argumentação e e-democracia: uma analise de - xi

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argumentação e e-democracia: uma analise de - xi
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
ARGUMENTAÇÃO E E-DEMOCRACIA: UMA ANALISE DE
FERRAMENTAS EM ESCALA MUNDIAL PARA UMA DISCUSSÃO
PÚBLICA CRÍTICA
RODRIGO FREITAS COSTA CANAL 1
MARIA AUGUSTA FREITAS COSTA CANAL2
Resumo
Como podemos fazer para participar de forma efetiva e com qualidade, nas esferas
estatais/governamentais, levando em conta os diversos e diferentes grupos sociais? Quais
viabilizações de ambientes em escala espaço-temporal do meio técnico-cientifico-informacional são
capazes de possibilitar e aprofundar discussões sobre os assuntos públicos? O projeto denominado
de Lógica Informal e Teoria da Argumentação podem nos ajudar a encontrar tais ferramentas
computacionais, teóricas e critérios como respostas a essas questões. Neste trabalho, apresentamos
alguns resultados e discutimos em que sentido os mesmos podem nos ajudar a incrementar/solidificar
nossa capacidade de participação nas discussões de assuntos públicos junto ao governo e em
nossas relações interpessoais via internet.
Palavras-chave: Critérios para boa argumentação; e-democracia; ferramentas computacionais para
argumentação; web semântica; analise e avaliação de argumentos.
Abstract
How can we do to participate effectively and with quality, in state / government levels, taking into
account the various and different social groups? What enabling environments scale spatiotemporal of
the technical-scientific-informational milieu are able to facilitate and deepen discussions on public
issues? The project called Informal Logic and Argumentation Theory can help us find these tools
(computational, theoretical and criteria) as responses to such questions. We present some results and
discuss in what way they can help us improve / solidify our ability to participate in public affairs
discussions with the government and in our interpersonal relationships via internet.
Palavras-chave: Criteria for good argumentation; e-democracy; computational tools for arguing;
semantic web; argument’s analysis and evalutaion.
1.
Introdução
A literatura revisada neste trabalho oferece respostas precisas e diretas às
questões que propomos responder neste trabalho, “Como devemos fazer para
participar de forma efetiva e com qualidade, nas esferas estatais/governamentais,
levando em conta os diversos e diferentes grupos sociais? Quais viabilizações de
ambientes em escala espaço-temporal do meio técnico-cientifico-informacional são
capazes de possibilitar e aprofundar discussões sobre os assuntos públicos?” No
entanto, não é nosso intuito pretender fechar essas questões e nem mesmo tratar os
autores dos textos como autoridades intelectuais supremas, uma vez que há outras
ferramentas e abordagens a essas questões. Além do mais, as pesquisas ainda se
encontram em fase de desenvolvimento, e não há consenso algum ainda entre os
1 Professor da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Pará. E-mail de contato:
[email protected].
2
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Geografia da FCT/UNESP/Presidente Prudente, e
docente da Faculdade de Turismo (ICSA/UFPA). E-mail de contato: [email protected].
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pesquisadores. Este é apenas um ensaio com o intuito de contribuir com a
discussão mostrando algumas possibilidades teóricas já engendradas e alargar
nossa compreensão do fenômeno da argumentação por meio da discussão de
algumas de suas ferramentas e critérios básicos da argumentação, de alguns
modelos computacionais para a argumentação hoje disponíveis e a relação destas
com a e-democracia. Faremos assim uma breve revisão dos diferentes tipos de
ferramentas, procurando destacar seus principais objetivos.
2.
Logica informal, teoria da argumentação e modelos computacionais do
argumento
Lógica Informal e Teoria da Argumentação (daqui para frente LI e TA)
designam hoje programas de pesquisas em que confluem diferentes áreas ou
disciplinas cientificas e filosóficas, tais como a Inteligência Artificial, Psicologia,
Linguística, Filosofia, Direito, Sociologia, etc. O problema central estudado nessas
áreas é a natureza, estrutura e função (papel, importância, etc.) do fenômeno da
argumentação.
