no continente em diversas áreas. A capital 1. Pós-doutor em comunicação pelo CEAQ/Sorbonne. Doutor em sociologia pela Universidade René Descartes /Paris V. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. [email protected] 2. Doutorando em Comunicação pela UERJ, mestre em Comunicação pela UFJF, pós-graduação em Globalização, Mídia e Cidadania pela UFJF, graduação em Jornalismo e em Direito, professor do curso de especialização em TV, Cinema e Mídias Digitais na UFJF. Bolsista da Capes – Proc.: 4937/14-7 flavio.lins@ oi.com.br. 3. Doutoranda em Comunicação pela UERJ, mestre em comunicação e cultura pela ECO-UFRJ, graduação em Relações Públicas pela UERJ e em Letras pela UFRJ. Coordenadora e professora do curso de Relações Públicas das Faculdades Integradas Hélio Alonso. [email protected]. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4936 Exposição Universal de Milão 2015:a cidade-empresa em busca de uma (nova) imagem Ricardo Ferreira Freitas • Flávio Lins • Maria Helena Carmo dos Santos da região da Lombardia consolidava-se como o centro das atenções para políticos e empresários. A crise que atingiu países da União Europeia nos últimos anos também impactou fortemente a Itália, que tenta se recuperar. Neste contexto, sediar uma Exposição Universal surge como um bálsamo para dar novo ânimo à economia, gerar empregos, recuperar áreas degradadas, atrair turistas e, principalmente, reconfigurar a marca-país. Sempre cercadas de “megapolêmicas”, produções como a Exposição Universal de Milão 2015, com a participação de 142 países4, fascinam ao se apresentarem como possibilidade de mover as engrenagens da sociedade e surgirem como solução, ainda que temporária, para problemas, como falta de segurança, desemprego, decadência do espaço urbano e de imaginários que remetem mais aos flagelos do que aos encantos da cidade. Por outro lado, sediar uma Expo é uma oportunidade para apresentar a cidade e sua cultura para o mundo, bem como sua recuperação, embora, na verdade, criem-se espaços adequados para que a lógica da globalização tome forma, tornando as cidades grandes negócios multinacionais. Ou seja, as cidades são colocadas em exposição para serem vendidas e consumidas depois de um processo de adaptação a padrões globais. A Expo é uma vitrine mundial. Embora este artigo seja escrito antes da inauguração da Expo Milão 2015, nos propomos a observar as artimanhas deste negócio, que, energizado pelas plataformas de mídia, desde já se propõe a seduzir o público e vender a cidade, mas cujas apropriações escapam ao controle dos seus idealizadores, com desdobramentos imprevisíveis e incontroláveis. EXPOSIÇÕES UNIVERSAIS Na segunda metade do século XIX França e Inglaterra já eram potências industriais. Como o ritmo e o volume da produção não paravam de crescer, foram criadas as Exposições Universais para conquistar novos mercados de escoamento destes produtos. Walter Benjamin destaca que as exposições universais se converteram em “lugares de peregrinação ao fetiche da mercadoria” (2006, p.57). O espetáculo pretendia apresentar e encantar o público com as maravilhas de sua época e surpreender com possibilidades que o futuro acenava. A arquitetura espetacular e, muitas vezes, efêmera criava uma atmosfera mágica e dava ares de festa para estas celebrações do capitalismo. As exposições universais que floresceram a partir da primeira expo Londres 1851, além de celebrarem a indústria e os avanços tecnológicos, buscavam legitimar e justificar o colonialismo europeu. Resultaram, inclusive, na realização de exposições unicamente coloniais, onde os impérios mostravam exemplares de produtos, pessoas e do estilo de vida da colônia. Demonstrava-se que “escravizar os negros e dominar o índio, arrebatando-lhes a terra, não era apenas um direito, mas um dever dos brancos, civilizados e superiores, de instaurarem uma ordem social mais “avançada’” (PESAVENTO, 1997, p.148). Com seu enorme público, deram início a era dos espetáculos de massa. 4. Disponível em: <http://www.expo2015.org/milano>. Acesso em: 8 fev. 2015. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4937 Exposição Universal de Milão 2015:a cidade-empresa em busca de uma (nova) imagem Ricardo Ferreira Freitas • Flávio Lins • Maria Helena Carmo dos Santos Ano País Número de visitantes Número de expositores Superfície da Exposição 1851 Londres 6.039.195 13.937 8,4 hectares 1855 Paris 5.162.330 20.839 9,9 hectares 1862 Londres 6.211.103 28.653 9,5 hectares 1867 Paris 11.000.000 43.217 14,9 hectares 1873 Viena 7.254.687 25.760 16,2 hectares 1876 Filadélfia 10.165.000 60.000 30,3 hectares 1878 Paris 16.032.725 1889 Paris 32.250.297 1893 Chicago 27.329.000 81,0 hectares 1900 Paris 50.800.801 46,0 hectares 22,5 hectares 61.722 21,2 hectares Fonte: Werner Plum (1979, p.61). De acordo com texto publicado no jornal inglês World Finance (2012), além de seus temas oficiais, as Exposições Universais refletem as descobertas atuais ou sentimentos da época. Para o autor do texto, Jordan Bintcliffe, as exposições de 1851-1938 fizeram parte da corrida para a industrialização e agiram como uma plataforma para divulgação de novas invenções e descobertas. O período de 1939-1987 viu a era do “intercâmbio cultural” e uma série de exposições que tentaram lidar com as questões do mundo. Com o avanço da comunicação, as exposições mundiais gradualmente deixaram de exibir novas tecnologias, sendo a Expo 1988 marco de uma nova era, presente até hoje: divulgar a marca-país, segundo Bintcliffe, (2012). Embora o texto ressalte que a divulgação da “marca-país” tenha se tornado uma característica das exposições universais a partir da década de 1980, acreditamos que essa proposta sempre esteve presente. O espírito que moveu as primeiras edições já atuava para que as nações envolvidas, especialmente o país sede, obtivessem o reconhecimento internacional de seu protagonismo em diversas áreas, o que levaria ao fortalecimento da marca-país. E isto é branding. EXPOSIÇÕES UNIVERSAIS NO SÉCULO XXI A partir de 1996, o BIE (Bureau International des Expositions) decidiu que as Exposições Universais só aconteceriam a cada cinco anos com a duração de seis meses, o que não impede a realização de mostras em nível nacional e regional. Neste contexto, a cidade alemã de Hannover sediou a última Exposição Universal do século XX e a primeira da Alemanha. O que já dera sinais ao longo deste século confirmou-se no ano 2000 em Hannover: o impacto destes eventos vem diminuindo, com média de público abaixo do esperado, corredores vazios durante semanas até que o preço dos ingressos abaixasse e o estacionamento fosse liberado gratuitamente (WANDSCHEER, 2010). Encerrada após cinco meses, não se converteu em bom, fato confirmado dez anos: Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4938 Exposição Universal de Milão 2015:a cidade-empresa em busca de uma (nova) imagem Ricardo Ferreira Freitas • Flávio Lins • Maria Helena Carmo dos Santos Do esplendor da Expo não restou quase nada. E também no papel o balanço não é nada animador: ao final do evento, os governos federal e estadual dividiram o prejuízo de 1,2 bilhão de euros. Para o então secretário das Finanças do estado da Baixa-Saxônia, Heinrich Aller, o resultado negativo era previsível. “Esperávamos 40 milhões de visitantes e tivemos apenas 18 milhões”, ressalta. Era impossível não terminar no vermelho, salienta, pois a expectativa era de muitos visitantes, apesar dos altos preços. “Este foi um dos erros de cálculo”, termina (WANDSCHEER, 2010). Em 2005, é realizada a primeira exposição Internacional5 do século XXI em Aichi, no Japão. Embora o público tenha superado as expectativas – esperava-se 15 milhões e chegou-se a 22 milhões de visitantes, o impacto foi apenas regional, uma vez que somente 5% dos visitantes eram estrangeiros (a estimativa era de 10%). Além disso, os visitantes criticaram o caráter excessivamente lúdico da mostra e as barreiras do idioma (POUPÉE, 2005). Mesmo assim, devido ao isolamento geográfico do Japão, a exposição foi considerada um sucesso (POUPÉE, 2005). Outro ponto que parece dominar as últimas edições e talvez possa diminuir o impacto destes espetáculos é a proximidade das temáticas. Ano Expo Nível Temática 2000 Hannover Universal “Humanidade, natureza e tecnologia - origem de um novo mundo” 2005 Aichi Internacional “A sabedoria da natureza”, 2008 Zaragoza Internacional “Água e desenvolvimento sustentável” 2010 Shanghai Universal “Cidade melhor, vida melhor” 2012 Yeosu Internacional “Por costas e oceanos vivos” 2015 Milão Universal “Nutrir o planeta. Energia para a vida” Levantamento dos autores Embora as questões relativas ao meio ambiente tenham se repetido e dado a tônica das exposições, o sucesso das Exposições Universais está mais ligado a números (público, expositores, volume de negócios, tamanho da área do evento, pessoas impactadas através da mídia) do que a soluções encontradas para questões mundiais. Patrice Ballester, ao tratar Fórum Universal das Culturas Barcelona 2004, destaca o fato de que “fazer vir mais de três milhões de pessoas à periferia de uma grande metrópole” (BALLESTER, 2004, p.437) deixa dúvidas quanto ao caráter ecológico do acontecimento, ou seja, não se movimenta e acomoda uma grande massa sem prejuízos ao meio ambiente, o que também é ressaltado por Stefano Di Vita: Oportunidades para a sustentabilidade são ao contrário frequentemente identificadas na distribuição territorial de pequenas obras e na sua inserção em um planejamento de longo prazo, desde que orientada pelos objetivos reais de reabilitação ambiental e de reequilíbrio social, e não proposto como slogan utilizado para fins de marketing (DI VITA, 2012, p.492). 5. As Exposições Universais são realizadas a cada cinco anos, em espaço sem limite de superfície, durante seis meses, nos quais se aborda uma temática geral. As Exposições Internacionais duram três meses, em uma superfície máxima de 25 hectares e abordam uma temática específica. Disponível em: <http://www. expozaragoza2008.es/index/que-es-la-expo>. Acesso em: 30 jan 2015. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4939 Exposição Universal de Milão 2015:a cidade-empresa em busca de uma (nova) imagem Ricardo Ferreira Freitas • Flávio Lins • Maria Helena Carmo dos Santos É pouco provável que os megaeventos do século XXI, quase sempre sediados em grandes metrópoles e, em geral, em áreas já densamente povoadas, ocupem espaços onde não gerem impactos, com consequências imediatas ou a longo prazo, e não modifiquem a rotina da população. Para a Expo Milão 2015, por exemplo, a construção de dois canais superficiais unindo a área da exposição ao centro da cidade, atravessando dois parques, ao custo de 89 milhões de euros, vem enfrentando muitos protestos de moradores, sob a acusação de desmatamento de áreas verdes que teriam sido conquistas populares6. Há ainda as disputas políticas, comerciais e legais e o inevitável processo de gentrificação, iniciando-se anos antes do espetáculo, quando a cidade é anunciada como sede, movimentado a partir daí capital, mídia e imaginários. David Harvey, em visita ao Brasil, resumiu em poucas palavras as modificações no espaço urbano legitimadas pelos megaeventos: O que temos visto, nos últimos 30 anos, é a reocupação da maioria dos centros urbanos com megaprojetos. Muitos desses projetos associam a urbanização ao espetáculo. E fazem um retorno à descrição de Guy Debord sobre a sociedade do espetáculo. Faz todo sentido na diretriz da realização dos megaeventos como as Olimpíadas e a Copa do Mundo. O capital precisa que o estado assegure essa dinâmica. Assim, pode usar esses eventos como instrumentos de investimentos e mais lucratividade. Invariavelmente, entre as consequências dos megaeventos estão as remoções de pessoas de algumas áreas. Eles dependem disso para serem realizados. E essa situação tem causado revolta (HARVEY, 2012). Ainda sobre o discurso de recuperação da economia e regeneração do espaço urbano a partir das “megaobras” que vão dar forma às arenas espetaculares dos megaeventos, Harvey salientou: Há alguma geração de empregos, em função dos megaprojetos e megaeventos, mas o que se vê é o desvio da verba pública para apoiar essas empreitadas. Ao redor do mundo, tem havido muitos protestos devido à retirada de pessoas de suas residências. As populações percebem que o dinheiro dos impostos está indo para esses fins, em detrimento da construção de escolas e hospitais (...). O grande problema é que a tendência é a dominação do capital sobre o poder político nas cidades (HARVEY, 2012). Paralelos a estes problemas, há também a redução de visitantes, os custos crescentes para a realização, o desinteresse de países em sediá-los, já que não há garantia de sucesso e a população é quem paga o custo mais alto, além do processo de gentrificação e o questionamento sobre o legado. A totalidade dos problemas, somada a relatos recentes, como das consequências dos jogos olímpicos de Atenas para a economia grega (HARVEY, 2012) e dos tumultuados preparativos para as Olimpíadas no Brasil, tornam os megaeventos atraentes para os países em desenvolvimento ou em crise, com menor estrutura para recebê-los, ansiosos pelos investimentos do capital internacional, distanciando-os de países onde a população já não vê com bons olhos sediá-los, como a insatisfação de muitos ingleses com os Jogos Olímpicos de Londres em 2012 que, às vésperas do evento, promoveram manifestações por toda a cidade, culminando, em 6. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=V6ontZvOtXk>. Acesso em: 28 jan. 2015. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4940 Exposição Universal de Milão 2015:a cidade-empresa em busca de uma (nova) imagem Ricardo Ferreira Freitas • Flávio Lins • Maria Helena Carmo dos Santos agosto de 2011, com incêndios e atos de violência nas regiões mais pobres que logo se espalharam por quase toda a Londres e atingiram outras cidades da Inglaterra, pondo em pânico os organizadores das Olimpíadas (ARANTES, 2012, p.34). Os grandes eventos da contemporaneidade, não só as Exposições Universais, deslocam imensos holofotes para os lugares que os sediam, iluminando não só suas arenas espetaculares, mas a diversidade de problemas e as ambiguidades que os emolduram, chamando também atenção internacional numa disputa simbólica travada no campo midiático. A Expo Milão aproxima-se destas produções redentoras, ou seja, travestida de um grande encontro entre nações a fim de encontrar soluções para minimizar ou acabar com o problema da fome no mundo, sem prejuízos ao meio ambiente, temos um grande negócio. Porém, embora estes lugares encantados tomem forma movidos pelo capital, onde podem se misturar interesses diversos, a multidão irá celebrar junta a emoção compartilhada (MAFFESOLI, 1998). Embora Maffesoli (2010) e De Certeau (1998) salientem os imprevisíveis resultados das empreitadas emocionais e imaginais dos megaeventos, nossas pesquisas indicam que não é esta a maior preocupação daqueles que os idealizam. Interessa mais aos investidores internacionais o capital movimentado com as grandes obras e negócios imobiliários, do que, de fato, a eficácia das mensagens contidas nos megaeventos, embora despertar a simpatia e o apoio popular seja importante, principalmente, antes e durante o espetáculo, como já dissemos anteriormente. Assim, a preocupação com o público nestes grandes acontecimentos é de que ele não inviabilize o andamento das obras e a realização do acontecimento e, se possível, compre o bilhete entrada, ainda que os megaeventos sejam pensados para o público internacional. Posteriormente, quando se apagam os holofotes e os gestores internacionais se vão, o legado material e imaginal deverão ser reinventados, para que um novo público consuma aqueles espaços, imantado pela atmosfera mágica que o precedeu. EXPO MILANO 2015 No dia 4 de agosto de 2012, faltando mil dias para a abertura da Exposição, de acordo com o jornal Il Fatto Quotidiano, o ex-primeiro ministro italiano, Mario Monti, declarou que o evento seria o sucesso de toda a Itália, um desejo comum de resgate, recuperação para a nossa economia e que o país inteiro deve estar envolvido no esforço porque todo mundo vai se beneficiar de seu sucesso. “Estou certo de que, mais uma vez, a Itália vai despertar admiração por sua criatividade, originalidade e acessibilidade nas escolhas feitas”. “Será útil para o relançamento da Itália” (tradução nossa). As palavras de Mario Monti sinalizam que o megaevento será a redenção da economia italiana, atraindo atenção para o novo país que será apresentado através da Exposição. Alinhada com a proposta das “megaproduções” do capitalismo midiático (SODRÉ, 2012, p.50) contemporâneo, deposita-se na Expo Milano 2015 a expectativa de que os seus “espaços de renovação” (SANCHEZ, 2010, p.47), embora “cada vez mais homogêneos no mundo todo porque são moldados a partir de valores culturais e hábitos de consumo do espaço tornados dominantes na escala mundo”, deverão se tornar “ícones da modernização” (SANCHEZ, 2010, p.47) italiana e azeitar as engrenagens da economia. Sobre a pretensão dos governantes, Fernanda Sanchez salienta: Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4941 Exposição Universal de Milão 2015:a cidade-empresa em busca de uma (nova) imagem Ricardo Ferreira Freitas • Flávio Lins • Maria Helena Carmo dos Santos Colocar as cidades no mapa do mundo passou a ser uma meta recorrente dos governos locais, um objetivo ordenador das “ações estratégicas” que concentram na cidade-mercadoria a possibilidade de “transcender as crises” produzidas pela reestruturação econômica e de construir um futuro de progresso e recuperação econômica sintonizado com as exigências da nova ordem mundial, de modo a viabilizar o crescimento econômico em novos parâmetros (SANCHEZ, 2010, p.51). Mas, para “colocar as cidades” no mapa mundial faz-se necessário um planejamento urbano empresarial, que articule iniciativas público-privadas, para promoção da cidade no cenário internacional e atrair mais turistas e investimentos. E, para essas “multinacionais do século XXI” (Borja; Castells, 1997, p. 123), os megaeventos surgem como oportunidades para vender a imagem da cidade-empresa renovada, bem como atuar para produção de consensos, elementos fundamentais para o esplendor dos megaeventos. Se para um evento ser considerado mega depende de seus ecos na mídia antes, durante e depois de acontecer, atingindo a milhares ou até milhões de pessoas (FREITAS, 2011), as plataformas comunicacionais transmídia se tornam ferramenta fundamental. Todo o material de divulgação da Expo Milano deixa clara a preocupação em apresentar o evento como um espaço onde tradição, criatividade e inovação, aliadas em um mesmo espaço, pretendem surpreender o mundo. Para justificar a escolha de Milão, o sítio da exposição7 destaca a posição geográfica da cidade, considerada central para os europeus, ressalta o fato de a cidade ser responsável por 10% do PIB nacional e lar de 650 showrooms de moda, concorrendo com Paris e Nova Iorque. É destacado ainda que Milão atrai mais de dez milhões de pessoas para os seus eventos culturais ao longo do ano, além de ser um lugar diferente dos demais na Itália. Esse discurso de políticos e organizadores, de “relançar” a Itália como uma nova mercadoria para o mundo, por meio de “operações para reconversão de territórios, grandes projetos urbanos e megaequipamentos culturais ou esportivos (...) ditos consensuais e competitivos” (SÁNCHEZ, 2010, p.15). Sobre a importância da escolha do local que irá sediar o megaevento, Stefano Carmannini e Alessandro Ceccarelli (2007) sinalizam o papel destes espaços que irão refletir a conjuntura histórica internacional: Se nel 1936 i Giochi si svolgono nella Berlino capitale della rinata potenza economica nazista, nel 1948 si sceglie uma Londra stroncata dai bombardamenti di guerra; nel 1988 Seul richiama l’attenzione sulla divisione con la Corea del Nord; nel 1992 Barcellona cerca, con il palcoscenico mondiale, il riposizionamento Internazionale come capitale economica della Spagna post-franchista. L’incontro ed i rapporti tra i ‘significati globali’ che il grande evento impone e i ‘significati locali’ ad esso connessi costituisce un tema centrale nell’analisi del grande evento8 (CARMANNINI; CECCARELLI, 2007, p.34). 7. Disponível em: < http://www.expo2015.org/milano/perche-milano>. Acesso em: 06 fev. 2015. 8. Se no ano de 1936 os jogos aconteceram em Berlim, capital da renascida potência econômica nazista, em 1948 se escolhe uma Londres destruída pelos bombardeios da guerra. Em 1988 Seul chama atenção para a divisão da Coreia do Norte; em 1992, Barcelona busca, como palco mundial, o reposicionamento internacional como capital econômica da Itália pós-franquista. O encontro e as relações entre os significados globais que o grande evento impõe, e os significados locais conectados a isso, constituem um tema central Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4942 Exposição Universal de Milão 2015:a cidade-empresa em busca de uma (nova) imagem Ricardo Ferreira Freitas • Flávio Lins • Maria Helena Carmo dos Santos Estas mostras têm em comum, ao longo da sua história, a conjugação de lançamento de tendências tecnológicas, diversas mídias e ampliação do campo de negócios. Desde 1851, na Inglaterra, ate a próxima Expo Milão 2015, o mote é: a comunicação e a economia regem os eventos. O que é atualizado por Muniz Sodré, para quem o “capitalismo financeiro e a comunicação constituem hoje, no mundo globalizado, um par indissolúvel” (2012, p.49) que, potencializado pelas novidades tecnológicas, como acontece nas Exposições Universais, explode em negócios e possibilidades comunicacionais. Mas a Expo Milano já começa a dar sinais de que, como tem acontecido com numerosos megaeventos, grande parte de suas obras não se concretizarão, pela dificuldade para cumprir os prazos, o que pode comprometer o legado para a região. Segundo Stefano Di Vita, a crise global impactou os planos para a realização do evento, “causando a redução imediata dos recursos disponíveis e o consequente cancelamento de obras importantes para a cidade e a região, que deveriam ter sido incorporadas ao evento” (2012, p.49). Di Vita destaca ainda que “muitas das obras previstas ainda não foram completamente ou parcialmente financiadas, algumas foram removidas e outras não serão concluídas até à Primavera de 2015”, o que tem se tornado comum para as cidades-sede dos megaeventos internacionais. Apesar dessa realidade que acomete as cidades-sede, para o autor, os megaeventos podem ser uma oportunidade para revigorar toda a região: A dimensão regional agora frequentemente assumida pela cidade e as atuais condições econômicas, sociais e ambientais devem procurar uma ampliação do cenário de referência dos grandes eventos de escala urbana para a regional e o desenvolvimento de processos mais amplos de regeneração territorial com base em: valorização do patrimônio paisagístico-ambiental, socioeconômico e cultural local; desenvolvimento de uma gestão baseada na participação de todos os interessados (organizadores do evento, autoridades locais, empresários e o terceiro setor); projeto arquitetônico e urbano sustentável; constante monitoramento e avaliação periódica dos impactos produzidos. Esta mudança, possível e desejada, trataria de enfrentar o desafio do desenvolvimento global através da valorização local (DI VITA, 2012, p.492-293). A aposta na Expo Milano 2015 para revigorar a economia e a imagem de toda a Itália, a partir de um evento regional, mas cujos ecos midiáticos são internacionais, são potencializados por diferentes plataformas comunicacionais, como TV, internet, smartphones e outras. E foi a digitalização, segundo Henry Jenkins (2009), desenvolvida paralelamente com a internet, que estabeleceu as condições para esta cultura da convergência. Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam. Convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem está falando e do que imaginam que está falando (JENKINS, 2009, p.29). na análise do grande evento (tradução nossa). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4943 Exposição Universal de Milão 2015:a cidade-empresa em busca de uma (nova) imagem Ricardo Ferreira Freitas • Flávio Lins • Maria Helena Carmo dos Santos Ao converter-se também em plataforma comunicacional, valendo-se de recursos transmidiáticos9, o megaevento torna-se, principalmente no pré e pós-evento, um espaço de socialidade, uma tribo, onde “a pessoa (persona) representa papéis” e essa “teatralidade instaura e reafirma a comunidade” (MAFFESOLI, 1998, p.108), mesmo nos períodos em que antecedem e precedem a sua realização. Por concentrarem um enorme número de pessoas – tal como as cidades que os comportam – e terem centralmente um sentido comercial, necessitam de novas formas de multiplicação de seu alcance, de atingirem o maior número possível de participantes-expectadores – e não mais participantes-interagentes de fato, como no caso dos antigos rituais e festas – e de minimizar a anestesia reinante. Esses novos objetivos só poderiam ser alcançados com os recursos advindos da mídia eletrônica. (CONTRERA; MORO, 2008, p.9) Esses megaeventos, principalmente devido ao seu caráter internacional, valendo-se do recurso da grande rede para energizar seu processo de criar consensos, acabam por desnudar e facilitar a nossa percepção sobre as suas estratégias e sobre a própria ausência de consenso entre população, políticos e organizadores. Por exemplo, sobre o potencial gerador de empregos dos megaeventos sobressaem-se as dezenas de vídeos institucionais disponibilizados no sítio do evento e no youtube, com relatos de jovens italianos que conseguiram seus primeiros empregos. Além disso, o sítio da exposição tem um quadro anunciando oportunidades de emprego para o evento10, além de receber currículos continuamente. Estes vídeos, mais do que divulgarem a exposição, legitimam a sua realização e investimento, ainda que, em proporção menor, ou com menor visibilidade, espalhem-se também textos e vídeos divulgando mazelas e suspeitas que rondam o grande evento, como acusações de desmatamento11, de má utilização das verbas públicas12, favorecimento de empresas13, exploração de trabalhadores14 e participação da máfia italiana15. Além disso, alguns vídeos já anunciam a falência da empreitada16. Ou seja, está no ar a discussão pela legitimidade e benefícios da Expo Milano 2015, como é próprio dos megaeventos, e os protestos, dado ao seu impacto na vida social e ao relacionamento nebuloso (e intenso) entre poder público e iniciativa privada que se estabelece. Meses antes de serem inaugurados, como é próprio destes acontecimentos, é possível conhecer as narrativas de seus espaços, pavilhões e novidades, que no universo virtual já acontecem, potencializadas pelos recursos da computação gráfica, dando forma à sedução da arquitetura espetacular e, especialmente, destacando as possibilidades sensíveis e de comunicação entre pessoas, espaços e objetos. O caráter lúdico também 9. Por natureza, a transmídia é um diálogo. Ela convida você a participar da narrativa de alguma forma. Isso pode ser simplesmente através da abertura de um fórum para o público opinar, para dar a opinião dele sobre a narrativa, ou pode ser algo sofisticado e rico, como vemos hoje na internet, onde pessoas contribuem com suas próprias histórias para a trama da narrativa ou participando de alguma forma como fãs [...] Por isso que a transmídia se torna um diálogo (Gomez, 2010, apud CHACEL, 2010). 10. Disponível em: <http://www.expo2015.org/lavora-con-noi/opportunita-di-lavoro-2014-2015>. Acesso em: 06 fev. 2015. 11. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=-NNjGQIt0Ks>. Acesso em: 06 fev. 2015. 12. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=VYY-r7zgF3Y>. Acesso em: 06 fev. 2015. 13. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=Y6xWu5Re7xI>. Acesso em: 06 fev. 2015. 14. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=W6kOaj4fKpI>. Acesso em: 06 fev. 2015. 15. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=EbEPAdBnvJY>. Acesso em: 06 fev. 2015. 16. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=7AXmuEZOOl4>. Acesso em: 06 fev. 2015. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4944 Exposição Universal de Milão 2015:a cidade-empresa em busca de uma (nova) imagem Ricardo Ferreira Freitas • Flávio Lins • Maria Helena Carmo dos Santos está presente no sítio da Exposição, que disponibiliza um jogo interativo online sobre alimentação no mundo, tema do evento. É o Food Game. Assim como a Itália, muitos países já disponibilizaram os projetos de seus pavilhões para serem visitados pela internet. A partir de simulações realizadas em 3D, que dão aos espaços apresentados aspecto de vídeo game, a Expo Milano materializa, em terreno virtual, a sua proposta de surpreender e encantar o público, embora, se observarmos a partir da própria plataforma de vídeos youtube, o mesmo encantamento parece não se repetir em um mundo real. Através de uma abordagem realizada sem rigor científico, verificamos que enquanto um vídeo feito em computação gráfica mostrando o pavilhão da Itália, postado em 25/04/2013, já foi exibido 7.489 vezes17, outro vídeo, postado um mês depois, 20/05/2013, mostrando os trabalhos em curso no canteiro de obras da exposição, inclusive o espaço reservado ao pavilhão da Itália, foi exibido apenas 1.098 vezes18. Embora esta observação não tenha sido feita a partir de nenhuma metodologia científica, acreditamos que sinaliza o fascínio que a exposição exerce como uma viagem imaginária e de experimentação, mais sedutora que a própria materialidade do evento. Segundo Vito di Bari, designer de Inovação da Expo 2015, há o espírito de um novo Renascimento, desta vez partindo de Milão, que deverá ocorrer a partir da inovação tecnológica19. A própria logomarca do evento, apresentada durante a fase candidatura, mas posteriormente modificada, dava sinais deste desejo, já que se valia da figura do “Homem Vitruviano”, obra de Leonardo da Vinci que sintetizaria o ideário da Renascença. Di Bari destaca também, em seu sítio, que algumas das inovações pretendem propiciar experiências sensíveis (e inesquecíveis) para o público, como o Panteão Holográfico, o primeiro do mundo, que projetará, no céu, figuras históricas de Milão que irão informar aos visitantes sobre a cidade, o Caleidoscópio Humano20, a Expo XP21, os Pavilhões Virtuais22, os espaços para grafites virtuais23, os muros e paredes interativos, repletos de possibilidades comunicacionais e sensíveis. Acreditamos que, a partir de suas investidas no mundo virtual, como o Panteão Holográfico, a Expo Milano busca consolidar e renovar o espírito das Exposições Universais como arautos do futuro, ainda que, abrindo as portas para este tempo, as amplas possibilidades da experiência virtual possam vir a substituir a materialidade do acontecimento. 17. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=AXfODgZDAJ0>. Acesso em: 06 fev. 2015. 18. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=Sm0LX64mMy0>. Acesso em: 06 fev. 2015. 19. Disponível em: <http://vitodibari.com/pt/designer-inovao/expo-2015. Acesso em> 06 fev. 2015. 20. Composto de uma mágica decoração urbana, será pintado com tintas sensíveis ao calor e mudará de cor conforme a variação da temperatura; tapetes sensoriais tocarão melodias diferentes, à medida que variar o fluxo de visitantes sobre ele, e um sistema de iluminação PLC, ligado a sensores que criará jogos de luzes diferentes, variando com os movimentos das pessoas. Disponível em: <http://vitodibari.com/pt/ designer-inovao/expo-2015>. Acesso em: 06 fev 2015. 21. Óculos especiais, com tecnologia de realidade virtual, para ver clipes de filmes e imagens que fizeram parte da história. Disponível em: <http://vitodibari.com/pt/designer-inovao/expo-2015>. Acesso em: 06 fev 2015. 22. Soluções digitais para fornecer uma comunicação eficaz e de baixo custo. Serão incluídos entre outras exposições na Expo. Disponível em: <http://vitodibari.com/pt/designer-inovao/expo-2015>. Acesso em: 06 fev 2015. 23. Todos os visitantes poderão deixar mensagens em locais mais frequentados da cidade, que podem ser acessadas por positivos móveis e tablets. Disponível em: <http://vitodibari.com/pt/designer-inovao/ expo-2015>. Acesso em: 06 fev 2015. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4945 Exposição Universal de Milão 2015:a cidade-empresa em busca de uma (nova) imagem Ricardo Ferreira Freitas • Flávio Lins • Maria Helena Carmo dos Santos CONCLUSÃO O desejo dos organizadores da mostra de surpreenderem os visitantes com experiências sensíveis robustecidas pelas últimas novidades tecnológicas não é novo e tem sido a sua essência. Megaeventos internacionais, como Exposições Universais, Jogos Olímpicos e Copa do Mundo, passaram a ser utilizados como peças no jogo do capitalismo midiático, onde “financeirização e mídia são as duas faces de uma moeda chamada sociedade avançada” (SODRÉ, 2012, p.50). Na Expo Milano, essa convergência de mídias ajuda a criar uma expectativa para um novo “Renascimento”, apesar de todos os desafios e protestos que um evento gera. Em resumo, conquanto as novas tecnologias criem possiblidades contra e a favor da Exposição, nelas uma técnica iconófila (MAFFESOLI, 2010, p.116) cria espaços que explodem em imagens e experiências sensoriais, um mundo de aparências profundas, produtor de imaginários que movem as engrenagens do nosso tempo. Assim, numa complexa operação simbólica, há um compartilhamento do imaginário de Milão e da Itália, e, ao final, marca-cidade e marca-país renascem mais fortes, apresentando-se, ambas, renovadas através de imagens e experiências sensíveis. REFERÊNCIAS ARANTES, Otília. Berlim e Barcelona: duas imagens estratégicas. São Paulo: Annablume, 2012. DI BARI, Vito. Expo Milano 2015. [2012?]. Disponível em: <http://vitodibari .com/pt/designer-inovao/expo-2015>. Acesso em: 6 jan. 2015. BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: UFMG, 2006. BINTCLIFFE, Jordan. Countries turn to “expos” to attract growth. 2012. Disponível em: <www. worldfinance.com/inward-investment/out-of-this-world>. 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A discussão apresentada faz parte de nossa pesquisa de doutorado, que focalizou a análise dos ditames de relações públicas admitidos e disseminados pelo discurso de reconhecida entidade promotora da racionalização do trabalho no país, o Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT). O uso de comunicação articulado pelo ideário de relações públicas, à época, indicava a proposição de orientações e normativas consideradas adequadas à administração das relações de trabalho em empresas pela classe dirigente interessada no processo de industrialização do Brasil. Influenciadas pelos princípios admitidos pela “Organização Científica do Trabalho”, essas orientações de relações públicas revelam a relação direta entre o entendimento de comunicação nas relações de trabalho em organizações e a filosofia das “relações humanas” no período histórico estudado. Palavras-Chave: Comunicação e trabalho. Relações humanas. Relações públicas. Racionalização do trabalho. IDORT. Abstract: The main purpose of this article is to address the doctrine of “human relations” as one of the genesis of communication factors in labor relations in organizations in Brazil, considering the interrelationship of its philosophy with public relations precepts widespread, especially between the 1950s and 1960. The discussion presented is part of our doctoral research, which focused on the analysis of eligible public relations dictates and disseminated by Instituto de Organizacção Racional do Trabalho (IDORT), recognized promoter of the rationalization of work in this country. At that period, the use of communication by public relations ideas indicated the proposition of guidelines and standards considered appropriate for the administration of labor relations in enterprises, by the ruling class interested in the industrialization process in Brazil. Influenced by the principles accepted by the “Scientific Organization of Work”, these public relations guidelines show the direct relationship between the understanding 1. Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA-USP. Pesquisadora do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho (CPCT) da ECA-USP. Docente do Departamento de Comunicação da Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: [email protected]. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4948 As “relações humanas” como fator da gênese da comunicação nas relações de trabalho em organizações no Brasil Claudia Nociolini Rebechi of communication in work relations in organizations and the philosophy of “human relations” in the historical period studied. Keywords: Communication and work. Human relations. Public relations. Rationalization of work. IDORT. APRESENTAÇÃO INICIAL ESTUDO A ser apresentado faz parte dos resultados de nossa pesquisa de dou- O torado2 sobre as prescrições de comunicação no contexto organizacional em diálogo com os princípios da racionalização do trabalho difundidos na primeira metade do século XX. Em especial, a pesquisa focalizou a análise dos ditames de relações públicas admitidos e disseminados pelo discurso do Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT), entre os anos 1930-1960. O IDORT, criado em 1931 por empresários e intelectuais paulistas, mostrou-se um agente ativo de difusão da filosofia de gestão e organização do trabalho dominante à época, incorporada por organizações privadas e da administração pública no Estado de São Paulo e em outras regiões brasileiras em fase de desenvolvimento urbano-industrial. Pode-se dizer que o Instituto, até a década de 1960, teve como principal propósito difundir os princípios e métodos de doutrinas ligadas ao ideário da “Organização Científica do Trabalho”. Como instituição representante dos interesses da classe empresarial e intelectual preocupada com o desenvolvimento da industrialização e modernização da sociedade brasileira, o IDORT encontrou nos princípios de “Organização Científica do Trabalho” uma via eficiente para formular modos de dominação social considerados necessários à exploração da força de trabalho e à expansão do capitalismo. Dentro de sua trajetória de “portador das mais modernas exigências da racionalização” (ANTONACCI, 1993, p. 17) no país, o IDORT construiu seu discurso institucional em diálogo direto com os pilares do idéario de organização e gestão do trabalho articulado, especialmente, pelos preceitos “científicos” do taylorismo, do fordismo e do movimento das “relações humanas”. Não por acaso, o símbolo representativo do Instituto contempla os seguintes termos: “razão”, “método”, “tempo”, “saber” e “evolução”. Em determinado momento de sua trajetória, mais especificamente na década de 1950, o IDORT toma conhecimento da filosofia de relações públicas e começa a se interessar pelo desenvolvimento da atividade no país. Surgem os primeiros cursos de relações públicas promovidos pelo Instituto, com a participação de figuras representativas dessa atividade, como o professor Candido Teobaldo de Souza Andrade, e também são publicados inúmeros textos sobre o tema na revista institucional do IDORT. Pode-se dizer que o interesse dessa entidade promotora da racionalização do trabalho pelas relações públicas deu-se, principalmente, devido ao teor da natureza “conciliadora” dessa atividade que se formulava naquela época. A incorporação de princípios 2. A tese referida intitula-se “Prescrições de comunicação e racionalização do trabalho: os ditames de relações públicas em diálogo com o discurso do IDORT (anos 1930-1960)” e foi defendida recentemente, em abril de 2014, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo (PPGCOM da ECA-USP). Esse estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), por meio de concessão de bolsa de doutorado, e pode ser acessado em sua íntegra no site Teses USP: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27152/tde-20102014-110342/pt-br.php. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4949 As “relações humanas” como fator da gênese da comunicação nas relações de trabalho em organizações no Brasil Claudia Nociolini Rebechi e métodos, alinhados às doutrinas da “Organização Científica do Trabalho”, por organizações privadas e governamentais acirravam os conflitos no contexto da gestão do trabalho. Não à toa, os trabalhadores resistiram a certos modos de realização do trabalho e de comportamentos impostos a eles. Tendo isso em vista, a filosofia de “harmonização” admitida pelas relações públicas mostrava-se conveniente à necessidade do processo de racionalização de amenizar os embates nas relações internas aos espaços produtivos. Por meio de um percurso teórico-metodológico que contemplou uma ampla pesquisa em arquivos3 e uma análise discursiva4 do material levantado - apostilas dos cursos de relações públicas promovidos pelo próprio IDORT e textos publicados na revista da entidade - observamos que os ditames da Escola das “relações humanas” ganharam espaço representativo no quadro de temas que orientaram a formação de especialistas em organização e gestão do trabalho, principalmente nos anos 1950 e 1960. Notadamente, percebe-se uma reapropriação dessa doutrina por meio da discussão de questões relacionadas à administração de pessoal e à comunicação no ambiento interno às empresas. A análise do material levantado revelou uma inter-relação entre o entendimento de “relações humanas”, propagado pelo IDORT, e o que esse Instituto considerava ser a atividade de relações públicas no contexto das relações de trabalho em organizações, sobretudo no que tange a função dessa atividade na administração das relações entre trabalhadores e o comando das organizações. Com essa pesquisa foi possível constatar que a ideia de “relações humanas” e os seus discursos são formadores do entendimento de relações públicas na primeira metade do século XX, no Brasil. Portanto, não por acaso, as “relações humanas”, consideradas uma doutrina de “organização do trabalho”, tornaram-se orientadoras das prescrições de comunicação nas relações de trabalho em organizações no país. Em face ao exposto, o propósito principal deste artigo é tratar sobre a doutrina das “relações humanas” como fator da gênese da comunicação nas relações de trabalho em organizações no Brasil, considerando a inter-relação de sua filosofia com os preceitos de relações públicas difundidos, sobretudo, entre as décadas de 1950 e 1960. AS “RELAÇÕES HUMANAS” NO PROCESSO DE RACIONALIZAÇÃO DO TRABALHO Ao estudarmos o processo de racionalização do trabalho mobilizado pelos fundamentos do sistema taylorista/fordista, a partir dos anos 1920, percebe-se que essa forma de entender as relações de trabalho apresenta características de cunho essencialmente mecanicista. Sob esta ótica, o ser humano é compreendido, sobremaneira, por meio de aspectos fisiológicos, econômicos e técnicos (DESMAREZ, 1986). No período entreguerras, entretanto, as condições de trabalho e o trabalhador foram investigados em outra perspectiva. Para um grupo de pesquisadores norte-americanos interessava estudar o que chamaram de “fator humano” dentro do processo produtivo. Uma série de experiências com o propósito de analisar o indivíduo no trabalho foram 3. No Brasil, nossa pesquisa realizou-se, especialmente, no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), ligado ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 4. A forma escolhida para a mobilização do corpus, de certo modo, filia-se aos princípios gerais da Análise do Discurso de linha francesa (AD), embora não seja uma pesquisa de AD stricto sensu. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4950 As “relações humanas” como fator da gênese da comunicação nas relações de trabalho em organizações no Brasil Claudia Nociolini Rebechi realizadas na usina de Hawthorne da Western Eletric Company, entre 1924 e 1932. Algumas dessas experiências foram dirigidas por engenheiros do Massachussett Institute of Techonology. As mais conhecidas dessas são as investigações coordenadas por Elton Mayo, que, posteriormente, tornariam referência para inúmeros estudos de sociologia do trabalho, de sociologia industrial e da psicossociologia. Em especial, os experimentos de Mayo originaram a Escola das Relações Humanas, cujos fundamentos configuraram as diretrizes de gestão de pessoal associada às políticas do management, a partir dos anos 1940. Trata-se de uma tendência que buscava agir sobre o comportamento e a motivação dos trabalhadores a fim de explorar a dimensão social das relações entre os indivíduos e o sistema produtivo nas empresas (DESMAREZ, 1986). Conforme explica o estudioso Pierre Desmarez (1986), após o cumprimento das experiências, em 1931, com milhares de entrevistas realizadas com os empregados da Western Eletric Company, Elton Mayo e sua equipe concluíram que, primeiramente, existia uma relação direta entre o interesse manifestado da direção pelo comportamento dos trabalhadores e o aumento da produtividade; tratava-se do “efeito Hawthorne”. Isto é, havia ganhos positivos de produtividade quando os empregados eram acompanhados e supervisionados mais de perto pelas chefias. Outra descoberta indicava que o rendimento do trabalho humano não dependia unicamente de um estímulo financeiro, mas especialmente de fatores psicológicos e sociais. Pois os parâmetros que determinavam o quanto deve “render” a atividade de trabalho eram determinados, na verdade, pelos próprios empregados, nas suas relações como um grupo dentro da organização. E os limites desse rendimento dependiam de um padrão informal de produção estabelecido pelo grupo que, por sua vez, influenciava o comportamento de cada indivíduo. Isso significava, então, que aspectos como tensões, antagonismos entre as pessoas e oposições de ideias podiam afetar negativamente a produção. Tais descobertas alçaram o movimento das “relações humanas” a um patamar singular e célebre no campo das ciências sociais do trabalho, já a partir dos anos 1930, tendo, todavia, o seu momento de maior destaque apenas na década de 1950. Pela primeira vez, dentro do quadro de pesquisas sobre gestão e organização do trabalho, seria apresentado de maneira mais concreta que a influência do grupo provoca modificações no comportamento do indivíduo na empresa. Dentro dessa abordagem, a disposição e o ânimo do indivíduo para a realização do trabalho estariam sujeitos ao nível de entendimento entre os empregados e ao nível de compreensão entre as chefias e seus subordinados. O ser humano “trabalhador” e as relações interpessoais, das quais participa, tornavam-se fatores de suma importância no processo de racionalização. A Escola das “relações humanas” recusou a concepção de trabalhador como “máquina humana”. De modo distinto do taylorismo/fordismo, o trabalhador foi compreendido como um indivíduo dotado de afetividade e de “sentimentos”. Foram valorizadas, portanto, as relações entre os homens que se desenvolvem dentro da empresa e a possibilidade que esta última teria de “realizar-se” humanamente (PILLON; VATIN, 2003). Sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, as pesquisas de Mayo e sua equipe ganharam reconhecimento por estudiosos e especialistas em gestão de pessoal, não somente nos Estados Unidos, mas, também, na Europa. Seus princípios foram apropriados Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4951 As “relações humanas” como fator da gênese da comunicação nas relações de trabalho em organizações no Brasil Claudia Nociolini Rebechi pelas direções de empresas que elaboraram políticas de “administração de pessoal” com o apoio de especialistas conhecedores do ideário das “relações humanas”. Suas recomendações quanto à mudança do modo de supervisão dos trabalhadores para conseguir sua colaboração aos propósitos da empresa, despertaram grande interesse e boa recepção do patronato e da classe dirigente na época. Num período de dificuldades financeiras, causado, especialmente, pelas duas grandes guerras mundiais, cujos resultados são alto desemprego e, consequentemente, fortes reivindicações dos trabalhadores, a doutrina das “relações humanas” reduz a importância do aspecto econômico sobre a satisfação e o bem-estar dos trabalhadores e oferece outros meios à direção de empresas para conseguir a colaboração dos empregados. Não é exagero dizer que o patronato e os administradores enxergavam nos preceitos de Elton Mayo e de seus seguidores uma alternativa de gestão dos comportamentos da força de trabalho condizentes com os seus interesses. Sobretudo, a concepção de empresa oferecida foi bastante propícia e cômoda à posição da direção. Se nenhum desequilíbrio provinha das contradições inerentes ao sistema social, todas as soluções poderiam ser encontradas na empresa, com base em uma análise essencialmente “científica”. Tratava-se de uma abordagem, tal como o modelo taylorista/fordista, preocupada em conferir bases teóricas à gestão dos trabalhadores, isto é, atribuir “cientificidade” ao controle social dentro das empresas. Os psicólogos industriais, numa perspectiva diferente daquela defendida por Frederick W. Taylor, procuravam convencer o patronato de que o comportamento dos trabalhadores não era conduzido somente por razões morais ou pela satisfação de suas expectativas financeiras. Para os adeptos da psicologia industrial, Taylor ignorou a atuação dos “sentimentos” no comportamento dos trabalhadores, o que levava o engenheiro a desconsiderar as dimensões subjetivas que conformam as suas ações. Para uma parte dos analistas sobre o mundo do trabalho, as experiências de Mayo e de sua equipe, o movimento das “relações humanas” e a abordagem adotada pela psicologia industrial são considerados uma reação ou uma oposição aos princípios e métodos tayloristas. No entanto, Desmarez (1986), assim como Braverman (1987), questionam esse posicionamento. Ambos compreendem que tais perspectivas complementam a doutrina da administração científica. Pois elas não criticam os fundamentos desse tipo de organização do trabalho, mas, sim, os meios de submeter os trabalhadores a essa lógica. O processo de organização do trabalho trazido pelo taylorismo é considerado algo inelutável. A preocupação de Elton Mayo e da psicologia industrial seria, portanto, a de oferecer instrumentos para a “gestão social” dos trabalhadores face ao modo de realizar o trabalho, num contexto já estabelecido pela administração científica. O IDORT E A LEGITIMAÇÃO DAS RELAÇÕES PÚBLICAS NO BRASIL Conforme indicado antes, os princípios das “relações humanas” foram admitidos pelas políticas de gestão do trabalho em organizações norteadores de suas ações, sobretudo, a partir da década de 1950. Portanto, não por acaso, entidades promotoras da racionalização do trabalho em vários países empenharam-se na difusão de filosofias de relacionamento entre trabalhadores e organizações consensuais à doutrina pensada inicialmente por Elton Mayo. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4952 As “relações humanas” como fator da gênese da comunicação nas relações de trabalho em organizações no Brasil Claudia Nociolini Rebechi No Brasil, assim como na França5, a filosofia de relações públicas despertou a atenção dos agentes da racionalização ao apresentar-se como um modo eficiente de adequar as relações de trabalho às novas políticas de gestão de organizações que surgiram à época. No caso brasileiro, a atuação do IDORT em prol da legitimação das relações públicas demonstra muito bem esse cenário. Sabe-se que a primeira metade do século XX foi um período considerado significativo do processo de industrialização do Brasil e de transformações dos modos de vida e de formas de trabalhar mobilizados, em grande medida, por meio de ações e políticas promovidas pelo Estado e pelo empresariado. Ambos centravam seus esforços em modernizar o país, em níveis econômicos e sociais, e criar bases para o avanço do capitalismo. Nesse momento histórico, surgiram diversas instituições com o propósito de auxiliar na concretização desse projeto econômico e ideológico da burguesia industrial como, por exemplo, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). E entre todas elas, o Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT) ganhou destaque, conforme é explicado em obras reconhecidas sobre os momentos decisivos da industrialização do país, a exemplo dos estudos de M. Antonieta M. Antonacci (1993) e de Barbara Weinstein (2000). Dentro desse panorama, o interesse do IDORT pelo uso da comunicação na administração das relações de trabalho em empresas privadas e da administração pública surge no período após a Segunda Guerra Mundial. Neste momento, a atividade de relações públicas é contemplada pelo Instituto como um meio útil e eficiente para reforçar valores sociais e padrões de comportamento a favor do apaziguamento de conflitos entre trabalhadores e o comando das organizações. A ideia de “cooperação” de classes torna-se fundamental para invalidar as tensões sociais inerentes aos sistemas produtivos configurados pelas relações capitalistas. Nesse contexto, a partir dos anos 1950, o IDORT se empenharia em legitimar a atividade de relações públicas no país, realizando diversas ações nessa direção. Primeiramente, o IDORT promoveu uma série de palestras e conferências. Em 1953, por exemplo, o Instituto recebeu o consultor da Organização das Nações Unidas (ONU) Eric Carlson para proferir três conferências distintas, nos dias 6, 7 e 10 de julho de 1953, no auditório do Banco Nacional Interamericano: (1) O papel das relações públicas na racionalização do trabalho; (2) Relações públicas e suas responsabilidades na administração e organização administrativa; e (3) Criação de um clima de opinião pública favorável à produtividade e ao trabalho de cooperação entre a administração e os trabalhadores. O teor das palestras sobre relações públicas despertaram grande interesse de empresários do comércio e da indústria, bem como de gestores e funcionários da administração pública, atraindo um número significativo de espectadores interessados no tema. As conferências de Carlson ofereceram aos membros e às lideranças do IDORT muito mais dados e argumentos que poderiam justificar a integração da atividade de relações públicas ao conjunto de elementos motrizes do discurso e das ações do Instituto. 5. Em nossa pesquisa de doutorado também realizamos uma ampla investigação em acervos franceses e identificamos a atuação de duas entidades promotoras da racionalização do trabalho, congêneres ao IDORT, em prol da legitimação das relações públicas nos anos 1950 e 1960. Cf. (REBECHI, 2014). