Faculdade Integração Zona Oeste – FIZO Alquimy Art Curso de

Transcrição

Faculdade Integração Zona Oeste – FIZO Alquimy Art Curso de
Faculdade Integração Zona Oeste – FIZO
Alquimy Art
Curso de Especialização em Arteterapia
Pós-Graduação lato sensu
A TERRA E VOCÊ
DANIELA FARIA DO AMARAL
São Paulo, SP
2010
DANIELA FARIA DO AMARAL
A TERRA E VOCÊ
Monografia apresentada à FIZO - Faculdade
Integração Zona Oeste, SP e ao Alquimy Art, SP,
como parte dos requisitos para a obtenção do
título de Especialista em Arteterapia.
Orientador: Profa. Dra. Cristina Dias
Allessandrini.
São Paulo, SP
2010
AMARAL, Daniela Faria do
A Terra e Você /Daniela Faria do Amaral – Osasco; [s.n.], 2010.
104p.
Monografia (Especialização em Arteterapia) – FIZO, Faculdade
Integração Zona Oeste. Alquimy Art, SP.
1. Arteterapia.
2. Ecoarteterapia.
3. Meio Ambiente.
Faculdade Integração Zona Oeste – FIZO
Alquimy Art
A TERRA E VOCÊ
Monografia apresentada pelo (a) aluno (a) Daniela Faria do Amaral ao curso de
Especialização em Arteterapia em 24 de outubro de 2009 e recebendo a avaliação
da Banca Examinadora constituída pelos professores:
__________________________________________________________
Profa. Dra. Cristina Dias Allessandrini, Orientadora e Coordenadora da Especialização.
__________________________________________________________
Profa. Ms. Deolinda F. Fabietti, Coordenadora Local e Supervisora.
Dedico esta monografia,
à consciência, ao amor e à criatividade do ser
humano para que ele possa manter viva a
chama da vida que lhe dá forças para cuidar de
si e do seu lar, o planeta Terra, sabendo que
um faz parte do outro e que esta interconexão
pode ser plenamente celebrada.
Agradecimentos
Agradeço A TODOS,
...colegas, professores, amigos, família, participantes, autores e mentores que
fizeram parte do meu caminho trazendo uma abundância de inspirações, sabedoria,
apoio e confiança.
Principalmente, agradeço às minhas professoras da Alquimy Art, por facilitar o
processo de encontrar um assunto dentro da Arteterapia, de uma maneira tão
criativa e intuitiva, que alinhou o trabalho acadêmico com os propósitos mais
profundos da minha Alma. Espero que assim também tenha me aproximado mais da
Alma da Natureza de quem faço parte.
Também quero agradecer à orientadora Cristina Dias Allessandrini, à leitora crítica e
supervisora Deolinda Fabietti, e a Margaret Pela, que foi muito além de
simplesmente revisora, minha gratidão pelas insistências de que o trabalho sempre
poderia melhorar.
“De qual relevância será o fato de que cada um de nós faz parte da natureza? Que
somos conectados ao ar, água, a terra, aos animais e as plantas? Que nós
respiramos o mesmo ar, bebemos a mesma água, comemos a comida que vem
deles? Que sem estas coisas morreríamos?”
(FARRELLY-HANSEN, 2001, p. 141)
)
RESUMO
A monografia trata da importância da relação entre o ser humano e o meio ambiente
para o bem-estar pessoal e planetário. O contexto da Arteterapia precisa considerar
como que o desequilíbrio da relação com o meio ambiente afeta a saúde mental e
emocional e vice versa. Várias disciplinas que focam na saúde do ser humano e do
meio ambiente são investigadas, para alimentar a base teórica. Uma crítica é feita
sobre as causas pertinentes à destruição ambiental. O trabalho terapêutico é
considerado dentro de uma visão de interconexão entre o ser humano e o meio
ambiente e as propostas com soluções para o desequilíbrio são expostas através de
várias disciplinas. Investiga-se como a metodologia arteterapêutica tem uma base
ecológica e apresentam-se as práticas arteterapêuticas que lidam especificamente
com a questão da relação entre o ser humano e o meio ambiente, apresentando
uma coleção de soluções e práticas transdisciplinares que buscam maior saúde
sistêmica. A criatividade e sua relação com a força vital do ser humano e do meio
ambiente é discutida, inclusive como um caminho de maior saúde pessoal e
ambiental. Uma pesquisa prática relata três projetos arteterapêuticos em que a
relação do ser humano com o meio ambiente é inserida de diversas formas. Esta
relação é trabalhada num nível interno e externo, simbólico e sensório. Os projetos
tentam fazer uma ponte entre a natureza interna e a externa, trabalhando a
consciência da interconexão entre o ser humano e o meio ambiente. A conclusão
final mostra tanto os benefícios de considerar tal relação dentro da Arteterapia, como
também a importância e necessidade de a Arteterapia acompanhar as atuais
comprovações sobre a delicada inter-relação em todos os níveis de saúde, entre o
homem e a Terra.
Palavra-chaves: Arteterapia. Ecologia. Ecoarteterapia. Meio Ambiente.
ABSTRACT
The monograph deals with the relationship between human beings and the
environment and its importance for personal and planetary well-being. The Art
therapy context must consider how the imbalances in the relationship with the
environment affect mental and emotional health and vice versa. Many disciplines,
which focus on the health of human beings and the environment, are investigated, to
support the theoretical basis. A critical eye is cast over the pertinent causes of
environmental destruction. Therapeutic practices are considered within the
framework of the interconnection between human beings and the environment and
proposals for solutions to the lack of balance are exposed by various disciplines. It is
investigated how fundamentally Art therapy‟s methodology has an ecological basis.
Art therapy practices, which deal specifically with the issue of the relationship
between human beings and the environment, are also investigated leading to a
collection of trans-disciplinary solutions, which seek greater systemic health.
Creativity and its relation to the vital life force of human beings and the environment
are discussed, proving to be a path to greater personal and environmental health.
Practical research reviews three Art therapy projects, where the relationship between
human beings and the environment are included in diverse ways. This relationship is
worked on, at both internal and external levels as well as symbolic and sensory
levels. The projects try and create a bridge between internal and external nature,
working on the consciousness of the interconnection between human beings and the
environment. The final conclusion shows the benefits of taking this relationship into
account within Art therapy practices, as well as the importance and need for Art
therapy to accompany the current evidence on the delicate, interconnected links on
all levels of health, between man and planet Earth.
Key-words: Art Therapy. Ecology. Eco-Art therapy. Environment.
SUMÁRIO
RESUMO ............................................................................................................... 06
ABSTRACT ........................................................................................................... 09
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 12
1.1 TRAJETÓRIA PESSOAL E PROFISSIONAL ............................................ 12
1.2 APRESENTAÇÃO....................................................................................... 17
2. SER HUMANO E MEIO AMBIENTE - VISÃO INTERDISCIPLINAR ................ 19
2.1 Psicologia .................................................................................................. 20
2.1.1 Soluções psicoterapêuticas. ................................................................ 26
2.2 Xamanismo ............................................................................................... 29
2.2.1 Soluções xamânicas ............................................................................. 32
2.3 Budismo .................................................................................................... 34
2.4 Ecologia ..................................................................................................... 37
2.5 Educação Ambiental ................................................................................. 41
2.6 Artes Plásticas............................................................................................................. 44
3. ARTETERAPIA - UMA TERAPIA ECOLÓGICA ............................................... 52
3.1 Introdução ................................................................................................. 52
3.2 Histórico .................................................................................................... 53
3.3 Arteterapia: Metodologia Ecológica ....................................................... 55
3.4 Criatividade ............................................................................................... 59
3.5 Arteterapia - Bem-estar Pessoal e Planetário ....................................... 65
3.6 Arteterapia e Comunidades Sustentáveis ............................................. 73
3.8 Transdisciplinaridade..............................................................................
74
4. INTERCONEXÕES ENTRE SER HUMANO E MEIO AMBIENTE EM TRÊS
PROJETOS DE ARTETERAPIA NO BRASIL ...................................................... 76
4.1 Introdução ................................................................................................. 76
4.2 Projeto Harmonia ..................................................................................... 76
4.2.1 Grupo 1: A Árvore …………………………………………………………. 77
4.2.2 Grupo 3B- Contato ………………………………………………………… 79
4.2.3 Grupo 3: O mundo mágico, visível e invisível ...................................... 83
4.2.4 Conclusão do Projeto Harmonia .......................................................... 87
4.3 Projeto: Água, Arteterapia e Tecnologia Ecológica .............................. 88
4.4 Projeto: Retiro de Arte, Yoga e Vivências na Natureza ........................ 92
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ARTETERAPIA, A NATUREZA E O NOVO PARADIGMA .............................. 96
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................
100
12
1 INTRODUÇÃO
1.1 Trajetória pessoal e profissional
Como surgiu, nasceu, apareceu o interesse, a necessidade e a inspiração em
unir a relação do ser humano com a Terra e a Arteterapia?
Nasci e cresci em Londres, na Inglaterra de pais brasileiros recém chegados
do Brasil. A dupla cultura trouxe-me muitas riquezas durante minha vida, inclusive a
vontade de algum dia morar no Brasil e descobrir minhas raízes. Passei muitas
férias no Brasil, então as raízes foram crescendo. Sempre fui muito consciente das
diferentes maneiras de o ser humano viver tanto em família, em sociedade como
individualmente, em relação ao meio ambiente, talvez por ter tido a oportunidade de
vivenciar culturas e costumes variados. Londres, mesmo, era casa para pessoas de
muitos países, não só para ingleses. Aos dezoito anos, passei seis meses no Nepal
morando com uma família num pequeno vilarejo nas montanhas e dando aula de
inglês numa escola rural. A vida do dia a dia era simples, um lugar de pobre
materialismo, porém rica em qualidade ambiental e humana. Esta simplicidade, o
respeito e o encantamento do povo com a natureza a sua volta influenciou-me para
o resto da minha vida.
Em Londres formei-me em Artes Plásticas e logo depois fiz parte de um
projeto,
em
escolas
públicas,
direcionado
a
crianças
com
problemas
comportamentais. Passei um ano como assistente de arte em uma escola Waldorf
onde a visão holística do ser humano inspirou-me bastante e, ao mesmo tempo,
aprendi a massagem holística em que são unidas várias técnicas, inclusive
conteúdos da Psicologia, para dar ênfase tanto ao físico quanto ao emocional e o
mental, dentro da terapia corporal.
Quanto mais trabalhava com a saúde emocional e física, pela arte e terapia
corporal, mais crescia a minha vontade de viver fora da cidade. Passei a morar perto
de Londres, ao lado de um bosque, campos e lagos para estar mais em contato com
a natureza, mesmo que ainda passasse bastante tempo na cidade. Fazia-me bem,
era mais saudável e trazia uma paz interior muito grande. Quando trabalhava num
13
lugar com jardim ou usava visualizações da natureza percebia um relaxamento
muito mais profundo no cliente e também que problemas de ansiedade e depressão
eram sintomas mais comuns nos adultos e crianças de cidades grandes. Em minha
própria prática de arte busquei trazer temas terapêuticos e vi que a questão de
equilíbrio ficava mais e mais presente. Em relação às cidades grandes sentia que
havia realmente um desequilíbrio não só no estilo de vida, mas também,
obviamente, com a natureza. Na prática de crânio sacral, uma terapia corporal que
vem da osteopatia, aprendi a sentir o movimento interno do corpo e a perceber como
é um movimento equilibrado quando a pessoa está saudável e em sintonia com a
quietude interna e externa. Questiono-me se a Terra e os seres que a habitam estão
neste momento expressando e vivendo um movimento interno equilibrado ou não.
Pouco tempo depois senti que chegava a hora de fazer um “pulo” e me mudar
para o Brasil, descobrir minhas raízes e estar mais perto de parte de minha família.
Comecei por passar mais tempo no Brasil antes da mudança. Viajei alguns meses
pela Bahia, Santa Catarina, Pernambuco, Ceará, Maranhão, Pará e Amazonas. Foi
uma experiência incrível que abriu os meus olhos para as maravilhas naturais do
Brasil e, ao mesmo tempo, para uma realidade social difícil. Passei parte deste
tempo conhecendo comunidades e centros que tentavam inserir princípios
ecológicos dentro de seu cotidiano. Vi como na sociedade moderna isto é um
desafio geral que vai contra a corrente do modelo de vida desejado, seja dentro ou
fora das cidades.
Durante os verões de 2007 e 2008 vivi e trabalhei num centro ecológico de
terapias e cursos holísticos no litoral da Bahia, um lugar onde além do
desenvolvimento humano se presa a harmonia ecológica com o meio-ambiente.
Pesquisei bastante sobre a ecologia, o que me fez perceber quanto esforço de
mudança de consciência e hábitos é exigido neste caminho, e mesmo num lugar no
qual o propósito se diz ser este, o caminho é, por enquanto, uma tentativa contínua
tanto com erros como sucessos.
A consciência da inter-relação entre o ser humano e o meio ambiente tem se
tornado um tema de importância e urgência nos últimos anos para a população
global. É algo que está agora inserido na cultura política e social. Tanto dentro como
fora de centros urbanos as questões como o lixo, o tratamento de água, a agricultura
orgânica etc. se tornam mais e mais importantes. A urgência de mudar os nossos
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hábitos para salvar a nossa saúde e da Terra é clara, pois os danos causados pela
forma que vivemos é algo cientificamente indiscutível. Mesmo que ainda esteja me
educando, pois, na minha infância esta consciência ainda não existia, a vontade e
pequenas tentativas de viver mais em harmonia e de uma forma sustentável com o
meio ambiente é crescente em minha vida.
Ficou mais e mais claro que quando trabalhamos com a saúde descobrimos
que tudo está interligado nos planos físico, emocional e mental. Isto pode ser em
relação a nós mesmos, ao nosso meio social efamiliar e ao meio ambiente. Minha
própria experiência com agricultura e jardinagem em algumas comunidades e em
minha casa mostrou como é terapêutico trabalhar com a terra e as plantas. Parece
que nos faz respeitar um ritmo natural da vida, não um ritmo artificial, mesmo que
seja um trabalho bastante duro, especialmente no sol! Mas, a partir daí já tinha
nascido na minha alma a vontade de unir a Arteterapia com a nossa relação com a
Terra. Eu só não tinha idéia de como seria isto!
Mudei-me para morar no Brasil no final de 2007 e em 2008 comecei a pósgraduação em Arteterapia. Surgia frequentemente sonhos de unir este trabalho com
a Permacultura (uma atitude de vida positiva que visa à sustentabilidade agrícola,
social, cultural e econômica, sempre em harmonia com a natureza), pois sinto que a
harmonia interna e a externa estão interligadas, e com a Arteterapia poderia
trabalhar para fazer esta ponte. A Arteterapia com a consciência da Permacultura
dará atenção à importância do bem-estar emocional estar ligado à harmonia com o
meio ambiente. Por um lado, o bem-estar emocional e equilíbrio interno podem levar
a pessoa a cuidar melhor do seu meio ambiente, e por outro lado a conexão
profunda com a natureza e o envolvimento com a qualidade ambiental ajuda a criar
o bem-estar emocional. O papel do Arteterapeuta nesta questão tanto no âmbito
individual como social foi o que começou a me inspirar.
Ao conhecer um engenheiro ambiental e permacultor, no meio de 2008,
contei-lhe minhas idéias e que sentia que não tinha o conhecimento prático
necessário para fazer um trabalho profundo. Ele, por sua vez, me contava de sua
vontade de trazer um aspecto pessoal, espiritual e terapêutico ao seu curso de
tratamento biológico de água. Então nasceu uma linda parceria e um começo de
investigação para unir as duas disciplinas, Permacultura e Arteterapia.
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Altas conversas, experiências compartilhadas, conhecimentos técnicos e
pesquisas levaram às primeiras vivências Arteterapêuticas no curso de tratamento
de água. Ele sentiu que foi inspirador e eu senti que, além disso, aprendi sobre a
base científica da nossa relação com a natureza, para poder incorporar isto à
Arteterapia de uma forma real e não romântica.
No verão de 2008/2009 pudemos levar essas experiências de novo para uma
“oficina de água” na Bahia, inspirando através da Arteterapia uma ligação e
preocupação profunda com a água. Depois, desenvolvi várias vivências para um
retiro arteterapêutico, que durou sete dias, explorando a nossa relação com os
elementos como um caminho terapêutico.
O estágio supervisionado, obrigatório do curso de pós-graduação em
Arteterapia, constituiu-se em uma pesquisa, Projeto Harmonia, que buscou levar em
consideração a harmonia interna e externa das pessoas, incluindo a relação com a
natureza. Foi realizado com crianças e professores de uma escola rural em que
foram utilizados recursos da natureza dentro e fora da sala de terapia, como parte
do trabalho Arteterapêutico.
Neste tempo de pesquisa, parceria, curso e retiro fui descobrindo como essas
questões já estão sendo abordadas há algum tempo por vários terapeutas e
educadores. Ficou claro que existia uma necessidade e demanda para este tema,
além de ser um campo que está se abrindo e que teria várias direções de pesquisa
para embasar uma linha de trabalho com referências sérias.
Uma direção é a Ecopsicologia, campo que está conquistando pouco a pouco
o seu lugar no mundo da Psicologia, investigando a relação do ser humano com o
meio ambiente, inclusive o que é a saúde mental dentro do contexto do
meioambiente. Também há filósofos e outros acadêmicos que escrevem sobre a
relação do ser humano com o seu meioambiente. Por exemplo, dentro do Budismo,
a relação emocional e mental entre o ser humano e o meio ambiente é uma teoria e
prática bastante extensas.
Também há os próprios arteterapeutas que exploram, dentro de seus
trabalhos, questões de natureza e ecologia, assim como educadores ambientais que
usam recursos artísticos; e mesmo que não seja a mesma disciplina vejo algumas
práticas e conhecimentos que podem enriquecer muito a Arteterapia.
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Também comecei a pesquisar artistas que exploram temas ecológicos e
terapêuticos para enxergar o tema através desta linguagem inspiradora.
O Xamanismo é outra linha importante para investigar, pois a relação da
saúde psicológica do homem com a terra é a base deste trabalho em várias culturas.
Existe tanto o Xamanismo contemporâneo adaptado por alguns psicólogos
conhecidos, quanto o Xamanismo tradicional, que dentro da Antropologia também
está bem retratado.
Encontrei os meus pensamentos refletidos por Lester R. Brown, no livro
“Ecopsychology, Restoring the Earth and Healing the Mind”1, quando escreve:
“procurar curar a alma sem se referir ao sistema ecológico do qual todos somos uma
parte integral é uma forma cega de autodestruição” (BROWN, 1995, p. xvi) (tradução
nossa).
No livro Budista, “Fazendo as pazes com o meio ambiente” (1999) o Llama
Gangchen escreve que o meio ambiente externo é simplesmente um reflexo do meio
ambiente interno em mente e corpo, e que para chegar à harmonia em um
precisamos conquistar a harmonia no outro também.
Jeanette Armstrong, também no livro “Echosychology. Restoring the Earth
and Healing the Mind” (1995), escreve sobre o povo Okanagen, onde diz que
quando o ser humano esquece que ele é literalmente um pedaço de terra e precisa
manter uma conexão saudável com a Terra, a família e a comunidade, ele adoece.
