história do rugby
Transcrição
história do rugby
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTE HISTÓRIA DO RUGBY Gabriel Colini Cenamo SÃO PAULO 2010 HISTÓRIA DO RUGBY GABRIEL COLINI CENAMO Monografia apresentada à Escola de Educação Universidade Física de e São Esporte Paulo, da como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Educação Física. ORIENTADOR: PROF. DR. LUIZ EDUARDO P. B. T. DANTAS AGRADECIMENTOS À minha família, por acreditarem nos meus sonhos e darem todo o suporte e apoio às minhas decisões. À Monique, pelo carinho, compreensão, paciência e toda a ajuda que me deu durante a elaboração dessa monografia. Ao Bandeirantes Rugby Clube, minha segunda família e a todos os irmãos com quem pude compartilhar conquistas, momentos de alegria e de tristeza durante os últimos dez anos de rugby. Ao professor Luiz Eduardo P. B. T. Dantas, pelas orientações e conselhos que ultrapassam as páginas dessa monografia e os muros da faculdade. Ao amigo Antonio Martoni, por me ensinar grande parte do que eu sei sobre rugby hoje, além de contribuir imensamente com essa monografia. Aos amigos rugbiers Timmy Baines, Mauricio Coelho, João Nogueira, Flávio Machado e Paulo Meireles, pelos materiais e informações compartilhadas durante a elaboração dessa monografia. Aos amigos da Escola de Educação Física e Esporte da USP, por tudo que passamos juntos ao longo desses 6 anos de faculdade. Aos amigos da Facultad de Educación Fisica da Universidad Nacional de Tucumán - ARG, em especial aos professores Sergio Wilde e Fernando Erimbaue, pelo enorme aprendizado que me proporcionaram. SUMÁRIO Página RESUMO ............................................................................................. i 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................... 01 2 REVISÃO DA LITERATURA ................................................................ 04 2.1 História do Rugby no Mundo ................................................................ 04 2.1.1 Jogos com Bolas .................................................................................. 04 2.1.2 Rugby School ...................................................................................... 05 2.1.3 Difusão do Rugby na Europa .............................................................. 07 2.1.4 Difusão do Rugby pelo Mundo ........................................................... 09 2.1.5 Rugby Union X Rugby League ........................................................... 11 2.1.6 O Início do Século XX ........................................................................ 11 2.1.7 O Período de Guerras (1914-1945) ...................................................... 12 2.1.8 O Período Pós-Guerras ......................................................................... 15 2.1.9 Da Popularização do Esporte à Era Profissional .................................. 16 2.2 História do Rugby no Brasil ................................................................. 27 2.3 Aspectos Formativos do Rugby ........................................................... 39 3 DISCUSSÃO ....................................................................................... 45 3.1 Espírito do Rugby X Profissionalismo ................................................. 45 3.2 Ensaio sobre a difusão do Rugby no Brasil: perspectivas para os próximos anos .................................................................................................... 47 4 CONCLUSÃO ..................................................................................... 50 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................... 52 RESUMO História do Rugby Autor: GABRIEL COLINI CENAMO Orientador: PROF. DR. LUIZ EDUARDO P. B. T. DANTAS O rugby é considerado um esporte intrinsecamente formativo, em função dos valores associados à sua prática. Atualmente vive um período de expansão no mundo, influenciado pelo início da era profissional em 1995 e pela inclusão da modalidade nos Jogos Olímpicos a partir de 2016. No Brasil também se observa o crescimento do rugby, com o aumento no número de praticantes e maior exposição da modalidade nos meios de comunicação. Esse aumento no processo de difusão do esporte gera a necessidade de uma melhor compreensão do rugby, para que o crescimento desse esporte no Brasil venha acompanhado de uma melhor organização da prática e melhora da qualidade do rugby praticado no país. Esse estudo buscou analisar o processo de difusão do rugby no Brasil e no mundo, através de uma revisão histórica, onde foram considerados também os aspectos formativos e educacionais intrínsecos a esse esporte. Em função da carência de publicações sobre a história do rugby brasileiro, foram realizadas comunicações pessoais com jogadores e dirigentes que fazem parte da história desse esporte no país. Concluiu-se que a difusão do rugby nacional esteve relacionada principalmente às ações de indivíduos ou entidades ligados ao ambiente esportivo do rugby, e mais recentemente ao aumento da exposição do esporte nos meios de comunicação. Para manutenção dos valores intrínsecos ao esporte, viu-se necessária a transmissão do espírito do rugby em equilíbrio com a transmissão de aspectos relacionados diretamente ao jogo. 1 1 INTRODUÇÃO O esporte esteve presente em diversas civilizações e em diferentes momentos ao longo da história. Na antiga Grécia existia um jogo com bola, chamado “harpaston”, cujo objetivo era transportar uma bola feita de couro de animais para um local delimitado. Esse jogo é visto como a origem de outros jogos, praticados por toda a Europa ao longo do Império Romano e mais tarde, durante a Idade Média. Na Inglaterra, as regras foram modificadas durante os anos, influenciando no surgimento de um esporte que mais tarde seria muito popular em todo mundo, o football (futebol) (ANTUNES, 1992; DUARTE, 2000). Na cidade de Rugby, dentro de uma universidade de mesmo nome, o football foi interpretado de uma maneira distinta de outros locais da Inglaterra, resultando em uma variação do esporte, que passou a ser conhecido como rugby football, e mais tarde apenas rugby (GARCIA, 1964). O esporte, apesar de ainda pouco difundido no Brasil, é hoje uma das modalidades com maior número de praticantes espalhados pelo mundo, em especial entre ex-colônias britânicas. Países com maior tradição no esporte movimentam milhares de pessoas em função de eventos e partidas de rugby. Recentemente reincorporada ao programa Olímpico, a modalidade fará sua reestréia nos Jogos do Rio de Janeiro em 2016, com a expectativa de superar públicos de esportes mais tradicionais e conhecidos pelos brasileiros. Como outros jogos de invasão, para pontuar no rugby é preciso conquistar “território” da equipe adversária. Para isso, o time atacante deve se preocupar em desorganizar a defesa adversária para assim conseguir marcar pontos. As regras possibilitam a utilização do contato físico como estratégia para provocar desorganização defensiva e tornam a participação coletiva como algo imprescindível, tendo em vista a manutenção da posse de bola para oferecer continuidade ao jogo e conquistar o objetivo de marcar mais pontos do que o adversário. Essas características fazem do rugby um esporte onde a participação coletiva seja indispensável. 2 Por ser caracteristicamente um esporte de muito contato físico, são necessárias regras que visem à segurança dos jogadores, e mais do que isso, valores. Atitudes como lealdade, união, respeito mútuo, trabalho em equipe, cooperação, responsabilidade, igualdade e disciplina são aspectos intrínsecos dessa modalidade esportiva, podendo assim ser considerado um esporte intrinsecamente formativo. Essa “essência” de caráter formativa é nomeada pelos praticantes do rugby de “Espírito do Rugby”. Tradicionalmente amador, o esporte foi visto durante muitos anos como um esporte elitista, mas como o passar do tempo foi se tornando muito popular em alguns países da Oceania, Europa e África. Em 1995, a entidade máxima do esporte passou a permitir o profissionalismo, até aquele momento proibido, ocasionando um enorme crescimento no número de praticantes, público e clubes de rugby pelo mundo. No Brasil, o rugby teve mesmas raízes que o futebol. Inicialmente, foi trazido por marinheiros ingleses e teve sua difusão relacionada a um personagem em comum, Charles William Miller, que mais tarde seria conhecido como o pai do futebol brasileiro. Restrito em um primeiro momento a alguns membros da elite brasileira e principalmente à juventude inglesa que vivia no Brasil, o rugby começou a ser jogado nesse país nos últimos anos do século XIX (MAZZONI, 1950; NOGUEIRA, 2007). Mas, apesar de ser praticado há tantos anos, ainda não alcançou a mesma popularização de modalidades como o futebol, vôlei, basquete e outros de maior tradição no território brasileiro. Na atualidade o esporte vem crescendo muito no Brasil, com grande aumento no número de equipes e jogadores. Um dos motivos pelo crescimento é devido à recente inclusão da modalidade nos Jogos Olímpicos, e conseqüente exposição na mídia. Segundo levantamento da recém criada CBRu (Confederação Brasileira de Rugby), o número de associados nessa entidade aumentou de quatro mil e quinhentos em 2008 para cerca de dez mil em 2010, sendo que ainda são contabilizados cerca de vinte mil jogadores de rugby no país que não são associados. A modalidade conta com 220 clubes e 60 times universitários no país. 3 No cenário competitivo, o Brasil ocupa hoje o 25º lugar no ranking mundial masculino, uma posição modesta para um país com quase 200 milhões de habitantes, porém a melhor colocação já alcançada na história por uma seleção brasileira de rugby. Na América do Sul, o Brasil é a quarta potência, atrás de Argentina, Uruguai e Chile. No feminino o cenário é um pouco diferente, a seleção brasileira é a maior potência sul-americana e ocupa o décimo lugar no ranking mundial de “Rugby Seven‟s” (modalidade onde as equipes são compostas por sete jogadoras). A equipe brasileira está invicta em torneios oficiais da modalidade dentro do território sul americano. O expressivo crescimento do rugby no Brasil nos últimos anos e a perspectiva de que esse crescimento continue nessa década, gera a necessidade de compreender melhor o esporte para intervir nessa sua atual fase de expansão. Somente assim, pode-se garantir que o crescimento desse esporte no Brasil venha acompanhado de uma melhor organização da prática e melhora da qualidade do rugby praticado no país. Esse estudo consiste em uma análise histórica desse esporte, desde os seus primórdios até os diais atuais, no plano internacional e nacional , ressaltando seus aspectos formativos e educacionais. Através dessa monografia, espera-se levantar subsídios para no futuro delinear estratégias para melhor difundir o rugby no município de São Paulo. 4 2 REVISÃO DA LITERATURA 2.1 História do Rugby no Mundo Assim como muitos outros esportes surgidos na Inglaterra, a origem e difusão do rugby estão associadas a práticas formativas empregadas por escolas inglesas durante o século XIX. Acredita-se que o esporte tenha sido criado em 1823, na Escola Rugby, fruto de uma jogada irregular durante uma partida de futebol. Durante a Revolução Industrial o esporte começou a ser difundido e com o tempo passou a ser uma das modalidades coletivas com maior número de praticantes no mundo. Durante os próximos capítulos, será abordada a história do rugby no mundo, desde os primeiros jogos com bola antecessores ao rugby, até os dias atuais, onde o rugby se tornou um esporte profissional, praticado por milhares de pessoas nos cinco continentes. 2.1.1 Jogos com Bolas Os relatos sobre jogos com bolas datam de muitos anos antes de Cristo. Duarte (2000) relata um jogo que existia na China por volta de 2600 a.C. chamado kemari, cujo objetivo era transportar uma bola redonda para além de estacas fixas no solo. Mais tarde surge na Grécia Antiga um jogo chamado “harpastum”, onde os jogadores tentavam passar uma bola feita de bexiga de boi para o outro lado de um terreno delimitado (ANTUNES, 1992; DUARTE, 2000). Segundo Garcia (1964), durante a Idade Média, atividades com bola eram muito populares em países como Inglaterra, França e Itália, principalmente entre os camponeses, aldeões e estudantes que a princípio utilizavam datas festivas para a prática e posteriormente todos os domingos. Na Inglaterra, existia um jogo muito popular disputado entre duas vilas ou pequenas cidades. As equipes eram compostas por um número ilimitado de participantes e o objetivo do jogo era levar uma bola produzida por peles de animais mortos, até o final da cidade adversária e assim marcar pontos. O jogo era violentíssimo, o que levou o Rei Eduardo II a proibir tal atividade no ano de 5 1314, e tal proibição foi mantida até o final do século XV. (GARCIA, 1964; RUGBY FOOTBALL HISTORY, 2010). Na Itália, o período do Renascimento trouxe de volta antigas tradições gregas, influenciando inclusive no âmbito esportivo. O “calcio”, esporte de bola muito popular nesse país, era uma variação do “harpastum” (jogo que consistia em levar uma bola de um lado ao outro em um espaço delimitado). O esporte possuía muitas características comuns ao que hoje se conhece como rugby. Garcia (1964) acredita que as viagens de nobres franceses e ingleses à Itália durante o renascimento tenham provocado certa influência do calcio sobre o “football” jogado na Inglaterra e sobre a “soule” jogada na França. Assim, o autor aponta o jogo grego “harpastum” e sua variante italiana “calcio” como as principais influências do rugby moderno. Entretanto, existe um consenso que o nascimento do rugby moderno aconteceu em 1823, em uma escola inglesa. 