Delfinoterapia e Necessidades Especiais
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Delfinoterapia e Necessidades Especiais
FACULDADE DE Delfinoterapia e Necessidades Especiais Relatório de Estágio apresentado com vista à obtenção do 2º ciclo em Ciências do Desporto, área de especialização em Actividade Física Adaptada, ao abrigo do Decreto-Lei nº 74/2006 de 24 de Março. e realizada no âmbito da disciplina de Seminário do 5º ano da licenciatura em Desporto e Educação Física, na área de Reeducação e Reabilitação, da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto. Orientador: Prof. Doutor Rui Manuel Nunes Corredeira Supervisor: Dr. Rui Alberto Gouveia dos Santos Ester Lopes Porto, 2010 Ficha de catalogação: Lopes, E. S. F. (2010). Delfinoterapia e Necessidades Especiais. Porto: E. Lopes. Relatório de Estágio para a obtenção de grau de Mestre em Actividade Física Adaptada, apresentada à Faculdade de Desporto da Universidade do Porto. Palavras-chave: DELFINOTERAPIA, TERAPIA GOLFINHOS, NECESSIDADES ESPECIAIS. II ASSISTIDA POR Dedico este trabalho a duas defensoras da igualdade dos direitos dos indivíduos com Necessidades Especiais, duas pessoas que sempre acreditaram nos meus projectos e me estimularam a realizar os meus sonhos, À minha Mãe e À Professora Doutora Maria Adília Silva III IV Agradecimentos À Professora Doutora Maria Adília Silva pelo exemplo de coragem. Por me ter motivado desde sempre a desenvolver a minha área de interesse. O desejo de ter subido a bordo do barco, na realização do Projecto não se concretizou, mas estará sempre ao meu lado em cada etapa realizada. Ao Professor Doutor Rui Corredeira por se ter disponibilizado a dar continuidade à orientação do meu trabalho. Pelo exemplo de humanismo, honra, dedicação e apoio prestado durante os momentos mais complicados. Ao meu supervisor, Dr. Rui Santos, Secretário Regional do Desporto da Região Autónoma dos Açores até 2009. Sem a sua colaboração o meu percurso não passaria de um sonho. Obrigada por me ter ajudado a que se tornasse real. À Direcção Regional da Ciência, Tecnologia e Comunicações, da Região Autónoma dos Açores, pelo financiamento do Projecto Delfinoterapia Açores. À minha mãe que me influencia e inspira diariamente na luta pelos direitos das pessoas com Necessidades Especiais, pioneira na integração e na inclusão em Portugal e que, desde cedo, me ensinou o significado da palavra inclusão e igualdade de realização, direitos e oportunidades. Ao meu pai e meu herói, pelo exemplo de perseverança. Por não conhecer o significado da palavra desistir e demonstrar que com positivismo, muita coragem e determinação, todas as barreiras são possíveis de superar. Aos meus irmãos, cunhadas e sobrinhos pelo amor, apoio e união. À Mestre Fátima Soeiro, pela amizade e toda a ajuda que me disponibilizou. A toda a equipa que participou no Projecto Delfinoterapia Açores, Professora Rita Nogueira, Professor Alexandre Jacinto, Professor Lionel Pereira, Doutor Leonardo Machado, Mestre Orjana Risch, Mestre Thomas Spiker, Dr.ª Tânia Lemos, Nuno Carvalho e Mariana Candeias, obrigada pela colaboração, crítica, profissionalismo, entrega e amizade. Espero vê-los a todos em breve para darmos continuidade a novos projectos. A todos, obrigada essencialmente por acreditarem que tudo é possível! V VI Índice Geral Agradecimentos V Índice Geral VII Índice de Quadros IX Resumo XI Abstract XIII Resumé XV Lista de Abreviaturas XVII 1. Introdução 1 2. Delfinoterapia 7 2.1 . Questões Éticas e Ecológicas sobre o Cativeiro 13 2.2. Características do Golfinho 17 2.2.1. Cetáceos 17 2.2.2. Sonar do Cetáceo 19 2.3. Modelos Explicativos do Mecanismo Terapêutico 22 2.3.1. Modelo de Modificação do Comportamento 23 2.3.2. Modelo Psiconeuroimonulógico 24 2.3.3. Modelo Neurofisiológico 26 3. Contexto Histórico da Inclusão 29 VII 3.1. Inclusão em Portugal 33 3.2. Situação Actual 36 4. Necessidades Especiais 41 4.1. Alunos em “Risco Educacional” 41 4.2. Alunos com Sobredotação 42 4.3. Alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) 43 4.3.1. Tipos de Necessidades Educativas Especiais 44 4.4. Prevalência das NE 54 5. Estágio 57 5.1. Objectivos do Estágio 58 5.2. Planeamento 59 5.3. Realização 64 5.3.1. Dolphin Behaviour and Dolphin-Assisted Therapy Basic Course 2009 no International Laboratory for Dolphin Research 65 5.3.2. O Programa de Terapia com golfinhos do Dolphin Reef 70 5.4. Avaliação 82 6. Conclusão 89 7. Sugestões 95 8. Referências Bibliográficas 97 VIII Índice de Quadros Quadro 1 43 Quadro 2 45 Quadro 3 46 IX X Resumo Este relatório de estágio incidiu na área de Actividade Física Adaptada, especialidade em Delfinoterapia, uma actividade realizada com indivíduos com Necessidades Especiais, que envolve natação e/ ou interacção com golfinhos em cativeiro ou águas livres. Realizámos um enquadramento teórico sobre o estado actual de investigação da Delfinoterapia, definimos os diferentes tipos de Necessidades Especiais e abordamos as características específicas dos golfinhos, contemplando a importância do conhecimento interdisciplinar nas diferentes áreas que esta terapia abrange. Considerações éticas sobre a utilização de golfinhos em cativeiro foram explicadas e discutidas. Foi desenvolvida uma reflexão crítica sobre o curso Dolphin Behaviour and Dolphin-Assisted Therapy, realizado pela Universidade de Ben-Gurion e pelo Dolphin Reef - Eilat, em Israel, bem como sobre o de um programa realizado neste local, que utiliza a interacção com golfinhos para o desenvolvimento de crianças com Necessidades Especiais. Os estudos sobre a eficácia da Delfinoterapia realizados até à data demonstraram resultados positivos, contudo persistem críticas sobre a forma como os estudos foram conduzidos e avaliados. No nosso ponto de vista, deve ser dada continuidade à investigação nesta área, designadamente através do recurso a instrumentos de avaliação validados cientificamente, utilizando padrões mais objectivos e preservando o respeito pela integridade física, psicológica e de conservação dos golfinhos. Palavras-chave: Delfinoterapia, Terapia Assistida por Golfinhos, Golfinhos em Cativeiro, Necessidades Especiais. XI XII Abstract This report focused on Adapted Physical Activity, specializing on Dolphin Assisted Therapy, an activity developed for people with Special Needs which includes swimming and/ or interaction with dolphins in captivity or open waters. A theoretical framework about the current state of Dolphin Therapy's research was conducted. The different types of Special Needs and the dolphin's characteristics were defined, contemplating the importance of interdisciplinary knowledge of this therapy. Ethical considerations about the problems of dolphin's captivity were explained and discussed. It has developed a critical reflection about the Dolphin Behaviour and DolphinAssisted Therapy Course, conducted by the University of Ben-Gurion and Dolphin Reef -Eilat, in Israel and also about the Program that takes place at these facilities which uses the interaction with dolphins to the development of children with Special Needs. The studies about the effectiveness of Dolphin Therapy demonstrate positive results but remain somehow critical of how the studies were conducted and evaluated. The research in this domain needs to further developed through the use of scientifically validated assessment tools, objective standards and preserving physical and psychological respect for the dolphins as well as their conservation. Key Words: Dolphin Therapy, Dolphin Assisted Therapy, Dolphin Captivity, Special Needs. XIII XIV Résumé Le domaine sur lequel se base ce rapport de stage est l' Activité Physique Adaptée, de spécialité en Thérapie Assistées par les Dauphins. Il s’agit d’une activité, qui englobe natation et/ou interaction avec des dauphins en captivité ou en eaux libres, réalisée pour des personnes avec des Nécessitées Educatives Spéciales. Les points abordés sont les suivants : L´état de l’investigation sur la Thérapie Assistée par les Dauphins, l’encadrement théorique des Nécessitées Spéciales et les caractéristiques spécifiques des dauphins, contemplant l’importance de la connaissance interdisciplinaire dans les différents domaines que cette thérapie contient, débat et défense sur l’utilisation des dauphins en captivité, réflexion critique sur le cours Dolphin Behaviour and Dolphin-Assisted Therapyréalisé par l’Université de Ben-Gurion et par le Dolphin Reef-Eilat, en Israël et d’un programme thérapeutique qui utilise l’interaction avec les dauphins, pour le développement d’enfants, avec des Nécessitées Spéciales sur place. Les études sur la Thérapie Assistée par les Dauphins démontrent des résultats positifs, néanmoins il existe des critiques sur la forme de conduire et évaluer ces études. L’investigation dans ce domaine doit continuer, avec des instruments d’évaluation scientifiquement valable, des modèles plus objectifs et respectueux de l’intégrité physique et psychologiques des dauphins, devant les humains éviter leurs souffrances. Mots-clefs: Thérapie Assistée par les Dauphins, Captivité, Nécessités Spéciales XV XVI Lista de Abreviaturas AAIDD: American Association on Intellectual and Developmental Disabilities AAMR: American Association on Mental Retardation CIF: Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde DDAH: Défice de Atenção e Hiperactividade DT: Delfinoterapia ECG: Electrocardiograma EEG: Electroencefalograma EMG: Electromiograma FEEI: Fórum de Estudos de Educação Inclusiva NE: Necessidades Especiais NEE: Necessidades Educativas Especiais OMS: Organização Mundial de Saúde PEI: Planos Educativos Individualizados SNC: Sistema Nervoso Central SNP: Sistema Nervoso Periférico WDCS: Whale and Dolphin Conservation Society XVII XVIII 1. Introdução A Delfinoterapia (DT) começou por se utilizada em indivíduos com deficiência intelectual, mas actualmente tem sido usada no processo de reabilitação e aprendizagem de diferentes Necessidades Especiais (NE) de carácter intelectual, desenvolvimental, motor, emocional e outros problemas sociais ou de saúde, tal como cancro e desordem por Défice de Atenção/Hiperactividade. Humphries (2003), refere que é identificada em diversos estudos por outros termos, tais como, Terapia Assistida por Golfinhos, Terapia Golfinhos-Humanos, Interacção Golfinhos-Humanos, Golfinhos e Terapia, Interacção CetáceosHumanos, Cetáceos e Terapia1. A DT não se encontra formalmente definida, embora se possa referir, de forma generalizada, que se trata de um sub-campo da Terapia Assistida Animal, na qual o golfinho funciona como um adjuvante. As modificações psico-neurófisiológicas que resultam da interacção com os golfinhos parecem distinguir esta terapia das restantes (Nathanson, de Castro, Friend e McMahon, 1997), nomeadamente ao nível da capacidade de concentração, motivação, competências linguísticas e das capacidades motoras (Nathanson e de Faria, 1993), Nathanson, 1998). Contudo, análises metodológicas realizadas sobre os artigos publicados em revistas científicas, concluem que os estudos falharam em vários critérios importantes para a validação, não fornecendo, por essa razão, evidências científicas credíveis sobre a eficácia desta intervenção (Marino e Lilienfeld, 1998, 2007). Apesar das críticas realizadas à validação dos estudos, existem resultados documentados e publicados e esta área encontra-se em expansão e é cada vez mais procurada. A rejeição deste fenómeno torna-se actualmente impossível, mas a investigação exige padrões mais objectivos. 1 Em inglês, respectivamente: Dolphin-Assisted Therapy, Dolphin Human Therapy, Dolphin Human Interaction, Dolphin and Therapy, Cetacean-Human Interaction, Cetacean and Therapy. 1 Existem diferentes metodologias, objectivos e destinatários, dependendo dos locais onde a terapia se realiza. Pode ser desenvolvida em delfinários, com golfinhos em cativeiro, em zonas vedadas no mar, como é o caso do local onde realizámos o curso de formação e ainda, apesar de ser menos comum, em águas livres, com golfinhos selvagens, tal como foi realizado no nosso Projecto de investigação realizado nos Açores. O mecanismo explicativo da Delfinoterapia, isto é, a razão pela qual parece obter resultados tão positivos junto da população com NE não se encontra determinada (Aquathought Foundation, 1997), porém, são conhecidas três possíveis explicações para tal fenómeno, o Modelo de Modificação do Comportamento, o Modelo Psiconeuroimunológico e o Modelo Neurofisiológico. Outras teorias de explicação podem existir, contudo, para além das teorias místicas, nas quais não nos baseamos, estas parecem ser as únicas que se encontram documentadas. O Modelo de Modificação do Comportamento, apoiado por Nathanson (1980), defende que a grande afinidade das crianças por golfinhos, aumenta o período de concentração de crianças com NE de carácter intelectual, processológico e desenvolvimental, permitindo que, através de um trabalho que utiliza a interacção com o golfinho como reforço positivo imediato, a aprendizagem ocorra quatro vezes mais rápido do que dentro dos parâmetros convencionais de educação, com uma melhoria na retenção de informação. O Modelo Psiconeuroimunológico do médico britânico, Horace Dobbs (1990), sugere que o encontro de pacientes com doenças psicológicas ou psiquiátricas com golfinhos, produz sensações positivas que estimulam a produção de substâncias no sistema nervoso central, tal como a adrenalina ou a histamina. Estas reacções bioquímicas parecem ter influência positiva na terapêutica destes doentes, tal como em queixas físicas incitadas por processos psicológicos. O Modelo Neurofisiológico, apoiando-se nas alterações da actividade cerebral verificadas por electroencefalogramas (EEG), defende que o ultra-som dos 2 golfinhos tem um efeito mecânico ou electromecânico no sistema endócrino dos humanos, estimulando-o positivamente, assemelhando-se ao mecanismo utilizado por aparelhos de tratamento com ultra-sons (Cole, 1996, Birch, 1997). A hipótese de que o ultra-som utilizado pelos golfinhos possa ter um efeito terapêutico suscita muitas crenças e especulações em torno da Delfinoterapia. Contudo, apesar de se verificarem diferenças nos EEG dos humanos, antes e depois da interacção com golfinhos (Cole, 1996, Birch, 1997) ainda não está cientificamente comprovado que esta alteração está directamente relacionada com a utilização do sonar, nem tão pouco que o sonar possa ter efeito no sistema endócrino dos humanos. Existem preocupações éticas e ecológicas importantes relativas ao impacto que a interacção com golfinhos poderá ter para os golfinhos. As considerações sobre o impacto negativo para os golfinhos que vivem confinados ao cativeiro, para a realização desta terapia, necessitam de ser seriamente tomadas em conta no desenvolvimento e na investigação desta área. Os animais devem ter direito à integridade física e psicológica, devendo os humanos evitar o seu sofrimento. O futuro da DT pode passar pela aplicação em águas livres, com golfinhos selvagens. Se esta se mostrar capaz de ser desenvolvida e investigada, pode tornar-se num importante instrumento para a diminuição da captura e exploração destes animais. Por esta razão e pelas questões éticas que serão abordadas, criámos o Projecto Delfinoterapia Açores, aprovado e financiado pela Direcção Regional da Ciência, Tecnologia e Comunicações, da Região Autónoma dos Açores, no qual se inseriu a realização do nosso estágio profissionalizante. Neste estágio realizámos: i) O Projecto Delfinoterapia Açores, no qual desenvolvemos um programa (Programa Delfinoterapia Açores) e realizámos um Estudo de Caso em águas livres com uma paciente com Paralisia Cerebral na ilha Terceira, Açores (cujos resultados serão desenvolvidos posteriormente, caso tenhamos a oportunidade de dar continuidade aos nossos estudos; ii) um 3 curso de formação em Delfinoterapia e Comportamento de Golfinhos, realizado em Israel e; iii) observação e avaliação de um programa terapêutico no mesmo local onde foi realizado o curso. O estágio teve como objectivos: i) obter e consolidar conhecimentos para o desenvolvimento do Projecto Delfinoterapia-Açores; ii) aumentar os conhecimentos teóricos sobre a DT; iii) obter conhecimentos práticos sobre a DT com golfinhos selvagens; iv) adquirir conhecimentos sobre Biologia Marinha, nomeadamente sobre cetáceos; v) obter certificação creditada em Delfinoterapia e Comportamento de Golfinhos. Este relatório constitui-se como uma reflexão crítica sobre o trabalho de investigação e formação desenvolvido durante o nosso estágio profissionalizante e uma ferramenta para a investigação que iniciámos e pretendemos continuar a desenvolver em águas livres, com golfinhos selvagens. A organização sequencial dos conteúdos pretende esclarecer os diferentes campos de desenvolvimento da DT e demonstrar como a mesma se constrói sobre uma variedade de factores multidisciplinares interdependentes. Assim, a organização sequencial deste trabalho, é estruturado e justificado da seguinte forma: No 1º capítulo fazemos uma descrição resumida sobre a área, definindo o seu quadro de problematização. Realizamos uma caracterização geral do estágio, referimos os objectivos do estágio e a finalidade de realização do relatório. No 2º capítulo, caracterizamos a DT, expomos o seu estado de investigação actual e as principais conclusões e criticas acerca dos estudos e práticas realizadas. Discorremos sobre as preocupações éticas relacionadas com a utilização de animais em cativeiro. Abordamos as características específicas dos golfinhos, tornando-se, quanto a nós, necessário conhecê-las, uma vez que esta terapia recorre à utilização deste mamífero marinho. Esclarecemos, ainda, os modelos explicativos do mecanismo terapêutico da DT. 4 No 3º capítulo abordamos o contexto histórico da inclusão, analisando sumariamente as diferentes perspectivas ao longo da história, pois julgamos que através da análise dos erros do passado e do percurso realizado até chegar à situação actual, podemos precaver que os erros cometidos não se voltem a repetir. Por outro lado, pretende-se também compreender até que ponto a DT se pode articular com a escola e com os apoios consagrados na actual legislação que rege a Educação Especial e a inclusão nas escolas regulares. Assim, no 4º capítulo, esclarecemos o que se entende por NE, de forma a obter um conhecimento aprofundado da população-alvo deste tipo de actividade. Uma vez que os estudos sobre a DT parecem ter efeitos em capacidades de foro educacional e porque é da nossa opinião que a escola poderia usufruir e estar envolvida nesta forma de intervenção, fazemos uma síntese sobre as NE e as Necessidades Educativas Especiais (NEE). O 5º capítulo é composto pela definição e enquadramento do Estágio, pelos seus objectivos, bem pelo planeamento, realização e avaliação do mesmo. No capítulo 6º, realizamos uma conclusão e reflexão crítica sobre o estágio, bem como sobre o campo da Delfinoterapia em geral. No 7º capítulo reunimos as principais sugestões, que vão ao encontro das limitações da DT e de temas de investigação que pretendemos dar continuidade em futuras investigações nesta área. O último capítulo apresenta as referências bibliográficas consultadas para a realização deste estágio. 