A LI teve seu inicio no final de 1970, vindo ao público pelo trabalho de um
grupo de filósofos da América do Norte, tais como Michael Scriven, Trudy Govier,
David Hitchcock, Perry Weddle, John Woods, Ralph H. Johnson e J. Anthony Blair:
um empreendimento de pesquisa que se constitui como um estudo normativo do
argumento (EEMEREN, et al, 2014). Isto é, uma tentativa de desenvolver uma lógica
para que possamos analisar e avaliar os argumentos que ocorrem na linguagem
natural: argumentos encontrados em discussões, debates e discordâncias que se
manifestam na vida cotidiana - em comentários sociais e políticos; em reportagens e
editoriais na mídia como jornais, revistas, televisão, a World Wide Web, twitter, etc.,
na publicidade e comunicações corporativas e governamentais, e em discussões
interpessoais que estabelecemos com outros pessoas (GROARKE, 2011).
Nesse viés, assim como a LI, a TA tem procurado compreender a natureza
teórica, prática e normativa da argumentação, bem como estabelecer padrões não
formais, critérios e procedimentos à análise, interpretação, avaliação e construção
crítica de argumentos no discurso filosófico, cientifico e cotidiano (SANTIBÁÑEZ,
2012; Van EEMEREN, 2014). Os teóricos compreendem que a argumentação é por
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sua própria natureza um fenômeno (natural e humano) que é essencialmente
familiar a todas as pessoas e um fenômeno complexo/multifacetado.
O desenvolvimento de modelos computacionais do argumento está na
interface entre a LI/TA e a Inteligência Artificial (IA, daqui em diante). Tais estudos
têm desenvolvido modelos computacionais que possibilitam a discussão de um dado
problema, tese ou ideia, de forma argumentativa, em ambientes virtuais nos quais
podemos expressar, visualizar e discutir argumentos. Os modelos computacionais
da argumentação têm como base um entendimento das propriedades teóricas dos
diferentes tipos de logica da atividade da argumentação: que consiste em
desenvolver e implementar (na pratica) modelos de sistemas de argumentação,
através de uma notação convencionada e compartilhada para argumentação e
argumentos
(CHESÑEVAR;
S
;
;
;
;
e RAHWAN; REED, 2009).
Os modelos computacionais são assim resultado das técnicas de aplicações
teóricas e práticas no campo da IA e da ciência da computação, o que envolve um
estudo da especificação semântica da lógica de programas, do processamento de
linguagem natural, do raciocínio legal/jurídico, sistemas de apoio ou de suporte ao
processo de decisão para a tomada de decisões humanas multipartidárias, sistemas
para
resolução
(CHESÑEVAR;
de
conflitos,
e
;
aplicações
L;
em
;
sistemas
;
multi-agentes
S
WILLMOTT, 2006).
Uma das ferramentas/modelos computacionais é o Argument Interchange
Format (AIF) é uma proposta de formato intercambio ou de troca de argumentos e
da
argumentação
(CHESÑEVAR;
MCGINNIS;
MODGIL;
;
;
S
construção de um modelo computacional que permita e facilite a elaboração de
argumentação dentro de um sistema de multi-agentes em que o raciocínio e a
interação sejam pautados em um formalismo compartilhado; assim como, permita e
facilite “[...]o intercambio de dados/informação entre ferramentas para manipulação e
visualização de argumentos[...]” (IDEM, p. 295, tradução nossa).
Outras ferramentas/modelos os quais podemos comentar brevemente aqui
são a) a Araucaria, uma ferramenta de analise; b) Rationale, uma ferramenta que
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permite a visualização de argumentos em um contexto primariamente educacional;
c) Compendium, que objetiva não apenas focar em argumentos, mas sobre um
amplo leque de outros tipos semânticos, tais como questões, decisões, etc.. d)
Cohere procura suportar uma ampla gama de relações semânticas, sendo uma
ferramenta o gerenciamento de ideias em geral, e tem um foco particular sobre
aqueles que possam ser considerados argumentativos; já o sistema e) Carneades,
é tanto uma estrutura para raciocínios sobre argumentos quanto um sistema que
implementa essa mesma estrutura; f) AguGRID cobre um amplo espectro de
atividade, e os modelos computacionais da argumentação estão como o centro
dessa atividade: seu objetivo central usar argumentação para fornecer processos
semanticamente férteis para negociação de serviços em toda a rede online; g) AAC,
The
Arguing
Agents
Competition,
é
um
sistema
de
competição
de
Agentes/Usuários em argumentação, e objetiva fornecer um ambiente aberto e
competitivo nos quais agentes podem competir em suas habilidades de arguir em
relação a alguma ideia ou tese; o sistema h) InterLoc, se trata de um ambiente
educacional virtual e online que visa estruturação de debates e teorias pedagógicas;
por fim, o i) Argkit and Dungine, foi projetado para ser um sistema de código-base
reutilizável, plug and play para o desenvolvimento e interligando aplicações que
utilizam argumentos e, em particular, aqueles que têm um requisito para o
processamento de argumentos abstratos (RAHWAN; REED, 2009, p. 398-400).
