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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO ROZANA APARECIDA DE SOUZA O DEBATE SOCIAL SOBRE A ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA NO BRASIL (2005-2008) RIO DE JANEIRO 2010 Rozana Aparecida de Souza O DEBATE SOCIAL SOBRE A ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA NO BRASIL (2005-2008) Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC), Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva. Orientadora: Profa. Dra. Elaine Reis Brandão Rio de Janeiro 2010 S729 Souza, Rozana Aparecida de. O debate social sobre a anticoncepção de emergência no Brasil (2005-2008)/ Rozana Aparecida de Souza. – Rio de Janeiro: UFRJ/Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, 2010. 140 f.; 30cm. Orientador: Profa. Dra. Elaine Reis Brandão Dissertação (Mestrado) - UFRJ/Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, 2010. Referências: p. 120 - 127 1. Anticoncepção. 2. Adolescência. 3. Aborto induzido. 4. Serviços de saúde. I. Brandão, Elaine Reis. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva. III. Título. CDD 613.940981 FOLHA DE APROVAÇÃO ROZANA APARECIDA DE SOUZA O DEBATE SOCIAL SOBRE A ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA NO BRASIL (2005-2008) Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC), Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva. Aprovada em 26 de março de 2010 __________________________________ Elaine Reis Brandão, Doutora DMP/IESC/UFRJ Orientadora __________________________________ Bila Sorj, Doutora PPGSA/IFCS/UFRJ ___________________________________ Maria Luiza Heilborn Doutora, Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva/IMS/UERJ A meus usuários e usuárias do CAPS Sonho Real-Porto Real AGRADECIMENTOS Agradeço à professora Elaine Reis Brandão a seriedade, competência, ética e dedicação no processo de orientação, tanto do trabalho de pesquisa quanto em minha vida acadêmica e profissional (docência). A Luiz Marques, meu companheiro, o incentivo e, por muitas vezes, ter acreditado muito mais em mim do que eu mesma. Não posso deixar ressaltar sua paciência e seu bom humor ao lidar com meus “vários” momentos de ansiedade e angústia, quando nem eu me agüentava. A meus pais e meu irmão, o carinho, incentivo e a disponibilidade de me ajudar sempre. Aos professores e funcionários do IESC, a atenção e dedicação. Às amigas de turma do mestrado, Ana Paula, Iná e Verônica, a acolhida e os momentos de afeto tão espontâneos. Às amigas Priscilla e Sabrina, companheiras de “trabalho”, a atenção, o carinho e incentivo. Desejo sinceramente que continuemos caminhando juntas. Às professoras Bila Sorj e Maria Luiza Heilborn, as contribuições, críticas e reflexões valiosas na banca de qualificação do projeto e, certamente, a oportuna participação na banca de defesa desta dissertação. À professora Carla Rodrigues (PUC-RJ), a preciosa atenção dispensada a meu trabalho, em todas suas fases e sua participação como convidada nas duas bancas de qualificação do projeto e defesa de dissertação. Suas orientações e comentários críticos tornaram a investigação e a análise dos dados mais precisas. À coordenadora do curso de Serviço Social do UniFOA e amiga, Mônica Barison, a atenção, o carinho e a compreensão. Aos professores do curso de Serviço Social, Ranieri, Áurea, Karin, Ana Lole, Márcio Roncalli, Hélio e Katia Mika, o companheirismo (“ombro amigo”). Às funcionárias da secretaria do curso de Serviço Social, Natália, Rose e Viviane, a paciência e presteza em sempre me ajudar. À administração da Prefeitura Municipal de Porto Real, a prontidão em me liberar para realização do mestrado. Aos amigos de Porto Real, Carla, Ronário, Ana Maria, Joana, Solange e Mirian, o carinho, a amizade e o “porto-seguro” que se tornaram nesses meses de muitas viagens e muitos estudos. Muito obrigada por acreditarem, incondicionalmente, em mim. À amiga Anastácia Mariana, por compartilhar seu espaço e sempre me oferecer um canto, a companhia nas idas e vindas do Rio à Barra Mansa e as inúmeras conversas que sempre me encorajaram. Às professoras da Fiocruz, Simone Monteiro, Fátima Cecchetto, Eliane Vargas e Marly Cruz, as aulas, que foram momentos ricos e inesquecíveis. Raramente, temos a oportunidade de conviver com professoras tão brilhantes (cada uma a sua maneira), em uma única disciplina. A meus alunos do período de realização do curso de mestrado agradeço a paciência e tolerância que tiveram, quando meu cansaço e minha ansiedade chegaram a minhas aulas. Ninguém vive bem sua sexualidade numa sociedade tão restritiva, tão hipócrita e falseadora de valores; uma sociedade que viveu a experiência trágica da interdição do corpo. Viver plenamente a sexualidade sem que esses fantasmas, mesmo os mais leves, os mais meigos, interfiram na intimidade do casal que ama e que faz amor é muito difícil. É preciso viver relativamente bem a sexualidade. Não podemos assumir com êxito, pelo menos relativo, a paternidade, a maternidade, o professorado, a política, sem que estejamos mais ou menos em paz com a sexualidade. Paulo Freire (1992) RESUMO SOUZA, Rozana Aparecida de. O debate social sobre a anticoncepção de emergência no Brasil (2005-2008). 2010. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Pesquisa socioantropológica que discute as premissas centrais do debate social sobre a Anticoncepção de Emergência (AE) no Brasil, mediante análise de 112 textos publicados nos jornais impressos de grande circulação nacional Folha de S. Paulo (SP) e O Globo (RJ), de 2005 a 2008, orientada pelos descritores: pílula do dia seguinte, contracepção de emergência e anticoncepção de emergência. Dois principais interlocutores são considerados pela imprensa com legitimidade para atuarem como fontes jornalísticas sobre a AE: a hierarquia da Igreja Católica e o Estado, representado pelo MS. Dentre os resultados, identifica-se a publicação de um discurso baseado em categorias bélicas, consoante à terminologia da saúde pública, proferido por vários interlocutores, favoráveis ou contrários ao método. Os textos pouco reproduzem argumentos baseados na defesa dos direitos reprodutivos e da AE como método que pode aumentar a autonomia feminina no controle da reprodução. O posicionamento contrário da hierarquia da Igreja Católica baseia-se em argumentos biomédicos usados para equiparar o mecanismo de ação dos medicamentos misoprostol (Cytotec) e a pílula RU486 com a AE. Numa retórica médico-científica, a instituição afirma que esse método seria abortivo, ao considerar que toda relação sexual implica a fecundação. Ao tentar impedir sua disponibilização, oferta e seu uso, interlocutores contrários consideram-no abortivo, por ser usado pós-coito. Nos textos analisados, o mecanismo de ação da AE não é discutido por interlocutores do campo biomédico favoráveis ao método. No debate da mídia, o tema aborto é central na discussão sobre a AE. Na busca pela legitimação do método, interlocutores ligados ao MS e demais instituições favoráveis, defendem que ele pode evitar abortos inseguros. Conclui que a relação desse debate com o tema do aborto não contribui para a expansão do uso da AE em situações emergenciais por quem dela precisa e deseja usá-la, nem para o esclarecimento da população usuária sobre sua ação. Palavras-chave: Pílula do dia seguinte. Anticoncepção pós-coito. Aborto. Direitos sexuais e reprodutivos. Adolescência. Serviços de saúde. ABSTRACT SOUZA, Rozana Aparecida de. The social debate about emergency contraception in Brazil (2005-2008). 2010. Masters dissertation in Collective Health – Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Departamento de Medicina Preventiva, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brazil. This social and anthropological research discusses the central arguments that support the debate on emergency contraception (EC) in Brazil, through the analysis of the 112 texts published by the important Brazilian newspapers Folha de S. Paulo (Sao Paulo) and O Globo (Rio de Janeiro), from 2005 to 2008, guided by the keywords: pílula do dia seguinte (morning after pill), contracepção de emergência (emergency contraception), and anticoncepção de emergência (emergency contraception). Two main speakers are considered legitimate by the press to work as EC journalistic sources: the Catholic Church hierarchy; and the State, represented by Public Health Department. Among the results, there is the publication of a discourse based on war words, made by several speakers, for or against the method, concerning to public health terminology. The texts researched reproduce only a bit of arguments in defense of Reproductive Rights and EC as a method that can increase women‟s autonomy towards reproduction control. The position of Catholic Church hierarchy is based on biomedical arguments used to equate the mechanism of action of Misoprostol (Cytotec) and RU486 pill to EC. Such speakers defend, in a medical scientific discourse, that emergency contraception is abortive, since they consider that any sexual relation ends in fertilization. In an attempt to avoid its availableness, offer, and use, the ones who are against EC consider it abortive, since it is used after sex. In the texts researched, the EC mechanism of action is not discussed by biomedical specialists who are for it. In the media debate, abortion is a central theme in the discussion about CE. Regarding to legitimate EC, speakers related to Public Health Department and other institutions that are for EC defend that the method helps avoiding unsafe abortions. In conclusion, the research finds that to relate EC debate and abortion do not contribute to increase the use of EC in emergency situations by who need it or want to use it, so as to provide users knowledge of its mechanism of action. Keywords: Morning after pill. Poscoital contraception. Abortion. Reproductive and Sexual Rights. Adolescence. Health services. SUMÁRIO LISTA DE TABELAS 11 INTRODUÇÃO 12 1 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE CONTRACEPÇÃO NO BRASIL 19 1.1 HISTÓRIA DA CONTRACEPÇÃO NO BRASIL 1.2 A CONSTITUIÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DA MULHER 1.2.1 O Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) 1.2.2 Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher 19 22 23 28 2 ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA NO BRASIL: MARCOS NORMATIVOS E DIFICULDADES DE INSTITUCIONALIZAÇÃO NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE 30 2.1 ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA NO BRASIL: MARCOS NORMATIVOS E POLÍTICO-INSTITUCIONAIS 2.2 DIFICULDADES NO ACESSO E USO DA ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA 2.2.1 Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS) – 2006 2.2.2 Aceitabilidade da Anticoncepção de Emergência no Brasil 2.2.3 Não-cumprimento da Legislação Vigente sobre a Anticoncepção de Emergência 2.2.4 Compreensão da Anticoncepção de Emergência como Abortiva 2.2.5 O Uso da Anticoncepção de Emergência Exclui o Uso do Preservativo? 2.2.6 Anticoncepção de Emergência na Adolescência 30 33 33 34 35 36 45 47 3 METODOLOGIA 50 3.1 APONTAMENTOS SOBRE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS 3.2 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E MÍDIA 3.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 50 52 55 4 ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA NOS JORNAIS FOLHA DE S. PAULO E O GLOBO 58 4.1 CARACTERIZAÇÃO DOS TEXTOS 4.1.1 Quantidade de Textos 4.1.2 Principais Eventos que Provocaram a Cobertura Jornalística 4.1.3 Gênero Jornalístico 4.1.4 Disposição dos Textos no Espaço dos Jornais 4.1.5 Tema Central Abordado 4.1.6 Autoria dos Textos 58 58 60 61 63 63 64 4.1.7 Origem da Informação 4.1.8 Ilustrações 4.1.9 Número de Linhas Publicadas por Ano 4.2 FONTE DOS TEXTOS 4.2.1 Enquadramento e Abordagem 4.2.2 Tom da Fonte de Informação 4.2.3 Vinculação Disciplinar da Fonte 4.3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA NOS JORNAIS FOLHA DE S. PAULO E O GLOBO: ARGUMENTOS, INTERLOCUTORES E CONFLITOS 4.3.1 Anticoncepção de Emergência e Aborto 4.3.2 Anticoncepção de Emergência na Adolescência 4.3.3 Anticoncepção de Emergência: Riscos de Torná-la um Método de Uso Regular 4.3.4 Anticoncepção de Emergência na Seção Cartas do Leitor 5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS: ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA, ESTADO E IGREJA CATÓLICA 65 65 65 66 66 66 67 67 67 75 76 79 85 5.1 UM PANORAMA DOS TEXTOS 5.2 O POSICIONAMENTO DA IGREJA CATÓLICA FRENTE À ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA: “À SOMBRA DO ABORTO” 5.3 ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA: MAIS UMA “ARMA NO ARSENAL” DO PLANEJAMENTO FAMILIAR 5.4 “SEXUALIDADE X CASTIDADE”: O USO DA ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA NA ADOLESCÊNCIA 5.5 “QUANDO OS DISCURSOS SE ENCONTRAM”: ABORTO COMO ARGUMENTO CENTRAL NO DEBATE SOBRE A ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA 85 CONSIDERAÇÕES FINAIS 115 REFERÊNCIAS 120 SITES, BOLETINS E BLOGS CONSULTADOS 128 90 98 107 111 ANEXO 1 – ROTEIRO PARA COLETA DE DADOS DOS TEXTOS 129 SELECIONADOS ANEXO 2 – FONTES DO LEVANTAMENTO 132 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Total de textos por ano, 2005 a 2008 Tabela 2: Textos por ano, 2005 a 2008 Tabela 3: Textos por mês na Folha de S. Paulo Tabela 4: Textos por mês em O Globo Tabela 5: Gênero jornalístico na Folha de S. Paulo Tabela 6: Gênero jornalístico em O Globo Tabela 7: Seção dos textos na Folha de S. Paulo Tabela 8: Seção dos textos em O Globo Tabela 9: Tema central abordado pelos textos da Folha de S. Paulo Tabela 10: Tema central abordado pelos textos de O Globo Tabela 11: Número de linhas sobre AE publicadas por ano Tabela 12: Cartas dos leitores publicadas por ano Tabela 13: Cartas dos leitores por mês na Folha de S. Paulo Tabela 14: Cartas dos leitores por mês em O Globo Tabela 15: Sexo dos leitores que assinaram as cartas publicadas nos dois jornais 56 58 59 59 62 62 63 63 64 64 66 79 79 80 80 12 INTRODUÇÃO A Anticoncepção de Emergência (AE) é um método contraceptivo pós-coito, que começou a ser estudado nas décadas de 1960 e 1970, pelo médico canadense Albert Yuzpe, como resposta médica para as conseqüências de violência sexual (DIDES CASTILLO, 2006; MARTIN, 2004). Assim, sua eficácia é conhecida há mais de trinta anos (COSTA et al., 2008; FIGUEIREDO, 2004). No cenário nacional, esse método foi reconhecido pelas normas de Planejamento Familiar do Ministério da Saúde em 1996 (BRASIL, 1996a). O uso da AE no Brasil vem ocorrendo há anos em ambientes restritos e não constitui prática sistematizada. A prescrição desse método pelos profissionais de saúde, tanto no setor público quanto privado, ainda é limitada (HARDY et al. 2001; OSIS et al., 2006). Ao longo dos anos, esse método ganhou visibilidade, e é utilizado pelas mulheres nem sempre com acompanhamento médico. Muitas vezes, é adquirido em farmácias, sem receita médica. Além dessa difusão da contracepção de emergência sem apoio dos serviços de saúde, exceto nos casos de violência sexual, ocorre na sociedade brasileira grande debate, expresso na mídia, sobre seu modo de ação, seu potencial (não)abortivo, sua distribuição pelos municípios e serviços de saúde. Às vezes, tal debate ganha o tom passional que marca a discussão atual sobre o aborto no Brasil, embora pesquisas científicas comprovem que a AE não é um método abortivo (DREZETT, 2009; FAÚNDES e BARZELATTO, 2004; BRASIL, 2006). Assim como na questão do aborto, existem dois interlocutores influentes que conquistam espaço no debate público sobre a AE, como fontes jornalísticas comumente acionadas: a hierarquia da Igreja Católica e o Estado, representado pelo Ministério da Saúde (MS). Para entender por que estas instituições adquirem centralidade enquanto fontes de textos sobre a pílula pós-coito é preciso refletir sobre a questão do jornalismo e das fontes. Pinto (2000) chama a atenção para a importância de se analisar as fontes para compreender a dimensão central do jornalismo. “Existe alguma dose de mistério e de magia à volta do problema das fontes em geral, e também, das fontes jornalísticas” (p.278). Este autor ressalta o fato de que as fontes não são naturais, mas sim construídas a partir de interesse e desenvolvimento de ações em determinado assunto/tema. Assim como os jornalistas e a imprensa, as fontes não são uniformes, homogêneas e invariáveis. As relações destes 13 profissionais com as fontes pressupõem diferentes níveis de variação, que dependem do tipo de organização das notícias e das próprias fontes. As fontes são pessoas, grupos, instituições ou vestígios (falas, documentos, dados etc.) deixados por certos atores, que remetem a posições e relações sociais que representam em determinado quadro temporal e espacial. Os jornalistas recorrem ou são procurados por fontes (entidades) interessadas em desenvolver suas atividades a partir de estratégias e táticas definidas. Há um processo histórico, recente, que provocou a organização e institucionalização das fontes, com sua profissionalização. Nas últimas décadas, nos processos jornalísticos, ocorreu uma capacitação das fontes interessadas, produtoras e controladoras de acontecimentos e falas que transformam, explicam ou desvendam a realidade. Pinto (2000) afirma que os jornalistas procuram dar publicidade aos fatos, eventos e declarações que consideram relevantes para o público, enquanto as fontes organizadas e portavozes de instituições objetivam dar publicidade aos temas que interessam a essas instituições. O quadro de multiplicação e diversificação das fontes, como o vivido atualmente, demonstra um sinal de complexificação da vida social. Nesse processo, as fontes organizadas e frequentemente profissionalizadas adquirem um estatuto e um poder significativos frente à mídia, aos jornalistas e ao público geral. Segundo Dides Castillo (2006), quando se fala de um debate público sobre a AE, temse à frente um cenário em que a mídia é o centro e atua como intermediador das vozes dos atores dos discursos vigentes. Os meios de comunicação produzem mensagens que tendem a definir e a interferir na atividade política, na agenda de instituições governamentais e nãogovernamentais, na opinião pública e nas práticas sociais dos indivíduos. No caso desse método pós-coito, a mídia constrói um debate que gera repercussões na sociedade e causa impacto no cenário das políticas públicas de saúde. A crescente importância da mídia na veiculação de informações e disseminação de valores relativos à sexualidade e à saúde reprodutiva e a existência de lacunas no campo das pesquisas nacionais sobre saúde reprodutiva referente ao tema da AE na mídia1 justificam a realização deste estudo, que analisa a difusão e o debate social sobre esse método no Brasil, nos últimos anos (2005 a 2008). Assim, esta pesquisa tem como objetivo geral identificar e analisar as premissas centrais que erigem o debate sobre a AE, veiculado em dois jornais 1 Já existem pesquisas sobre a questão do aborto e dos direitos reprodutivos na mídia, tais como: O aborto na imprensa brasileira (MELO, 2001), que monitorou o tema do aborto em quatro jornais de circulação nacional, durante setembro de 1995 a agosto de 1999, e Olhar sobre a mídia (OLIVEIRA et al., 2002), que, no período de 1996 a 2000, monitorou temas de saúde reprodutiva em quatro jornais impressos. 14 impressos de grande circulação nacional: Folha de S. Paulo (FSP), de São Paulo, e O Globo, do Rio de Janeiro, durante os anos de 2005 a 2008. Ainda, esse estudo pauta-se nos seguintes objetivos específicos: identificar as características da cobertura jornalística: gênero jornalístico (divulgação científica, reportagens, pesquisas, entrevistas, opiniões etc.), fonte dos textos, destaque dado; analisar os atores envolvidos no debate, os argumentos em jogo, os enfoques preferenciais, os conflitos políticos, as fontes comumente procuradas; reconhecer os principais eventos que determinaram o aumento da cobertura jornalística sobre o tema. Para tanto, é necessário refletir, sob uma perspectiva socioantropológica, sobre a AE no contexto dos direitos sexuais e reprodutivos2. Os direitos sexuais e reprodutivos são uma questão de cidadania, que diz respeito tanto às questões físicas dos sujeitos quanto às sociais. Esses direitos devem ser contextualizados em termos de poder e recursos: “[...] poder de tomar decisões com base em informações seguras sobre a própria fecundidade, gravidez, educação dos filhos, saúde ginecológica e atividade sexual; e recursos para levar a cabo tais decisões de forma segura” (CORRÊA e PETCHESKY, 1996, p.149). Nesse sentido, as decisões tomadas em relação ao planejamento familiar são permeadas de pressões da família, da sociedade, dos meios de comunicação, que acabam por reforçar as normas reprodutivas vigentes. No que tange a isso, Brandão e Heilborn (2006, p.1424) indicam que: O surgimento da contracepção moderna (pílula e DIU), a liberação do aborto, a medicalização da sexualidade e da reprodução difundiram um conjunto de prescrições às mulheres, sugerindo determinado comportamento reprodutivo. Contudo, as mulheres enfrentam constrangimentos para cumprirem essas normas, advindos da permanência da hierarquia de gênero. As mulheres brasileiras, principalmente adolescentes e jovens, de diferentes camadas sociais, especialmente as de camadas populares, formam uma parcela vulnerável da 2 O discurso dos direitos sexuais e reprodutivos tem sido criticado: linguagem indeterminada, inclinação individualista, presunção de universalidade e dicotomização entre o “público” e o “privado”. Os direitos (humanos, sexuais, reprodutivos, entre outros) compreendidos como liberdades privadas ou escolhas, não fazem sentido para os grupos mais pobres (classes populares). A perspectiva individualista desses direitos apresenta limites para as classes populares. Essas classes se organizam em grupos e apresentam formas diferenciadas de perceber seus corpos físicos, para estes grupos faltam condições que permitam seu exercício (CORRÊA e PETCHESKY, 1996). 15 sociedade, no que se refere aos direitos sexuais e reprodutivos. Além da falta de acesso à informação e aos métodos contraceptivos nos serviços públicos de saúde, existe a dificuldade de negociar o uso desses métodos, especialmente o preservativo masculino, com seus parceiros. Segundo Brandão e Heilborn (2006, p.1424), é preciso analisar “as falhas, esquecimentos ou não-uso de métodos contraceptivos pelas mulheres” como “momentos de vulnerabilidades em um contexto social e relacional específico”. De acordo com Bajos et al. (2002), tais “momentos de vulnerabilidade” seriam constituídos por frágil internalização das normas contraceptivas; dificuldade de negociação entre gêneros, devido à permanência da dominação masculina; qualidade da relação médico-paciente, que condiciona a prescrição e o uso do método; (in)compatibilidade do método indicado com o contexto da vida afetivosexual feminina; representações sobre sexualidade; ambivalência do desejo de ter filhos. Segundo Bozon (2004), a maior parte das culturas traduziu a diferença dos sexos em linguagem binária e hierarquizada, na qual apenas um dos sexos é valorizado. Nessa lógica, o feminino está assinalado no lado inferior, fica responsável pela procriação e pelo cuidado com a prole. Apesar disso, no mundo ocidental contemporâneo, a vida sexual não está mais identificada com a fecundidade e a procriação: o repertório sexual ampliou-se, as normas e as trajetórias da vida sexual diversificaram-se, os saberes e as encenações da sexualidade multiplicaram-se. No entanto, “Se o exercício da sexualidade e a decisão reprodutiva podem ser partilhados por homens e mulheres, a gestão da contracepção continua a ser encargo feminino, [...] submetido à capacidade de autodeterminação e de negociação com o parceiro” (BRANDÃO e HEILBORN, 2006, p.1424). As práticas contraceptivas inscrevem-se em relações sociais marcadas por assimetrias de gênero, por práticas sexuais consensuais, determinadas culturalmente e pelos pares, conforme o grau de aproximação e de intimidade na relação que eles estabelecem. A contracepção deve ser vista como prática social, e a eficácia dos métodos contraceptivos não é somente técnica, é preciso levar em consideração o ambiente cultural onde os sujeitos vivem (BAJOS et al., 2002). Assim, para que o Estado promova os direitos sexuais e reprodutivos de forma a respeitar a igualdade entre mulheres (resguardando o princípio da autonomia) e homens, é preciso que se solucionem alguns problemas quanto aos métodos contraceptivos: 16 [...] leis que garantem a „liberdade‟ para todas as mulheres de escolherem o método que desejam são inúteis quando as mulheres não têm acesso aos serviços de saúde, quando a qualidade dos mesmos é precária, ou nas situações em que faltam os insumos e financiamento adequado para o sistema de saúde pública (CORRÊA e PETCHESKY, 1996, p.167). Esses problemas marcam a história da política de planejamento familiar do Brasil. Várias tentativas foram realizadas para sanar a falta de oferta de métodos contraceptivos pelos serviços públicos de saúde, mas a realidade ainda hoje é de exclusão: mulheres e homens não têm seus direitos reprodutivos assegurados. Os métodos mais disponibilizados, nesse cenário de escassez, são: pílula anticoncepcional, preservativo masculino e laqueadura. Com a ascensão do preservativo, está havendo mudança para a pílula e o preservativo. São realizados poucos investimentos na capacitação das equipes de saúde para trabalhar com o planejamento familiar na perspectiva da autonomia. Aliada a esse cenário do sucateamento do planejamento familiar nos serviços de saúde pública, há, no cenário nacional, uma instituição que se posiciona e se articula contrariamente aos direitos sexuais e reprodutivos: a Igreja Católica. A história brasileira apresenta marcas da influência da Igreja na organização do Estado brasileiro em vários momentos, embora, em um regime democrático, o Estado devesse ser laico. No que se refere à AE, a hierarquia da Igreja Católica tem sido - opositora ao método, que ela considera abortivo, por ser usado após o coito. No contexto nacional, esta instituição é um importante ator da vida social, política e cultural. Porém não é possível falar desta como uma instituição homogênea. Segundo Souza (2004), a Igreja Católica é complexa e heterogênea, com divisões e tensões internas, vivendo nos dias atuais uma contradição interna: “fortemente hierarquizada, onde a noção de autoridade tem um papel destacado” (p. 91). É necessário distinguir entre Igreja enquanto instituição, com estruturas de poder eclesiástico e como comunidade de fiéis. A decisão sobre o uso da AE constitui prática que envolve muitas questões, destacando-se: disponibilidade do método nos serviços de saúde; conhecimento e informações sobre seu mecanismo de ação; ambiente cultural em que se faz a escolha pelo método. Assim, não basta existir contexto jurídico-legal favorável à AE no Brasil, é preciso entender os desafios e barreiras que envolvem o acesso a esse método como prática social. O tratamento dado ao tema neste estudo não se vincula à questão da violência sexual, que comumente gera o debate sobre a AE. O método é abordado no conjunto dos métodos contraceptivos disponíveis, e pode ser usado, com orientação médica, em situações emergenciais, que não se restringem ao estupro, e também incluem relações sexuais 17 desprotegidas, acidentes com o uso de preservativo masculino, uso inadequado de pílulas hormonais, falha no coito interrompido, deslocamento do diafragma, dentre outras. Foram selecionados 112 textos dos jornais Folha de S. Paulo e O Globo, do período de 2005 a 2008, que apresentam os descritores: anticoncepção de emergência (expressão adotada pelos documentos do MS); contracepção de emergência (termo comumente encontrado na literatura científica); e pílula do dia seguinte (expressão usada pela mídia), para ser trabalhados de acordo com os objetivos propostos. O material foi analisado e apresentado de acordo com as características gerais dos textos e como as representações sociais dos atores envolvidos no debate social sobre a AE são filtradas e construídas socialmente pela imprensa. Atenta-se para o fato de que este estudo analisa argumentos sobre a AE editados e reelaborados por jornalistas e editores, a fim de retratar o debate sobre o método nos jornais. Segundo Lupton (1992), é preciso interpretar o conteúdo dessas comunicações textuais, revelar suas mensagens e para quem elas se dirigem. Também, é preciso construir análises que vão além de o que está na superfície dos textos: principal assunto do artigo do jornal ou a retórica nele empregada. Lemos (2006, p.20) alerta que o trabalho da mídia sobre informações médicas e científicas (como é o caso da AE) é sempre de “tradução”. O que é publicado nos textos da imprensa deve ser compreendido como “segunda representação, um segundo discurso que expressa uma formulação a partir de conteúdos científicos e estão relacionados a uma trama sociocultural que reflete demandas específicas da audiência”. A fim de atingir seus propósitos, este estudo divide-se em cinco capítulos. No primeiro capítulo, apresenta-se um breve resgate histórico da questão da contracepção no Brasil, a princípio enfrentada por políticas de controle populacional, de iniciativa de entidades nãogovernamentais. Gradativamente, a questão reprodutiva passou a fazer parte do cenário das políticas públicas, mais especificamente, do campo das políticas de saúde, com o processo de organização das ações de atendimento às questões contraceptivas e de planejamento familiar, no âmbito de um Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (BRASIL, 1984). Tal programa resulta do posicionamento do movimento feminista em prol do reconhecimento da autonomia das mulheres sobre seu corpo e sua sexualidade. A afirmação dos direitos sexuais e reprodutivos é premissa ética e política importante, que orienta a Política Nacional da Atenção Integral a Saúde da Mulher (BRASIL, 2004a). O segundo capítulo discute a política do Ministério da Saúde (BRASIL, 2004a) para os métodos contraceptivos, principalmente, no que se refere à AE: sua introdução no leque de 18 métodos contraceptivos modernos, sua normatização pelo MS, sua prescrição pelos profissionais de saúde e distribuição aos serviços públicos de saúde, como parte das conquistas originárias do campo das políticas de direitos sexuais e reprodutivos no Brasil. No sentido de apontar como a AE é percebida por vários segmentos da sociedade, faz-se uma revisão da literatura, que apresenta resultados de pesquisas nacionais e internacionais (América Latina, América do Norte e Europa), os quais evidenciam dificuldades e barreiras que perpassam o acesso e o uso da AE. A seção três discute os procedimentos metodológicos da pesquisa, e inicia-se com uma abordagem da categoria de representação social. Como a pesquisa coletou representações que circulam na sociedade sobre a AE que são publicadas na mídia impressa e formatam idéias, opiniões, julgamentos e posições morais sobre o tema, fez-se necessário resgatar alguns estudos que trabalharam com representações sociais e mídia (DIDES CASTILLO, 2006; HERZLICH e PIERRET, 2005; LEMOS, 2006; MELO, 2001; CITELI, 2001; LUPTON, 1992 e 1994; LUPTON et al., 1993). No quarto capítulo são apresentados os resultados da pesquisa quanto às características dos textos: número de textos publicados por ano; especificações da cobertura jornalística; identificação dos eventos que provocam a cobertura jornalística; e quanto às representações sociais da AE que circularam no debate público brasileiro no período de 2005 a 2008 e que foram editadas pelos jornais O Globo e Folha de S. Paulo, os principais argumentos em jogo, atores envolvidos no debate, principais conflitos. No capítulo seguinte, tais resultados são analisados e discutidos à luz da literatura levantada. O debate sobre a AE na mídia impressa tem sido polarizado entre gestores ou profissionais de saúde, que representam o Estado – MS, secretarias de saúde, consultores – interlocutores favoráveis à AE e a hierarquia da Igreja Católica, opositora do método (assim como de todos os métodos contraceptivos modernos). Os argumentos existentes no material empírico recolhido da impressa giram em torno do fato de o método ser abortivo, por ser usado após o ato sexual, e da AE ser uma solução para inúmeros abortamentos em condições inseguras e para gestações imprevistas de adolescentes. Nas considerações finais, algumas reflexões são apontadas, bem como se apresentam propostas para investigações futuras. 19 1 TRAJETÓRIA DAS POLÍTICAS DE CONTRACEPÇÃO NO BRASIL 1.1 HISTÓRIA DA CONTRACEPÇÃO NO BRASIL A partir de 1950, várias foram as designações e conceituações relativas à saúde de mulheres e homens adotadas por diversos países. Cada designação representava um momento da trajetória do pensamento das sociedades acerca da sexualidade e da reprodução. Conceitos como controle de natalidade, controle populacional, planejamento familiar, saúde maternoinfantil, saúde da mulher, saúde sexual, saúde reprodutiva, direitos sexuais, direitos reprodutivos, dentre outros, indicam como os países têm concebido a questão do corpo, da reprodução e da sexualidade, em diferentes contextos históricos e sociopolíticos. A atenção dada às questões populacionais tem evoluído consideravelmente, e mudanças têm sido incorporadas em formulações políticas de diversos países. As décadas de 1950 e 1960 foram marcadas pela emergência de premissas neomalthusianas de que o aumento populacional poderia atrasar o crescimento econômico, destruir o meio ambiente, sucatear os serviços sociais e aumentar a pobreza. Para evitar tais conseqüências, muitos países, nos anos 1960, adotaram uma abordagem da questão populacional que envolvia uma política de controle de natalidade, e implementaram programas verticais de planejamento familiar. A idéia de que programas de planejamento familiar promoveriam o controle populacional permaneceu ao longo da década de 1970. Formuladores de políticas públicas defendiam a disseminação de métodos contraceptivos, mesmo que contrariassem os interesses individuais. Nos primórdios da demografia, preocupações com direitos individuais não eram incorporadas às análises da explosão populacional (FONSECA SOBRINHO, 1993; GALVÃO, 1999; CORRÊA et al., 2006). O Brasil apresentou aumento populacional entre 1940 e 1970. Segundo Vieira (2003), nesse período, o país vivenciou alta na taxa de natalidade, que aconteceu graças a dois fatores: 1) declínio moderado na taxa de mortalidade, iniciado na década de 1940, devido ao controle de doenças transmissíveis e às melhorias no saneamento básico; 2) alta da fecundidade. Essa fase produziu uma pirâmide etária com concentração em jovens. A partir de 1970, o país mostrou significativo declínio da fecundidade. Segundo Martine e Faria (1986), as mudanças pelas quais o Brasil passou ao longo das décadas de 1950 a 1980 refletiram novas formas de organização social, recombinação das forças 20 sociopolíticas e várias reacomodações do regime político. A realidade da população não ficou à margem dessas mudanças. “A modernização agrícola e o processo de industrialização da economia provocaram a movimentação espacial de aproximadamente 35 milhões de pessoas ao longo dos últimos 30 anos” (MARTINE e FARIA, 1986, p.01). O número de habitantes das cidades, principalmente das maiores cidades, cresceu acentuadamente. As taxas de mortalidade permaneceram praticamente as mesmas, “declinando vagarosa e irregularmente”, e as taxas de fecundidade experimentaram declínio vertiginoso: “[...] eram estáveis até meados dos anos 60, sofreram queda de 40% em apenas 20 anos” (MARTINE e FARIA, 1986, p.02). O uso de métodos contraceptivos explica esse declínio, considerado rápido e intenso. Para Martine e Faria (1986), as transformações pelas quais o Brasil passou provocaram mudanças nas atitudes dos governos quanto à questão populacional: a posição pró-natalista deu lugar, de forma gradativa, a uma posição favorável ao planejamento familiar. O Brasil demorou 40 anos para aumentar 45% a expectativa de vida e 15 anos para diminuir 48% a taxa de fecundidade. Essa queda da fecundidade não foi resultado de política nacional destinada a tal objetivo (BERQUÓ, 1987; VIEIRA, 2003), porém, havia uma política implícita de controle populacional (VIEIRA, 2003; FONSECA SOBRINHO, 1993; BERQUÓ, 1987). Essa política colocava no mercado contraceptivos orais de baixo custo, facilitava o acesso à esterilização feminina e também agia de forma indireta, por meio de ações de ampliação à educação, aumento das mulheres na força de trabalho e promoção do consumo pela mídia televisiva. Sorj et al. (2007) explicam a rápida redução da fecundidade mediante vários fatores, tais como: melhoria e popularização dos métodos contraceptivos, mudanças comportamentais relativas ao lugar da maternidade na identidade social das mulheres e o ingresso maciço das mulheres no mercado de trabalho (que ocasionou menos prioridade para a formação de um núcleo familiar com filhos). O tema planejamento familiar sempre gerou polêmica no país. Durante a década de 1970, o debate em torno do controle demográfico encontrava-se acirrado e polarizado: anticontrolismo versus antinatalismo (FONSECA SOBRINHO, 1993). O Ministério da Saúde (MS) tratava a questão do planejamento familiar de forma pouco sistematizada. Antes de 1970, a baixa densidade demográfica provocava a preocupação de ocupar todo o território nacional, principalmente as fronteiras. Havia também forte influência da Igreja Católica, para que não se adotassem políticas de planejamento familiar (FONSECA SOBRINHO, 1993; COSTA et al., 2006; VIEIRA, 2003; ALVES, 2006). 