Dizem que temos a responsabilidade de cuidar da Terra como o nosso corpo porque
ela é só uma extensão de nós mesmos.
Talvez não seja uma coincidência que a minha investigação da Arteterapia
através da integração do ser humano com a Terra chega ao mesmo momento que
eu mesma volte às minhas raízes, a terra da minha família, buscando cuidar dos
vínculos com a família, comunidade e a Terra.
1
Ecopsicologia. Restaurando a terra e curando a mente. (tradução nossa).Obra editadata por ROSAK, Theodore; GOMES,
Mary E.; KANNER, Allen D. Ecopsychology. Restoring the Earth, Healing the mind. São Francisco: Sierra Club Books,
1995.
17
1.2 APRESENTAÇÃO
Este trabalho se propõe a investigar a relação do ser humano com o meio
ambiente. Tem como ponto de partida a questão:
- Ao lidar com a saúde mental e emocional do ser humano, onde e como se
insere a sua relação com o meio ambiente?
- Será que é importante, e como poderia o campo de Arteterapia considerar
as interconexões entre o ser humano e seu meio ambiente?
A partir de uma pesquisa bibliográfica são abordadas várias teorias que
estudam e trabalham para o bem-estar do ser humano e o meio-ambiente, dentre
elas a Arteterapia, a Psicologia, o Budismo, o Xamanismo (antigo e contemporâneo),
a Ecologia, a Filosofia, a Educaçao Ambiental e as Artes Plásticas.
Este trabalho compõe-se de quatro partes, a saber:
Na introdução e no segundo capítulo apresentam-se considerações
interdisciplinares sobre as interconexões entre o ser humano e seu meio ambiente,
para compreender a sua importância para um trabalho terapêutico. Um olhar crítico
para o desequilíbrio ambiental atual reflete sobre o homem e seu distanciamento do
meio natural devido à modernidade, e os problemas de saúde mental e emocional
advindos deste desequilíbrio. Aborda-se o resgate pela re-conexão com o meio
ambiente dentro de várias disciplinas para a restauração de saúde.
O terceiro capítulo traz o foco para a Arteterapia. Apresenta como que a
Arteterapia oferece ferramentas que promovem o reencontro com o eu inteiro, que
inclui a natureza. Estuda-se a ligação entre a criatividade e a natureza e o papel da
Arte no despertar da consciência para a saúde individual e planetária. Investiga-se
como alguns arteterapeutas trazem a ecologia como um tema central dentro de suas
práticas.
O quarto capítulo pesquisa experiências práticas, dentro de três projetos de
Arteterapia onde é incluída a relação do homem com o meio ambiente de formas
distintas. O primeiro projeto acontece numa escola com crianças e adolescentes, o
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segundo num centro pedagógico de tecnologias ecológicas e o terceiro num centro
de retiros holísticos para autodesenvolvimento.
No quinto e último capítulo, a trajetória leva a uma consideração final sobre os
benefícios e a importância de considerar a relação com o meio ambiente dentro de
um trabalho arteterapêutico, sendo que este propósito, além de trazer inúmeros
recursos também atende às necessidades atuais do ser humano e do planeta Terra.
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2 SER HUMANO E MEIO AMBIENTE - VISÃO INTERDISCIPLINAR
O tema da relação entre o ser humano e o meio ambiente é especialmente
pertinente neste momento, porque a sociedade contemporânea chegou a um
momento da sua história em que percebeu que seu estilo de vida está destruindo o
seu lar, e que a saúde do ser humano simplesmente não vai existir dissociada da
saúde do planeta Terra.
O planeta está sendo destruído cada vez mais rápido. Não só grandes
indústrias são as culpadas, mas também as pequenas tarefas do dia a dia da
maioria dos habitantes com um nível de vida considerado “bom” e “confortável” pelos
parâmetros da cultura ocidental contribuem para esta destruição. Estamos perdendo
diversidades enormes de flora e fauna, desestabilizando o clima e ameaçando a
nossa própria sobrevivência. A extinção da nossa espécie não seria a primeira, e
neste sentido, poderia ser parte do rumo “natural” do planeta. Mas o que diferencia
esta extinção, é que somos nós, a própria raça humana, que está orquestrando,
agora conscientemente, a destruição.
“Números crescentes de pessoas tem chegado á conclusão que é nos
corações e mentes dos seres humanos que as causas e a cura para a ecocatástrofe
podem ser descobertas.” (METZNER, 1999, p. 2) (tradução nossa).
Um estudo interdisciplinar sobre a relação emocional e mental entre o ser
humano e o meio ambiente pode trazer maior compreensão sobre os fatores que
influenciam esta relação, oferecendo soluções para que se construa uma relação
mais saudável e feliz, onde o ser humano aprenda a amar e apoiar a sua própria
vida e a vida do meio ambiente.
Na Psicologia, a psique humana está sendo reexaminada e situada dentro da
natureza como um todo, surgindo ao mesmo tempo profissionais que incluem em
seus trabalhos a relação com o meio ambiente, de uma forma teórica e prática.
No Xamanismo a interconexão entre o ser humano e a natureza e a
manutenção do equilíbrio entre os dois, sempre foram fundamentos principais.
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No Budismo a ilusão de separação é o que causa o sofrimento e destruição, e
a verdadeira interdependência do meio ambiente interno e externo está retratada
detalhadamente, inclusive o caminho para restaurar o equilíbrio.
A Ecologia faz parte de um novo paradigma científico com a visão de
interconexão mostrando que, ao em vez de entidades separadas, a vida no planeta
é composta por redes interdependentes.
A Educação Ambiental acredita que para compreender e implementar
conceitos sobre o meio ambiente são necessárias vivências que unem o racional
com o intuitivo, cultivando uma nova relação com a natureza.
As Artes Plásticas oferecem um campo poético onde são exploradas as
relações entre o ser humano e o meio ambiente por meio de inspirações criativas,
que tanto retratam esta relação como contribuem com soluções.
Muitas vezes uma crise é uma provação que nos fortalece, resgatando
recursos para transformações e renovações necessárias. A convergência, de várias
disciplinas que abordam este mesmo tema, oferece uma oportunidade de multiplicar
os recursos para os caminhos desafiadores pela frente.
2.1 Psicologia
2
Figura 1 - Betty Rosak.
2
Disponível em:< http://ecopsychology.athabascau.ca/Final/broszak2.jpg>. Acesso em: 2 fev. 2010.
21
Dentro do campo da Ecopsicologia, campo que se define unindo o bem-estar
individual e planetário, James Hillman, psicanalista jungiano questiona aonde
começa e aonde termina o “Eu”. Ele diz que,
...pela maior parte da história, a psicologia situou este „eu‟ dentro das
pessoas humanas definidas pela pele física e seu comportamento imediato.
O sujeito era simplesmente, „eu no meu corpo e nas minhas relações com
outros sujeitos‟. (HILLMAN, 1995, página xvii)(tradução nossa).
Isto tem sido questionado e o Hillman propõe que só sabendo os limites do eu
que nós podemos saber os limites da psicologia. Isto pode se estender às disciplinas
como a Arteterapia com base na Psicologia. A definição da Psicologia é o estudo ou
ordem (logos) da alma (psique). Muitos médicos ou filósofos, como Heráclitus e
Hippocrates, 2500 anos atrás, já disseram que a alma vai muito além do corpo do
ser humano e não conseguimos medi-la.
Thomas Berry (2003) diz na apresentação do livro de Bill Plotkin “Soulcraft”,
que até o século 16, no mundo ocidental, a alma era considerada fundamentalmente
um conceito biológico, definido como o princípio primário de organização e
sustentação de qualquer ser vivo. A alma do universo e a do ser humano era
considerada a mesma, que se preenchem uma na outra. Após esta época houve
uma nova linha de pensamento e razão científica, que se chamou época do
iluminismo. O autor diz que uma vez que a existência da alma fora dos seres
humanos foi rejeitada, foi difícil sustentar a ideia da alma em geral. Dentro deste
ambiente científico, foi só após os estudos da Psicologia através de Jung que
começou a ser acreditado novamente no ocidente que a Psicologia só faz sentido
com a alma. A dimensão da alma no mundo natural começou a ser estudada por
Jung, que enxergou a necessidade de reintegrar a alma humana aos poderes vitais
da Terra.
A adaptação do self profundo ao inconsciente coletivo e ao id é
simplesmente a adaptação ao mundo natural, orgânico e inorgânico.
Portanto, a harmonia de um indivíduo com o seu „próprio eu profundo‟
requer não só uma jornada interior mas uma harmonização com o mundo
do meio ambiente. (HILLMAN, 1995, p. xix) (tradução nossa).
Hillman diz que talvez analisar os nossos sentimentos seja tão subjetivo
quanto analisar a qualidade de ar nas nossas cidades. Os abusos ambientais podem
ser tão ou mais graves do que outros tipos de abuso. Portanto no que se diz respeito
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à saúde do ser humano não podemos considerar a saúde da Terra como uma
questão que pertence só à Ecologia, mas sim está dentro de todas as áreas que
lidam com a saúde da psique ou alma. Hillman cita o tratado de Hippcrates, “Ar,
Água, Lugares”, em que propõe que para compreender a desordem de qualquer
sujeito precisamos estudar o ambiente da desordem, o tipo de água, os ventos,
umidade, temperatura, comida e plantas, hora do dia e temporadas. Portanto que o
tratamento do interior requer o tratamento do exterior. Algo que podemos ver
repetido no Budismo, inclusive do lado inverso, ou seja, que o interior também trata
o exterior.
Quanto ao trabalho da Psicologia tradicionalmente praticada num espaço
controlado e fechado, Hillman diz que veio principalmente com a ciência do século
IXX, o objetivo de observar melhor o paciente e tirar conclusões mais exatas, mas
ainda é possível estender este espaço para o mundo maior. Com isto seria
necessário ter um olhar psicológico para o ar, as águas e os lugares, tanto como
para as emoções, relacionamentos e memórias. Para o autor, “nós não podemos ser
estudados à parte do nosso planeta... porque nesta alma do mundo a alma humana
sempre teve a sua casa.”( 1995, p. xxiii) (tradução nossa).
Farrelly-Hansen, arteterapeuta e psicóloga, reconhece que seu treinamento
de Psicologia da temporada entre 1970 e 1980, tinha como visão o domínio do
homem sobre a Terra, e ela celebra os novos conhecimentos de teorias sistêmicas e
da física quântica que mostram que “homens, mulheres e crianças participam de
uma
rede
de
relacionamentos
vivos,
intrinsecamente
interconectados
e
constantemente mudando e evoluindo: animal, vegetal e mineral conectados num
sistema parecido à rede de luz irradiante dos místicos.” (FARRELLY-HANSEN,
2001, p. 140) (tradução nossa).
Um destes novos conhecimentos vem da perspectiva psicológica Gestáltica,
em que “o indivíduo é visto como um ser relacional, em constante processo de devir
e intercâmbio criativo com o meio.” (CIORNAI, 2004, p. 55). Ele é, portanto
considerado sempre em relação ao seu meio-ambiente e o propósito é chegar ao
ponto de estar consciente e atuando de tal forma que serve a ele e as suas redes
conectadas simultaneamente.
A proposta de Anita Burrows (1995) sobre desenvolvimento infantil, dentro da
visão sistêmica da Ecopsicologia, propõe que a natureza, sejam animais, estações
do ano ou elementos da natureza também formam uma parte intrínseca do
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desenvolvimento da criança e que, tradicionalmente, qualquer união é visto como a
união com a mãe, mas esta visão pode ser expandida. Por exemplo, a criança no
desenvolvimento de sua independência se afasta do vínculo ou união com a mãe, e
em vez de somente criar separação e individualidade ela expande este vínculo ou
união para incluir uma parte maior do mundo natural a sua volta.
Burrows propõe uma teoria de desenvolvimento infantil que leva em conta o
Eu funcional da criança ao mesmo tempo em que enxerga sua essência maior, “uma
força da vida, manifestada, porosa, permeável, essência sensível interligada com
todas as outras essências, afetando e sendo afetada por elas com cada respiração.”
(1995, p. 110) (tradução nossa).
No Brasil, a área que se aproxima da Ecopsicologia seria a Psicologia
Ambiental que, de acordo com as pesquisas de Vanessa Aparecida Alves de Lima:
“vem sofrendo visivelmente a transformação de uma psicologia da arquitetura, uma
psicologia espacial, para uma área que discute a subjetividade e a inter-relação dos
seres humanos com os ambientes que os cercam.” (2005, p. 55).
Na Europa, a Psicologia Ambiental está desde 1993, mais orientada à
sustentabilidade, movimento que segundo Lima (2005) é fundamental para a
psicologia ambiental do Brasil, levando em conta as questões ambientais do país.
Nos Estados Unidos e Canadá a tendência é de entrar no campo da psicologia
individual e clínica, que está formando o corpo da Ecopsicologia. Por outro lado
ainda, Metzner, psicólogo americano, prefere o termo “Green Psychology” pois ele
acredita que precisamos rever os princípios fundamentais da psicologia, levando em
conta o contexto ecológico do ser humano. (METZNER, 1999). Desta perspectiva o
autor busca estar mais perto da psicologia coletiva e também do Xamanismo ou
práticas espirituais de culturas antigas que são integralmente ecológicas.
Da área da Psicologia Clínica, a analista e arteterapeuta Jungiana MaryJayne Rust se refere às contradições de sua prática dizendo:
Quando eu trabalho como terapeuta eu me sinto frequentemente como se
eu estivesse numa sala do Titanic. Meu cliente e eu estamos fazendo um
trabalho ótimo para a libertação pessoal, mas nós nem mencionamos que o
3
barco está se afundando. (2004) (tradução nossa).
A autora se preocupa com as consequências desta contradição:
3
Paginação irregular.
24
Se nós não fizermos estas conexões com os dilemas do mundo maior, será
que os psicoterapeutas estão em perigo de aliviar a ansiedade das pessoas,
e em seguida os por devolta numa sociedade que está profundamente fora
de equilíbrio? Então o grito de que „algo está muito errado‟ é visto de uma
perspectiva somente individual, ao em vez de ter a ver com „a relação da
comunidade humana com o resto do mundo e o meu lugar dentro disto.‟
4
(RUST, 2004) (tradução nossa) .
A Psicologia vem caminhado há algum tempo numa visão de mundo mais
sistêmica, abrindo-se para o âmbito da alma e da conexão com o meio ambiente.
Diante da crise atual, as necessidades que surgem têm provocado um movimento
ainda maior nesta direção, e uma preocupação em contribuir para a compreensão
dos desequilíbrios.
Lembrando-nos das características da crise ambiental atual, que de momento
a momento muitas vezes nos esquecemos, Bill Plotkin, doutor em Psicologia, relata:
“Nos últimos duzentos anos a civilização industrial tem constantemente prejudicado
a química, ciclos de água, atmosfera, solo, oceanos e equilíbrio termal da Terra. Em
outras palavras temos desligado os maiores sistemas de vida do nosso planeta.”
(2008, p. 2) (tradução nossa).
Quais são os padrões que estão por trás dessa catástrofe?
O analista infantil britânico, Frances Tustin, acha que a ilusão da separação
explica, “nossa solidão, que nos isola e nos leva a explorar e violar uns aos outros, o
mundo no qual vivemos e no fundo, nós mesmos.” (apud BURROWS, 1995, p. 109)
(tradução nossa).
James Hillman contempla que o próprio foco da psicologia no indivíduo, está
agora tendo que lidar com queixas que vem da “inabilidade de deixar o mundo entrar
no seu campo de percepção, chamado de déficit de atenção ou narcisismo; e uma
exaustão depressiva que vem do esforço enorme de lidar com as expectativas de
autorealização pessoais, a parte do próprio mundo.” (1995, p. xx) (tradução nossa).
Acredita Plotkin (2003) que a perda da alma é o problema central do nosso
planeta. Quando perdemos contato com nossa própria alma, a nossa natureza
interna, também perdemos contato e respeito pela natureza externa, criando
4
Paginação irregular.
25
poluição e degradação do meio ambiente. Perdendo o sentido das nossas vidas, o
nosso propósito, autovalor e lugar no mundo, entramos em crise geral.
Em sua tese de doutourado, Lima cita Gambini, enquanto considera a história
indígena brasileira e sua atual falta de participação na psique brasileira junto às
consequências ecológicas,
A negação desta alma brasileira, em nome da alma cristã européia,
significou a negação, no brasileiro, de sua relação com a natureza. Foi a
negação de uma „alma antiga ligada a Terra, arraigada no solo. A alma
estava na luz do Sol, no escuro da noite, nos astros, nas árvores, nos rios,
na semente que brotava, nos animais.‟ (GAMBINI, 2000, p. 161 apud LIMA,
2005, p. 36).
Considerando estas teorias pode-se dizer que no coração desta crise existe
um padrão de desconexão sistêmico que tem sido questionado mas que ainda faz
parte da nossa cultura. É uma desconexão interna e externa com a alma e toda a
natureza. Esta desconexão é o afastamento da alma, de um sentido de vida
profundo e interconectado. Requer uma busca por uma autêntica expressão de vida,
e transborda para incluir toda a vida em volta, ou seja, todos os sistemas de vida
que temos desligado. É uma desconexão com a vida e a capacidade de sentir a
natureza como parte de nós.
Plotkin (2003) reflete que o vazio de vidas sem sentido é uma experiência de
muitas pessoas nas culturas industrializadas ocidentais e que a psicoterapia pode
perpetuar isto quando ela foca só em ajustamento social. Para o autor, depressão é
um sintoma do chamado da alma que não foi atendido, e normalmente não é
atendido porque não sabemos como, exige mudanças incômodas ou temos medo do
que a sociedade, os outros poderiam pensar.
O arteterapeuta Shaun McNiff, diz que, “a esquizofrenia não é só uma doença
pessoal, mas uma doença afetando uma civilização desconectada de suas fontes.”
(1992, p. 17) (tradução nossa).
A desconexão que vivemos pode estar causando vários desequilíbrios
internos e externos. Com todo o conforto material que acumulamos, estamos
paralelamente sofrendo fisicamente, pelas consequências de toxinas e poluição, no
ar, nos alimentos e nos crescentes níveis de radiação, além das ameaças de
violência e disfunção social. Nas dimensões mentais e emocionais estamos sofrendo
de mais depressão, estresse e ansiedade. E por fim, espiritualmente, no lugar de
26
uma conexão profunda com as forças divinas da natureza, muitos se sentem vazios
e desconectados, sem o apoio maior do universo que nós mesmos estamos
abusando.
Tudo isto é ainda sustentado por nossa cultura consumista. Tanto o padrão
de desconexão quanto a negação da doença e desequilíbrio é nutrido por vícios,
preocupações, e distrações que ajudam a aprofundar a autodestruição ao mesmo
tempo de nos anestesiar dela. Excessos de todo tipo, seja com produtos de
consumo, drogas, televisão, trabalho etc. estão contribuindo para um paradigma
insustentável.
O psicólogo Philip Cushman (apud KENNER; GOMES, 1995) faz ligações
entre o narcisismo e a cultura consumista Americana. O narcisismo é caracterizado
por uma autoimagen inflacionada, ou um falso “self”, que esconde sentimentos de
vazio e insegurança. A civilização ocidental está construindo um “self” cada vez mais
isolado, individualista e narcisista, porque parece que tem muito sucesso na
superfície, mas por dentro se sente vazio. O conforto material sem limites é visto
como o direito de todos e um exemplo de superioridade cultural. Além disso, é um
vício que serve para anular os sentimentos de vazio.