3.
Algumas ferramentas teóricas para boa argumentação na perspectiva da
e-democracia
Tanto a LI quanto a TA podem ser vistas como um instrumento que nos orienta
a saber como identificar e avaliar argumentos: nos ajuda a distinguir os argumentos
válidos dos inválidos, permite-nos compreender por que razão uns são válidos e
outros não, bem como ensina-nos a argumentar de forma correta e cogente.
De acordo com alguns teóricos, o argumento é nada mais que um “átomo da
razão”, uma via de expressão de nossa racionalidade, e é a “unidade mais básica
completa do nosso raciocínio” (BAGGINI; FOSL, 2008, p. 13-14). Usamos
argumentos como uma estratégia para persuasão, justificação de crenças ou pontos
de vistas, usando frases de nossa língua cuja natureza é declarativa no sentido de
que possuem valores de verdade (podem verdadeiras ou falsas): o campo das
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afirmações ou asserções ou, como gostam os filósofos, das proposições (EPSTEIN,
2010, p.8-11).
Um argumento é uma inferência extraída de um ou de vários pontos de partida
– as “premissas” – que conduzem a um ponto final – a “conclusão” (BAGGINI;
FOSL: 2008, p.13-17). Um argumento é um conjunto de proposições que utilizamos
para justificar (provar, corroborar, dar razão ou motivos, suportar, fundamentar,
evidenciar, etc.) algo: a proposição que queremos justificar denominamos de
conclusão; e as proposições com que justificamos, ou apoiamos, as conclusões
damos o nome de premissas (BAGGINI; FOSL, 2008, p.13-17). Argumentar significa
aqui apresentar um conjunto de razões, provas, motivos, evidencias, que
fundamentam, sustentam, corroboram uma conclusão: usar argumentos é buscar
fundamentar nossos pontos de vistas com razões (WESTON: 2009, p. XI).
A distinção entre validade e verdade é uma importante ferramenta e um dos
critérios sobre como argumentar minimamente corretamente. Enquanto a validade
deve ser entendida como uma propriedade dos argumentos, a verdade deve ser
compreendida como uma propriedade das proposições/afirmações/declarações.
Apenas os argumentos podem ser válidos ou inválidos e somente as proposições ou
declarações possuem valores de verdade, isto é, podem ser verdadeiras ou falsas.
Um argumento é válido quando é impossível que tenha, ao mesmo tempo,
todas as premissas verdadeiras e a conclusão falsa; quando a conclusão não se
segue direta e necessariamente das premissas. Para um argumento ser válido não
basta que as premissas e a conclusão sejam verdadeiras: é preciso que se torne
impossível que, sendo as premissas verdadeiras, a conclusão seja falsa. A validade
depende da conexão lógica entre as premissas e a conclusão dos argumentos e das
relações logicas dos valores de verdades de cada uma das proposições individuais
que constituem o argumento; uma questão de como esta formada a conexão lógica
entre as premissas e a conclusão.
Mas a validade é apenas um dos critérios e é apenas uma condição necessária
da boa argumentação, e não condição suficiente, pois garante somente a correção
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do raciocínio, que se parte de um raciocínio correto3. No entanto, para argumentar
bem, é necessário levar em conta outras condições e critérios. A condição seguinte
rumo aos padrões da boa argumentação é o requisito da solidez: um argumento é
sólido quando, além de válido, possui premissas, de fato, verdadeiras. Um
argumento sólido não pode ter conclusão falsa, pois é, por definição, válido e tem
premissas verdadeiras; a propriedade da validade dos argumentos exclui a
possibilidade de se ter premissas verdadeiras e conclusão falsa constituindo os
argumentos.