5 6 2. Delfinoterapia Segundo Humphries (2003), a ideia de que a interacção dos humanos com golfinhos poderia ser benéfica foi formulada pela primeira vez em 1960 pelo norte-americano John Lilly, que procurou estudar a comunicação golfinhoshumanos. Os pioneiros do que actualmente se conhece como Delfinoterapia (DT) foram Horace Dobbs na Escócia, David Nathanson e Betsy Smith, ambos na Florida. O psicólogo clínico, Nathanson foi quem conduziu o maior número dos estudos publicados sobre esta terapia. A DT ou Terapia Assistida por Golfinhos tem vindo a ganhar popularidade no tratamento de doenças, das NE e psicopatologias de crianças e adultos (Whale and Dolphin Conservation Society [WDCS], 2006). Geralmente é realizada em parques marinhos ou zonas vedadas, e envolve natação ou interacção com golfinhos em cativeiro (Marino e Lilienfeld, 2007, Humphries, 2003). Porém, apesar de constituirem uma minoria, também existem programas que utilizam unicamente a interacção com golfinhos selvagens. Existem diversos tipos de abordagens e programas, que podem envolver diferentes objectivos e metodologias, dependendo do local onde é realizada e da necessidade de cada paciente. Para além das sessões com golfinhos, pode ser adicionado um conjunto de outras actividades, como parte da terapia. De acordo com Rossiter (1998), é difícil quantificar ao certo, quantas operações de DT existem, quantos golfinhos estão envolvidos, em que tipo de condições são mantidos, e o número dos que não sobrevivem. Na nossa investigação sobre os estudos realizados e as instalações onde se realiza a Delfinoterapia, pudemos constatar que o método mais utilizado se baseia na utilização do golfinho como reforço positivo imediato (método baseado no Condicionamento Operante de Pavlov). As crianças participam em sessões individualizadas com actividades realizadas por terapeutas (por exemplo, terapeutas da fala, ocupacionais e fisioterapeutas, 7 dependendo da NE da criança). As interacções com os golfinhos ocorrem depois de uma resposta correcta ao nível cognitivo, motor, social ou emocional (Humphries, 2003). Contudo, nem sempre é realizada por profissionais. Há locais onde são os treinadores dos golfinhos, que a realizam, sem conhecimento específico acerca das NE ou da DT. Isto parece acontecer pelo facto desta actividade não estar regulamentada, não havendo, como tal, necessidade de certificação profissional para quem a aplica. Os programas de DT têm sido alvo de muita atenção por parte dos media, incluindo programas de televisão, aumentando deste modo, a sua popularidade (Humphries, 2003). Formalmente a DT começou em 1970, tendo crescido como um negócio altamente lucrativo, com instalações por todo o mundo. Contudo, as afirmações feitas por estas instalações acerca da eficácia desta terapia têm sido matéria de pouco ou nenhuma avaliação científica. Os programas de DT continuam a proliferar, mas segundo Marino e Lilienfeld (1998, 2007), não tem havido correspondência na quantidade de artigos revistos cientificamente desde 1970 até ao presente. Como referem Lukina (1999) e Servais (1999), citados por Humphries (2003), os resultados sugerem que a DT poderá melhorar eficazmente a linguagem, o comportamento, o processo cognitivo, a atenção, a motivação para aprender e certas condições médicas. Porém, convém referir que os estudos sobre a eficácia da DT têm sido realizados, na sua maioria, por quem opera programas de DT e outros programas de natação com golfinhos (Humphries, 2003), logo os resultados poderão não ser imparciais. Na nossa opinião estas investigações deveriam ser realizadas por pesquisadores independentes. Os estudos sobre a eficácia de DT, publicados em revistas científicas, sugerem, na sua maioria, resultados positivos, nomeadamente no que se refere ao aumento da capacidade de concentração, motivação e competências linguísticas, em crianças com NE desenvolvimentais, atingindo estes resultados mais rápida e economicamente do que outras terapias convencionais e 8 produzindo efeitos positivos que se mantêm a longo prazo (Nathanson et al., 1997 e Nathanson, 1998). Outros estudos apontam que a DT tem efeitos positivos na aprendizagem de crianças autistas (Servais, 1999), melhorias no comportamento de crianças com sintomas de doenças psiconeurológicas (Lukina 1999) e que pode ajudar no alívio da dôr e do tratamento da dermatite atópica (Likura et al. 2001), no tratamento da ansiedade (Webb e Drummond, 2001) e da depressão (Antonioli e Reveley, 2005). Contudo, Marino e Lilienfeld (1998, 2007) analisaram metodologicamente todos os artigos publicados em revistas científicas, submetidos a revisão de colegas, disponíveis até 1998 e, posteriormente, até 2007. Focalizaram a sua revisão em artigos revistos porque presumivelmente estes artigos representam a melhor evidência da eficácia da DT. Concluíram que todos os estudos não respeitaram vários critérios importantes para validação, não fornecendo, como tal, evidências científicas credíveis sobre a eficácia desta intervenção. Os dois únicos artigos sobre os efeitos terapêuticos da DT, revistos e publicados em revistas científicas, até 1998, foram os Nathanson et al. (1997) e Nathanson (1998). Sobre os mesmos, Marino e Lilienfeld (1998) concluíram que sérias falhas metodológicas ameaçavam a sua validade científica e ainda que dados resultantes de procedimentos analíticos defeituosos tornavam os resultados não interpretáveis e as suas conclusões injustificadas e prematuras. Estas falhas incluem a ausência de grupos de controlo ou de comparação adequada, efeitos não específicos da DT não controlados (nomeadamente o efeito placebo e o efeito novidade), dados apresentados e analisados de forma agregada, isto é, não apresentaram nenhum resultado ou análise de forma individual, métodos analíticos que não permitem apurar se alguma criança foi prejudicada com a intervenção, instrumentos de avaliação imprecisos e influenciáveis (com questões que apenas inquiriam sobre os efeitos positivos da DT). De 1998 até 2007 foram publicados mais cinco artigos em revistas científicas: Antonioli e Reveley (2005), Likura et al. (2001), Lukina (1999), Servais (1999) e 9 Webb e Drummond (2001). Marino e Lilienfeld (2007), concluíram que todos os estudos apresentavam várias falhas metodológicas que tornam os resultados duvidosos, designadamente no que se refere a duas ameaças para a validação, que são efeitos não específicos e construct confunding2 (factor confundidor), derivados de um inadequado controlo experimental. Referem ainda que, com a excepção do estudo de Antonioli e Reveley (2005), os restantes estudos não utilizaram instrumentos de avaliação validados, não aplicaram testes estatísticos apropriados e nenhum dos estudos incluiu um estudo de longo-prazo que permita confirmar as melhorias reportadas a curtoprazo. Para além disso, acrescentam também que a DT levanta várias questões éticas acerca do cativeiro dos golfinhos. Assim, e não obstante ter passado quase uma década desde a sua revisão inicial, estes autores sustentam que continua a não haver evidências de que a DT é uma terapia legítima. Humphries (2003) também realizou uma análise crítica semelhante acerca de estudos de DT realizados em crianças com diferentes tipos de NE, com idade cronológica ou de desenvolvimento de seis anos ou mais novas. Encontrou seis estudos (Lukina, 1999; Nathanson, 1989, 1998; Nathanson et al. 1997; Nathanson & de Faria, 1993; Servais, 1999). Excluiu um estudo de Nathanson (1980) devido à falta de especificidade sobre as características práticas. Concluiu que os resultados proclamados sobre a eficácia da DT na modificação do comportamento de jovens crianças com NE, não estão apoiados pelas investigações disponíveis. Verificou falta de controlo experimental em todos os estudos, negligenciado o controlo adequado para principais ameaças para a validação e falta de explicações alternativas para os resultados. Os resultados não suportam a ideia de que usar a interacção com golfinhos é mais eficaz do que outros reforços para melhorar a aprendizagem das crianças ou o seu desenvolvimento sócio-emocional. Acrescenta, ainda, que há pais de crianças 2 Construct Confunding – efeitos potenciais dos diferentes ingredientes do tratamento (p.e., na DT, existe um grupo de ingredientes que se somam à interacção com o golfinho por si só, tal como nadar, estar na água, receber atenção, etc.) 10 com NE a pagar preços muito elevados pela DT, mas que não existem, até esta data, evidências de investigação disponíveis que suportem o uso desta prática. Brensing, Linke e Todt (2003) realizaram um estudo para verificar a hipótese de Cole (1996) e Birch (1996, 1997), que sugere que o ultra-som da ecolocação dos golfinhos pode ter um efeito curativo, estimulando positivamente o sistema endócrino dos humanos através de um efeito mecânico e/ou electromecânico. Brensing et al. (2003) procuraram comparar o ultra-som gerado artificialmente e utilizado em tratamentos médicos, com o ultra-som gerado pelos golfinhos. A utilização do ultra-som terapêutico utilizado em medicina requer aplicações repetidas, com certa intensidade e duração. Segundo os autores, a aplicação repetida pode-se verificar na DT uma vez que esta normalmente dura vários dias ou mesmo semanas e a intensidade pode ser suficiente. Para que a duração de aplicação seja comparável ao ultra-som terapêutico utilizado em tratamentos médicos, os pacientes teriam de estar directamente expostos ao ultra-som dos golfinhos durante 2 minutos por sessão. Neste estudo procuraram dar reposta à hipótese se um ou mais golfinhos demonstravam um comportamento que resulta na exposição dos pacientes ao ultra-som em doses comparáveis à dos tratamentos médicos. Por outras palavras, pretendiam verificar se os golfinhos têm as cabeças apontadas na direcção do paciente, mantendo-se nesta posição durante alguns minutos por sessão e repetindo este comportamento durante várias sessões. Observaram apenas o comportamento dos golfinhos não treinados, para verificarem o comportamento auto-motivado dos mesmos. A hipótese foi rejeitada, concluindo que o tempo de aplicação por paciente não era suficientemente longo comparado com o ultra-som terapêutico utilizado em medicina humana. Por esta razão, Brensing et al. (2003) não concordam com a hipótese de Cole (1996) e Birch (1996, 1997). Contudo, na discussão dos resultados, esclarecem que também deveriam ter tido em consideração que o ultra-som dos golfinhos pode atravessar toda a zona vedada onde se encontravam os golfinhos e os pacientes, tornando a 11 proximidade dos golfinhos aos humanos irrelevante para que se verificasse a duração necessária de exposição ao ultra-som. Do mesmo modo que Brensing et al. (2003) sugerem, julgamos que as respostas neurofisiológicas continuamente (p.e. através dos de humanos EEG, deveriam ser electrocardiogramas gravadas [ECG] e electromiogramas [EMG]) e comparados com vários tipos de interacção com golfinhos. Na nossa opinião poderíamos, ainda, comparar, na mesma situação, a resposta fisiológica durante a emissão de ecolocação dos golfinhos e a ausência da mesma (ambas na presença de golfinhos). Apesar da complexidade envolvida nesta investigação poderíamos, desta forma, clarificar se existe alguma relação entre o efeito do ultra-som do golfinho e a resposta neurológica dos seres humanos ou se as alterações verificadas por Cole (1996) e Birch (1997) nos EEG apenas se justificam devido ao entusiasmo que a presença de um golfinho provoca no ser humano. É da nossa opinião que este campo deve ser investigado, podendo ser realizado no habitat natural, uma vez que a utilização do sonar é uma acção auto-motivada pelos golfinhos (não controlada pelos treinadores). Acrescendo o facto de que, em cativeiro os golfinhos parecerem diminuir a utilização dos sonares, comparativamente ao que acontece em águas livres, pelo facto de não terem necessidade de ecolocar para se alimentarem de seres vivos em movimento (Reinartz, 1998) e devido à reflexão dos sonares nas paredes dos tanques que os atordoa (Dolphin Project International, 2004 b). De qualquer modo, mesmo que se verifique que existe uma modificação nos EEG, ECG ou EMG depois da exposição do ultra-som dos golfinhos, isto não significa necessariamente que o mesmo tenha um efeito curativo. A esse respeito, Marino e Lilienfeld (2007) referem que, não existem, até à data, evidências científicas de que o sonar pode curar nem de que os golfinhos utilizam o sonar nos humanos de forma consistente. Em contraponto, pretendemos salientar que, apesar dos resultados obtidos nos estudos publicados em revistas científicas, carecerem de critérios importantes 12 para validação, parecem mostrar que esta é uma terapia da qual muitas pessoas poderiam beneficiar. Devendo, no entanto, ser alvo de uma melhor investigação que verifique a sua validade e replicação. Deverá também ser realizada por uma equipa multidisciplinar, com profissionais especializados, que trabalhem articuladamente entre si, com as terapias tradicionais e com as escolas. Desde que, como sempre defendemos, não confinem golfinhos em cativeiro. 2.1. Questões Éticas e Ecológicas sobre o Cativeiro “Nenhum parque marinho, independentemente do seu tamanho, pode reproduzir as condições do mar. E nenhum golfinho que neles habite pode ser considerado normal” (Cousteau, 1978, s/p). Em 2007 realizámos uma Revisão da Literatura sobre a Delfinoterapia, (Lopes, 2007)3, na qual expusemos as responsabilidades éticas e ecológicas de manter golfinhos em cativeiro. A nossa posição continua a ser, e cada vez mais, contra o cativeiro. Consideramos desumanas as aplicações desta terapia em delfinários, por maiores dimensões que apresentem, pois só o facto de se retirar o golfinho do seu habitat natural tem consequências desastrosas. Momento da Captura O momento de captura dos golfinhos é tão violento que a maioria dos golfinhos morre e as fêmeas abortam espontaneamente as suas crias devido ao stress que as afecta (Acuña, 2007). A caça de golfinhos, alimentada pela indústria de cativeiro, mata cerca de 2.000 golfinhos por ano, para além das dezenas de animais vivos que vão para os delfinários. Segundo a WDCS (2009), a remoção de golfinhos do habitat natural para o cativeiro pode ter sérias implicações para a sobrevivência da população atingida. A história da captura e matança no Japão, já começa a ser conhecida 3 Disponível em http://www.psicologia.com.pt/artigos/textos/TL0093.pdf 13 mundialmente, com a ajuda do documentário The Cove, vencedor do Óscar de melhor documentário do ano de 2009. Mas esta matança e captura continuam a ser a realizadas no Japão e noutros locais do mundo, nomeadamente em países como a Noruega, a Islândia e as Ilhas Faroe (Dinamarca). Relatos de um antigo caçador de golfinhos e veterinário do Aquário Nacional em Havana, Cuba, referem a sua participação em diversas capturas em Cuba e também no transporte de golfinhos de Cuba para o Caribe e para a Europa. Hoje reconhece que o processo de captura é desumano e referindo os seguintes factos a One Voice (2007, p.15) : “Os golfinhos não tinham hipótese de escapar. No momento em que se apercebiam que estavam encurralados, era tarde demais. Estavam exaustos e em choque. Nesta fase alguns morriam. Morriam de ataque cardíaco. As vítimas eram na sua maioria jovens. Morriam em poucos minutos (…). Entretanto, começávamos a subir os golfinhos vivos para o barco, para analisar o sexo e tamanho. Procurávamos golfinhos com medidas entre 1.80 e 1.90 m. Os golfinhos que não preenchiam estes critérios eram lançados à água. Naquele momento a situação era frequentemente caótica, havia muitos gritos e agitação. As mães cujos filhos tinham sido mortos tentavam empurrar os caçadores. Por vezes um golfinho ficava preso na rede, debaixo de água e não conseguia vir à superfície para respirar. (…) O golfinho preso na rede, apavorado, enredava-se ainda mais. Vi muitos golfinhos morrerem desta forma e isso ainda me assombra. A maioria dos golfinhos que capturávamos eram muito jovens, tinham menos de quatro anos. Um golfinho Roaz chega a ficar até aos seis anos com a sua mãe e o laço social entre eles é muito forte. Com quatro anos, um golfinho ainda precisa de ser protegido pela sua mãe. Mas uma mãe nada podia fazer para proteger o filho que nós levávamos, deixando para trás um grupo de golfinhos completamente desnorteado. Naturalmente que nós não falávamos publicamente sobre estas capturas mortais”. A WDCS (2009) refere que a captura de golfinhos pode ser especialmente problemática para a sobrevivência da espécie, uma vez que as fêmeas são as 14 preferidas para os programas de interacção, por serem consideradas menos agressivas para os seres humanos, do que os golfinhos machos. Transporte Depois de serem removidos do seu habitat natural e das suas famílias, os golfinhos são transportados durante muito tempo, por grandes distâncias e muitas vezes através de diferentes meios de transporte. Para além dos que morrem durante a captura, a taxa de incidência de morte de golfinhos roazes aumenta seis vezes depois da remoção do ambiente selvagem WDCS (2009). Uma vez confinados ao cativeiro Os golfinhos em cativeiro enfrentam graves problemas uma vez que as dimensões das instalações não lhes permitem ter o mesmo tipo de vida selvagem que o seu habitat natural lhes proporciona (Acuña, 2007). De acordo com o Dolphin Project International (2004 a), a esperança de vida dos golfinhos em cativeiro de 5,4 anos contrasta nitidamente com a dos seus parentes selvagens de 45 a 55 anos. Em alto mar os golfinhos nadam mais de 150 quilómetros, descendo a profundidades que em alguns casos alcançam os 500 metros. Este exercício permite-lhes manter um notável estado físico e cardiovascular (Ashcroft e Umbrella, 2003). Em cativeiro os cetáceos sofrem de stress, anormalidades de comportamento, mortalidade alta, e problemas de respiração (Birch, 1997). Os altos níveis de stress são a principal causa de morte dos cetáceos em cativeiro. Muitos suicidam-se golpeando a cabeça contra os muros ou rompendo os vidros dos aquários onde se encontram (Castello, Alaníz e Veja, 2000?). O Marine Mammal Inventory Report 2000, citado por One Voice (2007) refere que entre as causas de morte de golfinhos em cativeiro estão: o traumatismo, a eutanásia, a anorexia, a inadaptação, o stress ligado à captura, o choque e morte no decorrer da captura, a crise cardíaca, a má nutrição, a morte por um outro golfinho, o ataque por um outro animal, a intoxicação alimentar, entre outros. 15 Educação ambiental e respeito pelos animais Também quanto a questões de educação ambiental e de respeito pelos animais, podemos afirmar que os espectáculos de golfinhos e DT realizadas em cativeiro não são actividades educativas, bem pelo contrário. Os golfinhos realizam os espectáculos ou servem de reforço nas sessões de DT porque é a forma que têm de sobreviver. Como é referido por One Voice (2007), no habitat natural os golfinhos não jogam à bola, não passam através de arcos, nem comem peixe morto. Estes não são comportamentos naturais. Ao compararem a existência de um golfinho no seu meio natural e em cativeiro, concluem que o cativeiro se encontra no lado oposto das necessidades biológicas dos golfinhos e do bem-estar animal. A indústria internacional de cativeiro de golfinhos afirma que os espectáculos de golfinhos comportam um aspecto educativo. Porém, One Voice (2007) defende que devemos duvidar do valor educativo de uma atracção onde estes mamíferos marinhos são confinados a um espaço fechado onde não podem dar uso às suas capacidades naturais. Em contraponto estão também os autores Reeves e Mead (1999) ao referirem que os benefícios educacionais são relatos que não estão validamente suportados por estudos sociológicas Na verdade, do ponto de vista educativo, um dos grandes problemas é que estas exibições fazem o público acreditar que os golfinhos são animais de companhia que se podem acariciar e alimentar à mão. Induzidos no erro, as pessoas vão procurar reviver no mar, com golfinhos selvagens, a experiência que tiveram no delfinário (One Voice, 2007). E, verificando que nada acontece de forma semelhante, ficam decepcionadas e consideram a experiência que tiveram com golfinhos em cativeiro mais positiva, sem se aperceberem do que os animais sofrem fisiológica e psicologicamente para o entretenimento dos humanos. Ironicamente, são as características mais singulares dos golfinhos, que fazem com que nós os coloquemos numa prisão. Como refere o WDCS (2009) é a sua inteligência (que permite que aprendam “truques”), o seu sorriso natural (que é resultado da sua fisiologia e não se modifica quando estão tristes, 16 stressados ou violentos) e a sua natural sociabilidade, que os torna desejáveis para a exibição pública, No entanto, quanto mais aprendemos sobre eles como indivíduos, sobre os seus laços sociais e ao nível de espécie, mais se levanta a questão ética sobre se os podemos manter presos, no que para nós seria uma cela, para o nosso entretenimento. Assim, perante o exposto, entre defender a reabilitação de pacientes com NE e a espécie animal, defendemos a segunda. Os humanos têm capacidade para se defender e têm certamente outras terapias, porém os golfinhos não. A reabilitação de populações especiais pode beneficiar da DT realizada em mar alto, com animais selvagens, apesar das implicações de variabilidade de interacção. Mas este aumento de variabilidade, poderá tornar-se num enriquecimento de actividades dos programas de DT, como iremos referir na metodologia. 2.2. Características do Golfinho Uma vez que estamos a falar de uma terapia que utiliza um animal, precisamos conhecer quais as suas características e a sua anterior evolução para melhor compreender esta terapia e a razão da utilização deste animal em específico. 2.2.1. Cetáceos Apesar de serem abundantes as pesquisas científicas sobre os golfinhos e muito ter sido aprendido sobre eles, ainda existe desacordo relativamente a aspectos básicos, tais como os nomes das espécies e quantas existem (Ashcroft e Umbrella, 2003). A este propósito, Farinha e Correia (2003) afirmam que são consideradas 78 espécies de cetáceos, distribuídas por 13 famílias e 41 géneros. Estes biólogos afirmam que “ (...) a sua sistemática tem gerado acesa controvérsia e está longe de se apresentar na sua forma definitiva, pois 17 algumas famílias estão insuficientemente estudadas, suspeitando-se inclusivamente de novas espécies, embora os dados disponíveis não permitam ainda uma análise mais objectiva” (p.19). Em 2006, Sá e Bento afirmaram que a ordem Cetacea tinha 81 espécies conhecidas. Contudo, não há discórdia de que Baleias e Golfinhos são Cetáceos e que podem ser divididos em dois grupos: os Misticetas ou baleias de barbas (que inclui as grandes baleias consumidoras de plâncton) e os Odontocetas ou baleias de dentes (consumidores de peixes e inclui os delfinídeos, os golfinhosde-rio, os cachalotes, as baleias-de-bico, as baleias brancas e as toninhas) (Sá e Bento, 2006, Farinha e Correia, 2003, Ashcroft e Umbrella, 2003). Sem dúvida, nenhum deles é um peixe (Farinha e Correia, 2003, Ashcroft e Umbrella, 2003). De acordo com os primeiros autores anteriormente citados, foi em 1978 que o sueco Carl Linnaeus, pai dos modernos sistemas de classificação biológicos, os classificou entre os mamíferos. Como tal, são animais que regulam a sua temperatura interna por processos próprios e autónomos do ambiente externo (animais homeotérmicos ou de “sangue quente”), com respiração pulmonar e tal como todos os mamíferos, amamentam as suas crias através de glândulas mamárias (Farinha e Correia, 2003). Os mesmos autores referem que já no século 4 a.C., Aristóteles, tinha reconhecido que por estas duas últimas características não deveriam ser considerados peixes. Os cetáceos são mamíferos marinhos, independentes do meio terrestre, que respiram por um espiráculo único (Odontocetas) ou duplo (Misticetas) que se localiza no topo da cabeça (Sá e Bento, 2006, Farinha e Correia, 2003). Expiram um jacto de ar húmido (conhecido como sopro) e inspiram novo ar após um mergulho (Ashcroft e Umbrella, 2003, Sá e Bento, 2006) Desenvolveram sistemas acústicos complexos, tomando partido da eficiente propagação do som na água (Sá e Bento, 2006). Desenvolveram sofisticados mecanismos de adaptação ao meio aquático, designadamente linguagens 18 complexas e sistemas de comunicação apurados. Os seus antepassados terrestres entraram na água há cerca de 50 milhões de anos, realizando uma enorme sequência de adaptações evolutivas, culminando nas duas linhas de sobreviventes actuais (os Misticetas e os Odontocetas) (Farinha e Correia, 2003). Mas seria entre 34 e 24 milhões de anos atrás que, segundo os mesmos autores, se terão produzido as mais espectaculares transformações na evolução dos cetáceos, que determinaram a divergência evolutiva dos Misticetas e dos Odontocetas. Dentro dessas alterações os biólogos destacam as que influenciaram toda a estrutura do crânio e que estiveram relacionadas, na linha dos Odontocetas, com a evolução dos modernos sistemas de comunicação e localização, nomeadamente: “a formação de sacos especiais para movimentação de ar sob pressão, fora da cavidade nasal, para produção de vibrações sonoras; a formação de uma estrutura de gordura especial, designada por melão, para focar e direccionar os sons emitidos; e a diferenciação de finas porções ósseas da mandíbula para melhor captarem os ecos das vibrações, permitindo ao animal localizar a fonte dos ecos e orientarse” (Farinha e Correia, 2003, p.34). Os mesmos autores referem que a especialização neste sistema de comunicação que os dotou de um enorme sucesso adaptativo e que lhes permitiu o desenvolvimento de um sentido bastante apurado. Estes sistemas de orientação e detecção de presas por ecos são denominados na vasta bibliografia existente por ecolocalização, ecolocação, sonar ou biosonar. 