É um ciclo vicioso e autodestrutivo, onde atuam a desconexão, o
desequilíbrio, a negação e os vícios. Como quebrar este ciclo agora faz parte do
domínio da área da Psicologia que está por sua vez encontrando formas de construir
padrões novos e mais saudáveis.
2.1.1 Soluções Psicoterapêuticas
Considerando o ciclo vicioso destrutivo, podemos ver que o oposto deste ciclo
seria a re-conexão (alma e natureza), libertação dos vícios, admitindo o desequilíbrio
junto a um programa de re-equilíbrio sistêmico, restaurando a saúde em todos os
níveis, físico, mental, emocional, espiritual e ambiental. Várias práticas de
psicoterapia procuram oferecer um caminho com esta consciência.
27
O autor Albert LaChance, no seu livro “Espiritualidade Verde”
(1996), propõe que os vícios do consumismo podem ser
tratados com 12 passos, como dos Alcoólatras Anônimos junto a
práticas espirituais.
Figura 2
5
Aqui vamos olhar dois psicólogos, Cahalan e Plotkin, que trazem a relação
com a natureza como uma parte central de seus trabalhos.
A terapia da Gestalt é uma terapia ecológica na sua visão do mundo, mas a
visão ou teoria que somos interconectados com a Terra, não cria por si só uma
prática terapêutica conectada ao mundo natural. No seu texto “Enraizamento
ecológico da Gestalt terapia” William Cahalan (1995) escreve que os terapeutas
Gestálticos estão, só agora, começando a olhar literalmente para a relação de seus
clientes com o mundo natural. A ideia de que um vínculo forte entre o indivíduo e a
natureza é importante no desenvolvimento do ser humano vem norteando o trabalho
do autor. Ele explica este fato como um estado de enraizamento, em que um
sentimento profundo de prazer e encantamento surge de um contato profundo com a
natureza dentro de si e ao seu redor. Isto inclui a natureza selvagem e doméstica,
terra, plantas, família, vizinhos, animais e o próprio indivíduo. A pessoa vai
aprofundando cada vez mais a sua conexão íntima com toda esta natureza.
(CAHALAN, 1995).
Para aumentar o nível de contato e trabalhar bloqueios, Cahalan usa técnicas
de “grounding” junto ao contato com a natureza. Com a respiração, por exemplo,
inclui a percepção que esta respiração é uma troca com o reino vegetal, e que um
bloqueio emocional, é um bloqueio energético da mesma energia vital que está nas
árvores e qualquer outra parte da natureza. Assim, traz a importância da experiência
da vida em interconexão, para dentro de seu consultório.
5
Disponível em: <http://www.hridubai.com/pix/environmental_psychology.jpg>. Acesso em: 02 fev. de 2010.
28
Cahalan (1995) acredita que o enraizamento é cultivado num movimento
natural de expansão e contração. Expandido para fora, para a comunidade humana
e natural, até o ponto de transcender o ego, sentindo a união com tudo e depois
contraindo para dentro, sentindo através da introspecção a sua individualidade
nítida. Assim, a relação com o meio ambiente é integrada como uma parte
totalmente natural e importante do trabalho psicoterapêutico.
Bill Plotkin, doutor em Psicologia Jungiana e guia de reservas naturais, é
fundador do instituto Animus Valley Institute que organiza programas de iniciação na
natureza desde 1980.
Plotkin propõe que “desenvolver o Ego funcional, incorporar a alma e realizar
o espírito são todos essenciais para se desenvolver integralmente” (2003, p. 35)
(tradução nossa), e possibilitam uma relação ecológica saudável. Como o
movimento de expansão e contração de Cahalan, a pessoa trabalha vários níveis
desde sua individualidade mais profunda até sua ligação universal com toda a
natureza. Plotkin dá importância especial aos recursos que a natureza traz ao
encontro com a alma individual num contexto de natureza selvagem: “A Terra
espelha perfeitamente os poderes da alma simplesmente porque nossas almas são
elementos da alma da Terra. Sendo a Terra, em suas várias formas e forças,
recuperamos nossas almas.” (2003, p. 238) (tradução nossa).
Ele diz que muito além de ser um encontro egoísta ou individualista:
Você tem um papel ecológico único, a maneira que você deveria servir e
nutrir a teia da vida, diretamente ou através do seu papel na sociedade. No
nível da alma você tem uma forma específica de pertencer à biosfera, tão
única quanto qualquer árvore, animal ou montanha. (PLOTKIN, 2003, p. 41)
(tradução nossa).
Quando a alma se sente inspirada por uma parte da natureza ela está
achando um canal para acordar e se manifestar no mundo. Plotkin (2008) acredita
que a maturidade verdadeira requer a descoberta e cultivo de uma relação única e
mística com a natureza onde o Ego se transforma, a velha personalidade se desfaz
e novas riquezas são incorporadas a trabalhos e responsabilidades, significativos
para a alma e equilibradas com a natureza.
29
O contato com a natureza é ao mesmo tempo um recurso para o encontro
profundo com a alma na Psicoterapia, como um chamado de re-conexão que inspira
uma vida, em vários níveis, mais ecológica e sustentável.
2.2 Xamanismo
6
Figura 3 – Xamã.
“O xamanismo representa o mais largo e antigo sistema metodológico
curativo para o corpo e mente conhecido pela humanidade”, diz Michael Harner,
(1990, p. 40) (tradução nossa) PhD em Antropologia, professor e praticante de
Xamanismo desde 1961.
A consciência de interdependência entre o ser humano e a natureza é
encontrada no Xamanismo antigo e contemporâneo.
Plotkin, que junto à Psicologia Jungiana, usa como referência o Xamanismo,
diz que nos conhecimentos adquiridos com povos indígenas e da Antiguidade,
podemos ver a comunhão ritualística da alma humana com os poderes mais
profundos do universo. Nessas culturas o universo era uma presença com a qual
deveríamos comungar e nos instruir, e não simplesmente usar e explorar. As
experiências mais profundas dos seres humanos eram através do vento, das
montanhas, do mar, dos pássaros voando e das estrelas. Portanto, a nutrição física
6
Disponível em: <http://rosacruzrealfraternidade.blogspot.com/>. Acesso em: 02 fev. de 2010.
30
e espiritual do ser humano pelo universo era o que causava a maior celebração da
vida, pois mesmo a realidade física era reconhecida como o domínio da alma. Para
os aborígines australianos, por exemplo, o mundo visível era simplesmente uma
criação do mundo mais profundo da alma universal chamado tempo dos sonhos.
(PLOTKIN, 2003)
Os povos indígenas adquiriam suas forças interiores através da conexão com
os poderes da natureza. O impacto dessas forças no ser humano era medido
através de experiências diretas. As quatro direções eram santificadas por vários
povos indígenas, assim como as estações do ano, o amanhecer, o entardecer e
outros momentos de transição, todos vistos como tendo poderes. Eram
considerados momentos de alta energia, que intuitivamente o ser humano percebia,
do mesmo modo que também percebia os poderes dos animais. Os xamãs
acreditavam falar com os animais e toda a natureza: plantas, ar e pedras.
Harner chama o Xamanismo de espiritualidade ecológica, justamente porque
enxerga a natureza como tendo poderes espirituais: “No xamanismo isto não é
simplesmente reverenciar a natureza, mas uma comunicação espiritual que
ressuscita a conexão perdida que nossos ancestrais tinham com o imenso poder
espiritual e beleza do nosso jardim Terra.” (1990, p. xiii) (tradução nossa).
O Xamanismo nos fala de outra realidade fora das nossas percepções
cotidianas, e quando acessada através de arte, música ou meditação, por exemplo,
transporta a pessoa para um estado mental em que é possível perceber, pela
experiência imediata, que a alma faz parte do espírito do mundo e que existe uma
interconexão profunda de vida e amor entre nós e tudo a nossa volta. (HARNER,
1990).
Esta própria percepção da interconexão é o começo da cura dentro do
Xamanismo. Os xamãs trabalhavam “como guardiões do equilíbrio psíquico e
ecológico do seu grupo e seus membros” [e considerando que os dois estão
interligados] “como intermediários entre os mundos vistos e não vistos, mestres de
espíritos, e curandeiros supranaturais” (HARNER, 1990, p. 41) (tradução nossa).
Portanto para eles, xamãs, a psique e a Terra, são completamente interligadas.
O mundo invisível da psique universal para eles é tão real quanto o mundo
material, e parte de seu treinamento é conhecer e navegar dentro deste território
31
extenso. O xamã não busca compreender mecanicamente o universo, mas sim
compreendê-lo através de suas experiências empíricas, através de seus próprios
sentidos e guiados por uma tradição de práticas antigas.
Xamãs de Bali, na Indonésia, falam que se eles curam somente o indivíduo
diretamente, a doença pode não só voltar, mas até mesmo aparecer em outra
pessoa na comunidade. “O compromisso primário da pessoa médica, então, não é
com a comunidade humana, mas na teia das relações terrenas dentro da qual a
comunidade é embutida - é disso que vem seu poder para aliviar o sofrimento”
(ROSAK; GOMES; KANNER, 1995, p. 305) (tradução nossa). Este conceito soa
bastante parecido às teorias sistêmicas que atestam que vivemos em redes de
relações interligadas.
De acordo com a tribo norte americana Lakota, a nossa família imediata não
se limita ao nosso sangue humano, mas se estende para incluir todo o meio
ambiente no qual vivemos. Dizem que precisamos nos comunicar intimamente e
amorosamente com todos esses nossos “familiares” para termos relações
saudáveis.
O que dominava essas relações não era o poder do homem sobre o mundo
natural, mas a coexistência. “Saber como inserir as questões humanas dentro do
funcionamento maior do universo era o contexto primário da existência em todas as
suas formas” (PLOTKIN, 2003, p. xiv) (tradução nossa). É uma perspectiva muito
reveladora que a maior parte do mundo acredita que “a Terra pertence ao povo” [e
os povos indígenas acreditam que] “o povo pertence à Terra.” (ARRIEN, 1997, p. 21)
(tradução nossa).
Angeles Arrien, antropóloga e educadora, diz que uma saudável ligação com
a Terra pode ser inspirada pelos povos indígenas: “Sua antiga sabedoria universal
pode ajudar a restaurar o equilíbrio de nossa própria natureza, e nos assistir no
reequilíbrio das necessidades do meio ambiente.” (1997, p. 21) (tradução nossa).
Esta perspectiva fortalece e aprofunda a visão de interdependência, com
possibilidades de restaurar a nossa casa interna e externa. Oferece novos caminhos
baseados em práticas ancestrais, muitas das quais estão sendo validadas
cientificamente.
32
2.2.1 Soluções Xamânicas
7
Figura 4 Roda Xamânica.
Representa a harmonia entre todos os seres da Terra,
integrando todos os elementos internos e externos.
Plotkin (2003) relata várias práticas e vivências do Xamanismo, que
costumam usar recursos da arte, do corpo e da natureza. Estes são: trabalho com
os sonhos, imaginação ativa, cerimônias, arte, símbolos sagrados, jejum, técnicas
de respiração, ioga, saunas, percussão, dança, festivais da natureza, comunhão
profunda com a natureza, jornadas pessoais na natureza, silêncio, música, poesia,
trabalho com mitos, contação de histórias e canto.
Arrien complementa mostrando que em várias culturas indígenas aparece a
busca pelas qualidades de certos arquétipos, sendo que,
...virtualmente, todas as tradições xamânicas recorrem ao poder dos quatro
arquétipos para viver em harmonia e equilíbrio com o meio ambiente e a
própria natureza interior: o Guerreiro, o Curador, o Visionário e o Mestre.
Quando aprendemos a viver esses arquétipos internamente, começaremos
a recuperar a nós mesmos e ao nosso fragmentado universo. (1997, p. 23)
(tradução nossa).
Arrien escreve sobre os princípios de cada arquétipo e as várias práticas para
desenvolvê-los. Também relaciona cada arquétipo com uma parte da natureza,
dentro da compreensão que,
7
Disponível em: <http://www.xamanismo.com.br/Universo/SubUniverso1187815981It001Ps003>. Acesso em: 2 abr. de 2010.
33
... a ferramenta de maior fortalecimento e cura com a qual podemos contar
é nossa ligação com a natureza e com o mundo natural. Para manter nosso
bem estar é necessário, para a nossa vitalidade e nosso espírito, a conexão
diária com o ar, com a luz e com a terra. (1997, p. 36) (tradução nossa).
Descreveremos, brevemente, os princípios, práticas e as partes da natureza
associadas a cada arquétipo, sendo que isto forma a base da realização e do
equilíbrio da natureza interna e externa em várias culturas indígenas.
O Guerreiro (princípios): Mostrando-se e optando por estar presente.
O Guerreiro (práticas): sessão de chocalhos (instrumento para chamar de
volta a alma), dança, meditação em pé, animais de poder e animais aliados. Prática
da postura homem-árvore, plantar árvores, praticar jardinagem, cultivar plantas em
pequenos vasos.
O Guerreiro (poderes da natureza): árvores, céu, quatro ventos, sol, lua,
estrelas, pássaros. Inverno, direção Norte.
O Curador (princípios): prestar atenção ao que tem coração e significado,
acessando o amor.
O Curador (práticas): contação de história, sessão de jornada e tambor
(visualização), meditação em posição deitada, visualização deitada para conectar
com o amor que damos e recebemos, oferecer feridas e traumas às árvores para
que curem e transformem (através de meditação).
O Curador (poderes da natureza): Mãe Natureza (toda a natureza), reino das
plantas, reino mineral, criaturas de quatro pernas, primavera, direção Sul.
O Visionário (princípios): dizer a verdade, sem culpar nem julgar. Descobrir a
sua própria natureza e mistério, acordando seu propósito de vida.
O Visionário (práticas): canções de poder, trabalho com sino, meditar
caminhando, sonhos, contemplação (recebendo mensagens de Deus (Self), prece
dirigida (falando com Deus (Self), buscas para obter visões (retiros solitários na
natureza), atividades que conectam com a criança interior.
O Visionário (poderes da natureza): direção Leste, sol nascente, verãoabundância e plenitude
O Mestre(princípios): estar aberto aos resultados e não preso a eles.
34
O Mestre (práticas): silêncio, apelo aos espíritos ancestrais, meditação em
posição sentada- observação e escuta
O Mestre (poderes da natureza): Avó Oceano (flexibilidade e recuperação),
Oeste, pôr-do-sol, outono, criaturas da água, colheitas abundantes e fluidez
ilimitada.
Essas práicas integram o desenvolvimento do ego funcional, da alma e do
espírito junto a uma metodologia que utiliza os recursos da natureza, da arte e do
corpo, resgatando metáforas da natureza e o contato profundo em todos os níveis
com os poderes da natureza. Fica claro que o desenvolvimento do ser humano só
existe no Xamanismo, apoiado pelos poderes da natureza que, por sua vez, são
retribuídos com proteção e devoção. A natureza interna e externa são intimamente
interconectadas tanto na visão de mundo quanto nas suas práticas de saúde.
2.3 Budismo
Figura 5- Siddhartha Gautama.
Enquanto meditava sob uma árvore sua mente
8
iluminou-se e ele se tornou Buddha.
8
Artista desconhecido. Disponível em:<http://sunnysidestories.wordpress.com/the-woman-who- hugged-a-tree/>. Acesso em:
02 abr. de 2010.
35
Após escrever sobre a degeneração do planeta, o presidente do Instituto de
Meio Ambiente e Ecologia da Índia, reflete:
O planeta Terra é como uma família, como uma aldeia global. Tudo o que
mencionei sobre as mudanças nos sistemas ambiental e climático podem
ser controlado por meio do uso eficaz do sistema tradicional de
administração familiar, se pensarmos e tratarmos o planeta inteiro como
uma família, sentindo que „apenas a união faz a força‟. (GANCHEN, 1999,
p. 30).
Lama Ganchen, no mesmo livro, fala sobre a visão budista da relação do ser
humano e o meio ambiente, que também posiciona os limites do “Eu” dentro do
mundo afora, inclusive vice-versa. Ele diz que, o que está fora do corpo também
está dentro:
Por isso é muito importante, cuidarmos dos elementos e energias do meio
ambiente externo, pois temos exatamente os mesmos elementos e energias
em nosso corpo. Por isso, danificar e poluir o meio ambiente é também auto
destruição coletiva e individual. (LLAMA GANCHEN, 1999, p. 38).
Esta visão vai além do simples fato que estamos destruindo o nosso lar
externo, mas enxerga este lar como sendo um reflexo do nosso interior, mente e
corpo, e também o seu reverso.
Purificar os fluxos de energia sutil em nosso meio ambiente interno (corpo e
mente) e no meio ambiente externo (o universo) causa a recuperação da
saúde física, purifica as cinco consciências, cura o meio ambiente e o
cosmos e muitas manifestações sociais negativas ocasionadas por
desequilíbrio dos elementos. (LLAMA GANCHEN, 1999, p. 41).
Lama Ganchen explica que as ações dos seres humanos criam resultados
que se manifestam no mundo material, e que o meio ambiente externo, por sua vez,
afeta nosso equilíbrio interior. Esta rede de manifestações interdependentes é
chamada de “tendrel”.
O Budismo chama Ego, a sensação que somos autônomos e separados do
mundo a nossa volta, e que isto já causa poluição nos elementos internos e
externos. A mente pura que vive dentro de uma profunda consciência de
interdependência delicada, vai além do Ego, e é a principal busca dentro das
práticas budistas, sendo também o que cria a Terra Pura. No Budismo, portanto,
36
uma mente saudável é essencial para uma Terra saudável e vice-versa. A visão é de
completa interdependência.
As Terras Puras são descritas em textos antigos tibetanos, e Llama Ganchen
escreve que não é um conto de fadas, mas sim um reflexo do ser humano que se
purificou e aceitou energias positivas.
O Budismo prioriza a realização espiritual e falando do Ego e suas
manifestações doentias, diz que as energias negativas são como cinco programas
de computador negativos que causam poluição. Essas energias negativas são, de
acordo com o Llama Ganchen (1999), o apego, a confusão e dispersão mental, a
raiva, o medo, a inveja, a ignorância, uma mente fechada e o orgulho. Através de
visualizações, sons, mantras, meditações e ações positivas e conscientes somos
capazes de mudar estas energias e transcender o Ego. Um exemplo seria o mantra
EH HO SHUDDE SHUDDE SOHA, um mantra em sânscrito aparentemente muito
poderoso, que atua em nossa energia sutil e meio ambiente interno, e significa que
“a natureza verdadeira do elemento espaço é limpa”. O mantra serve para mudar
hábitos mentais e Llama Ganchen diz que “a educação da paz interna é prestar
atenção só na paz da mente” (1999, p. 88) em vez da poluição da mente, assim
fortalecendo esta parte.
Esta visão de mundo revela que estamos neste momento vivendo um meio
ambiente impuro por causa de uma mente coletiva poluída. A mente é muito
poderosa e de acordo com o Budismo, todos os fenômenos são criações da mente e
no fundo ilusões. No mundo materialista o medo, o apego e a agressividade são
algumas das forças e projeções mentais que dominam a realidade interna e externa.
