Dansko anais

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Dansko anais
PARTE IX
DTI 9
Estudos de
Comunicação
Organizacional
A relação entre comunicação e cultura organizacional
em instituição católica de educação
The relationship between communication and
culture in a catholic institution of education
A m a n d a Wa n d e r l e y
de
Azevedo Ribeiro1
João José A zevedo Curvello 2
Resumo: A pesquisa teve como objetivo apresentar os elementos simbólicos da
cultura organizacional que incidem na comunicação entre gestores e funcionários, em estudo comparativo na sede administrativa e em colégio de rede de
educação, ambos localizados no Distrito Federal. Foi realizada pesquisa documental sobre o perfil da organização e de seu fundador, seguida de etnografia,
com a técnica da observação participante, para o registro e a identificação da
cultura e dos processos comunicacionais.Trabalho, comunicação, hierarquia e
“ser marista” são elementos simbólicos da cultura organizacional identificados.
A comunicação dá vida e possibilita o entendimento da cultura, e é graças à
cultura que indivíduos da sede administrativa e do colégio se reconhecem como
membros de um grupo que busca dar sentido ao que faz.
Palavras-Chave: Comunicação organizacional. Cultura organizacional.
Comunicação Interna. Estudos organizacionais. Organizações Religiosas.
Abstract: The research aimed to present the symbolic elements of the organizational culture inside communication between managers and employees. It
was a comparative study held on administrative headquarters and a school,
both located in the Federal District. The research was conducted on the profile
of the organization and its founder, using ethnography method with the technique of participant observation in order to register and identify the cultural
elements and the communicational processes. Work, communication, hierarchy
and “being Marist” are the symbolic elements identified in the organizational
culture. Communication gives life and enables understanding of this culture,
thanks to which the individuals of the administrative headquarters and the
school recognize themselves as members of a group that seeks to make sense
of what does.
Keywords: Organizational communication. Organizational culture. Internal
Communication. Organizational studies. Religious Organizations
1. Mestre em Comunicação pela Universidade Católica de Brasília - UCB, na linha Processos Comunicacionais
nas Organizações. Analista de comunicação da Província Marista Brasil Centro-Norte. amandribeiro@
gmail.com
2. Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo - USP e Mestre em Comunicação
Social pela Universidade Metodista de São Paulo - UMESP. Atualmente, é professor adjunto na Universidade
de Brasília - [email protected]
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A relação entre comunicação e cultura organizacional em instituição católica de educação
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INTRODUÇÃO
RELAÇÃO ENTRE cultura e comunicação constitui aspecto importante na carac-
A
terização e compreensão das organizações. As formas como os elementos se
influenciam definem o que a organização é, os processos de aprendizagem que
lhe deram origem, como deseja ser percebida pelos diversos públicos e contribuem no
entendimento dos comportamentos, mudanças, dinâmicas e dimensão simbólica presente nas relações interpessoais.
Quando a religiosidade faz parte da identidade organizacional, gera a necessidade
de maior aprofundamento sobre as especificidades do “ser igreja” e as implicações
na comunicação entre gestores e funcionários, que nem sempre se alinham com seus
princípios e valores, mas contribuem para que se viabilizem.
As organizações são ambientes interacionais, formados por sujeitos e contextos
em constante ressignificação, tendo a comunicação como elemento das relações, da
criação e consolidação da cultura organizacional, de processos e fenômenos dialógicos, e essencial para a compreensão das dinâmicas inerentes às rotinas de gestão e das
relações de trabalho.
A Teoria da Constituição Comunicativa das Organizações (CCO) respalda a visão
da comunicação como processos dinâmicos constituintes das organizações, que dão
vida às estruturas e aos contextos que as viabilizam. McPhee e Zaug (2009) afirmam
que quatro fluxos são necessários para isso, dentre os quais a negociação entre os
membros, para a manutenção e transformação dos relacionamentos; a autoestruturação
das organizações, que pressupõe relações internas e normas sociais que são a base para
a conexão; flexibilidade e formação dos procedimentos de trabalho; coordenação das
atividades, que existe em função da unidade social, e o posicionamento institucional.
Antes de domínio do campo da Administração, as organizações se aproximam
dos estudos da comunicação, em interface com as demais áreas das ciências sociais,
aplicadas e biológicas, e passam a ser entendidas também como fenômenos comunicacionais. Se a análise antes previa atores sociais a serviço da missão e dos objetivos
organizacionais, abriu-se, então, espaço para o viés relacional, em que a interação entre
gestores, funcionários e os ambientes interno e externo das organizações tornaram-se
protagonistas das pesquisas.
Compreender a complexidade da comunicação entre gestores e funcionários de
instituição católica de educação é desvendar a lógica e as divergências da cultura organizacional, permeada por aspectos econômicos, políticos, hierárquicos, simbólicos,
ideológicos e psicológicos. Religião, negócio, educação e dimensão social caminham
juntos, em instituição com princípios e valores em consonância com a Igreja Católica,
que precisa “dialogar” com os públicos sem perder a própria identidade e se adaptar
aos contextos que demandam redefinir posicionamentos e formas de atuação.
Com diversos perfis de funcionários e gestores, a organização tem de conciliar a
eclesialidade e as dinâmicas inerentes à gestão, os dilemas trazidos pelo regionalismo,
o internacionalismo, a opção pelo modelo de governança corporativa, as relações de
poder e hierárquicas, além das diferentes concepções que as equipes de trabalho têm
em relação à comunicação.
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Assim, aprofundar-se na cultura organizacional, nas nuances, nos processos
históricos, nos valores e crenças é, também, elucidar a comunicação na organização e
entender de que forma esses elementos se influenciam e relacionam.
O presente artigo traz os resultados da dissertação “Em nome do Pai: a comunicação
e o simbólico na cultura organizacional de instituição católica de educação”, defendida,
em 2014, no Mestrado em Comunicação da Universidade Católica de Brasília - UCB. A
pesquisa teve como objetivo identificar os elementos simbólicos da cultura organizacional
que incidem na comunicação entre gestores e funcionários, em estudo comparativo na sede
administrativa e em colégio de rede de educação, ambos localizados no Distrito Federal.
Para subsidiar a pesquisa, foi realizada revisão teórica sobre cultura e identidade
organizacional, a partir de autores como Curvello, Costa, Eisenberg, Goodall, Etkin,
Schein, Schvarstein, Fleury, Freitas, Geertz, Iasbeck e Thompson; a respeito da relação
entre organização, comunicação e cultura, com os pesquisadores Bateson, Scrofernerker,
Kusch, Luhmann, Maturana, Varela, Marcondes e Marchiori, e de comunicação interna,
com as contribuições de Duterme e Curvello.
A instituição católica de educação, de origem francesa, está presente em 79 países, e
completa, em 2017, 200 anos de atuação. Tem como fundador um padre, que se dedicou à
formação de religiosos, denominados Irmãos, para levar adiante a missão de evangelizar
por meio da educação.
O estudo teve como abrangência a Província Brasil Marista Brasil Centro-Norte,
formada por cerca de 30 mil estudantes, 18 colégios, 111 Irmãos da congregação e,
aproximadamente, 5.600 funcionários, conforme dados de 2014 da Gerência de Recursos
Humanos da instituição. O enfoque da investigação foi no Escritório Central, sede
administrativa da Província, onde se concentram as áreas estratégicas - educacional,
social e pastoral, e em colégio da rede educacional, aqui denominado Colégio C, que
atua nos segmentos da educação infantil, ensino fundamental e médio. Ambos estão
localizados no Distrito Federal/DF.
Distribuídas em três superintendências, cinco gerências, duas assessorias e cinco
coordenações, as equipes do Escritório traçam diretrizes para colégios e unidades sociais
de 16 estados e o DF, além de estabelecer diálogo com instâncias canônicas, de governo
e da sociedade civil. Dessa forma, a organização volta-se para a comunicação, com a
necessidade de definir os públicos, adequar os meios de comunicação aos objetivos
estratégicos, definir as mensagens institucionais prioritárias e redefinir os fluxos
comunicacionais, sem perder o vínculo com a identidade e os princípios fundantes.
MÉTODO
A pesquisa foi realizada com método qualitativo, por pesquisadora insider, ou seja,
funcionária da instituição em análise, com o objetivo de identificar os elementos culturais
simbólicos presentes na comunicação entre gestores e funcionários. O método permite
a análise da cultura organizacional e dos significados compartilhados pelos membros
da organização no ambiente das relações de trabalho.
Adotou-se a etnografia como estratégia de investigação, que envolve o aprendizado
sobre o compartilhamento da cultura de indivíduos ou grupos, como esclarece Creswell
(2009, p.210). Ao citar Fraenkel e Wallen (2009, p.231), o autor demonstra que a intenção
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da pesquisa etnográfica é obter um quadro holístico do tema em estudo, com ênfase nas
experiências cotidianas dos indivíduos, de forma a captar como descrevem e estruturam
o mundo. Por meio da observação e de entrevistas, segundo eles, é possível identificar
as percepções e vivências dos participantes.
O pesquisador assume papel de destaque na coleta de dados e como intérprete
dos fenômenos observados. Assim, quem está à frente da pesquisa, precisa ter função
e características definidas, além de demonstrar o posicionamento diante da análise,
que incidem sobre as escolhas metodológicas e a postura do “observador” diante da
organização.
A técnica de pesquisa permitiu à pesquisadora vivenciar a rotina das equipes das
áreas estratégicas do Escritório Central – educacional, pastoral e social – e dos segmentos
da educação infantil, ensino fundamental e médio, além da Coordenação de Pastoral e da
direção do Colégio C, em busca das respostas às seguintes hipóteses sobre os elementos
simbólicos presentes na comunicação entre gestores e funcionários.
PP Elementos simbólicos relacionados ao fundador da organização e aos princípios
da Igreja Católica caracterizam a cultura da instituição de educação, ressignificados pelos religiosos, gestores e funcionários.
PP A hierarquia é um valor da cultura organizacional que incide na comunicação
entre gestores e funcionários.
PP Os processos de comunicação interna são fragilizados pelas contradições no
relacionamento entre gestores e funcionários, resultantes das práticas de gestão
e da percepção divergente sobre comunicação.
PP Há contradição nos processos comunicacionais entre gestores e funcionários,
devido às novas relações de trabalho e poder, além de interações da organização
com os cenários político e canônico, e o mercado.
PP Princípios institucionais, mitos sobre o fundador e ritos que valorizam o trabalho,
a afetividade e a hierarquia são os elementos simbólicos da cultura organizacional
presentes na comunicação entre gestores e funcionários.
O primeiro passo da investigação foi a definição do perfil do fundador, a partir de
pesquisa documental, em livros e registros sobre o religioso ou escritos por ele, que
contribuíram na identificação das características de personalidade, de fatos que influenciaram a criação da organização, princípios, valores, histórias e momentos marcantes,
objetivos e metas fundacionais, e o papel da comunicação na relação do religioso e os
Irmãos. As informações foram levantadas em centro de estudos da congregação, em
Belo Horizonte, em agosto/2013, sendo os registros feitos por escrito e em áudio.
A coordenadora do centro de estudos, na capital mineira, especialista na vida do
fundador e na história da instituição, foi entrevistada para a coleta de dados que complementassem a pesquisa documental e auxiliassem na definição do perfil do religioso
e da organização.
Em relação aos processos comunicacionais entre gestores e funcionários, realizouse a observação participante estruturada em duas unidades da instituição no Distrito
Federal, a sede administrativa, denominada Escritório Central, em Águas Claras/DF,
e em unidade educacional da rede, aqui chamada de Colégio C, em Taguatinga/DF,
nos meses de outubro e novembro/2013. Os critérios de seleção das unidades foram a
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representatividade das áreas estratégicas – social, educacional e pastoral; localização e
presença de profissionais, religiosos e leigos, de diferentes níveis hierárquicos.
A observação participante proporcionou à pesquisadora a chance de fazer parte
da rotina dos sujeitos em análise, o que permitiu a coleta de informações sobre a
comunicação e os processos envolvidos. Dulce Suassuna (2008) pontua como vantagens
desse procedimento, o rápido acesso aos dados sobre situações habituais do grupo,
e outros considerados de domínio privado, além de captar palavras que explicam o
comportamento dos observados. Dentre as desvantagens, para Suassuna (2008), estariam
a desconfiança do grupo em relação ao pesquisador e possível visão parcial do objeto.
Os riscos podem ser dirimidos, segundo a autora, a partir da postura do pesquisador diante do comportamento do grupo, estabelecer confiança, saber ouvir, ter
sensibilidade para as nuances do contexto e a consciência de que, embora esteja imerso
nessa realidade, é um observador que está constantemente sendo observado. Manter um
diário de campo contribuiria para a autoanálise e o distanciamento também necessário
à objetividade da observação.
O ato de observar exige, no entanto, cuidado redobrado na análise da cultura organizacional, para “revelar seu verdadeiro significado, ir além das aparências e primeiras
impressões”, como lembra Fleury, Shinyashiki e Stevanato (1997). A autora corrobora
a concepção ao mencionar Schein (2009), para quem a observação poderia confundir
manifestações superficiais com causas subjacentes, essências e padrões. Assim, ele propõe investigação integrada que leve em consideração o que é visto, crenças e valores,
e suposições básicas, que são inconscientes, tidas como verdades compartilhadas que
orientam o comportamento do grupo.
A primeira observação participante foi realizada, nos meses de outubro e novembro de 2013, com a direção, coordenadores, técnicos e professores do Colégio C, com
o objetivo de obter um parâmetro da comunicação entre gestores e funcionários na
“ponta”. Com 2.580 estudantes, a unidade educacional está presente na região há 50
anos. A trajetória de Irmãos e leigos (aqui compreendidos como não religiosos) na
direção contribuiu na análise da relação entre cultura e comunicação, bem como a
presença do público majoritário da congregação - os educadores. Embora represente
um dos 18 Colégios administrados pela instituição, os resultados do Colégio auxiliaram na identificação dos elementos comunicativos simbólicos a serem considerados
em futuras pesquisas nos demais colégios. A observação durou sete dias, com uma
média de 8 horas diárias, e contemplou a rotina da direção e das equipes de coordenação dos segmentos da educação infantil, ensino fundamental I e II, ensino médio e
a Coordenação de Pastoral.
A observação participante seguinte teve lugar no Escritório Central, para identificar
de que forma a comunicação estava presente no relacionamento entre gestores e
funcionários das áreas estratégicas - educacional, pastoral e social. A pesquisadora
passou cinco dias em cada setor, em jornadas médias de 8 horas diárias na Gerência
Educacional, Gerência Social e no Comitê de Pastoral. Os registros etnográficos se
somaram à pesquisa documental e a análise contemplou a comparação entre as seguintes
subculturas – Escritório Central, Colégio C e Comitê de Pastoral. Na percepção de Martin
(1992), as subculturas relacionam-se na perspectiva da integração, com a prevalência da
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harmonia e do consenso; da diferenciação, com a predominância da contradição e do
conflito, e/ou da fragmentação, caracterizada pelas ambiguidades.
A PESQUISA
Optou-se pelo método qualitativo, com pesquisa documental, no Centro de
Estudos Maristas, realizada em agosto de 2013, e entrevista com a diretora do espaço; e
a observação participante, no Escritório Central, nas Gerências Educacional, Social e no
Comitê de Pastoral, que representam as áreas estratégicas de atuação da organização; e no
Colégio C, em Taguatinga/DF, nos segmentos da educação infantil, ensino fundamental
I e II, ensino médio e Coordenação de Pastoral.
A observação participante foi desenvolvida nos meses de outubro e novembro de 2013,
conforme Plano de Pesquisa dividido em duas etapas. A primeira envolveu levantamento
das seguintes informações sobre o Colégio C e o Escritório Central: História, Atividades,
Rotina de funcionamento, Números, Perfil dos gestores e funcionários, Rotina de trabalho
e Meios de comunicação interna.
A segunda etapa, a da observação participante, teve como objetivo a identificação
dos processos comunicacionais na relação entre o gestor (diretores e coordenadores)
e os funcionários do Colégio C, e, no caso do Escritório Central, entre os gerentes e
coordenadores com os analistas e técnicos.
Quadro 01. Roteiro de observação
Ambiente/espaço
• Disposição das salas.
•Acessibilidade.
• Proximidade dos funcionários e direção/coordenação.
•Tamanho.
• Presença de elementos que se referem à cultura (estátuas, documentos, quadros...).
• Favorecimento à comunicação.
Comunicação gestor X
funcionários
•Postura.
• Linguagem corporal.
•Vocabulário.
• Natureza dos relacionamentos; (individualista ou cooperativo).
• Característica dos relacionamentos (distante, profissional, com emoção).
• Conteúdo das conversas.
• Situações em que ocorre a comunicação.
• Presença dos valores institucionais e do fundador.
• Modos de lidar com os conflitos.
•Silêncios.
• Comunicação formal e informal.
• Como lidam com hierarquia.
• Sinais das relações de poder.
Atividades
• Rotinas de trabalho.
• Tempo e ritmo.
• Espaços que favorecem a comunicação.
Baseado em Santos (2005, p. 29-30), Barbosa (2003, p.215) e Curvello(2012).
O registro dos dados envolveu a utilização de diário de campo, onde foram descritos
os aspectos observados como ações, fatos, falas, situações e comportamentos marcantes,
com menção a frases e/ou palavras chaves que os representem, com seus respectivos
autores. Foram indicados, ainda, indicação reações e sentimentos pessoais e percebidos
nos sujeitos observados, bem como a reação dos participantes à presença da pesquisadora.
Ao final das anotações, era feita da análise do dia da pesquisa.
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ANÁLISE DOS RESULTADOS
A técnica da observação participante contribuiu ao processo etnográfico para a
identificação da cultura organizacional no Escritório Central e no Colégio C. A etnografia pressupõe a imersão e o aprofundamento nas realidades de grupos sociais na
busca do entendimento das relações entre si, concepções sobre a realidade, interação
entre culturas e a comunicação. Sobre as competências inerentes à prática, Winkin (1998,
p.132) esclarece:
(...) a etnografia hoje é ao mesmo tempo uma arte e uma disciplina científica, que consiste
em primeiro lugar em saber ver. É em seguida uma disciplina que exige saber estar com, com
outros e consigo mesmo, quando você se encontra perante outras pessoas. Enfim, é uma arte
que exige que se saiba retraduzir para um público terceiro (terceiro em relação àquele que
você estudou) e, portanto, que se saiba escrever. Arte de ver, arte de ser, arte de escrever.
À etapa descritiva da observação participante, segue a etnologia, análise comparativa dos resultados, a partir dos critérios considerados para a pesquisa, de Ambiente/
Espaço, Comunicação gestor X funcionário e Atividades, que permitem a definição dos
artefatos, crenças e valores expostos e suposições básicas que caracterizam os níveis da
cultura da organização, de acordo com Schein (2009, p.2429):
Artefatos: incluem os produtos visíveis do grupo, como a arquitetura de seu ambiente físico;
sua linguagem; sua tecnologia e produtos; suas criações artísticas; seu estilo incorporado
no vestuário, maneiras de comunicar; manifestações emocionais, mitos e histórias contadas
sobre a organização; suas listas explícitas de valores; seus rituais e cerimônias observáveis
e assim por diante.
Crenças e valores expostos: são os valores manifestos da cultura, que predizem grande
parte do comportamento do que pode ser observado nos artefatos visíveis. Como lembra
Freitas (2007, p.16), são aquilo que é importante para o sucesso da organização e devem ser
considerados guias para o comportamento organizacional no dia a dia.
Suposições básicas: suposições implícitas que orientam o comportamento, informam aos
membros do grupo como perceber, refletir e sentir. Tendem a não ser confrontadas e são
difíceis de mudar.
A definição dos elementos culturais e da sua propagação, por meio da construção
comunicacional, possibilita caracterizar a identidade, neste caso, a marista. Afinal, como
defendido por Etkin e Schvarstein (2000, p.156-157), ela materializa-se por meio de estrutura, que se manifesta na trama de relações e o seu sucesso, observado como marco de
coesão entre os componentes.
Em relação ao Colégio, os artefatos remetem aos princípios fundacionais de maneira
viva, com a presença dos atores principais da missão: crianças, adolescentes e jovens.
Os espaços e as salas retratam o fundador e Nossa Senhora, em estátuas, pinturas,
“instalações”, assim como os ritos das missas e orações diárias.
Dar vida ao passado e a seus atores, com a visibilidade do “DNA” de quase 200
anos de história e tradição, demonstra ser importante para a gestão, como diferencial
de atuação. A disposição das salas, por sua vez, traduz aspectos da hierarquia e das
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relações interpessoais do Colégio – as da direção em cima, na entrada, mais próximas,
fisicamente, dos pais e mais distante da sala dos professores. Que, por sua vez, estão
mais próximos das coordenações e têm dificuldade de se envolver no carisma.
Os gestores identificam a importância do “ser marista”, em contraponto com as
poucas formações que as equipes têm sobre a instituição: instituto, província, valores
e unidades administrativas. Os processos formativos são mais relacionados às práticas
pedagógicas e aos processos educacionais da Província, aparentemente, na busca da
unidade preconizada pela organização. A excelência educacional está entre as metas
do Colégio C, além da busca pelos bons resultados em exames nacionais, bem como a
captação e fidelização de alunos. Conforme observado na mobilização das equipes de
coordenação para a seleção de novos estudantes, realizada durante pesquisa.
A gestão é, predominantemente, feminina, tanto na direção quanto nas coordenações dos segmentos, com a valorização dos funcionários para ocupar cargos de chefia, e
leva em consideração, além da competência, conhecimento institucional e dos processos
internos. Vivenciar a espiritualidade marista apresenta-se ainda como diferencial, conforme mencionado por gestor, ao referir-se à funcionária que já havia ido a L´Hermitage,
casa mãe do Instituto Marista.
No Escritório Central, como os beneficiários da ação marista – crianças e adolescentes - não estão presentes no local, os setores se imbuem do carisma, em especial, no
espaço físico. As três áreas analisadas trazem símbolos que remetem à cultura organizacional, estátua do fundador, de Nossa Senhora, três violetas, bíblia, livros, quadros,
dentre outros.
As salas dos gestores são separadas das equipes, à exceção da Pastoral, em que os
coordenadores dividem o espaço com os funcionários e há a presença de um Irmão.
Em função disso e por ser o foco de atuação, há maior visibilidade de símbolos e ritos
da cultura organizacional.
Se entre gerentes e coordenadores as mulheres são em maior número na Província, nos direcionamentos da área canônica, de evangelização, laicato e vocacional, a
instituição opta por gestores homens, em sintonia com o perfil masculino de gestão
do Instituto e do fundador. Como que para salvaguardar o “coração” da instituição e
a sua perenidade.
Predomina a valorização dos funcionários da casa para ocupar cargos de gestão
e observa-se que o gestor estabelece maior interação com o superior direto e com os
coordenadores do que as equipes de analistas e técnicos, assim como no Colégio C.
As crenças e os valores expostos contribuem, ao lado dos artefatos, à para a compreensão do “mosaico” da cultura organizacional. As falas e opiniões dos sujeitos observados expressam como se sentem e veem a organização, a partir do lugar onde estão
e das experiências profissionais e afetivas que vivenciaram no ambiente de trabalho.
No Colégio, o acolhimento, na base da hierarquia, aparece como fator essencial às
relações interpessoais. Quanto mais distante da direção, mais o “fazer parte” mostrou-se necessário aos funcionários.
A comunicação mostra-se relacionada à prática da gestão, como instrumento de
poder e associada aos processos. Não basta fazer parte da organização, é importante
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proferir e estar à frente do discurso institucional, legitimado pelo cargo hierárquico e
pelo acesso aos instrumentos de comunicação.
Os resultados da pesquisa mostram ainda que, no Colégio, o “ordenamento” emerge
como valor, em função do receio de lidar com o inesperado, que se reflete no monitoramento constante das ações dos gestores, quer por telefone, reuniões, e-mail ou planos
de ação desenvolvidos para cada projeto.
Conhecer o fundador e tomar para si os seus princípios, no entanto, não é tarefa
fácil, embora valorizada no Colégio. “Não há dificuldade de entendimento, mas de
vivenciá-los. Ser marista não é para todo mundo”, na visão de gestor sobre o carisma.
Há aqui a sinalização da complexidade da instituição e a dificuldade de envolvimento
dos profissionais com ela, para além do trabalho técnico.
A análise dos valores no Escritório Central, por sua vez, traz semelhanças à do
contexto escolar. A começar pela visão do fundador como herói, que consola e protege
nos momentos difíceis. A comunicação está entre os valores expostos, com visão instrumental. “Tem alguém de comunicação no Colégio? Porque o evento está de ótima
qualidade e devia ir para a página (na internet)”, comenta funcionária na volta de visita
à unidade educacional. Associação clara da comunicação com dar visibilidade ao que é
feito, nos veículos institucionais.
Observa-se, também, que o trabalho aparece como valor na pesquisa. Além de estar
a serviço das demandas de uma causa nobre, educar e evangelizar, representa “um meio
importante de realização pessoal, dando sentido à vida, e de contribuição para o bem-estar econômico, social e cultural da sociedade”, conforme apresenta o documento da
Missão Educativa Marista (2000, p.51). A mesma publicação destaca que o fundador era
um homem de trabalho e que a partir dele fundou sua família religiosa e empreendeu
todos os seus projetos.
A comunicação também está ligada à hierarquia, pois quem domina os processos e
mensagens na instituição, bem como se aproxima do “ser marista”, tem mais chances de
galgar postos estratégicos. O que explica a predominância da escolha de funcionários
internos na seleção de gestores. Além disso, a comunicação tece as relações, constitui
a organização como um todo, e contribui para a propagação de seus ideais, quer nos
espaços, nas ações, dos registros escritos e no exemplo vivo do carisma, por meio de
gestores, funcionários e dos Irmãos Maristas.
A hierarquia mostrou relação direta com a comunicação. A estrutura física demarca os cargos e as funções e dita como as interações se efetivam. Sede administrativa e
Colégio compartilham as diferenciações nos espaços. Gerentes atuam em salas separadas dos funcionários, assim como a direção na unidade educacional, o que gera menor
comunicação face a face e mais intermediada por computador e telefone. A exceção
aparece no Comitê de Pastoral, no Escritório Central, onde os gestores compartilham
o mesmo ambiente, com relações mais horizontais e afetivas. Aqui também motivadas
pela presença de um Irmão gestor e a temática de atuação, que remete ao carisma da
congregação.
Os processos de comunicação interna mostraram-se fragilizados pelas contradições
no relacionamento entre gestores e funcionários, resultantes das práticas de gestão e da
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percepção divergente sobre comunicação. Para os gestores, a comunicação mostra-se
relacionada à prática da gestão, como instrumento de poder e associada aos processos.
Eles assumem para si a responsabilidade e são legitimados como interlocutores da
instituição e se utilizam da visão instrumental da comunicação para salvaguardar a
imagem e reputação organizacional, a partir do acompanhamento do desempenho
dos funcionários e do que é produzido sobre a instituição. Como foi dito em diversos
momentos nos dois locais de pesquisa, é “preciso estar preparado”, caso surja alguma
adversidade que repercuta negativamente.
Para os funcionários, no entanto, a comunicação é associada à relação, à convivência
e ao conhecimento sobre as atividades da rotina do Colégio C e/ou do Escritório Central.
A divergência de conceitos se reflete na maneira como ambos direcionam as práticas
profissionais, um para o cumprimento das metas e outro para a busca pelo estar junto,
pela convivência. O conflito se reflete nos poucos momentos de interação entre as áreas,
no foco no trabalho e, no caso do Escritório Central, em longos períodos de silêncio entre
funcionários e gestores.
A pesquisa identificou como elementos simbólicos da cultura organizacional
presentes na comunicação entre gestores e funcionários, trabalho, comunicação,
hierarquia e o “ser marista”. Os princípios institucionais, mitos sobre o fundador e
ritos podem ser traduzidos no “ser marista”, que, segundo um dos gestores, “seria para
poucos”. Cultura e comunicação constituem, assim, a organização, que tece práticas,
conceitos, jeitos de fazer e de se relacionar, com referências do fundador, atualizadas
para a realidade de hoje, como, por exemplo, as histórias de superação para a criação da
congregação e as regras estabelecidas aos primeiros Irmãos, utilizadas para justificar
as demandas de gestores a funcionários e o monitoramento das atividades realizadas.
A comunicação dá vida e possibilita o entendimento da cultura, quer por meio de
artefatos visíveis, valores expostos e/ou em discursos que reproduzem as construções de
significados dos sujeitos que fazem parte da instituição. É graças à cultura, por sua vez,
que os indivíduos do Escritório Central e do Colégio C se reconhecem como membros
de um grupo, que mesmo diverso e com funções distintas, aprende e busca dar sentido
ao que faz, quer pelas relações interpessoais, pelo reconhecimento de seus integrantes
e até mesmo pelos silêncios, que sinalizam a sobreposição do trabalho às partilhas “em
família”, no ambiente profissional.
REFERÊNCIAS
Creswell, J. W. (2010). Projeto de pesquisa: método qualitativo, quantitativo e misto. Porto
Alegre: Artmed.
Curvello, J.J.A. (2012). Comunicação interna e cultura organizacional. Brasília: Casa das Musas.
Etkin, J. & Schvarstein, L. (2000). Identidad de las organizaciones: invariancia y cambio. Buenos
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4772
A relação entre comunicação e cultura organizacional em instituição católica de educação
Amanda Wanderley de Azevedo Ribeiro • João José Azevedo Curvello
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4773
Reflexão sobre o Planejamento da Comunicação Integrada
em Instituições de Ensino Superior Privadas no Brasil
Reflection about the Integrated Communication Planning
for Private Higher Education Institutions in Brazil
Sergio
dos
Santos Clemente Júnior 1
M i t s u r u H i g u ch i Y a n a z e 2
Resumo: O objetivo central do artigo foi o de estudar os fundamentos teóricos
e aplicados relacionados ao planejamento da comunicação integrada. Kunsch
(2009) e Baldissera (2009) foram utilizados respectivamente como referências
principais para discutir as questões sobre comunicação integrada e a complexidade no processo da comunicação no âmbito das organizações. Ao final, o
texto discute às questões relacionadas ao desenvolvimento da comunicação
estratégica de marketing para IES privadas no Brasil. Diante de um cenário cuja
concorrência é bastante acirrada, observar as ações mercadológicas quanto ao seu
planejamento e resultados é o objetivo central da dissertação do pesquisador no
Programa de Mestrado em Comunicação na USP. A pesquisa mapeará os esforços
de marketing e de comunicação desenvolvidos para as Campanhas do Processo
Seletivo 2012 e 2013 da FNC e buscará analisar o retorno dos investimentos mercadológicos para subsidiar a tomada de decisão da diretoria de marketing. Com
os resultados espera-se poder estruturar o diagnóstico situacional da IES e, com
base nele, propor um Planejamento de Comunicação Integrada efetivo para a
Instituição, a partir do qual seja possível avaliar o retorno de investimentos em
comunicação que viabilize melhor resultado financeiro e de construção de marca.
Palavras-Chave: Planejamento da Comunicação Integrada; Comunicação
Estratégica de Marketing; Comunicação Organizacional; Instituições de Ensino
Superior privadas no Brasil.
Abstract: The central aim of the paper was to study the theoretical and applied
fundamentals related to the integrated communication planning. Kunsch (2009)
and Baldissera (2009) were used respectively as main references to discuss the
issues of integrated communication and the complexity in the communication
1. Mestrando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências da Comunicação da Escola de
Comunicações e Artes – ECA – USP. Mestre em Hospitalidade – Universidade Anhembi Morumbi (UAM) –
SP. Pós Graduação em Administração Hoteleira (SENAC) – SP. Pós Graduação em Comunicação de Marketing
(UAM) – SP. Graduação em Comunicação Social com Habilitação em Publicidade e Propaganda (UAM) – SP.
Professor Universitário. e-mail: [email protected] / [email protected] . Aluno Bolsista do
CAPES.
2. Possui graduação em Publicidade e Propaganda pela Universidade de São Paulo (1978), especialização em
Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas, mestrado em Master of Business Administration
- Michigan State University (1983) e doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade de São
Paulo (1994). Atualmente é professor titular do departamento de Publicidade, Relações Públicas e Turismo
da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. É coordenador do CEACOM (Centro de
Estudos de Avaliação e Mensuração em Comunicação e Marketing) da ECA-USP. Orientador do projeto de
pesquisa de mestrado de Sergio Clemente. e-mail: [email protected] / [email protected]
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4774
Reflexão sobre o Planejamento da Comunicação Integrada em Instituições de Ensino Superior Privadas no Brasil
Sergio dos Santos Clemente Júnior • Mitsuru Higuchi Yanaze
process within organizations. Finally, the paper discusses issues related to the
development of strategic marketing communication for private HEIs in Brazil.
Faced with a scenario where competition is quite fierce, watch market actions
on the planning and results is the central goal of the researcher’s thesis Master’s
Program in Communication at USP. The research will map the marketing and
communication efforts for the campaigns of 2012 and 2013 Selection Process of
the FNC and will seek to analyze the return on market investment to support
the decision-making marketing department. With the results expected to be
able to structure the situational diagnosis of HEI and, on this basis, propose an
Integrated Communication Planning effective for the institution, from which it
is possible to evaluate the return on investment in communication that enables
better financial results and brand building.
Keywords: Integrated Communication Planning; Strategic Marketing Communication; Organizational Communication; Private Higher Education Institutions
in Brazil.
INTRODUÇÃO
IANTE DE um cenário em franca expansão do ensino superior no Brasil, o pesqui-
D
sador desenvolve no PPGCOM ECA/USP, sob a orientação do Prof. Dr. Mitsuru
Higuchi Yanaze, um Estudo de Caso, a fim de analisar a gestão mercadológica
de uma Faculdade situada na cidade de Carapicuíba (Faculdade Nossa Cidade – FNC),
pertencente à Região Metropolitana de São Paulo, quanto aos seus investimentos em
comunicação para a captação de alunos em seu processo seletivo anual.
A pesquisa mapeará os esforços de marketing e de comunicação desenvolvidos
para a Campanha do Processo Seletivo 2012 e 2013 da FNC e buscará analisar o retorno
dos investimentos mercadológicos para subsidiar a tomada de decisão da diretoria de
marketing, para as campanhas que se seguirão. Espera-se com os resultados coletados na
investigação empírica e pela análise desses dados poder estruturar o diagnóstico situacional real da IES e, com base nele, propor um Planejamento de Comunicação Integrada
efetivo para a Instituição, a partir da qual seja possível avaliar o retorno de investimentos
em comunicação que viabilize melhor resultado financeiro e de construção de marca.
Pensar a comunicação de maneira integrada é dar força e relevância às características
do ato de comunicar em suas diferentes faces e manifestações. O planejamento de
ações tão complexas deve focar, sobretudo os atores que delas fazem parte, e suas
inúmeras interações. O cenário atual exige que a organização (re)pense suas estratégicas
comunicacionais a fim de tirar o máximo de proveito dos relacionamentos que estabelece
com cada um de seus públicos de interesse.
O aluno do ensino superior privado no Brasil mudou e, mudou para melhor. Temos
um cliente muito mais integrado quanto às novidades do setor, nas características dos
produtos / serviços oferecidos e principalmente nos inúmeros concorrentes atuantes
no mercado. (Re)pensar então, a maneira pela qual vimos planejando as ações de
comunicação de marketing torna-se hoje um ponto crucial, que dele poderemos alcançar
ou não o sucesso dos empreendimentos educacionais privados de educação no nível
superior no Brasil.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4775
Reflexão sobre o Planejamento da Comunicação Integrada em Instituições de Ensino Superior Privadas no Brasil
Sergio dos Santos Clemente Júnior • Mitsuru Higuchi Yanaze
PLANEJAMENTO DA COMUNICAÇÃO INTEGRADA: FUNDAMENTOS
TEÓRICOS E APLICADOS
Pensar o planejamento de comunicação de maneira integrada pressupõe entender
de forma muito mais ampla as ações de comunicação pensadas e desenvolvidas no
âmbito organizacional.
A expressão “comunicação integrada” vem sendo utilizada por Kunsch (2009, p. 79)
desde a década de 80 e define não somente a forma pela qual se processa a comunicação
nas organizações, mas como ela se dá no âmbito de uma sociedade global e principalmente
como fenômeno inerente à sua natureza e como resultado dos agrupamentos das pessoas
que a integram.
Por entender que segundo uma visão abrangente, o fenômeno da comunicação nas
organizações assume um caráter cada dia mais complexo, a autora (2009, p. 79) defende
a adoção de uma filosofia da “comunicação integrada”, que de maneira didática deve
ser trabalhada pelas organizações a fim de não fragmentar o estudo dos processos da
comunicação.
Nessa perspectiva, faz-se necessário entender as orientações que os departamentos
de comunicação devem dar à tomada de decisão estratégica, bem como à condução das
práticas de todas as ações comunicativas na organização. Essa filosofia deve nortear
todas as ações de comunicação que deve ser compreendida como o conjunto de diferentes
modalidades comunicacionais que ocorrem na empresa (KUNSCH, 2003).
A autora (2009, p. 79) explica que no contexto da comunicação integrada, as
relações públicas e o marketing se destacam como áreas fundamentais que dirigem
a comunicação organizacional. “A primeira abarcaria, pela sua essência teórica, a
comunicação institucional, a interna e a administrativa. O marketing responderia por
toda a comunicação mercadológica (ou comunicação de marketing)”.
Por essa amplitude de frentes de ação, a comunicação organizacional deve
ser trabalhada numa perspectiva complexa, que deixa de ser simplesmente uma
atividade tática, ganhando estrutura, função e responsabilidades estratégicas perante
o planejamento das organizações (KUNSCH, 2009, p. 80).
Baldissera (2009, p. 157) também entende a comunicação organizacional como uma
atividade complexa. O autor alerta para os riscos da frequente generalização do planejamento da comunicação a ações simplistas as quais tentam dar conta das necessidades
do mercado de maneira superficial. Em situações como esta os resultados tendem a
aparecer rapidamente, mas por não serem sustentáveis e por não estarem integrados às
estratégias organizacionais, não conseguem dar conta dos propósitos da comunicação
e, em pouco tempo exigem novas ações e novos investimentos mercadológicos.
Ao se estudar e desenvolver a comunicação organizacional pelas bases da complexidade, a organização assume a postura de reconhecer o “outro” como agente do
processo de comunicação. Baldissera (p. 158) nos ensina que nessas condições, o processo de construção e disputa de sentidos no âmbito da comunicação nas organizações
estabelece a centralidade do processo na noção de relação. Essa ideia “dá conta de que
a comunicação organizacional não respeita espaços físicos (planejados) bem como não
se reduz à fala autorizada pela organização.” Complementa ainda dizendo que a comunicação organizacional em seus diferentes contextos e condições acaba por assumir
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4776
Reflexão sobre o Planejamento da Comunicação Integrada em Instituições de Ensino Superior Privadas no Brasil
Sergio dos Santos Clemente Júnior • Mitsuru Higuchi Yanaze
qualidades diversas que não se prendem exclusivamente aos planos e campanhas (sejam
elas publicitárias ou institucionais) e a formalismos e hierarquias.
Isso exige reconhecer que a comunicação [...] à medida que se atualiza, por um lado, possibilita que os sujeitos-força envolvidos, se necessário, revejam e ajustem suas estratégias;
por outro, tende a permitir que conheçam, particularmente a partir das marcas de linguagem – as estratégias cognitivas do outro sujeito (força em relação), suas artimanhas, suas
inconsistências, seus desejos de cooperação – ou não – seus valores, suas crenças e seu
imaginário, etc. Da mesma forma, tratando-se de disputas de sentido, o poder não está
localizado, atualiza-se e exerce-se no acontecer. Isso pode significar que, em diferentes
momentos, diferentes sujeitos materializam mais poder. (BALDISSERA, 2009, p. 158)
Para Kunsch (2009, p. 80), ao serem guiadas pela “filosofia” e por uma política de
comunicação integrada, as ações comunicativas assumem então maior responsabilidade
ao considerar as demandas, os interesses e as exigências dos públicos estratégicos da
organização, bem como da sociedade na qual ela está inserida. Esse novo cenário de
trabalho deve integrar todos os esforços da comunicação interna, da institucional e da
mercadológica num único objetivo, agregar valor às organizações no cumprimento de
seus propósitos de missão, na consecução de seus objetivos globais e, sobretudo na
construção e fixação de sua marca no mercado em que atua.
PLANEJAMENTO DA COMUNICAÇÃO INTEGRADA EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO
SUPERIOR PRIVADAS: A COMUNICAÇÃO ESTRATÉGICA DE MARKETING
Segundo Galindo (2009) cabe às organizações reconhecer o seu papel de comunicadoras e resgatar as atividades de relação estabelecidas com cada um de seus públicos.
O autor compartilha com Kunsch a importância da integração do planejamento da
comunicação. Ele sinaliza que cada gesto desse resgate estabelece um tipo específico de
mensagem (institucional ou mercadológico) e sua transmissão pensada e planejada numa
comunicação integrada traduz e amplia a imagem da marca pela filosofia corporativa
de maneira muito mais efetiva. Ele explica também que “a comunicação mercadológica
leva aos consumidores a razão para comprar e a comunicação corporativa leva a eles a
permissão para comprar” (2009, p. 232).
É possível atribuir um caráter multidisciplinar ao ato comunicativo quando se
observa que a busca por uma integração das ações da comunicação com o mercado atende
a determinadas necessidades e que estas surgem não somente a partir das circunstâncias
internas e externas da empresa, mas, sobretudo, das necessidades dos seus públicos de
interesse (GALINDO, 2009, p. 227).
O caráter complexo e multidisciplinar atribuído à comunicação é também
compartilhado por Perez e Massoni (2009) que notam a singularidade e o individualismo
das diversas áreas do conhecimento desenvolvendo estratégias que não têm a capacidade
de abarcar todos os relacionamentos multidimensionais nem a complexidade que se
instaura nesses relacionamentos.
Os autores afirmam que a comunicação, por sua própria dinâmica, tem essa
capacidade. Ela consegue se instaurar e se desenvolver num ambiente plural e complexo,
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4777
Reflexão sobre o Planejamento da Comunicação Integrada em Instituições de Ensino Superior Privadas no Brasil
Sergio dos Santos Clemente Júnior • Mitsuru Higuchi Yanaze
dando espaço de fala e de expressão a todos os atores envolvidos. Como comunicadores
e seres humanos que somos, desenvolvemos estratégias pela linguagem e não somente
com nossa racionalidade, mas sim com nossas emoções.
Segundo Bueno (2009, p. 373) sem estratégia, não há inteligência. Partindo disso,
o autor explica que normalmente a comunicação empresarial não é definida pelas
organizações como atividade estratégica, e que esse é um pressuposto fundamental
para que ela possa ser compreendida como “um autêntico processo de inteligência”.
A inteligência competitiva abrange não apenas a coleta e a sistematização de dados ou
informações, que serão tornados conhecimento, mas uma autêntica e complexa gestão que
inclui monitoramento da concorrência, identificação dos pontos fortes e fracos das organizações, construção de cenários articulados com estratégias e ações e a utilização de métodos
e técnicas variados (BUENO, 2009, p. 372).
Bueno (2009, p. 377) explica que a inteligência empresarial competitiva requer
planejamento e que este, por definição, é “um processo que se respalda em dados
sistematizados, informações, conhecimentos, vivências e saberes intrinsecamente
vinculados aos objetivos, aos valores e à missão de uma organização, e não deve ser
entendido como uma atividade episódica ou meramente operacional”.
Sabendo-se que o planejamento é uma atividade administrativa frequentemente
realizada pelos profissionais de comunicação, Bulgacov e Marchiori (2010) esclarecem
que a “estratégia como prática” tem origem nos estudos de Richard Whittington em
meados da década de 90, que sugere que é necessário mudar o escopo das pesquisas
sobre estratégia no sentido de observar como os atores envolvidos no processo de pensar
e estruturar a estratégia (em todos os seus níveis) age nas suas práticas diárias, o que
resulta e / ou influencia diretamente a maneira pela qual a estratégia é desenvolvida,
viabilizada e colocada em prática.
Dessa forma, a comunicação empresarial, que inclui as ações desenvolvidas pela
comunicação de marketing, deve ser intimamente inserida nas estratégicas empresariais
cujo papel fundamental deve vislumbrar tanto “a busca de eficácia na interação com os
públicos de interesse (stakeholders), quanto no desenvolvimento de planos e ações que
imprimam vantagem competitiva às organizações” (BUENO, 2009, p. 375).
Yanaze (2012, p. 418) classifica a comunicação de marketing em três grandes áreas: 1)
Comunicação administrativa (interna e externa), 2) Comunicação mercadológica (interna
e externa) e 3) Comunicação Institucional (interna e externa).
Assim como Kunsch (2003, 2009), Yanaze (2012, 2013) entende que a integração
das ações comunicativas nessas três áreas é necessária e produtiva, e propõe que a
empresa seja estudada por um fluxograma sistêmico intitulado “3puts”, a saber: Inputs,
Throughputs e Outputs.
Essa releitura da estrutura sistêmica da empresa, apresentada na Figura 1, amplia
o olhar quanto aos recursos, os processos, os sistemas e as políticas de comunicação
desenvolvidas dentro de uma organização.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4778
Reflexão sobre o Planejamento da Comunicação Integrada em Instituições de Ensino Superior Privadas no Brasil
Sergio dos Santos Clemente Júnior • Mitsuru Higuchi Yanaze
Figura 1. Fluxograma sistêmico de uma empresa.
Fonte: Yanaze, 2012, p. 55.
O autor orienta a necessidade de se estabelecer uma perfeita interação entre os
Inputs e os Throughputs no planejamento tanto de marketing quanto da comunicação,
e diz que nenhum esforço do Output Comunicação apresentará resultado pleno se não
for trabalhada adequadamente a Comunicação Administrativa (YANAZE, SENISE e
FREIRE, 2013).
Yanaze (2012, p. 75) nos ensina que há cinco etapas a serem seguidas para a elaboração
de um planejamento estratégico mercadológico. Vejamos quais são elas:
PP Ter conhecimento amplo e sólido sobre os três principais personagens de uma
empresa: o produto, o mercado e a concorrência.
PP Identificar quais podem ser os personagens secundários, que de maneira direta
ou indireta, positiva ou negativamente, podem afetar as ações propostas no
planejamento.
PP Conhecer todas as variáveis presentes no cenário da empresa. Tais variáveis
podem ser provenientes do ambiente interno e externo. Quando vindas do
ambiente externo podem estar associadas a algum dos personagens secundários que afetam a empresa.
PP Identificar e analisar os pontos fortes e fracos da empresa e de seus concorrentes.
PP Assim como identificar as oportunidades e as ameaças que rondam o mercado
no qual atua.
Normalmente vemos que os departamentos de marketing são na verdade departamentos de serviços de marketing. Para se caracterizar o marketing como um departamento estratégico, há que se pensar em suas funções gerenciais, que segundo Yanaze, Freire
e Senise (2013, p. 49) são compostas pelo planejamento, pela organização, pela direção e
coordenação, pelo controle e pela avaliação da viabilidade econômico-financeira.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4779
Reflexão sobre o Planejamento da Comunicação Integrada em Instituições de Ensino Superior Privadas no Brasil
Sergio dos Santos Clemente Júnior • Mitsuru Higuchi Yanaze
O planejamento pressupõe o estabelecimento de objetivos e metas, os quais devem
ser fixados com base no potencial e no histórico do mercado a atender. A organização
pressupõe a alocação de recursos que, segundo Yanaze (2012), dizem respeito aos inputs –
elementos que alimentam a produção e compreendem não somente os recursos humanos,
financeiros e materiais, mas todo e qualquer recurso utilizado pelo processo produtivo,
acrescidos de informações e da tecnologia.
Nesse cenário, todos os processos, os sistemas e as políticas de gestão, de lucros, de
vendas, entre outras, compreendem o que o autor classifica como throughputs, ou seja,
“o que se produz por intermédio de” (YANAZE, 2012, p. 54). O perfeito entrosamento
desses 3puts pode levar o planejamento ao perfeito caminho do sucesso.
A direção e coordenação correspondem às diretrizes propostas pelos gestores para a
realização das tarefas. Uma vez definidos os objetivos e as metas, e alocados os recursos
necessários, deparamo-nos com a necessidade da definição de como serão trabalhados
tais recursos para a obtenção dos outputs – que pela leitura do autor é o produto de
determinado processo produtivo (não somente o produto / serviço, mas também o
preço, a distribuição e a comunicação). Para a melhoria dos processos, faz-se necessário
implantar o controle, que na visão das empresas contemporâneas, é o monitoramento
constante de operações previstas no planejamento.
E por fim, acerca da avaliação da viabilidade econômico-financeira do projeto, Yanaze
(2012, p. 73) nos explica que todas as ações mercadológicas produzem consequências
financeiras, econômicas e patrimoniais ao longo do tempo. O autor ressalta que no
longo prazo, tais consequências se equilibram, mas em curto prazo, podem representar
a viabilidade ou não da implantação das ações propostas no projeto.
A análise da viabilidade econômico-financeira tem como principal função a avaliação
do fluxo de caixa quanto às entradas e saídas, receitas e despesas e também os lucros
e prejuízos.
Faz-se necessário então relacionar a estrutura do planejamento de marketing
proposto por Yanaze (2012) com as características específicas da prestação de serviços,
o que nos leva a ressaltar alguns pontos fundamentais.
Primeiro que, de acordo com os dados oficiais da US Bureau of Economic Analysis –
Survey of Current Business, apresentados por Lovelock e Wirtz (2007, p. 4), os serviços,
já no inícios do Século XXI, representavam cerca de 80% do Produto Interno Bruto dos
EUA. Por parte dos demais países a tendência desde então tem sido o acompanhamento
desse percentual, o que nos faz acreditar que vivemos na Era dos Serviços.
Segundo que, pelas características particulares dos serviços, há que se observar a
importância de conhecer o mercado que consome tais serviços de maneira muito mais
cuidadosa.
As características do mercado de serviços sofreram alterações tanto por parte da
maneira pela qual são entregues, como e principalmente na maneira pela qual os consumidores têm procurado, comparado, utilizado e avaliado os serviços. O planejamento
deve dar maior ênfase na análise diagnóstica do setor para poder assim propor ações
efetivamente mais estratégicas.
Diante de um mercado de concorrência tão acirrada, como é o mercado de ensino
superior privado no Brasil, as organizações atuantes nesse setor devem dar maior ênfase
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4780
Reflexão sobre o Planejamento da Comunicação Integrada em Instituições de Ensino Superior Privadas no Brasil
Sergio dos Santos Clemente Júnior • Mitsuru Higuchi Yanaze
ao planejamento de comunicação integrada, no qual as ações mercadológicas façam parte
ao mesmo tempo em que são provenientes das ações estratégicas no negócio.
Como bem já nos ensinou Bueno (2009, p. 373) ao afirmar que sem estratégia, não
há inteligência, o marketing por meio de suas ferramentas de diagnóstico mercadológico pode auxiliar de maneira substancial o planejamento de comunicação das IES
brasileiras, tornando esse planejamento integrado e muito mais efetivo quanto aos seus
propósitos, que deve ser o perfeito atendimento das necessidades e a busca da plena
satisfação dos clientes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os processos de planejamento da comunicação normalmente são vistos e
desenvolvidos nas empresas como atividades tática, estanques e que não estão de forma
íntima ligadas às estratégias empresariais. Essa realidade acaba por definir e gerar
ações cujo resultado superficial implica na necessidade de novas ações emergenciais
que busquem dar conta do que as primeiras não deram.
Pensar as ações mercadológicas de maneira integrada às ações comunicacionais
estratégicas se faz necessário para que os investimentos de marketing possam alcançar
os resultados esperados pela organização. O amplo conhecimento dos stakeholders e de
suas necessidades, auxilia no processo diagnóstico dos planejamentos de marketing e
da comunicação organizacional.
Talvez, o primeiro passo seja aceitar e entender a complexidade do processo comunicacional na atualidade, e dele se valer do correto uso das informações cada qual ao
seu tempo. Sabendo-se que o objetivo das ações de marketing é o atendimento das
necessidades e expectativas dos clientes, o planejamento de comunicação mercadológica
deve analisar os atores envolvidos no processo comunicacional, bem como as informações levantadas no diagnóstico e integrar todos os departamentos da organização
(que são as fontes de informação internas) nesse estudo / trabalho, buscando assim
alcançar um planejamento melhor desenhado que consiga dar conta da comunicação
mercadológica, que de tão simples tarefa se torna árdua (por ser complexa) e cada
vez mais importante para a sobrevivência das organizações, sobretudo as de ensino
superior privado no Brasil.
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4782
Planejamento e avaliação da Comunicação Organizacional
em Universidades Públicas: o caso da UFT
Planning and evaluation of Organizational Communication
in Public Universities: the case of UFT
B i a n ca Z a n e l l a R i b e i r o 1
Fr ancisco Gilson R ebouças Pôrto Júnior 2
Resumo: Este trabalho consiste em um exercício teórico e prático no qual propomos
um composto básico para a comunicação organizacional: diretrizes de atuação,
planejamento estratégico integrado e um sistema de avaliação permanente e
mensuração de resultados na forma de uma Política de Comunicação, um Plano
de Comunicação plurianual e uma Matriz de Indicadores para a Universidade
Federal do Tocantins (UFT). A análise é baseada em um diagnóstico da instituição
pelo recorte da comunicação a partir de métodos como pesquisa de opinião,
estudos bibliográficos e levantamentos documentais. No cerne das discussões
está o papel dos profissionais e setores especializados em comunicação nas
organizações, mas também o papel dos demais sujeitos envolvidos na organização
para o êxito do processo comunicacional.
Palavras-Chave: Comunicação organizacional. Setor público. Universidade.
Planejamento. Avaliação.
Abstract: The present research consists on an exercise theoretical and practical
in which we propose a compound basic to an organizational communication
at the Federal University of Tocantins (UFT): operational directives, integrated
strategic planning and a permanent evaluation and measurement system of
results as a Communication Politics, a multiannual Communication Plan and
an Indicators Matrix. Such proposal is the result of an association of qualitative
and quantitative methods related to the practices of a case study and applied
research to communication and management of public policies, and is based on
theoretical approaches that emphasize the strategic potential of organizational
communication mainly focused on public organizations in the education
sector. The analysis is based on a diagnosis that aims to capture aspects of the
complexity and dynamics of the researched institution by a communication
clipping made from methods like opinion poll, bibliographical studies and
documentary surveys. The kernel of discussions is the role of professionals and
specialized sectors in communication in organizations, and also the role of other
1. Mestranda em Gestão de Políticas Públicas (Universidade Federal do Tocantins), pós-graduada em Gestão
Pública (Centro Universitário Claretiano) e graduada em Comunicação Social/Jornalismo (Universidade
Católica de Pelotas). [email protected].
2. Professor da Universidade Federal do Tocantins, doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas
(Universidade Federal da Bahia), mestre em Educação (UnB) e graduado em Comunicação Social/Jornalismo
(Ulbra) e Pedagogia (UnB). [email protected].
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4783
Planejamento e avaliação da Comunicação Organizacional em Universidades Públicas: o caso da UFT
Bianca Zanella Ribeiro • Francisco Gilson Rebouças Pôrto Júnior
participants involved in the organization for the success of the communication
process.
Keywords: Organizational communication. Public sector. University. Planning.
Evaluation.
INTRODUÇÃO
EJA QUAL for a crise em pauta, é bastante provável que, em algum momento, alguém
S
fará um comentário reticente e desgastado do tipo “é falha de comunicação...”. A
afirmação soará como um clichê, ainda que possa ser, no mínimo, uma meia verdade. É bem possível, aliás, que o “autor” da frase esteja coberto de razão e que os demais
presentes balancem a cabeça afirmativamente, e, desanimadamente, encerrem o assunto.
Mas, afinal, qual é o problema? Por que a comunicação é tão associada à ideia de
problema e a discussão para por aí, ou se estende em uma repetitiva sequência de queixas
sobre como a organização se comunica mal (todo mundo tem sempre muitos exemplos
disso para desfiar), sem, contudo, avançar no caminho de soluções? Suspeitamos que,
em boa parte dos casos, isso ocorra porque as pessoas confundem problema ou falha
“de” comunicação com problema ou falha “da” comunicação, como se todos os processos
comunicativos dentro da organização dependessem exclusivamente da atuação do departamento que tem a tal palavra “mágica” no nome. Além de eximir de responsabilidades
os demais agentes comunicativos no ambiente organizacional, o senso comum repete
o tempo todo que problema de comunicação, ou “não é problema meu”, ou é problema
sem solução. Daí a cena descrita anteriormente ter virado um surrado lugar-comum.
A partir da prática e dos desafios diários com que nos deparamos no desempenho
das atividades da Diretoria de Comunicação da Universidade Federal do Tocantins
(Dicom/UFT), com base em sedimentadas teorias de comunicação e também em
novos estudos que vêm encontrando respaldo no ambiente acadêmico e profissional,
procuramos, neste trabalho, avançar em questões críticas da comunicação no âmbito da
UFT, buscando um distanciamento cada vez maior do estigma de “problema”, e uma
consequente aproximação da ideia de solução.
A pergunta que sintetiza nosso problema de pesquisa é: considerando todos os
questionamentos anteriores, como a comunicação organizacional deve se estruturar
e funcionar para ter seu potencial melhor aproveitado nas universidades, em especial
nas universidades públicas e na UFT, no sentido de contribuir de modo mais efetivo
com a realização da missão social da instituição, com o desenvolvimento humano no
interior do sistema organizacional e com o desenvolvimento da própria organização,
em sintonia com os interesses da sociedade?
Esse trabalho ainda em construção consiste em um estudo de caso inspirado nos moldes
de uma auditoria de comunicação (KUNSCH, 2003 e 2006; VARONA, 1994) e de uma pesquisa
institucional (KUNSCH, 2003), inicia-se com um levantamento ambiental e documental, e
uma análise de produtos comunicacionais da instituição, sem perder-se de vista a inserção
da autora como pesquisadora participante. Na etapa atual, traçamos um perfil organizacional
e desenhar um diagnóstico em profundidade da comunicação no contexto pesquisado.
A segunda etapa consiste em uma tentativa de representar qualiquantitativamente
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esse cenário, com base em como o público interno percebe a organização e se sente
em relação a ela por meio dos canais formais e informais comunicação, do ponto de
vista da efetividade. Para essa verificação foram elaborados questionários que mesclam
elementos do Questionário de Auditoria de Comunicação (CAC, na sigla em espanhol
de Cuestionario de la Auditoría de la Comunicación), desenvolvido por Varona (1991) a
partir de estudos de Cal Downs e M. Hazen (CSQ, na sigla em inglês de Communication
Satisfaction Questionnaire, datado de 1976); do Modelo de Avaliação de Relacionamentos
em Relações Públicas proposto por Hon e Grunig (PR Relationship Measurement Scale);
da Teoria Apreciativa (VARONA, 2004), e da Escala Yardstick, (LINDENMANN, 1993
apud GALERANI, 2006), ainda a serem aplicados.
Como resultado deste trabalho ainda em desenvolvimento, temos como expectativa
“traduzir” os resultados observados qualiquantitativamente, e como objetivo final propor
diretrizes gerais para a comunicação na UFT e indicadores, na forma de uma política,
um plano plurianual e uma matriz de avaliação, utilizando um esquema de triangulação
entre o referencial teórico, a coleta de dados documentais na pesquisa institucional e
os novos dados produzidos a partir dos questionários.
Tendo em vista este ser um projeto ainda em andamento, o que apresentamos aqui
é o diagnóstico preliminar da comunicação organizacional na UFT elaborado com base
em dados pré-existentes, reunidos por meio da pesquisa documental.
COMUNICAÇÃO PÚBLICA E UNIVERSIDADE
Nas palavras de Elizabeth Brandão,
comunicação pública é o processo de comunicação que se instaura na esfera pública entre o
Estado, o Governo e a Sociedade e que se propõe a ser um espaço privilegiado de negociação
entre os interesses das diversas instâncias de poder constitutivas da vida pública no país
(BRANDÃO, 2012, p. 13).
Um dos pioneiros a desenvolver o conceito de comunicação pública como informação
para a cidadania, o autor francês Pierre Zémor considera os objetivos da comunicação
pública indissociáveis das finalidades das instituições, ou seja, de sua função social. Para
ele, a comunicação deve informar (levar ao conhecimento, prestar conta e valorizar);
ouvir as demandas, as expectativas, as interrogações e o debate público; contribuir para
assegurar a relação social (sentimento de pertencer ao coletivo, tomada de consciência
do cidadão enquanto ator); e acompanhar mudanças, tanto as comportamentais quanto
as da organização social (Zémor, apud Brandão, 2012). Além disso, segundo Zémor (ibid.),
esta comunicação deve ser, necessariamente, bilateral – para informar, mas também
ouvir o cidadão –, e legitimada pelo “interesse geral”.
Para Novelli, a comunicação pública, compreendida como a “comunicação praticada
pelos órgãos responsáveis pela administração pública” (2006, p. 77) ou “a comunicação
que ocorre entre as instituições públicas e a sociedade e tem por objetivo promover a
troca ou o compartilhamento das informações de interesse público” (id., p. 85), possui
importância significativa para o exercício da participação política e da cidadania.
Kunsch (1992) reforça a associação entre comunicação pública e comunicação
científica em uma análise que encontra fundamento também nas ideias de Zémor a
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respeito da indissociabilidade dos objetivos da comunicação pública e finalidades das
instituições, ao defender a difusão da ciência – aqui considerando todas as áreas do
conhecimento – como prioridade para a comunicação nas universidades tendo em vista o
papel destas instituições na edificação da sociedade, sua responsabilidade de responder
às demandas sociais e também de prestar contas à sociedade que financia suas pesquisas
e demais atividades.
Tomando emprestadas as contribuições dos diversos autores aqui discutidas e considerando as peculiaridades das universidades públicas no contexto das organizações,
embora sem a pretensão de “fechar” conceitos em definitivo, neste trabalho compreendemos a comunicação organizacional pública como o processo gerencial e de relacionamento que se estabelece nas organizações e entre as organizações e seus diversos públicos
estratégicos (stakeholders), resultando em uma interação dialógica entre Estado, governo,
outras instituições e os cidadãos. Essa comunicação pode ser estabelecida de diversas
formas, abrangendo as três grandes áreas da comunicação integrada – comunicação institucional, interna (administrativa) e mercadológica –, por diversos meios e canais, e tem
como objetivo contribuir com o desenvolvimento organizacional, com o desenvolvimento
humano e da cidadania, e com a concretização da missão social das organizações, que
no caso das universidades está estreitamente relacionada à difusão científica.
DIAGNÓSTICO PRELIMINAR DA COMUNICAÇÃO
BASEADO EM MÚLTIPLAS EVIDÊNCIAS
O Estatuto da UFT, apresentado em agosto de 2003 e homologado pela Portaria do
Ministério da Educação n° 658/2004, torna evidente essa aproximação entre os fins
da Instituição e tais meios ao prever, dentre as sete finalidades da Universidade, a de
“promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações
ou de outras formas de comunicação” (UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS
[UFT], 2003a, p. 3, grifo nosso). Exceto por essa menção, contudo, a única outra citação
direta da palavra “comunicação” ou do verbo “comunicar” na carta magna da UFT
aparece na página 6, no trecho que trata da estrutura da Reitoria com a Assessoria de
Comunicação Social em sua composição, a qual mais tarde veio a assumir o nome e o
status de Diretoria de Comunicação (Dicom)3, e incorporou a assessoria de comunicação do gabinete4.
Desta forma, diretamente vinculada à Reitoria, a Dicom está centralizada em Palmas,
contando apenas com colaboradores nos demais câmpus e em diferentes setores, não
subordinados a ela – na maior parte servidores sem formação em comunicação que
3. Não encontramos documentos que formalizem essa mudança de nomenclatura e estruturação, mas
estimamos que tenha ocorrido em 2006, quando o servidor que ocupava o cargo de assessor de comunicação
desde a implantação da UFT, em 2003, foi designado para o cargo de diretor.
4. Em algumas versões do organograma da UFT encontramos a Assessoria de Comunicação da Reitoria e a
Dicom em blocos distintos, ambas vinculadas ao gabinete da Reitoria, mas sem vinculação aparente entre
si. Na prática, porém, entendemos que a assessoria do gabinete é um apêndice, ou núcleo avançado, da
Diretoria de Comunicação, e acreditamos que essa adequação deva ser considerada pela comissão instituída
em 2013 para a reformulação do organograma da Universidade, conforme mencionado no Relatório de
Avaliação Institucional (UFT, 2014, p. 152),
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atuam em funções diversas ou estagiários sem supervisão específica de profissionais
de comunicação. Isso, além de caracterizar descumprimento da Lei do Estágio (Lei n°
11.788/2008), a qual determina que a parte concedente deve indicar funcionário com
formação ou experiência profissional na área de conhecimento desenvolvida no curso
do estagiário para orientar e supervisionar suas atividades, implica que as ações não
são coordenadas a partir de uma lógica institucional ou de uma diretriz central/global.
Apesar de demandar tarefas a esses colaboradores em postos avançados, em geral a
Diretoria se adapta ao conteúdo por eles apresentado, nem sempre de acordo com o que
deveriam ser prioridades estratégicas.
Com o concurso para técnicos-administrativos realizado em 2014 e alguns processos de redistribuição, a Dicom cresceu e chegou, no primeiro trimestre de 2015, a
uma equipe de aproximadamente 35 pessoas, incluindo nove jornalistas, 16 estagiários nas diversas áreas (redação, vídeo, rádio, produção gráfica e administração), dois
programadores visuais, uma relações públicas, uma administradora, duas secretárias
e outros servidores em cargos diversos, em um número efetivo variável e um pouco
menor devido a afastamentos de saúde e para qualificação. Apesar do crescimento, a
Dicom ainda enfrenta dificuldades para capilarizar sua atuação por todos os câmpus
e setores acadêmicos e administrativos, e equilibrar a balança entre diretrizes centrais
e ações descentralizadas.
Conforme o Decreto n° 6.555/2008, enquanto unidade administrativa com atribuição
de gerir atividades de comunicação social em um órgão do Poder Executivo Federal,
a Dicom integra o Sistema de Comunicação de Governo do Poder Executivo Federal
(Sicom), gerido pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República
(Secom). Por força da autonomia administrativa, porém, ainda que siga em grande parte
as normativas e orientações gerais designadas pela Secretaria Executiva da Secom, a UFT,
por meio da Dicom, resguarda-se a possibilidade de fazer adaptações. Exemplo disso é
o guia próprio da Instituição de redação e formatação de documentos, elaborado com
base no Manual de Redação Oficial da Presidência da República, mas com características
particulares de acordo com a identidade visual da Universidade.
O Regimento Geral da UFT (2003b), define, em seu Capítulo I, as atribuições da Reitoria,
das pró-reitorias e dos conselhos deliberativos que compõem a Administração Superior
da Universidade, mas nada versa a respeito das atribuições específicas da Dicom, então
apenas Assessoria de Comunicação Social. Não tendo sido encontrados documentos
posteriores que tratem especificamente das designações da Diretoria, presumimos que
esta foi instituída para cumprir funções tácitas, ou que “naturalmente se esperam” de
um departamento de comunicação, apenas por prerrogativa do Gabinete de delegar
atribuições dentro de suas competências, sem que tenha havido uma documentação
regimental deste fato.
No Planejamento Estratégico 2006-2010 (UFT, 2006, p. 24), o mais recente publicado
até o momento, a comunicação, especificamente a comunicação interna, adjetivada no
documento como “precária”, é apontada como uma das oito fraquezas da Instituição.
Oito anos depois, essa constatação negativa ainda reverbera no Relatório de Avaliação
Institucional 2013 elaborado pela Comissão Própria de Avaliação (CPA), segundo o
qual a “falta de mecanismos articuladores e instrumentos de comunicação interna e
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externa” (id., 2014a, p. 29) é um dos obstáculos enfrentados pela UFT para cumprir sua
missão institucional.
Para além das críticas, que se voltam para trás, tais documentos pouco contribuem no
sentido de indicar, à frente, caminhos de melhoria e mudança em relação à comunicação.
O Planejamento Estratégico 2006-2010 (até então sem nova edição publicitada) limitase a situar a adoção de “uma ativa política de comunicação e de divulgação (interna e
externa) acerca das realizações, na busca da construção da imagem institucional” (ibid.,
p. 27) dentre os objetivos estratégicos de aperfeiçoamento da gestão.
O Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI, UFT, 2007b) e o Projeto PedagógicoInstitucional (PPI, UFT, 2007a) da UFT ratificam o Estatuto ao estabelecer que,
com vistas à consecução da missão institucional, todas as atividades de ensino, pesquisa e
extensão da UFT, e todos os esforços dos gestores, comunidade docente, discente e administrativa deverão estar voltados para:
I. o estímulo à efetiva interação com a sociedade, a criação cultural e o desenvolvimento do
espírito científico e do pensamento reflexivo;
[...]
IV. a promoção da divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem
o patrimônio da humanidade comunicando esse saber através do ensino, de publicações ou de
outras formas de comunicação [...] (UFT, 2011, p. 11, grifo nosso; id., 2007a, p. 11, grifo nosso).
Ainda no PDI (2011-2015), a comunicação é citada entre os objetivos estratégicos
da dimensão de várias dimensões, mas duas menções ao termo comunicação chamam
especial atenção: entre as estratégias de extensão, consta “criar e implementar o plano
de comunicação para a extensão” (ibid., p. 40), e nas estratégias de apoio à permanência
dos estudantes nos cursos de graduação, tem-se “implementar, na UFT, um sistema de
comunicação eficiente, para garantir que os alunos da Instituição, em especial os mais
carentes, possam usufruir dos benefícios a que têm direito” (UFT, 2011, p. 43). Como as
estratégias estão elencadas por departamento, estando estas no âmbito das pró-reitorias
de Extensão e Cultura (Proex), e Assistência Estudantil e Comunitária (Proest), respectivamente, e a própria Diretoria de Comunicação tem no PDI ações especificadas, destacamos estas menções para ilustrar uma situação que, a nosso ver, caracteriza desvio de
competências, e não se restringe, na UFT, apenas a esses casos. Outro exemplo é o fato
de o PPI apontar, dentre as diretrizes para uma gestão humanizada a serem conduzidas
pela Pró-Reitoria de Administração e Finanças, o item “repensar a estrutura organizacional e instâncias da UFT principalmente no que se refere à forma de comunicação [...]
e à articulação com a sociedade externa. (id., 2007a, p. 27).
Sob nosso ponto de vista, em primeiro lugar, se a comunicação na Universidade
fosse pensada de forma estratégica e integrada, não caberia em nenhuma hipótese o
desenvolvimento de “um plano de comunicação para a extensão”, muito menos desenvolvido de forma alheia à Diretoria de Comunicação, entendida aqui como o departamento responsável pela gestão da comunicação organizacional, apesar da inexistência
de sua designação formal. Caberia, sim, um plano de comunicação institucional único,
abrangente o suficiente para contemplar os três eixos basilares da Universidade – ensino,
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Planejamento e avaliação da Comunicação Organizacional em Universidades Públicas: o caso da UFT
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pesquisa e extensão –, tendo em vista serem indissociáveis, e ao mesmo tempo capaz de
captar as particularidades de cada um. Em segundo lugar, não caberia ao outro departamento, que não a Dicom, a “implantação de um sistema de comunicação eficiente”
para qualquer objetivo organizacional. Se o sistema de comunicação organizacional
vigente é considerado ineficiente, a proposição de um novo deveria partir da Diretoria
de Comunicação, em parceria com os demais setores estratégicos, e mais uma vez de
forma integrada. O mesmo princípio se aplica à atribuição de “repensar a estrutura
organizacional e instâncias da UFT no que se refere à forma de comunicação”, pois
ainda que a gestão da estrutura organizacional seja atribuição do setor administrativo,
o planejamento da comunicação e a sua reestruturação não poderiam ocorrer de forma
alheia à Dicom, salvo se fosse o caso de destituí-la.
A respeito da política de comunicação da Universidade, o PDI da Universidade é vago
no breve trecho reproduzido ipsis litteris nas edições 2007-2011 e 2011-2015, limitando-se,
em quatro parágrafos, basicamente, a afirmar que
a política de comunicação da UFT consiste em construir e projetar a imagem de uma universidade forte e autônoma, integrada no contexto socioeconômico do Tocantins e da Amazônia,
conforme a missão e visão de futuro definidas no Planejamento Estratégico da Instituição.
(UFT, 2010, p. 53 e id., 2007, p. 30).
Quais são os objetivos específicos e as atribuições próprias da Diretoria de
Comunicação da UFT? Quais são suas metas? Como essas metas serão avaliadas? Quem
são os públicos estratégicos prioritários? Essas e diversas outras perguntas ficam sem
resposta nos documentos existentes. Ao ser, por um lado limitada e econômica em
diretrizes e, por outro, abrangente demais em seu sentido, a política de comunicação
proposta no PDI incorre em dois problemas principais: sem uma delegação formal de
competências – o que lhe cabe e o que não lhe cabe fazer – ora a Dicom fica impedida de
exercer (e de reivindicar até) suas responsabilidades pela falta de uma normativa que lhe
garanta autoridade para intervir em casos, por exemplo, em que a imagem institucional
seja afetada por atos inadvertidos de setores alheios; ora a Diretoria é tomada como
“quebra-galho” para o desempenho de tarefas genéricas partindo-se da premissa de que
“tudo envolve comunicação”, correndo o risco, por conta dessas demandas extras, de
negligenciar funções que lhe seriam próprias, e ignorando-se a responsabilidade de todas
as pessoas e demais setores envolvidos no processo de comunicação organizacional.
Assim, ironicamente, a despeito de afirmar que busca “resolver problemas e indefinições
que permeiam o dia-a-dia da Universidade” (ibid.), a Dicom tem na própria ausência de
diretrizes um exemplo de algo que ainda precisa ser definido.
E se a política de comunicação, que deveria servir de base para o planejamento,
juntamente com os documentos elementares da Instituição, é falha, para não dizer
inexistente, o próprio planejamento também apresenta problemas, com consequências
óbvias no desenvolvimento de ações. A comparação entre as ações de comunicação
previstas nos dois planos de desenvolvimento da Universidade evidencia que em
pelo menos quatro anos de intervalo a Instituição pouco evoluiu neste quesito, e a
constatação prática de que diversas ações desenvolvidas não constam no PDI deixa
clara a discrepância entre o que é planejado e o que realmente é executado em relação
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à comunicação organizacional. Além disso, o vislumbre de que várias ações planejadas
para serem desenvolvidas até 2015 não estão sequer em estágio de elaboração indica que,
possivelmente, o cenário de estagnação em alguns aspectos deve se repetir no próximo
PDI caso o planejamento não seja repensado e melhor estruturado, inclusive com maior
detalhamento das ações em planos e projetos.
O Relatório de Gestão 2013 (UFT, 2014b), corrobora com nossa análise de que existe
um desalinhamento entre planejamento e prática de comunicação na UFT ao não
mencionar ações previstas no PDI e citar outras, como o lançamento do novo Portal da
UFT, em 22 de maio de 2013 – sem explicitar que a migração do antigo site e respectiva
retirada do ar ainda não fora concluída –, o lançamento do novo Portal do Professor e
a programação alusiva aos 10 anos da implantação da UFT, que incluiu o lançamento
de um selo comemorativo, entre outras campanhas institucionais.
Fora essas observações pontuais, focadas basicamente no nível de produto, o relatório
não traz dados que possam ser comparados para uma real avaliação da evolução da
comunicação na Instituição. Acrescenta apenas que “a estratégia tem sido adequar e
fortalecer os veículos institucionais” (id., p. 198), e cita que “93,6% das notícias veiculadas
na mídia sobre a UFT de janeiro a outubro de 2013 tiveram conotação positiva” (id., p.
200), com média de 3,5 notícias publicadas por dia.
Sem bases que fundamentem uma efetividade da comunicação, o Relatório, embora
admita a necessidade de aprimoramento e superação de barreiras de comunicação interna
e de democratização do conhecimento acadêmico, afirma que
a comunicação pode ser considerada efetiva porque abrange os diferentes públicos da
Universidade e trata de estabelecer canais de relacionamento visando aproximar a instituição tanto da comunidade interna quanto da comunidade externa. (ibid.)
O Relatório afirma ainda que
Ela [a comunicação] é comprometida com a missão da Universidade enquanto busca, principalmente, difundir os conhecimentos produzidos na Universidade e contribuir, por meio
da informação, com a formação de cidadãos e profissionais qualificados em todas as áreas,
comprometidos com o desenvolvimento sustentável. (id., p. 200-201)
Tal afirmação, entretanto, não se sustenta em dados e é questionável, sobretudo,
no aspecto de buscar, principalmente, difundir conhecimentos, se a confrontarmos,
por exemplo, com o levantamento do mês de janeiro de 2015 das ações da Dicom. O
levantamento mostra que o número de matérias publicadas no Portal UFT (muitas das
quais são enviadas como sugestões de pauta à imprensa) caracterizadas efetivamente
como divulgação científica representa apenas 1% do total da produção jornalística para
esse veículo institucional. Além disso, até o primeiro trimestre de 2015 a revista de
jornalismo científico, com foco na divulgação da produção acadêmica da UFT, ainda
não tinha previsão de lançamento de sua primeira edição.
Além de ratificar as discrepâncias entre planejamento e prática, a análise do relatório
reforça a ideia da falta de indicadores reais para a mensuração da comunicação na
Instituição. O documento afirma que, na Dimensão “Comunicação com a Sociedade”
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do Sinaes, avaliada pela CPA, são considerados três indicadores: Coerência das ações
de comunicação com a sociedade com as políticas constantes dos documentos oficiais;
Comunicação interna e externa; e Ouvidoria. Esses itens, no entanto, apenas listados sem
valor atribuído que permita um balizamento, não servem como termômetro demonstrativo
da situação da comunicação na Universidade, tampouco como variáveis comparativas
para o estabelecimento de metas e a construção de índices que sintetizem os conceitos
abstratos que se pretende avaliar na referida dimensão, mesmo se considerarmos os
dados nessa dimensão apresentados no próprio relatório da CPA.
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES DE UM ESTUDO EM ANDAMENTO
Até aqui, recorrendo a informações pré-existentes em diversos documentos
institucionais, e também a outros dados não documentados aos quais tivemos acesso,
procuramos compreender a comunicação organizacional na UFT nos mais variados
aspectos de sua complexidade. Obviamente, todo o apanhado de dados abordado até
aqui é um recorte limitado que exclui outras tantas possibilidades de análise.
Nosso diagnóstico ainda será aprofundado na etapa seguinte do trabalho que
consiste na pesquisa de opinião para análise da efetividade da comunicação, o que não
nos impede de tecer algumas considerações preliminares acerca do cenário apresentado,
as quais devem ser ratificadas e melhor desenvolvidas à medida que avançamos.
Em primeiro lugar, é vidente a fragilidade das bases institucionais da comunicação
na UFT e a inexistência de diretrizes claras e de uma política consistente que permita
um direcionamento mais efetivo e integrado das ações nesse setor.
Em segundo lugar, ao confrontarmos os PDIs, os relatórios de gestão e o relatório
da CPA, fica claro que a comunicação na Universidade tem avançado pouco desde a
sua implantação, pelo menos em relação às prioridades estratégicas planejadas. Talvez
ainda mais grave que isso, é notável a falta articulação e sintonia entre o que se planeja,
o que se executa e o que se avalia.
Além disso, a falta de metas objetivas, associada à uma avaliação mais focada em
produto que em efeito - nos moldes desenvolvidos pela CPA – gera uma falsa sensação
de planejamento e prestação de contas, com planos meramente ilustrativos e relatórios
com teor meramente descritivo, que criam apenas uma ilusão de prestação de contas, mas
não permitem um efetivo controle público das ações desenvolvidas e tampouco oferecem
resposta a questões práticas a serem enfrentadas pela comunicação na organização.
Percebe-se, ainda, que a estrutura ampla e plural da Universidade, com seus sete
câmpus, dezenas de curso de graduação e pós-graduação em diferentes áreas do
conhecimento, e diversos setores acadêmicos e administrativos, é um desafio grande
a ser enfrentado pela Diretoria de Comunicação, que precisa reforçar estratégias para
ramificar sua composição atualmente centralizada na Reitoria.
Há, na UFT, diversos ruídos, gargalos e “espaços de descomunicação” a serem
explorados por ações de redefinição estratégica dos veículos e canais institucionais
existentes, criação de outros inexistentes, e, sobretudo, por ações de engajamento que
promovam uma “consciência comunicativa” (DUARTE e MONTEIRO, 2009) entre todos
os sujeitos envolvidos.
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4793
Os papéis e as probabilidades da comunicação
na Ouvidoria das Universidades Públicas
Roles and odds of communication in the
Ombudsman of Public Universities
Ta s s i a r a B a l d i s s e r a C a m at t i 1
Resumo: Com o objetivo de refletir sobre o papel da ouvidoria nas organizações universitárias, tendo por base os conceitos de comunicação, universidade e ouvidoria, propomos este artigo. Nosso estudo parte da Teoria dos
Sistemas (LUHMANN, 1996) e se concretiza com o método da Hermenêutica de
Profundidade, proposto por Thompson (1995), que nos possibilita compreender,
interpretar e reinterpretar os sistemas e seu entorno. Quanto aos procedimentos
metodológicos, optamos pela análise documental, levantamento de dados - via
questionário, entrevista e observação direta, além da análise histórica e formal/
discursiva nas quais utilizamos a análise de conteúdo proposta por Bardin
(1977). O objeto de pesquisa, foi composto pelas ouvidorias das universidades
públicas, associadas e participantes do XIII Encontro Nacional do FNOU. Ao
final, tecemos algumas considerações que expressam o resultado das reflexões
realizadas e compreendemos que a ouvidoria desempenha a função de agente
com múltiplos papéis: facilitador, educador e mediador, participando, mesmo
que indiretamente, do sistema universitário. Nossa constatação é que a ouvidoria
consolida-se por meio de um processo de comunicação, baseado em diversidade
de interpretações, advindas das interações coletivas.
Palavras-Chave: Comunicação Organizacional. Luhmann. Ouvidoria
Universitária. Universidade Pública.
Abstract: In order to reflect on the role of ombudsman in university organizations, based on the concepts of communication, university and ombudsman, we
propose this article. Our study of the systems theory (LUHMANN, 1996) and
is realized with the method of Depth Hermeneutics, proposed by Thompson
(1995), which enables us to understand, interpret and reinterpret the system and
its surroundings. In the methodological procedures, we opted for document
analysis, data collection - via questionnaire, interview and direct observation,
in addition to historical analysis and formal / discursive in which we use the
1. Bacharel em Comunicação Social, habilitação Relações Públicas, pela Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ (2002), Especialista em Gestão da Informação Estratégica pela UCS,
Université de Poitiers e Universidade de Monterrey (2004), Mestre em Administração pela Universidade de
Caxias do Sul - UCS (2008) e Doutora em Comunicação pela PUCRS. Atualmente é Diretora de Projetos da
Intercom - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares em Comunicação, Gestão 2014 - 2017. Membro
do GECOR (Grupo de Estudos Avançados em Comunicação Organizacional) PPGCOM/ Famecos/ PUCRS,
da célula Brasil da CISC (Comunidade Ibero-americana de Sistemas do Conhecimento) e da RMCFM (Rede
Mediterrânea de Comunicação e Formação Multimidia). E-mail: [email protected]
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4794
Os papéis e as probabilidades da comunicação na Ouvidoria das Universidades Públicas
Tassiara Baldissera Camatti
content analysis proposed by Bardin (1977). The object of research was composed of the ombudsman of the public universities, associates and participants
in the XIII National Meeting FNOU. In the end, we weave some considerations
that express the result of discussions held and understand that ombudsman
plays the agent function with multiple roles: facilitator, educator and mediator,
participating, even indirectly, the university system. Our finding is that the
ombudsman is consolidated through a process of communication, based on
diversity of interpretations, arising from the collective interactions.
Keywords: Organizational Communication. Luhmann. University Ombudsman.
Public University.
INTRODUÇÃO
REFLEXÃO QUE propomos neste artigo faz parte de nossa pesquisa de doutorado
A
e advém da compreensão do ambiente enquanto espaço produzido e produtor,
de relações comunicativas que se estabelecem entre a sociedade, as organizações
e os indivíduos. Partimos do princípio de que a sociedade tem como características
principais a complexidade e a diferenciação, orientados pela teoria sistêmica, proposta
por Luhmann (1990).
Nossa intenção é descortinar, por meio da pesquisa científica, contribuições para os
estudos em comunicação, problematizando-os ao propormos um mergulho no ambiente
contemporâneo repleto de divergências, mudanças e irritações. Nesse viés, visualizamos
na ouvidoria universitária uma possibilidade frutífera de pesquisa, por constituir-se,
a nosso ver, um objeto de estudo instigante. Faz parte das inúmeras iniciativas que
visam ampliar a interação das organizações com seu entorno, concebendo um “campo
de diálogo, que se processa nos mais diversos níveis de relacionamento, tanto interno
quanto externo” (BASTOS; MARCHIORI; MORAES, 2012, p. 86).
Sob esta perspectiva pretendemos refletir sobre o papel da ouvidoria nas organizações
universitárias públicas brasileiras, resgatando por meio da pesquisa bibliográfica as
origens da universidade e da ouvidoria para então compreendê-las enquanto sistemas
sociais participantes do ambiente complexo. É preciso, portanto, romper com a
racionalidade do espaço e promover sua fluidez2; torná-lo domínio da liberdade, não o
considerando como “simples materialidade, isto é, o domínio da necessidade, mas como
teatro obrigatório da ação” (SANTOS, 1994, p. 39). Nesse prisma, além da variedade das
coisas e das ações, podemos entender que o tempo e o espaço incluem uma multiplicidade
infinita de perspectivas. Com isso, são quebrados antigos paradigmas funcionalistas,
que consideravam tempo e espaço como padrões de controle às alterações do contexto,
sendo também concebido, a partir disso, um novo entendimento de lugar. Assim, “Se
o universo é definido como um conjunto de possibilidades, estas pertencem ao mundo
2. Para Milton Santos, a fluidez diferencia-se do território a medida que é colocada a serviço da competitividade
e não se limita ao espaço habitado. Também para o autor, a fluidez pode ser virtual ou real. Diz ele: “De
um lado, temos uma fluidez virtual, oferecida por objetos criados para facilitar essa fluidez e que são cada
vez mais, objetos técnicos. Mas os objetos não nos dão senão uma fluidez virtual, porque a real vem das
ações humanas, que são cada vez mais ações informadas, ações normatizadas.” (SANTOS, 2005, p. 255-256).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4795
Os papéis e as probabilidades da comunicação na Ouvidoria das Universidades Públicas
Tassiara Baldissera Camatti
todo e são teoricamente alcançáveis em qualquer lugar, desde que as contradições estejam
presentes” (SANTOS, 1994, p. 52).
Quanto ao método, visualizamos como opção fértil de interlocução para os desafios
apresentados, a hermenêutica, também conhecida como a teoria geral da interpretação,
por considera-la adequada quando estudamos os sistemas, seu entorno, as relações
estabelecidas e as inúmeras possibilidades interpretativas que surgem no caminhar da
pesquisa. Portanto, nossa escolha pela HP3 (THOMPSON, 1995) deve-se ao seu diferencial
em admitir múltiplas interpretações acerca da problemática proposta, possibilitando-nos
compreender como à vida cotidiana, agregada à análise sócio-histórica e à análise formal
ou discursiva, propicia a interpretação e reinterpretação de contextos, organizações,
indivíduos e suas relações. Outro ponto é que por meio do desenho metodológico
que Thompson (1995) apresenta, concretizamos nossa proposta de caminho inicial, ao
mesmo tempo em que fomos instigados a refletir sobre as infinitas (re)interpretações que
podemos elucidar a partir dos achados da pesquisa. Nossa busca conta com diversos
procedimentos metodológicos, tais como pesquisa bibliográfica, pesquisa documental,
questionários, observação direta e entrevista, sobre as quais realizamos a análise de
conteúdo (BARDIN, 1977).
Além disso, acreditamos que pelo viés do método, será possível entendermos o
indivíduo como um composto de corpo e mente; um sistema (LUHMANN, 1998), físico,
psíquico e social, dotado de conhecimento e em constante evolução. Um ser inacabado,
que constrói e reconstrói a si mesmo e seu entorno, a partir de inúmeras necessidades,
constituindo-se pela comunicação.
COMUNICAÇÃO: UM PROCESSO SOCIAL COMPLEXO
Nossa proposição de pesquisa provém da área das Ciências Sociais Aplicadas e
adentra no campo da Ciência da Comunicação por meio dos estudos organizacionais,
concebidos como sistemas sociais. Buscamos compreender as relações de troca entre os
indivíduos e como as mesmas revelam novas concepções, pois no processo comunicativo
os inúmeros fatores envolvidos não estão sob controle dos sistemas participantes. Ou
seja, “[...] não existe nenhum meio que facilite directamente um progresso constante do
entendimento entre os homens” (LUHMANN, 2006, p. 45).
Outro fator preponderante que pontuamos, é que a comunicação está afeta ao
ambiente, o entorno, relacionando-se direta e indiretamente com ele e com a complexidade
existente. Esta a nosso ver, compreende que cada Ser é um sistema em si mesmo, com
princípios autorreferenciais que apresentam a “capacidade de estabelecer relações consigo
mesmos e de diferenciar essas relações frente às de seu entorno.” (LUHMANN, 1998,
p. 38), visto que a “Complexidade não é uma operação, não é nada que um sistema faça
ou que nele ocorra, mas é um conceito de observação e descrição”, inclusive próprio
(LUHMANN, 1990, p. 136). Para tanto “[...] a complexidade significa obrigação à seleção,
obrigação à seleção significa contingência e contingência significa risco” (LUHMANN,
1990, p. 69). Já a diferenciação possibilita-nos entender que qualquer análise ‘teóricosistêmica’ está vinculada às diferenças entre sistema e entorno, pois “[o]s sistemas se
3. Abreviatura do método da Hermenêutica de Profundidade.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4796
Os papéis e as probabilidades da comunicação na Ouvidoria das Universidades Públicas
Tassiara Baldissera Camatti
constituem e se mantêm mediante a criação e a conservação da diferença com o entorno
e utilizam seus limites para regular tal diferença. Sem diferença com relação ao entorno
não haveria autorreferência” (LUHMANN, 1998, p. 40). O entorno constitui-se do que
não é parte do sistema, está ‘externo’ a ele e distingue-se dele. Para Luhmann (1998), tudo
que não for o sistema observado, será entorno. Ou seja, o sistema possui características
próprias que possibilitam referir-se a si mesmo, fechando-se, mesmo que parcialmente.
Isto posto, frisamos que a dualidade sistema/entorno, ponto central do paradigma
sistêmico Luhmanniano, será fundamental em nossa análise, a fim de que possamos
compreender se a comunicação na ouvidoria universitária possibilita que os sistemas
fechados, abram-se por meio da interpenetração e do acoplamento mútuo (LUHMANN,
1998). Isso ocorre quando sistemas diversos entram em relação, desestabilizando o
equilíbrio do sistema autopoiético e autorreferencial, levando à sua abertura e evolução
(LUHMANN, 1998).
Portanto, compreendemos a comunicação enquanto um processo social complexo,
constituído a partir de informações e experiências individuais que extrapolam e propõem
novas concepções coletivas, mesmo que divergentes. Podemos dizer que as organizações
são unidades de conhecimento comum, compostas por sistemas organizados e indivíduos
multifacetados, organismos vivos, conforme postulam Luhmann (1996, 1997, 1998, 2006,
2007) e Morgan (1996). Por isso, à medida que os sistemas sociais se tornam mais complexos,
é preciso conseguir lidar com contextos de ordem e desordem, estáveis e dinâmicos, com
períodos de desintegração, e, consequentemente, necessidade de reintegração, sendo
a comunicação o processo capaz de equacionar diferentes perspectivas em caminhos
coletivos possíveis. Partimos do entendimento de que a comunicação não é consenso,
mas sim diversidade de interpretações; o que na perspectiva Luhmanniana (1992, 2006)
denomina-se a abordagem complexa do mundo atual, que transpõem o sistema orgânico,
psíquico e social da ideia de unidade para a noção de diferença4.
Curvello e Scroferneker (2008, p. 12), referendam que a teoria dos sistemas e o estudo
da complexidade são uma “possibilidade de nos redimirmos da opção limitadora que
nos separa do mundo e de nós mesmos”. Deixamos de compreender o mundo com olhos
complacentes e passamos a englobar novas possibilidades às realidades existentes.
Para tanto, os autores expõe que “essa escolha nos leva a romper com o pensamento
simplificador, reducionista, causal, linear e monádico, típico das abordagens objetivistas
da realidade e adotar um enfoque de tipo interacional, circular e sistêmico” (CURVELLO;
SCROFERNEKER, 2008, p. 12).
Acreditamos que a comunicação é um processo destinado a normalizar as relações
‘sistema-meio’, não pelo consenso, mas pela interação5. Tida como “[...] uma operação social
que pressupõe uma maioria de sistemas de consciências colaboradoras” (RODRIGUES;
NEVES, 2012, p. 10), torna-se possível amenizar os impactos das mudanças e conflitos
4. A complexidade para Luhmann está diretamente ligada ao fato de que os sistemas são autopoiéticos,
autorreferentes e operacionalmente fechados. Por estas características diferem-se dos demais sistemas e
do entorno, que os circunda (LUHMANN, 1998).
5. Compreendemos, com base em Uhry (2010, p. 20), que “A interação é a comunicação de pelo menos duas
pessoas na qual se pressupõe convívio, diálogo, trato, contato constante. É atividade compartilhada, em
que existem trocas e influências recíprocas, um conjunto de relações entre indivíduos, grupos ou mesmo
entre grupos”.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4797
Os papéis e as probabilidades da comunicação na Ouvidoria das Universidades Públicas
Tassiara Baldissera Camatti
a que estamos sujeitos, restabelecer a ordem dos sistemas sociais e sinalizar novas
perspectivas interativas.
Nesse sentido, “deve-se, sobretudo, esclarecer aqui que sistema e entorno, quando
constituem os dois lados da forma, se encontram, indubitavelmente, separados, porém
não podem existir sem estar referidos um ao outro” (LUHMANN, 2006, p. 42-43). Analisar
um processo de comunicação que permeie a dinâmica dos sistemas, evolua do nível da
linguagem para o nível das relações humanas complexas das sociedades atuais e vise
sua autorreferência mediante a compreensão e autopreservação do ‘sistema-meio’ é a
nossa busca, ao propormos o estudo na ouvidoria universitária.
A COMUNICAÇÃO NAS OUVIDORIAS DAS
UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS
Nossa concepção fundamenta-se no princípio de que à comunicação é um processo
interativo dos sistemas existentes, a sociedade, as organizações e os indivíduos que dela
fazem parte e que nela, ou com ela, se relacionam. Nossa compreensão é que a comunicação organizacional é “um metassistema social e tecnológico – que tem como objeto
de estudo os processos comunicacionais, no âmbito das empresas e das instituições,
suas redes de relacionamento e sociedade” (NASSAR, 2008, p. 73). Por isso, acreditamos
que estudar o processo de comunicação organizacional, pressupõe aproximar os conceitos teóricos sobre organizações e comunicação, a fim de compreender como a relação
‘sistema-meio’ (LUHMANN, 2006) acontece. Nesse contexto, trazemos a universidade
enquanto uma proposta peculiar de organização, questionando se a mesma pode ser
compreendida enquanto uma teia de relações entre indivíduos, que agrega em si comunicação, informação e conhecimento para se desenvolver.
Para dar conta de nossa pesquisa, observamos que “[...] ‘objetos de conhecimento’ não
equivalem às coisas do mundo, mas são, antes, formas de conhecê-las; são perspectivas
de leitura, são construções do próprio conhecimento” (FRANÇA, 2002, p. 17). Portanto,
a escolha de nosso objeto de estudo teve como pressupostos: (a) atendimento a diversos
públicos; (b) fazer parte do segmento educacional; (c) possuir processo de comunicação
instituído; (d) ter ação de caráter interativo e mediador. Com base nesses critérios,
optamos por estudar a ouvidoria das universidades públicas brasileiras associadas ao
Fórum Nacional de Ouvidores Universitários - FNOU.
Na primeira etapa, realizada via questionário, definimos a amostra ideal e calculamos
a margem de erro (ME) da amostra atingida (18) frente a população (36). Esta apontou
16,67%, sendo considerada válida por ter abrangência de 50% da população total. Outros
aspectos que destacamos para a validação da amostra, segundo Aaker, Kumar e Day
(2011) é que por configurar-se numa amostragem não probabilística intencional, ou por
julgamento, sua relevância encontra-se nos critérios de julgamento definidos - os filtros
aplicados para selecionar os respondentes, e na escolha de experts - elementos típicos e
representativos da amostra, no caso, os ouvidores universitários.
Quanto ao perfil dos respondentes, no que se refere à classificação frente à categoria
administrativa pública, 78% são universidades federais, 17% estaduais e 6% municipais.
Quanto ao ano de fundação, cinco ouvidorias foram criadas de 1984 a 2001, duas de
2002 a 2004, duas de 2005 a 2007, quatro de 2008 a 2010 e cinco de 2011 até 2013. Se
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Os papéis e as probabilidades da comunicação na Ouvidoria das Universidades Públicas
Tassiara Baldissera Camatti
considerarmos 2004 como ano de corte, constatamos que até esta data sete instituições
respondentes criaram suas ouvidorias. No entanto, a maioria - 11 instituições, realizaram
tal estruturação após 2004, provavelmente instigadas pelo SINAES6 (BRASIL, 2004).
Cabe-nos destacar que a maioria das ouvidorias universitárias públicas (66%) participante da pesquisa, foi criada formalmente por meio de Portaria ou Ato Normativo.
No entanto, um número expressivo (28%) foi criada por decisão institucional ou do
gabinete, configurando, a nosso ver, uma posição informal ao setor e ao trabalho que
desenvolve. No que tange aos motivos da criação, constatamos que para a maioria
(60%) dos respondentes deve-se a intenção de evoluir como instituição. No entanto,
praticamente um terço dos respondentes (28%) elencou como motivo para a criação da
ouvidoria a adequação aos quesitos de avaliação do ensino superior brasileiro, isto é,
o fator motivador não foi a melhoria, mas a exigência legal de fazê-lo. Nesse aspecto
entendemos que para uma parcela das universidades públicas respondentes o foco é
cumprir o protocolo para uma averiguação do MEC e não estabelecer um canal aberto
de comunicação com os públicos da instituição.
Quanto a hierarquia e subordinação, evidenciamos que está presente em todas
as ouvidorias respondentes, sendo a maioria afeta à Reitoria (58%). Chamou-nos
atenção que 10% estão subordinadas ao Conselho Universitário ou Conselho Superior,
hierarquicamente situados acima do Reitor.
Para realizar o atendimento presencial, 6% das ouvidorias respondentes não possuem
local definido, 88% contam com local reservado e 6% não reservado, o que indica que o local
conta com fluxo de pessoas ou é dividido com outros setores. Quanto a isso destacamos
que para observar os princípios constituintes da ouvidoria - sigilo, imparcialidade
e transparência (LYRA, 2012) – é preciso disponibilizar um local para atendimento,
evitando a exposição pública do demandante. Já os procedimentos realizados seguem
o padrão: registro, encaminhamento, resposta e relatório dos atendimentos, além do
agendamento. O registro protocolado presencial, é realizado por 82% dos respondentes
e possibilita assegurar transparência ao processo de atendimento na ouvidoria, pois fica
disponível tanto para o demandante quanto para a instituição e referenda o princípio
da imparcialidade a medida que acompanha o desenrolar da solução nos mais variados
setores. Compreendemos, assim, que a comunicação tanto oral quanto escrita, verbal ou
não-verbal, é fundamental para que a equipe de ouvidoria realize esta função.
Luhmann (2006) sugere que alguns meios capazes de vencer as improbabilidades
da comunicação são ouvir, dialogar, interagir e se relacionar. Nesse sentido buscamos
compreender como acontece o atendimento presencial nas ouvidorias das universidades
públicas e por meio do questionário, constatamos que existe e é prestado pela maioria
das ouvidorias respondentes (94%). Este é de responsabilidade da equipe de ouvidoria,
mas conta, em muitos casos (65%), com a atuação direta do ouvidor.
Quanto às funções do Ouvidor, expostas na Figura 1, constatamos que são inúmeras
e abrangem aspectos estratégicos, táticos e operacionais das universidades. O destaque
que fazemos é que em todas a comunicação está presente, motivando a interação em
menor ou maior grau entre os públicos e a instituição. Quanto a função de professor,
6. Sistema de Avaliação da Educação Superior, instituído pela Lei 10.861, de 14 de abril de 2004.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Os papéis e as probabilidades da comunicação na Ouvidoria das Universidades Públicas
Tassiara Baldissera Camatti
esclarecemos que não está no escopo da atividade do ouvidor. No entanto, foi citada
por muitos ouvidores desempenharem também a docência.
Figura 1. Funções do Ouvidor - Elaborado pela pesquisadora (2013).
A segunda etapa de nossa pesquisa foi composta por entrevista e observação
participante, aos quais aplicamos a metodologia da análise de conteúdo (BARDIN, 1977).
Avaliamos a constituição do corpus, submetendo-o às quatro regras de validação definidas
pela autora: exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinência. Quanto
a exaustividade (grifo nosso), cabe-nos dizer que contemplamos todas as manifestações,
colhidas na entrevista e no debate observado durante o XIII Encontro Nacional do FNOU,
sem qualquer seleção ou corte. Quanto à representatividade (grifo nosso), o corpus está
validado por ter abrangência de 50% da população total, conforme já descrito. O princípio
da homogeneidade (grifo nosso) foi observado, a medida que norteamos as entrevistas
por um roteiro semiestruturado e realizamos a observação direta no debate sob temas
pré-definidos pela organização do evento e de conhecimento de todos os participantes.
Quanto a pertinência (grifo nosso), entendemos que os documentos configuram-se como
fontes de informação relevantes e válidas à análise da problemática proposta.
Com a análise, percebemos que na comunicação com o demandante (grifo nosso)
a ouvidoria propicia a liberdade de expressão mediante o amplo esclarecimento de
dúvidas e o acesso facilitado ao ouvidor. Este, na visão dos ouvidores, define a ouvidoria
como instância resolutiva, a medida que busca proativamente a solução da demanda
apresentada, observando a importância da agilidade da resposta, de maneira objetiva
e transparente.
Com os setores (grifo nosso) da universidade, percebemos maior preocupação com a
formalidade da comunicação, predominando o uso do código verbal e envolvendo termos
técnicos específicos da área em questão. A observância de padrões como prazo e formato
da resposta é um ponto importante para garantir um nível mínimo de compreensão e
consistência às respostas que, por vezes, expõem decisões institucionais. A autonomia do
ouvidor possibilita a cobrança de retorno, no caso de atrasos, ou nova resposta, no caso
de inconsistência. Avaliamos que tal procedimento causa desgaste no relacionamento
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Os papéis e as probabilidades da comunicação na Ouvidoria das Universidades Públicas
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da ouvidoria com os setores em questão. No entanto, percebemos que a disponibilidade
do ouvidor para acompanhar a solução e resposta das demandas, ou orientar caso
solicitado, assim como o respeito e a busca de aproximação via visitas e pelo diálogo,
é uma iniciativa fértil para ampliar a confiança dos setores no trabalho da ouvidoria.
Em relação à comunicação com os professores (grifo nosso), a ouvidoria segue as
premissas dos setores, atentando para um trabalho profissional, baseado no respeito
mútuo e na comunicação direta. O desafio na interação com este público deve-se à
necessidade de transpor o egocentrismo que distancia os docentes, principalmente os
que detém cargos de gestão universitária, da observância de prazos e consistência das
respostas para as demandas encaminhadas pela ouvidoria. Nesse sentido a ouvidoria
posiciona-se como órgão autônomo e independente, legitimado pelo reitor, para buscar as respostas necessárias no contexto universitário. Cabe-nos destacar, com base
em nossa pesquisa, que parte dos professores das universidades públicas do contexto
estudado são um obstáculo ao trabalho da ouvidoria a medida que não respondem as
demandas e acumulam processos jurídicos, inclusive por assédio moral e sexual, que
geram também a abertura de processos administrativos. A resignação dos ouvidores
encontra-se no fato de não existir uma ação definitiva, por parte da reitoria e da cúpula
administrativa das universidades, que evite esta situação. O depoimento do Ouvidor
B, explicita nossa constatação ao dizer que um caso de perseguição de aluno foi solucionado com o “professor encaminhado para doutorado enquanto o aluno terminou o curso”.
Para subsidiar nossa compreensão, resgatamos as imagens da organização (MORGAN,
1996), em especial a metáfora do sistema político, reforçando que a universidade pública
é um espaço de relações de poder entre iguais, no caso os professores. Por isso, acreditamos que o ônus pelo erro é atenuado por ser possível que as posições se invertam e
desta maneira não se é o poder, se está no poder e este pode ser perdido, dependendo
do jogo político que for instituído (MAQUIAVEL, 1955). É importante também relatarmos que há professores que contribuem de forma positiva para a ação da ouvidoria,
respondendo às demandas e encaminhando soluções. No entanto, estes, segundo os
ouvidores, não são a maioria.
Como já abordado anteriormente, a ouvidoria é criada na universidade por meio
de uma decisão institucional, advinda normalmente do reitor. Nas universidades
públicas observamos que a criação da ouvidoria efetiva-se por meio de portarias,
resoluções, normativas, etc., o que lhe atribui autonomia para realizar seu trabalho.
No entanto, a legitimidade é conquistada por meio do relacionamento que a ouvidoria
estabelece com os gestores universitários (grifo nosso), baseado na confiança que possibilita
liberdade de acesso e comunicação. Esta é uma realidade existente junto aos reitores,
segundo os ouvidores participantes da pesquisa. No entanto, há falta de apoio por
parte dos pró-reitores e gestores da linha intermediária (MINTZBERG, 2003), a medida
que não respondem às demandas, o que causa morosidade e desqualifica o trabalho,
comprometendo a eficiência e a eficácia do processo de ouvidoria. Nesses termos,
acreditamos que é preciso mais do que atender os requisitos do SINAES, despertar
a relevância da ouvidoria junto aos gestores acadêmicos e administrativos, por meio
da comunicação proativa de informações estratégicas, via relatórios, que alimentem o
processo de decisão e contribuam na gestão universitária.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Os papéis e as probabilidades da comunicação na Ouvidoria das Universidades Públicas
Tassiara Baldissera Camatti
PAPÉIS E PROBABILIDADES DA OUVIDORIA UNIVERSITÁRIA
Para interpretarmos os papéis da ouvidoria das universidades públicas brasileiras,
precisávamos chegar a um ponto comum baseados nas principais características que
encontramos na pesquisa bibliográfica e de campo. Optamos pela denominação Agente
(grifo nosso), por entendermos que a ouvidoria está continuamente em ação e por
meio desta característica desenvolve suas funções. Destacamos, no entanto, que não
buscamos qualificá-la de modo isolado, mas sim, indicar aspectos relevantes para a
análise, considerando que tanto a ouvidoria como seu entorno são complexos e, desta
forma, permeados por um processo comunicativo relacional e interativo que possibilita
diversos significados e interpretações. Portanto, propomos compreendê-la como um
agente múltiplo da universidade: facilitador, educador e mediador.
Enquanto Agente Facilitador (grifo nosso) a ouvidoria universitária está focada em
desenvolver um serviço especializado de registro, encaminhamento, solução e resposta,
para todos os públicos da universidade, não podendo se confundir com uma central de
informações. Logo, necessita primar pela agilidade e o fácil acesso à busca de soluções, via
múltiplos meios. Seus diferenciais neste sentido são o acompanhamento e o retorno que
propiciam a avaliação constante do trabalho, além do fomento às mudanças quando identificados entraves que prejudiquem a resposta, o que visa melhoria da ação organizacional.
Interpretar a ouvidoria como Agente Educador (grifo nosso), deve-se à sua disponibilidade em atender, ouvir e dialogar, possibilitando aos públicos a expressão de seus
sentimentos e a abertura à comunicação. Nesse prisma, a ouvidoria acolhe as manifestações e compreende a fundo seu teor, procurando gerar segurança e confiança nos
demandantes que a ela recorrem. Com base nos pressupostos libertadores da educação
(FREIRE, 2007), a ouvidoria busca estabelecer-se como um espaço para a emancipação dos
diversos públicos internos e externos da organização. Este, democrático, aberto, livre e
imparcial, fortalece os relacionamentos, desenvolvendo as organizações e os indivíduos.