2.2.2. Sonar do Cetáceo Os golfinhos e outras baleias de dentes, conseguem produzir e emitir cliques agudos. Quando estes cliques atingem um objecto, parte do som vai retornar num eco para o golfinho (Au, 1993). 19 Au (1993) explica que ao analisar o tempo que o eco demora a chegar, o golfinho consegue estimar a distância do objecto. É por esta razão que o sonar também é apelidado de ecolocalização, pois através da informação dos ecos, o golfinho consegue localizar o objecto.4 A ecolocalização consiste, então, na emissão de um feixe de sons agudos, geralmente na gama dos ultra-sons5 e na escuta do eco resultante da sua reflexão nos objectos. Tem como objectivo determinar a localização exacta de obstáculos e presas (Farinha e Correia, 2003). Au (1993) acrescenta que estes sons são produzidos nas passagens aéreas, localizadas na cabeça do animal e são emitidos através do melão. O melão é uma estrutura situada na testa do golfinho, constituída por lípidos, que actua como lente acústica para focar as ondas sonoras num feixe, o qual será projectado na água, à frente do animal. O mesmo autor explica que as ondas sonoras atingem os objectos e retornam ao golfinho em forma de eco, o que é captado pela mandíbula, que entretanto vibra e leva o som para o ouvido por meio dos lípidos acústicos (um tipo de gordura de composição química diferente da do corpo, que propaga as ondas sonoras). O eco chega então ao ouvido médio passando depois para o ouvido interno e em seguida para o cérebro, que analisa a altura e a forma do eco e cria uma “imagem acústica” capaz de distinguir distância, direcção, tamanho, forma, movimento e parte da estrutura interna do objecto. Farinha e Correia (2003) afirmam que a concentração da intensidade do som é de tal forma apurada, que certas espécies podem produzir pulsos sonoros extremamente potentes, para além dos 230 decibéis (os sons mais fortes de origem biológica), capazes de atordoar e mesmo matar peixes. A capacidade de descodificar a origem e características dos ecos sonoros resultantes dos sons emitidos permite que os cetáceos conseguiam formar uma “imagem acústica” muito pormenorizada dos objectos e topografia dos fundos à 4 5 Eco+localização Não detectado pelo ouvido humano. 20 sua volta, ao ponto de conseguirem detectar peixes escondidos debaixo da areia ou invisíveis nas correntes turvas e lamacentas dos rios ou algo do tamanho de uma laranja a 80 metros de distância (Farinha e Correia, 2003, Ashcroft e Umbrella, 2003). Farinha e Correia (2003) atestam que é um sentido é de tal forma orientador que já foram capturados cachalotes cegos, em boa forma física e bem alimentados, uma vez que este animal faz uso, quase exclusivamente, do seu sistema de ecolocação enquanto se alimenta nas aguas profundas e escuras Os cetáceos utilizam tanto as emissões audíveis como ultra-sónicas. Os sons pulsados são os cliques; os impulsos de explosão são meios de ecolocação, chilreios, risos; e os sons não pulsados são assobios e chios (Birch, 1997). Este autor refere também que os sons pulsados são sinais de banda larga de duração variável. Os ecos de retorno de ultra-som, produzidos pelos impulsos permitem ao golfinho construir uma imagem acústica dos objectos, identificando o tamanho, a forma e orientação. Os cliques são emitidos em intervalos de 19-45 milissegundos. O lapso temporal entre os estalidos permite ao golfinho identificar a distância que o separa do objecto ou presa em movimento (Au, 1993). As modificações espectrais do sinal, que deliberam a variação de sinais que correspondem a alvos específicos (Au, 1993) ainda não foram estudadas, lançando dúvidas sobre afirmações que sustentam que os golfinhos direccionam propositadamente o seu sonar terapeuticamente quando interagem com humanos doentes (Birch, 1997). Apesar disto, este mesmo autor, refere que os sujeitos, embora imobilizados, flutuando em posição dorsal durante as interacções, induziram a aproximação dos golfinhos sem terem sido solicitado pelos treinadores, que se posicionaram com o melão, a fonte do seu mecanismo sónico, por detrás do crânio do sujeito e colocando-o directamente junto dos lóbulos occipitais. O ultra-som utilizado num meio líquido, e a natureza altamente aquosa dos sistemas biológicos, produzem a junção efectiva entre os corpos imersos na água e os sinais ultra-sónicos. A diferente absorção e a reflexão das 21 características de vários tecidos de corpos permitem que ocorra o processamento da imagem. Ao utilizarem o sonar, os golfinhos detectam teoricamente uma estrutura de ossos densa e a reflexão de espaços de ar como parte das imagens ultra-sónicas dos encontros com humanos. O ultrasom médico usado por todo o mundo para monitorizar o feto, e imagens não invasivas das vísceras, constitui a parte médica deste processo (Margueree, 1991 citado por Birch, 1997). É de supor que a curiosidade possa fomentar este comportamento ecolocativo. O reflexo ultra-sónico dos ossos da estrutura humana podem ter algum interesse inexplicável para os golfinhos. Esta curiosidade parece limitada ao sistema biológico, uma vez que, como sustenta Birch (1997), este comportamento não se ocupa com outras superfícies reflectoras tais como paredes de cimento dos tanques. Ainda de acordo com este autor, os golfinhos podem utilizar explosões intensas de som para imobilizar ou matar a presa, o que indica conhecimento, da parte destes, dos possíveis efeitos do seu sonar. Defendendo ainda que este mecanismo não foi observado em golfinhos em cativeiro, uma vez que os sinais são reflectidos para o emissor pelas paredes do tanque e a sua dieta de peixe morto não requer este comportamento de predador. Foi observado que quando utilizam o sonar, procuram não comunicar quando próximos de outro cetáceo. As gravações da alimentação dos golfinhos produzem sons altos de baixa frequência durante 200 microsegundos, 100 vezes mais longos do que os trens de ecolocalização que os precedem (Anderson, 1997, citado por Birch, 1997), o que ilustra a possibilidade dos cetáceos terem consciência ou de entenderem instintivamente o impacto das suas emissões sónicas em outros seres (Birch, 1997). 2.3. Modelos Explicativos do Mecanismo Terapêutico Apesar de ainda não terem identificado os factores causadores do fenómeno (AquaThought Foundation, 1997) apontam-se três possíveis explicações para tal mecanismo que de seguida passamos a explicar. 22 Os dois primeiros modelos por nós abordados explicam os resultados positivos alcançados pela DT através de mecanismos psicológicos, enquanto que o terceiro se baseia em mecanismos bioquímicos mais complexos, ocorridos num nível particular da organização biológica, com efeitos observáveis fomentados por combinações de acontecimentos moleculares (Birch 1997). O último modelo apoia-se nas modificações neurológicas que parecem ocorrer durante a interacção com os golfinhos, que, segundo os defensores desta teoria, se devem ao efeito do sonar utilizado por estes cetáceos. O ponto mais polémico entre biólogos e terapeutas parece incidir, precisamente, no potencial benefício do sonar nos pacientes. 2.3.1. Modelo de Modificação do Comportamento Nathanson (1980), fundador da Dolphin Human Therapy, Inc., lançou formalmente o aspecto empírico do tema ao investigar as aplicações físicas e cognitivas da terapia com golfinhos, em crianças com NE. Focando-se na hipótese de Défice de Atenção para explicar as dificuldades de aprendizagem e motivação de indivíduos com deficiência, Nathanson sugeriu que a luta no processo de aprendizagem de alguns indivíduos portadores de deficiência mental se deve principalmente a um défice na atenção fisiológica em dimensões relevantes de estímulos, e não a uma deficiência no processamento de informação (Sokolov, 1963, Zeaman e House, 1963, citados por Nathanson et al., 1997). Nathanson concluiu que nestes indivíduos a aprendizagem pode ser estimulada por períodos iniciais de exposição extensiva de estímulos relevantes, para extrair um comportamento indicador de que a aprendizagem tenha ocorrido (Moskowitz e Lohmann, 1970, Lewis e Harwitz, 1968, citados por Nathanson et al., 1997). Identificando a afinidade das crianças com animais, Nathanson baseou-se nisso para atrair a sua atenção (Hypertek Features, 2004). Os avanços significativos comportamentais em indivíduos com défice emocional ou cognitivo são descritos em terapias que envolvem animais domésticos (Limond, Bradshaw e Cormack, 1997). A pesquisa que investiga a 23 ligação humana com os animais e os efeitos no desenvolvimento de processos, tais como a fala, a linguagem e a memória na população com défice cognitivo, confirma o princípio de Nathanson, que refere que os animais parecem fazer aumentar a atenção e podem ser úteis para melhorar os processos cognitivos (Nathanson, 1980,1989). Nathanson formulou este protocolo na hipótese de que o foco de atenção iria aumentar como resultado do desejo de interagir com os golfinhos. O modo de aprendizagem dos cetáceos, similar à capacidade humana, a audição discriminatória superior, a memória de curta duração bem desenvolvida, a grande capacidade de manter interesse numa tarefa e a modificação do comportamento, asseguram uma maior capacidade de atenção, mantendo mais eficazmente o animal como uma recompensa (Nathanson et al., 1997). Os cetáceos são utilizados como recompensa para respostas desejadas a nível cognitivo, físico ou afectivo. O objectivo deste programa é a motivação, com comportamentos específicos relacionados com a fala, com a linguagem, com grandes ou pequenos movimentos motores, com o desenvolvimento, encaminhamento ou conceptualização do pensamento. É exigido às crianças que desempenhem tarefas que as desafie na área do seu défice. Quando uma tentativa é alcançada ou uma resposta é correcta, a criança é recompensada com um encontro com um golfinho. Apesar da administração regular e a longo termo da DT não ser fiável, a utilização dos golfinhos como forma de motivação parece provocar níveis altos de funcionamento, complementando e reforçando uma assistência mais convencional (Nathanson, 1995). Após o recomeço da terapia regular, esta concentração reforçada permite um maior processamento de informação e resultados na aprendizagem acelerada (McCulloh, 1998). 2.3.2. Modelo Psiconeuroimunológico Horace Dobbs (1990), médico britânico e criador do International Dolphin Watch, procura aliviar a depressão crónica com esta intervenção, e também documentar cronologicamente as melhorias sobre anorexia nervosa e outras 24 doenças psiquiátricas. A sua incapacidade para explicar o mecanismo não o preocupa. O seu interesse é reconhecer os vários candidatos que possam beneficiar de um encontro com um golfinho, mas que ainda não tenham tido a possibilidade de experimentar. Assim surgiu a Operação Sunflowers, um projecto que constituía na investigação das capacidades terapêuticas dos golfinhos. Dobbs atribui as melhorias à doutrina clássica psiconeuroimonulógica explicando que as queixas físicas, incitadas por processos psicológicos, podem ser reversíveis por mediadores psicogéneos6. Mediadores psicogéneos funcionam como intermediários que permitem obter reacções no organismo (felicidade, depressão, sorrisos, relaxamento, etc), existindo uma explicação bioquímica para este fenómeno. Estas reacções são inicialmente comandadas pelo nosso sistema nervoso central (SNC), sendo depois conduzidas através do sistema nervoso periférico (SNP), culminando na estrutura muscular onde se efectuam as tais reacções visíveis que ditam o nosso comportamento. De forma simplificada, depreende-se que, para que ocorram certas sensações no nosso organismo é necessário que algo as produza. Podendo ser de natureza variada, tais como substâncias que estimulem as sinapses ao nível das células nervosas e permitam a condução do estímulo nervoso central até ao sistema nervoso periférico, ou a produção de substâncias por glândulas, tais como a adrenalina ou a histamina. Estes compostos bioquímicos são intervenientes em reacções químicas, que ditam o nosso comportamento. Desde o sistema nervoso central até aos órgãos efectores, existe uma presença constante destes mediadores, podendo ainda haver uma influência externa muito grande na libertação destes nas reacções químicas (P. F. Lopes, 6 Psicogénico é algo que tem origem no cérebro e que, através das sinapses que existem nas células nervosas (SNC), provocam reacções no nosso organismo (SNP). 25 comunicação pessoal, 22 Maio 2007). Através da explicação de Lopes (2007) podemos encontrar uma possível razão para as modificações ocorridas através da DT. A interacção com golfinhos tem mostrado ser uma influência externa positiva na modificação psiconeuroimunológica de pacientes com NE. Os seus primeiros trabalhos foram realizados com golfinhos selvagens mas, actualmente, Dobbs acredita que as experiências auto-relatadas de transformação que os golfinhos provocam nos pacientes podem ser recriadas por imagens e sons de golfinhos, aumentando também a possibilidade de assistir mais pacientes. Defende que isto também pode ser estimulado por imagens e sons de golfinhos (Whale-Watching-Web, 2007). No seu ponto de vista, a presença de golfinhos não é crucial para ocorrer a cura (The Virtual Dolphin Project, 1998). O modelo explicativo seguinte pode também constituir um complemento explicativo das alterações psiconeuroimonulógicas observadas por Dobbs. 2.3.3. Modelo Neurofisiológico Existe uma hipótese que defende que o ultra-som da ecolocação dos sonares dos golfinhos possa ter um efeito terapêutico (Cole, 1996, Birch, 1997). Pesquisas que mapearam a actividade cerebral dos pacientes através de um sistema de EEG, antes e depois de nadarem com golfinhos, revelaram que depois desta interacção, a actividade cerebral se encontrava modificada (AquaThought Foundation, 1997). A hipótese da sincronização dos hemisférios cerebrais é um modelo interessante para examinar as afirmações da terapia com golfinhos, particularmente as experiências de Horace Dobbs com depressivos7 (Birch, 1997). 7 (ver modelo explicativo anterior). 26 Algumas doenças psicológicas e psicossomáticas são causadas pela desregulação das hormonas. Cole (1996) e Birch (1997), defendem que o ultrasom dos golfinhos tem um efeito mecânico ou electromecânico no sistema endócrino dos humanos, estimulando-o positivamente, assemelhando-se ao mecanismo ao utilizado por aparelhos de tratamento com ultra-sons. Os golfinhos estão aptos a manipular os impulsos de ultra-sons que geram e podem produzir ressonância (Au, 1993, Moore e Pawloski, 1990). Experiências em ratos mostraram que a ressonância ou vibração tem influência em diferentes hormonas neurofisiológicas e as hipóteses de Birch e Cole sobre o som dos golfinhos poder ter um efeito no sistema endócrino dos humanos foram baseadas nesta experiência (Brensing et al., 2003). Este modelo explicativo também explica os efeitos de alívio da dor pela interacção do golfinho (Birch 1996) e suscitou sugestões de possíveis aplicações do ultra-som no tratamento do cancro (Jeffers et al., citados por Cole 1996). Contudo, ainda não está cientificamente provado que os golfinhos utilizam o sonar de forma consistente nos humanos, nem que o sonar possa ter efeitos curativos (Brensing et al. 2003, Marino e Lilienfeld, 2007). Existe outra possibilidade de impacto do ultra-som em pacientes, que é o chamado efeito piezoeléctrico (Brensing et al., 2003). Estes investigadores citam Klug e Knoch (1986) e Duarte (1983) que explicam que este efeito é um impulso eléctrico causado por um estímulo mecânico como o produzido, por exemplo, pelo ultra-som em estruturas ósseas. Consequentemente, existe a possibilidade do cérebro ser irritado pelos impulsos piezoeléctricos no crânio, o que poderá levar a alterações do electroencefalograma (EEG) (Brensing et al., 2003). 27 28 3. Contexto Histórico da Inclusão A pessoa considerada “diferente” sempre foi colocada à margem da sociedade. “A sociedade, em diferentes épocas e culturas, foi tomando diversas atitudes face à problemática da deficiência. Esta, não pode ser vista como uma selecção dos normais mas sim, um espaço onde todos os seus membros mereçam igual respeito e iguais oportunidades de adaptação e realização psicossocial” (Silva, 1993, p.218). Macedo (2008), refere que na nossa cultura, a palavra "deficiente" 8 tem um significado muito estigmatizante, onde a aparência de normalidade ou a invisibilidade do desvio em relação à norma são os principais elementos que podem determinar a inclusão ou a exclusão social. Desde os tempos mais remotos da civilização que a pessoa que não se inseria dentro da norma foi encarada pelas sociedades de maneira diferente em função dos factores económicos, sociais ou culturais vividos em cada época (Carvalho, 2005). Desde o infanticídio com bebés deficientes em Esparta, até às pessoas consideradas possuídas pelo demónio e abandonadas em florestas, durante a Idade Média, os indivíduos com deficiência, eram considerados seres-objectos (Silva, 2004). Nos séculos XVII eram considerados produtos de transgressões morais e nos séculos XVIII e XIX, criminosos ou loucos, levando-os a ser internados em hospícios (Carvalho, 2005). Sabe-se que a criança “diferente” foi, ao longo dos anos, incompreendida e rejeitada pela sociedade em geral, muitas vezes até pela própria família que as escondia com vergonha ou receio do que poderiam enfrentar. Houve quem se aproveitasse dos indivíduos com deficiências, outros temiam-nos e havia ainda quem os aniquilasse como se se tratasse de alguma doença (Silva, 2004). 8 Em 1978, o termo deficiente foi substituído pelo conceito de NEE, com o Warnock Report, como teremos a oportunidade de referir mais adiante. No entanto, nesta Revisão da Literatura, mencionamos o termo deficiência, tendo em conta que era o termo utilizado por alguns autores citados. 29 Pereira (1988, p.18) diz-nos ainda que “até ao século XIX, poucas tentativas foram feitas para educar deficientes”. Todas as crianças que nasciam com uma deficiência eram “suprimidas”, sendo muitas vezes consideradas como “um perigo”. A autora aponta-nos como exemplo o cego, que era considerado como que “possuído por um espírito maligno, tornando-se assim um objecto de temor religioso” (p.18); mas havia também aqueles que “acreditavam que possuía uma visão sobrenatural baseada numa capacidade de comunicação com os Deuses” (Pereira, 1988, p.19). Receios, medos, superstições, frustrações, exclusões e separações, preenchem lamentavelmente vários exemplos históricos de sociedades passadas que desenvolveram quase sempre obstáculos à integração das pessoas com deficiências (Fonseca, 1979). No entanto, como é referido por Moreira (2004), este tipo de pessoas foram alvo de interesse de alguns estudiosos, que tentaram mostrar que seria possível socializá-las, passando então a serem consideradas como pessoas educáveis. Segundo Madureira e Leite (2003), a partir dos finais do século XVIII e início do século XIX, surge a noção de que a sociedade era responsável pela protecção e apoio à população deficiente, dando origem a instituições especializadas para a deficiência. Para Jiménez (1997, p.22) “ a sociedade toma consciência da necessidade de prestar apoio a este tipo de pessoas embora esse apoio se revestisse, a princípio de um carácter mais assistencial do que educativo”. Moreira (2004) refere que o que regia estes ideais era o facto de que a sociedade devia proteger a pessoa “normal” da “não normal”. A sociedade considerava as pessoas “não normais” como uma ameaça para a sociedade e, para tal, era necessário proteger os “não normais” dessa sociedade. Foi por estas razões que se abriram instituições especializadas para deficientes, longe das populações. 