21 Certos fatores contribuíram para mudar o discurso do Estado acerca do planejamento familiar, a partir da década de 1970. O crescimento demográfico e a descrença em relação ao crescimento econômico, frente a uma recessão mundial, além de pressões externas, levaram o governo brasileiro a assumir uma posição diferente. O Brasil passou a defender, em conferências e encontros internacionais, o direito dos casais ao planejamento familiar e o dever do Estado de prover meios e informações sobre contracepção, porém, nenhuma medida concreta foi tomada para implantar essa idéia. Para Costa et al. (2006), essa atuação frágil do MS frente às ações de planejamento familiar possibilitou que instituições de cunho controlista agissem em território nacional, de forma desordenada. Proliferaram clínicas privadas de planejamento familiar e o comércio de contraceptivos no Brasil, já em 1965 (VIEIRA, 2003; FONSECA SOBRINHO, 1993; BERQUÓ, 1987). Essas clínicas foram introduzidas por agências financiadas por órgãos internacionais, e denominadas controlistas, por alinharem um discurso de controle de natalidade, almejando políticas de controle populacional e adotando metas demográficas que incluíam o declínio da fecundidade. Tiveram maior relevância nesse cenário a Sociedade Civil de Bem-Estar da Família no Brasil (BEMFAM) e o Centro de Pesquisas de Assistência Integrada à Mulher e à Criança (CPAIMC). Durante as décadas de 1960 e 1970, a questão do planejamento familiar foi controversa no cenário nacional, pois havia oposição clara por parte da Igreja Católica3 e de intelectuais e acadêmicos, e faltava consenso sobre o tema entre os grupos que formavam o governo militar (VIEIRA, 2003 e FONSECA SOBRINHO, 1993). Segundo Costa et al. (2006), o governo brasileiro agiu de forma ambígua: tinha posição de cautela em relação à política de controle da fecundidade, mas era permissivo acerca da atuação de entidades privadas. O MS lançou, em 1977, o Programa de Saúde Materno-Infantil, que tinha por objetivo prevenir a gestação de alto risco (CORRÊA et al., 2006; ALVES, 2006). Até 1980, a política governamental para as mulheres se restringia a ações direcionadas à assistência ao pré-natal, parto e puerpério. Esse cenário começou a mudar na década de 1980. O início da década de 1980 foi marcado pela radicalização do discurso dos militares contra o controle demográfico. Essa radicalização foi acompanhada de reação indignada de novos atores sociais, dentre eles, o movimento feminista, recente ainda no cenário nacional, mas com capacidade de introduzir 3 Esse tema será retomado no capítulo 2. 22 nesse debate posições firmes (COSTA et al., 2006; FONSECA SOBRINHO, 1993; VIEIRA, 2003). Os movimentos feministas criticavam a adoção de metas demográficas das entidades de planejamento familiar de cunho controlista, pois acreditavam que essas entidades queriam a todo custo aumentar o uso de contraceptivos para alcançar tais metas, porém, não apresentavam preocupação com a saúde das mulheres. Duas idéias já se destacavam no país, nos discursos feministas: a idéia do controle sobre o próprio corpo e sobre a reprodução e a questão da qualidade da assistência à saúde. As interlocutoras feministas clamavam pela autonomia das mulheres nas escolhas sobre procriação, e contrapunham-se aos argumentos pró-natalistas de ocupação do território nacional (VIEIRA, 2003; ÁVILA e CORRÊA, 1999; FONSECA SOBRINHO, 1993). 1.2 A CONSTITUIÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DA MULHER O posicionamento das mulheres no cenário nacional, desde a década de 1960, protagonizou ruptura com o clássico papel social da maternidade (COSTA et al., 2006). As mulheres introduziram-se no mercado de trabalho, buscaram controlar a fecundidade e adotar práticas anticonceptivas, desvinculando a vida sexual da maternidade. A reprodução emergia como tema a ser pensado, para além das velhas práticas de controle de natalidade. Para Sorj et al. (2007), o que favoreceu a entrada das mulheres no mercado de trabalho foi a diminuição da taxa de fecundidade, bem como o crescimento da cultura de consumo. Costa (1999, p.319) afirma que, até o início da década de 1980, “a política governamental para a assistência à saúde da mulher restringia-se ao ciclo gravídicopuerperal”. A questão reprodutiva passou a fazer parte das políticas públicas, não como direito geral, mas como ponto específico no campo das políticas de saúde, a partir da década de 1980 (CORRÊA et al., 2006). Em 1948, a Organização Mundial de Saúde (OMS) adotou um conceito de saúde amplo, multidimensional, que incluía a saúde reprodutiva: “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença ou enfermidade” (CORRÊA et al., 2006, p.41). A partir dessa nova definição de saúde, foram-se delineando os conceitos de saúde materno-infantil, saúde da criança, saúde da mulher etc. (CORRÊA et al., 2006; GALVÃO, 1999; ALVES, 2006). 23 Nos anos 1980, a noção de “saúde integral da mulher” foi adotada, mundialmente, a fim de articular aspectos relacionados à reprodução biológica e social, dentro dos marcos da cidadania. O termo “saúde da mulher” não se restringia à reprodução, pois traduzia uma série de reivindicações: descriminalização e legalização do aborto, acesso aos métodos contraceptivos, pré-natal e parto com qualidade, dentre outras reivindicações nos planos políticos e de atendimento médico (ÁVILA e CORRÊA, 1999; CORRÊA et al., 2006). 1.2.1 O Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) Em 1983, o MS apresentou uma proposta política concreta, que concebia a questão da saúde da mulher de forma integral, não se detinha apenas nas questões de concepção e contracepção: o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) (BRASIL, 1984). O programa foi um marco pioneiro, ao propor o atendimento à saúde reprodutiva no contexto da atenção integral e também por registrar o início da atuação do governo brasileiro nas questões relativas ao planejamento familiar (FONSECA SOBRINHO, 1993; OSIS et al., 2006; COSTA et al., 2006; VIEIRA, 2003; FIGUEIREDO, 2004; CORRÊA et al., 2006; GALVÃO, 1999). Como bem ressalta Fonseca Sobrinho (1993, p.136), o PAISM foi o “primeiro discurso oficial do governo brasileiro sobre Planejamento Familiar que superou o prolongado „embate político‟ entre „antinatalistas‟ e „anticontrolistas‟”. Para produzir o PAISM, o MS incorporou teses do movimento de mulheres, buscou dialogar com a Igreja Católica e anulou a influência de grupos controlistas. Galvão (1999) e Fonseca Sobrinho (1993) chamam atenção para o fato de o conceito do PAISM ter se desenvolvido ao longo de anos, com base em experiências de programas do MS e de outras instituições, que aconteciam no Brasil desde os anos 1960. O PAISM inovou no reconhecimento dos direitos reprodutivos das mulheres, ao contemplar vários aspectos da saúde reprodutiva feminina, abarcar todas as fases de vida da mulher, abandonar a visão reducionista da mulher como mãe e reprodutora. Esse novo programa incluía ações educativas, preventivas, de diagnóstico, tratamento e recuperação, englobava a assistência à mulher em clínica ginecológica, no pré-natal, parto e puerpério, no climatério, em planejamento familiar, DSTs, câncer de colo de útero e de mama, além de outras necessidades identificadas a partir do perfil populacional das mulheres (VIEIRA, 2003; COSTA, 1999; COSTA et al., 2006; FIGUEIREDO, 2004). 24 Os direitos sexuais e reprodutivos fazem parte de um conjunto mais amplo dos direitos humanos que, desde a Declaração Universal da ONU (1948), são considerados universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados (CORRÊA et al., 2006). É importante distinguir a noção de direitos reprodutivos e a de direitos sexuais. Na sociedade contemporânea, é preciso reconhecer que a atividade sexual não implica, necessariamente, reprodução, da mesma forma que reprodução nem sempre envolve atividade sexual, haja vista as técnicas de fertilização in vitro. Gênero, sexualidade e reprodução fazem parte da vida humana, tangenciam-se e podem até se confundir, mas correspondem a dimensões distintas. O fundamento dos direitos reprodutivos é a autonomia de decidir sobre a procriação. Questão importante sobre esses direitos refere-se ao fato de que eles não devem se restringir às mulheres, pois também incluem os homens. As decisões reprodutivas devem ser conseqüência de consentimento mútuo entre os parceiros (CORRÊA e PETCHESKY, 1996). No processo de implantação do PAISM, prevaleceu o discurso consensual, baseado nos princípios do direito à saúde e na autonomia das mulheres e dos casais sobre o número de filhos que desejavam ter. Esse discurso foi produto da Reforma Sanitária em curso no país. O PAISM incorporou como princípios e diretrizes as propostas de descentralização, hierarquização e regionalização dos serviços, bem como a integralidade e a eqüidade da atenção, num período em que, paralelamente, no âmbito do Movimento Sanitário, concebia-se o arcabouço conceitual que embasaria a formulação do Sistema Único de Saúde (SUS) (COSTA et al., 2006; GALVÃO, 1999; ÁVILA e CORRÊA, 1999). Em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, tornou-se visível uma das grandes conquistas do Movimento da Reforma Sanitária: a garantia da saúde como direito do cidadão e dever do Estado. O planejamento familiar também foi definido na Carta Magna como de livre arbítrio das pessoas envolvidas (COSTA et al., 2006). O direito ao planejamento familiar foi definido no §7 do Art. 226 da Constituição Federal de 1988: Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas (BRASIL, 2005f, p.158). A OMS, no mesmo ano da promulgação da Constituição Federal de 1988, adotou a concepção de “saúde reprodutiva”, visando a incorporar dimensões sociais da reprodução e desenhar políticas que respondessem às necessidades como pré-natal, parto, puerpério, aborto, doenças ginecológicas e câncer cervical. Esse conceito inovou ao incorporar os homens na 25 dimensão reprodutiva, contudo, a expressão utilizada no Brasil continuou sendo saúde integral das mulheres (CORRÊA et al., 2006). Segundo a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento4 (1994), saúde reprodutiva pode ser definida como estado de completo bem-estar físico, mental e social, em todos os textos concernentes ao sistema reprodutivo, suas funções e processos, e não apenas mera ausência de doenças ou enfermidade. Saúde reprodutiva implica que a pessoa possa ter vida sexual segura e satisfatória, capacidade de reprodução e liberdade de escolher quando e quantas vezes desejar fazê-lo. Costa (1999) aponta uma crítica ao conceito de saúde reprodutiva: esse conceito não consegue abarcar as múltiplas dimensões e complexidades da saúde. Para a autora, a definição de saúde reprodutiva como “estado de bem-estar físico, mental e social das pessoas relacionado ao aparelho genital e seu funcionamento [...]” (p.331) é passível de limitações conceituais e reduz a noção de saúde reprodutiva ao aparelho genital. A Lei 9.263, de 12/01/1996 (BRASIL, 1996b) – que regula o §7 do Art. 226 da Constituição Federal – define planejamento familiar, bem como a Portaria 144, de 20/11/1997 (BRASIL, 1997), da Secretaria de Assistência à Saúde/MS. A Portaria 48, de 11/02/1999 (BRASIL, 1999), da Secretaria de Assistência à Saúde/MS, revoga a Portaria 144. Ela define o planejamento familiar e inova, ao apontar normas e diretrizes para a realização da esterilização (tanto feminina quanto masculina). O PAISM, em 1983, já havia estabelecido que o planejamento familiar deveria incluir ações para a anticoncepção e também atenção aos casos de infertilidade. Uma década depois, algumas pesquisas de avaliação do PAISM foram produzidas. Uma delas identificou que sua implantação foi caracterizada pela descontinuidade e baixa efetividade das ações, sendo os avanços lentos durante os quinze anos que se seguiram (OSIS et al., 2006). Apesar dos esforços do MS, os pontos cruciais do PAISM, ainda na década de 1980, eram: a disponibilidade dos métodos anticoncepcionais nas unidades municipais do sistema de saúde e a capacitação dos profissionais envolvidos na operacionalização das ações do programa. Para Galvão (1999), é importante reconhecer que as limitações e os fracassos do PAISM não podem ser analisados de forma descontextualizada, mas sim se considerando o quadro caótico em que se encontrava o sistema de saúde pública nacional, na década de 1980, e uma série de dificuldades culturais, políticas, sociais e econômicas, que se tornaram entraves para a 4 Vale ressaltar que, após 14 anos dessa conferência, o cenário nacional desenha um quadro em que: prevalece a atenção curativa à saúde; há restrições na liberdade de escolha dos sujeitos no que se refere à reprodução; e há dificuldade de acesso aos métodos de contracepção (CORRÊA et al., 2006). 26 operacionalização do conceito de saúde integral da mulher. Costa (1999) afirma que o PAISM precisa ser compreendido como política para assistência ao público feminino, no contexto do SUS. Na década de 1990, algumas mudanças foram estabelecidas pelo MS, procedendo-se a descentralização de recursos federais, incluindo-se a compra de insumos contraceptivos por parte desse ministério. Apesar dessas mudanças, os problemas com planejamento familiar persistiram, como apontam os dados do relatório técnico de uma missão enviada ao Brasil em 1994, pelo Fundo de População das Nações Unidas (FNUAP) (apud VIEIRA, 2003). Alguns dados desse relatório são destacados por Vieira (2003): havia grande lacuna entre a demanda das pessoas por contraceptivos e o desejo de usar os métodos anticoncepcionais e o acesso a eles; havia falta de insumos contraceptivos e ausência de gerenciamento logístico; bem como falta de capacidade técnica das equipes em clínicas dos serviços públicos. Esse relatório concluiu que havia à disposição das mulheres apenas dois métodos contraceptivos (pílula anticoncepcional e esterilização), havia, também, distorção nos propósitos do programa, o qual não contribuía para a saúde reprodutiva das mulheres. No ano de 2000, o MS voltou a disponibilizar os insumos por meio das secretarias estaduais de saúde. A partir de algumas tentativas de avaliação desse sistema de distribuição de contraceptivos e de discussões sobre as políticas dessa área, foi proposta uma nova estratégia, na qual a compra dos insumos e seu envio (trimestral) aos municípios ficariam a cargo do MS, com a meta de atender a 30% da demanda. O envio era vinculado a algumas exigências: ter pelo menos uma equipe do Programa de Saúde da Família (PSF) habilitada, ou estar com o termo de adesão ao Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN) aprovado, ou contar com pelo menos uma equipe do Programa de Interiorização do Trabalho em Saúde (PITS) (OSIS, 2006). Essa nova estratégia para distribuição de métodos anticoncepcionais reversíveis era baseada no envio de kits de contraceptivos: o básico (composto pela pílula combinada de baixa dosagem, a minipílula e o preservativo masculino) e o complementar (composto pelo Dispositivo Intra-Uterino - DIU- e pelo anticoncepcional injetável trimestral). Se o município tivesse condições adequadas para prescrição e utilização de contraceptivos injetáveis e do DIU, era encaminhado, também, o kit complementar (OSIS et al., 2006; OSIS, 2006). Em 2002, foram realizadas duas remessas para os municípios. Foram enviados 40.000 kits básicos, para 4.568 municípios, e 2.659 kits complementares, para 433 municípios. Além desses kits, o MS, naquele ano, pela primeira vez, distribuiu a pílula anticoncepcional de 27 emergência para aproximadamente 439 municípios e 59 serviços de referência em atenção às mulheres vítimas de violência sexual (OSIS et al., 2006). Por ocasião do envio da primeira remessa de insumos aos municípios, em julho de 2002, o MS solicitou ao Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas (CEMICAMP) uma pesquisa, com o objetivo de “verificar se os métodos anticoncepcionais enviados aos municípios estavam à disposição nas Unidades Básicas de Saúde e identificar os possíveis obstáculos a essa disponibilidade” (OSIS et al., 2006, p.2482). Com a realização da pesquisa avaliativa, as pesquisadoras do CEMICAMP apontaram a seguinte questão: a atenção ao planejamento familiar continuava a ser marcada pela indisponibilidade de métodos anticoncepcionais nos serviços públicos de saúde e pela capacitação desigual e insuficiente dos profissionais para atuar nesse campo. Os profissionais das equipes de saúde da família não consideravam o planejamento familiar parte da atenção básica em saúde e não se julgavam capacitados a oferecer serviços de assistência nessa área. Para resolver essas questões, as pesquisadoras chamaram a atenção para o fato de que, mesmo que o MS assegure a regularização da distribuição dos métodos às secretarias municipais de saúde, é mister que os municípios incorporem o planejamento familiar como ação de atenção básica e desenvolvam as ações e atividades com base em princípios relativos aos direitos humanos e à bioética. Essas análises construídas sobre a trajetória do planejamento familiar no Brasil são relevantes para se pensar sobre a eficácia dessa política no país. Segundo o Manual Técnico de Assistência em Planejamento Familiar (BRASIL, 2002), ainda hoje o quadro de uso dos métodos de anticoncepção reflete algumas distorções da oferta deles no território nacional desde a década de 1960, quando ela foi iniciada pelas entidades privadas, de cunho controlista, e tinha como métodos quase exclusivos a pílula e a laqueadura. Segundo Vieira (2003), as características principais apresentadas pelo planejamento familiar eram a medicalização e a privatização. Para Vieira (2002), o controle populacional no Brasil ocorre no âmbito da prática médica pela medicalização do corpo feminino: 28 A medicalização da contracepção é apenas um dos aspectos do processo da vida reprodutiva da mulher. Esse fenômeno se expressa através do uso da tecnologia em situações em que esta poderia utilizar a humanização, educação e informação no âmbito de um programa que deveria estar fornecendo escolhas e informações. Configura-se como uma estratégia da “modernidade”, expressando a idéia de que a tecnologia sempre oferece a melhor solução (em termos de alta eficácia e bem-estar), baseando-se em um modelo que não estabelece como prioridade a saúde e os direitos humanos (VIEIRA, 2002, p.68). O corpo das mulheres apresenta-se na sociedade brasileira, por um lado, extremamente medicalizado e, por outro, marcado pela falta de acesso universal aos cuidados médicos nas sociedades (VIEIRA, 2002). 1.2.2 Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher Mais recentemente, o MS lançou, em 2004, o documento Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher: princípios e diretrizes (BRASIL, 2004a). Tal política foi construída nos anos de 2003 e 2004, em parceria com diversos setores da sociedade civil. Esse documento reflete o compromisso com a implementação de ações de saúde que contribuam para a garantia dos direitos humanos das mulheres e reduzam a morbimortalidade por causas preveníveis e evitáveis. Essa política tomou como referência o conceito de saúde da OMS, incorporou princípios da saúde reprodutiva, bem como dimensões da sexualidade e da reprodução humana, numa perspectiva de direitos humanos. Tal política busca consolidar os avanços no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, com ênfase na melhoria da atenção obstétrica, no planejamento familiar, na atenção ao abortamento inseguro e no combate à violência doméstica e sexual. Agrega, também, a prevenção e o tratamento de mulheres que vivem com HIV/AIDS e as portadoras de doenças crônicas não transmissíveis e de câncer ginecológico. Além disso, amplia as ações para grupos historicamente alijados das políticas públicas, em suas especificidades e necessidades: mulheres rurais, com deficiência, negras, indígenas, presidiárias e lésbicas. A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher apresentou um plano de ação ou metas para os anos de 2004 a 2007 (BRASIL, 2004b), com 14 objetivos. No entanto, a Área Técnica de Saúde da Mulher do MS oferece maior ênfase em cinco objetivos: 1) elaboração, produção e distribuição de normas técnicas e materiais educativos para o SUS; 2) implementação e qualificação da política de direitos sexuais e direitos reprodutivos; 3) promoção da atenção às mulheres e adolescentes em situação de violência doméstica e sexual; 29 4) redução da morbimortalidade por câncer na população feminina; 5) promoção da atenção às mulheres no climatério. Em 2005, atendendo a um dos objetivos da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (BRASIL, 2004b), o MS lançou o documento Direitos Sexuais e Reprodutivos (BRASIL, 2005a), que apresenta diretrizes para garantir os direitos de homens e mulheres, adultos e adolescentes em relação à saúde sexual e reprodutiva. Nesse documento, o governo brasileiro assume compromisso com o respeito e a garantia dos direitos humanos, dentre os quais estão os direitos reprodutivos, na formulação e implementação de políticas em relação ao planejamento familiar e toda questão referente à população e ao desenvolvimento. No que concerne à anticoncepção, os serviços de saúde devem fornecer todos os métodos anticoncepcionais recomendados pelo MS, inclusive a AE (BRASIL, 2002). Apesar do avanço da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (BRASIL, 2004b), há muito ainda por fazer no campo do planejamento familiar, a fim de assegurar o cumprimento do princípio da autonomia da mulher e da adolescente sobre sua saúde. Segundo Costa et al. (2006), a autonomia decisória das mulheres é refém da oferta e da disponibilidade de métodos nos serviços de saúde da rede pública. As informações e análises construídas sobre a trajetória das políticas de contracepção no Brasil são relevantes para se pensar sobre a eficácia dessa política no país, bem como na efetiva disponibilidade de todos os métodos contraceptivos nos serviços públicos de saúde.5 Como apontado, as mulheres brasileiras têm acesso restrito aos métodos contraceptivos. Dentre esses métodos que são pouco ou não disponibilizados pela rede de saúde, destaca-se a AE. A pílula pós-coital é ainda envolta em preconceitos entre os profissionais de saúde, pois há uma representação de que esse contraceptivo é perigoso ou abortivo, e merece cuidados especiais em sua disponibilização. É preciso analisar o contexto brasileiro no qual se insere a AE e como ela é percebida pelos vários segmentos da sociedade, a fim de buscar meios para enfrentar os desafios postos para a institucionalização desse método entre população e profissionais de saúde. 5 A legalização da AE no Brasil significou uma derrota para a Igreja Católica. Como apontado pela professora Bila Sorj (na banca de qualificação deste trabalho, em dezembro de 2008), do ponto de vista sociológico, aborto e AE se equiparam. Sendo assim, é preciso saber em que circunstâncias políticas a AE foi aprovada em 1996, avaliar se houve lobby da indústria farmacêutica, reconstruir esse percurso com os gestores daquela época. Essa sugestão, considerada valiosa, não pode ser incorporada neste momento, por razões de tempo, mas será considerada em futura investigação sobre o tema. 30 2 ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA NO BRASIL: MARCOS NORMATIVOS E DIFICULDADES DE INSTITUCIONALIZAÇÃO NOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE6 2.1 ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA NO BRASIL: MARCOS NORMATIVOS E POLÍTICO-INSTITUCIONAIS A anticoncepção de emergência (AE), também conhecida por pílula pós-coital, pílula do dia seguinte e contracepção de emergência, é aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e está inserida nos recursos disponíveis às mulheres que constam na Política Nacional de Saúde da Mulher do MS (BRASIL, 2004). Atualmente, existem onze marcas comerciais7 desse produto no Brasil. Em setembro de 1999, a primeira marca comercial de AE em dose única (duas pílulas de 750 microgramas de levonorgestrel) foi introduzida no mercado brasileiro. Segundo Figueiredo (2004), a facilidade de aquisição do método em farmácias, uma vez que a necessidade de prescrição médica regulamentada pela Anvisa não é respeitada, promoveu a atualização do debate sobre o acesso ao contraceptivo. Esse método de contracepção pós-coito começou a ser estudado nas décadas de 1960 e 1970, pelo médico canadense Albert Yuzpe, como resposta médica às conseqüências de um caso de violência sexual (DIDES CASTILLO, 2006; MARTIN, 2004). Sua eficácia é conhecida há mais de trinta anos (COSTA et al., 2008; FIGUEIREDO, 2004), porém, ainda é alternativa de contracepção pouco utilizada para evitar gravidez imprevista e morbimortalidade associada a abortamento inseguro, principalmente em países onde o aborto é considerado ilegal, como muitos na América Latina. A AE foi reconhecida como medicamento essencial pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1995, quando essa organização, juntamente com mais seis instituições que 6 Este capítulo deu origem ao artigo “Marcos normativos da anticoncepção de emergência e as dificuldades de sua institucionalização nos serviços públicos de saúde” (SOUZA e BRANDÃO, 2009). 7 Os preços da AE em farmácias variam de R$10,00 a R$25,00, e a venda comumente acontece sem apresentação de receita médica. Atualmente, a pílula do dia seguinte é vendida, também, nas Farmácias Populares do Brasil. Segundo dados do sítio do MS, essas farmácias são um programa do governo federal para ampliar o acesso da população aos medicamentos considerados essenciais. São 499 farmácias populares em todo o território nacional. O Estado do Rio de Janeiro conta com 38 farmácias e a capital do estado, com quatro. Essas farmácias estão localizadas nos seguintes bairros: Penha, Central do Brasil, Ilha do Governador e Praça XV. O preço da AE nelas é R$3,47, porém, é exigida a apresentação de prescrição médica para a compra do medicamento. 31 atuam em saúde sexual e reprodutiva, formou o Consórcio Internacional de Anticoncepção de Emergência (CLAE), com o objetivo de ampliar o acesso a esse método, bem como seu uso. Instituições brasileiras membros desse consórcio foram responsáveis pela criação de condições viáveis, no cenário brasileiro, para mobilização, discussão e inclusão desse método na terceira edição do Manual de Assistência ao Planejamento Familiar do MS, em 1996 (COSTA et al., 2008). Esse manual está em sua quarta edição (BRASIL, 2002). Segundo Hardy et al. (2001), o Brasil apresenta contexto jurídico e político favorável à AE desde 1996, quando esse método (em regime de Yuzpe – combinação de pílulas orais comuns) foi incorporado ao Manual de Assistência ao Planejamento Familiar. O MS caracteriza o método da AE como alternativo à anticoncepção hormonal oral, para evitar gravidez depois da relação sexual desprotegida, falha anticoncepcional presumida e violência sexual. O método deve ser usado em até 72 horas após a relação sexual. A primeira dose deve ser tomada em até 72 horas e a segunda dose, após decorridas 12 horas da primeira (BRASIL, 2002; NOGUEIRA et al., 2000). Alguns métodos recomendados pelo MS são utilizados com o fim de promover a contracepção pós-coital. Os mais utilizados são os que combinam estrogênios e progestogênios ou progestogênios puros. Outra combinação de hormônios comum é conhecida como regime de Yuzpe, realizada por meio de superdosagens de pílulas anticoncepcionais orais comuns, à base de etinil-estradiol e levonorgestrel (COSTA et al., 2008; NOGUEIRA et al., 2000). Dependendo da fase do ciclo menstrual em que é usada, a AE pode interferir na ovulação (inibição ou atraso), na nidação (provocar alterações na resposta endometrial) ou na fecundação (alterar a função do corpo lúteo e a motilidade tubária) (COSTA et al., 2008; BRASIL, 2002; NOGUEIRA et al., 2000). Nogueira et al. (2000) afirmam que, apesar da eficácia comprovada da AE, quando iniciado o processo de nidação, o método perde efeito, mas não há evidências de conseqüências nocivas para o quadro gestacional, inclusive para o embrião. Concomitantemente às conquistas no campo da saúde reprodutiva, avanços no combate à violência contra mulheres, concretizados na década de 1990, também fizeram com que a AE fosse incorporada (na forma do método Yuzpe) às normas técnicas para atendimento às vítimas femininas de violência sexual. Em 1998, foi editada pelo MS a Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes (reeditada em 2005) (BRASIL, 2005b). Essa norma foi regulamentada apenas em 1999, após embates no Congresso Nacional, ocasionados por 32 parlamentares que a consideravam legitimadora do aborto (FIGUEIREDO, 2004; HARDY et al., 2001; FIGUEIREDO e PENÃ, 2002). Em 2000, o MS iniciou suas primeiras aquisições de AE, que foram enviadas aos Serviços de Atendimento às Vítimas de Violência, atendendo assim à norma técnica. Em 2005, o governo federal resolveu ampliar em aproximadamente 50% a distribuição da AE nos serviços públicos, com a intenção de fornecer a chamada pílula do dia seguinte a todas as mulheres, não somente às vítimas de violência sexual. Essa medida fazia parte da política de direitos sexuais e reprodutivos do MS, cujo foco era garantir a autonomia no planejamento familiar (SUWWAN, 2005). Em 2005, o MS lançou a cartilha Anticoncepção de Emergência: perguntas e respostas para profissionais de saúde (BRASIL, 2005c). Esse manual trata do tema AE, na forma de perguntas e respostas para as questões mais freqüentes no cotidiano dos profissionais de saúde. Segundo o MS, essa cartilha deve servir como instrumento de apoio aos serviços de atenção integral à saúde da mulher e da adolescente exposta à relação sexual eventualmente desprotegida. No ano de 2006, o MS editou a Nota técnica sobre a Anticoncepção de Emergência (BRASIL, 2006). Esse documento é mais um instrumento para legalizar e legitimar a contracepção pós-coito no cenário nacional. Essa nota técnica trata da definição, do mecanismo de ação, de indicações de uso, prescrição e de outros esclarecimentos sobre a AE. O Conselho Federal de Medicina publicou, em 14/12/2006, a Resolução 1811, a fim de estabelecer normas técnicas para o uso da AE (CFM, 2007). Fundamentando-se nos direitos reprodutivos, na responsabilidade do Estado de implementar esses direitos, no número expressivo de mulheres que estão sujeitas a gestações imprevistas e no fato de os adolescentes e jovens serem os mais propícios a essas gestações. Esse documento considera que a pílula do dia seguinte não é abortiva e pode ser usada em qualquer idade. Essa resolução pode ser considerada um desdobramento do Fórum 2005: Adolescência e Contracepção de Emergência, realizado na cidade de São Paulo. O evento foi organizado pela Unidade de Adolescentes do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). Participaram dele pediatras, ginecologistas, profissionais ligados a comissões de bioética, ao CFM e ao MS. Para oferecer respaldo aos debates, foram escolhidos advogados, juízes e demais representantes da Justiça. Esse fórum teve como proposta trazer maiores esclarecimentos sobre a AE e fornecer apoio técnico e ético para a prescrição desse método. Como resultado, foi definido que a educação sexual (como prática preventiva) é política relevante para a adolescência. A orientação anticoncepcional, incluindo- 33 se a AE, é parte importante dessa política. Foi reconhecido o direito do adolescente de ter acesso a informação sobre todos os métodos. O fórum discutiu e elaborou estratégias para facilitar e ampliar o acesso dos adolescentes à AE (SAITO e LEAL, 2007). Para o MS (BRASIL, 2007), a prescrição da AE, nas situações de exposição ao risco iminente de gravidez (violência sexual e relação desprotegida), constitui dever do médico e direito do adolescente. No entanto, mesmo com todo o contexto brasileiro favorável, o acesso a AE é restrito, por conta de inúmeras dificuldades. Dentre elas, destacam-se: ausência do método nos serviços públicos de saúde e compreensão (equivocada) do método como potencialmente abortivo por parte de alguns profissionais de saúde, políticos e usuárias. 2.2 DIFICULDADES NO ACESSO E USO DA ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA Análises de documentos oficiais sobre a AE apontam avanços no âmbito da legislação em saúde para a utilização desse método, os quais permitem oficialmente reconhecê-lo no país como alternativa contraceptiva em situações emergenciais, para além dos casos de violência sexual. O levantamento da literatura nacional e internacional, centrada na América Latina e em alguns estudos da Europa, dos EUA e do Canadá, suscita questões referentes à não-incorporação dessas normas nas práticas cotidianas dos serviços de saúde e revela representações sociais difíceis de ser revertidas em pouco tempo. Os resultados mostram paradoxos entre as normas asseguradas e as práticas existentes nos serviços de saúde. 2.2.1 Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS) – 2006 Dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS) de 2006 (BRASIL, 2008a) apontam mudanças quanto ao uso de anticoncepcionais em relação à PNDS de 1996 (BEMFAM, 1997). A quantidade de mulheres, na década atual, que fazem uso de algum método contraceptivo é extremamente alta: mais de 80% das mulheres unidas. Comparando-se os números da pesquisa de 2006 com os índices da PNDS de 1996, identificam-se tais mudanças: em 1996, prevalecia a esterilização feminina (40%), o percentual de esterilização masculina era 3% e o uso da camisinha masculina ficava em torno de 4% (BEMFAM, 1997). Quanto aos dados de mulheres que usaram alguma vez métodos anticoncepcionais, segundo a PNDS de 2006, dentre os 11 métodos contraceptivos modernos, os mais usados pelas mulheres unidas são: pílula (82%), camisinha masculina (76%), esterilização feminina 34 (29%), injeção contraceptiva (22%) e pílula do dia seguinte (11%). Entre as mulheres não unidas sexualmente ativas, os métodos mais usados são: camisinha masculina (94%), pílula (74,9%), pílula do dia seguinte (23%), injeção contraceptiva (19%), esterilização feminina (10,8%). Os dados da pesquisa de 2006 (BRASIL, 2008a), referentes ao uso alguma vez de métodos anticoncepcionais entre todas as mulheres, revelam que 55,3% das adolescentes (com idade entre 15 e 19 anos) já usaram algum método moderno. Entre jovens (idade entre 20 e 24 anos) esse dado sobe para 86,7%. Quanto ao uso da AE, os menores índices estão entre os adolescentes: 10,4%, os maiores índices encontram-se na faixa etária compreendida entre 20 e 24 anos (18,5%), seguida do grupo de mulheres com idade entre 25 e 29 anos (16,9%). Ainda sobre o uso da AE entre adolescentes, ressalta-se que esse método é o terceiro mais usado entre mulheres de 15 a 19 anos (10,4%), fica atrás apenas da camisinha masculina (50,3%) e da pílula (36,8%) (BRASIL, 2008a). Ainda se comparando os dados das duas PNDSs, um ponto chama a atenção: o uso da pílula pós-coito não aparece em 1996 (momento de aprovação desse método pelas autoridades brasileiras), porém, em 2006, figura como terceiro método mais usado entre as mulheres não unidas sexualmente ativas e o quinto entre as mulheres unidas. Isso comprova sua difusão entre o público, embora tal acesso não se dê pela via preferencial dos serviços de saúde. 2.2.2 Aceitabilidade da Anticoncepção de Emergência no Brasil No intuito de elaborar estratégias apropriadas para a introdução desse método em países latinos, pesquisadores desenvolveram um estudo para avaliar a aceitabilidade da AE em três países: Brasil, Chile e México. Para os pesquisadores, há reconhecimento limitado sobre direitos reprodutivos e sexuais e as atitudes da sociedade para com a sexualidade são conservadoras, principalmente, em relação aos adolescentes (HARDY et al., 2001; DÍAZ et al., 2003a; DÍAZ et al., 2003b). Esse estudo multicêntrico envolveu: potenciais usuárias de AE de classes média e popular; possíveis provedores; formuladores de políticas públicas e autoridades da área da saúde; e formadores de opinião no processo de disseminação da informação e provisão da AE. Os autores analisaram os resultados da pesquisa nas categorias percepções e conhecimento prévio da AE e fatores que podem facilitar ou dificultar a introdução desse método nesses três países. Os resultados enfatizaram aceitação generalizada da AE na América Latina, apesar das afirmações de que essa é uma região conservadora, influenciada pela posição da Igreja 35 Católica em questões de sexualidade e reprodução. A necessidade da AE foi percebida pela maioria dos participantes, o que levou à conclusão de que autoridades da área da saúde têm a responsabilidade de implementar programas para sua introdução. De acordo com os resultados desse estudo, a aceitabilidade da AE pela população em geral seria maior se a AE fosse incluída em um quadro mais amplo: como método para prevenção de gestações e de abortos. A partir da observação dos participantes, foi possível aos pesquisadores (HARDY et al., 2001; DÍAZ et al., 2003a; DÍAZ et al., 2003b) considerar que a disseminação de informações sobre a AE deve ser cuidadosa e ficar a cargo dos serviços de saúde (dar-se mediante programas voltados a ações educativas) e que a AE precisa ser dissociada da polêmica do aborto, pois se deve ressaltar seu caráter contraceptivo emergencial. Quanto à AE, o cenário brasileiro atual apresenta-se da seguinte forma: a AE ganhou visibilidade e aceitação entre as mulheres; grupos católicos se manifestam contra a AE, consideram-na abortiva; por outro lado, há setores favoráveis à pílula como forma de evitar gestações imprevistas e realização de abortos inseguros; e a mídia tem constantemente divulgado informações e notícias sobre esse método e os embates que o cercam. 