Agente Mediador (grifo nosso), a nosso ver, é um papel delicado para a ouvidoria,
pois ao mesmo tempo que busca informações válidas para antecipar e prevenir crises
na organização, atua na mediação de conflitos que possam ocorrer dentro e fora do
contexto universitário. Um fato comprobatório é a crítica contra a PEC 45/097, realizada
por ouvidores e instituições públicas dos mais diversos segmentos, que demonstra o
entendimento de que a ouvidoria não pertence ao grupo de controle interno. Ela legitimase, na verdade, enquanto “órgão autônomo e independente, voltado, [...] à mediação da relação
entre a administração pública e os cidadãos e ao robustecimento da participação popular
no monitoramento e na construção das políticas públicas [...]” (DEFENSORIA PÚBLICA
DO ESTADO DE SP, 2013, p. 3) (grifo do autor). Isso corrobora com o texto do Manifesto
do Colégio das Ouvidorias (2013), assim como os princípios norteadores do exercício da
ouvidoria universitária: imparcialidade, autonomia e sigilo, pontuados por Lyra (2012),
fortalecendo, ainda mais, nossa interpretação. No entanto, cabe-nos lembrar com base
7. Projeto de Emenda Constitucional que pretende retirar a ouvidoria pública de sua função como
representante do povo, do cidadão, tornando-a subordinada às regras da Controladoria Geral da União.
Foi amplamente criticada em Nota Técnica e Manifesto expedidos pela Defensoria Pública do Estado de
SP (2013) com apoio de diversas instituições, pois diferencia os mecanismos de controle interno e externo,
enquadrando, erroneamente, a ouvidoria como parte do sistema de controle interno junto a Corregedorias,
Controladorias e Auditorias.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4802
Os papéis e as probabilidades da comunicação na Ouvidoria das Universidades Públicas
Tassiara Baldissera Camatti
em Lyra (2012) e Scroferneker (2010) que as resistências e a hostilidade, dos atores sociais
envolvidos nas demandas; a fragilidade do perfil institucional de ouvidor, muitas vezes
não respaldado pelas instâncias superiores; a instabilidade política e o atrelamento a
gestão universitária são pontos de melhoria para a ouvidoria das universidades públicas.
Outra questão pertinente é que a legitimação que advém de sua autonomia e relevância estratégica, ultrapassa barreiras hierárquicas e desvela problemas internos, na
busca de respostas para as demandas apresentadas. Nessa posição a ouvidoria tende
a ser um detector de fraquezas organizacionais, conhecendo as deficiências de setores,
estruturas e gestores. Por isso precisa estar atenta aos processos gerenciais da universidade para identificar, sempre que possível, formas alternativas de solução com menores
impactos e maiores resultados.
De maneira geral interpretamos a ouvidoria como um sistema que permeia toda a organização
via processos comunicacionais interativos (grifo nosso). Por sua capacidade de visão holística
é um meio condutor de descobertas e soluções, nas mais variadas instâncias e processos
das universidades. Nesses termos, identificamos que deve ser uma área de grande
atenção para a gestão, visto que pode ameaçar poderes instituídos, deflagrar corrupções
internas, revelar informações veladas, constituindo-se como possibilidade de governança
democrática e representativa do cidadão (CARDOSO; LIMA NETO; ALCANTARA,
2011) no contexto universitário.
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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A evolução da comunicação organizacional:
como planejar em tempos de mídias sociais digitais?
The evolution of organizational communication:
how can one plan in an era of digital social media?
B i a n ca M a r d e r D r e y e r 1
Resumo: Este artigo pontuará a evolução da comunicação organizacional até
chegar ao que entendemos como comunicação organizacional na contemporaneidade. Apresentará também modelos de comunicação e relações públicas que
podem nortear o planejamento da comunicação nas organizações. Por fim, mostrará um exemplo de como uma empresa multinacional atua frente ao contexto
contemporâneo da comunicação organizacional. Como método, foi realizado um
levantamento bibliográfico e um estudo de caso com a Nestlé Brasil S/A. Como
técnicas, a Netnografia e entrevistas em profundidade. A análise foi por meio da
observação não participante nas plataformas digitais da empresa selecionada.
Os resultados apontam a evolução na comunicação organizacional, assim como
a existência de modelos contemporâneos de comunicação e relações públicas que
podem auxiliar as empresas a planejar em tempos de mídias sociais digitais.
Concluiu-se que a empresa selecionada está presente em oito plataformas digitais
e apresenta interação com o público, porém não utiliza um modelo específico
de comunicação na sua íntegra para atuar no ambiente digital.
Palavras-Chave: Comunicação organizacional. Comunicação digital. Modelos.
Mídias Sociais Digitais.
Abstract: This article aims at pointing out the evolution of organizational communication reaching the point we understand it as contemporary organizational
communication. It will also present communication and public relations (PR)
models that can guide the communication planning in organizations. Finally,
it will provide an example of how a multinational company acts in a contemporary organizational communication context. As a method, a blibliographical
survey and a Nestlé Brasil S/A case study have been carried out. As techniques,
netnography and in-depth interviews have been utilized. The analysis has been
conducted by means of non-participant observation in the digital platforms of
the selected company. The results show the evolution in organizational communication as well as the existence of contemporary communication and public
relations models that can help companies plan in an era of digital social media.
We conclude that the selected company is present in eight digital platforms and
it shows interaction with the public, although it does not make use of a specific
communication model in its entirety to act in the digital environment.
Keywords: Organizational Communication. Digital Communication. Models.
Digital Social Media.
1. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM-ECA/USP),
Mestre em Ciências da Comunicação pelo mesmo Programa e Membro do COM+, grupo de pesquisa em
comunicação e mídias digitais da ECA/USP. [email protected]
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4805
A evolução da comunicação organizacional: como planejar em tempos de mídias sociais digitais?
Bianca Marder Dreyer
INTRODUÇÃO
COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL, hoje uma importante disciplina nos cursos
A
de comunicação, vem evoluindo e ampliando sua atuação principalmente após a
chegada das tecnologias de informação e comunicação – as TICs que, atualmente,
ampliam e, de certa forma, impõem novas estratégias aos profissionais de comunicação.
O profissional de relações-públicas, responsável pela gestão da comunicação nas
organizações, encontra-se, atualmente, diante de uma série de desafios para fazer com
que a essência da sua atividade – o relacionamento entre organização e públicos – se
desenvolva em ambientes digitais.
Os desafios para esse profissional implicam na compreensão de que existe mais uma
alternativa para o relacionamento entre organizações e públicos. Falamos, portanto, do
espaço virtual, do ambiente digital, repleto de características voltadas para a interação,
para o diálogo, para a simetria, ou seja, para elementos intrínsecos à sua essência.
Sendo assim, as plataformas de mídias sociais digitais, imbuídas de todas essas
características, contribuem para a proliferação de múltiplas vozes de indivíduos protagonistas para exercerem o ato de comunicar. Há, portanto, um compartilhamento do
controle da comunicação, onde as organizações perdem a primazia do discurso e os
indivíduos, com acesso à tecnologia, passam a ter a oportunidade de se manifestarem.
Diante desse breve cenário, acreditamos que se faz necessário repensar a comunicação nas organizações incluindo o ambiente digital como mais um importante
elemento do planejamento. Por esse motivo, nosso questionamento é: como planejar a
comunicação nas empresas em tempos de mídias sociais digitais? Para encontrarmos
essa resposta, o presente artigo está dividido em três partes. Na primeira, nosso objetivo
é pontuar a evolução da comunicação organizacional até chegar ao que entendemos
como comunicação organizacional na contemporaneidade. Na segunda, apresentaremos modelos de comunicação e relações públicas que podem nortear o planejamento
da comunicação nas organizações. Por fim, na terceira, nosso objetivo é mostrar um
exemplo de como uma empresa multinacional atua frente ao contexto contemporâneo
da comunicação.
Para cumprir com esses objetivos, como método, foram utilizados um levantamento
bibliográfico e um estudo de caso com a Nestlé Brasil S/A. Como técnicas, foram utilizadas a Netnografia e entrevistas em profundidade. A análise foi feita por meio da
observação não participante nas plataformas digitais da empresa selecionada.
A COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL E SUA EVOLUÇÃO ATÉ O DIGITAL
De acordo com Kunsch (2009, p. 65), os estudos de comunicação organizacional
tiveram início nos Estados Unidos, a partir do final da década de 1940, com raízes em
diversos campos, entre eles os da administração e das teorias das organizações. Até
1950, esses estudos eram direcionados para a comunicação industrial, de negócios e entre
gerências nos ambientes empresariais. Havia uma preocupação em ver a comunicação
como instrução de um discurso corporativo.
De 1950 a 1960, não ocorreu significativa evolução, pois o foco permanecia na comunicação de negócios, principalmente interna entre superiores e subordinados, com um
caráter burocrático e vertical. A comunicação era de mão única e sem a preocupação
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4806
A evolução da comunicação organizacional: como planejar em tempos de mídias sociais digitais?
Bianca Marder Dreyer
com o receptor. Em 1952, nos Estados Unidos, foi defendida a primeira tese e a partir
dessa data muitas outras surgiram ampliando os estudos na área. Dessa forma, ainda
segundo Kunsch (Ibid., p. 66), além da comunicação de negócios, os estudos nesse
período também se centravam na comunicação industrial, assim como nas habilidades
comunicativas, na eficácia dos meios de comunicação utilizados e nas relações humanas.
Nas duas décadas seguintes, entre 1960 e 1980, a mesma autora explica que o foco da
comunicação estava nos aspectos administrativos e na visão instrumental da comunicação num formato um pouco mais abrangente que nos anos anteriores. Estudavam-se
canais formais e informais entre superiores e subordinados.
Bueno (2003, p. 5), ao tratar da evolução do conceito voltado especificamente para as
empresas brasileiras, explica que, antes da década de 1970, as atividades de comunicação
eram absolutamente fragmentadas. Não havia um departamento e nem mesmo um
comunicólogo para gerenciá-la. Isso se explica, pois os primeiros cursos de comunicação
no Brasil ainda estavam sendo criados. No entanto, a publicidade vigorava no rádio e
na mídia impressa e começava a ganhar espaço na televisão.
Por outro lado, as empresas multinacionais já apresentavam um cenário bem diferente, pois, nesse período, já tinham seus departamentos de relações públicas e relações
industriais estruturados (KUNSCH, 1997, p. 57). Com o processo de industrialização e
o desenvolvimento da economia brasileira, as experiências das multinacionais foram
vagarosamente sendo introduzidas nas empresas brasileiras.
Se formos refletir a respeito dos últimos trinta anos, podemos dizer que, na década
de 1970, as atenções se voltaram para o receptor, pois estudos apontaram para o surgimento da comunicação interna e dos princípios da comunicação humana (KUNSCH,
2009, p. 67).
Os anos 1970 apontam para a implantação de uma cultura de comunicação nas
empresas. Os profissionais começam a chegar e as áreas específicas surgem nas médias
e grandes companhias privadas, mas com atividades de comunicação pontuais (BUENO,
2003, p. 5).
A perspectiva linear da comunicação dominou os estudos até a década de 1980.
Nos anos seguintes, outros aspectos passaram a ser considerados, como a cultura, a
interação entre as pessoas e os processos simbólicos (KUNSCH, 2009, p. 69). Além disso,
a comunicação organizacional avançava como disciplina. Na década de 1980, já existiam
comunicólogos de formação, inclusive trabalhando nas grandes corporações.
Ainda na década de 1980, para Álvarez (2013, p.15), esses anos foram conhecidos
como o período dos instrumentos de comunicação, pois as empresas pensavam e criavam
suas ferramentas de acordo com suas estratégias pontuais. É um período em que já se
percebe o planejamento da comunicação de acordo com o público de cada segmento,
mesmo que de forma restrita. É o olhar voltado para o receptor da mensagem.
Foi a época em que o trabalho das agências de comunicação despontou, pois ajudavam as empresas na criação de diversas pesquisas para diferentes públicos. É importante
destacar aqui que, embora tenha ocorrido um avanço na elaboração da comunicação
empresarial, ela ainda não tinha função estratégica para as corporações como passou a
ter nos anos 1990. Ela era concebida, segundo Álvarez (Ibid., p. 18) como uma série de
instrumentos e ferramentas a serviço dos objetivos específicos das corporações.
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A evolução da comunicação organizacional: como planejar em tempos de mídias sociais digitais?
Bianca Marder Dreyer
No início da década de 1990, o papel da comunicação nas organizações começa a
mudar consideravelmente ocupando uma posição estratégica e fundamental para os
negócios das corporações. Nesse período, a gestão da comunicação avança em três aspectos, conforme expõe Álvarez (Ibid., p.22): (1) Na gestão da reputação e dos intangíveis.
(2) Nas relações diretas com os públicos sujeitas à revolução tecnológica e às TICs. (3)
No estabelecimento de índices de valorização da comunicação.
Dessa forma, o próprio planejamento da comunicação ganha em amplitude exigindo
dos profissionais um olhar mais estratégico, voltado para o negócio e para as ações de
relacionamento com os públicos.
Soma-se a essa evolução da comunicação organizacional, ocorrida entre os anos
1980 e 1990, o fenômeno da globalização e a chegada das tecnologias de comunicação e
informação, as TICs, que acabaram por revolucionar o estado da arte de comunicar. A
mudança não foi radical. Ela tem acontecido ao longo dos anos e pouco a pouco alterado
e, principalmente, complementado a tradicional forma de comunicar.
O início dos anos 2000 trouxe importantes definições para a comunicação organizacional devido à área ter desenvolvido uma identidade interdisciplinar e ser considerada
um campo de perspectivas múltiplas.
Do ponto de vista da gestão da comunicação organizacional, as mudanças são
ainda mais profundas e desafiadoras, pois “assistimos a um processo jamais visto de
inovação/absorção de tecnologias para alavancar a comunicação humana muito perto
do incontrolável” (CORRÊA, 2009, p. 318). Começou a tornar-se necessário pensar na
forma de comunicar incluindo os aspectos digitais. Nesse período, Álvarez (2013) fala
em perspectivas de um modelo de gestão digital de referência, assim como Corrêa
(2009) reflete sobre os aspectos chaves das inovações tecnológicas ocorridas no campo
da comunicação para ambientes corporativos. O que Álvarez escreveu como tendência
para esse período, hoje, já entendemos como parte das características da sociedade
contemporânea e das estratégias das empresas. O autor apresentou sete itens do que
ele considerava como as próximas etapas da comunicação empresarial, que aqui
mostraremos de forma resumida: (1) O mercado será entendido como um mercado
globalmente digital. (2) O mercado será voltado para o “auto-serviço” e submetido
ao controle dos consumidores. (3) O modelo de negócio na comunicação se moverá
com novos parâmetros, como: (a) com financiamento diversificado e não apenas na
publicidade convencional; (b) com tecnologias individuais e dominadas pela rede e
pelas telas como terminais de uso e interação. (c) com ferramentas próprias de uma
sociedade que não é mais de massa, nem de marketing, nem de publicidade e sim
de “mensageiro mídia”. (d) com conteúdos direcionados para plataformas móveis. (4)
Quanto às técnicas de gestão, essas serão determinadas pelos públicos. O trabalho mais
importante estará em detectar as expectativas para, depois, planejar a comunicação;
o uso da publicidade em meios online e offline (conectado e não conectado), assim
como a publicidade convencional em meios convencionais, o uso do marketing viral
e das redes sociais. (5) As TICs como possibilidade de compartilhar qualquer coisa
a qualquer momento e em qualquer lugar. (6) A Web continuará determinando que
aquilo que uma pessoa faz é mais importante do que aquilo que ela diz. É uma
socialização transparente onde todos, inclusive os concorrentes, sabem o que cada
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A evolução da comunicação organizacional: como planejar em tempos de mídias sociais digitais?
Bianca Marder Dreyer
um diz e faz. E os consumidores agradecerão essa socialização. (7) O crescimento
dos nichos de mercado só poderá ser social através de comunidades em rede, com a
proliferação das plataformas sociais e das exigências das pessoas.
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A evolução da comunicação organizacional: como planejar em tempos de mídias sociais digitais?
Bianca Marder Dreyer
Para Corrêa (2009, p. 318), a informação passa a ser matéria-prima da comunicação
em um sistema digitalizado e intangível que surge a partir do momento da chegada das
TICs nos ambientes corporativos. Assistimos à quebra dos limites entre os espaços individuais e organizacionais e à diluição do limite entre as esferas pública e privada. Tudo
isso em ambientes sem fronteiras geográficas, culturais e de tempo. Nesse ambiente,
surgem novos fluxos e processos comunicacionais e as pessoas, sejam pertencentes aos
ambientes corporativos ou não, têm seu protagonismo potencializado e sua forma de
comunicar transformada. Sendo assim, a autora (Ibid., p. 319) coloca como as principais
características dos ambientes digitalizados a multiplicidade e a não-linearidade das
mensagens, a flexibilização do tempo e a virtualização dos relacionamentos. Portanto,
ambos os autores reconhecem que, a partir de 2000, a comunicação organizacional toma
novos rumos estratégicos voltados para a comunicação digital.
Para finalizar, desde o começo dos estudos em 1940 até a década atual, ocorreu uma
significativa evolução do campo. De acordo com Terra (2011, p. 22):
seguindo a evolução da comunicação de massa, passando dos meios impressos aos eletrônicos e, mais recentemente, aos digitais, a comunicação organizacional incorpora uma vasta
lista de ferramentas que vão da intranet à televisão via satélite, agora a televisão digital,
aos blogs, microblogs, chats, podcasts, entre outras. A soma desse ferramental digital que
informa, treina e motiva públicos ligados à organização é o que se denomina comunicação
organizacional digital.
Para concluir a seção I, a figura 1 resume os principais acontecimentos dentro
de cada período. É pertinente explicar que estamos direcionando este estudo para a
comunicação nas organizações, por isso a retrospectiva apresentada aborda com mais
detalhes os acontecimentos comunicacionais que explicam essa trajetória.
MODELOS DE COMUNICAÇÃO E RELAÇÕES PÚBLICAS
Dreyer (2014, p. 106) descreveu dez modelos estratégicos de comunicação e relações
públicas2 que caracterizam a prática da atividade de 1984 a 2013 e mostrou os aspectos mais
representativos em cada um dos modelos com o objetivo de tentar encontrar elementos
que indicassem ou fizessem parte de uma comunicação contemporânea. Constatamos
que o diálogo, o relacionamento, a integração, a interação e a visibilidade foram os cinco
elementos mais citados e, independentemente do período em que foram elaborados seus
respectivos modelos, esses elementos são considerados fundantes de uma comunicação
na sociedade digitalizada. Além desses, encontramos outros elementos que também
contemplavam o conjunto dos modelos, como a simetria, a cooperação, a integração,
a visibilidade, a sincronia, a participação, o compartilhamento, o multiculturalismo, o
digital integrado à comunicação tradicional e ao negócio, a adaptabilidade, a fluidez, a
não intermediação, a circulação, o hibridismo e o storytelling. A figura 2 apresenta cada
um dos modelos e suas características de forma resumida, pois é inviável descrever a
totalidade dos modelos no corpo deste artigo.
2. A descrição detalhada dos modelos pode ser encontrada em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27152/tde-13112014-111159/pt-br.php>.
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A evolução da comunicação organizacional: como planejar em tempos de mídias sociais digitais?
Bianca Marder Dreyer
Frente às características que foram percebidas entre os dez modelos, optamos
por fazer um estudo aprofundado da interação por quatro razões: (1) ela foi uma
das características mais presentes nos modelos tanto direta quanto indiretamente; (2)
na pesquisa realizada, falamos de modelos de comunicação e relações públicas bem
como da atividade de relações públicas na contemporaneidade e isso implica o uso de
plataformas com características específicas disponíveis a partir da Web 2.0, como, por
exemplo, a interação; (3) entendemos a interação como parte da essência da atividade de
relações públicas, visto que estamos falando de relacionamento entre uma organização
e seus públicos nas suas mais diversas formas e, por fim, (4) há estudiosos do tema
que tratam dessa variável como intrínseca à comunicação mediada pelas tecnologias
de comunicação.
Dessa forma, foram apresentados: o conceito de interação3 para Thompson (2014), que
desenvolveu uma estrutura conceitual para a análise das interações criadas pela mídia,
distinguindo três tipos: a interação face a face, a interação mediada e a quase-interação
mediada; o conceito para Recuero (2011), onde a interação, assim como as relações e
os laços sociais, é um dos elementos de conexão. A autora considera que estudar a
interação social compreende estudar a comunicação entre os atores. Para ela, há dois
tipos: a interação reativa e a interação mútua com seus respectivos laços: associativo e
dialógico; o conceito para Stasiak (2014), que relaciona a interação com a visibilidade na
rede e que acredita que a visibilidade inicial promovida pelo consumidor se transforma
em interação e, por fim, o conceito para Barrichello (2008 e 2009), que acredita que a
interação interfere no processo de legitimação das instituições na contemporaneidade
sendo, portanto, uma estratégia de comunicação da visibilidade.
Os autores mencionados nos levaram ao conhecimento do conceito de interação
por outros estudiosos, como Primo (2007), que estabelece uma tipologia para tratar
a interação mediada por computador. Para ele, existe a interação mútua e a interação
reativa, como vimos.
Dessa forma, frente ao conjunto de autores pesquisados, podemos inferir que o
ponto comum entre todos é que as tecnologias de comunicação que surgiram com a
Web 2.0 proporcionaram outros tipos de interação que, embora distantes fisicamente,
apresentam suas peculiaridades e intensidades. Mesmo Thompson, que traz a noção de
interação antes das TICs, reconhece que outras formas de interação podem ser criadas
pelo desenvolvimento de tecnologias de comunicação que permitem um maior grau
de receptividade.
3. O estudo detalhado sobre interação pode ser encontrando em:
<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27152/tde-13112014-111159/pt-br.php>.
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A evolução da comunicação organizacional: como planejar em tempos de mídias sociais digitais?
Bianca Marder Dreyer
ANÁLISE DA PRESENÇA DIGITAL DA NESTLÉ BRASIL S/A
Para exemplificar como uma empresa multinacional atua frente ao contexto contemporâneo da comunicação organizacional, apresentaremos o resultado de um estudo
de caso realizado com a Nestlé Brasil S/S em 2014. Nosso objetivo era verificar se a
empresa escolhida apresentava a variável interação em sua presença nas plataformas
de mídias sociais digitais e se existia algum modelo de comunicação integrada digital
que norteava sua estratégia de comunicação.
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A evolução da comunicação organizacional: como planejar em tempos de mídias sociais digitais?
Bianca Marder Dreyer
Sendo assim, no que tange à empresa e, de acordo com informações divulgadas pela
própria companhia4, a Nestlé é considerada a maior empresa do mundo em alimentos e
bebidas. Foi considerada, pela Revista Forbes5, em 2014, uma das empresas com melhor
reputação no mundo e, pela Revista Época Negócios6, uma das empresas de maior prestígio no Brasil. Dona de um portfólio copioso de marcas, a Nestlé, em 2002, comprou a
marca Chocolates Garoto, aumentando ainda mais seu portfólio e sua atuação no mercado.
Três fatores nos levaram a escolher a Nestlé para este estudo de caso. O primeiro
deles está relacionado ao critério de escolha. A empresa selecionada precisava constar na
lista das “Empresas mais Admiradas no Brasil7” em 2013. O segundo fator diz respeito
a uma inquietação em saber como uma empresa do porte da Nestlé, ou seja, líder de
mercado no seu segmento e percebida como uma organização tradicional na sua forma
de comunicar sentiu a necessidade de estar presente nas plataformas de mídias sociais
digitais. Por fim, o terceiro motivo está relacionado a uma percepção do ponto de vista
de consumidora. Após verificar um avanço na atuação da empresa nas diferentes plataformas digitais, surgiu a vontade de conhecer quais seriam as estratégias de atuação
nas mídias sociais digitais, principalmente aquelas que correspondem às atividades de
relações públicas.
A técnica utilizada para realizar a pesquisa foi a Netnografia. Montardo et al (2005,
p. 4) caracterizaram a Netnografia como uma das ferramentas metodológicas capazes
de proporcionar o acesso dos pesquisadores da área às caracterizações específicas da
contemporaneidade, sobretudo a virtualidade, a desmaterialização e a digitalização de
conteúdos, formas, relacionamentos, etc.
Portanto, justificamos o uso de tal técnica pelo fato de realizarmos uma observação não participante em oito plataformas digitais da empresa selecionada, sendo duas
mídias da marca institucional: (1) a fanpage institucional da Nestlé no Facebook e o (2)
site corporativo da Nestlé. Na marca Chocolates Garoto, analisamos seis mídias: (1) a
fanpage da Garoto no Facebook; (2) o perfil da Garoto no Twitter; (3) o perfil do SAC da
Garoto no Twitter; (4) o perfil da Garoto no Instagram; (5) o canal da Garoto no YouTube
e (6) o site corporativo da Garoto.
A observação foi realizada de forma aleatória em todas as plataformas. No total,
foram doze dias de observação, o que gerou uma riqueza de informações e imagens
inviáveis de serem mostradas na sua íntegra neste artigo.
Por fim, foram também realizadas entrevistas em profundidade com três gestores da
área de comunicação da empresa. Os objetivos eram verificar como se dava a percepção
deles em relação à atuação da empresa no ambiente digital, assim como identificar se
existia coerência entre o discurso e as práticas da organização nesse campo. Além disso, também foi possível identificar se a Nestlé utilizava algum modelo de comunicação
integrada digital nas práticas digitais observadas.
4. Nestlé. Disponível em <http://corporativo.nestle.com.br/aboutus>. Acesso em 19/06/2014.
5. Forbes Brasil. Disponível em <http://forbesbrasil.br.msn.com/listas/as-empresas-com-melhorreputa%C3%A7%C3%A3o-do-mundo-em-2014-1?page=18>. Acesso em 19/06/2014.
6. Época Negócios. Disponível em <http://epocanegocios.globo.com/Epoca-NEGoCIOS-100/
noticia/2014/04/100-empresas-de-maior-prestigio-do-brasil.html>. Acesso em 19/06/204.
7. Carta Capital. As Mais Admiradas. Edição 2013. “Edição Especial – As Empresas Mais Admiradas no Brasil
2013”, nº 16, novembro/dezembro de 2013. ISSN 1980- 1688.
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A evolução da comunicação organizacional: como planejar em tempos de mídias sociais digitais?
Bianca Marder Dreyer
Como resultado geral da observação, percebemos que na fanpage institucional da
Nestlé no Facebook ocorreram diferentes tidos de interação: (a) um tipo de classificação
de interação dada por Thompson (2014), que é a quase-interação mediada, ou seja, aquela
que se refere às relações sociais estabelecidas pelos meios de comunicação de massa
onde as formas simbólicas são produzidas para um número indefinido de receptores
potenciais e ela é monológica, isto é, o fluxo da comunicação é predominantemente de
sentido único; (b) interação reativa, com laço associativo, segundo os tipos de interação
de Recuero (2011). Pois, apenas o fato dos públicos seguirem a página e escreverem algo
nela, já se considera uma relação entre empresa e público de estímulo e resposta; (c)
interação mútua com os indivíduos, pois ocorreu retorno e diálogo por parte da organização e (d) interação face-a-face, segundo Thompson, pois ocorreu o contato físico e
o diálogo no local.
Já nos sites corporativos da Nestlé e da Garoto, a interação com os públicos ocorre
por meio de programas específicos ou links para acesso a outras plataformas.
Classificamos a interação na fanpage da Garoto, no Facebook, como mútua e com
laço dialógico, de acordo com Recuero, pois há o retorno da empresa aos diversos tipos
de postagens por parte de seus públicos, como também há conversas que se estendem
para outras plataformas ou canais de atendimento ao cliente.
Quanto ao perfil da Garoto no Twitter e no Instagram, a interação é menor que no
Facebook. Segundo a tipologia de Recuero, classificamos a interação da empresa nesses
perfis como reativa e com laço associativo.
No Canal da Garoto no YouTube, constatamos que a empresa é assídua nessa plataforma, da mesma forma que identificamos os links para acesso às outras mídias sociais.
Por fim, o perfil do SAC da Garoto no Twitter também apresenta interação reativa
com laço associativo.
Finalmente, por meio das três entrevistas com a equipe do pilar digital da Nestlé,
conseguimos identificar que a percepção deles em relação à atuação da Nestlé no ambiente digital é coerente com a prática que foi observada. Além disso, todos os entrevistados apresentaram um discurso alinhado, demonstrando clareza no entendimento de
estratégias para o ambiente digital. O reconhecimento de que a Nestlé é uma empresa
considerada tradicional e hierárquica, que se preparou para estar presente nas plataformas de mídias sociais digitais e que ainda precisa melhorar sua atuação para obter
mais retorno que resultem em vendas também ficou nítido. Percebemos que há clareza
da importância em estar presente nas plataformas de mídias sociais digitais como parte
do negócio, mesmo sendo uma empresa com imagem positiva para os consumidores
em geral. Para a Nestlé, o digital não assume o lugar de outras mídias de massa e nem
tem esta pretensão. Ao contrário, o digital ganhou seu espaço na estratégia de exposição
da marca e tem sido devidamente reconhecido, não apenas pelos seus gestores, mas
também através dos resultados que eles relataram.
Em relação aos modelos, a Nestlé utiliza estratégias de nove dos dez modelos de
comunicação e relações públicas descritos. Portanto, só não utiliza o modelo três, que
está mais voltado para estratégias em outros países. Dessa forma, não há um modelo
específico de comunicação integrada digital nas práticas digitais observadas.
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A evolução da comunicação organizacional: como planejar em tempos de mídias sociais digitais?
Bianca Marder Dreyer
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Primeiramente, apresentamos a evolução da comunicação organizacional até chegar
ao que entendemos como comunicação organizacional na contemporaneidade. O percurso aponta para a evolução na comunicação organizacional. No entanto, tal evolução
se dá significativamente a partir dos anos 80 e 90, com o advento da Globalização e das
TICs, quando novos rumos estratégicos e voltados ao campo digital se fazem necessários
para as empresas.
Num Segundo momento, descrevemos brevemente modelos de comunicação e
relações públicas utilizados para nortear o planejamento da comunicação nas organizações. Foram dez modelos, de diferentes períodos e autores em que cada um mostrou
uma importante contribuição para entendermos as características e as estratégias fundamentais para uma comunicação na contemporaneidade. Dentre os elementos que
destacamos no conjunto dos modelos, optamos por aprofundar a interação para entender
sua representatividade na comunicação contemporânea.
Por fim, mostramos um exemplo de como uma empresa multinacional atua frente
ao contexto contemporâneo da comunicação organizacional. Concluímos que a empresa selecionada está presente em oito plataformas digitais e apresenta interação com o
público, porém não utiliza um modelo específico de comunicação na sua íntegra para
atuar no ambiente digital. Seus gestores também reconhecem a importância do digital
na comunicação com os públicos e afirmam que ele ganhou seu espaço na estratégia
de exposição da marca.
Com base no que foi exposto, retomamos também nosso questionamento inicial:
como planejar a comunicação nas empresas em tempos de mídias sociais digitais? O
cumprimento dos objetivos aqui propostos nos ajudou a entender que o planejamento da
comunicação em tempos de mídias sociais digitais pode ser elaborado por meio de modelos de comunicação e relações públicas, como aqueles que descrevemos aqui, utilizados
em sua íntegra ou em partes, contanto que, em qualquer uma dessas possibilidades,
utilize as características que consideramos essenciais para uma comunicação contemporânea. Além disso, a compreensão da interação e de seus diferentes tipos, por parte
dos gestores da comunicação, é fundamental para a comunicação e o relacionamento
entre organizações e seus públicos em tempos de plataformas de mídias sociais digitais.
REFERÊNCIAS
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en gestión de negocios. Ediciones Díaz de Santos, 2013.
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Lília Dias de (orgs.). Em torno das mídias: práticas e ambiências. Porto Alegre: Sulina, 2008.
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computador nas organizações contemporâneas. In: KUNSCH, M. (org.). Comunicação
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Corrêa, E. S. Comunicação Digital e novas mídias institucionais. In: KUNSCH, M. (Org.).
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4815
A evolução da comunicação organizacional: como planejar em tempos de mídias sociais digitais?
Bianca Marder Dreyer
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digitalizada: um estudo de caso da Nestlé Brasil S/A. 2014. 249 f. Dissertação (Mestrado)
– Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.
Kunsch, M. M. K. Os campos acadêmicos da comunicação organizacional e de relações
públicas no Brasil. In: KUNSCH, M. (org.). Relações Públicas e Comunicação organizacional: campos acadêmicos e aplicados de múltiplas perspectivas. São Caetano do Sul, SP:
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Kunsch, M. M. K. Relações Públicas e Modernidade: Novos paradigmas na comunicação organizacional. São Paulo: Summus, 1997.
Montardo, S. P.; Rocha, P. J. Netnografia: incursões metodológicas na cibercultura. Revista
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Recuero, R. Redes Sociais na internet. 2a ed. Porto Alegre: Sulina, 2011.
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Thompson, J. B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. 15a ed. Petrópolis, RJ:
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Usuário-mídia: nova figura influenciadora
para a Comunicação Organizacional?
User-media: a new influencer to
Organizational Communications?
C a r o l i n a Te r r a 1
Resumo: O artigo tem como objetivo caracterizar quem é o usuário-mídia, interagente avançado da internet e das mídias sociais, ativo produtor e compartilhador
de conteúdos da rede que, a nosso ver, tem a função também de curadoria de
informação no ambiente digital. O percurso teórico inclui categorizar quem é
o usuário-mídia, quem e o que faz um curador digital e relacionar ambas as
partes ao usuário produtor de conteúdo e influenciador on-line das redes sociais
online. Também é objetivo discutir se estamos diante de um novo formador
de opinião e, portanto, mais um público a ser considerado pela Comunicação
Organizacional. Para tanto, apresentaremos alguns exemplos de influenciadores
interagindo com as marcas e vice-versa.
Palavras-Chave: Usuário-mídia. Curadoria de informação. Influenciador
On-line. Comunicação Organizacional.
Abstract: The article aims to describe who the user-media is, advanced participant of the internet and social media; active producer and network content sharer
that, in our view, also has the function of curator in the digital environment.
The theoretical route includes categorize who is the user-media, who and what
makes him a digital curator and relate both to the user content producer and
online opinion maker of the social networks. It is also our objective to discuss
whether we are facing a new trendsetter and one more public to be considered
by the Organizational Communication. We will present, also, some examples
of influencers interacting with brands and vice versa.
Keywords: User-media. Curator of digital information. Online Opinion Maker.
Organizational Communication.
INTRODUÇÃO
OM O tsunami informacional que vivemos nos dias de hoje, sobretudo impul-
C
sionado pela web, faz-se necessário obter filtros de conteúdo que nos ajudem a
consumir assuntos de nosso interesse, com fontes críveis e com reconhecimento
e influência garantidos.
1. Doutora e mestre em Interfaces Sociais da Comunicação, especialista em Gestão Estratégica da
Comunicação Organizacional e Relações Públicas, todos pela ECA-USP, e formada em RP pela UNESP/
Bauru. É docente de pós-graduações em Comunicação Organizacional e RP e também de Comunicação
Digital, da ECA-USP, e diversas outras na FIA e na FAAP. E-mail: [email protected].
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Usuário-mídia: nova figura influenciadora para a Comunicação Organizacional?
Carolina Terra
Chamamos esses filtros confiáveis de informação de curadores. Mais ainda,
consideramos que os usuários relevantes, ativos e influentes da rede sejam os usuáriosmídia, que explicaremos adiante quem são.
Para tanto, o objetivo desse artigo é conceituar o usuário-mídia, o curador informacional/de conteúdo, mostrando que podem ser os novos influenciadores e como tais acabam
por serem públicos de relacionamento a serem previstos na comunicação organizacional.
A seguir, veremos conceitos que aproximam a ambos, bem como os caracterizam.
O USUÁRIO-MÍDIA
O objetivo desse tópico é caracterizar o usuário-mídia e analisar sua proximidade
com termos ou conceitos defendidos por autores reconhecidos no mundo digital. Por
isso, iniciaremos com uma definição própria e partiremos para as conceituações de tais
autores a fim de reforçar nossa visão a respeito do usuário-mídia.
Estamos na era da midiatização dos indivíduos, na possibilidade de usarmos mídias
digitais como instrumentos de divulgação, exposição e expressão pessoais. Daí o termo
usuário-mídia. Temos o potencial de expressão via plataformas de mídias sociais e a
oportunidade de dialogarmos diretamente com marcas, organizações, instituições e
outros pares.
Para Terra (2012, p. 53), o usuário-mídia é:
(...) um heavy user tanto da internet como das mídias sociais e que produz, compartilha, dissemina conteúdos próprios e de seus pares, bem como os endossa junto às suas audiências
em blogs, microblogs, fóruns de discussão on-line, comunidades em sites de relacionamento,
chats, entre outros.
Os usuários-mídia, a nosso ver, servem como mercado intermediário entre as
organizações, marcas, produtos e a opinião pública digital. Os antigos e/ou tradicionais
detentores de poder – imprensa, organizações e governos - perceberam que a comunicação
digital ganhou força e entenderam que precisam estar presentes nas comunicações
horizontais. Um exemplo disso foi a atitude da Presidenta Dilma Rousseff ao chamar ao
Planalto, o influenciador online, Dilma Bolada2, para um encontro que, inclusive, teve
cobertura da imprensa. Na ocasião, a Presidenta reativava sua conta oficial no Twitter3
e convidou o perfil com tom humorístico para chamar a atenção não apenas nas redes
sociais online, mas também na mídia em geral.
Vale ressaltar que só se consegue identificar quem são os usuários mais ativos e
reconhecidos da rede, bem como entender os anseios dos consumidores/clientes, se nos
utilizarmos do monitoramento das redes sociais online. É condição sine qua non para
conhecer o universo o qual a marca quer operar.
2. Disponível em: <https://twitter.com/diimabr> e <https://www.facebook.com/DilmaBolada>. Acesso
em 11/03/2015.
3. Disponível em: <https://twitter.com/dilmabr>. Acesso em 11/03/2015.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Usuário-mídia: nova figura influenciadora para a Comunicação Organizacional?
Carolina Terra
Figura 1. Encontro de Jeferson Monteiro 4, criador de Dilma Bolada, com a
Presidenta da República, Dilma Rousseff, em Setembro de 2013.
Castro (2013, p. 2) tem um ponto de vista a respeito do monitoramento dos consumidores via redes sociais que corrobora com a ideia de primeiro entende-los e averiguar
do que gostam ou desgostam, para depois empreender esforços de comunicação, diálogo
e relacionamento:
(...) Para os profissionais do mercado hoje, não basta conhecer apenas o perfil socioeconômico do consumidor para o qual devem dirigir os esforços de comunicação e vendas. É
imperioso desvendar os gostos, anseios e aversões, bem como recolher pistas por meio das
quais se venha a reconhecer seus padrões recorrentes de comportamento, com vistas a fazer
previsões e diminuir as margens de insucesso.
Há quem nomeie os usuários mais ativos da rede como usuários produtores de
conteúdo (produsers) e consumidores profissionais (prosumers), como Montardo (2009,
p. 4). Bruns & Jacobs (apud MONTARDO, 2009, p. 4) apontam que os produsers definem
os “usuários de ambientes colaborativos que se comprometem com conteúdo intercambiável tanto como consumidores quanto como produtores”, fazendo o que os mesmos
autores classificam como produsage (produção ou uso). Já a terminologia prosumer foi
primeiramente citada por Toffler (1990) e significa consumidor profissional em que
o retorno de suas necessidades, gostos e impressões das organizações culminam no
desenvolvimento de novos produtos e serviços. Os produsers afetam e interferem diretamente na reputação e na imagem das corporações com o conteúdo que produzem
e reverberam.
A pesquisadora DJICK (2009, p. 42) acredita que os usuários sejam referidos como
os internautas ativos e que prestam contribuições na rede; aqueles que dedicam certo
esforço criativo e o fazem fora de sua rotina ou atividade profissional. Concordamos
parcialmente com Djick, uma vez não necessariamente tais usuários o fazem fora de sua
rotina profissional. Temos um contingente de influenciadores que se profissionalizou e
4. Disponível em: <http://www2.planalto.gov.br/centrais-de-conteudos/imagens/jeferson-monteirocriador-do-dilma-bolada>. Acesso em 11/03/2015.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Usuário-mídia: nova figura influenciadora para a Comunicação Organizacional?
Carolina Terra
que vive de sua própria produção digital. É o caso de muitas das blogueiras de beleza,
moda e fitness, por exemplo: Camila Coutinho (blog Garotas Estúpidas5); Lalá Rudge
(blog Lalá Rudge6); Gabriela Pugliesi (blog Tips4Life7).
Com a emergência das aplicações da web da segunda geração, Jenkins (2008, p. 24)
vê uma mudança de paradigma na forma como o conteúdo é produzido e distribuído:
“Audiências, fortalecidas por essas novas tecnologias, ocupando um espaço na intersecção
entre a velha e a nova mídia, estão demandando o direito de participar dentro da
cultura”. E essas audiências têm essa chance justamente pelas ferramentas quase sempre
gratuitas da rede que as permitem produzir, compartilhar e distribuir conteúdos. O
resultado é uma cultura participativa na qual o cidadão comum tem a possibilidade de
dispor de tecnologias que antes eram privilégio das organizações tradicionais e que,
segundo Jenkins (Ibid., p. 215), ainda oferecem ao usuário a possibilidade de negociar
seus relacionamentos com as companhias de mídia.
Coutinho (apud FERNANDES, 2009, p. 51) aposta que a construção de reputação em
tempos de comunicação baseada no socialcast8 passa por categorias como o relacionamento,
as normas compartilhadas, o conhecimento e a confiança, elementos já utilizados pela
análise sociológica tradicional. Para simplificar o conceito de capital social, COUTINHO
(apud FERNANDES, 2009, p. 51) assim o resume:
é o conjunto de habilidades, atribuições e conhecimentos que permitem a um indivíduo
influenciar as opiniões dos outros. Transportando o conceito para o ambiente corporativo,
é possível dizer que as marcas devem propiciar aos indivíduos aumento do capital social
de forma que consigam atingir consumidores potenciais.
Em uma economia baseada em atenção, tais usuários relevantes conseguem
destacar-se por seus conteúdos e por serem similares aos usuários comuns e acabam
por influenciar na decisão de compra ou de empatia em relação às organizações. O
contexto midiático digital se torna imprescindível para os mercados de consumo, tanto
em termos de presença e engajamento, quanto nas questões ligadas às suas reputações,
isto é, ao que falam sobre elas nas redes sociais digitais.
As organizações perdem, portanto, a primazia do controle da informação, passando
a dividi-lo com internautas e outros entes, como os usuários-mídia, por exemplo.
Avaliar o sucesso de um conteúdo passa, então, pela quantidade de pessoas que o
publicaram, recomendaram, endossaram e quem o fez, se um influenciador ou usuários
comuns. É uma avaliação equivalente em ter mídia espontânea em um veículo de
prestígio e grande circulação ou apenas em um jornal de bairro, menos expressivo.
Recuero (2009, p. 130) reconhece a autoridade, a popularidade e a influência como
importantes para o estudo da difusão de informações nas redes sociais, pois auxiliam a
compreensão de como e por que estas são espalhadas. A popularidade e a visibilidade,
5. Disponível em: <http://www.garotasestupidas.com/>. Acesso em 11/03/2015.
6. Disponível em: <http://www.lalarudge.com.br/>. Acesso em 11/03/2015.
7. Disponível em: <http://www.tips4life.com.br/>. Acesso em 11/03/2015.
8. Socialcast é um termo criado para descrever mudanças na maneira como pessoas se comunicam e interagem
depois da internet e das mídias sociais. O socialcast já acontecia antes da internet porque precisa apenas
de pessoas conectadas entre si para isso. Porém, ganhou novas dimensões com a rede e sua capacidade de
expansão. Em suma, podemos definir o socialcast como a modalidade comunicativa de muitos para muitos.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Usuário-mídia: nova figura influenciadora para a Comunicação Organizacional?
Carolina Terra
por sua vez, respondem pelo alcance da propagação de uma informação viral9 na rede.
A reputação e a autoridade conferem valor e influência. (RECUERO, 2009, p. 123)
Jenkins (2009) enxerga o conceito de “viral” como “mídia espalhável”:
O conceito de “espalhável” preserva muito do que era útil em seus modelos anteriores.
(...) Ele reconhece os caminhos que teóricos como Van der Graaf ou Knoebel e Lankshear
utilizaram para revisitar os conceitos passivos e estáticos de “memes” e “viral” para refletir
sobre a realidade dessa nova web social, ao mesmo tempo que sugere que esse paradigma
que emerge é substancialmente tão diferente das conceitualizações iniciais que exige uma
nova terminologia. Esse novo modelo “espalhável” permite evitar o uso das metáforas
como “infecção” e “contaminação”, que superestimam o poder das empresas de mídia e
subestimam o dos consumidores. (...) nesse modelo emergente, os consumidores exercem
um papel ativo em “espalhar” conteúdo ao invés de serem hospedeiros passivos de mídia
viral: suas escolhas, seus investimentos, suas ações determinam o que gera valor no novo
espaço midiático.
Em nossa visão, a mídia espalhável é uma possibilidade que os usuários-mídia
possuem na rede quando os conteúdos chamam a atenção e se tornam “viralizáveis”
entre e por eles próprios. Um exemplo foi a polêmica do vestido10 que mudava de cor
aos olhos de quem o via. O assunto tomou a rede não só entre os usuários-mídia, mas
também entre as organizações e os usuários comuns.
Figura 2. Polêmico vestido11 que dividiu a internet por suas cores pretas e azul ou branco e douradas.
Para concluirmos o tópico vale expor a visão de Barichello (2009, p. 338) sobre a
essência da comunicação organizacional que para a autora é o estabelecimento de relações interativas com públicos específicos oportunizadas por estratégias de comunicação.
Tal visão vai ao encontro do que estamos demonstrando aqui nos contatos entre marcas
e suas audiências e vice-versa.
9. Viral, aqui no texto, significa mensagem ou informação com grande capacidade de disseminação e difusão.
10. Disponível em:< http://www.adnews.com.br/internet/marcas-aproveitam-polemica-do-vestido-pretoe-azul-ou-seria-branco-e-dourado> (de 27/02/2015). Acesso em 05/03/2015.
11. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/entretenimento/debate-na-internet-alavanca-vendado-vestido-azul-e-preto>. De 28/02/105. Acesso em 05/03/2015.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Usuário-mídia: nova figura influenciadora para a Comunicação Organizacional?
Carolina Terra
Daí a importância e a necessidade por parte da Comunicação Organizacional de
entender quem são os usuários relevantes, quem são os curadores de informação e conteúdo, bem como os advogados e embaixadores das marcas, os detratores, os críticos,
os insatisfeitos e assim por diante. Só assim é possível desenhar estratégias de comunicação, sejam elas digitais ou não, para se relacionar com esses públicos de interesse
e relacionamento.
CURADOR DE CONTEÚDO COMO PÚBLICO DE RELACIONAMENTO
PARA A COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL
Com o advento das mídias sociais e das redes sociais online, o termo curador vem
aparecendo com frequência no campo prático. Há inúmeros sites que recomendam
receitas para uma boa curadoria, dicas de ferramentas e aplicativos para “viralizar” sua
seleção, entre outros. No entanto, apesar da trivialidade com que o assunto é tratado, o
tema serve para pensarmos em novos formatos de produção, distribuição e disseminação
de conhecimento e conteúdos em uma cultura pautada ou baseada na rede.
Giselle Beiguelman (2011) propõe uma categorização da figura do curador: como
filtrador, como agenciador e a plataforma como dispositivo curatorial. O curador como
filtrador aborda um modelo mais conservador e individualista (“eu sou o que eu linko”),
enquanto o curador como agenciador, tem papel de criar algum ponto de tensão que
faça com que os outros produzam a partir de um primeiro ponto, criem mecanismos
favoráveis para que os conteúdos se desenvolvam. O terceiro modelo considera que “as
coisas são como você linka”, isto é, a plataforma utilizada também interfere naquilo que
se dissemina à audiência.
Saad Corrêa (2014, p. 226) entende o papel dos influenciadores como aqueles que trazem novos indicadores de valoração das contribuições e repercussões como a autoridade
e a reputação digital, classificando-os ou posicionando-os em uma espécie de “statusfera”.
Benkler (apud Saad Corrêa, 2014, p. 227):
O que vemos na rede é uma ampliação das práticas de avaliação da participação pela relevância como a indicação mútua, a revisão pelos pares, entre outras. A informação trafega
pela rede de uma forma bem mais ordenada que um passeio sem rumo, sugerindo uma
relação menos centralizada que a dos ambientes de mídia de massa. Isso é real tanto quando
olhamos para a web como um todo, quanto quando verificamos pequenos nichos de sites
com a mesma temática e o comportamento de seus usuários.
A legitimidade dos conteúdos disponíveis na rede está associada à reputação e à
influência de quem os dissemina. Daí a importância e a necessidade dos curadores de
conteúdo que hoje, a nosso ver, estão diretamente ligados aos usuários mais respeitados,
com credibilidade e influência da rede, os usuários-mídia. Reconhecimento, no entanto,
não significa qualidade de conteúdo. Vale pontuar aqui que discutir a qualidade dos
conteúdos não é um objetivo desse artigo.
Assim sendo, enxergamos total conexão entre o usuário-mídia e o curador midiático
da rede. O usuário-mídia, como pudemos observar, é o internauta influente, reconhecido, ativo e formador de opinião da rede. Já o curador midiático é aquele responsável
por selecionar temas, dentro de seus interesses e de sua audiência, que satisfaçam as
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Usuário-mídia: nova figura influenciadora para a Comunicação Organizacional?
Carolina Terra
necessidades de informação destes grupos e o (re)validem continuamente dentro daquela
esfera de conteúdo.
Trata-se de um usuário que é responsável por curar informações a respeito de um
dado tema e acaba influenciando outros usuários dada a sua posição social dentro das
redes. Podemos citar aqui os blogueiros reconhecidos e citados das áreas de moda,
beleza, tecnologia, gastronomia etc. A seguir, um exemplo de uma marca que enviou
um kit contendo seus produtos a uma blogueira que escreve sobre maternidade, filhos,
dá dicas de alimentação, passeios, brincadeiras etc.
Figura 3. Postagem da influenciadora @samegui12, no Instagram, após
receber um kit contendo produtos da marca Nutella.
Vale destacar, no entanto, que quanto mais hub13 for um usuário, mais chance ele
tem de influenciar e se fazer relevante e considerado por outros (usuários comuns, mídia,
organizações). Vide as capas de revista com blogueiras de moda, ações promovidas por
marcas com influenciadores e até programas de rádio conduzidos por formadores de
opinião online pós-fama no ambiente digital.
Figura 4. Capa da revista Estilo14 com a blogueira Camila Coelho.
12. Disponível em: <https://instagram.com/samegui/p/zznY0Dnrbk/>. Acesso em 11/03/2015.
13. Concentrador de informações e de tráfego. Palavra de origem inglesa que significa transmissão. Como
esse usuário possui diversas conexões, é possível inferir que um hub distribui a mesma informação para
muitos receptores ao mesmo tempo.
14. Disponível em: <http://www.fhits.com.br/lancamento-revista-estilo-n-camila-coelho>. Acesso em
11/03/2015.
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Usuário-mídia: nova figura influenciadora para a Comunicação Organizacional?
Carolina Terra
Figura 5. Mídia-kit dos influenciadores Casal Sem Vergonha15 apresentando
as marcas que já anunciaram ou fizeram ações com eles.
Figura 6. O blogueiro Cid, responsável pelo blog “Não Salvo”, possui um programa na
rádio Mix FM16, de São Paulo, comentando as notícias mais “bizarras” da semana.
Os exemplos acima reforçam que, a depender da força e da influência do curador (que
em nossos casos são blogueiros de destaque), estes acabam por se tornarem pautadores
e figuras presentes até mesmo dos e nos veículos de mídia tradicional.
EM LINHAS GERAIS...
Talvez a conclusão a que podemos chegar é de que as corporações têm que estar
em determinados ambientes com fins de interação e atendimento, mas não são vistas,
muitas vezes, pelos usuários, como fontes confiáveis de informações. Por isso, passam a
usar figuras em destaque nas mídias digitais em seus conteúdos ou realizam ações para
que estes próprios disseminem informações a respeito de marcas, produtos e serviços.
Com isso, ganham em legitimidade e credibilidade junto às audiências.
Scroferneker et. al. (2013, p. 5) entendem que as mídias sociais geram novas
possibilidades de diálogo entre organizações e públicos, pois oferecem espaços de fala:
15. Disponível em: <http://www.casalsemvergonha.com.br/anuncie/#>. Acesso em 11/03/2015.
16. Disponível em: <http://mixfm.com.br/programas-radio/>. Acesso em 11/03/2015.
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Usuário-mídia: nova figura influenciadora para a Comunicação Organizacional?
Carolina Terra
Por meio de canais organizados em rede como o Facebook, e o Twitter, entre muitos outros,
começam a ser visualizadas novas tentativas de interlocução entre os chamados públicos e
as organizações. Ou seja, consumidores, admiradores, defensores e opositores de marcas,
empresas, organizações não governamentais, entre outras, assumem espaço de fala direta,
emitem mensagens e esperam respostas, assumindo efetivamente o papel de interlocutores.
Da visão da autora, extraímos a necessidade da Comunicação Organizacional em se
levar em consideração os usuários-mídia como públicos de interesse e relacionamento
no meio digital.
Vamos percebendo também uma mudança de postura no discurso e na prática das
organizações e que afeta diretamente na forma de pensar, produzir e fazer a comunicação:
informações meramente mercadológicas, unidirecionais e com fins apenas de
convencimento de compra não têm espaço para um usuário ativo da rede. A aceitação
de um interlocutor corporativo é feita desde que ele esteja disposto a dialogar, realmente.
E desde que abra canais digitais para isso. Assim, vemos iniciativas consideradas de
sucesso como os perfis de Twitter do Ponto Frio e da Netflix, que se valem de um formato
de comunicação bidirecional e interativo, como podemos ver a seguir (fig. 7 e 8):
Figura 7. Exemplo de interação17 entre o perfil de Twitter do PontoFrio e um usuário com dúvidas.
Figura 8. Exemplo de interação18 entre o perfil de Netflix e um usuário com dúvidas.
17. Disponível em: <https://twitter.com/pontofrio/status/575732133509095424>. Acesso em 11/03/2015.
18. Disponível em:< https://twitter.com/NetflixBrasil/status/575704799653593088>. Acesso em 11/03/2015.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Usuário-mídia: nova figura influenciadora para a Comunicação Organizacional?
Carolina Terra
Além disso, as organizações devem atentar-se aos curadores (de temas ou de
assuntos que sejam de interesses afins para elas) para que, assim, outros usuários tenham
interesse em segui-las e se relacionar via mídias sociais de forma favorável e positiva.
Conteúdo interessante, relevante e prestador de serviço é uma das receitas de sucesso
na rede junto aos públicos de interesse e relacionamento.
As organizações também têm o desafio de convencer estes usuários reconhecidos
e formadores de opinião da rede para que falem sobre elas, seus produtos, serviços,
marcas, experiências. Inspirá-los e encantá-los é um desafio. Negociar com estes é um
outro problema.
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4827
Autopoiese da comunicação organizacional em redes sociais:
uma análise da página da Prefeitura de Curitiba no Facebook
Autopoiesis of organizational communication in social networks:
an analysis of the government of Curitiba page on Facebook
A lc ion i Ga l dino Vi ei r a1
Resumo: Este trabalho objetiva realizar uma análise das estratégias de
comunicação da Prefeitura Municipal de Curitiba em sua página no Facebook.
A partir de uma perspectiva sistêmica e autopoietica, são observados os
processos comunicacionais e as estruturas formadas a partir desses processos.
Verifica-se uma nova realidade no âmbito da comunicação governamental,
que na atualidade mantém um acoplamento estrutural com a comunicação
mercadológica e comunicação de marca, a fim de atender as expectativas dos
cidadãos-consumidores e gerar engajamento para os projetos propostos pela
Prefeitura. Surge, porém, uma contraopinião como resultado desse acoplamento
estrutural, uma espécie de ativismo com especificidades sistêmicas próprias da
Web Social.
Palavras-Chave: Mídias sociais. Comunicação governamental. Autopoiese.
Abstract: This paper aims to conduct an analysis of the communication strategies of the municipal government of Curitiba on your Facebook Page. From a
systemic and autopoietic perspective, communication processes and structures
formed from these processes are observed. There is a new reality in the context
of government communication, which currently maintains a structural coupling
with the marketing communication and brand communication, in order to meet
the expectations of citizens-consumers and generate commitment to the projects
proposed by the municipal government. Arises, however, a counter-opinion as
a result of this structural coupling, a kind of activism with systemic specificities
own Social Web.
Keywords: Social media. Government communication. Autopoiesis.
INTRODUÇÃO
PARTIR DOS anos 1980, as novas tecnologias da comunicação fizeram despontar
A
diferentes espaços para o debate político e de gestão pública, o que, ao longo da
última década evoluiu para uma espécie de cidadania digital capaz de perturbar
as práticas democráticas existentes devido à intervenção mais direta dos cidadãos. Hoje, a
Web em sua versão 2.0 constitui uma forma social original que contribui para a formação
1. Doutora em Comunicação e Semiótica, professora do Departamento de Linguagem e Comunicação da
UTFPR – Câmpus Curitiba. E-mail: [email protected].
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Autopoiese da comunicação organizacional em redes sociais: uma análise da página da Prefeitura de Curitiba no Facebook
Alcioni Galdino Vieira
das comunidades e pode, portanto, conduzir ao advento de um compromisso estruturado: os ativistas da democracia em rede solicitam novas formas de consulta, mobilização
e tomada de decisão, o que excede os procedimentos da democracia mandatária.
A Internet parece promover uma reconfiguração das relações sociais e dos espaços
cidadãos, há uma reapropriação dos espaços coletivos e interativos de modo a constituir
novos locais para a avaliação das marcas. A Web 2.0 intervém aqui principalmente como
agregadora de interesses específicos, permitindo aos cidadãos difundir de forma densa
uma opinião individualizada.
Através da web social, o consumo de serviços oferecidos pelas instâncias governamentais atinge sua verdadeira dimensão, dando ao cidadão-consumidor o sentimento de
aumentar consideravelmente sua capacidade de controle ou interferência sobre o poder
público; o usuário dos meios de comunicação adquire status de participante no processo
de coconstrução da oferta de serviços públicos, pode agir como aditivo ou subtrativo da
marca pública, mas igualmente comprometer-se em formas diferenciadas de ativismo.
Entramos em uma nova era da democracia na qual a definição de bem comum não é
mais exclusividade dos governantes e passa a ser compartilhada e discutida.
Há uma boa dose de complexidade entre a encarnação de uma vontade dos governos em um contexto de diferenciação das distintas práticas empresariais – contexto no
qual o conjunto das práticas passa pelo prisma de uma visão de mundo consumista
– e a abertura da práxis de comunicação governamental ao ativismo numericamente
impulsionado dos consumidores. Mas há também que se ressaltar o outro lado dessa
mesma moeda: cidadãos-consumidores análogos às exigências e lógicas de consumo
que exercem um poder real de vigilância e denúncia no que diz respeito às instâncias
de decisão pública através dos meios de comunicação.
TRANSFORMAÇÕES NA COMUNICAÇÃO GOVERNAMENTAL
A apropriação progressiva do campo da comunicação governamental pela comunicação das marcas coincide com o advento de uma comunicação governamental de
tipo consumista. Portadoras de valores, as marcas têm por função essencial insuflar um
novo sentido no sistema de comunicação governamental, de federar-se a identidades
institucionais medulares ou mesmo substituí-las. Por intermédio da ótica das marcas,
a comunicação governamental, já adaptada aos múltiplos canais contemporâneos de
comunicação, conforma-se aos imperativos comunicacionais em vigor na sociedade
de consumo, especialmente em sua forma digital. Paralelamente à era dos meios de
comunicação tradicionais, os dispositivos de comunicação interativos e personalizados,
tais como Facebook e Twitter, permitem uma relação horizontal com o cidadão, transformando-o em um consumidor cada vez mais exigente de serviços públicos (ROSANVALLON, 2007). Na realidade, a Web 2.0 tornou possível aos cidadãos-consumidores
acessarem instrumentos para a construção da marca pública coletivamente e em tempo
real, estabelecendo-se a partir daí o bi-direcionamento da comunicação governamental,
o feedback imediato entre emissor e receptor.
O comportamento de marca traduz-se na reorientação dos debates em torno da
persona da organização governamental, da sua imagem de marca. Esta corresponde
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Autopoiese da comunicação organizacional em redes sociais: uma análise da página da Prefeitura de Curitiba no Facebook
Alcioni Galdino Vieira
a um estilo, uma maneira de encarnar determinada função, até tornar-se “lovemark”,
capaz de construir a fidelidade irracional (ROBERTS, 2004). A relação, mais emocional
do que racional, unindo a marca ao consumidor baseia-se em dois sentimentos distintos: por um lado, o respeito reconhecido ao desempenho, a confiança e a reputação; por
outro, a relação de amor cuja manutenção se dá pela intimidade estabelecida com o
cidadão-consumidor.
Cuidando para proporcionar uma experiência, uma imersão nesse universo
particular, que trabalha como substituto axiológico, as marcas, segundo Heilbrunn (2004)
têm como função insuflar um novo sentido às identidades institucionais e ocupar ideias
para, finalmente, substituí-las. As marcas recuperam, assim, a noção política de bem
comum e impulsionam esse conceito para fora do espaço da comunicação governamental
tradicional, a fim de alocá-lo na esfera da mercadoria.
O conceito de marca governamental responde igualmente aos anseios dos cidadãos-consumidores, de modo a atribuir sentidos ao fluxo informativo incessante ao qual o
público é exposto. Uma vez que o debate democrático é reinterpretado pela ótica das
marcas enquanto conteúdo consumível, os indivíduos são levados a transpor o comportamento de consumidores para essa nova oferta do governo e manifestar uma condução
similar perante uma escolha de consumo ou aprovação dos governantes. Segundo Petty
e Cacioppo (1986), a compreensão de uma mensagem – aqui de tipo pública governamental – e, por fim, a persuasão de uma audiência são fenômenos que dependem
de uma percepção inicial. Por conseguinte, o processo de reificação das organizações
governamentais, transformadas em marcas, traduz-se numa mensagem mais audível
para o cidadão-consumidor. Atentas à diversidade das necessidades dos consumidores,
as melhores marcas são as que melhor respondem às expectativas, público-alvo por
público-alvo ou indivíduo por indivíduo.
Baudrillard (2007) destaca o consumo como um modo ativo de relação, cuja principal característica é a de atividade sistemática e de resposta global, em que todo sistema
cultural está embasado. Nesse sentido, o surgimento da sociedade de consumo repousa
sobre a instauração progressiva de um sistema social amplamente estruturado por
uma ideologia de consumo, que se tornou onipresente e invadiu de forma dissimulada
a maioria das atividades cotidianas. Mais do que uma mutação isolada, o processo de
reificação da organização governamental inscreve-se numa desdiferenciação2 da governança em relação ao conglomerado de práticas de consumo, uma transformação que
toca o conjunto de relatórios sociais sujeitos ao entendimento do mercado. As práticas
consumistas perdem aqui o seu caráter inicial para penetrar gradualmente no espaço
governamental.
Na terminologia luhmanniana, a sociedade de consumo pode ser apreendida como
um sistema autopoietico que a partir da autorreferência, isto é, da observação de segunda ordem que o sistema faz de si mesmo, torna consumível tudo aquilo que define
como consumível. Luhmann (1998) parte de uma teoria dos sistemas autorreferenciais
em que cada auto-observação deve repousar sobre uma redução de complexidade dos
processos comunicacionais produzidos pelo sistema. A comunicação efetua-se, por
2. Ação de regressar a uma condição primitiva.
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Autopoiese da comunicação organizacional em redes sociais: uma análise da página da Prefeitura de Curitiba no Facebook
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conseguinte, essencialmente por meio de um processo em que o sistema interage com
a matéria recorrente, internamente, e a reproduz de modo a manter a autopoiese do
sistema. De acordo com Hernes e Bakken (2003), mantém e altera suas próprias estruturas em função da ideologia dominante. Nesse contexto de desdiferenciação, as marcas
constituem vetores de simplificação que representam a encarnação manifesta de uma
visão de mundo específica.
Através da Web 2.0, a opinião individualizada dos cidadãos-consumidores toma
virtualmente corpo. Numericamente arranjada de acordo com a lógica Peer-to-Peer, a
nebulosa digitalmente constituída age em apoio ou reação às marcas, participando tanto
da sua divulgação como do seu boicote. Este representa a vertente negativa do consumismo na esfera governamental e o princípio segundo o qual os cidadãos-consumidores,
codepositários dos valores da marca, rejeitam a mesma de maneira coletiva. De acordo
com Bolz (2006), os indivíduos agem como prosumidores, de modo à coproduzir a marca
e seu próprio consumo, interagindo com as modalidades de divulgação da marca. Afetam, assim, a oferta de serviços do governo.
Para Sunstein (2003), a Internet tende a fazer da soberania do consumidor o modelo
da soberania governamental. Num contexto em que o cidadão-consumidor torna-se o
novo centro de gravidade, o comportamento online dos indivíduos torna-se um verdadeiro
desafio e a entrada forçada no paradigma participativo representa até agora a resposta
aos imperativos de um consumismo emergente na esfera da gestão de organizações
governamentais.
No entanto, a interatividade típica das redes sociais permite igualmente aos órgãos
do governo encarar novos horizontes de divulgação de suas marcas. Uma tomada de
decisão que explica a emergência de uma forma de marketing participativo que visa
recrutar os cidadãos-consumidores com benefícios para a marca.
No Brasil, a fanpage da Prefeitura de Curitiba no Facebook3, lançada em 2013 e
apelidada pelos fãs de Prefs, inova ao utilizar as mídias sociais diferentemente de um
simples quadro de afixação de informações, e vai ao encontro de um desejo de ação
comunitária. Tornou-se verdadeira placa rotativa de uma operação política de benchmarking que associa o cidadão curitibano a cada uma de suas propostas. Graças a sua
maneira informal de comunicação, com postagens bem humoradas que estimulam a
interação e o debate participativo, milhares de cidadãos-consumidores podem participar
da evolução da marca, que constitui-se numa verdadeira persona, com características e
personalidade humanas.
Trata-se de uma espécie de marketing democrático, ou seja, a organização disponibiliza um canal de comunicação permanentemente aberto com a finalidade de escutar o
público e também dar voz ao mesmo, abrindo espaço para o debate. Objetiva-se que um
maior número de pessoas participe e exprima uma opinião. São operações estratégicas
que visam delegar certo poder de iniciativa aos cidadãos-consumidores, os quais se
unem a partir do fundamento da democracia participativa.
3. Disponível em: <https://www.facebook.com/PrefsCuritiba?fref=ts>.
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Autopoiese da comunicação organizacional em redes sociais: uma análise da página da Prefeitura de Curitiba no Facebook
Alcioni Galdino Vieira
O CASE DA PÁGINA DA PREFEITURA DE CURITIBA NO FACEBOOK
A Prefeitura Municipal de Curitiba tem chamado a atenção do público, bem
como da imprensa, e não apenas em âmbito local, mas nacionalmente e até mesmo
internacionalmente pela atuação na Internet. Mas é sua página no Facebook o que mais
se destaca dentre as estratégias de comunicação organizacional adotadas pela instituição
nos dois últimos anos. Trata-se de um modelo pouco comum na esfera da comunicação
governamental, em que impera a linguagem formal. Diferentemente, a Prefs, como é
chamada, veicula conteúdos com linguagem predominantemente informal e boa dose
de humor, sua principal característica. Para Heinzen:
A Prefeitura de Curitiba é uma organização pública pioneira no que diz respeito à utilização
das mídias sociais como ferramentas de comunicação direta e simétrica com a população.
De uma maneira irreverente e bem humorada, sem, contudo, perder de vista o dever de uma
organização governamental [...] a Prefeitura mantém uma relação próxima e menos burocrática com a comunidade, gerando aproximação, engajamento e interatividade, rompendo,
assim, a barreira entre governantes e governados, existente na maioria das administrações
públicas no Brasil (HEINZEN, 2014, p. 30).
O Departamento de Mídias Sociais e Internet – vinculado à Secretaria Municipal
de Comunicação Social – tornou-se responsável pela reformulação das estratégias
comunicacionais da Prefeitura. O objetivo principal foi estabelecer um novo
posicionamento, visando maior aproximação com os cidadãos e transparência da
administração pública (HEINZEN, 2014).
Desse modo, em março de 2013 foi criado o perfil da Prefeitura de Curitiba no
Facebook, como parte de um conjunto de estratégias para mídias sociais que englobaram
também a criação de perfis no Instagram, Twitter, Youtube e Google Plus. Conforme
ressalta Heinzen (2014), nos dois primeiros meses de existência a fanpage não inovou,
manteve um estilo mais formal, com predominância de textos informativos e poucas
imagens; mantendo baixa a interação do público com a página. Porém, a equipe passou
a adotar um estilo despojado de comunicação, com linguagem simples e direta, apelo
imagético e um tom de humor bem acentuado. Imediatamente o público passou a
interagir nas postagens e houve um boom de audiência.
Atualmente a página conta com mais de 480 mil curtidas (Likes) e um alto índice de
engajamento, uma única postagem chega a atingir a marca de 15 mil curtidas, três mil
compartilhamentos e mais de mil comentários, conforme mostra a Figura 1. Esta faz
parte de uma campanha de doação de sangue realizada em setembro de 2014, numa ação
conjunta com a Prefeitura do Rio de Janeiro. Conhecida como “O casamento vermelho”, a
campanha teve início com um pedido de namoro postado pela Prefeitura do Rio na fanpage da
Prefeitura de Curitiba. O que começou como brincadeira acabou ganhando impacto junto
ao público, que incentivou a união entre as cidades para que promovessem uma campanha
de doação de sangue. Daí para frente, uma série de ações foram realizadas, o que envolveu
desde a organização do casamento fictício entre as duas cidades, tendo como padrinhos
outros municípios brasileiros, os internautas que aderiram em massa à campanha, até
o engajamento de um importante hospital local, o Pequeno Príncipe, que participou da
campanha como o pajem do casamento, doando 100 desenhos feitos por pacientes. Cada
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Autopoiese da comunicação organizacional em redes sociais: uma análise da página da Prefeitura de Curitiba no Facebook
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cidade participante promoveu sua própria campanha de doação, e O casamento vermelho
obteve grande êxito em Curitiba, já que as doações durante a campanha fizeram com
que fosse excedida a capacidade de armazenamento do banco de sangue do município.
Figura 1. 4
A Prefs possui como mascote uma capivara (Figura 2), animal típico da região
encontrado inclusive nos parques de Curitiba. A mascote interage de formas inusitadas
com o público, chamando a atenção para as mais diversas questões, como meio ambiente,
bem-estar social, entre outras, ou simplesmente para tratar com bom humor as intempéries
climáticas da cidade.
Figura 2. 5
4. Disponível em: <http://tinyurl.com/kn5mct7>. Acesso em: 14 de janeiro de 2015.
5. Disponível em: <http://tinyurl.com/lupt6qd>. Acesso em: 14 de janeiro de 2015.
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Autopoiese da comunicação organizacional em redes sociais: uma análise da página da Prefeitura de Curitiba no Facebook
Alcioni Galdino Vieira
O slogan adotado atualmente é: Curitiba. Cidade humana. Na imagem de capa, um
lindo bebê embrulhado com a bandeira municipal. Aqui é nítida a intenção de amenizar
aquela imagem de uma cidade fria, no sentido de pouco acolhedora que muitos têm a
respeito de Curitiba.
Para além das manifestações pontuais de humor, trata-se de uma forma de compromisso traduzida também na emergência de movimentos cidadãos autogeridos, localizados na periferia do sistema. Assim, a rápida ascensão da Prefs resulta dessa nova prática
de comunicação governamental que, ao consolidar os ideários de consumo das marcas,
acaba por produzir uma contraopinião, ciberdifundida, ao domínio das marcas. Trata-se
da especificidade autopoietica desse tipo de sistema. E é exatamente nesse contexto que
surge outra página no Facebook, a Prefrescura de Curitiba6, um perfil criado e mantido
para opinar criticamente sobre as ações da Prefeitura em seu perfil no Facebook.
A PREFRESCURA E O PROCESSO DE CONTRAOPINIÃO
A lógica da democracia participativa, ancorada atualmente pelas mídias sociais e por
essa nova forma de comunicação pública das instâncias governamentais, que passaram
a utilizar estratégias de comunicação mercadológica e gestão de marcas, acaba por
favorecer o surgimento de novos tipos de mobilizações organizadas, funcionando de
acordo com o mesmo princípio. A oferta de uma politização tecnologicamente acessível
conforta a transmutação do cidadão para atuar como consumidor crítico de marcas
governamentais. As novas formas de participação confirmam o caráter amplificador
dos meios de comunicação. Esse processo, partindo da emergente materialização de um
espaço público virtual autônomo, traduz-se na agregação de cidadãos-consumidores
isolados que respondem a compromissos pontuais – um ativismo ad hoc. À agregação
desses interesses individuais corresponde o nascimento de uma contrademocracia
(ROSANVALLON, 2007) compreendida como uma desconfiança produzida pelo sistema.
O advento da Prefrescura é um fenômeno cuja amplitude deve igualmente atribuir
os crédito às mídias sociais como Facebook, Twitter ou YouTube, pois essas novas
mídias permitem ilustrar essa dinâmica autopoietica de desconfiança. A Prefrescura
representa uma colisão entre cidadãos e o órgão governamental, nesse caso a Prefeitura
de Curitiba, de um público preocupado com a tendência recente de corrupção nas
instâncias governamentais; e afetados pelo crescente descrédito em relação à classe
política brasileira.
O elemento característico da Prefrescura está indubitavelmente na sua dinâmica
constitutiva de baixo para cima, com o agrupamento de pequenos grupos isentos sob uma
mesma bandeira – a crítica às ações da Prefeitura de Curitiba. Desprovida de hierarquia
verdadeira, sua dinâmica orgânica comporta inclusive estruturas descentralizadas em
relação à página oficial do órgão municipal. A estrutura desse espaço de debate crítico,
de contraopinião é funcionalmente especializada e frequentemente com uma liderança
coletiva. Funciona também como critério de aprovação moral de cidadãos-consumidores
indignados, desejosos de moralizar a coisa pública. Nessa ação de contraopinião estão
os elementos de uma moralização da democracia, uma preocupação de reideologização
6. Disponível em: <https://www.facebook.com/prefrescuradecuritiba?fref=ts>.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4834
Autopoiese da comunicação organizacional em redes sociais: uma análise da página da Prefeitura de Curitiba no Facebook
Alcioni Galdino Vieira
do campo político, engrenado pelo movimento que caminha junto com a prática de uma
denúncia constante dos oponentes.
Uma das principais características dos novos movimentos sociais, segundo Rosanvallon (2007), é assegurar atividades de vigilância e denúncia, com base na contrademocracia. Nesse sentido, a denúncia pode inclusive ascender à categoria de atividade
democrática fundamental. A destruição da reputação – a imagem de marca – pode
equivaler a uma forma de ostracismo cidadão mais grave do que a inversão desse processo de comunicação pública e governamental. Na nova governança é a reputação que
constitui a principal mediação organizadora da confiança. Tornou-se em certa medida
o depósito de garantia do governo.
A influência de uma opinião politizada pressupõe o advento de um monitoramento
da democracia: a observação permanente e o controle pela sociedade civil da gestão
pública. A Internet, por intermédio das mídias sociais contribui para a constituição de
tal fenômeno. A Web 2.0 parte de sua adaptação espontânea às funções de vigilância
e denúncia e pode, portanto, ser percebida como o campo de ação do consumismo na
esfera governamental. Um consumismo compreendido como autosseleção de benchmarks
a partir dos quais cidadãos-consumidores avaliam os governantes como aptos ou inaptos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reativação do comprometimento dos governos com a opinião pública é testemunha
de uma vontade do cidadão-consumidor de contribuir para o grande diálogo em torno
das marcas públicas, afetando o campo da comunicação governamental de forma
diferenciada, em que as lógicas de consumo, de benchmark, de inscrição pontual ou
mesmo de boicote prevalecem.
Contrastando com uma prática política amplamente desideologizada, a marca
governamental é igualmente portadora de valores e de uma dimensão afetiva. No caso
da Prefs, página da Prefeitura de Curitiba no Facebook, age como rótulo de qualidade
oferecido aos governantes, assinalados como virtuosos num contexto político. Nessa
preferência axiológica trazida aos governantes concorre uma remodelação do discurso
militante e, por conseguinte, a reideologização do campo da gestão governamental.
O advento de uma opinião contratada constitui, portanto, o corolário positivo do
deslize da comunicação governamental para as marcas, em que a aclamação passiva
dá lugar à vigilância e a constituição de forças participantes alternativas. No entanto,
a vigilância 2.0 e a radicalização de uma vigilância negativa, tomando a forma de uma
denúncia sistemática, suscitam igualmente questionamentos.
Por intermédio da (re)composição militante de movimentos contra o sistema, como
parte do processo democrático e participativo, ocorre a emergência de um populismo
2.0. Uma curva populista que pode também ser percebida como uma patologia da
democracia governamental-participativa e mais ainda como uma patologia da vigilância
da vigilância do sistema. Esse populismo 2.0 proscreveria, portanto, qualquer forma
de delegação e radicalizaria o consumismo político-governamental na forma única de
boicote. Um ativismo negativo que se traduz na depreciação dos atores em tempo real,
tornado possível pela circulação de informações na Web Social.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4835
Autopoiese da comunicação organizacional em redes sociais: uma análise da página da Prefeitura de Curitiba no Facebook
Alcioni Galdino Vieira
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4836
Relacionamento com o consumidor gera
reputação na sociedade conectada
Customer relationship creates reputation on connected society
Dulce M a rga r eth Boa rini1
Resumo: O consumidor hoje exerce um papel de protagonista no relacionamento
com as empresas, esteja ele no ambiente off-line ou no on-line. Pelo desenvolvimento da tecnologia digital e da crescente facilidade de acesso, o consumidor ganhou ferramentas que lhe permitem obter informações sobre empresas,
produtos e serviços, a se manifestar frequentemente, de maneira impactante e
com muito mais eco, capaz de transpor barreiras geográficas. Nesse cenário, a
vulnerabilidade das empresas cresceu. O artigo apresenta, a partir da observação
da presença de duas marcas conhecidas nas mídias sociais digitais, o comportamento das empresas, em momentos e formas diferentes. No caso da Arno, fabricante de eletrodomésticos, observou-se tímida atividade na ambiência digital e
relacionamento com consumidor reativo. No caso da 99Taxis, evidenciou-se um
relacionamento ativo, em rota de mão dupla. O parâmetro escolhido para observar o impacto na reputação das marcas foi o portal Reclame Aqui, reconhecido
em excelência pelos 12 milhões de acessos em 2014. Os resultados constataram
que nem todas as empresas ajustaram a comunicação aos novos tempos, por
despreparo ou falta de conscientização.
Palavras-chave: Relacionamento, Consumidor, Mídias Sociais Digitais, Reputação.
Abstract: Nowadays customer is a leading actor in the consumer-brand relationship – in the offline or in the online environment. The development of digital
technology and the increasing of access to it have been promoting gains for
customers – more access and tools allow them to get information about companies, products and services, complaining about brands more frequently and
with more eco -overcoming geographical and temporal barriers. In this scenario,
companies have become more vulnerable and had to adjust their Communication strategies to attend this stakeholder within this new reality. This article
presents a research about how two well-known brands have been leading their
relationships with consumers on Social Media. The brand Arno, an appliance
manufacturer, shows itself as a shy player and it seems low profile. 99Taxis, the
other brand, is a high profile player and collects many goals. This research also
used the reputation index from the Brazilian and well-reputed portal Reclame
Aqui, specialized on customer relationship, to analyze how these two brands
act on Social Media. In general, the results indicate that not all companies have
been adjusted their Communication strategies to the new reality – maybe because
they are unprepared or awareness.
Keywords: Relationship, Customer, Social Media, Reputation.
1. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São
Paulo (UMESP). E-mail: [email protected]
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Relacionamento com o consumidor gera reputação na sociedade conectada
Dulce Margareth Boarini
UM NOVO TIPO DE RELACIONAMENTO A PARTIR DAS MÍDIAS
SOCIAIS DIGITAIS
RELAÇÃO ENTRE empresas e clientes tem sofrido profundas mudanças desde o
A
advento, o fortalecimento e a disseminação das novas tecnologias digitais e das
mídias sociais desse ambiente, uma vez que possibilitou ao consumidor assumir,
muitas vezes, um papel de protagonista na rota da comunicação empresarial. Ele deixou
de atuar apenas passivamente, como receptor, e passou a conversar, a compartilhar e a
reclamar com mais força e frequência, com um potente eco. Essa inversão na postura
contribuiu, graças ao avanço da tecnologia digital e ao amplo acesso a ela, que esse
consumidor conquistasse a regência da nova ordem no fluxo de informação de uma
forma até então sem precedentes na história da Comunicação.
O ciberconsumidor diferencia-se do consumidor tradicional ou ainda do consumidor centauro, definido por Yoram Wind (2000) como um consumidor híbrido, pois transita entre o
comportamento tradicional (off-line) e o comportamento ciber (on-line), exatamente em suas
práticas de acesso e relacionamentos mediados por tecnologias e próteses que viabilizam
o seu envolvimento high tech, imprescindível nas relações de consumo e de troca com as
organizações, certamente trata-se de um consumidor Matrix (Galindo, 2012, p. 148).
Para o autor, a emergência desse perfil de consumidor, que atua na duplicidade
de absorção de conteúdo ao mesmo tempo em que produz e divulga o seu próprio,
equivaleria ao conceito de “prossumidor”, inaugurado por Tofler (1980, p.25). A
informação produzida pelo consumidor embute oportunidades interessantes para
estreitar relacionamentos, ampliar credibilidade, gerar mais negócios e demonstrar o
quanto ele, nos dias atuais, está mais sabedor dos direitos a exercer e a serem respeitados,
apoiado pelo tradicional “boca-a-boca”, que, por meio das mídias sociais digitais, ganhou
velocidade, eco e capilaridade, inclusive internacional, tornando-se um forte componente
de impacto na reputação das empresas, tanto positivamente como negativamente. Saber
identificar tais oportunidades e aproveitá-las tem sido uma arte, embora nem todas as
empresas estejam conscientizadas, preparadas ou dispostas para participar ativamente
desse contexto.
Prahalad e Ramaswamy (2004, p.16) afirmam que, no século XXI, “a mudança mais
básica decorreu da transformação do papel do consumidor – de isolado para conectado,
de desinformado para informado, de passivo para ativo.” O impacto desse novo perfil
de consumidor se dá por conta do acesso à informação, do ganho de uma visão global,
da manutenção e ampliação de uma ativa rede de contatos, da experimentação e
compartilhamento dessa experiência e do exercício do ativismo.
As empresas não mais podem agir com autonomia, projetando produtos, desenvolvendo
processos de produção, elaborando mensagens de marketing e controlando canais, com
pouca ou nenhuma interferência dos consumidores. Estes agora querem influenciar todos
os componentes do sistema de negócios. Armados com novas ferramentas e insatisfeitos
com as escolhas disponíveis, os consumidores fazem questão de interagir com as empresas
e assim co-criar valor (Prahalad e Ramaswamy, 2004, p.19).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4838
Relacionamento com o consumidor gera reputação na sociedade conectada
Dulce Margareth Boarini
A assimilação da existência desse novo perfil de consumidor por parte das empresas
e o reconhecimento de sua relevância, porém, não parece ter acontecido ainda de forma
assertiva e permeada no mercado. O que se pode perceber é que há empresas presentes
nas mídias sociais em níveis diferentes de interação, ou mesmo em nenhum deles.
Há aquelas preocupadas em criar e manter um relacionamento – bom e constante –,
esforçando-se para que esse stakeholder tenha a percepção de que é sequer respeitado
e ouvido. Por outro lado, existem as empresas que ainda não se alertaram para a
necessidade de criação e manutenção de programas de relacionamento que envolvam
as mídias sociais digitais nesse sentido. Esse último grupo parece não perceber como
os novos canais de comunicação ganharam eco e audiência nos últimos anos, e como
críticas e elogios de clientes a marcas e empresas têm ganhado um espaço nobre e
impactante por toda a sociedade a partir deles.
Como define Riel (2014, p. 1), “as grandes empresas reconhecidamente afetam a
sociedade de várias maneiras e contam com uma ampla variedade de stakeholders, um
número certamente maior do que se considerava haver apenas uma ou duas décadas
atrás.” O autor alerta para a primordialidade no desenvolvimento de um programa
de alinhamento com empregados, investidores, clientes, mídia financeira, dirigentes
eleitos e legisladores. Riel (2014, p. 1 e 2) afirma que, “embora as empresas detenham a
promessa de marca, o novo cenário mostra que são os stakeholders internos e externos
que detêm o ativo mais precioso, que é a reputação”. A construção e a preservação de
uma boa reputação junto a todos os stakeholders, mais que nunca, está atrelada à Comunicação – como é realizada, de que forma, com qual frequência, entre outros aspectos.
Numa sociedade conectada e povoada por consumidores bem informados, o peso
da reputação tornou-se incontestavelmente muito maior. Desde que empreendida de
forma estratégica e profissional, não há motivos para uma empresa temer a comunicação
que objetiva o aprofundamento na relação com os consumidores, mas para que os
resultados disso sejam eficazes e profícuos tornam-se necessários o entendimento e a
institucionalização da área de Comunicação como um dos instrumentos imprescindíveis
na gestão da empresa.
O planejamento em comunicação deve resultar de uma política de comunicação, instrumento de gestão que vislumbra ações e estratégias também de longo prazo. Ele deve estar
em sinergia com a cultura da organização, considerar o perfil da concorrência e da sua
área específica de atuação, o contexto econômico, sociocultural, ambiental e legal em que a
organização se insere, e, inclusive, estar sintonizado com a própria estrutura à disposição
de quem planeja (recursos humanos e financeiros, por exemplo) (Bueno, 2009, p. 178).
Saber se relacionar constantemente dentro da ambiência digital permite que as
empresas percebam os movimentos, as reações, as avaliações e os sentimentos que os
consumidores têm delas e de suas marcas, e, a partir daí, desenhem ações de comunicação
mais aderentes às estratégias do próprio negócio. O movimento do consumidor com
relação à marca e à empresa pode ser acompanhado por um processo de monitoramento,
que funcionaria como um termômetro, e que demanda técnicas apuradas, profissionais
de Comunicação totalmente incorporados à gestão da empresa, uso integrado de
ferramentas modernas. Os autores Solis e Breakenridge (2009, p.1) são taxativos ao
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Relacionamento com o consumidor gera reputação na sociedade conectada
Dulce Margareth Boarini
afirmarem que “a internet mudou tudo e que as mídias sociais estão dando poder a
um grupo de vozes com autoridade que não podemos ignorar”2. Kotler e Kartajaya e
Setiawan (2010, p.59) enfatizam que no Marketing 3.0, a propriedade da marca muda
de mãos. “As empresas que adotam o Marketing 3.0 precisam se acostumar com o fato
de que é quase impossível exercer controle sobre a marca. As marcas pertencem aos
consumidores” (KOTLER e KARTAJAYA e SETIAWAN, 2010, p.59), e eles se transformam
praticamente em sócios da missão da empresa.
A mudança de paradigma apoia-se no fato de que é preciso se comunicar, interagir, exercitar o relacionamento sempre. Bueno (2014, p.222) afirma que “as redes sociais
exigem uma nova cultura de relacionamento que não se confunde com o controle, a
censura, a autocensura, a obsessão pelo controle e subjugação das vozes contrárias”. O
momento atual pressiona as empresas a darem a devida relevância à comunicação com
o consumidor.
QUANDO O VENTO SOPRA NA DIREÇÃO OPOSTA
Munida de uma câmera e com o simples desejo de ajudar pessoas com o mesmo
problema que o seu, a consumidora Alda Silva decidiu compartilhar na rede social
YouTube a descoberta de como abrir um dos modelos da linha de circulador e ventilador de ar Turbo Silêncio da Arno para limpá-lo. À primeira vista, a ideia pode causar
estranhamento, mas tem se mostrado de grande utilidade para outros consumidores que,
assim como ela, adquiriram o produto. O apelo de venda explorado para este modelo,
categoria premium, está centrado, nos pontos de venda, em questões como circulação de
ar excelente, funcionamento extremamente silencioso, de fácil transporte e com possibilidades de regulagem no direcionamento do vento produzido.
Depois de um período de uso, porém, consumidores começaram a se deparar com
um problema – a desmontagem aparentemente impossível para que se pudesse realizar
a limpeza. Robusto, parecendo ser produzido em uma única peça, o modelo não traz em
seu corpo qualquer sinal de onde pode ser aberto para que se retire a poeira que se forma
internamente e ter as hélices e a parte interna limpas. Tal questão não foi contemplada
de forma clara e direta pela fabricante na embalagem ou no folheto com as instruções
de uso. No website da empresa, é sugerido que se leve o aparelho até uma assistência
técnica para que a limpeza seja efetuada. Essa medida, provavelmente, tenta priorizar
a segurança de seus consumidores, mas a mensagem não afirma que a sugestão de
procurar uma assistência técnica seja por esse motivo.
A Sra. Alda Silva, logo no início do vídeo postado na rede social YouTube em 22 de
abril de 2013, explica que o que a motivou a gravá-lo foi o fato de poder mostrar como
o produto pode ser limpo sem depender das assistências técnicas autorizadas. Disse
que um funcionário de uma delas, gentilmente, mostrou-lhe o Abre-te Sésamo da tarefa.
Nascia assim, na consumidora, o desejo de compartilhar, com outros clientes angustiados
pelo mesmo problema, a solução de forma gratuita e didática. No seu vídeo, a sra. Alda
Silva, em voz calma e serena, apresenta o produto, elogia seu funcionamento, conta o
2. “The Web has changed everything. And the Social Web is empowering a new class of authoritative voices
that we cannot ignore.” A tradução do inglês foi feita pela autora do artigo.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4840
Relacionamento com o consumidor gera reputação na sociedade conectada
Dulce Margareth Boarini
périplo pela busca da forma de limpeza e mostra em 7:41 minutos como realizar tal
tarefa, sem a ajuda de ninguém. A própria consumidora consegue limpar o ventilador
sozinha enquanto filma. Ela não reclamou de forma clara da marca ou do produto, ou
seja, não sugeriu que as pessoas deixassem de compra-lo. Reforçou que sua intenção era
apenas a de compartilhar como o tal modelo de circulador de ar poderia ser desmontado
facilmente para ser limpo, sem a necessidade de se recorrer a uma assistência técnica e
consequentemente pagar por esse tipo de serviço simples.
Até as 19:47 do dia 21 de março de 2015, seu vídeo na rede social YouTube, havia
conquistado 27.803 visualizações. Posteriormente, em 08 de Maio de 2014, o vídeo ganhou
uma segunda versão, menor, a pedido de outros consumidores que contataram a Sra.
Silva, para que ela os ensinasse como limpar especificamente as hélices do mesmo modelo
de circulador de ar da Arno. Esse segundo vídeo havia registrado 3.721 visualizações
no dia 21 de março, às 21:53. Nos vários posts que se lê abaixo do vídeo número um
(2013), pode-se constatar a diversidade de reações de consumidores, desde alguns que
apenas agradecem pela iniciativa até aqueles que afirmam que desistirão da compra
deste produto da Arno. A consumidora Alda Silva especializou-se em vídeos com dicas
de temas variados na rede YouTube, e, inclusive, criou um sistema de cadastro, onde
os interessados podem deixar email para, periodicamente, receberem o link dos novos
vídeos postados por ela. Segue abaixo a imagem do primeiro vídeo (2013):
Figura 01. YouTube. Alda Silva. Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=6cnWnU5Pk7U>
Em 25 de dezembro de 2013, outro consumidor, o Sr. Rud Gullet, também postou
um vídeo na rede social YouTube, ensinando as pessoas como limpar o mesmo produto.
Tal exemplo reforça como os consumidores se ressentem pela falta dessa informação
específica sobre o circulador de ar e como sentem a necessidade de compartilha-la assim
que descobrem se tratar de uma ação simples. Segue abaixo uma imagem do vídeo
postado pelo consumidor, que, até as 22:12 do dia 21 de março de 2015, havia registrado
6.509 visualizações.
Figura 02. YouTube. Alda Silva.
Fonte: <https://www.youtube.com/watch?v=HE_xTRGPDgk>
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Relacionamento com o consumidor gera reputação na sociedade conectada
Dulce Margareth Boarini
A informação sobre a limpeza do produto no website da empresa, até o dia 19 de
março de 2015, às 23:06, sugeria aos consumidores que procurassem uma assistência
técnica:
Figura 03. Arno.
Fonte: <http://www.arno.com.br/#!/produtos/Conforto/linha-turbo-silencio-49/
circulador-de-ar-arno-turbo-silencio-81>
O lançamento da linha Turbo Silêncio da Arno no mercado contou com forte esforço
de marketing, com apelo centrado no silêncio e na potência, em mídias tradicionais e
digitais. A agência de propaganda Publicis, que assinou a campanha de lançamento
para a marca, criou peças bastante criativas para mostrar o funcionamento e as qualidades
do equipamento.
Figura 04. Comunicadores. Fonte: <http://comunicadores.info/2011/08/10/
arno-turbo-silencio-vento-na-maxima-potencia/>
Em pesquisa feita em Março de 2015, no campo de busca da rede social Facebook,
utilizando-se apenas a marca Arno, é possível observar que ela automaticamente muda
para a denominação Arno Oficial. A segunda opção encontrada no campo de busca é
Arnold Classic Brasil. Em busca realizada em dezembro de 2014, a ordem era a inversa,
com Arnold Classic Brasil vindo em primeiro lugar. Abaixo, como se pode ver hoje:
Figura 10. Facebook. Arno Oficial. Arnold Classic Brasil. Fonte:<https://www.facebook.
com/ArnoOficial?fref=ts / https://www.facebook.com/arnoldclassicbrasil?fref=ts>
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Relacionamento com o consumidor gera reputação na sociedade conectada
Dulce Margareth Boarini
Na página do site Reclame Aqui, a marca, que, chegou a aparecer com reputação
classificada como Regular pelo identificador amarelo no ano de 2013, teve sua imagem
junto aos consumidores melhorada e, nos últimos doze meses, obteve o ícone em azul,
considerado Bom. Isso denota que a empresa tem realizado esforços para melhorar sua
reputação com relação à comunicação referente à solução de situações adversas.
Figura 04. Reclame Aqui.
Fonte: <http://www.reclameaqui.com.br/indices/421/arno/>
(figura à esquerda) e <http://www.reclameaqui.com.br/indices/421/arno/> (figura à direita)
O site Reclame Aqui apresenta uma classificação própria para medir a reputação
das empresas, baseada em ícones representados por carinhas no estilo emoticon, a partir
do atendimento prestado aos consumidores, como demonstra a figura abaixo:
Figura 05. Reclame Aqui.
Fonte: <http://www.reclameaqui.com.br/indices/1897/reclameaqui/>
A REPUTAÇÃO MEDIDA PELO GRAU DE
CONVERSA E SOLUÇÃO DE PROBLEMAS
Faz-se necessário um registro sobre o site Reclame Aqui, criado em 2001 por um
grupo de quatro sócios – um publicitário e três desenvolvedores de sistemas –, depois
que um deles, o seu hoje presidente Maurício Vargas, passou por um constrangimento
ao ter sido vítima de overbooking em uma companhia aérea. Autodenominado “canal
oficial do consumidor brasileiro”, o Reclame Aqui é uma plataforma que faz o meio
de campo entre consumidores e empresas e serviços públicos. Sua política de atuação
contribuiu muito para que o serviço se tornasse um dos mais respeitados na área de
atendimento ao cliente, ao lado de institutos importantes e igualmente bem reputados,
como o Procon e o Idec. O site não aceita participações anônimas ou com apelidos
por parte dos consumidores e não interfere manualmente na apuração dos dados ou
atualização dos índices, segundo informações prestadas no website oficial.
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Relacionamento com o consumidor gera reputação na sociedade conectada
Dulce Margareth Boarini
Foi em 2010 que a plataforma registrou seu maior pico de crescimento, com três
milhões de visitas. Um ano mais tarde, obteve o reconhecimento do Ministério Público
de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. Em 2012, atingiu 74% de soluções dos
casos. Em 2013, atingiu a marca de nove milhões de acesso ao mês. Em 2014, o Reclame
Aqui, registrou 12 milhões de visitas e ostenta hoje 15 milhões de usuários cadastrados.
As informações foram fornecidas pela 4Press, assessoria de imprensa do serviço. Além
do website, sua página no Facebook é bastante ativa.
Tabela 1. A evolução no número das queixas.
Fonte: 4Press.
A existência do Reclame Aqui e seu sucesso demonstram a transformação por qual
tem evoluído a postura do consumidor com o advento das tecnologias digitais, o acesso
a elas e a pressão que as mídias sociais digitais exercem sobre a sociedade atual. Mais
de 90% das visitas realizadas diariamente no portal são exclusivamente para pesquisar
a reputação de uma determinada empresa ou serviço, e apenas 10% se destinam ao
registro de uma queixa. Os dados refletem a profunda preocupação do consumidor
com a idoneidade do fabricante ou prestador de serviço que ele pretende contratar. A
pesquisa do melhor custo x benefício não se configura mais como o único elemento
determinante para uma aquisição.
Acessar um portal como o Reclame Aqui sintetiza a busca pelo testemunho de
alguém que inspira confiança. Para os autores Brogan e Smith (2010, p.2) o consumidor
dos dias atuais é conectado, ativo e bem informado e isso exige um tipo de relacionamento
condizente com esta realidade de acesso à informação e onde o grau de confiabilidade
determina o ato da compra. Ao contrário do fator preço, que pode fazer uma empresa
deixar de vender por uma destreza melhor da concorrência, o fator reputação pode
desestimular um consumidor a comprar por culpa da própria empresa em questão.
A CONECTIVIDADE ENCURTOU A DISTÂNCIA
ENTRE O TÁXI E O PASSAGEIRO
A empresa 99Taxis, que se destaca por seu trabalho de comunicação com o consumidor, nasceu como aplicativo, por iniciativa do empresário Paulo Veras, eleito um dos
cem brasileiros mais influentes em razão do sucesso do seu negócio, em ranking da
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Relacionamento com o consumidor gera reputação na sociedade conectada
Dulce Margareth Boarini
revista semanal Época, da Editora Globo, com data de circulação de 13 de dezembro de
2014, dentro do levantamento chamado “Os mais influentes do Brasil em 2014”.
Criado em agosto de 2012, o aplicativo é um dos serviços de táxi mais populares hoje
no Brasil, com a marca de dez milhões de corridas realizadas desde a sua inauguração
e cem mil motoristas cadastrados. Está presente em 300 cidades brasileiras e ativo nas
redes sociais Facebook, Instagram, Twitter, LinkedIn e Google+, segundo informações
prestadas pela NB Press, assessoria de imprensa. O aplicativo hoje está disponível nos
idiomas Português, Inglês e Espanhol e pronto para operar nos sistemas operacionais IOS,
Android e Windows Phone. Ao baixar o aplicativo e efetuar o cadastro, o consumidor
passa a ter um relacionamento frequente com a empresa, uma vez que a 99Taxis está
sempre encaminhando informações sobre promoções especiais, campanhas sociais,
realizadas muitas vezes com empresas parceiras, brincadeiras e descontos, seja por sms,
mídias sociais digitais ou e-mails.
A reputação da empresa é considerada muito boa no site Reclame Aqui, em razão
da quantidade de solicitações solucionadas por seus consumidores, da forma satisfatória
de atendimento, do curto prazo de resposta da empresa e da disposição demonstrada
pelos clientes em continuar a fazer negócios com a empresa depois da ocorrência de
situações consideradas insatisfatórias. Segue abaixo imagem da carinha do Reclame
Aqui para a empresa:
Figura 06. Reclame Aqui. 99Taxis.
Fonte: <http://www.reclameaqui.com.br/indices/71824/99taxis/>
Segundo Galindo (2009, p.45), as empresas hoje enfrentam o desafio de se tornarem
comunicadoras efetivas, “valendo-se, portanto, de sua capacidade estratégica em gerar
percepções duradouras e de reforço contínuo a sua personalidade, frente aos objetivos
propostos no plano de marketing e compartilhados junto aos seus públicos de interesse”.
Quando um canal de comunicação é aberto e um relacionamento é frequente, a empresa
goza da oportunidade de corrigir algum eventual deslize tendo um voto de confiança
do lado descontente. A quem é visto com credibilidade e percebido como presente é,
costumeiramente, ofertado um momento para explicações. A ilustração abaixo mostra
como a 99Taxis tratou de um ponto negativo levantado por um consumidor no site
Reclame Aqui:
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4845
Relacionamento com o consumidor gera reputação na sociedade conectada
Dulce Margareth Boarini
Figura 07. Reclame Aqui. 99Taxis. Fonte: <http://www.reclameaqui.com.
br/9270166/99taxis/99-taxi-nao-possui-atendimento-ao-cliente/>
Para reclamar de mal atendimento de um taxista, um consumidor postou sua
reclamação sobre a atitude de um motorista. A empresa respondeu ao cliente, dentro
de um prazo considerado rápido, e informou que o profissional sofreria sanções por
tempo determinado. Depois dessa postura da empresa, ao ser perguntado pelo site se
faria novamente negócios com a 99Táxis, o cliente disse que faria, pois estava satisfeito
com a conduta adotada. Essa situação teve um desfecho satisfatório em termos de imagem
para a marca e manteve sua boa reputação inabalada dentro do critério de classificação
estabelecido pela plataforma de relacionamento. O consumidor preferiu acreditar na
boa experiência que teve com a empresa antes daquele episódio especificamente ruim
para dar-lhe um voto de confiança e manter sua credibilidade no serviço.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa realizada com as marcas Arno e 99Taxis pretendeu evidenciar a relevância
de abrir e manter diálogo com o consumidor no ambiente das mídias sociais digitais e
que, para que essa iniciativa tenha resultado profícuo e gere boa reputação para marcas
e empresas, é determinante que a Comunicação esteja alinhada às expectativas de uma
sociedade conectada. A importância cada vez mais incontestável do ativo reputação
tem apontado que ele pode servir de parâmetros e definição para vendas, compras,
investimentos de acionistas, participação em licitações nacionais e internacionais,
contratações, adesões. As mídias sociais digitais têm se configurado um ambiente
fundamental para a percepção de valor que as empresas transmitem aos clientes. Saber
estar presente e exercitar um relacionamento com o stakeholder consumidor nesses canais
deixou de ser opção. É preciso aceitar os novos paradigmas. O capital social de uma
organização também pode ser composto pelo saber ouvir e conversar.
REFERÊNCIAS
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4847
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Dulce Margareth Boarini
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4848
Relações Públicas e ambiente digital:
a pirâmide das relações públicas
Public Relations and digital environment:
the PR pyramid
José Gabriel Andr ade 1
Resumo: Este artigo aborda os desafios com que as Relações Públicas se deparam
na atualidade, operando num ambiente digital e interativo, que suporta mudanças
profundas no comportamento dos públicos e na forma como se relacionam com
as organizações.
No âmbito académico, discutem-se novos modelos comunicacionais mais simétricos e os investigadores são confrontados com mutações profundas no exercício
da profissão e no lugar que as Relações Públicas tradicionalmente ocupam nas
organizações.
O caso da TAP Portugal é abordado neste artigo como exemplo de estrutura
comunicacional integrada para a gestão da presença nos media sociais. A partir
deste caso, é proposto um modelo piramidal que engloba o marketing e o apoio
ao cliente e no qual as Relações Públicas assumem a posição de orquestrador
como solução para gerir a presença nos media sociais gerando imagens consistentes e obtendo a tão desejada reputação consolidada.
Palavras-Chave: Relações Públicas. Pirâmide das Relações Públicas. TAP
Portugal.
Abstract: This article discusses the challenges faced nowadays by Public
Relations within the context of a digital and interactive environment marked
by profound changes in the behavior of audiences and the manner how they
relate with organizations.
In the academic context, we discuss new and more symmetrical communication
patterns where researchers are faced with both profound changes in this kind
of job and place Public Relations traditionally take on in organizations. The
case of TAP Portugal is discussed in this article as an example of integrated
communication structure for the management its presence in Social Media.
From this case, we propose a pyramidal model that encompasses marketing
and customer support and in which Public Relations take the role of orchestrator, coming up with solutions to better manage its presence in Social Media
generating consistent images and thereby achieving an established reputation.
Keywords: Public Relations. PR Pyramid. TAP Portugal.
1. Mestre, professor assistente. Universidade Católica Portuguesa [email protected]
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4849
Relações Públicas e ambiente digital: a pirâmide das relações públicas
José Gabriel Andrade
ENQUADRAMENTO TEÓRICO
S
Caraterização dos media sociais
ÃO VÁRIOS os conceitos avançados para descrever as tecnologias de comunicação
digitais que atualmente integram as nossas práticas quotidianas, como por exemplo
Web 2.0, novos media e media sociais. Cada um destes conceitos enfatiza diferentes
caraterísticas e está associado a um contexto temporal, geográfico e cultural concreto,
bem como a tecnologias específicas. Contudo, os elementos comuns entre todos são a
transição do analógico para o digital e a alteração de uma lógica de emissão massificada
para uma lógica de diálogo personalizado.
A designação ‘media sociais’ enfatiza a promoção da sociabilidade como a principal
caraterística dos meios de comunicação a que se aplica. Na sua aceção mais restrita, é
entendida como sinónimo de redes sociais, aplicações cuja finalidade é promover a
comunicação, a sociabilidade e o networking (estabelecimento de ligações e relações,
criação de redes) através da facilitação da criação, manutenção e eventual intensificação
das relações interpessoais e sociais. Num sentido mais lato, alguns autores descrevem
também como media sociais aplicações cujos conteúdos são produzidos pelos próprios
utilizadores (e.g. blogues, wikis, YouTube, social bookmarking), salientando o contraste
entre a estrutura horizontal e colaborativa deste tipo de meios de comunicação e os meios
de comunicação de massas, também chamados media tradicionais ou ‘velhos media’ (ex.
imprensa, rádio, televisão), cujos conteúdos são maioritariamente determinados pelos
produtores e transmitidos ao mesmo tempo para uma audiência relativamente passiva.
Postman (2011) define media sociais focando tanto a sociabilidade como a criação e
difusão de conteúdos:
O que são os media sociais? São o envolvimento do utilizador final na criação de conteúdo
online e a facilidade e variedade de formas através das quais esse utilizador final pode criar
conteúdos, comentar conteúdos, adicionar aos conteúdos e partilhar conteúdos, e ainda
criar relações com outros que estão a fazer o mesmo. (Postman, 2011 [numa conferência,
tradução nossa]).
Kaplan e Haenlein (2010) sugerem outra definição que entende a Web 2.0 como
a infraestrutura tecnológica que suporta e possibilita a existência de aplicações
colaborativas que promovem a sociabilidade e a partilha de conteúdos:
[…] Media sociais são um conjunto de aplicações baseadas na internet que acrescentam às
fundações ideológicas e tecnológicas da web 2.0, permitindo a criação e troca de conteúdos
gerados pelos utilizadores. (Kaplan e Haenlein, 2010: 61 [tradução nossa]).