2.1.2 Rugby School Numa tarde do ano de 1823, um estudante da “Rugby School” agarrou a bola com as mãos durante uma partida de futebol e correu em direção ao gol adversário, sem permitir que ninguém o parasse. Esse evento ocorrido na cidade inglesa de Rugby, apesar de possuir algumas características de fábula, é considerado o marco do nascimento do rugby. Um indício desse consenso acerca da origem do rugby é que o estudante que protagonizou esse evento histórico, William Web Ellis, empresta seu nome ao troféu da Copa do Mundo de Rugby “Taça William Web Ellis”. Após sua morte em 1872, época em que o rugby já era conhecido pela maioria dos ingleses, um colega de William chamado Mathew Bloxam escreveu uma matéria para um jornal local, onde contava pela primeira vez a história de como o garoto contribuiu para a modificação das regras do esporte. Em seu livro, Bloxam (1872) conta o evento histórico que marcou o nascimento do rugby na Escola Rugby: “Ellis, pela primeira vez desconsiderou a regra, e ao segurar a bola, ao invés de passá-la para trás, correu para frente com a bola nas mãos em direção ao gol adversário” (BLOXAM, 1872, p.109, tradução nossa). 6 Se estudarmos os fatos por trás de toda essa fábula, veremos que realmente Web Ellis teve um papel importante no surgimento do rugby, já que também foi um dos grandes jogadores da fase inicial desse esporte da escola de mesmo nome. Porém, talvez seja incorreto dizer que o estudante foi o criador do esporte devido a ter corrido com a bola nas mãos naquela tarde de 1823. De acordo com Garcia (1964), naquela época, a prática de correr segurando a bola com as mãos durante o jogo de futebol já era comum em algumas cidades da Escócia e no leste europeu. Segundo o autor, mesmo na Rugby School, ainda antes de William Web Ellis nascer, o jogo de futebol já possuía regras diferentes de outros locais e do futebol que conhecemos hoje em dia. Entre os anos de 1750 e 1823, as regras dessa escola permitiam o manejo da bola com a mão, porém não era permitido correr segurando-a. O número de praticantes era ilimitado e inúmeras vezes ocorriam disputas pela bola entre centenas de pessoas, formando algo semelhante ao “maul” 1, estratégia muito utilizada no rugby moderno. A escola de Rugby se notabilizou na época não só pela criação desse esporte, mas também por desenvolver um método de ensino. Nessa escola e como também em muitas outras escolas inglesas da mesma época, os esportes eram vistos como uma prática essencialmente formativa, capaz de manter os jovens longe de vícios e de brigas, atividades comuns entre a juventude inglesa da época. Um dos principais defensores do esporte como meio educativo e como parte do currículo escolar foi o Doutor Thomas Arnold, diretor da Escola Rugby em 1828. Garcia (1964) cita uma entrevista de Dr. Arnold, demonstrando o pensamento do diretor sobre os esportes dentro da escola: “Prefiro que meus alunos joguem vigorosamente ao rugby football do que gastem seu tempo com a bebida, bebedeira ou em brigas de bar. O esporte é um antídoto para a 1 Maul: Ocorre quando um jogador carregando a bola é segurado por um ou mais oponentes, e um ou mais companheiros de time se unem ao portador da bola. Todos os jogadores envolvidos devem manter os pés no solo e movem-se em direção ao gol adversário. Caso a bola seja liberada dessa formação, o maul está encerrado. 7 imoralidade e uma cura contra a indisciplina” (GARCIA, 1964, p. 48, tradução nossa). Assim, com o apoio e incentivo dos diretores e amparado por um método de ensino, o esporte começou a ganhar novos adeptos e os estudantes da Rugby School logo se viram obrigados a criar um regulamento padronizado para que o esporte pudesse ser disputado entre diferentes escolas. Em sete de setembro de 1846, durante uma assembléia geral de estudantes as regras do rugby-football foram escritas pela primeira vez, incluindo-se a permissão para conduzir a bola com as mãos, como fez Web Ellis dezessete anos antes (RUGBY FOOTBALL HISTORY, 2010). 2.1.3 Difusão do Rugby na Europa A partir do ano de 1860, muitas escolas na Inglaterra, Alemanha, França, Irlanda, entre outras, começaram a adotar as regras da Escola Rugby, possibilitando que jogos entre diferentes escolas se tornassem cada vez mais freqüentes. Com o tempo, os alunos que terminaram seus estudos passaram a fundar clubes para seguir jogando o esporte e assim a modalidade foi crescendo dentro das cidades próximas a Rugby. Com a revolução industrial e a construção de ferrovias, as variações do futebol jogadas nessa cidade se espalharam pela Europa e o “Rugby Football” começou a fazer parte das atividades de lazer de toda a elite européia (JONES, 1958; GARCIA, 1964). O aumento no número de praticantes, e conseqüente surgimento de novos clubes acabaram por influenciar mudanças nas regras e maneira de praticar o rugby, a começar pela diminuição do número de jogadores em cada equipe. Em 1871 ocorreu a primeira partida internacional, jogada entre selecionados da Inglaterra e Escócia, onde ficou definido que cada equipe poderia ter um máximo de vinte jogadores em campo (JONES, 1958; GARCIA, 1964; CAIN e CROWDEN, 2006). Segundo Jones (1958), em 26 de janeiro de 1871, foi realizada uma reunião em Londres entre representantes de clubes ingleses, onde foi fundada a 8 “Rugby Football Union”, uma espécie de Federação que seria responsável pela padronização das regras, organização de campeonatos e difusão do esporte. Nesse mesmo ano foi elaborada a primeira cartilha de regras criada pela Rugby Football Union inglesa (GARCIA, 1964), onde constava que a única maneira de pontuar seria através de um gol, que deveria ser realizado através de chute por entre dois postes verticais paralelos, que formavam uma letra “H” juntamente a outro poste horizontal, o “travessão”. Para conquistar o direito ao chute, uma equipe deveria cruzar o campo adversário e apoiar a bola no chão após os postes, regra que na época era chamada de “Try at Goal” (tentativa de gol) ou apenas “try” 2 (JONES, 1958). Alguns anos depois Escócia (1873), Irlanda (1879) e País de Gales (1881) seguiram o exemplo da Inglaterra e fundaram suas próprias federações. Essas três entidades fundaram, em 1890, a “International Board”, que mais tarde se tornaria a organização internacional responsável pelo desenvolvimento, regulamentação e organização desse esporte no mundo (JONES, 1958; GARCIA, 1964). Na tentativa de tornar o jogo mais dinâmico, em 1875 o número de jogadores foi reduzido para quinze, mesma quantidade dos dias atuais. Outra mudança também ocorreu com relação à pontuação, na medida em que o “try” passava a ser utilizado como critério de desempate ao final da partida (JONES, 1958). Com o passar dos tempos, as regras sofreram ainda outras alterações e o try passou a ser mais valorizado. Outra maneira de se praticar o rugby foi criada no ano de 1883, pelo clube escocês Melrose RFC, que de acordo com Jones (1958), realizou um evento para arrecadação de fundos, onde foi incluído um torneio de rugby reduzido a sete jogadores, para que assim pudessem ser formadas mais equipes. A fórmula resultou em um jogo muito divertido e uma boa estratégia para que os jogadores se mantivessem em atividade durante os períodos de férias, através de torneios 2 Try: Pelas regras atuais essa é a principal maneira de pontuar durante uma partida. Para realizar um try, um jogador precisa cruzar o campo adversário e apoiar a bola após a linha de fundo do campo, conhecida como “in-goal”. Atualmente o try vale 5 pontos e dá direito a um chute ao “H”, que caso seja realizado com perfeição oferece mais 2 pontos no placar. 9 festivos. Dessa forma, surgiu uma nova modalidade, chamada de “Rugby Sevena-Side”3 ou apenas Rugby Seven‟s. 2.1.4 Difusão do Rugby pelo mundo O século XIX foi marcado pela Revolução Industrial e pela ascensão da Inglaterra como a uma grande potência militar e econômica, e pela conseqüente expansão de sua influência sobre os cinco continentes. Essa influência se estende também para a área cultural, especificamente na prática esportiva. No âmbito esportivo, isso se deve ao fato de que marinheiros, trabalhadores e empresários ingleses, em suas horas vagas praticavam esportes como o “Football”, “Cricket”, “Rugby Football”, entre outros. Assim, o rugby foi levado para os quatro cantos do mundo, ganhando maior popularidade entre colônias e ex-colônias britânicas, como Austrália, Nova Zelândia e África do Sul, países que futuramente se tornariam as maiores potências mundiais desse esporte. Segundo Garcia 1964, nas últimas décadas de 1800, os All Blacks (seleção da Nova Zelândia), os Wallabies (Austrália) e os Springboks (África do Sul) realizaram viagens para jogar na Inglaterra e ilhas britânicas, onde conquistaram importantes resultados. Em pouco tempo, surgiram diversos clubes e campeonatos e o rugby passou a ser um esporte popular, com exceção da África do Sul onde em um primeiro momento, o rugby difundiu-se apenas entre a elite branca, devido ao “apartheid” (sistema político que permitia uma minoria branca dominar uma maioria negra e lhe negar direitos humanos, civis e políticos). Na América do Norte, os primeiros relatos de partidas datam de 1860, com partidas entre marinheiros britânicos no Canadá. Nos anos posteriores o rugby se desenvolveu nesse país, resultando na criação de clubes e da primeira entidade 3 A modalidade seven-a-side possui basicamente as mesmas regras que o Rugby Union, com exceção ao número de jogadores (apenas sete de cada lado) e ao tempo de jogo (dois tempos de sete minutos). Essa modalidade foi incluída entre os esportes que farão parte dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016. 10 organizadora, chamada de British Columbia Rugby Union, em 1889 (BROWN; GUTHRIE; GROWDEN, 2007). Já nos Estados Unidos (ex-colônia inglesa), praticava-se o football de diferentes maneiras. Em alguns locais o esporte praticado era mais similar ao rugby football, em outros locais ao football association. De acordo com Brown, Guthrie e Growden (2007), a primeira partida de rugby football realizada em terras norte-americanas ocorreu em 1874 e durante os anos seguintes, as regras da Escola Rugby foram as mais aceitas no país para a prática do que eles apenas chamavam de football. Os autores ainda afirmam que, em função de algumas mortes e lesões provocadas pelo esporte, o Presidente Theodore Roosevelt obrigou a reformulação de algumas regras no início do século XX, resultando na criação do “american football” ou futebol americano, que até os dias atuais é um dos esportes mais praticados nesse país. Apesar da criação do “novo” esporte em função das exigências impostas pelo Presidente Roosevelt, no estado da Califórnia o Rugby Union continuou sendo praticado, o que explicaria as medalhas de ouro obtidas nos Jogos Olímpicos de 1920 e 1924 (JONES, 1958; BROWN, GUTHRIE e GROWDEN, 2007). Concomitante com a expansão do rugby no mundo ocorreu o desenvolvimento das instituições reguladoras da prática desse esporte, as chamadas Uniões. Assim, no final do século XIX, foram criadas as uniões australianas (1874 – Sul e 1883 – Norte), sul-africana (1889) e neozelandesa (1892) de rugby football, que passaram a organizar e desenvolver o esporte dentro desses países (JONES, 1958; GARCIA, 1964). Na América do Sul o futebol ou football association, como era chamado na época, se tornou muito popular. Porém, ainda assim o rugby ganhou adeptos, se tornando mais popular na Argentina, onde foi fundada a primeira União do continente, em 1899, chamada de “River Plate Rugby Football Union” (PERASSO, 2009). 11 2.1.5 Rugby Union X Rugby League Desde sua criação, a “Rugby Union” inglesa se posicionava contrária ao profissionalismo que começava a crescer em equipes de futebol no norte da Inglaterra ao final do século XIX. Porém, segundo Garcia (1964), algumas equipes de rugby dessa mesma região começavam a oferecer incentivos financeiros para seus atletas, contrariando decisões da União e gerando atritos entre os clubes do norte e essa instituição. O resultado foi uma reunião entre 22 clubes do Norte da Inglaterra, realizada em agosto de 1895, onde ficou determinada a criação da “Northern Rugby Football Union”, que passou a permitir e incentivar o profissionalismo no rugby, além de criar suas próprias regras, como a modificação no número de jogadores. Mais tarde (em 1922) essa instituição passou a se chamar “Rugby Football League”, e em virtude das diferentes regras adotadas, separaram-se em dois esportes, conhecidos como Rugby Union e Rugby League (CAIN e GROWDEN, 2006). O Rugby League se tornou menos popular do que o Rugby Union, porém foi também difundido pelo mundo, em especial ao longo de países europeus e entre Ilhas do Pacífico, onde existem inúmeros torneios altamente profissionais até os dias atuais. A Rugby Union manteve-se contrária ao profissionalismo para que não fosse alterado o espírito e os valores relacionados ao esporte, na tentativa de manter assim a tradição do rugby (GARCIA, 1964). A cultura de amadorismo se manteve até o ano de 1995, quando finalmente a International Rugby Board (IRB) passou a permitir jogadores profissionais participando de jogos de rugby. 2.1.6 O Início do Século XX Os primeiros anos do século XX se caracterizaram pela expansão do rugby no mundo e pela crise no rugby inglês, em virtude da separação entre a Rugby Union e a Rugby League. Nesse período, as competições entre diferentes países se tornaram corriqueiras, e os países europeus presenciaram a força de Nova 12 Zelândia e África do Sul, cujas seleções mantiveram períodos longos de invencibilidade frente às equipes européias. Esse mesmo período representou o aparecimento da França para o mundo do rugby, através da medalha de ouro conquistada nos Jogos Olímpicos de 1900, onde a inclusão do rugby foi estimulada pelo Barão de Coubertin, idealizador dos Jogos Olímpicos Modernos (RUGBY FOOTBALL HISTORY, 2010). Durante a edição de 1900, a competição de rugby contou com apenas três delegações: França, Reino Unido e Alemanha (CAIN e GROWDEN, 2006). Segundo Jones (1958), o rugby na França começou a ser praticado de maneira tardia com relação aos países do Reino Unido, sendo o primeiro relato de uma partida datado de 1872, quando ingleses residentes nesse país formaram um clube em Le Havre. Porém, já no início do novo século os franceses despontavam como uma das grandes potências mundiais do rugby. Na América do Sul, a Inglaterra passava a exercer cada vez mais influência cultural, econômica e inclusive esportiva com o crescimento acelerado do futebol. O rugby começava a dar seus primeiros passos nesse continente, mas ficava restrito aos ingleses e seus descendentes. Na Argentina algumas escolas britânicas passaram a ensinar o esporte e os primeiros clubes de rugby começaram a surgir (PERASSO, 2009). No Brasil, foram realizadas nessa época algumas partidas entre marinheiros ingleses no porto de Santos e no Rio de Janeiro, e também foram criados clubes britânicos onde se praticava o rugby (NOGUEIRA, 2007). Em 1908 o rugby entrava pela segunda vez nos Jogos Olímpicos, dessa vez com a inclusão da Austrália que venceu a disputa conquistando medalha de ouro. O Reino Unido ficou em segundo, recebendo assim a medalha de prata (CAIN e GROWDEN, 2006). 