Desenvolvimento de Sistemas de Informação
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Desenvolvimento de Sistemas de Informação
Adaptado do Capítulo 3 de: Carvalho, João Álvaro, Desenvolvimento de Sistemas de Informação: Relatório de Disciplina Contendo o Programa, Conteúdo e Métodos de Ensino, documentação para concurso ao lugar de Professor Associado na Escola de Engenharia da Universiade do Minho, Outubro de 1996. Desenvolvimento de Sistemas de Informação: Da Construção de Sistemas Informáticos à Reengenharia Organizacional João Álvaro Carvalho Universidade do Minho Escola de Engenharia Departamento de Sistemas de Informação 4800-058 Guimarães, Portugal Tel: + 351 253 510258/9 Fax: + 351 253 510250 e-mail: [email protected] Abstract A partir de uma breve discussão sobre o que se pode entender por sistemas de informação, é discutida a natureza da actividade de desenvolvimento de sistemas de informação. Esta discussão serve de base para comparar o desenvolvimento de sistemas de informação com duas outras actividades com que frequentemente é confundido: construção de sistemas informáticos e redefinição de processos organizacionais. O artigo inclui ainda uma apresentação dos conhecimentos e competências dos profissionais que se dedicam aquela actividade de intervenção organizacional. O artigo conclui argumentando que a actividade de desenvolvimento de sistemas de informação, pelas suas características, poderá ser considerada como uma actividade de engenharia – engenharia de sistemas de informação. 1 Introdução Pretende-se neste artigo esclarecer alguns conceitos fundamentais relacionados com sistemas de informação e com o desenvolvimento de sistemas de informação. A necessidade deste esclarecimento justifica-se devido à inexistência de consenso, entre os estudiosos dos sistemas de informação, relativamente à natureza do objecto de estudo, a conceitos e, especialmente, relativamente à terminologia utilizada. A constatação de tais diferenças tem vindo a motivar reflexões sobre o assunto e tem inclusivamente levado à realização de conferências e à constituição de grupos de trabalho para debater o assunto (e.g., [McLean 1982], [van Gigch and Pipino 1986], [Wand and Weber 1986], [Banville 1 and Landry 1989], [Falkenberg and Lindgreen 1989], [Lindgreen 1990], [Falkenberg, et al. 1992], [Falkenberg, et al. 1996]). Esta falta de consenso poderá explicar-se pelo facto de o domínio dos sistemas de informação, para além de ser relativamente recente, ser um domínio inter-disciplinar onde os contributos para o seu desenvolvimento têm origem em diferentes áreas do saber tais como: ciências da computação, engenharia de computadores, ciências da organização e gestão, economia, sociologia, psicologia [McLean 1982], [Falkenberg, et al. 1996], [Westin, et al. 1994]. Assim, neste artigo será apresentado o que poderá ser entendido por sistema de informação e desenvolvimento de sistemas de informação. Para além destes esclarecimentos, pretende-se ainda identificar os conhecimentos e aptidões a esperar naqueles que, nas organizações, estão envolvidos em processos de desenvolvimento de sistemas de informação. 2 Sistemas de informação Sistemas de informação é, em primeiro lugar, a designação utilizada desde há algum tempo para referir o domínio científico que, em termos gerais, se debruça sobre o estudo e desenvolvimento da adopção e da utilização de aplicações de tecnologia da informação no suporte ao funcionamento de organizações. A explicação da utilização do termo sistemas de informação para designar este domínio científico poderá talvez residir no facto de que a utilização óbvia da tecnologia da informação nas organizações é no suporte ao sistema de informação da organização. Este sistema deverá ser entendido como o sub-sistema organizacional em que são enquadradas actividades e instrumentos que permitem aos agentes organizacionais informarem-se, i.e., obterem o conhecimento que necessitam para executar as suas actividades e cumprir as suas funções. Agentes organizacionais são aqui entendidos como pessoas ou dispositivos que, numa organização, executam tarefas e desempenham funções que contribuem para que essa organização cumpra a sua missão. Buckingham e colegas [Buckingham, et al. 1987] descrevem sistema de informação como sendo o sistema que recolhe, processa, armazena e distribui informação numa organização