A proliferação e crescente utilização dos media sociais é descrita por Li e Bernoff
(2008) através do conceito de groundswell (avolumar, expandir, intensificar), que se
refere à crescente utilização de ferramentas digitais de comunicação peer-to-peer por
parte dos utilizadores para obterem o que necessitam a partir de outros utilizadores,
colaborativamente. Este é, portanto, um fenómeno social generalizado, com impacto
em todas as dimensões da sociedade, e que consiste na expansão, intensificação ou
avolumar da comunicação entre pessoas e entre pessoas e organizações para um plano
virtual, no qual os utilizadores são mais ativos e participativos.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4850
Relações Públicas e ambiente digital: a pirâmide das relações públicas
José Gabriel Andrade
Manovich (2002), Livingstone (2002) e Flew (2008 [2002]) concordam que é o formato
digital que distingue os media sociais dos meios de comunicação de massa. Contudo,
os autores referem também a articulação e convergência de ambos os tipos de meios
de comunicação, referindo a presença online de jornais e de canais de televisão, por
exemplo. Os autores concordam que as caraterísticas dos meios de comunicação digitais
provocam alterações tanto no formato como nos conteúdos dos meios de comunicação
de massas que com eles se articulam. Também o conceito de remediação de Bolter e
Grusin (2001) reforça este argumento. Contudo, Livingstone (2002) sugere que o estudo
dos media sociais se deve focar mais na sua utilização e no seu impacto social do que
nas suas caraterísticas tecnológicas:
Têm sido descritos muitos traços aparentemente novos dos novos media, incluindo a hiperrealidade, o anonimato, a interatividade, e por aí em diante. Contudo, acreditamos que os novos
media podem ser caraterizados de forma mais útil em termos de, em primeiro lugar, a forma
como são, ao mesmo tempo, o instrumento e o produto de mudanças sociais e, em segundo
lugar, das suas consequências sociais particulares. […] os novos media moldam e são moldados pelo seu contexto social, económico e cultural. (Livingstone, 2002: 7-8 [tradução nossa]).
Para Jenkins (2006), a convergência de meios de comunicação também vai além da
dimensão tecnológica, sendo portanto uma convergência cultural cujo motor são os
utilizadores, e não as características tecnológicas.
Argumento contra a ideia de que a convergência deve ser entendida primeiramente como
um processo tecnológico que conjuga múltiplas funções nos mesmos aparelhos. Em vez
disso, a convergência representa uma mudança cultural, uma vez que os consumidores
são encorajados a procurar nova informação e a criar ligações entre conteúdos mediáticos
dispersos. (Jenkins, 2006: 2-3 [tradução nossa]).
Mas mais importante do que distinguir meios de comunicação de massa e media
sociais é compreender como estes meios de comunicação de natureza distinta coexistem e
se articulam. Cardoso (2006) demonstra na sua aplicação do conceito de sociedade em rede
de Castells (2005 [1996]) ao estudo dos media no contexto português, que os utilizadores
tendem a articular os diferentes meios de comunicação em vez de optarem por uns em
detrimento de outros. O autor explica que a digitalização torna a comunicação sintética,
tanto na sua dimensão tecnológica (reduz diferentes tipos de sinais ao código binário)
como no conteúdo (há uma tendência para redução e simplificação das mensagens em
formato digital – e.g. SMS, IM, microblogging). Seguidamente, observa que os utilizadores
articulam os diferentes meios de comunicação – sociais e de massa – em função dos
seus objetivos, necessidades e preferências. Com base nestes dois argumentos, propõe
que estamos perante a emergência de um novo modelo comunicacional que apelida de
comunicação sintética em rede:
Castells (2009) também propõe que a articulação entre meios de comunicação de
massa e media sociais conduz a um novo tipo de comunicação, a ‘comunicação individual
de massas’ (mass-self communication). O autor observa que a internet possibilita que dois
tipos de comunicação distintos – a interpessoal e a de massas – ocorram em simultâneo
e se misturem, dando origem a um novo tipo de comunicação:
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4851
Relações Públicas e ambiente digital: a pirâmide das relações públicas
José Gabriel Andrade
Eu chamo a esta historicamente nova forma de comunicar comunicação individual de massas. É comunicação de massas porque pode atingir uma audiência potencialmente global
[…]. Ao mesmo tempo, é comunicação individual porque a produção da mensagem é auto-gerada, a definição de potenciais recetores é auto-orientada, e a receção de mensagens ou
conteúdos da world wide web específicos bem como a comunicação nas redes eletrónicas são
auto-selecionadas. Estas três formas de comunicação (interpessoal, de massas e individual
de massas) coexistem, interagem, e complementam-se, em vez de se substituírem. O que é
historicamente novo, com consequências consideráveis para a organização social e para a
mudança cultural, é a articulação de todas as formas de comunicação nu, hipertexto compósito, interativo e digital que inclui, mistura e recombina, na sua diversidade, um enorme
leque de expressões culturais patentes na interação humana. (Castells, 2009: 55 [itálico no
original, tradução nossa]).
Alterações no papel dos recetores dos meios de comunicação, ou das audiências/
consumidores, são identificadas por Toffler (1980) na década de 80 do século passado.
O autor propôs o conceito de ‘prosumidor’ (prosumer), combinando os vocábulos
produtor e consumidor, precisamente para aludir ao fato de os consumidores dos
meios de comunicação passarem, com as tecnologias digitais, a ser também capazes
de produzir e difundir conteúdos. Este termo tem sido adotado por autores como
Castells (2004) e Tapscott (2008). Em alternativa, Bruns (2008) sugere ‘produtilizador’
(produser): “[…] utilizadores de sítios noticiosos que se envolvem com esses sítios quer
como consumidores quer como produtores (e frequentemente em ambos os modos ao
mesmo tempo” (Bruns, 2005: 23 [tradução nossa]).
O papel ativo e participativo dos utilizadores é, portanto, um dos traços mais
importantes dos media sociais. Não só está presente no comportamento dos utilizadores
dos media sociais, como está também, cada vez mais, enraizado na mentalidade
contemporânea, levando a que os diferentes públicos das organizações, seja qual for
o canal de comunicação, exijam uma relação mais dialógica, interativa e transparente
(Breakenridge, 2008). Os públicos das Relações Públicas passaram, portanto, de leitores
ou expetadores relativamente passivos a utilizadores ativos e participativos, o que exige
uma reconfiguração profunda não só das práticas dos profissionais da área, como da
abordagem geral ao papel das próprias Relações Públicas nas organizações.
O impacto dos media sociais nas Relações Públicas
Os media sociais, que inicialmente eram um espaço de sociabilidade no âmbito de
relações pessoais, contam cada vez mais com a presença de organizações, e as interações
profissionais e comerciais são cada vez mais frequentes.
A par de teorias sociológicas mais abrangentes, que relacionam as tecnologias
digitais com mudanças sociais – como a teoria da estruturação de Giddens (1991), o
conceito de liquefação de Bauman (2000) ou o conceito de sociedade em rede de Castells
(2005 [1996]) – vários autores no âmbito das Relações Públicas têm argumentado que a
crescente utilização dos media sociais como ferramenta de comunicação por parte das
empresas está associada a uma mudança paradigmática na comunicação organizacional,
que passa da tradicional lógica assimétrica teorizada por Grunig e Hunt (1984) para uma
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4852
Relações Públicas e ambiente digital: a pirâmide das relações públicas
José Gabriel Andrade
lógica simétrica (Kunsch, 2003; Solis and Breakenridge, 2009; Scott, 2010; Macnamara
and Zerfass, 2012).
Duas abordagens diferentes ao impacto dos media sociais nas Relações Públicas
têm sido propostas: por um lado, os media sociais são considerados novas ferramentas
ao dispor dos profissionais da área, que pelas suas caraterísticas tecnológicas concretas,
alteram as práticas profissionais; por outro lado, os media sociais têm sido concetualizados
como uma caraterística contextual da sociedade contemporânea associada a alterações
profundas na comunicação organizacional e nas próprias organizações.
No âmbito da primeira perspetiva, a literatura sobre como comunicar através de
cada media social específico é abundante, com destaque para o Facebook (Levy, 2010;
Zarrella, D. and Zarrella, A., 2011; Cijo e Gul, 2014), o Twitter (Israel, 2009; Micek, Micek
and Whitlock, 2009; Schaefer, 2012) e o YouTube (Evans, 2010; Scott, 2010). Alterações nas
práticas do profissional de Relações Públicas associadas às exigências dos media sociais
são identificadas, como por exemplo alterações na estrutura e no estilo dos comunicados
de imprensa, a obrigatoriedade de disponibilidade permanente e rapidez na resposta,
e ainda competências de edição e publicação digital como fundamentais (Bratton and
Evans, 2008; Hay, 2009; Brogan, 2010; Halligan and Shah, 2010; Wilcox and Cameron,
2010; Scott, 2011; Schweigert, 2014).
No âmbito da segunda perspetiva, as principais consequências associadas aos media
sociais como elemento contextual da sociedade contemporânea são a complexificação
das organizações e do seu contexto (Davis, 2009; Cornelissen, 2011) e o esbatimento das
fronteiras entre as organizações e o seu exterior (Miller, 2009; Cheney, Christensen, Zorn
and Ganesh, 2011). Davis (2009) sublinha que o aumento do volume e da velocidade de
informação em circulação resulta num esforço muito maior por parte das organizações
para conseguirem chamar a atenção dos seus públicos num contexto sobrecarregado de
estímulos. O empoderamento possibilitado pelos media sociais, que permitem que os
consumidores se tornem ‘prosumidores’ (Castells, 2005 [1996]; Tapscott and Williams,
2006) ou ‘produtilizadores’ (Bruns, 2008) capazes de comunicar individualmente em
massa os seus próprios conteúdos (Castells, 2009) representa uma considerável perda
de controlo das organizações sobre as mensagens, o que é apontado como o principal
desafio colocado pelos social media à comunicação organizacional por diversos autores
(e.g. Postman, 2008; Qualman, 2009; Scott, 2011). É a partir desta observação que vários
autores advogam a transição de modelos comunicacionais assimétricos para simétricos
na comunicação organizacional (e.g. Kunsch, 2003; Solis and Breakenridge, 2009; Scott,
2010; Breakenridge, 2012; Macnamara and Zerfass, 2012).
Embora muitas organizações ainda recorram a práticas comunicacionais assimétricas
e não considerem o feedback dos públicos a que se dirigem, esta atuação não é adequada
às necessidades, exigências e preferências desses públicos. Por exemplo, os consumidores
confiam mais nas recomendações que lhes chegam das suas relações pessoais do que
nas mensagens das organizações (Qualman, 2009). Os jornalistas também consideram
que a maior parte dos comunicados de imprensa que lhes chegam são demasiado longor,
irrelevantes, e revelam muito pouca consideração pelas suas necessidades e preferências
(Rossi and Azevedo, 2008). Assim, alguns autores argumentam que as mudanças
necessárias nas Relações Públicas para dar resposta às necessidades, exigências e
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Relações Públicas e ambiente digital: a pirâmide das relações públicas
José Gabriel Andrade
preferências dos seus públicos vão além das rotinas profissionais, sendo necessária uma
mudança de mentalidade que passe a favorecer a comunicação horizontal e participativa
(Breakenridge, 2012; Theaker and Yaxley, 2012).
Contudo, Edwards e Hodges (2011) chamam a atenção para a perpetuação do controlo
por parte das organizações, que enquanto entram em diálogo com os seus públicos numa
relação aparentemente mais horizontal, recolhem informação sem precedentes através
dos media sociais. Autores com uma perspetiva mais crítica também apontam os media
sociais como elementos que reconfiguram os equilíbrios de poder entre as organizações e
os seus públicos, mas que não condizem necessariamente a uma distribuição equilibrada
ou simétrica desse mesmo poder (Coombs and Holliday, 2012; Dutta, Ban and Pal, 2012).
Cornelissen (2011) sugere que o esbatimento das fronteiras entre a organização e
o seu exterior é igualado por uma aproximação entre diferentes tipos de comunicação
organizacional, como o marketing, as relações públicas e a comunicação interna.
Miller (2009) também argumenta que a estratégia de comunicação organizacional deve
ser repensada, e assente na integração e coerência entre todos os tipos e canais de
comunicação. O desafio de obter atenção num ambiente sobrecarregado de informação e
estímulos exige coerência e consistência na comunicação organizacional, que passa a ter
de articular meios de comunicação de massa e os media sociais, mas que pretende uma
imagem e reputação consolidadas. Cheney et al. (2011) propõe o conceito de comunicação
integrada:
[…] ‘comunicação integrada’ é a noção de que as organizações, para estabelecerem a sua
presença e legitimidade no mercado, devem comunicar consistentemente para diferentes
audiências e em meios distintos. Coordenando e alinhando todas as mensagens da organização (incluindo os temas da visão, das estratégias e da identidade), as organizações que
procuram ter uma comunicação integrada esperam criar uma impressão única do que a
organização é e do que significa. (Cheney et al., 2011: 126 [itálico no original, tradução nossa]).
Kunsch (2003) propõe a necessidade de desenvolver um novo mix de comunicação
que incorpore de forma integrada novas práticas e ferramentas de comunicação. A autora
destaca o papel das Relações Públicas na comunicação organizacional argumentando que
esta deve ser estrategicamente integrada e interativa mas centrada nas Relações Públicas
para promover benefícios mútuos para a organização, os seus diferentes públicos e
a sociedade em geral. No mesmo sentido, Caywood (2011) fala de uma abordagem
estratégica às Relações Públicas no âmbito de uma comunicação integrada de marketing.
Breakenridge (2008) propõe o conceito de RP 2.0, que embora aparentemente se foque
nas caraterísticas tecnológicas dos media sociais, é apresentado como uma mudança
paradigmática na mentalidade do profissional de Relações Públicas que vai além das
rotinas. Esta mudança assenta precisamente na transição de uma lógica comunicacional
assimétrica para uma mais simétrica, que passa da divulgação para a conversa.
ESTUDO QUANTITATIVO
Nesta seção, os resultados do estudo quantitativo, com base na análise de conteúdo
da página de fãs no Facebook da TAP são relatados. Estes resultados mostram as principais funções que a TAP realiza através de sua página de fãs no Facebook, bem como
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4854
Relações Públicas e ambiente digital: a pirâmide das relações públicas
José Gabriel Andrade
os diferentes tipos de comunicação, e apresenta as estratégias variadas seguidas pela
organização para o envolvimento com os clientes e para a gestão de crises. Encontramos
uma alta frequência de publicações na página de fãs no Facebook da TAP, ou seja, uma
média de duas publicações por dia (incluindo sábados e domingos). Estas publicações
são uma combinação de informações, fotos (destinos TAP) e promoções, revelando que o
principal uso da página de fãs no Facebook da TAP é para o marketing, branding e construção de relacionamento. A maioria dos fãs mostram grande envolvimento, atribuindo
“gosto” em várias publicações e comentários. Em nossa análise de conteúdo, na página
de fãs no Facebook da TAP contabilizamos 720.809 fãs, ou “gostos” em Julho de 2014.
ESTUDO QUALITATIVO
Esta seção apresenta os resultados do estudo qualitativo realizado. Os entrevistados
foram André Serpa Soares, chefe do departamento de relações públicas, Gilda Granja
Luís, chefe do departamento de marketing, e João Santos, chefe do departamento de
apoio ao cliente.
Em relação à primeira entrevista, de forma consistente com os resultados
da fase exploratória, todos os entrevistados concordaram que os media sociais têm um
profundo impacto em todas as esferas sociais. Sobre os efeitos dos media sociais para as
organizações, Gilda Granja Luís referiu à importância de se envolver com os clientes nos
media sociais, oferecendo-lhes benefícios de valor agregado em comparação com outras
formas de comunicação. Especificamente sobre as relações públicas, André Serpa Soares
destacou a perda de controlo dos profissionais de RP em conversas nos media social, mas
argumentou que existe maneira de recuperar parte das relações inevitavelmente perdida,
ter algum controlo, estar envolvido em conversações com as partes interessadas através
dos media sociais. João Santos argumentou que ter 15 funcionários para responder a
perguntas enviadas por usuários do Facebook em 15 minutos é uma vantagem para o
atendimento ao cliente, bem como para toda a organização.
Sobre a presença da TAP em media sociais, a primeira experiência foi em 2009,
quando um flashmob foi realizada no aeroporto da Portela para celebrar o Natal. Este
flashmob foi posteriormente postado no YouTube pelo departamento de marketing
da TAP e logo se tornou viral, como a TAP tinha uma imagem mais conservadora, o
flashmob foi como completamente inesperado. O vídeo foi viral por um tempo, visto
por mais de 2 milhões de usuários do YouTube, e contribuiu de forma positiva para
reposicionar a TAP como uma marca mais jovem e fresca (o vídeo era na verdade parte
de um processo de rebranding iniciado em 2005). Depois desta experiência bem-sucedida,
o departamento de marketing da TAP decidiu criar uma página de fãs no Facebook.
Esta página era frequentemente actualizada com promoções e informações de produtos,
sendo principalmente uma alternativa e canal de comercialização complementar, mas
não reunia muitos fãs ou motivava para uma participação frequente.
A utilização da TAP nos media sociais mudou drasticamente em Março de 2010,
durante a erupção do vulcão Eyjafjallajökull, na Islândia, quando a maioria das empresas
europeias não foram capazes de voar para vários destinos por causa da propagação de
cinzas vulcânicas. Como o call center da TAP foi obstruído com ligações pedindo
informações sobre voos e atrasos, muitos clientes utilizaram o Facebook para obter
respostas às suas perguntas. Na época, o departamento de marketing, incapaz de
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4855
Relações Públicas e ambiente digital: a pirâmide das relações públicas
José Gabriel Andrade
responder, articulou uma equipe mista com o apoio ao cliente para lidar com esta crise,
sob a supervisão do departamento de relações públicas. Esta solução foi uma situação
momentânea onde os clientes foram capazes de ver as suas perguntas respondidas e a
organização foi capaz de responder a vários clientes com a mesma pergunta, ao mesmo
tempo, de um modo mais simples e em menos tempo do que por telefone. Menos de
um ano depois, a segunda entrevista TAP mostrou uma evolução para os media sociais:
da abordagem inicial de tentativa-e-erro para uma estratégia consolidada. André Serpa
Soares apresentou a ideia da pirâmide das RP, mostrado na Figura 1, para descrever a
gestão da página de fãs do Facebook da TAP.
Relações Públicas
Estratégia
Gestão
Produção de Conteúdo
Marketing
Apoio ao Cliente
Figura 1. Pirâmide das Relações Públicas
Os conteúdos da página são autonomamente introduzido por uma articulação
dinâmica de marketing, relações públicas e de apoio ao cliente, considerando que à
procura de informação específica é a acção mais frequente feita pelos fãs do Facebook
na página da TAP (o Apoio ao Cliente da TAP agora tem um Facebook Team específico).
No entanto, as relações públicas ocupam o topo da pirâmide, com a responsabilidade de
responder às perguntas que os outros são incapazes de responder. Além disso, sempre
que uma situação de crise surge, as relações públicas imediatamente ganham o controlo
sobre todos os conteúdos partilhados, centralizando informações e concentrando o
poder de decisão no que diz respeito aos media sociais. Esta segunda entrevista também
revelou uma mudança de perspectiva em matéria de relações públicas e media sociais
como uma abordagem mais focada e uma ferramenta de tentativa e erro para uma
perspectiva mais ampla sobre as interdependências entre media sociais e organizações
e uma visão mais estratégica do novo papel fundamental das relações públicas na
comunicação organizacional.
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
Este trabalho mostra a evolução de uma abordagem focada no instrumento e de
tentativa e erro para uma abordagem contextual e estratégico para os media sociais
no estudo de caso da TAP. A investigação também destaca a consistência entre uma
abordagem mais ampla e estratégica de media social que está sendo proposto por
diversos autores (Kunsh, 2003; Breakenridge, 2008;. Cheney et al, 2011) e do estudo
de caso explorado, que se destaca por apresentar um abordagem de media social que
trouxe benefícios concretos para a organização, tais como imagens positivas e reputação,
lidar com sucesso em comunicação de crise (como a situação de cinzas vulcânicas, mas
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4856
Relações Públicas e ambiente digital: a pirâmide das relações públicas
José Gabriel Andrade
também outros, como greves e a possibilidade de privatização da empresa), e uma
melhor gestão de tempo e de chamadas no apoio ao cliente.
Considerando o contexto de crise global vivida desde 2008, as organizações têm
vindo a apostar e tirando o máximo proveito dos meios de comunicação on-line em
detrimento de outros meios de comunicação existentes, na esperança de que esse
processo aumente a visibilidade da organização, melhore o conhecimento dos clientes,
sem fazer grandes investimentos, prevenir ou responder a críticas negativas dos clientes,
e reduzir o ciclo de vendas. No entanto, é necessário consistência entre todos os canais
de comunicação, a fim de atingir esses objectivos.
No que diz respeito as funções de relações públicas, este trabalho também mostra
que a mudança de relações públicas resultantes do uso dos media sociais não afecta
apenas as práticas concretas, mas tem uma mais profunda natureza. A ideia da pirâmide
das RP é uma estrutura conceitual relevante para compreender plenamente o impacto
dos media sociais em relações públicas, destacando o papel preponderante das relações
públicas como o orquestrador da comunicação organizacional, mostrando que as relações
públicas estão passando por uma mudança profunda que vai além das práticas e técnicas.
Como consequência das interacções entre as media sociais, as organizações e as partes
interessadas, estão sugerindo que as relações públicas são mais do que um modelo de
comunicação organizacional, assumindo um papel estratégico e crucial para garantir a
articulação de todos os modelos de comunicação organizacional, bem como a desejado
e necessária integração e coerência em um mix de comunicação.
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4859
Comunicação ambiental e comunicação organizacional
em prol da conscientização ambiental nas organizações
Environmental communication and organizational communication
in support of environmental awareness in organizations
Juliane
do
Rocio Juski 1
C e l s i B r ö n s t r u p S i lv e s t r i n 2
Resumo: Partimos do entendimento de que a comunicação organizacional, embora com o campo teórico reconhecido, requer uma maior aproximação com os
estudos e práticas que configuram um campo mais recente, denominado de
“comunicação ambiental”. São vários os aspectos que estimulam essa reflexão,
entre eles o estudo de ações voltadas para o “esverdeamento” da imagem institucional de organizações, bem como o impacto que as questões ambientais
possam causar na comunicação organizacional, com novas exigências para
as assessorias de comunicação e os seus profissionais. Com essa finalidade,
nesse primeiro momento, buscaremos uma maior compreensão sobre o termo
“comunicação ambiental” e o seu conceito. Para ilustrar como ocorre na prática
essa intersecção entre a comunicação organizacional e a comunicação ambiental, traremos o case da agência paranaense Ação Integrada, que apresenta um
modelo de gestão sustentável e que promove junto aos seus clientes ações que
se configuram como uma práxis da comunicação ambiental.
Palavras-Chave: Comunicação ambiental.. Comunicação organizacional. Gestão
sustentável.
Abstract: We start from the understanding that the organizational communication, although with recognized theoretical field, requires a closer relationship
with the studies and practices that shape a newer field, called “environmental
communication”. There are several aspects that stimulate this reflection, including the study of actions aimed at the “greening” of the institutional image
of organizations as well as the impact that environmental issues can have on
organizational communication, with new demands for advisory and communication their professionals. To this end, this first time, we will seek a greater
understanding of the term “environmental communication” and its concept.
To illustrate how this occurs in practice intersection between organizational
communication and environmental communication, we will bring the case
of paranaense agency Ação Integrada, which presents a model of sustainable
management and promoting with clients actions that constitute a practice of
environmental communication.
Keywords: Environmental communication. Organizational communication.
Sustainable management.
1. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPR. Bacharel em Relações Públicas
pela UFPR. E-mail: [email protected]
2. Doutora e docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPR. E-mail: [email protected]
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4860
Comunicação ambiental e comunicação organizacional em prol da conscientização ambiental nas organizações
Juliane do Rocio Juski • Celsi Brönstrup Silvestrin
INTRODUÇÃO
S LIMITES naturais anunciados e presenciados diariamente provocaram uma
O
mudança profunda no pensamento da relação do homem com a natureza. Essa
preocupação da sociedade com questões do meio ambiente se acentuou nas últimas décadas, ganhando aderência também no campo da comunicação, como veremos
no decorrer do texto. A questão ambiental também passou a fazer parte da agenda de
muitas organizações em todo o mundo, as quais começaram a entender a necessidade
de zelar pelo planeta, com ações que preservem a natureza.
Certamente que o exercício desses novos papéis requer um repensar sobre a forma
de obtenção de lucros nos negócios dessas organizações, bem como, nos seus relacionamentos com os públicos. É aí que se constata que as questões ambientais causam um
impacto significativo na comunicação organizacional.
Assim, interessa nesse artigo explorar a aproximação e a articulação dos estudos
de comunicação organizacional e de comunicação ambiental. Adota-se o estudo de
caso, fundamentado em Yin (2010), para observar essas relações na prática, optando por
analisar a Ação Integrada, uma agência de comunicação paranaense especializada em
comunicação interna e com ampla atuação no mercado nacional.
EXPLORANDO O CAMPO DA COMUNICAÇÃO AMBIENTAL
A comunicação ambiental é o campo de estudos que relaciona as ciências do meio
ambiente à comunicação. O que se propõe a seguir é explorar melhor quais seriam suas
origens, significados e delineamentos.
Cox (2010) descreve a comunicação ambiental como um campo de estudos multidisciplinar, e ao se dedicar a essa investigação e suas práticas verificou que elas são
influenciadas diariamente pelos meios de comunicação. Ainda segundo o autor, o entendimento da natureza ou as percepções sobre o meio ambiente são construídos por meio
de debates públicos, da mídia, da internet, e conversas com os outros, são essas interações
que permitem “construir” a percepção a respeito do meio ambiente.
Já Loose, Machado e Del Vecchio de Lima (2014, p. 2) compreendem a comunicação
ambiental como um “espaço interdisciplinar que busca abarcar os diferentes
conhecimentos e a complexidade da sociedade contemporânea, fundamentado a
partir da epistemologia socioambiental”. E não poderia ser de outra forma, uma vez
que a comunicação ambiental se origina, parcialmente, da comunicação, e só poderia
se caracterizar como um campo interdisciplinar assim como o próprio campo de sua
gênese, construído por meio das intersecções com outras áreas do conhecimento.
Para compreender a linha do tempo desse campo, Aguiar e Cerqueira (2012)
desenvolveram um “estado da arte” sobre a comunicação ambiental. Foi a partir da
segunda metade do século XX que a preocupação com o meio ambiente ganhou evidência,
e esse destaque passou também a intrigar pesquisadores da comunicação – o que até a
década de 1960 parecia ser algo inconcebível. Esse contexto é destacado como o início
das discussões sobre a comunicação e o meio ambiente.
Jurin, Roush e Danter (2010 apud AGUIAR e CERQUEIRA, 2012) relatam que o primeiro registro de uso acadêmico da expressão “environmental communication” (comunicação
ambiental) apareceu em 1969 em um artigo publicado na edição inaugural do Journal
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4861
Comunicação ambiental e comunicação organizacional em prol da conscientização ambiental nas organizações
Juliane do Rocio Juski • Celsi Brönstrup Silvestrin
of Environmental Education. E como iniciativa intencional, seu objetivo era capacitar os
cidadãos a respeito do tema meio ambiente e os problemas a ele associados, possibilitando, assim, uma atuação consciente de ajuda e soluções ambientais.
A socióloga Alison Anderson foi mencionada por Aguiar e Cerqueira (2012) como a
pioneira nos estudos de intersecção entre a comunicação e o meio ambiente. Embora não
utilizasse a expressão “comunicação ambiental”, sua pesquisa analisou as imbricações
da questão ambiental com a mídia e a cultura, com ênfase na visão crítica dos estudos
culturais e nas ideias construtivistas.
Outras duas importantes abordagens acerca dos discursos e das ideologias
ambientais foram propostas por Julia Corbett e John Dryzek. “Ambos reconhecem o
sistema de crenças sobre a natureza como raiz da comunicação ambiental, sinalizando
que toda mensagem ambiental é produzida e compreendida a partir de diferentes visões
de mundo” (AGUIAR e CERQUEIRA, 2012, p. 12). A abordagem de Corbett evidencia
a ideologia ambiental com base em seu processo constitutivo, ou seja, o processo
comunicativo é compreendido por ela como um processo múltiplo e diverso, e os fatores
apontados para a sua compreensão abordam as raízes ideológicas do indivíduo, as
experiências vividas desde a infância, o senso de lugar ou senso de pertencimento,
assim como o contexto histórico e cultural.
Mas é só a partir do fim da década de 1980 que houve uma crescente institucionalização
do campo, com a sistematização das práticas profissionais e a criação de entidades de
comunicação ambiental. Aguiar e Cerqueira (2012) destacam ainda que as iniciativas
propriamente acadêmicas deslancham apenas na década de 1990, e o momento-chave para
esse crescimento acentuado é a realização da Conference on the Discourse of Environmental
Advocacy em 1991, a qual serviria de embrião para a Conference on Communication and
Environment (Coce), até hoje realizada bienalmente.
Nos anos seguintes, segundo estes autores, ampliaram-se os espaços de informação
e debate sobre as questões ambientais, como o lançamento do Eletronic Green Journal
(1994), um dos primeiros periódicos de acesso livre. E o início do século XXI contribui
para a consolidação do campo acadêmico da nova especialidade com mais quatro
publicações: Applied Environmental Education and Communication (2002), The Environmental
Communication Year Book (2004), Environmental Communication: a Journal of Nature
and Culture (2007) e International Journal of Sustainability Communication (2007). Essas
publicações estimularam o desenvolvimento da área. Outro fator que impulsionou os
estudos foi a criação da International Environmental Communication Association (IECA,
em 2011), cujo objetivo foi consolidar a expansão da comunicação ambiental, bem como
disseminar experiências práticas e abordagens teóricas de outros contextos culturais.
Para Aguiar e Cerqueira (2012, p. 13), a cronologia apresentada nesse “estado da arte”
evidencia que a configuração da comunicação ambiental como campo de estudos foi se
constituindo “a partir da crítica e da desconstrução das visões tradicionais acerca do
mundo natural, por um lado, e pela incorporação da temática às práticas profissionais de
comunicação, de outro”. Esses poucos mais de 40 anos da comunicação ambiental revelam
que diversos pesquisadores e especialistas têm se dedicado a encontrar definições que
“deem conta da pluralidade e da complexidade de sentidos derivados da interação dos
multifacetados termos ‘comunicação’ e ‘meio ambiente’” (p. 14). No entanto, eles sempre
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4862
Comunicação ambiental e comunicação organizacional em prol da conscientização ambiental nas organizações
Juliane do Rocio Juski • Celsi Brönstrup Silvestrin
esbarram na dificuldade de designar um campo que é, simultaneamente, de práticas e
de estudos sobre essas práticas.
Apresentam-se a seguir as principais definições encontradas para a comunicação
ambiental. Para Mark Meisner, um dos fundadores da Environmental Communication
Network (ECN), comunicação ambiental trata-se de:
Uma atividade/fenômeno que abarca as diversas formas de comunicação interpessoal,
grupal, pública, organizacional e de massa para constituir o debate e/ou a discussão sobre
questões e problemas ambientais, e nossa relação com a natureza não humana. A comunicação manifesta-se como o discurso da natureza e seu subset, do discurso ambiental
(MEISNER apud AGUIAR e CERQUEIRA, 2012, p. 14).
Cox (2010) também buscou apresentar uma definição para a comunicação ambiental
na tentativa de minimizar as confusões sobre as diversas explicações para o termo. Para
o autor a comunicação é assumida como formas de ações simbólicas, como a linguagem
e outros atos, e esses símbolos são mais do que transmissão de informação, eles atuam
ativamente na construção de entendimento e na criação de significados sobre o mundo.
Para ele, trata-se de:
Um veículo pragmático e constitutivo para o nosso entendimento do meio ambiente assim
como nossa relação com o mundo natural; é um meio simbólico que nós usamos na construção dos problemas ambientais e na negociação de diferentes respostas da sociedade
(COX 2010, p. 19, tradução nossa).
Ao caracterizá-la como um veículo pragmático e constitutivo, Cox explica que a
comunicação ambiental cumpre duas funções primordiais:
1. Comunicação ambiental é pragmática, pois ela educa, alerta, persuade e nos ajuda na
resolução dos problemas ambientais. É este sentimento instrumental da comunicação que
provavelmente nos ocorre inicialmente. É o veículo ou os meios que nós usamos na resolução de problemas, é frequentemente parte de campanhas de educação pública. [...]. 2.
Comunicação ambiental é constitutiva, pois incorpora o papel pragmático da linguagem e
outras formas de ação simbólica é um nível mais sútil da comunicação. Por constitutiva,
assumimos que a comunicação sobre a natureza auxilia na construção ou na composição das
representações da natureza e dos problemas ambientais como os assuntos do nosso entendimento. Essa comunicação apresenta uma perspectiva particular, pois evoca certos valores,
e cria referências para a nossa atenção e entendimento [...] (COX 2010, p. 19, tradução nossa).
Aguiar e Cerqueira (2012, p. 17) auxiliam no esclarecimento da ideia apresentada por
Cox ao afirmar que, nessa perspectiva sociossimbólica abordada pelo autor, a comunicação
é considerada “constitutiva porque ajuda a compor representações da natureza e de problemas ambientais de forma a serem compreendidos” e é “pragmática porque contribui
para a solução desses problemas, ao estudar os efeitos que essa comunicação tem sobre
as percepções ambientais do sujeito e sobre a relação do ser humano com a natureza”.
Para Cox (2010, p. 20, tradução nossa), “a comunicação ambiental (como ação simbólica) molda ativamente nossas percepções quando vemos as representações do mundo natural, por meio desses símbolos, palavras ou narrativas”. E, quando o indivíduo
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Comunicação ambiental e comunicação organizacional em prol da conscientização ambiental nas organizações
Juliane do Rocio Juski • Celsi Brönstrup Silvestrin
comunica-se publicamente com o outro, é compartilhado esse entendimento (percepção)
e isso reflete no ponto de vista adotado pelo sujeito. Resgatando, assim, a premissa básica
da comunicação, no sentido de trocar, de compartilhar e de interagir.
Cox (2010) enfatiza ainda três princípios da comunicação ambiental, que auxiliam
na sua compreensão:
1. A comunicação humana é uma forma de ação simbólica; 2. Nossas crenças, atitudes e
comportamentos relacionados à natureza e aos problemas ambientais são mediados ou
influenciados pela comunicação; 3. A esfera pública emerge como um espaço de discussão
para a comunicação sobre o meio ambiente (COX 2010, p. 32, tradução nossa).
Aguiar e Cerqueira (2012), assim como Cox (2010), afirmam que esses estudos podem
contribuir para a evolução das teorias da comunicação, ao investigarem as formas
discursivas e as expressões simbólicas envolvidas nas relações do ser humano com a
natureza e com o meio ambiente. Já Mark Meisner foi um pouco além, ao afirmar que o
campo de estudos da comunicação ambiental é uma variação da teoria da comunicação
e também da teoria ambiental, uma vez que “examina o papel, as técnicas e a influência
da comunicação nas questões ambientais” (MEISNER apud AGUIAR e CERQUEIRA,
2012, p. 17).
Em uma abordagem feita por Loose, Machado e Del Vecchio de Lima (2014), a comunicação ambiental é compreendida como “espaço interdisciplinar que busca abarcar os
diferentes conhecimentos e a complexidade da sociedade contemporânea, fundamentado
a partir da epistemologia socioambiental” (p. 2). Defendem que a epistemologia ambiental “deveria estar sempre incorporada às práticas comunicacionais sobre o meio ambiente” (p. 6). Neste sentido, citam Leff (2001 apud LOOSE, MACHADO e DEL VECCHIO
DE LIMA, 2014), que aponta para a necessidade de se internalizar um saber ambiental,
cujo objetivo seria permitir um desenvolvimento sustentável, duradouro e equitativo.
Ele pontua ainda, assim como Cox (2010), sobre a necessidade do rompimento com o
pensamento único, cartesiano, e propõe o diálogo entre os saberes. Loose, Machado e Del
Vecchio de Lima (2014) destacam, também, que é promovendo a interdisciplinaridade
do campo, realizada por meio do encontro entre diferentes identidades e experiências,
que se expandiria e se alcançaria uma sustentabilidade real. Para elas, mais que uma
transmissão, “a comunicação ambiental se concretiza quando permite e/ou incentiva
o envolvimento das pessoas em torno de direitos que considerem a complexidade da
realidade ambiental e a multiplicidade de vozes e saberes” (p.8).
Para Del Vecchio de Lima et al. (2014), o campo da comunicação ambiental ainda
está em fase de consolidação de seus fundamentos epistemológicos. No entanto, a
expressão já é bastante reconhecida, remetendo tanto às práticas como aos produtos
da comunicação que tenham relação com o meio ambiente. Mas é justamente o grau de
comprometimento com a questão ambiental que amplia as compreensões entre teóricos
e profissionais da área, ampliando as lacunas entre teoria e prática, e, por vezes, gerando
certo esvaziamento do conceito. Essa perda do sentido original da expressão é por vezes
observada como o “esverdeamento” de empresas e produtos, técnicas conhecidas como
greenwashing que apenas montam uma farsa para “construir” uma imagem sustentável,
sem realmente alterar o modus operandi de ações ou produtos.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4864
Comunicação ambiental e comunicação organizacional em prol da conscientização ambiental nas organizações
Juliane do Rocio Juski • Celsi Brönstrup Silvestrin
Já a prática da comunicação ambiental, para Del Vecchio de Lima et al. (2013, p.
9), “pressupõe a utilização de fundamentos comunicacionais a favor do exercício da
cidadania planetária, que estimule ações transformadoras pela sustentabilidade do meio”.
Ou seja, ações verdadeiramente caracterizadas como comunicação ambiental buscam
alterar o comportamento dos indivíduos e engajá-los para a adoção de uma perspectiva
sustentável das ações cotidianas. Acreditam que, mesmo quando não caracterizadas
como comunicação ambiental, algumas práticas em comunicação emergem como espaços
e condições para o exercício alternativo desse campo, oferecendo vislumbres de caminhos
a serem explorados e esforços que buscam mudar e transformar a realidade.
Cabe, ainda, mencionar a contribuição de Corbett (2006, apud AGUIAR e CERQUEIRA, 2012, p.13) que diferencia a comunicação ambiental intencional e direcionada
“daquela mais sutil e não declarada, embutida nas práticas e costumes do dia a dia, nos
padrões de moradia, de consumo e de transporte adotados nas sociedades”. O entendimento de Corbett amplia as possibilidades da comunicação ambiental expressa em
textos publicitários e matérias de jornais, entre outros. Assim, podemos entender que
as mensagens ambientais também estão presentes nas escolhas das organizações no
que se refere ao desenvolvimento dos seus negócios. É nesse campo de práticas, que
identificamos a agência paranaense Ação Integrada, cujos procedimentos contribuem
para essa finalidade, como veremos mais adiante.
SITUANDO O CAMPO DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL
A comunicação organizacional, assim como a comunicação ambiental, nasce em um
campo de estudos de múltiplas perspectivas. Kunsch (2009a) ressalta que ela tem suas
raízes fixadas em vários campos. Silvestrin (2009, p. 85) também partilha dessas múltiplas
raízes apontadas por Kunsch ao afirmar que, “em decorrência dessas imbricações,
observa-se que a comunicação organizacional tem instigado acadêmicos de diferentes
áreas a trazerem reflexões de suas áreas de conhecimento, como da linguística e da
administração [...]”.
O berço dos estudos em comunicação organizacional foi nos Estados Unidos.
Segundo Kunsch (2009a), o interesse dos estudiosos norte-americanos despertou a
partir da metade da década de 1940 e eles se dedicaram a investigar as relações entre
a comunicação e o mundo dos negócios. Os estudos desse período, que se iniciam em
meados de 1950 e seguem até 1980, são definidos pela autora (2009a, p. 72) como um
modelo mecanicista, uma vez que são baseados na perspectiva funcionalista que “parte
da premissa de que o comportamento comunicativo pode ser observável e tangível,
medido e padronizado”.
Esse panorama de uma visão funcionalista e linear veio se modificando e a partir
da década de 1980 o quadro começou a mudar, uma vez que muitos pesquisadores
perceberam a possibilidade de se valerem da teoria crítica e da pesquisa interpretativocrítica para observarem os fenômenos comunicativos, ressalta Kunsch (2009a). E
essa visão interpretativa dos estudos em comunicação organizacional trouxe novas
possibilidades e perspectivas para se trabalhar a comunicação nas e das organizações.
Nota-se que a partir desse momento os estudos em comunicação organizacional
passam a questionar a comunicação sob uma ótica mais complexa e desafiadora, a
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Comunicação ambiental e comunicação organizacional em prol da conscientização ambiental nas organizações
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comunicação não possui mais apenas o papel de informar e/ou persuadir, mas de construir novas realidades, indo ao encontro do que estava sendo discutido no próprio
campo da comunicação.
A visão crítica proporcionou a esses estudos uma perspectiva mais complexa do
processo comunicativo organizacional ao levar em conta “aspectos relacionais, os contextos, os condicionamentos internos e externos, bem como a complexidade que permeia
todo o processo comunicativo”, explica Kunsch (2009a, p. 70). Mumby (2009) também
esclarece como a perspectiva crítica contribuiu para os estudos sobre comunicação
organizacional ao salientar que a abordagem crítica redefiniu os seus objetos de estudo.
O início do século XXI trouxe múltiplas perspectivas a tais estudos, beneficiando-se
com a exploração tanto das tensões como das conexões entre as perspectivas teóricas e
dialógicas. O campo desenvolveu uma identidade interdisciplinar ao combinar diversas
perspectivas teóricas, sendo considerado uma área de múltiplas visões e abordagem
universal, por abrigar vários métodos, teorias, âmbitos de pesquisa e postulados
filosóficos. E essa abrangência, segundo Kunsch (2009a), possibilitou um avanço no
número de estudos na área, consolidando-se como uma disciplina acadêmica autônoma.
Ao buscarmos uma definição para o campo da comunicação organizacional,
encontram-se múltiplas conceituações. Para Kunsch (2009b), o campo deve ser
compreendido de forma ampla e abrangente, e como uma disciplina que se dedica a
estudar o processo do fenômeno comunicacional não só dentro das organizações, mas
também em todo o seu contexto político, econômico e social. Assim como para Taylor
(2006, p. 11) que a considera uma ciência híbrida e que se refere “ao estudo de como as
pessoas se organizam por meio da comunicação e como, dialeticamente, a comunicação
faz com que as pessoas se organizem naturalmente”. Já Oliveira (2009, p. 60) apresenta
uma visão fenomenológica da comunicação organizacional e a conceitua como “um
processo relacional que parte de práticas individuais e/ou de grupos para alcançar uma
estrutura coletiva de significados, os quais dizem respeito às organizações e aos atores
sociais envolvidos no processo interativo”. Apesar das inúmeras definições possíveis,
é evidente que a essência da comunicação organizacional é compreender o processo
comunicativo no contexto organizacional.
Vejamos a seguir como é possível perceber na prática a relação da comunicação
ambiental no contexto organizacional.
A AÇÃO DA AÇÃO INTEGRADA
Há 20 anos no mercado, a Ação Integrada oferece serviços especializados em comunicação interna, incluindo a parte de: diagnóstico; planejamento estratégico, tático e
operacional; assessoramento de lideranças por meio de canais dirigidos, processos
de comunicação direta, guias e treinamentos; além de incluir redes colaborativas com
processos de estruturação e manutenção entre facilitadores de comunicação; desenvolvimento de programas cooperativos, ouvidorias, banco de ideias, entre outros; desenvolvimento de ações em diferentes canais (revista, mural, intranet, newsletter, mural digital,
aplicativos, mídias sociais, TV, rádio e canais específicos); ativação ou engajamento dos
colaboradores por meio de projetos, campanhas e eventos; e por fim avaliação e mensuração dos resultados, convergindo em novos diagnósticos, pesquisas e monitoramento.
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A Ação Integrada possui como propósito a contribuição para um mundo empresarial
mais integrado. Segundo Pignataro, diretor de negócios da agência, o propósito “é a
reflexão sobre como contribuímos para a construção de um mundo melhor”. A missão
da empresa é oferecer serviços de comunicação interna assertivos, de acordo com as
estratégias de negócios dos clientes e contribuir para o engajamento de seus funcionários.
Os valores da Ação Integrada expressam o “nosso jeito de ser e de fazer”, como
expõe o diretor, explicando que o foco está no cliente, mas a atuação está centrada nas
pessoas. O empreendedorismo, a responsabilidade e a assertividade também integram
os aspectos valorativos promovidos pela empresa.
O modelo de gestão sustentável da agência, desenvolvido por intermédio de uma
estrutura organizacional composta por células, certamente é o ponto de destaque de
sua composição organizacional. Fato interessante é a autonomia de cada célula, elas
possuem nomes próprios e dinâmicas distintas de trabalho. Cada núcleo celular pode
atender um único cliente, ou pode atender uma cartela de clientes.
Esse modelo estrutural da organização adota ainda uma célula de facilitação de
desenvolvimento, com atuação exclusiva sobre as outras células com o objetivo de desenvolver o negócio, acompanhar a evolução dos outros núcleos celulares e, como premissa,
buscar maior eficácia e excelência em seus projetos. A função exercida por essa célula
facilitadora de desenvolvimento pode se mostrar como um exemplo da “ecoeficiência”
defendida por Elkington (2012), ou seja, busca potencializar os benefícios e reduzir os
impactos. Ela poderia também ser observada como similar à gestão de Recursos Humanos de organizações, e se caracterizar como um modelo de prática da comunicação
ambiental no contexto organizacional.
O organograma atual da agência é composto por aproximadamente 30 funcionários,
todos divididos em células. O modelo celular é defendido pelo gestor de negócios da
empresa como uma estrutura orgânica, uma vez que elas podem aumentar ou diminuir
conforme a demanda. Os funcionários são remanejados conforme a configuração celular.
Existem dois modelos de célula dentro da Ação Integrada: as células internas, que
integram e trabalham na agência. E as células externas, aquelas que se desenvolvem
e atuam no ambiente interno dos clientes atendidos pela Ação Integrada. O segundo
modelo, segundo Pignataro, traz alguns benefícios como um ambiente propício e de
maior aceitação para implantar inovações. No entanto, o lado negativo é a constante
questão de identidade da equipe, uma vez que não há uma interação diária com os
outros colegas da agência por pertencerem ao ambiente de trabalho do cliente.
A Ação Integrada aponta ainda outros benefícios adquiridos pela adoção de um
modelo de estrutura organizacional em células, sendo elas:
• maior conexão com os clientes e foco na prestação de serviços;
• maior autonomia da equipe;
• a célula cuida dos fornecedores, da nota fiscal e de todo o processo, fechando o
ciclo de contato e acompanhamento com o fornecedor;
• o modelo está baseado na ideia de rede, cada um em seu nível de responsabilidade, mas em cooperação;
• as células interagem muito, elas colaboram o tempo todo entre si3.
3. Para mais informações sobre o estudo da Ação Integrada ver pesquisa “Um estudo sobre o papel da
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Comunicação ambiental e comunicação organizacional em prol da conscientização ambiental nas organizações
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Outro método que compõe o modelo de gestão sustentável adotado pela empresa é
a configuração híbrida de trabalho. Nessa perspectiva, o colaborador escolhe o local de
trabalho, conforme a necessidade. Ele pode realizar reuniões e atendimento ao cliente,
ou seja, executar suas funções diretamente no espaço/ambiente do cliente/empresa,
assim como pode trabalhar no escritório da Ação Integrada ou realizar o seu trabalho
em casa, no modo home office. Segundo Pignataro, “esse modelo exige maturidade da
equipe, pois há ganho em produtividade, ganho em tempo perdido com o trânsito,
ganho em qualidade de vida dos funcionários e aumenta a manutenção dos funcionários (baixa taxa de demissões e recisões)”. O próximo passo da empresa para ampliar
o escopo desse modelo híbrido de trabalho – e que segundo o diretor de negócios da
agência já está em execução – é transformar o escritório em um espaço coworking, local
onde não há divisões ou salas específicas para cada colaborador. O que existe é um
espaço de trabalho compartilhado, cujo modelo de gestão sustentável pode ser observado como prática de comunicação ambiental, de acordo com a abordagem trazida por
Corbertt (2006).
A Ação Integrada apresenta, ainda, outros exemplos que podem ser caracterizados como práticas de comunicação ambiental, além da gestão sustentável. A agência
desenvolve em parceria com seus clientes campanhas de motivação e engajamento
dos colaboradores e stakeholders em prol de temas de interesse coletivo. Um exemplo
disso são as campanhas de conscientização sobre segurança, tanto no trânsito como
no ambiente de trabalho. Esse tema consta como um dos principais valores de uma
montadora, cliente da agência. E para potencializar o debate sobre essa questão, agência
e cliente inovam nas práticas comunicativas. Exemplo disso foi a criação de um vídeo
institucional, no qual os protagonistas eram os próprios familiares dos colaboradores
contando as suas preocupações em relação a segurança dos seus entes queridos no
ambiente de trabalho. Outras ações com outros temas também são desenvolvidos em
campanhas internas, como é o caso da Semana do Meio Ambiente, oportunidade para
discutir e refletir sobre pontos cruciais que afetam o meio ambiente como poluição,
reciclagem de resíduos, uso consciente de água e energia. Essas ações proporcionam
informações sobre os temas aos colaboradores, e oferecem espaços de reflexão, instigando o público a repensar sobre o seu papel enquanto cidadãos ativos. Práticas como
essas primam por educar e discutir temas de relevância mundial, e que fazem parte
do cotidiano de cada um.
Portanto, as ações comunicativas empreendidas pela Ação Integrada como campanhas de conscientização sobre a segurança no trânsito4, e mais ainda, o modelo de
gestão sustentável descrito acima, são práticas que vão ao encontro do que foi exposto
por Cox (2010) sobre o ideal de colaboração, intencionando o engajamento dos stakeholders. Essas campanhas de mobilização realizadas pela Ação Integrada, algumas vezes
caracterizadas como marketing social, segundo Cox (2010), buscam educar, mudar
comunicação para a sustentabilidade no contexto das organizações: Ação Integrada, Grupo Boticário e
Volvo do Brasil” de Juliane do R. JUSKI.
4. A Ação Integrada desenvolve ações de conscientização sobre segurança no trânsito em parceria com o
seu cliente, estas ações integram o Programa Volvo de Segurança no Trânsito. Para mais informações ver
pesquisa “Um estudo sobre o papel da comunicação para a sustentabilidade no contexto das organizações:
Ação Integrada, Grupo Boticário e Volvo do Brasil” de Juliane do R. Juski.
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comportamentos e atitudes e mobilizar como suporte para ações. Nesse sentido, analisamos que a Ação Integrada por meio dessas práticas contribui na diminuição de
problemas socioambientais e na transição para a sustentabilidade. Isso é reforçado na
visão e nos valores da agência, e no engajamento do público interno em problemas
reais do meio ambiente.
Essa concepção de transição para um novo modelo pode significar também uma
busca por mudança, transformação do meio. Ou seja, tanto a comunicação ambiental
como a comunicação organizacional destacam o potencial transformador da comunicação, independentemente do contexto em que ela seja exercida, seja no contexto
ambiental, seja no contexto organizacional. Pignataro aponta essa relação ao afirmar
que “a sustentabilidade é uma demanda do mundo”, ela precisa existir para que as
empresas continuem lucrando, e o seu negócio continue a existir. Mas ela vai além de
simplesmente manter a sobrevivência de uma organização, “a sustentabilidade torna
o mundo melhor, pois cuidando dos aspectos básicos da sustentabilidade, estamos
compartilhando riquezas e responsabilidades”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se pretendeu com esse artigo, e parcialmente se constatou, foi que a relação entre
a comunicação ambiental e a comunicação organizacional é ampla e complexa, e o case da
Ação Integrada só demonstra como é possível observar nuances desses imbricamentos
de ambos os campos na prática. Inferindo, assim, que a agência adotou uma postura
ativa, tomando para a si a responsabilidade enquanto ator social, oferecendo esforços em
resposta a sociedade a qual pertence. Assim, todas as ações e práticas comunicacionais
por ela exercida intencionam, em maior ou menor grau, agir e transformar o meio,
caracterizando-se como uma possível práxis da comunicação ambiental. Representar
uma transição para um modelo de desenvolvimento verdadeiramente sustentável, com
equilíbrio entre os aspectos econômicos, sociais e ambientais é uma premissa adotada
pela agência, e exercida no contexto organizacional.
Esse breve exemplo demonstra as potencialidades desse novo campo, aberto
para discussões sobre o meio ambiente, podendo ser caracterizado como uma forma
alternativa que incorpora a questão ambiental no contexto organizacional, e que permite
novas articulações dos colaboradores atuando como cidadãos, aptos para refletir, engajarse e discutir sobre temas de interesse coletivo.
Desse modo, a comunicação ambiental se caracteriza como uma alternativa no
sentido de repensar o processo comunicativo não apenas por formas instrumentais, mas,
sobretudo, por repensar a gestão corporativa voltada para uma perspectiva sustentável
e de equilíbrio com o meio ambiente, como foi apresentado no case.
Embora o exemplo ilustre a relação da comunicação ambiental no contexto
organizacional, sabemos que essas ações não rompem o modelo econômico atual. As
questões ambientais são urgentes e requerem por parte das organizações a adoção de
uma postura sustentável. Acreditamos que essa interface é uma possibilidade que suscita
outros olhares, e que o recente campo da comunicação ambiental apresenta aspectos a
serem explorados e adotados no contexto organizacional.
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Comunicação ambiental e comunicação organizacional em prol da conscientização ambiental nas organizações
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4870
Comunicação Ecológica Empresa-consumidor:
a ideia de crise em contextos de redes
Ecological Communication Company-Consumer:
The idea of crisis in network environments
Dor a K au fm a n 1
Resumo: A empresa, em sua origem, é um fenômeno sistêmico; as redes são
um fenômeno pós-sistêmico. Em uma sociedade em rede, a empresa enfrenta
a migração de um ator que dialoga linear e unidirecional com o consumidor
para um ecossistema informativo descentralizado e complexo com múltiplos
atores. Com base nesses pressupostos, e outros, pretendemos investigar como
os contextos reticulares impactam a gestão de crise nas empresas. A principal
sustentação teórica está no conceito de “ecologia de redes”, que reconfigura a
ação. O objeto da pesquisa empírica é a contaminação do suco de maçã AdeS
da Unilever. A Teoria Ator-Rede de Bruno Latour et al., e o conceito de Atopia
em desenvolvimento por Massimo Di Felice são referenciais metodológicos da
pesquisa empírica. A técnica de pesquisa Cartografia das Controvérsias tornou
visíveis os atores das controvérsias, suas conexões e as suas disputas, permitindo
observar a formação do social entre empresa-consumidor conectado.
Palavras-Chave: ecologia de redes, empresas e consumidores em rede, crise,
comunicação ecológica.
Abstract: Company is a complex systemic phenomenon; digital networks are a
post-systemic phenomenon “non-controllable” by companies. In a networked
society the company faces the migration of an actor who dialogues linearly and
unidirectional with the consumer to a decentralized information and complex
ecosystem with multiple actors. Based on these assumptions, and others, we
intend to investigate how the network context impacts the crisis management
in companies. The main theoretical framework is the concept of “ecology networks” which reconfigures the action. The object of empirical research is the
contamination of the apple juice “AdeS”, produced by the Unilever. The Theory
of Actor-Network and the concept of “Atopia” were used in the methodological
framework of the empirical research. “Controversy Mapping” research technique become visible actors of disputes, their connections and their disputes;
allowed to observe the formation of this new social between company - connected consumers.
Keywords: digital ecology, companies and consumers networks, crises, ecological communication.
1. Visiting Researcher, Alexander von Humboldt Institute for Internet and Society, Berlim, Alemanha.
Pesquisadora do Atopos ECA-USP. Doutora, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo, Brasil. Mestre, Comunicação e Semiótica, PUC/SP. [email protected].
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Comunicação Ecológica Empresa-consumidor: a ideia de crise em contextos de redes
Dora Kaufman
INTRODUÇÃO
PONTO DE partida2 é a constatação de que a lógica de controle que permeia as
O
esferas de informação e comunicação das empresas parece bloquear a evolução
ao contexto de redes, fundamentada em duas hipóteses: (a) em uma sociedade
em que a tecnologia digital está amplamente difundida, a empresa não é mais um ator
que dialoga linear e unidirecional com o consumidor, mas é parte de um ecossistema
informativo descentralizado e complexo com múltiplos atores; e (b) a lógica de controle
das empresas cria um antagonismo com a tendência de descentralização comunicativa
das redes digitais que se manifesta de forma mais aguda em situações de crise. Não
obstante a operação e gestão das empresas estarem em rede3, há uma resistência às
redes sociais digitais (controle e não controle).
A principal sustentação teórica está no conceito de “ecologia de redes” (DI FELICE,
2012, 2013), que reconfigura a ação: não se trata mais de um sujeito-ator que interage com
o exterior, mas de uma ação que se organiza em rede. Fundamentando essas reflexões,
temos: (a) a percepção de um social não dado a priori, mas em construção e formado por
atores humanos e não humanos, redefine as categorias, as organizações, as instituições,
inclusive a empresa e o consumidor; e (b) a consideração das redes como nova arquitetura
da complexidade (hipercomplexidade). A comunicação, como fluxo de informação, linear
e frontal, típica da sociedade industrial, é suplantada pela comunicação ecológica que
agrega humanos, tecnologias, dispositivos, informações, territórios, inorgânicos, banco
de dados, etc. em que não há centralidade nem supremacia de qualquer ator.
Com base nesses pressupostos, pretendemos reconfigurar a ideia de empresa e de
consumidor, a relação comunicativa empresa-consumidor, e refletir sobre os desafios
da gestão de crise.
ECOLOGIA DE REDES: RECONFIGURANDO OS ATORES
No conceito de ecologia da ação4, Morin (2007) pressupõe que uma ação não decorre
apenas da vontade de quem a pratica, decorre também dos contextos e condições em
que ela está inserida (sociais, culturais, políticas, etc.) que contribuem para formar o
sentido da intenção original da ação. A ação não é controlável, “ela entra num universo de
interações e finalmente o meio ambiente apossa-se dela num sentido que pode se tornar
contrário ao da intenção inicial” (MORIN, 2011, p. 81). A ação supõe a complexidade: “não
há de um lado um campo da complexidade, que seria o do pensamento, da reflexão, e
2. Pesquisa, teórica e empírica, desenvolvida na tese de doutorado da autora, “O despertar de Gulliver:
os desafios das empresas nas redes digitais”, sob a orientação de Massimo Di Felice, defendida em 12 de
março de 2015 na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
3. Rede de fornecedores, redes internas, e-commerce, rede de parceiros, rede de distribuição, etc..
4. Na obra “Paradigma Perdido: A natureza Humana”, Morin (1979) trata do que ele denomina de “revelação
ecológica” a partir de uma visão que supera a ideia de ecologia como ciência natural, fundada por Haeckel
em 1873 e cujo propósito era estudar as relações entre os organismos vivos e o seu meio ambiente. Nessa
nova visão, “a comunidade dos seres vivos (biocenose) num espaço ou ‘nicho’ geofísico (biótopo) constitui
com este último uma unidade global ou ecossistema” (MORIN, 1979, p. 10). Esses conceitos dialogam com
o conceito de “ecologia política” de Latour (1998) no argumento de que o termo ecologia não se refere à
natureza, mas contempla a complexidade das associações entre os seres (regulamentos, equipamentos,
consumidores, instituições, hábitos, animais, etc.), dissolvendo as fronteiras e redistribuindo os agentes.
Ao abandonar a ideia de que ecologia tem tudo a ver com a natureza propriamente dita, Latour passa a
trata-la como uma nova maneira de lidar com os objetos humanos e não humanos na vida coletiva.
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Comunicação Ecológica Empresa-consumidor: a ideia de crise em contextos de redes
Dora Kaufman
de outro o campo das coisas simples, que seria o da ação. A ação é o reino concreto e às
vezes vital da complexidade” (idem, ibidem).
Os conceitos de ação de Latour (2012) e de ato conectivo de Di Felice (2013) convergem com o conceito de ecologia da ação de Morin. Inspirando essas ideias, temos (a)
Tarde (2007) em sua noção de “domínio social” expressa em elementos agregativos, em
que as diferenças que compõem o social são relacionais, com o social designando um
“princípio de conexão”; e (b) Serres (1996), com foco no hibridismo, na mestiçagem, considerando o lugar de intersecção entre pontos como um lugar de mestiçagem; na ideia
de comunicação estruturada como relações não limitadas ao humano (seres vivos e não
vivos); e na concepção de rede entendida como um tipo de complexidade, extrapolando
a noção topológica.
Para Latour (2012), o ator não é uma peça que já está no tabuleiro e que depois
age, mas o mesmo se constitui na ação. A ação é influenciada por todos os demais
atores da rede (ou assumida por outros), não é plenamente consciente, e não está sob
controle. Numa ação, temos vários actantes5 agindo simultaneamente. Já o conceito de
“ato conectivo” de Di Felice (2013) exprime um agir ecológico em que a ação social é
designada pelas contínuas interações de trocas de fluxos informativos entre indivíduos,
dispositivos, banco de dados, circuitos informativos e territorialidade.
Morin (2011) pensa a empresa como um organismo vivo, integrante de um
ecossistema. A empresa, simultaneamente, processa a auto-organização e a auto-ecoprodução, preservando sua autonomia (forma fechada) e mantendo a troca constante com
o ambiente (forma aberta). Em conformidade com os fenômenos físicos, a sobrevivência da
empresa depende de uma permanente regeneração. “As redes informais, as resistências
colaborativas, as autonomias, as desordens são ingredientes necessários para a vitalidade
das empresas” (idem, p.93).
A lógica de controle, contudo, é intrínseca à empresa desde seus primórdios
(WEBER, 1947, 2009; MORGAN, 2007). Desenvolveu-se sob a influência dos fundamentos
da produção em massa, com base nos modelos do “taylorismo” e do “fordismo”6, percorrendo uma trajetória de flexibilização nas últimas décadas do século XX adequando-se
a um mercado competitivo que exigiu diversificação e qualidade. No século XXI, numa
interseção entre a crise organizacional e a revolução gerada pelas tecnologias digitais,
surge a “empresa em rede” (CASTELLS, 2009). Contudo, mesmo essas organizações
não abrem mão do controle sobre os seus processos, suas estratégias, suas marcas e
produtos7.
Em uma ecologia de redes, a empresa, em sua origem um fenômeno sistêmico
complexo, assume a configuração de uma rede sociotécnica - composta de funcionários,
dirigentes, procedimentos, legislação, instalações, equipamentos, matéria-prima,
tecnologia, etc. –, que se relacionada com outra rede sociotécnica que é o consumidor
conectado. Essa interação acorre num ambiente de complexidade reticular.
5. Actantes com o sentido dado pela Teoria Ator-Rede. Emprestado da semiótica por Latour, significa
qualquer coisa que altere uma situação (que deixe rastros), humano ou não humano.
6. Estruturas rígidas, centralizadas, com divisão de trabalho mecânica.
7. Não significando que sejam sempre bem sucedidas.
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Comunicação Ecológica Empresa-consumidor: a ideia de crise em contextos de redes
Dora Kaufman
PESQUISA EMPÍRICA
Desafios
O primeiro desafio da pesquisa foi escolher a controvérsia. A opção pela crise da
contaminação do produto Ades da Unilever decorreu de um conjunto de fatores 8,
dentre eles seu potencial de universalização.
O segundo desafio foi constituir o corpus da pesquisa. O corpus inicial difere do
corpus final à medida que as investigações, mapeamentos, coleta de dados, entrevistas,
etc. apontavam novas possibilidades9.
O terceiro desafio foi construir e analisar os grafos dos atores e suas conexões no
Twitter10, os posts do Facebook e os tweets do Twitter.
O quarto desafio foi categorizar os tweets e posts pela agregação de conteúdos
similares11.
A pesquisa empírica foi conduzida numa perspectiva imersiva (DI FELICE, 2012), em
que a rede é engendrada como um espaço de sociabilização e de interação e não como
um elemento externo e independente. Foram observadas e documentadas as práticas
sociais dos atores conectados em redes, sendo a descrição de seus resultados composta
da narrativa da controvérsia e da visualização da controvérsia graficamente12.
8. Fatores de escolha: (a) sendo a Unilever uma fabricante de produtos de consumo de massa, mantém relação
relativamente próxima ao consumidor do ponto de vista de reconhecimento de marca, de seus produtos e
de suas mensagens; (b) a Unilever é uma das líderes de produtos de bens de consumo no mundo, com uma
das melhores reputações de marca. No Brasil foi o maior anunciante em 2013, configurando uma estratégia
marketing-oriented. A multinacional Unilever é reconhecida como uma “escola de marketing”, situando-se
na vanguarda das práticas inovadoras; (c) o suco AdeS é líder absoluto no mercado brasileiro de sucos à
base de soja, com cerca de 70% de market-share.; (d) a crise da contaminação do suco de maçã AdeS foi a
maior crise enfrentada pela Unilever em seus 85 anos de atuação no mercado brasileiro; (e) o somatório
dessas razões implicou numa reação imediata, com a multinacional alocando todos os esforços para dar
suporte aos consumidores afetados, atender aos órgãos reguladores e minimizar os impactos negativos
de imagem, num formato que nos permite extrapolar para um comportamento padrão de mercado (ao
menos o mercado das grandes companhias). Outra vantagem adicional, e extremamente relevante, foi
a oportunidade de debater parte das etapas da pesquisa com um dos seus executivos, inicialmente em
caráter formal e posteriormente informal, fundamental para compreender melhor a lógica das decisões e
das ações da Unilever durante e após a crise.
9. Considerando qualquer documento como um “traço” da interação, a pesquisa fundamentou-se em seis
grandes conjuntos: (a) coleta de documentos e registros da controvérsia na web, englobando plataformas
online de veículos de mídia, órgãos reguladores, páginas da Unilever e do produto AdeS nas redes sociais,
etc. ; (b) entrevistas qualificadas com executivo estratégico da Unilever na crise de AdeS, visando aprofundar
o conhecimento sobre os procedimentos internos adotados, sua lógica e motivações; (c) acesso, em caráter
confidencial, a relatórios de análise da repercussão da crise nas redes sociais digitais gerados pela agência
especializada da Unilever (“fornecedor”); (d) identificação do glossário de elementos – chave a partir de
análise dos textos dos tweets, na rede social Twitter, e os textos dos posts da página oficial da Unilever na
rede social Facebook; (e) manipulação manual dos posts no perfil oficial do Unilever AdeS no Facebook no
período, definindo categorias em função de seus conteúdos; e (f) aquisição, diretamente do Twitter (Gnip),
do dataSet contendo os tweets no período da crise de AdeS, com base em termos de busca definidos pela
análise de conteúdo dos posts e tweets.
10. A cartografia contou com a colaboração dos pesquisadores do Labic – UFES, Allan Cancian e Rafael
De Angeli.
11. Reconhecemos que a análise desses conteúdos geraria melhores resultados se tivéssemos recorrido a
metodologias de pesquisa em linguística e/ou a teorias de sistemas de significação em uma das correntes
da semiótica, ambas com o potencial de trazer mais consistência às interpretações dos significados.
12. Ressaltamos a dificuldade em apresentar seus resultados num texto linear, contrariando a lógica da
técnica pensada para sites interativos e recursos multimídia.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Comunicação Ecológica Empresa-consumidor: a ideia de crise em contextos de redes
Dora Kaufman
Objeto
O objeto da pesquisa foi a crise nas redes sociais digitais decorrente da contaminação
do suco de maçã AdeS de fabricação da multinacional Unilever13 14 com solução de
limpeza em um lote de 96 unidades da fábrica de Monte Alegre (Minas Gerais). A
Unilever anunciou recall e recomendou que o consumidor verificasse se os produtos
adquiridos faziam parte do lote indicado; se positivo, aconselhava não consumir o
produto e entrar em contato pelo Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC)15.
A multinacional assumiu uma postura defensiva e centrada em atender aos órgãos
de controle e se proteger de potenciais passivos legais, atuando através de seu “Comitê
de Crise” 16. Um “estado de crise” na multinacional é caracterizado quando alguma de
suas áreas identifica que há potencial de risco à saúde do consumidor e/ou à reputação
de sua marca corporativa e às marcas de produtos de seu portfólio17.
Com a confirmação da contaminação, proliferam nas redes digitais memes18. A
13. A crise do produto AdeS, março de 2013, foi a maior crise enfrentada pela Unilever Brasil nos seus 85
anos de atividades no País em função de dois fatores: (a) trata-se do primeiro produto de seu portfólio que
efetivamente causou danos à saúde do consumidor e (b) as circunstâncias do ambiente das redes sociais
digitais, com potencial de multiplicar a repercussão do fato. A única circunstância próxima a uma crise
dessa natureza ocorreu em 2007 envolvendo a marca Kibon do portfólio da Unilever.
14. O primeiro sinal surgiu no dia 7 de março de 2013, quando a Unilever recebeu um email de um consumidor
de Ribeirão Preto reclamando de ardência na boca após ingerir o suco de maçã AdeS. Há indícios, contudo,
de que em 06 de março de 2013, uma moradora do Guarujá ingeriu o suco de maçã AdeS e sentiu fortes
queimações na boca. Ela foi levada para o hospital e só voltou a comer e beber cinco dias após o incidente.
Antes de ser atendida no hospital, a jovem ligou para o SAC da Unilever para pedir a retirada do produto
das prateleiras. A resposta da atendente foi que isso não iria acontecer por ter sido um caso pontual.
No dia seguinte, ela recebeu uma ligação da área de saúde da fabricante, orientando beber muita água
para limpar as mucosas internas. A vítima fez exame no material e detectou contaminação com soda
cáustica. (Disponível em: <http://pt.slideshare.net/nadiaramirez3101/gesto-de-crise-suco-ades>. Acesso
em: 01 setembro 2014). Não obtivemos a confirmação desse histórico junto à Unilever. Seguindo a linha
do tempo a partir do fato de 7 de março, a coleta do produto foi realizada no dia 11 de março e a análise
no dia 12 de março, e no dia 13, à noite, a Unilever emitiu seu primeiro comunicado ao público. No dia
14, o Instituto Adolfo Lutz confirmou em laudo que o suco de maçã AdeS ingerido pelo adolescente de
17 anos de Ribeirão Preto estava insatisfatório para o consumo, sem especificar a substância contida na
embalagem: o pH (potencial hidrogeniônico), ou índice de alcalinidade do produto recolhido era 13,6, o
mesmo de substâncias corrosivas como soda cáustica e amônia.
15. De acordo com a assessoria de imprensa da Unilever, 14 pessoas entraram em contato com a empresa
por meio do SAC, alegando ter consumido o produto; desse total, 12 receberam atendimento médico e
foram liberadas e duas não quiseram ser atendidas. O serviço de SAC da Unilever recebeu no seu call
center em dia 14 de março, aproximadamente 220 mil ligações, das quais foram atendidas 30 mil ligações
(limite máximo da capacidade instalada do call center, mesmo tendo triplicado o tamanho da operação
em função da crise). Informações transmitidas diretamente à pesquisadora pelo interlocutor da Unilever.
16. Composto por membros do Board (Conselho Administrativo), do jurídico e das áreas de marketing,
comunicação e atendimento ao consumidor. Seus executivos são treinados para perceber, antecipar e agir
diante de ameaças. Seu modus operandi: plantão de seus membros, reuniões permanentes, ligação direta
com a matriz.
17. No dia 13 de março de 2013, foi instaurado o Comitê de Crise da contaminação do suco de maçã AdeS
com a missão de definir o posicionamento, a estratégia e o plano de ação da companhia, demandando
iniciativas em distintas direções: relacionamento com os órgãos oficiais de defesa do consumidor, revisão
dos procedimentos na fabricação do produto, reforço nas plataformas de atendimento ao consumidor,
comunicação com o público em geral e o consumidor de AdeS em particular atendimento ao consumidor,
comunicação com o público em geral e o consumidor de AdeS em particular. Basicamente, sua ação
concentrou-se em: (a) decidir sobre um formato de ação e um texto base a ser replicado pelas suas
agências de publicidade e comunicação e (b) uniformizar o texto da mensagem, condensar num único
texto todos os conteúdos a serem transmitidos tanto aos órgãos de controle quanto ao público em geral,
evitando“misunderstanding” (falsas interpretações).
18. O termo “meme” foi originado por Richard Dawkins (The Selfish Gene, 1976) e refere-se a qualquer entidade
cultural considerada por um observador como um “replicador”. Pela definição, trata-se de uma unidade de
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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multinacional enfrentou controvérsias também com os órgãos reguladores19.
As controvérsias mais relevantes identificadas20:
a)Unilever versus consumidor e órgãos de controle: demora em reconhecer e se
pronunciar em relação à crise, ocorrida somente após a hospitalização de consumidor contaminado.
b)Unilever versus consumidor: ocultação de informação/ falta de transparência;
ausência de diálogo nas redes sociais.
c)Unilever versus órgãos de controle: controles de qualidade ineficientes.
Formaram-se várias alianças no processo. As resoluções da ANVISA, p.ex., estabeleceram uma aliança tática (momentânea) com os consumidores contra a Unilever.
CATEGORIAS
ACTANTES PRINCIPAIS
Empresas
Unilever filial, Unilever Matriz, varejo (Pão de Açúcar)
Produtos
Soda cáustica, Lote AGB25, suco de soja
Governo
ANVISA, VISA, Vigilância Sanitária (estadual, municipal), Câmara dos Deputados, DPDC
Especialista
Instituto Adolfo Lutz
Redes sociais digitais
Facebook, Twitter
Mídia Analógica21
Estado de São Paulo, Globo, Revista Veja, G1
Consumidor
Brand Lovers, Datratores, Neutros, consumidor contaminado
Tecnologia
Dispositivos de conectividade (tablets, celular, banco de dados)
Figura 1. Quadro ator-rede da controvérsia.
Definimos como o momento de formação do “Black Box” (estabilização) a constatação
pela Unilever de que os seus indicadores de valor de marca22 não tinham sido afetados,
permanecendo estáveis vis-à-vis o período anterior à crise23. Prevaleceu a percepção
positiva “histórica” em relação aos produtos e marcas AdeS e Unilever, caracterizando
uma espécie de reconciliação dos consumidores com a multinacional24.
transmissão cultural, ou uma unidade de imitação e replicação. Nas redes digitais, meme é um conceito do
qual as pessoas se apropriam e criam em cima (uma imagem, uma gíria, uma paródia ou qualquer outro
formato). Um meme tem sucesso quando “viraliza” (propaga-se pela rede espontaneamente).
19. O histórico detalhado da crise consta da tese de doutorado da autora (ver menção anterior).
20. A relativa limitação qualitativa e quantitativa das repercussões das controvérsias é função da quase
ausência da Unilever nas redes; se a interação da empresa tivesse sido maior, provavelmente teríamos
outro resultado.
21. O significado de “Mídia Analógica” extrapola o fato de estar ou não nos meios digitais (Internet, Web).
O importante é o seu caráter disseminativo, em que a informação é produzida em um centro-emissor e
distribuída aos consumidores dessa informação. Os veículos de comunicação, como os grandes jornais,
preservam essa dinâmica mesmo em suas plataformas online.
22. Existem várias metodologias para definir o valor da marca como um ativo da empresa, contribuindo para
desenvolver e avaliar a gestão de marketing. Em linhas gerais, temos duas correntes distintas: abordagens
macro com base na avaliação financeira da marca como ativo e uma abordagem do valor da marca a partir
da percepção do consumidor.
23. Informação transmitida diretamente à pesquisadora pelo interlocutor da Unilever.
24. Esses indicadores são considerados como informação sigilosa, não disponível a fontes externas à
multinacional; nesse sentido, não nos foi possível avaliar a evolução individual de cada um, bem como a
evolução do conjunto de indicadores.
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METODOLOGIA E TÉCNICA
A metodologia foi a Teoria Ator-Rede, que, apesar do nome, é reconhecida como
metodologia ou meta-metodologia25. O esforço foi de contemplar as revisões em curso,
inclusive por Latour, e mesclar com elementos da narrativa reticular “Atopia” em
desenvolvimento por Di Felice. A técnica empírica foi a Cartografia das Controvérsias.
Para a TAR (Sociologia das Associações) o social é um tipo de conexão, movimento
de reassociação e reagregação, um deslocamento, uma contínua construção. A vida
social resulta das controvérsias entre os atores sociais, logo sua compreensão requer
observar e descrever essas controvérsias (propósito da técnica de pesquisa). Essa noção
de social e o rompimento, em parte, com a visão antropocêntrica incorporando à ação
social os atores não humanos compõem nossa base teórica26. Convergências entre a
TAR e a Atopia: (i) reconhecimento da necessidade de superar o conceito de social
tradicional da sociologia (independência e supremacia do humano sobre a técnica e
sobre a natureza). A ação social não está mais circunscrita ao agir do sujeito; (ii) protagonismo dos objetos expande o conceito de social, extensivo a todos os componentes da
biosfera; (iii) interatividade é determinada por uma ação em rede, não mais decorrente
da atividade de um único sujeito-ator, mas de um ato de conexão entre vários actantes27. Existem, todavia, distinções tais como os conceitos de agregativo e conectivo, em
que o primeiro mantém a individualização entre os atores de uma rede e o segundo
enfatiza a mudança dos contextos da sociabilidade “antes baseados na divisão clara de
setores, instituições, públicos, etc., gora se manifestam como ambientes metamórficos
e híbridos, no interior dos quais se torna difícil distinguir as identidades e a função de
cada setor” (DI FELICE, 2009, p. 277). Outra distinção é o caráter estratégico dado ao
conceito de “habitar” por Di Felice (2009), para quem não houve apenas uma digitalização das relações comunicativas entre os atores sociais, mas também dos territórios,
dos produtos, dos serviços, da natureza.
A lógica da Cartografia das Controvérias28 passa pelo entendimento do social como
o resultado provisório de ações em curso (AKRICH, CALLON, LATOUR, 2006), sendo
que as controvérsias têm início quando coisas e ideias que eram tidas como certas
(concedidas) começam a ser questionadas (VENTURINI, 2009) 29. Sua característica é
a “traçabilidade” da interação social permitindo identificar a produção da existência
coletiva a partir das interações30.
As controvérsias desenvolveram-se nas redes sociais Facebook e Twitter, foco
de atenção da Unilever. A coleta e a manipulação dos dados do Facebook foram
25. Como propõe Venturini, uma vez que a TAR se assemelha menos a um protocolo de pesquisa do que
a uma estrutura que pode acomodar e correlacionar teorias e metodologias diversas (VENTURINI, 2008).
26. Revisões estão em curso pelo próprio Latour (2012), questionando o fato de que ao representar o social por
redes, formada de nós e conexões, deixamos de considerar o que está entre eles, o “vazio”, a descontinuidade
entre as redes.
27. Dispositivos, tecnologia, banco de dados, instituições, natureza, orgânicos e inorgânicos em geral.
28. Bibliografia básica: VENTURINI, 2008, 2009, 2012.
29. A contaminação do suco de maçã AdeS colocou em xeque a reputação da marca Unilever, a confiabilidade
em seus produtos e o reconhecimento de qualidade como um de seus principais atributos.
30. Com tecnologias digitais é possível revelar os rastros dos actantes de uma controvérsia com inédita
precisão e extensão (voluntários ou involuntários).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Comunicação Ecológica Empresa-consumidor: a ideia de crise em contextos de redes
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realizadas manualmente. No caso do Twitter31, recorremos à tecnologia de visualização Gephi32.
Resultados
Os mapas cartográficos e a análise da movimentação nas redes sociais indicaram
que no Facebook a Unilever limitou-se a postar comunicados formais e estabelecer
uma interação centrada no convite ao diálogo na esfera privada33, e praticamente não
interagiu no Twitter.
O estado de crise provocou uma mudança de estratégia na página de AdeS no
Facebook. De uma linguagem lúdica34 para uma linguagem formal, mantendo a
uniformidade entre os textos publicados. Do ponto de vista da interatividade, a reação dos
usuários aos comunicados ultrapassou a média diária fora da crise (“likes”, comentários
e compartilhamentos). A análise dos conteúdos indicou uma predominância de posts
“detratores”, seguido de “neutros” e “brand lovers”. Foram observadas raras interações
diretas entre “detratores” e “brand lovers”35.
Foram produzidos vários mapas de visualização da movimentação dos consumidores
no Twitter 36. No mapa da rede geral dos actantes da controvérsia, sobressaem-se dois
clusters: a rede de mídia e a rede de humor. O mapa geral das autoridades indica que
diversos perfis participaram de mais de uma rede (“perfis pontes”), sendo que a maioria
atuou como intermediário “retuitando” as mensagens das autoridades. A chamada
grande mídia repercutiu os comunicados da ANVISA, na sequência propagados pelos
perfis de humor informativo.
O mapa 1 mostra um único tweet publicado pelo perfil @AdeS_Brasil durante a
crise37. Identificamos outros dois perfis da Unilever com atuação similar: @unileverbrasil,
que recebe cinco tweets e não publica nenhum, e perfil @unilever, que recebe três tweets
e não publica nenhum.
Os mapas não retrataram disputas ou controvérsias diretas entre AdeS e os
consumidores. Outra característica foi o baixo envolvimento entre os “nós”, gerando
“vazios”: as redes tratam de assuntos concernentes à crise de AdeS, sem convergir entre
si e sem criar laços sociais de valor.
31. A primeira etapa, sendo uma controvérsia do passado, foi adquirir o dataSet, diretamente do Twitter, a
partir de um conjunto de “termos de busca”, detectado com base num estudo prévio dos conteúdos de tweets
e posts vinculados à crise no período de um mês. Para tornar visível, ou seja, navegável, como recomendado
pela própria técnica, utilizamos a plataforma open source Gephi.
32. Gephi é um software de código aberto para visualização e análise de informação em rede, escrito em
Java na plataforma NetBeans e desenvolvido por estudantes da Universidade de Tecnologia de Compiègne,
na França. O Consórcio Gephi é uma corporação francesa sem fins lucrativos cujos membros incluem
SciencesPo, Linkfluence, WebAtlas e Quid. Tal software permite representar, na forma de cartografia, os
dados brutos e, posteriormente, analisá-los.
33. Ao longo da crise, o consumidor era convidado (via os comunicados oficiais, via grande mídia, via posts
no Facebook) a entrar em contato pelo SAC em números de telefones disponibilizados para essa finalidade.
34. Disseminar ou consolidar os atributos de marca junto ao consumidor.
35. Esta constatação coloca em dúvida a própria relação de lealdade dos consumidores com a marca, ou
seja, a lealdade dos denominados “brand lovers”.
36. Os mapas estão disponíveis na tese de doutorado da autora.
37. Provavelmente o tweets:
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Mapa 1. Perfil oficial “ades_brasil”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A opção metodológica visou um campo das relações sociais específico: a formação
do social na relação em rede empresa-consumidor. A estratégia da Unilever pautou-se
por duas linhas de atuação: (a) apelar para uma comunicação formal, tentando atender
aos requisitos legais e não às características e demandas das redes sociais digitais. A
aparente orientação estratégica “seguir a lei” produziu peças de comunicação frias,
formais, burocráticas e com baixo potencial de “viralização”38; e (b) “falar” com os líderes
das redes esperando que eles propagassem suas mensagens. A não participação ativa
da Unilever nas redes sociais comprometeu o desenrolar da controvérsia limitando a
formação do social39.
O interesse das empresas nessas redes, em geral, é monitorá-las e rastrear insumos
úteis na concepção e gestão de suas estratégias. As ações são direcionadas para falar
para o consumidor conectado, e não para falar com o consumidor conectado, o que
representaria uma abertura de diálogo com nível de transparência e descentralização
que as estruturas e as práticas de controle nas empresas dificultam40.
Em nosso ponto de vista, a crise de AdeS foi vivida pela Unilever pelo seu aspecto
negativo, não como uma potencial oportunidade de agregar valor aos seus indicadores
de marca41. A primeira ação da Unilever após a contaminação foi convocar seu Comitê
38. Termo usual da internet para designar a ação de fazer com que uma informação ou mensagem se
propague rapidamente, semelhante ao efeito viral (similar a uma epidemia de um vírus). O chamado
“Marketing Viral” refere-se a técnicas de marketing que se utilizam das redes sociais digitais para ampliar
exponencialmente o conhecimento de marca. Em geral, o recurso mais utilizado nessas estratégias é apelar
para o humor, imagem, vídeos, que contenham intrinsecamente componentes emocionais que estimulem
os usuários a compartilharem as mensagens.
39. Mesmo com limitações, contudo, a cartografia permitiu rastrear os actantes envolvidos e as interações
entre eles, gerando reflexões.
40. Atentar para o fato de que os mecanismos de controle corporativos extrapolam o que o senso comum
reconhece como “sistemas de controle” (FOUCAULT, 1999; DELEUZE, 1992). Michel Foucault (1999)
introduz esse debate ao analisar as transformações na sociedade com relação à utilização do tempo (“tempo
integralmente útil”), à distribuição do espaço (“arquitetura para vigiar”), e à questão do poder, considerado
por ele não como um objeto natural, mas antes como uma prática social. Por sua vez, Gilles Deleuze (1992)
adiciona ao debate sua noção de “Sociedade de Controle” ao delimitar a migração da fábrica para a empresa
pela migração dos confinamentos como moldes (molde fixo aplicado às distintas formas sociais) para os
controles como modulação, em contínua mutação. O advento das tecnologias digitais trouxe outra lógica
à sociedade, a lógica da descentralidade e do “não-controle”.
41. Neste sentido é que consideramos como momento de formação do “black box” a percepção de estabilidade
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de Crise, com a intenção de “controlar” as circunstâncias e se proteger de ações legais
e ações com potencial de afetar negativamente sua imagem de marca. Longe de representar uma atitude particular, exclusiva da Unilever, essa reflete os fundamentos da
ideia de empresa.
Um dos atributos das redes é seu caráter imersivo: as empresas têm que estar nas
redes para se conectarem com os consumidores. Ao criar um perfil digital, a empresa
está convidando seus consumidores e fãs a se relacionarem numa esfera pública. São
comunidades abertas que demandam uma gestão transparente, e cuja interatividade
pressupõe o diálogo. Tendo como pressuposto a visão de empresa como um fenômeno
sistêmico e as redes digitais como um fenômeno complexo pós-sistêmico, a empresa
não pode mais ser pensada como um sujeito-ator interagindo com o exterior, mas parte
de uma ação em rede.
Há indicações de que as empresas estão incorporando os fundamentos das redes à
sua cultura, à sua operação, às suas práticas e à sua gestão. É uma incógnita, contudo, se e
como as empresas ultrapassarão o limiar do comprometimento com o controle sobre todas
essas mesmas etapas. Diversos autores (BARABÁSI, CASTELLS, TAPSCOTT, BENKLER,
MORGAN, RIFKIN, KEVIN, MCAFEE) chamam atenção para a transformação das
empresas particularmente no início do novo milênio, indicando um processo evolutivo
e não de ruptura como defendemos. O futuro nos parece atrelado ao diálogo entre as
empresas, os consumidores, as tecnologias, os dispositivos, as regulamentações e demais
atores dessa ecologia de redes, na construção de inéditos modelos de geração de valor
na sociedade.
REFERÊNCIAS
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fondateurs. Paris: Mines ParisTech, 2006.
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o meio ambiente na era da informação. São Paulo: Annablume, 2012.
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LATOUR, Bruno. Reagregando o Social: uma introdução à teoria Ator-Rede. Salvador/Bauru:
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dos tais indicadores de marca.
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4881
A Gestão da Comunicação Organizacional sob
a perspectiva da Comunicação Pública para o
Interesse Público e para a Sustentabilidade
Management of Organizational Communication
in the perspective of Public Communication to
the Public Interest and Sustainability
Simone Denise Gardinali1
Resumo: A comunicação pública se estabelece como paradigma, quando
governos, organizações e sociedade demandam um novo e mais alto patamar
de interlocução e intercâmbio, com o propósito de transformar a realidade. A
Comunicação Organizacional se insere para a construção de políticas voltadas
ao interesse público e à sustentabilidade, sob a perspectiva da comunicação
pública, face às demandas apresentadas, impondo diálogo e o enfrentamento
de responsabilidades individuais e coletivas frente ao comodismo reinante.
Como ela se posiciona, como se manifesta no ambiente organizacional, qual
é a importância do capital social neste contexto, a fim de atender e promover
conhecimento e inovação prementes para um novo contexto social, cultural,
econômico e ambiental que se apresenta a partir de valores atuais insustentáveis.
Palavras-chave: Comunicação organizacional. Comunicação pública. Interesse
público. Sustentabilidade. Sustentabilidade e Comunicação.
Abstract: The public communication is established as a paradigm, when
governments, organizations and society require a new and higher level
of dialogue and exchange, in order to transform reality. Organizational
Communication falls for the construction of policies to the public interest and
sustainability from the perspective of public communication, given the demands
presented by imposing dialogue and confrontation of individual and collective
responsibilities against the reigning indulgence. As it stands, as manifested in
the organizational environment, what is the importance of social capital in this
context, in order to meet pressing and promote knowledge and innovation to a
new social, cultural, economic and environmental context who presents itself
from values current unsustainable.
Keywords: Organizational Communication. Public communication. Public
interest. Sustainability. Sustainability and Communication.
1. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações
e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP - Área Interfaces Sociais da Comunicação - Linha de
Pesquisa Políticas e Estratégias da Comunicação; Docente da Universidade Metodista de São Paulo, nos
Cursos de Relações Públicas e Publicidade e Propaganda. E-mail: [email protected].
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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A Gestão da Comunicação Organizacional sob a perspectiva da Comunicação Pública para o Interesse Público e para a Sustentabilidade
Simone Denise Gardinali
A COMUNICAÇÃO PÚBLICA COMO PERSPECTIVA PARA A GESTÃO
DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL
A
Perspectivas da Comunicação Pública
COMUNICAÇÃO PÚBLICA já esteve vinculada a muitas questões ao longo da
história em nível internacional: à propaganda, a manipulações, à excitação das
massas, guerras, destruição de inimigos, criação de leis injustas, discriminação
social e ética, poder pessoal e à humilhação da democracia, mas também já serviu para
a “utilidade pública”, levantando muitas bandeiras em prol da liberdade, de identidades
partidárias, de causas trabalhistas, dentre outras (ROLANDO, 2011).
Matos (2011) revela que existe uma diversidade de estudos em torno da comunicação
pública voltada para um dos atores envolvidos no processo, mas não sobre as interações
entre eles. Segundo a autora, a comunicação pública que se sustentava pelos conceitos
de propaganda política, comunicação governamental, comunicação institucional,
marketing político e eleitoral durante a ditadura militar de 1964-1985 e durante o
período da consolidação democrática, passou a desvincular-se do papel que demarcava a
comunicação entre governo e cidadão, para tratar das questões ligadas às transformações
políticas, sociais e econômicas no Brasil nas últimas três décadas.
Houve também o incremento de outros atores sociais no debate, como as instituições
privadas e do terceiro setor, que passaram a participar do debate sobre políticas e
estratégias públicas (MATOS, 2011, p.40).
Rolando respalda que vê:
[...] a comunicação pública não apenas como a instrumentação do poder, mas, sobretudo como
o território em que muitos sujeitos (mesmo se confrontando) buscam interesses legítimos e
usam a informação e a comunicação não tanto para vender algo, mas para apresentar sua
identidade, sua visão e seus objetivos (ROLANDO, 2011, p.26).
Há que se esclarecer que a comunicação pública muitas vezes ainda tem sido
confundida como sinônimo de comunicação governamental, constituída por normas,
princípios e rotinas da comunicação social do governo. A comunicação governamental
se afirma como elemento estratégico da mediação entre atores cívicos e o governo,
visando criar bem como reforçar o vínculo social entre os parceiros da ação pública
(MÈGARD; DELJARRIE, 2003 apud MATOS, 2011). Desta forma, a comunicação pública
não se restringe a fluxos de mensagens institucionais por parte do governo, ela deve
ser um processo de interação onde haja expressão, interpretação e diálogo entre todos
os atores da sociedade.
Ao longo dos anos, venho propondo que a comunicação pública seja entendida como o
processo de comunicação instaurado em uma esfera pública que englobe Estado, governo e
sociedade, além de um espaço para o debate, a negociação e a tomada de decisões relativas
à vida pública do país (MATOS, 1999, 2000, 2007,2009 apud MATOS, 2011, p.45).
Matos (2009) também levanta outra questão determinante para a construção da
comunicação pública, o capital social. Este é um conjunto de ganhos que são produzidos
através da interação social e que podem ser desfrutados por indivíduos e grupos. O
capital social não é uma propriedade privada e “quanto mais se usa o capital social,
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mais forte ele se torna. Quando não é ativado, o capital social atrofia” (GOMES apud
MATOS, 2009).
O capital social é produto de um tipo particular de comunicação: somente uma comunicação comprometida com o interesse coletivo (na origem) e com o benefício público (como
meta), que pressuponha a acessibilidade, a participação, a negociação, a tomada universal e
conjunta de decisões (como regras processuais) e que implique a abertura, a transparência,
a visibilidade, a livre expressão, o respeito ao pluralismo e a interatividade (como normas
deontológicas) poderá gerar capital social (MATOS, 2009, p.131).
Ele é na essência a causa e a consequência da comunicação pública quando é entendido
como engajamento cívico, no sentido de cooperação e participação, estabelecimento de
confiança e reciprocidade (MATOS, 2009).
Apresenta-se aí um desafio para a comunicação pública quando assistimos
a sociedades e organizações que não são capazes de desenvolver capital social
por apresentarem baixo grau de confiança, respeito, reconhecimento, reputação e
reciprocidade entre elas, sejam do primeiro, segundo ou terceiro setores.
Koçouski considera que a comunicação pública não é um modelo utópico, que
poderia substituir outras formas de comunicação. O que a define é a sua abrangência.
“Apresenta como característica intrínseca a perspectiva ética do interesse público – sem
a qual ela deixa de existir enquanto conceito” (KOÇOUSKI, 2013, p. 54).
A comunicação pública se estabelece como um paradigma, quando sociedades,
governos e organizações procuram um novo e mais alto patamar de interlocução, de
diálogo e de intercâmbio, com o propósito de transformar a realidade através de práticas
e experimentações novas. Há um caminho longo a ser seguido porque depende de
conscientização, comprometimento e participação política para se exercer um papel
que em muitas sociedades não lhe foi conferido por diversas questões, que pode estar
ainda em estado latente, que está sendo processado.
Estamos vendo surgir a necessidade de uma comunicação de interesse público,
ou de comunicação pública que possa trazer informação de qualidade, conhecimento
efetivo para a sociedade civil sobre seus reais direitos, deveres e sobre seu papel social.
No Brasil, percebe-se que o terreno começa a ser preparado, quando se verifica a inserção
de outros sujeitos no espaço público. A ascensão da classe C, não simplesmente como
tem sido vista enquanto possibilidade de expansão do mercado consumidor, mas tendo
esta acesso à educação, ao mercado de trabalho e à tecnologia pode alterar e ampliar a
interlocução para uma comunicação pública efetiva, associada à sociedade em geral, e
possibilitar a discussão de questões de interesse público, como estamos começando a
verificar. Outra análise que se deve considerar diz respeito às responsabilidades que
hoje são atribuídas às organizações, que vêm preenchendo espaços na solução de muitos
problemas de interesse público e que vêm se conscientizando do seu lugar no espaço
público.
Desta forma, prevê-se um empoderamento da sociedade civil e das organizações,
quando se verifica que o interesse público efetivo pode e deve ser defendido em todos
os sentidos.
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A intersecção entre a Comunicação Pública e a Comunicação Organizacional
As organizações cada vez mais devem assumir a sua missão central de produzir e
promover o bem-estar social, nos diversos níveis que isso possa alcançar e de, portanto,
exercer a comunicação pública, de forma legítima, em uma nova perspectiva de uma
comunicação de excelência, baseada em atender ao interesse público e às novas demandas
sociais, econômicas, ambientais, culturais etc.
O advento da globalização contribuiu para a transformação do perfil dos Estados,
que passaram a incluir as organizações privadas e do terceiro setor como parceiras de
demandas anteriormente delegadas somente ao primeiro setor (MATIAS, 2005 apud
HASWANI, 2011).
Outro marco que determina a ampliação do espectro da comunicação pública, que
era gerida somente pelos Estados foi a Agenda 21 (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE,
2015), que passou a responsabilizar os Estados, o mercado e as organizações não
governamentais pela sobrevivência do planeta (FIORILLO, 2000 apud HASWANI, 2011).
O conceito do welfare state cai por terra e estabelece-se uma nova dimensão, a do
welfare society, que transfere a responsabilidade paternalista do Estado em promover o
bem-estar social para a sociedade civil, que passa a discutir e deliberar causas coletivas.
Desta forma, abre-se espaço para o voluntariado, para o associativismo social, para
o sujeito privado que resgata a sua dignidade como cidadão de uma comunidade
(DÁMBROSI; GIARDINA, 2006 apud HASWANI, 2011).
[...] A sociedade civil muda, reúne-se em redes de relações intersubjetivas, voluntárias,
espontâneas, gratuitas, busca espaços de gestão e não só reinvidicativos, para finalidades
comuns de bem-estar, materiais e espirituais, traçando, segundo Ardigó (1993,p.77), a diferença entre welfare state e welfare society (HASWANI, 2011, p.83).
Desta forma, inserem-se no espaço público sujeitos públicos, privados e do privado
social com o objetivo de atender a um interesse geral, ao bem-comum, sob o princípio
da solidariedade. Neste contexto surge o welfare community (HASWANI, 2011).
No contexto da comunicação pública, López defende o conceito de advocacy
(advocacia), termo inglês que propõe “defender uma causa”, “promover políticas”.
Advocacy, segundo ele, é uma ação de comunicação e de comunicação pública, já que
tem por missão a prática de convocação e de construção de propósitos comuns relativos a
assuntos de interesse coletivo, de interesse comum (LÓPEZ apud KOÇOUSKI, 2013, p.47).
López (2011) afirma que comunicação pública se move em diversos planos ou
níveis, dependendo dos interlocutores, da intencionalidade ou da forma de atuação,
sendo possível abarcar pelo menos cinco dimensões: a Política, a Midiática, a Estatal,
a Organizacional e a da Vida Social. Na dimensão Organizacional, destaca que “se
entendemos que uma organização privada é um cenário no qual circulam mensagens
e interesses de grupos que lutam por predominar e impor seus sentidos, é claro que em
seu interior há uma “esfera pública” particular.” (LÓPEZ, 2011, p. 65).
Há iniciativas de empresas que parecem seguir tal orientação, criando canais de comunicação
para que as comunidades internas e externas se manifestem sobre suas reais necessidades, inclusive indicando ações que se transformam em projetos sociais de grande impacto
(OLIVEIRA, 2013, p.24).
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Neste novo contexto social, cultural, político e econômico as organizações privadas,
inseridas na esfera pública, são impactadas e geram impacto nos outros atores que
fazem parte dessa esfera. O cenário constituído por avanços na qualidade do processo
democrático, novas tecnologias e cidadania trouxe grande reflexo para as políticas de
comunicação organizacional, exigindo maior atenção com as demandas da sociedade,
convergindo para o conceito de comunicação pública. Porém, ainda há que se discutir
em que grau de legitimidade ou interesses essa integração entre a comunicação
organizacional e a comunicação pública se dá (OLIVEIRA,2014).
Antes de se inserirem no contexto da comunicação pública, as organizações devem
ocupar-se em direcionar suas políticas não somente para favorecer e garantir o seu
negócio, mas numa visão ampliada: para o interesse público e para a sustentabilidade.
Segundo Haswani, o paradigma holístico para as políticas de comunicação traz
para o debate o tema da sustentabilidade que chega a “confluir com parte dos conceitos
da comunicação pública” (HASWANI, 2011, p.93).
[...] a proposição da comunicação para a sustentabilidade requer das organizações um triplo
vínculo. Primeiro, precisam dar uma resposta à sociedade, na medida em que têm grande responsabilidade pela situação atual do planeta. Segundo, precisam mudar, mais que
suas práticas e discursos, mudar seus valores, suas convicções e modos de pensar, com a
consequente mudança não só dos processos produtivos mas, também, do entendimento da
atual organização econômica e social. Terceiro, por serem as instituições mais poderosas do
planeta (HART, 2006, SENGE et al, 2007) devem assumir seu papel de agentes de mudança
na construção de uma nova visão de um modo de vida sustentável (KUNSCH; MOYA;
ULSEN, 2014, p. 9).
A convergência entre comunicação organizacional e comunicação pública exige que
os interesses das organizações estejam alinhados com os da sociedade. Outra necessidade
é que as políticas de comunicação levem em consideração “questões fundamentais como
a garantia de participação de todos no âmbito organizacional, já que o ideal democrático
não se restringe à esfera estatal” (OLIVEIRA, 2014, p.4).
Outra questão importante a ser considerada é que uma organização terá uma
comunicação pública legítima, isto é, alinhada com o interesse público, quando possuir
valores que estejam incorporados em sua cultura. Oliveira (2014) apresenta um modelo
de mensuração que permite analisar o comprometimento organizacional, baseado em
Sete Níveis de Consciência, desenvolvido por Richard Barrett (apud FEJGELMAN, 2008).
Conforme pode ser observado, há a evolução do nível de consciência, seja pessoal ou organizacional, dependendo da cultura, dos valores e da maturidade. Isso sugere que as empresas
que estão efetivamente comprometidas com o interesse público são aquelas que estão localizadas em níveis mais elevados de consciência, já que os níveis mais baixos restringem-se
a buscar a sobrevivência pessoal ou atender a sustentabilidade financeira das organizações
(OLIVEIRA, 2014, p.5-6).
Para uma comunicação pública de excelência as organizações devem possuir
uma postura numa perspectiva “ativa”, quando as mesmas promovem um fluxo de
comunicação externo com a veiculação de conhecimento e também intervém nas
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percepções e no comportamento de seus públicos ou da sociedade em geral (MANCINI
apud HASWANI, 2011).
A comunicação organizacional hoje precisa se basear em pautas muito maiores e
mais abrangentes, numa visão complexa da sociedade e do planeta. Sua responsabilidade
sobre suas demandas internas e externas se multiplicam, face ao novo contexto, quando
cada célula da sociedade vem sendo cobrada a participar do espaço público, impondo
responsabilidades individuais ou coletivas. A comunicação organizacional ocupa papel
central na interlocução com todos os setores do mercado e na determinação de políticas
de comunicação que promovam o interesse público, e na atualidade alcançam espectros
político, social, cultural, econômico, ambiental etc. e os seus profissionais terão que se
preparar para uma visão mais estratégica da comunicação e do que ela representa para
a sociedade. Assim, a missão está posta.
SUSTENTABILIDADE – NOVAS PERSPECTIVAS
A cultura instituída voltada para o crescimento econômico como saída para o
desenvolvimento social caiu por terra. O modelo de vida das pessoas está ultrapassado,
bem como as relações sociais, políticas, morais, econômicas, ambientais.
Há pouco tempo, as políticas de crescimento não consideravam um quesito fundamental – o limite imposto pela natureza. A população mundial consome 50% a mais de
recursos naturais do que o planeta é capaz de repor (Global Footprint Network apud
PORTAL EU GESTOR, 2015).
A partir dessas informações que vêm sendo propaladas, o tema sustentabilidade
vem tomando espaços na mídia internacional, políticas internacionais são discutidas e
assinadas em eventos de grande porte, de forma que o mesmo se converteu numa espécie
de mantra da atualidade, repetido em todo discurso que se relacione com desenvolvimento/crescimento econômico ou desenvolvimento sustentável, considerando que este
só será possível se for sustentado pela natureza, pelo ecossistema, pois de outra forma
será insustentável. “No fundo, trata-se de minimizar o uso da natureza, com obtenção
de máximo bem-estar social” (CAVALCANTI, 2015).
De acordo com o autor, não é possível equilibrar crescimento econômico ilimitado,
valor incorporado pelas grandes potências e perseguido por muitos países, com um
meio ambiente que não entre em desequilíbrio. Nesse contexto, a expressão “crescimento sustentável” é uma “impossibilidade geofísica, haja vista que não há nada na
natureza que cresça continuamente de forma saudável” (GEORGESCU-ROEGEN, 1971;
PEARCE, 1988; PENNA, 2008 apud CAVALCANTI, 2015). Mas o que se pode considerar
é um desenvolvimento, que prevê e é definido como mudança, evolução, progresso, mas
que não é crescimento, que propõe aumento ou expansão, e que sempre irá impactar
negativamente os recursos naturais (CAVALCANTI, 2015).
Diante dessa perspectiva econômica, verifica-se que a percepção que se tem sobre
sustentabilidade é baseada em informações sem aprofundamento, motivada por
modismos, e com adoção e divulgação de ações paliativas, adotadas por muitos, que
não irão resolver o problema da insustentabilidade, que começa a ser discutida.
As organizações vêm adotando e repetindo conceitos e modelos compartilhados e
implantados pelas precursoras quando o tema é sustentabilidade ou desenvolvimento
sustentável.
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Baseados em documentos e pesquisas muito propaladas, como o Relatório Brundtland, da primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, intitulado Nosso
Futuro Comum, resultante da Conferência da ONU e publicado em 1987, desenvolvimento
sustentável é definido como “aquele que atende as necessidades das gerações atuais sem
comprometer a capacidade das gerações futuras de atender suas próprias necessidades”
(BOFF, 2013), que considera como parte do ecossistema somente a espécie humana.
Outro conceito adotado pelas organizações é o de Elkington (2001), o do Triple
Bottom Line (Tripé da Sustentabilidade) que foi defendido como sinônimo de desenvolvimento sustentável para os negócios. As organizações devem medir o valor que
geram, ou destroem, por três dimensões: a econômica, a social e a ambiental. Pesquisa
realizada pelo CECORP/ECA-USP - Centro de Estudos de Comunicação Organizacional e Relações Públicas da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo - aponta que 84% das empresas concordam com o conceito (KUNSCH; MOYA;
ULSEN, 2014, p. 6).
Este conceito reforça uma visão bastante economicista do proponente, que aponta
pesos iguais para as três dimensões e reforça, também, a visão de negócio que corre
por trás do conceito de sustentabilidade adotado pelas organizações.
Não é o objetivo deste artigo discutir os mais diversos conceitos e modelos incorporados pelas organizações, já apontados em outros estudos, mas sim apontar que as
questões relacionadas à sustentabilidade vêm sendo adotadas numa perspectiva restrita.
Sustentabilidade virou estratégia de mercado, modismo, pode ser mensurável e se
transformar em diferencial competitivo. Reduzir a insustentabilidade não é o mesmo
que criar sustentabilidade.
Outros estudos, muitas vezes desconhecidos da sociedade em geral, apontam para
novas perspectivas que pressupõem mudança radical de percepção e de valores relacionados ao tema, que prevê interdependência entre os seres, num processo de autorreconhecimento e reconhecimento do outro (CAPRA, apud FERNANDES, 2014, p.75).
Segundo Neuberger (2015), o caminho para a mudança parte do reconhecimento
dos limites e do tema de forma complexa a fim de que se possa mudar o significado em
rede, e apoiando-se em exemplos de outras culturas, outras formas de viver no mundo,
tendo a coragem de se dar o primeiro passo. A autora comenta que há necessidade de
uma educação para a sustentabilidade para que haja desenvolvimento efetivo - em todos
os níveis. O modelo mental é equivocado, há que ser alterado.
SUSTENTABILIDADE E COMUNICAÇÃO – EVOLUÇÃO
As organizações não têm clara a missão premente de que a comunicação tem de
promover e estimular efetivamente a discussão voltada para a sustentabilidade. O tema
vem sendo inserido na pauta das organizações, na maioria das vezes, numa visão restrita, como diferencial competitivo de mercado, ou simplesmente implantado a fim de
contribuir para a sustentabilidade apenas do próprio negócio. As organizações estão
assentadas sobre a premissa do “dever cumprido”, como se a disciplina já tivesse sido
resolvida.
A comunicação organizacional tem muito mais o objetivo de divulgar o que a
organização faz em relação ao tema sustentabilidade, a fim de promover a aproximação
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de seus públicos do que efetivamente propor o diálogo, a mobilização e a educação numa
perspectiva de comunicação pública voltada para o interesse público, multiplicando
conhecimento e discussões ao lado de parceiros dos diversos setores do mercado e da
sociedade em geral. A sua tarefa é grande, através de uma comunicação de excelência,
transparente, dialógica, poderá alterar por meio de uma política voltada para a educação
para a sustentabilidade os modelos que se colocam à frente de uma sociedade que ainda
preza muitas vezes o comodismo, o que pode resultar em colapso.
Numa perspectiva mais aprofundada, verifica-se o surgimento de estudos que
são um amadurecimento do conceito de sustentabilidade. Ehrenfeld e Hoffman (2013),
americanos da University of Stanford, da área da administração, trazem um novo
conceito – o do Flourishing.
Se o termo sustentabilidade está se dispersando, nós precisamos não somente de um melhor
significado, mas de um mundo melhor, um que aponte para novas práticas e de possibilidade
de resultados muito melhores. Para nós, bem como para um número crescente de líderes
de renome, a palavra certa é muito mais ambiciosa: florescente. Florescente em todos os
níveis - individual, de equipe, organizacional e global. Pense em relações florescentes, saúde
radiante, prosperando empresas e cantarolando as comunidades (LAZLO; BROWN et al.,
2014, p.13-14, tradução nossa)2.