2.1.7 O Período de Guerras (1914-1945) De acordo com Garcia (1964), durante o período da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a prática do rugby na Europa se resumiu a alguns eventos interescolares e algumas poucas competições. Muitas seleções nacionais 13 sofreram com a morte de jogadores em batalha e evidentemente o esporte foi deixado em segundo plano. Cenário parecido ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e durante esses dois períodos tristes da história mundial existem poucos relatos na literatura, sobre a prática do rugby. Já no período entre guerras (1918-1939), a prática do rugby foi constante e o esporte cresceu muito, com destaque para as seleções da Inglaterra, que durante a década de 20 conquistou dez de vinte torneios oficiais disputados em ambiente europeu, além das seleções da França, Nova Zelândia e África do Sul, que além de apresentarem excelente nível de jogo, conseguiam reunir milhares de pessoas durante suas partidas (GARCIA, 1964). Durante a primeira edição dos Jogos Olímpicos pós Primeira Guerra Mundial, em 1920, o rugby foi disputado por apenas dois países: França e Estados Unidos, que havia montado um time incluindo atletas de outras modalidades. Para surpresa do público presente, a medalha de ouro ficou com a equipe americana, que voltaria a vencer a competição em 1924 (BROWN, GUTHRIE e GROWDEN, 2007), última participação do rugby em Olimpíadas até a próxima edição em 2016 no Rio de Janeiro. Nesse período, o rugby começava a ampliar não apenas o número de praticantes, mas também o número de torcedores e simpatizantes do esporte (GARCIA, 1964). Com isso, o esporte começou a ser visto também como uma fonte de renda, apesar da proibição ao profissionalismo por parte da “International Board”. Por outro lado, se os jogadores eram proibidos de exercer uma atividade profissional, os dirigentes faturavam fortunas através da venda de ingressos para as partidas, conforme aponta Garcia (1964) ao tratar da relação entre a venda de ingressos e o lucro: “estimava-se ser mais lucrativa a falsificação de ingressos, do que a impressão de papel-moeda no Banco da França” (GARCIA, 1964, p. 108, tradução nossa). As grandes seleções começavam a realizar viagens ou “giras” pelos quatro cantos do mundo, incluindo Brasil, que recebeu a seleção da África do Sul em 1932 e a Inglaterra em 1936 (NOGUEIRA, 2007). Através dessas viagens buscavam promover a modalidade e conquistar o simbólico titulo de melhores do mundo. 14 Esse período marcou também o início de algumas rivalidades históricas, caso de Nova Zelândia e África do Sul, que disputaram partidas épicas e se alternaram durante anos no posto de melhor equipe do mundo. (GARCIA, 1964; CAIN e GROWDEN, 2006) Mas, também foi uma época marcada por reconciliações entre equipes que haviam rompido relações durante a Guerra. Como é o caso de França e Escócia, que em 1920 voltaram a realizar uma partida após sete anos, devido a um triste episódio de violência ocorrido durante uma partida entre os dois países no ano de 1913. Garcia (1964) retrata a partida de reconciliação, ocorrida durante um torneio simbólico, onde se enfrentaram as cinco maiores potências européias do esporte: Foi um encontro emocionante: oito escoceses e cinco franceses, presentes na partida de 1913, haviam caído no campo da honra e dois jogadores de cada uma das equipes – Thierry e Lublin Lebrere pela França, Hume e Laing pela Escócia – sofriam a perda de um dos olhos como conseqüência de feridas de confraternizaram efusivamente presidente Parlamento do guerra. e M. francês, Os jogadores Paul Deschanel, se apresentou pessoalmente às seleções no terreno de jogo. Ganhou Escócia pela pequena diferença de 5-0. Apesar da chuva, 25.000 espectadores encheram o estádio. Assim, foi batido um recorde de arrecadação em espetáculos ao ar livre. 76.880 francos da época. Durante o banquete, o robusto Usher – a quem um raivoso torcedor havia ferido através de uma pedrada durante o jogo de 1913 – amenizou o ocorrido tocando gaita (GARCIA, 1964, p. 100-101, tradução nossa). Ainda antes de se iniciar a Segunda Guerra Mundial, a França vivia sua “idade de ouro”. Os campeonatos nacionais atraiam muitos torcedores e movimentavam muito dinheiro. A seleção atingia ótimos resultados internacionais e os clubes possuíam ótima relação, resultando na criação da Federação Francesa de Rugby, que em poucos anos conseguiu tornar o rugby como um 15 esporte muito popular dentro do país e resultou em grande desenvolvimento para o esporte francês (GARCIA, 1964). Porém, no início da década de 1930, durante uma reunião entre representantes das Uniões de Rugby dos países do Reino Unido, ficou decidido pelo rompimento de relações entre as Uniões de Rugby da Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda com a Federação Francesa, em função de desavenças entre franceses e britânicos, fato que provocou grandes prejuízos para o rugby francês (JONES, 1958; GARCIA, 1964). Segundo Garcia (1964), a participação desse país na Segunda Guerra Mundial trouxe ainda maiores perdas para o esporte, que voltaria a erguer-se apenas na segunda metade do século XX, com o título europeu de 1954. 2.1.8 O Período Pós-Guerras Os primeiros anos após a Segunda Guerra Mundial foram marcados pela alternância no posto de melhor equipe européia entre as equipes da Inglaterra, Irlanda e País de Gales (RUGBY FOOTBALL HISTORY, 2010). Em âmbito mundial, a superioridade mostrada pelas equipes da Nova Zelândia e África do Sul durante suas viagens credenciava essas duas seleções como as melhores do mundo (GARCIA, 1964; CAIN e GROWDEN, 2006). Na Nova Zelândia o esporte era visto como uma paixão nacional e as partidas que envolviam a principal seleção do país, os “All Blacks”, atraiam multidões para os estádios. O respeito aos maoris, primeiros habitantes daquelas terras, era evidenciado pelos jogadores, que realizavam uma espécie de dança tribal (“The Haka”) antes de iniciar uma partida, fazendo referência a antigas tradições maoris (ACTIVE NEW ZEALAND, 2010). Já a África do Sul vivia uma situação oposta. O país começava a entrar em uma época de segregação racial e preconceito, evidenciada pela política da apartheid. Apesar de potência internacional no esporte, dentro do país africano o rugby era praticado apenas pelos brancos, elite econômica e militar, porém minoria em números absolutos. Por ser uma das maiores paixões dos brancos, os negros relacionavam o esporte e a seleção dos “Springboks” à política apartheid, 16 ou seja, o rugby era considerado um símbolo da opressão e da injustiça (CARLIN, 2009). Dentro de campo essas duas seleções ofereciam grandes espetáculos, através de partidas equilibradas, onde ambas as equipes mostravam muito respeito uma pela outra e se alternavam nas vitórias (CAIN e GROWDEN, 2006). Já fora de campo, as diferenças políticas refletiam no esporte e provocavam atritos. Garcia (1964) relata uma das viagens dos “All Blacks” à África do Sul em 1960, quando o governo sul africano proibiu a participação de jogadores com descendência maori nas partidas entre as duas equipes. Mesmo com a pressão de inúmeros maoris que lotaram o aeroporto na tentativa de impedir a viagem de sua seleção, os “All Blacks” viajaram para a África do Sul e realizaram uma série de partidas envoltas por um clima tenso e de insatisfação por parte dos neozelandeses. Esse era mais um capítulo dentro da histórica rivalidade All Blacks e Springboks. 2.1.9 Da Popularização do Esporte à Era Profissional Durante o início da década de 1960, a “International Rugby Board – IRB” mantinha-se resistente ao processo de profissionalização do rugby, apesar da visível evolução do mesmo e melhora nas condições físicas e técnicas dos jogadores. A instituição se recusava a participar dos Jogos Olímpicos e seguia fiel aos princípios e tradições amadoras que norteavam o esporte desde seu surgimento (GARCIA, 1964). Mas, apesar das exigências da IRB limitarem o crescimento, no final da década de 60 e início dos anos 70, o rugby já era um esporte consolidado e possuía praticantes e federações espalhadas por todo o mundo. Essa mesma instituição começava a se expandir pelo mundo, através da abertura para filiação de novas entidades às suas atividades, como a própria “União de Rugby do Brasil” (NOGUEIRA, 2007). Seguindo o exemplo de Austrália e Nova Zelândia, em alguns países do Pacífico, como Ilhas Fiji, Tonga e Samoa, o rugby começava a se tornar um esporte muito popular. No Canadá, segundo Brown, Guthrie e Growden (2007), a 17 União de Rugby canadense passava por reformulação no ano de 1965, visando à popularização do esporte nesse país, medida que acabou resultando na participação desse país durante a primeira edição da Copa do Mundo de Rugby, vinte e dois anos depois. Na América do Sul, muitos novos clubes surgiam e o rugby se desenvolvia de maneira acelerada, especialmente na Argentina, que surgia como grande surpresa no mundo do rugby, após vitória frente ao selecionado júnior da África do Sul em 1965 (PERASSO, 2009). Em 1972, um fato triste fez com que o rugby sul americano passasse a ser conhecido mundialmente. Durante uma viagem para o Chile, a equipe uruguaia “Old Christians” se envolveu em um acidente aéreo na Cordilheira dos Andes, onde os sobreviventes permaneceram por setenta e dois dias até serem resgatados. Mais tarde, Nando Parrado, um dos sobreviventes da tragédia afirmou que os princípios e valores oferecidos pela prática do rugby foram fundamentais para sua sobrevivência (PARRADO e RAUSE, 2006). Na Europa, a década de 1970 foi marcada pelo centenário da Rugby Football Union inglesa, em 1971 e pela supremacia da forte equipe do País de Gales, que conquistou oito títulos do maior campeonato europeu, entre dez edições disputadas. Essa mesma equipe conquistou outros inúmeros títulos e ficou marcada como uma das melhores seleções da história, contando com lendários jogadores como o médio-scrum Gareth Edwards e o fullback JPR Willians (RUGBY FOOTBALL HISTORY, 2010). Apesar de inúmeros episódios com especulações sobre qual seria a melhor equipe do mundo, até a década de 80 não se havia criado nenhum torneio oficial que oferecesse a coroa de “campeã do mundo” para alguma seleção. Naquele momento, o número expressivo de países onde o rugby era praticado trazia a necessidade de se organizar um torneio envolvendo as maiores potências do planeta (BROWN, GUTHRIE e GROWDEN, 2007). Nesse mesmo período, diversas uniões de rugby lutavam contra o iminente e inevitável profissionalismo e a criação de um torneio com alcance global seria algo negativo para a manutenção do amadorismo (RUGBY FOOTBALL HISTORY, 2010). Porém, durante a reunião anual de 1985 entre federações 18 filiadas à IRFB (atual IRB), ficou aprovada por maioria de votos a primeira Copa do Mundo de Rugby, que seria realizada em 1987 na Nova Zelândia, com a Austrália como co-anfitriã (CAIN e GROWDEN, 2006). Momentos antes de a primeira partida iniciar, a desconfiança com relação ao torneio era grande por parte de críticos que acreditavam não ser aquele o momento ideal para realizar um evento tão grandioso. Porém, no dia 22 de maio de 1987, no estádio Eden Park em Auckland, teve início a primeira Copa do Mundo de Rugby, através da partida entre Nova Zelândia e Itália, com vitória da anfitriã por 70 a 06 e sucesso absoluto por parte da organização do torneio (CAIN e GROWDEN, 2006). Além dessas duas equipes, participaram dessa primeira edição as seleções da Austrália, França, Inglaterra, País de Gales, Irlanda, Escócia, Argentina, Fiji, EUA, Japão, Tonga, Canadá, Romênia e Zimbábue (CAIN e GROWDEN, 2006). O time da África do Sul teria direito à participação, porém sua inclusão nos jogos foi vetada, como reação contrária à política da Apartheid vivida por esse país (CARLIN, 2009). Os jogos que se seguiram definiram como finalistas os “All Blacks” da Nova Zelândia contra os “Les Bleus” da França, com os anfitriões sagrando-se campeões em um estádio lotado por quarenta e seis mil torcedores, comprovando assim a fama de melhor seleção do mundo até aquele momento e conquistando pela primeira vez a “Taça William Web Ellis”, troféu oferecido ao campeão mundial, em homenagem ao suposto criador do rugby. Essa primeira competição mundial de rugby pode ser considerada um marco na história do esporte. Antes desse torneio, o rugby era visto como um esporte “feito para alegrar a quem o pratica, não para satisfazer os espectadores” (GARCIA, 1964. p. 181, tradução nossa). Porém a alta média de público, tanto nos estádios quanto por transmissão televisiva proporcionou um aumento no valor agregado ao esporte, atraindo assim inúmeros patrocinadores, o que tornava inevitável o início de um grande movimento a favor da profissionalização do rugby. Segundo Brown, Guthrie e Gowden (2007), essa primeira Copa do Mundo de Rugby da história foi assistida por mais de quinhentos mil torcedores presentes aos estádios e cerca de trezentos milhões de telespectadores. 