PDF - Fronteiras do Pensamento
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GRO BRUNDTLAND LIBRETO PREPARATÓRIO GRO BRUNDTLAND (Noruega, 1939) Expediente Fronteiras do Pensamento Temporada 2014 Curadoria Fernando Schüler Produção Executiva Pedro Longhi Coordenação-geral Michele Mastalir Coordenação e Edição Luciana Thomé Pesquisa Francisco Azeredo Juliana Szabluk Editoração e Design Lume Ideias Revisão Ortográfica Renato Deitos www.fronteiras.com © Diplomata norueguesa. Líder internacional na área do desenvolvimento sustentável e da saúde pública, primeira mulher a chefiar o governo da Noruega. “Liderança significa sempre adotar a visão de longo prazo, inspirada em nossas necessidades comuns e em um claro senso de responsabilidade compartilhada para tomar as medidas necessárias. No nosso tempo, significa pensar ainda mais à frente do que os líderes tiveram que fazer há uma ou duas gerações.” VIDA E OBRA Gro Brundtland foi a primeira mulher a chefiar o go- a limitação do crescimento populacional, a diminuição do verno da Noruega, exercendo o cargo de primeira-minis- consumo de energia e o aumento da produção industrial tra em três ocasiões, a primeira delas em 1981. Médica, em países não industrializados. O relatório serviu como base política e diplomata, também foi ministra de Assuntos para as discussões da Eco-92. Ambientais do país europeu. Ela graduou-se em medicina em Oslo, em 1963, e dois anos depois obteve o grau de mestre em Saúde Pública na Universidade de Harvard nos Estados Unidos. Entre 1998 e 2003, foi diretora-geral da Organização Mundial de Saúde e destacou-se quando, em 2003, vários casos da síndrome respiratória aguda severa (SARS, na sigla em inglês, também conhecida como pneumonia Uma de suas políticas destacadas na época em que asiática) foram registrados. Na ocasião, Gro viajou por foi primeira-ministra da Noruega foi a de estimular o vários países para instruir organizações e instituições a trabalho das mulheres. Antes de Gro assumir o cargo, a como lidar com a epidemia. Por esse trabalho, foi esco- maioria das mães norueguesas não trabalhava. As mu- lhida pela revista Scientific American como principal lide- danças na legislação promovidas por ela fizeram com que rança política daquele ano. a participação feminina nas universidades aumentasse para cerca de 55% nos dias de hoje. Atualmente, Gro é enviada especial das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, auxiliando o secretário- A norueguesa tornou-se mais conhecida mundialmente -geral Ban Ki-moon no trabalho de dialogar com os go- ao apresentar, em 1987, o relatório Nosso Futuro Comum, vernos e instituições visando ao estabelecimento de um dentro da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e De- tratado pós-Protocolo de Kyoto. senvolvimento da ONU, presidida por ela. No documento, A ex-primeira-ministra já visitou o Brasil em várias Brundtland propôs a integração entre a questão ambiental e oportunidades, a primeira delas em 1985. Em 2012, o desenvolvimento econômico, cunhando o termo “desen- participou do 3º Fórum Mundial de Sustentabilidade, volvimento sustentável”. Entre as medidas defendidas estão realizado em Manaus. Na ocasião, defendeu que o gover- 6 7 IDEIAS no brasileiro faça avaliações antes de iniciar a exploração de petróleo na área do pré-sal e consulte países como a própria Noruega, que realizou trabalho semelhante em águas profundas. Gro Brundtland é membro da Human-Etisk Forbund, uma das maiores associações humanistas do mundo, e da Academia de Letras da Noruega. Também integra o The Elders, grupo fundado por Nelson Mandela que reúne grandes líderes globais que trabalham em conjunto pela paz e pelos Direitos Humanos, como Kofi Annan, Jimmy Carter e Fernando Henrique Cardoso. “Os governos têm o poder de regular o sistema e interferir no comportamento da população. Você não pode lidar com a sociedade sem regulamentação. Todos