Flourishing traz um novo pressuposto, o de apostar no desenvolvimento através do
envolvimento entre as pessoas, trazendo prosperidade para todos, mudança da lógica
econômica, quando muitos são beneficiados.
A palavra florescente tem o poder de envolver uma ampla gama de pessoas, de líderes a
funcionários da linha de frente e parceiros da cadeia de abastecimento, de uma forma que
a sustentabilidade simplesmente não o faz. As empresas que podem ver florescer em sua
visão e missão são capazes de envolver plenamente o potencial de todos na empresa e de
atrair os melhores parceiros e interessados e ao mesmo tempo reduzir a rotatividade de
funcionários . Empregados em e parceiros de organizações florescentes são melhores em
trabalhar em conjunto e são mais criativos e inovadores.[...] (LAZLO; BROWN et al., 2014,
p.14-15, tradução nossa)3.
Outros movimentos, como o B Corp devem ser apontados como iniciativas importantes que tem o objetivo de fomentar a responsabilidade das empresas sob vários
aspectos. Empresas como a Ben & Jerry’s, a Dansko, a Etsy, a Method, a New Belgium
Brewery, a Patagonia, a Plum Organics ou a Seventh Generation entre 1100 organizações,
2. If the term sustainability has run out of steam, we need not only a better meaning but a better world,
one that points to fresh practices and the possibility of far better results. For us, as well as for a growing
number of renowned thought leaders, the right word is much more ambitious: flourishing. Flourishing at
all levels – individual, team, organizational, and global. Think of flourishing relationships, radiant health,
thriving enterprises, and humming communities (LAZLO; BROWN et al., 2014, p.13-14).
3. The word flourishing has the power to engage a broad range of people, from leaders to front-line
employees and supply chain partners, in a way that sustainability simply does not. Companies that can see
flourishing in their vision and mission are able to engage fully the potential of everyone in the company
and to attract the best partners and stakeholders while also reducing employee turnover. Employees in and
partners of flourishing organizations are better at working together and are more creative and innovative.
[...] (LAZLO; BROWN et al., 2014, p.14-15).
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provenientes de distintas nações (Afeganistão, Austrália, Brasil, Chile, Quénia, Mongólia etc.) participam desta rede, que vem impulsionando e educando parceiros, sob o
princípio de que o Sistema B (Brasil) não quer unir somente as melhores empresas do
mundo, mas sim, as melhores empresas para o mundo (Sistema B-Brasil, 2015). Este tipo
de iniciativa ou movimento poderá levar os diversos setores a gerarem capital social,
que poderá ser multiplicado com a sociedade como um todo, trazendo conhecimento
e novos valores.
Organizações e pessoas estão se interconectando, propondo soluções para o compartilhamento. Estamos no fim de um modelo, muitas organizações estão florescendo,
prosperando, mas respeitando a essência. A experiência da Carta da Terra é um florescimento (CARTA DA TERRA, 2015).
No Brasil, outras iniciativas apresentam-se no espaço público. A ONG AKATU, a
empresa Ideia Sustentável, que promove a Plataforma Líderes Sustentáveis, a associação
sem fins lucrativos CEBDS-Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento
Sustentável são atores que poderão, juntamente com a sociedade civil, organizações em
geral, governos, orquestrados pela Comunicação, alterar valores arraigados e equivocados que poderão conduzir à insustentabilidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As organizações hoje já adotam o conceito de comunicação pública quando criam
políticas de comunicação com o objetivo de disseminar ações voltadas a atender
demandas sociais, econômicas e ambientais, algumas delas intuitivamente, sem ter clara
esta percepção e esta missão política que a comunicação tem ao estabelecer programas
de comunicação voltados para o interesse público. Ela se estabelece como paradigma,
quando governos, organizações e sociedade necessitam de um novo e mais alto patamar
de interlocução e intercâmbio.
Diante dessa nova necessidade de diálogo entre os mais diversos atores sociais,
nos diversos setores do mercado, espera-se que a comunicação organizacional nesta
perspectiva da comunicação pública, voltada para o interesse público, possa colaborar
e provocar a transformação cultural, política, ambiental e social da sociedade, impondo diálogo e o enfrentamento de responsabilidades individuais e coletivas frente ao
comodismo reinante, trazendo desenvolvimento em suas mais diversas perspectivas,
podendo ser denominado por sustentabilidade ou por Flourishing, denominações que
têm limites de entendimento ou de conceituação clara para a maioria, mas que trazem
a premissa de que o desenvolvimento sustentável deve ser um princípio de gestão e a
educação um pressuposto para a sustentabilidade.
Para se alcançar o desenvolvimento haverá a necessidade de mudança no
comportamento humano, conflitos diários de conceitos nas lideranças que são
imprescindíveis para desenvolver a educação para a sustentabilidade. As organizações
dos mais diversos setores deverão ser parceiras em projetos, como já se vê em algumas
iniciativas bem-sucedidas. Dessa forma, diante da interlocução entre essas e a sociedade,
a comunicação organizacional poderá colaborar e provocar transformação cultural,
trazendo efetivo desenvolvimento em seus mais diversos aspectos.
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Simone Denise Gardinali
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4892
A comunicação como indutora da sustentabilidade:
um estudo de micro, pequenas e médias empresas brasileiras
Communication as a driver of sustainability:
a study about micro, small and medium enterprises
V a l d e t e C e ca t o 1
Resumo: O tema desse artigo é a comunicação para a sustentabilidade em micro,
pequenas e médias empresas (MPMEs). A abordagem é baseada em resultados de uma pesquisa de mestrado em desenvolvimento, que tem entre os seus
objetivos refletir sobre a contribuição do processo de comunicação para a sustentabilidade de empreendimentos de micro, pequeno e médio portes. Para a
realização do estudo, foi constituída uma amostra de MPMEs localizadas em
todas as regiões do país, cujo foco de negócios é o desenvolvimento e a oferta de
produtos e serviços posicionados como sustentáveis. A opção pela realização da
pesquisa, em organizações desse segmento, deve-se a sua importância estratégica
para a geração de renda, empregos, potencial de inovação e desenvolvimento
de práticas sustentáveis que possam ser compartilhadas com a sua rede de
stakeholders. Mesmo sem conhecer plenamente o seu processo e ferramentas,
82,5% dos entrevistados consideraram a comunicação estratégica e alinhada
aos objetivos de sustentabilidade de sua empresa. Um percentual significativo
dos respondentes relaciona a comunicação a um processo educativo que leva
ao engajamento dos stakeholders.
Palavras-Chave: Sustentabilidade, Comunicação, Empreendedorismo, MPMEs
Abstract: The theme of this article is communication for sustainability in micro,
small and medium enterprises (MSMEs). The approach is based on the results
of a Master thesis in development that aims to reflect on the contribution of the
process of communication for sustainability in those organizations. For this
study, a sample of MSMEs in different regions of the country was selected, considering those whose core business is the development and the offer of sustainable
products and services. The organizations of this segment have been selected
due to their strategic role for the generation of income, jobs, potential for innovation and development of sustainable practices that can be shared with their
stakeholders. Although they do not have full knowledge of their process and
tools, 82,5% of the respondents have considered the strategic communication as
a key mechanism to achieve the sustainable goals of the business. A meaningful
amount of the respondents relates communication to the educational process
that leads to stakeholders’ engagement. Keywords: Sustainability, Communication, Entrepreneurship, MSMEs
1. Mestranda em Ciências da Comunicação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4893
A comunicação como indutora da sustentabilidade: um estudo de micro, pequenas e médias empresas brasileiras
Valdete Cecato
INTRODUÇÃO
PESQUISA, QUE é tema desse artigo, visa primordialmente buscar informações
A
sobre como as MPMEs avaliam a contribuição da comunicação para as suas
estratégias de crescimento e desenvolvimento sustentável. A relevante participação dos micro, pequenos e médios negócios na economia, que pode ser constatada
por meio de vários indicadores medidos por órgãos oficiais e setoriais, foi a principal
motivação e justificativa para a realização do estudo. As MPMEs brasileiras constituem
um universo que corresponde a 99,7% do total de estabelecimentos com mais de um
empregado e geram cerca de 65% dos empregos formais, segundo estudo do Programa
de Capacitação da Empresa em Desenvolvimento (Proced) da Fundação Instituto de
Administração (FIA), feito com base nas informações do Cadastro Nacional da Pessoa
Jurídica (CNPJ). O Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae, 2014) calcula
que empresas de micro e pequeno portes sejam responsáveis pela geração de 25% do
Produto Interno Bruto (PIB) e por 40% de toda a massa salarial do país. Em relação
à competitividade das MPMEs, um dos indicadores de sua relevância é a pesquisa
Estatísticas do Empreendedorismo 2012 (2014), realizada pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com o Instituto Empreender Endeavor. O
foco do estudo é identificar, no contexto das empresas de todos os tamanhos, quais
poderiam ser classificadas como Empresas de Alto Crescimento (EAC) e gazelas. O estudo
revelou que havia, em todo o país, ao final de 2012, (considerando o triênio analisado
2010-2012) um total de 35.206 empresas que poderiam ser definidas EAC e gazelas2 sendo
que mais da metade possuía até 49 pessoas empregadas. Eram, portanto, pequenas.
Para alguns autores, o segmento formado pelas organizações de menor porte apresenta elevado potencial de difusão de inovação e práticas que contribuem para a sustentabilidade. Estudiosos como Hardt (2012) e Sachs (2008), por exemplo, enfatizam a
importância desse segmento de empresas para a construção de um padrão de desenvolvimento, que não seja entendido apenas como o resultado de um permanente aumento
no consumo. Hardt (2012, p. 56) diz realmente acreditar que “as pequenas empresas
– não qualquer uma, mas um tipo participar delas – têm a chave para nos conduzir
a um mundo mais sustentável”. Na opinião de Sachs (2008) a expansão e geração de
empreendimentos de pequeno porte como prioridade em políticas que visam à inclusão
social pelo trabalho decente.
Em relação à categorização, existem dois critérios para definir empreendimentos
como MPMEs. Um deles considera a receita operacional bruta anual, que deve situar-se
entre R$ 360 mil (microempresa) e R$ 90 milhões anuais (média empresa) ao ano. Esse
modelo serve, principalmente, para determinar as políticas de concessão de crédito pelo
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e sistema financeiro
em geral. O Sebrae também utiliza o parâmetro da receita bruta anual (ou faturamento)
para determinar as organizações que são o foco de sua atuação: aquelas que faturam entre
2. Empresas de alto crescimento (EAC) são aquelas que, por três anos ininterruptos, registram aumento
médio do pessoal ocupado assalariado de 20% ao ano e que, ao final da observação, possuem dez ou mais
trabalhadores assalariados. Empresas gazela são um subconjunto das EAC, com até três anos de idade, no
ano inicial de observação. Essas definições, utilizadas pelo IBGE, estão de acordo com a Organização para
a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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A comunicação como indutora da sustentabilidade: um estudo de micro, pequenas e médias empresas brasileiras
Valdete Cecato
R$ 60 mil e R$ 360 mil, para micro, e R$ 360 mil e R$ 3,6 milhões para pequenas. Abaixo
de R$ 60 mil está a categoria Microempreendedor Individual (MEI). Já o IBGE determina o porte das empresas por meio do número de empregados formais. Esse critério é,
também, o mais usado pelos pesquisadores europeus e americanos (Proced/FIA, 2012).
Por esse parâmetro, são MPMEs organizações que possuem entre um e 499 empregados
(indústria) ou até 99 empregos formais (comércio e serviços)3. Esse foi o principal critério
de seleção da amostra utilizado na metodologia da pesquisa que é tema desse artigo.
Nos próximos itens dessa abordagem, serão tratados os principais conceitos de
comunicação, sustentabilidade, princípios metodológicos que embasaram o estudo,
bem como alguns resultados da pesquisa – já disponíveis – e as considerações finais.
A COMUNICAÇÃO COMO EXPRESSÃO DAS EMPRESAS
O processo de comunicação é inerente às organizações. De acordo com Taylor e
Cooren (1997, apud Casali, 2009, P. 113) as organizações não apenas se constituem pela
comunicação como também se expressam em comunicação, “o que se dá por meio
de palavras, ideias, conceitos ou outros elementos de expressão oral ou corporal”. Tal
definição remete ao pensamento de Freitas (1991, p. 34) que entende as organizações
como “fenômeno de comunicação sem o qual inexistiriam”. Segundo ela, é o processo
de comunicação que possibilita a criação da cultura organizacional. Essas perspectivas
sinalizam para a interdependência entre o processo de comunicação e a organização,
tendo em vista a sua expressão ou reconhecimento pelos públicos de interesse. Indica
ainda, com base na definição de Freitas (1991), que também cultura e comunicação estão
fortemente articuladas, como explica Ferrari:
A cultura e a comunicação estão estreitamente relacionadas, por um lado, porque a cultura
traz em si os significados compartilhados e, por outro, é necessário um grande esforço da
organização para comprometer as pessoas com os valores estabelecidos como desejáveis,
o que implica no uso de canais de comunicação de todos os tipos. FERRARI (2011, p. 153).
Yanaze (2010 p. 415) relaciona comunicação e organização, levando em conta também
os aspectos de manutenção da imagem e apoio a vendas. Mesmo assim, enfatiza que a
comunicação “antes de mais nada é uma dimensão que cria e dá forma às organizações”,
o que ocorre da seguinte forma:
A comunicação e seus processos garantem fluxo informacional, canais constantes de alinhamento dos objetivos, interações constantes entre as várias partes de um negócio, contribuindo para a consecução dos resultados. Comunicação, sob essa perspectiva, torna-se fator
central na construção de valor para as organizações e suas marcas. (YANAZE, 2010, p. 415).
Ou seja, a partir da colocação de Ferrari (2011) sobre o esforço empreendido pelas
organizações para transmitir os seus valores às pessoas e, considerando que a sustentabilidade pode ser entendida como um valor (Boff, 2012 apud Sodré, 2012; Veiga, 2010),
então, a comunicação para a sustentabilidade não pode prescindir do contexto cultural
da organização, conforme Schein:
3. Disponível em http://www2.fia.com.br/PortalFIA/Default.aspx?idPagina=27012. Acesso em 06/02/2014.
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A comunicação como indutora da sustentabilidade: um estudo de micro, pequenas e médias empresas brasileiras
Valdete Cecato
[...a cultura é um fenômeno multidimensional e multifacetado, não facilmente redutível a
algumas dimensões importantes. No final, a cultura reflete o esforço do grupo para competir
e aprender; é o resíduo desse processo de aprendizagem. Assim, ela não apenas preenche
a função de dar estabilidade, significado e previsibilidade no presente, mas é resultado de
decisões funcionalmente eficazes no passado do grupo. (SCHEIN, 2007. P. 101).
A inclusão da cultura, na abordagem desse artigo, é muito conveniente porque, como
veremos na seção que trata de resultados da pesquisa, a maioria dos respondentes a
relacionam com o entendimento de sustentabilidade que prevalece em suas empresas.
Além disso, apontam como uma das contribuições relevantes do processo de comunicação
o fortalecimento dessa cultura voltada à sustentabilidade em seus empreendimentos.
Voltando a Shein (2007, p. 380), outro aspecto que merece ser citado, refere-se ao papel
da liderança na criação de cultura em uma organização. Referindo-se especificamente
a empresas que se encontram em fase de crescimento, o estudioso afirma que os líderes
ou empreendedores introduzem no seu projeto as suas “crenças-guia, modelos mentais,
princípios básicos ou visões-guia [...]”. Mas, para que esses princípios passem a constituir
a cultura que está sendo criada, Schein (2007) ressalta que o líder (o empreendedorfundador, no caso da amostra das MPMEs da pesquisa em questão) precisa inserir os
seus próprios princípios na missão, metas, estruturas e procedimentos de trabalho e ter
capacidade e condições para desenvolver a cultura, o que se dá por meio de um processo
de aprendizagem. Shein (2007) utiliza também o verbo impor para definir a função do
líder na construção da cultura em uma organização. No entanto, em um processo como
o da sustentabilidade, que exige engajamento dos públicos, com base na credibilidade
e na interação, o diálogo se sobrepõe.
Para França (2011, p. 265), o diálogo é a “estratégia maior dos relacionamentos” e
essencial para a construção de relações saudáveis e comprometidas com os princípios
e metas da organização. O diálogo é entendido pelo autor como a capacidade que têm
as partes envolvidas de ouvir e compreender pontos de vista divergentes e, por meio da
negociação, chegar a um consenso. Considerando os conceitos de Sigtnitzer e Prexl (2008
apud Bortree 2011) afirma que, quando uma organização foca em sustentabilidade o seu
diálogo com os stakeholders não estará apenas modificando a percepção atribuída a ela
pelos seus públicos. Criará, também, engajamento e essa é uma maneira de contribuir
para a sociedade por meio da comunicação para a sustentabilidade (Macedo, 2013).
Essa afirmação está em consonância com Sodré (2012, p. 36). Segundo ele, comunicação
e educação andam juntas e, na sustentabilidade, o processo de aprendizagem se sobrepõe
à mera distribuição de informações:
[...] a sustentabilidade requer uma ampla partilha do conhecimento, que não pode ser
entendida como mera vulgarização de informações técnicas, ainda que caracterizada pelo
gigantesco volume de dados e pela velocidade das tecnologias digitais. (SODRÉ, 2012, p. 36)
O vínculo entre comunicação e sustentabilidade está presente na grande maioria
das respostas dos empreendedores que participaram da pesquisa com a amostra das
MPMEs, o que sugere um pensamento que articula os dois assuntos na gestão das
empresas. Por outro lado, a ideia de cultura é dominante quando os empresários são
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A comunicação como indutora da sustentabilidade: um estudo de micro, pequenas e médias empresas brasileiras
Valdete Cecato
questionados sobre o entendimento de sustentabilidade adotado nas suas organizações,
o que abordaremos com mais detalhes na seção do artigo que trata dos resultados da
pesquisa. Tal posicionamento indica que, no ponto de vista da maioria dos respondentes, os conceitos de comunicação, sustentabilidade e cultura estão conectados em suas
empresas, em níveis de intensidade que se diferenciam de acordo com o entendimento
dos empreendedores.
SUSTENTABILIDADE E SEUS CONCEITOS
Sustentabilidade é uma palavra que adquire múltiplos significados, mas nem todos
embutem a sua real complexidade. Tal afirmação pode ser explicada, em parte, pela
definição de Veiga (2010). Ele considera a sustentabilidade um valor e, exatamente por
isso, cada pessoa tem o seu próprio entendimento, de acordo com suas experiências
individuais. Esse fato impossibilita uma definição capaz de expressar todos os seus
sentidos:
A sustentabilidade não é, e nunca será, uma noção de natureza precisa, discreta, analítica ou
aritmética, como qualquer positivista gostaria que fosse. Tanto quanto a ideia de democracia
– entre muitas outras ideias tão fundamentais para a evolução da humanidade –, ela sempre
será contraditória, pois nunca poderá ser encontrada em estado puro (VEIGA, 2010, p. 165).
A compreensão do significado da sustentabilidade, em sua profundidade, tem sido
prejudicada pelas práticas de greenwashing4 que, segundo Engelman (2013) contribuíram
muito para a banalização do termo. No entanto, o crescimento da conscientização da
sociedade sobre os seus direitos, comprometimento com a ética, preocupações com a
preservação da natureza, desastres ambientais, clima, além de regulações, exigências de
certificação e outros fatores estão fechando o cerco sobre as empresas. Portanto, como
enfatiza Kunsch (2009), não resta às organizações outra alternativa a não ser a conscientização sobre o real significado da sustentabilidade. Para a pesquisadora, as empresas
precisam entender que não se trata de um modismo e nem algo que resultará apenas em
ganhos financeiros e de imagem. Envolve uma filosofia de gestão e um compromisso
público de extrema relevância, que exige delas um compromisso efetivo com a sociedade:
Hoje as organizações são cada vez mais instadas a superar a lógica do crescimento econômico
sem propósitos claros de uma interconexão com o desenvolvimento social, a preservação
ecológica e a sustentabilidade. Elas devem assumir sua responsabilidade e seu compromisso
com a sociedade. Isso pode ser traduzido em uma participação efetiva de ações conjuntas
com o Estado e a sociedade civil para transformar a realidade social em situações de riscos
ambientais de agravamento da pobreza e da fome das populações, sobretudo daquelas que
vivem à margem do progresso e são excluídas do desenvolvimento econômico e tecnológico.
(KUNSCH, 2009, p. 64).
4. O termo pode ser traduzido como ‘maquiagem verde’, ou seja, propaganda enganosa que confere atributos
‘verdes’ que não existem ou não estão comprovados nos produtos, serviços ou marcas. Em 2011, o Conselho
de Autorregulamentação Publicitária (Conar) estabeleceu alguns princípios para evitar que a publicidade
enalteça características de sustentabilidade sem comprovação. Disponível em <http://www.akatu.org.
br/Temas/Sustentabilidade/Posts/Conar-define-normas-para-combater-greenwashing-na-propaganda->.
Acesso em 21/02/2015.
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A comunicação como indutora da sustentabilidade: um estudo de micro, pequenas e médias empresas brasileiras
Valdete Cecato
Um outro entendimento relaciona a sustentabilidade organizacional com a licença
social para operar5. Pereira, Costa, Murad et al (2009) conferem ao conceito uma
compreensão que inclui todas as ações desenvolvidas pelas empresas com o objetivo de
buscar o aval da sociedade para o seu funcionamento, conforme a seguinte explicação:
A sustentabilidade organizacional é o resultado do somatório da responsabilidade social,
dos investimentos sociais, da gestão dos impactos sociais e ambientais, dos resultados
mercadológicos, da construção de valor para o acionista e da transparência na relação com
os investidores e normas de mercado (PEREIRA, COSTA, MURAD et al, 2009, P. 300).
Já Kruglianskas e Pinsky (2013) dizem que, no contexto geral das empresas, os conceitos
mais reconhecidos são o triple botton line (Elkington, 1998), que define a sustentabilidade
como o resultado sistêmico das dimensões ambiental, social e econômica, e o Relatório
Brundtland, que conceitua desenvolvimento sustentável como aquele que satisfaz as
necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras suprirem
as suas próprias necessidades. Mas, para Amato Neto (2011), a visão de sustentabilidade
efetivamente existe em uma empresa quando está integrada em todas as suas áreas
desde a pesquisa, passando pela operação, marketing e vendas:
A empresa sustentável é aquela na qual o foco das atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, da política de recursos humanos, do trabalho produtivo, das estratégias de
marketing e mesmo do departamento financeiro encontram-se no horizonte da sustentabilidade (AMATO NETO. 2011, p. 10).
Os pontos de vista sobre sustentabilidade, que foram expostos, mostram que há
vários entendimentos e que o uso “banal” do termo, que desconsidera a sua profundidade,
contribui para descaracterizar a sua importância estratégica para as empresas e para a
própria sociedade como um todo. Para a pesquisa desenvolvida com as MPMEs optou-se
por uma definição que fornecesse uma dimensão mais abrangente do que aquela que
enxerga a sustentabilidade com mais ênfase no meio ambiente ou então no resultado
financeiro da organização. Buscou-se um conceito que incluísse outras dimensões como,
por exemplo, ética nos negócios, transparência, preocupação com gerações futuras,
pró-atividade e iniciativas de desenvolvimento contínuo de processos de inovação e
aprimoramento de suas práticas e relacionamentos. Com esse objetivo, a pesquisa baseouse no conceito de sustentabilidade adotado pela Fundação Dom Cabral (FDC) para os
estudos que desenvolve sobre o estágio em que se encontram as empresas brasileiras
(2012; 2014). Para esse fim, a FDC utiliza a metodologia do Boston Center of Corporate
Citizenship, que considera a sustentabilidade como sinônimo de cidadania corporativa,
de acordo com a seguinte explicação:
A ideia da cidadania corporativa é a de que as empresas devem possuir uma conduta ética,
levando em consideração os interesses das pessoas, sejam elas funcionários, fornecedores,
5. É definida pelo IBGC como “um contrato social não formalizado, onde é mantido o voto de confiança dos
stakeholders com relação às operações da empresa. É obtida a partir do entendimento de como suas ações
afetam os stakeholders. [...]Nesse contrato, a sociedade legitima a existência da empresa, reconhecendo suas
atividades e obrigações, bem como estabelecendo limites legais para sua atuação”. Disponível em: http://
www.ibgc/userfiles/4.pdf. Acesso em 18/06/2014.
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A comunicação como indutora da sustentabilidade: um estudo de micro, pequenas e médias empresas brasileiras
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comunidade etc. Em uma perspectiva ampla, a cidadania corporativa pode ser definida como
sinônimo de sustentabilidade, isto é, a busca por atividades e processos corporativos com
resultados ambientais, econômicos e sociais equilibrados para todas as partes interessadas
da organização. (MIRVIS, GOOGINS, 2006 apud LAURIANO, BUENO, SPITZECK, FDC,2014).
Na elaboração do questionário da pesquisa, tratada nesse artigo, buscou-se também
informações sobre os níveis de sustentabilidade das empresas brasileiras elaborados pelo
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), que foram estabelecidos com
base em na categorização de Willard (2005). O quadro do IBGC é composto por cinco
estágios: a) pré-cumprimento legal; b) cumprimento legal; c) além do cumprimento legal;
d) estratégia integrada; e) propósito e paixão. Cada uma dessas etapas corresponde a
um estágio de sustentabilidade sendo o pré-cumprimento legal o mais rudimentar e o
propósito e paixão o mais evoluído.
A partir dessas informações e pontos de vista sobre comunicação e sustentabilidade,
bem como da caracterização do segmento das MPMEs, foi elaborado o questionário
da pesquisa enviada à amostra. No total, foram 21 questões estruturadas e fechadas e
apenas uma questão aberta. Os empreendedores foram instigados a opinar a respeito
de 97 itens relacionados ao seu negócio, comunicação, sustentabilidade e contexto geral
das MPMEs. Esse modelo permitiu a captura de um grande volume de informações,
que foram submetidas à análise estatística.
PRINCÍPIOS METODOLÓGICOS
Além de serem MPMEs, de acordo com o conceito adotado pelo IBGE e já abordado
na introdução desse artigo, para integrarem a amostra da pesquisa, as empresas
deveriam ser privadas, de capital nacional, visar ao lucro e se dedicarem a produtos e
serviços vinculados à ideia de sustentabilidade. Em algumas, esses atributos estavam
mais claramente expressos na própria base de dados6 em que foram identificadas.
Em outros casos, buscou-se a confirmação dos critérios para a amostra em seus sites,
notícias publicadas na imprensa (inclusive especializada) e em premiações de órgãos
reconhecidos que destacam organizações com posicionamento em sustentabilidade,
responsabilidade social corporativa ou cidadania corporativa.
A amostra, portanto, é não probabilística e foi selecionada de acordo com critérios
de intencionalidade e conveniência (Novelli, 2012). Escolheu-se esse caminho para tornar
viável a pesquisa, o que ocorreu por quatro motivos: o número elevado de MPMEs em
todo o Brasil, cerca de 3,6 milhões, segundo o Proced/FIA (2012), com base nas informações da Relação Anual de Informações (RAIS) do Ministério do Trabalho e Emprego; a enorme disparidade, informalidade (especialmente entre as MPEs) e diversidade
6. As bases de dados utilizadas para identificar MPMEs para a pesquisa foram: Finep - Prêmio Nacional
de Inovação – Categoria Micro e Pequenas Empresas – Edições 2006-2013 –Disponível em <http://www.
premiodeinovacao.com.br/>. Acesso em 10/09/2014; Centro Sebrae de Sustentabilidade. Disponível em
<http://sustentabilidade.sebrae.com.br/Sustentabilidade/>. Acesso em 11/09/2014; Exame PME- 250
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Endeavor. Disponível em <https://endeavor.org.br/empreendedores-endeavor/>. Acesso em 10/10/2014;
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www.istoe.com.br/reportagens/389075_ISTOE+PREMIA+AS+EMPRESAS+MAIS+CONSCIENTES+DO+
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A comunicação como indutora da sustentabilidade: um estudo de micro, pequenas e médias empresas brasileiras
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dessas organizações; a dificuldade em encontrar uma base de dados composta por um
perfil de empresas que atendesse aos critérios da amostra; aos objetivos da pesquisa,
que visavam obter dos empreendedores o posicionamento sobre a comunicação para
a sustentabilidade, um tema que não é familiar a grande maioria dos empresários que
formam o universo das MPMEs.
A aplicação dos critérios às bases de dados resultou em uma amostra de 79 MPMEs e
103 destinatários, os receptores do questionário. O envio começou na segunda quinzena
de novembro de 2014 e a captura das informações foi concluída em janeiro de 2015, com
uma interrupção nos feriados de final de ano. Foram respondidos 42 questionários,
um índice de 53,2% sendo que, dois não entraram nos cálculos finais por estarem em
desacordo com os critérios do estudo. A segunda etapa da pesquisa – entrevistas
em profundidade – prevê a abordagem de 20% dos respondentes do questionário
considerando a proporcionalidade da sua participação, em cada região do país.
A busca de dados quantitativos (por meio do questionário) e qualitativos (entrevistas em profundidade) visa tornar o estudo um instrumento que auxilie pesquisadores
e os profissionais do mercado a entender as expectativas do segmento de MPMEs no
que diz respeito à comunicação para a sustentabilidade. A pesquisa, em si, é de caráter
exploratório porque há pouca disponibilidade de conhecimento acumulado sobre o
assunto, o que gera desconhecimento e dúvidas (Sampieri, Collado e Lucio, 2006, apud
Caridade, 2012).
O questionário enviado foi dividido em três partes: a) dados gerais da empresa e empreendedor; b) entendimento de sustentabilidade e comunicação; c) avaliação
do processo de comunicação para a sustentabilidade de sua organização. A pergunta
aberta visava complementar essa questão, a mais relevante para a pesquisa, e solicitava
aos respondentes as impressões finais sobre como a comunicação poderia ajudá-los
no desenvolvimento sustentável de seus negócios. Mesmo não sendo obrigatória, foi
respondida pela maioria dos empreendedores que aceitaram participar da pesquisa.
As informações dessa questão reforçaram alguns pontos que tinham ficado evidentes
nas perguntas fechadas como, por exemplo, o vínculo entre comunicação para a sustentabilidade, processo educativo/aprendizagem e formação de uma cultura voltada
aos princípios sustentáveis.
ALGUNS RESULTADOS DA PESQUISA
Das 79 empresas que receberam o questionário, 53,2% o responderam, resultando
em 42 retornos. No entanto, como afirmamos anteriormente, duas participantes não
foram incluídas no estudo porque as respostas indicavam que elas possuíam um número
de empregados formais acima do critério de classificação para a amostra. A maioria
das respostas veio da indústria (55%), seguida do setor de serviços (30%), comércio
(10%) e agronegócio (5%). Os respondentes são o presidente e/ou fundador da empresa
(55,26%), seguido pelos sócios ou executivos (21,05%) e diretores (7,81%). Esses índices
mostram que a participação deu-se, em sua maior parte, por meio da liderança das
organizações o que era esperado devido ao porte das empresas pesquisadas e atendeu
a uma meta estabelecida para o estudo. Em sua maioria, são homens (78%), cuja idade
média é de 45 anos. Em relação à formação dos respondentes, mais da metade (52,3%)
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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A comunicação como indutora da sustentabilidade: um estudo de micro, pequenas e médias empresas brasileiras
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têm pós-graduação e outros 26,52% possuem curso superior completo. A média de
idade das empresas que responderam o questionário é de 14,3 anos que geram, também
em média, 57 empregos. O resultado tem abrangência nacional e essa era outra meta
estabelecida na captação dos resultados. A grande maioria das respostas (62,5%) vieram
da região Sudeste, o que era esperado, seguida do Nordeste (12,5%), Sul (10%), CentroOeste e Norte, com 7,5% cada uma. Como conclusão, pode-se aferir que o retorno da
pesquisa foi representado, em sua maioria, por empresas criadas a partir do ano 2000,
de pequeno porte e que vendem seus produtos ou serviços ao cliente final.
Todos os entrevistados consideraram o processo de comunicação importante
para a sustentabilidade da sua empresa, o que confirma a percepção de vínculo entre
os dois conceitos. Em relação à forma como a comunicação é desenvolvida em suas
organizações, 82,5% disseram que ela é estratégica e alinhada com os seus objetivos.
Para os demais (17,5%) ela ocorre sem planejamento prévio. Essa informação é intrigante e merecerá uma abordagem mais aprofundada nas entrevistas que serão feitas
na segunda etapa da pesquisa. Como a maioria das empresas é de pequeno porte,
presume-se que elas não possuam comunicação estruturada e planejada. No entanto,
apesar disso, a grande maioria dos participantes disse que a comunicação é estratégica
e alinhada aos objetivos de seu empreendimento o que, aparentemente, pode indicar
uma contradição. Uma das possibilidades é que a liderança entende a importância da
comunicação e a inclui nas suas atividades, o que parece se confirmar na resposta dada
pela maioria dos participantes à pergunta que busca entender quem é o responsável
estratégico pela comunicação na organização. 80% disseram ser os fundadores, sócios
e/ou proprietários.
Questionados sobre o entendimento de sustentabilidade, que prevalece em seus
empreendimentos, a maioria dos respondentes (72,5%) optou pela seguinte alternativa:
uma cultura transformadora e colaborativa, cuja finalidade é mobilizar a empresa para
o desenvolvimento de produtos e serviços sustentáveis, contribuindo para a preservação
do meio ambiente, melhoria contínua da qualidade de vida das pessoas e garantia dos
direitos das gerações futuras. Alguns apontamentos feitos por eles nas respostas à única
questão aberta (e não obrigatória) do questionário evidenciam que parte considerável
dos empresários e executivos que participaram da pesquisa estabelecem um vínculo
entre comunicação, educação e cultura. Outros 21,05% optaram por uma estratégia de
negócios que considera os pilares econômico, social e ambiental. Dois respondentes
disseram que o conceito de sustentabilidade adotado visa ao posicionamento de marketing, produtos e serviços. Apenas um empreendedor escolheu a alternativa relacionada
à ecoeficiência, que tem foco na redução de custos com o consumo de água, energia e
outros recursos.
Outro dado interessante refere-se à relevância atribuída pelos empreendedores
a aspectos diretamente relacionados ao processo de comunicação. A grande maioria
(81,08%) considerou muito relevante informar clientes e consumidores sobre os atributos
sustentáveis de seus produtos e/ou serviços. Outros 68,42% atribuíram o mesmo grau
de importância ao engajamento de funcionários e outros colaboradores, seguido da
fidelização de clientes e fornecedores (63%) e atração de profissionais alinhados aos
objetivos e estratégias da empresa, também 63%. No entanto, conferem menos relevância
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4901
A comunicação como indutora da sustentabilidade: um estudo de micro, pequenas e médias empresas brasileiras
Valdete Cecato
a ações como definição de mensagens-chave, busca de espaços qualificados na mídia e
apoio à definição da política de comunicação e relacionamento da empresa. Quanto aos
stakeholders considerados mais estratégicos pelos respondentes, há consenso em relação
à alta relevância de funcionários, clientes e parceiros de negócios. Imprensa, ONGs e
ativistas, além de entidades de classe não tem tanta importância para a amostra de
empreendedores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As informações preliminares da pesquisa indicam que a comunicação – não de forma estruturada - está muito presente no dia a dia da maioria das MPMEs pesquisadas.
Mais do que espaços na mídia, os respondentes do questionário defendem um modelo
de comunicação que possibilite a valorização dos atributos de sustentabilidade dos seus
produtos e serviços, o que se dá por meio de um processo que inclua a disseminação de
informações sobre sustentabilidade. Esse desejo está diretamente relacionado à busca
de mais competitividade em relação a concorrentes que oferecem apenas a vantagem
do preço mais baixo. Interessante também é que a maioria dos respondentes (66,7%)
considera a autonomia dos stakeholders de emitirem sua opinião sobre a empresa nas
redes sociais como uma oportunidade para a sua empresa. Outros 23,81% veem como
um desafio lidar com esse cenário de mais liberdade de opinião. Apenas 7,14 entendem
esse movimento de mais autonomia como uma ameaça e um índice semelhante de respondentes acha esse aspecto sem relevância para o seu negócio. A ideia é refinar essas
opiniões nas entrevistas com os empreendedores mas, a princípio, esse resultado parece
indicar que os participantes da pesquisa convivem muito bem com a possibilidade de
seus públicos opinarem sobre a empresa, produtos ou serviços nas redes sociais. Outra
sinalização, oferecida pelas informações obtidas por meio dos questionários, é o interesse dos empreendedores por um modelo de comunicação que fortaleça o processo
de aprendizagem dos seus públicos sobre sustentabilidade. Para eles, está muito claro
que a competitividade do seu negócio está diretamente relacionada à disseminação de
informações sobre o tema.
Para concluir, apesar da amostra da pesquisa não ser numericamente representativa
do conjunto das MPMEs brasileiras, acreditamos que as informações captadas na
pesquisa online, associadas às entrevistas e à análise posterior, apresentarão um quadro
muito interessante sobre como as empresas desse segmento entendem que a comunicação
pode apoiá-las na sua estratégia de desenvolvimento sustentável.
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Identidade e os profissionais de comunicação:
aproximações teóricas entre o processo de
identificação e a comunicação nas organizações
Identity and the communications professionals:
theoretical approaches between identification
process and communication in organizations
B r u n o C a r r a m e n ha 1
Resumo: A partir do estudo da prática da comunicação no âmbito das
organizações por meio de pesquisa bibliográfica da área de Relações Públicas,
o presente artigo pretende relacionar os conceitos de identidade e identificação,
advindos da sociologia, com as posições que os profissionais de comunicação
corporativa têm assumido nas organizações. Por meio de um olhar histórico,
objetiva-se investigar o processo de identificação do profissional no realizar
de suas atividades, seja na gestão dos processos midiáticos organizacionais
ou na liderança estratégica dos departamentos de comunicação, com base nas
interpelações dos executivos com quem se relaciona profissionalmente ou da
própria categoria da qual faz parte.
Palavras-Chave: Identidade. Identificação. Comunicação corporativa.
Comunicação com empregados. Processos midiáticos.
Abstract: Based on the study of communication practice within organizations
through literature research of the area of Public Relations, this article aims
to relate the concepts of identity and identification, arising from sociology,
with the positions that corporate communication professionals have assumed
in organizations. Through a historical look, the objective is to investigate the
professional identification process in performing their activities, no matter if
managing organizational media processes or leading strategic communication
departments, based on interpolations of executives with whom they relate
professionally or the own category to which they belong.
Keywords: Identity. Identification process. Corporate communications. Employee
communications. Media process.
[...]
Você diz que eu já não sou mais aquele
Passa por mim e pergunta quem é ele?
Como é que pode alguém deixar
1. Mestrando em Comunicação na Contemporaneidade pela Faculdade Cásper Líbero e Professor na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), ambas em São Paulo/SP. E-mail: [email protected]
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Identidade e os profissionais de comunicação: aproximações teóricas entre o processo de identificação e a comunicação nas organizações
Bruno Carramenha
De ser aquele que já foi?
Se quem já foi ainda é
Enquanto vive ainda é
Estou aqui pra provar que eu sou eu
Vim desfazer essa dúvida cruel
Pois só de te mostrar que não sou outro
Eu já me sinto outro, já valeu
Eu sou eu, Luiz Tatit, 1997.
INTRODUÇÃO
DESENVOLVIMENTO E a prática da comunicação nas empresas se confundem
O
com o próprio estabelecimento das estruturas organizacionais. Tomando-se por
base que a comunicação é o fundamento das relações humanas (MARCHIORI,
2008), é, portanto, indispensável no funcionamento das organizações, que são “sistemas
sociais e históricos, constituídos por recursos materiais e imateriais e pessoas - que se
comunicam e se relacionam entre si” (NASSAR, 2009, p. 62).
A partir da metade do século XX, entretanto, as organizações passaram a sentir a
necessidade de gerenciar seus relacionamentos com públicos diversos e de dar conta
formalmente dos processos midiáticos corporativos e, portanto, a tratar a comunicação
sob uma perspectiva funcional, neste caso, tendo a necessidade de um profissional para
este gerenciamento. Este profissional, por sua vez, como qualquer indivíduo contemporâneo, está sujeito às mazelas do tempo em que vive.
As organizações são um “produto da história e do tempo das sociedade em que
se inserem” (FREITAS, 2006, p.55) e estão, portanto, suscetíveis a sediar – e a participar
ativamente - dos diversos processos aos quais os indivíduos estão sujeitos, como o processo de identificação daqueles que dela fazem parte.
Apegando-se temporariamente a posições diferentes, o sujeito contemporâneo está
necessariamente submetido a um processo de identificação, ora por si próprio ora pelas
pessoas a sua volta. Submetida a um processo - diga-se, que nunca será acabado - a
identidade do sujeito está sempre em formação, em andamento, construindo-se a partir
de uma busca prioritariamente externa para completar aquilo que lhe falta internamente.
Este processo tem relação, prioritariamente, com aquilo que o outro projeta sobre
o indivíduo. Como afirma o sociólogo Stuart Hall,
as identidades são as posições que o sujeito é obrigado assumir, embora ‘sabendo’ [...] sempre,
que são representações, que a representação é sempre construída ao longo de uma falta, ao
longo de uma divisão, a partir do lugar do Outro (HALL, 2014a, p.112).
No contexto organizacional, está o profissional de comunicação, que precisa se
afirmar em posições e representações por meio de um processo sem-fim de identificação.
A partir do estudo da comunicação organizacional por meio de pesquisa bibliográfica da área de Relações Públicas (CARRAMENHA, CAPPELLANO e MANSI, 2013;
FERNANDES, 2011; FERRARI, 2009; KUSCH, 2002, 2003, 2009; MARCHIORI, 2008, 2010;
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4906
Identidade e os profissionais de comunicação: aproximações teóricas entre o processo de identificação e a comunicação nas organizações
Bruno Carramenha
NASSAR, 2009), este artigo pretende relacionar os conceitos de identidade e identificação,
advindos da sociologia (BAUMAN, 2001, 2005; HALL, 2013, 2014a, 2014b; WOODWARD,
2014), com o papel que os profissionais de comunicação corporativa têm assumido nas
organizações. Acreditamos, como Ferrari (2009), que há uma confusão na prática - e,
por conseguinte, no reconhecimento - da comunicação realizada nas organizações que
contribuiu para uma perda de identidade da atividade.
Serão avaliados os aspectos históricos do surgimento da atividade de comunicação
corporativa que contribuem para a formação da identidade da categoria profissional e,
igualmente, dos indivíduos que ocupam estes postos nas organizações. O olhar para a
história é relevante ao passo que nos permite compreender com mais clareza a realidade
contemporânea. Nas relações que se faz da atividade de comunicação corporativa
com o conceito de identidade, é importante mencionar que o próprio entendimento
da identidade se transforma com a história, de acordo com as concepções de sujeito
(GREGOLIN, 2008).
ATUAÇÃO PROFISSIONAL DA COMUNICAÇÃO E A IDENTIDADE
A Comunicação vem ganhando mais relevância nas organizações do que em décadas anteriores, especialmente por conta das grandes transformações sociais e tecnológicas que emergiram (FERRARI, 2009). As principais responsabilidades da disciplina
enquanto departamento organizacional, no que tange a comunicação com empregados,
variam significativamente dependendo do contexto organizacional, ainda que, academicamente destaque-se o forte vínculo e contribuição para o alcance dos objetivos
organizacionais, promoção de clima positivo, por meio do alinhamento entre discurso
e prática e geração de engajamento (CARRAMENHA; CAPPELLANO; MANSI, 2013).
Há duas perspectivas de análise da comunicação das organizações. Como um
processo, a comunicação é estudada como agente de criação da realidade e do mundo social
(MARCHIORI, 2008). “A organização depende da comunicação para sua sobrevivência”
(MARCHIORI, 2008, p. 148).
Corrobora Kunsch com essa visão quando afirma que
o sistema organizacional se viabiliza graças ao sistema de comunicação nele existente, que
permitirá sua contínua realimentação e sua sobrevivência. Caso contrário, entrará num
processo de entropia e morte. Daí a imprescindibilidade da comunicação para uma organização social (2003, p. 69).
Nesta perspectiva, a comunicação é entendida como um processo, ou seja, ela cria a
realidade e o mundo social (MARCHIORI, 2008). Desta forma, independem os modelos
administrativos adotados pela gestão, uma vez que a comunicação se estabelece na
dinâmica do dia a dia de trabalho, nas relações internas, na construção e no compartilhamento de significados entre empregados e empresa, na criação e disseminação de
regras, regulamentos, procedimentos, direitos e deveres (NASSAR, 2009), que pode
acontecer nos fluxos formais ou informais2 das organizações.
2. Por fluxos formais entende-se a comunicação que se estabelece por meio dos canais institucionalizados
da companhia e costuma ser disseminada verticalmente. Já os fluxos informais acontecem fora dos canais
oficiais da companhia, de forma espontânea e usualmente de forma oral. (CARRAMENHA; CAPPELLANO;
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Identidade e os profissionais de comunicação: aproximações teóricas entre o processo de identificação e a comunicação nas organizações
Bruno Carramenha
A comunicação, no entanto, também assume um caráter funcional, adquirindo um
papel de servir um propósito nos processos de interação nas organizações (MARCHIORI,
2008). Neste caso, está sedimentada nos fluxos formais e tem relação direta com a gestão
dos negócios. Nas organizações, comumente, este caráter funcional diz respeito ao que
se atribui aos departamentos de Comunicação.
A prática da comunicação corporativa de maneira mais formal está diretamente
relacionada à história das Relações Públicas no Brasil3. A partir da década de 50 “surgem
os primeiros e efetivos departamentos de Relações Públicas nas empresas multinacionais
e nas agências de Publicidade e Propaganda” (KUNSCH, 2002, p. 121) para lidar com
uma demanda latente de estabelecimento de relações formais e estruturadas entre as
organizações e seus públicos. É também, nesta mesma época, que surge o conceito de
“Jornalismo Empresarial”, que tratava exclusivamente da gestão dos processos midiáticos, por meio da produção de boletins institucionais e house organs. Antes disso, são
poucos e sem representatividade os registros do uso funcional da comunicação nas
organizações.
Não é à toa que as áreas correlatas de jornalismo e publicidade e propaganda
tenham sido fundamentais na formação e consolidação da prática da comunicação nas
organizações, uma vez que o primeiro curso universitário de Relações Públicas surgiu
em 1967, 20 anos depois da fundação da faculdade de jornalismo e 16 anos depois da
primeira escola superior de propaganda (HIME, 2004; DURAND, 2006).
A história ajuda a compreender a práxis. A pesquisa ‘Comunicação Interna 2012’,
da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial - Aberje (2012), revela que a vasta
maioria (43%) dos profissionais responsáveis pela Comunicação Interna nas organizações
é formada em jornalismo. A formação em Relações Públicas está em segundo lugar, com
menos da metade dos profissionais (21%), seguida, de perto, por Publicidade e Propaganda
(16%). Esses dados são congruentes com pesquisa desenvolvida pela professora Maria
Aparecida Ferrari (2009) em empresas da América Latina, que apontou, no Brasil, que
entre as 22 empresas pesquisadas, oito delas tem um jornalista de formação na liderança
do departamento de Comunicação. Três delas contam com um profissional de Relações
Públicas e nas demais são profissionais de outras habilitações da comunicação, além de
advogados, engenheiros, administradores, entre outros.
A pesquisa de Ferrari aponta ainda que
é comum a confusão que se estabelece [por parte da alta direção das organizações latino-americanas] principalmente entre as profissões de relações públicas e jornalismo, com forte
predominância da segunda sobre a primeira, uma vez que existe maior clareza em relação
ao fazer jornalístico (FERRARI, 2009, p. 190).
A “confusão” tem outros fatores determinantes, além da formação universitária.
Entre eles está a forma como o profissional se posiciona e é reconhecido na organização.
MANSI, 2013).
3. O início da profissão de Relações Públicas no Brasil é reconhecido como tendo sido em 1914, com a
criação do Departamento de Relações Públicas da Light, entretanto, essa experiência, apesar de pioneira,
foi isolada, não ocorrendo maior crescimento nas três décadas seguintes. (KUSCH, 2002).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Identidade e os profissionais de comunicação: aproximações teóricas entre o processo de identificação e a comunicação nas organizações
Bruno Carramenha
Uma constatação curiosa que fizemos foi a divergência entre as visões [...]. Enquanto quase a
metade da amostra dos CEO’s identificava o profissional de relações públicas com a função
mediática e técnica, os comunicadores, na sua maioria, afirmavam exercer sua função na
dimensão estratégica (FERRARI, 2009, p. 191).
Isto, acredita a pesquisadora, tem estreita relação com a realidade vivida pelo
profissional de comunicação nas estruturas cada vez mais enxutas das organizações,
que o forçam a desenvolver papéis altamente estratégicos e meramente operativos, por
falta de recursos humanos (FERRARI, 2009).
Essa “troca de papéis” a qual o profissional de comunicação está sujeito nas organizações não é exclusiva aos comunicadores. Não é, aliás, exclusiva de quem está vinculado a organizações apenas - e tampouco está fadada a acontecer apenas no interior
dos muros organizacionais. O apego temporário a diferentes representações é inerente
ao sujeito contemporâneo. A ruptura da antiga concepção de que as condições humanas seriam divinamente estabelecidas - apoiadas, portanto, nas tradições - causou um
deslocamento do sujeito e, portanto, uma fragmentação da identidade (HALL, 2014b).
As identidades que o sujeito assume se constroem por meio de práticas discursivas,
a partir de um encontro entre a expectativa e interpelação alheia e os “processos que
produzem subjetividades, que nos constroem como sujeitos aos quais se pode ‘falar’”
(HALL, 2014a, p. 112), podendo o sujeito se reconhecer em múltiplas identidades, conforme a posição discursiva que ocupa ou a maneira pela qual é interpelado ou representado.
Assim, o sujeito se vê, constantemente, obrigado a oficializar em discurso uma
resposta para a pergunta “Quem sou eu?”, como se precisasse fazer essa afirmação ao
outro para, de fato, ser.
Afinal de contas, a essência da identidade - a resposta à pergunta “Quem sou eu?” e, mais
importante ainda, a permanente credibilidade da resposta que lhe possa ser dada, qualquer
que seja - não pode ser constituída senão por referência aos vínculos que conectam o eu
a outras pessoas e ao pressuposto de que tais vínculos são fidedignos e gozam de estabilidade com o passar do tempo. Precisamos de relacionamentos, e de relacionamentos em
que possamos servir para alguma coisa, relacionamentos aos quais possamos referir-nos
no intuito de definirmos a nós mesmos (BAUMAN, 2005, p. 74).
Desta maneira, a identidade não pode ser entendida como algo que emerge
naturalmente do indivíduo, mas sim como um processo contínuo, de formação ao longo
do tempo. Portanto, recomenda Hall que “em vez de falar da identidade como uma coisa
acabada, deveríamos falar de identificação, e vê-la como um processo em andamento”
(2014b, p. 24), que, por operar por meio da différance, “envolve um trabalho discursivo,
o fechamento e a marcação de fronteiras simbólicas” (2014a, p. 106).
IDENTIFICAÇÃO: UM PROCESSO EM CONSTRUÇÃO
No contexto organizacional, a demanda pela formalização e “funcionalização” da
comunicação, por meio da gestão dos relacionamentos e dos processos midiáticos, fez
surgir uma nova categoria de profissionais de comunicação corporativa, que assumiram
a tarefa de liderar a área de Comunicação para a consecução dos seus objetivos. Dentro
das organizações, estes profissionais, como tantos outros, estão sujeitos à dinâmica
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4909
Identidade e os profissionais de comunicação: aproximações teóricas entre o processo de identificação e a comunicação nas organizações
Bruno Carramenha
contemporânea que o trabalho assume na sociedade, e, igualmente, ao processo de
identificação, advindo das interpelações que acontecem dentro e fora do ambiente
organizacional, e que gera a fragmentação identitária.
O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não
são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias,
empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo
continuamente deslocadas (HALL, 2014b, p. 12).
O processo de identificação do indivíduo se dá, muitas vezes, com grupos sociais que
se faz - ou quer fazer - parte, a procura de um “nós” a que possa pedir acesso (BAUMAN,
2005). Assim,Woodward (2014) defende que o sujeito atenderá sempre às diferentes
expectativas e restrições envolvidas nos campos sociais nos quais atua, especialmente
em face à complexidade da vida moderna, que exige dele assumir diferentes identidades.
Os indivíduos vivem no interior de um grande número de diferentes instituições, que constituem aquilo que Pierre Bourdieu chama de ‘campos sociais’, tais como famílias, os grupos
de colegas, as instituições educacionais, os grupos de trabalho ou partidos políticos. Nós
participamos dessas instituições ou ‘campos sociais’, exercendo graus variados de escolha
e autonomia, mas cada um deles tem um contexto material e, na verdade, um espaço e um
lugar, bem como um conjunto de recursos simbólicos (WOODWARD, 2014, p. 30).
No contexto social contemporâneo, em que o trabalho assume cada vez mais importância na vida dos indivíduos, a representação de “trabalhador” ganha lugar de destaque
entre os papéis assumidos pelo sujeito (JAQUES, 1996), uma vez que as organizações
assumem posição relevante entre os grupos com os quais se quer identificar. Apesar da
realidade descrita por Bauman (2005), cuja tendência é de formação de grupos que são “frágeis ‘totalidades virtuais’, em que é fácil entrar e ser abandonado” (BAUMAN, 2005, p.31),
as organizações tendem a oferecer mais segurança e estabilidade nesse sentido, e passam,
portanto, a se apresentar como “produtoras de identidades sociais” (FREITAS, 2006, p.58).
Hoje, frente ao esfalecimento do Estado [...], qual o discurso de relevância que resta ao sujeito?
Diante da anemia coletiva proveniente de toda esta perturbação dos processos anteriormente
possíveis de identificação, fica fácil para que o discurso das grandes corporações construa
um novo imaginário coletivo. Seu pleno potencial identitário mostra-se capaz uma vez que
as corporações produzem um sentido para existência do sujeito - além de conseguir tangibilizar tal narrativa em seus produtos ou serviços, de forma palpável. Hoje, é com grande
facilidade que nota-se o valor do ‘sobrenome corporativo’ (CAPPELLANO, 2014, p. 41).
Assim, é comum que, quando interpelado pela questão “Quem é você?”, o sujeito
responda seu nome seguido da empresa em que trabalha. Como afirma Freitas (2006),
as significações imaginárias sociais tornam central a função da identidade, do reconhecimento e do pertencimento sociais. Essa função, antes preenchida pelo social, parece agora
deslocar-se para as organizações e empresas, onde a carreira ou o status profissional torna-se
a grande referência da identidade social que vai falar mais alto no psiquismo dos indivíduos
(FREITAS, 2006, p.59).
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Identidade e os profissionais de comunicação: aproximações teóricas entre o processo de identificação e a comunicação nas organizações
Bruno Carramenha
Adicionalmente, Silva (2014) afirma que é a criação linguística que define, ativamente,
no contexto das relações culturais e sociais, a identidade. Referenciando Ferdinand
de Saussure, Silva defende que a língua é um sistema de diferenças. É por meio da
linguagem que o indivíduo é colocado em uma cadeia infinita de conceitos que o permite
identificar que uma palavra se refere a seu significado e, portanto, nega todos os outros
possíveis (SILVA, 2014). Ainda assim, o significado daquilo que se produz na linguagem
é instável e pode gerar interpretações diferentes da desejada, apesar do esforço natural
de se fazer entender perfeitamente sempre que se fala.
A língua precede o sujeito, portanto, a ordem natural é de que este se adapte àquela. É
submetido às regras da língua e dos sistemas culturais que se pode produzir significados,
que surgem “nas relações de similaridade e diferença que as palavras têm com as outras
no interior do código da língua” (HALL, 2014b, p. 25). Neste sentido, sendo a língua um
sistema social e não individual, o processo de identificação é uma relação social e está
submetido às relações de poder4 (SILVA, 2014).
As posições que os sujeitos assumem nos processos de identificação não são, portanto, necessariamente individuais. Há recorrentes posições-de-sujeito que estão vinculadas
a grupos de maior ou menor envergadura, mas que estabelecem, igualmente, seus limites por meio da identidade e da diferença. “Nós somos ‘nós’ porque não somos ‘eles’”.
Neste caso, coletivo, evidenciam-se claramente as relações de poder, pois, presume-se
uma classificação entre quem faz e quem não faz parte.
Surgem, por conseguinte, práticas coletivas que estabelecem um sistema de significações para ações e linguagens próprias, que passam a identificar e definir características
de reconhecimento a estes grupos e os indivíduos que deles fazem parte. Neste sentido,
Freitas (2006) afirma que a identidade, por não ser fixa, depende do seu ponto de definição, podendo estar relacionada ao indivíduo, a um grupo ou à sociedade em geral.
Um sujeito tem diversas identidades, e o conjunto delas lhe permite experimentar um
sentimento de identidade, visto que não existe identidade sem esse sentimento interno.
Este é composto dos sentidos de unidade, de singularidade, de coerência, de filiação ou
pertencimento, de valor, de autonomia e confiança, organizados em torno de uma vontade
de existência (FREITAS, 2006, p. 40).
É reconhecendo-se nesses grupos que o indivíduo se insere num sistema cultural,
que garantirá o compartilhamento de significados às representações próprias daquele
ambiente. “Todo grupo acaba desenvolvendo seu próprio ‘código’, pelo qual tudo pode
ser compreendido por meias palavras ou mesmo pelo silêncio” (FREITAS, 2006, p. 31).
O PROCESSO DE IDENTIFICAÇÃO DO PROFISSIONAL DE COMUNICAÇÃO
Sendo o processo de identificação contínuo e inerente ao indivíduo ao longo de sua
vida, independentemente da posição que esteja ocupando, não importa a posição-de-sujeito, nunca haverá uma em que se deseje (ou possa) fixar. Em se tratando da identificação com as organizações, a fragmentação da identidade se fortalece nos programas de
4. Segundo Silva, as marcas da presença do poder são “incluir/excluir (‘estes pertencem, aqueles não’);
demarcar fronteiras (‘nós’ e ‘eles’); classificar (‘bons e maus’; ‘puros e impuros’; ‘desenvolvidos e primitivos’;
‘racionais e irracionais’); normalizar (‘nós somos normais; eles são anormais’)” (2014, p.81-82).
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Identidade e os profissionais de comunicação: aproximações teóricas entre o processo de identificação e a comunicação nas organizações
Bruno Carramenha
“flexibilidade” de trabalho recentemente adotados pelas empresas, tendência que vem
aumentando a quantidade de contratos de emprego de curto prazo5. Adicionalmente,
segundo Bauman, “um jovem americano com nível médio de educação espera mudar
de emprego 11 vezes durante sua vida de trabalho” (2001, p.185), o que evidencia a temporalidade da identidade que a corporação lhe confere.
Ao atuar em um cargo cujas responsabilidades e atribuições não são extremamente
claras nem aos executivos do mais alto escalão das organizações (FERRARI, 2009), o
profissional de comunicação tem acentuado seu processo de identificação, ao precisar
se apegar às diferentes interpelações que lhe são postas acerca do trabalho que realiza.
Ou seja, adicionalmente ao processo contínuo e natural de identificação do sujeito
contemporâneo, o profissional de comunicação corporativa padece também da confusão
de seus interlocutores - e, por vezes, sua também - a respeito do trabalho que desempenha.
A comunicação foi e ainda é confundida pela alta direção na medida em que muitos executivos não a veem como um processo contínuo e permanente de construção de sentidos e
significados que se traduzem em percepções e opiniões da sociedade para as organizações.
As entrevistas por nós realizadas com os CEOs de empresas mostram que a visão deles está
centrada na comunicação vista como ‘instrumento’ e como ‘meio’ tangível para conseguirem
benefícios concretos para seus negócios (FERRARI, 2009, p.155).
Segundo a autora, a história da comunicação ajuda a explicar a realidade vivida
pelo profissional nas organizações. “Uma das razões dessa situação parece ter origem
no consenso entre os primeiros pesquisadores de que o campo da comunicação teria
uma estreita vinculação com os meios massivos de informação” (FERRARI, 2009, p.155).
Concorda com a afirmação Mansi ao dizer que
A comunicação com empregados é um espaço relativamente recente dentro do campo da
comunicação organizacional que, por sua vez, também não carrega muitas décadas de
existência. Ambas têm sua origem na prática. Talvez resida aí uma característica muito
marcante da função: seu aspecto instrumental (MANSI, 2014, p.10).
Fernandes atribui tal característica à relação (ou à falta dela) entre academia e
mercado.
A universidade brasileira fundamenta relações públicas na vertente humanista administrativa; em contrapartida, o mercado segue a escola norte-americana e caminha no mesmo
sentido de direção. [...] A universidade comete o pecado capital de buscar incessantemente
sua integração com o mercado, que não dá a menor importância aos fundamentos teóricos
ministrados por ela. Apesar de todos os esforços, não existe nenhuma ponte entre o ensino e a prática de relações públicas, pois os próprios alunos se curvam ao imperialismo do
mercado, abandonando os princípios e fundamentos aprendidos na universidade. E, por
razões inexplicáveis, ao deixarem a universidade, recomeçam o aprendizado submetendo
se às regras e práticas impostas por ele (FERNANDES, 2011, p. 46-47).
5. Para Bauman (2001), o termo ‘flexibilidade’ “quando aplicado ao mercado de trabalho augura um fim
do ‘emprego como conhecemos’, anunciando em seu lugar o advento do trabalho por contratos de curto
prazo, ou sem contratos, posições sem cobertura previdenciária, mas com cláusulas ‘até nova ordem’”
(BAUMAN, 2001, p.185).
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Identidade e os profissionais de comunicação: aproximações teóricas entre o processo de identificação e a comunicação nas organizações
Bruno Carramenha
Não havendo clareza no mercado sobre a atividade principal a qual o profissional
de comunicação deve responder, a categoria como um todo se fragmenta e, portanto,
enfraquece. A pesquisa da Aberje (2012) mostra que vem diminuindo a quantidade de
empregados que trabalham em comunicação interna nas organizações pesquisadas.
A reflexão proposta por Fernandes (2011) dá pistas sobre os motivos deste enfraquecimento da prática da comunicação que se observa nas organizações. A profissão
de relações públicas se estabeleceu no fim da década de 60 para dar conta da demanda
de comunicação corporativa que o mercado vinha apresentando há pelo menos 20 anos.
Neste período sem um profissional de formação específica e sem regulamentação da atividade profissional, jornalistas, publicitários e outros profissionais assumiram este posto
nas organizações. Praticamente desde sua formalização, as relações públicas, enquanto
categoria profissional, passaram reivindicando um espaço exclusivo no gerenciamento
da comunicação das organizações, sem - aparentemente - reconhecer que a demanda
empresarial não está vinculada à formação acadêmica.
Dividida, a categoria dos profissionais de relações públicas experiencia, há anos,
uma polarização sobre a regulamentação da profissão. Há, entre esses profissionais,
aqueles que defendem uma maior fiscalização nas organizações para garantir uma
reserva de mercado - no desenvolvimento da comunicação corporativa – a quem se
formar nos cursos de graduação em relações públicas. Do outro lado, há um grupo de
profissionais que argumenta que esta regulamentação, por não refletir a realidade do
mercado de trabalho, deveria ser flexibilizada, para valorizar, desta maneira, a atuação
efetiva das relações públicas, enquanto disciplina organizacional, para além da formação universitária.
Neste embate entre proposição acadêmica e práxis, a atividade de comunicação
organizacional tem dificuldade de se sedimentar, ainda mais na realidade contemporânea
fragmentada. É, então, em muitos casos, relegada a uma categoria profissional que Robert
Reich (apud BAUMAN, 2001) chama de “trabalhadores de rotina”.
Hoje em dia tendem a ser as partes mais dispensáveis, disponíveis e trocáveis do sistema
econômico. Em seus requisitos de emprego não constam nem habilidades particulares,
nem a arte da interação social com clientes - e assim são as mais fáceis de substituir; têm
poucas qualidades especiais que poderiam inspirar seus empregadores a desejar mantê-los
a todo custo; controlam, se tanto, apenas parte residual e negligencial do poder de barganha
(BAUMAN, 2001, p.191).
Paradoxalmente, este profissional, com acentuada dificuldade no processo de identificação e frequente designação meramente técnica e operativa, comumente se responsabiliza
pela construção do discurso organizacional. A ele é designada a responsabilidade de
produzir ou decodificar os interesses corporativos e encontrar formas assertivas de transmiti-lo adequada e coerentemente aos empregados da organização a qual está vinculado.
O trabalho do profissional que responde pela área de comunicação, portanto, abrange
a tarefa de auxiliar o processo de identificação dos demais empregados da organização,
uma vez que o discurso adotado nos processos midiáticos organizacionais faz o papel
do Outro, em nome da empresa, na construção da identidade de todos aqueles que
trabalham para uma organização.
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Identidade e os profissionais de comunicação: aproximações teóricas entre o processo de identificação e a comunicação nas organizações
Bruno Carramenha
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sociedade está se transformando em uma velocidade nunca antes vista. Não há na
história período de mudança nas relações sociais tão significativas que tenha acontecido
em tão pouco tempo quanto na sociedade contemporânea. Indivíduos inseridos em uma
sociedade em transformação são afetados por essas mudanças, ao mesmo tempo em
que são responsáveis por elas. Buscam incessantemente se reconhecer em diferentes
representações, que os posicionem em consonância com grupos aos quais fazem (ou
querem fazer) parte.
Com o presente artigo buscou-se investigar como os profissionais de comunicação nas
empresas se submetem aos processos de identificação e em quais instâncias a confusão
de sua atuação na práxis profissional pode afetar seu processo de reconhecimento e
identificação em determinados sistemas sociais.
É no realizar da sua atividade que o profissional está construindo sua identidade
- e a da categoria como um todo. As posições a que se apega durante sua atuação terão
contribuição direta para aquelas que surgirão em seguida, seja na organização em que
atua ou nas próximas que potencialmente atuará.
As referências bibliográficas e estudos realizados pelos autores aqui citados
contribuíram para esta reflexão que perpassa pelo próprio reconhecimento da atividade
de comunicação corporativa e da categoria de relações públicas pelo mercado. A confusão
aqui mencionada, evidenciada pelas pesquisas de Ferrari (2009), é apenas um reflexo de
um processo histórico da atividade.
Com este artigo, abre-se, ainda, a possibilidade de outra reflexão a respeito do
discurso organizacional que está sendo transmitido aos empregados. Teria o profissional
de comunicação - ou o processo de comunicação corporativa como um todo - parte
representativa de responsabilidade pela alta rotatividade de emprego observada na
contemporaneidade? A reflexão a este tema cria espaço para um novo artigo acadêmico
que passe pelas ideias paradoxais de, por um lado, as organizações terem assumido um
papel relevante, enquanto instituições sociais, nos processos de identificação do sujeito
contemporâneo e, por outro, a acentuada mobilidade de emprego de trabalhadores das
mais diversas áreas, eventualmente como uma forma de “evitar frustração iminente [...],
uma reação natural à ‘flexibilidade’ do mercado de trabalho” (BAUMAN, 2001, p. 191).
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Identidade e os profissionais de comunicação: aproximações teóricas entre o processo de identificação e a comunicação nas organizações
Bruno Carramenha
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Limites e possibilidades da liberdade de
expressão no mundo do trabalho
Limits and possibilities for freedom of
expression in the world of work
F e r n a n d o F e l í c i o P ach i F i l h o 1
Resumo: Este trabalho visa explorar a tensa relação entre sujeitos e organizações
empresariais no que se refere aos limites impostos à expressão individual.
Para tanto, propomos uma investigação cujo objetivo é analisar as fronteiras
discursivas entre liberdade de expressão, controle e censura e mapear as práticas
de interdição que instauram uma restrição simbólica em tais ambientes. Nesse
sentido, num primeiro momento, propomos identificar práticas organizacionais
de controle da expressão e do discurso dos trabalhadores de modo a compreender
como são desenhados os espaços de expressão individual e como os direitos
individuais, no caso a liberdade de expressão, são significados. Pretende-se assim
recuperar pelo delineamento do sistema de interdições a rede argumentativa que
dá sustentação à formação discursiva sobre a liberdade de expressão e a censura
no discurso das organizações. Num segundo momento, buscamos identificar
como a liberdade de expressão e as práticas de interdição são significadas pelos
sujeitos trabalhadores. Espera-se, portanto, avaliar como este direito individual,
consagrado constitucionalmente, é significado e vivenciado em ambientes de
restrição ou controle simbólico.
Palavras-Chave: Liberdade de expressão. Trabalho. Comunicação.
Abstract: This work aims to explore the tense relationship between individuals
and business organizations with regards to the limitations imposed on individual
expression. To this end, we propose a research aiming to examine the discursive
boundaries between freedom of expression and censorship, and the interdiction
practices mapping that establish a symbolic restriction in such places. In this
sense, at first, we propose to identify organizational practices controlling the
expression and speech of workers in order to understand how the spaces for
individual expression are designed and how individual rights, specifically
freedom of expression, are meant. The aim is to recover, via the design of the
interdiction system, the argumentative network that supports the discursive
formation on freedom of expression and censorship in organizational discourse.
Subsequently, we seek to identify how freedom of expression and interdiction
practices are meant by individual workers. Therefore, it is expected to evaluate
how this individual right, constitutionally consecrated, is experienced and meant
in restrictive and symbolic controlled environments.
Keywords: Freedom of expression. Work. Communication
1. Doutor em Linguística, Pós-doutorando ECA-USP, professor da Unip e da Faculdade de Tecnologia
Termomecania [email protected]
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Limites e possibilidades da liberdade de expressão no mundo do trabalho
Fernando Felício Pachi Filho
INTRODUÇÃO
AMADURECIMENTO DOS estudos sobre a liberdade de expressão e a censura no
O
Brasil demonstra a necessidade de alargar a reflexão para outros campos além
da relação do Estado com as artes e os meios de comunicação. Propõe-se neste
momento, portanto, avançar na discussão sobre as interdições postas na contemporaneidade num cenário em que a censura não integra mais o arcabouço constitucional
do País. De certo modo, isso significa que a prática da censura arraigou-se nas mais
diversas relações sociais ao longo da história e migrou para outras instâncias, tendo
aparentemente se naturalizado e se sofisticado. Guimarães e Lima (2013) afirmam que
a longa história colonial e a fundação de um Estado nacional autocrático, assentado
na escravidão, na cultura patriarcal e nos privilégios patrimonialistas, deixou como
herança ao longo de nossa formação a ´cultura do silêncio´ao invés da participação
ativa dos cidadãos em uma opinião pública democrática. Como afirma Carvalho
(2001, p. 219), permanece uma sensação ´desconfortável de incompletude´, ainda que
a democracia seja proclamada como um valor nos meios políticos e amplas esferas
da sociedade.
Ferin (2014, p. 12) explica que o cenário contemporâneo demonstra constragimentos
à democracia e ao exercício da liberdade de expressão. Há aumento das tentativas dos
governos controlarem a informação, resultado de sua crescente fragilidade perante o
poder econômico e financeiro; práticas de autocensura decorrentes do desemprego e
do aumento da insegurança no trabalho. Bobbio (1997) também alerta para o fato de
que numa sociedade tecnocrática o problema da liberdade não nasce no interior do sistema político, mas no sistema social em seu conjunto. Nesse sentido, as preocupações
dos pesquisadores se deslocam progressivamente para a observação de outros espaços
sociais e novas linhas de pesquisa se abrem para a compreensão da difusão e dispersão
das práticas de interdição em ambientes variados. Uma delas, à qual nos filiamos, é a
que visa investigar a censura no mundo do trabalho, tema de difícil apreensão dado o
silenciamento a que está submetido e a pouca visibilidade de casos que evidenciem a
prática da censura. A temática proposta também nasce das observações já realizadas
pelo Centro de Pesquisa Comunicação e Trabalho (CPCT) da Escola de Comunicações
e Artes, que direciona seus esforços para a compreensão das redes de sentido que se
formam e se transformam no mundo trabalho num cenário socioeconômico instável
e de mudanças aceleradas em suas condições de produção. Neste ponto, cabe observar, portanto, que ainda nos carecem mapeamento e definição das possibilidades de
liberdade de expressão e de práticas de censura no trabalho, devido ao debate ainda
incipiente entre os pesquisadores, que, ao observar a censura, centraram seus esforços
a partir do ponto de vista das relações com o Estado2. Neste trabalho, apresentamos
reflexões iniciais sobre a liberdade de expressão no mundo do trabalho em pesquisa de
pós-doutorado recentemente iniciada.
2. Neste contexto, destacam-se os estudos de Figaro (2014), sobre vigilância e controle à comunicação no
mundo do trabalho, e de Barry (2007), sobre liberdade de expressão no ambiente de trabalho, nos quais
nos apoiamos para esta reflexão inicial.
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Limites e possibilidades da liberdade de expressão no mundo do trabalho
Fernando Felício Pachi Filho
OS ESTUDOS SOBRE LIBERDADE
Toda a tradição dos estudos sobre liberdade deriva de perspectivas filosóficas
desenhadas ao longo da história desde a Antiguidade, indubitavelmente formadoras
do arcabouço conceitual da política ocidental, mas precariamente adaptadas para a
compreensão de situações como as de trabalho. Tais estudos (BOBBIO, 1997; LIMA,
2013) demonstram a existência de duas vertentes para a compreensão da liberdade: os
que enfatizam a liberdade negativa e aqueles que defendem a liberdade positiva. Dessa
forma, a liberdade negativa3, liberal ou dos modernos (CONSTANT, 1985) corresponde
à situação na qual os indíviduos podem agir sem serem impedidos, ou de não agir sem
serem obrigados por outros. Nesta tradição, definida a partir do século 17 na Inglaterra,
defende-se o indivíduo como pessoa que tem valor em si contra a intromissão de entes
coletivos, como o Estado e a Igreja .
A liberdade positiva4 ou republicana, por sua vez, corresponde à situação em que
os sujeitos têm a possibilidade de tomar decisões e agir conforme sua própria vontade,
sem ser determinado pelo querer de outros sujeitos, ou seja, a liberdade positiva pode ser
compreendida como autodeterminação ou autonomia. Ela se relaciona à vida ativa, ao
livre arbítrio, à participação na vida pública e ao autogoverno. Neste caso, a liberdade é
atribuída a uma vontade coletiva, ou seja, há uma autodeterminação do grupo social do
qual o indivíduo faz parte. Assim, nosso desafio é formar um referencial teórico adequado
para observação, análise e interpretação das manifestações de liberdade de expressão e
censura no ambiente de trabalho e constituir uma base empírica para a pesquisa.
UM SISTEMA DE RESTRIÇÕES
Foucault (2005, p.9) nos ensina que em ´toda sociedade a produção do discurso é
ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número
de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seus
acontecimentos aleatórios, esquivar sua pesada e temível materialidade´. Este mesmo
autor propõe ainda que a vida está sob intensa supervisão, sendo que a sociedade normalizadora é ´o ´efeito histórico de uma tecnologia de poder centrada na vida´ (FOUCAULT, 1997, p. 135). Deleuze (1992) centra suas análises também na questão do controle,
afirmando que o sujeito é continuamente modulado e investido. Para Orlandi (1992, p.
132), a censura busca impedir que haja elaboração histórica dos sentidos e movimento
no trabalho de identificação dos sujeitos. Conforme afirma Gomes (2014, p. 49), o intento
de controle caminha em linha fronteiriça com a censura: ´num piscar de olhos aquilo
que é norteamento se torna interdição´. Mas antes de apropriarmo-nos do termo censura e categorizá-lo como prática instituída ou difusa nas organizações, com o intuito
de silenciar ou apagar a expressão dos trabalhadores sem questionar sua abrangência
semântico-discursiva, acreditamos ser necessário observar o funcionamento de práticas
discursivas. O pensamento destes autores nos leva a um questionamento sobre os limites
que se estabelecem entre liberdade de expressão, controle e censura, como se houvesse
uma escala a ser observada e problematizada do ponto de vista social e discursivo na
3. A liberdade negativa é defendida por filósofos como Hobbes, Locke, Constant, Mill e Berlin (BOBBIO, 1997).
4. Filósofos como Rousseau, Kant e Hegel se associam à definição de liberdade positiva (BOBBIO, 1997).
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Limites e possibilidades da liberdade de expressão no mundo do trabalho
Fernando Felício Pachi Filho
tensa relação entre indivíduos e instituições e no conflito inerente à relação capital e
trabalho.
Falar de liberdade de expressão e censura no trabalho significa encontrar um
ponto de intersecção entre trabalho, economia, democracia e sociedade (BARRY, 2007).
Segundo este autor, as relações entre liberdade de expressão e trabalho ainda não foram
suficientemente exploradas, sendo que as poucas análises se restringem a limitar o foco
em fala no trabalho e fala sobre o trabalho. Por essa razão, ele propõe outras entradas para
a análise que incluam variáveis como expressão que ocorre dentro e fora do trabalho,
no horário e fora do horário de trabalho, na comunicação com colegas e com o público
externo, falas sobre a organização de tópicos variados, falas para um grupo restrito
de ouvintes ou para audiências mais amplas, com uso de veículos de comunicação e a
expressão regulada pelas organizações.
Num momento histórico em que a liberdade de expressão está consagrada em termos
jurídicos e que as possibilidades de expressão são redimensionadas pelas tecnologias
digitais devido à ampliação de espaços, como os limites são desenhados em relação a
este direito fundamental? Paralelamente, amplia-se o controle das organizações sobre
a expressão dos indivíduos e de suas ações. Como este direito individual é tratado e
vivenciado num ambiente de restrições progressivas? Como o direito de se expressar
e ser ouvido é assegurado? Questões como estas norteiam nossas preocupações. Nesta
pesquisa, porém, nos propomos num primeiro momento a um mapeamento sobre as
práticas de liberdade de expressão, controle e interdição existentes em organizações
empresariais. Figaro (2014) explica que o controle, a vigilância e a interdição da
comunicação no mundo do trabalho fazem parte das lógicas produtivas que têm como
objetivo disciplinar e impedir a criação de uma cultura própria do trabalho. Neste
aspecto, portanto, nos perguntamos: como se constrói o sistema de interdições que inibe
a expressão dos trabalhadores? Em que valores e formações discursivas ele se baseia?
O que é proibido e por quê? Que tópicos são autorizados e quais são controlados ou
proibidos? Temos em mente que ao falar de censura e liberdade de expressão o que está
em jogo é o uso da linguagem, seja ela verbal ou não.
Nesse sentido, a análise das práticas organizacionais de controle da expressão
e do discurso dos trabalhadores nos permite compreender como são desenhados os
espaços de expressão individual e como os direitos individuais, no caso a liberdade de
expressão, são significados. Pretende-se assim recuperar pelo mapeamento do sistema
de interdições a rede argumentativa que dá sustentação à formação discursiva sobre
a liberdade de expressão e a censura, permitindo uma tomada de posição5 de defesa
dessas práticas por parte das organizações. Além disso, será possível indentificar o
funcionamento destes dispositivos (FOUCAULT, 2006; AGAMBEN, 2009) na produção
de subjetividades.
5. ´ Tomada de posição´ refere-se ao que Pêcheux (2002, p. 57) demonstra ser um momento de interpretação,
passível de ser descrito regularmente em montagens discursivas, e correspondentes a efeitos de identificação
assumidos e não negados. Desse modo, estas tomadas de posição deslocam saberes, reconfiguram formações
discursivas (FD) e alteram posiçoes identitárias dos sujeitos, num rearranjo constante. O espaço de memória,
configurado nestas tomadas de posição, são atravessados por divisões heterogêneas, rupturas e contradições
(PÊCHEUX 2001, p. 317).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4920
Limites e possibilidades da liberdade de expressão no mundo do trabalho
Fernando Felício Pachi Filho
A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA
O contexto empresarial é marcado pela reestruturação produtiva em escala global
com predominância do toyotismo, das práticas de administração científica em busca de
maior produtividade, pelo aumento do uso de tecnologias de informação e comunicação,
num panorama que acirra a competitividade (SANTOS, 2000), acentuando o desemprego
estrutural e tecnológico e intensificando os processos de trabalho. Desenvolvem-se
ainda estratégias de gerenciamento que objetivam a mobilização permanente da força
de trabalho, a cooperação constrangida, a administração por metas, a qualidade total
(ANTUNES, 2002; 2005) e uma governança em prol de uma ´relação equilibrada e
transparente´ com stakeholders6 (FREEMAN;MCVEA, 2000; DONALDSON;PRESTON,
1995), pautada por compromissos e resultados.
Em linhas gerais, tem-se novas maneiras de organização do tempo, sobretudo o
tempo do trabalho (SENNETT, 2005). Busca-se ainda uma proteção e diferenciação de
marcas, cenário em que a comunicação é instrumentalizada para alinhamento dos
propósitos organizacionais e para a construção de estratégias que contribuam para
a reputação das empresas (TORQUATO, 2002; LUCAS, 2004), que em seu discurso
institucional tentam inibir a força de acontecimentos e produzir interpretações sobre
um eixo já sintetizado que constrói um mundo semanticamente normal (PÊCHEUX,
2002, p. 34) e que gera o efeito de um sentido único. Assim, a fala dos trabalhadores se
relaciona à proteção que as empresas exercem de suas marcas (BARRY, 2007).
Ao mesmo tempo, as organizações são afetadas por uma discursividade que busca
reinterpretar os conflitos derivados da lógica capitalista. A empresa flexível consagra
o trabalho em equipe, exige sensibilidade para com o outro, o diálogo e capacidade de
resolução de conflitos. Nesse sentido, destacam-se os discursos sobre qualidade de vida
no trabalho, sobre responsabilidade social empresarial, sobre sustentabilidade e ética
empresarial, que apagam as complexas interações sociais, despolitizando a questão social
(DUPAS,2003) e tornando o envolvimento comunitário de empresas valor de marketing.
IMPACTOS NO MUNDO DO TRABALHO
Para a classe que vive do trabalho, explica Antunes (2002; 2005), tais desdobramentos
limitam sua ação, precarizando suas condições de trabalho e aumentando a insegurança
quanto ao futuro do emprego. Assim, na visão de Antunes (2002), impõe-se uma lógica
desprovida de medida e de ´um quadro de orientação humana´ que inibe reivindiçações
emancipatórias. Adicione-se a isso o fato de que o tempo livre é manipulado, dedicado ao
consumo, em suas várias formas, e uma vida plena de sentido não pode ser vivenciada,
havendo ainda uma aparência de liberdade individual. As incertezas geradas pelo
contexto contemporâneo de flexibilização das formas de trabalho apagam o horizonte
de longo prazo, corroendo a confiança, a lealdade e o compromisso mútuo (SENNETT,
2005, p. 24), afetando ainda a vida emocional dos indivíduos fora do local de trabalho.
As mudanças em curso, portanto, impactam a subjetividade dos trabalhadores, sua
percepção social, seus valores e ideologia e, hipoteticamente, têm decorrências na sua
liberdade de expressão. Neste cenário, Barry (2009) argumenta que há um clima hostil
6. De acordo com Freeman (1984) o termo stakeholder é definido como “qualquer grupo ou indivíduo que
afeta ou é afetado pelo alcance dos objetivos da empresa”
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4921
Limites e possibilidades da liberdade de expressão no mundo do trabalho
Fernando Felício Pachi Filho
para a liberdade de expressão de empregados que temem as consequências de seus
atos de fala. Podemos observar que o panorama desenhado no discurso das Ciências
Sociais aponta para restrições progressivas da liberdade e em alterações da subjetividade do trabalhador como ser social, ainda que não haja uma exploração mais atenta dos
significados de liberdade de expressão e censura produzidos pelos sujeitos, segundo
aspecto de nossa pesquisa.
Ainda assim, é no trabalho e por meio do trabalho que os sujeitos elaboram um
sentido comum, uma experiência coletiva e uma compreensão comum da vida social e
constroem suas identidades sociais (ROSENFIELD, 2009), obtendo reconhecimento material e simbólico que contribuem para a realização pessoal (DUBAR, 2004). Mantêm-se
no trabalho laços sociais que fundamentam a sociedade civil. O trabalho é um espaço
constituinte da individualidade desse trabalhador e fundamento para que o indivíduo
se realize como ser social e para sua humanização (ANTUNES, 2002). Na atividade de
trabalho, os sujeitos constituem para si universos de pensamento e discurso estruturados
e transformados coletivamente. (SCHWARTZ, Y.; DURRIVE, L., 2010, p. 174).
Figaro (2014) explica que o mundo do trabalho é um espaço de sociabilidade, em
que pessoas de diferentes níveis e profissões se articulam para realizar um trabalho
comum que inclui regras, técnicas, processos, métodos, sendo a síntese das contradições e conflitos da sociedade. Na concepção desta autora, o mundo do trabalho se
alinha aos interesses públicos e à liberdade de expressão, que, neste caso, não pode ser
considerada propriedade de ninguém, apesar de as empresas impedirem a existência
de enunciadores autônomos.
Como ensina Bobbio (1997), ao abordar o tema dos problemas atuais da liberdade,
a não liberdade nasce continuamente no próprio seio da liberdade e a liberdade renasce
continuamente no próprio seio da não liberdade. Assim, à medida que aumentam as
formas de domínio, mais se fortalecem as defesas da liberdade. Nesse sentido, nos explica
Pêcheux (1997, p. 304) que ´não há dominação sem resistência: primado prático da luta
de classes, que significa que é preciso ´ousar se revoltar` e também que ´apreender até
seu limite máximo a interpelação ideológica como ritual supõe reconhecer que não há
ritual sem falhas; enfraquecimento e brechas, ‘uma palavra por outra’ é a definição de
metáfora, mas é também o ponto em que o ritual se estilhaça no lapso´ (1997, p. 300-301).
Ora, se o contexto atual compromete a margem de manobra e de negociação da classe
trabalhadora, alterando sua subjetividade, cabe o questionamento de como, submetido
a um fluxo de trabalho e informações intensos, o trabalhador constrói significados para
a liberdade de expressão ou negocia sentidos para ´escapar´ dos processos de controle
inerentes à administração contemporânea, instaurando uma resistência subjetiva ou
deslocando sua expressão para outros espaços sociais. Como este sujeito resiste em seu
cotidiano às diversas regras que limitam sua expressão? Que táticas (CERTEAU, 1994)7
utiliza para resistir às estratégias organizacionais e ressignificá-las? Ou ainda como se
constrói a adesão ao discurso e às práticas de interdição hegemônicas propostas pelas
organizações, por vezes, reafirmadas nas falas do sujeito?
7. No pensamento de Certeau, a estratégia se associa aos espaços do poder legitimado. A tática, por sua
vez, se refere ao modo de ação para aguentar ordens e regras, sendo a a arte dos ´fracos´ para resistir e
iludir o poder.
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Limites e possibilidades da liberdade de expressão no mundo do trabalho
Fernando Felício Pachi Filho
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O caráter exploratório desta pesquisa e sua inserção no amplo domínio dos estudos
da Comunicação nos impõe um duplo desafio. Primeiramente, por ser exploratória,
esta pesquisa necessita da formação de um referencial teórico disperso na Filosofia
Política e nas Ciências Sociais. Além disso, tendo sua centralidade nos estudos da
Comunicação, a pesquisa exige, por definição, uma reflexão sobre abordagens empíricas
e quadros teórico-metodológicos que nos permitam constituir um objeto de pesquisa
condizente com nossos objetivos de estudo, a saber: compreender os limites da liberdade
de expressão em ambientes de trabalho e como os sujeitos do trabalho significam este
valor e direito individual historicamente construído nas sociedades democráticas. Isso
porque a Ciência da Comunicação, como explica Ferrara (2010, p. 58), necessita de uma
teoria adequada à mobilidade do objeto e que crie um ´substrato científico confiável e
indispensável para alicerçar seu campo científico´.
Sabemos que os estudos exploratórios servem para preparar o campo para pesquisas
posteriores (DANHKE, 1989) e quando o objetivo é abordar um tema ou problema
pouco estudado e ideias vagamente relacionadas com o problema de estudo (SAMPIERI;
COLLADO; LUCIO, 2006). Nesse sentido, esta pesquisa já traz uma primeira abordagem
de como estamos tateando a questão da liberdade de expressão e da censura em
ambientes de trabalho, que só pode ser observada por meio de construções teóricas
sobre estes conceitos. Nossa proposta é a de observar esta questão tomando como base
a tensa relação existente entre indivíduos e organizações. De um lado, temos indivíduos,
interpelados continuamente por formações ideológicas e discursivas (PÊCHEUX, 1997;
ORLANDI, 2002), num embate com estruturas sociais que, por definição, o limitam, como
explica Elias (1994). De outro, organizações, pressionadas por estruturas de produção e de
racionalização do trabalho que perseguem a lógica da competitividade (SANTOS, 2000:
ANTUNES, 2002) ilimitada. Sofisticam-se assim os mecanismos de controle, expressos
no desenvolvimento das ciências administrativas, das tecnologias da informação e
comunicação e da própria comunicação organizacional. Paradoxalmente, o indivíduo
contemporâneo é interpelado pela ideologia dos direitos humanos, da liberdade, da
autonomia, da flexibilidade, marcas da condição pós-moderna (LIPOVETSKY, 2005).
Estas primeiras reflexões nos orientam na formação de uma base empírica para
a construção de nosso objeto de pesquisa e posterior análise e interpretação. Assim,
compactuamos com Orozco Gómez (2010) sobre a necessidade de constituição empírica
para a Ciência da Comunicação, de modo a contribuir para a elaboração de uma teoria
própria a partir de processos investigativos em cenários próprios.
Nesta pesquisa, entendemos, assim como Figaro (2008), o trabalho como espaço de
mediações, no qual há reelaborações dos significados pelos sujeitos em seu meio cultural.
Nesta perspectiva, consideramos que os significados para a liberdade de expressão e
censura são elaborados pelos sujeitos no confronto com as situações reais de trabalho.
Para mapear significados e práticas, adotaremos enfoques quantitativo e qualitativo,
conforme desenho metodológico proposto por Figaro (2013), adapatado à complexidade
e à interdisciplinaridade necessária nos objetos de estudo no campo da Comunicação.
Os enfoques são complementares e exercem funções específicas para a abordagem do
fenômeno (SAMPIERI; COLLADO; LUCIO, 2006).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Limites e possibilidades da liberdade de expressão no mundo do trabalho
Fernando Felício Pachi Filho
Para esta pesquisa, constituiremos amostras com dados obtidos de empresas
reconhecidas por serem ´bons lugares para se trabalhar´, que tenham gestão de
comunicação e alinhamento a práticas de responsabilidade social empresarial. Os dados
também serão obtidos em depoimentos de trabalhadores destas empresas. Optamos
por este perfil de empresas por aderirem a um discurso empresarial contemporâneo
que enfoca a cidadania, a ética e a transparência, termos que podem ser devidamente
problematizados numa análise discursiva, e por supostamente serem mais permeáveis
a diversas significações sobre liberdade de expressão e censura, dada a diversidade de
seu público interno.
Nesse sentido, a pesquisa será realizada em duas fases, que se integram para análises
posteriores. Num primeiro momento, os esforços serão dedicados à fase quantitativa,
direcionada a organizações e trabalhadores. Serão elaborados questionários fechados
de múltipla escolha. Nesta fase, o objetivo é identificar as práticas administrativas e de
controle adotados pelas empresas no que se refere à expressão dos trabalhadores. Um
mesmo questionário fechado será aplicado a uma amostra de trabalhadores das empresas
selecionadas. No segundo momento, que corresponde à fase qualitativa, adotaremos
grupo focal, técnica da entrevista em profundidade e a análise de discurso na vertente
francesa como método para interpretação. Em ambas as fases, procuraremos explorar
as categorias propostas por Barry (2007) sobre liberdade de expressão no ambiente de
trabalho, que engloba as liberdades de crença, fala, de divulgação e de associação.
A segunda fase da pesquisa, que corresponde ao enfoque qualitativo, se orientará
pelos princípios teórico-metodológicos da Análise do Discurso de linha francesa. Para
procedermos a tal análise, formaremos um corpus de arquivo (COURTINE, 1981) a
partir de peças de comunicação das empresas pesquisadas e de reportagens sobre a
empresa veiculadas em mídias sobre a empresa, de modo a compreender como os
trabalhadores e o trabalho são significados e como se forma o ethos8 destas organizações
e seu discurso institucional. A pesquisa em meios de comunicação permite conhecer
diferentes discursos, como explica Costa (2013). A partir da análise discursiva desses
materiais, entendemos ser possível distinguir o discurso das empresas do discurso
sobre as empresas (MARIANI, 1998), bem como as diferentes discursividades que se
formam sobre estas organizações.
Paralelamente, formaremos um corpus experimental (KRIEG-PLANQUE, 2003, p.
20) com entrevistas em profundidade feitas com locutores selecionados nas empresas
pesquisadas e através de grupo focal, com a participação de gestores de comunicação
das empresas selecionadas, profissionais conhecedores dos processos comunicacionais
presentes na organização e que estão na confluência dos discursos sobre a organização e
da organização, além de integrarem a classe que vive do trabalho. O uso de entrevistas
se justifica porque se pretende compreender como os sujeitos trabalhadores significam
a liberdade de expressão e a censura em relação ao discurso e as práticas institucionais
de trabalho a que estão submetidos. Além disso, esta técnica se adapta a trabalhos de
perfil exploratório como o que propomos (DUARTE, 2011, p. 64).
8. O ethos corresponde à imagem de si que o enunciador constrói em seu discurso para produzir efeitos
no seu auditório. Segundo Maingueneau (1997, p. 45), esses efeitos são impostos pela formação discursiva
ao sujeito que ocupa um lugar de enunciação.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Limites e possibilidades da liberdade de expressão no mundo do trabalho
Fernando Felício Pachi Filho
Como método qualitativo, o grupo focal (COSTA, 2011) permite mapear mapear
aspectos valorativos e de referência de um grupo, podendo complementar dados obtidos por meio de outros instrumentos qualitativos. A intenção é, portanto, compreender
aspectos de um tema em questão por meio de um roteiro de entrevistas. Para a nossa
pesquisa, serão convidados profissionais de comunicação das empresas que participaram
da fase quantitativa. A escolha por estes profissionais se deve ao fato de eles estarem
familiarizados com o discurso institucional e com as questões que afetam o processo
comunicacional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como expusemos acima, esta pesquisa visa formar uma base empírica para
análise da liberdade de expressão em ambientes organizacionais, levando-se em conta
a constituição dos sujeitos nas instituições e como eles significam a própria liberdade. A
nosso ver, tal procedimento é necessário. Em países como o Brasil em que a prática da
censura e as consequentes restrições à liberdade de expressão se naturalizaram desde o
período colonial e atravessaram o Império e a República (CARNEIRO, 2002), período no
qual as interrupções na ordem democrática se tornaram constantes, a reflexão se justifica
pela permanência de tais práticas mesmo num momento em que a censura não faz mais
parte do arcabouço constitucional brasileiro. Esta pesquisa, portanto, contribui para
uma reflexão mais ampla sobre cidadania, liberdades e a democratização da sociedade,
tendo como pano de fundo seus limites culturais. A liberdade de expressão no mundo
do trabalho carece ainda de uma reflexão mais acurada, dada a ausência de parâmetros
para sua análise e da adaptação precária dos conceitos advindos da Filosofia Política.
A consolidação dos direitos humanos, entre eles a liberdade de expressão, nas sociedades ocidentais associada às mudanças aceleradas por que passam as organizações e
o mundo do trabaho devido à revolução das tecnologias de comunicação e informação,
abrem margem para a observação de um tensionamento entre os direitos individuais
e a possibilidade de ampliar o controle, a vigilância e o endurecimento de regras para
a expressão individual. Este tensionamento, na nossa visão, se efetiva no discurso das
organizações que buscam se aproximar dos padrões de civilização determinados pelos
direitos humanos e a necessidade de estabelecer normas de conduta para a proteção de
marcas, segredos e práticas de competição por vezes contraditórias em relação a estes
parâmetros. Estabelece-se, portanto, um sistema de restrições do qual ainda não temos
conhecimento definido. Paralelamente, no discurso dos sujeitos, imersos numa cultura
nacional e organizacional, que os interpela , poderemos observar como os significados
para a liberdade de expressão e a censura se constituem em ambientes que aprimoram
mecanismos de controle. Por essa razão, acreditamos ser necessário realizar pesquisas
para observar as margens de sentido para a liberdade de expressão e a censura com objetivo de compreender melhor as formações ideológicas e discursivas que as determinam.
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4927
Estratégias para a comunicação em C&T:
das políticas públicas ao desenvolvimento de ações de
comunicação organizacional em uma unidade de pesquisa
Strategies for communication in S&T: from public policy to
organizational communication actions in a research unit
G i u l i a n a C ap i s t r a n o C u n ha M e n d e s
de
Andrade1
Resumo: Neste trabalho abordam-se as estratégias utilizadas em uma unidade
de pesquisa para o favorecimento da comunicação em Ciência e Tecnologia
(C&T). Objetivou-se investigar e compreender os fenômenos comunicacionais
da instituição relativos à ciência e à divulgação científica para o fortalecimento
de sua identidade, imagem e reputação. Consideraram-se, como ponto de
partida, as políticas públicas direcionadas à divulgação científica. As ações de
popularização da C&T executadas pelo LNA são analisadas a partir do proposto
em seu plano diretor, documento em que se descrevem as ações previstas
para 2011 a 2015. Empregou-se a metodologia da pesquisa-ação, iniciada pela
análise situacional das políticas que dão suporte às estratégias observadas na
unidade de pesquisa. Esse momento permitiu entender questões que envolvem
a identidade institucional. Os resultados englobam o relato de como acontece
a comunicação no LNA, dividida em duas frentes: a divulgação científica e a
assessoria de comunicação. As atividades foram classificadas como ações de
divulgação científica e ações internas e externas ligadas à assessoria. A principal
conclusão que este estudo proporcionou foi a percepção do envolvimento da
instituição no tocante às ações de comunicação organizacional e ao grande
desafio de estabelecer e incluir estratégias para a comunicação em C&T em seu
plano diretor.
Palavras-Chave: Comunicação organizacional. Políticas e Estratégias. Ciência
e Tecnologia.
Abstract: Present work analyzes the strategies used in a research unit for favoring
communication in science and technology (S&T). The aim was to investigate
and understand the communication phenomena of the institution relating to
science and science communication to strengthen their identity, image and
reputation. Were considered as a starting point, public policies aimed at scientific
dissemination. The popularization actions of S&T performed by the LNA are
analyzed from the proposed in its master plan, a document which describe the
actions planned for 2011-2015. We applied the methodology of action research,
initiated by situational analysis of policies that support the strategies observed
1. Doutoranda em Comunicação Social na Universidade Metodista de São Paulo e Assessora de Comunicação
no Laboratório Nacional de Astrofísica, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
(LNA/MCTI). E-mail:[email protected]
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4928
Estratégias para a comunicação em C&T: das políticas públicas ao desenvolvimento de ações de comunicação organizacional em uma unidade de pesquisa
Giuliana Capistrano Cunha Mendes de Andrade
in the research unit. This allowed to understand issues involving institutional
identity. The results include the story of how communication happens in LNA,
divided into two areas: science communication and the press office. The activities
were classified as science communication actions and internal and external
actions related to press office. The main conclusion of this study provided was
the perception of the institution’s involvement with regard to organizational
communication actions and the challenge of establishing and include strategies
for communication in S & T in its master plan.
Keywords: Organizational communication. Policies and Strategies. Science and
Technology.
INTRODUÇÃO
DIVULGAÇÃO DA ciência é produto da interface entre ciência e sociedade e é dever
A
dos órgãos públicos prestar contas à sociedade de todos os atos administrativos.
Além disso, o acesso às informações de C,T&I é fundamental para o exercício
pleno da cidadania e, consequentemente, para o estabelecimento de uma democracia
participativa.
O estudo, amparado em teorias da informação e da comunicação, foi desenvolvido
em uma unidade de pesquisa do MCTI, o Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA),
com o objetivo principal de analisar as ações de comunicação organizacional do instituto
para a divulgação do conhecimento científico e tecnológico.
Empregou-se a metodologia da pesquisa-ação, iniciada pela análise situacional das
políticas que dão suporte às estratégias observadas na unidade de pesquisa. As ações
de popularização da C,T&I executadas pelo LNA foram analisadas a partir do proposto
em seu plano diretor, documento em que se descrevem as ações previstas para 2011 a
2015 e das atividades desenvolvidas de acordo com a demanda e exigências dos vários
públicos de interesse do instituto.
O desenvolvimento do artigo está dividido em duas seções. Na primeira, apresenta-se a unidade de pesquisa em estudo e o papel da assessoria de comunicação do LNA,
ressaltando o entendimento sobre comunicação organizacional. Na segunda, faz-se a
análise das ações realizadas pelo LNA a partir do que foi estabelecido em seu plano
diretor e da demanda espontânea gerada pela necessidade social de compreender a
ciência. Finaliza-se com as conclusões alcançadas pelo estudo.
A UNIDADE DE PESQUISA EM ESTUDO: O
LABORATÓRIO NACIONAL DE ASTROFÍSICA
O Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), com sede em Itajubá, Minas Gerais,
pertence ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Criado no início da
década de 1980, para impulsionar os estudos científicos em astronomia, prioriza a pesquisa e o desenvolvimento em instrumentação. A instituição gerencia o maior telescópio
brasileiro em terra, instalado no Observatório do Pico dos Dias (OPD), em Brazópolis,
Minas Gerais. Gerencia também a participação do Brasil em dois consórcios internacionais: o Observatório Gemini e o Telescópio SOAR, instalados no Chile e no Havaí.
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Giuliana Capistrano Cunha Mendes de Andrade
A história do OPD entrelaça-se à história da astronomia brasileira. Foi ele o grande
propulsor do salto em qualidade que essa ciência experimentou após 1980. Em 1989, o
LNA foi efetivado como unidade de pesquisa do CNPq do então Ministério da Ciência
e Tecnologia (MCT), atualmente MCTI, e, em 1992, estabeleceu sede própria em Itajubá.
Em 2000, o LNA tornou-se oficialmente uma unidade de pesquisa do MCTI. Desde
então, o LNA seguiu sua vocação para a promoção da astronomia brasileira e, mais do
que administrar o OPD, tornou-se gerente da participação brasileira em observatórios
internacionais.
Em 1993, o Brasil tornou-se parceiro do Observatório Gemini, que compreende dois
telescópios idênticos, com espelhos de 8,1m de diâmetro, respectivamente localizados nos
Andes chilenos (Gemini Sul) e em Mauna Kea, Havaí (Gemini Norte). O LNA assumiu o
papel de escritório nacional do Gemini. A participação brasileira no consórcio aumentou
de 2,5% iniciais para 6% com a saída de alguns parceiros. O Brasil é o país com a maior
produção proporcional de artigos com dados do Gemini, o que evidencia a importância
do observatório para a comunidade científica.
Em 1999, o MCTI firmou acordo com os Estados Unidos para a construção e
operação de telescópio de última geração, com abertura de 4,1m, situado em Cerro
Pachón, a algumas centenas de metros do Gemini Sul - o Telescópio SOAR. Além de
ser responsável pela comissão que distribui o tempo de telescópio e de dar suporte
aos usuários, o LNA foi responsável por projetar e construir, em suas oficinas, dois
instrumentos para o telescópio. O LNA passou a desenvolver, portanto, sua mais nova
vocação: a instrumentação astronômica. Nas últimas décadas, ampliou sua capacidade
tecnológica ao conceber e construir instrumentos para os observatórios consorciados
e para observatórios de outros países. Hoje, o LNA é referência internacional em
instrumentação astronômica. Em 2008, o MCTI firmou acordo com o consórcio do
Canada-France-Hawaii Telescope (CFHT), um telescópio de 3,6m de diâmetro localizado
ao lado do Gemini Norte. O LNA é o responsável pelo gerenciamento do tempo brasileiro
também nesse telescópio.
A história do LNA, portanto, pode ser organizada em três frentes de ação: a primeira
envolve a criação, o desenvolvimento e a manutenção do OPD; a segunda tem início com a
entrada do Brasil nos consórcios para a construção de grandes telescópios internacionais;
a terceira, o desenvolvimento de instrumentos para pesquisa em astronomia, área que
concentra grande esforço da instituição e delineia sua visão de futuro.
Divulgar ciência é colocar ao alcance da população os conhecimentos científicos e
tecnológicos para que possam ser usados nas suas atividades cotidianas e nas tomadas
de decisão (BUENO, 2009). As formas de divulgação e popularização da ciência variam
de eventos científicos, como congressos, conferências, a publicações como livros, revistas,
jornais, a criação de museus, jardins botânicos, planetários, a produção de filmes, vídeos,
programas de rádio e TV, internet, centros de ciência, parques temáticos, incluindo
escolas, faculdades e universidades. O MCTI possui o Departamento de Popularização
e Difusão da Ciência e Tecnologia (DEPDI) cuja finalidade é “subsidiar a formulação e a
implementação de políticas, programas e a definição de estratégias para a popularização
e para a difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos, nas diversas instâncias
sociais e nas instituições de ensino” (MCTI, 2011).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Giuliana Capistrano Cunha Mendes de Andrade
Já, divulgar conteúdo é informar à sociedade sobre as atividades desenvolvidas pelo
Ministério, mediante divulgação das políticas públicas, programas, ações e projetos de
interesse público. Os atos são realizados mediante a produção de conteúdos em formato
de noticiários, documentários, entrevistas e reportagens para veiculação em televisão,
rádio, internet e outras plataformas digitais.
Embora relevante, a comunicação com seus públicos de interesse nunca esteve entre
as principais atividades desenvolvidas pela instituição. A comunicação do LNA com
seus públicos de interesse deu-se de formas variadas. A comunidade astronômica, que
faz uso dos telescópios gerenciados pela instituição para desenvolver suas pesquisas,
sempre foi o público prioritário. Conhecidos como “usuários”, os cientistas espalhados
por institutos de pesquisa e universidades do país atribuem ao LNA uma reputação
devido ao trabalho de excelência que executa. Bueno (2012, p.24) ensina que a reputação
é “uma representação mais consolidada, mais amadurecida, de uma organização.” O
público leigo, ainda que fascinado esteticamente pelo espaço e pela busca da origem
da vida, vê as atividades desenvolvidas no LNA com distância e obscuridade. O LNA,
não obstante a divulgação institucional e científica que realiza, ainda é desconhecido
desse público e da mídia especializada.
Destaca-se, como estratégia de comunicação organizacional o modo de lidar com
essa variação de público. Cardoso (2006, p.1132), ao citar Genelot (2001) afirma que é
evidente
a presença de processos e ações de comunicação que não devem ser entendidos como complementos da estratégia organizacional, mas como componentes essenciais na construção
de uma estratégia comum. Além disso, tais processos e ações são formadores da identidade
cultural de qualquer organização e, por fim, da projeção de sua imagem.
Kunsch (2007, p.44-45) diz que
muitos autores já escreveram sobre públicos em relações públicas. Numa visão contemporânea, temos que considerar as tipologias dos públicos dentro da dinâmica da história,
levando em conta as forças sociais do macro-ambiente e os comportamentos dos grupos de
interesses que podem vir a formar um novo público. Um público que praticamente nunca foi
pensado como prioritário ou que não tem nenhum vínculo com a organização, dependendo
dos acontecimentos, isto é, de como o comportamento institucional o afeta, pode vir a ser
um público estratégico.
O LNA apresenta duas frentes de comunicação social: a assessoria de comunicação
e a divulgação científica. A divulgação científica é responsável por disseminar o
conhecimento científico e tecnológico por meio de visitas às instalações do OPD e
do LNA, palestras, exposições, participações em feiras, realização de concursos de
astronomia para estudantes e coordenação da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia
em Itajubá. A equipe da divulgação científica é formada por uma pesquisadora, um
técnico e três estagiários, todos estudantes de Física e aspirantes a seguir a carreira em
Astronomia. A pesquisadora dá o suporte e treinamento científico para que os membros
do grupo possam receber as visitas escolares e do público em geral, esclarecer as dúvidas
e participar dos eventos e planejar as ações de disseminação de C,T&I.
