Kung Fu
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Kung Fu
O ESPÍRITO MARCIAL Uma Introdução à Origem, Filosofia e Psicologia do Kung Fu Marco Natali Índice Mensagem ......................... 3 Agradecimento .................... 4 Introdução ....................... 5 A História do Kung Fu ............ Os Precursores ................... O Templo Shaolin ................. Evolução do Shaolin .............. As Sociedades Secretas ........... Apólogos do Kung Fu .............. As Normas Budistas ............... Repartindo o que Sei ............. Uma Filosofia Pessoal ............ A Fraternidade Kung Fu ........... 7 14 19 27 38 48 54 83 84 97 Mensagem Existem pessoas que ao passarem por este mundo fazem de seus ideais a tarefa de levar amor e sensibilidade aos corações que delas se aproximam. Da mesma forma que o jardineiro não consegue tirar das mãos o perfume das flores que colhe, tais pessoas mantêm no semblante a irradiação do amor que exprimem. Que tuas pegadas sobre a Terra sejam marcos preciosos, atestando que por estes caminhos passa um ser humano que se lembra do exemplo do Nazareno e sabe, como ele, num ato de respeito à divindade interior, doar-se com amor em prol de um ideal construtivo e gratificante, que contribui para fazer de nosso pequenino planeta um mundo melhor. Dedicatória: Aos verdadeiros Artistas Marciais, que não se preocupam em julgar nem em difamar os praticantes de estilos diferentes dos seus. Aos verdadeiros Mestres de Kung Fu que se preocupam em transmitir valores éticos e morais a seus discípulos e não apenas as técnicas físicas. Introdução Este livro aborda uma introdução à origem do Espírito Marcial e, como tal, busca, nas origens do Kung Fu, a primeira e a mais abrangente das Artes Marciais, o lado espiritual. São citados nos capítulos iniciais fatos sobre a origem dos Shaolin somente divulgados no Brasil através da Fraternidade Kung Fu. Portanto este livro está apresentando ao público conhecimentos que eram mantidos secretos, nessa Fraternidade, até esta data. Os Shaolin são os legítimos pais do Kung Fu moderno e por analogia, das demais artes marciais do Oriente, sejam elas chinesas, japonesas ou coreanas. Mesmo quando há dúvidas na ascendência chinesa das demais artes marciais, essa dúvida limita-se à esfera das realizações físicas, pois a nível filosófico e espiritual, a presença do Zen nas artes japonesas e do Sun nas artes coreanas atesta, sem sombra de dúvida, ao menos a origem filosófica dessas artes. Quanto ao lado psicológico das Artes Marciais, o público brasileiro tem a rara oportunidade de conviver nestas páginas com as Dez Normas Budistas adotadas no Templo Shaolin, comentadas e adaptadas aos tempos modernos. Para enriquecer ainda mais esse cabedal de conhecimentos que corria o risco de ser esquecido pelo tempo, incluí sempre que pude um apólogo que, atendendo ao dito chinês "Um quadro vale mais que mil palavras", tenta ilustrar da melhor forma possível o ponto abordado em cada uma das normas. Quanto à Filosofia da Arte Marcial, só pude oferecer minhas conclusões pessoais, resultantes de minha vivência na busca de respostas ao sentido da vida. O que não me arvora em mestre de ninguém e sim me inclui na categoria daqueles que buscam o que é parte das coisas que dependem de mim. Mais uma vez reitero que os objetivos continuam os mesmos: informar ao leitor brasileiro, dentro de minhas limitações, a respeito do fascinante mundo das Artes Marciais, agora abordadas em seu lado psicológico e filosófico. O Espírito Marcial no que tange a mim, é o comportamento estóico diante das críticas do mundo; a aceitação das coisas que dependem de mim e das que não dependem e a disciplina na aplicação das ações que dependem de mim, na tentativa de transformar este pequenino planeta num mundo melhor. Tudo o mais não me pertence, nem minha reputação, nem minha imagem, sequer os livros que escrevi. E a vida assim é uma vida simples. Por você e pelo Kung Fu. Caixa Postal 442 - Centro 18010-971 - Sorocaba – SP A História do Kung Fu A palavra "Kung Fu" pode ser traduzida como "Maestria", "Habilidade e eficiência" e "Domínio alcançado com o tempo". Os autores mais respeitados a traduzem por "Tempo de Habilidade" e usam-na para designar as pessoas que tenham se dedicado por um longo tempo ao domínio técnico de uma disciplina até ao ponto em que possam expressá-la com o máximo de habilidade. No Oriente a palavra Kung Fu nunca é utilizada para designar a arte marcial; dá-se preferência ao uso de dois outros termos, a saber: Wu Shu - (Wu = Guerra e Shu = Arte). Kuo Shu - (Kuo = Nacional e Shu = Arte). O termo Wu Shu possui uma conotação superior àquela que é atribuída a Kuo Shu. As palavras Wu Shu servem para designar todas as artes guerreiras, militares ou marciais. Em 1928 o governo chinês adotou universalmente a expressão Kuo Shu para designar as artes marciais de origem chinesa, dessa forma distinguindo-as de suas sucedâneas coreanas e japonesas. Enquanto a expressão Wu Shu é usada genericamente, englobando todas as artes marciais conhecidas, a expresão Kuo Shu é usada para designar apenas as artes marciais de origem comprovadamente chinesas. Devido à imensa riqueza do idioma chinês é possível o uso de outros termos para se expressar a arte marcial. É muito comum a designação "Ch’Uan Shu" para significar um determinado conhecimento marcial ou mesmo um estilo. O termo Ch’Uan designa a arte do uso dos punhos ou mesmo o boxe chinês - que é o nome usado para designar o Kung Fu em todo o Oriente. O próprio Bruce Lee usou o ideograma Ch'Uan no frontispício de sua obra "Chinese Gung Fu, the Philosophical Art Of Self Defense". A palavra Kung Fu (ou Gung Fu em dialeto cantonês) é usada aqui no Ocidente para nomear todas as artes marciais de origem chinesa. O povo chinês sempre foi possuidor de um grande espírito guerreiro, que fez de seu país, em épocas passadas (Dinastia Shang - 1.766 a 1.122 a.C), o país mais poderoso da Terra. Segundo os historiadores, esse poderio militar se desenvolveu graças às invasões estrangeiras e às revoluções entre os senhores feudais e os imperadores chineses. Naquela época, a imensidão do território chinês era disputada pelos cobiçosos monarcas bárbaros que habitavam as terras vizinhas. Como levavam semanas e até meses para deslocar as tropas imperiais para defender as longínquas fronteiras, a família imperial usou o recurso desesperado de delegar poderes aos nobres da corte. Esses nobres, que passaram a ser conhecidos como senhores feudais, receberam imensas porções de terras, semelhantes aos condados outorgados à nobreza na Inglaterra medieval. Dessa forma passaram a receber grande parte das riquezas produzidas por seus vassalos e metade das colheitas e das extrações minerais, mas eram obrigados a defender suas terras e a vida de seus súditos com seus próprios recursos. Os senhores feudais se viam obrigados a sustentar imensos exércitos, que em tempos de paz se dedicavam intensamente às técnicas marciais. Por volta dos séculos II e III, aconteceram grandes batalhas internas entre os senhores feudais que desejavam ampliar seus domínios. Essa época, denominada "Época dos Reinos Combatentes", fez com que milhares de homens se enfrentassem, e as crônicas da época relatam formidáveis batalhas que terminavam com a morte de 70, 80, e até 400 mil homens. Os vencedores não admitiam sobreviventes e aqueles que não pereciam no ardor da batalha eram sumariamente decapitados. Antes do advento do Comunismo a China era flagelada pela opressão da classe dominante sobre o povo. Depoimentos de correspondentes e missionários ocidentais atestam que antes da Segunda Guerra Mundial a fome imperava entre o povo e era comum a presença de cadáveres flutuando por entre a imensa quantidade de juncos chineses. O povo com fome não tinha sequer um lugar onde morar e muitas famílias eram julgadas abençoadas por possuir um barco onde viviam amontoadas como ratos. Houve época em que a vida humana não tinha mais valor e que se matava por um prato de comida. Esse quadro de horrores fazia com que o povo também se interessasse pelo aprendizado de técnicas marciais que fossem úteis para a defesa de si mesmos e de suas famílias. Para se ter uma vaga ideia do poderio da família imperial sobre a grande massa do povo, basta mencionar que, em determinada época, com exceção da família do imperador, o povo era obrigado a se vestir sempre de preto. Preservando a memória deste tempo de opressões os praticantes de Kung Fu do mundo todo ainda usam uniforme preto, identificando-se com o povo chinês. Durante bom tempo uma das maneiras mais fáceis de identificar o falso praticante ocidental de Kung Fu era pela cor de seu uniforme de treino. Normalmente os treinamentos do Kung Fu são efetuados de calça e camiseta e o uniforme cerimonial é preservado para ocasiões especiais ou para os mestres. Quando o uniforme cerimonial (denominado IFU) possui botões, mangas ou golas de cor branca, indica que o mestre ou o pai do praticante é falecido. O branco é o sinal de luto na cultura chinesa e usar uniforme branco ou com partes brancas estando o mestre ainda vivo é sinal de grande ignorância e temeridade do praticante. Outra coisa a se notar é que, no mundo inteiro, o Kung Fu não usa faixa como sistema de graduação. O máximo que se admite é o uso de uma faixa de cor única (geralmente vermelha), que será usada por todos os participantes, independente de seu estágio ou grande domínio técnico. Não tendo faixa e sequer qualquer outro sistema de graduação, o praticante de Kung Fu é avaliado em primeiro lugar por suas realizações em prol da preservação e divulgação de seu estilo, e em segundo lugar pelo número de anos que se dedica à prática do Kung Fu e pelas distinções que tenha obtido em campeonatos e apresentações públicas. A China, mais que qualquer outro país do mundo, situa-se numa posição geográfica de isolamento total. Isolada ao norte pelas amplidões dos desertos da Manchúria e da Mongólia, e para além deles a imensidão gelada da Sibéria, a nordeste pelo Himalaia que vai até o sul e sudeste e a leste pelo oceano Pacífico, os chineses foram forçados a desenvolver sua própria cultura, sem influências do mundo exterior. À semelhança de outros povos da antiguidade, os chineses possuíam um modo de vida relacionado com a natureza e com a vida agrícola. Quem constata o comportamento mesquinho de certos “mestres” chineses que ensinam Kung Fu no Ocidente e que adotam a fofoca e o vilipendio como reação habitual aos outros mestres, não consegue entender como pessoas tão ignorantes e primitivas podem ter antepassados tão ilustres. Os antigos chineses souberam, como nenhum outro povo, deduzir dos fenômenos da natureza certas leis e princípios que passaram a fazer parte de uma filosofia de vida e de uma sabedoria excepcionais. Através da observação dos animais criaram exercícios especiais para fortalecimento e agilização do corpo. Embora na antiguidade (por volta de 4.000 anos antes de Cristo) esses exercícios fossem usados com o objetivo de preservar a saúde, com o correr do tempo foram transformados em estilos de luta e em escolas internas e externas. As internas dedicam-se aos estilos suaves e as externas aos estilos duros. Em recordação a essas origens muitos estilos modernos ainda mantêm, em seus nomes, referências aos movimentos dos animais de onde se originaram. Por exemplo: "Tong Long" (Louva-a-Deus), "Fei Hok Pay" ou "Bay Hok Pay" (Garça Branca), "Fan Tzi" (Águia), "Fu Jow Pay" (Tigre), etc. Das séries animais mais conhecidas na antiguidade, destaca-se em importância a "Wu Chin Si" atribuída ao grande médico e anestesista "Hua To", e que incluía o veado, o macaco, a águia, o urso e o tigre. É imensa a quantidade de estilos existentes no Kung Fu. Estima-se que só na cidade de Hong Kong existam cerca de 360 estilos. Essa grande variedade de estilos se deve à imensa população da China (é o país mais populoso do mundo) e à grande antiguidade do Kung Fu (situado historicamente pela primeira vez no ano 2674 antes de Cristo). Os primeiros estilos foram criados pelos clãs (famílias) e mantidos como segredo através das gerações. Era muito comum que, ao herdar um determinado estilo um membro dessa família acrescentasse alguns movimentos por sua própria conta, e o estilo original sofria diversas alterações de geração para geração. Com o passar do tempo o mesmo estilo se desmembrava em vários estilos menores, que por sua vez iriam se dividir em outros e assim por diante. As diferentes escolas de Kung Fu recebem na China uma divisão empírica, que as denomina como Escolas do Norte e Escolas do Sul. Essa denominação surgiu devido ao fator geográfico que influenciou no desenvolvimento dos estilos básicos. Graças à grande extensão do continente chinês, suas regiões do norte e do sul caracterizavam-se por marcantes diferenças no que tange ao solo e aos acidentes geográficos. Daí surgir o conceito "Na Kuen Pat Tui", que em chinês significa: ”Punhos no Sul, pernas no Norte." Os povos do norte habitavam as montanhas, e, portanto, tinham pernas fortes e se especializaram no desenvolvimento de estilos que fossem favoráveis ao uso dessa predisposição natural. Os povos do sul habitavam os pântanos, nas várzeas onde semeavam o arroz e nas barcas atracadas às margens dos rios. Por força dessas circunstâncias precisavam manter o equilíbrio de forma precária e se tornaram exímios cultores dos estilos em que predominava o uso dos braços. Além da influência geográfica que acabamos de examinar, o Kung Fu se desenvolveu sob as características das religiões e filosofias mais marcantes de sua cultura. No início da Era Cristã as escolas budistas originárias da Índia tiveram grande ascensão dentro da civilização chinesa, passando a ter certa influência política. Os líderes do Budismo chinês eram agraciados pelo imperador com cargos públicos. Esses fatos perturbaram muito os praticantes da filosofia taoísta, criada por Lao Tsu, que se viram na contingência de transformar sua filosofia em religião em busca do prestígio que tinham perdido. Essa transformação do Taoísmo em religião foi tão radical que, para concorrer com as divindades budistas, foram instituídos os "Imortais", que eram semideuses taoístas. Desses imortais, os mais famosos foram os "Oito Imortais Bêbados", que deram origem ao estilo "Chui Pa Hsien", mais conhecido como "Estilo dos Bêbados". Para diferenciar as escolas de Kung Fu de origem taoísta das de origem budista, foram criados os termos "Nei Chia" (escola interna) e "Wai Chia" (escola externa). As escolas taoístas (internas) caracterizam-se pelos movimentos lentos, pela respiração profunda e pelo estudo das energias internas exemplo: o “T’AI CHI CHUAN”. As escolas budistas (externas) caracterizam-se pelos movimentos rápidos e agressivos e pela busca de praticidade em situações de luta exemplo: o “SHAOLIN”. Na época da dinastia Chou, os homens estavam cansados das guerras e revoluções que esfacelavam o império chinês. Muitos desses homens foram para os bosques e montanhas buscando refúgio na vida solitária e na convivência com a natureza. Esses ermitãos professavam a filosofia do "Tao" (caminho), daí serem conhecidos como taoístas. Esse conceito denominado “Tao" não pertence aos taoístas, tendo surgido no alvorecer da civilização chinesa e sendo atribuído ao filósofo Fu Hi. O conceito original foi ampliado através dos ensinamentos de Lao Tsu (também conhecido por Lao Tse, Lao Zi ou Li Ehr, segundo diferentes dialetos). As escolas taoístas passaram no decorrer da história por três etapas sucessivas e independentes: A fase filosófica (Tao Kia), a fase mágicaalquimista (Tao Kiao) e a fase religiosa (Ching Kia). A respeito de fase religiosa, já explicamos anteriormente que ela surgiu como consequência da influência budista sobre a cultura chinesa. A fase mágica-alquimista foi a mais pobre e a mais extensa das fases do taoísmo, fundamentando seus dogmas na crença da possibilidade de imortalidade e na fábula da existência de uma erva que a concretizaria. A erva da imortalidade (Ling Chi Tsao) e a busca dos gênios imortais (Hsien) foram a preocupação maior e a razão máxima que motivou grande parte dos filósofos taoístas nessa fase. Quanto à fase filosófica, sua base apóia-se na obra “Tao Te Ching”, de Lao Tsu (604-517 a.C). Nessa obra de grande profundidade e de difícil interpretação, o fráter tem a oportunidade de encontrar uma das mais sensíveis contribuições do pensamento chinês. Já foi traduzida para o português e existem pelo menos 12 traduções diferentes ao alcance do público brasileiro nas boas livrarias. Lamentavelmente muito se perde nessas traduções e embora tenhamos comparado três das melhores versões para podermos aconselhar sua aquisição ao leitor, nenhuma delas nos satisfez o suficiente. Essa obra contém muitos ensinamentos que incentivam a meditação, a busca interior e as técnicas respiratórias (mais tarde adotadas no T’Ai Chi Chuan"). Exemplo de citação: "O sábio fecha a boca e os olhos, anula os sentidos e se torna impenetrável ao mundo exterior, abrindo-lhe apenas o coração." É lamentável que a maioria dos professores de “T’Ai Chi Chuan" não se interessem em (ou não saibam como) transmitir os conhecimentos da filosofia taoísta a seus alunos. Ao invés disso, preocupam-se mais com os conceitos taoístas (da fase mágica-alquimista) sobre os métodos de respiração e mentalização com objetivos de alcançar longevidade. Um dos conceitos mais populares entre os taoístas da antiguidade, dizia respeito ao retorno ao "Tao" após a morte. A morte para eles era uma forma de libertação onde iriam colher os frutos da experiência que acumulavam durante a vida terrena. Para se acumular o maior número possível de experiências, fazia-se necessário ter uma vida o mais longa possível, por isso cuidavam muito de assuntos relacionados com alimentação, exercícios, higiene, equilíbrio energético do corpo e Medicina. Incentivavam a fluência da energia do Tao (Chi), através de massagens Tui Ah (ou Do-in), exercícios respiratórios Chi Kung e da exposição do corpo à luz solar e lunar. Essa busca da imortalidade contribuiu para o surgimento dos primeiros conceitos sobre Acupuntura (medicina chinesa com agulhas), no tempo do imperador Huang Ti. Por volta do ano 120 a.C., surgiu a obra "Huai Nan Tsu", onde são citadas as técnicas para se obter a vida eterna. Tais técnicas se baseavam em métodos respiratórios e em ginásticas especiais, em muito semelhantes aos estilos antigos de "T'Ai Chi Chuan" e "Pa Kua". Inúmeras lendas relatam a história de Chao Tao Ling (34-156 d.C) que teria sido um grande mago alquimista, especializado na fabricação de talismãs, tendo criado uma sociedade secreta onde ensinava Alquimia e a fórmula para a vida eterna. Segundo se conta, teria ascendido aos céus sobre as costas de um tigre em plena luz do dia, levando consigo a sua esposa e dois dos discípulos mais fiéis. Dentre os termos chineses a expressão "Chi" é utilizada para designar a energia do Tao, que se manifesta nas múltiplas formas do Universo, e que é a responsável pela manifestação da vida nas diferentes espécies existentes sobre a Terra. Trata-se de uma energia interna, misteriosa, de natureza psicofisiológica, responsável pela manutenção da vida de todos os seres. Segundo as teorias da Acupuntura e do Do-ln (temas que serão estudados posteriormente), a doença se manifesta quando a energia "Chi" se encontra bloqueada em um dos meridianos (Ching) do corpo. A ação terapêutica do Do-ln e da Acupuntura consiste em pressionar com os dedos ou puncionar com agulhas esses meridianos, fazendo com que essa energia volte a fluir novamente. Segundo os métodos "Noi Kung" e "Chi Kung" das escolas taoístas, o praticante de Kung Fu aprende a centralizar o "Chi" no "Tai Tien" (Tanden em japonês), um ponto localizado a alguns centímetros abaixo do umbigo. Conta-se que alguns praticantes mais experimentados eram capazes de arremessar essa energia a tal ponto que podiam derrubar um adversário a vários metros de distância. Uma das técnicas mais famosas que emprega o uso dessa energia é a “Tie Sa Chang”, mais conhecida como "Palma de Ferro". Os Precursores No início da Era Cristã (141 a 203 d.C.) viveu na China um grande médico que ficou conhecido como O Pai da Educação Física. Esse médico, cujo nome era Hua-To, nasceu no Distrito de Po, na Província de Anewei e se tornou muito famoso por ser o primeiro médico cirurgião a usar analgésicos ao realizar suas operações. Mas para os praticantes de Kung Fu, ele merece ser lembrado pela criação de uma série de exercícios que, imitando o comportamento de cinco animais, teria fundamentado a origem de alguns dos estilos de Kung Fu que seriam matrizes dos estilos existentes em nossos dias. A famosa série dos cinco animais de Hua-To tinha por objetivo agir como um preventivo contra as enfermidades e constituir-se em um método de exercício cotidiano. Essas séries de movimentos passaram a ser conhecidas sob o nome "Wu-Chi-Si" e, para motivar melhor seus praticantes, acabou por se tomar um dos primeiros estilos de luta interna. Segundo registros históricos dessa época, o método de Hua-To consistia em exercícios físicos onde se dava grande importância às práticas respiratórias e que poderiam ter utilidade como defesa pessoal. A história registrou também que dois de seus discípulos (Wu-Pu e Fae-Ya) viveram mais de 90 anos, sem perder um só dente e mantendo a vista e os ouvidos tão aguçados quanto na juventude. Hua-To praticava regularmente esses exercícios e insistia em divulgá-los ao povo. Esses exercícios consistiam num Tchia Dsu (também chamado Kuen), semelhante aos Tchia Dsu de alguns estilos de Kung Fu dotados de movimentos amplos ainda existentes em nossos dias. Tchia Dsu são os movimentos formais de cada estilo. Em japonês chama-se Kata. Esse tipo de movimentação era denominado "Chung Chuan" ou "Cheong Kuen". Os movimentos eram suaves, flexíveis e amplos, ao passo que a respiração era relaxada e natural: o inverso dos estilos externos onde a respiração era forçada pelos músculos abdominais. Esses exercícios também tinham a intenção de manejar a manifestação energética da natureza denominada YING e YANG, servindo de base, portanto, para o surgimento dos estilos internos que vieram posteriormente a essa época (T'Ai Chi Chuan, Pa Kua e Hsing I). Dentro do folclore do Kung Fu, existe um personagem marcante cujas lendas ainda são narradas pelos mestres de Kung Fu no mundo todo. Esse personagem era conhecido pelo nome de Kwang Kung e as histórias sobre ele são contadas em uma obra clássica da literatura chinesa denominada "Os Três Reinos", onde ele é descrito como um homem de alta estatura e possuidor de grande força e coragem, o que o tornava um guerreiro temido e respeitado. Kwang Kung era o soberano de uma vasta região da China e era muito habilidoso nas artes estratégicas e no Kung Fu. Nesta obra existe uma passagem a respeito de uma ocasião em que Hua-To fez uma operação no braço de Kwang Kung. Hua-To foi o criador do primeiro medicamento anestésico conhecido homem. Esse remédio, denominado Ma-Fei-San, permitia a realização operações mantendo o paciente sob anestesia geral. Segundo contam os relatos da época, Kwang Kung teria sido ferido uma flecha e ao tentar retirá-la quebrou-a dentro do braço. Hua-To foi chamado para extrair a ponta da flecha e ofereceu a aplicação de seu famoso analgésico para que não houvesse dor durante a cirurgia, mas Kwang Kung o recusou e preferiu se distrair durante a operação jogando um espécie de xadrez chinês. Hua-To abriu o braço de Kwang Kung, extraiu-lhe a ponta da flecha, limpou a ferida e costurou as carnes no lugar sem que este pronunciasse uma palavra de dor! Um dos inimigos de Kwang Kung chamado Chou-Chou e que também era soberano de um dos reinos em que a China estava dividida nesse período, ficou espantado com o restabelecimento rápido de seu inimigo e com a rapidez com que retornou aos campos de batalha. Algum tempo depois Chou-Chou foi acometido de violenta dor de cabeça e chamou Hua-To para que a curasse. Depois de diagnosticar a origem dessa dor Hua-To informou que seria necessária uma operação e que teria de abrir-lhe a cabeça. Chou-Chou achou que o médico tinha tramado algum método para assassiná-lo e mandou executar Hua-To. Tempos depois o próprio Chou-Chou morreria em uma crise fortíssima de dores de cabeça - provavelmetne de algum tipo de tumor cerebral. Go-Ko-Hung (mestre que retém a simplicidade) viveu na China por volta de 254 a 334 d.C, tendo escrito uma obra chamada "Nuy-Pi-En" (Textos Interiores), que tratava de fórmulas da Alquimia sobre a transmutação dos metais e fórmulas mágicas sobre o prolongamento da vida. Entre os métodos de longevidade citados em sua obra incluíam-se os exercícios com práticas respiratórias e mentalizações energéticas que seriam adotadas pelas escolas de Kung Fu internas. Li-Chih-Min transformou o Taoísmo em religião imperial por volta do ano 300 a 600 d.C. Essa fase religiosa do Taoísmo surgiu, como já dissemos antes, como uma reação às influências do Budismo. Constituíram-se ordens monásticas, com extensa liturgia, com cânones dogmáticos e grande quantidade de templos e uma série de divindades. Em sua origem tanto o Budismo como o Taoísmo eram apenas filosofias sem pretensões religiosas. No entanto, as ramificações que ocorreram após a morte de Buda criaram duas escolas principais - a Mahayana (Grande Veículo) e a Hinayana (Pequeno Veículo), das quais, a primeira passou a divinizar a figura de Buda e a admitir conjeturas sobre a vida após a morte e outros conceitos sobre a existência de deuses e da reencarnação. O sucesso da seita Mahayana trouxe aos monges budistas um vasto poderio político que provocou um certo ciúme por parte das autoridades taoístas que, por suas origens chinesas (o Budismo veio da Índia), exigiam igual número de regalias. Para ascenderem ao mesmo plano de influência política e social do Budismo, os patriarcas do Taoísmo decidiram transformá-lo em religião e idealizaram uma série de divindades, chegando ao ponto de alegar que o Buda era apenas uma encarnação de Lao-Tse (o criador do Taoísmo). Dentre a plêiade de divindades taoístas criadas para satisfazer a curiosidade popular, as que se tomaram mais famosas foram os "Pa Hsien" ou "Oito Imortais", que dariam origem a um estilo denominado "Chui-Pa-Hsien" - o estilo dos oito imortais bêbados. Historicamente falando a origem desse Tchia Dsu (que estudaremos mais tarde), nada tem a ver com a religião taoísta originada no tempo de LiChih-Min. A origem do estilo dos oito imortais bêbados situa-se em um Tchia Dsu da escola Ti Tang, método da China do norte, que se baseava em movimentos que deveriam ser usados caso o lutador viesse a