tendo em vista que a informação esteja acessível a quem dela necessita. Um sistema de informação é assim um sistema de actividade humana que poderá ser suportado por computadores. Esta definição aponta já para o papel que a tecnologia da informação (e em particular o computador) poderá desempenhar num sistema de informação, mas deixa bem claro que um sistema de informação não é necessariamente suportado por computadores. É este entendimento de sistema de informação que está subjacente a este trabalho e que suporta a visão da actividade de desenvolvimento de sistemas de informação apresentada neste relatório. No entanto, para outros autores, só faz sentido falar de sistemas de informação quando os computadores estão presentes. Por exemplo, Alter [Alter 1996] define sistema de informação como sendo um sistema que usa tecnologia da informação para obter, transmitir, armazenar, manipular ou apresentar informação usada no contexto de processos organizacionais. Neste sentido, sistema de informação é um sistema baseado em computador que é usado num contexto organizacional1. O grupo de trabalho FRISCO 2 [Falkenberg, et al. 1996], reconhecendo que tanto num caso como noutro a designação “sistema de informação” é perfeitamente válida, procura distinguir estas duas interpretações, designando-as respectivamente por sistema de informação em sentido lato e sistema de informação em sentido restrito. Considerando pouco práticas as designações utilizadas no relatório FRISCO, e tendo em vista evitar mal entendidos, a visão mais restrita de sistema de informação será, neste relatório, designada por sistema informático. Sistemas informáticos (ou aplicações informáticas) são assim sistemas (baseados em computador) que suportam a recolha, o armazenamento, o processamento e/ou a distribuição de informação numa organização. 3 Desenvolvimento de Sistemas de Informação: diversas interpretações As duas interpretações de sistema de informação acima apresentadas levam a que, de imediato, o termo desenvolvimento de sistemas de informação possa, também ele, ter duas interpretações diferentes. Estas duas interpretações correspondem aos cenários A e B 1 Outros autores são ainda mais drásticos. Por exemplo, Ein-Dor e Segev [Ein-Dor and Segev 1993] num trabalho em que propõem uma classificação de sistemas de informação estão a referir-se a qualquer sistema baseado em computador (sistema computorizado) com interface para utilizador ou operador em que o computador não está "embedded" (i.e., o computador é perceptível aos olhos do utilizador/ operador). 2 FRISCO - a FRamework of Information System COncepts. abaixo apresentados, respectivamente a construção de sistemas informáticos (CSI) e o desenvolvimento de sistemas de informação (DSI). Será ainda relevante considerar que o desenvolvimento de sistemas de informação pode ser conduzido no âmbito de actividades de intervenção cujo foco é a própria organização e os seus processos. Assim, será ainda considerado um terceiro cenário (cenário C - redefinição de processos organizacionais RPO) correspondente a esta visão. Os três cenários considerados são ilustrados numa figura onde o “percurso” do processo de desenvolvimento é traçado sobre um “fundo” com duas dimensões: (i) fases do processo de desenvolvimento (percepção, concepção e implementação); (ii) objecto da intervenção (organização, sistema de informação e sistema informático). Com a dimensão fases do processo procura-se realçar que o processo de desenvolvimento, independentemente do cenário considerado, passa por três fases. Na primeira - percepção - os agentes que conduzem o processo assumem uma atitude predominantemente perceptiva. Procuram compreender o “universo” com que são confrontados, identificar, delimitar e formular o “problema”. Na segunda fase concepção - são geradas e avaliadas soluções alternativas e é feita a escolha da solução que parece mais apropriada. A solução escolhida será então planeada detalhadamente. Na última fase - implementação - serão executados os planos que conduzirão à implementação da solução escolhida. O papel da segunda dimensão (objecto da intervenção) é distinguir os vários níveis organizacionais que serão objecto de atenção no processo de desenvolvimento - a organização, o sistema de informação ou o sistema informático. Cada um dos diferentes cenários para o DSI considerados visa introduzir mudança a níveis diferentes. Por outro lado, o foco da atenção em cada uma das fases do processo é também diferente em cada um dos cenários. 