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A assessoria de comunicação, por sua vez, tem como papel, grosso modo, trabalhar
a notícia gerada pela instituição. Esse trabalho subdivide-se em múltiplas atividades,
que envolvem desde o contato e divulgação das pesquisas do instituto para a mídia até
ações de comunicação integrada com os públicos de interesse, passando pela construção
da imagem junto à opinião pública. O trabalho de assessoria no LNA deve levar a
informação a dois níveis de público: o interno e o externo. O público externo subdivide-se
em três segmentos: a comunidade astronômica brasileira, conhecida como “usuários”, a
mídia e o público em geral. A assessoria é formada por uma única servidora.
Muitas atividades desenvolvidas pela assessoria de comunicação são impulsionadas
pelo interesse público e não estão previstas como metas do plano diretor. Essa demanda
espontânea revela o crescente envolvimento da sociedade com a ciência e a curiosidade
em relação aos atos administrativos para o suporte à pesquisa.
O PLANO DIRETOR E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DIRECIONADAS
À DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E AS AÇÕES DE POPULARIZAÇÃO
DA C&T EXECUTADAS PELO LNA
O plano diretor em vigência (LNA, 2010) foi elaborado para abranger ações a serem
desenvolvidas de 2011 a 2015. É constituído por eixos estratégicos, diretrizes de ação
e projetos estruturantes que definem e delineiam claramente a finalidade estratégica
de fortalecer a área de desenvolvimento tecnológico e aprimorar o gerenciamento da
infraestrutura existente para a astronomia observacional. Com a missão de “planejar,
desenvolver, prover, operar e coordenar os meios e a infraestrutura para fomentar, de
forma cooperada, a astronomia observacional brasileira” (LNA, 2010, p. 13), fica evidente
a identificação do LNA como instituto vocacionado para o desenvolvimento de pesquisa,
seja observacional ou na área da instrumentação.
A visão de futuro institucional permanece a mesma formulada no plano diretor
anterior, que abrange ações a serem desenvolvidas entre 2006 e 2010, que é
ser reconhecido nacional e internacionalmente como referência brasileira em desenvolvimento instrumental para a astronomia terrestre, e como contato principal em assuntos
de abrangência nacional na área de astronomia observacional, com o intuito de otimizar
as condições de pesquisa da comunidade científica e de socialização de conhecimento, e
desenvolver pesquisa científica e tecnológica de ponta (LNA, 2010, p.14)
Percebe-se que não há referência específica sobre a necessidade de divulgação da
ciência, mas pode ser incluída na menção ao “intuito de otimizar as condições de pesquisa da comunidade científica e de socialização de conhecimento”. A preocupação
ainda modesta de inserção social dos frutos das pesquisas desenvolvidas é perceptível
já na visão de futuro explicada no plano diretor de 2006-2010:
a visão do futuro formulada acima não visa a “glória maior” para o LNA, mas é o meio
para uma finalidade maior que deve beneficiar toda a comunidade astronômica, e, além
disso, deve, diretamente (através de divulgação pública) e indiretamente (p.ex. através de
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4932
Estratégias para a comunicação em C&T: das políticas públicas ao desenvolvimento de ações de comunicação organizacional em uma unidade de pesquisa
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benefícios provindos do desenvolvimento tecnológico), beneficiar a comunidade como um
todo, contribuindo, desta forma, para a socialização do conhecimento. (LNA, 2006, p.18)
Embora o plano diretor atual apresente eixos estratégicos, diretrizes de ação e projetos estruturantes, somente faz menção direta à divulgação científica no primeiro desses
tópicos. A instituição deve responder a três eixos estratégicos estabelecidos pelo MCTI
– os eixos I, II e V –, apresentados e detalhados no documento. O eixo estratégico V,
denominado “C,T & I para o Desenvolvimento Social” , tem uma única linha de ação:
“fortalecimento da área de divulgação pública da astronomia”. O programa que compõe
essa linha de ação é assim descrito:
Divulgação pública e popularização da astronomia, e alfabetização científica com atenção
especial à Inclusão Social, tanto regionalmente, por meio de produtos e serviços dirigidos à
população local, como nacionalmente, por meio de medidas junto a agentes multiplicadores
(LNA, 2010, p. 22).
As quatro metas do programa somadas a outras ações já anteriormente desenvolvidas no LNA com foco em divulgação da ciência são apresentadas na Tabela 1.
Com a tabela, pode-se notar que as ações de divulgação científica não ficam restritas
às metas estabelecidas no plano diretor. No entanto, todas essas ações, mesmo registradas e documentadas, não receberam até o momento nenhuma análise qualitativa mais
aprofundada de seu alcance. Pode-se citar, por exemplo, que os registros acerca das
visitas escolares ao OPD e ao Observatório no Telhado (OnT) abarcam sua natureza (se
escola pública – municipal, estadual, federal – ou privada), mas não se pode precisar a
penetração da divulgação científica em cada uma dessas instâncias bem como seu efeito
sobre a população da região. A ausência dessa análise é reflexo do fato de a divulgação
científica não ser prioridade institucional. Assim como o plano diretor prevê timidamente
ações de divulgação científica, ainda menos estabelece atividades mais específicas de
estudos e relatos dos resultados obtidos.
Por meio da pesquisa-ação desenvolvida percebe-se ainda que as ações de divulgação científica realizadas pelo LNA estão concentradas na difusão da ciência ligada à
Astronomia em geral, e não na pesquisa particularmente desenvolvida pela instituição.
Os astrônomos usuários e/ou os astrônomos que compõem o quadro de servidores da
instituição raramente promovem as pesquisas que desenvolvem utilizando a infraestrutura do LNA.
Observa-se, ainda, que os papeis de divulgação científica e assessoria comunicacional, embora distintos em sua concepção e em seu arranjo organizacional, mesclam-se
nas ações desenvolvidas.
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Estratégias para a comunicação em C&T: das políticas públicas ao desenvolvimento de ações de comunicação organizacional em uma unidade de pesquisa
Giuliana Capistrano Cunha Mendes de Andrade
Tabela 1. Metas e Ações do LNA para a divulgação da ciência
METAS
18: Operacionalizar, até
o final de 2011, o Observatório no Telhado e implementar, até o final de
2012, um programa para
seu uso na divulgação
pública.
O LNA já possui um sistema regular de visitas diurnas ao OPD, sem possibilidade de observação do céu. A construção de um observatório no telhado da
sede, com observação noturna, atende a uma solicitação antiga da sociedade.
O Observatório no Telhado foi criado e implementou-se um programa para seu
uso efetivo e para a divulgação da astronomia. A observação é aberta ao público em geral e sempre precedida de palestras.
19: Realizar, até o final de
2012, um minicurso para
jornalistas, com eventual
colaboração com outras
instituições nacionais,
com perspectiva de repetições periódicas.
A motivação da meta era aumentar a visibilidade da instituição junto à mídia
nacional. Os jornalistas, além de aprender noções básicas de astronomia, conheceriam a infraestrutura de laboratórios e oficinas do LNA e dos observatórios aos quais os astrônomos brasileiros têm acesso. O LNA passaria a ser
uma das fontes de notícias e contatos. A meta não foi realizada devido ao corte
orçamentário com despesas de diárias e passagens.
Descritas
na coluna
conforme
o plano
20: Realizar, até o final de
diretor
(LNA, 2010, 2012, um estudo sobre
o desenvolvimento do
p. 22-23)
LNA desde os primórdios
do OPD até o presente
momento e publicar um
livro sobre sua história
para o público geral.
O livro foi escrito em parceria com o Museu de Astronomia e Ciências Afins
(MAST). Já foi revisado, a empresa que vai publicar já foi contratada e está, portanto, em fase de editoração e publicação. Será feita uma cerimônia de divulgação do livro junto com a comemoração dos 30 anos do LNA, no primeiro
semestre de 2015.
21: Criar, até o final de
2015, em colaboração
com o MAST, o museu
virtual do OPD.
O objetivo é preservar a memória do desenvolvimento técnico por meio da
impressionante evolução das técnicas de observação e registro dos dados astronômicos, testemunhada durante a criação e o desenvolvimento do OPD. As
ações para a criação do museu virtual estão em andamento.
Visitas ao OPD
As visitas ao OPD, ação de divulgação científica mais antiga do LNA, são marcadas e acompanhadas por um estagiário treinado para orientar alunos e professores. Consistem em apresentar as instalações do OPD e o que envolve a pesquisa em astronomia. Geralmente a visita é precedida de palestra e finalizada
com a apreciação do campus, instalado a 1.864m de altitude.
Criado em 2005, o evento consiste em abrir os portões do OPD ao público, 1 vez
ao ano, das 14h às 22h, para que se possa conhecer o campus e realizar observações diurnas e noturnas, com filtros especiais para ver o Sol. A programação
inclui sessões de vídeos sobre astronomia e explicações sobre o que está sendo
observado. O evento tornou-se tradição na região e, nos últimos anos, chegou
Tarde e Noite de Portas
a receber em torno de 1.700 pessoas, o que obrigou o LNA a restringir o acesAbertas
so. Para isso, estabeleceu-se a entrada gratuita somente mediante convite, que
deve ser retirado em datas e horários específicos, informados pelo site da instituição. Em 2014, foram colocados 1.500 convites, em três lotes de 500 convites
cada. O primeiro lote esgotou-se em 40 minutos, o segundo em 20 minutos e o
terceiro em 12 minutos. O evento pode ser considerado uma tradição regional.
AÇÕES
O concurso teve a 1ª edição realizada em setembro/2013. Com a ajuda da
equipe que organiza a Olimpíada Brasileira de Astronomia (OBA), foi divulgado
no Brasil todo. Teve a participação de 267 estudantes e 92 professores de 72
cidades distribuídas em 18 estados. Os alunos deveriam escolher um objeto
astronômico e justificar a escolha. O prêmio para a melhor proposta apresentada seria a imagem do objeto astronômico escolhido, feita por astrônomos
profissionais com o Telescópio SOAR, uma viagem às instalações do SOAR no
Concurso de Astronomia Chile, acompanhado do professor- orientador e a visita de um astrônomo do
LNA à escola vencedora para entregar a imagem impressa e enquadrada e para
para Estudantes
proferir palestra.
A edição de 2014 foi dividida em duas categorias: Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Foram aceitas 409 propostas, submetidas por um total de 561 estudantes. Aos vencedores, será entregue a imagem impressa e enquadrada e a
escola vencedora receberá a visita de um astrônomo para proferir uma palestra. Os vencedores do Ensino Fundamental II irão visitar o Observatório do Pico
dos Dias e os alunos do Ensino Médio irão ao Chile para visitar o SOAR.
Exposições em parceria
com o Museu de Astronomia e Ciências Afins
(MAST), unidade de pesquisa do MCTI
O Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), em parceria com o LNA, Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI) e Prefeitura de Itajubá, traz para a cidade,
desde 2012, exposições itinerantes de seu acervo. A primeira foi a exposição
“Luiz Cruls, um cientista a serviço do Brasil”, em 2012, seguida, no mesmo ano,
da mostra “Passo a passo, salto a salto, voo a voo: o cientista Santos-Dumont”.
Em 2013 chegou a Itajubá a exposição “Leonardo da Vinci – Maravilhas Mecânicas”. Em 2014 foi a mostra “O eclipse e o presidente”, que conta a história da
vinda da comitiva presidencial ao Sul de Minas para ver o eclipse de 1912. As
exposições, abertas e gratuitas, são montadas na Biblioteca da UNIFEI, recebem a visita de escolas de Itajubá e região e do público interessado.
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4934
Estratégias para a comunicação em C&T: das políticas públicas ao desenvolvimento de ações de comunicação organizacional em uma unidade de pesquisa
Giuliana Capistrano Cunha Mendes de Andrade
CONCLUSÃO
Uma instituição, seja ela pública ou privada, deve considerar fortemente a informação
e comunicação em suas estratégias organizacionais. Os públicos com os quais a instituição
se relaciona, sejam eles internos ou externos, são de grande relevância para a construção
das estratégias comunicacionais e para a constituição de sua identidade e imagem. Como
se observou na unidade de pesquisa analisada, é preciso que os papéis da assessoria de
comunicação e da divulgação científica, estejam bem delineados para melhor desenvolver
as ações competentes a cada um. Ressalta-se a importância de aproveitar os registros
dos resultados das ações, atividade ainda de pouco destaque. A definição da atuação
de cada segmento favorece a comunicação mais eficiente com os públicos de interesse e
fortalece tanto a divulgação científica quanto à assessoria comunicacional, que passariam
a ter mais relevo nas ações descritas no plano diretor.
REFERÊNCIAS
Bueno, W. da C. (2012). Auditoria de imagem das organizações: teoria e prática. São Paulo: All
Print Editora: Mojoara.
Bueno, W. da C. (2009). Comunicação científica e divulgação científica: aproximações e rupturas
conceituais. Informação e informação, Londrina.
Cardoso, O. de O. (2006). Comunicação empresarial versus comunicação organizacional:
novos desafios teóricos. RAP. Rio de Janeiro 40(6):1123-44, nov./dez.
Genelot, D. (2001) Manager dans la complexité — reflexions à l’usage des dirigents. 3. ed.
Paris: Insep Consulting.
Kunsch, M. M. (2007) Comunicação organizacional na era digital: contextos, percursos e possibilidades. Signo pensam., Bogotá, n. 51, Dec. 2007 . Recuperado em 09
de março de 2015 de<http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid
=S0120-48232007000200005&lng=en&nrm=iso>.
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LNA. Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA). (2010). Plano diretor
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MCTI. Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e
Tecnologia – DEPDI. (2011). Brasília: Ministério da Ciência, Tecnologia
e Inovação (MCTI). Recuperado em 09 de março de 2015 de: <http://www.mct.gov.br/
index.php/content/view/12926.html>.
MCTI. Estratégia Nacional para Ciência, Tecnologia e Inovação – ENCTI. (2012) Brasília:
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
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4935
Exposição Universal de Milão 2015:
a cidade-empresa em busca de uma (nova) imagem
R i ca r d o F e r r e i r a F r e i t a s 1
F l áv i o L i n s 2
Maria Helena Carmo
dos
Santos3
Resumo: A Exposição Universal Milão 2015 como estratégia para promover a
imagem da marca-cidade e, por consequência, da Itália, tendo o megaevento
como propulsor desse processo em nível internacional.
Palavras-Chave: Exposição Universal. Milão 2015. Cidade.
Abstract: Expo Milano 2015 as a strategy to promote the brand image of the
city and, consequently, of Italy, and the megaevent as a promoter of this process
internationally speaking.
Keywords: Universal Exhibitions. Expo Milano 2015. City.
INTRODUÇÃO
UANDO FALAMOS da Itália, nosso imaginário nos conduz a um parque de
Q
esculturas, ruínas, vinhedos ou, ainda, à figura papal e da igreja católica.
Repleto de muitas belezas, o país tem símbolos poderosos, como a figura do
David de Michelangelo e o Coliseu, que produzem imagens-síntese nos remetendo
à antiguidade.
Por outro lado, a cidade de Milão permanece envolvida em um imaginário de
indústria e moda. Caracterizando-se por ser uma metrópole sintonizada com as tecnologias, torna-se ambiente perfeito para receber uma Exposição Universal. A confirmação
veio em 2008, quando o Bureau International d’Expositions (BIE) declarou a cidade sede
da Exposição Universal de 2015, com o tema “Nutrir o planeta. Energia para a vida”,
abordando a questão alimentar, a nutrição e o desenvolvimento sustentável. Com um
dos maiores PIB da União Europeia, Milão é também uma das cidades mais caras do
mundo e um dos centros mais influentes no continente em diversas áreas. A capital
1. Pós-doutor em comunicação pelo CEAQ/Sorbonne. Doutor em sociologia pela Universidade René
Descartes /Paris V. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro – UERJ. [email protected]
2. Doutorando em Comunicação pela UERJ, mestre em Comunicação pela UFJF, pós-graduação em
Globalização, Mídia e Cidadania pela UFJF, graduação em Jornalismo e em Direito, professor do curso de
especialização em TV, Cinema e Mídias Digitais na UFJF. Bolsista da Capes – Proc.: 4937/14-7 flavio.lins@
oi.com.br.
3. Doutoranda em Comunicação pela UERJ, mestre em comunicação e cultura pela ECO-UFRJ, graduação
em Relações Públicas pela UERJ e em Letras pela UFRJ. Coordenadora e professora do curso de Relações
Públicas das Faculdades Integradas Hélio Alonso. [email protected].
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4936
Exposição Universal de Milão 2015:a cidade-empresa em busca de uma (nova) imagem
Ricardo Ferreira Freitas • Flávio Lins • Maria Helena Carmo dos Santos
da região da Lombardia consolidava-se como o centro das atenções para políticos e
empresários. A crise que atingiu países da União Europeia nos últimos anos também impactou fortemente a Itália, que tenta se recuperar. Neste contexto, sediar uma
Exposição Universal surge como um bálsamo para dar novo ânimo à economia, gerar
empregos, recuperar áreas degradadas, atrair turistas e, principalmente, reconfigurar
a marca-país.
Sempre cercadas de “megapolêmicas”, produções como a Exposição Universal de
Milão 2015, com a participação de 142 países4, fascinam ao se apresentarem como possibilidade de mover as engrenagens da sociedade e surgirem como solução, ainda que
temporária, para problemas, como falta de segurança, desemprego, decadência do espaço
urbano e de imaginários que remetem mais aos flagelos do que aos encantos da cidade.
Por outro lado, sediar uma Expo é uma oportunidade para apresentar a cidade e sua
cultura para o mundo, bem como sua recuperação, embora, na verdade, criem-se espaços
adequados para que a lógica da globalização tome forma, tornando as cidades grandes
negócios multinacionais. Ou seja, as cidades são colocadas em exposição para serem
vendidas e consumidas depois de um processo de adaptação a padrões globais. A Expo
é uma vitrine mundial.
Embora este artigo seja escrito antes da inauguração da Expo Milão 2015, nos
propomos a observar as artimanhas deste negócio, que, energizado pelas plataformas
de mídia, desde já se propõe a seduzir o público e vender a cidade, mas cujas apropriações
escapam ao controle dos seus idealizadores, com desdobramentos imprevisíveis e
incontroláveis.
EXPOSIÇÕES UNIVERSAIS
Na segunda metade do século XIX França e Inglaterra já eram potências industriais.
Como o ritmo e o volume da produção não paravam de crescer, foram criadas as
Exposições Universais para conquistar novos mercados de escoamento destes produtos.
Walter Benjamin destaca que as exposições universais se converteram em “lugares de
peregrinação ao fetiche da mercadoria” (2006, p.57). O espetáculo pretendia apresentar
e encantar o público com as maravilhas de sua época e surpreender com possibilidades
que o futuro acenava. A arquitetura espetacular e, muitas vezes, efêmera criava uma
atmosfera mágica e dava ares de festa para estas celebrações do capitalismo.
As exposições universais que floresceram a partir da primeira expo Londres 1851,
além de celebrarem a indústria e os avanços tecnológicos, buscavam legitimar e justificar
o colonialismo europeu. Resultaram, inclusive, na realização de exposições unicamente
coloniais, onde os impérios mostravam exemplares de produtos, pessoas e do estilo de vida
da colônia. Demonstrava-se que “escravizar os negros e dominar o índio, arrebatando-lhes
a terra, não era apenas um direito, mas um dever dos brancos, civilizados e superiores,
de instaurarem uma ordem social mais “avançada’” (PESAVENTO, 1997, p.148). Com seu
enorme público, deram início a era dos espetáculos de massa.
4. Disponível em: <http://www.expo2015.org/milano>. Acesso em: 8 fev. 2015.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4937
Exposição Universal de Milão 2015:a cidade-empresa em busca de uma (nova) imagem
Ricardo Ferreira Freitas • Flávio Lins • Maria Helena Carmo dos Santos
Ano
País
Número de visitantes
Número de expositores
Superfície da Exposição
1851
Londres
6.039.195
13.937
8,4 hectares
1855
Paris
5.162.330
20.839
9,9 hectares
1862
Londres
6.211.103
28.653
9,5 hectares
1867
Paris
11.000.000
43.217
14,9 hectares
1873
Viena
7.254.687
25.760
16,2 hectares
1876
Filadélfia
10.165.000
60.000
30,3 hectares
1878
Paris
16.032.725
1889
Paris
32.250.297
1893
Chicago
27.329.000
81,0 hectares
1900
Paris
50.800.801
46,0 hectares
22,5 hectares
61.722
21,2 hectares
Fonte: Werner Plum (1979, p.61).
De acordo com texto publicado no jornal inglês World Finance (2012), além de seus
temas oficiais, as Exposições Universais refletem as descobertas atuais ou sentimentos da
época. Para o autor do texto, Jordan Bintcliffe, as exposições de 1851-1938 fizeram parte da
corrida para a industrialização e agiram como uma plataforma para divulgação de novas
invenções e descobertas. O período de 1939-1987 viu a era do “intercâmbio cultural” e
uma série de exposições que tentaram lidar com as questões do mundo. Com o avanço da
comunicação, as exposições mundiais gradualmente deixaram de exibir novas tecnologias,
sendo a Expo 1988 marco de uma nova era, presente até hoje: divulgar a marca-país,
segundo Bintcliffe, (2012).
Embora o texto ressalte que a divulgação da “marca-país” tenha se tornado uma
característica das exposições universais a partir da década de 1980, acreditamos que essa
proposta sempre esteve presente. O espírito que moveu as primeiras edições já atuava
para que as nações envolvidas, especialmente o país sede, obtivessem o reconhecimento
internacional de seu protagonismo em diversas áreas, o que levaria ao fortalecimento da
marca-país. E isto é branding.
EXPOSIÇÕES UNIVERSAIS NO SÉCULO XXI
A partir de 1996, o BIE (Bureau International des Expositions) decidiu que as Exposições
Universais só aconteceriam a cada cinco anos com a duração de seis meses, o que não
impede a realização de mostras em nível nacional e regional. Neste contexto, a cidade
alemã de Hannover sediou a última Exposição Universal do século XX e a primeira da
Alemanha. O que já dera sinais ao longo deste século confirmou-se no ano 2000 em
Hannover: o impacto destes eventos vem diminuindo, com média de público abaixo do
esperado, corredores vazios durante semanas até que o preço dos ingressos abaixasse e
o estacionamento fosse liberado gratuitamente (WANDSCHEER, 2010). Encerrada após
cinco meses, não se converteu em bom, fato confirmado dez anos:
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Do esplendor da Expo não restou quase nada. E também no papel o balanço não é nada
animador: ao final do evento, os governos federal e estadual dividiram o prejuízo de 1,2
bilhão de euros. Para o então secretário das Finanças do estado da Baixa-Saxônia, Heinrich
Aller, o resultado negativo era previsível. “Esperávamos 40 milhões de visitantes e tivemos apenas 18 milhões”, ressalta. Era impossível não terminar no vermelho, salienta, pois
a expectativa era de muitos visitantes, apesar dos altos preços. “Este foi um dos erros de
cálculo”, termina (WANDSCHEER, 2010).
Em 2005, é realizada a primeira exposição Internacional5 do século XXI em Aichi,
no Japão. Embora o público tenha superado as expectativas – esperava-se 15 milhões
e chegou-se a 22 milhões de visitantes, o impacto foi apenas regional, uma vez que
somente 5% dos visitantes eram estrangeiros (a estimativa era de 10%). Além disso, os
visitantes criticaram o caráter excessivamente lúdico da mostra e as barreiras do idioma
(POUPÉE, 2005). Mesmo assim, devido ao isolamento geográfico do Japão, a exposição
foi considerada um sucesso (POUPÉE, 2005).
Outro ponto que parece dominar as últimas edições e talvez possa diminuir o
impacto destes espetáculos é a proximidade das temáticas.
Ano
Expo
Nível
Temática
2000
Hannover
Universal
“Humanidade, natureza e tecnologia - origem de um novo mundo”
2005
Aichi
Internacional
“A sabedoria da natureza”,
2008
Zaragoza
Internacional
“Água e desenvolvimento sustentável”
2010
Shanghai
Universal
“Cidade melhor, vida melhor”
2012
Yeosu
Internacional
“Por costas e oceanos vivos”
2015
Milão
Universal
“Nutrir o planeta. Energia para a vida”
Levantamento dos autores
Embora as questões relativas ao meio ambiente tenham se repetido e dado a tônica
das exposições, o sucesso das Exposições Universais está mais ligado a números (público,
expositores, volume de negócios, tamanho da área do evento, pessoas impactadas através
da mídia) do que a soluções encontradas para questões mundiais. Patrice Ballester, ao
tratar Fórum Universal das Culturas Barcelona 2004, destaca o fato de que “fazer vir
mais de três milhões de pessoas à periferia de uma grande metrópole” (BALLESTER,
2004, p.437) deixa dúvidas quanto ao caráter ecológico do acontecimento, ou seja, não
se movimenta e acomoda uma grande massa sem prejuízos ao meio ambiente, o que
também é ressaltado por Stefano Di Vita:
Oportunidades para a sustentabilidade são ao contrário frequentemente identificadas na
distribuição territorial de pequenas obras e na sua inserção em um planejamento de longo
prazo, desde que orientada pelos objetivos reais de reabilitação ambiental e de reequilíbrio
social, e não proposto como slogan utilizado para fins de marketing (DI VITA, 2012, p.492).
5. As Exposições Universais são realizadas a cada cinco anos, em espaço sem limite de superfície, durante
seis meses, nos quais se aborda uma temática geral. As Exposições Internacionais duram três meses, em
uma superfície máxima de 25 hectares e abordam uma temática específica. Disponível em: <http://www.
expozaragoza2008.es/index/que-es-la-expo>. Acesso em: 30 jan 2015.
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É pouco provável que os megaeventos do século XXI, quase sempre sediados em
grandes metrópoles e, em geral, em áreas já densamente povoadas, ocupem espaços
onde não gerem impactos, com consequências imediatas ou a longo prazo, e não
modifiquem a rotina da população. Para a Expo Milão 2015, por exemplo, a construção
de dois canais superficiais unindo a área da exposição ao centro da cidade, atravessando
dois parques, ao custo de 89 milhões de euros, vem enfrentando muitos protestos de
moradores, sob a acusação de desmatamento de áreas verdes que teriam sido conquistas
populares6. Há ainda as disputas políticas, comerciais e legais e o inevitável processo de
gentrificação, iniciando-se anos antes do espetáculo, quando a cidade é anunciada como
sede, movimentado a partir daí capital, mídia e imaginários. David Harvey, em visita
ao Brasil, resumiu em poucas palavras as modificações no espaço urbano legitimadas
pelos megaeventos:
O que temos visto, nos últimos 30 anos, é a reocupação da maioria dos centros urbanos com
megaprojetos. Muitos desses projetos associam a urbanização ao espetáculo. E fazem um
retorno à descrição de Guy Debord sobre a sociedade do espetáculo. Faz todo sentido na
diretriz da realização dos megaeventos como as Olimpíadas e a Copa do Mundo. O capital
precisa que o estado assegure essa dinâmica. Assim, pode usar esses eventos como instrumentos de investimentos e mais lucratividade. Invariavelmente, entre as consequências dos
megaeventos estão as remoções de pessoas de algumas áreas. Eles dependem disso para
serem realizados. E essa situação tem causado revolta (HARVEY, 2012).
Ainda sobre o discurso de recuperação da economia e regeneração do espaço urbano
a partir das “megaobras” que vão dar forma às arenas espetaculares dos megaeventos,
Harvey salientou:
Há alguma geração de empregos, em função dos megaprojetos e megaeventos, mas o que
se vê é o desvio da verba pública para apoiar essas empreitadas. Ao redor do mundo, tem
havido muitos protestos devido à retirada de pessoas de suas residências. As populações
percebem que o dinheiro dos impostos está indo para esses fins, em detrimento da construção de escolas e hospitais (...). O grande problema é que a tendência é a dominação do
capital sobre o poder político nas cidades (HARVEY, 2012).
Paralelos a estes problemas, há também a redução de visitantes, os custos crescentes
para a realização, o desinteresse de países em sediá-los, já que não há garantia de
sucesso e a população é quem paga o custo mais alto, além do processo de gentrificação
e o questionamento sobre o legado. A totalidade dos problemas, somada a relatos
recentes, como das consequências dos jogos olímpicos de Atenas para a economia
grega (HARVEY, 2012) e dos tumultuados preparativos para as Olimpíadas no Brasil,
tornam os megaeventos atraentes para os países em desenvolvimento ou em crise, com
menor estrutura para recebê-los, ansiosos pelos investimentos do capital internacional,
distanciando-os de países onde a população já não vê com bons olhos sediá-los, como
a insatisfação de muitos ingleses com os Jogos Olímpicos de Londres em 2012 que, às
vésperas do evento, promoveram manifestações por toda a cidade, culminando, em
6. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=V6ontZvOtXk>. Acesso em: 28 jan. 2015.
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agosto de 2011, com incêndios e atos de violência nas regiões mais pobres que logo se
espalharam por quase toda a Londres e atingiram outras cidades da Inglaterra, pondo
em pânico os organizadores das Olimpíadas (ARANTES, 2012, p.34).
Os grandes eventos da contemporaneidade, não só as Exposições Universais,
deslocam imensos holofotes para os lugares que os sediam, iluminando não só suas arenas
espetaculares, mas a diversidade de problemas e as ambiguidades que os emolduram,
chamando também atenção internacional numa disputa simbólica travada no campo
midiático. A Expo Milão aproxima-se destas produções redentoras, ou seja, travestida
de um grande encontro entre nações a fim de encontrar soluções para minimizar ou
acabar com o problema da fome no mundo, sem prejuízos ao meio ambiente, temos
um grande negócio. Porém, embora estes lugares encantados tomem forma movidos
pelo capital, onde podem se misturar interesses diversos, a multidão irá celebrar junta
a emoção compartilhada (MAFFESOLI, 1998).
Embora Maffesoli (2010) e De Certeau (1998) salientem os imprevisíveis resultados
das empreitadas emocionais e imaginais dos megaeventos, nossas pesquisas indicam
que não é esta a maior preocupação daqueles que os idealizam. Interessa mais aos
investidores internacionais o capital movimentado com as grandes obras e negócios
imobiliários, do que, de fato, a eficácia das mensagens contidas nos megaeventos, embora
despertar a simpatia e o apoio popular seja importante, principalmente, antes e durante
o espetáculo, como já dissemos anteriormente. Assim, a preocupação com o público
nestes grandes acontecimentos é de que ele não inviabilize o andamento das obras e
a realização do acontecimento e, se possível, compre o bilhete entrada, ainda que os
megaeventos sejam pensados para o público internacional. Posteriormente, quando se
apagam os holofotes e os gestores internacionais se vão, o legado material e imaginal
deverão ser reinventados, para que um novo público consuma aqueles espaços, imantado
pela atmosfera mágica que o precedeu.
EXPO MILANO 2015
No dia 4 de agosto de 2012, faltando mil dias para a abertura da Exposição, de acordo
com o jornal Il Fatto Quotidiano, o ex-primeiro ministro italiano, Mario Monti, declarou
que o evento seria o sucesso de toda a Itália, um desejo comum de resgate, recuperação
para a nossa economia e que o país inteiro deve estar envolvido no esforço porque todo
mundo vai se beneficiar de seu sucesso. “Estou certo de que, mais uma vez, a Itália vai
despertar admiração por sua criatividade, originalidade e acessibilidade nas escolhas
feitas”. “Será útil para o relançamento da Itália” (tradução nossa).
As palavras de Mario Monti sinalizam que o megaevento será a redenção da
economia italiana, atraindo atenção para o novo país que será apresentado através da
Exposição. Alinhada com a proposta das “megaproduções” do capitalismo midiático
(SODRÉ, 2012, p.50) contemporâneo, deposita-se na Expo Milano 2015 a expectativa de
que os seus “espaços de renovação” (SANCHEZ, 2010, p.47), embora “cada vez mais
homogêneos no mundo todo porque são moldados a partir de valores culturais e hábitos
de consumo do espaço tornados dominantes na escala mundo”, deverão se tornar “ícones
da modernização” (SANCHEZ, 2010, p.47) italiana e azeitar as engrenagens da economia.
Sobre a pretensão dos governantes, Fernanda Sanchez salienta:
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Colocar as cidades no mapa do mundo passou a ser uma meta recorrente dos governos
locais, um objetivo ordenador das “ações estratégicas” que concentram na cidade-mercadoria
a possibilidade de “transcender as crises” produzidas pela reestruturação econômica e de
construir um futuro de progresso e recuperação econômica sintonizado com as exigências
da nova ordem mundial, de modo a viabilizar o crescimento econômico em novos parâmetros (SANCHEZ, 2010, p.51).
Mas, para “colocar as cidades” no mapa mundial faz-se necessário um planejamento
urbano empresarial, que articule iniciativas público-privadas, para promoção da cidade no
cenário internacional e atrair mais turistas e investimentos. E, para essas “multinacionais
do século XXI” (Borja; Castells, 1997, p. 123), os megaeventos surgem como oportunidades
para vender a imagem da cidade-empresa renovada, bem como atuar para produção de
consensos, elementos fundamentais para o esplendor dos megaeventos.
Se para um evento ser considerado mega depende de seus ecos na mídia antes,
durante e depois de acontecer, atingindo a milhares ou até milhões de pessoas (FREITAS,
2011), as plataformas comunicacionais transmídia se tornam ferramenta fundamental.
Todo o material de divulgação da Expo Milano deixa clara a preocupação em apresentar
o evento como um espaço onde tradição, criatividade e inovação, aliadas em um mesmo
espaço, pretendem surpreender o mundo. Para justificar a escolha de Milão, o sítio
da exposição7 destaca a posição geográfica da cidade, considerada central para os
europeus, ressalta o fato de a cidade ser responsável por 10% do PIB nacional e lar de
650 showrooms de moda, concorrendo com Paris e Nova Iorque. É destacado ainda que
Milão atrai mais de dez milhões de pessoas para os seus eventos culturais ao longo do
ano, além de ser um lugar diferente dos demais na Itália. Esse discurso de políticos
e organizadores, de “relançar” a Itália como uma nova mercadoria para o mundo,
por meio de “operações para reconversão de territórios, grandes projetos urbanos
e megaequipamentos culturais ou esportivos (...) ditos consensuais e competitivos”
(SÁNCHEZ, 2010, p.15).
Sobre a importância da escolha do local que irá sediar o megaevento, Stefano
Carmannini e Alessandro Ceccarelli (2007) sinalizam o papel destes espaços que irão
refletir a conjuntura histórica internacional:
Se nel 1936 i Giochi si svolgono nella Berlino capitale della rinata potenza economica nazista, nel 1948 si sceglie uma Londra stroncata dai bombardamenti di guerra; nel 1988 Seul
richiama l’attenzione sulla divisione con la Corea del Nord; nel 1992 Barcellona cerca, con
il palcoscenico mondiale, il riposizionamento Internazionale come capitale economica della
Spagna post-franchista. L’incontro ed i rapporti tra i ‘significati globali’ che il grande evento
impone e i ‘significati locali’ ad esso connessi costituisce un tema centrale nell’analisi del
grande evento8 (CARMANNINI; CECCARELLI, 2007, p.34).
7. Disponível em: < http://www.expo2015.org/milano/perche-milano>. Acesso em: 06 fev. 2015.
8. Se no ano de 1936 os jogos aconteceram em Berlim, capital da renascida potência econômica nazista,
em 1948 se escolhe uma Londres destruída pelos bombardeios da guerra. Em 1988 Seul chama atenção
para a divisão da Coreia do Norte; em 1992, Barcelona busca, como palco mundial, o reposicionamento
internacional como capital econômica da Itália pós-franquista. O encontro e as relações entre os significados
globais que o grande evento impõe, e os significados locais conectados a isso, constituem um tema central
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Estas mostras têm em comum, ao longo da sua história, a conjugação de lançamento
de tendências tecnológicas, diversas mídias e ampliação do campo de negócios. Desde
1851, na Inglaterra, ate a próxima Expo Milão 2015, o mote é: a comunicação e a economia
regem os eventos. O que é atualizado por Muniz Sodré, para quem o “capitalismo
financeiro e a comunicação constituem hoje, no mundo globalizado, um par indissolúvel”
(2012, p.49) que, potencializado pelas novidades tecnológicas, como acontece nas
Exposições Universais, explode em negócios e possibilidades comunicacionais.
Mas a Expo Milano já começa a dar sinais de que, como tem acontecido com numerosos
megaeventos, grande parte de suas obras não se concretizarão, pela dificuldade para
cumprir os prazos, o que pode comprometer o legado para a região. Segundo Stefano Di
Vita, a crise global impactou os planos para a realização do evento, “causando a redução
imediata dos recursos disponíveis e o consequente cancelamento de obras importantes
para a cidade e a região, que deveriam ter sido incorporadas ao evento” (2012, p.49). Di
Vita destaca ainda que “muitas das obras previstas ainda não foram completamente ou
parcialmente financiadas, algumas foram removidas e outras não serão concluídas até à
Primavera de 2015”, o que tem se tornado comum para as cidades-sede dos megaeventos
internacionais. Apesar dessa realidade que acomete as cidades-sede, para o autor, os
megaeventos podem ser uma oportunidade para revigorar toda a região:
A dimensão regional agora frequentemente assumida pela cidade e as atuais condições
econômicas, sociais e ambientais devem procurar uma ampliação do cenário de referência
dos grandes eventos de escala urbana para a regional e o desenvolvimento de processos
mais amplos de regeneração territorial com base em: valorização do patrimônio paisagístico-ambiental, socioeconômico e cultural local; desenvolvimento de uma gestão baseada na
participação de todos os interessados (organizadores do evento, autoridades locais, empresários e o terceiro setor); projeto arquitetônico e urbano sustentável; constante monitoramento
e avaliação periódica dos impactos produzidos. Esta mudança, possível e desejada, trataria
de enfrentar o desafio do desenvolvimento global através da valorização local (DI VITA,
2012, p.492-293).
A aposta na Expo Milano 2015 para revigorar a economia e a imagem de toda a
Itália, a partir de um evento regional, mas cujos ecos midiáticos são internacionais,
são potencializados por diferentes plataformas comunicacionais, como TV, internet,
smartphones e outras. E foi a digitalização, segundo Henry Jenkins (2009), desenvolvida
paralelamente com a internet, que estabeleceu as condições para esta cultura da
convergência.
Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de
mídia, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório
dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das
experiências de entretenimento que desejam. Convergência é uma palavra que consegue
definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de
quem está falando e do que imaginam que está falando (JENKINS, 2009, p.29).
na análise do grande evento (tradução nossa).
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Ao converter-se também em plataforma comunicacional, valendo-se de recursos
transmidiáticos9, o megaevento torna-se, principalmente no pré e pós-evento, um
espaço de socialidade, uma tribo, onde “a pessoa (persona) representa papéis” e essa
“teatralidade instaura e reafirma a comunidade” (MAFFESOLI, 1998, p.108), mesmo nos
períodos em que antecedem e precedem a sua realização.
Por concentrarem um enorme número de pessoas – tal como as cidades que os comportam
– e terem centralmente um sentido comercial, necessitam de novas formas de multiplicação
de seu alcance, de atingirem o maior número possível de participantes-expectadores – e
não mais participantes-interagentes de fato, como no caso dos antigos rituais e festas – e
de minimizar a anestesia reinante. Esses novos objetivos só poderiam ser alcançados com
os recursos advindos da mídia eletrônica. (CONTRERA; MORO, 2008, p.9)
Esses megaeventos, principalmente devido ao seu caráter internacional, valendo-se do recurso da grande rede para energizar seu processo de criar consensos, acabam
por desnudar e facilitar a nossa percepção sobre as suas estratégias e sobre a própria
ausência de consenso entre população, políticos e organizadores. Por exemplo, sobre o
potencial gerador de empregos dos megaeventos sobressaem-se as dezenas de vídeos
institucionais disponibilizados no sítio do evento e no youtube, com relatos de jovens
italianos que conseguiram seus primeiros empregos. Além disso, o sítio da exposição
tem um quadro anunciando oportunidades de emprego para o evento10, além de receber
currículos continuamente. Estes vídeos, mais do que divulgarem a exposição, legitimam
a sua realização e investimento, ainda que, em proporção menor, ou com menor visibilidade, espalhem-se também textos e vídeos divulgando mazelas e suspeitas que rondam o grande evento, como acusações de desmatamento11, de má utilização das verbas
públicas12, favorecimento de empresas13, exploração de trabalhadores14 e participação da
máfia italiana15. Além disso, alguns vídeos já anunciam a falência da empreitada16. Ou
seja, está no ar a discussão pela legitimidade e benefícios da Expo Milano 2015, como é
próprio dos megaeventos, e os protestos, dado ao seu impacto na vida social e ao relacionamento nebuloso (e intenso) entre poder público e iniciativa privada que se estabelece.
Meses antes de serem inaugurados, como é próprio destes acontecimentos, é possível
conhecer as narrativas de seus espaços, pavilhões e novidades, que no universo virtual
já acontecem, potencializadas pelos recursos da computação gráfica, dando forma à
sedução da arquitetura espetacular e, especialmente, destacando as possibilidades
sensíveis e de comunicação entre pessoas, espaços e objetos. O caráter lúdico também
9. Por natureza, a transmídia é um diálogo. Ela convida você a participar da narrativa de alguma forma.
Isso pode ser simplesmente através da abertura de um fórum para o público opinar, para dar a opinião dele
sobre a narrativa, ou pode ser algo sofisticado e rico, como vemos hoje na internet, onde pessoas contribuem
com suas próprias histórias para a trama da narrativa ou participando de alguma forma como fãs [...] Por
isso que a transmídia se torna um diálogo (Gomez, 2010, apud CHACEL, 2010).
10. Disponível em: <http://www.expo2015.org/lavora-con-noi/opportunita-di-lavoro-2014-2015>. Acesso
em: 06 fev. 2015.
11. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=-NNjGQIt0Ks>. Acesso em: 06 fev. 2015.
12. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=VYY-r7zgF3Y>. Acesso em: 06 fev. 2015.
13. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=Y6xWu5Re7xI>. Acesso em: 06 fev. 2015.
14. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=W6kOaj4fKpI>. Acesso em: 06 fev. 2015.
15. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=EbEPAdBnvJY>. Acesso em: 06 fev. 2015.
16. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=7AXmuEZOOl4>. Acesso em: 06 fev. 2015.
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está presente no sítio da Exposição, que disponibiliza um jogo interativo online sobre
alimentação no mundo, tema do evento. É o Food Game.
Assim como a Itália, muitos países já disponibilizaram os projetos de seus pavilhões
para serem visitados pela internet. A partir de simulações realizadas em 3D, que dão
aos espaços apresentados aspecto de vídeo game, a Expo Milano materializa, em terreno
virtual, a sua proposta de surpreender e encantar o público, embora, se observarmos
a partir da própria plataforma de vídeos youtube, o mesmo encantamento parece não
se repetir em um mundo real. Através de uma abordagem realizada sem rigor científico,
verificamos que enquanto um vídeo feito em computação gráfica mostrando o pavilhão
da Itália, postado em 25/04/2013, já foi exibido 7.489 vezes17, outro vídeo, postado um mês
depois, 20/05/2013, mostrando os trabalhos em curso no canteiro de obras da exposição,
inclusive o espaço reservado ao pavilhão da Itália, foi exibido apenas 1.098 vezes18.
Embora esta observação não tenha sido feita a partir de nenhuma metodologia científica,
acreditamos que sinaliza o fascínio que a exposição exerce como uma viagem imaginária
e de experimentação, mais sedutora que a própria materialidade do evento.
Segundo Vito di Bari, designer de Inovação da Expo 2015, há o espírito de um novo
Renascimento, desta vez partindo de Milão, que deverá ocorrer a partir da inovação
tecnológica19. A própria logomarca do evento, apresentada durante a fase candidatura,
mas posteriormente modificada, dava sinais deste desejo, já que se valia da figura do
“Homem Vitruviano”, obra de Leonardo da Vinci que sintetizaria o ideário da Renascença. Di Bari destaca também, em seu sítio, que algumas das inovações pretendem
propiciar experiências sensíveis (e inesquecíveis) para o público, como o Panteão Holográfico, o primeiro do mundo, que projetará, no céu, figuras históricas de Milão que
irão informar aos visitantes sobre a cidade, o Caleidoscópio Humano20, a Expo XP21, os
Pavilhões Virtuais22, os espaços para grafites virtuais23, os muros e paredes interativos,
repletos de possibilidades comunicacionais e sensíveis.
Acreditamos que, a partir de suas investidas no mundo virtual, como o Panteão
Holográfico, a Expo Milano busca consolidar e renovar o espírito das Exposições
Universais como arautos do futuro, ainda que, abrindo as portas para este tempo, as
amplas possibilidades da experiência virtual possam vir a substituir a materialidade
do acontecimento.
17. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=AXfODgZDAJ0>. Acesso em: 06 fev. 2015.
18. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=Sm0LX64mMy0>. Acesso em: 06 fev. 2015.
19. Disponível em: <http://vitodibari.com/pt/designer-inovao/expo-2015. Acesso em> 06 fev. 2015.
20. Composto de uma mágica decoração urbana, será pintado com tintas sensíveis ao calor e mudará de
cor conforme a variação da temperatura; tapetes sensoriais tocarão melodias diferentes, à medida que
variar o fluxo de visitantes sobre ele, e um sistema de iluminação PLC, ligado a sensores que criará jogos
de luzes diferentes, variando com os movimentos das pessoas. Disponível em: <http://vitodibari.com/pt/
designer-inovao/expo-2015>. Acesso em: 06 fev 2015.
21. Óculos especiais, com tecnologia de realidade virtual, para ver clipes de filmes e imagens que fizeram
parte da história. Disponível em: <http://vitodibari.com/pt/designer-inovao/expo-2015>. Acesso em: 06
fev 2015.
22. Soluções digitais para fornecer uma comunicação eficaz e de baixo custo. Serão incluídos entre outras
exposições na Expo. Disponível em: <http://vitodibari.com/pt/designer-inovao/expo-2015>. Acesso em:
06 fev 2015.
23. Todos os visitantes poderão deixar mensagens em locais mais frequentados da cidade, que podem
ser acessadas por positivos móveis e tablets. Disponível em: <http://vitodibari.com/pt/designer-inovao/
expo-2015>. Acesso em: 06 fev 2015.
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CONCLUSÃO
O desejo dos organizadores da mostra de surpreenderem os visitantes com
experiências sensíveis robustecidas pelas últimas novidades tecnológicas não é novo
e tem sido a sua essência. Megaeventos internacionais, como Exposições Universais,
Jogos Olímpicos e Copa do Mundo, passaram a ser utilizados como peças no jogo do
capitalismo midiático, onde “financeirização e mídia são as duas faces de uma moeda
chamada sociedade avançada” (SODRÉ, 2012, p.50). Na Expo Milano, essa convergência
de mídias ajuda a criar uma expectativa para um novo “Renascimento”, apesar de todos
os desafios e protestos que um evento gera.
Em resumo, conquanto as novas tecnologias criem possiblidades contra e a favor
da Exposição, nelas uma técnica iconófila (MAFFESOLI, 2010, p.116) cria espaços que
explodem em imagens e experiências sensoriais, um mundo de aparências profundas,
produtor de imaginários que movem as engrenagens do nosso tempo. Assim, numa
complexa operação simbólica, há um compartilhamento do imaginário de Milão e da
Itália, e, ao final, marca-cidade e marca-país renascem mais fortes, apresentando-se,
ambas, renovadas através de imagens e experiências sensíveis.
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4946
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4947
As “relações humanas” como fator da gênese da comunicação
nas relações de trabalho em organizações no Brasil
The “human relations” as factor of the genesis of
communication in work relations in organizations in Brazil
C l a u d i a N o c i o l i n i R e b e ch i 1
Resumo: O propósito principal deste artigo é tratar sobre a doutrina das
“relações humanas” como um dos fatores da gênese da comunicação nas
relações de trabalho em organizações no Brasil, considerando a inter-relação
de sua filosofia com os preceitos de relações públicas difundidos, sobretudo,
entre as décadas de 1950 e 1960. A discussão apresentada faz parte de nossa
pesquisa de doutorado, que focalizou a análise dos ditames de relações públicas
admitidos e disseminados pelo discurso de reconhecida entidade promotora
da racionalização do trabalho no país, o Instituto de Organização Racional do
Trabalho (IDORT). O uso de comunicação articulado pelo ideário de relações
públicas, à época, indicava a proposição de orientações e normativas consideradas
adequadas à administração das relações de trabalho em empresas pela classe
dirigente interessada no processo de industrialização do Brasil. Influenciadas
pelos princípios admitidos pela “Organização Científica do Trabalho”, essas
orientações de relações públicas revelam a relação direta entre o entendimento de
comunicação nas relações de trabalho em organizações e a filosofia das “relações
humanas” no período histórico estudado.
Palavras-Chave: Comunicação e trabalho. Relações humanas. Relações públicas.
Racionalização do trabalho. IDORT.
Abstract: The main purpose of this article is to address the doctrine of “human
relations” as one of the genesis of communication factors in labor relations in
organizations in Brazil, considering the interrelationship of its philosophy with
public relations precepts widespread, especially between the 1950s and 1960.
The discussion presented is part of our doctoral research, which focused on
the analysis of eligible public relations dictates and disseminated by Instituto
de Organizacção Racional do Trabalho (IDORT), recognized promoter of the
rationalization of work in this country. At that period, the use of communication
by public relations ideas indicated the proposition of guidelines and standards
considered appropriate for the administration of labor relations in enterprises, by
the ruling class interested in the industrialization process in Brazil. Influenced
by the principles accepted by the “Scientific Organization of Work”, these public
relations guidelines show the direct relationship between the understanding
1. Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da ECA-USP. Pesquisadora
do Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho (CPCT) da ECA-USP. Docente do Departamento de
Comunicação da Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-mail: [email protected].
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4948
As “relações humanas” como fator da gênese da comunicação nas relações de trabalho em organizações no Brasil
Claudia Nociolini Rebechi
of communication in work relations in organizations and the philosophy of
“human relations” in the historical period studied.
Keywords: Communication and work. Human relations. Public relations.
Rationalization of work. IDORT.
APRESENTAÇÃO INICIAL
ESTUDO A ser apresentado faz parte dos resultados de nossa pesquisa de dou-
O
torado2 sobre as prescrições de comunicação no contexto organizacional em
diálogo com os princípios da racionalização do trabalho difundidos na primeira
metade do século XX. Em especial, a pesquisa focalizou a análise dos ditames de relações
públicas admitidos e disseminados pelo discurso do Instituto de Organização Racional
do Trabalho (IDORT), entre os anos 1930-1960.
O IDORT, criado em 1931 por empresários e intelectuais paulistas, mostrou-se um
agente ativo de difusão da filosofia de gestão e organização do trabalho dominante à
época, incorporada por organizações privadas e da administração pública no Estado de
São Paulo e em outras regiões brasileiras em fase de desenvolvimento urbano-industrial.
Pode-se dizer que o Instituto, até a década de 1960, teve como principal propósito difundir
os princípios e métodos de doutrinas ligadas ao ideário da “Organização Científica
do Trabalho”. Como instituição representante dos interesses da classe empresarial e
intelectual preocupada com o desenvolvimento da industrialização e modernização da
sociedade brasileira, o IDORT encontrou nos princípios de “Organização Científica do
Trabalho” uma via eficiente para formular modos de dominação social considerados
necessários à exploração da força de trabalho e à expansão do capitalismo.
Dentro de sua trajetória de “portador das mais modernas exigências da racionalização” (ANTONACCI, 1993, p. 17) no país, o IDORT construiu seu discurso institucional em diálogo direto com os pilares do idéario de organização e gestão do trabalho
articulado, especialmente, pelos preceitos “científicos” do taylorismo, do fordismo e do
movimento das “relações humanas”. Não por acaso, o símbolo representativo do Instituto contempla os seguintes termos: “razão”, “método”, “tempo”, “saber” e “evolução”.
Em determinado momento de sua trajetória, mais especificamente na década de 1950,
o IDORT toma conhecimento da filosofia de relações públicas e começa a se interessar
pelo desenvolvimento da atividade no país. Surgem os primeiros cursos de relações
públicas promovidos pelo Instituto, com a participação de figuras representativas dessa
atividade, como o professor Candido Teobaldo de Souza Andrade, e também são publicados inúmeros textos sobre o tema na revista institucional do IDORT.
Pode-se dizer que o interesse dessa entidade promotora da racionalização do trabalho pelas relações públicas deu-se, principalmente, devido ao teor da natureza “conciliadora” dessa atividade que se formulava naquela época. A incorporação de princípios
2. A tese referida intitula-se “Prescrições de comunicação e racionalização do trabalho: os ditames de
relações públicas em diálogo com o discurso do IDORT (anos 1930-1960)” e foi defendida recentemente,
em abril de 2014, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São
Paulo (PPGCOM da ECA-USP). Esse estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo (FAPESP), por meio de concessão de bolsa de doutorado, e pode ser acessado em sua íntegra
no site Teses USP: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27152/tde-20102014-110342/pt-br.php.
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As “relações humanas” como fator da gênese da comunicação nas relações de trabalho em organizações no Brasil
Claudia Nociolini Rebechi
e métodos, alinhados às doutrinas da “Organização Científica do Trabalho”, por organizações privadas e governamentais acirravam os conflitos no contexto da gestão do
trabalho. Não à toa, os trabalhadores resistiram a certos modos de realização do trabalho
e de comportamentos impostos a eles. Tendo isso em vista, a filosofia de “harmonização”
admitida pelas relações públicas mostrava-se conveniente à necessidade do processo de
racionalização de amenizar os embates nas relações internas aos espaços produtivos.
Por meio de um percurso teórico-metodológico que contemplou uma ampla pesquisa
em arquivos3 e uma análise discursiva4 do material levantado - apostilas dos cursos
de relações públicas promovidos pelo próprio IDORT e textos publicados na revista da
entidade - observamos que os ditames da Escola das “relações humanas” ganharam
espaço representativo no quadro de temas que orientaram a formação de especialistas
em organização e gestão do trabalho, principalmente nos anos 1950 e 1960. Notadamente,
percebe-se uma reapropriação dessa doutrina por meio da discussão de questões relacionadas à administração de pessoal e à comunicação no ambiento interno às empresas.
A análise do material levantado revelou uma inter-relação entre o entendimento
de “relações humanas”, propagado pelo IDORT, e o que esse Instituto considerava ser
a atividade de relações públicas no contexto das relações de trabalho em organizações,
sobretudo no que tange a função dessa atividade na administração das relações entre
trabalhadores e o comando das organizações.
Com essa pesquisa foi possível constatar que a ideia de “relações humanas” e os
seus discursos são formadores do entendimento de relações públicas na primeira metade
do século XX, no Brasil. Portanto, não por acaso, as “relações humanas”, consideradas
uma doutrina de “organização do trabalho”, tornaram-se orientadoras das prescrições
de comunicação nas relações de trabalho em organizações no país. Em face ao exposto,
o propósito principal deste artigo é tratar sobre a doutrina das “relações humanas”
como fator da gênese da comunicação nas relações de trabalho em organizações no
Brasil, considerando a inter-relação de sua filosofia com os preceitos de relações públicas
difundidos, sobretudo, entre as décadas de 1950 e 1960.
AS “RELAÇÕES HUMANAS” NO PROCESSO DE
RACIONALIZAÇÃO DO TRABALHO
Ao estudarmos o processo de racionalização do trabalho mobilizado pelos
fundamentos do sistema taylorista/fordista, a partir dos anos 1920, percebe-se que
essa forma de entender as relações de trabalho apresenta características de cunho
essencialmente mecanicista. Sob esta ótica, o ser humano é compreendido, sobremaneira,
por meio de aspectos fisiológicos, econômicos e técnicos (DESMAREZ, 1986).
No período entreguerras, entretanto, as condições de trabalho e o trabalhador foram
investigados em outra perspectiva. Para um grupo de pesquisadores norte-americanos
interessava estudar o que chamaram de “fator humano” dentro do processo produtivo.
Uma série de experiências com o propósito de analisar o indivíduo no trabalho foram
3. No Brasil, nossa pesquisa realizou-se, especialmente, no Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), ligado ao
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
4. A forma escolhida para a mobilização do corpus, de certo modo, filia-se aos princípios gerais da Análise
do Discurso de linha francesa (AD), embora não seja uma pesquisa de AD stricto sensu.
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As “relações humanas” como fator da gênese da comunicação nas relações de trabalho em organizações no Brasil
Claudia Nociolini Rebechi
realizadas na usina de Hawthorne da Western Eletric Company, entre 1924 e 1932. Algumas
dessas experiências foram dirigidas por engenheiros do Massachussett Institute of
Techonology. As mais conhecidas dessas são as investigações coordenadas por Elton
Mayo, que, posteriormente, tornariam referência para inúmeros estudos de sociologia
do trabalho, de sociologia industrial e da psicossociologia.
Em especial, os experimentos de Mayo originaram a Escola das Relações Humanas, cujos fundamentos configuraram as diretrizes de gestão de pessoal associada às
políticas do management, a partir dos anos 1940. Trata-se de uma tendência que buscava agir sobre o comportamento e a motivação dos trabalhadores a fim de explorar a
dimensão social das relações entre os indivíduos e o sistema produtivo nas empresas
(DESMAREZ, 1986).
Conforme explica o estudioso Pierre Desmarez (1986), após o cumprimento das
experiências, em 1931, com milhares de entrevistas realizadas com os empregados da
Western Eletric Company, Elton Mayo e sua equipe concluíram que, primeiramente, existia
uma relação direta entre o interesse manifestado da direção pelo comportamento dos
trabalhadores e o aumento da produtividade; tratava-se do “efeito Hawthorne”. Isto é,
havia ganhos positivos de produtividade quando os empregados eram acompanhados e
supervisionados mais de perto pelas chefias. Outra descoberta indicava que o rendimento
do trabalho humano não dependia unicamente de um estímulo financeiro, mas
especialmente de fatores psicológicos e sociais. Pois os parâmetros que determinavam
o quanto deve “render” a atividade de trabalho eram determinados, na verdade, pelos
próprios empregados, nas suas relações como um grupo dentro da organização. E os
limites desse rendimento dependiam de um padrão informal de produção estabelecido
pelo grupo que, por sua vez, influenciava o comportamento de cada indivíduo. Isso
significava, então, que aspectos como tensões, antagonismos entre as pessoas e oposições
de ideias podiam afetar negativamente a produção.
Tais descobertas alçaram o movimento das “relações humanas” a um patamar
singular e célebre no campo das ciências sociais do trabalho, já a partir dos anos 1930,
tendo, todavia, o seu momento de maior destaque apenas na década de 1950.
Pela primeira vez, dentro do quadro de pesquisas sobre gestão e organização do
trabalho, seria apresentado de maneira mais concreta que a influência do grupo provoca
modificações no comportamento do indivíduo na empresa. Dentro dessa abordagem,
a disposição e o ânimo do indivíduo para a realização do trabalho estariam sujeitos ao
nível de entendimento entre os empregados e ao nível de compreensão entre as chefias
e seus subordinados. O ser humano “trabalhador” e as relações interpessoais, das quais
participa, tornavam-se fatores de suma importância no processo de racionalização.
A Escola das “relações humanas” recusou a concepção de trabalhador como “máquina humana”. De modo distinto do taylorismo/fordismo, o trabalhador foi compreendido como um indivíduo dotado de afetividade e de “sentimentos”. Foram valorizadas,
portanto, as relações entre os homens que se desenvolvem dentro da empresa e a possibilidade que esta última teria de “realizar-se” humanamente (PILLON; VATIN, 2003).
Sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, as pesquisas de Mayo e sua equipe
ganharam reconhecimento por estudiosos e especialistas em gestão de pessoal, não
somente nos Estados Unidos, mas, também, na Europa. Seus princípios foram apropriados
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As “relações humanas” como fator da gênese da comunicação nas relações de trabalho em organizações no Brasil
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pelas direções de empresas que elaboraram políticas de “administração de pessoal” com
o apoio de especialistas conhecedores do ideário das “relações humanas”.
Suas recomendações quanto à mudança do modo de supervisão dos trabalhadores
para conseguir sua colaboração aos propósitos da empresa, despertaram grande
interesse e boa recepção do patronato e da classe dirigente na época. Num período de
dificuldades financeiras, causado, especialmente, pelas duas grandes guerras mundiais,
cujos resultados são alto desemprego e, consequentemente, fortes reivindicações dos
trabalhadores, a doutrina das “relações humanas” reduz a importância do aspecto
econômico sobre a satisfação e o bem-estar dos trabalhadores e oferece outros meios à
direção de empresas para conseguir a colaboração dos empregados.
Não é exagero dizer que o patronato e os administradores enxergavam nos preceitos
de Elton Mayo e de seus seguidores uma alternativa de gestão dos comportamentos da
força de trabalho condizentes com os seus interesses. Sobretudo, a concepção de empresa
oferecida foi bastante propícia e cômoda à posição da direção. Se nenhum desequilíbrio
provinha das contradições inerentes ao sistema social, todas as soluções poderiam ser
encontradas na empresa, com base em uma análise essencialmente “científica”. Tratava-se de uma abordagem, tal como o modelo taylorista/fordista, preocupada em conferir
bases teóricas à gestão dos trabalhadores, isto é, atribuir “cientificidade” ao controle social
dentro das empresas.
Os psicólogos industriais, numa perspectiva diferente daquela defendida por Frederick W. Taylor, procuravam convencer o patronato de que o comportamento dos
trabalhadores não era conduzido somente por razões morais ou pela satisfação de suas
expectativas financeiras. Para os adeptos da psicologia industrial, Taylor ignorou a atuação dos “sentimentos” no comportamento dos trabalhadores, o que levava o engenheiro
a desconsiderar as dimensões subjetivas que conformam as suas ações.
Para uma parte dos analistas sobre o mundo do trabalho, as experiências de Mayo
e de sua equipe, o movimento das “relações humanas” e a abordagem adotada pela
psicologia industrial são considerados uma reação ou uma oposição aos princípios e
métodos tayloristas. No entanto, Desmarez (1986), assim como Braverman (1987), questionam esse posicionamento.
Ambos compreendem que tais perspectivas complementam a doutrina da
administração científica. Pois elas não criticam os fundamentos desse tipo de organização
do trabalho, mas, sim, os meios de submeter os trabalhadores a essa lógica. O processo
de organização do trabalho trazido pelo taylorismo é considerado algo inelutável. A
preocupação de Elton Mayo e da psicologia industrial seria, portanto, a de oferecer
instrumentos para a “gestão social” dos trabalhadores face ao modo de realizar o
trabalho, num contexto já estabelecido pela administração científica.
O IDORT E A LEGITIMAÇÃO DAS RELAÇÕES PÚBLICAS NO BRASIL
Conforme indicado antes, os princípios das “relações humanas” foram admitidos pelas políticas de gestão do trabalho em organizações norteadores de suas ações,
sobretudo, a partir da década de 1950. Portanto, não por acaso, entidades promotoras
da racionalização do trabalho em vários países empenharam-se na difusão de filosofias
de relacionamento entre trabalhadores e organizações consensuais à doutrina pensada
inicialmente por Elton Mayo.
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As “relações humanas” como fator da gênese da comunicação nas relações de trabalho em organizações no Brasil
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No Brasil, assim como na França5, a filosofia de relações públicas despertou a atenção
dos agentes da racionalização ao apresentar-se como um modo eficiente de adequar as
relações de trabalho às novas políticas de gestão de organizações que surgiram à época.
No caso brasileiro, a atuação do IDORT em prol da legitimação das relações públicas
demonstra muito bem esse cenário.
Sabe-se que a primeira metade do século XX foi um período considerado significativo do processo de industrialização do Brasil e de transformações dos modos de vida
e de formas de trabalhar mobilizados, em grande medida, por meio de ações e políticas
promovidas pelo Estado e pelo empresariado. Ambos centravam seus esforços em modernizar o país, em níveis econômicos e sociais, e criar bases para o avanço do capitalismo.
Nesse momento histórico, surgiram diversas instituições com o propósito de auxiliar
na concretização desse projeto econômico e ideológico da burguesia industrial como, por
exemplo, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o Serviço Nacional
de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
(Senac). E entre todas elas, o Instituto de Organização Racional do Trabalho (IDORT)
ganhou destaque, conforme é explicado em obras reconhecidas sobre os momentos decisivos da industrialização do país, a exemplo dos estudos de M. Antonieta M. Antonacci
(1993) e de Barbara Weinstein (2000).
Dentro desse panorama, o interesse do IDORT pelo uso da comunicação na administração das relações de trabalho em empresas privadas e da administração pública
surge no período após a Segunda Guerra Mundial. Neste momento, a atividade de relações públicas é contemplada pelo Instituto como um meio útil e eficiente para reforçar
valores sociais e padrões de comportamento a favor do apaziguamento de conflitos
entre trabalhadores e o comando das organizações. A ideia de “cooperação” de classes
torna-se fundamental para invalidar as tensões sociais inerentes aos sistemas produtivos configurados pelas relações capitalistas. Nesse contexto, a partir dos anos 1950, o
IDORT se empenharia em legitimar a atividade de relações públicas no país, realizando
diversas ações nessa direção.
Primeiramente, o IDORT promoveu uma série de palestras e conferências. Em 1953,
por exemplo, o Instituto recebeu o consultor da Organização das Nações Unidas (ONU)
Eric Carlson para proferir três conferências distintas, nos dias 6, 7 e 10 de julho de 1953, no
auditório do Banco Nacional Interamericano: (1) O papel das relações públicas na racionalização do trabalho; (2) Relações públicas e suas responsabilidades na administração
e organização administrativa; e (3) Criação de um clima de opinião pública favorável à
produtividade e ao trabalho de cooperação entre a administração e os trabalhadores. O
teor das palestras sobre relações públicas despertaram grande interesse de empresários
do comércio e da indústria, bem como de gestores e funcionários da administração
pública, atraindo um número significativo de espectadores interessados no tema.
As conferências de Carlson ofereceram aos membros e às lideranças do IDORT
muito mais dados e argumentos que poderiam justificar a integração da atividade de
relações públicas ao conjunto de elementos motrizes do discurso e das ações do Instituto.
5. Em nossa pesquisa de doutorado também realizamos uma ampla investigação em acervos franceses e
identificamos a atuação de duas entidades promotoras da racionalização do trabalho, congêneres ao IDORT,
em prol da legitimação das relações públicas nos anos 1950 e 1960. Cf. (REBECHI, 2014).
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Neste sentido, o ideário das relações públicas mostrou-se útil ao estabelecimento de
parâmetros considerados fundamentais para uma determinada “ordem social” propícia
ao enquadramento das relações de trabalho no contexto da industrialização do país e
ao avanço do capitalismo. Eric Carlson, aliás, não poupou palavras para convencer os
“idorteanos” quanto a isso:
Uma coisa é certa: quaisquer que sejam os obstáculos para o desenvolvimento das relações
públicas no Brasil, valerá a pena superá-los, desde que os resultados, colhidos embora a
longo prazo, serão dos mais benéficos para a indústria, que encontrará, na exploração deste
campo, um dos fatores mais construtivos para que se possa realizar sua missão de propulsora do progresso e da grandeza nacional (Carlson, 1953a, p. 218).
O propósito fundador das relações públicas de estabelecer relações “harmônicas”
entre organizações/empresas e seus “públicos” é admitido como um modo bastante
adequado às condições para a efetividade da racionalização do trabalho. Eric Carlson
explica aos membros do IDORT que o desenvolvimento correto da atividade de relações
públicas instaura um “clima” favorável à cooperação de empregados e empregadores
em prol da produtividade. Entende-se, neste caso, as relações públicas como uma “rua
de duas mãos” – conforme expressão utilizada pelo próprio especialista –, sendo que o
papel de ouvir, avaliar e definir os interesses dos trabalhadores é tão importante quanto
tornar as orientações e ideias da direção da empresa conhecidas pelos empregados. Neste
caso, as relações públicas adquirem a função de administração das relações entre os
empregadores e seus funcionários. Função, esta, concebida originalmente pela empresa
e não pelos trabalhadores.
Além de promover essas palestras e de outras que trataram da natureza, do propósito,
da função e das técnicas de relações públicas, o IDORT criou, em 1954, um “Grupo de
Relações Públicas” para reunir integrantes e simpatizantes do Instituto que pudessem
compartilhar suas experiências e seu conhecimento relacionado ao tema. Os encontros
e os debates proporcionados pelo “Grupo de Relações Públicas” do IDORT levou à
fundação da Associação Brasileira de Relações Públicas (ABRP), em 21 de julho de 1954,
com estatuto próprio. A primeira presidência da ABRP foi atribuída a Hugo Barbieri,
integrante da diretoria do IDORT, à época, e executivo da empresa Esso Standard do
Brasil. Os demais cargos do corpo diretivo da Associação também estiveram sob a
responsabilidade de membros do Instituto: A diretoria tomou posse em 11 de setembro
de 1954 na sede do IDORT, mais especificamente no Auditório Dr. José Ermírio de Moraes.
Na ocasião, vinte e sete era o número de sócios da associação recém-criada.
Outra iniciativa do IDORT para legitimar as relações públicas refere-se aos cursos
regulares sobre a atividade ministrados entre as décadas de 1950 e 1960. O primeiro
deles esteve sob a responsabilidade de Mario Sassi e ocorreu em 1953. Ao longo das
duas décadas, tantos outros foram desenvolvidos sob a tutela do IDORT com a direção
de Candido Teobaldo de Souza Andrade e outros especialistas de relações públicas à
época. O material originado destes cursos6 revelam um esforço inicial de sistematização
6. Doze apostilas oriundas desses cursos de relações públicas foram identificadas e analisadas em nossa
tese. Cf. REBECHI (2014)
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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As “relações humanas” como fator da gênese da comunicação nas relações de trabalho em organizações no Brasil
Claudia Nociolini Rebechi
dos elementos constituintes da atividade de relações públicas e, ao mesmo tempo uma
primeira tentativa de prescrição do uso da comunicação nas organizações, dentro de
um contexto favorável de desenvolvimento e expansão do capitalismo.
Por fim, o IDORT também publicou um grande número de textos sobre relações
públicas e comunicação para empresas em sua revista institucional7, a qual mostrou ser
um instrumento bastante útil no propósito de divulgação da entidade e de seus valores.
Candido Teobaldo de Souza Andrade dirigiu a seção específica sobre o tema na
revista produzida pelo IDORT, sendo ele mesmo autor de vários artigos publicados. A
seção surge na década de 1950 e recebe a colaboração de outros especialistas na atividade.
O propósito da seção era oferecer ao leitor explicações básicas sobre as funções da
atividade de relações públicas e sua correlação com o processo de racionalização do
trabalho e com o desenvolvimento do capitalismo moderno. A revista produzida pelo
IDORT, neste sentido, pode ser considerada um dos primeiros veículos de comunicação
impressos, senão o primeiro, a tratar de relações públicas no Brasil com determinada
periodicidade e por meio do conhecimento e da experiência de profissionais – em grande
parte brasileiros – que se interessavam pela atividade e procuravam aplicar seus preceitos
e suas técnicas nas organizações onde atuavam.
Em face ao que foi exposto, pode-se dizer que o esforço do IDORT na legitimação das
relações públicas no Brasil justifica-se, especialmente, devido aos aspectos comuns entre
a natureza dessa atividade e os princípios da racionalização do trabalho, sobretudo da
filosofia das “relações humanas”. Estudar os aspectos que compõem essa inter-relação,
portanto, podem contribuir para um melhor entendimento das matrizes fundadoras
da comunicação nas relações de trabalho em organizações no Brasil.
INTER-RELAÇÃO ENTRE RELAÇÕES PÚBLICAS
E “RELAÇÕES HUMANAS”
As leituras e análises do material do IDORT despertaram nossa atenção para uma
questão importante integrada ao propósito de nossa pesquisa. Elas revelam uma interrelação entre o entendimento de “relações humanas”, propagado pelo IDORT, e o que
esse Instituto considerava ser a atividade de relações públicas no contexto das relações
de trabalho em organizações.
Essa constatação aparece, num primeiro momento, evidenciada nos argumentos
trazidos pelos autores e colaboradores da revista e de outros materiais textuais do Instituto. A expressão “relações humanas” é acionada na intenção de explicar as possíveis
conceituações de relações públicas, sobretudo no que tange a função dessa atividade na administração das relações entre trabalhadores e o patronato e entre chefias e
subordinados.
Uma análise mais atenta desse material documental leva a considerar a seguinte
assertiva: a ideia de “relações humanas” e os seus discursos são formadores do entendimento de relações públicas difundido pelo IDORT. Desse modo, as relações públicas
são projetadas como uma atividade intrínseca à filosofia das “relações humanas”. Por
7. Uma lista completa com todos os textos sobre relações públicas e comunicação para empresas publicados
pela revista do IDORT pode ser verificada em nossa tese. Idem.
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As “relações humanas” como fator da gênese da comunicação nas relações de trabalho em organizações no Brasil
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sua vez, considerada uma doutrina de “organização do trabalho”, as “relações humanas”
tornaram-se orientadoras das prescrições de comunicação em organizações. A proposição mais recorrente da concepção de “relações humanas” evidenciada pelo IDORT
está ancorada na valorização do “bem-estar” do trabalhador em prol da eficiência na
realização do trabalho e da produtividade na empresa.
Nesse mesmo contexto, a atividade de relações públicas estaria em compasso com
os ditames das “relações humanas” no momento em que a ela é atribuída a função de
contribuir para a “criação de um espírito de equipe”. Às relações públicas designou-se
a função de auxiliar na gestão das relações de trabalho das organizações, e seu papel,
entre outros, foi o de promover medidas que reforçassem os propósitos das “relações
humanas”. A fala de Murilo Mendes, um dos pioneiros instrutores de cursos sobre
relações públicas no Brasil, realizados pelo IDORT, retrata essa questão:
Como as boas relações públicas começam por casa, é óbvio que o primeiro passo será examinar atentamente a política geral observada para com o pessoal da empresa. Por melhores
que sejam as bases estabelecidas na administração interna da indústria, a experiência prova
que há vantagens imensas a ganhar; seja na melhora constante das técnicas de relações
humanas no trabalho, como no aperfeiçoamento educacional de todo o pessoal, para que
se crie na indústria essa atmosfera de entusiasmo pelo trabalho, de lealdade para com a
empresa, enfim, esse ‘esprit de corps’ que vinca as grandes organizações de uma unidade
sólida e dinâmica (Mendes, 1953, p. 316).
“Lealdade” e “entusiasmo” são termos-chave no discurso da racionalização que
une as relações públicas e as “relações humanas”. Exige-se do empregado que seja fiel
à empresa onde trabalha, isto é, que coopere com o modelo de gestão e organização
do trabalho pensado pela gerência e, portanto, que colabore com suas chefias e com os
demais empregados em prol de um “clima” propício para a produtividade. A cooperação
para com a empresa, no entanto, resulta da “motivação” e de um certo “entusiasmo” dos
trabalhadores. Ambos os aspectos, conforme prega a filosofia das “relações humanas”,
depende do esforço e do preparo do comando da organização.
Como criar nos empregados o desejo de alcançar os objetivos planejados e tornálos os seus próprios objetivos? A resposta estaria na relação das chefias com os seus
subordinados; no seu modo de comandar e liderar aqueles que estão sob seu controle
no ambiente de trabalho. Nesse sentido, algumas recomendações são enunciadas pelo
IDORT como obrigatórias aos “administradores de pessoal” nas relações de trabalho. A
primeira delas indica que a cordialidade é um fator essencial. Ser amigável e demonstrar
sinceridade em seu comportamento e nas suas atitudes poderiam proporcionar
receptividade positiva por parte dos subordinados. Saber ordenar, criticar e elogiar de
modo a conquistar a simpatia dos empregados tornavam-se elementos imprescindíveis
no modelo de gestão defendido pelas “relações humanas”. Outra recomendação seria
demonstrar interesse na vida profissional e pessoal dos empregados. Tal atitude aproxima
chefes e subordinados, sugerindo que ambos compartilham interesses em comum. Nesse
mesmo contexto, estar disposto a ouvir o trabalhador e manter breves diálogos com ele,
ao longo de sua jornada, contribuem para uma relação amistosa entre ambas as partes
e para a constituição de um bom “clima” no ambiente de trabalho.
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As “relações humanas” como fator da gênese da comunicação nas relações de trabalho em organizações no Brasil
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Todos esses ditames são apresentados como fundamentais para se angariar a
“boa vontade” do trabalhador em prol da organização e gestão do trabalho. Quando o
trabalhador coopera com as decisões dos gestores e do patronato, a política da empresa
torna-se eficiente em conseguir uma certa “harmonia” nas relações de trabalho. Podese dizer que esse é um dos elementos mais importantes da filosofia das “relações
humanas”. Dentro desse contexto, o “interesse mútuo” entre os trabalhadores e seus
empregadores, entre aqueles que “executam” e os que “planejam” o trabalho, isto é,
subordinados e chefias, e entre os próprios empregados nas organizações é anunciado
como uma condição fundamental para a racionalização do trabalho com base no modelo
“humanizador”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme indicado no início deste artigo, nosso principal propósito foi tratar sobre
a doutrina das “relações humanas” como um dos fatores da gênese da comunicação
nas relações de trabalho em organizações no Brasil, considerando a inter-relação de sua
filosofia com os preceitos de relações públicas difundidos, sobretudo, entre as décadas
de 1950 e 1960.
Tendo isso em vista, mesmo que de maneira sintética, procuramos discutir a questão
ao falarmos dos princípios da Escola das Relações Humanas, além de apresentarmos
elementos que demonstram a atuação do IDORT na legitimidade das relações públicas
no Brasil e a inter-relação entre essa atividade e os preceitos das “relações humanas”
disposta no material produzido pelo Instituto. Pode-se dizer que conhecer esse contexto,
certamente, é fundamental para refletirmos sobre a origem do discurso hegemônico de
comunicação em empresas difundido atualmente e reproduzido por fração considerável
dos estudos brasileiros de relações públicas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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WEINSTEIN, Barbara. (2000). (Re)formação da classe trabalhadora no Brasil, 1920-1964. São
Paulo: Editora Cortez.
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Aproximações conceituais:
mediações, relações públicas e relacionamentos
Conceptual approaches:
mediations, public relations and relationships
É l l i d a N e i va G u e d e s 1
Resumo: Objetiva-se mostrar as aproximações entre as concepções de mediação e
das relações públicas, por meio da revisão teórica dessas áreas. Demonstram-se as
repercussões de tais conceitos na configuração dos relacionamentos institucionais,
através de um recurso metodológico denominado contextos de observação das
mediações, que organiza as mediações dos cotistas da Universidade Federal do
Maranhão. Analisa-se o discurso dos cotistas, materializado em um questionário
e em um grupo focal. Os cotistas configuram os relacionamentos com a Universidade como mediadores da assistência estudantil necessária para a permanência deles no ensino superior. Conclui-se que os relacionamentos são processos
mediados pelo material simbólico dos cotistas e mediadores da inclusão social.
Palavras-Chave: Mediações. Relações Públicas. Relacionamentos institucionais.
Cotistas. Universidade Federal do Maranhão.
Abstract: This article aims to show the approaches between the concepts of mediation and public relations, through the theoretical review of these areas. The impact
of these concepts are demonstrated in the configuration of institutional relationships, through a methodological recourse called contexts observation of mediations, which organizes the mediation of the quota students of the Federal University of Maranhão. It’s analyzed the discourse of quota students, materialized
in a questionnaire and a focus group. The quota students configure relationships
with the University as mediators of student assistance necessary for their stay in
higher education. It´s concluded that the relationships are mediated processes of
the symbolic material of quota students and mediators of social inclusion.
Keywords: Mediations. Public Relations. Institutional relationships. Quota
students. Federal University of Maranhão.
INTRODUÇÃO
O CAMPO das relações públicas, os relacionamentos, processos sustentados na
N
mutualidade de interesses entre uma organização e determinados grupos de
pessoas, a partir da qual nascem vínculos (Grunig, 2009a; França, 2004), desempenham uma função mediadora. O processo relacional funda-se, também, nos impactos
1. Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de Coimbra, professora de Relações Públicas
da Universidade Federal do Maranhão, [email protected]
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Aproximações conceituais: mediações, relações públicas e relacionamentos
Éllida Neiva Guedes
recíprocos, o que implica dizer que as ações e decisões de cada envolvido geram efeitos
sobre o outro.
A partir desse entendimento, objetiva-se, neste artigo, mostrar as aproximações
entre as concepções de mediação e das relações públicas, à medida que faz-se uma
revisão conceitual no terreno das duas áreas, articulando-as, ainda, aos relacionamentos institucionais. No plano metodológico, para que se observem as repercussões das
mediações na construção do processo relacional, utiliza-se um recurso denominado
“contextos de observação das mediações”, constituído com base nas teorias das mediações de Manuel Martin Serrano, Jesús Martín-Barbero e Guillermo Orozco Gómez, em
estudo de caso desenvolvido na Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Através
dele, analisa-se o discurso dos alunos cotistas da Instituição, fundamentando-se na
teoria da representação dos atores sociais de Theo van Leeuwen e à luz das mediações
organizadas nos referidos contextos.
MEDIAÇÕES E RELAÇÕES PÚBLICAS: REVISÃO CONCEITUAL
A mediação concebida no âmbito do controle social é delineada como um processo
que ocorre entre dois polos, por iniciativa de um deles, no caso, de instituições mediadoras (midiáticas ou sociais). Estas, através da seleção e da transmissão de informações, oferecem formas particulares de representação da realidade, com a intenção de
promover ajustes em direção à estabilidade do sistema social (MARTÍN SERRANO,
2008). Por essa concepção, a mediação tem contornos de uma atividade de intervenção
“autorizada”.
Transpondo-se essa concepção para o campo das relações públicas como atividade
mediadora, é possível associá-la aos modelos do paradigma simbólico-interpretativo
(GRUNIG,2009b). Tais modelos objetivam influenciar a interpretação dos públicos de
uma organização, de forma persuasiva e manipulativa, apresentando-lhes o recorte de
uma realidade que interessa a ela - fragmentada e emoldurada por matérias específicas e
favoráveis à organização - através, principalmente, dos meios de comunicação de massa,
mantendo, assim, o status quo organizacional.
Isso implica dizer que, de uma certa forma, as relações públicas, na perspectiva da
comunicação unilateral que se nota nesse processo, administram a produção e a oferta
das informações organizacionais e medeiam a realidade dos públicos, oferecendo-lhes
sentidos convenientes e orientando-os em seu relacionamento com a organização e com
o mundo. Ao conduzir o processo dessa forma, as relações públicas pressupõem-se
legítimas em suas ações. Sob esse prisma, tornam-se um sistema de ajuste e controle
dos públicos, cujos comportamentos afetam a existência e coesão da organização. Constituem, assim, parte de um setor produtivo em favor de interesses próprios dos planos
privado ou governamental.
A mediação configurada nos moldes do ajuste e do controle pela informação converge para a máxima dos primórdios das relações públicas “O público deve ser informado”,
cuja intenção era, na verdade, de influenciar a “opinião pública”, em um processo que não
incluía qualquer racionalidade. Nota-se que, no contexto delineado, a opinião pública
não se refere somente a questões de interesse público (bem-estar geral), mas de interesse
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Aproximações conceituais: mediações, relações públicas e relacionamentos
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privado, no âmbito da concepção de “opinião-não-pública2” de Habermas (2003). Nesse mesmo sentido, no terreno dos meios de comunicação de massa como instituições
mediadoras, o papel das relações públicas é de intervir na agenda midiática para nela
inserir os interesses da organização, introduzindo, transformando, renovando temas, ou
seja, impondo à “opinião pública” representações convenientes da realidade. A seleção
e a apresentação das informações, nessa dinâmica, são condicionadas aos interesses em
jogo, o que limita o processo e conduz à associação da mediação realizada pelas relações
públicas, em tal contexto, a uma atividade que impõe limites ao que pode ser dito e
determina como fazê-lo, por meio de um sistema de ordem (MARTÍN SERRANO, 2008).
Nesse caso, as relações públicas são uma ferramenta eficaz para a manutenção do
status quo, cujas ações, em uma dimensão tático-operacional da atividade, configuram
o caráter mediador da atividade, na perspectiva da concepção de mediação como
controle social através da informação. Contudo, considerando-se tal concepção, podese dizer que as ações de relações públicas empreendidas nesse modelo não constroem
relacionamentos, como se entende neste artigo, ou seja, na dimensão da reciprocidade
de interesses e da interlocução. Inserem-se, exclusivamente, no campo da divulgação e
da promoção e têm caráter persuasivo.
Já os conceitos de mediação no campo da produção de sentidos fundamentam-se no
sujeito do processo comunicacional enquanto ser social e cultural, nos quais o caráter
interventor da mediação está no sujeito (receptor) e no processo em si e não mais no
emissor. Nesse contexto, as mediações referem-se a um conjunto de fatores socioculturais estruturantes, individuais e coletivos do sujeito - da origem étnica e geográfica
aos movimentos sociais e culturais e às tecnologias da comunicação –, em uma multiplicidade de tipos. Constituídas a partir de material simbólico de várias ordens, estão
inscritas em uma dinâmica reveladora da história, experiências e entornos dos sujeitos,
na qual as combinações e os resultados são particulares a cada um. As mediações são
variáveis permanentemente transformadas e transformadoras - do próprio sujeito e do
processo comunicativo.
Apesar da comunicação ser o processo que orienta as relações públicas em todos os
modelos praticados pela área, é a concepção comunicacional bidirecional do paradigma
estratégico (GRUNIG, 2009b), focado na construção de relacionamentos entre uma
organização e seus públicos, que conduz à articulação do processo relacional com o
conceito de mediação no campo do simbólico. Isso porque tal paradigma implica a
introdução do diálogo entre uma organização e seus públicos, da perspectiva do receptor
e das contingências que envolvem o processo comunicacional. Muda a função mediadora
das relações públicas, já que o diálogo substitui a persuasão, pelo qual pretendem-se o
entendimento mútuo e o equilíbrio de interesses entre os atores do processo.
No campo simbólico, a mediação estrutura a comunicação, à medida que compreende a ataução de variáveis diversas na interpretação das mensagens. Nesse processo, os
sujeitos apelam a materiais simbólicos próprios produzidos/adquiridos e reelaborados
2. Para Habermas (2003), as relações públicas emprestam aos interesses privados uma autoridade de
objeto público e engendram um consenso em busca da aceitação de ideias, pessoas e produtos, dotando
a organização mediadora de um caráter legítimo para a oferta de referências a um dado grupo. Daí ele
apontar a “opinião não-pública” como objeto das relações públicas.
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Aproximações conceituais: mediações, relações públicas e relacionamentos
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ao longo de sua vida, contextos, diferentes posições sociais e lugares de fala que ocupam,
moldados, porém, na sociabilidade cotidiana da interação social. Esse conceito vem ao
encontro dos pressupostos teóricos das relações públicas segundo os quais a investigação dos públicos é o ponto de partida para o planejamento da construção e gestão
dos relacionamentos entre organização e públicos e que comporta o conhecimento do
perfil e dos comportamentos desses públicos e da origem dos relacionamentos, os quais
repercutem nos interesses da organização. As mediações comparecem nos fluxos de
comunicação que conformam a interação organização-públicos, intervindo nos relacionamentos, moldando-os e influenciando na natureza e continuidade deles.
Ora, se variáveis mediadoras intervêm nos relacionamentos, é possível identificarem-se as mediações, como material simbólico, na investigação dos públicos de uma organização. As mediações tornam-se visíveis na caracterização do perfil dos públicos, no
campo individual, em categorias como idade, sexo, escolaridade, por exemplo. Também
são observáveis no plano da sociabilidade, nos cenários de vivências e interações - família, escolas, instituições em que os sujeitos exercem seus papéis sociais, redes sociais
de relacionamentos, movimentos organizados, consumo dos meios de comunicação.
O relacionamento institucional configura-se, assim, como um processo mediador
entre uma organização e seus públicos, presencial ou virtual, interpelado (mediado)
por variáveis de ordem individual, familiar, social, educacional, econômica, cultural,
simbólica, histórica, tecnológica, midiática que indicam as condições em que tal processo
se sustenta. Estas variáveis constituem e diferenciam os públicos, conduzem seus comportamentos, geram objetivos diferentes e/ou divergentes e interferem tanto no processo
relacional, como no pretendido equilíbrio de interesses e compreensão mútua. É um
processo que envolve interesses mútuos, a partir dos quais criam-se e/ou fortalecem-se
vínculos entre os envolvidos. Ocorre em rede, considerando-se os outros relacionamentos
dos quais organização e públicos fazem parte e os impactos por eles gerados.
A seguir, apresenta-se a metodologia utilizada no estudo de caso realizado na
UFMA, para, em seguida, demonstrarem-se os resultados da pesquisa, por meio dos
quais observam-se as aproximações conceituais entre as mediações, as relações públicas
e os relacionamentos, objetivo deste artigo.
QUESTÕES METODOLÓGICAS DA PESQUISA
O estudo de caso realizado teve como objetivo analisar a relação entre as mediações e
a construção dos relacionamentos entre os alunos cotistas e a UFMA, maior universidade
do Maranhão, com 49 anos de existência. Naquele estudo, os cotistas foram representados
pelos bolsistas do Programa de Extensão “Conexões de Saberes: diálogos entre a
universidade e as comunidades populares”, cujo objetivo é promover a permanência
qualificada, na Universidade, de alunos em vulnerabilidade socioeconômica, por meio
de uma bolsa-auxílio e do suporte pedagógico (complementação da formação acadêmica
através de cursos e grupos de estudo).
O grupo dos trinta e seis bolsistas do Conexões de Saberes constituíram um primeiro
subgrupo da investigação, a partir do qual, pela amostragem por tipicidade (MARCONI
& LAKATOS, 1990), compôs-se um segundo subgrupo, com um terço dos bolsistas (doze
alunos), que representaram a amostra da pesquisa.
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Aproximações conceituais: mediações, relações públicas e relacionamentos
Éllida Neiva Guedes
Para a coleta de informações relativas aos indivíduos da amostra, primeiramente, por
correio eletrônico, aplicou-se aos doze bolsistas um questionário individual estruturado
em quarenta e uma questões abertas e duas fechadas, agrupadas em três partes. As
questões indagavam os cotistas sobre seus dados demográficos, hábitos culturais, hábitos
associativos, consumo e acesso aos meios e às tecnologias de informação e comunicação e
tratavam de temas ligados à UFMA (função social, expectativas dos cotistas em relação a
ela, relacionamentos). Após a aplicação do questionário, realizou-se um grupo focal (focus
group) com o mesmo grupo de doze alunos. Para a organização e tratamento do corpus
da pesquisa, os dados coletados foram sistematizados nos “contextos de observação das
mediações dos bolsistas”, um construto teórico-metodológico elaborado para capturar
as mediações na realidade empírica dos cotistas.
Tais contextos representam um agrupamento dos tipos de mediações apontados
por Martín-Barbero (2000, 2009a, 2009b) e Orozco (1996, 2001, 2004), adaptados ao estudo
em questão. Levou-se em consideração que as tipologias das mediações desses autores
remetem às interações próprias dos percursos de vida de um sujeito, que diferenciamse pelos locais, temporalidades, modos e circunstâncias de ocorrência. Seguem abaixo
os contextos com seus respectivos quadros de referência:
a. contextos individuais e familiares, nos quais articulam-se as mediações próprias
da individualidade dos bolsistas, inseridos em seus meios culturais, e as mediações da
trajetória familiar: gênero, idade, etnia, estado civil, origem social, origem geográfica,
lugar atual de residência, escolas de origem, condição de aluno “cotista”, pioneirismo
na família no acesso à educação superior, composição familiar, escolaridade dos pais,
ocupação profissional dos pais, origem geográfica dos pais, renda familiar.
O grupo de bolsistas investigados foi constituído por onze mulheres, com faixa etária
entre 20 e 25 anos (apenas uma com 27 e outra com 30), e por um único homem, com
38 anos, sendo todos solteiros e sem filhos. Dentre o grupo, quatro são originários de
cidades de pequeno porte do interior do Maranhão e oito nascidos na capital do Estado.
São jovens afrodescendentes que estudaram em escolas públicas de São Luís (ensinos
fundamental e médio), que moravam com a família, em bairros da periferia da cidade,
sendo dois residentes da Casa do Estudante da UFMA. Ingressaram na Universidade
através do sistema de reserva de vagas e faziam parte do universo de estudantes de
origem popular da Instituição.
Seus pais e mães, em sua maioria (sete), têm o curso fundamental incompleto,
dois concluíram o ensino médio e três são analfabetos. Com apenas três exceções, que
nasceram em São Luís, os pais e mães são originários de pequenos municípios do
Maranhão. Os pais, no caso dos que moravam com a família, são lavradores, pedreiros ou
motoristas, e as mães são serventes, empregadas domésticas ou donas de casa. A renda
familiar variava entre um e três salários mínimos, mas os bolsistas não trabalhavam. A
média de componentes na família era de quatro a seis pessoas. Os doze bolsistas foram
os primeiros da família a frequentar uma universidade.
b. contextos acadêmicos, nos quais articulam-se os cenários e situações de interação
dos alunos no âmbito da Universidade, permeados pelas mediações da Instituição:
o caráter público e gratuito da UFMA, o conhecimento científico produzido e
compartilhado, o Programa Conexões de Saberes, as atividades de ensino, pesquisa
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e extensão que realizam, as formações e eventos acadêmicos dos quais participam, a
assistência estudantil recebida (auxílios da Instituição), o sistema de cotas de acesso à
Universidade, as normas institucionais, os relacionamentos entre os alunos do grupo em
foco e destes com a coordenação do Programa e com os colegas dos respectivos cursos,
a hierarquia e o poder que permeiam as relações com a coordenação.
Os bolsistas eram alunos de onze diferentes cursos da UFMA e, paralelamente,
estudavam inglês no Núcleo de Cultura Linguística, da própria UFMA, através de
bolsas de estudo.
O grupo, a partir de falas de oito deles, declarou o benefício da bolsa como principal
motivação para candidatarem-se a uma vaga no Conexões de Saberes, sempre aliando,
porém, o interesse em participar de um projeto de cunho social-comunitário e na formação
qualificada oferecida pelo Programa. Além da bolsa, parte do grupo recebia outros tipos
de auxílio (moradia, alimentação) provenientes do programa de assistência estudantil
da Universidade e apoio financeiro para participar de eventos locais e nacionais. Isso
lhes dava a oportunidade de conhecerem outras cidades, como declara um deles: “[…]
Muitos aqui já viajaram para seminários em Brasília, Goiânia, Rio de Janeiro. Se não
fosse a UFMA a gente nunca, jamais tiraria o pé daqui do Maranhão. A gente não tem
suporte financeiro para isso[…]”(GF-113).
No contexto descrito acima, observam-se variáveis mediadoras das atividades
acadêmicas, cuja fonte é a própria UFMA, tais como: o conhecimento científico produzido
e compartilhado na Universidade, o próprio Programa Conexões de Saberes, o apoio
financeiro e pedagógico, as políticas afirmativas adotadas pela Instituição, a assistência
estudantil e o caráter público e gratuito da Instituição.
c. contextos institucionais, nos quais inserem-se os cenários das práticas associativas
e do intercâmbio simbólico com instituições nas quais os bolsistas exercem outros papeis
sociais: associações de bairro, movimentos organizados, instituições religiosas, projetos
sociais dos quais participam.
Na contramão do critério de seleção ao Conexões que se refere ao engajamento em
atividades ligadas ao exercício da cidadania, somente um bolsista, no grupo investigado,
participava de uma associação de bairro, dois de um movimento organizado de
consciência negra e três atuavam em igrejas.
d. contextos culturais e de consumo dos meios e das tecnologias de informação e
comunicação, nos quais articulam-se as oportunidades, possibilidades e circunstâncias
de acesso à informação e às tecnologias: rádio, televisão (canais abertos e fechados),
cinema, internet, redes sociais, telefone celular.
No grupo dos bolsistas, sete tinham computador em casa, dos quais seis com
acesso à internet, e um dispunha de computador portátil, para uso da família. Os
demais conectavam-se à web na sala do Conexões, para realizar pesquisas acadêmicas,
navegar nas redes sociais de relacionamento e fazer leituras de entretenimento. Todos
os entrevistados possuiam celular, não conectados à internet, nenhum tinha outros
dispositivos tecnológicos portáteis e um tinha assinatura de canais fechados na residência.
3. Identificam-se os recortes das falas dos cotistas retiradas das respostas ao questionário aplicado à amostra
através da letra “Q”, em maiúsculo, seguida do número atribuído ao respondente, de acordo com a ordem
de devolução do questionário respondido.
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São jovens que leem, com mais frequência, livros técnicos ligados às suas áreas de
estudo, tendo a leitura de revistas e jornais como ocasionais. Assistem à televisão (aberta)
com pouca frequência e, nesse caso, a telejornais. Quando ouvem rádio, também com
pouca frequência, em geral, escolhem a FM da UFMA. Ao cinema vão uma ou duas
vezes ao mês, sendo que dois deles, semanalmente.
A partir desses contextos, procedeu-se à análise do discurso dos cotistas, orientada
pela teoria da representação dos atores sociais de Theo van Leeuwen (1997). Tal teoria
sustenta a investigação das opções de representação dos atores sociais de relevo no
discurso, com base nos papeis que eles desempenham nas práticas sociais, os contextos
em que são realizadas, porque tais opções foram feitas e os interesses a que servem.
O inventário proposto por van Leeuwen introduz como categorias gerais a inclusão e
a exclusão às quais um ator social está sujeito no discurso e como são feitas. Assim,
em um primeiro momento analítico, identificaram-se os modos como os cotistas se
excluem ou se incluem em seus discursos, assim como o fazem com a UFMA e outros
atores institucionais com os quais se relacionam no campo acadêmico. Nessa análise,
articularam-se as auto-representações dos alunos e as representações da Instituição às
mediações daquele público. No segundo momento da análise, com base nos resultados
obtidos no primeiro, analisaram-se as repercussões das mediações e das representações
nos relacionamentos entre a UFMA e os cotistas e nos sentidos por eles elaborados
quando se referem à Instituição e ao processo relacional construído.
RESULTADOS DA PESQUISA: APROXIMANDO OS CONCEITOS DE
MEDIAÇÃO, RELAÇÕES PÚBLICAS E RELACIONAMENTOS
Os relacionamentos, no campo das relações públicas, implicam a existência ou
criação de vínculos entre uma organização e seus públicos, através da mutualidade de
interesses. Em um discurso elaborado em torno do acesso à UFMA, das condições para
a permanência na Instituição e dos relacionamentos com ela, os cotistas usam formas
próprias de nele incluírem ou excluírem a si próprios e a Universidade. Essas formas,
são atravessadas pelos conceitos de exclusão e inclusão no campo socioeducacional.
Em tais representações e conceitos subjacem as mediações referidas nos “contextos
de observação das mediações”, que, consequentemente, permeiam a configuração dos
relacionamentos.
Os cotistas, em seus discursos, evidenciam mediações dos contextos individuais
e familiares (trajetória pessoal e origem social), por exemplo, quando dizem que “[…]
No tempo da minha avó, da minha mãe, nem se pensava em faculdade[…]”(GF-4), em
uma referência ao cenário educacional brasileiro elitizado e excludente anterior às cotas
sociais e raciais como reserva de vagas no ensino superior brasileiro. Associam-se a
essas falas as representações que os cotistas fazem deles mesmos como “[…]pobres
salientes4 ocupando o espaço da elite[…]”(GF-3). Em outros momentos, os cotistas admitem que, com as cotas, “[…] as portas (da UFMA) estão mais largas […]”(GF-10) e que
muitos deles são “[…]os primeiros de muitas gerações que conseguiram entrar numa
universidade[…]”(GF-3).
4. No Maranhão, esse termo é usado, popularmente, para referir-se a alguém atrevido.
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Aproximações conceituais: mediações, relações públicas e relacionamentos
Éllida Neiva Guedes
Em tais representações, os alunos associam a UFMA à inclusão e, por conseguinte,
perspectivam uma transformação no cotidiano e na vida futura deles: “[…]eu acredito
que tenho muitos ganhos por estar na Universidade, porque aqui eu conheço pessoas,
lugares, coisas novas, que fora daqui eu não iria conhecer[…]”(GF-2); “[…]Estar na UFMA
é um status![…]”(GF-2); “[…]Primeiro, vem o conhecimento, a possibilidade de ter uma
profissão; segundo, as oportunidades depois de formados[…]”(GF-9).
Entretanto, por outro lado, os cotistas revelam que essa inclusão, paradoxalmente,
contém um viés excludente, ao dizerem que “[…]manter-se na Universidade é difícil[…
]”(GF-2); “[…]A UFMA não garante a permanência, com qualidade, do universitário
de origem popular[...]” (GF-10). Apesar de terem conseguido entrar na Universidade
(da elite), os cotistas parecem sentir-se em permanente estado de alerta, como se, a
qualquer momento, pudessem voltar à condição de excluídos, diante das dificuldades
acadêmicas que precisam vencer: “[…]lá no curso, nós começamos com quarenta e seis
alunos; hoje, só tem vinte e dois[…]a Universidade não foi feita para os alunos de origem
popular[…]”(GF-6); “[…]o tamanho das salas de aula vai diminuindo, porque eles (a
Universidade) já preveem que os alunos (de origem popular) vão desistir[…]”(GF-8).
A configuração dos relacionamentos - insatisfatórios e excludentes - que se observa
acima, baseada no estatuto socioeconômico dos cotistas, coloca-os em luta permanente
para manterem-se na Universidade: “[…]A Universidade, na realidade, não nos quer
aqui[…]”(GF-7); “[…]aqui, a gente tem que matar dez leões por dia aqui[...](GF-10)”; “[…]
há necessidade de se desenvolver planos de assistência estudantil que garantam essa
permanência[…]”(GF-5).
A UFMA é percebida, metaforicamente, nesse cenário, como uma “porta”, que tanto
abre-se como fecha-se para eles. A “abertura” aponta para uma mobilidade social (acesso
ao ensino superior, conclusão da graduação, pós-graduação, emprego após o término do
curso). O “fechamento” da porta está expresso nas dificuldades para a permanência: o reduzido quantitativo de vagas para os auxílios da assistência estudantil, os rigorosos critérios
de seleção para tais auxílios, os altos custos dos serviços na vida acadêmica (fotocópias
e livros, por exemplo), a sensação de estarem sendo “filtrados” quando a UFMA reduz o
tamanho das salas de aula ao longo do curso. Os relacionamentos, nesse contexto, adquirem, contornos ora harmoniosos, ora conflituosos, em um movimento de distanciamento
entre os envolvidos, apesar dos vínculos estabelecidos entre a Instituição e os cotistas.
Os conflitos, contrapostos a ganhos apontados pelos cotistas por estarem na UFMA,
são reflexo da dimensão excludente dos relacionamentos em foco e, também entrecortam
as falas deles: “[…]nós temos que lutar pelas coisas e direitos[…](GF-4); “[…]A UFMA não
garante a permanência com qualidade do universitário de origem popular[...]”(GF-10);
“A universidade foi feita pensando nos deles (elite) e não em nós” (GF-3).
Os bolsistas, contudo, também adotam escolhas representacionais que exprimem
uma percepção do processo relacional pelo prisma inclusivo (de afirmação da presença
deles no ensino superior). Nesse contexto, o Programa Conexões de Saberes aparece como
o símbolo do processo relacional entre a Universidade e os bolsistas: “[…]O Conexões
de Saberes promove o relacionamento da UFMA com os alunos de origem popular[…
]”(GF-10); “[…]a interação entre os bolsistas (cotistas) e a UFMA somente ocorre através
do projeto Conexões de Saberes[…]”(Q- 4).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4965
Aproximações conceituais: mediações, relações públicas e relacionamentos
Éllida Neiva Guedes
Dessa forma, os cotistas atribuem ao conceito de relacionamento institucional o
sentido de assistência estudantil que possibilita (ou deveria possibilitar) a vida acadêmica deles, em uma evidenciação dos contextos de vida (limitados e limitadores) deles.
Tal sentido e a configuração do processo relacional entre a inclusão e a exclusão, a harmonia e o conflito, ancoram-se na condição socioeconômica deles, da qual decorrem
outras variáveis que medeiam as representações e os sentidos manifestados nestas e
nos relacionamentos com o ator UFMA: percurso escolar de pouca qualidade, baixa
escolaridade dos pais, renda familiar limitada, bairro onde moram, condição de aluno
“cotista”, dificuldades financeiras e pedagógicas para a referida permanência, precariedade na moradia.
As mediações e representações vistas acima, com caráter ora inclusivo, ora excludente, projetam-se em todas as circunstâncias e processos interativos dos cotistas com a
Universidade, na percepção que constroem para esta e para o que constitui relacionar-se
com ela. São esses processos interativos (relacionamentos construídos) que medeiam o
atendimento aos interesses dos bolsistas, ou seja, a inclusão educacional. Tais processos
interativos podem conduzir à ampliação da inserção igualitária dos cotistas no meio
social, ou seja, a mobilidade social na qual eles inscrevem as representações da UFMA,
simbolizada pela perspectivação do emprego condizente com a formação que eles, uma
“minoria privilegiada” (como um dos cotistas se referiu ao grupo), receberam.
Considerando-se as repercussões das mediações dos cotistas nos relacionamentos
institucionais, estes adquirem a configuração de processos mediados pelas variáveis
que atravessam o discurso deles. Ao mesmo tempo, esse processo relacional, no qual
tais variáveis intervêm, é mediador de práticas de inclusão social. Nesse sentido, os
relacionamentos com a UFMA medeiam mudanças na vida dos cotistas, que promoverão
melhores oportunidades no futuro e distinguirão sua história da dos seus pais. Esse
processo, porém, não deixa de também mediar um certo tipo de exclusão, quando a
assistência estudantil é deficitária e coloca os cotistas à margem da inclusão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os conceitos das relações públicas estão diretamente associados aos de mediação,
de acordo com os conceitos e estratégias utilizados em cada momento da existência e
evolução da área. O objetivo dos primeiros modelos de influenciar a interpretação que
os públicos fazem da organização em favor da manutenção e sobrevivência dela vai ao
encontro do conceito de mediação no terreno do controle social pela informação. Nesse
caso, as relações públicas medeiam a organização e os públicos ao oferecer a estes,
principalmente, pelos meios de comunicação de massa, uma realidade fragmentada,
significando-a de modo favorável à organização e dotando tal instituição mediadora
de um caráter legítimo para a oferta de referências (HABERMAS, 2003).
À medida que o objeto das relações públicas passa a ser os relacionamentos entre
uma organização e seus públicos, com base no diálogo, admite-se a intervenção de
múltiplas variáveis na relação organização-públicos, em substituição à intervenção
dominante da instituição mediadora. Tal concepção vai ao encontro do conceito de
mediação no plano simbólico.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4966
Aproximações conceituais: mediações, relações públicas e relacionamentos
Éllida Neiva Guedes
No estudo de caso, observou-se que os modos singulares como os cotistas significam a si mesmos, a UFMA e os relacionamentos com ela são indissociáveis da intervenção das mediações, que eles trazem para esse processo relacional como resultado
dos seus percursos de vida. Dessa maneira, aqueles modos são demarcados no terreno
do atendimento às necessidades próprias da classe socioeconômica a qual os cotistas
pertencem. A configuração desse processo é contextualizada no terreno da assistência
estudantil que a Instituição deve oferecer a eles para possibilitar a permanência deles
no ensino superior e a conclusão do curso de graduação. Assim, os relacionamentos
entre os cotistas e a UFMA são percebidos, por um lado, como um processo equilibrado,
à medida que atendem aos interesses dos bolsistas. Por outro lado, são conflituosos,
simbolizados pelos obstáculos que enfrentam no percurso acadêmico. De uma forma ou de outra, representam a ruptura de uma situação de exclusão (negação de um
direito) histórica das classes populares da educação superior no Brasil, embora ainda
apresentem limitações.
Entre a ruptura de uma situação que inclui os cotistas na educação superior pública e gratuita, através das cotas, e a denúncia das limitações no cotidiano acadêmico,
pode-se dizer que os relacionamentos deles com a UFMA expressam a tensão entre
as possibilidades/oportunidades futuras e as dificuldades presentes vivenciadas por
eles, oscilando entre o equilíbrio e o conflito de interesses. Dessa maneira, o processo
relacional em questão ora aproxima os cotistas da Instituição, ora os afasta dela. Nesse
processo, a UFMA exerce uma função mediadora de inclusão social, levando, entretanto,
os cotistas ao enfrentamento de duas realidades antagônicas, através dos relacionamentos institucionais.
A UFMA torna-se, nesse contexto, um campo de lutas, contradições e conquistas
para os cotistas e desponta como o caminho para a mudança no rumo da história de
vida deles. Os relacionamentos da Instituição com os cotistas simbolizam o presente
(condições para a permanência) e o futuro (mudança de vida).