2.2.3 Não-cumprimento da Legislação Vigente sobre a Anticoncepção de Emergência Setores sociais conservadores têm, publicamente, criticado as propostas da Política Nacional de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos (BRASIL, 2005a), favorecendo, inclusive, a elaboração de legislações, por câmaras municipais, que impedem o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos e a implantação das diretrizes governamentais relacionadas a isso, em claro desrespeito ao ordenamento jurídico nacional. Dois fatos ocorridos no interior de São Paulo exemplificam esse desrespeito às diretrizes nacionais: em 2005, a Câmara Municipal de São José dos Campos proibiu a distribuição da AE recebida pelo MS; e a Câmara Municipal de Jundiaí, no ano de 2008, também proibiu a utilização da AE no município. Para Figueiredo (2004), os serviços de saúde pública no Brasil não acataram as normas de 1996 e de 1998, pois não foram iniciados os processos de divulgação, de fornecimento e de administração do método. Exceção a essa regra foram os serviços de atendimento às vítimas de violência sexual, que mantiveram a implementação da normatização de 1998 e persistiram na luta pela difusão e disponibilização do método. 36 O uso da pílula de AE no Brasil, mesmo com todas as diretrizes do MS e do CFM, vem ocorrendo há anos em ambientes restritos, e não constitui prática sistematizada. A prescrição desse método pelos profissionais de saúde, tanto no setor público quanto no setor privado, ainda é bastante restrita e mistificada (HARDY et al., 2001; OSIS et al., 2006). 2.2.4 Compreensão da Anticoncepção de Emergência como Abortiva Apesar de o contexto jurídico e político brasileiro ser favorável à AE e a sua comercialização, questões culturais e informações distorcidas sobre AE constituem barreiras relativas a aceitação, acesso e uso adequado entre potenciais usuárias e profissionais de saúde. Parte dessas dificuldades de acesso e uso do método é comum aos demais métodos contraceptivos que constam na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (2004a): reduzida oferta de contraceptivos (basicamente, pílula anticoncepcional, camisinha e laqueadura) e pouca ou nenhuma disponibilidade desses métodos contraceptivos nos serviços públicos de saúde,8 porém, a compreensão, amplamente difundida pela Igreja Católica, da AE como método abortivo estabelece maiores barreiras e dificuldades. A introdução efetiva da AE no Brasil, assim como nos países da América Latina e no Caribe, tem sofrido ataques da Igreja Católica e de grupos conservadores. Embora o Brasil constitua exceção, por incorporar a AE às normas do MS, entidades ligadas à Igreja têm tentado de várias formas impedir que o uso da contracepção pós-coito se legitime no país. Outros países latinos sofrem a mesma interferência do poder religioso nas decisões do Estado, que a priori deveriam ser laicas. A idéia de que a AE é abortiva tem grande peso na América Latina, principalmente porque muitas sociedades são conservadoras e o catolicismo tem grande influência social (MARTIN, 2004; FAÚNDES et al., 2007). Apesar de todas as transformações pelas quais passou o comportamento social de homens e mulheres, a Igreja tem êxito, com seu discurso conservador sobre a sexualidade e a família, na elaboração de políticas públicas latinas (ÁVILA e CORRÊA, 1999; DIDES CASTILLO, 2006). A religião cristã, particularmente a denominação católica, tem sido ativa nos debates nacionais e internacionais sobre aborto e contracepção (FAÚNDES e BARZELATTO, 2004). Para entender a perspectiva católica, é preciso fazer um breve resgate histórico da posição da Igreja a respeito da contracepção e do aborto. 8 A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher e como o planejamento familiar se apresenta no país na atualidade foram abordados no item 1.2.2. 37 Anticoncepção, aborto e infanticídio precedem o cristianismo (FAÚNDES e BARZELATTO, 2004). O infanticídio e, posteriormente ao Império Romano, o abandono de crianças eram praticados no mundo como principal solução para gestações não previstas, de forma mais freqüente do que o aborto. Essas práticas faziam sentido, considerando-se que os métodos anticonceptivos conhecidos eram ineficientes e o aborto era arriscado para a saúde das mulheres (alto índice de mortalidade). Além disso, o infanticídio e o abandono permitiam a seleção do sexo, ação importante para a época. Devido a riscos para a saúde materna, o aborto era considerado a última opção, geralmente adotado por mulheres desesperadas: “mulheres solteiras, prostitutas e adúlteras, todas as quais enfrentavam a perda de seu lugar na sociedade” se levassem a gestação a termo (FAÚNDES e BARZELATTO, 2004, p.130). Foi a associação do aborto com essas transgressões sociais que o estigmatizaram como imoral. Os ensinamentos cristãos enfatizaram o abandono, por não envolver (diretamente) a morte do recém-nascido. Ao longo da Idade Média, a Igreja Católica criou outras formas de abandono: em instituições religiosas, via pagamento de dotes; em hospitais de crianças rejeitadas, via roda dos expostos. No século XIX, esses hospitais foram desligados da Igreja Católica e passaram a ser vinculados ao Estado. Segundo Faúndes e Barzelatto (2004), essas informações explicam o porquê de haver poucas referências históricas ao aborto nos primeiros seis séculos de cristianismo. O aborto tornou-se mais popular no século XX, com o aumento de gestações imprevistas e de possibilidades de abortamento mais seguras, porém, para a Igreja, aborto e contracepção sempre foram entendidos de forma negativa. “Em geral, são considerados pecado, mas com variações quanto às situações em que podiam ser permitidos e quanto à severidade da penalidade” (FAÚNDES e BARZELATTO, 2004, p.131). A posição atual da Igreja Católica “condena o aborto com maior severidade do que o assassinato, incluindo o infanticídio” (FAÚNDES e BARZELATTO, 2004, p.137). O ato de abortar ou cooperar com um aborto leva à pena máxima do catolicismo: a excomunhão. Essa penalidade existe na lei canônica de 1917 e foi reafirmada em 1983, em um novo código católico de lei canônica, que declara o aborto e o ataque ao corpo do papa como os únicos dois atos (pecados) que provocam a excomunhão imediata: 38 A posição antiaborto é um ensinamento solene da Igreja Católica, porém não é um dogma. Na perspectiva da Igreja Católica, quando o Papa formalmente estabelece que um ensinamento é um dogma, sua posição é infalível, isto é, nunca poderá mudar. Embora um ensinamento solene tenha grande peso, ele ainda está sujeito à possibilidade de mudança no futuro (FAÚNDES e BARZELATTO, 2004, p.138). A hierarquia da Igreja posiciona-se claramente contra a interrupção do processo reprodutivo, a partir da fertilização, entretanto, muitos seguidores do catolicismo não acatam esse ensinamento solene (FAÚNDES e BARZELATTO, 2004). Pesquisa realizada na Colômbia apontou que “os sacerdotes católicos absolviam 84% das mulheres que confessavam ter realizado um aborto. Isto implica que esses sacerdotes entendiam que a maior parte das mulheres que abortaram estava absolutamente convencida de que não tinha melhor opção e, portanto, não cabia a excomunhão, julgamento normalmente reservado aos bispos. Esta diferença entre a proposta da hierarquia e a conduta dos sacerdotes coincide com nossa própria experiência. Repetidamente temos escutado de mulheres latino-americanas que elas conhecem algum sacerdote que, ao ouvi-las em confissão, aceitará o uso de contraceptivos modernos, oficialmente proibidos pela Igreja Católica (FAÚNDES e BARZELATTO, 2004, p. 137) Outro exemplo de como a instituição Igreja Católica não se constitui um bloco monolítico no que se refere às questões da sexualidade e contracepção são as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) de Nova Iguaçu (RJ). Segundo Ribeiro e Luçan (1997), de acordo com as bases dogmáticas católicas, no que se refere à sexualidade, a mulher não tem direito ao prazer, o ato sexual é destinado à reprodução. Entretanto, as mulheres das CEBs anseiam ter autonomia sobre sua saúde sexual e reprodutiva, contudo desejam viver conforme os princípios da Igreja. Dados de uma pesquisa realizada com mulheres da referida comunidade (na década de 1990) chamam atenção: predominam famílias nucleares com significativa participação feminina no que diz respeito à chefia da família; mulheres mais escolarizadas optam por ter menos filhos; há relatos da prática do aborto; as mulheres (pertencentes a camadas populares) têm consciência e autonomia para decidir quantos filhos querem ter e procuram discutir nas reuniões das CEBs sobre métodos contraceptivos. Segundo as autoras, as mulheres não desejam ir contra a Igreja, mas se preocupam com a realidade socioeconômica em que estão inseridas e sabem que é necessário adequar o número de filhos à realidade vivenciada. Tornando-se o assunto mais complexo, em duas situações, a instituição católica aceita o aborto: em caso de gravidez ectópica e quanto co-existe câncer nos órgãos genitais. A Igreja 39 condena “abortos diretos” (ações que matem diretamente o embrião ou o feto), mas aceita causar um “aborto indireto” para salvar a vida da mãe, aplicando a doutrina do “efeito duplo”: “nos casos em que seja necessário remover um órgão para salvar a vida de uma mulher, esse ato é aceitável, ainda que exista um embrião ou um feto dentro desse órgão”. Em contraposição, a Igreja não aceita remover um embrião ou feto para salvar a vida de uma mulher (“aborto direto”) (FAÚNDES e BARZELATTO, 2004, p.139-140). Segundos os autores, a dificuldade de explicar a doutrina do efeito duplo de forma clara e convincente, sem colocar em xeque os argumentos absolutamente contrários ao aborto, é o motivo pelo qual os católicos do Movimento Pró-Vida não tornam pública a aceitação moral de o que o catolicismo chama de “aborto indireto”. De forma geral, para além da exceção do “aborto indireto”, faz-se necessário entender por que a Igreja Católica condena o aborto. Existem dois principais motivos para o aborto direto ser proibido: 1º.) o objetivo da relação sexual é a procriação, portanto, sexo sem objetivo de procriar é perversão; 2º.) o zigoto, embrião ou feto tem status de pessoa, é considerado um ser humano completo desde o momento da fertilização, e não há motivo que justifique a morte de uma vida (INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO, 2005; FAÚNDES e BARZELATTO, 2004). Salem (1997, p.75) chama a atenção para o “estatuto moral do embrião”, questão que se tornou pública a partir da década de 1970, por causa do debate sobre aborto, e vem se destacando em razão do desenvolvimento das tecnologias reprodutivas, especialmente da fertilização in vitro. Para a autora (p.75), existem dois problemas interligados: “de um lado, o estatuto do embrião em si mesmo; de outro, como hierarquizar os „interesses‟ e „direitos‟ do embrião (ou do feto) relativamente aos da mulher que o abriga”. A Igreja Católica é contra todos os métodos contraceptivos modernos, aceita apenas os tradicionais, que são poucos e de reduzida confiabilidade. Para Drezett (2009) e Faúndes e Barzelatto (2004), os argumentos adotados pelo catolicismo para se opor aos métodos contraceptivos artificiais são baseados, freqüentemente, em informações ou em interpretações equivocadas e distorcidas das evidências científicas. Vale comentar a relação da Igreja Católica com a pílula anticoncepcional oral combinada e com o preservativo. No início dos anos 1960, com a introdução da pílula anticoncepcional no cenário mundial, houve longo debate entre clérigos católicos, a fim de discutir a possibilidade de aprovar esse método. Quando a Igreja Católica resolveu condenar oficialmente a pílula anticoncepcional, ela já havia se disseminado em todo o mundo, principalmente, entre as mulheres católicas. Segundo Faúndes e Barzelatto (2004), talvez esse 40 seja o motivo pelo qual a Igreja não mostre oposição tão firme ao uso da pílula anticoncepcional, como o faz com outros métodos (por exemplo, DIU e AE). Quanto ao preservativo, método mais antigo do que a pílula anticoncepcional oral combinada, a Igreja não a considerava um problema, devido à baixa adesão nos países com população católica. Apenas com a disseminação da AIDS, o uso desse método aumentou consideravelmente, causando preocupações a alguns dirigentes católicos. O principal argumento dos dirigentes católicos que se posicionam contra o preservativo é que ele não previne a transmissão do HIV (FAÚNDES e BARZELATTO, 2004). Essa afirmação desconsidera vários estudos científicos que apontam o preservativo (masculino e feminino) como um dos métodos mais eficazes no combate à epidemia da AIDS (FAÚNDES e BARZELATTO, 2004; BERER, 2007a, 2007b). Curiosamente, a Encíclica Humanae Vitae (1968), documento que versa sobre a regulação da natalidade, foi publicada oito anos após o surgimento da pílula anticoncepcional oral combinada. Dentre os princípios doutrinais desse documento papal, destacam-se: Respeitar a natureza e a finalidade do ato matrimonial [...] “a Igreja ensina que qualquer ato matrimonial deve permanecer aberto à transmissão da vida. [...] Inseparáveis os dois aspectos: união e procriação [...] está fundada sobre a conexão inseparável que Deus quis e que o homem não pode alterar por sua iniciativa, entre os dois significados do ato conjugal: o significado unitivo e o significado procriador. Vias ilícitas para a regulação dos nascimentos Em conformidade com estes pontos essenciais da visão humana e cristã do matrimônio, devemos, uma vez mais, declarar que é absolutamente de excluir, como via legítima para a regulação dos nascimentos, a interrupção direta do processo generativo já iniciado, e, sobretudo, o aborto querido diretamente e procurado, mesmo por razões terapêuticas. É de excluir de igual modo, como o Magistério da Igreja repetidamente declarou, a esterilização direta, quer perpétua quer temporária, tanto do homem como da mulher. É, ainda, de excluir toda a ação que, ou em previsão do ato conjugal, ou durante a sua realização, ou também durante o desenvolvimento das suas conseqüências naturais, se proponha, como fim ou como meio, tornar impossível a procriação. [...] Graves conseqüências dos métodos de regulação artificial da natalidade 41 Os homens retos poderão convencer-se ainda mais da fundamentação da doutrina da Igreja neste campo, se quiserem refletir nas conseqüências dos métodos da regulação artificial da natalidade. Considerem, antes de mais, o caminho amplo e fácil que tais métodos abririam à infidelidade conjugal e à degradação da moralidade. Não é preciso ter muita experiência para conhecer a fraqueza humana e para compreender que os homens – os jovens especialmente, tão vulneráveis neste ponto – precisam de estímulo para serem féis à lei moral e não se lhes deve proporcionar qualquer meio fácil para eles eludirem a sua observância. É ainda de recear que o homem, habituando-se ao uso das práticas anticoncepcionais, acabe por perder o respeito pela mulher e, sem se preocupar mais com o equilíbrio físico e psicológico dela, chegue a considerá-la como simples instrumento de prazer egoísta e não mais como a sua companheira, respeitada e amada (HUMANAE VITAE, 1968, p.5-7). A Igreja concorda com o planejamento familiar se ele ocorrer via métodos naturais e com base na paternidade responsável. Quanto à sexualidade, essa instituição declara-se contra o sexo antes do casamento, contra a infidelidade conjugal, contra o desquite e o divórcio e contra o uso de preservativos masculinos e femininos nas relações sexuais, seja como forma de evitar a gravidez ou como forma de evitar DSTs e AIDS (FAÚNDES e BARZELATTO, 2004). Souza (2004) chama a atenção para o fato de que a Encíclica Humanae Vitae referendou uma posição minoritária da comissão pontifícia que estudava a questão da reprodução humana. Para este autor, houve um congelamento doutrinário, que ocasionou nos anos subseqüentes uma defasagem crescente entre orientações doutrinais e as práticas dos fiéis católicos. A Igreja tem certa dificuldade para debater com liberdade os novos problemas da subjetividade e da sexualidade, ainda que muitos teólogos, principalmente anglo-saxões peçam há anos para se repensar esta doutrina, buscando seu desenvolvimento. Segundo Vieira (2002, p.25), “o corpo feminino tem sido tratado como especialmente ameaçador para a estabilidade moral e social. Nas diferentes sociedades, esse corpo tem sido regulado através de normas, sejam elas baseadas em crenças mágicas, religiosas ou médicas”. Para Faúndes e Barzelatto (2004), há um paradoxo nessa posição: Como ser contra o aborto e ainda se opor a todo meio que evite uma gestação imprevista? Informações e acesso amplo a todos os métodos contraceptivos, educação (sem preconceito) em sexualidade nas escolas, promoção da igualdade entre os gêneros, dentre outras ações, constituiriam maneiras eficazes de evitar o aborto. Essa posição da Igreja “incentiva” o aborto e também, em alguns casos, o abandono de crianças recém-nascidas em situações diversas (abrigos, igrejas, hospitais etc.). 42 Para Faúndes e Barzelatto (2004, p.244), não se pode negar a autonomia dos sujeitos quanto à liberdade religiosa de se opor a métodos contraceptivos com base em princípios religiosos. Apesar disso, nenhuma religião pode impor seu ponto de vista sobre aqueles que não comungam de suas doutrinas “e não há como justificar a manipulação das evidências científicas para dar apoio a motivações religiosas”. Ao pressionar os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, as forças religiosas visam garantir que a ação do Estado brasileiro seja coerente com suas concepções morais. De um lado, forças conservadoras se valem da liberdade democrática para atuar. De outro, ameaçam a democracia na medida em que pretendem orientar as leis, as políticas públicas não segundo o interesse coletivo, mas conforme sua fé religiosa (INSTITUTO PATRICIA GALVÃO, 2005, p.38). O principal argumento da Igreja Católica contra a AE está na idéia de que esse método é abortivo. Este argumento esta baseado em duas premissas: “primeiro, que a gravidez se inicia com a fertilização do ovo, e segundo, que alguns métodos atuam após a fertilização” (FAÚNDES e BARZELATTO, 2004, p.244). Drezett (2009) e Faúndes e Barzelatto (2004) chamam atenção para as evidências científicas recentes que não apóiam esse argumento da Igreja. Esses autores provam em seus estudos que a forma de ação da AE é anterior à fertilização, também conhecida por fecundação. A fim de conhecer o discurso conservador em debate na mídia impressa sobre a comercialização da AE, Dides Castillo (2006) realizou no Chile, nos anos de 2001 a 2005, uma pesquisa qualitativa em jornais de circulação nacional. Para essa autora, a mídia impressa permite registro dos argumentos dos diversos atores sociais, os quais representam vários pensamentos que traduzem posicionamentos, constroem opiniões e revelam ordens sociais diferenciadas. Na pesquisa, Dides Castillo (2006) considera que a Igreja Católica é um ator político que tem influenciado a constituição das políticas adotadas pelos governos, tanto no Chile quanto na maioria dos países latinos. Essa influência tem sido na regulação da sexualidade e dos corpos das mulheres. Para a Igreja, os comportamentos sexuais devem obedecer a preceitos como abstinência sexual, virgindade e indissolubilidade do casamento. A autora ressalta que homens e mulheres têm desconsiderado esses preceitos. Em relação à AE, a hierarquia da Igreja Católica ignora todas as provas científicas de que a ação desse método 43 não interfere na implantação do óvulo fecundado, e mantém o discurso de que tal método provoca aborto precoce (FAÚNDES et al., 2007). Pensamento semelhante é percebido entre muitos provedores de serviços de saúde e em determinados setores da população, e provoca problemas na distribuição da AE. Segundo estudos realizados em países latinos, essa errônea percepção estaria vinculada a pouco ou nenhum investimento em capacitação para profissionais envolvidos na prescrição e na disponibilização do método, bem como nas campanhas de informação para as possíveis usuárias sobre a ação e os benefícios desse método (DÍAZ et al., 2003a; DÍAZ et al., 2003b; MARTIN, 2004; FAÚNDES et al., 2007). Um opositor às forças católicas e defensor da AE em terras latinas tem sido o CLAE. Faúndes et al. (2007) afirmam que, por causa das ações de oposição desse consórcio, o método pós-coito tem-se tornado conhecido e utilizado, principalmente em países como Peru, Brasil e Chile. Dentre as ações do CLAE, Martin (2004) ressalta a realização da Conferência Regional Derecho a la Anticoncepción de Emergencia em America Latina, no Equador, em 2002, que contou com a participação de 20 países. Antes dessa conferência, apenas 10 países tinham o método da AE incorporado a suas normas de planejamento familiar, mas em 13 havia produtos registrados para tal método. Diaz et al. (2003a; 2003b), Costa et al. (2008), Martin (2004) e Faúndes et al. (2007) pontuam que, na América Latina, como em outras regiões, são dois os principais problemas de saúde reprodutiva: gravidez imprevista, que conduz ao aborto inseguro, e gravidez na adolescência. Segundo dados da OMS (apud DIAZ et al., 2003b), estima-se que 13% das cerca de 585.000 mortes maternas por ano, no mundo inteiro, ocorram devido ao abortamento inseguro. Formulações específicas da AE são introduzidas no mercado constantemente, porém, nem todos os programas de planejamento familiar na América Latina as fornecem. Em muitos lugares, contudo, a AE é restrita aos casos de estupro, em outros países, não é reconhecida pelas diretrizes do Ministério da Saúde. No Chile e no México, a AE não é produzida pela indústria farmacêutica em formulação específica (DIAZ et al., 2003b). Pecheny e Tamburrino (2009)9 apontam que, na Argentina, assim como nos demais países latinos, gestações imprevistas e abortos são um problema de saúde pública e de desrespeito aos direitos sexuais e reprodutivos tanto de mulheres quanto de homens. Para 9 O acesso a essa pesquisa ocorreu mediante o relatório recebido em 2008, Barreras a la accesibilidad a la anticoncepción de emergencia en la Argentina, coordenado por Pecheny e publicado posteriormente em 2009. 44 esses autores, a AE seria um instrumento para prevenção desses problemas, mas o cenário argentino indica que a população em idade reprodutiva parece não reconhecer a pílula de emergência como mais um método anticonceptivo disponível. Outro dado levantado pelos autores é que os serviços de saúde não destinam as informações e a atenção necessárias a esse método. Alguns resultados dessa pesquisa apontam que há barreiras culturais, subjetivas, institucionais e econômicas no uso da AE, que são comuns aos demais métodos contraceptivos. Há, também, barreiras específicas para a AE, tais como: informações inadequadas sobre a ação do método; o status legal da AE; sua vinculação com o aborto; como se dá o acesso ao método. Pecheny e Tamburrino (2009) consideram que é preciso investir em informações para a população e em capacitação para os profissionais de saúde sobre a AE. Dados semelhantes ao estudo multicêntrico realizado no Brasil, Chile e México são observados em uma pesquisa qualitativa realizada em 2004, no Greater Vancouver, no Canadá (SHOVELLER et al., 2007). O estudo tinha como objetivo conhecer o que as mulheres de origem asiática, européia, africana e aborígene pensavam sobre o uso da AE. Inicialmente, as entrevistas foram feitas com mulheres que tinham usado a AE pelo menos uma vez. Os pesquisadores também incluíram, no decorrer da pesquisa, mulheres que ainda não tinham usado a AE, uma vez que algumas delas poderiam ter tido o acesso à AE impedido, apesar de manifestar desejo de usar tal método. Foram entrevistadas 18 mulheres de origem asiática, 16 de origem no Sul da Ásia e 18 de origens diversas (européia, aborígine, do Oriente Médio e africana). Segundo as participantes, observações moralizantes baseadas em pareceres negativos sobre o comportamento sexual e a saúde reprodutiva das mulheres que recorreram ao uso da AE são comuns entre profissionais de saúde e entre outras mulheres. Essas observações (recorrentes no discurso das mulheres) constituem barreira potencial ao uso da anticoncepção – há medo de ser estigmatizada como esse “tipo de mulher”. Nesse estudo, a AE foi por várias vezes compreendida como método abortivo, que acarretaria efeitos a longo prazo na saúde e fertilidade das mulheres. Essas lacunas, assim como lacunas no conhecimento sobre o ciclo menstrual, impedem o uso da pílula do dia seguinte. O acesso aos benefícios desse método é dificultado pela cultura conservadora e por normas sociais. Barreiras e desvios no acesso ao contraceptivo pós-coito podem provocar atraso no uso do medicamento, o que pode ocasionar sua pouca eficácia. 45 Apesar das novas políticas canadenses destinadas a aumentar a disponibilidade da AE, baseadas na garantia aos farmacêuticos da Colúmbia Britânica da independência na prescrição da AE, o desafio de promover acessibilidade permanece. Os resultados dessa pesquisa destacam a necessidade das mulheres de receber informações que ressaltem a privacidade e a marca confidencial que envolve o acesso ao método. Esse estudo fornece indícios de o quanto as forças socioculturais afetam as preferências relacionadas ao acesso e ao uso do método. Para Costa et al. (2008), as principais barreiras que podem dificultar o acesso à AE seriam: a falta de informação, incluindo-se a percepção equivocada de que o método poderia ser abortivo; aspectos morais e culturais; preço do produto; e a exigência de prescrição médica. Pesquisa (NOGUEIRA et al., 2000) realizada com estudantes do primeiro ano de um curso de Medicina do interior de São Paulo, em 1999, revelou dados significativos sobre o pouco conhecimento que envolve o uso da AE. Foram entrevistados 91 estudantes, 31 do sexo feminino e 60 do sexo masculino. O inquérito mostrou que o método é pouco conhecido e que os estudantes que o conheciam apresentavam dúvidas sobre seu modo de ação e seus efeitos colaterais. Dentre os entrevistados (de ambos os sexos) que usariam o método, a maioria acreditava ser ele abortivo e apresentava dúvidas quanto a seus efeitos colaterais. A contracepção pós-coito é ainda um método marcado por compreensões equivocadas entre os profissionais de saúde. Há a representação de que a contracepção de emergência é perigosa e merecedora de cuidados especiais em sua disponibilização. Segundo Simonds e Ellertson (2004), legal e ideologicamente, contracepção e aborto dividem uma história parecida, e ambos estão associados com o tabu da sexualidade feminina. Essa percepção não é privilegiada apenas em países latinos. Para essas autoras, se as mulheres dos EUA tivessem acesso ao método da AE, metade das gravidezes imprevistas e dos abortos seria evitada. 2.2.5 O Uso da Anticoncepção de Emergência Exclui o Uso do Preservativo? Estudos conduzidos por Simonds e Ellertson (2004) indicam que profissionais de saúde na Europa e nos EUA têm alto conhecimento a respeito da AE, mas têm reservas quanto a sua oferta. Muitos acham que, facilitando o acesso ao método, as mulheres podem deixar de usar preservativos durante o ato sexual e, assim, adquirir doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Para Costa et al. (2008), não há estudos (internacionais ou nacionais) que comprovem essa preocupação. Sendo assim, a BEMFAM realizou em 2004, no Brasil, uma pesquisa com 46 o objetivo de comparar duas estratégias de acesso à AE: informação com entrega antecipada do método e somente informação, considerando os efeitos do acesso a esse método sobre o uso regular de anticoncepcionais, inclusive preservativos. O estudo recrutou 823 voluntárias (de 18 a 49 anos), em seis clínicas de saúde reprodutiva da BEMFAM, teve duração de oito meses e 407 mulheres (215 do grupo medicado e 192 do grupo controle) completaram suas fases. Alguns resultados chamam a atenção: apesar de ter informação e acesso gratuito à AE, a maioria das participantes (61%) não usou AE; entre os 39% de mulheres que utilizaram o método, 57% eram do grupo medicado e 18%, do grupo controle; a entrega antecipada favoreceu o uso imediato da AE, tendo em vista que o uso mais precoce ocorreu entre as mulheres do grupo medicado, o que garante maior eficácia ao método. Quanto ao uso de métodos anticoncepcionais regulares, verificou-se aumento significativo deles no grupo medicado e redução não significativa no conjunto dos métodos no grupo controle. Para Costa et al. (2008), os resultados desse estudo confirmam dados de outros estudos realizados na China, nos EUA e na Índia. Nesses estudos, a disponibilização antecipada da AE não reduziu as taxas de gravidez não planejada, apesar da maior freqüência de uso e do uso mais precoce, com a entrega antecipada; não houve aumento de DSTs, nem de relações sexuais desprotegidas; não houve mudança no padrão do uso de métodos anticoncepcionais; a utilização de preservativo foi similar entre mulheres que receberam a AE antecipadamente e as que não receberam o método. A preocupação dos profissionais não foi confirmada no estudo promovido pela BEMFAM, nem pelos estudos internacionais. Uma questão relevante precisa ser considerada: o não-uso da AE pode estar associado à negação das situações de risco (NELSON apud COSTA et al., 2008). A não-redução das taxas de gravidez imprevista pode estar ligada ao não-reconhecimento, por parte das mulheres, de situações de risco, por acreditarem estar fora do período fértil ou por realizarem o coito interrompido. Segundo Costa et al. (2008), o acesso à informação e à AE deve ser ampliado. Com orientação sistematizada e consistente, as mulheres podem usar a contracepção pós-coito, quando necessário, sem abandonar o uso de anticoncepcionais regulares e a proteção às DSTs. Pesquisa realizada na França em 1999 (BAJOS et al., 2003), com 383 mulheres de idade entre 18 e 44 anos, identificou que as entrevistadas que tinham usado a AE apresentavam maior freqüência no uso de preservativos e métodos de barreiras, em comparação com as mulheres que não usavam a anticoncepção pós-coito. 47 2.2.6 Anticoncepção de Emergência na Adolescência Segundo dados da pesquisa dos três países, Brasil, Chile e México (DÍAZ et al., 2003a; DÍAZ et al., 2003b), os adolescentes enfrentam alguns obstáculos ao acesso à AE, como a quase inexistência de serviços de saúde específicos para eles e a falta de informação sobre os contraceptivos. Muitos adolescentes relataram ter dificuldade para conversar sobre a sexualidade, tanto com os pais quanto com os adultos em geral. Eles também mencionaram obstáculos levantados pelos pais à utilização de contraceptivos, os quais não querem que os filhos se tornem sexualmente ativos. De acordo com as entrevistas, os adultos têm dificuldade de informar os adolescentes sobre a AE, uma vez que muitos pais não conseguem falar de sexo com seus filhos. Esses aspectos não permeiam apenas a realidade latina. Segundo Schalet (2004), o comportamento sexual adolescente é visto como fora de controle, perigoso e imoral, também no debate público e político sobre saúde reprodutiva nos EUA. O medo da sexualidade adolescente embasou a recente decisão de não se oferecer o recurso do método da AE no país. Na cultura latino-americana em geral, os pais preferem acreditar que seus filhos e filhas não se dedicam à atividade sexual, o que torna a discussão sobre sexualidade inviável no âmbito da família. Há dramatização da sexualidade dos adolescentes, segundo Schalet (2004), assim como ocorre nos EUA. Segundo Figueiredo et al. (2007), a introdução da AE no cenário nacional (em meados da década de 1990) provocou reações entre profissionais de saúde que atendem adolescentes. Esses profissionais demonstraram preocupação quanto à possibilidade do uso indiscriminado (abusivo) da AE pelo público adolescente. De forma geral, a sociedade manifesta receio de que os adolescentes abandonem o uso do preservativo em prol da AE. No entanto, estudo realizado por Figueiredo e Andalaft Neto (2005), com adolescentes e mulheres jovens, entre 15 e 24 anos, revelou que a informação e o acesso à AE não provocaram abandono do uso de outros métodos contraceptivos usuais. O uso da AE também não provocou menor uso de preservativo. Segundo conclusões desse estudo, a AE é utilizada prioritariamente por jovens e adolescentes com “histórico de risco” (parceiros fixos e relações sexuais freqüentes, prática de sexo nos últimos seis meses, experiência de gestação, situações de abortamento), que procuraram o método, eventualmente, como alternativa, mas mantêm no dia-a-dia o uso prioritário da camisinha e de outro método contraceptivo. Para Figueiredo e Andalaft Neto 48 (2005), os jovens que recorrem à AE são aqueles que já aderiram ao contraceptivo regular e também à prevenção das DSTs e AIDS, ou seja, demonstram maior cuidado com a prevenção. Berer (2007b, p.29) afirma que, entre os jovens, parece “estar aumentando o uso de preservativos junto com a contracepção de emergência, onde quer que esta última esteja disponível”. Dados da PNDS de 2006 (BRASIL, 2008a) mostram que o percentual de adolescentes brasileiras grávidas (15 a 19 anos) do primeiro filho no ato da entrevista era 6,2% no meio urbano; 5,6% no meio rural; 3,7% dos adolescentes tiveram o primeiro filho aos 15 anos; 9,6%, aos 18 anos. Do total de mulheres adolescentes entrevistadas, 16,2% tinham filhos vivos no ato da entrevista. Uma década atrás, a PNDS de 1996 (BEMFAM, 1997) apresentou os seguintes dados de gravidez na adolescência: 18% das adolescentes tinham iniciado vida reprodutiva; entre as mulheres de 19 anos, uma em cada três esteve grávida alguma vez; em relação ao local de residência, o percentual de adolescentes que engravidaram era mais alto na zona rural (24,2%) do que na área urbana (16,6%). Entre as jovens de 19 anos, no momento da entrevista, uma em cada dez tinha dois filhos. Reconhecer que os adolescentes têm o desejo de engravidar não significa deixar de investir em políticas de contracepção, uma vez que o direito de escolha de que método usar, quando usar e com quem usar reflete um longo aprendizado. A AE entra justamente nos momentos de falha de método contraceptivo, esquecimento, ausência de proteção no decorrer do processo de internalização desse planejamento reprodutivo. A saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes comumente é foco de discussões no cenário nacional. Segundo Alves e Brandão (2009), há na sociedade brasileira debate recorrente sobre a necessidade de regular a sexualidade juvenil. Para Brandão (2009, p.1064), “o exercício sexual na adolescência e juventude ainda continua sendo tratado por muitos como uma atividade „de risco‟, freqüentemente associada às DSTs e gravidezes imprevistas”. O exercício de relativa liberdade sexual legitimada na adolescência desafia os adolescentes a aprender as “regras sociais que estruturam as relações entre as gerações e os gêneros e a se apropriar de códigos que regulam a interação sexual entre pares e de suas implicações para a saúde e sociabilidade juvenil” (BRANDÃO, 2009, p.1064). Os adolescentes e jovens brasileiros encontram uma série de dificuldades (situações de vulnerabilidade) no uso de métodos contraceptivos. Dentre elas, destacam-se: “contexto do relacionamento; relação com a família no que tange à sexualidade; efeitos colaterais dos métodos hormonais; descuido com a contracepção; dificuldades dos serviços de saúde” 49 (BRANDÃO, 2009, p.1063). Refletir sobre as dificuldades encontradas pelos adolescentes de interiorizar normas contraceptivas e adoção de práticas contraceptivas regulares aponta para novas abordagens do fenômeno da gravidez nessa fase da vida. O MS vem publicando, desde o ano 2000, uma série de documentos (normas e orientações) sobre saúde do adolescente que oferecem aporte teórico, político e metodológico para a construção de novas ações de atendimento à saúde do adolescente, principalmente, à saúde sexual e reprodutiva. Em 2005, foram lançados dois documentos: Marco Legal: saúde, um direito de adolescentes (BRASIL, 2005d) e Saúde integral de adolescentes e jovens: orientações para a organização de serviços de saúde (BRASIL, 2005e); em 2007, foi publicado Marco teórico e referencial: saúde sexual e saúde reprodutiva de adolescentes e jovens (BRASIL, 2007). O método da AE consta nesses documentos como direito dos adolescentes e jovens. A AE faz parte de uma proposta de prevenção de problemas ou agravos à saúde do adolescente (ECOS, 2006) e está presente como orientação. Isso pode ser comprovado por meio do percentual de gestações não planejadas na adolescência, que evoluem para o aborto: 25% das gestações imprevistas (SAITO e LEAL, 2007). Para o MS, a prescrição da AE, nas situações de exposição ao risco iminente de gravidez (violência sexual, falha do método em uso ou em sua utilização, não estar usando anticoncepcional), constitui dever do médico e direito do adolescente (BRASIL, 2007). Estudos levantados (COSTA et al., 2008; HARDY et al., 2001; DÍAZ et al., 2003a; DÍAZ et al., 2003b; DREZETT, 2009; SHOVELLER et al., 2007; SIMONDS e ELLERTSON, 2004; FIGUEIREDO e ANDALAFT NETO, 2005; BERER, 2007b) apontam que a AE não é utilizada de forma indiscriminada (tanto por adultos quanto por adolescentes) e que o uso desse método não provoca exercício desenfreado da sexualidade e abandono do uso do preservativo. Mesmo com essas evidências baseadas em pesquisas científicas, o acesso à pílula pós-coito permanece envolto em constrangimentos e barreiras. O método ainda não foi institucionalizado entre usuárias, profissionais e provedores de saúde, ou seja, na sociedade em geral. Frente ao balanço da literatura, faz-se necessário sistematizar como o debate social mais recente sobre o método é trazido a público pela mídia impressa. Comumente, dois importantes atores ganham as páginas dos jornais: o MS e a Igreja Católica. Cabe, primeiramente, especificar os procedimentos metodológicos da pesquisa, a fim de esclarecer como foram selecionados, coletados e analisados os textos sobre AE editados pelos jornais O Globo e Folha de S. Paulo nos anos de 2005 a 2008. 