30 Durante este período desenvolveram-se vários trabalhos de natureza científica, nos quais em que se procurava diferenciar os tipos e graus de deficiência, definição de métodos e técnicas de avaliação (Moreira, 2004). Segundo Madureira e Leite (2003), Pinel escreveu os primeiros tratados sobre o atraso mental, Esquirol apontou diferenças entre o idiotismo e o atraso mental, Itard estudou a deficiência auditiva e mental e acompanhou o caso de Aveyron, Séguin estudou a deficiência mental e desenvolveu propostas de educação para esta população A partir do século XIX verifica-se uma mudança de uma perspectiva assistencial para uma perspectiva clínica, percebendo-se uma preocupação com questões terapêuticas e também educativas (Moreira, 2004). A autora refere que foi com a Declaração Universal dos Direitos da Criança (1921), a valorização dos Direitos Humanos (1948), as consequências culturais do fim da 2ª Guerra Mundial e o aparecimento de opiniões variadas sobre a questão da segregação como alvo indesejável, que se iniciaram as primeiras experiências de integração. Os indivíduos com deficiência passaram a ser considerados como possuidores dos mesmos direitos dos outros cidadãos, entre eles o direito à participação na vida social e à sua consequente integração escolar e profissional. Jiménez (1997) refere que o século XX se caracterizou pela obrigatoriedade e expansão da escolarização básica. Através deste aumento significativo da frequência escolar, foram detectados muitos alunos com deficiências que não lhes permitiam o acompanhamento do ritmo normal da restante classe. Baseados no diagnóstico do Quociente Intelectual (QI), os alunos com níveis de capacidade intelectual inferior foram então retirados das escolas. Surge, entretanto, a educação especial institucionalizada, com escolas especiais que se diferenciam em função das diferentes etiologias das deficiências. No final da década de 50, este tipo de escolas são rejeitadas. A este propósito, Jiménez (1997, p.25) refere que “(…) as escolas especiais proporcionavam às crianças deficientes um ambiente demasiado restrito, que resulta 31 empobrecedor e contraproducente do ponto de vista educativo”. A partir da década de 60, as modificações sociais, políticas, económicas e culturais da sociedade, exerceram uma influência decisiva na denominada Educação Especial, desenvolvendo-se novas abordagens pedagógicas (Moreira, 2004). Em 1975, a Public Law 94-142, The Education for All Handicapped Children Act, aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos da América, fez despoletar conceitos como igualdade de oportunidades, direito à mudança, direito à diferença (Carvalho, 2005). Esta lei é referida por diversos autores (Correia, 1997, Nielsen, 1999, Rodrigues, 2001) e teve como principais componentes: a educação pública e gratuita para todas as crianças com deficiência; garantia de um processo educativo adequado (identificação, colocação e avaliação dos alunos); avaliação exaustiva e práticas de testagem adequadas à condição da criança e não discriminatórias quer racial, quer culturalmente; colocação da criança no meio menos restritivo possível que satisfizesse as suas necessidades educativas; elaboração de Planos Educativos Individualizados (PEI) revistos anualmente por professores, pais e órgãos de gestão da escola; formação de pessoal; desenvolvimento de materiais adequados e envolvimento parental no processo educativo da criança (Carvalho, 2005). No que concerne à educação, o conceito de Necessidades Educativas Especiais (NEE) foi introduzido pela primeira vez em Inglaterra, pelo Warnock Report (1978), de Mary Warnock. Este relatório propôs o abandono das categorias de deficiências, substituindo-os pelo conceito de NEE. Referia que as NEE dependiam de vários factores e não pressupondo necessariamente a existência de uma deficiência, podendo, contudo agravar-se se não existir uma intervenção educativa adequada. Segundo Warnock (1978), NEE são aquelas que requerem: meios especiais de acesso ao curriculum através de equipamento, instalações ou recursos, modificações do meio físico ou técnicas de ensino especial; acesso a um curriculum especial ou adaptado; atenção especial à estrutura social e ao clima emocional nos quais se processa a 32 educação. A expressão NEE vem responder ao princípio da progressiva democratização das sociedades, reflectindo na filosofia da integração e proporcionando igualdade de direitos, no que diz respeito à não discriminação tendo em conta as características intelectuais, sensoriais, físicas e socioemocionais da crianças e do adolescente em idade escolar (Correia, 2008). Em 1990, a lei Individuals with Disabilities Education Act (IDEA), vem substituir a Public Law 94-142, que, para além de conter as componentes essenciais da anterior lei, passa também a: requerer que as escolas se envolvam activamente na transição do aluno com NEE para a vida activa; incluir as categorias de autismo e traumatismo craniano; usar o termo disability, em vez de handicap (Carvalho 2005). 3.1. Inclusão em Portugal Correia (2008), refere que em Portugal, antes da década de 70, os alunos com NEE eram praticamente excluídos do sistema regular de ensino. Até essa altura, os alunos tinham como recurso educativo a classe especial, a escola especial ou as instituições particulares de solidariedade social. Foi só com a publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo, lei nº 46/86 de 14 de Outubro, nomeadamente com o art.º 7, que se transformou a educação integrada em Portugal. Esta lei decretou como um dos seus objectivos: “assegurar às crianças com NEE devidas, designadamente deficiências físicas e mentais, condições adequadas ao seu desenvolvimento e pleno aproveitamento das suas capacidades”. Refere ainda que a recuperação e integração socioeducativas destes alunos são do âmbito da educação especial (uma das modalidades especiais de educação escolar). Surge posteriormente o Decreto-Lei nº 319/ 91, de 23 de Agosto que define o regime jurídico da autonomia da escola, o qual menciona que as escolas de 2º e 3º ciclos do ensino básico e secundário passam a dispor de um suporte legal 33 para organizar o seu funcionamento no que diz respeito aos alunos com NEE. Correia (2003) refere que este Decreto-Lei (DL), entre outros aspectos, veio: introduzir o conceito de NEE baseado em critérios pedagógicos (propondo assim a descategorização); privilegiar a máxima integração do aluno com NEE na escola regular; responsabilizar a escola pela procura de respostas educativas eficazes; reforçar o papel dos pais na educação dos filhos, determinando direitos e deveres; proclamar o direito a uma educação gratuita, igual e de qualidade, para os alunos com NEE. Em 1994, a Declaração de Salamanca vem promover o objectivo da “Educação para Todos”, examinando as mudanças fundamentais de política necessárias para desenvolver a abordagem da educação inclusiva, nomeadamente, capacitando as escolas para atender todas as crianças” (…) “qualquer que seja a origem, natureza e gravidade das suas deficiências e dificuldades, as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos fundamentais que os seus concidadãos da mesma idade”. Reafirma que todas as crianças têm direito à educação e que o princípio orientador deste enquadramento “consiste em afirmar que as escolas se devem ajustar a todas as crianças, independentemente das suas condições físicas, sociais, linguísticas ou outras” e o de ser “capaz de desenvolver uma pedagogia centrada nas crianças”, “assumindo que as diferenças humanas são normais e que a aprendizagem deve ser adaptada às necessidades da criança”. O princípio fundamental das escolas inclusivas, segundo a Declaração de Salamanca (1994), “consiste em todos os alunos aprenderem juntos, sempre que possível, independentemente das dificuldades e das diferenças que apresentam”. Caberia então às escolas reconhecer e satisfazer as necessidades dos alunos e adaptar-se aos diferentes estilos e ritmos de aprendizagem, de modo a garantir um bom nível de educação para todos. A Declaração de Salamanca considera que no grupo de crianças e jovens com NEE terão de incluir-se crianças com deficiência ou sobredotadas, crianças de rua ou crianças que trabalham, crianças de população remota ou nómada, 34 crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de áreas ou grupos desfavorecidos ou marginais. A inclusão refere-se à oportunidade que as pessoas portadoras de deficiência têm de participar plenamente nas actividades educacionais, de emprego, de consumo, de recreação, específicas do quotidiano social. O parecer nº3/99 do Conselho Nacional de Educação diz-nos que a Escola Inclusiva “é um sistema de educação e ensino onde os alunos com necessidades especiais, incluindo os alunos com deficiência, são educados na escola do bairro, em ambientes de salas de aula regulares, apropriado para a idade, com os colegas que não têm deficiência e onde lhe são oferecidos ensino e apoio de acordo com as suas capacidades e necessidades individuais” (Diário da República, p. 2380). A inclusão tem assim, o apoio do princípio de igualdade da Constituição Portuguesa. O objectivo do processo educativo é o desenvolvimento e a formação global de todos, em condições de igualdade de oportunidades, no respeito pela diferença e autonomia de cada um. Desta forma, a escola desempenha um papel importante e fundamental no processo de inclusão. E as actividades desportivas oferecidas pela escola não estão à parte desta escola inclusiva, bem pelo contrário, devem assumir-se como um factor dominante deste processo (Moreira, 2004). Segundo Pina (1997, p.256), “a nossa Escola não pode ser uma escola parada no tempo, cultivando e preservando valores ultrapassados, mas, uma escola de características prospectivas, assimilando rapidamente novas ideias, novas filosofias, novas realidades. Esta escola é uma escola dinâmica. É uma escola com projecto, com identidade”. Também no que se refere a esta necessidade dinâmica e de identidade, Pires (1991, p.28, citado por Moreira, 2004) diz que através do Desporto Escolar as escolas “podem encontrar um espaço de criatividade que pode ser cultivado em função das suas próprias características, bem como das condicionantes das regiões onde estão inseridas”. 35 O Desporto Escolar poderá fomentar uma oferta adequada às características da população escolar. Numa comunidade escolar inclusiva, este poderia apresentar um projecto com equipas em que participam alunos com NEE ou até uma equipa formada apenas por alunos com NEE, não esquecendo que existem várias formas de participação (Moreira, 2004). 3.2. Situação Actual Mais recentemente, foi publicado o DL 3/2008 de 7 de Janeiro que circunscreve a população-alvo da educação especial aos alunos com limitações significativas ao nível da actividade e da participação num ou vários domínios da vida, decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de carácter permanente, resultando em dificuldades continuadas ao nível da comunicação, aprendizagem, participação mobilidade, social. Este autonomia, Decreto relacionamento inter-pessoal define os direitos e deveres e dos pais/encarregados de educação no exercício do poder paternal e veio introduzir os procedimentos a ter no caso em que estes não exerçam o seu direito de participação. Segundo Correia (2008b) este DL contem pontos positivos dos quais destacamos: a obrigatoriedade da elaboração de um programa educativo individual (PEI) para os alunos com NEE permanentes, o que aliás, já era consignado no DL 319/ 1991, de 23 de Agosto; a promoção da transição dos alunos com NEE permanentes para a vida pós-escolar; a confidencialidade de todo o processo de atendimento a alunos com NEE permanentes; e a criação de departamentos de educação especial nos agrupamentos (os quais, anteriormente, estavam inseridos no departamento de expressões, sem explicação plausível). Como pontos negativos, referidos pelo mesmo autor, destacamos: a exclusão de grande parte dos alunos com NEE permanentes; a não operacionalização de conceitos de inclusão, de educação especial e NEE, conduzindo às mais 36 variadas interpretações; atribuição da responsabilidade do PEI para os docentes do ensino regular ou directores de turma, quando a literatura refere que deve ser coordenado pelo docente de educação especial; uso frequente do termo “deficiência”, deixando entender o seu cariz clínico, quando, em educação, se utiliza o termo NEE desde 1978; a obrigação do uso da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) para determinar a elegibilidade e consequente elaboração do PEI das crianças com NEE. Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) A CIF foi publicada em 2003, pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Pertence à “família” das classificações internacionais desenvolvida pela OMS para aplicação em vários aspectos da saúde. Segundo a OMS (2003), tem como objectivos: i) estabelecer uma linguagem comum para a descrição da saúde e dos estados relacionados com a saúde, para melhorar a comunicação entre diferentes utilizadores (tais como, profissionais de saúde, investigadores, políticos e decisores e o público, incluindo pessoas com incapacidades); ii) utilização em todo o mundo, entre várias disciplinas e ciências, permitindo a comparação de dados entre países e em diferentes momentos e ao longo do tempo; iii) proporcionar uma base científica para a compreensão e o estudo dos determinantes da saúde, dos resultados e condições relacionadas com a saúde; iv) proporcionar um esquema de codificação para sistemas de informação de saúde. Segundo a OMS (2003) é considerada uma ferramenta valiosa para a descrição e a comparação da saúde das populações num contexto internacional. Estes objectivos estão inter-relacionados uma vez que a necessidade de aplicar e utilizar a CIF requerem a construção de um sistema prático e útil que possa ser aplicado por vários utilizadores na área da saúde, na garantia da qualidade e na avaliação de resultados em diferentes culturas. 37 Foi aceite como uma das classificações sociais das Nações Unidas, sendo mencionada e estando incorporada nas Regras Uniformes para a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Incapacidades (Farias, Buchalla, 2005) e, segundo a OMS (2003), tem sido utilizada: i) como uma ferramenta estatística (na colheita e registo de dados), ii) como uma ferramenta na investigação (para medir resultados, a qualidade de vida ou factores ambientais); iii) como uma ferramenta clínica (para avaliar necessidades, compatibilizar os tratamentos, avaliar as aptidões profissionais, a reabilitação e os resultados); iv) como uma ferramenta de política social (no planeamento de sistemas de segurança social, de sistemas de compensação, nos projectos e no desenvolvimento de políticas e; v) como uma ferramenta pedagógica (na elaboração de programas educacionais). A CIF classifica os processos de funcionalidade e de incapacidade de um indivíduo, que são resultantes da interacção entre uma condição de saúde e os factores do contexto pessoal e ambiental, em três categorias, denominadas (1) Funções e Estruturas do Corpo, e (2) Actividades e (3) Participação. Nesse modelo, as três categorias são interdependentes e todas sofrem influências dos factores do contexto (Farias e Buchalla, 2005). Esta classificação permite descrever situações relacionadas com a funcionalidade do ser humano e as suas restrições e serve como enquadramento para organizar esta informação. Ela estrutura a informação de maneira útil, integrada e facilmente acessível. Não se refere unicamente a pessoas com incapacidades, aplica-se a todas as pessoas OMS (2003). Segundo a CIF, os componentes de funcionalidade referentes à actividade e à participação descrevem as actividades diárias desempenhadas pelo indivíduo e o envolvimento dele em situações de vida (Farias e Buchalla, 2005), agrupando sistematicamente diferentes domínios de uma pessoa com uma determinada condição de saúde, isto é, o que uma pessoa com uma determinada patologia faz ou pode fazer. De acordo com esse modelo, o ambiente em que o indivíduo actua pode agir 38 como facilitador ou como barreira para o seu desempenho funcional e social, devendo portanto ser considerado no processo terapêutico (Sampaio, Mancini, Gonçalves, Bittencourt, Miranda, Fonseca, 2005). Critica à utilização da CIF na Educação Os especialistas em educação especial insurgem-se contra o uso da CIF num contexto educativo uma vez que esta confunde deficiência com NEE, não estando adaptada às crianças. O modelo de classificação é unicamente clínico e ignora o contexto educativo (Sousa, 2008). A autora refere que o Fórum de Estudos de Educação Inclusiva (FEEI), num documento subscrito por 19 instituições do Ensino Superior do País, defende que “usar uma classificação de funcionalidade oriunda da saúde para efeitos educacionais pode tornar-se problemático”. A CIF é um instrumento clínico, para a identificação de uma deficiência e por esta razão o FEEI critica a CIF como método de identificação de alunos com NEE, referindo que se sabe que “quem tem uma condição de deficiência pode não ter NEE e vice-versa, ou seja, as NEE não ocorrem só em pessoas com condição de deficiência” (FEEI, s/p, citado por Sousa, 2008). Correia (2008b) é da mesma opinião referindo que, ao obrigar a utilização da CIF, o DL 3/2008, utiliza a classificação para adultos, uma vez que não se refere à CIF-CJ (crianças e jovens). Acrescenta ainda que esta classificação não pode sobrepor-se aos instrumentos que os professores e técnicos especializados já utilizam; carece ainda de muita investigação para se poder garantir a sua utilidade; trata-se apenas de um sistema de classificação (uma cheklist) e por esta razão tem de sustentar forçosamente os resultados das avaliações realizadas pelos elementos de uma equipa interdisciplinar. Ainda segundo a opinião deste autor, mesmo que se argumente que a CIF pode ser um instrumento aglutinador de determinada informação, proporcionando uma linguagem universal, em matéria de educação mantém a 39 posição de “que o seu uso é totalmente desnecessário, uma vez que o objectivo não é comparar as capacidades e necessidades de alunos com NEE permanentes, mas responder individualmente às necessidades de cada um deles (cada caso é um caso) através da elaboração de um PEI” (Correia, 2008b, s/p). Por estas razões o autor conclui que, se se pretende utilizar a CIF como sistema de classificação, então que se use na investigação, mas nunca na educação. 40 4. Necessidades Especiais Todas as pessoas, ao longo da sua vida, precisam de ajudas, sejam elas do tipo humano ou material para alcançar as metas. Há, no entanto, aqueles que, para além disto, necessitam de outro tipo de ajudas menos comuns, isto é, têm necessidade de ajudas especiais para alcançar as metas propostas, o mesmo é dizer que têm Necessidades Especiais. Alunos com NE são alunos com características, capacidades e necessidades que obrigam a Escola a organizar-se no sentido de criar respostas educativas eficazes que permitam que esses alunos atinjam o sucesso. As NE dizem respeito a um conjunto de factores, de risco ou de ordem intelectual, emocional e física, que podem influenciar a capacidade de um aluno em atingir o seu máximo potencial relativamente a aprendizagem académica e sócioemocional. Estes factores podem ser mais ou menos visíveis e podem afectar uma ou mais áreas do funcionamento do aluno (Correia, 2008). Dentro das NE, Correia (2008) realiza a distinção entre alunos em “Risco Educacional”, crianças com “Sobredotação” e alunos com “Necessidades Educativas Especiais”. 4.1. Alunos em “Risco Educacional” São alunos que apresentam características que podem conduzir a problemas de aprendizagem ou de comportamento, salientando-se os alunos em risco de abandono escolar, utilizadores de drogas ou álcool, provenientes de ambientes socioeconómicos ou socioemocionais desfavorecidos, de minorias étnicas, gravidez na adolescência, negligência, abuso, entre outros (Correia, 2001, 2008, Nielsen 1999). Caso não sejam atendidos através de uma intervenção adequada, estes alunos podem vir a ter sérios riscos em termos académicos e sociais. Estes alunos 41 têm um conjunto de necessidades especiais que precisam de uma maior atenção do professor do ensino regular. Pelo menos inicialmente, não devem ser encaminhados para os serviços de educação especial. Cabe ao professor do ensino regular a responsabilidade de dar resposta às necessidades dos alunos em risco, tendo para isso, de recorrer a um conjunto de modificações ambientais e adaptações curriculares relativas às suas características (Correia, 2008). 4.2. Alunos com Sobredotação Alunos sobredotados, são aqueles que, identificados por profissionais qualificados, são capazes de atingir um alto rendimento, devido a um conjunto de aptidões excepcionais. Embora possam não vir a demonstrá-lo, geralmente possuem um potencialidade elevada numa ou mais das seguintes áreas: capacidade intelectual geral; aptidão académica específica; pensamento criativo ou produtivo; capacidade de liderança; artes visuais ou representativas; capacidade psicomotora (Correia, 2008). Renzulii (1977, citado por Correia 2001, 2008) identifica os alunos sobredotados como aqueles que possuem uma capacidade intelectual significativamente acima da média, níveis superiores de criatividade e um nível elevado de motivação que leva a um desempenho excepcional de tarefas, conduzido por uma persistência continuada. Estas crianças ou adolescentes requerem programas e/ ou serviços educativos específicos, da designada “Educação para a sobredotação”, diferente dos programas escolares normais, para que lhes seja possível maximizar o seu potencial, no sentido de virem a prestar uma contribuição significativa, quer para si próprios, quer para a sociedade em que se inserem (Correia, 2008). 42 4.3. Alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) Os alunos com NEE, são alunos com problemas sensoriais, físicos e de saúde, intelectuais e emocionais e, também, com dificuldades de aprendizagem específicas (factores processológicos/de processamento de informação), derivadas de factores orgânicos ou ambientais (Correia 1993, 1997, 2003, 2008), como se pode observar no quadro 1. Quadro 1 – Problemáticas Associadas às NEE, adaptado de Correia (2008, p.45) Necessidades Educativas Especiais (NEE) Dificuldades de Físicas Sensoriais Intelectuais Emocionais Aprendizagem Específicas O conceito NEE abrange alunos que não acompanham o currículo normal, sendo necessário realizar adequações/adaptações curriculares mais ou menos generalizadas. Por exibirem determinadas condições específicas 9, podem necessitar de apoio dos serviços de educação especial, de acordo com o quadro em que se insere a problemática do aluno, durante todo ou parte do seu percurso escolar, de forma a facilitar o seu desenvolvimento académico, pessoal e socioemocional (Correia 1997, 2003, 2008). A este propósito, Brennan (1988) afirma que estamos perante uma NEE quando a aprendizagem é afectada ao ponto de serem necessários acessos especiais ao currículo, ao currículo especial ou modificado, ou condições de aprendizagem adaptadas (devido a um problema físico, sensorial, intelectual, emocional, social ou uma combinação destas problemáticas). Esta necessidade educativa pode ser permanente ou manifestar-se durante uma 9 As condições específicas dos alunos com NEE são identificadas através de uma avaliação compreensiva, feita por uma equipa multidisciplinar, também designada por equipa de programação educativa individualizada (EPEI) (Correia, 2008). 