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4953 As “relações humanas” como fator da gênese da comunicação nas relações de trabalho em organizações no Brasil Claudia Nociolini Rebechi Neste sentido, o ideário das relações públicas mostrou-se útil ao estabelecimento de parâmetros considerados fundamentais para uma determinada “ordem social” propícia ao enquadramento das relações de trabalho no contexto da industrialização do país e ao avanço do capitalismo. Eric Carlson, aliás, não poupou palavras para convencer os “idorteanos” quanto a isso: Uma coisa é certa: quaisquer que sejam os obstáculos para o desenvolvimento das relações públicas no Brasil, valerá a pena superá-los, desde que os resultados, colhidos embora a longo prazo, serão dos mais benéficos para a indústria, que encontrará, na exploração deste campo, um dos fatores mais construtivos para que se possa realizar sua missão de propulsora do progresso e da grandeza nacional (Carlson, 1953a, p. 218). O propósito fundador das relações públicas de estabelecer relações “harmônicas” entre organizações/empresas e seus “públicos” é admitido como um modo bastante adequado às condições para a efetividade da racionalização do trabalho. Eric Carlson explica aos membros do IDORT que o desenvolvimento correto da atividade de relações públicas instaura um “clima” favorável à cooperação de empregados e empregadores em prol da produtividade. Entende-se, neste caso, as relações públicas como uma “rua de duas mãos” – conforme expressão utilizada pelo próprio especialista –, sendo que o papel de ouvir, avaliar e definir os interesses dos trabalhadores é tão importante quanto tornar as orientações e ideias da direção da empresa conhecidas pelos empregados. Neste caso, as relações públicas adquirem a função de administração das relações entre os empregadores e seus funcionários. Função, esta, concebida originalmente pela empresa e não pelos trabalhadores. Além de promover essas palestras e de outras que trataram da natureza, do propósito, da função e das técnicas de relações públicas, o IDORT criou, em 1954, um “Grupo de Relações Públicas” para reunir integrantes e simpatizantes do Instituto que pudessem compartilhar suas experiências e seu conhecimento relacionado ao tema. Os encontros e os debates proporcionados pelo “Grupo de Relações Públicas” do IDORT levou à fundação da Associação Brasileira de Relações Públicas (ABRP), em 21 de julho de 1954, com estatuto próprio. A primeira presidência da ABRP foi atribuída a Hugo Barbieri, integrante da diretoria do IDORT, à época, e executivo da empresa Esso Standard do Brasil. Os demais cargos do corpo diretivo da Associação também estiveram sob a responsabilidade de membros do Instituto: A diretoria tomou posse em 11 de setembro de 1954 na sede do IDORT, mais especificamente no Auditório Dr. José Ermírio de Moraes. Na ocasião, vinte e sete era o número de sócios da associação recém-criada. Outra iniciativa do IDORT para legitimar as relações públicas refere-se aos cursos regulares sobre a atividade ministrados entre as décadas de 1950 e 1960. O primeiro deles esteve sob a responsabilidade de Mario Sassi e ocorreu em 1953. Ao longo das duas décadas, tantos outros foram desenvolvidos sob a tutela do IDORT com a direção de Candido Teobaldo de Souza Andrade e outros especialistas de relações públicas à época. O material originado destes cursos6 revelam um esforço inicial de sistematização 6. Doze apostilas oriundas desses cursos de relações públicas foram identificadas e analisadas em nossa tese. Cf. REBECHI (2014) Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4954 As “relações humanas” como fator da gênese da comunicação nas relações de trabalho em organizações no Brasil Claudia Nociolini Rebechi dos elementos constituintes da atividade de relações públicas e, ao mesmo tempo uma primeira tentativa de prescrição do uso da comunicação nas organizações, dentro de um contexto favorável de desenvolvimento e expansão do capitalismo. Por fim, o IDORT também publicou um grande número de textos sobre relações públicas e comunicação para empresas em sua revista institucional7, a qual mostrou ser um instrumento bastante útil no propósito de divulgação da entidade e de seus valores. Candido Teobaldo de Souza Andrade dirigiu a seção específica sobre o tema na revista produzida pelo IDORT, sendo ele mesmo autor de vários artigos publicados. A seção surge na década de 1950 e recebe a colaboração de outros especialistas na atividade. O propósito da seção era oferecer ao leitor explicações básicas sobre as funções da atividade de relações públicas e sua correlação com o processo de racionalização do trabalho e com o desenvolvimento do capitalismo moderno. A revista produzida pelo IDORT, neste sentido, pode ser considerada um dos primeiros veículos de comunicação impressos, senão o primeiro, a tratar de relações públicas no Brasil com determinada periodicidade e por meio do conhecimento e da experiência de profissionais – em grande parte brasileiros – que se interessavam pela atividade e procuravam aplicar seus preceitos e suas técnicas nas organizações onde atuavam. Em face ao que foi exposto, pode-se dizer que o esforço do IDORT na legitimação das relações públicas no Brasil justifica-se, especialmente, devido aos aspectos comuns entre a natureza dessa atividade e os princípios da racionalização do trabalho, sobretudo da filosofia das “relações humanas”. Estudar os aspectos que compõem essa inter-relação, portanto, podem contribuir para um melhor entendimento das matrizes fundadoras da comunicação nas relações de trabalho em organizações no Brasil. INTER-RELAÇÃO ENTRE RELAÇÕES PÚBLICAS E “RELAÇÕES HUMANAS” As leituras e análises do material do IDORT despertaram nossa atenção para uma questão importante integrada ao propósito de nossa pesquisa. Elas revelam uma interrelação entre o entendimento de “relações humanas”, propagado pelo IDORT, e o que esse Instituto considerava ser a atividade de relações públicas no contexto das relações de trabalho em organizações. Essa constatação aparece, num primeiro momento, evidenciada nos argumentos trazidos pelos autores e colaboradores da revista e de outros materiais textuais do Instituto. A expressão “relações humanas” é acionada na intenção de explicar as possíveis conceituações de relações públicas, sobretudo no que tange a função dessa atividade na administração das relações entre trabalhadores e o patronato e entre chefias e subordinados. Uma análise mais atenta desse material documental leva a considerar a seguinte assertiva: a ideia de “relações humanas” e os seus discursos são formadores do entendimento de relações públicas difundido pelo IDORT. Desse modo, as relações públicas são projetadas como uma atividade intrínseca à filosofia das “relações humanas”. Por 7. Uma lista completa com todos os textos sobre relações públicas e comunicação para empresas publicados pela revista do IDORT pode ser verificada em nossa tese. Idem. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4955 As “relações humanas” como fator da gênese da comunicação nas relações de trabalho em organizações no Brasil Claudia Nociolini Rebechi sua vez, considerada uma doutrina de “organização do trabalho”, as “relações humanas” tornaram-se orientadoras das prescrições de comunicação em organizações. A proposição mais recorrente da concepção de “relações humanas” evidenciada pelo IDORT está ancorada na valorização do “bem-estar” do trabalhador em prol da eficiência na realização do trabalho e da produtividade na empresa. Nesse mesmo contexto, a atividade de relações públicas estaria em compasso com os ditames das “relações humanas” no momento em que a ela é atribuída a função de contribuir para a “criação de um espírito de equipe”. Às relações públicas designou-se a função de auxiliar na gestão das relações de trabalho das organizações, e seu papel, entre outros, foi o de promover medidas que reforçassem os propósitos das “relações humanas”. A fala de Murilo Mendes, um dos pioneiros instrutores de cursos sobre relações públicas no Brasil, realizados pelo IDORT, retrata essa questão: Como as boas relações públicas começam por casa, é óbvio que o primeiro passo será examinar atentamente a política geral observada para com o pessoal da empresa. Por melhores que sejam as bases estabelecidas na administração interna da indústria, a experiência prova que há vantagens imensas a ganhar; seja na melhora constante das técnicas de relações humanas no trabalho, como no aperfeiçoamento educacional de todo o pessoal, para que se crie na indústria essa atmosfera de entusiasmo pelo trabalho, de lealdade para com a empresa, enfim, esse ‘esprit de corps’ que vinca as grandes organizações de uma unidade sólida e dinâmica (Mendes, 1953, p. 316). “Lealdade” e “entusiasmo” são termos-chave no discurso da racionalização que une as relações públicas e as “relações humanas”. Exige-se do empregado que seja fiel à empresa onde trabalha, isto é, que coopere com o modelo de gestão e organização do trabalho pensado pela gerência e, portanto, que colabore com suas chefias e com os demais empregados em prol de um “clima” propício para a produtividade. A cooperação para com a empresa, no entanto, resulta da “motivação” e de um certo “entusiasmo” dos trabalhadores. Ambos os aspectos, conforme prega a filosofia das “relações humanas”, depende do esforço e do preparo do comando da organização. Como criar nos empregados o desejo de alcançar os objetivos planejados e tornálos os seus próprios objetivos? A resposta estaria na relação das chefias com os seus subordinados; no seu modo de comandar e liderar aqueles que estão sob seu controle no ambiente de trabalho. Nesse sentido, algumas recomendações são enunciadas pelo IDORT como obrigatórias aos “administradores de pessoal” nas relações de trabalho. A primeira delas indica que a cordialidade é um fator essencial. Ser amigável e demonstrar sinceridade em seu comportamento e nas suas atitudes poderiam proporcionar receptividade positiva por parte dos subordinados. Saber ordenar, criticar e elogiar de modo a conquistar a simpatia dos empregados tornavam-se elementos imprescindíveis no modelo de gestão defendido pelas “relações humanas”. Outra recomendação seria demonstrar interesse na vida profissional e pessoal dos empregados. Tal atitude aproxima chefes e subordinados, sugerindo que ambos compartilham interesses em comum. Nesse mesmo contexto, estar disposto a ouvir o trabalhador e manter breves diálogos com ele, ao longo de sua jornada, contribuem para uma relação amistosa entre ambas as partes e para a constituição de um bom “clima” no ambiente de trabalho. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4956 As “relações humanas” como fator da gênese da comunicação nas relações de trabalho em organizações no Brasil Claudia Nociolini Rebechi Todos esses ditames são apresentados como fundamentais para se angariar a “boa vontade” do trabalhador em prol da organização e gestão do trabalho. Quando o trabalhador coopera com as decisões dos gestores e do patronato, a política da empresa torna-se eficiente em conseguir uma certa “harmonia” nas relações de trabalho. Podese dizer que esse é um dos elementos mais importantes da filosofia das “relações humanas”. Dentro desse contexto, o “interesse mútuo” entre os trabalhadores e seus empregadores, entre aqueles que “executam” e os que “planejam” o trabalho, isto é, subordinados e chefias, e entre os próprios empregados nas organizações é anunciado como uma condição fundamental para a racionalização do trabalho com base no modelo “humanizador”. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme indicado no início deste artigo, nosso principal propósito foi tratar sobre a doutrina das “relações humanas” como um dos fatores da gênese da comunicação nas relações de trabalho em organizações no Brasil, considerando a inter-relação de sua filosofia com os preceitos de relações públicas difundidos, sobretudo, entre as décadas de 1950 e 1960. Tendo isso em vista, mesmo que de maneira sintética, procuramos discutir a questão ao falarmos dos princípios da Escola das Relações Humanas, além de apresentarmos elementos que demonstram a atuação do IDORT na legitimidade das relações públicas no Brasil e a inter-relação entre essa atividade e os preceitos das “relações humanas” disposta no material produzido pelo Instituto. Pode-se dizer que conhecer esse contexto, certamente, é fundamental para refletirmos sobre a origem do discurso hegemônico de comunicação em empresas difundido atualmente e reproduzido por fração considerável dos estudos brasileiros de relações públicas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTONACCI, M. Antonieta M. (1993). A vitória da razão(?): o IDORT e a Sociedade Paulista. São Paulo: Marco Zero. BRAVERMAN, Harry. (1987). Trabalho e capital monopolista. Rio de Janeiro: Zahar. CARLSON, Eric. (out. 1953a.). O papel das Relações Públicas na Racionalização do Trabalho. Revista de Organização Científica, São Paulo, ano 22, n. 262, p. 217-221. DESMAREZ, Pierre. La sociologie industrielle aux États-Unis. Paris: Armand Colin, 1986. MENDES, Murillo. (dez. 1953). Programas de relações públicas para a indústria. Revista de Organização Científica, São Paulo, ano 22, n. 264, p. 316-317. PILLON, Thierry; VATIN, François. (2007). Traité de Sociologie du Travail. Toulouse: Octares. REBECHI, Claudia Nociolini. (2014). Prescrições de comunicação e racionalização do trabalho: os ditames de relações públicas em diálogo com o discurso do IDORT (anos 1930-1960). 2014, 351 f. Tese [Doutorado em Comunicação]. Escola de Comunicações e Artes – Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. WEINSTEIN, Barbara. (2000). (Re)formação da classe trabalhadora no Brasil, 1920-1964. São Paulo: Editora Cortez. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4957 Aproximações conceituais: mediações, relações públicas e relacionamentos Conceptual approaches: mediations, public relations and relationships É l l i d a N e i va G u e d e s 1 Resumo: Objetiva-se mostrar as aproximações entre as concepções de mediação e das relações públicas, por meio da revisão teórica dessas áreas. Demonstram-se as repercussões de tais conceitos na configuração dos relacionamentos institucionais, através de um recurso metodológico denominado contextos de observação das mediações, que organiza as mediações dos cotistas da Universidade Federal do Maranhão. Analisa-se o discurso dos cotistas, materializado em um questionário e em um grupo focal. Os cotistas configuram os relacionamentos com a Universidade como mediadores da assistência estudantil necessária para a permanência deles no ensino superior. Conclui-se que os relacionamentos são processos mediados pelo material simbólico dos cotistas e mediadores da inclusão social. Palavras-Chave: Mediações. Relações Públicas. Relacionamentos institucionais. Cotistas. Universidade Federal do Maranhão. Abstract: This article aims to show the approaches between the concepts of mediation and public relations, through the theoretical review of these areas. The impact of these concepts are demonstrated in the configuration of institutional relationships, through a methodological recourse called contexts observation of mediations, which organizes the mediation of the quota students of the Federal University of Maranhão. It’s analyzed the discourse of quota students, materialized in a questionnaire and a focus group. The quota students configure relationships with the University as mediators of student assistance necessary for their stay in higher education. It´s concluded that the relationships are mediated processes of the symbolic material of quota students and mediators of social inclusion. Keywords: Mediations. Public Relations. Institutional relationships. Quota students. Federal University of Maranhão. INTRODUÇÃO O CAMPO das relações públicas, os relacionamentos, processos sustentados na N mutualidade de interesses entre uma organização e determinados grupos de pessoas, a partir da qual nascem vínculos (Grunig, 2009a; França, 2004), desempenham uma função mediadora. O processo relacional funda-se, também, nos impactos 1. Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de Coimbra, professora de Relações Públicas da Universidade Federal do Maranhão, [email protected] Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4958 Aproximações conceituais: mediações, relações públicas e relacionamentos Éllida Neiva Guedes recíprocos, o que implica dizer que as ações e decisões de cada envolvido geram efeitos sobre o outro. A partir desse entendimento, objetiva-se, neste artigo, mostrar as aproximações entre as concepções de mediação e das relações públicas, à medida que faz-se uma revisão conceitual no terreno das duas áreas, articulando-as, ainda, aos relacionamentos institucionais. No plano metodológico, para que se observem as repercussões das mediações na construção do processo relacional, utiliza-se um recurso denominado “contextos de observação das mediações”, constituído com base nas teorias das mediações de Manuel Martin Serrano, Jesús Martín-Barbero e Guillermo Orozco Gómez, em estudo de caso desenvolvido na Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Através dele, analisa-se o discurso dos alunos cotistas da Instituição, fundamentando-se na teoria da representação dos atores sociais de Theo van Leeuwen e à luz das mediações organizadas nos referidos contextos. MEDIAÇÕES E RELAÇÕES PÚBLICAS: REVISÃO CONCEITUAL A mediação concebida no âmbito do controle social é delineada como um processo que ocorre entre dois polos, por iniciativa de um deles, no caso, de instituições mediadoras (midiáticas ou sociais). Estas, através da seleção e da transmissão de informações, oferecem formas particulares de representação da realidade, com a intenção de promover ajustes em direção à estabilidade do sistema social (MARTÍN SERRANO, 2008). Por essa concepção, a mediação tem contornos de uma atividade de intervenção “autorizada”. Transpondo-se essa concepção para o campo das relações públicas como atividade mediadora, é possível associá-la aos modelos do paradigma simbólico-interpretativo (GRUNIG,2009b). Tais modelos objetivam influenciar a interpretação dos públicos de uma organização, de forma persuasiva e manipulativa, apresentando-lhes o recorte de uma realidade que interessa a ela - fragmentada e emoldurada por matérias específicas e favoráveis à organização - através, principalmente, dos meios de comunicação de massa, mantendo, assim, o status quo organizacional. Isso implica dizer que, de uma certa forma, as relações públicas, na perspectiva da comunicação unilateral que se nota nesse processo, administram a produção e a oferta das informações organizacionais e medeiam a realidade dos públicos, oferecendo-lhes sentidos convenientes e orientando-os em seu relacionamento com a organização e com o mundo. Ao conduzir o processo dessa forma, as relações públicas pressupõem-se legítimas em suas ações. Sob esse prisma, tornam-se um sistema de ajuste e controle dos públicos, cujos comportamentos afetam a existência e coesão da organização. Constituem, assim, parte de um setor produtivo em favor de interesses próprios dos planos privado ou governamental. A mediação configurada nos moldes do ajuste e do controle pela informação converge para a máxima dos primórdios das relações públicas “O público deve ser informado”, cuja intenção era, na verdade, de influenciar a “opinião pública”, em um processo que não incluía qualquer racionalidade. Nota-se que, no contexto delineado, a opinião pública não se refere somente a questões de interesse público (bem-estar geral), mas de interesse Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4959 Aproximações conceituais: mediações, relações públicas e relacionamentos Éllida Neiva Guedes privado, no âmbito da concepção de “opinião-não-pública2” de Habermas (2003). Nesse mesmo sentido, no terreno dos meios de comunicação de massa como instituições mediadoras, o papel das relações públicas é de intervir na agenda midiática para nela inserir os interesses da organização, introduzindo, transformando, renovando temas, ou seja, impondo à “opinião pública” representações convenientes da realidade. A seleção e a apresentação das informações, nessa dinâmica, são condicionadas aos interesses em jogo, o que limita o processo e conduz à associação da mediação realizada pelas relações públicas, em tal contexto, a uma atividade que impõe limites ao que pode ser dito e determina como fazê-lo, por meio de um sistema de ordem (MARTÍN SERRANO, 2008). Nesse caso, as relações públicas são uma ferramenta eficaz para a manutenção do status quo, cujas ações, em uma dimensão tático-operacional da atividade, configuram o caráter mediador da atividade, na perspectiva da concepção de mediação como controle social através da informação. Contudo, considerando-se tal concepção, podese dizer que as ações de relações públicas empreendidas nesse modelo não constroem relacionamentos, como se entende neste artigo, ou seja, na dimensão da reciprocidade de interesses e da interlocução. Inserem-se, exclusivamente, no campo da divulgação e da promoção e têm caráter persuasivo. Já os conceitos de mediação no campo da produção de sentidos fundamentam-se no sujeito do processo comunicacional enquanto ser social e cultural, nos quais o caráter interventor da mediação está no sujeito (receptor) e no processo em si e não mais no emissor. Nesse contexto, as mediações referem-se a um conjunto de fatores socioculturais estruturantes, individuais e coletivos do sujeito - da origem étnica e geográfica aos movimentos sociais e culturais e às tecnologias da comunicação –, em uma multiplicidade de tipos. Constituídas a partir de material simbólico de várias ordens, estão inscritas em uma dinâmica reveladora da história, experiências e entornos dos sujeitos, na qual as combinações e os resultados são particulares a cada um. As mediações são variáveis permanentemente transformadas e transformadoras - do próprio sujeito e do processo comunicativo. Apesar da comunicação ser o processo que orienta as relações públicas em todos os modelos praticados pela área, é a concepção comunicacional bidirecional do paradigma estratégico (GRUNIG, 2009b), focado na construção de relacionamentos entre uma organização e seus públicos, que conduz à articulação do processo relacional com o conceito de mediação no campo do simbólico. Isso porque tal paradigma implica a introdução do diálogo entre uma organização e seus públicos, da perspectiva do receptor e das contingências que envolvem o processo comunicacional. Muda a função mediadora das relações públicas, já que o diálogo substitui a persuasão, pelo qual pretendem-se o entendimento mútuo e o equilíbrio de interesses entre os atores do processo. No campo simbólico, a mediação estrutura a comunicação, à medida que compreende a ataução de variáveis diversas na interpretação das mensagens. Nesse processo, os sujeitos apelam a materiais simbólicos próprios produzidos/adquiridos e reelaborados 2. Para Habermas (2003), as relações públicas emprestam aos interesses privados uma autoridade de objeto público e engendram um consenso em busca da aceitação de ideias, pessoas e produtos, dotando a organização mediadora de um caráter legítimo para a oferta de referências a um dado grupo. Daí ele apontar a “opinião não-pública” como objeto das relações públicas. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4960 Aproximações conceituais: mediações, relações públicas e relacionamentos Éllida Neiva Guedes ao longo de sua vida, contextos, diferentes posições sociais e lugares de fala que ocupam, moldados, porém, na sociabilidade cotidiana da interação social. Esse conceito vem ao encontro dos pressupostos teóricos das relações públicas segundo os quais a investigação dos públicos é o ponto de partida para o planejamento da construção e gestão dos relacionamentos entre organização e públicos e que comporta o conhecimento do perfil e dos comportamentos desses públicos e da origem dos relacionamentos, os quais repercutem nos interesses da organização. As mediações comparecem nos fluxos de comunicação que conformam a interação organização-públicos, intervindo nos relacionamentos, moldando-os e influenciando na natureza e continuidade deles. Ora, se variáveis mediadoras intervêm nos relacionamentos, é possível identificarem-se as mediações, como material simbólico, na investigação dos públicos de uma organização. As mediações tornam-se visíveis na caracterização do perfil dos públicos, no campo individual, em categorias como idade, sexo, escolaridade, por exemplo. Também são observáveis no plano da sociabilidade, nos cenários de vivências e interações - família, escolas, instituições em que os sujeitos exercem seus papéis sociais, redes sociais de relacionamentos, movimentos organizados, consumo dos meios de comunicação. O relacionamento institucional configura-se, assim, como um processo mediador entre uma organização e seus públicos, presencial ou virtual, interpelado (mediado) por variáveis de ordem individual, familiar, social, educacional, econômica, cultural, simbólica, histórica, tecnológica, midiática que indicam as condições em que tal processo se sustenta. Estas variáveis constituem e diferenciam os públicos, conduzem seus comportamentos, geram objetivos diferentes e/ou divergentes e interferem tanto no processo relacional, como no pretendido equilíbrio de interesses e compreensão mútua. É um processo que envolve interesses mútuos, a partir dos quais criam-se e/ou fortalecem-se vínculos entre os envolvidos. Ocorre em rede, considerando-se os outros relacionamentos dos quais organização e públicos fazem parte e os impactos por eles gerados. A seguir, apresenta-se a metodologia utilizada no estudo de caso realizado na UFMA, para, em seguida, demonstrarem-se os resultados da pesquisa, por meio dos quais observam-se as aproximações conceituais entre as mediações, as relações públicas e os relacionamentos, objetivo deste artigo. QUESTÕES METODOLÓGICAS DA PESQUISA O estudo de caso realizado teve como objetivo analisar a relação entre as mediações e a construção dos relacionamentos entre os alunos cotistas e a UFMA, maior universidade do Maranhão, com 49 anos de existência. Naquele estudo, os cotistas foram representados pelos bolsistas do Programa de Extensão “Conexões de Saberes: diálogos entre a universidade e as comunidades populares”, cujo objetivo é promover a permanência qualificada, na Universidade, de alunos em vulnerabilidade socioeconômica, por meio de uma bolsa-auxílio e do suporte pedagógico (complementação da formação acadêmica através de cursos e grupos de estudo). O grupo dos trinta e seis bolsistas do Conexões de Saberes constituíram um primeiro subgrupo da investigação, a partir do qual, pela amostragem por tipicidade (MARCONI & LAKATOS, 1990), compôs-se um segundo subgrupo, com um terço dos bolsistas (doze alunos), que representaram a amostra da pesquisa. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4961 Aproximações conceituais: mediações, relações públicas e relacionamentos Éllida Neiva Guedes Para a coleta de informações relativas aos indivíduos da amostra, primeiramente, por correio eletrônico, aplicou-se aos doze bolsistas um questionário individual estruturado em quarenta e uma questões abertas e duas fechadas, agrupadas em três partes. As questões indagavam os cotistas sobre seus dados demográficos, hábitos culturais, hábitos associativos, consumo e acesso aos meios e às tecnologias de informação e comunicação e tratavam de temas ligados à UFMA (função social, expectativas dos cotistas em relação a ela, relacionamentos). Após a aplicação do questionário, realizou-se um grupo focal (focus group) com o mesmo grupo de doze alunos. Para a organização e tratamento do corpus da pesquisa, os dados coletados foram sistematizados nos “contextos de observação das mediações dos bolsistas”, um construto teórico-metodológico elaborado para capturar as mediações na realidade empírica dos cotistas. Tais contextos representam um agrupamento dos tipos de mediações apontados por Martín-Barbero (2000, 2009a, 2009b) e Orozco (1996, 2001, 2004), adaptados ao estudo em questão. Levou-se em consideração que as tipologias das mediações desses autores remetem às interações próprias dos percursos de vida de um sujeito, que diferenciamse pelos locais, temporalidades, modos e circunstâncias de ocorrência. Seguem abaixo os contextos com seus respectivos quadros de referência: a. contextos individuais e familiares, nos quais articulam-se as mediações próprias da individualidade dos bolsistas, inseridos em seus meios culturais, e as mediações da trajetória familiar: gênero, idade, etnia, estado civil, origem social, origem geográfica, lugar atual de residência, escolas de origem, condição de aluno “cotista”, pioneirismo na família no acesso à educação superior, composição familiar, escolaridade dos pais, ocupação profissional dos pais, origem geográfica dos pais, renda familiar. O grupo de bolsistas investigados foi constituído por onze mulheres, com faixa etária entre 20 e 25 anos (apenas uma com 27 e outra com 30), e por um único homem, com 38 anos, sendo todos solteiros e sem filhos. Dentre o grupo, quatro são originários de cidades de pequeno porte do interior do Maranhão e oito nascidos na capital do Estado. São jovens afrodescendentes que estudaram em escolas públicas de São Luís (ensinos fundamental e médio), que moravam com a família, em bairros da periferia da cidade, sendo dois residentes da Casa do Estudante da UFMA. Ingressaram na Universidade através do sistema de reserva de vagas e faziam parte do universo de estudantes de origem popular da Instituição. Seus pais e mães, em sua maioria (sete), têm o curso fundamental incompleto, dois concluíram o ensino médio e três são analfabetos. Com apenas três exceções, que nasceram em São Luís, os pais e mães são originários de pequenos municípios do Maranhão. Os pais, no caso dos que moravam com a família, são lavradores, pedreiros ou motoristas, e as mães são serventes, empregadas domésticas ou donas de casa. A renda familiar variava entre um e três salários mínimos, mas os bolsistas não trabalhavam. A média de componentes na família era de quatro a seis pessoas. Os doze bolsistas foram os primeiros da família a frequentar uma universidade. b. contextos acadêmicos, nos quais articulam-se os cenários e situações de interação dos alunos no âmbito da Universidade, permeados pelas mediações da Instituição: o caráter público e gratuito da UFMA, o conhecimento científico produzido e compartilhado, o Programa Conexões de Saberes, as atividades de ensino, pesquisa Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4962 Aproximações conceituais: mediações, relações públicas e relacionamentos Éllida Neiva Guedes e extensão que realizam, as formações e eventos acadêmicos dos quais participam, a assistência estudantil recebida (auxílios da Instituição), o sistema de cotas de acesso à Universidade, as normas institucionais, os relacionamentos entre os alunos do grupo em foco e destes com a coordenação do Programa e com os colegas dos respectivos cursos, a hierarquia e o poder que permeiam as relações com a coordenação. Os bolsistas eram alunos de onze diferentes cursos da UFMA e, paralelamente, estudavam inglês no Núcleo de Cultura Linguística, da própria UFMA, através de bolsas de estudo. O grupo, a partir de falas de oito deles, declarou o benefício da bolsa como principal motivação para candidatarem-se a uma vaga no Conexões de Saberes, sempre aliando, porém, o interesse em participar de um projeto de cunho social-comunitário e na formação qualificada oferecida pelo Programa. Além da bolsa, parte do grupo recebia outros tipos de auxílio (moradia, alimentação) provenientes do programa de assistência estudantil da Universidade e apoio financeiro para participar de eventos locais e nacionais. Isso lhes dava a oportunidade de conhecerem outras cidades, como declara um deles: “[…] Muitos aqui já viajaram para seminários em Brasília, Goiânia, Rio de Janeiro. Se não fosse a UFMA a gente nunca, jamais tiraria o pé daqui do Maranhão. A gente não tem suporte financeiro para isso[…]”(GF-113). No contexto descrito acima, observam-se variáveis mediadoras das atividades acadêmicas, cuja fonte é a própria UFMA, tais como: o conhecimento científico produzido e compartilhado na Universidade, o próprio Programa Conexões de Saberes, o apoio financeiro e pedagógico, as políticas afirmativas adotadas pela Instituição, a assistência estudantil e o caráter público e gratuito da Instituição. c. contextos institucionais, nos quais inserem-se os cenários das práticas associativas e do intercâmbio simbólico com instituições nas quais os bolsistas exercem outros papeis sociais: associações de bairro, movimentos organizados, instituições religiosas, projetos sociais dos quais participam. Na contramão do critério de seleção ao Conexões que se refere ao engajamento em atividades ligadas ao exercício da cidadania, somente um bolsista, no grupo investigado, participava de uma associação de bairro, dois de um movimento organizado de consciência negra e três atuavam em igrejas. d. contextos culturais e de consumo dos meios e das tecnologias de informação e comunicação, nos quais articulam-se as oportunidades, possibilidades e circunstâncias de acesso à informação e às tecnologias: rádio, televisão (canais abertos e fechados), cinema, internet, redes sociais, telefone celular. No grupo dos bolsistas, sete tinham computador em casa, dos quais seis com acesso à internet, e um dispunha de computador portátil, para uso da família. Os demais conectavam-se à web na sala do Conexões, para realizar pesquisas acadêmicas, navegar nas redes sociais de relacionamento e fazer leituras de entretenimento. Todos os entrevistados possuiam celular, não conectados à internet, nenhum tinha outros dispositivos tecnológicos portáteis e um tinha assinatura de canais fechados na residência. 3. Identificam-se os recortes das falas dos cotistas retiradas das respostas ao questionário aplicado à amostra através da letra “Q”, em maiúsculo, seguida do número atribuído ao respondente, de acordo com a ordem de devolução do questionário respondido. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4963 Aproximações conceituais: mediações, relações públicas e relacionamentos Éllida Neiva Guedes São jovens que leem, com mais frequência, livros técnicos ligados às suas áreas de estudo, tendo a leitura de revistas e jornais como ocasionais. Assistem à televisão (aberta) com pouca frequência e, nesse caso, a telejornais. Quando ouvem rádio, também com pouca frequência, em geral, escolhem a FM da UFMA. Ao cinema vão uma ou duas vezes ao mês, sendo que dois deles, semanalmente. A partir desses contextos, procedeu-se à análise do discurso dos cotistas, orientada pela teoria da representação dos atores sociais de Theo van Leeuwen (1997). Tal teoria sustenta a investigação das opções de representação dos atores sociais de relevo no discurso, com base nos papeis que eles desempenham nas práticas sociais, os contextos em que são realizadas, porque tais opções foram feitas e os interesses a que servem. O inventário proposto por van Leeuwen introduz como categorias gerais a inclusão e a exclusão às quais um ator social está sujeito no discurso e como são feitas. Assim, em um primeiro momento analítico, identificaram-se os modos como os cotistas se excluem ou se incluem em seus discursos, assim como o fazem com a UFMA e outros atores institucionais com os quais se relacionam no campo acadêmico. Nessa análise, articularam-se as auto-representações dos alunos e as representações da Instituição às mediações daquele público. No segundo momento da análise, com base nos resultados obtidos no primeiro, analisaram-se as repercussões das mediações e das representações nos relacionamentos entre a UFMA e os cotistas e nos sentidos por eles elaborados quando se referem à Instituição e ao processo relacional construído. RESULTADOS DA PESQUISA: APROXIMANDO OS CONCEITOS DE MEDIAÇÃO, RELAÇÕES PÚBLICAS E RELACIONAMENTOS Os relacionamentos, no campo das relações públicas, implicam a existência ou criação de vínculos entre uma organização e seus públicos, através da mutualidade de interesses. Em um discurso elaborado em torno do acesso à UFMA, das condições para a permanência na Instituição e dos relacionamentos com ela, os cotistas usam formas próprias de nele incluírem ou excluírem a si próprios e a Universidade. Essas formas, são atravessadas pelos conceitos de exclusão e inclusão no campo socioeducacional. Em tais representações e conceitos subjacem as mediações referidas nos “contextos de observação das mediações”, que, consequentemente, permeiam a configuração dos relacionamentos. Os cotistas, em seus discursos, evidenciam mediações dos contextos individuais e familiares (trajetória pessoal e origem social), por exemplo, quando dizem que “[…] No tempo da minha avó, da minha mãe, nem se pensava em faculdade[…]”(GF-4), em uma referência ao cenário educacional brasileiro elitizado e excludente anterior às cotas sociais e raciais como reserva de vagas no ensino superior brasileiro. Associam-se a essas falas as representações que os cotistas fazem deles mesmos como “[…]pobres salientes4 ocupando o espaço da elite[…]”(GF-3). Em outros momentos, os cotistas admitem que, com as cotas, “[…] as portas (da UFMA) estão mais largas […]”(GF-10) e que muitos deles são “[…]os primeiros de muitas gerações que conseguiram entrar numa universidade[…]”(GF-3). 4. No Maranhão, esse termo é usado, popularmente, para referir-se a alguém atrevido. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4964 Aproximações conceituais: mediações, relações públicas e relacionamentos Éllida Neiva Guedes Em tais representações, os alunos associam a UFMA à inclusão e, por conseguinte, perspectivam uma transformação no cotidiano e na vida futura deles: “[…]eu acredito que tenho muitos ganhos por estar na Universidade, porque aqui eu conheço pessoas, lugares, coisas novas, que fora daqui eu não iria conhecer[…]”(GF-2); “[…]Estar na UFMA é um status![…]”(GF-2); “[…]Primeiro, vem o conhecimento, a possibilidade de ter uma profissão; segundo, as oportunidades depois de formados[…]”(GF-9). Entretanto, por outro lado, os cotistas revelam que essa inclusão, paradoxalmente, contém um viés excludente, ao dizerem que “[…]manter-se na Universidade é difícil[… ]”(GF-2); “[…]A UFMA não garante a permanência, com qualidade, do universitário de origem popular[...]” (GF-10). Apesar de terem conseguido entrar na Universidade (da elite), os cotistas parecem sentir-se em permanente estado de alerta, como se, a qualquer momento, pudessem voltar à condição de excluídos, diante das dificuldades acadêmicas que precisam vencer: “[…]lá no curso, nós começamos com quarenta e seis alunos; hoje, só tem vinte e dois[…]a Universidade não foi feita para os alunos de origem popular[…]”(GF-6); “[…]o tamanho das salas de aula vai diminuindo, porque eles (a Universidade) já preveem que os alunos (de origem popular) vão desistir[…]”(GF-8). A configuração dos relacionamentos - insatisfatórios e excludentes - que se observa acima, baseada no estatuto socioeconômico dos cotistas, coloca-os em luta permanente para manterem-se na Universidade: “[…]A Universidade, na realidade, não nos quer aqui[…]”(GF-7); “[…]aqui, a gente tem que matar dez leões por dia aqui[...](GF-10)”; “[…] há necessidade de se desenvolver planos de assistência estudantil que garantam essa permanência[…]”(GF-5). A UFMA é percebida, metaforicamente, nesse cenário, como uma “porta”, que tanto abre-se como fecha-se para eles. A “abertura” aponta para uma mobilidade social (acesso ao ensino superior, conclusão da graduação, pós-graduação, emprego após o término do curso). O “fechamento” da porta está expresso nas dificuldades para a permanência: o reduzido quantitativo de vagas para os auxílios da assistência estudantil, os rigorosos critérios de seleção para tais auxílios, os altos custos dos serviços na vida acadêmica (fotocópias e livros, por exemplo), a sensação de estarem sendo “filtrados” quando a UFMA reduz o tamanho das salas de aula ao longo do curso. Os relacionamentos, nesse contexto, adquirem, contornos ora harmoniosos, ora conflituosos, em um movimento de distanciamento entre os envolvidos, apesar dos vínculos estabelecidos entre a Instituição e os cotistas. Os conflitos, contrapostos a ganhos apontados pelos cotistas por estarem na UFMA, são reflexo da dimensão excludente dos relacionamentos em foco e, também entrecortam as falas deles: “[…]nós temos que lutar pelas coisas e direitos[…](GF-4); “[…]A UFMA não garante a permanência com qualidade do universitário de origem popular[...]”(GF-10); “A universidade foi feita pensando nos deles (elite) e não em nós” (GF-3). Os bolsistas, contudo, também adotam escolhas representacionais que exprimem uma percepção do processo relacional pelo prisma inclusivo (de afirmação da presença deles no ensino superior). Nesse contexto, o Programa Conexões de Saberes aparece como o símbolo do processo relacional entre a Universidade e os bolsistas: “[…]O Conexões de Saberes promove o relacionamento da UFMA com os alunos de origem popular[… ]”(GF-10); “[…]a interação entre os bolsistas (cotistas) e a UFMA somente ocorre através do projeto Conexões de Saberes[…]”(Q- 4). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4965 Aproximações conceituais: mediações, relações públicas e relacionamentos Éllida Neiva Guedes Dessa forma, os cotistas atribuem ao conceito de relacionamento institucional o sentido de assistência estudantil que possibilita (ou deveria possibilitar) a vida acadêmica deles, em uma evidenciação dos contextos de vida (limitados e limitadores) deles. Tal sentido e a configuração do processo relacional entre a inclusão e a exclusão, a harmonia e o conflito, ancoram-se na condição socioeconômica deles, da qual decorrem outras variáveis que medeiam as representações e os sentidos manifestados nestas e nos relacionamentos com o ator UFMA: percurso escolar de pouca qualidade, baixa escolaridade dos pais, renda familiar limitada, bairro onde moram, condição de aluno “cotista”, dificuldades financeiras e pedagógicas para a referida permanência, precariedade na moradia. As mediações e representações vistas acima, com caráter ora inclusivo, ora excludente, projetam-se em todas as circunstâncias e processos interativos dos cotistas com a Universidade, na percepção que constroem para esta e para o que constitui relacionar-se com ela. São esses processos interativos (relacionamentos construídos) que medeiam o atendimento aos interesses dos bolsistas, ou seja, a inclusão educacional. Tais processos interativos podem conduzir à ampliação da inserção igualitária dos cotistas no meio social, ou seja, a mobilidade social na qual eles inscrevem as representações da UFMA, simbolizada pela perspectivação do emprego condizente com a formação que eles, uma “minoria privilegiada” (como um dos cotistas se referiu ao grupo), receberam. Considerando-se as repercussões das mediações dos cotistas nos relacionamentos institucionais, estes adquirem a configuração de processos mediados pelas variáveis que atravessam o discurso deles. Ao mesmo tempo, esse processo relacional, no qual tais variáveis intervêm, é mediador de práticas de inclusão social. Nesse sentido, os relacionamentos com a UFMA medeiam mudanças na vida dos cotistas, que promoverão melhores oportunidades no futuro e distinguirão sua história da dos seus pais. Esse processo, porém, não deixa de também mediar um certo tipo de exclusão, quando a assistência estudantil é deficitária e coloca os cotistas à margem da inclusão. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os conceitos das relações públicas estão diretamente associados aos de mediação, de acordo com os conceitos e estratégias utilizados em cada momento da existência e evolução da área. O objetivo dos primeiros modelos de influenciar a interpretação que os públicos fazem da organização em favor da manutenção e sobrevivência dela vai ao encontro do conceito de mediação no terreno do controle social pela informação. Nesse caso, as relações públicas medeiam a organização e os públicos ao oferecer a estes, principalmente, pelos meios de comunicação de massa, uma realidade fragmentada, significando-a de modo favorável à organização e dotando tal instituição mediadora de um caráter legítimo para a oferta de referências (HABERMAS, 2003). À medida que o objeto das relações públicas passa a ser os relacionamentos entre uma organização e seus públicos, com base no diálogo, admite-se a intervenção de múltiplas variáveis na relação organização-públicos, em substituição à intervenção dominante da instituição mediadora. Tal concepção vai ao encontro do conceito de mediação no plano simbólico. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4966 Aproximações conceituais: mediações, relações públicas e relacionamentos Éllida Neiva Guedes No estudo de caso, observou-se que os modos singulares como os cotistas significam a si mesmos, a UFMA e os relacionamentos com ela são indissociáveis da intervenção das mediações, que eles trazem para esse processo relacional como resultado dos seus percursos de vida. Dessa maneira, aqueles modos são demarcados no terreno do atendimento às necessidades próprias da classe socioeconômica a qual os cotistas pertencem. A configuração desse processo é contextualizada no terreno da assistência estudantil que a Instituição deve oferecer a eles para possibilitar a permanência deles no ensino superior e a conclusão do curso de graduação. Assim, os relacionamentos entre os cotistas e a UFMA são percebidos, por um lado, como um processo equilibrado, à medida que atendem aos interesses dos bolsistas. Por outro lado, são conflituosos, simbolizados pelos obstáculos que enfrentam no percurso acadêmico. De uma forma ou de outra, representam a ruptura de uma situação de exclusão (negação de um direito) histórica das classes populares da educação superior no Brasil, embora ainda apresentem limitações. Entre a ruptura de uma situação que inclui os cotistas na educação superior pública e gratuita, através das cotas, e a denúncia das limitações no cotidiano acadêmico, pode-se dizer que os relacionamentos deles com a UFMA expressam a tensão entre as possibilidades/oportunidades futuras e as dificuldades presentes vivenciadas por eles, oscilando entre o equilíbrio e o conflito de interesses. Dessa maneira, o processo relacional em questão ora aproxima os cotistas da Instituição, ora os afasta dela. Nesse processo, a UFMA exerce uma função mediadora de inclusão social, levando, entretanto, os cotistas ao enfrentamento de duas realidades antagônicas, através dos relacionamentos institucionais. A UFMA torna-se, nesse contexto, um campo de lutas, contradições e conquistas para os cotistas e desponta como o caminho para a mudança no rumo da história de vida deles. Os relacionamentos da Instituição com os cotistas simbolizam o presente (condições para a permanência) e o futuro (mudança de vida). REFERÊNCIAS França, F. (2004). Públicos: como identificá-los em uma nova visão estratégica. São Caetano do Sul, São Paulo: Yendis. Grunig, J. (2009a). Uma teoria geral das Relações Públicas: quadro teórico para o exercício da profissão. In Grunig, J., Ferrari, M.A., França, F., Relações Públicas: teoria, contexto e relacionamentos (pp.15-123). São Caetano do Sul, São Paulo: Difusão. Grunig, J. (2009b). Paradigms of global public relations in an age of digitalization. PRism 6(2). Recuperado em 24 de março de 2010, de <http://praxis.massey.ac.nz/prism_on-line_journ.html>. Habermas, J. (2003). Mudança Estrutural na Esfera Pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. Marconi, M.A, Lakatos, E.M. (1990). Técnicas de pesquisa: planejamento e execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisa, elaboração e interpretação de dados. São Paulo: Atlas. Martín-Barbero, J. (2000). Comunicação e mediações culturais. Entrevista a Claudia Barcelos. Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, XXIII, 1, 151-163. Recuperado em 24 de março de 2010, de <http://200.144.189.84/revistas/index.php/revistaintercom/article/ view/541/510>. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4967 Aproximações conceituais: mediações, relações públicas e relacionamentos Éllida Neiva Guedes Martín-Barbero, J. (2009a). Dos meios às mediações: comunicação cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ. Martín-Barbero, J. (2009b). As formas mestiças da mídia. Entrevista a Mariluce Moura. Pesquisa FAPESP, 163, 10-15. Recuperado em 24 de março de 2010, de <http://revistapesquisa2.fapesp.br/?art=3933&bd=1&pg=1&lg=>. Martín Serrano, M. (2008). La mediación social. Edición conmemorativa del 30 aniversario. Madri: Akal. Orozco, G. (1996). Televisión y Audiencias: un enfoque cualitativo. Madri: Ediciones de la Torre. Orozco, G. (2001). Audiencias, televisión y educación: una deconstrucción pedagógica de la “televidencia” y sus mediaciones. Revista iberoamericana de educación, 27,155-175. Recuperado em 3 de março de 2011, de <http://www.rieoei.org/rie27a07.html>. Orozco, G. (2004). Las mediaciones. In Alejandro, M.; Vidal, J.R. (Eds.), Comunicación y educación popular: selección de lecturas (pp.325-332). Havana: Editorial Caminos. van Leeuwen, T. (1997). A representação dos actores sociais. In Pedro, E. Análise Crítica do Discurso: uma perspectiva sociopolítica e funcional (pp-169-222). Lisboa: Caminho. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4968 A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional The meanings mobilization in the work activity: transgression’s dimension of organizational communication G i s l e n e F e i t e n H a u b r i ch 1 Resumo: A temática do estudo versa sobre a relação “comunicação e trabalho” e almeja identificar possíveis construções de sentido sobre a atividade, mobilizadas pela comunicação organizacional em seu ato de linguagem em jornal da empresa. Três eixos teóricos norteiam a reflexão: cultura organizacional, atividade de trabalho e comunicação organizacional. Desenvolve-se um estudo de caso com base no corpus composto por oito editoriais divulgados no jornal da empresa Hera, em edições publicadas entre janeiro de 2012 e junho de 2014. A lente para análise, denominada teórico-ergo-discursiva, se fundamenta na perspectiva semiolinguística do discurso. A análise evidencia que integrar as interações no trabalho reconfigura a lente às problemáticas do cotidiano e implica repensar as práticas comunicativas no âmbito das organizações, resistindo à perspectiva instrumental e prescritiva. Palavras-Chave: Comunicação e Trabalho. Cultura. Discurso. Interação. Produção de Sentidos. Abstract: The thematic of this study speaks about the relationship between “work and communication” and aims to identify some possible meanings produced about the work activity, mobilized by the organizational communication in its act of language at the enterprise journal. Three theoretical groups guides the reflection: organizational culture, labor activity and organizational communication. In the article, we develop a case’s study, based on a corpus composed by eight editorials published between January/ 2012 and June/2014, in the Hera’s enterprise journal. The analyze is called theoretical-ergo-discoursive, and is grounded in the perspective semiolinguistic of discourse. The central point of the analyze comprehends that the interactions in the work resets the way that we look to the everyday problems and implies a new way to think about de communicative practices in organizations, resisting to instrumental and prescriptive perspective. Keywords: Work and Communication. Culture. Discourse. Interaction. Production of Meanings. 1. Doutoranda em Processos e Manifestações Culturais da Universidade Feevale. Bolsista da Capes em regime de dedicação exclusiva. [email protected]. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4969 A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional Gislene Feiten Haubrich CONSIDERAÇÕES INICIAIS ENTRE AS múltiplas práticas que ordenam o comportamento e as relações esta- D belecidas na coletividade, o trabalho é uma das instâncias de socialização que mais tem sido implicada ao longo do tempo. Se desde os gregos ele é visto como ato punitivo ou alienante, os efeitos da mundialização na contemporaneidade têm transformado os vínculos estabelecidos entre os sujeitos e sua atividade laboral, que passa a ser percebida como constituinte fundadora da identidade dos sujeitos. Nesse sentido, defende-se que a comunicação assume novas perspectivas no contexto organizacional, visto que deve compreender e abarcar as interações cotidianas às suas práticas e seus discursos. Propõe-se que a relação trabalhador/organização tenha seu enfoque ajustado da produção/consumo para a interação/construção de sentidos. Não se trata de uma sobreposição de interesses, mas da inclusão das dimensões do sujeito e do trabalho às discussões da comunicação. O discurso é alicerce da organização. Os sentidos propagados e construídos orientam o destino, estabelecem a credibilidade e contribuem para o estabelecimento de imagens acerca do que ela enuncia. Se o interlocutor não é mais aceito como sujeito passivo no ato comunicativo publicitário ou midiático, por exemplo, é essencial compreender que o trabalhador é também interlocutor, um ser capaz de interpretar e produzir saberes perante prescrições e experiências. O trabalhador implica o meio no qual habita, mesmo que por vezes, sua ação seja negligenciada e incorporada às decisões organizacionais como se fossem postas. Se as organizações têm se transformado. A atitude ativa dos indivíduos tem relação direta com essas mudanças paradigmáticas. Ancorado no desafio de contribuir com a ampliação das investigações que relacionam comunicação e trabalho, o artigo visa identificar possíveis construções de sentido sobre a atividade laboral, mobilizadas pela comunicação organizacional em seu ato de linguagem em jornal de empresa. Para tanto, seleciona-se como corpus os editoriais do jornal da empresa Hera publicados entre janeiro/2012 e junho/2014 e adota-se a estratégia de análise denominada teórico-ergo-discursiva. O texto é estruturado em três blocos, a iniciar pela reflexão teórica, que tensiona as noções de cultura e comunicação organizacional a luz da atividade do trabalho, além de considerar os discursos como subsídios para tal discussão. Na sequência, aborda-se o corpus e como se dará sua análise, seção de fechamento do artigo. CULTURA, COMUNICAÇÃO, TRABALHO E O ESPAÇO DO SUJEITO DA ATIVIDADE A noção de trabalho há muito tempo caminha por um percurso que salienta seus aspectos contraproducentes: punição, sofrimento e alienação são sentidos que constroem a teia da atividade laboral desde os gregos. As representações da realidade organizacional se assentam sob uma perspectiva economicista que reduz os vínculos sociais entre indivíduos a relações entre “coisas” (ANTUNES, 2011). Essa lógica perdura até a contemporaneidade e o trabalho, fundamentado por ela, é fonte das identidades dos sujeitos e das sociedades modernas, sendo que ambos parecem ser atores coadjuvantes dessas práticas “globalizadas”. O caráter transnacionalizado do capital e do sistema de produção provoca importantes mudanças na forma como os sujeitos percebem Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4970 A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional Gislene Feiten Haubrich seu trabalho. “Com a reconfiguração, tanto espaço quanto tempo de produção, dada pelo sistema global do capital, há um processo de reterritorialização e também de desterritorialização”. (ANTUNES, 2009, p. 115). É necessário adaptar-se às múltiplas bases locais e globais depreendidas pelo fazer laboral. O local, ligado às tradições, permanece influenciando a identidade e as experiências dos indivíduos, enquanto o global, difuso, é determinante à definição das novas tecnologias e orientações mercadológicas que permeiam a realização da atividade. Defende-se, então, a inclusão da ação efetiva do sujeito no processo de construção e socialização de saberes no trabalho, a fim de buscar alternativas legítimas frente o desafio das organizações para manter vinculados a elas profissionais qualificados, sujeitos criativos e cidadãos engajados aos seus valores e princípios. Para tanto, é necessário considerar o trabalho de forma ressignificada, na qual o trabalhador é percebido ativamente na construção da realidade, por meio da gestão que faz de si na atividade laboral (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007). Aceita-se que são feitas escolhas, orientadas tanto por prescrições às tarefas quanto perante a interpretação e o acionamento dos saberes da experiência, expressão da dimensão subjetiva do trabalho. A proposição ergológica da atividade, que tem Yves Schwartz como expoente, ressalta que toda a situação de trabalho é única e singular, logo, é inconcebível reduzi-la a reprodução de prescrições ou execução repetitiva de ações. Ao mencionar os usos de si, Schwartz (2000) utiliza o termo dramática, pois na sua concepção as problemáticas cotidianas da atividade articulam-se umas às outras em situações não previstas. “Drama quer dizer que alguma coisa acontece. É isso, sempre acontece alguma coisa no trabalho”. (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007). As dramáticas ou intervenções são frutos de um sujeito, que Schwartz (2007)2 prefere chamar de corpo si. Para esse autor, as escolhas feitas nem sempre são conscientes, pois a subjetividade se estrutura a partir das arbitragens do meio, da cultura. Assim, a gestão das dramáticas do uso de si deriva das economias do corpo, que envolvem tanto as sinalizações sensoriais, visuais e imateriais, quanto à inteligência que é balizadora da conduta, por meio de um “adestramento” cultural. Em síntese, as dramáticas do uso de si são compreendidas pelo: a) uso de si pelo outro que se refere às orientações procedentes da situação da organização e obedece a aspectos socioeconômicos; b) uso de si por si, manifesto nas estratégias escolhidas pelo trabalhador em sua atividade diante da interpretação de prescrições, reflexão e investimento de sua experiência e seus interesses (SCHWARTZ, 2000). A maneira como o trabalho é absorvido pela organização pode revelar aspectos culturais da estrutura. Considerando sua perspectiva ressignificada, embasada na atividade, nos saberes investidos, tensionados e construídos pelos sujeitos por meio das dramáticas do uso de si, pode-se vincular algumas noções relativas à cultura organizacional, enquanto movimento de sentidos proveniente das ações dos trabalhadores em situação. Nesse caso, a opção pela avaliação de editoriais de jornal de empresa é produtiva, pois o ato de linguagem aí estabelecido revela o espaço atribuído aos 2. A obra organizada por Schwartz e Durrive (2007), “Trabalho & Ergologia”, é construída por meio de entrevistas. A abordagem da noção de corpo si elucidada por Schwartz nessa obra esclarece algumas lacunas presentes em uma das primeiras reflexões materializadas sobre “O trabalho e o Uso de Si” por esse autor no ano 2000. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4971 A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional Gislene Feiten Haubrich indivíduos para tal atuação. Conforme Charaudeau (2010), o ato de linguagem se constitui da atuação de quatro sujeitos: dois seres sociais (EUc-TUi) e dois seres de fala (EUe-TUd). Interessa mencionar que para esse autor, o processo comunicativo ocorre como um jogo de intencionalidades, no qual aquele que comunica (EUc) pretende envolver aquele que interpreta (TUi). Para tanto, vale-se de estratégias discursivas delineadas pelos seres de fala: enquanto o enunciador (EUe) seleciona e manifesta as temáticas e intenções do seu discurso, preocupar-se-ia com o destinatário (TUd) e as possíveis construções de sentido que ele possa fazer perante o contexto que envolve a troca linguageira. Destaca-se, então, a concepção de Geertz (2008, p. 4) para quem “o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu”. Para esse autor, a cultura congrega o emaranhado de teias tecidas pelos sujeitos. Como teia é relativamente estável, mas em permanente construção. A cultura é uma condição básica à existência humana. Caracteriza-se como um conjunto de mecanismos para o controle da conduta, por meio de um sistema simbólico3 que engloba elementos e princípios ideológicos, que aproximam e afastam os sujeitos, expresso por meio das manifestações culturais que são articuladas no meio social. Tais manifestações são fundamentais para que o homem possa habitar o ambiente coletivo, ou seja, ordenar seu comportamento com a finalidade de transcender a situação em que se envolve (GEERTZ, 2008). Nesse sentido, considera-se interessante trazer o entendimento de Morgan (2011) acerca da cultura organizacional enquanto metáfora. As metáforas insinuam modos de pensar e formas de ver as organizações, o “que permeia a maneira pela qual entendemos nosso mundo em geral”. (MORGAN, 2011, p. 16). Tal meio de vislumbrar as situações, em específico as organizacionais, implica especificidade, mas garante a amplitude necessária para compreender “fenômenos complexos e paradoxais que podem ser compreendidos de muitas maneiras diferentes”. (MORGAN, 2011, p. 17). Em face do objetivo desta pesquisa, uma metáfora se destaca, pela abrangência dos elementos simbólicos estruturados e mobilizados por meio da linguagem: a dos sistemas políticos, que atenta às representações resultantes da negociação de significados diante de cada interação em contextos específicos. Para contemplar esses cenários, três ideologias são expostas por Morgan (2011), conforme constam no Quadro 1: Quadro 1 – Elementos Ideológicos Organizacionais conforme Morgan (2011) Implicações Interesses Conflito Poder Unicista Pluralista Radical Objetivos comuns. Equipe bem integrada. A diversidade de interesses é proporcional à diversidade dos indivíduos. As finalidades das partes envolvidas na organização são incompatíveis. Fenômeno raro e passageiro Inerente e inevitável. Considera-se como fenômeno potencialmente positivo. Forma de luta de classes, que pode ser suprimida, já que é um fenômeno latente. Elemento ignorado, pois Meio de solução dos conflitos, o interesse coletivo é negociação de interesses. norteado pela liderança. Pluralidade de fontes. Elemento desigual. Põe cada sujeito em seu lugar. Forma de controle sobre os subordinados. Fonte: elaborado pela autora 3. A interação permanente entre os sujeitos e suas formas de representação instauram símbolos que passam a fazer parte da cultura e permitem vinculações e afastamentos a partir dos significados construídos por coletivos de indivíduos (GEERTZ, 2008). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4972 A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional Gislene Feiten Haubrich A síntese dos elementos ideológicos que determinam as práticas gerenciais, exposta no Quadro 1, contempla três diferentes categorias exploradas por Morgan (2011) junto à metáfora dos sistemas políticos. A ideologia Unicista, ou unitária, defende uma cultura de coesão que é ilesa de conflitos, visto que as decisões da organização são tomadas com base três palavras-chave: autoridade, liderança e controle. Os preceitos pluralistas opõem-se a essa concepção, pois a ênfase está na aceitação da diversidade e na ciência de que os trabalhadores negociam a todo tempo interesses pessoais e coletivos. Diferente dessas duas perspectivas, a ideologia radical não prevê a possibilidade de entendimento, dada a oposição de interesses que os sujeitos tem, implicando frequentemente a mediação de entidades de classe na relação trabalhador e empresa (MORGAN, 2011). A concepção dos elementos ideológicos apresentados por Morgan (2011) quando articulada com a perspectiva exposta por Geertz (2008) acerca dos mecanismos para avaliar e orientar a conduta dos sujeitos, mostra-se profícua à proposta de compreender a cultura organizacional perante as práticas laborais na atividade (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007). É indispensável, então, incluir a dimensão da comunicação a esse contexto. Fígaro e Rebechi (2013), após realizarem uma busca na literatura brasileira sobre comunicação organizacional, evidenciam que ela é pensada pelos autores perante o enfoque da gestão estratégica. “A comunicação, dentro dessa abordagem, é planejada e avaliada constantemente, segundo as necessidades da configuração administrativa da empresa” (FÍGARO; REBECHI, 2013, p. 9). Conforme essas autoras, tal olhar é hegemônico nos estudos da comunicação interna, fato que as leva à sugestão de isolamento de duas dimensões nos estudos comunicacionais: comunicação da organização e comunicação no mundo no trabalho. No entanto, ao se considerar a comunicação sob um enfoque interacional, defender-se-á que é “um processo de construção e disputa de sentidos no âmbito das relações organizacionais”. (BALDISSERA, 2009, p. 153). Nesse caso, não faz sentido desmembrar o entendimento do processo comunicacional, mas compreendê-lo como um todo complexo, construído a partir das relações linguageiras estabelecidas entre os diversos públicos. Os sentidos produzidos por essas interações transformam cada nova troca do ato de linguagem. Desconsiderar esse aspecto implica manter vinculada a comunicação uma perspectiva linear, simétrica e ferramental. Oliveira e Paula (2008, p. 101) argumentam que “[...] o sentido existe na interação estabelecida e as organizações são concebidas como agentes discursivos e comunicativos, nos processos interativos que se dão dentro e fora do seu ambiente”. Essas autoras consideram que o sentido está relacionado com o contexto no qual é produzido. Charaudeau (2010, 2012) esclarece que o contexto contempla tanto as circunstâncias quanto à própria situação da comunicação, que “é como um palco, com suas restrições de espaço e de tempo, de relações, de palavras, no qual se encenam as trocas sociais e aquilo que constitui seu valor simbólico” (CHARAUDEAU, 2012, p. 67). Toda interação é orientada, ainda, por um contrato, composto por dados internos e externos. Os primeiros se referem ao movimento de projeção realizado pelo EUc, através do diálogo entre EUe e TUd no quadro propriamente discursivo. A eles podem-se vincular quatro princípios de organização: enunciar, descrever, narrar e argumentar. Os dados externos advêm da identidade dos sujeitos do ato de linguagem, da sua finalidade e seu propósito, além do Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4973 A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional Gislene Feiten Haubrich dispositivo adotado para mediar a interação. Charaudeau (2012) destaca que as finalidades discursivas implicam as relações de força estabelecidas entre os atores. Sua identificação decorre de duas visadas comunicativas: 1) visada de informação, cuja ação do EU é fazer-saber e a do TU dever saber, uma tentativa de promover uma relação com a verdade; 2) visada de captação, sendo que o EU almeja fazer sentir e o TU deve sentir por meio da persuasão. Assim, para refletir sobre o caso selecionado neste estudo, defende-se a concepção de comunicação que dá ênfase às interações e ancora-se nos discursos para o estabelecimento de sentidos no ambiente laboral. A comunicação em uma perspectiva relacional atribui força a todos os envolvidos no diálogo e concebe que os contextos que envolvem cada sujeito exercem impacto na sua percepção. A teoria discursiva sustenta a compreensão desses sentidos que transitam no cotidiano do ambiente laboral, seja por meio de prescrições, seja a partir das interpretações e das respostas promovidas pelos trabalhadores no uso de seus saberes e sua subjetividade na atividade. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O estudo se constitui da dupla dimensão do objeto: teórica, perante a relação comunicação e trabalho, e empírica com base nos discursos institucionais da empresa Hera. Das conjecturas teórico-analíticas articuladas, apresentam-se os procedimentos metodológicos adotados neste estudo. A pesquisa tem natureza aplicada, é descritiva e tem abordagem qualitativa. Desenvolve-se diante das pesquisas bibliográfica e documental, admitindo dados de primeira e segunda mão. O estudo de caso é o método que fundamenta a construção metodológica, por meio das triangulações entre concepções que motivam a denominação da análise: teórico-ergo-discursiva, além do delineamento das fases do estudo: 1) definição das categorias temáticas; 2) delimitação da amostra e coleta de dados; 3) organização e análise dos dados. O corpus é composto por oito editoriais publicados em sete edições do jornal da empresa Hera, no período de janeiro/2012 a junho/2014. A delimitação tem relação com o propósito do gênero discursivo editorial que visa apresentar o ponto de vista daquele que enuncia. Desse modo, pode-se identificar quais construções de sentidos sobre a atividade emergem desse ato de linguagem e tendem a interferir a relação sujeito-trabalho. A condução da análise pode ser observada na Figura 1. A Figura 1 apresenta as categorias articuladas na análise, bem como representa a proposta de diálogo entre elas. O modelo denominado teórico-ergo-discursivo, assenta-se nas concepções da análise semiolinguística de Charaudeau (2010, 2012). Parte-se do posicionamento dos sujeitos do ato de linguagem e da contextualização da situação de comunicação neste estudo avaliada. Na sequência, as concepções teóricas (MORGAN, 2011; GEERTZ, 2008; BALDISSERA, 2009) e ergológicas (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007) são postas em interface a fim de apresentar possíveis construções de sentido sobre a atividade diante do que é enunciado nos editoriais do jornal. Salienta-se que a organização dos dados compreende as técnicas do Mapa de Associação de Ideias (SPINK, 2010; VERGARA, 2005). De acordo com SPINK (2005, p. 39) “o Mapa é uma tabela onde as colunas são definidas tematicamente” Assim, os enunciados dos oito editoriais foram classificados a partir do entrecruzamento das categorias discursivas, ergológicas e Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4974 A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional Gislene Feiten Haubrich teóricas4. Na sequência do texto são apresentas as ideias centrais emergente do processo analítico. Figura 1. Esquema de Análise Teórico-Ergo-Discursivo Fonte: elaborado pela autora A RELAÇÃO COMUNICAÇÃO E TRABALHO E OS SENTIDOS DA ATIVIDADE: O QUE DIZEM OS EDITORIAIS DE JORNAL DE EMPRESA? Em busca de identificar como nota, a Hera, a atividade em seu cotidiano, promovese o olhar aos editoriais do jornal da empresa. Delineado o corpus e delimitados os procedimentos de análise perante as categorias teórico-ergo-discursivas, conduz-se à possibilidade de reflexão acerca dos sentidos construídos sobre a atividade laboral. Em seu ato de linguagem, a Hera manifesta saberes constituídos que implicam prescrições ao fazer cotidiano do trabalho e a conduta considerada adequada no ambiente organizacional. À análise dos discursos selecionados, dedica-se a sequência da reflexão. A Hera, a Situação de Comunicação e as Circunstâncias Discursivas A perspectiva semiolinguística (CHARAUDEAU, 2010) considera que os discursos somente podem ser compreendidos quando contextualizados diante da situação que enquadra a troca linguageira e do contrato que a rege. Desse modo, antes da avaliação central, acerca da atividade perante o ato de linguagem na organização em estudo, promove-se a apresentação dos elementos que situam os discursos analisados. Quanto aos locais de fala dos atores do ato de linguagem, elucida-se: EUc = organização Hera e TUi = classe trabalhadora. Assume-se a perspectiva do sujeito analisante, cujo enfoque está na produção de possíveis interpretativos, oriundos da relação entre EUe e TUd. A Hera é uma empresa de automação industrial com matriz localizada na região metropolitana de Porto Alegre (RS). Sua classe trabalhadora é composta por 440 4. Esse artigo se refere a um recorte do estudo realizado pela autora em sua dissertação de mestrado, apresentada ao PPG em Processos e Manifestações Culturais, da Universidade Feevale. Mais detalhes acerca do método construído, o acesso dos editoriais na íntegra e aos mapas decorrentes da classificação podem ser consultados em: <http://biblioteca.feevale.br/Dissertacao/DissertacaoGisleneHaubrich.pdf>. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4975 A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional Gislene Feiten Haubrich funcionários5, 319 homens e 121 mulheres, cuja alocação é distribuída em seis diferentes estados brasileiros6. Dentre as múltiplas possibilidades para estudar o processo discursivo-comunicacional no trabalho, seleciona-se o jornal da empresa. Exploram-se oito editoriais, de sete edições (77-83, sendo que a edição especial, nº 79, contém dois textos) do jornal que circularam no período de janeiro/2012 a junho/2014. Trata-se de um periódico com divulgação quadrimestral e distribuição para funcionários, fornecedores e clientes da Hera. Da prática social relativa ao jornal da empresa, compreendida enquanto ferramenta de comunicação dirigida, pode-se apontar que o conteúdo, dada à periodicidade de sua circulação, é selecionado perante a duração da informação, visto que se refere a uma longa temporada de divulgação, quatro meses. Trata-se de um veículo impresso, que, entre várias razões, é mantido em função do volume de funcionários que trabalha na fábrica e não tem acesso ao computador. Outra hipótese para a manutenção do jornal impresso é o uso de uma mesma ferramenta a diversos públicos de relacionamento da organização, como clientes ou fornecedores, o que garante o envio, embora não o acesso, das informações de interesse. Tal consideração embasa-se em duas premissas: 1) o site da Hera não é atualizado com a frequência da divulgação de suas notícias; 2) os públicos de interesse podem não atribuir importância para buscar essas informações que se intenta enunciar. A partir desses aspectos contextualizantes, quais construções de sentido podem emergir? Tal reflexão orienta a sequência da análise. Editoriais e Construção de Sentidos sobre a Atividade: cultura, comunicação e trabalho Do exposto na situação de comunicação em análise e com base na metáfora dos sistemas políticos, proposta por Morgan (2011), sugere-se que a cultura organizacional da Hera intenta uma ideologia unicista. Por meio de uma hierarquia verticalizada, atribui-se à gestão a determinação dos interesses coletivos que são tratados como comuns a todos os sujeitos. A impossibilidade de diálogo em relação às decisões organizacionais, cuja intenção seria perceber como os trabalhadores as compreendem, elimina o embate de ideias, o que distancia, na ótica da organização, os conflitos. Ancora-se esse olhar em alguns enunciados, como na edição 78: “Hoje é necessário colocar nossa inteligência dentro da máquina e a máquina dentro da indústria”, ou na edição 81: “Para nossa empresa, o Bovespa Mais representa a melhor maneira de entrarmos neste segmento de negócios, pois nos possibilita uma tranquila adaptação às exigências do mercado de ações” (grifo nosso). Conforme Geertz (2008), a cultura pode ser representada por teias de significados em constante tensão e permanente transformação. As teias se referem a conjuntos de mecanismos que orientam a conduta daqueles que são por elas envolvidas. Com base nessas ideias, pode-se afirmar que o elevado volume de prescrições apresentadas nos editoriais do jornal da empresa Hera é uma parte da composição das teias de significados da cultura organizacional, cujo propósito principal tende a ser a homogeneização dos valores e perspectivas que permeiam a atividade e o ambiente laboral. Esse objetivo é delineado pela gestão da organização perante a difusão de orientações comportamentais. Do editorial 2 da Edição 79, advém alguns exemplos: “Por outro lado, nós mesmos devemos nos comportar de forma a demonstrar nosso estado de espírito mais importante: 5. Dados de 04 de setembro de 2014. 6. Sede em São Leopoldo (RS), a fábrica de painéis em Sapucaia do Sul (RS) e as filiais em São Paulo (SP), Campinas (SP), Macaé (RJ), Belo Horizonte (MG), Salvador (BA), Curitiba (PR) e Porto Alegre (RS). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4976 A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional Gislene Feiten Haubrich estar de bem com a vida! Qualquer que seja o momento. Mesmo no instante de maior crise, maior perigo... Mesmo na hora de grandes sacrifícios” e “as lideranças destes levem em conta que para atingirmos isto a atitude de estar de bem com a vida, que significa o sorriso fácil, o elogio frequente, o alerta jocoso e um espírito otimista, esteja sempre presente no ambiente de trabalho”. Desses exemplos, ficam evidentes parâmetros para avaliação dos trabalhadores no exercício da atividade, visto que “estar de bem com a vida” recebe uma conceituação detalhada acerca do comportamento esperado. Embora se trate de uma conduta que tenha interferências da personalidade de cada sujeito, intenta-se subjugar essa individualidade em prol dos interesses da organização. Espera-se que a norma seja acatada plenamente e não se abre a possibilidade de avaliação das condições do ambiente para o exercício da atividade. As prescrições são postas e justificadas, a fim de evitar questionamentos e impor o contexto que cerceia o trabalho, sem reconhecer o cotidiano e as práticas que são transformadas diante dos eventos inesperados (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007), que fazem parte desse cenário. A construção dos enunciados dos editoriais ancora-se principalmente no modo enunciativo elocutivo e expressa o ponto de vista da organização (CHARAUDEAU, 2010). Esse aspecto relacionado a noção de uso de si por si promove o reconhecimento da qualificação dos profissionais, além da manifestação da gratidão por sua dedicação frente aos objetivos da organização. Em enunciados como na Edição 77 “graças ao trabalho de muitas pessoas que dedicaram entusiasmo, coragem e disposição”, na Edição 79 (editorial 1) “[...] mostrando espírito empreendedor”, e na Edição 80 “O Brasil sabe que a Hera é uma empresa extremamente competente [...] Aqui contamos com profissionais qualificados que dedicam seu tempo na criação de soluções inovadoras com tecnologia de ponta”, pode-se perceber o uso de tal estratégia discursiva, que se sustenta principalmente com o modo de organização descritivo. Em contrapartida, de forma explícita, apenas algumas áreas têm seu potencial produtivo reconhecido. Nas edições 80 e 81, respectivamente, afirma-se: “tudo isso não seria possível sem o trabalho duro de nosso P&D, que desenvolveu um produto que entusiasmou o mercado internacional”; “as atualizações da Série ABC, que continua a ser estudada e renovada em nosso processo de Pesquisa & Desenvolvimento”. Percebe-se que o enfoque do jornal está em elevar o setor de P&D ao patamar de diferencial da empresa no mercado, visto que, além dessas asserções nos editoriais, a composição do canal (páginas 3 a 7) se constitui fundamentalmente da apresentação de produtos e soluções em matérias escritas por funcionários dessa área. Nesses casos, também fica evidente a valorização do trabalhador que “coloca-se por inteiro em atividade [e] põe em movimento a energia de seu corpo, seus sentidos, sua experiência física e intelectual - o corpo em relação ao meio, aos instrumentos e técnicas”. (FÍGARO, 2009, p. 35). A ação transgressora e criadora dos sujeitos (TRINQUET, 2010) é incentivada e atestada, o que converge com os valores da organização7. O mesmo não ocorre na referência à fábrica, como na Edição 78, por exemplo, quando todo potencial de desenvolvimento é atribuído 7. Conforme o site da organização, os valores da Hera são: conhecimento, empreendedorismo, geração de valor, inovação, integridade, liderança e pessoas felizes. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4977 A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional Gislene Feiten Haubrich às máquinas e seus operadores não recebem menção. Um componente a ser considerado nessa situação é o negócio da empresa, a automação dos processos industriais, o que justifica o interesse em mostrar suas competências, no jornal, a partir dessa temática enunciativa. Porém, ao considerar a classe trabalhadora, o destaque à atividade de uns e a baixa relevância ao trabalho de outros tende a ocasionar problemas de relacionamento e conflitos no ambiente organizacional. Retoma-se a afirmação de Antunes (2011, p. 127, grifo do autor) acerca da existência de “uma dissociabilidade destrutiva no espaço de trabalho que procura dilapidar todos os laços de solidariedade e de ação coletiva, individualizando as relações de trabalho em todos os espaços onde essa pragmática for possível”. Com base nesses aspectos, afirma-se que, no caso da fábrica, a atividade é percebida como execução de prescrições, sem o investimento de qualidades particulares dos sujeitos em seu fazer. Em oposição, tal característica é valorizada no setor de P&D. A perspectiva comunicacional adotada pela Hera é tradicional e embasa-se no modelo de transmissão de informação, realidade que converge com a percepção de Fígaro e Rebechi (2013) quanto ao isolamento das dimensões do mundo do trabalho e do mundo da empresa, visto que os interesses são opostos e a intenção do trabalhador é atropelada pelos inúmeros significados que se intenta impor. “A comunicação interna desenvolve-se como uma resposta à expectativa de empregadores e gestores em racionalizar a comunicação de maneira a estabelecer um controle social dos trabalhadores nas organizações”. (FÍGARO; REBECHI, 2013, p. 9). Porém, compreende-se que ambas as faces implicam a mesma “moeda”, ou seja, a comunicação não está a serviço dos interesses de uns em função de outros, mas é um processo que permeia e conecta todos os envolvidos no processo laboral. É nesse fluxo difuso da construção de sentidos que se busca investir saberes. Acredita-se, assim, que o olhar interacional à comunicação (BALDISSERA, 2008, 2009; OLIVEIRA; PAULA, 2008) propicia ao trabalhador uma relação íntima com seu fazer, que por vezes é visto de forma mecânica. Como benefícios, pode-se indicar a possibilidade de valorização da atividade daquele que a realiza, o que o levará a buscar formas de aprimorar seus feitos, como um desafio pessoal, por exemplo. “As organizações se deparam com o papel ativo dos atores internos e sua interferência nos processos e estratégias organizacionais” (OLIVEIRA; PAULA, 2008, p. 105) e podem, então, melhorar seus processos a partir de ideias advindas de seu próprio cotidiano, das interações sujeito-trabalho e sujeito-ambiente laboral. Ignorar esses indícios tende a gerar desvinculações negativas, fundamentadas em questões pessoais, deslocando o interesse na atividade, motivo de contratação do trabalhador. Em síntese, pode-se fazer três afirmações acerca dos principais sentidos da atividade produzidos no ato de linguagem expresso no jornal da empresa Hera: 1) fica evidente a intenção de homogeneização das perspectivas, condutas e valores, a partir do uso de estratégias discursivas que visam tanto informar os interlocutores, quanto seduzi-los por meio da captação (CHARAUDEAU, 2012). Os discursos expressam o ponto de vista da organização principalmente por descrições (CHARAUDEAU, 2010), evitando a abertura de possibilidades dialogais com base nas interações e interpretações desses dizeres; 2) Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4978 A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional Gislene Feiten Haubrich percebe-se, ainda, a finalidade de reduzir o investimento de saberes que o trabalhador faz na atividade a uma simplificação, com a execução de tarefas e reprodução de saberes; por fim, 3) a comunicação é percebida como instrumento a favor do que é proposto pela gestão, o que converge com o apontamento de Fígaro e Rebechi (2013), acerca de um isolamento entre o mundo do trabalho e o restante do mundo corporativo. Porém, diante da perspectiva aqui defendida, acredita-se que uma perspectiva segregadora distancia sujeitos e organizações de seus objetivos de desenvolvimento moral, social e financeiro. Nesse sentido, argumenta-se que compreender a produção de sentidos na atividade tende a conduzir a transgressão de uma visão instrumental para outra, interacional e mais produtiva da comunicação no contexto organizacional. CONSIDERAÇÕES FINAIS A condição à qual o trabalho é concebido pela ergologia é de grande valia para o campo da comunicação, já que se ampara nas trocas linguageiras para compreendê-lo. A interpretação, ato subjetivo, é tida como a base da atividade. Defende-se, então, que as organizações, ao gerarem estímulos comunicacionais, permitem que os indivíduos selecionem elementos que contribuem à construção de representações. Nesse caso, contemplar as organizações enquanto associação de discursos em constante construção/ reconstrução implica a aceitação de que os elementos simbólicos, transmitidos por meio da tradição e da difusão, são essência da prática humana, logo, precisam ser relevados nas instâncias de decisão organizacionais. Essa compreensão vai além dos elementos prescritivos, materializados através de valores, crenças, etc., propagados pela organização. Refere-se, também, à identificação dos processos de aprendizagem realizados internamente, enquanto produção coletiva. A interação permite o trânsito de conceitos entre os sujeitos, que revelam suas motivações e intenções frente ao trabalho que têm de realizar. Diante da reflexão construída neste artigo, defende-se a indissociabilidade entre as noções de cultura, comunicação e trabalho, visto que propicia um olhar hologramático às dinâmicas contemporâneas. A cultura movimenta-se e transmuta-se pela ação dos sujeitos, por meio de seus discursos que propõem a interação entre contexto e suas instituições, dentre as quais reside a própria noção de sujeito englobada. Aceita-se a participação ativa dos indivíduos tanto na socialização de saberes que implicam mecanismos de controle de conduta, quanto na sua hibridização entre o determinado socialmente (público) e no interior das organizações (privado). Diante do caso em estudo, sugere-se que a conversão entre o que a Hera expressa em seu ato de linguagem quanto aos usos que faz do trabalhador e os usos que ele faz de si conduz à reflexão de que, embora se busque homogeneizar os objetivos diante de um alto volume de prescrições, tal cenário é utópico, visto que há uma pluralidade de interesses que são permanentemente negociados entre os trabalhadores, aspecto inerente à atividade. O conflito de perspectivas e a disputa de sentidos no ambiente laboral o constituem e isso é alheio à vontade da organização. A comunicação assume, assim, um desafio quanto a uma possível transgressão de sua face instrumental para outra interacional: contemplar os múltiplos sentidos mobilizados pelos trabalhadores em sua atividade. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4979 A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional Gislene Feiten Haubrich REFERÊNCIAS Antunes, R. (2011). Os Exercícios da Subjetividade: as reificações inocentes e as reificações estranhadas. Caderno CRH, 24(1), 121-131. Antunes, R. (2009). Os Sentidos do Trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo. Baldissera, R. (2009). A Teoria da Complexidade e as Novas Perspectivas para os Estudos de Comunicação Organizacional. In: KUNSCH, M. (org.). 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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4980 Comunicação com empregados e planejamento: princípios para uma abordagem teórica Employee communications and planning: principles for a theoretical approach Roz á li a Del Gáu dio 1 Pa u l o H e n r i q u e L e a l S o a r e s 2 Resumo: A Comunicação no contexto das organizações vem se consolidando como um importante campo de trabalho para profissionais de diferentes formações. Esta multidisciplinaridade pode ser entendida como resultado das complexidades que coabitam o espaço organizacional, e também como fragilidade conceitual. Sem um campo teórico forte, mesmo que com fronteiras fluídas, não há como exigir na prática comunicacional, a solidez. Neste ensaio apresentamos uma proposta de abordagem conceitual para a Comunicação com Empregados, reunida a partir de revisão de literatura. Optamos por focar em uma das dimensões da Comunicação mais relevantes no contexto de sua prática organizacional: o planejamento. Partimos de reflexões baseadas em princípios de Administração, buscando criar conexões entre o pensar e agir Comunicacional e o pensar e agir da Gestão, discutindo, ainda, as possíveis especificidades da Gestão da Comunicação com Empregados frente à gestão de outras áreas no interior das organizações. Palavras-Chave: Comunicação com Empregados. Planejamento. Gestão. Estratégia. Comunicação Interna. Abstract: The Communication in the context of organizations has been consolidated as an important field of work for professionals from different backgrounds. This multidisciplinary approach can be understood as a result of the complexities cohabiting in the organizational environment, and also as a conceptual weakness. Without a strong theoretical field, even with fluid boundaries, there is no way to demand solidity. In this paper we propose a conceptual approach to Employee Communications, gathered from literature review. We have chosen to focus on one of the most relevant aspects of the practice of Communication inside the organizations: planning. We started our reflections based on management principles, seeking to create connections between thinking and acting of the Communications and the thinking and acting of Management, discussing also the possible specificities of Employee Communications management face other areas within organizations. Keywords: Employee Communications. Planning. Management. Strategy Internal Communication 1. Doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Paris 1, Panthéon Sorbonne; Professora no MBA Aberje ESEG de Gestão da Comunicação Empresarial, Gerente de Comunicação Corporativa na C&A Brasil [email protected]. 2. Mestre em Comunicação pela PUC MINAS; Diretor de Comunicação da Vale S.A. e do Capítulo Rio de Janeiro da Aberje, Membro da International Association of Business Comunicatores (IABC) [email protected]. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4981 Comunicação com empregados e planejamento: princípios para uma abordagem teórica Rozália Del Gáudio • Paulo Henrique Leal Soares INTRODUÇÃO ONSIDERADA CADA vez mais estratégica para o alcance dos objetivos organizacio- C nais, a Comunicação como um todo, em especial a direcionada aos empregados, vem se consolidando como um importante campo de trabalho para profissionais de diferentes formações. Esta multidisciplinaridade pode ser entendida como resultado das complexidades que coabitam o espaço organizacional, mas também como uma fragilidade conceitual. Sem um campo teórico consistente, mesmo que com fronteiras fluídas, não há como exigir na prática comunicacional, a solidez. A multidisciplinaridade de profissões atuando na área de Comunicação pode ser percebida como resultado de deficiências na formação acadêmica dos egressos do curso, que, focados em aspectos técnicos do fazer comunicacional, demonstram menos habilidade para a interlocução dentro das organizações, mesmo porque, pouco espaço é dado no ambiente acadêmico para o debate sobre essas questões. Por outro lado, como o defendido por Nassar (2004) a Comunicação precisa ser cada vez mais mestiça, uma vez que o ambiente organizacional demandará cada vez mais um olhar multidisciplinar e aberto para a diversidade. De tão importante no contexto das organizações, não poderá mais ficar apenas nas mãos dos comunicadores, defende Nassar, complementando: “é essa mestiçagem profissional que garante o bom futuro da comunicação corporativa” (NASSAR, 2004). No caso da comunicação com empregados, as fragilidades começam pelo seu objetivo. Afinal, se por um lado um de seus focos é desenhar fluxos informacionais, conectando pessoas e objetivos empresariais (o que por si só já representa um trabalho considerável), por outro a sociedade, as organizações, o trabalhador e o próprio trabalho encontram-se em contextos sujeitos a mutações constantes. Ou seja, é cada vez mais difícil definir a que serve a comunicação com empregados: ela informa, dentro de um modelo de gestão racionalista? Ela federa, dentro de um modelo de gestão burocrático? Ela convida as pessoas à maior adesão e protagonismo, dentro de modelos de gestão mais participativos? A área de Comunicação é porta-voz das organizações ou ela porta a voz dos empregados (e de outros interlocutores também)? Há como exigir de um processo por natureza complexo alguma racionalidade matemática? Como tratar todas essas variáveis e questões complexas em um processo também multifacetado por natureza? Outro elemento de fragilidade pode ser encontrado na própria literatura dedicada ao tema. Assim, para apoiar esse debate, neste ensaio apresentamos uma proposta de abordagem conceitual para a Comunicação com Empregados, reunida a partir de revisão de literatura. Optamos por focar em uma das dimensões da Comunicação mais relevantes no contexto de sua prática organizacional: o planejamento. Partimos de reflexões baseadas em princípios de Administração, buscando criar conexões entre o pensar e agir Comunicacional e o pensar e agir da Gestão, discutindo, ainda, as possíveis especificidades da Gestão da Comunicação frente à gestão de outras áreas no interior das organizações. DA ESTRATÉGIA À AÇÃO: REFLEXÕES PARA A PRÁTICA DA GESTÃO DA COMUNICAÇÃO COM EMPREGADOS Como todo processo organizacional, a Comunicação com Empregados precisa ser realizada dentro de um quadro de gestão que se baseie em clareza de propósito, Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4982 Comunicação com empregados e planejamento: princípios para uma abordagem teórica Rozália Del Gáudio • Paulo Henrique Leal Soares cuidado na administração dos recursos (humanos e financeiros) e prestação de contas em relação aos resultados obtidos. Nesse sentido, mais do que uma atividade instrumental, a Comunicação no contexto das organizações precisa de um olhar que incorpore competências gerenciais, comportamentais e técnicas. Como analisa a professora Margarida Kunsch, Planejar e administrar a comunicação das organizações hoje, no contexto de uma sociedade complexa diante de um ambiente de mercado altamente competitivo, requer do gestor responsável conhecimentos em planejamento, gestão e pensamento estratégicos e bases científicas da própria área de Comunicação que ultrapassem o nível das técnicas e de uma visão linear, cujos roteiros muitas vezes ignoram condicionamentos externos e possíveis conflitos. (KUNSCH, 2009, p.110) O conjunto de competências gerenciais, comportamentais e técnicas deve ser orientado para a construção de estratégias de Comunicação assertivas e que apoiem a geração de valor compartilhado. As estratégias de comunicação necessitam estar baseadas em premissas previamente estabelecidas pelas organizações bem como necessita estar embasada nas necessidades de todos envolvidos nos processos interacionais, dialogando com os valores e a cultura organizacional. A visão da organização não pode imperar frente às necessidades e demandas dos seus interlocutores. Dentro das organizações, as ações e iniciativas de Comunicação voltadas para o público interno precisam levar em consideração um fator muitas vezes esquecido: as empresas não são mais a única fonte de informação confiável à qual os profissionais têm acesso e não estão (ou nunca estiveram) na centralidade das relações. Assim, se no plano dos negócios a “(...) a essência da formulação estratégica é lidar com a competição (...)” (PORTER, 1998, P.11), no plano comunicacional precisamos entender que hoje a Comunicação oficial da organização disputa sentidos e espaço num mundo de múltiplos sentidos e espaços comunicativos. Às redes formais e informais, que sempre caracterizaram o ambiente da comunicação interna, como analisa Nassar (2009), hoje se somam novos atores e portadores de vozes, amplificadas pelas redes sociais online, por exemplo. Assim, precisamos considerar que os interlocutores de uma companhia estão em constante interação. Nesse ambiente, são as trocas simbólicas que ocupam um papel central, como ressalta Baldissera (2008). As relações entre os interlocutores e as organizações apresentam uma circularidade de sentidos, num processo dialógico (OLIVEIRA; PAULA, 2007), cuja compreensão é importante para a estruturação da comunicação no contexto das organizações. Essa concepção reforça as relações no contexto organizacional como fator determinante para o processo comunicacional. As relações pressupõem o reconhecimento de que o sentido é formado “no outro”, e que no momento de troca, tanto os representantes da organização quanto seus interlocutores geram novos significados e sentidos. Quando as trocas simbólicas acontecem, sentidos são postos em circulação (BALDISSERA, 2003). É importante considerar que a linguagem e a cultura são elementos constitutivos das relações entre os indivíduos. A interação social é, portanto, fruto das relações comunicativas, que não podem ser resumidas apenas ao processo interpretativo (ANTUNES, 2001). As experiências culturais e históricas dos indivíduos influenciam e provocam conflitos e Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4983 Comunicação com empregados e planejamento: princípios para uma abordagem teórica Rozália Del Gáudio • Paulo Henrique Leal Soares interpretações na disputa de sentidos e significação das mensagens postas em circulação (BALDISSERA, 2008a), seja nas relações pessoais, seja nos processos midiatizados. Não existe construção de sentido sem tensionamento, sem ambiguidade e sem relação entre indivíduos ou grupos. Os paradigmas que estão postos na contemporaneidade apresentam desafios para relações entre os atores sociais, e mostram particularidades nas relações entre os trabalhadores e as organizações. A compreensão dos processos de construção e de disputa de sentidos torna-se fundamental para que os profissionais que atuam na Comunicação com Empregados tenham efetivamente um papel de mediação das relações entre a organização e os interlocutores internos. Nenhum planejamento de Comunicação com Empregados que desconsidere essa disputa de sentidos e a circularidade de informações, por exemplo, terá sucesso. Quando isto é desconsiderado, o esforço comunicacional resume-se aos processos de produções de canais unilaterais e sem espaço para a interação e o diálogo. Por outro lado, a consideração de competidores não deve se sobrepor a um profundo entendimento das necessidades dos “clientes”, como ensina Ohmae (1998). O especialista em planejamento estratégico lembra que a competição é apenas um dos fatores a se analisar no contexto de formulação de estratégias e planos empresariais. Naturalmente, é importante levar em consideração a competição, mas ao se adotar a estratégia não se deve coloca-la em primeiro lugar. Ela não pode vir em primeiro lugar. Primeiro vem uma atenção total às necessidades do cliente. (OHMAE, 1998, P.68) Fazendo um paralelo com o processo de Comunicação com Empregados, e substituindo a consideração “cliente” por “interlocutor”, vemos que dessa maneira, é importante a estratégia da Comunicação com empregados buscar vantagens competitivas em relação a essas múltiplas vozes e atores, mas também basear-se numa meticulosa busca de entendimento de expectativas dos nossos interlocutores, sejam eles a liderança da empresa ou os empregados e demais atores que atuam no contexto organizacional. O caminho da diferenciação em Comunicação com empregados também pode se inspirar na busca de diferenciação da própria estratégia corporativa. Estratégia é a busca deliberada de um plano de ação para desenvolver e ajustar a vantagem competitiva de uma empresa. Para qualquer empresa, a busca é um processo interativo que começa com o reconhecimento de quem somos e do que temos nesse momento. (HENDERSON, 1998, p.5) Partindo desse conceito de Henderson (1998), podemos dizer que a estratégia de Comunicação com Empregados deve ser um processo interativo, que se inicie com a análise do momento atual da organização e seus processos comunicacionais, um balanço do estado atual desse processo, fundamentado em um diagnóstico que demonstre claramente o que a empresa diz por meio de suas redes formais e informais; quais os formatos; qual a credibilidade; qual é realmente a situação atual. Uma ferramenta de gestão que costuma apoiar bastante esse processo inicial de planejamento estratégico é a matriz SWOT, que identifica as Forças/Oportunidades e as Fraquezas/Ameaças de uma organização ou contexto ou processo. As Forças e Fraquezas Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4984 Comunicação com empregados e planejamento: princípios para uma abordagem teórica Rozália Del Gáudio • Paulo Henrique Leal Soares são associadas a fatores internos à organização; enquanto as Oportunidades e Ameaças decorrem de fatores exógenos à organização. Uma vez analisadas as forças que afetam a competição em um setor e suas causas básicas, o estrategista corporativo pode identificar o vigor e as fraquezas da empresa (...) então o estrategista pode divisar um plano de ação que poderá incluir (1) posicionar a empresa de tal modo que suas capacitações forneçam a melhor defesa contra a força competitiva; e/ou (2) influenciar no equilíbrio de forças por meio de ações estratégicas, melhorando, portanto, a posição da empresa; e/ou (3) antecipar mudanças nos fatores básicos das forças e respondendo a elas com a esperança de explorar a mudança escolhendo uma estratégia apropriada para o novo equilíbrio competitivo antes que os oponentes a reconheçam. (PORTER, 1998, p. 22/23) A partir desse diagnóstico inicial, o próximo passo é alinhar uma visão de futuro, não necessariamente associada à manutenção da situação atual, mas de caminhos que atendam às transformações necessárias para dar conta de um contexto de novas relações organizacionais e múltiplos interlocutores. E, de novo, aprender com a estratégia corporativa, pode ser inspirador. “A estratégia deve estar alinhada para a construção da visão de futuro da organização; não está diretamente associada com a situação atual, mas, sim, com os caminhos que atendam tanto aos propósitos quanto ao ambiente da organização.” (FERRARI, 2009, p. 87). Na prática, Allen (2005), elenca cinco fases de planejamento de projetos, que também podem ser bastante úteis na definição estratégica e planejamento de Comunicação com Empregados: 1. Definir o objetivo e os princípios: ou seja, no caso da Comunicação com empregados, o que se pretende com a estratégia; quais são os princípios e premissas; do que não abrimos mão, etc... 2. Visualizar o resultado: ou seja, no caso da Comunicação com empregados, como será a situação futura? Como vamos saber se chegamos lá? 3.Fazer brainstorm: que ideias, inovações, mudanças podemos fazer para atingir o resultado? 4. Organizar: que recursos precisaremos? Em quanto tempo? Com que desdobramentos de ações possível? 5. Identificar as próximas ações: a cada avanço, como saber se funcionou? Se é necessário implementar novas ações? É claro que esse processo de reflexão pode gerar dezenas de ações e iniciativas e, frente a recursos limitados ou mesmo escassos, como escolher o que fazer? Kim e Mauborgne (2005) definem três características da boa estratégia corporativa: foco, singularidade, mensagem consistente. Ou seja, não é possível fazer tudo; é preciso ser original; e a persistência ao longo do tempo contribui com uma estratégia diferenciada. Mas aí vem a questão: como escolher as batalhas para uma comunicação estratégica e inovadora, capaz de vencer a “concorrência”? Os autores sugerem um Modelo teórico, baseado em quatro ações, conforme Figura 1. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4985 Comunicação com empregados e planejamento: princípios para uma abordagem teórica Rozália Del Gáudio • Paulo Henrique Leal Soares Figura 1. Modelo das quatro ações Fonte: KIM; MAUBORGNE, 2005, p.29. Adaptando esse modelo para a Comunicação com Empregados, questionar se os processos que sempre existiram devem continuar ou ser eliminados; buscar inovações, inclusive tecnológicas ou gerenciais; definir atributos que devem ser reduzidos ou elevados, pode ajudar nesta etapa crucial do processo de planejamento. Outro fator muito importante na construção da estratégia e planejamento de Comunicação é o tempo. Hoje o tempo é uma vantagem-chave. As formas como as empresas líderes de mercado gerenciam o tempo – na produção, no desenvolvimento e no lançamento de novos produtos, em vendas e distribuição – representam as mais poderosas novas fontes de vantagem competitiva. (STALK Jr, 1998, p.43.). No caso do processo de Comunicação com Empregados, o tempo é uma variável a ser considerada na própria formulação e aprovação da estratégia, e em todos os momentos da execução do plano tático e operacional. Para um grupo de sujeitos que vivem a organização diariamente, o fator tempo tem uma conotação diferenciada. Não é possível “deixar para amanhã” questões que são incômodos diários. Por fim, como ensina um dos principais pensadores da Gestão Estratégica, toda organização (e todos os processos), deveriam se orientar para a busca de vantagens competitivas únicas. E, “ a única maneira de sustentar uma vantagem competitiva é atualiza-la [...]” (PORTER, 1998, p. 148). Trocando em miúdos: pratique o desapego e busque surpreender e inovar sempre. COMUNICADOR: UM ARTÍFICE ESTRATÉGICO Como um ator capaz de criar conexões e sentido no contexto das organizações, o comunicador precisa se colocar cada vez mais como um artífice estratégico. Isso significa abdicar cada vez mais de um papel instrumental e técnico, para assumir um assento estratégico e transformador dentro das empresas. Não que as questões técnicas Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4986 Comunicação com empregados e planejamento: princípios para uma abordagem teórica Rozália Del Gáudio • Paulo Henrique Leal Soares e instrumentais não tenham o seu valor e importância, mas não podemos pensar que o nosso trabalho se resume a edições de texto, publicações de anúncios e/ou produções multimídia. A assunção dessa responsabilidade passa por um planejamento absolutamente alinhado à estratégia corporativa, e por uma estratégia de comunicação que considere as expectativas dos diferentes interlocutores. Na prática, e especialmente focando a Comunicação com Empregados, isso significa adorar alguns comportamentos diários: a) Não dissociar estratégia da ação Como ensina Kunsch (2009), no contexto das organizações, o planejamento ocorre em três níveis: estratégico, tático e operacional . Não é possível ficar apenas no plano das ideias e da leitura de cenário. À estratégia assertiva, deve-se se somar uma tática precisa e uma operação excelente. “Nenhum artífice usa alguns dias para pensar e outros para trabalhar. A mente do artífice está sempre em funcionamento, em sincronia com suas mãos.” (MINTZBERG, 1998, p.424). b) Buscar aliados A boa estratégia tem mensagem convincente e clara, indicam Kim e Mauborgne (2005). A estratégia de comunicação, principalmente a orientada aos empregados , precisa mais ainda dessas características. Para isso, assim como na estratégia corporativa se busca o engajamento do conselho diretor para continuamente identificar novas oportunidades (ANDREWS, 1998, p. 479), também nos nossos processos precisamos estar continuamente desenvolvendo aliados no nível da alta liderança e os engajando para melhores resultados. c) Tudo comunica Nos espaços organizacionais, tudo comunica. Entretanto, “[...] o ato comunicacional só se efetiva quando existe o relacionamento entre pessoas ou entre uma organização e seus públicos.” (FERRARI, 2009, p. 85). Por essa razão, precisamos permanentemente conectar pessoas, e estarmos conectados às pessoas. d) Ter um propósito claro Os aspectos formais, expressos por regulamentos, normas e procedimentos, direitos e deveres, missões e visões, que caracterizam as organizações contemporâneas, devem, do ponto de vista da administração, ser informados, entendidos, aceitos e implementados pelos que as integram. (NASSAR, 2009, p.64). Se essa clareza é válida para a estratégia corporativa, ela é ainda mais essencial para a estratégia e o planejamento de comunicação. Precisamos apoiar as pessoas no processo de entendimento e compreensão das nossas ações, lembrando ainda que: “muito mais do que disseminar informações e colaborar para a motivação dos funcionários, a comunicação interna tem hoje um desafio maior, e responder a essa pergunta de forma objetiva implica o uso de apenas uma palavra: engajamento” (CAPPELLANO, 2014, p. 54). Ao desenvolvimento de ambientes corporativos mais engajadores, o nosso trabalho na Comunicação com Empregados serve a um outro fundamental propósito: Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4987 Comunicação com empregados e planejamento: princípios para uma abordagem teórica Rozália Del Gáudio • Paulo Henrique Leal Soares Todos os comportamentos e ações organizacionais devem ser avaliados em dimensões de confiança, e a confiança deve guiar comportamentos e ações. Uma comunicação estratégica excelente é necessária para potencializar a confiança e endereçar eventuais impactos da falta de confiança organizacional. (SHOCKLEY-ZALABAK et al., 2010, 214, tradução nossa3). CONSIDERAÇÕES FINAIS Neste artigo, discutimos um aspecto extremamente relevante para a prática da Comunicação com Empregados, que é o planejamento. Trata-se de uma importância que vem não apenas do fato de que um bom planejamento pode, no nível instrumental, ajudar na gestão de recursos humanos e financeiros, mas, sobretudo, de que ele é um elemento central para o entendimento do contexto corporativo e suas múltiplas interações e interfaces, que têm impacto direto no dia a dia no trabalho do comunicador. Nossa reflexão foi construída visando apoiar a criação de repertório de gestão para os profissionais de Comunicação que atuam no ambiente Organizacional. Afinal, ao incorporar elementos da Gestão ao nosso pensar e fazer, criamos oportunidades de interação e troca qualificada com a gestão organizacional, garantindo uma interlocução com repertório comum, ingrediente essencial para uma boa Comunicação. Mais do que o fazer Comunicacional clássico, é momento de o comunicador atuar como um artífice estratégico, cuidando para que a estratégia de Comunicação, especialmente a orientada aos empregados, seja, por um lado, um espelho da estratégia corporativa, refletindo valores, objetivos, cultura e comportamentos definidos como os aceitos pelos sujeitos; e, por outro lado, o Comunicador também pode ser um protagonista de mudanças, colaborando para a mediação e a interlocução entre pessoas que possibilite a transformação organizacional. Nesse sentido, abre-se um campo de trabalho e pesquisa ímpar, na medida em que passamos a enxergar – e a praticar – o fazer comunicacional como um fator de evolução e transformação das pessoas e das organizações. Uma transformação múltipla e complexa, nas e dos sujeitos e das organizações. REFERÊNCIAS ALLEN, David. A arte de fazer acontecer – Getting things done: uma fórmula anti-stress para estabelecer prioridades e entregar soluções no prazo. 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An excellent communication strategy is required for increasing trust and addressing the negative impact of distrust” Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4988 Comunicação com empregados e planejamento: princípios para uma abordagem teórica Rozália Del Gáudio • Paulo Henrique Leal Soares BALDISSERA, Rudimar. Imagem-conceito: a indomável orgia dos significados. In:CONGRESSO ANUAL DE CIÊNCIA DA COMUNICAÇÃO, 26, 2003, Belo Horizonte. Anais do 26. Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. São Paulo: Intercom, 2003. CD-ROM. CAPPELLANO, Thatiana. Comunicação interna. IN: SILVA NETO, Belmiro Ribeiro (coord). Comunicação Corporativa e Reputação – construção e defesa da imagem favorável. São Paulo, Editora Saraiva, 2010. p. 53 a 68. FERRARI, Maria Aparecida. Teorias e estratégias de Relações Públicas. IN: KUNSCH, Margarida M.K. (org.) Gestão estratégica em Comunicação Organizacional e Relações Públicas. 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Este artigo é parte de uma investigação exploratória teórica mais ampla. Aqui apresentamos algumas das abordagens já obtidas por meio de pesquisa bibliográfica e procuramos tecer algumas compreensões possíveis acerca da contribuição complexa do diálogo na dimensão comunicacional da vida dos sujeitos no contexto das organizações. Palavras-Chave: Diálogo. Comunicação organizacional. Complexidade. Relacionamento. Abstract: Considering the dialogue as central and indispensable element phenomenon of communication processes in the context of organizations, this paper tries to discuss it from various fields of knowledge as the Language Sciences, Philosophy, Social Sciences, among others. This article is part of a broader theoretical exploratory research. Here are some of the approaches that have been obtained by means of literature and try to make some possible insights about the complex dialogue contribution to the communication dimension of life of the subjects in the context of organizations. Keywords: Dialogue. Organizational Communication. Complexity. Relationship. INQUIETAÇÕES INTRODUTÓRIAS O DISCUTIR a conceituação do termo comunicação, Martino (2001) afirma que: “[...] A a resposta que espontaneamente vem ao nosso espírito é a situação de diálogo, onde duas pessoas (emissor-receptor) conversam, trocam ideias, informações ou mensagens” (Ibiden, p.12). Assumindo a perspectiva de Marcondes Filho (2008) de que pesquisar a comunicação é estudar o processo e a constituição da relação que se cria entre as pessoas comunicantes, compreendemos o diálogo como elemento central dos processos comunicacionais básicos no contexto das organizações. Pesquisar as práticas comunicacionais das organizações é produzir conhecimentos acerca do estabelecimento e da sustentação de relações entre sujeitos que coabitam em ambientes complexos. Mais do que vislumbrar um conjunto de técnicas e prescrições, a Comunicação Organizacional implica em compreender as interações, as trocas simbólicas 1. Doutoranda em Comunicação pela Famecos/PUCRS. Professora do Curso de Jornalismo da ESPM-Sul. E-mail: [email protected] Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4990 Diálogo no contexto das organizações - aproximações Rosângela Florczak de Oliveira que se desenvolvem a partir de pensamentos e palavras, atos e sentimentos, em espaços e projetos coletivos, portanto em espaços sociais. Sujeitos imersos em uma mistura fluída de caos e ordem social e cultural, em tempo e espaço de verdadeira metamorfose, estão, nas organizações, em permanente troca, seja por meio de processos produtivos, relações de consumo de produtos, serviços e ideias, seja como cidadãos envolvidos em causas comuns ou, ainda por afinidades, necessidades e pontos de aproximação de diferentes naturezas. O esgotamento, do paradigma instrumental informacional, apontado por diversos autores (SCROFERNEKER, 2000; OLIVEIRA e MOURÃO, 2014; MARCHIORI, 2010; FLORCZAK, 2010), mas que ainda inspira práticas comunicacionais no contexto organizacional e sustenta o lugar da comunicação como área, setor ou departamento na estrutura formal das empresas privadas, dos órgãos públicos, de entidades do terceiro setor, entre outros, começa a ser superado na instância da produção de conhecimento. Sendo assim, emergem, nos estudos do campo da Comunicação Organizacional, novos paradigmas que concebem a complexidade dos processos comunicacionais. É neste quadro reflexivo que inserimos nosso esforço de pesquisa. Partimos da premissa de que para compreender, e incluir novas perspectivas na Comunicação Organizacional, é imprescindível ampliar o estudo sobre o vínculo e o relacionamento entre sujeitos, questão que elegemos aqui como o pano de fundo, e que entendemos como fenômenos sociais dependentes ou amalgamados pelo diálogo. Situar o diálogo no campo da Comunicação Organizacional exige que ampliemos o olhar sobre o fenômeno a partir de diversos campos do saber como as Ciências da Linguagem, a Filosofia, a Antropologia, as Ciências Sociais, entre outros. Com a abordagem multidisciplinar, em nossa tese de doutoramento buscaremos contribuições possíveis para perceber as implicações geradas nos processos comunicacionais quando o diálogo é assumido como elemento central e quais as possibilidades de incluí-lo como potência que (re) define as práticas da comunicação no contexto das organizações. Aqui, porém, apresentamos apenas um recorte da pesquisa. Como na ambientação dos Diálogos de Platão, que se davam no espaço da Polis, em meio ao movimento cotidiano, queremos compreender o diálogo no dia a dia do ambiente organizacional. […] é que o homem busca o conhecimento senão nos atos corriqueiros do dia-a-dia, nos quiproquós do οἶκος e nos mercados abarrotados de sofistas, políticos e estrangeiros, […]. Todos os diálogos platônicos são constituídos com o cotidiano como plano de fundo, e é justamente nesse âmbito, supostamente desinteressado, onde se trava o exercício dialético e é posto em prática o exame – partes constitutivas e necessárias para o filosofar arguto e irônico de Sócrates. É justamente na práxis onde o velho “conhece-te a ti mesmo”, advindo dos antigos ensinamentos órficos, pode ser efetivado e levado adiante sob o crivo da filosofia. É, pois, na construção paciente da conversação que as personagens interpeladas por Sócrates reavaliam suas concepções após perceberem a incongruência de seus respectivos posicionamentos opiniáticos. (MIRANDA, 2013, p. 97) Considerando que as organizações são sistemas complexos formados por sujeitos em relação, num espaço permeado por relações de poder e convívios que fazem emergir a Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4991 Diálogo no contexto das organizações - aproximações Rosângela Florczak de Oliveira individualidade e as vivências pessoais e coletivas, em uma lógica recursiva, as interações sociais no ambiente organizacional permitem afirmar que o diálogo é constante e presente, mas queremos compreender se é, ou não, possível, assumi-lo como prática consciente e intencional por parte da organização, com fins claros de fortalecer as relações e estabelecer vínculos. A natureza e as condições do diálogo precisam ser estudadas para que novas possibilidades favoreçam uma Comunicação Organizacional que valorize a corrente de significados que flui no ambiente organizacional (BOHM, 2005). Lentes para ver o mundo, a pesquisa e o conhecimento São os princípios a partir dos quais se investiga que viabilizam o diálogo científico, possibilitando que os pesquisadores falem uns com os outros e não uns contra os outros. Para Morin (2006, p.10), “[...] paradigmas são princípios ocultos que governam nossa visão das coisas e do mundo, sem que tenhamos consciência disso”. “A postura epistemológica do pesquisador o leva a explicar como se constrói determinado conhecimento sobre a realidade que o cerca” (MORAES e VALENTE, 2008, p.6). Assumimos aqui, o Paradigma da Complexidade de Morin (2002, 2006, 2007, 2008) como luz que incide sobre o fenômeno estudado e define as nuances que conseguiremos perceber na trajetória da pesquisa. É a partir da concepção complexa do que é conhecimento que buscaremos encontrar variações significativas e constantes fundamentais (MORIN, 2007) do fenômeno que pesquisamos. Reconhecendo a complexidade do fenômeno que buscamos compreender, temos como pressupostos que o conhecimento que construímos busca religar dimensões (MORIN, 2007) da realidade humana e social, artificialmente separados, compartimentados, fragmentados como os aspectos filosóficos, psicológicos, sociais, sociológicos e históricos, entre outros. Da mesma forma, trata-se de um conhecimento que concebe o homem não apenas na sua racionalidade “[...] como sapiens, faber e economicus, mas também como demens, ludens e consumans” (Ibidem, p.18). A pesquisa bibliográfica é o procedimento metodológico adotado. Pretendemos fazer a leitura de dados a partir da produção teórica de autores e pesquisadores de diferentes campos do conhecimento. A partir da percepção e significação do diálogo no contexto destes autores, buscaremos ampliar a compreensão, interligar constructos teóricos, expandir o conhecimento e proporcionar guias possíveis para as práticas, sem, porém, refutar ou provar o produto dos nossos achados, mas sim, acrescentando novas perspectivas para elucidar o que está sendo investigado (DANTAS, LEITE, LIMA e STIPP, 2009). O DIÁLOGO NOS DIFERENTES CAMPOS DO SABER De um simples termo do senso comum, aplicado de forma descomprometida, a um conceito polissêmico que permeia diversos campos do conhecimento ou, até mesmo, fundamenta métodos de construção do saber, o diálogo permite distintas buscas teóricas. Pelo campo da antropologia, da linguística, da psicanálise, da comunicação, da sociologia e da filosofia, entre outros, é possível encontrar diferentes aplicações conceituais do termo. Etimologicamente, a palavra tem origem grega. “Diálogo vem do grego dialogos. Logos significa ‘palavra’ ou, em nosso caso, poderíamos dizer ‘significado da palavra’ e dia significa ‘através’ [...]” (BOHM, 2005, p.34). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4992 Diálogo no contexto das organizações - aproximações Rosângela Florczak de Oliveira Já na Grécia Antiga, o diálogo foi concebido como elemento central no desenvolvimento do pensamento. Ao retratar as práticas de Sócrates, que provocava a reflexão em seus discípulos a partir de perguntas (maiêutica2) e de uma conversa dialógica, Platão inventou o diálogo socrático: “[...] a forma literária na qual os amigos de Sócrates [...] comemorariam sua memória, tentando fixar para a posteridade suas conversações peculiares [...]” (SCOLNICOV, 2003, p. 49). Os Diálogos de Platão guardam características que revelam os componentes básicos do diálogo socrático. Um diálogo verdadeiro é um drama. Como todo drama, não é só o que é dito que tem importância, mas também — e, às vezes, especialmente — o que se passa. Frequentemente, o que se diz está em flagrante contraste com o que acontece. [...] o cenário é absolutamente indispensável para a compreensão do que acontece em cada diálogo. [...] Como em todo drama, temos sempre de ter em mente quem é que está falando. Como em todo bom drama, as mesmas palavras podem ter sentido completamente diferente quando pronunciadas por diferentes [...]. Assim, não devemos nos surpreender em encontrar muito frequentemente que respostas rejeitadas em um diálogo são aceitas em outro, ou no mesmo diálogo pouco mais adiante. Mas num diálogo, como na vida real, palavras não mantém seu sentido de um locutor a outro, e o mesmo locutor, em tempos diversos, pode usar a mesma palavra de modo ligeiramente ou mesmo totalmente — diverso (SCOLNICOV, 2003, p.p. 49-51). Assumindo que a palavra diálogo quer dizer “palavra que atravessa”, conversa que permeia, “papo” que preenche um espaço entre pessoas. Ou seja, diálogo é o que acontece entre pessoas, é a atmosfera, a cena, o clima, a situação em que duas, três, cinco, dez pessoas se relacionam. Entre as pessoas circula algo. Além das palavras emitidas, circulam sensações, emoções, desejos, interesses, curiosidades, percepções, estados de espírito, intuições, humores, uma indescritível sensação de “coisa comum”, de ligação (MARCONDES FILHO, 2008, pp.25 -26). Sendo assim, o diálogo, enquanto um processo permanente entre os sujeitos, seja de forma consciente ou inconsciente, interessa a distintos campos do conhecimento. David Bohm, por exemplo, originalmente um físico teórico estadunidense que, ao longo da vida desenvolveu estudos da mecânica quântica e da teoria da relatividade, no final de sua vida dedicou-se a estudar o diálogo. Bohm (2005) afirma que se trata de um processo de vai e vem, com a emergência contínua de novos conteúdos que passam a ser comuns aos participantes. Segundo o autor (2005, p.29), “Desse modo, num diálogo cada pessoa não tenta tornar comuns certas ideias [...] por ela já sabidas. Em vez disso, pode-se dizer que os interlocutores estão fazendo algo em comum, isto é, criando juntos alguma coisa nova”. No ambiente organizacional, o diálogo ganha um lugar relevante e estratégico. Sob essa perspectiva as pessoas que estiverem dispostas a cooperar, trabalhar juntas, precisam ser capazes de criar algo em comum, ou seja, “[...] alguma coisa que surja de suas discussões e ações mútuas, em vez de algo que seja transmitido por uma autoridade a outros que se limitem à condição de instrumentos passivos” (Ibiden, 2005, p. 30). 2. Sócrates denominou seu método, reconhecidamente dialético, de maiêutica, ou seja, a arte de fazer o parto, de fazer nascer o conhecimento a partir de perguntas. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4993 Diálogo no contexto das organizações - aproximações Rosângela Florczak de Oliveira O filósofo e pedagogo, Martin Buber contribuiu para a compreensão do tema ao defender que o diálogo pressupõe a abertura para a relação com o outro. Para Buber (1982), a condição de existência como ser-no-mundo reside na palavra como diálogo. Isso porque, é por meio da palavra que o ser do homem adentra à existencialidade, uma vez que ela contém o vivido, é dialógica. Na conversação genuína, segundo o autor, aquele que fala percebe a pessoa que está presente, aceita-a como seu/sua parceiro/a, ou seja, confirma esse outro na medida em que lhe cabe confirmar. Buber, conforme Mendonça (2009) lança as bases para uma fenomenologia do diálogo e do face a face com o outro, cuja influência se fará estender sobre uma gama de autores que vai de Gabriel Marcel até Paul Ricoeur, passando por Paulo Freire e por Carl Rogers. Na sociologia contemporânea, Richard Sennet, situa o diálogo nas relações sociais e laborais, especialmente na busca de cooperação entre os sujeitos. Para Sennett (2012), o tipo exigente de cooperação entre as pessoas pode ser um dos caminhos para melhorar a condição humana, considerando que “[...] Essa cooperação sustenta os grupos sociais nos infortúnios e reviravoltas do tempo [...] O que ganhamos com tipos mais exigentes de cooperação é a compreensão de nós mesmos” (SENNETT, 2012, pp. 16-17). Para que a cooperação exigente ocorra há um conjunto de habilidades que emerge como fundamental: as habilidades dialógicas. O diálogo no ambiente contemporâneo das organizações, embora ainda persiga a síntese típica da proposição dialética, passa a assumir configuração dialógica. “Em uma conversa dialógica os mal-entendidos podem eventualmente contribuir para o entendimento mútuo” (SENNETT, 2012, p. 32). Já na antropologia, Chanlat e Bédard (2007) afirmam que o diálogo é, ao mesmo tempo, constitutivo do ser, descoberta de si mesmo, lugar de confronto de ideias e modo de influenciar. “É principalmente através da conversação metódica e da troca de ideias que progride o conhecimento de cada um a respeito do universo que o rodeia” (Ibiden, p. 133). Considerando que, como afirma Chanlat (2010), o significado das coisas não está nas consciências, mas sim, nasce da interação entre as consciências, a linguagem é o tecido por meio do qual se constrói a relação com o outro e define nossa condição humana. “Em outras palavras, o homo socialis, por definição, é sempre o homo loquens” (CHANLAT, 2010, p. 6). A linguística só se interessou tardiamente e por pressões sobre a vocação comunicativa da língua manifestada por meio de interações, conversações e diálogo (KERBRAT-ORECHIONI, 2006). Por muito tempo, a linguística se ocupou do sistema abstrato. Atualmente, porém, os discursos orais e dialogados passam a ser considerados como forma primordial de realização da linguagem (Idem). Contribuições relevantes deste campo do conhecimento, no que se refere ao tema do diálogo, estão no grupo de filósofos e linguistas russos que se convencionou chamar de Círculo de Bakhtin. A despeito da discussão que se perpetua sobre a autoria das obras, os conceitos desenvolvidos são de grande relevância para a revisão teórica aqui empreendida. A questão das assinaturas e da composição do Círculo tem variado do extremo da negação intelectual de V. N. Volochínov (1895-1936), P. Medvedev (1892-1938), I. Kanaev (1893-1983), M. Kagan (1889-1934), L. Pumpianskii (1891-1940), M. Yudina (1899-1970), K. Vaguinov (18991934), I. Sollertinski (1902-1944), B. Zubakin (1894-1937) às dúvidas em torno da autenticidade de determinadas ideias e conceitos considerados genuinamente bakhitinianos (BRAIT & CAMPOS, 2009, p.17). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4994 Diálogo no contexto das organizações - aproximações Rosângela Florczak de Oliveira Tendo como princípio que a realidade fundamental da língua é a interação verbal, os autores do Círculo de Bakhtin reafirmam a centralidade da função comunicativa da linguagem (MOLON e VIANNA, 2012). Recursivamente, a comunicação só passa a existir na reciprocidade de diálogo. Apesar da centralidade de Bakhtin (1895-1975), outros pensadores pertencentes ao movimento contribuíram profundamente para o desenvolvimento da Teoria do Diálogo. Entre eles, destacamos dois autores resgatados por Ivanova (2011): Jakubinskij3, que não chegou a pertencer ao Círculo, mas lançou ideias fundantes para o grupo e foi professor do segundo a destacarmos: Voloshinov4. Para Ivanova (Idem), é Jakubinskij quem estabelece pela primeira vez na linguística russa e mundial, a formulação dos princípios da Teoria do Diálogo, classificando-o como um fenômeno complexo e heterogêneo no qual se encontram aspectos linguageiros e extralinguísticos. Distinguindo a fala cotidiana da fala poética a partir da noção de forma e de propósito, Jakubinskij (BRAIT, 2013; IVANOVA, 2011 e 2012) cria o conceito de fala dialogal como manifestação essencial da fala cotidiana ou prática. Interessa-nos, sobremaneira, destacar os componentes extralinguísticos da fala dialogal, abordados pelo autor. Entre eles estão: a percepção visual e auditiva do interlocutor na interação, os gestos e os movimentos do corpo. Dessa forma, elementos como a mímica e a entonação ganham relevância na interação verbal e na compreensão mútua. A entonação, por exemplo, conforme Ivanova (2011), recebe em Jakubinskij, um papel de destaque por introduzir diferentes nuances de sentido, que possuem uma significação comunicativa e que determina a compreensão da fala e do estado de espírito de um interlocutor, de forma mais ampla que as palavras em seu sentido corrente. Contrapondo o diálogo com o monólogo, sendo o primeiro a fala cotidiana e o segundo a forma artificial da língua relacionada ao desenvolvimento das normas da língua comum, o autor concentra-se na questão da interação entre comunicantes e salienta que cada interação é uma ação recíproca que tende para o fenômeno dialogal (IVANOVA, 2011, 2012). Entre outros aspectos, Jakubinskij estuda o fenômeno da produção da resposta, como característica fundamental de todas as formas de interação verbal. Partindo da constatação baseada no behaviorismo, ele afirma que a resposta é de natureza psicológica, como um reflexo e investiga a réplica e a contrarréplica. No diálogo, cada réplica é determinada por uma réplica precedente do interlocutor, produzindo uma alternância de réplicas e definindo o caráter inacabado do enunciado (IVANOVA, 2011). “Cada ato de produção de um enunciado concreto supõe uma sequência, e ele vai continuar depois da contrarréplica: cada mudança de uma réplica pela contrarréplica do outro interlocutor é uma pausa até nova réplica do primeiro interlocutor” (JAKUBINSKIJ, 1923, p. 140, apud IVANOVA, 2011, p. 244). 3. Lev Jakubinskij, formalista russo, que publicou, em 1923, em Leningrado, um artigo intitulado Sobre a fala dialogal. 4. “Em razão das circunstâncias nas quais a teoria do diálogo apareceu na Rússia, a maioria dos autores ocidentais faz referência a M. Bakhtin e aos seus trabalhos, dentre os quais citam seus dois livros sobre Dostoievski (1929 e 1963), as obras dos anos 1960-70 e o livro Marxismo e filosofia da linguagem, publicado sob o nome de Voloshinov em 1929. Esse livro é considerado um dos primeiros em que os princípios do dialogismo foram formulados por Bakhtin. É preciso mencionar também que muitos autores russos e ocidentais acreditam que o nome de Voloshinov é apenas um pseudônimo de Bakhtin” (IVANOVA, 2011, p.240). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4995 Diálogo no contexto das organizações - aproximações Rosângela Florczak de Oliveira Aluno de Jakubinkij, Voloshinov (1895-1936) começa seus estudos pela análise do enunciado na vida cotidiana, isto é, pela análise da “palavra” no diálogo cotidiano. Conforme Ivanova (2011), as pesquisas de Voloshinov tinham por objeto a poética sociológica, a comunicação verbal e a natureza do enunciado. O diálogo, objeto de nossas buscas, fazia parte da análise da comunicação verbal como um componente essencial e indispensável. Para o autor, o enunciado é “engendrado na comunicação verbal e funciona nesse meio. É isso que explica o interesse particular de Voloshinov pelo diálogo e a relação entre o diálogo e o enunciado” (IVANOVA, 2011, p. 249). Se Jakubinskij dedicou-se às condições de funcionamento do enunciado dialogal, Voloshinov introduz, em uma perspectiva mais sociológica, a questão das relações entre uma situação extralinguística da vida cotidiana e um enunciado. Contribui com a formulação do conceito de contexto extralinguístico, ou seja, o espaço comum dos participantes, o conhecimento partilhado e a compreensão da situação, entre outros e sua apreciação comum dessa situação (Ibid., p. 250), além de desenvolver a noção de contexto. Ao objeto que perseguimos em nosso estudo, a grande contribuição de Voloshinov é apresentar um sentido mais amplo para o fenômeno. O diálogo passa a significar o processo geral da interação. Ele propõe uma distinção entre o diálogo, em sentido estrito, como uma forma de interação verbal e o diálogo em sentido amplo, como a comunicação verbal de todos os tipos. Diálogo permanece como unidade real da língua-fala, mas relacionado com as diferentes formas de transmissão da palavra de outrem, como um enunciado de outrem que vive na consciência verbal interna de um interlocutor, como é interpretado nessa consciência e como a palavra desse interlocutor é orientada em relação a esse enunciado. É no contexto da percepção, compreensão e avaliação do enunciado de outrem que Voloshinov situa o diálogo. Para ele, o processo de percepção está diretamente ligado ao processo de compreensão. Cada compreensão verdadeira é ativa e serve de germe para uma resposta, isto é, que cada compreensão possui natureza dialogal. O sentido se realiza durante o processo de interação entre o locutor e o interlocutor, a partir de um complexo sonoro. O peculiar encadeamento de ideias apresentado pelos pensadores que integram o Círculo de Bakhtin, que leva a muitas dúvidas e questionamentos sobre a autoria de textos fundantes, se consolida em obras atribuídas a Mikail Bakhtin, tendo o dialogismo como conceito articulador. Para o autor, a comunicação só existe na reciprocidade do diálogo, que tem sentido antropológico de processo, pelo qual o homem se constitui enquanto consciência, pelo reconhecimento do outro, numa relação de alteridade. Ser significa comunicar [...], ser para o outro, e através dele, para si. O homem não possui território interior soberano, ele está inteiramente e sempre sobre uma fronteira; olhando o interior de si, ele olha nos olhos do outro ou através dos olhos do outro (BAKHTIN, 1961, apud TODOROV, 1981, p.148). A Teoria do Dialogismo de Bakhtin é desenvolvida em diferentes campos do conhecimento: na Teoria do Conhecimento onde emerge o princípio do diálogo intertextual como fundamento da compreensão, na Poética, onde se encontra o conceito de polifonia, ou do cruzamento polifônico de vozes como constituidor da subjetividade Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4996 Diálogo no contexto das organizações - aproximações Rosângela Florczak de Oliveira em qualquer tipo de discurso e na Linguagem, onde encontramos a enunciação, ou seja, a ênfase no discurso como material semiótico, constituído da consciência, que marca seu lugar socioideológico numa contraposição permanente de enunciados. Ao defender a exterioridade semiótica (e discursiva) da consciência, Bakhtin atribui natureza semiótica, ideológica e linguística da consciência. O diálogo, desenvolvido exteriormente ou no interior da consciência, concretiza-se, sempre pela linguagem, na forma de enunciados que se contrapõe. Mas as relações dialógicas não se dão apenas entre enunciados. Elas se efetivam polifonicamente também no interior deles e até de uma palavras, desde que nela ressoe a palavra do outro. Dessa forma, nosso discurso está impregnado da palavra do outro, que naturalmente são alteradas em seu sentido pelos efeitos de nossa compreensão e avaliação. Uma só voz nada determina e nada resolve. Duas vozes são o mínimo de vida, o mínimo de existência. Vozes independentes se cruzam, se opõem e se confundem, criando harmonia ou dissonâncias, que é a polifonia. A relação de intertextualidade é específica. Trata-se de relações semânticas entre enunciados inteiros pelos quais se exprimem sujeitos linguísticos reais ou potenciais, os autores. Os discursos têm uma orientação dialógica e, por esta orientação, se encontram com outros discursos no caminho do seu objeto. O sujeito é constituído na intersubjetividade do diálogo, como consciência organizada a partir do signo, principalmente linguístico, que é exterior, ideológico e social. O sujeito se constitui frente ao outro, num jogo de contraposições enunciativas e é preciso respeitar neles a natureza de sujeitos: a verdade sobre alguém, dita por outro, fora do diálogo, é uma violência que o transforma em objeto, que o emudece e humilha portanto. Além das contribuições do Círculo de Bakhtin, buscamos outras vertentes da Linguística que aqui não serão tratadas, como a pragmática, por exemplo, que estudam as condições que governam a utilização da linguagem, assim como, os fatores linguísticos e extralinguísticos que contribuem para a produção de sentido numa dada situação comunicativa. O desejo é de compreender o que os aspectos sintáticos, fônicos e semânticos do sistema da língua não conseguem explicar, ou seja, o humor, a ironia, o subentendido, os implícitos, entre outros aspectos. O estudo da pragmática vai investigar o que os interlocutores comunicam para além do significado de frases e palavras. GADAMER, O DIÁLOGO COMO FORÇA TRANSFORMADORA E AS PISTAS PARA CONTINUAR O ESTUDO Em nossa busca de compreender o diálogo, encontramos as mais diversas abordagens em diferentes campos do saber, como brevemente apresentamos acima. Entre tantas possibilidades, nos deparamos e nos identificamos com o tratamento filosófico dado ao tema por Gadamer. Aqui não estamos focados no todo do paradigma de construção do conhecimento proposto por ele, a Hermenêutica, mas sim na parte, que certamente o reflete hologramaticamente, que é a do diálogo abordado no âmbito da práxis e colocado como o verdadeiro centro do humano e manifestação suprema da linguagem (GADAMER, 2002, p. 208). Partindo da Filosofia da linguagem, após analisar, em detalhes, o diálogo como processo, Gadamer religa as dimensões que o compõe e provoca com o questionamento: “A arte do diálogo está desaparecendo? Na vida social de nossa época não estamos Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4997 Diálogo no contexto das organizações - aproximações Rosângela Florczak de Oliveira assistindo a uma monologização crescente do comportamento humano?” (Ibiden, p. 242). Ao especular sobre as causas que poderiam estar restringindo a capacidade de dialogar, o autor aponta desde as grandes questões civilizatórias como o modo de pensar predominantemente técnico-científico até a mediação tecnológica5 que produz o que ele chama de empobrecimento comunicativo para chegar ao que ele coloca como elemento central: “[...] incapacidade para o diálogo refere-se, antes, à possibilidade de alguém abrir-se para o outro e encontrar nesse outro uma abertura para que o fio da conversa possa fluir livremente” (GADAMER, 2002, p. 208). Para o autor, a incapacidade para o diálogo pode ser analisada tanto do ponto de vista subjetivo quanto objetivo. Na primeira dimensão está a incapacidade para ouvir e na segunda, a ausência de uma linguagem comum. E não será realmente uma de nossas experiências humanas fundamentais essa de não percebermos no tempo certo o que está acontecendo com o outro, ou então, de nosso ouvido não ser suficientemente afinado a ponto de ‘ouvir’ a mudez e o endurecimento do outro? Ouvir erroneamente também faz parte dessas experiências básicas. [...] Só pode fazer ouvidos de mercador ou ouvir erroneamente que está constantemente apenas ouvindo a si mesmo, quem possui os ouvidos tão cheios de si mesmo, buscando seus impulsos e interesses, que já não consegue ouvir o outro. [...] Apesar disso, a capacidade constante de voltar ao diálogo, isto é, ouvir o outro, parece-me ser a verdadeira elevação do homem a sua humanidade (GADAMER, 2002, p.214). Na dimensão objetiva, o autor atribui a degradação crescente da linguagem comum entre os interlocutores, ao fato de nos acostumarmos com as situações de monólogo que caracteriza a civilização científica com a tecnologia informacional do tipo anônimo. É pois, à medida que crescem os recursos tecnológicos que se incorporam ao nosso corpo e à nossa rotina, que desaprendemos a falar. “[...] Esse falar que é falar para alguém, responder a alguém e que chamamos de conversa” (Ibiden, p.215). E o entendimento torna-se difícil onde falta uma linguagem comum. O entendimento entre as pessoas tanto cria uma linguagem comum como a pressupõe. O estranhamento vem do fato de não “falarem a mesma língua”. Di Napoli (2002) afirma, a partir de estudos da concepção de Gadamer que, como o sujeito se faz na própria compreensão da vida, ele nunca está completo. A identificação no diálogo se dá, portanto, com a falta de experiência. Isso significa que, para Gadamer, o outro nos traz algo de novo, mas após o diálogo, os dois interlocutores têm algo diferente que os une. Trata-se da união de duas experiências diferentes, vividas e, então, partilhadas. É, pois, pelo diálogo que se torna possível aproximar os mundos das experiências individuais, dos mistérios pessoais intransponíveis formados sentidos na apercepção sensível do mundo. No “verdadeiro diálogo” (GADAMER, 2002) não proporciona a experimentação de algo novo, mas sim, o encontro no outro de algo que ainda não havíamos encontrado em nossa própria experiência de mundo. “O diálogo possui uma força transformadora” (Ibiden, p. 211) e deixa marcas. 5. Em sua obra, Verdade e Método II, Gadamer faz referência ao telefone, que restringiria o diálogo ao elemento acústico. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4998 Diálogo no contexto das organizações - aproximações Rosângela Florczak de Oliveira Para o autor, é no diálogo, como entendimento tácito transbordante, que se pode construir aquela espécie de comunhão onde cada qual continua sendo o mesmo para o outro porque ambos encontram o outro e encontram a si mesmos no outro. “A disposição para entrar num diálogo, a expansão e o enriquecimento do participante, no sentido de ampliação de sua própria experiência, [...] podem levar uma comunidade a preparar-se para ouvir ou dispor-se a ouvir” (DI NAPOLI, 2000, p.310). Ricoeur (1995) complementa a perspectiva de Gadamer ao afirmar que a experiência experienciada, como vivida, permanece privada, mas o seu sentido, a sua significação torna-se pública. A comunicação é, deste modo, a superação da radical não comunicabilidade da experiência vivida (RICOEUR, 1995, p.66). E essa comunicação é dada, ao olhar do autor, como um milagre. Não um milagre no sentido cristão, mas no sentido de surpresa, de espanto. Pensar a comunicação como milagre, conforme Coelho (2013) é apontar para uma razão que vai além da razão natural, ou seja, “é sem porquê, ela floresce, porque ela floresce” (Angelus Sileius, Apud. Heidegger, s/d, p.59). Ela é a superação da solidão, ou seja, da impossibilidade de apreensão da experiência do outro, é a tentativa de cada indivíduo de alcançar – a inalcançável – alteridade. Situar o diálogo como fenômeno central dos processos comunicacionais e buscar compreendê-lo pelo viés dos diferentes campos do conhecimento é admitir a complexidade da comunicação que marca as diferentes dimensões da vida sociais e, especialmente, no nosso caso, da comunicação no contexto das organizações. Inconclusa e temporária, como nos permite o paradigma com o qual no identificamos, a reflexão aqui apresentada, está em pleno desenvolvimento e é parte de um todo que pretende contribuir com o estudo da Comunicação Organizacional. Hologramaticamente, porém, este artigo já representa as características deste todo que virá ao final provisório da pesquisa e, com esta motivação, o partilhamos com a comunidade científica da área. REFERÊNCIAS Bakhtin, M. (VOLOCHINOV) (2002). Marxismo e filosofia da linguagem. Trad. e org.: Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Annablume; Hucitec. Bohm, D (2005). Diálogo: comunicação e redes de convivência. São Paulo: Palas Athena. Brait, B. (2013). Tradição, permanência e subversão de conceitos nos estudos da linguagem. Revista Anpoll, 1(34), 91-121. Brait, B., & Campos, M. I. B. (2009). Da Rússia czarista à web. Bakhtin e o Círculo. São Paulo: Contexto, 15-30. Buber, M. (1982). Do diálogo e do dialógico. São Paulo: Perspectiva. Chanlat, J. F. 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Grupo de Trabalho Comunicação Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 4999 Diálogo no contexto das organizações - aproximações Rosângela Florczak de Oliveira em Contextos Organizacionais do XXIII Encontro Anual da Compós, na Universidade Federal do Pará, Belém, de 27 a 30 de maio de 2014. Napoli, R. B. D. (2000). Ética e compreensão do outro. A ética de Wilhelm Dilthey sob a perspectiva do encontro interétnico. Porto Alegre: EDIPUCRS. Florczak, R. (2010). O lugar da comunicação na gestão educacional: dimensões possíveis. GT ABRAPCORP 2 – Processos, políticas e estratégias de comunicação organizacional no IV Congresso Brasileiro Científico de Comunicação organizacional e Relações Públicas – Abrapcorp 2010 – Porto Alegre-RS Gadamer, H. G. (2002). Verdade e método: Complementos e índice/Trad.: Enio Paulo Giachini. Revisão da trad.: Marcia Sá Cavalcante-Schuback. Ivanova, I. 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A ação denominada #PeriferiaEntraEmCampo, divulgada no Facebook, no twitter e no site do Instituto Palmas, tinha por objetivo mostrar aos visitantes brasileiros e estrangeiros que desembarcavam no Aeroporto Internacional Pinto Martins em Fortaleza, o projeto de economia solidária e os projetos sociais desenvolvidos no bairro. Essa foi a maneira encontrada pela comunidade de se engajar no megaevento que tinha regras rígidas de participação estabelecidas pela FIFA. Como corpus da pesquisa selecionou-se as postagens que divulgavam as ações da comunidade no Facebook, no site do Instituto Palmas e o folder de divulgação, entre junho e julho de 2014. Essas questões justificam a necessidade de uma análise histórico-social, que permite situar o processo de construção do objeto no espaço-tempo de seu aparecimento. Localizou-se na hermenêutica de profundidade, tal como foi proposta por John B.Thompson (1990), um referencial que integra os vários métodos para compreender de maneira criativa essa construção simbólica. Palavras-Chave: Copa do Mundo de Futebol 2014; Megaevento; Cidade; Periferia; Estretégias de Comunicação Abstract: This study aims to analyse the communication and marketing strategies used by Palmeiras, a neighbourhood in the periphery of the city of Fortaleza, to participate in the FIFA Soccer World Cup in 2014. The action named #PeriferiaEntraEmCampo, released on Facebook, twitter and on the website of the Palmas Institute. It was intended to show to Brazilians and foreign visitors disembarking in the Pinto Martins Airport in Fortaleza the social economy projects and social projects developed in the neighbourhood. That was the way found by the community to engage itself in the mega event that had strict rules for participation established by FIFA. The research corpus is constituted by posts that were shared by the community in Facebook, the website of Palmas 1. Doutora, professora do Curso de Publicidade e Propaganda do Instituto de Cultura e Arte (ICA) da Universidade Federal de Fortaleza (UFC). E-mail: [email protected] Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5001 #PeriferiaEntraEmCampo: as estratégias de comunicação e marketing do Conjunto Palmeiras para participar da Copa do Mundo de Futebol SILVIA HELENA BELMINO Institute and the folder, between June and July 2014. These issues justify the need for a socio-historical analysis, which place the object construction process in its space-time. Located on the depth hermeneutic, as proposed by John B.Thompson (1990), a reference that integrates several methods to understand creatively this symbolic construction. Key words: World Cup 2014; mega event; city; periphery; strategies of communication INTRODUÇÃO STE ARTIGO tem por objetivo analisar o modo de participação do Conjunto E Palmeiras, bairro periférico da cidade de Fortaleza, na Copa do Mundo de Futebol da FIFA em 2014. No Ceará, a inserção das comunidades pobres no megaevento esportivo foi insignificante, não somente no que tange aos jogos da Arena Castelão, mas também nas atividades lucrativas do evento, como a venda de bebidas e de alimentos. Até mesmo o legado, argumento utilizado pelo governo federal, estadual e municipal, para justificar o investimento e a realização do evento, principalmente em mobilidade, trouxe mais problemas que benefícios. Por exemplo, cerca de 2300 famílias foram retiradas de suas casas em Fortaleza para a construção do Veículo Leve sobre os Trilhos (VLT) que não foi concluído e não há previsão de finalização. Com a escolha de Fortaleza como cidade-sede, veio a promessa de um desenvolvimento econômico e uma modernização dos trasnportes públicos. A Copa do Mundo em Fortaleza gerou sentimentos contraditórios na população local, que sofria com as modificações a medida em que as obras eram iniciadas ou finalizadas. Um exemplo emblemático é o da Arena Castelão, o primeiro estádio a ter as obras concluídas no Brasil, que devido a sua rápida construção e a divulgação expressiva nos meios de comunicação cearenses passou a ser motivo de orgulho para parte da população, enquanto que para os demais o dinheiro gasto significou um grande desperdício. O empasse ficou claro nas manifestações durante os jogos da Copa das Confederações em junho de 2013. Para a administração municipal e estadual, a justificativa da participação da cidade no megaevento estava relacionada à visibilidade midiática e, com isso, a formação e ampliação de uma demanda turística. O Ceará tem o turismo como uma das principais fontes econômicas, por isso a realização de um evento de repercussão mundial como a Copa do Mundo de Futebol, proporcionaria uma visibilidade importante para essa atividade. Fortaleza, a principal porta de entrada do estado, se preparou durante quase três anos para receber o evento. Foram feitas campanhas que procuravam mostrar as belezas naturais e culturais da cidade e até um novo conceito foi apresentado: cidade-sede da alegria. No entanto, Fortaleza é uma cidade contraditória. Ao mesmo tempo que possui uma das maiores desigualdades sociais do Brasil e também um elevado índice de violência, sendo considerada no período da realização dos jogos a sétima cidade mais violenta do mundo, a cidade se mostra moderna, com um povo hospitaleiro e uma cultura bastante rica. A cidade-sede da alegria, substitui a cidade da luz e torna-se uma cidade-produto com capacidade de adequar-se aos novos consumidores. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5002 #PeriferiaEntraEmCampo: as estratégias de comunicação e marketing do Conjunto Palmeiras para participar da Copa do Mundo de Futebol SILVIA HELENA BELMINO Para o então secretário de Turismo do governo do estado, Bismarck Maia, o planejamento do desenvolvimento do turismo foi bem anterior à preparação para a Copa do Mundo, mas uma nova imagem para o estado já vinha sendo construída: “Queremos que o turista possa absorver em Fortaleza e no Ceará os antigos atrativos, como suas dunas, as águas mornas e o sol abundante quase o ano inteiro, mas também inovações, que configurarão o Ceará como um destino importante nacional e internacionalmente”2. Na época ele argumentou que a partir de 2012 todo o conjunto de ações elaboradas já estaria com uma infraestrutura diferenciada em relação ao restante do país. Esse conjunto de ações incluía a construção de um aquário, de um oceanário, de aeroportos nos litorais Leste e Oeste para servirem de âncora fundamental para 573 quilômetros de praia, a partir de estradas duplicadas. No início da década de 1990, os governos estaduais e federais, gestores municipais e empresários aplicavam recursos representativos para tornar o estado um pólo de turismo no contexto nacional e mundial. Esse processo fazia parte das estratégias do projeto do Governo de Tasso Jereissati, que elegeu esse segmento econômico como instrumento de mudança de imagem. Assim, com o apoio da iniciativa privada, o turismo passou a ser considerado um eixo de propulsão da economia cearense, destacando-se, sobretudo, o potencial litorâneo. Do ponto de vista econômico, os megaeventos são reconhecidamente uma oportunidade de captar recursos para a realização de obras de grande porte na cidade, favorecendo a visibilidade política. Em um ano eleitoral, a importância de trazer recursos para a realização de obras de estrutura, de melhorias capazes de gerar novos empregos, encantam os eleitores locais. A inclusão da capital cearense na Copa do Mundo incrementou, principalmente, a demanda turística que, desde os anos de 1990, se tornou a mais importante atividade econômica do estado. No caso do Ceará, sua imagem passou a ser apreendida como paradisíaca e moderna pelos visitantes. Para tanto, foram realizados investimentos em infraestrutura, capacitação de pessoal e campanhas promocionais. Os governos de Tasso Jereissati e Ciro Gomes, denominados mudancistas, perceberam o turismo como um artifício capaz de proporcionar visibilidade e legitimidade ao seus projetos políticos. A atividade turística foi então apresentada à sociedade cearense como uma estratégia econômica capaz de estimular a melhoria de vida da população e, de certa forma, “cumprir” a promessa de campanha de Tasso Jereissati de “acabar com miséria no Ceará”. Como pólo receptor do turismo nacional e mundial, o Ceará começou a receber incentivos dos governos federal, estadual e municipal. Passados mais de 20 anos, o estado do Ceará é considerado um dos destinos turísticos mais solicitados do Nordeste brasileiro. De acordo com os dados do Ministério do Turismo de 2012, o Ceará é um dos dez estados brasileiros mais procurados por turistas estrangeiros. Esses dados motivaram os governos municipal e estadual a propor a candidatura da capital cearense como uma das cidades-sede da Copa do Mundo de Futebol. Para tanto, a nova imagem de cidade-sede da alegria foi planejada para o evento, pois além do mar, do sol e da jangada, foi agregado como atributo da cidade 2. Diário do Nordeste (06/05/2012) no site <http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1134199>, acessado em 31 de maio de 2012. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5003 #PeriferiaEntraEmCampo: as estratégias de comunicação e marketing do Conjunto Palmeiras para participar da Copa do Mundo de Futebol SILVIA HELENA BELMINO a alegria do povo. A hospitalidade já era trabalhada nas primeiras campanhas, mas a alegria do povo era timidamente explorada em alguns textos publicitários das propagandas turísticas do estado. Esse estudo visa explorar como eventos de repercussão internacional geram imaginários sobre a cidade, a modernidade almejada e o espetáculo a ser consumido. Cada vez mais, as cidades procuram multiplicar as oportunidades de se fazerem presentes no contexto midiático. Em eventos de proporções mundiais, elas adquirem um forte protagonismo na vida política, econômica, social, cultural e nos meios de comunicação. Nesse sentido, as estratégias de propaganda e de marketing são comumente utilizadas na exposição de imagens positivas dos lugares. Na apresentação de Fortaleza para o mundo observou-se o uso da lógica da espetacularização e do consumo das cidades. O Ceará Produto Turístico já vem sendo construído desde final dos anos de 1980. A inclusão do turismo entre os setores prioritários dos governos cearenses favoreceu o crescimento desse segmento econômico e o aumento da visibilidade nacional e internacional do estado. As imagens apresentadas no material de divulgação de Fortaleza para a Copa são recortes da cidade utilizados nos anúncios para representar a cidade como um todo. No trabalho de Irlis Barreira (2012) sobre as imagens dos cartões postais de Fortaleza, ela percebe que há a possibilidade de eles constituírem alegorias de espaço urbano e contribuírem com o princípio da construção de imagem como mercadoria. Esse argumento corrobora com a ideia de Fernada Sanchez (2001), que percebe em alguns processos de reestruturação urbana da década de 90 realizados pelo poder político a transformação do que ela conceitua como cidade-mercadoria. O que leva o Conjunto Palmeiras a criar ações para participar da Copa do Mundo de Futebol da FIFA de 2014? E qual a importância do uso de estratégias de comunicação e marketing por uma comunidade carente para se inserir no megaevento? Não se deve esquecer que a lógica da cidade-mercadoria (Sanchez, 2001) é excludente, uma vez que somente parte da cidade é apresentada aos visitantes. O MEGAEVENTO E A CIDADE Definir megaevento não é uma tarefa simples, uma vez que não há um consenso entre os autores que pesquisam o tema. Pode-se classificá-lo pela forma, por seu conteúdo ou por sua abrangência. Há autores, como Ricardo Freitas (2013), que o entendem como um fenômeno de comunicação que traz, não somente no período de realização uma transformação no cotidiano de quem vive no lugar, mas também se insere na memória da cidade. Os megaeventos têm como característica impactar uma sociedade de modo mais abrangente. A diferença entre um evento e um megaevento consiste em uma maior complexidade de planejamento e de execução do segundo, bem como nos impactos na região onde irá ocorrer. No caso da Copa do Mundo de Futebol da FIFA, havia regras rígidas nos espaços de realização do evento, como, por exemplo, a Fan Fest, em que somente algumas marcas de produtos eram comercializados. Um manual com diretrizes públicas de uso das marcas oficiais foi publicada pela entidade para que fosse assegurada aos parceiros econômicos a exclusividade de utilização. Essa determinação Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5004 #PeriferiaEntraEmCampo: as estratégias de comunicação e marketing do Conjunto Palmeiras para participar da Copa do Mundo de Futebol SILVIA HELENA BELMINO procurou coibir utilizações inadequadas por marcas que não fossem parceiras da FIFA no evento da Copa do Mundo de 2014. Esse aspecto provocou alguns problemas para a comunidade do Palmeira. Por outro lado, os megaeventos possuem características particulares que servem para promover de maneira ampla as cidades. A visibilidade mídiática é um dos aspectos que estimula a participação das cidades nos megaeventos, uma vez que ela favorece um posicionamento no mercado, principalmente nos lugares que se propõem a ser um destino turístico. Um ano antes da realização da Copa do Mundo de Futebol de 2006 na Alemanha, o país realizou campanhas externas e internas para projetar sua imagem para o mundo. Desse modo, os alemães pretendiam melhorar a imagem do país, buscando atrair investidores internacionais e turistas para a Alemanha. O trabalho de comunicação converteu o país em uma marca, em que os consumidores projetaram os valores estabelecidos pela campanha. O impacto das estratégias de marketing e comunicação surpreendeu os próprios alemães3. O legado proveniente dos megaeventos é o argumento que legitima a utilização de um grande volume de recursos pelo poder público. Para a realização dos jogos da Copa do Mundo em Fortaleza, foi apresentado como legado a melhoria da infraestrutura de vias e dos sistemas de transporte. Porém, a cidade recebeu até o Mundial, em junho de 2014, apenas as estruturas relacionadas diretamente aos jogos (Arena Castelão e estruturas temporárias montadas para eventos secundários que ocorreram na cidade, como a Fan Fest). As obras que beneficiariam a população de forma direta e permanente não foram entregues para o evento, como o VLT Parangaba/Mucuripe. Em Fortaleza, a Copa do Mundo pode ser compreendida em dois momentos distintos: a preparação, que foi marcada por questionamentos sobre a capacidade da cidade de receber o evento, tanto pela mídia cearense, quanto pelas manifestações e protestos da população local durante a Copa das Confederações; e a realização do evento, que, ao contrário do que se previa, não foi prejudicada pela não conclusão dos projetos de mobilidade, a cidade-sede foi apresentada pela mídia como segura, tranquila e alegre. No momento preparatório da Copa, as vantagens que as cidades obtém ao integrar-se ao evento são percebidas em termos de visibilidade, pelas constantes exposições midiáticas proporcionadas, e em termos econômicos, como afirmou o ex-ministro Aldo Rabelo: Fortaleza e o Ceará, como todo o Brasil, têm muito a se beneficiar da Copa de 2014, tal a grandeza dos melhoramentos que serão introduzidos nas cidades-sedes e ficarão como uma herança útil e permanente. A Copa não traz apenas a alegria competitiva e fraterna do futebol. Deixa em seu rastro obras de infraestrutura que vão servir à população. O discurso de Rabelo, assim como a fala de outras autoridades, utiliza os aspectos positivos do legado para justificar os gastos feitos e a própria realização do megaevento esportivo no país, deixando de lado as consequências negativas que poderiam surgir. 3. Antonia Montes Fernandez descreve as transformações ocorridas após a campanha: “El país y los alemanes hicieron gala de uma euforia, alegria, simpatia, espontaneidad y hospitalidad desconocida hasta ahora por el mundo en su concepcion estereotipada de Alemania. Incluso los propios alemanes se sorprendieron ante la efusión de los sentimentos nacionales que sugieron de manera espontânea y natural. Atrás han quedado los clichés del alemán mal humorado, cuadricular y frio en sus sentimentos” (FERNÁNDEZ, 2007, p. 165). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5005 #PeriferiaEntraEmCampo: as estratégias de comunicação e marketing do Conjunto Palmeiras para participar da Copa do Mundo de Futebol SILVIA HELENA BELMINO O QUE É O PALMEIRAS? O Conjunto Palmeiras foi construido nos anos 1970 por familias pobres, algumas retirantes da seca do sertão nordestino, que ocupavam áreas de risco ou áreas litorâneas, valorizadas após a construção do bairro Aldeota, ocupado por familias ricas e de classe média alta. Um terreno baldio a cerca de 20 quilômetros do centro de Fortaleza sem nenhuma estrutura foi a área escolhida para abrigar essas famílias. O depoimento do líder comunitário Augusto Barros descreve bem o cenário e quem foi levado para lá naquele momento: Os mais pobres. Porque ele queria, por causa da especulação imobiliária, ele queria tirar os pobres dos seus empregos, e tirou mesmo. Na época não tinha esse tipo de organização, não é, que a gente tinha no Palmeiras... ainda temos ainda, mas ainda tamo atuante um tempo que faz, que faz mudar... Então se o pessoal tivesse que vim, pra um bairro totalmente desestruturado, o governo fez galpões de lona e de madeira. Em cada galpão desses ficavam até seis famílias e eu imaginava, e hoje eu ainda imagino, como é que ficavam aquelas seis famílias num galpão na hora de dormir sem ter uma mínima estrutura. Aqui no Palmeiras não tinha água, não tinha energia, não tinha transporte, tinha um ônibus só da Viação Cruzeiro. Esse ônibus dava uma viagem de manhã e outra de tarde. Então muita gente perde o emprego porque não tinha transporte. Mesmo assim a gente ficou, trabalhando assim, com muita dificuldade... a mão de obra do Palmeiras era uma mão de obra muito barata, hoje ainda continua, mas na época era muito mais difícil...4 Chegaram ao local hoje conhecido por Conjunto Palmeiras, em 1973, cerca de 1500 famílias. Segundo Joaquim Melo, idealizador do Banco Palmas e da moeda social palmas, “... com o nome conjunto se tentava incutir neles a esperança de um bairro ‘verdadeiro’ para que eles deixassem seus barracos à beirra mar e se encontrassem aqui, longe de tudo, com menos ainda do que lá, entregues a lei dos mais fortes, à aflição e à violência.” (MELO: 2014, p.46). Nesse cenário, as famílias se organizaram e com o apoio da Comunidade Eclésial de Base (CEB) e organizações não govenamentais eles lutaram por transportes, acesso a educação, água e saneamento básico, uma estrutura similiar a da maioria das comunidades periféricas dos grandes centros urbanos. Com o passar dos anos, as casas foram sendo construídas em regime de mutirão e com a organização da comunidade o poder público foi pressionado a construir ruas no bairro. Elas recebem nomes como Rua do Pensamento, Rua Serra azul, se diferenciando dos demais bairros de Fortaleza, em que as ruas são instrumentos para homenagear os políticos ou as pessoas importantes para a cidade. Com a luta por melhores condições, surgem diversas associações no local, sendo a mais expressiva e ainda atuante no bairro a Associação dos Moradores do Conjunto Palmeiras (ASMOCOMP), criada em 1981. A partir dessa entidade, surge o Banco Palmas, uma organização não governamental que possui uma moeda social que circula no bairro até hoje. No Instituto Palmas, entidade do banco responsável por ações culturais e sociais, foi planejada a estratégia de participação do bairro na Copa do Mundo de Futebol. De 4. Arquivo do projeto de pesquisa e de extensão realizado pelo Grupo de Pesquisa de Imagem, Consumo e Experiência Urbana (GICEU) coordenado por Sílvia Helena Belmino. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5006 #PeriferiaEntraEmCampo: as estratégias de comunicação e marketing do Conjunto Palmeiras para participar da Copa do Mundo de Futebol SILVIA HELENA BELMINO acordo com a proposta incial divulgada no site do instituto e no folder, a estratégia era incluir o Palmeiras no roteiro turístico de Fortaleza da Copa do Mundo, realizando uma atividade turística conhecida no Rio de Janeiro como “favela tour”. Essa atividade, uma vez consolidada, serviria para dar visibilidade à comunidade. Os representantes de movimentos sociais que atuam no local acreditavam que essa inclusão ajudaria a consolidar a imagem do Conjunto Palmeiras como um lugar de “extrema riqueza”. Seria uma tentativa de reverter o resultado das pesquisas do Instituto de Pesquisa de Estratégia Econômica do Ceará (IPECE)5 que aponta o bairro como o mais violento e com o pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Algumas das ações desenvolvidas pela comunidade são o “Banco Palmas”, a “Cia Bate Palmas”, o “Palmêre” e o “Palmatur”, responsável pela programação interna da comunidade e pela construção de uma pousada. Essas ações podem ser consideradas espaços de atuação dos moradores no sentido de reforçar sua ação coletiva que visa, entre outros resultados, livrar-se dos estigmas que cobrem as áreas periféricas das grandes cidades, e que, simplificando as complexidades da vida, associam pobreza à criminalidade. Um aspecto interessante identificado na realização das pesquisas foi a percepção e apropriação das estratégias de comunicação e marketing pela comunidade. Durante o evento foi possível observar como eles planejaram cada etapa da ação, aspecto que será aprofundado no decorrer do texto. Eles pensaram em uma seleção de produtos dos artesões, no merchandising, no quiosque no aeroporto Pinto Martins e em um plano de comunicação. Essa ação foi divulgada pelos veículos locais e internacionais. Os turistas, além de comprar os produtos artesanais, também puderam conhecer a moeda social, a palmas. O USO DO MARKETING E DA COMUNICAÇÃO O processo comunicativo assume um papel importante na sociedade atual, decorrente da necessidade de transmissão de informações entre os indivíduos e a coletividade. O crescimento populacional, os avanços tecnológicos e a emergência do indivíduo moderno, entre outras questões, estabelecem uma nova ordem social, na qual a comunicação de massa permeia praticamente todas as relações e atividades humanas. Assim, a transmissão de tradições e a exposição de ideias, produtos, valores, ideologias e posicionamentos políticos são hoje repassados por um conjunto de tecnologias da comunicação. O marketing como instrumento promocional para um país, estado ou cidade e a propaganda como mecanismo importante para comunicar, transmitir e criar imagens são estratégias que acompanham as mudanças das práticas sociais e dos meios de comunicação. A essência da propaganda permanece, persuadindo e estimulando o consumo. Portanto, apresentar um posicionamento diferenciado para os lugares turistificados por meio de um planejamento de comunicação e de marketing é uma questão de sobrevivência em um efêmero e competitivo mercado. Em Fortaleza, ao assumir a condição de produto mercadológico, as estratégias de posicionamentos são aprimoradas para diferenciá-la das demais. O marketing de lugares, 5. Segundo dados do IPECE (Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará) há altos índices de concentração de renda na capital cearense: <http://www.ipece.ce.gov.br/apenas-7-da-populacao-de-fortaleza-concentram-26>. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5007 #PeriferiaEntraEmCampo: as estratégias de comunicação e marketing do Conjunto Palmeiras para participar da Copa do Mundo de Futebol SILVIA HELENA BELMINO termo utilizado por Kotler et al. (2006), reflete bem as estratégias utilizadas para as cidades conquistarem o crescimento econômico em um mundo cada vez mais competitivo, onde a midiatização, conceito utilizado pelo sociólogo John B. Thompson (1990, 1995), é vista como uma parte integral do desenvolvimento da sociedade moderna, tornando possível a circulação de informação na sociedade de um modo sem precedentes. No evento Copa do Mundo, percebe-se que todas as ações promocionais estão sendo realizadas como forma de evidenciar as peculiaridades ou particularidades das cidades. Elas tornam-se cidades marcas. O uso do branding nas cidades é uma estratégia utilizada, principalmente pelo turismo, para mostrar um diferencial e aumentar o capital simbólico. A capital cearense já utilizava as estratégias de comunicação e marketing desde 1990, ao eleger o turismo como uma das principais fontes econômicas do estado. O destino turístico é uma construção imaginária alimentada pelas expectativas de consumidores por meio de atrações promovidas pelas propagandas, que elegem um aspecto geográfico, cultural ou esportivo para se posicionar junto aos visitantes. O posicionamento na mente do consumidor é o ponto central da discussão de Al Ries e Jack Trout (2001). Eles estabelecem a necessidade de uma imagem de cartão-postal para ser trabalhada pela comunicação, definindo um lugar para o turismo. Para os autores, o posicionamento do lugar exige uma imagem capaz de capturar sua essência. Para o Palmeiras o uso das estratégias de comunicação e marketing foi a forma encontrada para se integrar e participar efetivamente de um evento, em que a participação majoritária foi de grandes marcas. No caso de Fortaleza a participação dos micro e pequenos comerciantes se restringia as áreas turísticas. POR UMA COPA DEMOCRÁTICA #PeriferiaEntraEmCampo foi a maneira encontrada pela comunidade do Conjunto Palmeira de participar da Copa do Mundo de Futebol. Por meio dessa ação, O Instituto Palmas procurou dar visibilidade aos projetos de economia solidária e criativa que estão sendo realizados na periferia de Fortaleza e nas comunidades rurais. A ação ajudou na comercialização de artigos, alimentos e objetos artesanais feitos pelos pequenos produtores e, principalmente, para dar visibilidade à moeda social, motivo de orgulho da comunidade. E confome matéria jornalistica Embora as imagens sejam constituídas individualmente, há uma imagem pública, construída por meio de memórias, de eventos e de patrimônios que motivam as visitações de determinados lugares. E apostando nisso que a comunidade do Palmeiras resolveu na ação de comunicação integrar a parte da cidade que, normalmente é excluida nos empreendimentos economicos, como um megaevento. A participação da comunidade no megaevento ocorreu em dois momentos: na Copa das confederações e na Copa do Mundo. A ideia inicial era receber turista durante a Copa das comfederações, para tanto foram pensadas trilhas no bairro, apresentando a história do lugar e mostrando alguns locais importantes para a comunidade. Estava prevista feiras gastronomicas, música e moda. A pousada abrigaria o turista cobrando preços acessíveis. A proposta de trilhas, a feira gastronomica, a instalação de um telão na Avenida Valparaíso em frente ao Banco Palmas não foram realizadas devido a falta de recursos e de público, no caso das trilhas. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5008 #PeriferiaEntraEmCampo: as estratégias de comunicação e marketing do Conjunto Palmeiras para participar da Copa do Mundo de Futebol SILVIA HELENA BELMINO O folder com a programação foi traduzido para dois idiomas: inglês e espanhol. A capa nas cores verde, amarela e branca procurava mostrar um campo de futebol em meio a uma partida. Com este mesmo layout foram feitos cartazes, camisetas e anúncio expostos no site do banco e na página do facebook. A ação mais expressiva foi no Aeroporto Pinto Martins, uma das portas de entrada da cidade. Com o aluguel do quiosque foi possível expor os produtos em estantes e criar um ambiente alegre e descontraído. Para cada dia da semana havia uma programação: as crianças do grupo musical Palmêre, os meninos da capoeira, o grupo de malabares e as mulheres do Projeto Elas. A visibilidade das estratégias de posicionamento estabelecido pelo grupo permitiu que a mídia nacional e internacional percebesse a presença da periferia na Copa do Mundo em Fortaleza. Visita ao Conjunto Palmeira de um grupo de torcedores ingleses. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5009 #PeriferiaEntraEmCampo: as estratégias de comunicação e marketing do Conjunto Palmeiras para participar da Copa do Mundo de Futebol SILVIA HELENA BELMINO CONCLUSÃO A participação do Palmeiras na Copa do Mundo de Futebol representa a ocupação de um espaço por uma camada da sociedade que normalmente é excluida dos direitos socias básicos, como o lazer. Em uma cidade como Fortaleza permeada de contradições, com economia baseada no comércio e no turismo possui baixos índices de distribuição de renda6 ao mesmo tempo em que possui o 9º maior PIB do país7, a participação de um evento como esse mostra a determinação de um grupo social de inserir em uma agenda social. O mais instigante é o uso de estratégias de comunicação e marketing, mesmo que não haja uma sistematização no uso das técnicas, as ações alcançaram os objetivos desejados, ou seja, mostrar a existência de uma periferia que não está nos cartoes-postais e nem tampouco deve ser mostrada para os turistas que visitaram a cidade-sede da Alegria. Dentro deste contexto, cabe aqui questionamentos: quais a chances de um bairro apontado como o mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano da Capital8 e o mais violento de participar de um megaevento? Quais suas perspectivas e possibilidades de participação em um espetáculo de alto padrão e projeção mundial? REFERÊNCIAS BARREIRA, I. (2012) Cidades narradas: memória, representações e práticas de turismo. Campinas, SP: Pontes Editores. FERNANDEZ. A. (2007) El pais como MARCA — crear imágens a través de la publicidad, p. 163-164. In ROSA, María A. Burrueco (coord.). El linguaje publicitário em el turismo. Servilla: Consejeria de Turismo, Comercio y Desporte. KOTLER, P et. al. (2006) Marketing de Lugares: como conquistar crescimento de longo prazo na América Latina e no Caribe.São Paulo: Prentice Hall. MELO, J. (2014). Viva a Favela: os pobres assumem seu próprio destino. São Paulo: Ideias e Letras. RIES, A. & TROUT (1987) J. Posicionamento: a batalha pela sua mente. São Paulo: Pioneira Thomson Learning. SÁNCHEZ, F.(2010) A reinvenção das cidades para um mercado mundial. Argos, Editora Universitária. ______ . (2001) A reinvenção das cidades na virada de século: agentes, estratégias e escalas de ação política, Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 16, p. 31-49, jun. Acesso 16.01.2015. <http:// www.scielo.br/pdf/rsocp/n16/a03n16.pdf>. Thompson, J. B. (1998) A Mídia e a Modernidade: uma teoria social da mídia. Petópolis, RJ: Vozes. http://www.institutobancopalmas.org/ https://www.facebook.com/BancoPalmas/timeline 6. Segundo dados do IPECE (Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará) há altos índices de concentração de renda na capital cearense: <http://www.ipece.ce.gov.br/apenas-7-da-populacao-de-fortaleza-concentram-26>. 7. Segundo dados do IBGE de 2012, Fortaleza possui o 9º maior Produto Interno Bruto do país. <http://g1.globo. com/ceara/noticia/2012/12/fortaleza-tem-9-maior-pib-do-brasil-e-o-maior-do-nordeste-diz-ibge.html>. 8. Nota divulgada pelo Conjunto Palmeiras no site do Instituto Palmas por ocasião da divulgação de relatório municipal que classifica o bairro como pior IDH da cidade: <http://www.institutobancopalmas. org/conjunto-palmeiras-x-idh/>. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5010 Comunicação Pública digital e popularização da ciência no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil e suas unidades de pesquisa Digital Public Communication and science popularization in the Ministry of Science, Technology and Innovation of Brazil and research institutes A n a Pa u l a S o a r e s V e i g a 1 Resumo: Este trabalho tem como foco a comunicação pública e as ações de popularização da ciência realizadas por meio dos portais web do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e suas 13 Unidades de Pesquisa (UPs). A análise revela a ausência de uma estrutura articulada nessa área, em prejuízo das próprias instituições e dos diversos públicos de interesse (governo, empresas, meios de comunicação, pesquisadores, educadores, estudantes etc.). Considerando a importância da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) e da comunicação pública digital para a construção da cidadania e a efetiva inclusão social, um formato sistêmico e articulado de comunicação poderia funcionar como promotor e incentivador da popularização da ciência. Os resultados preliminares da pesquisa apontam para a necessidade de se estabelecer uma política de comunicação digital que valorize e dê visibilidade às UPs enquanto integrantes do Sistema de CT&I brasileiro e geradoras de conhecimento de ponta. Palavras-Chave: Comunicação pública. Divulgação científica. Popularização da ciência. Comunicação de ciência. Comunicação digital de ciência. Abstract: This work focuses on public communication and science popularization actions performed through the web portals of the Ministry of Science, Technology and Innovation (MSTI) and its 13 Research Institutes (RIs). The analysis reveals the absence of an articulated structure in this area, to the detriment of the institutions themselves and the various stakeholders (government, business, media, researchers, educators, students, etc.). Considering the importance of Science, Technology and Innovation (STI) and digital public communication for the construction of citizenship and effective social inclusion, a systemic and coordinated communication format might work as a promoter and supporter of science popularization. Preliminary results of the study point to the need to establish a communication policy that values and give visibility to the RIs as members of the Brazilian STI system and leading knowledge generators. Keywords: Public Communication. Popular Science. Science Popularization. Science Communication. Digital Science Communication. 1. Mestranda em Divulgação Científica e Cultural, Labjor/Unicamp – [email protected] Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5011 Comunicação Pública digital e popularização da ciência no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil e suas unidades de pesquisa Ana Paula Soares Veiga INTRODUÇÃO S CONFERÊNCIAS nacionais de ciência, tecnologia e inovação (CNCT&I), criadas A no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), com prosseguimento durante o governo Lula (2003-2010), têm contribuído significativamente para o debate sobre a importância do desenvolvimento de políticas públicas de difusão do conhecimento científico e tecnológico como ferramenta de inclusão social. O Livro Branco (2002), que traz os resultados da 2ª CNCT&I (2001), recomenda, na diretriz estratégica VII, “Educar para a sociedade do conhecimento”. No detalhamento desse item, o documento identifica vias prioritárias para atingir o objetivo proposto, entre elas: i) “o incentivo ao envolvimento dos meios de comunicação na cobertura dos assuntos de CT&I” (BRASIL, 2002, p. 67). Essa ampla discussão promovida ao longo de quatro conferências (1985, 2001, 2005 e 2010) foi a principal geradora e incentivadora de algumas iniciativas fundamentais do governo federal, como a criação, em 2003, da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inclusão Social (SECIS) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). A Secretaria é integrada por um Departamento de Ações Regionais para Inclusão Social (DEARE) e um Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia (DEPDI). Este último tem, como uma de suas competências, “subsidiar a formulação e implementação de políticas, programas e a definição de estratégias à popularização e à difusão ampla de conhecimentos científicos e tecnológicos”2. A estruturação da SECIS demonstrou a sensibilização do poder público quanto à importância da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) para a inclusão social e possibilitou inegáveis avanços na área de divulgação científica e difusão do conhecimento. O lançamento sistemático de editais para a instalação e modernização de museus de ciência e para o desenvolvimento de produtos de popularização da ciência, e a instituição da Semana Nacional de C&T, em 2004, são alguns exemplos, conforme atesta Caldas (2011, p. 11): Entre as diretrizes da IV Conferência de CT&I (2010), estabelecidas no Livro Azul, fica evidente a preocupação governamental com a divulgação científica, a formação ampla de uma cultura científica pelo apoio aos museus e centros de ciência, bem como a melhoria do ensino de ciências nas escolas, considerado essencial para a formação de uma cultura científica. No tópico “CT&I para o desenvolvimento social”, várias das recomendações demonstram a valorização da popularização e democratização de CT&I, assim como sua relação direta com a cidadania. Em 2007, quatro anos após a criação da SECIS, o Plano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação - conhecido como o PAC da Ciência – veio somar-se ao esforço pelo reconhecimento da área de CT&I como estratégica no desenvolvimento nacional e geração de riqueza e bem-estar social. Um dos quatro eixos principais do PAC da Ciência, o incentivo à “Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Social”, demonstra essa preocupação. Ao internalizar e institucionalizar essas recomendações e competências, o governo deu um passo importante em direção à criação de uma cultura científica no país, 2. <http://www.mct.gov.br/upd_blob/0220/220115.pdf>, acessado em 29/06/2014. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5012 Comunicação Pública digital e popularização da ciência no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil e suas unidades de pesquisa Ana Paula Soares Veiga reconhecendo a divulgação da ciência aqui produzida como vetor e catalisador da inclusão social pela via da CT&I. Mais do que isso, reconheceu o direito do cidadão de acompanhar e de ser envolvido no processo de produção de CT&I, como caminho para a melhoria da qualidade de vida. Entretanto, embora as políticas estejam desenhadas em vários documentos, seu desenvolvimento, na esfera do governo federal, ainda carece de ações estruturais na base da produção do conhecimento científico, ou seja, no âmbito das Unidades de Pesquisa (UPs) do MCTI. Graças ao trabalho de décadas empreendido pela comunidade de profissionais e especialistas ligados à comunicação de ciência, a percepção da importância da divulgação científica está presente e institucionalizada no Ministério. Os conceitos de inclusão social e popularização da ciência estão inseridos em sua estrutura. Porém, ainda não foi possível formular e implementar efetivamente uma política de comunicação de CT&I, conforme reconhece o físico Ildeu de Castro Moreira (2006, p. 11), que durante uma década esteve à frente do DEPDI (2003-2013): O Brasil não dispõe ainda de uma política pública ampla destinada à popularização da CT. Ao longo dos anos, surgiram alguns programas ou iniciativas tópicas como editais para centros e museus de ciência ou o Prêmio José Reis do CNPq, mas há a necessidade urgente de se estabelecerem políticas gerais e de se formular e executar um programa nacionalmente articulado nesta direção. Assim, o que se verifica é que essas deficiências acabam dificultando a construção, operacionalização e manutenção de um sistema integrado que permita ao Ministério articular a comunicação com as 13 Unidades de Pesquisa3 a ele vinculadas. O investimento do governo em estratégias, infraestrutura, recursos humanos e tecnologias especializadas na área de Comunicação de Ciência nas últimas duas décadas não tem correspondido à altura das demandas das políticas delineadas pelo próprio MCTI e das recomendações dos especialistas em comunicação de ciência, que por sua vez atendem aos anseios da sociedade civil. Valorização da imagem institucional e identidade corporativa Além da questão fundamental da popularização da ciência como vetor de inclusão social, há que se considerar a importância de valorizar e potencializar a imagem institucional dos órgãos de governo. As instituições federais de ciência e tecnologia deveriam transmitir à sociedade uma imagem condizente com a ciência e tecnologia de alto nível que produzem. Não basta fazer pesquisa de qualidade. É fundamental que os atores envolvidos (stakeholders) – meios de comunicação, comunidade acadêmica, educadores, estudantes e o próprio governo tenham, de forma muito clara e precisa, essa percepção, para que possam apoiar e participar da vida e das iniciativas dessas instituições. 3. Por ordem de data de fundação: Observatório Nacional (ON), Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG), Instituto Nacional de Tecnologia (INT), Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnoilogia (IBICT), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Centro de Tecnologia Mineral (CETEM), Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI), Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST) e Instituto Nacional do Semiárido (INSA). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5013 Comunicação Pública digital e popularização da ciência no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil e suas unidades de pesquisa Ana Paula Soares Veiga Vinte anos após o início da disseminação do uso da Internet (1995), os portais institucionais na rede mundial de computadores transformaram-se na própria identidade corporativa de qualquer empresa, seja ela pública, privada ou do terceiro setor. São as informações, dados, imagens e materiais audiovisuais e interativos disponíveis na web que apresentam a empresa/instituição a seus diversos públicos. Essa característica é ainda mais marcante quando se trata de instituições públicas de CT&I, que não se promovem por meio de propaganda comercial, ou mesmo de utilidade pública. A identidade corporativa é uma manifestação tangível da personalidade da organização (KUNSCH, 2003, p. 173). Para Torquato do Rego (1986, p. 97), a identidade das organizações pode ser clara, confusa, difusa e até uma “identidade não-identificável”, na medida em que ninguém percebe o que ela faz, apenas sabe que existe. Por identidade, portanto, deve-se entender a soma das maneiras que uma organização escolhe para identificar-se perante seus públicos. Não é exagero afirmar que a maioria das 13 UPs do MCTI se enquadra na categoria das identidades “não-identificáveis”, perante o público amplo. Atualmente, a sociedade não associa essas instituições de ponta, suas pesquisas e atividades ao governo federal. A falta de padronização da comunicação digital contribui significativamente para a ausência dessa percepção. Assim, é urgente a necessidade de se mobilizar e sensibilizar os dirigentes do Ministério e das UPs para o desenvolvimento de uma política de comunicação, incorporada planejamento estratégico e a plano diretor dessas instituições. É fundamental a padronização da identidade visual, da linguagem e a criação de mecanismos e ferramentas de difusão do conhecimento, transmitindo uma visão ampla e real do que as instituições geradoras de ciência ligadas ao governo federal têm de melhor. Em que pese o fato de os investimentos em CT&I, públicos e privados ainda estarem longe do que se considera ideal, há muita pesquisa a ser mostrada e compartilhada. METODOLOGIA O corpus do trabalho são os portais institucionais das 13 UPs vinculadas ao MCTI, por considerarmos que estas são as principais fontes geradoras de conhecimento científico e tecnológico do sistema de CT&I do país. O portal do próprio Ministério também é objeto de avaliação. O nível de aprofundamento da análise é limitado pelo elevado número de instituições envolvidas e pela quantidade de variáveis avaliadas. Elegemos como recorte as páginas principais (Home) dos portais e mais um nível subsequente (1º nível), além das Salas de Imprensa. Foram analisadas as versões dos portais disponíveis no período de 01 a 20 de março de 2015. Com base nos conceitos de Comunicação Pública (MATOS, 2009) e (DUARTE, 2009), foram avaliados, inicialmente, a estrutura geral dos portais, a identidade corporativa (e como ela se articula ou não com a identidade corporativa do MCTI), os tipos de conteúdo disponíveis, a linguagem utilizada e a frequência de atualização das informações. Em seguida, foi feita a análise técnica baseada nas categorias e parâmetros estipulados pelos estudos de Vilella (2003), Dias (2001) e Eckerson (1999), bem como na estrutura analítica de De Falco (2009), que adaptamos para este trabalho. De Vilella (2003), Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5014 Comunicação Pública digital e popularização da ciência no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil e suas unidades de pesquisa Ana Paula Soares Veiga utilizamos o conjunto de parâmetros e critérios específicos para a avaliação de portais governamentais oficiais, organizados em três dimensões distintas: a usabilidade (facilidade de uso), a funcionalidade (capacidade de cumprimento dos requisitos propostos) e o conteúdo (qualidade e confiabilidade das informações). Dias (2001) estabelece sete heurísticas que explicam como melhorar a usabilidade de portais corporativos web e se destinam a todos os criadores de conteúdo de Internet (autores de páginas e projetistas de sites). Já Eckerson (1999) estabelece os requisitos mínimos para o desenvolvimento de portais corporativos funcionais e eficientes. Também verificamos a conformidade dos portais com as diretrizes de usabilidade estabelecidas pelo governo federal em sua Cartilha de Usabilidade – Padrões web em Governo Eletrônico (BRASIL, 2010), e com a Instrução Normativa nº 08, de 19 de dezembro de 20144, que disciplinou a implantação e a gestão da Identidade Padrão de Comunicação Digital das propriedades digitais dos órgãos e entidades do Poder Executivo Federal. Na análise das Salas de Imprensa, utilizamos oito das nove categorias de De Falco (2009), adaptadas de Oliva (2008): localização, forma de acesso, conteúdos, contato do assessor de imprensa, recursos multimídia, interatividade em tempo real, atualização do jornalista e sistemas de busca. Procedimentos metodológicos Estruturalmente, a análise se divide na avaliação dos aspectos gerais, da usabilidade, do conteúdo e da funcionalidade, sempre com foco na divulgação científica e popularização da ciência e na articulação entre as UPs destas com o MCTI. Como forma de avaliar as iniciativas de popularização da ciência presentes na página principal dos portais, verificamos: a presença da instituição nas redes sociais, a existência de link para agendamento de visitas, link para o Canal Ciência5 (portal do IBICT dedicado à divulgação científica e popularização da ciência), e disponibilização de materiais educacionais (vídeos, cartilhas etc.). Para facilitar a percepção sobre a funcionalidade e o conteúdo disponíveis nas Salas de Imprensa (que também podem aparecer como Área de Imprensa, Comunicação ou Assessoria de Comunicação), atribuímos conceitos 0, 1 e 2, onde 2 significa que a página atende satisfatoriamente ao requisito indicado; 1 significa que atende parcialmente, e 0, não atende ou inexiste o requisito indicado. RESULTADOS PRELIMINARES A falta de padronização no âmbito dos portais do MCTI e de suas UPs na Internet começa no próprio endereço de acesso: oito instituições apresentam domínios “.br” (por exemplo <www.inpe.br>), enquanto seis são “.gov.br” (por exemplo, www.inpa.gov.br). Ou seja, mais da metade das UPs não registra o vínculo com o governo ao divulgar seu site. Com exceção do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e do Instituto Nacional do Semiárido (INCA), nenhuma UP menciona o vínculo com o MCTI na página principal de seu portal. 4. Disponível em <http://www.secom.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/legislacao/arquivos-deinstrucoes-normativas/2014in08-comunicacao-digital.pdf>, acessado em 21/03/2015. 5. <www.canalciencia.ibict.br> acessado em 21/03/2015. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5015 Comunicação Pública digital e popularização da ciência no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil e suas unidades de pesquisa Ana Paula Soares Veiga Em março de 2015, apenas três dos 14 portais analisados apresentavam suas páginas principais em conformidade com a identidade padrão de comunicação digital estabelecida pela Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República: o MCTI, o Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA) e o Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI). O prazo para a implementação das alterações, de acordo com a Instrução Normativa nº 08, de 19 de dezembro de 2014, é junho de 2015. Os projetos de webdesign dos portais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Observatório Nacional (ON), Instituto Nacional de Tecnologia (INT), Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG) e Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) foram desenvolvidos para serem visualizados nos antigos monitores de computador (formato quadrado), com navegação mais vertical. Nos monitores atuais (LCD e notebooks), mais horizontais, acabam ocupando somente a área central de visualização, parecendo “pequenos” para o tamanho da tela. As fontes utilizadas também são menores do que as de projetos mais modernos, como o da própria identidade padrão de comunicação digital desenvolvida pela Secom. Os portais do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), INT e INPA ainda mantêm a barra de identificação do governo federal (no alto da página) utilizada no primeiro mandato do governo de Dilma Rousseff. O portal do IBICT não tem barra nenhuma, contrariando a determinação da Secom (Figura 1). Figura 1. Barra de identificação padrão do governo federal, no portal do MCTI, e a barra antiga, ainda utilizada pelo MAST. Fonte: www.mcti.gov.br e www.mast.br, acessados em 21/03/2015 O domínio do site, a barra superior de identificação do governo e o projeto visual do portal são elementos fundamentais de composição e padronização de identidade corporativa. Da forma como são apresentadas hoje, as UPs aparecem como instituições isoladas e não pertencentes a um mesmo sistema de CT&I. Mesmo os portais que já instituíram a identidade padrão, não o fizeram completamente, de modo que páginas internas ainda apresentam o layout antigo – caso do próprio MCTI e do LNA – confundindo o usuário. Usabilidade Em termos de Usabilidade, a maioria dos portais analisados não atende totalmente aos requisitos dos padrões web em Governo Eletrônico. Os problemas mais frequentes referem-se ao contexto e navegação. Somente os portais do MCTI, CTI, MPEG, INT, INPE Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5016 Comunicação Pública digital e popularização da ciência no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil e suas unidades de pesquisa Ana Paula Soares Veiga e IBICT demarcam claramente a navegação, mostrando ao usuário o caminho percorrido até determinada página. Nem todos os portais apresentam opção para visualização com alto contraste, para deficientes visuais – outra exigência governo federal. O portal do ON, a mais antiga Unidade de Pesquisa do MCTI, por exemplo, não é convidativo ao usuário, pois apresenta uma aparência antiga, sem imagens ou recursos multimídia, além de utilizar fontes pequenas para os padrões atuais de webdesign e dos próprios monitores de computador. O menu horizontal, abaixo do cabeçalho, repete informações que constam do corpo da página, como o link Institucional. Já o portal do INPE, a maior UP do MCTI, apresenta dificuldades inerentes ao porte e às características da instituição, além da consequente elevada densidade informacional e de conhecimento. O problema é recorrente em instituições congêneres, haja vista versões mais antigas dos portais da USP6 e da Unicamp7 – hoje reformuladas – com excesso de conteúdo na página inicial, o que confunde o usuário, principalmente aquele não habituado a acessar o portal. Funcionalidade Em relação à Funcionalidade, o problema mais comum nos portais das UPs é a dificuldade em localizar e acessar as informações. Frequentemente, os termos utilizados nas abas dos menus são baseados na estrutura da instituição, e não nas possíveis áreas de interesse do usuário. Informações sobre as aplicações e a importância da pesquisa realizada pela instituição permanecem ocultas em páginas internas, ou inexistem. Por exemplo, o Observatório Nacional é o responsável pela geração da Hora Legal Brasileira – uma informação curiosa, que mereceria um tratamento visual mais atrativo na página principal. Seria a porta de entrada para se explicar os fusos horários e outras questões ligadas ao tempo. Sendo um portal de informações, o IBICT divide, corretamente, seu menu horizontal em “Informação para a Sociedade”, “Informação para a Pesquisa”, “Informação para Gestão de CT&I”, “Pesquisa e Pós-graduação”, “Tecnologias para Informação” e “Publicações”. Em contrapartida, o menu do portal do LNCC resume-se em “Acesso à Informação” (para atender à Lei de Acesso à Informação8), Institucional (dividido em O LNCC, Pesquisa e Desenvolvimento, Coordenações, Programas Acadêmicos, Eventos, Recursos Computacionais, Projetos Estruturantes, Bolsas no LNCC e Biblioteca). Onde encontrar, nesse menu, as atividades realizadas pela instituição? A aba Pesquisa e Desenvolvimento é seguida de um submenu por sua vez dividido em Linhas de Pesquisa, Produção Técnico-Científica e Projetos de P&D. Só um usuário muito persistente prosseguirá nessa navegação em busca de informações palatáveis ao público amplo. O INPE traz para sua página principal os temas de maior interesse da sociedade, como Raios (em vez da burocrática nomenclatura oficial “Grupo de Eletricidade Atmosférica”) e Amazônia (em vez de “Programa de Monitoramento da Amazônia 6. <www.usp.br>, acessado em 18/07/2014 às 21h30. 7. <www.unicamp.br>, acessado em 28/07/2014 às 21h30. 8. Lei nº 12.527 de 18 de novembro de 2011, disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20112014/2011/lei/l12527.htm>, acessado em 21/03/2015. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5017 Comunicação Pública digital e popularização da ciência no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil e suas unidades de pesquisa Ana Paula Soares Veiga Brasileira por Satélites”), por exemplo. A estrutura oficial do instituto pode ser encontrada no link Pesquisa e Desenvolvimento. Esses exemplos demonstram que não há um padrão de comunicação com a sociedade, por parte do MCTI e suas UPs. A implementação das normas para o padrão de comunicação digital poderá unificar a identidade visual, mas não conseguirá uniformizar e sistematizar a linguagem, se não houver uma política institucionalizada de comunicação. Conteúdo De maneira geral, os portais analisados são divididos em três grandes áreas de conteúdo: a parte institucional, onde a maioria insere as informações exigidas pela Lei de Acesso à Informação; as atividades de pesquisa e desenvolvimento, e notícias. Esses textos jornalísticos são atualizados com boa frequência, o que transmite a ideia de um portal “vivo”, não abandonado. Porém, o conteúdo das notícias é predominantemente de agenda, ou seja, aborda a realização de eventos, atividades dos dirigentes, visitas externas, chamadas para editais e bolsas, cursos. Pouco se vê de divulgação da ciência e tecnologia produzidas pelas instituições. Como exemplo, elencamos a seguir os títulos das notícias principais dos portais do MCTI e suas 13 UPs no dia 22 de março de 2015. Somente o ON, o CBPF e o INSA trazem notícias com foco na divulgação científica: MCTI: Ministro dos Brics assinam acordo em ciência, tecnologia e inovação (18/3); ON: Outono tem início na próxima sexta-feira, dia 20 (17/3); MPEG: Pesquisador do Museu Goeldi participa de obra pioneira sobre formigas do Alto Tietê (20/3); INT: Técnico do INT ganha prêmio internacional de fotos de microscopia (12/3); CBPF: Combinação de dados astronômicos pode dar novos limites à matéria escura (19/3); INPA: Inpa e ALE reúnem cientistas e ambientalistas para debater em audiência pública sobre gestão de água (20/3); IBICT: Projeto Brasília 2060: Cultura, Esporte e Lazer no centro dos debates sobre políticas públicas (20/3); INPE: INPE promove curso de Astronomia para professores (20/3); CETEM: CETEM participa da 39ª Feira Internacional do Mármore e Granito – vitória Stone Fair – Marmomacc Latin America (30/1); LNCC: Chamada para o Edital PNPD/CAPES 2015 – LNCC oferece duas vagas de bolsas; CTI: CTI recebe o Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Aldo Rebelo, para inauguração do primeiro Edifício do CTI-Tec (sem data); LNA: Oportunidade Científica no Projeto SPIRou (5/3); MAST: Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio (PPG-PMUS) – Aula inaugural do PPG-PMUS (sem data); INSA: Manejo florestal sustentável é estratégia fundamental para combate à desertificação e segurança energética no Semiárido (20/3). A Tabela 1 apresenta outros mecanismos de divulgação científica, popularização da ciência e interatividade e a utilização ou não dessas ferramentas pelas UPs. Com exceção das instituições cuja principal atividade é a divulgação de ciência (MPEG, MAST e ON), poucas são as UPs que disponibilizam materiais educacionais em suas páginas principais. Algumas até possuem produtos de qualidade, que porém permanecem escondidos em páginas internas de difícil acesso. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5018 Comunicação Pública digital e popularização da ciência no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil e suas unidades de pesquisa Ana Paula Soares Veiga No próprio portal do ON, o link Divulgação Científica, na página principal, dá acesso à página da Divisão de Atividades Educacionais (DAED). Nessa página interna, de visual pouco atrativo, no menu vertical à esquerda há links para: A DAED, Eventos 2014, Ensino a Distância – 2015, Projeto Itinerante, Newletter do ON, Animações, O Observatório e a Copa do Mundo de 2014, Revista O Pequeno Cientista, Revisas em Quadrinhos, Livretos, Equipe, Site Brincando com Ciência, Site O Pequeno Cientista, Colaborações. Esse amplo material de divulgação científica e popularização da ciência necessita de três níveis para ser acessado pelo usuário e é disponibilizado de forma burocrática, sem imagens nem textos resumindo o conteúdo de cada produto, ou o público-alvo a que se dirige. Tabela 1. Ferramentas, iniciativas e ações de popularização da ciência nos portais do MCTI e suas UPs Fonte: VEIGA, 2015 Instituição Redes sociais Link para Canal Ciência Sala de Imprensa Notícias Agendamento de visitas Materiais educacionais MCTI N N S S NA N ON S N S S N S MPEG S N S S N S INT S N S S N N CBPF S N N S N N N INPA S N S S S IBICT S S S S N S INPE S N S S S S CETEM N N S S S S LNCC N N N S N N CTI S N N S N S LNA S N S S S S MAST S N N S S S INSA S N S S N S Salas de Imprensa Dez dos 14 portais analisados (MCTI + 13 UPs) possuem links para a Sala de Imprensa (ou Área de Imprensa, ou Assessoria de Comunicação, ou simplesmente Comunicação) em suas páginas principais. Entretanto, o conteúdo dessas páginas está longe de atender aos requisitos criados por De Falco (2009) para avaliar essa área dos portais corporativos. Dos 16 pontos possíveis de se obter pela soma dos conceitos de 0 a 2 estabelecidos na análise, o INSA foi o que conseguiu atender ao maior número de requisitos, somando 10 pontos. Dos dez portais que possuem uma página dedicada à Comunicação, somente metade divulga, nesse link o contato do assessor de imprensa. Recursos multimídia estão disponíveis em apenas quatro dos portais. Chama a atenção a inexistência de Sala de Imprensa no portal do MAST. Sendo um museu, a instituição deveria ter como vocação primeira a interação com os diversos públicos não especializados. A Tabela 2 mostra a análise das Salas de Imprensa do MCTI e suas UPs. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5019 Comunicação Pública digital e popularização da ciência no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil e suas unidades de pesquisa Ana Paula Soares Veiga Tabela 2. Síntese da análise das Salas de Imprensa do MCTI e suas UPs. Fonte: De Falco, 2009, adaptado por VEIGA, 2015 Requisito 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 Localização bem indicada na página principal 2 2 2 2 0 2 2 2 2 0 0 1 0 2 Acesso irrestrito, sem necessidade de cadastro, login e senha 2 2 2 2 0 2 2 2 2 0 0 2 0 2 Conteúdos de cunho institucional (histórico, organogramas, guia de fontes, eventos, dados estatísticos etc.) 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 Contato do assessor de imprensa 0 2 2 0 0 2 1 0 0 0 0 0 0 2 Recursos multimídia (fotografias, vídeos, áudios, gráficos) 1 0 2 0 0 0 0 2 0 0 0 2 0 0 Interatividade em tempo real (atendimento online, chats) 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Atualização (newsletters) 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 Sistema de busca 2 2 2 2 0 0 2 2 2 0 0 2 0 0 1-MCTI; 2-ON; 3-MPEG; 4-INT; 5-CBPF; 6-INPA; 7-IBICT; 8-INPE; 9-CETEM; 10-LNCC; 11-CTI; 12-LNA; 13-MAST; 14-INSA. CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise parcial dos portais do MCTI e de suas UPs na Internet e entrevistas realizadas com assessores de comunicação dessas instituições expõem a inexistência de uma estrutura que possibilite a articulação e o comprometimento necessários ao desenvolvimento e à implementação de uma política ampla e abrangente de comunicação em CT&I no âmbito do governo federal. Os portais institucionais analisados não transmitem, em seu conjunto, uma imagem institucional forte e articulada do Sistema de CT&I brasileiro, nem um panorama realista, abrangente e integrado do conhecimento científico e tecnológico produzido por essas instituições. A falta de uma identidade visual padronizada contribui para essa visão fragmentada das Unidades de Pesquisa. Não se percebe, nos portais, interação estratégica entre elas, nem destas com o Ministério. A ausência de conteúdo direcionado ao público de não cientistas, ou a dificuldade de acesso a esses produtos e serviços desanima e desestimula a navegação por quem não está habituado à linguagem e aos conceitos científicos. Em relação às atividades de divulgação científica e popularização da ciência, objeto deste trabalho, percebe-se que a ferramenta web ainda é pouco utilizada pela maioria das Unidades de Pesquisa e pelo próprio MCTI. Com exceção das notícias, disponibilizadas em quase todos os portais, são escassos outros tipos de projetos e iniciativas para público amplo, como vídeos, materiais interativos, publicações educacionais etc, com visibilidade nas páginas principais. A padronização da identidade digital do governo federal, estabelecida pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República, é uma iniciativa necessária, porém não suficiente para garantir a articulação da comunicação pública no âmbito do MCTI e suas Unidades de Pesquisa. Para se atingir esse objetivo, é fundamental o desenvolvimento de uma política de comunicação de Ciência, Tecnologia e Inovação que contemple todas as instituições envolvidas e que viabilize uma estrutura de recursos humanos, Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5020 Comunicação Pública digital e popularização da ciência no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil e suas unidades de pesquisa Ana Paula Soares Veiga administrativos, físicos e financeiros para a implementação de ações e iniciativas visando a melhoria da comunicação pública nesse setor. REFERÊNCIAS Caldas, G. (2011). O valor do conhecimento e da divulgação científica para a construção da cidadania. Comunicação e Sociedade, 9-28. Dias, C. (2001). Métodos de avaliação de usabilidade no contexto de Portais Corporativos; um estudo de caso no Senado Federal. Dissertação. 229 p. (Mestrado em Ciência da Informação) - Universidade de Brasília. Brasília. Duarte, J. (2009). Instrumentos de comunicação pública. In: J. D. (Org.), Comunicação Pública: Estado, Mercado, Sociedade e Interesse Público (pp. 59-71). São Paulo: Atlas. Eckerson, W. (22 de Março de 2015). 15 Rules for Enterprise Portals. Fonte: Ploug: <http:// www.ploug.org.pl/plougtki.php?action=read&p=14&a=9>. Falco, A. D. (2009). Comunicação e Inovação em Portais Corporativos - Os casos da Embraer, Natura, Faber-Castell e Rigesa. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) Universidade Metodista. São Bernardo do Campo. Kunsch, M. M. (2003). Planejamento de Relações Públicas na Comunicação Integrada. São Paulo: Summus. Matos, H. (2009). Comunicação pública, esfera pública e capital social. In: J. Duarte, Comunicação Pública: Estado, Mercado, Sociedade e Interesse Público (pp. 47-58). São Paulo: Atlas. Ministério da Ciência e Tecnologia. Brasil. (2002). Livro Branco: Ciência, Tecnologia e Inovação. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação. (9 de Julho de 2014). Padrões Web em Governo Eletrônico: Cartilha de Usabilidade. Fonte: Governo Eletrônico: <http://www.governoeletronico.gov.br/ biblioteca/arquivos/padroes-brasil-e-gov-cartilha-de-usabilidade>. Moreira, I. C. (2006). A inclusão social e a popularização da ciência e tecnologia no Brasil. Inclusão Social, 11-16. Oliva, A. P. (2008). Universidade On-line - as Salas de Imprensa e Universidades Paulistas. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) - Universidade Metodista de São Paulo. São Bernardo do Campo. Rego, F. G. (1986). Comunicação empresarial/comunicação institucional: conceitos, estratégias, sistemas, estruturas, planejamento e técnicas. São Paulo: Summus. Secretaria de Comunicação da Presidência da República. (18 de Julho de 2014). Manual de Diretrizes de Comunicação da Identidade Digital do Poder Executivo Federal. Fonte: Secom: <http://www.secom.gov.br/orientacoes-gerais/comunicacao-digital/diretrizes-portal-padrao_final-1.pdf>. Vilella, R. M. (2003). Conteúdo, usabilidade e funcionalidade: três dimensões para avaliação de portais estaduais de governo eletrônicxo na Web. Dissertação. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5021 A representação da crise hídrica no estado de São Paulo: um paralelo entre o site da Sabesp e o site colaborativo faltouagua.com The representation of the Sao Paulo’s water crisis: a parallel between the Sabesp website and the faltouagua.com collaborative site K a ro l C a sta n h ei r a 1 Resumo: A crise hídrica no estado de São Paulo, impulsionada pelas mudanças climáticas e pelas deficiências de governança levou o interesse em produzir este artigo. O objetivo é realizar uma análise comparativa entre o site da Sabesp e o site colaborativo faltouagua.com, por meio de categorias de análises. No site colaborativo optou-se por investigar a quantidade de comentários, conteúdo dos comentários, problema mais retratado com a seca e “nível” de engajamento dos cidadãos. Já no site da Sabesp outras categorias foram definidas para identificar como a maior Companhia de água e saneamento do país está lidando com a crise, são elas: matérias e informações abordadas (o que está sendo falado no site, qual a qualidade da informação emitida – quantidade de fontes da matéria, clareza e contextualização do problema), possibilidade de participação dos cidadãos e medidas adotadas para conter a crise. Palavras-Chave: crise hídrica. Sabesp. Faltouagua.com. Abstract: The Sao Paulo’s water crisis, aggravated by climate changes and government deficiencies, has inspired the writing of this paper. The aim is to carry out a comparative analysis between the Sabesp website and the faltouagua.com collaborative site, using analysis categories. It was opted to investigate the amount and content of the comments made on the collaborative site, as well as the most cited crisis-related problem and the citizens “engagement level”.To analyze the Sabesp website, other categories was defined in order to identify how the country’s biggest water service company is dealing with the crisis, which are: articles and the addressed information (what has been spoken and what is the information quality - the amount of sources, the clarity and the problem contextualization), the citizen involvement possibilities and the measures being adopted to reduce the crisis. Keywords: Water crisis. Sabesp. Faltouagua.com 1. Doutoranda em Comunicação pela Unesp-Bauru. Docente no curso de Comunicação na UEMG-Frutal. E mail [email protected] Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5022 A representação da crise hídrica no estado de São Paulo: um paralelo entre o site da Sabesp e o site colaborativo faltouagua.com Karol Castanheira INTRODUÇÃO CRISE HÍDRICA no sistema Cantareira levou a uma série de questionamentos A acerca da gestão pública e sobre os problemas ambientais intensificados com a ação predatória do homem na natureza. Essa problemática fez surgir à ideia deste artigo de comparar por meio de categorias de análises a abordagem dada no site da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico de São Paulo), responsável por operar todo o sistema de água do estado (do reservatório às torneiras) com o site colaborativo faltouagua.com. Antes, no entanto, uma revisada no âmbito legal que rege a gestão de recursos hídricos, bem como, algumas informações sobre a Sabesp se tornam relevantes para a compreensão dos resultados obtidos. O Brasil possui leis que regulamentam a questão de recursos hídricos e que em tese foram formuladas para aumentar a participação cidadã por meio de decisões colegiadas, mas observa-se ainda um distanciamento entre o discurso legal e a prática. Desde o ano de 1989, com a promulgação da Constituição Estadual, o Estado de São Paulo dispõe de uma nova política voltada para a gestão de seus Recursos Hídricos baseada em um sistema integrado de gerenciamento. A execução dessa política se torna possível se atendidos os seguintes princípios básicos, estabelecidos pela Lei Estadual nº7.663/912 e pela Lei Federal 9.433/1997, que prima pela descentralização, participação e integração3. No Brasil, a fim de aplicar as atividades de gerenciamento de bacias hidrográficas, foram criados mais de 60 comitês, somente no estado de São Paulo encontram-se 214. Esses comitês são órgãos colegiados que deveriam promover a participação de todas as partes interessadas: governo, entidades privadas, sociedade civil e usuários. Para Jacobi (2003), a criação dos Comitês, de certa forma, contribuiu para a abertura destes espaços de participação cidadã, como forma de incentivo a capacidade crítica dos diversos setores e de multiplicação de seu potencial no processo decisório, além de resultar na sinergia dos setores do governo e da sociedade. No entanto, o sistema de auto-organização leva a uma atuação independente de cada comitê, sendo uns mais engajados em termos participativos do que outros. As resoluções normativas, administrativas e de projetos acabam suscetíveis muitas vezes às assimetrias de poderes e interesses dentro do órgão. Dentre as atribuições do comitê, estão à discussão e deliberação sobre: seu respectivo Plano de Bacia e Plano Estadual de Recursos Hídricos, relatório anual sobre a situação dos recursos do Estado, bem como, programas anuais e plurianuais de investimentos em serviços e obras de interesse da bacia. Além dessas atribuições, este deve propor 2. LEI Nº 7.663, 30 DE DEZEMBRO DE 1991. http://www.pinheirospirapora.org.br/pp/downloads/ legislacao/lei/Lei%20Estadual%20n%C2%BA%207.663-91%20Estabelece%20normas%20de%20 orienta%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20Pol%C3%ADtica%20Estadual%20de%20Recursos%20H%C3%ADdrico.pdf. Acessado em 19 de janeiro de 2014. 3. Para tanto, foram criados mecanismos básicos que buscam responder a questões fundamentais para a Gestão dos Recursos Hídricos. São eles: Plano Estadual de Recursos Hídricos - PERH, Fundo Estadual de Recursos Hídricos - FEHIDRO, Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos – SIGRH com seus colegiados decisórios: Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CRH) e os Comitês de Bacias Hidrográficas (CBHs). 4. Comitês de bacias hidrográficas do Estado de São Paulo: http://www.cbh.gov.br/DataGrid/GridSaoPaulo. aspx. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5023 A representação da crise hídrica no estado de São Paulo: um paralelo entre o site da Sabesp e o site colaborativo faltouagua.com Karol Castanheira o enquadramento dos corpos da água da bacia hidrográfica em classes de uso e conservação, aprovar os valores a serem cobrados pelo uso da água da bacia hidrográfica, realizar o rateio dos custos de obras de interesse comum a serem executados na bacia e compatibilizar os interesses dos diferentes usuários da água, dirimindo, em primeira instância, os eventuais conflitos (DULAC et.al, 2012). Essas deliberações são importantes, pois podem contribuir para a fiscalização e formulação de projetos acerca da preservação de mananciais, qualidade da água, outorgas, uso e distribuição. Elementos importantes para o bom funcionamento e gerenciamento dos recursos hídricos. Outra lei deveria contribuir para a gestão pública: a Lei de Acesso à Informação nº 12.527 sancionada em novembro de 2011. Esta lei prima pela estruturação de tecnologias políticas capazes de fomentar a transparência e o controle social na administração pública. Por lei os poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Cortes de Contas, fundações públicas, dentre outras empresas públicas ou privadas, que recebam recursos públicos devem oferecer subsídio para o acesso à informação. Essa lei contribuiu para o surgimento de endereços eletrônicos governamentais, especializados de acordo com suas competências, a instruírem e divulgarem as informações necessárias de seus setores. Na prática, entretanto, a transparência e o acesso à informação não são notáveis quanto deveriam5. Nessa problemática surgem duas questões: o verdadeiro interesse em que as informações públicas sejam de fato acessíveis e uma cultura de transparência e de fiscalização pública, que parta da população. Dentro deste cenário podemos pensar como é estruturada a informação no site da Sabesp e qual a qualidade de informação emitida para que a população de fato possa ter conhecimento e dados para contribuir com argumentos pertinentes ou até mesmo se informar para a própria prática cotidiana. Este artigo tem como foco apenas o interesse em saber como a Sabesp informa seus dados e que tipo de conteúdo emite. Todavia, ao fazer um levantamento histórico é possível entender parte de seu posicionamento diante os recursos hídricos do Estado. O Governo de São Paulo, desde 1997, detêm apenas 50,3% das ações da Sabesp, o restante 49,7% é negociado nos mercados financeiros brasileiro e norte-americano. A abertura inevitavelmente levou a maximização dos lucros pelos acionistas. Isto refletiu, por exemplo, na falta de investimentos na rede de captação e armazenamento e na falta de solução para a perda de água nas tubulações. A Revista Exame da Abril6 publicou que nos últimos dez anos a Sabesp lucrou quase 10 bilhões de reais. É uma das 20 empresas mais rentáveis do país. Desse montante, distribuiu 3,4 bilhões de reais a seus acionistas — o governo estadual é dono de 50,3% das ações e, portanto, o maior beneficiado. Distribuir dividendos é algo esperado, até porque a lei obriga um pagamento mínimo de 25% do lucro. 5. Em matéria produzida pela Agência Pública e divulgada pela Carta Capital no dia 21 de janeiro de 2015, a Sabesp escondeu contratos de empresas que mais consomem água alegando “segredo industrial” e direito à privacidade e intimidade”. No entanto, ao pensar na Lei de Acesso à Informação, esses dados deveriam ser públicos. Matéria completada pode ser acessada: www.cartacapital.com.br/politica/sabespse-nega-a-publicar-contratos-de-empresas-que-mais-consomem-agua-2656.html. 6. Matéria na íntegra: http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1078/noticias/nao-da-nem-pararacionar Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5024 A representação da crise hídrica no estado de São Paulo: um paralelo entre o site da Sabesp e o site colaborativo faltouagua.com Karol Castanheira Mas, ainda segundo a matéria, a Sabesp foi muito mais mão aberta do que precisava. Os dividendos distribuídos superaram 48% o mínimo legal. Nenhuma das grandes companhias de saneamento com papéis negociados na bolsa de Nova York deu retorno tão bom em dividendos quanto a Sabesp. Diante disso, sobrou, em média, 1,7 bilhão de reais anuais para investimentos7 na última década. Para complicar, o dinheiro foi gasto de maneira desequilibrada. Grande parte foi destinada a atividades como aumento da base de clientes — algo ao mesmo tempo louvável do ponto de vista social, já que dá água encanada a quem não tinha, e lucrativo. Em cinco anos, informa a matéria, a Sabesp fez um milhão de novas ligações. Mas os gastos com a redução de perdas e a captação não cresceram na mesma proporção. Resultado: o desperdício em São Paulo ainda está na casa dos 36% (são 435 bilhões de litros por ano), abaixo dos 40% de oito anos atrás. Segundo o Instituto de Engenharia8, no Japão e na Alemanha o índice de perdas é de apenas 11%, enquanto que nos Estados Unidos é de 16%. A crise hídrica ainda foi agravada pela falta de posicionamento do Governo do Estado e do próprio presidente da Sabesp que negaram por muito tempo a real situação da água no Estado. Em diversas entrevistas noticiadas por meios de comunicação do país o discurso era que não faltavam investimentos e que a crise era excepcional e inimaginável, atribuindo inclusive a culpa a São Pedro. Postura essa severamente criticada por especialistas que haviam alertado há mais de vinte anos o que poderia acontecer com os recursos hídricos do Estado. ANÁLISE SITE DA SABESP O site da Sabesp9 foi analisado de acordo com as seguintes categorias de análises: matérias e informações abordadas (conteúdo no site, qual a qualidade da informação emitida – quantidade de fontes da matéria, clareza e contextualização do problema), possibilidade de participação dos cidadãos e medidas adotadas para conter a crise. Categoria: matéria e informações abordadas De caráter institucional, o site não prima pela atualização frequente de notícias e isto pode ser notado pelo acompanhamento da plataforma nos meses de fevereiro e março. As informações da página inicial demoram a ser atualizadas. Já as notícias produzidas pela Agência de Notícias via de regra são inseridas em dias alternados e quando muito não passam de três matérias ao dia. Do ponto de vista estratégico, a não atualização constante de boa parte dos campos de inserção de informação pode gerar sérios problemas, dentre eles: o desinteresse do 7. O plano de investimentos da Sabesp até 2018 pode ser consultado através do endereço: http://www. sabesp.com.br/CalandraWeb/CalandraRedirect/?temp=4&proj=investidoresnovo&pub=T&db=&docid= 43F3FD2B1FAA2034832570DF006D464A&docidPai=AB82F8DBCD12AE488325768C0052105E&pai=filho0. 8. Cavalcanti, José. O controle de perdas de água na RMSP não é solução de curto prazo. Instituto de engenharia. Matéria publicada em cinco de maio de 2014. http://www.institutodeengenharia.org.br/site/noticias/exibe/ id_sessao/70/id_colunista/4/id_noticia/8530/O-controle-de-perdas-de-%C3%A1gua-na-RMSP-n%C3%A3o%C3%A9-solu%C3%A7%C3%A3o-de-curto-prazo 9. http://site.sabesp.com.br/site/Default.aspx Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5025 A representação da crise hídrica no estado de São Paulo: um paralelo entre o site da Sabesp e o site colaborativo faltouagua.com Karol Castanheira usuário, que se vê desmotivado em “gastar tempo” sem ter o retorno pretendido, que é se informar mais sobre o assunto de seu interesse e que seja de competência da Sabesp. O site tem um caráter de prestador de serviço e a página inicial reflete esta característica por meio de ícones que chamam a atenção, um deles é o ícone “Sua conta”, no qual permite o usuário pegar a segunda via da conta, pagar, debitar automaticamente e consultar seus débitos e o outro é “Consertos”, no qual a pessoa pode solicitar o conserto do cavelete, do medidor e do registro. Logo abaixo, é possível clicar nas funções “mudar o cavalete de lugar” e “mudar a ligação de esgoto de lugar”. Há um campo destinado apenas para as emergências e que fica quase no final da página do site. Neste espaço o cidadão pode solicitar e informar que está sem água, o esgoto está entupido, possui um vazamento na rede ou há pouca pressão na água. Antes de solicitar reparo, a Sabesp oferece uma série de instruções para que a pessoa tente resolver sozinha. Caso não funcione, ela prossegue para outra página na qual informa o número do RGI, o endereço e o município. Não é possível aferir se mesmo o site oferecendo essa possibilidade, se de fato os problemas são resolvidos e a morosidade para a execução do reparo. Antes de entrar na análise das notícias propriamente ditas, vale frisar que as informações são distribuídas em uma espécie de guarda-chuva, no sentido de que uma aba ou um ícone abre diversas informações que podem redirecionar para outras páginas. O layout inicial não é poluído e fácil de ser operacionalizado e possui especial foco para a prestação de serviço e informações sobre os mananciais e matérias ou vídeos enfatizando a necessidade de um consumo consciente. Todavia, ao explorar os diversos links é notável uma vasta gama de informações sobre a Companhia, desde os aspectos legais, ao organograma e funcionamento da empresa, investimento, despesas e licitações. Mas, nada que traga algum tipo de prejuízo, polêmica ou danos à imagem da empresa. Esse caráter de assessoria dado à produção e distribuição do conteúdo é compreensivo por se tratar de uma empresa de capital misto. Só que esta realidade afeta na transparência dos dados, participação cidadã nas tomadas de decisões e na parcialidade dos fatos noticiosos, que deveriam ser mais contextualizados e plurais. Como empresa também de capital público a lei de acesso à informação deveria ser cumprida. As notícias podem ser acompanhadas por meio de um ícone que se localiza ao lado direito da página inicial no link “Agência de Notícias”. Até o dia oito de março, apenas sete notícias foram publicadas no mês e em fevereiro esse número subiu para 23. Somente as notícias do mês de fevereiro foram analisadas. Das 23 matérias apenas quatro tinham fontes no corpo da matéria, sendo duas delas com a fala do governador Geraldo Alckmin (PSDB), uma com Benedito Braga, secretário de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo e presidente do Conselho Mundial da Água e a outra com a diretora do Centro de Educação Infantil na cidade de Tiradentes. Nenhuma matéria ouviu um cidadão, críticos sobre a crise hídrica ou especialistas ambientais ou de gestão. Como a maioria das matérias tinha como foco a prestação de serviço todas estavam em linguagem acessível e de forma clara. No entanto, as informações publicadas em Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5026 A representação da crise hídrica no estado de São Paulo: um paralelo entre o site da Sabesp e o site colaborativo faltouagua.com Karol Castanheira nenhuma matéria problematizou o assunto abordado. A contextualização tinha como foco ou produzir um histórico do que já foi feito e a perspectiva de futuro do que seria realizado ou trazer números para gerar a sensação de exatidão e credibilidade a matéria. Categoria participação dos cidadãos No que compete à interatividade ou forma de participação existe uma falha significativa no site. Isso reforça a ideia em não estimular o diálogo entre a empresa e o público, focando mais para informar do que propriamente se “relacionar”. Os únicos espaços destinados no site são: 1)“fale conosco”: antes de enviar o formulário, o usuário verifica se a sua dúvida não está disponível nas seções linkadas, caso não esteja, ele precisa clicar em cima de um Fale Conosco, que está sublinhado e bem no final da página e depois é redirecionado para a parte de comentários, no qual, antes de fazê-los o usuário tem vários itens obrigatórios a serem preenchidos: nome, e mail, telefone, endereço, CPF, RG. Essas informações obrigatórias podem desestimular o usuário, por se sentir exposto oferecendo todos os seus dados para a empresa, para poder fazer simplesmente uma crítica ou um comentário. 2) Ouvidoria: espaço destinado aos clientes para atender reclamações e acatar críticas ou denúncias de um cliente, nos casos em que o serviço solicitado à empresa ou o atendimento não foram considerados satisfatórios, ou quando for críticas e/ou denúncias. Por telefone, o cliente não conseguirá falar aos finais de semana e feriado. 3) Canais de atendimento: espaço no qual possui contatos de telefone para a região metropolitana e para o interior e litoral, serviços de emergência e as agências virtuais e atendimento online. 4) Não há espaço de comentários nas matérias feitas pela Agência de Notícias, apenas a possibilidade de clicar em um “curtir” ou “não curtir” ao responder a pergunta “Este conteúdo te ajudou?”, imprimir ou compartilhar. 5)Redes Sociais10: a Sabesp possui Facebook (94.139 pessoas curtiram a página), Twitter (24.3 mil seguidores) e vídeos no Youtube. Observa-se que não há na plataforma o tipo de interação usuários-usuários, apenas usuário-empresa pela falta de um campo em que as pessoas possam comentar, tirar dúvidas ou debater sobre decisões públicas da empresa, de maneira em que as informações fiquem expostas. Justamente pelo fato da participação não ser pública não é possível aferir a participação do usuário com a empresa. Categoria: Medidas adotadas para conter a crise hídrica informadas no site Na página de destaques, é possível encontrar informações ligadas à crise hídrica do Estado de forma “cautelosa”. Não expondo, ao menos na página inicial em todo período analisado, explicações sobre os reais motivos que impulsionaram a crise ou projetos detalhados com investimentos e prazos (alguns dos projetos são expostos apenas por meio de notícias, no link Agência de Notícias), consequências da falta de água para a população, ou informações do uso de água na indústria e na agricultura. 10. Dados retirados no dia 8 de março de 2015. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5027 A representação da crise hídrica no estado de São Paulo: um paralelo entre o site da Sabesp e o site colaborativo faltouagua.com Karol Castanheira É possível consultar se há redução de pressão nas tubulações por região e entender o que é esta redução de pressão. Atualização diária às 9h da manhã sobre os índices de armazenamento das represas. Materiais, dicas e orientações sobre economia de água e campanhas de conscientização. Filmes que reforçam mensagens e colaboram com a redução de consumo durante a crise. E por fim, boletim detalhado da condição dos mananciais que abastecem a Grande São Paulo. No item Comunicados Gerais, no qual identifica comunicados à imprensa e as atas de reunião, em todos os documentos consultados, inclusive nas atas, não há menção à crise. Apenas uma nota esclarecendo a notícia da Folha de São Paulo sobre a possibilidade de tarifa extra. No mais, as atas discutiam o desligamento de membros da Companhia e eleição do diretor presidente da Companhia como membro do Conselho de Administração, para o restante do mandato 2014-2016. Ao clicar no SIC localizado no lado superior direito da página em letra inferior aos outros ícones do site é possível ter acesso à uma série de informações como dentre elas, os investimentos (valores anuais e principais programas de investimento), receitas e despesas e licitações instauradas. No entanto, a linguagem técnica e apenas dados fornecidos em tabelas dificultam a compreensão e não contextualizam em quais regiões serão feitos os investimentos, como serão feitos, os danos ambientais ou a lista de prioridades do que será realizado primeiro. E por fim, informações como consertos nas tubulações para diminuir perdas de água, preservação ou reflorestamento de mata ciliar dos mananciais, não são mencionadas na plataforma. Outros temas como transposição de mananciais, criação de novas reservas ou qualquer outra solução para combater ou prevenir outras eventuais crises no sistema hídrico, são até expostas em algumas matérias produzidas pela Agência de Notícias, no entanto, como já foi dito, ainda de maneira incipiente e sem problematização. ANÁLISE FALTOUAGUA.COM. Faltouagua.com é um site colaborativo criado pelo engenheiro de computação Diego Quinteiro com o objetivo de informar sobre a extensão da situação da crise hídrica no Estado de São Paulo. O site possui conteúdo de fácil compreensão e instiga os usuários afetados pela falta de água a criarem pontos no mapa de estiagem através da inserção de endereço afetado pelo problema. Após mapear o local, a pessoa pode ainda indicar a frequência com que o problema ocorre na localidade. Milhares de usuários já usaram o recurso para denunciar a situação e contam com um mural de comentários, no qual podem debater abertamente sobre a crise hídrica que perdura no estado de SP, além de interagir e informar por meio dos depoimentos. Foi criada também uma página no Facebook11, na qual recebeu 682 curtidas. Mas, tanto a página quanto o site já não estão mais atualizados. A última postagem na rede social foi em 19 de outubro de 2014. Nesse post é possível perceber o posicionamento do criador do site colaborativo sobre a crise. Ele começa dizendo “Respondendo perguntas em público para todos assinantes ficarem a par. Tenho recebido solicitações de entrevista 11. Página no Facebook: https://www.facebook.com/faltouagua/posts/572904119521970 Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5028 A representação da crise hídrica no estado de São Paulo: um paralelo entre o site da Sabesp e o site colaborativo faltouagua.com Karol Castanheira da Rede Globo, Uol, Folha, Estadão, Veja, TV Record, Portal R7, TV Bandeirantes, SBT on-line, entre outros veículos de mídia. Escolhi responder as questões formuladas pela Editora Horizonte”. A partir disto, ele comenta como funciona o site, como fazer para pressionar os órgãos públicos com os dados do site, como a mídia tradicional abordou o assunto, o papel do governo e da Sabesp e do TRE-SP, qual o prognóstico de abastecimento da água e como viver em racionamento. Essa postagem contou com apenas 13 curtidas, cinco compartilhamentos e cinco comentários. Ao ser questionado em um desses comentários sobre um possível travamento do site, Faltouagua.com, o responsável pelo abastecimento não deixou de responder e interagir com os usuários, mostrando uma atitude de cooperação tanto para a solução de problemas técnicos quanto para a deliberação da crise. No campo de fotos só foram postadas quatro, três com o mapa da falta de água (é possível perceber de maio a outubro de 2014 a evolução do problema de abastecimento) e uma charge criticando a posição do governo frente ao problema no período eleitoral. A página do Facebook divulga também matérias sobre a posição do governo do Estado, nas quais fazem críticas severas a posição do governador sobre a crise. Há outros endereços do Faltouágua em outras redes sociais como o Twitter, mas não foram levadas em consideração para análise, pelo foco recair mais especificamente sobre o site. Para desenvolver a análise do site foram definidas algumas categorias de análises, são elas: a quantidade de comentários, conteúdo dos comentários, problema mais retratado com a seca e “nível” de engajamento dos cidadãos. Desde o período de criação dessa plataforma até o momento da redação deste artigo foram postados 399 comentários. A última postagem ocorreu no dia 25 de fevereiro de 2015. No entanto, ao pensar nas categorias, seria inviável analisar todos os comentários postados, sendo assim optou-se por investigar apenas 100, ou seja, praticamente 25% do total. Para verificar os conteúdos das mensagens era possível selecionar a ordem das postagens (cronológica, inversão cronológica ou ranking social). A cronologia dos acontecimentos é de fato relevante para a compreensão da “evolução” da seca, porém, como um dos objetivos era avaliar o “nível” de engajamento, optou-se pela forma ranking social. Para identificar qual conteúdo era abordado foi necessário categorizar o material encontrado em : 1) registro e reclamação (registro é quando o usuário apenas identifica o bairro e o período de tempo que está sem água; a reclamação vai além de apenas registrar o período sem água, mas gera queixa e reivindicação); 2) Crítica ao Governo, Sabesp e a mídia (Governo diz respeito especificamente ao governo Estadual e em diversos comentários a crítica era destinada ao governador do Estado); 3) Opinião ( quando o usuário interpreta a crise e se posiciona diante dela – foram as postagens com maior índice de caracteres) ; 4) Outros ( devido a incidência ser baixa, optou-se por agrupar em apenas uma única categoria, a temática dos conteúdos que tiveram uma frequência pequena de uma a duas postagens, são elas: links, usuários querendo o contato do responsável pelo site, comunicados e elogio pela plataforma colaborativa). Dos 100 comentários analisados a temática se distribui dessa forma: Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5029 A representação da crise hídrica no estado de São Paulo: um paralelo entre o site da Sabesp e o site colaborativo faltouagua.com Karol Castanheira Gráfico 1: Temática Fonte: Elaboração Própria Observa-se pelo gráfico que a maioria dos usuários (68) apenas registra ou reclama sobre a situação da falta de água. Vinte e seis (26) criticam o governo Estadual, a Sabep ou a mídia, por estarem passando por este problema. Apenas sete (7) emitiram opiniões mais aprofundadas sobre o tema e oito (8) postaram apenas links, comunicados, fizeram elogio ou quiseram o contato do responsável pelo site. Essa categoria faz refletir sobre a outra categoria “nível” de engajamento. Definir o nível de uma pessoa apenas pelas mensagens que ela posta seria um equívoco sério de pesquisa. Entretanto, é preciso levar em consideração que o site é um espaço colaborativo e tem como foco não apenas construir um mapa da falta de água no Estado, mas criar dados para cobrar do governo uma posição. O fato de a pessoa comentar já identifica um nível de participação, mas o que e como ela comenta identifica em que perspectiva de diálogo ela adota. Por exemplo: unilateral – postando uma única vez a título de informação ou multilateral- postando e comentando em outras postagens a fim de deliberar. Nesse sentido pouquíssimos foram os posts com comentários, como poderá ser visto no outro gráfico, apenas 16% de um total de 100. A outra postura é o que comentar. De 100 postagens, 44 foram escritas em três linhas ou mais. Mesmo não chegando a 50% é um número relevante, o problema é que a maioria explicava (qual o bairro, período sem água, qual a cor e presença de cheiro na água...)ou relatava o que estava passando com a crise (dificuldade de tomar banho quando chega do serviço, não realizar as higienes básicas...). Poucos comentários tiveram base argumentativa sobre o problema para atingir uma finalidade de cobrança aos órgãos públicos, simplesmente se referiam ao governo como ponto de crítica, mas não houve uma deliberação mais pertinente quanto a qualidade da informação para pressionar de fato os órgãos públicos. Segundo matérias sobre o site, milhares de pessoas já o visitaram. No entanto, apenas 399 comentaram, este dado reflete ainda uma participação pequena ao pensar na população do Estao de São Paulo. Sendo assim, é possível perceber um nível de engajamento ainda incipiente por parte dos cidadãos. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5030 A representação da crise hídrica no estado de São Paulo: um paralelo entre o site da Sabesp e o site colaborativo faltouagua.com Karol Castanheira O problema mais retratado, como é possível perceber pela temática é a falta de água dos cidadãos. O gráfico abaixo permite refletir sobre a interação entre os usuários: Gráfico 2: Interação Fonte: Elaboração Própria Como já mencionado anteriormente, apenas 16 postagens possuíam comentários. Mas no quesito curtidas o número avançou para 69 postagens. Isto identifica um tipo de interação “não dialógica” entre os usuários, apenas associativa. CONCLUSÃO: O Brasil possui leis que garantem a deliberação e o fortalecimento da Comunicação Pública no campo de recursos hídricos. No entanto, essas leis não são postas em prática atingindo todas as suas possibilidades para uma cidadania interativa, tanto em âmbito on como off-line. Essa ruptura de diálogo entre governo e sociedade civil fica mais evidente em momentos de crise. As deficiências de governança na gestão dos recursos hídricos agravada pela postura nociva do homem na natureza tentou ficar escondida até o resultado das eleições. A mídia, sem dúvida, ocupou um papel fundamental em como agendar esta problemática. Negar o fato foi à postura adotada por muito tempo pelo governo do Estado, pela Sabesp e por vários órgãos da mídia tradicional. Mas, as novas tecnologias da Comunicação e da Informação proporcionaram uma nova imersão do cidadão na sociedade. Na cultura contemporânea, mediada e midiatizada pelas novas mídias, as possibilidades de comunicação surgem e se disseminam continuamente, aumentando as possibilidades dos receptores em se transformarem em produtores de conteúdos (CASTELLS, 2007; RENÓ et.al 2011; PIGNATARI, 2004; AXEL, 2008). Ao assumir essa função, os cidadãos possibilitam não somente romper com modelos comunicativos tradicionais, mas se colocam na posição de atores sociais, denunciando, fiscalizando e informando fatos e descasos, inclusive do poder público. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5031 A representação da crise hídrica no estado de São Paulo: um paralelo entre o site da Sabesp e o site colaborativo faltouagua.com Karol Castanheira Faltouagua.com é uma dessas iniciativas de fomentar a participação pública por meio da tecnologia. O mapa da falta de água contribuiu para que não só os cidadãos afetados tivessem dimensão da crise, como também, qualquer pessoa interessada em se informar sobre a gravidade da situação. A participação por meio de comentários se mostrou ainda deficitária, mas não menos importante, pois mostra que os espaços estão sendo criados e que os cidadãos têm interesse em participar, seja de maneira ainda unilateral ou pouco dialógica, só que se fazendo presente, quando que por muito tempo se viu renegado de compartilhar informação e questionar ou criticar os órgãos públicos. O conteúdo do site da Sabesp é abastecido por uma assessoria de Comunicação que blinda a imagem da Companhia a qualquer tipo de polêmica ou questionamento sobre o bom funcionamento da empresa. No entanto, como empresa de capital misto, deveria se posicionar diante a Lei de Acesso à Informação, liberando dados importantes, como por exemplo, o consumo de água das empresas. E, não só fornecendo dados, mas contextualizando a crise em suas diversas facetas. Ao que parece, mais uma vez, Schwartman (1988) e Faoro (2001), parecem certos ao dizer que a política brasileira tem arraigada na sua estrutura um estamento burocrático de cunho patrimonialista, no qual cria um efetivo impedimento para atividades potencialmente capazes de expandir o âmbito da competição de poder. Essa estratificação social sufoca o dinamismo intrínseco da sociedade e as transformações oriundas da independência do país e a sua modernização acabam, em certa medida, não sendo suficientes para ameaçar as estruturas mais profundas de poder, vigiadas por um estamento burocrático maleável e resistente. Para os autores, Estado e esfera pública encontram-se em posições distintas e independentes na política brasileira. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei nº 9433, Política Nacional de Recursos Hídricos, 8 de janeiro de 1997. CASTELLS, M., Fernández-Ardèvol, M.,; Qiu, J., Sey, A. (2007). Comunicación móvil y sociedad, una perspectiva global (2ª ed. atualizada). Barcelona: Ariel. DULAC,Vinicius, et al. (2012) Classificação das deliberações e projetos aprovados pelo Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria. 3º Congresso Internacional de Tecnologias para o Meio Ambiente. Bento Gonçalves – RS, Brasil, 25 a 27 de Abril de 2012. Disponível em: http://www.proamb.com.br/downloads/18vwdu.pdf FAORO, Raymundo (2001). Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. 3. Ed. São Paulo: Globo. JACOBI, P.R. (2003). Espaços públicos e práticas participativas na gestão de meio ambiente no Brasil. Sociedade e Estado, v. 18,n.1/2,p.137-154. RENÓ, Denis; et.al. (2011) Narrativas transmídias: diversidade social, discursiva e comunicacional. Palavra-chave. Vol. 14, nº2. SCHWARTMAN, Simon (1988). Bases do autoritarismo brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Campus. 3ª edição revista e ampliada. Versão em PDF disponível em: http://www. schwartzman.org.br/simon/bases/capit1.htm. TUCCI, Carlos; NETTO, Oscar; HESPANHOL, Ivanildo. Gestão da água no Brasil. Uma primeira avaliação da situação atual e das perspectivas para 2025. Disponível em: http:// www.rhama.net/download/artigos/artigo30.pdf. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5032 Empreendedoras com sucesso profissional e de vida: espaços biográficos e relatos divulgados pelo Youtube Entrepreneurs with professional success and life: biographical spaces and reports released by Youtube K a t i a M a r t i n s Va l e n t e 1 Resumo: este resumo se refere à pesquisa de doutoramento do PPGCOM da ESPM, que estuda espaço biográfico (Arfuch, 2010), discursos e narrativas (Fairclough, 2001) e cultura empreendedora de mulheres com sucesso laboral e de vida, extraídas das palestras Endeavor, principal instituição mundial de seleção e apoio a empreendedores, evento Day 1, publicadas pelo Youtube. Pretendemos estudar os marcos teóricos principais do conceito de trabalho (Schwartz, 1988), cultura empreendedora e culto à performance (Ehrenberg, 2010) e o novo espírito do capitalismo (Boltanski e Chiapello, 2009). Nosso propósito é realizar análise dos significados simbólicos e de sentidos dessas narrativas. A metodologia deste estudo baseia-se em (Fairclough,2001), em que os discursos são interpretados à luz das interações sociais, análise dos textos, práticas discursivas e práticas sociais Palavras-Chave: espaço biográfico, trabalho, empreendedoras, comunicação e consumo Abstract: this summary refers to the doctoral research of PPGCOM of ESPM , studying biographical space (Arfuch , 2010), discourses and narratives (Fairclough, 2001) and entrepreneurial culture of women with employment success and life, taken from Endeavor lectures, main institution world selection and support for entrepreneurs, Day1 Event, published by Youtube . We intend to study the main theoretical frameworks of the concept of work (Schwartz, 1988), entrepreneurial culture and cult of performance (Ehrenberg, 2010) and the new spirit of capitalism (Boltanski and Chiapello, 2009). Our purpose is to perform analysis of symbolic meanings and meanings of these narratives. The methodology of this study is based on Fairclough (2001), in which discourses are interpreted in the light of social interactions, analysis of texts, discursive practices and social practices. Keywords: biographical space, labor, entrepreneurial, communication and consumption 1. Doutoranda do Programa de Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM/SP. Mestre em comunicação pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, professora da graduação e pós-graduação da ESPM, FGV e consultora de comunicação integrada. E-mail: [email protected]. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5033 Empreendedoras com sucesso profissional e de vida: espaços biográficos e relatos divulgados pelo Youtube Katia Martins Valente INTRODUÇÃO S RELATOS de sucesso profissional e de vida dos indivíduos sempre desperta- O ram o interesse por parte da humanidade, do contexto social, para explicarmos o “presente” buscamos nossas origens por meio dos discursos da memória e história no sentido de materializar quem somos, o que fazemos e nossa identidade. Nosso texto se pauta nos estudos e pesquisa de doutoramento do curso PPGCOM da ESPM, cuja trajetória metodológica se concentra na teoria e análise de discurso crítico de (Fairclough, 2001), em que os discursos são interpretados à luz das transformações e mudanças das práticas sociais e discursivas que retratam o sucesso laboral e de vida de empreendedoras do contexto estético e midiático do mundo contemporâneo. Temos o propósito de realizar uma reflexão sobre os discursos materiais e simbólicos representados pelas empreendedoras, em que se valoriza sucesso laboral e de vida. Nosso estudo é desenvolvido nos seguintes eixos teóricos (Schwartz, 1988), em que o trabalho é exercido num contexto de mercantilização das atividades laborais em troca de remuneração das mesmas. Para (Boltanski e Chiapello, 2009) o novo espírito do capitalismo é a ideologia que justifica o engajamento no próprio capitalismo em que a atividade laboral se modifica para ser exercida por meio de “projetos de vida” de empreender a si mesmo como forma de subsistência. De acordo com (Ehrenberger, 2010) “o culto à performance” se fundamenta nas práticas da sociedade contemporânea e no gerencialismo de temas eleitos pela sociedade que determinam discursos e práticas sociais associadas a temas do esporte como superação dos limites, desempenho, etc. (Arfuch, 2010) nos diz que, por meio do espaço biográfico, relatamos nossas vidas tanto do ponto de vista privado como público, sendo uma maneira de narrar, legitimar e dar sentido a própria existência e a si. É o lócus que materializa a identidade do sujeito e suas práticas sociais ao longo da história e memória de cada um. Já (Freire, 2011) tem como marco referencial o capital humano no qual se valoriza a “performance” das pessoas pelo conhecimento e capacitação profissional que resultam na superação, conquista, concorrência e competência associados a temas esportivos e empresariais, pelo qual as pessoas superam limites e desafios em função do conhecimento adquirido e desenvolvido para si. Para (Buonanno, 2011) se observa, na sociedade, a “história de vidas exemplares” heróis reais ou não que são divulgados pelo contexto estético e midiático e, que passam a fazer parte da representação de mundo das pessoas como verdadeiros heróis de nossos dias. A metodologia utilizada para análise é de (Fairclough, 2011) e, em linhas gerais, possibilita interpretação de representações simbólicas, físicas e de sentidos dos discursos que demarcam práticas discursivas e sociais que despertam interesse por parte dos usuários da internet (Youtube) que foram expostos aos vídeos das palestras Endeavor, evento Day1. O corpus selecionado para o estudo foi retirado das palestras Endeavor, 2 principal instituição mundial de seleção e apoio a empreendedores de alto impacto, evento Day 1, publicadas pelo Youtube. Primeiro, nos concentramos nos embasamentos 2. A Endeavor é a principal instituição mundial de seleção e apoio a empreendedores de alto impacto. Disponível em: <http://www.endeavor.org.br/empreendedores>. Acesso em: 26/06/2014. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5034 Empreendedoras com sucesso profissional e de vida: espaços biográficos e relatos divulgados pelo Youtube Katia Martins Valente teóricos pertinentes ao estudo, em seguida, seleção e analise de trechos das “falas” das empreendedoras Luiza Helena Trajano presidente do Magazine Luiza e Heloisa Helena de Assis (Zica) CEO do Instituto Beleza Natural, extraídos dessas palestras e do evento Day1 e por fim, pretende-se analisar a materialidade física, simbólica e de sentidos do lugar de “fala” das vozes da organização, bem como os relatos históricos da vida dessas empreendedoras, que circulam no processo midiático vigente. Para existir interação discursiva, a palavra “discurso,” na visão crítica de discurso de (Fairclough, 2001, p. 90) é “o uso de linguagem como forma de prática social”, sendo constituído pela interação das pessoas e vice-versa, como forma de representação e interpretação de mundo considerado fundamental na compreensão das transformações e mudanças da sociedade. De acordo com a metodologia da análise de (Fairclough, 2001, p.22), Os discursos não apenas refletem ou representam entidades e relações sociais, eles as constroem ou as constituem; diferentes discursos constituem entidades-chave (...) de diferentes modos e posicionam as pessoas de diversas maneiras como sujeitos sociais (...) e são esses efeitos sociais do discurso que são focalizados na Análise do Discurso. Outro foco importante localiza-se na mudança histórica: como diferentes discursos se combinam em condições sociais particulares para produzir um novo e complexo discurso. Os discursos se alteram de acordo com os contextos históricos, mudanças do espaço e tempo e das relações que ocorrem nos contextos político, ideológico, econômico e social e pelas transformações da sociedade. Os mesmos discursos são renovados justamente para preservar e manter as relações sociais e interesses ideológicos da contemporaneidade em que existe a luta pelo poder, interesses e relações de conflito. A sua base ideológica “permite revelar o discurso como meio em que linguagem e ideologia (pontos de vista, ideias, conteúdos, temáticas etc.) se manifestam de modo articulado.” O discurso segundo Pêcheux (2007, p.83) é uma prática social que apresenta posições ideológicas diversas de poder e de crítica, entretanto, ao longo da história, criam-se novos discursos e outros se renovam. Refletir e analisar os discursos dessas empreendedoras em seus espaços biográficos permite compreender como o sucesso laboral e de vida pode abarcar práticas discursivas e sociais de diferentes campos (Bourdieu, 2009) temáticos, preservando assim a relação existente entre visões de mundo. Podemos dizer que essas empreendedoras tiveram que se adaptar ao discurso de novos mundos possíveis (Lazzarato, 2006) em que ser “empreendedora” é uma nova maneira de exercício laboral, criado pelas práticas sociais, para dar corpo e forma a estas atividades. TRABALHO NO CONTEXTO SOCIAL Nos últimos 30 anos observamos profundas mudanças em torno da atividade laboral, o homem sempre se valeu do trabalho (materialidade física e simbólica) como forma de sobrevivência num contexto cercado por interesses e desigualdades, entretanto, o mesmo foi se alterando a medida que ocorreram mudanças e evoluções no contexto social. Ao se traçar algumas considerações sobre o trabalho como atividade e sua relação intrínseca com comunicação e consumo (Schwartz, 2011), levamos em conta que Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5035 Empreendedoras com sucesso profissional e de vida: espaços biográficos e relatos divulgados pelo Youtube Katia Martins Valente a atividade laboral teve início na era homo sapiens, na relação com os instrumentos da natureza (pedra, madeira, etc.) utilizados para sobrevivência. O autor define o conceito “trabalho stricto sensu” sob a ótica da atividade laboral a ser realizada em troca de remuneração, num contexto contaminado pela mercantilização desse processo. Para ele existe uma diferença entre trabalho remunerado, lazer e estado de disponibilidade no mercado (sem trabalho), o que demarca as lutas entre classes, trocas desiguais, interesses, experiências entre o explorado e o explorador, em resumo, o trabalho visto pela ótica mercantil. Entretanto, não se pode esquecer que, ao estudamos o trabalho, passamos a entender um pouco das representações e visões de mundo articuladas nessa dinâmica que envolve relações de “trabalho stricto sensu” (Schwartz, 2011), trabalho remunerado para produzir mercadorias/serviços que serão consumidas. Nessa relação com o trabalho encontramos desdobramentos importantes de (Marx, 1974) em que produção, circulação e consumo se complementam de forma interdependente, já que só existe produção se existir consumo, o trabalhador é um elemento importante e máquina propulsora dessa relação. O trabalho inserido na contemporaneidade ainda carrega em sua gênese as transformações ocorridas a partir da Revolução Industrial e passa a ser exercido de maneira sistematizada, com regras específicas e normas. Temos a presença da circulação, comércio, troca e consumo das mercadorias, ocultando-se o espaço da produção “no ‘silêncio’ da fábrica, realizando assim a exploração do trabalho pelo capital” (Casaqui, 1997, p.35). Nesse contexto, o trabalhador não compreende o valor e a relação das horas trabalhadas (produção) versus mercadorias produzidas e os esforços laborais, ao mesmo tempo recebe pressão da classe hegemônica no sentido que passe a consumir e desenvolva representação simbólica e visual em torno das mercadorias. A partir da concepção do Taylorismo/fordismo, cada trabalhador passa a ser um elemento da engrenagem produtiva, as atividades laborais são específicas, controladas, hierarquizadas e sistematizas “existe uma tentativa de simplificar ao máximo a atividade humana, antecipando-a e preparando-a totalmente, de modo que o executor não tenha que pensar” (Mota, 2012). Em seu livro O Capital (1984), Marx apresenta contribuições importantes em relação à importância da comunicação no processo produtivo, como forma de tornar público a existência das mercadorias. Entretanto, com a evolução dos processos tecnológicos da comunicação o processo produtivo, trabalho e as mercadorias são representados pela estética midiática, na qual a materialização dos signos, códigos e fios ideológicos de (Bakhtin, 1997) refletem interesses hegemônicos e contra hegemônicos que atuam na sociedade. Dessa forma, por meio desses avanços da comunicação, as empresas passam a tornar público informações sobre as diversas mercadorias e seus “signos” possibilitando o consumo posterior, como é o caso das nossas empreendedoras. Segundo Casaqui (2014) “o mundo do trabalho é atravessado pelos discursos da trama social, e, por sua centralidade no cotidiano dos sujeitos, bem como, o papel que lhe é atribuído no espectro do sistema capitalista, é alvo de disputas simbólicas.” O trabalho materializa interesses e representações simbólicas de valores que se associam ao repertório de vida das pessoas ao longo de sua história. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5036 Empreendedoras com sucesso profissional e de vida: espaços biográficos e relatos divulgados pelo Youtube Katia Martins Valente CULTURA EMPREENDEDORA E CULTO À ALTA PERFORMANCE Nesse cenário de tantas transformações o empreendedorismo ganha importância “quando as instituições já não proporcionam um contexto de longo prazo, o indivíduo pode ser obrigado a improvisar a narrativa de sua própria vida” (Sennet, 2006, p. 13). A exigência de ter sucesso permeia todas as atividades da vida inclusive o trabalho que pode ser exercido na forma de empreender a si mesmo. Entretanto, existe a valorização de palavras como “performance” e “O culto da performance aponta para um devir atlético e empresarial da sociedade, um processo de conversão aos valores supremos da concorrência e da conquista” (Freire, 2011, p.40). As práticas discursivas nos convocam a ter bom desempenho e sucesso no trabalho e em todas as atividades da vida social, o tempo de trabalho e do lazer são exercidos de forma simultânea associando-se às práticas discursivas dos esportes com superação de desafios e metas. De acordo com visão de (Ehrenberger, 2010) “o culto à performance” se fundamenta nas práticas da sociedade contemporânea e no gerencialismo de temas eleitos pela cultura que determinam práticas sociais apropriadas para se alcançar êxito, sucesso profissional e valoração pessoal alinhados pela ótica da capacitação profissional e “signos” de competência, habilidade, proatividade, competitividade, ousadia, entre outras palavras parâmetros de representação e avaliação do mundo laboral e de vida. Em seu livro Culto da Performance (Ehrenberg, 2010) menciona que a “arte de empreender, de assumir riscos e ser obstinado está ligada à convergência dos discursos esportivo, empresarial e de consumo”. O sujeito, ao construir suas narrativas de vida, passa por processo imaginário e ideário de vida de ter sucesso pela conquista da capacidade profissional e consumo de bens, em nosso texto, pautado por discursos de empreendedoras de sucesso. Podemos afirmar, que no exercício de empreender a si mesmo existe a preocupação com ganho de capital, comunicação, interesses e consumo pelas práticas laborais inovadoras, que possam atrair seguidores. No sucesso laboral e de vida de nossas empreendedoras encontramos a comunicação simbólica de imagens e de sentidos, que corroboram a circulação de valores e crenças de como vencer num mundo repleto de adversidades em que se valoriza o sucesso e a performance (Ehrenberg, 2010) tanto na vida profissional como privada. O ESPÍRITO DO CAPITALISMO E SUAS FASES O processo de empreender a si mesmo vem sendo incorporada aos discursos das práticas social e discursiva observa-se uma transformação no exercício da atividade laboral, na produção, circulação, consumo e mercantilização dos bens (Schwartz, 2011), nos relatos dessas empreendedoras, encontramos “vozes” que se misturam com valores privados e públicos das organizações. Nesse processo, entra em discussão a definição do novo espírito do capitalismo proposto por (Boltanski e Chiapello, 2009), em que o sistema capitalista encontra diferentes formas de se adaptar às conjunturas. Para esses dois autores, a exigência de acumulação ilimitada do capital por meios formalmente pacíficos. Trata-se de repor perpetuamente em jogo o capital no circuito econômico com o objetivo de extrair lucro, ou seja, aumentar o capital que será, novamente, reinvestido, sendo esta a principal Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5037 Empreendedoras com sucesso profissional e de vida: espaços biográficos e relatos divulgados pelo Youtube Katia Martins Valente marca do capitalismo, aquilo que lhe confere a dinâmica e a força de transformação que fascinaram seus observadores, mesmo os mais hostis (Boltanski e Chiapello, 2009: p.35). Nessa luta constante pela manutenção de sua ideologia, o capitalismo precisou percorreu três momentos. O primeiro momento baseava-se na obra de Max Weber, com ênfase na poupança que constituía a principal forma de acesso ao mundo do capital e promoção social. No segundo momento, anos 40, houve o predomínio da moral do trabalho e da competência com o sujeito tecnicamente qualificado e preparado para o exercício laboral, o que gerou a ascensão de uma elite de dirigentes e executivos diplomados, competentes, assalariados, de tempo integral e com emprego estável. No terceiro momento, já no século XXI, (Boltanski e Chiapello, 2009) chamam de espírito do capitalismo a ideologia que justifica o engajamento no próprio capitalismo, para existir o engajamento no sistema “O capitalismo precisa ter condições de dar a essas pessoas a garantia de uma segurança mínima em verdadeiros santuários onde é possível viver, formar família, criar filhos etc.” (Boltanski e Chiapello, 2009, p. 39). O sistema capitalista para se manter no poder, precisou de mudanças e transformações em suas bases estruturais permitindo uma maior flexibilização das práticas sociais em que os processos sejam substituídos por novas formas de exercício da atividade laboral, como exemplo, empreender a si mesmo. Em seus estudos, os dois autores, mencionam três eixos que justificam o novo espírito capitalista: progressos materiais, eficiência na satisfação das necessidades e eficácia, que por si só, não são eixos suficientes para assegurar o engajamento dos sujeitos no mundo do trabalho capitalista. O “novo espírito” se apoia nos conceitos “cidades dos projetos”, “mundo conexionista” marcados por uma transformação que ocorre tanto na relação com o dinheiro, trabalho, poder e propriedade permitindo materialização física e simbólica dessa lógica. “Cidade dos projetos” o sujeito decide sua disponibilidade e tempo a ser gasto em seus projetos de vida, sem as coerções da propriedade nem as do poder. “Mundo conexionista” – permite que o sujeito desenvolva “projetos de vida” de maneira flexível, “a locação é a forma que convém ao projeto, à instalação para uma operação temporária” (Boltanski e Chiapello, 2009, p.191). As pessoas definem seus projetos, administram suas propriedades, “tempo” e “capital” e tornam-se responsáveis por usufruir dessa flexibilidade e organização de suas vidas. “O homem conexionista é proprietário de si mesmo, não segundo um direito natural, mas no sentido de ser produto de seu próprio trabalho sobre si mesmo” é o único responsável pelos fracassos e sucessos de sua vida. “Cada um, sendo produtor de si mesmo, é responsável por seu corpo, sua imagem, seu sucesso, seu destino (idem, p. 192), o que torna praticamente impossível separar a vida privada (qualidades e perfil pessoal) da vida profissional (competência e capacitação profissional). Nesse processo o “bem” é associado ao próprio “tempo” batizado como “o espirito do tempo” em que poupar o bem “tempo” é também administrar e manter conexões com o rendimento do trabalho, rendimento do capital, tempo para administrar projetos pessoais, lazer e entretenimento. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5038 Empreendedoras com sucesso profissional e de vida: espaços biográficos e relatos divulgados pelo Youtube Katia Martins Valente O “tempo” passa a ser eixo relevante nas escolhas entre trabalho e lazer que são exercidos conjuntamente sendo remunerado de diversas formas. O assalariado do “segundo espírito do capitalismo é substituído pelo colaborador intermitente, cuja atividade pode ser remunerada de diferentes maneiras: salários, honorários, direitos autorais, royalties sobre patentes etc., o que tende a atenuar a diferença entre rendimentos do capital e rendimentos do trabalho” (Boltanski e Chiapello, 2009, p.193) alterando as relações de viver em sociedade. ESPAÇO BIOGRÁFICO Para (Arfuch, 2010) existe um espaço biográfico, portanto narrativo e dialógico de raiz bakhtiniana, em que se retratam histórias de vida tanto no âmbito privado como no público. Para (Ricoeur, 2007) “Contamos histórias porque afinal de contas as vidas humanas precisam e merecem ser contadas”. Por meio de nossas histórias e trajetória de vida conseguimos transmitir aquilo que somos, nossa identidade, valores e crenças. Para Bourdieu, Os acontecimentos biográficos se definem como colocações e deslocamentos no espaço social, isto é, mais precisamente nos diferentes estados sucessivos da estrutura da distribuição das diferentes espécies de capital que estão em jogo no campo considerado. O sentido dos movimentos que conduzem de urna posição a outra (Bourdieu, 2009, p.190). Nos relatos de vida de nossas empreendedoras temos uma série de ocorrências e acontecimentos ao longo das mudanças de interesses da sociedade e das histórias de nossa vida, o que justifica a necessidade de compreender e relatar essas “falas” e narrativas pessoais que passam pelo crivo e censura social. O biografado seleciona sua fala em função do tema e das circunstâncias que giram em torno daquele assunto. Os interesses profissionais e de sobrevivência social são considerados, entretanto, nem sempre relatados como de fato aconteceram. As narrativas dessas empreendedoras são marcadas pela materialização simbólica desses discursos que descortinam e revelam um universo crítico, construído por meio de práticas discursivas e sociais, que retratam a ideologia dominante de valorização do sujeito enquanto indivíduo que necessita ter êxito e sucesso laboral, como forma de sobrevivência e legitimação social.3 “São relatos e modelos que conferem materialidade física, simbólica e de sentidos” para as falas dessas empreendedoras”. Em outras palavras, como diz (Buonanno, 2011), “em nosso tempo, os heróis reais ou imaginários ainda habitam o presente; e não é raro encontrar vidas, ações e personalidades verdadeiramente heroicas, basta saber reconhecê-las”. A figura da empreendedora dessas publicadas pelo Youtube apresentam discursos e exemplos de “vidas exemplares” (Buonanno, 2011), de empreendedoras, que exercem posições e atitudes distintas no percurso de suas histórias. Existe uma sobreposição de vozes e “falas” tanto na posição dos interesses econômicos e acúmulo de capital de CEO, da organização, como nos relatos da vida privada e de si das mesmas. Para Buonanno, 3. Disponível em: <http://www.livrariacultura.com.br/p/o-culto-da-performance-22095421>. Acesso em: 26/01/2015. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5039 Empreendedoras com sucesso profissional e de vida: espaços biográficos e relatos divulgados pelo Youtube Katia Martins Valente É a prerrogativa daqueles que – nos mais diversos campos de ação e expressão, das ciências às artes, no ensino, na defesa da lei e da ordem, nos esportes e nas religiões – organizam sua própria existência de acordo com os princípios da ética, de fato heroicos, que encorajam e valorizam o sacrifício, a disciplina, a dedicação a uma causa ou missão, a capacidade de enfrentar árduas provas (embora não necessariamente fatais), incluindo a desaprovação e hostilidade de uma cultura anti-heroica predominante (Buonanno, 2011, p.70). Podemos dizer que o processo de comunicação e consumo desses relatos e “espaços biográficos” de suas vidas empreendedoras retratam práticas discursivas de superação de adversidades, conflitos e sacrifícios para chegar à conquista do sucesso laboral e, ao mesmo tempo, se tornarem heroínas do nosso tempo. REFLEXÃO DAS VOZES DESSAS EMPREENDEDORAS Apresentamos abaixo, a reflexão sobre duas falas: a primeira fala de Luiza Helena Trajano (CEO do Magazine Luiza) e a segunda de Heloisa Helena de Assis (Fundadora da rede de cabelereiro Beleza Natural), conhecida por “Zica”, no decorrer de nossos estudos aprofundaremos as análises de outros trechos discursivos dessas empreendedoras. “Eu sou preocupada com a propaganda e a comunicação interna” – “voz” de Luiza Helena Trajano. Na prática discursiva apresentada encontramos a presença das vozes de Luiza Helena Trajano enquanto presidente da corporação “Magazine Luiza”, a voz do indivíduo e a voz da sociedade. Nessa frase, observamos a preocupação com a plataforma propaganda por ser um processo midiático, estético e de “massa”, com grande poder de persuasão e propagação de ideias, signos e valores junto à sociedade. Temos a demarcação do discurso implícito e hegemônico de valorização desse meio de comunicação, por parte da maioria das organizações, como recurso midiático que irá disseminar os resultados e a contribuição da mesma junto ao contexto social. Em contra partida, esse plataforma gera visibilidade e exposição para a história de vida exemplar (Buonanno, 2011, p.70), pública e privada de nossas empreendedoras que superaram dificuldades para vencer e ter sucesso laboral e de vida. Entretanto, encontramos a voz subjetiva e pessoal da empreendedora, que se preocupa com sua visibilidade e exposição pessoal, caso contrário, não teria aceitado o convite para relatar sua vida, por meio desse espaço biográfico, na palestra Endeavor, evento Day1, publicado pelo Youtube. Vale ressaltarmos, que a mídia social Youtube é um meio da plataforma propaganda, forma de comunicação, com grande poder de disseminação de ideias, signos, imagens e viralização de práticas discursivas e sociais. Propaganda e comunicação interna, na voz de Luiza Helena Trajano, podem estar enquadradas na “corporativização dos aspectos de sua existência” (Freire, 2011) a voz da organização se desloca para o discurso subjetivo/pessoal de “Luiza”. Na frase “Eu sou preocupada com a propaganda e comunicação interna” se materializa “jargões” próprios dos valores e crenças “prescritos” pelas organizações capitalistas hegemônicas que são transferidos para o discurso social. Por esta razão a empreendedora valoriza tanto a comunicação interna como forma de treinar, preparar e motivar seus colaboradores/empregados, no Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5040 Empreendedoras com sucesso profissional e de vida: espaços biográficos e relatos divulgados pelo Youtube Katia Martins Valente sentido que estejam em linha com os objetivos e valores das organizações capitalistas de obtenção de lucro, resultados financeiros positivos e ganho de capital. Temos a voz explícita das organizações contemporâneas que se utiliza da “comunicação interna” para a melhoria da produtividade, capacitação e performance do capital humano como peça fundamental para obtenção de melhoria nos resultados e aumento de capital. Abaixo, segue a fala da nossa outra empreendedora Heloisa Helena de Assis (fundadora da rede de cabelereiro Beleza Natural), Viemos aqui para contar um pouquinho da nossa história de vida. Eu comecei a trabalhar aos nove anos de idade como babá, empregada doméstica e faxineira. Mas tenho muito orgulho de falar isso aqui prá vocês. Porque eu levo isso para a minha empresa até hoje. De forma explícita, temos a materialização do discurso de superação de vida da protagonista, ao mencionar ter exercido atividades laborais menos valorizadas na sociedade. Aqui o trabalho está demarcado como fator de sobrevivência. Em sua fala, Zica demonstra a existência de preconceito em relação às funções exercidas ao dizer “mas tenho muito orgulho de falar isso aqui prá vocês”, é um “preconceito” mencionado pela empreendedora, que nos leva acreditar que essas atividades exercidas anteriormente não fossem motivo de orgulho e prestígio social. Temos o cruzamento das vozes da organização, da sociedade e da própria Zica enquanto indivíduo. Nessa articulação discursiva, encontramos a materialização da identidade da empreendedora, na posição de proprietária, ao mencionar “porque eu levo isso para a minha empresa até hoje”. Existe nessas palavras a articulação da posição social exercida atualmente “ser proprietária” da organização “bem sucedida” que é um discurso de culto à alta performance (Ehrenberg, 2010), de superação de desafios e conquista de resultados que podem ser associados aos “signos” dos esportes e das organizações de superação de seu próprio limite e ser vencedora perante a sociedade. “Mas tenho muito orgulho de falar isso aqui prá vocês. Porque eu levo isso para a minha empresa até hoje”. A voz da sociedade está simbolizada e representada pela superação de dificuldades de Zica por meio de prática discursiva de tom messiânico e “prescritivo” de relatar a todos como é possível superar dificuldade e vencer na vida de forma heroica (Buonanno, 2011) e semelhante a vários trabalhadores, “batalhadores” brasileiros. Observa-se que existe nos discursos das duas empreendedoras um deslocamento de valores organizacionais, do exercido de atividades laborais para o âmbito particular e privado que se misturam nessa materialização física e simbólica desses relatos. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por um lado, a análise crítica do discurso (Fairclough, 2001) permite refletir sobre as práticas sociais e discursivas que possibilitam reflexões e novas interpretações das mudanças ocorridas nas relações de trabalho, lazer e representação de mundo. Os discursos das empreendedoras aparecem como possibilidades do imaginário, representação e mundo possível (Lazzarato, 2006) em que o trabalho pode ressignificar seus discursos e valores podendo ser exercido na forma e no contexto de cultura empreendedora dentro de seus projetos pessoais de empreender a si mesmo. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5041 Empreendedoras com sucesso profissional e de vida: espaços biográficos e relatos divulgados pelo Youtube Katia Martins Valente Não se pode contestar que a representação identitária das pessoas permeia a centralidade do trabalho, a comunicação e o consumo de narrativas associadas ao “bem tempo”. Atualmente temos a existência de uma sociedade capitalista que surge no formato de “cidades projeto” (Boltanski e Chiapello, 2009) em que a flexibilização da atividade laboral se encontra focada no exercício de empreender seu próprio projeto de vida e de si. Novas bases e práticas sociais se encontram sobrepostas no exercício do trabalho, lazer e entretenimento. Por meio do culto à alta performance de (Ehrenberger, 2010) e o capital humano (Freire, 2011) as narrativas e relatos de nossas empreendedoras se amoldam às temáticas de superação, autocontrole ousadia e obtenção de resultados. É o investimento no capital humano, das empreendedoras, pela capacitação e qualificação profissional com o objetivo de superar desafios, metas e resultados, ganho de capital e lucro que são valores alardeados no sistema capitalista e questionado pela sociedade e os excluídos desse sistema. Esses discursos ratificam o imaginário e os interesses das pessoas, como maneira de preservar a lógica do capitalismo, que se utiliza de discursos de impacto transformados pelo poder ideológico. As narrativas empreendedoras circulam por meio da comunicação e consumo dessas “vozes” da estética midiática, possibilitando a transformação e preservação da gênese capitalista, portanto, inseridas nas práticas discursivas e sociais em que valores, crenças e signos são incorporados às práticas sociais e discursivas desse novo espírito do capitalismo contemporâneo. As narrativas das empreendedoras nesses “espaços biográficos”, portanto, discursivos passam a fazer parte da sociedade que os retroalimenta de forma consistente, no sentido de manter os interesses do sistema, do poder hegemônico e de seus valores, mesmo que para isso subsista a presença de excluídos e desigualdades desse sistema. REFERÊNCIAS Arfuch, L. (2010). O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Rio de Janeiro: Eduerj. Bakhthin, M. (2009). Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec. Boltanski, L. e Chiapello, È. (2009). O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes. Bourdieu, P.(2009). O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand. Buonanno, M. (2011). Histórias de vida exemplares. Matrizes ano 5 – número 1 (jul./dez). São Paulo. Casaqui, V. (2014). Ideologia do empreendedorismo social: representações do trabalho em tempos de crise do Estado Social português. Rumores, Número 16, volume 8, julho e dezembro 2014. Disponível em <http://www.revistas.usp.br/Rumores/article/ view/89636/92449>. _______. (2012). Estudos em comunicação, consumo e trabalho: significados do trabalho em processos de mediação, midiatização e publicização. In Rocha, R.M. e Casaqui, V. (org.). Estéticas midiáticas e narrativas do consumo. Porto Alegre: Sulina. _______. (2013). Questões metodológicas para o estudo das vidas narrativizadas: aplicação às narrativas de empreendedores sociais. Revista Famecos, Porto Alegre, v. 20, n. 3, p. 866-883, set./dez. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5042 Empreendedoras com sucesso profissional e de vida: espaços biográficos e relatos divulgados pelo Youtube Katia Martins Valente Ehrenberg, A.(2010). O culto da performance: da aventura empreendedora à depressão nervosa. Aparecida (SP): Ideias & Letras. Endeavor. Site da instituição. Disponível em: <https://www.endeavor.org.br/empreendedores-endeavor/>. Acesso em: 26/06/2014. Fairclough, N. (2001). Discurso e mudança social. Brasília: Ed. UNB. Freire, F. J. 2011. Sonhos de grandeza: o gerenciamento da vida em busca da alta performance. In: Freire, F. J. e Coelho, M. G. P. (Orgs.). A promoção do capital humano. Porto Alegre: Sulina. Harvey, D. (1992). Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola. Lazzarato M. (2006). As revoluções do capitalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Marx, K. (1984). O capital. L I, v. I. t II. São Paulo: Abril Cultural. Motta, A. R. (2012) Análise do Discurso e Ergologia: o sujeito na atividade de trabalho. Revista Moara, n.38, jul.-dez. Disponível em: <http://www.periodicos.ufpa.br/index. php/moara/article/viewFile/1271/1690>. Pêcheux, M. (1988). Semântica e discurso. Campinas: Pontes. Ricoeur, P. (2007). A memória, a história, o esquecimento. Tradução de Alain François [et al.]. Campinas: Editora da Unicamp. Rocha, R.M. e Casaqui, V. (org.) (2012). Estéticas midiáticas e narrativas do consumo organizado. Porto Alegre: Sulina. Schwartz Y. (1988). Expérience et connaissance du travail. Paris: Messidor, Éditions Sociales. Artigo Schwartz. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/tes/v9s1/02.pdf>. Acesso em: 26/01/20 15 Sennet, Richard. (2006). A cultura do novo capitalismo. Trad. Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Record. Taylorismo. Disponível em: http://www.infoescola.com/administracao_/taylorismo/. Acesso em 26/01/2015. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5043 O desenvolvimento da inovação nas micro e pequenas empresas a partir da gestão do conhecimento e da comunicação digital Development of innovation in micro and small businesses using knowledge management and digital communication T a i n ah V e r a s 1 Resumo: A pesquisa em questão tem o objetivo de apresentar e analisar alguns dos obstáculos enfrentados pelas micro e pequenas empresas no processo de inovação, propondo possibilidades de superar esses obstáculos por meio da Gestão do Conhecimento e da Comunicação Digital. Para isso, o estudo em questão demonstra, principalmente a partir dos preceitos do Manual de Oslo (2005); de Nonaka; Takeuchi (2008); de Lévy (2007) e do case da empresa Mamute Mídia (Sebrae, 2009) que é possível desenvolver uma cultura de inovação com a adoção de um modelo mental baseado em conhecimento por parte dos gestores e com a utilização da comunicação digital como forma de estimular a aprendizagem e de reunir diferentes profissionais em torno de objetivos comuns. Palavras-Chave: Inovação. Conhecimento. Comunicação. Abstract: This research aims to present and analyze some of the obstacles faced by micro and small enterprises in the innovation process, offering possibilities to overcome these obstacles through the Knowledge Management and Digital Communication. To do that, the present study shows, mainly from the precepts of the Oslo Manual (2005); Nonaka; Takeuchi (2008); Levy (2007) and the case of the company Mamute Mídia (Sebrae, 2009), that it is possible to develop a culture of innovation. For this, can adopt a mental model based on knowledge and digital communication in order to stimulate learning and to gather different professionals around common goals. Keywords: Innovation. Knowledge. Communication. INTRODUÇÃO ALTA COMPETITIVIDADE do mercado e a rapidez com que ele se transforma A faz com que os empresários tenham o desafio de adotar posturas, métodos e formas de ver o mundo que sejam capazes “de acolher a multiplicidade de contextos, identidades, universos simbólicos, interesses ou discursos que, na sua existência plural, simultânea e imaterial, tanto caracterizam (...) o mundo contemporâneo” (HERSCHMANN; PEREIRA, 2002, p. 29). 1. Mestranda do Programa de Comunicação Midiática da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) sob a orientação da profa. dra. Maria Eugênia Porém. E-mail: [email protected] Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5044 O desenvolvimento da inovação nas micro e pequenas empresas a partir da gestão do conhecimento e da comunicação digital Tainah Veras Nesse contexto, o processo de inovação é essencial. Especialmente no caso das micro e pequenas empresas, os obstáculos para que isso ocorra costumam ser maiores, já que normalmente faltam recursos financeiros, há um grande envolvimento dos empresários em atividades operacionais, os entraves burocráticos são consideráveis, a capacidade de crescimento é menor, entre outros fatores. Para modificar esse panorama, acredita-se que os responsáveis por essas organizações devem incorporar novos modelos mentais baseados em conhecimento. Para isso, é necessário desenvolver um ambiente de aprendizagem organizacional, com trocas potenciais de informações por meio do relacionamento entre os públicos. Por isso, o presente artigo apresenta uma pesquisa bibliográfica com fins exploratórios e descritivos realizada com o objetivo de refletir sobre as possibilidades que a gestão do conhecimento e a comunicação digital podem trazer para a inovação nas micro e pequenas empresas. Para demonstrar de que forma isso pode ser viabilizado no mercado, o estudo traz o case da empresa Mamute Mídia (SEBRAE, 2009), descrevendo de que forma a organização utiliza a busca pelo conhecimento e a comunicação digital para desenvolver uma cultura de inovação. OS DESAFIOS PARA A INOVAÇÃO NAS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS Mudanças econômicas, sociais, políticas e tecnológicas. Intensa circulação de capital e de informação. Busca constante por novidades e melhorias. Essas são apenas algumas características do cenário em que vivemos, no qual tudo se renova a cada momento e nada está totalmente finalizado. Por isso, profissionais e empresas têm o desafio diário de inovar. Quando falamos em inovação no contexto organizacional, vários conceitos podem ser utilizados. Schumpeter (1988, p.48), define inovação como “um aspecto da estratégia de negócios ou uma parte do conjunto de decisões de investimentos para criar capacidades de desenvolvimento de produto ou para melhorar a eficiência”. Como é possível observar, ele enfoca aspectos econômicos ligados ao conceito, investimentos que são necessários, e defende que, para que haja inovação, é preciso que ocorra uma mudança no produto que a empresa oferece. Esse conceito (com suas variações) costuma ser amplamente difundido entre os empresários, que acabam atrelando a inovação apenas aos investimentos e esforços necessários em Pesquisa e Desenvolvimento. No entanto, o Manual de Oslo (OCDE, 2005, p.55), publicação internacional que tem o objetivo de padronizar conceitos para práticas em diferentes países, expande o conceito de inovação para além da esfera do produto. O Manual defende que, além de ser a “implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado”, a inovação também pode ser “um processo, ou um novo método de marketing”, ou ainda ser “um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas”; essa última possibilidade, que encara o conceito a partir das práticas dos negócios, é chamada de inovação organizacional, e envolve “a implementação de novos métodos para organização de rotinas e procedimentos para a condução do trabalho.” (OCDE, 2005, p. 62). Portanto, se enxergamos que atividades Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5045 O desenvolvimento da inovação nas micro e pequenas empresas a partir da gestão do conhecimento e da comunicação digital Tainah Veras inovadoras podem ser exercidas com mudanças no dia a dia, que envolvem alterações de pensamento e de comportamento e não necessariamente investimentos financeiros, entendemos que a inovação não está restrita apenas às grandes organizações. Esse processo também pode e deve ser estimulado nas micro e pequenas empresas, já que elas “contribuem com parcela considerável da geração de emprego e renda em todo o país” (DREE, 2014, p. 13), e, em 2011, foram responsáveis por uma participação de 99% no total de empresas privadas do Brasil (SEBRAE, 2013, p. 4). Apesar da alta representatividade na economia, os empresários das micro e pequenas empresas sofrem com a elevada concorrência, com as taxas tributárias e com a dificuldade de obter recursos para investir no negócio. No entanto, além dos fatores externos, existem características intrínsecas ao negócio que impactam diretamente no processo de inovação: (…) as pequenas empresas possuem características positivas, como a criatividade e o espírito empreendedor, porém (…) [a] pequena empresa (…), na contramão da história, reluta em profissionalizar a administração. As dificuldades, neste processo de inovação na gestão, são consideradas (…) como determinantes para o fechamento prematuro das empresas, [e] notadamente nos processos que envolvem a tomada de decisão, o conservadorismo predomina (Semler, 1988, apud Pereira et al, 2009, p. 54). O conservadorismo, observado em boa parte dos empresários desse segmento, está diretamente ligado aos modelos mentais que esses gestores possuem, e que impactam diretamente nas tomadas de decisões, e consequentemente, na implantação de inovações. O modelo mental pode ser entendido como: (…) o processo de pensamento de uma pessoa sobre como algo funciona (ou seja, o entendimento da pessoa sobre o mundo ao seu redor). Modelos mentais estão baseados em fatos incompletos, experiências passadas e até mesmo em percepções intuitivas. Eles ajudam a moldar ações e comportamentos, influenciam no que as pessoas costumam prestar atenção em situações complexas, e definem como as pessoas resolvem problemas (Carey, 1986 apud Weinschenk, 2010).2 Como pode ser observado, enquanto o responsável por uma micro ou pequena empresa enxergar o mundo de uma forma conservadora e se mostrar contrário às mudanças, ele não estará barrando a inovação. Por isso, a “inovação não pode ser um processo que acontece por sorte, mas sim o resultado de uma escolha” (DOMENEGUETTI; MEYER, 2009, p. 191). Como vimos, essa escolha não é uma tarefa fácil, pois envolve abandonar velhas ideias para dar espaço a novas rotinas, produtos e serviços, em nome de um propósito maior (FIALHO et al, 2006, p. 6). Em outras palavras, “inovação tem a ver, essencialmente, com aprendizagem e mudança” (TIDD et al, 2008, p. 486). 