`NÃO MATAR!`
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`NÃO MATAR!`
José Francisco de Assis DIAS ‘NÃO MATAR!’ O Princípio Ético Não Matar como Imperativo Categórico no Pensamento de Norberto Bobbio (1909-2004) Humanitas Vivens Ltda Sarandi (PR) - 2008 Não Matar! 2 DIAS José Francisco de Assis ‘NÃO MATAR!’ O Princípio Ético Não Matar como Imperativo Categórico no Pensamento de Norberto Bobbio (1909-2004) Humanitas Vivens Ltda Sarandi (PR) 2008 3 Copyright 2008 by Humanitas Vivens Ltda EDITOR: Prof. Dr. Chico DIAS (José Francisco de Assis DIAS) CONSELHO EDITORIAL: Prof. Ms. José Aparecido PEREIRA Prof. Ms. Leomar Antônio MONTAGNA Prof. MS. Luiz Antônio BELINI REVISÃO ORTOGRÁFICA E ESTILO: Prof. Ronaldo DE OLIVEIRA CAPA, DIAGRAMAÇÃO E DESIGN: Agnaldo Jorge MARTINS Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Dias,José Francisco de Assis D541n Não matar: o princípio ético não matar como imperativo categórico no pensamento de Norberto Bobbio(1909-2004) / José Francisco de Assis Dias.-Sarandi : Humanitas Vivens, 2008. 412 p. ISBN 978-85-61837-02-0 1.Ética. 2. Filosofia moral. 3. Conduta humana. 4.Moral prática. CDD 21.ed. 170 Bibliotecária: Ivani Baptista CRB-9/331 O conteúdo da obra, bem como os argumentos expostos, é de responsabilidade exclusiva de seus autores, não representando o ponto de vista da Editora, seus representantes e editores. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita do Autor e da Editora Humanitas Vivens Ltda. Rua Naviraí, 1145, CEP: 87112-210 Sarandi - PR www.humanitasvivens.com.br Fones: (44) 3274-2233 – 9904-4231 – 9904-4235. 4 Ao Giovanni, na sua condição de ‘humanitas vivens’, dotado de ímpar dignidade humana; na sua condição de ‘imago Dei’ redimida, elevado à dignidade de ‘filho de Deus’. 5 Sumário Abreviações ......................................................................... 15 Introdução Geral ................................................................ 19 CAPÍTULO I: PERFIL FILOSÓFICO DE NORBERTO BOBBIO....................................................... 27 1. Elementos Biográficos ..................................................... 1.1. A “Pré-história” de Bobbio ........................................ 1.2. Bobbio e a Resistência Anti-fascista .......................... 1.3. Bobbio Descobre a Democracia ................................. 1.4. Bobbio Dialoga com os Comunistas .......................... 1.5. Bobbio Professor ........................................................ 1.5.1. Bobbio Ensina Filosofia do Direito ................ 1.5.2. Bobbio Ensina Filosofia Política .................... 1.6. Engajamento Político e Laicismo Bobbiano .............. 1.6.1. A Atividade Política: Dever Cívico ................ 1.6.2. O Laicismo Bobbiano ...................................... 28 30 33 36 38 43 44 48 53 53 54 2. O “Metódico” Pessimismo Bobbiano ............................ 2.1. A Concepção Bobbiana Sobre a Vida e a Morte ........ 2.1.1. A Vida Humana Tomada a Sério .................... 2.1.2. A Morte Como Evento Indizível ...................... 2.1.3. A Morte como o “Fim” do Homem ................ 2.1.4. O Além-túmulo Como Mundo do Não-ser ...... 56 57 57 59 61 63 6 2.2. Bobbio um Iluminista Pessimista .............................. 2.2.1. Nem Romântico, Nem Decadente ................... 2.2.2. O Pessimismo Bobbiano: Estado de Ânimo ....................................................... 2.2.3. Bobbio Filósofo e Seus Valores Morais .......... 65 65 3. A Trilogia Temática Bobbiana ........................................ 3.1. Os Ideais de Bobbio ................................................... 3.2. Os Ideais da Democracia e da Paz ............................ 3.2.1. A Democracia ................................................. 3.2.2. A Paz ............................................................... 3.3. O Ideal dos Direitos do Homem ................................ 72 72 75 76 79 83 68 69 4. Fontes do Pensamento de Norberto Bobbio ................. 90 4.1. Autores Clássicos ....................................................... 91 4.2. Autores Modernos e Contemporâneos ....................... 96 4.2.1. Benedetto Croce (1866-1952) ……………… 97 4.2.2. Carlo Cattaneo (1801-1869) ………………… 100 4.2.3. Hans Kelsen (1881-1973) …………………… 104 4.2.4. Vilfredo Pareto (1848-1923) e Max Weber (1864-1920) .......................................... 108 CAPÍTULO II: A VIDA HUMANA: VALOR PRIMORDIAL .................. 113 1. O Sujeito dos Direitos à Vida e a Viver .......................... 1.1. Uma Nova Imagem de Homem ................................. 1.1.1. Humanidade e Racionalidade: Ideais-limites ............................................................ 1.1.2. O Mundo Humano e o Valor da Vida Humana ........................................... 1.1.3. A Pessoa Humana e a Sociedade Tecnocrática .......................................... 7 115 116 117 118 120 1.2. O Direito Fundamental por Excelência ...................... 122 1.2.1. Indemonstrabilidade dos Valores Últimos ...... 122 1.2.2. O Direito Natural e o Direito Primordial à Vida ...................................... 124 1.2.3. Conservar a Vida: Fim Primário do Estado Civil .................................... 127 1.3. O Indivíduo Humano e a Sociedade Civil .............................................................. 131 1.3.1. A Concepção Orgânica da Sociedade Civil ......................................................... 131 1.3.2. A Grande Virada: Ponto de Vista do Indivíduo ...................................... 135 1.3.3. O Indivíduo como Pessoa Moral e Racional .......................................... 138 1.3.4. O “Direito” à Vida e o “Dever” de Não Matar! ............................................. 140 2. O Direito à Vida: Sinal de Progresso Moral .................. 2.1. O “Mito” do Progresso .............................................. 2.2. O Progresso Técnico e o Direito à Vida .................... 2.3. Evolução Histórica do Direito à Vida ........................ 2.3.1. O Direito à Vida é um Direito Histórico? ....... 2.3.2. A Afirmação Histórica do Direito à Vida ....... 2.3.3. A Terceira Geração dos Direitos ..................... 2.3.4. A Quarta Geração dos Direitos ....................... 2.4. As “Ambiguidades” da Linguagem dos Direitos ....... 2.4.1. Direito Reivindicado, Reconhecido e Protegido .......................................... 2.4.2. A Utopia da Sociedade Livre, Justa e Feliz ................................................... 8 142 143 147 149 149 151 154 156 158 158 160 3. O Imperativo Ético Não Matar! ..................................... 162 3.1. O Fundamento do Imperativo Não Matar! ................ 163 3.1.1. Norma Primária e Norma Secundária ............. 164 3.1.2. A Possibilidade de Imperativos Categóricos ........................................... 165 3.1.3. Imperativos Categórico e Hipotético .............. 168 3.1.4. Multiplicidade dos Imperativos Categóricos ........................................... 170 3.2. As Derrogas ao Imperativo Não matar! ..................... 171 3.2.1. A Razão de Estado .......................................... 172 3.2.2. O Princípio Vim vi repellere licet ................... 175 3.2.3. Precisando o Âmbito da Legítima Defesa ....... 177 4. Substancial Unidade do Gênero Humano ...................... 180 4.1. “Declarações” da Substancial Unidade Humana ....... 181 4.1.1. Declarações de Liberdade e Igualdade ........... 181 4.1.2. Os Seres Humanos “Devem” ser Livres e Iguais ........................................................... 184 4.2. O Fundamento da Substancial Unidade Humana .................................. 187 4.2.1. Etimologia do Termo Natureza ....................... 187 4.2.2. Abordagens que Negam a Natura Hominis ..... 189 4.2.3. O Conceito Bobbiano de Natureza Ideal ........ 193 4.2.4. A “Desigualdade” Humana ............................ 196 5. O Fundamento dos Direitos à Vida e a Viver ................. 198 5.1. O “Sentido” do Problema do Fundamento ................. 199 5.1.1. Um Problema Mal-posto ................................. 199 5.1.2. A “Ilusão” do Fundamento Absoluto .............. 202 5.2. ‘Impossibilidade’ de um Fundamento Absoluto ........ 204 5.2.1. Uma Classe Vaga e Não-definível ................... 204 5.2.2. Uma Classe Variável ....................................... 206 5.2.3. Uma Classe Heterogênea ................................ 208 9 5.2.4. Uma Classe Antinômica .................................. 5.3. ‘Indesejabilidade’ de um Fundamento Absoluto ....... 5.3.1. Demonstrabilidade e Atuabilidade dos Valores .......................................... 5.3.2. Actuação dos Direitos à Vida e a Viver ......................................................... 5.4. O Consensus Omnium Gentium ................................. 5.4.1. Modos de Fundamentar os Valores ................. 5.4.2. O Consensus Como Fundamento de Valores ............................................. 6. Crítica ao Pensamento Bobbiano.................................... 6.1. Fundamento e Justificação ...................................... 6.2. “Direito” Humano e “Direitos” Humanos ................. 6.3. Os Conflitos Entre “Direitos” Fundamentais ............ 209 211 211 213 215 215 217 221 221 225 230 CAPÍTULO III: A PENA DE MORTE E O ABORTO PROCURADO .................................................. 233 1. A Pena de Morte ................................................................ 234 1.1. A Pena de Morte antes de Cesare Beccaria ............... 235 1.2. A Pena de Morte em Cesare Beccaria ....................... 237 1.3. A Pena de Morte Depois de Cesare Beccaria ........... 240 1.3.1. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) ............... 240 1.3.2. Immanuel Kant (1724-1804) .......................... 242 1.3.3. Georg Wilhelm Friedrich Hegel(1770-1831)... 243 1.4. A Pena de Morte no Debate Atual ............................ 244 1.4.1. A Função Retributiva-Justa da Pena ............... 245 1.4.2. A Função Preventiva-Utilitarista da Pena ...... 246 1.4.3. A Pena de Morte a Partir do Indivíduo ............ 249 1.4.4. Argumentos Abolicionistas e Reversíveis ....... 251 1.5. A Pena de Morte e o Direito à Vida .......................... 254 10 1.5.1. As Declarações do Direito à Vida ...................255 1.5.2. A Pena de Morte como Direito de Matar ....... 257 1.5.3. “Não Matar!: Única “Razão” Abolicionista .................................... 260 2. O Aborto Procurado ......................................................... 262 2.1. A Legge 194/78: Aspectos Críticos ........................... 263 2.2. O Aborto Procurado e o Direito à Vida .................... 267 2.2.1. O Nascituro na Relação Abortiva ....................267 2.2.2. Três Direitos Incompatíveis ............................ 268 2.2.3. Direito à Procriação Consciente e Responsável ...............................................................269 2.2.4. Privilégio e Honra de Afirmar: Não matar! ................................................................ 271 CAPÍTULO IV: O PROBLEMA DA GUERRA E O PACIFISMO BOBBIANO .............................................. 274 1. Premissa: Conceituação ................................................... 275 1.1. Guerra e Paz: Termos Antitéticos .............................. 276 1.2. O Estado de Guerra ................................................... 278 1.3. O Estado de Paz ......................................................... 280 2. Teorias que Justificam a Guerra ..................................... 282 2.1. A Teoria da Guerra Justa ......................................... 283 2.1.1. É Teoria Intermediária: Belicista e Pacifista .................................................. 284 2.1.2. A Guerra como Procedura Judicial ................ 285 2.1.3. A Guerra de Defesa na Era Atômica .............. 288 2.1.4. A Guerra de Defesa Preventiva na Era Atômica ...............................................................289 11 2.2. Teorias Providencialísticas ........................................ 291 2.2.1. Teoria Providencialística Teologizante .......... 292 2.2.2. Teoria Providencialística Racionalizante ....... 294 2.3. Teorias Finalísticas ................................................... 298 2.3.1. A Guerra é Mal Menor .................................... 299 2.3.2. A Guerra Serve ao Progresso Moral ...............301 2.3.3. A Guerra Serve ao Progresso Civil ................. 303 2.3.4. A Guerra Serve ao Progresso Técnico ............ 306 3. O Estado de Guerra e os Direitos à Vida e a Viver ........ 309 3.1. “Paz”: Problema Fundamental .................................. 310 3.1.1. O “Flagelo” da Guerra .....................................310 3.1.2. O Princípio Inter Arma Silent Leges ............... 312 3.1.3. O Status de Guerra Potencial .......................... 313 3.2. A Objeção de Consciência na Era Atômica ............... 314 3.2.1. Não Existem Guerras Justas ........................... 315 3.2.2. A Guerra Não é Mal Menor ............................ 316 3.2.3. A Guerra Não é Mal Necessário ..................... 317 3.2.4. A Guerra Não é Inevitável ............................... 318 4. O Pacifismo Bobbiano ..................................................... 320 4.1. O Homem é “Capaz” de Destruir o Mundo! .............. 321 4.1.1. A Paz é Necessária e Impossível ..................... 322 4.1.2 Um Crime Contra a Humanidade .................... 323 4.1.3. A Vontade de Potência e a Grande Hecatombe .................................................... 325 4.2. O Pacifismo Reformista ............................................. 326 4.2.1. O Pacifismo Reformista Econômico ............... 327 4.2.2. O Pacifismo Reformista Político ..................... 328 4.2.3. O Pacifismo Reformista Social ....................... 329 4.3. O Pacifismo Medicinal .............................................. 330 4.3.1. O Pacifismo Medicinal dos Meios .................. 330 4.3.2. O Pacifismo Medicinal Institucional ...............331 12 1º O Estado Deve Renúnciar à Soberania ...... 332 2º Eliminar a Necessidade da Existência do Estado ...................................... 333 4.3.3. O Pacifismo Medicinal Jurídico ..................... 334 4.3.4. O Pacifismo Medicinal Moral .........................336 4.4. Crítica Bobbiana ao Pacifismo Medicinal ................. 337 4.4.1. Actuabilidade e Eficácia dos Remédios .......... 337 4.4.2. O Pacifismo Institucional: Posição Intermediária .............................................. 339 4.4.3. Não Podemos Ser Otimistas ............................ 340 4.5. A Guerra como Via Bloccata .................................... 341 4.5.1. A Guerra Atômica e o Jus Belli ...................... 341 4.5.2. A Guerra Atômica é Legibus Soluta ............... 342 4.5.3. Principais Condições Para a Paz ..................... 343 4.6. O Terzo Assente: Terceiro Ausente ........................... 345 4.6.1. Necessidade do Terceiro Super Partes ............346 4.6.2. As Nações Unidas: “Terceiro-Para-A-Paz” .............................................. 349 Conclusão Geral ................................................................... 352 FONTES E BIBLIOGRAFIA ............................................ 394 1. Fontes ................................................................................ 394 1.1. Repertórios Bibliográficos de Norberto Bobbio ........ 394 1.2. Escritos de Norberto Bobbio ......................................395 1.2.1. Retratos Biográficos .......................................... 395 1.2.2. Autores de Norberto Bobbio ..............................398 1º. Escritos Sobre Thomas Hobbes (1588-1679) ................................. 398 2º. Escritos Sobre John Locke (1632-1704) ........... 400 3º. Escritos Sobre Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) ...................... 400 13 4º. Escritos Sobre Immanuel Kant (1724-1804) .................................. 5º. Escritos Sobre Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831)......... 6°. Escritos Sobre Benedetto Croce (1866-1952) ................................. 7°. Escritos Sobre Carlo Cattaneo (1801-1869) ................................... 8º. Escritos Sobre Hans Kelsen (1881-1973) ......... 9°. Escritos Sobre Vilfredo Pareto (1848-1923) ................................... 10°. Escritos Sobre Max Weber (1864-1920) ........ 1.2.3. Escritos Autobiográficos .................................... 1.2.4. Escritos Morais .................................................. 1.2.5. Escritos Sobre Democracia ................................ 1.2.6. Escritos Sobre Filosofia da Política ................... 1.2.7. Escritos Sobre Direitos Humanos ...................... 1.2.8. Escritos Sobre Fascismo .................................... 1.2.9. Escritos Sobre K. Marx Marxismo .................... 1.2.10. Escritos Sobre Socialismo ............................... 1.2.11. Escritos Sobre Filosofia do Direito .................. 1.2.12. Escritos Sobre Paz e Guerra ............................. 1.2.13. Escritos Sobre Intelectuais e Poder .................. 1.3. Publicações Coletâneas dos Escritos de Norberto Bobbio em Língua Italiana …............................................ 1.4. Publicações Coletâneas dos Escritos de Norberto Bobbio em Língua Portuguesa, no Brasil .......... 2. Bibliografia ...................................................................... 2.1. Escritos Sobre Norberto Bobbio................................. 2.2. Escritos Clássicos ....................................................... 2.3. Documentos da Sé Apostólica ................................... 2.4. Outros Escritos ........................................................... 14 400 401 402 404 406 407 408 408 409 409 411 415 417 418 419 420 421 424 425 427 429 429 430 432 433 Abreviações. CenTSF ConDizGi DaHaM DalFaD DalStrFunz DeiDP DeSe DesSin DialIntRep DizPol DubScel BOBBIO, N., - DEL NOCE, A., Centro: tentazione senza fine, Reset, Milano 1995. BOBBIO, N., Contributi ad un dizionario giuridico (Analisi e diritto, Serie teorica, 15), G. Giappichelli, Torino 1994. BOBBIO, N., Da Hobbes a Marx: saggi di storia della filosofia, Morano, Napoli 1965. BOBBIO, N., Dal fascismo alla democrazia, I regimi, le ideologie, le figure e le culture politiche (Tascabili Baldini & Castoldi, 76), a cura di M. BOVERO, Baldini & Castoldi, Milano 1997. BOBBIO, N., Dalla struttura alla funzione, Nuovi studi di teoria del diritto, Edizioni di Comunità, Milano 19842. C. BECCARIA, Dei delitti e delle pene, 1764, a cura de F. VENTURI, Einaudi, Torino 19942. 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À pergunta: Toda a sua longa atividade, professor Bobbio, os seus livros, o seu ensinamento sob o testemunho de um espírito firmemente laico; imagina que terá surpresa no mundo laico por estas suas declarações?1; Bobbio lhe respondeu com outra pergunta: Eu queria perguntar qual surpresa pode existir no fato que um leigo considere como válido em sentido absoluto, como um imperativo categórico, o “Não matar!”; e me surpreendo que os leigos deixem aos que crêem o privilégio e a honra de afirmar que não se deve matar 2. G. Nascimbeni se referia à posição de Bobbio contra o aborto. Cfr. N. BOBBIO, “Laici e aborto”, in Corriere della Sera 106, 107 (1981), p. 3: “Tutta la sua lunga attività, professor Bobbio, i suoi libri, il suo insegnamento sotto la testimonianza di uno spirito fermamente laico. Immagina che ci sarà sorpresa nel mondo laico per queste sue dichiarazioni?” Responde Bobbio: “Vorrei chiedere quale sorpresa ci può essere nel fatto che un laico consideri come valido in senso assoluto, come un imperativo categorico, il non uccidere. E mi stupisco a mia volta che i laici lascino ai credenti il privilegio e l’onore di affermare che non si deve uccidere.” 1 2 19 O objetivo geral dessa pesquisa é, portanto, trabalhar o princípio ético Não matar como um imperativo categórico. O objetivo específico é responder a quatro perguntas que surgem naturalmente diante da afirmação de Bobbio, acima citada, a saber: Primeira: Quem é o pensador que afirmou que o princípio ético “Não matar!” é válido em sentido absoluto, é um imperativo categórico? Segunda: Porque Norberto Bobbio afirmou que o princípio ético “Não matar!” é válido em sentido absoluto, é um imperativo categórico? Terceira: O quê Norberto Bobbio entendia dizer quando afirmou de considerar o princípio ético “Não matar!” válido em sentido absoluto, como sendo um imperativo categórico? Quarta: Quais são as conseqüências da afirmação do princípio ético “Não matar!” como sendo válido em sentido absoluto, como um imperativo categórico? A tentativa de responder a essas perguntas constitui as quatro etapas principais da presente pesquisa, a saber: a primeira etapa, Perfil Filosófico de Norberto Bobbio, responderá à primeira pergunta; a segunda etapa, A Vida Humana: Valor Primordial, responderá a segunda e a terceira perguntas; a terceira etapa, A Pena de Morte e o Aborto Procurado, juntamente com a quarta e última etapa, O Problema da Guerra e o Pacifismo Bobbiano, responderão à quarta pergunta. Na primeira etapa, delinearemos um perfil de Norberto Bobbio, onde conheceremos alguns de seus dados biográficos; conheceremos um pouco daquele período que ele mesmo chamou de sua pré-história. Esses elementos serão necessários para “traçar” um retrato humano de Bobbio. 20 Em uma palavra, delinearemos a imagem moral do “homem” que considerou o princípio ético Não matar um dever absoluto e, por isto mesmo, repugnou a pena de morte e o aborto procurado; proclamou seu pacifismo institucional. Conheceremos quais foram os principais “valores” para o “homem” Bobbio; sua concepção sobre a existência ou não de um Deus que pudesse Ele mesmo, ser fundamento absoluto e garantia do valor universal dos princípios morais, em particular do princípio ético Não matar! Conheceremos ainda sua concepção do valor da vida humana como direito fundamental por excelência porque protege um bem primordial, enquanto condição para todos os demais valores; seu modo de conceber a morte humana, e aquilo que “acontece” depois da morte; conheceremos ainda aquela que Bobbio mesmo chamou de sua trilogia temática: os três grandes temas que nortearam toda sua vasta gama de estudos e escritos durante toda a sua longa vida3. Ainda conheceremos, a partir dos escritos autobiográficos de Bobbio, quais foram seus principais autores, fontes das quais jorraram o seu pensamento filosófico, jurídico e político. Na segunda etapa, responderemos a segunda e terceira perguntas. Partiremos do sujeito dos direitos à vida e a viver, trabalhando uma nova imagem de homem; também o direito fundamental por excelência; e por fim o Indivíduo Humano e a Sociedade civil. Num segundo momento, trabalharemos o direito à vida como sinal de progresso moral, onde conheceremos o “mito” do progresso, bem como o progresso técnico e o direito à vida. Depois conheceremos a evolução histórica 3 Norberto BOBBIO viveu 94 anos, morreu nos primeiros dias de 2004. 21 do direito à vida; e também as “ambigüidades” da linguagem dos direitos. Com estes dois momentos iniciais compreenderemos “o porquê” Bobbio afirmou que o princípio ético Não matar é válido em sentido absoluto, é um imperativo categórico. Num terceiro momento dessa segunda etapa, trabalharemos o imperativo ético Não Matar onde conheceremos o seu fundamento e as suas “possíveis” derrogas. Num quarto momento, trabalharemos o problema da substancial unidade do gênero humano, onde conheceremos as “declarações” de liberdade e igualdade, buscando o seu fundamento. Nesses dois momentos, terceiro e quarto, será evidente “o quê” Bobbio entendia dizer quando afirmou de considerar o princípio ético Não matar válido em sentido absoluto, como um imperativo categórico; responderemos, assim, a terceira pergunta de nosso objetivo específico. A segunda etapa concluir-se-á com o problema do fundamento dos direitos à vida e a viver, que é o problema do fundamento mesmo dos direitos humanos, uma vez que a vida é a condição para todos os demais valores e direitos. Nesse último momento trabalharemos o “sentido” do problema do fundamento desses direitos; a “impossibilidade” de um fundamento absoluto; a “indesejabilidade” de um fundamento absoluto; e a proposta bobbiana de solução do problema do fundamento utilizando a antiga fórmula do consensus omnium gentium. Por fim, apresentaremos algumas observações conclusivas. Nas terceira e quarta etapas, passaremos a colher quais foram as conseqüências da afirmação bobbiana do princípio ético Não matar como sendo válido em sentido absoluto, como sendo um imperativo categórico. 22 Como resposta da quarta e última pergunta de nosso objetivo geral, apresentaremos a posição de Bobbio contra a pena de morte e contra o aborto procurado; bem como o pacifismo bobbiano. Na terceira etapa, conheceremos as duas primeiras conseqüências da afirmação bobbiana do princípio ético Não matar como um imperativo categórico: a sua “repugnância” à pena de morte e ao aborto procurado4. Trabalhando a posição bobbiana quanto ao problema da pena de morte; conheceremos o “debate” filosófico sobre a pena de morte em três momentos: “antes” de Cesare Beccaria, “em” Cesare Beccaria e “depois” de Cesare Beccaria. Trabalhando a pena de morte depois de C. Beccaria, conheceremos, mesmo que sumariamente, a posição de ilustres pensadores anti-abolicionistas: J.-J. Rousseau, I. Kant e G. W. F. Hegel.5 Depois, trabalharemos a pena de morte no debate atual; e por fim, conheceremos o pensamento bobbiano sobre a pena de morte e o direito à vida: sua explícita “repugnância” a tal pena. Trabalhando a posição bobbiana quanto ao problema do aborto procurado, conheceremos a Legge 194/78, delineando o contesto “jurídico-cultural” no qual se inseriu a posição bobbiana, prepararemos o seu discurso sobre o aborto e o direito à vida. Na quarta etapa, conheceremos a última das três conseqüências da afirmação bobbiana do princípio ético Não matar como sendo válido em sentido absoluto, como um imperativo categórico: o pacifismo bobbiano. Partiremos de uma premissa, trabalhando a conceituação de guerra e paz como termos antitéticos; o Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 198-199. Cfr. N. BOBBIO, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, p. 206. 4 5 23 estado de guerra e o estado de paz. Num segundo momento trabalharemos as principais teorias que justificam a guerra, onde conheceremos a teoria da guerra justa, as teorias providencialistas e as teorias finalistas. Num terceiro momento, trabalharemos o estado de guerra e os direitos à vida e a viver, onde conheceremos a “paz”: problema fundamental e a objeção de consciência na era atômica. Num quarto momento, trabalharemos o pacifismo bobbiano, onde conheceremos o Homem como sendo “capaz” de destruir o Mundo. Depois, conheceremos o pacifismo reformista; bem como o pacifismo medicinal. Em seguida apresentaremos uma crítica bobbiana ao pacifismo medicinal. Concluiremos esse momento conhecendo a guerra como “via bloccata” e o “Terzo assente” - Terceiro ausente, um “Terceiro” super partes que ainda é ausente, mas que “seria” a solução para o problema da guerra, segundo o pacifismo bobbiano. Por fim, ao término da presente pesquisa, será apresentada uma conclusão geral, daremos respostas aos seguintes interrogativos: o quê Bobbio entendeu por imperativo? Porque Não matar é um imperativo categórico? Como conciliar sua perspectiva deontológica de tipo kantiano com a sua impostação, fundamentalmente hobbesiana? Quais são os pontos fortes e fracos da perspectiva bobbiana? Daremos uma contribuição pessoal à crítica do pensamento bobbiano, ao problema do princípio ético Não matar e o valor da vida humana, bem como ao fundamento deste valor primordial, enquanto conditio sine qua non a todos os demais valores humanos. Como última contribuição, apresentaremos um elenco de fontes e de bibliografia. Como fontes, são enumerados os textos por nós estudados para conhecer o pensamento 24 bobbiano aqui exposto. Primeiro, apresentaremos os repertórios bibliográficos de Norberto Bobbio e os escritos de Norberto Bobbio. Enumerando os escritos de Norberto Bobbio, ofereceremos os artigos, discursos e estudos divididos em treze temas, a saber: retratos biográficos, autores de Norberto Bobbio, escritos autobiográficos, escritos morais, escritos sobre democracia, escritos sobre filosofia da política, escritos sobre direitos humanos, escritos sobre fascismo, escritos sobre K. Marx e marxismo, escritos sobre socialismo, escritos sobre filosofia do direito, escritos sobre paz e guerra e escritos sobre intelectuais e poder. Apresentaremos também um elenco das publicações coletâneas dos escritos de Norberto Bobbio em Língua Italiana; bem como o elenco das publicações coletâneas dos escritos de Norberto Bobbio em Língua Portuguesa, no Brasil. Sob o título bibliografia, serão apresentados escritos sobre Norberto Bobbio. Sob este título também são apresentados alguns escritos clássicos, citados por Bobbio e indispensáveis para se trabalhar o tema desta pesquisa; alguns documentos da Sé Apostólica, por nós utilizados para sustentar a nossa posição; bem como outros escritos, por Bobbio citados ou por nós utilizados durante a pesquisa e elaboração deste trabalho. Queremos manifestar um sincero agradecimento àqueles que nos apoiaram nesta pesquisa e na elaboração desse trabalho. Primeiramente, devemos agradecer ao Verbum Dei, que sendo Divinitas se fez humanitas para elevar-nos à sua imensurável dignidade humano-divina. Um agradecimento particular ao Prof. Dr. Aldo Vendemiati, moderador do presente trabalho, ocupando um lugar fundamental nessa pesquisa e reflexão sobre o 25 princípio ético Não matar como imperativo categórico no pensamento de Norberto Bobbio; sempre solícito em corrigir-nos e orientar-nos para que pudéssemos chegar a uma apresentação satisfatória do tema, sem fugir do objetivo geral, respondendo plenamente aos objetivos específicos, acima estabelecidos. Um agradecimento particular também ao Prof. Dr. Ardian Ndreca, segundo moderador do presente trabalho, pelas incansáveis correções e observações para que pudéssemos levar a nossa pesquisa a bom termo. Um agradecimento especial a uma Pessoa Humana “indispensável”, que rendeu possível minha permanência na Itália durante seis longos anos de estudos, o Rev.mo Padre Paolo Orlandi, então superior geral da Congregação Sacerdotal São João Batista Precursor, pela ajuda material, afetiva e espiritual: sempre disponível como verdadeiro pai espiritual, pronto a servir. Ainda um “grazie” com filial estima a S. Ex.cia Rev.ma Giuseppe Di Falco, Bispo emérito de SulmonaValva, e a S. Ex.cia. Rev.ma Angelo Spina, atual Bispo Diocesano de Sulmona-Valva. Não podemos esquecer os queridos amigos de Scontrone, Villa Scontrone e Barrea, na Província da L’Aquila, pela colaboração material e espiritual, rendendo possível a realização dessa pesquisa. Que o Verbum Dei, feito Homem, recompense a todos que sofreram e rezaram para que pudesse vir à luz o presente trabalho; e que a todos nós Ele ensine a conhecer cada vez mais a humanitas, da qual todos nós participamos; e sua imensurável dignidade. 26 CAPÍTULO I: PERFIL FILOSÓFICO DE NORBERTO BOBBIO. Nesta primeira etapa de nossa pesquisa sobre o princípio ético Não matar como imperativo categórico, nosso objetivo específico, já estabelecido na Introdução Geral, é responder a pergunta: Quem é o pensador que afirmou que o princípio ético “Não matar!” é válido em sentido absoluto, é um imperativo categórico? Para responder a esta pergunta nós entendemos delinear um perfil filosófico de Norberto Bobbio, onde encontraremos alguns de seus dados biográficos pessoais; bem como um pouco daquele período que ele chamou sua pré-história. Estes elementos, que à primeira vista parecem estranhos ao nosso tema, dar-nos-ão as informações necessárias para delinear um retrato humano de Bobbio, rendendo possível, assim, a construção de seu perfil filosófico. Em outras palavras, poderemos delinear a imagem moral do “homem” que considerou o princípio ético Não matar um dever absoluto e, por isto mesmo, repugnou a pena de morte e o aborto procurado, e proclamou seu pacifismo institucional. Conhecendo quais eram os principais “valores” para o “homem” Bobbio; bem como sua concepção sobre a 27 existência ou não de um Deus que pudesse ser, Ele mesmo, fundamento absoluto e garantia do valor universal dos princípios morais, em particular do princípio Não matar; conhecendo, ainda, sua concepção do valor da vida humana como direito fundamental por excelência porque protege um bem primordial, enquanto condição para todos os demais valores; bem como conhecendo seu modo de conceber a morte do Homem, e aquilo que “acontece” depois da sua morte; ainda conhecendo aquela que ele mesmo chamou de sua trilogia temática, ou seja, os três grandes temas que nortearam toda sua vasta gama de estudos e escritos durante sua longa vida; ainda conhecendo, a partir de seus escritos autobiográficos, quais eram seus principais autores, fontes das quais jorraram o seu pensamento filosófico, jurídico e político. Seremos capazes de, na segunda etapa desta pesquisa, responder às perguntas Por que Norberto Bobbio afirmou que o princípio ético “Não matar!” é válido em sentido absoluto, é um imperativo categórico? E também: O quê Norberto Bobbio entendia dizer quando afirmou de considerar o princípio ético “Não matar!” válido em sentido absoluto, como sendo um imperativo categórico? 1. Elementos Biográficos. Trabalhando estes elementos biográficos, conheceremos seis “momentos” que compõem uma sumária biografia de Bobbio, preparando a resposta à primeira pergunta de nosso objeto específico. 28 Começaremos por aquele período que Bobbio mesmo chamou sua pré-história, ou seja, conheceremos aquele período que vai do seu nascimento à queda do Fascismo e o nascimento da democracia na Itália. Num segundo momento, conheceremos Bobbio e a resistência antifascista, seu papel de intelectual laico – papa laico – militante nas fileiras da resistência, ativa ou passiva, contra o Fascismo. Num terceiro momento, conheceremos Bobbio que descobre a democracia numa Nação destruída pela Segunda Guerra e dividida pela guerra civil. Num quarto momento, conheceremos Bobbio que dialoga com os comunistas, transparecendo uma nota característica do seu perfil filosófico: a capacidade de dialogar com quem pensava diferente dele6. Esta relação com os comunistas pode ser resumida na fórmula né con loro né contro di loro7 – nem com eles nem contra eles, título de um seu escrito de 1992. Num quinto momento, conheceremos Bobbio professor, ensinando a Filosofia do Direito e a Filosofia Política. Por fim, num sexto e último momento desta breve biografia de Bobbio, conheceremos o seu engajamento político e o laicismo bobbiano, delineando sua participação na vida pública italiana. Utilizaremos como fonte principal para compor estes elementos biográficos de Bobbio, as informações que ele mesmo nos deu nos seus escritos autobiográficos. Mesmo considerando que, quando uma pessoa fala de si mesma corre o risco de perder em objetividade e colocar muito de sua auto-imagem; preferimos apresentar o “homem” e o “pensador” Bobbio, bem como as principais fontes do seu Cfr. N. BOBBIO, “Ancora a proposito di marxismo, Lettera a Costanzo Preve” (1993), in NéNé, p. 240. 7 Cfr. IDEM, “Né con loro, né senza di loro” (1992), in DubScel, pp. 213-223. 6 29 pensamento, a partir de seus próprios “olhos”, uma vez que nosso objetivo não é fazer uma rigorosa e objetiva biografia sua, mas somente “entender” quem era e como se concebia o pensador que proclamou como absoluto, como imperativo categórico o princípio ético Não matar! 1.1. A “Pré-história” de Bobbio. Norberto Bobbio nasceu a Torino, no dia 18 de Outubro de 1909, filho de Luigi Bobbio, médico-cirurgião8, e de Rosa Caviglia.9 O “garoto” Bobbio teve uma infância e uma adolescência feliz, numa bela casa, com duas pessoas ao serviço da família, um motorista pessoal, dois automóveis.10 Na sua família, Bobbio nunca teve a impressão do conflito de classes entre os burgueses e os proletários. Fora educado a considerar todos os homens iguais, e a pensar que não existem diferenças entre quem é culto e quem não o é; quem é rico e quem não o é. Teve uma educação, segundo ele mesmo, a um estilo de vida democrático11. Sentia-se em mal-estar diante do espetáculo das diferenças entre ricos e pobres, entre quem está em cima e quem está embaixo na escala social, num contesto no qual o populismo fascista visava a arregimentar os italianos em uma organização social que cristalizasse as desigualdades12. Não foi, porém, no seio familiar que Bobbio maturou a aversão ao regime de Benito Mussolini. Fazia parte de Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 5. 9 Cfr. Ibidem. 10 Cfr. Ibidem, p. 7. 11 Cfr. IDEM, “Destra e sinistra” (1994), in DesSin, pp. 148-149. 12 Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 9. 8 30 uma família filo-fascista, como o era a grande maioria da burguesia da época. Quando o Fascismo conquistou o poder, em Outubro de 1922, Bobbio havia já treze anos13. A sua família, como tantas outras famílias burguesas, acolheu a marcha sobre Roma, 1922, como um evento fausto, também porque era difundida a convicção que o Fascismo teria sido somente um fogo de palha. Consideravam-no útil para combater aqueles italianos que “queriam fazer como na Rússia”14. Nos anos de 1919 até 1927, Bobbio estudou no Ginnasio e depois no Liceo Massimo d’Azeglio de Torino, onde a maior parte dos professores era anti-fascista.15 A sua “educação política” não aconteceu em família, mas sim na Escola. Foram importantes também alguns colegas; primeiro dentre todos, Leone Ginzburg, antifascista absoluto, de origem russa, de família hebraica, que havia deixado a Rússia depois da Revolução. Foi a amizade com Ginzburg, nos anos de Liceo, e com Vittorio Foa, nos anos de Universidade, a fazer Bobbio sair, pouco a pouco, do filo-fascismo familiar16. Nos anos de 1927 até 1931, Bobbio estudou Direito na Università di Torino, havendo como mestres Luigi Einaudi, Francesco Ruffini e Gioele Solari. Com Solari, em 1931, doutorou-se em Filosofia do Direito, defendendo uma tese intitulada Filosofia del diritto e scienza del diritto.17 O Cfr. Ibidem, p. 10. Cfr. Ibidem, pp. 10-11. 15 Cfr. “Nota biografica”, in DeSe, p. 183. 16 Cfr. N. BOBBIO, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, Roma-Bari 1999, pp. 12-13. 17 Cfr. “Nota biografica”, in DeSe, p. 183. 13 14 31 ensinamento de Gioele Solari era inspirado à função civil da Filosofia do Direito.18 Em 1933, Bobbio doutorou-se também em Filosofia, com uma tese sobre a fenomenologia de Edmund Husserl, tendo como moderador Annibale Pastore. Bobbio tinha a intenção de estudar os primeiros escritos, então publicados, de juristas que se inspiravam à fenomenologia. A sua paixão pela Filosofia do Direito representou, na verdade, a única ligação entre o antes e o depois da sua vida19: entre a sua pré-história e a sua história que começou com o final da Segunda Guerra e a instauração da República democrática italiana. Em Março de 1934, Bobbio conseguiu a libera docentia em Filosofia do Direito20. Freqüentando ambientes anti-fascistas, foi preso em Maio de 1935, durante uma tentativa, da parte do Regime, de liquidar o grupo interno de Giustizia e Libertà. Bobbio não fora um militante. Não tivera parte ativa no anti-fascismo torinese daqueles anos, como o tiveram Leone Ginzburg ou Vittorio Foa ou Massimo Mila.21 Em Dezembro de 1940 obteve a cátedra de Filosofia do Direito na Facoltà di Diritto da Università di Padova, entrando definitivamente nas “fileiras” do anti-fascismo militante22. Cfr. N. BOBBIO, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, Roma-Bari 1999, p. 17. 19 Cfr. Ibidem, p. 18. 20 Cfr. “Nota biografica”, in DeSe, p. 183. 21 Cfr. N. BOBBIO, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, Roma-Bari 1999, p. 19. Cfr. também IDEM, “Tommaso Fiore” (1967), in LaMI, p. 208. 22 Cfr. N. BOBBIO, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, Roma-Bari 1999, p. 40. 18 32 Em 28 de Abril de 1943, Bobbio se casou com Valeria Cova. Matrimônio durado até que a sua morte os separou, do qual nasceram três filhos23. Para ele um matrimônio feliz era um dos dons mais preciosos que a vida nos possa dar24. 1.2. Bobbio e a Resistência Antifascista. O ingresso de Bobbio no anti-fascismo ativo aconteceu a Cortona, em 1939, numa reunião do movimento liberal-socialista, nascido entorno a Guido Calogero, na época jovem professor de Filosofia na Università di Pisa, e a Aldo Capitini, que era o secretário da Scuola Normale Superiore di Pisa. Apesar de Bobbio ser inscrito formalmente nas instituições fascistas, através do filo-fascismo familiar, primeiro ao GUF e depois ao Partito, não freqüentava nem grupos nem ambientes fascistas. O círculo das suas relações pessoais e das suas amizades era inteiramente no âmbito dos grupos não conformistas25. Quando foi fundado o Partito d’Azione, em Julho de 1942, retomando o nome de um movimento político ressurgimental fundado em 1853 por Giuseppe Mazzini26 e dissolvido em 1870, o movimento liberal-socialista nele confluiu.27 De orientação radical, republicano e socialistamoderado, o Partito d’Azione teve vida breve e se dissolveu Cfr. Ibidem, pp. 58 e 132. Cfr. IDEM, “Novello Papafava” (1983), in ItFed, p. 249. 25 Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, pp. 41-42. 26 Para conhecer a linha ideológica do Partito d’Azione, cfr. a principal obra de G. MAZZINI, Doveri dell’uomo (1872), (Biblioteca/filosofia), a cura de M. SCIOSCIOLI, Editori Riuniti, Roma 2005. 27 Cfr. N. BOBBIO, “Novello Papafava” (1983), in ItFed, pp. 248-249. 23 24 33 em 1947. Os seus membros foram chamados azionisti e o seu órgão de estampa oficial era L'Italia libera28. Renzo De Felice observou que não existia um único Partito d’Azione, mas muitos. Segundo ele existia um Partito d’Azione “meridional maçônico”, outro “romano”, da Nuova Europa de Luigi Salvatorelli e de De Ruggiero; e um Partito d’Azione “toscano” de Codignola; e por fim aquele “nórdico”, do qual fazia parte Bobbio.29 Guido Calogero, numa conferência em 1944, depois da libertação italiana, com título La democrazia al bivio e la terza via, sintetizou o seu pensamento com as seguintes palavras: à direita existe o desvio do liberalismo ou agnóstico ou conservador – a via das liberdades sem justiça; à esquerda existe o desvio do coletivismo O primeiro Partito d’Azione italiano foi fundado por Giuseppe Mazzini, em 1853. Entre os seus objectivos estão as eleições a sufrágio universal, a liberdade de imprensa e de pensamento, responsabilizar os governos diante ao povo. O partido sustentou as empresas de Garibaldi mas se dissolveu em seguida à derrota em Aspromonte, 1862, e em Mentana, 1867. Os membros do partido em seguida à unidade de Itália confluíram na esquerda histórica de Agostino Depretis. Ao Partito d’Azione mazziniano se inspiraram em seguida o pensamento político de Piero Gobetti e Carlo Rosselli e os partidos políticos PRI e o Partito d’Azione de 1942. As raízes deste último Partito d’Azione vão vistas sobretudo no movimento clandestino antifascista de Giustizia e Libertà, fundada pelos irmãos Carlo e Nello Rosselli com a intenção de reunir todo o antifascismo não comunista e não católico, o qual se era reunido prevalentemente na França. O movimento, sofreu duras perseguições da parte da polícia fascista e da OVRA. Depois da queda de Benito Mussolini e a invasão nazista na Itália, os membros de Giustizia e Libertà organizaram bande partigiane e particiaram à Resistenza com as brigadas Rosselli e as brigadas Giustizia e Libertà. O Partito d’Azione foi um dos sete partidos do Comitato Nazionale di Liberazione. 29 Cfr. IDEM, “La memoria divisa che ci fa essere anomali” (1996), in ItAmNe, p. 38. 28 34 autoritário – a via da justiça sem liberdade; o “Partito d’Azione” não toma nem uma nem outra via porque conhece aquela verdadeira, a terceira via, a via da união, da coincidência, da com-presença indissolúvel da justiça e da liberdade.30 Quando Bobbio tomou posse da cátedra de Filosofia do Direito na Università di Padova, a situação geral da Itália fez-se muito dramática. A Itália era em guerra há alguns meses, aliada de Adolf Hitler. Uma guerra, segundo ele, indigna; que teria conduzido a todos à catástrofe. Observou que “chegara a hora da escolha definitiva”31. Bobbio foi preso a Padova, na manhã de 6 de Dezembro de 1943. Levado à prisão dos Scalzi de Verona; foi libertado no final de Fevereiro de 194432. Ele afirmou, na sua autobiografia, que sabia de correr riscos na sua participação à resistência antifascista e anti-nazista33. Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, pp. 45-46. 31 Cfr. Ibidem, p. 47. 32 Cfr. Ibidem, p. 64. 33 Cfr. Ibidem, p. 73. 30 35 1.3. Bobbio Descobre a Democracia. Bobbio fala de descoberta da democracia porque chegara a afrontar a tarefa do democrático e do pacifista militante, partindo de um estado de total ignorância política na qual o havia deixado o Fascismo34. Em 1945, Bobbio participou de uma viagem à Inglaterra, então considerada, o berço da Democracia35. No mesmo ano acadêmico 1945-1946, terminada a Guerra, Bobbio voltou à Università di Padova. Quando foram feitas as “liste” para a Assembléia Constituinte italiana – votou-se em 02 de Junho de 1946 –, Bobbio não pôde negar-se de ser candidato pela primeira e última vez na sua vida, pelo Partito d’Azione, no colégio eleitoral Padova-Vicenza-Verona.36 Segundo ele mesmo, o Partito d’Azione era um partido de intelectuais, estranho àquelas que seriam chamadas as duas sub-culturas da Itália: aquela cattolica e aquela socialista.37 Cfr. IDEM, “Un bilancio” (1996), in DeSe, p. 166. Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 88. 36 Cfr. Ibidem, p. 80. 37 O Partito d’Azione se propunha como escopo principal a realização de um projecto de equidade, acompanhado pela justiça social e pela fé inquebrantável na democracia e na liberdade. Havia inoltre como ideais o europeismo. Sentia ainda a necessidade de constituir uma formação política antifascista, no meio entre a Democracia definida imobilista, o Partito Socialista e os comunistas, com os quais os azionisti discordavam quanto à propriedade privada. Em 4 de Junho de 1942, durante a reunião constitutiva do partido, vêm elaborados os renomados sete pontos contendo as indicações de máxima de um futuro ordenamento reformador: Constituição de uma república parlamentar com clássica divisão de poderes; Descentralização político-administrativa a nível regional: Regionalismo; 34 35 36 Na Itália, foram os comunistas a herdarem a subcultura socialista, não os intelectuais desenraizados. O fato é que a contraposição entre brancos e vermelhos foi sempre profundamente enraizada na vida política Italiana38. Outro evento importantíssimo nesta descoberta da Democracia da parte de Bobbio fora a criação da Società Europea di Cultura, SEC, a Venezia, em Maio de 1950, da qual ele fez parte desde a origem. Quando foi fundada a SEC, já era iniciada a guerra fria e a “idéia” da Europa parecia definhada. A Segunda Guerra deixou o Continente Europeu dividido em duas partes armadas uma contra a outra; marcado pelas conseqüências de uma guerra sangrenta. Nunca, como na Segunda Guerra, tocara-se com “mão” a tamanha barbárie que pudesse produzir aquilo que Bobbio chamou “o delírio de potência” do homem contra o homem39. O escopo principal da SEC era aquele de salvaguardar a possibilidade de um diálogo entre os homens de cultura; diálogo este ameaçado pela exasperação de uma luta política que tendia a dividir a Europa em dois blocos sempre mais irredutivelmente opostos um ao outro. Esta foi a única Associação que continuou a realizar as suas assembléias anuais, com a participação de intelectuais do Leste e do Oeste40, durante a guerra fria. Nacionalização dos grandes complexos industriais; Reforma agrária: revisão dos pactos dos colonos; Liberdade sindacal; Laicidade do Estado e separação entre Estado e Igreja; e Proposta de uma federação européia dos livres estados democráticos. 38 Cfr. N. BOBBIO, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, Roma-Bari 1999, p. 83. 39 Cfr. Ibidem, p. 95. 40 Cfr. Ibidem, p. 97. Cfr. também IDEM, “Umberto Campagnolo” (1977-1978), in LaMI, pp. 300-301. 37 A SEC nascera para opor uma resistência moral à guerra fria que parecia preparar uma “Terceira” Guerra. Opunha à política dos políticos, que chamavam política ordinária, aquela política da cultura41, que era a política própria dos intelectuais acima das divisões partidárias, cuja tarefa específica devia ser aquela de defender as condições mesmas de sobrevivência da cultura ameaçada pela contraposição dos dois blocos inimigos42. 1.4. Bobbio Dialoga com os Comunistas. No ano acadêmico 1942-1943, Bobbio falara pela primeira vez de Karl Marx nas suas lições dedicadas ao exame histórico dos dois conceitos de liberdade e igualdade; e da correspondente contraposição entre individualismo e universalismo. O texto marxiano ao qual Bobbio se referira era o Manifesto do Partido Comunista43. No seu eclettismo44, que é um modo de pensar que tem um reflexo prático no seu moderatismo político, entendido como oposição ao extremismo, Bobbio nunca considerou incompatíveis os métodos da direita e da esquerda45. Apesar de considerar-se emotivamente de esquerda, como afirmara em Destra e Sinistra, 199446, sua análise Cfr. IDEM, “Umberto Campagnolo” (1977-1978), in LaMI, pp. 303-304. 42 Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, pp. 97-98. Cfr. também IDEM, “Umberto Campagnolo” (1977-1978), in LaMI, pp. 301-302. 43 Cfr. IDEM, “Premessa” (1997), in NéNé, p. X. 44 Olhar um problema a partir de todos os lados. 45 Cfr. N. BOBBIO, “Risposta ai critici 1995” (1995), in DesSin, p. 14. 46 Cfr. IDEM, “Destra e sinistra” (1994), in DesSin, pp. 47-153. 41 38 sobre o argumento prescinde completamente de juízos de valor47. As relações de Bobbio com Karl Marx, com o Marxismo e com os marxistas – sobretudo com os “comunistas” – são estreitamente conexas entre elas e pode ser resumidas, sinteticamente, em duas fórmulas análogas; perfeitamente simétricas. Podemos resumir a relação de Bobbio com os comunistas na fórmula Né con loro, né contro di loro, que é também o título de um seu artigo autobiográfico, escrito em 199248; no qual ele refez, depois da queda do Comunismo histórico, ou da utopia capovolta – invertida – um exame de consciência sobre as suas próprias relações com os comunistas49. A relação com K. Marx e o Marxismo pode ser resumida na fórmula Né con Marx né contro Marx,50 que é o título de um volume coletânea publicado em 199751, onde Bobbio recolheu os seguintes artigos: Apendice, Avvertenza a Ludwig Feuerbach, Principi della filosofia dell’avvenire, 194652; Prefazione a Karl Marx, Manoscritti economicofilosofici del 1844, 194953; La filosofia prima di Marx, Cfr. IDEM, “Risposta ai critici 1995” (1995), in DesSin, pp. 20-21. Cfr. IDEM, “Né con loro, né senza di loro” (1992), in DubScel, pp. 213-223. 49 Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 104. 50 Cfr. C. VIOLI, “Introduzione”, in NéNé, p. XXII. 51 Cfr. . BOBBIO, Né con Marx né contro Marx, a cura de C. VIOLI, Editori riuniti, Roma 1997. 52 Cfr. IDEM, “Apendice, Avvertenza a Ludwig Feuerbach, Principi della filosofia dell’avvenire” (1946), in NéNé, pp. 14-19. 53 Cfr. IDEM, “Prefazione a Karl Marx, Manoscritti economicofilosofici del 1844” (1949), in NéNé, pp. 05-13. 47 48 39 195054; Ancora dello stalinismo: alcune questioni di teoria, 195655; La dialettica di Marx, 195856; Marxismo critico, 196257; Marxismo e fenomenologia, 196458; Marxismo e scienze sociali, 197459; Marx, Engels e la teoria dello Stato, Lettera a Danilo Zolo, 197560; Marx e lo Stato, 197661; Marxismo e questione criminale, Lettera ad Alessandro Baratta, 197762; Teoria dello Stato o teoria del partito?, 197863; Marx e la teoria del diritto, 197864; Rapporti internazionali e marxismo, 198165; Appendice, Stalin e la crisi del marxismo, 198766; Un tentativo di risposta alla crisi del marxismo, 199267; Ancora a proposito di Cfr. IDEM, “La filosofia prima di Marx” (1950), in NéNé, pp. 20-26. 55 Cfr. IDEM, “Ancora dello stalinismo: alcune questioni di teoria” (1956), in PolCul, pp. 241-267. 56 Cfr. IDEM, “La dialettica di Marx” (1958), in NéNé, pp. 73-97. 57 Cfr. IDEM, “Marxismo critico” (1962), in NéNé, pp. 189-192. 58 Cfr. IDEM, “Marxismo e fenomenologia” (1964), in NéNé, pp. 193-202. 59 Cfr. IDEM, “Marxismo e scienze sociali” (1974), in NéNé, pp. 115-152. 60 Cfr. IDEM, “Marx, Engels e la teoria dello Stato, Lettera a Danilo Zolo” (1975), in NéNé, pp. 203-207. 61 Cfr. IDEM, “Marx e lo Stato” (1976), in NéNé, pp. 98-114. 62 Cfr. IDEM, “Marxismo e questione criminale, Lettera ad Alessandro Baratta” (1977), in NéNé, pp. 208-212. 63 Cfr. IDEM, “Teoria dello Stato o teoria del partito? ” (1978), in NéNé, pp. 213-222. 64 Cfr. IDEM, “Marx e la teoria del diritto” (1978), in NéNé, pp. 153-166. 65 Cfr. IDEM, “Rapporti internazionali e marxismo” (1981), in NéNé, pp. 167-186. 66 Cfr. IDEM, “Appendice, Stalin e la crisi del marxismo” (1987), in NéNé, pp. 57-69. 67 Cfr. IDEM, “Un tentativo di risposta alla crisi del marxismo” (1992), in NéNé, pp. 223-234. 54 40 marxismo, Lettera a Costanzo Preve, 199368; Invito a rileggere Marx, 199369. Quanto a K. Marx, Bobbio ainda precisou que não era possível ignorá-lo,70 mas era também difícil adotá-lo para quem vinha como ele, de uma formação liberal, que os marxistas consideravam, pejorativamente, burguesa. Porém, podia-se continuar a ser liberal, sem ser, necessariamente, anti-marxista71. Para Bobbio que fizera seus estudos universitários durante o Fascismo, Karl Marx e o Marxismo foram temas proibidos72. Durante os seus cinqüenta anos de magistério Bobbio nunca perdeu o interesse por K. Marx, mesmo que limitado ao tema do Estado; sempre permanecendo no âmbito da Filosofia Política. Ocasiões não faltaram, entre elas, as principais foram: o debate em defesa dos direitos às liberdades da tradição liberal, que os comunistas haviam repudiado, entre os anos 1951 e 1955; e o debate em defesa do Estado de direito e democrático, entre os anos de 1972 até 1976. Em ambos os debates, o alvo foi sempre a teoria marxiana do Estado; do Estado enquanto tal e, portanto, de todos os Estados reais, considerados como ditaduras73. Na situação conflituosa, determinada pela contraposição dos blocos, o perigo de uma “Terceira” Guerra e do combate frontal entre Capitalismo e Cfr. IDEM, “Ancora a proposito di marxismo, Lettera a Costanzo Preve” (1993), in NéNé, pp. 235-240. 69 Cfr. IDEM, “Invito a rileggere Marx” (1993), in NéNé, pp. 241-247. 70 Cfr. IDEM, “Marxismo e questione criminale, Lettera ad Alessandro Baratta” (1977), in NéNé, p. 221. 71 Cfr. C. VIOLI, “Introduzione”, in NéNé, pp. XXII-XXIII. Cfr. N. BOBBIO, - P. POLITO, “Dialogo su una vita di studi”, in Nuova antologia, a. 131, n. 577, fasc. 2200 (1996), p. 49. 72 Cfr. N. BOBBIO, “Premessa” (1997), in NéNé, p. IX. 73 Cfr. Ibidem, pp. X-XI. 68 41 Comunismo parecia iminente. Neste clima de guerra fria e de ideologias em contraste, Bobbio assumiu a função de intelectual mediador, cuja tarefa era essencialmente aquela de estabelecer uma ponte sobre o abismo que, então, dividia os intelectuais de formação liberal daqueles de formação comunista; restabelecer entre as partes em conflito a confiança no diálogo74. Bobbio defendeu, com impostação tipicamente neoiluminista, alguns princípios fundamentais da tradição liberal combatidos pelos marxistas que os consideravam expressão da ideologia burguesa e não valores humanos dignos de serem garantidos a todos os cidadãos, burgueses ou proletários que fossem. A liberdade inaugurada pelo Liberalismo e defendida por Bobbio, era para os marxistas uma liberdade formal, burguesa e, como tal, uma libertas minor, em relação à libertas major, que deveria garantir aquela que Bobbio chamou futura e hipotética Sociedade comunista.75 Bobbio nunca foi comunista e nunca teve a tentação de tornar-se comunista76; porém, nunca foi nem mesmo anticomunista por razões políticas, porque, junto aos azionistas, os comunistas opunham-se à hegemonia do partido da Democrazia Cristiana. Os azionistas, sendo leigos e de esquerda, não podiam ser de acordo com um partido católico e conservador77. Bobbio teceu críticas muito precisas aos intelectuais comunistas, tais como: não esclareciam se a liberdade Cfr. C. VIOLI, “Introduzione”, in NéNé, p. XVI. Cfr. Ibidem, p. XVII. 76 Cfr. N. BOBBIO, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, Roma-Bari 1999, p. 151. 77 Cfr. IDEM, “La memoria divisa che ci fa essere anomali” (1996), in ItAmNe, p. 41. 74 75 42 individual e as técnicas jurídicas elaboradas pelo liberalismo vão ou não salvaguardadas numa Sociedade rumo ao Socialismo; não criticavam as medidas “liberticidas” adotadas na então União Soviética durante a era stalinista; nunca contestavam as decisões políticas dos dirigentes do “Partido Comunista” e, portanto, não exercitavam a igual liberdade de crítica manifestada em direção aos atos repressivos dos adversários de governo78. 1.5. Bobbio Professor. O livro com o qual Bobbio venceu o concurso público para ensinar, em 1938, intitulado L’analogia nella logica del diritto,79 era já uma pesquisa, como o título mesmo o dizia, de lógica jurídica. Referia-se à práxis de preencher as lacunas do Direito com normas tiradas de casos semelhantes80. A principal atividade de Bobbio foi o ensinamento universitário. Depois da experiência feita a Camerino, Siena e Padova, no ano acadêmico 1948-1949 Bobbio começou a ensinar a Torino, como sucessor de Gioele Solari, na cátedra de Filosofia del Diritto, e permaneceu nesta Universidade até aposentar-se, no ano 1979. A maior parte da sua vida foi ensinando e escrevendo81. Era próprio do caráter do professor Bobbio não radicalizar os confrontos, não exacerbar os contrastes e Cfr. IDEM, “Spirito critico e impotenza politica” (1954), in PolCul, pp. 113-120. 79 Cfr. IDEM, L’analogia nella logica del diritto, Istituto Giuridico della R. Università, Torino 1938. 80 Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 139. Cfr. também IDEM, “L’Analogia e il diritto penale”, in Rivista penale, XVI, 5 (Maio de 1938), pp.526-542. 81 Cfr. Ibidem, p. 129. 78 43 procurar ver também a razão das pessoas que têm idéias diferentes das suas. Ele sempre buscou de haver um diálogo civil com todos: com os católicos e com os comunistas. Sempre se esforçou de seguir um modo de raciocinar que pesa os prós e os contras, em modo de não fechar todo espaço à posição do outro, e não tornar impossível a sua réplica. Esta atitude fez dele um cordial interlocutor não somente com os comunistas, mas também com o Partido Comunista e os seus dirigentes82, como vimos acima. 1.5.1. Bobbio Ensina Filosofia do Direito. Quando Bobbio sucedeu a Gioele Solari, na cátedra de Filosofia do Direito, na Università di Torino, em 1948, ele inaugurou o tipo de ensinamento de Teoria Geral do Direito que considerava ser mais importante a uma Faculdade de Direito que se estava tecnicizando sempre mais. Ele notou a profunda diferença entre a Filosofia do Direito dos filósofos e a Filosofia do Direito dos juristas83. Bobbio alternava, a cada ano, cursos de caráter teórico e de caráter histórico. Os primeiros dedicados essencialmente a esclarecer questões de natureza propedêutica; os segundos dedicados a ilustrar o pensamento de grandes personagens ou correntes da Filosofia do Direito. Entre os cursos sobre pensadores, os dois mais conhecidos foram sobre Immanuel Kant, 1957, e sobre John Locke, 1963, cujas reflexões estão a fundamento da Teoria liberal do Estado84. Cfr. Ibidem, p. 104. Cfr. Ibidem, p. 139. 84 Cfr. IDEM, Diritto e Stato nel pensiero di Emmanuele Kant, Giappichelli, Torino 1957; IDEM, Locke e il diritto naturale, 82 83 44 Entre as correntes de Filosofia do Direito, Bobbio dedicou um curso ao Positivismo giuridico, 196185. Neste, re-editado, ele distinguia alguns significados de Positivismo jurídico e dava a sua preferência ao Positivismo como método e o rejeitava como ideologia86. Ao início dos anos cinqüenta, Bobbio ocupou-se, sobretudo, da natureza da Ciência do Direito87. Era um velho problema, mais verbal que real, do qual freqüentemente se ocuparam os juristas, que nunca renunciaram especialmente durante o século do Positivismo triunfante, à idéia que a obra do jurista fosse científica. Tratava-se de saber, no sistema sempre mais articulado das ciências, qual fosse a colocação da ciência do Direito, ou melhor, do Direito como ciência. O problema havia apaixonado Bobbio desde o início dos seus estudos. Um dos seus primeiros escritos foi intitulado Scienza e tecnica del diritto, 1934.88 Logo depois da Segunda Guerra, Bobbio aproximouse, através da sua participação ao Centro de Estudos Metodológicos, ao Neo-positivismo89; e também à filosofia Giappichelli, Torino 1963. 85 Cfr. IDEM, Il positivismo giuridico, Lezioni di Filosofia del Diritto raccolte dal dott. Nello Morra, (Recta Ratio, Terza serie, 2), Giappichelli, Torino 1996. 86 Cfr. IDEM, “Uberto Scarpelli” (1994), in LaMI, p. 165. 87 Cfr. IDEM, “Scienza del diritto e analisi del linguaggio” (1950), republicado com o título “Scienza giuridica”, in ConDizGi, pp. 335-365. 88 Cfr. IDEM, “Scienza e tecnica del diritto” (1934), in Istituto Giuridico della R. Università, Torino 1934, pp. 53. Cfr. Também IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, Roma-Bari 1999, p. 134. 89 Cfr. IDEM, Il positivismo giuridico, Lezioni di Filosofia del diritto (1960-1961), (Recta Ratio, Terza serie, 2), a cura de N. MORRA, G. Giappichelli, Torino 1996. 45 analítica anglo-saxônica que havia dado vida à virada lingüística do filosofar, segundo a qual a análise da linguagem havia a virtude terapêutica de libertar a Filosofia de tantos falsos problemas.90 Em 1946 Bobbio publicou suas Lezioni di Filosofia del diritto, Ad uso degli studenti.91 E em 1950, publicou o artigo Scienza del diritto e analisi del linguaggio.92 Um ramo da Filosofia do Direito, absolutamente novo, ao qual Bobbio se dedicou com artigos e conferências por aproximadamente dez anos, foi a lógica das proposições normativas, mais tarde chamada lógica deôntica. Segundo Bobbio, por exemplo, se digo todos os homens são mortais, Sócrates é um homem; portanto, Sócrates é mortal; estou no âmbito da lógica assertiva, cujo nascimento remonta a Aristóteles. A logica deôntica, na qual entra a lógica do Direito, é uma lógica não do ser, mas do dever ser. Bobbio nos dá um exemplo: o homicídio deve ser punido, Caio cometeu um homicídio, portanto Caio deve ser punido. A lógica deôntica trabalha com as categorias modais do “dever” e do “poder”, pelas quais, dizer que se deve respeitar a vida alheia93 é como dizer que se pode respeitar a vida alheia; assim como dizer que não se deve fazer é Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 134. 91 Cfr. IDEM, Lezioni di Filosofia del diritto, Ad uso degli studenti, Giappichelli, Torino 1946. 92 Cfr. IDEM, “Scienza del diritto e analisi del linguaggio” (1950), republicado com o título “Scienza giuridica”, in ConDizGi, pp. 335-365. 93 Na sua Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, Roma-Bari 1999, p. 135, é escrito “non si deve fare”, como consideramos um evidente erro editorial, traduzimos “deve-se fazer”. 90 46 como dizer que não se pode fazer94: por exemplo, dizer Não matar! é dizer Não se pode matar! Bobbio foi o primeiro a interessar-se de lógica deôntica na Itália, 1954, apesar de ter ficado apenas nos seus rudimentos95. Ele disse que competiu a outros o mérito de haver transformado este riacho do saber numa disciplina universitária e numa escola filosófica. A sua curiosidade por este argumento teve início a partir de dois livros publicados em 1951, que havia no título as palavras “lógica jurídica”: Introducción a la lógica jurídica, do mexicano Eduardo García Máynez, e Jüristische Logik, de Ulrich Klug. O verdadeiro fundador da lógica deôntica foi o finlandês Georg Henrik von Wright, aluno de L. Wittgenstein. Em 1954, Bobbio escreveu um artigo sobre o argumento, que representa uma introdução à lógica deôntica96: La logica giuridica di Eduardo García Máynez, 195497. Em 1962, Bobbio escreveu o artigo Diritto e logica.98 No ano acadêmico 1957-1958, na Università di Torino, Bobbio ministrou um curso de Teoria della norma giuridica; e no ano acadêmico 1959-1960, ministrou o curso Cfr. Ibidem. Cfr. IDEM, “La logica giuridica di Eduardo García Máynez” (1954), republicado com o título “Logica giuridica (II)”, in ConDizGi, pp. 133-155; IDEM, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in DubScel, pp. 25-29. 96 Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 136. 97 Cfr. IDEM, “La logica giuridica di Eduardo García Máynez” (1954), republicado com o título “Logica giuridica (II)”, in ConDizGi, pp. 133-155. 98 Cfr. IDEM, “Diritto e logica” (1962), republicado com o título “Logica giuridica (I)”, in ConDizGi, pp. 103-132. 94 95 47 Teoria dell’ordinamento giuridico. Estes dois cursos compuseram o volume coletânea Teoria generale del diritto, publicado em 199399. Após o ano 1972, quando Bobbio pára de ensinar Filosofia do Direito e passa a ensinar Filosofia Política, continuou ainda, esporadicamente, a ocupar-se da teoria geral do Direito, principalmente em alguns escritos referentes à função promocional do Direito, recolhidos no volume, Dalla struttura alla funzione, 1977100. 1.5.2. Bobbio Ensina Filosofia Política. No ano de 1972, Bobbio foi chamado à recém criada Faculdade de Ciências Políticas, da Università di Torino, como titular da cátedra de Filosofia Politica. Começou, assim, um segundo período na vida do professor Bobbio, que durou até o ano de 1979, quando encerrou sua história de docente com 70 anos de idade, depois de mais de quarenta anos de ensinamento101. Quase vinte anos antes de começar a ensinar Filosofia Política, dez anos depois do final da Segunda Guerra, Bobbio publicara a primeira edição do volume coletânea Politica e cultura, 1955102, que foi um momento importante Cfr. IDEM, Teoria generale del diritto (Recta Ratio, Seconda serie, 1), G. Giappichelli, Torino 1993. 100 Cfr. IDEM, Dalla struttura alla funzione, Nuovi studi di teoria del diritto, Edizioni di Comunità, Milano 19842. 101 Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, pp. 168-169. 102 Cfr. IDEM, Politica e cultura (Biblioteca Einaudi 200), Einaudi, Torino 20053. Neste volume foram recolhidos os seguintes escritos: IDEM, “Invito al colloquio” (1951), in PolCul, pp. 03-17; IDEM, “Difesa della libertà” (1952), in PolCul, pp. 31-40; IDEM, “Dizionario della paura” (1952), in Occidente, VIII, 4 (Julho-Agosto 99 48 para a preparação daquela segunda etapa na sua vida docente. A publicação das lições de Bobbio no ano acadêmico 1975-1976, sob o título La teoria delle forme di governo nella storia del pensiero politico, 1976103, foi um segundo momento importante na vida de Bobbio professor de Filosofia Política. Trata-se de um curso dedicado às teorias das formas de governo104. Uma grande publicação coletânea que recolheu quarenta artigos sobre temas referentes à Filosofia Política, compendiando praticamente toda a produção bobbiana sobre tal tema, recebeu o título Teoria generale della politica, 1999105. de 1952), pp. 161-170, republicado com o título “Dialogo tra un liberale e un comunista”, in PolCul, pp. 41-52; IDEM, “Pace e propaganda di pace” (1952), in PolCul, pp. 53-63; IDEM, “Politica culturale e politica della cultura” (1952), in PolCul, pp. 18-30; IDEM, “Croce e la politica della cultura” (1953), in PolCul, pp. 78-96; IDEM, “Libertà dell’arte e politica culturale” (1953), in PolCul, pp. 64-77; IDEM, “Della libertà dei moderni comparata a quella dei posteri” (1954), in PolCul, pp. 132-162, e republicado in TeGePo, pp. 217-247; IDEM, “Democrazia e dittatura” (1954), in PolCul, pp. 121-131; IDEM, “Intellettuali e vita politica in Italia” (1954), in PolCul, pp. 97-112; IDEM, “Spirito critico e impotenza politica” (1954), in PolCul, pp. 113-120; IDEM, “Benedetto Croce e il liberalismo” (1955), in PolCul, pp. 177-228; IDEM, “Cultura vecchia e politica nuova” (1955), in PolCul, pp. 163-176; IDEM, “Introduzione alla prima edizione” (1955), in PolCul, pp. XLII-XLIII; IDEM, “Libertà e potere” (1955), in PolCul, pp. 229-240; IDEM, “Ancora dello stalinismo: alcune questioni di teoria” (1956), in PolCul, pp. 241-267. 103 Cfr. IDEM, La teoria delle forme di governo nella storia del pensiero politico (1975-1976), G. Giappichelli, Torino 1976. 104 Cfr. Ibidem, p. 2. 105 Cfr. IDEM, Teoria generale della politica (Biblioteca Einaudi, 73), a cura di M. BOVERO, Einaudi, Torino 1999. 49 Este volume divide-se em seis partes: primeira, La filosofia politica e la lezione dei classici;106 segunda, Politica, morale, diritto;107 terceira, Valori e ideologie;108 quarta, La democrazia;109 quinta, Diritti e pace;110 sexta, Mutamento politico e filosofia della storia.111 A última lição do Professor Bobbio na cátedra de Filosofia Política, foi no dia 16 de Maio de 1979. Bobbio Cfr. IDEM, “Dei possibili rapporti tra filosofia politica e scienza politica” (1971), in TeGePo, pp. 05-16; IDEM, “Kant e le due libertà” (1965), in DaHaM, pp. 147-163, republicado in TeGePo, pp. 40-53; IDEM, “Max Weber, il potere e i classici” (1981), in TeGePo, pp. 70-97; IDEM, “Marx, lo stato e i classici” (1983), in TeGePo, pp. 53-70; IDEM, “Per una mappa della filosofia politica” (1990), in TeGePo, pp. 16-24; IDEM, “Ragioni della filosofia politica” (1990), in TeGePo, pp. 24-39. 107 Cfr. IDEM, “La resistenza all’oppressione, oggi” (1973), in EdD, pp. 157-177, republicado in TeGePo, pp. 199-213; IDEM, “Il concetto di politica” (1976), in TeGePo, pp. 101-120; IDEM, “Dal potere al diritto e viceversa” (1981), in TeGePo, pp. 183-199; IDEM, “Il buongoverno” (1982), in TeGePo, pp. 148-160; IDEM, “Etica e politica” (1986), in EdM, pp. 51-87, republicado in in TeGePo, pp. 120-148; IDEM, “La politica” (1987), republicado com o título “I confini della politica”, in TeGePo, pp. 161-183. 108 Cfr. IDEM, “Della libertà dei moderni comparata a quella dei posteri” (1954), in Nuovi Argomenti, II, 11 (Novembro-Dezembro de 1954), pp. 54-86, republicado in PolCul, pp. 132-162, e republicado in TeGePo, pp. 217-247; IDEM, “Libertà fondamentali e formazioni sociali” (1975), republicado com o título “Il pluralismo degli antichi e dei moderni”, in TeGePo, pp. 271-294; IDEM, “Eguaglianza ed egualitarismo” (1976), in TeGePo, pp. 247-257; IDEM, “Sulla nozione di giustizia” (1985), in TeGePo, pp. 257-270; IDEM, “Introduzione, Tradizione ed eredità del liberalsocialismo” (1994), in I dilemmi del liberalsocialismo, a cura de M. BOVERO, - M. MURA, F. SBARBERI, La Nuova Italia Scientifica, Roma 1994, pp. 45-59, republicado com o título “Sul liberalsocialismo”, in TeGePo, pp. 306-320. 106 50 cita Max Weber, dizendo: A cátedra universitária não é nem para os demagogos nem para os profetas. Bobbio declarou ao jornal de Torino La Stampa: A última lição foi um fato natural, previsto; na vida, imprevistos são somente os eventos extraordinários112. IDEM, “La regola di maggioranza: limiti e aporie” (1981), in TeGePo, pp. 383-410; IDEM, “Democrazia e scienze sociali” (1986), Facultat de Ciènces Polítiques i Sociologia, Bellaterra (Barcelona) 1986, republicado com o título “Democrazia e conoscenza”, in TeGePo, pp. 339-352; IDEM, “Democrazia ed Europa” (1987), in Il trattato segreto, a cura de P. FOIS, Cedam, Padova 1990, pp. 16-31, republicado com o título “Dall’ideologia democratica agli universali procedurali”, in TeGePo, pp. 370-383; IDEM, “La democrazia dei moderni paragonata a quella degli antichi (e a quella dei posteri) ” (1987), in TeGePo, pp. 324-339; IDEM, “Rappresentanza e interessi” (1988), in TeGePo, pp. 410-428; IDEM, “Democrazia e segreto” (1990), in TeGePo, pp. 352-369. 110 Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), in Diritti dell’uomo e Nazioni Unite, a cura da S.I.O.I. e da Commissione Nazionale dell’UNESCO, Cedam, Padova 1963, pp. 27-42, republicado in TerAs, pp. 71-83, e republicado com o título “La dichiarazione universale dei diritti dell’uomo”, in TeGePo, pp. 440-453; IDEM, “Per una teoria dei rapporti tra guerra e diritto” (1966), in Scritti in memoria di Antonino Giuffrè, vol. I, Giuffrè, Milano 1967, pp. 91-98; republicado com o título “Guerra e diritto”, in TeGePo, pp. 520-526; IDEM, “Rapporti internazionali e marxismo” (1981), in NéNé, pp. 167-186, republicado in TeGePo, pp. 503-519; IDEM, “I diritti dell’uomo e la pace” (1982), in La pace, Edizioni Cens, Liscate (Milano) 1982; republicado in TerAs, pp. 92-96; republicado in TeGePo, pp. 453-458; IDEM, “La pace attraverso il diritto” (1983), in TerAs, pp. 207-209, republicado com o título “Pace e Diritto”, in TeGePo, pp. 526-535; IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei diritti” (1988), in Mondoperaio XLI (1988) 3, pp. 57-60, republicado com o título “Il primato dei diritti sui doveri”, in TeGePo, pp. 431-440; IDEM, “Pace, Concetti, problemi e 109 51 1.6. Engajamento Bobbiano. Político e Laicismo As preferências políticas de Bobbio de conjugar Liberalismo e Socialismo, isto é, de chegar a uma integração dos direitos de liberdade com as exigências de justiça social, dois princípios necessários de uma democracia completa, não somente formal, mas também substancial, contrastava com a versão do Marxismo, ideali” (1989), in Enciclopedia del Novecento, vol. VIII, Istituto della Enciclopedia Italiana, Roma 1989, pp. 812-824, republicado com o título “La pace: il concetto, il problema, l’ideale”, in TeGePo, pp. 467-503; IDEM, “Sui diritti sociali” (1996), in Cinquent’anni di Repubblica italiana, a cura de G. NEPPI MODONA, Einaudi, Torino 1996, pp. 115-124; republicado in TeGePo, pp. 458-466. 111 Cfr. IDEM, “Carlo Cattaneo e le riforme” (1974), in TeGePo, pp. 583-603; IDEM, “Riforme e rivoluzione” (1979), in TeGePo, pp. 540-563; IDEM, “Grandezza e decadenza dell’ideologia europea” (1986), in DubScel, pp. 179-191, republicado in TeGePo, pp. 604-618; IDEM, “La rivoluzione tra movimento e mutamento” (1989), in TeGePo, pp. 564-582; IDEM, “Né con loro, né senza di loro” (1992), in DubScel, pp. 213-223, republicado com o título “Riflessioni sul destino storico del comunismo”, in TeGePo, pp. 618-630; IDEM, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, pp. 630-646. 112 Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 170. 52 elaborada por Galvano Della Volpe113, e com o seu radicado anti-liberalismo114. 1.6.1. A Atividade Política: Dever Cívico. Bobbio não teve ambições para fazer valer e tanto menos interesses pessoais para defender na Política. Considerou a atividade política como um dever cívico, às vezes, até mesmo desagradável: uma vez se dizia um dever para com a Pátria, mas já que a Pátria é o Mundo, ele considerou o seu dever para com a grande Pátria de todos os homens unidos por um comum destino de vida e de morte. Nessa Pátria, o seu lugar foi da parte dos deserdados, dos oprimidos, das vítimas, daqueles que combateram e morreram pela liberdade115. O centro-sinistra – centro-esquerda – representava, para Bobbio, a realização do velho sonho de uma aliança política entre católicos democráticos e socialistas democráticos: quantas vezes se disseram que se PE. Luigi Sturzo – católico democrático – e Filippo Turati – socialista Galvano DELLA VOLPE nasceu a Imola, em 1895, doutorou-se a Bologna em 1920, morreu a Roma em 1968. Aluno de Rodolfo Mondolfo, sofre nos anos vinte a influência do actualismo de Gentile, para chegar ao comunismo marxista em 1944. Vence a cátedra de História da Filosofia à Università di Messina, onde fica toda a sua vida, não por própria escolha. A sua influência prática sobre a política do Partido Comunista sempre foi escassa, em contraste com a importância teórica da sua elaboração filosófica. Incarnou no âmbito da filosofia contemporânea a mais coerente expressão do Marxismo científico e anti-hegeliano. 114 Cfr. C. VIOLI, “Introduzione”, in NéNé, p. XVIII. 115 Cfr. N. BOBBIO, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, Roma-Bari 1999, p. 181. 113 53 democrático – tivessem chegado a um “acordo”, o Fascismo jamais teria existido?116 Bobbio era convencido que a sua vocação fosse aquela de estudioso e o seu lugar na Sociedade, aquele de professor117, não de “político”. 