43 fase do desenvolvimento do aluno. Os princípios que norteiam o atendimento de alunos com NEE são essencialmente dois: o da integração e o da inclusão. Isto significa que os alunos com NEE têm, como quaisquer outros, direito a um programa de educação público, adequado e gratuito, num meio de aprendizagem o mais apropriado possível, que atenda às suas necessidades educativas, ao seu ritmo e estilos de aprendizagem (Correia, 2008). Dos serviços de educação especial fazem parte um conjunto de recursos que prestam serviços de apoio especializados, de cariz académico, terapêutico, psicológico, social e clínico, destinados a responder às necessidades especiais do aluno com base nas suas características e com o propósito de maximizar o potencial do aluno. Sempre que possível, estes serviços devem efectuar-se na classe regular e devem ter como objectivo a prevenção, diminuição ou supressão da problemática do aluno (quer esta seja do foro intelectual, físico ou emocional) e/ ou a modificação dos ambientes de aprendizagem para proporcionar ao aluno uma educação apropriada às suas capacidades e necessidades (Correia, 1997). 4.3.1. Tipos de Necessidades Educativas Especiais A categorização do portador de NEE não pretende de forma alguma rotular a criança, mas sim possibilitar a elaboração de um programa de intervenção adequado às necessidades do mesmo (Heward e Orlansky, 1992). Correia (2008) divide as NEE em dois grandes tipos: NEE ligeiras e NEE significativas, designadas anteriormente, pelo mesmo autor, como temporárias e permanentes, respectivamente. As NEE ligeiras são aquelas em que a resposta educativa exige uma modificação parcial do currículo escolar, adaptando-o às características do aluno, num determinado momento do seu desenvolvimento e percurso escolar. Geralmente podem manifestar-se como problemas ligeiros ao nível do 44 desenvolvimento motor, perceptivo, linguístico ou socioemocional; ou como problemas ligeiros relacionados com a aprendizagem da leitura, da escrita ou cálculo (Correia 2008) (ver quadro 2). Quadro 2 – Tipos de NEE Ligeiras, adaptado da figura de Correia (2008, p.48) NEE LIGEIRAS Problemas Ligeiros ao nível: do Desenvolvimento motor, perceptivo, linguístico e socioemocional. da Aprendizagem da leitura, escrita e do cálculo. O mesmo autor refere que os objectivos educacionais para estes alunos devem ser os mesmos dos definidos para as restantes crianças: melhorar a cognição e a capacidade de resolução de problemas, enquanto sujeitos da aprendizagem. Vários estudos realizados indicam que o funcionamento intelectual e o desenvolvimento geral podem ser influenciados por um ambiente precoce, rico e estimulante. As NEE significativas são aquelas em que a adaptação do currículo é generalizada, numa ou várias áreas académicas e/ou socioemocional, sendo objecto de avaliação sistemática, dinâmica e sequencial de acordo com os progressos do aluno no seu percurso escolar. Neste grupo encontram-se os alunos cujas alterações significativas no seu desenvolvimento foram provocadas por problemas orgânicos, funcionais e por défices socioculturais e económicos graves. Assim, este tipo de necessidades pode ser de carácter sensorial, intelectual, processológico (problemas no processamento de informação), emocional, físico e outros problemas ligados ao desenvolvimento e à saúde do indivíduo (Correia, 2008). Este autor refere ainda que, para além destes grupos, foram reconhecidos, em 45 1990, mais dois grupos, pelo Departamento de Educação dos EUA: crianças que sofreram um traumatismo craniano e crianças com Perturbações do Espectro do Autismo, ao qual pertencem as crianças com Síndrome de Asperger, as quais são actualmente alvo de grande investigação. Também a desordem por défice de atenção/hiperactividade, hoje bastante estudada, foi incluída no grupo “outros problemas de saúde”. No quadro 3 podemos consultar o conjunto de categorias que as NEE significativas abrangem, sendo e posteriormente explanadas de modo sucinto. Quadro 3 – Tipos de NEE Significativas, adaptado de Correia (2008, p. 47) NEE SIGNIFICATIVAS Carácter Intelectual Problemas Intelectuais generalizados. Carácter Processológico Dificuldades de Aprendizagem específicas. Carácter Emocional Psicoses; outros comportamentos graves. Carácter Motor Carácter Sensorial Paralisia Cerebral; Spina Bífida; distrofia muscular; outros problemas motores. Cegos e Amblíoples/ visão reduzida; surdos e hipoacústicos. Carácter Desenvolvimental Perturbações do Espectro do Autismo. Traumatismo Craniano Desordem por Défice de Atenção/Hiperactividade Outros Problemas de (DDA/H); Sida, Diabetes, Asma, Hemofilia, Saúde Problemas Cardiovasculares, Cancro, Epilepsia, etc. 46 NEE DE CARÁCTER INTELECTUAL Neste grupo encontram-se alunos cujos problemas acentuados quer ao nível do comportamento adaptativo quer do funcionamento intelectual lhes causam graves problemas na aprendizagem seja a nível académico seja a nível social (Correia, 2008). Em 2007, a American Association on Mental Retardation (AAMR), modificou o nome para American Association on Intellectual and Developmental Disabilities (AAIDD). O termo deficiência mental é substituído por deficiência intelectual continuando, porém, a abranger a mesma população que foi anteriormente diagnosticada com deficiência mental (AAIDD, 2009). Em 2002, AAMR definiu a deficiência mental como “uma incapacidade caracterizada por limitações significativas no funcionamento intelectual e comportamento adaptativo, expresso nas capacidades conceptuais, sociais e práticas adaptativas, e tem origem antes dos 18 anos de idade” (AAMR, 2002, p.1), indicando cinco aspectos que têm de ser considerados na aplicação da definição: 1) as limitações do funcionamento têm de ser consideradas no contexto da comunidade do indivíduo (cidade, pares e cultura); 2) no processo de avaliação deve-se considerar a diversidade cultural e linguística, bem como as diferenças dos factores de comunicação, sensoriais, motores e comportamentais; 3) no indivíduo coexistem limitações com aspectos fortes; 4) a descrição das limitações tem o propósito de desenvolver o perfil dos apoios necessários; 5) com os apoios personalizados e apropriados, a funcionalidade dos indivíduos com deficiência mental pode melhorar (AAIDD, 2009). A definição utilizada actualmente pela AAIDD para a deficiência intelectual é exactamente a mesma que foi publicada em 2002, pela AAMR, com a alteração do termo deficiência mental para deficiência intelectual. A AAIDD (2009) realça, ainda, que o teste de Q.I. é uma ferramenta importante para medir o funcionamento intelectual, porém, a deficiência intelectual não é determinada apenas por este teste. Resultados entre 70 e 75 são indicadores de uma limitação no funcionamento intelectual, mas existem igualmente testes 47 que determinam as limitações no comportamento adaptativo. Aquela associação salienta a necessidade de avaliar o indivíduo tendo em vista a planificação de estratégias, serviços e apoios, para potencializar as suas competências. NEE DE CARÁCTER PROCESSOLÓGICO (PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÃO) Estas derivam de problemas relacionados com a recepção, organização e expressão de informação. Este é o grupo de alunos com Dificuldades de Aprendizagem Específicas, sendo uma categoria de difícil definição. Segundo Correia (1997, 2008) caracteriza-se, em geral, por uma discrepância acentuada entre o potencial estimado do indivíduo (inteligência na média ou acima da média) e a sua realização escolar, que é abaixo da média, numa ou mais áreas académicas, mas nunca em todas como acontece na deficiência intelectual. O Centro Nacional de Informação para Crianças e Jovens com Deficiências (1992 citado por Nielsen, 1999), sustenta que as dificuldades de aprendizagem se caracterizam por “uma perturbação num ou mais dos processos psicológicos básicos envolvidos na compreensão ou no uso da linguagem falada ou escrita, a qual se pode manifestar-se através de uma capacidade imperfeita para escutar, pensar, ler, escrever, soletrar ou realizar cálculos matemáticos”. Embora, em termos etiológicos, seja difícil encontrar consenso entre autores, cada vez mais se relacionam as dificuldades de aprendizagem com uma disfunção no sistema nervoso central (Hynd, Marshall & González, 1991; NJCLD, 1994; Shaywitz, 2005, citados por Correia 2008), razão pela qual para Nielsen (1999), as dificuldades de aprendizagem não incluem problemas resultantes de deficiências visuais, auditivas, motoras, deficiência intelectual ou de desvantagens culturais, económicas ou ambientais. 48 NEE DE CARÁCTER EMOCIONAL Nesta categoria situam-se os alunos com problemas emocionais ou de comportamento cujas realizações são de tal forma desapropriadas que levam à disrupção dos ambientes em que eles interagem. Embora exista controvérsia quanto à definição e terminologia correcta, esta categoria enquadra os alunos cujas perturbações são de tal forma graves que põem em risco o seu sucesso escolar, a sua segurança e a segurança dos que os rodeiam (Correia, 1997, 2008). Nielsen (1999) sublinha que a Individuals with Disabilities Education Act (IDEA, 1990) definiu as perturbações emocionais como uma condição que durante um longo período de tempo e de forma acentuada, afecta adversamente o desempenho escolar, manifestando-se então uma ou mais das seguintes características: incapacidade inexplicável para a aprendizagem, facto que não é causado por factores de ordem intelectual, sensorial ou de saúde; incapacidade para criar ou manter relações interpessoais satisfatórias com os seus companheiros e com os professores; sensação geral e persistente de infelicidade ou de depressão; ou tendência para apresentar sintomas físicos ou medos associados a problemas pessoais ou escolares. NEE DE CARÁCTER MOTOR Enquadram-se aqui os alunos que devido a problemas de origem orgânica ou ambiental têm incapacidades do tipo manual ou de mobilidade. A Paralisia Cerebral, a Espinha Bífida (spina bífida), e a Distrofia Muscular são consideradas as categorias mais comuns neste âmbito. Porém, encontram-se também outros problemas motores originados por problemas respiratórios graves, amputações, Poliomielite e acidentes que venham a afectar os movimentos do indivíduo (Correia, 1997, 2008). 49 NEE DE CARÁCTER SENSORIAL Neste grupo situam-se os alunos com problemas no que respeita às suas capacidades visuais ou auditivas. No que diz respeito à deficiência visual, podemos considerar duas categorias: os cegos e os amblíopes (visão reduzida). Os cegos são aqueles que cuja incapacidade os impede de ler, seja qual for o tamanho da letra, utilizando o sistema de Braille para o conseguirem fazer. Os amblíopes, mesmo com um grau de severidade do problema, conseguem ler, desde que se modifique o tamanho das letras (Correia 1997, 2008, Nielsen, 1999). Relativamente à deficiência auditiva, existem igualmente duas categorias: os surdos e os hipoacúsicos. Os surdos têm perda de audição de 90 decibéis ou superior, requerendo por isso um tipo de comunicação alternativa, como por exemplo a língua gestual. Os hipoacúsicos têm perda auditiva situada entre os 26 e os 89 decibéis. A sua capacidade auditiva é deficiente mas contudo funcional, podendo como tal recorrer ou não a um aparelho auditivo de amplificação, para facilitar a audição (Correia 1997, 2008). NEE DE CARÁCTER DESENVOLVIMENTAL Perturbação do Espectro Autista No Diagnostic and Statiscal Manual, IV (DSM – IV) da Associação Psiquiátrica Americana, esta problemática está dividida em subcategorias que formam o que actualmente vários autores denominam de “Perturbação do Espectro Autista”, onde se englobam todas as pessoas que estão diagnosticadas com Autismo. Esta nova denominação inclui: Síndrome de Autismo; Síndrome de Asperger; Perturbação desintegrativa; Autismo atípico; Traços Marcados de Autismo. Autismo Caracterizam-se por manifestarem um problema neurológico que afecta a 50 percepção, o pensamento e a atenção (Correia, 1997). É uma desordem do desenvolvimento caracterizada por uma dificuldade significativa em: comunicar; interagir socialmente; presença de comportamentos atípicos, como por exemplo respostas invulgares à sensação; movimentos repetitivos e estereotipados; insistência nas rotinas ou uniformidades. Manifesta-se nos três primeiros anos de vida, embora muitas vezes não seja diagnosticado até aos cinco anos de idade. O diagnóstico baseia-se nos comportamentos exibidos e não em assumpções médicas, anatómicas ou genéticas (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fourth Edition, Text Revision, citado por Correia, 2008). Apesar de existir um conjunto de características típicas e poderem apresentar uma série de comportamentos e aptidões, as suas características variam muito. Segundo a DSM – IV, o Autismo é acompanhado, por vezes, de fobias, perturbações do sono, perturbações da alimentação e de atitudes auto-agressivas. O Autismo pode ainda estar associado a deficiência auditiva e epilepsia (Correia, 1997). Quase nenhuma criança autista apresenta todos os sintomas, cada criança é diferente das outras, não só pela gravidade, como também pela diferente combinação de comportamentos (Rivière, 1994). Existe uma maior percentagem de rapazes autistas relativamente às raparigas (Bernardo e Martin, 1993). Síndrome de Asperger Quando uma criança não apresenta completamente os critérios que definem o autismo, há pelo menos uma outra classificação, incluída nas chamadas perturbações do espectro do autismo: a Síndrome de Asperger (Correia, 2008). Apesar de apresentarem alterações importantes no relacionamento social e ocupacional, não demonstra atrasos clinicamente significativos ao nível da linguagem, do desenvolvimento cognitivo, na aquisição das funções adaptativas e de autonomia (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fourth Edition, Text Revision, citado por Correia, 2008). 51 Quanto às alterações de relacionamento social e ocupacional, Antunes (2009)10, refere que apresentam grandes dificuldades na: interacção social; contacto físico; comunicação não verbal e visual; empatia; sentidos. É comum que um destes problemas seja mais acentuado, não apresentando necessariamente todos os sintomas. Há mais crianças com Síndrome de Asperger do que adultos, o que quer dizer que é mutável ao longo do tempo, podendo o indivíduo integrar-se e evoluir positivamente. TRAUMATISMO CRANIANO Engloba todos os alunos que apresentam um dano cerebral provocado por uma força exterior e não de natureza degenerativa ou congénita, que pode alterar o estado de consciência, resultando numa diminuição das capacidades intelectuais, físicas ou emocionais. Este dano pode ser de carácter temporário ou permanente, as disfunções podem ser parciais ou totais e causar problemas de ajustamento psicossocial (Savage, 1988, citado por Correia, 2008). Tradicionalmente associado às categorias da deficiência intelectual, dificuldades de aprendizagem específicas e perturbações emocionais (Correia, 2008). MULTIDIFICIÊNCIA Abrange os alunos que manifestam simultaneamente um conjunto de deficiências, causadoras de problemas educacionais severos que requerem intervenções específicas de acordo com a coexistência do problema (Correia 1997, 2008). SURDO-CEGUEIRA Para além de causar problemas severos de comunicação, causa ainda 10 Palestra sobre Síndrome de Asperger, com Nuno Lobo Antunes, na Universidade dos Açores (2009). 52 problemas educacionais e de desenvolvimento graves que requerem intervenções específicas de acordo com a concomitância da problemática (Correia, 2008). OUTROS PROBLEMAS DE SAÚDE Engloba o conjunto de alunos que, a partir de 1990, passaram a receber uma atenção especial por parte das escolas, para além dos grupos já mencionados. Tratam-se de problemas de saúde que podem originar o insucesso escolar e que incluem condições como: a diabetes, asma, hemofilia, cancro, SIDA, epilepsia, desordem por défice de atenção/ hiperactividade (Correia, 1997, 2008). Por último faremos uma referência a este último grupo de alunos, que, tal como referido, tem sido alvo de grande investigação actualmente. Desordens por Défice de Atenção e Hiperactividade (DDAH) Ainda que necessite de aperfeiçoamento, muitos autores concordam com um leque de comportamentos comuns a estes alunos. Estes comportamentos podem ser englobados em três categorias essenciais: problemas de atenção, dificuldades em controlar a impulsividade nas respostas e actividade motora excessiva. Segundo Correia (2008), para que estes alunos sejam diagnosticados com DDAH existe uma lista de sintomas, apresentados pelo autor, relativos à falta de atenção, à hiperactividade e à impulsividade, que têm de ser verificados segundo os seguintes critérios: (a) têm de apresentar seis ou mais dos sintomas de falta de atenção ou de hiperactividade-impulsividade, que devem persistir durante, pelo menos, seis meses, com uma intensidade que é desadaptativa e inconsistente, em relação ao nível de desenvolvimento; (b) alguns dos sintomas de causadores de défices, iniciam-se antes dos sete anos de idade; (c) alguns défices provocados pelos sintomas estão presentes em dois ou mais contextos (p.e na escola e em casa); (d) devem existir provas 53 claras de um défice clinicamente significativo do funcionamento social, académico ou laboral; (e) os sintomas não ocorrem exclusivamente durante a perturbação Global do Desenvolvimento, Esquizofrenia ou outra perturbação Psicótica e não são melhor explicados por outra perturbação mental (p.e. Perturbação do Humor, Perturbação da Ansiedade, Perturbação Dissociativa ou Perturbação da Personalidade. 4.4. Prevalência das NE O conhecimento da prevalência e da percentagem pode contribuir para que se possa chegar a todos, ou à maioria dos alunos com NE, o mais adequadamente possível, proporcionando-lhes o desenvolvimento mais ajustado possível. Há categorias de NE mais prevalentes do que outras e a sua identificação é um facto importante que deveria ser alvo de atenção por parte dos intervenientes no processo educativo. No nosso país, os estudos sobre a prevalência são praticamente inexistentes (Carvalho, 2005). Para definir a prevalência dos alunos com NEE em termos percentuais, Correia (2008), recorre a autores nacionais e estrangeiros e vários estudos de prevalência efectuados por instituições educacionais mais ligadas a esta problemática. Assim, verificou que a percentagem de crianças e adolescentes com NEE em idade escolar rondará os 10 a 12% (Heward, 2003; Hallahan & Kauffman, 1997, citados por Correia, 2008). Concluiu-se que a grande maioria recai sobre as dificuldades de aprendizagem específicas (48%), seguida dos problemas de comunicação (22%), da deficiência intelectual (14%) e das perturbações emocionais (10%). Estes valores deverão ser motivos de reflexão pelas instituições de formação e pelas autoridades escolares. De seguida, com percentagens mais inferiores encontram-se a multideficiência (1,95%), a deficiência auditiva (1,3%), os problemas motores (1,1%), outros problemas de saúde (1,1%), a deficiência 54 visual (0,5%), o autismo (0,12%), os cegos-surdos (0,02%) e finalmente o traumatismo craniano (0,01%) (Correia, 2008). O mesmo autor refere que se a escola não facultar uma atenção muito especial e se os problemas de cada um destes alunos forem ignorados, então a escola estará a desrespeitar os direitos dos alunos e o princípio de igualdade de oportunidades. Estes números levarão ao insucesso de muitos alunos caso as respostas educativas não sejam adequadas às necessidades e características dos mesmos, colocando em causa todo um desenvolvimento adequado, tal como uma melhor e mais digna qualidade de vida destes alunos (Correia, 2001). 55 56 5. Estágio A escolha do tema de estágio surgiu na continuidade da monografia realizada no âmbito da licenciatura, sendo esta a área de estudo que temos vindo a investigar até ao momento. A participação no curso de formação no âmbito da realização do nosso estágio constitui uma parte de um projecto com maior dimensão, onde foram realizadas várias actividades de planeamento e realização. Tratou-se de um Projecto de investigação - Projecto Delfinoterapia Açores - realizado pela discente e que envolveu a participação de uma equipa multidisciplinar. Este Projecto foi realizado em águas livres e com golfinhos selvagens, na ilha Terceira, durante o ano de 2009, tendo merecido a aprovação e financiamento da Direcção Regional da Ciência, Tecnologia e Comunicações, da Região Autónoma dos Açores. Deste modo, ao falarmos deste estágio, temos necessariamente que referir o seu enquadramento neste Projecto e dos motivos que levaram à necessidade de realização de um estágio na área. Projecto Delfinoterapia Açores O Projecto Delfinoterapia Açores tratou-se de uma investigação experimental coordenada por nós, no qual realizámos um Estudo de Caso com uma jovem com Paralisia Cerebral Espástica, com afectação dos dois membros inferiores e incapacidade para o uso da marcha e com um auto-conceito subvalorizado (avaliado através do teste Piers-Harris Children’s Self-Concept Scale 2, adaptado para a população portuguesa por Veiga (2007)). Os objectivos gerais do Projecto foram: (i) formar uma equipa multidisciplinar para investigar e aplicar este projecto; ii) verificar se era possível desenvolver um programa de DT com golfinhos selvagens, em habitat natural, com uma participante com mobilidade reduzida; iii) aumentar a oferta de actividades adaptadas para os portadores de NE; iv) contribuir para o estudo científico da Delfinoterapia no habitat natural. 