50 3 METODOLOGIA 3.1APONTAMENTOS SOBRE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS Aproximar-se do debate contemporâneo travado na mídia impressa brasileira em torno do tema AE como método contraceptivo impõe a necessidade de refletir sobre a categoria representação social. Segundo Herzlich (2005), o termo representação social ou coletiva foi proposto por Durkheim (1970), que objetivava enfatizar a especificidade e a primazia do pensamento social em relação ao individual. Para Durkheim (1970), a vida coletiva e mental dos indivíduos é feita de representações. Uma vez constituídas, as representações tornam-se realidades parcialmente autônomas, com vida própria, isto é, mesmo mantendo íntimas relações com seus respectivos substratos, as representações individuais e coletivas são, até certo ponto, independentes. Originadas das relações que se estabelecem entre o conjunto dos indivíduos associados, as representações coletivas são independentes e exteriores às consciências individuais, isto é, existem no conjunto e são exteriores ao particular, como fatos sociais. Segundo Durkheim (1970), assim como a vida representativa não está repartida de maneira definida entre os diversos elementos nervosos, pois ela é formada pela reunião e colaboração de vários desses elementos, isso acontece com a vida coletiva, que existe no todo formado pela reunião de indivíduos. O agrupamento das partes que forma o todo não se dá de forma repentina, há uma série de fatores intermediários para que aconteça, e, a partir disso, surgem novos fenômenos que não derivam diretamente dos elementos associados. Sentimentos privados são unificados e transformados e, nessa associação, a síntese é obra do todo. A resultante ultrapassa o indivíduo e o todo ultrapassa a parte. Então, torna-se claro que representação coletiva não pode ser reduzida a um conjunto de representações individuais. Para Durkheim (1970), a sociedade exerce uma ação coercitiva sobre as consciências individuais. Herzlich (2005) comenta que a posição de Durkheim (1970) parece ser restritiva, à medida que reduz as possibilidades de manifestações individuais, pois o indivíduo encontra as formas coletivas de pensar formadas e conforma-se com elas. Segundo Herzlich (2005), Moscovici introduz na noção de representação a ênfase no sujeito ativo e construtor. Esse autor confere à sociedade um peso diferenciado da perspectiva apresentada por Durkheim (1970). Herzlich dispõe-se a pensar a categoria representação 51 social no campo da saúde e aponta que existem algumas limitações teóricas quanto ao uso do conceito, mas ressalta a fecundidade analítica da categoria para se pensar os fenômenos da saúde e da doença. Para Herzlich (2005), a categoria representação social, em uma idéia durkheimiana de um pensamento social, pode revelar em cada sociedade a existência de um discurso sobre doença, que depende dessas construções mentais de expressão. A doença seria um fenômeno que ultrapassa a importância da medicina moderna. Sendo assim: [...] a dupla oposição „saúde-doença‟ e „indivíduo-sociedade‟, que organiza a representação, dá sentido à doença. Por meio da saúde e da doença, temos acesso à imagem da sociedade, de suas imposições, tais como o indivíduo as vive (HERZLICH, 2005, p.60). Ainda, segundo o pensamento da autora, uma representação social permite, a princípio, compreender por que alguns problemas sobressaem a outros em determinada sociedade e pode esclarecer determinados conflitos e debates. Representação social é uma forma de abordagem da realidade, não é uma simples opinião. Para Minayo (2008), representação social é uma expressão filosófica que significa a reprodução de uma percepção anterior da realidade ou do conteúdo do pensamento. Segundo Sá (1998, p.21): Os fenômenos de representação social estão “espalhados por aí”, na cultura, nas instituições, nas práticas sociais, nas comunicações interpessoais e de massa e nos pensamentos individuais. Eles são, por natureza, difusos, fugidios, multifacetados, em constante movimento e presentes em inúmeras instâncias da interação social. (grifos meu) Para Sá (2007), as representações sociais são conhecimentos do senso comum, construídos e mobilizados nos universos consensuais, e constituem transformações operadas sobre informações oriundas dos universos reificados. Segundo Jodelet (2001, p.22), representação social seria uma “forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social”. Para essa autora, elementos informativos, cognitivos, ideológicos, normativos constituem representações sociais. Representações sociais, portanto, referem-se à dimensão da relação (comportamentos e comunicação) dos indivíduos com a cultura e seu universo simbólico e dos indivíduos entre si. Podem-se compreender representações sociais como práticas sociais: categorias de 52 pensamento, de ação e de sentimento que expressam a realidade, explicam-na, justificando-a ou questionando-a. Representações podem constituir uma via de acesso a concepções, valores e relações de sentido. Tendo em vista a sistematização das normas que regulam a utilização da AE no país, por parte do MS – apresentada no capítulo 2 – cabe conhecer agora o universo das representações sociais a respeito desse método contraceptivo captadas pelo filtro da mídia, que, ao mesmo momento em que reflete posições, fabrica novos argumentos, tornando-se importante ator desse debate. 3.2 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E MÍDIA As representações sociais podem ser consideradas instrumento para análise dos aspectos sociais, pois retratam a realidade. Constituem uma forma de compreender a relação da vida cotidiana com a sociedade e de valorizar a participação do indivíduo na (re)elaboração de significados para os fenômenos da vida cotidiana. É preciso refletir sobre a mídia que alimenta e repercute valores, idéias e conceitos sobre a AE. É necessário perceber que o trabalho da mídia sobre as informações médicas e científicas é sempre uma tradução. Extrapola também o conteúdo e as intenções iniciais sobre a construção da própria biomedicina. A divulgação de conceitos e informações científicas nas produções narrativas da mídia deve ser entendida como uma segunda representação, um segundo discurso que expressa uma formulação a partir dos conteúdos (biomédicos, científicos, epidemiológicos) e estão relacionados a uma trama sociocultural que reflete demandas específicas da audiência que consome o produto transmitido pelos meios (LEMOS, 2006, p.20). Segundo Lemos (2006), jornais, revistas, o rádio, a televisão e, hoje, a Internet executam a transposição do discurso biomédico, que também circula por autoridades sanitárias e órgãos administrativos ligados à comunicação e à educação para a imprensa escrita. A mídia constantemente constrói discursos a respeito do corpo, da doença e saúde. Conforme Dides Castillo (2006), os discursos sociais são parte de um universo de significados que constituem a sociedade, ordenam, legitimam, disciplinam e definem os lugares e as características dos atores e seus espaços sociais. Esses discursos são explicitados por diversos grupos como legítimos, tendo por finalidade normatizar as relações de gênero, classe, etnia, dentre outras. O universo de significados é assumido como verdade e, portanto 53 como natural. Tais discursos operam como organizadores de sentido dos atos humanos e estabelecem os limites de o que é lícito e permitido. Os meios de comunicação atuam como intermediários entre quem emite um discurso, a sociedade em geral e suas diversas opiniões. A mídia produz mensagens que tendem a definir o espaço da atividade política e da opinião pública, e também a agenda pública, determina o que é significativo para a vida social. Para Dides Castillo (2006), a imprensa escrita permite registro dos argumentos dos atores que operam como porta-vozes de discursos, traduzem posicionamentos, constroem visões e idéias que se revelam em ordens sociais diferenciadas. Ao mesmo tempo em que a imprensa altera os significados da vida para os sujeitos, reflete o que a sociedade vivencia. Lupton (1994), após pesquisar o câncer de mama na imprensa popular australiana, no período de 1987 a 1990, apontou que as atitudes da sociedade em relação a essa determinada doença, que “ataca” as mulheres em sua feminilidade, e ao sofrimento dos indivíduos que dela padecem influenciaram a maneira pela qual a imprensa representou as questões de saúde. Na disputa político-ideológica sobre a comercialização da AE que se expressa no debate público, podem ser reconhecidos os diversos discursos que vão se configurando nesse processo. Por meio de discursos religiosos, biomédicos e bioéticos acerca da AE, expressamse concepções de mundo, formulam-se e reproduzem-se ideologias pelas quais vários grupos exercem o poder. Trata-se de uma disputa sobre o controle de conhecimentos, opiniões e atitudes das pessoas, de maneira a influenciar diretamente suas práticas sociais. Para Dides Castillo (2006), a mídia fornece elementos ideológicos, informativos, crenças e valores para a construção de representações sociais sobre a AE. Os meios de comunicação de massa podem, por intermédio de suas informações, formar e fomentar opiniões favoráveis ou contrárias à AE, principalmente por aliar o debate sobre esse método ao polêmico tema do aborto. Esses meios de comunicação podem também influenciar prováveis usuárias a considerar a AE uma solução mágica e, assim, substituir por ela, equivocadamente, o contraceptivo de uso regular. Segundo Herzlich e Pierret (2005), que pesquisaram o tema da AIDS em seis jornais franceses, a imprensa torna-se cada vez mais importante nesse debate, por não ser apenas o lócus da expressão de opiniões, mas por ser um participante desse diálogo. . É em função dela que se organizam os argumentos e a ação. Para Lupton et al. (1993), a análise da AIDS na imprensa australiana durante o período de sete meses, de março a setembro de 1990, 54 apresentou novos dados que levaram a discussões sobre as atividades de promoção da saúde e de políticas para HIV/AIDS. Lemos (2006, p.23), que também investigou os discursos sobre a AIDS nas campanhas veiculadas aos jovens na emissora MTV, destaca que a sociedade está cercada pelos meios de comunicação e sob influência deles. Jornais, revistas, televisão e computadores, dentre outros meios, mostram o mundo através de lentes e textos. Fatos veiculados muitas vezes assumem “estatuto de mito, tamanha a importância e influência gerada por sua significação social”. Melo (2001, p.266) chama a atenção para as características que marcam a cobertura da imprensa brasileira sobre os direitos sexuais e reprodutivos: Na grande imprensa brasileira, que constitui um espaço importante da esfera pública, os direitos reprodutivos são abordados de maneira descontínua. São objeto de interesse e cobertura constante, por parte da chamada grande imprensa, as concepções normativas sobre o corpo feminino, os dogmas religiosos acerca da anticoncepção e da reprodução, bem como os avanços nas tecnologias reprodutivas, apresentados como algo pertencente à esfera do consumo. Ao mesmo tempo, a mídia revela-se como um espaço de contradições. Segundo Citeli (2001), muitos pesquisadores e ativistas, recentemente, incluíram a mídia como objeto de pesquisas. Esse interesse deve-se ao reconhecimento da importância dos meios de comunicação, no que se refere à veiculação de informações e disseminação de valores. Isso pode resultar também no empenho de influenciar a pauta da mídia, bem como favorecer a superação de preconceitos e a formação de uma opinião pública mais bem informada sobre assuntos pertinentes à saúde reprodutiva e sexualidade. É preciso sobrepujar a idéia de que a mídia constitui mero instrumento a ser utilizado em circunstâncias bem definidas, ora como meio dominado por profissionais corrompidos e sensacionalistas. Para Citeli (2001), a comunicação deve ser considerada um elemento que se forma no exercício de jogos políticos de colaboração e conflito. Sendo assim, vários grupos buscaram qualificar-se para interagir com a mídia de modo eficaz, entender sua lógica, estabelecer relações processuais com jornalistas, esforçando-se para superar barreiras dessa interação. Citeli (2001) elenca que, na década de 1980, alguns pesquisadores das questões de gênero e de saúde sexual e reprodutiva demonstraram interesse na abordagem do tema na mídia impressa e eletrônica. Esses pesquisadores objetivaram interpretar as mudanças socioculturais ocorridas na sociedade brasileira nas ultimas três décadas, que teriam ocasionado impacto na saúde reprodutiva da população como, notadamente, a rápida e 55 elevada queda da fecundidade brasileira. Segundo análises desses estudiosos, a mídia seria um dos fatores implicados nessas transformações. Já na década de 1990, despontaram os estudos que buscavam, do ponto de vista das relações de gênero, compreender e analisar de que forma e com que conteúdo os meios de comunicação faziam a demarcação cultural e biológica das fronteiras entre os sexos e abordavam as diferenças entre eles. [...] a pauta da mídia, especialmente no que diz respeito à ciência, tecnologia e comercialização de medicamentos, afeta o entendimento que cada um de nós tem do que somos e de como nosso corpo funciona, bem como muitas das idéias que compartilhamos sobre saúde, doença e comportamentos aceitáveis, condenáveis. [...] Esse reconhecimento considera que o discurso da mídia, ao mesmo tempo em que reflete significados vigentes, é parte do processo pelo qual os indivíduos constroem significados (CITELI, 2001, p.238). Dentre os métodos contraceptivos modernos disponíveis, várias são as representações sociais em torno da AE e muitos são os benefícios desse método comprovados cientificamente. No entanto, no cenário brasileiro, a AE ainda não se legitimou, entre os profissionais de saúde e potenciais usuários, como método seguro de contracepção pós-coito. No quadro traçado sobre esse método, pesquisas (HARDY et al., 2001; DÍAZ et al., 2003a; DÍAZ et al., 2003b) identificaram a importância da mídia para a democratização das informações, tanto quanto para a desconstrução das barreiras que impedem o acesso a tal método. Valores e conceitos veiculados pela mídia podem se transformar em preconceitos, desafios e dificuldades quanto ao uso da AE. Para Lupton (1992), é preciso analisar criticamente o uso da linguagem em contextos de comunicação verbal, tais como reportagens de jornal. Especificamente neste trabalho, é necessário revelar os significados dos textos sobre AE na mídia impressa. Essa aproximação entende a linguagem como refletidora e perpetuadora de estruturas de poder e ideologias dominantes na sociedade. Para essa autora, os profissionais de saúde precisam tomar ciência da importância de jornais e outros fóruns públicos na representação das questões de saúde. 3.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Face ao tipo de informações necessárias para se cumprir os objetivos desta investigação, realizou-se uma pesquisa socioantropológica (BECKER, 1997; VÍCTORA et al. 2000; MINAYO, 2008), cuja técnica de coleta de dados foi a análise de documentos escritos (jornais). Para tanto, houve seleção, classificação e análise dos textos publicados nos jornais 56 Folha de S. Paulo e O Globo, ao longo dos anos de 2005 a 2008, orientada pelos descritores: pílula do dia seguinte, contracepção de emergência e anticoncepção de emergência. A escolha do ano de 2005 como marco inicial para coleta dos dados justifica-se pelo fato de que, nesse ano, o MS ampliou a distribuição da AE em aproximadamente 50%, com o objetivo de distribuir a pílula a todos os municípios brasileiros (SUWWAN, 2005). Esses jornais foram selecionados por apresentarem as maiores tiragens dentre os jornais impressos no Brasil. A Folha de S. Paulo tem tiragem média diária de 302.595 exemplares e O Globo, diariamente, tem tiragem de 280.329, conforme dados divulgados pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC), relativos ao período de janeiro a dezembro de 2007 (apud HARENZA, 2008). O período definido para a seleção dos textos foi de 01/01/2005 a 31/12/2008. Após o processo de seleção, efetuou-se a compra desses textos na biblioteca do jornal O Globo e no banco de dados do jornal Folha de S. Paulo (FSP), para análise subseqüente do material. Foram selecionados 137 textos que apresentavam, pelo menos, um dos descritores (anticoncepção de emergência, pílula do dia seguinte e contracepção de emergência), independentemente da seção, do gênero jornalístico e do tema central abordado pelo texto. Tabela 1: Total de textos por ano, 2005 a 2008 Folha de O Globo Total S. Paulo 2005 33 27 60 2006 12 08 20 2007 22 09 31 2008 20 06 26 Total 87 50 137 Ano Fonte: Edições impressas dos jornais Folha de S. Paulo e O Globo, 2005 a 2008. Após a primeira análise, optou-se por excluir 25 textos que precisam de análise diferenciada, devido às especificidades das questões que tratam: - 14 textos (cartas) da seção Sexo e Saúde do encarte FolhaTeen da FSP; - 06 textos (questões de prova de vestibular, textos produzidas por adolescentes) do encarte Megazine do jornal O Globo; - 02 sinopses de seriados americanos da FSP e de O Globo; - 01 crítica de livro de ficção da FSP; - 02 textos (01 carta e 01 notícia sobre reality show) da revista O Globo do jornal O Globo. 57 O conteúdo desses textos diferencia-se consideravelmente dos demais (notícias, cartas do leitor, artigos, notas de colunistas, entrevistas), pois a maioria (20 textos) destina-se ao público jovem e os demais (05 textos) são sobre programas de TV e resenha de um romance. Os textos da seção Sexo e Saúde da Folha de S. Paulo tratam de questões específicas sobre sexualidade e saúde de adolescentes e jovens, que escrevem para o médico psiquiatra Jairo Bouer. Os textos do Megazine, encarte do jornal O Globo, trazem questões de vestibular sobre biologia, com conteúdo acerca do mecanismo de funcionamento da AE, e textos produzidos por adolescentes sobre sexualidade e drogas. O roteiro de coleta das informações do conjunto dos 112 textos analisados (Anexo 1) procura elencar, principalmente, as seguintes categorias: data; autor; título; seção; número de linhas; origem e fontes de informação utilizadas; gênero jornalístico; abordagem principal; características da fonte. Os textos, com exceção das cartas do leitor, apresentam certo padrão quanto ao tamanho das linhas escritas, sendo assim, as linhas publicadas na seção de cartas do leitor foram computadas à parte. Os dados coletados foram apresentados de forma descritiva acerca do perfil dos textos levantados e também de como as representações sociais que circulam na sociedade sobre a AE são retratadas pela mídia impressa, e formatam idéias, opiniões, julgamentos e posições morais. 58 4 ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA NOS JORNAIS FOLHA DE S. PAULO E O GLOBO 4.1 CARACTERIZAÇÃO DOS TEXTOS 4.1.1 Quantidade de Textos A Folha de S. Paulo apresentou 74 textos, entre notícias, artigos, cartas do leitor, editoriais, chamada na capa, entrevistas e notas de colunista. O Globo apresentou 38 textos distribuídos em notícias, artigos, cartas do leitor, notas de colunistas e destaques (página 2) (Anexo 2). Tabela 2: Textos por ano, 2005 a 2008 Folha de O Globo Total S. Paulo 2005 33 20 53 2006 10 06 16 2007 15 06 21 2008 16 06 22 Total 74 38 112 Ano Fonte: Edições impressas dos jornais Folha de S. Paulo e O Globo, 2005 a 2008. No ano de 2005, houve o maior número de textos, tanto no jornal O Globo quanto na Folha. Esse ano representa 44,6% dos textos da FSP e 52,63% do total de O Globo. A análise dos textos por mês indica claramente quais eventos ocasionam a cobertura jornalística: 59 Tabela 3: Textos por mês na Folha de S. Paulo Ano Mês janeiro fevereiro março abril maio junho julho agosto setembro outubro novembro dezembro Total 2005 2006 2007 2008 Total 01 04 03 17 02 02 02 01 01 33 01 02 01 01 01 03 01 10 01 10 02 01 01 15 10 02 02 01 01 16 10 04 04 06 19 13 08 02 06 03 02 74 Fonte: Edições impressas da Folha de S. Paulo, 2005 a 2008. Tabela 4: Textos por mês em O Globo Ano Mês janeiro fevereiro março abril maio junho julho agosto setembro outubro novembro dezembro Total 2005 2006 2007 2008 Total 07 03 08 01 01 20 02 01 02 01 06 02 01 01 01 01 06 03 02 01 06 12 08 11 01 01 01 02 01 01 38 Fonte: Edições impressas de O Globo, 2005 a 2008. 60 4.1.2 Principais Eventos que Provocaram a Cobertura Jornalística 2005 • Decisão do prefeito César Maia de distribuir a AE, atendendo às diretrizes do MS e, em seguida (após pressão do bispo católico do Rio de Janeiro), de suspender sua distribuição. • Regulamentação pelo MS da distribuição da AE a todos os serviços públicos de saúde. • Decisão do MS de ampliar o financiamento dos métodos contraceptivos em 100%. • Projeto de lei em tramitação na Câmara de Deputados para aprovação do aborto. • O veto à AE pelos vereadores nos municípios de São José dos Campos e de Jacareí, no interior do Estado de São Paulo. 2006 • A AE e as eleições no México: o posicionamento do presidente Felipe Calderón contra o método. • Posicionamento da presidente do Chile, Michele Bachelet, favorável à AE. • Liberação da venda de AE sem receita médica nos EUA. • Distribuição da AE pela Secretaria Municipal de Saúde no carnaval de Salvador (em 2006), com repercussão e resistência da Igreja Católica. 2007 • Posicionamento do Ministro da Saúde, J. G. Temporão, a favor da suspensão da necessidade de prescrição médica para o uso da AE. 2008 • Distribuição da AE pelas secretarias municipais de saúde nos carnavais de Olinda, Paulista e Recife (em 2008), que gerou grande repercussão e resistência da Igreja Católica. Cartas dos leitores – O Globo: 2005 • Decisão do prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, de proibir a distribuição da AE nos serviços públicos de saúde. 61 • Interferências da Igreja Católica em assuntos de saúde reprodutiva. • Defesa da castidade como proposta de prevenção da gravidez na adolescência. • Decisão do MS de ampliar a distribuição da AE para todos os serviços públicos de saúde. 2008 • Críticas à situação política do Rio de Janeiro e ao governo Lula. Painel do Leitor – FSP: 2005 • Decisão do MS de ampliar a distribuição da AE. • AE como método abortivo. • Decisão das câmaras de vereadores de São José dos Campos e de Jacareí (SP) de proibir a distribuição da AE nos serviços públicos de saúde. • Resposta de ONGs feministas à coluna de bispo católico que se posiciona contrário à AE. 2007 • Notícia sobre a ineficácia de doses de anticoncepcionais injetáveis. • Editorial Polêmica do dia seguinte, de 27/06/07. • Sabatina com o Ministro da Saúde. • Crítica ao posicionamento de Talmir Rodrigues no artigo O direito de viver – Tendências/Debates. 2008 • Interferências da Igreja Católica em assuntos de saúde. • Distribuição da AE no carnaval de Recife e Olinda. • Pesquisa de opinião do Datafolha sobre o aborto. 4.1.3 Gênero Jornalístico Em ambos os jornais, o gênero jornalístico preponderante do material levantado é a notícia, seguida de cartas do leitor. Na Folha de S. Paulo, 50% dos textos são notícias e 62 28,38% são cartas do leitor. No jornal O Globo, as notícias representam 50% do total de 38 textos, e as cartas do leitor são 26,31%. Tabela 5: Gênero jornalístico na Folha de S. Paulo Gênero jornalístico 2005 2006 2007 2008 Total Notícia 15 09 05 08 37 Cartas do leitor 12 04 05 21 Artigo 02 01 03 06 Editorial 01 01 01 03 Entrevista 01 01 Nota colunista 02 02 Capa 01 01 02 04 Total 33 10 15 16 74 Fonte: Edições impressas da Folha de S. Paulo, 2005 a 2008. Tabela 6: Gênero jornalístico em O Globo Gênero jornalístico 2005 2006 2007 2008 Total Notícia 08 04 04 03 19 Cartas do leitor 09 01 10 Artigo 02 01 01 04 Editorial Entrevista Nota colunista 01 02 03 Destaque 01 01 02 Total 20 06 06 06 38 Fonte: Edições impressas de O Globo, 2005 a 2008. Em O Globo, a AE não foi texto de capa ao longo dos quatro anos monitorados. Esse assunto ganhou espaço duas vezes na seção Destaques (página 2 do jornal). Na Folha de S. Paulo, a AE apareceu como chamada na capa por quatro vezes, duas delas, no ano de 2008. O assunto foi a distribuição da AE no carnaval de Recife e os embates da Igreja Católica desse estado com a Secretaria Estadual de Saúde. A pílula pós-coito foi tema de editoriais apenas no jornal Folha de S. Paulo (três vezes). Esses editoriais apresentam teor favorável à distribuição e ao uso da AE, fazem ressalvas ao fato de o Estado brasileiro ser laico e às várias interferências da hierarquia da Igreja Católica no âmbito das políticas públicas de saúde reprodutiva. 63 4.1.4 Disposição dos Textos no Espaço dos Jornais A AE aparece em primeiro lugar em seções que noticiam o cotidiano nacional e, em segundo lugar, em seções que trazem opiniões. Tabela 7: Seção dos textos na Folha de S. Paulo Seção 2005 2006 2007 2008 Total Cotidiano 14 04 06 07 31 Painel do leitor 12 04 05 21 Opinião 04 01 01 06 Mundo 02 05 01 01 09 Capa 01 01 02 04 Ilustrada 01 01 Tendências/Debates 02 02 Total 33 10 15 16 74 Fonte: Edições impressas da Folha de S. Paulo, 2005 a 2008. Tabela 8: Seção dos textos em O Globo Seção 2005 2006 2007 2008 Total O País 04 01 04 03 12 Cartas dos Leitores 09 01 10 Destaques (página 2) 02 01 01 04 Opinião 03 01 04 Rio 02 01 01 04 Carnaval 2006 01 01 O Mundo 02 02 Coluna Ricardo Noblat 01 01 Total 20 06 06 06 38 Fonte: Edições impressas de O Globo, 2005 a 2008. 4.1.5 Tema Central Abordado A AE apareceu no material levantado como tema central dos textos ou como tema secundário, relacionado a outros assuntos próximos: planejamento familiar, aborto, gravidez na adolescência, carnavais de Salvador, Recife, Olinda e Paulista, planos de governo expressos por políticos de outros países, violência sexual. 64 Tabela 9: Tema central abordado pelos textos da Folha de S. Paulo Pílula do dia Outros Total Seguinte 2005 23 10 33 2006 04 06 10 2007 10 05 15 2008 11 05 16 Total 48 26 74 Ano Fonte: Edições impressas da Folha de S. Paulo, 2005 a 2008. Tabela 10: Tema central abordado pelos textos de O Globo Pílula do dia Outros Total Seguinte 2005 11 09 20 2006 02 04 06 2007 02 04 06 2008 06 06 Total 21 17 38 Ano Fonte: Edições impressas de O Globo, 2005 a 2008. Na Folha de S. Paulo, a AE foi tema central em 64,86% dos textos, no jornal O Globo, em 55,26%. 4.1.6 Autoria dos Textos10 No jornal Folha de S. Paulo, 29 textos (54,72% do total de 53) são assinados. Eles constituem notícias, artigos, debates, entrevistas e notas de colunistas, não se considerando as cartas do leitor. Em O Globo, 16 textos (57,14% do total de 28), desconsiderando-se as cartas do leitor, apresentam identificação de autoria, e são compostos por notícias, artigos e notas de colunistas. Em geral, quem assina os textos do jornal O Globo são jornalistas e colunistas do próprio jornal, com exceção de dois artigos, que foram assinados por uma vereadora do PSDB-RJ e por uma socióloga. A maioria dos textos da Folha de S. Paulo (notícias e alguns artigos) é assinada por jornalistas e colunistas. Quatro artigos e colunas são assinados por: médico psiquiatra e Ministro da Saúde; médica, deputada federal pelo PC do B-RJ e vice- 10 As cartas do leitor foram analisadas de forma diferenciada dos demais textos no que se refere à autoria. Ver item 4.3.4 65 presidente da Frente Parlamentar da Saúde; médico, coordenador do Instituto de Defesa da Vida da Ação Familiar do Brasil e deputada federal pelo PV-SP; bispo da Igreja Católica. 4.1.7 Origem da Informação Apenas nove textos (12,17% do total de 74) levantados no jornal Folha de S. Paulo abordam informações de origem internacional. No jornal O Globo, três textos (7,9% no conjunto de 38) se referem a assuntos internacionais. O tema central dos textos de origem internacional diz respeito ao posicionamento de governantes do México, Chile e EUA quanto à política interna. AE figura como tema central apenas uma vez, em notícia sobre a decisão do governo americano de liberar a venda do método sem necessidade de receita médica para adultos, no ano de 2006. 4.1.8 Ilustrações Quanto ao destaque dado, vale comentar que 29 textos (39,19%) da Folha de S. Paulo apresentam ilustrações. Delas, 17 são caracterizadas com fotos, 11 com gravuras e uma com fotos e gravuras. Dos 11 textos da Folha de S. Paulo que são ilustrados com gravuras, quatro são cartas do leitor. As figuras são: uma pílula; uma mulher grávida usando roupas que indicam menor poder aquisitivo, à frente dela uma mão masculina tenta lhe entregar uma pílula e outra mão masculina tenta impedir essa entrega; o rosto de uma jovem levando uma pílula à boca. No jornal O Globo, nove textos (23,68%) são caracterizados por ilustração, sete são fotos e dois, gravuras. 4.1.9 Número de Linhas Publicadas por Ano Outra forma de perceber o destaque dado à AE na mídia impressa é analisar o número de linhas publicadas sobre o tema. Há certo padrão no tamanho da letra e no formato gráfico dos textos, com exceção da seção Cartas do Leitor.11 O jornal Folha de S. Paulo publicou mais do que o dobro de linhas sobre a AE (como tema central dos textos ou como tema secundário) em relação ao jornal O Globo. A diferença de um jornal para o outro é de 2.909 linhas, ao longo dos quatro anos. 11 Ver item 4.3.4. 66 Tabela 11: Número de linhas sobre AE publicadas por ano Folha de O Globo Total S. Paulo 2005 1990 836 2826 2006 1070 528 1598 2007 1373 592 1965 2008 660 228 888 Total 5093 2184 7277 Ano Fonte: Edições impressas dos jornais Folha de S. Paulo e O Globo, 2005 a 2008. 4.2 FONTE DOS TEXTOS12 4.2.1 Enquadramento e Abordagem Os textos foram analisados com base no enquadramento e na abordagem da fonte. No jornal Folha de S. Paulo, foram coletados 23 textos que apresentam enquadramento que denota conflito entre favoráveis e desfavoráveis ao método. Seis textos apontam enquadramento sobre preços a serem pagos no futuro (possíveis conseqüências negativas do uso da AE). No jornal O Globo, quanto ao enquadramento, 12 textos apresentam conflito entre favoráveis e contrários. Sete textos têm abordagem que ressalta avanços no campo dos direitos reprodutivos. Sete referem-se a questões éticas acerca dos dilemas (o método é ou não abortivo) que envolvem o uso da AE. 4.2.2 Tom da Fonte de Informação Quanto ao tom da fonte de informação no âmbito do legislativo, executivo e judiciário, ministros de Estado e secretários de saúde são os atores mais expoentes, tanto na Folha de S. Paulo (14 textos) quanto no jornal O Globo (seis textos). No âmbito da ciência e medicina, por 10 vezes, cientistas deram o tom da informação no jornal Folha de S. Paulo. Já O Globo, por quatro vezes, recorreu a médicos e hospitais. O número de textos que apresentam como tom da fonte de informação o discurso de católicos é 13, na Folha de S. Paulo, e cinco, no jornal O Globo. Outro dado que chama 12 Tendo em vista peculiaridades, as cartas do leitor foram analisadas de forma diferenciada quanto às características da fonte. Ver item 4.3.4. 67 atenção é o fato de 10 textos da Folha de S. Paulo apresentarem como tom da fonte de informação o discurso de grupos organizados contrários à AE. 4.2.3 Vinculação Disciplinar da Fonte Analisando-se a vinculação disciplinar da fonte, identifica-se na Folha de S. Paulo um embate: 35 textos apresentam vinculação com direito, ética e bioética, 22, vinculação disciplinar com moral e 19, com ciências médicas e biológicas. No jornal O Globo, 10 textos têm vinculação com direito, ética e bioética, sete com moral e seis com ciências médicas e biológicas. 4.3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA NOS JORNAIS FOLHA DE S. PAULO E O GLOBO: ARGUMENTOS, INTERLOCUTORES E CONFLITOS Com base nos dados levantados nos textos dos jornais Folha de S. Paulo e O Globo e na discussão sobre representações sociais, foram identificadas algumas representações sobre a AE presentes no debate público brasileiro no período demarcado: 2005-2008. 4.3.1 Anticoncepção de Emergência e Aborto Há duas representações que aparecem com freqüência e que se contrapõem. Primeiramente, está a representação da AE como método legítimo, que representa mais uma alternativa para prevenir gravidez imprevista, caso haja falha na contracepção regular, esquecimento, relação sexual sem proteção, sendo a AE, nesses casos, uma possível tentativa de evitar um eventual aborto inseguro. A segunda é a representação da AE como método abortivo. O argumento de que a AE seria um método abortivo é utilizado por setores da Igreja Católica e por sujeitos e instituições a ela ligados. Como interlocutores desse discurso, podem-se apontar, além de religiosos (padres, bispos, arcebispos): Provida Família (entidade católica que defende os direitos da família); CNBB; vereadores ligados à Igreja Católica (PHS-SP, PSC-SP, PFL-SP e PSDB-SP), prefeito do Rio de Janeiro (PFL-RJ), deputados federais (PT-SP, PV-SP, PP-CE) ligados à Igreja Católica; representantes de instituições católicas de ensino superior; médicos; coordenadores da Pastoral da Saúde; Comissão 68 Episcopal Pastoral para a Vida e a Família da CNBB; representante do Movimento Nacional em Defesa da Vida Brasil sem Aborto; Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP; Instituto de Defesa da Vida da Ação Familiar; Diocese de Caraguatatuba/SP. Quanto à representação da AE como uma maneira de evitar a gravidez e o aborto inseguro, há como interlocutores: representantes do MS e das secretarias estaduais e municipais de saúde, prefeito de São José dos Campos (PSDB-SP); profissionais da área da saúde, militantes de grupos feministas (SOS Corpo, Instituto Patrícia Galvão, Católicas pelo Direito de Decidir, Jornadas Brasileiras pelo Aborto Legal e Seguro); CFM; Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres; mulheres com atuação em movimentos populares de São Paulo, diretora do hemisfério ocidental da Federação Internacional de Planejamento Familiar (IPPF); Secretária Municipal de Saúde do Rio de Janeiro; médica do Programa de Saúde da Mulher do Rio de Janeiro; médica do Departamento de Saúde da Mulher do MS; Secretário de Assistência à Saúde do MS; representante da Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo); assessor do CLAE e consultor do MS; vereadora da cidade do Rio de Janeiro (PSDB-RJ); jornal Folha de S. Paulo (editorial); colunista da Folha de S. Paulo. No cenário internacional, identificam-se como interlocutores de um discurso contrário à AE: presidente da Conferência Episcopal Chilena, líderes do cenário político norteamericano, Conferência de Bispos Católicos Americanos, presidente do México. Os interlocutores de um discurso favorável à AE em contexto internacional são: Conselho dos Direitos Reprodutivos dos EUA; grupos feministas americanos (não definidos no texto da FSP); Conselho Americano de Direitos Reprodutivos; Instituto Alan Guttmacher (EUA); médicos norte-americanos; a presidente do Chile. Um exemplo do discurso da AE como método abortivo no cenário internacional é a reação da Conferência dos Bispos Católicos Americanos contra a liberação da venda da AE sem prescrição médica para mulheres maiores de 18 anos nos EUA. Tal reação baseou-se no argumento de que “a pílula, seja para adultos ou menores de idade, causa aborto ao impedir a implantação do óvulo fecundado na parede do útero” (FSP, 25/08/06). Em vários textos sobre o aborto e sobre a interrupção da gestação de fetos anencéfalos, quando a fonte da informação é a Igreja Católica ou setores a ela ligados, o assunto da AE está presente, sempre, sob o argumento de que esse método provoca aborto. Um exemplo de texto que alia o debate da interrupção da gestação de fetos anencéfalos à AE é o artigo publicado em uma coluna na seção Opinião, do jornal Folha de S. Paulo (12/03/05), assinado por um bispo da Igreja Católica. O artigo versa sobre as recentes 69 mudanças na legislação do aborto para os casos de violência sexual e sobre o “aborto de fetos anencéfalos”. O debate da AE aparece ao final do artigo. Em tom de desconfiança, o assunto é inserido: [...] Há quem anuncie que, em breve, haverá a difusão, anunciada pelo governo, da “pílula do dia seguinte” entre os jovens e os adolescentes. Será que vamos ensinar a eles não só a banalizar o sexo, mas a perder todo apreço à vida? São questões que requerem diálogo, discernimento e, sobretudo, recurso a Deus, que é fonte da vida e dos direitos humanos (FSP, 12/03/05). Notícias veiculadas pelos dois jornais analisados sobre a decisão dos vereadores13 da Câmara Municipal de São José dos Campos (interior de São Paulo) de proibir a distribuição da AE pelos serviços públicos de saúde ressaltam o argumento usado pelos legisladores, em processo para aprovação de lei: “o medicamento é abortivo e, por isso, inconstitucional, já que o aborto é ilegal no país”. Para os vereadores “a intenção da Câmara é preservar a vida” (FSP, 17/05/05 e 30/05/05). Esse discurso também é utilizado pela Assembléia Legislativa do Mato Grosso do Sul, pelas câmaras de vereadores de Pindamonhangaba, Jacareí14 e Taubaté15 (São Paulo), no veto à distribuição da AE pelos serviços públicos de saúde (FSP, 30/04/05, 31/05/05 e 14/07/05). A decisão da Câmara Municipal de São José dos Campos/SP, “com amplo apoio da Igreja Católica da cidade” (FSP, 31/05/05), gerou uma série de embates com representantes de instituições favoráveis à AE e com a Justiça, que foram noticiadas pelos jornais Folha de S. Paulo e O Globo. Em texto da Folha de S. Paulo de 30/04/05, um professor da Unicamp e coordenador do Comitê de Direitos Sexuais e Reprodutivos da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia afirma que os grupos católicos que defendem que se proíba a distribuição da “pílula do dia seguinte” acabam favorecendo a ocorrência de maior número de abortos, “porque, com o combate às práticas contraceptivas, a tendência é que aumentem os casos de gravidezes indesejadas”. Para esse professor, a proibição da pílula pós-coito na rede municipal “afeta apenas as mulheres de baixa renda, uma vez que a venda nas farmácias continuará a ocorrer normalmente”. Somente os “pobres terão seus direitos privados”, o que seria um “atropelo aos direitos humanos da pessoa de poder prevenir a gravidez”. “Esses grupos católicos são pró-aborto. Colocam obstáculos para que as mulheres não tenham 13 Dos 19 vereadores da câmara municipal, 18 votaram a favor do projeto de lei, de autoria de um vereador do PHS-SP, que proibia a distribuição da AE pelos serviços públicos de saúde. 