2. Conteúdo originalmente escrito em inglês, conforme consta a seguir: “A mental model represents a person’s thought process for how something works (i.e., a person’s understanding of the surrounding world). Mental models are based on incomplete facts, past experiences, and even intuitive perceptions. They help shape actions and behavior, influence what people pay attention to in complicated situations, and define how people approach and solve problems”. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5046 O desenvolvimento da inovação nas micro e pequenas empresas a partir da gestão do conhecimento e da comunicação digital Tainah Veras A RELAÇÃO ENTRE INOVAÇÃO, GESTÃO DO CONHECIMENTO E COMUNICAÇÃO DIGITAL A absorção de novos conhecimentos e os processos de mudança fazem parte do dia a dia de todos os indivíduos; no entanto, as experiências individuais com esses conceitos não garantem que eles estejam presentes de forma sistêmica em uma empresa, estimulando a inovação. Os mecanismos de transferência do aprendizado individual para organizacional dão-se por meio do intercâmbio entre os modelos mentais dos indivíduos. Esses modelos representam um processo de mudança de crenças (...) Tais mecanismos dependem da capacidade dos indivíduos de desenvolver seus modelos mentais e de torná-los explícitos e transferíveis, deixando também explícitas as percepções da realidade em que atuam. (...) não há aprendizagem organizacional sem aprendizagem individual. A aprendizagem individual é necessária, mas insuficiente para a aprendizagem organizacional (FIALHO et al, 2006, p. 98). Para que o intercâmbio entre os modelos mentais dos indivíduos aconteça não existe uma receita universal, pois cada empresa é formada por pessoas diferentes com ideias, experiências e crenças distintas. De qualquer forma, para que a aprendizagem se reflita em inovação, é preciso que as organizações busquem esse processo de forma contínua, analisando cenários, adaptando estruturas, modificando comportamentos para adquirir novos conhecimentos, criando um clima para encorajar a busca pelo aprendizado e, em suma, desenvolvendo um ‘aprender a fazer’ que se traduza na prática (FIALHO et al, 2006). No entanto, apesar de não existir uma fórmula única para todas as empresas, as ideias defendidas Nonaka e Takeuchi (2008) podem ajudar a orientar o processo de aprendizagem, e consequentemente, a aquisição, aplicação e disseminação de novos conhecimentos. O primeiro ponto importante ressaltado por esses autores é que “em uma economia onde a única certeza é a incerteza [como citado anteriormente], a fonte certa de vantagem competitiva duradoura é o conhecimento” (NONAKA; TAKEUCHI, 2008, p. 39). Esse conhecimento não deve ser buscado de forma isolada, com o simples processamento objetivo de informações, mas por meio de uma “compreensão compartilhada do que a empresa defende, para onde está indo, em que tipo de mundo deseja viver e, o mais importante, como fazer desse mundo uma realidade”. (NONAKA; TAKEUCHI, 2008, p. 41). A partir do momento em que a empresa compreende essa ideia, ela passa a entender que a busca por novos conhecimentos, e consequentemente pela inovação, “é uma forma de comportamento, na verdade, uma forma de ser, na qual todos são trabalhadores do conhecimento – isto é, empreendedores” (NONAKA; TAKEUCHI, 208, p. 41). Esses trabalhadores do conhecimento compartilham insights, que adquirem significados diferentes de acordo com o contexto, à medida em que são difundidos; podemos dizer que esse processo é caótico pois não ocorre por etapas, já que as ações de compartilhamento e interpretação acontecem ao mesmo tempo, em ambientes distintos. Nesse cenário, o papel dos gestores é essencial. A principal tarefa dos administradores, na empresa criadora do conhecimento, é orientar esse caos em direção à criação proposital de conhecimento. Os administradores fazem Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5047 O desenvolvimento da inovação nas micro e pequenas empresas a partir da gestão do conhecimento e da comunicação digital Tainah Veras isso fornecendo aos empregados uma estrutura que lhes permita dar sentido à sua própria experiência. (Nonaka; Takeuchi, 2008, p. 50). Para darem sentido às suas experiências, os trabalhadores do conhecimento precisam se relacionar consigo mesmo e com os demais; quando falamos em relações, estamos falando em comunicação. As organizações são e se realizam por/em comunicação. [Além disso], organizações são relações e, neste caso, relações são comunicação. A noção de organização pressupõe o estabelecimento de vínculos entre diferentes sujeitos, e esses vínculos são acionados, estabelecidos e fortalecidos – ou mesmo rompidos – mediante comunicação. Essas relações vinculativas compreendem processos comunicacionais em que os diversos sujeitos (...) transacionam significação e, com isso, (re)tecem permanentemente a própria organização (Baldissera, 2014. p. 113). Sendo assim, enquanto responsável pela transação de significações e pelas relações, a comunicação constroi e transforma o conhecimento na empresa. Ela “está presente em todos os setores, em todas as relações, em todos os fluxos de informação (…) [e] uma boa compreensão e um bom uso da comunicação são capazes de qualificar práticas gerenciais (…) e promover mudanças” (DUARTE; MONTEIRO, 2009, p. 334). Portanto, se a comunicação está diretamente ligada ao processo de aprendizagem e ao impulsionamento de mudanças, ela pode ser vista como motor para a inovação. Para que esse motor seja acionado, as organizações precisam de pessoas com algumas características em comum: (…) [que] enxergam as coisas de maneira diferente (…) pensam de forma divergente. (…). Pessoas antenadas, que prestam atenção, que são curiosas, que estudam as informações cuidadosa e sistematicamente de várias perspectivas, que procuram fazer conexões entre elas e entre conhecimentos novos e os já existentes. São pródigos em descobrir tendências, têm senso de oportunidade, são pesquisadores (…). Criam oportunidades inovadoras a partir de seus arquivos (…), são as pessoas responsáveis pela observação e percepção de mudanças contextuais, pela interpretação e promoção de movimentos que se façam necessários. (Hill, 2003, apud Alvarenga, 2010, p. 269-270). Essas pessoas capazes de pesquisar, realizar conexões, descobrir tendências, entre outras possibilidades citadas anteriormente, são especialmente beneficiadas por uma área da comunicação em pleno desenvolvimento: a comunicação digital. Ela pode ser definida como “o uso das tecnologias digitais de informação e comunicação, bem como de todas as ferramentas delas decorrentes, para facilitar e dinamizar a construção de qualquer processo de comunicação integrada nas organizações” (CORRÊA, 2008, p. 173). Por isso, além de auxiliar na busca e no acesso de informações, na disseminação de mensagens e no registro de dados e acontecimentos no ambiente organizacional, a comunicação digital amplia relacionamentos com os diferentes públicos da empresa e propõe “uma equalização entre emissores e receptores” (CORRÊA, 2009, p. 163). Essa equalização faz com que, cada vez mais, os profissionais entendam que “ninguém sabe tudo, todos sabem alguma coisa, todo o saber está na humanidade. O saber não é nada além do que as pessoas sabem” (LÉVY, 2007, p. 29). A partir da digitalização, é possível reunir saberes diferentes para construir uma inteligência coletiva, ou seja, Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5048 O desenvolvimento da inovação nas micro e pequenas empresas a partir da gestão do conhecimento e da comunicação digital Tainah Veras “uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências” (LEVY, 2007, p. 28). Especialmente no universo das micro e pequenas empresas, que não dispõem de grandes recursos para investir em Institutos de pesquisa e contratar profissionais altamente qualificados que acelerem o processo de inovação, a possibilidade de mobilizar diferentes competências por meio da comunicação digital pode ser um grande fator de diferenciação. O CASE DA EMPRESA MAMUTE MÍDIA No ano de 2009, o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) lançou uma publicação online chamada “99 soluções inovadoras para pequenos negócios”. Ela foi criada com o objetivo de desmistificar o conceito de inovação como algo custoso e restrito às grandes empresas, apresentando para isso 99 cases de micro e pequenas empresas de diferentes segmentos que adotaram posturas diferentes e conseguiram expandir os negócios. Uma dessas empresas apresentadas na referida publicação é a Mamute Mídia. A empresa da área de Tecnologia da Informação foi criada em 1996, “em plena efervescência dos negócios ‘pontocom’, quando a internet brasileira despontava e o mundo anunciava a força da era digital” (SEBRAE, 2009, p. 108). Nesse cenário, a Mamute Mídia viu a oportunidade de oferecer “soluções de comunicação interativa com recursos multimídia” (SEBRAE, 2009, p. 108), atuando mais especificamente na produção de soluções de e-learning, expressão comumente traduzida como ensino a distância, e que pode ser entendida como: Um processo de ensino e formação, que permite criar um ambiente de aprendizagem suportado pelas tecnologias da Web, permitindo a transformação da informação em conhecimento. É uma forma de ensino e formação, em que o e-aluno adquire conhecimento do e-tutor, através da utilização de uma série organizada de conteúdos, ações (síncronas e assíncronas), atividades e exercícios. (Barbosa, 2007, p. 3) Como é possível observar, a partir das soluções que decidiu oferecer, a Mamute Mídia já se inseriu no universo do conhecimento e da aprendizagem, o que reforçou no gestor da organização a consciência de que, para obter bons resultados, seria importante reunir diferentes saberes, buscar a aprendizagem de forma continua e estar atento às mudanças. Essa consciência também fez com que o gestor responsável pela empresa percebesse que a inovação era uma condição essencial para sobreviver em um mercado com ofertas crescentes de produtos e serviços, e que “era preciso se amparar em bases (…) além da criatividade” (Sebrae, 2009, p. 108). A partir dessa percepção, o empresário percebeu que precisava obter conhecimentos de administração e de gestão, e em 2002 buscou uma incubadora de empresas para auxiliá-lo, o Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), na Universidade de São Paulo (USP). Essa incubadora funcionou como local de convivência com especialistas e com outras empresas, e também como espaço de colaboração, sendo que: Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5049 O desenvolvimento da inovação nas micro e pequenas empresas a partir da gestão do conhecimento e da comunicação digital Tainah Veras A colaboração compartilha as expectativas de reciprocidade com o diálogo, mas tem como finalidade decisões criativas mútuas, e não o entendimento. O foco está em produzir intencionalmente possibilidades criativas através da transformação de expressões de desejo e posições em comprometimentos com realizações de interesse mútuo (Deetz, 2010, p. 96-97). A partir desse ambiente de colaboração e de aprendizado, o empresário Gian Zelada, responsável pela Mamute Mídia comenta na publicação do Sebrae que encontrou o “equilíbrio entre criatividade e capacidade de gestão” (ZELADA, 2009, apud SEBRAE, 2009, p. 108) e que adquiriu o hábito de “estar sempre alerta, porque a tecnologia muda a cada segundo” (ZELADA, 2009, apud SEBRAE, 2009, p.109). Imbuído dessas competências, o empresário conseguiu desenvolver novas soluções, e ampliar o negócio. No case, ele ainda ressalta “Todo mundo fala em prover tecnologia, mas entendemos que ela é apenas um suporte. O desafio é tornar essa tecnologia um meio de divulgar o conhecimento” (ZELADA, 2009, apud SEBRAE, 2009, p. 109). De 2009 até os dias atuais, o mercado passou por inúmeras transformações; da mesma forma, a empresa Mamute Mídia e o empresário Gian Zelada também se modificaram. Em entrevista concedida via comunicação pessoal para a realizadora do presente artigo, Zelada mostrou que continua enxergando as tecnologias e a web como formas de divulgar o conhecimento, e mais do que isso, como forma de alcançá-lo. Além disso, a busca pela inovação se manteve constante, mas como gestor de uma microempresa, ele sempre se deparou com diversos “obstáculos provenientes da quantidade e da maneira de alocar recursos [nesse] processo de inovação” (G. Zelada, comunicação pessoal, 05 de março, 2015). Por isso, ele soube analisar o mercado, e entendeu que, ao invés de manter um alto investimento para contratar, reter e investir na capacitação de profissionais, ele poderia enxugar a estrutura, focar em nichos específicos e modificar estratégias utilizando todas as potencialidades da comunicação digital. Então, ele adotou uma forma diferente de trabalhar em equipe, viabilizando as soluções de seu negócio graças à atuação de fornecedores de todo o mundo que trabalham por projeto, ao invés de receberem uma remuneração fixa independente da demanda. Zelada explica: Atualmente existe uma infinidade de fornecedores especializados espalhados pelo Brasil e o resto do mundo que podem ser contratados facilmente através de sites especializados. Atuo como gestor do projeto e em alguns casos como realizador. Utilizo boas práticas de gerenciamento de projetos e desenvolvimento ágil. Tudo simples e rápido (G. Zelada, comunicação pessoal, 05 de março, 2015). A partir desse relato, é possível constatar que a Mamute Mídia entende a importância de construir a inteligência coletiva, sabendo que “quanto melhor os grupos humanos conseguirem se constituir em coletivos inteligentes, em sujeitos cognitivos, abertos (…), melhor asseguram seu sucesso no ambiente altamente competitivo da sociedade atual” (LÉVY, 2007, p. 19). Além de contribuir com a criação desses coletivos inteligentes, Zelada entende que a comunicação digital facilita o processo de aprendizagem individual, disponibilizando diferentes meios para isso. Ele comenta: “dedico um tempo da semana para atualização profissional através de cursos online, leituras, participação de eventos e congressos” (G. Zelada, comunicação pessoal, 05 de março, 2015). Essa atualização contínua Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5050 O desenvolvimento da inovação nas micro e pequenas empresas a partir da gestão do conhecimento e da comunicação digital Tainah Veras e as experiências adquiridas com os projetos realizados fazem com que a Mamute Mídia amadureça os processos de inovação e de comunicação a cada dia. O gestor da empresa entende que a organização “é uma entidade dentro de um ecossistema complexo, que depende da comunicação” e ressalta que esse processo de amadurecimento “é o único caminho para (…) sobreviver com lucratividade” (G. Zelada, comunicação pessoal, 05 de março, 2015). CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar de ser cada vez mais vista como um elemento essencial para a diferenciação e para a sobrevivência de uma empresa no mercado, a inovação ainda representa um grande desafio, especialmente para as micro e pequenas empresas. Atualmente, “são raros os exemplos de empresas com programas estruturados e práticas maduras de geração de inovação sistêmica e tratamento econômico do tema” (DOMENEGHETTI; MEIR, 2009, p. 210). Por essa razão, o presente estudo defendeu que uma das formas de construir processos de inovação nesse cenário está na união entre o conhecimento e a comunicação. Com relação ao conhecimento, é importante deixar claro que: Não basta integrar o conhecimento, é preciso estabelecer uma postura de ‘aprender a aprender’, para que a organização possa inovar e se desenvolver continuamente. Por isso, o treinamento e o desenvolvimento de indivíduos em novas habilidades e bases de conhecimento não constituem o aprendizado organizacional, a menos que o aprendizado desses indivíduos seja traduzido em práticas organizacionais. (FIALHO et al, 2006, p. 103). Para promover essas práticas organizacionais e incentivar a construção de vínculos, elementos tão importantes para a troca de informações, as micro e pequenas empresas podem utilizar a comunicação digital, que além de possibilitar o acesso à conteúdos e mensagens por meio de várias ferramentas, traz à tona uma discussão sobre a “imposição de mudanças culturais que a digitalização em rede traz para a rotina comunicacional das empresas” (CORRÊA, 2009, p. 163). Diante desse cenário, os gestores das organizações podem resistir em adequar os negócios a essas mudanças culturais, ou podem utilizar todo o potencial da digitalização em rede para fortalecer suas empresas. O empresário Gian Zelada, da Mamute Mídia, escolheu a segunda opção, e, entendendo que poderia construir soluções de forma coletiva com fornecedores do mundo todo por meio da comunicação digital, modificou sua estratégia e, dessa forma, inovou em relação às outras empresas. Da mesma forma, outros administradores de micro e pequenas empresas podem trilhar caminhos parecidos, em nome da sustentabilidade do negócio. REFERÊNCIAS ALVARENGA, G.M. (2010). A aprendizagem organizacional: a busca da compreensão. In MARCHIORI, M. (org). Faces da cultura e da comunicação organizacional. (pg. 267-278). São Caetano do Sul: Difusão Editora. BALDISSERA, R. A. (2014). Complexidade dos processos comunicacionais e a interação nas organizações. In MARCHIORI, M. (org.). Cultura e interação. (pg. 113-124). Rio de Janeiro: Editora Senac. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5051 O desenvolvimento da inovação nas micro e pequenas empresas a partir da gestão do conhecimento e da comunicação digital Tainah Veras BARBOSA, M. S. (2007). E-learning: um conceito a ser seguido... Dissertação (Mestrado em Gestão de Operações) - Universidade Lusíada de Vila Nova de Famalicão. Vila Nova de Famalicão. 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Ancorados em estudos antropológicos de Turner (1974) e Rivière (1996), consideramos algumas práticas de comunicação informal que são realizadas por trabalhadores como forma de resistência a esse sofrimento. Com base na concepção de cultura proposta por Geertz (1989), como teia de significados tecida pelo próprio homem, fundamentamos que estas práticas informais estabelecidas nas relações entre os empregados e entre eles e a organização tensionam a cultura organizacional. Para tanto, descrevemos um ritual realizado por empregados de uma organização como tentativa de adaptar o fluxo de comunicação entre eles e seus dirigentes. Percebemos que na alternativa encontrada, os empregados se reconfiguram como indivíduos ativos formadores da comunicação organizacional e da cultura organizacional. Palavras-Chave: Cultura Organizacional. Sofrimento no Trabalho. Ritualidade. Comunicação organizacional. Abstract: We contextualize possible causes of suffering at work (CHANLAT, 1996; DEJOURS, 1996), from the perspective of post-industrial society (CORSANI, 2003; LAZZARATO, 2005), and its influence on organizational culture. Anchored in anthropological studies of Turner (1974) and Rivière (1996), we consider some informal communication practices that are carried out by workers as a form of resistance to this suffering. Based on the concept of culture proposed by Geertz (1989) as a web of meanings cried by man, we base these informal practices established in relations between employees, them and the organization tension the organizational culture. Therefore, we describe a ritual performed by employees of an organization in an attempt to adapt the flow of communication between them and their leaders. We understand by the found alternative, that the employees have reconfigured themselves as builders active individuals of organizational communication and organizational culture. Keywords: Organizational Culture. Suffering at Work. Rituality. Organizational communication. 1. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Integrante do Grupo de Pesquisa em Comunicação Organizacional, Cultura e Relações de Poder. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. E-mail: [email protected] Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5054 Cultura organizacional e práticas informais de resistência dos empregados na perspectiva da sociedade pós-industrial Cássia A. Lopes da Silva SOFRIMENTO E RESISTÊNCIA NO TRABALHO DA SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL PALAVRA TRABALHO pode levar à ideia de escravidão, devido à origem do A termo residir no vocábulo tripalium (que denomina um instrumento de tortura de escravos), e também em função do crescimento de grandes sociedades na Antiguidade sustentado por este tipo de força de trabalho. Ainda sob o ponto de vista religioso, segundo Cortella (2010), pode significar purificação para o protestantismo (continuação da obra divina) ou castigo para o judaísmo (pois teria sido a punição de Deus para Adão). Já nas sociedades capitalistas, o trabalho desponta na dimensão material, como fonte para o sustento das necessidades individuais e da família, mas também como espaço de dor: “[…] a organização aparece frequentemente como um lugar propício ao sofrimento, à violência física e psicológica, ao tédio e mesmo ao desespero, não apenas nos níveis inferiores, mas também nos níveis intermediário e superior” (CHANLAT, 1996, p. 25). Extrapolando o material para a dimensão do simbólico, o trabalho pode ser contemplado através de duas principais visões: a primeira como meio de inserção na sociedade, fonte de satisfação, de prazer e de realização pessoal; e a segunda como causa de frustações, doenças e neuroses, sendo que em ambas perspectivas o trabalho é fonte de sofrimento: Cada vez que, na sua atividade de trabalho, o trabalhador leva a cabo a resolução de problemas que lhe são colocados (atividade de concepção) e que obtém em troca um reconhecimento social de seu trabalho, é também o sujeito sofredor, mobilizador de seu pensamento, que recebe um reconhecimento subjetivo de sua capacidade para conjurar a angústa e dominar seu sofrimento (DEJOURS, 1996, p. 159). O sofrimento no trabalho tende a ser originado por dois tipos de causas principais: a primeira está nas condições de trabalho que podem gerar doenças somáticas, e a segunda é alavancada é pela divisão de tarefas e pela hierarquia própria da organização do trabalho (ibidem). Entendemos que o sofrimento originado na organização do trabalho é atualizado no contexto da sociedade pós-industrial2, essa marcada pelas múltiplas possibilidades ofertadas pelas NTIC (Novas Tecnologias de Informação e Comunicação) e pelas constantes transformações. Nessa nova lógica produtiva, a mercadoria passa a ser menos o produto em si (físico) e mais o conhecimento embutido neste produto (CORSANI, 2003). Como consequência, essa lógica também transfere a atividade laboral de seu espaço junto à força física do trabalhador para o lugar do intelecto, fundamentando o que Hardt e Negri (2005) definem como trabalho imaterial, ou seja, uma perspectiva em que a atividade produtiva se dá cada vez mais a partir das intersubjetividades do sujeito trabalhador e cada vez menos dependentes do empregador3. Este conceito 2. Também denominada época do capitalismo cognitivo ou sociedade do conhecimento (CORSANI, 2003). 3. Para Lazzarato e Negri (2001) apesar de o trabalho imaterial concretizar-se especialmente em atividades como as da publicidade, da moda e da tecnologia da informação, a definição do trabalho operário como uma atividade ligada à subjetividade permeia toda a sociedade. “Esta forma de atividade produtiva não pertence somente aos operários mais qualificados: trata-se também do valor de uso da força de trabalho e mais genericamente da forma de atividade de cada sujeito produtivo na sociedade pós-industrial” (2001, p. 26). Hardt e Negri fundamentam que o trabalho imaterial concentra-se em algumas regiões do planeta e ainda é minoria do trabalho no mundo atual, mas assim como já foi o trabalho industrial outrora, “o Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5055 Cultura organizacional e práticas informais de resistência dos empregados na perspectiva da sociedade pós-industrial Cássia A. Lopes da Silva (trabalho imaterial) relaciona-se também à crescente necessidade de re-ajustamentos e improvisações no âmbito das organizações: “se é preciso atingir um objetivo, o caminho a percorrer obriga às vezes os trabalhadores a violentarem as regras” (DEJOURS, 1996, p. 168). Pois, se antes as rotinas de trabalho eram facilmente descritas: bastava apertar firme um parafuso, retirar todo o pó de uma peça que passava pela esteira na linha montagem, por exemplo, agora, a alta velocidade do mundo atual, as mudanças constantes, a emergência do software em relação ao hardware, a profusão de culturas, as fusões e aquisições, as organizações transnacionais, e a multiplicidade de variáveis que envolvem os processos de trabalho tornam a atividade do sujeito trabalhador interdependente e, como aponta Dantas, dependente de informação social: “cada indivíduo inserido na produção capitalista não passa de um elo informacional que recebe, processa e transmite algum subconjunto de informações necessário às atividades de outros indivíduos, ou do conjunto do subsistema social no qual interage” (DANTAS, 1996, p.59). Tornando-se intrínseca a todo o processo produtivo nas organizações4, a comunicação, nesta nova lógica, não é mais tão simples quanto aquela que se propõe a ensinar o empregado a ligar uma máquina, ou a preencher um questionário ou planilha, por exemplo. E ainda que a organização se ocupe com a transmissão de informações que esclareçam as etapas e os fluxos de uma tarefa em questão, ou o passo a passo de uma atividade, quer parecer que dificilmente conseguirá registrar de maneira completa o detalhamento das tarefas em seus meios formais de comunicação administrativa5 ou mesmo de comunicação organizacional (como jornal, newsletter, mural, etc). Pois os produtos, os serviços, as demandas, as estratégias, as rotinas de produção em permanente mudança, que transformam também as atividades de trabalho e os fluxos de informação, evidenciam que as descrições destas atividades e fluxos estejam em constante atualização e, por isso mesmo, permanentemente desatualizadas. Além disso, o próprio resultado esperado pelo empregador se torna pouco tangível. Neste sentido, quando as necessidades informacionais que alimentam o processo produtivo não são supridas, a insegurança, a ansiedade e a impotência provocam sofrimento no trabalhador. Diante desta realidade, o empregado poderá reagir de diversas maneiras visando amenizar sua angústia e frustração, algumas vezes promovendo práticas de resistência que podem ser formais, como paralisações, greves, manifestações, ou informais, como a sabotagem, a rádio corredor6 e outras práticas ritualizadas, como veremos no fenômeno observado. Assim, damos sequência ao nosso raciocínio pelo caminho do entendimento sobre rituais. trabalho imaterial tornou-se hegemônico em termos qualitativos, tendo imposto uma tendência a outras formas de trabalho e à própria sociedade” (2005, p.151). 4. Lugar do trabalho nas sociedades capitalistas, a ideia de organização compreende tanto a entidade organizacional, suas instalações e recursos físicos, como também “fundamentalmente sujeitos em relação [...]” (BALDISSERA, 2010a, p 62). 5. Denominação que acolhe o ferramental de comunicação necessário para que as tarefas sejam executadas, “permite viabilizar todo o sistema organizacional, por meio de uma confluência de fluxos e redes” (KUNSCH, 2003, p.152). São exemplos: os manuais de equipamentos ou de processos de trabalho, o manual do novo funcionário. 6. Também conhecida como “radio-peão”, é o fenômeno de reprodução e espalhamento de notícias (e boatos) entre os empregados, sem a interferência de instrumentos formais de comunicação organizazional. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5056 Cultura organizacional e práticas informais de resistência dos empregados na perspectiva da sociedade pós-industrial Cássia A. Lopes da Silva MANIFESTAÇÃO DOS VALORES POR MEIO DE RITOS Os rituais permeiam a vida em sociedade, que é tecida por meio de regras, costumes e hábitos presentes em situações como alimentação, encontros, reuniões, festividades, condecorações e o trabalho. Essas normas e costumes (bem como suas trangressões) indicam às pessoas - muitas vezes de maneira tácita - o que é aceito e o que não é, como as coisas devem ser feitas, o que é proibido e o que é permitido, e para quem é proibido ou permitido. Os ritos, portanto marcam o que é importante para o grupo, pois “revelam os valores no seu nível mais profundo... os homens expressam no ritual aquilo que os toca mais intensamente e, sendo a forma de expressão convencional e obrigatória, os valores do grupo é que são revelados” (WILSON, apud TURNER, 1974, p.19). Muito comumente encontrados tanto em sociedades primitivas como na atualidade, os ritos de passagem promovem a transição do mundo profano para o sagrado, abarcando “toda a mudança de lugar, estado, posição social, de idade” (GENNEP, 1977, p. 116), ou seja qualquer condição estável ou recorrente culturalmente reconhecida (TURNER, 1974). Os ritos de passagem podem ser classificados em diferentes formas como os de integração, os de elevação ou inversão de status, de crise de vida, de investidura, os de purificação, de rebelião etc. Segundo Gennep, os ritos de passagem se dividem em três categorias secundárias (ibidem), sendo elas: separação, que simboliza o afastamento do indivíduo ou grupo de um estágio fixo de vida social; a margem em que o sujeito ou grupo adquire características ambíguas, ou seja, não tem mais as características do estágio anterior, mas também ainda não adquiriu os atributos do estágio seguinte (para o qual deseja ou deve passer); e a agregação, na qual se dá a passagem e o sujeito assume uma situação estável mais uma vez7. Focado especificamente nos ritos de margem, Turner (1974) os denomina como liminaridade, uma fase em que o indivíduo e o grupo ritual não estão em lugar algum. Na liminaridade os indivíduos se interrelacionam com ausência de hierarquia, em camaradagem, numa mistura de submissão (às normas da ritualidade) e santidade (posto que a fase constitui um momento acima do bem e do mal, uma vez que as possíveis provações submetidas ao indivíduo servem para purificá-lo). A liminaridade comporta, segundo o autor, a expressão máxima de toda “gama completa dos valores, da cultura, normas, atitudes, sentimentos e relações” (TURNER, 1974, p. 127) de um grupo. Podemos encontrá-la em diversos ritos estabelecidos na sociedade atual, como o trote aos calouros8, as cerimônias de formatura, a seleção de um candidato a emprego, entre outros. Esses ritos exprimem valores considerados importantes para os grupos que os realizam, como hierarquia, humildade, conquista pessoal, crescimento, status, entre outros. E pela propensão em desvelar, por meio dos valores, a consistência que 7. Um retrato destas categorias está no ritual de investidura do povo ndembo, da Zâmbia que marca a passagem de um indivíduo comum daquele povo ao status de chefe da tribo. Os ritos de passagem compreendem primeiro a separação, quando o futuro chefe é retirado do convívio com a tribo e levado a uma moradia afastada, em que não terá contato com ninguém. Antes da cerimônia de entronamento, que sela a reagregação do indivíduo àquela sociedade para a qual já retorna com (novo) status, o futuro chefe é rebaixado à condição de marginalidade. Nesta fase, ele não é considerado um integrante daquele povo e passa a ser submetido a uma série de provações e humilhações por membros do grupo que, naquele momento, constituem-se como comunidade socialmente desestruturada, sem diferenciação hierárquica (Turner, 1974). 8. Analisado em profundidade por Claude Rivière em Os ritos profanos. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5057 Cultura organizacional e práticas informais de resistência dos empregados na perspectiva da sociedade pós-industrial Cássia A. Lopes da Silva molda os grupos em relação, estudamos os ritos no contexto da cultura organizacional praticados como forma de adaptação e/ou de resistência às normas estabelecidas. A TRIANGULAÇÃO: RITUAIS, CULTURA ORGANIZACIONAL E COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL Um modo de manifestação dos valores de um grupo, o rito está intimamente ligado à cultura organizacional. No entanto, ligado a uma concepçao de cultura organizacional além da visão funcionalista que a compreende como o conjunto de verdades, valores e crenças que a alta administração da organização institui como regras apropriadas de conduta e tenta impor junto a suas equipes (CARRIERI; SILVA, 2014). Considerando a definição de cultura proposta por Geertz (1989), como teia de significados tecida pelo próprio homem, compreendemos que a cultura organizacional não apenas constroi os sujeitos, mas também é tecida por eles em suas relações, (BALDISSERA, 2010a), a partir dos significados atribuídos pelos membros de uma organização às práticas sociais (como os ritos, as crenças, os valores) no âmbito da organização. Essas práticas são concretizadas por meio da comunicação, uma vez que “pela comunicação os significados que constituem a cultura organizacional são postos em circulação, disputados, construídos e transformados para, novamente, experimentarem certa estabilidade como significados organizados/ organizadores” (BALDISSERA, 2010a, p. 61). Assim, neste contexto de cultura organizacional, compreende-se por comunicação organizacional todas as práticas comunicacionais que abarcam a organização, independentemente dos esforços de sua alta gestão, já que “toda vez que alguém/algo/alguma coisa tornar a organização presente em uma relação haverá produção e disputa de sentidos, e isso não se restringe aos processos autorizados” (BALDISSERA, 2010b, p. 208). Nesta linha, Baldissera (2009) propõe três dimensões da comunicação organizacional, sendo elas: a organização comunicada (ou seja, a fala autorizada, oficial, da organização), a organização comunicante (presente nos fluxos da comunicação e na atribuição de sentido a partir de falas e demais interações não formais), e a organização falada (o que se fala sobre a organização, à revelia de relação direta com ela). Desta forma, no âmbito interno das organizações, a dimensão da organização comunicada tende a repercutir os valores e as informações que são definidos pela alta gestão da organização, por sua vez, a organização comunicante e a organização falada são depositárias dos valores aceitos pelos empregados e das informações que eles consideram importantes. Transita, portanto, no âmbito da organização comunicante nossa reflexão sobre as práticas informais ritualizadas nas organizações. Antes, pontuaremos algumas práticas que se estabelecem por meio da organização comunicada. Em muitas situações, a alta administração das organizações se empenha em instituir diferentes rituais que, acredita, influenciarão na formação da cultura organizacional, e resultarão no cumprimento dos objetivos organizacionais. Assim promovem ritos de agregação: como a recepção ao empregado fabril com café da manhã diariamente, as comemorações de datas como o dia do trabalho, o aniversário da empresa, os aniversariantes do mês, a realização do DDS9, a divulgação do funcionário (padrão) do mês, 9. Prática comum em indústrias ou organizações que realizam serviços cuja segurança do empregado, Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5058 Cultura organizacional e práticas informais de resistência dos empregados na perspectiva da sociedade pós-industrial Cássia A. Lopes da Silva discursos do presidente na festa de final de ano ou esporadicamente para informar uma novidade ou notícia muito importante. Também são encontrados ritos de inversão de status, como a realização anual de um dia de job rotation10; os ritos coercitivos, como o desconto salarial, ou o fornecimento de uma cesta básica de alimentos ao final do mês somente para o funcionário que não faltou nem atrasou. No entanto, mesmo quando executados pelos empregados, esses rituais estabelecidos pelas organizações muitas vezes não representam os valores que eles consideram importantes. Os empregados os executam por obrigação, para não perder o emprego, ou para evitar que sejam preteridos quando houver possibilidade de alguma promoção. Diante de uma realidade em que as organizações mantêm o foco no cumprimento dos objetivos organizacionais (sem/ou com pouco interesse nos objetivos dos empregados) e os empregados parecem ampliar o nível de tolerância e submissão por temerem o fantasma da demissão, possivelmente, como aponta Baldissera (2010a) falta espaço formal nas organizações para a manifestação dos diferentes sujeitos e suas subjetividades. No entanto, “isso não significa que tais subjetividades não encontrem espaços para se realizar” (Ibidem, 2010, p. 67). Esses espaços podem ser efetivados por meio de ritos e práticas informais, como descreve Rivière: “ao rito solene patrocinado pela diretoria da empresa, pode acontecer que, no escritório, correspondam contra-rituais realizados sob forma de brincadeira” (1996, p. 286). Segundo o autor, o mundo do trabalho ritualizado sacraliza tanto os rituais estabelecidos (criados) pela cúpula gerencial da empresa (os quais visam geralmente à integração dos grupos de trabalhadores, à recompensa pela produtividade), quanto os rituais particulares de grupos e subgrupos atuantes no interior da empresa (os trabalhadores), muitos destes ritos com funções semelhantes: integração, reconhecimento (ibidem, 1996). Quando os valores e as expressões importantes para os empregados são calados pela comunicação formal da empresa, estes encontram lugar para os (re)significarem, por meio de interações que acolhem as tensões de poder, as subjetividades e a bagagem cultural que cada indivíduo traz para o grupo. Assim os sujeitos “percebem-se construindo e disputando sentidos, realizando interpretações de modo a, sob formas e prismas diversos e em variados níveis de tensão, nem sempre conscientes, interpelarem a cultura/cultura organizacional e serem por ela interpelados” (BALDISSERA, 2010a, p. 69). Portanto, entendendo que os empregados realizam ritos tanto por instituição da alta gestão da empresa, quanto por vontade própria, e por meio destes ritos eles formam e são formados pela cultura organizacional, buscamos os significados dos ritos no contexto do trabalho a partir da relação entre ritualidade e sofrimento, já que com os ritos é possível fazer coisas como “curar, aliviar dores, estabelecer contatos, entabular negociações, proceder lavagens de cérebro, etc.” (RIVIÈRE, 1996, p 95 - 96). Nossa atenção se volta especificamente para os rituais que são praticados pelos trabalhadores e que promovem liminaridade na vida organizacional, reproduzindo os valores e as relações do cliente ou de algum terceiro corra riscos, os chamados diálogos diários de segurança (e suas variações em nome e sigla) são reuniões de curta duração que devem abordar prevenção de acidentes de trabalho e práticas favoráveis à segurança. 10. Evento em que os empregados, gestores e a alta direção da empresa são convidados a trocar de função temporariamente e experimentar um dia de trabalho como gestor (para um empregado de baixa hierarquia) ou um dia de trabalho como funcionário (para os gestores). Como a maioria dos ritos de inversão de status, servem para reforçar a estrutura social existente. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5059 Cultura organizacional e práticas informais de resistência dos empregados na perspectiva da sociedade pós-industrial Cássia A. Lopes da Silva nas quais eles (os trabalhadores) acreditam. Aceitamos que é possível identificar rituais de rebelião em diversas situações no âmbito das organizações: como o alívio de tensões experimentado por empregados que ridicularizam jocosamente chefes autoritários em suas conversas de rádio-corredor; assim como a extensa presença de troféus e medalhas (muito comuns dentro de ambientes fabris) que podem simbolizar o reconhecimento desejado (e não obtido) pelo empregado por parte da organização11; ou em casos extremos como o massacre de gatos coordenado por operários de uma tipografia em Paris12, no final dos anos 1730, como um ato de vingança ao patrão devido às péssimas condições físicas de trabalho, aos insultos que recebiam constantemente, e a carga horária excessivamente pesada. Situações como as relatadas – cada uma a seu modo e intensidade – sugerem13 um estágio transitório (simbólico) entre dois estados permanentes: um estado de sofrimento e um estado de suposta cura que se dá por meio da resistência. Ainda que de maneira concreta pouca coisa mude permanentemente na vida desses trabalhadores, o sofrimento é infringido simbolicamente. Essas interações estabelecidas por meio de práticas informais de comunicação podem assumir um funcionamento de escape à realidade do trabalho, de libertação temporária dos anseios e angústias, configurando um momento e um espaço sem estrutura organizacional, uma espécie de marginalidade temporária em relação à vida na organização, características que parecem ocorrer no fenômeo observado. LIMINARIDADE NUM RITUAL DE RESISTÊNCIA Em meados dos anos 2.000 observamos14 uma situação de liminaridade numa organização prestadora de serviços, situada na região sul do Brasil. Na época, Alfa15 era uma empresa de médio porte no que tangia aos recursos financeiros que geria e à fatia de mercado que abrangia, e estava em forte ascensão. Contava com um quadro de cerca de 300 funcionários diretos, profissionais bastante especializados e intelectualizados, que atuavam somente em funções administrativas de diversas áreas: tecnologia da informação, finanças, administração, comunicação, recursos humanos, atendimento ao cliente, etc. Boa parte das atividades diárias dos empregados de Alfa, não era de rotinas ou tarefas repetitivas, mas o desenvolvimento de projetos em diferentes áreas 11. Hábito que observamos em diferentes organizações, tendendo a significar que quando a organização não gratifica/reconhece (ou o gratifica/reconhece pouco) os trabalhadores, então, eles mesmos se regozijam com as vitórias obtidas em torneios esportivos (futebol, bocha, entre outos) os quais eles mesmos organizam entre os colegas. 12. Dezenas de gatos teriam sido enforcados pelos tipógrafos, num ritual festivo de delírio, desordem e risos histéricos, cujo objetivo principal era vitimar a gata que pertencia à esposa do patrão. Os empregados pareciam acreditavar que o patrão e sua esposa tratavam melhor o animal de estimação do que eles, que recebiam restos para comer e não conseguiam dormir em suas poucas horas de descanso, à noite, devido ao barulho infernal dos uivos de gatos que se proliferavam pela Rua Saint Severin (DARNTON, 1984). 13. Citamos casos que conhecemos (por meio da literatura ou da observação) com a finalidade de exemplificar características encontradas também no fenômeno que na sequência iremos relatar: como os ritos de liminaridade, o ato de resistência, o sofrimento intrínseco. Entendemos que uma interpretação adequada destes fatos só ocorrerá se precedida por análise aprofundada de cada evento e de seu respectivo contexto cultural. 14. Análise realizada por meio de observação participante e entrevistas semi-estruturadas com membros da organização pesquisada, como etapa de seu planejamento de comunicação. 15. A fim de não expormos a organização, a trataremos com o nome fictício de Alfa. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5060 Cultura organizacional e práticas informais de resistência dos empregados na perspectiva da sociedade pós-industrial Cássia A. Lopes da Silva de conhecimento profissional, que pudessem abarcar o planejamento estratégico da organização e a favorabilidade do mercado para o crescimento que já ocorria. Portanto, o produto do trabalho de muitos empregados de Alfa era a informação: estratégias bem planejadas, que levassem em consideração os objetivos da organização, descritas adequadamente em um documento de texto ou numa moderna apresentação de slides. E os insumos que precisavam para produzir seu trabalho eram também informações de mercado, ou que poderiam ser obtidas com outras pessoas da organização. Alfa contava com um organograma16 bastante hierarquizado e que se estruturava permeado por ampla negociação política, evidenciando diferentes interesses e visões entre seus diretores e também entre os diretores de empresas parceiras (do mesmo grupo empresarial), os quais também tomavam assento em comitês avaliadores dos projetos de Alfa. A tensão entre os empregados daquela organização era bastante grande: escrever, calcular, mapear um bom projeto não era algo que dependia apenas do conhecimento técnico de sua função, de sua formação profissional. Era preciso conhecer os meandros políticos da organização, os caminhos informais e os fluxos de comunicação não escritos, capazes de garantir que os interesses ou as peculiaridades importantes para cada subgrupo diretivo constassem no projeto. Era preciso prever contra-argumentos e possíveis percepções de fragilidade por alguns diretores, a fim de não voltar de uma reunião de avaliação de projeto com a nova tarefa de recomeçá-lo do ponto zero mais uma vez. Assim, para os empregados de Alfa, algumas vezes, a busca pelo prazer em sentir-se realizado profissionalmente (colocando em prática seu projeto), conduzia ao sofrimento pela grande dificuldade de realização desse prazer: a necessidade de diversas refações, não apenas no texto mas na concepção de um projeto. Havia tendência a sensações de incapacidade e incompetência, já que era difícil conseguir aprovação e, ao mesmo tempo, deparavam-se com a cobrança pelas metas e resultados e pelo prazo para implantação dos projetos. Com o tempo, esses fluxos e caminhos informais se tornavam conhecidos da maioria dos empregados atentos às entrelinhas da cultura organizacional. No entanto, pedir uma reunião para apresentar um projeto ao diretor de uma outra área sem passar pelo seu gestor direto, não era viável. Então, como andar por estes caminhos? Em Alfa, a solução era o fumódromo17, um andar intermediário entre a portaria do prédio e os andares dos escritórios, com ausência de algumas paredes laterais, e acessável somente por pessoas que trabalhavam no prédio (não era um local público, os visitantes do prédio não podiam acessá-lo). Como, na época, a maioria dos gestores de alto escalão da empresa com poder decisório fumava, era possível encontrar vários deles por ali algumas vezes ao dia. O espaço era um lugar informal, não apenas fisicamente (devido à ausência de algumas paredes, que permitia o fumo), mas também por ser o acesso de entrada e saída do prédio para estes diretores. E então, já era usado por estes gestores como um espaço neutro, um local para indagar a opinião de outro sobre algum 16. Desenho esquemático que retrata as áreas de uma organização, suas respectivas subdivisões e subordinações. 17. Denominação atribuída popularmente aos ambientes limitados, dentro de empresas, restaurantes e outros locais de circulação pública, nos quais é permitido o ato de fumar. A título de curiosidade, vale informar que desde 2014, uma lei nacional proíbe este tipo de espaço em estabelecimentos públicos e privados do país. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5061 Cultura organizacional e práticas informais de resistência dos empregados na perspectiva da sociedade pós-industrial Cássia A. Lopes da Silva assunto, sondar uma ideia ou iniciar a aceitação de alguma questão que dias depois seria discutida numa reunião de diretoria e, por ter sido confidenciada antes, poderia ser mais facilmente aprovada. Os empregados também começaram a usar o espaço com as mesmas finalidades, inclusive os que não eram adeptos ao fumo. Levantar de sua estação de trabalho, avisando ao colega ao lado, com uma piscadela, que iria “ali fumar e já voltava”, era um código entendido por todos, que significava: vou lá abordar um diretor. Ritual difundido de tal forma que não era difícil saber quando os diretores estavam no fumódromo, pois uma secretária ou um colega do andar do diretor poderia avisar, discretamente, se solicitado. E uma vez chegando no andar do fumódromo, bastava abordar sua questão de maneira adequada: o ritual era reconhecido pelos diretores. Assim, podemos considerar que o fumódromo de Alfa era um local em que ocorria a liminaridade de um rito de passagem: a saída de um estado em que o assunto em questão era desconhecido (e provavelmente não seria aceito futuramente), para a chegada em um novo estado, no qual o assunto já voltava problematizado, sabendo-se sobre a posição do diretor, sobre a necessidade de fazer algum ajuste com antecedência, e confiando numa probabilidade maior de que o projeto seria aprovado quando submetido à avaliação formal. Entre esses estados inicial e final, ocorria o estado de liminaridade, que era primeiro física, uma vez que, não havendo mesas, nem escritórios, nem materiais de trabalho (telefone, computador, planilhas), o andar do fumódromo não era – formalmente – a empresa, mas também não era o externo, não era a rua. Além disso, a possibilidade de acionar, questionar, sabatinar um superior com o qual não se tem relação formal direta18 também representava uma ausência (ainda que parcial) de estrutura social, constituindo-se numa liminaridade também simbólica. Dessa forma, o fluxo natural da informação, assim como a hierarquia das decisões, aprovações e de submissão também eram transgredidas. Antes ainda, a proximidade com as autoridades máximas da organização, marcada pela ausência de cerimônia entre os empregados e os dirigentes, e pela própria mudança de status que praticavam os empregados no fumódromo, já era em si uma situação de realização para estes trabalhadores, um prazer encontrado nos significados implícitos do ato. O diretor continuava sendo a autoridade ali, a quem se solicitava a opinião ou o apoio, mas as condições físicas e a linguagem mais direta com que se relacionavam também eram adversas à estrutura hierárquica da empresa. Assim, mais do que a informação concreta que buscavam, havia o simbólico do ato, já que “o rito profano encontra sua lógica em sua efetuação e satisfaz-se com sua intensidade emocional” (RIVIÈRE, 1996, p. 70). Obviamente, os diretores também obtinham satisfação com a realização daquele ritual: a maioria ainda recente em altas posições de gestão, poderia sentir falta de acompanhar de perto a rotina do trabalho e, ao mesmo tempo, alcançava mais segurança para suas decisões, já que assim podiam acompanhar os bastidores da labuta e o empenho daqueles a quem confiavam a execução dos projetos da organização Dessa forma, empregados (fumantes e não fumantes) adeptos 18. Para a maioria dos funcionários que acessavam o local havia pelo menos um nível intermediário de gestão entre eles e os diretores. Além disso, devido à multidisciplinaridade de abrangência de muitos projetos, algumas vezes a opinião/validação que se necessitava poderia a ser a de um diretor de uma outra área diferente daquela do empregado em questão. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5062 Cultura organizacional e práticas informais de resistência dos empregados na perspectiva da sociedade pós-industrial Cássia A. Lopes da Silva à transgressão às regras daquela organização, assim como as secretárias e os colegas (dos andares dos diretores) e também os diretores (que se deixavam submeter ao ritual do fumódromo) comungavam num estado marginal, sem estrutura social, ou, pelo menos, com estrutura reconfigurada. Neste rito de passagem, todos atuavam em prol do que acreditavam ser bom para o futuro da organização, evidenciando que por meio do alcance dos objetivos dos empregados, os objetivos organizacionais é que eram cumpridos. Portanto, essa ritualidade pode indicar uma manifestação do que DEJOURS define como sofrimento criativo: “às vezes, em sua luta contra o sofrimento, o sujeito chega a elaborar soluções originadas que […] são em geral favoráveis simultaneamente à produção e à saúde” (1996, p.150). Importa ainda que o ritual observado configura-se como resistência dos empregados em relação às situações que podiam travar sua atuação profissional e em relação à hierarquia. No entanto, apesar dos objetivos atingidos, por meio do ritual os empregados não apenas sanavam o sofrimento relacionado ao trabalho, mas também o renovavam19, uma vez que o reconhecimento (aqui retratado como a satisfação do empregado em sentir-se competente e capaz) configura-se como uma face própria do sofrimento, e que o prazer experimentado pelo empregado na conclusão de sua atividade pode acionar o jogo da compulsão (DEJOURS, 1996): “Não esqueçamos que o prazer obtido nessa gratificação é de curta duração e que o sofrimento ressurge impelindo o sujeito para outras situações de trabalho, novas apostas organizacionais e novos desafios simbólicos” (ibidem, p. 159). Consequentemente, essas práticas influenciavam a cultura organizacional em Alfa, tecida pela tensão entre a hierarquia formal da organização e as práticas informais realizadas pelos empregados. Neste contexto, a comunicação formal planejada e realizada pela empresa parecia depreciada, dando lugar à dimensão da organização comunicante que configurava-se como aquela que – de fato – proporcionava o entendimento entre os indivíduos. CONSIDERAÇÕES O contexto do trabalho na sociedade pós-industrial revela uma tendência de que os danos físicos à saúde do empregado deixem de ser as principais causas de sofrimento decorrentes do trabalho. Em virtude das transformações que regem a atividade produtiva no contexto da sociedade pós-industrial, e que posicionam a infomação como valor fundamental tanto na condição de matéria-prima quanto de produto, atualmente, o sofrimento no trabalho tem origem mais comum na forma de organização do trabalho. A luz desta constatação e mapeados num estudo interdisciplinar formado pelas áreas da comunicação, da antropologia, da sociologia e da administração, observamos que a nova lógica produtiva da sociedade pós-industrial expande a fragilidade dos fluxos formais de comunicação que deveriam organizar as atividades no trabalho, assim como fazem proliferar a necessidade de improvisões, causando angústia e incerteza, tolhindo o empregado de obter realização/prazer por meio do trabalho. 19. Como não abrange nosso foco de análise, não abordamos (porém não desconsideramos) a possibilidade de sofrimento físico dos empregados não fumantes que se submetiam à convivência naquele espaço inóspito. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5063 Cultura organizacional e práticas informais de resistência dos empregados na perspectiva da sociedade pós-industrial Cássia A. Lopes da Silva No entanto, como ser adaptável, capaz de transformar sua realidade, o trabalhador resiste às dificuldades que encontra, reinventando sua atividade laboral e as relações sociais no trabalho, buscando transpor limites e amenizar as experiências negativas. Essa reinvenção se dá, inclusive, por meio de práticas informais ritualizadas, através das quais os trabalhadores se comunicam, e que tensionam a cultura organizacional. A comunicação organizacional, e por meio dela a cultura organizacional, se constituem, portanto, de uma trama de significados que repercutem nas interações sociais no âmbito das organizações, sob a influência da teia cultural que cada sujeito traz (de seu meio social) para a vida organizacional. Assim, ainda que o sofrimento persista, por meio da resistência os trabalhadores configuram-se como indivíduos ativos, não apenas formados, mas também formadores da comunicação que efetivamente se dá na organização e, por consequência, também constituidores da realidade em que vivem. Diante do exposto, e com base em exemplos que citamos, vislumbramos o vasto campo para o estudo das relações que ocorrem no âmbito das organizações e que dão consistência à cultura organizacional. REFERÊNCIAS Baldissera, R. (2009). Comunicação, Organizações e Comunidade: disputas e interdependências no (re)tecer as Culturas. In: III CONGRESSO BRASILEIRO CIENTÍFICO DE COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E DE RELAÇÕES PÚBLICAS, São Paulo, SP/ Brasil. Baldissera, R. (2010a). Organizações como complexus de diálogos, subjetividades e significação. In Kunsch, M. (Org.). A comunicação com fator de humanização das organizações (pp.6176). São Caetano do Sul, SP: Difusão Editora / Rio de Janeiro,RJ: Senac Rio de Janeiro. Baldissera, R. (2010b). A complexidade nos processos comunicacionais e interação nas organizações. In Marchiori, M. (Org.). Faces da cultura e da Comunicação organizacional (pp. 199-211). São Caetano do Sul, SP: Difusão Editora. Carrieri, A., Silva, A. (2014). Cultura organizacional versus cultura nas organizações: conceitos contraditórios entre o controle. In Marchiori, M. (Org.) Cultura e interação (pp. 33-56). São Caetano do Sul, SP: Difusão Editora/ Rio de Janeiro, RJ: Senac Rio de Janeiro. Chanlat, J-F. (1996). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas. São Paulo, SP: Atlas. Corsani, A. (2003). Elementos de uma ruptura: a hipótese do capitalismo cognitivo. In Cocco, G. (Org.). Capitalismo cognitivo: trabalho, redes e inovação (pp.15-32). Rio de Janeiro, RJ: D&PA. Cortella, M. (2010). Qual a tua obra: inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética. Petrópolis, RJ: Vozes. Dantas, M. (1996). A lógica do capital informação: a fragmentação dos monopólios e a monopolização dos fragmentos num mundo de comunicações globais. Rio de Janeiro, RJ: Contraponto. Darnton, R. (1984). O grande massacre dos gatos e outros episódios da história cultural francesa. Rio de Janeiro, RJ: Graal. Dejours, C. (1996). Uma nova visão do sofrimento humano nas organizações. In Chanlat, J.-F. (Org.). O indivíduo na organização: dimensões esquecidas (pp. 149-173). São Paulo, SP: Atlas. Geertz, C. (1989). Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro, RJ: LTC Livros Técnicos e Científicos Editora. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5064 Cultura organizacional e práticas informais de resistência dos empregados na perspectiva da sociedade pós-industrial Cássia A. Lopes da Silva Gennep, A. (1977). Os ritos de passagem: estudo sistemático dos ritos da porta da soleira, da hospitalidade, da adoção, gravidez e parto, nascimento, infância, puberdade, iniciação, ordenação, coroação, noivado, casamento, funerais, estações, etc. Petrópolis, RJ: Vozes. Hardt, M., & Negri, A. (2005) Multidão. Rio de Janeiro, RJ: Record. Lazzarato, M., & Negri, A. (2001). Trabalho imaterial: formas de vida e produção da subjetividade. Rio de Janeiro, RJ: Record. Rivière, C. (1996). Os ritos profanos. Petrópolis, RJ: Vozes. Turner, V. (1974). O processo ritual: ruptura e anti-estrutura. Petrópolis, RJ: Vozes. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5065 O impacto da cultura do país de origem no processo de internacionalização de multinacionais brasileiras: a experiência da Votorantim Cimentos The country of origin influence in the internationalization process of brazlian multinational companies: the Votorantim Cement’s experience D en i se P r aga na Vi dei r a 1 L e i l a G a s pa r i n d o 2 Resumo: Este artigo traz uma reflexão inicial sobre os desafios da cultura na internacionalização de empresas brasileiras e como os elementos da cultura impactaram no processo de internacionalização da Votorantim Cimentos. Trata de apontar as dimensões de cultura organizacional, segundo Hofstede (1991). A metodologia usada faz uma correlação entre a primeira e a segunda fases de internacionalização da Votorantim Cimentos ao comparar as dimensões Distância de Poder e Aversão à Incerteza. Finalmente, para alargar as fronteiras existentes, aponta para o fato de como a cultura impactou os negócios e quais foram as lições aprendidas pela empresa. Palavras-Chave: Internacionalização. Cultura organizacional. Multinacionais brasileiras. Abstract: This paper presents an initial reflection on the challenges of culture in the internationalization of Brazilian companies and what affects have cultural elements in the internationalization process of Votorantim Cement. Comes to point out the dimensions of organizational culture, according to Hofstede (1991). The methodology used is a correlation between the first and second phases of internationalization of Votorantim Cement to compare the dimensions of Power Distance and Uncertainty Avoidance. Finally, to extend existing borders, points to the fact of how culture affected the business and what were the lessons learned by the company. Keywords: Internationalization. Organizational culture. Brazilian multinationals. 1. Mestranda do Programa Ciência da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (PPGCOM/ECA/USP). E.mail: [email protected] 2. Mestranda do Programa Ciência da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (PPGCOM/ECA/USP). E.mail: [email protected] . Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5066 O impacto da cultura do país de origem no processo de internacionalização de multinacionais brasileiras: a experiência da Votorantim Cimentos Denise Pragana Videira • Leila Gasparindo INTRODUÇÃO OTIVADO PELA relevância do tema internacionalização e pelo movimento das M multinacionais de países emergentes das duas últimas décadas, este estudo objetiva identificar o impacto dos aspectos culturais e comunicacionais, as razões e as lições aprendidas pelas empresas brasileiras que optaram pela internacionalização como estratégia de ampliação de seus negócios. O artigo aborda o estudo de caso da Votorantim Cimentos, uma das primeiras empresas nacionais a enfrentar os desafios da cultura e da comunicação no processo de internacionalização e propõe uma reflexão sobre o aprendizado gerado. Analisa os impactos das diferenças culturais, baseando-se nos pressupostos teóricos das dimensões de cultura (HOFSTEDE, 1991) para analisar a influência da cultura nacional na cultura organizacional. A pergunta central é de que forma e quais diferenças culturais entre o país de origem e o país hospedeiro ocupam papel preponderante na estratégia corporativa de internacionalização das empresas. E no caso da Votorantim Cimentos, como as dimensões culturais impactaram o início da internacionalização, como tem sido a adaptação e as mudanças em seu modelo de gestão para se tornar empresa global. Assim, o artigo pretende relatar os principais desafios culturais da primeira fase de internacionalização e as adaptações implantadas na segunda fase em relação à cultura dos países hospedeiros. O texto encerra-se com as considerações finais, apontando correlações entre a cultura Votorantim Cimentos e a teoria de Hofstede (1991) e indicando as dimensões que mais impactaram o processo. REFERENCIAL TEÓRICO O mundo viveu três ondas de internacionalização. A primeira intensificou-se entre os anos 1950 e 1960 com a hegemonia americana e o poder oligopolístico. A segunda onda deu-se entre os anos 70 e 80, com a entrada das empresas japonesas e asiáticas e os países de terceiro mundo, com a ascensão do modelo produtivo japonês. E a terceira teve início na década de 1990, com mudanças que colocaram em cheque a eficácia dos modelos de gestão dos países desenvolvidos e abriram espaço para novas multinacionais emergentes (FLEURY e FLEURY, 2012). Nesse contexto, as empresas brasileiras passaram a competir com subsidiárias de empresas estrangeiras primeiramente em seus próprios países de origem e depois foram impulsionadas a se tornarem multinacionais em busca de novos mercados que lhe garantissem maior competitividade local e global. É durante a segunda onda de internacionalização, a partir da década de 60, que o conceito de cultura é introduzido na ciência da gestão (FLEURY et al, 2009) e ganha força com as experiências de multinacionais que tentam reproduzir suas práticas de gestão em outros países. Na definição de Hofstede (1991), reconhecido autor de estudos sobre cultura organizacional, cultura é uma programação mental, que diferencia um grupo de outros e é partilhada coletivamente. “É resultado de processos de aprendizagem adquiridos desde a infância e em diversos ambientes sociais que encontramos no decurso da vida” (HOFSTEDE, 1991, p. 18). Para ele, esses diferentes níveis de programação correspondem a diferentes dimensões de cultura, advindas de diferentes origens: da nacionalidade, da regionalidade e/ou do nível étnico e/ou religioso e/ou linguístico; Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5067 O impacto da cultura do país de origem no processo de internacionalização de multinacionais brasileiras: a experiência da Votorantim Cimentos Denise Pragana Videira • Leila Gasparindo da geração à qual pertence, da origem social, da profissão, da organização ou empresa, entre outras. Hofstede (1991) mostra que as diferenças culturais são manifestadas por quatro camadas: símbolos, heróis, rituais e, no centro, estão os valores. Para Hofstede, os valores são aprendidos por volta dos 10 anos de idade e mudam pouco durante a vida. Segundo Fleury (2009), para o autor, nas organizações, pessoas com diferentes valores podem aprender práticas similares. Para Hofstede a cultura organizacional está enraizada em práticas aprendidas e compartilhadas no ambiente de trabalho. Segundo Fleury (2009), Edgar Schein, outro importante autor contemporâneo, traz uma visão que difere da de Hofstede, pois considera cultura um modelo dinâmico que é aprendido, transmitido e modificado. “Considera que as empresas desenvolvem culturas próprias tão fortes que superam os contextos locais em que estão inseridas” (Fleury, 2009, p. 67). Schein (1992) preconiza a cultura organizacional dividida em três camadas: a) premissas básicas, composta por valores fundamentais, pensamentos e sentimentos; b) normas e valores, compostos pelas aspirações e a visão de certo e errado de um grupo: c) artefatos e produtos, que são os comportamentos visíveis construídos por histórias, mitos, heróis, lendas, símbolos, ritos e rituais. É nessa terceira camada que estão os elementos mais perceptíveis da cultura organizacional. Fleury (2009) ressalta que, para o autor, os estudos sobre cultura não devem se limitar à observação do que é visível, mas incluir a interação entre os membros da organização. Na perspectiva analítica intercultural, o conceito de cultura não está associado exclusivamente a referências étnicas, nacionais ou linguísticas. Estudos recentes (Mato, 2012, p. 46) mostram “categoriais institucionais, culturas corporativas, culturas profissionais, de classe, culturas territoriais, culturas de gênero, culturas geracionais e culturas políticas”, que se inter-relacionam, como preconiza: A comunicação intercultural entre atores sociais coletivos e/ou institucionais envolve o intercâmbio entre atores sociais heterogêneos que produzem, competem e negociam formulações de significado não só entre si, mas também em seu interior, ou seja, dentro de si. (MATO, 2012, p. 46) Segundo Tanure (2010), a mudança cultural na organização acontece do ponto de vista do negócio ou da gestão. “A cultura brasileira, com suas características e especificidades, impacta o modelo de gestão das empresas” (TANURE, 2010, p. 15) e, consequentemente, traz desafios para as multinacionais brasileiras. Em busca de competitividade, muitas empresas, a partir da cultura de seu país de origem, instauraram seu modo de gestão em outros países. Porém, os modelos de gestão são impactados pela cultura organizacional, construída ao longo do tempo. Fleury (2009) conclui que o estilo de gestão é influenciado por fatores culturais locais, ligados ao país de origem, e também por padrões culturais próprios da organização, “tecidos no interior da organização por seus membros, que partilharam, ao longo da sua história, valores e visões comuns de como conduzir os negócios da empresa” (FLEURY, 2009, p. 68). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5068 O impacto da cultura do país de origem no processo de internacionalização de multinacionais brasileiras: a experiência da Votorantim Cimentos Denise Pragana Videira • Leila Gasparindo As dimensões de Hofstede Para analisar a influência da cultura nacional em relação à cultura organizacional, Hofstede realizou uma investigação empírica da presença da IBM em mais de 60 países (1980, 1991, 2001), com base em análise estatística realizada com trabalhadores ocupando postos de trabalhos idênticos nos diferentes países. Segundo o estudo, as culturas nacionais diferem em seis dimensões: a) Distância de poder, que é o modo de enfrentar a desigualdade e a relação com a autoridade e poder, ou seja, a distância hierárquica; b) o Individualismo/coletivismo, ou seja, a relação do indivíduo e o grupo; c) a Masculinidade/ Feminilidade, ou seja, diferenças entre os papéis sociais masculino/feminino; d) Aversão a incerteza, ou seja, o grau de tolerância ao desconhecido na forma de gerir a incerteza; e) o Pragmatismo, ou seja, a orientação de curto versus longo prazo; e por fim, uma sexta dimensão foi acrescentada, a Indulgência/Restrição, que analisa, na sociedade, o grau de permissão ou restrição na satisfação de necessidades, como aproveitar a vida e se divertir, regulada por regras e normas rígidas em sociedades restritivas e de forma mais permissiva, como gratificação, em sociedades mais indulgentes. Três décadas depois, Tanure (2010) usou como base a pesquisa de Hofstede e realizou uma comparação da gestão brasileira com Am. Latina, Estados Unidos, Europa e Ásia. No novo estudo, o índice de distância de poder ficou inalterado, migrando de 69 pontos para 75, demonstrando que “a hierarquia e a concentração de poder continuam como fortes dimensões na sociedade brasileira” (TANURE, 2010, p. 42). Essa característica se confronta com alguns valores centrais de outras culturas, principalmente das culturas anglo-saxônicas, entre elas a canadense e norte-americana, que aprovam o encorajamento da autonomia do indivíduo com a consequente descentralização de processos decisórios. Como outros países da Am. Latina, o Brasil apresenta alto índice de distância hierárquica e, consequentemente, maior aceitação da distribuição desigual de poder e da desigualdade social (TANURE, 2010, p. 33). A relação do indivíduo com o grupo é baseada em afeição, demonstração de emoções e sentimentos, mas, em função da grande importância dada às relações pessoais, o brasileiro apresenta dificuldade para administrar conflitos abertamente e prefere não se indispor com os superiores e iguais. Cultura e comunicação: os dois lados da mesma moeda Partindo do pressuposto de que as organizações devem ser vistas como fenômeno de comunicação, podemos entender que comunicação e cultura se inter-relacionam: uma influencia a outra (FERRARI, 2011). A comunicação assume, nesse sentido, papel preponderante para a integração entre matriz e subsidiárias. Esta relação pode ser estudada a partir do paradigma do gerenciamento estratégico de Grunig (2011), que permite analisar os desafios comunicacionais, onde “as relações públicas são vistas como uma atividade de vinculação com os stakeholders e não como um conjunto de atividades para a transmissão de mensagens, elaborada para proteger a organização de seus públicos” (GRUNIG, 2011, p. 30), de acordo com o quadro 1. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5069 O impacto da cultura do país de origem no processo de internacionalização de multinacionais brasileiras: a experiência da Votorantim Cimentos Denise Pragana Videira • Leila Gasparindo Quadro 1. Atuação da área de Comunicação/Relações Públicas Paradigmas Objetivo Papel do profissional Conteúdo Simbólicointerpretativo Formar imagem e opinião Tático Imagem, reputação, marca, impressões e identidade Gestão comportamental estratégica Vinculação com os stakeholders Participa do processo de gerenciamento do comportamento da organização Mensagens refletem as necessidades de informação tanto dos públicos quanto das organizações, reforçando a simetria nos relacionamentos. Fonte: as autoras, com base em Grunig, 2011. METODOLOGIA Para responder a pergunta central desse artigo, que é de que forma e quais diferenças culturais entre o país de origem e o país hospedeiro ocupam papel preponderante na estratégia corporativa de internacionalização das empresas, o caso da Votorantim Cimentos será analisado com base nas dimensões culturais de Hosftede que impactaram o início da internacionalização e como essa adaptação tem ocorrido até os dias atuais. Foram entrevistados, por meio de pesquisa semi-estruturada, dois ex-executivos da empresa da área de Recursos Humanos que participaram da primeira fase de internacionalização (entrada nos mercados canadense e norte-americano) e preparação para a segunda; e um terceiro executivo, que ocupa papel chave na área de Operações desde a primeira fase até o atual momento. Além das entrevistas, utilizamos dados secundários, colhidos de matarial interno, de reportagens publicadas pela imprensa e do Relatório Integrado Votorantim Industrial de 2013, disponível na internet. Nosso estudo baseou-se no quadro 2, gerado no site Hofstede Centre3 que permite construir um comparativo dos traços culturais mais marcantes entre os países estudados com base nas seis Dimensões Culturais de Hofstede, ou seja, entre o Brasil e os países nos quais a Votorantim Cimentos possui subsidiárias. Foram elaboradas perguntas referentes a cada uma das dimensões sobre a entrada da empresa no Canadá e Estados Unidos, na primeira fase de internacionalização. Sobre a segunda fase foram feitas perguntas específicas para a dimensão Distância do Poder, por representar o maior grau de diversidade de comportamento nos países pesquisados (Canadá/Estados Unidos, Espanha, Índia, Marrocos, China e Turquia), relativamente ao Brasil. Também pesquisou-se à luz das demais dimensões de cultura de Hofstede. 3. O website http://geert-hofstede.com usa informação com direitos autorais do livro Professor Greert Hofstede e disponibiliza uma ferramenta de comparação entre países com base na teoria do autor: Cultural Tools Country Comparison Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5070 O impacto da cultura do país de origem no processo de internacionalização de multinacionais brasileiras: a experiência da Votorantim Cimentos Denise Pragana Videira • Leila Gasparindo Quadro 2. Comparativo entre países com base nas seis Dimensões Culturais Hosftede Dim. Culturais Brasil Canadá China Marrocos Índia Espanha Distância 69 de Poder - Hierarquia deve ser respeitada -Desigualdade é aceita - Respeito ao idoso - Na organização: o chefe assume responsabilidade 39 - Independência entre seus habitantes - Valor colocado no igualitarismo 80 - Desigualdade entre as pessoas é aceitável - Poder do superior; abuso de poder - Sem aspiração de ir além da classificação 70 - Sociedade hierárquica - Aceitação da ordem hierárquica, sem justificativa - Nenhuma expectativa de auto iniciativa 77 - Hierarquia e estrutura top-down - Dependência do chefe - Aceitação de direitos desiguais - Centralização do poder real 57 - Sociedade hierárquica - Aceitação da ordem hierárquica, sem justificativa - Nenhuma expectativa de auto iniciativa Individu- 38 alismo - Forte integração em grupos coesos - Família extensiva - Relações de negócios de longa-duração e confiáveis 80 - Cultura individualista - Os funcionários devem ser auto-suficientes e mostrar iniciativa - Promoção com base no mérito 20 - Cultura altamente coletivista - Pertencem a grupos - Baixo comprometimento com a organização - Relações pessoais 46 -Sociedade coletivista -Relacionamentos fortes - Responsabilidade por colegas - Relação empregado / empregador como um elo familiar - Promoção com base no empregado em grupo 48 - Ambos os traços coletivistas e individualistas - Ações influenciadas pela opinião de seus pares - Lealdade do colaborador / proteção patronal e familiar - Hinduísmo: as pessoas individualmente responsáveis pela vida e pelo renascimento 51 - Coletivista vs. outros países europeus, mas individualista vs. outros países - Trabalho em equipe visto como natural, sem necessidade de motivação da Administração Masculinidade 49 - Intermediária 52 - Sociedade moderadamente masculina - Equilíbrio entre vida profissional e pessoal - Elevados padrões de desempenho 66 53 - Sociedade mas- - Inconclusivo culina - Sacrifício da Família e lazer, Prioridade para o trabalho 56 - Muito masculina em termos de mostrar visualmente o sucesso e poder 42 - Consenso: gestores gostam de ter a opinião de outros colaboradores para tomar decisões Aversão a Incerteza 76 - Forte necessidade de estrutura de vida para ser segura (por regras e sistema legal) - Pessoas passionais e demonstrativas de afetividade (linguagem corporal) 48 - Aceitação da Incerteza - Fácil aceitação de novas idéias, produtos inovadores e práticas de negócios - Tolerância à liberdade de expressão - Não há regras orientadas- 30 - Confortável com a ambiguidade - Chineses são adaptáveis e empreendedores - Pequenas e médias empresas e de propriedade familiar 67 - Preferência para evitar a insegurança - Rígidos códigos de crença e comportamento - Intolerantes ao comportamento pouco ortodoxo - A segurança é um elemento importante na motivação individual 40 - Baixa preferência - Aceitação da imperfeição - País paciente - Alta tolerância para o inesperado - Nada impossível se você sabe como ajustar 86 - O segundo país mais barulhento do mundo - Regras / evitando regras - Grande preocupação para a mudança, situações ambíguas e indefinidas Pragmatismo 44 Intermediário 36 - Sociedade Normativa Estabelecimento da verdade absoluta - Um grande respeito por tradições - Foco na obtenção de resultados rápidos 87 - Cultura muito pragmática - Verdade depende da situação, contexto e tempo - Adapta tradições às novas condições - Perseverança 14 51 - Cultura muito nor- - Aceitação de muitas vermativa dades e religiões - Estabelece a verdade absoluta - Respeito pela tradição - Foco na obtenção rápida 48 - País normativo - Resultados rápidos em atraso - Precisa de estrutura clara e regras bem definidas Indulgência 58 - Sociedade indulgente - Positivas atitudes e tendência ao otimismo - Importância de tempo para o lazer 68 - Indulgente - atitude positiva e tendência para o otimismo - Importância do tempo de lazer 24 - -Sociedade contida/ restrição - Tendência de cinismo e de pessimismo - Percepção de que as ações são seguras por normas sociais 25 - Sociedade contida/ restrição - Tendência de cinismo e de pessimismo - Percepção de que as ações são seguras por normas sociais 44 - Cultura de restrição - Tendência de cinismo e de pessimismo - Percepção de que as ações são seguras por normas sociais 26 - Sociedade contida/restrição - Tendência de cinismo e de pessimismo - Percepção de que as ações são seguras por normas sociais Fonte: as autoras ESTUDO DE CASO – VOTORANTIM CIMENTOS A Votorantim Cimentos4 pertence ao Grupo Votorantim, que se estabeleceu no Brasil em 1918, e é um dos maiores grupos empresariais nos setores de cimento, celulose, papel, alumínio, zinco, níquel, suco de laranja, atividades financeiras, biotecnológicas e de TI, com receita líquida de R$ 26,3 bilhões. Criada em 1936, a empresa é responsável por 46% da receita líquida do Grupo. Em 2013 posicionou-se como a 8.a maior produtora global de 4. Dados do Relatório Integrado Votorantim Cimentos, disponível em http://votorantim.mzweb.com.br. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5071 O impacto da cultura do país de origem no processo de internacionalização de multinacionais brasileiras: a experiência da Votorantim Cimentos Denise Pragana Videira • Leila Gasparindo cimento, presente em 14 países e capacidade de produção de 53,9 milhões de toneladas. Seus valores são: saúde e segurança no trabalho; pessoas motivadas e comprometidas, desenvolvimento sustentável dos negócios, qualidade de vida; melhoria e sinergia nos processos, racionalidade e otimização inteligente dos custos; desempenho das instalações e dos equipamentos; ambiente aberto a novas ideias. No Brasil, a Votorantim Cimentos opera 61 unidades de fabricação entre cimento, agregados, argamassa e cal, e 119 centrais de concreto, presente em praticamente todos os estados do país. Possui também participação nas empresas Mizu e Itambé. Na América do Norte, é representada pela subsidiária Votorantim Cimentos North America (VCNA), com operações nos EUA e Canadá, com 7 unidades de produção de cimento, 141 centrais de concreto e 37 unidades de agregados. Na América do Sul atua por meio de participações na Argentina, Bolívia, Chile, Peru e Uruguai. Na Europa, Ásia e África opera na China, Espanha, Índia, Marrocos, Tunísia e Turquia, por meio da subsidiária VCEAA, contabilizando 30 unidades de produção e 52 centrais de concreto. As atividades internacionais começaram em 2001 com a aquisição do controle da empresa St. Marys Cement Inc., na região dos Grandes Lagos (Canadá), seguida da aquisição de 50% do capital da Suwanee American Cement, na Flórida (EUA). Nos dois anos seguintes adquiriu nos EUA plantas em Jacksonville, Michigan, Illinois. Em 2012 incorporou as operações, na área de cimentos, da Cimpor (Cimentos Portugal), na Espanha, Marrocos, Turquia, Tunísia, Índia e China, adicionando 16,5 milhões de toneladas à sua capacidade produtiva mundial, passando a 50,5 milhões de ton/ano. A empresa optou por um modo de entrada acelerado com aquisições de plantas para produzir diretamente no exterior, permitindo seu acesso rápido ao mercado local, aos canais de distribuição e às tecnologias. A aquisição, embora possa representar uma série de vantagens em relação a outras formas de entrada, apresenta obstáculos importantes como problemas de comunicação e conflitos de culturas resultante da necessidade de integração entre a empresa compradora e adquirida. 1º Fase de internacionalização: Experiência da St. Marys Com a aquisição do controle da St Marys, o aumento da eficiência das fábricas tornou-se prioridade. As unidades não recebiam investimentos há anos e os sistemas de gestão eram obsoletos. O plano agressivo da empresa consistia em transferir a sua cultura de excelência operacional e de operação de baixo custo que inclui instrumentos que formam o Votorantim Cimentos Production System (TPM, Six Sigma, Project Management). “A meta era passar uma borracha na velharia e conseguir recuperar o investimento em três anos. Faltou, porém, combinar com os canadenses” (Revista Exame, 2005). A reação violenta dos funcionários da St Marys levou à revisão do plano inicial, adiando as metas por mais dois anos. A declaração do diretor corporativo do Grupo Votorantim, Gilberto Lara, resumiu o que já parecia evidente, ou seja, que a empresa negligenciou a questão das diferenças culturais: “Tínhamos uma expectativa além do razoável, pois fizemos nossos planos com o perfil do trabalhador brasileiro em mente. Talvez tenhamos subestimado uma questão fundamental – a realidade cultural” (Revista Exame, 2005). Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5072 O impacto da cultura do país de origem no processo de internacionalização de multinacionais brasileiras: a experiência da Votorantim Cimentos Denise Pragana Videira • Leila Gasparindo Existem diferenças em relação à distância do poder entre o Brasil e o Canadá (quadro 2). A Votorantim é uma empresa familiar, líder no mercado doméstico. Sua gestão era hierárquica, com decisões top-down e relacionamento paternalista. Até então, a empresa não havia desenvolvido um mindset global para seus executivos (BORINI et al, 2009). Os canadenses também tiveram dificuldade para aceitar a viabilidade do projeto e a qualidade dos produtos brasileiros. As principais causas dessa reação foram desconfiança dos funcionários locais; forte relutância à mudança na empresa; e resistência para serem dirigidos por brasileiros. Para convencê-los, a Votorantim convidou lideranças da St Marys para conhecerem o Sistema Operacional da empresa (VCPS) e visitarem plantas no Brasil. Um dos entrevistados relatou: “Convidamos os executivos e mais 100 funcionários (da St. Marys, de Baumanville e de Detroit) e os membros do sindicato para conhecer as operações da Votorantim aqui no Brasil. Chocaram-se com a diferença em termos de qualidade de operação industrial em comparação com a Am. do Norte. Viram na fábrica da Rio Branco, PR, um processo sofisticado, limpo, não poluente, com um equipamento de computação que controlava o processo industrial, ligado com a Secretaria do Meio Ambiente que monitorava a fábrica em tempo real. A fábrica era limpa, sem poeira. Já na St. Marys, havia tanta poeira que eles não podiam nem sentar na cadeira. Eles fotografaram e passaram a ser nossos embaixadores lá”. A reação dos funcionários locais trouxe valiosas lições. Talvez a mais crucial seja a importância do diálogo. Em 2004, a Votorantim comprou duas fábricas nos Estados Unidos e sua atitude foi outra. Antes de qualquer mudança, reuniu-se com os sindicatos, fornecedores e autoridades para apresentar a empresa e seus objetivos. 2º Fase – expansão para a Europa, Ásia e África A atuação global da Votorantim Cimentos se deu de fato com a aquisição dos ativos da Cimpor na Turquia, Marrocos, Tunísia, Índia, China e Espanha. Mais uma vez, segundo reportagem publicada na Revista Época Negócios 360º de 2014, a integração passou a ser vista pela empresa como seu principal desafio cultural. Para lidar com as nuances culturais, a empresa criou o projeto “One team, one company”, de governança corporativa. O presidente da empresa, Walter Dissinger, explicou que o projeto visa “(...) integrar novos sotaques, aprendendo com eles, mas também levando gestão, criando estruturas de governança globais e regionais (...)”. Ao contrário da experiência anterior, em que a empresa confiou que sua competência operacional era suficiente para obter resultados em qualquer cultura, dessa vez o diálogo tornou-se estratégia para absorver as competências positivas de suas subsidiárias. O entrevistado que continua atuando na expansão internacional da empresa relatou que foi definido um modelo claro de governança com direitos decisórios/papeis e responsabilidades: “Valorizamos mais a liderança local, aliado a um sistema de gestão das áreas chaves, com claro mandato, fóruns e rituais de gestão bem definidos”. ANÁLISE DOS DADOS Neste artigo, desenvolvemos um pressuposto que trata de mostrar de que forma e quais diferenças culturais entre o país de origem e o país hospedeiro ocupam papel Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5073 O impacto da cultura do país de origem no processo de internacionalização de multinacionais brasileiras: a experiência da Votorantim Cimentos Denise Pragana Videira • Leila Gasparindo preponderante na estratégia corporativa de internacionalização das empresas. E no caso da Votorantim Cimentos, como as dimensões culturais (HOFSTEDE, 1991) impactaram o início da internacionalização e como essa adaptação tem ocorrido até os dias atuais. Nosso studo baseou-se no quadro 2, gerado no site Hofstede Centre5 que permite construir um comparativo dos traços culturais mais marcantes entre os países estudados com base nas seis Dimensões Culturais de Hofstede, ou seja, entre o Brasil e os países nos quais a Votorantim Cimentos possui subsidiárias. Foram levados em consideração a pontuação atribuída por Hosftsde, em uma escala até 100 pontos, na qual quanto maior o valor, maior é a presença da dimensão analisada. Comparando os valores atribuídos por Hosftede para cada uma das dimensões e com base nas respostas obtidas em nossa pesquisa identificamos os seguintes impactos, apresentados no quadro 3: Quadro 3. Impacto das Dimensões Culturais estudadas no Caso Votorantim DIMENSÕES IMPACTO NEUTRO IMPACTO PARCIAL OU POSITIVO IMPACTO PARCIAL OU NEGATIVO DISTÂNCIA DE PODER Brasil (70) Canadá (39) China (80) Marroco (70) Indía (77) /Espanha (57) Índia, Marrocos, China – centralização de poder e res- Canadá – Personalismo e Respeito à Hierarpeito a hierarquia são bem aceitos nesses países quia foi considerado neutro Canadá – provocou estranhamento nas lideranças brasileiras no primeiro momento, mas foi bem aceito a demonstração de autonomia por parte dos colaboradores canadenses Espanha – aceita parcialmente bem hierarquia INDIVIDUALISMO Brasil (38) Canadá (80) China (20) Canadá – foi bem aceita pelos brasileiros as caracte- China – as boas condições de infraestrutura e rísticas independência, auto-suficiência e iniciativa dos valorização do tempo com família e lazer tivecolaboradores canadenses, e a disponibilidade deles em rem impacto neutro na China aprender e se aperfeiçoar e buscar trabalhos desafiantes. E os canadenses recebem bem as boas condições de trabalho e infraestrutura oferecidas pelos brasileiros AVERSÃO A INCERTEZA Brasil (76) Canadá (48) Índia (40) Índia - o lado mais relacional e a aversão ao conflito Índia – a necessidade emocional de regras Canadá – aversão ao conflito, numerosas dos brasileiros geraram um impacto positivo na relação dos brasileiros, e a burocracia tiveram regras, aversão ao risco, burocracia e dificom os indianos. impacto neutro culdade de seguir regras são características que tiveram impacto negativo na relação entre brasileiros e canadenses MASCULINIDADE Brasil (49) Canadá (52) China (66) Canadá – importância do reconhecimento, as boas relações com a chefia, clima de cooperação foram pontos importantes que os brasileiros perceberam no relacionamento com os canadenses China – com os chineses os entrevistados destacaram a importância do reconhecimento e remuneração. China – a busca por qualidade de vida, as boas relações com a chefia, clima de cooperação, e competitividade foram avaliados como pontos neutros no relacionamento com os chineses PRAGMATISMO Brasil (44) Índia (51) Espanha (48) China (87) Canadá (36) Marrocos (14) Brasil – otimismo dos brasileiros nos negócios está relacionada ao pouco valor dado no planejamento em decorrência do foco no alcance de resultados rápidos. Na opinião dos entrevistados, é um diferencial competitivo junto as culturas mais contidas. Índia e Espanha – traços culturais próximos ao do Brasil no aspecto pragmatismo. China – bastante pragmática e perseverante. Marrocos – cultura muito normativa e focada no alcance de rápidos resultados. INDULGÊNCIA Brasil (58) Canadá (68) China (24), Marrocos (25) India (26) Brasil – traço cultural do otimismo foi relacionado Canadá, considerado um país indulgente China, Marrocos e Índia possuem culturas pelos entrevistados como resultante das características com o nível próximo do Brasil. bem contidas, com tendência ao pessimisnacionais de pouco valor dado ao planejamento. mo e normas sociais mais restritivas. Canadá e Espanha – posturas como centralização de poder e autoritarismo e paternalismo não foram bem aceitos nesses países Canadá - Sociedade Normativa. Dificuldade de relacionamento com o sindicato canadense. Resistência à instalação da fábrica da Swannee na Flórida por parte da sociedade, imprensa e órgãos ambientais Fonte: as autoras Em resumo, apontamos no quadro 4 os principais aprendizados da empresa em sua trajetória de internalização do ponto de vista das dimensões de cultura de Hofstede. 5. O website http://geert-hofstede.com usa informação com direitos autorais do livro Professor Greert Hofstede e disponibiliza uma ferramenta de comparação entre países com base na teoria do autor: Cultural Tools Country Comparison. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5074 O impacto da cultura do país de origem no processo de internacionalização de multinacionais brasileiras: a experiência da Votorantim Cimentos Denise Pragana Videira • Leila Gasparindo Quadro 4. Resumo dos principais pontos levantados na pesquisa Modelos iniciais da 1ª fase Dimensão cultural (Hofstede) Soluções imediatas Impactos Aprendizados Novos modelos para a 2ª fase Critério de escolha dos Distância do Poder primeiros expatriados bra- Individualismo sileiros baseou-se apenas em aspectos técnicos - Choque cultural no estilo de liderança entre brasileiros e canadenses - Brasileiros mal preparados e com problemas de comunicação em outras línguas Implantação de programa fast track de desenvolvimento, para dotar as lideranças brasileiras, canadenses e americanas de competências necessárias ao desafio da internacionalização Necessidade de valorização Implantação do projeto da liderança local alinhada de governança corporativa à estratégia de gestão si- “One team, one company” nérgica entre diversas áreas chave da empresa Crença de que possuir um Sistema de Gestão Operacional robusto era suficiente para o sucesso da aquisição Reação inicial dos canadenses de não cooperarem e não confiarem na competência do sistema de gestão Comitiva de executivos, funcionários chave da St.Marys e representantes do sindicato canadense visitaram as plantas benchmark da VC no Brasil para conhecer o processo de fabricação de cimento - Importância da abertura ao diálogo - Importância de promover a integração entre as equipes de forma participativa e experiencial Estabelecimento de um sistema de gestão como um todo (integrando não só a parte operacional) com mandatos definidos entre a sede e as subsidiárias Pouca atenção às questões Pragmatismo culturais e políticas locais - Problemas no relacionamento com o sindicato canadense. - Resistência à instalação da fábrica da Swannee na Flórida por parte da sociedade, imprensa e órgãos ambientais Contratação de um executivo com grande experiência e competência no relacionamento internacional para lidar com essas questões - Importância da abertura ao diálogo - Importância de montar equipes mesclando profissionais com competência em operações com pessoas experientes em gestão de negócios internacionais Presença de equipes que mesclam profissionais ori-undos do Grupo Votorantim com pessoas trazidas do mercado com global mind set desenvolvido Centralização das decisões Distância do Poder estratégicas no Brasil Negócios internacionais Na St.Marys, a reponsabisendo administrados com lidade pela operação era visão do mercado brasileiro brasileira e a comercial foi delegada a um executivo canadense. Importância do envolvimento das subsidiárias no plano estratégico global da companhia Liderança executiva hoje é formada por um presidente global, ao qual se reportam presidentes de três regiões: Brasil; Canadá/USA; Europa, Ásia e África. Indulgência (no sentido de pouco valor dado ao planejamento e foco excessivo na ação imediata) Fonte: as autoras CONSIDERAÇÕES FINAIS Uma das questões da pesquisa foi sobre “como a Votorantim Cimentos orienta seus negócios”. O executivo que atua na empresa há 32 anos a define como “apegada às tradições e que não se aventura em negócios onde o risco é grande”. Resposta semelhante deu o entrevistado que atuou no final da primeira fase da internacionalização, argumentando que a empresa “vê mudanças societárias com cautela”. O terceiro entrevistado, que participou do início da primeira fase, trouxe a face de abertura ao novo: “empresa que prepara seus profissionais para os desafios futuros”. Ao decidir pela aquisição da St. Marys em sua estratégia inicial de internacionalização, apoiada em sua vantagem de ownership (DUNNING, 1988), percebe-se semelhança com a pontuação do Brasil (76) na dimensão Aversão à Incerteza. A terceira resposta está ligada à dimensão Pragmatismo (HOFSTEDE, 2010), onde o Brasil tem uma pontuação intermediária (44), situando-se como uma cultura que mantém o vínculo com o passado enquanto lida com os desafios do presente e do futuro. Percebemos assim que a pergunta central do artigo encontra respaldo no estudo de caso realizado, ou seja, que o fator cultural do país de origem ocupa papel preponderante na estratégia de internacionalização das empresas. A Votorantim Cimentos foi uma das pioneiras no Brasil a se internacionalizar nos anos 2000, iniciando sua trajetória de forma diferente da maioria das empresas nacionais. Ao contrário das primeiras multinacionais brasileiras, que optaram por países da América Latina de menor distância geográfica e menores diferenças culturais e institucionais (FLEURY e FLEURY, 2012), a empresa Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5075 O impacto da cultura do país de origem no processo de internacionalização de multinacionais brasileiras: a experiência da Votorantim Cimentos Denise Pragana Videira • Leila Gasparindo rumou para o hemisfério norte, aproveitando a oportunidade de mercado para defenderse dos ataques das multinacionais ao Brasil e ganhar experiência internacional. Usou sua principal competência, o VCPS, e traçou planos ousados de entrada no Canadá e EUA para recuperar rapidamente o capital investido na modernização das fábricas obsoletas que compunham a St. Marys Cement Inc. e, assim, ampliar a capacidade produtiva para aproveitar a alta demanda de mercado dos Grandes Lagos. Só que, no início, a realidade não se mostrou tão favorável. Faltou empregar a lente das diferenças culturais que existem entre um país e outro, ou seja, faltou aos saber usar as características da cultura brasileira a favor dos objetivos traçados, evitando impactos negativos e fortalecendo os diferenciais positivos da cultura brasileira. A dimensão cultural Distância do Poder (HOFSTEDE, 1991) apresenta diferença considerável entre Brasil (69) e Canadá (39). Nossa pesquisa mostra que essa diferença foi a responsável pela maioria dos problemas enfrentados, gerando impacto negativo junto aos funcionários e sindicato local. Percebe-se, por outro lado, que a exigência de maior autonomia por parte das equipes teve impacto positivo, uma vez que para a dimensão Individualismo (HOFSTEDE, 1991), o Canadá pontua alto (80). Hoje, a Votorantim Cimentos mostra-se aberta para a integração de competências das subsidiárias, de acordo com a declaração do presidente da companhia, Walter Dissinger, à revista Época Negócios 360º de 2014, ao afirmar que a empresa pretende absorver conhecimento das fábricas de melhor performance, como a de Niebla, na Espanha. No processo de comunicação (GRUNIG, 2011), podemos perceber que a empresa atuou segundo o paradigma simbólico interpretativo na primeira fase da internacionalização e busca passar para o paradigma gestão comportamental estratégica na segunda fase. Características positivas da cultura nacional (TANURE, 2010), como facilidade de relacionamento e flexibilidade, foram reconhecidas pelos entrevistados como responsáveis pelos impactos positivos, propiciando a posterior integração e confiança. Não há informações sobre possíveis prejuízos em sua primeira fase de internacionalização. Ao contrário, sabe-se que a produtividade das fábricas da St Marys aumentou em 8%. Importante ressaltar a rápida reação da empresa para minimizar os problemas e as lições aprendidas levando a novos modelos de gestão. O RI 2013 destaca a reestruturação organizacional realizada, definição mais clara de funções e papeis internos e a criação de uma nova estrutura global, alinhando as necessidades dos negócios no Brasil e no exterior. REFERÊNCIAS BORINI, Felipe; FLEURY, Maria Tereza; URBAN, Tatiana. Internalization strategies and the architectures of competences of first and late movers. A case study in the cement industry, Economia Global e Gestão, v. 14, p. 61-80, 2009. DUNNING, John – The Eclectic Paradigm of International Production: A Restatement and Some Possible Extensions, Journal of International Business Studies, Basingstoke, v. 19, n. 1, p. 1-31, 1988 FLEURY, Afonso; FLEURY, Maria Tereza. Multinacionais brasileiras: competências para a internacionalização. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5076 O impacto da cultura do país de origem no processo de internacionalização de multinacionais brasileiras: a experiência da Votorantim Cimentos Denise Pragana Videira • Leila Gasparindo FLEURY, Maria Tereza, Organizational Culture and the Renewal of Competences, BAR, Brazilian Administration Review, v. 6, art 1p. 1-14, 2009. GRUNIG, J.E.; FERRARI, M.A.; FRANÇA, F. Relações Públicas: teoria, contexto e relacionamentos. São Caetano do Sul: Difusão Editora, 2011. GRUPO VOTORANTIM. Relatório Integrado 2013. Disponível em: http://votorantim.mzweb. com.br. Acesso em 11 de dezembro de 2014. HOFSTEDE, G. Culture’s consequences: International differences in workrelated values. Beverly Hills: Sage, 1984 _____. Cultures and organizations: Software of the mind. London: McGraw-Hill, 1991. HOFSTEDE, G. Jan/HOFSTEDE, G/MINKOV, M. Cultures and Organizations. 3ed. 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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5077 Comunicação, cultura e consumo colaborativo: os significados de compartilhar bens e serviços no Brasil Communication, culture and collaborative consumption: the meaning of share goods and services in Brazil Fernanda Ga briel a de Andrade Coutinho1 Resumo: O consumo exagerado de bens e as formas de descarte trouxeram novas discussões sobre os rumos da economia mundial e a sustentabilidade do planeta, e desta forma o mercado de troca e compartilhamento de produtos e serviços ganhou outras dimensões. A pesquisa tem como objetivo apresentar modelos colaborativos de organizações no Brasil, o funcionamento desses sistemas, a avaliação dos gestores dos modelos e dos usuários (“consumidores”), bem como as questões culturais imbricadas nesses processos. A pesquisa é qualitativa, do tipo exploratória e descritiva. Foram investigados diferentes modelos de negócios colaborativos no Brasil. As entrevistas semi-estruturadas foram realizadas com os gestores das organizações e também com usuários dos modelos colaborativos. A interpretação ocorreu por análise de conteúdo. Os principais resultados apontam que a maior parte das organizações está no modelo de Estilo de Vida Colaborativo, onde há compartilhamento de bens, conhecimento, tempo, etc. Os gestores consideram que os modelos colaborativos tendem a crescer no Brasil, mas a comunicação existente ainda é insuficiente. Os usuários acreditam que esse modelo é fundamental para que haja um equilíbrio no consumo, mas também apontam a falta de divulgação desse tipo de sistema. Palavras-chave: Consumo Colaborativo. Comunicação. Cultura e consumo. Modelos colaborativos no Brasil. Abstract: Heavy consumption of goods and disposal of forms brought new discussions on the future of the global economy and the sustainability of the planet, and thus the market exchange and sharing of products and services gained other dimensions. The research aims to present collaborative models of organizations in Brazil, the operation of these systems, evaluation of management models and users (“consumers”) as well as cultural issues intertwined in these processes. The research is qualitative, exploratory and descriptive. We investigated different models of collaborative business in Brazil. Semi-structured interviews were conducted with managers of organizations and also with users of collaborative models. The interpretation was by content analysis. The main results show that most organizations are in the Collaborative Lifestyle model, where there is sharing of goods, knowledge, time, etc. Managers believe that the collaborative models tend to grow in Brazil, but the existing communication is 1. Mestre em Administração pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora e Pesquisadora do Curso de Comunicação e Multimeios da Universidade Estadual de Maringá. [email protected] Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5078 Comunicação, cultura e consumo colaborativo: os significados de compartilhar bens e serviços no Brasil Fernanda Gabriela de Andrade Coutinho still insufficient. Users believe that this model is essential to providing a balance in consumption, but also point out the lack of disclosure of this type of system. Keywords: Collaborative Consumption. Communication. Culture and consumption. Collaborative models in Brazil. INTRODUÇÃO COMUNICAÇÃO ESTABELECIDA por meio do compartilhamento de informações, A bens e serviços é influenciada por valores culturais imbricados na sociedade fazendo com que ocorra troca de experiências, de produtos, bem como estabelecimento de vínculos e relacionamentos entre os envolvidos. O mercado colaborativo já é uma realidade no Brasil com diferentes modelos de organizações e tipos de negócios. A Internet, por meio das redes sociais, facilitou esse processo ampliando o contato entre indivíduos e empresas. Assim, ações coletivas de consumo ganharam força e criaram uma nova dinâmica no mercado de bens e serviços. O consumo colaborativo é uma nova prática comercial que possibilita o acesso a bens e serviços sem que haja necessariamente aquisição de um produto ou troca monetária entre as partes envolvidas neste processo (CONSUMO COLABORATIVO, 2014). Ao invés de comprar e descartar produtos, agora é possível compartilhar produtos aumentando o seu tempo de uso. Além disso, a Internet por meio das redes sociais, facilitou esse processo ampliando o contato entre indivíduos e empresas. Apesar do consumo colaborativo ainda ser pouco difundido no Brasil é possível observar alguns modelos de negócios e também movimentos individuais que têm alavancado esse conceito. Com isso, esta pesquisa tem o propósito de analisar alguns modelos que estão envolvidos neste sistema colaborativo. Baseado nesse contexto, seguindo os conceitos desenvolvidos por Botsman e Rogers (2011), serão também analisados quatro princípios do consumo colaborativo: massa crítica, capacidade ociosa, crença no bem comum e confiança entre desconhecidos. Este estudo pretende trazer algumas contribuições dentre elas, o entendimento dessa nova lógica de consumo compartilhado; as questões culturais que permeiam esses modelos; a descrição do funcionamento do sistema de consumo colaborativo, dos atores participantes, das relações estabelecidas, bem como a comunicação que propicia esse processo; e por fim, apontar algumas possíveis perspectivas do mercado colaborativo no Brasil. MUDANÇAS NOS RUMOS DO CONSUMO A abordagem utilitarista predominante trata o consumo do ponto de vista racional, onde os indivíduos fazem escolhas de bens e serviços apenas pensando nos aspectos materiais, nos benefícios e lucros que esses possam trazer. Dentro desse contexto, os indivíduos tomariam suas próprias decisões sem nenhuma interferência do mundo social (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006). Desta forma, é possível compreender o consumo não apenas sob o aspecto utilitarista, já que o consumo entendido de uma forma mais ampla, é cultural, pois envolve significados que são compartilhados socialmente (SLATER, 2002). Cultura e consumo, segundo McCraken (2003), encontraram uma ligação fundamental na história da humanidade, pois o consumo tornou-se a maneira em que a sociedade Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5079 Comunicação, cultura e consumo colaborativo: os significados de compartilhar bens e serviços no Brasil Fernanda Gabriela de Andrade Coutinho compreende sua própria cultura (SLATER, 2002). Neste sentido, o consumo pode ser visto como um sistema onde os objetos possuem significados (McCRAKEN, 2003) e estabelecem relações entre indivíduos (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006). A cultura do consumo denota um arranjo social no qual há relações entre a cultura vivida e os recursos sociais, e entre as formas significativas de vida e dos recursos simbólicos e materiais de que dependem, e que são mediadas por meio de mercados (ARNOULD; THOMPSON, 2005). Rocha (2000) afirma que o consumo é um sistema simbólico que articula coisas e seres humanos e, como tal, uma forma privilegiada de ler o mundo que nos cerca. Por meio dele, a cultura expressa princípios, estilos de vida, ideais, categorias, identidades sociais e projetos coletivos. Para Barbosa e Campbell (2006) cultura e consumo possibilitam entender o consumo como um processo social que produz sentidos e identidades independentemente da aquisição de um bem. CONSUMO COLABORATIVO: A IMPORTÂNCIA DE COMPARTILHAR O mercado de troca e compartilhamento de produtos e serviços ganhou novas dimensões após a crise financeira dos EUA em 2008 e que também atingiu outros países pelo mundo. Mas cabe salientar que esse cenário colaborativo foi construído não apenas pelas questões econômicas por conta da crise global de 2008. É preciso compreender que além da motivação financeira, também há motivações culturais, pela mudança no comportamento dos consumidores, que estão mais conscientes de suas ações; motivações ambientais, já que a sustentabilidade do planeta e a discussão do esgotamento dos recursos naturais já fazem parte do processo de produção e distribuição de produtos por parte das empresas e de utilização desses produtos pelos consumidores; e pela motivação tecnológica, já que a tecnologia também proporcionou significativas mudanças no sistema de produção e consumo de bens e serviços, bem como nas formas de relacionamento estabelecidas pelos indivíduos. O sistema colaborativo pode ser dividido em três formatos: os Sistemas de Serviços de Produtos, considerado como uma forma de consumo na qual paga-se pela utilização de um produto sem necessidade de adquiri-lo, o aluguel de acessórios de moda, o aluguel de ferramentas, o aluguel de livros e o compartilhamento de carros e bicicletas; os Mercados de Redistribuição, que são associados às trocas e doações, como por exemplo a doação de móveis, a troca ou empréstimo de livros e a troca ou doação de roupas; e finalmente os Estilos de Vida Colaborativos, no qual há uma propensão à divisão e à troca de ativos intangíveis como tempo, espaço, habilidades e dinheiro (BOTSMAN; ROGERS, 2011). Para a existência dos três formatos apresentados, Botsman e Rogers (2011) destacam que há quatro princípios fundamentais para o funcionamento do sistema colaborativo de consumo. O primeiro é a massa crítica, que consiste na quantidade necessária de um recurso ou impulso para que o sistema seja sustentado. Isso significa que quanto maior a quantidade de produtos circulando para compra, aluguel ou troca, mais satisfeitos os indivíduos do sistema ficarão, por terem muitas opções de escolha. Outro princípio conforme os autores é a capacidade ociosa, que se refere à diferença de quanto um produto é útil e o quanto ele poderia ser mais útil se sua capacidade fosse melhor aproveitada. Desta forma, o objetivo é aproveitar o máximo algum produto para evitar o desperdício. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5080 Comunicação, cultura e consumo colaborativo: os significados de compartilhar bens e serviços no Brasil Fernanda Gabriela de Andrade Coutinho O terceiro princípio é a crença no bem comum que trata do entendimento de que a ação que estou realizando levará em conta a comunidade. Neste sentido, ao trocar, alugar ou compartilhar algo, o indivíduo além de suprir sua necessidade, também estaria levando em conta que esse ato também favorecerá outros indivíduos participantes ou não do sistema. Por fim, o último princípio é a confiança entre estranhos que envolve a confiança entre os indivíduos que participam do sistema. Assim, é preciso confiar no outro estabelecendo certo relacionamento e criando um nível de confiança que possibilite o compartilhamento de produtos e serviços. Somente dessa forma o sistema colaborativo poderá funcionar. Para Botsman e Rogers (2011, p.80) “novos mercados online e off-line estão se formando, em que as pessoas podem voltar a se “encontrar” em uma vila global e desenvolver uma confiança que não seja local”. Cabe ainda ressaltar que existem alguns fatores que podem motivar ou criar obstáculos para funcionamento do sistema colaborativo. Os aspectos motivadores segundo Botsman e Rogers (2011), são a economia de custo, a reunião entre pessoas, a conveniência e o fato de estar mais consciente sobre o consumo e pensar na questão da sustentabilidade da sociedade como um todo. Belk (2010) ainda afirma que o compartilhamento tem a intenção de relacionamento com outras pessoas, havendo, portanto, um desejo por conexão. Como os bens são de propriedade conjunta, pode haver uma provável redução do número total de bens adquiridos pelos consumidores individualmente (BELK, 2007). Nesse contexto, os indivíduos que participam do sistema colaborativo acreditam que ter acesso ao bem é mais importante do que a posse deste bem, mas além disso, Sacks (2014) afirma que os participantes desse sistema também procuram por produtos que possuam um custo mais baixo. Porém, a adoção a esse sistema de compartilhamento pode ter alguns impedimentos, como o materialismo, o sentimento de apego e também a percepção que os recursos são escassos e ao compartilhar o indivíduo não tem a posse da mercadoria (BELK, 2007). Além disso, uma pesquisa realizada pela Carbonview Research (2014) aponta outras razões impeditivas para o consumo colaborativo, que é a falta de confiança nas redes, perda de privacidade, falta de qualidade dos produtos compartilhados e ainda a possibilidade de algo compartilhado se perder ou ser roubado. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A abordagem deste artigo é interpretativa, pois existe a possibilidade de privilegiar os aspectos subjetivos do fenômeno em estudo, relacionando-o ao contexto cultural, possibilitando enfatizar a natureza da realidade construída pelos indivíduos (DENZIN; LINCOLN, 2000) e permitindo a apreensão dos significados que se originam das relações sociais (MILES; HUBERMAN, 1994). Para compreender o funcionamento do sistema de consumo colaborativo e as interações sociais desse processo, optou-se pela pesquisa qualitativa. Conforme Goulart e Carvalho (2004) a pesquisa qualitativa se caracteriza pela discussão, interpretação e compreensão do fenômeno estudado, a partir de seu contexto empírico e da base teórica pré-existente. Em conformidade com a natureza da pesquisa adotada, foi realizada uma pesquisa do tipo exploratória e descritiva. Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais 5081 Comunicação, cultura e consumo colaborativo: os significados de compartilhar bens e serviços no Brasil Fernanda Gabriela de Andrade Coutinho Neste sentido, como o assunto pesquisado ainda é recente no Brasil, a pesquisa exploratória foi utilizada para levantar questões acerca do fenômeno estudado. Com isso, foi feito um levantamento dos estudos de consumo colaborativo para embasar as análises realizadas. Na sequência, foi feito um mapeamento dos principais sistemas colaborativos no Brasil, que foram escolhidos conforme a classificação proposta por Botsman e Rogers (2011), sendo identificados 23 si