19 A década de 80 ficou marcada também pelo crescimento do rugby feminino, que até então era pouquíssimo praticado. Em 1983 foi criada a Women Rugby Football Union (WRFU), formada por doze clubes e responsável por auxiliar na organização e desenvolvimento do rugby feminino na Inglaterra, Irlanda, País de Gales e Escócia (RUGBY FOOTBALL HISTORY, 2010). Nos Estados Unidos, durante a década de 80, o esporte feminino como um todo vivia um período de crescimento, o que motivou muitas mulheres norte-americanas à prática do rugby, elevando os EUA ao posto de melhor equipe feminina de rugby logo no início dos anos 90 (BROWN, GUTHRIE e GROWDEN, 2007). Em 1991 e 1994 foram disputados dois torneios mundiais não oficiais, onde as americanas conquistaram um título e um vice-campeonato, mesmos resultados obtidos pela seleção da Inglaterra (IRB, 2010). A década de 90 iniciou com forte pressão a favor do profissionalismo, principalmente por parte dos países do hemisfério sul, como Austrália, África do Sul e Nova Zelândia (RUGBY FOOTBALL HISTORY, 2010). Em 1991 foi disputada a segunda Copa do Mundo de Rugby, sediada por Grã-Bretanha, Irlanda e França. Assim como na primeira edição, quatro anos antes, participaram 16 equipes e atingiu audiências ainda maiores do que a edição de 1987. O público presente aos estádios ultrapassou um milhão e quase dois bilhões de telespectadores distribuídos pelos cinco continentes (BROWN, GUTHRIE e GOWDEN, 2007). O resultado desse torneio no aspecto comercial e financeiro foi excelente, oferecendo assim argumentos ainda maiores a favor do profissionalismo, como apontado por Cain e Growden (2006): “O torneio de 1991 foi o primeiro a reconhecer o potencial promocional e comercial da Copa do Mundo. Ele atraiu uma nova audiência em massa na televisão e ainda conquistou o patrocínio e apoio de grandes companhias multinacionais.” (CAIN e GROWDEN, 2006. p. 183, tradução nossa). Dentro de campo o torneio teve alto nível técnico e grandes disputas, além de marcar o retorno da Inglaterra ao grupo dos países de elite do rugby internacional. A final foi disputada por Inglaterra e Austrália, que acabou vencendo, o que provocou grande repercussão nesse país (CAIN e GROWDEN, 2006). 20 Em 1993 foi organizado pela primeira vez o Mundial de Rugby Seven-aside, na Escócia, mesmo local onde a modalidade fora criada 110 anos antes. Disputada por vinte e quatro equipes, o torneio teve como campeã a Inglaterra, que venceu a Austrália na final (IRB, 2010). As duas edições iniciais das Copas do Mundo de Rugby Union (também conhecido como Rugby XV) não contaram com a seleção da África do Sul, que durante anos foi considerada uma das melhores equipes de rugby do mundo, mas em função da política vivida por seu país ficou impedida de participar dos dois principais eventos de rugby mundial até aquele momento (CAIN e GROWDEN, 2006). Porém, em fevereiro de 1990 o governo sul-africano fornecia indícios de mudanças no sistema “apartheid” ao libertar Nelson Mandela, prisioneiro político que se tornaria um dos principais personagens da história desse país e influenciaria diretamente em um dos principais capítulos da história dos Springboks (seleção de rugby da África do Sul). Em 1994, através de eleições populares, Mandela se tornou o primeiro presidente negro da África do Sul. Durante sua posse, ao contrário do que muitos imaginavam, o presidente iniciou um processo de unificação do país pautado na integração entre brancos e negros. Nesse sentido, o mundial de rugby de 1995 se tornou uma das principais estratégias utilizadas por Nelson Mandela para alcançar seu objetivo (CARLIN, 2009). Segundo Carlin (2009), durante os vinte e oito anos de prisão, Nelson Mandela procurou compreender os costumes e idioma dos brancos com quem convivia na prisão, em geral funcionários, policiais e diretores. Um detalhe importante observado foi a paixão pelo rugby, esporte muito tradicional entre a elite dominante da África do Sul e que durante anos se manteve afastado de disputas internacionais em função de boicotes políticos. Após as eleições nas quais fora eleito presidente, Mandela iniciou uma campanha para que a África do Sul se tornasse sede da Copa do Mundo de Rugby de 1995 e se posicionou contrário aos boicotes aplicados por grupos de negros mais radicais. Após a definição desse país como sede do torneio, o então presidente apoiou de maneira muito participativa os “Springboks”, time que era visto pelos negros como símbolo 21 da repressão. Essa atitude de Mandela ficou marcada como sinal de perdão e fez com que negros e brancos passassem a apoiar a seleção nacional durante a Copa do Mundo de 1995 (CARLIN, 2009). Essa atitude do presidente da África do Sul foi uma das principais marcas dessa competição, como relata Brown, Guthrie e Gowden (2007): “O presidente Nelson Mandela abriu o torneio vestindo um casaco dos Springboks, um grande símbolo do apartheid, clamando assim por uma união da „nação arco-iris‟ através do esporte” (BROWN, GUTHRIE e GOWDEN, 2007, p. 199, tradução nossa). Durante a partida final, entre África do Sul e Nova Zelândia, por ironia do destino apelidada de “All Blacks” (todos negros), o que se viu foi um país inteiro unido a favor do Springboks, que se tornou campeão em uma partida muito disputada (CARLIN, 2009). A exemplo do que ocorreu na Copa do Mundo de 1991, a audiência para esse torneio foi enorme, comprovando a capacidade comercial do rugby (BROWN, GUTHRIE e GOWDEN, 2007). Após a Copa do Mundo, alguns jogadores importantes começaram a receber propostas para jogar “rugby league” profissionalmente, fato que gerou uma pressão ainda maior sobre a IRB em relação ao profissionalismo no “rugby union”. Assim, em 1995 a IRB decretou oficialmente que o rugby seria um esporte “aberto” e livre de limitações a respeito de pagamentos e contratos de jogadores (CAIN e GROWDEN, 2006). Nesse momento o rugby passava a oferecer grande valor comercial, atraindo assim emissoras televisivas e grandes empresas interessadas no investimento através de marketing. Para atender a essa demanda foi criado em 1995 o torneio “Heineken Cup”, envolvendo os principais clubes europeus, associado a uma grande marca de cerveja como indício do início da era profissional. No hemisfério sul foram criados dois torneios envolvendo os únicos três países campeões mundiais até aquele momento: Nova Zelândia, Austrália e África do Sul. Um dos torneios seria disputado entre as seleções desses países e ficou comercialmente conhecido como “Tri-nations”. Outro torneio seria disputado por doze equipes, que representariam diferentes regiões desses países e passou a ser conhecido como Super 12 (CAIN e GROWDEN, 2006). 22 Já em 1997 ocorreu o segundo Mundial de Seven-a-side, disputado em Hong Kong, novamente por 24 países. Marcando o início da era profissional também nessa modalidade, Fiji levou o título em um jogo memorável contra a Nova Zelândia, com mais de quarenta mil torcedores presentes ao estádio (IRB, 2010). Em meio a um período de grande divulgação e popularização do rugby, 1998 é marcado pela primeira Copa do Mundo de Rugby feminina oficial, regida pela International Rugby Board (IRB, 2010). Apesar de não alcançar resultados tão expressivos quanto a versão masculina, a competição serve como estímulo para o desenvolvimento do rugby feminino no mundo. A final do torneio é disputada entre Estados Unidos e Nova Zelândia, que assim como na disputa masculina de 1987 torna-se a primeira equipe campeã mundial de rugby feminino (RUGBY FOOTBALL HISTORY, 2010). Em 1999 acontece a primeira Copa do Mundo da era profissional do rugby, com partidas realizadas na Inglaterra, França, Escócia e Irlanda. Quebrando todos os recordes de audiência das edições anteriores, cerca de 3.1 bilhões de pessoas puderam assistir ao vivo o torneio, que foi finalizado com o segundo título mundial conquistado pela Austrália contra a surpreendente equipe da França que derrotou os favoritos “All Blacks” na semifinal (BROWN, GUTHRIE e GOWDEN, 2007). No ano 2000, a competição entre seleções de rugby mais antiga que se tem relato, disputada desde 1883, por França, Inglaterra, Irlanda, País de Gales e Escócia, passa a ter sua versão comercial com a inclusão da Itália e mudança no nome para “Six Nations” (seis nações), tornando-se assim um torneio com estrutura profissional, capaz de atrair patrocinadores e mídia (CAIN e GROWDEN, 2006). No ano seguinte, o terceiro Mundial de seven-a-side marcaria a primeira vez na história que a América do Sul receberia um torneio de primeiro nível mundial. Disputada em Mar del Plata, na Argentina, 24 países competiram 23 durante dois dias4, sagrando-se campeã a equipe da Nova Zelândia, liderada por um dos principais jogadores do início do profissionalismo, Jonah Lomu (IRB, 2010). Em 2002 foi disputada na Espanha a segunda Copa do Mundo de Rugby feminino, com a inclusão de países em desenvolvimento como Japão e Samoa. O evento foi ainda maior que a primeira edição e teve como campeã novamente a seleção da Nova Zelândia (RUGBY FOOTBALL HISTORY, 2010). Quatro anos após a terceira Copa do Mundo de Rugby XV masculina, o mundo pode ver um evento ainda maior em termos de espetáculo, valores comerciais e divulgação. A Copa do Mundo da Austrália em 2003 chegou a ser comparada aos Jogos Olímpicos de 2000 realizados no mesmo país três anos antes, conforme aponta Chariot (2003): “Just like the Olympics, only bigger!” 5. Somados todos os jogos da competição o número de telespectadores chegou a marca de quase 4 bilhões, distribuídos em mais de duzentos países [incluindo o Brasil] e ainda o público presente aos estádios superou as marcas alcançadas nas edições anteriores (CHARIOT, 2003). Com um total de 48 partidas disputadas em dez cidades australianas, o torneio teve como campeã a Inglaterra liderada por Johny Wilkinson, apontado como um dos melhores jogadores de rugby da história (CHARIOT, 2003). Esse foi o primeiro título mundial conquistado por um país europeu, apesar de as origens do rugby estarem vinculadas a esse continente. Seguindo a tendência de grandes espetáculos relacionados ao rugby nessa década, em 2005 foi realizado o quarto Mundial de Seven-a-side, novamente com sede em Hong Kong, superando recordes de audiência das edições anteriores. Pela primeira vez a competição contou com duas seleções sul-americanas, 4 O formato do jogo seven-a-side permite que uma competição seja disputada em curtos períodos de tempo. Sendo esse um dos principais motivos por ser a modalidade escolhida para representar o rugby nos Jogos Olímpicos de 2016. 5 Tradução do autor: “Assim como nas Olimpíadas, apenas maior!”. Comentário feito por uma emissora de televisão durante transmissão da abertura da Copa do Mundo de Rugby em 2003, reproduzido por CHARIOT, 2003, p. 11. 24 Argentina e Uruguai. Porém, os campeões foram novamente os fijianos que derrotaram a seleção da Nova Zelândia na final (IRB, 2010). Em 2006 disputou-se pela terceira vez oficialmente, a Copa do Mundo feminina de Rugby XV. O alto nível técnico alcançado e o aparecimento de novas equipes foram indícios de melhorias no desenvolvimento do rugby feminino mundial. As campeãs foram novamente as neozelandesas, durante o torneio que foi disputado no Canadá, sendo a primeira vez que um país não europeu sediou a competição (IRB, 2010). A Copa do Mundo de Rugby XV masculina de 2007 contou com um longo processo de classificação para composição das vinte equipes que disputaram a competição. As oito melhores colocadas na Copa de 2003 tiveram vaga garantida. Já as outras doze disputaram inicialmente eliminatórias regionais até a definição das vagas através do sistema de “repescagem” entre países de diferentes continentes (BROWN, GUTHRIE e GROWDEN, 2007). Antes da competição, a expectativa era de um evento ainda maior do que o torneio disputado quatro anos antes, como relatam Cain e Growden (2006): O comitê organizador da Copa da França 2007 diz que o evento será o maior de todos os tempos, com a previsão de que 2.5 milhões de fãs assistirão aos jogos nos estádios, enquanto quatro bilhões de pessoas acompanharão as partidas via 250 diferentes canais de comunicação, ao longo do mundo (CAIN e GROWDEN, 2006, p. 187, tradução nossa). O torneio teve início em sete de setembro de 2007, com sede na França e algumas partidas realizadas na Irlanda, País de Gales e Escócia. Superando as expectativas, a competição foi vista por mais de quatro bilhões de telespectadores e cerca de 2.2 milhões de ingressos vendidos (RUGBY FOOTBALL HISTORY, 2010). Em campo, um dos maiores destaques ficou com a seleção Argentina “Los Pumas”, que venceu na partida de estréia a anfitriã França e apesar de possuir uma estrutura amadora em suas competições nacionais, conquistou o terceiro lugar da competição, com apenas uma derrota para a campeã África do Sul, que voltava a conquistar o título de melhores do mundo após doze anos. 25 O impacto da Copa do Mundo da França para os argentinos foi enorme, resultando na enorme procura por interessados em praticar o esporte em clubes desse país. Além disso, após o resultado alcançado os “Pumas” foram convidados para participar da competição “Tri-nations” a partir de 2012, fazendo companhia aos “Springboks”, “Wallabies” e “All Blacks”, representantes de África do Sul, Austrália e Nova Zelândia respectivamente. Encerrando a primeira década do século XXI, em 2009 foi disputada mais um Mundial de Seven-a-side, com a novidade de que o torneio seria disputado em Dubai, nos Emirados Árabes e contou pela primeira vez com a competição feminina. Na chave masculina, a final foi disputada por Argentina e País de Gales, que se tornou campeão pela primeira vez. A Argentina mostrou mais uma vez ao mundo a força do rugby jogado nesse país, conquistando um excelente resultado dois anos após sua melhor participação em campeonatos mundiais de Rugby XV. Na chave feminina, as australianas conquistaram o título jogando a final contra a Nova Zelândia. Porém, para os brasileiros esse torneio foi considerado um dos maiores marcos da história do rugby no país. Após seis títulos sulamericanos conquistados de maneira invicta, a seleção brasileira feminina de Rugby Seven‟s conquistou o direito de disputar o Mundial. Após uma longa preparação, a equipe viajou para Dubai e realizou uma excelente campanha para um país com pouca tradição em competições internacionais. Com três vitórias em seis partidas disputadas, o Brasil terminou com a segunda colocação da “Taça bronze”, equivalente ao décimo lugar na classificação geral. Dessa maneira, o rugby brasileiro passou a ser mais valorizado pela IRB e pelo próprio COB (Comitê Olímpico Brasileiro), que passaram a oferecer uma quantia em dinheiro anual destinada ao desenvolvimento do rugby feminino no Brasil. No início de 2010, o Brasil voltou a disputar um mundial feminino, porém na ocasião a competição foi restrita a atletas universitárias. A sexta colocação geral alcançado pela seleção brasileira foi considerada uma excelente posição durante a disputa ocorrida em Portugal. Na atualidade o rugby se tornou um dos esportes coletivos com maior número de praticantes no mundo, além de possuir um enorme valor comercial agregado, através de clubes e torneios altamente profissionais. A inclusão do 26 esporte nos Jogos Olímpicos gera uma expectativa grande com relação ao desenvolvimento do rugby e aumento no número de praticantes e clubes. A IRB passa a investir cada vez mais em países em desenvolvimento, fazendo com que o rugby cresça também em locais distintos aos países com tradição na modalidade. O amadorismo já começa a fazer parte do passado, apesar de ser ainda mantido em alguns países tradicionais, como Argentina, onde existem muitos críticos ao profissionalismo, por possuírem dúvidas com relação à manutenção do “espírito do rugby” em um ambiente profissional. Na América do Sul, as expectativas com relação à década que se inicia são altas, em virtude das Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro, onde o rugby voltará ao programa olímpico e devido ao ingresso da Argentina no grupo de países que disputam o “Tri-nations”, trazendo para o continente sul-americano uma competição de excelente nível internacional. 