A ultima condição e (requisito) para análise e construção de argumentos pode
ser enunciada com a noção de cogência. A solidez garante que as razoes
apresentadas são verdadeiras. Porém não fica excluída a possibilidade de que
tenhamos argumentos que não são bons o suficiente para aceitarmos sua
conclusão, simplesmente porque podem ter como padrão o fato de repetir na
conclusão o que se havia afirmado nas premissas: numa boa argumentação não
podemos repetir uma premissa numa conclusão porque isso torna o argumento não
persuasivo e fraco (do ponto de vista da justificação racional), muito embora valido e
solido. Desta forma, as razões que devemos apresentar a favor de uma conclusão
devem ser plausíveis ou mais obvias para que nosso interlocutor possa aceitar a
conclusão ou tese. Um argumento é bom (ou cogente) quando as premissas que
apresentamos forem mais plausíveis ou mais verossímeis do que a conclusão.
A argumentação também possui vários padrões funcionais, tais como findar
uma diferença de opinião, gerar consenso, ou crenças verdadeiras e justificadas. As
teorias epistemológicas da argumentação oferecem alguns tipos de critérios, o qual
Lumer chamou de condições de adequação da boa argumentação, de modo que
esta possa cumprir o padrão funcional, de um ponto de vista epistemológico, de nos
fazer chegar a crenças verdadeiras e justificadas. Lumer pensa que há três
categorias de critérios os quais podemos nos basear para argumentar bem, a saber:
3
Isso porque podemos ter argumentos válidos com conclusão falsa (se pelo menos uma das
premissas o for, e num argumento valido não basta que as premissas sejam verdadeiras, mas que
sejam impossível que a relação logica entres as proposições do argumento torne impossível ter
premissas verdadeiras e conclusão fala). Seja em filosofia, na ciência ou na vida cotidiana, nossa
ambição deve de ser sempre pretender chegar a conclusões verdadeiras, e para isso seja possível
torna-se necessário o critério da solidez.0
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1.
AQ1: Aceitabilidade, garantir a aceitabilidade ou garantia de
aceitabilidade (no original AQ1: Guarantee of acceptability). Quer dizer, um bom
argumento, ou uma boa argumentação, o argumentador deve “garantir a
aceitabilidade” da tese ou da conclusão, ou garantir que seu interlocutor aceite a
conclusão do argumento (LUMER, 2005, p.194, tradução e adaptação livre).
2.
AQ2:
Raciocínio plausível ou Plausibilidade (AQ2, plausible
reasoning, plausibilists criterias). De modo a oferecer orientação suficiente a uma
boa argumentação, esse critério permite não tornar muito estreito a atividade já que
inclui argumentos com características que não se restringem a ter premissas e
conclusões já conhecidas como verdadeiras (epistemicamente) de antemão pelas
pessoas (LUMER, 2005, p.194, tradução e adaptação livre).
3.
AQ3: Acessibilidade. Por critério de acessibilidade deve-se entender
critério de (e para o) acesso aos argumentos. Lumer pretende destacar com isso
que somente verdade, aceitabilidade e implicação lógica não são suficientes para
estabelecer as condições para uma boa argumentação (LUMER, 2005, p.194,
tradução e adaptação livre).
Essas são algumas das distinções, ferramentas e critérios básicos(as) da
argumentação. Já foi possível vislumbrar indiretamente em que sentido estas
ferramentas (conceituais e computacionais) poderiam ser vistas como um
mecanismo que pode propiciar a constituição de processos democráticos de
participação, em especial, aos vinculados a e-democracia. Mas o que nos leva a
pensar assim?
Através do uso das ferramentas aqui apresentadas, e por meio do contato e
do conhecimento de argumentos a favor e contra a cada postura sobre uma questão
de interesse publico, tal é importante a qualquer um que almeja exercer seus
poderes cívicos plena e criticamente, através de portais governamentais de edemocracia.
Além disso, as ferramentas computacionais procuram superar limitações que
podem ocorrer quando uma pessoa deseja conhecer e raciocinar sobre uma dada
questão: fornece ao usuário possibilidade de encontrar um fórum de discussão sobre
o tópico em questão, bem como a possibilidade de o usuário expressar suas teses e
argumentos e conhecer outros argumentos e avaliar sua plausibilidade via internet.
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Tais ferramentas \ permitem que seus usuários estruturem seus argumentos através
da articulação esquemática/diagramática de declarações em linguagem natural em
vez de terem de usar declarações lógicas formais e formas logicas de argumentos,
dado que é necessário dominar alguns elementos da logica formal para saber
expressar declarações e argumentos em termos de forma logica corretamente.