cair ao solo durante uma luta. O praticante do "Chui-Pa-Hsien" executa uma série de movimentos de grande grau de dificuldade técnica, movendo seu corpo como se estivesse bêbado a ponto de aparentemente perder o equilíbrio e cair no chão. O sucesso desse estilo foi imitado por outras escolas de Kung Fu externo e em nossos dias existem "estilos do bêbado", nas escolas "Tai Shing" (estilo do macaco), "Fey-Hok-Pay" (estilo da garça), "Tong-Long" (louva-a-deus) e "Choy Lay Fut". No estilo Tai Shing esse Tchia Dsu se caracteriza por uma mescla dos movimentos do macaco no solo - o corpo do praticante fica quase ajoelhado e algumas vezes com as costas ou a parte de cima da cabeça no chão. No Choy-Lay-Fut o Tchia Dsu Chui-Pa-Hsi-En (note a grafia diferente) é transmitido juntamente com uma série de Tchia Dsu avançados denominados: "Sup Pat Law Hon Yik Gun Ching" (sistema interno dos oito budas), "Pa Kua Sum Kuen" (Tchia Dsu dos oito trigramas), "Fey Hok Da Kuen" (Tchia Dsu serpente contra o grou). O "estilo do bêbado" tornou-se muito popular em nossos dias graças ao desempenho do ator chinês Jackie Chan que executou em um de seus filme uma estilização coreografada do Tchia Dsu do bêbado do estilo Tai Shing. O estilo Hsing I (pronuncia-se Chin i) foi criado pelo general YuehFei (1102-1141), durante a dinastia Sung. Mais tarde estudaremos com mais extensão a vida desse grande praticante de Kung Fu e entraremos em maiores detalhes sobre o tema. A peregrinação dos monges budistas e taoístas pelo Tibete trouxe influências novas para os estilos de Kung Fu chineses. Essas influências foram mais marcantes nas escolas Fey Hok Pay e Hop Gar. O estilo Fey Hok Pay, também conhecido como "Pay-Hao", "Bai Hok Pay", "Hao Chuan" e "Pae Hok" e o estilo Hop Gar se desenvolveram sob as influências do Budismo Vajrayana do Tibete e foram levados pelos monges budistas e tibetanos que peregrinaram por esse país até Cantão, no sul da China. Chang San Feng (ou Chang San Fong) que também viveu na dinastia Sung, teria, segundo as lendas, dado origem ao TAi Chi Chuan, o mais famoso estilo interno de Kung Fu. Segundo se conta, teria sido monge budista (embora outros autores o citem como tendo sido monge taoísta) do mosteiro "Shaolin-Chi" e era um grande especialista no método de luta desse mosteiro - o estilo Shaolin. Narra a lenda que esse monge estava meditando em um templo da montanha de Wu-Tang-Shang e se questionava a respeito das vantagens e desvantagens de se vencer uma luta e qual o significado da vitória em um combate. No momento em que meditava sobre esses assuntos ouviu um barulho no pátio do templo e pôde observar pela janela uma luta entre um grou e uma serpente. Observando os movimentos circulares da serpente, que se esgueirava pelo chão, escapando habilmente aos movimentos furiosos do grou, percebeu as vantagens da esquiva e dos movimentos que diluem a força de ataque do adversário e teria, segundo a lenda, estabelecido as bases para a criação do T'Ai Chi Chuan. Outras lendas dessa mesma época dizem que Chang San Feng teria criado o T'Ai Chi Chuan a partir de um sonho em que o teria aprendido de certos personagens misteriosos denominados "Homens do Dragão de Fogo". Observando-se o uso da energia interna na prática do T'Ai Chi Chuan e a movimentação tipicamente flexível que o diferencia dos estilos originários em Shaolin, temos razões para crer que Chang San Feng era um monge taoísta e não um monge budista. Considera-se Chang San Feng como pai do Nei Kung e a montanha Wu-Tang-Shan é citada como o local de origem dos estilos "Wu Tang Pai" e "Pa Kua Chuan". Essas informações fazem parte da obra de Yuan-Ch'U-T'Sai, o "Wu Tang Pa Kua Chuan", o "Mo-Kik" e o "Lo-Hon-Kuen". O Templo Shaolin Ainda nos tempos de hoje existe um templo budista na montanha de Soong Shan, na província de Honan, que foi fundado no início da era cristã e cujos feitos relativos ao desenvolvimento e a preservação do Kung Fu o tornaram lendário. Logo após as escadarias de sua entrada principal ainda existe uma placa onde se pode ler em chinês arcaico os seguintes ideogramas: "ShaoLin-Chi", que podem ler traduzidos por: "Templo da Jovem Floresta" ou "Monastério do Pequeno Bosque". A tradição oral que tem prevalecido na cultura do povo chinês afirma que as artes marciais duras (escolas externas) "Wai Chia" se originaram nesse templo. As artes marciais que ali foram praticadas acabaram por receber o nome de "Shaolin Chua" (arte dos punhos da jovem floresta) tornando-se a base sobre a qual seriam estabelecidos os mais de trezentos e sessenta estilos de Kung Fu que ainda existem em nossos dias. A origem do templo fundamenta-se em causas exclusivamente religiosas. O templo Shaolin era um monastério onde o povo chinês se refugiava em busca da paz e da tranquilidade necessárias à realização de sua busca espiritual. O cidadão comum desse período da história da China tinha sua vida nas mãos do imperador, que era um déspota com direito absoluto sobre seus súditos. Mas, devido às crendices da época, quando uma pessoa dedicava sua vida à busca espiritual deixava de ser um cidadão do mundo e o imperador perdia os direitos sobre ele. Durante a dinastia Wei (398 a 534 d.C.) houve uma grande conversão do povo chinês ao Budismo recém-chegado da Índia, e o imperador do norte, Shao Wen, mandou construir o primeiro templo Shaolin por volta de 450 d.C. Para a construção do templo foi escolhida uma localização privilegiada na face norte da montanha Soong Shan. Ao redor da construção do templo os monges plantaram um pequeno bosque com árvores frutíferas e outras plantas escolhidas e, com o passar dos anos, acabaram por atribuir-lhe o nome de Shaolin. À medida que a ordem monástica dos Shaolin se desenvolveu, foram criados outros templos. Depois do templo erigido em Honan, o mais famoso templo Shaolin foi constituído na província de Fukien por um monge muito famoso chamado Ta-Shin-Sheng. Diz-se que embora tenha sido em Honan que se criou o estilo Shaolin de Kung Fu, foi em Fukien que este se desenvolveu até atingir os elevadíssimos padrões técnicos que lhe deram tanta fama. Existiram cinco templos pertencentes à ordem monástica dos Shaolin, mas devido às dificuldades dialéticas do idioma chinês, existe alguma divergência sobre suas localizações. Segundo Wang Lai Sheng, praticante de Kung Fu citado na obra "Asian Fighting Arts", os templos se situavam em Honan, Fu Kien, Wu Tang, 0-Weí-Shan e Kwantung. Segundo outros autores os templos se situavam em Honan, Fukien, Ngor Mee, Wu Tang e Kwang-Tung. A maior problemática dessas divisões é que aos monastérios de Wu Tang e de O-Wei-Shan os taoístas também atribuem as origens de seus estilos internos. Ambas as alternativas são citadas aqui mais por uma questão de aprimoramento cultural do leitor, pois esses fatos não possuem maior relevância e não impedem um estudo aprimorado do Kung Fu. Como já disse anteriormente, as técnicas marciais e o Kung Fu já estavam presentes na cultura chinesa centenas de anos antes do estabelecimento da comunidade budista de Shaolin. As teorias de maior relevo têm atribuído ao templo de Honan o grande mérito de ter preservado muitos dos conhecimentos marciais originários da China Antiga. Mas os mesmos historiadores que fazem essas afirmações também são concordes em afirmar que no templo de Honan se dava mais importância às práticas da filosofia e da meditação Ch'An (transmitidas por Bodhidharma), enquanto que no templo do sul (Fukien) os monges davam grande importância às técnicas marciais e estavam constantemente envolvidos nas lutas e nas rebeliões do povo chinês. Por falta de registros históricos de reconhecida competência, pouco se pode deduzir a respeito do grau de aperfeiçoamento que o Kung Fu já possuía antes de ser introduzido em Shaolin. Alguns historiadores com mentalidade mais nacionalista recusam-se a admitir que o Kung Fu de Shaolin tenha sido criado a partir dos ensinamentos de Bodhidharma, e afirmam que o estilo Shaolin teria sido gerado durante a dinastia Sung (420-479 d.C.) pelo imperador Chao-KanYing. Sabendo-se que Bodhidharma só chegaria ao templo por volta do ano 525 d.C, tais historiadores têm a intenção de nos fazer crer que o Kung Fu já fazia parte dos ensinamentos do templo antes de sua chegada. Mas tal raciocínio entra em choque com outros fatores que parecem comprovar que o estilo Shaolin tenha sido realmente introduzido por Bodhidharma. Em comprovação à tese que atribuiu tal feito a Bodhidharma existem as gravuras e ilustrações pintadas em diversas paredes dos templos Shaolin e que podem ser vistas até hoje. Nessas ilustrações se podem ver monges indianos (tez mais escura) ensinando os monges chineses a lutar. Outro argumento de grande peso é a grande superioridade técnica do estilo Shaolin sobre os outros estilos existentes fora do templo, que acabaram por ser dizimados pelos sobreviventes de Shaolin a ponto de hoje em dia muito poucos terem sobrevivido. Bodhidharma é certamente a figura mais controvertida no panorama das artes marciais do Oriente. Sua influência na origem das artes marciais da China, da Coréia e do Japão é insofismável. Conhecido por Bodhidharma, Bodai Daruma, Daruma Taishi Ta Mo, Dart Mor ou Dat Mor, esse monge indiano foi o responsável pela criação do Budismo Ch’An, conhecido na Coréia como Sun e no Japão com Zen. Na Índia o povo possui uma divisão por castas que tem prevalecido desde tempos imemoriais até os dias de hoje. Sendo filho do Rei Sughanda, Bodhidharma pertencia à casta dos Kshastryias - que era a casta guerreira. Desejando proporcionar a seu filho a mais esmerada instrução marcial que lhe fosse possível, o Rei Sughanda contratou o mais famoso guerreiro da índia para instruí-lo pessoalmente na arte do Vajramushti (leia Vajramushti - A Arte Marcial dos Monges Budistas - livro de minha autoria). Esse guerreiro famoso por seus feitos militares e por sua grande bravura chamava-se Prajnatara e se afeiçoou muito a seu discípulo, tendo lhe transmitido técnicas marciais de impressionante eficiência. Com o decorrer dos treinamentos surgiram fortes laços de amizade entre mestre e discípulo, e mesmo quando Prajnatara se converteu ao Budismo, (nesse tempo transformado em religião e possuindo um conceito filosófico antagônico ao Hinduísmo tradicional), Bodhidharma não o abandonou e continuou a praticar o Vajramushti sob sua tutela até sua morte (por volta de 520 d.C.) Devido à sua grande fama como guerreiro Prajnatara foi iniciado nos mais altos mistérios budistas, e acabou por atingir uma vivência espiritual que o fez receber do Abade Punyamitra (vigésimo sexto patriarca do Budismo) a incumbência de continuar a tarefa de divulgação do Budismo. Com a morte de Punyamitra, Prajnatara veio a se tornar o vigésimo sétimo patriarca do Budismo. Nessa época o Budismo estava perdendo seu prestígio na Índia devido ao surgimento de inúmeras seitas novas que estavam se afastando dos conceitos filosóficos originais dados por Buda e se perdendo em questões dogmáticas de natureza religiosa. Prajnatara percebeu a necessidade de reconduzir a filosofia budista à sua simplicidade original, e vendo a tenacidade e percebendo nele a firmeza de caráter necessária ao desempenho dessa tarefa, passou a ensinar-lhe o Budismo. Bodhidharma não era um homem comum, haja vista que seu nome ainda é citado com respeito pelos verdadeiros mestres de Kung Fu e de Karatê do mundo inteiro. Milhares de outros lutadores tiveram grandes atuações no mundo das Artes Marciais, mas ninguém teve seu nome preservado tanto tempo quanto Bodhidharma. Dado a sua lucidez e pertinácia Bodhidharma entregou-se de corpo e alma ao estudo dos ensinamentos budistas que lhe eram transmitidos por Prajnatara. Tendo se dedicado muito à prática da meditação, começou a perceber que o domínio da vivência espiritual era muito mais importante que o domínio do corpo físico e que, embora as técnicas marciais lhe agradassem muito, seu conhecimento não tinha o mesmo valor que o conhecimento e a prática das verdades espirituais. Bodhidharma compreendia que as técnicas marciais que praticava dependiam muito de sua habilidade física e que, quando atingisse idade mais avançada, veria sua capacidade técnica diminuir progressivamente. Qual a finalidade de praticar-se alguma coisa exaustivamente, se com o passar do tempo vai se diluindo nossa capacidade de executá-la com perfeição? À medida que Bodhidharma evoluía em suas práticas de meditação, ia superando cada vez mais as manifestações egoísticas da personalidade, destruindo o próprio ego e emergindo para uma consciência superior. Quando sua consciência atingiu um plano mais elevado, começou a perder o sentimento de individualidade e passou a identificar-se cada vez mais com a unidade de todos os seres. A tal ponto evoluiu Bodhidharma através das práticas de meditação budista, que não mais via a si mesmo existindo separadamente da existência de todas as demais pessoas. Passou a compreender que qualquer ação deve ser feita visando o bem comum e não apenas a individualidade (que por si mesma é egocêntrica e volta-se apenas para a realização de aspirações pessoais egoísticas). Concluiu então que o homem deve executar seu trabalho, dar sua contribuição e prestar sua ajuda, com vistas a toda a humanidade e ao bem comum, que favoreça não só ao gênero humano como também a todas as criaturas vivas (por isso que os budistas são vegetarianos). Dentro dessa dimensão, a luta perdia todo seu significado em termos de agressividade e mérito pessoal, para transformar-se em mais um caminho de autoconhecimento que justificava sua aplicação técnica apenas em situações de defesa pessoal, para autoproteção ou para amparo de pessoas mais fracas e desprotegidas. Lutar sim, mas não para vencer outro ser humano, ou para provar sua capacidade técnica sobre a capacidade de outrem. Lutar apenas como uma forma de expressar e preservar a justiça e a harmonia que dão vida às criaturas e asseguram o equilíbrio universal. Com a morte de Prajnatara, Bodhidharma assumiu a condição de vigésimo oitavo patriarca do Budismo e empenhou-se na tarefa que recebera de seu mestre: - Reconduzir a filosofia budista à sua simplicidade original. Com esse objetivo Bodhidharma viajou pelos países onde a filosofia budista possuía o maior número de adeptos, a saber: Nepal, Tibete e China. Nesse período o Budismo estava sendo muito difundido na China, e suas obras básicas haviam sido traduzidas do sânscrito e do pali para o idioma chinês. A convite do Imperador Liang Wu Ti, que governava em um dos reinados estabelecidos durante o período das seis dinastias (no início do sexto século d.C.), Bodhidharma foi à China com a intenção de dar prosseguimento à sua missão. Porém Wu Ti era seguidor de uma linha inovadora do Budismo, cujas características salvacionistas e ritualísticas eram diametralmente opostas ao método de Budismo difundido por Bodhidharma, que incentivava a busca interior e a meditação. Além do que, Wu Ti não era um imperador benéfico para seu próprio povo, tratando-o com mãos de ferro e com muito pouco daquela bondade tão inerente aos ensinamentos budistas. A respeito da convivência de Bodhidharma com esse imperador pouco se registrou na história, mas houve um diálogo entre ambos que ficou muito famoso; aconteceu mais ou menos assim: O imperador era muito presunçoso e julgava que pelo simples fato de ter permitido a divulgação do Budismo sob o seu reinado já se qualificava como um grande benfeitor. Certa ocasião o imperador contou a Bodhidharma que construíra grandes templos para o Budismo e que nomeara inúmeros monges para cargos políticos de relevo, devendo portanto ter grandes méritos diante de Buda. Mas Bodhidharma lhe respondeu que não tinha nenhum mérito por ter feito essas obras. Surpreso, Wu Ti perguntou o que deveria fazer então para conseguir méritos dignos do Budismo. - Vossa alteza terá que dormir até o meio-dia, respondeu-lhe Bodhidharma. Não tendo compreendido nada o imperador aproveitou a primeira oportunidade para consultar os sábios da corte a respeito do que Bodhidharma lhe dissera. Depois de discutirem entre si, os sábios informaram a Wu Ti que Bodhidharma estava se referindo aos malefícios que o imperador causava ao povo chinês devido a seus atos impensados e prepotentes. Concluíram que Bodhidharma lhe recomendara dormir até ao meiodia para que, dessa forma, reduzisse pela metade os destratos que costumava cometer diariamente. Furioso com essa crítica o imperador ordenou que Bodhidharma fosse trazido à sua presença, mas o monge já havia previsto a cólera de Wu Ti e viajado para o reinado de Wei. Essa história vem comprovar a grande coragem de Bodhidharma, que não se curvava nem mesmo diante de um tirano que dispunha da vida de seus súditos com a mesma facilidade com que mudava seu estado de humor. No reinado de Wei, Bodhidharma foi acolhido pelos monges Shaolin que o hospedaram por muitos anos. Conta-se que nesse local Bodhidharma meditou diante de um muro por nove anos seguidos. Nesse templo, localizado na face norte da montanha de Soong Chan, existe até hoje uma sala em que está escrito em chinês arcaico: "Este é o local onde Tamo fitou a parede." Existe uma lenda na China que conta que quando Bodhidharma começou sua meditação, caiu em profundo sono devido ao cansaço da viagem, e que quando acordou ficou tão aborrecido com isso que, pedindo uma faca, cortou fora as pálpebras. Dessa forma nunca mais seria surpreendido pelo sono enquanto meditasse. Outra lenda conta que as pálpebras de Bodhidharma foram enterradas à esquerda e à direita da porta principal do templo, aos pés das estátuas de ferozes deidades guardiãs que eram comuns nessa época. Com o passar do tempo, no local onde foram enterradas surgiram plantas cujas folhas possuíam aroma agradável e que passaram a ser usadas nas infusões do templo e para a recuperação de inúmeras indisposições. Essa planta veio a se tomar muito conhecida na China e recebeu o nome de chá. Após um longo período de meditação que o conduziu a estados de consciência cada vez mais sutis, Bodhidharma chegou à conclusão que de todas as práticas budistas a mais importante para a preservação dos ensinamentos de Buda era a meditação. Embora compreendesse a importância ética e social das chamadas "Quatro Nobres Verdades" e da "Senda Óctupla do Reto Caminho" que constituíam o sustentáculo dos dogmas do Budismo, Bodhidharma percebeu que sem a prática sistemática da meditação, os dogmas perdiam seu sentido filosófico e a profunda dimensão que Buda lhes tinha atribuído. Assim sendo, a prática do Budismo foi totalmente modificada e muitos dos rituais foram suprimidos e substituídos pela prática severa da meditação. A essa nova concepção Bodhidharma denominou Dhyanna, que em sânscrito significa meditação. Mas, para os chineses a pronúncia do sânscrito era muito dificultosa e acabou sofrendo modificações fonéticas que mudaram sua pronúncia para Ch'Anna e finalmente Ch'An. O pensamento Ch'An influenciou profundamente todas as artes orientais. Monges budistas de inúmeros países iam ao templo Shaolin para receber upadesa (aconselhamento pessoal) de Bodhidharma e difundiram o pensamento Ch'An para as mais remotas regiões do Oriente. O Ch'An é até hoje ensinado no Japão com o nome de Zen e na Coréia com o nome de Sun. Praticamente todas as mais representativas manifestações do folclore e da cultura japonesa fundamentam-se no pensamento Ch'An (Zen). Podemos citar a cerimônia do Chá, a arte Ikebana de arranjos florais, a técnica Bonsai de cultivo de árvores anãs, a arte de pintura com a pedra nankin denominada Sumi-E, o teatro Kabuki, o No, etc. As Artes Marciais japonesas são literalmente inseparáveis do Ch'An (Zen). Graças aos esforços de Miyamoto Musashi (Shinmen Musashi No Kami Fujiwara No Genshin) (1584-1645) o maior samurai da história do Japão, que, fundamentado na prática sistemática da meditação Ch’An (Zen), criou o Bushido (Código de Honra dos Samurais), as Artes Marciais japonesas pautaram seus mais profundos ensinamentos no pensamento Ch'An. As Artes do Kendo, do Aikido, do Kempo, do Kyudo, do Judô e outras, estão fundamentalmente ligadas ao Ch'An (Zen). Jigoro Kano, criador do Judô, mantinha um monge Zen na Kodokan (Escola Kodo) para ensinar a seus discípulos o verdadeiro valor da disciplina nas Artes Marciais. Quem examinar as obras de Gishin Funakoshi (o pai do Karate) vai encontrar inúmeras referências ao Zen. Quem examinar obras sobre o estilo Goju-Ryu de Karate verá fotos do célebre mestre Gogen Yamaguchi praticando meditações Zen sob cachoeiras. Quem for à ilha de Shikoku em Tadotsu, na prefeitura de Kagawa assistir aos treinamentos do templo de Shorinji Kempo verá que entre as práticas diárias incluem-se sessões de meditação Zen. Também na Coréia houve grande influência da escola Sun (Ch'An) nas Artes Marciais. Quem examinar as origens dos monges de inúmeros Kihons (movimentos formais) do Taekwondo, do Hapkido e do Hwarang-do, encontrará neles o nome de monges das seitas Ch'An coreanas. Os ocidentais jamais poderão avaliar a severidade das práticas impostas por Bodhidharma aos monges de Shaolin. Para se ter uma vaga idéia, basta examinar os programas dos templos Zen nos dias de hoje (muito mais suaves que naquele tempo). Segundo depoimento publicado na obra "The Empty Mirror", que narra as experiências de um ocidental em um templo Zen do Japão, os monges meditavam das quatro horas da madrugada até as vinte e duas horas, interrompendo sua meditação apenas para atenderem as suas necessidades fisiológicas e cumprirem suas pequenas obrigações diárias. Dada a severidade das meditações, os monges Shaolin não resistiam e desmaiavam durante sua prática. Considerando atentamente o estado débil e enfermiço dos monges que limitavam suas práticas físicas aos asanas (posições) utilizados na meditação e nos rituais, Bodhidharma começou a ensinar-lhes o Vajramushti indiano para fortalecê-los e capacitá-los a suportar com mais eficiência a meditação. Tratando-se de exercícios com fins espirituais, exigia-se a prática rigorosamente correta de cada movimento e aos mínimos gestos atribuíase uma importância fundamental. Embora considerada uma Arte Marcial Budista por muitos pesquisadores, o Vajramushti data de época muito anterior ao surgimento do Budismo. As referências históricas não são exatas, visto que o país de origem do Vajramushti (a Índia), por sua própria filosofia social de extrema religiosidade, nunca deu muita importância aos registros históricos. É interessante notar que o Vajramushti tem sua origem em época pré-ariana, quando a Índia ainda era habitada pelos drávidas. Os historiadores situam a civilização dos drávidas como bastante anterior à civilização dos arianos, que teriam invadido a Índia por volta de 2000 a.C. Embora menos conhecida que suas congêneres chinesas, japonesas e coreanas, a Arte Marcial Vajramushti é mencionada em quase todos os textos heróicos da civilização dravidiana. Aliada à técnica física característica de toda Arte Marcial, o praticante de Vajramushti tem a seu dispor o mais rico cabedal de conhecimentos filosóficos e espirituais que a Índia propiciou ao mundo desde tempos imemoriais. Nenhuma outra Arte Marcial, seja qual for sua origem, possui um respaldo histórico mais antigo e abalizado. O leitor deve basear-se em seu próprio critério para julgar os pontos mais importantes entre as semelhanças e dessemelhanças entre os diversos estilos de Kung Fu e o Vajramushti como foi transmitido por Bodhidharma, segundo os relatos históricos que o tempo conseguiu preservar. Evolução do Shaolin Ao ensinar o Vajramushti aos monges Shaolin Bodhidharma transmitiu-o mais como uma prática ascética que como uma Arte Marcial. O Vajramushti servia para vivenciar certos preceitos budistas relativos à unidade da mente e do corpo. Os monges que o aprenderam passaram a apreciá-lo também por seus recursos defensivos que os protegiam nos longos e solitários caminhos que percorriam para a divulgação da doutrina. Alguns historiadores mencionam que para Bodhidharma tanto a meditação como o Vajramushti tinham igual valor diante dos objetivos de conhecimento interior. Tanto isso é verdade que com o tempo a prática do Vajramushti como meio de desenvolvimento espiritual substituiu grande parte da meditação sentada, nas atividades desenvolvidas no templo, fazendo com que o templo Shaolin se tornasse famoso não como um centro de meditação Ch'An, mas como uma escola de Arte Marcial sem armas. O Vajramushti ensinado no templo Shaolin era mantido como segredo, transmitido apenas a uns poucos iniciados que haviam recebido suas vestes monásticas e feito os votos mais elevados. A razão para esse procedimento é que o Vajramushti era extraordinariamente eficiente, podendo se tornar perigoso nas mãos de pessoas menos esclarecidas e que não possuíssem o conhecimento de seu verdadeiro significado. Acredita-se inclusive que tenha permanecido oculto entre alguns poucos iniciados, mesmo quando o templo abrigou refugiados políticos por volta da época da dinastia Ming. Em sânscrito o nome Vajramushti significa: Vajra = Real, Bastão, Cetro, Vara, Direto, Reto, Correto. Mushti = Golpe, Golpe de Punho, Soco, Raio, etc. Atribui-se a criação do Vajramushti ao deus Shiva da Trindade Hindu. Essa Trindade é formada por três deuses, a saber: Brahma, o Criador, Vishnu, o Conservador e Shiva, o Destruidor. A função destruidora de Shiva não deve ser interpretada no mau sentido e sim como um processo de transformação. Shiva age transformando e destruindo o que é inútil para que se manifeste o que é útil e construtivo. Como já vimos anteriormente, embora a cultura dravidiana tenha sido relegada ao esquecimento após a invasão dos arianos, as técnicas do Vajramushti foram preservadas pela casta dos guerreiros (Kshastryia). Budha o aprendeu como parte de sua educação militar por volta, do ano 500 a.C. Segundo depoimento de So Doshin, pai do Shorinji Kempo (Kung Fu Shaolin em japonês), ensinado na ilha de Shikoku no Japão, mesmo depois de iluminado, Buda ensinava o Vajramushti como prática ascética. Dado a dificuldade de pronunciar a palavra Vajramushti os chineses mudaram o nome dessa arte para Lo-Han e mais tarde ela passou a ser conhecida como Nalo-Jan, Arohan e l-Jinsin. Durante a dinastia Ming um monge chamado Kwok Yuen peregrinou por toda a China pesquisando os estilos antigos de Kung Fu, tendo introduzido no templo certos conhecimentos marciais que mais tarde foram ampliados, somados a certos rudimentos do Vajramushti e classificados em cinco diferentes estilos: Tigre, Grou, Leopardo, Serpente e Dragão. Os Manchus invadiram a China e dizimaram a dinastia Ming, obrigando os oficiais do exército chinês a fugirem ou serem mortos. Muitos desses oficiais se