1.6.2. O Laicismo Bobbiano. Velho laico impenitente, Bobbio desconfiava da “intransigência” católica, que se resolve no final num autaut sem possíveis mediações: ou a Igreja ou o Nihilismo. Ele considerava como não “necessário” a tolerância onde existe unidade de Fé. E lá onde a “fé” é múltipla – mas hoje todas as Sociedades mais civis são pluralistas – ele considerava a tolerância como um expediente prático e não como uma regra fundamental da convivência sobre a qual se funda a democracia moderna118. O laicismo bobbiano não podia aprovar a visão totalizante que os comunistas tinham da História e a perspectiva de uma Sociedade sem conflitos, onde uma nova classe exercita “todo” o Poder sobre todos. Todavia Bobbio não compartilhava uma polêmica ideológica cujo verdadeiro objetivo era o Partido Comunista de Enrico Berlinguer; como o disse a Benedetto (Bettino) Craxi, numa carta de 14 de Outubro de 1978119. No dia 18 de Julho de 1984, o presidente Sandro Pertini nomeou Bobbio senador vitalício, juntamente com o escritor católico Carlo Bo. Cfr. Ibidem, p. 183. Cfr. Ibidem, p. 187. 118 Cfr. IDEM, “Augusto del Noce” (1993), in LaMI, p. 121; IDEM, “Piero Calamandrei”, in ItCiv, pp. 222-223. 119 Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 195. 116 117 54 Naquele mesmo ano, Bobbio deixou definitivamente o ensinamento universitário, havendo completado setenta e cinco anos de idade; a Faculdade de Ciências Políticas de Torino reconheceu-lhe, com voto unânime, o título de professor emérito120. Bobbio se inscreveu ao grupo socialista como independente. Freqüentou, de 1984 até 1988, enquanto suas condições de saúde lhe permitiram a Commissione Giustizia, do Senado121. 120 121 Cfr. Ibidem, p. 201. Cfr. Ibidem, p. 203. 55 2. O “Metódico” Pessimismo Bobbiano. Trabalhamos, acima, uma sumária biografia de Bobbio, onde conhecemos sua pré-história, ou seja, aquele período que vai do seu nascimento até a queda do Fascismo, e o nascimento da democracia na Itália; conhecemos sua atuação na resistência antifascista e seu papel de intelectual laico; também conhecemos sua descoberta da democracia; bem como sua capacidade de dialogar com os comunistas, característica do seu perfil filosófico122; conhecemos ainda o professor Bobbio que ensinou Filosofia do Direito e a Filosofia Política; concluímos com o seu engajamento político e o seu laicismo. Bobbio deixou aos fanáticos, àqueles que querem a catástrofe e àqueles que pensam que no final “tudo se ajeita” o prazer de serem otimistas. O pessimismo, segundo ele, é um dever cívico porque somente um pessimismo radical da razão pode despertar algum frêmito naqueles que, de uma parte ou da outra, mostram de não perceber que o sono da razão gera monstros123. O “metódico” pessimismo bobbiano será trabalhado em dois momentos principais. Num primeiro momento, trabalharemos a concepção bobbiana sobre a vida e a morte, onde conheceremos suas posições sobre a morte como o “fim” do homem; sobre a vida humana tomada a sério; e sobre o mundo do além-túmulo como o mundo do não-ser. Cfr. IDEM, “Ancora a proposito di marxismo, Lettera a Costanzo Preve” (1993), in NéNé, p. 240. 123 Cfr. Ibidem, pp. 167-168. 122 56 Num segundo momento, trabalharemos Bobbio um iluminista pessimista, onde conheceremos que ele não queria ser nem romântico, nem decadente; e que o metódico pessimismo bobbiano fora um estado de ânimo; conheceremos também Bobbio como filósofo e seus valores morais. 2.1. A Concepção Bobbiana Sobre a Vida e a Morte. 2.1.1. A Vida Humana Tomada a Sério. Havendo a consciência da velhice e da proximidade do seu fim, Bobbio dizia de não saber nem mesmo se este fim seria devido ao caso, imprevisível e imponderável; ou então devido ao destino, portanto, a um evento previsto e ponderado desde o início dos seus dias, por um “Poder” a ele desconhecido. Bobbio dizia de não saber a resposta e “não querer sabê-la”. O caso explicaria muito pouco, observava ele; a necessidade explicava demasiadamente. Só a crença na vontade livre, pressuposto que a liberdade do querer não seja esta também, uma ilusão, nos ajudaria a crer de sermos senhores da nossa vida. Mas, apesar de ninguém querer morrer, a morte chega igualmente para todos. Seja pelo caso ou pela necessidade, para quem morre não tem muita importância. Que um evento aconteça por caso fortuito, portanto podia também não acontecer; ou por força maior, portanto não podia não acontecer, a conseqüência é uma só, observou Bobbio: exonerar-nos da responsabilidade diante da morte. 57 No caso de um evento maligno como a morte, o fato de atribuí-lo a um acontecimento que não era previsível ou a um acontecimento que era previsto desde a eternidade tem, talvez, somente uma função consoladora: Não podia fazer nada! Era inevitável!124 Para Bobbio a vida humana não pode ser pensada sem a morte. Os homens são, não por um caso, chamados mortais: mesmo os mais cínicos, os mais sem escrúpulos e despreocupados, os mais indiferentes, ao menos em algum momento das suas vidas, tomam a sério a morte. Se não tomam a sério a morte dos outros, ao menos tomam a sério a sua própria morte. O único modo de levar a sério a morte, segundo Bobbio, é de considerá-la como se apresenta a nós, quando vemos a imobilidade de um corpo humano “reduzido” a cadáver: o oposto da vida que é movimento. A morte levada a sério é o fim da vida, o final último, um fim além do qual não existe outro princípio125. Segundo Bobbio, respeita a vida quem respeita a morte. Leva a sério a morte quem leva a sério a vida; esta vida, a nossa vida, a única vida que nos foi “dada” mesmo se não sabemos por quem e ignoramos o seu por que. Levar a sério a vida quer dizer aceitar firmemente, rigorosamente, o mais serenamente possível, a sua finitude; quer dizer saber com certeza, com certeza absoluta que devemos morrer; que esta vida é inteiramente dentro do tempo, dentro do qual todas as coisas que existem são “destinadas” a morrerem126. Cfr. IDEM, “De senectute” (1994), in DeSe, pp. 33-34; IDEM, “Paolo Farneti” (1980), in LaMI, pp. 432-433. 125 Cfr. Ibidem, p. 37. 126 Cfr. Ibidem. 124 58 2.1.2. A Morte Como Evento Indizível. Para Bobbio, a sua morte seria um evento imprevisível para todos, mas para ele mesmo seria também um evento indizível127. E mais indizível aquilo que aconteceria depois da sua morte. Ele se perguntava: O quê vem depois? Somos realmente certos que aconteça alguma coisa, que um dia ou outro alguém nos contará?128 Enquanto descrente Bobbio nunca imaginou que um Homem de fé, como Sergio Quinzio, pudesse falar com tanta liberdade da falência do Cristianismo que não manteve as suas promessas; do xeque do Crucifixo, em La sconfitta di Dio129. A História de Deus é, segundo Bobbio, desde as primeiras páginas da Bíblia, uma história de derrotas. Depois de dois mil anos de Cristianismo os mortos ainda não ressuscitaram e o espaço para a Fé é monstruosamente diminuído. Dizia ele que não podemos mais crer a um Deus que exige um preço infinito de sangue e de lágrimas para dar uma solução que ninguém nunca viu130. Cfr. Ibidem, p. 35: “La mia morte è imprevedibile per tutti, ma per me è anche indicibile”. 128 Cfr. Ibidem: “Ancora più indicibile quello che viene dopo. Ma che cosa viene dopo? Siamo proprio sicuri che avvenga qualche cosa da raccontare, che un giorno o l’altro qualcuno racconterà?” 129 Cfr. S. QUINZIO, La sconfitta di Dio, Adelphi, Milano 1992. 130 Bobbio se declara não credente, cfr. IDEM, “Gli dèi che hanno fallito (Alcune domande sul problema del male)” (1994), in EdM, p. 184: “Da non credente, che continua nonostante tutto a restare sulla soglia, non avrei mai immaginato che l’uomo di fede potesse parlare con tanta libertà del fallimento del cristianesimo che non ha mantenuto le sue promesse, dello scacco del Crocefisso. La storia di Dio è, fin dalle prime pagine della Bibbia, ‘una storia di sconfitte’; ‘dopo due mila anni i morti non sono risuscitati, e lo spazio per la 127 59 Bobbio sempre nutriu um grande respeito pelos que crêem, mas nunca foi um homem de fé. Segundo ele a fé, quando não é um dom, é um hábito; quando não é nem um dom e nem um hábito, deriva de uma forte vontade de crer. A vontade começa onde a Razão termina: Bobbio sempre parou antes131. Era-lhe também completamente estranha a fé na Razão. Bobbio nunca teve a tentação de substituir o Deus dos crentes pela deusa Razão. Para ele, a nossa razão não é nem mesmo um lume: é um lumicino – uma luzinha. Porém, observou ainda ele, não temos outra “luz” para caminhar nas trevas da qual viemos às trevas para as quais caminhamos132. A resposta do não-crente exclui qualquer outra pergunta. Para o crente, invés, as perguntas mais angustiantes começam no momento em que admite a existência de outra vida depois da morte: Qual vida? Segundo Bobbio, em base à nossa experiência não sabemos absolutamente nada desta outra vida. Cada Religião, vidente ou visionário, sábio que crê ou finge de saber; cada Homem, mesmo o mais simples que tem horror da própria morte ou não, resigna-se diante da morte da pessoa amada, dá a própria resposta. Todas as respostas, segundo ele, são igualmente críveis133. fede è mostruosamente diminuito’; ‘non possiamo più credere a un Dio che esige un infinito prezzo di sangue e di lacrime per dare una soluzione che nessuno ha ancora visto’; […].” 131 Cfr. IDEM, “Capire prima di giudicare” (1989), in EdM, p. 199. 132 Cfr. Ibidem: “Mi è anche completamente estranea la fede nella ragione. Non ho mai avuto la tentazione di sostituire la Dea Ragione al Dio dei credenti. Per me, la nostra ragione non è un lume: è un lumicino. Ma non abbiamo altro per procedere nelle tenebre da cui siamo venuti alle tenebre verso le quali andiamo.” 133 Cfr. IDEM, “De senectute” (1994), in DeSe, p. 36. 60 Quando Bobbio afirmou de não crer em uma segunda vida depois da morte ou a quantas outras possam imaginarse depois “desta”, não entendeu afirmar nada de peremptório. Quis dizer somente que sempre lhe pareceu mais convincentes as razões da dúvida do que aquelas da certeza. Segundo ele ninguém pode ser seguro de um evento do qual não existem provas. Mesmo aqueles que crêem, na verdade crêem de crer, como afirma o título de um livro de Gianni Vattimo, Credere di credere134. Bobbio, invés, cria de não crer: credo di non credere135 2.1.3. A Morte Como o “Fim” do Homem. Costuma-se distinguir os homens em base a muitos critérios, tais como: raça, nação, língua, etc. Segundo Bobbio, dá-se pouca importância a um critério que marcaria mais profundamente a irredutível diferença entre os homens: a crença ou não numa vida além morte136. Que os homens sejam mortais é um fato. Que a morte real, que constatamos cada dia a nossa volta e sobre a qual não cessamos de refletir dentro de nós, não seja o “fim” da vida, mas a passagem a outra forma de vida diferentemente imaginada e definida segundo os vários indivíduos, as várias religiões, as várias filosofias, não é um fato: é uma crença. Existem aqueles homens que crêem e aqueles que não crêem nesta vida pós-túmulo. Existem ainda aqueles que não a pensam nem mesmo; e aqueles que dizem: “Quem sabe!”.137 Cfr. G. VATTIMO, Credere di credere, Garzanti, 19992. 135 Cfr. N. BOBBIO, “De senectute” (1994), in DeSe, p. 36. 136 Cfr. Ibidem, p. 35. 137 Cfr. Ibidem. 134 61 Desde garoto, quando começou a refletir sobre os problemas últimos da vida humana, Bobbio sentiu-se sempre mais próximo ao grupo dos não-crentes nesta vida pós-túmulo. Segundo ele pode-se discutir ao infinito, mas aquilo que nunca conseguiu aceitar foi fechar a questão bruscamente, recorrendo ao argumento pascaliano da aposta138. O mais forte argumento, segundo Bobbio, para afirmar que a morte é o final último do Homem, que a morte é realmente a morte, é que se morre somente uma vez. O final da vida é o primeiro e último fim. Mesmo quem admite uma “segunda” vida depois da morte, não admite uma segunda morte; porque a segunda vida, se existisse, seria eterna, seria uma vida sem morte139. A nossa morte é o nosso “final” enquanto indivíduo, e esta morte é um fim absoluto. Muitas coisas no Mundo da Natureza e da História terminam para re-começar, observou Bobbio. Com a morte como o fim último, a vida se extingue. Para Bobbio a extinção é o fim sem re-começo. Aquilo que é extinto terminou para sempre140. Cfr. Ibidem, pp. 35-36. Cfr. B. PASCAL, Pensées, trad. it. Pensieri (Bompiani Testi a Fronte, 19), texto francês a fronte, Bompiani, Milano 2000, n. 451, pp. 247-452; cfr. ainda C. ALTOVITI, "Il paradosso di Bobbio e il pensiero di Pascal", in Politica Popolare XXXIII, 222 (1987), pp. 11-14. 139 Cfr. Ibidem, pp. 37-38. 140 Cfr. Ibidem, p. 38: “La mia morte è la fine di me singolo, ed essa sola è una fine assoluta. Molte cose nel mondo della natura e della storia finiscono per ricominciare. Dopo il giorno viene la notte e poi ancora il giorno. Gli antichi avevano una visione ciclica della storia e la fase che chiudeva un ciclo era destinata a ricomparire nel ciclo successivo. L’alternanza dei cicli era infinita, così come l’eterno ritorno di Nietzsche. Con la morte come fine ultima, la vita si estingue. ‘Estinzione’ chiamiamo la fine senza ricominciamento. […] Ciò che è estinto, è finito per sempre.” 138 62 Em uma palavra, com a morte o Homem termina para sempre; não existe esperança nem de uma ressurreição, nem mesmo de uma re-encarnação: não existe, para Bobbio, uma nova vida; nem um Deus que possa julgar ou punir o Homem, no mundo do além-morte. 2.1.4. O Além-túmulo Como Mundo do Não-ser. Segundo Bobbio, do mundo do além-túmulo sabemos tão pouco que cada um sente-se no direito de representá-lo segundo as suas esperanças e os seus medos, segundo os sonhos que o “iludiram” e os pesadelos pelos quais foi perturbado e perseguido; segundo os ensinamentos ou as doutrinas recebidos. Esse mundo do além-túmulo pode, enfim, ser remédio aos próprios sofrimentos ou recompensa às próprias infelicidades. O mundo do além deveria ser um mundo completamente diferente do mundo de cá. A única coisa de que não podemos duvidar é que, se existisse este mundo, seria diferente deste de cá141. Ainda em relação ao além mundo no qual a parte de nós, aquela destinada a não morrer viveria depois da morte, depois que deixasse apodrecer debaixo da terra o nosso corpo ou inteiramente destruir fazendo-o incinerar, toda representação é possível. Segundo Bobbio, não existem limites à nossa imaginação; mas seria somente fruto da imaginação. Como se poderia crer em alguma coisa da qual não se há nem uma idéia nem uma imagem? Bobbio afirmou que é infinito e eterno para o Homem aquilo que nós, “ilusoriamente”, transferimos num outro mundo; construído para nossa defesa e para nossa sustentação, fora de toda 141 Cfr. Ibidem. 63 possibilidade verdadeiramente humana. Também a volta dos entes queridos mortos pertence a este mundo ideal onde tudo acontece segundo os nossos projetos, mas onde estes projetos não são outra coisa que a projeção das nossas mais “desesperadas” ilusões142. Bobbio afirmou que com a morte se entra no mundo do não-ser, no mesmo mundo no qual éramos antes de nascer. Aquele nulla que éramos não sabia nada do nosso nascimento, do nosso vir-ao-Mundo e daquilo que nos tornaríamos; o nulla que nós seremos não saberá nada daquilo que nós fomos, da vida e da morte daqueles que nos estiveram próximos, cuja presença nutria as nossas jornadas, dos eventos de que nós nos interessamos a cada dia lendo os jornais, escutando o rádio ou falando com os amigos. Bobbio observou ainda que, se ele morresse antes de sua esposa, como de fato aconteceu com a qual dividiu a sua vida por sessenta anos, não saberia “nada” da sua morte. Ela morreria não só sem ele, mas sem que ele o soubesse143. Tudo aquilo que teve princípio terá um fim, afirmou Bobbio. Por que não deveria ter um fim também a nossa vida? Por que o “fim” da nossa vida deveria haver, diversamente de todos os acontecimentos, tanto daqueles naturais quanto daqueles históricos, um novo princípio? Só aquilo que não teve um princípio não terá um fim; mas aquilo que não teve um princípio nem um fim é o Eterno144. Cfr. IDEM, “Luigi Cosattini” (1947), in ItCiv, p. 281. Cfr. IDEM, “De senectute” (1994), in DeSe, p. 40: “Con la morte si entra nel mondo del non essere, nello stesso mondo in cui ero prima di nascere. Quel nulla che ero non sapeva nulla della mia nascita, del mio venire al mondo e di quello che sarei diventato; il nulla che sarò non saprà nulla di quello che sono stato, […]. Se premorrò a mia moglie, […]. Morrà non solo senza di me, ma senza che io lo sappia. Così non saprò nulla di quel che accadrà[…].” 144 Cfr. Ibidem, p. 41. 142 143 64 2.2. Bobbio um Iluminista Pessimista. Bobbio se identificou com o grupo dos insatisfeitos145, dos racionalistas146 e intelectualistas impenitentes147, dos perplexos148. Entre os seus amigos torineses Bobbio foi considerado, com ironia, o filósofo149. Reconheceu-se bom iluminista150. Juntamente com os seus amigos, ele admitiu de poderem ser considerados iludidos ou desiludidos, mas não sconfitti – derrotados151. 2.2.1. Nem Romântico, Nem Decadente. Bobbio não quis ser nem romântico, nem decadente, mas iluminista. Os velhos iluministas não se limitavam a protestar contra os poderes constituídos: propunham reformas, projetavam novas instituições, agiam sobre a opinião pública para transformar a Sociedade. Bobbio se perguntava: temos o direito de nos chamar iluministas no sentido histórico da palavra? Por trás do Cfr. IDEM, “Renato Treves” (1994), in LaMI, p. 93; IDEM, “Prefazione alla prima edizione” (1963), in ItCiv, p. 10. 146 Cfr. IDEM, “Bruno Leoni” (1968), in LaMI, p. 397. 147 Cfr. IDEM, “Il giovane Aldo Moro” (1980), in DalFaD, p. 298. 148 Cfr. IDEM, “Religione e politica in Aldo Capitini” (1969), in MeCom, pp. 293-294. 149 Cfr. IDEM, “Testimonianza su Giacomo Noventa” (1986), in ItFed, p. 218: 150 Cfr. IDEM, “La non-filosofia di Salvemini” (1975), in MeCom, p. 32. 151 Cfr. IDEM, “Prefazione” (1985), in ItCiv, p. 07. 145 65 velho iluminista existiam, ao menos, essas três coisas: fé na razão contra a ressurreição de velhos e novos mitos; aspiração a empregar a ciência a fins da utilidade social contra o saber contemplativo e ociosamente edificante; fé no progresso indefinido da Humanidade contra a aceitação de uma História que, monotonamente, repete-se152. Bobbio acolheu o primeiro e o segundo itens acima, mas não era disposto a compartilhar o terceiro: o progresso contínuo da Humanidade153. À custa de utilizar uma fórmula que poderia parecer paradoxal, Bobbio declarou-se um iluminista pessimista: um iluminista que aprendeu a lição histórica de Th. Hobbes e de J. De Maistre, de N. Machiavelli e de K. Marx. Segundo Bobbio a “atitude” pessimista combina mais com o Homem de razão, do que a atitude otimista. O otimismo, segundo ele, comporta sempre certa dose de infatuazione – paixão, entusiasmo, pasmo – e o Homem de razão não deveria ser infatuato – apaixonado, entusiasmado, enfatuado154. Para Bobbio a História é um drama. Afirmara, porém, de não saber, porque ninguém lhe dera provas irrefutáveis, se a História é um drama com final feliz. Não queria, porém, que sua profissão de pessimismo fosse entendida como um gesto de “renúncia”: é um ato de salutar abstinência depois de tantas orgias de otimismo; é uma ponderada rejeição de participar ao “banquete” dos que vivem sempre em “festa”. Cfr. IDEM, “Cultura vecchia e politica nuova” (1955), in PolCul, p. 169. 153 Na próxima etapa de nossa pesquisa trabalharemos a posição de Bobbio sobre o Mito do Progresso. 154 Cfr. N. BOBBIO, “Cultura vecchia e politica nuova” (1955), in PolCul, p. 169-170. 152 66 Segundo Bobbio, somente o pessimista encontra-se em condições de agir com a mente livre, com a vontade firme, com sentimento de humildade e plena devoção à própria tarefa155. Em uma entrevista a Giancarlo Bosetti, para o jornal Unità, em 6 de Abril de 1996, nas vésperas das eleições daquele ano, Bobbio disse ser um desiludido crônico; um desiludido por temperamento, por vocação; mas também um pouco pelas experiências feitas durante meio século de vida democrática, vividas com certa “paixão”. Naquela ocasião, Bobbio declarou de haver tido algumas poucas ilusões na vida, não mais de três ou quatro; mas foram auto-enganos de breve duração156. Bobbio não pretendia, normalmente, de haver a última palavra; detestava as discussões sem fim, unicamente por motivos de prestígio, e não por necessidade dialógica. Depois da troca de opiniões, procurava evitar a ruptura e buscava percorrer a via da conciliação. No final ele preferia estender a mão que virar as costas. O escopo do diálogo não é demonstrar quem é o melhor, mas sim chegar a um acordo ou, pelo menos, iluminarem-se reciprocamente as idéias. Em uma palavra, Bobbio não amava haver inimigos157. Cfr. Ibidem, p. 170. Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 215. 157 Cfr. IDEM, “A me stesso” (1996), in DeSe, p. 9. 155 156 67 2.2.2. O Pessimismo Bobbiano: Estado de Ânimo. Bobbio sempre se considerou e sempre foi considerado um pessimista. O seu pessimismo não era, porém, uma filosofia, mas um estado de ânimo. Foi um pessimista de humor e não de conceito. O pessimismo como filosofia, segundo ele mesmo, é uma contra-resposta alternativa à resposta do “otimista” à pergunta: Aonde vai o Mundo? E quem sabe? Segundo Bobbio talvez tenham razão tanto o pessimista quanto o otimista; talvez nenhum dos dois. Para ele não tem muito sentido pôr-se pergunta à qual não é possível dar uma resposta158. Para Bobbio, um raciocínio que não nos permite de satisfazer a nossa curiosidade entorno ao conhecimento de como vai o Mundo é uma prova a mais da impotência da nossa razão. Para seres que, orgulhosamente, definiram-se animais racionais, esta impotência da razão é um ulterior argumento para serem pessimistas159. Bobbio constatou, no mundo humano, uma grande dicotomia entre ideais e grezza materia – matéria bruta. Esta “dicotomia” dá forma eficaz e confere um sentido dramático à sua convicção de que o mundo humano, como universo histórico, tenha uma “natureza” objetivamente dualista. Ele mesmo se reconheceu um dualista impenitente. Segundo M. Bovero, seu dualismo, além do aspecto metodológico e gnosiológico, isto é, atinente aos problemas do conhecimento, assumiu ainda um aspecto substancial: ele tinha uma concepção quase platonizante, atravessada por uma fratura fundamental entre o mundo inteligível das 158 159 Cfr. Ibidem, p. 12. Cfr. Ibidem, p. 13. 68 idéias e dos valores e o mundo visível das coisas e das ações: mundo da grezza materia.160 2.2.3. Bobbio Filósofo e Seus Valores Morais. Bobbio se considerava pertencente à família dos filósofos, porque sempre manteve não só o sentido da imensidão do espaço, mas também do tempo; conseqüentemente, da História. Desta História nascida e finita, destinada a terminar; e da qual não sabemos nada sobre a sua direção, posto que tenha uma; e do seu fim certo, mesmo se não sabemos “quando”161. Bobbio, porém, nunca se considerou um Filósofo no sentido tradicional do termo, mesmo se ensinou por tantos anos duas matérias filosóficas: a Filosofia do Direito e a Filosofia da Política; mas uma e outra, como ele as entendia, tinham pouco a que ver com a Filosofia com a “F” maiúscula, dizia ele. Considerava-se, não obstante tudo isto, pertencente à família dos filósofos162. Podemos dizer que ele não se considerasse um amigo da Sabedoria, mas um “parente” dos amigos da Sabedoria. Bobbio dedicava sempre algumas lições introdutórias aos seus cursos para explicar aos alunos por que aqueles cursos, apesar de serem intitulados Filosofia del Diritto e Filosofia della Politica, não eram desenvolvidos por ele como cursos propriamente filosóficos. A maior parte das Cfr. M. BOVERO, “Introduzione”, in TeGePo, p. XLIX. Cfr. N. BOBBIO, “Per una bibliografia” (1984), in DeSe, pp. 84-85; IDEM, “Lelio Basso”, in LaMI, p. 351. 162 Cfr. Ibidem. 160 161 69 suas dispense – apostilas – Bobbio não as intitulou Filosofia di…, mas sempre Teoria generale di...163 As aparentes contradições, exprimíveis mediante paradoxos, tais como iluminista-pessimista e realistainsatisfeito, refletem o contraste objetivo que Bobbio vê na estrutura do mundo humano164. Este contraste não deve ser interpretado como uma contradição da sua filosofia, ou como uma falta de endereço claro e unívoco nos seus escritos e entre os seus escritos. Trata-se da elaboração articulada, mas plenamente conseqüente, de uma concepção dualista do Mundo. Na perspectiva da análise teórica, Bobbio explorou ambos os hemisférios do mundo histórico humano: aquele dos fatos, reconstruindo, em conceitos gerais, as complexas articulações da realidade política; e aquele dos valores, distinguindo e confrontando os seus diferentes significados descritivos. Na perspectiva da filosofia militante, Bobbio defendeu certos ideais e argumentou em favor de certos valores, considerando os resultados da análise. Poder-se-ia dizer, que para um dualista impenitente, como ele, teria sido “unilateral” desenvolver um pensamento exclusivamente realístico ou, ao oposto, abstratamente normativo165. Os valores morais que nortearam toda a produção intelectual do filósofo Bobbio e, podemos dizer toda a vida do homem Bobbio, foram os seguintes: Cfr. IDEM, Che cosa fanno oggi i filosofi?, a cura da BIBLIOTECA COMUNALE DI CATTOLICA, Bompiani, Milano 1982, pp. 159-182. 164 Cfr. IDEM, “Risposta ai critici” (1993), in DeSe, p. 151. 165 Cfr. M. BOVERO, “Introduzione”, in TeGePo, pp. XLIX-L. 163 70 Primeiro, agir pela boa causa sem ambições; para ele, a vida humana era “a” boa causa por excelência, enquanto valor primordial166. Segundo, os valores da coerência e da intransigência. Terceiro, os valores da firmeza, da seriedade, do desinteresse e da abnegação. Quarto, os valores do rigor e da autodisciplina. Quinto, o valor da humildade diante da grandeza da História e diante da insuficiência da própria tarefa167. Da observação da “irredutibilidade” das crenças últimas Bobbio tirou a maior lição moral da sua vida, que elaborou como imperativo: Respeitar as idéias dos outros; parar diante do segredo de cada consciência; compreender antes de discutir; discutir antes de condenar168. 166 Este valor da vida como direito fundamental por excelência e primordial, enquanto condição para todos os demais valores, será aprofundado na próxima etapa desta pesquisa. 167 Cfr. N. BOBBIO, “Prefazione alla prima edizione” (1963), in ItCiv, p. 11: “I valori morali, cui va la mia preferenza, sono quelli dell’operare per la buona causa senza ambizioni, della coerenza e della intransigenza, della fermezza, della serietà, del disinteresse e dell’abnegazione, del rigore e dell’autodisciplina, dell’umiltà di fronte alla grandezza della storia e alla insufficienza del proprio compito.” 168 Cfr. Ibidem, pp. 11-12: “Ho imparato a rispettare le idee altrui, ad arrestarmi davanti al segreto di ogni coscienza, a capire prima di discutere, a discutere prima di condannare.” 71 3. A Trilogia Temática Bobbiana. Após trabalharmos uma sumária biografia de Bobbio, passamos ao “metódico” pessimismo bobbiano, onde conhecemos a concepção bobbiana sobre a vida e a morte; depois conhecemos Bobbio como um iluminista pessimista, em três momentos: nem romântico, nem decadente; o pessimismo bobbiano: estado de ânimo e, por fim, Bobbio filósofo e seus valores morais. Chegou, agora, o momento de trabalharmos a trilogia temática de Bobbio, ou seja, os três grandes temas que nortearam toda sua vasta gama de estudos e escritos durante os seus 94 anos de vida. Começaremos pelos ideais de Bobbio; trabalharemos os ideais da democracia e da paz, onde conheceremos sinteticamente sua concepção sobre a democracia e a paz; por fim trabalharemos o ideal dos direitos do Homem. Para cada um destes ideais que compõem sua trilogia temática, apresentaremos os seus principais escritos e publicações coletâneas. 3.1. Os Ideais de Bobbio. Bobbio mesmo indicou, explicitamente, quais foram os seus ideais, na sua trilogia temática: democracia, direitos do Homem e paz. Não é difícil reconstruir, ao menos em suas linhas principais, a relação de contraposição entre os três ideais e as três dimensões da, acima citada, rozza materia – matéria bruta – que podemos deduzir a partir do metódico pessimismo bobbiano, que marcou “negativamente” sua antropologia: a aspiração à Paz se opõe 72 ao mundo humano enquanto reino da violência; o princípio universalista dos direitos do Homem se opõe ao mundo particularista das paixões e dos interesses humanos; o ideal da Democracia como transparência, como governo público em público169, opõe-se à cortina ideológica dos enganos e à opacidade do poder. Bobbio sempre sublinhou a interdependência destes três ideais entre eles, no sentido que a perseguição coerente de cada um deles obriga a perseguir também os outros, e que a mesma definição de cada um deles requer o uso das noções correspondentes aos outros dois170. Sua trilogia temática “germinou-se” e “cresceu” junto com a República Italiana, que nascera das “cinzas” da Segunda Guerra. Terminada a Guerra e implantada a liberdade no território italiano, os grandes problemas a serem enfrentados por Bobbio foram a Democracia e a Paz: os dois primeiros ideais ou temas da sua trilogia intelectual.171 Como vimos acima, a história da sua vida de estudioso começou a partir do pós-guerra; aquilo que veio antes foi a sua pré-história intelectual. Estes dois grandes temas foram como uma “bússola” que norteou a maior parte dos seus escritos; assim, a massa aparentemente caótica das suas fichas bibliográficas pôde encontrar um “fio condutor”. Só alguns anos mais tarde Bobbio afrontou o tema, ao que as reflexões sobre a Democracia e sobre as condições da Paz, inevitavelmente, conduziram-no: os direitos do Homem; terceiro e último tema da sua trilogia temática172. Cfr. IDEM, “I vincoli della democrazia” (1983), in FdD, p. 76. Cfr. M. BOVERO, “Introduzione”, in TeGePo, p. XLIX. 171 Cfr. N. BOBBIO, “Un bilancio” (1996), in DeSe, p. 164. 172 Cfr. Ibidem. 169 170 73 Que as três temáticas – Democracia, Paz e Direitos do Homem – fossem estreitamente unidas entre si, mesmo se os escritos que a elas se referem nasceram independentemente uns dos outros, torna-se evidente analisando a vasta bibliografia bobbiana. Bobbio, várias vezes, apresentou a ligação entre estes temas como a meta ideal de uma Teoria Geral do Direito e da Política, que ele nunca conseguira escrever173. Segundo ele o reconhecimento e a proteção dos Direitos do Homem estão à base das Constituições democráticas modernas. A Paz é, por sua vez, o pressuposto necessário para o reconhecimento e a efetiva proteção dos direitos fundamentais, ao interno de cada Estado e no Sistema Internacional. Ao mesmo tempo, o processo de democratização do Sistema Internacional, que é a via obrigatória para a perseguição do ideal da paz perpétua, em sentido kantiano da palavra174, não pode avançar sem uma gradual extensão do reconhecimento da proteção dos Direitos do Homem, acima dos Estados175. Para Bobbio, portanto, Direitos do Homem, Democracia e Paz são três momentos necessários do mesmo “movimento” histórico: sem Direitos do Homem Cfr. Ibidem, p. 165. Apesar de não ter realizado nenhuma das duas obras, antes de sua morte, Bobbio viu ser publicadoum volume que recolheu dois de seus cursos acadêmicos sob o título de Teoria generale del diritto (Recta Ratio, Seconda serie, 1), G. Giappichelli, Torino 1993; e também a grande coletânea curada pelo seu sucessor na Cátedra de Filosofia Política, da Universidade de Torino, Michelangelo BOVERO, que recolheu quarenta escritos de Filosofia Política, sob o título Teoria generale della politica (Biblioteca Einaudi, 73), Einaudi, Torino 1999. 174 Cfr. I. KANT, Zum Ewigen Frieden (1795). 175 Cfr. N. BOBBIO, “Un bilancio” (1996), in DeSe, p. 165. 173 74 reconhecidos e protegidos não existe Democracia; sem Democracia não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em outras palavras, a Democracia é a Sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes vem reconhecidos alguns direitos fundamentais; existirá Paz estável, uma Paz que não conhece a guerra como alternativa, somente quando existirão cidadãos não mais somente deste ou daquele Estado, mas do Mundo: é o bobbiano pacifismo institucional176, que conheceremos na última etapa desta pesquisa. 3.2. Os Ideais da Democracia e da Paz. Quem percorre a bibliografia dos escritos de Bobbio nos primeiros anos do pós-guerra, percebe que os temas por ele tratados se referem exatamente à restauração da Democracia na Itália. No que se refere ao tema da Paz, o problema então atualíssimo era aquele do federalismo europeu. A pátria ideal, à qual olhava um socialista liberal como ele, tornarase, nos ambientes antifascistas que freqüentava a Inglaterra177. Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, pp. VII-VIII: “Diritti dell’uomo, democrazia e pace sono tre momenti necessari dello stesso movimento storico: senza diritti dell’uomo riconosciuti e protetti non c’è democrazia; senza democrazia non ci sono le condizioni minime per la soluzione pacifica dei conflitti. Con altre parole, la democrazia è la società dei cittadini, e i sudditi diventano cittadini quando vengono loro riconosciuti alcuni diritti fondamentali; ci sarà pace stabile, una pace che non ha la guerra come alternativa, solo quando vi saranno cittadini non più soltanto di questo o quello stato, ma del mondo”. Cfr. ainda IDEM, “Un bilancio” (1996), in DeSe, 165. 176 75 Destes três problemas-base, Bobbio ocupara-se continuamente e irregularmente. Os escritos em forma de artigos e discursos foram os pontos de partida para a composição de sua trilogia temática. O ponto de chegada para o primeiro problema – Democracia – foi a publicação do volume coletânea Il futuro della democrazia, 1984178. 3.2.1. A Democracia. O primeiro escrito de Bobbio sobre Democracia foi o Democrazia rappresentativa e democrazia diretta, 1978179. No mesmo ano, ele publicou Democrazia / dittatura, 1978180. Depois se seguiram, até o ano de 1989, outros sete artigos: La democrazia e il potere invisibile, 1980181; Liberalismo vecchio e nuovo, 1981182; Contrato e contrattualismo nel dibattito attuale, 1982183; Governo degli uomini o governo delle leggi?, 1983184; I vincoli della Cfr. IDEM, “Società chiusa e società aperta” (1946), in TdR, pp. 87-97. 178 Cfr. IDEM, Il futuro della democrazia (Saggi 281), Einaudi, Torino 19953. 179 Cfr. IDEM, “Democrazia rappresentativa e democrazia diretta” (1978), in FdD, pp. 33-62. 180 Cfr. IDEM, “Democrazia / dittatura” (1978), republicado com o título “Democrazia e dittatura”, in StGovSoc, pp. 126-157. 181 Cfr. IDEM, “La democrazia e il potere invisibile” (1980), in FdD, pp. 85-113. 182 Cfr. IDEM, “Liberalismo vecchio e nuovo” (1981), in FdD, pp. 115-140. 183 Cfr. IDEM, “Contrato e contrattualismo nel dibattito attuale” (1982), in FdD, pp. 141-167. 184 Cfr. IDEM, “Governo degli uomini o governo delle leggi?” (1983), in FdD, pp. 169-194. 177 76 democrazia, 1983185; Il futuro della democrazia, 1984186; Democrazia e sistema internazionale, 1989187. Outros escritos sobre a Democracia se encontram publicados no volume coletânea Teoria generale della politica, 1999188. Aqui citamos somente os principais escritos recolhidos nesse volume: Democrazia e scienze sociali, 1986189; La democrazia dei moderni paragonata a quella degli antichi (e a quella dei posteri), 1987190; Democrazia ed Europa, 1987191; Democrazia e segreto, 1990192. No Dizionario di Politica, 1983, dirigido por Bobbio juntamente com N. Matteucci e G. Pasquino, encontramos como uma “voz” o artigo Democrazia, 1990193. No volume coletâneo Elogio della mitezza e altri scritti morali, 1998194, Cfr. IDEM, “I vincoli della democrazia” (1983), in FdD, pp. 63-84. Cfr. IDEM, “Il futuro della democrazia” (1984), in FdD, pp. 03-31. 187 Cfr. IDEM, “Democrazia e sistema internazionale” (1989), in FdD, pp. 195-220. 188 Cfr. IDEM, Teoria generale della politica (Biblioteca Einaudi, 73), a cura di M. BOVERO, Einaudi, Torino 1999. 189 Cfr. IDEM, “Democrazia e scienze sociali” (1986), Facultat de Ciènces Polítiques i Sociologia, Bellaterra (Barcelona) 1986, republicado com o título “Democrazia e conoscenza”, in TeGePo, pp. 339-352. 190 Cfr. IDEM, “La democrazia dei moderni paragonata a quella degli antichi (e a quella dei posteri)” (1987), in TeGePo, pp. 324-339. 191 Cfr. IDEM, “Democrazia ed Europa” (1987), in Il trattato segreto, a cura de P. FOIS, Cedam, Padova 1990, pp. 16-31, republicado com o título “Dall’ideologia democratica agli universali procedurali”, in TeGePo, pp. 370-383. 192 Cfr. IDEM, “Democrazia e segreto” (1990), in TeGePo, pp. 352-369. 193 Cfr. IDEM, “Democrazia” (1990), in DizPol, pp. 287b-297b. 194 Cfr. IDEM, Elogio della mitezza e altri scritti morali (Net 243), Il Saggiatore, Milano 2006². 185 186 77 encontramos o escrito sobre democracia e razão de estado Ragion di stato e democrazia, 1991195. No volume coletânea Tra due repubbliche, Alle origini della democrazia italiana, 1996196, encontramos os escritos: Democrazia integrale, 1996197; Il compito dei partiti politici, 1996198; L’Inghilterra, o dei partiti, 1996199; La repubblica e i suoi mali, 2000200. Segundo Bobbio, o futuro da Democracia, posto que ela tenha um futuro, depende do duplo processo de democratização, seja de cada Estado, seja da própria Organização dos Estados que se rege ainda, em última instância, no Direito de veto de algumas grandes potências201. Cfr. IDEM, “Ragion di stato e democrazia” (1991), in EdM, pp. 89-104. 196 Cfr. IDEM, Tra due repubbliche, Alle origini della democrazia italiana (Saggine, 19), Donzelli, Roma 1996. 197 Cfr. IDEM, “Democrazia integrale” (1996), in TdR, pp. 110-115. 198 Cfr. IDEM, “Il compito dei partiti politici” (1996), in TdR, pp. 119-124. 199 Cfr. IDEM, “L’Inghilterra, o dei partiti” (1996), in TdR, pp. 116-118. 200 Cfr. IDEM, “La repubblica e i suoi mali” (2000), in DialIntRep, pp. 79-98. 201 Cfr. IDEM, “Un bilancio” (1996), in DeSe, p. 172. 195 78 3.2.2. A Paz. Para o segundo ideal bobbiano – Paz – o ponto de chegada foi o volume coletânea Il problema della guerra e le vie della pace, 1979202. Neste volume foram recolhidos os seguintes escritos: Diritto e guerra, 1965203; Il problema della guerra e le vie delle pace, 1966204, que deu o título à obra coletânea; L’idea della pace e il pacifismo, 1975205; La nonviolenza è un’alternativa, 1977206. Outro volume coletânea de fundamental importância para o problema da guerra e o ideal da paz foi o Il Terzo assente, Saggi e discorsi sulla pace e sulla guerra, 1989207.208 Cfr. IDEM, Il problema della guerra e le vie della pace (Saggi 274), il Mulino, Bologna 19974. 203 Cfr. IDEM, “Diritto e guerra” (1965), in ProbGP, pp. 99-118. 204 Cfr. IDEM, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in ProbGP, pp. 29-97. 205 Cfr. IDEM, “L’idea della pace e il pacifismo” (1975), in ProbGP, pp. 119-146. 206 Cfr. IDEM, “La nonviolenza è un’alternativa” (1977), in ProbGP, pp. 147-163. 207 Cfr. IDEM, Il Terzo assente, Saggi e discorsi sulla pace e sulla guerra, a cura di P. POLITO, Edizioni Sonda, Milano 1989. 208 Cfr. IDEM, “Prefazione” (1961), a G. ANDERS, Essere e non essere, Diario di Hiroshima e Nagasaki, Einaudi, Torino 1961, pp. IX-XVII, republicado com o título “Pace o libertà?”, in TerAs, pp. 15-22; IDEM, “Non uccidere” (1961), in Resistenza, XV, n. 12 (Dezembro de 1961), p. 4, republicado in TerAs, pp. 139-142; IDEM, “Il conflitto termonucleare e le tradizionali giustificazioni della guerra” (1962), in Il Verri, 6 (1962) 93-102, republicado in TerAs, pp. 23-30; IDEM, “Filosofia della guerra nell’era atomica”, in Terzo Programma, ed. RAI, n. 3 (1965), pp. 7-27, republicado in TerAs, pp. 31-53; IDEM, “Disobbedienza civile” (1976), in DizPol, pp. 316a-320a, republicado in TerAs, pp. 84-91; IDEM, “Il terrore non 202 79 No volume coletânea Teoria generale della politica, 1999 , acima citado, encontramos um escrito que toma em consideração a relação guerra e Direito: Per una teoria dei rapporti tra guerra e diritto, 1966210; e também o escrito que trabalha o conceito de paz enquanto problema: La pace: il concetto, il problema, l’ideale, 1989211. 209 conosce equilibri” (1979), in La Stampa, CXIII, n. 287 (18 de Dezembro de 1979), pp. 1-2, republicado in TerAs, pp. 197-199; IDEM, “I chierici e il terrore” (1981), in La Stampa, CXV, n. 208 (3 de Setembro de 1981), pp. 1-2, republicado in TerAs, pp. 200-203; IDEM, “Alla marcia della pace” (1981), in Azione nonviolenta, XVIII, n. 5 (Setembro de 1981), pp. 7-8, republicado in TerAs, pp. 143-147; IDEM, “Come viandanti in un labirinto” (1981), in Pro Civitate Christiana, n. 4-5, (15 de Fevereiro de 1982), pp. 70-76, republicado com o título “Una società nonviolenta?”, in TerAs, pp. 148-157; IDEM, “La lancia e lo scudo” (1981), in La Stampa, CXV, n. 223 (4 de Outubro de 1981), pp. 1-2, republicado in TerAs, pp. 204-206; IDEM, “Come viandanti in un labirinto” (1981), in Pro Civitate Christiana, n. 4-5, (15 de Fevereiro de 1982), pp. 70-76, republicado com o título “Una società nonviolenta?”, in TerAs, pp. 148-157; IDEM, “La morale e la guerra” (1982), in Per una cultura della pace, Il problema della violenza e la ricerca della pace, a cura do Centro Culturale di Ricerca, USMATE, Stampa, Milano 1983, pp. 75-100, republicado com o título “Morale e Guerra”, in TerAs, pp. 166-177; IDEM, “Etica della potenza ed etica del dialogo” (1982), in Vita e Pensiero, LXV, n. 3 (Março de 1983), pp. 29-36, republicado in TerAs, pp. 158-165; IDEM, “La morale e la guerra” (1982), in Per una cultura della pace, Il problema della violenza e la ricerca della pace, a cura do Centro Culturale di Ricerca, USMATE, Stampa, Milano 1983, pp. 75-100, republicado com o título “Morale e Guerra”, in TerAs, pp. 166-177; IDEM, “Etica della potenza ed etica del dialogo” (1982), in Vita e Pensiero, LXV, n. 3 (Março de 1983), pp. 29-36, republicado in TerAs, pp. 158-165; IDEM, “I padroni invincibili” (1983), in La Stampa, CXVII, n. 207 (2 de Setembro de 1983), p. 3, republicado in TerAs, pp. 210-211; IDEM, “Il gioco della guerra” (1983), in TerAs, pp. 207-209; IDEM, “I giganti 80 No Dizionario di Politica, 1990212, acima citado, encontra-se duas vozes fundamentais para compreender o pacifismo bobbiano: Pace, 1990213; e Pacifismo, 1990214. Outros escritos sobre a paz não recolhidos em volumes coletâneas, são: La marcia della pace, 1961215; seis anos mais tarde, na mesma revista saiu o artigo Solo una società più libera e avanzata potrà rispettare i diritti ciechi” (1983), in La Stampa, CXVII (23 de Outubro de 1983), p. 1, republicado in TerAs, pp. 212-214; IDEM, “Il terzo assente” (1983), in La Stampa, CXVII, n. 308 (30 de Dezembro de 1983), p. 3, republicado in TerAs, pp. 215-217; IDEM, “L’equilibrio del terrore” (1983), in Storia e politica, XXIII, (2 de Junho de 1984), pp. 284-300, republicado in TerAs, 54-68; IDEM, “La pace attraverso il diritto” (1983), in TerAs, pp. 207-209, republicado com o título “Pace e Diritto”, in TeGePo, pp. 526-535; IDEM, “I padroni invincibili” (1983), in La Stampa, CXVII, n. 207 (2 de Setembro de 1983), p. 3, republicado in TerAs, pp. 210-211; IDEM, “Il gioco della guerra” (1983), in TerAs, pp. 207-209; IDEM, “I giganti ciechi” (1983), in La Stampa, CXVII (23 de Outubro de 1983), p. 1, republicado in TerAs, pp. 212-214; IDEM, “L’equilibrio del terrore” (1983), in Storia e politica, XXIII, (2 de Junho de 1984), pp. 284-300, republicado in TerAs, 54-68; IDEM, “Non aprì una nuova era” (1985), in La Stampa, CXIX, n. 168 (6 de Agosto de 1985), p. 3, republicado in TerAs, pp. 218-220; IDEM, “Disarmati di tutto il mondo, uniamoci” (1985), in L’unità, LXII, n. 244, (29 de Outubro de 1985), pp. 1-16, republicado com o título “Disarmati di tutto il mondo”, in TerAs, pp. 178-182; IDEM, “Non aprì una nuova era” (1985), in La Stampa, CXIX, n. 168 (6 de Agosto de 1985), p. 3, republicado in TerAs, pp. 218-220; IDEM, “Disarmati di tutto il mondo, uniamoci” (1985), in L’unità, LXII, n. 244, (29 de Outubro de 1985), pp. 1-16, republicado com o título “Disarmati di tutto il mondo”, in TerAs, pp. 178-182; IDEM, “Il dialogo per la pace” (1986), in Nuova Antologia, CXXI, v. 556, fasc. 2159, (JulhoSetembro de 1986), pp. 36-40, republicado in TerAs, pp. 183-187; IDEM, “Il terzo in politica” (1986), in La Stampa, CXX, n. 196 (22 de Agosto de 1986), p. 3, republicado in TerAs, pp. 221-224; IDEM, “Il dialogo per la pace” (1986), in Nuova Antologia, CXXI, v. 556, fasc. 81 dell’uomo, 1967216; e sobre a possibilidade de se falar de guerra justa, em ocasião do conflito no Golfo, Una guerra giusta?, 1991217. Segundo Bobbio, talvez mais do que um ponto de chegada, estas coletâneas significaram uma sosta – uma pausa – que lhe consentiria de retomar a estrada, mesmo se a pequenos passos, sempre dentro da mesma paisagem, cuja “exploração” não cessou de oferecer-lhe novas surpresas. 2159, (Julho-Setembro de 1986), pp. 36-40, republicado in TerAs, pp. 183-187; IDEM, “Il terzo in politica” (1986), in La Stampa, CXX, n. 196 (22 de Agosto de 1986), p. 3, republicado in TerAs, pp. 221-224; IDEM, “La pace ha un futuro?” (1987), in TerAs, pp. 188-194; IDEM, “In lode dell’ONU” (1987), in La Stampa, CXXI, n. 203 (30 de Agosto de 1987), p. 1, republicado in TerAs, pp. 224-226; IDEM, “La pace ha un futuro?” (1987), in TerAs, pp. 188-194; IDEM, “In lode dell’ONU” (1987), in La Stampa, CXXI, n. 203 (30 de Agosto de 1987), p. 1, republicado in TerAs, pp. 224-226; IDEM, “I saggi equilibristi” (1988), in La Stampa, CXXII, n. 2 (3 de Janeiro de 1988), p. 1, republicado in TerAs, pp. 227-229; IDEM, “I saggi equilibristi” (1988), in La Stampa, CXXII, n. 2 (3 de Janeiro de 1988), p. 1, republicado in TerAs, pp. 227-229. 209 Cfr. IDEM, Teoria generale della politica (Biblioteca Einaudi, 73), a cura de M. BOVERO, Einaudi, Torino 1999. 210 Cfr. IDEM, “Per una teoria dei rapporti tra guerra e diritto” (1966), in Scritti in memoria di Antonino Giuffrè, vol. I, Giuffrè, Milano 1967, pp. 91-98; republicado com o título “Guerra e diritto”, in TeGePo, pp. 520-526. 211 Cfr. IDEM, “Pace, Concetti, problemi e ideali” (1989), in Enciclopedia del Novecento, vol. VIII, Istituto della Enciclopedia Italiana, Roma 1989, pp. 812-824, republicado com o título “La pace: il concetto, il problema, l’ideale”, in TeGePo, pp. 467-503. 212 Cfr. IDEM, - N. MATTEUCCI, - G. PASQUINO, (dir.), Dizionario di Politica, UTET, Milano 200410. 213 Cfr. IDEM, “Pace” (1990), in DizPol, pp. 737a-742b. 214 Cfr. IDEM, “Pacifismo” (1990), in DizPol, pp. 745a-747b. 215 Cfr. IDEM, “La marcia della pace” (1961), in Resistenza, XV, n. 10 (Outubro de 1961). 82 Bobbio voltou várias vezes sobre este tema nos seus escritos sobre a questão internacional, onde o problema da Paz e aquele da Democracia se ligam um ao outro. Na preferência por ele dada ao pacifismo institucional ou jurídico em relação àquele ético ou religioso não pôde deixar, de um lado, de sublinhar a impotência da Organização das Nações Unidas, 1945, que exige um reforço dos meios de coerção; e de outro lado, sustentar que o maior poder deva proceder em igual passo com um avanço no processo de democratização218. 3.3. O Ideal dos Direitos do Homem. Em relação ao terceiro ideal temático da sua trilogia temática – Direitos do Homem – Bobbio ocupou-se dele muito mais tarde. O seu ponto de chegada foi a publicação do volume coletânea L’età dei diritti, 1990, que ele gostava de considerar como a última “seção” da sua trilogia temática219. O primeiro escrito de Bobbio sobre o problema dos direitos do Homem foi o La Dichiarazione universale dei diritti dell’uomo, 1951220. Cfr. IDEM, “Solo una società più libera e avanzata potrà rispettare i diritti dell’uomo”, in Resistenza, XXI, n. 12 (Dezembro de 1967). 217 Cfr. IDEM, Una guerra giusta?, Marsilio, Venezia 1991. 218 Cfr. IDEM, “Un bilancio” (1996), in DeSe, p. 172. 219 Cfr. Ibidem, pp. 166-167. 220 Cfr. IDEM, “La Dichiarazione universale dei diritti dell’uomo”, in La Dichiarazione universale dei diritti dell’uomo, Arti Grafiche Plinio Castello, Torino 1951, 53-70. 216 83 Ocupara-se deste problema já na Prefazione à tradução italiana de La Dichiarazione dei diritti sociali, de Georges Gurvitch221. Esse escrito contém algumas teses das quais Bobbio nunca mais se afastou, a saber: os direitos naturais – mesmo o primordial direito à vida – são direitos históricos; os direitos naturais nascem ao início da idade moderna, juntamente com a concepção individualista da Sociedade; os direitos tornam-se um dos principais indicadores do progresso histórico222. No escrito Sul fondamento dei diritti dell’uomo, 223 1964 , Bobbio confirmou e aprofundou a tese da historicidade dos direitos fundamentais, em base à qual contesta não só a legitimidade, mas ainda a eficácia prática da busca de um fundamento absoluto para os direitos do Homem224, como trabalharemos na próxima etapa. No escrito Presente e avvenire dei diritti dell’uomo, 225 1968 , Bobbio traçou, em grandes linhas, as várias fases da história dos direitos do Homem: da sua proclamação à sua positivação, da positivação ao interno de cada Estado à positivação no Sistema Internacional. Retomando o tema da sua historicidade, tira um ulterior argumento da sua contínua expansão226. Cfr. IDEM, “Prefazione”, in G. GURVITCH, La Dichiarazione dei diritti sociali, Edizioni di Comunità, Milano 1949, pp. 13-27. 222 Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, p. VIII. 223 Cfr. IDEM, “Sul fondamento dei diritti dell’uomo” (1964), in EdD, pp. 06-16. 224 Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, p. VIII. 225 Cfr. IDEM, “Presente e avvenire dei diritti dell’uomo” (1968), in EdD, pp. 17-44. 226 Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, p. IX. 221 84 O problema do direito de resistência à opressão foi trabalhado no escrito La resistenza all’oppressione, oggi, 1973227. No escrito Eguaglianza, 1977228, Bobbio trabalhou o problema da Igualdade universal entre todos os homens; e no escrito Uomini come cose, 1978229, trabalhou a dignidade humana. A liberdade do Homem, ele trabalhou no escrito Libertà, 1978230. Os fundamentos para a tolerância nas relações sociais foram trabalhados no escrito Le ragioni della tolleranza, 1986231; e os direitos sociais foram trabalhados no escrito Sui diritti sociali, 1996232. Em Diritti dell’uomo e filosofia della storia, 1987233, Bobbio afrontou o tema do significado histórico, ou melhor, filosófico-histórico, da inversão, característica da formação do Estado moderno, da relação política Estado-cidadão234. Uma ulterior reformulação dos temas da historicidade e da Cfr. IDEM, “La resistenza all’oppressione, oggi” (1973), in EdD, pp. 157-177. 228 Cfr. IDEM, “Eguaglianza” (1977), in EgLi, pp. 03-43. 229 Cfr. IDEM, “Uomini come cose”, in La Stampa, 29 de Novembro de 1978. 230 Cfr. IDEM, “Libertà” (1978), in EgLi, pp. 45-98. 231 Cfr. IDEM, “Le ragioni della tolleranza” (1986), in EdD, pp. 230-247. 232 Cfr. IDEM, “Sui diritti sociali” (1996), in Cinquent’anni di Repubblica italiana, a cura de G. NEPPI MODONA, Einaudi, Torino 1996, pp. 115-124; republicado com o título “I diritti dell’uomo e la pace”, in TeGePo, pp. 458-466. 233 Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987), republicado com o título “L’età dei diritti”, in EdD, pp. 45-65; republicado in TerAs, pp. 112-125. 234 Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, p. IX. 227 85 especificação dos direitos do Homem, Bobbio apresentou no artigo Diritti dell’uomo e società, 1988235. Bobbio trabalhou os direitos do Homem e a Revolução Francesa em três artigos, a saber: La Rivoluzione francese e i diritti dell’uomo, 1988236, L’eredità della grande rivoluzione, 1989237 e Kant e la Rivoluzione francese, 1989238. Este último, colhendo motivos das obras de Filosofia do Direito e da História de I. Kant239 pôs em particular evidência a teoria kantiana do direito cosmopolita, que Bobbio considerou como a conclusão do próprio discurso conduzido sobre os direitos do Homem; ponto de partida para novas reflexões240. Outros escritos sobre os direitos do Homem foram recolhidos no volume coletânea Il Terzo assente, Saggi e discorsi sulla pace e sulla guerra, 1989241. Nesta coletânea encontramos os seguintes escritos: Eguaglianza e dignità degli uomini, 1963242; I diritti Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e società” (1989), in EdD, pp. 66-85; cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, p. X. 236 Cfr. IDEM, “La rivoluzione francese e i diritti dell’uomo” (1988), in EdD, pp. 89-119. 237 Cfr. IDEM, “L’eredità della grande rivoluzione” (1989), in EdD, pp. 120-141. 238 Cfr. IDEM, “Kant e la rivoluzione francese” (1990), in EdD, pp. 142-154. 239 Cfr. IDEM, “Introduzione” (1985), in I. KANT, Per la pace perpetua, a cura di N. MERKER, Editori Riuniti, Roma 1985, pp. VIIXXI. 240 Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, p. X. 241 Cfr. IDEM, Il Terzo assente, Saggi e discorsi sulla pace e sulla guerra, a cura di P. POLITO, Edizioni Sonda, Milano 1989. 242 Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), in Diritti dell’uomo e Nazioni Unite, a cura da S.I.O.I. e da Commissione Nazionale dell’UNESCO, Cedam, Padova 1963, pp. 27-42; 235 86 dell’uomo e la pace, 1982243; Diritti dell’uomo e filosofia della storia, 1987244. Não recolhidos em nenhuma dessas publicações coletâneas sobre os direitos do Homem é o escrito Il preambolo della Convenzione europea dei diritti dell’uomo, 1973245; o Vi sono diritti fondamentali?, 1980246; o Diritti dell’uomo e diritti del cittadino nel secolo XIX in Europa, 1982247; e Dalla priorità dei doveri alla priorità dei diritti, 1988248. No escrito Diritti dell’uomo e società, 1989249, Bobbio pôs em particular evidência a proliferação – contrastada por alguns – dos pedidos de novos reconhecimentos e novas proteções, na passagem da consideração do Homem abstrato àquela do Homem nas republicado in TerAs, pp. 71-83; e republicado com o título “La dichiarazione universale dei diritti dell’uomo”, in TeGePo, pp. 440-453. 243 Cfr. IDEM, “I diritti dell’uomo e la pace” (1982), in La pace, Edizioni Cens, Liscate (Milano) 1982; republicado in TerAs, pp. 92-96; republicado in TeGePo, pp. 453-458. 244 Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987), republicado com o título “L’età dei diritti”, in EdD, pp. 45-65, e republicado in TerAs, pp. 112-125. 245 Cfr. IDEM, “Il preambolo della Convenzione europea dei diritti dell’uomo” (1973), in Rivista di diritto internazionale LVII (1973), pp. 437-455. 246 Cfr. IDEM, “Vi sono diritti fondamentali?” (1980), in Rivista di filosofia LXXI (1980) 18, pp. 460-464. 247 Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e diritti del cittadino nel secolo XIX in Europa” (1982), in Grundrechte im 19, Jahrhundert, Peter Lang, Frankfurt am Main 1982, pp. 11-15. 248 Cfr. IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui doveri”, in TeGePo, pp. 431-440. 249 Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e società” (1989), in EdD, pp. 66-85. 87 suas diferentes fases da vida e nos seus diferentes estados: especificação do Sujeito. Os direitos da terceira geração, como aqueles a viver num ambiente não poluído, não poderiam ter sido, nem mesmo imaginados, quando foram propostos aqueles da segunda geração. Assim como estes, por exemplo, os direitos à instrução ou à assistência, não eram nem mesmo concebíveis quando foram emanadas as primeiras Declarações do século XVIII. Certos pedidos “podem” nascer somente quando nascem certas necessidades. Novas necessidades nascem em correspondência à mudança das condições sociais, e quando o desenvolvimento técnico e das condições sociais permite de satisfazê-las250. Bobbio trabalhou o direito humano fundamental à vida, bem como a sua posição contra a pena de morte, principalmente nos escritos Contro la pena di morte, 1981251; Contro il potere di dare la morte, 1982252; Il dibattito attuale sulla pena di morte, 1982253; e Sulla pena di morte, 1999254. Sua posição contra o aborto procurado, Bobbio a manifestou na entrevista publicada com o título Laici e aborto, 1981255. Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, pp. XV-XVI. Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 178-200. 252 Cfr. IDEM, “Contro il potere di dare la morte” (1982), in Rinascita, 38, 42 (5 de Novembro de 1982), pp. 41-43. 253 Cfr. IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, pp. 201-229. 254 Cfr. IDEM, “Sulla pena di morte” (1999), in Nuova Antologia, 583, 2212 (Outubro-Dezembro de 1999), pp. 32-35. 255 Cfr. IDEM, “Laici e aborto”, in Corriere della Sera 106, 107 (1981), p. 3. 250 251 88 Bobbio trabalhou os valores e os direitos dos anciãos no I Valori e i Diritti Umani degli Anziani Cronici Nonautosufficienti, 1988256. Uma panorâmica geral da situação dos direitos humanos no início dos anos noventa, Bobbio nos deu no I diritti dell’uomo, oggi, 1991257. Um dos últimos escritos de Bobbio sobre os direitos do Homem foi o Diritti e doveri, 2000258, onde trabalhou a relação necessária entre direitos e deveres. Cfr. IDEM, “I Valori e i Diritti Umani degli Anziani Cronici Nonautosufficienti” (1988), in Eutanasia da Abbandono, Anziani cronici non autosufficienti nuovi orientamenti culturali e operativi, Rosenberg & Sellier, Torino 1988, pp. 47-59. 257 Cfr. IDEM, “I diritti dell’uomo, oggi” (1991), in EdD, pp. 248-266. 258 Cfr. IDEM, “Diritti e doveri” (2000), in DialIntRep, pp. 39-50. 256 89 4. Fontes do Pensamento de Norberto Bobbio. Trabalhamos, até aqui, uma sumária biografia de Bobbio; bem como a concepção bobbiana sobre a vida e a morte; trabalhamos também a sua trilogia temática. Agora, completando esta primeira etapa de nossa pesquisa, cujo objetivo particular é conhecer o pensador que afirmou ser o imperativo ético Não matar um imperativo categórico, podemos passar às fontes do pensamento de Norberto Bobbio: os seus autores clássicos, modernos e contemporâneos. Apesar de Bobbio mesmo haver enumerado os dez autores abaixo citados, não é fácil encontrar entre eles, uma convergência ou afinidade eletivas de pensamento259. Aqui nos limitaremos a apresentar os seus autores procurando, mesmo que a partir dos seus escritos autobiográficos; indicaremos os elementos principais por ele “herdados” desses autores; bem como os principais escritos bobbianos sobre cada um deles. Não pretendemos, pois não entra em nosso objetivo geral, fazer um paralelo entre o pensamento de Bobbio e cada um dos seus autores, indicando precisamente e em modo exaustivo toda a influência deles sobre o pensamento bobbiano. 259 Cfr. IDEM, “Per una bibliografia” (1984), in DeSe, p. 85. 90 4.1. Autores Clássicos. Os primeiros cinco dos autores de Bobbio são os maiores filósofos políticos da idade moderna e, portanto, representavam uma escolha quase obrigatória para um filósofo do Direito e da Política como ele o fora; portanto, não requer de nossa parte uma justificação. São eles: Thomas Hobbes, John Locke260, JeanJacques Rousseau261, Immanuel Kant262 e Georg Wilhelm Friedrich Hegel263. Os principais escritos de Bobbio sobre John Locke são: N. BOBBIO, Locke e il diritto naturale, Giappichelli, Torino 1963; IDEM, “Studi lockiani” (1965), in in DaHaM, pp. 75-128. 261 Cfr. N. BOBBIO, “Fra Roosevelt e Rousseau: Mario Einaudi, l'etica in politica”, in La Stampa (17 de Maio de 1994), p. 18. 262 Os principais escritos de Bobbio sobre Immanuel Kant são: N. BOBBIO, “Prefazione” (1956), in I. KANT, Scritti politici e di filosofia della storia e del diritto, ed. postuma a cura di N. BOBBIO, L. FIRPO, - V. MATHIEU, UTET, Torino 1956; IDEM, Diritto e Stato nel pensiero di Emanuele Kant, Lezioni raccolte dallo studente Gianni Sciorati, Giappichelli, Torino 1957, 19692; IDEM, Diritto e Stato nel pensiero di Emmanuele Kant, Giappichelli, Torino 1957; IDEM, “Due concetti di libertà nel pensiero politico di Kant” (1960), in Studi in onore di Emilio Crosa, Giuffrè, Milano 1960, vol. 1, pp. 219-235; IDEM, “Kant e le due libertà” (1965), in DaHaM, pp. 147-163, republicado in TeGePo, pp. 40-53; IDEM, “Prefazione” (1985), in I. KANT, Per la pace perpetua, a cura di N. MERKER, Editori Riuniti, Roma 1985, pp. VII-XXI; IDEM, “Kant e la rivoluzione francese” (1990), in EdD, pp. 142-154; IDEM, “Storia e progresso in Kant” (2001), in Mezzosecolo: materiali di ricerca storica, n. 14, Angeli, Milano 2006, pp. 23-33. 263 Os principais escritos de Bobbio sobre Georg Wilhelm Friedrich Hegel são: N. BOBBIO, “Una nuova interpretazione di Hegel” (1962), in Estudios de historia de la filosofía, Universidad nacionál de Tucumán, Tucumán 1962, vol. 2, pp. 637-660; IDEM, “Una nuova 260 91 Entre estes autores, quem marcou mais profundamente o pensamento político de Bobbio foi Th. Hobbes. Porém, Bobbio estudou profundamente e utilizou idéias de todos os outros quatro pensadores, para formar o seu próprio pensamento jurídico-político; que pode ser qualificado como eclético264. A inspiração hobbesiana do pensamento de Bobbio refere-se mais à forma que ao conteúdo. Pode-se dizer que interpretazione di Hegel” (1962), in Estudos de historia de la filosofia, II, Universidad Nacional de Tucumán 1962, pp. 637-660; IDEM, “Studi hegeliani” (1965), in DaHaM, pp. 165-238; IDEM, “Hegel e il giusnaturalismo” (1966), in Rivista di filosofia, LVII, 4 (OutubroDezembro de 1966), pp. 379-407; republicado in Il pensiero politico di Hegel: guida storica e critica, a cura de C. CESA, Laterza, Bari 1979, pp. 5-33; republicado in StudiHeg, pp. 3-33; IDEM, “Hegel e il diritto” (1970), in Incidenza di Hegel: studi raccolti nel secondo centenario della nascita del filosofo, a cura de F. TESSITORE, Morano, Napoli 1970, pp. 217-249, republicado in StudiHeg, pp. 35-68; IDEM, “Sulla nozione di costituzione in Hegel” (1971), in De Homine, 10, n. 38-40 (Dezembro de 1971), pp. 315-328; republicado in Studi in memoria di Orazio Condorelli, Giuffrè, Milano 1974, vol. 1, pp. 169-183; republicado com o título “La costituzione in Hegel”, in StudiHeg, pp. 69-83; IDEM, “La filosofia giuridica di Hegel nell'ultimo decennio” (1972), in Rivista critica di storia della filosofia, 27, fasc. 3 (Julho-Setembro de 1972), pp. 293-319; republicado com o título “La filosofia giuridica di Hegel nel decennio 1960-70”, in StudiHeg, pp. 159-192; IDEM, “Lo studio di Hegel” (1972), in Memorie dell'Accademia delle scienze di Torino, Classe di scienze morali, storiche e filologiche, n. 26 (1972), pp. 37-47; IDEM, “Diritto privato e diritto pubblico in Hegel” (1977), in Rivista di filosofia, 68, n. 7-8-9 (Outubro de 1977), pp. 3-29, republicado in StudiHeg, pp. 85-114; IDEM, “Hegel e le forme di governo” (1979), in Rivista di filosofia, 80, n. 13 (Fevereiro de 1979), pp. 77-108, republicado in StudiHeg, pp. 115-146; IDEM, “Purtroppo Hegel ha avuto ragione : [intervista]. ((In: La Stampa. - 20 novembre 2000, p. 1. 264 Cfr. IDEM, “Per una bibliografia” (1984), in DeSe, p. 86. 92 Th. Hobbes, com a sua vocação para a precisão e a sobriedade da linguagem e para as definições rigorosas, tenha sido o iniciador, no campo da Filosofia Política, do estilo analítico, adotado por Bobbio265. A influência de Th. Hobbes sobre o curso das idéias de Bobbio foi mais da parte do “método” que da parte do conteúdo. Porém, também em relação à substância existem idéias hobbesianas que contribuíram a formar o pensamento político bobbiano266. Como o pensamento político de Th. Hobbes, também aquele de Bobbio é, nas suas glândulas vitais, dicotômico, como vimos acima. Bobbio explicitamente teorizou a importância metodológica geral das grandes dicotomias, definidas como o produto daquele processo de ordenamento e de organização do próprio campo de pesquisa pelo qual toda disciplina tende a dividir o próprio universo em duas subclasses que são reciprocamente exclusivas e conjuntamente exaustivas267. A importância de Th. Hobbes fora revelada a Bobbio pelo estudo que ele havia feito do sistema jurídico de Samuel von Pufendorf que é, a modo seu, um hobbesiano.268 Bobbio mesmo nos indicou “três idéias” hobbesianas fundamentais para o próprio pensamento: o individualismo, o contratualismo e a idéia da paz através da constituição de um poder comum: pacifismo institucional, núcleo central do pacifismo bobbiano, como veremos na última etapa dessa Cfr. M. BOVERO, “Introduzione”, in TeGePo, pp. XXIX-XXX. Cfr. N. BOBBIO, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, Roma-Bari 1999, p. 144. 267 Cfr. IDEM, “La grande dicotomia” (1974), in DalStrFunz, p. 145. 268 Cfr. S. Von PUFENDORF, Principi di diritto naturale, a cura di N. BOBBIO, Paravia, Torino 1943. 265 266 93 pesquisa. Ele ainda acrescentou certo pessimismo em relação à natureza humana e a História269. Th. Hobbes é o filósofo com o maior número de citações na bibliografia dos escritos de Bobbio, e o segundo autor em absoluto, depois de Piero Gobetti, pelo número de citações. Bobbio ocupou-se de Hobbes, pela primeira vez, já em 1939, fazendo a resenha do estudo de Carl Schmitt dedicado ao Leviathan. Em 1948, Bobbio curou uma edição do De Cive.270 Escreveu uma Introduzione al De cive271 depois republicada no volume coletânea Thomas Hobbes, 1989272. Esta publicação coletânea recolheu os principais escritos de Bobbio sobre Th. Hobbes273. Cfr. N. BOBBIO, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, Roma-Bari 1999, p. 144. 270 Cfr. Ibidem, p. 143. 271 Cfr. IDEM, “Introduzione al De cive” (1948), in Th. HOBBES, Elementi filosofici sul cittadino, a cura de N. BOBBIO, UTET, Torino 1948, pp. 9-40. 272 Cfr. IDEM, Thomas Hobbes (Piccola biblioteca Einaudi 267), Einaudi, Torino 1989, 20042. 273 Os principais escritos de Bobbio sobre Thomas Hobbes são: N. BOBBIO, “Introduzione al De cive” (1948), in Th. HOBBES, Elementi filosofici sul cittadino, a cura de N. BOBBIO, UTET, Torino 1948, pp. 9-40; republicado in ThH, pp. 73-110; IDEM, “Prefazione” (1948), in Th. HOBBES, Elementi filosofici sul cittadino, a cura de N. BOBBIO, UTET, Torino 1948; IDEM, “Le considerazioni sulla reputazione, sulla lealtà, sulle buone maniere e sulla religione” (1951), in Rivista di filosofia, XLVII (1951), pp. 399-423; republicado in ThH, pp. 199-202; republicado com o título “Prefazione”, in Th. HOBBES, Considerazioni sulla reputazione, sulla lealtà, sulle buone maniere e sulla religione, a cura de N. BOBBIO, La vita felice, Milano 1998, pp. 7-11; IDEM, “Legge naturale e legge civile nella filosofia politica di Hobbes” (1954), in Studi in memoria di Gioele Solari, Edizioni Ramella, Torino 1954, pp. 61-101; republicado in DaHaM, pp. 11-49; e republicado in ThH, pp. 269 94 4.2. Autores Modernos e Contemporâneos. Os outros cinco autores de Bobbio – Benedetto Croce, Carlo Cattaneo, Hans Kelsen, Vilfredo Pareto e Max Weber274, são as fontes principais, nas quais ele se inspirou durante os anos da resistência antifascista e da sua 111-145; IDEM, “Prefazione” (1959), in Th. HOBBES, Opere politiche, vol. 1, Elementi filosofici del cittadino, dialogo tra un filosofo e uno studioso del diritto comune d'Inghilterra, a cura de N. BOBBIO, UTET, Torino 1959; IDEM, “Hobbes e il giusnaturalismo” (1962), in Rivista critica di storia della filosofia, XVII (1962), pp. 470-480; republicado in DaHaM, pp. 51-74; e republicado in ThH, pp. 148-168; IDEM, “La dialettica in Marx” (1965), in DaHaM, pp. 239-266; IDEM, “Il modello giusnaturalistico” (1973), in SocStHaM, pp. 9-34; republicado in ThH, pp. 03-26; IDEM, “Breve storia della storiografia hobbesiana” (1974), in Questioni di storiografia filosofica, Dalle origini all’Ottocento, a cura de V. MATHIEU, La Scuola, Brescia 1974, pp. 324-328; republicado in ThH, pp. 203-210; IDEM, “Hobbes” (1974), in Questioni di storiografia filosofica: dalle origini all'Ottocento, a cura de V. MATHIEU, La Scuola, Brescia 1974, pp. 324-353; IDEM, “La teoria politica di Hobbes” (1980), in Storia delle idee politiche, economiche e sociali, vol. IV, L'Età moderna, UTET, Torino 1980, Tomo 1, pp. 279-317; republicado in ThH, pp. 27-71; IDEM, “Thomas Hobbes” (1980), in Storia delle idee politiche, economiche e sociali, vol. IV, L'Età moderna, UTET, Torino 1980, Tomo 1, pp. 279-317; IDEM, “Hobbes e le società parziali” (1982), in Filosofia, XXXIII (1982), pp. 375-394; republicado in ThH, pp. 169-191; IDEM, “Attualità e presenza di Hobbes” (1988), in Hobbes oggi: atti del convegno internazionale di studio promosso da Arrigo Pacchi, Milano-Locarno 18-21 maggio 1988, a cura de A. NAPOLI, Angeli, Milano 1990, pp. 579-584; IDEM, “Hobbes della pace” (1988), in La Stampa, 122, n. 113 (31 de Maio de 1988), p. 5; republicado com o título “A guisa di conclusione” (1988), in ThH, pp. 193-196; IDEM, “I problemi di Hobbes” (1988), in Nuova antologia, 123, vol. 560, fasc. 2167 (Julho-Setembro de 1988), pp. 77-79; IDEM, “Hobbes, un 95 militância política, caracterizada, na pós-libertação, por um vasto empenho político a favor do renascimento da Democracia; durante sua intensa atividade de estudioso, como vimos acima275. Estes autores, diferentemente dos clássicos, não são enumerados na ordem cronológica. Bobbio os apresentou segundo a ordem objetiva do tempo no qual se aproximou deles. Evitou, assim, a tendência às racionalizações póstumas, como freqüentemente acontece quando se narra a própria história intelectual. Bobbio não apresentou os próprios mestres ideais como etapas de uma sucessiva e progressiva iluminação, mas se limitou a notar que cada um exerceu – especificando sinteticamente o papel desempenhado por eles – uma benéfica influência em momentos diferentes da sua formação e em relação às diferentes direções dos próprios estudos276. É difícil conciliar o otimismo histórico de Benedetto Croce, para o qual a História é sempre História da liberdade, com a antropologia pessimista de Vilfredo Pareto, para o qual a História é um suceder-se de ciclos que se alternam sem uma ordem aparente; ou conciliar o pragmatismo iluminista de Carlo Cattaneo com o formalismo histórico de Max Weber. modello per la pace perpetua” (1989), in La Stampa (Società e cultura), 123, n. 245 (26 de Outubro de 1989), p. 3; IDEM, “Pufendorf e Hobbes” (1992), in Rivista di Filosofia, 88, n. 2 (Agosto de 1992), pp. 263-278; IDEM, “Il Leviathan di Thomas Hobbes” (1999), in Lingua e letteratura, 32-33 (1999), pp. 8-20. 274 Cfr. IDEM, “Per una bibliografia” (1984), in DeSe, p. 86. 275 Cfr. C. VIOLI, “Introduzione”, in NéNé, p. XXV. 276 Cfr. Ibidem. 96 Não obstante isto, Bobbio soube “beber” nessas diversas e inconciliáveis fontes, formando assim o seu próprio manancial277. 4.2.1. Benedetto Croce (1866-1952). Bobbio enumerou Benedetto Croce entre os seus autores278 porque fora mestre de uma geração que havia rejeitado o Fascismo. De Croce, ele aprendeu a distinguir uma vez para sempre o empenho do homem de estudo do empenho daquele “homem” imediatamente político279. Bobbio pertenceu a uma geração que foi ao menos na Università di Torino, croceana naturaliter. Distinguiram, no seu croceanismo, dois componentes: um “geral”, ou seja, um croceanismo como atitude de vida; e um “específico”, ou seja, um croceanismo entendido como metodologia da pesquisa à qual cada um se encaminha por conta própria280. Bobbio pertenceu à terza generazione croceana – terceira geração croceana; aquela para a qual Croce fora o mestre de liberdade nos anos da ditadura fascista; o autor das duas histórias da Itália e da Europa e da Storia come pensiero e come azione.281 O principal débito de Bobbio para com Benedetto Croce foi antes de tudo, quanto à idéia mesma de Filosofia. Cfr. N. BOBBIO, “Per una bibliografia” (1984), in DeSe, p. 86. Cfr. IDEM, “Benedetto Croce” (1991), in DalFaD, p. 215; IDEM, “Prefazione”, in Norberto Bobbio: 50 anni di studi, Bibliografia degli scritti 1934-1983 (1984), a cura de C. VIOLI, Franco Angeli, Milano 1984, p. 14; IDEM, “Prefazione”, in Bibliografia degli scritti 1934-1993 (1995), a cura de C. VIOLI, Laterza, Roma-Bari 1995, p. XXV. 279 Cfr. IDEM, “Per una bibliografia” (1984), in DeSe, p. 86. 280 Cfr. IDEM, “Benedetto Croce” (1962), in ItCiv, p. 70. 281 Cfr. IDEM, “Benedetto Croce” (1991), in DalFaD, p. 216-217. 277 278 97 Ele aprendeu da leitura assídua que fez e re-fez de Croce, em todas as épocas da sua vida, a considerar a Filosofia como um mestiere – atividade profissional – que, como toda profissão, deve ser exercida por quem saiba apropriar-se dos instrumentais aptos e os empregue com a habilidade com que o arquiteto desenha uma ponte que não deverá cair; ou um cirurgião põe as mãos no corpo de um enfermo para curá-lo, não para matá-lo. Uma profissão, porém, que não pode ser exercitada todos os dias e nem a toda hora do dia, não nos dias feriais, quando é bom que também o filósofo exerça e outra profissão mais humilde; somente nos dias festivos, quando se suspende o trabalho habitual para recompor as próprias forças o filósofo deve filosofar282. O filosofar assim entendido, era a antítese da filosofia acadêmica, da filosofia dos professores que devem filosofar por obrigação de serviço e a pagamento: purus philosophus, purus asinus.283 Bobbio aprendeu de Croce, em primeiro lugar, a maneira de pôr a relação entre a Política e a Cultura, que se inspira ao princípio do primado das forças morais sobre as forças materiais; do ético sobre o útil. Este “primado” deu a Bobbio um ponto de apoio para resistir à tentação de aceitar as lisonjas do universo comunista, do qual não se podiam negar, depois da derrota do Nazismo, as seduções. Em segundo lugar, Bobbio aprendeu de Croce a convicção da superioridade do liberalismo sobre todas as outras doutrinas políticas; entendido o liberalismo como fundamento de toda forma de Estado civil; condição necessária de todo governo democrático; e também 282 283 Cfr. Ibidem, p. 218. Cfr. Ibidem, p. 218-219. 98 entendido como visão da História, segundo a qual essa não é guiada por uma incognoscível e infalível providência, mas é o produto da obra humana; não tem um fim pré-estabelecido e, portanto, não permite ao bom entendedor de abandonar-se ao sonho utópico do enigma da História finalmente resolvido, nem de deixar-se aterrorizar pelo pesadelo da catástrofe inevitável284. Bobbio ainda aprendeu de Benedetto Croce a disciplina do estudo, o amor pela obra assídua, o gosto pela pesquisa, o respeito pela verdade acima dos partidos e das pátrias; mesmo se depois tenha discutido e re-discutido todas as suas teorias e tenha aprendido que não era tudo “ouro” aquilo que havia visto brilhar com olhos deslumbrados, por causa da sua grandeza moral e intelectual sem confrontos285. O primeiro escrito de Bobbio sobre Benedetto Croce remonta aos anos cinqüenta: Benedetto Croce, 1952286; ao qual se seguiram uma grande quantidade de escritos287 até o Cfr. Ibidem, p. 219. Cfr. Ibidem, p. 221. 286 Cfr. IDEM, “Benedetto Croce” (1952), in Occidente, 8, n. 3-4 (Maio-Agosto de 1952), pp. 289-290 287 Cfr. IDEM, “Croce e la politica della cultura” (1953), in Rivista di filosofia, XLIV, 3 (Julho de 1953), pp. 247-265, republicado in PolCul, pp. 78-96; IDEM, “Croce e la politica della cultura” (1953), in Rivista di filosofia, 44, n. 3 (Julho de 1953), pp. 247-265; IDEM, “La formazione della filosofia politica di Benedetto Croce” (1953), in Cultura Moderna, 11 (Outubro de 1953), pp. 6-7; IDEM, “Benedetto Croce e il liberalismo” (1955), Rivista di filosofia. - 46, n. 3 (Luglio 1955) p. 261-286; republicado in PolCul, pp. 177-228; IDEM, “Benedetto Croce: il filosofo e il maestro” (1955), in Antologia della critica letteraria, a cura de M. FUBINI, - E. BONORA, Petrini, Torino 1955, vol. 3, pp. 858-860; IDEM, “Un invito a Croce” (1961), in Rivista di filosofia, 52, n. 3 (Julho de 1961), pp. 354-360; IDEM, “Benedetto Croce: a dieci anni dalla morte” (1962), in Belfagor, 17, n. 284 285 99 último, no final dos anos noventa: Croce maestro di vita morale, 1998288. 4.2.2. Carlo Cattaneo (1801-1869). Carlo Cattaneo libertou Bobbio, definitivamente, da prisão das estéreis abstrações filosóficas nas quais é emaranhada a mente juvenil289. Tendo sido um dos intérpretes mais genuínos da ideologia européia, Cattaneo 6 (30 de Novembro de 1962), pp. 621-639; IDEM, “Benedetto Croce” (1962), in ItCiv, pp. 69-93; IDEM, “Gobetti e Croce” (1966), in ItFed, pp. 69-73; IDEM, “Il Croce futuro di Piero Gobetti” (1966), in La fiera letteraria, 41, n. 15 (21 de Abril de 1966), p. 32; IDEM, “Crocianesimo a Torino (1920-1950): Croce e Gobetti” (1978), in La Procellaria, 2-3 (Abril-Setembro de 1978), pp. 97-100; IDEM, “Un maestro di questo secolo” (1978), in Benedetto Croce: una verifica, L'Opinione, Roma 1978, pp. 31-32; IDEM, “Croce secondo Gobetti” (1986), in Corriere della Sera, 111, n. 229 (1 de Outubro de 1986), p. 19; IDEM, “Croce oppositore” (1987), in Profilo ideologico del Novecento, Garzanti, Milano 1987, vol. 9, Il Novecento, pp. 121-129; IDEM, “A carte scoperte” (1989), in Croce-Gentile: dal sodalizio al dramma, Rizzoli, Milano 1989, pp. VII-XII; IDEM, “Fra Croce e Gobetti” (1989), in Nuova Antologia, 124, fasc. 2170 (AbrilJunho de 1989), pp. 103-106; republicado in Franco Antonicelli: ricordi e testimonianze, Bollati Boringhieri, Torino 1992, pp. 73-79; IDEM, “Ho scelto Croce” (1989), in Tuttolibri, 15, n. 570 (23 de Setembro de 1989), p. 5; IDEM, “Benedetto Croce” (1991), in DalFaD, pp. 215-236; IDEM, “Il nostro Croce” (1991), in Filosofia e cultura: per Eugenio Garin, a cura de M. CILIBERTO, - C. VASOLI, Editori Riuniti, Roma 1991, vol. 2, pp. 789-805. 