O Budismo propõe que para criarmos outra realidade mais pura temos que mudar
nossas mentes através do pensamento, palavra e ação.
37
2.4 Ecologia
Figura 6
9
A ciência contemporânea está chegando a conclusões que confirmam várias
destas crenças intuitivas, teológicas, indígenas e antigas. Hoje em dia já temos
cientistas como Stephan Harding, que unem o racional com o intuitivo quando diz
que “a explicação é racional; a compreensão é intuitiva.” (2008, p. 18).
Doutor em Ecologia da Universidade de Oxford, Harding culpa a perspectiva e
a prática da própria comunidade científica da qual ele faz parte por, nos últimos 400
anos, nos ajudar numa guerra contra a natureza.
Jaques Monod, respeitado bioquímico laureado com o Nobel, achava que “a
ciência que ele praticava exigia que o homem despertasse para sua completa
solidão, seu isolamento fundamental, [...] como um cigano, vive na fronteira de um
mundo alheio.” (apud HARDING, 2008, p. 26).
Harding complementa que o,
...maior defeito desta perspectiva é a crença de que toda a natureza,
incluindo a Terra e todos os seus habitantes mais que humanos, não passa
de uma máquina morta a ser explorada como bem quisermos em nosso
próprio benefício, sem qualquer impedimento. (2008, p. 26)
Isto aponta para uma confirmação: de que a visão que somos seres
separados do nosso meio ambiente faz parte da destruição da Terra.
O velho paradigma científico afastou o homem do seu lar e de si mesmo,
convencendo-o que para sobreviver poderia dominar e desrespeitar a natureza.
9
Disponível em:<http://transnet.ning.com/forum/topics/educacao-ambiental-e-a-onda>. Acesso em: 2 abr. de 2010.
38
Orgulhoso de seus enormes avanços tecnológicos agiu contra o seu próprio bom
senso, intuição e sabedoria ancestral.
Um novo paradigma surge paradoxalmente pelas descobertas em vários
campos
científicos,
que
trouxeram
o
pensamento
sistêmico
e
ecológico,
enxergando-os como sinônimos. Capra, filósofo e físico, cita alguns movimentos
como importantes neste novo paradigma inclusive da Psicologia Sistêmica. Também
houve os biólogos da década de 1920, “que enfatizavam a conexão dos organismos
vivos como totalidades integradas.” (CAPRA, 2000, p. 25).
Foi a partir destes estudos que foi desenvolvido a teoria de Gaia, pelo
cientista e químico, James Lovelock, 40 anos atrás, e que hoje está sendo aceita. O
nome “Gaia” vem da deusa Grega da Terra, a Mãe Terra. Sua teoria é “que o
planeta é em essência um enorme organismo vivo com sua própria e notável
capacidade emergente de autoregulação.” (HARDING, 2008, p. 69).
A teoria quântica na física também da década 20 mostrou fundamentalmente
que,
...as partículas subatômicas não são „coisas‟ mas interconexões entre
coisas, e estas por sua vez, são interconexões entre outras coisas, e assim
por diante. Na teoria quântica, nunca acabamos chegando a alguma „coisa‟
sempre lidamos com interconexões. (CAPRA, 2000, p. 41).
A Ecologia “é o estudo do Lar Terra. Mais precisamente, é o estudo das
relações que interligam todos os membros do Lar Terra” (CAPRA, 2000, p. 43). Vem
da Ecologia Profunda, que foi uma escola filosófica fundada por Arne Naess na
década de 70.
Para Capra, ela, “não separa seres humanos - ou qualquer outra coisa - do
meio ambiente natural. Ela vê o mundo não como uma coleção de objetos isolados,
mas como uma rede de fenômenos que estão fundamentalmente interconectados e
são interdependentes.” (2000, p. 26).
Na teoria dos sistemas vivos e a ciência cognitiva que tem suas raízes na
cibernética, “a mente não é uma coisa, mas um processo [...] o processo do
conhecer, e é identificada com o processo da própria vida.” (CAPRA, 2000, p. 209).
39
O mesmo autor nos lembra que embora estes conceitos sejam novos na
ciência, eles são antigos na intuição humana. A mente como parte da alma era
literalmente o sopro da vida, incluindo todos os processos de vida.
“A teia da vida consiste em redes dentro de redes.” (CAPRA, 2000, p. 44-45).
Para o autor, a concepção de rede foi a chave dos avanços científicos na segunda
metade do século.
Esta visão científica deslancha a cultura ocidental num rumo de grandes
mudanças em todos os aspectos de vida, inclusive espirituais, trazendo valores
ecocêntricos (centralizados na Terra) no lugar dos valores antropocêntricos
(centralizados no ser humano): “se temos a percepção, ou a experiência ecológica
profunda de sermos parte da teia da vida, então estaremos (em oposição a
deveríamos estar) inclinados a cuidar de toda a natureza viva.” (CAPRA, 2000, p.
29).
Harding tenta trazer esta experiência através de suas palavras:
...tentaremos vislumbrar as ricas interconexões que são a própria
substância de sua vida e experimentaremos em nós mesmos,
esperançosamente, um sentimento de ampla identificação com a totalidade
da vida, onde compreendemos que somos verdadeiramente parte do ser
vivo do nosso planeta. (2008, p. 76).
Capra reconhece que a condição humana inclui uma frustração entre nos
perceber como indivíduos autônomos e descobrir que um eu independente ou
separado do resto de fato não existe:
Para superar a nossa ansiedade cartesiana, precisamos pensar
sistemicamente, mudando nosso foco conceitual de objetos para relações.
Somente então poderemos compreender que a identidade, a individualidade
e a autonomia não implicam separação e independência. (2000, p. 230).
Para conseguir manter esta experiência num nível pessoal e global, temos
que começar a “construir, nutrir e educar comunidades sustentáveis, nas quais
podemos satisfazer nossas aspirações e nossas necessidades sem diminuir as
chances das gerações futuras.” (CAPRA, 2000, p. 230).
Podemos aprender como fazer isto através dos estudos de ecossistemas que
já são comunidades sustentáveis de plantas, animais e micro-organismos, vivendo
de acordo com esses princípios. “Os padrões sustentáveis de produção e de
40
consumo precisam ser cíclicos, imitando os processos cíclicos da natureza.”
(CAPRA, 2000, p. 232).
O fato de que a vida é composta por redes interconectadas cria um laço
científico direto e indiscutível entre a saúde do ser humano e da Terra. O novo
paradigma ecológico é uma revolução que atinge todos os aspectos da sociedade
humana. Enfrentando a crise atual com a ameaça de extinção do ser humano, a
humanidade está sendo forçada a se alinhar com as leis da natureza encontrando
novos caminhos de preservação e sustentabilidade.
O cientista James Lovelock (2006), acredita que não tem mais como reestabelecer o equilíbrio necessário para que futuras gerações possam continuar
vivendo no planeta Terra, mas que ainda podemos fazer o melhor dentro desta
emergência.
Acho que temos poucas escolhas além de nos preparar para o pior,
sabendo que já passamos do limite. Como os paramédicos, a primeira
prioridade é manter o paciente, a civilização, viva durante o percurso para
um mundo que pelo menos não estará mais sofrendo mudanças rápidas.
(2006, p. 196).
Ele diz que mesmo se continuamos vivendo numa luta destrutiva até não
aguentar mais o próprio ambiente que criamos, a Ecologia Profunda poderá oferecer
pequenos oásis de fé e sabedoria, como os monastérios escondidos do passado.
Stephen Harding questiona a atitude cínica de algumas pessoas que por se
sentirem impotentes com a autodestruição do ser humano perguntam: “Faz
diferença se mais uma espécie (a nossa) se autodestrói?” (2008, p. 277).
Harding escreve que “é triste pensar que não nos importamos com isto e que
podemos ser tão racionais e sem emoção para aceitar desta forma”; outra questão
que ele se vê tendo que responder é: “se a Terra se auto-regula ela logo se recupera
depois da nossa extinção?” ( 2008, p. 280).
Harding responde:
Pode ser, mas esta aceitação é igual a ser racional e aceitar o homicídio...
goste ou não goste, você é uma parte integral de Gaia, biologicamente,
psicologicamente e espiritualmente. Nosso próprio corpo, nossos sonhos,
nossa criatividade, nossa imaginação providencia com relação a isso.
(2008, p. 280).
41
Ou seja, acordar para a nossa indiscutível interconexão com a Terra é o único
caminho íntegro que nos resta. E, além disso, pode ser um caminho de encontro
com riquezas bem maiores do que as riquezas que acumulamos ao longo do abuso
da Terra.
2.5 Educação Ambiental
Figura 9
10
Educando a população global sobre os problemas ambientais e possíveis
soluções é a Educação Ambiental, que além da pedagogia tradicional, está
utilizando métodos vivenciais para transmitir conceitos científicos e transformar a
relação do ser humano com o meio-ambiente.
Stephen Harding em seu livro “Terra Viva” (2008), tenta por um lado através
da teoria científica, e por outro lado, através de visualizações poéticas e guiadas,
oferece um caminho para desenvolver sentimentos de alta vibração emocional com
a Terra, dizendo: “o amor por um lugar é o ato máximo de resistência não-violenta à
grande força que está destruindo a Terra viva em que nos criamos.” (2008, p. 283).
O autor sugere que as visualizações sejam gravadas, opcionalmente
acrescentadas e escutadas na natureza. Na visualização “Sentindo a Terra
Redonda” ele convida o leitor a sentir e imaginar:
“Experimente a gravidade como o amor que a Terra sente pela própria
matéria que constitui seu corpo, um amor que o mantém seguro... Respire na
imensidade viva da nossa Terra animada.” (2008, p. 72).
10
Disponível em: <http://www.ecodebate.com.br/foto/46.jpg>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
42
Através de sua poesia o autor desperta a ciência da Terra em nossos
corações, dizendo que,
Precisamos lembrar que nossa própria respiração é para beber o leite de
nossa mãe- o ar-, feito para nós por incontáveis irmãos e irmãs microbianos
no mar e no solo, e pelos seres vegetais com quem compartilhamos as
grandes superfícies de terra da esfera lustrosa de nossa mãe. (HARDING,
2008, p. 281).
A ideia de que a conexão amorosa é importante numa educação ambiental
percorre muitas práticas. Tanto que existe um livro teórico, lúdico, e pedagógico
chamado “Jornada de Amor pela Terra”.
Outro autor que traz um método vivencial, lúdico e artístico é Joseph Cornell
(1998), ecologista que foca tanto em jovens como adultos, abordando vários temas.
O princípio é seguir uma sequência pedagógica vivencial que desperta um
sentimento profundo de conexão com o mundo natural. A primeira fase desperta o
entusiasmo, a segunda concentra a atenção, a terceira traz uma experiência direta
com a natureza e a quarta compartilha da inspiração. As ferramentas usadas levam
a pessoa a aprofundar cada vez mais o seu contato tanto intelectual como sensorial
e artístico, com a natureza e o mundo a sua volta, até que desperta uma inspiração
profunda dentro dela.
Para aproveitar e intensificar o potencial desta metodologia, grupos de
educadores como o do Instituto Romã, fazem imersões de vários dias para melhor
incorporar as experiências. Eles dizem que sua missão é: “Ajudar pessoas de todas
as idades a ter uma experiência direta e singular com a Natureza, de modo a
mobilizá-las na busca de soluções para os problemas socioambientais da
atualidade.”11
O professor de educação ambiental Michael Cohen (2003), acredita que
restaurar a saúde psicológica do ser humano através de sua conexão com a
inteligência da natureza faz parte da educação para uma nova relação com a Terra.
Ele trabalha a interconexão com a natureza através dos sentidos. Esta conexão
chega através de múltiplos sentidos que podem ser despertados vivencialmente.
11
Disponível em: <http://www.institutoroma.com.br/>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
43
Uma ferramenta de re-conexão com a natureza que é poderosa e sensória,
nos possibilita restaurar a saúde para as áreas da psique anestesiadas e
desconectadas da natureza, que limitam o nosso raciocínio e criam nossas
desordens. (COHEN, 2003, p. 9) (tradução nossa).
Suas vivências frequentemente envolvem se tornar consciente da atração
sensória entre o indivíduo e a natureza, inclusive num nível emocional, como se
acordar estas atrações pelos sentidos intensificasse a verdadeira e mais natural
conexão com a nossa natureza interna e externa.
Focando diretamente no desenvolvimento de assentamentos humanos
sustentáveis, “Educação Gaia” é um curso organizado pelo consórcio internacional
de educadores conhecidos como Global Educators for Sustainable Earth (GEESE).
O programa é baseado na Permacultura (sistemas de sustentabilidade) e combina
investigação teórica de uma forma inspiradora e vivencial, com trabalho prático,
técnico e lúdico (inclusive música e dança).
As dimensões consideradas no curso são: social, econômica, ecológica e
visão do mundo, juntando profissionais de diferentes áreas para oferecer
conhecimentos e experiências de sustentabilidade dentro dos diversos aspectos de
vida do ser humano. O conteúdo multidisciplinar é uma característica ecológica,
enxergando que cada área acrescenta e informa a outra, dentro da sabedoria que
estamos vivendo num sistema de redes. A metodologia inclui enfrentar a crise atual
de uma forma positiva e com fé no poder criativo e transformador do ser humano.12
No Brasil suas redes se estendem a centros de Permacultura como: Grupo
Solaris, IPEMA, IPEC, e Terra Una, entre outros, onde a qualidade de todas as
relações durante os cursos são tão importantes quanto o estudo técnico.
A nova educação ambiental dá importância ao contato direto com a natureza,
contato físico, emocional, mental e espiritual, e nos âmbitos social, econômico,
ambiental e espiritual, inspirado por vivências lúdicas e artísticas, além de técnicas e
teóricas. Isto acorda uma relação com o meio ambiente e entre os seres humanos,
de modo mais vivo e intuitivo, sendo mais fácil absorver conteúdos científicos e
aplicá-los em vários aspectos internos e externos do dia a dia.
12
Disponível em: <http://www.gaiabrasil.net/site/>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
44
2.6 Artes Plásticas
Figura 10
Espiral de pedras quebradas de
13
Andy Goldsworthy.
As Artes Plásticas são meios de comunicação criativos, que relatam
perspectivas e experiências de vida, expressando e atingindo a sensibilidade e
imaginação poética do ser humano. Elas sempre fizeram parte de transformações e
revoluções culturais, muitas vezes prevendo, expondo e acelerando estas.
David Korten (2006), PhD em Administração e Psicologia, apoia a Arte como
necessário agente de transformação do antigo paradigma ao novo, que é composto
por comunidades sustentáveis. Ele propõe que o mundo precisa de novas histórias
baseadas nos princípios de comunidades sustentáveis, e os artistas são os
tradicionais contadores de histórias, seja através de textos, danças, canções,
pinturas ou teatros.
Esses princípios são abordados tanto por artistas que focam no meio
ambiente como aqueles que focam no tema de sustentabilidade como um todo. Maja
e Reuben Fowkes, historiadores de arte, sugerem que tem “uma linha tênue entre
artistas que genuinamente engajam em sustentabilidade e aqueles que empregam
os mesmos modelos e lidam com as mesmas questões mas com o propósito do
espetáculo artístico.” (2006) (tradução nossa).14
Para ser realmente revolucionário tem que escapar aos mecanismos do
modelo, que por sua vez só demandam mais e mais conteúdo e espetáculo.
13
14
Disponível em: <http://becksearlescott.wordpress.com/2009/01/12/land-art/>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
Disponível em:<http://www.translocal.org/writings/makingdo.htm>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
45
Alimentar isto seria alimentar uma indústria cultural aliada ao modelo produtivo de
crescimento contínuo que não é sustentável. (FOWKES, 2006).
Um exemplo de arte sustentável seria o “Geocruiser” (2001) de Nils Norman
(Figuras 11 e 12). Uma escultura publica móvel, num ônibus reformado. Tem uma
biblioteca pública e um centro educacional na frente do ônibus, dedicado ao
desenho urbano experimental, jardinagem ecológica, energia alternativa e sistemas
sociais alternativos. Tem uma máquina de fotocópias e computador grátis com
energia solar. Na parte de trás tem uma estufa com plantas, vegetais e ervas e um
minhocário onde minhocas fazem composto. O “Geocruiser” já deu a volta por várias
partes da Europa. É uma escultura que estende a noção de escultura pública para
incluir o serviço ao público (ser humano e meio ambiente) de uma forma interativa.
Figura 11
Figura
Geocruise de Nils Norman, 2001.
12
15
No Brasil, os conceitos de Arte sustentável estão sendo adotados pela ONG
Terra Una, para o seu programa anual de residência artística: Interações Florestais.
Dede o início tem um processo participativo e um meio de seleção democrático,
horizontal e autocuratorial, respeitando um novo paradigma de relações. A
residência em si, além do projeto pessoal de cada artista, acontece dentro de uma
vivência da Ecovila (comunidade rural sustentável), interagindo com a natureza
doméstica e selvagem e o grupo de pessoas. Em 2010, incluirá oficinas educativas
oferecidas pelos próprios artistas no projeto comunitário local de arte e
sustentabilidade, assim sendo, as redes interconectadas se expandem e se
relacionam cada vez mais.
15
Disponível em:<http://artforum.com/index.php?pn=interview&id=2281>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
46
Figura 13 – “Travessia Água” de Flávia Vivacqua, 2008.
16
Uma das artistas de 2008, Flávia Vivacqua, realizou uma “Performance”
(gênero artístico aonde as ações de uma pessoa num contexto/lugar constituem a
obra de arte) chamado “Travessia Água”. Consistia em uma caminhada ao encontro
com águas, riachos, cachoeiras e lago, aonde o próprio contato e interação com a
natureza do local se torna a obra de arte, que ela mesma descreve como “ser
sensório-ambiental”, refletindo uma forma de ser no mundo ecocêntrica, uma
identidade e obra de arte que só existe na sua relação com o ambiente.
“Artists for nature” (Artistas pela Natureza) é um grupo de artistas
(inicialmente holandeses) que junta o contato profundo com a natureza e o ativismo
ambiental. Mobilizam grupos de artistas para irem a lugares de natureza que estão
ameaçados e criarem reservas ambientais. Usando a Arte para retratar a beleza do
lugar, organizando exposições e compartilhando sua inspiração, as exposições
chamam atenção para a região, despertando sentimentos de encantamento e amor
à natureza, o que tem obtido sucesso prático na formação de doze reservas
nacionais, internacionalmente.17
18
Figura 14 – “The Hunt” de Wolfgang Weber.
16
17
18
Disponível em: <http://www.terrauna.org.br/interacoesflorestais/IF.html>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
Disponívem em:<http://www.artistsfornature.com/About_us>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
Disponívem em:<http://www.artistsfornature.com/About_us>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
47
Vários artistas hoje em dia usam a arte para chocar e criticar a destruição
ambiental e a cultura consumista:
Figura 15
Fotografia mostrando a destruição ambiental
19
causado pela companhia de petróleo: Shell na Nigéria.