ocultaram nos templos budistas, por serem territórios apolíticos e independentes do Estado chinês. Os templos Shaolin foram dos mais procurados devido as suas localizações privilegiadas e devido as suas grandes dimensões. Durante esse período os estilos desenvolvidos por Kwok Yuen passaram a ser ensinados ao povo com o nome de Kung Fu Shaolin, com o propósito de possibilitar-lhes defenderem-se dos emissários corruptos do governo invasor Manchu. A grande eficiência desse estilo tomou-o muito famoso, passando a ser utilizado nas demonstrações públicas do templo e nas comemorações do ano novo chinês, juntamente com a Dança do Leão. Mas entre os monges mais adiantados permanecia oculto o verdadeiro Vajramushti, que, como um recurso à meditação e ao desenvolvimento espiritual passou a ser chamado em chinês Ch'An Tao Chuan - "A Arte dos Punhos do Caminho da Meditação". A grande dificuldade em se traçar as origens históricas do Kung Fu está na pronúncia diferente dos nomes chineses, devido aos dialetos e as modificações pelas quais passou o idioma chinês arcaico até chegar a seus padrões modernos. Devido a essas e outras dificuldades não conseguimos determinar com exatidão a época em que teria vivido Kwok Yuen mas, pelos referenciais históricos que possuímos, podemos situá-lo entre a dinastia Yuan (1268-1368) e a dinastia Ming (1368-1644). | A respeito dele conta-se a seguinte história: O jovem Yuen da Província de Yen-Chou, aprendeu os exercícios de Ta Mo (Bodhidharma) no Mosteiro Shaolin com o auxílio do monge HungYun. Depois de aprendê-los converteu-os em setenta e duas séries de técnicas marciais. Mas seu desejo de aprender as técnicas marciais do Kung Fu antigo o levou a viajar por toda a China em uma época de constantes guerras. Certa ocasião o jovem Yuen enfrentou um ancião chamado LiCh'Eng na cidade de Lanchow, de quem se tornou grande amigo. Li-Ch'Eng havia sido um grande lutador em seus anos de juventude e se tomara famoso por ter sido mestre do guerreiro Pai-Yu-Feng. Baseado nessa experiência aumentou suas setenta e duas séries originais em 172 Tchia-Dsu, divididos em cinco grupos diferentes. Cada um desses grupos passou a se identificar com um animal, a saber: a Serpente, o Tigre, o Dragão, o Leopardo e o Grou. Cada grupo de Tchia-Dsu com o nome de um determinado animal possuía suas características próprias. j Os Tchia-Dsu do Dragão cultivavam o espírito e a capacidade de estar alerta; executavam-se sem a aplicação de força, enfatizando-se a respiração e a concentração na parte baixa do abdômen, em movimentos longos, fluentes e contínuos. Os movimentos do Tigre serviam para fortalecer o corpo (ossos, músculos e tendões); seus movimentos eram curtos e bruscos, dando-se ênfase à força e à tensão dinâmica. As técnicas do Leopardo desenvolviam a força, com movimentos rápidos, inteligentes e imprevisíveis. O estilo da Serpente desenvolvia o Chi (energia interna), era usado a partir do controle espiritual e cultivava a resistência, através da respiração lenta, profunda e harmoniosa, dando prioridade aos golpes desferidos com a ponta dos dedos. Os movimentos do Grou visavam o desenvolvimento do autocontrole e do caráter. Com esses novos conhecimentos Yuen e seu amigo Pai-Yu-Feng retomaram ao templo Shaolin. Pai-Yu-Feng já tinha 70 anos e resolveu aderir à vida monástica, adotando o nome Ch'ln-Yueh (Lua do Outono), querendo demonstrar que conseguira realizar um antigo sonho já no outono da vida. A Kwok Yuen (Chueh Yuan), se atribuem as seguintes palavras: "Sem o Chi não existe força. Um lutador que grite e lance sua mão com ferocidade, não tem verdadeira força em seu golpe. Um verdadeiro lutador não é espetacular, mas seu punho é pesado como uma montanha. Isso acontece porque ele possui Chi. Depois de muita prática o Chi pode ser focalizado sobre qualquer ponto de ataque que se deseje. A vontade domina o Chi que pode ser localizado em qualquer ponto instantaneamente." Quando os oficiais Ming se ocultaram nos templos Shaolin, despertaram a ira dos governantes manchus, que se empenharam arduamente em tentativas para destruir os templos. Na época da dinastia Ching foram feitos diversos ataques ao templo principal, mas sem sucesso, pois suas paredes eram inexpugnáveis, tendo mesmo diversos metros de espessura em alguns pontos. O templo sofreu longos cercos, semelhantes ao que vitimou o templo de Jerusalém, mas sobreviveu facilmente devido a auto-suficiência dos monges, que plantavam seus próprios alimentos e podiam resistir interminavelmente. Mas, da mesma forma que a Inconfidência Mineira, o templo Shaolin também teve seu traidor. Despeitado por não ter acesso aos exercícios originais de Bodhidharma e motivado por vultosa quantia e pela oferta de um cargo político de relevo, um monge de categoria inferior chamado Ma Ning Yee tramou sua traição com o apoio de três oficiais do governo Manchu, a saber: Chan Man Yu, Cheung Ching Chow e Wong Chun May. Ma Ning Yee envenenou a água do templo e o incendiou no vigésimo quinto dia do sétimo mês do décimo segundo ano do reinado de Yung Cheng (1733 d.C). Enquanto o fogo aumentava Ma Ning Yee abriu as portas para os soldados manchus que rapidamente dizimaram todos os sobreviventes que encontraram e destruíram o que ainda restava. Conseguiram fugir apenas cinco dos mestres e quinze discípulos. Dentre os quinze discípulos apenas seis tiveram seus nomes guardados pela história, quer por sua fama como possuidores de grandes habilidades nas Artes Marciais, quer por seus feitos heróicos nas infrutíferas tentativas de derrubar os invasores manchus. Foram eles: Hung Hee Kung e Luk Ah Choy, que criaram o estilo Hung Kuen, mais tarde conhecido como Hung Gar. Fong Sai Yuk, que criou um estilo baseado no movimento dos cinco animais de Shaolin. Tse Ah Fook, Fong Weng Chun e Tsung Chin Kun, que foram grandes lutadores e cujos feitos heróicos são até hoje narrados em histórias do folclore chinês. Quanto aos cinco mestres que escaparam, seus nomes eram: Cheen Sin, Fung To Tak, Mui Hin, Ng'Mui e Pak Mey. Os exercícios que Bodhidharma ensinou no templo Shaolin passaram a ser conhecidos como "As Dezoito Mãos de Lo-Han", (Shih-PaLo-Han-Sho) e foram descritos em uma obra chamada "O Livro da Transformação Muscular" (I Chin Ching) em dois volumes, dos quais apenas um sobreviveu. Baseado no "Shih-Pa-Lo-Han-Sho" o imperador Tai-Tzu da dinastia Sung criou trinta e duas formas de punho longo e seis formas de deslocamento. Infelizmente muitos dados sobre a filosofia budista e as Artes Marciais chinesas se perderam devido à ausência de referencial histórico. Foi o escritor Tao-Yuan quem mencionou o nome de Bodhidharma pela primeira vez, e isso ocorreu no ano 1004, ou seja, quase quinhentos anos após sua morte. As primeiras referências históricas à capacidade marcial dos monges do templo Shaolin citam o primeiro imperador da dinastia T'Ang, que venceu a Wang Chin Chung graças à ajuda de três monges lutadores chamados Chih Tsao, Hui Nang e Tsan Tsun. Graças às proezas desses monges o templo Shaolin tornou-se famoso como um centro de cultura marcial. Outra referência menciona que o general Yueh Fei criou as técnicas do Chin-Na (Cento e Oito Técnicas de Apresamento e Torção) a partir dos ensinamentos que teve do monge Jao Tung do templo Shaolin. Tem sido despertada a curiosidade de inúmeros leitores, que tem nos escrito para saber como eram feitas as iniciações dos pretendentes a se tornarem discípulos dos templos Shaolin. A esse respeito têm sido relatadas inúmeras lendas que, infelizmente, não podem ser comprovadas historicamente. Mas vamos contar algumas delas apenas para cultura geral de nossos leitores. Segundo relatos antigos, os novos discípulos eram admitidos no templo no início da primavera, que coincidia com o tempo das grandes chuvas. Nesses dias os pais que desejavam que seus filhos se tornassem monges, os levavam ao pátio frontal às escadarias do templo e lá os deixavam sozinhos aguardando que os monges os convidassem a entrar. Essas crianças tinham em média de 7 a 12 anos de idade. Considerando-se a dispersividade que caracteriza as crianças dessa idade, imagine como eram rigorosos os testes que descreverei a seguir. Os monges não abriam logo as portas do templo (às vezes demoravam alguns dias) e as crianças eram obrigadas a suportar ao relento o sol e as chuvas torrenciais que costumavam cair nesse período. Muitas das crianças abandonavam a espera e voltavam para suas casas. Outras crianças eram conduzidas de volta por seus próprios pais que não suportavam vê-las sofrer. Embora não abrissem as portas os monges observavam o comportamento das crianças e iam selecionando aquelas que consideravam suficientemente disciplinadas para suportar as árduas exigências do templo. Quando as portas se abriam os monges mandavam de volta para casa as crianças que consideravam que não suportariam seus ensinamentos. As demais crianças eram admitidas no primeiro pátio interno e conduzidas a uma grande mesa onde já estava sentado um velho monge (geralmente o patriarca do templo). Quando se sentavam à mesa eram observados seus comportamentos. Se pediam comida (podiam estar há três dias sem comer) eram servidas e depois mandadas para suas casas, pois era considerado indecoroso pedir comida ao invés de aguardar o momento de serem servidas. Se corressem para a mesa avidamente ou apressadamente demais, também eram dispensadas. Às que passavam por esse teste era dado uma tigela sem fundo, uma grande bolacha seca achatada (do tamanho do fundo da tigela) e era servido o chá. O procedimento correto era forrar o fundo da tigela com a bolacha para que pudesse ser servido o chá sobre ela. As crianças que não o faziam eram dispensadas sumariamente, pois não eram consideradas suficientemente inteligentes para aprender os ensinamentos do templo. Se a criança agisse corretamente colocando a bolacha no fundo da tigela, mas começasse a tomar o chá antes do monge idoso que estava sentado à mesa, era mandada de volta para casa, pois o respeito aos idosos era de grande importância na cultura chinesa. Supondo que o garoto conseguisse superar esses testes, ainda enfrentaria outros. Logo em seguida a essa fase lhe era entregue uma vassoura e lhe ordenavam que varresse um determinado pátio. Mal ele tivesse terminado de varrer surgia algum monge com os pés enlameados e sujava todo o lugar que havia sido varrido. Assim que o monge porcalhão desaparecesse por uma porta qualquer surgia o monge que lhe havia ordenado que varresse o lugar e o interpelava mais ou menos assim: - Eu não mandei que você varresse esta sala? Olhe só que imundície! Você é um vagabundo que não obedece às ordens que recebeu! Se o garoto resmungasse que já tinha varrido ou que depois que tinha varrido tinha vindo um cara e sujado tudo outra vez, era mandado embora, pois não tinha suficiente dedicação ao trabalho para permanecer no templo. O garoto deveria abaixar a cabeça e continuar a varrer sem proferir nenhuma palavra. Este teste da varredura era repetido diversas vezes como prova da humildade, da paciência e da perseverança do postulante. Havia uma variante desse teste em que o monge que mandara o postulante varrer retornava e afastava um painel que dava para outra sala tão grande quanto a primeira. Em seguida interpelava o garoto perguntando por que não varrera a outra sala também. Se o menino respondesse que não lhe tinham ordenado que varresse a outra sala era sumariamente dispensado. Seu procedimento deveria ser de extrema humildade, deveria abaixar a cabeça e continuar a varrer sem retrucar. Pessoalmente não creio que nenhum garoto ocidental superasse satisfatoriamente esta prova, a menos que tivesse sido previamente instruído sobre como deveria se comportar. Depois que superava os testes iniciais o postulante era submetido a todo tipo de provação, e executava todas as tarefas menos agradáveis do templo por longo período. Buscar água era uma tarefa penosa, pois os baldes eram propositadamente imensos e mesmo quando vazios bastante pesados. Havia também as tarefas da cozinha que eram muito desagradáveis, quando não monótonas e exaustivas. As tarefas de limpeza incluíam lavar as latrinas, retirar a poeira dos imensos arabescos e baixos-relevos que existiam por quase todas as paredes do templo, cuidar das folhas e das ervas daninhas dos vários jardins, lavar escadarias e corredores imensos, etc. Durante esse período inteiro o postulante passava por periódicas humilhações por parte dos estudantes mais avançados, todas elas com a intenção de testar-lhe a fibra moral e a paciência. E todas essas tarefas e testes que eram impostos aos garotos não os livravam de cumprirem outras obrigações relacionadas com as práticas budistas e com o estudo das doutrinas ensinadas no templo. Dormia-se poucas horas cada noite e trabalhava-se arduamente. Quando começava a espelhar certa frustração ou cansaço, um monge se aproximava dele e lhe indagava há quanto tempo estava no templo. Geralmente os garotos respondiam que estavam lá há muito tempo, em parte porque não lhes era dado acesso a nenhum calendário que lhes permitisse saber há quanto tempo lá estavam; em parte porque estavam desejosos de iniciar a prática do Kung Fu que só era permitida a alunos mais avançados. Mas se a resposta fosse essa, o aluno era deixado entregue a seus afazeres por mais alguns meses. A resposta certa seria: - Há bem pouco tempo estou aqui. (Mesmo que já fizesse alguns anos que lá estivesse.) Esta resposta era considerada correta porque diante dos dogmas do Budismo a manifestação material no mundo que nos cerca é ilusória (Maya = Ilusão) e também é ilusório o conceito de tempo e de espaço. Não era obrigatória a prática do Kung Fu, mas se o jovem passasse em todos os testes que descrevemos até agora e manifestasse desejo de aprender o Kung Fu Shaolin, seu desejo seria escarnecido e ignorado por muitos meses. Depois desse abandono inicial passavam-se alguns meses e ele era convidado a participar das aulas de Kung Fu. Nas primeiras aulas era mais ou menos usado como um saco de pancadas e as surras eram duríssimas. Se demonstrasse ter fibra, superando essa fase inicial que tinha sua duração determinada pelo comportamento do postulante então seria recebido como um discípulo de Shaolin, mudando a cor das vestes e o comportamento que recebia dos demais. Muitas de suas tarefas diárias eram transferidas aos postulantes menores e passava a receber incumbências de maior responsabilidade. Seus estudos dentro das doutrinas do templo eram mais profundos, e maior o número de matérias estudadas. As práticas ritualísticas e o período de meditação eram ampliados. Já não tinha que se alimentar na cozinha junto com os postulantes menos graduados, passava a frequentar as mesas dos refeitórios. Era transferido para os dormitórios superiores. Até que recebesse as vestes amarelas e prestasse os votos monacais o postulante não cessava de ser submetido a testes periódicos que, embora menos humilhantes, não deixavam de ser bastante exigentes. Além dos testes de habilidade física e marcial havia os testes de habilidade artística - geralmente caligrafia e composição poética. Havia também os testes de doutrina budista e de medicina oriental (os monges eram excelentes acupuntores e massagistas). Quando evoluía em seus estudos aprendia vários idiomas e ajudava na tradução de textos budistas de origem pali ou sâncrita. O trabalho na lavoura também era obrigatório e todo monge tinha que fazer seu estágio na cozinha aprendendo auto-suficiência na arte culinária. Cada um desses assuntos exigia um teste de avaliação. Segundo a tradição chinesa o homem Kung Fu teria que se distinguir em pelo menos cinco áreas do conhecimento humano. Ele deveria saber se exprimir no idioma chinês tanto oralmente como por escrito de maneira impecável. Ele deveria possuir uma caligrafia de rara beleza que chamasse a atenção de quantos a vissem. Ele deveria ser capaz de se exprimir em versos, de conhecer poesia e os textos clássicos com alguma profundidade. Ele deveria se exprimir em alguma forma de arte com grande habilidade - geralmente desenho ou pintura. Ele deveria conhecer os rudimentos da lavoura e da arte culinária e ser capaz de transmitir tais conhecimentos às pessoas do povo que necessitassem deles. Ele deveria ser hábil no uso das agulhas da Acupuntura, e na falta delas ter conhecimentos suficientes da Medicina oriental para poder tratar um paciente aplicando dedos habilidosos sobre os pontos dos meridianos de energia utilizados na Acupuntura. Ele deveria ter uma consciência política e econômica para poder desempenhar o papel de educador diante do povo, segundo os melhores procedimentos da tradição de Confúcio. Ele deveria possuir sólidos conhecimentos das doutrinas religiosas, mormente o Budismo e o Taoísmo, para poder doutrinar e esclarecer dúvidas a respeito de tais assuntos. Ele deveria ser capaz de defender a si mesmo e aos desamparados que recorressem ao seu auxílio. Ele deveria ter noções de sobrevivência em condições inóspitas, na selva e em terrenos desconhecidos, devendo ser capaz de localizar ervas medicamentosas, preparar infusões curativas, colocar no lugar ossos quebrados, preparar beberagens e poções. Dentre os atributos que acabo de citar, o homem Kung Fu tinha que se destacar em pelo menos cinco deles. A falta de pelo menos cinco dessas qualidades o desqualificaria como praticante de Kung Fu, mesmo que se tratasse de um habilidoso lutador. Há que compreender que para a tradição chinesa, devido às influências de Confúcio, a cultura geral de um homem era muito mais respeitada que sua capacidade de lutar. Recentemente foi mencionado na obra "Chinese Boxing Masters and Methods", de autoria de Robert Smith, o professor Cheng Man-Ch'lng, famoso praticante de Tai Chi que tinha a alcunha de Mestre das Cinco Excelências. Com isso o povo chinês lhe prestava homenagens tratando-o como um mestre cujos conhecimentos comparavam-se com os grandes mestres da antiguidade. Ingressar no templo Shaolin exigia uma atitude muito séria e uma forte intenção de vontade que predispusesse o postulante a todo tipo de provação. As pessoas não entravam no templo meramente na intenção de aprender o Kung Fu. O templo Shaolin era, antes de tudo, uma escola de filosofia e religião e as pessoas que nele ingressavam o faziam com o objetivo de alcançar a realização espiritual. Se alguma pessoa lá entrasse apenas com objetivos marciais acabaria por se lamentar amargamente, pois não poderia mais sair a menos que atingisse um nível de proficiência espiritual ou marcial extraordinários. Aos monges que se dedicavam exclusivamente aos estudos doutrinários e às práticas espirituais era facultada a saída do templo desde que em missões administrativas ou de caridade. Mas aos monges que haviam escolhido o caminho da Arte Marcial somente era permitida sua saída caso se distinguissem de maneira incomum na arte de lutar. Se fosse capaz de vencer os instrutores dos cinco estilos principais do templo poderia requerer a prova do corredor da morte. O corredor da morte era assim chamado porque nele havia cento e oito bonecos de madeira que eram acionados pelo peso de quem se atrevesse a penetrá-lo. Tais bonecos eram confeccionados por artesãos habilidosos de maneira que, se o praticante escapasse dos golpes desferidos pelo primeiro, certamente teria que enfrentar o segundo e assim por diante. Cada golpe de defesa ou ataque desferido contra um dos bonecos gerava reações de ataques dos outros. Se o monge que os enfrentasse conseguisse sobreviver ao corredor, deveria levantar a urna arredondada incandescente para poder sair. Essa urna pesava aproximadamente 225 quilos e era colocada em um pedestal especialmente confeccionado, de maneira que automaticamente abria a imensa porta situada ao fim do corredor. Essa porta não podia ser aberta a não ser dessa maneira. A cada monge era permitida a prática de, no máximo, dois desses estilos, dessa forma o desconhecimento dos outros três estilos (sem falar no Vajramushti), garantiriam a sobrevivência do templo caso o monge se transformasse num renegado que traísse seus conhecimentos. Nas laterais da urna havia em alto-relevo as figuras dos cinco animais que simbolizavam os cinco principais estilos do templo. Era mantido fogo acesso no interior da Urna durante todos os dias do ano e sua superfície externa atingia uma temperatura tão elevada que onde fosse tocada a carne grudava e ficava impressa a figura do animal que estivesse gravado naquele ponto. Quem quer que tivesse superado os 108 bonecos do corredor da morte teria que levantar a urna para poder sair, e como a roupa dos monges era de seda (altamente combustível), o monge se via obrigado a retirar a parte de cima de suas vestes e, de torso nu, erguer a pesadíssima urna com os ante-braços e mudá-la de pedestal. A porta permanecia aberta por uns poucos momentos, e se o monge desmaiasse no processo ou não se atirasse para fora com certa rapidez, arriscava-se a perder todos seus esforços. Por uma questão de respeito às artes que praticara, o monge procuraria tocar na urna em pontos que contivessem a figura dos animais que representavam os estilos que havia praticado, de maneira a ostentar em seus braços por toda a vida o desenho deles. Evidentemente não basta a mera força física para se conseguir erguer um objeto de tão grande peso, e nem eram suficientes apenas técnicas marciais aprendidas no templo para se vencer os 108 bonecos do corredor da morte. Eram necessárias práticas mentais apuradas para que se desenvolvessem certos poderes (hoje chamados paranormais), que permitiriam a realização de tais feitos extraordinários. Certamente você já ouviu falar a respeito de pessoas, aparentemente frágeis, que carregam pessoas com o dobro de seu peso e até pianos imensos por ocasião de grandes incêndios. Depois que cessa o fogo essas pessoas percebem que em condições normais não seriam capazes de realizar tais esforços. Experiências têm comprovado que pessoas em condição de hipnose profunda são capazes de levantar imensos pesos e de se submeterem a imensas dores sem senti-las. Os monges Shaolin eram treinados em métodos avançados de Yoganidra transmitidos por Bodhidharma, que lhes permitiam realizar essas proezas todas e outras ainda mais impressionantes. O Yoganidra é uma técnica transmitida através do Yoga e do Vajramushti, que permite ao praticante atingir diretamente seu subconsciente de lá tirando forças para realizar tarefas que, sob condições comuns, seriam consideradas impossíveis. As Sociedades Secretas Depois da destruição do templo Shaolin os sobreviventes se espalharam por toda a China e passaram a incentivar o povo a criar frentes revolucionárias com o objetivo de expulsar os Manchus do poder. Tal meta nunca foi atingida, mas os diversos grupos acabaram por dar origem a Fraternidades Secretas, Sociedades e Irmandades que cultivaram o Kung Fu ocultamente durante muito tempo. Essas Sociedades Secretas eram conhecidas como Hung Mun, Hung Tong ou simplesmente Tríades. Mais popularmente os membros delas eram conhecidos como Tong. Convém lembrar que o Kung Fu também era praticado fora do templo Shaolin e que muitas das Fraternidades Tong eram fundadas por lutadores de Kung Fu que apesar de não descenderem da linhagem de Shaolin, também estavam interessados em tirar os Manchus do poder. Esses lutadores faziam longas viagens demonstrando suas habilidades nas localidades onde passavam e arregimentando adeptos para suas Fraternidades. Muitos desses lutadores eram hábeis médicos, pois o conhecimento de Acupuntura e Do-ln eram transmitidos pelos mestres de Kung Fu. Ocultos sob a personalidade de médicos, esses lutadores tinham facilidade para arregimentar elementos para os Tong. O poderio dos Tong estendeu-se por toda a dinastia Ching, finalizando apenas com a constituição da República em 1912. Por essa época os Tong não estavam mais interessados no poderio Manchu e sim na invasão dos ocidentais - portugueses, espanhóis, ingleses e franceses que, aos olhos deles, estavam dividindo a China e pervertendo suas tradições. Pelo fim do século XVIII o ópio chinês era muito cobiçado pelos europeus, e o incentivo brutal que os ocidentais impuseram ao povo chinês para aumentar a produção desse tóxico acabou por aumentar o vício e o consumo entre os chineses. Os Tong, por serem mais politizados que o resto da população, se revoltaram com esse estado de coisas e iniciaram um movimento de resistência e guerrilha que acabou resultando na famosa revolta dos Boxers. Entre as inúmeras pequenas revoluções geradas pelas Fraternidades Tong podemos citar a tentativa de assassinato do Imperador Kia-Ching perpetrada pela Fraternidade da Razão Celeste, que era uma facção da Sociedade do Lótus Branco. Esse imperador era um déspota que se divertia assistindo as torturas de seus prisioneiros. Em 1813 a Seita dos Nenúfares Brancos começou um grande movimento revolucionário contra os Manchus. Por volta de 1840, como represália ao novo acordo que os ingleses firmaram com o governo corrupto chinês, referente à importação de ópio, os Tong destruíram todo o carregamento dos ingleses. Por seu turno os ingleses invadiram Nanking tendo conquistado a cidade em 1842. Essa revolta foi conduzida por Hung Siu Chuan (1812-1864), que pertencia ao grupo étnico dos Hakka, de onde surgiu o famoso estilo Tong Long. Hung Siu Chuan converteu-se ao Cristianismo e deu origem à "Seita dos Adoradores de Deus". Daí o nome da revolta, pois Hung Siu Chuan tentou estabelecer uma nova sociedade na China que denominou "O Reino Celeste da Paz", em chinês "Tai Ping Tien Kuo". Embora os Tong não se unissem a essa seita devido às oposições religiosas, apoiavam-se devido as semelhanças de intenções políticas. Os Tong eram exímios lutadores treinados nas artes, do Kung Fu e das armas chinesas, sendo hábeis praticantes das técnicas da espada, da lança e dos machados gêmeos. Eram facilmente distinguidos entre o povo, pois em revolta com a ordem Manchu que obrigou o povo a cortar o rabicho característico dos Ming, usavam seus cabelos compridos ou cortados à maneira dos ocidentais. Apesar de suas inúmeras vitórias, os Tai-Ping (Hung Siu Chuan e seus seguidores) foram finalmente vencidos pelo general Tseng Kuo Fan, que uniu suas forças ao exército inglês estrategicamente dirigido pelo comandante Gordon, que era apelidado de "Comandante Chinês", por ser um lambe-botas do governo estabelecido. Graças ao esforço conjunto desses dois exércitos Nanking foi reconquistada e 100.000 homens da Seita dos Adoradores de Deus foram exterminados a golpes de espada. As inúmeras revoltas geradas pelos Tong acabaram por culminar num dos maiores levantes da história chinesa, a Revolta dos Boxers. Esse nome foi dado pelos