288 Cfr. IDEM, “Croce maestro di vita morale” (1998), in Per conoscere Croce, a cura de P. BONETTI, Edizioni Scientifiche Italiane, Napoli 1998, pp. 35-43. 289 Cfr. IDEM, “Per una bibliografia” (1984), in DeSe, p. 86; IDEM, “Tommaso Fiore”, in LaMI, p. 209. 100 ajudou Bobbio a delinear os traços essenciais desta ideologia290. Foi o interesse por Cattaneo a imprimir uma reviravolta às pesquisas de Bobbio, dando o imput aos seus estudos de História do pensamento político, quase sempre ligados às atualidades291. A origem desse interesse foi, principalmente, o fato que Cattaneo fora um dos pouquíssimos intelectuais ressurgimentais – talvez o único – que nunca “pudera” ser utilizado pelo Fascismo292. A concepção de Carlo Cattaneo sobre o Estado, definido uma grande transazione – grande transação – é absolutamente aos antípodas da doutrina fascista do Estado ético. Também filosoficamente, Cattaneo representava a antítese, aos olhos de Bobbio, das filosofias espiritualistas então dominantes na Itália293. C. Cattaneo fora, para Bobbio, o reformador iluminado, cujas idéias podiam seguramente ser consideradas a base filosófica ideal para o programa do Partito d’Azione. Em 1944-1945, Bobbio curou com uma ampla Introduzione294 a uma coleção de escritos publicada Cfr. IDEM, “Grandezza e decadenza dell’ideologia europea” (1986), in DubScel, p. 187. 291 Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 86. 292 Cfr. IDEM, - M. VIROLI, Dialogo intorno alla repubblica, Laterza, Roma-Bari 2001, p. 23. 293 Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 86. 294 Cfr. IDEM, “Introduzione” (1945), in C. CATTANEO, Stati Uniti d’Italia (Città del Sole, 5), a cura de N. BOBBIO, Chiantore, Torino 1945, pp. 7-91. 290 101 sob o título Stati Uniti d’Italia,295 numa coleção por ele mesmo idealizada e dirigida, intitulada La Città del Sole296. Em 1960, Bobbio curou a publicação de Scritti filosofici de Carlo Cattaneo, também com uma longa Introduzione297. Em 1971, Bobbio publicou um volume coletânea, onde recolheu os seus principais artigos sobre Carlo Cattaneo: Una filosofia militante, Studi su Carlo Cattaneo, 1971298. Na coletânea Teoria generale della politica, 1999299, acima citada, foi publicado o artigo Carlo Cattaneo e le riforme, 1974300. Outros escritos sobre Carlo Cattaneo que não se encontram em nenhuma coletânea foram publicados Cfr. C. CATTANEO, Stati Uniti d’Italia (Città del Sole, 5), a cura de N. BOBBIO, Chiantore, Torino 1945. 296 Cfr. N. BOBBIO, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, Roma-Bari 1999, p. 86-87. 297 Cfr. IDEM, “Introduzione” (1960), in C. CATTANEO, Scritti filosofici, a cura de N. BOBBIO, Le Monnier, Firenze 1960, pp. VLVI. 298 Cfr. IDEM, Una filosofia militante, Studi su Carlo Cattaneo, Einaudi, Torino 1971. Este volume recolheu os seguintes escritos: IDEM, “Illuminista o positivista?” (1971), in StudiCatt, pp. 124-138; IDEM, “L’idea centrale” (1971), in StudiCatt, pp. 112-124; IDEM, “La filosofia è una milizia” (1971), in StudiCatt, pp. 83-138; IDEM, “Le fonti” (1971), in StudiCatt, pp. 83-97; IDEM, “Le lezioni luganesi” (1971), in StudiCatt, pp. 139-181; IDEM, “Principi e temi” (1971), in StudiCatt, pp. 98-112; IDEM, “Stati Uniti d'Italia” (1971), in StudiCatt, p. 3. 299 Cfr. IDEM, Teoria generale della politica (Biblioteca Einaudi, 73), a cura di M. BOVERO, Einaudi, Torino 1999. 300 Cfr. IDEM, “Carlo Cattaneo e le riforme” (1974), in TeGePo, pp. 583-603. 295 102 em revistas, jornais e também como introduções ou notas de obras do autor301. 4.2.3. Hans Kelsen (1881-1973). Bobbio se aproximou à concepção procedimental da Democracia inspirada, sobretudo, a Hans Kelsen, segundo o Cfr. IDEM, “Introduzione” (1945), in C. CATTANEO, Stati Uniti d’Italia (Città del Sole, 5), a cura de N. BOBBIO, Chiantore, Torino 1945, pp. 7-91; IDEM, “Il 48 di Carlo Cattaneo” (1947), in Minerva, LVII, n. 12 (Dezembro de 1947), pp. 353-355; IDEM, “Nota”, in C. CATTANEO, Dell'insurrezione di Milano nel 1848 e della successiva guerra, Le Monnier, Firenze 1949, pp. 331-347; IDEM, “Carlo Cattaneo e gli Stati Uniti d’Europa” (1953), in Ateneo, IV, n. 14 (25 de Maio de 1953), p. 6; IDEM, “Una polemica ignorata di Carlo Cattaneo” (1959), in Nuova Antologia, 94, 468, 1905 (Setembro de 1959), pp. 37-52; IDEM, “Introduzione” (1960), in C. CATTANEO, Scritti filosofici, a cura de N. BOBBIO, Le Monnier, Firenze 1960, pp. V-LVI; IDEM, “Una polemica di Carlo Cattaneo” (1961), in Studi in onore di Vittorio Lugli e Diego Valeri, Neri Pozza, Venezia 1961, vol. 1., pp. 111-136; IDEM, “Il federalismo di Carlo Cattaneo” (1969), in L'Europa, 3, n. 14 (5 de Abril de 1969), pp. 34-37; IDEM, “Carlo Cattaneo” (1970), in Terzo programma, 2 (1970), pp. 45-56; IDEM, “Filosofia e scienza nel pensiero di Carlo Cattaneo” (1970), in Corriere del Ticino, 80, 19, (24 Janeiro de 1970), p. 34; IDEM, “Carlo Cattaneo: una filosofia militante” (1971), in Il pensiero mazziniano, 26, n. 7-8 (Julho de 1971), pp. 61-62; IDEM, “Della sfortuna del pensiero di Carlo Cattaneo nella cultura italiana” (1970), in Rivista critica di storia della filosofia, XXV, 2 (Abril-Junho de 1970), pp. 161-184; IDEM, “Cattaneo e Mazzini” (1972), in Il pensiero mazziniano, 17, n. 2 (1972), p. 18; IDEM, “Carlo Cattaneo nel primo centenario della morte” (1973), in Paragone, Letteratura, XXIV, 278 (Abril 1973), pp. 3-26; IDEM, “Il Suo Cattaneo” (1974), in Critica Sociale, LXVI, suplemento n. 1 (Janeiro de 1974), pp. 49-53; IDEM, “Carlo Cattaneo: uno spirito laico” (1979), in PER, 9-10 (Fevereiro de 1979), pp. 11-16; IDEM, “Cattaneo, modernissimo teorico della libertà e del pluralismo” (1991), in C. CATTANEO, Stati Uniti 301 103 qual as “regras” que consentem livre e pacífica convivência dos indivíduos em Sociedade são a principal característica da Democracia. Naquela época, Bobbio ainda via a Democracia como a forma de governo que consente, melhor de toda outra, o desenvolvimento autônomo da pessoa humana302. Através de Kelsen, Bobbio pôde acessar a um Sistema completo de conceitos-chaves para a compreensão realista, não ideologizada do Direito, distinto da sua base social e dos valores que, vez por vez, inspiram-no303. Quando, em 1994, Bobbio recebeu o Prêmio Balzan, declarou que foi a leitura de Hans Kelsen a inspirar-lhe a concepção da Democracia como um sistema de regras que permitem a instauração e o desenvolvimento de uma convivência livre e pacífica304. d'Italia, il federalismo, le leghe, a cura de D. VIMERCATI, Sugarco, Milano 1991, pp. 225-229; IDEM, “Italia: la formula di Cattaneo”, in La Stampa, (12 de Outubro de 1997), p. 24; IDEM, “Il mio federalismo attraverso Cattaneo” (1998), in Nuova Antologia, 2207 (Julho-Setebro de 1998), pp. 32-35; IDEM, “Cattaneo: gran lombardo e illuminista” in La Repubblica (2001), (18 de Abril de 2001), pp. 46-47. 302 Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 88. 303 Cfr. Ibidem, p. 141. 304 Cfr. Ibidem, p. 141. 104 Hans Kelsen ocupou um lugar fundamental não só nos estudos bobbianos sobre a Teoria do Direito305, mas também naqueles da Teoria Política306. Bobbio deve a Kelsen a concepção procedimental da Democracia, que remonta à idéia da Democracia proposta por J. A. Schumpeter como competição entre elites307 para conquistar o consensus através de livres eleições. O método democrático é o instrumento institucional para chegar às decisões políticas, em base ao qual um indivíduo obtém o “poder” de decidir através de uma competição que há por objeto o voto popular308. Hans Kelsen, fundador da Escola de Viena, pai da Constituição austríaca, concebeu nos seus escritos a Democracia como método, ou seja, como sistema de regras Cfr. IDEM, “Teoria della norma giuridica” (1957-1958), in TeoGeDi, pp. 01-155; IDEM, “Teoria dell’ordinamento giuridico” (1959-1960), in TeoGeDi, pp. 157-292; IDEM, Il positivismo giuridico, Lezioni di Filosofia del diritto (1960-1961), (Recta Ratio, Terza serie, 2), a cura de N. MORRA, G. Giappichelli, Torino 1996; IDEM, “Per un lessico di teoria generale del diritto”(1975), republicado com o título “Norme secondarie”, in ConDizGi, pp. 233-243; IDEM, Dalla struttura alla funzione, Nuovi studi di teoria del diritto, Edizioni di Comunità, Milano 19842. 306 Cfr. IDEM, La teoria delle forme di governo nella storia del pensiero politico (1975-1976), G. Giappichelli, Torino 1976; IDEM, Teoria generale della politica ( Biblioteca Einaudi 173), a cura de M. BOVERO, Einaudi, Torino 1999. 307 Cfr. IDEM, “Fatti e valori nella teoria delle élites” (1960), republicado com o título “Quasi una conclusione”, in SagScPol, pp. 265-278; IDEM, “Democrazia ed élites” (1962), in SagScPol, pp. 221-241. 308 Cfr. J. A. SCHUMPETER, Capitalismo, socialismo e democrazia, Edizioni di Comunità, Milano 1955. 305 105 para tomar decisões coletivas com o mais amplo consenso dos sujeitos envolvidos nas decisões309. Contrariamente aos críticos que rejeitam a concepção procedimental da Democracia, Bobbio observou várias vezes que, apesar de esta ser uma definição mínima de Democracia, não é de modo algum valorativa: esta é uma definição que fixa os requisitos mínimos que um sistema democrático deve possuir que são requisitos formais, mas não exclui a referência a alguns valores fortes310. Considerar a Democracia um instrumento que regula a competição entre as elites pela conquista do consensus implica a referência a valores como a igualdade dos cidadãos no direito de voto, a liberdade de escolha diante do Cfr. N. BOBBIO, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, Roma-Bari 1999, pp. 142-143. 310 Cfr. IDEM, “Democrazia rappresentativa e democrazia diretta” (1978), in FdD, pp. 33-62; IDEM, “Democrazia / dittatura” (1978), republicado com o título “Democrazia e dittatura”, in StGovSoc, pp. 126-157; IDEM, “La democrazia e il potere invisibile” (1980), in FdD, pp. 85-113; IDEM, “I vincoli della democrazia” (1983), in FdD, pp. 63-84; IDEM, “Il futuro della democrazia” (1984), in FdD, pp. 03-31; IDEM, “Democrazia e scienze sociali” (1986), republicado com o título “Democrazia e conoscenza”, in TeGePo, pp. 339-352; IDEM, “La democrazia dei moderni paragonata a quella degli antichi (e a quella dei posteri)” (1987), in TeGePo, pp. 324-339; IDEM, “Democrazia ed Europa” (1987), republicado com o título “Dall’ideologia democratica agli universali procedurali”, in TeGePo, pp. 370-383; IDEM, “Democrazia e sistema internazionale” (1989), in FdD, pp. 195-220; IDEM, “Democrazia e segreto” (1990), in TeGePo, pp. 352-369; IDEM, “Democrazia” (1990), in DizPol, pp. 287b-297b; IDEM, “Ragion di stato e democrazia” (1991), in EdM, pp. 89-104; IDEM, “Democrazia integrale” (1996), in TdR, pp. 110-115; IDEM, “Il compito dei partiti politici” (1996), in TdR, pp. 119-124. 309 106 voto e, como conseqüência, a solução pacífica dos conflitos sociais311. O primeiro escrito de Bobbio sobre Hans Kelsen é La teoria pura del diritto e i suoi critici, 1954312. Em 1957, a Paris, em ocasião de um congresso do Institut International de Philosophie Politique, onde Bobbio fez uma palestra que havia por tema Quelques arguments contre le droit naturel, aconteceu o único encontro pessoal entre Bobbio e Kelsen. A ele, Bobbio dedicou vozes enciclopédicas, artigos, recensões313, por fim um volume coletânea, Diritto e potere, Saggi su Kelsen, 1992314. Nesse volume foram reunidos dez escritos sobre Hans Kelsen, redigidos entre os anos 1954 e 1986. Esse volume é dividido em três partes, a primeira parte trabalha as críticas movidas contra a teoria pura do Direito kelseniana: La teoria pura del diritto e i suoi critici315; a segunda parte Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura de A. PAPUZZI, Laterza, RomaBari 1999, p. 143. 312 Cfr. IDEM, “La teoria pura del diritto e i suoi critici” (1954), in HKelsen, pp. 15-40. 313 Cfr. IDEM, “Kelsen Hans” (1958), in Grande Dizionario Enciclopedico, UTET, Torino 19582, pp. 519-520; republicado in Novissimo Digesto Italiano, UTET, vol. 9, Torino 1963, pp. 402-404; “Nazioni e diritto: Umberto Campagnolo allievo e critico di Hans Kelsen” (1993), in Diritto e cultura, 3, n. 2 (Julho-Dezembro de 1993), pp. 118-132; republicado com o título Umberto Campagnolo allievo e critico di Hans Kelsen, in Diritto internazionale e Stato sovrano / Hans Kelsen, Umberto Campagnolo, a cura de M. G. LOSANO, Giuffrè, Milano 1999, pp. 81-98. 314 Cfr. IDEM, Diritto e potere, Saggi su Kelsen, Edizioni Scientifiche Italiane, Napoli 1992. 315 Recolhe os seguintes artigos: N. BOBBIO, “La teoria pura del diritto e i suoi critici” (1954), in HKelsen, pp. 15-40; IDEM, “Essere e dover essere nella scienza giuridica” (1967), in HKelsen, pp. 41-64; 311 107 trabalha a relação entre o Direito e o poder político: Diritto e potere316; e a terceira e última parte confronta Weber e Perelman a Hans Kelsen, lembrando também Ernest Roguin: Raffronti317. IDEM, “Hans Kelsen” (1973), in Rivista internazionale di filosofia del diritto, L, 3 (Julho-Setembro de 1973), pp. 425-449; republicado com o título “Struttura e funzione nella teoria del diritto di Kelsen”, in HKelsen, pp. 65-87. 316 Recolhe os seguintes artigos: N. BOBBIO, “Le fonti del diritto in Kelsen” (1981), in HKelsen, pp. 91-102; IDEM, “Kelsen e il problema del potere” (1981), in Rivista internazionale di filosofia del diritto, 58, fasc. 4 (Outubro-Dezembro de 1981), pp. 549-570; republicado in HKelsen, pp. 103-122; IDEM, “Kelsen e il potere giuridico” (1982), in HKelsen, pp. 123-139; IDEM, “Dal potere al diritto e viceversa” (1981), in HKelsen, pp. 141-145. 317 Recolhe os seguintes artigos: N. BOBBIO, “Max Weber e Hans Kelsen” (1981), in Max Weber e il diritto, a cura de R. TREVES, Franco Angeli, Milano 1981, pp. 135-154; republicado in HKelsen, pp. 159-177; IDEM, “Perelman e Kelsen” (1986), in HKelsen, pp. 179-192; IDEM, “Un dimenticato teorico del diritto: Ernest Roguin” (1978), in HKelsen, pp. 193-213. 108 4.2.4. Vilfredo Pareto (1848-1923) e Max Weber (1864-1920). Vilfredo Pareto, iconoclasta318 e cético apaixonado, ajudou Bobbio a compreender os limites da Razão e, ao mesmo tempo, o universo sem fim da loucura humana319. Pareto havia a paixão de fazer previsões, mas ele era um cientista, não um chefe de partido320. Em 1916, num Mundo já abalado pela Primeira Guerra, V. Pareto publicou o seu Trattato di sociologia generale, dominado de cima a baixo pela contraposição entre o cientista e o apóstolo, implantado sobre a tese que o sociólogo se ocupa de acertar fatos e de formular teorias e não se preocupa das conseqüências boas ou más das próprias asserções321. Convencido que o Homem é, predominantemente, um ser não-lógico, Pareto se propôs a tarefa de desmascarar esta falsa e presunçosa logicidade com uma das mais Do grego εικών, eikon [ícone], e κλαστειν, klastein [quebrar]) é a doutrina que se opõe ao culto de ícones religiosos e outras obras, geralmente por motivos políticos ou religiosos. No âmbito do cristianismo, a iconoclastia é geralmente motivada pela interpretação literal dos dez mandamentos, que proíbem os fiéis de adorar imagens. As pessoas envolvidas em tais práticas são conhecidas como iconoclastas, um termo que passou a ser aplicado a qualquer um que quebra dogmas ou convenções estabelecidas ou as desdenha. Inversamente, aqueles que reverenciam ou veneram os ícones são conhecidos como iconófilos. A iconoclastia pode acontecer com povos de religiões diferentes, mas é freqüentemente o resultado de disputas entre facções de uma mesma religião. Foi importante na história da Igreja Ortodoxa durante o Império Bizantino, nos séculos VIII e IX. 319 Cfr. N. BOBBIO, “Per una bibliografia” (1984), in DeSe, p. 86. 320 Cfr. IDEM, “Ancora dello stalinismo: alcune questioni di teoria” (1956), in NéNé, p. 38. 321 Cfr. IDEM, “Intellettuali” (1978), in DubScel, p. 167. 318 109 aventurosas e felizes incursões, que nunca foram iniciadas, no mundo da História das idéias322. O primeiro artigo escrito por Bobbio sobre Vilfredo Pareto foi publicado no final dos anos cinqüenta: Vilfredo Pareto e la critica delle ideologie, 1957323. Durante os anos sessenta publicou mais sete artigos sobre V. Pareto: La sociologia di Vilfredo Pareto attraverso le lettere a Maffeo Pantaleoni, 1961324; Pareto e la teoria dell’argomentazione, 1961325; Vailati e Pareto, 1963326; Introduzione alla sociologia di Pareto, 1964327; Prefazione, 1964328; Il problema dell'ideologia in Pareto, 1968329; L’ideologia in Pareto e in Marx, 1968330. Cfr. IDEM, “Teorie politiche e ideologie nell’Italia contemporanea” (1958), in ItCiv, pp. 29-30. 323 Cfr. IDEM, “Vilfredo Pareto e la critica delle ideologie” (1957), in Rivista di filosofia, 48, n. 4 (Outubro de 1957), pp. 355-381, republicado com o título “Pareto e la critica delle ideologie”, in SagScPol, pp. 65-93. 324 Cfr. IDEM, “La sociologia di Vilfredo Pareto attraverso le lettere a Maffeo Pantaleoni” (1961), in Moneta e credito, XIV (1961), pp. 135-153. 325 Cfr. IDEM, “Pareto e la teoria dell’argomentazione” (1961), in Revue internationale de philosophie, 15, n. 58, fasc. 4 (1961), pp. 376-379, republicado in SagScPol, pp. 109-131. 326 Cfr. IDEM, “Vailati e Pareto” (1963), in Rivista critica di storia della filosofia, 18, fasc. 3 (Julho-Setembro de 1963), pp. 463-485. 327 Cfr. IDEM, “Introduzione alla sociologia di Pareto” (1964), in Giornale degli economisti e annali di economia, 23, n. 1 (JaneiroFevereiro de 1964), pp. 1-41, republicado in SagScPol, pp. 15-64. 328 Cfr. IDEM, “Prefazione” (1964), in V. PARETO, Trattato di sociologia generale, a cura de N. Bobbio, P. FARNETI, - F. FRASSOLDATI, Edizioni di Comunità, Milano 1964. 329 Cfr. IDEM, “Il problema dell'ideologia in Pareto” (1968), in Scritti in memoria di W. Cesarini Sforza, Giuffrè, Milano 1968, pp. 85-99. 330 Cfr. IDEM, “L’ideologia in Pareto e in Marx” (1968), in Rivista internazionale di filosofia del diritto, 45, fasc. 1 (Janeiro-Março de 322 110 Nos anos setenta, Bobbio publicou dois escritos sobre V. Pareto: Pareto e il diritto naturale, 1973331; e a Prefazione ao volume Pareto e il sistema sociale, 1973332. O último artigo importante sobre Pareto foi publicado no final dos anos oitenta: L’italia di Vilfredo Pareto, Economia e società in un carteggio del 1873-1923, 1989333. De Max Weber, Bobbio herdou, nos últimos anos do seu itinerário filosófico, uma ajuda decisiva no repensamento e na re-formulação das principais categorias da Política334. Bobbio notou que na obra de M. Weber, que é um dos pilares da teoria política contemporânea, a categoria do despotismo335 não encontra nenhum lugar, substituída pelas várias formas que assumiram na História o poder tradicional; de um lado, o poder carismático, de outro, em relação ao poder legal-racional336. V. Pareto e M. Weber, rígidos e obstinados adversários de toda contaminação entre a obra do cientista e a obra do político – ou a obra do moralista – foram 1968), pp. 7-17, republicado in SagScPol, pp. 95-108. 331 Cfr. IDEM, “Pareto e il diritto naturale” (1973), in Atti del Convegno internazionale su Vilfredo Pareto: Roma, 25-27 ottobre 1975, Accademia Nazionale dei Lincei, Roma 1975, pp. 313-325, republicado in SagScPol, pp. 133-150. 332 Cfr. IDEM, “Prefazione” (1973), Pareto e il sistema sociale, a cura de N. BOBBIO, Sansoni, Firenze 1973. 333 Cfr. IDEM, “L’italia di Vilfredo Pareto, Economia e società in un carteggio del 1873-1923” (1989), republicado com o título “Gli studi paretiani di Giovanni Busino”, in SagScPol, pp. 150-157. 334 Cfr. IDEM, “Per una bibliografia” (1984), in DeSe, p. 87. 335 Cfr. IDEM, “Dispotismo” (1990), in DizPol, pp. 320a-327a. 336 Cfr. IDEM, “Grandezza e decadenza dell’ideologia europea” (1986), in DubScel, p. 190. Não podemos deixar de citar o artigo IDEM, “Max Weber, il potere e i classici” (1981), in TeGePo, pp. 70-97. 111 inclinados a crer que, numa Sociedade guiada por forças irracionais; guiada pela prevalência de ideologias que vêm confusas por “teorias científicas”; num universo irredutível de politeísmo dos valores por efeito da impotência da Razão, a única empresa humana na qual devem ser mantidos não contrastados o “domínio” e a “guia” da Razão, fosse a Ciência. Por isto tocava ao homem de ciência, segundo eles, a responsabilidade de preservar a única forma de saber que pode aspirar à inter-subjetividade da corrupção da fé individual e coletiva, pelos sentimentos, pelas mitologias sempre renascentes; pelas concepções gerais do Mundo não racionalmente verdadeiras, mas somente praticamente úteis337. Bobbio publicou um primeiro escrito sobre Weber, intitulado Max Weber e l’imparzialità della scienza, em 1958338. Nos anos oitenta publicou Max Weber e l’imparzialità della scienza, 1958339; Max Weber un classico che ci aiuta a comprendere la storia, 1980340; La teoria Cfr. IDEM, “Intellettuali” (1978), in DubScel, pp. 167-168. Cfr. IDEM, “Max Weber e l’imparzialità della scienza”, in Notiziario Einaudi, VII, n. 3 (Novembro de 1958), pp. 15-16. 339 Cfr. IDEM, “Max Weber e l’imparzialità della scienza” (1958), in Notiziario Einaudi, VII, n. 3 (Novembro de 1958), pp. 15-16. 340 Cfr. IDEM, “Max Weber un classico che ci aiuta a comprendere la storia” (1980), in Avanti, 84, n. 149 (29-30 de Junho de 1980), p. II. 337 338 112 dello Stato e del potere, 1981341; Max Weber e Hans Kelsen, 1981342 e Max Weber, il potere e i classici, 1981343. Cfr. IDEM, “La teoria dello Stato e del potere” (1981), in Max Weber e l'analisi del mondo moderno, a cura de P. ROSSI, Einaudi, Torino 1981, pp. 215-246. 342 Cfr. IDEM, “Max Weber e Hans Kelsen” (1981), in Max Weber e il diritto, a cura de R. TREVES, Franco Angeli, Milano 1981, pp. 135-154, republicado in HKelsen, pp. 159-177. 343 Cfr. IDEM, “Max Weber, il potere e i classici” (1981), in TeGePo, pp. 70-97. 341 113 CAPÍTULO II: A VIDA HUMANA: VALOR PRIMORDIAL Na primeira etapa delineamos um perfil de Norberto Bobbio, onde conhecemos alguns dados biográficos seus. Conhecemos também um pouco daquele período que, ele mesmo, chamou de sua pré-história. Estes elementos eram necessários para “traçar” um retrato humano de Bobbio; assim foi possível construir o seu perfil filosófico. Em uma palavra, delineamos a imagem moral do “homem” que considerou o princípio ético Não matar um dever absoluto e, por isto mesmo, repugnou a pena de morte e o aborto procurado; proclamou seu pacifismo institucional344. Conhecemos quais foram os principais “valores” para o “homem” Bobbio; sua concepção sobre a existência ou não de um Deus que pudesse ser fundamento absoluto e garantia do valor universal dos princípios morais, em particular do princípio ético Não matar; conhecemos sua concepção do valor da vida humana como direito fundamental por excelência porque protege um bem A posição de Bobbio quanto ao Aborto, a Pena de Morte e a Guerra, bem como o seu pacifismo institucional, será tratada nas terceira e quarta etapas desta pesquisa como conseqüências da afirmação bobbiana do princípio ético Não matar! como absoluto, como imperativo categórico. 344 114 primordial, enquanto condição para todos os demais valores; conhecemos ainda seu modo de conceber a morte do Homem, e aquilo que “acontece” depois da sua morte; conhecemos também a sua trilogia temática: os três grandes temas que nortearam toda sua vasta gama de estudos e escritos durante toda sua vida. Nesta segunda etapa, para responder à segunda pergunta do nosso objetivo específico – Por que Norberto Bobbio afirmou que o princípio ético “Não matar!” é válido em sentido absoluto, é um imperativo categórico? – partiremos do sujeito dos direitos à vida e a viver, onde trabalharemos a nova imagem de Homem, o direito fundamental por excelência; e o indivíduo e a Sociedade civil. Depois, num segundo momento trabalharemos o direito à vida: sinal de progresso moral; onde conheceremos o “mito” do progresso, o progresso moral e o direito à vida, a evolução histórica do direito à vida como direito fundamental por excelência e, por fim, conheceremos as “ambigüidades” da linguagem dos direitos e a utopia da Sociedade livre, justa e feliz. Com esses dois momentos iniciais compreenderemos “por que” Bobbio afirmou que o princípio ético Não matar é válido em sentido absoluto, é um imperativo categórico. Num terceiro momento, passaremos a responder a terceira pergunta de nosso objetivo geral trabalhando o imperativo ético Não Matar, a partir do seu fundamento e das suas “possíveis” derrogas. Depois, poderemos trabalhar o problema da substancial unidade do gênero humano, a partir das “declarações” desta substancial unidade, buscando o seu fundamento, e concluindo com a “desigualdade” humana. 115 Com esses dois momentos – terceiro e quarto – será evidente “o quê” Bobbio entendia dizer quando afirmou de considerar o princípio ético Não matar válido em sentido absoluto, como um imperativo categórico. Esta etapa se concluirá com o problema do fundamento dos direitos à vida e a viver, que é o problema do fundamento mesmo dos direitos fundamentais uma vez que a vida é a condição para todos os demais valores e direitos. Nesse último momento trabalharemos o “sentido” do problema do fundamento dos direitos, a “impossibilidade” de um fundamento absoluto, a “indesejabilidade” de um fundamento absoluto e a proposta bobbiana de solução do problema do fundamento utilizando a antiga fórmula do consensus omnium gentium; por fim, apresentaremos algumas observações conclusivas. 1. O Sujeito dos Direitos à Vida e a Viver. Para conhecermos quem é, segundo Bobbio, o sujeito dos direitos à vida e a viver, trabalharemos três pontos fundamentais. Primeiro, trabalharemos a nova imagem de Homem, onde conheceremos a humanidade e racionalidade como ideais-limites, o mundo humano e o valor da vida humana e, por fim, a pessoa humana e a Sociedade tecnocrática. Depois, trabalharemos o direito fundamental por excelência: à vida e a viver; onde conheceremos a indemonstrabilidade dos valores últimos, o direito natural e o direito primordial à vida; e o problema da conservação da vida humana, como fim primário do Estado civil. 116 Por último, trabalharemos o individuo e a Sociedade civil, onde conheceremos a concepção orgânica da Sociedade civil; e a grande “virada”: ponto de vista do indivíduo; o indivíduo como pessoa moral e racional; e o “direito” à vida e o “dever” de não matar! 1.1. Uma “Nova” Imagem de Homem. Não basta dizer “Homem” ou dizer “Homem novo”, para exprimir aquilo que o Homem realmente “é”, observou Bobbio. Que o Homem novo seja aquele que realizará plenamente e livremente todas as faculdades caracteristicamente humanas, ou seja, aquele que atua a identidade entre o indivíduo e o gênero humano – o homem total – pareceu a Bobbio uma “imagem” muito vaga do Homem345. Ainda mais vaga pareceu a Bobbio aquela concepção neo-marxista do Homem caracterizado pelas suas necessidades; e da Sociedade humana como aquela na qual o Homem conseguirá satisfazer as necessidades essencialmente humanas. Bobbio perguntou-se: quais são essas faculdades caracteristicamente humanas e necessidades essencialmente humanas? Ele disse não haver encontrado resposta satisfatória a tal pergunta. É demasiado fácil a objeção que a uma pergunta do gênero não se possa responder senão propondo, ainda uma vez, um “ideal” de Homem; mas de qual Homem?346 Cfr. N. BOBBIO, “Umanesimo di Rodolfo Mondolfo” (1977), in MeCom, pp. 85-86. 346 Cfr. Ibidem, p. 86. 345 117 1.1.1. Humanidade Limites. e Racionalidade: Ideais- Com a Sociologia e a Antropologia, a Psicologia e a Psicanálise entrando com seus instrumentos num terreno, até então, exclusividade da Moral e da Religião, a imagem tradicional do Homem – animal rationale – foi desmontada. Segundo Bobbio o grande problema da antropologia do final do século XX, foi que, com os pedaços que sobraram daquele Homem “velho” desmontado, ninguém conseguiu ainda “remontar” uma nova imagem de um Homem “novo”. Nunca, como nos últimos tempos, existiu maior incerteza sobre aquilo que deveria ser um novo humanismo. É uma incerteza que parece denunciar uma gravíssima crise nos valores fundamentais347 que deveriam nortear a vida do Homem. À pergunta: basta ser humano para ser racional, pessoa dotada de razão e de consciência? Bobbio observou que todos os Ordenamentos civis reconhecem que existem indivíduos pertencentes ao gênero humano que não são “ainda” dotados de razão e de consciência – como as crianças – ou não o são “mais”, como os dementes. Segundo ele, diante de “uns” e dos “outros” valem, e é justo que valham, certas “desigualdades”348. Existe o Homem racional? Para Bobbio o Homem racional é um ideal-limite; e um ideal-limite é já, por si mesmo, inatingível. Podem existir historicamente maiores Cfr. Ibidem. Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), republicado com o título “La dichiarazione universale dei diritti dell’uomo”, in TeGePo, p. 452. 347 348 118 ou menores “aproximações” a este ideal limite: nenhum ideal é deste Mundo349. 1.1.2. O Mundo Humano e o Valor da Vida Humana. Para Bobbio o mundo humano é o mundo daquilo que ele chamou de grezza materia – matéria bruta. Mas o quê significava, para ele, esta matéria bruta? De quê é metáfora esta expressão bobbiana? Em quê consiste a intratável – e talvez irremediável – “brutalidade” desta matéria, da realidade efetiva; uma “brutalidade” que os ideais devem considerar para não se infringir ou inverter-se em nãovalores? Tentar de responder a estas perguntas significa aproximar-se ao núcleo central do “metódico” pessimismo bobbiano, visto acima, na primeira etapa desta pesquisa350. Não é fácil responder a essas perguntas, mas podemos indicar com certa segurança, na concepção bobbiana do mundo humano, três raízes da negatividade ou maldade deste “mundo” enquanto matéria bruta, que correspondem a três aspectos de uma mesma antropologia negativa; segundo a qual, o Homem é um animal violento, passional e enganador. O primeiro aspecto característico da antropologia bobbiana é a “violência”. Do mundo humano – mundo da grezza materia – é, provavelmente, in-eliminável a violência: desde sempre surgem, entre os homens, conflitos que não se resolvem sem o recurso ao uso da força. Neste Cfr. IDEM, “Democrazia ed Europa” (1987), republicado com o título “Dall’ideologia democratica agli universali procedurali”, in TeGePo, p. 379. 350 Cfr. IDEM, “Risposta ai critici” (1993), in DeSe, p. 154. 349 119 fato vai buscada também a primeira origem e a razão de ser da Política. Isto não significa que a Política seja destinada para sempre a ser teatro exclusivo da vontade de potência, ou pior, do delírio de potência; mas significa que seria ingênuo contrapor, a essa “dura” realidade, o abstrato sonho de uma convivência espontânea e harmoniosa, como seria aquela de uma Sociedade sem Estado. O segundo aspecto característico da antropologia bobbiana é a “passionalidade”. No mundo humano das relações sociais prevalecem as paixões e os interesses particulares sobre as razões universais. E também quando estas últimas parecem afirmar-se, as outras obtêm quase sempre clamorosas vitórias. Isto não significa que o homem passional ou o homo oeconomicus seja destinado a triunfar sempre e em toda circunstância sobre o homem moral, mas significa que não se pode contrapor a “ele” o ideal desencarnado de uma Sociedade composta por indivíduos desinteressados351. O terceiro aspecto característico da antropologia bobbiana é a natural “ideologicidade” humana. O Homem é um animal ideológico – em sentido “pejorativo” – ou seja, animal mentiroso; o Homem mente também a si mesmo aduzindo ao escopo de justificar-se, ou de obter consentimento para o próprio comportamento, motivações diferentes daquelas reais. Isto não significa que devemos nos resignar à opacidade impenetrável e ao engano nas relações humanas, sociais e políticas, privadas e públicas, isto é, ao “reino” da fraude, além do “reino” da força e das paixões; mas significa que seria ingênuo confiar-se à honestidade das 351 Cfr. M. BOVERO, “Introduzione”, in TeGePo, p. LVII. 120 intenções e à sinceridade das declarações dos homens para construir uma Sociedade transparente352. Existe, de fato, um vazio moral no mundo do Homem – animal violento, passional e enganador; “vazio” gerado pela falta de uma “laica” autoridade moral. Este “vazio” moral é preenchido, em parte, pela Religião; mas Bobbio denunciou a necessidade de recuperar o valor “laico” da vida humana. No início do novo milênio, em Dialogo intorno alla repubblica, 2001, Bobbio observou que se os jovens são demasiadamente cínicos, arrogantes e consumistas é porque perderam o sentido do valor primordial da vida humana: para as jovens gerações, para o Homem do novo milênio, a vida humana não tem um sentido nem valor, portanto podese destruí-la; pode-se matar e matar-se. Segundo Bobbio, esta atitude diante da “vida humana” e em direção à morte revela a falta de uma autoridade moral laica, que garanta um laico sentimento moral353. 1.1.3. A Pessoa Tecnocrática. Humana e a Sociedade Por detrás da garantia dos direitos humanos fundamentais do indivíduo, em particular do direito primordial à vida; do controle dos poderes públicos para que não ameacem a vida do indivíduo, da tentativa de organização internacional dos Estados, em vista de garantir a paz internacional e a promoção dos Povos, reside uma Cfr. N. BOBBIO, “Scienza politica”, in Scienze politiche I (Stato e politica), a cura de A. NEGRI, Feltrinelli, Milano 1970, p. 440. 353 Cfr. IDEM, - M. VIROLI, Dialogo intorno alla repubblica, Laterza, Roma-Bari 2001, p. 49. 352 121 particular concepção de Homem; uma particular antropologia: a convicção que o Homem não é meio, mas fim, e que, portanto, uma Sociedade é tanto mais elevada e mais civil quanto mais aumenta e reforça o sentido da responsabilidade individual354. As liberdades de que o Homem é privado na Sociedade tecnocrática não são mais as liberdades civis ou políticas das quais, um tempo, ele fora privado; mas é a liberdade humana no sentido mais amplo da palavra, a liberdade de desenvolver todos os recursos da própria natureza humana: desenvolver plenamente sua 355 humanidade . Para Bobbio aquilo que caracteriza a Sociedade tecnocrática não é o Homem escravo, o Homem servo da “gleba” ou súdito, mas o não-homem; o Homem reduzido a autômato, reduzido a engrenagem de uma grande máquina da qual não conhece nem o funcionamento nem o fim. Olhase com angústia ao desenvolver-se, não de um processo de escravização do Homem ou de sua proletarização, mas de um processo da sua radical desumanização.356 A Humanidade, enquanto essência do Homem transcende-nos. Segundo Bobbio, a História humana há um sentido “trágico” que ele buscou entender, não obstante a sua complexidade. Tudo era para ele tão humano ao ponto de considerar até mesmo a Religião como produto humano. Para Bobbio a fé no Homem era “tudo”, apesar de ser animal violento, passional e enganador. Segundo ele somos Cfr. IDEM, “La persona e lo Stato” (1946), in TdR, p. 96. Cfr. F. SBARBERI, “Introduzione”, in BOBBIO, N., Politica e cultura (Biblioteca Einaudi 200), Einaudi, Torino 20053, p. XIV. 356 Cfr. N. BOBBIO, “Libertà” (1978), in EgLi, p. 87. 354 355 122 homens no meio dos homens: devemos encontrar ali o Bem e o Mal357. 1.2. O Direito Fundamental por Excelência. No Indivíduo humano “vivente”, que não é meio, mas fim, apesar de ser animal violento, passional e enganador, existe um valor primordial: sua “vida”; portanto o direito à vida deve ser sempre considerado o direito fundamental por excelência. Quando Bobbio falou de direito à vida não falou somente do direito dos Indivíduos humanos de hoje; mas também do direito à vida daqueles viventes que ainda não nasceram e que não poderiam nascer, por exemplo, se acontecesse o holocausto atômico358, por ele tantas vezes denunciado. 1.2.1. In-demonstrabilidade dos Valores Últimos. Bobbio observou que os valores últimos – como a vida humana – são in-demonstráveis. Segundo ele é natural que cada indivíduo veja somente a razão na defesa que faz dos próprios valores últimos – sem conseguir ver as suas Cfr. IDEM, - M. VIROLI, Dialogo intorno alla repubblica, Laterza, Roma-Bari 2001, p. 72: Tutto è per me tanto umano al punto che io ritengo che la stessa religione sia un prodotto dell’uomo. La fede nell’uomo è tutto. Noi siamo uomini in mezzo agli uomini. Dobbiamo trovare lì il bene e il male. 358 Cfr. IDEM, “Etica della potenza ed etica del dialogo” (1982), in TerAs, p. 164: […] c’è un valore primordiale, il diritto alla vita, che deve sempre essere tenuto presente, e quando parlo di diritto alla vita parlo anche del diritto di coloro che non sono ancora nati, che non potrebbero nascere se dovesse avvenire l’olocausto atomico. 357 123 não-razões; sem ver a razão na defesa dos valores últimos dos outros indivíduos humanos359. Segundo Bobbio, os valores últimos não são confrontáveis, e por isto mesmo, “não são” negociáveis360; portanto, não são “renunciáveis”. Para ele o princípio fundamental da Moral é o respeito da Pessoa humana361, porque a vida humana é o que existe de mais precioso362. O status naturae, no qual o Homem-natural encontrava-se, era intolerável exatamente porque não lhe garantia a proteção do primum bonum, que é a vida humana. Sob forma de leis naturais, a recta Ratio sugere ao Homem uma série de regras naturais que têm por escopo possibilitar uma co-existência pacífica363, aonde a vida do indivíduo humano venha respeitada por todos e cada um dos membros do grupo; em oposição ao natural estado de guerra de todos contra todos364. O valor último para o Homem é, segundo Bobbio, a própria vida. Os homens constituem o Estado civil com o “único” escopo de suprimir o estado de guerra universal365. O valor supremo é a conservação da vida366. Segundo ele o direito natural à vida é inalienável, ao mesmo modo e Cfr. IDEM, “Marxismo e scienze sociali” (1974), in NéNé, p. 132. Cfr. Ibidem, p. 150. 361 Cfr. IDEM, “Ragion di stato e democrazia” (1991), in EdM, p. 92. 362 Cfr. IDEM, “La teoria politica di Hobbes” (1980), in ThH, pp. 43-44: […] salvare ciò che ha di più prezioso, la vita. 363 Cfr. Ibidem, in ThH, p. 45. 364 Cfr. Th. HOBBES, Leviathan (1651), trad. it., Leviatano o La Materia, la forma e il potere di uno stato ecclesiastico e civile (Biblioteca Universale Laterza, 295), a cura di A. PACCHI, Laterza, Roma-Bari 2000, I, capítulo XIII, p. 101. 365 Cfr. Ibidem, II, capítulo XVII, p. 139. Cfr. também N. BOBBIO, “Legge naturale e legge civile nella filosofia politica di Hobbes” (1954), in ThH, p. 137; IDEM, “Introduzione al De cive”, in ThH, p. 88. 359 360 124 com os mesmos efeitos com que para J.-J. Rousseau era inalienável o direito à liberdade367. 1.2.2. O Direito Natural e o Direito Primordial à Vida. Bobbio observou que as teorias do direito natural da Idade moderna, para reconstruir racionalmente o Estado civil, partiram da “hipótese” de um status primitivo da Humanidade, chamado status naturae.368 Segundo o Jus-naturalismo, o status naturae era caracterizado pela existência somente de direitos e não de deveres369. Entre esses direitos apareciam o direito à vida e o direito sobre todas as coisas indispensáveis à conservação da vida370. A única via aberta aos homens para sair da anarquia natural, dependente da sua natureza, e para estabelecer a paz entre eles, prescrita pela primeira lei natural, era a instituição artificial de um poder comum371. Isto é, o status civile, cuja primeira lei “positiva” pactuada era Não matar! Cfr. N. BOBBIO, “Legge naturale e legge civile nella filosofia politica di Hobbes” (1954), in ThH, p. 119: […] il valore supremo della conservazione della vita […]. 367 Cfr. Ibidem, p. 137. 368 Cfr. IDEM, “Democrazia ed Europa” (1987), republicado com o título “Dall’ideologia democratica agli universali procedurali”, in TeGePo, p. 377. 369 Cfr. IDEM, “Hobbes e il giusnaturalismo” (1962), in ThH, p. 152. 370 Cfr. Ibidem. 371 Cfr. Th. HOBBES, Leviathan (1651), trad. it., Leviatano o La Materia, la forma e il potere di uno stato ecclesiastico e civile (Biblioteca Universale Laterza, 295), a cura di A. PACCHI, Laterza, Roma-Bari 2000, II, capítulo XVII, p. 142. 366 125 Preservava o valor primário para o Homem: a própria vida372. Se se imagina um status naturae, isto é, aquele estado no qual o Homem agia seguindo, exclusivamente, as próprias inclinações naturais; não pode ser concebido senão “atormentado” por um contraste insanável entre a inclinação a “prejudicar” – própria do Homem enquanto animal violento, passional e enganador373 – que gera a guerra de todos contra todos e faz cair sobre o Homem ameaça contínua de morte violenta; e o instinto de “conservação” que impulsiona o Homem a usar todos os meios a fim de evitar aquela morte que, por causa da sua mesma natureza anti-social, domina-o.374 O status naturae é, assim, uma situação intrinsecamente contraditória, observou Bobbio, na qual o Homem não pode continuar a viver e da qual deve absolutamente sair; representado como absurdo, porque ressalta por contraste a racionalidade do Estado Civil. Sair desse estado de morte significa resolver a contradição. Não se poderia fazer isto senão deste modo: impedir ou ao menos refrear a inclinação humana a matar para libertar o Homem do medo da morte violenta375. Segundo Bobbio, para J. Locke que foi o principal inspirador dos primeiros legisladores dos direitos humanos, para bem entender o poder político e derivá-lo da sua origem natural, deve-se considerar em qual “estado” se Cfr. N. BOBBIO, “Premessa” (1989), in ThH, p. XI. Cfr. M. BOVERO, “Introduzione”, in TeGePo, p. LVII. 374 Cfr. N. BOBBIO, “Introduzione al De cive” (1948), in ThH, p. 88. Cfr. Th. HOBBES, Leviathan (1651), trad. it., Leviatano o La Materia, la forma e il potere di uno stato ecclesiastico e civile (Biblioteca Universale Laterza, 295), a cura di A. PACCHI, Laterza, Roma-Bari 2000, II, capítulo XVII, pp. 139-144. 375 Cfr. Ibidem. 372 373 126 encontrem naturalmente todos os homens; este é um estado de perfeita liberdade de regular as próprias ações e dispor das próprias posses e das próprias pessoas como achar melhor, dentro dos limites da lei de Natureza, sem pedir autorização ou depender da vontade de ninguém376. Para Th. Hobbes o direito de Natureza, que os escritores chamavam comumente jus naturale, é a liberdade que cada um há de usar o próprio poder a seu arbítrio para a conservação da sua natureza, isto é, da sua vida. Conseqüentemente fazer qualquer coisa que, segundo o seu juízo e a sua razão, conceba como o meio mais idôneo a esse “fim”. Ainda segundo Hobbes, por liberdade deve-se entender a ausência de impedimentos externos377. I. Kant, definindo o Direito Natural como o direito que cada homem tem de obedecer somente à Lei da qual ele mesmo é legislador, dava uma definição da liberdade como autonomia: o poder de dar leis a si mesmo. O Homem tem direitos inatos e adquiridos, e o “único” direito inato é a liberdade, ou seja, a independência de toda coação imposta pela vontade de outro: autonomia378. Partindo do pensamento kantiano, Bobbio afirmou que do ponto de vista da Filosofia da História, o atual debate sempre mais amplo e intenso sobre os direitos humanos fundamentais, pode ser interpretado como um “signum prognosticum” do progresso moral da Humanidade379. Cfr. J. LOCKE, Secondo trattato sul governo, II, 4. Cfr. Th. HOBBES, Leviathan (1651), trad. it., Leviatano o La Materia, la forma e il potere di uno stato ecclesiastico e civile (Biblioteca Universale Laterza, 295), a cura di A. PACCHI, Laterza, Roma-Bari 2000, I, capítulo XIV, p. 105. 378 Cfr. N. BOBBIO, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987), republicado com o título “L’età dei diritti”, in TerAs, p. 115. 379 Cfr. Ibidem: […] dal punto di vista della filosofia della storia, l’attuale dibattito sempre più ampio, sempre più intenso sui diritti 376 377 127 1.2.3. Conservar a Vida: Fim Primário do Estado Civil. No status naturae, que é estado de guerra, a vida humana – primum bonum – está sempre em perigo380. Por isto, a regra fundamental da razão e todas as demais regras dela derivadas, para conduzir os homens a uma coexistência pacífica, são ordenadas ao fim verdadeiramente primário de conservar a vida. Ou seja, visam a conduzir os homens a um estado de paz. Observou Bobbio que estas regras “naturais” eram regras de prudência em vista de uma convivência pacífica e não imperativos categóricos: cada Homem era obrigado a observá-las somente “se”, observando-as, fosse seguro de atingir o fim desejado: a conservação da própria vida. Ora, acontece que, na maior parte dos casos, o fim previsto pela regra natural não vinha atingido se ela não fosse observada por todos ou ao menos pela maior parte dos membros de um grupo381. No estado de natureza não dell’uomo, tanto ampio da aver ormai coinvolto tutti i popoli della terra, tanto intenso da essere messo all’ordine del giorno delle più autorevoli assise internazionali, può essere interpretato come un segno premonitore (signum prognosticum) del progresso morale dell’umanità. 380 Cfr. Th. HOBBES, Leviathan (1651), trad. it., Leviatano o La Materia, la forma e il potere di uno stato ecclesiastico e civile (Biblioteca Universale Laterza, 295), a cura di A. PACCHI, Laterza, Roma-Bari 2000, II, capítulo XVII, p. 139. Cfr. também N. BOBBIO, “Legge naturale e legge civile nella filosofia politica di Hobbes” (1954), in ThH, p. 137; IDEM, “Introduzione al De cive”, in ThH, p. 88. 381 Cfr. N. BOBBIO, “La teoria politica di Hobbes” (1980), in ThH, p. 45: Poiché nello stato di guerra la vita è sempre in pericolo, la regola fondamentale della ragione, e tutte le regole da essa derivate, 128 existia um poder supra-individual que garantisse tal observação. Num status naturae, quem nos asseguraria que os outros membros do grupo-natural também observariam as mesmas regras de prudência que somos dispostos a observar? Uma das primeiras leis naturais é de ser fiéis aos pactos; mas, observou ainda Bobbio, quem seria tão estulto ao ponto de observar um pacto se não fosse seguro que o outro “contraente” também o observaria?382 O Estado civil foi constituído para satisfazer à necessidade de um poder supra-individual383, capaz de garantir, a todos os indivíduos humanos, a observação de todas as leis; impedindo o uso individual e indiscriminado da força; eliminando o estado de guerra de todos contra todos e instaurando, assim, um estado de paz. É a antítese do status naturae: substitui o reino da guerra com o reino da paz. O Estado Civil é uma construção racional que se contrapõem ao “irracional” Estado natural no qual se encontrava o Homem384. conducendo l’uomo verso una coesistenza pacifica, sono ordinate al fine veramente primario di conservare la vita. Siccome peraltro queste regole sono regole della prudenza e non imperativi categorici, ogni uomo è tenuto ad osservarle soltanto se, osservandole, è ben sicuro di raggiungere il fine voluto. Ora accade che nella maggior parte dei casi il fine previsto dalla regola non venga raggiunto se la regola non venga osservata da tutti o per lo meno dalla maggior parte dei membri di un gruppo. 382 Cfr. Ibidem, pp. 45-46. 383 Cfr. Th. HOBBES, Leviathan (1651), trad. it., Leviatano o La Materia, la forma e il potere di uno stato ecclesiastico e civile (Biblioteca Universale Laterza, 295), a cura di A. PACCHI, Laterza, Roma-Bari 2000, II, capítulo XVII, p. 142. 384 Cfr. N. BOBBIO, “Introduzione al De cive” (1948), in ThH, p. 88; Cfr. IDEM, - M. VIROLI, Dialogo intorno alla repubblica, Laterza, Roma-Bari 2001, p. 41. 129 Para dar vida ao Estado civil e sair, assim, do estado de “morte” – cada indivíduo renunciou ao direito sobre todas as coisas e à força para reivindicá-lo. Em seguida a esta renúncia, ao indivíduo entrado numa convivência civil, isto é, tornado súdito de um Poder Soberano, não permaneceu nenhum outro direito natural além daquele primordial direito à vida385. Que o direito à vida seja irrenunciável deriva da lógica mesma da convivência civil: os indivíduos humanos instituíram o Estado civil para fugir da ameaça permanente de morte violenta que caracterizava o Estado natural, isto é, para salvar a própria vida. Não podem não se considerar livres do vínculo da obediência civil quando a própria vida estivesse em perigo por culpa do Soberano386. A lei natural indica aquilo que é bom ou mal em relação a um dado fim. O problema fundamental para a compreensão da lei natural remete-se à posição e à compreensão do problema do “fim”. Sobre este ponto aumenta a diferença entre a concepção hobbesiana e aquela tradicional da lei natural. O fim supremo do Homem, a partir do ponto de vista utilitarista do qual se põem Th. Hobbes é a paz387. O Homem que no status naturae era “indivíduo”, constituindo-se o status civile se torna essencialmente “objeto” do Poder ou, ao máximo, torna-se sujeito “passivo”: torna-se cidadão, parte de um Povo. Segundo Bobbio, nos tratados políticos, mais que dos seus direitos, falou-se dos seus deveres, entre os quais o principal é o Cfr. IDEM, “La teoria politica di Hobbes” (1980), in ThH, p. 54. Cfr. Ibidem. 387 Cfr. IDEM, “Legge naturale e legge civile nella filosofia politica di Hobbes” (1954), in ThH, p. 116. 385 386 130 dever de obedecer às leis do Estado: considerada primária para o indivíduo-cidadão. Segundo Bobbio, se é possível reconhecer nessa relação Povo-Indivíduo, Estado-Cidadão, um sujeito “ativo”, este não é o “Indivíduo-cidadão” com os seus direitos originários, mas sim o “Povo-estado”, enquanto totalidade na qual o Indivíduo desaparece como sujeito de direitos388. Nessa relação política Povo-Indivíduo o único direito natural que permaneceu ao Indivíduo humano que se torna “cidadão” foi o primordial direito à vida. O “Povo-estado”, enquanto sujeito-ativo na relação constituinte do status civile, para garantir sua própria sobrevivência, diz ao “Indivíduo-cidadão”: Não matar! O “Indivíduo-cidadão”, enquanto sujeito-passivo, também para garantir sua própria sobrevivência individual e não ser “anulado” como a parte em relação ao “todo”, diz ao “Povo-estado”: Não me matar! O problema do conflito entre o direito à vida e a viver do “Indivíduo-cidadão” e o direito do “Povo-estado” à própria conservação, segundo Bobbio, em última análise é um problema exclusivamente “moral”389. A concepção orgânica da Sociedade civil colocando o indivíduo a serviço do grupo apresentou uma solução ao problema desta relação social Povo-Indivíduo. Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987), republicado com o título “L’età dei diritti”, in TerAs, p. 120. 389 Cfr. IDEM, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in DubScel, pp. 27-28. 388 131 1.3. O Indivíduo Humano e a Sociedade Civil. Segundo Bobbio, a concepção individualista da relação política Povo-Indivíduo significa que, antes de tudo, vem o “Indivíduo-cidadão” que vale por si mesmo e, somente depois, vem o “Povo-estado” e não vice-versa. Significa ainda que o Estado deva estar a serviço do Indivíduo humano e não o Indivíduo a serviço do Estado. Significa que a conservação dos direitos imprescritíveis do Homem à vida e a viver é o “escopo” último de toda associação política390, como ficou claro acima. Nenhuma concepção individualista da Sociedade, seja o individualismo ontológico, seja aquele metodológico, prescinde do fato que o Homem é um ser social e não pode viver isolado, como de fato não o vive. 1.3.1. A Concepção Orgânica da Sociedade Civil. Bobbio considerou dois modos de conceber a Sociedade civil, ou seja, dois “modelos” da visão do Indivíduo humano em relação à Sociedade dos homens. O primeiro modelo, em ordem cronológica, ele chamou aristotélico porque foi exposto com linear simplicidade nas primeiras páginas da Política de Aristóteles. Segundo Aristóteles o Homem é o animal mais sociável do que a abelha e de qualquer outro animal que vive em “rebanho”. O Homem é o único “animal” que possui a “palavra”: serve a indicar o útil e o danoso, o justo e o injusto. O Homem é o único animal a haver a noção do “bem” e do “mal”, do justo e do injusto. 390 Cfr. IDEM, “Premessa all’edizione 1984”, in FdD, p. XXIV. 132 Na ordem natural a Cidade precede a Família e cada um de nós. Segundo Aristóteles, o “todo” precede necessariamente a parte, porque, tirado o todo, não permanece nada, senão por homonímia. A Cidade “é” por natureza e “é” anterior ao Indivíduo porque, se o Indivíduo, tomado por si, não é auto-suficiente, será em relação ao todo na mesma relação em que o são as outras partes. Portanto, afirmou Aristóteles, quem não pode entrar a fazer parte de uma Comunidade ou quem não têm necessidade de nada, bastando a si mesmo, não é parte de uma Cidade: ou é uma “fera” ou um “deus”. Por natureza, portanto, existem em todos os homens os estímulos a constituir tal Comunidade. O Homem que realizou os seus fins naturais é o melhor dos “animais”, quando não há nem leis nem justiça, é o “pior”391. Em uma palavra, segundo o modelo aristotélico a Sociedade civil é uma sociedade natural que nasce da natural evolução do primeiro núcleo organizado, a família. Tomás de Aquino “traduziu” o conceito aristotélico da “politicidade” do Homem acrescentando a ele uma natural sociabilidade. Assim, para Tomás o Homem é naturalmente animal político e social: homo est naturaliter animal politicum et sociale.392 Por séculos, observou Bobbio, foi indiscutível o texto de Tomás de Aquino, onde se lê que cada parte é ordenada ao todo como o imperfeito é ordenado ao perfeito. Assim sendo, cada pessoa considerada parte, põe-se em relação à Comunidade como a parte em relação ao todo393. Cfr. ARISTÓTELES, Politica, 1253a. TOMÁS DE AQUINO, Summa Theologiae, I-II, 72, a 4. 393 Cfr. Ibidem, q. 64, a. 2: Omnis autem pars ordinatur ad totum ut imperfectum ad perfectum. Et ideo omnis pars naturaliter est propter 391 392 133 Bobbio chamou o segundo modelo de jusnaturalístico ou “hobbesiano”, porque o seu rigoroso elaborador foi Th. Hobbes394. Enquanto para o modelo aristotélico, o ponto de partida da Sociedade é a natural politicidade e sociabilidade do Homem; para o modelo jus-naturalístico395, o ponto de partida é a natural anti-sociabilidade do Homem396. A Bobbio impressionou o “contraste”, no pensamento hobbesiano, entre o ponto de partida individualista – o Homem é naturalmente anti-social – e a persistente representação do Estado como um corpo em versão “grande”, um homem artificial397. De fato, segundo Th. Hobbes vem criado pela arte do Homem o grande Leviathan chamado República ou Estado – Civitas – que é um homem artificial, ainda se há uma “estatura” e uma “força” maiores do que o Homem natural; querido para proteger e defender o Indivíduo humano. Neste homem artificial a soberania é uma alma artificial porque dá vida e movimento ao inteiro corpo; os magistrados e os outros funcionários com tarefas judiciárias e executivas são as articulações artificiais; a recompensa e a punição, por totum. […] Quaelibet autem persona singularis comparatur ad totam communitatem sicut pars ad totum. 394 Cfr. N. BOBBIO, “Marx, lo Stato e i classici” (1983), in TeGePo, p. 57. 395 Cfr. Th. HOBBES, Leviathan (1651), trad. it., Leviatano o La Materia, la forma e il potere di uno stato ecclesiastico e civile (Biblioteca Universale Laterza, 295), a cura di A. PACCHI, Laterza, Roma-Bari 2000, II, capítulo XVII, pp. 139-144. 396 Cfr. N. BOBBIO, “Marx, lo Stato e i classici” (1983), in TeGePo, p. 57. 397 Cfr. IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui doveri”, in TeGePo, p. 435. 134 meio das quais toda juntura e membro são ligados ao trono da soberania e são movidos a cumprir o próprio dever, são os nervos, os quais têm a mesma função no corpo natural; a salus populi – a segurança do povo – é a sua tarefa; os conselheiros, que lhe sugerem tudo aquilo que deve conhecer, são a memória; a equidade e as leis são uma razão e uma vontade artificiais; a concórdia é a saúde; a sedição é a doença e a guerra civil é a morte. Enfim, os pactos e as convenções, através das quais foram originariamente produzidas, reunidas e unificadas as partes deste corpo político, assemelham-se àquele fiat ou àquele seja feito o homem pronunciado por Deus no momento da criação.398 Bobbio observou que esta concepção orgânica da Sociedade civil399, foi tão persistente que mesmo às portas da Revolução francesa, 1789, que proclamava os direitos do “Indivíduo” diante do Estado, E. Burke escreveu: os indivíduos passam como sombras, mas o Estado é fixo e estável400. A forte presença da concepção orgânica da Sociedade civil, o modelo aristotélico, marcou profundamente o conceito mesmo de soberania, tradicionalmente concebida Cfr. Th. HOBBES, Leviathan (1651), trad. it., Leviatano o La Materia, la forma e il potere di uno stato ecclesiastico e civile (Biblioteca Universale Laterza, 295), a cura di A. PACCHI, Laterza, Roma-Bari 2000, pp. 5-6. Cfr. N. BOBBIO, “Rapporti internazionali e marxismo”, in NéNé, p. 167. 399 Cfr. N. BOBBIO, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987), republicado com o título “L’età dei diritti”, in TerAs, p. 121. 400 Cfr. E. BURKE, Speech on the Economic Reform (1780), in IDEM, Works, II, London 1906, p. 357, citado por N. BOBBIO, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui doveri”, in TeGePo, pp. 435-436; IDEM, “Teorie politiche e ideologie nell’Italia contemporanea”, in ItCiv, pp. 19-20; B. CROCE, “Giustizia internazionale (1928), in Etica e politica, Bari 1945, p. 347. 398 135 como potestas superiorem non recognoscens,401 ou seja, o poder estatal é, por definição, supra-“individual”; um poder que não reconhece outra autoridade acima de si mesmo. 1.3.2. A Grande Virada: Ponto de Vista do Indivíduo. Aquilo que Bobbio chamou a grande virada é estreitamente conexa com o afirmar-se do modelo jusnaturalístico da Sociedade civil, contraposto ao seu eterno adversário o modelo aristotélico402, como vimos acima. Esta doutrina filosófica que fez do indivíduo humano – e não mais da Sociedade – o ponto de partida para a construção de uma doutrina da Moral e do Direito, Bobbio a considerou a secularização da ética cristã – etiamsi daremus non esse Deum403 – mesmo se Deus não existisse, citando o De Jure Belli ac Pacis, 1625, de H. Grotius.404 Esta inversão de perspectiva, que se tornou definitiva, foi “provocada” no início da Idade Moderna; principalmente, pelas guerras de Religião através das quais se afirmou o direito de resistência à opressão do Estado, que pressupõe um direito ainda mais substancial e originário: o direito de cada indivíduo a não ser oprimido e Cfr. N. BOBBIO, “La teoria politica di Hobbes”, in ThH, pp. 48-49. Cfr. IDEM, “Il modello giusnaturalistico” (1973), in IDEM, - M. BOVERO, Società e stato nella filosofia politica moderna, IL Saggiatore, Milano 1979, pp. 17-109; IDEM, “La persona e lo Stato”, in TdR, pp. 72-73. 403 H. GROTIUS, De jure belli ac pacis libri tres (1720), Prol. 11: Et haec quidem, quae jam diximus, locum aliquem haberent, etiamsi daremus, quod sine summo scelere dari nequit, non esse Deum, aut non curari ab eo negotia humana. 404 Cfr. N. BOBBIO, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987), republicado com o título “L’età dei diritti”, in TerAs, pp. 120-121. 401 402 136 a não ser morto. Isto é, a gozar de algumas liberdades fundamentais: fundamentais, porque naturais, e naturais porque pertencentes ao Homem enquanto tal e não dependentes do beneplácito do Soberano405. Nesta inversão consiste, na filosofia prática, a revolução copernicana, paralela àquela que I. Kant havia afirmado na teoria do conhecimento. Revolução que Bobbio resume em ambos os campos, como a passagem do ponto de vista do objeto ao ponto de vista do sujeito. Na esfera da política esta inversão significa que se começou a olhar a Sociedade civil a partir do ponto de vista do Indivíduocidadão e não mais daquele do Povo-estado. As Declarações dos direitos fundamentais do final do séc. XVIII que se seguiram às duas revoluções democráticas, aquela Americana e aquela Francesa, segundo Bobbio foram a primeira grande expressão prática, politicamente relevante, desta inversão da relação política por excelência406; representou uma inversão radical na História da Moral407. O Indivíduo humano, que de livre que era no status naturae, tornou-se “Povo” e servo no status civile; tornou-se fundamento ético na Democracia moderna. Mas Bobbio perguntou-se: qual indivíduo? A resposta que recebemos de toda a tradição do pensamento democrático é uma só: o indivíduo humano racional; racional no sentido de ser capaz de avaliar as conseqüências não somente imediatas, mas também futuras das próprias ações. Portanto capaz de Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD,pp. XI-XII. Cfr. IDEM, “Democrazia ed Europa” (1987), republicado com o título “Dall’ideologia democratica agli universali procedurali”, in TeGePo, p. 377. 407 Cfr. IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui doveri”, in TeGePo, p. 432. 405 406 137 avaliar os próprios interesses em relação aos interesses dos outros e com estes compatíveis, num equilíbrio instável, mas sempre passível de ser restabelecido através da lógica; característica de um regime democrático, do 408 “compromisso” . Para fazer um exemplo que está à base da moral racional, com evidente dependência kantiana, Bobbio disse: eu posso haver interesse imediato em transgredir um pacto, e lucrar com o fato que o outro o observou, mas não posso, enquanto Homem racional querer viver num Mundo em que todos os pactos sejam transgredidos; porque num Estado, assim feito, seria impossível qualquer forma de convivência pacífica409. O primeiro pacto estabelecido entre o “Povo-estado” e o “Indivíduo-cidadão” foi o pacto de mútua não agressão, ou seja, de Não Matar e de Não ser morto. 1.3.3. O Indivíduo como Pessoa Moral e Racional. Segundo Bobbio, o Indivíduo humano como Pessoa moral e racional, é o melhor juiz dos próprios interesses410. O Liberalismo partiu de uma premissa elaborada pela filosofia jus-naturalista: o Homem, na sua totalidade, é irredutível ao Estado. Existe um homem externo e um homem interno: a máquina do Estado pode empossar-se somente do Homem externo, mas não do Homem interno. O Homem, na sua interioridade, é responsável somente diante de um poder que transcende o poder terreno Cfr. IDEM, “Democrazia ed Europa” (1987), republicado com o título “Dall’ideologia democratica agli universali procedurali”, in TeGePo, p. 378. 409 Cfr. Ibidem. 410 Cfr. Ibidem. 408 138 do Estado, e em tal modo a parte mais profunda, portanto mais pessoal, é subtraída à ação des-personalizante do Estado411. Segundo Bobbio, partindo de J. Locke entende-se que a doutrina dos direitos naturais pressupõe uma concepção individualista da Sociedade, portanto do Estado, continuamente contrastada pela bem mais sólida e antiga concepção orgânica, acima apresentada412. O Liberalismo, que parte de uma concepção individualista da Sociedade civil, em teoria, não destrói a máquina do Estado: reduz o seu poder àquela parte que se dirige ao Homem genérico e impessoal em contraposição ao Homem individual e pessoal; ao Homem coletivo ou público em contraposição ao Homem particular ou privado. Observou Bobbio que a declaração dos direitos naturais do Homem, isto é, a proclamação que existem direitos individuais anteriores ao Estado e por ele não violáveis nem usurpáveis, é essencial a toda afirmação de Liberalismo413. Bobbio observou que a mesma inversão aconteceu em relação ao fim do Estado, que é para o organicismo a concórdia ciceroniana – a homónoia dos Gregos – ou seja, as lutas contra as facções que, dilacerando o corpo político, mataram-no. Para o individualismo a finalidade do Estado é o crescimento do indivíduo humano, o mais possível livre de condicionamentos externos. Também em relação ao tema da justiça: numa concepção orgânica, a definição mais apropriada do justo é Cfr. IDEM, “La persona e lo Stato” (1946), in TdR, p. 80. Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987), republicado com o título “L’età dei diritti”, in TerAs, p. 121. 413 Cfr. IDEM, “La persona e lo Stato” (1946), in TdR, pp. 80-81. 411 412 139 aquela platônica para a qual cada uma das partes de que é composto o corpo social deve desempenhar a função que lhe é própria. Invés, na concepção individualista é justo que cada um seja tratado em modo a poder satisfazer as próprias necessidades e atingir os próprios fins, entre todos, primeiro aquele da felicidade que é a finalidade individual por excelência414. Nessa inversão da relação política entre Indivíduo e Estado vem invertida também a relação tradicional entre direito e dever. No que se refere aos indivíduos, de agora em diante vêm primeiro os direitos e depois os deveres; no que se referem ao Estado, primeiro os deveres e depois os direitos415. Passa-se da prioridade dos deveres dos súditos à prioridade dos direitos do cidadão; ao mudado modo de olhar a relação política, não mais predominantemente a partir do ponto de vista do Soberano, mas a partir do ponto de vista do cidadão, em correspondência ao afirmar-se da teoria individualista da Sociedade civil contra aquela organicista416. Cfr. IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui doveri”, in TeGePo, p. 436. 415 Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987), republicado com o título “L’età dei diritti”, in TerAs, p. 122; IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui doveri”, in TeGePo, pp. 433-434. 416 Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, p. IX. 414 140 1.3.4. O “Direito” à Vida e o “Dever” de Não Matar! Bobbio observou que os códigos morais ou jurídicos de todos os tempos são compostos essencialmente de normas imperativas – positivas ou negativas – de comandos ou proibições. Porém, cada norma jurídica é imperativoatributiva, isto é, impõe um dever a um sujeito e, simultaneamente, atribui um direito a outro sujeito. Ora, o jus-naturalismo clássico e medieval havia posto o acento sobre o aspeto imperativo da Lei Natural mais do que sobre o seu aspecto atributivo. Já a doutrina moderna dos direitos naturais pôs o acento sobre o aspecto atributivo da Lei Natural, mais que sobre aquele seu aspecto imperativo417. “Direito” e “dever” são, portanto, termos correlativos como pai e filho. Não pode existir um “dever” sem um “direito” e vice-versa418. Ao dever de Não matar pressupõe o direito de não ser morto, ou seja, o “direito” de viver. Ao “direito” de viver, corresponde, como conseqüência, no “outro” Indivíduo humano – ou outros – da relação social, o “dever” de “Não matar!”. São, de fato, duas faces da mesma medalha, afirmou metaforicamente Bobbio; mas qual é frente e qual é verso? Depende da posição da qual olhamos a medalha, respondeu ele. Na história do pensamento moral e jurídico, como ficou Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), republicado com o título “La dichiarazione universale dei diritti dell’uomo”, in TeGePo, p. 443. 418 Cfr. IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui doveri”, in TeGePo, p. 432. 417 141 claro acima, esta medalha foi vista mais do lado dos deveres do que dos direitos419. Segundo Bobbio, o problema daquilo que se deve fazer ou daquilo que não se deve fazer é um problema, antes de mais nada, da Sociedade civil no seu complexo mais do que do Indivíduo-cidadão. Os códigos morais e jurídicos são postos, originariamente, a salvaguardar o grupo social no seu conjunto, mais do que os seus membros. Por exemplo, a função originária do princípio ético Não matar não era tanto aquela de proteger o indivíduo, quanto impedir a desagregação do grupo social. Segundo Bobbio, prova disto é que esse preceito ético, ao qual atribuímos valor universal, normalmente valia somente ao interno do grupo; não valia em relação aos membros de outros grupos sociais420. 2. O Direito à Vida: Sinal de Progresso Moral. Conhecemos, acima, o sujeito dos direitos à vida e a viver. Agora podemos passar a considerar o direito à vida: sinal de progresso moral, onde conheceremos o “mito” do progresso, o progresso técnico e o direito à vida; e a evolução histórica do direito à vida, onde responderemos a pergunta se o direito à vida é um direito histórico? Conheceremos ainda a afirmação histórica do direito à vida, bem como a terceira e a quarta geração dos direitos. 419 420 Cfr. Ibidem, p. 433. Cfr. Ibidem. 142 Por fim, trabalharemos o problema das ambigüidades na linguagem dos direitos, onde conheceremos a distinção entre direito reivindicado, reconhecido e protegido; e a utopia da Sociedade livre, justa e feliz. Bobbio, escrevendo em 1981, afirmou que ao estado atual da consciência ética da Humanidade, tende-se a reconhecer ao indivíduo não somente o direito de viver – que é um direito elementar e primordial do Homem – mas também o direito de haver o mínimo indispensável para viver421. O direito à vida é um direito que implica da parte do Estado, pura e simplesmente, um comportamento negativo: Não matar! Já o direito a viver implica da parte do Estado também um comportamento positivo, isto é, implica intervenção de políticas econômicas inspirados a princípios de justiça distributiva; e da parte dos “outros” também um comportamento positivo de sustentação, promoção e proteção solidária da vida, como valor primordial. Em outras palavras, hoje, reconhece-se ao Indivíduocidadão não somente o direito de não ser morto por nenhuma razão “não-natural”, mas também o direito de não morrer de fome. Bobbio ainda observou que basta enunciar os termos do problema para que se apresente às nossas mentes o grande problema da relação entre países ricos e países pobres, entre países que consomem o supérfluo e países que Cfr. IDEM, “I diritti dell’uomo e la pace” (1982), in TerAs, p. 95: Ho parlato del diritto alla vita, e dei diritti di libertà, e della loro incompatibilità con lo stato di guerra. Ora occorre aggiungere che allo stato attuale della coscienza etica dell’umanità, si tende a riconoscere all’individuo non soltanto il diritto di vivere (che è un diritto elementare e per così dire primordiale dell’uomo) ma anche il diritto di avere il minimo indispensabile per vivere. 421 143 carecem do necessário, como um dos grandes problemas do século XX e também do nascente século XXI422. 2.1. O “Mito” do Progresso. Bobbio observou que, ao final do séc. XVIII Immanuel Kant considerava que com o Iluminismo fosse iniciada a época na qual a Humanidade finalmente saíra da menor idade e podia, triunfalmente, caminhar rumo à própria emancipação com as forças da razão. Durante o séc. XIX, os defensores do progresso também consideraram que o “progresso” científico, social e moral caminhassem em igual passo. Mais precisamente, que o progresso científico fosse destinado a arrastar com sigo tanto o progresso social, quanto o progresso moral423. Quando, porém, no séc. XX, diante do início da Primeira Guerra e da hecatombe sem precedentes que a seguiu, a idéia mesma do progresso foi posta em dúvidas e dali derivou deprecação, escárnio e dessacralização daquilo que foi chamado o mito do progresso424. Segundo Bobbio caiu-se no excesso oposto. Da constatação que a beluinidade do Homem, à qual o progresso técnico-científico havia fornecido meios sempre mais terríveis para destruir e matar, não só não era diminuída, mas, por causa destes meios, fora potencializada; formara-se a comum opinião que a idéia kantiana do Cfr. Ibidem, p. 96. Cfr. N. BOBBIO, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, pp. 633-634. 424 Cfr. G. SASSO, Tramonto di un mito, L’idea di progresso fra Ottocento e Novecento, Il Mulino, Bologna 1984. 422 423 144 progresso em direção ao melhor tivesse sido uma estúpida e perigosa ilusão425. Segundo Bobbio, o que efetivamente aconteceu no séc. XX não foi o fim, nem tão menos a interrupção do progresso, mas o fim da confiante convicção que o progresso técnico-científico e o progresso moral e o progresso civil caminhassem juntos; em uma palavra, fossem ligados entre eles e que a “luz” do saber não só tivesse dissipado as trevas da ignorância, mas também melhorado os costumes, elevado o Homem a uma mais consciente e durável moralidade426. Bobbio observou que a vontade de potência continua a dominar o Mundo com a mesma inevitabilidade e com a mesma força de atração numa época em que, do uso dos instrumentos de poder, pode nascer aquele apocalipse atômico, descrito com horror pelos especialistas427. De fato, a ciência é um imenso instrumento de poder; não torna poderosos os cientistas, mas cria instrumentos para aumentar a “potência” de quem é em condições de servir-se deles428. Segundo R. Levi Montalcini, autora da Introduzione, ao volume Dieci Nobel per il futuro, Scienza, economia, etica per il prossimo secolo, 1994, as capacidades cognitivas investiram o Homem de um poder quase sobrehumano de controle do Globo terrestre; enquanto as capacidades emotivas permaneceram ao nível daquelas do Homem pré-histórico, e determinam a sua ação numa órbita Cfr. N. BOBBIO, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, p. 634. 426 Cfr. Ibidem, pp. 634-635. 427 Cfr. IDEM, “Il gioco della guerra” (1983), in TerAs, p. 208. 428 Cfr. IDEM, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, pp. 642-643. 425 145 sempre mais vasta e com um poder destrutivo continuamente crescendo. Ainda segundo Montalcini, não é o progresso científico, mas a mal orientada carga emotiva e a ausência de um sistema de valores que regule o comportamento do Homem, a serem responsáveis pelo estado de confusão que está à base da atual crise de valores429. Segundo Bobbio, as palavras da Montalcini são graves e, infelizmente, muito vagas. Se a culpa é da ausência de valores compartilhados, surge uma pergunta espontânea: quais são estes valores? Desta pergunta surge outra: existem valores compartilhados?430 Quanto ao caminho inexorável e irreversível da Humanidade em direção ao progresso, Bobbio que conheceu duas guerras mundiais, não teve aquela segurança kantiana. Ele aprendeu que a História humana é ambígua e pode ser interpretada em modos diferentes segundo a ótica do intérprete e segundo o ponto de vista do qual o intérprete se põe431. Enquanto o progresso técnico-científico não cessa de suscitar admiração e entusiasmo, o progresso moral continua a propor as mesmas questões que propunha ha dois mil anos432. O progresso intelectual separado do Cfr. R. LEVI MONTALCINI, “Introduzione”, in Dieci Nobel per il futuro, Scienza, economia, etica per il prossimo secolo, Marsilio, Venezia 1994, p. 25; N. BOBBIO, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, pp. 640-641. 430 Cfr. N. BOBBIO, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, p. 641. 431 Cfr. N. BOBBIO, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui doveri”, in TeGePo, pp. 431-432. 432 Cfr. IDEM, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, p. 640. 429 146 progresso moral resultou, no século XX, na mais abominável carnificina jamais vista433. Por quanto Bobbio admirasse as grandes descobertas no campo da ciência, admirava com mais devota reverência a nobreza da consciência moral. Na História da Humanidade ele via resplendecer de “luz mais pura” o ato de solidariedade para com os oprimidos do que a descoberta de uma verdade científica; ou, pelo menos, parecia-lhe que uma verdade adquire tanto mais valor quanto mais é em função daquele ato solidário. Bobbio era convencido que a consciência moral não só nunca destruiria o Mundo, mas, se ele fosse ameaçado de destruição, a consciência moral o salvaria434. Não se pode mais acreditar no mito do progresso, ou seja, que o progresso da Ciência é a condição necessária e suficiente ao progresso político e moral da Humanidade435: o constante movimento em direção ao melhor436; a convicção que o progresso científico e o progresso moral, o progresso material e o progresso espiritual, caminhassem juntos437. 2.2. O Progresso Técnico e o Direito à Vida. Pode-se duvidar do progresso humano a partir de vários pontos de vista; pode-se sustentar que, sob certos aspectos, a História humana não progride; avança somente a Cfr. IDEM, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in DubScel, p. 28. 434 Cfr. Ibidem, p. 29. 435 Cfr. IDEM, Democrazia e scienze sociali” (1986), republicado com o título “Democrazia e conoscenza”, in TeGePo, p. 350. 436 Cfr. IDEM, “L’Europa della cultura” (1984), in DubScel, p. 194. 437 Cfr. Ibidem, p. 197; IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987), republicado com o título “L’età dei diritti”, in TerAs, pp. 115-116. 