Superflex, uma coletiva de artistas dinamarqueses, se interessa pela relação
entre consumismo e o aquecimento global. No seu filme “Flooded McDonalds”
(McDonalds Inundado), eles filmam uma loja de McDonalds (sem pessoas) se
enchendo de água. A imagem de McDonald‟s, normalmente um ícone cultural, passa
a ter características assustadoras.
Figura 16 – Superflex: McDonalds Inundado.
19
20
Disponívem em:<http://onthelevelblog.wordpress.com/2007/10/04/shells-wild-lie/ Acesso em: 02 abr. de 2010.
Disponível em:<http://www.artsandecology.org.uk/magazine/features/superflex--flooded-mcdonalds>. Acesso em: 02 abr. de
2010.
20
48
Uma escultura chamada “Sound Wave” (Onda Sonora) da artista Koreana,
Jean Shin reutiliza e derrete discos antigos, na forma de uma onda, simbolizando as
ondas inevitáveis de tecnologia que deixam para trás gerações inteiras de produtos
velhos e inúteis.
„
Figura 17 – “Sound Wave” (Onda Sonora) de
21
Jean Shin, 2008.
A descentralização do artista e do ser humano para uma visão ecocêntrica
surgiu nas décadas de 60 e 70 quando artistas começaram a expandir os limites da
arte para incluir a participação do espectador, o espaço e a natureza. Um dos
pioneiros era Joseph Beuys que em 1971 usou o gênero de “Performance” para
demonstrar sua preocupação com uma área de brejo na Europa. Ele atravessou o
brejo, cheio de lama, em partes tendo que nadar. Ele descreveu sua preocupação
pelos brejos dizendo que, “... brejos são os elementos mais vivos da paisagem
Européia... eles são guardiões da vida, mistério e mudanças químicas,
preservadores da historia antiga. Eles são essenciais a todo eco-sistema para
regulação de água, umidade, e clima em geral.”22
Na mesma época outros artistas formaram parte do movimento de “Land Art,
Environment Art ou Earthworks”, Arte criada diretamente na terra muitas vezes com
materiais naturais, resgatando o contato e interação entre o homem e a natureza,
levando em conta os ciclos da natureza. A natureza tipicamente continua afetando a
obra depois que o homem a deixa, às vezes passando por fases de decomposição.
A obra em si e/ou a documentação dela tipicamente inspira sentimentos de conexão
com a natureza. Às vezes é uma crítica da relação do homem com a natureza, e
outras vezes uma celebração da natureza.
21
22
Disponível em: <http://www.neatorama.com/2008/09/29/sound-wave-sculpture-by-jean-shin/>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
Disponível em: <http://greenmuseum.org/c/ecovention/sect2.html>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
49
Figura 18 – “Rowen leaves around a hole” - (folhas em volta de um buraco)
23
de Andy Goldsworthy, 1987.
Figura 19 – “Montanha Árvore: Uma cápsula de tempo viva” de Agnes Denes.
24
Desenhado em 1983; plantado em 1996.
Agnes Denes, da “Montanha Árvore” de 1996 (Figura 19), foi uma das
pioneiras de “Environment Art”, com uma forte preocupação pela responsabilidade
ecológica do ser humano. O governo finlandês apoiou o projeto monumental de usar
um local desmatado e abandonado de uma mina antiga, para construir uma
montanha e plantar 11 000 árvores com 11 000 pessoas, cada pessoa (e seus
herdeiros) sendo responsável por sua árvore durante 400 anos. Foi considerada
uma grande contribuição à ecologia global.
Um grupo contemporâneo de “Land Art/Environment Art” se chama “Red
Earth” (Terra Vermelha), e se inspira nos poderes dos elementos da natureza e a
relação deles com os elementos internos do ser humano. Suas instalações e
23
Disponível em: <http://prettisculpture.typepad.com/photos/other_artists_3/andy_goldsworthy_rowan_leaves_with_hole.html>.
Acesso em: 2 abr. de 2010.
24
Disponível em: <http://greenmuseum.org/content/artist_content/ct_id-198__artist_id-63.html>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
50
performances de rituais na natureza resgatam a relação espiritual dos povos
indígenas com a natureza.
Figura 18 – “E nc l os ur e ” do
25
G ru po R e d E art h , 20 0 7
Usando a Arte em rituais espirituais os monges Tibetanos criam Mandalas
como ferramentas de meditação para chegar à mente pura, não poluída, e por
consequênciaà Terra Pura. Eles acreditam que o processo de criação da Mandala é
como uma meditação que aumenta o nível vibratório do artista e do meio ambiente,
e que o mesmo acontece ao se contemplar a mandala. Mandalas feitas de areia são
especialmente simbólicas, pois elas são destruídas num ritual ao final, simbolizando
o estado de impermanência da matéria.
Figura 19 - Mandala de areia.
26
Drupon Thinley Ningpo e Lama Rinpoche, 2007.
Trazendo-nos a visão transcendental de total interconexão dentro de toda a
teia da vida é a Arte Visionária. Compartilhando suas perspectivas, estes artistas
tentam fazer visível o que a maioria não consegue imaginar. Trazem os conceitos
científicos mais perto da experiência direta para que possa servir como inspiração
de uma relação divina e interconectada entre todo o universo. Alex Grey,
literalmente pinta as linhas das redes que nos conectam.
25
Disponível em: <http://www.activateperformingarts.org.uk/who/index.php>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
Museu de História Natural da Universidade da Flórida. Disponível em: <http://www.floridadharma.org/past%20events/sandmandala/Sand%20Mandala-02-14-07.htm>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
26
51
Figura 20 – “Theologue” de Alex Grey, 1984.
27
A busca de re-conexão com a natureza e a alma estava acontecendo cem
anos atrás entre os artistas ocidentais que começaram a ousar revelar suas
experiências internas através da arte. Vincent Van Gogh buscava expressar seu
vínculo profundo com a natureza e revelava a interconexão entre a alma e a
natureza de uma forma subjetiva, retratando a sua própria e emotiva vivência.
Através de cores e gestos expressivos, as suas pinturas, revelam as forças da
natureza e a inspiração da alma que continuam até hoje inspirando os seres
humanos de todo o planeta.
Figura 21 – “Mulberry Tree” de
28
Vincent van Gogh, 1889.
Como podemos ver, as Artes Plásticas revelam, inspiram, acompanham,
criticam e oferecem soluções, não só à crise ambiental, como à necessidade do
homem de encontrar novas formas mais autênticas e humanas de se relacionar com
todas as redes de relações vivas e interdependentes.
27
28
Disponível em:<http://www.alexgrey.com/>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
Disponível em:<http://www.abcgallery.com/V/vangogh/vangogh111.html>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
52
3 ARTETERAPIA – UMA TERAPIA ECOLÓGICA
3.1 Introdução
A Arteterapia utiliza a Arte para fins terapêuticos, enfocando desde o
autoconhecimento até o trabalho com doenças ou desequilíbrios mentais, sempre
com o acompanhamento de um arteterapeuta. Tradicionalmente, o âmbito da
Arteterapia assim como o da Psicoterapia era servir ao indivíduo. Contudo, dentro de
uma visão de mundo ecológica, esta base está se estendendo tanto para dar apoio
às disciplinas ecológicas quanto para ajudar o ser humano a se alinhar com a ordem
da natureza ecológica revelada pelo novo paradigma científico.
Epsen Stokes (2009), psicólogo e professor de “Expressive Arts therapies” ou
Terapias Expressivas (ANDRADE, 2000), uma linha fenomenológica de Arteterapia,
escreve sobre como as Terapias Expressivas têm uma metodologia ecológica. Ele
diz que as duas áreas, uma de Filosofia Ecológica e a outra das Terapias
Expressivas se complementam. Por um lado, as Terapias Expressivas têm uma
metodologia ecológica podendo “ajudar e ensinar os seres humanos a se engajarem
numa relação plena e sensual com o mundo mais-que-humano” (STOKES, 2009, p.
87) (tradução nossa), e, por outro lado, a filosofia ecológica tem uma base teórica
que critica a visão egocêntrica do ser humano. Portanto, juntos, podem lidar
diretamente com o egocentrismo cultural através da arte, para dar experiência à
interconexão entre o ser humano e o meio ambiente.
Esta possibilidade vai ser considerada, juntando as várias linhas teóricas da
Arteterapia, estudando como que elas incorporam uma visão ecológica em suas
práticas, desde seu início, e como agora há arteterapeutas que tentam atender
simultaneamente a saúde humana e planetária.
53
3.2 Histórico
Figura 22 -Pinturas da caverna, Lascaux, França,
29
15,000-10,000 A.C.
O uso terapêutico da arte pode ser encontrado em culturas antigas, muito
antes da profissionalização da Arteterapia. Selma Ciornai, arteterapeuta gestáltica,
escreve,
Desde a época da caverna, os seres humanos desenhavam imagens,
buscando representar, organizar, significar e assenhorear-se do mundo em
que viviam. Desde tempos imemoriais utilizam recursos expressivos como
danças, cantos, tatuagens e pinturas em rituais de cura, de poder e de
inovação as forças da natureza. (2004, p. 21).
Ângela Philipini (2000), arteterapeuta jungiana conta que na antiga Grécia,
(século V a.C.) em Epidauro, centro de cura dedicado a Asclépio, os enfermos
assistiam a teatros e música para depois, à noite, prestarem atenção aos seus
sonhos, que eram vistos como mensagens de transformação daquilo que causou
suas doenças.
Susan Bello, arteterapeuta e psicóloga, reflete sobre o papel da arte no
xamanismo de culturas antigas:
Suponho que os primeiros artistas eram considerados xamas,
representantes da forca da mãe primordial. Eles pintavam nas paredes das
cavernas, nos recessos profundos do útero da Mãe Terra, onde os ritos e
rituais de fertilidade aconteciam. Talvez, os primitivos rituais humanos
envolvessem a pintura de imagens de animais, pedindo as Forças Vitais
para abençoarem suas caçadas e promover nutrição. (1996, p. 24).
29
Disponível em: <http://www.eyesclosed.org/introduction.html>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
54
O uso da arte na Antiguidade e cultura indígenas mostra como a arte,
natureza, corpo, mente e espírito eram todos considerados interconectados.
Como profissão na cultura ocidental a história da Arteterapia vem se
construindo desde mais ou menos 1900, formando um corpo de teoria e pesquisa
que cada vez mais ganha respeito pela comunidade científica.
Arteterapia é o termo que designa a utilização de recursos artísticos em
contextos terapêuticos [...] pressupõe que o processo do fazer artístico tem
o potencial de cura quando o cliente é acompanhado pelo arteterapeuta
experiente, que com ele constrói uma relação que facilita a ampliação da
consciência e do auto-conhecimento, possibilitando mudanças. (CIORNAI,
2004, p. 8).
É interessante perceber que esta profissão trouxe de sua história antiga, um
diálogo com as “forças da natureza” e que se estabeleceu na cultura ocidental,
época pós-Primeira e Segunda Guerra Mundial -, quando os fundamentos da época
do Iluminismo, o pensamento científico, lógico, objetivo e racional estavam sendo
questionados, e um olhar voltado à subjetividade, ao inconsciente e irracional estava
sendo desenvolvido pelas artes e ciências.
Prinzhorn, psiquiatra alemão e um dos pioneiros da Arteterapia, em 1910,
achava que o racionalismo excessivo, distanciou a alma e a natureza. Para o
psiquiatra, a arte ou a expressão criativa era um caminho espontâneo para a alma
se reencontrar, pois observava que seus pacientes estavam “em contato, de uma
forma totalmente irracional, com as verdades mais profundas, e já produziram,
inconscientemente, retratos de transcendência da forma que eles a percebem” (apud
McNIFF, 1992, p. 242)
Figura 23 - Artista desconhecido.
30
31
30
Figura 24 -“O grito” de Edward Munch, 1893.
Disponível em: <http://www.easybakecoven.net/2007_11_01_archive.html>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
Disponível em: <http://crfranke.wordpress.com/2009/08/09/tribute-to-the-masters/>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
31
55
Florence Cane, pioneira em 1920, da arte como terapia considerava que “o
fazer arte passou a ser um grande veículo da auto-expressão, o ponto crucial da
procura do self.” (apud ANDRADE, 2000, p. 84).
A Arteterapia chegou num momento em que a importância das forças da alma
e da natureza estava sendo resgatada, e o potencial da arte para se conectar com
elas, reconhecida. A arte encontrou seu lugar na busca de autoconhecimento, cura e
realização, muito além do racional.
3.3Arteterapia: Metodologia Ecológica
A produção artística, as imagens e os materiais propiciam uma plataforma
para o indivíduo se relacionar consigo mesmo e com o mundo ao seu redor
simultaneamente, sendo que a realização individual acompanha a descentralização
do Ego.
... nas Terapias Expressivas, nós começamos da realização que as imagens
da imaginação têm a sua própria vontade, ou seu valor intrínseco.
Tentamos enxergar o mundo a partir de seu ponto de vista entrando num
diálogo ou trocando de lugar com eles. (STOKES, 2009, p.86) (tradução
nossa).
O mesmo autor se pergunta sobre os materiais artísticos: “O que é que
aquele tem vontade de dizer? Neste movimento básico, descentralização das
preocupações do Ego para a imaginação da terra [...] nós tipicamente convidamos o
mundo a falar através dos próprios materiais que nos rodeiam” (2009, p.87) -, e
também ao considerar o processo criativo: “Quem somos nós para dizer que nós
criamos estas conjunções sozinhos, ex nihilo, como se não fossem instantes da
colaboração continua que o material faz consigo mesmo?” (STOKES, 2009, p. 87)
(tradução nossa).
56
Figura 25 – Arquétipos. Pintura.
32
Nise da Silveira, precursora da Arteterapia, no Brasil, enxergava que tinha
conteúdos nos trabalhos de seus pacientes que estavam muito além do individual,
num nível universal, por exemplo, os motivos mitológicos presentes em várias
culturas. Na teoria de Jung, estes símbolos são arquétipos, estruturas carregadas de
emoção, que existem universalmente há milênios dentro do que se chama do
inconsciente coletivo as camadas mais profundas do inconsciente. (ANDRADE,
2000).
Ao mesmo tempo em que este conteúdo vem do campo da Alma universal ele
é interligado com a Alma individual e a Arte então se torna um retrato dessa relação.
A abordagem jungiana parte da premissa que os indivíduos, no curso
natural de suas vidas, em seus processos de autoconhecimento e
transformação, são orientados por símbolos. Estes emanam do self, centro
de saúde, equilíbrio e harmonia, representando para cada um o potencial
mais pleno, a totalidade da psique [...] em arteterapia com abordagem
jungiana, o caminho será fornecer suportes materiais adequados para que a
energia psíquica plasme símbolos em criações diversas [...] ativando e
realizando a comunicação entre inconsciente e consciente. (PHILIPPINI,
2000, p. 17).
32
Autor desconhecido. Disponível em: <http://jonhoward.typepad.com/photos/uncategorized/2007/05/21/archetypes.jpg>.
Acesso em: 02 abr. de 2010.
57
McNiff (2004) diz que podemos tratar os materiais e a produção artística como
anjos ou seres reais, que vêm do âmbito da alma para servir a criatividade e saúde
da vida.
Eles emergem também do nosso inconsciente pouco civilizado, se arrastando
da lama, se revelando e por vezes nos assustando. Stoknes confirma que as artes
expressivas se interessam pelo lado “selvagem, não domesticado da beleza” e os
clientes são convidados a usarem uma percepção primordial e animalesca.
(STOKNES, 2009, p.87)(tradução nossa)
Rudolph Steiner e o filósofo Goethe elaboraram a visão de que “as cores
ativam o olho dos sentidos e o olho da alma.” (apud FARRELLY-HANSEN, 2001, p.
147) (tradução nossa).
Assim por exemplo, ao pintar com uma tinta azul, o indivíduo está diretamente
em contato e se misturando com um elemento da natureza que é também um
elemento dele mesmo, atuando em todos os níveis: físico, emocional, mental e
espiritual. A inspiração artística por sua vez intensifica esta experiência e a tinta
convida o pintor a literalmente mergulhar dentro de um azul tão infinito quanto o céu,
o mar, e a profundeza da sua alma. (Figuras 26 e 27)
Figura 27 - Auto-retrato como Yves Klein,
Mike Bidlo, 2003. Imagem de video. (9b)
Figura 26 – “Anthropometry”.Yves Klein, 1960.
Óleo sobre papel; modelos pintaram com seus
33
próprios corpos ao em vez de pincéis.
33
Disponível em:
<http://www.moma.org/collection/browse_results.php?criteria=O%3AAD%3AE%3A3137&page_number=2&template_id=1&sort
_order=1>. Acesso em: 3 fev. de 2010.
9b Disponível em:
< http://www.artnet.com/magazineus/reviews/robinson/robinson1-23-06_detail.asp?picnum=14 > Acesso em 3 fev. de 2010.
58
Estes olhares e práticas inserem o indivíduo numa visão de mundo inclusiva e
permeável onde a rede da vida se torna uma experiência direta. O indivíduo
percebe, assim como os povosantigos e indígenas, que ele não está sozinho, e que
ele realmente pertence à natureza universal, que fala diretamente através da sua
própria natureza.
É como uma dança fluída e interconectada entre o indivíduo, o universo, as
imagens, materiais, inconsciente e também, por fim, o arteterapeuta e o espaço.
O arteterapeuta é como um guardião da consciência. Se o arteterapeuta
consegue manter uma postura facilitadora, conectada com compaixão e inspiração,
o cliente também se conecta e aprofunda.
Figura 28 - “Painting” de Alex Grey, 1998.
34
Pintura a óleo.
O espaço pode aumentar ou constringir a percepção de mundo permeável e
cheio de alma. O espaço físico e psíquico do consultório, se tratado como “território
sagrado” (PHILIPPINI, 2000), nutre e movimenta o fluxo criativo e a experiência de
interconexão com o universo.
34
Disponível em:< http://www.bbc.co.uk/london/content/articles/2007/01/26/divineart_sriharan_feature.shtml >. Acesso em: 02
abr. de 2010.
59
3.4 Criatividade
A arte é um caminho para manifestar a verdadeira conexão espiritual humana
e planetária com a Alma do Mundo. Neste momento, a criatividade é a força que
pode nos ajudar a atender à crise ambiental. Bello escreve:
...quando o artista vai além do ego, num estado alterado da consciência ele
é capaz de atingir o campo da Inteligência maior ou Alma do Mundo. [...] É
essa consagração de nosso self individual a empreendimentos alinhados
com um futuro positivo e com o bem-estar do planeta como um todo, que
acredito ser o desafio crucial à criatividade humana e à Arte trans-pessoal.
[...] O artista, como um xamã espiritual de sua cultura, precisa expressar,
através de sua conexão com a força vital criativa, o que sua época
necessita para curar o espírito e evoluir para uma maior consciência. (1976,
p. 25).
A expressão artística é movida pela força vital criativa que é também a força
de autorregulação que governa todos os sistemas de vida. McNiff situa a
autorregulação claramente dentro de uma visão ecológica da Arteterapia quando
escreve,
...a arte serve como um intermediário entre os ritmos do corpo e da
natureza. O pulsar das criaturas no mundo todo, os sons do mar e do
bosque à noite, os ciclos da lua - todos confirmam a existência do que eu
chamo o „meta-ritmo‟ da vida, o ritmo que existe por trás de todos os outros.
(2004, p. 235) (tradução nossa).