3.1 Cenário A: Construção de Sistemas Informáticos O primeiro cenário - construção de sistemas informáticos (CSI) - corresponde a uma actividade cujo objectivo é a construção de sistemas informáticos (ou aplicações informáticas) que irão ser utilizadas num contexto organizacional. A figura 1 procura ilustrar esta actividade. Neste cenário, a intervenção é feita essencialmente ao nível dos sistemas informáticos, ou seja, o principal resultado do processo de desenvolvimento é uma aplicação informática. A especificação dos requisitos deste sistema é o resultado da fase de percepção (ver localização da ”✩” na figura 1). Esta especificação é produzida logo que as necessidades dos utilizadores tenham sido compreendidas. A compreensão destas necessidades passa por analisar o modo como a organização funciona e como o sistema de informação suporta a organização e por indagar junto dos futuros utilizadores do sistema informático que suporte é que pretendem ter por parte das aplicações informáticas. É nesta fase que são normalmente considerados os aspectos organizacionais e sociais relevantes, atendendo ao facto de que se lida com sistemas informáticos a utilizar num contexto organizacional. Percepção Concepção Implementação Organização Sistema de Informação ❶ Sistema Informático Tecnologia da Informação LEGENDA: ✩ - produção da especificação de requisitos do sistema informático ▲ - integração do sistema informático no sistema de informação ❶ - momento onde são consideradas as potencialidades das TIs Figura 1 - CSI - Construção de sistemas informáticos ou aplicações informáticas Uma vez identificados os requisitos para as aplicações informáticas estas são concebidas, especificadas e implementadas. Uma vez terminada a implementação, as aplicações informáticas são disponibilizadas para integração no sistema de informação da organização. No entanto, esta integração não é normalmente contemplada nos modelos do processo de CSI. Assim, na figura 1, o símbolo “▲” que pretende assinalar esta integração é colocado fora da linha que traduz o “percurso” da CSI. O ponto ❶ pretende assinalar o momento do processo de CSI onde são tomadas decisões relativamente às tecnologias da informação (TIs) que irão suportar as aplicações informáticas. 3.2 Cenário B: Desenvolvimento de Sistemas de Informação A interpretação mais abrangente de sistema de informação leva a um segundo cenário em que o desenvolvimento de sistemas de informação é entendido como uma actividade de intervenção na organização cujo objectivo é melhorar o seu sistema de informação. Por actividade de intervenção deverá entender-se uma actividade que incide sobre uma determinada situação organizacional e que, com o objectivo de melhorar o seu desempenho, irá introduzir mudança na organização. Esta intervenção passa normalmente pela adopção de sistemas informáticos para suportar algumas das actividades da organização e do seu sistema de informação. Entende-se que é esta a actividade de intervenção organizacional que deverá ser designada por desenvolvimento de sistemas de informação (DSI). Percepção Concepção Implementação Organização Sistema de Informação ❷ ❶ Sistema Informático Tecnologia da Informação LEGENDA: ✩ - produção da especificação de requisitos do sistema informático ▲ - integração do sistema informático no sistema de informação ❶, ❷ - momentos onde são consideradas as potencialidades das TIs Figura 2 - DSI - Desenvolvimento de sistemas de informação A figura 2 procura ilustrar o processo de DSI. Neste caso, a intervenção é feita ao nível do sistema de informação sendo o resultado do processo um sistema de informação num estado mais “avançado”. Em particular, o sistema de informação terá sido dotado de suporte informático. Também neste cenário, a fase de percepção incide nos níveis “organização” e “sistema de informação”. O objectivo é compreender a organização e o modo como está a ser suportada pelo sistema de informação. Na fase de concepção é concebido e projectado o sistema de informação que permitirá suportar a organização. Serão também definidos os requisitos para as aplicações informáticas que suportarão o sistema de informação. O símbolo ”✩” procura ilustrar o ponto do processo onde são produzidas as