nós entendemos isso quando falamos de tráfico ou de qualquer outra área na qual as pessoas não podem fazer tudo o que desejam. Da mesma forma, as empresas não podem atuar sem regulamentação. Entendo que as regras precisam ser cada vez mais globais. O sistema regulatório antigo já não funciona. Hoje, grande parte das empresas é multinacional, e muitas empresas nacionais já exportam para outros países. Ou seja, é preciso estabelecer mecanismos globais ou padrões éticos que regulem as formas de fazer negócios. Necessitamos desenvolver uma forma de governança que cruze as fronteiras dos países. Para que isso aconteça, as empresas precisam agir, as ONGs precisam ser ativas e apoiar uma forma de governança que não se baseie apenas nas atividades econômicas. E cabe aos governos negociar as regras do jogo que devem ser aplicadas de certa forma no mundo todo.” “Acho que a sociedade civil, consumidores, indivíduos, pessoas que se organizam para esperar transparência e responsabilização também do setor privado, podem fazer muita diferença ao exigir que o produto que compram explicite a pegada ecológica, os produtos químicos usados na fabricação etc. Então, há muito esforço sendo feito pela sociedade civil para exigir do mercado que seja mais transparente e mais responsabilizável, porque são responsáveis pelos produtos que fazem.” 8 9 ESTANTE “Basicamente, quando eu leio recomendações do Nosso Futuro Comum de 25 anos atrás, eu poderia repetir as mesmas recomendações hoje. Então, sobre o conceito de desenvolvimento sustentável, a mensagem é que a necessidade de mudança é tão relevante como era há 25 anos. Na história humana, quando se olha para ela em uma perspectiva de longo prazo, claro que 25 anos não é tanto tempo. Sem falar em 20 anos, desde quando o pedido por mudança está em pauta, para realmente fazer as mudanças. Isso significa que, neste momento, muito mais pessoas – muito mais, ao redor do mundo – estão cientes das mensagens que foram ditas há 20 anos. Então, espero que consigam se unir mais e progredir no compromisso para a mudança.” “Temos que admitir que aumentou a consciência em todas as áreas. Temos tido avanços em entender que a questão é intersetorial e requer a participação do setor privado, instituições científicas, governos, ONGs e opinião pública. Mas estamos no meio do caminho. Muitos países passaram a adotar políticas ambientais e investir em novas tecnologias. Muitas das ideias surgidas na Comissão começaram a sair do papel, mas não é suficiente. Não estamos indo na velocidade suficiente. Os ataques terroristas de 2001 desviaram o foco das questões ambientais, e só agora retomamos o debate.” 10 DEFINING SUSTAINABLE DEVELOPMENT FOR OUR COMMON FUTURE: A HISTORY OF THE WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT (Brundtland Commission) De Iris Borowy 1ª edição 2013 / Sem edição em português Livro que classifica a Comissão Brundtland como um evento-chave na história do desenvolvimento sustentável e faz avaliações do seu impacto, da década de 1980 aos dias atuais. 11 MADAM PRIME MINISTER: A LIFE IN POWER AND POLITICS De Gro Harlem Brundtland 1ª edição 2002 / Sem edição em português Nesta autobiografia, Brundtland escreve abertamente e com humor sobre a criação de seus filhos no momento em que era o centro das atenções políticas e sobre como lidar com a oposição política e os estereótipos sobre as mulheres. Sua trajetória é uma história fascinante da habilidade de uma pessoa de fazer a diferença em nível mundial. 50 GRANDES AMBIENTALISTAS – DE BUDA A CHICO MENDES 1ª edição 2001 / Edição em português – Contexto, 2006 Livro que traz as ideias e doutrinas de 50 personalidades – de todas as partes do mundo e de diferentes períodos da história – que tiveram influência indiscutível sobre a ação e o pensamento ambientalistas. Entre eles, Gro Brundtland. 