Como democracia e a e-democracia se relaciona com a argumentação?
Podemos começar a abordar essa relação explicitando alguns princípios da
democracia: um dos usos deste termo se refere a características tais como
igualdade, liberdade e Estado de Direito. A democracia proporciona a todos os
cidadãos o direito de participar livre e plenamente na vida cívica de sua sociedade.
Hoje a ideia de e-democracia é promovida pelos governos de modo a incentivar a
participação dos indivíduos no debate de questões importantes para o país, por meio
da internet.
A noção de e-democracia possui relação e pode ser entendida, como
observaram Coleman e Norris (2005, p.6-7) de forma ampla e detalhada, com o uso
da informação e das tecnologias de comunicação hoje disponíveis que tendem a
promover estruturas e processos democráticos, transformando o debate e a cultura
política nacional: cidadãos são capazes de participar desde de discussões sobre a
pavimentação de estradas bem como a eleger políticos, pelo que poderemos
perceber (se não aqui no Brasil pelo menos em outros países) a importância dos
meios de comunicação eletrônicos dado o papel que podem desempenhar na
remodelação do acesso ao que as pessoas podem saber, com quem se comunicam
e o que podem necessitar saber para fazer certas coisas. Tal mudança na técnica
humana tem permitido padrões mais ou menos democráticos de poder comunicativo
e deliberativo. Ou seja, através da e-democracia os acordos políticos têm sido
realizados através de comunicações eletrônicas utilizadas por aqueles com poder
politico e por cidadãos que se interagem uns com os outros. Isso tem modificado a
forma da interpretação padrão pela qual o poder é (e pode ser) usado, tratando-se
de uma forma de capacitar os cidadãos no processo de tomada de importantes
decisões nacionais. O conjunto de iniciativas pelas quais os recentes governos têm
adotado para promover essa participação é através do que pode ser chamado de
participação virtual/digital ou e-participação: por meio e-forums, audiências publicas
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virtuais, e-consultas, e-referendos, votação virtual, estabelecimento de e-regras. Se
a democracia pode ser definida como um tipo de governos nos quais o poder
supremo é ao mesmo tempo investido e exercido pelas pessoas, direta ou
indiretamente, por meio de um sistema de representação, então a e-democracia
pode ser entendida como uma democracia eletrônica pelo uso de ferramentas da
tecnologia que capacitam e facilitam atividades democráticas (COLEMAN; NORRIS,
2005, p.6-7).
Nesse viés, a e-democracia evidencia aquilo que Benakouche já nos alertava:
“[...] erroneamente, supunha-se uma dicotomia na qual de um lado estaria a
tecnologia – que provocaria impactos – e do outro, a sociedade – que os sofreriam
[...]” (2005, p. 79). Benakouche (2005, p. 79) endossa um mesmo padrão de tese, de
acordo com a qual podemos pensar a inserção de processos decisórios da
administração pública e estatal por meio da internet, porque o “momentum” dessa
tecnologia apresenta um contexto favorável dada a sua “[...] ampla aceitação por
parte de indivíduos e instituições [...]”. Mas a inserção de instâncias participativas
que incluam o maior número de pessoas diretas ou indiretamente envolvidas com
um tema, não constitui, segundo Souza (2002), tarefa fácil ante o sistema
democrático representativo operante nos Estados contemporâneos.
Dessa forma, qualquer mecanismo que se proponha a ampliar os processos
decisórios e alargar a democracia no sentido de uma gestão mais direta, terá
obstáculos que, de acordo com Saquet (2007; 2011) estão inerentes às contradições
contidas no exercício do planejamento e gestão territoriais. Para este autor, a
qualificação do governo local é fundamental para “[...] gerir as mudanças e as
permanências territoriais, as desigualdades, as diferenças, as identidades, as redes
e os “jogos” de poder, por meio de políticas precisas e coerentes com a
complexidade do real [...]” (SAQUET, 2011, p. 12). Ainda segundo Saquet, nas
discussões e nas implementações de políticas e ações de planejamento
democráticas é imprescindível a participação do “sujeito social”: “[...] É fundamental
participar, portanto, das audiências públicas, das definições dos planos de
investimentos e das sessões legislativas [...]” (IDEM, p. 13).