especificações de requisitos dos sistemas informáticos. A fase de implementação corresponde à execução dos projectos produzidos na fase anterior. Esta fase inclui a introdução de mudanças no sistema de informação, a preparação da organização (e especialmente dos recursos humanos) para a utilização de sistemas informáticos e a integração dos sistemas informáticos entretanto obtidos (assinalado na figura com o símbolo “▲”). Note-se que a obtenção destes sistemas informáticos não passa necessariamente pela sua construção. Os sistemas informáticos poderão ser obtidos sob a forma de “packages” ou encomendados a empresas de construção de “software”. Conforme o caso, o ramo a tracejado na figura 2 corresponderá a processos diferentes. Neste cenário, e para além do momento ❶ já referido no cenário A, há ainda a considerar um outro momento em que as TIs são consideradas - ❷. Este momento corresponde às decisões sobre os tipos de sistemas informáticos que poderão suportar o sistema de informação. 3.3 Cenário C: Redefinição de processos organizacionais É ainda possível ver o desenvolvimento de sistemas de informação no contexto de outras actividades de intervenção, ainda mais abrangentes. Neste caso, o DSI é visto como uma sub-actividade da redefinição de processos organizacionais3- RPO. O objectivo desta intervenção são os próprios processos organizacionais. Uma vez modificado o modo como o negócio é conduzido será também necessário rever a forma como o sistema de informação suporta o negócio e que sistemas informáticos poderão ser utilizados. A figura 3 procura ilustrar este terceiro cenário. O processo correspondente ao DSI (tal como definido no cenário B) é apresentado por uma linha curva procurando ilustrar a ausência de uma clara separação entre a intervenção nos processos organizacionais e a intervenção no respectivo sistema de informação. 3 É utilizado o termo redefinição porque se pretende traduzir a intenção de alterar algo que já existe e que, portanto, terá já sido definido anteriormente. Haverá no entanto situações em que essa definição prévia não existiu. Quer porque se trata de uma organização em constituição quer porque se trata de processos até à data inexistentes. Percepção Concepção Implementação ❸ Organização ❷ Sistema de Informação ❶ Sistema Informático Tecnologia da Informação LEGENDA: ✩ - produção da especificação de requisitos do sistema informático ▲ - integração do sistema informático no sistema de informação ❶, ❷, ❸ - momentos onde são consideradas as potencialidades das TIs Figura 3 - RPO - Redefinição de processos organizacionais As intervenções ao nível dos processos organizacionais podem ser mais ou menos profundas. Talwar [Talwar 1994] define um espectro de intervenções que inclui as seguintes possibilidades: (i) melhoria do processo; (ii) re-engenharia de processos; (iii) reengenharia do negócio; (iv) transformação; e (v) renovação contínua. Do ponto de vista do desenvolvimento de sistemas de informação, e independentemente da “radicalidade” da intervenção, interessa considerar as alterações que é necessário realizar no sistema de informação para que as alterações ao nível organizacional possam ser bem sucedidas. Neste cenário, são três os momentos em que as TIs devem ser consideradas. Num primeiro momento (❸) é considerada a possibilidade de as TIs poderem ser aproveitadas estrategicamente. O objectivo é analisar a forma como as TIs podem ser utilizadas para potenciar mudanças significativas no modo como o negócio é conduzido e, eventualmente, levar a organização à obtenção de vantagens competitivas. Os outros dois momentos correspondem às situações já anteriormente analisadas para os cenários A e B. 4 Discussão dos cenários apresentados Uma das diferenças essenciais entre os cenários A e B é que, enquanto no primeiro cenário os requisitos dos sistemas informáticos são obtidos na fase de percepção, na segunda são obtidos na fase de concepção. No primeiro caso os requisitos são identificados enquanto na segunda são definidos. Identificar ou descobrir os requisitos corresponde a uma postura em que se pressupõe que os requisitos existem, “latentes”, algures na organização. Esta atitude é compreensível se atendermos a que o objectivo da CSI é a construção de um sistema informático que satisfaça as necessidades expressas pelos futuros utilizadores do sistema informático. O sistema