27 2.2 História do Rugby no Brasil No final do século XIX, o Brasil passava por grandes mudanças, com a chegada de inúmeros imigrantes ingleses, como conseqüência do processo de desenvolvimento industrial vivido pelo país (PRIORE e VENÂNCIO, 2001). Os engenheiros e funcionários britânicos traziam consigo também os costumes da juventude, entre os quais a prática de esportes, como o futebol, hóquei, críquete e rugby, que eram praticados durante seus momentos de lazer. Com o objetivo de se reunir em um local apropriado para a prática de esportes, os ingleses passaram a fundar clubes, possibilitando assim a participação de pessoas que não estivessem ligadas às empresas. Alguns desses clubes tiveram grande importância na história do rugby. Em 1872, foi fundado o Rio Cricket A. A., de onde saíram muitos jogadores para compor as primeiras seleções estaduais nas primeiras décadas do século XX. Em 1888, foi fundado na capital de São Paulo, o SPAC (São Paulo Athletic Club), até hoje um dos clubes mais tradicionais da cidade e uma das grandes potências do rugby nacional (NOGUEIRA, 2007). Em 1891 foi fundado no Rio de Janeiro o Clube Brasileiro de Futebol Rugby, onde por iniciativa de Luiz Leonel Moura o rugby foi introduzido em terras cariocas (MAZZONI, 1950). Em 1874, nascia o brasileiro Charles William Miller, filho de pai escocês e mãe brasileira com origem inglesa. Aos nove anos de idade o garoto foi enviado para a Inglaterra com o objetivo de estudar. Lá, aprendeu sobre o idioma, sobre os costumes ingleses e também sobre os esportes, muito praticados nas escolas de Hampshire, cidade onde viveu. O jovem se destacou como excelente jogador de futebol, tendo participado inúmeras vezes do selecionado de Hampshire, onde defendia a equipe do Suthampton Football Club (CALDAS, 1988). Mas durante sua estadia na Europa, Miller também foi excelente jogador em esportes como o rugby e o críquete (MAZZONI, 1950). Aos vinte anos de idade, em 1894, o jovem Charles Miller voltava ao Brasil como empregado da “São Paulo Railway Company” e trazia em sua bagagem alguns objetos curiosos, como bolas, um livro de regras de futebol association (antecessor do futebol moderno), chuteiras e outros materiais esportivos (GIGLIO, 28 2007). Nos seus momentos de lazer, ele passou a se dedicar ao seu esporte favorito, o futebol. E assim, auxiliou a fundar clubes e difundir essa modalidade no Brasil, entrando para a história como o “pai do futebol” brasileiro, apesar de ter sido também um dos responsáveis pela introdução do rugby no país. Em 1895, Miller foi responsável por organizar o primeiro time de rugby em São Paulo (MAZZONI, 1950; BRENTANO, 2002). Giglio (2007) afirma que antes de Miller o futebol era jogado em diferentes partes do Brasil, porém com regras distintas. Possivelmente, em algumas escolas ou fábricas a modalidade jogada era o rugby football, que acabou se perdendo após a difusão das regras do association football. O autor aponta ainda a importância dos trabalhadores de estradas de ferro que, através da prática dessa modalidade em diferentes cidades, auxiliaram na popularização do futebol por todo ambiente nacional. O rugby seguia por um caminho parecido, porém por algum motivo não encontrado na literatura, os dois esportes tomaram rumos distintos. Nessa mesma época, algumas partidas de rugby foram jogadas também entre funcionários de diferentes empresas britânicas instaladas no país e marinheiros mercantes durante suas estadias no Brasil, em especial no porto de Santos. E assim, através de partidas esporádicas durante o final do século XIX e início do século XX, o rugby começava a se desenvolver lentamente no Brasil (NOGUEIRA, 2007). Por volta de 1920, surgem os clubes São Paulo Rugby Football Club e Britânia Football Club, que junto com o clube SPAC, começam a realizar partidas de rugby em campos emprestados pelo clube Societtá Palestra Itália e pela empresa São Paulo Railway Company. Ainda na década de 20, são realizados os primeiros jogos inter-estaduais de rugby entre paulistas e fluminenses, cuja maioria dos jogadores saíam do Clube Rio Cricket. As partidas eram acompanhadas sempre por grandes celebrações entre os jogadores, seguindo os costumes ingleses, que chamavam essa confraternização de terceiro tempo (NOGUEIRA, 2007). A década seguinte foi marcada pelo crescimento no número de praticantes e na quantidade de partidas, inclusive partidas internacionais como o amistoso 29 com a seleção da África do Sul em 1932 e com a Inglaterra em 1936 (NOGUEIRA, 2007; CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE RUGBY, 2010). A Segunda Guerra Mundial, a exemplo do que ocorreu na Europa, marcou um período muito pobre para o rugby brasileiro, em virtude da grande quantidade de jogadores que se alistaram no exército (DUARTE, 2000). Um personagem muito importante no período pós-guerra foi Jimmy Macintyre, escocês que havia participado da fundação do São Paulo Rugby Football Club e que deixou de jogar durante a guerra. Segundo Nogueira (2007), ele foi o responsável por organizar a primeira excursão internacional de um combinado brasileiro, que na ocasião foram ao Uruguai, onde disputaram três partidas, com vitória brasileira em todas, inclusive contra a seleção uruguaia. Durante a década de 50, o rugby brasileiro começou a se reestruturar apesar das baixas sofridas com a guerra. Os jogos estaduais e interestaduais voltaram a ser corriqueiros e novos adeptos do esporte começaram a aparecer. Porém, por questões administrativas e políticas, nessa época as partidas deixaram de ser realizadas no campo de Pirituba, principal local para a prática do rugby em São Paulo (NOGUEIRA, 2007). Com isso, alguns membros do SPAC começaram a buscar um novo local para a prática do rugby e compraram uma área alagada, próxima a represa de Guarapiranga, no bairro de Santo Amaro, onde construíram uma nova sede para o clube e um campo oficial de rugby (MILLS, 1994; NOGUEIRA, 2007). Esse local seria por muitos anos, o único campo oficial e exclusivo para o rugby no Brasil. Durante a década de 60, a exemplo do que ocorria no mundo todo, o rugby brasileiro continuava em ascendência. Em 1960 foi fundado o clube Aliança RFC, formado por franceses, ingleses, argentinos e alguns poucos brasileiros da elite econômica paulista. No ano seguinte a colônia japonesa conquistava o seu espaço para a prática do rugby, através da fundação do Nippon Country Club (NOGUEIRA, 2007; CBRU, 2010). Não eram apenas clubes que começavam a crescer, mas também equipes que surgiam dentro das universidades, o que evidencia a mudança no perfil dos praticantes de rugby. Anteriormente, apenas estrangeiros ou descendentes jogavam rugby e já durante a metade da década de 60, os brasileiros começavam 30 a adotar a modalidade. A primeira partida entre equipes universitárias foi disputada pelas equipes dos cursos de engenharia da Universidade Mackenzie e da faculdade de medicina da Universidade de São Paulo, em 1966 (NOGUEIRA, 2007). Porém, o maior marco do crescimento do rugby no Brasil durante a década de 60, foi a criação da União de Rugby do Brasil, em 6 de outubro de 1963, que viria a ser reconhecida pela International Rugby Board no final da década (CBRU, 2010). No ano seguinte, a recém criada entidade, organizou o III Campeonato Sulamericano de Rugby, no qual o Brasil terminou com a segunda colocação. Jogando com uma equipe formada quase exclusivamente por estrangeiros, a seleção brasileira perdeu apenas para a campeã Argentina, e alcançou o resultado que até os dias atuais nunca mais foi igualado (NOGUEIRA, 2007). Apesar do excelente resultado alcançado, o rugby brasileiro possuía um déficit muito grande quanto à renovação e categorias de base, em relação às principais potências do esporte no continente. Nesse sentido, a década de 70 se iniciava com algumas iniciativas do presidente da URB Leon Willian Rheims, que visavam o desenvolvimento do rugby infanto-juvenil em São Paulo (NOGUEIRA, 2007). Assim, segundo Martoni (2010), durante esse período escolas tradicionais da capital paulistana passaram a contar com equipes de rugby, como é o caso dos colégios Rio Branco, Santa Cruz, Pueri Domus, Porto Seguro, Liceu Pauster, São Luis, Objetivo, entre outras (informação verbal)6. Em 1972, a URB passa a ser reconhecida pelo Conselho Nacional de Desportos, mas por determinações dessa instituição passa a se chamar Associação Brasileira de Rugby, ou ABR. No ano seguinte o Brasil é novamente sede do Campeonato Sulamericano de Rugby, dessa vez não alcançando um resultado tão expressivo quanto na ocasião anterior (NOGUEIRA, 2007). Durante essa década novas equipes universitárias surgiram, com destaques para as equipe da Escola Politécnica (Poli) na USP e Universidade Mauá. De acordo com Cenamo (2010), a equipe da Poli foi fundada em 1971, 6 Comunicação pessoal com Antonio Martoni em outubro de 2010. Martoni é ex-jogador e fundador do Clube Bandeirantes R.C., ex-jogador e ex-treinador da seleção brasileira de rugby e atual Diretor Técnico da Confederação Brasileira de Rugby. 31 com o objetivo de disputar torneios juntamente com os clubes tradicionais, e para isso contava com alunos de outras faculdades da USP, como EEFUSP, FAU, IME, entre outros (informação verbal)7. Já a equipe da Mauá, também possuía uma forte equipe, que acabou por sagrar-se campeã brasileira em 1977, contando com o reforço de alguns jogadores que haviam jogado juntos no Colégio São Luis, durante o início da década (informação verbal)6. Ainda durante a década de 70, apesar do surgimento de novos times, como o Barbarians RFC, Guarapiranga Golf Clube e Niterói RFC, os torneios regionais praticamente não existiam e a seleção brasileira realizava poucas partidas ao longo do ano (informação verbal)7. Porém, o aumento no número de equipes e jogadores, além do início dos investimentos nas categorias de base são indícios do início de um período de popularização do rugby no Brasil, ao final da década de 70 e início dos anos 80. Mas uma fatalidade logo no início da década de 80 marcou o fim do rugby escolar, que havia se desenvolvido amplamente na década anterior, provocando um enorme prejuízo para o desenvolvimento do rugby no Brasil. Durante uma partida da equipe da Escola Politécnica, um dos jogadores que também havia sido jogador do Colégio Santa Cruz, sofreu um acidente que provocou uma fratura na coluna cervical, gerando um quadro de tetraplegia. Segundo Martoni (2010), o impacto desse acidente foi o término dos torneios interescolares de rugby, culminando com o fim das equipes escolares, em função da desconfiança com relação ao esporte por parte de pais de alunos e professores. Na época as equipes escolares representavam as categorias de base do rugby brasileiro (informação verbal)6. Em função desse e outros acidentes similares que ocorreram nessa época no mundo, a IRB decidiu por alterar algumas regras do jogo, visando a segurança dos jogadores. Atualmente, acidentes dessa natureza são muito raros dentro do rugby. Apesar desse episódio, a década de 80 também foi marcada pelo surgimento de novas equipes, o que pode ser considerado como um fator 7 Comunicação pessoal com Odilon Afonso Vieira Cenamo, em novembro de 2010. Cenamo é ex- jogador da equipe da Poli-USP, participou da fundação do clube Pauster A.C. e do time de rugby SPFC. 32 importante para o desenvolvimento do rugby no país, na medida em que surgiam novos locais para a prática do esporte. Em 1981, foi fundado o Pauster A.C., formado por ex-alunos do Colégio Liceu Pauster, que apesar da separação com o colégio, manteve estreita relação com a colônia francesa no Brasil, além da utilização das cores da bandeira francesa (PACRUGBY, 2010). Por falta de apoio da Universidade, no início da década de 80, um grupo de jogadores da equipe Mauá, que anteriormente haviam jogado no Colégio São Luis, foi convidado para jogar no Nippon Country Club. Entre os atletas que faziam parte desse grupo, se destacava Antonio Martoni e Cristian Besse, que jogavam na seleção principal do Brasil. Porém, a parceria não atingiu os objetivos pretendidos de fomentar o rugby dentro do clube e os mesmos jogadores acabaram fundando um novo clube em 1981, chamado Bruder Rugby, contando com apoio da Secretária de Esportes da cidade de São Paulo, que oferecia as instalações do CDM Joerg Bruder, em Santo Amaro para treinos e um campo na Vila Mariana para jogos (informação verbal)6. Após dois anos de atividade, em virtude de mudanças na política da Secretária de Esportes, o Bruder perdeu apoio e o local para treinamentos. Com isso, os jogadores que faziam parte dessa equipe fundaram um novo clube, que teria como meta difundir o rugby paulistano para outros locais do Brasil e outros países através de viagens. Assim, em alusão aos “bandeirantes” portugueses foi fundado em 1983 o Clube de Rúgbi Bandeirantes, um time com administração brasileira, ao