57 Como objectivos específicos pretendíamos: i) elaborar um programa individual que atendesse às necessidades (ou domínio mais afectado) da participante (neste caso o auto-conceito); iii) avaliar o contributo deste programa nos vários domínios do auto-conceito e do auto-conceito geral e (iv) e reavaliar os resultados a longo-prazo. O estudo e os resultados obtidos no Projecto Delfinoterapia Açores pretendem constituir-se como material para produção académica posterior. A participação no estudo foi consentida pela mãe, para a qual foi alertada dos objectivos e potenciais perigos de um programa realizado em águas livres. A participação da família fazia parte do Projecto, contudo a mãe preferiu que a filha realizasse a actividade sozinha para que, por um lado, a filha se tornasse mais independente e, por outro, libertasse a mãe da dependência causada por um filho com Paralisia Cerebral e mobilidade reduzida. Este Projecto teve a duração de um ano, contudo, para que o mesmo fosse realizado, diferentes etapas antecessoras tiveram de ser realizadas, nomeadamente, uma Revisão da Literatura sobre a DT e dos estudos realizados até à data e a realização de um projecto com vista à obtenção de autorização e comparticipação financeira para a investigação. Assim que o Projecto foi aprovado foi necessário formar uma equipa multidisciplinar para trabalhar no Projecto e obter de formação específica e creditada em DT. Foi precisamente neste último âmbito que se enquadrou a realização do curso Dolphin Behaviour and Dolphin-Assisted Therapy, no International Laboratory for Dolphin Research, no Dolphin Reef, Eilat. 5.1. Objectivos do Estágio Obter e consolidar conhecimentos para o desenvolvimento do Projecto Delfinoterapia-Açores: Aumentar os conhecimentos teóricos sobre a DT; 58 Obter conhecimentos práticos sobre a DT com golfinhos selvagens; Adquirir conhecimentos sobre Biologia Marinha, nomeadamente sobre cetáceos; Obter certificação creditada em DT e comportamento de Golfinhos. Depois de termos contextualizado o estágio em termos de necessidade e concepção de um projecto e relatado a complexidade na qual este estágio se insere, passamos à descrição do estágio, dividindo-o nas suas fases de planeamento, realização e avaliação. 5.2. Planeamento Uma vez que havia necessidade de existir um especialista em DT para aplicar o Projecto, a discente propôs-se, para além da coordenação, realização e avaliação do projecto, a realizar a formação nesta área. A escolha do local No decorrer do planeamento do Projecto Delfinoterapia Açores contactámos vários centros e investigadores. Das instituições onde os estágios eram ministrados, escolhemos as que referiam utilizar golfinhos selvagens por ser esta a forma como se pretendia a realização do Projecto, designadamente pelos ideais éticos e ecológicos já explicados na Revisão da Literatura. Dos locais onde se realizava esta terapia com golfinhos selvagens (que não eram muitos), a escolha incidiu sobre o Dolphin Reef, pelas seguintes razões: ter disciplinas teóricas com conteúdos multidisciplinares definidos e o curso estar em estreita colaboração com uma universidade, tendo professores 59 universitários a leccionar, com exame final e certificado. Este foi então o centro escolhido e a data do estágio teria início em Fevereiro de 2009. Nessa data já teríamos dado início ao Projecto Delfinoterapia Açores, porém a fase de intervenção prática no mar só aconteceria a partir de Junho e, desta forma, a data do curso estava adequada para o desenvolvimento do Projecto. Contudo, para além do desenvolvimento do Projecto Delfinoterapia Açores, encontrávamo-nos também a desempenhar funções lectivas, pelo que foi necessário requerer um pedido de dispensa para realização do período de formação, ao abrigo do artigo 28º do Estatuto da Carreira Docente da Região Autónoma dos Açores. Uma vez que a mesma seria realizada no estrangeiro, os pedidos de dispensa de serviço foram entregues ao Conselho Executivo com pelo menos 20 dias de antecedência e enviados por este à Direcção Regional competente em matéria de administração educativa, para obtenção da necessária autorização (ponto 2 do artigo 28º do Estatuto da Carreira Docente da Região Autónoma dos Açores). Tudo isto foi realizado dentro dos trâmites legais, porém a autorização tardou em chegar o que não nos possibilitou aquisição da viagem, nem a realização do pagamento do curso atempadamente. Por essa razão foi necessário realizar o cancelamento do pedido de dispensa e adiar o curso para uma próxima data. Foi necessário aguardar algum tempo até que nos informassem que o próximo curso se iniciaria em Outubro de 2009. Deste modo, nesta data já se teria realizado a fase de prática do estudo de caso, o que fez com que tivéssemos de definir uma metodologia de trabalho (um programa) baseado nos conhecimentos teóricos adquiridos com a investigação realizada para a monografia de licenciatura Revisão da Literatura – Delfinoterapia; a investigação realizada para o Projecto Delfinoterapia Açores; através de contactos pessoais estabelecidos com os “pais” da Delfinoterapia 11; com uma Revisão da Literatura, entretanto realizada, sobre Paralisia Cerebral; 11 Dr. Horace Dobbs e Dr. David Nathanson. 60 e depois da avaliação da participante ter permitido perceber um baixo autoconceito, uma Revisão da Literatura sobre Auto-Conceito e a relação de AutoConceito e Actividade Física Adaptada. Com base na investigação e avaliação da participante, definiram-se os objectivos e a metodologia, os quais expusemos à equipa multidisciplinar que participou no Projecto. Estes foram debatidos e ajustados consoante o conhecimento e áreas de cada profissional e assim foi definido o Programa Delfinoterapia Açores 2009 do Projecto Delfinoterapia Açores. Isto significa que o curso foi planeado para ser realizado antes do Projecto acontecer, para assim ajudar a definir uma metodologia de trabalho. Contudo, por razões pelas quais não fomos responsáveis, tal não aconteceu, tendo sucedido posteriormente à realização do Projecto. No nosso entender e avaliando depois de ambos se terem realizado (estágio e Projecto), julgamos que o facto do estágio se ter realizado depois do Projecto foi positivo, uma vez que desenvolvemos a nossa própria metodologia e o nosso Programa realizados com base em conhecimentos multidisciplinares e não na imitação/reprodução de um Programa já existente. Tratou-se de um projecto pioneiro e apoiado em investigação e conhecimentos científicos. Para além disso, quando realizámos o curso no Dolphin Reef, concluímos que os golfinhos afinal não eram selvagens, não se encontrando em liberdade, uma vez que o Open Sea Project tinha falhado, tornando por si só a metodologia diferente da do nosso projecto. O Open Sea Project O Dolphin Reef já foi um local diferente dos restantes cativeiros, onde os golfinhos tinham “liberdade de escolha” permanecendo nas instalações ou atravessando as duas portas abertas da vedação, saindo em liberdade e voltando quando quisessem. A isto chamavam o Open Sea Project. Contudo o projecto falhou pelas razões que passamos a explicar, mas o centro continua a 61 utilizar a expressão “liberdade de escolha” justificando a mesma com o facto dos golfinhos só se aproximarem se quiserem, não sendo obrigados a isso, nem reforçados positivamente com comida. Na nossa opinião esta “liberdade de escolha” é questionável uma vez que, mesmo não sendo obrigados a aproximarem-se, não lhes foi dada “liberdade de escolha” quanto a terem sido retirados do seu grupo e seu habitat natural (Mar Negro), ficarem presos dentro de uma zona vedada e partilharem-na diariamente com dezenas de turistas que realizam snorkeling e mergulho durante todo o dia, todo o ano. Os golfinhos do Dolphin Reef eram Tursiops Truncatus Ponticus transferidos do Mar Negro para o Mar Vermelho. Estes foram treinados e alimentados no Dolphin Reef, tendo-se aberto, em 1996, dois portões sendo os golfinhos ensinados a sair. Percorriam toda a baia e voltavam quando queriam. Contudo, o inevitável acabou por acontecer. Os golfinhos estavam habituados a serem alimentados pelos treinadores do Dolphin Reef e quando se encontravam fora deste procuravam pessoas para serem alimentados. Ao vê-los aproximarem-se as pessoas queriam tocá-los, abraçá-los, agarrá-los e os golfinhos tinham comportamentos agressivos, como bater com a cauda, porque não procuravam o contacto físico mas a comida. Em 2002 (passados seis anos) fecharam os portões. Na opinião do centro o projecto falhou porque as pessoas tinham comportamentos errados (e nunca tinham sido educadas para o contrário) e porque os golfinhos, como animais selvagens que são, reagiam com agressividade. Na nossa opinião o problema começa logo por terem sido retirados do seu habitat natural para outro que não era o deles e, tal como, pelo facto de os alimentarem. Pois mesmo que aquele fosse o seu habitat, ao alimentá-los estavam a interferir com o seu estado selvagem. É pois, por esta razão que os códigos de conduta do Whale Watching em Portugal, proíbem a alimentação dos cetáceos. Para além disso, existia muita poluição na zona onde se situava o Dolphin Reef, devido ao grande desenvolvimento turístico nas margens do Mar Vermelho, ao ruído dos barcos que passam naquela zona e aos portos de 62 cargas. A tudo isto somam-se todos os problemas envolvidos na captura, no transporte e aclimatização, já referidos nas questões éticas e ecológicas12, que não podem ser esquecidos, nem omitidos. Apesar do cativeiro em zonas de mar vedadas ser considerado “menos mau” em comparação com o cativeiro em piscinas, não deixa de ser cativeiro. O WDCS (2009) assinala vários problemas referentes ao cativeiro em zonas vedadas, alguns dos quais se puderam verificar no Dolphin Reef: - As zonas vedadas podem-se encontrar situadas em locais de forte poluição; - Barulho humano e o ruído realizado pelos barcos e pelo desenvolvimento da costa podem ser um distúrbio constante para os golfinhos; - A poluição de zonas vedadas com golfinhos (incluindo fezes de golfinho), podem ter impacto negativo significativo no coral (Goreau, 2003 13, citado por WDCS, 2009); - As zonas vedadas podem-se localizar em águas pouco profundas, onde a água pode ficar demasiado quente no Verão; - Algumas zonas vedadas encontram-se em zonas de furações. Estas últimas duas questões, não se aplicariam ao Dolphin Reef, pois o Golfo de Aqaba, que tem como características particulares a temperatura da água relativamente constante (25º/ 26º graus no Verão e mínimo de 21 a 22º graus no Inverno, e ainda pelo facto desta zona não estar sujeita a por esta a grandes tempestades. Porém, não sendo esta última situação usual, observam-se ondulações mais fortes no Inverno, que têm de ser tidas em consideração. Nessa altura os golfinhos não podem escolher zonas mais abrigadas como o fariam no habitat natural pois encontram-se confinados a uma zona vedada, provocando-lhes uma situação de stress acrescida. 12 Na página 12. 13 Goreau, T. (2003). Dolphin Enclousures and Algae Distribution at Chankanaab, Conzumel. Observations and Recommendations. Global Coral Reef Alliance, June, 2003. 63 5.3. Realização O curso realizou-se nas instalações do Dolphin Reef, no Médio Oriente, cidade de Eilat, Israel, situada na região mais a sul do país, na costa do mar Vermelho, Golfo de Aqaba. Eilat é uma cidade portuária, com 55 mil habitantes, fundada em 1950, situada entre o deserto de Negev e o mar. Tem um clima semi-desértico, com Verões quentes e secos e Invernos quase sem chuva. A temperatura frequentemente excede os 40ºC no Verão e os 25ºC no Inverno, contudo a temperatura da água ronda os 20º a 26ºC durante todo o ano. Em frente, separada pelo Mar Vermelho, encontra-se a Jordânia, a sul o Egipto e a sudoeste a Arábia Saudita. É uma cidade que vive do turismo, tendo como atracções principais as praias, os desportos náuticos que são muito bem desenvolvidos neste local e o próprio Dolphin Reef. Existe, um pouco mais a sul, outro local de referência turística em Eilat, o Underwater Observatory Marine Park, onde se pode observar a vida marinha do recife de coral costeiro. Também se pratica pedestrianismo entre as montanhas do deserto rumo a locais arqueológicos e históricos, passeios de jipe e de camelo. O Mar Vermelho é considerado um paraíso para o mergulho de escafandro e apneia, devido, à visibilidade, à temperatura da água, ao extenso recife de coral tipo franja14, à grande variedade de espécies endémicas e concentração de espécies marinhas. Porém, como já referimos anteriormente, o Golfo de Aqaba sofre de poluição devido aos portos marítimos de grandes cargas e à construção turística que se encontra ao longo da costa. O Dolphin Reef é um local exótico, com zonas de restauração, uma praia privada, piscinas de relaxamento, terapia, actividades de natação e mergulho com golfinhos, com acessibilidades e mergulho adaptado para portadores de NE. Encontra-se aberto todo o ano, com actividades durante o dia e a noite. No local existem oito golfinhos Roazes (Tursiops truncatus), 6 fêmeas e 2 14 Recife que se encontra ligado à costa ou relativamente perto dela com um intervalo de separação raso. 64 machos, que vivem juntos, durante todo o ano, numa área de 14 mil metros quadrados e profundidade máxima de 20 metros, separado do mar por uma rede. Refira-se que apesar dos golfinhos se encontrarem numa zona vedada de mar, o Dolphin Reef é um cativeiro. Em águas livres, os golfinhos estão em constante movimento nadam mais de 150 quilómetros e chegam a atingir os 500 metros de profundidade (Ashcroft e Umbrella, 2003), para explorar e caçar. Segundo o Dolphin Reef (2009) estes golfinhos vivem a sua vida social, tal como caçar, brincar, acasalar, lutar. Oferecem-lhes comida cinco vezes por dia e os golfinhos são treinados independentemente da comida. Depois de serem alimentados, ocorre uma sessão de treino com algum golfinho que queira brincar, ser acariciado ou aprender um comportamento. Quando estão ocupados com as suas actividades diárias podem não aparecer. 5.3.1. Dolphin Behaviour and Dolphin-Assisted Therapy Basic Course 2009 no International Laboratory for Dolphin Research Este curso foi parte integrante do estágio apresentando uma carga horária muito grande e intensa para que decorresse de forma concentrada. Tem vindo a sofrer modificações nos últimos anos, nomeadamente no que se refere ao aumento do número de dias e de disciplinas e áreas abordadas. Este foi constituído por aulas teóricas e práticas, observação sistemática da terapia, recolha de dados, workshops, visitas de estudo e análise e discussão de estudos de DT, facultados pelos professores. No final do curso houve um exame final, para quem pretendia obter certificação, realizado e creditado pela Universidade de Ben-Gurion, Negev, Israel. Tivemos o acompanhamento constante da Mestre Marie Christine Cepicka, de nacionalidade austríaca, em todas as actividades, tendo a mesma exercido um papel de tutora do grupo, para além do de professora. O curso teve duas componentes: o comportamento dos Golfinhos (biologia marinha) e a Terapia Assistida por Golfinhos. As disciplinas e actividades 65 realizadas tiveram uma componente inter e multidisciplinar, contudo neste relatório iremos remeter-nos mais especificamente aos conteúdos do interesse da nossa área, isto é, as NE e a intervenção ao nível da terapia com golfinhos. As observações das sessões de terapia foram realizadas a partir do Dolphin Research Laboratory, onde foram leccionadas a maioria das aulas e workshops. Este laboratório situa-se no Dolphin Reef, no topo de uma torre de observação. Foi fundado em 1994, pela Universidade de Berlim, Alemanha e, até 2006, dirigido pelo Dr. Frank Veit, da mesma Universidade. A partir de 2007 o director do laboratório passou a ser o Doutor Nadav Shashar, da Universidade de Ben-Gurion, de Negev, Campus de Eilat. Esta instalação de investigação científica estuda vários aspectos do comportamento e comunicação dos golfinhos e o trabalho é não invasivo, o que significa que não são realizadas experiências que possam ferir os animais (Dolphin Reef, 2009). Para além do Dolphin Research Laboratory, também assistimos a aulas no Underwater Observatory Marine Park e num barco, pelo golfo de Aqaba. Apenas as aulas que se destinavam à identificação e reconhecimento de golfinhos foram leccionadas no passadiço flutuante. Direcção do Curso: O curso teve como directores: o Doutor Nadav Shashar – Professor Doutor e Biólogo Marinho na Universidade de Ben-Gurion e Director do Dolphin Research Laboratory; Sophie Donio - Bacharel em Psicologia, Directora do Departamento de Terapia do Dolphin Reef desde 1991, fundadora do programa Supportive Experience with the Aid of Dolphins no Dolphin Reef; e pela Mestre Marie Christine Cepicka – Mestre em biologia marinha e membro do Dolphin Research Laboratory e da equipa de terapia. 66 As disciplinas O curso baseou-se em três módulos, a saber: i) comportamento animal e de golfinhos; ii) treino e criação de golfinhos e iii) terapia assistida por golfinhos. i) Módulo I: Comportamento Animal e dos Golfinhos: Introdução à Biologia Marinha; Introdução ao Golfo de Aqaba; Investigação sobre Comportamento dos Golfinhos: Projectos de Investigação mundiais, realizados no passado e presentemente; Métodos em Etologia: Coleta sistemática de dados, com especial referência sobre o comportamento social; Workshop de Etograma: observação animal. Projecto guiado em Comportamento de Golfinhos, baseado na observação; Comunicação vocal dos Golfinhos; Comportamento Social dos Cetáceos e Ecologia, com especial referência para os golfinhos roazes (Tursiops truncatus); Cetologia: Evolução de baleias e golfinhos, adaptação ao ambiente marinho; Desenvolvimento comportamental e influência da materna nos golfinhos roazes (Tursiops truncatus); Conservação de Golfinhos. ii) Módulo II : Treino e criação de golfinhos Considerações veterinárias sobre a manutenção de golfinhos em cativeiro; 67 Treino animal e o treino de golfinhos no Dolphin Reef; O Open Sea Project; Avaliação da experiência humana nos programas de natação com golfinhos; abordagens metodológicas; Identificação e reconhecimento de golfinhos. Identificação dos golfinhos do Dolphin Reef; Primeiros Socorros de Mamíferos Marinhos: Como lidar com arrojamento de cetáceos; Libertação de golfinhos para o habitat natural, com especial ênfase em dois estudos de caso realizados em 1996 e 2004. iii) Módulo III: Terapia Assistida por Golfinhos (Dolphin Assisted Therapy) Terapia Assistida Animal; Supportive Experience with the Aid of the Dolphins – o Programa de Terapia com golfinhos do Dolphin Reef; Preparação, execução e discussão da observação sistemática das sessões de terapia; Natação com golfinhos; Avaliação e impressões sobre a sessão de natação; Autismo e métodos terapêuticos com a assistência e ajuda de golfinhos; Discussão e análise de casos de estudo específicos onde a terapia assistida por golfinhos foi utilizada; Seminário Científico de Terapia com Golfinhos; Observação de sessões de terapia. 68 Objectivo do curso De acordo com o Dolphin Reef (2009), os objectivos principais do curso foram: i) o desenvolvimento das disciplinas mencionadas; ii) demonstração do trabalho realizado, quer ao nível do comportamento dos golfinhos, quer da terapia realizada no Dolphin Reef e iii) proporcionar a presença de investigadores de todos os locais do mundo no Dolphin Reef Corpo Docente: O curso foi leccionado, na sua maioria, pelos directores de curso anteriormente referidos: Doutor Nadav Shashar; Sophie Donio e Mestre Marie Christine Cepicka. Mas também por outros professores e especialistas convidados, tais como: Dr. Daniel Meir – Neuropsiquiatra, do Departamento de Autismo, do Hospital Eitanim, Jerusalém, Israel; Dr. Dani Barchana DVM. – Veterinário de Consulta Dolphin Reef Eilat; Doutora Yael Guter – Docente e Investigadora da Universidade Bar Ilan; Tamar Harel – Bacharel em Ciências da Vida; Yaniv Azulai – Treinador de Golfinhos; Roni Hershkovits – Treinadora de Golfinhos; Maayan Buchris – Treinadora de Golfinhos. Corpo Discente: O número de participantes foi limitado para que se pudesse assegurar um ensino e instruções da forma mais individualizada possível. O grupo foi constituído por cinco alunas, oriundas de países distintos mas todas com formação e experiência profissional relacionada com as NEE. 69 Além da minha presença, sendo portuguesa e licenciada em Educação Física, a realizar Mestrado em Actividade Física Adaptada, professora de Educação Física e a desenvolver o Projecto Delfinoterapia Açores, estavam ainda: - Uma investigadora polaca, licenciada em Fisioterapia, mestre em Actividade Física Adaptada e professora universitária da Disciplina de Actividade Física Adaptada; - Uma psicóloga americana, residente em Telavive, Bacharel em Psicologia, a realizar Mestrado Integrado em Psicologia; - Uma fisioterapeuta alemã, residente no Dubai e especialista do método Bobath e ainda; - Uma francesa, licenciada em Terapia Ocupacional, a trabalhar num Centro Ocupacional, com portadores de Paralisia Cerebral. 