14 A autoria do projeto de lei proibindo a distribuição da AE é de um vereador do PFL-SP. 15 A autoria do projeto de lei proibindo a distribuição da AE é de um vereador do PSC-SP. 70 gravidezes indesejadas. Talvez não percebam, mas, pela atitude que tomam, são” (FSP, 30/04/05). A idéia da AE como abortiva foi oficialmente rebatida pelo CFM, por meio de publicação, no Diário Oficial (CFM, 2007), de uma resolução “em defesa do método contraceptivo” (O GLOBO, 18/01/07). Para o CFM, o método não pode ser considerado abortivo, tendo em vista seu mecanismo de ação. Texto da Folha de S. Paulo (15/03/05) referente à publicação de um manual de perguntas e respostas do MS sobre a AE ressalta embate existente entre o Ministério e os “setores na saúde ligados à Igreja Católica, considerados “críticos da pílula do dia seguinte”. Esse manual (BRASIL, 2005c) faz parte da Política de Direitos Sexuais e Reprodutivos (BRASIL, 2005a), que trouxe outra norma que provocou conflitos com a Igreja Católica: o fim da exigência do boletim de ocorrência policial para realização do aborto permitido em lei, em caso de violência sexual. Segundo o documento do MS, “conservadores mal informados ou irresponsáveis disseminam o „mito‟ do efeito abortivo da pílula do dia seguinte para manipular a opinião pública, impedindo assim a disseminação do método”. Concordando com essa afirmativa, um professor da Unicamp declara: “afirmar que a pílula do dia seguinte é uma forma de aborto significa ignorar evidências científicas, o que já deixou de ser falta de conhecimento, já é má vontade” (FSP, 30/04/05). O argumento de que a AE pode evitar o aborto, se for corretamente usada, dá o tom para os textos com teor favorável ao método. Texto publicado em 06/10/05, em O Globo, traz o exemplo dos EUA, onde a AE reduziu o número de abortos em 110 mil, entre os anos de 1994 e 2000. Outro exemplo de notícia sobre o argumento de que a pílula pós-coital (juntamente com os outros métodos disponíveis) seria um meio de evitar o aborto foi publicada pela Folha de S. Paulo (15/04/2007) sob título Ciência [pílulas anticoncepcionais e AE] vira argumento de antiabortistas. O texto versa sobre o debate da flexibilização ou não da legislação brasileira a respeito do aborto. A AE surge como fundamento de posicionamentos contrários ao aborto. A notícia inicia-se relatando uma pergunta que foi feita em uma reunião de mulheres com atuação em movimentos populares de São Paulo: As mulheres seriam “favoráveis ou contrárias à flexibilização do aborto?”. A “maioria” respondeu: “contra”. O jornal Folha de S. Paulo (15/04/2007) entrevistou três mulheres presentes na reunião, e as respostas delas se 71 baseiam no argumento de que, com a variedade de métodos disponíveis, inclusive com a AE, não é possível liberar o aborto: Com tanto método contraceptivo à mão, precisa ser muito folgada para chegar ao ponto de ter de decidir entre fazer um aborto ou não. (Entrevistada 01) No caso de a menina não ter se precavido de jeito nenhum, ainda tem o recurso à pílula do dia seguinte, né? (Entrevistada 02) Sabe, eu acho que não dá para legalizar o relaxo e punir o feto. (Entrevistada 03) Segundo o texto do jornal: A invenção das pílulas anticoncepcionais e do dia seguinte, por exemplo, deu às mulheres instrumentos para que em boa medida possam controlar o tamanho da prole. Na prática, tornaram dispensáveis – em milhões de casos – o recurso ao aborto (FSP, 15/04/2007). Textos sobre a distribuição da AE nos carnavais de cidades do Nordeste brasileiro (Recife, Olinda, Salvador e Paulista) são marcados pela idéia do método como: “polêmica” (discurso do jornal); “prevenção de gestações imprevistas e abortamentos inseguros” (argumento dos profissionais ligados às secretarias de saúde); “abortivo” (opinião de representantes da hierarquia da Igreja Católica). Essas opiniões confrontam-se constantemente nos textos publicados. Argumento recorrente nos discursos de representantes de secretarias de saúde e de serviços de atendimento à saúde da mulher, apresentado pelos textos dos jornais, é a idéia da AE como ação de prevenção à gravidez, porém, tais interlocutores desse discurso sempre ressaltam que a melhor maneira de ter uma relação sexual protegida seria usar o preservativo. Há preocupação constante com alertar os foliões para a importância da camisinha, deixandose a AE como último recurso. Exemplo desse argumento é um texto sobre a distribuição da pílula pós-coito em nove postos de atendimento médico durante o carnaval de Salvador, em que uma representante da secretaria municipal de saúde justifica a decisão de disponibilizar o método sob o argumento de que “a medida não visa incentivar o sexo sem camisinha, mas evitar a gravidez indesejada” (O GLOBO, 27/02/06). Folheto informativo da Prefeitura de Recife (FSP, 24/01/08), que foi entregue às mulheres que procuraram os postos de atendimento médico a fim de usar a AE, 72 trazia, além de informações sobre o uso do produto, um “alerta de que o método não previne doenças sexualmente transmissíveis, como a Aids”. A justificativa para a distribuição da AE no carnaval está vinculada à idéia de que os “métodos contraceptivos também falham e existem ocorrências de violência sexual durante o carnaval”. Segundo o médico ginecologista da Secretaria de Saúde de Salvador, o medicamento é legalizado pelo MS e é preciso “respeitar os direitos das mulheres” (FSP, 16/02/06). A distribuição da AE no carnaval soteropolitano surge como uma possibilidade de se evitar abortamentos em condições inseguras. Para uma médica e antropóloga de Salvador, entrevistada pela FSP, a iniciativa adotada pela secretaria de saúde “merece elogios”, pois o “aborto se mantém como a principal causa isolada de morte materna” (FSP, 16/02/06). Autoridades da Igreja Católica de Salvador rebatem os argumentos da secretaria municipal de saúde. Segundo o bispo auxiliar da arquidiocese de Salvador: “a pílula do dia seguinte estimula o aborto. [...] os contraceptivos são questionáveis pela eficácia” (FSP, 16/02/06). A distribuição da AE nos carnavais de Recife, Olinda e Paulista provocou uma série de textos na Folha de S. Paulo: nove textos (um editorial, duas chamadas na capa e sete notícias) ao longo do ano de 2008. No caso da distribuição do método nos carnavais de Recife e Olinda, a Igreja Católica recorre ao argumento de que o fornecimento da pílula “é uma aberração”. A representante da Secretaria de Saúde de Recife declara que o método não é abortivo, e sim um meio de evitar o aborto. O debate sobre a pílula pós-coital ser um método abortivo ou não provocou situações de crise para políticos dos EUA, do Chile, México e Brasil, que se posicionavam em relação ao método. Aqueles que se posicionaram a favor do método enfrentaram conflitos com representantes da Igreja Católica e com setores da sociedade a ela ligados. Os políticos que se manifestaram contrários à distribuição da AE sofreram embates e críticas por parte de vários grupos da sociedade, dentre eles: entidades ligadas ao movimento feminista, profissionais de saúde, políticos etc. Exemplo dessas situações em que políticos, ao se posicionar a favor ou contra a AE, ficam sob julgamento da sociedade, é o caso da (não)distribuição das pílulas pós-coito na cidade do Rio de Janeiro. Em janeiro de 2005, o prefeito da cidade, em menos de 24 horas, publicou duas resoluções diferentes em Diário Oficial: a primeira foi relativa à normatização da distribuição da AE em todos os serviços públicos de saúde; e a segunda publicação anulou a primeira resolução. A decisão do então prefeito aconteceu sob protestos da arquidiocese do 73 Rio de Janeiro, que havia, no dia 26/01/05, publicado uma nota condenando a AE como abortiva. Em nota oficial, o representante do executivo da cidade carioca declarou que “ele mesmo vai comunicar o cardeal arcebispo” a decisão de não distribuir a AE (O GLOBO, 27/01/05). A anulação da distribuição da AE na cidade do Rio de Janeiro gerou uma série de textos no jornal O Globo. Em 04/02/05, esse jornal publicou, na seção Opinião, um artigo questionando o posicionamento do prefeito. No início do artigo, o autor destaca que: [...] pessoas de bom senso não dão palpite sobre futebol [...]. Não vou me meter a discutir os argumentos usados pelo cardeal arcebispo [...], condenando a pílula do dia seguinte [...]. O Estado não deveria se posicionar em situações onde o assunto atenda a interesses individuais. Para o colunista, o uso da AE seria um desses assuntos. Portanto, o então prefeito deveria apenas “propor debates” sobre a contracepção de emergência e “não fazer decretos com o intuito de distribuí-la a todos” (O GLOBO, 04/02/05). Outro artigo publicado em 06/10/05, na seção Opinião (O Globo), sob o título Onde estão as pílulas do prefeito?, faz uma análise do governo do então prefeito da cidade do Rio de Janeiro quanto ao planejamento familiar. O texto publicado chama a atenção para a maneira como a hierarquia da Igreja Católica interferiu na distribuição do método pós-coital e aponta a precariedade do Programa de Planejamento Familiar carioca, como falta de insumos e dificuldade de acesso. Os políticos do cenário nacional que se posicionam contrários à distribuição da AE pelos serviços públicos de saúde apresentam ligação com a Igreja Católica. Em texto do jornal O Globo (23/06/05), uma deputada federal do PT-SP que “age de todas as formas para impedir a aprovação de projetos sobre o aborto [...] apresentou proposta para proibir o SUS de receitar a pílula do dia seguinte e as farmácias de distribuí-la” foi definida como “conservadora”, “imagem de freira, ligada à Igreja Católica, ao grupo de carismáticos”. Nota de colunista do jornal O Globo (16/02/08) aponta outro político do cenário nacional que enfrentou conflitos por conta da AE. A nota informa que “o Ministro da Saúde foi aconselhado por sua assessoria em telefonar” para o representante da “CNBB para tratar do assunto pílula do dia seguinte pós-polêmica de Recife”. O posicionamento favorável à distribuição do método aos foliões de Recife, Olinda e Paulista acarretou mal-estar entre Igreja Católica e MS. 74 Para o governo republicano de Arnold Schwarzenegger (Califórnia, EUA) a AE foi uma “medida polêmica”, apesar de não ser uma bandeira de seu governo. Segundo texto da Folha de S. Paulo de 08/11/05, reformas propostas pelo governador da Califórnia eram descritas como tentativa de minar as bases do poder democrata no estado. Schwarzenegger convocou eleições especiais para votar propostas consideradas “complicadas e confusas”, dentre elas: “a necessidade de notificação dos pais quando um menor de 18 anos realizar um aborto ou utilizar contracepção de emergência”. O posicionamento contrário em relação à AE também afetou a campanha de reeleição de Felipe Calderón para a presidência do México, em 2006. Em um “programa de televisão de grande audiência, Calderón afirmou ser contrário a qualquer tipo de aborto, ao casamento gay, à eutanásia e à pílula do dia seguinte (é „abortiva‟, disse)”. A população mexicana reagiu a essa declaração e a popularidade do presidente caiu nas pesquisas, “principalmente entre o eleitorado jovem, que o vê como um homem antiquado” (FSP, 21/05/06 e 25/06/06). No Chile, a AE trouxe problemas ao governo de Michele Bachelet, no ano de 2006. Texto do jornal O Globo (16/09/06) informa em uma manchete: “Chega ao fim lua de mel de Bachelet no Chile”. Já a Folha de S. Paulo (12/09/06) noticia: “Bachelet enfrenta Igreja por pílula do dia seguinte”. Vários problemas, dentre eles, “forte disputa com a Igreja Católica e setores conservadores da sociedade chilena, desencadeada pela decisão do governo de autorizar a entrega da pílula do dia seguinte a adolescentes acima de 14 anos” acarretou para a presidente “queda de popularidade e insatisfação de quase todos os setores” (O GLOBO, 16/09/06). Segundo texto da Folha de S. Paulo (12/09/06), “a questão da pílula [no Chile] mereceu repúdio dos conservadores porque, com a iniciativa do governo, menores a partir dos 14 anos poderão recebê-la sem o consentimento dos pais, o que antes era obrigatório”. A Conferência Episcopal Chilena rebateu a decisão do governo, argumentando que ela “representa um problema ético que atenta contra a família chilena”. O Supremo Tribunal de Justiça do Chile “ordenou suspender a entrega da pílula do dia seguinte até que a Justiça adote uma posição definitiva sobre o assunto” (O GLOBO, 16/09/06). Cardeais e bispos da Igreja Católica criticam a medida, e “prefeitos conservadores se negam a distribuir a pílula em suas cidades” (FSP, 12/09/06). A polêmica da distribuição da AE para adolescentes no Chile traz à tona o debate sobre a sexualidade na adolescência. 75 4.3.2 Anticoncepção de Emergência na Adolescência As representações presentes nos jornais O Globo e Folha de S. Paulo que envolvem a AE e a adolescência são distintas. Em alguns textos, há a idéia de que a distribuição da AE para adolescentes poderia ser uma opção para evitar a gravidez na adolescência (principalmente nas camadas populares), em uma perspectiva do controle de fecundidade. Artigo assinado por um colunista do jornal O Globo, publicado em 30/03/07, sob o título As nossas meninas-mães, exemplifica esse argumento. Ao longo do artigo, o autor ressalta que o “mais urgente” para o Ministro da Saúde “é como fazer para impedir que adolescentes pobres, meninas de 13, 14 anos, sejam mães precoces, despreparadas para a tarefa, sem condições psicológicas, econômicas ou emocionais”. Uma questão é posta pelo autor do artigo: O que fazer para que essas meninas não engravidem? Como resposta, o autor aponta: “O ministro pretende desencadear uma campanha maciça pelo uso de anticoncepcionais: camisinha, pílula, DIU. Mas, e depois, quando alguma coisa falhou? Aí, só recorrendo a um contraceptivo de emergência: a pílula do dia seguinte, por exemplo [...]”. O autor finaliza o artigo citando a controvérsia que existe em torno da AE: abortiva ou não. Declara, nas últimas linhas que, “como leigo”, não sabe o que fazer, “mas certamente não é deixar que o país continue fabricando em série essas crianças filhas de meninas-mães”. O argumento de que a AE pode evitar a gravidez na adolescência é endossado por textos da Folha de S. Paulo (19/06/05) sobre redução de “gravidez indesejada” na adolescência. Segundo o jornal, na avaliação de pesquisadoras do Núcleo de Estudos Populacionais da Unicamp e da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE: [...] as campanhas sobre prevenção à AIDS e doenças sexualmente transmissíveis e a distribuição da pílula do dia seguinte realizadas pelo poder público foram um dos principais motivos que fizeram cair o número de adolescentes grávidas no país. Outro texto que coloca a AE como recurso que tem feito cair o elevado número de gravidez na adolescência é uma notícia da Folha de S. Paulo (08/05/06) sobre um documentário produzido por Sandra Wernwck que “investiga o fenômeno na periferia”. Segundo a notícia, as “campanhas sobre Aids e doenças sexualmente transmissíveis” e a “distribuição da pílula do dia seguinte pela rede pública de saúde” são exemplos de 76 “iniciativas bem-sucedidas do poder público” para promover a queda do índice de gestação na adolescência. A liberação da venda de AE sem prescrição médica para mulheres maiores de 18 anos nos EUA gerou reações de representantes de duas entidades brasileiras: jornadas brasileiras pelo aborto legal e seguro, comissão nacional especializada em violência sexual e interrupção da gravidez da Febrasgo. Para essas entidades, a liberação da venda da pílula de emergência às adolescentes americanas sem receita médica evitaria “gravidez indesejada” e poderia “prevenir futuros abortos” (FSP, 25/08/06). Outra representação do uso da AE na adolescência seria a idéia de que seu uso provoca o exercício desenfreado da sexualidade e a não-preocupação com a exposição às DSTs e AIDS. Exemplo dessa representação é o argumento usado por um político chileno “de direita”, ao se posicionar na polêmica da distribuição da AE para adolescentes a partir dos 14 anos no Chile (em 2006), medida proposta pela presidente Michele Bachelet. Para esse político, “a distribuição indiscriminada da pílula vai estimular a atividade sexual muito cedo, a transmissão de doenças venéreas e a Aids” (FSP, 12/09/06). A Igreja Católica chilena também usa o argumento da sexualidade desenfreada para atacar a decisão de Bachelet: “Se a pílula é consumida com o objetivo de eliminar uma gravidez, ela é abortiva. Essa medida vai incentivar a promiscuidade, é um ataque à família” (FSP, 12/09/06). O argumento da sexualidade desenfreada é adotado também pelo movimento contra o aborto nos EUA, grupo que fez “oposição violenta à pílula do dia seguinte”, no processo de liberação da venda da AE sem prescrição da médica pelas farmácias norte-americanas. Esse processo é definido como a “maior polêmica da história da centenária e poderosa agência reguladora americana”. Para o movimento contra o aborto “a decisão de vender a pílula do dia seguinte sem receita estimulará o sexo e aumentará as DSTs” (O GLOBO, 25/08/06). Esse argumento também é percebido no depoimento de um representante de uma instituição católica de ensino superior do Rio de Janeiro, que alega que o uso desse método seria uma “conduta irresponsável”, pois esse é o “pior modo de evitar uma gestação”, seu uso significa a “banalização do sexo” (O GLOBO, 27/01/05). 4.3.3 Anticoncepção de Emergência: Riscos de Torná-la um Método de Uso Regular Transformar a AE em método de uso regular, ou seja, tornar seu uso abusivo, é preocupação constante entre médicos, representantes da Associação Brasileira Interdisciplinar 77 de AIDS (ABIA), do CLAE, do MS, do CFM, da Febrasgo, de secretarias municipais de saúde, de representantes da Igreja Católica e de setores conservadores a ela ligados. Os profissionais de saúde, quando são interlocutores favoráveis à AE, ressaltam que o método deve ser usado com cautela, em situações de emergência. Texto da Folha de S. Paulo (16/02/06), sobre o carnaval de Salvador, chama a atenção para o depoimento da coordenadora da Área de Saúde da Mulher da Secretaria Municipal de Salvador: Queremos deixar bem claro que a pílula do dia seguinte é a última opção que deve ser utilizada pelas mulheres. O mais recomendável é a utilização de métodos contraceptivos mais eficazes, como a camisinha, as pílulas anticoncepcionais orais e injetáveis e o DIU [...]. A campanha é muito clara e revela que somente o sexo seguro protege os seus praticantes de doenças, como a Aids [...] (FSP, 16/02/06). O argumento de que a AE é emergencial e deveria ser o “último recurso para evitar a gravidez” marca tanto os textos com teor favorável quanto os textos de teor desfavorável a ela. Os interlocutores contrários à AE alegam que as mulheres não são capazes de usar corretamente o método, abusariam de seu uso. Texto do jornal Folha de S. Paulo (14/02/05) traz informações sobre a relação dos profissionais de medicina com a AE. Pesquisa da Febrasgo, realizada em 2001, com 579 médicos, indica que 30% deles consideravam o método abortivo e não o receitavam. Segundo representante do CLAE, a classe médica não deve se opor à universalização do método. Para a Febrasgo: A aceitação da pílula do dia seguinte entre os médicos é maior porque há mais informações. [...] os profissionais que hoje são contrários à pílula do dia seguinte são por convicções religiosas ou por falta de informação (apud FSP, 14/02/05). Entre os médicos, existe o preconceito de que a mulher humilde não saberá usar a pílula: “há médicos que se negam a prescrever a pílula do dia seguinte para mulheres da rede SUS, mas [a] prescrevem para mulheres em seus consultórios particulares” (FSP, 14/02/05). MS, CLAE e Febrasgo recorrem ao argumento de que a contracepção de emergência “não fere o código de ética médico, nem o código penal, é um direito constitucional” (FSP, 14/02/05). O manual de perguntas e respostas sobre a AE do MS (BRASIL, 2005c) ressalta que a AE é um direito, portanto, “negar a prescrição sem justificativa médica é infração ética, passível de punição com medidas disciplinares” (FSP, 15/03/05). 78 A fim de incentivar que os médicos prescrevam a AE, o CFM (2007) publicou resolução em janeiro de 2007, “declarando que este [método] não é contrário a qualquer preceito ético da profissão” (O GLOBO, 18/01/07). Segundo esse documento, cabe ao médico a prescrição do método como “medida de prevenção, visando interferir no impacto negativo da gravidez não planejada e suas conseqüências para a saúde pública”. Para o CFM, o método não apresenta contra-indicações para o uso, porém, “deve ser usado em situações emergenciais e não como método de rotina” (FSP, 14/02/05). Representante da ABIA, em texto do jornal O Globo (08/07/07), alerta para precauções quanto ao uso da AE: “[...] melhor forma de prevenir [gravidez] é usar mais de um contraceptivo, é preciso se preocupar com a prevenção da AIDS. Além disso, a pílula do dia seguinte deveria ser usada como recurso excepcional porque tem efeitos colaterais”. Já para o MS, a AE “não é um anticonceptivo de rotina, mas que precisa ser difundido para evitar a gravidez indesejada e abortamentos „clandestinos‟” (FSP, 15/03/05). Para um colunista do jornal Folha de S. Paulo (20/03/05), o “problema da pílula do dia seguinte não está em usar ou não o método, mas é uma questão de educação em saúde: como orientar as mulheres, principalmente nas suas contra-indicações”. É necessário informar e esclarecer mulheres e adolescentes sobre o uso da AE. O jornal Folha de S. Paulo (14/02/05) apresenta uma notícia sobre o uso da AE que reproduz narrativas de mulheres que haviam usado o método. O texto apresenta exemplos de duas mulheres que fizeram uso regular da AE, desconsiderando seu caráter emergencial e, como conseqüência, sentiram os efeitos colaterais. Uma mulher de 30 anos (vendedora) o usou por quatro vezes, como se fosse de uso regular, “depois das náuseas e do ciclo menstrual desregulado, decidiu voltar ao anticoncepcional regular”. O outro exemplo é de uma estudante universitária do curso de Letras, de 19 anos, “que tomou a pílula do dia seguinte três semanas seguidas”, e como efeito colateral “ficou menstruada quase um mês”. Um assessor do MS e do CLAE argumenta, a partir desses dois casos, que a AE é usada por jovens como único modo de evitar a gravidez, como método regular e não de emergência. Segundo ele, “A pílula é altamente eficaz se usada dentro da prescrição médica. Com o uso rotineiro, essa proteção é ameaçada e pode-se engravidar”. Para esse profissional, o “uso abusivo pode provocar conseqüências piores do que a irregularidade do ciclo menstrual, pode provocar o tromboembolismo”. Ao final do texto, é publicada a seguinte declaração do assessor: “É o uso estúpido do medicamento que, felizmente, está restrito a pequenos grupos. A maioria das jovens usa racionalmente a pílula”. 79 Notícias, artigos, entrevistas e notas de colunistas veiculam variadas idéias e opiniões sobre a pílula pós-coital. Alguns textos sobre a AE são comentados pelos leitores, que enviam cartas para a seção Cartas do Leitor. Essa seção apresenta, de forma diferenciada das demais seções dos jornais, as representações dos sujeitos, às vezes ligados a instituições, sobre a AE. 4.3.4 Anticoncepção de Emergência na Seção Cartas do Leitor Foram levantadas 31 cartas do leitor, 21 no jornal Folha de S. Paulo e 10 em O Globo. Tabela 12: Cartas dos leitores publicadas por ano Folha de O Globo Total S. Paulo 12 09 21 2005 2006 04 04 2007 05 01 06 2008 Total 21 10 31 Ano Fonte: Edições impressas dos jornais Folha de S. Paulo e O Globo, 2005 a 2008. Tabela 13: Cartas dos leitores por mês na Folha de S. Paulo Ano Mês janeiro fevereiro março abril maio junho julho setembro novembro Total 2005 2006 2007 2008 Total 01 09 01 01 12 - 02 01 01 04 02 01 02 05 02 01 01 02 09 02 02 01 01 21 Fonte: Edições impressas do jornal Folha de S. Paulo, 2005 a 2008. 80 Tabela 14: Cartas dos leitores por mês em O Globo Ano Mês janeiro fevereiro março Total 2005 2006 2007 2008 Total 02 01 06 09 - - 01 01 02 01 07 10 Fonte: Edições impressas do jornal O Globo, 2005 a 2008. O ano de 2005 foi o de maior número de cartas do leitor sobre AE publicadas: 21 no total (67,74% do total de 31 cartas). No ano de 2006, não houve carta sobre o contraceptivo publicada em ambos os jornais. Quanto ao total de linhas publicado (501), O Globo publicou, nos quatro anos monitorados, 166 linhas (33,13% do total) e a Folha de S. Paulo, 335 linhas (66,87%). Quanto à autoria das cartas publicadas, a maioria é assinada por mulheres (67,74%). No jornal O Globo, 70% das cartas são assinadas por mulheres, no jornal Folha de S. Paulo, 66,67% das cartas são de autoria de mulheres. Tabela 15: Sexo dos leitores que assinaram as cartas publicadas nos dois jornais Folha de O Globo Total S. Paulo feminino 14 07 21 masculino 07 03 10 Total 21 10 31 Sexo Fonte: Edições impressas dos jornais Folha de S. Paulo e O Globo, 2005 a 2008. As cartas publicadas pelo jornal O Globo apenas referenciam os autores por nome, sobrenome e cidade (local de onde escrevem). Isso faz com que as inserções institucionais sejam anuladas. No jornal Folha de S. Paulo, apenas três cartas não apresentam alguma inserção institucional do leitor. Nas demais 11 cartas publicadas, identifica-se a instituição ou profissão do autor. São elas: - Coordenação da Área Técnica de Saúde da Mulher da Secretaria de Atenção à Saúde do MS; - Católicas pelo Direito de Decidir; - Jornadas Brasileiras pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro (três cartas); - Professor Livre-docente pela Universidade de São Paulo (duas cartas); 81 - Médico Ginecologista Obstetra; - Físico, ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); - Estudante de Enfermagem; - Professor de Filosofia da Escola Superior de Propaganda e Marketing. No jornal O Globo, seis cartas têm conteúdo vinculado disciplinarmente com direito e ética e quatro são vinculadas disciplinarmente com uma moral baseada em argumentos cristãos. O jornal Folha de S. Paulo apresenta 10 cartas com vinculação disciplinar ligada ao direito e à ética. Seis estão vinculadas às disciplinas de ciências médicas e biológicas e cinco são vinculadas com moral (debate baseado em categorias de uma moral cristã). No jornal O Globo, as idéias que marcam a opinião dos leitores que tiveram suas cartas publicadas na seção Carta dos Leitores ficam entre a representação do método como abortivo, que provoca o exercício sem controle da sexualidade, principalmente de adolescentes, ou como um método que significa avanço nas políticas de planejamento familiar do MS. Outro argumento identificado é a pílula como meio que serve para evitar a gravidez de adolescentes de classes populares. Uma carta do leitor reprovando decisão do prefeito César Maia (PFL-RJ) de proibir a distribuição da AE no Rio de Janeiro remete à idéia de esse método poderia servir para evitar a gravidez na adolescência: A pílula do dia seguinte é mais uma forma de evitar a gravidez desenfreada e impensada de adolescentes carentes. [...] Passo positivo para a natalidade em condições muito desfavoráveis (O GLOBO, 29/01/05). Em 04/03/05, outra carta, publicada no jornal O Globo, reprova a decisão de César Maia de vetar a distribuição da AE pelos serviços de saúde, atendendo a um pedido da Igreja Católica do Estado do RJ. A carta apresenta o argumento de que é preciso que as autoridades adotem “medidas sérias, consistentes e continuadas para conter o crescimento descontrolado da população mais pobre”, nesse caso, a “pílula do dia seguinte” seria um meio para tal. Cartas do leitor aprovando a decisão de César Maia também são publicadas. Nelas fica clara a idéia de que a AE provoca o aborto: “Independente de credo religioso, a vida tem que ser respeitada desde o momento da concepção até a morte natural” (O GLOBO, 29/01/05). A idéia de que a AE é “um assassinato” e que a “castidade é solução” para a gravidez na adolescência aparece em uma carta do leitor no dia 08/03/05. Para a leitora do Rio de Janeiro: 82 No que diz respeito à gravidez das mulheres entre 10 e 14 anos, a melhor maneira de resolver isso é o incentivo à castidade. Pesquisas demonstram que não é distribuindo camisinhas ou anticoncepcionais que se resolvem o caso. O incentivo à castidade é a solução. [...] homens e mulheres que mantêm a castidade são mais felizes. Enquanto nosso país investe na promiscuidade, na sensualidade e no sexo desenfreado e descompromissado, apresentando soluções mesquinhas e desumanas, como a pílula do dia seguinte – que constitui um assassinato, visto que, na maior parte das vezes, causa o aborto – ou camisinhas. Assim, incentivar o sexo de maneira desordenada e esse quadro não mudará (O GLOBO, 08/03/05). Essa carta teve a aprovação de outra leitora do Rio de Janeiro. No dia 09/03/05, O Globo publicou uma carta do leitor que declarava “excelente” a carta anterior: [...] uma educação sexual enfatizando a dignidade da pessoa, mostrando a relação da sexualidade com a personalidade, é realmente mais eficaz. [...] São tratadas como povão: transem, mas usem camisinha; transem à vontade, mas tomem pílula do dia seguinte! A promiscuidade está avançando! E o que estamos fazendo contra a pornografia? A decisão do MS de ampliar a distribuição da AE para todas as mulheres em idade reprodutiva, e não apenas para as mulheres que sofreram violência sexual agradou a leitores do Rio de Janeiro que escreveram ao jornal O Globo, parabenizando o MS: são duas cartas em 13/03/05 e uma carta em 26/03/05. A única carta publicada sobre AE no ano de 2008 é de um leitor do Rio de Janeiro. O texto faz críticas ao governador do Rio de Janeiro, ao prefeito da cidade do Rio e ao presidente Lula e comenta a atuação do Ministro da Saúde: O ministro da Saúde quer impedir a propaganda de bebidas na TV e luta para tirar do mapa as empresas de tabaco. Incita jovens a engolirem a pílula do dia seguinte para um sexo diversificado e seguro, e enfrenta a Igreja. É o missionário do bem (O GLOBO, 21/03/08). As representações da AE presentes nas cartas dos leitores publicadas na seção Painel do Leitor do jornal Folha de S. Paulo são: a AE como método abortivo; o método como possibilidade de prevenção a gestações imprevistas e ao aborto. Exemplo de carta que utiliza o discurso de que a pílula pós-coito seria um meio para se evitar gravidez imprevista e aborto é a carta da leitora que se identifica como “coordenadora da área técnica de saúde da mulher da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde (Brasília/DF)”. Ela comenta o texto, de 15/03, Saúde ataca crítico da pílula do dia seguinte. 83 A leitora esclarece questões sobre o mecanismo de ação do método, como será a distribuição gratuita da AE pelos serviços públicos de saúde, sobre a condição do método como um direito da mulher. Para a leitora, a AE faz parte do planejamento familiar: O planejamento familiar possibilita o espaçamento entre gravidezes e evita a realização de abortamentos inseguros ou legais, essa ação de saúde é fundamental para a redução da morte materna, que se encontra em altos patamares em nosso país (FSP, 23/03/05). O discurso da AE como método abortivo aparece na seção Carta do Leitor, na opinião de um médico ginecologista-obstetra de São Paulo: [...] parece-me óbvio que essa medicação é, na maioria das vezes, francamente abortiva, pois, como o nome diz, geralmente é tomada várias horas após o ato sexual e impede a nidação do ovo fecundado (embrião) na parede uterina. O que ocorre é a eliminação do embrião, o que se caracteriza como um abortamento subclínico (FSP, 04/05/05). Várias cartas do leitor sobre a decisão da Câmara de Vereadores de São José dos Campos estão publicadas, algumas com teor favorável à decisão dos vereadores (quatro cartas), outras contrárias à decisão (três cartas). Como exemplos de argumentos que defendem a decisão dos vereadores, há: Que idéia mais absurda essa de tentar „matar‟ um problema matando seres inocentes (FSP, 08/05/05). Espero que seja adotada uma política de educação sexual baseada na dignidade do ser humano e que oriente as mulheres, e não apenas dê uma solução para uma conseqüência (FSP, 11/05/05). Além de a pílula do dia seguinte ser abortiva, o propalado planejamento familiar defendido pelo Ministério da Saúde busca suprir a ineficiência do governo em resolver os seus problemas administrativos e econômicos. O governo querer acabar com os pobres porque não consegue oferecer boas condições para que nasçam e vivam com dignidade é uma solução simplesmente covarde (FSP, 21/05/05). Duas cartas apresentam argumentos contrários à decisão da câmara: 84 O veto em São José dos Campos vai afetar apenas as mulheres de baixa renda, as que precisam ganhar o medicamento. São elas as que mais necessitam, que não possuem a mínima condição financeira e mental para arcar com uma gravidez indesejada (FSP, 11/05/05). Possibilitar a obtenção do maior número possível de meios de planejamento familiar pela população carente é uma atitude louvável do governo federal (FSP, 23/05/05). A ação civil pública encaminhada pelo MS à Justiça Federal a fim de revogar o veto a AE no município de São José dos Campos também recebeu comentários na seção de cartas do leitor. Parabenizo o Ministério da Saúde [...]. Garantir o acesso aos métodos anticoncepcionais é possibilitar o pleno exercício do planejamento familiar, refreando ações de cunho religioso e moral, que não avaliam questões referentes à saúde pública e aos direitos das mulheres (FSP, 19/05/05). A Câmara Municipal de Vereadores de Jacareí/SP também se posicionou contrária à AE. Esse fato foi comentado por uma leitora, que se identificou como “integrante das Jornadas Brasileiras pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro (João Pessoa, PB)”: Lamento a posição dos Vereadores [...]. Esses cidadãos que se ocupam de fazer leis para proibir uma política pública de saúde que visa prevenir a gravidez indesejada são os mesmos que condenam as mulheres que fazem aborto (FSP, 17/07/05). Essas cartas, juntamente com os demais textos editados pela mídia impressa, apontam como o debate sobre a AE no cenário nacional carece de ser problematizado. No próximo capítulo, expõem-se essas idéias e opiniões, discutidas, interpretadas e analisadas à luz da literatura científica. 