informático é um fim em si. Pelo contrário, definir deliberadamente os requisitos dos sistemas informáticos corresponde a uma postura em que os sistemas informáticos são vistos como um meio para atingir determinados objectivos. O cenário A corresponde a uma visão técnica desenvolvida em áreas próximas da engenharia de “software”. Reconhecendo que o sistema que se pretende irá ser utilizado por pessoas, num contexto organizacional, é reconhecida a importância da fase de percepção. Esta é assim considerada crucial para o sucesso dos sistemas informáticos. É ainda salientado que os erros cometidos nesta fase são responsáveis por grande parte das correcções a efectuar ao produto final (sistema informático) e sobretudo responsável pelas correcções mais onerosas [Pressman 1987], [Sommerville 1989]. Dada a importância que esta fase assume, é por vezes considerada como uma actividade autónoma designada normalmente por análise de sistemas ou por engenharia de requisitos. Construção de sistemas informáticos (cenário A) pode assim considerar-se que corresponde a uma visão restrita (e restritiva), do desenvolvimento de sistemas de informação. Por seu lado, a redefinição de processos organizacionais (cenário C) traduz preocupações a nível da gestão das organizações. A ênfase da intervenção é posta nos processos organizacionais sendo o DSI relegado para segundo plano. Esta visão chama a atenção para o facto de que também o DSI não é um fim em si mas um meio que contribui para o funcionamento da organização. O facto de o DSI poder ser visto como uma sub-actividade no contexto de outra actividade mais abrangente tem obviamente implicações para quem conduz o DSI. É pois importante que os profissionais envolvidos no processo de DSI conheçam os pontos de interface entre o DSI e a redefinição de processos organizacionais. A visão do desenvolvimento de sistemas de informação subjacente a este documento é a corresponde ao cenário B. Nesta visão, a construção de aplicações informáticas é um subproblema que poderá mesmo não se pôr, quer por ser considerada desnecessária a existência de suporte informático (possibilidade remota) quer pelo facto de as aplicações informáticas julgadas necessárias e adequadas poderem ser obtidas a partir de terceiros4. No entanto, apesar de a construção de aplicações não ser essencial, a definição dos requisitos dessas aplicações informáticas é uma importante actividade do DSI. Reconhece- 4 E.g., aquisição de aplicações disponíveis no mercado (“packages”), contratação de empresas construtoras de aplicações. se ainda que o DSI poderá ser conduzido no âmbito de actividades de intervenção dirigidas aos processos organizacionais. Considera-se ainda que, apesar de qualquer uma das três actividades apresentadas poder ser designada por desenvolvimento de sistemas de informação, aquela que pode usar com mais propriedade essa designação é a actividade correspondente ao cenário B. No entanto, qualquer uma das actividades - CSI, DSI e RPO - tem a sua oportunidade numa organização. A decisão de desencadear qualquer uma delas dependerá de circunstâncias particulares que caracterizam um dado momento da vida de uma organização e do modo como se entende poder ultrapassar eficazmente situações consideradas problemáticas ou conseguir melhoramentos no desempenho da organização. Reconhece-se assim que haverá situações em que as necessidades informáticas da organização são claras sendo portanto possível avançar para a construção de sistemas informáticos. Por outro lado, será possível pretender intervir a nível do sistema de informação sem pôr em causa os próprios processos organizacionais. Noutros casos, a intervenção terá de ser feita ao nível dos processos organizacionais, sendo a mudança ao nível do sistema de informação uma consequência das alterações introduzidas naqueles processos. A capacidade de discernir qual das intervenções será a mais adequada dependerá da maturidade da organização no que respeita ao modo como é gerido o sistema de informação. Este aspecto é particularmente importante já que o DSI deve ser visto no contexto da gestão de sistemas de informação. O desencadear de um processo de DSI decorrerá da constatação da necessidade de melhoramento do sistema de informação de uma organização, necessidade essa detectada no âmbito de uma monitorização continuada do desempenho do sistema de informação. Noutros