433 147 zig-zag. Mas em relação à “quantidade” e à “qualidade” dos instrumentos de morte o progresso foi constante, contínuo, inexorável; com Bobbio podemos dizer triunfal438. O progresso técnico-científico, contrariamente à previsão das grandes filosofias da História do séc. XIX, não contribuiu ao aperfeiçoamento moral do Homem, mas somente – e só para uma parte da Humanidade – ao seu “melhoramento” material. Forneceu ao Homem instrumentos para exercitar, com maior “eficácia”, a sua vontade – ou delírio – de potência sobre o Mundo e sobre os outros homens. Segundo Bobbio compreender o “porque” disto, não é fácil439. Existe quem vê a razão essencial da dissociação entre progresso do conhecimento e progresso moral no processo de secularização, onde nasceu a Ciência moderna: o saber científico não só não teria melhorado moralmente o Homem, mas, induzindo-o sempre mais a abandonar as crenças tradicionais, a não sentir-se mais sujeito a Deus, a crer-se único “senhor” e “construtor” do próprio destino, teria corrompido-o ainda mais440. No séc. XX, a violação do primeiro e fundamental imperativo moral – Não matar! – assumiu proporções tais fazendo antever próximo, senão já atual, o advento da idade do niilismo pré-anunciada por F. Nietzsche441. Os conflitos morais surgidos entre o progresso técnico-científico e o direito humano fundamental à vida são conflitos de valores e, portanto, de preferências e de escolhas últimas. Por exemplo, a construção da bomba a Cfr. IDEM, “La lancia e lo scudo” (1981), in TerAs, p. 205. Cfr. IDEM, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, p. 635. 440 Cfr. Ibidem. 441 Cfr. Ibidem, pp. 635-636. 438 439 148 hidrogênio deve ser condenada porque é um mal em si mesmo, independente do fato que venha utilizada e do uso que dela se faça? Ou então, a construção desta bomba é coisa moralmente indiferente, porque é somente um instrumento e, como todos os instrumentos, pode servir tanto ao bem quanto ao mal, segundo o modo e o fim para o qual é utilizado?442 Segundo Bobbio, tanto a primeira alternativa quanto a segunda remete a ulteriores juízos de valor: a primeira remete ao não-valor da violência e ao valor primordial da vida humana como condição para todos os demais valores, que justifica a absolutez do princípio ético Não matar!; a segunda, remete ao valor do justo e do injusto em base ao qual se julga sobre o valor ou não da vida humana.443 Nunca, como durante o século XX, em particular depois da Segunda Guerra, o tema dos direitos humanos fundamentais – em particular dos direitos à vida e a viver – foi novamente proposto à atenção da opinião pública mundial: um motivo de esperança, junto a tantos outros sinais contrários444. Portanto, observou ainda Bobbio, podemos afirmar que existem zonas de luz, sinais de progresso moral da Humanidade que não podemos ignorar. Cfr. IDEM, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in DubScel, p. 28. 443 Cfr. Ibidem: [...] al disvalore della violenza e al valore primordiale della vita umana come condizione di tutti i valori, […]. 444 Cfr. IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui doveri”, in TeGePo, p. 432. 442 149 2.3. Evolução Histórica do Direito à Vida. 2.3.1. O Direito à Vida é um Direito Histórico? Em sede teorética, Bobbio sempre sustentou que os direitos humanos fundamentais são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, marcados por lutas pela defesa de novas liberdades contra velhos poderes; nascidos gradualmente, não todos de uma vez e nem de uma vez para sempre445. Segundo Bobbio os direitos humanos nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento da potência do Homem sobre o Homem, conseqüência inevitável do progresso técnico-científico, ou seja, do progresso da capacidade do Homem de dominar a Natureza e os outros homens. Os direitos nascem também quando o aumento desta “Potência” comporta novas ameaças à liberdade do indivíduo humano; ou então quando consente novos remédios à sua indigência: ameaças que se contrapõem com pedidos de limites do poder; remédios que se provê com o pedido ao mesmo poder de interferências protetoras446. Segundo Bobbio, o conflito político por excelência é o conflito entre o poder de uns e as liberdades dos outros. 445 Para N. Bobbio os direitos do Homem como direitos históricos, nascidos na idade moderna das lutas contra o Estado absoluto, são uma das teses centrais do estudo, historicamente bem documentado, de G. PECES-BARBA MARTINEZ, sobre o lugar da História no conceito dos direitos fundamentais. Cfr. G. PECES-BARBA MARTINEZ, “Sobre el puesto de la Historia en el concepto de los derechos fundamentales”, a cura do Instituto de derechos humanos da Universidade Complutense de Madrid, in Anuario de derechos humanos IV (1986-1987), pp. 219-258. 446 Cfr. N. BOBBIO, “Introduzione” (1997), in EdD, pp. XIV-XV. 150 “Poder” e “liberdade” são dois termos correlatos: numa relação intersubjetiva quanto mais se estende o poder de um dos sujeitos, tanto mais se restringe a liberdade do outro447. Aos pedidos de limites do poder do Estado correspondem os direitos de liberdade ou a um não-fazer da parte do Estado, que é chamada a primeira geração dos direitos. A este não-fazer da parte do Estado pertence o direito à vida, em sentido negativo: Não matar! Dito com outras palavras: Deixar viver! Às interferências protetoras da parte do Estado, correspondem os direitos sociais ou a um fazer positivo da parte do Estado, que é chamada a segunda geração dos direitos. A este fazer da parte do Estado pertence o direito à vida em sentido positivo, isto é, o direito a viver: Promover a vida; dar a todos os cidadãos as condições necessárias para viver. Por quanto os pedidos dos direitos possam ser dispostos cronologicamente em diversas fases, ou gerações, as suas espécies são sempre, em relação aos poderes constituídos, somente duas: ou impedir os malefícios do Poder estatal, ou obter dele os seus benefícios448. Não a caso o primeiro grande documento do qual tem início a história moderna dos direitos humanos, cujo escopo é limitar um poder constituído, se chama Magna Charta Libertatum, 15 de Junho de 1215. Cfr. IDEM, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, p. 643. 448 Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, p. XV. 447 151 2.3.2. A Afirmação Histórica do Direito à Vida. Segundo Bobbio, a história da afirmação do direito humano fundamental à vida foi progressiva. A primeira etapa desse processo histórico transformou uma aspiração ideal num verdadeiro e próprio direito; num direito público subjetivo – direito em sentido forte – mesmo que somente no âmbito restrito de uma Nação, foi a sua constitucionalização através das declarações dos direitos inseridas nas primeiras Constituições liberais; depois, paulatinamente, nas Constituições liberais e democráticas que vieram à luz nos dois séculos sucessivos449. Bobbio observou que desde a primeira declaração dos direitos dos Estados Unidos da América, 1776, e daquela da Revolução francesa, 1789, às Cartas dos direitos das Constituições contemporâneas; o escopo principal dos primeiros artigos é sempre aquele de reconhecer ao Indivíduo-cidadão o poder de apropriar-se de novos espaços vitais de liberdade em relação aos poderes constituídos450. A segunda etapa desse processo de afirmação histórica dos direitos humanos fundamentais – neste caso se trata de uma evolução contínua e que ainda continua – foi a sua progressiva extensão. Segundo Bobbio, a primeira forma de extensão aconteceu ao interno dos direitos de liberdade: particularmente do direito de viver. A segunda forma de extensão aconteceu na passagem do reconhecimento dos direitos civis àqueles dos direitos políticos, até a concessão do sufrágio universal; passagem Cfr. IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui doveri”, in TeGePo, pp. 437-438. 450 Cfr. IDEM, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, p. 643. 449 152 que representou a transformação do Estado liberal em Estado democrático. A terceira forma de extensão, a mais incisiva, foi aquela que introduziu os direitos sociais, e assim transformou o Estado Democrático-liberal num Estado Democrático-social451. A terceira etapa desse processo de afirmação histórico dos direitos fundamentais à vida e a viver, foi aquela da sua universalização, que teve o seu ponto de partida na Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948. Tratou-se da transposição da sua proteção do Sistema nacional ao Sistema internacional, que pela primeira vez na História fez do indivíduo, naquela linha de pensamento individualista, um sujeito de direito internacional; e ofereceu-lhe a possibilidade – mesmo se mais hipotética que real – de pedir justiça a uma Instância Superior contra o próprio Estado452. A quarta etapa desse processo de afirmação histórica dos direitos, atingida somente nos últimos anos do séc. XX, Bobbio a chamou de especificação do Sujeito dos direitos fundamentais à vida e a viver. A expressão habitual direitos do Homem à vida e a viver, era demasiadamente genérica. Diante desta expressão, vem espontânea uma pergunta: Direitos à vida e a viver de qual Homem? Quem é o sujeito destes direitos? Já ao início deste processo histórico da afirmação dos direitos fundamentais, distinguiram-se o Homem em “geral” e o Cidadão, no Cfr. IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui doveri”, in TeGePo, p. 438. 452 Cfr. Ibidem. 451 153 sentido que ao Homem-cidadão podiam ser atribuídos ulteriores direitos em relação ao Homem-genérico. Uma ulterior especificação se tornara necessária ao passo que emergiam novas pretensões; justificadas em base à consideração de exigências específicas de proteção, seja quanto ao gênero, seja quanto às várias fases da vida, seja quanto às condições, normais ou excepcionais, da existência e da vida humana453. Daqui, quanto ao gênero: por exemplo, o reconhecimento de direitos específicos em proteção e promoção da vida das mulheres. Quanto às diferentes fases da vida: por exemplo, o reconhecimento de direitos em proteção e promoção da vida das crianças e dos anciãos. Quanto às condições de vida: por exemplo, o reconhecimento de direitos em proteção e promoção da vida dos enfermos, dos excepcionais, dos enfermos de mente e assim por diante. Apesar de ser um fenômeno novo, esta especificação do Sujeito dos direitos fundamentais à vida e a viver é o desenvolvimento da idéia originária do Homem-indivíduo, considerado em todos os seus aspectos como titular do direito fundamental por excelência; condição para todos os demais direitos, ou seja, de pretensões que lhe devem ser reconhecidas, nas suas relações com a Sociedade da qual faz parte, em vista de promover e proteger a sua vida454. 453 454 Cfr. Ibidem. Cfr. Ibidem, pp. 438-439. 154 2.3.3. A Terceira Geração dos Direitos. Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados direitos da segunda geração – como vimos acima – emergiram os chamados direitos da terceira geração455. Jean Rivera, num artigo Sobre la evolución contemporánea de la teoria de los derechos de l’hombre, 1997456, compreende entre estes direitos da terceira geração, os direitos de solidariedade, o direito ao desenvolvimento, o direito à paz internacional, o direito a um ambiente protegido, o direito à comunicação. Bobbio observou que, depois desta enumeração, é natural perguntar-se se é ainda possível falar de direitos em sentido próprio ou não se trate simplesmente de aspirações ou desejos457. Os chamados direitos da terceira geração nasceram a partir de situações novas, antes nem mesmo imagináveis, que puseram em perigo e submeteram a novas restrições e a novas ameaças seja as liberdades tradicionais, seja a vida no seu curso natural do nascimento à morte, seja a segurança social. “Situações” novas produzidas pelo aumento do saber e das suas aplicações sobre a Natureza e sobre o Homem458. Por exemplo, o direito humano fundamental a viver num ambiente não poluído nasceu por causa da poluição atmosférica; portanto por causa do perigo à saúde pública Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, p. XIV. Cfr. J. RIVERA, Sobre la evolución contemporánea de la teoria de los derechos de l’hombre, citado por N. BOBBIO, “Introduzione” (1997), in EdD, p. XIV. 457 Cfr. IDEM, “Corrientes y problemas en filosofia del derecho”, in Anales de la cátedra Francisco Suarez 25 (1985), p. 193. 458 Cfr. N. BOBBIO, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, p. 644. 455 456 155 proveniente da, sempre mais extensa e incontrolável, transformação da Natureza que o desenvolvimento das técnicas de exploração do solo e do subsolo tornou possível. Outro exemplo que Bobbio nos deu foi o direito à privacy: torna-se sempre mais exigente à medida que aumenta a capacidade de difusão da imagem e de informações do indivíduo humano459. 2.3.4. A Quarta Geração dos Direitos. À quarta geração dos direitos pertence o novíssimo direito que pretende proteger o patrimônio genético do Homem do amanhã. Não se pensa somente à vida do Homem de hoje, mas procura-se proteger e promover os direitos à vida e a viver das futuras gerações humanas, cuja sobrevivência é ameaçada pelo crescimento desmedido de armas sempre mais destrutivas. Hoje, com os incríveis progressos da engenharia genética que não se contenta somente de modificar a Natureza fora do Homem, mas pretende de modificar a estrutura genética mesma do Homem, essa proteção do seu patrimônio genético é sempre mais urgente. A resolução adotada pela Conferência Geral da UNESCO, em sua 30ª Sessão, 16 de Novembro de 1999, aprovou a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos. Este é o primeiro grande documento dos direitos da quarta geração, visando proteger o genoma humano que constitui a base da unidade fundamental de todos os membros da família humana bem como de sua inerente dignidade e diversidade. Em uma palavra, visando proteger o patrimônio da Humanidade, como declarou no seu artigo primeiro. 459 Cfr. Ibidem. 156 Segundo Bobbio os direitos que foram exclusivamente humanos, por exemplo, o direito fundamental a viver sem maus tratos, será estendido a novos sujeitos não-humanos, como já o foram aos animais; antigamente considerados pela moralidade comum como sujeitos passivos, sem direitos460. Uma primeira tentativa de modificar este status dos animais é a Declaração Universal dos Direitos do Animal, da UNESCO, aprovada trinta anos atrás, em Paris, 15 de Outubro de 1978. Ainda podemos esperar muita novidade neste campo. Bobbio observou que uma coisa é a pretensão de haver um direito e outra coisa muito diferente é a sua satisfação. Ao mesmo passo que aumentam as pretensões de direitos, a sua proteção fica igualmente mais difícil. Os direitos sociais, da segunda geração, são mais difíceis de proteger do que os direitos de liberdade, da primeira geração. O mesmo vale para a terceira e quarta gerações dos direitos. Assim também a proteção internacional é mais difícil que a proteção interna, no próprio Estado. Poderíamos multiplicar os exemplos do contraste entre o ideal e o real dos direitos humanos fundamentais; entre as solenes declarações dos direitos fundamentais e a atuação das mesmas; entre a grandiosidade das promessas e a miséria das realizações no campo da proteção e promoção dos direitos. Porque Bobbio interpretou a vastidão que assumiu, atualmente, o debate sobre os direitos do Homem como um sinal do progresso moral da Humanidade, não será Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987), republicado com o título “L’età dei diritti”, in TerAs, p. 124. 460 157 inoportuno repetir que este crescimento moral se mede não pelas palavras, mas pelos fatos461. 2.4. As “Ambigüidades” da Linguagem dos Direitos. Uma coisa é proclamar um direito – aspiração – outra coisa muito diferente é gozar efetivamente dele: uma coisa é a teoria dos direitos, outra coisa muito diferente é a sua práxis. A linguagem dos direitos tem uma grande função prática, que é aquela de dar particular força às reivindicações daqueles movimentos que requerem para si e para os outros a satisfação de novas necessidades materiais e morais, mas torna-se ambíguo e, portanto, enganoso se oculta a diferença entre o direito reivindicado ou proclamado e o direito reconhecido e protegido462. 2.4.1. Direito Protegido. Reivindicado, Reconhecido e Não obstante as inumeráveis tentativas de análises definidoras, segundo Bobbio, a linguagem dos direitos continua ainda muito ambígua, pouco rigorosa e, freqüentemente, utilizada retoricamente. Nada impede que se use o mesmo termo para indicar os direitos somente proclamados numa Declaração, apesar de solene, e aqueles efetivamente protegidos num Ordenamento Jurídico inspirado aos princípios do Constitucionalismo, com juízes imparciais e várias formas de Poder executivo das decisões Cfr. IDEM, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui doveri”, in TeGePo, p. 439. 462 Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, pp. XIX-XX. 461 158 judiciais. Mas entre os direitos efetivamente protegidos e aqueles somente proclamados, existe uma grande diferença463. A maior parte dos direitos da segunda geração que aparecem em todas as Declarações Nacionais e Internacionais ficou somente no papel. O quê dizer então dos direitos da terceira e da quarta geração?464 Segundo Bobbio, a única coisa que se pode dizer com certeza é que são a expressão de aspirações ideais às quais dar-lhes o nome de direitos serve unicamente a atribuir-lhes um nobre título465. Como vimos acima, devemos ter presente que o nosso sentido moral caminha – se caminha – muito mais lentamente do que o poder econômico, político e tecnológico. Todas as proclamações de direitos, por mais fundamentais que eles sejam, pertencem ao mundo do ideal, daquilo que “deveria” ser ou daquilo que é bem que seja. Em 1995, Bobbio denunciou: se olharmos ao nosso redor veremos manchadas de sangue humano as nossas estradas, montes de cadáveres humanos abandonados, inteiras populações humanas expulsas das suas casas, laceradas e famintas, crianças esqueléticas com os olhos fora da fronte que não têm mais sorriso, e não conseguirão sorrir antes da morte precoce466. C. S. Nino, pensador argentino que Bobbio o qualificou como autorizado filósofo do direito contemporâneo, no seu Etica y Derechos humanos, 1984, Cfr. Ibidem, p. XIX. Cfr. Ibidem, p. XV. 465 Cfr. Ibidem, p. XIX. 466 Cfr. IDEM, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, p. 645. 463 464 159 escreveu que os direitos humanos são uma das maiores invenções da nossa civilização tecnológica467. Bobbio observou, em 1990, que o cardeal W. Kasper fez ecoar o mesmo pensamento de C. S. Nino quando escreveu que os direitos humanos constituem atualmente um novo “ethos” mundial468. Segundo Bobbio é bello, talvez até mesmo encorajador, chamar os direitos humanos, por uma analogia tecnológica, uma grande invenção da nossa civilização. Mas comparados às invenções técnicas propriamente ditas – muitas vezes utilizadas contra a Natureza e contra o Homem de hoje e de amanhã – são uma invenção que permanece mais anunciada que realizada. Observou ainda Bobbio, que quanto ao novo ethos mundial dos direitos humanos do qual falou o cardeal W. Kasper, este resplandece somente nas solenes Declarações internacionais e nos Congressos mundiais que celebram e comentam os direitos fundamentais. Mas a estas solenes celebrações, a estes doutos comentários, corresponde, na realidade, a sua sistemática violação em quase todos os países do Mundo, nas relações entre poderosos e fracos, ricos e pobres, entre quem-sabe e quem-não-sabe469. Cfr. C. S. NINO, Etica y Derechos humanos, Paidós Studio, Buenos Aires 1984, p. 13. 468 Cfr. W. KASPER, Le fondament théologique des droits de l’homme, Cité du Vatican 1990, p. 49. Cfr. ainda Ontologia e fenomenologia del diritto, Studi in onore di Sergio Cotta, Giappichelli, Torino 1995, p. 194. 469 Cfr. N. BOBBIO, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, pp. 645-646. 467 160 2.4.2. A Utopia da Sociedade Livre, Justa e Feliz. As Sociedades livres, justas e felizes nunca foram atuadas, e, segundo Bobbio, escrevendo em 1995, a julgar daquilo que acontece a cada dia diante dos nossos olhos, a sua atuação nunca esteve tão longe470. Apesar de Bobbio duvidar que se possa falar de um progresso moral da Humanidade, como vimos acima, ele também duvidou que se devesse plausivelmente falar de um regresso moral. Somos aterrorizados pela difusão da violência, porém o que mudou, efetivamente, foi a quantidade da violência, devido ao progresso técnico que produziu armas cada vez mais mortais; não foi tanto a qualidade dessa violência.471 Hoje o Homem está capacitado pela técnica a matar mais e mais rapidamente, mas a qualidade da sua ferocidade continua igual. Bobbio não hesitou em afirmar que o mal sempre prevaleceu sobre o bem, a dor sobre a alegria, o sofrimento sobre o prazer, a infelicidade sobre a felicidade, a morte sobre a vida. Ele disse de não saber explicar esta tremenda realidade na História do Homem; ele preferiu dizer “Não sei!”. Apesar da sua incapacidade de oferecer uma explicação sensata daquilo que acontece e porque acontece, afirmou que a parte obscura desta História humana é bem maior do que aquela clara472. No entanto, Bobbio não negava que uma face clara existe na História da Humanidade. Mesmo quando o inteiro curso da nossa História parece ameaçado de morte, existem Cfr. Ibidem, p. 646. Cfr. IDEM, “Pro e contro un’etica laica” (1983), in EdM, pp. 164-165. 472 Cfr. Ibidem, p. 166. 470 471 161 zonas de luz que não podemos ignorar. Ele citou algumas dessas zonas de luz: a abolição da escravidão, a supressão dos suplícios em muitos países, e em alguns países a supressão também da pena de morte; a emancipação feminina – que foi, segundo ele, a única verdadeira revolução do nosso tempo; a instauração do regime democrático em alguns países473. Bobbio observou que o homem potente pode desencadear devastações que superam todos os castigos de Deus juntos: o Homem “roubou” o poder de Deus de dar a morte; apropriou-se de tudo aquilo que, em Deus, era terror e fatalidade. Se alguém pedisse a Bobbio de definir o caráter do seu tempo – século XX – ele diria que foi um tempo marcado pelo equilíbrio do terror mortal do qual nenhum de nós sabe “se” e “quanto” durará474. 3. O Imperativo Ético Não Matar! Conhecemos o sujeito dos direitos à vida e a viver, bem como o direito à vida como sinal de progresso moral. Até aqui nossos esforços se voltaram a colher, no pensamento bobbiano, os elementos necessários para entender “porque” ele afirmou que o princípio ético Não matar é válido em sentido absoluto, como um imperativo categórico. A resposta evidenciada acima pode ser sintetizada assim: Bobbio afirmou que o princípio ético “Não matar!” é válido em sentido absoluto, como um imperativo 473 474 Cfr. Ibidem. Cfr. IDEM, “L’Europa della cultura” (1984), in DubScel, p. 206. 162 categórico, porque a vida humana é o valor primordial enquanto condição para todos os valores475. Passaremos, agora, a colher os elementos necessários para compreender “o quê” Bobbio entendia dizer com tal afirmação. Buscaremos o sentido desse imperativo ético, primeiro, a partir do problema do seu fundamento, onde conheceremos normas primárias e secundárias; a possibilidade de imperativos categóricos; os imperativos categórico e hipotético; e a multiplicidade dos imperativos categóricos segundo o pensamento bobbiano. Num segundo momento, trabalharemos o problema das derrogas ao imperativo Não matar, onde conheceremos a Razão de Estado, o princípio vim vi repellere licet; e, por fim, teceremos algumas considerações sobre o âmbito da legítima defesa. 3.1. O Fundamento do Imperativo Não Matar! Segundo Bobbio, para os que crêem o imperativo Não matar é fruto de uma certeza que se funda na crença da existência de um “único” Juiz superior: Deus, capaz de dar um juízo absoluto. De outro modo, desencadear-se-ia a fera selvagem476 que o Homem é. Cfr. IDEM, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in DubScel, p. 28: [...] al disvalore della violenza e al valore primordiale della vita umana come condizione di tutti i valori, […]. 476 Cfr. IDEM, - M. VIROLI, Dialogo intorno alla repubblica, Laterza, Roma-Bari 2001, p. 52. 475 163 3.1.1. Norma Primária e Norma Secundária. Usando a linguagem dos juristas Bobbio falou de uma norma primária e de uma norma secundária. Aplicando esta linguagem ao princípio Não matar enquanto imperativo jurídico em um ordenamento estatal, podemos dizer que a norma primária estabelece o imperativo, ordenando: Não matar! Quando o imperativo vem transgredido ou não observado, a norma secundária estabelece as conseqüências de tal transgressão, determinando: Quem matou ou deixou morrer deve ser punido com uma determinada pena. Aquilo que faz com que a norma primária – o imperativo em si – seja um dever perfeito é o fato que existe uma norma secundária dirigida a um juiz477, que estabelece as conseqüências da sua não observação; determinando o dever de fazer cumprir tal norma primária, tal imperativo; punindo o seu transgressor: o delinqüente. No caso do imperativo Não matar, enquanto dever moral-religioso, a norma secundária não é dirigida a um Juiz com faculdades judiciais, mas é dirigida diretamente a Deus, enquanto é Ele mesmo quem dará a sanção, punindo o transgressor do imperativo moral; e a sanção de Deus será no além túmulo. Bobbio observou ainda que para o “supersticioso”, todavia, a sanção de Deus poderia ser já nesta vida: quantas vezes se dizem que as doenças ou calamidades naturais são castigos de Deus. O “castigo de Deus” é visto, pelo supersticioso, como a sanção por um dever não-cumprido; a punição por haver violado um imperativo. O dever é sempre 477 Cfr. Ibidem, p. 55. 164 ligado àquelas que podem ser as conseqüências desagradáveis ou desonráveis da violação478. No caso do imperativo Não matar, enquanto dever ético-racional, a norma secundária não é dirigida nem a um Juiz com faculdades judiciais, nem a “um” Deus, que punirá o transgressor no além túmulo. É dirigida à consciência mesma do Sujeito ético, enquanto Indivíduo humano racional e livre, capaz de consciência e de autoconsciência. A punição do transgressor do imperativo ético é a perda da dignidade humana: quem mata, desce abaixo do nível das feras. 3.1.2. A Possibilidade de Imperativos Categóricos. Segundo I. Kant o ser racional, como inteligência, inscreve-se ao mundo inteligível, e chama de vontade a própria causalidade só como causa eficiente que pertence a tal mundo. De outro lado, o ser racional é consciente de si também como elemento do mundo sensível, no qual se encontram as suas ações como meros fenômenos daquela causalidade, mas a sua possibilidade não pode vir separada daquela causalidade, que não conhecemos479. Enquanto próprias de um puro membro do “mundo inteligível”, segundo I. Kant, todas as nossas ações seriam perfeitamente conformes ao princípio da autonomia da vontade pura. Enquanto próprias de um membro do “mundo sensível”, elas deveriam ser assumidas como inteiramente conformes à lei natural dos desejos e das inclinações, e, portanto, à heteronímia da Natureza480. Cfr. Ibidem. Cfr. I. KANT, Grundlegung zur Metaphysik der sitten (1785), in GMsitten, III, Wie ist ein Kategorischer Imperativ möglich? 480 Cfr. Ibidem. 478 479 165 Assim, os imperativos categóricos são possíveis, porque a idéia da liberdade faz de nós membros de um mundo inteligível; e se nós não fôssemos outra coisa que isto, todas as nossas ações seriam sempre conformes à autonomia da vontade. Para I. Kant, porque nos reconhecemos “também” como membros do mundo sensível, nossas ações “devem” ser conformes à autonomia da vontade. E esse “dever categórico” representa uma proposição sintética a priori, enquanto, além da nossa vontade afetada por desejos sensíveis, têm-se ainda a idéia da nossa vontade mesma, mas como vontade prática pura, pertencente ao mundo inteligível, e esta contém, segundo razão, a condição suprema também da primeira481. O “dever” de obedecer a um imperativo categórico – do ponto de vista prático – confere ao Homem uma dignidade que veta de tratá-lo como um puro meio482. Nisto consiste a racionalidade do Homem; isto conecta a segunda fórmula do imperativo, apresentada por I. Kant na sua Fundamentação da metafísica dos costumes, 1785483, à primeira fórmula, que exprime o caráter formal da ética do dever, a saber: age segundo aquela máxima que pode querer que se torne uma lei universal. Esta fórmula é só um instrumento de controle da moralidade da máxima, ou princípio subjetivo ao qual se informa a ação. Mas o fato mesmo que suponhamos um movente da ação objetiva, subtraído a qualquer influxo da subjetividade, confere à Humanidade aquele caráter de exceção.484 Cfr. Ibidem. Cfr. V. MATHIEU, “Introduzione”, in GMsitten, pp. 22-23. 483 Cfr. I. KANT, Grundlegung zur Metaphysik der sitten (1785). 484 Cfr. V. MATHIEU, “Introduzione”, in GMsitten, p. 23. 481 482 166 Segundo I. Kant somente o Homem representa-se o dever de agir por dever, ainda quando de fato não conseguisse fazer calar a sua inclinação. Só o Homem é sujeito a pressões psicológicas que podem “sujeitar” completamente a sua vontade; e somente ele é capaz de pensar-se, apesar disto, obrigado a vencê-las: só o Homem é capaz de pensar como um dever absoluto o dever de ser livre485. Com isto encontramos a terceira fórmula do imperativo categórico kantiano – sê livre – que justifica a segunda fórmula – respeita em cada homem a humanidade como um fim – através da primeira fórmula – age prescindindo de tudo aquilo que é ligado ao caro eu e, portanto, livremente. Para Kant, obviamente, o imperativo categórico é sempre um só, e propriamente não é nem mesmo representável como uma fórmula cognoscitiva capaz de se tornar uma técnica. É representável, porém, como sentido do dever numa consciência. Por isto, ele chamou a presença da Lei moral na mente: fato da razão. “Fato” porque não se pode fazê-lo remontar a alguma coisa de mais primitivo que seja a sua causa, nem transcendente – como comando divino – nem imanente – a educação, a constituição psíquico-fisiológica. “Fato”, porém da razão, porque um fato do gênero não pode ser objeto de constatação empírica. Porque a consciência moral é a representação de um incondicionado, do qual a razão é a faculdade. Neste caso, a razão, como razão pura prática, determina a vontade sozinha, pelo fato mesmo de ser representada como o movente da ação a prescindir de qualquer preferência individual486. 485 486 Cfr. Ibidem. Cfr. Ibidem, pp. 23-24. 167 3.1.3. Imperativo Categórico e Hipotético. Alguns “imperativos” ordenam somente enquanto condição para conseguir aquilo que já se deseja. Por exemplo, o imperativo “aperta” escrito em um pulsante que aciona um alarme. O imperativo hipotético desta prescrição é apertar o pulsante se quiser dar o alarme. Análogos a este são os imperativos, igualmente hipotéticos, “puxa” ou “empurra” escritos nos dois lados de uma porta487: puxa ou empurra se si quiser entrar ou sair da sala. Kant as chamou regras da habilidade. Se quisermos exprimir o imperativo ético Não matar como categórico, não podemos dizer Não matar “se...”. Devemos dizer somente Não matar e basta, ou seja, categoricamente, sem uma hipotética condição nem circunstância: sem enunciar nenhuma condição sob a qual a prescrição valha ou não valha. O imperativo Não matar, no sentido utilizado e entendido por Bobbio, não depende de “condições”; a sua validade não vem condicionada pela partícula condicional “se”, portanto não é hipotético; é sim “categórico” porque comanda por si488, independente de qualquer hipotética circunstância do agente, nem do objeto da ação proibida. Em outras palavras, o imperativo Não matar impõe um dever perfeito a todos os sujeitos humanos e em vista de proteger a vida de “todos” os outros sujeitos humanos envolvidos nesta relação, que pode ser chamada “civil”. Quanto visto acima não impede, porém, que diante do imperativo categórico Não matar surja uma pergunta: Por que eu não deveria matar? 487 488 Cfr. Ibidem, p. 14. Cfr. Ibidem. 168 V. Mathieu observou que, tratando-se de um imperativo categórico, a uma pergunta deste gênero não é possível dar uma resposta. Se fosse possível dar-lhe uma resposta apresentando uma “razão” diferente do puro dever de não matar, o imperativo dependeria “de” – seria condicionado “por” – tal razão e não seria, por isto mesmo, categórico489, mas sim hipotético. Por exemplo, diante da resposta bobbiana: Não deve matar porque a vida é o bem primordial, condição para todos os demais valores490, portanto matar seria um mal; surgiria uma nova pergunta: Por que não devo fazer o mal aos outros? Se justificássemos esta última apresentando uma razão, por exemplo: Porque na primeira oportunidade matarão você também; o imperativo Não matar não seria somente hipotético, mas seria também egoísta491. Assim, o imperativo Não matar, de categórico que “é” segundo Bobbio, seria transformado em um hipotético princípio do mais banal egoísmo: Não matar para que também os outros não tenham o “direito” de matar você! O imperativo categórico não pode ter outros argumentos para impor seu valor senão a sua própria força, ou seja, a forma da lei ou sua universalidade, porque o “dever”, kantianamente falando – e é este o sentido bobbiano de imperativo categórico – vai cumprido por princípio, independentemente das suas razões492. Cfr. Ibidem, pp. 14-15. Cfr. N. BOBBIO, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in DubScel, p. 28. 491 Cfr. V. MATHIEU, “Introduzione”, in GMsitten, p. 15. 492 Cfr. Ibidem, pp. 21-25. 489 490 169 Acreditamos, porém, ser possível afirmar o imperativo Não matar como sendo categórico e, ao mesmo tempo, dar-lhe uma fundamentação, a saber: a vida humana tomada como valor primordial, enquanto condição de todos os demais valores493. Dito com outras palavras, o imperativo Não matar é categórico porque categórico é o valor da vida que tal imperativo entende proteger. Não se trata, aqui, de atribuir uma hipotética condição ou circunstância que condicionaria a validade de tal imperativo, trata-se sim de fundamentá-lo; atribuir-lhe o mesmo valor primordial do bem que ele entende proteger: a vida humana. 3.1.4. Multiplicidade dos Imperativos Categóricos. Para Bobbio não existe um único imperativo categórico. Os imperativos categóricos para ele são leis que devem ser obedecidas incondicionalmente, sem alguma consideração das circunstâncias em que vem de vez em vez aplicada: por “condição” devemos entender as circunstâncias e o sujeito-passivo objeto do imperativo. Trata-se da “Lei” das leis, segundo a qual precisa fazer, em qualquer circunstância, o próprio dever por nenhuma outra razão do que o dever; independentemente de toda consideração de fins próximos ou distantes; independentemente dos sujeitos, ativos ou passivos, envolvidos na ação comandada pelo imperativo494. Segundo Bobbio, o mundo dos imperativos categóricos, ou seja, dos comandos que devem ser Cfr. N. BOBBIO, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in DubScel, p. 28. 494 Cfr. IDEM, “Ritratto di Leone Ginzburg” (1964), in MeCom, p. 173. 493 170 obedecidos não por prazer – ou hipotético interesse – mas por dever, mesmo se com sofrimento e com o sentimento de “nunca” os haver cumprido plenamente; é um ideal, por sua natureza inatingível, mas ai de quem não se esforçar por atingi-los495. Bobbio afirmou ainda: um imperativo categórico não prescreve outra conduta que aquela assumida por livre decisão no respeito do dever moral.496 Ora, segundo ele, o dever não tem um por que e o porquê é tão remoto que não se pode medir com o “metro” do tempo quotidiano: o dever se cumpre por uma íntima e categórica lei que é aquela de Deus, para quem crê; ou aquela do progresso moral da civilização humana, para quem não crê “num” Deus que nos transcende, como Bobbio. O imperativo categórico, assim, comanda-nos e não nos explica o porquê497. 3.2. As Derrogas ao Imperativo Não matar! Os códigos morais de todos os Povos e em todos os tempos trazem o imperativo Não matar! No entanto, observou Bobbio, a História humana pode ser objetivamente representada como uma longa, contínua e in-interrupta seqüência de assassinatos, chacinas de inocentes, massacres sem escopo aparente, sublevações, revoltas, revoluções cruentas e guerras justificados através dos mais diferentes argumentos498. Segundo estes mesmos “códigos”, o imperativo Não matar valeria somente ao interno do mesmo grupo social Cfr. IDEM, “Eugenio Colorni” (1975), in MeCom, p. 204. Cfr. IDEM, “L’opera di Gioele Solari” (1952), in ItCiv, p. 177. 497 Cfr. IDEM, “Antonio Giuriolo” (1948), in ItCiv, p. 295. 498 Cfr. IDEM, “Ragion di stato e democrazia” (1991), in EdM, p. 93. 495 496 171 para assegurar aquela paz entre os seus membros, que é necessária para a sobrevivência do grupo: razão de Estado. Bobbio observou que não valia ao externo do grupo pela mesma razão, porque o grupo social sobrevive somente se consegue defender-se dos ataques dos grupos hostis: fazia parte da estratégia da defesa a autorização, antes, o “dever” de matar o inimigo499. 3.2.1. A Razão de Estado. Por razão de Estado Bobbio entendeu aquele conjunto de princípios e de “máximas” em base às quais, ações que não seriam justificadas se realizadas por um Indivíduo humano, não só são justificadas, mas até mesmo, em alguns casos, exaltadas e glorificadas se realizadas por quem exercita o poder em nome do Estado500. A exclusão dos imperativos categóricos da esfera da Política corresponde, segundo Bobbio, à opinião comum dos defensores da razão de Estado segundo a qual a conduta dos homens de Estado não é guiada por imperativos categóricos, mas sim por regras de prudência; das quais não deriva uma obrigação incondicionada que prescinda de toda consideração da situação e do fim: imperativos hipotéticos. Em outras palavras, a conduta dos homens de Estado é guiada unicamente por uma obrigação a ser observada Cfr. N. BOBBIO, “Ragion di stato e democrazia” (1991), in EdM, p. 93: “Vale all’interno del gruppo, perché assicura quella pace tra i suoi membri, che è necessaria per la sopravvivenza dell’insieme. Non vale all’esterno del gruppo per la stessa ragione, perché il gruppo sopravvive soltanto se riesce a difendersi dall’attacco dei gruppi ostili: fa parte della strategia della difesa l’autorizzazione, ma che dico?, l’obbligo, di uccidere il nemico.” 500 Cfr. IDEM, “Il concetto di politica” (1976), in TeGePo, p. 119. 499 172 quando se verificam aquelas determinadas condições ou para conseguir um determinado fim501. Os defensores da razão de Estado embasaram as suas teorias sobre a consideração que não existe “princípio” que não admitam certas derrogas, ou casos nos quais se torna lícito violar os princípios éticos – mesmo o princípio por excelência Não matar – para a defesa do Estado. Se quisermos sustentar que a Política deve sempre ser respeitosa dos princípios morais, então nos encontraríamos diante de um contraste insolúvel. Segundo Bobbio, podemos, ao máximo, procurar estabelecer, com certa precisão, quais são os casos-limites em que é possível derrogar um princípio ético. Ora as exceções reconhecidas, ou que podem ser utilizadas em favor da pena de morte, por exemplo – como trataremos na próxima etapa desta pesquisa – são exatamente o estado de necessidade e a legítima defesa do Estado502. Os argumentos tradicionais da Razão de Estado que visam justificar as derrogas aos princípios morais e jurídicos no estado de necessidade são: os interesses vitais do país, as exigências da defesa e o princípio de reciprocidade503. Segundo esta lógica da razão de Estado, o imperativo ético Não matar torna-se um princípio puramente instrumental; perde todo caráter categórico504. Quanto ao princípio da legítima defesa, utilizado pelos defensores da Razão de Estado para justificarem as derrogas do imperativo Não matar, Bobbio observou que a Cfr. IDEM, “Etica e politica” (1986), in EdM, p. 81. Cfr. IDEM, “Contro il potere di dare la morte” (1982), in Rinascita, 38, 42 (5 de Novembro de 1982), pp. 41-43. 503 Cfr. IDEM, “Democrazia e segreto” (1990), in TeGePo, pp. 365-366. 504 Cfr. IDEM, “Ragion di stato e democrazia” (1991), in EdM, p. 93. 501 502 173 analogia é “errada”. A Sociedade não tem o direito de matar por legítima defesa, porque a legítima defesa nasce e se justifica somente como resposta imediata e na impossibilidade de agir diversamente. A resposta que a Sociedade dá à agressão recebida, por exemplo, deve ser uma resposta mediata através de processo, às vezes longo, no qual se debatem argumentos prós e contra505. O Povo-estado não pode pôr-se ao mesmo nível do Indivíduo-cidadão; o Indivíduo age por raiva, por paixão, por interesse, por defesa. O Estado responde mediatamente, reflexivamente, racionalmente. Este possui o dever de defender-se, mas é muito mais forte do que o Indivíduocidadão para haver necessidade de violar o princípio Não matar em própria defesa. O Estado há o privilégio e o benefício do monopólio da força, por isto deve sentir toda a “responsabilidade” deste privilégio e deste benefício506. 3.2.2. O Princípio Vim vi repellere licet. Segundo Bobbio, não existe lei moral que, em circunstâncias particulares, não preveja exceções. Segundo ele, o imperativo ético Não matar decairia no caso da “legítima defesa”, a saber, no caso em que a violência é o único remédio possível à violência, em base à máxima que, expressa ou tacitamente, é acolhida pela maior parte dos Sistemas morais e jurídicos: vim vi repellere licet.507 Cfr. IDEM, “Sulla pena di morte” (1999), in Nuova Antologia, 583, 2212 (Outubro-Dezembro de 1999), pp. 34: No, la comparazione è sbagliata: la società non ha questo diritto, perché la legittima difesa nasce e si giustifica soltanto come risposta immediata e nella impossibilità di agire altrimenti. Cfr. também IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 197-198. 506 Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 198-199. 505 174 Se o princípio ético Não matar encontrasse na legítima defesa sua exceção, então “o quê” Bobbio entendeu quando afirmara que este princípio é válido em sentido absoluto, como um imperativo categórico? Seria uma contradição no pensamento bobbiano? Como entender estas suas afirmações? Para responder a estas perguntas, primeiro devemos postular esse princípio ético como absoluto e como imperativo categórico em defesa daquele valor que Bobbio chamou primordial, enquanto condição para todos os demais valores: a vida humana508. Depois, devemos entender a afirmação de Bobbio acima – o princípio ético Não matar decai no caso da legítima defesa, no caso em que a violência é o único remédio possível509 – no sentido de ser uma situação-limite, na qual não existe mais uma Autoridade superior510. Numa situação-limite, perguntou Bobbio, a quem competiria julgar onde termina a violência lícita e começa a violência ilícita?511 Aqui, encontram-se todos os tradicionais problemas relativos às várias formas, aos limites, às justificações, da Cfr. IDEM, “Etica e politica” (1986), in EdM, p. 63: La regola ‘Non uccidere’ viene meno nel caso della legittima difesa, vale a dire nel caso in cui la violenza è l’unico rimedio possibile, in quella particolare circostanza, alla violenza, in base alla massima che espressamente o tacitamente è accolta dalla maggior parte dei sistemi normativi morali e giuridici: Vim vi repellere licet. Cfr. ainda IDEM, “Ragion di stato e democrazia” (1991), in EdM p. 100. 508 Cfr. IDEM, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in DubScel, p. 28. 509 Cfr. IDEM, “Etica e politica” (1986), in EdM, p. 63. 510 Cfr. IDEM, “La resistenza: una guerra civile?” (1992), in DalFaD, pp. 155-156. 511 Cfr. Ibidem. 507 175 violência; relativos ao contraste, segundo Bobbio, nunca resolvido entre o dever de não matar e o “dever” de matar em caso de necessidade ou de legítima defesa, entre violência primeira e violência segunda, ofensiva e defensiva, justa e injusta512. A dificuldade aqui é mais lingüística que substancial: trata-se de entender o sentido que Bobbio atribuiu ao termo eccezione – exceção. O sentido deste termo utilizado por ele significa somente que o princípio vim vi repellere licet garante ao agredido a faculdade de defender-se com força “proporcional”. Seria uma verdadeira e própria “exceção” ao imperativo Não matar somente se tal princípio da legítima defesa permitisse de matar diretamente o agressor: a morte do agressor, porém, no ato de legítima defesa como entendeu Bobbio, em sintonia com a tradição moral, é sempre acidental, ou seja, conseqüência da defesa. Neste sentido não se pode nem mesmo falar de verdadeira derroga do princípio ético Não matar, menos ainda de exceção. Devemos precisar o âmbito da legítima defesa para compreender melhor o sentido do princípio vim vi repellere licet em relação à validade absoluta do imperativo ético Não matar, como imperativo categórico. 3.2.3. Precisando o Âmbito da Legítima Defesa. O princípio vim vi repellere licet, acima apresentado, afirma somente que se “pode” utilizar de força defensiva, proporcional – vim vi – para repelir a força ofensiva sofrida. Não diz ser lícito matar para repelir o agressor: isto, sim, seria uma verdadeira e própria “exceção” e “derroga” ao princípio ético Não matar! 512 Cfr. Ibidem, pp. 154-155. 176 Portanto, a legítima defesa não é uma “exceção” nem uma “derroga” a tal princípio ético. Se este princípio admitisse derrogas ou exceções, não poderia ser qualificado como imperativo absoluto ou categórico, como o qualificou Bobbio. Seria somente um princípio relativo, condicionado pelas hipotéticas circunstâncias da ação humana. O “dever” que o princípio vim vi repellere licet impõe-nos não é de matar o agressor, mas somente de defender a vida própria e de outrem – valor primordial – caso venha ameaçada, “repelindo” o agressor com força proporcionada; mesmo que, desta ação defensiva, resultasse a morte de tal agressor. Este “dever” de defender a vida própria e alheia não constitui uma “exceção” ao princípio ético Não matar que é absoluto; pois na legítima defesa não se visa matar diretamente o agressor: sua morte seria uma conseqüência acidental de uma ação inevitável, em uma situação que Bobbio chamou casos-limites.513 Se a ação defensiva derrogasse ou fosse uma exceção ao princípio ético, deveria visar diretamente a morte do agressor; mas então não seria mais nem “legítima” nem defesa, seria esta também uma ação ofensiva, agressiva: evidente “violação” direta do imperativo Não matar. Ainda assim, não seria uma sua exceção. Por exemplo: a pena de morte visa diretamente a morte do agressor da Sociedade; portanto é a violação direta do princípio ético Não matar, não é sua “derroga” ou a “exceção” justificada pela razão de Estado, em base à legítima defesa da Sociedade civil. Outro aspecto que devemos considerar é o estado de necessidade. Segundo Bobbio, quando o agente se encontra Cfr. IDEM, “Contro il potere di dare la morte” (1982), in Rinascita, 38, 42 (5 de Novembro de 1982), pp. 41-43. 513 177 numa situação na qual certa ação é necessária no duplo sentido de não poder não fazê-la – necessidade propriamente dita – ou de não poder fazê-la – ou impossibilidade – qualquer norma que comande ou proíba uma ação diferente é absolutamente impotente. Diz-se que a necessidade não há lei: não há lei porque é mais forte de qualquer lei514. Bobbio observou que, se é verdade que em determinada situação existe um só meio para conseguir um fim, e este fim deve ser atingido, a efetuação do meio se torna uma ação necessária, em relação à qual o sujeito agente não há escolha e, portanto, não é livre de agir seguindo o princípio ético que lhe imporia uma conduta diferente515. O problema que precisa ser esclarecido para compreender a valência desta situação de necessidade é o valor do fim: de qual fim se trataria? Um fim absoluto ou relativo? Existe um fim absoluto? Se considerarmos um estado de necessidade em vista de um fim que é, bobbianamente falando, evidentemente absoluto como defender a própria vida – valor primordial e direito fundamental por excelência – é igualmente evidente que não existe princípio ético ou jurídico que possa vigorar nesta situação. Aqui entramos no caso da legítima defesa: a morte do agressor como “conseqüência” de uma ação defensiva proporcionada à ameaça do agressor. Se, porém, considerarmos um estado de necessidade, em vista de um fim que não é absoluto, portanto relativo, como por exemplo, a defesa do possesso de um bem material violando um princípio ético ou jurídico que diz Cfr. IDEM, “La politica” (1987), republicado com o título “I confini della politica”, in TeGePo, p. 175. 515 Cfr. Ibidem. 514 178 Não matar; é igualmente evidente que tal estado de necessidade é também ele relativo: não existem as condições que impeçam o “valor” do princípio ético ou jurídico nesta situação, pois se trata somente de um “fim” relativo em contraposição a um princípio ético que protege um bem absoluto: a vida humana. O imperativo ético Não matar, enquanto absoluto, imperativo categórico, como ficou evidente, obriga a todos indistintamente porque o direito primordial à vida, como condição para todos os outros direitos humanos fundamentais, pertence a todos os homens: todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Esta é a natural condição do Homem e de todos os homens: a sua substancial unidade humana. 179 4. Substancial Unidade do Gênero Humano. Depois de conhecermos o sujeito dos direitos à vida e a viver; bem como o direito à vida como sinal de progresso moral; e o sentido do imperativo ético “Não matar!”; podemos, agora, trabalhar o problema da substancial unidade do gênero humano. A vida humana, enquanto valor primordial porque conditio sine qua non para todos os demais valores é um direito fundamental de “todos” os homens; não de alguns privilegiados ou daqueles melhor desenvolvidos psíquico somaticamente; mas de todos os indivíduos que compartilham a mesma natureza humana: humanitas. Conseqüentemente, o dever de Não matar também obriga a “todos”, inclusive ao Estado enquanto estrutura a serviço do indivíduo humano. Conheceremos a substancial unidade do gênero humano, primeiro a partir das suas principais “declarações”, onde trabalharemos a liberdade e igualdade, bem como o sentido da afirmação bobbiana: os seres humanos não são, mas “devem” ser livres e iguais. Depois, trabalharemos o fundamento desta substancial unidade humana, onde serão apresentados elementos etimológicos do termo Natureza, bem como algumas abordagens que negam a existência de uma “natura Hominis”; depois, como uma resposta a tais abordagens, trabalharemos o conceito bobbiano de natureza humana ideal. Num terceiro momento, trabalharemos a “desigualdade” humana. 180 4.1. “Declarações” da Substancial Unidade Humana. A Carta das Nações Unidas, 1945,516 primeiro grande documento histórico dos direitos humanos depois da Segunda Guerra, reafirmou no seu Preâmbulo a fé nos direitos fundamentais do Homem – de todos os homens – na dignidade e no valor da Pessoa humana, na igualdade dos direitos fundamentais dos homens e das mulheres e das Nações grandes e pequenas.517 4.1.1. Declarações de Liberdade e Igualdade. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948, no seu primeiro artigo, afirmou que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos: liberdade e igualdade, ou se quisermos, igualdade nas liberdades. Ainda neste documento, a começar do seu título, a universalidade do conceito mesmo de Homem é evidente: trata-se de uma declaração “universal” que há como objeto os direitos fundamentais de “todos” os homens; todos os entes que compartilham a mesma natureza humana.518 A Carta das Nações Unidas foi assinada em 26 de Junho de 1945, ao término da Conferência sobre a Organização Internacional das Nações Unidas, e tornou-se lei em 24 de Outubro de 1945. O Estatuto da Corte Internacional de Justiça é parte integrante desta Carta. 517 Cfr. N. BOBBIO, “Dalla priorità dei doveri alla priorità dei diritti” (1988), republicado com o título “Il primato dei diritti sui doveri”, in TeGePo, p. 437; cfr. ainda IDEM, “Libertà fondamentali e formazioni sociali” (1975), republicado com o título “Il pluralismo degli antichi e dei moderni”, in TeGePo, p. 278. 518 Cfr. IDEM, “Eguaglianza” (1977), in EgLi, p. 34. 516 181 Estas palavras não são novas, observou Bobbio. Estiveram presentes na Declaração de Independência dos Estados americanos, 4 de Julho de 1776, que afirmaram como incontestáveis e evidentes por si mesmas as seguintes verdades: todos os homens foram criados iguais; foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis; entre estes direitos estão, em primeiro lugar, a vida, a liberdade, e a busca da felicidade519. Estas verdades foram incluídas pela França revolucionária na sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, 26 de Agosto de 1789, nos seus artigos primeiro e segundo, afirmou que os homens nascem e são livres e iguais em direitos; as distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum; a finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do Homem: a liberdade, a prosperidade, a segurança e a resistência à opressão520. Na Declaração de Independência dos Estados americanos, 1776, Bobbio notou certa diferença, em relação às outras declarações: foi proclamada a igualdade como condição fundamental; a liberdade, invés, foi enumerada junto a outros direitos, tais como o direito à vida e à felicidade. Segundo Bobbio é evidente que os redatores da Declaração Universal dos Direitos do Homem, 10 de Dezembro de 1948, preferiram a incisiva simplicidade do texto francês. Mas ambos os textos eram, com certeza, presentes nas mentes deles521. Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), in TerAs, p. 71. 520 Cfr. Ibidem. 521 Cfr. Ibidem, pp. 71-72. 519 182 As primeiras declarações, acima, eram novas enquanto instrumentos jurídicos, mas não pelo seu conteúdo: fundamentavam-se na doutrina dos direitos naturais. O seu “progenitor” filosófico mais autorizado, observou Bobbio, foi J. Locke que no seu O Segundo tratado sobre o governo civil: tratado concernente a verdadeira origem, a extensão e o fim do governo civil, 1689; introduzindo o discurso sobre o Estado de Natureza, escreveu: É um estado de igualdade, no qual todo poder e toda jurisdição é recíproca, porque não existe nada de mais evidente disto, que criaturas da mesma espécie e do mesmo grau, nascidas, sem distinção, às mesmas vantagens da natureza e ao uso das mesmas dificuldades, devem também ser iguais entre elas, sem subordinação ou sujeição.522 Se os direitos proclamados na Declaração Universal de 1948, não foram novos pelo seu conteúdo, porém, novo foi o âmbito de validade das suas disposições, observou Bobbio. De fato, na boca de J. Locke e na boca dos jusnaturalistas a afirmação dos direitos naturais era pura e simplesmente uma teoria filosófica, que não havia outro valor senão aquele de uma exigência ideal, de uma aspiração filosófica que poderia ter sido realizada somente quando fosse acolhida por alguma Constituição estatal e transformada numa série de prescrições jurídicas. Com a Declaração Universal de 1948, cumpriu-se o terceiro momento da “evolução” do âmbito dos direitos fundamentais: os direitos naturais tendem a ser protegidos não mais somente no âmbito do Estado, mas também contra o próprio Estado; tendo uma proteção que se poderia dizer Cfr. J. LOCKE, Essay concerning the true original, extent, and end of civil government (1689), II, 4. 522 183 de segundo grau, a qual deveria entrar em ação quando o Estado falhasse com os seus deveres constitucionais em relação aos seus sujeitos523. Depois desta Declaração a proteção dos direitos naturais tende a haver, simultaneamente, eficácia jurídica e valor universal. E o Indivíduo humano, de Sujeito de uma Comunidade Estatal tende a se tornar Sujeito também da Comunidade Internacional, potencialmente universal524. 4.1.2. Os Seres Humanos “Devem” ser Livres e Iguais. Segundo Bobbio, a igualdade aparece sempre mais como um télos. Como télos e, simultaneamente, como retorno à origem, ao status naturae dos jus-naturalistas. Bem mais do que a liberdade, a igualdade substancial – aquela dos igualitários – é o traço comum e que caracteriza as cidades ideais dos utópicos. Segundo Bobbio a igualdade substancial inspirou tanto as visões milenaristas das seitas heréticas que lutaram pelo advento do Reino de Deus, que será o reino da fraternidade universal, quanto os ideais sociais das revoltas campesinas525. Do pensamento utópico ao pensamento revolucionário o Igualitarismo percorreu uma longa estrada: entanto a distância entre a aspiração e a realidade sempre foi e continua a ser muito grande526. Cfr. N. BOBBIO, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), in TerAs, pp. 72-73. 524 Cfr. Ibidem, p. 73. 525 Cfr. IDEM, “Eguaglianza” (1977), in EgLi, pp. 40-41. 526 Cfr. Ibidem, p. 41. 523 184 Bobbio se perguntava: igualdade entre quem, igualdade em quê, igualdade com qual critério?527 Segundo ele a quem lê distraído e superficialmente as palavras da Declaração Universal de 1948 – todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos – além de não serem novas, aparecem também óbvias. Se as considerarmos ad litteram, a sua afirmação não é nem mesmo verdadeira. Não é verdade que os seres humanos nascem livres e iguais: não nascem nem livres e menos ainda são iguais. Mesmo se considerarmos somente os dotes naturais, deixando de lado as condições sociais e históricas, ainda assim os homens não nascem nem livres, nem iguais. Segundo Bobbio, porém, aquela “expressão” de liberdade e igualdade da Declaração Universal, 1948, não deve ser tomada ad litteram, deve ser interpretada. Uma vez interpretada, vê-se que não é tão óbvia assim528 quanto parecia à primeira vista. Podemos com Bobbio afirmar que a proposição normativa a igualdade é um bem digno de ser perseguido não deriva sub-repticiamente do juízo de fato: os homens nasceram ou são, por natureza, iguais; mas do juízo de valor: a desigualdade é um mal. Bem entendido, segundo Bobbio trata-se daquela desigualdade que é possível observar na História concreta dos homens, que é História de Sociedade dividida em classes antagônicas e, portanto, profundamente desiguais529. Cfr. IDEM, “Introduzione alla nuova edizione 1999”, in DesSin, p. 43. 528 Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), in TerAs, p. 73. 529 Cfr. IDEM, “Eguaglianza” (1977), in EgLi, p. 34. 527 185 Que os seres humanos nascem livres e iguais, bobbianamente falando, quer dizer que os seres humanos “devem” ser tratados “como se fossem” livres e iguais. Esta expressão não é descritiva de um fato, é prescritiva de um dever. Como é possível esta passagem de uma descrição a uma prescrição? Bobbio mesmo nos responde: é possível se tomarmos consciência que a afirmação os seres humanos nascem livres e iguais quer dizer, na verdade, que os seres humanos nascem livres e iguais pela sua natureza ideal530. O princípio ético fundamental Os homens “devem” ser tratados em modo igual deriva, segundo Bobbio, não da pura e simples constatação que os homens são de fato, enquanto compartilham a mesma natureza humana, iguais; mas da avaliação positiva desta igualdade. Trata-se, portanto, de um juízo de valor: a igualdade – a maior possível – entre os homens é um valor desejável531. Poder-se-ia dizer que a liberdade e a igualdade declaradas nos documentos nacionais e internacionais, não são um fato, mas um direito. Mais precisamente aquele direito do Homem que deriva – antes mesmo de uma Constituição positiva estatal – da constituição da sua própria personalidade, ou seja, da sua natureza ideal. Por esta via voltamos à doutrina dos direitos naturais532. São sempre direitos derivantes da pertença à “comum” humanidade533. Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), in TerAs, p. 73. 531 Cfr. IDEM, “Eguaglianza” (1977), in EgLi, p. 33. 532 Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), in TerAs, p. 73. 533 Cfr. IDEM, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, p. 645. […] diritti derivanti dall’appartenenza alla comune umanità, […]. 530 186 4.2. O Fundamento da Substancial Unidade Humana. Todos os homens devem ser tratados como iguais na liberdade exatamente porque todos os homens compartilham uma mesma natureza, cuja característica fundamental é a igualdade na liberdade: todos os homens viventes formam uma substancial unidade natural, que nos impõe de atribuir a cada indivíduo uma natureza ideal e de, por causa dela, tratá-lo como Pessoa. Segundo Bobbio, a idéia cristã dos homens irmãos, filhos do único Deus, contribuiu ao ulterior enraizar-se da “igualdade” no pensamento político do Ocidente. Esta idéia da “fraternidade” universal dos homens foi secularizada através da doutrina da comum natureza humana, e chegou a constituir um dos três princípios da Revolução francesa534. 4.2.1. Etimologia do Termo Natureza. O termo latino natura liga-se ao verbo nasci, assim como em grego o termo phýsis liga-se a phýein, que significa “gerar”. Portanto, natura, neste sentido indica aquilo que è congênito, ou gerado junto com..., possuído desde o nascimento e em força do nascimento; em uma palavra, aquilo que é dado535. Cfr. IDEM, “La democrazia dei moderni paragonata a quella degli antichi (e a quella dei posteri) ” (1987), in TeGePo, pp. 330-331. 535 Aqui me valho das reflexões de A. VENDEMIATI presentes nos seus artigos Natura, in E. SGRECCIA, - A. TARANTINO (ed.), Enciclopedia di bioetica e scienza giuridica, in publicação. 534 187 Assim a natureza de uma coisa qualquer – seja um objeto ou uma Pessoa ou mesmo um fato – é a sua estrutura íntima; é o seu plano de ordem interna. A natureza, neste sentido, faz de um sujeito individual aquilo que ele realmente é; constitui o seu princípio imanente de comportamento ou de operação. Sendo um conceito análogo, precisa ser adequadamente esclarecido, para que o discurso sobre a natureza não caia em uma inexorável equivocidade. Por exemplo, é freqüente incorrer em equívocos quando falamos de jus naturae ou de natura Hominis. Deste modo, in-natural é aquilo que não é conforme a natureza; antinatural é aquilo que contrasta a natureza; sobrenatural é aquilo que supera os limites da natureza enquanto criada; no âmbito teológico, preternatural é aquilo que excede os limites da natureza criada, mas não entra no âmbito do dinamismo da Graça divina. Em suma, aquilo que é natural – dado ao Homem – contrapõe-se àquilo que é artificial – feito pela arte ou técnica humana. Podemos ainda, com A. Vendemiati, distinguir natura intensiva – ou natureza em sentido intensivo – aquilo que constitui o específico ser-estruturado de alguma coisa e o dinamismo que dele resulta; e distinguir natura extensiva – ou natureza em sentido extensivo – o conjunto das coisas que circundam o Homem como dadas-a-ele; não produzidas pela sua atividade criativa: abraça o inteiro cosmos. Em sentido intensivo podemos falar da diferente natureza da pedra, e desta pedra; do animal, e deste animal; da planta, e desta planta; bem como se pode falar da natureza do Homem, e deste homem. Em sentido extensivo podemos falar de ciências naturais, de poluição da natureza, de salvar a natureza ou 188 de destruir a natureza; podemos também falar simplesmente de Natureza como o conjunto ordenado de todas as realidades dadas, como cosmos, nele incluído também o Homem. O Homem é parte desta realidade dada e se sua natureza humana não vem claramente identificada como intensiva, portanto como natureza sua, corre o risco de ser “transformado” em um produto extrínseco à ação de outros homens detentores da técnica de manipulação genética, por exemplo. Esse é o risco de o Homem ser rebaixado ao nível do animal, ou o que seria pior, abaixo do animal, enquanto puro objeto de experimentação; seria o perigo de “coisificar” o Homem, num processo de sua radical desumanização, como denunciou Bobbio.536 O Homem há a sua própria natureza graças à qual se distingue de tudo aquilo que não é humano537. 4.2.2. Abordagens que Negam a Natura Hominis. As abordagens marxista, existencialista e estruturalista afirmam que não é possível falar de natura Hominis. Afirmam que o conceito natureza pressupõe “rigidez” e “determinismo”, enquanto a existência humana seria caracterizada por mudança e liberdade no mudar. Para K. Marx o Homem não têm uma natureza em sentido próprio, ou seja, uma essentia Hominis estável: o seu ser vai “enquadrado”, vez por vez, nas relações com os outros homens e com o mundo externo que lhe fornece os meios de subsistência. O Homem seria, portanto, um ser Cfr. N. BOBBIO, “Libertà” (1978), in EgLi, p. 87. Cfr. A. GÜNTHÖR, Chiamata e risposta, vol. I, Paoline, Cinisello Balsamo 1987, p. 313. 536 537 189 privado de natureza que cria si mesmo; cria a própria forma de existência específica, mediante a produção e o trabalho538. Para o Existencialismo de M. Heidegger, o Homem é o ente que se põe a pergunta sobre o sentido do Ser539, considerado no seu modo de ser é, portanto, Da-sein,540 seraqui; e o Da está a indicar o fato que o Homem está sempre numa situação, jogado nesta situação, e em relação ativa em relação a ela. O Da-sein, ou seja, o Homem, não é somente aquele ente que põe a pergunta sobre o sentido do Ser, mas é também aquele ente que não se deixa reduzir à noção de Ser, aceitada pela Filosofia ocidental que identifica o Ser com a objetividade, ou seja, como diz Heidegger, com a simples-presença541. O modo de ser do Da-sein é a existência: a natureza, a essência do Homem, enquanto Da-sein, consiste na sua existência: a essência deste ente consiste no seu haver-deser. A essência – essentia – deste ente, por quanto em geral se possa falar dela, deve ser entendida a partir do seu existir – existentia542. A essência da existência é dada pela possibilidade, que não é uma “vazia” possibilidade lógica nem uma simples contingência empírica. O ser do Homem é sempre uma possibilidade a atuar, e de conseqüência o Homem pode escolher-se, isto é, pode conquistar-se ou perder-se: porque o Da-sein é essencialmente a sua possibilidade, este Cfr. K. MARX, A Ideologia Alemã (1846), aqui citado a partir da trad. br. de L. C. DE CASTRO E COSTA, Martins Fontes, S. Paulo 1998, pp. 19-20. 539 Cfr. M. HEIDEGGER, Sein und Zeit (1927), § 2 e § 6. 540 Cfr. Ibidem, § 4. 541 Cfr. Ibidem, § 4 e § 9. 542 Cfr. Ibidem, § 9. 538 190 ente pode, no seu ser, ou escolher-se, conquistar-se, ou então perder-se e não se conquistar nem mesmo ou conquistar-se somente aparentemente.543 J.-P. Sartre definiu o Existencialismo como a doutrina segundo a qual a existência precede a essência, ou seja, que no discurso antropológico precisa partir da subjetividade.544 Sartre observou ainda que quando pensamos “um” Deus criador, Este é concebido, em substância, ao modo de um artesão supremo. Deus, quando cria, sabe com precisão que coisa cria. Assim, o conceito de Homem, na mente de Deus, seria como a idéia de um objeto na mente do seu fabricante, e Deus cria o Homem servindo-se de uma técnica determinada e inspirando-se a uma determinada concepção, assim como o artesão produz um objeto. Em tal modo o homem individual encarna certo conceito que é no intelecto divino545. O Existencialismo ateu, que J.-P. Sartre representa, afirma que se Deus não existe, então existe ao menos um ser no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por algum conceito: este “ser” é o Homem. Isto significa segundo Sartre, que o Homem existe antes de mais nada; encontra-se, surge no Mundo, e se define depois. O Homem, segundo a concepção existencialista, não é definível porque no início não é nada. Será alguma coisa somente em seguida, e será como se fará. Assim, não existe Cfr. Ibidem. Cfr. J.-P. SARTRE, L’existentialisme est un humanisme (1946), aqui citado a partir da trad. it. G. MURSIA RE, L’esistenzialismo è un umanesimo, Mursia, Milano 19906, p. 24-25. 545 Cfr. Ibidem, pp. 26-27. 543 544 191 uma natura Hominis, porque não existe um Deus que a conceba. O Homem é não só como “se concebe”, mas como “se quer”, e precisamente como “se concebe” depois da existência e como “se quer” depois deste lançamento em direção ao existir. Em uma palavra, o Homem não é outra coisa que aquilo que se faz. O Homem é um projeto que vive si mesmo subjetivamente; nada existe antes deste projeto; nada existe no céu inteligível; o Homem será antes de tudo aquilo que projetará de ser546. O Estruturalismo, por sua vez, entende explicar o Homem, mas explicando-o proclama sua morte; teriam sido as ciências humanas a matá-lo. A ciência do Homem não é possível sem cancelar a consciência do Homem. Na abordagem estruturalista de M. Foucault, o Homem não é que uma invenção recente, uma figura que não há nem mesmo dois séculos, uma simples dobra no nosso saber, e que desaparecerá assim que encontrará uma nova forma547. M. Foucault entende dizer que nosso “conceito” de Homem, e que consideramos ser uma indicação da sua natureza, na realidade é um produto cultural da modernidade, que se acompanha a uma concepção ideológica do seu valor: tudo isto é destinado a desaparecer na era pós-humana, já iniciada. Cfr. J.-P. SARTE, L’existentialisme est un humanisme (1946), aqui citado a partir da trad. it. L’esistenzialismo è un umanesimo, a cura G. MURSIA RE, Mursia, Milano 19906, pp. 27-29. 547 Cfr. M. FOUCAULT, Le parole e le cose (1966), Rizzoli, Milano 19983, p. 13. 546 192 4.2.3. O Conceito Bobbiano de Natureza Humana Ideal. Historicamente o ponto de partida das doutrinas igualitárias foi predominantemente a consideração da comum natura Hominis, acima conceituada, contestada e negada. Segundo Bobbio a natureza do Homem não é, logicamente, suficiente a justificar o princípio fundamental do igualitarismo: Todos, ou quase todos, os homens “devem” ser tratados em modo igual em todos, ou quase todos, os bens desejáveis. Mesmo admitindo que seja verdade que todos os homens são – ao menos como genus enquanto compartilham a mesma natureza – mais iguais que desiguais, não deriva dessa “constatação” que todos os homens “devem” ser tratados em modo igual548. Segundo Bobbio, a afirmação que os seres humanos nascem livres e iguais quer dizer, na verdade, que os seres humanos nascem livres e iguais segundo a sua natureza humana ideal, elevada como critério supremo para distinguir aquilo que se deve fazer daquilo que não se deve fazer549. Em uma palavra, a humanidade, enquanto natureza ideal do Homem dá-nos o critério de como o Homem “deve” ser tratado e de como o Homem “deve” tratar os outros homens e de como deve tratar a Natureza extensiva, enquanto dada a ele. Cfr. N. BOBBIO, “Eguaglianza” (1977), in EgLi, p. 33. Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), in TerAs, p. 73. 548 549 193 Para Bobbio a constatação da igualdade natural dos homens não só não é suficiente a fundamentar o Igualitarismo necessário para proteger a vida de todos os homens, mas não é nem mesmo necessária. Segundo Bobbio pode-se considerar a máxima igualdade como um bem digno de ser perseguido sem partir da constatação de uma igualdade natural de fato ou primitiva ou originária dos homens. O Marxismo foi um típico exemplo de uma doutrina igualitária que abandonou completamente os pressupostos naturalistas das formas mais ingênuas de Socialismo550. Segundo Bobbio, porém, para convencermo-nos da substancial unidade do gênero humano, que o direito primordial à vida compete a todos os homens, não existe a necessidade de excogitarmos argumentos filosóficos; basta olharmos o rosto de uma criança em qualquer parte do Mundo e de qualquer raça. Quando vemos uma criança, que é o ser humano mais próximo à Natureza, não ainda modelado e corrompido pelos costumes do Povo no qual é destinado a viver, não percebemos nenhuma diferença, senão nos traços somáticos, entre um pequeno chinês ou africano ou índio, e um pequeno italiano. Quando vemos uma mãe da Somália que chora seu filho morto ou reduzido a esqueleto, é uma mãe igual às outras. Perguntou Bobbio: aquele choro não se assemelha ao choro de todas as mães do Mundo?551 Uma convicção deste gênero, afirmou Bobbio, nasce de uma operação mental muito simples: os homens não são considerados como indivíduos, mas como “genus”; portanto, não pelas características que diferenciam um 550 551 Cfr. IDEM, “Eguaglianza” (1977), in EgLi, p. 34. Cfr. IDEM, “Razzismo oggi” (1993), in EdM, pp. 134-135. 194 indivíduo do outro, mas por aquelas pelas quais todos os homens pertencem a um único “gênero”; não importa se o acento recai sobre as características axiologicamente negativas – por exemplo, todos os homens são pecadores – ou sobre aquelas positivas – por exemplo, o Homem é naturalmente social552. Bobbio, excluindo a necessidade de excogitar argumentos filosóficos para afirmar a substancial unidade humana, parece antecipar as palavras da Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, 1999. Esta declaração afirmou, no seu primeiro artigo, a existência de uma base “genética”, portanto não filosófica, da unidade fundamental de todos os membros da família humana bem como de sua inerente dignidade e diversidade. Esta “unidade substancial” não anula as individuais diversidades, necessárias para afirmação da Pessoa, enquanto indivíduo-humano. Segundo Bobbio, o impulso em direção a uma sempre maior igualdade entre os homens é irresistível: o Igualitarismo é uma das grandes molas do desenvolvimento histórico. A igualdade entendida como igualar os diferentes é um ideal permanente e perene dos homens que vivem em Sociedade. Perfeitamente antitética, segundo Bobbio, é a operação mental que está à base das doutrinas liberais, que tendem a pôr em evidência não aquilo que os homens têm em comum, enquanto humanos, mas aquilo que têm de diferente, enquanto indivíduos. Não precisamos acrescentar que ambas as operações mentais – igualitária e liberal – são guiadas por escolhas de Cfr. IDEM, “Eguaglianza ed egualitarismo” (1976), in TeGePo, pp. 255-256. 552 195 valor. Factualmente é verdadeiro tanto que todos os homens são iguais, característica do genus; quanto que todos os homens são diferentes, característica do indivíduo. “O” partir de certos fatos ao invés de outros, dos dados comuns ao invés dos dados individuais, é a conseqüência de uma opção ética553. Bobbio interpretou como uma etapa do progresso civil cada superação de qualquer discriminação entre os homens de qualquer raça, cultura e gênero. 4.2.4. A “Desigualdade” Humana. Querendo fazer o exemplo mais óbvio, Bobbio disse que os homens são iguais diante da morte porque todos são mortais; mas são desiguais diante do modo de morrer, porque cada um morre em modo diferente dos outros. Todos os homens são falantes, mas existem diferentes línguas e diferentes modos de falar. Milhões de pessoas têm uma relação com um Além desconhecido, mas cada uma adora, a seu modo, o próprio Deus ou os próprios deuses554. Para os teóricos do Socialismo, os homens foram feitos até agora desiguais, mas devem se tornar iguais. Segundo Bobbio, as doutrinas não-igualitárias, à maneira daquelas igualitárias, não pressupõem a consideração da fundamental e invencível desigualdade humana, mas sim a valorização positiva desta ou daquela forma de desigualdade, seja ela entre indivíduos dotados pela Natureza de força física ou inteligência ou habilidade superiores aos outros; seja ela entre raças ou estirpes ou nações. 553 554 Cfr. Ibidem, p. 256. Cfr. IDEM, “Destra e sinistra” (1994), in DesSin, pp. 127-128. 196 Em outras palavras, pressupõem um juízo de valor oposto àquele das doutrinas igualitárias, ou seja, o juízo que esta ou aquela forma de desigualdade ajuda ou até mesmo é necessária à melhor ordem da Sociedade ou ao progresso civil. Portanto, a ordem social deve respeitar não abolir as desigualdades entre os homens, ou ao menos aquelas desigualdades que vêm consideradas social e politicamente úteis ao progresso civil555. Segundo Bobbio, a categoria do “diferente” não tem nenhuma autonomia analítica em relação ao tema da justiça: não só as mulheres são diferentes dos homens, mas cada mulher e cada homem é diferente um do outro. A diversidade torna-se relevante somente quando está à base de uma discriminação injusta. Que a discriminação seja injusta, não depende do fato da diferença em si, mas do reconhecimento da não-existência de boas razões para um tratamento desigual556. Muitas são as formas de universalismo dos valores, pelo qual não obstante as naturais diferenças de raça, as históricas diferenças de tradições e de gerações – a diferença de geração se soma a todas as outras e não é de modo nenhum ignorável – existe uma comum humanidade que supera todas as diferenças de tempo e de lugar557. Cfr. IDEM, “Eguaglianza” (1977), in EgLi, pp. 34-35. Cfr. IDEM, “Destra e sinistra” (1994), in DesSin, pp. 112-113. 557 Cfr. IDEM, “Razzismo oggi” (1993), in EdM, p. 133. 