12 NOSSO FUTURO COMUM Our commom future De Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento 1ª edição 1987 / Edição em português – Editora FGV, 1991 Nosso Futuro Comum oferece uma agenda que defende o crescimento das economias baseadas em políticas que não prejudiquem e que podem até mesmo melhorar o meio ambiente. A Comissão defende uma união de economia e ecologia, para garantir o progresso humano sem causar danos às gerações futuras. 13 NA WEB WIKIPEDIA http://pt.wikipedia.org/wiki/Gro_Harlem_Brundtland SIGNS OF HOPE: WORKING TOWARDS OUR COMMON FUTURE De Linda Starke, com prefácio de Gro Harlem Brundtland 1ª edição 1990 / Sem edição em português Este livro registra o progresso de Nosso Futuro Comum, desde 1987, analisando as áreas avaliadas pela comissão. A autora buscou as iniciativas que estavam sendo tomadas por governos, pelas ONGs e na mídia. Também examinou a agenda de prioridades para uma mudança nos anos 1990 e as áreas onde os progressos são mais carentes. THE ELDERS Informações de Gro Brundtland no site do grupo The Elders (em inglês) http://theelders.org/gro-brundtland ONU Perfil de Gro Brundtland no site da Organização das Nações Unidas (em inglês) http://is.gd/GroB1 (http://www.un.org/News/dh/hlpanel/brundtland-bio.htm) ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE Perfil de Gro Brundtland publicado no site da Organização Mundial da Saúde em julho de 1998 (em inglês) http://is.gd/GroB2 (http://www.who.int/dg/brundtland/bruntland/en/) BBC NEWS Perfil de Gro Brundtland no site da BBC, publicado em janeiro de 1998 (em inglês) http://is.gd/GroB3 (http://news.bbc.co.uk/2/hi/51080.stm) 14 15 ENTREVISTAS Conceito ainda válido Abuso no uso do termo “sustentabilidade” Entrevista para o jornal Folha de S. Paulo, em março de 2012 http://is.gd/GroB4 (http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/1065497-ha-abuso-no-uso-desustentabilidade-diz-criadora-do-termo.shtml) Avanços em sustentabilidade Reprodução de entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo em outubro de 2007 http://is.gd/GroB5 (http://www.ihu.unisinos.br/noticias/noticias-arquivadas/10234-%60nao-estamosavancando-na-velocidade-suficiente%60-entrevista-com-gro-harlem-brundtland) VÍDEOS E LINKS Matéria sobre Gro Brundtland publicada em junho de 2012 no portal G1 http://is.gd/GroB7 (http://g1.globo.com/natureza/rio20/noticia/2012/06/para-criadoradesenvolvimento-sustentavel-ainda-e-conceito-valido.html) Mais dinheiro para países pobres Matéria publicada em junho de 2012 no portal G1 http://is.gd/GroB8 (http://g1.globo.com/natureza/rio20/noticia/2012/06/mae-do-termosustentabilidade-quer-mais-dinheiro-para-paises-pobres.html) Roda Viva Entrevista concedida por Gro Brundtland ao programa Roda Viva em novembro de 2005 http://is.gd/GroB9 (http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/216/entrevistados/gro_brundtland_2005.htm) Desafio da Rio+20 Matéria sobre Gro Brundtland publicada em junho de 2012 no site da revista Veja http://is.gd/GroB6 (http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/gro-brundtland-diz-que-implementacaodas-decisoes-e-o-desafio-da-rio-20) 16 17 ARTIGO A SUSTENTABILIDADE DEVE SER UMA META DA SOCIEDADE POR LUIZ MARQUES Doutor em História da Arte (Paris, EHESS, 1983), é, desde 1987, professor Livre-Docente do Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas. Foi curador-chefe do Museu de Arte de São Paulo (1995-1997). Suas áreas principais de docência e pesquisa são a história da arte italiana dos séculos XV e XVI em suas relações com a Tradição Clássica e, mais recentemente, as crises ambientais contemporâneas, a respeito das quais escreveu o livro Capitalismo e colapso ambiental (no prelo). It is simple, really. Human health and the health of ecosystems are inseparable. Gro Harlem Brundtland - Discurso de Camberra, 2000 Gro Harlem Brundtland publicou suas memórias em dois volumes em 1997 e 1998. Traduzidas para o inglês com o título Madam Prime Minister, elas