ingleses, pois na impossibilidade de verter satisfatoriamente o idioma chinês, chamavam os praticantes de Kung Fu de Boxers, numa analogia ao esporte de origem inglesa. Portanto, para os ingleses o Kung Fu era o Boxe Chinês e o praticante de Kung Fu era chamado de Boxer. No final do século XIX a Imperatriz Tseu-Hi (chamada pelos ingleses de Imperatriz Dowager), fez um acordo com os estrangeiros e com o auxílio deles dizimou os membros do Partido Reformista Liberal, conquistando seu lugar no poder e em pagamento cedendo grandes áreas do território chinês. Como a imperatriz era da raça Manchu, os Manchus começaram a insuflar sentimentos patrióticos exacerbados entre o povo chinês, numa tentativa de lançá-los contra os estrangeiros, fazendo-os esquecer dos desmandos de sua governante. Para se ter uma idéia desses incentivos à revolta, reproduzimos a seguir o texto de um dos cartazes que foram afixados em Pequim na noite em que se iniciou a revolta. "O Santo Imperador Chu Hung Tang avisa a todos os discípulos de Buda: Morte aos Demônios do Oeste que oprimem nosso país escarrando sobre nossos deuses e roubando nossas riquezas. O grande momento já foi escolhido pelo destino. O céu não permitirá que aqueles que violaram tantas sepulturas para abrir caminho para suas máquinas de ferro e que tomaram à força as terras dos filhos do céu, escapem à condenação de seus crimes. Insolentes como são, esses bárbaros não recuam diante de nada. É por essa razão que nós, membros da Sociedade Harmoniosa do Punho Fechado, membros da Arte Marcial Chinesa, da Justiça e da Concórdia, o convidamos a massacrá-los sem piedade no cair desta noite." A sociedade Tong responsável pela revolução dos Boxers era a Fraternidade do Punho da Concórdia (Yi Ho Kuen em chinês), que era filiada à Seita dos Grandes Punhais e à Seita dos Nenúfares Brancos. Mas o processo todo teve origem muito antes, com Chu Hung Tang, líder que reuniu lutadores de diferentes estilos e formou um formidável exército. Originário da cidade de Sze Chui na Província de Shantung, Chu Hung Tang era estudioso de Medicina e Kung Fu, tendo aberto sua casa a quem quer que desejasse praticar Kung Fu e reunindo especialistas marciais que deram origem ao estilo Yi Wu Kuen (Arte dos Punhos da Justiça e da Concórdia). Em sua seita a ênfase era exclusivamente dedicada ao Kung Fu, sem que se ensinasse conceitos filosóficos ou políticos, mas posteriormente Chu Hung Tang adotou alguns princípios políticos da Seita Pa Kua e da Seita do Lótus Branco. Com a aceitação dessa conceituação nova os ânimos de seus alunos se tornaram mais politizados e agressivos, culminando com a formação da Sociedade da Justiça e da Concórdia, Yu Wu Mun em chinês. Essa Sociedade altamente nacionalista e avessa aos estrangeiros, tinha dois princípios que a norteavam, a saber: - Ajude o pobre e lute contra os estrangeiros. - Se encontrar uma desigualdade em seu caminho empreste sua mão como ajuda. Esse ato de emprestar a mão nada tinha a ver com a atitude cristã de dar a outra face, muitas vezes significava emprestar um punho irado de um hábil praticante de Kung Fu. Por sinal, parte de suas vítimas eram os chineses convertidos ao Cristianismo, que era muito malvisto devido à sua origem estrangeira. A guarda imperial não os impedia de atacar as igrejas e aos chineses cristãos, pois também tinha certo preconceito a respeito dessa cultura estranha. Chu Hung Tang tinha apenas 300 homens em sua seita, mas um golpe hábil do destino aumentou suas fileiras em mais de mil homens. Fiéis a seus dois princípios, os homens da Sociedade da Justiça e da Concórdia ajudaram o povo por ocasião de uma inundação ocorrida em Sze Shui, o que lhes trouxe centenas de novos adeptos. Chu Hung Tang tinha um amigo de infância que se tomou monge budista e era forte praticante de Kung Fu. Esse monge, chamado Bun Ming organizou uma filial da Sociedade na cidade de Cheung Chin. Com o auxílio desse monge, Chun Hung Tang estabeleceu uma estratégia de expansão que funcionava mais ou menos assim: Enviava 50 homens a uma nova região para fundar uma espécie de Mosteiro e uma Escola de Kung Fu. Na continuidade os frequentadores dessa comunidade eram convidados a participar de uma Sociedade Secreta de voluntários, que era organizada mais ou menos nos mesmos padrões das organizações dos Tai Ping. O objetivo dessas organizações era a derrubada da Imperatriz Manchu Tseu Hi e a expulsão dos estrangeiros do território chinês. Os treinamentos nas escolas de Kung Fu da organização eram duríssimos, os homens treinavam horas e horas todos os dias e se especializavam no uso da lança e da espada. O começo da revolta foi bastante prosaico. No Condado de Ping Yuen o povo estava passando fome e mais uma vez, fiéis a seus dois princípios, um grupo de homens da Sociedade Secreta resolveu assaltar um armazém dos bárbaros estrangeiros e repartir os alimentos entre o povo. Mas o grupo era muito pequeno, e seis dos homens foram presos e condenados à morte. Os outros elementos do grupo procuraram Chu Hung Tang e lhe pediram que os salvasse. Chu Hung Tang uniu-se a Bun Ming e com 200 homens atacou a guarnição estrangeira vencendo-a e repartindo a comida entre os pobres. O Governador do Condado foi avisado e mandou suas tropas contra os revolucionários, mas elas foram derrotadas. Os revolucionários haviam se preparado para a batalha através de banhos especiais que as antigas tradições do Kung Fu acreditavam produzir invulnerabilidade, e como nenhum dos homens foi ferido ou morto nas duas escaramuças, passaram a acreditar que suas fórmulas de invulnerabilidade haviam funcionado. Em agradecimento à vitória, foi realizada uma cerimônia budista e para obter o favorecimento dos deuses em suas futuras batalhas, adotaram mais cinco normas morais, a saber: - Não contar vantagens nem ter presunção. - Respeitar os pais e anciãos. - Não cobiçar nem invejar. - Não roubar. - Não adulterar. Nessa altura dos acontecimentos os adeptos da Sociedade Secreta já eram 20.000 e estavam espalhados por toda a China. A tradição diz que mais da metade deles praticavam o Kung Fu. Em maio de 1898 foi realizado um conselho secreto dos mestres de Kung Fu. Estavam em assembléia: Fao Kan Tzi, famoso mestre Shaolin que tinha mais de 2.000 discípulos e que pertencia à Tríade dos Tong. Che I Chai, mestre de Hsing I que tinha vencido o famoso mestre da Palma de Ferro. Li Tsung, o mais famoso mestre de Pa Kua daquela época. Chen Ting Hua, conhecido pelo apelido de "Cobra Invencível", feroz lutador de Hsing I. Mestre Hung, que tinha mais de 5.000 discípulos fanáticos no estilo Pa Kua. Feng yu Hsiang, mestre de Hung Gar e dirigente da Sociedade Secreta "União pela Grande Espada". Tsu Hsin Wu, criador da escola do sul "Tsu Jen Men", especializada na arte de guerrilha Su Tzu e no estilo Shuai Chiao. Chan Ti San, discípulo do grande mestre Ho Yuen Chia, que por estar doente não pôde comparecer. É curioso notar que Bruce Lee interpretou no filme "Fists of Fury" (Fúria do Dragão, no Brasil), o papel de aluno de Ho Yuen Chia vingando a morte de seu mestre, que foi envenenado pelos japoneses. Essa reunião tinha por objetivo reunir a força desses mestres para derrubar o poder Manchu representado pela imperatriz e expulsar os estrangeiros. Essa reunião dos mestres foi muito importante para o desenvolvimento do Kung Fu, visto que a união em prol de um objetivo comum - derrubar os Manchus e expulsar os estrangeiros - criava união entre mestres e fazia cessar as guerras entre diferentes estilos. Como consequência dessa união de forças, nesse mesmo ano principiou a revolta dos boxers, mas devido a traições internas (mestres menores invejando e fofocando contra os que se destacavam já havia naquela época) e outros fatores, esse início da revolta foi muito conturbado e muita gente foi capturada e executada. Os estrangeiros já eram muito influentes politicamente, e se valiam dessa influência para impor drásticas medidas de repressão e de controle militar, que acabaram minando a resistência inicial dos boxers e forçando a captura de milhares de lutadores. Só na cidade de Pequim foram executados 3.000 desses lutadores. Conta-se que os carrascos recebiam prêmios em dinheiro caso vencessem o concurso diário de cortar as cabeças. Os mais afoitos chegavam a cortar mais de sessenta cabeças por dia. Considerando que levasse dez minutos para retirar o prisioneiro do calabouço, sessenta execuções representava para o carrasco dez horas de trabalho diário, sem parar sequer para as refeições. E havia vários carrascos trabalhando ao mesmo tempo. Mas a coisa não parou por aí. No ano seguinte (1899), os boxers se reagruparam e estavam ainda mais motivados devido às execuções de seus companheiros. Nessa altura dos acontecimentos, a Sociedade da Justiça e da Concórdia de Chu Hung Tang já contava com milhares de adeptos, que eram sistematicamente doutrinados para odiar os estrangeiros. A matança inicial dos boxers só serviu para exacerbar ainda mais os ânimos esquentados e a revolta acabou por escapar do controle dos mestres. Embora a maioria dos mestres envolvidos tivesse um comportamento ético e pautassem suas ações dentro de um determinado padrão moral, seus subordinados estavam sedentos de sangue e não queriam mais saber de obedecer ordens. Levados pela avalanche provocada pela sede de vingança e pelo ódio aos estrangeiros, a tentativa dos mestres em controlar a turba, falhou. Contra suas ordens e em oposição aos princípios morais do Kung Fu, muitos inocentes pagaram pelos pecadores. Os homens religiosos, mesmo os padres cristãos e os pastores das missões protestantes da China, jamais haviam sido molestados pelos praticantes de Kung Fu, pois eram considerados homens de paz. Da mesma forma, eram respeitadas as instituições assistenciais e de caridade que acolhiam idosos e crianças órfãs. Mas os boxers desprezaram os conselhos de seus mestres e criaram uma carnificina sem par na História da China, destruindo igrejas, escolas e hospitais, matando religiosos, médicos, mulheres, anciões, crianças e doentes que estivessem nessas instituições. Em 1900 - conhecido como o "Ano da Revolta dos Boxers" - os revolucionários já ocupavam quase toda Pequim. Embora a revolta de 1900 tenha sido extremamente curta (durou de junho a agosto apenas), centenas de combates foram travados e milhares de atrocidades perpetradas. Embora chamada de Revolta dos Boxers, a revolução já não pertencia aos boxers, pois a população havia se unido e com a proposição de apoiá-los cometia grandes morticínios, numa revanche vingativa e cega pelos muitos anos de opressão e penúria. O grosso da revolta iniciou no dia 20 de junho de 1900, forçando o governo a tomar drásticas medidas para sobreviver. No dia seguinte ao início da revolta, (21 de junho) o governo declarou oficialmente guerra aos estrangeiros. Com a tomada de Pequim as fraternidades e sociedades secretas organizaram desfiles para demonstrar suas forças. Entre outras participaram do desfile as Sociedades Tríades, a Sociedade do Lótus Branco, os Turbantes Amarelos e a Unidade da Grande Espada. Por ocasião dos desfiles das Fraternidades que tomaram Pequim, os ocidentais haviam se refugiado dentro das muralhas da cidade velha. Por trás dessas muralhas havia tropas ocidentais. Os comandantes ingleses eram muito orgulhosos de seus feitos militares nas colônias e estavam acostumados a conter revoltas populares e mesmo rebeliões armadas na Índia. Suas tropas eram especialistas em lidar com situações denominadas "Carga de Cavalaria Ligeira". Faziam parte dos batalhões ingleses sediados em Pequim várias tropas indianas "Gherkas", compostas por temíveis lutadores Singhs, especialistas na luta corpo-a-corpo e no manejo do punhal ondulado (Kriss). Havia também as tropas de combatentes argelianos, os Zuavos, ferozes e calejados soldados com muita prática em guerra de guerrilhas. Os regimentos ingleses e franceses uniram-se e atacaram os revoltosos, mas foram derrotados. Mesmo seus fuzis e baionetas não eram páreo para as lanças e espadas dos praticantes de Kung Fu. Muitos mestres e lutadores famosos se davam ao luxo de enfrentar os soldados estrangeiros fortemente armados, usando apenas os seus punhos nus. As perdas chinesas foram mínimas, ao passo que o exército estrangeiro foi inteiramente dizimado, sobrando apenas uns poucos homens. Embora o povo chinês estivesse orgulhoso da vitória, os mestres sabiam que o pior ainda estava por vir, e que dificilmente teriam condições de enfrentar as armas pesadas dos ocidentais. No dia 11 de julho os regimentos alemães chefiados pelo Conde Waldersse entrou em batalha com os boxers. Esses regimentos alemães eram formados por soldados prussianos, experientes em inúmeras batalhas, chamados Bandeburgueses e tendo como emblema a Águia Alemã. Era uma tropa de elite onde só eram admitidos homens com mais de um metro e noventa de estatura, que passavam por testes de admissão que exigiam suprema força e coragem. Era a Águia contra o Dragão. Os ocidentais eram homens fortes, enormes, superequipados, obedecendo a uma formação que os dispunha em falanges de combate já testadas incontáveis vezes e respaldadas em técnicas militares cientificamente estudadas. Os chineses eram miúdos e subnutridos, usando armas rudimentares: facas, paus, pedras, enxadas, correntes, etc. A batalha durou apenas uma hora e os alemães foram forçados a recuar com seus poucos sobreviventes. Até essa batalha com os alemães os ocidentais ainda não tinham usado suas armas de fogo de maior alcance, porque achavam que feria sua honra usar armas sofisticadas contra uma plebe destreinada, desarmada e pertencente a uma raça inferior. Mas tendo em vista as derrotas sofridas os ocidentais perderam seu amor à honra e começaram a usar plenamente todos os recursos bélicos que dispunham. Em desespero de causa os chineses invadiram os museus e se apossaram de todos os tipos de armas de fogo antigas em que conseguiram pôr a mão. E armados de umas poucas escopetas, trabucos e pistolas antigas tentaram atacar as muralhas da cidade antiga onde os ocidentais se abrigavam. Graças à ajuda de um velho canhão que disparava bolas de fogo de mais de 100 quilos conseguiram abrir brechas nas muralhas e por elas tentaram passar. Mas as armas mais sofisticadas dos ocidentais os impediram e foram mortos aproximadamente quinze dos grandes mestres e mais de 1.000 boxers. No dia 14 de julho chegaram os reforços pedidos pelos ocidentais. Constava de tropas americanas, européias e japonesas, que logo ao chegar ocuparam a cidade de Tien-Tsin. No dia 14 de agosto o exército ocidental chegou em Pequim, com 8.000 homens fortemente armados, mais de cem canhões e 20 metralhadoras de longo alcance. O cerco dos boxers a Pequim durou cinquenta e dois dias. Enfrentaram bravamente as tropas aliadas e pereceram gloriosamente em batalha defendendo o direito à liberdade de seu povo e a necessidade de preservar seus valores culturais contra o estrangeiro predador. Não era a primeira e nem seria a última vez que ocidentais invadiram outros países e outros povos, impedindo-os de exercerem sua liberdade na escolha de seus governantes e na preservação de sua cultura. Os boxers conseguiram resistir durante treze dias até serem dizimados completamente no dia 27 de agosto de 1900. Pereciam com eles dezenas de estilos de Kung Fu que desapareceram para sempre por terem sido mortos seus mestres e praticantes mais destacados. Jamais saberemos como seria hoje o Kung Fu se alguns desses mestres tivessem conseguido sobreviver. Com eles morreram segredos marciais insubstituíveis e técnicas primorosas, que provavelmente nunca mais serão reencontradas. Participaram dessa revolta: de um lado os mestres do Kung Fu, os membros das Fraternidades, das Tríades e das Sociedades Secretas e, por outro lado soldados bem nutridos, fortemente armados e exemplarmente treinados da Alemanha, Argélia, Áustria, França, Índia, Inglaterra e Japão. A resistência chinesa era dirigida por homens de ferro como o General Feng-Yu-Hsiang que comandava o célebre batalhão Ta-Tao-Tui. Este e outros generais pereceram lutando ombro a ombro com seus soldados diante das armas de fogo mais sofisticadas de outros países. Durante muitos anos o Kung Fu foi banido da China, tendo sido preservado por uns poucos aficcionados que o praticaram em segredo até há poucas décadas, quando novamente foi liberado e conquistou seu lugar ao sol. O General Feng-Yu-Hsiang criou um famoso lema para sua tropa de revolucionários, lema esse que motivaria Bruce Lee a criar outro lema de grande impacto. Vejamos: O lema de Feng-Yu-Hsiang: Quando combatemos Usamos as balas de nossas armas Quando acabam as balas Usamos as baionetas Quando se quebram as baionetas Usamos as coronhas dos fuzis Quando se quebram as coronhas Usamos nossos punhos Quando cortam nossos punhos Nós os mordemos O lema de Bruce Lee: Aproxima-te do Jeet Kune Do Com a idéia de dominar a vontade. Esquece a vitória ou a derrota; Esquece o orgulho e a dor. Deixa teu adversário arranhar tua pele E esmaga a carne dele; Deixa-o esmagar tua carne E fratura-lhe os ossos; Deixa-o fraturar seus ossos E toma a vida dele! Não te preocupes em escapar ileso Deixa tua vida diante dele. Apólogos do Kung Fu O Kung Fu, a título de propiciar uma formação moral a seus praticantes, cultiva em sua tradição um sem-número de apólogos que, tais como as parábolas do Cristianismo primitivo, transmitem profundos ensinamentos. A título de ilustrar como são esses apólogos, a seguir narro alguns deles na esperança de que o leitor saiba apreciá-los e consiga extrair deles os ensinamentos especiais que ocultam. A Especialização Marcial Há muito, muito tempo, quando a ilha de Okinawa pertencia aos chineses e os okinawenses aprendiam técnicas de Kung Fu que mais tarde dariam origem ao Karate (se não acredita, leia os livros de Ginchin Funakoshi), morava nessa ilha um velho mestre chinês que transmitia sua arte com muito desvelo e carinho. Dentre os inúmeros discípulos desse mestre havia três que eram seus alunos prediletos. Desses três, um havia se dedicado exclusivamente às técnicas de luta com as pernas e se tornara muito famoso como "O Homem da Perna de Ferro". Outro gostava apenas das técnicas manuais e se tomara eficientíssimo no uso dos braços e das mãos, granjeando fama como "O Homem dos Punhos de Aço". O terceiro não se especializou em técnica alguma, contentava-se em seguir plenamente os ensinamentos do mestre e dedicava-se tanto às técnicas de perna, quanto às técnicas de mão. Por não se ter especializado em nada, não era famoso como os outros dois e embora querido por seu mestre, permanecia na obscuridade e era pouco conhecido. Com o passar dos anos, o velho mestre vendo chegar o fim de seus dias, convocou o povo a ouvir suas últimas palavras. Como era um homem probo e caridoso as pessoas de sua aldeia vieram ouvi-lo. Nessa sua última mensagem conclamou todos à prática da caridade e da fraternidade, incentivou-os a continuarem praticando o Kung Fu como forma de cultura física e recurso para defender a ilha de possíveis invasores. Em seguida fez vir à sua presença seus três alunos favoritos e apresentando-os ao povo disse-lhes que se um dia tivessem problemas com algum mau elemento que ameaçasse suas vidas ou seus bens, confiassem a defesa da ilha a esses seus três discípulos. Terminando de dizer estas palavras, expirou. No banquete que foi realizado após o passamento do mestre (os chineses comemoram a morte com festas e banquetes), foram dados lugares de honra aos dois lutadores famosos, pois seus feitos eram muito conhecidos e as canções e danças da ilha reproduziam muitas de suas histórias. O terceiro lutador conseguiu um lugar afastado entre os alunos menos conhecidos do mestre. Os anos foram se passando e os dois lutadores famosos cada vez venciam adversários mais poderosos e mais e mais aumentavam a fama que possuíam. As crianças corriam atrás deles nas ruas gritando seus nomes; quando iam ao mercado os comerciantes lhes ofereciam presentes e dinheiro. Todos se sentiam honrados em hospedá-los e alimentá-los. O terceiro lutador continuou desconhecido. Todos os dias pela manhã abria os portões do quintal da casa do mestre, onde continuou a morar e recebia aqueles que o procuravam para aprender Kung Fu, ensinando-os com o mesmo carinho que costumava ter quando o mestre era vivo. Às vezes um dos dois lutadores famosos, o "Homem dos Punhos de Aço" ou o "Homem da Perna de Ferro" vinha à academia e era recebido com muita alegria pelos alunos que os convidavam a ensinar suas técnicas prodigiosas. Os anos foram se passando e certo dia a ilha foi invadida por um bando de salteadores chineses chefiados por um bandido feroz, exímio praticante de Kung Fu. Esse bandido atacava as aldeias, matava aqueles que resistiam, aprisionava os sobreviventes, arrancava-lhes as roupas, saqueava o que podia e em seguida incendiava as casas. Os sobreviventes, nus e humilhados, iam às aldeias próximas pedir socorro. De todos os lados chegavam as mesmas notícias - assassinatos, saques e incêndios destruindo as aldeias por toda a ilha. Então o povo se lembrou das recomendações do velho mestre e saiu à procura dos dois lutadores famosos. Conseguiram encontrar o "Homem da Perna de Ferro" e pediram sua proteção. O "Homem da Perna de Ferro" era muito confiante, pois tinha vencido grandes adversários e tinha uma perna tão rápida que nenhum outro lutador especialista em pernas conseguia superá-lo; procurou o bandido e o desafiou para uma luta. O povo estava com ele e confiantes em sua habilidade armaram-se de paus e pedras e cercaram o bando. A luta começou, o bandido enfrentava o "Homem da Perna de Ferro" e seus asseclas lutavam com o povo. O bandido lançou alguns golpes com a perna que foram prontamente defendidos pelas pernas e joelhos de seu adversário, que prosseguiu arremessando-lhe chutes tremendamente poderosos e praticamente indefensáveis. Sua técnica de pernas era tão superior que se dava ao luxo de florear, dando saltos no ar, giros, chutes repetidos com a mesma perna, etc. O bandido era um lutador muito experiente e conhecia inúmeras técnicas do Kung Fu; adotou a defensiva e passou a observá-lo. Notou que seu adversário mantinha os braços quase abertos para melhorar seu equilíbrio de pernas; notou também que ele executava até as defesas com os pés, canelas e joelhos. Lançou-se à frente e encurtou a distância até poder tocá-lo com os punhos, iniciando um ataque poderoso com golpes simultâneos de punhos, cotovelos, calcanhar, mãos e pontas dos dedos. Atingido por essa saraivada de golpes o "Homem da Perna de Ferro" tentou se afastar para poder ter espaço para desferir seus chutes poderosos, mas quanto mais se afastava mais o bandido se lançava para a frente encurtando a distância e atingindo-o pesadamente com as mãos. Em desespero tentou golpes com joelhos e pisões curtos, mas os golpes com os punhos eram muito rápidos e atingiam-lhe a cabeça, esmagando-lhe as orelhas, os lábios, os dentes, o nariz e os olhos. Tentou se afastar mais rápido para poder chutar, mas quando conseguia se afastar o bandido o empurrava desequilibrando-o e prosseguindo com a saraivada de socos. Dessa maneira foi acuado contra o canto de uma casa onde, impedido de usar as pernas, foi surrado até morrer. Quando o povo viu que o famoso "Homem da Perna de Ferro" tinha morrido fugiu apavorado, com o bando em seus calcanhares. Diversos mensageiros saíram em busca do "Homem dos Punhos de Aço" e contaram-lhe o que tinha acontecido suplicando-lhe que os auxiliasse. O "Homem dos Punhos de Aço" sorriu com superioridade: - Então o "Homem da Perna de Ferro" havia sido vencido por um bandido especialista no uso das mãos não é? Ninguém era suficientemente bom com os punhos para enfrentá-lo. Havia vencido dezenas de adversários que eram exímios lutadores com as mãos, venceria o bandido com facilidade... Quando acharam os bandidos a luta recomeçou. O bandido encarou seu adversário e imaginou que como o anterior este também era especialista no uso das pernas, resolveu acabar logo com a coisa, encurtando a distância e partindo para uma série de golpes de punhos. O "Homem dos Punhos de Aço" adorou essa aproximação, o bandido estava vindo de encontro a seus punhos poderosos, capazes de varar uma parede de pedras. Cada soco que o bandido lhe dava era habilmente defendido e desviado. Mas o bandido era um lutador experiente e logo percebeu que jamais venceria aquele oponente apenas desferindo golpes com seus punhos. Começou a guardar uma certa distância do adversário, afastava-se o suficiente para que os punhos do "Homem dos Punhos de Aço" não pudessem atingi-lo. Quando o "Homem dos Punhos de Aço" tentava encurtar a distância, esquivava-se e fugia do ataque linear. Quando não conseguia evitar o encurtamento da distância tentava apresar os braços do adversário e aplicar-lhe torções. Começou a observar atentamente o seu jogo de perna e notou que nunca desferia golpes com as pernas, nem possuía um jogo de pernas eficiente. Começou a usar suas pernas contra ele e em determinado momento conseguiu derrubá-lo com a rasteira circular posterior. Assim que o "Homem dos Punhos de Aço" caiu no chão o bandido pulou em cima dele e aplicou-lhe uma chave de braço. O herói nunca tinha lutado no chão, e não sabia o que fazer, tentou ainda uns socos desesperados mas teve seu braço direito deslocado à altura do cotovelo, em seguida foi asfixiado pelo bandido que o matou. Ao perceberem que o "Homem dos Punhos de Aço" havia sido morto o povo debandou apavorado. O povo da ilha não sabia mais o que fazer, havia ainda o terceiro aluno do mestre falecido, mas se os outros dois que eram verdadeiros heróis, famosos por suas lutas, nada haviam conseguido contra o bandido, o que conseguiria o outro lutador que era apagado, nunca havia realizado grandes feitos, não possuía técnicas mirabolantes e nem havia vencido grandes adversários? E nem se incomodaram em chamá-lo. Enquanto isso o bando de facínoras progredia em seu avanço devastador, arrasando as aldeias por onde passavam. Mas os rumores das atrocidades cometidas pelos bandidos e a notícia da morte dos dois heróis do Kung Fu chegaram ao terceiro lutador. Certa manhã reuniu os alunos da academia e disse-lhes: "- Hoje nosso treinamento será diferente. Peguem as armas e sigamme." Não tiveram que andar muito para achar os bandidos. A luta começou rápida e não tardou para que ambos os chefes se enfrentassem. Quando o bandido começou a lutar com ele imaginou qual seria a especialidade de seu adversário - pernas ou punhos? Arriscou alguns chutes e estes foram habilmente defendidos e revidados à altura; resolveu mudar de tática, lançou alguns socos e estes também foram defendidos e devolvidos. Lançou-se à frente tentando encurtar a distância, mas foi rechaçado por uma saraivada de golpes certeiros que penetraram em sua guarda pelo centro de seu corpo. Tentou agarrar as mãos do adversário e ficou surpreso em descobrir que ele era liso e sabia esquivar-se com admirável habilidade. Começou a socar com força, mas o lutador ao invés de defender formalmente seus golpes desviava-os para fora com hábeis movimentos com os cotovelos, somados a um sutil giro de cintura. O bandido reparou que seu adversário completava seus ataques com apresamento de seus braços seguidos de revides formidáveis. Outro detalhe interessante é que cada braço que executava uma defesa estava lançando um ataque quase que simultaneamente. Tentou dar alguns chutes para aumentar a distância mas suas pernas eram bloqueadas antes mesmo que os pés saíssem do chão. O lutador bloqueava soltando golpes curtos com o calcanhar sobre a coxa, joelho e canela do bandido. Tentou aplicar um golpe de torção mas o rapaz esquivou-se num giro completo pelo outro lado e acabou por prender-lhe o pulso direito com mão de ferro. Quando puxou o pulso a fim de se livrar, o adversário dobrou o pulso arremessando o cotovelo da frente e caindo sobre ele com todo o peso do corpo. O impacto no peito foi enorme e quebrou várias costelas, fazendo com que sentisse gosto de sangue em sua boca. Ainda tentou ensaiar vários golpes, mas cada vez que arremessava um ataque era atingido na área de seu corpo que estivesse menos defendida, começou a cansar-se, a abaixar a guarda e a apanhar feio. Não demorou muito tinha deslocado o ombro e o tornozelo, logo mais desabou ao chão e não mais conseguiu se levantar. Quando os outros bandidos viram que o chefe estava fora de combate, perderam o espírito da batalha e da melhor forma que puderam trataram de fugir. A essas alturas o povo começou a se juntar em volta do lutador e de seus alunos e fizeram uma festa para comemorar a expulsão dos bandidos e a descoberta de um novo herói do Kung Fu. Influências Taoístas As influências taoístas se faziam mais marcantes nas Artes Internas, tais como o TAi i Chi Chuan, o Hsing I e o Pa Kua. Não havia um código específico para os praticantes das Artes Marciais, o que se recomendava era a prática do Caminho (Tao) e os estudos do "Tao Te Ching”. O Tao Te Ching é a obra fundamental do Taoísmo. Influências Budistas Diante da necessidade de impedir que os aprendizes de Shaolin usassem seus conhecimentos de Kung Fu com más intenções, o Monge Kwok Yuen, o grande recodificador de Shaolin que viveu por volta do século XVI, instituiu as "Dez Normas Budistas". A cada uma dessas normas acompanham vários apólogos, dentre os quais alguns foram selecionados e serão descritos neste livro. Esses apólogos estão incluídos logo após a interpretação de cada uma das Dez Normas Budistas que transcrevemos a seguir. As Normas Budistas 1 - O praticante de Kung Fu deve treinar sem interrupção. 