contrário dos principais clubes da época, que eram administrados por ingleses, franceses, japoneses, uruguaios e argentinos (informação verbal)6. Outro fator importante para o desenvolvimento do rugby nesse período foi a difusão do rugby brasileiro nos meios de comunicação, em grande parte devido ao surgimento de um time de rugby dentro de um dos maiores clubes de futebol do país, o São Paulo Futebol Clube. O time foi formado em 1983 principalmente por alguns ex-jogadores da Poli e do Colégio Santa Cruz, que após término dos estudos buscavam um local para continuarem praticando rugby. A diretoria do SPFC apoiou o time através da contratação do técnico argentino Luis Novillo, da utilização de um campo dentro do clube para jogos e da confecção de um jogo de uniformes, porém não permitia a utilização de campo para jogos, o que obrigou o 33 time a treinar em um espaço na “Praça do Relógio”, dentro do campus da Cidade Universitária da USP (informação verbal)7. Nesse mesmo ano o time venceu o campeonato brasileiro da segunda divisão e em função dos resultados, conquistou junto à diretoria do clube o direito de utilização do campo social para treinamentos. Além disso, no início de 1984, a equipe disputou uma partida no Estádio do Morumbi, contra o time do Nippon, valendo como preliminar de jogo válido pelo Campeonato Brasileiro de futebol, entre as equipes do SPFC e do Bahia, que contou com a presença de quase quinze mil espectadores e transmissão ao vivo por televisão, fato inédito até aquele momento para o rugby brasileiro (informação verbal)7. Nos anos seguintes o time do SPFC continuou disputando inúmeros torneios e divulgando o rugby através da mídia esportiva, porém após a troca na diretoria do clube em 1988, por razões políticas o time de rugby foi dissolvido (SERRA, 2009). Apesar do início da popularização do rugby no país, durante a década de 80 o Brasil passava por uma grande crise econômica, que acabou repercutindo no rugby brasileiro, na medida em que os clubes e seleções reduziram a quantidade de viagens para o exterior (NOGUEIRA, 2007), o que influenciou no desenvolvimento técnico dos jogadores brasileiros durante esse período. Um indício de que o nível técnico dos jogadores foi afetado pela falta de jogos internacionais, é o primeiro torneio disputado, em 1989, após quase uma década sem esse tipo de disputa, onde segundo Nogueira (2007), o Brasil terminou na quarta colocação, conquistando apenas uma vitória frente ao selecionado do Paraguai. Já durante o início da década de 90, o Brasil voltava ao cenário internacional do rugby, quando surgiu uma grande rivalidade com o Paraguai pelo posto de quarta potência do continente sul americano (informação verbal)6. No mesmo período, a ABR comandada pelo engenheiro Luis Eduardo de Magalhães Gouvêa, passou a dedicar-se a atualização do conhecimento técnico, através de palestras e cursos oferecidos por árbitros e treinadores estrangeiros (NOGUEIRA, 2007). Porém, em 1994 o então presidente da ABR Luis Eduardo Gouvêa faleceu, interrompendo as atividades da entidade, o que culminou em uma séria crise 34 financeira, solucionada em parte graças ao esforço dos clubes tradicionais para reerguer a associação. Interinamente, Sérgio Costa assumiu a entidade e através de ação conjunta com os clubes, a ABR conquistou sua primeira sede administrativa (informação verbal)6. A estruturação da entidade ainda passaria por novas mudanças positivas após a presidência de Jean François Teissere, que assumiu a gestão em 1996 (NOGUEIRA, 2007). Como conseqüência do aparecimento de novos clubes na década anterior, nos anos 90 pela primeira vez o rugby brasileiro passava a contar com campeonatos regionais em dois estados diferentes (RJ e SP). Além disso, segundo Martoni (2010), nesse período os clubes passaram a possuir categorias de base, o que indica preocupação com a renovação do esporte (informação verbal)6. No interior de São Paulo surgem muitos novos focos de crescimento do rugby, com novas equipes em cidades como São José dos Campos, Piracicaba, Campinas, Jundiaí, São Carlos, Bauru e Ribeirão Preto. No sul do país também surgem novos trabalhos de difusão do esporte, em especial nas cidades de Curitiba e Florianópolis (NOGUEIRA, 2007). O rugby universitário passa por um período de crescimento também nesse período, em especial na cidade de São Paulo, onde surgem inúmeras novas equipes e onde a Federação Universitária Paulista de Esportes (FUPE) passa a organizar um campeonato apenas para universidades (informação verbal)6. No âmbito internacional, em 1996 o Brasil disputa pela primeira vez um torneio eliminatório para a Copa do Mundo, que seria realizada em 1999. Em virtude da falta de dinheiro por parte da ABR, os jogadores financiam todos os gastos da seleção, que não conquista o direito de disputar a principal competição mundial. Apesar da não classificação, após as eliminatórias a IRB passa a reconhecer o Brasil como um país em desenvolvimento, e assim inicia uma relação entre as duas entidades, resultando no aporte de verbas por parte da IRB a partir do ano 2000 (informação verbal)6. Em 1999, a Confederação Sul Americana de Rugby optou pela divisão em dois grupos de países de acordo com o grau de desenvolvimento apresentado. O Brasil optou por fazer parte do grupo B, onde estariam seleções teoricamente 35 mais fracas e assim é campeão do primeiro torneio sulamericano “B” disputado no ano 2000 (informação verbal)6. A primeira década do século XXI foi marcada pelo aumento expressivo no número de clubes, jogadores e pela expansão do esporte pelo território nacional, influenciados pela fundação das primeiras federações regionais. Segundo Brentano (2002), no ano de 2002 existiam no Brasil cerca de 20 clubes, distribuídos em apenas 8 estados. Já em 2009, de acordo com censo realizado, o número de equipes passou para cerca de 280, entre clubes e times universitários, espalhados entre 23 dos 27 estados que compõem o país (ITOKAZU, 2010). De acordo com Martoni (2010), atualmente a Confederação Brasileira de Rugby conta com quase dez mil associados, porém estima-se que existam no total cerca de trinta mil jogadores de rugby no país, entre federados e jogadores “casuais”, que praticam o esporte apenas por lazer (informação verbal)6. Os torneios universitários se tornaram muito disputados, especialmente no estado de São Paulo, onde a modalidade cresce muito a cada ano (SALDAÑA, 2010). Na atualidade, a maioria das Universidades possui equipes de rugby e algumas, como USP e Mackenzie, possuem mais de uma equipe e realizam torneios internos. O rugby feminino foi uma modalidade que se desenvolveu muito rapidamente durante a primeira década do século. Em pouco tempo a seleção brasileira feminina se tornou a maior potência sul americana da modalidade, conquistando seis entre seis torneios disputados e conquistando a oportunidade de representar o país pela primeira vez durante uma Copa do Mundo de Rugby, em 2009 quando terminaram na décima colocação. Martoni (2010), acredita que um dos principais motivos pela expansão do rugby nessa década tenha sido o aparecimento do rugby com maior freqüência aos meios de comunicação, como televisão, revistas, jornais e até mesmo internet. Grandes emissoras pagas passaram a transmitir partidas de rugby, e um dos maiores marcos talvez seja a Copa do Mundo de 2007, onde segundo Martoni (2010) a emissora ESPN obteve seus maiores índices de audiência daquele ano (informação verbal)6. Mas o trabalho dos clubes tradicionais também teve grande influência no 36 desenvolvimento da modalidade. No interior de São Paulo, especificamente em São José dos Campos, o São José Rugby além de haver se destacado como a maior potência da modalidade no país, teve importante papel como difusor do rugby, na medida em que participou ativamente na fundação de novos pólos de prática do esporte, com maior destaque para o trabalho realizado nas cidades de Jacareí, Taubaté e Ilha Bela, onde surgiram novos clubes de rugby. Outro ramo de crescimento do rugby no Brasil iniciado nessa década é o chamado “rugby social”, projetos sociais utilizados por clubes e pessoas ligadas ao rugby como ferramenta para educação e integração social. Dessa maneira surgiram projetos de destaque como os projetos “Rugby Para Todos”, “Bandeirantes do Rugby”, “Hurra” e “Pequeninos do Jockey” em São Paulo, “Aprendendo e jogando rugby” em São José dos Campos, “Vivendo o rugby” em Curitiba, entre outros. Em São José dos Campos, o principal clube dessa cidade viu no projeto uma maneira de desenvolver suas categorias de base e colheu ótimos resultados práticos, com o aparecimento de inúmeros jogadores para compor o elenco principal do clube e em alguns casos de seleções brasileiras (informação verbal)8. Já o Projeto Rugby Para Todos, criado em 2004 por dois jogadores do Pauster A.C. reúne diversas crianças da comunidade Paraisópolis no bairro do Morumbi em São Paulo e durante seis anos de atividade se destacou como um projeto de sucesso dentro da comunidade (IRPT, 2010). O Projeto Bandeirantes do Rugby foi criado com o objetivo de difundir o rugby dentro da cidade de São Paulo e utilizar o esporte como meio de integração social para crianças e jovens, além de fornecer ao clube jogadores para suas categorias de base. O Projeto conta com apoio do Ministério do Esporte, através da Lei de incentivo ao esporte, e assim possui profissionais contratados e responsáveis pelas atividades. Outro incentivo do governo federal surgido durante essa década que auxiliou jogadores do país na prática desse esporte foi a “Bolsa Atleta”, que 8 Comunicação pessoal com Mauricio Coelho, professor de educação física idealizador do “Projeto Aprendendo e jogando rugby”, em outubro de 2010. Coelho é treinador da seleção brasileira de rugby seven’s e jogador do clube São José Rugby. 37 oferece um valor mensal para jogadores de destaque. Esse pode ser considerado um dos primeiros indícios de profissionalismo no rugby brasileiro. Ainda com relação ao desenvolvimento do rugby, um marco importante foi o aparecimento de inúmeros campos exclusivos para a modalidade pelo país. Se nas décadas anteriores, o campo do SPAC em Santo Amaro era visto como o único oficial e exclusivo no país, nos anos 2000 clubes como Bandeirantes, Pauster, São José, Curitiba passaram a possuir campos próprios. Além desses locais surgiram novos campos em cidades onde o rugby era pouco praticado no passado, como Indaiatuba (SP), Bento Gonçalves (RS) e Vinhedo (SP), onde o campo foi conquistado pela Federal R.C., após parceria com a prefeitura da cidade em 2008. A parceria ofereceu resultados, na medida em que a equipe conquistou em 2010 o acesso para a primeira divisão do campeonato brasileiro (informação verbal)9. No aspecto competitivo, essa década foi marcada pela criação de novos torneios regionais, influenciados pelo surgimento de novas Federações Regionais. Com isso o rugby começou a se descentralizar dos grandes centros SP/RJ. Nos torneios nacionais, o destaque da década foi a equipe do São José Rugby, com seis títulos, seguida pelo Bandeirantes com dois. Internacionalmente, o Brasil teve uma significante melhora, passando da 69ª posição no ranking em 2001 para a 25ª em 2009 (IRB, 2010). Apesar de derrotas frente à Argentina, Uruguai e Chile, a seleção brasileira de rugby se firmou como quarta maior potência do continente ao garantir uma invencibilidade de três anos em partidas com o Paraguai e assim garantindo-se como integrante do grupo A da Confederação Sulamericana de Rugby. Já na modalidade seven a side, o Brasil conquistou resultados excelentes em torneios internacionais, e em função da incorporação dessa modalidade aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, muitas grandes empresas como Topper e Bradesco, passaram a investir financeiramente, oferecendo melhores condições para os atletas e para o desenvolvimento do rugby no Brasil. Em função da inclusão do rugby nas Olimpiadas, a Associação Brasileira de Rugby se transformou em Confederação Brasileira de Rugby (CBRu), por 9 Comunicação pessoal com Flávio Machado, diretor administrativo da Federal R.C., em outubro de 2010. 38 determinação do Comitê Olímpico Brasileiro. Com a mudança, a CBRu passou a receber maiores incentivos através de leis governamentais e iniciou o trabalho focada no desenvolvimento do rugby brasileiro para a Olimpíada de 2016. A década atual se inicia com grandes perspectivas com relação ao futuro do rugby brasileiro. O investimento por parte de grandes empresas surge como um estímulo para que os clubes aprimorem a estrutura administrativa e desenvolvam as categorias de base. Algumas leis recém-criadas oferecem melhores condições para a estruturação de clubes e federações. A oportunidade da bolsa atleta e da participação nos Jogos Olímpicos servem de estímulo para os jogadores e treinadores brasileiros, o que gera a perspectiva para o início do profissionalismo no Brasil. As comissões técnicas começam a se tornar profissionais, ampliando assim o mercado de trabalho para as pessoas envolvidas com o rugby. 