85 5 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS: ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA, ESTADO E IGREJA CATÓLICA 5.1 UM PANORAMA DOS TEXTOS Uma primeira leitura dos textos selecionados, segundo Lupton e Mclean (1998), fornece pistas para o entendimento geral das representações sociais presentes na mídia, sendo possível perceber nessa primeira análise a forma como os textos são elaborados, os tipos de questões, eventos e grupos sociais (interlocutores) selecionados e incluídos. Essas escolhas indicam as relações de poder e as correlações de forças que envolvem a temática: quais vozes e ações são consideradas importantes, “dignas” de relato na mídia impressa. De maneira geral, em comparação com a Folha de S. Paulo, o jornal O Globo apresenta discussão menos plural na abordagem do tema, destina pouco espaço em suas edições para os textos sobre AE. O jornal Folha de S. Paulo apresenta discussão mais abrangente sobre a AE, abre espaço a distintos interlocutores. No ano de 2005, há mais textos publicados nos dois jornais e, nos demais anos, a cobertura é relativamente baixa em ambos. O posicionamento da Folha de S. Paulo em relação à AE reafirma a pluralidade desse jornal, que já fora observada em outra pesquisa de monitoramento de mídia. A pesquisa Olhar sobre a Mídia (OLIVEIRA et al., 2002) propôs-se a investigar os temas de saúde reprodutiva em quatro jornais impressos durante os anos de 1996 a 2000. Dentre os temas monitorados na pesquisa, estava o aborto. Segundo Pazello e Corrêa (2002, p.151), a Folha de S. Paulo “esteve, uma vez mais na vanguarda do debate, publicando alguns editoriais críticos ao sectarismo contrário ao aborto [...]”. Quanto aos eventos que provocaram interesse para cobertura jornalística sobre o tema da AE, os jornais O Globo e Folha de S. Paulo publicaram vários textos acerca de ações e decisões de políticos do cenário nacional e internacional quanto à AE, no período pesquisado. O cenário político nacional de 2005 apresentou várias ações no âmbito da política de planejamento familiar que envolvia a AE, tanto no plano do MS quanto de secretarias municipais de saúde. Muitas dessas ações provocaram polêmicas, e os jornais publicaram textos que relatam os conflitos entre os atores envolvidos. Dentre os eventos noticiados destacam-se: decisão do MS de ampliar em 100% o financiamento dos métodos contraceptivos para os municípios (cobertura que antes girava em torno de 40%); 86 regulamentação da distribuição da AE, pelo MS, a todos os serviços públicos de saúde, o que até então ocorria apenas com serviços de atendimento à violência sexual; veto à AE pelos vereadores nos municípios de São José dos Campos, Jacareí e Pindamonhangaba (cidades do interior do Estado de São Paulo), e a posterior decisão da Justiça de revogar tal veto.16 Com exceção da distribuição da AE no carnaval de Salvador, em 2006, não houve outro evento nacional ligado ao método que conquistou espaço nas páginas dos jornais. Nesse ano, os eventos mais noticiados e divulgados na mídia brasileira foram: campeonato mundial de futebol da Alemanha, eleições estaduais e presidencial no Brasil, viagem ao espaço do primeiro astronauta brasileiro e a nacionalização das refinarias de gás da Petrobrás na Bolívia. Os demais textos publicados nesse ano versavam sobre decisões políticas sobre a AE no cenário internacional. A entrevista do Ministro da Saúde à Folha de S. Paulo foi o único evento sobre AE noticiado em 2007 e com destaque. As declarações desse Ministro apontam para mudanças na forma de acesso à AE: suspensão da necessidade de prescrição médica, o que de fato não ocorreu. A Anvisa determina a exigência da receita médica para distribuição do método nos serviços públicos de saúde e para sua venda nas farmácias. Essa orientação não é acatada pelas farmácias, pois nelas a venda do método ocorre, na maioria das vezes, sem receita, apesar de os serviços públicos não liberarem o medicamento sem receita médica. Os textos divulgados em 2008, em sua maioria, referem-se à distribuição do método pelas secretarias de saúde de Recife, Olinda e Paulista (em Pernambuco) durante o carnaval e aos conflitos que envolveram essa decisão política. O debate ganhou significativo espaço na mídia impressa, no primeiro trimestre do ano. Os textos apresentam o debate que se travou entre a Igreja Católica e o Estado diante de tal iniciativa. A pouca expressividade do tema da AE no último ano observado (2008) impulsionou busca por outros temas de saúde que também estivessem despertando atenção da mídia e da sociedade. A epidemia de dengue, em especial, no estado do Rio de Janeiro, onde a doença se mostrou grave, teve alta cobertura por parte da mídia impressa nesse ano. Quanto aos editoriais publicados, a Folha de S. Paulo, ao longo dos anos monitorados, veiculou três editoriais, todos com conteúdo favorável à AE: um sobre a decisão da Câmara 16 A decisão da Câmara Municipal de Jundiaí/SP, no primeiro semestre de 2008, de vetar a distribuição da AE nos serviços públicos de saúde e, até mesmo, a venda do medicamento nas farmácias do município gerou uma série de textos em jornais impressos de cidades do interior do Estado de São Paulo. Os jornais Folha de S. Paulo e O Globo não noticiaram o caso em suas edições impressas, mas suas edições on line divulgaram amplamente o debate sobre o veto à pílula do dia seguinte em Jundiaí. A câmara municipal teve amplo apoio de representantes da Igreja Católica de São Paulo e do prefeito da cidade (PSDB-SP). Ainda no primeiro semestre de 2008, a Justiça de São Paulo derrubou o veto e liberou a distribuição da AE nos serviços públicos de saúde e a venda desse medicamento nas farmácias do município. 87 de Vereadores de São José dos Campos de proibir a distribuição do método pelos serviços públicos de saúde (em 2005); um sobre o posicionamento do Ministro da Saúde de ampliar o acesso à AE e revogar a necessidade de receita médica (em 2007); e, por fim, um editorial sobre a distribuição da AE no carnaval de Olinda e Recife (em 2008). A fim de exemplificar o teor dos editoriais da Folha de S. Paulo, ressalta-se um texto de 20/05/05, que discorre sobre a “inconstitucionalidade” da decisão da Câmara Municipal de São José dos Campos (São Paulo) de proibir a distribuição da AE pelos serviços de saúde, sob o argumento de que o acesso ao método é um direito. Segundo o editorial, “todos devem ter suas crenças respeitadas, mas, para que isso seja possível, é necessário antes de mais nada renunciar a impor opções religiosas e filosóficas pessoais à coletividade”. Sob o argumento de que o método seria abortivo, a câmara municipal “tentou legislar sobre um tema que não é de sua alçada”. A Folha de S. Paulo assume no editorial posicionamento contrário à decisão dos vereadores: Numa democracia, deve-se respeitar o direito de todas as mulheres que não queiram tomar essa pílula por razões de consciência. De modo análogo, espera-se que vereadores não atropelem o ordenamento jurídico vigente para impedir mulheres que não façam restrições morais à pílula de ter acesso a seu uso (FSP, 20/05/05). Nos jornais monitorados, os gêneros jornalísticos que apresentam maior número de textos são: notícias, cartas do leitor, artigos e editoriais. Pazello e Corrêa (2002) comentam o quão é importante a publicação de textos com a opinião de diferentes atores. O debate diversificado sobre o tema possibilita novas informações e abordagens variadas. A questão não é simplesmente definir os argumentos usados nesses textos de opinião como favoráveis ou contrários, mas perceber os elementos que compõem essas opiniões: AE como direito, como método para controle da fecundidade de mulheres e adolescentes pobres, como método abortivo, como método que provocará sexualidade desenfreada e aumento de DSTs e AIDS. Segundo Melo (2001), a seção de cartas do leitor é espaço importante em qualquer jornal, disputado por diversos grupos e atores. Os jornais exigem concisão, rapidez e prontidão na elaboração e no envio das cartas, pois as notícias envelhecem rapidamente. Hoje, esse envio ocorre praticamente por correio eletrônico e fax, o que aumenta mais a agilidade da seção. No que se refere à autoria das cartas publicadas, a maioria é assinada por mulheres, nos jornais investigados. Na Folha de S. Paulo, é possível fazer uma identificação, pois, além 88 do nome do leitor, o jornal apresenta alguma vinculação institucional. No O Globo, essa identificação institucional é anulada, pois os leitores são apresentados por nome e cidade. Esse jornal apresenta, portanto, opiniões, idéias e julgamentos de forma descontextualizada. Como o assunto da AE comumente apareceu vinculado à discussão do aborto, entidades ligadas ao movimento pelo direito ao aborto têm número significativo de cartas publicadas na Folha de S. Paulo (quatro cartas). Os títulos das 21 cartas publicadas nesse jornal, que versavam sobre AE são: Dia seguinte, Aborto, Camisinha, Pílula do dia seguinte, Carnaval e sexo, Solução covarde, Temporão. Alguns títulos se repetem. No jornal O Globo, os títulos das 10 cartas do leitor publicadas sobre o tema são: Dia seguinte, Estado sem religião, Direito de escolha, Jovens grávidas, Castidade, Pílula para jovens, Direitos reprodutivos, A dengue no Rio. Assim como na Folha de S. Paulo, alguns enunciados se repetem. As manchetes são, segundo Lupton e Mclean (1998), características importantes das reportagens, servem para dar referência ao conteúdo dos textos, expressar o tema principal e o significado do conteúdo. De forma resumida (em apenas algumas palavras), a manchete é muitas vezes a única parte do texto que é lida pelo leitor. Algumas manchetes dos textos publicados chamam a atenção pela remissão ao conteúdo: O Brasil do dia seguinte; Polêmica do dia seguinte; Dia Seguinte: Governo não tem dados sobre pílula em 2007. Nessas manchetes, há a idéia de que o brasileiro deixa tudo para depois, de uma nação imediatista, sem controle, que “pensa depois de agir”, de um governo que não tem controle sobre suas ações. Outra manchete aponta para o problema da “falta de educação”: O problema está na educação. Vale comentar o assunto de que essa manchete trata. Esse título nomeia um artigo. Segundo o colunista (médico), falta educar as mulheres, é preciso saber como orientar mulheres e principalmente adolescentes nas indicações e contra-indicações da AE. Uma manchete, cujo conteúdo se refere à ação de vereadores que vetaram a distribuição da AE, faz um jogo de palavras que mais uma vez aproxima AE e aborto, num sentido de acabar, finalizar a ação: Contracepção abortada. Muitos títulos dos textos indicam que a distribuição da AE será sem controle ou de forma generalizada. Essas manchetes agem no contexto dos conflitos entre Igreja e Estado como “lenha na fogueira”, alimentam o debate e vendem edições de jornais: Juiz manda distribuir pílula do dia seguinte; Salvador dá pílula do dia seguinte à foliona; Recife distribuirá pílula do dia seguinte e camisinha no carnaval: Igreja ameaça ir à Justiça; 89 Carnaval de Pernambuco terá “kit sexo” gratuito: Prefeitura vai distribuir pílula do dia seguinte. Nas manchetes do O Globo, há referências à AE como “polêmica”: Em Recife, pílula do dia seguinte causa polêmica; A pílula da polêmica. Alguns títulos fazem referência à noção de liberdade e autonomia, de que escolher um método contraceptivo é um direito e que o Estado brasileiro é laico: Corrigindo uma injustiça social; Pelo direito à opção; A religião não pode ditar as normas da vida. Há manchetes que deixam vir à tona noções equivocadas sobre a AE: Ministro amplia distribuição gratuita da pílula do dia seguinte: plano prevê que medicamento seja usado para evitar gravidez indesejada até em relações estáveis (grifos meu). A AE deve ser usada em situações em que há falha ou esquecimento de métodos contraceptivos, independentemente de esse fato ocorrer em relações sexuais entre parceiros ocasionais ou em relacionamentos estáveis. A AE, assim como os demais métodos contraceptivos, consta na Política de Atenção Integral à Saúde da Mulher (2004a) como método para evitar gestações imprevistas, seja qual for o estado civil da mulher. As manchetes dos textos que apresentam conteúdo vinculado à Igreja Católica têm expressões vinculadas à luta dos religiosos para defender o direito à vida, os quais recorrem à Justiça e às leis nacionais para atender a esse objetivo: O Direito de viver; Estado Laico e defesa da vida; Igreja em Pernambuco vai à Justiça contra pílula do dia seguinte grátis; CNBB critica distribuição de pílula do dia seguinte e diz que medida fere Constituição; Essa norma é um eufemismo (segundo dados do texto: o governo mistura conceitos para poder afirmar que não há aborto com o uso da AE). Lupton e Mclaen (1998) atentam que o uso de pessoas como fontes em uma notícia indica os grupos sociais que são considerados de maior autoridade, os pareceres que têm maior peso e, conseqüentemente, atores que recebem maior atenção. Comumente, os atores e grupos sociais fontes de notícias que tendem a ser relatados nos textos são os que têm posições de poder e de autoridade (políticos, líderes de movimentos sociais, membros de alto escalão de grupos profissionais ou de instituições, cientistas etc.). Segundo Citeli (2002), o monitoramento da mídia sobre determinado assunto, no campo da saúde reprodutiva, permite que se identifiquem os segmentos sociais que estão mais qualificados e legitimados para participar do jogo político vigente. Neste estudo sobre a AE, foi possível correlacionar o enquadramento e a abordagem com a vinculação disciplinar da fonte. Tanto na Folha de S. Paulo quanto no jornal O Globo, um número elevado de textos indica conflito entre favoráveis e contrários ao método. Esse 90 embate também é percebido na vinculação disciplinar da fonte: ora direito, ética e bioética, ora moral, ora ciências médicas e biológicas. Vale comentar que, por vezes, o discurso das ciências médicas e biológicas atende aos interesses da hierarquia da Igreja Católica, e declara a AE como método abortivo. O tom da informação também é marcado pelo discurso de grupos contrários à AE, sob o argumento de que esse método provoca aborto. Os textos veiculados com teor desfavorável ao método são embasados no discurso conservador e moral de grupos representantes da Igreja Católica e de políticos e profissionais vinculados à Igreja. No que se refere ao tom da fonte de informação no âmbito do Poder Legislativo, Executivo e Judiciário, prevalecem as vozes de ministros de Estado e secretários, compreendidas nos textos pelo Ministro da Saúde e secretários estaduais e municipais de saúde. Esse dado está relacionado ao fato de a AE ser tema tratado pela mídia com predominância da abordagem biológica-biomédica, conseqüentemente, no campo das políticas de saúde, ele fica sob responsabilidade dos gestores da saúde. No que tange ao Poder Judiciário, a AE não encontra resistência, pois o Brasil tem o medicamento regulamentado e legalizado. Quanto ao Poder Legislativo, as ações contrárias à AE são movidas por vereadores que apresentam vínculos com a Igreja Católica. Nenhum partido político específico declara-se contra o método pós-coito nos textos analisados. Segundo Melo (2001, p.270), a imprensa brasileira “tem na hierarquia da Igreja Católica uma referência imprescindível para os textos sobre aborto”. Mesma referência pode ser observada no levantamento sobre a AE: de forma recorrente, os textos apresentam o discurso da hierarquia da Igreja sobre o método da AE como “abortivo”, “uma maneira de legalizar o aborto na sociedade brasileira”. No entanto, grupos dirigentes da Igreja Católica têm recorrido a uma nova estratégia discursiva para combater o método de contracepção póscoito: a adoção de um discurso médico-científico acerca dos mecanismos de ação da AE. 5.2 O POSICIONAMENTO DA IGREJA CATÓLICA FRENTE À ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA: “À SOMBRA DO ABORTO” No discurso da Igreja Católica brasileira sobre AE, apresentado pela mídia impressa, os argumentos são: defesa da vida, proibição total ao aborto e aos métodos contraceptivos artificiais, família como instituição sagrada e protetora. Esta instituição tem postura hostil a qualquer forma de controle de fecundidade, que não sejam os métodos naturais. Em uma notícia do jornal O Globo, de 30/01/05, o representante da CNBB, ao criticar a decisão do 91 governo de ampliar o financiamento da compra de métodos contraceptivos, recorre ao argumento de que o MS deveria investir em educação: [...] falta educar o povo, falta um plano para incentivar a paternidade e a maternidade responsáveis e não sair distribuindo coisas. O Ministério da Saúde deveria estar mais preocupado em educar a população para que cada família possa decidir sobre a melhor forma de fazer o Planejamento Familiar. Portanto, pode-se compreender essa orientação de “educar o povo” como incentivo à abstinência sexual, à castidade e ao sexo com um único objetivo: a procriação. Em uma carta do leitor publicada pela Folha de S. Paulo (21/05/05) há o argumento de que a AE é abortiva e o objetivo do planejamento familiar é acabar com os pobres, numa atitude “covarde” do governo. Esse pensamento corresponde à idéia de que, controlando a fecundidade, acaba-se com a pobreza, porém, o autor da carta culpa o governo por não conseguir oferecer condições para que todos “nasçam e vivam com dignidade”. Para a Igreja Católica, o uso de métodos contraceptivos levaria a uma sexualidade sem controle. A representação da AE aliada ao exercício irresponsável da sexualidade aparece em um texto do jornal Folha de S. Paulo (29/05/05) sobre o risco do uso de abortivos falsos. A notícia traz o exemplo de uma jovem que usou a pílula pós-coito logo após a relação sexual, mas depois de quinze dias se descobriu grávida e, na tentativa de abortar, “tomou 28 comprimidos de Cytotec”. Sem êxito, passou a freqüentar um centro espírita e, “arrependida”, tornou-se mãe. Agosto de 2004. Após uma festa, Júlia (nome fictício), 23, de Curitiba (PR), transa, sem nenhuma proteção, com um publicitário que embarcaria na manhã seguinte para Londres. Preocupada com a possibilidade de gravidez, ela toma a pílula do dia seguinte (FSP, 29/05/05). Nos textos levantados, a representação de que a pílula de emergência é abortiva define o tom do discurso contrário a esse método. Inúmeras vozes aliaram-se ao coro de representantes da Igreja Católica: profissionais de saúde e de educação, cidadãos comuns, políticos, dentre outros. O discurso da Igreja contra o aborto é baseado no conceito de que a vida se inicia com a concepção e no Estatuto Moral do Embrião (FAÚNDES e BARZELATTO, 2004). Contra a AE, aciona-se uma retórica baseada em argumentos sobre a fecundação, apoiados em fontes médico-científicas. 92 Como exemplo de discurso proferido por um profissional da área biomédica, há um artigo publicado na Folha de S. Paulo em 30/06/07, assinado por um médico e deputado federal do PV-SP. Para ele, “a criança não eliminada, considerando a ação anticonceptiva e abortiva [da AE] não ocorrer em 100% dos casos, pode vir a ter uma má-formação” (grifo meu). Ainda sobre os preços a serem pagos no futuro pelo uso da AE, o médico alerta: Os danos morais e psicológicos para o casal são possíveis, pois o ato de a mulher tomar o comprimido de emergência destrói o potencial da paternidade e da transmissão da vida, o que a curto, médio e longo prazo causará a doença denominada síndrome pós-aborto, aumentando consultas a médicos, além de gastos particulares ou públicos (FSP, 30/06/07). Segundo Faúndes e Barzelatto (2004, p.246), inicialmente, a hipótese adotada pelos pesquisadores contrários à pílula pós-coito era que “os esteróides usados como AE poderiam alterar as características do endométrio, de forma que poderia bloquear a implantação”. Uma vez publicada em livros e periódicos reconhecidos, essa hipótese ganhou “veracidade”, sendo citada sucessivamente, sem revisão crítica baseada em novas provas e evidências. Entretanto, com a realização de inúmeros testes recentes, essa hipótese não foi comprovada por estudos atuais. Percebe-se modernização do discurso católico, que tende a usar argumentos biomédicos para aproximar, senão igualar, o mecanismo de ação dos medicamentos misoprostol (Cytotec) e a pílula RU486 com a AE. Segundo Pecheny e Tamburrino (2009), a Igreja Católica difunde a idéia de que a AE provoca “aborto químico”, assim como o misoprostol e o RU486, ambos com venda proibida no Brasil, embora o comércio ilegal do misoprostol esteja em franca expansão. A Folha de S. Paulo noticiou em 13/12/08 a publicação de um documento desta Igreja sobre questões bioéticas. Segundo o texto, o Vaticano lançou no dia 12/12/08 um abrangente e extenso manual de instrução, de 32 páginas, intitulado Dignitas Personae, ou A dignidade da pessoa, que foi preparado pela “Congregação para a Doutrina da Fé, órgão do Vaticano responsável por manter a ortodoxia católica”, e aprovado pelo Papa Bento XVI. O documento foi desenvolvido para oferecer respostas morais a questões bioéticas surgidas nos 21 anos transcorridos desde que a congregação, que na ocasião era comandada pelo hoje papa, havia lançado seu manual anterior sobre o tema. Segundo o atual manual católico: “[...] o uso da pílula do dia seguinte, DIUs e do medicamento abortivo RU486 [...] podem resultar no equivalente a abortos” (apud FSP, 13/12/08). 93 Dados do relatório da Pesquisa e Comunicação em Direitos Reprodutivos indicam que a Igreja Católica está mudando sua argumentação sobre questões como aborto, eutanásia e células-tronco. Há troca no estilo da retórica apresentada pelos grupos católicos, que aponta que os discursos “radicais raivosos sem capacidade de argumentação” estão em declínio (INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO, 2005, p.37): A recente criação de um núcleo de Bioética dentro da CNBB, a atuação dos teóricos do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP e da Unifesp são indicações de que há um crescente investimento no respaldo científico para o debate sobre os temas da bioética (Idem). O argumento de que a aprovação e distribuição da AE no Brasil é uma forma de iniciar uma escalada para a “liberalização do aborto” surge nos textos aliado à compreensão do mecanismo de ação da AE como abortivo. Em uma notícia da Folha de S. Paulo de 30/04/05 sobre o veto à AE no município de São José dos Campos/SP, a entidade Provida Família defende que este medicamento é “um produto abortivo e sua popularização decorre da pressão de grupos que tentam legalizar o aborto no Brasil”. Para essa entidade, a “intenção de usar a pílula do dia seguinte é de abortar o embrião, por isso a pílula do dia seguinte é proibida em países como Chile17 e Argentina”. Para o secretário-geral da CNBB, “as políticas de planejamento familiar adotadas pelo Ministério da Saúde „preocupam‟ a Igreja Católica no país”. A distribuição da AE pelo MS “liberalizou o aborto” (FSP, 18/05/05). A Folha de S. Paulo, no dia 30/06/07 publicou na Seção Opinião/Tendências e Debates dois artigos que respondiam à seguinte pergunta: “É correta a decisão do Ministério da Saúde de facilitar o uso da pílula do dia seguinte?”. O artigo favorável à AE, assinado pela diretora para o Hemisfério Ocidental da Federação Internacional de Planejamento Familiar (IPPF), baseia-se em argumentos de que o método disponível nos serviços públicos de saúde é um direito que “corrige uma injustiça 17 Em 2001, o Instituto de Saúde Pública (ISP) do Chile publicou uma resolução autorizando o laboratório Silesia a fabricar e comercializar o Postinal (levonorgestrel) como método anticonceptivo de emergência. Ainda em 2001, instituições autodenominadas pró-vida apresentaram recurso no Tribunal de Justiça contra o ISP, Ministério da Saúde (MS) e o laboratório. Em maio de 2001, a Corte Suprema chilena proibiu a comercialização do Postinal do laboratório Silesia. Em agosto de 2001, um novo produto, Postinor-2 (levonorgestrel), do laboratório Grünental, foi aprovado pelo ISP. Em 2004, o MS incluiu a AE nas normas de atendimento às mulheres vítimas de violência. Em março de 2005, foi anunciada a distribuição gratuita, sem necessidade de receita, da AE para todas as mulheres nos serviços públicos de saúde. No mesmo ano, essa distribuição foi suspensa (DIDES CASTILLO, 2006). Em 2006, de acordo com as normas do programa de saúde reprodutiva adotado pelo governo de Michele Bachelet, a AE foi liberada nos serviços públicos de saúde. Em abril de 2008, o Tribunal Constitucional chileno decidiu proibir a distribuição da pílula do dia seguinte nos serviços públicos de saúde. 94 social” e que este não deve ser confundido com o misoprostol. No entanto, esse artigo não menciona como é o mecanismo de ação da AE. O segundo artigo, com posicionamento contrário ao método de autoria do médico coordenador do Instituto de Defesa da Vida da Ação Familiar e deputado federal do PV-SP, apresenta argumentos incisivos sobre o mecanismo de ação do método como abortivo. Para esse médico “a pílula não poderia ser vendida em farmácias, nem entregue gratuitamente à população, pois é abortiva. Só em países onde o aborto é legalizado, como EUA, França e Inglaterra, poderia estar à disposição da população”. A afirmação de que “uma nova vida começa” imediatamente ao ato sexual pode ser identificada nesse artigo: “[...] é necessário entender que uma gravidez ou gestação ocorre com a fusão do óvulo com o espermatozóide, no terço médio superior das trompas, em geral não mais que duas horas após a relação sexual” (FSP, 30/06/07). Artigo de colunista do jornal O Globo, publicado em 04/02/08, contrapõe essa idéia de que toda relação sexual levaria à fecundação. Para o autor, a Igreja Católica rejeita a pílula de emergência pelo que ela não é (abortiva), pois, para o Vaticano, “sexo e procriação são coisas indissociáveis. Sexo pelo sexo não é bem visto”. Para o colunista: A pílula do dia seguinte apenas evita uma gravidez indesejada. Ao condenála, o que a Igreja pretende é retardar ao máximo o que ela sabe que é inevitável: a discussão em torno da descriminalização do aborto. Os textos analisados deixam concluir que, em nenhum momento, os jornais publicaram argumentos de interlocutores do campo médico-científico, a fim de contrapor o discurso divulgado pelos grupos católicos de que esse método é abortivo. Fontes biomédicas e pesquisadores de referência sobre a AE são pouco acionados pelos jornais para explicar e informar o mecanismo de ação da pílula pós-coito. Nas raras vezes em que são fontes consultadas sobre o assunto, os depoimentos editados nos textos dos jornais distorcem o que esses pesquisadores expõem em suas produções teórico-científicas. Um texto da Folha de S. Paulo (14/02/05) é um exemplo de como a declaração de um pesquisador, assessor do MS e do CLAE, ao ser publicada, apresenta conteúdo superficial, comparado ao teor das informações da Nota Técnica sobre Anticoncepção de Emergência, de autoria desse mesmo assessor. O depoimento dessa fonte no texto do jornal ressalta que o “uso abusivo” do método levonorgestrel pode “provocar conseqüências piores do que a irregularidade do ciclo menstrual”, podendo causar também o tromboembolismo. Segundo dados da Nota Técnica (DREZETT, 2009, p.02): 95 Antecedentes de acidente vascular cerebral, tromboembolismo, enxaqueca severa ou diabetes com complicações vasculares são classificados na categoria 2 da Organização Mundial da Saúde, que recomenda precauções apenas para uso do método de Yuzpe. Nesses casos, a anticoncepção de emergência deve ser realizada substituindo-se o método de Yuzpe pelo levonorgestrel. Salienta-se que o método de Yuzpe é de uso excepcional, atualmente reservado apenas para situações onde o levonorgestrel não se encontre disponível. A segurança da anticoncepção de emergência, atestada pela Organização Mundial da Saúde, explica-se, principalmente, pelo tempo muito curto de tratamento, pela baixa dose hormonal administrada e pela escolha dos medicamentos empregados (grifos do autor). Essa notícia da Folha de S. Paulo (14/02/05) também publicou declarações do grupo Provida Família que explicavam a ação abortiva desse método no organismo feminino. Ao final do texto, o jornal publica um depoimento do assessor do CLAE informando que várias pesquisas científicas mostram como a AE atua antes da fecundação, porém, não foi apresentada nenhuma informação sobre o mecanismo de ação da pílula de emergência com base nessas pesquisas. Esse seria o momento de contrapor os argumentos católicos, com informações sobre o mecanismo de ação da pílula pós-coito segundo a opinião de interlocutores do campo biomédico favoráveis ao método. Uma relação sexual só resulta em gravidez se ela ocorrer no dia da ovulação ou nos cinco dias que a precedem. Este período de fertilidade, de seis dias, varia para cada ciclo e para cada mulher, dado a possibilidade de a ovulação ocorrer tão cedo como no 10°. dia do ciclo menstrual, ou tão tardiamente quanto no 23°. dia. Os espermatozóides, por sua vez, precisam esperar entre um e cinco dias no trato genital feminino até que se produza a ovulação. E é exatamente nesse espaço de tempo que a anticoncepção de emergência atua (DREZETT, 2009, p.02). Segundo Pazello e Corrêa (2002), no Brasil, o debate sobre aborto é marcado por várias opiniões, mas a discussão fica polarizada entre os grupos religiosos e os feministas. Com base no material analisado, ressalta-se que a AE no cenário nacional tem na hierarquia da Igreja Católica sua adversária declarada. Em todo o material empírico, a única religião, apontada pelos textos dos jornais, que se apresenta contrária ao método é a católica. Em nenhum momento aparecem interlocutores de outras religiões. Apesar de grupos espíritas e algumas igrejas evangélicas se declararem contra a AE, essas vozes não ganham espaço na mídia impressa monitorada. Texto publicado pela Folha de S. Paulo (30/01/05) exemplifica a representação da contracepção pós-coito como método abortivo. Nele, o vice-presidente da CNBB considera 96 que “ampliar a distribuição desse método [AE] acaba incentivando o aborto”, pois a Igreja “sustenta que, como a pílula age após o ato sexual e, portanto, após a fecundação – o método se iguala ao aborto”. A idéia de que a AE é abortiva porque atua após a relação sexual é encontrada também na seção Cartas do Leitor, do jornal Folha de S. Paulo (28/06/07), sob a justificativa de que a “igreja se baseia, sim, nos livros de biologia, que afirmam que uma nova vida se inicia com a fertilização do óvulo pelo espermatozóide”. Segundo Pecheny e Tamburrino (2009), sexualidade e reprodução encontram-se ligadas em situações nas quais seriam distintas, porém, existe uma compreensão “alimentada” pela Igreja Católica, de que todo ato sexual leva à concepção. Assim, seguindo-se o raciocínio católico, o que se usa pós-coito é visto como abortivo. Existe uma “zona cinza”, em que aborto e anticoncepção se confundem, justamente por não haver distinção clara para os sujeitos entre relação sexual e fecundação. O discurso da AE como método abortivo também está presente no cenário internacional. A “reação” da Conferência dos Bispos Católicos Americanos contra a liberação da venda da AE nas farmácias, sem prescrição médica, para mulheres maiores de 18 anos nos EUA foi noticiada pela Folha de S. Paulo. Segundo o jornal, a “reação” baseia-se no argumento de que “a pílula, seja para adultos ou menores de idade, causa aborto ao impedir a implantação do óvulo fecundado na parede do útero” (FSP, 25/08/06). Artigo da Folha de S. Paulo (06/12/05), publicado na seção Opinião, na coluna Tendências e Debates, assinado por uma “médica, deputada federal pelo PC do B e vicepresidente da Frente Parlamentar da Saúde”, argumenta sobre o direito à opção pelo aborto. Para a autora do artigo, o fato de o Brasil não descriminalizar o aborto sinaliza que outros direitos reprodutivos também não são respeitados: [...] o embate não é só em função do direito ou não ao aborto, mas a todo assunto que perpasse os direitos reprodutivos, como o uso de preservativo, contracepção de emergência ou pílula do dia seguinte, mesmo para evitar a gravidez em casos de violência sexual ou até mesmo nos casos de anomalias fetais incompatíveis com a vida (FSP, 06/12/05). 97 Em texto da Folha de S. Paulo sobre o projeto de legalização do aborto18 que tramita na Câmara Federal o tema da AE surge como assunto para exemplificar a “imensa incompreensão sobre os direitos reprodutivos”. Segundo uma deputada do PC do B: “A tramitação do projeto (que prevê a descriminalização do aborto) não será uma luta fácil. [...] Na casa há muitos parlamentares contrários até mesmo à contracepção de emergência. Imagine ao aborto” (FSP, 27/05/05). O brasileiro é tolerante com os vários recursos contraceptivos disponíveis, inclusive com a AE, porém, com o aborto mostra-se intolerante. Em 2005, pesquisa de opinião realizada pelo Instituto de Pesquisa Sensus (apud O GLOBO, 20/04/05), trouxe informações sobre aborto, planejamento familiar e pílula do dia seguinte. Segundo dados da pesquisa, o aborto não é aceito por 85% dos entrevistados, é aceito por 12,3%; em caso de violência sexual, a aceitação do aborto salta para 43,5%. Mais de 80% aceitam o planejamento familiar para regular o número de filhos de um casal, 87% são a favor de se utilizar algum método. A AE é aceita por 84,% dos entrevistados e apenas 12,3% se declaram contra o método póscoito. “Apesar de o país ter um número grande de católicos estes não seguem todos os princípios” (O GLOBO, 20/04/05). A despeito de muitos argumentos de fundo religioso ou de discussões de cunho moral, a maioria dos brasileiros é favorável a uma política universal – e principalmente eficaz – de planejamento familiar no país (FSP, 15/05/05). Em texto da Folha de S. Paulo de 30/040/05, um professor da USP comenta ser paradoxal o posicionamento da Igreja Católica favorável à proibição da distribuição da AE pelos serviços públicos de saúde sob alegação de esse método ser abortivo. Em sua acepção, proibir que mulheres de camadas populares tenham acesso à AE e a outros métodos contraceptivos nos serviços públicos de saúde é assumir uma atitude pró-aborto. A influência de grupos antiaborto pode ser negativa, aumentar a incidência de gestações imprevistas, abortamentos e mortalidade materna. Os EUA são exemplo de política que dramatiza a sexualidade na adolescência, prega a abstinência sexual, ao negar uma educação sexual baseada na informação e no acesso ao preservativo e a métodos contraceptivos. Esse país tem as taxas mais elevadas de gravidez e aborto na adolescência 18 Tramita na Câmara dos Deputados, desde 1991, o projeto de lei 1.135, que propõe a descriminalização da prática do aborto. A ele foram apensados outros 14 projetos. Em 2008, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), também relator do PL 1.135/91, apresentou seu parecer pela rejeição desse projeto de lei. Ele considera que o aborto fere o princípio constitucional do direito à vida e à dignidade da pessoa humana. Inúmeras instituições não-governamentais e governamentais se posicionaram contra esse parecer, e os debates sobre o projeto de lei continuam. 98 entre os países desenvolvidos (FAÚNDES e BARZELATTO, 2004; BERER, 2007a, 2007b; SCHALET, 2004). No debate da mídia sobre a AE, o posicionamento da hierarquia da Igreja em relação ao método tem destaque. Parece interessar à impressa reproduzir esse discurso da AE como método abortivo e a narrativa dos conflitos entre Igreja Católica e Estado, derivados dessa afirmação. Além disso, tal repercussão e peso político indicam a força que essa instituição tem ao conquistar espaço na mídia nacional, haja vista que as vozes dos atores católicos são por diversas vezes reproduzidas nos textos de conteúdo ou no posicionamento favorável à AE. Como já apontado, a Igreja não é uma instituição homogênea, mas sim sua alta hierarquia, e para a imprensa, com a profissionalização das fontes, só interessa apresentar nos textos jornalísticos posicionamentos de atores “legítimos” dos determinados assuntos publicados. No caso do método pós-coito, o MS (Estado) é o interlocutor oficial para falar sobre a perspectiva da saúde e a hierarquia da Igreja é a fonte oficial que se contrapõe ao Estado brasileiro. Os jornais analisados apresentam-se como instituições complexas: são influenciados por diversos interesses, cálculos institucionais e por várias relações de poder. Portanto, a publicação de um texto sobre AE envolve múltiplos fatores, alguns passíveis de observação e análise, outros obscuros para a sociedade em geral. 