2 - O praticante de Kung Fu deve usar suas técnicas apenas para defesa pessoal. 3 - O praticante de Kung Fu deve respeito a todos os mestres de Kung Fu e a todos os discípulos que praticarem o Kung Fu há mais tempo que eles. 4 - O praticante de Kung Fu deve ser amigo de seus colegas e demonstrar em suas atitudes bondade e honestidade. 5 - O praticante de Kung Fu deve evitar demonstrações de técnicas, mesmo que para isso tenha que recusar um desafio. 6 - O praticante de Kung Fu jamais deve ser agressivo ou ter maneiras rudes. 7 - O praticante de Kung Fu jamais deve comer carne ou provar bebidas alcoólicas. 8 - O praticante de Kung Fu deve conter seus impulsos sexuais. 9 - O praticante de Kung Fu não deve ensinar suas técnicas a ninguém que não seja budista. 10 - O praticante de Kung Fu tem que se imunizar contra a cobiça, a agressividade e a fanfarronice. As Normas Budistas Neste capítulo interpretarei com brevidade cada uma das Normas Budistas e incluirei um apólogo que elucide sua aplicação. 1 - O praticante de Kung Fu deve treinar sem interrupção. Praticar a todas as horas do dia é um velho conhecimento, sempre presente na vida dos grandes ases do Kung Fu ou de qualquer outro esporte. Conta-se que Bruce Lee durante suas aulas escolares colocava as mãos sob a carteira e pressionava com força para treinar os músculos do antebraço. Quando assistia televisão à noite Bruce aproveitava os intervalos comerciais para treinar os braços com halteres. Linda Lee conta que quando ele tomava banho de chuveiro ficava na posição Kin Nheung Mah do estilo Wing Chun para treinar as pernas e os joelhos. São muito conhecidas as artimanhas utilizadas por esportistas famosos para incluir técnicas de treinamento nos momentos mais comuns de seu dia-a-dia. O famoso homem forte Charles Atlas, costumava carregar tampinhas de garrafa e pregos em seus bolsos para amassar e entortar entre os dedos enquanto viajava de ônibus. Muitos jogadores de beisebol costumam levar uma bolinha de borracha em seus carros e se dedicam a apertá-las com as mãos enquanto esperam os semáforos abrirem, dessa forma exercitando os músculos do braço. O atleta Francisco José D'Urbano, campeão brasileiro de Kung Fu em sua categoria, costuma praticar flexões de calejamento entre uma e outra aula ministrada na União Nacional de Kung Fu. A superação é a marca do campeão, se você faz apenas o que o instrutor manda, você jamais será nada além de um medíocre lutador. "Certo jovem chinês, desejoso de aprender as técnicas do Kung Fu Shaolin, submeteu-se aos testes de admissão do templo e em seguida foi encaminhado à presença do mestre. Diante do mestre pôs-se a descrever sua ansiedade em tomar-se um lutador poderoso, seus desejos com relação à Arte Marcial, sua admiração pela arte de chutar, socar, saltar, lutar, etc. Quando terminou de falar o mestre permaneceu algum tempo em silêncio e depois lhe explicou que o valor no Kung Fu não está na força e no poder e sim no conhecimento. O garoto continuou a insistir em sua admiração pelas técnicas de luta. O mestre lhe contou a respeito de um touro que entrou em uma loja de louça e pisoteou os vasos e as cerâmicas finas, reduzindo tudo a cacos. O menino continuou a elogiar as técnicas que havia presenciado e os lutadores que havia conhecido. O mestre insistiu que as ambições dele eram demasiadas e que se quisessem aprender tudo aquilo, uma vida só não bastaria. Ele respondeu que não tinha muito tempo, que tinha pressa e que queria aprender mesmo que fosse umas poucas técnicas. Mais uma vez o mestre o aconselhou a meditar no touro da loja de louça fazendo-o ver que podia se transformar nesse touro, e que acabaria por destruir ao mundo a seu redor como o touro destruiu a loja. Mais o jovem continuou a insistir mais e mais em aprender as técnicas que desejava. O mestre então lhe propôs uma última prova antes de ser admitido aos ensinamentos marciais do templo. A prova consistia em amassar uma folha de papel transformando-a em uma bola e depois alisá-la novamente e recomeçar outra vez, transformando-a novamente em bola e alisando e prosseguindo assim até que o papel se reduzisse a tiras; deveria então pegar outra folha e recomeçar. Esse exercício deveria ser feito diariamente por doze horas, durante três anos. Terminados os três anos o jovem retornou à presença do mestre e este indagou: - Praticou continuamente durante doze horas diárias como lhe foi recomendado? - Sim; respondeu o jovem. - Então pode ir embora - respondeu o mestre. - Seu aprendizado terminou. O jovem ficou muito aborrecido e decepcionado, pois tinha seguido à risca as instruções do mestre. À custa de muito sacrifício tinha praticado doze horas diárias e agora o mestre se recusava a lhe ensinar o que tanto queria. Sentiu-se enganado e culpou o mestre por ter lhe roubado três anos de sua vida. Voltou para casa e assim que chegou, seu irmão que estava no banho pediu-lhe que lhe esfregasse as costas. Começou a esfregar as costas do irmão mas teve que parar, pois descobriu que por onde passava sua mão a carne se abria e jorrava sangue..." 2 - O praticante de Kung Fu deve usar suas técnicas apenas para defesa pessoal. Uma pessoa que sabe Kung Fu tem superioridade física sobre as pessoas que não aprenderam técnicas de defesa pessoal, independente de sua estatura e peso. O que você pensaria se visse um adulto espancando uma criança? Nessa mesma proporção, um praticante de Kung Fu que use sua superioridade técnica para subjugar alguém que desconheça as técnicas de defesa pessoal, age como um adulto que espanca uma criança. Da mesma forma que é de se esperar que um adulto não abuse de sua estatura para infligir castigos físicos a uma criança, também é de se esperar que um praticante de Kung Fu não abuse de seus conhecimentos técnicos para espancar qualquer pessoa, seja adulta ou não, seja maior em estatura ou não. Aliás, o Código Penal Brasileiro condena qualquer pessoa que mate seu adversário usando golpes desferidos com as mãos nuas, mesmo que o adversário esteja armado. Os antigos afirmavam que o Kung Fu tinha por objetivo transmitir ensinamentos de autodisciplina e autoconhecimento, não devendo jamais ser usado contra outro ser vivo (seja homem ou animal). "O Rei Suan da dinastia Chou era um guerreiro valente e muito poderoso. Certa vez ouviu falar do grande Mestre Po-Kung-Hi e de sua grande fama; decidiu-se a procurá-lo e medir suas forças com ele. Quando chegou diante de Po-Kung-Hi perguntou-lhe qual era sua especialidade, em que técnica era mais forte. Po-Kung-Hi respondeu: - Posso arrancar a perna do gafanhoto e impedir que a cigarra abra suas asas. Espantado, o Rei Suan lhe disse: - Sou capaz de atravessar o couro de um rinoceronte com um só golpe de meus punhos. Como é que você, capaz de feitos insignificantes é mais famoso do que eu?! Po-Kung-Hi respondeu: - Aprendi de Tze-Shang-Chi, que era tão forte que jamais houve outro lutador como ele, mas cujas proezas nunca foram vistas por alguém, pois não gostava de se exibir." Um dos melhores livros sobre Artes Marciais traduzido para línguas ocidentais é o "Karate-Do My Way of Life", de Gichin Funakoshi - o criador da palavra Karate. Nessa obra o autor relata que quando estava com oitenta anos foi surpreendido por um assaltante que tentou roubá-lo, em um dia de chuva em que carregava em sua mão esquerda um saco contendo uma lancheira vazia e alguns livros, e na mão direita um guarda-chuva. Tal fato ocorreu enquanto voltava para casa e caminhava entre as estações Otsuka e Hikawashita, em Tóquio. O marginal arrebatou-lhe o guarda-chuva das mãos e tentou golpeálo com a ponta. Funakoshi agachou-se e com a mão direita agarrou firmemente os testículos do adversário. O guarda-chuva caiu no chão na hora e o rapaz começou a gemer parecendo que ia morrer. Funakoshi termina esse relato dizendo: "... Eu tinha feito o que constantemente tinha dito a meus jovens discípulos para nunca fazerem... Não me senti muito orgulhoso de mim mesmo." Citado do "Karate-Do My Way ofLife", Kodansha International, First Paperback Edition, 1981 - Página 112. Essa pequena história mostra a grandeza de Funakoshi, que foi um grande artista marcial e que pregava a seus discípulos a segunda norma budista. 3 - O praticante de Kung Fu deve respeito a todos os mestres de Kung Fu e a todos os discípulos que praticarem o Kung Fu há mais tempo que eles. A tradição do Kung Fu relata que as escolas marciais da velha China eram administradas dentro de um sistema quase familiar. O mestre era considerado como um pai e sua esposa como mãe. Os alunos mais antigos eram tidos como irmãos mais velhos e tratados com todo o respeito. As pessoas que iniciavam o treinamento juntas tratavam-se umas às outras como irmãs. Os discípulos que entrassem depois delas eram tratados como irmãos mais novos e mereciam toda a atenção e prestimosidade. Dentro desse espírito de fraternidade os outros mestres eram também respeitados por seus conhecimentos e mesmo que dois mestres não se dessem entre si, seus discípulos os respeitariam igualmente e jamais fariam críticas ao outro mestre. Foi esse respeito mútuo que garantiu a sobrevivência do Kung Fu até nossos dias, e quando os mestres de Kung Fu deixarem de se respeitar dessa maneira, ou se permitirem criticar a outros mestres diante de seus alunos, estarão contribuindo para o desaparecimento do Kung Fu. "O discípulo Li certa vez perguntou ao Mestre Shiu se tinha ouvido falar no Mestre Pu Hao, cuja técnica era inferior e de origens desconhecidas. Mestre Shiu respondeu que nunca havia ouvido falar em Mestre Pu Hao, mas que conhecia Mestre Hao, que era um mestre respeitável e que, embora possuísse poucos conhecimentos técnicos, contribuía muito para a preservação dos verdadeiros conhecimentos do Kung Fu." 4 - O praticante de Kung Fu deve ser amigo de seus colegas e demonstrar em suas atitudes bondade e honestidade. Ser amigo de alguém, principalmente de um colega de treinos, implica em interessar-se genuinamente pela outra pessoa. Quando somos amigos de alguém, nos interessamos por seu progresso, nos entristecemos quando percebemos que não consegue seus objetivos, nos sentimos felizes quando vemos o sucesso que consegue alcançar. É muito importante que o praticante de Kung Fu deixe de ser infantil em seu comportamento com relação aos colegas. O praticante infantil é aquele que perde um tempo precioso criticando colegas de treino. O praticante infantil adora corrigir os outros, sem dar a devida atenção à correção das próprias falhas. O praticante infantil quando se torna bom de luta, começa a esnobar os colegas de treino, não os cumprimenta mais, não responde a seus cumprimentos, toma atitudes orgulhosas com relação a todos. O praticante infantil não sabe substituir as fofocas que ouve pela realidade que vê. O praticante infantil não compreende que não é importante ser o melhor de sua escola. O praticante infantil não compreende que a verdadeira Arte Marcial não consiste em vencer aos outros e sim em VENCER A SI MESMO. Vencer a si mesmo implica em dominar os sentimentos de superioridade, os comportamentos egoístas e substituir o desejo de ser melhor que os outros pelo interesse sincero em ser bondoso, amigo e leal com os companheiros, não só de sua academia como das academias que ensinam estilos diferentes do seu. Esse tipo de batalha é a mais difícil de todas, mas a vitória final obtida com essa luta é a maior de todas. "Nos tempos antigos havia dois praticantes de Kung Fu chamados Li e Ping, que desde crianças haviam praticado juntos, tendo se tomado grandes amigos. Certo dia resolveram tatuar seus braços com a mesma tatuagem como símbolo da amizade que os unia, dessa forma se tomaram irmãos e se juraram fraternidade enquanto vivessem. Devido a razões de família, separaram-se e não mais se tornaram a ver. Com o tempo tomaram-se adultos e seguiram caminhos diferentes. Embora ambos continuassem a treinar o Kung Fu com regularidade e persistência, Li se tomou famoso comissário de polícia enquanto Ping tomou-se um jogador. Uma ocasião Li foi enviado a uma cidade distante para deter uma gangue de traficantes que mantinha um cassino ilegal. Li invadiu o cassino e enfrentou a todos os bandidos que lá estavam, tendo vencido brilhantemente graças a seu domínio do Kung Fu. Em seguida teve que enfrentar o chefe da gangue que se ocultara em uma sala especialmente reforçada. Com algum esforço Li conseguiu penetrar na sala e enfrentá-lo. Quando começou a lutar Li percebeu que se tratava de seu grande amigo Ping, mas como cada um lutava pelo que julgava ser seu dever brigaram durante horas. Finalmente Ping conseguiu vencer a Li e quando o seu amigo estava caído no chão ensanguentado, abraçou-o fortemente e chorou muito. Como todo praticante de Kung Fu conhece profundamente Acupuntura, Ping tratou de seu amigo até que se recuperasse plenamente. Quando Li já estava bom, Ping o acompanhou e se entregou à justiça. 5 - O praticante de Kung Fu deve evitar demonstrar suas técnicas, mesmo que para isso tenha que recusar um desafio. Esta regra foi criada para impedir que as técnicas do Templo Shaolin fossem aprendidas por algum praticante de Kung Fu de outro estilo que as poderia usar com propósitos menos elevados. Como praticante de Kung Fu você se torna responsável pelo que sabe e não deve transmitir seus conhecimentos indiscriminadamente. Se você ensina o que sabe a alguém e esse alguém faz mau uso do que aprendeu, você é o responsável. Além do que, muitos praticantes de Kung Fu transmitem seus conhecimentos não com a intenção de ajudar seus discípulos, e sim com o desejo de se sentir importante, por orgulho das técnicas que aprendeu. "Antigamente vivia próximo ao lago Ching-Hai um jovem monge que possuía grande habilidade em Kung Fu. Sendo tão hábil na arte de lutar esse monge era mais ou menos convencido e orgulhoso. Seus colegas monges gostavam muito dele e por amizade o advertiam que deveria controlar seu temperamento e que essa sua habilidade pessoal não deveria tomar conta de sua mente, havendo coisas muito mais importantes na vida. Não sendo burro, o monge compreendeu que seus amigos tinham razão e dedicou-se a seus estudos, à leitura de livros de Filosofia e à prática da meditação. No outono do ano seguinte, realizou-se uma grande competição de Kung Fu em Sagan-Ushu e o monge obteve autorização para par¬ticipar dela. Chegando ao local das competições enfrentou todas as classes de lutadores; desde outros monges muito habilidosos em Kung Fu, a guerreiros de terras distantes exímios praticantes de outras modalidades marciais. Devido a sua grande habilidade foi sagrado campeão e iniciou a viagem de regresso. Quando já caminhava há algum tempo, encontrou um lutador que o desafiou a lutar. Orgulhoso como estava por ter vencido a todos no campeonato, o jovem monge esqueceu-se da quinta regra e aceitou o desafio. Lutaram durante várias horas, até que o monge conseguiu vencer seu adversário mas, como havia anoitecido e estava cansado depois de tanta luta, decidiu dormir à margem do caminho. Com o raiar do Sol reiniciou sua caminhada de volta ao monastério. Em determinado momento foi reconhecido por outros viajantes que o convidaram a almoçar com eles. Quando terminou de almoçar um deles o convidou a lutar. Sem poder recusar teve que enfrentá-lo. A luta tomou-lhe apenas meia hora, mas atraiu espectadores e assim que terminou de lutar um deles o atacou de surpresa, fazendo com que tivesse que lutar de novo. Nem bem liquidou com seu novo oponente, se agachou para pegar sua bagagem, foi novamente desafiado e nesse momento se recordou da quinta regra e dos conselhos de seus colegas monges, percebendo que onde quer que fosse sempre haveria alguém que o desafiaria. À medida que lutava com o novo adversário, percebeu que este não era tão bom quanto os anteriores, o que lhe permitiu enfrentá-lo enquanto pensava em tudo que estava acontecendo., Foi então que os conhecimentos filosóficos que havia estudado e as meditações que havia feito vieram a sua mente. Chegou à conclusão que o EU INTERIOR era muito mais importante que o EU EXTERIOR. Compreendeu que as vitórias que tinha obtido agradavam apenas a seu EU EXTERIOR, a seu EGO, a seu orgulho infantil. Compreendeu que o Kung Fu era a arte de vencer aquele impulso infantil de demonstrar aos outros sua grande habilidade. Então passou a abrir a sua guarda, a não defender os golpes do adversário e a deixar-se vencer. Quando vencido foi ridicularizado e abandonado por todos, que passaram a seguir o novo campeão. Caído no chão e ensanguentado pelos golpes de seu adversário, que para ele teria sido tão fácil de vencer, o monge sorria feliz. Não queria mais ser um grande campeão de Kung Fu, pois sabia que o caminho de sua vida estava na meditação e no estudo. Com a derrota aprendeu que o Kung Fu era o TEMPO DE HABILIDADE para converter seu Eu em algo profundo e muito grande. Sua habilidade continuava a mesma, continuava apto a defender-se em alguma ocasião de perigo, mas agora poderia sentir satisfação com outras coisas além de sua capacidade de lutar. Apanhou suas coisas e voltou ao templo." 6 - O praticante de Kung Fu jamais deve ser agressivo ou ter maneiras rudes. O verdadeiro mestre de Kung Fu deve se esforçar por ter um controle pleno sobre si mesmo, evitando os comentários desairosos sobre os outros mestres, evitando os desafios e os comportamentos rudes e maleducados. "Vivia em uma pequena aldeia chinesa o Mestre Chan, famoso por seus conhecimentos do estilo Shaolin, do estilo Tong Long, por sua habilidade nas técnicas dos Oito Deuses Bêbados e pelo domínio da Palma de Ferro e das dezoito armas chinesas. Em sua juventude havia sido um invejoso, sempre caluniando outros mestres que tinham conseguido mais fama que ele. Apesar de toda a sua habilidade no Kung Fu, sua maior arma ainda era a fofoca, a maledicência, o desprezo. Seus alunos, por confiarem nele, acreditavam que tudo que dizia era verdadeiro e passaram também a desprezar os outros mestres. Esses outros mestres sabiam do procedimento do mestre Chan, mas não lhe queriam mal, simplesmente tinham pena dele. Quando os discípulos desses mestres lhes perguntavam a respeito do Mestre Chan, estes lhes respondiam que se tratava de um mestre muito valente, pena que fosse tão infantil e não soubesse respeitar a seus colegas. Alguns mestres chegavam mesmo a recomendar sua escola a pessoas que moravam próximas à sua região, recomendação essa que Mestre Chan seria incapaz de fazer a respeito deles. A valentia de Mestre Chan era muito grande. Certa vez entrou sozinho na caverna de um grande urso negro que assustava a população da vila, enfrentando a fera e saindo de lá com ele morto. Certo dia estava andando pela rua quando um ancião se aproximou dele e lhe disse: - O senhor é um grande mestre e possui habilidades espantosas, mas por que, ao invés de perder tempo falando mal de outros mestres, o senhor não enfrenta os três monstros que estão assustando o povo? Mestre Chan estranhou a interpelação e perguntou quais eram os três monstros. O ancião explicou que havia um grande tigre rondando o povoado e que já havia comido três homens. Mestre Chan pegou suas armas e saiu em busca do tigre, matando-o a golpes de lança e punhal. Voltou ao povoado, procurou o ancião e lhe disse: - Já matei o tigre, qual é o próximo monstro? O ancião lhe contou que havia uma grande serpente que se ocultava no caminho da aldeia atacando os viajantes. Mestre Chan pegou sua corrente articulada e foi atrás da serpente, matando-a. Quando voltou à aldeia perguntou ao ancião qual era o terceiro monstro. O ancião respondeu: - Você é o terceiro monstro. Mestre Chan ficou furioso e ergueu seu poderoso punho para fulminar o pequeno ancião. Mas o ancião continuou a falar: - Você é um grande mestre, para você é muito fácil me tirar a vida, minha técnica não é suficiente para enfrentá-lo, mas mesmo que você me mate continuará sendo o terceiro monstro, pois sua língua é ferina e venenosa e o mal que ela faz apaga todo bem que sua arte consegue fazer. Mestre Chan abaixou seu punho e foi-se embora, passou toda a noite pensando, no dia seguinte juntou algumas roupas e caminhou até a montanha onde meditou durante três meses. Enquanto meditava na montanha reparou que quando o vento forte derrubava os troncos vigorosos e acariciava as folhagens flexíveis, a chuva matava a sede dos dois. Compreendeu que a chuva era mais sábia que o vento, e que todas as pessoas, boas ou más, com grandes ou com medíocres conhecimentos, continuavam a merecer a luz do Sol e a água da chuva. Retornou à aldeia e o povo de lá ficou surpreso quando viu que havia se modificado, suas maneiras eram as de um homem cortês e se comportava com amabilidade em relação a todos os outros mestres, mesmo com aqueles a que julgava ser superior." 