casos, um processo de DSI corresponderá à implementação de um plano delineado no âmbito do planeamento de sistemas de informação (PSI) [Amaral 1994]. A gestão de sistemas de informação (frequentemente alocada na função sistemas de informação) tem como objectivo gerir a informação, a sua utilização na organização e o modo como é suportada por TIs. Esta componente da gestão das organizações é hoje em dia reconhecida como uma necessidade que decorre de factores tais como: o reconhecimento da informação como um recurso; o reconhecimento do peso que o desempenho do sistema de informação tem no desempenho global da organização; a necessidade de gerir com rigor avultados investimentos em TIs. 5 Principais actividades do desenvolvimento de sistemas de informação Foi assumido que DSI é uma actividade de intervenção que visa melhorar o sistema de informação de uma organização. Sem pretender constituir um modelo detalhado do processo de DSI a figura 4 apresenta as principais sub-actividades do DSI, as suas interligações e principais resultados. Percepção Concepção Implementação (a) Compreensão do contexto organizacional Organização (1) (b) Compreensão do sistema de informação (2) (c) Reformulação do sistema de informação (3) (e) implementação das alterações e integração do sistema informático (4) (d) Obtenção do sistema informático ( 1 ) modelos descritivos da organização; ( 2 ) modelos descritivos do sistema de informação Sistema de Informação sistema informático Sistema Informático ( 3 ) modelos prescritivos do sistema de informação ( 4 ) requisitos do(s) sistema(s) informático(s) Figura 4 - Modelo do processo de desenvolvimento de sistemas de informação com indicação dos resultados de cada uma das actividades As sub-actividades consideradas são as seguintes5: a) Compreensão do contexto organizacional; b) Compreensão do sistema de informação existente; c) Concepção das alterações a introduzir no sistema de informação tendo em vista a sua reformulação; inclui a definição dos requisitos para os sistemas informáticos que irão suportar o sistema de informação; d) Obtenção dos sistemas informáticos (através de uma das três seguintes possibilidades: (i) construção; (ii) 5 Assume-se neste modelo que se pretende intervir numa organização já em funcionamento. No caso do DSI para uma organização em fase de criação, terão que ser feitos alguns ajustes ao modelo. negociação/contratação com construtores de aplicações; (iii) selecção/aquisição de produtos disponíveis no mercado); e) Implementação das alterações projectadas em c), preparação/formação dos utilizadores e integração dos sistemas informáticos obtidas em d). 6 Natureza sócio-técnica do processo de DSI Sendo um processo de intervenção organizacional e envolvendo na sua condução pessoas e grupos, o DSI possui uma natureza sócio-técnica que importa salientar. A componente técnica corresponde aos aspectos mais ligados às tecnologias da informação e aos métodos, técnicas e ferramentas apropriados à definição e construção de sistemas informáticos. Sob um ponto de vista estritamente técnico, o objectivo do DSI é a procura da eficiência da organização, procurando tirar partido das potencialidades das TIs. A componente social do DSI corresponde principalmente aos aspectos relacionados com o impacto que o processo de DSI tem nas pessoas e grupos que irão ser afectados pela intervenção. Refiram-se em particular as seguintes situações onde a componente social deve ser tida em consideração: - sendo um processo de intervenção, o DSI irá introduzir mudança num determinado contexto organizacional; diversas pessoas irão ser afectadas por essa mudança; - o “interface” dos sistemas informáticos que eventualmente serão construídos deverá ser adequado às tarefas no contexto das quais serão utilizados e às capacidades dos seus utilizadores; - a introdução de mudança, em particular através da adopção de sistemas informáticos, obriga a que as pessoas (os futuros utilizadores dos sistemas informáticos), sejam devidamente treinadas na utilização daqueles sistemas. Quando a componente social é tida em consideração, os objectivos do DSI têm que ser encarados como um compromisso entre a procura da eficiência de uma organização e a necessidade de manter tão elevada quanto possível a satisfação no trabalho das pessoas que trabalham na organização, especialmente aquelas que são