A nossa vitalidade depende da nossa capacidade de estar em sintonia com
esses ritmos, e as artes têm a capacidade de intensificar a experiência dos ritmos
essenciais da vida. Estagnar, diz o autor, “é estar em outro lugar além do qual você
está” (2004, p. 235)(tradução nossa), ou seja, desconectado destes ritmos.
“Ritmo e um relacionamento equilibrado com a natureza são metáforas
principais para a saúde dentro da tradição xamânica” diz McNiff (2004, p. 203)
(tradução nossa). Em seu trabalho, práticas xamânicas e arteterapêuticas de ritmo,
respiração, ritual, pintura, escultura, contato de história, imagens, teatro, canto, entre
outros, formam parte do dia a dia. Cada um é uma forma de se integrar ao ritmo da
criação e da imaginação. Este ritmo de criação é universal e é como o coração da
autorregulação da alma, o pulsar de sua imaginação; a perda de ritmo pode ser
comparada à perda da alma.
60
A circulação da energia vital é movida por este ritmo
que aparece e é mantido pela expressão artística: “A
criatividade e a cura são manifestações da mesma energia
essencial. Os dois transformam problemas em afirmações
da vida.” (McNIFF, 2004, p. 213) (tradução nossa).
Figura 29 - Composição de imagens.
35
Fagya Ostrower, autora brasileira, critica a nossa sociedade pela desconexão
com o ritmo natural:
A muito o ser humano vive alienado de si mesmo. As riquezas materiais, os
conhecimentos sobre o mundo e os meios técnicos de que hoje se dispõe,
em pouco altera essa condição humana. Ao contrário, o homem
contemporâneo, colocado diante das múltiplas tarefas que deve exercer,
pressionado por múltiplas exigências, bombardeado por um fluxo
ininterrupto de informações contraditórias, em aceleração crescente que
quase ultrapassa o ritmo orgânico de sua vida, em vez de se integrar como
ser individual e ser social, sofre um processo de desintegração. Aliena-se
de si, de seu trabalho, de suas possibilidades de criar e de realizar em sua
vida, conteúdos mais humanos. (1997, p. 6).
Figura 30 - “Human Seed” de
36
Mathew Brass.
35
36
Autor desconhecido. Disponível em:<http://foco-manga.blogspot.com>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
Disponível em:< http://www.earthspiritwisdom.com/?page_id=51>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
61
Todo mundo, sem exceção, é criativo, mas pode existir uma falta de conexão
com a sua criatividade, sua vitalidade, que é a força da natureza. Isto reflete uma
falta de contato geral com a natureza interna e externa e um bloqueio. Isto não quer
dizer que todo mundo tem que ser tecnicamente um artista, mas que a expressão
artística é uma das formas para estimular o contato com a vida.
Na Arteterapia Gestáltica o contato com os sentidos é a chave para manter o
fluxo criativo ativo, estimulando a ampliação da consciência denominado na Terapia
Gestáltica de “awareness”. As funções de contato, que são os sentidos em vários
níveis, são estimuladas no fazer artístico, que por sua vez estimula o estado de
“awareness”.
“Awareness é uma forma de experienciar. É o processo de estar em contato
vigilante com os eventos mais importantes do campo indivíduo-meio, com o total
suporte sensório-motor, emocional, cognitivo e energético.” (CIORNAI, 2004, p. 36).
Oaklander, arteterapeuta gestáltica, especialista em desenvolvimento infantil,
enfatiza como as funções de contato que incluem todos os sentidos são essenciais
para o desenvolvimento sadio:
A consciência está tão ligada ao experienciar que são uma coisa só.
Igualmente, quando a criança em terapia tem a experiência dos seus
sentidos, o seu corpo, os seus sentimentos, e o uso que pode fazer do seu
intelecto, ela recupera uma postura sadia frente à vida. (OAKLANDER,
1980, p. 75).
O Expressive Therapy Continuum (ETC), estudo de Kagin e Lusenbrink
(1990) organiza a compreensão dos vários níveis de contato em que saltos criativos
de transformação acontecem. Os níveis sensório-motor, perceptual-afetivo e
cognitivo-simbólico são como pontos de entradas e saídas do nosso ser e a
criatividade é a força constante que deixa existir e acontecer as conexões entre os
níveis. O criativo segue sempre numa direção contínua de melhora, não em forma
linear, mas em saltos. Portanto, enquanto a criatividade e o contato são estimulados
há saltos contínuos e espontâneos de autorregulação.
As consequências ecológicas são importantes. Wolfgang Schirmacher,
professor de filosofia, mídia e comunicação, descreve porque é significante acordar
os sentidos e treinar a nossa sensibilidade poética:
62
“Todo mundo é capaz de desenvolver um “self estético”. Rejeitando o
bloqueio habitual da perspectiva estética do todo, e admitindo a pele fina herdada da
nossa espécie, nós nos libertamos da prisão da nossa percepção, dentro da qual o
medo do desconhecido nos força a viver.” (apud STOKNES, 2009, p. 87) (tradução
nossa).
O fluxo contínuo e energizado de “awareness” é o que possibilita ao indivíduo
interagir com o seu mundo e suas próprias escolhas criativamente. Explorando cada
vez mais as partes desconhecidas de si mesmo e do seu mundo ele se torna artista
de sua própria vida e aliado a outros, artista do mundo ao seu redor.
“Ao dar livre curso as expressões das imagens internas, o indivíduo, ao
mesmo tempo em que as modela, transforma a si mesmo. Ao conhecer aspectos
próprios se recria, se educa e, sobretudo pode experimentar inserir-se na realidade
de uma outra maneira nova.” (ANDRADE, 2000, p. 125).
Rogers, terapeuta de Terapias Expressivas escreve que artistas e terapeutas
têm a chance de expressar a energia criativa como uma afirmação de que a
natureza humana não é destrutiva essencialmente mas que apóia e sustenta a vida.
A única coisa que nos segura é reprimir a criatividade e não manter a visão que
emerge. A expressão artística é uma forma de acordar a criatividade e ajudar as
pessoas a serem autênticas e poderosas: “se estivermos resolvidos, como uma
comunidade mundial, a resolver nossas discussões em paz, pode acontecer.”(1993,
p. 245).
Philippini expressa a capacidade de ser criativo como imperativo na
construção de uma nova relação do indivíduo com o mundo:
A experiência de produzir rompe com a passividade, desenvolve a
consciência crítica e a solidariedade. Em lugar do simples consumidor, cria
o agente, o criador consciente, o cidadão. A diversidade criadora é fator
decisivo para o desenvolvimento auto-sustentável. Não vamos conseguir
nos adaptar e transformar sem esta qualidade. [...] com cada experiência
criativa que é feita, a rede se expande, aumentando seu campo de ação,
gerando outras redes, que gerarão outras e outras mais. E nessa grande
teia, das artes, da esperança e da vida, cada vez que criamos, podemos
renascer e celebrar, sem medo de sermos felizes... (2000, p. 75-76).
63
A criatividade é a própria força da natureza em autorregulação, o fazer
artístico e a Arteterapia tem o propósito de ativar esta força
dentro do indivíduo para a sua saúde e capacidade criativa.
Ser criativo é necessário para processar experiências
de vida, criar mudanças internas e externas e para não se
conformar com a estagnação. Alimentando tanto a vida
pessoal como a vida social e ambiental.
Figura 31 - “Deus como arquiteto”
37
de William Blake, 1794.
O ser criativo descobre, a cada momento, novos recursos e novos caminhos.
A chama da esperança é mantida viva seja qual for o padrão de doença,
desequilíbrio ou estagnação que se encontre. Até mesmo as piores doenças,
maiores limitações e frustrações contêm a esperança de encontrarem aceitação e
uma postura interna criativa que se adapta e se transforma conforme o fluxo da vida
se manifesta naquele momento.
Figura 32 - “Journey of the wounded healer” de
38
Alex Grey, 1984-85, pintura a óleo.
37
Disponível em: <http://www.william-blake.org/God-as-an-Architect,-illustration-from-The-Ancient-of-Days-1794.html>. Acesso
em: 02 abr. de 2010.
38
Disponível em: <http://alexgrey.com/a-gallery/jrny1.html>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
64
Por mais contraditório que pareça, a estagnação faz parte do caminho do
fluxo criativo. McNiff (2004) escreve muito sobre a importância da integração de
conteúdos da luz e da sombra para a energia vital, enxergando a dor ou doença
como parte natural do caminho para o encontro da alma. O xamã e o artista, não
fogem do conflito, mas entram no olho do furacão, onde o anjo da dor, reside,
trazendo a cura em resposta ao encontro com esta dor. (MCNIFF, 2004).
É significativo que só saindo da negação e trazendo consciência à dor, é que
o anjo aparece, abrindo espaço para o fluxo natural da vida. “A restauração do fluxo
é
alcançada
freqüentemente
pela
transformação
de
energia
negativa
e
desorientadora em afirmações de vida” [portanto] “dor e sofrimento, junto a
criatividade são participantes necessários no processo da conversão energética por
baixo do fluxo da vida.” (MCNIFF, 2004, p. 218) (tradução nossa).
Na Arteterapia, através das expressões artísticas, as forças do conteúdo
interno, do inconsciente, encontram libertação. Ainda de acordo com Jung as
manifestações através da arte ou sonhos são essenciais para liberar conteúdos
inconscientes de uma forma socialmente aceita antes que eles se cristalizam em
padrões doentios. (ANDRADE, 2000).
Levine, terapeuta de Artes Expressivas, escreve que “o poder terapêutico da
arte está não na eliminação do sofrimento mas na capacidade de nos suspender no
meio deste sofrimento para que podemos agüentar este caos sem negação ou fuga.”
(2006, p. 31) (tradução nossa).
Sobre a visão ecológica nas Terapias Expressivas, Levine propõe uma
integração dos conteúdos internos contraditórios. Ele pergunta: “Como podemos
viver poeticamente? Fazer isto implica não só nos reconhecer como “parte da
natureza, parte de nós,” isto é, reconhecer nosso corpo estando nesta Terra com
outros; mas também implica finalmente admitir que “o exílio é o nosso destino, que
sempre seremos passageiros, até quando retornamos para casa.” (2009, p. 6)
(tradução nossa).
Uma das preocupações de ecopsicologia é a negação da tristeza, raiva e
sofrimento dentro da atual destruição ambiental. No fluxo criativo um confronto com
a doença, dor e desequilíbrio é inevitável, seja o foco, pessoal, social ou ambiental,
e este confronto é saudável, fazendo parte do processo de autorregulação. A
65
negação perpetua a estagnação da energia vital e a falta de consciência, mas a Arte
abre as portas vitais da criatividade, liberta, re-elabora e integra conteúdos que
antes eram insuportáveis. Com isto aumenta “awareness” e novas possibilidades
mais cheias de vida.
3.5 Arteterapia: Bem-estar Pessoal e Planetário
Figura 33 – Pintura.
39
A consciência cada vez mais profunda da interconexão entre o ser humano e
o planeta Terra, está trazendo uma nova perspectiva de prática para alguns
profissionais. A arteterapeuta e eco-psicóloga, Suzie Cahn define esta nova visão
como, “a tecelagem simultânea do caminho para o bem-estar pessoal e planetário”
(2007, p.26 ) (tradução nossa).
“De qual relevância será o fato de que cada um de nós faz parte da natureza?
Que somos conectados ao ar, água, a terra, aos animais e as plantas? Que nós
respiramos o mesmo ar, bebemos a mesma água, comemos a comida que vem
deles? Que sem estas coisas morreríamos?” (FARRELLY-HANSEN, 2001, p. 141)
(tradução nossa).
A mesma autora que trabalha com uma visão ecológica, ainda se pergunta,
39
Artista Desconhecido. Disponívem em: <http://centroelemental.blogspot.com/2009/10/hipotese-de-gaia.html>. Acesso em: 02
abr. de 2010.
66
...como que eu posso usar a minha criatividade de uma forma que responde
diretamente e com compaixão a dor não só dos meus vizinhos humanos
mas também da mãe que sustenta todos nós, a Terra? Já ficou claro depois
de quase um século de psicoterapia, que ajudar as pessoas a estarem bem
emocionalmente, até espiritualmente, não garante um planeta saudável.
(2001, p. 139) (tradução nossa).
Vimos que a Arteterapia tem muito a contribuir ao movimento ecológico. Mas
como será que o olhar ecológico influencia a Arteterapia nos trabalhos de
arteterapeutas que trazem preocupações ecológicas para dentro de sua prática?
Esses arteterapeutas, que carregam a preocupação ecológica como um tema
central nos seus trabalhos, buscam integrar métodos e ferramentas especificamente
direcionados a esta questão. Aumentando a experiência consciente de interconexão
entre o indivíduo e a natureza, ambos se enriquecem e a relação entre os dois se
fortalece.
Em maio de 2009 no Kutenai Art Therapy Institute, Canadá, um instituto de
pós-graduação em Arteterapia, um grupo de arteterapeutas ofereceu um encontro
de três dias de oficinas de Arteterapia e Ecologia, chamado, “Identidade ecológica e
o caminho criativo: um simpósio de Eco-Arteterapia”. A definição principal é “o olhar
e identidade ecológica no contexto de Arteterapia e o estudo da conexão emocional
com o meio ambiente.” (tradução nossa). Eles consideram que a prática de EcoArteterapia inclui:
1.
explorar identidade ecológica através do processo criativo e metáforas
da natureza;
2.
levar a Arteterapia para o meio ambiente natural;
3.
o uso de metáforas de restauração no processo terapêutico;
4.
o uso das forças curativas da natureza e do processo criativo para
trazer autoconhecimento e aumentar auto-expressão;
5.
o impacto psicológico da ameaça eminente de desastre ecológico;
6.
Eco-luto – o processo de luto após a perda de espécies e habitat;
7.
A aplicação dos princípios da ecologia para os princípios de vida do ser
humano.40
40
Disponível em: <http://www.kati.kics.bc.ca/WhatsHappening/whatshappening.html>. Acesso em: 24 mar. de 2010.
67
Algumas oficinas usaram a experiência direta com a
natureza, para dar importância às metáforas da natureza na
Arteterapia e como inspiração para explorar relações
individuais, sociais e ambientais através da arte. Foi
especialmente aprofundado a questão de como o indivíduo
se relaciona, se sente e se identifica com a natureza.
Figura 34
41
“Green Man” de Alexi Francis.
Houve a proposta de re-inventar o mundo através da arte, explorando os
temas de re-criação, reparação e restauração, inclusive o uso terapêutico de
materiais reciclados. E no final do encontro, a arte comunitária e ambiental se
manifestou numa intervenção direta na natureza que foi a plantação de árvores, algo
que simboliza uma colaboração criativa entre o homem, a terra e o mundo vegetal.42
Figura 35 - Cachorro reciclado.
43
Dentro das oficinas oferecidas manteve-se a idéia de explorar a identidade
ecológica, considerando que o desenvolvimento humano saudável precisa de
contato e criatividade vinculados à natureza. Abordar a totalidade do ser humano
com este olhar e com práticas tão objetivas é uma forma ecológica de tratar a saúde
do ser humano. Isto é aprofundar e tomar consciência da sua relação com a
41
Disponível em; <http://www.siren.org.uk/treetalk.htm>. Acesso em: 24 mar. de 2010.
Disponível em:<http://www.kati.kics.bc.ca/WhatsHappening/Symposium_Program.htm>. Acesso em: 24 mar. de 2010.
43
Artista desconhecido. Disponível em: <http://listsoplenty.com/blog/wp-content/uploads/2010/01/recycled-dog.jpg>. Acesso
em: 24 mar. de 2010
42
68
natureza, tornando esta uma relação e identidade tão importante para ser trabalhada
quanto qualquer outra.
Suzie Cahn une o trabalho arteterapêutico com a área de Eco-psicologia. Ela
fala que o objetivo principal da metodologia da Eco-psicologia “é ajudar a acordar os
sentidos adormecidos do indivíduo” para ativar o vínculo natural com a natureza
interna e externa. (2007, p. 26) (tradução nossa).
As ferramentas que a autora usa para trabalhar isto estão diretamente ligadas
a materiais da natureza. Ela diz que começou “a fazer isto na arte, através de estar
atenta à natureza e nas escolhas de materiais usando materiais não-sintéticos e
aqueles colhidos na natureza.” (CAHN, 2007, p. 27) (tradução nossa). As propostas
também incluem passeios para a natureza selvagem, ou trazer a natureza para
dentro de seu escritório.
Para Joyce Eliezer, precursora da Eco-Arteterapia no Brasil os materiais
foram importantes no que se diz respeito à sua definição desta disciplina:
“Nossas pesquisas no país nos remeteram
ao estudo dos elementos da natureza como
materiais das sessões. Incluímos árvores, tintas
naturais, papel machê, papel artesanal, cera de
abelha
e
sementes
formando
uma
Eco-
Arteterapia”.44
Figura 36 - Espantalho.
45
McNiff considera que materiais naturais ou menos processados contêm mais
força ou energia psíquica por serem mais puros. As qualidades que compõem um
material natural inspiram um contato maior com a natureza do que materiais
manipulados através de pessoas, fábricas e transportes.
44
Disponível em: <http://www.revistapsicologia.com.br/materias/pontoDeVista/m_pontodevista_arteterapia.htm>. Acesso em:
22 mar. de 2010.
45
Foto. Artista desconhecido. Disponível em: < http://www.greaterphiladelphiagardens.org/news.asp?>. Acesso em: 22 mar. de
2010.
69
Farrely-Hansen alerta que mesmo quando os materiais de
arte vêm diretamente da natureza, a consciência mais profunda
deste fato, é muitas vezes ignorada: “em muitos casos, no nosso
entusiasmo para ajudar os nossos clientes a focarem dentro
deles e pintar suas fontes de desamparo, nós nos esquecemos
de lembrar a eles a tocarem, realmente tocarem os materiais
artísticos a mão.” (2001, p. 142) (tradução nossa).
Figura 37
46
“Touching nature” de Mijs.
Em seu consultório ela introduz uma cesta de natureza, cheia de materiais da
natureza, como conchas, folhas, pétalas, sementes, galhos, ossos, pele de cobra
etc., antes da atividade artística, para acordar os sentidos e ao mesmo tempo
estimular o imaginário simbólico do inconsciente. Descrevendo uma cliente que
escolheu um pedaço de galho da cesta de natureza, descreve as propostas que ela
faz:
...observa cada aspecto do galho com olhos abertos e fechados, toca com
diferentes partes do corpo. Como sente, cheira, escuta? O que te diz sobre
o passado? Às vezes a natureza fala para o coração. No silêncio
permaneça aberta às mensagens da madeira. (FARRELLY-HANSEN 2001,
p.142) (tradução nossa).
Outro exemplo do uso da cesta é com a pele de cobra para adolescentes que
estão sendo re-inseridos na escola. A pele de cobra serve como um símbolo forte,
abrindo discussões do que querem deixar para trás e que tipo de “pele” nova
gostariam de cultivar. Também traz temas da relação com o mundo natural, a vida e
a morte.
O valor de juntar o sensorial e simbólico da natureza é aproveitado também
pela escolha de plantas, enxergando-as como símbolos importantes no consultório,
sejam aquelas que crescem rápido, devagar, com flores ou sem flores etc. Cada
planta tendo sua própria vida e expressão.