A configuração de uma ferramenta lógica destinada a análise e avaliação de
argumentos proferidos em situações cotidianas, poderia contribuir para desmistificar
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a informação comum como apenas técnicas de produção direta, bem como, para
indicar que “[...] os mesmos interesses criam uma solidariedade ativa, manifestada
em formas de expressão comum, gerando, desse modo, uma ação política [...]”
(SANTOS, 1999, p. 223). O que implica em dizer que os objetos técnicos da era da
informação propiciados pela globalização e seu meio técnico-científico-informacional
poderia servir a outros propósitos (IDEM) como, por exemplo, na igualdade efetiva de
oportunidades e de acesso a informações confiáveis aos diversos grupos sociais
(Souza, 2002).
Nesse sentido, compreendemos a importância da apreciação desses estudos
e ferramentas técnicas para “[...]verificar, sistematicamente, o papel do fenómeno
técnico na produção e nas transformações do espaço geográfico” (SANTOS, 1999,
p. 27). Isso porque, segundo Santos (1999), a técnica em si deve ser compreendida
como meio, um objeto técnico concreto que se torna meio e condição para ação de
um conjunto social.
Não foi nossa pretensão defender um modelo computacional e uma
sociedade em rede como movimento de um New Urbanism nos moldes propostos,
por exemplo, pela concepção de Smart city, em que o processo democrático seja
vinculado a inovação tecnológica e das telecomunicações, mas pensar o Smartness
em relação a e-democracia e a e-governance como um continuo aprendizado social
(de acordo com CRIVELLO, 2013, p. 52), como um viés de participação social nos
moldes de “[...] sistemas territoriais locais, nos quais os sujeitos sociais – indivíduos
coletivos, públicos o privados – actuam como nós das redes virtuais [...]”
(DEMMATTES, 2006, p. 53).
O tipo de relação entre a democracia (e e-democracia) e a argumentação que
temos em mente não é um assunto novo. Foi primariamente explorada e defendida
pelos filósofos da cultura grega clássica, e um dos aspectos da revolução cultural
que ocasionaram não foi apenas no sentido explicarem os fenômenos naturais por
meio da observação, da experimentação e do raciocínio intenso a priori e a
posteriori, mas também, como observou Desiderio Murcho em Filosofia, Valor e
Verdade (2006), ao terem aplicado o raciocínio a debates públicos reais sobre
questões de interesse da sociedade da época: “(...) os filósofos da Grécia antiga
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expunham as suas ideias e desafiavam os interlocutores a discuti-las livremente (...)”
(MURCHO, p.86). Os gregos foram os primeiros a entenderem a importância da
argumentação numa democracia; que precisamos argumentar para discutir ideias
genuinamente; que argumentar é procurar defender ideias com razoes; que uma
discussão argumentativa se constitui como uma relação entre um argumentador e
um interlocutor, relação essa em que ambos apresentam razoes para cada ideia
discutida; e que numa democracia as pessoas, ao fazerem isso, têm de ter liberdade
intelectual para tal.
4.
Considerações finais
Para finalizar, vimos que a partir da perspectiva da LI e da TA (especialmente
a discussão sobre as ferramentas computacionais e de analise e avaliação de
argumentos) podemos pensar acerca de uma concepção de democracia e de edemocracia cujo livre exercício do “poder cívico” de qualquer cidadão deva ser feito
com responsabilidade epistêmica, de modo que possamos discutir questões acerca
seja do que for da forma mais coerente, crítica e inteligível. Isso porque, as
ferramentas aqui exploradas podem funcionar e auxiliar na superação de limitações
passíveis de ocorrer quando uma pessoa deseja conhecer e raciocinar sobre uma
dada questão, em especial no que tange aos argumentos apresentados na internet.
Tais ferramentas procuram fornecer e garantir meios de interoperabilidade de
argumentos através da articulação esquemática/diagramática de declarações em
linguagem natural em vez de terem de usar declarações lógicas formais e formas
lógicas de argumentos, sem a perda de noções de como validade, verdade, solidez,
cogência. Noções que nos fornecem algumas ideias (critérios ou orientações) sobre
o que se deve fazer para argumentar bem e racionalmente de um ponto de vista
logico e epistêmico, dando clareza e compreensão aos debates e participação social
nas instâncias de e-democracias e, consecutivamente, na ampliação e consolidação
de processos democráticos em geral.
5.
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