afectadas pelo processo de desenvolvimento [Avison and Wood-Harper 1990], [Mumford 1995]. Outros aspectos de natureza social a considerar tem a ver com o facto de o processo de DSI obrigar os agentes de desenvolvimento a relacionarem-se com diferentes tipos pessoas, nomeadamente: - para obter conhecimento sobre a organização e sobre o sistema de informação, os agentes de desenvolvimento precisam de lidar com as pessoas que conduzem/ executam os processos organizacionais em geral e, em particular, os processos do sistema de informação6; - o DSI é normalmente conduzido por equipas que integram, para além de diversos profissionais de sistemas de informação, pessoas com outras formações; 7 Conhecimentos e aptidões necessários no DSI A condução do processo de DSI exige dos profissionais nele envolvidos um conjunto diversificado de competências. Estas competências implicam conhecimentos e aptidões que deverão abranger: • a natureza da informação e dos sistemas de informação; • o processo de DSI; • métodos, técnicas e ferramentas adequados a cada uma das actividades do processo; • métodos, técnicas e ferramentas necessários para a gestão do processo de desenvolvimento; • o papel das TIs nas organizações; • aptidões adequadas à natureza do processo de desenvolvimento. Estes conhecimentos e aptidões não são específicos dos profissionais envolvidos no DSI mas, de um modo geral, aos profissionais que poderão ser genericamente designados por 6 Por processos do sistemas de informação deverão entender-se as tarefas e actividades relacionadas com a recolha, processamento, armazenamento e distribuição de informação na organização. profissionais de sistemas de informação 7 [Cheney, et al. 1990], [Watson, et al. 1990], [Khan and Kukalis 1990], [Lee, et al. 1995], [Couger, et al. 1995]. Devido talvez ao ritmo de evolução das TIs, ao relativamente pouco tempo de vida das profissões mais directamente ligadas aos sistemas de informação ou ao facto de estas profissões corresponderem a uma intersecção de duas áreas - informática e gestão -, a questão dos conhecimentos e aptidões necessários a estes profissionais têm sido amplamente abordada na literatura (e.g., [Cheney, et al. 1990], [Watson, et al. 1990], [Khan and Kukalis 1990], [Lee, et al. 1995], [Couger, et al. 1995], [Trauth, et al. 1993], [Graf and Misic 1994], [Todd, et al. 1995], [Richards and Pelley 1994], [Igbaria, et al. 1991], [Igbaria, et al. 1994], [Green 1989]. Um dos trabalhos mais recentes nesta área [Couger, et al. 1995] resume de forma interessante as competências e conhecimento correspondentes a cada uma de nove características que os profissionais de sistemas de informação devem possuir. O quadro 1 é uma adaptação desse resumo. Da análise do quadro 1, é possível constatar a diversidade da origem dos conhecimentos e aptidões necessários aos profissionais de sistemas de informação em geral e aos agentes de DSI em particular. Por outro lado, poderá ainda chamar-se a atenção para o facto de os conhecimentos e aptidões referidos abrangerem as competências técnicas (e.g., TIs, sistemas informáticos, métodos de DSI) e as competências sociais (e.g., comunicação, relações interpessoais, profissionalismo). 7 As designações anglo-saxónicas mais utilizadas são “IS professionals” e “MIS professionals”. Característica Comunicação Sistemas informáticos (SI) Competência para: • ouvir atentamente e expressar ideias complexas usando terminologia simples • fazer apresentações • escrever relatórios e outra documentação • aplicar soluções de SI/TI a problemas e oportunidades funcionais, inter-organizacionais, operacionais, de gestão e para executivos • descrever características dos vários tipos de sistemas informáticos TIs • descrever as funções e componentes dos computadores e redes • seleccionar e aplicar ferramentas de “software” a soluções organizacionais Relações • Trabalhar eficazmente com pessoas de diferentes interpessoais níveis e tipos de formação • trabalhar eficazmente com pessoas nos diferentes níveis das organizações • capacidade de liderar e dinamizar grupos Gestão • estabelecer objectivos para os projectos que sejam coerentes com os objectivos da organização • especificar, obter, organizar, monitorar e dirigir recursos e actividades • aplicar conceitos de melhoria contínua da qualidade Resolução de • reconhecer a necessidade de aplicar métodos problemas