constituem a principal fonte das informações biográficas aqui propostas. Criada em uma família militante no Partido Trabalhista e engajada na resistência à ocupação nazista da Noruega, Gro Harlem familiarizou-se desde a primeira 18 19 infância com o universo da política e com os ideais igua- tros muitos fatores, pelas chuvas ácidas e pelos primeiros litários da social-democracia. Seu pai, Gudmund Harlem desastres da exploração do petróleo offshore (após o pri- (1917-1988), fora militante do movimento comunista meiro choque do petróleo em 1973), tal como o incên- Mot Dag (“Ao encontro do dia”), mais tarde absorvido no dio da plataforma marítima Bravo, no mar do Norte, em Partido Trabalhista, onde se destacou como membro do 1977. A ação de Brundtland não se limitou a esses espi- Comitê Central (1949-1957) e diretor do Comitê de Oslo nhosos dossiês ou à proteção do famoso planalto de Har- (1952-1957), além de ministro dos Assuntos Sociais e da dangervidda. Um dos princípios pelos quais se pautou Saúde (1955-1961) e ministro da Defesa (1961-1965). seu Ministério foi o do poluidor-pagador-restaurador, Ainda criança, Gro Harlem fez breves estadas em já presente na lei norueguesa, mas pouco respeitado na- Nova York e no Egito, onde o pai trabalhou como médi- quele momento, inclusive em seu próprio partido. Dado co especialista em reabilitação sob os auspícios da ONU. o caráter transversal das questões de que se ocupa esse Abraçando a profissão do pai, Gro Harlem formou-se Ministério e suas competências fundadas em múltiplos médica nas Universidades de Oslo e de Harvard, com saberes (física, biologia, ecologia e economia), a jovem especialização em saúde pública (1965), em cuja quali- ministra foi capaz de realizar o sonho de todo ministro dade foi ativa militante na batalha pelo direito da mulher do Meio Ambiente: “trazer nossa área para o centro do ao aborto assistido. Tendo desposado Arne Olav Brun- debate político. (...) Tornei-me ‘ministra das Finanças’ dtland, com quem teve quatro filhos, sua carreira como em questões relativas à natureza e ao meio ambiente”. médica e pesquisadora foi interrompida quando, com Esta ideia de que o Ministério do Meio Ambiente deve apenas 35 anos, foi nomeada ministra do Meio Ambien- ser colocado no centro da governança tornou-se uma das te da Noruega. Brundtland ocupou esse cargo com gran- matrizes do pensamento de Brundtland. Em suas memó- de energia entre 1974 e 1979, anos de rápida emergência rias, ela afirma: “O Ministério do Meio Ambiente não na Europa da consciência ambiental, suscitada, entre ou- pode ser o único lugar onde se implementam as políticas 20 21 ambientais. Os Ministérios das Finanças e da Energia e é a partir de 1983 que tem início não apenas sua projeção as administrações locais – estes são os reais Ministérios do internacional, mas uma contribuição que viria a marcar Meio Ambiente, com autoridade e orçamentos que podem toda a posteridade do pensamento e da ação ecológicos. ser aplicados a estes problemas de modo a fazer a diferença”. Com efeito, a iniciativa de Javier Pérez de Cuéllar, secre- Nesse ínterim, Brundtland elegeu-se deputada no tário-geral da ONU, de convidá-la a presidir em 1983 Stortinget, o parlamento único norueguês, mandato que ela exerce apenas a partir de 1979, preferindo manter-se até então no governo. Em 1981, Brundtland é nomeada primeira-ministra da Noruega. Primeira mulher e a mais jovem personalidade a ocupar esse cargo na história de seu país, ela o serviu por dez anos, ao longo de três mandatos: 1981, 1986-1989 e 1990-1996, sendo ao mesmo tempo líder por 12 anos do Partido Trabalhista. Carreira Internacional e o Comitê Brundtland a Comissão Internacional sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (WCED), que logo passaria a ser conhecida por Comitê Brundtland, quase poderia resumir esse decênio no que se refere aos avanços da consciência sobre as