555 556 197 5. O Fundamento dos Direitos à Vida e a Viver. Conhecemos a substancial unidade do gênero humano, a partir das “declarações” da substancial unidade humana, do fundamento da substancial unidade humana. Podemos dizer que ficou claro “o quê” Bobbio entendia dizer quando afirmou de considerar o princípio ético Não matar válido em sentido absoluto, como um imperativo categórico. Num esforço de síntese, podemos afirmar que Bobbio entendeu dizer que “categórico” é o valor da vida que o imperativo Não matar entende proteger; impõe um dever perfeito em vista de proteger o valor primordial da vida humana, comum a todos os homens; não tem outros argumentos para impor-se senão a sua própria força, porque o “dever” vai cumprido por princípio, independentemente das suas razões; sem alguma consideração das circunstâncias em que vem, de vez em vez, aplicado; porém não prescreve outra conduta que aquela assumida por livre decisão no respeito do dever moral558. Agora podemos completar o discurso desenvolvido até aqui passando a tratar o problema do fundamento dos direitos à vida e a viver, o que faremos trabalhando o ‘sentido’ do problema do fundamento absoluto, como um problema mau posto e uma “ilusão”. Depois, num segundo momento, trabalharemos a ‘impossibilidade’ de um fundamento absoluto, onde 558 Cfr. IDEM, “L’opera di Gioele Solari” (1952), in ItCiv, p. 177. 198 conheceremos a visão bobbiana da classe dos direitos fundamentais como vaga e não-definível, variável, heterogênea e antinômica. Num terceiro momento trabalharemos a ‘in-desejabilidade’ de um fundamento absoluto para os direitos à vida e a viver, onde conheceremos a demonstrabilidade e atuabilidade dos valores, bem como a atuação dos direitos à vida e a viver. Depois, num quarto momento, trabalharemos o consensus omnium gentium, como possível solução do problema do fundamento, onde apresentaremos os modos de fundamentar os valores, e o consensus como histórico fundamento de valores. Por fim, num quinto momento, faremos algumas observações conclusivas, onde apresentaremos uma distinção entre fundamento e justificação, entre “Direito” humano e “direitos” humanos; e concluiremos com os conflitos entre “direitos” humanos. 5.1. O “Sentido” Fundamento. do Problema do 5.1.1. Um Problema Mau Posto. Segundo Bobbio, o problema do fundamento ou até mesmo do fundamento absoluto, irresistível, irrefutável dos direitos do Homem – do qual os filósofos são chamados a dar a sua sentença – é um problema mau posto559. Sobre o tema do fundamento dos ‘direitos’, com referências freqüentes à posição bobbiana, cfr. o volume que recolhe o debate acontecido a Madrid, em 19 e 20 de Abril de 1988 e publicado com o título El fundamento de los derechos humanos, a cura de G. PECESBARBA MARTÍNEZ, Editorial Debate, Madrid 1989. Cfr. ainda G. PECES-BARBA MARTÍNEZ, “Sobre el fundamento de los derechos humanos, Un problema de moral y derecho”, in G. PECES-BARBA 559 199 Por exemplo, a liberdade religiosa é efeito das guerras de Religião; as liberdades civis são efeitos das lutas dos Parlamentos contra os Soberanos absolutos; as liberdades políticas e sociais são efeitos do nascimento, crescimento e maturação do movimento dos trabalhadores assalariados, dos agricultores com pouca terra ou semterra; dos pobres que pedem aos públicos poderes não só o reconhecimento da liberdade pessoal e das liberdades negativas, mas também a proteção do trabalho contra a desocupação, e os primeiros rudimentos de instrução contra o analfabetismo e, paulatinamente, a assistência para a invalidez e a velhice; necessidades às quais os proprietários ricos podiam prover por si sós560. Assim, para Bobbio, o problema do fundamento de um direito se apresenta diferentemente segundo que se trate de buscar o “fundamento” de um direito que se tem ou de um direito que se deseja ter, em sentido positivo. No primeiro caso, buscaremos no Ordenamento jurídico positivo do qual fazemos parte como titulares de direitos e deveres se existe uma norma positiva válida que o reconheça. No segundo caso, buscaremos boas razões para sustentar sua legitimidade e para convencer o maior número de pessoas possível e, sobretudo aquelas que detêm o Poder MARTÍNEZ (a cura de), El fundamento de los derechos humanos, Editorial Debate, Madrid 1989, pp. 265-277. 560 Cfr. N. BOBBIO, “Introduzione” (1997), in EdD, p. XIII. Para a história dos direitos do Homem a partir do ponto de vista do seu reconhecimento, que segundo Bobbio é o único ponto de vista pertinente, ele nos remete ao estudo de G. PUGLIESE, “Appunti per una storia della protezione dei diritti dell’uomo”, in Rivista trimestrale di diritto e procedura civile XLIII, 3 (1989) 619-659. 200 direto ou indireto de emanar normas válidas naquele Ordenamento, a reconhecê-lo561. Infelizmente, observou Bobbio, as boas razões bastam para fundamentar racionalmente um direito, mas não bastam para obter, com certa segurança, a sua garantia e proteção. Segundo ele o tema do fundamento racional dos princípios morais – não excluído o princípio Não matar! – que empenha justamente os filósofos, é tanto teoricamente apaixonante quanto praticamente irrelevante. Não existe princípio ético, mesmo o mais primordial de todos – Não matar! – que seja respeitado somente porque tenha sido bem fundamentado racionalmente. O debate sobre o fundamento dos princípios éticos, segundo Bobbio, é um típico debate teórico, um admirável jogo intelectual que tem pouca ou nenhuma incidência sobre o comportamento real dos homens, que seguem mais a paixão que a Razão, mais o interesse imediato que o dever moral562. Bobbio observou que o fundamento racional de um princípio ético pode valer para aqueles pouquíssimos homens que se deixam guiar pela Razão e, portanto, persuadir-se pelos argumentos racionais usados pelos filósofos. Quem viola um princípio ético racionalmente fundamentado há a convicção racionalmente plausível que todos os outros homens o observarão e, portanto, o seu ato não acarretará nenhum prejuízo nem a ele e nem à Sociedade civil. Cfr. IDEM, “Sul fondamento dei diritti dell’uomo” (1964), in EdD, p. 5. 562 Cfr. IDEM, “La pace attraverso il diritto” (1983), republicado com o título “Pace e Diritto”, in TeGePo, p. 529. 561 201 Por exemplo, quem viola o imperativo ético Não matar pensa: se “mato” com o pressuposto que todos os outros não matem, posso tranquilamente continuar a matar. Outro exemplo é o caso de quem viola o princípio ético pacta sunt servanda, pensando: se eu não mantenho as promessas numa Sociedade civil onde todos os outros homens as mantêm, com vantagens para mim e com pouco prejuízo para a Sociedade, posso continuar a não mantêlas563. 5.1.2. A “Ilusão” do Fundamento Absoluto. Bobbio observou que, apesar de os direitos à vida e a viver, bem como todos os demais direitos humanos fundamentais, serem universalmente reconhecidos como “bens” desejáveis, isto é, fins merecedores de serem perseguidos; não obstante esta sua desejabilidade, ainda não foram todos e nem em toda parte, nem em igual medida, reconhecidos; e muito menos protegidos. Segundo Bobbio, somos impulsionados pela “convicção” que encontrar um fundamento a esses direitos humanos, isto é, apresentar motivos para justificar a escolha que fizemos e que gostaríamos fosse feita também pelos outros homens, seja um meio adequado a obter um reconhecimento mais amplo de tais direitos564. Observou Bobbio que do “escopo” que a pesquisa do fundamento dos direitos humanos fundamentais à vida e a viver, bem como dos demais direitos fundamentais, propõese nasce a ilusão do fundamento absoluto. Isto é, a ilusão que, acumulando e elaborando razões e argumentos Cfr. Ibidem, pp. 529-530. Cfr. IDEM, “Sul fondamento dei diritti dell’uomo” (1964), in EdD, p. 6. 563 564 202 filosóficos, encontrar-se-á “a” razão e “o” argumento irresistível ao qual ninguém poderá negar-se de dar a própria adesão. Segundo Bobbio, o fundamento absoluto dos direitos seria o fundamento irresistível no mundo das nossas idéias, do mesmo modo que o poder absoluto “é” o poder irresistível no mundo das nossas ações. Diante de tal fundamento irresistível se curvaria necessariamente todas as mentes, assim como diante de um poder irresistível se curvam, necessariamente, todas as vontades livres. O fundamento último de um direito humano fundamental não seria ulteriormente discutível, assim como o poder último também não seria discutível. Quem resistisse ao fundamento absoluto se colocaria fora da Comunidade das pessoas racionais, assim como quem se rebelasse ao poder último se colocaria fora da Comunidade das pessoas justas ou boas565. Esta “ilusão”, por séculos, foi comum a jusnaturalistas que acreditaram de haver protegido certos direitos contra toda possível refutação derivando-os “diretamente” da natura Hominis. Mas, segundo Bobbio, como fundamento absoluto de direitos irresistíveis, a natureza do Homem demonstrou-se muito frágil. Bobbio observou ainda que muitos direitos, mesmo os mais diferentes entre eles, mesmo os “menos” fundamentais – fundamentais somente segundo a opinião de quem os sustentava – foram fundados na generosa e complacente natura Hominis.566 565 566 Cfr. Ibidem. Cfr. Ibidem, pp. 6-7. 203 5.2. ‘Impossibilidade’ de um Fundamento Absoluto. Segundo Bobbio a “ilusão” de encontrar um fundamento absoluto aos direitos humanos à vida e a viver, bem como a todos os demais direitos fundamentais, não é mais possível; toda pesquisa do fundamento absoluto é, por sua vez, infundada567. Contra esta “ilusão” Bobbio levantou quatro dificuldades, afirmando que direitos humanos fundamentais são expressões muito “vagas” formando uma classe nãodefinível, variável, heterogênea e também antinômica. 5.2.1. Uma Classe Vaga e Não-definível. Segundo Bobbio, a primeira dificuldade em atribuir um fundamento absoluto aos direitos humanos fundamentais à vida e a viver, bem como a todos os demais direitos fundamentais, deriva da constatação que os direitos “humanos”, enquanto categoria filosófica é uma expressão vaga e não-definível. Quando se acrescenta alguma referência ao conteúdo desses direitos, não se pode deixar de introduzir termos de valor, por exemplo: Direitos humanos fundamentais são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da Pessoa humana. Ou então: Direitos humanos fundamentais são aqueles cujo reconhecimento é “conditio sine qua non” para o desenvolvimento da Civilização humana568. 567 568 Cfr. Ibidem, p. 7. Cfr. Ibidem, p. 8. 204 Daqui surge uma nova dificuldade: os termos de valor são interpretáveis em diferentes modos segundo a “ideologia” assumida pelo intérprete. De fato, em quê consista o aperfeiçoamento da Pessoa humana ou o desenvolvimento da Civilização é objeto de muitos e apaixonantes, mas segundo Bobbio, insolúveis contrastes e discussões. Um “acordo” entre os intérpretes de valores fundamentais, como o é a vida humana, encontrar-se-ia somente quando, depois de muitas e recíprocas concessões, consentissem em aceitar uma fórmula genérica, que esconderia, mas não resolveria o contraste. Esta fórmula genérica para definir os valores deixa tal definição igualmente vaga, como as duas definições de direitos humanos fundamentais acima. Assim, os contrastes renasceriam quando se passasse do momento da enunciação puramente verbal dos direitos humanos fundamentais à vida e a viver ao momento da sua aplicação569: é o problema já visto acima, do conflito entre a linguagem dos direitos humanos fundamentais e a sua práxis, sua proteção e promoção. O fundamento desses direitos humanos, dos quais se sabe somente que são condições para a atuação de um valor último, segundo Bobbio, é o apelo a esse valor último mesmo: a vida humana. Bobbio observou que os valores últimos não se justificam, assumem-se: aquilo que é último, exatamente porque é último, não há necessidade de nenhum fundamento: basta a si mesmo; há em si a “absolutez” do seu valor. Os valores últimos são antinômicos, não se podem realizar todos globalmente e contemporaneamente. Para 569 Cfr. Ibidem. 205 atuá-los ocorrem certas concessões da parte dos titulares de tais valores: nesta obra de conciliação, que requer recíprocas renúncias, entram em jogo as preferências pessoais, as escolhas políticas e as orientações ideológicas. Como pode ser possível pôr o problema do fundamento – absoluto ou não – de direitos humanos fundamentais dos quais, segundo Bobbio, não é possível dar uma noção precisa?570 5.2.2. Uma Classe Variável. Segundo Bobbio, os direitos humanos fundamentais constituem uma classe variável, como a História dos últimos séculos deixou suficientemente claro. O elenco dos direitos humanos fundamentais modificou-se e modifica-se com o mudar das condições históricas, isto é, das necessidades e dos interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a sua atuação, das transformações técnicas, etc. Direitos que foram declarados absolutos no final do século XVIII – por exemplo, como a propriedade sacre et inviolable – foram submetidos a radicais limitações nas declarações contemporâneas. Direitos que aquelas declarações nem sequer mencionavam – como os direitos sociais – foram proclamados com grande ostentação em todas as declarações recentes571. Bobbio não via como se pudesse dar um fundamento absoluto a direitos históricos, portanto, relativos. Segundo ele não se precisa ter medo do relativismo. A constatada pluralidade das concepções religiosas e morais, por exemplo, é um fato histórico também sujeito às mudanças. 570 571 Cfr. Ibidem, pp. 8-9. Cfr. Ibidem, p. 9. 206 O relativismo que deriva desta pluralidade também é relativo. E exatamente este pluralismo é o argumento mais forte a favor de alguns dos direitos mais celebrados, como a liberdade de Religião e a liberdade de pensamento572. Se não fôssemos convencidos da irredutível pluralidade das concepções últimas, e se fôssemos convencidos, ao contrário, que princípios religiosos, éticos e políticos são demonstráveis como teoremas – ainda uma vez essa fora a ilusão de jus-naturalistas; como por exemplo, Th. Hobbes que considerava as leis naturais teoremas – os direitos à liberdade religiosa ou à liberdade de pensamento político perderiam a sua razão de ser. Esses direitos adquiririam um outro significado, não seriam os direitos de haver a própria religião pessoal ou de exprimir o próprio pensamento político, mas sim o direito de não serem impedidos com a força de buscar a “única” verdade religiosa e o “único” bem político573. 5.2.3. Uma Classe Heterogênea. Para Bobbio, além de não-definíveis e variáveis os direitos humanos fundamentais são também heterogêneos. Entre os direitos compreendidos numa mesma Declaração existem “pretensões” muito diferentes entre elas e até mesmo incompatíveis entre si. Portanto, as boas “razões” que valem para sustentar umas “pretensões” não valem para sustentar outras. Neste caso, não se deve falar de “Fundamento”, mas de “fundamentos” dos direitos humanos, de diferentes 572 573 Cfr. Ibidem, p. 10. Cfr. Ibidem. 207 “fundamentos” segundo o direito humano cujas boas razões se desejam defender574. Entre os direitos humanos fundamentais existem direitos com status muito diferentes: alguns direitos valem sempre, em toda situação e para todos os homens indistintamente. Estes são aqueles direitos que pedimos não sejam limitados nem pelo verificar-se de casos excepcionais, nem com referência a esta ou àquela categoria, mesmo restrita, de pertencentes ao gênero humano. Por exemplo, os direitos humanos fundamentais à vida e às condições de vida, que exclui absolutamente a escravidão e a tortura575. De fato, os direitos à vida e a viver são direitos privilegiados, não estão em concorrência com outros direitos humanos. Segundo Bobbio são poucos os direitos humanos considerados “fundamentais” que não concorrem com outros direitos considerados “igualmente” fundamentais, e que não impõe, portanto, em certas circunstâncias e em referência a particulares categorias de sujeitos, uma escolha axiológica576. Na maior parte dos casos a escolha entre um ou outro direito igualmente humano “e” igualmente fundamental é incerta e exige de ser motivada. Isto depende do fato que tanto o direito que se afirma quanto aquele que se nega têm as suas boas razões humanas. A dificuldade da “escolha” entre esses dois direitos se resolve, segundo Bobbio, com a introdução de “limites” à Cfr. Ibidem, p. 11. Cfr. Ibidem. 576 Cfr. Ibidem, pp. 11-12. 574 575 208 extensão de um dos dois direitos, em modo que seja em parte salvaguardado também o outro direito577. Direitos havendo eficácia tão diferente não pode haver, concluiu Bobbio, o mesmo fundamento absoluto. Os direitos humanos fundamentais, sim, mas sujeitos a restrição ou limites, não pode haver um fundamento absoluto, que não permitiria de dar uma válida justificação a tais limites578. Deste contraste entre o direito humano fundamental de um sujeito e o direito igualmente humano e fundamental de outro sujeito, precisamos distinguir um caso que põe ainda em maior “crise” a pesquisa do fundamento absoluto: trata-se do caso em que se detecta uma antinomia entre os direitos humanos fundamentais “invocados” pelo “mesmo” sujeito. 5.2.4. Uma Classe Antinômica. Todas as declarações recentes dos direitos humanos compreendem, além dos tradicionais direitos individuais de “liberdade”, também os direitos chamados “sociais” que consistem em poderes. Ora, a antinomia consiste exatamente no seguinte: as liberdades requerem da parte dos outros, tais como os órgãos públicos, obrigações puramente negativas de absterse de determinados comportamentos. Por exemplo, o direito à vida enquanto “liberdade” de viver, requer da parte dos outros, incluídos os órgãos públicos do Estado, a obrigação de absterem-se de matar. Já os poderes podem ser realizados somente se impostos a outros, tais como aos órgãos públicos, certo 577 578 Cfr. Ibidem, p. 12. Cfr. Ibidem. 209 número de obrigações positivas. Por exemplo, o direito à viver enquanto “poder” de viver, impõe a necessidade de receber dos “outros”, inclusive dos órgãos públicos do Estado, o necessário para viver579. “Liberdade” e “poder”, assim compreendidos, são antinômicos no sentido que o seu desenvolvimento não pode acontecer paralelamente: a atuação integral da liberdade impede a atuação integral do poder, observou Bobbio. Quanto mais aumenta o “poder” do Indivíduo, tanto mais diminui do mesmo Indivíduo, a sua “liberdade”. Tratase de duas situações jurídicas tão diferentes que os argumentos que valem para sustentar a primeira não podem valer para sustentar a segunda. Dois direitos humanos fundamentais – poder e liberdade – mas antinômicos não pode haver um fundamento absoluto, isto é, um fundamento que torne ambos “igualmente” irrefutáveis e irresistíveis: absolutos. Segundo Bobbio o fundamento absoluto não é somente uma ilusão, às vezes é também um pretexto para defender posições conservadoras580. 5.3. ‘Indesejabilidade’ de um Fundamento Absoluto. Existe outro aspecto da questão do fundamento dos direitos humanos à vida e a viver que devemos considerar: saber se a pesquisa do seu fundamento absoluto, se fosse coroada de sucesso, obteria o resultado esperado de conseguir, mais rapidamente e mais eficazmente, o seu reconhecimento e a sua atuação581. Cfr. Ibidem, pp. 12-13. Cfr. Ibidem, pp. 13-14. 581 Cfr. Ibidem, p. 14. 579 580 210 5.3.1. Demonstrabilidade e ‘Atuabilidade’ dos Valores. Bobbio pôs em discussão o segundo dogma do Racionalismo ético que é a segunda “ilusão” do Jusnaturalismo, a saber: Não só se podem demonstrar como teoremas os valores últimos, mas basta havê-los demonstrado – tornados irrefutáveis e irresistíveis – para assegurar sua atuação. Junto a esse dogma da demonstrabilidade dos valores últimos, o Racionalismo ético, na sua forma mais radical e antiga, sustentou também que a demonstrada racionalidade de um valor é condição, não só necessária, mas “suficiente” para a sua atuação. Bobbio observou que o primeiro dogma, assegura a potência da razão; o segundo assegura o seu primado582. Este segundo dogma do Racionalismo ético e do Jusnaturalismo – que é a expressão histórica mais conspícua do Racionalismo ético – é desmentido pela experiência histórica, afirmou Bobbio. Não se pode dizer que os direitos humanos fundamentais à vida e a viver tenham sido mais respeitados quando os doutos eram concordes em considerar de haver encontrado um argumento irrefutável para defendê-los, isto é, um fundamento absoluto: a sua derivação da essentia ou natura Hominis: a Humanitas583. Não-obstante a crise dos fundamentos, observou Bobbio, em 1948, pela primeira vez a maior parte dos governos existentes proclamaram, de comum acordo, uma 582 583 Cfr. Ibidem. Cfr. Ibidem, pp. 14-15. 211 Declaração dos direitos humanos fundamentais, com pretensões de universalidade. Conseqüentemente, observou Bobbio, depois desta Declaração Universal o problema do fundamento perdeu grande parte do seu interesse. Se a maior parte dos governos existentes concordou numa declaração comum, é sinal que encontrou boas razões para fazê-lo. Portanto, agora não se trata tanto de buscar outras boas razões, ou até mesmo – como queriam os jusnaturalistas – a razão das razões, mas de pôr as condições para uma atuação mais ampla e escrupulosa dos direitos ali proclamados584. 584 Cfr. Ibidem, p. 15. 212 5.3.2. Atuação dos Direitos à Vida e a Viver. Segundo Bobbio, para dar a própria contribuição à criação das condições necessárias para a atuação dos direitos humanos fundamentais à vida e a viver, precisamos ser convencidos que a atuação destes direitos é um fim desejável. Não basta, porém, esta convicção para que se realizem aquelas condições. Muitas destas não dependem da boa vontade nem mesmo dos governantes e tanto menos das razões adotadas para demonstrar a bondade absoluta dos direitos humanos fundamentais à vida e a viver. O mais forte argumento apresentado pelos reacionários de todos os países contra os direitos humanos fundamentais, em especial contra os direitos sociais, não é a sua falta de fundamento, mas a sua não-atuabilidade;585 em outras palavras, sua in-conveniente atuação. Segundo Bobbio, quando se trata de “enunciar” os direitos humanos fundamentais à vida e a viver, o acordo prático entre os Povos e dentro das Nações, é obtido com relativa facilidade; independentes da maior ou menor convicção em relação ao seu fundamento. Quando se trata, porém, de passar da enunciação à ação, da proclamação à atuação; mesmo se o fundamento de tais direitos fosse indiscutivelmente absoluto, começam as reservas e as oposições. O problema de fundo, segundo Bobbio, relativo aos direitos humanos fundamentais não é tanto aquele de justificá-los quanto de protegê-los; é um problema político, não filosófico586. 585 586 Cfr. Ibidem, pp. 15-16. Cfr. Ibidem, p. 16. 213 Que exista uma crise dos fundamentos dos valores é inegável, afirmou Bobbio. Precisa-se tomar consciência dela, mas não devemos tentar superá-la buscando outro fundamento absoluto para substituir aquele perdido: a natura Hominis. Para Bobbio a nossa tarefa, no que concerne aos direitos humanos fundamentais, é muito mais modesta, mas também muito mais difícil. Não se trata de encontrar o fundamento absoluto dos direitos à vida e a viver, empresa sublime, mas sem esperança. Tal “empresa” não terá nenhuma importância histórica se não acompanhada do estudo das condições, dos meios e das situações em que estes direitos humanos fundamentais possam ser realizados: protegidos e promovidos587. Segundo Bobbio, o problema do fundamento dos direitos humanos fundamentais à vida e a viver, como dos demais direitos fundamentais, não é filosófico, mas jurídico; num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos sãos os direitos fundamentais, qual seja a sua natureza e o seu fundamento, se sejam direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos; trata-se de saber qual seja o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, não-obstante as declarações solenes, sejam continuamente violados588. Quando Bobbio afirmou que o problema sempre mais urgente diante do qual nos encontramos não é o problema do fundamento dos direitos, mas aquele das garantias, não Cfr. Ibidem. Cfr. F. CAPOTORTI, “Le Nazioni Unite per il progresso dei diritti dell’uomo, Risultati e prospettive”, in La Comunità internazionale, XXII (1967), pp. 11-35. Cfr. também N. BOBBIO, “Presente e avvenire dei diritti dell’uomo”, in ED, pp. 17-18. 587 588 214 quer dizer que considera tal problema inexistente, mas já resolvido na Declaração Universal de 1948:589 o consensus omnium gentium entorno dos valores ali declarados daria a fundamentação necessária e suficiente para proteger e promover todos os direitos humanos fundamentais. 5.4. O Consensus Omnium Gentium. 5.4.1. Modos de Fundamentar os Valores. Segundo Bobbio existem três modos de fundamentar os valores. Primeiro, deduzi-los de um dado objeto constante, por exemplo, a natura Hominis. Segundo, considerá-los como verdades por si evidentes. Terceiro, descobrir que os valores receberam num dado período histórico, o consensus; portanto, a prova do consensus omnium gentium.590 O primeiro modo de fundamentar os valores, segundo Bobbio, oferecer-nos-ia a maior garantia da sua validade universal, se verdadeiramente existisse a natura Hominis e, admitido que exista como dado constante e imodificável, fosse possível conhecê-la na sua essência. Observou Bobbio que a julgar da história do Jusnaturalismo, a natura Hominis foi interpretada nos modos mais diferentes e o apelo a ela serviu para justificar sistemas de valores até mesmo opostos entre si. Bobbio perguntou-se qual o direito fundamental do Homem segundo a sua Natureza? Seria o direito do mais Cfr. N. BOBBIO, “Presente dell’uomo” (1968), in EdD, p. 18. 590 Cfr. Ibidem, p. 19. 589 215 e avvenire dei diritti forte como o queria B. Spinoza; ou então, o direito à liberdade como o queria I. Kant?591 O segundo modo de fundar os valores – o apelo à evidência – segundo Bobbio tem o defeito de pôr-se “além” de qualquer prova e de rejeitar toda possível argumentação de caráter racional: apenas submetemos valores proclamados evidentes à verificação histórica, percebemos que aquilo que foi considerado evidente por alguns, num dado momento da História, não é considerado evidente por “outros”, em “outro” momento. Por exemplo, a propriedade sacra e inviolável, na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, 26 de Agosto de 1789592; a tortura dos prisioneiros, “justificada” pelo princípio vim vi repellere licet.593 O terceiro modo de justificar os valores é aquele de mostrar que se apóiam no consensus omnium gentium; onde um valor seria tanto mais fundado quanto mais tivesse recebido o consentimento de todos, concluiu Bobbio. Com o argumento do consensus, Bobbio substituiu a fundamentação dos valores considerada impossível ou extremamente incerta da “objetividade”, por aquela da inter-subjetividade. Trata-se certamente de um fundamento histórico e, como tal, não-absoluto; mas é o único fundamento que pode ser factualmente provado. Assim, concluiu Bobbio, a Declaração Universal de 1948, pode ser acolhida como a maior prova histórica que jamais se deu do consensus omnium gentium acerca de um determinado sistema de valores594. Cfr. Ibidem. Cfr. Ibidem. 593 Cfr. Ibidem, pp. 19-20. 594 Cfr. Ibidem, p. 20. 591 592 216 Os valores dos quais foram portadoras as Religiões e as Igrejas – mesmo a Religião Cristã, a mais universal das religiões – envolveram, de fato, historicamente só uma “parte” da Humanidade. Somente depois da Declaração Universal de 1948, podemos ter a certeza histórica que a Humanidade “toda” compartilha alguns valores comuns e podemos, finalmente, crer na universalidade dos valores, no sentido que tal crença é historicamente legitimada; no sentido no qual “universal” não significa dado objetivamente, mas subjetivamente acolhido por todos os homens.595 5.4.2. O Consensus Como Fundamento de Valores. Considerando o valor da democracia, por exemplo, apesar de o consensus ser a sua base, que em abstrato deveria ser uma livre vontade que se determina em base a certas propostas, nem sempre é assim: pensemos à possibilidade de manipulação do consensus através de programas mentirosos; pensemos à influência que a televisão tem sobre a maior parte das pessoas; à facilidade com que a televisão permite de obter consensus com informações superficiais. Bobbio notou que a democracia moderna permanece fundada sobre o consensus, mas não é um consenso fundado sobre a livre convicção que os cidadãos formam, escutando e discutindo com os outros. O consensus moderno é manipulado e manipulável, sobre isto não existem dúvidas596. Cfr. Ibidem, p. 21. Cfr. IDEM, - M. VIROLI, Dialogo intorno alla repubblica, Laterza, Roma-Bari 2001, pp. 93-94. 595 596 217 Considerando o valor da liberdade, Bobbio citou H. Kelsen que entende a liberdade como autodeterminação, nenhum ordenamento social poderia subsistir com o mais alto grau de autodeterminação, isto é, se cada indivíduo se determinasse sem considerar as autodeterminações de todos os outros. Para tornar possível qualquer forma de Sociedade é, portanto, necessário limitar a autodeterminação. O princípio de “maioria” é aquele que permite de limitar a autodeterminação apesar de assegurar o mais alto grau de liberdade possível, entendida a liberdade política como o acordo entre a vontade individual e a vontade coletiva, expressa no ordenamento social597. Segundo Bobbio, a favor do princípio de maioria, pode-se sustentar que ele é a regra cuja aplicação permite a maximização da liberdade, ou a maximização do “consensus” – já que uma vez entendida a liberdade como autodeterminação, ser livres significa obedecer às leis a que se deu o próprio consensus598. Existem matérias para as quais a regra da maioria, geralmente, não se aplica: matérias cuja decisão confiada à regra do maior número apareceria inoportuno – não adequado ao escopo – ou até mesmo injusto; o campo de aplicação destes limites é vastíssimo599. Cfr. H. KELSEN, General Theory of Law ande State, Harvad University Press, Cambridge 1945; trad. it. S. COTTA, - E. TREVES, Teoria generale del diritto e dello stato, Etas Libri, Milano 1994, p. 292. Cfr. também N. BOBBIO, “La regola di maggioranza: limiti e aporie” (1981), in TeGePo, p. 389. 598 Cfr. N. BOBBIO, “La regola di maggioranza: limiti e aporie” (1981), in TeGePo, pp. 389-390. 599 Cfr. Ibidem, p. 399. 597 218 Todas as constituições liberais são caracterizadas pela afirmação de direitos fundamentais do Homem e do cidadão que vêm ditos invioláveis. Ora, a inviolabilidade consiste exatamente nisto: estes direitos humanos fundamentais não podem ser limitados e, tanto menos, suprimidos por uma decisão coletiva, mesmo se tomada segundo o critério de maioria, observou Bobbio. Exatamente por esta sua inatacabilidade da parte de nenhuma decisão majoritária tais direitos humanos fundamentais foram chamados direitos contra a maioria. Em certas Constituições tais direitos são também garantidos juridicamente mediante o controle constitucional das leis e a declaração da ilegitimidade das leis que não os respeitam. A vasta esfera dos direitos de liberdade, por exemplo, pode ser interpretada como uma espécie de território de fronteira diante da qual se bloqueia a potência do princípio de maioria600. Querendo obter um princípio geral desta realidade de fato, pode-se sustentar que um critério de distinção entre aquilo que pode ser submetido à regra de maioria e aquilo que não o pode, segundo Bobbio, está na distinção entre o opinável e o não-opinável. Esta distinção comporta outra muito importante, entre aquilo que é negociável e aquilo que não “o” é. Os valores, os princípios, os postulados éticos e, naturalmente, os direitos fundamentais à vida e a viver não são opináveis e, portanto, nem mesmo negociáveis. A regra do maior número que tem a ver somente com o opinável não é competente a julgá-los601. 600 601 Cfr. Ibidem, pp. 399-400. Cfr. Ibidem, p. 400. 219 Junto aos postulados éticos que não são opináveis por definição – do contrário não seriam postulados – e juntos aos direitos humanos fundamentais aos quais normalmente se atribui o status de postulados éticos, existem matérias que não podem ser decididas com o critério da maioria por razões objetivas – verdade científica – e por razões subjetivas – caso de consciência. Os dois casos são assimiláveis porque as conseqüências práticas podem ser idênticas: o descrédito da regra da maioria até a sua completa supressão. Daqui nasceram, de fato, duas formas clássicas de despotismo que Bobbio chamou o despotismo dos antigos e o despotismo dos modernos. O primeiro se funda sobre a infalível autoridade de Deus; o segundo se funda sobre a autoridade igualmente infalível da Ciência. Os dois tipos de despotismos se fundam sobre uma autoridade cuja credibilidade não pode ser submetida ao voto602. Entre os limites subjetivos na aplicação da regra da maioria, segundo Bobbio, pode-se enfim incluir o limite derivante da existência daquilo que, em termos hegelianos, pode-se chamar o “ethos” de um Povo, ou seja, usos, costumes, língua e tradições. O problema é particularmente evidente no caso de minorias étnicas, que, como tais, seriam sempre perdedoras se adotássemos rigidamente o princípio da maioria. Um limite desse gênero à aplicação da regra da maioria é mais ou menos da mesma natureza daquele que deriva do reconhecimento dos direitos humanos fundamentais à vida e a viver: trata-se de um limite que 602 Cfr. Ibidem, p. 402. 220 depende da indisponibilidade de certas matérias mais do que da inadequação do princípio603. 6. Crítica ao Pensamento Bobbiano. Na tentativa de responder ao problema da fundamentação dos direitos humanos à vida e a viver, enquanto a vida humana é valor primordial – enquanto condição de todos os valores – deve-se distinguir fundamento e justificação. 6.1. Fundamento e Justificação. O fundamento tem caráter absoluto e último; a justificação busca as boas razões – pretensão mais modesta do que aquela do fundamento. Tende-se a acentuar a força do fundamento e a fraqueza da justificação. Um verdadeiro fundamento deve ser absoluto, incontrovertível, último; uma justificação, por sua vez, é relativa, controvertível, opinável. Quando se trata de responder à pergunta sobre a fundamentação dos direitos humanos à vida e a viver, assim como dos demais direitos humanos, esperamos uma resposta da razão prática que nos apresente as boas razões que justifiquem estes direitos: não esperamos uma verdadeira fundamentação, mas somente uma justificação, portanto histórica e relativa. 603 Cfr. Ibidem. 221 Ao invés, quando buscamos a fundamentação da dignidade humana explicitada pelos direitos humanos, buscamos o “fundamento” desses direitos, que não pode ser relativo porque absoluta é a dignidade do Homem. A distinção entre direitos humanos e dignidade humana que eles explicitam historicamente; entre justificação dos direitos e fundamentação da dignidade humana é indispensável para compreendermos bem o discurso entorno do problema do “fundamento” dos direitos humanos à vida e a viver. Podemos entender a justificação dos “direitos” em três modos: primeiro, em sentido ontológico: existem direitos humanos porque existem entes dotados de humanitas. Ninguém pode negar que deva existir certa relação entre a configuração histórica dos direitos humanos fundamentais e o modo de ser do Homem; verdade universalmente compartilhada. De fato, se o Homem fosse diferente daquilo que ele “é”, então os seus direitos fundamentais também seriam diferentes daquilo que “são”. Quando nos perguntamos “se” e “como” podemos conhecer quais sejam estes “direitos” fundamentais e qual o “conteúdo” deles, então nos interrogamos sobre a justificação do seu conhecimento: buscamos uma justificação em sentido gnosiológico. Quando nos perguntamos “onde” os “direitos” fundamentais pretendem conduzir o Homem e “o quê” pretendem tutelar, então nos interrogamos sobre a sua justificação em sentido teleológico: procuramos responder à pergunta sobre a essencial relação entre os direitos fundamentais e o télos do Homem. Os argumentos dos quais nos servimos para conhecer os “direitos” humanos fundamentais são a sua justificação 222 racional. Estes três aspectos do problema, acima expostos, tendem a identificar-se quando os argumentos racionais são deduzidos da humanitas, enquanto essentia Hominis604. Porque os “direitos” são históricos, ou seja, determinados pelo desenvolvimento cultural da Humanidade, precisaremos ter presente e bem distintos estes três sentidos da sua justificação605. O problema da justificação dos “direitos”, segundo a distinção acima feita, pertence ao âmbito da razão prática e é submetido à sua estrutura lógica. Portanto, quando se busca um argumento irresistível para esses “direitos” fundamentais, como disse Bobbio606, pede-se uma resposta que a razão prática não poderá dar. Para F. Viola isto não significa que as respostas da razão prática sejam racionalmente mais fracas, mas somente que têm um estatuto de verdade diferente da certeza da razão lógico-formal e dedutiva607. Quando nos colocamos o problema do fundamento desses “direitos”, entendendo-o como fundamento da dignidade humana, valor absoluto para o Homem, busca-se uma resposta que somente a razão lógico-formal poderá nos dar: uma resposta incontrovertível, ou seja, absoluta. Enquanto o fundamento da dignidade humana é único, a justificação dos “direitos” humanos – históricas explicitações desta dignidade – pode ser múltipla. Cfr. TOMÁS DE AQUINO, De ente et essentia, n. 1: […] sicut humanitas est essentia hominis, […]; trad. it. a cura de P. PORRO, Bompiani, Milano 2002, p. 79. 605 Cfr. F. VIOLA, Etica e metaetica dei diritti umani, Torino 2000, p. 194. 606 Cfr. N. BOBBIO, “L’idea della pace e il pacifismo” (1975), in GeP, p. 120. 607 Cfr. F. VIOLA, Etica e metaetica dei diritti umani, Torino 2000, p. 194. 604 223 Realmente, podem existir diferentes justificações válidas para os direitos humanos fundamentais; assim, será possível uma justificação culturalmente múltipla desses direitos608. O problema do fundamento deve considerar não só a natureza daquilo que pretende fundamentar, mas também sua cognoscibilidade e finalidades últimas. Concluímos, assim, que dentro do problema da fundamentação dos direitos humanos à vida e a viver, que entende proteger a Vida humana como valor primordial porque condição para todos os demais valores e de todos os demais direitos humanos, devemos distinguir a sua justificação histórica e a sua fundamentação da dignidade humana que os transcende. Em sede jurídica não tem sentido falar de fundamento destes direitos humanos, mas sim de sua justificação, ou seja, suas boas razões. Já em sede filosófica, como a nossa, permanecer ao nível da justificação seria empobrecer o problema e limitar a pesquisa. Devemos necessariamente dar um segundo passo e buscar o fundamento daquela realidade que estes direitos explicitam historicamente: a dignidade humana, valor absoluto. Todos os direitos humanos fundamentais são substancialmente práticas sociais, isto é, um complexo de regras, de atitudes, de comportamentos, de valorações com uma projeção com tendência universalista609, em vista de proteger o Homem contra as agressões históricas que lhe ameaçam a integridade da sua humanitas: ontologicamente radicada na essentia Hominis, mas que se deixa conhecer na Cfr. Ibidem, p. 195. Para o conceito de prática social cfr. F. VIOLA, Il diritto come pratica sociale, Milano 1990. 608 609 224 dinâmica da História e Cultura humanas, em vista de sua teleológica destinação última. Esses “direitos” são já fatos culturais dos quais não se pode pôr em dúvidas a sua existência. Na busca da justificação dos direitos humanos fundamentais à vida e a viver precisamos partir de um dado de fato: eles existem. O direito à vida é um “postulado”: condição para todos os demais direitos610. Não se trata de produzi-los, porque eles já se dão a nós, como reação às várias agressões à vida e à humanidade do Homem; sendo, porém susceptíveis de correção e de desenvolvimento na dinâmica da Cultura e da História humanas. Trata-se, em primeiro lugar, de justificá-los; portanto de buscar suas boas razões, não de buscar o seu fundamento absoluto. De fato, como justamente observou Bobbio: não se pode dar um fundamento absoluto a direitos históricos, portanto relativos. 6.2. “Direito” Humanos. Humano & “Direitos” O “reconhecimento” dos direitos à vida e a viver “apóia-se” sobre o acordo prático e o consensus entorno deles. Este consensus basta para justificá-los, mas não basta para fundamentar a realidade absoluta que eles entendem proteger: a dignidade humana de cada Homem. Cfr. N. BOBBIO, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in DubScel, p. 28. 610 225 Em sede jurídica o consensus em relação ao acordo prático, como justificação dos direitos humanos fundamentais à vida e a viver satisfaz ao jurista. Em sede filosófica, porém, o filósofo deve dar um corajoso passo: pôr-se o problema do fundamento absoluto do “Direito” absoluto do Homem, a saber, a proteção e promoção da sua própria humanidade: essentia Hominis. Em outras palavras, o filósofo “deve” buscar o fundamento absoluto da absoluta dignidade humana. Os “direitos” humanos com a letra “d” minúscula, relativos porque sujeitos ao fluxo da História, são aqueles que materialmente encontramos enumerados nas várias Cartas, nacionais ou internacionais; submetidos aos condicionamentos da Cultura e da História do Homem. Esses “direitos” são verdadeiros direitos somente se e à medida que são justos, ou seja, não afrontam ou não contradizem o “Direito” absoluto do Homem: proteger e promover a sua própria humanidade. Mesmo se declarados ou inseridos numa carta constitucional do Estado, portanto protegidos por um Ordenamento jurídico positivo, transformados em “direitos” fundamentais em sentido forte, se esses “direitos” não estão em harmonia com aquele “Direito” absoluto do Homem, perdem todo valor, dentro de uma ética dos direitos humanos. O “Direito” do Homem com a letra “D” maiúscula, ditado pela essentia Hominis, é absoluto por que não submetido ao fluxo da História e não dependente dos fatores culturais dos vários Povos. Esse é o único “Direito” humano absoluto; conseqüentemente, o único dever absoluto do Homem é aquele de proteger e promover a humanidade alheia. 226 O valor absoluto da nossa conduta moral deve ser sempre a humanidade em nós e nos outros, tratada como fim, não como meio611. Protegendo e promovendo a humanidade alheia, protegemos e promovemos a nossa própria humanidade. Essa realidade essencial de todo Homem reveste-o de uma dignidade igualmente absoluta que pode ser chamada em sentido forte, humana. Este “Direito” humano é imutável. Os vários “direitos” humanos, mesmo se fundamentais, mudam quando mudam os agressores da humanidade do Homem. Esse “Direito” é absoluto porque é a resposta à humanitas da qual recebe seu valor; responde à necessidade de proteger e promover o “Valor” absoluto do Homem. Sob essa “ótica” ético-filosófica, o problema do fundamento deve ser impostado segundo que se busque a justificação dos “direitos” humanos fundamentais ou o fundamento da dignidade humana, da qual os “direitos” são a explicitação histórica. O problema da justificação dos “direitos” é normativo porque se refere àqueles direitos que os atos legislativos e as normas sociais deveriam reconhecer e não somente àqueles que, de fato, reconhecem. Afim de que os “direitos” humanos fundamentais existam, devem existir válidos critérios morais – ou princípios – que justifiquem que todos os entes humanos, enquanto participantes da mesma Humanidade, têm “direitos” e correlativos “deveres” que, justamente, podem e devem ser chamados “humanos”. Cfr. I. KANT, Grundlegung zur Metaphysik der Sitten (1785), in GMsitten, pp. 142-144. 611 227 Todavia, se estes direitos morais não são, de fato, reconhecidos, nunca serão direitos legais. Portanto, não serão em sentido forte, direitos fundamentais. O reconhecimento jurídico, porém, não é uma criação, em sentido próprio, mas uma transformação de um direito moral em um direito dotado de uma garantia jurídica. Segundo Bobbio o fundamento absoluto dos “direitos” humanos é uma ilusão; um fundamento absoluto não é possível e mesmo se fosse possível, não seria desejável612, como vimos acima. Observamos que essa ilusão, impossibilidade e indesejabilidade referem-se ao fundamento absoluto dos “direitos” históricos do Homem. Bobbio não faz o passo filosófico, do qual falamos acima: buscar o fundamento absoluto da absoluta dignidade humana, que se dá na História, mas que a transcende. Bobbio não atribuiu essa ilusão ao “fundamento” em sentido histórico – justificação – dos históricos direitos humanos, portanto, não-absoluto. Quando Bobbio disse que o problema sempre mais urgente não é aquele do fundamento, mas das garantias, não quis dizer que o considerava inexistente, como vimos acima, mas sim resolvido na Declaração Universal de 1948613. Portanto, pensava ao fundamento no sentido de justificação dos históricos “direitos” humanos e não no sentido de fundamento absoluto do “Direito” humano absoluto: promover e proteger a própria humanidade. Cfr. N. BOBBIO, “Sul fondamento dei diritti dell’uomo” (1964), in EdD, p. 5. 613 Cfr. IDEM, “Presente e avvenire dei diritti dell’uomo” (1968), in EdD, p. 18. 612 228 O consensus omnium gentium ou consensus humani generis614 entorno do acordo prático, bem como o ato legislativo do Estado, são suficientes a justificar os “direitos” humanos fundamentais, mas são evidentemente insuficientes a fundar a existência da dignidade humana, da qual estes “direitos” são “somente” histórica explicitação615. A “Dignidade” ou “Valor” do Homem não muda; é absoluta. A mudarem é, invés, as formas de agressão que “a” ameaçam, nos vários períodos da História e nos diferentes lugares da Terra. A “Dignidade Humana” permanece imutável sempre e em toda parte, absolutamente incondicionada: absoluta e universal. Não podemos nos satisfazer como pretendia Bobbio, com uma justificativa histórica ou relativa dos valores que, historicamente, explicitam a dignidade humana, como a Declaração Universal de 1948. Esta dignidade absoluta deve, necessariamente, ter um fundamento igualmente absoluto: sua humanitas. A humanidade de cada Homem é o “único” valor humano absoluto. Ela é “ab-soluta” porque “é”, independente do lugar e do tempo e das circunstâncias nas quais se “dá”; porém “revela-se” na História e Cultura do Homem. Portanto, o nosso conhecimento dessa realidade humana absoluta é histórico e relativo: é a essência do Homem conhecida na “sua” Cultura. A historicidade, portanto, relatividade pertence à humanitas-conhecida, enquanto se revela ao longo da aventura humana. Cfr. Ibidem, pp. 18-19. Cfr. F. VIOLA, Etica e metaetica dei diritti umani, Torino 2000, pp. 197-198. 614 615 229 Conhecer o bem, evidentemente, não basta para agir bem; nunca existiu na História da Humanidade uma estreita interdependência entre progresso intelectual e progresso moral, como vimos acima. O consensus em relação às declarações dos “direitos” humanos fundamentais é digno de nota, como justamente o fez Bobbio; porém não se trata, evidentemente, da afirmação de uma concepção do Homem e do Mundo comum a todos os Povos. Trata-se “somente” da afirmação de valores comuns concernentes ao indivíduo e à vida social, política e econômica, o que é já um grande passo na direção da realização do “Direito” humano absoluto: a proteção e a promoção da humanidade do Homem através dos seus “direitos” históricos. Esse consensus, porém, não basta para fundamentá-lo, menos ainda para promovê-lo e protegê-lo. 6.3. Os Conflitos Fundamentais. Entre “Direitos” Os conflitos entre os vários “direitos” humanos fundamentais e entre os indivíduos titulares dos “mesmos” direitos são resolvidos considerando a maior ou menor gravidade da agressão ao fundamento absoluto da dignidade do Homem, a saber, sua humanidade. Por exemplo, o direito humano fundamental à vida é a resposta histórica, portanto relativa, não-absoluta, à agressão à vida como valor primordial enquanto condição para todos os valores humanos:616 é enquanto humanitas Cfr. N. BOBBIO, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in DubScel, p. 28. 616 230 vivens – humanidade vivente – que o Homem realiza suas potencialidades humanas. Quando o nosso direito à vida entra em conflito com o direito à vida dos outros, a mesma humanitas que é fundamento absoluto da nossa dignidade e daquela alheia, dá-nos a solução: uma vez que o nosso direito à vida pretende responder à agressão feita à nossa dignidade enquanto humanitas vivens; entre o valor da nossa vida e aquele da vida alheia, obtém a prioridade axiológica para nós a vida alheia. Neste sentido podemos dizer com Bobbio que o princípio ético Não matar é absoluto, um imperativo categórico617. Matar um indivíduo humano ou impedi-lo de acessar aos meios necessários para viver – ou deixá-lo morrer – é sempre a máxima agressão à nossa própria dignidade humana, portanto à humanitas vivens que nós somos. Ao invés, morrer para que o outro viva é atingir a plenitude ética da nossa humanidade. Quem morre para não matar ou para que o outro viva morre como humano; mas quem mata para viver, vive como animal. Quanto mais grave a agressão à nossa humanidade tanto mais valioso e prioritário será o correspondente “direito” fundamental, e vice-versa. Assim, entre decidir se matar ou morrer, “devemos” haver o direito humano inalienável de “escolher” não matar, mesmo se desta escolha resultasse nossa morte. O valor maior é preservar a nossa própria dignidade humana, coisa que podemos fazer somente se escolher não matar, ou seja, respeitar o valor primordial da vida alheia. Cfr. IDEM, “Laici e aborto” (1981), in Corriere della Sera, 106, 107 (1981), p. 3. 617 231 Aqui entra, por exemplo, o direito fundamental da objeção de consciência, reconhecido por vários Ordenamentos, portanto, direito em sentido forte. Nada justifica a pretensão de um direito de matar, seja da parte do indivíduo humano, seja da parte da coletividade humana representada pelo Estado, como veremos quando trabalharemos os problemas do aborto procurado e da pena de morte, na próxima etapa. A justificação dos “direitos” humanos fundamentais, bem como a “fundamentação” da dignidade humana, portanto do “Direito” absoluto do Homem, não resolvem automaticamente o problema da atuação desses direitos, pois o indivíduo humano é livre de respeitá-los e protegê-los ou não. Essa “automaticidade” seria uma ilusão, justamente condenada por Bobbio, como vimos acima; porém não é uma ilusão afirmar que a “fundamentação” onto-teleológica da dignidade humana serve de base filosófica válida a futuras Declarações e Legislações que promovam e protejam o Direito absoluto do indivíduo humano: a sua dignidade humana. CAPÍTULO III: A PENA DE MORTE E O ABORTO PROCURADO 232 Na etapa anterior, entendemos “o porquê” Bobbio afirmou que o princípio ético Não matar é válido em sentido absoluto, como um imperativo categórico: porque a vida humana é o valor primordial enquanto condição para todos os demais valores618. Foi possível conhecer também “o quê” Bobbio entendia dizer com tal afirmação: o princípio ético Não matar é um imperativo categórico porque “categórico” é o valor da vida que entende proteger; impõe um dever perfeito em vista de proteger o valor primordial da vida humana, comum a todos os homens; não tem outros argumentos para impor-se senão a sua própria força, porque o “dever” vai cumprido por princípio, independentemente das suas razões; sem alguma consideração das circunstâncias em que vem, de vez em vez, aplicado; porém não prescreve outra conduta que aquela assumida por livre decisão no respeito do dever moral619. Nesta terceira etapa, conheceremos as duas primeiras conseqüências da afirmação bobbiana do princípio ético Não matar como sendo válido em sentido absoluto, como um imperativo categórico: a sua “repugnância” à pena de morte e ao aborto procurado620. 1. A Pena de Morte. Cfr. N. BOBBIO, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in DubScel, p. 28. 619 Cfr. IDEM, “L’opera di Gioele Solari” (1952), in ItCiv, p. 177. 620 Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 198-199. 618 233 A primeira agressão ao direito humano fundamental à vida a ser trabalhada nesta etapa é a pena de morte. Por causa da importância histórica da obra Dei delitti e delle pene, 1764, de Cesare Beccaria621, achamos conveniente dividir o debate filosófico sobre a pena de morte em três momentos: “antes” de Cesare Beccaria, “em” Cesare Beccaria e “depois” de Cesare Beccaria. Nesse último momento conheceremos a posição antiabolicionista de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Immanuel Kant (1724-1804) e de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831). Num quarto momento trabalharemos a pena de morte no debate atual. Por fim, conheceremos o pensamento bobbiano sobre a pena de morte e o direito à vida: sua explícita “repugnância” a tal pena. 1.1. A Pena de Morte Antes de Cesare Beccaria. A propósito dos homicídios voluntários, Platão já falava da pena de morte como de uma pena natural. De Platão, Bobbio citou sua obra Leis: primeira grande obra sobre as leis e sobre a justiça da nossa civilização ocidental. No livro IX, Platão reconheceu que a pena deve haver o escopo de render melhor o delinqüente, mas acrescentou ainda que, se demonstra que o delinqüente é incurável, a morte será para ele o menor dos males.622 621 Cesare BECCARIA, nasceu a Milano, no dia 15 de Maio de 1738. Entre os anos 1763 e 1764 nasceu sua obra prima, Dei delitti e delle pene, publicado a Livorno pelo Coltellini, em Julho de 1764. Morreu no dia 28 de Novembro de 1794. 622 Cfr. PLATÃO, As Leis, IX, 854e-855a. 234 Falando dos homicídios voluntários, Platão afirmou que os delinqüentes devem necessariamente pagar a pena natural, isto é, aquela de sofrer aquilo que fizeram623. Bobbio sublinhou o adjetivo “natural” e o princípio de sofrer aquilo que fez. Este princípio, que nasce da doutrina pitagórica da retribuição, ainda mais antiga do que aquela platônica, reformulada pelos juristas medievais e repetida por séculos com a famosa expressão segundo a qual o malum passionis deve corresponder ao malum actionis; percorreu toda a história do Direito penal e chegou absolutamente intacta, até aos nossos dias. Segundo Bobbio, essa doutrina da retribuição é uma das mais comuns justificações da pena de morte624. Tanto na antiguidade clássica quanto na Europa cristã foi “indiscutível” o princípio da retribuição: quem matou deve morrer. Bobbio afirmou que a pena de morte foi, portanto, sempre e por toda parte considerada a pena por excelência625. A aplicação dessa pena constituiu um problema tão pequeno que nem mesmo o Cristianismo, enquanto Religião da não violência, do noli resistere malo; uma Religião que também levantou – sobretudo nos seus primeiros séculos – o problema da objeção de consciência ao serviço militar e à obrigação de empunhar armas; uma Religião que há por Divino “inspirador” um condenado à morte, nunca contrastou substancialmente a prática da pena capital626. A concepção orgânica do Estado, segundo a qual o todo é antes das partes, dominante no Mundo Antigo627 e na 623 Cfr. Ibidem, IX, 870e. Cfr. N. BOBBIO, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 178-179. 625 Cfr. IDEM, “Sulla pena di morte” (1999), in Nuova Antologia, 583, 2212 (Outubro-Dezembro de 1999), pp. 32. 626 Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, p. 179. 627 Cfr. ARISTÓTELES, Politica, 1253a. 624 235 Idade Média628, ofereceu um dos argumentos mais comuns para justificar a pena de morte629. Se o homem, enquanto animal político, não pode viver fora de um Corpo social do qual é, logicamente, um membro; a vida ou a sobrevivência deste Corpo social, na sua totalidade, é um bem superior à vida e à sobrevivência de uma das suas partes. Assim sendo, a vida do Indivíduo-cidadão – “parte” – deve ser sacrificada pela vida do “todo” quando, sendo infectado, arrisca de contagiar e de pôr em perigo a vida do inteiro corpo. Bobbio observou, em 1982, que por séculos foi indiscutível o texto de Tomás de Aquino, onde se lê que cada parte é ordenada ao todo como o imperfeito é ordenado ao perfeito. Portanto, a extirpação de um membro infectado ajuda à saúde do inteiro corpo humano; é louvável e salutar suprimi-lo. Assim sendo, cada pessoa considerada a parte, põe-se em relação à Comunidade como a parte em relação ao todo; conseqüentemente, se um homem constitui um perigo para a Comunidade é louvável e salutar matá-lo para salvaguardar o bem comum630. 628 TOMÁS DE AQUINO, Summa Theologiae, I-II, 72, a 4. Cfr. N. BOBBIO, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, pp. 203-204. 630 Cfr. TOMÁS DE AQUINO, Summa theologiae, IIa IIae, q. 64, a. 2: Respondeo dicendum quod, sicut dictum est, licitum est occidere animalia bruta inquantum ordinantur naturaliter ad hominum naturaliter ad hominum usum, sicut imperfectum ordinatur ad perfectum. Omnis autem pars ordinatur ad totum ut imperfectum ad perfectum. Et ideo omnis pars naturaliter est propter totum. Et propter hoc videmus quod si saluti totius corporis humani expediat praecisio alicuius membri, puta cum est putridum et corruptivum aliorum, laudabiliter et salubriter abscinditur. Quaelibet autem persona singularis comparatur ad totam communitatem sicut pars ad totum. Et ideo si aliquis homo sit periculosus communitati et corruptivus ipsius propter aliquod peccatum, laudabiliter et salubriter occiditur, ut bonum commune conservatur: modicum enim fermentum totam massam corrumpit, ut dicitur I ad Cor. 5. 629 236 1.2. A Pena de Morte em Cesare Beccaria. O princípio abolicionista fundamental de C. Beccaria é o seguinte: Um dos maiores freios dos delitos não é a crueldade das penas, mas a sua infalibilidade, e, conseqüentemente, a vigilância dos magistrados e aquela severidade de um juiz inexorável que, para ser uma virtude útil, deve ser acompanhada por uma doce legislação631. Segundo Beccaria, as leis são “condições” pelas quais homens independentes e isolados, cansados de viver num contínuo estado de guerra e de gozar uma liberdade “inútil” pela incerteza de conservá-la, uniram-se em Sociedade. Sacrificaram uma parte desta liberdade para gozar do restante dela com segurança e tranqüilidade632. Nenhum homem fez a doação “gratuita” de parte da própria liberdade em vista do bem público633. Os grandes interrogativos de Beccaria foram: A morte como pena é verdadeiramente útil e necessária para a segurança e para a boa ordem da Sociedade? E a tortura e os tormentos são justos e obtém o fim a que as leis se propõem? Qual é a melhor maneira de prevenir os delitos? As penas são igualmente úteis em todos os tempos? Quê influência elas têm sobre os costumes?634 Cfr. Ainda L. TAPARELLI, Saggio teoretico di diritto naturale (1848), § 840, citado por N. BOBBIO, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, p. 204. 631 Cfr. C. BECCARIA, Dei delitti e delle pene, 1764, a cura de F. VENTURI, Einaudi, Torino 19942, A chi legge, p. 59. 632 Cfr. Ibidem, § I. 633 Cfr. Ibidem, § II. 634 Cfr. Ibidem, § XI. 237 Beccaria afirmou que o fim das penas não é de atormentar e afligir um ser sensível, nem mesmo de desfazer um delito já cometido. A finalidade da pena, portanto, são: impedir o réu de prejudicar de novo os seus concidadãos; remover os outros da intenção de imitá-lo635. Isto porque o fim político das penas é o terror dos outros homens636. Segundo Beccaria, a pena proporcionada será tanto mais justa e útil quanto mais rápida e próxima ao delito será a sua execução637. A prontidão da pena é mais útil porque quanto “menor” é o tempo que passa entre o delito e a pena, tanto mais forte e mais duradoura é, no ânimo humano, a associação das duas idéias delito-pena: o delito como “causa” e a pena como “efeito” necessário e sem escapatória638. Segundo Beccaria um dos maiores freios dos delitos não é a “crueldade” das penas, mas a sua infalibilidade unida à vigilância dos magistrados e a severidade de um juiz inexorável que, para ser uma útil virtude, deve ser acompanhada por uma doce legislação639. Beccaria perguntou-se ainda: Qual pode ser o direito que se atribuem os homens de trucidar os seus semelhantes? Qual homem quereria dar a outros homens o arbítrio de matá-lo? Porque no mínimo sacrifício da liberdade de cada um pode estar aquele do máximo entre todos os bens, a vida? 635 Cfr. Ibidem, § XII. Cfr. Ibidem, § XVI. 637 Cfr. Ibidem, § XIX. 638 Cfr. Ibidem. 639 Cfr. Ibidem, § XXVII. 636 238 E se o fez como concordaria essa renúncia ao direito à vida com o princípio de que o Homem não é senhor de matar-se? Ora, deveria ser senhor de matar-se para poder dar tal direito aos outros ou à Sociedade inteira640. A pena de morte, concluiu Beccaria, não è um direito, mas é uma guerra da Nação contra um cidadão, porque julga necessária ou útil a destruição do seu ser. Ele disse que, se demonstrasse que a morte do delinqüente não é nem útil nem necessária, teria vencido a causa da Humanidade641. Segundo Beccaria não é a intensidade da pena que faz o maior efeito sobre o ânimo humano, mas a sua extensão. Para que uma pena seja justa deve haver somente aquele grau de intensidade que baste a remover os homens da vontade de cometer delitos642. A pena de morte não é útil pelo exemplo de atrocidade que dá aos homens. Pareceu-lhe um absurdo que as leis, expressão da pública vontade que detesta e pune o homicídio, cometam um homicídio; e, para afastar os cidadãos do assassínio, ordenem um assassínio público643. 1.3. A Pena de Morte Depois de Cesare Beccaria. Depois do Dei delitti e delle pene, 1764, aquilo que foi posto em discussão não foi somente se a pena de morte fosse eticamente “lícita”, mas também se fosse, verdadeiramente, a maior das penas. 640 Cfr. Ibidem, § XXVIII. Cfr. Ibidem. 642 Cfr. Ibidem. 643 Cfr. Ibidem. 641 239 Observou Bobbio que, não obstante o sucesso literário das idéias de Beccaria junto ao público culto, não só a pena de morte não foi abolida nos países civilizados, mas a causa da abolição não prevaleceu na filosofia penal do seu tempo. Bobbio citou, como exemplo, três dentre os mais ilustres pensadores do tempo, contemporâneos de Beccaria, todos anti-abolicionistas: J.-J. Rousseau, I. Kant e G. W. F. Hegel.644 1.3.1. Jean-Jacques ROUSSEAU (1712-1778). J.-J. Rousseau, no Contrat social, 1762, dois anos antes do Dei delitti e delle pene, 1764, de C. Beccaria; no capítulo intitulado O Direito de Vida e de Morte, refutou antecipadamente o argumento abolicionista “contratualista”. Rousseau perguntou-se por que os indivíduos, não havendo nenhum direito de dispor da própria vida, possam transmitir ao Corpo Soberano tal direito que eles não têm? Ele mesmo respondeu que esse problema parece difícil de resolver somente porque é mal posto. Cada homem há direito de arriscar a vida para conservá-la. O Contrato Social há como escopo a conservação dos contraentes. Quem quer o escopo, quer também os meios e estes meios são inseparáveis de algum risco e perda. Quem quer conservar a própria vida com a contribuição dos outros, deve ser pronto também a oferecêla pelos outros quando é necessário. O cidadão não é mais juiz do perigo ao qual a Lei quer que ele se exponha. Quando o Príncipe lhe diz: “É necessário para o Estado que tu morras!” segundo Rousseau ele deve morrer. Somente assim ele pôde viver em plena segurança até 644 Cfr. N. BOBBIO, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, p. 206. 240 aquele momento. A sua vida não é mais somente um benefício da Natureza, mas um dom condicionado do Estado. Segundo Rousseau é para não serem vítimas de um assassino que nós consentimos de morrer se nos tornamos tais. Neste “contrato”, longe de dispor da própria vida, não se pensa a outra coisa que a garanti-la, dado que não se pode presumir que um dos contraentes pense “já” de fazer-se, por exemplo, enforcar. Cada malfeitor, atacando o direito social, por causa dos seus delitos, torna-se rebelde e traidor da Pátria; cessa de ser seu membro violando suas leis e faz guerra à Pátria mesma645. Portanto, concluiu ele, atribuir ao Estado também o direito sobre a própria vida não serve a destruí-la, mas a garanti-la contra os ataques alheios646. 1.3.2. Immanuel KANT (1724-1804). Segundo Kant, a justificação utilitarista beccariana da pena faria do punido um simples meio, antes que um fim. Esta concepção foi por ele refutada radicalmente; combatendo-a, utilizou um conceito demasiadamente “mecânico” e “aritmético” de correspondência entre culpa e pena647. I. Kant sustentou que o “dever” da pena de morte compete ao Estado e é um imperativo categórico, não um imperativo hipotético, fundado sobre a relação “meio-fim”: se o delinqüente matou, deve morrer. 645 Cfr. J.-J. ROUSSEAU, Du Contrat Social ou Principes du Droit Politique (1762), cap. V. 646 Cfr. N. BOBBIO, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 182-183; IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, p. 205. 647 Cfr. V. MATHIEU, “Introduzione”, in KpVernunft, p. 25. 241 Ele partiu da concepção da pena como retribuição, segundo a qual a sua função não é de prevenir os delitos, mas puramente de render justiça, isto é, de fazer em modo que exista uma correspondência perfeita entre o delito e o castigo. Não existe nenhum sub-rogado nem comutação de pena que possa satisfazer à justiça. Não existe nenhuma comparação possível entre uma vida, por quanto penosa, e a morte; conseqüentemente nenhuma outra compensação entre o delito e a punição, fora da morte juridicamente infligida ao criminal; despindo-a, porém, de toda malícia que poderia, na pessoa do paciente, revoltar a Humanidade. I. Kant considerou como certo que a morte fosse o pior dos males. Mas, perguntou-se Bobbio: E se não o fosse? Certamente quando Kant diz que não existe comparação possível entre uma vida penosa e a morte, entende refutar a tese de Cesare Beccaria e de todos aqueles que o seguiram. Mas, observou ainda Bobbio, a sua afirmação é peremptória e desprovida de qualquer prova648. 1.3.3. Georg (1770-1831). Wilhelm Friedrich HEGEL G. W. F. Hegel ainda foi mais além de I. Kant. Na sua obra Lineamentos de filosofia do direito, Berlim 1820, que representa a súmula do seu pensamento ético-político, refutou o argumento contratualista de Beccaria, negando que o Estado possa nascer de um contrato. Segundo Hegel, Beccaria negou ao Estado o direito à pena de morte porque não se pode presumir que no Contrato Social seja contido o consentimento dos 648 Cfr. N. BOBBIO, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, p. 219. 242 indivíduos a deixar-se matar, antes, deve-se presumir o contrário. O Estado em geral, observou Hegel, não é um Contrato, nem a sua essência substancial é a proteção e a asseguração da vida e da propriedade dos Indivíduos enquanto “Indivíduos”, em modo tão incondicionado. Antes, o Estado é a “entidade superior”, a qual também apresenta pretensões sobre essa vida e a propriedade do Indivíduo e exige o sacrifício da mesma. Hegel ainda sustentou que o delinqüente não só deve ser punido com uma pena correspondente ao delito cometido, mas há o “direito” de ser punido com a morte porque somente a morte o resgatará: assim o delinqüente vem honrado como ser racional. Esta honra não lhe é concedida, se o conceito e a medida da sua pena não são proporcionais ao seu ato mesmo; ou seja, se ele for considerado somente como animal nocivo, que se deva render inócuo, ou entre as finalidades da intimidação e da emenda649. Segundo Hegel, a lesão que recai sobre o delinqüente é não somente justa em si, é também um direito posto no delinqüente mesmo, isto é, dentro da sua vontade essente, dentro da sua ação650. 1.4. A Pena de Morte no Debate Atual. Trabalhando a pena de morte no debate atual, conheceremos a função retribuidora justa da pena em geral, bem como sua função preventiva utilitarista; depois 649 Cfr. G. W. F. HEGEL, Grundlinien der Philosophie des Rechts (1820), § 100; ainda § 140. 650 Cfr. Ibidem, § 101 e também o § 102. 243 conheceremos a pena de morte a partir do indivíduo e os principais argumentos abolicionistas e reversíveis. Levando o problema da pena de morte ao campo estritamente penal da natureza e função das várias sanções, mediante as quais o Estado cumpre a função punitiva e preventiva; ou seja, considerando a pena de morte como sanção e como uma sanção entre tantas outras; como meio para punir o culpado – quia peccatur – e para impedir que, em futuro, outros homens cometam delitos semelhantes – ne peccatur – segundo Bobbio as teorias principais que se combateram a golpes de boas razões, foram, sobretudo duas: retribuidora e preventiva. Diante da pena de morte, especificamente, podemos pôr duas perguntas: A pena de morte é eticamente lícita? A pena de morte é politicamente oportuna? 651 1.4.1. A Função Retribuidora Justa da Pena. A teoria da retribuição diz que a função da pena é de retribuir o malum actionis com o malum passionis. Os defensores da pena de morte – anti-abolicionistas – são aqueles que sustentam a pena como “retribuição” ao delito cometido652. O adepto dessa teoria põe-se o problema da liceidade moral da pena de morte. Assim fazendo, põe-se a partir do ponto de vista da Ética que julga as ações em base a princípios pré-estabelecidos: conclui que a pena de morte é uma pena justa. I. Kant, adepto da teoria da retribuição, portanto antiabolicionista, como vimos acima, rejeitou o argumento da Cfr. N. BOBBIO, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, p. 216. 652 Cfr. Ibidem, pp. 215-216. 651 244 intimidação utilizado pelos abolicionistas preventivoutilitaristas, como imoral porque viola a máxima que proíbe de tratar a Pessoa humana – que há um valor absoluto – como meio: considerar cada prêmio e castigo somente como um artifício nas mãos de uma potência superior, destinado unicamente a fazer agir os seres racionais em vista do seu escopo final – a felicidade – significa evidentemente admitir um mecanismo que tira toda liberdade ao seu querer653. Para aqueles que põem o problema da pena de morte como problema de justiça, afirmou Bobbio, trata-se de demonstrar que a pena de morte é justa em base aos princípios da justiça retribuidora – que é uma subespécie da justiça geral, equiparada à justiça comutativa ou aritmética – independentemente de qualquer referência a motivos de utilidade social: fiat justitia, pereat mundus.654 A teoria da retribuição tem, segundo Bobbio, o seu ponto fraco na afirmação que a única possível retribuição ao matar seja o morrer655. Essa teoria deve descer do “céu” dos princípios à “terra” dos dados empíricos; ela resiste ou não aos ataques dos opositores segundo que consiga demonstrar qual seja a justa pena para cada reato656. 1.4.2. A Função Preventivo-Utilitarista da Pena. A teoria preventiva diz que a função da pena é prevenir os delitos. Os defensores da abolição da pena de Cfr. IDEM, “Benedetto Croce e il liberalismo” (1955), in PolCul, p. 227; I. KANT, Kritik der praktischen Vernunft (1788), § 8, nota II. 654 Cfr. IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, p. 218. 655 Cfr. Ibidem, pp. 218-219. 656 Cfr. Ibidem, pp. 219; IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, p. 194. 653 245 morte são os sustentadores da pena como “prevenção” de novos delitos, tal como o foi Beccaria657. O preventivo-utilitarista, portanto abolicionista, ao contrário do retribuidor, põe-se o problema da oportunidade política da pena de morte. Assim fazendo, põe-se a partir do ponto de vista de uma Ética que julga as ações em base aos resultados658: conclui que a pena de morte não é útil nem necessária. Convencido que a pena de morte é “inútil” porque menos dissuasiva do que outras penas, o abolicionista rejeita o argumento da retribuição como efeito de obtuso e desumano rigorismo moral659. Para o preventivo-utilitarista tal pena deve ser rejeitada porque não serve aos fins que o Estado “deve” propor-se, enquanto Organismo não-ético, de desencorajar o delito, independentemente de qualquer razão de abstrata justiça660: a função essencial da pena consiste no desencorajar as ações que o ordenamento considera nocivas e é, portanto, intimidante ou dissuasiva. O ponto fraco desta teoria preventivo-utilitarista, já que tradicionalmente a legitimidade da pena de morte foi sustentada pelos adeptos da teoria da retribuição, segundo Bobbio, está em conduzir o seu “jogo” fundando quase tudo sobre a única “carta” da intimidação. Como vimos acima com C. Beccaria, o argumento principal desta teoria preventivo-utilitarista é que a pena de morte não há a força intimidante que lhe foi atribuída Cfr. Ibidem, pp. 215-216. Cfr. Ibidem, pp. 216-217. 659 Cfr. Ibidem, p. 217. 660 Cfr. Ibidem, p. 218. 657 658 246 arbitrariamente; portanto, decairia a partir do ponto de vista utilitarista, a sua única razão de ser.661 A fraqueza desse argumento, segundo Bobbio, está no fato que nenhuma prova certa foi conseguida sobre o grau de força dissuasiva das diferentes penas, em particular da pena de morte em relação àquela da longa prisão. Neste campo as ciências sociais permaneceram paradas no universo da probabilidade, por causa das muitas variáveis que se deveria considerar: no caso específico, a extraordinária variedade dos delitos e das suas motivações; e a maior ou menor certeza de ser descobertos e condenados662. Tanto a teoria da retribuição quanto a teoria da prevenção consideram a pena de morte a partir do ponto de vista das tarefas e dos interesses do Estado. Segundo Bobbio, é importante partir de uma concepção individualista da Sociedade se pretendemos repugnar a pena de morte, geralmente, sustentada por concepções orgânicas dela663. Se tivermos uma idéia do corpo social e político pelo qual o todo é mais importante do que as partes, como vimos acima, chegaremos facilmente à conclusão que, para a salvação do “organismo” social, deva-se eliminar o “membro” infectado664, como afirmou Tomás de Aquino: a Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, p. 196. Cfr. IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, pp. 220-221. 663 Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987), republicado com o título “L’età dei diritti”, in TerAs, p. 121. 664 Cfr. IDEM, “Contro il potere di dare la morte” (1982), in Rinascita, 38, 42 (5 de Novembro de 1982), p. 41; IDEM, “Sulla pena di morte” (1999), in Nuova Antologia, 583, 2212 (Outubro-Dezembro de 1999), pp. 33. 661 662 247 exportação de um membro ajuda a saúde do inteiro corpo humano; é louvável e salutar suprimi-lo.665 Cfr. TOMÁS DE AQUINO, Summa theologiae, II-II, q. 64, a. 2. Cfr. ainda L. TAPARELLI, Saggio teoretico di diritto naturale (1848), § 840, citado por N. BOBBIO, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, p. 204; IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, pp. 223-224; IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, p. 193. 665 248 1.4.3. A Pena de Morte a Partir do Indivíduo. Considerando a pena a partir do indivíduo condenado, as concepções mais comuns são aquelas da expiação, emenda e defesa social. A concepção da pena como expiação parece mais favorável à abolição da pena de morte que não à sua conservação: para expiar um delito, o delinqüente precisa continuar a viver. Poder-se-ia, porém, sustentar que a verdadeira expiação do delito seria a morte do delinqüente, a morte entendida como purificação da culpa, o cancelamento da mancha; poder-se-ia dizer: sangue lava-se com sangue666. A rigor, essa concepção da pena é compatível tanto com a tese anti-abolicionista quanto com a tese abolicionista667. A concepção da pena como emenda é a única que exclui totalmente a pena de morte. Mesmo o mais perverso dos criminosos pode redimir-se; observou Bobbio: se for executado, fecha-lhe a via do aperfeiçoamento moral que não pode ser negada a ninguém. Quando os iluministas do séc. XVIII consideraram de dever substituir a pena de morte com os trabalhos forçados, como vimos acima lendo o Dei delitti e delle pene de Beccaria, justificaram esta tese sustentando que o trabalho redime. A. F. M., Voltaire escreveu, no Commentaire sur le Traité de délits et des peines, 1766, a propósito da política penal de Catarina II,668 acima citada, que os delitos não se multiplicaram por causa desta “humanidade” e acontece Cfr. N. BOBBIO, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, p. 224. 667 Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 191-192. 