7 - O praticante de Kung Fu jamais deve comer carne ou provar bebidas alcoólicas. Esta norma se divide em duas partes, a primeira refere-se ao não comer carne, a segunda ao não provar bebidas alcoólicas; trataremos cada uma dessas partes de cada vez. Mesmo apesar de certas pessoas, por não serem budistas não julgarem que seja errado comer carne, existem outras razões para não comê-la. Devemos um certo respeito ao nosso corpo e afinal de contas, o corpo é o instrumento de que nos utilizamos para a prática do Kung Fu. Existem muitas razões para não se comer carne e podemos situá-las em dois contextos diferentes: o contexto espiritual e o contexto fisiológico. Se você teve oportunidade de ver a série Kung Fu na televisão deve ter reparado que Kwai Chang Caine, o personagem principal, não comia carne. Nenhum monge budista come carne, visto que um dos preceitos do Budismo ensina a não fazer mal a ser algum. Esse é um contexto espiritual envolvendo o ato de não comer carne, que é adotado por centenas de escolas filosóficas do mundo todo desde a mais remota antiguidade. Se você não come carne está na companhia de Alex Carrel, Are Werland, Bergson, Bernard Shaw, Brandt, Buda, Cervantes, Darwin, De Rose, Descartes, Diógenes, Éder Jofre, Einstein, Epicuro, Epiteto, Gandhi, Jean Rostand, Jesus, Kant, Krishnamurti, Lao Tse, Leonardo da Vinci, Maeterlinck, Olegário Candeias, Ovídio, Pitágoras, Platão, Plutarco, Rousseau, Ruskin, Russell, Ryner, Santaiana, São Clemente de Alexandria, São Francisco de Assis, São João Crisóstomo, Schoppenhauer, Schweitzer, Sócrates, Spencer, Spinoza, Tertuliano, Thoreau, Tolstoi, Voltaire, Weiss, William James, Zamenhoff, e milhares de outros grandes homens. Portanto, seja esperto, não coma carne. Veja bem que se você não tem bom senso, não o forço a nada, se decidir continuar a comer carne ou se decidir deixar de comê-la o critério é seu, mas como verificará neste capítulo, existem excelentes razões para deixar de comer carne. As obras fundamentais das culturas mais espiritualizadas do mundo condenam o consumo da carne. Citando o Mahabharata: "Pode haver alguém mais cruel e egoísta do que aquele que aumenta a carne de seu corpo comendo a carne de inocentes animais? Aqueles que desejam possuir boa memória, beleza, vida longa com saúde perfeita, força física, moral e espiritual, devem abster-se de alimentos animais. Virtude das mais sublimes consiste em não matar animais. Quando se pode obter facilmente tão copiosa quantidade de alimentos daquilo que cresce espontaneamente na terra, cometerás tão grande ato de crueldade como matar animais para encher teu estômago e experimentar um pequeno prazer do paladar? Compara o homem que come com o animal que é comido. Um goza o prazer de comer que dura alguns momentos e o outro é desprovido de todos os prazeres da vida." Citando os Vedas: "Não mateis nenhuma criatura viva, seja por alimento, seja por prazer. Não se mate nenhum animal para teu prazer, vê a harmonia na Natureza e empresta tua mão auxiliadora a todas as criaturas vivas. Todos aqueles que permitam a matança de animais, assim como os que os matam, cortam, preparam, vendam suas carnes ou as cozinhem, sirvam ou comam, serão por igual considerados assassinos." Citando a Bíblia: "Eis que vos tenho dado todas as ervas que dão sementes, as quais se acham sobre a face da Terra, e todas as árvores em que há fruto que dê sementes; servos-ão para alimento." Gên.,1:29. Citando as palavras de Gandhi: "Deveríamos comer não a fim de agradar ao paladar, mas sim para manter o corpo em bom funcionamento. Qualquer quantidade de experiências é demasiado pequena e nenhum sacrifício é demasiado grande para alcançara sintonia com a Natureza. Há uma grande verdade na afirmação de que o homem se transforma naquilo que come. Quanto mais grosseira fora alimentação, mais grosseiro será o corpo. O gosto se adquire, não nasce conosco. Nenhuma das delícias culinárias do mundo chega ao deleite que o apetite proporciona. Um homem faminto comerá um pão seco com o maior prazer, ao passo que quem não tem apetite recusa o melhor dos doces. Os alimentos devem ser ingeridos como um dever, como um remédio, a fim de sustentarmos o corpo e não exclusivamente para satisfazer o paladar. Acho que ninguém, pelo que sei, tem comido tanta fruta quanto eu. Vivi seis anos exclusivamente de frutas, frescas e secas, e sempre tive uma provisão bem abundante de frutas como parte da minha dieta habitual. Para conservar a saúde as frutas e os legumes frescos têm que constituir a parte principal da nossa dieta. Muitas vezes me regalei comendo folhas de nabo, de cenoura, de rabanete e de amendoim. A fruta fresca é boa para comer, mas basta uma pequena quantidade para regular o organismo. Trata-se de um artigo caro e sua utilização excessiva, pelos que têm mais recursos, priva os pobres e os enfermos de um alimento de que necessitam mais do que os abastados." Citando outros pensadores: “Os vegetais constituem alimentação suficiente para o estômago e no entanto o recheamos com vidas valiosas" - Sêneca. "A Gula tem causado mais mortes do que a espada." - Salomão. "Zaratustra, o sábio profeta, só comia frutas." - Plínio. “Os antigos egípcios preferiam morrer a profanar o ventre comendo carne.” - Orígenes. “Os poucos filósofos vegetarianos fizeram mais pelo bem da humanidade do que todos os demais filósofos modernos.” - Nietzsche. “Os mesmos animais que você não atreveria a beijar quando vivos, por nojo, servem quando mortos, para que encha sua pança.” - Paul Richard. “Pitágoras sentia tal compaixão pelos animais que quando via um pescador puxando uma rede comprava todos seus peixes para lançá-los novamente à água, aproveitando para discursar às pessoas que se encontrassem na praia sobre a monstruosa atividade de matar animais e comê-los.” - Porfírio. "A carne dos animais não nos foi dada como alimento, por isso quando os matamos tornamo-nos réus de crime de morte e expomo-nos a morrer do mesmo modo, pois deixamos de ser humanos." - Triptolemo. "Entre os que se alimentam apenas de frutas, dificilmente se encontram ladrões, assassinos, ditadores e aduladores, ao contrário do que acontece entre os que comem carne." - Diógenes. "Nem um só dos argumentos usados contra o vegetarianismo resiste a um exame honrado e sincero." - Alexis Carrel. "Reconhecer a verdade da doutrina de Jesus e não proceder de acordo com ela, continuando a matar e a devorar animais, é uma covardia e hipocrisia farisaicas." - Carlos Brandt. "É da alimentação cárnea que derivam todos os demais vícios." - Santo Agostinho “Um dos maiores prazeres de Leonardo da Vinci consistia em ir à feira comprar patos e outras aves para restituí-las à liberdade.” - Giovanni Bollraffio. “É incrível que não se encontre entre nós nenhum pregador que faça ouvir um protesto contra o vergonhoso hábito de se alimentar de carne.’’ Voltaire. Agora que você teve a oportunidade de apreciar o parecer de algumas das mentes mais lúcidas da história da humanidade, vou citar trechos da obra "Porque o Hindu é Vegetariano", de autoria de Swami Abhedananda: "Porque se come carne? Por necessidade de nutrição? Não; bastam-nos os vegetais, cereais, legumes, etc. Por conveniência de saúde? Não também; em média os vegetarianos são mais sadios que a maioria dos comedores de carne. Porque então se come carne?! Pelo hábito, transmitido de geração em geração, por ignorância, por falso comodismo, por displicência moral. Nos primórdios da humanidade a agricultura era desconhecida e os povos nutriam-se de frutas, nozes e demais produtos vegetais que encontravam em abundância. Quando houve escassez de frutas e nozes os homens passaram a comer de tudo que deparavam ao redor. O problema da subsistência premente antepunha-se ao da alimentação normal. Nada sabendo do cultivo da terra e não dispondo mais de produtos vegetais em quantidade suficiente as tribos selvagens passaram a comer animais (aves, répteis e insetos). Algumas pessoas acreditam que quem não come carne fica fraco e indisposto para o trabalho, faltando-lhes coragem e energia. Ê mais um engano. Já ouviram falar dos "Sikhs", soldados indianos vegetarianos, que são os combatentes mais fortes e bravos do exército inglês? O regime vegetariano proporciona grande resistência física e orgânica, além de moderação no temperamento. Geralmente se confunde temperamento agitado e violento com coragem e força. Muita gente acredita que um tigre ou um lobo sejam mais fortes que um cavalo, um búfalo ou um elefante. Um tigre pode matar um cavalo, um búfalo ou um elefante, sem todavia possuir a força muscular e a resistência física que caracterizam os animais herbívoros e que lhes possibilita carregar pesadas cargas por longas distâncias. Um tigre pode matar até um elefante, mas não consegue erguer troncos que pesam centenas de quilos. Ferocidade é uma coisa e força muscular é coisa bem diferente. Devemos saber distinguir uma da outra. A fonte da força está no reino vegetal; não na carne. Se comer carne é condição para adquirir força, por que os que a comem preferem carne dos animais herbívoros ao invés da dos carnívoros? Entre os animais ocorre que os carnívoros são mais irrequietos que os herbívoros. O mesmo ocorre entre os homens: os comedores de carne são mais nervosos, têm menos domínio próprio do que os vegetarianos. A natureza calma, equilibrada e de autocontrole é sinal de progresso espiritual, o que vem provar que o alimento animal não é adequado ao desenvolvimento superior. Aí está por que os comedores de carne acham tanta dificuldade em concentrar a mente: para eles é praticamente impossível meditarem na natureza espiritual e divina do homem. Por isso os indianos que conhecem os segredos da Espiritualidade opõem-se absolutamente ao regime cárneo. Toda vez que matamos qualquer animal para nossa alimentação ou por prazer, somos egoístas. É por causa de um egoísmo extremo que não reconhecemos os direitos dos animais. Esta forma de egoísmo é a raiz de todos os pensamentos e ações perversas. O que nos faz egoístas e nos favorece o apego ao eu inferior é o mal; o que nos liberta para o altruísmo é o bem. O que nos fecha em nós próprios impedindo-nos de sentir a unidade do espírito é a ignorância humana; o que abre nossa vida espiritual e permite-nos contemplar a Divindade dentro das formas animais é a Sabedoria Divina." “Certa feita o Papa sentiu compaixão pelo rigor das regras da Ordem dos Trapistas que proíbe que os monges dessa irmandande se alimentem com carne. Enviou então um emissário com o objetivo de autorizar o Geral da ordem a revogar essa regra e a permitir o consumo de carne uma vez por semana. Em resposta o Geral da Ordem dos Trapistas enviou ao Papa uma delegação de gordos frades que agradeceram a boa intenção do Papa, mas rogaram que não introduzisse nenhuma alteração em suas regras. Todos da comitiva estavam muito bem nutridos e o mais novo deles tinha 83 anos..." Três diferenças fundamentais separam o homem da abjeta confraria dos carnívoros, dos necrófagos e dos carniceiros. A primeira delas é a conformação da arcada dentária dos carnívoros e do homem. Os dentes dos carnívoros apresentam-se pontiagudos, alongados e com separação distinta entre si. É óbvia a finalidade desse tipo de dentição: apresar, rasgar e despedaçar a carne. Não se incluem entre as finalidades dos dentes dos carnívoros o ato de triturar a carne. Isso ocorre porque muito pouco da atividade digestiva do carnívoro acontece na boca do animal. A maior parte desse processo ocorre ao longo do estômago e do tubo digestivo. É que outra das diferenças fundamentais que separam o homem do carnívoro consiste no tamanho da abertura da boca e da garganta, que é bem diferente entre eles. Repare por exemplo no cão; o tamanho de sua boca é imensamente maior que a boca do homem, desde que se tome por proporção relativa o tamanho de seus corpos. E o pescoço? Você já reparou na proporção do pescoço de um cão? Parte da razão desse tamanho desproporcional (em relação ao resto do corpo), está no fato que o cão possui uma grande abertura na garganta (goela), que lhe permite engolir grandes pedaços de carne sem triturá-los. Já o homem, que tem a seu dispor uma abertura proporcionalmente menor, se vê obrigado ao consumo sistemático de pequenos bocados de alimentos. Daí a conformação de seus dentes ser mais apropriada à intensa mastigação e trituração dos alimentos, dando início a uma importante parte do processo digestivo quando o alimento ainda está em sua boca. Os carnívoros, tais como o cão, não necessitam mastigar o alimento, apenas cortá-lo e engoli-lo em grandes pedaços, quase que imediatamente. Os caninos dos carnívoros são alongados, fortes e pontiagudos; são usados para prender e despedaçara carne. O exame da constituição dentária do homem moderno revela que ele possui todas as indicações de um animal estritamente herbívoro. O estômago dos animais carnívoros possui dez vezes mais ácido clorídrico, usado na digestão de tecidos cárneos e ossos, que o do homem. A terceira e mais importante diferença fundamental entre o homem e os carnívoros está no formato e proporção do tubo digestivo. É sabido que a carne se putrefaz com facilidade, vai daí a necessidade de expeli-la com rapidez antes que as impurezas que se originam no processo de seu apodrecimento envenenem o organismo do carnívoro. Os animais carnívoros têm os intestinos relativamente curtos, para que a carne ingerida não permaneça dentro deles muito tempo. Ao passo que o homem possui intestinos finos e alongados, as divisões do intestino grosso do homem, em cólon ascendente, transversal e descendente, curva sigmóide e reto, encontram-se apenas em alguns primatas. Além do mais, a disposição interna do tubo digestivo forma no homem como que pequenas bolsas, onde o alimento fica retido por mais tempo do que seria saudável se fosse carne. Em poucas palavras: carnívoro ingere a carne e pouco tempo depois a excreta, livrando-se em tempo das substâncias nocivas geradas por seu apodrecimento. Ao passo que o homem, considerando-se entre outros fatores o tamanho de seus intestinos, demoraria muito mais para excretar os resíduos da carne, permitindo dessa forma que elementos perniciosos fossem absorvidos. Outra diferença que distingue os animais carnívoros dos animais vegetarianos é o mecanismo de transpiração. Os carnívoros permanecem em suas cavernas durante o dia e saem para caçar ao anoitecer, não possuindo glândulas sudoríparas em sua pele (transpiram através da língua), ao passo que os animais herbívoros, como o homem, o cavalo, a vaca, a zebra, o antílope, etc., permanecem sob o sol para colher seus alimentos e portanto suam através da pele. Outro detalhe interessante é que os herbívoros sorvem a água que bebem sugando-a com a boca, ao passo que os carnívoros a ingerem com a língua. A aqueles que se espantam com a importância que dei à permanência da carne no organismo humano, aconselho a seguinte experiência: Ingira uma colher de caroços de mamão e verifique em suas fezes o tempo que demoram para serem excretados. Não me espantaria se alguns de vocês verificassem surpresos que os caroços só começariam a aparecer nas fezes cinco, dez ou mesmo quinze dias depois de ingeridos. Agora experimentem deixar um pedaço de carne sobre uma mesa durante cinco, dez ou quinze dias e vejam o que acontece (é bom lembrar que a temperatura do corpo é bastante superior à temperatura ambiente, de modo que o apodrecimento é ainda mais rápido). Acho que as conclusões a que chegou são bastante óbvias - deixo ao bom senso a decisão a tomar. Lembre-se: "Não tomar uma decisão também é tomar uma decisão." O Dr. Mac Callum, eminente patologista, especialista em pesquisas sobre toxinas produzidas pela putrefação intestinal, declarou o seguinte: "A função do colón é transportar e descarregar os resíduos inócuos de uma alimentação imputrescível. Restos pútridos de carne transformam o colón numa larga porta por onde um exército de substâncias tóxicas penetra na corrente sanguínea, tornando-se causa de degeneração e moléstia em todos os órgãos do corpo, causando, entre outras, arteriosclerose, cirrose hepática, algumas formas de nefrites, anginas do peito e demência senil. Causam perda de eficiência ao fígado e ás glândulas de secreção interna, ocasionando acúmulo de venenos no sangue, endurecimento das artérias, mudanças degenerativas nos nervos, nos músculos, no coração e outros órgãos, além de menor resistência vital e senilidade prematura." A área de terra utilizada para produzir colheitas para o consumo humano, alimenta proporcionalmente catorze vezes mais pessoas do que quando é utilizada para produzir alimento para animais que, por sua vez, serão abatidos e utilizados como alimento. O animal que se alimenta com as plantas produzidas num acre de terra, até chegar na idade de abate, terá consumido 800 mil calorias produzidas por essas plantas e seu cadáver irá fornecer apenas 200 mil calorias. Tais fatos demonstram que, em termos de produção alimentar é um imenso desperdício econômico e social investir-se na produção da carne ao invés de fazê-lo em plantas comestíveis. Quanto ao teor protéico, sabe-se que o cadáver do animal nos devolve apenas uma pequena parcela das proteínas que ingere, na forma de carne. Veja as tabelas abaixo: Quantidade de proteína consumida na alimentação dos animais, comparada com a quantidade que eles devolvem como alimentação humana em leite e carne, bovina e suína. PROTEÍNA CONSUMIDA PELOS ANIMAIS 100% PROTEÍNA DEVOLVIDA NA FORMA DE LEITE 23% PROTEÍNA DEVOLVIDA PELA CARNE DE PORCO 12% PROTEÍNA DEVOLVIDA NA CARNE BOVINA 10% Calorias (combustível alimentar) consumidas na alimentação dos animais, comparadas com as calorias que eles devolvem como alimentação humana em leite, ovos e carne. CALORIAS CONSUMIDAS PELOS ANIMAIS 100% CALORIAS DEVOLVIDAS NA FORMA DE LEITE 15% CALORIAS DEVOLVIDAS EM OVOS 7% CALORIAS DEVOLVIDAS EM CARNE 4% Podemos concluir facilmente que comer carne é um absurdo fisiológico; produzir carne para o consumo é economicamente e socialmente inviável, constituindo-se em fator agravante da fome mundial, pois utiliza área útil ao plantio, reduzindo em 14 vezes o potencial dessa área no que tange às possibilidades alimentares que ofereceria caso fosse utilizada para plantas comestíveis. Jean Mayer, nutricionista de Harvard, calcula que reduzindo-se em 10% a produção de carne, se produziria cereal suficiente para alimentar 60 milhões de pessoas. É alarmante saber que 80 a 90 por cento de todo cereal produzido é usado para alimentar animais de corte. Os cientistas afirmam que é o consumo de carne a maior causa da fome em nosso planeta. A carne é o alimento mais antieconômico que o homem consome, visto que o custo de meio quilo de proteína da carne é VINTE VEZES mais alto do que o da proteína vegetal igualmente (ou mais) nutritiva. Sem falar que (segundo as tabelas que acabou de ver) das proteínas e calorias com que são alimentados os animais de corte, apenas 10% são recuperadas no consumo da carne. Um acre de terra usado para criação de gado fornece apenas 450 gramas de proteína, ao passo que essa mesma área usada para a plantação de soja produz 7.700 gramas! Isto significa que, enquanto milhões de pessoas do mundo estão morrendo de fome, os carnívoros estão estragando vasta quantidade de terras, água e cereais para produzir a carne que consomem. Muitos cientistas dizem que a solução para a crise de alimento no mundo é gradualmente substituir a dieta carnívora pela dieta vegetariana. Diz Pinkus: "Se fôssemos vegetarianos eliminaríamos a fome do mundo. As crianças nasceriam e cresceriam bem nutridas e viveriam uma vida mais saudável e mais feliz. Os animais seriam livres para viver naturalmente como crianças selvagens e não forçados a reproduzir artificialmente, para serem engordados com o alimento que pessoas famintas deveriam estar comendo e serem em seguida mortos para agradar o paladar dos carnívoros responsáveis por esse estado de coisas." Compare as seguintes informações: CARNÍVOROS 1) Com garras 2) Sem poros na pele; transpiram pela língua para resfriar o corpo 3) Dentes caninos frontais afiados para dilacerar a carne 4) Glândulas salivares pequenas na boca (não necessárias para pré-digerir frutas e cereais) 5) Saliva ácida; nenhuma ptialina para pré-digerir cereais 6) Ausência de molares para triturar os alimentos SERES HUMANOS Sem garras Transpiram através de milhões de poros na pele 7) Ácido clorídrico no estômago para digerir músculos animais, ossos duros, etc. 8) Comprimento dos intestinos de apenas três vezes o tamanho do corpo, a fim de eliminar rapidamente a carne em estado de putrefação Ácido estomacal vinte vezes mais fraco do que o dos carnívoros Comprimento dos intestinos de doze vezes o tamanho do corpo, pois as frutas, cereais, legumes, etc. não apodrecem tão rapidamente e, portanto, podem ser eliminados do corpo mais lentamente Ausência de dentes caninos frontais afiados Glândulas salivares bem desenvolvidas, necessárias à pré-digestão de cereais e frutas Saliva alcalina com muita ptialina para pré-digerir cereais Molares para triturar os alimentos Quando você come carne se torna responsável pela fome no mundo, pela morte de milhares de crianças desnutridas e pelo desespero de mães que não têm culpa pelo apetite voraz e necrófago que o domina! Pense a respeito, aja com a dignidade de um ser humano. Como você pode se permitir ter uma mãe e um pai, ou mesmo ser uma mãe ou um pai para uma criança se você assassina a mãe e o filho de outras pessoas apenas para satisfazer seu paladar hediondo? Não seja covarde, enfrente e domine seu apetite! Com a palavra o Dr. Owen Parrett: "Nos últimos cinquenta anos escolhi uma dieta que não inclui carne (nenhum tipo de carne, nem mesmo de peixe ou galinha). Amo a vida e desejo viver tanto quanto possível. Os dias que correm são agitados e significativos e desejo saber o que está para acontecer. Já passei da idade bíblica dos setenta e sou grato a Deus pelo fato de ainda considerar os dias por demais curtos para tudo que desejo fazer. Ainda mantenho como médico uma satisfatória clientela e gosto de me entregar a outras atividades, mesmo que durante os poucos minutos que me sobram livres todos os dias. A maioria de meus pacientes com a minha idade está aposentada, porém não tenho intenção de aposentar-me tão cedo. Depois de estudar cientificamente e observar a doença e suas causas durante muitos anos, cheguei à convicção de que se eu tivesse comido carne durante minha vida, estaria agora muito decrépito para poder exercer a prática da Medicina. Um médico deve estar em condição de pensar claramente e ter reserva de resistência e energia nervosa. O finado Dr. Alexis Carrel, ganhador do Prêmio Nobel em 1912, reconheceu que a eficiência das células em prover nutrição e eliminar resíduos era o que determinava o envelhecimento dos tecidos. Ele prolongou a vida de um pedaço de coração de galinha banhando-o em um líquido nutriente que também eliminava o resíduo. Tanto sucesso alcançou ele que o pedaço de coração de galinha foi mantido vivo desde 1913 a 1947. Depois de 34 anos foi atirado em uma fossa, onde morreu. O Dr. Carrel provou que a duração da vida depende em grande parte da eliminação de resíduos e da nutrição das células. Se pudéssemos regularmente eliminar todos os resíduos de nosso corpo e propiciar-lhe nutrição adequada, poderíamos facilmente desfrutar de vida longa. Se o líquido que banha nossas células estiver carregado com resíduos a vida será encurtada. A Bíblia revela que dez gerações antes do Dilúvio o homem vivia em média 912 anos. Após o Dilúvio o homem começou a comer carne, o que encurtou a vida das dez gerações seguintes para uma média de 317 anos. Há alguns anos, o Dr. Irving Fisher, professor da Universidade de Yale, provou que quando atletas VEGETARIANOS principiantes competiam com os melhores atletas dessa Universidade, esses novatos possuíam mais que o dobro da resistência dos atletas que comiam carne. Johnny Weismuller, o Tarzan dos filmes e campeão mundial de natação havia, enquanto vegetariano, batido 56 recordes mundiais, depois disso passou a se alimentar de carne devido à insistência de seu treinador que julgava a dieta vegetariana insuficiente em proteínas. Enquanto carnívoro, apesar de seus grandes esforços e de sua participação em inúmeras competições, não conseguiu quebrar mais nenhum recorde durante um período de cinco anos. Como os anos haviam se passado e não mais havia conseguido nenhum outro destaque na prática desse esporte, todos julgavam que já havia dado tudo que tinha para dar. Foi então que Weismuller trocou de treinador e voltou a uma dieta vegetariana, que depois de algumas semanas o levou a bater mais seis recordes mundiais. Por que isso? A carne contém resíduos que o animal deveria ter eliminado. Uma pessoa que come carne carrega-se com resíduos da carne quando esses resíduos atingem as células do corpo provocam fadiga e envelhecimento. Entre os produtos residuais do corpo destacam-se a uréia e o ácido úrico. O bife contém cerca de dois gramas de ácido úrico em cada quilo. Quando a carne é cozida os resíduos se apresentam como um extrato solúvel em forma de caldo de carne que muito se assemelha à urina quando analisado. Essa presença do ácido úrico explica o rápido aumento de energias que a carne parece dar, exatamente como no caso do café. O ácido úrico muito se assemelha â cafeína em seus efeitos sobre o corpo. A carne sólida leva várias horas para ser digerida e durante esse tempo o estimulante desaparece manifestando-se então uma diminuição de energia. Outro perigo a que se expõem aqueles que comem carne é a doença no gado. A esposa de um capataz de um grande rancho contou-me que uma das novilhas contraiu pneumonia, o que fez com que fosse conduzida rapidamente a um matadouro e retalhada para venda. O Dr. John Harvey Kellog disse, ao tomar parte de um jantar vegetariano: "É confortador fazermos uma refeição e não termos de nos preocupar com o que possa ter causado a morte do nosso alimento." Um amigo me contou que sua esposa compareceu a um banquete e pediu um prato vegetariano; a seu lado estava um homem que também pediu um prato vegetariano. Este lhe perguntou: - Desculpe-me, mas a senhora é vegetariana? - Sim - respondeu ela - e o senhor? - Não - retrucou o homem - sou fiscal de alimentos. Ninguém melhor que os fiscais conhece o número das doenças entre animais sacrificados para a alimentação. Quando eu era estudante de Medicina os professores nos davam provetas para serem usadas no cultivo de bactérias que provocam doenças humanas como a febre tifóide e a peste bubônica. Mandavam-nos preparar caldo de carne, colocar um pouco em cada proveta e contaminá-lo com essas perigosas bactérias. O caldo de carne era perfeito para esses germes e eles se multiplicavam aos milhares. Li em meu compêndio de Pediatria, de autoria do renomado Dr. Emmet Holt, que se dois cães forem presos com correias e alimentados um a água e o outro a caldo de carne, o cão que se alimentou com água viveria mais tempo que o outro. Isso porque o caldo de carne não contém qualquer propriedade nutritiva se dele for extraída a gordura, contendo porém resíduos urinários que rapidamente envenenam o cão. A carne é o mais putrefaciente de todos os alimentos, quando se deteriora nos intestinos pode tornar a pessoa mais seriamente doente do que qualquer outra espécie de alimento. Este fato permite compreender por que os membros de algumas tribos africanas raramente são atacados de apendicite ou câncer, pois raramente comem carne até se transferirem para as cidades onde essas doenças se tomam comuns entre eles. Quanto ao consumo da carne de aves, preste muita atenção a estes fatos: Foi descoberto que o câncer nas aves domésticas apresenta várias formas. Além da forma usual em que os tumores cancerosos são encontrados, há uma forma transmissora em que a ave pode viver de maneira natural, sem o menor sinal de câncer, embora seja capaz de infectar outras aves. Esta forma de câncer é tão difícil de descobrir que a única maneira pela qual os pesquisadores podem finalmente determinar se uma ave contraiu a doença é incubar um ovo da ave suspeita durante quatorze dias. Depois dessas duas semanas a casca é esterilizada, o ovo é cuidadosamente quebrado, sendo removido o embrião. Do embrião é retirado o fígado, sendo injetada uma pequena porção do mesmo em outra ave. Caso se forme um tumor canceroso no local da inoculação sabe-se, então, e somente então, que a ave que pôs o ovo está com a doença. Praticamente não existe a mínima possibilidade de que um Fiscal de Alimentos isole todas as aves enfermas e muito menor probabilidade de que o consumidor esteja apto a fazê-lo quando escolher frangos para si mesmo e sua família. Tão generalizada está a doença entre as aves abatidas para consumo que o Dr. Eugene Oakberg escreveu em um jornal: "As conclusões a que chegamos deve considerar a possibilidade de que todas as aves domésticas apresentam lesões microscópicas básicas do linfoma." Isto está em conformidade com a declaração de Ellen G. White: "As pessoas estão continuamente comendo carne que está cheia de germes da tuberculose e do câncer. A tuberculose, o câncer e outras doenças fatais são assim transmitidas." O Dr. Newburg, da Universidade de Michigan, técnico de nutrição das forças armadas, durante a última guerra criticava muito a dieta cámea dos soldados americanos. As autópsias efetuadas nos corpos dos soldados coreanos mortos em batalha não apresentavam endurecimento das artérias. As razões: a dieta coreana fundamentava-se em vegetais e cereais. Uma preocupação médica muito comum é como as pessoas poderão absorver proteína suficiente se não comerem carne. O Prof. Rose da Universidade de