39 2.3 Aspectos Formativos do Rugby Desde seu surgimento, o rugby sempre foi cercado por certo romantismo, envolvendo lendas e histórias sobre conquistas alcançadas por praticantes do esporte. Façanhas como o ato de William Web Ellis, que correu com a bola nas mãos pela primeira vez na história no ano de 1823, possibilitando assim o surgimento de um novo esporte (GARCIA, 1964) ou a vitória histórica da seleção de Gales, frente à quase invencível seleção da Nova Zelândia de 1905, que resultou em um laço de amizade muito forte entre jogadores galeses e neozelandeses (WILLIAMS, 1973) ou até mesmo o encontro entre França e Escócia, pós Primeira Guerra Mundial, onde os jogadores de ambos os times selaram a paz em um grande banquete, assim que finalizada a partida (GARCIA, 1964). Também deve ser lembrada a história sobre o trágico acidente aéreo de uma equipe de rugby uruguaia, quando os valores e princípios derivados da prática desse esporte auxiliaram durante a luta pela sobrevivência (PARRADO e RAUSE, 2006). Carlin (2009) relata ainda a história de Nelson Mandela, primeiro presidente negro da África do Sul, que se utilizou do rugby para unificar um país dividido entre negros e brancos. Relatos como esses, que enfatizam o lado humano dos jogadores, treinadores ou simpatizantes do rugby, são muito comuns na literatura sobre esse esporte. Isso está relacionado ao que tem sido chamado de “espírito do rugby”. Entretanto, para uma melhor compreensão do assunto, é necessário entender o mecanismo do jogo. O rugby é um esporte com muito contato físico e à primeira vista até mesmo violento. Assim, existem muitas condições favoráveis para que um jogador se torne mal intencionado em suas atitudes. As regras do jogo permitem que um jogador utilize a força para sobrepor-se ao adversário. Durante uma partida, ocorrem inúmeras situações onde uma simples atitude desleal por parte de um jogador pode trazer graves riscos à saúde de outro. Em razão dessas características, o Rugby exige de seus jogadores, certo “código moral” para que a 40 atividade aconteça de forma a oferecer experiências formativas aos que se envolvem com essa atividade. O chamado “espírito do Rugby” deriva da exigência de virtudes morais como condição básica para o envolvimento com essa modalidade esportiva. Em virtude do risco associado ao esporte, a IRB (International Rugby Board) oferece recomendações presentes nas leis oficiais do jogo, que refletem a responsabilidade de um jogador com relação à própria segurança e ao próximo, afirmando que: O rugby é um esporte que implica contato físico. Qualquer esporte que implique contato físico possui perigos implícitos. É muito importante que os jogadores joguem a partida de acordo com as Leis do Jogo e estejam atentos a sua própria segurança e a dos outros. É responsabilidade daqueles que treinam ou ensinem o jogo assegurar que os jogadores estejam preparados de modo que seja garantido o cumprimento das Leis de Jogo e de acordo a práticas seguras. (LEYES DEL JUEGO DE RUGBY, 2004, p.4, tradução nossa). Uma atitude indispensável a um jogador de rugby, em virtude das leis definidas para o mesmo, é o sentido de cooperação. Uma das principais regras do esporte é a proibição de que a bola seja passada ou jogada para frente, o que praticamente impõe como característica desse jogo a cooperação entre os jogadores, ou “jogo coletivo”, o “apoio” entre jogadores de mesmo time para que a equipe marque pontos. Por exemplo, em uma partida de futebol, um jogador mais habilidoso consegue tranquilamente percorrer todo o campo de jogo através de dribles e utilizando a velocidade para marcar pontos. No rugby isso é algo muito difícil de conseguir sem a ajuda dos companheiros, sem a cooperação mútua. Outra regra que “impõe” o “jogo coletivo” aos jogadores de Rugby está relacionada a duas posições específicas dentro do jogo. As primeiras e segundas linhas do “scrum” são formadas por cinco jogadores, normalmente mais fortes e pesados que os demais jogadores do time. Esses jogadores raramente recebem a 41 bola, porém são jogadores que possuem a função de garantir, através da força e do jogo coletivo, a posse de bola e a continuidade de jogo. Ou seja, são jogadores que se dedicam e “batalham” o tempo todo, com o objetivo de oferecer um bem comum ao time. Assim, é possível notar mais um grande valor ensinado no rugby: a solidariedade. Outra característica com forte potencial formativo do Rugby é a inclusão. O rugby é um jogo coletivo que exige que os jogadores partilhem entre si diferentes papeis ou funções estratégicas/ táticas, que por sua vez exigem competências físicas, motoras, cognitivas e psicológicas distintas. Cada uma das posições que compõem um time possuem particularidades e necessitam um biótipo específico de jogador. Na modalidade “rugby union”, foco desse estudo, o time é composto por quinze jogadores, sendo oito “forwards” e sete “backs”, também conhecidos como três quartos ou jogadores de linha. Resumidamente, os forwards são responsáveis pela formação do scrum, uma espécie de disputa pela posse de bola, que ocorre após alguma infração menos grave durante a partida, enquanto os backs são os jogadores mais rápidos e responsáveis pela criação das jogadas que possibilitam o avanço e conquista territorial. Entre os forwards estão os jogadores da primeira, segunda e terceira linha. A primeira linha é formada por três jogadores, sendo dois “pilares” e um “hoocker”. Os pilares precisam ser jogadores muito fortes e pesados, pois serão responsáveis pelo primeiro contato com o adversário e pela sustentação durante a formação do “scrum”. Já o hoocker, apesar de ser também forte e pesado, em geral possui menor estatura e é mais leve do que os pilares, porém possui boa habilidade para lançar a bola durante as formações de lateral. A segunda linha é composta por dois jogadores, normalmente os mais altos do time. Ambos necessitam ser fortes, pois auxiliam a primeira linha na conquista da posse de bola e sustentação do scrum e também precisam possuir boa capacidade para saltar, já que normalmente são os responsáveis pela conquista da bola nas formações de lateral. 42 A terceira linha possui três jogadores, sendo dois “asas” e um “oitavo”. Essas posições exigem jogadores muito atléticos, com boa capacidade aeróbia, fortes e velozes. São os jogadores responsáveis pela continuidade da equipe, devem auxiliar na obtenção e manutenção de posse de bola, são muito importantes na defesa, mas também participam muitas vezes como opção para o ataque. Já entre os backs, encontramos jogadores em geral mais velozes, com boa capacidade estratégica, pois são os responsáveis pelas jogadas de finalização e pela criação de jogadas que provoquem desequilíbrio defensivo e numérico na equipe adversária. O “half-scrum” é o responsável pela ligação entre forwards e backs. É ele que introduz a bola na disputa do scrum e auxilia o “abertura” na organização do time e na criação das jogadas de ataque. Essa posição requer um jogador com boa capacidade de liderança e comunicação. Fisicamente, esses jogadores não necessitam ser fortes e pesados como os forwards, porém é necessário ser muito ágil e habilidoso. É comum encontrar jogadores dessa posição com baixa estatura, característica que auxilia em determinadas situações do jogo. O abertura exerce função semelhante ao “meia” no futebol ou ao “armador” no basquete. São jogadores que organizam a equipe e são responsáveis pela criação das jogadas de ataque. Um bom abertura deve possuir excelente leitura de jogo e tomada de decisão rápida, além de grande capacidade técnica para as habilidades específicas do jogo. Os centros possuem funções e características semelhantes aos jogadores de terceira linha, já citados anteriormente. Em ataque são responsáveis por auxiliar na criação das jogadas, pelo avanço e conquista territorial e pela manutenção de posse de bola e continuidade da equipe. Em defesa devem auxiliar na contenção do avanço adversário e para isso devem possuir boa capacidade técnica defensiva. Fisicamente são jogadores fortes e velozes. Os pontas são os jogadores mais rápidos da equipe, eles são os principais finalizadores em ataque e compõem a última linha defensiva, juntamente com o fullback. Devem possuir excelente técnica de corrida, agilidade, além de serem habilidosos na recepção de bolas e nos chutes. 43 Já o fullback exerce função parecida aos pontas, porém possui maior responsabilidade em situações de chute e contra-ataques. Em defesa é ainda responsável por auxiliar na organização da equipe, devido a seu posicionamento defensivo, que oferece visão privilegiada do campo de jogo. Essa posição requer boa leitura de jogo, capacidade de comunicação e liderança e no aspecto motor, excelente capacidade de chute e recepção. Como ressaltado através da descrição de cada uma das posições dentro de um time, o rugby possui um grande caráter inclusivo, na medida em que necessita de jogadores com diferentes personalidades e características físicas para cumprir determinadas funções dentro de campo. O aspecto coletivo do jogo permite que cada um desses jogadores tenha grande importância dentro da equipe, ressaltando suas virtudes no cumprimento de uma função específica. Outra peculiaridade com grande potencial formativo do Rugby, que não está explicitada nas suas regras formais, mas apresenta-se como ritualização do que chamamos anteriormente “espírito do jogo” é o chamado “terceiro tempo”. Esse ritual obrigatório é uma espécie de confraternização, onde todos os jogadores dos dois times jantam, cantam músicas e se divertem ao final da partida, em um ambiente de muito respeito e companheirismo. Pelo código assumido entre as equipes, o time local deve oferecer o terceiro tempo ao time visitante, como forma de agradecimento à visita. A dimensão do terceiro tempo dentro do rugby pode ser sentida no exemplo da partida histórica entre França e Escócia, citada anteriormente. Toda essa dimensão ética e moral associada a esse jogo foi recentemente sintetizada e explicitada em um documento da Rugby Football Union (RFU) da Inglaterra. Nesse documento, a entidade procurou sistematizar de maneira resumida e simples, o “espírito do Rugby” num Código, onde destacam os valores que devem ser seguidos pelos praticantes do esporte no ambiente britânico, como pode ser observado a seguir: Código do rugby Espera-se que qualquer pessoa envolvida no rugby na Inglaterra, seja como jogador, treinador, árbitro, dirigente, pai ou espectador, apóie os valores nucleares do nosso esporte: 44 Espírito de equipe, respeito, divertimento, disciplina, esportividade. Jogar para ganhar – mas não a qualquer preço. Ganhar com dignidade, perder com elegância. Cumprir as Leis e regulamentos do jogo. Respeitar adversários, árbitros e todos os participantes. Rejeitar batota, racismo, violência e drogas. Valorizar voluntários bem como os agentes profissionais. Divertir-se com o jogo. Isto é rugby. (RFU, 2010, tradução nossa). Pelo exposto até aqui, pode-se inferir que desde a sua criação o rugby foi utilizado como um esporte construtor de caráter, onde os aspectos formativos e educativos são mais valorizados do que a competição em si. Aliás, pode-se dizer que para alguns adeptos dessa modalidade a competição é o meio necessário para que as possibilidades formativas descritas acima surjam. O rugby também pode ser visto como uma experiência inclusiva, acolhendo na sua prática uma diversidade de perfis físicos, motores, cognitivos e psicológicos. Um jogo que apesar de sua esportivização foi capaz de preservar na sua prática, nas suas regras e na sua cultura, a sua potencialidade para formação ética e moral dos seus jogadores. Um esporte que auxilia no desenvolvimento das capacidades físicas e cognitivas, em virtude da complexidade das regras e da necessidade de utilização de amplo repertório motor. Assim, o rugby oferece ao profissional de educação física ferramentas importantíssimas para a formação e desenvolvimento de indivíduos, seja com relação a aspectos motores, cognitivos ou afetivo-sociais. 45 3. DISCUSSÃO 3.1 O Espírito do Rugby X Profissionalismo Durante esse estudo vimos que, ao longo de sua história, o rugby cresceu e se desenvolveu pautado em valores éticos e comportamentais, que devem ser seguidos por todas as pessoas que fazem parte do ambiente no qual esse esporte está inserido, sejam jogadores, árbitros, familiares ou até mesmo torcedores. Em virtude desses valores, o rugby foi durante muitos anos um esporte obrigatoriamente amador, já que a principal instituição (IRB) que rege o esporte considerava o profissionalismo como algo prejudicial ao verdadeiro “espírito do rugby”. Porém, em virtude do crescimento do esporte e principalmente do capitalismo, recaiu uma grande pressão sobre a IRB por parte de clubes, jogadores e investidores, em prol do profissionalismo. Assim, em 1995 o rugby passou a ser profissional em diversas partes do mundo. O profissionalismo proporcionou um grande crescimento para o esporte, especificamente com relação ao número de praticantes, clubes, público e principalmente maiores investidores e mais espaço na mídia. Se pensarmos no esporte apenas como um jogo e um ambiente competitivo, onde o mais importante é o espetáculo e a quantidade de pessoas envolvidas com o mesmo, talvez seja possível afirmar que o início da “era profissional” dentro do rugby foi algo extremamente positivo para o esporte. Porém, se pensarmos no rugby como o esporte foi concedido desde suas origens, onde o mais importante sempre foram os valores oriundos de sua prática, veremos que o profissionalismo trouxe também como conseqüência, alguns aspectos negativos para seu desenvolvimento. A era profissional do rugby trouxe consigo investidores e patrocinadores que auxiliam os clubes no aspecto financeiro, através do pagamento de salários, estruturação do clube, compra de materiais, etc. Se por um lado existem vários aspectos positivos, por outro os jogadores e treinadores acabam sentindo-se 46 pressionados pela conquista de resultados para a manutenção de seus empregos, o que acaba gerando uma importância maior ao jogo em si do que aos valores que norteiam o rugby. Exemplificando, se antigamente o esporte era visto como uma maneira de se divertir com os amigos, em um ambiente de total respeito e “fairplay”, e após o jogo ambos os times poderiam confraternizar e interagir, com a chegada do profissionalismo já começamos a ver inúmeras atitudes desleais por parte de jogadores que visam apenas a vitória em detrimento ao “espírito do rugby”. Em parte, esse aspecto negativo pode ser visto como uma conseqüência direta do profissionalismo, porém não se deve descartar a responsabilidade dos treinadores e dirigentes, que em virtude da busca constante por resultados, dedicam a maior parte dos treinamentos aos aspectos técnicos, físicos e táticos e com isso acabam oferecendo menor importância à transmissão dos valores e princípios do rugby aos seus jogadores. No atual momento do rugby, onde os clubes e campeonatos se tornaram amplamente profissionais e administrativamente muito bem estruturados, o amadorismo é considerado um retrocesso no processo de desenvolvimento do esporte. Porém, o “espírito do rugby” cultivado durante os anos de amadorismo não pode ser excluído dessa prática esportiva, para que o rugby possa continuar sendo