666 249 quase sempre que os culpados, relegados à Sibéria, retornam pessoas de bem. E ainda acrescentou que se devam obrigar os homens ao trabalho, para torná-los pessoas honestas669. Bobbio observou que a extrema, abominável, macabra e demoníaca conseqüência da “ideologia” do trabalho revelou-se na frase escrita pelos nazistas, ao ingresso dos Lagers: O trabalho nos torna livre670. A concepção da pena como defesa social também é ambígua: geralmente os seus sustentadores foram e são abolicionistas, mas o são por razões humanitárias – mesmo porque rejeitam o conceito de culpa que está à base da concepção da pena como retribuição, a qual encontra a própria justificação somente admitindo a liberdade do querer. Todavia, observou Bobbio, a defesa social não exclui a pena de morte: poder-se-ia sustentar que o melhor modo para defender-se dos criminais mais perigosos é aquele de eliminá-los671. Cfr. CATARINA II, “Istruzione”, 14 de Dezembro de 1766, in DeiDP, pp. 634-647. 669 Cfr. A. F. M., VOLTAIRE, Commentaire sur le Traité de délits et des peines (1766), in DeiDP, pp. 371-379. 670 Cfr. N. BOBBIO, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, p. 192. 671 Cfr. Ibidem, pp. 192-193. 668 250 1.4.4. Argumentos Abolicionistas e Reversíveis. Em campo jurídico, segundo Bobbio, o argumento abolicionista mais forte é aquele do erro judiciário: com a execução da pena de morte torna irremediável o erro judiciário. Não existe tratado sobre a pena de morte que não cite casos exemplares da prova de inocência descoberta depois da morte do suposto culpado. Segundo Bobbio não é aceitável o argumento segundo o qual o custo social da morte de um inocente é inferior ao benefício que a Sociedade recebe pela eliminação física de tantos “atrozes” criminais: é argumento diante do qual a consciência humana retrai-se horrorizada672. Segundo os anti-abolicionistas a pena de morte deve ser infligida com as maiores cautelas e somente quando se tenha atingida a “certeza total” do delito em base à sapiente máxima melhor que se salve um criminoso, antes que pereça um inocente. Ainda segundo eles, já que a pena de morte é justa e eficaz como intimidação, não importa se seja “pouco” aplicada, importa que exista673. Perguntamos: É possível, humanamente falando, atingir tal “certeza total”? Argumentos anti-abolicionistas tanto fortes quanto o argumento abolicionista do “erro” judiciário, são os casos de assassinos re-incidentes674. Não existem dúvidas que os casos de reincidência levantam essa “inquietante” pergunta: Cfr. IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, pp. 224-225. 673 Cfr. Ibidem, p. 225; IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 196-197. 674 Cfr. Ibidem. 672 251 Se o reincidente tivesse sido condenado à morte e tivesse sido executado, não teria sido poupada a vida de um inocente? Se for aceitável a máxima Melhor que um criminoso se salve antes que um inocente pereça, o quê dizer então desta outra máxima Não importa que um inocente pereça desde que um criminal se salve? A pergunta é embaraçosa, observou Bobbio, mesmo quando a vítima do assassino reincidente não seja juridicamente “inocente” como acontece freqüentemente, em casos de vingança675. Junto a este jogo de argumentos prós e contra a pena de morte, o debate atual conhece também argumentos “reversíveis”, ou seja, argumentos que se prestam tanto aos abolicionistas, quanto aos anti-abolicionistas. Um destes argumentos observou Bobbio, refere-se à dureza da pena de morte: para os abolicionistas a pena capital deve ser abolida por razões humanitárias, exatamente por causa de sua dureza. Ao contrário, um filósofo que não se pode acusar de ser um conservador, John Stuart Mill fez ao Parlamento inglês um discurso favorável à manutenção da pena capital nos casos mais graves exatamente por causa de sua “dureza”, sustentando que a abolição teria sido destinada a produzir um enfraquecimento, uma efeminação em toda a Nação; a desencorajar o desprezo da morte sobre o qual uma Sociedade deve contar como sobre de uma necessária virtude social676. Mas o exemplo mais interessante de reversibilidade, segundo Bobbio, refere-se ao diverso uso do mesmo princípio ético Não matar! Os defensores da pena de morte 675 676 Cfr. Ibidem, p. 225-226. Cfr. Ibidem, p. 226. 252 o utilizam recorrendo ao argumento que a condenação capital do homicida é uma solene atestação – a mais solene que se possa dar – do valor absoluto do princípio ético Não Matar; no sentido que a vida do outro deve ser respeitada se quiser que seja respeitada a própria vida. Já para o abolicionista, invés, partindo do mesmo princípio ético Não Matar, a pena de morte é uma sua inaceitável violação677. Segundo Bobbio, nos últimos anos do século XX, constatou-se uma tendência contínua em direção à abolição total da pena de morte: os Estados abolicionistas são mais numerosos do que aqueles anti-abolicionistas. Entre estes últimos, vão aumentando aqueles Estados que suspenderam sine die a aplicação da pena capital678. Hoje, o esforço abolicionista dirige-se rumo à eliminação total do recurso à pena de morte, mesmo quando vem usada como punição ao delito de homicídio voluntário. Segundo Bobbio, é aqui que se encontram as maiores dificuldades. Se fizermos valer o princípio de uma proporcionalidade entre o delito cometido e a pena a “pagar”, é fácil demonstrar como a pena capital possa ser eliminada para todos os delitos, mas não para o homicídio voluntário; em base ao argumento de justiça retribuidora: o delinqüente recebe da Sociedade aquilo que lhe deu679. 1.5. A Pena de Morte e o Direito à Vida. Cfr. Ibidem, pp. 226-227. Cfr. IDEM, “Sulla pena di morte” (1999), in Nuova Antologia, 583, 2212 (Outubro-Dezembro de 1999), pp. 34. 679 Cfr. IDEM, “Contro il potere di dare la morte” (1982), in Rinascita, 38, 42 (5 de Novembro de 1982), p. 41. 677 678 253 Trabalhando a pena de morte e o direito à vida, conheceremos as principais declarações do direito humano fundamental à vida; também conheceremos a pena de morte como direito de matar; e, por fim, concluiremos com o imperativo ético Não Matar como única “razão” verdadeiramente abolicionista. Segundo Bobbio, a particular intensidade do debate atual sobre a pena de morte, acima apresentado, depende não somente do interesse sempre vivo pela solução legislativa do problema, mas também do fato que ele se insere num dos “debates” que ocupou intensamente os filósofos morais contemporâneos, em modo particular anglo-saxônicos: o direito à vida680. Para quem considera que o princípio ético Não matar tenha validade absoluta, como Bobbio, e seja, portanto, um imperativo categórico que não consente exceções, o problema da pena de morte já está resolvido: infligir a pena capital é sempre ilícito681. Segundo Bobbio, o debate sobre a pena de morte mantém-se aceso porque não se parte do pressuposto da validade absoluta do princípio ético Não matar, nem conseqüentemente da consideração do direito à vida como direito absoluto: que vale sempre, sem exceções682. O caráter absoluto do direito à vida, normalmente, não entra – e segundo Bobbio seria difícil fazê-lo entrar – como argumento a favor da abolição da pena de morte683. Cfr. IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, p. 210. 681 Cfr. Ibidem, pp. 210-211: Per chi ritiene che il non uccidere abbia una validità assoluta, e sia quindi nel senso kantiano un imperativo categorico che non consente eccezioni, il problema della pena di morte è già risolto: infliggere la pena capitale è in ogni caso illecito. 682 Cfr. Ibidem, p. 211. 680 254 1.5.1. As Declarações do Direito à Vida. Na metade do século XX, quase dois séculos depois do Dei delitti e delle pene, 1764, de C. Beccaria, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948; a pesar de proclamar solenemente, no seu artigo terceiro, que toda pessoa tem direito à vida, abstém-se “totalmente” de pronunciar-se sobre a pena de morte. Apesar de a Constituição Italiana ter sido promulgada nesse mesmo ano, 1948, proclamou no Artigo 27: Non è ammessa la pena di morte684. Também na Convenção Européia Sobre os Direitos Humanos, 4 de Novembro de 1950, lêem-se no seu segundo artigo, que o direito à vida de cada pessoa é protegido pela lei. Ninguém pode ser intencionalmente privado da vida, salvo que em execução de uma sentença capital pronunciada por um tribunal, no caso em que o delito é punido pela lei com tal pena. Portanto, observou Bobbio, ainda na metade do século XX, o direito universal à vida não incluiu o direito a não ser punido com a pena capital685: o direito a viver do delinqüente. Tivemos que esperar a Declaração de Estocolmo, 11 de Dezembro de 1977, aprovada pela Conferência internacional sobre a pena de morte a Estocolmo, mais de duzentos anos depois da publicação do Dei delitti e delle pene, 1764, para ler a asserção peremptória: a pena de morte é uma punição definitiva, cruel, desumana e Cfr. Ibidem: […] l’assolutezza del diritto alla vita non entra di solito (e del resto sarebbe difficile farlo entrare) come argomento a favore dell’abolizione della pena di morte. 684 Cfr. IDEM, “Sulla pena di morte” (1999), in Nuova Antologia, 583, 2212 (Outubro-Dezembro de 1999), pp. 32. 685 Cfr. Ibidem. 683 255 degradante que viola o direito à vida. Esta asserção contém um juízo moral reforçado por outro juízo mais estritamente jurídico686. Não existe documento oficial de Organismos internacionais, não existe Congresso, Estudo ou Proclamação sobre a abolição da pena capital que não apresente, como um dos argumentos abolicionistas principais, a “sentença” que a pena de morte viola o direito à vida687: valor primordial, condição para todos os demais valores, que justifica o valor absoluto do princípio ético Não matar!688 Surgiu, assim, o debate sobre o direito à vida que se tornou um direito inalienável do Indivíduo-cidadão e não pode ser objeto do Contrato Social, concluiu Bobbio. Foi exatamente este um dos argumentos principais invocados por Cesare Beccaria, como lemos acima, contra a pena de morte. Bobbio reconheceu, porém, que nem todos os contratualistas chegaram às mesmas conclusões de Beccaria. Isto confirma que esse argumento, mesmo sendo importante, certamente não é definitivo em defesa da abolição da pena de morte689. 1.5.2. A Pena de Morte como Direito de Matar. Segundo Bobbio, se julgarmos a pena de morte a partir do princípio ético Não matar, “necessariamente” devemos ser abolicionistas, mas se a julgássemos a partir Cfr. Ibidem, pp. 32-33. Cfr. Ibidem, pp. 33. 688 Cfr. IDEM, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in DubScel, p. 28. 689 Cfr. IDEM, “Contro il potere di dare la morte” (1982), in Rinascita, 38, 42 (5 de Novembro de 1982), pp. 41-42. 686 687 256 dos resultados sociais “poderia” ser aceita no álbum das penas690. Quem se põe a partir do ponto de vista da Sociedade, recorre também o argumento do estado de necessidade e da legítima defesa para defender a pena de morte691. Trata-se, observou Bobbio, de dois motivos de justificação de um reato sem incriminação ou punibilidade acolhidos pelo direito penal de todos os países. O raciocínio de fundo é o seguinte: aquilo que vale para o “Indivíduocidadão” não se vê porque não deva valer também para o Povo-estado692; como vimos acima na etapa anterior dessa pesquisa. Essas duas causas de justificação de um ato gravíssimo como o homicídio da parte do Estado, também podem ser olhadas a partir do ponto de vista do Indivíduocidadão, enquanto titular dos direitos primordiais à vida e a viver. Se partirmos do pressuposto que o direito à vida não é um direito absoluto – conseqüentemente não seria absoluto o imperativo ético Não matar! – conseqüentemente poderse-ia “perder” este direito primordial. Segundo Bobbio outro Cfr. IDEM, “La morale e la guerra” (1982); “Morale e Guerra”, in TerAs, p. 169; IDEM, “Etica e politica”, in EM, p. 76: “In base al principio ‘Non uccidere’ la pena di morte è da condannarsi. Ma in base al risultato, in seguito a una eventuale provata constatazione che la pena di morte ha un grande potere d’intimidazione, potrebbe essere giustificata (e infatti gli abolizionisti si sono sforzati di dimostrare con dati statistici alla mano che un grande potere deterrente non ha). Cfr. ainda IDEM, “Ragion di stato e democrazia”, in EM, p. 100-101. 691 Cfr. IDEM, “Contro il potere di dare la morte” (1982), in Rinascita, 38, 42 (5 de Novembro de 1982), p. 42. 692 Cfr. IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, p. 212. 690 257 problema é se podemos “renunciar” a este direito e se, além do direito de viver, deva-se admitir também o “dever” de viver693. A condenação à morte depois de um processo judiciário, não é imediata como o é a legítima defesa; tornase um homicídio legal, legalizado e perpetrado a sangue frio, pré-meditado. É a morte de um homem provocada intencionalmente pela ação de outro homem, isto é, de uma pessoa autorizada a matar. Com razão, o executor da pena de morte, por quanto autorizada ela seja, sempre foi considerado um personagem socialmente infame694. Em toda Sociedade, portanto também numa Sociedade democrática a função fundamental do Direito é aquela de estabelecer as regras do uso da força: quem, como, quando e quanto usá-la. Quem? Não quem quiser, mas somente aqueles que são autorizados a exercitá-la. Como? Com um juízo regulado. Quando? Não em qualquer momento, mas quando foram completados os procedimentos definidos pela Lei. Quanto? Não se pode punir um furto pequeno ao mesmo modo em que se pune um homicídio695. O direito à vida não é o único “argumento” abolicionista, ainda se é o mais comum. Pode-se até mesmo pôr em dúvidas que o direito à vida seja um direito absoluto, isto é, valha sempre e em toda parte. Cfr. Ibidem, pp. 212-213. Cfr. IDEM, “Sulla pena di morte” (1999), in Nuova Antologia, 583, 2212 (Outubro-Dezembro de 1999), pp. 34; cfr. ainda DUFF, Il Manuale del Boia, Adelphi, Milano 1980, citado por IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, p. 198. 695 Cfr. IDEM, - M. VIROLI, Dialogo intorno alla repubblica, Laterza, Roma-Bari 2001, p. 58. 693 694 258 Por exemplo, não é absoluto o direito à liberdade; não é absoluto o direito à igualdade. Assim o Estado poderia, em determinadas circunstâncias extremas, pedir aos seus cidadãos o sacrifício da própria vida696. No caso da exclusão da pena capital, observou Bobbio, o respeito do direito à vida não exclui de modo algum o direito que o Estado tem de punir os criminosos. A exclusão da pena de morte não impede o uso de “outras” penas, não menos dissuasivas, como aquela de uma prisão longa no tempo que, mesmo salvaguardando o princípio da retribuição e proporcionalidade entre “delito” e “pena”, não impede a revisão do processo em caso de erro judiciário, nem a possível e freqüentemente real conversão do culpado697. Em uma palavra, no Estado de direito, o Direito deve regular o uso da força que o Estado dispõe, em modo que seja uma força não arbitrária698. 1.5.3. Não Matar! Única “Razão” Abolicionista. As teses abolicionistas prevalecem entre aqueles que se ocupam profissionalmente do problema da pena de morte: Ligas ou Associações Pelos Direitos do Homem ou semelhantes; Igrejas, contrariamente a uma tradição que parecia consolidada. O sentimento popular, porém, continua a ser hostil a tais teses abolicionistas; quando não “pede” o Cfr. IDEM, “Sulla pena di morte” (1999), in Nuova Antologia, 583, 2212 (Outubro-Dezembro de 1999), pp. 33-34. 697 Cfr. Ibidem. 698 Cfr. IDEM, - M. VIROLI, Dialogo intorno alla repubblica, Laterza, Roma-Bari 2001, p. 59; IDEM, “Pro e contro un’etica laica”, in EM, p. 171. 696 259 restabelecimento da pena capital, lá onde fora abolida há tempos699. Segundo Bobbio, o argumento anti-abolicionista do common sense em favor da pena capital é fraco por diversas razões: a invocação popular da pena de morte é indiscriminada; não fazendo nenhuma distinção entre delitos mais graves e menos graves. O sentimento popular é volúvel, sendo facilmente influenciável pelas circunstâncias. As questões de “princípio” não suportam serem resolvidas em base à regra da maioria700, como vimos acima na etapa anterior. Segundo Bobbio, o abolicionista deve recorrer a outra instância; a um argumento de caráter moral, a um princípio posto como absolutamente indiscutível; um verdadeiro e próprio postulado ético: um Imperativo Categórico. E este “argumento” não pode ser tirado senão do imperativo ético Não matar, a ser “acolhido” como um princípio que há valor absoluto701. Bobbio entendia que esse é um raciocínio árduo, que poderia ser taxado de “moralismo ingênuo”, de “pregação inútil”. Busquemos, disse ele, de dar uma razão à nossa “repugnância” à pena de morte: a razão é uma só, o imperativo ético Não matar!702 Bobbio não conseguiu ver outra razão verdadeiramente abolicionista fora desta. Todos os outros argumentos valem pouco ou nada; podem ser retrucados com argumentos que têm, mais ou menos, a mesma força persuasiva. Cfr. IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, pp. 207-208. 700 Cfr. Ibidem, pp. 208-209. 701 Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 197-198. 702 Cfr. Ibidem, pp. 198-199. 699 260 Citando Dostoevskij, Bobbio escreveu: Matar quem matou é um castigo maior do que o delito mesmo; o assassínio legal é incomparavelmente mais horrível do que o assassínio de briga703. Da constatação que violência gera violência numa corrente sem fim, Bobbio tirou o argumento mais forte contra a pena de morte; talvez o único pelo qual valha a pena lutar: a salvação da Humanidade, agora mais do que nunca, depende da interrupção dessa corrente de violência. Se não se interrompe essa corrente, poderia não estar longe o dia de uma catástrofe sem precedentes, observou Bobbio: alguns falaram com fundamento de uma catástrofe final. A abolição total da pena de morte é somente um pequeno início; mas grande será a mudança que ela produzirá na prática e na concepção mesma do poder do Estado, representado tradicionalmente como o poder irresistível704. Bobbio acreditou firmemente que a abolição total da pena de morte do teatro da História representará um sinal indiscutível de progresso civil; de progresso moral da Humanidade705. 2. O Aborto Procurado. Trabalhando a posição bobbiana quanto ao problema do aborto procurado, segunda conseqüência da sua Citado por N. BOBBIO, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, p. 199. 704 Cfr. IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, p. 229. 705 Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, p. 200. 703 261 afirmação do princípio ético Não Matar como imperativo categórico se conhecerá a Legge 194/78. Delinearemos o contesto “jurídico-cultural” no qual se inseriu a posição bobbiana, preparando o seu discurso sobre o aborto e o direito à vida. Um dos argumentos mais frágeis adotados pelos defensores do aborto procurado, segundo Bobbio, foi aquele fundado na observação de que o aborto sempre foi praticado: mesmo se conseguissem demonstrar que a grande maioria das mulheres sempre o praticara, esta constatação de fato não seria uma “boa” razão para considerá-lo moralmente lícito706. 706 Cfr. IDEM, “Pro e contro un’etica laica” (1983), in EdM, p. 171. 262 2.1. A Legge 194/78: Aspectos Críticos. Em 1991, como exemplo de uma normativa permissiva, Bobbio citou a legislação italiana sobre o aborto procurado707. Em base ao princípio ético Não matar existem bons argumentos para considerá-lo um delito. Quem admite o aborto procurado, porém, apresenta argumentos em base às suas conseqüências. Por exemplo, o argumento da impossibilidade de manter decentemente o filho nascituro; ou até mesmo o problema da superpopulação, ao qual a Humanidade inteira poderia ser incapaz de afrontar com recursos adequados708. O primeiro aspeto crítico da Legge 194/78 que devemos considerar é o papel dos consultores, no art. 2. À primeira vista, esse artigo parece atribuir aos consultores uma função “preventiva” e “dissuasiva” em relação ao aborto procurado. Simultaneamente, porém, em virtude dos artigos 4 e 5, são exatamente os consultores que participam ativamente ao processo que conduz ao aborto procurado709. Em 9 de Junho de 1977, o texto reprovado pelo Senado, foi reapresentado à Câmera dos Deputados, pelo socialista Balzamo quase sem modificações, com uma procedura in-comum, que contrastava com a práxis italiana de nunca repropôr um projeto de Lei já reprovado. A Legge foi aprovada pela Câmera no dia 13 de Abril de 1978 e, no Senado, no dia 18 de Maio do mesmo ano. Depois de quatro dias, a Legge 194/78 foi promulgada pelo então presidente da República Giovanni Leone, apesar que algumas forças católicas houvessem pedido que ele exercitasse o seu direito de veto suspensivo por suspeita inconstitucionalidade de tal Lei. 708 Cfr. IDEM, “Ragion di stato e democrazia” (1991), in EdM, p. 101. 707 263 O segundo aspecto crítico é quanto ao teor do art. 4. Entre os primeiros noventa dias é suficiente que a gestante deduza um “perigo sério”, portanto, nem grave nem certo, para o seu estado de “completo” bem estar físico e psíquico, para que possa obter o “certificado” para abortar. Foi polemicamente sugerido por alguns, com irônica perspicácia, que esse artigo poderia ser re-escrito assim: Nos primeiros 90 dias de gravidez, a mulher pode abortar quando quiser710. O terceiro aspecto crítico é quanto ao teor do art. 5. A única obrigação, ad normam desse artigo, refere-se à observância dos procedimentos prescritos. Manifestar-seia aqui o lado mais “inquietante” da Legge 194/78, pela qual o ato abortivo perdeu, até mesmo, qualquer aparência de ilícito711. O quarto aspecto crítico é quanto emerge dos artigos 4 e 5, acima vistos: o contraste entre princípios e soluções, característicos desta Lei e que provocou inúmeras dúvidas sobre a sua constitucionalidade712. Não se entende o porquê, numa situação que comporta um conflito de interesses entre dois sujeitos – a mulher e o feto – a decisão deva ser remetida a uma só das partes in causa: a vontade da mulher. E a “vontade” não manifestável do feto, quem a defenderá?713 O quinto aspecto crítico é quanto ao controle médico. Segundo muitos autores o assistente sanitário teria o direitodever de negar o “certificado” para abortar, quando Cfr. M. PALMARO, Ma questo è un uomo, Indagine storica, politica, etica, giuridica sul concepito, San Paolo, Cinisello Balsamo (MI) 19982, pp. 81-82. 710 Cfr. Ibidem, p. 82. 711 Cfr. Ibidem, pp. 82-83. 712 Cfr. Ibidem, p. 83. 713 Cfr. Ibidem. 709 264 constatasse a não subsistência do perigo para a saúde da mulher ad normam do quarto artigo714. O sexto aspecto crítico que devemos considerar é quanto ao papel do pai. A sua figura vem totalmente excluída do processo abortivo. Ele pode ser ouvido somente se a mulher o consentir; portanto, não há nenhum direito enquanto pai do concebido715. M. A. Cattaneo, num seu artigo de 1994, La paternità dimenticata, afirmou de compartilhar plenamente das críticas em relação à legislação italiana que diante da perspectiva do aborto, exclui totalmente a participação da vontade do pai. Observou que aquilo que as formas mais extremas do feminismo histórico desconhecem é a presença de dados naturais, ontológicos, na vida humana, que não podem ser mudados pelas leis positivas: o ser humano não nasce por partenogênese716. O sétimo aspecto crítico é quanto ao aborto procurado depois dos primeiros noventa dias de gestação. Nesta fase, o aborto ainda pode ser praticado quando a gravidez ou o parto comportem um grave perigo para a vida da mulher ou então quando “anomalias” ou “más-formações” do nascituro determinem um grave perigo para a “saúde” física ou psíquica da mulher. Por quanto concerne o grave perigo para a vida da mulher, devemos denunciar a falta de requisitos da não evitabilidade alternativa717. Cfr. Ibidem, p. 84. Cfr. M. PALMARO, Ma questo è un uomo, Indagine storica, politica, etica, giuridica sul concepito, San Paolo, Cinisello Balsamo (MI) 19982, p. 85. 716 Cfr. M. A. CATTANEO, La paternità dimenticata, Il Sole 24 ore, 27 de Janeiro 1994. 717 Cfr. N. BOBBIO, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in DubScel, p. 28. 714 715 265 Quanto às anomalias ou más-formações do feto, o art. 6 da Lei 194/78 introduz uma evidente lógica eugênica, na qual o nascituro é discriminado em base às suas condições de saúde. Mesmo invocando o perigo à saúde da mulher, é uma verdadeira obra prima de “hipocrisia” do Legislador; na realidade trata-se de aborto eugênico. O feto mais ou menos “imperfeito” está à mercê da decisão da mulher de consentir ou não o seu nascimento. O caráter eugênico da normativa foi evidenciado também pelo então Ministro da família Antonio Guidi, portador de handicap, que denunciou a lógica “nazista” que inspirou tal artigo. É evidente que o Legislador estabeleceu aqui uma escala de valores fundada sobre o estado de saúde do concebido: a vida da criança mal formada, ao menos enquanto não nascida, vale menos do que a vida de outra criança bem formada. Alguns abortistas afirmam que, nestes casos de máformação, o aborto seria praticado em vista do interesse do nascituro: ele tem o “direito” – ironicamente falando – de não viver uma existência de sofrimentos. Em palavras pobres, mas “escandalosamente” cruéis e sanguinárias, o feto mal formado não teria direito de nascer e viver718. 718 Cfr. Ibidem, p. 86-87. 266 2.2. O Aborto Procurado e o Direito à Vida. Trabalhando o aborto procurado e o direito à vida, conheceremos o status do nascituro na relação abortiva; também o problema dos três direitos incompatíveis: o direito do nascituro, da mãe e da Sociedade; depois conheceremos a posição bobbiana sobre o direito à procriação consciente e responsável e o privilégio e a honra de afirmar: Não matar! 2.2.1. O Nascituro na Relação Abortiva. Para dar uma idéia mesmo se somente aproximativa da amplitude e da relevância do debate sobre o aborto procurado, devemos considerar que ele compreende, além do direito à vida, strictu sensu, ou seja, o direito a não ser assassinado; também o direito a nascer, a não ser deixado morrer e a ser mantido em vida ou direito à sobrevivência719. Não existe “direito” de um Indivíduo humano sem o correspondente “dever” de outro Indivíduo humano. Cada dever pressupõe uma norma imperativa720, como ficou claro na etapa anterior. Na relação entre a mãe e o nascituro, perguntou Bobbio, quem é o mais fraco? Não é o nascituro? Em outras palavras, deve prevalecer o direito do nascituro; conseqüentemente, o dever da mãe; ou não? Os abortistas dizem que o nascituro é, certamente, o mais fraco em relação à mãe, mas que a mulher é a parte Cfr. N. BOBBIO, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, p. 210. 720 Cfr. Ibidem. 719 267 mais fraca em relação ao homem que a “obrigou”, ao menos na maior parte dos casos, a engravidar. Segundo Bobbio, não é por “acaso” que a “tendência” abortista tenha tido enorme incremento pelo difundir-se das reivindicações dos movimentos feministas, favorecidos pelos partidos da Esquerda política721. 2.2.2. Três Direitos Incompatíveis. Segundo Bobbio, antes de tudo deve prevalecer o direito fundamental do concebido, aquele direito de nascer sobre o qual não se pode transigir. Pode-se falar de não-penalização do aborto procurado, mas não se pode ser moralmente indiferentes diante dele722. Bobbio reconheceu também um segundo “direito” nesta relação abortiva: o direito da mulher a não ser sacrificada na cura dos filhos que não escolheu de haver. Reconheceu também um “terceiro” direito: o direito da Sociedade em geral e também das sociedades particulares a não serem super populosas e, portanto, a exercitar o controle dos nascimentos. É verdade que são direitos incompatíveis, observou Bobbio; e quando nos encontramos diante de direitos incompatíveis, a escolha é sempre dolorosa723. Cfr. IDEM, “Destra e sinistra” (1994), in DesSin, p. 61. Cfr. IDEM, “Laici e aborto”, in Corriere della Sera 106, 107 (1981), p. 3: Innanzitutto il diritto fondamentale del concepito, quel diritto di nascita sul quale, secondo me, non si può transigere. È lo stesso diritto in nome del quale sono contrario alla pena di morte. Si può parlare di depenalizzazione dell’aborto, ma non si può essere moralmente indifferenti di fronte all’aborto. 723 Cfr. Ibidem. 721 722 268 Segundo Bobbio, dos três direitos citados, o primeiro, aquele do concebido, é fundamental, sobre o qual não se pode transigir; os outros dois direitos – aquele da mulher e aquele da Sociedade – são derivados. Para Bobbio esse é o ponto central do problema do aborto procurado: o direito da mulher e aquele da Sociedade, que normalmente vêm utilizados para justificar o aborto procurado, podem ser satisfeitos sem recorrer ao aborto, ou seja, evitando a concepção. Uma vez acontecida a concepção, segundo Bobbio, o direito fundamental do concebido pode ser satisfeito somente deixando-o nascer724. 2.2.3. Direito Responsável. à Procriação Consciente e Bobbio citou o primeiro artigo da Lei 194/78, onde diz que o Estado garante o direito à procriação consciente e responsável. Segundo ele, esse direito há razão de ser somente “se” afirmamos e “se” aceitamos o “dever” de uma relação sexual consciente e responsável, isto é, entre pessoas conscientes das conseqüências dos seus atos e prontas a assumir os deveres que dessas conseqüências decorrem. Adiar a solução do problema dos direitos da Sociedade e da mãe, acima citados, para depois da Cfr. Ibidem: Ho parlato di tre diritti: il primo, quello del concepito, è fondamentale; gli altri, quello della donna e quello della società, sono derivati. Inoltre, e questo per me è il punto centrale, il diritto della donna e quello della società, che vengono di solito addotti per giustificare l’aborto, possono essere soddisfatti senza ricorrere all’aborto, cioè evitando il concepimento. Una volta avvenuto il concepimento, il diritto del concepito può essere soddisfatto soltanto lasciandolo nascere. 724 269 concepção já acontecida, isto é, quando as conseqüências que poderiam ter sido evitadas não foram evitadas, pareceu a Bobbio que seria não ir ao fundo do problema: seria superficial de mais. Segundo Bobbio, a interrupção da gravidez não é e não pode ser meio para o controle dos nascimentos725. Ainda segundo ele, o fato que o aborto procurado seja difundido, é um argumento abortista muito “fraco”, do ponto de vista jurídico e moral. Ele se maravilhou que tal argumento fosse utilizado com tanta freqüência. Os homens são como são, observou Bobbio, mas a Moral e o Direito existem para isto mesmo. Citando um exemplo, ele disse que o furto de automóveis é difundido, quase não punido: mas isto não legitima o furto. Poderíamos, ao máximo, sustentar que por causa do aborto ser difundido e “incontrolável”, o Estado o tolera e busca de regulamentá-lo para limitar seu caráter nocivo726. Cfr. Ibidem: Secondo me, questo diritto ha ragione d’essere soltanto se si afferma e si accetta il dovere di un rapporto sessuale cosciente e responsabile, cioè tra persone consapevoli delle conseguenze del loro atto e pronte ad assumersi gli obblighi che ne derivano. Rinviare la soluzione a concepimento avvenuto, cioè quando le conseguenze che si potevano evitare non sono state evitate, questo mi pare non andare al fondo del problema. Tanto è vero che, nello stesso primo articolo della 194, è scritto subito dopo che l’interrruzione della gravidanza non è mezzo per il controllo delle nascite. 726 Cfr. Ibidem: Il fatto che l’aborto sia diffuso, è un argomento debolissimo dal punto di vista giuridico e morale. E mi stupisce che venga addotto con tanta frequenza. Gli uomini sono come sono: ma la morale e il diritto esistono per questo. Il furto d’auto, ad esempio, è diffuso, quasi impunito: ma questo legittima il furto? Si può al massimo sostenere che siccome l’aborto è diffuso e incontrollabile, lo Stato lo tollera e cerca di regolarlo per limitarne la dannosità. 725 270 Citando John Stuart Mill, Bobbio disse que o direito deve preocupar-se das ações que causam prejuízo à Sociedade: o bem do indivíduo, seja ele físico ou moral, não é uma justificação suficiente. Sobre si mesmo, sobre sua mente e sobre “seu” corpo, o indivíduo é soberano. À primeira vista, notou Bobbio, o raciocínio abortista: O corpo é meu e sobre ele decido eu; pareceria uma perfeita aplicação do princípio de J. Stuart Mill. É, porém, aberrante incluir nesse princípio o aborto procurado. O Indivíduo é “singular”; mas no caso do aborto existe um “outro” no corpo da mulher. O “suicida”, por exemplo, dispõe da sua vida individual, singularmente; mas com o aborto procurado o Indivíduo humano dispõe de uma vida alheia, uma vida que não lhe pertence727; uma vida que depende da mãe, mas que não é sua. 2.2.4. Privilégio e Honra de Afirmar: Não matar! Concluindo o seu raciocínio anti-abortista, Bobbio perguntou-se qual surpresa pudesse haver no fato que um “leigo”, como ele, considerasse como válido em sentido absoluto, como sendo um imperativo categórico, o princípio ético Não matar! E disse maravilhar-se que os “leigos” deixassem aos “crentes” o privilégio e a honra de afirmar que não se deve matar728. Cfr. Ibidem. Cfr. Ibidem: Vorrei chiedere quale sorpresa ci può essere nel fatto che un laico consideri come valido in senso assoluto, come un imperativo categorico, il non uccidere. E mi stupisco a mia volta che i laici lascino ai credenti il privilegio e l’onore di affermare che non si deve uccidere. Cfr. IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, p. 202: […] forzato (la differenza tra l’uccidere e il lasciar intenzionalmente morire non è moralmente rilevante). 727 728 271 Podemos com Bobbio concluir que o direito fundamental à vida e a viver compete a todos os entes humanos, desde a concepção até a morte, independentemente do nível ou intensidade atuais de suas capacidades vitais. Na espécie vida alheia este direito que é fundamental por excelência, como vimos na etapa anterior, adquire o status de dever fundamental por excelência. Em outras palavras, a vida do “outro” enquanto direito “fontal” de todos os seus demais direitos, é o “meu” dever “fontal” de todos os meus demais deveres: seja que entendamos como sujeito desse dever o indivíduo ou o Estado. Desse direito jorram, como de uma fonte, todos os demais direitos e liberdades fundamentais do Indivíduo humano. Daqui a necessária exclusão de qualquer forma de agressão à vida tais como o aborto, o infanticídio, a eutanásia e a pena de morte; bem como a superação da hodierna cultura da morte729 e uma urgente promoção de uma cultura da vida. Considerar a vida alheia como valor absoluto da Moral dos direitos humanos é condição fundamental para a sobrevivência da Humanidade, de hoje e de amanhã. Podemos ainda acrescentar que se o consensus omnium gentium, como vimos na etapa anterior, portando o Direito Positivo, fundasse tal direito humano primordial e a universalidade dos homens decidissem que o enfermo terminal ou o embrião ou o deficiente-total não teriam mais tal direito, seria lícito e eticamente “aceitável” matá-los (?!). Devemos gritar forte com Bobbio: Cfr. JOANNES PAULUS Pp. II, adh. ap. post. Christifideles Laici, 30 de Dezembro de 1988, n. 38. 729 272 A Vida humana não pode ser democratizada! Não podemos justificar “crimes” como o aborto procurado utilizando o direito da mulher sobre seu corpo ou utilizando o argumento da sua liberdade: a vida em formação depende do corpo da mãe, mas não é um órgão do seu corpo, como ficou evidente na posição bobbiana contra o aborto procurado. A liberdade da mãe termina quando põe em risco uma vida que depende dela, sim, mas não lhe pertence. A vida “alheia”, mesmo nos primeiros instantes de fecundação, é dever absoluto da mãe; e não pode ser posta à mercê da vontade nem dela, nem de nenhum outro Indivíduo ou grupo humano. A única diferença entre matar um filho no útero, ou após o seu nascimento é que, dentro do útero, não é possível fixá-lo nos olhos enquanto morre, depois do nascimento “sim”. 273 CAPÍTULO IV: O PROBLEMA DA GUERRA EO PACIFISMO BOBBIANO Na primeira etapa dessa pesquisa, delineamos o perfil filosófico de Norberto Bobbio, traçando a imagem moral do “homem” que considerou o princípio ético Não matar um dever absoluto e, por isto mesmo, repugnou a pena de morte, o aborto procurado e a guerra; proclamando seu pacifismo institucional. Na segunda etapa, entendemos “por que” Bobbio afirmou que o princípio ético Não matar é válido em sentido absoluto, como um imperativo categórico: porque, para ele, a vida humana é “o” valor primordial enquanto condição para todos os demais valores730. Compreendemos também “o quê” Bobbio entendia dizer com tal afirmação: o princípio ético Não matar é um imperativo categórico porque “categórico” é o valor da vida que entende proteger; impõe um dever perfeito em vista de proteger o valor primordial da vida humana, comum a todos os homens; não tem outros argumentos para impor-se senão a sua própria força, porque o “dever” vai cumprido por princípio, independentemente das suas razões; sem alguma Cfr. N. BOBBIO, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in DubScel, p. 28. 730 274 consideração das circunstâncias em que vai, vez por vez, aplicado; não prescreve, porém, outra conduta que aquela assumida por livre decisão no respeito do dever moral731. Na terceira etapa, conhecemos as duas primeiras grandes conseqüências da afirmação bobbiana do princípio ético Não matar como sendo válido em sentido absoluto, como um imperativo categórico: sua “repugnância” à pena de morte e ao aborto procurado732. Nesta quarta e última etapa, conheceremos a terceira conseqüência da dessa afirmação de Bobbio: o pacifismo bobbiano. Partiremos de uma premissa conceitual dos termos paz e guerra. Depois trabalharemos as teorias que justificaram a guerra. Num terceiro momento, trabalharemos o estado de guerra e os direitos à vida e a viver; concluiremos a presente etapa apresentando o pacifismo bobbiano. 1. Premissa Conceitual. Neste primeiro momento, antes de apresentarmos as teorias que justificaram a guerra, é importante esclarecer o sentido dos termos envolvidos no discurso bobbiano sobre o problema da guerra e as suas possíveis soluções. Partiremos da dupla terminológica guerra-paz: termos antitéticos, onde conheceremos o sentido da guerra e da paz como termos contraditórios e contrários. 731 732 Cfr. IDEM, “L’opera di Gioele Solari” (1952), in ItCiv, p. 177. Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 198-199. 275 Depois conheceremos o conceito de estado de guerra, “uma” das formas, apesar de ser a mais radical, com as quais a violência pode se manifestar no Mundo. Por último, conheceremos o conceito de estado de paz, enquanto estado de não-guerra. 1.1. Guerra e Paz: Termos Antitéticos. Na dupla antitética guerra-paz, o termo forte sempre foi guerra. A prova disto é que o termo paz, tradicionalmente, foi definido como não-guerra; como um estado de coisas que vem depois da guerra733. Na milenar literatura sobre o tema da guerra e da paz podemos encontrar infinitas definições de “guerra”, observou Bobbio, enquanto de “paz” encontramos uma só: fim, cessação, conclusão, ausência ou negação de guerra734. Segundo Bobbio, dois termos “antitéticos” podem estar, entre eles, em relação “contraditória”, pela qual um exclui o outro e todos os dois excluem um terceiro; ou então em relação de “contrária”, pela qual um exclui o outro, mas ambos não excluem um “terceiro” intermediário. Os dois termos da antítese “paz e guerra” podem ser, segundo os diversos contextos, tanto “contraditórios” quanto “contrários. São termos “contraditórios” quando por paz entendese o estado de não-guerra; e por guerra o estado de nãopaz. Cfr. N. BOBBIO, “Destra e sinistra”, in DesSin, p. 62; IDEM, “Pubblico/privato” (1980), republicado com o título “La grande dicotomia: pubblico/privato”, in StGovSoc, p. 4. 734 Cfr. IDEM, “La pace: il concetto, il problema, l’ideale” (1989), in TeGePo, p. 468. 733 276 São termos “contrários”, quando o estado de paz e o estado de guerra são considerados como dois estados extremos, entre os quais sejam possíveis e configuráveis estados intermediários. Por exemplo, da parte da paz, o estado de trégua, que não é mais guerra e não é ainda paz; da parte da guerra, por exemplo, o estado de guerra não guerreada, como o é a “guerra fria”, que não é mais paz, mas ainda não é guerra735. O termo forte observou Bobbio, é aquele que denota o estado de coisas existencialmente mais relevante. Assim, o Homem começou a aspirar aos benefícios da paz partindo dos “horrores” da guerra: estado no qual vem posta em perigo a sua vida, ameaçada a posse dos bens; rende precárias as condições da existência humana736. O estado de paz pode ser definido somente se, primeiro, define-se o estado de guerra. Segundo Bobbio, existe um estado de guerra quando dois ou mais grupos políticos encontram-se, entre eles, numa “relação de conflito” cuja solução vem confiada ao uso da força. Dá-se uma “situação de conflito” quando as necessidades ou os interesses de um Indivíduo – ou grupo – humano são incompatíveis com os interesses de outro Indivíduo – ou grupo – humano; portanto, não podem ser simultaneamente satisfeitos. Por exemplo, a concorrência de mais Indivíduos – ou grupos – humanos pelo possesso de um bem escasso, que se encontre no território alheio737. Outro exemplo é a defesa do status, que permite certos privilégios. A “guerra” é, portanto, um dos modos de Cfr. Ibidem, p. 467. Cfr. Ibidem, pp. 468-469. 737 Cfr. Ibidem, pp. 471-472. Sobre este item cfr. Também IDEM, “L’idea della pace e il pacifismo” (1975), in ProbGP, pp. 119-146. 735 736 277 resolução da “situação de conflito” por meio da “força”, quando os modos pacíficos não surtiram efeito738. 1.2. O Estado de Guerra. Por guerra Bobbio entendeu o recurso ao uso da força da parte de um grupo humano organizado que se autoproclama, ou tende a fazer-se reconhecer pelo antagonista, “independente” ou “soberano” no sentido jurídico da palavra, com escopo de resolver problemas vitais; ou “considerados” vitais à própria sobrevivência739. A guerra é, observou Bobbio, a partir do ponto de vista da doutrina filosófica tradicional e do senso-comum, somente “uma” das formas, apesar de ser a mais radical, com as quais a violência se manifesta no Mundo. A eliminação da “guerra” em sentido próprio, não implica a eliminação da violência no Mundo, mas simplesmente a sua “limitação”, ou seja, a eliminação do uso da violência continuada entre grupos humanos organizados740. A natureza da guerra consiste na “disposição” manifestamente hostil, durante a qual não existe segurança. A expressão hobbesiana guerra de todos contra todos, que Bobbio qualificou como “hiperbólica”, significa aquele estado no qual um grande número de homens, individualmente ou em grupos, vivem, por falta de um poder comum, no temor recíproco e permanente da morte Cfr. Ibidem, p. 472. Cfr. IDEM, “Rapporti internazionali e marxismo” (1981), in NéNé, p. 178. 740 Cfr. IDEM, “La pace ha un futuro?” (1987), in TerAs, p. 188. 738 739 278 violenta. É um estado “intolerável”, do qual o Homem deve sair se quiser salvar aquilo que há de mais precioso: a própria vida741. Segundo Bobbio, a guerra é sempre uma “força” exercitada coletivamente; é um exercício da “força” disciplinado por regras e há o escopo de resolver uma controvérsia através da razão das armas, não através das armas da Razão. Para que se possa falar de guerra ocorre, ainda, que não se trate de violência “esporádica”, descontínua, sem relevantes conseqüências sobre a “ordem” territorial dos dois combatentes742. Para explicar o “fenômeno” da guerra devemos partir das condições objetivas das relações internacionais que, diversamente das relações internas, são caracterizadas por um regime de concorrência no uso da força: recurso último de toda forma de poder do “homem” sobre o “homem”743. A guerra é, observou Bobbio, a relação natural entre dois “entes” que se consideram reciprocamente “inimigo”. Tal conflito não pode terminar senão com a “vitória” de um e a derrota do outro: mors tua, vita mea, ou seja, o inimigo é aquele que, por definição, deve ser eliminado744. Num regime de concorrência no uso da “força”, quando um conflito não pode ser resolvido através das negociações diplomáticas, intervém o Direito de Guerra, que é o uso externo da força concentrada pelo Estado745. Cfr. IDEM, “La teoria politica di Hobbes” (1980), in ThH, pp. 43-44. 742 Cfr. IDEM, “La pace: il concetto, il problema, l’ideale” (1989), in TeGePo, pp- 473-474. 743 Cfr. IDEM, “Rapporti internazionali e marxismo” (1981), in NéNé, p. 184. 744 Cfr. IDEM, “Riccardo Bauer” (1984), in LaMI, p. 273. 741 279 Tanto a guerra externa, quanto a guerra interna – civil – entram na mesma definição geral de guerra como conflito violento durável entre corpos humanos coletivos que se organizam ou são organizados para “exercer” a violência. A violência inicial é, geralmente, na guerra externa a agressão da parte de um Estado contra outro Estado; na guerra interna, é a insurreição de uma parte dos cidadãos contra o próprio Estado. 746 Enquanto a guerra é produto de uma “inclinação” natural, observou Bobbio, a paz é um ditame da reta Razão, isto é, daquela faculdade que permite ao Homem de tirar certas “conclusões” a partir de certas “premissas”; ou de remontar-se aos “princípios”, partindo de certos dados de fato747. 1.3. O Estado de Paz. Uma vez definido o estado de guerra, dele deriva a definição do estado de paz, enquanto estado de não-guerra. Dois grupos políticos encontram-se, em estado de paz quando entre eles não existe uma “situação de conflito” que não possa ser resolvida por meios pacíficos748: que não precisem recorrer a uma violência coletiva, durável e organizada. Dois grupos políticos podem estar em permanente “conflito” entre eles sem estar em guerra, observou Bobbio. Cfr. IDEM, “Rapporti internazionali e marxismo” (1981), in NéNé, pp. 185-186. 746 Cfr. IDEM, “La resistenza: una guerra civile?” (1992), in DalFaD, pp. 145-146. 747 Cfr. IDEM, “Introduzione al De cive” (1948), in ThH, p. 90. 748 Cfr. IDEM, “La pace: il concetto, il problema, l’ideale” (1989), in TeGePo, p. 472. 745 280 O estado de paz não exclui o conflito, mas somente “aquele” conflito cuja solução foi confiada ao emprego da força atual. Não basta a força potencial, ou seja, a ameaça da força para terminar o estado de paz, porque esta é uma característica permanente das relações internacionais e é considerada condição de paz, segundo a máxima: si vis pacem para bellum. Nem são suficientes atos de força real, mas esporádica749. “Paz”, porém, também pode ser definida positivamente como o conjunto de acordos com os quais dois grupos políticos, cessadas as hostilidades, delimitam as conseqüências da guerra e regulam as suas relações futuras750. Bobbio entendeu a paz não só como negação de guerra, mas também como negação da “violência”. Distinguiu duas formas de violência: a violência pessoal, na qual entra a guerra; e a violência estrutural ou institucional. Distinguiu também duas formas de paz: paz negativa que consiste na ausência de violência pessoal; e paz positiva, que consiste na ausência de violência estrutural. A paz como ausência de violência estrutural – tais como a injustiça social, a desigualdade entre ricos e pobres, entre poderosos e “impotentes”, a exploração capitalista, o imperialismo, o despotismo – é aquela que se pode instaurar somente através de uma radical mudança social. E deve proceder de igual passo com a promoção da justiça social, com o desenvolvimento político e econômico dos países subdesenvolvidos, com a eliminação das desigualdades751. Cfr. Ibidem, p. 474. Cfr. Ibidem, pp. 474-475. 751 Cfr. Ibidem, p. 475. 749 750 281 Segundo Bobbio, diante da guerra sempre mais percebida como evento trágico e também imanente à História humana, nasceram as várias tentativas de dar uma resposta à pergunta: Porque a guerra e não a paz? Das diferentes respostas a esta pergunta é constituída, em grande parte, a visão global da Filosofia da História, dando origem a várias “teorias” que justificaram a guerra752. 2. Teorias que Justificam a Guerra. Após trabalharmos o conceito dos termos guerra e paz, bem como o estado de guerra e o estado de paz, podemos passar às teorias que justificaram a guerra. Primeiro, trabalharemos a teoria da guerra justa, onde a conheceremos como teoria intermediária: belicista e pacifista. Depois conheceremos a guerra como procedimento judicial. Num terceiro momento, conheceremos a reflexão de Bobbio sobre a guerra de defesa na era atômica; bem como sobre a guerra de defesa preventiva na era atômica. Em um segundo momento, trabalharemos as teorias providencialísticas, onde conheceremos a teoria providencialística teologizante e a teoria providencialística racionalizante. Num terceiro momento, trabalharemos as teorias finalísticas, onde conheceremos a teoria da guerra como mal menor; a teoria da guerra como servindo ao progresso moral e a teoria da guerra como servindo ao progresso 752 Cfr. Ibidem, pp.470-471. 282 civil. Por último, conheceremos a teoria da guerra como servindo ao progresso técnico. 2.1. A Teoria da Guerra Justa. Pondo-nos a partir do ponto de vista da teoria tradicional do direito de guerra, o problema da diferença entre guerra externa e guerra interna pode ser posto conceitualmente nos seguintes termos. Ocorre partir da diferença entre o jus ad bellum, que é o direito do Estado soberano de empreender uma guerra, e o jus in bello, que é o conjunto das regras que disciplinam a conduta da guerra, em particular, o modo de tratar o inimigo. Em base ao jus ad bellum, a doutrina tradicional da guerra distinguiu as guerras justas das guerras injustas, analisando e discutindo os vários casos em que um Estado há ou não o direito de empreender uma guerra. Em conformidade às regras estabelecidas pelo jus in bello, foram distinguidas as ações bélicas lícitas daquelas ilícitas753. 2.1.1. É Teoria Intermediária: Belicista e Pacifista. A teoria da guerra justa é a primeira em ordem cronológica e, segundo Bobbio, é também a primeira a ser posta em crise pelo surgimento da guerra moderna. O surgimento da guerra atômica deu-lhe somente o golpe de misericórdia. O procedimento lógico usado por essa teoria é a distinção entre duas classes de guerras: nem todas as guerras Cfr. IDEM, “La resistenza: una guerra civile?” (1992), in DalFaD, p. 151. 753 283 são iguais, portanto, não são todas igualmente condenáveis; existem guerras injustas, portanto condenáveis; existem guerras justas, portanto aprováveis. São justas, conseqüentemente lícitas, por exemplo, as guerras sustentadas por legítima defesa. São injustas, conseqüentemente ilícitas, por exemplo, as guerras de agressão ou de conquista. O critério da “distinção” é ditado pelo Direito Natural, cuja regra fundamental prescreve a conservação da vida. A primeira regra derivada desse “direito” é aquela que, autorizando os homens a fazer tudo o que é em seu poder para a conservação da “própria” vida, justifica o uso da força para responder à força: vim vi repellere licet. Do princípio natural que “autoriza” o uso da força para responder à força, deriva a possibilidade de qualificála, às vezes como “lícita” e às vezes como “ilícita”, segundo que seja direcionada a “violar” um direito ou a “restaurálo”754. Enquanto teoria intermediária entre as “teorias” belicistas e aquelas pacifistas, a teoria da guerra justa desempenhou duas funções diferentes na História: às vezes foi acolhida para negar a validade das teorias belicistas; às vezes foi acolhida para negar a validade das teorias pacifistas. No renascimento do Jus-naturalismo, segundo Bobbio, depois da Primeira Guerra, a teoria da guerra justa, há tempos abandonada, foi “ressuscitada” para cumprir a função contrária: tratou-se, dessa vez, de refutar as teorias realistas da História e da Política que havia, em diversos Cfr. IDEM, “Il conflitto termonucleare e le tradizionali giustificazioni della guerra” (1962), in TerAs, p. 24. 754 284 modos, exaltado a guerra e chegaram à conclusão que todas as guerras são lícitas755. 2.1.2. A Guerra como Procedimento Judicial. Em cada procedimento judicial, distinguem-se o processo de cognição e o processo de execução. À primeira vista, pode parecer que a guerra sirva a justificar essa comparação com o procedimento judiciário naquilo que se refere à execução: a guerra como execução forçada ou como pena, ou seja, a guerra como sanção; a força ao serviço do Direito. Sob o aspecto do processo de cognição, a teoria da guerra justa mostrou uma grave fraqueza, ao menos por duas razões: um processo de cognição é tanto mais capaz de assegurar a discriminação do justo e do injusto, portanto de estabelecer uma linha de confim entre a razão e o erro; quanto mais se inspira aos dois princípios fundamentais da certeza dos critérios de juízo e da imparcialidade de quem deve julgar.756 Segundo Bobbio, na declaração e na atuação de uma guerra, nenhum princípio desses vem respeitado: não vem respeitado o princípio da certeza dos critérios de juízo, porque a longa tradição de teorias sobre a guerra justa faliu exatamente na tentativa de estabelecer um conjunto de critérios de justiça comumente aceitos; não existia guerra que não encontrasse nesta ou naquela doutrina o próprio critério de justificação. Na declaração e na atuação de uma guerra, observou Bobbio, não vem respeitado o princípio da imparcialidade Cfr. IDEM, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in ProbGP, pp. 57-59. 756 Cfr. Ibidem, p. 58. 755 285 de quem deve julgar, porque quem decide sobre a justiça ou a injustiça da guerra é pars in causa; não é um juiz super partes. Daqui a situação inconveniente: uma guerra poderia ser justa de ambas as partes757. Segundo Bobbio, também em relação ao processo de execução a comparação entre guerra e procedimento judiciária é falaz. Por sanção entende-se um mal qualquer infligido àquele que violou uma regra jurídica. A “derrota” em uma guerra é, certamente, um “mal”: mas que garantias uma guerra oferece de que a “pena” será infligida a quem cometeu o “delito”? Se a guerra fosse um “procedimento judiciário”, seria um procedimento anômalo, que não puniria o “delinqüente”, mas puniria o mais “fraco”. Verificar-se-ia a situação em que a força não estaria a serviço do Direito, observou Bobbio, mas o Direito estaria a serviço da força. Qualquer procedimento judiciário é instituído com escopo de fazer vencer quem há razão, mas o resultado da guerra é exatamente o oposto: seu escopo é dar razão a quem venceu758. Segundo Bobbio, o escopo principal de um procedimento judiciário, ao interno de um ordenamento jurídico, é a restauração da Ordem Constituída. A sua função é eminentemente conservadora; mas a guerra não há sempre uma função restauradora: freqüentemente as guerras que aparecem justas à opinião pública mais avançada não têm o escopo de conservar o status quo, mas de subvertêlo759. Cfr. Ibidem, pp. 58-59. Cfr. Ibidem, p. 59 759 Cfr. Ibidem, pp. 59-60. 757 758 286 Diante de uma guerra concebida como “revolução”, a distinção entre guerra justa e injusta não há nenhuma razão de ser: em relação ao Ordenamento contra o qual se move, a revolução é sempre, por definição, injusta. A justificação da revolução vem “depois” de terminado o conflito, quando o novo Ordenamento é constituído: e é nesse novo Ordenamento, não no velho, que a revolução encontra a própria legitimidade. A teoria da guerra justa considerava a “guerra” como um procedimento apto a reconstituir a ordem, não a subvertê-la760. 760 Cfr. Ibidem, p. 60. 287 2.1.3. A Guerra de Defesa na Era Atômica. Segundo Bobbio a guerra de defesa, enquanto guerra justa foi justificada em base ao princípio jurídico e moral da legítima defesa: vim vi repellere licet. A guerra de defesa strictu senso é possível somente em base ao princípio da “proporcionalidade” entre delito e castigo. Ele perguntou-se se a estratégia da guerra atômica ainda permite manter a distinção entre guerra de ataque e guerra de defesa761. Numa guerra termonuclear, a atuação rigorosa do princípio da “proporcionalidade”, ao máximo, levaria ao suicídio universal762. Em uma palavra, existem dois modos tradicionais de entender a guerra de defesa: strictu senso, como resposta violenta a uma violência atual; lato senso, como resposta violenta a uma violência somente temida ou ameaçada, isto é, como guerra preventiva763. Não considerando a guerra tradicional, mas a guerra nuclear, perguntou-se Bobbio se há sentido aplicar a esta a distinção entre guerra justa e injusta. Existe a possibilidade de distinguir uma guerra atômica justa, daquela injusta? Bobbio nos apresentou duas hipóteses. Primeiro, o emprego de armas atômicas para responder a um ataque conduzido com armas tradicionais; nesse caso encontramo-nos manifestamente, tamanha é a desproporção entre os dois tipos de armas, diante daquela situação que qualquer jurista não hesitaria a qualificar como excesso de legítima defesa, portanto, defesa ilícita. Cfr. Ibidem, pp. 60-61. Cfr. Ibidem, p. 61. 763 Cfr. Ibidem, pp. 60-61. 761 762 288 Segundo, o emprego de armas atômicas para responder a um ataque conduzido com armas atômicas764; os peritos dizem que nesse caso aquele que se “defende” já perdeu a guerra. Na era atômica, o conceito mesmo de guerra de “defesa” perdeu todo e qualquer significado. A guerra atômica anula a distinção entre guerra justa e guerra injusta, porque rende impossível a guerra de legítima defesa. A era atômica admite um único tipo de guerra: aquela do primeiro ataque765. 2.1.4. A Guerra de Defesa Preventiva na Era Atômica. A guerra de defesa preventiva, combatida com armas atômicas, é “justificada” em base ao princípio que a defesa deve ser proporcionada ao ataque real ou temido, “somente” num sistema bipolar ou multipolar de Potências atômicas. Em tal sistema, porém, a guerra preventiva atingiria o seu escopo somente “se” conseguisse, com o primeiro “ataque”, destruir o aparato termonuclear da Potência adversária, impedindo o contra-ataque. O contra ataque atômico, quando ainda fosse possível, arriscaria de superar a margem de destruição “tolerável” pela Potência atacante766. Ainda nesse caso, segundo Bobbio, a guerra de defesa atômica parece mais como um “projeto” que como um evento realizável. O que nos leva a concluir que, no Cfr. IDEM, “Il conflitto termonucleare e le tradizionali giustificazioni della guerra” (1962), in TerAs, pp. 24-25. 765 Cfr. Ibidem, p. 25. 766 Cfr. IDEM, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in ProbGP, p. 61. 764 289 atual estado dos fatos, o aparato termonuclear é um meio mais para desencorajar a guerra alheia do que para atuar a guerra própria. A não ser que se queira desencadear uma guerra de tamanha brutalidade que tenderia a realizar uma situação totalmente oposta àquela sobre a qual se funda a guerra de defesa. Não a situação da igualdade entre delito e castigo, mas aquela do delito não punido. É óbvio, porém, que nesse caso estaríamos fora da guerra de defesa e cairia toda possibilidade de sua justificação767. Existem, porém, teorias justificadoras da guerra que resistem à prova da guerra termonuclear. Bobbio agrupou-as em duas grandes “classes”: aquelas que consideram a guerra como um evento providencial – predominantemente como um castigo divino; e aquelas que consideram a guerra como um evento da evolução natural – por exemplo, todas as teorias darwinistas sobre a guerra como meio de seleção ou de sobrevivência dos mais aptos768. Por aquilo que se refere à primeira classe, é claro que se as guerras são expressões de um desígnio divino, observou Bobbio, não existe razão para excluir que dentre os desígnios da providência esteja incluída também a destruição total do gênero humano. Do princípio e do fim da Humanidade, não obstante todas as cosmogonias e as filosofias da História, não se sabem nada além daquilo que se imputam fideisticamente ou hipoteticamente, a um Ser Supremo. Cfr. R. ARON, Paix et guerre entre les nation, Calmann-Lévy, Paris 1962, trad. it., Pace e guerra tra le nazioni, Edizioni di Comunità, Milano 1970, 1983². Cfr. N. BOBBIO, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in ProbGP, pp. 61-62. 768 Cfr. N. BOBBIO, “Il conflitto termonucleare e le tradizionali giustificazioni della guerra” (1962), in TerAs, p. 28. 767 290 Para um Ser Supremo que age livremente sem pedir o nosso parecer, tanto a continuação quanto o fim da Espécie Humana são eventos possíveis769. 2.2. Teorias Providencialísticas. Contra a teoria da guerra justa que distinguiu guerras boas e guerras más, a Filosofia da História, mesmo partindo da comum aceitação da guerra como mal, inverteu o seu sentido. Buscou demonstrar que se trata de um mal que esconde um bem ou de um mal do qual deriva um bem. No primeiro caso, observou Bobbio, a tarefa do filósofo da História seria de fazer emergir o sentido “profundo” e “misterioso” dos eventos históricos. No segundo, de mostrar a “concatenação” dos acontecimentos que permite de colocar um evento isolado num contesto e, portanto, de considerá-lo como a parte de um todo. Essas duas “justificações” correspondem a dois “modelos” diferentes de Filosofia da História: o modelo providencialístico, segundo o qual todo acontecimento há um sentido – concepção, portanto essencialmente dualística; e o modelo finalístico, segundo o qual todo acontecimento há o sentido que lhe vem da sua justa colocação dentro do movimento global da História – concepção essencialmente monística770. Segundo Bobbio, do modelo providencialístico podem-se dar duas versões: aquele providencialístico teologizante – a História como desígnio divino; e aquele Cfr. Ibidem, p. 29. Cfr. IDEM, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in ProbGP, p. 67. 769 770 291 providencialístico racionalizante – a História como desígnio da Natureza, ou do espírito do Mundo, ou da Razão. 2.2.1. Teoria Providencialística Teologizante. Como exemplo dessa concepção providencialística teologizante Bobbio tomou as páginas sobre a guerra das Soirées de St. Petersbourg de Joseph De Maistre. Um conde, um senador e um cavalheiro discutem o problema do mal no Mundo; tocados pelo espetáculo do triunfo dos malvados e da derrota dos bons, vão à busca de uma razão deste “aparente” paradoxo da Justiça Divina. Segundo J. De Maistre, uma solução de tal “paradoxo” pode ser encontrada somente por quem sábia perceber que a história profana é também sagrada. A guerra também obedece a um decreto divino: se não existisse a fúria destruidora da guerra, não poderia ser atuada, entre os homens, a lei universal da violência segundo a qual a Natureza toda e o Homem submetem-se à necessidade do extermínio universal771. Segundo J. De Maistre, com a guerra cumpre-se ininterruptamente a grande lei da destruição dos seres viventes. A Terra inteira, continuamente embebida de sangue, é um imenso Altar, onde tudo aquilo que vive deve ser imolado sem fim, sem medida, sem trégua, até a consumação das coisas; até a morte da morte772. A metáfora do “Altar” exprime bem o processo de sacralização da História – mesmo se de uma sacralidade “horrível”, sanguinária e cruel: nesta História “sagrada” ou Cfr. Ibidem, pp. 67-68. Cfr. J. DE MAISTRE, Soirées de St. Petersbourg, Bruxelles 1838, vol. II, p. 24. 771 772 292 “consagrada”, a guerra assume a figura de um contínuo sacrifício ao “Deus” sedento de sangue773. Ainda segundo De Maistre, a guerra é divina em si mesma, porque é uma Lei do Mundo. A guerra é divina na Glória Misteriosa que a circunda, e na atração não menos inexplicável que nos impulsiona rumo a ela774. Acompanhado pelo democrático P. J. Proudhon que no seu La guerra et la paix diz: Viva a guerra! É por ela que o Homem, apenas saído do barro, ergue-se na sua majestade e no seu valor775. Bobbio ainda citou o “lúgubre hino do necróforo” G. Papini, ao aproximar-se da Primeira Guerra: O Futuro, como os antigos deuses das florestas, precisa de sangue sobre sua estrada. Precisa de vítimas humanas, de carnificinas. O sangue é o vinho dos Povos fortes. Precisamos de cadáveres para calçar as estradas de todos os triunfos776. Segundo Bobbio, diante de tanta “demência” não ocorre nem mesmo uma refutação; basta uma pergunta à qual toda resposta é supérflua: Cfr. N. BOBBIO, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in ProbGP, p. 68. 774 Cfr. J. D. DE MAISTRE, Les soirées de Saint-Pétersbourg, Bruxelles 1938, v. II, p. 25, trad. it. Le serate di Pietroburgo o Colloqui sul governo temporale della Provvidenza, Rusconi, Milano 1971, 1986, p. 399; citado por N. BOBBIO, “Il conflitto termonucleare e le tradizionali giustificazioni della guerra” (1962), in TerAs, p. 27. 775 Cfr. P. J. PROUDHON, La guerra et la paix, I, p. 38. 776 Cfr. G. PAPINI, “La vita non è sacra” (1913), in La cultura italiana del ‘900 attraverso le riviste, Einaudi, Torino 1961, IV, p. 207; citado por N. BOBBIO, “Il conflitto termonucleare e le tradizionali giustificazioni della guerra” (1962), in TerAs, pp. 27-28. 773 293 Quem, diante do “pesadelo” de uma guerra termonuclear, poderia abandonar-se a semelhantes delírios?777 As frases de G. Papini fazem “horror”, mas, observou Bobbio, foram realmente pronunciadas. Em 1962, Bobbio escreveu: Existe alguém que teria a coragem de repeti-las? A única atenuante para todos esses “celebrantes” da violência é de não haverem imaginado uma violência tão monstruosa capaz de mudar radicalmente a nossa atitude diante da guerra: não se trata mais do medo de morrer, mas da vergonha de sobreviver, Bobbio concluiu aterrorizado. Citando o livro do Eclesiastes, Bobbio disse ainda: Preferi os mortos àqueles que vivem; e mais feliz de uns e dos outros julguei ser aquele que ainda não nasceu, e não viu os males que se fazem sob o Sol778. 2.2.2. Teoria Providencialística Racionalizante. Como exemplo da concepção providencialística racionalizante, na qual a providência assume o aspecto não mais de uma Vontade Divina Caprichosa, mas de uma Sabedoria Infinita que envolve todo ato humano a fim de bem, Bobbio citou I. Kant, na Crítica do Juízo, 1790. Trabalhando o sublime dinâmico da Natureza, I. Kant disse: o objeto da máxima admiração, mesmo para o “selvagem”, é um homem que não teme nada, que não se assusta por nada, que não cede diante do perigo, mas que ao mesmo tempo desce energicamente à ação com plena reflexão: o guerreiro. Cfr. Eclesiástes, 4, 1-3; N. BOBBIO, “Il conflitto termonucleare e le tradizionali giustificazioni della guerra” (1962), in TerAs, p. 28. 778 Cfr. Ibidem. 777 294 Mesmo no Estado Civil mais refinado, continuou Kant, permanece esta estima singular pelo Guerreiro; e somente requer-se que ele mostre ao mesmo tempo todas as virtudes da paz, a doçura, a piedade, e por fim um cuidado conveniente da pessoa, porque exatamente nisto reconhecese a invencibilidade do seu ânimo diante do perigo. Portanto, concluiu Kant, poder-se-á discutir quanto se queira para decidir a quem compete a preferência na nossa estima, se ao Homem de Estado ou ao Guerreiro; o juízo estético é pelo Guerreiro. Até mesmo a guerra, afirmou Kant, quando é conduzida com ordem e com o sagrado respeito pelos direitos civis, há em si alguma coisa de sublime e rende o caráter do Povo, que a faz nesse modo, tanto mais sublime quanto mais numerosos foram os perigos a que se expôs e mais corajosamente afirmou-se neles; invés uma longa paz, normalmente, dá o predomínio ao simples espírito mercantil e, portanto, ao baixo interesse pessoal, à covardia e à moleza, abaixando o caráter e a mentalidade do Povo779. Trabalhando o escopo último da Natureza enquanto sistema teleológico, I. Kant afirmou que na falta de um Sistema Cosmopolita e pelos obstáculos que a ambição, o desejo de dominar e a avidez, especialmente junto àqueles que têm em mãos o poder, opõem também à possibilidade de tal desígnio, é inevitável a guerra. Continua Kant: a guerra, que é uma empresa desconsiderada dos homens (suscitada pelas suas paixões desenfreadas), talvez esconda profundamente algum desígnio da Sabedoria Suprema; ao menos para preparar, senão para estabelecer, a conciliação da legalidade com a 779 Cfr. I. KANT, Kritik der Urteilskraft (1790), § 28. 295 liberdade nos Estados; portanto a união destes num Sistema moralmente fundado. Concluiu ele: apesar das calamidades terríveis com que a guerra oprime o gênero humano e os males talvez maiores que derivam da sua constante preparação em tempo de Paz é um estímulo a mais a desenvolver, ao máximo grau, todos os talentos que servem à cultura (enquanto vem sempre mais afastada a esperança da calma na felicidade pública)780. Segundo Bobbio, este passo da Crítica do juízo, 1790, recebeu sua luz de um opúsculo precedente, Idéia de uma história universal do ponto de vista cosmopolita, 1784; no qual Kant propôs-se expressamente de ver se é possível descobrir, no curso contraditório das coisas humanas, um desígnio da Natureza. A resposta de Kant foi que o meio de que a Natureza serve-se para atuar o desenvolvimento de todas as disposições do Homem é o “antagonismo”, através do qual o Homem é induzido a desenvolver as suas qualidades melhores e a passar, contra a sua vontade, da barbárie à civilização. Sem esta tendência à insociabilidade, o Homem teria ficado manso, dócil e servo como as ovelhas que pastam. Renda-se, segundo ele, graças à Natureza pela intratabilidade que gera, pela invejosa emulação da vaidade, pela avidez nunca satisfeita de haveres e também de domínio. Sem elas, todas as excelentes disposições naturais ínsitas na humanidade permaneceriam eternamente adormentadas. Não é dito que o antagonismo sempre desemboque na luta cruenta; mas é certo que a luta cruenta é uma forma, mesmo se “a” forma extrema, de “antagonismo”. Bobbio 780 Cfr. Ibidem, § 83, p. 551. 296 observou que a distinção entre o sentido profano e o sentido arcano da História é expressa por Kant nitidamente, no seguinte passo: O Homem quer a concórdia; mas a Natureza sabe melhor do que ele aquilo que é bom para a sua Espécie: ela quer a discórdia. E ainda com maior força: O homem quer viver comodamente e prazerosamente; mas a Natureza quer que ele, saído do estado de preguiça e de satisfação inativa, enfrente dores e fadigas para inventar os meios onde livrar-se com a sua habilidade também deles781. Segundo Bobbio, não obstante essa evocação das duas chaves com que se pode ler o “livro” secreto da História, a concepção providencialística racionalizante, aproxima-se à concepção finalística, segundo a qual todo evento pode ser compreendido e justificado somente se inserido num contexto mais amplo. Efetivamente, nos dois passos kantianos acima, a guerra aparece às vezes como mal aparente, às vezes como mal necessário; ou até mesmo como mal aparente enquanto necessário. Entende-se que aqui se fala de necessidade teleológica não de necessidade causal: em outras palavras, por mal necessário entende-se um mal não “causalmente” – no sentido da causa eficiente – mas teleologicamente necessário, isto é, um mal que deve acontecer não porque é o efeito de uma causa, mas porque é o meio para atingir um fim desejado. Cfr. Ibidem, p. 128; N. BOBBIO, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in ProbGP, pp. 69-70. 781 297 Diante de um mal “causalmente” necessário não se põe nem mesmo o problema da sua justificação: o único problema que se pode pôr é aquele da sua explicação782. 2.3. Teorias Finalísticas. Quanto às teorias biológicas, se a guerra é um fato natural inerente à mesma estrutura e “finalidade” da Natureza não se sabe o quê objetar à hipótese que a guerra atômica seja um evento a ser inscrito nessa estrutura; e a destruição da Humanidade, um evento a ser atribuído àquela finalidade. Para essas teorias finalísticas a guerra não é mais o objeto de uma avaliação moral, mas de uma mera constatação: a guerra é um “fato”; tanto a guerra tradicional quanto a guerra termonuclear783. Enquanto “fato” natural, pode ser submetido a um mero juízo de realidade, de necessidade ou de possibilidade: não existem dúvidas de que a guerra termonuclear seja, pelo menos, um evento possível – mesmo se ainda não foi “real” e, segundo Bobbio, não existam provas suficientes para afirmar que seja um evento necessário784. Essa concepção reconhece a guerra como um “mal”, mas um mal do qual nasce um bem; em tão estreita interdependência que não existiria aquele bem senão tivesse existido esse mal. Cfr. N. BOBBIO, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in ProbGP, pp. 70-71. 783 Cfr. IDEM, “Il conflitto termonucleare e le tradizionali giustificazioni della guerra” (1962), in TerAs, p. 29. 784 Cfr. Ibidem, p. 29. 782 298 Segundo Bobbio, tais teorias são a conseqüência daquelas concepções da histórica que explicam o progresso histórico como produto de um movimento dialético de afirmação e negação; ainda mais de toda Filosofia da História que concebe todo tipo de conflito e de antagonismo como um elemento indispensável para o progresso humano785. Um mal teleologicamente necessário é um bem, observou Bobbio, mesmo se um “bem meio” em relação a um “bem fim”: um mal considerado como bem meio é um mal justificado786. Por quanto dura, áspera e dolorosa seja a guerra, segundo essa concepção, ela é uma via obrigatória pela qual passa a História; como história do progresso humano787. 2.3.1. A Guerra é Mal Menor. Segundo Bobbio, a teoria da guerra como mal menor pode ser formulada nos seguintes termos: enquanto “mal”, a guerra contrapõe-se a um bem; o bem ao qual se contrapõe é aquele da Paz; mas a Paz é realmente o bem supremo? Se respondermos que a paz não é sempre o bem supremo, mas é um bem entre outros bens, como por exemplo, a liberdade, a honra nacional, a religião e o bem estar; como tal não é também um fim absoluto, mas é um fim que vem em concorrência, segundo as circunstâncias objetivas e as aspirações subjetivas diferentemente entrelaçadas com outros fins. Cfr. Ibidem, p. 26. Cfr. IDEM, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in ProbGP, p. 71. 787 Cfr. Ibidem. 785 786 299 Põe-se, portanto, a premissa para sustentar que a guerra, enquanto o contrário da paz, não é um “mal absoluto”, mas é um mal cuja gravidade deve ser, vez por vez, avaliado e posto em confronto com a gravidade dos males concorrentes788. Segundo Bobbio, não se pode excluir que através dessa “avaliação” uma guerra possa ser considerada preferível ou até mesmo desejável, em certos casos. Por exemplo, quando se considere que ela sirva, através da perda do bem considerado “menor” – a Paz – a evitar um mal considerado “maior”; por exemplo, a perda da liberdade. Rigorosamente falando, observou Bobbio, somente o sistema hobbesiano, dentre todos os sistemas éticos do Pensamento Moderno, é fundado sobre a preeminência do valor da paz sobre todos os outros valores. Portanto, sobre a consideração da guerra como mal absoluto. Historicamente, invés, a mais comum e cômoda “ideologia” da guerra é aquela que, contrapondo o bem da paz ao bem da liberdade ou da honra, proclama: Melhor a morte que a escravidão! Melhor a morte que a desonra!789 Pondo-se diante da “possível” guerra termonuclear, perguntou-se Bobbio: Podemos ainda considerá-la um mal menor?790 Seria possível somente a uma condição, respondeu ele: conseguir atribuir a esse tipo de guerra o caráter de um fim entre outros fins. Mas não é ela mesma, se a consideramos segundo a perspectiva do possível Cfr. IDEM, Il conflitto termonucleare e le tradizionali giustificazioni della guerra” (1962), in TerAs, pp. 25. 789 Cfr. Ibidem, pp. 25-26. 790 Cfr. Ibidem, p. 26. 788 300 aniquilamento da Espécie Humana, uma finalidade última; até mesmo, “o” fim? Segundo Bobbio, a escolha entre “fins” pressupõe uma alternativa. Perguntou ainda ele: A guerra termonuclear é uma alternativa? Uma alternativa em relação a qual outra possibilidade existencial?791 Diante das guerras do passado pode ser ainda “razoável” falar de alternativa entre paz e liberdade, entre paz e justiça, entre paz e honra. Mas diante da “possível” guerra nuclear, ainda poderia ser proposta a alternativa: liberdade ou suicídio universal? Quem gozaria das vantagens dessa liberdade? Se pudermos propor ainda uma “alternativa” à guerra termonuclear, não seria mais a alternativa tradicional entre guerra e liberdade, entre guerra e honra nacional; mas, segundo a análise radical de Günther Anders, entre Ser e Não-ser; em conformidade à máxima suprema do Niilismo: Invés do Ser, o Nada.792 2.3.2. A Guerra Serve ao Progresso Moral. Bobbio citou o pensamento de Hegel como exemplo da teoria finalística da guerra como necessária ao progresso moral. Com estupenda figura de linguagem Hegel escreveu que a guerra mantém a saúde moral dos povos, como o agitar-se dos ventos preserva da putrefação à qual uma calma duradoura reduziria as águas; uma paz duradoura ou até mesmo eterna reduziria os Povos793. 791 792 Cfr. Ibidem. Cfr. Ibidem. 