5.3.2. O Programa de Terapia com Golfinhos do Dolphin Reef: Supportive Experience with the Aid of Dolphins O programa de terapia com golfinhos existe desde o ano de 1991 no Dolphin Reef tendo começado a ser dirigido por Sophie Donio, a partir de 2000. Tem o nome de Supportive Experience with the Aid of Dolphins e não de Terapia Assistida por Golfinhos porque o consideram diferente. O objectivo deste programa não consiste em tentar curar mas sim, em dar um suporte moral que, entre outras coisas, permita que as crianças sorriam. O programa tem vindo a ser adaptado e melhorado ao longo dos anos, sendo um programa com aplicação de longo prazo, envolvendo crianças a partir dos 6 anos de idade (Dolphin Reef, 2009). Relativamente a esta informação, é nossa opinião que uma vez que consideram o tipo de terapia diferente, então o nome do curso não deveria ter a designação Terapia Assistida por Golfinhos (Dolphin Assisted Therapy). As crianças residentes em Eilat, vão ao centro uma vez por semana; as do 70 norte de Israel, vão todos os meses e as famílias da Europa, vão consoante podem. Contudo, para que o programa seja eficaz, o Dolphin Reef (2009) recomenda que participem pelos menos durante um ano, com 4 sessões por cada mês ou 8 sessões, distribuídas por 2 semanas, de 2 em 2 meses. Enquanto para os Israelitas a actividade é gratuita, para os restantes o custo do programa é de 400 euros por cada pacote de 4 sessões (incluindo a entrada da família no Dolphin Reef; mas não as despesas de viagem, alojamento e refeições). As sessões são pagas com 30 dias de antecedência em caso contrário são canceladas. O nível de atenção personalizada dado a cada criança requer que o programa seja restrito, aceitando por isso cerca de 20 crianças por ano. Estima-se, então, que para cumprir o programa recomendado, as famílias não Israelitas terão que dispender cerca de 4.800 euros por ano ou 800 euros de 2 em 2 meses, acrescentando a este valor as despesas de viagem, alojamento e refeições. Segundo os organizadores, depois de cada sessão é feito um sumário, para no fim do programa analisarem. Três meses após o programa, pedem à família um resumo sobre como a criança está. Contudo, nenhuma ficha ou questionário estruturado para realizar o sumário e para a avaliação dos pais nos foi facultada. A quem se aplica No site do Dolphin Reef, a informação sobre o Programa 2009 do Supportive Experience with the Aid of Dolphins, refere que: “We work mainly with children from 6 years old and up, who suffer from various mental handicaps and problems such as: Post-Traumatic Stress Disorder, Autism, Dyslexia, behavioural problems, Down-Syndrome, depression, cancer 71 patients and victims of sexual-abuse, among others.”15 (Dolphin Reef, 2009). Expomos a citação em inglês para que não se criem confusões com a tradução dos termos utilizados pela instituição. Como referimos na Revisão da Literatura, o termo handicap foi substituído por disability em 1990, ou seja, há vinte anos atrás, com a lei Individual with Disabilities Education Act. Para além disso, se traduzirmos o termo handicap como “deficiência”, podemos também referir que no contexto educativo, o termo deficiência foi substituído por NE, há mais de trinta anos, mais precisamente em 1978, com o Warnock Report. O termo deficiência passou a ter uma perspectiva apenas clínica e deixou de ser utilizado na educação. No caso concreto deste programa não conseguimos aferir com precisão se ele tem um cariz clínico ou educacional. No site referem que não tratam ninguém, logo, em princípio, o carácter não será clínico. A metodologia observada aponta para um programa mais lúdico do que educacional, contudo na descrição do programa terapêutico, a palavra ensinar (teach) e aprender (learn) é referida várias vezes, levando-nos a crer que o seu cariz é educacional, apesar de, como teremos oportunidade de verificar, não existirem profissionais na área de ensino a trabalhar neste programa. De qualquer modo, mesmo que admitíssemos que este programa não apresenta carácter educacional e que se alterássemos o termo incorrecto, handicap para disability, a designação “mental disability” continuaria, na nossa opinião, incorrecta uma vez que desde 2007 que a deficiência mental foi substituída por deficiência intelectual, tal como já referido foi na Revisão da Literatura. Assim, julgamos que, deveriam utilizar o termo “intelectual disability” (deficiência intelectual). Por outro lado, questionamo-nos se estarão a contextualizar correctamente a deficiência intelectual, uma vez a maioria dos estudos de caso abordados durante o curso se reportaram a indivíduos com 15 "Trabalhamos principalmente com crianças de 6 anos e acima, que sofrem de várias deficiências (handicaps) mentais e problemas como: Desordem de Stress Pós-Traumático, Autismo, Dislexia, problemas comportamentais, Síndrome de Down, depressão, pacientes com cancro, vítimas de abuso sexual, entre outros”. 72 Perturbações do Espectro Autista (i.e. de carácter desenvolvimental), vítimas de agressão e abuso sexual e não concretamente sobre deficiência intelectual. Não obstante poderem parecer questões insignificantes, parece-nos de capital importância que quem trabalha com este grupo de crianças deverá ter conhecimento suficiente sobre a área. Reforçamos esta convicção quando é referido durante as aulas, pela directora da terapia, que (ao contrário do que é dito no site) só trabalham com “mental disabilities”. Na nossa opinião, isto transparece o conhecimento que possuem de uma área específica com que trabalham e afirmam obter resultados positivos ao nível de aprendizagens cognitivas, sociais, emocional e sensório motor. Para além disso constatamos que existia uma contradição entre o que nos era comunicado nas aulas e a informação que se encontra no site do Dolphin Reef sobre o do curso Dolphin Behaviour and Dolphin-Assisted Therapy Basic Course 2009, onde constava que o programa Supportive Experience with the Aid of Dolphins se aplicava a: “… children suffering from many different disorders and diseases: cancer, behavioural problems, sexual abuse, Down’s Syndrome, autism, ADD.ADHD, and all kinds of physical and mental retardation”.16 No entanto, Sophie Donio, a directora deste programa, afirmou, durante as aulas, que no Dolphin Reef só trabalham com “mental disabilities”, contrariando a informação que consta no site e que nos foi enviada para a inscrição no curso. Quem o aplica De acordo com o que nos foi referido durante o curso, são os treinadores de golfinhos desta instalação que trabalham com estas crianças. O programa 16 “…para as crianças que sofrem de muitas variadas desordens e doenças: cancro, problemas de comportamentais, abuso sexual, a Síndrome de Down, autismo, Desordem por Défice de Atenção e Hiperactividade (DDA/H), e todos os tipos de deficiência física e mental, iniciada por Sophie Donio” 73 decorre numa base voluntária, ou seja é realizado por treinadores de golfinhos, que não são remunerados para realizar a terapia, fazendo-o nas horas anteriores a começarem o trabalho como treinadores. O facto da terapia ser realizada por treinadores de golfinhos que não têm formação sobre NE é, na nossa opinião inconsequente, uma vez que esta população deve ser atendida por profissionais especializados. Como profissionais desta área, questionamos a directora da terapia sobre o tipo de formação que os treinadores possuíam, para trabalhar com crianças com estas características, tendo-nos sido referido que os treinadores que vão para esta área frequentam previamente formações ao nível de psicologia. Na nossa opinião isso não nos parece suficiente, para além de que, no nosso contacto diário com os treinadores, pudemos constatar que, para além de não terem formação superior, nem em Biologia Marinha nem em NE, nem todos frequentavam tais formações em psicologia. Método de aplicação O primeiro passo para as crianças participarem no programa terapêutico é o preenchimento do formulário de candidatura. Segundo o Dolphin Reef (2009), a informação vai ajudar a equipa a determinar se o programa é adequado às necessidades do participante. O formulário de candidatura, não nos foi fornecido. Mas foi-nos referido que é importante que os pais indiquem neste formulário se: Os filhos gostam de água – caso não gostem não realizarão a terapia, pois perde o sentido. Se os pais pretendem que os filhos realizem a terapia, terão de ser os mesmos a tratar da relação com a água e mais tarde poderão voltar a contactar o centro. Se gostam de animais; Se sabem nadar – embora esta questão não exclua os participantes, pois no programa é desenvolvida a natação. 74 O segundo passo consta de uma sessão introdutória de 4 dias, após a qual é realizada uma reunião com os pais decidindo-se nesse momento se o programa é iniciado ou não. Se o participante não mostrou interesse na sessão introdutória, não se dá continuidade. O trabalho é realizado com crianças, de manhã cedo, entre as 8 e as 10 da manhã, durante o que chamam de Privilege Time, que acontece antes do Dolphin Reef abrir as portas ao público. Durante esse período de tempo a criança pode trabalhar sozinha com o treinador e com os golfinhos sem estar a ser observada pelos visitantes. Na nossa opinião, estes momentos individualizados, dedicados só à criança, com um ambiente calmo, sem que mais nada interfira na sua atenção, podem ser positivos para trabalhar com estas crianças. Contudo, julgamos que também há um trabalho que poderia ser realizado depois das portas abrirem ao público, quer de socialização para a criança, quer de sensibilização para as pessoas “ditas normais” que visitam o centro. Tal não acontece, porque a terapia termina nesse momento. Pensamos que a inclusão deve existir para que os portadores tenham mais direitos e oportunidades de realização e também para que o resto da sociedade seja sensibilizada e preparada para lidar com a diferença. Segundo Dr. Daniel Meir (2009), 17 nem sempre foi assim, já que na hora da alimentação, quando as portas já se encontravam abertas ao público, os pacientes costumavam ajudar os treinadores a alimentar os golfinhos. Mas por razões turísticas isso deixou de acontecer o que, na opinião daquele neuropsiquiatra, constitui uma desvantagem para a terapia. Na nossa opinião a participação de indivíduos NE em actividades observadas pelo público, teria vantagens nomeadamente na sensibilização e envolvimento directo da sociedade. Não devemos esquecer que a era da segregação já terminou há muito tempo, encontramo-nos presentemente na era da inclusão. Estamos conscientes de que não é a legislação que vai mudar a forma como nós 17 Na aula Treating Autistic Adolescents with Dolphins. 75 actuamos com quem apresenta NE, com quem é considerado diferente, mas sim as atitudes e as acções que podem mudar mentalidades. Deste modo sustentamos que as acções de inclusão e sensibilização têm que partir de nós, pois somos nós que os continuamos a excluir. Se a mentalidade de segregar, esconder, acontece num centro, onde se realiza terapia com estas crianças, questionamos como podemos pensar que as mentalidades um dia vão mudar e que todos vamos aceitar a diferença e ajudar quem tem NE. Estamos no século XXI, muita legislação mudou mas, efectivamente, a mentalidade de uma grande parte da sociedade continua a ser a de não querer ver, porque “incomoda”. Quando o que “incomoda” é ser diferente e não ter possibilidade de o modificar, não ter as mesmas actividades para realizar e sentir-se excluído da sociedade, por esta não se adaptar a quem tem NE. Mas temos de nos “incomodar”, não com o que vemos, mas com o que poderíamos fazer e não fazemos. Enquanto não pensarmos nos indivíduos com NE como pessoas/cidadãos com os mesmos direitos de realização, mas com maiores necessidades de adaptação, estes serão sempre excluídos da sociedade. Temos de ser educados a experienciar e partilhar vivências no âmbito das NE. É esse o objectivo da inclusão. Com a inclusão estamos a proporcionar oportunidades às populações especiais, para que tenham as mesmas oportunidades, mas mais do que isso, estamos a educar-nos a nós próprios para a empatia, para o valor de aceitação da diferença, fazendo tudo para diminuir as suas limitações. Somos todos diferentes, mas todos temos igual direito de realização e deveríamos ter as mesmas oportunidades. No nosso entender, acreditamos que quem não tem o privilégio de trabalhar com esta população, precisa de ter a oportunidade de vivenciar, partilhar e compreender as barreiras que nós, sociedade “dita normal”, lhes colocamos, quer por excluílos, quer por não promovermos actividades adaptadas que esta população poderia realizar. Da mesma forma que a segregação foi feita por nós, também a inclusão e oferta de oportunidades também tem de ser proporcionada por nós. 76 Durante as aulas do curso fomos informados que o tratamento dependeria da deficiência (disability) da criança, no entanto não nos explicaram qual a diferença na intervenção para cada uma. Na terapia realizavam actividades nos seguintes locais: Praia privada – natação, mergulho livre e conversa sobre golfinhos; Plataforma – actividades de interacção com os golfinhos ou outras, caso estes não aparecerem e; Na água (na zona vedada com golfinhos) - natação com golfinhos. Não alimentam os golfinhos como reforço positivo, como acontece noutros centros, por isso os golfinhos aproximam-se se quiserem, como tal, nunca se sabe como vai funcionar, se estes vão aparecer ou não e, por isso, quem realiza a terapia precisa de se adaptar. Tanto quanto possível procuram desenvolver a natação e realizam outras actividades, tais como: brincar e dançar na água, aprender sobre o ambiente marinho, aprender como tocar no golfinho, tocar instrumentos musicais, ensinar ritmo, etc. Encaram o facto dos golfinhos não se aproximarem como algo que faz parte da vida e que poderá ser proveitoso para aprender a lidar com a frustração. As crianças participantes podem ainda ter outras tarefas, antes e depois da interacção, como por exemplo ajudar a preparar o peixe. Contudo pudemos presenciar que, apesar de não obrigarem os golfinhos a aparecer durante a terapia através de comida, no início da sessão, observámos que utilizam um instrumento sonoro (uma espécie de campainha) para chamar a atenção dos animais, que é o mesmo instrumento utilizado pelos treinadores para chamá-los na hora de alimentação. Os golfinhos aparecem porque pensam que vão ser alimentados e depois ficam se quiserem. Um treinador de golfinhos fica com a mesma criança durante o ano inteiro, e “apresenta-o” aos golfinhos. Desta forma, a criança pode começar a conhecer e reconhecer os golfinhos do Dolphin Reef, a aprender sobre a sua forma de vida e o seu ambiente (Dolphin Reef, 2009). 77 Estas crianças parecem aprender algo sobre os golfinhos do Dolphin Reef, contudo, na nossa opinião, aprender algo sobre animais que vivem em cativeiro, não é o mesmo que aprender sobre “a sua forma de vida e seu ambiente”, porque este não é o seu habitat. Aprender sobre a sua forma de vida e o seu ambiente é aprender e observar como eles vivem no habitat natural, em família, percorrendo muitos quilómetros diariamente, tal como, perceber que a situação de cativeiro constitui um atentado ao respeito, direito e conservação dos animais, retirando-os do seu próprio habitat, da sua família e aprisionando-os num tanque ou zona vedada para o nosso próprio entretenimento. Segundo o Dolphin Reef (2009), as crianças ganham afinidade com o treinador, com os golfinhos e com as outras pessoas que trabalham no local. Um professor de natação, que também trabalha o tempo todo com a mesma criança, melhora a sua capacidade de natação, chegando por vezes a evoluir desde entrarem para a água agarrados ao treinador, até se tornarem completamente independentes e capazes de realizar mergulho livre Nas sessões que observamos não vimos nenhum professor de natação com a criança, nem nenhuma aula de natação foi realizada. Contudo, nós apenas observamos pacientes que já estavam a realizar o programa pela segunda vez. Dos pacientes observados, nenhum parecia estar à-vontade com a água, não querendo sequer entrar na mesma. Estas crianças poderiam, de facto, ter tido sessões de natação, mas não no programa que nós observámos. Parece-nos pois, incorrecto afirmar que existe um professor de natação que trabalha o tempo todo com a mesma criança. Relativamente à afinidade com o treinador, foi citado durante as aulas que acontecia muitas vezes que no início as crianças mostravam muito interesse pelos golfinhos, passando depois a ter menos interesse por se tornar uma situação normal para elas. Quando isto acontecia, as crianças pareciam passar a mostrar mais interesse pelos treinadores do que pelos golfinhos e por vezes esta situação tornava-se difícil para os treinadores. 78 Esta constatação por parte da directora da terapia, que vai ao encontro da crítica à DT realizada por Marino e Lilienfeld (2007), que referem que o efeito novidade é um dos efeitos não-específicos da DT, isto é, efeitos que derivam de influências que não são específicas do tratamento e que são partilhadas por uma larga variedade de outros tratamentos, como é o caso do aumento da atenção individualizada. O efeito novidade é particularmente propenso na DT e segundo estes autores, os efeitos não-específicos são notoriamente passageiros. Quanto ao facto da situação se tornar difícil para os treinadores, é da na nossa opinião que, se estivessem profissionais especializados nas NE a trabalhar com estas crianças, o facto do foco de atenção pelos mesmos ter aumentado não se constituiria como um problema, pois poderiam utilizar esta oportunidade para desenvolver diferentes domínios da aprendizagem, por exemplo, através de Aprendizagens Significativas (com base no modelo de ensino de David Ausubel, 1968). De facto, na nossa opinião, a interacção constante com o golfinho não é determinante na terapia. É sim, essencialmente, uma estratégia de motivação e a partir daí poder-se-ão trabalhar muitas áreas. Mas para isso é fundamental que exista uma equipa de profissionais especializados e de áreas multidisciplinares a trabalhar com estas crianças, o que não acontecia neste centro, onde os treinadores de golfinhos são colocados a trabalhar com estas crianças. Segundo o Dolphin Reef (2009), nada do que é ensinado, na plataforma ou na água, é uma obrigatoriedade. Primeiro, brincam com a criança, proporcionam alegria, divertimento e experiências positivas e com isto surge a motivação para a aprendizagem. Nessas actividades, são influenciados diferentes campos: antes de tudo atendem o campo emocional, depois o cognitivo, o sensório-motor, a família e ainda o campo social. Com o campo emocional preenchido, procuram proporcionar motivação e calma. Neste ponto, sucedem muitas coisas, nomeadamente o aumento do período de atenção e 79 concentração, a melhoria da auto-estima e da auto-confiança, uma maior facilidade em lidar com a frustração e com um “não” como resposta, melhorando ainda a capacidade de se sentar e aprender. A criança aprende responsabilidades quando ajuda o treinador com as suas tarefas de tratamento dos golfinhos. Há um trabalho feito ao nível do toque e das capacidades motoras grossas e finas. Ensinam as crianças como tocar um golfinho, em vez de beliscar, agarrar ou empurrar. Oferecem vários tipos de actividades, que requerem movimentos coordenativos, tal como equilíbrio enquanto caminham no passadiço flutuante, ou a atravessar do passadiço para a plataforma para se sentarem e se aproximarem dos golfinhos. Também é trabalhada a parte social, quando outra criança é trazida para brincar e participar. Na nossa opinião o facto de proporcionarem experiências positivas, entre elas a diversão, a motivação e calma é benéfico, mas relativamente à fase de aprendizagem, pelo que tivemos oportunidade de observar, não existia nenhuma metodologia específica para o desenvolvimento da aprendizagem, nem uma equipa especializada para realizarem aquilo a que se propunham. Quanto a nós, depois de atingirem a motivação para a aprendizagem, falta ser dada continuidade ao trabalho iniciado. Precisavam de ter profissionais especializados em cada área, que atendessem com efectivo conhecimento, o desenvolvimento das áreas com necessidades. Isto não sucede de forma aleatória, é necessária a intervenção de uma equipa multidisciplinar, de profissionais com formação nas diferentes áreas de desenvolvimento da criança, que trabalhem articuladamente, para atender às suas necessidades. Na nossa opinião, parece-nos errado pensar que as coisas acontecem por si só, sem estratégias e metodologias que vão ao encontro do que se pretende ensinar ou desenvolver. Conceito do programa Segundo o Dolphin Reef (2009), o conceito deste programa é dar às crianças a oportunidade de serem elas próprias. Este centro oferece um ambiente natural, 80 como um “oásis no deserto”, junto do mar, com vários tipos de animais, quer em terra, quer marinhos. As crianças sentem a liberdade que lhe é dada, aceitando por isso, os limites da equipa, recebendo amor/atenção, e como tal, tornando-se mais abertas, sentindo o sucesso e merecendo atenção personalizada. Tornam-se também mais confidentes e melhoram os seus movimentos ao caminharem no passadiço flutuante. De acordo com directora de terapia, motivação é a palavra para descrever o que o Dolphin Reef está a criar às crianças com este programa. Quando a criança se sente melhor consigo mesma, fica mais feliz e mais motivada para alcançar algo melhor. Na nossa opinião se o objectivo se tratasse apenas de dar a oportunidade às crianças de serem felizes e o objectivo fosse assumidamente este, se não se propusessem a trabalhar outras áreas, não “vendendo” essa ideia, talvez fosse mais correcto. Mas, quanto a nós, o problema está no facto de que para além do campo emocional, referem o desenvolvimento cognitivo, a aprendizagem, o desenvolvimento do campo sensório-motor, social e actividades para desenvolvimento de capacidades motoras (grossas e finas, coordenação, equilíbrio). Contudo, nenhuma destas actividades referida é realizada com uma metodologia nem por profissionais. Se o programa é de carácter lúdico, no nosso entender, é importante que o assumam, sugerindo-se que o façam no site, que o façam perante os pais e o incluam na informação do curso. Não deverão, então, proclamar que trabalham o desenvolvimento das restantes áreas de desenvolvimento anteriormente referidas. Isto até pode “acontecer”, mas sem objectivos definidos para cada caso, sem uma metodologia e sem profissionais. É da nossa opinião que o carácter lúdico de uma actividade não apresenta nada de errado, as crianças com NE e as suas famílias necessitam bastante dele. É necessário, no entanto, que o assumam como tal, não o publicitem como uma intervenção que atende o desenvolvimento de diferentes áreas de aprendizagem e, por último, que não se proponham a fazê-lo através 81 de treinadores de golfinhos e para além disso, não sacrifiquem animais com esse fim. 5.4. Avaliação Parte da avaliação já foi realizada ao longo da descrição do Programa de Terapia do Dolphin Reef. Se dissociássemos totalmente a avaliação da realização estaríamos a descontextualizar a reflexão crítica. Por essa razão, de seguida vamos realizar uma avaliação geral sobre o curso e observação da terapia e conferir se os objectivos que nos levaram a planear e realizar este curso foram atingidos. Consolidar e obter conhecimentos para o desenvolvimento do Projecto Delfinoterapia-Açores: Como referimos anteriormente, planeámos que o curso fosse realizado antes do Projecto Delfinoterapia-Açores. Porém, foi realizado posteriormente, o que significa que este objectivo não foi atingido através da realização do curso, mas pela investigação realizada anteriormente ao curso, situação que para nós, revelou ser um factor positivo, não apenas para a realização do curso como ainda para o Projecto. Uma vez que possuíamos experiência teórica e prática, tivemos uma perspectiva diferente relativamente à realização do curso e à observação do programa, situação que nos permitiu uma maior capacidade de observação e reflexão crítica. Por estas razões o estágio foi bastante mais aprofundado e reflectido por nós, situação que não ocorreria se tivéssemos frequentado o curso apenas com o intuito de observar e reproduzir no nosso Projecto o que aprendemos. Deste modo, a experiência anterior permitiu-nos comparar o que se fazia no Dolphin Reef com o nosso programa e com outros realizados noutros locais do mundo. 