crises ambientais. Composto por pessoas de 22 nações, sendo três da América do Sul, a missão do Comitê Brundtland era, nas palavras de sua presidente: “examinar e avaliar com olhos independentes as estruturas de nossas sociedades tal como desenvolvidas na Era Industrial. Em última instância, devíamos esboçar novos modos de proteger o meio ambiente, de combater a pobreza e o des- Já como ministra do Meio Ambiente e, em seguida, controlado crescimento populacional”. O trabalho desse como diretora da Comissão de Relações Internacionais do Comitê prolonga-se até 1987, dele resultando, como se Parlamento, Brundtland representara a Noruega em diver- sabe, o documento Our Common Future, que aprofunda sas comissões, por exemplo, na Organização para Coope- os 26 princípios constitutivos da seminal Declaração de ração e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e na co- Estocolmo de 1972, Only one Earth: The care and mainte- missão internacional sobre segurança e desarmamento di- nance of a small planet, que reunia as contribuições de 152 rigida por Olof Palme, primeiro-ministro da Suécia. Mas especialistas de 58 países. Our Common Future não apenas 22 23 retoma esses princípios, mas os coloca em nova perspecti- Compreende-se facilmente a ubiquidade atual do con- va ao manifestar – em resposta à globalização e ao triunfo ceito de “desenvolvimento sustentável”. Trata-se evidente- do chamado neoliberalismo da era Reagan-Thatcher – sua mente de um conceito-chave que, infelizmente, tornou-se contrariedade pelo fato de que: hoje pouco mais que um slogan publicitário. Para que recobre sua significação, é preciso defini-lo de modo rigoro- “a presente década caracteriza-se pelo recesso das preocupações sociais. Os cientistas chamam a atenção para problemas urgentes, mas complexos, que tratam de nossa própria sobrevivência: um planeta em aquecimento, ameaças à camada de ozônio, desertificação de terras agricultáveis”. so, isto é, nos termos do próprio Comitê Brundtland. Um sistema socioeconômico é sustentável se e somente se: (1) a atividade econômica puder se desenvolver de modo socialmente satisfatório sem destruir a biodiversidade e sem alterar as coordenadas ambientais do planeta numa velocidade superior à sua capacidade de adaptação; (2) a atividade econômica for capaz de “satisfazer as necessidades do pre- Em face dessa situação, Our Common Future cunha o sente sem comprometer a habilidade das gerações futuras de conceito-chave de “desenvolvimento sustentável” basea- satisfazer as suas próprias”. Numa palavra, para o documen- do no imprescindível avanço da governança global. Na to encabeçado por Brundtland, um sistema socioeconômi- abertura do relatório, Brundtland escrevia: “Talvez nossa co só é sustentável se puder compatibilizar o humano e a tarefa mais urgente hoje seja persuadir as nações da neces- imensa diversidade do não humano, o que equivale a dizer: sidade de retornar ao multilateralismo”. As coordenadas compatibilizar o homem de hoje e o de amanhã. Enfim, mentais que viriam a inspirar a Eco-92 e a Agenda 21, e a sustentabilidade deve ser uma meta da sociedade e não tudo o que delas se gerou, nasce desse documento, que uma solução simplesmente administrativa: “os problemas em 1989 já havia sido publicado em 17 línguas, gerando ambientais”, declara ela em suas memórias, “não desapare- uma imensa quantidade de comentários, adesões e crí- cerão sem um ativo desejo de mudança. A pressão pública é ticas, como a de Thijs de la Court (veja-se bibliografia). crucial em muitos países nos quais os políticos não levarão 24 25 a questão a sério até que a pressão do povo seja forte o sufi- mas de saúde infantil e maternal e desnutrição. (...) Hoje ciente para ser efetiva”. [1990], 90% dos recursos alocados para a saúde são gastos nos 10% da população mais rica. Isso, claramente, tem Diretora-geral da Organização Mundial da Saúde que mudar”. Suas