Illinois, considerado uma grande autoridade mundial no campo da proteína, diz que: "Menos de vinte e cinco gramas por dia é tudo que a pessoa necessita." Se um homem não comer carne, nem ovos, nem leite, ainda assim absorverá a média de 83 gramas de proteína por dia. O Dr. Register e o Dr. Hardinge, ambos atuantes no campo da nutrição humana, afirmam que o consumo de frutas variadas fornece proteína suficiente para satisfazer as necessidades do corpo. A evidência prova que a carne é um fator desnecessário no programa de alimentação e pode introduzir no corpo substâncias capazes de aumentar as doenças crônicas, as infecções e as moléstias degenerativas. Durante a Primeira Grande Guerra, em 1918, a Dinamarca ficou bloqueada por mar e por terra, passando por grande falta de alimentos. Criar gado para o abate seria estúpido, pois representaria uma perda de 90 por cento do alimento ministrado para sua engorda. O Dr. Hindehede, notável autoridade em nutrição foi chamado urgentemente pelo Rei da Dinamarca para achar uma solução para o caso. A nação foi colocada em um regime sem carne durante um ano. Muitos médicos julgaram que tal medida seria calamitosa, mas os efeitos provaram ser altamente benéficos, propiciando um recorde mundial no índice de mortalidade baixa, diminuindo as taxas anuais de falecimentos em 34 por cento, além de uma acentuada diminuição no índice de doenças. O retorno à alimentação cárnea no ano seguinte elevou o índice de mortalidade ao nível anterior à guerra. Minha mesa é abastecida com uma variedade de alimentos deliciosos e a falta de carne jamais me preocupa. Depois de estudar as doenças em animais no laboratório, o efeito de uma dieta com carne em meus pacientes durante muitos anos, seria realmente difícil eu passara comer carne novamente. Estou plenamente de acordo com o notável nutricionista da John Hopkins University, Dr. McCollum, que expressou sua opinião de que qualquer pessoa que decida eliminara carne de sua dieta sentir-se-á muito melhor. Um dos fráteres da Fraternidade Kung Fu me enviou uma fotocópia de um artigo de jornal com o seguinte texto, que transcrevo a seguir: "O País da Longevidade Quatro Mil Chineses com Mais de Cem Anos O número de chineses com mais de 100 anos é de 3.765, dos quais 75 por cento são mulheres, informa o diário de expressão inglesa "China Daily". A região com maior número de centenários é Xinjiang, no noroeste do país, onde a percentagem dos favorecidos pelo Deus da longevidade é de 65 por cada milhão de pessoas, acrescenta o jornal. A notícia indica que nessa região os centenários tendem a ser vegetarianos, cultivando a sua própria verdura e tendo começado a trabalhar desde muito jovens. Os centenários entrevistados consideram que o trabalho diário é uma das chaves para preservar a saúde. A China, sociedade basicamente rural e industrialmente pouco avançada, tem cerca de 1.050 bilhões de habitantes e um dos maiores índices de longevidade." Quanto à segunda parte da sétima regra budista, os livros de Medicina informam que a ingestão de qualquer bebida alcoólica, mesmo em pequenas proporções, destrói os neurônios, descalcifica os ossos, lesa as fibras nervosas e os vasos cardíacos, irrita a mucosa gástrica, desarranja os rins, elimina a vitamina B, diminui o oxigênio do sangue, podendo, quando em grande dose, provocar a cirrose hepática. Mas a questão da ingestão de bebidas alcoólicas não é tão simples assim. Trata-se de uma doença e deve ser encarada como tal. Na continuidade de minhas pesquisas assisti algumas reuniões dos Alcoólicos Anônimos e ouvi depoimentos de rara intensidade emocional e rico conteúdo humano. Se você ouvisse falar de uma doença que estivesse atingindo nosso país e vitimando 4 milhões de pessoas, afetando-as a ponto de torná-las loucas durante algumas horas todos os dias, isso lhe causaria um certo espanto, não é? Pois fique sabendo que o alcoolismo é uma doença que provoca a loucura em determinados períodos e que as pessoas vítimas dessa doença prejudicam cerca de 20.000 pessoas no Brasil todos os dias, afetando a vida social e empresarial desta nação com custos incalculáveis. Segundo a A.A.A., a doença do alcoolismo ataca uma a cada treze pessoas que bebem e é a terceira doença do mundo em número de mortes. Somente na cidade do Rio de Janeiro uma estimativa situa a existência de trezentos mil alcoólatras. Sabendo-se que cada alcoólatra afeta e prejudica o comportamento de pelo menos cinco outras pessoas em média, temos um milhão e quinhentas mil pessoas prejudicadas diariamente só no Rio de Janeiro. O alcoolismo é uma doença progressiva e, como tal, é acionada pelo primeiro gole ingerido. Estive em reuniões da A.A.A. ministradas em diferentes locais, mas notei que estava sempre presente um pequeno outdoor eletrônico que piscava de forma intermitente e onde estava escrito: "Evite o primeiro gole." Outro cartaz que está sempre presente diz: "Um é muito e mil não é suficiente." Espantei-me da lucidez da sétima regra budista que diz que não se deve PROVAR bebidas alcoólicas. Se você provar, já tomou o primeiro gole, não é? Diz também a A.A.A.: "Não adianta tentar convencer um alcoólatra a largar a bebida, até que ele mesmo reconheça a sua incapacidade perante o álcool." O alcoólatra começa bebendo socialmente, mais tarde passa a beber habitualmente e depois começa a perder o controle e a beber sob qualquer pretexto. Nenhum esportista que se preza ingere bebidas alcoólicas e isso inclui os praticantes de artes marciais, mesmo que os anúncios dos fabricantes de bebidas mostrem o contrário na televisão. Não provar, evitar radicalmente o primeiro gole é a melhor atitude em relação ao álcool. 8 - O praticante de Kung Fu deve conter seus impulsos sexuais. Quando analisamos esta norma temos que compreender que ela foi estabelecida para ser adotada pelos Artistas Marciais do Templo Shaolin, que eram Monges e portanto haviam feito votos de castidade. Em se tratando de pessoas comuns de nossos dias, seria exigir demais impor a total abstinência sexual, mesmo porque seria praticamente impossível cumprir essa regra vivendo dentro do mundo. No entanto, podemos observar que é comum a prática de abstinência sexual entre os esportistas profissionais, haja vista as famosas "concentrações" dos jogadores da Seleção Brasileira. A energia sexual quando contida por um ato da vontade pode ser sublimada em realizações físicas (e/ou intelectuais) de excepcional performance. Isso não significa que o praticante de Kung Fu não deva permitir uma livre expressão de sua sexualidade, e sim que deve manter um controle sobre ela. O que se recomenda é que se evitem os exageros que contribuem mais para tornar o homem escravo de seus instintos do que senhor de si mesmo. O relacionamento sexual deve ser encarado com normalidade, não se deve atribuir-lhe uma importância desproporcional e nem se deve permitir-lhe que ocupe nossa mente a todos os momentos. É fato notório que os grandes gênios de todas as épocas possuíam intensa sexualidade e muitos autores consideram a sublimação dessa sexualidade como um dos fatores que conduziram esses homens a suas grandes realizações. "Conta-se que dois monges caminhavam às margens de um rio discutindo certos pontos da Filosofia Budista, quando deles se aproximou uma mulher e perguntou-lhes se não podiam carregá-la até a outra margem do rio, pois não desejava molhar suas vestes. Um dos monges, sem titubear, tomou a mulher em seus braços e a levou até a outra margem, depositando-a no chão, retomando à margem de onde partira e continuando a discussão filosófica no ponto em que havia sido interrompida, como se nada houvesse acontecido. Diante dessa atitude o outro monge ficou muito espantado e censurou o companheiro: - Você não sabe que somos proibidos de nos aproximarmos de uma mulher e que jamais podemos tocá-las ?! O outro respondeu: - Eu a carreguei para o outro lado mas a larguei lá, você continua carregando-a." 9 – O praticante de Kung Fu não deve ensinar as suas técnicas a ninguém que não seja Budista. A transmissão completa dos ensinamentos de um estilo de Kung Fu é responsabilidade difícil que preocupa os mestres conscientes de seus deveres. Evidentemente que esta norma também deve ser interpretada, levando em conta o sistema de valores vigentes em nossos dias. Na antiguidade os mestres não se permitiam sequer fazer demonstrações públicas. Deixavam isso a cargo de seus discípulos. Fazer demonstrações em primeiro lugar era sinal de certo orgulho pessoal, indigno de um verdadeiro mestre. Em segundo lugar permitia que o público aprendesse movimentos mais adiantados que tinham que ser preservados. Alguns dos mestres mais qualificados do Kung Fu moderno ainda atendem a esse dever e raramente fazem demonstrações públicas. Embora não se exija que os discípulos sejam budistas, é de primordial importância que se verifique a lealdade e o caráter de um praticante antes que se lhes permita o aprendizado de técnicas mais avançadas. As pessoas mudam com o tempo e os brasileiros em geral são multo volúveis e emocionais, julgando seus mestres pela opinião dos outros mais que por sua própria. A violência é um fator marcante entre nosso povo, mormente se observarmos que temos entre nós um dos maiores índices de criminalidade registrado em todo o mundo. Se um professor não for suficientemente responsável na escolha de seus discípulos, acabará por disseminar sua arte entre pessoas menos qualificadas que perpetuarão a violência e a discórdia entre seus alunos. Recomenda-se especial cuidado com professores que falem mal de outros professores ou de outros estilos. Em geral trata-se de pessoas que tentam esconder nas críticas a própria incompetência. Essa recomendação é especialmente verdadeira no que se refere a fofoqueiros de origem chinesa. O fato de um praticante de Kung Fu ser chinês não o transforma em um mestre nem traz dignidade a quem não a possui (mesmo que se auto-intitule mestre). Muitos estilos de Kung Fu desapareceram no passado devido a dificuldade de se selecionar discípulos criteriosos que os preservassem. Na intenção de preservar os conhecimentos milenares do Kung Fu sem permitir que um só elemento se tornasse depositário de toda a técnica, o Templo Shaolin nunca ensinava todo seu estilo a um só praticante, preferindo transmitir técnicas parciais a cada discípulo, dessa forma assegurando a unidade do Templo. O mundo se encontra num estado caótico em que imperam a guerra e a violência. Aqueles que moram nas grandes cidades não possuem mais a liberdade de se moverem em segurança pelas ruas, sem correrem o risco de um assalto ou de uma atitude mais violenta por parte das pessoas que lá convivem. O Kung Fu e as demais Artes Marciais são armas poderosas que não devem ser colocadas nas mãos de pessoas menos preparadas. Aquele que ensina apenas as técnicas físicas do Kung Fu isoladas do contexto filosófico e espiritual característico dessa arte, está apenas demonstrando ser um medíocre que semeia a violência no mundo. Que mundo estamos construindo para nossos filhos se semeamos indiscriminadamente a violência? Ê necessário que aprendamos a combater a violência em sua origem dentro de nós, antes que ela se manifeste através de nossos atos. Para isso temos que compreender que o que nos torna violentos é o orgulho. Estamos semeando a violência quando nos orgulhamos do estilo de Kung Fu que praticamos, quando nos orgulhamos do nosso Mestre, quando nos orgulhamos de nossa técnica, quando nos orgulhamos de nossa força física, quando nos orgulhamos de nossa nacionalidade, etc. E por que isso? Porque quando achamos que aquilo que sabemos é melhor que aquilo que os outros sabem, estamos adotando um comportamento de superioridade que impõe um certo desprezo para com o conhecimento dos demais, e isso é sinal de uma grande inferioridade nossa. Temos que aprender a respeitar as demais pessoas, e isso inclui aprender a respeitar o estilo e os padrões de comportamento das demais pessoas. Esse aprendizado de convívio harmonioso e tolerante é a marca do praticante de Kung Fu amadurecido e idôneo. Quando permitimos que a semente do orgulho penetre em nosso coração, estamos abrigando o ódio e a discriminação dentro de nós. Nesse momento o Kung Fu que cultivamos cessa de ser uma expressão da arte e passa a ser uma expressão da violência. E seremos piores que aqueles de quem falamos mal, menores que aqueles que expressam modalidades de Kung Fu distintas da nossa. É muito fácil criticar, adotar um comportamento desdenhoso com relação a outros estilos e comportar-se de maneira orgulhosa diante dos praticantes de outras modalidades. Isso é tão fácil que qualquer idiota pode fazê-lo (e geralmente faz mesmo!). É de se esperar que um praticante de Kung Fu tenha mais dignidade e adote um comportamento menos infantil. "Certa feita vários Mestres e seus discípulos fizeram uma demonstração de Kung Fu. Como é usual nessas ocasiões, os mestres se colocaram em fita indiana e ingressaram no pátio onde seria realizada a demonstração na ordem de sua antiguidade (Kung Fu = Tempo de Habilidade). Porém um discípulo fanfarrão e presunçoso adiantou-se e colocouse ao lado de seu professor, ou seja, mais â frente que um mestre de outro estilo que possuía muito mais tempo de treino que ele. E passou a olhar o outro mestre com um ar de superioridade como se possuísse o mesmo nível que ele. O mestre o interpelou e lhe disse: - Cheguei onde cheguei porque venci meu orgulho, ao passo que seu orgulho venceu você." 10 - O praticante de Kung Fu tem que se imunizar contra a cobiça, a agressividade e a fanfarronice. Todos os comentários feitos na interpretação da norma anterior são também válidos para a compreensão desta norma. Nada mais ridículo que um artista marcial que se preocupe com faixas, diplomas e carteirinhas de estudante. Quantos atletas de grande potencial encerram suas possibilidades por desistirem da oportunidade de estudar com um verdadeiro mestre, para se prenderem a outros "mestres" menos sérios apenas por serem chineses ou por venderem diplomas. Já dizia Bruce Lee que a faixa serve apenas para segurar as calças. Uma pessoa que se dedica às Artes Marciais deve possuir um desejo sincero de evoluir tanto como lutador quanto como pessoa. Antigo provérbio chinês diz que o maior guerreiro é aquele que vence a si mesmo: só conseguimos vencer a nós mesmos quando dominamos nossos impulsos de orgulho, de fanfarronice, de querer ser mais que os outros. A humildade é a marca do verdadeiro campeão. Um campeão muito papudo é logo esquecido e seus feitos diminuídos. Embora muito do desempenho técnico do Artista Marcial dependa de sua dedicação aos treinos, não devemos nos esquecer que o destaque na Arte Marcial em geral é reservado a pessoas cujas condições físicas hereditárias sejam superiores. Por si só isso deveria ser motivação suficiente para que o praticante dessas modalidades cultivasse a humildade, visto que ninguém é responsável por suas condições hereditárias. Nada mais honroso que ver o forte protegendo o fraco, o poderoso socorrendo o oprimido, o virtuoso amparando o débil. A preocupação do Artista Marcial não deve ser tornar-se mais forte que os demais nem vencê-los, e sim tornar-se mais forte diante de si mesmo e vencer-se a si, ao invés de tentar vencer os outros. Muitos já ouviram falar da pecadora que foi atirada aos pés de Jesus para que fosse apedrejada conforme ditava antiga lei mosaica. A resposta de Jesus foi: "- Aquele de vós que não pecou que atire a primeira pedra." Parafraseando a Jesus pergunto: Quem possui suficiente domínio sobre si mesmo para que possa presumir ser melhor que os outros? As vitórias do mundo são sem valor, pois tudo fenece diante da morte; aquele que é forte hoje será fraco amanhã; se os fortes de hoje não ensinam com seus exemplos a proteção dos fracos, quem os protegerá amanhã quando se tornarem fracos eles mesmos? "Na Província de Hopei viveu um camponês chamado Li-Ne-Jam que, apesar de ser pobre e humilde, era um profundo conhecedor do Kung Fu. Um dia foi assistir a demonstração de dois famosos heróis, os irmãos Tai-Ling-Pang e Tai-Lung-Pai, mas não se impressionou muito, pois percebeu que sua própria arte era superior. Ao invés de fanfarronear-se, guardou para si mesmo esses sentimentos e não falou a respeito nem se exibiu. Um dos irmãos percebeu que aquele camponês pobre e maltrapilho não se impressionara com a exibição e o seguiu. Quando Li-Nem-Jam estava novamente trabalhando no campo, aproximou-se por trás e o agarrou fortemente tentando demonstrar toda sua força. Li-Ne-Jam o atirou ao ar facilmente, arremessando-o longe. Surpreso com tamanha habilidade, o homem se ergueu e perguntou-lhe como o fizera. - Pura sorte, respondeu Li-Ne-Jam e continuou a trabalhar..." Excetuando-se os fráteres filiados à Fraternidade Kung Fu, esta é a primeira vez que o público brasileiro tem a oportunidade de conhecer as Dez Normas Budistas do Templo Shaolin. Você, leitor deste livro, é um privilegiado por ter tido essa oportunidade. A questão é: acabamos de estudá-las; o que faremos com esses conhecimentos? Como aplicaremos essas normas em nossa vida prática, em nosso dia-a-dia? Procure estabelecer um plano de trabalho visando a adaptação destas normas à sua própria realidade. Repartindo o que Sei Quando do preparo deste livro, um instrutor do estilo Wing Chun que tem me auxiliado com grande valor e denodo nos últimos meses, instou comigo para que incluísse minha filosofia pessoal como fechamento desta obra. Não acredito, nunca acreditei, que alguém seja capaz de levar outra pessoa ao conhecimento da verdade. O máximo que os grandes avatares, os gurus e os mestres têm conseguido fazer é apontar o caminho por onde trilharam, sem que ninguém tenha, até onde eu saiba, conseguido percorrer o mesmo caminho através de outrem. Não acredito nessa história de mestres e discípulos. Sou daqueles que crêem que o mestre está dentro de cada um. Tenho tentado fazer ver isso às pessoas que me buscam em procura do conhecimento. Mas, toda vez que insisto em que a pessoa deva pensar por si mesma e preparar-se por seus próprios meios, movido por suas próprias experiências, as pessoas desanimam. Toda vez que digo que minha experiência serve apenas a mim e a ninguém mais, sou interpelado por alguém que não consegue dar o primeiro passo. Ao examinar o que sei, verifico que tudo que sei já existe no mundo, já foi dito por muitos e que não necessito omitir minhas próprias percepções, visto que são de domínio público e aqueles que comigo convivem sabem como penso. Assim sendo, as conjeturas de que trato a seguir descrevem mal e porcamente a filosofia de vida que adotei para mim mesmo e que representa o resumo de minhas pesquisas dentro da sabedoria do Kung Fu, e de meus autores prediletos (Boécio, Buda, Epicuro, Epiteto, Han Ryner, Marco Aurélio e Sêneca). Não sou o melhor nem o mais virtuoso dos homens, portanto esta não é a melhor nem a mais virtuosa filosofia de vida. Se decidir adotá-la, talvez você possa encarar a vida com o mesmo pragmatismo e objetividade com que a encaro; talvez não. O risco é todo seu. De qualquer modo, será sempre uma escolha sua e, como tal, sua responsabilidade exclusiva. Afinal, já dizia La Bruyère: "A vida é uma tragédia para os que sentem e uma comédia para os que pensam." Antes de examiná-la, procure se lembrar de que O QUE VOCÊ SABE NÃO TEM VALOR ALGUM, O VALOR ESTÁ NO QUE VOCÊ FAZ COM O QUE SABE. De que lhe aproveita saber discutir estas teorias se não for capaz de demonstrá-las em suas próprias atitudes e ações? O exemplo não é a melhor maneira de ensinar, É A ÚNICA MANEIRA! Uma Filosofia Pessoal Escolhi "Uma Filosofia Pessoal" como título, por várias razões. Primeira - Sendo UMA Filosofia Pessoal, significa que existem outras. Segunda - Sendo Uma FILOSOFIA Pessoal, significa que não se trata da verdade absoluta, visto que filosofia é a busca da verdade, não a verdade em si mesma. Terceira - Sendo Uma Filosofia PESSOAL, significa que pode atender totalmente às necessidades de mais alguém. Isto claro, comecemos: Seja o que for que faço, faço-o porque é justo diante de meu entendimento e não porque há alguém que possa premiar-me ou castigarme na proporção de minhas ações. Ao esforço para conformar os atos de minha vida ao meu pensamento, chamo de virtude. A única recompensa da virtude é a própria virtude. Se penso numa recompensa não sou virtuoso, pois a principal característica da virtude é o desapego. Creio firmemente que a virtude desapegada cria a felicidade. Aquele que tenta ser bom porque quer ganhar o céu, não é bom, é como a prostituta que se vende. Aquele que evita ser mau porque não quer ser condenado ao inferno, não deixa de ser mau, é um covarde que se comporta porque teme. É típico do fraco colocar a responsabilidade de sua própria felicidade sobre os ombros de alguma coisa externa a si mesmo. Os ombros favoritos são os de Deus. Convido o leitor a considerar atentamente este pensamento de Epicuro: "Deus, ou quer impedir os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode. Se quer e não pode, é impotente: o que è impossível em Deus. Se pode e não quer ê pervertido: o que, do mesmo modo, é contrário a Deus. Se nem quer nem pode, é bisonho e impotente: portanto nem sequer é Deus. Se pode e quer, o que é a única coisa compatível com Deus, de onde vêm então os males? Por que razão não os impede?!" De qualquer maneira não cabe aos homens julgar a Deus, pois sequer têm meios de provar sua existência e não se julga algo que não existe. Nem perco tempo portanto, e me atenho às coisas que me pertencem e as ações que posso fazer. Visto que é impossível ao homem conjeturar sobre a natureza de Deus, dedico minha atenção à natureza que é a expressão da inteligência responsável pelas coisas serem como são e não de outra forma. Percebo logo de início que meus poderes sobre ela são limitados e que se não a respeito, por ela mesmo pereço. Só culpa a natureza pelo que lhe acontece, aquele que baseia sua opinião num falso sistema de valores que o faz confundir o que lhe pertence com o que não lhe pertence. A morte nada significa, pois enquanto vivo ela não existe e quanto ela chega eu cesso de existir. Para mim, ser feliz é viver o aqui e agora, sem apegos e sem culpa. O que me permite ser feliz é minha capacidade de escolher. Han Ryner diz: "A felicidade é um estado de espírito em que me sinto perfeitamente livre de todas as servidões e em perfeito acordo comigo mesmo." Sêneca conta: "O homem feliz é aquele para quem não existe nem outro bem nem outro mal senão o bem e o mal da alma; que pratica a honestidade e se satisfaz com a virtude; que não se deixa exaltar nem abalar pelos acontecimentos fortuitos; que não conhece maior bem que o que ele próprio se pode proporcionar, para quem o verdadeiro prazer é o desprezo do prazer." Epicuro afirma: "Nunca é cedo nem tarde demais para cuidar de si mesmo; aquele que diz que ainda é cedo ou que é tarde demais para filosofar, está dizendo que ainda não é tempo ou que já não dá mais tempo de ser feliz. A felicidade consiste em se obter aquilo que se deseja e em evitar aquilo que não se deseja; as pessoas infelizes são aquelas que: ou não conseguem aquilo que desejam ou não conseguem evitar o que desejariam evitar. Conquiste a felicidade evitando considerar como suas as coisas que não dependem de você." O mundo tem apenas duas espécies de coisas: aquelas que dependem de mim e aquelas que não dependem. Depende de mim apenas meu pensamento e, através do pensamento, gero minhas opiniões, minhas atitudes, meus apegos e minhas ações. Não dependem de mim meu corpo, meus bens materiais, minha reputação e tudo que não seja gerado por meu pensamento. As coisas que dependem de mim, me pertencem, são livres, nada as impede. As coisas que não dependem de mim, não me pertencem e estão sujeitas às vicissitudes da vida. Se considero minhas as coisas que não me pertencem, sou um ladrão e necessariamente serei infeliz, sofrerei, ficarei perturbado, descontente com o mundo e com os homens. Se aprendo a considerar minhas apenas as coisas que são minhas, e a considerar do mundo o que pertence ao mundo, ninguém jamais será capaz de me aborrecer, não ficarei descontente com ninguém, não poderei culpar os outros por minha infelicidade, não farei coisas que sejam contra minha vontade, não terei nenhum inimigo, nem serei vítima de nenhum dano ou perda. Esforço-me para compreender estas coisas com perfeição pondo-as em prática diante dos fatos da vida, sem me deixar influenciar pelas aparências. Pergunto-me sempre: - Isto que está me acontecendo se relaciona com as coisas que dependem de mim ou com as coisas que não dependem de mim e, se a resposta determinar que as coisas que estão me acontecendo não são coisas que dependem de mim, aceito que nada me significam. Um antigo diálogo apócrifo que teria, segundo dizem, ocorrido entre Deus e Epiteto diz o seginte: "Teu corpo não passa de argila mas também te dei uma porção de mim mesmo: o poder de pensar e escolher, tomando decisões sobre as coisas dos sentidos. Se não negligenciares estes poderes e neles te aplicares, jamais te verás obstado ou embaraçado, jamais terás de que te lamentar, jamais terás que censurar ou lisonjear alguém. Contenta-te com estas coisas." Sêneca, em uma de suas cartas a Lucílio, conta que Demétrio Poliocerta destruiu a cidade de Estilbao, matou sua esposa e filhos e depois lhe perguntou se havia sofrido alguma perda. Estilbao respondeu: "Todos os meus bens estão comigo. Nada perdi do que era meu." Possuo as faculdades que me permitem compreender que sou parte de um todo e que compete a mim, como parte, ceder lugar ao todo. Cabe a mim ver que as coisas que me cercam são ou isentas de impedimento, pertencendo ao domínio de minha vontade, ou sujeitas ao impedimento e dependente da vontade do mundo. Não desperdiço energias me aborrecendo e me preocup Minhas aversões também são desejos e limitam minha capacidade de ser feliz, a minha chance de me livrar daquilo que não desejo. Tanto é infeliz aquele que não consegue ter o que deseja, quanto aquele que não consegue evitar aquilo a que tem aversão. É fácil ser feliz, basta que deseje apenas aquilo que dependa de mim e que tenha aversão apenas às coisas que dependa de mim evitar. Se faço com que aquilo que desejo dependa apenas de mim mesmo, vivo livre e feliz, nada lamentando do que me venha a ocorrer e contra nada me insurgindo. Se me deixo prender pelas coisas externas, que não dependem de mim, vejo-me forçosamente dependente e sujeito a impedimentos; tomome escravo daqueles que têm poder sobre o que desejo; serei necessariamente injusto por reclamar mais do que me pertence. Nada afeta o que me pertence. As únicas perturbações que podem