5.3 ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA: MAIS UMA “ARMA NO ARSENAL” DO PLANEJAMENTO FAMILIAR Nos textos produzidos pelos jornais, a representação da AE como método abortivo é confrontada com a idéia de o método ser mais uma possibilidade no rol de métodos contraceptivos disponibilizados às mulheres como direito, com o objetivo de evitar gestações não previstas e conseqüentemente abortamentos em condições inseguras. As ações de políticas públicas acerca da AE são necessárias para possibilitar o acesso das mulheres em tempo hábil ao método, uma vez que ele tem maior confiabilidade o quanto antes for usado, no prazo máximo de até 72 horas.19 No material levantado, foi possível 19 Em 2009, começou a ser comercializada em alguns países da Europa e nos EUA uma nova AE de nome EllaOne (acetato de ulipristal), que pode ser usada até 120 horas (cinco dias) após uma relação sexual desprotegida ou em que ocorreu falha no uso de outro método contraceptivo. O medicamento está sujeito a receita médica, mas especialistas acham possível que no espaço de dois ou três anos seja possível adquiri-lo livremente em farmácias, tal como já acontece com a convencional AE (levonorgestrel) em 50 países. 99 analisar ações e posições que o MS adotou em relação à pílula de emergência durante os anos de 2005 a 2008. Cabe ao setor público fornecer as informações e os insumos contraceptivos para que as escolhas quanto à reprodução possam ser tomadas sem coerção e em conformidade com os direitos humanos. Portanto, é importante que os serviços públicos de saúde coloquem na agenda do planejamento familiar o método da AE. Existem ainda muitas barreiras que impedem homens e mulheres de desfrutar de melhor estado de saúde sexual e reprodutiva (PECHENY e TAMBURRINO, 2009). Segundo Alves (2006), até o lançamento da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, em 2005, o governo Lula não havia se posicionado quanto às questões populacionais ou quanto às ações de planejamento familiar. No primeiro semestre de 2005, os jornais Folha de S. Paulo e O Globo publicaram uma série de textos sobre a decisão do MS de ampliar o financiamento do planejamento familiar e sobre as repercussões dessa decisão. Os textos sobre as ações do MS apresentam a AE como direito, como método benéfico no combate às gestações imprevistas, abortamentos inseguros e mortalidade maternas decorrentes de abortos. Segundo texto do jornal O Globo, de 29/01/05, até então, o MS era responsável por financiar 40% da compra dos métodos contraceptivos a ser disponibilizados na rede pública de saúde. Uma das novidades do “novo programa” foi a ampliação do acesso à AE. “A intenção do Ministério da Saúde é levar a anticoncepção de emergência a 4664 municípios que integram o PSF”. Para o secretário de assistência à saúde do MS, a ampliação da distribuição de vários métodos como a AE se dá a fim de “evitar a mortalidade materna, que hoje tem como principal causa o aborto ilegal e o índice de gestações na adolescência”. Segundo o Secretário de Assistência à Saúde: O acesso ampliado da pílula do dia seguinte visa garantir o direito reprodutivo das mulheres de camadas mais pobres, que sofrem uma dupla exclusão: Primeiro não tiveram acesso à informação e ao uso de anticoncepcionais de rotina. Segundo, se encontraram em situação inesperada e precisaram da contracepção de emergência, mas ela não estava disponível (FSP, 14/02/05). Para Figueiredo et al. (2007), apesar de esse método ter sido normatizado no Brasil em 1996, o fornecimento da AE à rede básica de saúde dos municípios ainda ocorre de forma irregular, o que prejudica quem depende dos serviços públicos de saúde. 100 Segundo texto da Folha de S. Paulo, o MS decidiu “ampliar a distribuição da pílula do dia seguinte em 57%, a fim de ofertá-la a todos os serviços de saúde e não somente aos serviços de atendimento à violência sexual”. Essa medida faz parte da política de direitos sexuais e reprodutivos do MS, cujo foco é “garantir a autonomia” no planejamento familiar (FSP, 14/02/05). Ainda segundo texto da Folha de S. Paulo, a “novidade da política” seria: “a pílula do dia seguinte deve ser distribuída de forma mais ampla, sem prejuízo da prioridade de uso dos métodos anticoncepcionais tradicionais” (FSP, 14/02/05). Alguns textos analisados apresentam avaliações do Programa de Planejamento Familiar. Assim, foi possível identificar nas notícias e entrevistas publicadas que o programa brasileiro ainda é deficiente em alguns aspectos, dentre eles, há a falta e a falha na distribuição da AE para todas as mulheres, em todos os municípios. As mudanças no Programa de Planejamento Familiar, propostas pelo MS em 2005, foram avaliadas por líderes de organizações feministas brasileiras (Católicas pelo Direito de Decidir, Marcha Mundial das Mulheres, Sempre Viva Organização Feminista). No texto do jornal O Globo (29/05/07), intitulado Entidades pedem reforço para educação sexual, a AE aparece como um método que precisa estar disponível em todos os municípios, bem como todos os demais métodos contraceptivos regulamentados pelo planejamento familiar. As entrevistadas fizeram uma avaliação positiva do programa, no que se refere ao aumento da oferta de anticoncepcionais e à redução de preços dos métodos contraceptivos. Críticas também foram apontadas: falta universalização da educação sexual nas escolas (para algumas ativistas, as medidas do MS são “paliativas”, por conta das regiões mais pobres do país); o planejamento familiar ainda não atinge todos, há descontinuidade em suas ações; o MS deveria introduzir a Educação Sexual em todas as escolas e pílula do dia seguinte em todos os municípios; as campanhas do MS para o planejamento familiar deveriam ser focadas nos grotões do país (regiões Norte e Nordeste), onde há muito preconceito (“as mulheres sentem vergonha de ir a um centro de saúde para uma consulta com ginecologistas e ficarem „mal faladas‟”); é preciso melhorar, também, a disponibilidade dos insumos; a redução de preços não é suficiente, é preciso oferecer serviço público e gratuito e maiores investimentos em camisinha; é preciso ampliar a discussão do aborto, apesar de as mudanças no planejamento familiar terem propiciado a ampliação desse debate. O Programa de Planejamento Familiar brasileiro também foi avaliado em entrevista com a diretora para o hemisfério ocidental da Federação Internacional de Planejamento Familiar (IPPF) ao jornal Folha de S. Paulo (04/06/07). A entrevistada avalia o programa como “bom e oportuno, mas incompleto” e declara que o planejamento familiar “ajuda a 101 combater a mortalidade materna, uma vergonha nacional. [...] contribui para reduzir a gravidez indesejável e, com isso, reduzir a incidência de aborto mal feito, umas das principais causas da mortalidade materna”. A diretora do IPPF considera o Programa de Planejamento Familiar incompleto, por dois motivos: “não inclui contracepção de emergência”, o que ela considera uma falha gravíssima; e o “pacote não trata do aborto inseguro”. Essas avaliações do Programa de Planejamento Familiar são endossadas pela afirmação de Alves (2006, p.41): a Política Nacional de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos do governo Lula foi bem construída, porém, seus “efeitos práticos têm sido muito pequenos, pois as unidades públicas de saúde continuam sem condições de prover regularmente e em quantidade adequada” os insumos contraceptivos. O editorial da Folha de S. Paulo de 20/05/05 afirma que o “Ministério da Saúde vem distribuindo o medicamento [AE] na rede oficial como mais uma arma no arsenal do planejamento familiar”. Na base desse argumento – AE como mais uma “arma no arsenal” do planejamento familiar – encontram-se várias compreensões. Uma delas seria a idéia do “combate” ao nascimento de crianças pobres e, conseqüentemente, da pobreza. Esse editorial indica um posicionamento favorável ao método, não na perspectiva dos direitos sexuais e reprodutivos, mas como forma de “combater” a proliferação dos pobres. Artigo publicado em O Globo, de 30/03/07, reafirma tal discurso: para evitar que o “país continue fabricando em série essas crianças filhas de meninas-mães [das favelas]” é preciso investir em métodos anticoncepcionais. Esses argumentos retomam a discussão de ações controlistas da fecundidade, abordada por Fonseca Sobrinho (1993). Durante as décadas de 1960 e 1970 no Brasil, a idéia de que o aumento da população levaria ao aumento da pobreza fez com se implantassem programas autoritários de controle de natalidade, com o objetivo de controlar a fecundidade, independentemente dos interesses individuais, numa clara demonstração de desrespeito à autonomia dos sujeitos. Outra interpretação para a expressão “arma no arsenal” é encontrada em texto publicado na Folha de S. Paulo, no dia 26/06/07. Esse jornal realizou uma entrevista com o Ministro da Saúde e, com relativo destaque, publicou sua chamada na capa sob o título Governo quer facilitar o uso da pílula do dia seguinte e texto de página inteira na seção Cotidiano. A sabatina envolve vários assuntos (planejamento familiar, saúde do homem, financiamento para o setor saúde, reajustes dos planos de saúde e novas regras para o funcionamento das farmácias), porém, o jornal destaca o assunto “pílula do dia seguinte”. 102 Para o representante da pasta da Saúde, a AE é mais um recurso (método contraceptivo) para se prevenir a “gestação indesejada”. Durante a entrevista, o Ministro da Saúde prometeu facilitar o acesso à AE, suprimindo a necessidade de receita médica. Para o jornal, essa é mais “uma proposta polêmica do Ministro, que voltou a defender o aborto até a 12ª. semana de gravidez [...]”. O argumento do ministro para defender a distribuição da AE sem necessidade de prescrição médica está no fato de ele considerar o método: [...] uma arma importante no sentido da prevenção da gravidez indesejada. [...] a utilização da pílula do dia seguinte pressupõe a não necessidade de apresentar uma receita médica – seria um disparate você ter que procurar um médico para prescrever [...] (FSP, 26/06/07). O Ministro se refere à AE como direito, um importante método contraceptivo a que as mulheres devem ter acesso sem dificuldade. Essa declaração do Ministro provocou reações em grupos religiosos e antiabortistas. Para esses grupos, a AE é um método abortivo: “a pílula do dia seguinte nada mais é que uma bomba hormonal abortiva”, segundo a bióloga e biomédica, professora da USP, representante do Movimento Nacional em Defesa da Vida – Brasil sem Aborto (FSP, 26/06/07). Como já apontado, a Igreja Católica assumiu um discurso frente à AE não tão abertamente dogmático como o adotado contra o aborto. A estratégia no caso da AE é baseada em argumentos médico-científicos e tem, como interlocutores, profissionais da área biomédica, que não consideram pesquisas atuais que comprovam que o mecanismo de ação da AE não é abortivo (DREZETT, 2009; FAÚNDES e BARZELATTO, 2004; BRASIL, 2006). O Vaticano quer fazer crer que seu debate quanto à pílula pós-coito não é dogmático, contudo, essa mudança na qualidade e no estilo da argumentação é uma estratégia. O posicionamento da Igreja quanto à AE é tão dogmático quanto o contra o aborto: a vida humana se inicia imediatamente ao ato sexual, qualquer método que se use depois desse ato agiria “exterminando um ser vivo” (FSP, 30/01/05 e 30/06/07). Como apontado pelo relatório da Pesquisa e Comunicação em Direitos Sexuais (INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO, 2005), o Vaticano começou a mudar de estratégia em determinadas questões (eutanásia, aborto etc.) no início da década de 2000, quando passou a adotar uma abordagem com enfoque da bioética. Nesse sentido, a AE surge como oportunidade para a Igreja construir um discurso com argumentações bem diferentes daquelas adotadas contra o aborto. 103 De maneira singular, em outro texto, a AE é usada como argumento científico contrário ao aborto. Em texto da Folha de S. Paulo (15/04/2007), sob a manchete Ciência vira argumento de antiabortistas, mulheres de grupos populares apontam que a existência de vários métodos contraceptivos, inclusive de um método pós-coito, torna desnecessária a liberalização do aborto. Outra repercussão da declaração do Ministro da Saúde em sabatina à FSP é a publicação de um editorial nesse jornal, em 27/06/07. O conteúdo aponta posicionamento favorável à decisão do ministro: “é correta a disposição do ministro da saúde [...] de ampliar o acesso à chamada pílula do dia seguinte, dispensando a receita médica para obter o remédio”. Sob o argumento de que a AE é a “chance de o Brasil reduzir rapidamente a cifra estimada em 1 milhão de abortos clandestinos realizados anualmente no país”, o editorial contesta o posicionamento de grupos religiosos: “[...] grupos religiosos não gostaram. É que a pílula do dia seguinte tem a falsa reputação de ser abortiva”. O editorial finaliza com a afirmação de que o governo não pode orientar a política pública com base em dogmas e que “a legislação brasileira autoriza todos os métodos anticoncepcionais, incluindo a pílula do dia seguinte”. Em 30/06/07, a diretora para o hemisfério ocidental da Federação Internacional de Planejamento Familiar (IPPF), em artigo da seção Opinião/Tendências e Debates da Folha de S. Paulo (30/06/07) volta a se pronunciar sobre o Programa de Planejamento Familiar brasileiro, tendo por base as declarações do Ministro da Saúde feitas na sabatina publicada em 26/06/07. Para ela, a distribuição gratuita e sem necessidade de receita médica da AE seria uma ação a “corrigir uma injustiça social”, pois a “ampliação do acesso à pílula do dia seguinte é uma medida salutar que ampliará os direitos de cidadania para as mulheres das camadas populares”. O ministro também é elogiado em uma carta do leitor publicada pela Folha de S. Paulo (28/06/07): “Temporão conhece os problemas de saúde pública e sabe perfeitamente como encará-los. Basta que o deixem trabalhar”. Texto do jornal O Globo de 06/10/05 atenta para o fato de que, antes de se privilegiar a luta pela legalização do aborto no Brasil, é preciso dar a ênfase necessária na promoção da eficácia do planejamento familiar, pois as ações desse programa podem reduzir o número de abortos e de morte de mulheres. Acerca disso, Alves (2006, p.40) afirma que: 104 [...] o debate brasileiro sobre o planejamento familiar no Brasil no início do século XXI mostra que apesar de existir uma legislação adequada no país quanto aos direitos reprodutivos, muita coisa falta ser feita para que a população, especialmente as camadas mais carentes, possa ter garantido seus direitos de cidadania. Além das dificuldades de ofertar uma política de planejamento familiar de qualidade a um país com dimensões continentais e com tamanha diversidade sociocultural, as influências da Igreja Católica em políticos, profissionais de saúde e na população em geral corroboram para que esse programa não seja efetivo nem eficaz. É preciso discutir mais e publicamente a laicidade do Estado e as estratégias políticas de enfrentamento das forças conservadoras no campo das políticas públicas. Um exemplo de como o Estado brasileiro mantém relações cordiais com a Igreja Católica é o conteúdo de uma nota de um colunista do jornal O Globo, de 16/02/08. A nota aponta que o posicionamento do MS favoravelmente à distribuição da AE aos foliões de Recife, Olinda e Paulista acarretou um mal-estar entre esta instituição e o MS, que precisou ser esclarecido: “o Ministro da Saúde foi aconselhado por sua assessoria a telefonar” para o representante da “CNBB para tratar do assunto pílula do dia seguinte pós-polêmica de Recife”. Grupos religiosos têm influenciado o Estado, em uma tentativa de reforçar normas repressoras, que desrespeitam os direitos sexuais e reprodutivos de mulheres e homens, com o objetivo de manter o antigo modelo de família patriarcal (PIMENTEL, 2002). O Estado brasileiro e a Igreja Católica estabelecem relações delicadas, permeadas por paradoxos: ora ocorrem embates e conflitos, ora parcerias e acordos. Na luta pela descriminalização do aborto e pela utilização da AE, de preservativos e de métodos contraceptivos modernos, o MS e a CNBB estão em campos opostos. Por outro lado, estão constantemente juntos ao firmar convênios com as pastorais da Criança, da Saúde e da AIDS, vinculadas à CNBB, para realizar trabalhos no campo da assistência pré-natal, ao crescimento e desenvolvimento infantil, incentivo à testagem ao HIV. Em clara demonstração de cooperação, em novembro de 2008, o governo brasileiro assinou um acordo com o Vaticano que implica compromisso do Estado de fornecer à Igreja Católica determinados privilégios legais e financeiros por prazo indeterminado, a menos que a Igreja concorde com abrir mão deles. A concordata determina que o Estado brasileiro deverá “cooperar para salvaguardar, valorizar e promover a fruição dos bens, móveis e imóveis, de propriedade da Igreja Católica” (BRASIL, 2008b). Quatro pontos desse acordo destacam-se: ensino religioso nas escolas públicas; concessão de isenção fiscal para rendas e patrimônio de pessoas jurídicas eclesiásticas; 105 manutenção, com recursos do Estado brasileiro, do patrimônio cultural da Igreja Católica, como prédios, acervos e bibliotecas; e isenção para a Igreja Católica de cumprir as obrigações impostas pelas leis trabalhistas brasileiras. Esses itens esbarram em problemas jurídicos e são incompatíveis com o Estado laico que a Constituição Federal consagra. As ações do MS para garantir que a AE esteja disponível a todas as mulheres nos serviços públicos de saúde ainda se mostram restritas. Como apontado por Figueiredo (2004), os serviços de atendimento à violência sexual são os únicos que distribuem a AE sem ressalvas, por parte dos profissionais de saúde. Desde a inclusão desse método na Norma Técnica Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes (BRASIL, 2005b), a AE sempre esteve disponibilizada neles. No material levantado, apenas duas notícias focam a prescrição da AE no atendimento dos casos de violência sexual, e ambas não têm enfoque que denote conflito quanto à disponibilidade do método para todas as mulheres vítimas desse tipo de violência e em idade reprodutiva. O método pode ser identificado como parte do atendimento às vítimas, assim como os medicamentos anti-retrovirais. Consoante à terminologia da saúde pública, há um recurso às categorias bélicas por vários interlocutores, favoráveis ou contrários ao método, para tratar do tema. Expressões como: “arma”, “arsenal”, “bomba hormonal”, “luta”, “combate”, “assassinar”, foram reproduzidas pelos jornais como parte dos discursos sobre a AE. O debate sobre este método atualiza uma tradição no campo da saúde: transformar as ações em saúde em estratégias de “guerra”, para combater as doenças. Numa perspectiva positivista, os estados precisam de “ordem e progresso” para alcançar o desenvolvimento e a política de saúde seria a responsável por criar uma ordem e uma população saudável e educada para o trabalho, impulsionando assim o progresso (BERTOLLI FILHO, 1996). Dentre os interlocutores que se posicionam contra a AE, essas expressões denotam algo explosivo, associado à idéia de “matar”, “exterminar” um ser vivo, seria uma “solução covarde que mata inocentes”. Há textos que denominam o método como “assassino” e a “castidade” como a “solução para a gravidez”, o método como algo “perigoso”, “violento” e “nefasto” à saúde da mulher, que não deve ser usado. Nesses casos, o método tem seu mecanismo de ação associado à morte da “criança em formação” (“usar a pílula do dia seguinte é perder o apreço pela vida”) e às conseqüências negativas para a saúde da mulher. Essa representação da AE como algo perigoso, um “medicamento forte” que precisa de cuidados em sua indicação e uso, foi encontrada em um estudo realizado em 2004, em quatro 106 capitais brasileiras: Belém (PA), Salvador (BA), Curitiba (PR), Goiânia (GO). Os resultados dessa pesquisa apontam que nos serviços públicos de saúde dessas cidades: [...] havia cuidados especiais para armazenar e dispensar a pílula da anticoncepção de emergência. Em alguns serviços, o medicamento estava sob a responsabilidade do(a) coordenador(a), que era a única pessoa que poderia entregá-lo, mediante prescrição médica (OSIS et al., 2006, p.2487). A afirmação presente nos textos jornalísticos de que o método é um contraceptivo “forte, bomba hormonal”, com altas dosagens hormonais, uma “overdose hormonal” (LEAL, 1995) pode provocar confusão entre a AE e o misoprostol, medicamento de venda proibida no Brasil, usado para provocar abortamentos. Essas expressões bélicas aparecem também entre os interlocutores com postura favorável à AE, segundo os textos editados pelos jornais. Em depoimento do Ministro da Saúde, esse método seria mais uma “arma no arsenal” do planejamento familiar, para se evitar inúmeras gestações imprevistas (principalmente de adolescentes) e abortamentos inseguros. O uso dessa expressão estaria associado à idéia da catástrofe da explosão demográfica que precisa ser controlada. A AE surge como uma opção a mais no rol de métodos contraceptivos a ser disponibilizada pelo MS, como um direito, para alguns interlocutores, e como uma medida para combate à proliferação de crianças pobres, para outros. Alguns atores argumentam que esse método seria a última “arma” das mulheres antes do recurso ao aborto, em caso de “gravidez indesejada”. É interessante ressaltar que, por várias vezes, os textos publicados apresentam redação que inverte os objetivos do uso da AE, ou seja, ela serviria (primeiramente) para evitar abortos inseguros e (em segundo) gestações imprevistas. Na verdade, como método contraceptivo, a pílula pós-coito tem por função prevenir gestações e conseqüentemente eventuais abortamentos. Na construção do debate sobre a AE, a mídia apresenta alguns argumentos que integram o discurso favorável ao método – infalível contra gestações imprevistas e abortamentos inseguros. Seria como se o método fosse o único capaz de evitar milhares de abortos e economizar dinheiro público gasto com o atendimento das conseqüências do abortamento inseguro e da mortalidade materna de adolescentes. Ressalta-se que todos os métodos contraceptivos têm como finalidade por essência evitar gestações não previstas e, conseqüentemente, a realização de abortos. A pílula pós-coito seria mais uma possibilidade de contracepção, com a especificidade de agir no pós-coito. 107 Apenas assegurar o repasse de informações e o acesso à AE não garante os direitos reprodutivos das mulheres brasileiras. Como apontado pelas feministas no texto de O Globo (29/05/07) e por Faúndes e Barzelatto (2004), é preciso assegurar de fato que os serviços de saúde pública existam em todo o território nacional e que disponibilizem todos os métodos contraceptivos de forma contínua e universal, respeitando a autonomia dos sujeitos. 5.4 “SEXUALIDADE X CASTIDADE”: O USO DA ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA NA ADOLESCÊNCIA A sexualidade não é vista pela sociedade brasileira como direito dos adolescentes. Quando existe alguma abordagem da sexualidade na adolescência, ela ocorre de forma negativa, permeada pela idéia do “risco”, vinculada às gestações imprevistas, às DSTs e AIDS. Mudanças sociais e culturais ocorridas nas últimas décadas quanto à sexualidade e às relações de gênero colocaram os adolescentes frente a um novo e complexo universo, no qual são ampliadas e aprofundadas as possibilidades de experimentação sexual na adolescência (BRANDÃO, 2009). Segundo Nunes (2005), é no período da adolescência que muitas vezes ocorre a iniciação sexual e a utilização de métodos contraceptivos. Para essa autora, numa perspectiva preventiva, seria mais efetivo evitar uma gestação imprevista do que adiar o início da vida sexual. Brandão (2009, p.1064) aponta que o “domínio e o manejo cotidiano dos cuidados contraceptivos e de proteção contra DSTs e AIDS tornam-se cada vez mais centrais”, tendo em vista a diversidade de experiências afetivo-sexuais que podem fazer parte de uma trajetória juvenil. Pode-se entender contracepção como uma importante conquista dos direitos sexuais e reprodutivos, pois indica dissociação entre sexo e reprodução. Apesar disso, é preciso compreender que adolescentes e jovens apresentam dificuldade para interiorizar normas contraceptivas. Assim, o uso da AE por esse público surge como mais um recurso disponível para evitar gestações não planejadas e abortos em condições inseguras (BRANDÃO, 2009). Algumas representações sobre o uso da AE por adolescentes, produzidas pelos dois jornais analisados sobressaem. Esses argumentos fornecem pistas de como a mídia reconstrói o tema/questão dos direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes e jovens. Para alguns interlocutores, o uso da AE promoveria o exercício sem controle da sexualidade e o abandono do uso do preservativo. A publicação de alguns textos dos jornais analisados, principalmente algumas cartas do leitor, exemplificam esses argumentos. Nas cartas publicadas, assinadas em 108 sua maioria por mulheres, o uso da AE deveria ser substituído pela “castidade”, que seria a “solução para a gravidez das mulheres entre 10 e 14 anos”, pois “homens e mulheres que mantêm a castidade são mais felizes”. Em outra carta publicada, sexo, preservativo e AE parecem não fazer parte de uma educação sexual. Para um deputado estadual “católico” do Mato Grosso do Sul, a preocupação com impedir a distribuição da AE está fundamentada na idéia de que os jovens não conseguem controlar a sexualidade, principalmente quando fazem uso de bebidas alcoólicas: “a juventude que bebe uma cervejinha a mais durante a noite vai dizer: então transo aqui e amanhã tomo o medicamento”. Essa representação do uso da AE aliada ao consumo de álcool foi investigada em pesquisa realizada com jovens universitárias em São Paulo. Segundo resultados da pesquisa, não se encontrou dado que comprovasse que as jovens que haviam feito uso da AE estavam embriagadas no momento da relação sexual (BASTOS et al., 2008). Quanto à sexualidade sem controle (“promíscua”) na adolescência, Heilborn et al. (2006), com base em pesquisa domiciliar realizada em três capitais de regiões brasileiras distintas, afirmam que a idéia veiculada na mídia de uma cultura sexualmente erotizada entre os adolescentes não passa de mito. Em outros textos são apresentadas representações de que a AE ajudaria no controle da fecundidade de adolescentes, especificamente de camadas baixas, acabando com o “problema da gravidez precoce” e a “proliferação” de filhos de “adolescentes pobres”. Artigo publicado na Folha de S. Paulo (17/06/07), na seção Cotidiano, com o título O Brasil do dia seguinte, exemplifica as representações de que o uso da AE por adolescentes poderá diminuir o número de gravidez precoce e de abortos, bem como provocar o abandono do uso do preservativo. O método aparece não como direito, mas como um “indesejável” e um “mal menor” frente a inúmeras gestações imprevistas, abortamentos em condições inseguras e as conseqüências deles para a saúde das adolescentes. O colunista recorre à opinião de uma ginecologista e professora da USP para introduzir seus argumentos. Segundo dados de pesquisa realizada pela professora, em um serviço de saúde para adolescentes, no ano de 2004, 36% de um total de 120 jovens com vida sexual ativa “usavam regularmente” a AE. Para essa professora da USP, “estamos no caminho de transformar esse recurso em algo rotineiro”. De acordo com o artigo, “sua visão baseia-se no fato de que os governos federal e estadual decidiram aumentar a distribuição dessa pílula nas redes de saúde, como último recurso antes do aborto”. São elencados, pelo autor, “dois ângulos” para se ver a AE: 109 evitar a gravidez precoce e, conseqüentemente, o aborto. Por outro lado, ele revela que “muitos adolescentes estão transando sem camisinha, o que é um fato preocupante”. Segundo o artigo, a importância da AE constrói-se em cima do “tamanho da tragédia do planejamento familiar” no Brasil, tendo em vista o “elevado índice de gestação na adolescência”, o “alto número de adolescentes” que “são obrigadas” a abortar, muitas vezes ocorrem “problemas médicos”, devido às condições inseguras do procedimento. A pista da pesquisa da professora [...] é a seguinte: por mais indesejável que seja, a pílula do dia seguinte está caindo no gosto das adolescentes e se disseminando maciçamente pela rede pública, conectada às escolas, a tragédia da gravidez precoce poderá ser menor (FSP, 17/06/07). Para o colunista, “fica ainda a tragédia das doenças sexualmente transmissíveis – e aí a pílula do dia seguinte corre o risco de virar uma ameaça”. Segundo a professora: “a jovem pode se sentir tentada a não se proteger, imaginando que se valerá desse recurso final”. Os argumentos usados nesse discurso remetem à idéia de que os jovens não sabem quando e como devem fazer uso da AE e que o uso desse método pode excluir o uso do preservativo. A sexualidade na adolescência aparece vinculada à idéia de risco, e a junção de adolescência e AE levaria à tragédia da epidemia de DSTs e AIDS. No entanto, na análise realizada, não foi possível identificar nos jornais textos que esclarecem que os adolescentes não recorrem à AE apenas quando não usam outro método contraceptivo. Estudos realizados no Brasil e em outros países da América Latina demonstram que os adolescentes que recorrem à AE não exercem de maneira descontrolada sua sexualidade nem abandonam o uso da camisinha (SIMONDS e ELLERTSON, 2004; SCHALET, 2004; FIGUEIREDO et al., 2007; COSTA et al., 2008; BAJOS et al., 2003; FIGUEIREDO e ANDALAFT NETO, 2005; BERER, 2007b). Assim, a tragédia anunciada pelo colunista da Folha de S. Paulo parece não se confirmar, mas isso não foi problematizado em outros textos dos jornais analisados. Apesar da iniciativa do governo de ofertar a AE em todos os serviços públicos de saúde, o acesso desse público ao método não acontece de forma tão corriqueira. Estudos (BRANDÃO, 2009; ALVES e BRANDÃO, 2009; DÍAZ et al., 2003a; DÍAZ et al., 2003b) apontam que há inúmeros desafios postos aos adolescentes para acessar métodos contraceptivos de forma sistemática e regular. Alguns textos dos jornais trazem uma representação social sobre o uso da AE de maneira mais “positiva”: o método como solução para a gravidez imprevista em uma 110 perspectiva dos direitos reprodutivos. Esses textos ressaltam que graças às campanhas sobre prevenção às DSTs e AIDS e à distribuição da AE pelos serviços públicos de saúde, o índice de gestações na adolescência diminuiu. A gravidez na adolescência foi argumento usado pela presidente do Chile, Michele Bachelet, no ano de 2006, para justificar decisão de autorizar a distribuição da AE para adolescentes maiores de 14 anos: “está em jogo um problema de desigualdade entre chilenas: o índice de gravidez na adolescência nos setores mais pobres está em 20,6%, entre os de maior poder aquisitivo, 2,3%” (O GLOBO, 16/09/06). Para Araújo e Costa (2009), o exercício da sexualidade na adolescência tem acontecido sem prevenção de gestações e de DSTs e AIDS, quer por não utilização ou falha de métodos contraceptivos ou por violência sexual. Os jovens formam uma parcela da população brasileira que ainda está constantemente vulnerável, faltam investimentos em uma política no campo da educação que promova debate sobre sexualidade e saúde reprodutiva. Brandão (2009) aponta várias dificuldades que envolvem os serviços de saúde quanto ao atendimento de adolescentes nas demandas de contracepção: há despreparo dos profissionais de saúde para atender a essa clientela; a interrupção na distribuição dos métodos contraceptivos, aliada às dificuldades financeiras dos jovens, pode provocar abandono ou uso equivocado de contraceptivos de uso regular. Quanto à política de saúde, o acesso aos métodos contraceptivos ainda é precário, por vezes, faltam insumos (ECOS, 2006). No que se refere à AE, o cenário nacional é ainda mais grave: [...] o menor acesso está relacionado, entre outras coisas, à baixa autonomia social e financeira nesta faixa etária, questões de gênero e de raça/etnia e do conservadorismo dos profissionais que ainda desconsideram o direito da vivência da sexualidade entre adolescentes e jovens (ECOS, 2006, p.05). Facilitar o acesso de adolescentes à AE tem sido objetivo de muitos grupos feministas e de profissionais ligados à saúde. Para esses atores, o acesso do adolescente ao método pode significar a prevenção de gestações imprevistas e de abortamentos em condições inseguras. No entanto, alguns textos dos jornais analisados apontam para um grande debate, tanto no cenário nacional quanto internacional. Notícia de O Globo (25/08/06) sobre a liberação da venda da AE pelas farmácias, sem exigência da prescrição médica para mulheres maiores de 18 anos, chama a atenção para o fato de que liberar a venda da AE sem prescrição médica para adolescentes é uma “batalha política” que extrapola o campo da saúde pública. Cabe 111 ressaltar que o acesso de jovens à contracepção pós-coito deve acontecer dentro dos parâmetros médicos recomendados. Conseguir que o acesso à informação e à AE esteja disponível, sem restrições, para todos os adolescentes nos serviços públicos de saúde requer a promoção de “ações e estratégias diversificadas, baseadas em argumentos sólidos e científicos sobre os avanços da medicina e dos direitos sexuais e reprodutivos” (ECOS, 2006, p.18). 