analíticos • formular soluções criativas para problemas simples ou complexos Métodos de • seleccionar e utilizar métodos apropriados DSI • utilizar técnicas e ferramentas para analisar, conceber e implementar SI • avaliar a exequibilidade e o risco associado aos projectos Teorias e • representar processos organizacionais e dados conceitos de usando métodos rigorosos sistemas • identificar “interfaces”, fronteiras e componentes de problemas Profissionalismo • assumir posições pessoais e respeitar opiniões doutros • aderir a padrões éticos • avaliar os impactos dos SI nas organizações e na sociedade • usar activamente conhecimentos adequados e boas práticas Usando conhecimento de: • técnicas de entrevistas • técnicas para apresentação de dados • ferramentas baseadas em computador • teoria, estrutura e funções organizacionais • características e capacidades dos SI/TI • computadores e redes • linguagens e ambientes de programação • liderança, gestão e organizações • motivação e comunicação em grupos pequenos • diversidade cultural • planeamento e gestão de recursos • liderança, motivação e dinamização de grupos • avaliação • recolher, sumariar e interpretar dados • métodos matemáticos e estatísticos • modelos do processo de DSI • prototipagem, aquisição e “outsourcing” • análise de risco e de exequibilidade • teoria geral de sistemas • modelação de processos, dados, lógica e eventos • códigos de conduta • ética • padrões de boa prática Quadro 1 - Principais competências e conhecimento dos profissionais de sistemas de informação (adaptado de [Couger, et al. 1995]) 8 Desenvolvimento de sistemas de informação: uma actividade de engenharia Desenvolvimento de sistemas de informação foi aqui apresentado como uma actividade deliberada e propositada cujo objectivo é melhorar o sistema de informação de uma organização. Sistema de informação foi descrito como o sistema constituído pelas actividades e instrumentos conduzidos/usados pelos agentes organizacionais para se informarem, i.e., para obterem o conhecimento que necessitam para a execução das tarefas que lhes foram cometidas e para o desempenho das funções que lhes foram atribuídas. Por melhorar um sistema de informação deverá entender-se aumentar a sua eficiência ou seja, equilibrar a procura da maximização da sua eficácia com a economia dos recursos consumidos. Feibleman [Feibleman 1961] refere que a eficiência é o ideal da tecnologia. Tecnologia deve aqui ser entendida de uma forma lata, que não se limita aos artefactos criados pelo Homem mas engloba todo o esforço por ele realizado no sentido de melhorar as suas condições de vida. Tecnologia é a reacção do homem à natureza e às circunstâncias [Gasset 1983 (1941)]. Engenheiro é um “tecnologista” i.e., alguém que, na sua profissão, procura adaptar a natureza ou as circunstâncias em seu benefício ou de outrem. Engenharia é a mais terra-aterra de todas as actividades de natureza científica [Feibleman 1961], na medida em que as soluções desenvolvidas pelos engenheiros se aplicam a situações particulares. Desenvolver um sistema de informação enquadra-se perfeitamente no esforço realizado pelo Homem no sentido de melhorar as suas condições de vida. Neste caso, o objecto do melhoramento é um sistema de informação ou, de uma forma ainda mais abrangente, os processos de informação numa organização. Além disto, e tendo em atenção a natureza criativa do desenvolvimento de sistemas de informação (manifestada essencialmente na fase de concepção - “design”) e a complexidade das técnicas e métodos disponíveis para a condução desta actividade (o que faz com que a sua aplicação não seja óbvia mas exija a utilização de procedimentos analíticos sofisticados), o desenvolvimento de sistemas de informação manifesta características necessárias para ser reconhecido como actividade de engenharia [Asimov 1974]. Aliás, o desenvolvimento de sistemas de informação enquadra-se perfeitamente na definição de “engineering design” referida por Wallace [Wallace 1981] como sendo o uso de princípios e conhecimento científico, imaginação e julgamento na definição de estruturas, máquinas, dispositivos e sistemas que desempenhem determinadas funções com um máximo de economia e eficácia. Será portanto lícito afirmar que desenvolvimento de sistemas de informação é uma actividade de engenharia. 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