82 Tal como aconteceu com o estágio, também o Projecto Delfinoterapia-Açores beneficiou por ter sido realizado antes do curso, pois foi realizado com base em investigação e conhecimento científico multidisciplinar e não na observação e participação num curso/estágio. Aumentar os conhecimentos teóricos sobre a DT. Podemos considerar que aumentámos os conhecimentos teóricos da DT, muito em particular pelas ilações que retirámos sobre o que observámos no curso e nas aplicações do programa; também pelas reflexões realizadas em grupo com as restantes colegas de curso e, acima de tudo pela reflexão crítica e pela constatação de que existem motivos de preocupação sobre a DT, tal como tem vindo a ser criticado por Marino e Lilienfeld (1998, 2007) e Humphries (2003). Obter conhecimentos práticos sobre a DT com golfinhos selvagens. Este objectivo não foi de todo atingido através deste curso/estágio, pois os golfinhos não são selvagens, não têm “liberdade de escolha” como é referido no site do Dolphin Reef, uma vez que o Open Sea Project tinha falhado, como já referimos na realização18, o que por si só torna a metodologia diferente do que pretendemos para o nosso projecto. Adquirir conhecimentos sobre Biologia Marinha, nomeadamente sobre cetáceos. Em nosso entender este objectivo foi atingido, superando até as nossas expectativas. Relativamente à área de Biologia Marinha, a avaliação é muito positiva. As aulas foram apoiadas em conhecimento científico, os conteúdos abordados foram muito diversificados alargando-se muito para além do comportamento 18 Página 48-49. 83 dos golfinhos (Dolphin Behavior). As metodologias de ensino também foram diversas: exposição, observação, visitas de estudo, workshops e análise de posters de estudos. Obter certificação creditada em DT e comportamento de Golfinhos. O Certificado foi obtido com aprovação de 90%. Curso Uma vez que o curso teve duas vertentes, Biologia marinha e Terapia com Golfinhos, com directores distintos para cada área, a avaliação também necessita de ser diferenciada. Comparativamente, o conhecimento transmitido sobre Cetologia19 foi consideravelmente superior ao da Terapia com Golfinhos, situação que vem ao encontro do diferente estado de conhecimento científico sobre as duas áreas. Se por um lado o comportamento dos golfinhos tem sido uma área bastante estudada, nomeadamente com estudos validados cientificamente, o mesmo não pode ser dito sobre a DT. O facto desta parte do curso ter sido organizada pela Universidade de BenGurion, dirigida por um professor de Biologia Marinha desta instituição, conduziu a um nível de superior conhecimento e de conteúdos, não se verificando o mesmo na área de Terapia com Golfinhos, a qual ficou muito abaixo das expectativas. O conhecimento transmitido sobre Terapia com Golfinhos foi escasso e o conhecimento sobre NE’s era insuficiente para quem trabalha nesta área. Todas as alunas presentes no curso vinham da área das NE’s e ficaram muito desiludidas com a falta de informação, objectivos e metodologia de trabalho com os pacientes. 19 Estudo sobre Cetáceos 84 As aulas relativas à DT tiveram, quanto a nós, um fraco nível de aprofundamento de conteúdos, de metodologia de ensino e de organização de conteúdos. A literatura fornecida encontrava-se desactualizada, tendo-nos sido fornecidos artigos de Nathanson (1989) e Nathanson e de Faria (1993), quando já existem outros artigos que os criticam, de Marino e Lilienfeld (1998, 2007) e Humphries (2003) e também Nathanson que já publicou artigos mais actuais. Foi-nos facultado também um artigo de Betsy Smith (1987) tendo-nos sido afirmado que o conceito de terapia que realizavam no Dolphin Reef se aproximava mais com a metodologia utilizada por esta autora. No entanto, não referiram que a mesma já se afastou da DT e actualmente, em One Voice (2007), condena o sofrimento a que os golfinhos em cativeiro são submetidos para a sua utilização na terapia. Quanto a nós, para quem não tem mais experiência na área, este curso não parece ser suficiente para quem pretende iniciar um trabalho nesta área. Observação Tal como referimos, na nossa opinião, o nível do curso foi fraco e o que observámos nas sessões práticas de terapia também. A metodologia descrita no website também não traduzia o que observámos in loco. Escolhemos um local para realizar o curso baseados na informação que consta no site da instituição e nas informações que nos foram enviadas mas, como podemos constatar na crítica realizada sobre o programa terapêutico, a realidade era diferente. Apesar do programa Supportive Experience with the Aid of Dolphins, apresentar uma estrutura e metodologia, na prática, pareceu-nos tudo bastante desestruturado, sem objectivos e pouco baseado em conhecimento científico sobre NE. Apresentara-nos pouco material, designadamente estudos mais recentes, fichas de observação utilizadas para a observação e para os estudos de caso, 85 fichas de anamnese, formulário de candidatura, etc. Existem outros locais onde certamente a terapia se realiza com seriedade, porém, o que pudemos observar neste local, vem ao encontro do que tem sido criticado nos estudos de Marino e Lilienfeld (1998 e 2007), de Humphries (2003) e Brensing et al. (2003), acerca da falta de evidência científica credível da DT. A falta de profissionais a trabalhar neste centro, facto que impede que seja uma terapia ou actividade realizada com o conhecimento que a população com NE necessita. Contudo, também existem aspectos positivos, dos quais destacamos: - Ser gratuito para as crianças Israelitas (apesar do número ser muito restrito), - O ambiente e as instalações agradáveis do Dolphin Reef, - O contacto com muitos outros animais existentes no Dolphin Reef; - O facto de incluírem a família, - Não utilizarem a alimentação como reforço positivo para a interacção dos golfinhos, - O facto de não obrigarem os golfinhos a aparecer, - Ser uma terapia aplicada a longo prazo, - De haver a preocupação de que as crianças se divirtam e de proporcionarem alegria e momentos agradáveis a crianças que já são privadas de tanta coisa, ou já têm uma história de vida tão dura. Não pretendemos criticar a forma como realizam a terapia, os seus objectivos e metodologia, pois cada centro pode escolher a forma como quer trabalhar e a deste local pretende proporcionar um experiencia divertida e em família, de forma espontânea, procurando ajudar o carácter emocional e qualidade de vida da criança e família. Mas, na nossa opinião, deveriam ser esclarecidos alguns 86 pontos, tais como não se tratar de uma terapia no sentido literal da palavra, não devendo, como tal, “oferecer” um curso com o nome de algo que não corresponde ao que trabalham e, desse modo, não possibilitarem a existência de colaboradores sem formação a trabalhar com crianças com estas características pois, mesmo que o objectivo fosse o de proporcionar um bom momento às crianças, podem colocá-las em situação de impacto negativo para o seu desenvolvimento. Em consonância com isto, julgamos ser absolutamente necessário que quem trabalha com esta população tenha conhecimentos específicos, saiba as características, os objectivos de trabalho e metodologias a utilizar. Caso contrário, podemos estar a actuar de forma errada, quer física, quer cognitiva ou socialmente. Por outro lado, sustentamos a opinião de que a DT deve ser investigada, legislada a nível internacional pois os pais, desesperados à procura do melhor para os filhos, nem sempre percebem se quem trabalha nestes locais possui habilitação suficiente. Pensamos que esta situação deverá ser bem acautelada, uma vez que por melhores que sejam as intenções das pessoas que trabalham nestes locais, trata-se de uma intervenção que envolve populações com necessidades especiais e, essa condição obriga a um cuidado maior, requerendo neste sentido, a presença de profissionais com conhecimentos específicos. 87 88 6. Conclusão Na nossa opinião é absolutamente necessário que quem trabalha com NE, tenha formação específica na área, independentemente dos objectivos de trabalho serem terapêuticos, educacionais, lúdicos ou competitivos. É necessário ter conhecimento sobre a etiologia, sobre as características e sobre formas de intervenção, para poder actuar correctamente. Apesar do curso de formação realizado não ter sido, na nossa opinião, suficiente para a obtenção de conhecimentos, através da realização de todas as etapas deste estágio tivemos a oportunidade de aumentar: i) o conhecimento teórico (através das várias Revisões da Literatura, quer para a realização deste relatório, como para o Projecto Delfinoterapia Açores); ii) o conhecimento prático (através do curso e da aplicação do Projecto); iii) competências de organização e gestão de projectos; iv) a capacidade de reflexão crítica e v) e os contacto profissional, relações profissionais e troca de informação com outros investigadores da DT. O conjunto de actividades realizadas e a diversidade de “papéis” vividos durante a realização deste estágio (como aluna, terapeuta, professora, investigadora, coordenadora, formadora e avaliadora) permitiram-nos observar a DT através de diferentes perspectivas, aumentando a nossa percepção sobre relativas aos diferentes intervenientes: profissionais, pacientes, participantes e golfinhos. Existem muitas razões para o sucesso das terapias com animais, a maior parte das quais são baseadas nos efeitos de socialização, tais como o aumento de confiança ou responsabilidade dos pacientes e a motivação por estímulos sensoriais invulgares (Fine, 2000). Alguns destes mecanismos poderão ser válidos para os golfinhos. É necessária uma investigação mais aprofundada para comparar os diferentes tipos de programa de terapia com animais e definir quais as condições em que a terapia com golfinhos deve ser realizada. 89 Numa análise mais detalhada das investigações de Nathanson, o autor com mais artigos publicados sobre DT, tornam-se aparentes algumas falhas e futuras direcções. A inclusão de diferentes tipos de NE na mesma amostra dos estudos não permite descriminar quais os benefícios para cada NE e para cada indivíduo. Também não analisa se os adultos com patologias cognitivas podem beneficiar desta intervenção. A grande variabilidade de idades incluídas, reflectindo diferentes estados de desenvolvimento, também é problemática. A discrepância nos métodos e instrumentos de avaliação utilizados em programas com golfinhos em cativeiro prejudica a comparação ou recolha de dados existentes. Rossiter (1998), salienta que existe muita informação promocional e muitos testemunhos pessoais utilizados para as conclusões sobre a eficácia da DT, contudo, existem poucos dados estatísticos científicos. Refere, ainda, que infelizmente as avaliações clínicas e estudos científicos, na maior parte das vezes, são irrelevantes para famílias que anseiam por uma cura para os filhos. No entanto, este autor admite que existem programas de DT respeitáveis (sem especificar no entanto quais) e que os melhores operadores de DT concordam com o facto das informações, normas e regulamentos serem necessários em todos os aspectos relativos a questão. Por um lado, os estudos sobre a eficácia de DT, publicados em revistas científicas, sugerem, resultados positivos, tais como o aumento da capacidade de concentração, motivação e competências linguísticas, em crianças com NE desenvolvimentais, atingindo estes resultados mais rápida e economicamente do que outras terapias convencionais e produzindo efeitos positivos que se mantêm a longo prazo (Nathanson et al., 1997 e Nathanson, 1998); efeitos positivos na aprendizagem de crianças autistas (Servais, 1999); melhorias no comportamento de crianças com sintomas de doenças psiconeurológicas (Lukina 1999); ajuda no alívio da dor e do tratamento da dermatite atópica (Likura et al. 2001), no tratamento da ansiedade (Webb e Drummond, 2001) e da depressão (Antonioli e Reveley, 2005). 90 Contudo, por outro lado, a análise metodológica sobre estes estudos realizada por Marino e Lilienfeld (1998, 2007) e Humphries (2003) concluíram que estes estudos apresentam falhas em vários critérios importantes para validação, não fornecendo, por isso, evidências científicas credíveis sobre a eficácia desta intervenção. Apesar das falhas apontadas, os estudos, parecem mostrar que esta é uma terapia da qual muitas pessoas poderiam beneficiar. Devendo, no entanto, ser alvo de uma melhor investigação que verifique a sua validade. Na nossa opinião, esta terapia devia ser realizada por uma equipa multidisciplinar, com profissionais especializados, que trabalhem articuladamente entre si, com as terapias tradicionais e com as escolas e com o máximo de respeito pelo bemestar animal, não recorrendo por isso ao cativeiro de golfinhos. A escola e nomeadamente o Departamento de Educação Especial poderia usufruir dos serviços desta intervenção, que parece aumentar os níveis de motivação e concentração, envolvendo-se no próprio processo e incluindo-a no PEI e/ ou no Programa Especial dos alunos com NEE e nos Projectos Curriculares de Turma em que os alunos se encontram. Da mesma forma, os centros que a realizam também deveriam dar a conhecer à escola o que podem desenvolver e trabalhar da forma mais articulada possível. Contudo, na nossa opinião, esta terapia não substitui e não é uma alternativa às terapias tradicionais como a fisioterapia, a terapia da fala e terapia ocupacional, mas poderá ser um complemento das mesmas, devendo actuar de forma articulada É uma actividade que pode ajudar a desenvolver a qualidade de vida e a aumentar a oferta de actividades adaptadas para as regiões onde existem golfinhos selvagens. Até à data, ainda não foram adoptados standards de aplicação, nem tão pouco de formação específica em DT. Uma das razões relaciona-se, possivelmente com a falta de investigação e de comunicação entre os vários locais onde esta terapia é realizada. Julgamos que há a necessidade de novos e mais estudos. 91 O investimento na investigação, na partilha de práticas, na recolha de dados e na formação específica em DT constituiria um passo muito importante para a credibilidade da área e para o esclarecimento dos participantes. Cada centro de DT trabalha baseado nas suas convicções sobre como a DT resulta para os seus clientes. Ainda não se encontra definido quantas sessões são necessárias, durante quanto tempo, para que fins e que tipo de metodologia é mais eficaz para cada NE. Existem dois grupos que podem ser prejudicados devido à falta de investigação e às metodologias menos científicas da DT, que são os indivíduos com NE e os golfinhos. Os primeiros porque, por um lado, com a excepção de alguns trabalhos bem realizados, esta “terapia” tem vindo a ser realizada por “profissionais” com pouco conhecimento específico sobre as NE, por outro lado, muitos golfinhos são mantidos em cativeiro à custa desta “terapia” não comprovada cientificamente. Pretendemos por isso, continuar o estudo desta área, no habitat natural, para determinar se é possível de ser realizada e se se verificam benefícios. Se for necessário decidir entre defender a reabilitação dos pacientes com NE e os golfinhos, defendemos os segundos, pois os humanos têm outras formas de terapia. Cada vez mais pessoas se opõem à utilização de golfinhos em cativeiro, devido a questões éticas e ecológicas. A DT em águas livres existe e precisa de ser considerada, reconhecida e avaliada como uma alternativa ao cativeiro. Mas também no habitat natural dos golfinhos se colocam questões éticas relativamente à DT, tanto para a segurança do participante, como para a forma como se deve conduzir a terapia em águas livres respeitando os comportamentos e o habitat natural destes mamíferos aquáticos. Em Portugal existem códigos de conduta no Whale Watching20 para que a protecção dos cetáceos selvagens seja assegurada. Entre outras regras, é proibido perseguir 20 Observação de Baleias e Golfinhos. 92 ou perturbar cetáceos, alimentá-los, exceder os 30 minutos de observação, fazer barulho e, encontrarem-se em simultâneo, no mesmo local, mais de três embarcações. Contudo, os códigos de conduta não são os mesmos em todas as partes do mundo. Existem locais onde as embarcações que fazem observação de golfinhos são tão numerosas que passam por cima de golfinhos e baleias, acabando por os ferir, separar as crias das suas mães e perturbar a sua zona de alimentação e reprodução. Da mesma forma que estas situações se verificam no Whale Watching, o mesmo também pode acontecer com a DT com golfinhos selvagens, caso não seja legislada e avaliada. Existem locais onde alimentam os golfinhos selvagens, por não ser proibido, como por exemplo na Amazónia (Brasil), na Flórida (EUA) e Monkey Mia (Austrália), fazendo com que os golfinhos procurem os humanos diariamente. Contudo, é importante referir que isto não é um comportamento natural, é, pois, interferir nos hábitos normais destes animais, modificando a sua natureza. Uma consequência provável de acontecer poderá ser o que sucedeu com o Open Sea Project do Dolphin Reef, ou seja, os golfinhos começarem a procurar as pessoas à procura de comida, estas por sua vez querem tocá-los e agarrá-los e os golfinhos reagem com violência, pois o que pretendem é comida e não o contacto físico. Para além de que a alimentação de peixe morto e outros alimentos, como por exemplo a carne, não fazem parte da sua dieta normal. A análise destas questões é fundamental quando se pretende estudar e encontrar novas metodologias de intervenção no habitat natural, com golfinhos selvagens. A imagem do golfinho de cativeiro, treinado e que pode ser utilizado como forma de reforço positivo imediato, não faz parte da metodologia possível no habitat natural. É necessário desenvolver e avaliar outras metodologias. Outras formas de aprendizagem cognitiva, desenvolvimento emocional, motor ou social podem ser encontradas a partir desta actividade, tal como por exemplo, através do modelo de ensino de Aprendizagens Significativas de Ausubel (1963). Da mesma forma que a DT proliferou por parques aquáticos, é possível de proliferar por todos os locais onde se realize Whale Watching, tornando-se em 93 dois problemas, se não for legislado: i) perturbar o habitat natural dos golfinhos, se a actividade excessiva e não regulamentada (como já acontece em alguns locais relativamente ao Whale Watching) e ii) realizar-se sem conhecimento do campo (porque ainda não há regulamentação para exercer esta actividade profissional), sem objectivos específicos, sem metodologia e sem avaliação dos resultados e impacto para o habitat destes mamíferos. Podendo acabar por se se tornar num prejuízo para os golfinhos como para os pacientes. O golfinho por si só não cura. A observação de cetáceos, sem mais nenhuma adição de intervenção motora, cognitiva, psicológica ou emocional, anterior ou/ e posterior à observação, não pode ser chamada de DT, mas sim de Whale Watching ou natação com golfinhos, onde se encontram indivíduos com NE. Através do Whale Watching, a única coisa que poderá suceder é a alegria, a felicidade, e a educação ambiental sobre a conservação dos cetáceos, se este tema for abordado e trabalhado. Mas, não se trata de terapia. São as actividades desenvolvidas no programa estabelecido que fazem dele terapêutico, educacional, desportivo ou recreativo. 94 7. Sugestões As sugestões por nós apresentadas vão de encontro a algumas das limitações da DT e têm como objectivo primeiro a continuidade da investigação nesta área. Julgamos que seria importante que algumas das sugestões apresentadas fossem realizadas, constituindo-se, no nosso entender, passos importantes para a credibilidade, investigação e esclarecimento sobre esta terapia ou actividade. Criar legislação a nível nacional e internacional, quer para licenciar programas, quer profissionais e standards de aplicação (atendendo às questões éticas sobre os golfinhos em cativeiro); Comparar os diferentes tipos de programas de DT e definir condições em que a DT deve ser realizada; Comparar a eficácia de utilizar golfinhos selvagens no seu habitat natural e golfinhos em cativeiro e verificar com que metodologias e para que populações pode ser realizado no habitat natural; Comparar a DT com outras actividades com significado para os participantes (actividades em que os participantes demonstrem vontade de realizar); Nas regiões onde existem golfinhos selvagens e onde esta terapia é realizada por profissionais, as escolas e o departamento de educação especial poderia usufruir deste tipo de intervenção. Estudantes e Professores do ensino superior deviam estar envolvidos na investigação desta área, trazendo mais credibilidade e qualidade de serviços aos participantes e ajudando a encontrar e avaliar metodologias de aplicação, desenvolverem técnicas especializadas e instrumentos de avaliação; Uma licença profissional deveria ser obrigatória. O papel de um profissional com conhecimento e formação licenciada em DT é muito importante, bem como de uma equipa multidisciplinar que trabalhe de forma articulada, 95 composta por professores, fisioterapeutas, terapeutas educacionais, psicólogos, terapeutas da fala, entre outros, dependendo do diagnóstico do participante; As considerações éticas sobre o impacto tanto nos golfinhos como nos seres humanos necessitam de ser regularmente revistas no desenvolvimento da investigação desta área. 96 8. Referências Bibliográficas Acuña, P. (2007). El Lado Oscuro de la Delfinoterapia. 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