5.5 “QUANDO OS DISCURSOS SE ENCONTRAM”: ABORTO COMO ARGUMENTO CENTRAL NO DEBATE SOBRE A AE Os depoimentos dos interlocutores que condenam o uso da AE são publicados pelos jornais de forma a centralizar seus argumentos no mecanismo de ação do método, numa retórica médico-científica. É possível perceber que os grupos reticentes ao método se apresentam mais passionais, com tom apelativo, quando recorrem a uma moral religiosa para declarar que o método interrompe (“mata”) uma “vida que está começando”. Os interlocutores que aprovam a AE apresentam uma retórica menos incisiva. Em nenhum texto dos jornais, o mecanismo de ação da AE é apresentado por especialista do campo científico para contrastar, por exemplo, as informações contrárias ao método encontradas nos demais textos. Os textos pouco reproduzem discursos baseados na perspectiva dos direitos reprodutivos, da AE como método que pode aumentar a autonomia das mulheres no que se refere ao controle da reprodução. Tais argumentos são escassos no debate analisado. As narrativas publicadas que apontam que a AE deve ser um método contraceptivo disponível às mulheres evocam os seguintes argumentos: o uso do método deve ser divulgado, como um direito, levando-se em conta suas conseqüências positivas: evitar gestações imprevistas e abortamentos inseguros; o método seria uma “arma” no combate ao nascimento de crianças pobres e de gestações de adolescentes; e a AE deve ser divulgada, mas sempre com o alerta de que deve ser o último recurso contraceptivo acionado, pois não previne DSTs e AIDS. A partir do material analisado, emergem questões dentre os argumentos dos interlocutores de ambos os grupos que efetivamente se pronunciam (Estado e Igreja Católica), as quais precisam ser destacadas e discutidas. Alguns “temores” em relação à AE são comuns a diversos interlocutores, independentemente de sua posição sobre o método: a AE pode 112 “provocar o aumento de DSTs e AIDS”, tendo em vista que ocorre abandono do preservativo (segundo interlocutores favoráveis) e o estímulo ao sexo (de acordo com sujeitos contrários); é preciso cuidado com a divulgação e distribuição do método, pois as mulheres podem fazer uso abusivo (regular) dele, e abandonar o preservativo e outros métodos contraceptivos regulares; é preciso cuidado no uso da AE, pois há efeitos colaterais para a saúde feminina; o método não seria de fácil compreensão quanto a sua indicação e suas contra-indicações; o uso da AE provocaria o abandono do processo de educação sexual e dos demais métodos contraceptivos regulares; à medida que mulheres e homens priorizam um método contraceptivo para situações emergenciais no pós-coito, deixariam de se preocupar com ações de prevenções de DSTs/AIDS e de planejamento reprodutivo, abandonando métodos de uso cotidiano; a AE seria um método para o “dia seguinte”, para o “depois” da relação sexual. Surge, portanto, uma discussão semântica que está ligada à compreensão, propagada pelo catolicismo, de que uma relação sexual equivale à fecundação. Segundo Pecheny e Tamburrino (2009), no senso comum, sexualidade e reprodução continuam estreitamente ligadas. A idéia de um método “anticonceptivo” que se usa “depois” de uma relação sexual com o objetivo de “prevenir” uma gestação e não de “interrupção” ainda não fica claro. Faz-se necessário ressaltar o desconhecimento em relação ao “hiato temporal” entre o ato sexual e a possibilidade de se engravidar. De algum modo, as expressões “dia seguinte” e “pós-coital” remetem à idéia de “abortivo”, e não de anticonceptivos. Mulheres da Argentina (PECHENY e TAMBURRINO, 2009) e do Canadá (SHOVELLER et al., 2007) relataram sensação de fracasso ou descuido quando recorreram ao uso do método pós-coito. Para elas, a busca pela AE nos serviços de saúde pública foi marcada por vergonha, culpa e medo. A atitude dos profissionais de saúde também marcou essa busca, com julgamentos morais, sutis e, às vezes, mensagens estigmatizantes, pelo fato de buscarem um método de emergência, como se tivessem abandonado os métodos contraceptivos regulares, numa demonstração de descuido com a saúde. Para essas mulheres, saber mais sobre o método (mecanismo de ação, efeitos a longo prazo na saúde e fertilidade feminina) teria ajudado a diminuir a vergonha e a culpa. Em ambos os estudos, o método era entendido pelas entrevistadas como uma pílula abortiva. O MS recorrentemente ratifica, em documentos oficiais, que a gravidez só existe a partir da concepção, quando o óvulo fecundado se implanta na parede uterina e o desenvolvimento embrionário começa, o que Drezett (2009) afirma ocorrer entre o 11º. e o 12º. dia após a fecundação (essa informação não foi apresentada em nenhum texto de jornal 113 analisado). Para a CNBB, esse argumento é um “eufemismo”, para que a suposta eliminação de um óvulo fecundado, “já em fase de multiplicação celular, não seja vista como uma interrupção de gravidez” (FSP, 15/03/05). Muitos profissionais de saúde, assim como vários atores ligados ao catolicismo, apresentam ressalvas quanto à AE, fato que pode ser identificado em alguns textos publicados pelos jornais. As controvérsias e reações suscitadas pela questão do aborto marcam a discussão sobre a aceitabilidade de métodos contraceptivos usados pós-coito e que têm mecanismos de ação associados a abortamentos: o DIU e a AE. Há entre os médicos a idéia de que esses métodos provocariam “microabortos” (FAÚNDES et al., 2004). Artigo publicado em O Globo (06/10/05) chama a atenção para o fato de que “a pílula do dia seguinte seria introduzida [pela nova política] não como método anticoncepcional, mas emergencial”. O fato de a AE ser usada em determinadas situações no pós-coito, como recurso contraceptivo para evitar gestações não previstas quando há falhas ou não uso de outros métodos, não tira sua característica de ser um método anticoncepcional. A particularidade da AE está em não ser um método de uso regular, mas sim um contraceptivo para situações emergenciais. A redação desse texto de O Globo contribui para uma compreensão da AE como uma pílula abortiva. Outros textos dos jornais apresentam a preocupação recorrente entre os médicos de que as mulheres não saberiam usar a AE, abandonariam métodos contraceptivos de uso regular e abusariam do uso deste, por não compreenderem sua indicação e suas contraindicações. Como apontado em pesquisa realizada pela Febrasgo, noticiada pela Folha de S. Paulo (14/02/05), muitos médicos prescrevem a AE em seus consultórios particulares, mas não fazem isso com o público feminino a que atendem nas unidades de saúde pública. Há preconceito quanto às mulheres de classes populares: supostamente, essas mulheres desconheceriam o próprio corpo. Esse mesmo preconceito faz com que o direito de escolha seja suprimido e as mulheres, principalmente de camadas baixas, percam sua autonomia, tornando-se objeto da ação dos profissionais de saúde. Para corroborar esse pensamento, a Folha de S. Paulo (14/02/05), no único texto que traz depoimentos de mulheres que fizeram uso da AE, apresenta dois casos de mulheres (30 anos e 19 anos) que substituíram o uso do método anticonceptivo regular pelo uso “repetido” da AE. O jornal destinou significativa parte da notícia para as narrativas das entrevistadas, ressaltando que elas desconsideraram os efeitos colaterais do método, os quais foram listados ao final do texto como uma sentença de punição pelo uso. 114 Nos textos levantados, a Igreja Católica posiciona-se contra a distribuição da AE pelos serviços públicos de saúde, fato que afetaria apenas as mulheres de camadas baixas, que dependem das ações do Estado para ter assegurado seus direitos. Mulheres que podem comprar a medicação continuariam a usá-la. Os argumentos de que: a AE é o “último recurso contraceptivo”, que deve ser usado com “cuidado” e evitar-se abusos marca os depoimentos dos profissionais de saúde ligados ao MS, às secretarias estaduais e municipais de saúde, a diversas entidades que trabalham com direitos reprodutivos ou com saúde da mulher. A partir desses argumentos, duas questões podem ser levantadas: ser o último recurso pressupõe que as mulheres deveriam ter acesso aos diversos outros métodos contraceptivos nos serviços de saúde de forma contínua e sistemática, de maneira tal que a AE será usada apenas em situações emergenciais, quando ocorrer alguma falha ou imprevisto com o método escolhido por ela; a necessidade de prescrição médica é exigência da Anvisa, e conforme uma tendência internacional, tal exigência poderá ser revista. O uso abusivo do método é um problema que está relacionado ao atendimento nos serviços públicos de saúde e à incapacidade da Anvisa de fiscalizar e controlar a venda do medicamento nas farmácias. Em síntese, no debate construído pela mídia impressa no Brasil, nos últimos anos, o aborto tem sido o argumento central da discussão sobre a AE: ao buscar-se sua legitimação, invoca-se que o método poderá evitar futuros abortos inseguros, uma etapa “pré-aborto”; ao se tentar impedir sua disponibilização, oferta e utilização, a AE é considerada abortiva, porque, usada pós-coito, provocaria um “aborto químico”, um “microaborto”, é o “primeiro passo para a liberação do aborto”. Os jornais analisados podem estar construindo embates entre as fontes oficiais, favoráveis e contrárias, sobre a questão da AE, de tal forma que os conflitos apresentados nas páginas impressas possam ser maiores do que os realmente vividos. O que a mídia informa ou retrata sobre corpo e comportamento “tem amplas conseqüências sobre nossas vidas; faz parte da realidade social que afeta nosso trabalho, nossa saúde, nosso acesso a direitos e nosso entendimento de o que é ser mulher, homem, negro ou homossexual” (CITELI, 2001, p. 258). A mídia impressa brasileira divulga textos de cunho moral e com informações passíveis de contestação quanto ao uso de métodos contraceptivos e ao exercício livre da sexualidade da mulher brasileira. 115 CONSIDERAÇÕES FINAIS O aparecimento de novas normas não altera de imediato as representações que envolvem a AE (BOZON, 1995). Conseqüentemente, as práticas de saúde revelam a persistência de antigas representações. A normatização da AE pelo MS é um avanço, um passo importante, mas não é suficiente para garantir a implantação de novas práticas nos serviços de saúde, sensibilizar profissionais de saúde não plenamente convictos dos benefícios desse método – se usado nas situações em que é indicado –, dirimir dúvidas e alterar formas de pensamento consolidadas há muitos anos, que resistem às mudanças. Enfrentar esse paradoxo torna-se desafio. De um lado, há uma política oficial do MS que subscreve a AE, uma legislação específica e normas, as quais formam um arcabouço legal para distribuição e uso da pílula de emergência no país, mas, de outro lado, há resistências, barreiras culturais e desinformação, que comprometem o acesso e uso do método pela maioria da população usuária do SUS. O fato de a população se sentir mais à vontade para recorrer às farmácias para comprar AE sem orientação médica e, assim, colocar sua saúde em risco não é fato isolado, pois está diretamente ligado a um eventual julgamento moral, que pode ocorrer nos serviços de saúde, se os profissionais não estão preparados para lidar com a situação. Qualquer transformação no plano das representações sociais e das práticas em saúde – que envolvem mudanças de valores e de comportamentos sociais (BOZON, 1995) – exige profunda disposição dos envolvidos para se desarmar, despir-se de preconceitos, reaprender a lidar com o tema da contracepção e da gravidez imprevista, sem estigmatizar os usuários. Todos os envolvidos devem, de fato, assumir o compromisso ético de respeitar os direitos sexuais e reprodutivos dos usuários. O debate social sobre a AE nos jornais O Globo e Folha de S. Paulo no período 20052008 alimenta os conflitos entre o Estado e a hierarquia da Igreja Católica, no que se refere ao tema do controle da reprodução e, conseqüentemente, ao aborto – assunto que está sempre associado ao método pós-coito nos jornais. Com tantos termos bélicos usados nos textos para se referir à AE, é possível acreditar que há uma guerra – ou seria uma “nova Cruzada”? Apesar de a mídia reproduzir divergências entre os grupos favoráveis e contrários à AE com categorias bélicas, o que torna os textos mais atrativos para a leitura e o consumo, de certa forma, as discordâncias são superficiais, pois Estado e Igreja Católica, no Brasil, 116 mantêm relações cordiais de parceria, como citado no Acordo entre Brasil e Vaticano (BRASIL, 2008b). A Igreja Católica tem construído uma retórica contra a AE baseada em uma discussão da bioética, porém, muitos termos usados pelos interlocutores católicos, editados pelos jornais, remetem ao estilo de argumentação empregado contra o aborto durante anos: “assassinar”, “matar” etc. O que essa instituição tenta fazer em relação à AE é apresentar uma oratória centrada em premissas da filosofia, dos direitos humanos, da ética, que apenas reformam velhos argumentos, dando-lhes nova roupagem, mas mantém a base dogmática de que o ato sexual tem a função única da procriação. Os textos reproduzidos pelos dois jornais analisados apontam para um debate sobre a AE mais técnico do que político. Como há um contexto normativo-jurídico favorável ao método, os interlocutores que conquistam espaço na mídia são aqueles que apresentam argumentos mais técnico-científicos. Poucos textos trazem como fonte ou assunto o posicionamento de políticos estaduais ou federais. As disputas ficam no nível municipal, quando câmaras de vereadores ou representantes de instituições ligadas à Igreja Católica tentam vetar a distribuição do método, sem sucesso. Em estudo sobre o debate da AE na mídia impressa chilena, Dides Castillo (2006) identificou nos jornais analisados, além de um discurso conservador, um contexto de conflitos político-jurídicos. O Chile não tem cenário normativo-jurídico favorável ao método, o que provoca várias disputas em âmbito nacional quanto à distribuição da AE pelos serviços de saúde. O assunto ganha as páginas dos jornais mediante apresentação de divergências político-jurídicas entre interlocutores chilenos com representatividade nacional: instituições pró-vida, Ministério da Saúde, presidente do país, Corte Suprema, Tribunal Constitucional, políticos do cenário nacional. No Brasil, há uma cobertura polarizada do assunto: de um lado, Estado e instituições que o apóiam, de outro, a hierarquia da Igreja Católica e grupos a ela ligados. A mídia apresenta o discurso dos grupos favoráveis de modo pouco veemente. Não há relato nos textos analisados de ações do Estado e de grupos favoráveis à AE de forma mais expressiva, mais ofensiva aos argumentos contrários ao método. São reproduzidos nos textos argumentos pouco incisivos e esclarecedores, que não respondem aos argumentos da Igreja. Esse “comportamento passivo” de entidades que defendem os direitos reprodutivos foi observado por Melo (2001), em pesquisa de monitoramento de mídia impressa (jornais) sobre a questão do aborto. Segundo a autora, o posicionamento do movimento feminista ao longo do período monitorado foi precário. Por diversas vezes, os grupos deixaram de ocupar espaços 117 para a multiplicação de seus argumentos e para a formação de opinião favorável a suas demandas e reivindicações de forma mais clara e incisiva. Já a mobilização pública dos grupos pró-vida frente à mídia, quanto ao debate sobre o aborto, apresenta “forte capacidade de articulação”. Eles atuam em redes tanto no cenário nacional como latino-americano, mostram-se influentes em áreas importantes para o debate público sobre o aborto, valem-se de “estratégias comuns a qualquer ator da sociedade civil, de forma a conquistar legitimidade de ação” pelas vias da democracia, e não mais por suas características religiosas (INSTITUTO PATRICIA GALVÃO, 2005, p.37-38). Esses grupos pró-vida atuam também no debate contra a AE, e são os principais interlocutores contrários a esse método identificados nos jornais O Globo e Folha de S. Paulo no período monitorado. O debate sobre a AE nos jornais poderia e deveria ser mais informativo e esclarecedor. A mídia trabalha com representações que pouco contribuem para a compreensão do método como aporte à autonomia e à sexualidade no campo dos direitos humanos. Temas como a legalidade do método, seu caráter não abortivo e seu modo de ação precisam ser abordados, tanto pelos programas de saúde quanto pela mídia. A mídia teria ação importante para segmento etário de adolescentes e jovens: poderia ser significativo espaço de informação, orientação e esclarecimento. Tais ações são necessárias para se anular os argumentos médicos-científicos da Igreja contra a AE. Lupton (apud DIAS et al., 2004) aponta que a utilização da mídia popular para promoção da saúde deveria ser uma atividade pedagógica. No entanto, essa mídia usa uma pedagogia politicamente conservadora, que geralmente aceita seus objetivos de forma acrítica, direcionada para injetar conhecimentos em sujeitos vistos como receptores vazios. A mídia não assume a função de se constituir como uma pedagogia orientada a encorajar um pensamento crítico e desafiar o status quo. Lemos (2006) alerta que os veículos de comunicação transmitem saberes, levantando o debate sobre o deslocamento das narrativas. O saber produzido por especialistas médicos é confrontado com a urgência do entendimento do público em geral, critério defendido pelos jornalistas. Os cadernos de jornalismo científico seria um exemplo de como o discurso biomédico deve ser “traduzido” a fim de alcançar o grande público. [...] a transposição de linguagens é problemática e pode mesmo gerar questões éticas quanto à validade do que é noticiado. Muitas vezes, os veículos utilizam uma terminologia metafórica e apelativa e exploram os segmentos preditivos da medicina como um filão que fornece informações legitimadas por uma idéia positivista de ciência [...] (LEMOS, 2006, p.20). 118 Algumas produções da mídia são capazes de refletir uma determinada relação entre a sociedade e o discurso científico e/ou biomédico, simbolizando formas variadas de apropriação destes discursos. Assim, a representação de uma doença na mídia é uma forma de entendimento desta doença. Também um conceito epidemiológico traduzido ou interpretado pela mídia é, independentemente dos equívocos e incorreções que possam vir ou não a apresentar, uma forma cultural de apreensão deste conceito (LEMOS, 2006, p.20). O discurso biomédico/científico circula nos meios de comunicação de diversas formas, além do jornalismo científico. Diferentes produções na mídia são elaboradas com estes temas. A mídia propaga informações variadas e com alcances variados, produz textos com o objetivo de capturar a atenção, entreter e gerar consumo. Para Lemos (2006, p.21), esse complexo sistema ultrapassa uma divisão exata quanto a suas funções, “operam e articulam todas estas etapas simultaneamente: noticiam, produzem entretenimento e diversão, proporcionam o consumo tanto quanto dele também dependem”. Estudo multicêntrico realizado no Brasil, Chile e México (DÍAZ et al., 2003a; DÍAZ et al., 2003b) apontou que o uso dos meios de comunicação na divulgação de informações da AE no cenário nacional seria um aspecto facilitador da introdução social da AE. Para tanto, os meios de comunicação deveriam ser usados com cuidado na diferenciação entre o método pós-coito, o misoprostol e o medicamento RU486. No que se refere aos jornais O Globo e Folha de S. Paulo, não se pode considerar que a mídia contribuiu para diferenciar a AE de métodos abortivos. O debate sobre a AE esteve sempre correlacionado, de alguma forma, ao assunto (ou à expressão) aborto. Como o aborto tem sido o argumento central da cobertura jornalística sobre a AE na mídia impressa, alguns problemas dessa estratégia discursiva podem ser destacados. Mesmo nos discursos favoráveis ao método pós-coito, o termo aborto sempre está presente, e esse fato pode dificultar o reconhecimento da AE pelas potenciais usuárias como método contraceptivo que não provoca danos a seu organismo, se corretamente usado, ou abortamentos. Como as expressões AE e aborto estão quase sempre “casadas” nos textos, isso pode fortalecer o posicionamento contrário ao método, que se vale de argumentos médico-científicos para denominá-lo abortivo. Os jornais analisados apresentam informações basicamente sobre a região Sudeste, em raras exceções, a cobertura jornalística desvia-se para eventos do Nordeste (distribuição da AE nos carnavais de Salvador, Olinda, Recife e Paulista). Em um país com dimensões 119 continentais e com tamanha diversidade cultural, faz-se necessário conhecer os debates regionais sobre a AE, a fim de investigar a correlação entre forças do Estado e da Igreja Católica, os interlocutores envolvidos no debate, os argumentos em jogo e também descobrir onde esse método é conhecido e usado. É preciso investigar mais a mídia brasileira e o tema da AE na adolescência. Uma pesquisa necessária é mapear o debate de revistas, sites e livros didáticos direcionados ao público adolescente e jovem sobre AE. Outra pista de investigação é conhecer as representações sociais da AE em revistas semanais (Veja, Isto É, Época), que alcançam outro segmento de leitores. Ainda, outra proposta de investigação é conhecer a oratória de outras religiões (evangélicas, kardecista, judaica, afro-descendentes) sobre a AE, compará-la com a retórica da Igreja Católica e, a partir dos resultados, encontrar meios de difundir a AE entre os variados grupos religiosos. Uma política de direitos reprodutivos que enfrenta obstáculos à disponibilização de um leque mais variado de métodos às usuárias, mas que passou a distribuir a AE em 2005 a todos os serviços, precisa investir em ações a fim de enfrentar os desafios postos para a consolidação do uso desse método. No campo das políticas de saúde reprodutiva, é preciso pensar sobre algumas questões: Por que é tão estruturante controlar a sexualidade feminina, condicioná-la à gestação e vincular a existência feminina ao espaço doméstico? Por que, mesmo com os avanços no campo dos direitos humanos, a alta hierarquia católica ainda tem força, no cenário da América Latina, para imprimir sua ideologia sobre sexualidade na constituição de políticas públicas, acabando por restringir direitos fundamentais às mulheres? 120 REFERÊNCIAS ALVES, J. E. D. As políticas populacionais e o planejamento familiar na América Latina e no Brasil. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Ciências Estatísticas, 2006. 52p. ALVES, C. 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Blog Mulheres REDE BRASILEIRA DE PROMOÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DA CONTRACEPÇÃO DE EMERGÊNCIA – REDE CE. Disponível em: <http://www.redece.org>. CONSÓCIO LATINO-AMERICANO DE ANTICONCEPÇÃO DE EMERGÊNCIA – CLAE. Disponível em: <http://www.clae.info>. 129 ANEXO 1 – ROTEIRO PARA COLETA DE DADOS DOS TEXTOS SELECIONADOS 1- Veículo: ( ) O Globo ( ) Folha de São Paulo 2- Data: ___/___/___ 3- Seção:____________________________________ 4- Número de linhas:______ 5- Página:____________________________________ 6- Localização na página:________________________ 7- Chamada na capa: sim ( ) não ( ) 8- Ilustração: sim ( ) não ( ) 9- Tipo da ilustração: ________________________________________________________ 10- Título: __________________________________________________________________ 11- Texto assinado: Sim ( ) Não ( ) 12- Autor: (quem assina o texto) _____________________________________________ 13- Origem da informação: ( ) nacional ( ) internacional 14- Fonte: 14.1 Enquadramento/Abordagem 14.1.1 Progresso: a) Celebra novos desenvolvimentos b) Avanços c) Direção da história d) Conflito entre progressistas e conservadores/reacionários 14.1.2 Questões éticas a) Apela a princípios éticos b) Limiares c) Fronteiras d) Distinções entre riscos aceitáveis e não aceitáveis e) Dilemas f) Ética profissional g) Ética pessoal 130 14.1.3 Caixa de Pandora a) Apresenta restrições face a riscos desconhecidos a saúde física e mental b) Riscos desconhecidos como ameaças antecipadas c) Alarme de catástrofe 14.1.4 Risco de descontrole a) Aponta preços a serem pagos no futuro b) Aponta a falta de controle depois de algum evento 14.2 Tom da Fonte de Informação 14.2.1 Executivo, Legislativo, Judiciário a) Executivo federal b) Presidente c) Governador d) Prefeito e) Ministros de Estado e secretários f) Senadores g) Deputados Federais h) Deputados Estaduais i) Vereadores j) Juízes e promotores k) Militares l) Policiais 14.2.2 Ciência e medicina a) Cientistas b) Periódicos científicos e/ou revista de divulgação científica c) Médicos e/ou Hospitais d) Usuários e) Outros: _________________________________ 14.2.3 Outros grupos de interesse a) Católicos b) Outros grupos religiosos c) Grupos organizados contrários à AE d) Grupos organizados favoráveis à AE e) Bioeticistas f) Outros: _________________________________ 131 14.3 Vinculação disciplinar da fonte ( ) Ciências sociais e humanas ( ) Ciências médicas e biológicas ( ) Direito, ética, bioética ( ) Moral 15- Gênero Jornalístico: a) Editorial b) Artigo c) Carta do leitor d) Entrevista e) Notícia f) Nota de colunista g) Outro: ____________________________________ 16- Texto específico: Sim ( ) Não ( ) 132 ANEXO 2 – FONTES DO LEVANTAMENTO FOLHA DE S. PAULO Período pesquisado: 01/01/2005 a 31/12/2008 ANO: 2005 1. Ministério amplia a distribuição gratuita da pílula do dia seguinte, 14/02/2005 Seção Cotidiano – página C1 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1402200501.htm>. 2. Estado laico e defesa da vida – Luciano Mendes de Almeida, 12/03/2005 Seção Opinião – página A2 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1203200507.htm>. 3. Legalização em debate: Saúde ataca crítico da pílula do dia seguinte, 15/03/2005 Seção Cotidiano – página C6 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1503200526.htm>. 4. O problema está na educação, 20/03/2005 Seção Cotidiano/Plantão Médico – página C9 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2003200517.htm>. 5. Painel do leitor: Pílula do dia seguinte, 23/03/200520 Seção Opinião – página A3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2303200510.htm>. 6. Livro de Dom Cláudio terá lançamento hoje, 10/04/2005 Seção Mundo – Especial 2 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1004200507.htm>. 7. Cotidiano: Vereadores podem vetar contraceptivo, 30/04/2005 Seção Capa21 8. Saúde reprodutiva: Projetos tentam vetar pílula do dia seguinte, 30/04/2005 Seção Cotidiano – página C4 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3004200507.htm>. 20 Algumas cartas do leitor apresentam duas opiniões de leitores diferentes sob o mesmo título. Cada opinião foi computada como uma carta. 21 O acesso aos textos da Folha de S. Paulo, em formato Word, pela Internet (Disponível em: <http://www.folha.uol.com.br/>) é apenas para assinantes do jornal e assinantes do provedor UOL. Os nãoassinantes podem apenas identificar uma listagem com os títulos das matérias, por meio da ferramenta de busca que consta na página do jornal. A chamada na capa (manchete) não é possível acessar pelo sítio da Folha. Por isso, não há link para acesso, porém, o texto de que trata essa chamada é localizado por esse processo de busca. Todos os textos da Folha, em formato de jornal impresso, foram comprados no banco de dados desse jornal. 133 9. Painel do leitor: Dia Seguinte, 04/05/2005 Seção Opinião – página A3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0405200511.htm>. 10. Contracepção abortada: Distribuição de pílula é proibida em São José, 06/05/2005 Seção Cotidiano – página C10 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0605200524.htm>. 11. Painel do leitor: Dia seguinte, 08/05/2005 Seção Opinião – página A3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0805200509.htm>. 12. Painel do Leitor: Dia seguinte, 11/05/2005 Seção Opinião – página A3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1105200511.htm>. 13. Painel do leitor: Dia seguinte, 13/05/2005 Seção Opinião – página A3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1305200511.htm>. 14. A lógica do planejamento familiar – Tendências/Debates Humberto Costa, 15/05/2005 Seção Opinião – página A3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1505200508.htm>. 15. Saúde: Ministério contesta veto à pílula pós-sexo, 17/05/2005 Seção Cotidiano – página C2 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1705200504.htm>. 16. Saúde: CNBB critica distribuição de pílula do dia seguinte e diz que medida fere Constituição, 18/05/2005 Seção Cotidiano – página C6 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1805200533.htm>. 17. São José dos Campos: Ação pede fim do veto à pílula do dia seguinte, 19/05/2005 Seção Cotidiano – página C9 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1905200536.htm>. 18. Painel do leitor: Dia seguinte, 19/05/2005 Seção Opinião – página A3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1905200511.htm>. 19. Editoriais: Veto à pílula, 20/05/2005 Seção Opinião – página A2 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2005200503.htm>. 20. Painel do leitor: Solução covarde, 21/05/2005 Seção Opinião – página A3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2105200510.htm>. 134 21. Painel do leitor: Dia seguinte, 23/05/2005 Seção Opinião – página A3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2305200511.htm>. 22. Grávida desiste de aborto após 28 comprimidos, 29/05/2005 Seção Cotidiano – página C5 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2905200521.htm>. 23. Reprodução: Juiz manda distribuir pílula do dia seguinte, 31/05/2005 Seção Cotidiano – página C7 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3105200521.htm>. 24. Para polícia, não há motivo para pânico, 14/06/2005 Seção Cotidiano – página C1 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1406200502.htm>. 25. Mãe precoce: “Campanha reduziu gravidez indesejada”, 19/06/2005 Seção Cotidiano – página C13 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1906200530.htm>. 26. Jacareí proíbe distribuir pílula do dia seguinte, 14/07/2005 Seção Cotidiano – página C4 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1407200512.htm>. 27. Painel do leitor: Dia seguinte, 17/07/2005 Seção Opinião – página A3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1707200511.htm>. 28. Painel do leitor: Aborto, 07/09/2005 Seção Opinião – página A3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0709200511.htm>. 29. Legalização em Debate: Atrasado 2 meses, projeto do aborto chega à Câmara, 27/09/2005 Seção Cotidiano – página C6 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2709200517.htm>. 30. EUA: Schwarzenegger pode sofrer derrota nas urnas, 08/11/2005 Seção Mundo – página A14 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft0811200510.htm>. 31. Pelo direito à opção – Jandira Feghali, 06/12/2005 Seção Opinião/Tendências e Debates – página A3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0612200510.htm>. ANO: 2006 32. Carnaval: Salvador dá pílula do dia seguinte à foliona, 16/02/2006 Seção Cotidiano – página C4 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1602200624.htm>. 135 33. Cinema: “Meninas” faz retrato da gravidez adolescente, 08/05/2006 Seção Ilustrada – página E5 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0805200618.htm>. 34. Propaganda negativa na tevê afeta campanha do candidato da esquerda, 21/05/2006 Seção Mundo – página A33 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft2105200616.htm>. 35. Liberal na economia e conservador nos costumes – Calderón promete continuidade, 25/06/2006 Seção Mundo – página A26 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft2506200605.htm>. 36. Mexicano ainda precisa construir sua legitimidade, 07/07/2006 Seção Mundo – página A12 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft0707200606.htm>. 37. EUA liberam pílula do dia seguinte sem prescrição médica, 25/08/2006 Seção Cotidiano – página C8 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2508200622.htm>. 38. Calderón é declarado vencedor no México, 06/09/2006 Seção Mundo – página A13 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft0609200601.htm>. 39. Bachelet enfrenta Igreja por pílula do dia seguinte, 12/09/2006 Seção Mundo – página A12 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1209200611.htm>. 40. A desconhecida lição das mulheres solteiras – Gilberto Dimenstein, 17/09/2006 Seção Cotidiano – página C10 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1709200621.htm>. 41. São José dos Campos: TJ derruba lei que veta pílula do dia seguinte, 30/11/2006 Seção Cotidiano – página C8 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3011200621.htm>. ANO: 2007 42. “Ciência” vira argumento de antiabortistas, 15/04/2007 Seção Cotidiano – página C8 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1504200718.htm>. 43. “Aborto não pode ser sentença de morte” – Entrevista/Carmen Barroso, 04/06/2007 Seção Cotidiano – página C6 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0406200718.htm>. 44. O Brasil do dia seguinte – Gilberto Dimenstein, 17/06/2007 Seção Cotidiano – página C13 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1706200718.htm>. 136 45. Governo quer facilitar uso da pílula do dia seguinte, 26/06/2007 Seção Capa 46. Ministério quer facilitar acesso à pílula do dia seguinte – Sabatina Folha/José Gomes Temporão, 26/06/2007 Seção Cotidiano – página C6 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2606200718.htm>. 47. Editoriais: Polêmica do dia seguinte, 27/06/2007 Seção Opinião – página A2 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2706200702.htm>. 48. Dia seguinte: Governo não tem dados sobre pílula em 2007, 27/06/2007 Seção Cotidiano – página C9 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2706200731.htm>. 49. Painel do Leitor: Aborto, 28/06/2007 Seção Opinião – página A3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2806200710.htm>. 50. Painel do Leitor: Temporão, 28/06/2007 Seção Opinião – página A3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2806200710.htm>. 51. Corrigindo uma injustiça social – Tendências/Debates Carmen Barroso, 30/06/2007 Seção Opinião – página A3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz3006200708.htm>. 52. O direito de viver – Tendências/Debates Dr. Talmir Rodrigues, 30/06/2007 Seção Opinião – página A3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz3006200709.htm>. 53. Painel do Leitor: Pílula do dia seguinte, 03/07/2007 Seção Opinião – página A3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0307200710.htm>. 54. Bush é acusado de por política à frente da saúde pública, 12/07/2007 Seção Mundo – página A12 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1207200701.htm>. 55. DVD antiaborto é distribuído por diocese, 16/08/2007 Seção Cotidiano – página C5 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1608200716.htm>. 56. Painel do Leitor: Aborto, 11/11/2007 Seção Opinião – página A3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1111200710.htm>. 137 ANO: 2008 57. Cotidiano: Recife distribuirá pílula do dia seguinte e camisinhas no Carnaval; Igreja ameaça ir à Justiça, 24/01/2008 Seção Capa 58. Carnaval de Pernambuco terá “kit sexo” gratuito, 24/01/2008 Seção Cotidiano – página C10 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2401200826.htm>. 59. Carnaval: Igreja em PE vai à Justiça contra pílula do dia seguinte grátis, 25/01/2008 Seção Cotidiano – página C8 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2501200823.htm>. 60. Temporão critica ação da Igreja contra pílula, 28/01/2008 Seção Cotidiano – página C3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2801200811.htm>. 61. Cotidiano: Igreja pede suspensão de pílula do dia seguinte ao Ministério Público, 29/01/2008 Seção Capa 62. Promotoria nega pedido da Igreja para barrar distribuição da pílula do dia seguinte, 29/01/2008 Seção Cotidiano – página C6 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2901200816.htm>. 63. Editoriais: O bispo e a pílula, 29/01/2008 Seção Opinião – página A2 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2901200802.htm>. 64. Pernambuco: Associação entra na Justiça contra pílula no Carnaval, 30/01/2008 Seção Cotidiano – página C8 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3001200823.htm>. 65. Painel do Leitor: Camisinha, 30/01/2008. Seção Opinião – página A3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz3001200810.htm>. 66. Painel do Leitor: Camisinha, 31/01/2008 Seção Opinião – página A3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz3101200810.htm>. 67. Painel do Leitor: Carnaval e sexo, 01/02/2008 Seção Opinião – página A3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0102200810.htm>. 68. Recife distribuiu 31 pílulas do dia seguinte, 07/02/2008 Seção Cotidiano – página C6 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0702200812.htm>. 138 69. Painel do Leitor: Aborto, 08/04/2008 Seção Opinião – página A3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0804200810.htm>. 70. Prefeituras negam problemas em fila para realizar cirurgia de esterilização, 18/09/2008 Seção Cotidiano Especial – página C3 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff1809200838.htm>. 71. Vaticano estabelece diretrizes bioéticas em novo documento, 13/12/2008 Seção Mundo – página A15 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft1312200804.htm>. O GLOBO Período pesquisado: 01/01/2005 a 31/12/2008 ANO: 2005 1. Pílula do dia seguinte é regulamentada, 26/01/2005 Seção Rio – página 1622 2. Rio: Cesar ouve Igreja e cancela a distribuição de pílula, 28/01/2005 Página 2 3. Anulada a distribuição de contraceptivo, 28/01/2005 Seção Rio – página 14 4. Saúde vai financiar 100% do planejamento familiar, 29/01/2005 Seção O País – página 9 5. Cartas dos leitores: Dia seguinte, 29/01/2005 Seção Opinião – página 6 6. Planejamento Familiar: CNBB critica governo, 30/01/2005 Seção O País – página 4 7. A pílula do dia seguinte ou a fé que move até o Diário Oficial, 04/02/2005 Colunas e Artigos: Luiz Garcia – Página 2 8. A fé no Diário Oficial – Luiz Garcia, 04/02/2005 Seção Opinião – página 7 9. Cartas dos leitores: Estado sem religião, 07/02/2005 Seção Opinião – página 6 22 Não é possível acessar os textos do jornal O Globo pela Internet (<http://www.oglobo.globo.com>). A busca pelos textos, orientada pelos descritores, foi realizada na biblioteca do jornal. Uma vez localizados os textos (em formato de jornal impresso), eles foram comprados. Por isso, não há links abaixo dos textos, como ocorre no levantamento feito na Folha de S. Paulo. 139 10. A religião não pode ditar as normas da vida – Jacqueline Pitanguy, 04/03/2005 Seção Opinião/Tema em Debate: Aborto e planejamento familiar – página 7 11. Cartas dos leitores: Direito de Escolha, 04/03/2005 Seção Opinião – página 6 12. Cartas dos leitores: Direito de Escolha, 04/03/2005 Seção Opinião – página 6 13. Cartas dos leitores: Castidade, 09/03/2005 Seção Opinião – página 6 14. Pílula do dia seguinte será distribuída a jovens, 11/03/2005 Seção O País – página 14 15. Cartas dos leitores: Pílula para jovens, 13/03/2005 Seção Opinião – página 6 16. Cartas dos leitores: Direitos reprodutivos, 26/03/2005 Seção Opinião – página 6 17. Pílula e preservativo sim, aborto não, 20/04/2005 Seção O País – página 9 18. Onde estão as pílulas do prefeito? – Andrea Gouvêa Vieira, 06/10/2005 Seção Opinião/Tema em Debate: Direitos civis – página 7 ANO: 2006 19. Festa começará hoje à noite com show pirotécnico: Folia deste ano terá o spray do beijo e pílula do dia seguinte, 23/02/2006 Seção Rio – página 17 20. „Até as pernas agüentarem‟: aposentado de 74 anos sai no Filhos de Gandhi, um dos blocos que tomam ruas de Salvador, 27/02/2006 Seção Carnaval – página 10 21. Sambista da pista quer herdar votos de cassados, 26/03/2006 Seção O País – página 10 22. EUA liberam venda sem receita de pílula antigravidez, 25/08/2006 Página 2 23. EUA liberam venda de pílula do dia seguinte, 25/08/2006 Seção O Mundo/Ciência e Vida – página 33 24. Chega ao fim lua-de-mel de Bachelet no Chile, 16/09/2006 Seção O Mundo/Ciência e Vida – página 42 140 ANO: 2007 25. Conselho diz que pílula do dia seguinte não provoca aborto, 18/01/2007 Página 2 26. Conselho de Medicina diz que uso da pílula do dia seguinte não é abortivo, 18/01/2007 Seção O País – página 9 27. Governo vai monitorar violência contra mulher, 16/02/2007 Seção O País – página 8 28. As nossas meninas-mães – Zuenir Ventura, 31/03/2007 Seção Opinião – página 7 29. Entidades pedem reforço para educação sexual, 29/05/2007 Seção O País – página 9 30. O fator violência: falta de segurança já é o segundo motivo para brasileiros defenderem planejamento familiar, 08/07/2007 Seção O País – página 3 ANO: 2008 31. Em Recife pílula do dia seguinte causa polêmica, 24/01/2008 Seção O País – página 11 32. A pílula da polêmica: Igreja tenta impedir distribuição de anticoncepcional, 29/01/2008 Seção O País – página 8 33. Juiz mantém pílula do dia seguinte: Decisão autoriza prefeituras de Pernambuco a distribuírem remédio, 31/01/2008 Seção O País – página 12 34. Sobras da Folia – Ricardo Noblat, 04/02/2008 Página 2 35. Aliás... – Coluna Anselmo Góis, 16/02/2008 Seção Rio – página 26 36. Cartas dos leitores: A dengue no Rio, 21/03/2008 Seção Opinião – página 6