46
Disponível em: <://www.flickr.com/photos/13648894@N03/2531590323>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
70
Esta relação com a natureza pode ser estendida aos animais e
Farrelly-Hansen (2001) adota a prática xamânica de buscar poderes
pessoais nos animais. A relação com as qualidades, poderes ou falta
de poderes de animais é também usada como um espelho para o
cliente. Por exemplo, descobrindo quais são os animais preferidos do
cliente; ou buscando os poderes de um tigre ou um cavalo.
Figura 38
47
Estudando, conhecendo, observando e desenhando este animal e seus
hábitos, refletindo sobre as relações entre emoções pessoais e realidades
ambientais. Um exemplo de um trabalho é de reconstruir um sentimento de poder
pessoal próprio através de ajudar um animal em perigo de extinção. Com isto a
autora estende os limites do fazer artístico de um ateliê ou clínica para incluir atos
criativos no meio ambiente como uma performance.
A re-conexão de nossas experiências com os ciclos da natureza são
frequentemente explorados no consultório da autora: seja
as fases da lua ou o progresso de uma semente, todas as
transições da natureza são refletidas nas transições da
vida humana também, aparecendo no diário visual
artístico. Ela inclui várias propostas que convidam o
cliente a participar integralmente nos ciclos de vida, morte
e renascimento.
Figura 39 – Fotografia.
48
Folhas em decomposição.
A decomposição é uma fase importante destes ciclos: às vezes, ela incentiva
clientes a destruírem pinturas repetitivas de que gostam e a usarem pedaços
inspiradores para criar algo novo. Trabalhando com crianças de ambientes abusivos
Farrelly-Hansen desenvolveu um trabalho de destruição e reconstrução.
47
Disponível em: < http://www.mun.ca/biology/delta/arcticf/images/calad.gif>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
Fotografia de Kathy Green. Disponível em: <http://gardeningfornature.blogspot.com/2009/11/maintaining-composure-whiledecomposing.html>. Acesso em: 4 abr. de 2010.
48
71
A natureza oferece muitos recursos, inclusive para
atender as necessidades mais básicas comoquando uma
criança não recebe a experiência de uma mãe acolhedora, e
tem que procurar formas de preencher este “vazio”. A
natureza pode ajudá-la, pois a Terra é a grande mãe que
oferece forças para nos curar.
49
Figura 40 - Escultura.
A inclusão do corpo é considerada sempre importante para ativar uma relação
mais profunda com a natureza. Com seus clientes que na maioria tem uma relação
fraca com seus corpos, a autora usa exercícios de respiração e alongamento para
preparar para expressão criativa. Este foco nos sentidos é trazido para trabalhar
com a falta de satisfação sexual entre casais também, acordando a sensualidade
com a ajuda do mundo natural, relembrando seus instintos animalescos, e a relação
com os sentidos. Ela sugere que eles toquem pedras, grama, cheirem flores,
escutem pássaros, água, abram os olhos para as belezas naturais, as cores, formas,
e imagens a sua volta.
Farrelly-Hansen
(2001)
acredita
que
nossa
conexão com a terra reflete a nossa criatividade, então, é
importante conseguir se sujar com a terra ou a argila, ou
fazer pinturas que são caóticas ou feias. Nossa cultura
limita o contato com a natureza desde que somos bebê, e
as pessoas acabam não se sentindo mais vivas.
Figura 41 - Foto.
50
A autora escreve sobre sua própria experiência de se sentir mais plena e
calma depois de desenhar ao vivo na natureza, ao sentir uma gratidão pelo mundo
natural, um interesse maior e uma conexão mais forte. Ela acha importante ensinar
as pessoas a mudarem de uma postura de preocupação e introspecção para “uma
relação com algo que cresce, é vivo, e inteiro” (FARRELLY-HANSEN, 2001, p. 147)
(tradução nossa). O desenho ao vivo na natureza, por si só aumenta a consciência
49
50
Autor desconhecido. Disponível em: <http://gaiabrasil.wordpress.com/produtos/projetos/>. Acesso em: 02 abr. de 2010.
Disponível em: <http://www.treehugger.com/files/2008/01/got_organic.php<. Acesso em: 02 abr. de 2010.
72
sensória, a conexão entre a natureza interna e externa, e a relação com a força vital
da natureza.
O desenho também traz a pessoa para o momento presente, aquieta a mente
e aumenta o nível de “awareness” entre ela e o mundo, como uma meditação. Ela
usa técnicas de desenho que são propícios para isto, como o zen drawing, de
Fredrick Frank e “Desenhando no lado direito do cérebro” de Betty Edwards.
51
Figura 42 -Desenho de uma rosa.
A falta de distração atingida pelo estado meditativo ajuda a acalmar e firmar a
mente e se estamos ao mesmo tempo atentos à natureza e seus elementos, eles
podem ajudar a equilibrar os nossos elementos internos, quando desequilibrados.
Quando temos mais contato, também nos tornamos sensíveis à possibilidade e à
beleza de manter puro, vivo e saudável o nosso meio ambiente externo.
Igual à meta do ecologista Harding, Farrely-Hansen procura acordar o amor à
natureza, perguntando se talvez hoje possamos usar nossas imaginações artísticas
para ajudar as pessoas a se re-apaixonarem com a Terra e com elas mesmas como
os guardiões.
51
Artista desconhecido.Disponível em: <http://moonshineart.blogspot.com/2007/10/rose-flower-drawing-for-sale-by-artist.html>.
Acesso em: 02 abr. de 2010.
73
3.6 Arteterapia e Comunidades Sustentáveis
A sustentabilidade, ou seja, uma vida compatível com os nossos recursos é o
que a ecologia pede para restaurar o equilíbrio no planeta. Beverley A'Court,
arteterapeuta de Findhorn, na Escócia, uma das comunidades sustentáveis e
Ecovilas mais antigas dentro da cultura ocidental, tem um blog onde reflete no papel
da Arte e da Arteterapia dentro de uma comunidade sustentável. A autora diz que
antigamente todo vilarejo escocês tinha seu próprio poeta, profeta, músico, contador
de histórias -, revelando retratos das pessoas e da terra naquele lugar, influenciando
não só mitos, mas também decisões práticas da comunidade. Em Findhorn este tipo
de sabedoria poética e visual é alimentada e escutada, mas a autora lamenta que na
maior parte da sociedade contemporânea, o racionalismo excessivo ainda domine.
Portanto, Beverley A'Court oferece uma proposta de Arteterapia comunitária
através da Internet, criando redes além de sua comunidade. A cada mês ela faz
propostas de arte e convida as pessoas a experimentarem e a compartilharem suas
experiências. As propostas exploram quem nós somos e como podemos ser mais
autênticos e verdadeiros, trazendo mais harmonia e solidariedade às nossas
comunidades e também como lidar com momentos de transição, estagnação ou
necessidade de transformação.
As suas propostas unem o corpo, a natureza e a arte, sugerindo aprofundar a
relação com a natureza deixando que a alma se inspire. Uma das propostas, no
blog, é uma exploração dos pés, incluindo não só o pé em si como a inspiração para
a arte, mas reflexões sobre sua pegada ecológica, pegada social e espiritual, a
relação com a Terra, estando enraizada - “grounded” -, ou viajando, em movimento,
explorando o diálogo do pé com você e/ou com o lugar a sua volta. O blog é aberto a
pessoas que querem relatar suas experiências.
74
Figura 43
52
Desenho de um pé sobre madeira.
Desta forma, A‟Court consegue trazer práticas que contribuem para a
sustentabilidade não só de sua comunidade, mas de comunidades em todo o
mundo, incluindo a comunidade virtual das redes criadas por seu blog. Esta proposta
aproveita o aspecto ecológico de redes, das novas tecnologias, trabalhando o
contato físico com a natureza e deixando que estas experiências permeiem pelas
redes de relacionamentos cibernéticas.53
3.7 Transdisciplinaridade
O movimento ecológico, por sua visão de redes interconectadas, incentiva
práticas transdisciplinares que se enriquecem e se potencializam entre si,
infinitamente. Assim sendo, uma união de disciplinas acontece para trazer mais
criatividade e consciência ao mundo.
52
Autor desconhecido. Disponível em: http://www.artreview.com/photo/photo/show?id=1474022%3APhoto%3A131796. Acesso
em: 24 mar. de 2010.
53
Disponível em: <http://www.findhorn.org/onlinecommunity/blogs/art_therapy_with_beverley_acou/>. Acesso em: 24 mar. de
2010.
75
Nesta convergência que busca um maior equilíbrio planetário, alguns pontos
significativos emergem:
1.
Re-conectar com as forças da natureza, internas e externas.
2.
Ter consciência que o exterior é um espelho do interior e vice-versa.
3.
Trabalhar integradamente com a arte, corpo e natureza.
4.
Desenvolver o potencial criativo.
5.
Despertar os sentidos, para maior sensibilidade às redes da vida.
6.
Criar mais “awareness” e presença no momento presente.
7.
Dar atenção à relação com a natureza, tanto domesticada quanto selvagem.
8.
Desenvolver amor à natureza e a todas as redes de relações.
9.
Desenvolvimento humano integrado: Ego, Alma e Espírito.
10.
Sair da negação: trazer consciência aos desequilíbrios ambientais e pessoais.
11.
Superar vícios disfuncionais, construir hábitos saudáveis em corpo, emoções,
mente e ação.
12.
Considerar a saúde do ser humano e planetária nas dimensões física, mental,
emocional e espiritual.
13.
Usar a arte para inspirar a construção de comunidades sustentáveis nas
dimensões ambientais, sociais, econômicas e espirituais.
Não é um rótulo para seguir, mas serve como pontos de inspiração,
iluminados por diversas experiências, culturas e teorias científicas, provenientes
desta mesma busca. Cada ponto pode ser trabalhado de inúmeras formas sendo
que o potencial criativo é a única limitação. Sejam quais forem os métodos
escolhidos, manter a chama viva da visão de interconexão entre o ser humano e a
natureza é a consciência que pode abrir caminhos.
76
4 INTERCONEXÕES ENTRE SER HUMANO E MEIO AMBIENTE EM TRÊS
PROJETOS DE ARTETERAPIA NO BRASIL
4.1 Introdução
A idéia de que uma visão de interconexão com a natureza pode permear um
trabalho terapêutico foi inserida em três projetos de Arteterapia. Cada projeto
abarcou propostas e grupos diferentes. O primeiro foi o Projeto Harmonia, que
trabalhou com crianças de 6 a 15 anos numa escola rural baiana. O segundo foi um
projeto de Educação Ambiental para estudantes universitários, usando a Arteterapia
para trazer outra dimensão além do técnico e teórico. O terceiro foi um retiro de
Arteterapia,
Yoga
e
vivências
na
natureza
num
centro
desenvolvimento humano.
4.2 Projeto Harmonia
Figura 44
Figura 45
Figura 47
Figura 48
Figura46
Figura 49
holístico
para
77
O projeto Harmonia foi realizado no litoral sul da Bahia, em uma escola rural
Antroposófica (Figuras 44 a 49). Embora a sociedade local esteja em num meio
ambiente muito rico em biodiversidade, como todos os lugares que estão sendo
inseridos na cultura ocidental consumista, o vínculo com a natureza nem sempre é
valorizado. Trabalhou-se com crianças e adolescentes de 6 a 15 anos, num total de
17 pessoas divididas em grupos de 1 a 4 pessoas, em sessões de 45 minutos a
1h30m, semanais, durante três meses.
A proposta tinha como objetivo desenvolver oficinas arteterapêuticas com
características específicas para atender as necessidades de cada grupo, escutando
primeiro os relatos e preocupações das professoras de classe sobre seus alunos. O
propósito geral foi estabelecer harmonia e contato com a natureza interna e externa,
e se descobrir como um agente criativo dentro de si mesmo e do mundo.
Foram introduzidos materiais como tintas, giz de cera e argila, e utilizados
elementos da natureza como folhas, galhos, pedras, sementes e árvores, na
construção dos trabalhos. Incluiu também recursos ligados simbolicamente à
natureza utilizando contos, músicas e histórias com movimento corporais. Três
recortes de grupos diferentes servirão como exemplos deste trabalho.
4.2.1 Grupo 1: A Árvore
Questões de timidez e insegurança emocional foram abordadas e o objetivo
focado em ajudar duas meninas de seis anos a criarem uma base interna forte e
estruturada, estimulando o contato comas forças arquetípicas da árvore.
Foi introduzido um conto tendo como personagem principal uma árvore. O
conto foi relatado embaixo de uma árvore no jardim ao lado da sala de aula (Figura
50).
78
Figura 50 – Fotografia.
O conto faz da árvore um personagem vivo e sábio que conversa com
crianças, compartilhando suas qualidades e poderes com elas. Para abrir e fechar
as sessões foi realizada uma sequência de movimentos corporais acompanhados de
uma poesia, também trazendo características terapêuticas da árvore, que terminava
com um abraço em torno do tronco da árvore. Na história, esta árvore vivia tanto no
mundo externo quanto dentro do coração de todas as crianças e lhes trazia força e
coragem.
Após escutarem a história com muita atenção, as meninas tocaram a árvore
para escutá-la melhor, verificando se ela realmente falava. Nas produções artísticas,
utilizaram giz de cera e massinha; a árvore e o coração surgiram como figuras
fortes. (Figuras 51 e 52)
79
Figura 51 - Desenho em giz de cera.
Figura 52 – Modelagem em massinha.
Esta foi uma proposta mobilizadora, pois se relacionar e se conectar com a
árvore trazia calma e foco ao comportamento das crianças quando elas chegavam
muito agitadas, ou antes de irem embora, ou ainda depois de uma atividade
expansiva arteterapêutica. A relação com a árvore também foi um espelho para
enxergar a abertura das duas meninas para entrar no imaginário da natureza, e a
sua relação com limites, estrutura, intimidade, segurança e afeto. Essas relações se
mostraram frágeis e pouco desenvolvidas para ambas as meninas no começo, mas,
ao longo do processo, foram ganhando força, impacto, vida e muito mais contato.
A proposta de criar uma base e uma estrutura interna maior, e um ambiente
de contenção para a terapia foi mobilizado pelas atividades em torno da árvore. O
contato sensório e afetivo foi especialmente estimulado, propiciando a experiência
profunda da árvore, que de acordo com o dicionário de símbolos é o “firme
sustentáculo do universo, elo de ligação [sic] de todas as coisas, suporte de toda
terra habitada” (CHEVALIER, 1982, p. 85).
4.2.2 Grupo 3B- Contato
Os encontros foram realizados com dois meninos de 8 e 9 anos que têm
dificuldade em se concentrarem; pois são dispersos e muito agitados. O objetivo
focou desenvolver a capacidade de “mais contato” por meio de jogos que
envolvessem a natureza e estimulassem os sentidos, com uma subsequente
elaboração expressiva em Oficina Criativa® (ALLESSANDRINI, 2004), em resposta
à dispersão e à falta de interesse.
80
Penso que a maioria das crianças considerada necessitada de ajuda possui
uma coisa em comum: alguma deficiência em suas funções de contato. Os
instrumentos de contato são olhar, falar, tocar, escutar, mover-se, cheirar e
sentir o gosto. Crianças com problemas são incapazes de fazer bom uso de
uma ou mais de suas funções de contato ao se relacionarem com os
adultos de suas vidas, com outras crianças ou com o ambiente em geral. A
forma como fazemos uso de nossas funções de contato evidencia a força
ou fraqueza relativa que sentimos. (OAKLANDER, 1980, p. 73).
Figura 53 – Fotografia.
A proposta arteterapêutica incluiu:
1) Usar vendas para tocar e cheirar folhas, identificando-as e depois encontrando-as
no jardim;
2) Gravura com giz de cera usando as mesmas folhas;
3) Jogo de escuta e competição com os sons da natureza;
4) Movimentos corporais imaginando-se como sendo uma árvore – “personificação
da árvore” (CORNELL, 1998);
5) Pintura, com tinta e folhas, inspirada no tema árvore.
Os meninos chegavam muito agitados e dispersos, mas ao longo do trabalho
conseguiam trazer mais foco às atividades, prestando atenção às instruções. O
estímulo dos sentidos pela natureza e a arte, junto ao desafio dos jogos em quase
todas as atividades acordou o interesse imediato dos meninos. Pode-se dizer que
normalmente os meninos têm dificuldade em fazer uso de suas funções de contato.
Contudo, as atividades estimularam intensamente os sentidos, utilizando tato, sons,
cores, formas, texturas, movimento corporal e imaginação, e conseguiram despertar
a função adormecida do contato proporcionando que fizessem um uso construtivo
desta função.
81
Figura 54 – Colagem, giz de cera, “glitter” e cola.
Os dois meninos gostaram de sentir e naturalmente cheirar as folhas. Quando
passaram giz de cera para fazer gravuras das folhas, se encantaram em descobrir
as linhas e formas que apareciam, trabalhando com as texturas que davam
liberdade à experimentação e à criatividade. Depois recortaram e fizeram uma
colagem acrescentando “glitter”. Nesta atividade não só o interesse foi estimulado
como também a confiança na expressão artística. (Figura 54 acima).
Figura 55 – Fotografia
Na personificação da árvore (Figura 55 acima), foi realizada uma visualização
em pé do lado de fora da sala de aula. Imaginando-se como uma árvore, deviam
passar por todas as suas partes, incluindo as raízes, o tronco, galhos até as folhas.
Seus braços eram os galhos e tinham que se manterem firmes ao mesmo tempo em
que moviam com o vento e expandiam para crescer e criar folhas. Tiveram
dificuldade inicialmente em ficar com os pés quietos no chão e, portanto em entrar
em contato com as sensações do próprio corpo ao personificar a árvore. Foi um
exercício de se manterem quietos, atentos à postura corporal, escutando uma
82
história, usando a imaginação e os sentidos, com mais quietude do que nos jogos
anteriores, o que foi um grande desafio.
Exploraram, em seguida, a tinta no papel espontaneamente, de uma forma
sensória, o que acabou por revelar a força caótica da natureza dentro deles, se
expressando tanto no papel quanto no comportamento. (Figura 56)
Figura 56 – Pintura em tinta guache sobre papel canson.
No encontro seguinte, fizeram outra vez a personificação da árvore, voltando
para acabar a mesma pintura anterior, que a terapeuta descreveu como o solo
preparado para a árvore. As pinturas/colagens (Figuras 57 a 60) que anteriormente
demonstraram um caos visual acompanhados por um comportamento frenético,
agora foram trabalhadas e aprofundadas, ressignificando conteúdos simbólicos com
um novo interesse e foco nos pequenos detalhes.
Figura 57
Figura 58
Pinturas e colagens de folhas e flores secas (naturais e tingidas) e tinta acrílica em papel canson.
83
Figura 59
Figura 60
O incentivo para a experimentação e livre expressão na arte parece ter
fortalecido a confiança e a autoestima na exploração das funções de contato. O
tema “árvore” oferecendo mais equilíbrio, eixo, estrutura e expansão (raízes, tronco,
galhos e folhas), e aplicado ao nível corporal em postura e movimento foi refletido no
comportamento e engajamento dos meninos para com o processo arteterapêutico.