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Aproximações conceituais: mediações, relações públicas e relacionamentos
Éllida Neiva Guedes
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4968
A mobilização dos sentidos na atividade laboral:
dimensão transgressora da comunicação organizacional
The meanings mobilization in the work activity:
transgression’s dimension of organizational communication
G i s l e n e F e i t e n H a u b r i ch 1
Resumo: A temática do estudo versa sobre a relação “comunicação e trabalho” e
almeja identificar possíveis construções de sentido sobre a atividade, mobilizadas
pela comunicação organizacional em seu ato de linguagem em jornal da empresa.
Três eixos teóricos norteiam a reflexão: cultura organizacional, atividade de
trabalho e comunicação organizacional. Desenvolve-se um estudo de caso com
base no corpus composto por oito editoriais divulgados no jornal da empresa
Hera, em edições publicadas entre janeiro de 2012 e junho de 2014. A lente para
análise, denominada teórico-ergo-discursiva, se fundamenta na perspectiva
semiolinguística do discurso. A análise evidencia que integrar as interações no
trabalho reconfigura a lente às problemáticas do cotidiano e implica repensar
as práticas comunicativas no âmbito das organizações, resistindo à perspectiva
instrumental e prescritiva.
Palavras-Chave: Comunicação e Trabalho. Cultura. Discurso. Interação. Produção
de Sentidos.
Abstract: The thematic of this study speaks about the relationship between “work
and communication” and aims to identify some possible meanings produced
about the work activity, mobilized by the organizational communication in
its act of language at the enterprise journal. Three theoretical groups guides
the reflection: organizational culture, labor activity and organizational
communication. In the article, we develop a case’s study, based on a corpus
composed by eight editorials published between January/ 2012 and June/2014, in
the Hera’s enterprise journal. The analyze is called theoretical-ergo-discoursive,
and is grounded in the perspective semiolinguistic of discourse. The central
point of the analyze comprehends that the interactions in the work resets the
way that we look to the everyday problems and implies a new way to think
about de communicative practices in organizations, resisting to instrumental
and prescriptive perspective.
Keywords: Work and Communication. Culture. Discourse. Interaction.
Production of Meanings.
1. Doutoranda em Processos e Manifestações Culturais da Universidade Feevale. Bolsista da Capes em
regime de dedicação exclusiva. [email protected].
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4969
A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional
Gislene Feiten Haubrich
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
ENTRE AS múltiplas práticas que ordenam o comportamento e as relações esta-
D
belecidas na coletividade, o trabalho é uma das instâncias de socialização que
mais tem sido implicada ao longo do tempo. Se desde os gregos ele é visto como
ato punitivo ou alienante, os efeitos da mundialização na contemporaneidade têm transformado os vínculos estabelecidos entre os sujeitos e sua atividade laboral, que passa a
ser percebida como constituinte fundadora da identidade dos sujeitos. Nesse sentido,
defende-se que a comunicação assume novas perspectivas no contexto organizacional,
visto que deve compreender e abarcar as interações cotidianas às suas práticas e seus
discursos. Propõe-se que a relação trabalhador/organização tenha seu enfoque ajustado
da produção/consumo para a interação/construção de sentidos. Não se trata de uma
sobreposição de interesses, mas da inclusão das dimensões do sujeito e do trabalho às
discussões da comunicação.
O discurso é alicerce da organização. Os sentidos propagados e construídos orientam
o destino, estabelecem a credibilidade e contribuem para o estabelecimento de imagens
acerca do que ela enuncia. Se o interlocutor não é mais aceito como sujeito passivo no
ato comunicativo publicitário ou midiático, por exemplo, é essencial compreender que
o trabalhador é também interlocutor, um ser capaz de interpretar e produzir saberes
perante prescrições e experiências. O trabalhador implica o meio no qual habita, mesmo
que por vezes, sua ação seja negligenciada e incorporada às decisões organizacionais
como se fossem postas. Se as organizações têm se transformado. A atitude ativa dos
indivíduos tem relação direta com essas mudanças paradigmáticas.
Ancorado no desafio de contribuir com a ampliação das investigações que relacionam
comunicação e trabalho, o artigo visa identificar possíveis construções de sentido
sobre a atividade laboral, mobilizadas pela comunicação organizacional em seu ato
de linguagem em jornal de empresa. Para tanto, seleciona-se como corpus os editoriais
do jornal da empresa Hera publicados entre janeiro/2012 e junho/2014 e adota-se a
estratégia de análise denominada teórico-ergo-discursiva. O texto é estruturado em três
blocos, a iniciar pela reflexão teórica, que tensiona as noções de cultura e comunicação
organizacional a luz da atividade do trabalho, além de considerar os discursos como
subsídios para tal discussão. Na sequência, aborda-se o corpus e como se dará sua análise,
seção de fechamento do artigo.
CULTURA, COMUNICAÇÃO, TRABALHO E O
ESPAÇO DO SUJEITO DA ATIVIDADE
A noção de trabalho há muito tempo caminha por um percurso que salienta
seus aspectos contraproducentes: punição, sofrimento e alienação são sentidos que
constroem a teia da atividade laboral desde os gregos. As representações da realidade
organizacional se assentam sob uma perspectiva economicista que reduz os vínculos
sociais entre indivíduos a relações entre “coisas” (ANTUNES, 2011). Essa lógica perdura
até a contemporaneidade e o trabalho, fundamentado por ela, é fonte das identidades dos
sujeitos e das sociedades modernas, sendo que ambos parecem ser atores coadjuvantes
dessas práticas “globalizadas”. O caráter transnacionalizado do capital e do sistema
de produção provoca importantes mudanças na forma como os sujeitos percebem
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4970
A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional
Gislene Feiten Haubrich
seu trabalho. “Com a reconfiguração, tanto espaço quanto tempo de produção, dada
pelo sistema global do capital, há um processo de reterritorialização e também de
desterritorialização”. (ANTUNES, 2009, p. 115). É necessário adaptar-se às múltiplas bases
locais e globais depreendidas pelo fazer laboral. O local, ligado às tradições, permanece
influenciando a identidade e as experiências dos indivíduos, enquanto o global, difuso,
é determinante à definição das novas tecnologias e orientações mercadológicas que
permeiam a realização da atividade.
Defende-se, então, a inclusão da ação efetiva do sujeito no processo de construção
e socialização de saberes no trabalho, a fim de buscar alternativas legítimas frente
o desafio das organizações para manter vinculados a elas profissionais qualificados,
sujeitos criativos e cidadãos engajados aos seus valores e princípios. Para tanto, é necessário considerar o trabalho de forma ressignificada, na qual o trabalhador é percebido
ativamente na construção da realidade, por meio da gestão que faz de si na atividade
laboral (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007). Aceita-se que são feitas escolhas, orientadas tanto
por prescrições às tarefas quanto perante a interpretação e o acionamento dos saberes
da experiência, expressão da dimensão subjetiva do trabalho. A proposição ergológica
da atividade, que tem Yves Schwartz como expoente, ressalta que toda a situação de
trabalho é única e singular, logo, é inconcebível reduzi-la a reprodução de prescrições
ou execução repetitiva de ações.
Ao mencionar os usos de si, Schwartz (2000) utiliza o termo dramática, pois na sua
concepção as problemáticas cotidianas da atividade articulam-se umas às outras em
situações não previstas. “Drama quer dizer que alguma coisa acontece. É isso, sempre
acontece alguma coisa no trabalho”. (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007). As dramáticas ou
intervenções são frutos de um sujeito, que Schwartz (2007)2 prefere chamar de corpo si.
Para esse autor, as escolhas feitas nem sempre são conscientes, pois a subjetividade se
estrutura a partir das arbitragens do meio, da cultura. Assim, a gestão das dramáticas
do uso de si deriva das economias do corpo, que envolvem tanto as sinalizações sensoriais,
visuais e imateriais, quanto à inteligência que é balizadora da conduta, por meio de um
“adestramento” cultural. Em síntese, as dramáticas do uso de si são compreendidas pelo:
a) uso de si pelo outro que se refere às orientações procedentes da situação da organização e obedece a aspectos socioeconômicos; b) uso de si por si, manifesto nas estratégias
escolhidas pelo trabalhador em sua atividade diante da interpretação de prescrições,
reflexão e investimento de sua experiência e seus interesses (SCHWARTZ, 2000).
A maneira como o trabalho é absorvido pela organização pode revelar aspectos
culturais da estrutura. Considerando sua perspectiva ressignificada, embasada na
atividade, nos saberes investidos, tensionados e construídos pelos sujeitos por meio
das dramáticas do uso de si, pode-se vincular algumas noções relativas à cultura
organizacional, enquanto movimento de sentidos proveniente das ações dos trabalhadores
em situação. Nesse caso, a opção pela avaliação de editoriais de jornal de empresa
é produtiva, pois o ato de linguagem aí estabelecido revela o espaço atribuído aos
2. A obra organizada por Schwartz e Durrive (2007), “Trabalho & Ergologia”, é construída por meio de
entrevistas. A abordagem da noção de corpo si elucidada por Schwartz nessa obra esclarece algumas
lacunas presentes em uma das primeiras reflexões materializadas sobre “O trabalho e o Uso de Si” por
esse autor no ano 2000.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4971
A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional
Gislene Feiten Haubrich
indivíduos para tal atuação. Conforme Charaudeau (2010), o ato de linguagem se constitui
da atuação de quatro sujeitos: dois seres sociais (EUc-TUi) e dois seres de fala (EUe-TUd).
Interessa mencionar que para esse autor, o processo comunicativo ocorre como um jogo
de intencionalidades, no qual aquele que comunica (EUc) pretende envolver aquele que
interpreta (TUi). Para tanto, vale-se de estratégias discursivas delineadas pelos seres
de fala: enquanto o enunciador (EUe) seleciona e manifesta as temáticas e intenções do
seu discurso, preocupar-se-ia com o destinatário (TUd) e as possíveis construções de
sentido que ele possa fazer perante o contexto que envolve a troca linguageira.
Destaca-se, então, a concepção de Geertz (2008, p. 4) para quem “o homem é um
animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu”. Para esse autor, a cultura
congrega o emaranhado de teias tecidas pelos sujeitos. Como teia é relativamente estável,
mas em permanente construção. A cultura é uma condição básica à existência humana.
Caracteriza-se como um conjunto de mecanismos para o controle da conduta, por meio de
um sistema simbólico3 que engloba elementos e princípios ideológicos, que aproximam
e afastam os sujeitos, expresso por meio das manifestações culturais que são articuladas
no meio social. Tais manifestações são fundamentais para que o homem possa habitar o
ambiente coletivo, ou seja, ordenar seu comportamento com a finalidade de transcender
a situação em que se envolve (GEERTZ, 2008).
Nesse sentido, considera-se interessante trazer o entendimento de Morgan (2011)
acerca da cultura organizacional enquanto metáfora. As metáforas insinuam modos de
pensar e formas de ver as organizações, o “que permeia a maneira pela qual entendemos
nosso mundo em geral”. (MORGAN, 2011, p. 16). Tal meio de vislumbrar as situações,
em específico as organizacionais, implica especificidade, mas garante a amplitude
necessária para compreender “fenômenos complexos e paradoxais que podem ser
compreendidos de muitas maneiras diferentes”. (MORGAN, 2011, p. 17). Em face do
objetivo desta pesquisa, uma metáfora se destaca, pela abrangência dos elementos
simbólicos estruturados e mobilizados por meio da linguagem: a dos sistemas políticos,
que atenta às representações resultantes da negociação de significados diante de cada
interação em contextos específicos. Para contemplar esses cenários, três ideologias são
expostas por Morgan (2011), conforme constam no Quadro 1:
Quadro 1 – Elementos Ideológicos Organizacionais conforme Morgan (2011)
Implicações
Interesses
Conflito
Poder
Unicista
Pluralista
Radical
Objetivos comuns.
Equipe bem integrada.
A diversidade de interesses é
proporcional à diversidade dos
indivíduos.
As finalidades das partes envolvidas
na organização são incompatíveis.
Fenômeno raro e
passageiro
Inerente e inevitável. Considera-se
como fenômeno potencialmente
positivo.
Forma de luta de classes, que pode
ser suprimida, já que é um fenômeno
latente.
Elemento ignorado, pois Meio de solução dos conflitos,
o interesse coletivo é
negociação de interesses.
norteado pela liderança. Pluralidade de fontes.
Elemento desigual. Põe cada sujeito
em seu lugar. Forma de controle sobre os subordinados.
Fonte: elaborado pela autora
3. A interação permanente entre os sujeitos e suas formas de representação instauram símbolos que passam
a fazer parte da cultura e permitem vinculações e afastamentos a partir dos significados construídos por
coletivos de indivíduos (GEERTZ, 2008).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional
Gislene Feiten Haubrich
A síntese dos elementos ideológicos que determinam as práticas gerenciais, exposta
no Quadro 1, contempla três diferentes categorias exploradas por Morgan (2011) junto à
metáfora dos sistemas políticos. A ideologia Unicista, ou unitária, defende uma cultura
de coesão que é ilesa de conflitos, visto que as decisões da organização são tomadas
com base três palavras-chave: autoridade, liderança e controle. Os preceitos pluralistas
opõem-se a essa concepção, pois a ênfase está na aceitação da diversidade e na ciência
de que os trabalhadores negociam a todo tempo interesses pessoais e coletivos. Diferente
dessas duas perspectivas, a ideologia radical não prevê a possibilidade de entendimento,
dada a oposição de interesses que os sujeitos tem, implicando frequentemente a mediação
de entidades de classe na relação trabalhador e empresa (MORGAN, 2011).
A concepção dos elementos ideológicos apresentados por Morgan (2011) quando
articulada com a perspectiva exposta por Geertz (2008) acerca dos mecanismos para
avaliar e orientar a conduta dos sujeitos, mostra-se profícua à proposta de compreender a cultura organizacional perante as práticas laborais na atividade (SCHWARTZ;
DURRIVE, 2007). É indispensável, então, incluir a dimensão da comunicação a esse
contexto. Fígaro e Rebechi (2013), após realizarem uma busca na literatura brasileira
sobre comunicação organizacional, evidenciam que ela é pensada pelos autores perante
o enfoque da gestão estratégica. “A comunicação, dentro dessa abordagem, é planejada e
avaliada constantemente, segundo as necessidades da configuração administrativa da
empresa” (FÍGARO; REBECHI, 2013, p. 9). Conforme essas autoras, tal olhar é hegemônico
nos estudos da comunicação interna, fato que as leva à sugestão de isolamento de duas
dimensões nos estudos comunicacionais: comunicação da organização e comunicação
no mundo no trabalho.
No entanto, ao se considerar a comunicação sob um enfoque interacional, defender-se-á que é “um processo de construção e disputa de sentidos no âmbito das relações
organizacionais”. (BALDISSERA, 2009, p. 153). Nesse caso, não faz sentido desmembrar o
entendimento do processo comunicacional, mas compreendê-lo como um todo complexo,
construído a partir das relações linguageiras estabelecidas entre os diversos públicos.
Os sentidos produzidos por essas interações transformam cada nova troca do ato de
linguagem. Desconsiderar esse aspecto implica manter vinculada a comunicação uma
perspectiva linear, simétrica e ferramental. Oliveira e Paula (2008, p. 101) argumentam
que “[...] o sentido existe na interação estabelecida e as organizações são concebidas
como agentes discursivos e comunicativos, nos processos interativos que se dão dentro
e fora do seu ambiente”. Essas autoras consideram que o sentido está relacionado com
o contexto no qual é produzido.
Charaudeau (2010, 2012) esclarece que o contexto contempla tanto as circunstâncias
quanto à própria situação da comunicação, que “é como um palco, com suas restrições
de espaço e de tempo, de relações, de palavras, no qual se encenam as trocas sociais e
aquilo que constitui seu valor simbólico” (CHARAUDEAU, 2012, p. 67). Toda interação é
orientada, ainda, por um contrato, composto por dados internos e externos. Os primeiros
se referem ao movimento de projeção realizado pelo EUc, através do diálogo entre EUe
e TUd no quadro propriamente discursivo. A eles podem-se vincular quatro princípios
de organização: enunciar, descrever, narrar e argumentar. Os dados externos advêm da
identidade dos sujeitos do ato de linguagem, da sua finalidade e seu propósito, além do
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional
Gislene Feiten Haubrich
dispositivo adotado para mediar a interação. Charaudeau (2012) destaca que as finalidades
discursivas implicam as relações de força estabelecidas entre os atores. Sua identificação
decorre de duas visadas comunicativas: 1) visada de informação, cuja ação do EU é fazer-saber
e a do TU dever saber, uma tentativa de promover uma relação com a verdade; 2) visada
de captação, sendo que o EU almeja fazer sentir e o TU deve sentir por meio da persuasão.
Assim, para refletir sobre o caso selecionado neste estudo, defende-se a concepção
de comunicação que dá ênfase às interações e ancora-se nos discursos para o
estabelecimento de sentidos no ambiente laboral. A comunicação em uma perspectiva
relacional atribui força a todos os envolvidos no diálogo e concebe que os contextos que
envolvem cada sujeito exercem impacto na sua percepção. A teoria discursiva sustenta a
compreensão desses sentidos que transitam no cotidiano do ambiente laboral, seja por
meio de prescrições, seja a partir das interpretações e das respostas promovidas pelos
trabalhadores no uso de seus saberes e sua subjetividade na atividade.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O estudo se constitui da dupla dimensão do objeto: teórica, perante a relação comunicação e trabalho, e empírica com base nos discursos institucionais da empresa Hera. Das
conjecturas teórico-analíticas articuladas, apresentam-se os procedimentos metodológicos
adotados neste estudo. A pesquisa tem natureza aplicada, é descritiva e tem abordagem
qualitativa. Desenvolve-se diante das pesquisas bibliográfica e documental, admitindo
dados de primeira e segunda mão. O estudo de caso é o método que fundamenta a
construção metodológica, por meio das triangulações entre concepções que motivam
a denominação da análise: teórico-ergo-discursiva, além do delineamento das fases do
estudo: 1) definição das categorias temáticas; 2) delimitação da amostra e coleta de dados;
3) organização e análise dos dados. O corpus é composto por oito editoriais publicados
em sete edições do jornal da empresa Hera, no período de janeiro/2012 a junho/2014. A
delimitação tem relação com o propósito do gênero discursivo editorial que visa apresentar
o ponto de vista daquele que enuncia. Desse modo, pode-se identificar quais construções
de sentidos sobre a atividade emergem desse ato de linguagem e tendem a interferir a
relação sujeito-trabalho. A condução da análise pode ser observada na Figura 1.
A Figura 1 apresenta as categorias articuladas na análise, bem como representa a
proposta de diálogo entre elas. O modelo denominado teórico-ergo-discursivo, assenta-se nas concepções da análise semiolinguística de Charaudeau (2010, 2012). Parte-se do
posicionamento dos sujeitos do ato de linguagem e da contextualização da situação de
comunicação neste estudo avaliada. Na sequência, as concepções teóricas (MORGAN,
2011; GEERTZ, 2008; BALDISSERA, 2009) e ergológicas (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007)
são postas em interface a fim de apresentar possíveis construções de sentido sobre a
atividade diante do que é enunciado nos editoriais do jornal. Salienta-se que a organização dos dados compreende as técnicas do Mapa de Associação de Ideias (SPINK,
2010; VERGARA, 2005). De acordo com SPINK (2005, p. 39) “o Mapa é uma tabela onde
as colunas são definidas tematicamente” Assim, os enunciados dos oito editoriais foram
classificados a partir do entrecruzamento das categorias discursivas, ergológicas e
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4974
A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional
Gislene Feiten Haubrich
teóricas4. Na sequência do texto são apresentas as ideias centrais emergente do processo analítico.
Figura 1. Esquema de Análise Teórico-Ergo-Discursivo
Fonte: elaborado pela autora
A RELAÇÃO COMUNICAÇÃO E TRABALHO E OS SENTIDOS DA
ATIVIDADE: O QUE DIZEM OS EDITORIAIS DE JORNAL DE EMPRESA?
Em busca de identificar como nota, a Hera, a atividade em seu cotidiano, promovese o olhar aos editoriais do jornal da empresa. Delineado o corpus e delimitados os
procedimentos de análise perante as categorias teórico-ergo-discursivas, conduz-se à
possibilidade de reflexão acerca dos sentidos construídos sobre a atividade laboral. Em
seu ato de linguagem, a Hera manifesta saberes constituídos que implicam prescrições
ao fazer cotidiano do trabalho e a conduta considerada adequada no ambiente
organizacional. À análise dos discursos selecionados, dedica-se a sequência da reflexão.
A Hera, a Situação de Comunicação e as Circunstâncias Discursivas
A perspectiva semiolinguística (CHARAUDEAU, 2010) considera que os discursos
somente podem ser compreendidos quando contextualizados diante da situação que
enquadra a troca linguageira e do contrato que a rege. Desse modo, antes da avaliação
central, acerca da atividade perante o ato de linguagem na organização em estudo,
promove-se a apresentação dos elementos que situam os discursos analisados. Quanto
aos locais de fala dos atores do ato de linguagem, elucida-se: EUc = organização Hera e
TUi = classe trabalhadora. Assume-se a perspectiva do sujeito analisante, cujo enfoque
está na produção de possíveis interpretativos, oriundos da relação entre EUe e TUd.
A Hera é uma empresa de automação industrial com matriz localizada na região
metropolitana de Porto Alegre (RS). Sua classe trabalhadora é composta por 440
4. Esse artigo se refere a um recorte do estudo realizado pela autora em sua dissertação de mestrado,
apresentada ao PPG em Processos e Manifestações Culturais, da Universidade Feevale. Mais detalhes
acerca do método construído, o acesso dos editoriais na íntegra e aos mapas decorrentes da classificação
podem ser consultados em: <http://biblioteca.feevale.br/Dissertacao/DissertacaoGisleneHaubrich.pdf>.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4975
A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional
Gislene Feiten Haubrich
funcionários5, 319 homens e 121 mulheres, cuja alocação é distribuída em seis diferentes
estados brasileiros6. Dentre as múltiplas possibilidades para estudar o processo discursivo-comunicacional no trabalho, seleciona-se o jornal da empresa. Exploram-se oito editoriais,
de sete edições (77-83, sendo que a edição especial, nº 79, contém dois textos) do jornal
que circularam no período de janeiro/2012 a junho/2014. Trata-se de um periódico com
divulgação quadrimestral e distribuição para funcionários, fornecedores e clientes da Hera.
Da prática social relativa ao jornal da empresa, compreendida enquanto ferramenta
de comunicação dirigida, pode-se apontar que o conteúdo, dada à periodicidade de sua
circulação, é selecionado perante a duração da informação, visto que se refere a uma
longa temporada de divulgação, quatro meses. Trata-se de um veículo impresso, que,
entre várias razões, é mantido em função do volume de funcionários que trabalha na
fábrica e não tem acesso ao computador. Outra hipótese para a manutenção do jornal
impresso é o uso de uma mesma ferramenta a diversos públicos de relacionamento
da organização, como clientes ou fornecedores, o que garante o envio, embora não o
acesso, das informações de interesse. Tal consideração embasa-se em duas premissas:
1) o site da Hera não é atualizado com a frequência da divulgação de suas notícias; 2) os
públicos de interesse podem não atribuir importância para buscar essas informações
que se intenta enunciar. A partir desses aspectos contextualizantes, quais construções
de sentido podem emergir? Tal reflexão orienta a sequência da análise.
Editoriais e Construção de Sentidos sobre a Atividade: cultura, comunicação e trabalho
Do exposto na situação de comunicação em análise e com base na metáfora dos
sistemas políticos, proposta por Morgan (2011), sugere-se que a cultura organizacional da
Hera intenta uma ideologia unicista. Por meio de uma hierarquia verticalizada, atribui-se
à gestão a determinação dos interesses coletivos que são tratados como comuns a todos
os sujeitos. A impossibilidade de diálogo em relação às decisões organizacionais, cuja
intenção seria perceber como os trabalhadores as compreendem, elimina o embate de
ideias, o que distancia, na ótica da organização, os conflitos. Ancora-se esse olhar em
alguns enunciados, como na edição 78: “Hoje é necessário colocar nossa inteligência dentro
da máquina e a máquina dentro da indústria”, ou na edição 81: “Para nossa empresa, o
Bovespa Mais representa a melhor maneira de entrarmos neste segmento de negócios, pois
nos possibilita uma tranquila adaptação às exigências do mercado de ações” (grifo nosso).
Conforme Geertz (2008), a cultura pode ser representada por teias de significados
em constante tensão e permanente transformação. As teias se referem a conjuntos de
mecanismos que orientam a conduta daqueles que são por elas envolvidas. Com base
nessas ideias, pode-se afirmar que o elevado volume de prescrições apresentadas nos
editoriais do jornal da empresa Hera é uma parte da composição das teias de significados
da cultura organizacional, cujo propósito principal tende a ser a homogeneização dos
valores e perspectivas que permeiam a atividade e o ambiente laboral. Esse objetivo é
delineado pela gestão da organização perante a difusão de orientações comportamentais.
Do editorial 2 da Edição 79, advém alguns exemplos: “Por outro lado, nós mesmos
devemos nos comportar de forma a demonstrar nosso estado de espírito mais importante:
5. Dados de 04 de setembro de 2014.
6. Sede em São Leopoldo (RS), a fábrica de painéis em Sapucaia do Sul (RS) e as filiais em São Paulo (SP),
Campinas (SP), Macaé (RJ), Belo Horizonte (MG), Salvador (BA), Curitiba (PR) e Porto Alegre (RS).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional
Gislene Feiten Haubrich
estar de bem com a vida! Qualquer que seja o momento. Mesmo no instante de maior
crise, maior perigo... Mesmo na hora de grandes sacrifícios” e “as lideranças destes levem
em conta que para atingirmos isto a atitude de estar de bem com a vida, que significa
o sorriso fácil, o elogio frequente, o alerta jocoso e um espírito otimista, esteja sempre
presente no ambiente de trabalho”.
Desses exemplos, ficam evidentes parâmetros para avaliação dos trabalhadores no
exercício da atividade, visto que “estar de bem com a vida” recebe uma conceituação detalhada acerca do comportamento esperado. Embora se trate de uma conduta que tenha
interferências da personalidade de cada sujeito, intenta-se subjugar essa individualidade
em prol dos interesses da organização. Espera-se que a norma seja acatada plenamente
e não se abre a possibilidade de avaliação das condições do ambiente para o exercício
da atividade. As prescrições são postas e justificadas, a fim de evitar questionamentos
e impor o contexto que cerceia o trabalho, sem reconhecer o cotidiano e as práticas que
são transformadas diante dos eventos inesperados (SCHWARTZ; DURRIVE, 2007), que
fazem parte desse cenário.
A construção dos enunciados dos editoriais ancora-se principalmente no modo
enunciativo elocutivo e expressa o ponto de vista da organização (CHARAUDEAU,
2010). Esse aspecto relacionado a noção de uso de si por si promove o reconhecimento da
qualificação dos profissionais, além da manifestação da gratidão por sua dedicação frente
aos objetivos da organização. Em enunciados como na Edição 77 “graças ao trabalho de
muitas pessoas que dedicaram entusiasmo, coragem e disposição”, na Edição 79 (editorial
1) “[...] mostrando espírito empreendedor”, e na Edição 80 “O Brasil sabe que a Hera é uma
empresa extremamente competente [...] Aqui contamos com profissionais qualificados que
dedicam seu tempo na criação de soluções inovadoras com tecnologia de ponta”, pode-se
perceber o uso de tal estratégia discursiva, que se sustenta principalmente com o modo
de organização descritivo.
Em contrapartida, de forma explícita, apenas algumas áreas têm seu potencial
produtivo reconhecido. Nas edições 80 e 81, respectivamente, afirma-se: “tudo isso
não seria possível sem o trabalho duro de nosso P&D, que desenvolveu um produto que
entusiasmou o mercado internacional”; “as atualizações da Série ABC, que continua a
ser estudada e renovada em nosso processo de Pesquisa & Desenvolvimento”. Percebe-se
que o enfoque do jornal está em elevar o setor de P&D ao patamar de diferencial da
empresa no mercado, visto que, além dessas asserções nos editoriais, a composição do
canal (páginas 3 a 7) se constitui fundamentalmente da apresentação de produtos e
soluções em matérias escritas por funcionários dessa área. Nesses casos, também fica
evidente a valorização do trabalhador que “coloca-se por inteiro em atividade [e] põe em
movimento a energia de seu corpo, seus sentidos, sua experiência física e intelectual - o
corpo em relação ao meio, aos instrumentos e técnicas”. (FÍGARO, 2009, p. 35). A ação
transgressora e criadora dos sujeitos (TRINQUET, 2010) é incentivada e atestada, o que
converge com os valores da organização7. O mesmo não ocorre na referência à fábrica,
como na Edição 78, por exemplo, quando todo potencial de desenvolvimento é atribuído
7. Conforme o site da organização, os valores da Hera são: conhecimento, empreendedorismo, geração de
valor, inovação, integridade, liderança e pessoas felizes.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4977
A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional
Gislene Feiten Haubrich
às máquinas e seus operadores não recebem menção.
Um componente a ser considerado nessa situação é o negócio da empresa, a automação dos processos industriais, o que justifica o interesse em mostrar suas competências, no jornal, a partir dessa temática enunciativa. Porém, ao considerar a classe
trabalhadora, o destaque à atividade de uns e a baixa relevância ao trabalho de outros
tende a ocasionar problemas de relacionamento e conflitos no ambiente organizacional.
Retoma-se a afirmação de Antunes (2011, p. 127, grifo do autor) acerca da existência de
“uma dissociabilidade destrutiva no espaço de trabalho que procura dilapidar todos
os laços de solidariedade e de ação coletiva, individualizando as relações de trabalho em
todos os espaços onde essa pragmática for possível”. Com base nesses aspectos, afirma-se que, no caso da fábrica, a atividade é percebida como execução de prescrições, sem
o investimento de qualidades particulares dos sujeitos em seu fazer. Em oposição, tal
característica é valorizada no setor de P&D.
A perspectiva comunicacional adotada pela Hera é tradicional e embasa-se no
modelo de transmissão de informação, realidade que converge com a percepção de
Fígaro e Rebechi (2013) quanto ao isolamento das dimensões do mundo do trabalho e
do mundo da empresa, visto que os interesses são opostos e a intenção do trabalhador
é atropelada pelos inúmeros significados que se intenta impor. “A comunicação interna
desenvolve-se como uma resposta à expectativa de empregadores e gestores em racionalizar a comunicação de maneira a estabelecer um controle social dos trabalhadores
nas organizações”. (FÍGARO; REBECHI, 2013, p. 9). Porém, compreende-se que ambas
as faces implicam a mesma “moeda”, ou seja, a comunicação não está a serviço dos
interesses de uns em função de outros, mas é um processo que permeia e conecta todos
os envolvidos no processo laboral. É nesse fluxo difuso da construção de sentidos que
se busca investir saberes.
Acredita-se, assim, que o olhar interacional à comunicação (BALDISSERA, 2008,
2009; OLIVEIRA; PAULA, 2008) propicia ao trabalhador uma relação íntima com seu
fazer, que por vezes é visto de forma mecânica. Como benefícios, pode-se indicar
a possibilidade de valorização da atividade daquele que a realiza, o que o levará a
buscar formas de aprimorar seus feitos, como um desafio pessoal, por exemplo. “As
organizações se deparam com o papel ativo dos atores internos e sua interferência nos
processos e estratégias organizacionais” (OLIVEIRA; PAULA, 2008, p. 105) e podem,
então, melhorar seus processos a partir de ideias advindas de seu próprio cotidiano,
das interações sujeito-trabalho e sujeito-ambiente laboral. Ignorar esses indícios tende
a gerar desvinculações negativas, fundamentadas em questões pessoais, deslocando o
interesse na atividade, motivo de contratação do trabalhador.
Em síntese, pode-se fazer três afirmações acerca dos principais sentidos da atividade
produzidos no ato de linguagem expresso no jornal da empresa Hera: 1) fica evidente
a intenção de homogeneização das perspectivas, condutas e valores, a partir do uso de
estratégias discursivas que visam tanto informar os interlocutores, quanto seduzi-los por
meio da captação (CHARAUDEAU, 2012). Os discursos expressam o ponto de vista da
organização principalmente por descrições (CHARAUDEAU, 2010), evitando a abertura
de possibilidades dialogais com base nas interações e interpretações desses dizeres; 2)
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional
Gislene Feiten Haubrich
percebe-se, ainda, a finalidade de reduzir o investimento de saberes que o trabalhador
faz na atividade a uma simplificação, com a execução de tarefas e reprodução de saberes;
por fim, 3) a comunicação é percebida como instrumento a favor do que é proposto pela
gestão, o que converge com o apontamento de Fígaro e Rebechi (2013), acerca de um
isolamento entre o mundo do trabalho e o restante do mundo corporativo. Porém, diante
da perspectiva aqui defendida, acredita-se que uma perspectiva segregadora distancia
sujeitos e organizações de seus objetivos de desenvolvimento moral, social e financeiro.
Nesse sentido, argumenta-se que compreender a produção de sentidos na atividade
tende a conduzir a transgressão de uma visão instrumental para outra, interacional e
mais produtiva da comunicação no contexto organizacional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A condição à qual o trabalho é concebido pela ergologia é de grande valia para o
campo da comunicação, já que se ampara nas trocas linguageiras para compreendê-lo.
A interpretação, ato subjetivo, é tida como a base da atividade. Defende-se, então, que
as organizações, ao gerarem estímulos comunicacionais, permitem que os indivíduos
selecionem elementos que contribuem à construção de representações. Nesse caso, contemplar as organizações enquanto associação de discursos em constante construção/
reconstrução implica a aceitação de que os elementos simbólicos, transmitidos por meio
da tradição e da difusão, são essência da prática humana, logo, precisam ser relevados
nas instâncias de decisão organizacionais. Essa compreensão vai além dos elementos
prescritivos, materializados através de valores, crenças, etc., propagados pela organização.
Refere-se, também, à identificação dos processos de aprendizagem realizados internamente, enquanto produção coletiva. A interação permite o trânsito de conceitos entre os
sujeitos, que revelam suas motivações e intenções frente ao trabalho que têm de realizar.
Diante da reflexão construída neste artigo, defende-se a indissociabilidade entre
as noções de cultura, comunicação e trabalho, visto que propicia um olhar hologramático às dinâmicas contemporâneas. A cultura movimenta-se e transmuta-se pela
ação dos sujeitos, por meio de seus discursos que propõem a interação entre contexto
e suas instituições, dentre as quais reside a própria noção de sujeito englobada. Aceita-se a participação ativa dos indivíduos tanto na socialização de saberes que implicam
mecanismos de controle de conduta, quanto na sua hibridização entre o determinado
socialmente (público) e no interior das organizações (privado).
Diante do caso em estudo, sugere-se que a conversão entre o que a Hera expressa
em seu ato de linguagem quanto aos usos que faz do trabalhador e os usos que ele faz
de si conduz à reflexão de que, embora se busque homogeneizar os objetivos diante
de um alto volume de prescrições, tal cenário é utópico, visto que há uma pluralidade
de interesses que são permanentemente negociados entre os trabalhadores, aspecto
inerente à atividade. O conflito de perspectivas e a disputa de sentidos no ambiente
laboral o constituem e isso é alheio à vontade da organização. A comunicação assume,
assim, um desafio quanto a uma possível transgressão de sua face instrumental para
outra interacional: contemplar os múltiplos sentidos mobilizados pelos trabalhadores
em sua atividade.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4979
A mobilização dos sentidos na atividade laboral: dimensão transgressora da comunicação organizacional
Gislene Feiten Haubrich
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4980
Comunicação com empregados e planejamento:
princípios para uma abordagem teórica
Employee communications and planning:
principles for a theoretical approach
Roz á li a Del Gáu dio 1
Pa u l o H e n r i q u e L e a l S o a r e s 2
Resumo: A Comunicação no contexto das organizações vem se consolidando
como um importante campo de trabalho para profissionais de diferentes formações. Esta multidisciplinaridade pode ser entendida como resultado das complexidades que coabitam o espaço organizacional, e também como fragilidade
conceitual. Sem um campo teórico forte, mesmo que com fronteiras fluídas, não
há como exigir na prática comunicacional, a solidez. Neste ensaio apresentamos
uma proposta de abordagem conceitual para a Comunicação com Empregados,
reunida a partir de revisão de literatura. Optamos por focar em uma das dimensões da Comunicação mais relevantes no contexto de sua prática organizacional:
o planejamento. Partimos de reflexões baseadas em princípios de Administração,
buscando criar conexões entre o pensar e agir Comunicacional e o pensar e agir da
Gestão, discutindo, ainda, as possíveis especificidades da Gestão da Comunicação
com Empregados frente à gestão de outras áreas no interior das organizações.
Palavras-Chave: Comunicação com Empregados. Planejamento. Gestão.
Estratégia. Comunicação Interna.
Abstract: The Communication in the context of organizations has been consolidated as an important field of work for professionals from different backgrounds.
This multidisciplinary approach can be understood as a result of the complexities
cohabiting in the organizational environment, and also as a conceptual weakness.
Without a strong theoretical field, even with fluid boundaries, there is no way to
demand solidity. In this paper we propose a conceptual approach to Employee
Communications, gathered from literature review. We have chosen to focus on one
of the most relevant aspects of the practice of Communication inside the organizations: planning. We started our reflections based on management principles, seeking to create connections between thinking and acting of the Communications and
the thinking and acting of Management, discussing also the possible specificities
of Employee Communications management face other areas within organizations.
Keywords: Employee Communications. Planning. Management. Strategy
Internal Communication
1. Doutora em Ciências Sociais pela Universidade de Paris 1, Panthéon Sorbonne; Professora no MBA
Aberje ESEG de Gestão da Comunicação Empresarial, Gerente de Comunicação Corporativa na C&A Brasil
[email protected].
2. Mestre em Comunicação pela PUC MINAS; Diretor de Comunicação da Vale S.A. e do Capítulo
Rio de Janeiro da Aberje, Membro da International Association of Business Comunicatores (IABC)
[email protected].
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4981
Comunicação com empregados e planejamento: princípios para uma abordagem teórica
Rozália Del Gáudio • Paulo Henrique Leal Soares
INTRODUÇÃO
ONSIDERADA CADA vez mais estratégica para o alcance dos objetivos organizacio-
C
nais, a Comunicação como um todo, em especial a direcionada aos empregados,
vem se consolidando como um importante campo de trabalho para profissionais
de diferentes formações. Esta multidisciplinaridade pode ser entendida como resultado das complexidades que coabitam o espaço organizacional, mas também como uma
fragilidade conceitual. Sem um campo teórico consistente, mesmo que com fronteiras
fluídas, não há como exigir na prática comunicacional, a solidez.
A multidisciplinaridade de profissões atuando na área de Comunicação pode ser
percebida como resultado de deficiências na formação acadêmica dos egressos do curso, que, focados em aspectos técnicos do fazer comunicacional, demonstram menos
habilidade para a interlocução dentro das organizações, mesmo porque, pouco espaço é
dado no ambiente acadêmico para o debate sobre essas questões. Por outro lado, como o
defendido por Nassar (2004) a Comunicação precisa ser cada vez mais mestiça, uma vez
que o ambiente organizacional demandará cada vez mais um olhar multidisciplinar e
aberto para a diversidade. De tão importante no contexto das organizações, não poderá mais ficar apenas nas mãos dos comunicadores, defende Nassar, complementando:
“é essa mestiçagem profissional que garante o bom futuro da comunicação corporativa”
(NASSAR, 2004).
No caso da comunicação com empregados, as fragilidades começam pelo seu
objetivo. Afinal, se por um lado um de seus focos é desenhar fluxos informacionais,
conectando pessoas e objetivos empresariais (o que por si só já representa um trabalho
considerável), por outro a sociedade, as organizações, o trabalhador e o próprio trabalho
encontram-se em contextos sujeitos a mutações constantes. Ou seja, é cada vez mais
difícil definir a que serve a comunicação com empregados: ela informa, dentro de um
modelo de gestão racionalista? Ela federa, dentro de um modelo de gestão burocrático?
Ela convida as pessoas à maior adesão e protagonismo, dentro de modelos de gestão mais
participativos? A área de Comunicação é porta-voz das organizações ou ela porta a voz
dos empregados (e de outros interlocutores também)? Há como exigir de um processo
por natureza complexo alguma racionalidade matemática? Como tratar todas essas
variáveis e questões complexas em um processo também multifacetado por natureza?
Outro elemento de fragilidade pode ser encontrado na própria literatura dedicada
ao tema. Assim, para apoiar esse debate, neste ensaio apresentamos uma proposta de
abordagem conceitual para a Comunicação com Empregados, reunida a partir de revisão
de literatura. Optamos por focar em uma das dimensões da Comunicação mais relevantes no contexto de sua prática organizacional: o planejamento. Partimos de reflexões
baseadas em princípios de Administração, buscando criar conexões entre o pensar e agir
Comunicacional e o pensar e agir da Gestão, discutindo, ainda, as possíveis especificidades
da Gestão da Comunicação frente à gestão de outras áreas no interior das organizações.
DA ESTRATÉGIA À AÇÃO: REFLEXÕES PARA A PRÁTICA
DA GESTÃO DA COMUNICAÇÃO COM EMPREGADOS
Como todo processo organizacional, a Comunicação com Empregados precisa
ser realizada dentro de um quadro de gestão que se baseie em clareza de propósito,
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4982
Comunicação com empregados e planejamento: princípios para uma abordagem teórica
Rozália Del Gáudio • Paulo Henrique Leal Soares
cuidado na administração dos recursos (humanos e financeiros) e prestação de contas em
relação aos resultados obtidos. Nesse sentido, mais do que uma atividade instrumental,
a Comunicação no contexto das organizações precisa de um olhar que incorpore
competências gerenciais, comportamentais e técnicas. Como analisa a professora
Margarida Kunsch,
Planejar e administrar a comunicação das organizações hoje, no contexto de uma sociedade complexa diante de um ambiente de mercado altamente competitivo, requer do gestor
responsável conhecimentos em planejamento, gestão e pensamento estratégicos e bases
científicas da própria área de Comunicação que ultrapassem o nível das técnicas e de uma
visão linear, cujos roteiros muitas vezes ignoram condicionamentos externos e possíveis
conflitos. (KUNSCH, 2009, p.110)
O conjunto de competências gerenciais, comportamentais e técnicas deve ser
orientado para a construção de estratégias de Comunicação assertivas e que apoiem a
geração de valor compartilhado. As estratégias de comunicação necessitam estar baseadas
em premissas previamente estabelecidas pelas organizações bem como necessita estar
embasada nas necessidades de todos envolvidos nos processos interacionais, dialogando
com os valores e a cultura organizacional. A visão da organização não pode imperar
frente às necessidades e demandas dos seus interlocutores.
Dentro das organizações, as ações e iniciativas de Comunicação voltadas para o
público interno precisam levar em consideração um fator muitas vezes esquecido: as
empresas não são mais a única fonte de informação confiável à qual os profissionais
têm acesso e não estão (ou nunca estiveram) na centralidade das relações. Assim, se
no plano dos negócios a “(...) a essência da formulação estratégica é lidar com a competição (...)” (PORTER, 1998, P.11), no plano comunicacional precisamos entender que
hoje a Comunicação oficial da organização disputa sentidos e espaço num mundo de
múltiplos sentidos e espaços comunicativos. Às redes formais e informais, que sempre
caracterizaram o ambiente da comunicação interna, como analisa Nassar (2009), hoje
se somam novos atores e portadores de vozes, amplificadas pelas redes sociais online,
por exemplo. Assim, precisamos considerar que os interlocutores de uma companhia
estão em constante interação. Nesse ambiente, são as trocas simbólicas que ocupam um
papel central, como ressalta Baldissera (2008).
As relações entre os interlocutores e as organizações apresentam uma circularidade
de sentidos, num processo dialógico (OLIVEIRA; PAULA, 2007), cuja compreensão é
importante para a estruturação da comunicação no contexto das organizações. Essa
concepção reforça as relações no contexto organizacional como fator determinante
para o processo comunicacional. As relações pressupõem o reconhecimento de que o
sentido é formado “no outro”, e que no momento de troca, tanto os representantes da
organização quanto seus interlocutores geram novos significados e sentidos. Quando as
trocas simbólicas acontecem, sentidos são postos em circulação (BALDISSERA, 2003). É
importante considerar que a linguagem e a cultura são elementos constitutivos das relações
entre os indivíduos. A interação social é, portanto, fruto das relações comunicativas,
que não podem ser resumidas apenas ao processo interpretativo (ANTUNES, 2001). As
experiências culturais e históricas dos indivíduos influenciam e provocam conflitos e
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4983
Comunicação com empregados e planejamento: princípios para uma abordagem teórica
Rozália Del Gáudio • Paulo Henrique Leal Soares
interpretações na disputa de sentidos e significação das mensagens postas em circulação
(BALDISSERA, 2008a), seja nas relações pessoais, seja nos processos midiatizados.
Não existe construção de sentido sem tensionamento, sem ambiguidade e sem relação
entre indivíduos ou grupos. Os paradigmas que estão postos na contemporaneidade
apresentam desafios para relações entre os atores sociais, e mostram particularidades
nas relações entre os trabalhadores e as organizações. A compreensão dos processos de
construção e de disputa de sentidos torna-se fundamental para que os profissionais que
atuam na Comunicação com Empregados tenham efetivamente um papel de mediação
das relações entre a organização e os interlocutores internos. Nenhum planejamento
de Comunicação com Empregados que desconsidere essa disputa de sentidos e a
circularidade de informações, por exemplo, terá sucesso. Quando isto é desconsiderado,
o esforço comunicacional resume-se aos processos de produções de canais unilaterais
e sem espaço para a interação e o diálogo.
Por outro lado, a consideração de competidores não deve se sobrepor a um profundo
entendimento das necessidades dos “clientes”, como ensina Ohmae (1998). O especialista
em planejamento estratégico lembra que a competição é apenas um dos fatores a se
analisar no contexto de formulação de estratégias e planos empresariais.
Naturalmente, é importante levar em consideração a competição, mas ao se adotar a estratégia não se deve coloca-la em primeiro lugar. Ela não pode vir em primeiro lugar. Primeiro
vem uma atenção total às necessidades do cliente. (OHMAE, 1998, P.68)
Fazendo um paralelo com o processo de Comunicação com Empregados, e
substituindo a consideração “cliente” por “interlocutor”, vemos que dessa maneira, é
importante a estratégia da Comunicação com empregados buscar vantagens competitivas
em relação a essas múltiplas vozes e atores, mas também basear-se numa meticulosa
busca de entendimento de expectativas dos nossos interlocutores, sejam eles a liderança
da empresa ou os empregados e demais atores que atuam no contexto organizacional.
O caminho da diferenciação em Comunicação com empregados também pode se
inspirar na busca de diferenciação da própria estratégia corporativa.
Estratégia é a busca deliberada de um plano de ação para desenvolver e ajustar a vantagem competitiva de uma empresa. Para qualquer empresa, a busca é um processo interativo que começa com o reconhecimento de quem somos e do que temos nesse momento.
(HENDERSON, 1998, p.5)
Partindo desse conceito de Henderson (1998), podemos dizer que a estratégia de
Comunicação com Empregados deve ser um processo interativo, que se inicie com a
análise do momento atual da organização e seus processos comunicacionais, um balanço
do estado atual desse processo, fundamentado em um diagnóstico que demonstre
claramente o que a empresa diz por meio de suas redes formais e informais; quais os
formatos; qual a credibilidade; qual é realmente a situação atual.
Uma ferramenta de gestão que costuma apoiar bastante esse processo inicial de
planejamento estratégico é a matriz SWOT, que identifica as Forças/Oportunidades e as
Fraquezas/Ameaças de uma organização ou contexto ou processo. As Forças e Fraquezas
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Comunicação com empregados e planejamento: princípios para uma abordagem teórica
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são associadas a fatores internos à organização; enquanto as Oportunidades e Ameaças
decorrem de fatores exógenos à organização.
Uma vez analisadas as forças que afetam a competição em um setor e suas causas básicas,
o estrategista corporativo pode identificar o vigor e as fraquezas da empresa (...) então o
estrategista pode divisar um plano de ação que poderá incluir (1) posicionar a empresa de
tal modo que suas capacitações forneçam a melhor defesa contra a força competitiva; e/ou
(2) influenciar no equilíbrio de forças por meio de ações estratégicas, melhorando, portanto,
a posição da empresa; e/ou (3) antecipar mudanças nos fatores básicos das forças e respondendo a elas com a esperança de explorar a mudança escolhendo uma estratégia apropriada
para o novo equilíbrio competitivo antes que os oponentes a reconheçam. (PORTER, 1998,
p. 22/23)
A partir desse diagnóstico inicial, o próximo passo é alinhar uma visão de futuro,
não necessariamente associada à manutenção da situação atual, mas de caminhos
que atendam às transformações necessárias para dar conta de um contexto de novas
relações organizacionais e múltiplos interlocutores. E, de novo, aprender com a estratégia
corporativa, pode ser inspirador. “A estratégia deve estar alinhada para a construção
da visão de futuro da organização; não está diretamente associada com a situação atual,
mas, sim, com os caminhos que atendam tanto aos propósitos quanto ao ambiente da
organização.” (FERRARI, 2009, p. 87).
Na prática, Allen (2005), elenca cinco fases de planejamento de projetos, que também
podem ser bastante úteis na definição estratégica e planejamento de Comunicação com
Empregados:
1. Definir o objetivo e os princípios: ou seja, no caso da Comunicação com empregados, o que se pretende com a estratégia; quais são os princípios e premissas;
do que não abrimos mão, etc...
2. Visualizar o resultado: ou seja, no caso da Comunicação com empregados, como
será a situação futura? Como vamos saber se chegamos lá?
3.Fazer brainstorm: que ideias, inovações, mudanças podemos fazer para atingir
o resultado?
4. Organizar: que recursos precisaremos? Em quanto tempo? Com que desdobramentos de ações possível?
5. Identificar as próximas ações: a cada avanço, como saber se funcionou? Se é
necessário implementar novas ações?
É claro que esse processo de reflexão pode gerar dezenas de ações e iniciativas
e, frente a recursos limitados ou mesmo escassos, como escolher o que fazer? Kim
e Mauborgne (2005) definem três características da boa estratégia corporativa: foco,
singularidade, mensagem consistente. Ou seja, não é possível fazer tudo; é preciso ser
original; e a persistência ao longo do tempo contribui com uma estratégia diferenciada.
Mas aí vem a questão: como escolher as batalhas para uma comunicação estratégica
e inovadora, capaz de vencer a “concorrência”? Os autores sugerem um Modelo teórico,
baseado em quatro ações, conforme Figura 1.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Comunicação com empregados e planejamento: princípios para uma abordagem teórica
Rozália Del Gáudio • Paulo Henrique Leal Soares
Figura 1. Modelo das quatro ações
Fonte: KIM; MAUBORGNE, 2005, p.29.
Adaptando esse modelo para a Comunicação com Empregados, questionar se os
processos que sempre existiram devem continuar ou ser eliminados; buscar inovações,
inclusive tecnológicas ou gerenciais; definir atributos que devem ser reduzidos ou
elevados, pode ajudar nesta etapa crucial do processo de planejamento.
Outro fator muito importante na construção da estratégia e planejamento de
Comunicação é o tempo.
Hoje o tempo é uma vantagem-chave. As formas como as empresas líderes de mercado
gerenciam o tempo – na produção, no desenvolvimento e no lançamento de novos produtos, em vendas e distribuição – representam as mais poderosas novas fontes de vantagem
competitiva. (STALK Jr, 1998, p.43.).
No caso do processo de Comunicação com Empregados, o tempo é uma variável a ser
considerada na própria formulação e aprovação da estratégia, e em todos os momentos
da execução do plano tático e operacional. Para um grupo de sujeitos que vivem a
organização diariamente, o fator tempo tem uma conotação diferenciada. Não é possível
“deixar para amanhã” questões que são incômodos diários.
Por fim, como ensina um dos principais pensadores da Gestão Estratégica, toda
organização (e todos os processos), deveriam se orientar para a busca de vantagens
competitivas únicas. E, “ a única maneira de sustentar uma vantagem competitiva é
atualiza-la [...]” (PORTER, 1998, p. 148). Trocando em miúdos: pratique o desapego e
busque surpreender e inovar sempre.
COMUNICADOR: UM ARTÍFICE ESTRATÉGICO
Como um ator capaz de criar conexões e sentido no contexto das organizações,
o comunicador precisa se colocar cada vez mais como um artífice estratégico. Isso
significa abdicar cada vez mais de um papel instrumental e técnico, para assumir um
assento estratégico e transformador dentro das empresas. Não que as questões técnicas
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Comunicação com empregados e planejamento: princípios para uma abordagem teórica
Rozália Del Gáudio • Paulo Henrique Leal Soares
e instrumentais não tenham o seu valor e importância, mas não podemos pensar que o
nosso trabalho se resume a edições de texto, publicações de anúncios e/ou produções
multimídia.
A assunção dessa responsabilidade passa por um planejamento absolutamente
alinhado à estratégia corporativa, e por uma estratégia de comunicação que considere
as expectativas dos diferentes interlocutores. Na prática, e especialmente focando a
Comunicação com Empregados, isso significa adorar alguns comportamentos diários:
a) Não dissociar estratégia da ação
Como ensina Kunsch (2009), no contexto das organizações, o planejamento ocorre
em três níveis: estratégico, tático e operacional . Não é possível ficar apenas no plano das
ideias e da leitura de cenário. À estratégia assertiva, deve-se se somar uma tática precisa
e uma operação excelente. “Nenhum artífice usa alguns dias para pensar e outros para
trabalhar. A mente do artífice está sempre em funcionamento, em sincronia com suas
mãos.” (MINTZBERG, 1998, p.424).
b) Buscar aliados
A boa estratégia tem mensagem convincente e clara, indicam Kim e Mauborgne
(2005). A estratégia de comunicação, principalmente a orientada aos empregados , precisa
mais ainda dessas características. Para isso, assim como na estratégia corporativa se busca
o engajamento do conselho diretor para continuamente identificar novas oportunidades
(ANDREWS, 1998, p. 479), também nos nossos processos precisamos estar continuamente
desenvolvendo aliados no nível da alta liderança e os engajando para melhores resultados.
c) Tudo comunica
Nos espaços organizacionais, tudo comunica. Entretanto, “[...] o ato comunicacional
só se efetiva quando existe o relacionamento entre pessoas ou entre uma organização
e seus públicos.” (FERRARI, 2009, p. 85). Por essa razão, precisamos permanentemente
conectar pessoas, e estarmos conectados às pessoas.
d) Ter um propósito claro
Os aspectos formais, expressos por regulamentos, normas e procedimentos, direitos e deveres, missões e visões, que caracterizam as organizações contemporâneas, devem, do ponto
de vista da administração, ser informados, entendidos, aceitos e implementados pelos que
as integram. (NASSAR, 2009, p.64).
Se essa clareza é válida para a estratégia corporativa, ela é ainda mais essencial
para a estratégia e o planejamento de comunicação. Precisamos apoiar as pessoas no
processo de entendimento e compreensão das nossas ações, lembrando ainda que: “muito
mais do que disseminar informações e colaborar para a motivação dos funcionários, a
comunicação interna tem hoje um desafio maior, e responder a essa pergunta de forma
objetiva implica o uso de apenas uma palavra: engajamento” (CAPPELLANO, 2014, p.
54). Ao desenvolvimento de ambientes corporativos mais engajadores, o nosso trabalho
na Comunicação com Empregados serve a um outro fundamental propósito:
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Comunicação com empregados e planejamento: princípios para uma abordagem teórica
Rozália Del Gáudio • Paulo Henrique Leal Soares
Todos os comportamentos e ações organizacionais devem ser avaliados em dimensões de
confiança, e a confiança deve guiar comportamentos e ações. Uma comunicação estratégica
excelente é necessária para potencializar a confiança e endereçar eventuais impactos da
falta de confiança organizacional. (SHOCKLEY-ZALABAK et al., 2010, 214, tradução nossa3).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo, discutimos um aspecto extremamente relevante para a prática da
Comunicação com Empregados, que é o planejamento. Trata-se de uma importância
que vem não apenas do fato de que um bom planejamento pode, no nível instrumental,
ajudar na gestão de recursos humanos e financeiros, mas, sobretudo, de que ele é um
elemento central para o entendimento do contexto corporativo e suas múltiplas interações
e interfaces, que têm impacto direto no dia a dia no trabalho do comunicador.
Nossa reflexão foi construída visando apoiar a criação de repertório de gestão para
os profissionais de Comunicação que atuam no ambiente Organizacional. Afinal, ao
incorporar elementos da Gestão ao nosso pensar e fazer, criamos oportunidades de
interação e troca qualificada com a gestão organizacional, garantindo uma interlocução
com repertório comum, ingrediente essencial para uma boa Comunicação.
Mais do que o fazer Comunicacional clássico, é momento de o comunicador
atuar como um artífice estratégico, cuidando para que a estratégia de Comunicação,
especialmente a orientada aos empregados, seja, por um lado, um espelho da estratégia
corporativa, refletindo valores, objetivos, cultura e comportamentos definidos como os
aceitos pelos sujeitos; e, por outro lado, o Comunicador também pode ser um protagonista
de mudanças, colaborando para a mediação e a interlocução entre pessoas que possibilite
a transformação organizacional. Nesse sentido, abre-se um campo de trabalho e pesquisa
ímpar, na medida em que passamos a enxergar – e a praticar – o fazer comunicacional
como um fator de evolução e transformação das pessoas e das organizações. Uma
transformação múltipla e complexa, nas e dos sujeitos e das organizações.
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estabelecer prioridades e entregar soluções no prazo. Rio de Janeiro, Elsevier, 2005 (12ª.
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3. Do original: “All behaviors and organizational action are evaluated along trust dimensions, and trust
drives behaviors and action. An excellent communication strategy is required for increasing trust and
addressing the negative impact of distrust”
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Comunicação com empregados e planejamento: princípios para uma abordagem teórica
Rozália Del Gáudio • Paulo Henrique Leal Soares
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4989
Diálogo no contexto das organizações - aproximações
Dialogue in the context of organizations - approaches
Rosângel a Florczak
de
Oliveira1
Resumo: Por compreender o diálogo como fenômeno central dos processos
comunicacionais no contexto das organizações, este artigo quer discuti-lo a
partir de diversos campos do saber como as Ciências da Linguagem, a Filosofia,
as Ciências Sociais, entre outras. Este artigo é parte de uma investigação
exploratória teórica mais ampla. Aqui apresentamos algumas das abordagens
já obtidas por meio de pesquisa bibliográfica e procuramos tecer algumas
compreensões possíveis acerca da contribuição complexa do diálogo na dimensão
comunicacional da vida dos sujeitos no contexto das organizações.
Palavras-Chave: Diálogo. Comunicação organizacional. Complexidade.
Relacionamento.
Abstract: Considering the dialogue as central and indispensable element
phenomenon of communication processes in the context of organizations, this
paper tries to discuss it from various fields of knowledge as the Language
Sciences, Philosophy, Social Sciences, among others. This article is part of a
broader theoretical exploratory research. Here are some of the approaches that
have been obtained by means of literature and try to make some possible insights
about the complex dialogue contribution to the communication dimension of
life of the subjects in the context of organizations.
Keywords: Dialogue. Organizational Communication. Complexity. Relationship.
INQUIETAÇÕES INTRODUTÓRIAS
O DISCUTIR a conceituação do termo comunicação, Martino (2001) afirma que: “[...]
A
a resposta que espontaneamente vem ao nosso espírito é a situação de diálogo,
onde duas pessoas (emissor-receptor) conversam, trocam ideias, informações ou
mensagens” (Ibiden, p.12). Assumindo a perspectiva de Marcondes Filho (2008) de que
pesquisar a comunicação é estudar o processo e a constituição da relação que se cria
entre as pessoas comunicantes, compreendemos o diálogo como elemento central dos
processos comunicacionais básicos no contexto das organizações.
Pesquisar as práticas comunicacionais das organizações é produzir conhecimentos
acerca do estabelecimento e da sustentação de relações entre sujeitos que coabitam em
ambientes complexos. Mais do que vislumbrar um conjunto de técnicas e prescrições, a
Comunicação Organizacional implica em compreender as interações, as trocas simbólicas
1. Doutoranda em Comunicação pela Famecos/PUCRS. Professora do Curso de Jornalismo da ESPM-Sul.
E-mail: [email protected]
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4990
Diálogo no contexto das organizações - aproximações
Rosângela Florczak de Oliveira
que se desenvolvem a partir de pensamentos e palavras, atos e sentimentos, em espaços
e projetos coletivos, portanto em espaços sociais. Sujeitos imersos em uma mistura fluída de caos e ordem social e cultural, em tempo e espaço de verdadeira metamorfose,
estão, nas organizações, em permanente troca, seja por meio de processos produtivos,
relações de consumo de produtos, serviços e ideias, seja como cidadãos envolvidos em
causas comuns ou, ainda por afinidades, necessidades e pontos de aproximação de
diferentes naturezas.
O esgotamento, do paradigma instrumental informacional, apontado por diversos
autores (SCROFERNEKER, 2000; OLIVEIRA e MOURÃO, 2014; MARCHIORI, 2010;
FLORCZAK, 2010), mas que ainda inspira práticas comunicacionais no contexto
organizacional e sustenta o lugar da comunicação como área, setor ou departamento
na estrutura formal das empresas privadas, dos órgãos públicos, de entidades do terceiro
setor, entre outros, começa a ser superado na instância da produção de conhecimento.
Sendo assim, emergem, nos estudos do campo da Comunicação Organizacional, novos
paradigmas que concebem a complexidade dos processos comunicacionais.
É neste quadro reflexivo que inserimos nosso esforço de pesquisa. Partimos da
premissa de que para compreender, e incluir novas perspectivas na Comunicação Organizacional, é imprescindível ampliar o estudo sobre o vínculo e o relacionamento entre
sujeitos, questão que elegemos aqui como o pano de fundo, e que entendemos como
fenômenos sociais dependentes ou amalgamados pelo diálogo.
Situar o diálogo no campo da Comunicação Organizacional exige que ampliemos
o olhar sobre o fenômeno a partir de diversos campos do saber como as Ciências
da Linguagem, a Filosofia, a Antropologia, as Ciências Sociais, entre outros. Com a
abordagem multidisciplinar, em nossa tese de doutoramento buscaremos contribuições
possíveis para perceber as implicações geradas nos processos comunicacionais quando
o diálogo é assumido como elemento central e quais as possibilidades de incluí-lo como
potência que (re) define as práticas da comunicação no contexto das organizações. Aqui,
porém, apresentamos apenas um recorte da pesquisa.
Como na ambientação dos Diálogos de Platão, que se davam no espaço da Polis,
em meio ao movimento cotidiano, queremos compreender o diálogo no dia a dia do
ambiente organizacional.
[…] é que o homem busca o conhecimento senão nos atos corriqueiros do dia-a-dia, nos
quiproquós do οἶκος e nos mercados abarrotados de sofistas, políticos e estrangeiros, […].
Todos os diálogos platônicos são constituídos com o cotidiano como plano de fundo, e é
justamente nesse âmbito, supostamente desinteressado, onde se trava o exercício dialético
e é posto em prática o exame – partes constitutivas e necessárias para o filosofar arguto e
irônico de Sócrates. É justamente na práxis onde o velho “conhece-te a ti mesmo”, advindo
dos antigos ensinamentos órficos, pode ser efetivado e levado adiante sob o crivo da filosofia. É, pois, na construção paciente da conversação que as personagens interpeladas por
Sócrates reavaliam suas concepções após perceberem a incongruência de seus respectivos
posicionamentos opiniáticos. (MIRANDA, 2013, p. 97)
Considerando que as organizações são sistemas complexos formados por sujeitos em
relação, num espaço permeado por relações de poder e convívios que fazem emergir a
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Diálogo no contexto das organizações - aproximações
Rosângela Florczak de Oliveira
individualidade e as vivências pessoais e coletivas, em uma lógica recursiva, as interações
sociais no ambiente organizacional permitem afirmar que o diálogo é constante e
presente, mas queremos compreender se é, ou não, possível, assumi-lo como prática
consciente e intencional por parte da organização, com fins claros de fortalecer as relações
e estabelecer vínculos. A natureza e as condições do diálogo precisam ser estudadas para
que novas possibilidades favoreçam uma Comunicação Organizacional que valorize a
corrente de significados que flui no ambiente organizacional (BOHM, 2005).
Lentes para ver o mundo, a pesquisa e o conhecimento
São os princípios a partir dos quais se investiga que viabilizam o diálogo científico,
possibilitando que os pesquisadores falem uns com os outros e não uns contra os outros.
Para Morin (2006, p.10), “[...] paradigmas são princípios ocultos que governam nossa visão
das coisas e do mundo, sem que tenhamos consciência disso”. “A postura epistemológica
do pesquisador o leva a explicar como se constrói determinado conhecimento sobre a
realidade que o cerca” (MORAES e VALENTE, 2008, p.6).
Assumimos aqui, o Paradigma da Complexidade de Morin (2002, 2006, 2007,
2008) como luz que incide sobre o fenômeno estudado e define as nuances que
conseguiremos perceber na trajetória da pesquisa. É a partir da concepção complexa
do que é conhecimento que buscaremos encontrar variações significativas e constantes
fundamentais (MORIN, 2007) do fenômeno que pesquisamos.
Reconhecendo a complexidade do fenômeno que buscamos compreender, temos como
pressupostos que o conhecimento que construímos busca religar dimensões (MORIN,
2007) da realidade humana e social, artificialmente separados, compartimentados,
fragmentados como os aspectos filosóficos, psicológicos, sociais, sociológicos e históricos,
entre outros. Da mesma forma, trata-se de um conhecimento que concebe o homem não
apenas na sua racionalidade “[...] como sapiens, faber e economicus, mas também como
demens, ludens e consumans” (Ibidem, p.18).
A pesquisa bibliográfica é o procedimento metodológico adotado. Pretendemos fazer
a leitura de dados a partir da produção teórica de autores e pesquisadores de diferentes
campos do conhecimento. A partir da percepção e significação do diálogo no contexto destes autores, buscaremos ampliar a compreensão, interligar constructos teóricos, expandir
o conhecimento e proporcionar guias possíveis para as práticas, sem, porém, refutar ou
provar o produto dos nossos achados, mas sim, acrescentando novas perspectivas para
elucidar o que está sendo investigado (DANTAS, LEITE, LIMA e STIPP, 2009).
O DIÁLOGO NOS DIFERENTES CAMPOS DO SABER
De um simples termo do senso comum, aplicado de forma descomprometida, a um
conceito polissêmico que permeia diversos campos do conhecimento ou, até mesmo,
fundamenta métodos de construção do saber, o diálogo permite distintas buscas teóricas.
Pelo campo da antropologia, da linguística, da psicanálise, da comunicação, da sociologia
e da filosofia, entre outros, é possível encontrar diferentes aplicações conceituais do
termo. Etimologicamente, a palavra tem origem grega. “Diálogo vem do grego dialogos.
Logos significa ‘palavra’ ou, em nosso caso, poderíamos dizer ‘significado da palavra’ e
dia significa ‘através’ [...]” (BOHM, 2005, p.34).
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Diálogo no contexto das organizações - aproximações
Rosângela Florczak de Oliveira
Já na Grécia Antiga, o diálogo foi concebido como elemento central no
desenvolvimento do pensamento. Ao retratar as práticas de Sócrates, que provocava
a reflexão em seus discípulos a partir de perguntas (maiêutica2) e de uma conversa
dialógica, Platão inventou o diálogo socrático: “[...] a forma literária na qual os amigos
de Sócrates [...] comemorariam sua memória, tentando fixar para a posteridade suas
conversações peculiares [...]” (SCOLNICOV, 2003, p. 49). Os Diálogos de Platão guardam
características que revelam os componentes básicos do diálogo socrático.
Um diálogo verdadeiro é um drama. Como todo drama, não é só o que é dito que tem
importância, mas também — e, às vezes, especialmente — o que se passa. Frequentemente,
o que se diz está em flagrante contraste com o que acontece. [...] o cenário é absolutamente
indispensável para a compreensão do que acontece em cada diálogo. [...] Como em todo
drama, temos sempre de ter em mente quem é que está falando. Como em todo bom drama,
as mesmas palavras podem ter sentido completamente diferente quando pronunciadas por
diferentes [...]. Assim, não devemos nos surpreender em encontrar muito frequentemente
que respostas rejeitadas em um diálogo são aceitas em outro, ou no mesmo diálogo pouco
mais adiante. Mas num diálogo, como na vida real, palavras não mantém seu sentido de
um locutor a outro, e o mesmo locutor, em tempos diversos, pode usar a mesma palavra de
modo ligeiramente ou mesmo totalmente — diverso (SCOLNICOV, 2003, p.p. 49-51).
Assumindo que a palavra diálogo quer dizer “palavra que atravessa”, conversa
que permeia, “papo” que preenche um espaço entre pessoas. Ou seja, diálogo é o que
acontece entre pessoas, é a atmosfera, a cena, o clima, a situação em que duas, três, cinco,
dez pessoas se relacionam. Entre as pessoas circula algo. Além das palavras emitidas,
circulam sensações, emoções, desejos, interesses, curiosidades, percepções, estados de
espírito, intuições, humores, uma indescritível sensação de “coisa comum”, de ligação
(MARCONDES FILHO, 2008, pp.25 -26). Sendo assim, o diálogo, enquanto um processo permanente entre os sujeitos, seja de forma consciente ou inconsciente, interessa a
distintos campos do conhecimento.
David Bohm, por exemplo, originalmente um físico teórico estadunidense que, ao
longo da vida desenvolveu estudos da mecânica quântica e da teoria da relatividade,
no final de sua vida dedicou-se a estudar o diálogo. Bohm (2005) afirma que se trata de
um processo de vai e vem, com a emergência contínua de novos conteúdos que passam
a ser comuns aos participantes. Segundo o autor (2005, p.29), “Desse modo, num diálogo
cada pessoa não tenta tornar comuns certas ideias [...] por ela já sabidas. Em vez disso,
pode-se dizer que os interlocutores estão fazendo algo em comum, isto é, criando juntos
alguma coisa nova”.
No ambiente organizacional, o diálogo ganha um lugar relevante e estratégico.
Sob essa perspectiva as pessoas que estiverem dispostas a cooperar, trabalhar juntas,
precisam ser capazes de criar algo em comum, ou seja, “[...] alguma coisa que surja de
suas discussões e ações mútuas, em vez de algo que seja transmitido por uma autoridade
a outros que se limitem à condição de instrumentos passivos” (Ibiden, 2005, p. 30).
2. Sócrates denominou seu método, reconhecidamente dialético, de maiêutica, ou seja, a arte de fazer o
parto, de fazer nascer o conhecimento a partir de perguntas.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
4993
Diálogo no contexto das organizações - aproximações
Rosângela Florczak de Oliveira
O filósofo e pedagogo, Martin Buber contribuiu para a compreensão do tema ao
defender que o diálogo pressupõe a abertura para a relação com o outro. Para Buber
(1982), a condição de existência como ser-no-mundo reside na palavra como diálogo. Isso
porque, é por meio da palavra que o ser do homem adentra à existencialidade, uma vez
que ela contém o vivido, é dialógica. Na conversação genuína, segundo o autor, aquele
que fala percebe a pessoa que está presente, aceita-a como seu/sua parceiro/a, ou seja,
confirma esse outro na medida em que lhe cabe confirmar. Buber, conforme Mendonça
(2009) lança as bases para uma fenomenologia do diálogo e do face a face com o outro,
cuja influência se fará estender sobre uma gama de autores que vai de Gabriel Marcel
até Paul Ricoeur, passando por Paulo Freire e por Carl Rogers.
Na sociologia contemporânea, Richard Sennet, situa o diálogo nas relações sociais e
laborais, especialmente na busca de cooperação entre os sujeitos. Para Sennett (2012), o
tipo exigente de cooperação entre as pessoas pode ser um dos caminhos para melhorar
a condição humana, considerando que “[...] Essa cooperação sustenta os grupos sociais
nos infortúnios e reviravoltas do tempo [...] O que ganhamos com tipos mais exigentes
de cooperação é a compreensão de nós mesmos” (SENNETT, 2012, pp. 16-17). Para
que a cooperação exigente ocorra há um conjunto de habilidades que emerge como
fundamental: as habilidades dialógicas. O diálogo no ambiente contemporâneo das
organizações, embora ainda persiga a síntese típica da proposição dialética, passa a
assumir configuração dialógica. “Em uma conversa dialógica os mal-entendidos podem
eventualmente contribuir para o entendimento mútuo” (SENNETT, 2012, p. 32).
Já na antropologia, Chanlat e Bédard (2007) afirmam que o diálogo é, ao mesmo
tempo, constitutivo do ser, descoberta de si mesmo, lugar de confronto de ideias e modo
de influenciar. “É principalmente através da conversação metódica e da troca de ideias
que progride o conhecimento de cada um a respeito do universo que o rodeia” (Ibiden, p.
133). Considerando que, como afirma Chanlat (2010), o significado das coisas não está nas
consciências, mas sim, nasce da interação entre as consciências, a linguagem é o tecido por
meio do qual se constrói a relação com o outro e define nossa condição humana. “Em outras
palavras, o homo socialis, por definição, é sempre o homo loquens” (CHANLAT, 2010, p. 6).
A linguística só se interessou tardiamente e por pressões sobre a vocação
comunicativa da língua manifestada por meio de interações, conversações e diálogo
(KERBRAT-ORECHIONI, 2006). Por muito tempo, a linguística se ocupou do sistema
abstrato. Atualmente, porém, os discursos orais e dialogados passam a ser considerados
como forma primordial de realização da linguagem (Idem). Contribuições relevantes
deste campo do conhecimento, no que se refere ao tema do diálogo, estão no grupo de
filósofos e linguistas russos que se convencionou chamar de Círculo de Bakhtin. A despeito
da discussão que se perpetua sobre a autoria das obras, os conceitos desenvolvidos são
de grande relevância para a revisão teórica aqui empreendida.
A questão das assinaturas e da composição do Círculo tem variado do extremo da negação
intelectual de V. N. Volochínov (1895-1936), P. Medvedev (1892-1938), I. Kanaev (1893-1983),
M. Kagan (1889-1934), L. Pumpianskii (1891-1940), M. Yudina (1899-1970), K. Vaguinov (18991934), I. Sollertinski (1902-1944), B. Zubakin (1894-1937) às dúvidas em torno da autenticidade
de determinadas ideias e conceitos considerados genuinamente bakhitinianos (BRAIT &
CAMPOS, 2009, p.17).
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Diálogo no contexto das organizações - aproximações
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Tendo como princípio que a realidade fundamental da língua é a interação verbal,
os autores do Círculo de Bakhtin reafirmam a centralidade da função comunicativa
da linguagem (MOLON e VIANNA, 2012). Recursivamente, a comunicação só passa
a existir na reciprocidade de diálogo. Apesar da centralidade de Bakhtin (1895-1975),
outros pensadores pertencentes ao movimento contribuíram profundamente para o
desenvolvimento da Teoria do Diálogo. Entre eles, destacamos dois autores resgatados
por Ivanova (2011): Jakubinskij3, que não chegou a pertencer ao Círculo, mas lançou
ideias fundantes para o grupo e foi professor do segundo a destacarmos: Voloshinov4.
Para Ivanova (Idem), é Jakubinskij quem estabelece pela primeira vez na linguística
russa e mundial, a formulação dos princípios da Teoria do Diálogo, classificando-o como
um fenômeno complexo e heterogêneo no qual se encontram aspectos linguageiros e
extralinguísticos. Distinguindo a fala cotidiana da fala poética a partir da noção de
forma e de propósito, Jakubinskij (BRAIT, 2013; IVANOVA, 2011 e 2012) cria o conceito
de fala dialogal como manifestação essencial da fala cotidiana ou prática.
Interessa-nos, sobremaneira, destacar os componentes extralinguísticos da fala
dialogal, abordados pelo autor. Entre eles estão: a percepção visual e auditiva do interlocutor na interação, os gestos e os movimentos do corpo. Dessa forma, elementos como a
mímica e a entonação ganham relevância na interação verbal e na compreensão mútua.
A entonação, por exemplo, conforme Ivanova (2011), recebe em Jakubinskij, um papel de
destaque por introduzir diferentes nuances de sentido, que possuem uma significação
comunicativa e que determina a compreensão da fala e do estado de espírito de um
interlocutor, de forma mais ampla que as palavras em seu sentido corrente.
Contrapondo o diálogo com o monólogo, sendo o primeiro a fala cotidiana e o segundo a forma artificial da língua relacionada ao desenvolvimento das normas da língua
comum, o autor concentra-se na questão da interação entre comunicantes e salienta que
cada interação é uma ação recíproca que tende para o fenômeno dialogal (IVANOVA,
2011, 2012). Entre outros aspectos, Jakubinskij estuda o fenômeno da produção da resposta, como característica fundamental de todas as formas de interação verbal. Partindo da constatação baseada no behaviorismo, ele afirma que a resposta é de natureza
psicológica, como um reflexo e investiga a réplica e a contrarréplica.
No diálogo, cada réplica é determinada por uma réplica precedente do interlocutor,
produzindo uma alternância de réplicas e definindo o caráter inacabado do enunciado
(IVANOVA, 2011). “Cada ato de produção de um enunciado concreto supõe uma
sequência, e ele vai continuar depois da contrarréplica: cada mudança de uma réplica
pela contrarréplica do outro interlocutor é uma pausa até nova réplica do primeiro
interlocutor” (JAKUBINSKIJ, 1923, p. 140, apud IVANOVA, 2011, p. 244).
3. Lev Jakubinskij, formalista russo, que publicou, em 1923, em Leningrado, um artigo intitulado Sobre a
fala dialogal.
4. “Em razão das circunstâncias nas quais a teoria do diálogo apareceu na Rússia, a maioria dos autores
ocidentais faz referência a M. Bakhtin e aos seus trabalhos, dentre os quais citam seus dois livros sobre
Dostoievski (1929 e 1963), as obras dos anos 1960-70 e o livro Marxismo e filosofia da linguagem, publicado sob
o nome de Voloshinov em 1929. Esse livro é considerado um dos primeiros em que os princípios do dialogismo
foram formulados por Bakhtin. É preciso mencionar também que muitos autores russos e ocidentais acreditam
que o nome de Voloshinov é apenas um pseudônimo de Bakhtin” (IVANOVA, 2011, p.240).
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Diálogo no contexto das organizações - aproximações
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Aluno de Jakubinkij, Voloshinov (1895-1936) começa seus estudos pela análise do
enunciado na vida cotidiana, isto é, pela análise da “palavra” no diálogo cotidiano.
Conforme Ivanova (2011), as pesquisas de Voloshinov tinham por objeto a poética
sociológica, a comunicação verbal e a natureza do enunciado. O diálogo, objeto de
nossas buscas, fazia parte da análise da comunicação verbal como um componente
essencial e indispensável. Para o autor, o enunciado é “engendrado na comunicação
verbal e funciona nesse meio. É isso que explica o interesse particular de Voloshinov
pelo diálogo e a relação entre o diálogo e o enunciado” (IVANOVA, 2011, p. 249).
Se Jakubinskij dedicou-se às condições de funcionamento do enunciado dialogal,
Voloshinov introduz, em uma perspectiva mais sociológica, a questão das relações
entre uma situação extralinguística da vida cotidiana e um enunciado. Contribui com
a formulação do conceito de contexto extralinguístico, ou seja, o espaço comum dos
participantes, o conhecimento partilhado e a compreensão da situação, entre outros e sua
apreciação comum dessa situação (Ibid., p. 250), além de desenvolver a noção de contexto.
Ao objeto que perseguimos em nosso estudo, a grande contribuição de Voloshinov
é apresentar um sentido mais amplo para o fenômeno. O diálogo passa a significar o
processo geral da interação. Ele propõe uma distinção entre o diálogo, em sentido estrito,
como uma forma de interação verbal e o diálogo em sentido amplo, como a comunicação verbal de todos os tipos. Diálogo permanece como unidade real da língua-fala,
mas relacionado com as diferentes formas de transmissão da palavra de outrem, como
um enunciado de outrem que vive na consciência verbal interna de um interlocutor,
como é interpretado nessa consciência e como a palavra desse interlocutor é orientada
em relação a esse enunciado.
É no contexto da percepção, compreensão e avaliação do enunciado de outrem que
Voloshinov situa o diálogo. Para ele, o processo de percepção está diretamente ligado
ao processo de compreensão. Cada compreensão verdadeira é ativa e serve de germe
para uma resposta, isto é, que cada compreensão possui natureza dialogal. O sentido
se realiza durante o processo de interação entre o locutor e o interlocutor, a partir de
um complexo sonoro.
O peculiar encadeamento de ideias apresentado pelos pensadores que integram o
Círculo de Bakhtin, que leva a muitas dúvidas e questionamentos sobre a autoria de
textos fundantes, se consolida em obras atribuídas a Mikail Bakhtin, tendo o dialogismo
como conceito articulador. Para o autor, a comunicação só existe na reciprocidade do
diálogo, que tem sentido antropológico de processo, pelo qual o homem se constitui
enquanto consciência, pelo reconhecimento do outro, numa relação de alteridade.
Ser significa comunicar [...], ser para o outro, e através dele, para si. O homem não possui
território interior soberano, ele está inteiramente e sempre sobre uma fronteira; olhando o
interior de si, ele olha nos olhos do outro ou através dos olhos do outro (BAKHTIN, 1961,
apud TODOROV, 1981, p.148).
A Teoria do Dialogismo de Bakhtin é desenvolvida em diferentes campos do
conhecimento: na Teoria do Conhecimento onde emerge o princípio do diálogo
intertextual como fundamento da compreensão, na Poética, onde se encontra o conceito
de polifonia, ou do cruzamento polifônico de vozes como constituidor da subjetividade
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Diálogo no contexto das organizações - aproximações
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em qualquer tipo de discurso e na Linguagem, onde encontramos a enunciação, ou seja,
a ênfase no discurso como material semiótico, constituído da consciência, que marca
seu lugar socioideológico numa contraposição permanente de enunciados.
Ao defender a exterioridade semiótica (e discursiva) da consciência, Bakhtin atribui
natureza semiótica, ideológica e linguística da consciência. O diálogo, desenvolvido
exteriormente ou no interior da consciência, concretiza-se, sempre pela linguagem, na
forma de enunciados que se contrapõe. Mas as relações dialógicas não se dão apenas
entre enunciados. Elas se efetivam polifonicamente também no interior deles e até de
uma palavras, desde que nela ressoe a palavra do outro. Dessa forma, nosso discurso está
impregnado da palavra do outro, que naturalmente são alteradas em seu sentido pelos
efeitos de nossa compreensão e avaliação. Uma só voz nada determina e nada resolve.
Duas vozes são o mínimo de vida, o mínimo de existência. Vozes independentes se
cruzam, se opõem e se confundem, criando harmonia ou dissonâncias, que é a polifonia.
A relação de intertextualidade é específica. Trata-se de relações semânticas entre
enunciados inteiros pelos quais se exprimem sujeitos linguísticos reais ou potenciais, os
autores. Os discursos têm uma orientação dialógica e, por esta orientação, se encontram
com outros discursos no caminho do seu objeto. O sujeito é constituído na intersubjetividade do diálogo, como consciência organizada a partir do signo, principalmente
linguístico, que é exterior, ideológico e social. O sujeito se constitui frente ao outro, num
jogo de contraposições enunciativas e é preciso respeitar neles a natureza de sujeitos: a
verdade sobre alguém, dita por outro, fora do diálogo, é uma violência que o transforma
em objeto, que o emudece e humilha portanto.
Além das contribuições do Círculo de Bakhtin, buscamos outras vertentes da Linguística que aqui não serão tratadas, como a pragmática, por exemplo, que estudam as
condições que governam a utilização da linguagem, assim como, os fatores linguísticos e
extralinguísticos que contribuem para a produção de sentido numa dada situação comunicativa. O desejo é de compreender o que os aspectos sintáticos, fônicos e semânticos do
sistema da língua não conseguem explicar, ou seja, o humor, a ironia, o subentendido,
os implícitos, entre outros aspectos. O estudo da pragmática vai investigar o que os
interlocutores comunicam para além do significado de frases e palavras.
GADAMER, O DIÁLOGO COMO FORÇA TRANSFORMADORA
E AS PISTAS PARA CONTINUAR O ESTUDO
Em nossa busca de compreender o diálogo, encontramos as mais diversas abordagens em diferentes campos do saber, como brevemente apresentamos acima. Entre tantas
possibilidades, nos deparamos e nos identificamos com o tratamento filosófico dado ao
tema por Gadamer. Aqui não estamos focados no todo do paradigma de construção
do conhecimento proposto por ele, a Hermenêutica, mas sim na parte, que certamente o reflete hologramaticamente, que é a do diálogo abordado no âmbito da práxis e
colocado como o verdadeiro centro do humano e manifestação suprema da linguagem
(GADAMER, 2002, p. 208).
Partindo da Filosofia da linguagem, após analisar, em detalhes, o diálogo como
processo, Gadamer religa as dimensões que o compõe e provoca com o questionamento: “A arte do diálogo está desaparecendo? Na vida social de nossa época não estamos
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Diálogo no contexto das organizações - aproximações
Rosângela Florczak de Oliveira
assistindo a uma monologização crescente do comportamento humano?” (Ibiden, p.
242). Ao especular sobre as causas que poderiam estar restringindo a capacidade de
dialogar, o autor aponta desde as grandes questões civilizatórias como o modo de pensar
predominantemente técnico-científico até a mediação tecnológica5 que produz o que ele
chama de empobrecimento comunicativo para chegar ao que ele coloca como elemento
central: “[...] incapacidade para o diálogo refere-se, antes, à possibilidade de alguém
abrir-se para o outro e encontrar nesse outro uma abertura para que o fio da conversa
possa fluir livremente” (GADAMER, 2002, p. 208).
Para o autor, a incapacidade para o diálogo pode ser analisada tanto do ponto de
vista subjetivo quanto objetivo. Na primeira dimensão está a incapacidade para ouvir
e na segunda, a ausência de uma linguagem comum.
E não será realmente uma de nossas experiências humanas fundamentais essa de não percebermos no tempo certo o que está acontecendo com o outro, ou então, de nosso ouvido não
ser suficientemente afinado a ponto de ‘ouvir’ a mudez e o endurecimento do outro? Ouvir
erroneamente também faz parte dessas experiências básicas. [...] Só pode fazer ouvidos de
mercador ou ouvir erroneamente que está constantemente apenas ouvindo a si mesmo,
quem possui os ouvidos tão cheios de si mesmo, buscando seus impulsos e interesses, que
já não consegue ouvir o outro. [...] Apesar disso, a capacidade constante de voltar ao diálogo,
isto é, ouvir o outro, parece-me ser a verdadeira elevação do homem a sua humanidade
(GADAMER, 2002, p.214).
Na dimensão objetiva, o autor atribui a degradação crescente da linguagem comum
entre os interlocutores, ao fato de nos acostumarmos com as situações de monólogo que
caracteriza a civilização científica com a tecnologia informacional do tipo anônimo. É
pois, à medida que crescem os recursos tecnológicos que se incorporam ao nosso corpo
e à nossa rotina, que desaprendemos a falar. “[...] Esse falar que é falar para alguém,
responder a alguém e que chamamos de conversa” (Ibiden, p.215). E o entendimento
torna-se difícil onde falta uma linguagem comum. O entendimento entre as pessoas
tanto cria uma linguagem comum como a pressupõe. O estranhamento vem do fato de
não “falarem a mesma língua”.
Di Napoli (2002) afirma, a partir de estudos da concepção de Gadamer que, como
o sujeito se faz na própria compreensão da vida, ele nunca está completo. A identificação no diálogo se dá, portanto, com a falta de experiência. Isso significa que, para
Gadamer, o outro nos traz algo de novo, mas após o diálogo, os dois interlocutores têm
algo diferente que os une. Trata-se da união de duas experiências diferentes, vividas
e, então, partilhadas. É, pois, pelo diálogo que se torna possível aproximar os mundos
das experiências individuais, dos mistérios pessoais intransponíveis formados sentidos
na apercepção sensível do mundo. No “verdadeiro diálogo” (GADAMER, 2002) não
proporciona a experimentação de algo novo, mas sim, o encontro no outro de algo que
ainda não havíamos encontrado em nossa própria experiência de mundo. “O diálogo
possui uma força transformadora” (Ibiden, p. 211) e deixa marcas.
5. Em sua obra, Verdade e Método II, Gadamer faz referência ao telefone, que restringiria o diálogo ao
elemento acústico.
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Diálogo no contexto das organizações - aproximações
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Para o autor, é no diálogo, como entendimento tácito transbordante, que se pode
construir aquela espécie de comunhão onde cada qual continua sendo o mesmo para o
outro porque ambos encontram o outro e encontram a si mesmos no outro. “A disposição
para entrar num diálogo, a expansão e o enriquecimento do participante, no sentido de
ampliação de sua própria experiência, [...] podem levar uma comunidade a preparar-se
para ouvir ou dispor-se a ouvir” (DI NAPOLI, 2000, p.310).
Ricoeur (1995) complementa a perspectiva de Gadamer ao afirmar que a experiência
experienciada, como vivida, permanece privada, mas o seu sentido, a sua significação
torna-se pública. A comunicação é, deste modo, a superação da radical não comunicabilidade da experiência vivida (RICOEUR, 1995, p.66). E essa comunicação é dada, ao
olhar do autor, como um milagre. Não um milagre no sentido cristão, mas no sentido
de surpresa, de espanto. Pensar a comunicação como milagre, conforme Coelho (2013)
é apontar para uma razão que vai além da razão natural, ou seja, “é sem porquê, ela
floresce, porque ela floresce” (Angelus Sileius, Apud. Heidegger, s/d, p.59). Ela é a superação da solidão, ou seja, da impossibilidade de apreensão da experiência do outro, é a
tentativa de cada indivíduo de alcançar – a inalcançável – alteridade.
Situar o diálogo como fenômeno central dos processos comunicacionais e buscar
compreendê-lo pelo viés dos diferentes campos do conhecimento é admitir a complexidade da comunicação que marca as diferentes dimensões da vida sociais e, especialmente,
no nosso caso, da comunicação no contexto das organizações. Inconclusa e temporária,
como nos permite o paradigma com o qual no identificamos, a reflexão aqui apresentada, está em pleno desenvolvimento e é parte de um todo que pretende contribuir com
o estudo da Comunicação Organizacional. Hologramaticamente, porém, este artigo já
representa as características deste todo que virá ao final provisório da pesquisa e, com
esta motivação, o partilhamos com a comunidade científica da área.
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5000
#PeriferiaEntraEmCampo: as estratégias de comunicação
e marketing do Conjunto Palmeiras para participar da
Copa do Mundo de Futebol de 2014 em Fortaleza
#PeriferiaEntraEmCampo: communication strategies
and marketing by Conjunto Palmeiras set to attend
the 2014 FIFA World Cup in Fortaleza
S i lv i a H e l e n a B e l m i n o 1
Resumo: Este estudo tem por objetivo analisar as estratégias de comunicação
e marketing utilizadas pelo Conjunto Palmeiras, bairro periférico da cidade de
Fortaleza, para participar da Copa do Mundo de Futebol da FIFA em 2014. A ação
denominada #PeriferiaEntraEmCampo, divulgada no Facebook, no twitter e no
site do Instituto Palmas, tinha por objetivo mostrar aos visitantes brasileiros e
estrangeiros que desembarcavam no Aeroporto Internacional Pinto Martins em
Fortaleza, o projeto de economia solidária e os projetos sociais desenvolvidos
no bairro. Essa foi a maneira encontrada pela comunidade de se engajar no
megaevento que tinha regras rígidas de participação estabelecidas pela FIFA.
Como corpus da pesquisa selecionou-se as postagens que divulgavam as ações
da comunidade no Facebook, no site do Instituto Palmas e o folder de divulgação, entre junho e julho de 2014. Essas questões justificam a necessidade de
uma análise histórico-social, que permite situar o processo de construção do
objeto no espaço-tempo de seu aparecimento. Localizou-se na hermenêutica de
profundidade, tal como foi proposta por John B.Thompson (1990), um referencial que integra os vários métodos para compreender de maneira criativa essa
construção simbólica.
Palavras-Chave: Copa do Mundo de Futebol 2014; Megaevento; Cidade;
Periferia; Estretégias de Comunicação
Abstract: This study aims to analyse the communication and marketing
strategies used by Palmeiras, a neighbourhood in the periphery of the city of
Fortaleza, to participate in the FIFA Soccer World Cup in 2014. The action named
#PeriferiaEntraEmCampo, released on Facebook, twitter and on the website of
the Palmas Institute. It was intended to show to Brazilians and foreign visitors
disembarking in the Pinto Martins Airport in Fortaleza the social economy
projects and social projects developed in the neighbourhood. That was the way
found by the community to engage itself in the mega event that had strict rules
for participation established by FIFA. The research corpus is constituted by
posts that were shared by the community in Facebook, the website of Palmas
1. Doutora, professora do Curso de Publicidade e Propaganda do Instituto de Cultura e Arte (ICA) da
Universidade Federal de Fortaleza (UFC). E-mail: [email protected]
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5001
#PeriferiaEntraEmCampo: as estratégias de comunicação e marketing do Conjunto Palmeiras para participar da Copa do Mundo de Futebol
SILVIA HELENA BELMINO
Institute and the folder, between June and July 2014. These issues justify the need
for a socio-historical analysis, which place the object construction process in its
space-time. Located on the depth hermeneutic, as proposed by John B.Thompson
(1990), a reference that integrates several methods to understand creatively this
symbolic construction.
Key words: World Cup 2014; mega event; city; periphery; strategies of communication
INTRODUÇÃO
STE ARTIGO tem por objetivo analisar o modo de participação do Conjunto
E
Palmeiras, bairro periférico da cidade de Fortaleza, na Copa do Mundo de Futebol
da FIFA em 2014. No Ceará, a inserção das comunidades pobres no megaevento
esportivo foi insignificante, não somente no que tange aos jogos da Arena Castelão, mas
também nas atividades lucrativas do evento, como a venda de bebidas e de alimentos.
Até mesmo o legado, argumento utilizado pelo governo federal, estadual e municipal,
para justificar o investimento e a realização do evento, principalmente em mobilidade,
trouxe mais problemas que benefícios. Por exemplo, cerca de 2300 famílias foram retiradas de suas casas em Fortaleza para a construção do Veículo Leve sobre os Trilhos
(VLT) que não foi concluído e não há previsão de finalização.
Com a escolha de Fortaleza como cidade-sede, veio a promessa de um desenvolvimento econômico e uma modernização dos trasnportes públicos. A Copa do Mundo
em Fortaleza gerou sentimentos contraditórios na população local, que sofria com as
modificações a medida em que as obras eram iniciadas ou finalizadas. Um exemplo
emblemático é o da Arena Castelão, o primeiro estádio a ter as obras concluídas no Brasil,
que devido a sua rápida construção e a divulgação expressiva nos meios de comunicação
cearenses passou a ser motivo de orgulho para parte da população, enquanto que para
os demais o dinheiro gasto significou um grande desperdício. O empasse ficou claro
nas manifestações durante os jogos da Copa das Confederações em junho de 2013. Para
a administração municipal e estadual, a justificativa da participação da cidade no megaevento estava relacionada à visibilidade midiática e, com isso, a formação e ampliação
de uma demanda turística.
O Ceará tem o turismo como uma das principais fontes econômicas, por isso a
realização de um evento de repercussão mundial como a Copa do Mundo de Futebol,
proporcionaria uma visibilidade importante para essa atividade. Fortaleza, a principal
porta de entrada do estado, se preparou durante quase três anos para receber o evento.
Foram feitas campanhas que procuravam mostrar as belezas naturais e culturais da
cidade e até um novo conceito foi apresentado: cidade-sede da alegria.
No entanto, Fortaleza é uma cidade contraditória. Ao mesmo tempo que possui uma
das maiores desigualdades sociais do Brasil e também um elevado índice de violência,
sendo considerada no período da realização dos jogos a sétima cidade mais violenta do
mundo, a cidade se mostra moderna, com um povo hospitaleiro e uma cultura bastante
rica. A cidade-sede da alegria, substitui a cidade da luz e torna-se uma cidade-produto
com capacidade de adequar-se aos novos consumidores.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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#PeriferiaEntraEmCampo: as estratégias de comunicação e marketing do Conjunto Palmeiras para participar da Copa do Mundo de Futebol
SILVIA HELENA BELMINO
Para o então secretário de Turismo do governo do estado, Bismarck Maia, o planejamento do desenvolvimento do turismo foi bem anterior à preparação para a Copa do
Mundo, mas uma nova imagem para o estado já vinha sendo construída: “Queremos
que o turista possa absorver em Fortaleza e no Ceará os antigos atrativos, como suas
dunas, as águas mornas e o sol abundante quase o ano inteiro, mas também inovações,
que configurarão o Ceará como um destino importante nacional e internacionalmente”2.
Na época ele argumentou que a partir de 2012 todo o conjunto de ações elaboradas já
estaria com uma infraestrutura diferenciada em relação ao restante do país. Esse conjunto de ações incluía a construção de um aquário, de um oceanário, de aeroportos nos
litorais Leste e Oeste para servirem de âncora fundamental para 573 quilômetros de
praia, a partir de estradas duplicadas.
No início da década de 1990, os governos estaduais e federais, gestores municipais e
empresários aplicavam recursos representativos para tornar o estado um pólo de turismo
no contexto nacional e mundial. Esse processo fazia parte das estratégias do projeto do
Governo de Tasso Jereissati, que elegeu esse segmento econômico como instrumento de
mudança de imagem. Assim, com o apoio da iniciativa privada, o turismo passou a ser
considerado um eixo de propulsão da economia cearense, destacando-se, sobretudo, o
potencial litorâneo. Do ponto de vista econômico, os megaeventos são reconhecidamente
uma oportunidade de captar recursos para a realização de obras de grande porte na
cidade, favorecendo a visibilidade política.
Em um ano eleitoral, a importância de trazer recursos para a realização de obras
de estrutura, de melhorias capazes de gerar novos empregos, encantam os eleitores
locais. A inclusão da capital cearense na Copa do Mundo incrementou, principalmente,
a demanda turística que, desde os anos de 1990, se tornou a mais importante atividade
econômica do estado. No caso do Ceará, sua imagem passou a ser apreendida como
paradisíaca e moderna pelos visitantes. Para tanto, foram realizados investimentos
em infraestrutura, capacitação de pessoal e campanhas promocionais. Os governos
de Tasso Jereissati e Ciro Gomes, denominados mudancistas, perceberam o turismo
como um artifício capaz de proporcionar visibilidade e legitimidade ao seus projetos
políticos. A atividade turística foi então apresentada à sociedade cearense como uma
estratégia econômica capaz de estimular a melhoria de vida da população e, de certa
forma, “cumprir” a promessa de campanha de Tasso Jereissati de “acabar com miséria no
Ceará”. Como pólo receptor do turismo nacional e mundial, o Ceará começou a receber
incentivos dos governos federal, estadual e municipal.
Passados mais de 20 anos, o estado do Ceará é considerado um dos destinos turísticos mais solicitados do Nordeste brasileiro. De acordo com os dados do Ministério
do Turismo de 2012, o Ceará é um dos dez estados brasileiros mais procurados por
turistas estrangeiros. Esses dados motivaram os governos municipal e estadual a propor a candidatura da capital cearense como uma das cidades-sede da Copa do Mundo
de Futebol. Para tanto, a nova imagem de cidade-sede da alegria foi planejada para o
evento, pois além do mar, do sol e da jangada, foi agregado como atributo da cidade
2. Diário do Nordeste (06/05/2012) no site <http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1134199>,
acessado em 31 de maio de 2012.
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SILVIA HELENA BELMINO
a alegria do povo. A hospitalidade já era trabalhada nas primeiras campanhas, mas a
alegria do povo era timidamente explorada em alguns textos publicitários das propagandas turísticas do estado.
Esse estudo visa explorar como eventos de repercussão internacional geram imaginários sobre a cidade, a modernidade almejada e o espetáculo a ser consumido. Cada
vez mais, as cidades procuram multiplicar as oportunidades de se fazerem presentes
no contexto midiático. Em eventos de proporções mundiais, elas adquirem um forte
protagonismo na vida política, econômica, social, cultural e nos meios de comunicação.
Nesse sentido, as estratégias de propaganda e de marketing são comumente utilizadas
na exposição de imagens positivas dos lugares.
Na apresentação de Fortaleza para o mundo observou-se o uso da lógica da espetacularização e do consumo das cidades. O Ceará Produto Turístico já vem sendo construído
desde final dos anos de 1980. A inclusão do turismo entre os setores prioritários dos
governos cearenses favoreceu o crescimento desse segmento econômico e o aumento
da visibilidade nacional e internacional do estado.
As imagens apresentadas no material de divulgação de Fortaleza para a Copa são
recortes da cidade utilizados nos anúncios para representar a cidade como um todo. No
trabalho de Irlis Barreira (2012) sobre as imagens dos cartões postais de Fortaleza, ela
percebe que há a possibilidade de eles constituírem alegorias de espaço urbano e contribuírem com o princípio da construção de imagem como mercadoria. Esse argumento
corrobora com a ideia de Fernada Sanchez (2001), que percebe em alguns processos de
reestruturação urbana da década de 90 realizados pelo poder político a transformação
do que ela conceitua como cidade-mercadoria.
O que leva o Conjunto Palmeiras a criar ações para participar da Copa do Mundo
de Futebol da FIFA de 2014? E qual a importância do uso de estratégias de comunicação
e marketing por uma comunidade carente para se inserir no megaevento? Não se deve
esquecer que a lógica da cidade-mercadoria (Sanchez, 2001) é excludente, uma vez que
somente parte da cidade é apresentada aos visitantes.
O MEGAEVENTO E A CIDADE
Definir megaevento não é uma tarefa simples, uma vez que não há um consenso
entre os autores que pesquisam o tema. Pode-se classificá-lo pela forma, por seu conteúdo ou por sua abrangência. Há autores, como Ricardo Freitas (2013), que o entendem
como um fenômeno de comunicação que traz, não somente no período de realização
uma transformação no cotidiano de quem vive no lugar, mas também se insere na
memória da cidade.
Os megaeventos têm como característica impactar uma sociedade de modo mais
abrangente. A diferença entre um evento e um megaevento consiste em uma maior
complexidade de planejamento e de execução do segundo, bem como nos impactos na
região onde irá ocorrer. No caso da Copa do Mundo de Futebol da FIFA, havia regras
rígidas nos espaços de realização do evento, como, por exemplo, a Fan Fest, em que
somente algumas marcas de produtos eram comercializados. Um manual com diretrizes públicas de uso das marcas oficiais foi publicada pela entidade para que fosse
assegurada aos parceiros econômicos a exclusividade de utilização. Essa determinação
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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procurou coibir utilizações inadequadas por marcas que não fossem parceiras da FIFA
no evento da Copa do Mundo de 2014. Esse aspecto provocou alguns problemas para
a comunidade do Palmeira.
Por outro lado, os megaeventos possuem características particulares que servem
para promover de maneira ampla as cidades. A visibilidade mídiática é um dos aspectos
que estimula a participação das cidades nos megaeventos, uma vez que ela favorece
um posicionamento no mercado, principalmente nos lugares que se propõem a ser um
destino turístico. Um ano antes da realização da Copa do Mundo de Futebol de 2006 na
Alemanha, o país realizou campanhas externas e internas para projetar sua imagem para
o mundo. Desse modo, os alemães pretendiam melhorar a imagem do país, buscando
atrair investidores internacionais e turistas para a Alemanha. O trabalho de comunicação converteu o país em uma marca, em que os consumidores projetaram os valores
estabelecidos pela campanha. O impacto das estratégias de marketing e comunicação
surpreendeu os próprios alemães3.
O legado proveniente dos megaeventos é o argumento que legitima a utilização de
um grande volume de recursos pelo poder público. Para a realização dos jogos da Copa
do Mundo em Fortaleza, foi apresentado como legado a melhoria da infraestrutura de
vias e dos sistemas de transporte. Porém, a cidade recebeu até o Mundial, em junho de
2014, apenas as estruturas relacionadas diretamente aos jogos (Arena Castelão e estruturas temporárias montadas para eventos secundários que ocorreram na cidade, como
a Fan Fest). As obras que beneficiariam a população de forma direta e permanente não
foram entregues para o evento, como o VLT Parangaba/Mucuripe.
Em Fortaleza, a Copa do Mundo pode ser compreendida em dois momentos distintos: a preparação, que foi marcada por questionamentos sobre a capacidade da cidade
de receber o evento, tanto pela mídia cearense, quanto pelas manifestações e protestos
da população local durante a Copa das Confederações; e a realização do evento, que,
ao contrário do que se previa, não foi prejudicada pela não conclusão dos projetos de
mobilidade, a cidade-sede foi apresentada pela mídia como segura, tranquila e alegre.
No momento preparatório da Copa, as vantagens que as cidades obtém ao integrar-se
ao evento são percebidas em termos de visibilidade, pelas constantes exposições midiáticas proporcionadas, e em termos econômicos, como afirmou o ex-ministro Aldo Rabelo:
Fortaleza e o Ceará, como todo o Brasil, têm muito a se beneficiar da Copa de 2014, tal a
grandeza dos melhoramentos que serão introduzidos nas cidades-sedes e ficarão como
uma herança útil e permanente. A Copa não traz apenas a alegria competitiva e fraterna
do futebol. Deixa em seu rastro obras de infraestrutura que vão servir à população.
O discurso de Rabelo, assim como a fala de outras autoridades, utiliza os aspectos
positivos do legado para justificar os gastos feitos e a própria realização do megaevento
esportivo no país, deixando de lado as consequências negativas que poderiam surgir.
3. Antonia Montes Fernandez descreve as transformações ocorridas após a campanha: “El país y los
alemanes hicieron gala de uma euforia, alegria, simpatia, espontaneidad y hospitalidad desconocida
hasta ahora por el mundo en su concepcion estereotipada de Alemania. Incluso los propios alemanes
se sorprendieron ante la efusión de los sentimentos nacionales que sugieron de manera espontânea y
natural. Atrás han quedado los clichés del alemán mal humorado, cuadricular y frio en sus sentimentos”
(FERNÁNDEZ, 2007, p. 165).
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#PeriferiaEntraEmCampo: as estratégias de comunicação e marketing do Conjunto Palmeiras para participar da Copa do Mundo de Futebol
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O QUE É O PALMEIRAS?
O Conjunto Palmeiras foi construido nos anos 1970 por familias pobres, algumas
retirantes da seca do sertão nordestino, que ocupavam áreas de risco ou áreas litorâneas, valorizadas após a construção do bairro Aldeota, ocupado por familias ricas e de
classe média alta. Um terreno baldio a cerca de 20 quilômetros do centro de Fortaleza
sem nenhuma estrutura foi a área escolhida para abrigar essas famílias. O depoimento
do líder comunitário Augusto Barros descreve bem o cenário e quem foi levado para
lá naquele momento:
Os mais pobres. Porque ele queria, por causa da especulação imobiliária, ele queria tirar
os pobres dos seus empregos, e tirou mesmo. Na época não tinha esse tipo de organização,
não é, que a gente tinha no Palmeiras... ainda temos ainda, mas ainda tamo atuante um
tempo que faz, que faz mudar... Então se o pessoal tivesse que vim, pra um bairro totalmente
desestruturado, o governo fez galpões de lona e de madeira. Em cada galpão desses ficavam
até seis famílias e eu imaginava, e hoje eu ainda imagino, como é que ficavam aquelas seis
famílias num galpão na hora de dormir sem ter uma mínima estrutura. Aqui no Palmeiras
não tinha água, não tinha energia, não tinha transporte, tinha um ônibus só da Viação
Cruzeiro. Esse ônibus dava uma viagem de manhã e outra de tarde. Então muita gente
perde o emprego porque não tinha transporte. Mesmo assim a gente ficou, trabalhando
assim, com muita dificuldade... a mão de obra do Palmeiras era uma mão de obra muito
barata, hoje ainda continua, mas na época era muito mais difícil...4
Chegaram ao local hoje conhecido por Conjunto Palmeiras, em 1973, cerca de 1500
famílias. Segundo Joaquim Melo, idealizador do Banco Palmas e da moeda social
palmas, “... com o nome conjunto se tentava incutir neles a esperança de um bairro
‘verdadeiro’ para que eles deixassem seus barracos à beirra mar e se encontrassem aqui,
longe de tudo, com menos ainda do que lá, entregues a lei dos mais fortes, à aflição e à
violência.” (MELO: 2014, p.46). Nesse cenário, as famílias se organizaram e com o apoio
da Comunidade Eclésial de Base (CEB) e organizações não govenamentais eles lutaram
por transportes, acesso a educação, água e saneamento básico, uma estrutura similiar a
da maioria das comunidades periféricas dos grandes centros urbanos.