prioridades foram, consequentemente, a malária, a Aids, a tuberculose, a vacinação e as doenças Em 1993, Brundtland formou e presidiu a World infantis da população pobre. Em 2003, Brundtland foi Commission on Environmental Development e foi, em agraciada pela Scientific American com o título de “Policy 1998, eleita diretora-geral da Organização Mundial da Saúde. Nessa posição, mantida até 2003, Brundtland foi capaz, como médica e ambientalista, de sintetizar a questão ambiental e a da saúde pública numa fórmula única, eleita como epígrafe desta apresentação: “É simples, realmente. A saúde humana e a saúde dos ecossistemas são inseparáveis”. Ela não subestimou, por outro lado, os Leader of the Year”, por seu combate à Síndrome Respiratória Aguda Severa (SARS), uma doença provavelmente causada por um coronavírus. Após 2003, Brundtland tem participado de diversos organismos de máximo prestígio internacional, entre os quais o Clube de Madri, uma organização composta de vínculos entre saúde e economia, nomeou Jeffrey Sachs, ex-chefes de Estado de regimes democráticos cujo intuito professor de Economia de Harvard, à frente do Comitê é fortalecer a governança democrática, e o grupo The El- de Macroeconomia e Saúde (Commission on Macroeco- ders, criado por Nelson Mandela e do qual fazem parte, nomics and Health), e enfrentou corajosamente, através entre outros, Kofi Annan (ex-Secretário-geral da ONU), de campanhas educativas e de taxação o lobby do tabaco. Desmond Tutu (arcebispo emérito da Cidade do Cabo) “Em 1990”, escreve ela ao sintetizar em suas memórias e os ex-presidentes Jimmy Carter e Fernando Henrique sua visão dos problemas da saúde pública mundial a se- Cardoso. Sua pauta é sugerir soluções para os mais di- rem enfrentados pela OMS, “quase metade das doenças versos problemas mundiais, das pandemias e mudanças suportadas pela humanidade decorre de contágio, proble- climáticas aos conflitos armados e o casamento infantil. 26 27 Gro Harlem Brundtland foi agraciada com a Medalha em Arquitetura da Fundação Thomas Jefferson, é membro da Academia de Ciências e Letras da Noruega e da Human-Etisk Forbund, a Associação Humanista da Noruega, afiliada à União Internacional Humanista e Ética, cujos princípios se pautam pela seguinte declaração: “Humanismo é uma instância de vida democrática, não teísta e ética, que Bibliografia BRUNDTLAND, Gro Harlem (dir.). Report of the World Commission on Environment and Development: Our Common Future, Oxford, Oxford University Press, 1987. BRUNDTLAND, Gro Harlem. Madam Prime Minister. New York: Farrar, Strauss and Giroux, 2002. afirma que os seres humanos têm o direito e a responsabili- COURT, Thijs de la. Beyond Brundtland: Green dade de conferir sentido e forma às suas vidas e, portanto, Development in the 1990. Londres: Zed Books, 1990. rejeita visões sobrenaturais da realidade”. A questão ambiental ganha novamente centralidade na ati- PALMER, Joy A. “Gro Harlem Brundtland.” Fifty Key Thinkers on the Environment. Londres: vidade diplomática de Brundtland quando, em maio de 2007, Routledge, 2006, tradução para o português, 50 grandes Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, nomeia-a – ao lado ambientalistas – De Buda a Chico Mendes. São Paulo: de Ricardo Lagos (ex-presidente do Chile) e de Hang Seung- Editora Contexto, 2006, p. 272-279. -soo (ex-primeiro-ministro da Coreia do Sul) – enviada especial para as Mudanças Climáticas, com a missão de estabelecer consultas sobre a receptividade dos governantes, notadamente do G8, em acolher iniciativas e políticas ambientalistas propugnadas pela ONU, sobretudo após o insucesso do Protocolo de Kyoto. Nessa qualidade, Brundtland declarou à revista Time: “Não se trata de dizer, dedo em riste, o que cada país deve fazer (...) A questão é como agir para evitar o desastre”. 28 29 ANOTAÇÕES ANOTAÇÕES
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