Estimular a atenção para fora, para um mundo rico em sons e texturas, tanto
pela arte como pela natureza, funcionou como uma forma de se conectar e conhecer
mais a natureza ao seu redor acordando aspectos de sua natureza interna,
possibilitando um aumento do fluxo criativo que através da arte e do corpo encontrou
um canal para se manifestar.
4.2.3 Grupo 3: o mundo mágico, visível e invisível
Para o grupo 3, em resposta a carências emocionais de vários alunos, o
objetivo foi propiciar um espaço invisível, sagrado, dentro da natureza (visível e
invisível), resgatar as forças da natureza e conectar-se com a realização da alma.
Detalhamos aqui o processo de “E” uma menina de 10 anos, bem tímida e
calada. Expressava-se pouco verbalmente, mas ao mesmo tempo mostrava
disposição para a expressão através da arte. Na atividade de desenhar, que tinha a
proposta de mostrar algo de que ela gostasse, “E” se desenhou lavando pratos
dentro de sua casa e suas irmãs brincando lá fora. Numa tentativa de fazer outro
84
desenho onde ela também estivesse brincando fora da casa, ela se representou do
lado de fora, mas outra vez lavando pratos. (Figura 61).
Figura 61 – Desenho em giz de cera.
A partir do segundo encontro, uma música sobre o mundo mágico, e uma
simples dança circular foi introduzido para abrir e fechar as sessões. “E” representou
este mundo mágico num desenho com vários elementos da natureza que foram
cobertos com glitter, o “elemento mágico”. Ela também achou sua própria vara no
bosque e a pintou adicionando no final um risco de tinta brilhante ao longo da vara.
(Figura 62)
Figura 62 – Galho (vara) pintado com tinta acrílica.
A intenção das varas (Figura 63) era criar um instrumento de poder pessoal
que vinha da natureza para assegurar a entrada no mundo mágico onde todos os
recursos internos poderiam ser encontrados, e a força da natureza acompanharia. A
vara, junto à música e à dança circular, assegurava esta entrada.
85
Figura 63 – Galhos (varas) pintados com tinta acrílica.
Instrumentos musicais.
Num círculo onde se compartilhou o que havia no mundo mágico de cada um
do grupo, “E” foi inicialmente tímida e não conseguia pensar em nada para falar. Ela
copiou a sugestão de outra participante ao dizer que seu mundo seria cheio de
chocolate. Ficou quieta enquanto a outra aluna reclamava que não poderia copiar.
Na representação deste conteúdo com argila e pintura (Figura 64), ela fez
várias peças de balas, chocolates e pirulitos, e se mostrou cada vez mais feliz e
mais solta diante da terapeuta e do grupo.
Figura 64 – Modelagem de argila
pintado com tinta acrílica.
Ao transformar a argila em chocolates e balas “E” resgatou o direito de ter e
poder cumprir seus desejos. O que ela sentia falta na vida pôde ser transformado
em abundância ao modelar o barro, e ela pôde perceber seus poderes de criação,
86
usando a matéria prima da Terra. Numa atividade de aquarela (Figura 65), ela fez
um retrato da expansão e determinação que vinha de seu âmago. Algo que se
expressou tanto na própria pintura quanto no seu comportamento corporal. Ela
tomou a iniciativa de fazer a pintura no chão e diferente dos outros fez uma pintura
abstrata, ainda rasgando papel de seda para acrescentar uma colagem de traços
fortes.
Figura 65 – Aquarela, papel de seda e
cola sobre papel canson.
Numa atividade de representar animais preferidos, “E” escolheu o urso, para a
confecção da máscara.
A sua confiança ao fazer a máscara do urso mostrou como ela tinha
realmente se apropriado do contato com sua alma e seu poder pessoal, a ponto de
se apresentar sem a timidez que a acompanhava no começo. Esta atividade foi uma
oportunidade de se unir com mais uma força da natureza, através do corpo,
sentimentos e imaginação. A cor rosa, as formas redondas e a expressão meiga
revelaram um urso carinhoso, mas com traços fortes e nítidos.
87
Figura 66 – Máscara de feltro e papelão.
Ao longo das sessões “E” revelou que estava passando por transformações
evidentes: de se ver lavando pratos passou a se ver como uma menina que
conseguia permitir-se sentir e saber quais eram os sonhos de sua alma, de sua
verdadeira natureza. Além disso, ela conseguiu realizar e concretizar estes sonhos.
O “mundo mágico” que incluía o espaço físico e psíquico, o grupo e os
materiais, serviu como um “container” terapêutico para explorar vários temas e, ao
mesmo tempo, fez a ponte entre o mundo visível e invisível, real e fantasia, até que
os dois, através da arte e da natureza, se misturaram.
4.2.4 Conclusão do Projeto Harmonia
O trabalho arteterapêutico usando o contato com a natureza em vários níveis
foi uma ferramenta muito eficaz trabalhando questões comportamentais, autoestima,
sentimentos, criatividade, estrutura e acordando ao mesmo tempo uma nova relação
com o meio ambiente e a natureza simbólica e sensorial.
Constataram-se,
claramente,
vários
níveis
de
atuação
no
processo
terapêutico com a natureza e a arte. Através dos sentidos foi estimulado o foco e
interesse, acordando para a vida e si mesmo – trazendo a força vital de saúde e
autorregulação, e aprofundando a relação direta com a natureza (materiais
88
expressivos e natureza viva). Através de símbolos da natureza (ao vivo e em
histórias), foram oferecidos recursos que fortalecem e dão estrutura e suporte a
questões difíceis e frágeis. A criatividade que surgiu da natureza acordada e viva de
cada um facilitou transformações, liberando a expressão autêntica.
4.3 Projeto: Água, Arteterapia e Tecnologia Ecológica
Figura 67 – Desenho em caneta sobre
fotocópia de fotografia, em papel sulfite.
Este projeto aconteceu em parceria com um grupo de Educação Ambiental
que organiza cursos de Permacultura e tecnologias ecológicas. A Arteterapia entrou
como um recurso que pode resgatarconexões pessoais e criativas entre o homem e
o meio ambiente, para abrir novas dimensões num curso teórico e técnico de
engenharia ambiental. O objetivo foi aprofundar a experiência vivencial da ecologia.
A forma que isto aconteceu foi fazer uma ponte entre os processos químicos e
biológicos do tratamento de água da fossa e os processos emocionais, mentais e
espirituais do ser humano. Foi considerado importante vivenciar a interconexão entre
o elemento água do meio ambiente externo e o elemento água – interno- dentro do
próprio corpo, mente e espírito.
O processo arteterapêutico foi composto por quatro partes:
1) Visualização: deitados se imaginado como fazendo parte do ciclo da água e
seguindo toda a sua trajetória desde o céu até a casa e a fossa.
89
2) Dança: entrar em contato com a água interna do corpo e as vibrações emocionais
e mentais que a água está carregando. Perceber as “poluições” internas, emocionais
e mentais e dançar para transformá-las através da expressão corporal, deixando a
fluidez da água interna abrir caminhos novos filtrar os poluentes e finalmente se
purificar.
3) Desenho e escrita: representar a experiência no papel e escrever frases ou
palavras.
4) Diálogo: reflexões sobre todas as atividades.
5) Mandalas de água: Ficaram à disposição, fotocópias de fotografias de moléculas
de água, de Masaru Emoto, para serem coloridas em qualquer momento livre.
Os alunos se entregaram com bastante entusiasmo e foco em todas as
atividades mesmo comentando que nunca tinham experienciado nada semelhante e
tinham pouca confiança em se expressarem artisticamente.
Na dança cada um se expressou com muito vigor, concentração,
individualidade e expansão, tentando representar através
de movimentos,
transformações internas. Foi pedido que ficassem de olhos fechados, fazendo com
que os movimentos e a expressão de cada um não fossem muito influenciados pelos
outros participantes e a vergonha fosse minimizada.
Os desenhos revelaram tanto a experiência da visualização do ciclo da água
(Figura 68), quanto a transformação através da dança (Figura 69).
Figura 68 – Desenho em caneta sobre papel sulfite.
90
Figura 69- Desenho em caneta sobre papel sulfite.
Um dos desenhos (Figura 70) contém palavras que misturam conteúdos
pessoais e sociais, como desigualdade, egoísmo, amor incondicional e compaixão.
A ilustração dessas palavras demonstra bastante movimento e ênfase. O
compartilhamento revelou que isto representava a experiência da transformação de
toxinas (emoções e estados mentais negativos) em qualidades positivas (qualidades
pessoais e sociais saudáveis e sustentáveis.
Figura 70- Desenho e texto em caneta
sobre papel sulfite.
91
Todos relataram que a experiência durante a visualização lhes trouxe uma
sensação de estarem intimamente interconectados com toda a vida, sendo que a
mesma água que lhes permeava o corpo permeava o lençol freático e a fossa da
casa. Disseram que o sentimento era de total comunhão e responsabilidade tanto
pelos elementos externos, como pela interação humana, como pelos elementos
internos influenciados por estados mentais e emocionais. Sentiram que dar atenção
aos seus estados emocionais e perceber a interconexão entre todos os elementos,
deixou-os mais sensíveis para enxergar a importância do próprio trabalho de cuidar
e limpar biologicamente a água de uma fossa.
Cada um, através da Arteterapia, chegou à experiência visceral e à
consciência de que todos nós somos compostos pelos mesmos elementos que
estão no meio-ambiente. Esta consciência trouxe um sentimento de profundo
contato, amor e respeito por toda a vida.
“Eu tenho a mesma água dentro de mim que existe no meu meio-ambiente, e
é tão importante e bom cuidar da água dentro de mim (emoções e pensamentos),
como cuidar bem da água fora”
Para um curso de educação ambiental de engenheiros, que normalmente se
concentram via uma aprendizagem racional e científica, este processo foi uma
revelação, devido à abertura que tiveram para um trabalho arteterapêutico junto a
um curso técnico.
O processo como um todo mostrou que a Arteterapia contribuiu positivamente
para um curso técnico de educação ambiental, potencializando a aprendizagem do
conteúdo com sua metodologia vivencial. Ela acrescentou uma dimensão artística,
pessoal e social, fortalecendo a consciência de interconexão entre o ser humano
com seu meio ambiente. Uma ligação foi estabelecida entre o trabalho de
autodesenvolvimento pessoal e o tratamento de toxinas no meio ambiente. Com isto
todos se conectaram com o sentido mais profundo do trabalho técnico que estavam
executando, trazendo mais força, vitalidade e motivação para o curso.
92
4.4 PROJETO: Retiro de Arte, Yoga e Vivências na Natureza
Figura 71
Figura 74
Figura 72
Figura 75
Figura73
Figura 76
Um grupo de mulheres entre 18 e 35 anos, todas com pouca experiência
artística, participaram de um retiro de sete dias em que a Arteterapia teve como
objetivo explorar a conexão entre as emoções, a criatividade e a natureza, fazendo
uma ponte entre elementos internos (emoções e recursos internos) e elementos
externos, como terra, água, fogo, ar, som, visão e luz. (Figuras 71 a 76 acima)
O sétimo dia teve o enfoque na relação entre o elemento de luz e a
espiritualidade (sétimo chakra), com o objetivo de sintonizar a força vital interna e a
força vital da natureza, expressando e intensificando isto através da arte.
93
Figura 77 – Fotografia.
Um grupo de quatro mulheres participou de uma vivência de pintura. Através
de uma visualização criativa, foi estimulado o contato com uma luz branca
simbolizando a força vital que nos permeia e a toda a natureza. Com um pincel na
mão e um grande papel kraft (1,50mx 1,50m) no meio de todos, foi proposto
visualizar a luz branca descendo pelo topo da cabeça até a mão, permeando e
guiando o pincel numa pintura livre, em silêncio.
A cada meia hora, os quatro participantes (mulheres entre 15 e 35 anos)
trocavam de lugares. Assim, alternaram-se durante quatro horas em volta da pintura.
Depois de cada mudança havia uma breve visualização se re-conectando com a luz
branca para recomeçar a pintura.
Cada uma manteve contato e concentração durante a pintura. Do começo ao
final havia uma sincronicidade de movimentos, formas e cores, que se revelavam
visivelmente, mesmo que cada pessoa se expressasse de uma forma individual
também, ou seja, um grupo em sintonia. Havia um círculo pequeno (10 cm) no
centro dafolha, que se tornou o ponto central da pintura.
As atividades arteterapêuticas desenvolvidas nos dias anteriores, que
exploraram intensamente os vários elementos da natureza (terra, água, fogo e ar) se
revelaram na pintura (Figura 78 e 79) sem nenhum acordo prévio entre os
participantes. Durante as quatro horas de pintura não houve comunicação verbal ou
através de olhares; o que surgiu foram várias imagens dos elementos da natureza,
inclusive a luz branca que estava sendo visualizada a cada pausa. Todas
94
comentaram, no final, que sentiram um contato profundo com uma força que vinha
além delas e se expressava através delas, sem controle consciente das imagens
que surgiam na pintura. Ou seja, sentiram a força criativa universal.
Figura 78 – Um círculo pequeno (10 cm) no centro dafolha,
se tornou o ponto central da pintura realizada sobre papel kraft.
A visualização, o silenciar da mente racional e a descentralização do ego,
preparados por vários dias de contato anteriores, foi suficiente para apoiar uma
atividade na qual todas estavam abertas à criatividade, do seu espírito, da natureza
interna e externa, do indivíduo, grupo e universo. Uma união criativa entre o grupo e
os elementos fica explícita na imagem criada e na experiência de cada um. (Figura
79).
A força vital de cada indivíduo é alimentada pela sintonia com a força
universal. Esta oficina trouxe esta sintonia, e a intensificação dela através da
expressão artística. Mais uma vez ficou claro que é possível através de trabalhos
com a arte e a natureza entrar em contato com nós mesmos e o mundo visível e
invisível.
95
Figura 79 - Pintura em acrílico e guache sobre papel kraft.
Os sentimentos que surgiram através de aprofundar a inter-relação com a
natureza, na arte, foram paz interna, amor e inspiração e a consciência de uma troca
constante de dar e receber.
96
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS - A ARTETERAPIA, A NATUREZA E O NOVO
PARADIGMA
Os três projetos pesquisados tiveram impacto de diferentes maneiras nos
indivíduos, grupos, e suas relações com o meio-ambiente. Praticar a Arteterapia com
uma visão de interconexão entre o ser humano e a natureza não só se torna
essencial devido ao novo paradigma sistêmico, mas também acrescenta inúmeros
recursos.
Fica claro que existe uma relação recíproca e totalmente interconectada entre
a Arteterapia e a natureza. A natureza, por várias formas, pode auxiliar os processos
de desenvolvimento pessoal, enquanto o processo de desenvolvimento pessoal por
meio da Arteterapia pode também auxiliar o ser humano a viver com mais
consciência da sua relação com a natureza. Um alimenta o outro.
O contato com a natureza externa alimenta o contato com a natureza interna
e vice-versa. Sabendo que a alma do ser humano e da Terra são intera ligadas e
estão sujeitas aos mesmos ritmos, a Arteterapia leva a um alinhamento com a força
vital, com o ritmo criativo e o ritmo da natureza. Propostas que trazem um maior
contato sensorial e simbólico com a natureza, aumentam as pontes que começaram
a ser construídas desde o início da profissão da Arteterapia, para re-construir a
relação do ser humano com a alma e a natureza, potencializando os efeitos
terapêuticos da Arteterapia.
Aprofundar esta relação é considerado importante tanto para a saúde do ser
humano quanto do planeta. Mesmo que a Arteterapia tenha como foco a saúde do
ser humano, já foi estudado como esta saúde e vários desequilíbrios estão
intrinsecamente interconectados com todo o meio social e ambiental. Portanto não
podemos ter dúvidas que levar em consideração o meio ambiente, faz parte do
trabalho arteterapêutico.
Rust, arteterapeuta e analista Jungiana, tem uma visão muito simples de que
o trabalho terapêutico tem como propósito desenvolver a compaixão por nós
mesmos e nosso meio, e portanto, a demonstração verdadeira de saúde mental é,
97
“nossa capacidade de considerar o que é melhor para o „todo‟, dentro de qualquer
situação” (RUST, 2004) (tradução nossa).54
A consciência ecológica, de que tudo é intrinsecamente interligado, desperta
no interior e se manifesta no exterior. A Arteterapia faz parte deste movimento de
consciência da humanidade. A consciência inclui fortalecer vários aspectos do ser
humano e de sua relação consigo mesmo e com a natureza. Várias disciplinas
descrevem isto de formas diferentes, mas pode-se dizer que todas têm em comum
uma cura integral, que abrange desde aspectos mais individuais até a capacidade
de expansão mais universal. Incluem de certa forma o desenvolvimento do ego
funcional, a realização da alma e a transcendência espiritual, levando à experiência
da verdadeira interdependência planetária, onde se descobre que a Terra respira
junto a cada respiração sua.
Mas como isto pode ajudar a assegurar a saúde de um organismo tão grande
que inclui a nós mesmos? Tecer continuamente o contato com a natureza dentro do
processo de autodesenvolvimento faz com que as redes de relações com a natureza
apareçam, ganhem vida, se curem, e a consciência ecológica se concretize cada
vez mais. A Arteterapia desperta e manifesta essas redes através de vivências e
produções artísticas. Ajuda a trazer entusiasmo e um sentido profundo para o
processo de re-equilibrar a saúde sistêmica. Cuidar da nossa saúde e do nosso lar
simultaneamente, pode se tornar algo imensamente inspirador e totalmente natural.
A prática da ação criativa possibilita uma nova construção de vida, facilitando o
processo de ser um agente transformador no mundo interno e externo.
Talvez não seja por acaso que a ciência esteja alcançando uma compreensão
da alma universal justamente neste momento. O ser humano pode usufruir de uma
situação crítica para abraçar um novo paradigma.
Estamos agora achando formas de re-estabelecer a saúde da terra, mesmo
que muitos dizem que seja tarde demais. De qualquer jeito o caminho está sendo
trilhado e uma nova e antiga mentalidade re-nascendo. Nesta re-conexão com a
natureza muitos dizem que vamos encontrar o apoio psíquico necessário para
participar de uma forma saudável da vida na Terra e no grande cosmos.
54
Paginação irregular.
98
A Arteterapia, na sua diversidade e flexibilidade de trabalho, consegue abrir
caminhos novos, tanto individuais como coletivos, para que cada alma possa se reconectar, acordando a criatividade única e ao mesmo tempo universal de indivíduos,
grupos e da Terra. Trabalhar a relação com a natureza, curando suas feridas e
estabelecendo harmonia, se torna tão importante quanto em qualquer outra relação.
Honrando, respeitando e alimentando suas redes de relações, a comunidade
humana ganha mais força e saúde para si mesmo e para preservar as riquezas do
planeta, tornando sustentável a sua jornada aqui na Terra.
99
Figura80
55
“Eu e a Terra”
„A Mãe Terra. Acolhedora, provedora, cuidadora, dentro e fora de mim, finalmente eu
a encontrei. A imaginação solta que foi atrás dela, que me deixou sentir, realmente
sentir. Qual é este buraco que sinto?
É meu….seu….nosso? Mas ela me resgata, me traz a força, nutrição e abundância
das profundezas do seu calor. Que presentes! Maravilhas, que preenchem! A
gratidão é infinita e o amor neste encontro é curador!‟
(Daniela Amaral, 2009)
55
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