Com o passar dos anos, as casas foram sendo construídas em regime de mutirão e
com a organização da comunidade o poder público foi pressionado a construir ruas no
bairro. Elas recebem nomes como Rua do Pensamento, Rua Serra azul, se diferenciando
dos demais bairros de Fortaleza, em que as ruas são instrumentos para homenagear os
políticos ou as pessoas importantes para a cidade. Com a luta por melhores condições,
surgem diversas associações no local, sendo a mais expressiva e ainda atuante no bairro
a Associação dos Moradores do Conjunto Palmeiras (ASMOCOMP), criada em 1981. A
partir dessa entidade, surge o Banco Palmas, uma organização não governamental que
possui uma moeda social que circula no bairro até hoje.
No Instituto Palmas, entidade do banco responsável por ações culturais e sociais,
foi planejada a estratégia de participação do bairro na Copa do Mundo de Futebol. De
4. Arquivo do projeto de pesquisa e de extensão realizado pelo Grupo de Pesquisa de Imagem, Consumo
e Experiência Urbana (GICEU) coordenado por Sílvia Helena Belmino.
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#PeriferiaEntraEmCampo: as estratégias de comunicação e marketing do Conjunto Palmeiras para participar da Copa do Mundo de Futebol
SILVIA HELENA BELMINO
acordo com a proposta incial divulgada no site do instituto e no folder, a estratégia era
incluir o Palmeiras no roteiro turístico de Fortaleza da Copa do Mundo, realizando
uma atividade turística conhecida no Rio de Janeiro como “favela tour”. Essa atividade,
uma vez consolidada, serviria para dar visibilidade à comunidade. Os representantes
de movimentos sociais que atuam no local acreditavam que essa inclusão ajudaria a
consolidar a imagem do Conjunto Palmeiras como um lugar de “extrema riqueza”.
Seria uma tentativa de reverter o resultado das pesquisas do Instituto de Pesquisa de
Estratégia Econômica do Ceará (IPECE)5 que aponta o bairro como o mais violento e
com o pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).
Algumas das ações desenvolvidas pela comunidade são o “Banco Palmas”, a “Cia
Bate Palmas”, o “Palmêre” e o “Palmatur”, responsável pela programação interna da
comunidade e pela construção de uma pousada. Essas ações podem ser consideradas
espaços de atuação dos moradores no sentido de reforçar sua ação coletiva que visa, entre
outros resultados, livrar-se dos estigmas que cobrem as áreas periféricas das grandes cidades, e que, simplificando as complexidades da vida, associam pobreza à criminalidade.
Um aspecto interessante identificado na realização das pesquisas foi a percepção
e apropriação das estratégias de comunicação e marketing pela comunidade. Durante
o evento foi possível observar como eles planejaram cada etapa da ação, aspecto que
será aprofundado no decorrer do texto. Eles pensaram em uma seleção de produtos dos
artesões, no merchandising, no quiosque no aeroporto Pinto Martins e em um plano de
comunicação. Essa ação foi divulgada pelos veículos locais e internacionais. Os turistas,
além de comprar os produtos artesanais, também puderam conhecer a moeda social,
a palmas.
O USO DO MARKETING E DA COMUNICAÇÃO
O processo comunicativo assume um papel importante na sociedade atual, decorrente da necessidade de transmissão de informações entre os indivíduos e a coletividade. O crescimento populacional, os avanços tecnológicos e a emergência do indivíduo
moderno, entre outras questões, estabelecem uma nova ordem social, na qual a comunicação de massa permeia praticamente todas as relações e atividades humanas. Assim, a
transmissão de tradições e a exposição de ideias, produtos, valores, ideologias e posicionamentos políticos são hoje repassados por um conjunto de tecnologias da comunicação.
O marketing como instrumento promocional para um país, estado ou cidade e a
propaganda como mecanismo importante para comunicar, transmitir e criar imagens
são estratégias que acompanham as mudanças das práticas sociais e dos meios de comunicação. A essência da propaganda permanece, persuadindo e estimulando o consumo.
Portanto, apresentar um posicionamento diferenciado para os lugares turistificados por
meio de um planejamento de comunicação e de marketing é uma questão de sobrevivência em um efêmero e competitivo mercado.
Em Fortaleza, ao assumir a condição de produto mercadológico, as estratégias de
posicionamentos são aprimoradas para diferenciá-la das demais. O marketing de lugares,
5. Segundo dados do IPECE (Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará) há altos índices de concentração
de renda na capital cearense: <http://www.ipece.ce.gov.br/apenas-7-da-populacao-de-fortaleza-concentram-26>.
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#PeriferiaEntraEmCampo: as estratégias de comunicação e marketing do Conjunto Palmeiras para participar da Copa do Mundo de Futebol
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termo utilizado por Kotler et al. (2006), reflete bem as estratégias utilizadas para as cidades conquistarem o crescimento econômico em um mundo cada vez mais competitivo,
onde a midiatização, conceito utilizado pelo sociólogo John B. Thompson (1990, 1995),
é vista como uma parte integral do desenvolvimento da sociedade moderna, tornando
possível a circulação de informação na sociedade de um modo sem precedentes. No
evento Copa do Mundo, percebe-se que todas as ações promocionais estão sendo realizadas como forma de evidenciar as peculiaridades ou particularidades das cidades. Elas
tornam-se cidades marcas. O uso do branding nas cidades é uma estratégia utilizada,
principalmente pelo turismo, para mostrar um diferencial e aumentar o capital simbólico.
A capital cearense já utilizava as estratégias de comunicação e marketing desde 1990,
ao eleger o turismo como uma das principais fontes econômicas do estado. O destino
turístico é uma construção imaginária alimentada pelas expectativas de consumidores
por meio de atrações promovidas pelas propagandas, que elegem um aspecto geográfico,
cultural ou esportivo para se posicionar junto aos visitantes. O posicionamento na
mente do consumidor é o ponto central da discussão de Al Ries e Jack Trout (2001). Eles
estabelecem a necessidade de uma imagem de cartão-postal para ser trabalhada pela
comunicação, definindo um lugar para o turismo. Para os autores, o posicionamento
do lugar exige uma imagem capaz de capturar sua essência.
Para o Palmeiras o uso das estratégias de comunicação e marketing foi a forma
encontrada para se integrar e participar efetivamente de um evento, em que a participação
majoritária foi de grandes marcas. No caso de Fortaleza a participação dos micro e
pequenos comerciantes se restringia as áreas turísticas.
POR UMA COPA DEMOCRÁTICA
#PeriferiaEntraEmCampo foi a maneira encontrada pela comunidade do Conjunto
Palmeira de participar da Copa do Mundo de Futebol. Por meio dessa ação, O Instituto
Palmas procurou dar visibilidade aos projetos de economia solidária e criativa que estão
sendo realizados na periferia de Fortaleza e nas comunidades rurais. A ação ajudou
na comercialização de artigos, alimentos e objetos artesanais feitos pelos pequenos
produtores e, principalmente, para dar visibilidade à moeda social, motivo de orgulho
da comunidade. E confome matéria jornalistica
Embora as imagens sejam constituídas individualmente, há uma imagem pública,
construída por meio de memórias, de eventos e de patrimônios que motivam as visitações
de determinados lugares. E apostando nisso que a comunidade do Palmeiras resolveu
na ação de comunicação integrar a parte da cidade que, normalmente é excluida nos
empreendimentos economicos, como um megaevento.
A participação da comunidade no megaevento ocorreu em dois momentos: na Copa
das confederações e na Copa do Mundo. A ideia inicial era receber turista durante a
Copa das comfederações, para tanto foram pensadas trilhas no bairro, apresentando
a história do lugar e mostrando alguns locais importantes para a comunidade. Estava
prevista feiras gastronomicas, música e moda. A pousada abrigaria o turista cobrando
preços acessíveis. A proposta de trilhas, a feira gastronomica, a instalação de um telão
na Avenida Valparaíso em frente ao Banco Palmas não foram realizadas devido a falta
de recursos e de público, no caso das trilhas.
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O folder com a programação foi traduzido para dois idiomas: inglês e espanhol.
A capa nas cores verde, amarela e branca procurava mostrar um campo de futebol em
meio a uma partida. Com este mesmo layout foram feitos cartazes, camisetas e anúncio
expostos no site do banco e na página do facebook.
A ação mais expressiva foi no Aeroporto Pinto Martins, uma das portas de entrada
da cidade. Com o aluguel do quiosque foi possível expor os produtos em estantes e criar
um ambiente alegre e descontraído. Para cada dia da semana havia uma programação:
as crianças do grupo musical Palmêre, os meninos da capoeira, o grupo de malabares
e as mulheres do Projeto Elas. A visibilidade das estratégias de posicionamento estabelecido pelo grupo permitiu que a mídia nacional e internacional percebesse a presença
da periferia na Copa do Mundo em Fortaleza.
Visita ao Conjunto Palmeira de um grupo de torcedores ingleses.
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#PeriferiaEntraEmCampo: as estratégias de comunicação e marketing do Conjunto Palmeiras para participar da Copa do Mundo de Futebol
SILVIA HELENA BELMINO
CONCLUSÃO
A participação do Palmeiras na Copa do Mundo de Futebol representa a ocupação
de um espaço por uma camada da sociedade que normalmente é excluida dos direitos
socias básicos, como o lazer. Em uma cidade como Fortaleza permeada de contradições,
com economia baseada no comércio e no turismo possui baixos índices de distribuição
de renda6 ao mesmo tempo em que possui o 9º maior PIB do país7, a participação de um
evento como esse mostra a determinação de um grupo social de inserir em uma agenda
social. O mais instigante é o uso de estratégias de comunicação e marketing, mesmo que
não haja uma sistematização no uso das técnicas, as ações alcançaram os objetivos desejados, ou seja, mostrar a existência de uma periferia que não está nos cartoes-postais e
nem tampouco deve ser mostrada para os turistas que visitaram a cidade-sede da Alegria.
Dentro deste contexto, cabe aqui questionamentos: quais a chances de um bairro
apontado como o mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano da Capital8 e o mais
violento de participar de um megaevento? Quais suas perspectivas e possibilidades de
participação em um espetáculo de alto padrão e projeção mundial?
REFERÊNCIAS
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SP: Pontes Editores.
FERNANDEZ. A. (2007) El pais como MARCA — crear imágens a través de la publicidad,
p. 163-164. In ROSA, María A. Burrueco (coord.). El linguaje publicitário em el turismo.
Servilla: Consejeria de Turismo, Comercio y Desporte.
KOTLER, P et. al. (2006) Marketing de Lugares: como conquistar crescimento de longo prazo
na América Latina e no Caribe.São Paulo: Prentice Hall.
MELO, J. (2014). Viva a Favela: os pobres assumem seu próprio destino. São Paulo: Ideias e
Letras.
RIES, A. & TROUT (1987) J. Posicionamento: a batalha pela sua mente. São Paulo: Pioneira
Thomson Learning.
SÁNCHEZ, F.(2010) A reinvenção das cidades para um mercado mundial. Argos, Editora
Universitária.
______ . (2001) A reinvenção das cidades na virada de século: agentes, estratégias e escalas
de ação política, Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 16, p. 31-49, jun. Acesso 16.01.2015. <http://
www.scielo.br/pdf/rsocp/n16/a03n16.pdf>.
Thompson, J. B. (1998) A Mídia e a Modernidade: uma teoria social da mídia. Petópolis, RJ:
Vozes.
http://www.institutobancopalmas.org/
https://www.facebook.com/BancoPalmas/timeline
6. Segundo dados do IPECE (Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará) há altos índices de concentração
de renda na capital cearense: <http://www.ipece.ce.gov.br/apenas-7-da-populacao-de-fortaleza-concentram-26>.
7. Segundo dados do IBGE de 2012, Fortaleza possui o 9º maior Produto Interno Bruto do país. <http://g1.globo.
com/ceara/noticia/2012/12/fortaleza-tem-9-maior-pib-do-brasil-e-o-maior-do-nordeste-diz-ibge.html>.
8. Nota divulgada pelo Conjunto Palmeiras no site do Instituto Palmas por ocasião da divulgação de
relatório municipal que classifica o bairro como pior IDH da cidade: <http://www.institutobancopalmas.
org/conjunto-palmeiras-x-idh/>.
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Comunicação Pública digital e popularização da
ciência no Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação do Brasil e suas unidades de pesquisa
Digital Public Communication and science
popularization in the Ministry of Science, Technology
and Innovation of Brazil and research institutes
A n a Pa u l a S o a r e s V e i g a 1
Resumo: Este trabalho tem como foco a comunicação pública e as ações de
popularização da ciência realizadas por meio dos portais web do Ministério
da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e suas 13 Unidades de Pesquisa (UPs).
A análise revela a ausência de uma estrutura articulada nessa área, em prejuízo das próprias instituições e dos diversos públicos de interesse (governo,
empresas, meios de comunicação, pesquisadores, educadores, estudantes etc.).
Considerando a importância da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) e da
comunicação pública digital para a construção da cidadania e a efetiva inclusão social, um formato sistêmico e articulado de comunicação poderia funcionar como promotor e incentivador da popularização da ciência. Os resultados
preliminares da pesquisa apontam para a necessidade de se estabelecer uma
política de comunicação digital que valorize e dê visibilidade às UPs enquanto
integrantes do Sistema de CT&I brasileiro e geradoras de conhecimento de ponta.
Palavras-Chave: Comunicação pública. Divulgação científica. Popularização da
ciência. Comunicação de ciência. Comunicação digital de ciência.
Abstract: This work focuses on public communication and science popularization actions performed through the web portals of the Ministry of Science,
Technology and Innovation (MSTI) and its 13 Research Institutes (RIs). The analysis reveals the absence of an articulated structure in this area, to the detriment of
the institutions themselves and the various stakeholders (government, business,
media, researchers, educators, students, etc.). Considering the importance of
Science, Technology and Innovation (STI) and digital public communication
for the construction of citizenship and effective social inclusion, a systemic and
coordinated communication format might work as a promoter and supporter
of science popularization. Preliminary results of the study point to the need to
establish a communication policy that values and give visibility to the RIs as
members of the Brazilian STI system and leading knowledge generators.
Keywords: Public Communication. Popular Science. Science Popularization.
Science Communication. Digital Science Communication.
1. Mestranda em Divulgação Científica e Cultural, Labjor/Unicamp – [email protected]
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5011
Comunicação Pública digital e popularização da ciência no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil e suas unidades de pesquisa
Ana Paula Soares Veiga
INTRODUÇÃO
S CONFERÊNCIAS nacionais de ciência, tecnologia e inovação (CNCT&I), criadas
A
no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), com prosseguimento durante
o governo Lula (2003-2010), têm contribuído significativamente para o debate sobre
a importância do desenvolvimento de políticas públicas de difusão do conhecimento
científico e tecnológico como ferramenta de inclusão social. O Livro Branco (2002), que
traz os resultados da 2ª CNCT&I (2001), recomenda, na diretriz estratégica VII, “Educar
para a sociedade do conhecimento”. No detalhamento desse item, o documento identifica
vias prioritárias para atingir o objetivo proposto, entre elas: i) “o incentivo ao envolvimento dos meios de comunicação na cobertura dos assuntos de CT&I” (BRASIL, 2002, p. 67).
Essa ampla discussão promovida ao longo de quatro conferências (1985, 2001, 2005
e 2010) foi a principal geradora e incentivadora de algumas iniciativas fundamentais do
governo federal, como a criação, em 2003, da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inclusão
Social (SECIS) do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). A Secretaria é
integrada por um Departamento de Ações Regionais para Inclusão Social (DEARE) e
um Departamento de Popularização e Difusão da Ciência e Tecnologia (DEPDI). Este
último tem, como uma de suas competências, “subsidiar a formulação e implementação
de políticas, programas e a definição de estratégias à popularização e à difusão ampla
de conhecimentos científicos e tecnológicos”2.
A estruturação da SECIS demonstrou a sensibilização do poder público quanto à
importância da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) para a inclusão social e possibilitou
inegáveis avanços na área de divulgação científica e difusão do conhecimento. O
lançamento sistemático de editais para a instalação e modernização de museus de ciência
e para o desenvolvimento de produtos de popularização da ciência, e a instituição da
Semana Nacional de C&T, em 2004, são alguns exemplos, conforme atesta Caldas (2011,
p. 11):
Entre as diretrizes da IV Conferência de CT&I (2010), estabelecidas no Livro Azul, fica
evidente a preocu­pação governamental com a divulgação científica, a formação ampla de
uma cultura científica pelo apoio aos museus e centros de ciência, bem como a me­lhoria
do ensino de ciências nas escolas, considerado essencial para a formação de uma cultura
científica. No tópico “CT&I para o desenvolvimento social”, vá­rias das recomendações
demonstram a valorização da popularização e democratização de CT&I, assim como sua
relação direta com a cidadania.
Em 2007, quatro anos após a criação da SECIS, o Plano Nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação - conhecido como o PAC da Ciência – veio somar-se ao esforço
pelo reconhecimento da área de CT&I como estratégica no desenvolvimento nacional
e geração de riqueza e bem-estar social. Um dos quatro eixos principais do PAC da
Ciência, o incentivo à “Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Social”,
demonstra essa preocupação.
Ao internalizar e institucionalizar essas recomendações e competências, o governo
deu um passo importante em direção à criação de uma cultura científica no país,
2. <http://www.mct.gov.br/upd_blob/0220/220115.pdf>, acessado em 29/06/2014.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5012
Comunicação Pública digital e popularização da ciência no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil e suas unidades de pesquisa
Ana Paula Soares Veiga
reconhecendo a divulgação da ciência aqui produzida como vetor e catalisador da
inclusão social pela via da CT&I. Mais do que isso, reconheceu o direito do cidadão de
acompanhar e de ser envolvido no processo de produção de CT&I, como caminho para
a melhoria da qualidade de vida. Entretanto, embora as políticas estejam desenhadas
em vários documentos, seu desenvolvimento, na esfera do governo federal, ainda carece
de ações estruturais na base da produção do conhecimento científico, ou seja, no âmbito
das Unidades de Pesquisa (UPs) do MCTI.
Graças ao trabalho de décadas empreendido pela comunidade de profissionais e
especialistas ligados à comunicação de ciência, a percepção da importância da divulgação
científica está presente e institucionalizada no Ministério. Os conceitos de inclusão social
e popularização da ciência estão inseridos em sua estrutura. Porém, ainda não foi possível
formular e implementar efetivamente uma política de comunicação de CT&I, conforme
reconhece o físico Ildeu de Castro Moreira (2006, p. 11), que durante uma década esteve
à frente do DEPDI (2003-2013):
O Brasil não dispõe ainda de uma política pública ampla destinada à popularização da CT.
Ao longo dos anos, surgiram alguns programas ou iniciativas tópicas como editais para
centros e museus de ciência ou o Prêmio José Reis do CNPq, mas há a necessidade urgente
de se estabelecerem políticas gerais e de se formular e executar um programa nacionalmente
articulado nesta direção.
Assim, o que se verifica é que essas deficiências acabam dificultando a construção,
operacionalização e manutenção de um sistema integrado que permita ao Ministério
articular a comunicação com as 13 Unidades de Pesquisa3 a ele vinculadas. O investimento
do governo em estratégias, infraestrutura, recursos humanos e tecnologias especializadas
na área de Comunicação de Ciência nas últimas duas décadas não tem correspondido à
altura das demandas das políticas delineadas pelo próprio MCTI e das recomendações
dos especialistas em comunicação de ciência, que por sua vez atendem aos anseios da
sociedade civil.
Valorização da imagem institucional e identidade corporativa
Além da questão fundamental da popularização da ciência como vetor de inclusão
social, há que se considerar a importância de valorizar e potencializar a imagem
institucional dos órgãos de governo. As instituições federais de ciência e tecnologia
deveriam transmitir à sociedade uma imagem condizente com a ciência e tecnologia
de alto nível que produzem. Não basta fazer pesquisa de qualidade. É fundamental
que os atores envolvidos (stakeholders) – meios de comunicação, comunidade acadêmica,
educadores, estudantes e o próprio governo tenham, de forma muito clara e precisa,
essa percepção, para que possam apoiar e participar da vida e das iniciativas dessas
instituições.
3. Por ordem de data de fundação: Observatório Nacional (ON), Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG),
Instituto Nacional de Tecnologia (INT), Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia (INPA), Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnoilogia (IBICT),
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Centro de Tecnologia Mineral (CETEM), Laboratório
Nacional de Computação Científica (LNCC), Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI),
Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST) e Instituto Nacional do Semiárido (INSA).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5013
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Ana Paula Soares Veiga
Vinte anos após o início da disseminação do uso da Internet (1995), os portais
institucionais na rede mundial de computadores transformaram-se na própria identidade
corporativa de qualquer empresa, seja ela pública, privada ou do terceiro setor. São as
informações, dados, imagens e materiais audiovisuais e interativos disponíveis na web
que apresentam a empresa/instituição a seus diversos públicos. Essa característica
é ainda mais marcante quando se trata de instituições públicas de CT&I, que não se
promovem por meio de propaganda comercial, ou mesmo de utilidade pública.
A identidade corporativa é uma manifestação tangível da personalidade da
organização (KUNSCH, 2003, p. 173). Para Torquato do Rego (1986, p. 97), a identidade
das organizações pode ser
clara, confusa, difusa e até uma “identidade não-identificável”, na medida em que ninguém
percebe o que ela faz, apenas sabe que existe. Por identidade, portanto, deve-se entender a
soma das maneiras que uma organização escolhe para identificar-se perante seus públicos.
Não é exagero afirmar que a maioria das 13 UPs do MCTI se enquadra na categoria
das identidades “não-identificáveis”, perante o público amplo. Atualmente, a sociedade
não associa essas instituições de ponta, suas pesquisas e atividades ao governo federal.
A falta de padronização da comunicação digital contribui significativamente para a
ausência dessa percepção.
Assim, é urgente a necessidade de se mobilizar e sensibilizar os dirigentes do Ministério e das UPs para o desenvolvimento de uma política de comunicação, incorporada
planejamento estratégico e a plano diretor dessas instituições. É fundamental a padronização da identidade visual, da linguagem e a criação de mecanismos e ferramentas de
difusão do conhecimento, transmitindo uma visão ampla e real do que as instituições
geradoras de ciência ligadas ao governo federal têm de melhor. Em que pese o fato de
os investimentos em CT&I, públicos e privados ainda estarem longe do que se considera
ideal, há muita pesquisa a ser mostrada e compartilhada.
METODOLOGIA
O corpus do trabalho são os portais institucionais das 13 UPs vinculadas ao MCTI, por
considerarmos que estas são as principais fontes geradoras de conhecimento científico e
tecnológico do sistema de CT&I do país. O portal do próprio Ministério também é objeto
de avaliação. O nível de aprofundamento da análise é limitado pelo elevado número de
instituições envolvidas e pela quantidade de variáveis avaliadas.
Elegemos como recorte as páginas principais (Home) dos portais e mais um nível
subsequente (1º nível), além das Salas de Imprensa. Foram analisadas as versões dos
portais disponíveis no período de 01 a 20 de março de 2015.
Com base nos conceitos de Comunicação Pública (MATOS, 2009) e (DUARTE, 2009),
foram avaliados, inicialmente, a estrutura geral dos portais, a identidade corporativa (e
como ela se articula ou não com a identidade corporativa do MCTI), os tipos de conteúdo
disponíveis, a linguagem utilizada e a frequência de atualização das informações.
Em seguida, foi feita a análise técnica baseada nas categorias e parâmetros estipulados pelos estudos de Vilella (2003), Dias (2001) e Eckerson (1999), bem como na estrutura analítica de De Falco (2009), que adaptamos para este trabalho. De Vilella (2003),
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5014
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utilizamos o conjunto de parâmetros e critérios específicos para a avaliação de portais
governamentais oficiais, organizados em três dimensões distintas: a usabilidade (facilidade de uso), a funcionalidade (capacidade de cumprimento dos requisitos propostos)
e o conteúdo (qualidade e confiabilidade das informações). Dias (2001) estabelece sete
heurísticas que explicam como melhorar a usabilidade de portais corporativos web e se
destinam a todos os criadores de conteúdo de Internet (autores de páginas e projetistas
de sites). Já Eckerson (1999) estabelece os requisitos mínimos para o desenvolvimento
de portais corporativos funcionais e eficientes.
Também verificamos a conformidade dos portais com as diretrizes de usabilidade
estabelecidas pelo governo federal em sua Cartilha de Usabilidade – Padrões web em
Governo Eletrônico (BRASIL, 2010), e com a Instrução Normativa nº 08, de 19 de dezembro
de 20144, que disciplinou a implantação e a gestão da Identidade Padrão de Comunicação
Digital das propriedades digitais dos órgãos e entidades do Poder Executivo Federal.
Na análise das Salas de Imprensa, utilizamos oito das nove categorias de De Falco
(2009), adaptadas de Oliva (2008): localização, forma de acesso, conteúdos, contato do
assessor de imprensa, recursos multimídia, interatividade em tempo real, atualização
do jornalista e sistemas de busca.
Procedimentos metodológicos
Estruturalmente, a análise se divide na avaliação dos aspectos gerais, da usabilidade,
do conteúdo e da funcionalidade, sempre com foco na divulgação científica e popularização
da ciência e na articulação entre as UPs destas com o MCTI.
Como forma de avaliar as iniciativas de popularização da ciência presentes na
página principal dos portais, verificamos: a presença da instituição nas redes sociais,
a existência de link para agendamento de visitas, link para o Canal Ciência5 (portal do
IBICT dedicado à divulgação científica e popularização da ciência), e disponibilização
de materiais educacionais (vídeos, cartilhas etc.).
Para facilitar a percepção sobre a funcionalidade e o conteúdo disponíveis nas Salas
de Imprensa (que também podem aparecer como Área de Imprensa, Comunicação ou
Assessoria de Comunicação), atribuímos conceitos 0, 1 e 2, onde 2 significa que a página
atende satisfatoriamente ao requisito indicado; 1 significa que atende parcialmente, e 0,
não atende ou inexiste o requisito indicado.
RESULTADOS PRELIMINARES
A falta de padronização no âmbito dos portais do MCTI e de suas UPs na Internet
começa no próprio endereço de acesso: oito instituições apresentam domínios “.br” (por
exemplo <www.inpe.br>), enquanto seis são “.gov.br” (por exemplo, www.inpa.gov.br).
Ou seja, mais da metade das UPs não registra o vínculo com o governo ao divulgar seu
site. Com exceção do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e do Instituto
Nacional do Semiárido (INCA), nenhuma UP menciona o vínculo com o MCTI na página
principal de seu portal.
4. Disponível em <http://www.secom.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/legislacao/arquivos-deinstrucoes-normativas/2014in08-comunicacao-digital.pdf>, acessado em 21/03/2015.
5. <www.canalciencia.ibict.br> acessado em 21/03/2015.
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Em março de 2015, apenas três dos 14 portais analisados apresentavam suas páginas
principais em conformidade com a identidade padrão de comunicação digital estabelecida pela Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República: o MCTI,
o Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA) e o Centro de Tecnologia da Informação
Renato Archer (CTI). O prazo para a implementação das alterações, de acordo com a
Instrução Normativa nº 08, de 19 de dezembro de 2014, é junho de 2015.
Os projetos de webdesign dos portais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Observatório Nacional
(ON), Instituto Nacional de Tecnologia (INT), Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG) e
Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT) foram desenvolvidos
para serem visualizados nos antigos monitores de computador (formato quadrado), com
navegação mais vertical. Nos monitores atuais (LCD e notebooks), mais horizontais,
acabam ocupando somente a área central de visualização, parecendo “pequenos” para
o tamanho da tela. As fontes utilizadas também são menores do que as de projetos mais
modernos, como o da própria identidade padrão de comunicação digital desenvolvida
pela Secom. Os portais do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST), INT e INPA
ainda mantêm a barra de identificação do governo federal (no alto da página) utilizada
no primeiro mandato do governo de Dilma Rousseff. O portal do IBICT não tem barra
nenhuma, contrariando a determinação da Secom (Figura 1).
Figura 1. Barra de identificação padrão do governo federal, no portal do MCTI, e a barra antiga, ainda utilizada
pelo MAST. Fonte: www.mcti.gov.br e www.mast.br, acessados em 21/03/2015
O domínio do site, a barra superior de identificação do governo e o projeto visual
do portal são elementos fundamentais de composição e padronização de identidade
corporativa. Da forma como são apresentadas hoje, as UPs aparecem como instituições
isoladas e não pertencentes a um mesmo sistema de CT&I. Mesmo os portais que já
instituíram a identidade padrão, não o fizeram completamente, de modo que páginas
internas ainda apresentam o layout antigo – caso do próprio MCTI e do LNA – confundindo o usuário.
Usabilidade
Em termos de Usabilidade, a maioria dos portais analisados não atende totalmente
aos requisitos dos padrões web em Governo Eletrônico. Os problemas mais frequentes
referem-se ao contexto e navegação. Somente os portais do MCTI, CTI, MPEG, INT, INPE
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e IBICT demarcam claramente a navegação, mostrando ao usuário o caminho percorrido
até determinada página. Nem todos os portais apresentam opção para visualização com
alto contraste, para deficientes visuais – outra exigência governo federal.
O portal do ON, a mais antiga Unidade de Pesquisa do MCTI, por exemplo, não é convidativo ao usuário, pois apresenta uma aparência antiga, sem imagens ou recursos
multimídia, além de utilizar fontes pequenas para os padrões atuais de webdesign e
dos próprios monitores de computador. O menu horizontal, abaixo do cabeçalho, repete
informações que constam do corpo da página, como o link Institucional.
Já o portal do INPE, a maior UP do MCTI, apresenta dificuldades inerentes ao porte
e às características da instituição, além da consequente elevada densidade informacional
e de conhecimento. O problema é recorrente em instituições congêneres, haja vista
versões mais antigas dos portais da USP6 e da Unicamp7 – hoje reformuladas – com
excesso de conteúdo na página inicial, o que confunde o usuário, principalmente aquele
não habituado a acessar o portal.
Funcionalidade
Em relação à Funcionalidade, o problema mais comum nos portais das UPs é a
dificuldade em localizar e acessar as informações. Frequentemente, os termos utilizados
nas abas dos menus são baseados na estrutura da instituição, e não nas possíveis áreas
de interesse do usuário. Informações sobre as aplicações e a importância da pesquisa
realizada pela instituição permanecem ocultas em páginas internas, ou inexistem.
Por exemplo, o Observatório Nacional é o responsável pela geração da Hora Legal
Brasileira – uma informação curiosa, que mereceria um tratamento visual mais atrativo
na página principal. Seria a porta de entrada para se explicar os fusos horários e outras
questões ligadas ao tempo.
Sendo um portal de informações, o IBICT divide, corretamente, seu menu horizontal em “Informação para a Sociedade”, “Informação para a Pesquisa”, “Informação
para Gestão de CT&I”, “Pesquisa e Pós-graduação”, “Tecnologias para Informação” e
“Publicações”. Em contrapartida, o menu do portal do LNCC resume-se em “Acesso
à Informação” (para atender à Lei de Acesso à Informação8), Institucional (dividido
em O LNCC, Pesquisa e Desenvolvimento, Coordenações, Programas Acadêmicos,
Eventos, Recursos Computacionais, Projetos Estruturantes, Bolsas no LNCC e Biblioteca). Onde encontrar, nesse menu, as atividades realizadas pela instituição? A aba
Pesquisa e Desenvolvimento é seguida de um submenu por sua vez dividido em
Linhas de Pesquisa, Produção Técnico-Científica e Projetos de P&D. Só um usuário
muito persistente prosseguirá nessa navegação em busca de informações palatáveis
ao público amplo.
O INPE traz para sua página principal os temas de maior interesse da sociedade,
como Raios (em vez da burocrática nomenclatura oficial “Grupo de Eletricidade
Atmosférica”) e Amazônia (em vez de “Programa de Monitoramento da Amazônia
6. <www.usp.br>, acessado em 18/07/2014 às 21h30.
7. <www.unicamp.br>, acessado em 28/07/2014 às 21h30.
8. Lei nº 12.527 de 18 de novembro de 2011, disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20112014/2011/lei/l12527.htm>, acessado em 21/03/2015.
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Brasileira por Satélites”), por exemplo. A estrutura oficial do instituto pode ser encontrada
no link Pesquisa e Desenvolvimento.
Esses exemplos demonstram que não há um padrão de comunicação com a
sociedade, por parte do MCTI e suas UPs. A implementação das normas para o padrão
de comunicação digital poderá unificar a identidade visual, mas não conseguirá
uniformizar e sistematizar a linguagem, se não houver uma política institucionalizada
de comunicação.
Conteúdo
De maneira geral, os portais analisados são divididos em três grandes áreas de
conteúdo: a parte institucional, onde a maioria insere as informações exigidas pela Lei
de Acesso à Informação; as atividades de pesquisa e desenvolvimento, e notícias. Esses
textos jornalísticos são atualizados com boa frequência, o que transmite a ideia de um
portal “vivo”, não abandonado. Porém, o conteúdo das notícias é predominantemente
de agenda, ou seja, aborda a realização de eventos, atividades dos dirigentes, visitas
externas, chamadas para editais e bolsas, cursos. Pouco se vê de divulgação da ciência
e tecnologia produzidas pelas instituições.
Como exemplo, elencamos a seguir os títulos das notícias principais dos portais
do MCTI e suas 13 UPs no dia 22 de março de 2015. Somente o ON, o CBPF e o INSA
trazem notícias com foco na divulgação científica: MCTI: Ministro dos Brics assinam
acordo em ciência, tecnologia e inovação (18/3); ON: Outono tem início na próxima
sexta-feira, dia 20 (17/3); MPEG: Pesquisador do Museu Goeldi participa de obra pioneira
sobre formigas do Alto Tietê (20/3); INT: Técnico do INT ganha prêmio internacional
de fotos de microscopia (12/3); CBPF: Combinação de dados astronômicos pode dar
novos limites à matéria escura (19/3); INPA: Inpa e ALE reúnem cientistas e ambientalistas para debater em audiência pública sobre gestão de água (20/3); IBICT: Projeto
Brasília 2060: Cultura, Esporte e Lazer no centro dos debates sobre políticas públicas
(20/3); INPE: INPE promove curso de Astronomia para professores (20/3); CETEM:
CETEM participa da 39ª Feira Internacional do Mármore e Granito – vitória Stone
Fair – Marmomacc Latin America (30/1); LNCC: Chamada para o Edital PNPD/CAPES
2015 – LNCC oferece duas vagas de bolsas; CTI: CTI recebe o Ministro da Ciência,
Tecnologia e Inovação, Aldo Rebelo, para inauguração do primeiro Edifício do CTI-Tec
(sem data); LNA: Oportunidade Científica no Projeto SPIRou (5/3); MAST: Programa de
Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio (PPG-PMUS) – Aula inaugural do PPG-PMUS (sem data); INSA: Manejo florestal sustentável é estratégia fundamental para
combate à desertificação e segurança energética no Semiárido (20/3).
A Tabela 1 apresenta outros mecanismos de divulgação científica, popularização
da ciência e interatividade e a utilização ou não dessas ferramentas pelas UPs.
Com exceção das instituições cuja principal atividade é a divulgação de ciência
(MPEG, MAST e ON), poucas são as UPs que disponibilizam materiais educacionais
em suas páginas principais. Algumas até possuem produtos de qualidade, que porém
permanecem escondidos em páginas internas de difícil acesso.
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No próprio portal do ON, o link Divulgação Científica, na página principal, dá acesso à
página da Divisão de Atividades Educacionais (DAED). Nessa página interna, de visual
pouco atrativo, no menu vertical à esquerda há links para: A DAED, Eventos 2014, Ensino
a Distância – 2015, Projeto Itinerante, Newletter do ON, Animações, O Observatório e a
Copa do Mundo de 2014, Revista O Pequeno Cientista, Revisas em Quadrinhos, Livretos,
Equipe, Site Brincando com Ciência, Site O Pequeno Cientista, Colaborações. Esse amplo
material de divulgação científica e popularização da ciência necessita de três níveis
para ser acessado pelo usuário e é disponibilizado de forma burocrática, sem imagens
nem textos resumindo o conteúdo de cada produto, ou o público-alvo a que se dirige.
Tabela 1. Ferramentas, iniciativas e ações de popularização da ciência nos portais
do MCTI e suas UPs Fonte: VEIGA, 2015
Instituição
Redes sociais
Link para
Canal Ciência
Sala de Imprensa
Notícias
Agendamento
de visitas
Materiais
educacionais
MCTI
N
N
S
S
NA
N
ON
S
N
S
S
N
S
MPEG
S
N
S
S
N
S
INT
S
N
S
S
N
N
CBPF
S
N
N
S
N
N
N
INPA
S
N
S
S
S
IBICT
S
S
S
S
N
S
INPE
S
N
S
S
S
S
CETEM
N
N
S
S
S
S
LNCC
N
N
N
S
N
N
CTI
S
N
N
S
N
S
LNA
S
N
S
S
S
S
MAST
S
N
N
S
S
S
INSA
S
N
S
S
N
S
Salas de Imprensa
Dez dos 14 portais analisados (MCTI + 13 UPs) possuem links para a Sala de
Imprensa (ou Área de Imprensa, ou Assessoria de Comunicação, ou simplesmente
Comunicação) em suas páginas principais. Entretanto, o conteúdo dessas páginas está
longe de atender aos requisitos criados por De Falco (2009) para avaliar essa área dos
portais corporativos.
Dos 16 pontos possíveis de se obter pela soma dos conceitos de 0 a 2 estabelecidos
na análise, o INSA foi o que conseguiu atender ao maior número de requisitos, somando
10 pontos. Dos dez portais que possuem uma página dedicada à Comunicação, somente
metade divulga, nesse link o contato do assessor de imprensa. Recursos multimídia
estão disponíveis em apenas quatro dos portais. Chama a atenção a inexistência de
Sala de Imprensa no portal do MAST. Sendo um museu, a instituição deveria ter como
vocação primeira a interação com os diversos públicos não especializados. A Tabela 2
mostra a análise das Salas de Imprensa do MCTI e suas UPs.
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Tabela 2. Síntese da análise das Salas de Imprensa do MCTI e suas UPs.
Fonte: De Falco, 2009, adaptado por VEIGA, 2015
Requisito
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
Localização bem indicada na página principal
2
2
2
2
0
2
2
2
2
0
0
1
0
2
Acesso irrestrito, sem necessidade de
cadastro, login e senha
2
2
2
2
0
2
2
2
2
0
0
2
0
2
Conteúdos de cunho institucional
(histórico, organogramas, guia de fontes,
eventos, dados estatísticos etc.)
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
2
Contato do assessor de imprensa
0
2
2
0
0
2
1
0
0
0
0
0
0
2
Recursos multimídia (fotografias, vídeos,
áudios, gráficos)
1
0
2
0
0
0
0
2
0
0
0
2
0
0
Interatividade em tempo real
(atendimento online, chats)
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
Atualização (newsletters)
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
2
Sistema de busca
2
2
2
2
0
0
2
2
2
0
0
2
0
0
1-MCTI; 2-ON; 3-MPEG; 4-INT; 5-CBPF; 6-INPA; 7-IBICT; 8-INPE; 9-CETEM; 10-LNCC; 11-CTI; 12-LNA; 13-MAST; 14-INSA.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise parcial dos portais do MCTI e de suas UPs na Internet e entrevistas
realizadas com assessores de comunicação dessas instituições expõem a inexistência
de uma estrutura que possibilite a articulação e o comprometimento necessários ao
desenvolvimento e à implementação de uma política ampla e abrangente de comunicação
em CT&I no âmbito do governo federal. Os portais institucionais analisados não
transmitem, em seu conjunto, uma imagem institucional forte e articulada do Sistema
de CT&I brasileiro, nem um panorama realista, abrangente e integrado do conhecimento
científico e tecnológico produzido por essas instituições.
A falta de uma identidade visual padronizada contribui para essa visão fragmentada
das Unidades de Pesquisa. Não se percebe, nos portais, interação estratégica entre elas,
nem destas com o Ministério. A ausência de conteúdo direcionado ao público de não
cientistas, ou a dificuldade de acesso a esses produtos e serviços desanima e desestimula
a navegação por quem não está habituado à linguagem e aos conceitos científicos.
Em relação às atividades de divulgação científica e popularização da ciência, objeto
deste trabalho, percebe-se que a ferramenta web ainda é pouco utilizada pela maioria das
Unidades de Pesquisa e pelo próprio MCTI. Com exceção das notícias, disponibilizadas
em quase todos os portais, são escassos outros tipos de projetos e iniciativas para público
amplo, como vídeos, materiais interativos, publicações educacionais etc, com visibilidade
nas páginas principais.
A padronização da identidade digital do governo federal, estabelecida pela Secretaria
de Comunicação da Presidência da República, é uma iniciativa necessária, porém não
suficiente para garantir a articulação da comunicação pública no âmbito do MCTI e suas
Unidades de Pesquisa. Para se atingir esse objetivo, é fundamental o desenvolvimento
de uma política de comunicação de Ciência, Tecnologia e Inovação que contemple
todas as instituições envolvidas e que viabilize uma estrutura de recursos humanos,
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Comunicação Pública digital e popularização da ciência no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil e suas unidades de pesquisa
Ana Paula Soares Veiga
administrativos, físicos e financeiros para a implementação de ações e iniciativas visando
a melhoria da comunicação pública nesse setor.
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A representação da crise hídrica no estado de São Paulo:
um paralelo entre o site da Sabesp e o
site colaborativo faltouagua.com
The representation of the Sao Paulo’s water crisis:
a parallel between the Sabesp website and
the faltouagua.com collaborative site
K a ro l C a sta n h ei r a 1
Resumo: A crise hídrica no estado de São Paulo, impulsionada pelas mudanças
climáticas e pelas deficiências de governança levou o interesse em produzir este
artigo. O objetivo é realizar uma análise comparativa entre o site da Sabesp e
o site colaborativo faltouagua.com, por meio de categorias de análises. No site
colaborativo optou-se por investigar a quantidade de comentários, conteúdo dos
comentários, problema mais retratado com a seca e “nível” de engajamento dos
cidadãos. Já no site da Sabesp outras categorias foram definidas para identificar
como a maior Companhia de água e saneamento do país está lidando com a crise,
são elas: matérias e informações abordadas (o que está sendo falado no site, qual
a qualidade da informação emitida – quantidade de fontes da matéria, clareza
e contextualização do problema), possibilidade de participação dos cidadãos e
medidas adotadas para conter a crise.
Palavras-Chave: crise hídrica. Sabesp. Faltouagua.com.
Abstract: The Sao Paulo’s water crisis, aggravated by climate changes and
government deficiencies, has inspired the writing of this paper.
The aim is to carry out a comparative analysis between the Sabesp website and
the faltouagua.com collaborative site, using analysis categories.
It was opted to investigate the amount and content of the comments made on
the collaborative site, as well as the most cited crisis-related problem and the
citizens “engagement level”.To analyze the Sabesp website, other categories was
defined in order to identify how the country’s biggest water service company is
dealing with the crisis, which are: articles and the addressed information (what
has been spoken and what is the information quality - the amount of sources, the
clarity and the problem contextualization), the citizen involvement possibilities
and the measures being adopted to reduce the crisis.
Keywords: Water crisis. Sabesp. Faltouagua.com
1. Doutoranda em Comunicação pela Unesp-Bauru. Docente no curso de Comunicação na UEMG-Frutal.
E mail [email protected]
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A representação da crise hídrica no estado de São Paulo: um paralelo entre o site da Sabesp e o site colaborativo faltouagua.com
Karol Castanheira
INTRODUÇÃO
CRISE HÍDRICA no sistema Cantareira levou a uma série de questionamentos
A
acerca da gestão pública e sobre os problemas ambientais intensificados com a
ação predatória do homem na natureza.
Essa problemática fez surgir à ideia deste artigo de comparar por meio de categorias
de análises a abordagem dada no site da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico de
São Paulo), responsável por operar todo o sistema de água do estado (do reservatório às
torneiras) com o site colaborativo faltouagua.com. Antes, no entanto, uma revisada no
âmbito legal que rege a gestão de recursos hídricos, bem como, algumas informações
sobre a Sabesp se tornam relevantes para a compreensão dos resultados obtidos.
O Brasil possui leis que regulamentam a questão de recursos hídricos e que em tese
foram formuladas para aumentar a participação cidadã por meio de decisões colegiadas,
mas observa-se ainda um distanciamento entre o discurso legal e a prática.
Desde o ano de 1989, com a promulgação da Constituição Estadual, o Estado de
São Paulo dispõe de uma nova política voltada para a gestão de seus Recursos Hídricos
baseada em um sistema integrado de gerenciamento. A execução dessa política se torna
possível se atendidos os seguintes princípios básicos, estabelecidos pela Lei Estadual
nº7.663/912 e pela Lei Federal 9.433/1997, que prima pela descentralização, participação
e integração3.
No Brasil, a fim de aplicar as atividades de gerenciamento de bacias hidrográficas,
foram criados mais de 60 comitês, somente no estado de São Paulo encontram-se 214.
Esses comitês são órgãos colegiados que deveriam promover a participação de
todas as partes interessadas: governo, entidades privadas, sociedade civil e usuários.
Para Jacobi (2003), a criação dos Comitês, de certa forma, contribuiu para a abertura
destes espaços de participação cidadã, como forma de incentivo a capacidade crítica
dos diversos setores e de multiplicação de seu potencial no processo decisório, além de
resultar na sinergia dos setores do governo e da sociedade.
No entanto, o sistema de auto-organização leva a uma atuação independente de
cada comitê, sendo uns mais engajados em termos participativos do que outros. As
resoluções normativas, administrativas e de projetos acabam suscetíveis muitas vezes
às assimetrias de poderes e interesses dentro do órgão.
Dentre as atribuições do comitê, estão à discussão e deliberação sobre: seu respectivo
Plano de Bacia e Plano Estadual de Recursos Hídricos, relatório anual sobre a situação
dos recursos do Estado, bem como, programas anuais e plurianuais de investimentos
em serviços e obras de interesse da bacia. Além dessas atribuições, este deve propor
2. LEI Nº 7.663, 30 DE DEZEMBRO DE 1991. http://www.pinheirospirapora.org.br/pp/downloads/
legislacao/lei/Lei%20Estadual%20n%C2%BA%207.663-91%20Estabelece%20normas%20de%20
orienta%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20Pol%C3%ADtica%20Estadual%20de%20Recursos%20H%C3%ADdrico.pdf. Acessado em 19 de janeiro de 2014.
3. Para tanto, foram criados mecanismos básicos que buscam responder a questões fundamentais para
a Gestão dos Recursos Hídricos. São eles: Plano Estadual de Recursos Hídricos - PERH, Fundo Estadual
de Recursos Hídricos - FEHIDRO, Sistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos – SIGRH
com seus colegiados decisórios: Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CRH) e os Comitês de Bacias
Hidrográficas (CBHs).
4. Comitês de bacias hidrográficas do Estado de São Paulo: http://www.cbh.gov.br/DataGrid/GridSaoPaulo.
aspx.
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A representação da crise hídrica no estado de São Paulo: um paralelo entre o site da Sabesp e o site colaborativo faltouagua.com
Karol Castanheira
o enquadramento dos corpos da água da bacia hidrográfica em classes de uso e conservação, aprovar os valores a serem cobrados pelo uso da água da bacia hidrográfica,
realizar o rateio dos custos de obras de interesse comum a serem executados na bacia e
compatibilizar os interesses dos diferentes usuários da água, dirimindo, em primeira
instância, os eventuais conflitos (DULAC et.al, 2012).
Essas deliberações são importantes, pois podem contribuir para a fiscalização e formulação de projetos acerca da preservação de mananciais, qualidade da água, outorgas,
uso e distribuição. Elementos importantes para o bom funcionamento e gerenciamento
dos recursos hídricos.
Outra lei deveria contribuir para a gestão pública: a Lei de Acesso à Informação nº
12.527 sancionada em novembro de 2011. Esta lei prima pela estruturação de tecnologias
políticas capazes de fomentar a transparência e o controle social na administração pública.
Por lei os poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Cortes de Contas,
fundações públicas, dentre outras empresas públicas ou privadas, que recebam recursos
públicos devem oferecer subsídio para o acesso à informação. Essa lei contribuiu para o
surgimento de endereços eletrônicos governamentais, especializados de acordo com suas
competências, a instruírem e divulgarem as informações necessárias de seus setores.
Na prática, entretanto, a transparência e o acesso à informação não são notáveis
quanto deveriam5. Nessa problemática surgem duas questões: o verdadeiro interesse
em que as informações públicas sejam de fato acessíveis e uma cultura de transparência
e de fiscalização pública, que parta da população.
Dentro deste cenário podemos pensar como é estruturada a informação no site da
Sabesp e qual a qualidade de informação emitida para que a população de fato possa
ter conhecimento e dados para contribuir com argumentos pertinentes ou até mesmo se
informar para a própria prática cotidiana. Este artigo tem como foco apenas o interesse
em saber como a Sabesp informa seus dados e que tipo de conteúdo emite. Todavia,
ao fazer um levantamento histórico é possível entender parte de seu posicionamento
diante os recursos hídricos do Estado.
O Governo de São Paulo, desde 1997, detêm apenas 50,3% das ações da Sabesp, o
restante 49,7% é negociado nos mercados financeiros brasileiro e norte-americano. A
abertura inevitavelmente levou a maximização dos lucros pelos acionistas. Isto refletiu,
por exemplo, na falta de investimentos na rede de captação e armazenamento e na falta
de solução para a perda de água nas tubulações.
A Revista Exame da Abril6 publicou que nos últimos dez anos a Sabesp lucrou
quase 10 bilhões de reais. É uma das 20 empresas mais rentáveis do país. Desse montante, distribuiu 3,4 bilhões de reais a seus acionistas — o governo estadual é dono de
50,3% das ações e, portanto, o maior beneficiado. Distribuir dividendos é algo esperado,
até porque a lei obriga um pagamento mínimo de 25% do lucro.
5. Em matéria produzida pela Agência Pública e divulgada pela Carta Capital no dia 21 de janeiro de
2015, a Sabesp escondeu contratos de empresas que mais consomem água alegando “segredo industrial”
e direito à privacidade e intimidade”. No entanto, ao pensar na Lei de Acesso à Informação, esses dados
deveriam ser públicos. Matéria completada pode ser acessada: www.cartacapital.com.br/politica/sabespse-nega-a-publicar-contratos-de-empresas-que-mais-consomem-agua-2656.html.
6. Matéria na íntegra: http://exame.abril.com.br/revista-exame/edicoes/1078/noticias/nao-da-nem-pararacionar
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A representação da crise hídrica no estado de São Paulo: um paralelo entre o site da Sabesp e o site colaborativo faltouagua.com
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Mas, ainda segundo a matéria, a Sabesp foi muito mais mão aberta do que precisava. Os dividendos distribuídos superaram 48% o mínimo legal. Nenhuma das grandes
companhias de saneamento com papéis negociados na bolsa de Nova York deu retorno
tão bom em dividendos quanto a Sabesp.
Diante disso, sobrou, em média, 1,7 bilhão de reais anuais para investimentos7 na
última década. Para complicar, o dinheiro foi gasto de maneira desequilibrada. Grande
parte foi destinada a atividades como aumento da base de clientes — algo ao mesmo
tempo louvável do ponto de vista social, já que dá água encanada a quem não tinha, e
lucrativo.
Em cinco anos, informa a matéria, a Sabesp fez um milhão de novas ligações. Mas
os gastos com a redução de perdas e a captação não cresceram na mesma proporção.
Resultado: o desperdício em São Paulo ainda está na casa dos 36% (são 435 bilhões de
litros por ano), abaixo dos 40% de oito anos atrás. Segundo o Instituto de Engenharia8,
no Japão e na Alemanha o índice de perdas é de apenas 11%, enquanto que nos Estados
Unidos é de 16%.
A crise hídrica ainda foi agravada pela falta de posicionamento do Governo do
Estado e do próprio presidente da Sabesp que negaram por muito tempo a real situação
da água no Estado. Em diversas entrevistas noticiadas por meios de comunicação do
país o discurso era que não faltavam investimentos e que a crise era excepcional e inimaginável, atribuindo inclusive a culpa a São Pedro. Postura essa severamente criticada
por especialistas que haviam alertado há mais de vinte anos o que poderia acontecer
com os recursos hídricos do Estado.
ANÁLISE SITE DA SABESP
O site da Sabesp9 foi analisado de acordo com as seguintes categorias de análises:
matérias e informações abordadas (conteúdo no site, qual a qualidade da informação
emitida – quantidade de fontes da matéria, clareza e contextualização do problema),
possibilidade de participação dos cidadãos e medidas adotadas para conter a crise.
Categoria: matéria e informações abordadas
De caráter institucional, o site não prima pela atualização frequente de notícias e isto
pode ser notado pelo acompanhamento da plataforma nos meses de fevereiro e março.
As informações da página inicial demoram a ser atualizadas. Já as notícias produzidas
pela Agência de Notícias via de regra são inseridas em dias alternados e quando muito
não passam de três matérias ao dia.
Do ponto de vista estratégico, a não atualização constante de boa parte dos campos
de inserção de informação pode gerar sérios problemas, dentre eles: o desinteresse do
7. O plano de investimentos da Sabesp até 2018 pode ser consultado através do endereço: http://www.
sabesp.com.br/CalandraWeb/CalandraRedirect/?temp=4&proj=investidoresnovo&pub=T&db=&docid=
43F3FD2B1FAA2034832570DF006D464A&docidPai=AB82F8DBCD12AE488325768C0052105E&pai=filho0.
8. Cavalcanti, José. O controle de perdas de água na RMSP não é solução de curto prazo. Instituto de engenharia.
Matéria publicada em cinco de maio de 2014. http://www.institutodeengenharia.org.br/site/noticias/exibe/
id_sessao/70/id_colunista/4/id_noticia/8530/O-controle-de-perdas-de-%C3%A1gua-na-RMSP-n%C3%A3o%C3%A9-solu%C3%A7%C3%A3o-de-curto-prazo
9. http://site.sabesp.com.br/site/Default.aspx
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A representação da crise hídrica no estado de São Paulo: um paralelo entre o site da Sabesp e o site colaborativo faltouagua.com
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usuário, que se vê desmotivado em “gastar tempo” sem ter o retorno pretendido, que é
se informar mais sobre o assunto de seu interesse e que seja de competência da Sabesp.
O site tem um caráter de prestador de serviço e a página inicial reflete esta
característica por meio de ícones que chamam a atenção, um deles é o ícone “Sua conta”,
no qual permite o usuário pegar a segunda via da conta, pagar, debitar automaticamente
e consultar seus débitos e o outro é “Consertos”, no qual a pessoa pode solicitar o conserto
do cavelete, do medidor e do registro. Logo abaixo, é possível clicar nas funções “mudar
o cavalete de lugar” e “mudar a ligação de esgoto de lugar”.
Há um campo destinado apenas para as emergências e que fica quase no final da
página do site. Neste espaço o cidadão pode solicitar e informar que está sem água, o
esgoto está entupido, possui um vazamento na rede ou há pouca pressão na água. Antes
de solicitar reparo, a Sabesp oferece uma série de instruções para que a pessoa tente
resolver sozinha. Caso não funcione, ela prossegue para outra página na qual informa
o número do RGI, o endereço e o município. Não é possível aferir se mesmo o site oferecendo essa possibilidade, se de fato os problemas são resolvidos e a morosidade para
a execução do reparo.
Antes de entrar na análise das notícias propriamente ditas, vale frisar que as informações são distribuídas em uma espécie de guarda-chuva, no sentido de que uma aba
ou um ícone abre diversas informações que podem redirecionar para outras páginas.
O layout inicial não é poluído e fácil de ser operacionalizado e possui especial foco
para a prestação de serviço e informações sobre os mananciais e matérias ou vídeos
enfatizando a necessidade de um consumo consciente.
Todavia, ao explorar os diversos links é notável uma vasta gama de informações
sobre a Companhia, desde os aspectos legais, ao organograma e funcionamento da
empresa, investimento, despesas e licitações. Mas, nada que traga algum tipo de prejuízo,
polêmica ou danos à imagem da empresa. Esse caráter de assessoria dado à produção
e distribuição do conteúdo é compreensivo por se tratar de uma empresa de capital
misto. Só que esta realidade afeta na transparência dos dados, participação cidadã
nas tomadas de decisões e na parcialidade dos fatos noticiosos, que deveriam ser mais
contextualizados e plurais. Como empresa também de capital público a lei de acesso à
informação deveria ser cumprida.
As notícias podem ser acompanhadas por meio de um ícone que se localiza ao lado
direito da página inicial no link “Agência de Notícias”. Até o dia oito de março, apenas
sete notícias foram publicadas no mês e em fevereiro esse número subiu para 23. Somente
as notícias do mês de fevereiro foram analisadas.
Das 23 matérias apenas quatro tinham fontes no corpo da matéria, sendo duas delas
com a fala do governador Geraldo Alckmin (PSDB), uma com Benedito Braga, secretário
de Saneamento e Recursos Hídricos do Estado de São Paulo e presidente do Conselho
Mundial da Água e a outra com a diretora do Centro de Educação Infantil na cidade
de Tiradentes. Nenhuma matéria ouviu um cidadão, críticos sobre a crise hídrica ou
especialistas ambientais ou de gestão.
Como a maioria das matérias tinha como foco a prestação de serviço todas estavam
em linguagem acessível e de forma clara. No entanto, as informações publicadas em
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nenhuma matéria problematizou o assunto abordado. A contextualização tinha como
foco ou produzir um histórico do que já foi feito e a perspectiva de futuro do que seria
realizado ou trazer números para gerar a sensação de exatidão e credibilidade a matéria.
Categoria participação dos cidadãos
No que compete à interatividade ou forma de participação existe uma falha
significativa no site. Isso reforça a ideia em não estimular o diálogo entre a empresa e
o público, focando mais para informar do que propriamente se “relacionar”. Os únicos
espaços destinados no site são:
1)“fale conosco”: antes de enviar o formulário, o usuário verifica se a sua dúvida não
está disponível nas seções linkadas, caso não esteja, ele precisa clicar em cima de um Fale
Conosco, que está sublinhado e bem no final da página e depois é redirecionado para a
parte de comentários, no qual, antes de fazê-los o usuário tem vários itens obrigatórios
a serem preenchidos: nome, e mail, telefone, endereço, CPF, RG. Essas informações obrigatórias podem desestimular o usuário, por se sentir exposto oferecendo todos os seus
dados para a empresa, para poder fazer simplesmente uma crítica ou um comentário.
2) Ouvidoria: espaço destinado aos clientes para atender reclamações e acatar críticas ou denúncias de um cliente, nos casos em que o serviço solicitado à empresa ou o
atendimento não foram considerados satisfatórios, ou quando for críticas e/ou denúncias.
Por telefone, o cliente não conseguirá falar aos finais de semana e feriado.
3) Canais de atendimento: espaço no qual possui contatos de telefone para a região
metropolitana e para o interior e litoral, serviços de emergência e as agências virtuais
e atendimento online.
4) Não há espaço de comentários nas matérias feitas pela Agência de Notícias, apenas a possibilidade de clicar em um “curtir” ou “não curtir” ao responder a pergunta
“Este conteúdo te ajudou?”, imprimir ou compartilhar.
5)Redes Sociais10: a Sabesp possui Facebook (94.139 pessoas curtiram a página),
Twitter (24.3 mil seguidores) e vídeos no Youtube.
Observa-se que não há na plataforma o tipo de interação usuários-usuários, apenas
usuário-empresa pela falta de um campo em que as pessoas possam comentar, tirar
dúvidas ou debater sobre decisões públicas da empresa, de maneira em que as informações fiquem expostas. Justamente pelo fato da participação não ser pública não é
possível aferir a participação do usuário com a empresa.
Categoria: Medidas adotadas para conter a crise hídrica informadas no site
Na página de destaques, é possível encontrar informações ligadas à crise hídrica do
Estado de forma “cautelosa”. Não expondo, ao menos na página inicial em todo período
analisado, explicações sobre os reais motivos que impulsionaram a crise ou projetos
detalhados com investimentos e prazos (alguns dos projetos são expostos apenas por
meio de notícias, no link Agência de Notícias), consequências da falta de água para a
população, ou informações do uso de água na indústria e na agricultura.
10. Dados retirados no dia 8 de março de 2015.
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É possível consultar se há redução de pressão nas tubulações por região e entender
o que é esta redução de pressão. Atualização diária às 9h da manhã sobre os índices de
armazenamento das represas. Materiais, dicas e orientações sobre economia de água
e campanhas de conscientização. Filmes que reforçam mensagens e colaboram com
a redução de consumo durante a crise. E por fim, boletim detalhado da condição dos
mananciais que abastecem a Grande São Paulo.
No item Comunicados Gerais, no qual identifica comunicados à imprensa e as atas
de reunião, em todos os documentos consultados, inclusive nas atas, não há menção
à crise. Apenas uma nota esclarecendo a notícia da Folha de São Paulo sobre a possibilidade de tarifa extra. No mais, as atas discutiam o desligamento de membros da
Companhia e eleição do diretor presidente da Companhia como membro do Conselho
de Administração, para o restante do mandato 2014-2016.
Ao clicar no SIC localizado no lado superior direito da página em letra inferior
aos outros ícones do site é possível ter acesso à uma série de informações como dentre
elas, os investimentos (valores anuais e principais programas de investimento), receitas
e despesas e licitações instauradas. No entanto, a linguagem técnica e apenas dados
fornecidos em tabelas dificultam a compreensão e não contextualizam em quais regiões serão feitos os investimentos, como serão feitos, os danos ambientais ou a lista de
prioridades do que será realizado primeiro. E por fim, informações como consertos nas
tubulações para diminuir perdas de água, preservação ou reflorestamento de mata ciliar
dos mananciais, não são mencionadas na plataforma. Outros temas como transposição
de mananciais, criação de novas reservas ou qualquer outra solução para combater
ou prevenir outras eventuais crises no sistema hídrico, são até expostas em algumas
matérias produzidas pela Agência de Notícias, no entanto, como já foi dito, ainda de
maneira incipiente e sem problematização.
ANÁLISE FALTOUAGUA.COM.
Faltouagua.com é um site colaborativo criado pelo engenheiro de computação Diego
Quinteiro com o objetivo de informar sobre a extensão da situação da crise hídrica no
Estado de São Paulo. O site possui conteúdo de fácil compreensão e instiga os usuários
afetados pela falta de água a criarem pontos no mapa de estiagem através da inserção
de endereço afetado pelo problema.
Após mapear o local, a pessoa pode ainda indicar a frequência com que o problema ocorre na localidade. Milhares de usuários já usaram o recurso para denunciar a
situação e contam com um mural de comentários, no qual podem debater abertamente
sobre a crise hídrica que perdura no estado de SP, além de interagir e informar por meio
dos depoimentos.
Foi criada também uma página no Facebook11, na qual recebeu 682 curtidas. Mas,
tanto a página quanto o site já não estão mais atualizados. A última postagem na rede
social foi em 19 de outubro de 2014. Nesse post é possível perceber o posicionamento do
criador do site colaborativo sobre a crise. Ele começa dizendo “Respondendo perguntas
em público para todos assinantes ficarem a par. Tenho recebido solicitações de entrevista
11. Página no Facebook: https://www.facebook.com/faltouagua/posts/572904119521970
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A representação da crise hídrica no estado de São Paulo: um paralelo entre o site da Sabesp e o site colaborativo faltouagua.com
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da Rede Globo, Uol, Folha, Estadão, Veja, TV Record, Portal R7, TV Bandeirantes, SBT
on-line, entre outros veículos de mídia. Escolhi responder as questões formuladas pela
Editora Horizonte”. A partir disto, ele comenta como funciona o site, como fazer para
pressionar os órgãos públicos com os dados do site, como a mídia tradicional abordou
o assunto, o papel do governo e da Sabesp e do TRE-SP, qual o prognóstico de abastecimento da água e como viver em racionamento. Essa postagem contou com apenas
13 curtidas, cinco compartilhamentos e cinco comentários. Ao ser questionado em um
desses comentários sobre um possível travamento do site, Faltouagua.com, o responsável
pelo abastecimento não deixou de responder e interagir com os usuários, mostrando
uma atitude de cooperação tanto para a solução de problemas técnicos quanto para a
deliberação da crise.
No campo de fotos só foram postadas quatro, três com o mapa da falta de água (é
possível perceber de maio a outubro de 2014 a evolução do problema de abastecimento)
e uma charge criticando a posição do governo frente ao problema no período eleitoral.
A página do Facebook divulga também matérias sobre a posição do governo do
Estado, nas quais fazem críticas severas a posição do governador sobre a crise. Há outros
endereços do Faltouágua em outras redes sociais como o Twitter, mas não foram levadas
em consideração para análise, pelo foco recair mais especificamente sobre o site.
Para desenvolver a análise do site foram definidas algumas categorias de análises,
são elas: a quantidade de comentários, conteúdo dos comentários, problema mais retratado com a seca e “nível” de engajamento dos cidadãos.
Desde o período de criação dessa plataforma até o momento da redação deste artigo
foram postados 399 comentários. A última postagem ocorreu no dia 25 de fevereiro de
2015. No entanto, ao pensar nas categorias, seria inviável analisar todos os comentários
postados, sendo assim optou-se por investigar apenas 100, ou seja, praticamente 25%
do total.
Para verificar os conteúdos das mensagens era possível selecionar a ordem das postagens (cronológica, inversão cronológica ou ranking social). A cronologia dos acontecimentos é de fato relevante para a compreensão da “evolução” da seca, porém, como um
dos objetivos era avaliar o “nível” de engajamento, optou-se pela forma ranking social.
Para identificar qual conteúdo era abordado foi necessário categorizar o material
encontrado em : 1) registro e reclamação (registro é quando o usuário apenas identifica o
bairro e o período de tempo que está sem água; a reclamação vai além de apenas registrar
o período sem água, mas gera queixa e reivindicação); 2) Crítica ao Governo, Sabesp e a
mídia (Governo diz respeito especificamente ao governo Estadual e em diversos comentários a crítica era destinada ao governador do Estado); 3) Opinião ( quando o usuário
interpreta a crise e se posiciona diante dela – foram as postagens com maior índice de
caracteres) ; 4) Outros ( devido a incidência ser baixa, optou-se por agrupar em apenas
uma única categoria, a temática dos conteúdos que tiveram uma frequência pequena
de uma a duas postagens, são elas: links, usuários querendo o contato do responsável
pelo site, comunicados e elogio pela plataforma colaborativa).
Dos 100 comentários analisados a temática se distribui dessa forma:
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A representação da crise hídrica no estado de São Paulo: um paralelo entre o site da Sabesp e o site colaborativo faltouagua.com
Karol Castanheira
Gráfico 1: Temática
Fonte: Elaboração Própria
Observa-se pelo gráfico que a maioria dos usuários (68) apenas registra ou reclama
sobre a situação da falta de água. Vinte e seis (26) criticam o governo Estadual, a Sabep
ou a mídia, por estarem passando por este problema. Apenas sete (7) emitiram opiniões
mais aprofundadas sobre o tema e oito (8) postaram apenas links, comunicados, fizeram
elogio ou quiseram o contato do responsável pelo site.
Essa categoria faz refletir sobre a outra categoria “nível” de engajamento. Definir o
nível de uma pessoa apenas pelas mensagens que ela posta seria um equívoco sério de
pesquisa. Entretanto, é preciso levar em consideração que o site é um espaço colaborativo
e tem como foco não apenas construir um mapa da falta de água no Estado, mas criar
dados para cobrar do governo uma posição.
O fato de a pessoa comentar já identifica um nível de participação, mas o que e como
ela comenta identifica em que perspectiva de diálogo ela adota. Por exemplo: unilateral –
postando uma única vez a título de informação ou multilateral- postando e comentando
em outras postagens a fim de deliberar. Nesse sentido pouquíssimos foram os posts com
comentários, como poderá ser visto no outro gráfico, apenas 16% de um total de 100.
A outra postura é o que comentar. De 100 postagens, 44 foram escritas em três
linhas ou mais. Mesmo não chegando a 50% é um número relevante, o problema é que
a maioria explicava (qual o bairro, período sem água, qual a cor e presença de cheiro na
água...)ou relatava o que estava passando com a crise (dificuldade de tomar banho quando
chega do serviço, não realizar as higienes básicas...). Poucos comentários tiveram base
argumentativa sobre o problema para atingir uma finalidade de cobrança aos órgãos
públicos, simplesmente se referiam ao governo como ponto de crítica, mas não houve
uma deliberação mais pertinente quanto a qualidade da informação para pressionar de
fato os órgãos públicos.
Segundo matérias sobre o site, milhares de pessoas já o visitaram. No entanto,
apenas 399 comentaram, este dado reflete ainda uma participação pequena ao pensar
na população do Estao de São Paulo. Sendo assim, é possível perceber um nível de
engajamento ainda incipiente por parte dos cidadãos.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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A representação da crise hídrica no estado de São Paulo: um paralelo entre o site da Sabesp e o site colaborativo faltouagua.com
Karol Castanheira
O problema mais retratado, como é possível perceber pela temática é a falta de
água dos cidadãos.
O gráfico abaixo permite refletir sobre a interação entre os usuários:
Gráfico 2: Interação
Fonte: Elaboração Própria
Como já mencionado anteriormente, apenas 16 postagens possuíam comentários.
Mas no quesito curtidas o número avançou para 69 postagens. Isto identifica um tipo
de interação “não dialógica” entre os usuários, apenas associativa.
CONCLUSÃO:
O Brasil possui leis que garantem a deliberação e o fortalecimento da Comunicação
Pública no campo de recursos hídricos. No entanto, essas leis não são postas em prática
atingindo todas as suas possibilidades para uma cidadania interativa, tanto em âmbito
on como off-line.
Essa ruptura de diálogo entre governo e sociedade civil fica mais evidente em
momentos de crise. As deficiências de governança na gestão dos recursos hídricos agravada pela postura nociva do homem na natureza tentou ficar escondida até o resultado
das eleições. A mídia, sem dúvida, ocupou um papel fundamental em como agendar
esta problemática. Negar o fato foi à postura adotada por muito tempo pelo governo do
Estado, pela Sabesp e por vários órgãos da mídia tradicional. Mas, as novas tecnologias
da Comunicação e da Informação proporcionaram uma nova imersão do cidadão na
sociedade.
Na cultura contemporânea, mediada e midiatizada pelas novas mídias, as possibilidades de comunicação surgem e se disseminam continuamente, aumentando as
possibilidades dos receptores em se transformarem em produtores de conteúdos (CASTELLS, 2007; RENÓ et.al 2011; PIGNATARI, 2004; AXEL, 2008). Ao assumir essa função,
os cidadãos possibilitam não somente romper com modelos comunicativos tradicionais,
mas se colocam na posição de atores sociais, denunciando, fiscalizando e informando
fatos e descasos, inclusive do poder público.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5031
A representação da crise hídrica no estado de São Paulo: um paralelo entre o site da Sabesp e o site colaborativo faltouagua.com
Karol Castanheira
Faltouagua.com é uma dessas iniciativas de fomentar a participação pública por
meio da tecnologia. O mapa da falta de água contribuiu para que não só os cidadãos
afetados tivessem dimensão da crise, como também, qualquer pessoa interessada em
se informar sobre a gravidade da situação. A participação por meio de comentários se
mostrou ainda deficitária, mas não menos importante, pois mostra que os espaços estão
sendo criados e que os cidadãos têm interesse em participar, seja de maneira ainda unilateral ou pouco dialógica, só que se fazendo presente, quando que por muito tempo se
viu renegado de compartilhar informação e questionar ou criticar os órgãos públicos.
O conteúdo do site da Sabesp é abastecido por uma assessoria de Comunicação
que blinda a imagem da Companhia a qualquer tipo de polêmica ou questionamento
sobre o bom funcionamento da empresa. No entanto, como empresa de capital misto,
deveria se posicionar diante a Lei de Acesso à Informação, liberando dados importantes,
como por exemplo, o consumo de água das empresas. E, não só fornecendo dados, mas
contextualizando a crise em suas diversas facetas.
Ao que parece, mais uma vez, Schwartman (1988) e Faoro (2001), parecem certos ao
dizer que a política brasileira tem arraigada na sua estrutura um estamento burocrático
de cunho patrimonialista, no qual cria um efetivo impedimento para atividades potencialmente capazes de expandir o âmbito da competição de poder. Essa estratificação
social sufoca o dinamismo intrínseco da sociedade e as transformações oriundas da
independência do país e a sua modernização acabam, em certa medida, não sendo suficientes para ameaçar as estruturas mais profundas de poder, vigiadas por um estamento
burocrático maleável e resistente. Para os autores, Estado e esfera pública encontram-se
em posições distintas e independentes na política brasileira.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 9433, Política Nacional de Recursos Hídricos, 8 de janeiro de 1997.
CASTELLS, M., Fernández-Ardèvol, M.,; Qiu, J., Sey, A. (2007). Comunicación móvil y sociedad, una perspectiva global (2ª ed. atualizada). Barcelona: Ariel.
DULAC,Vinicius, et al. (2012) Classificação das deliberações e projetos aprovados pelo Comitê de
Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria. 3º Congresso Internacional de Tecnologias para
o Meio Ambiente. Bento Gonçalves – RS, Brasil, 25 a 27 de Abril de 2012. Disponível
em: http://www.proamb.com.br/downloads/18vwdu.pdf
FAORO, Raymundo (2001). Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. 3. Ed.
São Paulo: Globo.
JACOBI, P.R. (2003). Espaços públicos e práticas participativas na gestão de meio ambiente no Brasil.
Sociedade e Estado, v. 18,n.1/2,p.137-154.
RENÓ, Denis; et.al. (2011) Narrativas transmídias: diversidade social, discursiva e comunicacional.
Palavra-chave. Vol. 14, nº2.
SCHWARTMAN, Simon (1988). Bases do autoritarismo brasileiro. Rio de Janeiro: Editora
Campus. 3ª edição revista e ampliada. Versão em PDF disponível em: http://www.
schwartzman.org.br/simon/bases/capit1.htm.
TUCCI, Carlos; NETTO, Oscar; HESPANHOL, Ivanildo. Gestão da água no Brasil. Uma primeira avaliação da situação atual e das perspectivas para 2025. Disponível em: http://
www.rhama.net/download/artigos/artigo30.pdf.
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Empreendedoras com sucesso profissional e de vida:
espaços biográficos e relatos divulgados pelo Youtube
Entrepreneurs with professional success and life:
biographical spaces and reports released by Youtube
K a t i a M a r t i n s Va l e n t e 1
Resumo: este resumo se refere à pesquisa de doutoramento do PPGCOM da
ESPM, que estuda espaço biográfico (Arfuch, 2010), discursos e narrativas
(Fairclough, 2001) e cultura empreendedora de mulheres com sucesso laboral e de vida, extraídas das palestras Endeavor, principal instituição mundial
de seleção e apoio a empreendedores, evento Day 1, publicadas pelo Youtube.
Pretendemos estudar os marcos teóricos principais do conceito de trabalho
(Schwartz, 1988), cultura empreendedora e culto à performance (Ehrenberg, 2010)
e o novo espírito do capitalismo (Boltanski e Chiapello, 2009). Nosso propósito
é realizar análise dos significados simbólicos e de sentidos dessas narrativas.
A metodologia deste estudo baseia-se em (Fairclough,2001), em que os discursos são interpretados à luz das interações sociais, análise dos textos, práticas
discursivas e práticas sociais
Palavras-Chave: espaço biográfico, trabalho, empreendedoras, comunicação e
consumo
Abstract: this summary refers to the doctoral research of PPGCOM of ESPM , studying biographical space (Arfuch , 2010), discourses and narratives (Fairclough,
2001) and entrepreneurial culture of women with employment success and life,
taken from Endeavor lectures, main institution world selection and support
for entrepreneurs, Day1 Event, published by Youtube . We intend to study the
main theoretical frameworks of the concept of work (Schwartz, 1988), entrepreneurial culture and cult of performance (Ehrenberg, 2010) and the new spirit of
capitalism (Boltanski and Chiapello, 2009). Our purpose is to perform analysis
of symbolic meanings and meanings of these narratives. The methodology of
this study is based on Fairclough (2001), in which discourses are interpreted in
the light of social interactions, analysis of texts, discursive practices and social
practices.
Keywords: biographical space, labor, entrepreneurial, communication and
consumption
1. Doutoranda do Programa de Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM/SP. Mestre em comunicação
pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, professora da graduação e pós-graduação da ESPM, FGV e
consultora de comunicação integrada. E-mail: [email protected].
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Empreendedoras com sucesso profissional e de vida: espaços biográficos e relatos divulgados pelo Youtube
Katia Martins Valente
INTRODUÇÃO
S RELATOS de sucesso profissional e de vida dos indivíduos sempre desperta-
O
ram o interesse por parte da humanidade, do contexto social, para explicarmos
o “presente” buscamos nossas origens por meio dos discursos da memória e
história no sentido de materializar quem somos, o que fazemos e nossa identidade.
Nosso texto se pauta nos estudos e pesquisa de doutoramento do curso PPGCOM
da ESPM, cuja trajetória metodológica se concentra na teoria e análise de discurso crítico
de (Fairclough, 2001), em que os discursos são interpretados à luz das transformações
e mudanças das práticas sociais e discursivas que retratam o sucesso laboral e de vida
de empreendedoras do contexto estético e midiático do mundo contemporâneo.
Temos o propósito de realizar uma reflexão sobre os discursos materiais e simbólicos
representados pelas empreendedoras, em que se valoriza sucesso laboral e de vida.
Nosso estudo é desenvolvido nos seguintes eixos teóricos (Schwartz, 1988), em
que o trabalho é exercido num contexto de mercantilização das atividades laborais em
troca de remuneração das mesmas. Para (Boltanski e Chiapello, 2009) o novo espírito
do capitalismo é a ideologia que justifica o engajamento no próprio capitalismo em
que a atividade laboral se modifica para ser exercida por meio de “projetos de vida”
de empreender a si mesmo como forma de subsistência. De acordo com (Ehrenberger,
2010) “o culto à performance” se fundamenta nas práticas da sociedade contemporânea
e no gerencialismo de temas eleitos pela sociedade que determinam discursos e práticas
sociais associadas a temas do esporte como superação dos limites, desempenho, etc.
(Arfuch, 2010) nos diz que, por meio do espaço biográfico, relatamos nossas vidas tanto
do ponto de vista privado como público, sendo uma maneira de narrar, legitimar e dar
sentido a própria existência e a si. É o lócus que materializa a identidade do sujeito e
suas práticas sociais ao longo da história e memória de cada um. Já (Freire, 2011) tem
como marco referencial o capital humano no qual se valoriza a “performance” das pessoas
pelo conhecimento e capacitação profissional que resultam na superação, conquista,
concorrência e competência associados a temas esportivos e empresariais, pelo qual
as pessoas superam limites e desafios em função do conhecimento adquirido e desenvolvido para si. Para (Buonanno, 2011) se observa, na sociedade, a “história de vidas
exemplares” heróis reais ou não que são divulgados pelo contexto estético e midiático
e, que passam a fazer parte da representação de mundo das pessoas como verdadeiros
heróis de nossos dias.
A metodologia utilizada para análise é de (Fairclough, 2011) e, em linhas gerais,
possibilita interpretação de representações simbólicas, físicas e de sentidos dos discursos que demarcam práticas discursivas e sociais que despertam interesse por parte dos
usuários da internet (Youtube) que foram expostos aos vídeos das palestras Endeavor,
evento Day1.
O corpus selecionado para o estudo foi retirado das palestras Endeavor, 2 principal
instituição mundial de seleção e apoio a empreendedores de alto impacto, evento
Day 1, publicadas pelo Youtube. Primeiro, nos concentramos nos embasamentos
2. A Endeavor é a principal instituição mundial de seleção e apoio a empreendedores de alto impacto.
Disponível em: <http://www.endeavor.org.br/empreendedores>. Acesso em: 26/06/2014.
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Empreendedoras com sucesso profissional e de vida: espaços biográficos e relatos divulgados pelo Youtube
Katia Martins Valente
teóricos pertinentes ao estudo, em seguida, seleção e analise de trechos das “falas” das
empreendedoras Luiza Helena Trajano presidente do Magazine Luiza e Heloisa Helena
de Assis (Zica) CEO do Instituto Beleza Natural, extraídos dessas palestras e do evento
Day1 e por fim, pretende-se analisar a materialidade física, simbólica e de sentidos do
lugar de “fala” das vozes da organização, bem como os relatos históricos da vida dessas
empreendedoras, que circulam no processo midiático vigente.
Para existir interação discursiva, a palavra “discurso,” na visão crítica de discurso
de (Fairclough, 2001, p. 90) é “o uso de linguagem como forma de prática social”, sendo
constituído pela interação das pessoas e vice-versa, como forma de representação e
interpretação de mundo considerado fundamental na compreensão das transformações
e mudanças da sociedade. De acordo com a metodologia da análise de (Fairclough,
2001, p.22),
Os discursos não apenas refletem ou representam entidades e relações sociais, eles as constroem ou as constituem; diferentes discursos constituem entidades-chave (...) de diferentes
modos e posicionam as pessoas de diversas maneiras como sujeitos sociais (...) e são esses
efeitos sociais do discurso que são focalizados na Análise do Discurso. Outro foco importante localiza-se na mudança histórica: como diferentes discursos se combinam em condições
sociais particulares para produzir um novo e complexo discurso.
Os discursos se alteram de acordo com os contextos históricos, mudanças do espaço e tempo e das relações que ocorrem nos contextos político, ideológico, econômico
e social e pelas transformações da sociedade. Os mesmos discursos são renovados
justamente para preservar e manter as relações sociais e interesses ideológicos da contemporaneidade em que existe a luta pelo poder, interesses e relações de conflito. A sua
base ideológica “permite revelar o discurso como meio em que linguagem e ideologia
(pontos de vista, ideias, conteúdos, temáticas etc.) se manifestam de modo articulado.”
O discurso segundo Pêcheux (2007, p.83) é uma prática social que apresenta posições
ideológicas diversas de poder e de crítica, entretanto, ao longo da história, criam-se
novos discursos e outros se renovam.
Refletir e analisar os discursos dessas empreendedoras em seus espaços biográficos
permite compreender como o sucesso laboral e de vida pode abarcar práticas discursivas
e sociais de diferentes campos (Bourdieu, 2009) temáticos, preservando assim a relação
existente entre visões de mundo. Podemos dizer que essas empreendedoras tiveram
que se adaptar ao discurso de novos mundos possíveis (Lazzarato, 2006) em que ser
“empreendedora” é uma nova maneira de exercício laboral, criado pelas práticas sociais,
para dar corpo e forma a estas atividades.
TRABALHO NO CONTEXTO SOCIAL
Nos últimos 30 anos observamos profundas mudanças em torno da atividade laboral, o homem sempre se valeu do trabalho (materialidade física e simbólica) como forma
de sobrevivência num contexto cercado por interesses e desigualdades, entretanto, o
mesmo foi se alterando a medida que ocorreram mudanças e evoluções no contexto social.
Ao se traçar algumas considerações sobre o trabalho como atividade e sua relação intrínseca com comunicação e consumo (Schwartz, 2011), levamos em conta que
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Empreendedoras com sucesso profissional e de vida: espaços biográficos e relatos divulgados pelo Youtube
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a atividade laboral teve início na era homo sapiens, na relação com os instrumentos da
natureza (pedra, madeira, etc.) utilizados para sobrevivência. O autor define o conceito
“trabalho stricto sensu” sob a ótica da atividade laboral a ser realizada em troca de
remuneração, num contexto contaminado pela mercantilização desse processo. Para
ele existe uma diferença entre trabalho remunerado, lazer e estado de disponibilidade no mercado (sem trabalho), o que demarca as lutas entre classes, trocas desiguais,
interesses, experiências entre o explorado e o explorador, em resumo, o trabalho visto
pela ótica mercantil.
Entretanto, não se pode esquecer que, ao estudamos o trabalho, passamos a entender um pouco das representações e visões de mundo articuladas nessa dinâmica que
envolve relações de “trabalho stricto sensu” (Schwartz, 2011), trabalho remunerado para
produzir mercadorias/serviços que serão consumidas.
Nessa relação com o trabalho encontramos desdobramentos importantes de (Marx,
1974) em que produção, circulação e consumo se complementam de forma interdependente, já que só existe produção se existir consumo, o trabalhador é um elemento importante
e máquina propulsora dessa relação. O trabalho inserido na contemporaneidade ainda
carrega em sua gênese as transformações ocorridas a partir da Revolução Industrial e
passa a ser exercido de maneira sistematizada, com regras específicas e normas. Temos
a presença da circulação, comércio, troca e consumo das mercadorias, ocultando-se o
espaço da produção “no ‘silêncio’ da fábrica, realizando assim a exploração do trabalho
pelo capital” (Casaqui, 1997, p.35).
Nesse contexto, o trabalhador não compreende o valor e a relação das horas trabalhadas (produção) versus mercadorias produzidas e os esforços laborais, ao mesmo tempo
recebe pressão da classe hegemônica no sentido que passe a consumir e desenvolva
representação simbólica e visual em torno das mercadorias.
A partir da concepção do Taylorismo/fordismo, cada trabalhador passa a ser um
elemento da engrenagem produtiva, as atividades laborais são específicas, controladas,
hierarquizadas e sistematizas “existe uma tentativa de simplificar ao máximo a atividade
humana, antecipando-a e preparando-a totalmente, de modo que o executor não tenha
que pensar” (Mota, 2012). Em seu livro O Capital (1984), Marx apresenta contribuições
importantes em relação à importância da comunicação no processo produtivo, como
forma de tornar público a existência das mercadorias.
Entretanto, com a evolução dos processos tecnológicos da comunicação o processo
produtivo, trabalho e as mercadorias são representados pela estética midiática, na qual
a materialização dos signos, códigos e fios ideológicos de (Bakhtin, 1997) refletem interesses hegemônicos e contra hegemônicos que atuam na sociedade. Dessa forma, por
meio desses avanços da comunicação, as empresas passam a tornar público informações
sobre as diversas mercadorias e seus “signos” possibilitando o consumo posterior, como
é o caso das nossas empreendedoras. Segundo Casaqui (2014) “o mundo do trabalho é
atravessado pelos discursos da trama social, e, por sua centralidade no cotidiano dos
sujeitos, bem como, o papel que lhe é atribuído no espectro do sistema capitalista, é alvo
de disputas simbólicas.” O trabalho materializa interesses e representações simbólicas
de valores que se associam ao repertório de vida das pessoas ao longo de sua história.
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Empreendedoras com sucesso profissional e de vida: espaços biográficos e relatos divulgados pelo Youtube
Katia Martins Valente
CULTURA EMPREENDEDORA E CULTO À ALTA PERFORMANCE
Nesse cenário de tantas transformações o empreendedorismo ganha importância
“quando as instituições já não proporcionam um contexto de longo prazo, o indivíduo
pode ser obrigado a improvisar a narrativa de sua própria vida” (Sennet, 2006, p. 13). A
exigência de ter sucesso permeia todas as atividades da vida inclusive o trabalho que
pode ser exercido na forma de empreender a si mesmo. Entretanto, existe a valorização
de palavras como “performance” e “O culto da performance aponta para um devir
atlético e empresarial da sociedade, um processo de conversão aos valores supremos
da concorrência e da conquista” (Freire, 2011, p.40). As práticas discursivas nos convocam
a ter bom desempenho e sucesso no trabalho e em todas as atividades da vida social,
o tempo de trabalho e do lazer são exercidos de forma simultânea associando-se às
práticas discursivas dos esportes com superação de desafios e metas.
De acordo com visão de (Ehrenberger, 2010) “o culto à performance” se fundamenta
nas práticas da sociedade contemporânea e no gerencialismo de temas eleitos pela cultura
que determinam práticas sociais apropriadas para se alcançar êxito, sucesso profissional e
valoração pessoal alinhados pela ótica da capacitação profissional e “signos” de
competência, habilidade, proatividade, competitividade, ousadia, entre outras palavras
parâmetros de representação e avaliação do mundo laboral e de vida.
Em seu livro Culto da Performance (Ehrenberg, 2010) menciona que a “arte de
empreender, de assumir riscos e ser obstinado está ligada à convergência dos discursos esportivo, empresarial e de consumo”. O sujeito, ao construir suas narrativas de
vida, passa por processo imaginário e ideário de vida de ter sucesso pela conquista
da capacidade profissional e consumo de bens, em nosso texto, pautado por discursos
de empreendedoras de sucesso. Podemos afirmar, que no exercício de empreender a si
mesmo existe a preocupação com ganho de capital, comunicação, interesses e consumo
pelas práticas laborais inovadoras, que possam atrair seguidores.
No sucesso laboral e de vida de nossas empreendedoras encontramos a comunicação
simbólica de imagens e de sentidos, que corroboram a circulação de valores e crenças
de como vencer num mundo repleto de adversidades em que se valoriza o sucesso e a
performance (Ehrenberg, 2010) tanto na vida profissional como privada.
O ESPÍRITO DO CAPITALISMO E SUAS FASES
O processo de empreender a si mesmo vem sendo incorporada aos discursos das
práticas social e discursiva observa-se uma transformação no exercício da atividade
laboral, na produção, circulação, consumo e mercantilização dos bens (Schwartz, 2011),
nos relatos dessas empreendedoras, encontramos “vozes” que se misturam com valores
privados e públicos das organizações.
Nesse processo, entra em discussão a definição do novo espírito do capitalismo
proposto por (Boltanski e Chiapello, 2009), em que o sistema capitalista encontra
diferentes formas de se adaptar às conjunturas. Para esses dois autores,
a exigência de acumulação ilimitada do capital por meios formalmente pacíficos. Trata-se
de repor perpetuamente em jogo o capital no circuito econômico com o objetivo de extrair
lucro, ou seja, aumentar o capital que será, novamente, reinvestido, sendo esta a principal
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Empreendedoras com sucesso profissional e de vida: espaços biográficos e relatos divulgados pelo Youtube
Katia Martins Valente
marca do capitalismo, aquilo que lhe confere a dinâmica e a força de transformação que
fascinaram seus observadores, mesmo os mais hostis (Boltanski e Chiapello, 2009: p.35).
Nessa luta constante pela manutenção de sua ideologia, o capitalismo precisou
percorreu três momentos. O primeiro momento baseava-se na obra de Max Weber, com
ênfase na poupança que constituía a principal forma de acesso ao mundo do capital e
promoção social.
No segundo momento, anos 40, houve o predomínio da moral do trabalho e da
competência com o sujeito tecnicamente qualificado e preparado para o exercício
laboral, o que gerou a ascensão de uma elite de dirigentes e executivos diplomados,
competentes, assalariados, de tempo integral e com emprego estável.
No terceiro momento, já no século XXI, (Boltanski e Chiapello, 2009) chamam de
espírito do capitalismo a ideologia que justifica o engajamento no próprio capitalismo,
para existir o engajamento no sistema “O capitalismo precisa ter condições de dar a
essas pessoas a garantia de uma segurança mínima em verdadeiros santuários onde
é possível viver, formar família, criar filhos etc.” (Boltanski e Chiapello, 2009, p. 39). O
sistema capitalista para se manter no poder, precisou de mudanças e transformações
em suas bases estruturais permitindo uma maior flexibilização das práticas sociais em
que os processos sejam substituídos por novas formas de exercício da atividade laboral,
como exemplo, empreender a si mesmo.
Em seus estudos, os dois autores, mencionam três eixos que justificam o novo espírito capitalista: progressos materiais, eficiência na satisfação das necessidades e eficácia,
que por si só, não são eixos suficientes para assegurar o engajamento dos sujeitos no
mundo do trabalho capitalista. O “novo espírito” se apoia nos conceitos “cidades dos
projetos”, “mundo conexionista” marcados por uma transformação que ocorre tanto
na relação com o dinheiro, trabalho, poder e propriedade permitindo materialização
física e simbólica dessa lógica. “Cidade dos projetos” o sujeito decide sua disponibilidade e tempo a ser gasto em seus projetos de vida, sem as coerções da propriedade
nem as do poder.
“Mundo conexionista” – permite que o sujeito desenvolva “projetos de vida” de
maneira flexível, “a locação é a forma que convém ao projeto, à instalação para uma
operação temporária” (Boltanski e Chiapello, 2009, p.191). As pessoas definem seus
projetos, administram suas propriedades, “tempo” e “capital” e tornam-se responsáveis
por usufruir dessa flexibilidade e organização de suas vidas. “O homem conexionista
é proprietário de si mesmo, não segundo um direito natural, mas no sentido de ser
produto de seu próprio trabalho sobre si mesmo” é o único responsável pelos fracassos
e sucessos de sua vida. “Cada um, sendo produtor de si mesmo, é responsável por seu
corpo, sua imagem, seu sucesso, seu destino (idem, p. 192), o que torna praticamente
impossível separar a vida privada (qualidades e perfil pessoal) da vida profissional
(competência e capacitação profissional). Nesse processo o “bem” é associado ao próprio
“tempo” batizado como “o espirito do tempo” em que poupar o bem “tempo” é também
administrar e manter conexões com o rendimento do trabalho, rendimento do capital,
tempo para administrar projetos pessoais, lazer e entretenimento.
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Empreendedoras com sucesso profissional e de vida: espaços biográficos e relatos divulgados pelo Youtube
Katia Martins Valente
O “tempo” passa a ser eixo relevante nas escolhas entre trabalho e lazer que são
exercidos conjuntamente sendo remunerado de diversas formas. O assalariado do
“segundo espírito do capitalismo é substituído pelo colaborador intermitente, cuja
atividade pode ser remunerada de diferentes maneiras: salários, honorários, direitos
autorais, royalties sobre patentes etc., o que tende a atenuar a diferença entre rendimentos
do capital e rendimentos do trabalho” (Boltanski e Chiapello, 2009, p.193) alterando as
relações de viver em sociedade.
ESPAÇO BIOGRÁFICO
Para (Arfuch, 2010) existe um espaço biográfico, portanto narrativo e dialógico de
raiz bakhtiniana, em que se retratam histórias de vida tanto no âmbito privado como
no público. Para (Ricoeur, 2007) “Contamos histórias porque afinal de contas as vidas
humanas precisam e merecem ser contadas”. Por meio de nossas histórias e trajetória
de vida conseguimos transmitir aquilo que somos, nossa identidade, valores e crenças.
Para Bourdieu,
Os acontecimentos biográficos se definem como colocações e deslocamentos no espaço social,
isto é, mais precisamente nos diferentes estados sucessivos da estrutura da distribuição
das diferentes espécies de capital que estão em jogo no campo considerado. O sentido dos
movimentos que conduzem de urna posição a outra (Bourdieu, 2009, p.190).
Nos relatos de vida de nossas empreendedoras temos uma série de ocorrências
e acontecimentos ao longo das mudanças de interesses da sociedade e das histórias
de nossa vida, o que justifica a necessidade de compreender e relatar essas “falas” e
narrativas pessoais que passam pelo crivo e censura social. O biografado seleciona sua
fala em função do tema e das circunstâncias que giram em torno daquele assunto. Os
interesses profissionais e de sobrevivência social são considerados, entretanto, nem
sempre relatados como de fato aconteceram.
As narrativas dessas empreendedoras são marcadas pela materialização simbólica
desses discursos que descortinam e revelam um universo crítico, construído por meio
de práticas discursivas e sociais, que retratam a ideologia dominante de valorização
do sujeito enquanto indivíduo que necessita ter êxito e sucesso laboral, como forma de
sobrevivência e legitimação social.3 “São relatos e modelos que conferem materialidade
física, simbólica e de sentidos” para as falas dessas empreendedoras”.
Em outras palavras, como diz (Buonanno, 2011), “em nosso tempo, os heróis reais
ou imaginários ainda habitam o presente; e não é raro encontrar vidas, ações e personalidades verdadeiramente heroicas, basta saber reconhecê-las”. A figura da empreendedora dessas publicadas pelo Youtube apresentam discursos e exemplos de “vidas
exemplares” (Buonanno, 2011), de empreendedoras, que exercem posições e atitudes
distintas no percurso de suas histórias. Existe uma sobreposição de vozes e “falas” tanto
na posição dos interesses econômicos e acúmulo de capital de CEO, da organização,
como nos relatos da vida privada e de si das mesmas. Para Buonanno,
3. Disponível em: <http://www.livrariacultura.com.br/p/o-culto-da-performance-22095421>. Acesso em:
26/01/2015.
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Empreendedoras com sucesso profissional e de vida: espaços biográficos e relatos divulgados pelo Youtube
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É a prerrogativa daqueles que – nos mais diversos campos de ação e expressão, das ciências
às artes, no ensino, na defesa da lei e da ordem, nos esportes e nas religiões – organizam
sua própria existência de acordo com os princípios da ética, de fato heroicos, que encorajam
e valorizam o sacrifício, a disciplina, a dedicação a uma causa ou missão, a capacidade de
enfrentar árduas provas (embora não necessariamente fatais), incluindo a desaprovação e
hostilidade de uma cultura anti-heroica predominante (Buonanno, 2011, p.70).
Podemos dizer que o processo de comunicação e consumo desses relatos e “espaços
biográficos” de suas vidas empreendedoras retratam práticas discursivas de superação
de adversidades, conflitos e sacrifícios para chegar à conquista do sucesso laboral e, ao
mesmo tempo, se tornarem heroínas do nosso tempo.
REFLEXÃO DAS VOZES DESSAS EMPREENDEDORAS
Apresentamos abaixo, a reflexão sobre duas falas: a primeira fala de Luiza Helena
Trajano (CEO do Magazine Luiza) e a segunda de Heloisa Helena de Assis (Fundadora da
rede de cabelereiro Beleza Natural), conhecida por “Zica”, no decorrer de nossos estudos
aprofundaremos as análises de outros trechos discursivos dessas empreendedoras.
“Eu sou preocupada com a propaganda e a comunicação interna” – “voz” de Luiza
Helena Trajano.
Na prática discursiva apresentada encontramos a presença das vozes de Luiza
Helena Trajano enquanto presidente da corporação “Magazine Luiza”, a voz do indivíduo e a voz da sociedade. Nessa frase, observamos a preocupação com a plataforma
propaganda por ser um processo midiático, estético e de “massa”, com grande poder de
persuasão e propagação de ideias, signos e valores junto à sociedade. Temos a demarcação do discurso implícito e hegemônico de valorização desse meio de comunicação,
por parte da maioria das organizações, como recurso midiático que irá disseminar os
resultados e a contribuição da mesma junto ao contexto social. Em contra partida, esse
plataforma gera visibilidade e exposição para a história de vida exemplar (Buonanno,
2011, p.70), pública e privada de nossas empreendedoras que superaram dificuldades
para vencer e ter sucesso laboral e de vida.
Entretanto, encontramos a voz subjetiva e pessoal da empreendedora, que se
preocupa com sua visibilidade e exposição pessoal, caso contrário, não teria aceitado o
convite para relatar sua vida, por meio desse espaço biográfico, na palestra Endeavor,
evento Day1, publicado pelo Youtube.
Vale ressaltarmos, que a mídia social Youtube é um meio da plataforma propaganda, forma de comunicação, com grande poder de disseminação de ideias, signos,
imagens e viralização de práticas discursivas e sociais. Propaganda e comunicação
interna, na voz de Luiza Helena Trajano, podem estar enquadradas na “corporativização dos aspectos de sua existência” (Freire, 2011) a voz da organização se desloca
para o discurso subjetivo/pessoal de “Luiza”. Na frase “Eu sou preocupada com a
propaganda e comunicação interna” se materializa “jargões” próprios dos valores e
crenças “prescritos” pelas organizações capitalistas hegemônicas que são transferidos
para o discurso social. Por esta razão a empreendedora valoriza tanto a comunicação
interna como forma de treinar, preparar e motivar seus colaboradores/empregados, no
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Empreendedoras com sucesso profissional e de vida: espaços biográficos e relatos divulgados pelo Youtube
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sentido que estejam em linha com os objetivos e valores das organizações capitalistas
de obtenção de lucro, resultados financeiros positivos e ganho de capital. Temos a voz
explícita das organizações contemporâneas que se utiliza da “comunicação interna” para
a melhoria da produtividade, capacitação e performance do capital humano como peça
fundamental para obtenção de melhoria nos resultados e aumento de capital. Abaixo,
segue a fala da nossa outra empreendedora Heloisa Helena de Assis (fundadora da rede
de cabelereiro Beleza Natural),
Viemos aqui para contar um pouquinho da nossa história de vida. Eu comecei a trabalhar
aos nove anos de idade como babá, empregada doméstica e faxineira. Mas tenho muito
orgulho de falar isso aqui prá vocês. Porque eu levo isso para a minha empresa até hoje.
De forma explícita, temos a materialização do discurso de superação de vida da
protagonista, ao mencionar ter exercido atividades laborais menos valorizadas na sociedade. Aqui o trabalho está demarcado como fator de sobrevivência. Em sua fala, Zica
demonstra a existência de preconceito em relação às funções exercidas ao dizer “mas
tenho muito orgulho de falar isso aqui prá vocês”, é um “preconceito” mencionado pela
empreendedora, que nos leva acreditar que essas atividades exercidas anteriormente
não fossem motivo de orgulho e prestígio social.
Temos o cruzamento das vozes da organização, da sociedade e da própria Zica
enquanto indivíduo. Nessa articulação discursiva, encontramos a materialização da
identidade da empreendedora, na posição de proprietária, ao mencionar “porque eu
levo isso para a minha empresa até hoje”. Existe nessas palavras a articulação da posição social exercida atualmente “ser proprietária” da organização “bem sucedida” que
é um discurso de culto à alta performance (Ehrenberg, 2010), de superação de desafios
e conquista de resultados que podem ser associados aos “signos” dos esportes e das
organizações de superação de seu próprio limite e ser vencedora perante a sociedade.
“Mas tenho muito orgulho de falar isso aqui prá vocês. Porque eu levo isso para a minha
empresa até hoje”.
A voz da sociedade está simbolizada e representada pela superação de dificuldades
de Zica por meio de prática discursiva de tom messiânico e “prescritivo” de relatar a todos
como é possível superar dificuldade e vencer na vida de forma heroica (Buonanno, 2011)
e semelhante a vários trabalhadores, “batalhadores” brasileiros. Observa-se que existe
nos discursos das duas empreendedoras um deslocamento de valores organizacionais,
do exercido de atividades laborais para o âmbito particular e privado que se misturam
nessa materialização física e simbólica desses relatos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por um lado, a análise crítica do discurso (Fairclough, 2001) permite refletir sobre
as práticas sociais e discursivas que possibilitam reflexões e novas interpretações
das mudanças ocorridas nas relações de trabalho, lazer e representação de mundo.
Os discursos das empreendedoras aparecem como possibilidades do imaginário,
representação e mundo possível (Lazzarato, 2006) em que o trabalho pode ressignificar
seus discursos e valores podendo ser exercido na forma e no contexto de cultura
empreendedora dentro de seus projetos pessoais de empreender a si mesmo.
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Empreendedoras com sucesso profissional e de vida: espaços biográficos e relatos divulgados pelo Youtube
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Não se pode contestar que a representação identitária das pessoas permeia a
centralidade do trabalho, a comunicação e o consumo de narrativas associadas ao
“bem tempo”. Atualmente temos a existência de uma sociedade capitalista que surge
no formato de “cidades projeto” (Boltanski e Chiapello, 2009) em que a flexibilização
da atividade laboral se encontra focada no exercício de empreender seu próprio projeto
de vida e de si.
Novas bases e práticas sociais se encontram sobrepostas no exercício do trabalho,
lazer e entretenimento. Por meio do culto à alta performance de (Ehrenberger, 2010)
e o capital humano (Freire, 2011) as narrativas e relatos de nossas empreendedoras se
amoldam às temáticas de superação, autocontrole ousadia e obtenção de resultados. É
o investimento no capital humano, das empreendedoras, pela capacitação e qualificação
profissional com o objetivo de superar desafios, metas e resultados, ganho de capital e
lucro que são valores alardeados no sistema capitalista e questionado pela sociedade e
os excluídos desse sistema.
Esses discursos ratificam o imaginário e os interesses das pessoas, como maneira de
preservar a lógica do capitalismo, que se utiliza de discursos de impacto transformados
pelo poder ideológico. As narrativas empreendedoras circulam por meio da comunicação
e consumo dessas “vozes” da estética midiática, possibilitando a transformação e
preservação da gênese capitalista, portanto, inseridas nas práticas discursivas e sociais
em que valores, crenças e signos são incorporados às práticas sociais e discursivas desse
novo espírito do capitalismo contemporâneo.
As narrativas das empreendedoras nesses “espaços biográficos”, portanto, discursivos
passam a fazer parte da sociedade que os retroalimenta de forma consistente, no sentido
de manter os interesses do sistema, do poder hegemônico e de seus valores, mesmo que
para isso subsista a presença de excluídos e desigualdades desse sistema.
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Empreendedoras com sucesso profissional e de vida: espaços biográficos e relatos divulgados pelo Youtube
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5043
O desenvolvimento da inovação nas micro
e pequenas empresas a partir da gestão do
conhecimento e da comunicação digital
Development of innovation in micro and small businesses
using knowledge management and digital communication
T a i n ah V e r a s 1
Resumo: A pesquisa em questão tem o objetivo de apresentar e analisar alguns
dos obstáculos enfrentados pelas micro e pequenas empresas no processo
de inovação, propondo possibilidades de superar esses obstáculos por meio
da Gestão do Conhecimento e da Comunicação Digital. Para isso, o estudo
em questão demonstra, principalmente a partir dos preceitos do Manual de
Oslo (2005); de Nonaka; Takeuchi (2008); de Lévy (2007) e do case da empresa
Mamute Mídia (Sebrae, 2009) que é possível desenvolver uma cultura de inovação
com a adoção de um modelo mental baseado em conhecimento por parte dos
gestores e com a utilização da comunicação digital como forma de estimular a
aprendizagem e de reunir diferentes profissionais em torno de objetivos comuns.
Palavras-Chave: Inovação. Conhecimento. Comunicação.
Abstract: This research aims to present and analyze some of the obstacles faced
by micro and small enterprises in the innovation process, offering possibilities
to overcome these obstacles through the Knowledge Management and Digital
Communication. To do that, the present study shows, mainly from the precepts
of the Oslo Manual (2005); Nonaka; Takeuchi (2008); Levy (2007) and the case
of the company Mamute Mídia (Sebrae, 2009), that it is possible to develop a
culture of innovation. For this, can adopt a mental model based on knowledge
and digital communication in order to stimulate learning and to gather different
professionals around common goals.
Keywords: Innovation. Knowledge. Communication.
INTRODUÇÃO
ALTA COMPETITIVIDADE do mercado e a rapidez com que ele se transforma
A
faz com que os empresários tenham o desafio de adotar posturas, métodos e
formas de ver o mundo que sejam capazes “de acolher a multiplicidade de contextos, identidades, universos simbólicos, interesses ou discursos que, na sua existência plural, simultânea e imaterial, tanto caracterizam (...) o mundo contemporâneo”
(HERSCHMANN; PEREIRA, 2002, p. 29).
1. Mestranda do Programa de Comunicação Midiática da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho (Unesp) sob a orientação da profa. dra. Maria Eugênia Porém. E-mail: [email protected]
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5044
O desenvolvimento da inovação nas micro e pequenas empresas a partir da gestão do conhecimento e da comunicação digital
Tainah Veras
Nesse contexto, o processo de inovação é essencial. Especialmente no caso das micro
e pequenas empresas, os obstáculos para que isso ocorra costumam ser maiores, já que
normalmente faltam recursos financeiros, há um grande envolvimento dos empresários
em atividades operacionais, os entraves burocráticos são consideráveis, a capacidade de
crescimento é menor, entre outros fatores.
Para modificar esse panorama, acredita-se que os responsáveis por essas organizações devem incorporar novos modelos mentais baseados em conhecimento. Para isso,
é necessário desenvolver um ambiente de aprendizagem organizacional, com trocas
potenciais de informações por meio do relacionamento entre os públicos.