um esporte diferenciado, capaz de contribuir na formação ética e moral de indivíduos que contribuam para uma melhoria da vida em sociedade. Diante desse impasse, o cenário ideal parece ser a manutenção do profissionalismo, auxiliando na melhoria do nível de jogo e da estruturação dos clubes, porém os professores, treinadores e dirigentes devem ensinar seus jogadores, buscando o equilíbrio entre aspectos do jogo e os valores do esporte, para que dessa maneira o “espírito do rugby” se mantenha como parte fundamental do jogo. 47 3.2 Ensaio sobre a difusão do Rugby no Brasil: perspectivas para os próximos anos A história mostra que os processos de difusão e expansão do rugby no Brasil e no Mundo estiveram associados tanto a fatores diretamente relacionados ao jogo, quanto a outros fatores “extra-campo”, que influenciaram na difusão do esporte, porém indiretamente. No início a difusão esteve diretamente relacionada ao jogo em si e aos seus praticantes, cujo interesse em praticar o rugby como uma atividade de lazer resultou na expansão do esporte pelo mundo. Já na era profissional, a difusão e expansão do rugby estiveram muito relacionadas com a divulgação do esporte nos meios de comunicação e através de campanhas publicitárias, especialmente em virtude das grandes competições transmitidas para diversas partes do mundo. A atual década se inicia com grandes perspectivas em relação ao futuro do rugby. O esporte é atualmente uma das modalidades com maior número de praticantes no mundo e os números tendem a aumentar em função da inclusão do rugby nas Olimpíadas. As principais competições do mundo se tornaram comercialmente muito fortes, sendo levadas para muitos países através dos meios de comunicação, divulgando assim o esporte para públicos que antes desconheciam o rugby. No Brasil inúmeros indícios apontam para o crescimento do rugby no país durante a década que se inicia. A maior expectativa para o crescimento do rugby brasileiro está relacionada com as Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro. Desde 1924 a modalidade se manteve fora da listagem de esportes disputados na maior competição esportiva do planeta. O retorno aos Jogos Olímpicos coloca o esporte em evidência. Se somarmos o fato de que as seleções brasileiras possuem vaga para a disputa em função de pertencerem ao país sede, a visibilidade do rugby brasileiro se torna ainda maior, atraindo assim investidores, mídia e conseqüentemente novos praticantes. Outra conseqüência direta da inclusão do rugby nos Jogos Olímpicos é o maior investimento do governo, através de leis que oferecem retornos financeiros às chamadas “modalidades olímpicas”. Recentemente foi aprovado um projeto de 48 lei, que destinará mais de um milhão de reais para o desenvolvimento do rugby no Brasil (CBRU, 2010). Outro investimento do governo é o Programa “Bolsa Atleta”, que oferece um pagamento mensal a alguns jogadores de destaque. Essas ações são mais indícios da tendência de crescimento do rugby no Brasil. Além do governo, grandes empresas também começam a investir no rugby brasileiro através de patrocínios. No ano de 2009 a Confederação Brasileira de Rugby firmou parceria com a Topper, pertencente ao grupo Alpargatas, que além de oferecer investimento em forma de materiais e dinheiro, auxilia no desenvolvimento da modalidade através de campanhas publicitárias que utilizam o seguinte slogan: “Rugby: isso ainda vai ser grande no Brasil” (CRBU, 2010). Outro parceiro mais recente da Confederação é o Banco Bradesco, que assinou a parceria em 2010. O apoio de grandes empresas ajuda na solução de um problema muito corriqueiro no passado das seleções brasileiras, quando os jogadores custeavam toda a preparação e as despesas de viagem, fato que costumava prejudicar as equipes. Mas independentemente dos investidores, nos últimos anos o rugby brasileiro vem passando por um período de expansão. Um dos motivos para esse crescimento são algumas ações de clubes e praticantes que através do esforço individual ou coletivo conseguiram difundir o rugby para além dos grandes centros e até mesmo através de projetos sociais que auxiliam na popularização do rugby, levando o esporte para pessoas pertencentes a classes sociais mais baixas. Outro fator que auxilia na difusão do esporte é o aumento das transmissões de torneios internacionais de rugby, como a Copa do Mundo e os torneios Six Nations e Heineken Cup. Com as transmissões, o esporte ganha mais visibilidade e provoca aumento nos interessados pela prática da modalidade. O mesmo ocorre com relação às matérias de jornais, revistas e televisões que se tornaram freqüentes nos últimos anos. Porém, a exposição através da mídia está muito relacionada a resultados alcançados pelas seleções nacionais e boa organização dos torneios e estrutura administrativa. Nesse sentido, os recentes resultados alcançados pela seleção feminina parecem possuir relação direta ao aumento da exposição do rugby brasileiro. A recente estruturação da Confederação Brasileira de Rugby e a 49 postura profissional adotada pela entidade também parecem possuir relação com a maior aparição do esporte nos meios de comunicação. As seleções brasileiras vêm de constantes melhorias no nível de jogo, alcançando resultados excelentes em partidas internacionais. Desde sua criação, a Confederação Brasileira adotou uma postura de profissionalização do corpo técnico, oferecendo condições muito melhores para os treinadores e comissões técnicas trabalharem, além de contratar treinadores estrangeiros, possibilitando um intercâmbio de informações importantíssimo para melhoria na qualidade de jogo. Porém, um dos principais aspectos deficientes do rugby brasileiro com relação a outros países é a pequena quantidade de jogadores nas categorias de base e o baixo número de jogos entre equipes de base. Nesse sentido, o chamado “rugby social” parece ser uma boa alternativa a curto e médio prazo para suprir essa necessidade, já que atualmente existem leis governamentais que incentivam esse tipo de trabalho e oferecem verba para a aplicação e desenvolvimento de projetos sociais. Alguns projetos já apresentam bons resultados e outros recém criados aparentam também seguir um caminho de sucesso. Com relação a divulgação do esporte, os meios de comunicação até o momento têm auxiliado, porém os clubes e federações devem continuar trabalhando com o objetivo de tornar o rugby um esporte popular no Brasil. Algumas ações de divulgação do rugby em escolas parecem obter êxitos, na medida em que além de divulgar a modalidade para os alunos oferecem o rugby como ferramenta de ensino para que os professores de educação física. Assim, é possível concluir que o rugby brasileiro vive talvez o momento de maior destaque de sua história. A inclusão do esporte nas Olimpíadas, os resultados recentes das seleções, a difusão nos meios de comunicação, o trabalho dos clubes através de projetos sociais e a atuação da Confederação Brasileira de Rugby parecem ser bons indícios de crescimento e geram uma perspectiva muito boa com relação ao futuro do rugby no Brasil. 50 4 CONCLUSÃO Através dessa revisão histórica, vimos como o rugby foi criado no século XIX, tendo como origem outros jogos com bolas praticados na Europa. Inicialmente sua prática esteve muito relacionada com as escolas inglesas e a maneira como o esporte era visto na época, considerado uma prática formativa, utilizada como ferramenta educacional. Após sua expansão, o rugby manteve esse caráter formativo através do chamado “espírito de rugby”, que determina valores esperados por um praticante de rugby. O espírito de rugby esteve durante muitos anos, relacionado ao amadorismo imposto pelas principais entidades que regem o esporte. Porém, com a expansão do capitalismo e da própria modalidade esportiva, em 1995 o rugby deixou de ser amador, o que gerou algumas dúvidas quanto à manutenção dos valores intrínsecos a esse esporte. O principal dilema está na maneira como o rugby passa a ser ensinado, o que implica em responsabilidade sobre os treinadores, professores e dirigentes, que devem saber transmitir o espírito de rugby de maneira equilibrada com a transmissão dos conhecimentos acerca do jogo propriamente dito. Com relação à expansão do esporte pelo mundo, em um momento inicial esteve diretamente relacionada à revolução industrial e à imigração de ingleses para diversas partes do mundo, levando assim o rugby como uma atividade de lazer para ser realizada em momentos de folga. Em um segundo momento, as ações de clubes, federações e seleções nacionais auxiliaram na popularização do esporte. Já na era profissional, os resultados esportivos e a influência dos meios de comunicação foram as principais ferramentas de difusão do rugby pelo mundo, na medida em que o esporte passou a ser amplamente comercializado em função de interesses de investidores. No Brasil o rugby foi trazido por ingleses no mesmo período que o futebol, que acabou se popularizando mais em função da maior facilidade em compreensão das regras e devido a iniciativa de Charles Miller em organizar essa modalidade no início do século XX. Porém, o rugby também começou a ser difundido, inicialmente entre a elite econômica e mais tarde se expandiu para 51 outras classes sociais, como conseqüência de ações individuais ou coletivas que visavam a popularização do esporte no país. Na década de 80, um grave acidente com um jogador, aliado a uma grande crise econômica vivida pelo Brasil, provocaram uma estagnação no crescimento do rugby brasileiro. O processo de popularização foi retomado na década seguinte, apesar de quase uma década de atraso com relação a outros países sul-americanos. Atualmente, o esporte ganhou muita visibilidade em função da inclusão da modalidade seven-a-side nos Jogos Olímpicos de 2016. O apoio governamental e o interesse da mídia e de patrocinadores fornecem recursos para melhoria no desenvolvimento do rugby brasileiro. As ações de difusão do rugby realizadas por clubes em escolas e através de projetos sociais, atualmente têm sido uma estratégia eficiente de captação de jogadores para categorias de base e conseqüente aumento na popularização do esporte. Conclui-se que a atual fase de difusão do rugby nacional está diretamente relacionada ao aumento da exposição do esporte nos meios de comunicação e às ações de indivíduos ligados ao ambiente esportivo do rugby. Porém, para uma melhor organização da prática e melhora da qualidade do rugby praticado no país, vê-se necessária a manutenção do espírito do rugby, que deve ser transmitido juntamente e de maneira equilibrada com a transmissão dos conhecimentos relacionados ao jogo. Assim, torna-se possível a manutenção dos aspectos formativos e educacionais intrínsecos ao rugby, de maneira que os mesmos estejam associados à difusão do esporte no país. 52 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACTIVE NEW ZEALAND. New Zealand Rugby. Disponível em: <http://www.activenewzealand.com/all-blacks.php>. Acesso em: 12 out. 2010. ANTUNES, F.M.R.F. Futebol de fábrica em São Paulo. 1992. Dissertação de mestrado, USP, São Paulo. BLOXAM, M.H. Rugby: the school and the neighbourhood. Londres, 1872. BRENTANO, F. Sim, nós temos rugby. Revista Terceiro Tempo, São Paulo, v.1, n.1, p. 10-12, out. 2002. BROWN, M.; GUTHRIE, P.; GROWDEN, G. Rugby for Dummies. 2ª Edition. Mississauga: John Wiley & Sons Canada, Ltd., 2007. CAIN, N.; GROWDEN, G. Rugby Union for Dummies. 2ª Edition. Chichester: John Wiley & Sons, Ltd., 2006. CALDAS, W. O pontapé inicial: Contribuição à memória do futebol brasileiro (1894-1933). 1988. Trabalho para obtenção de livre-docência, USP, São Paulo. CARLIN, J. Conquistando o Inimigo: Nelson Mandela e o jogo que uniu a África do Sul. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2009. CHARIOT, S. The Complete Book of the Rugby World Cup 2003. Edinburgh: Mainstream Publishing Company, 2003. CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE RUGBY. Disponível em: <http://www.brasilrugby.com.br>. Acesso em: 9 out. 2010. CUTRERA, J.C. Rugby: Sugestiones para la Enseñanza. Buenos Aires: Ministerio de Educación y Justicia, 1960. 53 DUARTE, O. História dos esportes. São Paulo: MAKRON Books, 2000 GARCIA, H. El Rugby. Madrid: Publicaciones del Comité Olimpico Espanõl, 1964. GIGLIO, S.S. Futebol: Mitos, ídolos e heróis. 2007. Dissertação de mestrado, UNICAMP, Campinas. INTERNATIONAL RUGBY BOARD. Leyes del juego de rugby. Dublin: Huguenot House, 2004. INSTITUTO RUGBY PARA TODOS. Origem e História. Disponível em: <http://www.danifahur.com.br/rugbyparatodos/?page_id=16>. Acesso em: 16 out. 2010. IRB INTERNATIONAL RUGBY BOARD. Disponível em: <http://www.irb.com/>. Acesso em: 7 out. 2010. ITOKAZU, F. Chutando Alto. Revista GOL Linhas Aéreas Inteligentes, São Paulo, n. 102, p. 114-119, set. 2010. JONES, J.R. Encyclopaedia of Rugby Union Football. 3ª Edition. London: Robert Hale, 1958. MAZZONI, T. História do Futebol no Brasil 1894-1950. Vitória: Edições Leia, 1950. MILLS, J.R. Charles William Miller 1894-1994 Memorian SPAC. São Paulo, 1995. NOGUEIRA, J. Apostila rugby para todos. Curso de capacitação de monitores. São Paulo: FS Digital Printing, 2007. 54 PAC RUGBY PASTEUR ATHLÉTIQUE CLUB. Disponível em: <http://www.pacrugby.com.br/>. Acesso em: 8 out. 2010. PARRADO, N.; RAUSE, V. Milagre nos Andes. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006. PERASSO, S.E. Rugby Didáctico 2: El Entrenador. Buenos Aires: Editorial Dunken, 2008. PERASSO, S.E. Rugby Didáctico 3: Historia y estadísticas. Buenos Aires: Editorial Dunken, 2009. PRIORE, M.D.; VENÂNCIO, R.P. O Livro de Ouro da História do Brasil. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. RUGBY FOOTBALL HISTORY. Origins of rugby. Produzido por Nigel Trueman. Disponível em: <http://www.rugbyfootballhistory.com/>. Acesso em: 16 set. 2010. SALDAÑA, P. Jogar Rúgbi vira opção para „tribo‟ de faculdade. O Estado de São Paulo, São Paulo, 13 out. 2010. Cidades/Metrópole, p. 6. SPFCPÉDIA A ENCICLOPÉDIA TRICOLOR. Rúgbi. Produzido por Michael Serra, 2009. Disponível em: <http://spfcpedia.blogspot.com/2009/10/rugbi.html>. Acesso em: 20 set. 2010. WILLIAMS, R. Iniciación al rugby y mini-rugby. Buenos Aires: Editorial Stadium, 1973.