me atingir são formadas pela minha opinião. Tudo quanto existe mudará dentro de um instante e não mais existirá. O UNIVERSO É MUTAÇÃO, A VIDA OPINIÃO. A ÚNICA VERDADE IMUTÁVEL É QUE TUDO MUDA. Por exemplo, se gosto de um vaso, procuro me lembrar que gosto de uma coisa que se quebra e quando se quebrar, não sofrerei. Quando inicio qualquer ação, examino a que natureza pertence. Se vou tomar um ônibus procuro me lembrar do que costuma acontecer num ônibus: algumas pessoas se acotovelam; outras falam e riem alto; umas correm na frente e tomam o lugar de outras; existem cobradores mal-educados; outros que roubam no troco; motoristas que arrancam antes que eu suba, ou antes que eu tenha tempo de descer completamente. Assim, pois, constato que, se minha intenção é tomar o ônibus, estou sujeito a todas essas coisas (não dependem de mim) e que, se eventualmente elas me acontecerem, isso não me impedirá de conservarme em harmonia com as circunstâncias. Quando surge algum contratempo recordo imediatamente que foi minha intenção andar de ônibus conservando meu pensamento em harmonia, e que não o manterei em harmonia se me aborrecer com as coisas que acontecem. A realidade nunca chega a mim como ela é, antes passa pelos meus sentidos e o que vejo dela é a exata proporção do que meus sentidos me permitem ver. Mesmo o que meus sentidos percebem não chega até mim porque tem antes que passar pela interpretação de minha mente. Assim, sendo percebo que o que sei da realidade é minha interpretação da realidade. Não são pois os acontecimentos da vida que me perturbam, e sim as opiniões que formo a respeito desses acontecimentos. Se me torno infeliz, triste ou perturbado, não culpo a ninguém por isso, mas somente a mim mesmo e a minhas opiniões. Não me orgulho de qualidades que não me pertencem. Se me orgulho dizendo: "- Tenho um belo carro.", estou me orgulhando de algo que pertence apenas ao carro. O que é meu então? O saber apreciar a beleza que vejo, pois é o que depende de mim. Não desejo que as coisas aconteçam segundo minha vontade (afinal elas não dependem de mim); a não ser na exata proporção do que depender das coisas que dependem de mim. Como quero continuar a ser feliz, aprendo a aceitar as coisas como vierem. A doença é um impedimento para meu corpo (que não me pertence), mas não para minha opinião. Observando a vida percebo que as coisas se impedem umas as outras, mas não são empecilhos a mim. Em face de qualquer acontecimento pergunto-me quais as forças que possuo e que podem ser utilizadas eficientemente nessas circunstâncias. Quando me habituo a pensar e agir assim, as aparências das coisas perdem a capacidade de me conduzirem à infelicidade. O mundo me empresta certas coisas, mas como não fazem parte das coisas que me pertencem nunca serão realmente minhas. Nunca perco nada, apenas devolvo ao mundo. Meu filho morreu? Ele foi devolvido. Minha mulher me abandonou? Ela foi devolvida. Minha casa foi tomada? Bem, não é isso o mesmo que devolvido? "Mas quem a tomou não presta!", você me dirá; mas eu lhe digo: "a mim, que importa se as mãos pelas quais o mundo que me deu essas coisas, as retome?" Quando o mundo me dá alguma coisa eu a uso, mas como algo que não é meu, como fazem os hóspedes de uma estalagem. Se espero que minha mulher, meus filhos e meus amigos vivam para sempre, estou desejando que me pertençam coisas que não me pertencem. Quando encontro alguém chorando porque o filho mudou para longe ou morreu, cuido para que minha imaginação não faça com que eu perceba o fato erroneamente. Percebo imediatamente que não é o que ocorreu que entristece essa pessoa, porque o que a entristece é a opinião que ela formou a esse respeito. Percebo também que essa pessoa não dedicou parte de sua vida a criar uma filosofia pessoal que a sustentasse, e portanto não aprendeu a enfrentar essa situação. Assim sendo, procuro agir com caridade e concordar com ela e a consolar, mas mantendo-me atento para não permitir que a dor dela contamine a ideologia que me dará apoio em circunstâncias semelhantes. Quando algo de ruim me acontece, penso desta maneira: "Nenhuma das coisas que estão me acontecendo podem me afetar; talvez possam afetar este corpo, as posses materiais que o mundo me emprestou, minha reputação, a esposa que me foi dada, os filhos que me foram dados, mas nada me afeta a menos que eu o permita." Não tenho a presunção de ser respeitado pelos demais, pois isso não me pertence. Não espero receber consideração dos demais, pois isso não me pertence também. Sei que não é possível permanecer fiel aos meus princípios e ao mesmo tempo ter a pretensão de ser amado e estimado pelo mundo. Não me aborreço com as pessoas, porque se pretender que elas não me aborreçam estarei pretendendo que elas não cometam erros, pensem da forma certa e adotem as atitudes certas e nada disso me pertence. Se desejo que meus desejos não sejam desapontados, isso está em meu poder, pois basta que queira aquilo que possa ter. Só é senhor de si aquele que é capaz de dar ou tirar aquilo que é capaz de dar ou tirar. Aquele que procura a liberdade perfeita não deve desejar nem recusar nada que dependa dos outros ou perderá sua liberdade e se tornará um escravo. Todo aquele que jamais se envolve numa luta que não possa vencer, é invencível. Mesmo que alguém me injurie, me provoque ou me soque, jamais conseguirá me causar mal, porque o mal está na maneira com que considero estas coisas. Se alguém me provoca, sei que é minha opinião a respeito de mim mesmo que me provoca. Se alguém me ofende é a opinião que tenho a respeito de mim mesmo que me ofende. Não permito que as coisas que vêm de fora (e portanto não dependem de mim), me entristeçam ou me tomem infeliz. Mantendo-me dentro destes princípios, controlo a mim mesmo e me torno capaz de ser feliz. Ao adotar a busca da sabedoria como minha meta de vida, sempre soube que seria ridicularizado pelos que são incapazes de avaliar a profundidade desses conhecimentos. Mas a opinião dos outros não me pertence, portanto não me perturbo com esses preconceitos. Contento-me em buscar a sabedoria, não quero parecer sábio e nem ser tomado como sábio. Ninguém consegue me desconsiderar pois não depende de mim as opiniões dos outros. Apenas eu posso me considerar e me honrar, pois apenas a minha opinião me pertence. Não há lugar em mim para a inveja e o ciúme, pois é tolice pretender ter as coisas que não me pertencem. Melhor que ser um general ou um presidente, é ser senhor de mim mesmo, e isso só é possível me desapegando de todas as coisas que não dependem de mim. Mesmo que queira ajudar a meu próximo, nada posso fazer para ajudá-lo, pois nada do que lhe possa dar pertence a mim ou a ele. Sabendo o que me pertence e o que pertence ao mundo noto que jamais poderei dar aos outros alguma coisa que eles já não possuam. Visto que depende de mim apenas minha opinião e visto que minhas atitudes e ações dependem de minha opinião, percebo que existem ações que dependem de mim e ações que não dependem de mim. Depende de mim portanto a decisão de conquistar bens materiais para mitigar as necessidades das pessoas que amo e de meu próximo. Mas o fato dessas ações dependerem de uma decisão minha não significa que tenha a obrigação de fazê-las, pois não pertencem nem às pessoas que amo nem ao meu próximo as ações que me pertencem (que eu posso fazer). Que procuram as pessoas que amo e meu próximo? Minhas posses? Meus esforços? Ou preferirão eles um amigo modesto, mas sincero? Se me respondem argumentando que só serei um bom pai e um bom cidadão se produzir riquezas para o engrandecimento de minha família e de meu país, lhes responderei que o engrandecimento das famílias e das pátrias se faz pela soma da integridade de seus membros, e que traz muito maior proveito à sociedade um só cidadão honrado mesmo que de posses modestas, que muitos cidadãos cheios de posse mas corruptos. Se de alguma forma eu ceder na aplicação destes princípios, estarei colocando nas mãos dos outros a minha felicidade. Compreendo que ao utilizar esta filosofia não me permito usar certos recursos que poderiam me trazer coisas que não me pertencem e, por agir assim, não serei avaliado pelos demais em pé de igualdade e portanto não merecerei as honras que são outorgadas pelo mundo. Não elogio a ninguém, não cortejo a ninguém, não lambo as pessoas que estão no poder; assim sendo, não mereço dessas pessoas a mesma consideração que dedicam aos que agem dessa maneira. Não pretendo, pois, conquistar as honras dos que agem dessa forma. Afinai, se as honrarias do mundo têm esse preço, serão elas honradas? Nunca serei justo se pretender ter as coisas pelas quais não paguei. Por quanto se vende um jornal? Se alguém, pagando alguns trocados, recebe um jornal e eu, nada pagando não recebo jornal algum, não posso considerar que esse alguém tenha levado alguma vantagem sobre mim. Da mesma forma que esse alguém tem o jornal, eu terei os trocados que não gastei. Da mesma forma, se não recebo honrarias do mundo é porque não paguei por ela o preço que vale em salamaleques, cortejos e elogios. Nada me sobrou em lugar dessa honra? É claro que sim: a liberdade de não cortejar aqueles a quem não desejo cortejar e a liberdade de não sofrer a insolência e a soberba daqueles que outorgam a honraria. Para que possa manter a coerência para com minha ideologia é preciso que aprenda a medir os outros da mesma forma que meço a mim mesmo. Quando morre o filho de alguém é comum que se diga: "Essas coisas acontecem." Mas, quando morre seu próprio filho essa mesma pessoa dirá: "Ai de mim, aconteceu-me uma desgraça!" Tenho que ser coerente e evitar agir dessa forma. Não é possível que eu tenha dois pesos e duas medidas. Da mesma forma que medir o meu próximo medirei a mim mesmo. Fica fácil distinguir entre as coisas que dependem de mim e as que não dependem de mim, basta perceber que as coisas que dependem de mim são todas ações interiores e as que não dependem de mim são todas ações exteriores. São ações interiores meus pensamentos, minhas opiniões, meus desejos, minhas inclinações e minhas aversões. São ações exteriores meu corpo, meus bens, minha reputação, as honras e dignidades que recebo do mundo, e todas as coisas que não são ações interiores. As ações interiores são livres em sua própria natureza, nada pode detê-las nem criar obstáculos a elas. As ações exteriores, por não dependerem de mim são, já por sua própria natureza, fracas e sujeitas a obstáculos e inconvenientes que podem impedi-las. Não tenho o direito de julgar o que ocorre com meu corpo e com minhas ações exteriores como fatos bons ou maus, porque não cabe a mim julgar o que ocorre às coisas que não me pertencem. Nada do que ocorre ao que me pertence pode ser bom ou mau. É simplesmente indiferente. As pessoas que julgam o que ocorre com as coisas que não lhes pertencem, vivem aflitas e perturbadas, enfrentam obstáculos e vivem a se queixar. Antes de iniciar qualquer ação, examinarei a ação que a precedeu e a que se seguirá, dessa forma o entusiasmo do começo não me abandonará quando os obstáculos aparecerem. Quem deseja se tornar um lutador tem que examinar atentamente as ações que precedem esse objetivo e as ações que o sucedem e, se ainda assim achar que o objetivo vale o esforço, lançar-se a ele sem esmorecer. Quem deseja se tornar um lutador tem que ingerir alimentos que não lhe agradam, tem que cortar as guloseimas e os refrigerantes, tem que treinar arduamente, faça frio ou calor, tem que se sujeitar às exigências de seu técnico, sejam elas agradáveis ou não. Quando lutar poderá quebrar as mãos ou as costelas, poderá beijar a poeira do chão, levará muitas pancadas e nem por isso terá vitória assegurada. Se assim mesmo ainda deseja se tornar um lutador, deve persistir nesse caminho. Mas se a pessoa tenta esse caminho sem considerar todas essas coisas, será como um garoto que não sabe o que quer e nunca chegará a ser nada, porque a nada terá se dedicado com todo o seu propósito. As pessoas devem considerar a consistência do assunto a que pretendem se dedicar e verificar se suas naturezas oferecem recursos para tanto. Quem quer ser um lutador tem que considerar a força de seus braços e de suas pernas, sua agilidade e outras condições físicas. Mesmo que você queira se dedicar à busca interior, ao autodomínio e à espiritualidade, terá que ficar atento e trabalhar, haverá de vencer certos apetites, abandonar a companhia de certas pessoas, não mais merecerá a consideração de uns e certamente ganhará o desprezo de outros. Se eu tiver que visitar alguém, previamente considerarei o que me pode acontecer; talvez essa pessoa não se encontre em casa, talvez não possa receber-me, talvez bata com a porta em minha cara, talvez finja não perceber minha presença e, se mesmo assim tiver o dever de visitá-la, aceitarei o que tiver que aceitar e não direi: "Não pensei que isso aconteceria comigo." Porque só um homem que não busca o autodomínio se queixa de coisas que não dependem dele. Todos os meus deveres se prendem à relação de determinação que se impõe sobre mim. É meu dever cuidar de meu pai e suportar suas advertências e reprimendas. Se alguém disser: "Mas ele é um mau pai!", responderei: - A natureza por acaso determina que todos os pais sejam obrigatoriamente bons? A natureza determina que haja um pai para que possa haver um filho, mas isso não implica que para que haja um filho o pai tenha que ser bom. Tenho que cumprir minha obrigação em relação ao meu pai e não me cabe a tarefa de julgar as ações dele e sim cumprir minhas responsabilidades em relação àquele que a natureza me determinou por pai. Mesmo que seja um mau pai, ele não poderá me ferir, pois serei ferido apenas segundo minha opinião; se eu não quiser, ninguém me ofenderá. Dessa forma atendo a minhas obrigações relativas aos vizinhos, ao meu próximo e a mim mesmo, tratando cada qual com o respeito que a ele se deve. Não perco tempo conjeturando sobre o futuro e tentando adivinhar quais os desígnios que o mundo me reserva nos dias por vir. Seja qual for o evento que me suceda, saberei como enfrentá-lo pois, se não for por uma coisa que dependa de mim, não será nem bom nem mau. Procuro, sim, evitar preconceitos, desejos ou aversões, pois essas coisas me impedirão de chegar à percepção de que todos os acontecimentos são indiferentes, pois está em meu poder fazer deles o uso certo, o que ninguém poderá impedir. Não deixarei a sorte decidir sobre aquilo que é meu dever. Minha reputação não me pertence, pois depende das opiniões de outras pessoas. Ninguém é senhor da própria reputação, e por melhor que seja um homem, sempre haverá alguém que não o respeita e não o ama. O próprio Cristo foi traído por dois de seus apóstolos; um em cada seis o traiu. Não devo pretender melhor sorte. Se alguém me diz que outrem fala mal de mim, dir-lhe-ei: "A pessoa que fala mal de mim não conhece todos os meus outros defeitos, senão não teria mencionado somente estes." Quando alguém me prejudica ou fala mal de mim, procuro me lembrar que o faz achando que está fazendo o que é certo. Não devo esperar que as pessoas façam o que me parece certo e sim que façam o que parece certo a elas. Se a pessoa que me julga baseia seu julgamento numa má interpretação a meu respeito, o prejudicado é ela, visto que está enganando a si mesma. Se alguém julga erroneamente um fato, não é o fato que se prejudica e sim a pessoa que a esse respeito engana a si mesma. Partindo desse princípio aprendo a suportar a fofoca, que é o esporte nacional do brasileiro. Todos os fatos têm dois ângulos, devendo ser manejado apenas por um desses ângulos. Se meu irmão age de forma injusta, não manejo a situação pelo ângulo da injustiça que foi cometida. Prefiro manejar a situação pelo ângulo que o torna meu irmão e, lembrando-me que foi criado junto comigo e dos bons momentos que passamos juntos, saberei suportar a injustiça. É, preciso que eu aprenda a ver as coisas como elas são, raciocinando através da noção do que depende de mim e do que não depende de mim. Se alguém se lava rapidamente, não devo julgar que se lava mal e sim que se lava em pouco tempo. Se alguém bebe grande quantidade de cerveja, não devo julgar que age mal e sim que tem a capacidade de beber em grande quantidade. Afinal de contas, não dependem de mim as ações das outras pessoas e também cabem a elas as opiniões que venham a formar a respeito de suas ações. Quando procedo dessa forma, baseio-me nos princípios que conheço plenamente e não nas aparências dos fatos que presencio. Quando assumo diante da vida um papel que esteja acima de minhas forças, não só desempenho indignamente esse papel como perco a oportunidade de fazer o que posso fazer com habilidade e mérito. A proporção dos bens materiais deve ser para cada um como a medida do sapato em relação ao pé. Você dificilmente se moveria livremente se seus sapatos fossem maiores que a necessidade de seus pés. Quando me contento com pouco, não me excedo, mas se passo desse ponto, sou arrastado cada vez mais por minhas ambições até um precipício. Da mesma forma que os adornos de um sapato podem ser tão sofisticados que se perca de vista a sua função de proteger o pé, não há limites para aquilo que excede as medidas. Quando pediam a Sócrates que indicasse um filósofo, ele, que era o maior filósofo da Grécia, indicava um outro, sem que por isso se sentisse diminuído. Se alguém disser que não sei nada não me perturbarei com isso, afinal de contas os carneiros não mostram aos pastores quanto capim comem, mas demonstram o que comeram através da lã que trazem sobre si. Não tenho que mostrar teorias às pessoas, prefiro demonstrar, através de meus atos e realizações, o que estes princípios têm feito por mim. Mesmo quando satisfaço às necessidades de meu corpo apenas através de frutas e hortaliças, mantendo uma dieta útil e sadia, não me vanglorio disso. Mesmo quando controlo minha vontade de tomar cerveja e bebo apenas água, não digo aos outros que bebo apenas água. Ao invés de adotar um comportamento presunçoso diante dos pequenos atos de disciplina que imponho a mim mesmo, procuro me lembrar que os pobres e os miseráveis, diante de suas aflições são muito mais contidos, pacientes e econômicos do que eu. Se me exercito com proveito no cumprimento destas regras, é para meu proveito e crescimento pessoal e não para mostrar-me ou vangloriarme diante dos outros. Considero as privações que imponho a mim mesmo como exercícios de autodisciplina e não como alarde diante do mundo. A palavra responsabilidade significa a habilidade de dar a resposta (resposta + habilidade). Não a resposta no sentido de responder a uma pergunta e sim a resposta no sentido de reação aos fatos da vida. A maioria das pessoas acredita que são prejudicadas ou beneficiadas por causas externas, nunca por si mesmas. Aquele que procura o caminho da virtude e merece ser reconhecido como sábio, se caracteriza por esperar todo o benefício e todo o prejuízo de si mesmo. Não cabe a mim censurar ninguém, louvar ninguém, acusar ninguém, culpar ninguém e nem considerar-me como melhor que os outros, pensando que sei alguma coisa ou que sou alguma coisa. Quando alguma circunstância me impede ou me reprime, procuro em mim mesmo as razões. Se alguém me elogia, sei rir de mim mesmo por dentro e se sou censurado, não me defendo. Todos meus desejos se voltam para as coisas que dependem de mim e tenho aversão apenas às coisas que não dependem de mim. Minhas emoções se demonstram livremente e não me importo se me julguem tolo ou ignorante. Acima de tudo vigio a mim mesmo como a um inimigo, pois o maior mal que me sobrevém é aquele que é capaz de surgir de mim mesmo. Sei que o maior lutador é aquele que vence a si mesmo. Você só se torna senhor de si quando reconhece, através de suas ações, que as coisas que não dependem de você são indiferentes. Ao fazer isso você se torna livre; ninguém poderá forçá-lo a fazer o que não quer ou impedi-lo de fazer o que quer. Não terá, pois, motivos para se queixar de ninguém. Procure se lembrar que o oprimido que se queixa, tem a intenção de se tomar opressor. A prisão, a pobreza e todas as coisas exteriores, só conseguem diminuir a liberdade de seu corpo e de suas ações, não impedem portanto a sua vontade se você não adotar a loucura de pretender aquilo que não depende de você. Os tiranos só têm poder sobre aquilo que lhe é supérfluo. Se esta Filosofia lhe parecer satisfatória, aceite estas regras para si mesmo como modo de conduta e disciplina de vida, respeite-as como se fossem leis e não consinta em transgredi-las. Não se preocupe com o que dirão a seu respeito; afinal de contas, o que dizem faz parte das coisas que não dependem de você. Por quanto tempo ainda vai deixar para depois a aceitação da tarefa de cumprir estas regras e viver de acordo com a razão? Já conhece estes princípios, o que quer mais? Que outro mestre está esperando para responsabilizá-lo pela demora em trilhar o caminho do auto-aperfeiçoamento? Pare de adiar sua decisão a respeito destes princípios, pare de jogar para o futuro o início de seus esforços ou acabará por viver e morrer como um homem ignorante. Faça com que aquilo que sua razão aponta como sendo o melhor seja para si uma lei inviolável. Seja o que for que se apresente em seu caminho, lembre-se que agora é a hora da luta e que não pode adiar mais o combate contra si mesmo. Mesmo que seja derrotado num desses combates, só será um perdedor ou um vencedor dependendo do que aprendeu dessa derrota para usar em suas lutas futuras. Esta é a batalha de sua vida, melhorar-se em cada combate, não cedendo a nada senão à razão. Mesmo não sendo ainda senhor de si mesmo, procure viver como alguém que almeja tornar-se senhor de si mesmo. Os homens poderão lhe matar, é verdade, mas jamais poderão lhe ferir. Agora você não tem nada mais a temer, pois aprendeu uma FILOSOFIA PESSOAL e sabe que a única coisa que lhe pertence é a sua vontade que forma sua opinião e atitudes diante do mundo. Aprenda a caminhar para onde é o seu lugar e chegue lá com alegria, porque se você não aprender a fazer isso o destino o levará lá do mesmo jeito, mas lá você chegará como culpado e mesmo que não o queira. A Fraternidade Kung Fu A Fraternidade Kung Fu é uma instituição a serviço dos praticantes e simpatizantes da arte marcial Kung Fu, cujos objetivos, em seguida relacionados, visam o desenvolvimento integral do ser humano. Nossos associados formam uma sociedade fraternal composta pela associação de pessoas interessadas no estudo e preservação dos conhecimentos filosóficos e marciais do Kung Fu. Muito mais que uma arte marcial, um esporte ou uma técnica de defesa pessoal, o Kung Fu é uma maneira de viver e se fundamenta em métodos e técnicas capazes de influir positivamente na vida de seus praticantes, enriquecendo-lhes a existência e contribuindo para o sucesso em todos os campos do conhecimento humano. As Vantagens de Sua Filiação Filiando-se à Fraternidade Kung Fu você tem a oportunidade de reorganizar a sua vida através de métodos e técnicas especiais que lhe proporcionarão os elementos necessários para conseguir o máximo de satisfação e realização pessoal em todas as áreas de sua existência. Você receberá uma orientação pessoal que lhe permitirá transformar todos os setores de sua vida em experiências de sucesso. Independente dos estudos que tenha feito e, até mesmo se não teve oportunidade de estudar, desde que saiba ler, você está em condições de obter todas as vantagens e privilégios de sua filiação individual e exclusiva. Filiando-se à Fraternidade Kung Fu você recebe apostilas que lhe transmitirão de forma gradual e sistemática, preciosos conhecimentos das técnicas físicas e mentais do Kung Fu. Objetivos 1 - O ensino de técnicas marciais do Kung Fu, seu estudo através de cursos especialmente preparados (cursos livres na modalidade ensino à distância ou por correspondência), de aulas ao vivo e de revisões para aperfeiçoamento sistemático sob a tutela de professores credenciados pela União Nacional de Kung Fu. 2 - A preservação dos conhecimentos ancestrais do Kung Fu, transmitidos de mestres a discípulos através de inúmeras gerações. 3 - O auto-aprimoramento moral do praticante de Kung Fu e das pessoas que, mesmo não sendo praticantes, interessam-se pelo aperfeiçoamento de si mesmas. 4 - O autoconhecimento, mediante o estudo e a aplicação de técnicas psicológicas que permitem uma maior integração da personalidade e consequente melhoria das relações interpessoais. 5 - A edificação de uma vida melhor, através da prática de métodos originais centralizados no desenvolvimento dos potenciais individuais existentes em todo ser humano. 6 - O estudo das leis universais, aplicando esses conhecimentos no desenvolvimento dos diversos setores da existência. Os Estudos Os estudos da Fraternidade Kung Fu são subdivididos em graus progressivos. O primeiro nível de ensinamentos compreende o grau de postulante. É o primeiro grau de Estudos Básicos. Este primeiro nível se desenvolve através de oitenta apostilas enviadas em vinte remessas que incluem, entre outros, os seguintes assuntos: Como obter flexibilidade através dos exercícios especiais do Kung Fu - Como construir seu próprio Moodjong - O primeiro movimento do estilo Wing Chun completo, incluindo aplicações - As 108 técnicas do Moodjong - O primeiro movimento completo do estilo Ch'An Tao Chuan Como usar a Espada Shaolin num Tchia Dsu completo com mais de 100 movimentos - Como fazer você mesmo seu próprio Nunchaku - Os nomes chineses dos movimentos do Estilo Wing Chun - Os principais movimentos do Nunchaku - Como criar uma Associação de Kung Fu em sua própria cidade, etc. A história do Kung Fu - O templo Shaolin - Como usar o seu tempo para realizar coisas que deseja - Ensinamentos transcendentais do Budismo -Técnicas de Disciplina e Meditação do Kung Fu antigo Segredos de Auto-Aperfeiçoamento e desenvolvimento pessoal - Como planejar e modificar seus objetivos de vida - A Espiritualidade Kung Fu Como Meditar - Como estabelecer metas - Lendas e Apólogos dos antigos Mestres de Kung Fu - A evolução pessoal através do método de Autoverificação - As técnicas de Meditação favoritas dos chineses e tibetanos - As normas budistas dos antigos templos do Kung Fu - A Sabedoria Milenar e sua aplicação na vida diária - O Dharma, etc. Após concluir este nível, nossos filiados recebem informações a respeito dos outros níveis. Para obter maiores informações, você pode visitar a home Page da Chinese Boxing Society / Fraternidade Kung Fu, ou escrever para: - [email protected], ou [email protected] - Caixa Postal 442 – CEP 18010-971 – Sorocaba - SP Home page: http://cbskungfu.host-ed.net/
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