Por isso, o presente artigo apresenta uma pesquisa bibliográfica com fins exploratórios
e descritivos realizada com o objetivo de refletir sobre as possibilidades que a gestão
do conhecimento e a comunicação digital podem trazer para a inovação nas micro e
pequenas empresas. Para demonstrar de que forma isso pode ser viabilizado no mercado,
o estudo traz o case da empresa Mamute Mídia (SEBRAE, 2009), descrevendo de que
forma a organização utiliza a busca pelo conhecimento e a comunicação digital para
desenvolver uma cultura de inovação.
OS DESAFIOS PARA A INOVAÇÃO NAS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS
Mudanças econômicas, sociais, políticas e tecnológicas. Intensa circulação de capital
e de informação. Busca constante por novidades e melhorias. Essas são apenas algumas
características do cenário em que vivemos, no qual tudo se renova a cada momento e
nada está totalmente finalizado. Por isso, profissionais e empresas têm o desafio diário
de inovar.
Quando falamos em inovação no contexto organizacional, vários conceitos podem
ser utilizados. Schumpeter (1988, p.48), define inovação como “um aspecto da estratégia de
negócios ou uma parte do conjunto de decisões de investimentos para criar capacidades
de desenvolvimento de produto ou para melhorar a eficiência”.
Como é possível observar, ele enfoca aspectos econômicos ligados ao conceito,
investimentos que são necessários, e defende que, para que haja inovação, é preciso que ocorra uma mudança no produto que a empresa oferece. Esse conceito (com
suas variações) costuma ser amplamente difundido entre os empresários, que acabam
atrelando a inovação apenas aos investimentos e esforços necessários em Pesquisa e
Desenvolvimento.
No entanto, o Manual de Oslo (OCDE, 2005, p.55), publicação internacional que tem o
objetivo de padronizar conceitos para práticas em diferentes países, expande o conceito
de inovação para além da esfera do produto. O Manual defende que, além de ser a
“implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado”,
a inovação também pode ser “um processo, ou um novo método de marketing”, ou ainda
ser “um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local
de trabalho ou nas relações externas”; essa última possibilidade, que encara o conceito
a partir das práticas dos negócios, é chamada de inovação organizacional, e envolve “a
implementação de novos métodos para organização de rotinas e procedimentos para
a condução do trabalho.” (OCDE, 2005, p. 62). Portanto, se enxergamos que atividades
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5045
O desenvolvimento da inovação nas micro e pequenas empresas a partir da gestão do conhecimento e da comunicação digital
Tainah Veras
inovadoras podem ser exercidas com mudanças no dia a dia, que envolvem alterações
de pensamento e de comportamento e não necessariamente investimentos financeiros,
entendemos que a inovação não está restrita apenas às grandes organizações. Esse
processo também pode e deve ser estimulado nas micro e pequenas empresas, já que
elas “contribuem com parcela considerável da geração de emprego e renda em todo o
país” (DREE, 2014, p. 13), e, em 2011, foram responsáveis por uma participação de 99%
no total de empresas privadas do Brasil (SEBRAE, 2013, p. 4).
Apesar da alta representatividade na economia, os empresários das micro e
pequenas empresas sofrem com a elevada concorrência, com as taxas tributárias e com
a dificuldade de obter recursos para investir no negócio. No entanto, além dos fatores
externos, existem características intrínsecas ao negócio que impactam diretamente no
processo de inovação:
(…) as pequenas empresas possuem características positivas, como a criatividade e o espírito
empreendedor, porém (…) [a] pequena empresa (…), na contramão da história, reluta em
profissionalizar a administração. As dificuldades, neste processo de inovação na gestão,
são consideradas (…) como determinantes para o fechamento prematuro das empresas, [e]
notadamente nos processos que envolvem a tomada de decisão, o conservadorismo predomina (Semler, 1988, apud Pereira et al, 2009, p. 54).
O conservadorismo, observado em boa parte dos empresários desse segmento, está
diretamente ligado aos modelos mentais que esses gestores possuem, e que impactam
diretamente nas tomadas de decisões, e consequentemente, na implantação de inovações.
O modelo mental pode ser entendido como:
(…) o processo de pensamento de uma pessoa sobre como algo funciona (ou seja, o entendimento da pessoa sobre o mundo ao seu redor). Modelos mentais estão baseados em fatos
incompletos, experiências passadas e até mesmo em percepções intuitivas. Eles ajudam a
moldar ações e comportamentos, influenciam no que as pessoas costumam prestar atenção
em situações complexas, e definem como as pessoas resolvem problemas (Carey, 1986 apud
Weinschenk, 2010).2
Como pode ser observado, enquanto o responsável por uma micro ou pequena
empresa enxergar o mundo de uma forma conservadora e se mostrar contrário às
mudanças, ele não estará barrando a inovação. Por isso, a “inovação não pode ser um
processo que acontece por sorte, mas sim o resultado de uma escolha” (DOMENEGUETTI;
MEYER, 2009, p. 191). Como vimos, essa escolha não é uma tarefa fácil, pois envolve
abandonar velhas ideias para dar espaço a novas rotinas, produtos e serviços, em nome
de um propósito maior (FIALHO et al, 2006, p. 6). Em outras palavras, “inovação tem a
ver, essencialmente, com aprendizagem e mudança” (TIDD et al, 2008, p. 486).
2. Conteúdo originalmente escrito em inglês, conforme consta a seguir: “A mental model represents a
person’s thought process for how something works (i.e., a person’s understanding of the surrounding
world). Mental models are based on incomplete facts, past experiences, and even intuitive perceptions.
They help shape actions and behavior, influence what people pay attention to in complicated situations,
and define how people approach and solve problems”.
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O desenvolvimento da inovação nas micro e pequenas empresas a partir da gestão do conhecimento e da comunicação digital
Tainah Veras
A RELAÇÃO ENTRE INOVAÇÃO, GESTÃO DO CONHECIMENTO
E COMUNICAÇÃO DIGITAL
A absorção de novos conhecimentos e os processos de mudança fazem parte do
dia a dia de todos os indivíduos; no entanto, as experiências individuais com esses
conceitos não garantem que eles estejam presentes de forma sistêmica em uma empresa,
estimulando a inovação.
Os mecanismos de transferência do aprendizado individual para organizacional dão-se por
meio do intercâmbio entre os modelos mentais dos indivíduos. Esses modelos representam
um processo de mudança de crenças (...) Tais mecanismos dependem da capacidade dos
indivíduos de desenvolver seus modelos mentais e de torná-los explícitos e transferíveis,
deixando também explícitas as percepções da realidade em que atuam. (...) não há aprendizagem organizacional sem aprendizagem individual. A aprendizagem individual é necessária,
mas insuficiente para a aprendizagem organizacional (FIALHO et al, 2006, p. 98).
Para que o intercâmbio entre os modelos mentais dos indivíduos aconteça não
existe uma receita universal, pois cada empresa é formada por pessoas diferentes com
ideias, experiências e crenças distintas. De qualquer forma, para que a aprendizagem
se reflita em inovação, é preciso que as organizações busquem esse processo de forma
contínua, analisando cenários, adaptando estruturas, modificando comportamentos
para adquirir novos conhecimentos, criando um clima para encorajar a busca pelo
aprendizado e, em suma, desenvolvendo um ‘aprender a fazer’ que se traduza na prática
(FIALHO et al, 2006). No entanto, apesar de não existir uma fórmula única para todas
as empresas, as ideias defendidas Nonaka e Takeuchi (2008) podem ajudar a orientar o
processo de aprendizagem, e consequentemente, a aquisição, aplicação e disseminação
de novos conhecimentos.
O primeiro ponto importante ressaltado por esses autores é que “em uma economia
onde a única certeza é a incerteza [como citado anteriormente], a fonte certa de vantagem
competitiva duradoura é o conhecimento” (NONAKA; TAKEUCHI, 2008, p. 39). Esse
conhecimento não deve ser buscado de forma isolada, com o simples processamento
objetivo de informações, mas por meio de uma “compreensão compartilhada do que
a empresa defende, para onde está indo, em que tipo de mundo deseja viver e, o mais
importante, como fazer desse mundo uma realidade”. (NONAKA; TAKEUCHI, 2008,
p. 41). A partir do momento em que a empresa compreende essa ideia, ela passa a
entender que a busca por novos conhecimentos, e consequentemente pela inovação,
“é uma forma de comportamento, na verdade, uma forma de ser, na qual todos são
trabalhadores do conhecimento – isto é, empreendedores” (NONAKA; TAKEUCHI,
208, p. 41). Esses trabalhadores do conhecimento compartilham insights, que adquirem
significados diferentes de acordo com o contexto, à medida em que são difundidos;
podemos dizer que esse processo é caótico pois não ocorre por etapas, já que as ações de
compartilhamento e interpretação acontecem ao mesmo tempo, em ambientes distintos.
Nesse cenário, o papel dos gestores é essencial.
A principal tarefa dos administradores, na empresa criadora do conhecimento, é orientar
esse caos em direção à criação proposital de conhecimento. Os administradores fazem
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5047
O desenvolvimento da inovação nas micro e pequenas empresas a partir da gestão do conhecimento e da comunicação digital
Tainah Veras
isso fornecendo aos empregados uma estrutura que lhes permita dar sentido à sua própria
experiência. (Nonaka; Takeuchi, 2008, p. 50).
Para darem sentido às suas experiências, os trabalhadores do conhecimento precisam
se relacionar consigo mesmo e com os demais; quando falamos em relações, estamos
falando em comunicação.
As organizações são e se realizam por/em comunicação. [Além disso], organizações são
relações e, neste caso, relações são comunicação. A noção de organização pressupõe o estabelecimento de vínculos entre diferentes sujeitos, e esses vínculos são acionados, estabelecidos
e fortalecidos – ou mesmo rompidos – mediante comunicação. Essas relações vinculativas
compreendem processos comunicacionais em que os diversos sujeitos (...) transacionam
significação e, com isso, (re)tecem permanentemente a própria organização (Baldissera,
2014. p. 113).
Sendo assim, enquanto responsável pela transação de significações e pelas relações,
a comunicação constroi e transforma o conhecimento na empresa. Ela “está presente em
todos os setores, em todas as relações, em todos os fluxos de informação (…) [e] uma
boa compreensão e um bom uso da comunicação são capazes de qualificar práticas
gerenciais (…) e promover mudanças” (DUARTE; MONTEIRO, 2009, p. 334). Portanto, se a
comunicação está diretamente ligada ao processo de aprendizagem e ao impulsionamento
de mudanças, ela pode ser vista como motor para a inovação. Para que esse motor seja
acionado, as organizações precisam de pessoas com algumas características em comum:
(…) [que] enxergam as coisas de maneira diferente (…) pensam de forma divergente. (…).
Pessoas antenadas, que prestam atenção, que são curiosas, que estudam as informações
cuidadosa e sistematicamente de várias perspectivas, que procuram fazer conexões entre
elas e entre conhecimentos novos e os já existentes. São pródigos em descobrir tendências,
têm senso de oportunidade, são pesquisadores (…). Criam oportunidades inovadoras a partir
de seus arquivos (…), são as pessoas responsáveis pela observação e percepção de mudanças
contextuais, pela interpretação e promoção de movimentos que se façam necessários. (Hill,
2003, apud Alvarenga, 2010, p. 269-270).
Essas pessoas capazes de pesquisar, realizar conexões, descobrir tendências, entre
outras possibilidades citadas anteriormente, são especialmente beneficiadas por uma
área da comunicação em pleno desenvolvimento: a comunicação digital. Ela pode ser
definida como “o uso das tecnologias digitais de informação e comunicação, bem como
de todas as ferramentas delas decorrentes, para facilitar e dinamizar a construção de
qualquer processo de comunicação integrada nas organizações” (CORRÊA, 2008, p. 173).
Por isso, além de auxiliar na busca e no acesso de informações, na disseminação
de mensagens e no registro de dados e acontecimentos no ambiente organizacional, a
comunicação digital amplia relacionamentos com os diferentes públicos da empresa e
propõe “uma equalização entre emissores e receptores” (CORRÊA, 2009, p. 163).
Essa equalização faz com que, cada vez mais, os profissionais entendam que “ninguém sabe tudo, todos sabem alguma coisa, todo o saber está na humanidade. O saber
não é nada além do que as pessoas sabem” (LÉVY, 2007, p. 29). A partir da digitalização,
é possível reunir saberes diferentes para construir uma inteligência coletiva, ou seja,
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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O desenvolvimento da inovação nas micro e pequenas empresas a partir da gestão do conhecimento e da comunicação digital
Tainah Veras
“uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada
em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências” (LEVY,
2007, p. 28).
Especialmente no universo das micro e pequenas empresas, que não dispõem de
grandes recursos para investir em Institutos de pesquisa e contratar profissionais altamente qualificados que acelerem o processo de inovação, a possibilidade de mobilizar
diferentes competências por meio da comunicação digital pode ser um grande fator de
diferenciação.
O CASE DA EMPRESA MAMUTE MÍDIA
No ano de 2009, o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas)
lançou uma publicação online chamada “99 soluções inovadoras para pequenos negócios”.
Ela foi criada com o objetivo de desmistificar o conceito de inovação como algo custoso
e restrito às grandes empresas, apresentando para isso 99 cases de micro e pequenas
empresas de diferentes segmentos que adotaram posturas diferentes e conseguiram
expandir os negócios.
Uma dessas empresas apresentadas na referida publicação é a Mamute Mídia. A
empresa da área de Tecnologia da Informação foi criada em 1996, “em plena efervescência
dos negócios ‘pontocom’, quando a internet brasileira despontava e o mundo anunciava
a força da era digital” (SEBRAE, 2009, p. 108). Nesse cenário, a Mamute Mídia viu a
oportunidade de oferecer “soluções de comunicação interativa com recursos multimídia”
(SEBRAE, 2009, p. 108), atuando mais especificamente na produção de soluções de
e-learning, expressão comumente traduzida como ensino a distância, e que pode ser
entendida como:
Um processo de ensino e formação, que permite criar um ambiente de aprendizagem suportado pelas tecnologias da Web, permitindo a transformação da informação em conhecimento.
É uma forma de ensino e formação, em que o e-aluno adquire conhecimento do e-tutor,
através da utilização de uma série organizada de conteúdos, ações (síncronas e assíncronas),
atividades e exercícios. (Barbosa, 2007, p. 3)
Como é possível observar, a partir das soluções que decidiu oferecer, a Mamute
Mídia já se inseriu no universo do conhecimento e da aprendizagem, o que reforçou no
gestor da organização a consciência de que, para obter bons resultados, seria importante
reunir diferentes saberes, buscar a aprendizagem de forma continua e estar atento às
mudanças.
Essa consciência também fez com que o gestor responsável pela empresa percebesse
que a inovação era uma condição essencial para sobreviver em um mercado com ofertas
crescentes de produtos e serviços, e que “era preciso se amparar em bases (…) além da
criatividade” (Sebrae, 2009, p. 108). A partir dessa percepção, o empresário percebeu
que precisava obter conhecimentos de administração e de gestão, e em 2002 buscou uma
incubadora de empresas para auxiliá-lo, o Centro Incubador de Empresas Tecnológicas
(Cietec), na Universidade de São Paulo (USP). Essa incubadora funcionou como local
de convivência com especialistas e com outras empresas, e também como espaço de
colaboração, sendo que:
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5049
O desenvolvimento da inovação nas micro e pequenas empresas a partir da gestão do conhecimento e da comunicação digital
Tainah Veras
A colaboração compartilha as expectativas de reciprocidade com o diálogo, mas tem como
finalidade decisões criativas mútuas, e não o entendimento. O foco está em produzir intencionalmente possibilidades criativas através da transformação de expressões de desejo e
posições em comprometimentos com realizações de interesse mútuo (Deetz, 2010, p. 96-97).
A partir desse ambiente de colaboração e de aprendizado, o empresário Gian Zelada, responsável pela Mamute Mídia comenta na publicação do Sebrae que encontrou o
“equilíbrio entre criatividade e capacidade de gestão” (ZELADA, 2009, apud SEBRAE,
2009, p. 108) e que adquiriu o hábito de “estar sempre alerta, porque a tecnologia muda
a cada segundo” (ZELADA, 2009, apud SEBRAE, 2009, p.109). Imbuído dessas competências, o empresário conseguiu desenvolver novas soluções, e ampliar o negócio. No
case, ele ainda ressalta “Todo mundo fala em prover tecnologia, mas entendemos que
ela é apenas um suporte. O desafio é tornar essa tecnologia um meio de divulgar o
conhecimento” (ZELADA, 2009, apud SEBRAE, 2009, p. 109).
De 2009 até os dias atuais, o mercado passou por inúmeras transformações; da
mesma forma, a empresa Mamute Mídia e o empresário Gian Zelada também se modificaram. Em entrevista concedida via comunicação pessoal para a realizadora do presente
artigo, Zelada mostrou que continua enxergando as tecnologias e a web como formas
de divulgar o conhecimento, e mais do que isso, como forma de alcançá-lo. Além disso,
a busca pela inovação se manteve constante, mas como gestor de uma microempresa,
ele sempre se deparou com diversos “obstáculos provenientes da quantidade e da
maneira de alocar recursos [nesse] processo de inovação” (G. Zelada, comunicação
pessoal, 05 de março, 2015). Por isso, ele soube analisar o mercado, e entendeu que, ao
invés de manter um alto investimento para contratar, reter e investir na capacitação de
profissionais, ele poderia enxugar a estrutura, focar em nichos específicos e modificar
estratégias utilizando todas as potencialidades da comunicação digital. Então, ele adotou
uma forma diferente de trabalhar em equipe, viabilizando as soluções de seu negócio
graças à atuação de fornecedores de todo o mundo que trabalham por projeto, ao invés
de receberem uma remuneração fixa independente da demanda. Zelada explica:
Atualmente existe uma infinidade de fornecedores especializados espalhados pelo Brasil
e o resto do mundo que podem ser contratados facilmente através de sites especializados.
Atuo como gestor do projeto e em alguns casos como realizador. Utilizo boas práticas
de gerenciamento de projetos e desenvolvimento ágil. Tudo simples e rápido (G. Zelada,
comunicação pessoal, 05 de março, 2015).
A partir desse relato, é possível constatar que a Mamute Mídia entende a importância de construir a inteligência coletiva, sabendo que “quanto melhor os grupos humanos
conseguirem se constituir em coletivos inteligentes, em sujeitos cognitivos, abertos (…),
melhor asseguram seu sucesso no ambiente altamente competitivo da sociedade atual”
(LÉVY, 2007, p. 19). Além de contribuir com a criação desses coletivos inteligentes, Zelada entende que a comunicação digital facilita o processo de aprendizagem individual,
disponibilizando diferentes meios para isso. Ele comenta: “dedico um tempo da semana
para atualização profissional através de cursos online, leituras, participação de eventos e
congressos” (G. Zelada, comunicação pessoal, 05 de março, 2015). Essa atualização contínua
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5050
O desenvolvimento da inovação nas micro e pequenas empresas a partir da gestão do conhecimento e da comunicação digital
Tainah Veras
e as experiências adquiridas com os projetos realizados fazem com que a Mamute Mídia
amadureça os processos de inovação e de comunicação a cada dia. O gestor da empresa
entende que a organização “é uma entidade dentro de um ecossistema complexo, que depende da comunicação” e ressalta que esse processo de amadurecimento “é o único caminho
para (…) sobreviver com lucratividade” (G. Zelada, comunicação pessoal, 05 de março, 2015).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de ser cada vez mais vista como um elemento essencial para a diferenciação
e para a sobrevivência de uma empresa no mercado, a inovação ainda representa um
grande desafio, especialmente para as micro e pequenas empresas. Atualmente, “são
raros os exemplos de empresas com programas estruturados e práticas maduras de
geração de inovação sistêmica e tratamento econômico do tema” (DOMENEGHETTI;
MEIR, 2009, p. 210).
Por essa razão, o presente estudo defendeu que uma das formas de construir
processos de inovação nesse cenário está na união entre o conhecimento e a comunicação.
Com relação ao conhecimento, é importante deixar claro que:
Não basta integrar o conhecimento, é preciso estabelecer uma postura de ‘aprender a aprender’, para que a organização possa inovar e se desenvolver continuamente. Por isso, o treinamento e o desenvolvimento de indivíduos em novas habilidades e bases de conhecimento
não constituem o aprendizado organizacional, a menos que o aprendizado desses indivíduos
seja traduzido em práticas organizacionais. (FIALHO et al, 2006, p. 103).
Para promover essas práticas organizacionais e incentivar a construção de vínculos,
elementos tão importantes para a troca de informações, as micro e pequenas empresas
podem utilizar a comunicação digital, que além de possibilitar o acesso à conteúdos e
mensagens por meio de várias ferramentas, traz à tona uma discussão sobre a “imposição
de mudanças culturais que a digitalização em rede traz para a rotina comunicacional
das empresas” (CORRÊA, 2009, p. 163).
Diante desse cenário, os gestores das organizações podem resistir em adequar os
negócios a essas mudanças culturais, ou podem utilizar todo o potencial da digitalização
em rede para fortalecer suas empresas. O empresário Gian Zelada, da Mamute Mídia,
escolheu a segunda opção, e, entendendo que poderia construir soluções de forma
coletiva com fornecedores do mundo todo por meio da comunicação digital, modificou
sua estratégia e, dessa forma, inovou em relação às outras empresas. Da mesma forma,
outros administradores de micro e pequenas empresas podem trilhar caminhos parecidos, em nome da sustentabilidade do negócio.
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5053
Cultura organizacional e práticas informais de resistência
dos empregados na perspectiva da sociedade pós-industrial
Organizational culture and informal practices of resistance
of employees in perspectiva of post-industrial society
Cássia A. Lopes
da
S i lva 1
Resumo: Contextualizamos possíveis causas de sofrimento no trabalho
(CHANLAT, 1996; DEJOURS, 1996), a partir da perspectiva da sociedade pósindustrial (CORSANI, 2003; LAZZARATO, 2005), e sua influência sobre a
cultura organizacional. Ancorados em estudos antropológicos de Turner (1974)
e Rivière (1996), consideramos algumas práticas de comunicação informal que
são realizadas por trabalhadores como forma de resistência a esse sofrimento.
Com base na concepção de cultura proposta por Geertz (1989), como teia de
significados tecida pelo próprio homem, fundamentamos que estas práticas
informais estabelecidas nas relações entre os empregados e entre eles e a
organização tensionam a cultura organizacional. Para tanto, descrevemos um
ritual realizado por empregados de uma organização como tentativa de adaptar o
fluxo de comunicação entre eles e seus dirigentes. Percebemos que na alternativa
encontrada, os empregados se reconfiguram como indivíduos ativos formadores
da comunicação organizacional e da cultura organizacional.
Palavras-Chave: Cultura Organizacional. Sofrimento no Trabalho. Ritualidade.
Comunicação organizacional.
Abstract: We contextualize possible causes of suffering at work (CHANLAT,
1996; DEJOURS, 1996), from the perspective of post-industrial society (CORSANI,
2003; LAZZARATO, 2005), and its influence on organizational culture. Anchored
in anthropological studies of Turner (1974) and Rivière (1996), we consider
some informal communication practices that are carried out by workers as a
form of resistance to this suffering. Based on the concept of culture proposed
by Geertz (1989) as a web of meanings cried by man, we base these informal
practices established in relations between employees, them and the organization
tension the organizational culture. Therefore, we describe a ritual performed by
employees of an organization in an attempt to adapt the flow of communication
between them and their leaders. We understand by the found alternative, that
the employees have reconfigured themselves as builders active individuals of
organizational communication and organizational culture.
Keywords: Organizational Culture. Suffering at Work. Rituality. Organizational
communication.
1. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e, na Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. Integrante do Grupo de Pesquisa em Comunicação Organizacional, Cultura e Relações de Poder.
Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. E-mail: [email protected]
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Cultura organizacional e práticas informais de resistência dos empregados na perspectiva da sociedade pós-industrial
Cássia A. Lopes da Silva
SOFRIMENTO E RESISTÊNCIA NO TRABALHO DA SOCIEDADE
PÓS-INDUSTRIAL
PALAVRA TRABALHO pode levar à ideia de escravidão, devido à origem do
A
termo residir no vocábulo tripalium (que denomina um instrumento de tortura
de escravos), e também em função do crescimento de grandes sociedades na
Antiguidade sustentado por este tipo de força de trabalho. Ainda sob o ponto de vista
religioso, segundo Cortella (2010), pode significar purificação para o protestantismo (continuação da obra divina) ou castigo para o judaísmo (pois teria sido a punição de Deus
para Adão). Já nas sociedades capitalistas, o trabalho desponta na dimensão material,
como fonte para o sustento das necessidades individuais e da família, mas também como
espaço de dor: “[…] a organização aparece frequentemente como um lugar propício ao
sofrimento, à violência física e psicológica, ao tédio e mesmo ao desespero, não apenas
nos níveis inferiores, mas também nos níveis intermediário e superior” (CHANLAT,
1996, p. 25). Extrapolando o material para a dimensão do simbólico, o trabalho pode
ser contemplado através de duas principais visões: a primeira como meio de inserção
na sociedade, fonte de satisfação, de prazer e de realização pessoal; e a segunda como
causa de frustações, doenças e neuroses, sendo que em ambas perspectivas o trabalho
é fonte de sofrimento:
Cada vez que, na sua atividade de trabalho, o trabalhador leva a cabo a resolução de problemas que lhe são colocados (atividade de concepção) e que obtém em troca um reconhecimento
social de seu trabalho, é também o sujeito sofredor, mobilizador de seu pensamento, que
recebe um reconhecimento subjetivo de sua capacidade para conjurar a angústa e dominar
seu sofrimento (DEJOURS, 1996, p. 159).
O sofrimento no trabalho tende a ser originado por dois tipos de causas principais:
a primeira está nas condições de trabalho que podem gerar doenças somáticas, e a segunda
é alavancada é pela divisão de tarefas e pela hierarquia própria da organização do trabalho
(ibidem). Entendemos que o sofrimento originado na organização do trabalho é atualizado
no contexto da sociedade pós-industrial2, essa marcada pelas múltiplas possibilidades
ofertadas pelas NTIC (Novas Tecnologias de Informação e Comunicação) e pelas constantes transformações. Nessa nova lógica produtiva, a mercadoria passa a ser menos
o produto em si (físico) e mais o conhecimento embutido neste produto (CORSANI,
2003). Como consequência, essa lógica também transfere a atividade laboral de seu
espaço junto à força física do trabalhador para o lugar do intelecto, fundamentando o
que Hardt e Negri (2005) definem como trabalho imaterial, ou seja, uma perspectiva
em que a atividade produtiva se dá cada vez mais a partir das intersubjetividades
do sujeito trabalhador e cada vez menos dependentes do empregador3. Este conceito
2. Também denominada época do capitalismo cognitivo ou sociedade do conhecimento (CORSANI, 2003).
3. Para Lazzarato e Negri (2001) apesar de o trabalho imaterial concretizar-se especialmente em atividades
como as da publicidade, da moda e da tecnologia da informação, a definição do trabalho operário como
uma atividade ligada à subjetividade permeia toda a sociedade. “Esta forma de atividade produtiva não
pertence somente aos operários mais qualificados: trata-se também do valor de uso da força de trabalho e
mais genericamente da forma de atividade de cada sujeito produtivo na sociedade pós-industrial” (2001,
p. 26). Hardt e Negri fundamentam que o trabalho imaterial concentra-se em algumas regiões do planeta
e ainda é minoria do trabalho no mundo atual, mas assim como já foi o trabalho industrial outrora, “o
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5055
Cultura organizacional e práticas informais de resistência dos empregados na perspectiva da sociedade pós-industrial
Cássia A. Lopes da Silva
(trabalho imaterial) relaciona-se também à crescente necessidade de re-ajustamentos e
improvisações no âmbito das organizações: “se é preciso atingir um objetivo, o caminho
a percorrer obriga às vezes os trabalhadores a violentarem as regras” (DEJOURS, 1996,
p. 168). Pois, se antes as rotinas de trabalho eram facilmente descritas: bastava apertar
firme um parafuso, retirar todo o pó de uma peça que passava pela esteira na linha montagem, por exemplo, agora, a alta velocidade do mundo atual, as mudanças constantes,
a emergência do software em relação ao hardware, a profusão de culturas, as fusões e
aquisições, as organizações transnacionais, e a multiplicidade de variáveis que envolvem
os processos de trabalho tornam a atividade do sujeito trabalhador interdependente e,
como aponta Dantas, dependente de informação social: “cada indivíduo inserido na
produção capitalista não passa de um elo informacional que recebe, processa e transmite
algum subconjunto de informações necessário às atividades de outros indivíduos, ou
do conjunto do subsistema social no qual interage” (DANTAS, 1996, p.59).
Tornando-se intrínseca a todo o processo produtivo nas organizações4, a comunicação, nesta nova lógica, não é mais tão simples quanto aquela que se propõe a ensinar
o empregado a ligar uma máquina, ou a preencher um questionário ou planilha, por
exemplo. E ainda que a organização se ocupe com a transmissão de informações que
esclareçam as etapas e os fluxos de uma tarefa em questão, ou o passo a passo de uma
atividade, quer parecer que dificilmente conseguirá registrar de maneira completa o
detalhamento das tarefas em seus meios formais de comunicação administrativa5 ou
mesmo de comunicação organizacional (como jornal, newsletter, mural, etc). Pois os
produtos, os serviços, as demandas, as estratégias, as rotinas de produção em permanente mudança, que transformam também as atividades de trabalho e os fluxos de
informação, evidenciam que as descrições destas atividades e fluxos estejam em constante atualização e, por isso mesmo, permanentemente desatualizadas. Além disso, o
próprio resultado esperado pelo empregador se torna pouco tangível. Neste sentido,
quando as necessidades informacionais que alimentam o processo produtivo não são
supridas, a insegurança, a ansiedade e a impotência provocam sofrimento no trabalhador. Diante desta realidade, o empregado poderá reagir de diversas maneiras visando
amenizar sua angústia e frustração, algumas vezes promovendo práticas de resistência
que podem ser formais, como paralisações, greves, manifestações, ou informais, como a
sabotagem, a rádio corredor6 e outras práticas ritualizadas, como veremos no fenômeno
observado. Assim, damos sequência ao nosso raciocínio pelo caminho do entendimento
sobre rituais.
trabalho imaterial tornou-se hegemônico em termos qualitativos, tendo imposto uma tendência a outras
formas de trabalho e à própria sociedade” (2005, p.151).
4. Lugar do trabalho nas sociedades capitalistas, a ideia de organização compreende tanto a entidade
organizacional, suas instalações e recursos físicos, como também “fundamentalmente sujeitos em relação
[...]” (BALDISSERA, 2010a, p 62).
5. Denominação que acolhe o ferramental de comunicação necessário para que as tarefas sejam executadas,
“permite viabilizar todo o sistema organizacional, por meio de uma confluência de fluxos e redes” (KUNSCH,
2003, p.152). São exemplos: os manuais de equipamentos ou de processos de trabalho, o manual do novo
funcionário.
6. Também conhecida como “radio-peão”, é o fenômeno de reprodução e espalhamento de notícias (e
boatos) entre os empregados, sem a interferência de instrumentos formais de comunicação organizazional.
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Cultura organizacional e práticas informais de resistência dos empregados na perspectiva da sociedade pós-industrial
Cássia A. Lopes da Silva
MANIFESTAÇÃO DOS VALORES POR MEIO DE RITOS
Os rituais permeiam a vida em sociedade, que é tecida por meio de regras, costumes
e hábitos presentes em situações como alimentação, encontros, reuniões, festividades,
condecorações e o trabalho. Essas normas e costumes (bem como suas trangressões)
indicam às pessoas - muitas vezes de maneira tácita - o que é aceito e o que não é, como
as coisas devem ser feitas, o que é proibido e o que é permitido, e para quem é proibido
ou permitido. Os ritos, portanto marcam o que é importante para o grupo, pois “revelam
os valores no seu nível mais profundo... os homens expressam no ritual aquilo que os
toca mais intensamente e, sendo a forma de expressão convencional e obrigatória, os
valores do grupo é que são revelados” (WILSON, apud TURNER, 1974, p.19).
Muito comumente encontrados tanto em sociedades primitivas como na atualidade,
os ritos de passagem promovem a transição do mundo profano para o sagrado, abarcando
“toda a mudança de lugar, estado, posição social, de idade” (GENNEP, 1977, p. 116), ou
seja qualquer condição estável ou recorrente culturalmente reconhecida (TURNER,
1974). Os ritos de passagem podem ser classificados em diferentes formas como os de
integração, os de elevação ou inversão de status, de crise de vida, de investidura, os
de purificação, de rebelião etc. Segundo Gennep, os ritos de passagem se dividem em
três categorias secundárias (ibidem), sendo elas: separação, que simboliza o afastamento
do indivíduo ou grupo de um estágio fixo de vida social; a margem em que o sujeito
ou grupo adquire características ambíguas, ou seja, não tem mais as características do
estágio anterior, mas também ainda não adquiriu os atributos do estágio seguinte (para
o qual deseja ou deve passer); e a agregação, na qual se dá a passagem e o sujeito assume
uma situação estável mais uma vez7.
Focado especificamente nos ritos de margem, Turner (1974) os denomina como
liminaridade, uma fase em que o indivíduo e o grupo ritual não estão em lugar algum.
Na liminaridade os indivíduos se interrelacionam com ausência de hierarquia, em
camaradagem, numa mistura de submissão (às normas da ritualidade) e santidade
(posto que a fase constitui um momento acima do bem e do mal, uma vez que as
possíveis provações submetidas ao indivíduo servem para purificá-lo). A liminaridade
comporta, segundo o autor, a expressão máxima de toda “gama completa dos valores,
da cultura, normas, atitudes, sentimentos e relações” (TURNER, 1974, p. 127) de um
grupo. Podemos encontrá-la em diversos ritos estabelecidos na sociedade atual, como o
trote aos calouros8, as cerimônias de formatura, a seleção de um candidato a emprego,
entre outros. Esses ritos exprimem valores considerados importantes para os grupos
que os realizam, como hierarquia, humildade, conquista pessoal, crescimento, status,
entre outros. E pela propensão em desvelar, por meio dos valores, a consistência que
7. Um retrato destas categorias está no ritual de investidura do povo ndembo, da Zâmbia que marca
a passagem de um indivíduo comum daquele povo ao status de chefe da tribo. Os ritos de passagem
compreendem primeiro a separação, quando o futuro chefe é retirado do convívio com a tribo e levado a
uma moradia afastada, em que não terá contato com ninguém. Antes da cerimônia de entronamento, que
sela a reagregação do indivíduo àquela sociedade para a qual já retorna com (novo) status, o futuro chefe
é rebaixado à condição de marginalidade. Nesta fase, ele não é considerado um integrante daquele povo
e passa a ser submetido a uma série de provações e humilhações por membros do grupo que, naquele
momento, constituem-se como comunidade socialmente desestruturada, sem diferenciação hierárquica
(Turner, 1974).
8. Analisado em profundidade por Claude Rivière em Os ritos profanos.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5057
Cultura organizacional e práticas informais de resistência dos empregados na perspectiva da sociedade pós-industrial
Cássia A. Lopes da Silva
molda os grupos em relação, estudamos os ritos no contexto da cultura organizacional
praticados como forma de adaptação e/ou de resistência às normas estabelecidas.
A TRIANGULAÇÃO: RITUAIS, CULTURA ORGANIZACIONAL
E COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL
Um modo de manifestação dos valores de um grupo, o rito está intimamente
ligado à cultura organizacional. No entanto, ligado a uma concepçao de cultura
organizacional além da visão funcionalista que a compreende como o conjunto de
verdades, valores e crenças que a alta administração da organização institui como regras
apropriadas de conduta e tenta impor junto a suas equipes (CARRIERI; SILVA, 2014).
Considerando a definição de cultura proposta por Geertz (1989), como teia de significados
tecida pelo próprio homem, compreendemos que a cultura organizacional não apenas
constroi os sujeitos, mas também é tecida por eles em suas relações, (BALDISSERA,
2010a), a partir dos significados atribuídos pelos membros de uma organização às práticas
sociais (como os ritos, as crenças, os valores) no âmbito da organização.
Essas práticas são concretizadas por meio da comunicação, uma vez que “pela
comunicação os significados que constituem a cultura organizacional são postos em
circulação, disputados, construídos e transformados para, novamente, experimentarem
certa estabilidade como significados organizados/ organizadores” (BALDISSERA, 2010a,
p. 61). Assim, neste contexto de cultura organizacional, compreende-se por comunicação
organizacional todas as práticas comunicacionais que abarcam a organização, independentemente dos esforços de sua alta gestão, já que “toda vez que alguém/algo/alguma
coisa tornar a organização presente em uma relação haverá produção e disputa de sentidos, e isso não se restringe aos processos autorizados” (BALDISSERA, 2010b, p. 208).
Nesta linha, Baldissera (2009) propõe três dimensões da comunicação organizacional,
sendo elas: a organização comunicada (ou seja, a fala autorizada, oficial, da organização),
a organização comunicante (presente nos fluxos da comunicação e na atribuição de sentido a partir de falas e demais interações não formais), e a organização falada (o que se
fala sobre a organização, à revelia de relação direta com ela). Desta forma, no âmbito
interno das organizações, a dimensão da organização comunicada tende a repercutir os
valores e as informações que são definidos pela alta gestão da organização, por sua vez,
a organização comunicante e a organização falada são depositárias dos valores aceitos pelos
empregados e das informações que eles consideram importantes. Transita, portanto, no
âmbito da organização comunicante nossa reflexão sobre as práticas informais ritualizadas
nas organizações. Antes, pontuaremos algumas práticas que se estabelecem por meio
da organização comunicada.
Em muitas situações, a alta administração das organizações se empenha em instituir
diferentes rituais que, acredita, influenciarão na formação da cultura organizacional,
e resultarão no cumprimento dos objetivos organizacionais. Assim promovem ritos de
agregação: como a recepção ao empregado fabril com café da manhã diariamente, as
comemorações de datas como o dia do trabalho, o aniversário da empresa, os aniversariantes do mês, a realização do DDS9, a divulgação do funcionário (padrão) do mês,
9. Prática comum em indústrias ou organizações que realizam serviços cuja segurança do empregado,
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discursos do presidente na festa de final de ano ou esporadicamente para informar uma
novidade ou notícia muito importante. Também são encontrados ritos de inversão de
status, como a realização anual de um dia de job rotation10; os ritos coercitivos, como o
desconto salarial, ou o fornecimento de uma cesta básica de alimentos ao final do mês
somente para o funcionário que não faltou nem atrasou. No entanto, mesmo quando
executados pelos empregados, esses rituais estabelecidos pelas organizações muitas
vezes não representam os valores que eles consideram importantes. Os empregados os
executam por obrigação, para não perder o emprego, ou para evitar que sejam preteridos
quando houver possibilidade de alguma promoção. Diante de uma realidade em que as
organizações mantêm o foco no cumprimento dos objetivos organizacionais (sem/ou
com pouco interesse nos objetivos dos empregados) e os empregados parecem ampliar
o nível de tolerância e submissão por temerem o fantasma da demissão, possivelmente,
como aponta Baldissera (2010a) falta espaço formal nas organizações para a manifestação
dos diferentes sujeitos e suas subjetividades. No entanto, “isso não significa que tais
subjetividades não encontrem espaços para se realizar” (Ibidem, 2010, p. 67). Esses espaços
podem ser efetivados por meio de ritos e práticas informais, como descreve Rivière: “ao
rito solene patrocinado pela diretoria da empresa, pode acontecer que, no escritório, correspondam contra-rituais realizados sob forma de brincadeira” (1996, p. 286). Segundo o
autor, o mundo do trabalho ritualizado sacraliza tanto os rituais estabelecidos (criados)
pela cúpula gerencial da empresa (os quais visam geralmente à integração dos grupos
de trabalhadores, à recompensa pela produtividade), quanto os rituais particulares de
grupos e subgrupos atuantes no interior da empresa (os trabalhadores), muitos destes
ritos com funções semelhantes: integração, reconhecimento (ibidem, 1996).
Quando os valores e as expressões importantes para os empregados são calados pela
comunicação formal da empresa, estes encontram lugar para os (re)significarem, por meio
de interações que acolhem as tensões de poder, as subjetividades e a bagagem cultural
que cada indivíduo traz para o grupo. Assim os sujeitos “percebem-se construindo e
disputando sentidos, realizando interpretações de modo a, sob formas e prismas diversos
e em variados níveis de tensão, nem sempre conscientes, interpelarem a cultura/cultura
organizacional e serem por ela interpelados” (BALDISSERA, 2010a, p. 69).
Portanto, entendendo que os empregados realizam ritos tanto por instituição da
alta gestão da empresa, quanto por vontade própria, e por meio destes ritos eles formam e são formados pela cultura organizacional, buscamos os significados dos ritos
no contexto do trabalho a partir da relação entre ritualidade e sofrimento, já que com os
ritos é possível fazer coisas como “curar, aliviar dores, estabelecer contatos, entabular
negociações, proceder lavagens de cérebro, etc.” (RIVIÈRE, 1996, p 95 - 96). Nossa atenção
se volta especificamente para os rituais que são praticados pelos trabalhadores e que
promovem liminaridade na vida organizacional, reproduzindo os valores e as relações
do cliente ou de algum terceiro corra riscos, os chamados diálogos diários de segurança (e suas variações
em nome e sigla) são reuniões de curta duração que devem abordar prevenção de acidentes de trabalho e
práticas favoráveis à segurança.
10. Evento em que os empregados, gestores e a alta direção da empresa são convidados a trocar de função
temporariamente e experimentar um dia de trabalho como gestor (para um empregado de baixa hierarquia)
ou um dia de trabalho como funcionário (para os gestores). Como a maioria dos ritos de inversão de status,
servem para reforçar a estrutura social existente.
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nas quais eles (os trabalhadores) acreditam. Aceitamos que é possível identificar rituais
de rebelião em diversas situações no âmbito das organizações: como o alívio de tensões
experimentado por empregados que ridicularizam jocosamente chefes autoritários em
suas conversas de rádio-corredor; assim como a extensa presença de troféus e medalhas
(muito comuns dentro de ambientes fabris) que podem simbolizar o reconhecimento
desejado (e não obtido) pelo empregado por parte da organização11; ou em casos extremos
como o massacre de gatos coordenado por operários de uma tipografia em Paris12, no
final dos anos 1730, como um ato de vingança ao patrão devido às péssimas condições
físicas de trabalho, aos insultos que recebiam constantemente, e a carga horária excessivamente pesada.
Situações como as relatadas – cada uma a seu modo e intensidade – sugerem13
um estágio transitório (simbólico) entre dois estados permanentes: um estado de
sofrimento e um estado de suposta cura que se dá por meio da resistência. Ainda que
de maneira concreta pouca coisa mude permanentemente na vida desses trabalhadores,
o sofrimento é infringido simbolicamente. Essas interações estabelecidas por meio de
práticas informais de comunicação podem assumir um funcionamento de escape à
realidade do trabalho, de libertação temporária dos anseios e angústias, configurando
um momento e um espaço sem estrutura organizacional, uma espécie de marginalidade
temporária em relação à vida na organização, características que parecem ocorrer no
fenômeo observado.
LIMINARIDADE NUM RITUAL DE RESISTÊNCIA
Em meados dos anos 2.000 observamos14 uma situação de liminaridade numa organização prestadora de serviços, situada na região sul do Brasil. Na época, Alfa15 era uma
empresa de médio porte no que tangia aos recursos financeiros que geria e à fatia de
mercado que abrangia, e estava em forte ascensão. Contava com um quadro de cerca
de 300 funcionários diretos, profissionais bastante especializados e intelectualizados,
que atuavam somente em funções administrativas de diversas áreas: tecnologia da
informação, finanças, administração, comunicação, recursos humanos, atendimento
ao cliente, etc. Boa parte das atividades diárias dos empregados de Alfa, não era de
rotinas ou tarefas repetitivas, mas o desenvolvimento de projetos em diferentes áreas
11. Hábito que observamos em diferentes organizações, tendendo a significar que quando a organização
não gratifica/reconhece (ou o gratifica/reconhece pouco) os trabalhadores, então, eles mesmos se regozijam
com as vitórias obtidas em torneios esportivos (futebol, bocha, entre outos) os quais eles mesmos organizam
entre os colegas.
12. Dezenas de gatos teriam sido enforcados pelos tipógrafos, num ritual festivo de delírio, desordem e
risos histéricos, cujo objetivo principal era vitimar a gata que pertencia à esposa do patrão. Os empregados
pareciam acreditavar que o patrão e sua esposa tratavam melhor o animal de estimação do que eles, que
recebiam restos para comer e não conseguiam dormir em suas poucas horas de descanso, à noite, devido
ao barulho infernal dos uivos de gatos que se proliferavam pela Rua Saint Severin (DARNTON, 1984).
13. Citamos casos que conhecemos (por meio da literatura ou da observação) com a finalidade de exemplificar
características encontradas também no fenômeno que na sequência iremos relatar: como os ritos de
liminaridade, o ato de resistência, o sofrimento intrínseco. Entendemos que uma interpretação adequada
destes fatos só ocorrerá se precedida por análise aprofundada de cada evento e de seu respectivo contexto
cultural.
14. Análise realizada por meio de observação participante e entrevistas semi-estruturadas com membros
da organização pesquisada, como etapa de seu planejamento de comunicação.
15. A fim de não expormos a organização, a trataremos com o nome fictício de Alfa.
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Cultura organizacional e práticas informais de resistência dos empregados na perspectiva da sociedade pós-industrial
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de conhecimento profissional, que pudessem abarcar o planejamento estratégico da
organização e a favorabilidade do mercado para o crescimento que já ocorria. Portanto,
o produto do trabalho de muitos empregados de Alfa era a informação: estratégias
bem planejadas, que levassem em consideração os objetivos da organização, descritas
adequadamente em um documento de texto ou numa moderna apresentação de slides.
E os insumos que precisavam para produzir seu trabalho eram também informações
de mercado, ou que poderiam ser obtidas com outras pessoas da organização.
Alfa contava com um organograma16 bastante hierarquizado e que se estruturava
permeado por ampla negociação política, evidenciando diferentes interesses e visões
entre seus diretores e também entre os diretores de empresas parceiras (do mesmo grupo
empresarial), os quais também tomavam assento em comitês avaliadores dos projetos de
Alfa. A tensão entre os empregados daquela organização era bastante grande: escrever,
calcular, mapear um bom projeto não era algo que dependia apenas do conhecimento
técnico de sua função, de sua formação profissional. Era preciso conhecer os meandros políticos da organização, os caminhos informais e os fluxos de comunicação não
escritos, capazes de garantir que os interesses ou as peculiaridades importantes para
cada subgrupo diretivo constassem no projeto. Era preciso prever contra-argumentos
e possíveis percepções de fragilidade por alguns diretores, a fim de não voltar de uma
reunião de avaliação de projeto com a nova tarefa de recomeçá-lo do ponto zero mais
uma vez. Assim, para os empregados de Alfa, algumas vezes, a busca pelo prazer em
sentir-se realizado profissionalmente (colocando em prática seu projeto), conduzia ao
sofrimento pela grande dificuldade de realização desse prazer: a necessidade de diversas refações, não apenas no texto mas na concepção de um projeto. Havia tendência a
sensações de incapacidade e incompetência, já que era difícil conseguir aprovação e,
ao mesmo tempo, deparavam-se com a cobrança pelas metas e resultados e pelo prazo
para implantação dos projetos.
Com o tempo, esses fluxos e caminhos informais se tornavam conhecidos da maioria
dos empregados atentos às entrelinhas da cultura organizacional. No entanto, pedir
uma reunião para apresentar um projeto ao diretor de uma outra área sem passar pelo
seu gestor direto, não era viável. Então, como andar por estes caminhos? Em Alfa, a
solução era o fumódromo17, um andar intermediário entre a portaria do prédio e os
andares dos escritórios, com ausência de algumas paredes laterais, e acessável somente por pessoas que trabalhavam no prédio (não era um local público, os visitantes do
prédio não podiam acessá-lo). Como, na época, a maioria dos gestores de alto escalão
da empresa com poder decisório fumava, era possível encontrar vários deles por ali
algumas vezes ao dia. O espaço era um lugar informal, não apenas fisicamente (devido
à ausência de algumas paredes, que permitia o fumo), mas também por ser o acesso
de entrada e saída do prédio para estes diretores. E então, já era usado por estes gestores como um espaço neutro, um local para indagar a opinião de outro sobre algum
16. Desenho esquemático que retrata as áreas de uma organização, suas respectivas subdivisões e
subordinações.
17. Denominação atribuída popularmente aos ambientes limitados, dentro de empresas, restaurantes e outros
locais de circulação pública, nos quais é permitido o ato de fumar. A título de curiosidade, vale informar que
desde 2014, uma lei nacional proíbe este tipo de espaço em estabelecimentos públicos e privados do país.
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assunto, sondar uma ideia ou iniciar a aceitação de alguma questão que dias depois
seria discutida numa reunião de diretoria e, por ter sido confidenciada antes, poderia
ser mais facilmente aprovada.
Os empregados também começaram a usar o espaço com as mesmas finalidades,
inclusive os que não eram adeptos ao fumo. Levantar de sua estação de trabalho, avisando ao colega ao lado, com uma piscadela, que iria “ali fumar e já voltava”, era um
código entendido por todos, que significava: vou lá abordar um diretor. Ritual difundido de tal forma que não era difícil saber quando os diretores estavam no fumódromo,
pois uma secretária ou um colega do andar do diretor poderia avisar, discretamente, se
solicitado. E uma vez chegando no andar do fumódromo, bastava abordar sua questão
de maneira adequada: o ritual era reconhecido pelos diretores. Assim, podemos considerar que o fumódromo de Alfa era um local em que ocorria a liminaridade de um
rito de passagem: a saída de um estado em que o assunto em questão era desconhecido
(e provavelmente não seria aceito futuramente), para a chegada em um novo estado,
no qual o assunto já voltava problematizado, sabendo-se sobre a posição do diretor,
sobre a necessidade de fazer algum ajuste com antecedência, e confiando numa probabilidade maior de que o projeto seria aprovado quando submetido à avaliação formal.
Entre esses estados inicial e final, ocorria o estado de liminaridade, que era primeiro
física, uma vez que, não havendo mesas, nem escritórios, nem materiais de trabalho
(telefone, computador, planilhas), o andar do fumódromo não era – formalmente – a
empresa, mas também não era o externo, não era a rua. Além disso, a possibilidade
de acionar, questionar, sabatinar um superior com o qual não se tem relação formal
direta18 também representava uma ausência (ainda que parcial) de estrutura social,
constituindo-se numa liminaridade também simbólica. Dessa forma, o fluxo natural
da informação, assim como a hierarquia das decisões, aprovações e de submissão também eram transgredidas. Antes ainda, a proximidade com as autoridades máximas da
organização, marcada pela ausência de cerimônia entre os empregados e os dirigentes,
e pela própria mudança de status que praticavam os empregados no fumódromo, já
era em si uma situação de realização para estes trabalhadores, um prazer encontrado
nos significados implícitos do ato. O diretor continuava sendo a autoridade ali, a quem
se solicitava a opinião ou o apoio, mas as condições físicas e a linguagem mais direta
com que se relacionavam também eram adversas à estrutura hierárquica da empresa.
Assim, mais do que a informação concreta que buscavam, havia o simbólico do ato, já
que “o rito profano encontra sua lógica em sua efetuação e satisfaz-se com sua intensidade emocional” (RIVIÈRE, 1996, p. 70). Obviamente, os diretores também obtinham
satisfação com a realização daquele ritual: a maioria ainda recente em altas posições de
gestão, poderia sentir falta de acompanhar de perto a rotina do trabalho e, ao mesmo
tempo, alcançava mais segurança para suas decisões, já que assim podiam acompanhar os bastidores da labuta e o empenho daqueles a quem confiavam a execução dos
projetos da organização Dessa forma, empregados (fumantes e não fumantes) adeptos
18. Para a maioria dos funcionários que acessavam o local havia pelo menos um nível intermediário de
gestão entre eles e os diretores. Além disso, devido à multidisciplinaridade de abrangência de muitos
projetos, algumas vezes a opinião/validação que se necessitava poderia a ser a de um diretor de uma outra
área diferente daquela do empregado em questão.
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Cultura organizacional e práticas informais de resistência dos empregados na perspectiva da sociedade pós-industrial
Cássia A. Lopes da Silva
à transgressão às regras daquela organização, assim como as secretárias e os colegas
(dos andares dos diretores) e também os diretores (que se deixavam submeter ao ritual
do fumódromo) comungavam num estado marginal, sem estrutura social, ou, pelo
menos, com estrutura reconfigurada.
Neste rito de passagem, todos atuavam em prol do que acreditavam ser bom
para o futuro da organização, evidenciando que por meio do alcance dos objetivos
dos empregados, os objetivos organizacionais é que eram cumpridos. Portanto, essa
ritualidade pode indicar uma manifestação do que DEJOURS define como sofrimento
criativo: “às vezes, em sua luta contra o sofrimento, o sujeito chega a elaborar soluções
originadas que […] são em geral favoráveis simultaneamente à produção e à saúde”
(1996, p.150). Importa ainda que o ritual observado configura-se como resistência dos
empregados em relação às situações que podiam travar sua atuação profissional e em
relação à hierarquia. No entanto, apesar dos objetivos atingidos, por meio do ritual os
empregados não apenas sanavam o sofrimento relacionado ao trabalho, mas também
o renovavam19, uma vez que o reconhecimento (aqui retratado como a satisfação do
empregado em sentir-se competente e capaz) configura-se como uma face própria
do sofrimento, e que o prazer experimentado pelo empregado na conclusão de sua
atividade pode acionar o jogo da compulsão (DEJOURS, 1996): “Não esqueçamos que
o prazer obtido nessa gratificação é de curta duração e que o sofrimento ressurge
impelindo o sujeito para outras situações de trabalho, novas apostas organizacionais
e novos desafios simbólicos” (ibidem, p. 159).
Consequentemente, essas práticas influenciavam a cultura organizacional em Alfa,
tecida pela tensão entre a hierarquia formal da organização e as práticas informais
realizadas pelos empregados. Neste contexto, a comunicação formal planejada e realizada
pela empresa parecia depreciada, dando lugar à dimensão da organização comunicante
que configurava-se como aquela que – de fato – proporcionava o entendimento entre
os indivíduos.
CONSIDERAÇÕES
O contexto do trabalho na sociedade pós-industrial revela uma tendência de que os
danos físicos à saúde do empregado deixem de ser as principais causas de sofrimento
decorrentes do trabalho. Em virtude das transformações que regem a atividade produtiva
no contexto da sociedade pós-industrial, e que posicionam a infomação como valor
fundamental tanto na condição de matéria-prima quanto de produto, atualmente, o
sofrimento no trabalho tem origem mais comum na forma de organização do trabalho.
A luz desta constatação e mapeados num estudo interdisciplinar formado pelas
áreas da comunicação, da antropologia, da sociologia e da administração, observamos
que a nova lógica produtiva da sociedade pós-industrial expande a fragilidade dos fluxos
formais de comunicação que deveriam organizar as atividades no trabalho, assim como
fazem proliferar a necessidade de improvisões, causando angústia e incerteza, tolhindo
o empregado de obter realização/prazer por meio do trabalho.
19. Como não abrange nosso foco de análise, não abordamos (porém não desconsideramos) a possibilidade
de sofrimento físico dos empregados não fumantes que se submetiam à convivência naquele espaço inóspito.
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Cultura organizacional e práticas informais de resistência dos empregados na perspectiva da sociedade pós-industrial
Cássia A. Lopes da Silva
No entanto, como ser adaptável, capaz de transformar sua realidade, o trabalhador
resiste às dificuldades que encontra, reinventando sua atividade laboral e as relações
sociais no trabalho, buscando transpor limites e amenizar as experiências negativas.
Essa reinvenção se dá, inclusive, por meio de práticas informais ritualizadas, através
das quais os trabalhadores se comunicam, e que tensionam a cultura organizacional. A
comunicação organizacional, e por meio dela a cultura organizacional, se constituem,
portanto, de uma trama de significados que repercutem nas interações sociais no âmbito
das organizações, sob a influência da teia cultural que cada sujeito traz (de seu meio
social) para a vida organizacional. Assim, ainda que o sofrimento persista, por meio da
resistência os trabalhadores configuram-se como indivíduos ativos, não apenas formados,
mas também formadores da comunicação que efetivamente se dá na organização e, por
consequência, também constituidores da realidade em que vivem. Diante do exposto,
e com base em exemplos que citamos, vislumbramos o vasto campo para o estudo das
relações que ocorrem no âmbito das organizações e que dão consistência à cultura
organizacional.
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5064
Cultura organizacional e práticas informais de resistência dos empregados na perspectiva da sociedade pós-industrial
Cássia A. Lopes da Silva
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5065
O impacto da cultura do país de origem no processo de
internacionalização de multinacionais brasileiras:
a experiência da Votorantim Cimentos
The country of origin influence in the internationalization process
of brazlian multinational companies:
the Votorantim Cement’s experience
D en i se P r aga na Vi dei r a 1
L e i l a G a s pa r i n d o 2
Resumo: Este artigo traz uma reflexão inicial sobre os desafios da cultura na
internacionalização de empresas brasileiras e como os elementos da cultura
impactaram no processo de internacionalização da Votorantim Cimentos. Trata
de apontar as dimensões de cultura organizacional, segundo Hofstede (1991).
A metodologia usada faz uma correlação entre a primeira e a segunda fases
de internacionalização da Votorantim Cimentos ao comparar as dimensões
Distância de Poder e Aversão à Incerteza. Finalmente, para alargar as fronteiras
existentes, aponta para o fato de como a cultura impactou os negócios e quais
foram as lições aprendidas pela empresa.
Palavras-Chave: Internacionalização. Cultura organizacional. Multinacionais
brasileiras.
Abstract: This paper presents an initial reflection on the challenges of culture in
the internationalization of Brazilian companies and what affects have cultural
elements in the internationalization process of Votorantim Cement. Comes to
point out the dimensions of organizational culture, according to Hofstede (1991).
The methodology used is a correlation between the first and second phases
of internationalization of Votorantim Cement to compare the dimensions of
Power Distance and Uncertainty Avoidance. Finally, to extend existing borders,
points to the fact of how culture affected the business and what were the lessons
learned by the company.
Keywords: Internationalization. Organizational culture. Brazilian multinationals.
1. Mestranda do Programa Ciência da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo (PPGCOM/ECA/USP). E.mail: [email protected]
2. Mestranda do Programa Ciência da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo (PPGCOM/ECA/USP). E.mail: [email protected] .
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5066
O impacto da cultura do país de origem no processo de internacionalização de multinacionais brasileiras: a experiência da Votorantim Cimentos
Denise Pragana Videira • Leila Gasparindo
INTRODUÇÃO
OTIVADO PELA relevância do tema internacionalização e pelo movimento das
M
multinacionais de países emergentes das duas últimas décadas, este estudo
objetiva identificar o impacto dos aspectos culturais e comunicacionais, as
razões e as lições aprendidas pelas empresas brasileiras que optaram pela internacionalização como estratégia de ampliação de seus negócios. O artigo aborda o estudo de caso
da Votorantim Cimentos, uma das primeiras empresas nacionais a enfrentar os desafios
da cultura e da comunicação no processo de internacionalização e propõe uma reflexão
sobre o aprendizado gerado. Analisa os impactos das diferenças culturais, baseando-se
nos pressupostos teóricos das dimensões de cultura (HOFSTEDE, 1991) para analisar a
influência da cultura nacional na cultura organizacional.
A pergunta central é de que forma e quais diferenças culturais entre o país de
origem e o país hospedeiro ocupam papel preponderante na estratégia corporativa de
internacionalização das empresas. E no caso da Votorantim Cimentos, como as dimensões
culturais impactaram o início da internacionalização, como tem sido a adaptação e as
mudanças em seu modelo de gestão para se tornar empresa global. Assim, o artigo
pretende relatar os principais desafios culturais da primeira fase de internacionalização e
as adaptações implantadas na segunda fase em relação à cultura dos países hospedeiros.
O texto encerra-se com as considerações finais, apontando correlações entre a cultura
Votorantim Cimentos e a teoria de Hofstede (1991) e indicando as dimensões que mais
impactaram o processo.
REFERENCIAL TEÓRICO
O mundo viveu três ondas de internacionalização. A primeira intensificou-se entre
os anos 1950 e 1960 com a hegemonia americana e o poder oligopolístico. A segunda
onda deu-se entre os anos 70 e 80, com a entrada das empresas japonesas e asiáticas e
os países de terceiro mundo, com a ascensão do modelo produtivo japonês. E a terceira
teve início na década de 1990, com mudanças que colocaram em cheque a eficácia dos
modelos de gestão dos países desenvolvidos e abriram espaço para novas multinacionais
emergentes (FLEURY e FLEURY, 2012). Nesse contexto, as empresas brasileiras passaram
a competir com subsidiárias de empresas estrangeiras primeiramente em seus próprios
países de origem e depois foram impulsionadas a se tornarem multinacionais em busca
de novos mercados que lhe garantissem maior competitividade local e global.
É durante a segunda onda de internacionalização, a partir da década de 60, que o
conceito de cultura é introduzido na ciência da gestão (FLEURY et al, 2009) e ganha força
com as experiências de multinacionais que tentam reproduzir suas práticas de gestão
em outros países. Na definição de Hofstede (1991), reconhecido autor de estudos sobre
cultura organizacional, cultura é uma programação mental, que diferencia um grupo
de outros e é partilhada coletivamente. “É resultado de processos de aprendizagem
adquiridos desde a infância e em diversos ambientes sociais que encontramos no decurso
da vida” (HOFSTEDE, 1991, p. 18). Para ele, esses diferentes níveis de programação
correspondem a diferentes dimensões de cultura, advindas de diferentes origens: da
nacionalidade, da regionalidade e/ou do nível étnico e/ou religioso e/ou linguístico;
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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O impacto da cultura do país de origem no processo de internacionalização de multinacionais brasileiras: a experiência da Votorantim Cimentos
Denise Pragana Videira • Leila Gasparindo
da geração à qual pertence, da origem social, da profissão, da organização ou empresa,
entre outras.
Hofstede (1991) mostra que as diferenças culturais são manifestadas por quatro
camadas: símbolos, heróis, rituais e, no centro, estão os valores. Para Hofstede, os valores
são aprendidos por volta dos 10 anos de idade e mudam pouco durante a vida. Segundo
Fleury (2009), para o autor, nas organizações, pessoas com diferentes valores podem
aprender práticas similares. Para Hofstede a cultura organizacional está enraizada em
práticas aprendidas e compartilhadas no ambiente de trabalho.
Segundo Fleury (2009), Edgar Schein, outro importante autor contemporâneo, traz
uma visão que difere da de Hofstede, pois considera cultura um modelo dinâmico
que é aprendido, transmitido e modificado. “Considera que as empresas desenvolvem
culturas próprias tão fortes que superam os contextos locais em que estão inseridas”
(Fleury, 2009, p. 67). Schein (1992) preconiza a cultura organizacional dividida em três
camadas: a) premissas básicas, composta por valores fundamentais, pensamentos e
sentimentos; b) normas e valores, compostos pelas aspirações e a visão de certo e errado
de um grupo: c) artefatos e produtos, que são os comportamentos visíveis construídos
por histórias, mitos, heróis, lendas, símbolos, ritos e rituais. É nessa terceira camada que
estão os elementos mais perceptíveis da cultura organizacional. Fleury (2009) ressalta
que, para o autor, os estudos sobre cultura não devem se limitar à observação do que é
visível, mas incluir a interação entre os membros da organização.
Na perspectiva analítica intercultural, o conceito de cultura não está associado
exclusivamente a referências étnicas, nacionais ou linguísticas. Estudos recentes
(Mato, 2012, p. 46) mostram “categoriais institucionais, culturas corporativas, culturas
profissionais, de classe, culturas territoriais, culturas de gênero, culturas geracionais e
culturas políticas”, que se inter-relacionam, como preconiza:
A comunicação intercultural entre atores sociais coletivos e/ou institucionais envolve o
intercâmbio entre atores sociais heterogêneos que produzem, competem e negociam formulações de significado não só entre si, mas também em seu interior, ou seja, dentro de si.
(MATO, 2012, p. 46)
Segundo Tanure (2010), a mudança cultural na organização acontece do ponto de vista
do negócio ou da gestão. “A cultura brasileira, com suas características e especificidades,
impacta o modelo de gestão das empresas” (TANURE, 2010, p. 15) e, consequentemente,
traz desafios para as multinacionais brasileiras.
Em busca de competitividade, muitas empresas, a partir da cultura de seu país de
origem, instauraram seu modo de gestão em outros países. Porém, os modelos de gestão
são impactados pela cultura organizacional, construída ao longo do tempo. Fleury (2009)
conclui que o estilo de gestão é influenciado por fatores culturais locais, ligados ao país
de origem, e também por padrões culturais próprios da organização, “tecidos no interior
da organização por seus membros, que partilharam, ao longo da sua história, valores e
visões comuns de como conduzir os negócios da empresa” (FLEURY, 2009, p. 68).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5068
O impacto da cultura do país de origem no processo de internacionalização de multinacionais brasileiras: a experiência da Votorantim Cimentos
Denise Pragana Videira • Leila Gasparindo
As dimensões de Hofstede
Para analisar a influência da cultura nacional em relação à cultura organizacional,
Hofstede realizou uma investigação empírica da presença da IBM em mais de 60 países
(1980, 1991, 2001), com base em análise estatística realizada com trabalhadores ocupando
postos de trabalhos idênticos nos diferentes países. Segundo o estudo, as culturas
nacionais diferem em seis dimensões: a) Distância de poder, que é o modo de enfrentar
a desigualdade e a relação com a autoridade e poder, ou seja, a distância hierárquica; b) o
Individualismo/coletivismo, ou seja, a relação do indivíduo e o grupo; c) a Masculinidade/
Feminilidade, ou seja, diferenças entre os papéis sociais masculino/feminino; d) Aversão
a incerteza, ou seja, o grau de tolerância ao desconhecido na forma de gerir a incerteza;
e) o Pragmatismo, ou seja, a orientação de curto versus longo prazo; e por fim, uma
sexta dimensão foi acrescentada, a Indulgência/Restrição, que analisa, na sociedade, o
grau de permissão ou restrição na satisfação de necessidades, como aproveitar a vida e
se divertir, regulada por regras e normas rígidas em sociedades restritivas e de forma
mais permissiva, como gratificação, em sociedades mais indulgentes.
Três décadas depois, Tanure (2010) usou como base a pesquisa de Hofstede e realizou
uma comparação da gestão brasileira com Am. Latina, Estados Unidos, Europa e Ásia.
No novo estudo, o índice de distância de poder ficou inalterado, migrando de 69 pontos
para 75, demonstrando que “a hierarquia e a concentração de poder continuam como
fortes dimensões na sociedade brasileira” (TANURE, 2010, p. 42).
Essa característica se confronta com alguns valores centrais de outras culturas,
principalmente das culturas anglo-saxônicas, entre elas a canadense e norte-americana,
que aprovam o encorajamento da autonomia do indivíduo com a consequente
descentralização de processos decisórios. Como outros países da Am. Latina, o Brasil
apresenta alto índice de distância hierárquica e, consequentemente, maior aceitação
da distribuição desigual de poder e da desigualdade social (TANURE, 2010, p. 33). A
relação do indivíduo com o grupo é baseada em afeição, demonstração de emoções
e sentimentos, mas, em função da grande importância dada às relações pessoais, o
brasileiro apresenta dificuldade para administrar conflitos abertamente e prefere não
se indispor com os superiores e iguais.
Cultura e comunicação: os dois lados da mesma moeda
Partindo do pressuposto de que as organizações devem ser vistas como fenômeno
de comunicação, podemos entender que comunicação e cultura se inter-relacionam:
uma influencia a outra (FERRARI, 2011). A comunicação assume, nesse sentido, papel
preponderante para a integração entre matriz e subsidiárias. Esta relação pode ser estudada a partir do paradigma do gerenciamento estratégico de Grunig (2011), que permite
analisar os desafios comunicacionais, onde “as relações públicas são vistas como uma
atividade de vinculação com os stakeholders e não como um conjunto de atividades para
a transmissão de mensagens, elaborada para proteger a organização de seus públicos”
(GRUNIG, 2011, p. 30), de acordo com o quadro 1.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5069
O impacto da cultura do país de origem no processo de internacionalização de multinacionais brasileiras: a experiência da Votorantim Cimentos
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Quadro 1. Atuação da área de Comunicação/Relações Públicas
Paradigmas
Objetivo
Papel do profissional
Conteúdo
Simbólicointerpretativo
Formar imagem e
opinião
Tático
Imagem, reputação, marca, impressões e
identidade
Gestão
comportamental
estratégica
Vinculação com os
stakeholders
Participa do processo de
gerenciamento do comportamento da organização
Mensagens refletem as necessidades de
informação tanto dos públicos quanto
das organizações, reforçando a simetria
nos relacionamentos.
Fonte: as autoras, com base em Grunig, 2011.
METODOLOGIA
Para responder a pergunta central desse artigo, que é de que forma e quais diferenças culturais entre o país de origem e o país hospedeiro ocupam papel preponderante
na estratégia corporativa de internacionalização das empresas, o caso da Votorantim
Cimentos será analisado com base nas dimensões culturais de Hosftede que impactaram o início da internacionalização e como essa adaptação tem ocorrido até os dias
atuais. Foram entrevistados, por meio de pesquisa semi-estruturada, dois ex-executivos da empresa da área de Recursos Humanos que participaram da primeira fase de
internacionalização (entrada nos mercados canadense e norte-americano) e preparação
para a segunda; e um terceiro executivo, que ocupa papel chave na área de Operações
desde a primeira fase até o atual momento. Além das entrevistas, utilizamos dados
secundários, colhidos de matarial interno, de reportagens publicadas pela imprensa
e do Relatório Integrado Votorantim Industrial de 2013, disponível na internet. Nosso
estudo baseou-se no quadro 2, gerado no site Hofstede Centre3 que permite construir um
comparativo dos traços culturais mais marcantes entre os países estudados com base
nas seis Dimensões Culturais de Hofstede, ou seja, entre o Brasil e os países nos quais
a Votorantim Cimentos possui subsidiárias. Foram elaboradas perguntas referentes a
cada uma das dimensões sobre a entrada da empresa no Canadá e Estados Unidos,
na primeira fase de internacionalização. Sobre a segunda fase foram feitas perguntas
específicas para a dimensão Distância do Poder, por representar o maior grau de diversidade de comportamento nos países pesquisados (Canadá/Estados Unidos, Espanha,
Índia, Marrocos, China e Turquia), relativamente ao Brasil. Também pesquisou-se à luz
das demais dimensões de cultura de Hofstede.
3. O website http://geert-hofstede.com usa informação com direitos autorais do livro Professor Greert
Hofstede e disponibiliza uma ferramenta de comparação entre países com base na teoria do autor: Cultural
Tools Country Comparison
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5070
O impacto da cultura do país de origem no processo de internacionalização de multinacionais brasileiras: a experiência da Votorantim Cimentos
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Quadro 2. Comparativo entre países com base nas seis Dimensões Culturais Hosftede
Dim.
Culturais
Brasil
Canadá
China
Marrocos
Índia
Espanha
Distância 69
de Poder - Hierarquia deve ser
respeitada
-Desigualdade é aceita
- Respeito ao idoso
- Na organização: o
chefe assume responsabilidade
39
- Independência entre
seus habitantes
- Valor colocado no
igualitarismo
80
- Desigualdade entre
as pessoas é aceitável
- Poder do superior;
abuso de poder
- Sem aspiração de ir
além da classificação
70
- Sociedade hierárquica
- Aceitação da ordem
hierárquica, sem justificativa
- Nenhuma expectativa
de auto iniciativa
77
- Hierarquia e estrutura
top-down
- Dependência do
chefe
- Aceitação de direitos desiguais
- Centralização do poder
real
57
- Sociedade hierárquica
- Aceitação da ordem
hierárquica, sem justificativa
- Nenhuma expectativa
de auto iniciativa
Individu- 38
alismo
- Forte integração em
grupos coesos
- Família extensiva
- Relações de negócios de longa-duração e confiáveis
80
- Cultura individualista
- Os funcionários devem ser auto-suficientes e mostrar iniciativa
- Promoção com base
no mérito
20
- Cultura altamente
coletivista
- Pertencem a grupos
- Baixo comprometimento com a organização
- Relações pessoais
46
-Sociedade coletivista
-Relacionamentos fortes
- Responsabilidade por
colegas
- Relação empregado /
empregador como um
elo familiar
- Promoção com base no
empregado em grupo
48
- Ambos os traços coletivistas e individualistas
- Ações influenciadas pela
opinião de seus pares
- Lealdade do colaborador /
proteção patronal e familiar
- Hinduísmo: as pessoas individualmente responsáveis
pela vida e pelo renascimento
51
- Coletivista vs. outros
países europeus, mas
individualista vs. outros
países
- Trabalho em equipe
visto como natural, sem
necessidade de motivação da Administração
Masculinidade
49
- Intermediária
52
- Sociedade moderadamente masculina
- Equilíbrio entre vida
profissional e pessoal
- Elevados padrões de
desempenho
66
53
- Sociedade mas- - Inconclusivo
culina
- Sacrifício da Família
e lazer,
Prioridade para o
trabalho
56
- Muito masculina em termos de mostrar visualmente o sucesso e poder
42
- Consenso: gestores
gostam de ter a opinião de outros colaboradores para tomar
decisões
Aversão
a Incerteza
76
- Forte necessidade de
estrutura de vida para
ser segura (por regras
e sistema legal)
- Pessoas passionais
e demonstrativas de
afetividade (linguagem corporal)
48
- Aceitação da Incerteza
- Fácil aceitação de
novas idéias, produtos
inovadores e práticas
de negócios
- Tolerância à liberdade
de expressão
- Não há regras orientadas-
30
- Confortável com a
ambiguidade
- Chineses são adaptáveis e empreendedores
- Pequenas e médias
empresas e de propriedade familiar
67
- Preferência para evitar
a insegurança
- Rígidos códigos de
crença e comportamento
- Intolerantes ao comportamento pouco ortodoxo
- A segurança é um elemento importante na
motivação individual
40
- Baixa preferência
- Aceitação da imperfeição
- País paciente
- Alta tolerância para o inesperado
- Nada impossível se você
sabe como ajustar
86
- O segundo país mais
barulhento do mundo
- Regras / evitando
regras
- Grande preocupação
para a mudança, situações ambíguas e indefinidas
Pragmatismo
44
Intermediário
36
- Sociedade Normativa
Estabelecimento da
verdade absoluta
- Um grande respeito
por tradições
- Foco na obtenção de
resultados rápidos
87
- Cultura muito pragmática
- Verdade depende
da situação, contexto
e tempo
- Adapta tradições às
novas condições
- Perseverança
14
51
- Cultura muito nor- - Aceitação de muitas vermativa
dades e religiões
- Estabelece a verdade
absoluta
- Respeito pela tradição
- Foco na obtenção
rápida
48
- País normativo
- Resultados rápidos
em atraso
- Precisa de estrutura
clara e regras bem definidas
Indulgência
58
- Sociedade indulgente
- Positivas atitudes
e tendência ao otimismo
- Importância de tempo para o lazer
68
- Indulgente
- atitude positiva e
tendência para o otimismo
- Importância do tempo de lazer
24
- -Sociedade contida/
restrição
- Tendência de cinismo e de pessimismo
- Percepção de que as
ações são seguras por
normas sociais
25
- Sociedade contida/
restrição
- Tendência de cinismo
e de pessimismo
- Percepção de que as
ações são seguras por
normas sociais
44
- Cultura de restrição
- Tendência de cinismo
e de pessimismo
- Percepção de que as
ações são seguras por
normas sociais
26
- Sociedade contida/restrição
- Tendência de cinismo e de
pessimismo
- Percepção de que as ações
são seguras por normas
sociais
Fonte: as autoras
ESTUDO DE CASO – VOTORANTIM CIMENTOS
A Votorantim Cimentos4 pertence ao Grupo Votorantim, que se estabeleceu no Brasil
em 1918, e é um dos maiores grupos empresariais nos setores de cimento, celulose, papel,
alumínio, zinco, níquel, suco de laranja, atividades financeiras, biotecnológicas e de TI,
com receita líquida de R$ 26,3 bilhões. Criada em 1936, a empresa é responsável por 46%
da receita líquida do Grupo. Em 2013 posicionou-se como a 8.a maior produtora global de
4. Dados do Relatório Integrado Votorantim Cimentos, disponível em http://votorantim.mzweb.com.br.
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5071
O impacto da cultura do país de origem no processo de internacionalização de multinacionais brasileiras: a experiência da Votorantim Cimentos
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cimento, presente em 14 países e capacidade de produção de 53,9 milhões de toneladas.
Seus valores são: saúde e segurança no trabalho; pessoas motivadas e comprometidas,
desenvolvimento sustentável dos negócios, qualidade de vida; melhoria e sinergia nos
processos, racionalidade e otimização inteligente dos custos; desempenho das instalações
e dos equipamentos; ambiente aberto a novas ideias.
No Brasil, a Votorantim Cimentos opera 61 unidades de fabricação entre cimento,
agregados, argamassa e cal, e 119 centrais de concreto, presente em praticamente todos
os estados do país. Possui também participação nas empresas Mizu e Itambé. Na
América do Norte, é representada pela subsidiária Votorantim Cimentos North America
(VCNA), com operações nos EUA e Canadá, com 7 unidades de produção de cimento,
141 centrais de concreto e 37 unidades de agregados. Na América do Sul atua por meio
de participações na Argentina, Bolívia, Chile, Peru e Uruguai. Na Europa, Ásia e África
opera na China, Espanha, Índia, Marrocos, Tunísia e Turquia, por meio da subsidiária
VCEAA, contabilizando 30 unidades de produção e 52 centrais de concreto.
As atividades internacionais começaram em 2001 com a aquisição do controle da
empresa St. Marys Cement Inc., na região dos Grandes Lagos (Canadá), seguida da
aquisição de 50% do capital da Suwanee American Cement, na Flórida (EUA). Nos
dois anos seguintes adquiriu nos EUA plantas em Jacksonville, Michigan, Illinois. Em
2012 incorporou as operações, na área de cimentos, da Cimpor (Cimentos Portugal),
na Espanha, Marrocos, Turquia, Tunísia, Índia e China, adicionando 16,5 milhões de
toneladas à sua capacidade produtiva mundial, passando a 50,5 milhões de ton/ano.
A empresa optou por um modo de entrada acelerado com aquisições de plantas para
produzir diretamente no exterior, permitindo seu acesso rápido ao mercado local, aos
canais de distribuição e às tecnologias. A aquisição, embora possa representar uma série
de vantagens em relação a outras formas de entrada, apresenta obstáculos importantes
como problemas de comunicação e conflitos de culturas resultante da necessidade de
integração entre a empresa compradora e adquirida.
1º Fase de internacionalização: Experiência da St. Marys
Com a aquisição do controle da St Marys, o aumento da eficiência das fábricas
tornou-se prioridade. As unidades não recebiam investimentos há anos e os sistemas de
gestão eram obsoletos. O plano agressivo da empresa consistia em transferir a sua cultura
de excelência operacional e de operação de baixo custo que inclui instrumentos que
formam o Votorantim Cimentos Production System (TPM, Six Sigma, Project Management).
“A meta era passar uma borracha na velharia e conseguir recuperar o investimento
em três anos. Faltou, porém, combinar com os canadenses” (Revista Exame, 2005). A
reação violenta dos funcionários da St Marys levou à revisão do plano inicial, adiando
as metas por mais dois anos.
A declaração do diretor corporativo do Grupo Votorantim, Gilberto Lara, resumiu
o que já parecia evidente, ou seja, que a empresa negligenciou a questão das diferenças
culturais: “Tínhamos uma expectativa além do razoável, pois fizemos nossos planos
com o perfil do trabalhador brasileiro em mente. Talvez tenhamos subestimado uma
questão fundamental – a realidade cultural” (Revista Exame, 2005).
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5072
O impacto da cultura do país de origem no processo de internacionalização de multinacionais brasileiras: a experiência da Votorantim Cimentos
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Existem diferenças em relação à distância do poder entre o Brasil e o Canadá (quadro
2). A Votorantim é uma empresa familiar, líder no mercado doméstico. Sua gestão era
hierárquica, com decisões top-down e relacionamento paternalista. Até então, a empresa
não havia desenvolvido um mindset global para seus executivos (BORINI et al, 2009). Os
canadenses também tiveram dificuldade para aceitar a viabilidade do projeto e a qualidade dos produtos brasileiros. As principais causas dessa reação foram desconfiança
dos funcionários locais; forte relutância à mudança na empresa; e resistência para serem
dirigidos por brasileiros. Para convencê-los, a Votorantim convidou lideranças da St
Marys para conhecerem o Sistema Operacional da empresa (VCPS) e visitarem plantas
no Brasil. Um dos entrevistados relatou:
“Convidamos os executivos e mais 100 funcionários (da St. Marys, de Baumanville e de
Detroit) e os membros do sindicato para conhecer as operações da Votorantim aqui no Brasil.
Chocaram-se com a diferença em termos de qualidade de operação industrial em comparação
com a Am. do Norte. Viram na fábrica da Rio Branco, PR, um processo sofisticado, limpo,
não poluente, com um equipamento de computação que controlava o processo industrial,
ligado com a Secretaria do Meio Ambiente que monitorava a fábrica em tempo real. A fábrica
era limpa, sem poeira. Já na St. Marys, havia tanta poeira que eles não podiam nem sentar
na cadeira. Eles fotografaram e passaram a ser nossos embaixadores lá”.
A reação dos funcionários locais trouxe valiosas lições. Talvez a mais crucial seja
a importância do diálogo. Em 2004, a Votorantim comprou duas fábricas nos Estados
Unidos e sua atitude foi outra. Antes de qualquer mudança, reuniu-se com os sindicatos,
fornecedores e autoridades para apresentar a empresa e seus objetivos.
2º Fase – expansão para a Europa, Ásia e África
A atuação global da Votorantim Cimentos se deu de fato com a aquisição dos ativos
da Cimpor na Turquia, Marrocos, Tunísia, Índia, China e Espanha. Mais uma vez,
segundo reportagem publicada na Revista Época Negócios 360º de 2014, a integração
passou a ser vista pela empresa como seu principal desafio cultural. Para lidar com as
nuances culturais, a empresa criou o projeto “One team, one company”, de governança
corporativa. O presidente da empresa, Walter Dissinger, explicou que o projeto visa “(...)
integrar novos sotaques, aprendendo com eles, mas também levando gestão, criando
estruturas de governança globais e regionais (...)”.
Ao contrário da experiência anterior, em que a empresa confiou que sua competência
operacional era suficiente para obter resultados em qualquer cultura, dessa vez o diálogo
tornou-se estratégia para absorver as competências positivas de suas subsidiárias. O
entrevistado que continua atuando na expansão internacional da empresa relatou
que foi definido um modelo claro de governança com direitos decisórios/papeis e
responsabilidades: “Valorizamos mais a liderança local, aliado a um sistema de gestão
das áreas chaves, com claro mandato, fóruns e rituais de gestão bem definidos”.
ANÁLISE DOS DADOS
Neste artigo, desenvolvemos um pressuposto que trata de mostrar de que forma
e quais diferenças culturais entre o país de origem e o país hospedeiro ocupam papel
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5073
O impacto da cultura do país de origem no processo de internacionalização de multinacionais brasileiras: a experiência da Votorantim Cimentos
Denise Pragana Videira • Leila Gasparindo
preponderante na estratégia corporativa de internacionalização das empresas. E no caso
da Votorantim Cimentos, como as dimensões culturais (HOFSTEDE, 1991) impactaram
o início da internacionalização e como essa adaptação tem ocorrido até os dias atuais.
Nosso studo baseou-se no quadro 2, gerado no site Hofstede Centre5 que permite construir
um comparativo dos traços culturais mais marcantes entre os países estudados com
base nas seis Dimensões Culturais de Hofstede, ou seja, entre o Brasil e os países nos
quais a Votorantim Cimentos possui subsidiárias. Foram levados em consideração a
pontuação atribuída por Hosftsde, em uma escala até 100 pontos, na qual quanto maior
o valor, maior é a presença da dimensão analisada. Comparando os valores atribuídos
por Hosftede para cada uma das dimensões e com base nas respostas obtidas em nossa
pesquisa identificamos os seguintes impactos, apresentados no quadro 3:
Quadro 3. Impacto das Dimensões Culturais estudadas no Caso Votorantim
DIMENSÕES
IMPACTO
NEUTRO
IMPACTO PARCIAL OU POSITIVO
IMPACTO PARCIAL
OU NEGATIVO
DISTÂNCIA
DE PODER
Brasil (70)
Canadá (39)
China (80)
Marroco (70)
Indía (77)
/Espanha (57)
Índia, Marrocos, China – centralização de poder e res- Canadá – Personalismo e Respeito à Hierarpeito a hierarquia são bem aceitos nesses países
quia foi considerado neutro
Canadá – provocou estranhamento nas lideranças
brasileiras no primeiro momento, mas foi bem aceito
a demonstração de autonomia por parte dos colaboradores canadenses
Espanha – aceita parcialmente bem hierarquia
INDIVIDUALISMO
Brasil (38)
Canadá (80)
China (20)
Canadá – foi bem aceita pelos brasileiros as caracte- China – as boas condições de infraestrutura e
rísticas independência, auto-suficiência e iniciativa dos valorização do tempo com família e lazer tivecolaboradores canadenses, e a disponibilidade deles em rem impacto neutro na China
aprender e se aperfeiçoar e buscar trabalhos desafiantes.
E os canadenses recebem bem as boas condições de
trabalho e infraestrutura oferecidas pelos brasileiros
AVERSÃO A
INCERTEZA
Brasil (76)
Canadá (48)
Índia (40)
Índia - o lado mais relacional e a aversão ao conflito Índia – a necessidade emocional de regras Canadá – aversão ao conflito, numerosas
dos brasileiros geraram um impacto positivo na relação dos brasileiros, e a burocracia tiveram regras, aversão ao risco, burocracia e dificom os indianos.
impacto neutro
culdade de seguir regras são características
que tiveram impacto negativo na relação
entre brasileiros e canadenses
MASCULINIDADE
Brasil (49)
Canadá (52)
China (66)
Canadá – importância do reconhecimento, as boas relações com a chefia, clima de cooperação foram pontos
importantes que os brasileiros perceberam no relacionamento com os canadenses
China – com os chineses os entrevistados destacaram a
importância do reconhecimento e remuneração.
China – a busca por qualidade de vida, as
boas relações com a chefia, clima de cooperação, e competitividade foram avaliados como pontos neutros no relacionamento com
os chineses
PRAGMATISMO
Brasil (44)
Índia (51)
Espanha (48)
China (87)
Canadá (36)
Marrocos (14)
Brasil – otimismo dos brasileiros nos negócios está
relacionada ao pouco valor dado no planejamento em
decorrência do foco no alcance de resultados rápidos.
Na opinião dos entrevistados, é um diferencial competitivo junto as culturas mais contidas.
Índia e Espanha – traços culturais próximos
ao do Brasil no aspecto pragmatismo.
China – bastante pragmática e perseverante.
Marrocos – cultura muito normativa e focada
no alcance de rápidos resultados.
INDULGÊNCIA
Brasil (58)
Canadá (68)
China (24),
Marrocos (25)
India (26)
Brasil – traço cultural do otimismo foi relacionado Canadá, considerado um país indulgente China, Marrocos e Índia possuem culturas
pelos entrevistados como resultante das características com o nível próximo do Brasil.
bem contidas, com tendência ao pessimisnacionais de pouco valor dado ao planejamento.
mo e normas sociais mais restritivas.
Canadá e Espanha – posturas como centralização de poder e autoritarismo e paternalismo não foram bem aceitos nesses
países
Canadá - Sociedade Normativa.
Dificuldade de relacionamento com o sindicato canadense. Resistência à instalação da
fábrica da Swannee na Flórida por parte da
sociedade, imprensa e órgãos ambientais
Fonte: as autoras
Em resumo, apontamos no quadro 4 os principais aprendizados da empresa em sua
trajetória de internalização do ponto de vista das dimensões de cultura de Hofstede.
5. O website http://geert-hofstede.com usa informação com direitos autorais do livro Professor Greert
Hofstede e disponibiliza uma ferramenta de comparação entre países com base na teoria do autor: Cultural
Tools Country Comparison.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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O impacto da cultura do país de origem no processo de internacionalização de multinacionais brasileiras: a experiência da Votorantim Cimentos
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Quadro 4. Resumo dos principais pontos levantados na pesquisa
Modelos iniciais
da 1ª fase
Dimensão cultural
(Hofstede)
Soluções
imediatas
Impactos
Aprendizados
Novos modelos
para a 2ª fase
Critério de escolha dos Distância do Poder
primeiros expatriados bra- Individualismo
sileiros baseou-se apenas
em aspectos técnicos
- Choque cultural no estilo
de liderança entre brasileiros e canadenses
- Brasileiros mal preparados e com problemas de
comunicação em outras
línguas
Implantação de programa
fast track de desenvolvimento, para dotar as
lideranças brasileiras, canadenses e americanas de
competências necessárias
ao desafio da internacionalização
Necessidade de valorização Implantação do projeto
da liderança local alinhada de governança corporativa
à estratégia de gestão si- “One team, one company”
nérgica entre diversas áreas chave da empresa
Crença de que possuir um
Sistema de Gestão Operacional robusto era suficiente para o sucesso da
aquisição
Reação inicial dos canadenses de não cooperarem e
não confiarem na competência do sistema de gestão
Comitiva de executivos,
funcionários chave da
St.Marys e representantes
do sindicato canadense
visitaram as plantas benchmark da VC no Brasil
para conhecer o processo
de fabricação de cimento
- Importância da abertura
ao diálogo
- Importância de promover
a integração entre as equipes de forma participativa
e experiencial
Estabelecimento de um
sistema de gestão como
um todo (integrando não
só a parte operacional)
com mandatos definidos
entre a sede e as subsidiárias
Pouca atenção às questões Pragmatismo
culturais e políticas locais
- Problemas no relacionamento com o sindicato canadense.
- Resistência à instalação
da fábrica da Swannee na
Flórida por parte da sociedade, imprensa e órgãos
ambientais
Contratação de um executivo com grande experiência e competência no
relacionamento internacional para lidar com essas
questões
- Importância da abertura
ao diálogo
- Importância de montar
equipes mesclando profissionais com competência
em operações com pessoas
experientes em gestão de
negócios internacionais
Presença de equipes que
mesclam profissionais ori-undos do Grupo Votorantim com pessoas trazidas
do mercado com global
mind set desenvolvido
Centralização das decisões Distância do Poder
estratégicas no Brasil
Negócios internacionais Na St.Marys, a reponsabisendo administrados com lidade pela operação era
visão do mercado brasileiro brasileira e a comercial foi
delegada a um executivo
canadense.
Importância do envolvimento das subsidiárias no
plano estratégico global da
companhia
Liderança executiva hoje é
formada por um presidente global, ao qual se reportam presidentes de três regiões: Brasil; Canadá/USA;
Europa, Ásia e África.
Indulgência (no sentido
de pouco valor dado ao
planejamento e foco excessivo na ação imediata)
Fonte: as autoras
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma das questões da pesquisa foi sobre “como a Votorantim Cimentos orienta seus
negócios”. O executivo que atua na empresa há 32 anos a define como “apegada às tradições
e que não se aventura em negócios onde o risco é grande”. Resposta semelhante deu o
entrevistado que atuou no final da primeira fase da internacionalização, argumentando
que a empresa “vê mudanças societárias com cautela”. O terceiro entrevistado, que
participou do início da primeira fase, trouxe a face de abertura ao novo: “empresa que
prepara seus profissionais para os desafios futuros”.
Ao decidir pela aquisição da St. Marys em sua estratégia inicial de internacionalização,
apoiada em sua vantagem de ownership (DUNNING, 1988), percebe-se semelhança com
a pontuação do Brasil (76) na dimensão Aversão à Incerteza. A terceira resposta está
ligada à dimensão Pragmatismo (HOFSTEDE, 2010), onde o Brasil tem uma pontuação
intermediária (44), situando-se como uma cultura que mantém o vínculo com o passado
enquanto lida com os desafios do presente e do futuro.
Percebemos assim que a pergunta central do artigo encontra respaldo no estudo de
caso realizado, ou seja, que o fator cultural do país de origem ocupa papel preponderante
na estratégia de internacionalização das empresas. A Votorantim Cimentos foi uma das
pioneiras no Brasil a se internacionalizar nos anos 2000, iniciando sua trajetória de forma
diferente da maioria das empresas nacionais. Ao contrário das primeiras multinacionais
brasileiras, que optaram por países da América Latina de menor distância geográfica
e menores diferenças culturais e institucionais (FLEURY e FLEURY, 2012), a empresa
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5075
O impacto da cultura do país de origem no processo de internacionalização de multinacionais brasileiras: a experiência da Votorantim Cimentos
Denise Pragana Videira • Leila Gasparindo
rumou para o hemisfério norte, aproveitando a oportunidade de mercado para defenderse dos ataques das multinacionais ao Brasil e ganhar experiência internacional.
Usou sua principal competência, o VCPS, e traçou planos ousados de entrada
no Canadá e EUA para recuperar rapidamente o capital investido na modernização
das fábricas obsoletas que compunham a St. Marys Cement Inc. e, assim, ampliar a
capacidade produtiva para aproveitar a alta demanda de mercado dos Grandes Lagos.
Só que, no início, a realidade não se mostrou tão favorável. Faltou empregar a lente
das diferenças culturais que existem entre um país e outro, ou seja, faltou aos saber usar
as características da cultura brasileira a favor dos objetivos traçados, evitando impactos
negativos e fortalecendo os diferenciais positivos da cultura brasileira.
A dimensão cultural Distância do Poder (HOFSTEDE, 1991) apresenta diferença
considerável entre Brasil (69) e Canadá (39). Nossa pesquisa mostra que essa diferença foi
a responsável pela maioria dos problemas enfrentados, gerando impacto negativo junto
aos funcionários e sindicato local. Percebe-se, por outro lado, que a exigência de maior
autonomia por parte das equipes teve impacto positivo, uma vez que para a dimensão
Individualismo (HOFSTEDE, 1991), o Canadá pontua alto (80).
Hoje, a Votorantim Cimentos mostra-se aberta para a integração de competências
das subsidiárias, de acordo com a declaração do presidente da companhia, Walter Dissinger, à revista Época Negócios 360º de 2014, ao afirmar que a empresa pretende absorver
conhecimento das fábricas de melhor performance, como a de Niebla, na Espanha.
No processo de comunicação (GRUNIG, 2011), podemos perceber que a empresa
atuou segundo o paradigma simbólico interpretativo na primeira fase da internacionalização e busca passar para o paradigma gestão comportamental estratégica na segunda
fase. Características positivas da cultura nacional (TANURE, 2010), como facilidade de
relacionamento e flexibilidade, foram reconhecidas pelos entrevistados como responsáveis pelos impactos positivos, propiciando a posterior integração e confiança.
Não há informações sobre possíveis prejuízos em sua primeira fase de internacionalização. Ao contrário, sabe-se que a produtividade das fábricas da St Marys aumentou
em 8%. Importante ressaltar a rápida reação da empresa para minimizar os problemas
e as lições aprendidas levando a novos modelos de gestão. O RI 2013 destaca a reestruturação organizacional realizada, definição mais clara de funções e papeis internos
e a criação de uma nova estrutura global, alinhando as necessidades dos negócios no
Brasil e no exterior.
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5077
Comunicação, cultura e consumo colaborativo:
os significados de compartilhar bens e serviços no Brasil
Communication, culture and collaborative consumption:
the meaning of share goods and services in Brazil
Fernanda Ga briel a
de
Andrade Coutinho1
Resumo: O consumo exagerado de bens e as formas de descarte trouxeram novas
discussões sobre os rumos da economia mundial e a sustentabilidade do planeta,
e desta forma o mercado de troca e compartilhamento de produtos e serviços
ganhou outras dimensões. A pesquisa tem como objetivo apresentar modelos
colaborativos de organizações no Brasil, o funcionamento desses sistemas, a
avaliação dos gestores dos modelos e dos usuários (“consumidores”), bem como
as questões culturais imbricadas nesses processos. A pesquisa é qualitativa, do
tipo exploratória e descritiva. Foram investigados diferentes modelos de negócios
colaborativos no Brasil. As entrevistas semi-estruturadas foram realizadas com
os gestores das organizações e também com usuários dos modelos colaborativos. A interpretação ocorreu por análise de conteúdo. Os principais resultados
apontam que a maior parte das organizações está no modelo de Estilo de Vida
Colaborativo, onde há compartilhamento de bens, conhecimento, tempo, etc. Os
gestores consideram que os modelos colaborativos tendem a crescer no Brasil,
mas a comunicação existente ainda é insuficiente. Os usuários acreditam que esse
modelo é fundamental para que haja um equilíbrio no consumo, mas também
apontam a falta de divulgação desse tipo de sistema.
Palavras-chave: Consumo Colaborativo. Comunicação. Cultura e consumo.
Modelos colaborativos no Brasil.
Abstract: Heavy consumption of goods and disposal of forms brought new
discussions on the future of the global economy and the sustainability of the
planet, and thus the market exchange and sharing of products and services
gained other dimensions. The research aims to present collaborative models of
organizations in Brazil, the operation of these systems, evaluation of management models and users (“consumers”) as well as cultural issues intertwined in
these processes. The research is qualitative, exploratory and descriptive. We
investigated different models of collaborative business in Brazil. Semi-structured
interviews were conducted with managers of organizations and also with users
of collaborative models. The interpretation was by content analysis. The main
results show that most organizations are in the Collaborative Lifestyle model,
where there is sharing of goods, knowledge, time, etc. Managers believe that the
collaborative models tend to grow in Brazil, but the existing communication is
1. Mestre em Administração pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Publicidade
e Propaganda pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professora e Pesquisadora do Curso
de Comunicação e Multimeios da Universidade Estadual de Maringá. [email protected]
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Comunicação, cultura e consumo colaborativo: os significados de compartilhar bens e serviços no Brasil
Fernanda Gabriela de Andrade Coutinho
still insufficient. Users believe that this model is essential to providing a balance
in consumption, but also point out the lack of disclosure of this type of system.
Keywords: Collaborative Consumption. Communication. Culture and consumption. Collaborative models in Brazil.
INTRODUÇÃO
COMUNICAÇÃO ESTABELECIDA por meio do compartilhamento de informações,
A
bens e serviços é influenciada por valores culturais imbricados na sociedade
fazendo com que ocorra troca de experiências, de produtos, bem como estabelecimento de vínculos e relacionamentos entre os envolvidos. O mercado colaborativo já
é uma realidade no Brasil com diferentes modelos de organizações e tipos de negócios.
A Internet, por meio das redes sociais, facilitou esse processo ampliando o contato entre
indivíduos e empresas.
Assim, ações coletivas de consumo ganharam força e criaram uma nova dinâmica
no mercado de bens e serviços. O consumo colaborativo é uma nova prática comercial
que possibilita o acesso a bens e serviços sem que haja necessariamente aquisição de
um produto ou troca monetária entre as partes envolvidas neste processo (CONSUMO
COLABORATIVO, 2014). Ao invés de comprar e descartar produtos, agora é possível compartilhar produtos aumentando o seu tempo de uso. Além disso, a Internet por meio das
redes sociais, facilitou esse processo ampliando o contato entre indivíduos e empresas.
Apesar do consumo colaborativo ainda ser pouco difundido no Brasil é possível
observar alguns modelos de negócios e também movimentos individuais que têm alavancado esse conceito. Com isso, esta pesquisa tem o propósito de analisar alguns modelos
que estão envolvidos neste sistema colaborativo. Baseado nesse contexto, seguindo os
conceitos desenvolvidos por Botsman e Rogers (2011), serão também analisados quatro
princípios do consumo colaborativo: massa crítica, capacidade ociosa, crença no bem
comum e confiança entre desconhecidos.
Este estudo pretende trazer algumas contribuições dentre elas, o entendimento
dessa nova lógica de consumo compartilhado; as questões culturais que permeiam esses
modelos; a descrição do funcionamento do sistema de consumo colaborativo, dos atores
participantes, das relações estabelecidas, bem como a comunicação que propicia esse
processo; e por fim, apontar algumas possíveis perspectivas do mercado colaborativo
no Brasil.
MUDANÇAS NOS RUMOS DO CONSUMO
A abordagem utilitarista predominante trata o consumo do ponto de vista racional,
onde os indivíduos fazem escolhas de bens e serviços apenas pensando nos aspectos
materiais, nos benefícios e lucros que esses possam trazer. Dentro desse contexto, os
indivíduos tomariam suas próprias decisões sem nenhuma interferência do mundo social
(DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006). Desta forma, é possível compreender o consumo não
apenas sob o aspecto utilitarista, já que o consumo entendido de uma forma mais ampla,
é cultural, pois envolve significados que são compartilhados socialmente (SLATER, 2002).
Cultura e consumo, segundo McCraken (2003), encontraram uma ligação fundamental
na história da humanidade, pois o consumo tornou-se a maneira em que a sociedade
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
5079
Comunicação, cultura e consumo colaborativo: os significados de compartilhar bens e serviços no Brasil
Fernanda Gabriela de Andrade Coutinho
compreende sua própria cultura (SLATER, 2002). Neste sentido, o consumo pode ser
visto como um sistema onde os objetos possuem significados (McCRAKEN, 2003) e
estabelecem relações entre indivíduos (DOUGLAS; ISHERWOOD, 2006).
A cultura do consumo denota um arranjo social no qual há relações entre a cultura vivida e os recursos sociais, e entre as formas significativas de vida e dos recursos
simbólicos e materiais de que dependem, e que são mediadas por meio de mercados
(ARNOULD; THOMPSON, 2005). Rocha (2000) afirma que o consumo é um sistema
simbólico que articula coisas e seres humanos e, como tal, uma forma privilegiada de
ler o mundo que nos cerca. Por meio dele, a cultura expressa princípios, estilos de vida,
ideais, categorias, identidades sociais e projetos coletivos. Para Barbosa e Campbell
(2006) cultura e consumo possibilitam entender o consumo como um processo social
que produz sentidos e identidades independentemente da aquisição de um bem.
CONSUMO COLABORATIVO: A IMPORTÂNCIA DE COMPARTILHAR
O mercado de troca e compartilhamento de produtos e serviços ganhou novas
dimensões após a crise financeira dos EUA em 2008 e que também atingiu outros países
pelo mundo. Mas cabe salientar que esse cenário colaborativo foi construído não apenas
pelas questões econômicas por conta da crise global de 2008.
É preciso compreender que além da motivação financeira, também há motivações
culturais, pela mudança no comportamento dos consumidores, que estão mais
conscientes de suas ações; motivações ambientais, já que a sustentabilidade do planeta e a
discussão do esgotamento dos recursos naturais já fazem parte do processo de produção
e distribuição de produtos por parte das empresas e de utilização desses produtos pelos
consumidores; e pela motivação tecnológica, já que a tecnologia também proporcionou
significativas mudanças no sistema de produção e consumo de bens e serviços, bem
como nas formas de relacionamento estabelecidas pelos indivíduos.
O sistema colaborativo pode ser dividido em três formatos: os Sistemas de Serviços
de Produtos, considerado como uma forma de consumo na qual paga-se pela utilização de
um produto sem necessidade de adquiri-lo, o aluguel de acessórios de moda, o aluguel de
ferramentas, o aluguel de livros e o compartilhamento de carros e bicicletas; os Mercados
de Redistribuição, que são associados às trocas e doações, como por exemplo a doação
de móveis, a troca ou empréstimo de livros e a troca ou doação de roupas; e finalmente
os Estilos de Vida Colaborativos, no qual há uma propensão à divisão e à troca de ativos
intangíveis como tempo, espaço, habilidades e dinheiro (BOTSMAN; ROGERS, 2011).
Para a existência dos três formatos apresentados, Botsman e Rogers (2011) destacam
que há quatro princípios fundamentais para o funcionamento do sistema colaborativo
de consumo. O primeiro é a massa crítica, que consiste na quantidade necessária de um
recurso ou impulso para que o sistema seja sustentado. Isso significa que quanto maior
a quantidade de produtos circulando para compra, aluguel ou troca, mais satisfeitos os
indivíduos do sistema ficarão, por terem muitas opções de escolha.
Outro princípio conforme os autores é a capacidade ociosa, que se refere à diferença
de quanto um produto é útil e o quanto ele poderia ser mais útil se sua capacidade fosse
melhor aproveitada. Desta forma, o objetivo é aproveitar o máximo algum produto para
evitar o desperdício.
Comunicação, Cultura e Mídias Sociais • XIV Congresso Internacional de Comunicação Ibercom 2015 • Anais
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Comunicação, cultura e consumo colaborativo: os significados de compartilhar bens e serviços no Brasil
Fernanda Gabriela de Andrade Coutinho
O terceiro princípio é a crença no bem comum que trata do entendimento de que a
ação que estou realizando levará em conta a comunidade. Neste sentido, ao trocar, alugar ou compartilhar algo, o indivíduo além de suprir sua necessidade, também estaria
levando em conta que esse ato também favorecerá outros indivíduos participantes ou
não do sistema.
Por fim, o último princípio é a confiança entre estranhos que envolve a confiança entre os indivíduos que participam do sistema. Assim, é preciso confiar no outro
estabelecendo certo relacionamento e criando um nível de confiança que possibilite o
compartilhamento de produtos e serviços. Somente dessa forma o sistema colaborativo
poderá funcionar. Para Botsman e Rogers (2011, p.80) “novos mercados online e off-line
estão se formando, em que as pessoas podem voltar a se “encontrar” em uma vila global
e desenvolver uma confiança que não seja local”.
Cabe ainda ressaltar que existem alguns fatores que podem motivar ou criar obstáculos para funcionamento do sistema colaborativo. Os aspectos motivadores segundo
Botsman e Rogers (2011), são a economia de custo, a reunião entre pessoas, a conveniência
e o fato de estar mais consciente sobre o consumo e pensar na questão da sustentabilidade
da sociedade como um todo. Belk (2010) ainda afirma que o compartilhamento tem a intenção de relacionamento com outras pessoas, havendo, portanto, um desejo por conexão.
Como os bens são de propriedade conjunta, pode haver uma provável redução do
número total de bens adquiridos pelos consumidores individualmente (BELK, 2007).
Nesse contexto, os indivíduos que participam do sistema colaborativo acreditam que
ter acesso ao bem é mais importante do que a posse deste bem, mas além disso, Sacks
(2014) afirma que os participantes desse sistema também procuram por produtos que
possuam um custo mais baixo.
Porém, a adoção a esse sistema de compartilhamento pode ter alguns impedimentos,
como o materialismo, o sentimento de apego e também a percepção que os recursos são
escassos e ao compartilhar o indivíduo não tem a posse da mercadoria (BELK, 2007).
Além disso, uma pesquisa realizada pela Carbonview Research (2014) aponta outras
razões impeditivas para o consumo colaborativo, que é a falta de confiança nas redes,
perda de privacidade, falta de qualidade dos produtos compartilhados e ainda a possibilidade de algo compartilhado se perder ou ser roubado.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A abordagem deste artigo é interpretativa, pois existe a possibilidade de privilegiar
os aspectos subjetivos do fenômeno em estudo, relacionando-o ao contexto cultural,
possibilitando enfatizar a natureza da realidade construída pelos indivíduos (DENZIN;
LINCOLN, 2000) e permitindo a apreensão dos significados que se originam das relações
sociais (MILES; HUBERMAN, 1994).
Para compreender o funcionamento do sistema de consumo colaborativo e as
interações sociais desse processo, optou-se pela pesquisa qualitativa. Conforme Goulart
e Carvalho (2004) a pesquisa qualitativa se caracteriza pela discussão, interpretação e
compreensão do fenômeno estudado, a partir de seu contexto empírico e da base teórica
pré-existente. Em conformidade com a natureza da pesquisa adotada, foi realizada uma
pesquisa do tipo exploratória e descritiva.
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Comunicação, cultura e consumo colaborativo: os significados de compartilhar bens e serviços no Brasil
Fernanda Gabriela de Andrade Coutinho
Neste sentido, como o assunto pesquisado ainda é recente no Brasil, a pesquisa exploratória foi utilizada para levantar questões acerca do fenômeno estudado. Com isso, foi feito
um levantamento dos estudos de consumo colaborativo para embasar as análises realizadas.
Na sequência, foi feito um mapeamento dos principais sistemas colaborativos no
Brasil, que foram escolhidos conforme a classificação proposta por Botsman e Rogers
(2011), sendo identificados 23 si