301 Bobbio citou também La riforme morale et intellectuelle, 1872, de E. R. Renan, que escreveu: O dia em que a Humanidade se tornasse um grande “Império Romano”, todo paz e sem inimigos externos, seria o dia em que a moralidade e a inteligência correriam os seus maiores riscos794. Também citou F. Nietzsche, o qual afirmou que não conhecemos outros meios – além das guerras – mediante os quais se possa comunicar a Povos que vão enfraquecendose, aquela rude energia do campo de batalha, aquele profundo ódio impessoal, aquele sangue frio homicida com boa consciência, aquele ardor geral na destruição organizada pelo inimigo; aquela soberba indiferença rumo às grandes perdas, rumo à existência própria e àquela das pessoas caras e àquele subterrâneo aquecimento da alma; em modo outro tanto forte e seguro quanto o faz toda “grande” guerra795. Por aquilo que se refere à contribuição da guerra ao progresso moral, segundo Bobbio, assume um paradigmático valor quanto apresentado e comentado por Güther Anders: O protagonista da guerra atômica sabe muito bem de não ser um herói, porque lhe pedem prestações que estão Cfr. G. W. F. HEGEL, Grundlinien der Philosophie des Rechts, § 324; N. BOBBIO, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in ProbGP, p. 72. 794 Cfr. E. R. RENAN, La riforme morale et intellectuelle, Paris 1872, p. 3; G. BOUTHOUL, Le guerre, Longanesi, Milano 1961. Citados por N. BOBBIO, Il conflitto termonucleare e le tradizionali giustificazioni della guerra” (1962), in TerAs, pp. 26-27. 795 Cfr. N. BOBBIO, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in ProbGP, pp. 72-73. Aqui citamos a partir da trad. it. F. NIETZSCHE, Umano, troppo umano, Adelphi, Milano 1965, p. 265. 793 302 entre aquelas do autômato e aquelas do campeão esportivo. Mas depois do “fato”, descobre de ter sido uma simples engrenagem, condicionado nas suas reações até à irresponsabilidade, de uma imensa máquina de morte796. Não somente sabe, observou Bobbio, de não ser um herói, mas percebe de ser um “miserável” pecador; e arrepende-se e consuma-se no remorso até a beira da loucura. A guerra exaltada como fecundante de virtudes sublimes, inverte-se em ocasião e instigação à forma mais baixa, escandalosa e súbdola, de crime contra a Humanidade. Segundo Bobbio, lá onde se dizia e fingia-se de crer que a guerra elevasse os “animais”, agora se aprende que, ao contrário, humilha-os, deprime-os, leva-os à desesperação. Ao lugar da imagem hegeliana do vento sobre o palude, entra aquela bobbiana mais apropriada: tempestade sobre uma frágil colheita797. 2.3.3. A Guerra Serve ao Progresso Civil. A consideração da guerra entre os, assim chamados, fatores de civilização é um dos traços comuns de toda filosofia do progresso: a guerra é um grande meio de comunicação entre os homens. Segundo esta teoria, através da guerra as civilizações chocam-se e misturam-se; as civilizações superiores subjugam as inferiores; procedem a uma simultânea e gradual “humanização” das instituições; e a uma lenta, mas inexorável, unificação do Gênero Humano. Cfr. N. BOBBIO, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in ProbGP, pp. 75-76. 797 Cfr. Ibidem, p. 76. 796 303 Carlo Cattaneo, nas suas lições Del diritto e della morale, observou Bobbio, exprimiu com particular clareza esta communis opinio: a guerra é perpétua sobre a Terra. A guerra com a conquista, a escravidão, os exílios, as colônias e as alianças põe em contato entre elas as mais remotas Nações; faz nascer da sua mistura novas estirpes, línguas, religiões e novas Nações mais civilizadas; ou seja, mais largamente sociais; funda o Direito das Gentes, a Sociedade do Gênero Humano e o mundo da Filosofia798. Bobbio observou que vinte anos de guerra não haviam dissuadido Victor Cousin do luminoso e confortante pensamento a seguir: tudo é perfeitamente justo neste Mundo, a felicidade e a infelicidade são distribuídas como devem ser. Aproximava a função da guerra que unifica as verdades parciais praticamente, à função da Filosofia que as unifica teoricamente. Depois de haver sentenciado que a raiz indestrutível da guerra está na natureza das idéias dos diferentes Povos que são necessariamente hostis, agressivas e tirânicas, concluía que a guerra não é outro que uma troca sanguinária de idéias a golpes de espada e de canhão. Acrescentou Bobbio, a Filosofia é uma troca pacífica de idéias a golpes de argumentos prós e contra799. Cfr. C. CATTANEO, Scritti filosofici, Le Monnier, Firenze 1960, vol. III, pp. 339-340: […] la guerra è perpetua sulla terra. Ma la guerra stessa colla conquista, colla schiavitù, cogli esili, colle colonie, colle alleanze pone in contatto fra loro le più remote nazioni; fa nascere dalla loro mescolanza nuove stirpi e lingue e religioni e nuove nazioni più civili, ossia più largamente sociali; fonda il diritto delle genti, la società del genere umano, il mondo della filosofia. Cfr. ainda N. BOBBIO, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in ProbGP, p. 73. 799 Cfr. V. COUSIN, “Introduction à l’histoire de la philosophie”, 1828, in Oeuvres, Bruxelles 1840, tomo I, p. 71; N. BOBBIO, “Il 798 304 Essa teoria da guerra fora abandonada desde quando os primeiros intérpretes da Civilização Industrial nascente haviam antevisto, no melhoramento e na intensificação das comunicações, um meio de troca e da unificação mais potente e mais seguro do que o choque cruento, próprio das Sociedades feudais e militares800. Segundo Bobbio, o “espectro” da guerra atômica pôs definitivamente em crise essa teoria. Não se pode excluir que depois da guerra atômica nos encontraríamos diante de um “mundo” mais unificado: Qual Mundo? Não se pode excluir nem mesmo que nos encontraríamos diante de um “mundo” mais desarticulado, mais fracionado e mais dividido. Na realidade, observou Bobbio, não sabemos nada. A novidade da guerra atômica é tão grande que torna impossível qualquer previsão daquilo que seria o “mundo” depois dela. Portanto torna impossível “propor” qualquer Filosofia do Progresso fundada sobre a previsão de um desenvolvimento da Humanidade numa certa direção801. Segundo Bobbio, a guerra atômica não só desnuda de toda força persuasiva as justificações da guerra fundadas na Teoria do Progresso, mas desmente-a em todas as suas formas: se o progresso não é mais garantido, significa que essa teoria é falsa802. problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in ProbGP, pp. 73-74. 800 Cfr. N. BOBBIO, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in ProbGP, p. 76. 801 Cfr. Ibidem. 802 Cfr. Ibidem, pp. 76-77. 305 2.3.4. A Guerra Serve ao Progresso Técnico. Que as capacidades inventivas do Homem sejam estimuladas pela pesquisa de meios, sempre mais “potentes”, para vencer e destruir o adversário é uma antiga constatação que recebeu contínuas confirmações. Bobbio citou um passo da Introdução à ciência social de Herbert Spencer, onde diz que ao corresponder às imperiosas exigências da guerra, a Indústria fez grandes progressos e ganhou muito em capacidade e destreza. Segundo H. Spencer deve-se pôr em dúvidas se, em ausência do exercício da habilidade manual despertada primeiramente pela construção das armas, nunca teriam sido construídos os instrumentos requeridos pela agricultura e pelas manufaturas. Remontando à idade da pedra, observou Spencer, veremos que os utensílios destinados à caça e à guerra são aqueles em que se revela maior fadiga e destreza803. Segundo Bobbio, com a passagem da Filosofia da História à Sociologia, a “idéia” de progresso foi substituída pela idéia de evolução. Tal “idéia” de evolução é ligada a uma concepção monista e naturalística da realidade, pela qual o mundo da Cultura ou da História é um prolongamento do mundo da Natureza. Portanto o finalismo do “mundo humano” deve ser interpretado à luz do finalismo da Natureza804. Máxima expressão dessa interpretação da História foi, na segunda metade do século XIX, o Darwinismo Social, Cfr. H. SPENCER, Introduzione alla scienza sociale, Bocca, Torino 19044, p. 181; N. BOBBIO, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in ProbGP, p. 74. 804 Cfr. N. BOBBIO, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in ProbGP, p. 74. 803 306 que fez da luta pela existência, a “guerra” como meio para a sobrevivência dos mais aptos, um dos cânones da sua interpretação do Pregresso. Segundo Bobbio, essa interpretação ofereceu argumentos e pretextos às mais irresponsáveis exaltações da guerra805. No filão desse Darwinismo Social encontram-se, por aquilo que se refere à apologia da violência, tanto os profetas do Niilismo, quanto os anunciadores de uma Sociologia realística “desmistificadora”. Segundo Bobbio, para esses escritores não é nem mesmo exato falar da guerra como mal necessário, como bem - meio: a guerra, e em geral a violência, comparada ao “fogo regenerador”, ao incêndio que destrói e purifica, suscitava admiração e respeito neles ao ponto de ser “saudada” como o evento que teria salvado a Civilização do imbele pacifismo democrático e burguês806. Segundo Bobbio, a julgar das “grandes” descobertas científicas e das suas “aplicações”, da potência destruidora das armas e dos vôos espaciais nas últimas décadas do século XX, essa “contribuição” é inegável. Mas o problema do progresso técnico-científico continua sempre um problema dos “meios” que não pode ser separado do problema dos “fins”. Para quem considera de dever dar uma “avaliação” da relação entre guerra e progresso técnico-científico, observou Bobbio, o problema é outro: trata-se de pôr em um dos pratos da “balança moral” o desenvolvimento técnicocientífico e, no outro, o progressivo aumento da probabilidade da exterminação da Humanidade; Cfr. Ibidem, pp. 74-75. Cfr. Ibidem, p. 75; IDEM, “Filosofia della guerra nell’era atomica” (1965), in TerAs, pp. 41-42. 805 806 307 conseqüência do progressivo desenvolvimento técnicocientífico guiado por escopos de guerra807. Segundo Bobbio, o século XX foi o século da violência levada às extremas conseqüências porque foi o século de Auschwitz e de Hiroshima808. Em uma palavra, foi o século da bomba atômica809. Basta ver alguma fotografia da cidade de Hiroshima, depois da bomba atômica, para rejeitar com “horror” a idéia de que o progresso humano deva passar, necessariamente, por essa estrada. Pensando-se que uma “Terceira” Guerra seria milhares de vezes mais destruidoras a idéia do nexo entre progresso e guerra pode ser somente a expressão de um macabro delírio810. O progresso da Humanidade pressupõe a existência do Homem sobre a Terra, observou Bobbio. A guerra termonuclear, porém, torna possível aquilo que ele chamou o auto-assassínio total do Homem. Surge, então, espontaneamente a pergunta: Progresso para quem? Toda teoria do progresso tende a colher em cada evento, em cada série de eventos decisivos, um momento da História. Não conseguimos ver como possa considerar-se um “momento” também aquela guerra que leva consigo a perpétua ameaça de ser “a” conclusão da aventura humana sobre a Terra811. Cfr. Ibidem, p. 77. Cfr. IDEM, “La memoria divisa che ci fa essere anomali” (1996), in ItAmNe, p. 53. 809 Cfr. Ibidem, p. 54. 810 Cfr. IDEM, “Il conflitto termonucleare e le tradizionali giustificazioni della guerra” (1962), in TerAs, p. 27. 811 Cfr. Ibidem. 807 808 308 3. O Estado de Guerra e os Direitos à Vida e a Viver. Neste terceiro momento, trabalharemos o estado de guerra e os direitos humanos fundamentais à vida e a viver. Primeiro trabalharemos a “paz” como problema fundamental; onde conheceremos o pensamento bobbiano sobre o “flagelo” da guerra, sobre o princípio “inter arma silent leges” e, por último, sobre o status de guerra potencial. Depois, trabalharemos o problema da objeção de consciência na era atômica; onde conheceremos as respostas que Bobbio deu às principais teorias justificadoras da guerra, afirmando que não existem guerras justas; a guerra não é mal menor, não é mal necessário e não é inevitável. 309 3.1. “Paz”: Problema Fundamental. Segundo Bobbio, os problemas fundamentais na segunda metade do século XX foram os direitos humanos e a paz, como vimos acima. Foram fundamentais no sentido que da solução do problema da paz depende a nossa própria sobrevivência. A solução do problema dos direitos humanos é o único sinal certo do progresso civil812. Bobbio considerou os dois problemas juntos porque são estreitamente conexos; um não pode existir sem o outro813. 3.1.1. O “Flagelo” da Guerra. O direito humano fundamental à vida protege um valor que é “primordial”: é fundamental por excelência; condição para todos os demais direitos, como vimos na segunda etapa dessa pesquisa. Ora, durante a guerra, bem como durante qualquer tipo de “hostilidade”, o direito à vida não só não é “garantido”; mas, às vezes, o Estado beligerante exige o sacrifício da vida dos próprios cidadãos, sob a ameaça de graves penas. Para garantir o direito humano fundamental à vida, os Indivíduos humanos deram origem, de comum acordo, a um Poder Comum que há a função primária de garantir a paz interna: o Estado civil. Somente a paz permite aos homens de não serem ameaçados no direito humano fundamental à vida. Este 812 813 Cfr. IDEM, “I diritti dell’uomo e la pace” (1982), in TerAs, p. 92. Cfr. Ibidem. 310 direito, porém, não é mais “garantido” quando o Estado, elevado a Poder Comum, encontra-se em guerra com outros Estados814. A Carta das Nações Unidas, 1945, declarou a necessidade de salvar as futuras gerações do flagelo da guerra que, por duas vezes durante uma mesma geração, trouxe indizíveis aflições à Humanidade815. Também a Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948, considerou que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da Família Humana e dos seus direitos, iguais e inalienáveis, constitui o fundamento da paz no Mundo816. A Conferência Sobre a Segurança e a Cooperação na Europa, conhecida como Conferência de Helsinki, foi concluída em 1º de Agosto de 1975. Ela afirmou no Preâmbulo da sua “declaração” que o objetivo das Nações signatárias – 33 estados europeus além dos Estados Unidos e do Canadá – era de contribuir ao melhoramento das suas relações recíprocas e garantir as condições nas quais os seus Povos pudessem gozar de uma paz verdadeira e duradoura; livres de toda ameaça ou atentado à sua segurança817. Que o direito à vida venha “desconhecido” em caso de guerra é elementar, observou Bobbio. Infelizmente, o estado de guerra não “desconhece” somente o direito primordial à vida, mas suspende a proteção de todos os demais direitos humanos fundamentais. Por exemplo, os direitos de liberdade e todas as demais leis; como afirma o princípio inter arma silent leges. Cfr. Ibidem, p. 93-94. Cfr. Ibidem, p. 92. 816 Cfr. Ibidem, p. 92-93. 817 Cfr. Ibidem, p. 93. 814 815 311 3.1.2. O Princípio Inter Arma Silent Leges. A guerra estabelece um status de necessidade e todo estado de necessidade é lei a si mesmo; está acima de toda Lei natural ou positiva: inter arma silent leges.818 O artigo 15 da Convenção Européia dos Direitos do Homem, 1950, sustentou textualmente que, em caso de guerra ou de outro perigo público que ameace a vida da Nação, qualquer parte contraente pode tomar as medidas em derroga às obrigações previstas nessa Convenção. A guerra é “guerra”; não respeita a vida, nem os outros direitos humanos fundamentais. Não é nem mesmo necessário o estado de guerra “efetivo”, observou Bobbio; basta o estado de guerra “potencial”, a chamada guerra fria, para fazer prevalecer, em certos casos, a razão de Estado sobre a Razão humana que “quereria” garantidos os direitos humanos fundamentais. A quem considere a História com um olhar “desapaixonado” não pode passar despercebido que as relações entre governantes e governados são dominadas pelo primado da Política Externa sobre a Política Interna. Mesmo um Estado “internamente” democrático, não hesita de impor um regime “despótico” ao aliado mais fraco se este ameaçasse de sair da sua “órbita” de influências819. A proteção internacional dos direitos humanos tornou-se difícil senão até mesmo impossível pela mesma condição que tornou possível a guerra. Esta condição é a Soberania, de fato, ilimitada dos Estados Soberanos. Hoje, 818 819 Cfr. Ibidem, p. 94. Cfr. Ibidem. 312 nem todos os Estados, formalmente tais, são “efetivamente” soberanos820. 3.1.3. O Status de Guerra Potencial. Em 1981, Bobbio citando dados de alguns anos antes, disse que as somas necessárias para dar a cada habitante do Mundo o nutrimento, a água, a educação, as curas e a habitação necessária foram, então, estimadas em 17 bilhões de dólares. Continuou observando que era uma soma enorme, porém era mais ou menos aquilo que o Mundo, naquela época, gastava em armamentos a cada quinze dias: despesa não para “construir”, mas para destruir; não para ajudar a viver melhor, mas para matar; para matar sempre mais “rápida” e “totalmente”821. Porque as armas servem somente para a guerra ou para manter o estado potencial de guerra, Bobbio concluiu que esta é o principal obstáculo à solução dos problemas cruciais da Humanidade: a fome e a miséria822. Segundo Bobbio, nesse Universo que é “finito”, no qual somos destinados a viver, as matérias primas e as fontes de energia não são ilimitadas. Pois bem, grande parte desses bens é consumida para construir armamentos; ou seja, instrumentos que não são utilizados durante o estado de guerra potencial ou são utilizados exclusivamente para matar seres viventes e para destruir coisas823. Cfr. Ibidem, p. 95. Cfr. IDEM, “La lancia e lo scudo” (1981), in TerAs, pp. 204-205. 822 Cfr. IDEM, “I diritti dell’uomo e la pace” (1982), in TerAs, p. 96; IDEM, “Alla marcia della pace” (1981), in TerAs, p. 144. 823 Cfr. IDEM, “La lancia e lo scudo” (1981), in TerAs, p. 205. 820 821 313 Bobbio observou que a paz é condição sine qua non para uma eficaz proteção dos direitos humanos fundamentais e, ao mesmo tempo, a proteção dos direitos humanos favorece a paz824. 3.2. A Objeção de Consciência na Era Atômica. Em 1961, escrevendo sobre a corrida armamentista de então entre os dois “blocos” da época, Bobbio afirmou que o Mundo encontrava-se diante de uma situação nova. Pela primeira vez na História a Guerra Total poderia levar ao aniquilamento da vida sobre a Terra, isto é, ao aniquilamento da História mesma do Homem. É necessário certo esforço de imaginação, observou ele, para compreender que isto possa acontecer: Esse esforço deve ser feito825. Quando no conceito de armas entra uma bomba atômica, Bobbio perguntou-se se portar armas não se tornaria um problema de consciência, não somente para quem objeta protestando em nome da sua fé religiosa, mas para cada um de nós, em nome da Humanidade. Segundo Bobbio, objeção de consciência significa aquela situação na qual a nossa consciência nos proíbe, com o seu imperativo ético, de cumprir uma injustiça. Se interrogarmos a nossa consciência, não podemos negar de reconhecer que, na era atômica, ao menos potencialmente, todos nós temos objeção de consciência826. Cfr. IDEM, “I diritti dell’uomo e la pace” (1982), in TerAs, p. 96. Cfr. IDEM, “Non uccidere” (1961), in TerAs, p. 141. 826 Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura di Alberto PAPUZZI, Laterza, Roma-Bari 1999, p. 223. 824 825 314 3.2.1. Não Existem Guerras Justas. Pode-se dizer que quem apresenta objeção de consciência é aquele que não aceita, por princípio, nenhuma das teorias justificadoras da guerra, vistas acima. Segundo Bobbio, fazer objeção de consciência é afirmar que a guerra é violência e a violência é mal em sentido absoluto; é, portanto, ser alguém que concluiu que a guerra é mal em sentido absoluto827. Segundo Bobbio, para quem objeta não existem guerras justas. Mesmo a guerra de defesa também é violência. Quem goza do direito de distinguir a guerra de ataque daquela de defesa? Existe, na História das relações entre os Estados, o inocente? Quem foi o primeiro culpado? Quem será o último inocente? Não é verdade que a férrea corrente de guerras na qual consiste a nossa História, nos rende impossível remontar à primeira raiz do mal? E, então, não precisa quebrar essa corrente? Para quebrá-la precisa que alguém comece. Quem objeta é aquele que disse: Eu começo e aconteça aquilo que deve acontecer828. Diante da “possível” catástrofe atômica, observou Bobbio, não existem mais guerras justas: uma guerra que “pode” causar o desaparecimento da vida sobre a face da Terra, é sempre injusta829. Não existiu guerra, mesmo a mais injusta, observou Bobbio, que não tenha encontrado algum “clérigo” disposto a justificá-la. Cfr. IDEM, “Non uccidere” (1961), in TerAs, p. 140. Cfr. Ibidem, pp. 140-141. 829 Cfr. Ibidem, p. 142. 827 828 315 Uma guerra que poderia varrer em poucos instantes uma inteira Cidade e cancelar da face da Terra uma inteira Nação, pode ainda ser justificada? Com quais argumentos? O fim justifica os meios? Mas qual “fim” é tão alto, tão necessário ao ponto de justificar um meio tão iníquo e, talvez, incontrolável? Somente o fim infame da pura “potência” poderia justificar tal “meio”; mas potência de quem? Do mais justo ou do mais decidido?830 3.2.2. A Guerra Não é Mal Menor. Segundo Bobbio, a guerra não é um mal menor; é pura e simplesmente um “mal”: Não precisa fazer o mal, e basta. A guerra não é o mal menor porque todos os males são gerados pela violência. Não existe bem que possa ser trocado pela perda da paz porque a paz é a condição mesma do aflorar de todos os outros valores. Somente ela rende possível a conservação da vida humana, valor primordial831 do Homem de hoje e de amanhã. É simplesmente estulto, observou Bobbio, considerar a guerra como um mal menor: não existem alternativas possíveis. Diante das guerras do passado poderia ainda haver um sentido falar de alternativa entre a paz e a liberdade; entre a paz e a justiça, entre a paz e a honra. Mas diante da guerra termonuclear de qual alternativa poder-se-ia ainda falar? 830 831 Cfr. IDEM, “I chierici e il terrore” (1981), in TerAs, p. 202. Cfr. IDEM, “Non uccidere” (1961), in TerAs, p. 141. 316 Concluiu Bobbio, não se poderia falar de outra alternativa senão entre a liberdade e o suicídio universal. Quem se beneficiaria de tal liberdade?832 3.2.3. A Guerra Não é Mal Necessário. Segundo Bobbio, podemos até admitir que depois da guerra a História humana faça “um” passo adiante; mas, perguntou ele, quantos passos ela fez para trás por causa da guerra? O estado de guerra é tão terrível que, restaurada a paz, parece-nos de haver feito “um” passo adiante. Mas como poderíamos saber qual teria sido o destino do Homem se não existissem as guerras? Como poderíamos sabê-lo, observou Bobbio, se as guerras sempre existiram? Como podemos comparar o progresso histórico através das guerras, com o progresso histórico através da paz, se a Humanidade conheceu somente o progresso histórico através das guerras?833 A guerra “moderna”, segundo Bobbio, não pode mais ser considerada como um mal necessário, como um instrumento de bem. Qual bem se depois não existirá mais nada? A guerra atômica não é um “meio” para atingir alguma finalidade, mas somente um “fim”. Bobbio especificou: “o” fim834. Cfr. Ibidem, p. 142. Cfr. Ibidem, p. 141. 834 Cfr. Ibidem, p. 142. 832 833 317 3.2.4. A Guerra Não é Inevitável. A guerra depende de nós, observou Bobbio; depende das nossas “paixões” que podemos reprimir; depende dos nossos “interesses” que podemos conciliar; depende dos nossos “instintos” que devemos corrigir e refrear. Se nós soubemos eliminar as “guerras” entre Indivíduos humanos, constituindo o Estado civil; porque deveria continuar a subsistir a guerra entre os Estados, nascidos para trazer a paz entre os seus Indivíduoscidadãos? Por que do simples fato que um evento sempre existiu, devemos deduzir que sempre existirá? Onde está escrito e quem o escreveu?835 A guerra não pode mais ser considerada como um fato inevitável, a não ser que se aceite como fato inevitável a autodestruição do Homem836: a morte não só do Indivíduo humano, mas da Espécie Humana – uma segunda morte. A morte do Indivíduo humano suprime a vida; a morte da Espécie Humana suprime o nascimento. Morto um Indivíduo humano, a vida continua num outro, mas e morta a Espécie Humana? A posse desta “ciência” da destruição universal põe a Humanidade diante de um “novo imperativo” ético que não é mais somente aquele de Não matar, mas é aquele de “Deixar nascer!”. Se destruirmos a Espécie Humana não nascerão mais Indivíduos humanos837. Diante do evento possível da destruição da História, afirmou Bobbio, toda justificação da guerra torna-se “impossível”. Estamos numa condição na qual não podemos Cfr. Ibidem, p. 141. Cfr. Ibidem, p. 142. 837 Cfr. IDEM, “La morale e la guerra” (1982); “Morale e Guerra”, in TerAs, p. 175. 835 836 318 mais aceitar a guerra. O que significa que “todos” nós, ao menos potencialmente, apresentamos objeção de consciência: a impossibilidade moral de aceitar a guerra ou a possível destruição do gênero humano838. Segundo Bobbio, ninguém nunca encontrou o remédio para impedir as guerras. O único remédio que os homens conseguiram inventar para proteger-se da força alheia foi a “ameaça” ou o uso da “força” própria. Lá onde não existe uma Lei Superior eficaz, não existe um critério para distinguir a força lícita da força ilícita: a força ilícita torna-se sempre aquela do outro839. É necessário encontrar esse remédio, asseverou Bobbio: estamos em estado de necessidade; num estado no qual não temos outra alternativa. Diante do terror atômico não existe alternativa; devemos pensar a alguma coisa que até agora nunca foi pensada; devemos fazer alguma coisa que até agora nunca foi feita840. Cfr. IDEM, “Non uccidere” (1961), in TerAs, p. 142. Cfr. IDEM, “Disarmati di tutto il mondo, uniamoci” (1985), in L’unità, LXII, n. 244, (29 de Outubro de 1985), pp. 1-16, republicado com o título “Disarmati di tutto il mondo”, in TerAs, p. 180; para o conceito de força ilícita cfr. IDEM, “Come viandanti in un labirinto” (1981), in Pro Civitate Christiana, n. 4-5, (15 de Fevereiro de 1982), pp. 70-76, republicado com o título “Una società nonviolenta?”, in TerAs, pp. 151-152. 840 Cfr. IDEM, “Disarmati di tutto il mondo, uniamoci” (1985), in L’unità, LXII, n. 244, (29 de Outubro de 1985), pp. 1-16, republicado com o título “Disarmati di tutto il mondo”, in TerAs, p. 180. 838 839 319 4. O Pacifismo Bobbiano. Neste último momento, trabalhando o pacifismo bobbiano, partiremos da afirmação: O Homem é “capaz” de destruir o Mundo; onde conheceremos a Paz como necessária e impossível; a produção de armas como crime contra a Humanidade. Por último, conheceremos a relação existente entre a vontade de potência e a grande hecatombe, tão temida e muitas vezes denunciada por Bobbio. Num segundo momento trabalharemos o pacifismo reformista, onde conheceremos o pacifismo reformista econômico, o pacifismo reformista político e, por último, o pacifismo reformista social. Num terceiro momento trabalharemos o pacifismo medicinal, onde conheceremos o pacifismo medicinal dos meios; o pacifismo medicinal institucional nas suas duas configurações segundo as diversas soluções apresentadas ao problema da guerra: O Estado deve renunciar à soberania e Eliminar a necessidade da existência do Estado. Depois conheceremos o pacifismo medicinal jurídico; concluiremos com o pacifismo medicinal moral. Num quarto momento apresentaremos a crítica bobbiana ao pacifismo medicinal, onde conheceremos a atuabilidade e a eficácia dos remédios propostos. Depois conheceremos também o pacifismo institucional como sendo uma posição intermediária; concluiremos com a afirmação bobbiana: Não podemos ser otimistas. Num quinto momento trabalharemos a guerra como “via bloccata”, premissa principal do pacifismo bobbiano, onde conheceremos a guerra atômica e o “jus belli”; depois conheceremos também a guerra atômica como sendo 320 “legibus soluta” e, por fim, conheceremos as principais condições para a paz. Num sexto e último momento desta quarta etapa, trabalharemos o conceito de “Terzo assente” – Terceiro ausente, onde conheceremos a necessidade de um Terceiro “super partes”; e também as Nações Unidas como “Terceiro para a paz”. 4.1. O Homem é “Capaz” de Destruir o Mundo! É possível o fim do Mundo por obra do Homem. Bobbio observou de não saber se percebemos “o quê” significaria um Mundo no qual uma das três dimensões do “Tempo”, o futuro, não existiria mais. No momento em que o Mundo “é” sem “futuro”, também o presente e o passado perdem todo significado841. Não podemos mais haver a grande ilusão da guerra mal que produz, a longo prazo, benefícios imprevisíveis, como fora afirmado por séculos, com escopo de encontrar a justificação de um fato que, à pessoas comuns, sempre pareceu horrível. Não! A guerra não pode mais gozar das benévolas e “interesseiras” justificativas de outros tempos. Ela é uma “via” sem saída: via bloccata; é remédio do qual não podemos nos valer para resolver os conflitos entre os Estados. Concluiu peremptoriamente Bobbio: É um remédio sempre pior do que o mal842. Cfr. IDEM, “Etica della potenza ed etica del dialogo” (1982), in TerAs, p. 158. 841 321 4.1.1. A Paz é Necessária e Impossível. A paz, segundo Bobbio, é simultaneamente necessária e impossível. Aquilo que é “necessário” deve ser possível; aquilo que é “possível” não pode ser “impossível”. Em outras palavras, a necessidade implica a possibilidade; a possibilidade exclui a impossibilidade. Um evento qualquer não pode ser simultaneamente necessário e impossível. Enquanto pode ser nem necessário, nem possível, admite-se um tertium quid: a contingência843. Procuremos esclarecer esse raciocínio bobbiano. Bobbio disse que a paz é “necessária” porque o aumento da potência de destruição das armas é tal que a guerra, caso fosse combatida com essas armas modernas, portaria conseqüências mortais não só para quem as utilizasse, mas também para toda a Humanidade; como comprovam os dados sobre o argumento844. Em 1987, Bobbio disse também que a paz é “impossível” porque faltam todas as condições que poderiam rendê-la possível845. Ele observou que a resposta que o Homem de razão pode dar ao problema da guerra é, sempre, uma resposta hipotética. Cfr. IDEM, “Disarmati di tutto il mondo, uniamoci” (1985), in L’unità, LXII, n. 244, (29 de Outubro de 1985), pp. 1-16, republicado com o título “Disarmati di tutto il mondo”, in TerAs, p. 180. 843 Cfr. IDEM, “La pace ha un futuro?” (1987), in TerAs, p. 190. Evidente dependência do Debes, ergo potes kantiano. Cfr. I. KANT, Grundlegung zur metaphysik der sitten (1785), in Gmsitten, p. 77; IDEM, Kritik der praktischen Vernunft (1788), in KpVernunft, p. 87. 844 Cfr. N. BOBBIO, “La pace ha un futuro?” (1987), in TerAs, p. 190-191. 845 Cfr. Ibidem, p. 191. 842 322 A catástrofe será evitada a uma só condição: que nenhum Homem, nenhum grupo humano, nenhum Estado, grande ou pequeno, considere o outro Homem, o outro grupo humano, o outro Estado, grande ou pequeno, como o próprio inimigo846. Sem a atuação dessa condição, segundo Bobbio, a paz é “impossível”, apesar de ser “necessária”. 4.1.2 Um Crime Contra a Humanidade. Segundo Bobbio, o indivíduo humano “pensante” que queira ser fiel à própria tarefa há um só dever: proclamar que a construção de armas sempre mais potentes é por si mesma um crime contra a Humanidade, não importa qual seja o governo que decida construí-las e não importam as suas motivações847. A Humanidade chegou a uma situação-limite, denunciou Bobbio, além da qual existe somente a “catástrofe”. Nós somos aqueles para os quais essa verdade parece ser de uma evidência absoluta e, por isto mesmo, não nos cansaremos de repeti-la. Se existem indiferentes e resignados temos o dever de falar também a nome deles. Devemos reagir contra aqueles que, mesmo sendo convencidos da não-tolerabilidade da situação, buscam de apresentá-la menos catastrófica por razões político-partidárias: minimizadores. Enquanto existirão aqueles que dizem: Não é nada; segundo Bobbio, deveremos responder: Para nós é tudo! 846 847 Cfr. IDEM, “Non aprì una nuova era” (1985), in TerAs, p. 220. Cfr. IDEM, “I chierici e il terrore” (1981), in TerAs, p. 202. 323 E é tudo porque não podemos viver sem dar um sentido à História do Homem; e não seremos mais capazes de dar um sentido a essa História se nos convencêssemos que a Potência tem razão e a Razão é impotente848. Além dos indiferentes, resignados e minimizadores existem, ainda, aqueles que não “podem” falar contra as guerras e a violência. Segundo Bobbio, devemos ser conscientes do privilégio de viver num país livre e, portanto, maior é a nossa responsabilidade porque devemos falar não só em nome daqueles que não sabem ou não querem falar, mas também daqueles que talvez saibam, certamente querem, mas não podem falar849 contra a violência e as guerras. Uma Humanidade corrompida ao ponto de não “parar” diante da possibilidade daquela que Bobbio chamou a grande hecatombe, mesmo se não morresse seria digna de viver?850 Neste ponto, o pensamento de Bobbio está em evidente sintonia com o importante princípio responsabilidade proposto por Hans Jonas, como ética para a civilização tecnológica. A tese de Jonas é que as novas formas e as novas dimensões do “agir” exigem uma ética da previsão e da responsabilidade em algum modo proporcional, tão nova quanto as eventualidades com as quais ela está em relação851. Cfr. IDEM, “Alla marcia della pace” (1981), in TerAs, pp. 145-146. Cfr. Ibidem, p. 146. 850 Cfr. IDEM, “I chierici e il terrore” (1981), in TerAs, p. 203. 851 Cfr. H. JONAS, Das Prinzip Verantwortung (1979), trad. it. Il principio responsabilità, Un’etica per la civilità tecnologica, a cura de P. P. PORTINARO (Biblioteca Einaudi, 147), Einaudi, Torino 20023, p. 24. 848 849 324 Um imperativo adequado ao novo tipo de agir humano e orientado ao novo tipo de Sujeito agente é formulado por H. Jonas assim: Age em modo que as conseqüências da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a Terra. Ou então, na forma negativa: Age em modo que as conseqüências da tua ação não destruam a possibilidade futura de tal vida. Ou ainda, simplesmente: Não pôr em perigo as condições da sobrevivência indefinida da Humanidade sobre a Terra. Ou, traduzido novamente em forma positiva: Inclui na tua escolha atual a integridade futura do Homem como objeto da tua vontade852. 4.1.3. A Vontade de Potência e a Grande Hecatombe. Segundo Bobbio, para evitar a grande hecatombe a única “via” é sair fora da lógica da vontade de potência. Segundo esta “lógica” o único final possível de um conflito é a vitória sobre o inimigo. A Humanidade há um só inimigo, observou ele, a própria irracionalidade que a impede de enfrentar os grandes problemas que a afligem. Primeiro de todos esses problemas é a prevenção da guerra nuclear853. Cfr. Ibidem, p. 16. Cfr. Ainda IDEM , Dem bösen Ende näher (1993), trad. it. Sull’Orlo dell’abisso, Conversazioni sul rapporto tra uomo e natura, Einaudi, Torino 2000. 853 Cfr. N. BOBBBIO, “I giganti ciechi” (1983), in TerAs, p. 214. 852 325 À sombra do princípio si vis pacem para bellum – se queres a paz prepara a guerra – os Estados sempre prepararam bem a guerra e fizeram-na regularmente. Segundo Bobbio, a paz perpétua da qual falaram os filósofos do passado sempre foi ridicularizada como o sonho do visionário. Mas ou o sonho do visionário torna-se realidade ou então a única “paz perpétua” que espera a Humanidade será aquela do Cemitério854. Ainda segundo Bobbio, não existe conflito que não possa ser resolvido com as “armas” da Razão, em modo particular num Mundo como o nosso no qual, por causa da interdependência de todas as questões internacionais, violência chama violência numa corrente sem fim, obedecendo a uma “exorbitante” lei de Talião855. A preferência desta ou daquela “arma” da Razão em busca da solução do problema da guerra e a instauração de uma paz perpétua deu origem aos vários tipos de pacifismos. Bobbio apresentou-nos as principais propostas para a instauração da paz, bem como as vantagens e desvantagens de cada uma delas. 4.2. O Pacifismo Reformista. No âmbito do pacifismo reformista, Bobbio distinguiu três correntes em base ao fator determinante da guerra e, conseqüentemente, em base aos diferentes remédios propostos: um pacifismo reformista econômico, um Cfr. IDEM, “Disarmati di tutto il mondo, uniamoci” (1985), in L’unità, LXII, n. 244, (29 de Outubro de 1985), pp. 1-16, republicado com o título “Disarmati di tutto il mondo”, in TerAs, p. 180. 855 Cfr. Ibidem, p. 182. 854 326 pacifismo reformista político e um pacifismo reformista social856. 4.2.1. O Pacifismo Reformista Econômico. Por pacifismo reformista econômico Bobbio entendeu aquele promovido pelos economistas, defensores do livreescambo. O mais fervoroso apóstolo dessa forma de pacifismo que se poderia também chamar pacifismo liberal, foi Richard Cobden; teórico e divulgador da doutrina liberal escambista, apaixonado animador das primeiras Sociedades pacifistas surgidas entre os anos 1840 e 1860. Richard Cobden partia da convicção que a causa principal das guerras fosse de natureza econômica, isto é, o “protecionismo”; cada Estado fecha-se economicamente aos outros gerando um progressivo processo de empobrecimento. Sendo obrigado a sair desse “processo” que o ameaçava, o Estado substituiu a expansão econômica não acontecida por causa do “protecionismo” inicial, pela expansão militar; substituiu os pacíficos tráficos comerciais pelas conquistas violentas. Segundo Bobbio, R. Cobden era profundamente convencido de que o princípio do livre escambo fosse uma força que agiria no Mundo como a gravidade age no espaço. Ele também acreditava que o motivo de os grandes e potentes Impérios desejarem exércitos gigantescos e grandes frotas, como meios para empossar-se da vida e dos frutos do trabalho desaparecerá; essas coisas cessarão de serem necessárias quando os homens formarão uma família Cfr. IDEM, “Filosofia della guerra nell’era atomica” (1965), in TerAs, p. 36. 856 327 e trocarão livremente o fruto do seu trabalho com os seus irmãos857. 4.2.2. O Pacifismo Reformista Político. Bobbio chama pacifismo reformista político aquela teoria pacifista que vê no Absolutismo, ou seja, numa forma de Regimento Político o fator determinante das guerras. Esse pacifismo é firmemente convencido que o advento de regimes democráticos, fundados sobre a participação de todos os cidadãos às grandes decisões de Estado, resolveria o problema da guerra. Segundo Bobbio, o italiano Giuseppe Mazzini representou muito bem esse tipo de Pacifismo que também poderia ser chamado de pacifismo democrático, quando exprimiu a própria confiança no desaparecimento da guerra quando à Santa Aliança dos Príncipes sucedesse a Santa Aliança dos Povos. No Congresso de Genebra, 1867, promovido pela Liga permanente da paz, que se inspirava aos princípios do pacifismo democrático, Giuseppe Mazzini afirmou que o reino da paz ao qual a Humanidade aspira como ao último termo da Civilização não é conciliável com as grandes Monarquias Militares que despem os Povos das suas liberdades mais vitais; mantêm armadas formidáveis e tende a suprimirem os pequenos Estados a vantagem de regimes despóticos. Segundo Mazzini, condição essencial de uma paz perpétua entre as Nações é a liberdade para cada Povo; nas relações internacionais, a instituição de uma Confederação de livres democracias858. 857 Cfr. Ibidem, pp. 36-37. 328 4.2.3. O Pacifismo Reformista Social. Segundo Bobbio, o pacifismo reformista social é aquele que crê não bastar uma reforma política para resolver o problema da guerra: o “mal” é muito mais profundo. Precisa uma reforma radical da Sociedade dividida em classes antagônicas, onde a classe “superior” serve-se do aparato coercitivo do Estado para oprimir a classe “inferior” ao interno; e para manter o próprio “poder” ao externo. Essas “idéias” foram levantadas, observou Bobbio, pelos movimentos socialistas em polêmica com a doutrina liberal e com a doutrina democrática. As guerras seriam a conseqüência da concorrência que as grandes potências fazem no mercado mundial: só a destruição da Sociedade capitalista, a criação de uma nova Sociedade fundada sobre a eliminação da acumulação capitalista e do domínio de classe instauraria a paz no Mundo. Esse pacifismo socialista foi mais radical do que os outros dois precedentes – pacifismo reformista econômico e pacifismo reformista político – que visavam a suprimir a guerra como última e violenta manifestação do espírito de antagonismo859. Cfr. Ibidem, p. 37; D. DIOTALLEVI, Appunti storici sul movimento pacifista nel secolo XIX, La Compositrice, Milano 1911, pp. 124-125. 859 Cfr. Ibidem, pp. 37-38. 858 329 4.3. O Pacifismo Medicinal. Segundo Bobbio, o Homem da era atômica perguntase: É possível eliminar definitivamente a guerra? Se for possível, quais são os seus “remédios”? Na imensa quantidade de projetos, de tentativas e propostas para a solução do problema da guerra através de um “remédio”, Bobbio individuou três filões principais; segundo que o remédio à guerra consista em uma ação sobre os meios, sobre as instituições ou sobre os homens860. 4.3.1. O Pacifismo Medicinal dos Meios. O pacifismo medicinal dos meios, ou seja, a intervenção sobre os meios ou instrumentos de guerra parece a “via” mais óbvia. Esse “remédio” pode ser expresso com a seguinte fórmula: porque para fazer a guerra ocorre a existência das armas, em modo particular, para fazer a guerra atômica ocorre a existência das armas atômicas, o modo mais seguro para eliminar a guerra é destruir as armas, principalmente aquelas atômicas. Da aceitação de tal “remédio”, nasce a ideologia e a política do desarmamento perseguidas pelas mesmas Potências das quais depende a manutenção da paz ou o desencadeamento da guerra. É uma solução que pretende ser “prática”, isto é, não se perder em considerações de caráter geral sobre a natureza do Homem e da Sociedade861. Segundo Bobbio, a destruição do “meio” – armas – como impedimento a conseguir o “fim” – guerra – parece 860 861 Cfr. Ibidem, p. 48. Cfr. Ibidem. 330 ser um remédio “irrefutável” somente a quem “ignora” que para não querer um meio precisa, principalmente, não querer também o “fim” que se conseguiria com tal meio. Em outras palavras, para desarmar-se um Estado “precisa” não querer a guerra. No caso do desarmamento a dificuldade mais grave, observou Bobbio, é o fato que a decisão sobre os “meios” e sobre o “fim” compete aos mesmos Estados – pars in causa. A decisão sobre a eliminação dos instrumentos da guerra compete àquela mesma Instituição que, por tradição – talvez por natureza – considera a guerra como “uma” das manifestações da sua potência soberana. Ainda observou Bobbio que seria como confiar a um Congresso de “bêbados” a decisão de emanar uma lei contra o uso das bebidas alcoólicas. Segundo ele, devemos encontrar a via da paz além da crítica dos “meios”: na crítica das Instituições responsáveis pela origem da guerra862. 4.3.2. O Pacifismo Medicinal Institucional. O pacifismo medicinal institucional, ou seja, através da interferência sobre as Instituições que fazem guerra e podem também promover a paz, assume principalmente dois aspectos: primeiro, interferir sobre o Ordenamento político da Sociedade, o Estado como instituição; segundo, interferir sobre o Ordenamento social e econômico que sustenta o Estado. A partir desses dois “aspectos” do pacifismo medicinal institucional são elaboradas duas “teorias” pacifistas: a primeira quer que o Estado renuncie à sua soberania; a segunda quer eliminar o Estado, eliminando as condições que rendem necessária a sua existência. 862 Cfr. Ibidem, p. 49. 331 1º O Estado Deve Renunciar à Soberania. Segundo essa primeira “teoria” ou “forma” do pacifismo medicinal institucional, a guerra é pura e simplesmente um dos modos com que o Estado “soberano” faz valer os próprios direitos ou protege os próprios interesses: a decisão sobre a guerra e sobre a paz é um dos atributos da soberania que compreende o poder do Estado de fazer justiça por si mesmo. Segundo essa teoria, assim como a guerra não é mais possível entre os Indivíduos-cidadãos ao interno do Estado, onde aconteceu o processo de monopolização do uso da força, assim também não seria mais possível quando os Estados existentes submetessem-se, voluntária ou coativamente, ao Poder de um Estado Universal. Segundo Bobbio, essa é a forma mais coerente, e também mais difundida de pacifismo medicinal institucional. Diversamente do que pensa o pacifismo através o desarmamento, para o pacifismo medicinal institucional a eliminação do “meio” – armas – seria uma conseqüência “inevitável” da transformação da Instituição que se serve desses meios para a guerra. Bobbio observou que se trata de uma via mais “difícil” e certamente mais longa, mas pareceu-lhe também a mais “segura” para a instalação da paz perpétua e universal. O Estado Universal não produziria armas termonucleares pelo simples motivo que não necessitaria delas. Aquilo que, hoje, aos Estados Potências é exigido como “impossível” ato de suprema virtude – desarmar-se – 332 para o Estado Universal seria um ato necessário de mera “conveniência”863. Bobbio observou que se objeta ao pacifismo medicinal dos meios ou “democrático” de pretender dos Estados a “renúncia” aos meios com os quais exprimem a sua própria soberania. Mas, ao pacifismo medicinal institucional, objeta-se que seria muito mais grave pretender que os Estados renunciem à soberania mesma864. 2º Eliminar a Necessidade da Existência do Estado. A segunda forma de pacifismo medicinal institucional, mais radical do que a anterior, afirma que aquilo que se deve modificar não é o Estado, renunciando à própria soberania, mas sim as formas sociais que rendem “necessária” a existência do Estado, enquanto aparato de coerção ao interno e ao externo; como instrumento de domínio de poucos sobre muitos. Essa “teoria” pode ser chamada também de pacifismo medicinal institucional social de inspiração marxista. Segundo essa teoria, o Estado é uma instituição histórica que reflete a divisão da Sociedade em classes e serve como instrumento de sujeição de uma classe pela outra. Segundo essa forma de pacifismo medicinal institucional, o Estado Universal seria um instrumento de domínio dos Países economicamente desenvolvidos sobre os Países economicamente subdesenvolvidos865. Cfr. Ibidem. Cfr. Ibidem, pp. 49-50. 865 Cfr. Ibidem, p. 50. 863 864 333 Assim, segundo essa teoria, a guerra seria eliminada ao preço de uma servidão perpétua e irrevocável. Se devêssemos intervir sobre as Instituições, precisaríamos ir mais a fundo além da “casca” do Ordenamento político de uma Sociedade, rumo a uma reforma das “relações” sociais elementares que estão à base das atuais relações de potência. Não se trataria de caminharmos rumo ao “Superestado”, mas a longo prazo de destruir o Estado mesmo. Não se trataria de sublimar o “Processo” através do qual se formaram Estados sempre maiores até a constituição do Estado Universal, mas de contrastar tal processo até a sua conclusão e inversão866. Essa segunda forma de pacifismo medicinal institucional marca a passagem para a mais radical forma de luta contra a guerra, aquela que pretende de interferir diretamente sobre o Homem: através da nova Sociedade surgiria o Homem novo867. 4.3.3. O Pacifismo Medicinal Jurídico. Segundo Bobbio, o pacifismo medicinal jurídico é aquele que considera que a guerra é efeito de um Estado sem “direito”, isto é, de um Estado no qual não existem normas eficazes para a regulamentação dos conflitos. Assim como as várias correntes pacifistas voltam a sua atenção, sobretudo, ao Estado das relações internacionais acerca das quais a guerra é um dado permanente, o pacifismo medicinal jurídico é aquele que concebe o processo de formação de uma Sociedade Internacional onde os conflitos entre Estados possam ser resolvidos sem recorrer, em última instância, à guerra; em 866 867 Cfr. Ibidem. Cfr. Ibidem. 334 analogia com o processo de formação do Estado, segundo a hipótese contratualista. Trata-se do processo consistente na passagem do status naturae ao status civile, através de um “acordo” comum dos Indivíduos humanos interessados a sair do status de guerra permanente. A maior ou menor estabilidade da Sociedade civil que nasce da eliminação do status naturae depende da “natureza” do pacto de união; isto é, se esse pacto seja somente um pacto de associação – pactum societatis – ou também um pacto de submissão – pactum subjectionis868. Segundo a idéia do Direito que Bobbio sustentou, para instaurar um status de paz permanente não basta o primeiro tipo de pacto – pactum societatis – ocorre também o segundo – pactum subjectionis. Uma união fundada, exclusivamente, sobre um pacto de associação estaria à mercê da “vontade” dos Indivíduosmembros: nessa união a regra pacta sunt servanda há o status de princípio “unicamente” moral. Portanto, pode haver eficácia somente numa Sociedade de seres “plenamente” morais, isto é, de seres cuja conduta não se inspire à “máxima” da moral política: o fim justifica os meios!869 Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987), “L’età dei diritti”, in TerAs, p. 133. 869 Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987), republicado com o título “L’età dei diritti”, in EdD, pp. 45-65, republicado in TerAs, p. 133. 868 335 4.3.4. O Pacifismo Medicinal Moral. Segundo Bobbio, o pacifismo medicinal moral parte dos seguintes interrogativos: a transformação das Instituições é o único modo para transformar o Homem? Não existe a possibilidade de intervir, diretamente, sobre a natura Hominis sem passar pelas Instituições? Não é o Homem o artífice das suas próprias Instituições?870 A estas perguntas o pacifismo medicinal moral deu diferentes respostas. Essas “respostas” dependeram do diverso modo com que se considerou a relação entre a natura Hominis e a guerra, como efeito da natureza malvada do Homem; como efeito da corrupção da carne; como efeito do pecado; como efeito das paixões que lhe impedem o correto uso da razão; e como efeito de instintos ou impulsos primitivos871. Desses diferentes modos de conceber a relação entre a existência humana e o fenômeno da guerra, nasceram duas “metodologias” diferentes para a solução do problema da paz, perenemente em mútuo-contraste: primeira, uma metodologia pedagógica que insiste sobre a correção do Homem através da educação, em geral através da reforma moral; segunda, uma metodologia terapêutica que pretende de agir sobre a condição humana diante da guerra, curandoa como uma psicose de grupo. Segundo Bobbio, à metodologia pedagógica recorreram igrejas, grupos de ação não-violenta e os defensores da objeção de consciência como resistência à guerra. Cfr. IDEM, “Filosofia della guerra nell’era atomica” (1965), in TerAs, p. 50. 871 Cfr. Ibidem, pp. 50-51. 870 336 À metodologia terapêutica recorreram, sobretudo, os psicanalistas que iniciaram a estudar a psicologia da guerra e a buscar a sua superação, retornando à fonte mesma da nossa vida psíquica872. 4.4. Crítica Medicinal. Bobbiana ao Pacifismo Segundo Bobbio, não é difícil perceber que as três formas do pacifismo medicinal – a eliminação dos meios, a transformação das instituições e a reforma moral dos homens – dispõem-se em ordem progressiva de complexidade, portanto, de menor “atuabilidade”. Bobbio observou que um juízo de “preferência” que nos conduzisse a excluir uma ou outra forma seria uma “loucura”. Quase todas as “vias” não são incompatíveis, portanto não impõem uma escolha: são convergentes, mesmo se com diferentes inclinações; com percursos mais ou menos longos873. 4.4.1. Atuabilidade e Eficácia dos Remédios. Segundo Bobbio, para fazer uma escolha racional entre as diferentes vias da paz precisamos considerar dois requisitos fundamentais: sua atuação e sua eficácia. Por atuabilidade Bobbio entendeu a possibilidade razoável que o remédio proposto, considerando a experiência do passado e da direção hodierna do progresso histórico, seja adotado. 872 873 Cfr. Ibidem, p. 51. Cfr. Ibidem. 337 Por eficácia ele entendeu a probabilidade razoável que o remédio, uma vez adotado, produza os efeitos esperados. As vias empreendidas pelos diferentes movimentos e teorias pela paz comportam-se, em relação a estes dois requisitos, em modos diversos874. Segundo Bobbio, a “via” do pacifismo medicinal dos meios – o desarmamento – é provavelmente a mais “atuável”, mas é também a menos “eficaz”. Admitamos que os Estados cheguem, mais cedo ou mais tarde, a um acordo sobre o controle dos armamentos atômicos; em relação ao “fim” do pacifismo que é o afastamento definitivo do espectro da catástrofe atômica, qual será o efeito? Bobbio observou que se podem destruir “momentaneamente” as armas mais mortais, mas o Homem não pode re-adquirir a “ignorância” – a inocência perdida – na qual se encontrava antes da construção desses “instrumentos” de morte. Mesmo se o Homem nunca mais construísse armas atômicas, “sabe” como construí-las; e poderia recomeçar a construí-las875. Diametralmente oposta é a posição do pacifismo medicinal moral. Segundo Bobbio, provavelmente é o mais eficaz, mas é, simultaneamente, o “menos” atuável. A sua eficácia é em função do seu radicalismo. Se conseguíssemos “tocar” o ânimo dos homens, torná-los mansos, o êxito seria garantido. Se todos os homens observassem o preceito evangélico de amar o próximo e de oferecer a outra face; se os homens fossem libertados do instinto de agressividade, por exemplo, como 874 875 Cfr. Ibidem. Cfr. Ibidem, pp. 51-52. 338 foram libertados da varíola ou da lepra, a “era” da guerra teria terminado876. 4.4.2. O Pacifismo Intermediária. Institucional: Posição Numa posição intermediária entre o pacifismo medicinal dos meios – eliminar as armas – e o pacifismo medicinal moral – transformar o Homem, Bobbio colocou o pacifismo medicinal institucional e o jurídico: a via institucional que visa formar o “Estado Mundial”. Segundo Bobbio, essa é a via mais “atuável” do que a via “diplomática” do pacifismo medicinal dos meios. O “Estado Mundial”, porém, não poderá eliminar o recurso à força para dirimir algumas controvérsias entre os seus “estados-membros”. Neste sentido, deve-se reconhecer que o pacifismo medicinal moral é bem mais “eficaz” do que o institucional. É também verdade que a pacificação no âmbito de um “Estado Mundial” é menos aleatória e provisória do que aquela perseguida através de um Tratado Internacional para o desarmamento atômico; neste sentido deve-se reconhecer a menor “eficácia” do pacifismo medicinal dos meios ou diplomático877. Segundo Bobbio, a antítese ao pacifismo medicinal jurídico é constituída pelo pacifismo medicinal institucional inspirado ao Marxismo, que buscou a solução do problema da guerra na transformação das relações sociais de produção e na extinção do Estado: “antítese” porque é simultaneamente menos atuável e menos eficaz. 876 877 Cfr. Ibidem, p. 52. Cfr. Ibidem. 339 É sempre mais evidente que tal transformação da Sociedade passa através de um “fortalecimento” do Poder estatal; portanto, adiada a uma “época” futura. Eliminando as fontes dos velhos conflitos, surgirão novos conflitos; colocando em perigo a segurança e a existência das novas Sociedades, tão gravemente quanto “acontece” nas Sociedades tradicionais878. Segundo Bobbio, nenhum dos remédios acima propostos possui, ao máximo grau, os dois requisitos da atuabilidade e da eficácia. Isto significa que “ninguém” é capaz de fazer previsões credíveis sobre o destino da Humanidade. Somos, não obstante o enorme progresso técnicocientífico, como viajantes de um “navio”, do qual conhecemos o “porto” de origem, mas não sabemos nada sobre o porto último ao qual se dirige. Nem mesmo sabemos “por quem” esse “navio” da História é guiado. Quando conheceremos com a máxima precisão a sua “rota”, perguntou Bobbio, seremos ainda capazes de parálo em tempo?879 4.4.3. Não Podemos Ser Otimistas. Segundo Bobbio, otimistas são aqueles que “renunciaram” de perceber com sinceridade, sem falsos ídolos o “modo” no qual vivem. Os pessimistas já puseram na “conta” da vida e da História a prova extrema. Porque é difícil resignar-se a aceitar tal prova procuramos salvar-nos, trabalhando pela salvação sem ilusão. É melhor a atitude de inteligente “desesperação” pessimista do que a atitude oposta de “obtusa” esperança. 878 879 Cfr. Ibidem, pp. 52-53. Cfr. Ibidem, p. 53. 340 Os pessimistas, segundo Bobbio, poderiam ter razão: mas “não devem” ter razão. A “salvação” da Humanidade é um esforço consciente e, como sempre aconteceu na História, quando estão em jogo valores últimos, é um ideal moral880. Segundo Bobbio, todos os projetos de paz perpétua são igualmente “utópicos”. Aquilo que podemos esperar do pacifismo medicinal jurídico é o fim da guerra entendida como uso desregrado da força881, não o fim do uso da força. O Direito, segundo Bobbio, não pode prescindir do uso da força; em última instância, funda-se sempre sobre o “direito” do mais forte, o qual somente às vezes coincide, mas não necessariamente, com o “direito” do mais justo882. 4.5. A Guerra como Via Bloccata. 4.5.1. A Guerra Atômica e o Jus Belli. Segundo Bobbio, porque a guerra moderna não pode mais ser limitada ou controlada, precisa ser eliminada883. Até mesmo o jus belli foi “excardinado” da guerra moderna. Com a guerra combatida com armas termonucleares vem, definitivamente, suprimido o jus belli. Se a declaração de guerra seja ou não obrigatória para o Estado que empreende uma guerra, é motivo de controvérsia. Cfr. Ibidem. Cfr. S. COTTA, Perché la violenza?, Japadre, L’Aquila 1978, pp. 71 ss. 882 Cfr. N. BOBBIO, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987), republicado com o título “L’età dei diritti”, in EdD, pp. 45-65, republicado in TerAs, p. 135. 883 Cfr. IDEM, “Il problema della guerra e le vie delle pace” (1966), in ProbGP, p. 79. 880 881 341 A estratégia da guerra atômica, porém, rende a controvérsia em si mesma absolutamente acadêmica. Se uma guerra atômica estourar, será somente com o “pressuposto” que seja possível um ataque de surpresa, sem prévia “declaração”. Também a “conduta” dos Estados em guerra – jus in bello – é geralmente submetida aos seguintes quatro “limites”: em relação às pessoas, distinção entre beligerantes e não beligerantes; em relação às coisas, individuação dos objetivos militares; em relação aos meios, proibição de usar armas, particularmente, insidiosas e mortais; em relação aos lugares, delimitação das zonas de guerra884. Não precisa muita imaginação, observou Bobbio, para perceber que a guerra atômica não respeitaria nenhum desses “limites”: diante do raio de ação de uma bomba termonuclear, cai toda possível distinção entre população beligerante e população civil, entre objetivos militares e objetivos não militares; todo meio torna-se lícito, o Universo inteiro torna-se zona de guerra885. 4.5.2. A Guerra Atômica é Legibus Soluta. Bobbio denunciou que a guerra atômica é legibus soluta no mais preciso sentido da expressão. À crise da “legitimidade” da guerra acrescenta-se a crise da sua “legalidade”. A guerra moderna põe-se fora de todo possível critério de legitimação e de legalização, além de todo princípio de legitimidade e de legalidade. Numa palavra, ela é incontrolada e incontrolável pelo Direito, como um terremoto ou uma tempestade. 884 885 Cfr. Ibidem, p. 65. Cfr. Ibidem. 342 Segundo Bobbio, a guerra moderna é “absoluta” no mesmo sentido em que se fala de um Soberano Absoluto em contraposição a um Soberano Constitucional. Depois de ter sido considerada como um meio para atuar o Direito – teoria da guerra justa – ou como objeto de regulamentação jurídica, na evolução do jus belli; a guerra moderna volta a ser, como na narrativa hobbesiana do status naturae, a antítese do Direito886. Segundo Bobbio, a única “guerra” digna de ser combatida é a guerra que os homens livres combatem contra os déspotas internos e os opressores externos887. Em outras palavras, a “Paz” é demasiadamente importante para ser deixada nas mãos dos governantes; demasiadamente importante também para ser confiada à organização dos Partidos políticos. Na era atômica, segundo Bobbio, a Paz é o bem absoluto, condição necessária para a atuação de todos os outros valores888. 4.5.3. Principais Condições Para a Paz. Segundo Bobbio, a paz é possível somente entre dois Sujeitos que “não” se considerem, respectivamente, inimigos. O inimigo é aquele para com o qual vale o princípio mors tua, vita mea; para com o qual não é possível outra solução de um conflito senão a vitória, como vimos acima. Cfr. Ibidem, pp. 65-66. Cfr. IDEM, “Egidio Meneghetti” (1985), in LaMI, p. 238. 888 Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura di Alberto PAPUZZI, Laterza, Roma-Bari 1999, pp. 218-219. 886 887 343 Enquanto durar a relação de inimigo & inimigo, a Paz é somente uma trégua entre duas guerras889. As “condições” positivas para a Paz, segundo Bobbio, são substancialmente três. Primeira, um pacto de não agressão que consiste no recíproco compromisso da parte dos contraentes a excluir o uso da violência nas suas recíprocas relações. Semelhante “compromisso” representa a perfeita antítese das relações entre os Indivíduos humanos no status naturae, no qual não existia nenhuma regra que excluísse o uso da violência para a solução dos conflitos890. A segunda condição é um “pacto” a nível mais elevado; consistente não mais em um não fazer – de hoje em diante não nos agrediremos mais – mas em um “fazer”. Trata-se de um pacto, através do qual, os Contraentes concordam o estabelecimento de regras gerais para a solução pacífica dos conflitos futuros. Segundo Bobbio, uma Constituição Democrática é, exatamente, um conjunto de regras em base às quais os conflitos sociais vêm resolvidos com meios pacíficos. Pode ser um acordo entre as partes, que permite de chegar a um compromisso – nesse caso a decisão é tomada pela unanimidade; ou então, quando a unanimidade não é possível porque os contraentes são muitos, em base ao princípio de maioria. Trata-se da definição bobbiana mínima de Democracia, como aquele conjunto de regras que permitem de resolver os conflitos de interesses e também de princípios entre mais sujeitos, sem que seja necessário recorrer ao uso da força recíproca891. Cfr. IDEM, “La pace ha un futuro?” (1987), in TerAs, p. 191. Cfr. Ibidem, pp. 191-192. 891 Cfr. Ibidem, p. 192. 889 890 344 A terceira condição para a paz nasce da consideração que os dois pactos – não-agressão e transformar o estado polêmico violento em estado não-violento – podem ser “violados”. Portanto, a proibição de fazer recurso à força recíproca deve valer sempre; deve valer também no caso em que um dos dois pactos precedentes – ou todos os dois – seja violado. Isso significa que a proibição de recorrer à força deve valer não só para a solução dos conflitos primários, mas também para a solução do conflito secundário que pode nascer da não observância das regras postas para a solução dos conflitos primários. Segundo Bobbio, esta terceira condição para a paz requer a constituição de um Poder Comum que, segundo Th. Hobbes e os contratualistas, permite a passagem do estado de natureza ao Estado civil. Um “poder” comum super partes requer a presença de um Terceiro; pressupõe, portanto, a passagem de uma situação de Terceiro excluído a uma situação de Terceiro incluído892. 4.6. O Terzo Assente: Terceiro Ausente. A primeira imagem do “Terceiro” incluído em uma relação de conflito é aquela do mediador que se limita a pôr em contato duas Partes em conflito entre elas, sem interferir na sua solução: “Terceiro” inter partes. A segunda imagem do “Terceiro” é aquela do “Árbitro” que não só põem em contato as partes, mas dá razão a uma ou à outra. Estas declararam estarem dispostas a submeterem-se à decisão que o “Árbitro” tomará. 892 Cfr. Ibidem. 345 A terceira imagem do “Terceiro” é aquela do “Juiz” autorizado a intervir para a solução do conflito e, portanto, a pleno título um “Terceiro” super partes. A quarta imagem do “Terceiro” é aquela do “Soberano”, no sentido clássico da palavra, que não só há o poder de julgar, mas há também o poder de “obrigar” com a força a execução da decisão: o jus gladii. O evento decisivo para que os Estados, assim como o fora para os Indivíduos humanos, saiam do status naturae é o pacto inicial de não agressão, segundo o qual renunciam ao uso da força recíproca. Mas o escopo último do pactum vem atingido somente quando a proibição de recorrer à força recíproca é garantida pela constituição de um Poder Superior às partes893. 4.6.1. Necessidade do Terceiro Super Partes. Segundo Bobbio, o Sistema Internacional regeu-se, por séculos, sobre o equilíbrio das potências – equilíbrio do terror – que era um equilíbrio instável, destinado a modificar-se ou a romper-se segundo o mudar das Alianças entre os Estados. Conseqüentemente, a paz foi sempre uma condição provisória e a guerra sempre foi uma ruptura possível894. Segundo Bobbio, o terror retarda a guerra, mas a torna sempre mais destruidora, caso devesse “estourar”895. O “Terceiro” super partes, ao qual competiria a tarefa de regular os conflitos entre os Estados nacionais e de Cfr. Ibidem, pp. 192-193. Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura di Alberto PAPUZZI, Laterza, Roma-Bari 1999, pp. 235-236. 895 Cfr. Ibidem, pp. 237-238. 893 894 346 garantir a tutela dos direitos fundamentais do Homem, ainda é “ausente”896. Não é muito difícil exprimir um juízo, observou Bobbio, sobre a eficácia dos tratados diplomáticos entre duas Potências nacionais que não reconheça nenhum Superior acima delas; e que “se” considerem mutuamente como inimigas, antes, como “o” inimigo. Não é muito difícil, porque uma História de séculos está a demonstrar com a peremptória certeza de uma lex naturae que dois contraentes que não confiam um ao outro e não reconhecem a autoridade de um Árbitro acima deles, não são capazes de estabelecer nenhum acordo “duradouro”; e se conseguem estabelecê-lo, não o observam quando consideram de haver boas razões para isso. A cláusula rebus sic stantibus – assim permanecendo as coisas – significa exatamente isso: se as condições em base às quais o acordo foi estipulado mudam, ou se sobrevém novas condições imprevistas, o acordo não vale mais. Perguntou-se Bobbio: E quem decide se as “condições” mudaram? Naturalmente o mesmo contraente – pars in causa – a seu favor e pleno arbítrio897. Segundo Bobbio, todo conflito termina ou com a vitória de um dos dois rivais ou então com a interferência de um “Terceiro” super partes ou inter partes, ou contra partes. Em outras palavras, se um conflito há de ser resolvido com a força, um dos dois deve ser “eliminado”; se há de ser resolvido pacificamente, ocorre que emirja um “Terceiro” ao qual as partes “confiem” ou “curvem-se”. Se for verdadeiro o ditado: Duas pessoas não constituem uma 896 897 Cfr. Ibidem, p. 231. Cfr. IDEM, “Il terzo assente” (1983), in TerAs, pp. 216-217. 347 Sociedade; é também verdadeiro o seguinte: Duas pessoas sós não estabelecem um acordo duradouro898. No sistema internacional falta o único “Terceiro” que poderia fazer a Sociedade Internacional sair definitivamente do status polêmico: o Terceiro acima das partes899. O Sistema Internacional rege-se, ainda hoje, sobre o “equilíbrio” de Sujeitos que têm medo uns dos outros: status naturae. A única garantia de estabilidade, que é sempre uma estabilidade relativa, repousa sobre o princípio de reciprocidade: Tu não farás a mim aquilo que sabes, com certeza, que eu poderei fazer a ti! Segundo Bobbio, essa máxima é uma correção da regra áurea: Não fazer ao outro aquilo que não queres que o outro faça a ti! E pode ser re-formulada nestes termos: Não fazer ao outro aquilo que o outro pode fazer a ti! Essa regra áurea é um imperativo categórico, observou Bobbio, mas de eficácia prática “duvidosa”. Do princípio de “reciprocidade”, invés, deriva um imperativo hipotético ou regra de prudência que pode ser eficaz enquanto as forças das partes mantenham-se em equilíbrio900. Segundo Bobbio, os Estados estão, entre eles, ainda no status naturae: princeps principi lupus, parafraseando Hobbes. Não existe paz entre os Indivíduos humanos, nem entre os Estados nacionais, a não ser que os homens ou os Cfr. Ibidem, p. 217. Cfr. IDEM, “Il terzo in politica” (1986), in TerAs, p. 223. 900 Cfr. IDEM, “I saggi equilibristi” (1988), in TerAs, p. 229. 898 899 348 Estados criem uma Potência tão superior aos Indivíduos ou aos Estados ao ponto de impedir a eles de vencerem-se “reciprocamente”901. 4.6.2. As Nações Unidas: “Terceiro-Para-A-Paz”. Segundo Bobbio, a Organização das Nações Unidas, 1945, “deveria” ser o “Terceiro” super partes: Terceiro para a paz902. A História Humana procede “irreversivelmente” rumo a “formações” ou “constelações” de Estados, sempre mais vastas. Uma Assembléia Permanente de quase todos os Estados da Terra, mesmo se com poderes ainda não soberanos, já existe e nela é lícito ver uma “primeira”, mesmo se ainda “imperfeita”, representação de um Parlamento Mundial903. Com a instituição da Organização das Nações Unidas, 1945, foram realizadas as duas primeiras condições para a paz: o pacto de não-agressão e transformar o estado polêmico violento em estado não-violento, vistas acima. A Carta das Nações Unidas, 1945, foi o efeito da consciência que era necessário um “pacto” de não agressão que compreendesse potencial e duravelmente, “todos” os Estados da Terra. Essa Carta inspirou-se aos princípios do segundo pacto – transformar o estado polêmico violento em estado não-violento – que deveria ter permitido, também no futuro, Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura di Alberto PAPUZZI, Laterza, Roma-Bari 1999, p. 238. 902 Cfr. Ibidem, p. 235. 903 Cfr. IDEM, “Filosofia della guerra nell’era atomica” (1965), in TerAs, p. 52. 901 349 conseguir com meios pacíficos e em conformidade aos princípios da justiça e do direito internacional a composição e a solução das controvérsias que poderiam conduzir a uma violação da paz904. Por aquilo que se refere à terceira condição para a paz – proibição de fazer recurso à força recíproca – fora bem indicada no mesmo artigo da Carta das Nações com as palavras: tomar eficazes medidas coletivas para prevenir e remover as ameaças à paz e para reprimir os atos de agressão ou as outras violações da paz. A Carta das Nações Unidas deu um grande passo adiante, em relação a todos os “pactos” de Aliança precedentes com os artigos 42 e 43 que atribuem ao seu Conselho de Segurança o poder de empreender todas as ações necessárias para manter e restabelecer a paz; também através do compromisso dos membros de porem à disposição do mesmo Conselho, forças armadas suficientes a conseguir esse fim. Bobbio observou que não se trata ainda da instituição de um Poder Comum, mas já se exprime a nova consciência da via obbligata – estrada de mão única, obrigatória – que se deverá percorrer para realizar o projeto da paz medicinal institucional905. Em 1999, Bobbio denunciou que, diante de um conflito, os Estados conflitantes ainda não vão a discutir na sede da O.N.U., que deveria ser o Terceiro super partes de direito, mas sim na Casa Branca. Segundo Bobbio, estamos na situação em que o Supremo Poder Internacional, anomalamente, é exercido por uma das partes e a Organização das Nações Unidas aparecem, infelizmente, ainda completamente 904 905 Cfr. IDEM, “La pace ha un futuro?” (1987), in TerAs, p. 193. Cfr. Ibidem. 350 desautorizada; portanto, “privada” da razão mesma da sua existência.906 Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura di Alberto PAPUZZI, Laterza, Roma-Bari 1999, p. 240. 906 351 Conclusão Geral. Nossa pesquisa partiu da resposta que Norberto Bobbio deu a Giulio Nascimbeni durante uma entrevista, às vésperas do referendum sobre o aborto procurado na Itália, publicada no Corriere della Sera, 8 de Maio de 1981: Eu queria perguntar qual surpresa pode existir no fato que um leigo considere como válido em sentido absoluto, como um imperativo categórico, o “Não matar!”; e surpreende-me que os leigos deixem aos que crêem o privilégio e a honra de afirmar que não se deve matar907. Dessa “resposta” de Bobbio em forma de “pergunta”, determinamos nosso objetivo geral: O Princípio Ético “Não Matar!” como Imperativo Categórico. Da “irredutibilidade” das crenças últimas, Bobbio tirou a maior lição moral da sua vida que elaborou como imperativos: Respeitar as idéias dos outros; parar diante do segredo de cada consciência; compreender antes de discutir; discutir antes de condenar908. Destes seus “imperativos” morais compreendemos “o quê” Bobbio entendia indicar quando utilizava o “termo” imperativo: um dever moral imposto como ordem de “fazer Cfr. N. BOBBIO, “Laici e aborto”, in Corriere della Sera 106, 107 (1981), p. 3. 908 Cfr. IDEM, “Prefazione alla prima edizione” (1963), in ItCiv, pp. 11-12. 907 352 um bem” ou de “não fazer um mal”; portanto, comando ou proibição. No Estado de Natureza, as regras “naturais” eram regras de prudência em vista de uma convivência pacífica e não imperativos categóricos: cada Homem era obrigado a observá-las somente “se”, observando-as, fosse seguro de atingir o “fim” desejado: conservar a própria vida. Na maior parte dos casos, o fim previsto pela regra natural não vinha atingido se ela não fosse observada por todos ou ao menos pela maior parte dos membros de um grupo909. Bobbio observou que os códigos morais ou jurídicos de todos os tempos, no status civile, são compostos essencialmente de normas imperativas – positivas ou negativas – de comandos ou proibições. Porém, cada norma jurídica é imperativo-atributiva, isto é, impõe um dever a um sujeito ao mesmo tempo em que atribui um direito a outro sujeito. O jus-naturalismo clássico e medieval havia posto o acento sobre o aspecto imperativo da Lei Natural mais do que sobre o seu aspecto atributivo. A doutrina moderna dos direitos naturais, pôr sua vez, pôs o acento sobre o aspecto atributivo da Lei Natural, mais do que sobre o seu aspecto imperativo910. Para Bobbio o primeiro e fundamental imperativo moral é Não matar porque a morte é o final último do Homem; é realmente a morte; morre-se somente uma vez. O final da vida é o primeiro e último fim911. Cfr. IDEM, “La teoria politica di Hobbes” (1980), in ThH, p. 45. Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), republicado com o título “La dichiarazione universale dei diritti dell’uomo”, in TeGePo, p. 443. 911 Cfr. IDEM, “De senectute” (1994), in DeSe, pp. 37-38. 909 910 353 A nossa morte é o nosso “final” enquanto indivíduos, e esta morte é um fim absoluto. Com a morte como o fim último, a vida humana extingue-se: fim sem re-começo; aquilo que é extinto terminou para sempre912. Em uma palavra, com a morte o Homem termina para sempre; não existe esperança nem de uma ressurreição, nem mesmo de uma re-encarnação: não existe para Bobbio uma nova vida; nem um Deus que possa julgar ou punir o Homem no mundo do além-morte. No século XX, porém, a violação do imperativo Não matar assumiu proporções tais fazendo Bobbio antever próximo, senão já atual, o advento da idade do niilismo préanunciado por F. Nietzsche913. Segundo Bobbio, como ficou claro, com a morte se entra no mundo do não-ser; no mesmo mundo no qual éramos antes de nascer. Aquele nulla que éramos não sabia nada do nosso nascimento, do nosso vir-ao-Mundo e daquilo que nos tornaríamos; o nulla que nós seremos também não saberá nada daquilo que nós fomos914. Como ficou claro, para Bobbio o imperativo ético Não matar é válido em sentido absoluto, é um imperativo categórico porque a vida humana é o valor primordial enquanto condição para todos os demais valores915. Em outras palavras, o princípio ético Não matar é um imperativo categórico por que: - “categórico” é o valor da vida que esse imperativo entende proteger; Cfr. Ibidem, p. 38. Cfr. IDEM, “Progresso scientifico e progresso morale” (1995), in TeGePo, pp. 635-636. 914 Cfr. IDEM, “De senectute” (1994), in DeSe, p. 40. 915 Cfr. IDEM, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in DubScel, p. 28. 912 913 354 - impõe um dever perfeito em vista de proteger o valor primordial da vida humana, comum a todos os homens; - não tem outros argumentos para impor-se senão a sua própria força, porque o “dever” vai cumprido por princípio, independentemente das suas razões, sem alguma consideração das circunstâncias em que vem de vez em vez aplicado; - porém não prescreve outra conduta que aquela assumida por livre decisão no respeito do dever moral916. A legítima defesa não é uma “exceção” nem uma “derroga” a tal imperativo ético, que é categórico. Se este imperativo admitisse derrogas ou exceções, não poderia ser qualificado como absoluto; como categórico. Seria somente um “princípio” relativo, condicionado pelas hipotéticas circunstâncias da ação humana: ao máximo seria um imperativo hipotético. O princípio vim vi repellere licet, como vimos, afirma somente que se “pode” utilizar força defensiva proporcional – vim vi – para repelir a força ofensiva sofrida. Não diz ser lícito matar para repelir o agressor: isto sim seria uma verdadeira e própria “exceção” e “derroga” ao imperativo Não matar! O “dever” que o princípio vim vi repellere licet impõe-nos não é de matar o agressor, mas somente de defender a própria vida e aquela dos outros – valor primordial – caso venha ameaçada, “repelindo” o agressor com força proporcionada; mesmo que, desta ação defensiva, resultasse a morte de tal agressor. O “dever” de defender a vida própria e alheia não constitui uma “exceção” ao princípio ético Não matar que é 916 Cfr. IDEM, “L’opera di Gioele Solari” (1952), in ItCiv, p. 177. 355 absoluto, pois na legítima defesa não se visa matar diretamente o agressor. Sua morte seria uma conseqüência acidental de uma ação inevitável; uma situação que Bobbio chamou casos-limites917. Se a ação defensiva derrogasse ou fosse uma exceção ao princípio ético, deveria visar diretamente à morte do agressor. Então não seria mais “legítima” defesa, seria esta também uma ação ofensiva, agressiva: evidente “violação” direta do imperativo ético Não matar, não seria ainda assim uma sua exceção. A vida humana, enquanto valor primordial porque conditio sine qua non a todos os demais valores é, dentre todos os direitos humanos, “o” direito fundamental por excelência de “todos” os homens; não de alguns privilegiados ou daqueles psíquicos e somaticamente melhor desenvolvidos. Mas de todos os indivíduos que compartilham a mesma natureza humana: a humanitas. Conseqüentemente, o dever de Não matar também obriga a “todos”, inclusive ao Estado enquanto estrutura a serviço do Indivíduo Humano. O Estado civil foi constituído para satisfazer as necessidades de um poder supra-individual918, capaz de garantir a todos os indivíduos humanos a observação de todas as leis; impedindo o uso individual e indiscriminado da força; eliminando o estado de guerra de todos contra todos e instaurando, assim, um estado de paz. É a antítese Cfr. IDEM, “Contro il potere di dare la morte” (1982), in Rinascita, 38, 42 (5 de Novembro de 1982), pp. 41-43. 918 Cfr. Th. HOBBES, Leviathan (1651), trad. it., Leviatano o La Materia, la forma e il potere di uno stato ecclesiastico e civile (Biblioteca Universale Laterza, 295), a cura di A. PACCHI, Laterza, Roma-Bari 2000, II, capítulo XVII, p. 142. 917 356 do status naturae: substitui o reino da guerra com o reino da paz. O Estado Civil é, assim, uma construção racional que se contrapõem ao “irracional” Estado natural no qual se encontrava o Homem919. Para dar vida ao Estado civil e sair, assim, do estado de “morte” – cada indivíduo renunciou ao direito sobre todas as coisas e à força para reivindicá-lo. Em seguida a esta renúncia, ao indivíduo entrado numa convivência civil, isto é, tornado súdito de um Poder Soberano, não permaneceu nenhum outro direito natural além do primordial direito à vida920. Que o direito à vida seja irrenunciável, como vimos, deriva da lógica mesma da convivência civil: os indivíduos humanos instituíram o Estado civil para fugir da ameaça permanente de morte violenta que caracterizava o Estado natural, isto é, para salvar a própria vida. Necessariamente devem considerar-se livres do vínculo da obediência civil quando a própria vida fosse a perigo por culpa do Soberano921. A lei natural indica aquilo que é bom ou mal em vista “de” e em relação “a” um dado fim. O problema fundamental para a compreensão da lei natural remete-se à posição e à compreensão do problema do “fim”. O fim supremo do Homem, a partir do ponto de vista utilitarista do qual se põem Th. Hobbes é a paz922. Cfr. N. BOBBIO, “Introduzione al De cive” (1948), in ThH, p. 88; Cfr. IDEM, - M. VIROLI, Dialogo intorno alla repubblica, Laterza, Roma-Bari 2001, p. 41. 920 Cfr. IDEM, “La teoria politica di Hobbes” (1980), in ThH, p. 54. 921 Cfr. Ibidem. 922 Cfr. IDEM, “Legge naturale e legge civile nella filosofia politica di Hobbes” (1954), in ThH, p. 116. 919 357 O Homem que no status naturae era “indivíduo”, constituindo-se o status civile se torna essencialmente “objeto” do Poder ou, ao máximo, torna-se sujeito “passivo”: torna-se cidadão, parte de um Povo. Segundo Bobbio, se é possível reconhecer nesta relação Povo-Indivíduo, Estado-Cidadão, um sujeito “ativo”, este não é o “Indivíduo-cidadão” com os seus direitos originários, mas sim o “Povo-estado”, enquanto totalidade na qual o Indivíduo desaparece como sujeito de direitos923. Já que, nessa relação política Povo-Indivíduo, o único direito natural que permaneceu ao Indivíduo humano que se torna “cidadão”, foi o primordial direito à vida; o “Povoestado”, enquanto sujeito-ativo na relação constituinte do status civile, para garantir sua própria sobrevivência, diz ao “Indivíduo-cidadão”: Não matar! O “Indivíduo-cidadão”, enquanto sujeito-passivo, também para garantir sua própria sobrevivência individual e não ser “anulado” como a parte em relação ao “todo”, diz ao “Povo-estado”: Não me matar! Como conciliar esta perspectiva deontológica de tipo kantiano com a impostação bobbiana, fundamentalmente hobbesiana? O problema do conflito entre o direito à vida e a viver do “Indivíduo-cidadão” e o direito do “Povo-estado” à própria conservação, segundo Bobbio, em última análise, é um problema exclusivamente “moral”. Para fazer um exemplo que está à base da moral racional, com evidente dependência kantiana, Bobbio disse: Cfr. IDEM, “Diritti dell’uomo e filosofia della storia” (1987), republicado com o título “L’età dei diritti”, in TerAs, p. 120. 923 358 eu posso haver interesse imediato a transgredir um pacto, e lucrar com o fato que o outro o observou, mas não posso enquanto Homem racional querer viver num Mundo em que todos os pactos venham transgredidos; porque num Estado, assim feito, seria impossível qualquer forma de convivência pacífica924. Portanto, o primeiro pacto estabelecido entre o “Povo-estado” e o “Indivíduo-cidadão” é o pacto de mútua não agressão, ou seja, de Não Matar e de Não ser morto. Para os que crêem em “um” Deus, o imperativo Não matar é fruto de uma certeza que se funda na crença da existência de um “único” Juiz supremo capaz de dar um juízo absoluto; de outro modo se desencadearia a fera selvagem925 que o Homem é. Usando a linguagem dos juristas, Bobbio falou de uma norma primária e de uma norma secundária. Aplicando esta linguagem jurídica ao princípio ético Não matar, enquanto imperativo jurídico em um ordenamento estatal pode-se dizer que a norma primária estabelece o imperativo ordenando: Não matar! Quando o imperativo vem transgredido ou não observado, a norma secundária estabelece as conseqüências de tal transgressão, determinando: Quem matou, ou deixou morrer, deve ser punido com uma determinada pena. Aquilo que faz com que a norma primária – o imperativo em si – seja um dever perfeito é o fato de existir Cfr. IDEM, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in DubScel, pp. 27-28. 925 Cfr. IDEM, - M. VIROLI, Dialogo intorno alla repubblica, Laterza, Roma-Bari 2001, p. 52. 924 359 uma norma secundária, dirigida a um juiz926 que estabelece as conseqüências da sua não observação, determinando que se deva cumprir tal norma primária, tal imperativo jurídico; punindo o seu transgressor: o delinqüente. No caso do imperativo Não matar enquanto dever moral-religioso, a norma secundária não é dirigida a um Juiz com faculdades judiciais, mas é dirigida a Deus, enquanto é Ele mesmo quem dará a sanção, punindo o transgressor do imperativo moral; e a sanção de Deus será no além túmulo927. No caso do imperativo Não matar enquanto dever ético-racional, a norma secundária não é dirigida nem a um Juiz com faculdades judiciais, nem a “um” Deus, que punirá o transgressor no além túmulo; é dirigida à consciência mesma do Sujeito ético, enquanto Indivíduo humano racional e livre, capaz de consciência e de auto-consciência. A punição do transgressor do imperativo ético é a perda da dignidade humana: quem mata desce abaixo do nível das feras. Segundo I. Kant, os imperativos categóricos são possíveis porque a idéia da liberdade faz de nós membros de um mundo inteligível. Se não fôssemos outras coisas que isto, todas as nossas ações seriam sempre conformes à autonomia da vontade. Porque nos reconhecemos “também” como membro do mundo sensível, nossas ações “devem” ser conformes à autonomia da vontade. E esse “dever categórico” representa uma proposição sintética a priori, enquanto, além da nossa vontade afetada por desejos sensíveis, tem-se ainda a “idéia” da nossa vontade mesma, mas como vontade prática 926 927 Cfr. Ibidem, p. 55. Cfr. Ibidem. 360 pura, pertencente ao mundo inteligível, e esta contém, segundo razão, a condição suprema também da primeira928. O “dever” de obedecer a um imperativo categórico, do ponto de vista prático, confere ao Homem uma dignidade que veta de tratá-lo como um puro meio929. Nisto consiste a racionalidade do Homem; isto conecta a segunda fórmula do imperativo, apresentada por I. Kant na sua Fundação da metafísica dos costumes, 1785930, à primeira fórmula que exprime o caráter formal da ética do dever, a saber: Age segundo aquela máxima que podes querer que se torne uma lei universal931. Segundo I. Kant somente o homem se representa o dever de agir por dever, ainda quando de fato não conseguisse fazer calar a sua inclinação. Só o Homem é sujeito a pressões psicológicas que podem “subjugar” completamente a sua vontade; só o Homem é capaz de pensar-se, apesar disto, obrigado a vencê-las: só o Homem é capaz de pensar como um dever absoluto o dever de ser livre932. Com isto encontramos a terceira fórmula do imperativo categórico kantiano: sê livre; que justifica a segunda fórmula: respeita em cada homem a humanidade como um fim; através da primeira fórmula: age prescindindo de tudo aquilo que é ligado ao caro eu e, portanto, livremente. Cfr. I. KANT, Grundlegung zur Metaphysik der sitten (1785), III, Wie ist ein Kategorischer Imperativ möglich? 929 Cfr. V. MATHIEU, “Introduzione”, in GMsitten, pp. 22-23. 930 Cfr. I. KANT, Grundlegung zur Metaphysik der sitten (1785). 931 Cfr. V. MATHIEU, “Introduzione”, in GMsitten, p. 23. 932 Cfr. Ibidem. 928 361 Para Kant, obviamente, o imperativo categórico é sempre um só; propriamente não é nem mesmo elaborável. Não é representável como uma fórmula cognoscitiva capaz de se tornar uma técnica. É representável, porém, como sentido do dever numa consciência. Por isto ele chamou de fato da razão a presença da Lei moral na mente. “Fato” porque não se pode fazê-lo remontar a alguma coisa de mais primitivo, que seja a sua causa, nem transcendente – como comando divino – nem imanente – a educação, a constituição psíquico-fisiológica. “Fato”, porém, da razão porque um fato de tal gênero não pode ser objeto de constatação empírica. Porque a consciência moral é a representação de um incondicionado, do qual a razão é a faculdade. Neste caso, a razão, como razão pura prática, determina a vontade sozinha, pelo fato mesmo de ser representada como o movente da ação a prescindir de qualquer preferência individual933. Alguns “imperativos”, como vimos, ordenam somente enquanto condição para conseguir aquilo que já se deseja. Se quisermos exprimir o imperativo ético Não matar como categórico, não podemos dizer Não matar “se” ou Não matar em vista “de”. Kantianamente, diremos somente Não matar e basta, ou seja, categoricamente; sem uma hipotética condição nem circunstância, nem finalidade além do dever mesmo: sem enunciar nenhuma condição sob a qual a prescrição valha ou não valha. Já no sistema hobbesiano o imperativo Não matar ou Não me matar, como vimos acima, dependia da finalidade da paz: fim último da constituição da Sociedade Civil por parte dos indivíduos que renunciaram, assim, a própria 933 Cfr. Ibidem, pp. 23-24. 362 liberdade em vista de proteger o bem primordial da própria vida; em vista de pôr fim ao Estado de guerra contínua de todos contra todos. O imperativo Não matar, no sentido utilizado e entendido por Bobbio, não depende de “condições” nem de “finalidades” – como em Hobbes, condicionado pela “paz” e pelo fim do estado de guerra de todos contra todos. A validade desse Imperativo ético não vem condicionada pela partícula “se”, nem pressupõe a finalidade “em vista de”; portanto não é hipotético. É um imperativo “categórico” porque comanda por si mesmo934, independente de qualquer hipotética circunstância do agente, nem do objeto da ação proibida. Em outras palavras, o imperativo Não matar impõe um dever perfeito a todos os sujeitos humanos e em vista de proteger a vida de “todos” e de cada um, não em vista de um fim – como a paz para Hobbes – mas porque entende proteger um bem primordial – a vida humana – que é valor absoluto porque condição para todos os demais valores: em uma palavra, vale em si e por si mesmo. Se o imperativo Não matar é categórico não podemos pôr a pergunta: Por que eu não deveria matar? Tratando-se de um imperativo categórico, a uma pergunta deste gênero não é possível dar uma resposta. Se fosse possível respondê-la apresentando-lhe uma “razão” diferente do puro dever de não matar, o imperativo dependeria “de” e seria condicionado “por” tal razão; não seria, por isto mesmo, categórico935, mas sim hipotético. Para Bobbio, Não matar é um imperativo categórico; portanto ab solutus como para ele era absoluto o valor da vida humana. 934 935 Cfr. Ibidem, p. 14. Cfr. Ibidem, pp. 14-15. 363 Por exemplo, diante da resposta bobbiana: Não deve matar porque a vida é o bem primordial, condição para todos os demais valores936, portanto matar seria um mal; surgiria uma nova pergunta: Por que não devo fazer o mal aos outros? Se justificássemos esta última apresentando uma razão, por exemplo: Porque na primeira oportunidade matarão você também; o imperativo Não matar não só seria hipotético, mas seria também egoísta937. Porém, se na resposta bobbiana, entendemos bem primordial como bem ab-soluto e a ação de matar como mal absoluto porque destrói um bem absoluto, então não se dá lugar a nenhuma outra pergunta: Matar é mal absoluto; ponto e basta. Se não fosse assim o imperativo Não matar, de categórico que “é” segundo a perspectiva bobbiana, seria transformado em um hipotético princípio do mais banal egoísmo. O imperativo categórico não pode ter outros argumentos para impor seu valor senão a sua própria força, ou seja, a forma da lei ou sua universalidade, porque o “dever”, kantianamente falando – e é este o sentido bobbiano do imperativo categórico Não matar! – vai cumprido por princípio, independentemente das suas razões938 e finalidades. Ainda podemos precisar que é possível afirmar o imperativo Não matar como “categórico” e, ao mesmo tempo, dar-lhe uma fundamentação; desde que não lhe seja dado uma finalidade, como no sistema hobbesiano: a paz. Cfr. N. BOBBIO, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in DubScel, p. 28. 937 Cfr. V. MATHIEU, “Introduzione”, in GMsitten, p. 15. 938 Cfr. Ibidem, pp. 21-25. 936 364 Tal fundamento não pode ser outro que a vida humana enquanto é o valor humano primordial939. O imperativo Não matar é categórico porque “categórico” é o valor da vida que ele entende proteger: não se trata aqui de atribuir uma hipotética condição ou circunstância ou finalidade que “condicionaria” a validade de tal imperativo, trata-se sim de fundamentá-lo; atribuindo-lhe o mesmo valor – primordial – do bem que ele entende proteger. Para Bobbio os imperativos categóricos são leis que devem ser obedecidas incondicionalmente, sem alguma consideração das circunstâncias em que vem, vez por vez, aplicada. Em uma palavra, trata-se da “Lei” das leis, segundo a qual precisa fazer, em qualquer circunstância, o próprio dever por nenhuma outra razão do que o dever, independentemente de toda consideração de fins próximos ou distantes; independente dos sujeitos, ativo ou passivo, envolvidos na ação comandada ou proibida pelo imperativo categórico940. O mundo dos imperativos categóricos, ou seja, dos comandos que devem ser obedecidos não por prazer – ou hipotético interesse – mas por dever – perspectiva deontológica evidentemente kantiana – mesmo se com sofrimento e com o sentido de “nunca” os haver cumprido plenamente; é um ideal, por sua natureza inatingível, mas ai de quem não se esforçar de atingi-los941. O dever não tem um por que e o porquê é tão remoto que não se pode medir com o “metro” do tempo quotidiano: Cfr. N. BOBBIO, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in DubScel, p. 28. 940 Cfr. IDEM, “Ritratto di Leone Ginzburg” (1964), in MeCom, p. 173. 941 Cfr. IDEM, “Eugenio Colorni” (1975), in MeCom, p. 204. 939 365 o dever se cumpre por uma íntima e categórica lei que é aquela de Deus, para quem crê; ou aquela do progresso moral da civilização humana, para quem não crê “num” Deus que nos transcende, como Bobbio. O imperativo categórico, assim, comanda-nos e não nos explica o porquê942. Porém, um imperativo categórico não prescreve outra conduta que aquela assumida por livre decisão no respeito do dever moral943. Os elementos “fortes” da perspectiva bobbiana apresentada na presente pesquisa podem ser formulados nos seus grandes imperativos, acima citados; e em modo particular no imperativo Não matar; bem como as conseqüências da sua perspectiva: a repugnância à pena de morte, ao aborto procurado e seu Não radical à guerra como meio para a solução dos conflitos: a guerra é via bloccata; seu pacifismo institucional. Bobbio indicou-nos os valores morais que nortearam toda sua produção filosófica: agir pela boa causa sem ambições – para ele, a vida humana era “a” boa causa por excelência, enquanto valor primordial; os valores da coerência e da intransigência; os valores da firmeza, da seriedade, do desinteresse e da abnegação; os valores do rigor e da autodisciplina; o valor da humildade diante da grandeza da História e diante da insuficiência da própria tarefa944. Os valores últimos não são confrontáveis e, por isto mesmo, “não são” negociáveis945; portanto, não são “renunciáveis”. Cfr. IDEM, “Antonio Giuriolo” (1948), in ItCiv, p. 295. Cfr. IDEM, “L’opera di Gioele Solari” (1952), in ItCiv, p. 177. 944 Cfr. IDEM, “Prefazione alla prima edizione” (1963), in ItCiv, p. 11. 945 Cfr. IDEM, “Marxismo e scienze sociali” (1974), in NéNé, p. 150. 942 943 366 Para Bobbio o princípio fundamental da Moral é o respeito da Pessoa humana946, porque a vida humana é o que existe de mais precioso947. Os grandes ideais de Bobbio foram indicados na sua trilogia temática: democracia, direitos do Homem e paz: a aspiração pela Paz se opõe ao mundo humano enquanto reino da violência; o princípio universalista dos direitos do Homem se opõe ao mundo particularista das paixões e dos interesses humanos; o ideal da Democracia como transparência, como governo público em público948, opõe-se à cortina ideológica dos enganos e à opacidade do poder. Em Bobbio, a igualdade aparece como um télos949. Os seres humanos não nascem nem livres e muito menos são iguais950. A proposição normativa a igualdade é um bem digno de ser perseguido não deriva, sub-repticiamente, do juízo de fato: os homens nasceram ou são, por natureza, iguais; mas do juízo de valor: a desigualdade é um mal. Trata-se daquela desigualdade que é possível observar na História concreta dos homens, que é História de Sociedade dividida em classes antagônicas e, portanto, profundamente desiguais951. Dizer que os seres humanos nascem livres e iguais significa somente que os seres humanos “devem” ser tratados “como se fossem” livres e iguais. Segundo Bobbio Cfr. IDEM, “Ragion di stato e democrazia” (1991), in EdM, p. 92. Cfr. IDEM, “La teoria politica di Hobbes” (1980), in ThH, pp. 43-44: […] salvare ciò che ha di più prezioso, la vita. 948 Cfr. IDEM, “I vincoli della democrazia” (1983), in FdD, p. 76. 949 Cfr. IDEM, “Eguaglianza” (1977), in EgLi, pp. 40-41. 950 Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), in TerAs, p. 73. 951 Cfr. IDEM, “Eguaglianza” (1977), in EgLi, p. 34. 946 947 367 esta expressão não é descritiva de um fato, é prescritiva de um dever. A passagem de uma descrição numa prescrição é possível se tomamos consciência que a afirmação os seres humanos nascem livres e iguais quer dizer, na verdade, que os seres humanos nascem livres e iguais pela sua natureza, que Bobbio a chamou: natureza ideal952. Esta afirmação de uma natureza ideal do Homem parece-nos um primeiro limite da perspectiva bobbiana apresentada na presente pesquisa. É bom recordar que o termo latino natura liga-se ao verbo nasci, assim como em grego o termo phýsis liga-se a phýein, que significa “gerar”. Portanto natura, no sentido visto, indica aquilo que é congênito ou gerado junto “com”; possuído desde o nascimento e em força do nascimento; em uma palavra: aquilo que é dado. A natureza de uma coisa qualquer é a sua estrutura íntima; é o seu plano de ordem interna. Neste sentido, a natureza faz de um sujeito individual aquilo que ele realmente é; não pode ser um ideal elaborado pelo consensus, mesmo se omnium gentium ou humani generis. Constitui o seu princípio imanente de comportamento ou de operação. Deste modo, in-natural é aquilo que não é conforme a natureza; antinatural é aquilo que contrasta a natureza; sobrenatural é aquilo que supera os limites da natureza enquanto criada; no âmbito teológico, preternatural é aquilo que excede os limites da natureza criada, mas não entra no âmbito do dinamismo da Graça divina. Cfr. IDEM, “Eguaglianza e dignità degli uomini” (1963), in TerAs, p. 73. 952 368 Em suma, aquilo que é natural – dado ao Homem – contrapõe-se àquilo que é artificial – feito pela arte ou técnica humana. Em sentido intensivo, como vimos, pode-se falar da diferente natureza da pedra e desta pedra; do animal e deste animal; da planta e desta planta; bem como se pode falar de natureza do Homem e deste homem. O Homem é parte da realidade a ele dada e se sua natureza humana não for claramente identificada como intensiva, portanto como natureza sua, corre o risco de ser “transformado”, por exemplo, em um produto extrínseco à ação de outros homens detentores da técnica de manipulação genética; ou resultado de uma elaboração ideal, portanto mutável segundo o mudar do consensus cultural dos homens. É o risco de ser rebaixado ao nível do animal ou, o que seria pior, abaixo do animal, enquanto puro objeto de experimentação; seria o perigo de “coisificar” o Homem, num processo de uma radical desumanização, ou banalizá-lo como mero produto da cultura humana. O Homem há a sua “própria” natureza graças à qual se distingue de tudo aquilo que não é ele; que não é humano953. “Todos” os homens e mulheres devem ser tratados como iguais na liberdade exatamente porque “todos” compartilham uma mesma natureza cuja característica fundamental é a igualdade na liberdade. Todos os homens viventes formam uma substancial unidade natural, que nos impõe de atribuir a cada indivíduo humano uma natureza onto-teleológica e não simplesmente ideal. De fato, tal natureza nos impõe de tratá-lo como Pessoa: dotada de uma dignidade absoluta. Cfr. A. GÜNTHÖR, Chiamata e risposta, vol. I, Paoline, Cinisello Balsamo 1987, p. 313. 953 369 Segundo Bobbio, para convencermo-nos da substancial unidade do gênero humano, que o direito primordial à vida compete a todos os homens, não existe a necessidade de excogitar argumentos filosóficos; basta olhar o rosto de uma criança em qualquer parte do Mundo e de qualquer raça humana. Quando vemos uma criança, que é o ser humano mais próximo à Natureza, não ainda modelado e corrompido pelos costumes do Povo no qual é destinado a viver, não percebemos nenhuma diferença, senão nos traços somáticos. Quando vemos uma mãe que chora seu filho morto ou reduzido a esqueleto, é uma mãe igual às outras: aquele choro não se assemelha ao choro de todas as mães do Mundo?954 Uma convicção deste gênero nasce de uma operação mental muito simples: os homens não são considerados como indivíduos, mas como “genus”. Portanto, não são considerados pelas características que diferenciam um indivíduo do outro, mas por aquelas pelas quais todos os homens pertencem a um único “gênero”955. Excluindo a necessidade de excogitar argumentos filosóficos para afirmar a substancial unidade humana, Bobbio parece antecipar as palavras da Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, 1999, que proclamou a existência de uma base “genética”, portanto não filosófica, para a unidade fundamental de todos os membros da família humana bem como de sua inerente dignidade e diversidade. Cfr. N. BOBBIO, “Razzismo oggi” (1993), in EdM, pp. 134-135. Cfr. IDEM, “Eguaglianza ed egualitarismo” (1976), in TeGePo, pp. 255-256. 954 955 370 Esta “unidade substancial” não anula as individuais diversidades, necessárias para afirmação da pessoa enquanto indivíduo-humano. As conseqüências da afirmação bobbiana do princípio ético Não matar como válido em sentido absoluto, como um imperativo categórico, foi a sua repugnância à pena de morte, ao aborto procurado e à guerra, como meio para a solução dos conflitos entre os Estados. O exemplo mais interessante de “reversibilidade” dos argumentos no debate atual sobre a pena de morte refere-se ao diverso uso do princípio ético Não matar! Os defensores da pena de morte o utilizam recorrendo ao argumento que a condenação capital do homicida é uma atestação – a mais solene que se possa dar – do valor absoluto do princípio ético Não Matar; no sentido que a vida do outro deve ser respeitada se queremos que seja respeitada a nossa própria vida. Já para o abolicionista, invés, partindo do mesmo princípio ético, a pena de morte é sua inaceitável violação956. Para quem considera que o princípio ético Não matar tem uma validade absoluta, portanto, seja um imperativo categórico que não consente exceções, o problema da pena de morte já está resolvido: infligir tal pena é sempre ilícito: inaceitável violação desse princípio957. O debate sobre a pena de morte se mantém ainda aceso porque não se parte do pressuposto da validade absoluta do princípio ético Não matar; conseqüentemente, nem da consideração do direito à vida como direito absoluto, que vale sempre, sem exceções958. Cfr. IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, pp. 226-227. 957 Cfr. Ibidem, pp. 210-211. 958 Cfr. Ibidem, p. 211. 956 371 Bobbio deu uma única razão à sua “repugnância” à pena de morte: o imperativo ético Não matar!959 Ele não conseguiu ver outra “razão” verdadeiramente abolicionista fora desse princípio ético. Segundo ele, todos os outros argumentos valem pouco ou nada. Da constatação que violência gera violência, numa corrente sem fim, Bobbio tirou o seu “último” e mais forte “argumento” contra a pena de morte: a salvação da Humanidade, agora mais do que nunca, depende da interrupção dessa corrente de violência. Se não se interrompe essa corrente de morte, o dia de uma catástrofe sem precedentes poderia não estar longe: uma catástrofe final. A abolição total da pena de morte é somente um “pequeno” início; mas grande seria a mudança que ela produziria na prática e na concepção mesma do poder do Estado, representado tradicionalmente como o poder irresistível960. Bobbio acreditou firmemente que a abolição total da pena de morte do teatro da História representará um sinal indiscutível de progresso civil e moral da Humanidade961; “progresso” que Bobbio, apesar dos seus 94 anos de vida, não “viveu” o suficiente para vê-lo acontecer. Tivemos que esperar o final do ano passado, 2007, para ouvir o primeiro Não da O.N.U. à pena de morte. Depois das derrotas de 1994 e de 1999, a Assembléia das Nações Unidas, no dia 15 de Novembro de 2007, votou pela moratória das execuções capitais. Primeiro passo rumo à total abolição dessa pena. É a vitória da civilização sobre a lei da selva; é um passo em direção a um Mundo mais Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, pp. 198-199. Cfr. IDEM, “Il dibattito attuale sulla pena di morte” (1982), in EdD, p. 229. 961 Cfr. IDEM, “Contro la pena di morte” (1981), in EdD, p. 200. 959 960 372 humano, como foram a proibição da tortura e a abolição da escravidão. Entre os Países membros das Nações Unidas, 99 votaram a favor da moratória sobre as execuções capitais, 52 votaram contra e 33 abstiveram-se de votar. Moratória das execuções capitais ainda não é abolição total da pena de morte do teatro da História, como queria Bobbio, mas é um primeiro passo, uma “passagem” fundamental em direção a essa abolição: sinal indiscutível de progresso civil e moral da Humanidade. Para compreender a importância da aprovação da Moratória, basta olhar os números das execuções em 2007, até o dia 15 de Novembro, em todo o Mundo foram executados 5.628 condenados. Somente na China, foram executados 5.000; no Irã, 215; no Paquistão, 82; no Iraque, 65; nos USA, 53; na Arábia Saudita, 39; no Yemen, 30; no Vietnã, 14; e no Kuwait, 11. Segundo Franca Zambonini é difícil entender porque os USA, que se consideram mais avançados de outros países na defesa dos direitos humanos fundamentais, não consiga livrar-se totalmente da máquina do patíbulo962. Podemos com Bobbio concluir que o direito fundamental à vida e a viver compete a todos os entes humanos, desde a “concepção” até a morte natural, independentemente do nível ou intensidade atuais de suas capacidades vitais. Na “espécie” vida alheia, este direito que é fundamental por excelência, como vimos, adquire o status de dever fundamental por excelência. Cfr. F. ZAMBONINI, “Il primo non dell’ONU alla pena di morte”, in Famiglia Cristiana, LXXVII, n. 47 (25 de Novembro de 2007), p. 194. 962 373 Em outras palavras, a vida do “outro” enquanto direito fontal de todos os seus demais direitos, é o “meu” dever fontal: seja que entendamos como sujeito do “dever” o Indivíduo humano ou o Estado. De tal direito jorram, como de uma fonte, todos os demais direitos e liberdades fundamentais do Indivíduo humano. Daqui a necessária exclusão de qualquer forma de agressão à vida tais como o aborto, o infanticídio, a eutanásia e a pena de morte; bem como a superação da hodierna cultura da morte963 e uma urgente e necessária promoção de uma cultura da vida. Considerar a vida alheia como valor absoluto da “moral” dos direitos humanos é condição fundamental para a sobrevivência da Humanidade, de hoje e de amanhã. Não podemos justificar “crimes” contra a Humanidade, como o aborto procurado, utilizando o direito da mulher sobre seu corpo ou a sua liberdade: a vida em formação depende do corpo da mãe, mas não é um órgão do seu corpo, como ficou evidente na posição bobbiana contra o aborto procurado. A liberdade da mãe termina quando põe em risco uma vida que não lhe pertence. A vida do “outro”, mesmo nos primeiros instantes de fecundação, é valor absoluto, portanto dever absoluto da mãe, e não pode ser posta à mercê da vontade nem dela, nem de nenhum outro Indivíduo ou Grupo humano. A única diferença entre matar um filho no útero, ou após o seu nascimento é que, dentro do útero, não é possível fixá-lo nos olhos enquanto morre, depois do nascimento “sim”. A última das três conseqüências da afirmação de Bobbio do princípio ético Não matar como sendo válido em Cfr. JOANNES PAULUS Pp. II, adh. ap. post. Christifideles Laici, 30 de Dezembro de 1988, n. 38. 963 374 sentido absoluto, como um imperativo categórico foi o seu pacifismo: as respostas que ele deu às principais teorias justificadoras da guerra, afirmando que não existem guerras justas; a guerra não é mal menor, nem é mal necessário; e não é, nem mesmo, inevitável. Morto um Indivíduo humano, a vida continua num outro, mas e morta a Espécie Humana? A posse da “ciência” da destruição universal põe a Humanidade diante de um “novo imperativo” ético que não é mais somente aquele de Não matar, mas é aquele de “Deixar nascer!”. Se destruirmos a Espécie Humana não nascerão mais Indivíduos humanos964. Bobbio não sabia se percebemos “o quê” significa um Mundo no qual uma das três dimensões do “Tempo”, o futuro, não existiria mais. No momento em que o Mundo “é” sem “futuro”, o presente e o passado também perdem todo significado965: torna-se um Mundo sem “tempo”. Uma “bomba”, cada bomba, mata ao menos quatro vezes: mata quando é projetada, pois desvia energias “espirituais” que poderiam ser utilizadas, por exemplo, para descobrir a cura de doenças, ainda hoje, incuráveis; mata quando vem construída, pois utiliza recursos econômicos que poderiam ser utilizados para “matar” a fome de milhares de seres humanos que vivem abaixo da “soleira” da miséria e promover a vida humana; mata quando é lançada e explode sobre seres humanos viventes; a bomba continua a matar depois de lançada, pois desperta no “outro” o desejo de vingança que alimenta a guerra. Cfr. IDEM, “La morale e la guerra” (1982); “Morale e Guerra”, in TerAs, p. 175. 965 Cfr. IDEM, “Etica della potenza ed etica del dialogo” (1982), in TerAs, p. 158. 964 375 A guerra não pode mais gozar das benévolas e “interessadas” justificações de outros tempos, como denunciou Bobbio. A guerra é uma “via” sem saída, uma via bloccata! Um remédio o qual não podemos mais utilizar para “resolver” os conflitos sociais: É um remédio sempre pior do que o mal966. Das três “condições” positivas para a Paz, apresentadas por Bobbio no seu pacifismo, a terceira – a proibição de fazer recurso à força recíproca – deve valer sempre, deve valer também no caso em que um dos dois pactos precedentes, ou todos os dois, seja violado. A terceira condição para a paz requer a constituição de um Poder Comum que, segundo Th. Hobbes e os contratualistas, permita a passagem do status naturae ao Estado civil. Um “poder” comum super partes requer, porém, a presença de um Terceiro super partes967. O “Terceiro” super partes, ao qual competiria a tarefa de regular os conflitos entre os Estados nacionais, garantindo o respeito dos dois pactos pela paz, de promover e garantir a tutela dos direitos humanos fundamentais, segundo Bobbio, é ainda um “Terceiro ausente”968. Um segundo e mais grave limite da perspectiva bobbiana trabalhada nesta pesquisa é quanto à fundamentação do primordial direito à vida. Bobbio nunca se afastou das seguintes teses: os direitos naturais são direitos históricos; os direitos naturais nascem ao início da idade moderna, juntamente com a Cfr. IDEM, “Disarmati di tutto il mondo, uniamoci” (1985), in L’unità, LXII, n. 244, (29 de Outubro de 1985), pp. 1-16, republicado com o título “Disarmati di tutto il mondo”, in TerAs, p. 180. 967 Cfr. IDEM, “La pace ha un futuro?” (1987), in TerAs, p. 192. 968 Cfr. IDEM, Autobiografia, a cura di Alberto PAPUZZI, Laterza, Roma-Bari 1999, p. 231. 966 376 concepção individualista da Sociedade; os direitos tornamse um dos principais indicadores do progresso histórico.969 Segundo Bobbio, as boas razões bastam para fundamentar racionalmente um direito, mas não bastam para obter, com certa segurança, a sua garantia e proteção. O tema do fundamento racional dos princípios morais – não excluído o princípio Não matar! – é tanto teoricamente apaixonante quanto praticamente irrelevante. Não existe princípio ético, mesmo o mais primordial de todos – Não matar! – que seja respeitado somente porque tenha sido bem fundamentado racionalmente. O debate sobre o fundamento dos princípios éticos, segundo Bobbio é um típico debate teórico, um jogo intelectual que tem pouca ou nenhuma incidência sobre o comportamento real dos homens. Porque estes seguem mais a paixão do que a Razão; mais o interesse imediato do que o dever moral970. A “ilusão” de encontrar um fundamento absoluto aos direitos humanos à vida e a viver, bem como a todos os demais direitos fundamentais, não é mais possível. Toda pesquisa em busca do fundamento absoluto é, por sua vez, infundada971. Segundo Bobbio existem três modos de fundar os valores: - deduzi-los de um dado objetivo constante, por exemplo, a natura Hominis; - considerá-los como verdades por si evidentes; Cfr. IDEM, “Introduzione” (1997), in EdD, p. VIII. Cfr. IDEM, “La pace attraverso il diritto” (1983), republicado com o título “Pace e Diritto”, in TeGePo, p. 529. 971 Cfr. IDEM, “Sul fondamento dei diritti dell’uomo” (1964), in EdD, p. 7. 969 970 377 - descobrir que, num dado período histórico, receberam o consensus; portanto, a prova do consensus omnium gentium.972 O primeiro modo de fundar os valores, segundo Bobbio, oferecer-nos-ia a maior garantia da sua validade universal, se verdadeiramente existisse a natura Hominis e, admitido que exista como dado constante e imodificável, fosse possível conhecê-la na sua essência. A julgar da história do Jusnaturalismo a natura Hominis foi interpretada nos modos mais diferentes, e o apelo a ela serviu a justificar sistemas de valores, até mesmo, opostos entre eles973. O segundo modo de fundar os valores – o apelo à evidência – segundo Bobbio tem o defeito de pôr-se “além” de qualquer prova e de rejeitar toda possível argumentação de caráter racional. Assim que submetemos valores proclamados evidentes à verificação histórica, percebemos que aquilo que foi considerado evidente por alguns, num dado momento da História, não é mais considerado evidente por “outros”, em “outro” momento974. O terceiro modo de justificar os valores é aquele de mostrar que se apóiam no consensus omnium gentium. Assim, um valor seria tanto mais fundado quanto mais tivesse recebido o consentimento de todos. Com o argumento do consensus Bobbio substituiu a fundamentação dos valores, por ele considerada impossível ou extremamente incerta da “objetividade”, por aquela da inter-subjetividade. Cfr. IDEM, “Presente e avvenire dei diritti dell’uomo” (1968), in EdD, p. 19. 973 Cfr. Ibidem. 974 Cfr. Ibidem, pp. 19-20. 972 378 Trata-se certamente de um fundamento histórico e, como tal, não-absoluto; mas segundo Bobbio é o único fundamento que pode ser factualmente provado. Assim, Bobbio acolheu a Declaração Universal dos Direitos do Homem, 1948, como a maior prova histórica, que jamais se deu, do consensus omnium gentium acerca de um determinado sistema de valores975. Mesmo se a Declaração Universal de 1948 houvesse recebido o consensus da universalidade dos Estados representados por seus Chefes, coisa que ainda hoje não aconteceu; “isto” não seria fundamento da “validade” ou da “universalidade” dos seus valores para a universalidade dos seres humanos: toda a Humanidade. Seria ainda e sempre somente um consensus de todos os chefes de Estado. Ao máximo poderíamos dizer que seria uma Declaração “reconhecida” por todos os Estados da Terra, jamais de uma Declaração reconhecida por toda a Humanidade: todos os entes dotados essencialmente de humanitas. Podemos ainda, ex absurdum, considerar se tal Declaração Universal realmente houvesse recebido ou se um dia viesse a receber um verdadeiro e próprio consensus omnium gentium, no sentido de um consentimento universal de todos os Povos, de todos os entes humanos viventes, de toda a Humanidade entorno dos valores por ela declarados; ainda assim esse consensus não poderia ser o “fundamento” da absoluta Dignidade Humana, da qual os direitos fundamentais à vida e a viver e todos os demais são somente a sua histórica “explicitação”. Poderia “somente” ser sua histórica “justificativa”. Se o consensus fundamentasse os valores que os direitos humanos entendem proteger ou o Valor Absoluto do 975 Cfr. Ibidem, p. 20. 379 qual eles são histórica explicitação, o Homem, enquanto indivíduo estaria à mercê da “maioria” ou da “unanimidade”. Isto significaria democratizar e, conseqüentemente, “relativizar” não só a dignidade humana, mas também a existência mesma dessa dignidade; com todos os riscos que essa sua relativização comportaria para a própria Humanidade como tal: colocaria em risco não só a convivência pacífica entre os homens, mas a própria existência futura da Humanidade sobre a Terra. Seria submeter o Homem aos “homens” numa conseqüente ditadura do mais forte; seria um retorno ao status naturae onde vigoraria o “direito” da Força e não a “força” do Direito. Nas palavras do próprio Bobbio, em 1981, encontramos uma evidente evolução de seu pensamento rumo a uma limitação da força fundamentadora do consensus: Os valores, os princípios, os postulados éticos e, naturalmente, os direitos fundamentais não são opináveis e, portanto, nem mesmo negociáveis. A regra do maior número que tem a ver somente com o opinável não é competente a julgá-los976. Exatamente por não serem tocáveis por parte de nenhuma decisão majoritária, tais direitos humanos fundamentais foram chamados direitos contra a maioria. A vasta esfera dos direitos de liberdade pode ser interpretada Cfr. IDEM, “La regola di maggioranza: limiti e aporie” (1981), in TeGePo, p. 400: I valori, i principi, i postulati etici, e naturalmente i diritti fondamentali, non sono opinabili e quindi neppure negoziabili. Perché tali, la regola del maggior numero che ha a che fare solo con l’opinabile non è competente a giudicarli. 976 380 como uma espécie de território de fronteira diante da qual se bloqueia a potência do princípio de maioria977. O consensus, ao máximo pode ser “justificação” de legalidade, não de valor e justiça: ao máximo podemos admiti-lo como justificação da letra material de um direito, não como fundamento da existência do valor que ele entende proteger e promover. Se o consensus omnium gentium, portando o “Direito” positivo dos vários Povos, fundamentasse tal direito humano por excelência; e a universalidade dos homens decidisse que o enfermo terminal ou o embrião ou o deficiente-total não tivessem mais tal direito, seria lícito e eticamente “aceitável” matá-los (?!). Devemos gritar forte: A Vida humana não pode ser democratizada! O mesmo argumento contra a democratização da vida vale para rejeitar a democratização de todos os demais direitos humanos e das liberdades fundamentais, que traria evidentes conseqüências “letais” para a vida e a integridade da Humanidade: basta pensar nas terríveis conseqüências da manipulação genética posta sob o arbítrio do consensus omnium gentium. Portanto, esta “democratização” dos valores que os direitos humanos entendem preservar é racionalmente in-admissível. O “reconhecimento” dos direitos à vida e a viver “apóia-se” sobre o acordo prático e o consensus entorno deles; o qual basta para justificá-los, mas não basta para fundamentar a realidade absoluta que eles entendem proteger: a dignidade humana de cada Homem. Em sede jurídica o consensus entorno do acordo prático, como justificação dos direitos humanos fundamentais à vida e a viver satisfaz ao jurista. Em sede 977 Cfr. Ibidem, pp. 399-400. 381 filosófica, porém, o filósofo deve dar o corajoso passo: pôrse o problema do fundamento absoluto do “Direito” absoluto do Homem, a saber, a proteção e promoção da sua própria humanidade: essentia Hominis. Dito com outras palavras: o filósofo “deve” buscar o fundamento absoluto da absoluta Dignidade Humana. Os “direitos” humanos fundamentais, enquanto atuação histórica do “Direito Humano” absoluto – proteger e promover a sua humanidade – necessitam de uma dimensão meta-jurídica e meta-histórica que encontre tutela no consensus entorno à norma jurídica, sim, mas que dela prescinda; havendo essa um valor “meramente” declaratório dos valores que entende proteger e promover, não “constitutivo” da dignidade humana. Existem “direitos” que se “dão” mesmo se não são determinados por uma norma jurídica. E existem “direitos” reconhecidos pela Lei que não podem ser considerados “justos”, portanto, são desprovidos de todo “valor”, pois vão contra a dignidade do Homem enquanto ente dotado de humanitas978: por exemplo, certos Ordenamentos reconhecem o “direito” que a mãe tem de abortar. Quando falamos de direitos humanos supomos que exista uma “instância” deôntica de apelo além e acima das “normas” e dos direitos fundamentais positivos, frutos do consensus omnium. Essa instância não pode residir nos “meros” sentimentos dos vários sujeitos humanos: os raciocínios, os desejos, as ações comunicativas ou as sensações não podem Cfr. C. I. MASSINI-CORREAS, “Diritti umani ‘deboli’ e diritti umani ‘assoluti’”, in Diritto naturale e diritti dell’uomo all’alba del XXI secolo, Colloquio internazionale – Roma, 10-13 gennaio 1991, a cura de UNIONE GIURISTI CATTOLICI ITALIANI (Quaderni di Justitia, 40), Roma 1993, pp. 152-153. 978 382 fundar “direitos” humanos fundamentais no sentido de exigências que devem ser satisfeitas sem exceção. Se não se pode radicá-los na “imanência” dos sujeitos humanos, o fundamento da dignidade humana deverá ser necessariamente, buscado na sua realidade ôntica “e” teleológica: por isto falamos de fundamentação ontoteleológica dos direitos humanos979. Nós buscamos o fundamento absoluto da dignidade humana na humanitas; presente em todo ente chamado Homem e que lhe dá uma dignidade ímpar, enquanto humanitas vivens. Em todo caso, tratar-se-á “sempre” de um elemento transcendente ao Sujeito e objetivo, ou seja, com certa consistência que o Sujeito não pode criar ou modificar ad libitum, por meio de um consensus subjetivo, mesmo se fosse omnium gentium ou humani generis. Podemos, aqui, delinear sumariamente os critérios que deveriam nortear uma pesquisa do “fundamento” do absoluto Direito Humano – proteger e promover a própria dignidade – e, conseqüentemente, dos direitos humanos – histórica explicitação dessa dignidade: fundamento como bases filosóficas para proteger e promover a sua dignidade humana. Esse fundamento deveria contemplar uma parcial fusão das várias propostas de solução do problema evitando, porém o perigo do ecletismo e do seu isolamento dentro de uma ótica religioso-teológica. A solução ideal deve considerar tanto o factus quanto a norma, tanto o ser quanto o dever-ser. Esse fundamento deveria considerar três dimensões do problema, portanto ser a um tempo gnosiológico, ontológico e teleológico: considerar tanto o caráter cultural 979 Cfr. Ibidem, p. 153. 383 dos direitos humanos, sua historicidade; quanto a sua projeção universalista, seu caráter existencial, sua valência ontológica. Deveria ser fim do agir humano e “meta” última de cada ente dotado de humanitas. Deveria ainda ser metapositivo e meta-histórico, transcendente mesmo se revelado na História e se valha do Direito Positivo para tutelar-se; garantindo assim a total liberdade e força dos valores que os direitos humanos pretendem proteger e promover. Essa fundamentação deveria “considerar” o Homem, titular desses direitos e deveres, tanto como Ser cultural, histórico, quanto como Ser tomado na sua realidade ôntica, em sua essência; porém não acabado, nem estático, mas que pichianamente faz-se980, num contínuo processo teleológico de projeção “do” Mundo e de auto-projeção “no” Mundo. Deve estar à base e ser fonte da sua inalienável dignidade; bem como, ser seu fim humano último. Buscar o fundamento do Direito Humano – com “D” maiúscula – é buscar o fundamento da absoluta dignidade humana, ainda que não nos valhamos da solução tradicional da natura Hominis; posta de lado pelas abordagens marxista981, existencialista982 e estruturalista983 que afirmaram não ser possível falar de natureza humana. Cfr. G. PICO DELLA MIRANDOLA, De hominis dignitate (1486), 4, 132 r: Estabeleceu finalmente o ótimo artífice que àquele que nada podia dar de próprio fosse comum tudo aquilo que havia singularmente entregue aos outros. Portanto acolheu o Homem como “indiscretae opus imaginis” e posto no coração do mundo assim lhe falou: “Nec certam sedem, nec propriam faciem, nec munus ullum peculiare tibi dedimus, o Adam, ut quam sedem, quam faciem, quae munera tuta optaveris, ea, pro voto, pro tua sententia, habeas et possideas.” 981 Cfr. K. MARX, Ideologia tedesca (1846), Editori Riuniti, Roma 1958, p. 17. 980 384 Segundo tais abordagens o conceito natureza pressupõe “rigidez” e “determinismo”, enquanto a existência humana seria caracterizada por mudança e liberdade no mudar. Mas, como afirmou Francesco Viola, o fundamento precisa dar “algum” significado ao fato que temos direitos humanos porque somos humanos984. Esse fundamento deve “fundamentar” tal Direito do Homem na sua natureza ôntica, ou seja, na essentia Hominis – portanto uma natureza real e não ideal; porém, considerado na sua dimensão histórico-cultural, de hoje e de amanhã. E que não precise recorrer à verdade de Fé; que possa ser aceito por cristãos e não-cristãos; por crentes e não-crentes. Em uma palavra, que possa ser aceito por todos os homens de boa vontade. Este fundamento deve fundamentar estavelmente a dignidade do Homem desde a concepção até ao momento de sua morte natural; e o acompanhe mesmo após a sua morte, garantindo proteção e dignidade a seu cadáver e tutela da sua memória que será, sempre, memória de uma Pessoa humana. Esse fundamento deve estar à base da proteção e promoção da absoluta dignidade do Homem independente das suas “capacidades” e níveis de atuação ou não; da sua “racionalidade” em direção ao seu fim humano último: a plenitude da sua humanitas. Cfr. M. HEIDEGGER, Sein und Zeit (1927), § 2 e § 9; J.-P. SARTRE, L’existentialisme est un humanisme (1946), aqui citado a partir da trad. it. G. MURSIA RE, L’esistenzialismo è un umanesimo, Mursia, Milano 19906, p. 24-29. 983 Cfr. M. FOUCAULT, Le parole e le cose (1966), Rizzoli, Milano 19983, p. 13. 984 Cfr. F. VIOLA, Etica e metaetica dei diritti umani, Torino 2000, p. 207. 982 385 Deve colocar o Homem, enquanto humanitas vivens ao centro de todo o Universo, antropo-centricamente garantindo a ele direitos e liberdades fundamentais, em um geo-ambiente saudável. Tal fundamento deve ser comum a todos os Entes humanos, universal, pois deve estar à base do “Direito” humano que supera sua configuração geo-cultural, protegendo e promovendo a dignidade de todos os Entes humanos. Deve ser inalienável e intransferível, próprio de cada Indivíduo humano e de “todos” os homens, em absoluto: da fecundação à morte e à pós-morte, ad semper. Deve ser pascalianamente falando, a grandeza e a miséria do Ente humano985. A fundamentação da dignidade do Homem – Direito Humano com “D” maiúscula – que aqui acolhemos dá ênfase à dimensão ôntica e teleológica da sua essência: a humanitas. Partimos do conceito de Homem enquanto humanitas vivens, ou seja, uma humanidade que é vivente e individualizada na Pessoa, enquanto Sujeito de direitos e deveres. A humanitas enquanto nos dá a conhecer aquilo que o Homem é “já” e aquilo que o Homem “ainda-não-é”, mas naturalmente “deve-ser” como meta humana última da sua existência – a plena realização de sua humanidade – dita a Cfr. B. PASCAL, Pensées (1658), sobre a miséria do Homem, particularmente os nn. 131, 134, 160; e sobre a grandeza do Homem, particularmente os nn. 255, 257, 263 e ainda o mais relevante para nosso tema, n. 264: O Homem não é que uma cana, a mais frágil de toda a natureza; mas é uma cana pensante. 985 386 todo Homem o supremo princípio de ser plenamente aquilo que é986. Mais do que aquilo que o Homem “é”, a humanitas aqui “deve ser” pensada como aquilo que o Homem deveser e, por isto mesmo, quer-ser e quer que os “outros” sejam, fundamentando uma teoria e garantindo uma práxis eficaz de proteção dos direitos humanos enquanto valores em vista da sua plena realização. Mostra-nos aquilo que onticamente “somos”, bem como aquilo que teleologicamente “devemos ser” ou deveríamos ser. A Humanitas é, enquanto fundamento da dignidade humana, aquela dimensão essencial do Homem, onticamente radicada e teleologicamente posta como meta humana do Homem Adulto. Pode ser entendida como a racionalidade do Homem, enquanto dotada de dignidade humana e, portanto, enquanto deve valer como fim a si mesmo. Este é o significado que Humanitas assume no imperativo prático de I. Kant: agi em modo a considerar a humanidade, seja na tua pessoa, seja na pessoa do outro, sempre também como fim, e nunca como simples meio987. A humanitas no Homem é o objeto próprio do respeito que, segundo Kant, é o único sentimento moral988. O Homem, enquanto humano e exatamente porque “é” humano – marcado ôntico-teleologicamente pela humanitas à qual tende e que deve realizá-la plenamente – e somente porque é humano, vale como fim em si e merece respeito e tutela. Cfr. M. POHLENZ, L’uomo greco, trad. it., Firenze 1962, p. 598. Cfr. I. KANT, Grundlegung zur metaphysik der sitten (1785), in GMsitten, pp. 143-145. 988 Cfr. Ibidem, pp. 87-184. 986 987 387 Em uma palavra, o Homem é sujeito de um “Direito” e de um “Dever” absolutos e, portanto, inalienáveis: proteger e promover a dignidade humana. A humanitas, enquanto dotada de “dignidade” e, portanto, enquanto deve valer como fim a si mesmo, funda ôntico-teleologicamente a dignidade de todo Homem. Aquilo que dá ao ovo humano, embrião, feto, neonato, criança, jovem, adulto e velho, masculino ou feminino – saudável ou não – uma dignidade humana inalienável e intransferível é a sua humanidade individual. De fato, se quisermos valorizar o Homem e garantir a sua dignidade inalienável não podemos olhá-lo, nestas várias fazes da sua frágil evolução, como aquilo que ele “é” em cada uma delas, mas aquilo que nós “somos” diante dele: Humanitas Vivens. Esta dignidade humana não é somente uma pertença à mesma espécie – valor especista –, mas comporta tudo aquilo que faz do Homem um Ente humano. A humanitas dá a estes viventes uma dimensão ímpar entre todos os demais “seres” viventes: o Homem é humano não somente depois do nascimento, nem tão menos enquanto é saudável, inteligente e brilhante, ou vivo, mas é humano sempre. Não importa o nível bio-evolutivo; não importam suas capacidades, sua dependência ou independência vital em relação aos outros Indivíduos humanos; nem mesmo o nível de atuação de sua racionalidade: ele é sempre e em toda parte Indivíduo humano; ativo ou passivo, ele é humano. A humanitas não é uma categoria abstrata. É gnosiológica enquanto se “mostra” na História e na Cultura desses Entes que dela participam: não é uma História qualquer; a sua é uma História humana. 388 A humanitas, que tem sua base bio-genética no mapa cromossômico do Homem: uma célula humana é sempre e em toda parte, uma célula humana989. Ela “é” e se “explicita” e “faz-se” conhecer na História e na Cultura do Homem. De qual Homem falamos? Daquele que se realiza e se auto-projeta na História; do Homem real; que é somaticus, vivens, sapiens, volens, loquens, socialis, faber, ludens e religiosus990; constatável, em suas carnes e nos seus ossos; profundamente condicionado, mas não determinado pelo meio natural e cultural em que vive. Assim como o Indivíduo humano não é pronto e acabado ao iniciar sua aventura humana a partir da fecundação, a humanitas se apresenta como fim humano último a ser atingido por ele: fim a ser construído. Podemos dizer que o Homem vive na tensão de um já-ser ôntico e de um ainda-não-ser teleológico; enquanto “é” de fato humano, mas “ainda-não o é” plenamente. Desse modo, os direitos humanos fundamentais à vida e a viver são instrumentos históricos “criados” pelo Homem em vista de proteger e promover a sua própria dignidade inalienável emanada da humanitas. Estes direitos são instrumentos a serviço do Indivíduo humano, para protegê-lo contra as históricas, sempre novas e maiores agressões à sua Pessoa e ao seu grupo social; para que ele consiga atingir a estatura humana plena. Cfr. PONTIFICIA ACADEMIA PRO VITA, decl. “La finalità”, 24 de Agosto de 2000, in L’Osservatore Romano, 25 de Agosto de 2000, p. 6. 990 Cfr. B. MONDIN, L’uomo: chi è? Elementi di antropologia filosofica, Milano 2004. 989 389 Somente a humanitas, ôntico-teleologicamente entendida, comum a todos os homens, explica a existência de alguma coisa a compartilhar, a comunicar e, sobretudo, da qual a Pessoa humana é a individuação. Ela consente de entrar em relação com os outros, vocação civil a viver em Sociedade e a amar: capacidade essencialmente humana. A sua presença nos homens é o que os faz membros não só de uma mesma espécie bio-genética, mas de uma mesma Comunidade, verdadeira Família Humana. Assim como a Humanitas é, “naturalmente”, presente em todos os homens torna todos eles “iguais” em dignidade apesar das suas legítimas diferenças991. Os conflitos entre os vários “direitos” humanos fundamentais e entre os Indivíduos, titulares dos “mesmos” direitos são resolvidos considerando a “maior” ou “menor” gravidade da agressão ao fundamento absoluto da dignidade humana do Indivíduo; a saber: a sua humanidade. Por exemplo, o direito humano à vida, que é fundamental por excelência, é a resposta “histórica”, portanto relativa, não-absoluta à agressão à vida como valor primordial enquanto condição para todos os valores humanos992: é enquanto humanitas vivens – Indivíduo humano vivente – que o Homem “realiza” suas potencialidades humanas. Quando o nosso direito à vida entra em conflito com o direito à vida dos outros, a mesma humanitas que é fundamento absoluto da nossa dignidade e daquela “alheia”, Cfr. J.-M. AUBERT, Droits de l’homme et libération évangélique, Paris 1987, trad. it. de F. SAVOLDI, Diritti umani e liberazione evangelica, Brescia 1989, p. 86. 992 Cfr. N. BOBBIO, “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in DubScel, p. 28. 991 390 dá-nos a solução do conflito: uma vez que o “nosso” direito à vida pretende responder à agressão feita à “nossa” dignidade enquanto humanitas vivens, entre o valor da nossa vida e aquele da vida alheia, obtém a prioridade axiológica para nós a vida alheia. Nesse sentido podemos dizer com Bobbio que o princípio ético Não matar é absoluto, é um imperativo categórico993. Matar um Indivíduo humano ou impedi-lo de acessar aos meios necessários para viver – ou deixá-lo morrer – é sempre a máxima agressão à nossa própria dignidade humana, portanto à humanitas vivens que nós somos. Ao contrário, morrer para que o outro viva é atingir a plenitude ética da nossa humanidade. Quem morre para “não matar” – ou para que o outro viva – morre como Ser “humano” pleno; mas quem mata para viver, vive como “animal”. Quanto mais grave a agressão à nossa humanidade tanto mais valioso e prioritário será o correspondente “direito” fundamental; e vice-versa. Assim, entre decidir se matar ou morrer, “devemos” haver o direito humano inalienável de “escolher” não matar, mesmo se desta escolha resultasse nossa morte. O valor maior para nós não é preservar a “nossa” vida física, mas é preservar a “nossa” própria dignidade humana; coisa que podemos fazer somente se escolhermos não matar. Ou seja, respeitar em nós a “absoluta” dignidade humana, respeitando a vida alheia – não a própria – como valor primordial, como valor absoluto. Ninguém, além de nós mesmos, pode “tocar” esse núcleo íntimo da nossa dignidade humana. Somente nós mesmos, com o nosso modo de “tratar” a humanitas dos Cfr. IDEM, “Laici e aborto” (1981), in Corriere della Sera, 106, 107 (1981), p. 3. 993 391 outros Indivíduos, podemos “promover” e “proteger” a nossa própria dignidade humana, ou então, ofendê-la e destruí-la em nós. Aqui entra, por exemplo, o direito fundamental da objeção de consciência, reconhecido por vários Ordenamentos, portanto, direito em sentido forte. Nada justifica a pretensão de um direito de matar, seja da parte do Indivíduo humano, seja da parte da coletividade humana representada pelo Estado, como vimos na terceira etapa dessa pesquisa, onde trabalhamos os problemas da pena de morte e do aborto procurado. A justificação dos “direitos” humanos fundamentais, bem como a “fundamentação” da dignidade humana, portanto do “Direito” absoluto do Homem, não resolvem automaticamente o problema da atuação desses direitos, pois o indivíduo humano é “livre” de respeitá-los e protegêlos, ou não. Ficou claro, porém, que não é uma ilusão afirmar que a “fundamentação” onto-teleológica da dignidade humana serve de base filosófica válida a futuras Declarações e Legislações que promovam e protejam o “Direito” absoluto do Indivíduo humano: a sua dignidade humana enquanto humanitas vivens. 392 Fontes e Bibliografia 1. Fontes. 1.1. Repertórios Bibliográficos de Norberto Bobbio. BORSELLINO, P., (a cura de), Norberto Bobbio e la teoria generale del diritto, Bibbliografia ragionata 1934-1982, Giuffrè, Milano 1983. MAIORCA, B., ( a cura de), “Bibliografia degli scritti su Norberto Bobbio (1984-1988)", in Norberto Bobbio, Franco Angeli, Milano 1990, 55-73. (a cura de), "Bibliografia di scritti su Norberto Bobbio", in Norberto Bobbio: 50 anni di studio, Franco Angeli, Milano 1984. VALLE ACEVEDO, A., "Bibliografia de Norberto Bobbio en castellano", in Revista de Ciencias Sociales, 30 (1987), 429-437. VIOLI, C., (a cura de), "Bibliografia degli scritti 1934-1983", in Norberto Bobbio: 50 anni di studio, Franco Angeli, Milano 1984. (a cura de), “Bibliografia degli scritti di N. Bobbio (1984-1988)”, in Norberto Bobbio, Franco Angeli, Milano 1990, 11-54. (a cura de), Bibliografia degli scritti di Norberto Bobbio (1934-1993), Laterza, Roma-Bari 1995. 393 1.2. Escritos de Norberto Bobbio. 1.2.1. Perfil de Autores Vários. BOBBIO, N., “Luciano dal Cero” (s.d.), in LaMI, pp. 408-412. “Gobetti e la Francia” (s.d.), in ItFed, pp. 59-68. “Partito d’azione e realtà di Augusto Monti” (1945), in TdR, pp. 21-22. “Luigi Cosattini” (1947), in ItCiv, pp. 267-283. “Antonio Giuriolo” (1948), in ItCiv, pp. 284-296. “L’insegnamento di Gioele Solari” (1949), in ItCiv, pp. 135-145. “L’opera di Gioele Solari” (1952), in ItCiv, pp. 146-179. “Tre maestri” (1953), in ItCiv, pp. 119-134. “Alessandro Levi” (1954), in ItCiv, pp. 183-207. “Silvio Trenti” (1954), in ItCiv, pp. 249-266. “Giuseppe Capograssi” (1956-1957), in ItCiv, pp. 208-221. “Piero Calamandrei” (1957), in ItCiv, pp. 222-246. “Teorie politiche e ideologie nell’Italia contemporanea” (1958), in ItCiv, pp. 15-52. “Rodolfo Morandi” (1959), in ItCiv, pp. 53-66. “Gaetano Mosca e la scienza politica” (1960), republicado com o título “Mosca e la scienza politica”, in SagScPol, pp. 159-179. “Gaetano Mosca e la teoria della classe politica” (1962), republicado com o título “Mosca e la teoria della classe politica”, in SagScPol, pp. 181-200. “Piero Martinetti” (1963), in ItCiv, pp. 94-116. “Prefazione alla prima edizione” (1963), in ItCiv, pp. 09-12. “Concetto Marchesi” (1964), in LaMI, pp. 195-203. “Ritratto di Leone Ginzburg” (1964), in MeCom, pp. 165-188. “Discorso su Antonio Giuriolo” (1965), in MeCom, pp. 189-202. “Filippo Burzio” (1965), in LaMI, pp. 224-236. 394 “Calamandrei scrittore” (1966), in MeCom, pp. 103-147. “Antonio Droetto” (1967), in LaMI, pp. 365-369. “Nicola Abbagnano” (1967), in LaMI, pp. 49-71. “Tommaso Fiore” (1967), in LaMI, pp. 204-211. “Bruno Leoni” (1968), in LaMI, pp. 396-400. “Ricordo di Ada Gobetti” (1968), in ItFed, pp. 253-261. “Religione e politica in Aldo Capitini” (1969), in MeCom, pp. 261-299. “Le colpe dei padri” (1974), in MeCom, pp. 09-29. “Luigi Einaudi” (1974), in DalFaD, pp. 237-281. “Paolo Greco” (1974), in LaMI, pp. 335-338. “Eugenio Colorni” (1975), in MeCom, pp. 203-237. “Giovanni Gentile” (1975), in DalFaD, pp. 187-214. “La filosofia di Aldo Capitini” (1975), in MeCom, pp. 239-260. “La non-filosofia di Salvemini” (1975), in MeCom, pp. 31-47. “Le lettere di Rodolfo Mondolfo” (1975), in ItFed, pp. 87-101. “Salvemini e la democrazia” (1975), in MeCom, pp. 49-76. “La prima rivista” (1976), in ItFed, pp. 35-47. “Piero Gobetti e la tradizione culturale torinese” (1976), in ItFed, pp. 121-134. “Ritratto di Piero Gobetti” (1976), in ItFed, pp. 09-33. Trent’anni di storia della cultura a Torino 1920-1950 (Gli struzzi 548), Einaudi, Torino 1977, 2002². “Umanesimo di Rodolfo Mondolfo” (1977), in MeCom, pp. 77-101. “Umberto Campagnolo” (1977-1978), in LaMI, pp. 300-315. “Nicola Grosa” (1978), in LaMI, pp. 361-364. “Temi gobettiani” (1978), in ItFed, pp. 49-57. “Il giovane Aldo Moro” (1980), in DalFaD, pp. 283-307. “Paolo Farneti” (1980), in LaMI, pp. 430-433. 395 “Umberto Calosso e Piero Gobetti” (1980), in ItFed, pp. 189-203. “Monti e Gobetti” (1981), in ItFed, pp. 135-155. “Augusto Monti o della fedeltà” (1982), in MeCom, pp. 149-163. “Bruno Leoni di fronte a Weber e a Kelsen” (1982), in Il politico, 1 (Março de 1982), pp. 131-136. “Gozzano e Gobetti” (1983), in ItFed, pp. 75-86. “Mosca e il governo misto” (1983), in SagScPol, pp. 201-219. “Novello Papafava” (1983), in ItFed, pp. 233-252. “Riccardo Bauer” (1984), in LaMI, pp. 269-289. “Umberto Morra e Gobetti” (1984), in ItFed, pp. 157-172. “Carlo Levi e Gobetti” (1985), in ItFed, pp. 173-188. “Egidio Meneghetti” (1985), in LaMI, pp. 237-253. “Prefazione” (1985), in ItCiv, pp. 05-08. “Vincenzo Arangio-Ruiz” (1985), in LaMI, pp. 329-334. “Alessandro Passerin d’Entrèves e Gobetti” (1986), in ItFed, pp. 205-216. “Enzo Enriques Agnoletti” (1986), in LaMI, pp. 370-375. “Francesco Ruffini” (1986), in LaMI, pp. 19-37. “Testimonianza su Giacomo Noventa” (1986), in ItFed, pp. 217-232. “Togliatti e la Costituzione” (1986), in DalFaD, pp. 309-323. “Alessandro Passerin d’Entrèves” (1987), in LaMI, pp. 72-83. “Felice Battaglia” (1987), in LaMI, pp. 344-348. “Giovanni Tarello” (1987), in LaMI, pp. 174-192. “Primo Levi” (1988), in LaMI, pp. 417-420. “Galvano della Volpe” (1989), in LaMI, pp. 254-268. “Luigi Firpo” (1990), in LaMI, pp. 134-154. “Piero Calamandrei” (1990), in DalFaD, pp. 325-353. “Massimo Mila” (1991), in LaMI, pp. 316-325. “Emilio Agazzi” (1992), in LaMI, pp. 421-425. “Ferruccio Parri” (1992), in LaMI, pp. 212-223. 396 “Augusto Del Noce” (1993), in LaMI, pp. 113-133. “Fermo Solari” (1993), in LaMI, pp. 339-343. “Giorgio Agosti” (1993), in LaMI, pp. 376-384. “Lelio Basso” (1993), in LaMI, pp. 349-356. “Ludovico Geymonat” (1993), in LaMI, pp. 96-112. “Piero Martinetti” (1993), in LaMI, pp. 38-48. “Giovanni Spadolini” (1994), in LaMI, pp. 426-429. “Renato Treves” (1994), in LaMI, pp. 84-95. “Uberto Scarpelli” (1994), in LaMI, pp. 155-173. “Francesco Calasso” (1995), in LaMI, pp. 357-360. “Sandro Pertini” (1995), in LaMI, pp. 290-299. “Guido Astuti” (1996), in LaMI, pp. 385-392. “Carlo Casalegno” (1997), in LaMI, pp. 413-416. “Renzo Giua” (1997), in LaMI, pp. 393-395. “Franco Venturi” (1998), in LaMI, pp. 401-407. “Fukuyama, il motore e il fine della storia” (1999), in DesSin, pp. 157-166. 1.2.2. Autores de Norberto Bobbio. 1º. Escritos Sobre Thomas Hobbes (1588-1679). BOBBIO, N., “Introduzione al De cive” (1948), in Th. HOBBES, Elementi filosofici sul cittadino, a cura de N. BOBBIO, UTET, Torino 1948, pp. 9-40; republicado in ThH, pp. 73-110. “Prefazione” (1948), in Th. HOBBES, Elementi filosofici sul cittadino, a cura de N. BOBBIO, UTET, Torino 1948. “Le considerazioni sulla reputazione, sulla lealtà, sulle buone maniere e sulla religione” (1951), in Rivista di filosofia, XLVII (1951), pp. 399-423; republicado in ThH, pp. 199-202; republicado com o título “Prefazione”, in Th. HOBBES, Considerazioni sulla reputazione, sulla lealtà, sulle buone maniere e sulla religione, a cura de N. BOBBIO, La vita felice, Milano 1998, pp. 7-11. 397 “Legge naturale e legge civile nella filosofia politica di Hobbes” (1954), in Studi in memoria di Gioele Solari, Edizioni Ramella, Torino 1954, pp. 61-101; republicado in DaHaM, pp. 11-49; e republicado in ThH, pp. 111-145. “Prefazione” (1959), in Th. HOBBES, Opere politiche, vol. 1, Elementi filosofici del cittadino, dialogo tra un filosofo e uno studioso del diritto comune d'Inghilterra, a cura de N. BOBBIO, UTET, Torino 1959. “Hobbes e il giusnaturalismo” (1962), in Rivista critica di storia della filosofia, XVII (1962), pp. 470-480; republicado in DaHaM, pp. 51-74; e republicado in ThH, pp. 148-168. “La dialettica in Marx” (1965), in DaHaM, pp. 239-266. “Il modello giusnaturalistico” (1973), in SocStHaM, pp. 9-34; republicado in ThH, pp. 03-26. “Breve storia della storiografia hobbesiana” (1974), in Questioni di storiografia filosofica, Dalle origini all’Ottocento, a cura de V. MATHIEU, La Scuola, Brescia 1974, pp. 324-328; republicado in ThH, pp. 203-210. “Hobbes” (1974), in Questioni di storiografia filosofica: dalle origini all'Ottocento, a cura de V. MATHIEU, La Scuola, Brescia 1974, pp. 324-353. “La teoria politica di Hobbes” (1980), in Storia delle idee politiche, economiche e sociali, vol. IV, L'Età moderna, UTET, Torino 1980, Tomo 1, pp. 279-317; republicado in ThH, pp. 27-71. “Thomas Hobbes” (1980), in Storia delle idee politiche, economiche e sociali, vol. IV, L'Età moderna, UTET, Torino 1980, Tomo 1, pp. 279-317. “Hobbes e le società parziali” (1982), in Filosofia, XXXIII (1982), pp. 375-394; republicado in ThH, pp. 169-191. “Attualità e presenza di Hobbes” (1988), in Hobbes oggi: atti del convegno internazionale di studio promosso da Arrigo Pacchi, Milano-Locarno 18-21 398 maggio 1988, a cura de A. 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BOBBIO, N., “Fra Roosevelt e Rousseau: Mario Einaudi, l'etica in politica”, in La Stampa (17 de Maio de 1994), p. 18. 4º. Escritos Sobre Immanuel Kant (1724-1804). BOBBIO, N., “Prefazione” (1956), in I. KANT, Scritti politici e di filosofia della storia e del diritto, ed. postuma a cura di N. BOBBIO, - L. FIRPO, - V. MATHIEU, UTET, Torino 1956. Diritto e Stato nel pensiero di Emanuele Kant, Lezioni raccolte dallo studente Gianni Sciorati, Giappichelli, Torino 1957, 19692. Diritto e Stato nel pensiero di Emmanuele Kant, Giappichelli, Torino 1957. 399 “Due concetti di libertà nel pensiero politico di Kant” (1960), in Studi in onore di Emilio Crosa, Giuffrè, Milano 1960, vol. 1, pp. 219-235. “Kant e le due libertà” (1965), in DaHaM, pp. 147-163, republicado in TeGePo, pp. 40-53. “Prefazione” (1985), in I. KANT, Per la pace perpetua, a cura di N. 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CESA, Laterza, Bari 1979, pp. 5-33; republicado in StudiHeg, pp. 3-33. “Hegel e il diritto” (1970), in Incidenza di Hegel: studi raccolti nel secondo centenario della nascita del filosofo, a cura de F. TESSITORE, Morano, Napoli 1970, pp. 217-249, republicado in StudiHeg, pp. 35-68. “Sulla nozione di costituzione in Hegel” (1971), in De Homine, 10, n. 38-40 (Dezembro de 1971), pp. 315-328; republicado in Studi in memoria di Orazio Condorelli, Giuffrè, Milano 1974, vol. 1, pp. 169-183; 400 republicado com o título “La costituzione in Hegel”, in StudiHeg, pp. 69-83. “La filosofia giuridica di Hegel nell'ultimo decennio” (1972), in Rivista critica di storia della filosofia, 27, fasc. 3 (Julho-Setembro de 1972), pp. 293-319; republicado com o título “La filosofia giuridica di Hegel nel decennio 1960-70”, in StudiHeg, pp. 159-192. “Lo studio di Hegel” (1972), in Memorie dell'Accademia delle scienze di Torino, Classe di scienze morali, storiche e filologiche, n. 26 (1972), pp. 37-47. “Diritto privato e diritto pubblico in Hegel” (1977), in Rivista di filosofia, 68, n. 7-8-9 (Outubro de 1977), pp. 3-29, republicado in StudiHeg, pp. 85-114. “Hegel e le forme di governo” (1979), in Rivista di filosofia, 80, n. 13 (Fevereiro de 1979), pp. 77-108, republicado in StudiHeg, pp. 115-146. “Introduzione” (1981), in StudiHeg, pp. VII-XIX. “Nota” (1981), in StudiHeg, s.p. “Purtroppo Hegel ha avuto ragione : [intervista]. ((In: La Stampa. - 20 novembre 2000, p. 1. 6°. Escritos Sobre Benedetto Croce (1866-1952). BOBBIO, N., “Benedetto Croce” (1952), in Occidente, 8, n. 3-4 (Maio-Agosto de 1952), pp. 289-290. “Croce e la politica della cultura” (1953), in Rivista di filosofia, XLIV, 3 (Julho de 1953), pp. 247-265, republicado in PolCul, pp. 78-96. “Croce e la politica della cultura” (1953), in Rivista di filosofia, 44, n. 3 (Julho de 1953), pp. 247-265. “La formazione della filosofia politica di Benedetto Croce” (1953), in Cultura Moderna, 11 (Outubro de 1953), pp. 6-7. “Prefazione” (1953), in A.MAUTINO, La formazione della filosofia politica di Benedetto Croce, a cura de N. BOBBIO, Laterza, Bari 1953. 401 “Benedetto Croce e il liberalismo” (1955), Rivista di filosofia. - 46, n. 3 (Luglio 1955) p. 261-286; republicado in PolCul, pp. 177-228. “Benedetto Croce: il filosofo e il maestro” (1955), in Antologia della critica letteraria, a cura de M. FUBINI, - E. 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BOBBIO, N., “Apendice, Avvertenza a Ludwig Feuerbach, Principi della filosofia dell’avvenire” (1946), in NéNé, pp. 14-19. “Prefazione a Karl Marx, Manoscritti economicofilosofici del 1844” (1949), in NéNé, pp. 05-13. “La filosofia prima di Marx” (1950), in NéNé, pp. 20-26. “Ancora dello stalinismo: alcune questioni di teoria” (1956), in Nuovi Argomenti, IV, 21-22 (JulhoOutubro de 1956), pp. 1-30, republicado in NéNé, pp. 27-56, e republicado in PolCul, pp. 241-267. “La dialettica di Marx” (1958), in NéNé, pp. 73-97. “Nota sulla dialettica in Gramsci” (1958), in Società, XIV, n. 1 (1958), pp. 24-25. “Marxismo critico” (1962), in NéNé, pp. 189-192. “Marxismo e fenomenologia” (1964), in NéNé, pp. 193-202. “Introduzione” (1968), in MONDOLFO, R., Umanismo di Marx, Studi filosofici 1908-1966, Einaudi, Torino 1968. “Marxismo e scienze sociali” (1974), in NéNé, pp. 115-152. 417 “L’attività di un intellettuale di sinistra” (1974), in I comunisti a Torino 1919-1972, Lezioni e testimonianze, Editori Riuniti, Roma 1974. “Marx, Engels e la teoria dello Stato, Lettera a Danilo Zolo” (1975), in NéNé, pp. 203-207. “Marx e lo Stato” (1976), in NéNé, pp. 98-114. “Marxismo e questione criminale, Lettera ad Alessandro Baratta” (1977), in NéNé, pp. 208-212. “Marx e la teoria del diritto” (1978), in NéNé, pp. 153-166. “Teoria dello Stato o teoria del partito? ” (1978), in NéNé, pp. 213-222. “Rapporti internazionali e marxismo” (1981), in NéNé, pp. 167-186, republicado in TeGePo, pp. 503-519. “Marx, lo stato e i classici” (1983), in TeGePo, pp. 53-70. “Appendice, Stalin e la crisi del marxismo” (1987), in NéNé, pp. 57-69. “Marxismo” (1990), in DizPol, pp. 607b-614a. “Né con loro, né senza di loro” (1992), in DubScel, pp. 213-223, republicado com o título “Riflessioni sul destino storico del comunismo”, in TeGePo, pp. 618-630. “Un tentativo di risposta alla crisi del marxismo” (1992), in NéNé, pp. 223-234. “Ancora a proposito di marxismo, Lettera a Costanzo Preve” (1993), in NéNé, pp. 235-240. “Invito a rileggere Marx” (1993), in NéNé, pp. 241-247. - POLITO, P., “Dialogo su una vita di studi”, in Nuova antologia, a. 131, n. 577, fasc. 2200 (1996), p. 49. “Premessa” (1997), in NéNé, pp. IX-XII. 1.2.10. 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BOBBIO, N., “La forza non politica (1953), in DubScel, pp. 23-24. “Due paradossi storici e una scelta morale” (1954), in DubScel, pp. 25-29. 423 “Intellettuali e classe politica” (1954), in DubScel, pp. 31-36. “Julien Benda” (1956), in DubScel, pp. 37-53. “Politica e cultura” (1962), in DubScel, pp. 55-66. “Considerazioni sugli appelli degli uomini di cultura alle autorità politiche” (1965), in DubScel, pp. 67-74. “Intellettuali e potere” (1977), in DubScel, pp. 113-133. “Della presenza della cultura e della responsabilità degli intellettuali” (1978), in DubScel, pp. 135-150. “Intellettuali” (1978), in DubScel, pp. 151-177. 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Nascimbeni, 8 de Maio de 1981: qual surpresa pode existir no fato que um leigo considere como válido em sentido absoluto, como um imperativo categórico o “Não matar!”; e surpreende-me que os leigos deixem aos que crêem o privilégio e a honra de afirmar que não se deve matar. Dessa “resposta” determinamos nosso objetivo geral, trabalhado em quatro objetivos específicos: Quem é o pensador que fez tal afirmação? Por que a fez? O quê entendia dizer? Quais são as conseqüências de tal afirmação? O imperativo ético Não matar! é um imperativo categórico porque a vida humana é o valor primordial – categórico ou absoluto – enquanto condição para todos os demais valores; impõe um dever perfeito em vista de proteger tal valor primordial; não tem outros argumentos para impor-se senão a sua própria força, porque o “dever” vai cumprido por princípio, independentemente das suas razões, sem alguma consideração das circunstâncias; porém não prescreve outra conduta que aquela assumida por livre decisão no respeito do dever moral. A punição do transgressor do imperativo ético é a perda da dignidade humana: quem mata, desce abaixo do nível das feras. O “dever” de obedecer a um imperativo categórico confere ao Homem uma dignidade que veta de tratá-lo como um puro meio. O imperativo Não matar! não depende de “condições” nem de “finalidades”, como em Th. Hobbes; portanto não é hipotético. É “categórico” porque comanda por si, independente de qualquer hipotética circunstância do agente, nem do objeto da ação proibida. Tal imperativo impõe um dever perfeito a todos os sujeitos humanos e em vista de proteger a vida de “todos” e de cada um: vale em si e por si mesmo. É possível afirmar categoricamente o imperativo Não matar! e ao mesmo tempo dar-lhe um fundamento: o valor ab-soluto da vida humana. Matar um Indivíduo humano ou impedi-lo de acessar aos meios necessários para viver – ou deixá-lo morrer – é sempre a máxima agressão à nossa própria dignidade humana; e, portanto à humanitas vivens que nós somos. Ao contrário, morrer para que o outro viva é atingir a plenitude ética da nossa humanidade. Quem morre para “não matar” – ou para que o possa viver – morre como Ser “humano” pleno; mas quem mata para viver, vive como “animal”. ISBN 978-85-61837-02-0 436