UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ DEPARTAMENTO DE
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ DEPARTAMENTO DE
1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DOMÉSTICA e NÚCLEO CEARENSE DE ESTUDOS E PESQUISAS SOBREA CRIANÇA (NUCEPEC/UFC) Infâncias e Ser Criança: Significações no Universo das Canções de Chico Buarque Relatório Final de Pesquisa Ana Maria Monte Coelho Frota – [email protected] Ângela de Alencar Araripe Pinheiro – [email protected] Laisa Forte Cavalcante – [email protected] Mateus Frota Freire – [email protected] Rita Cláudia Aguiar Barbosa – [email protected] Fortaleza (CE), 2015 2 Sumário: Resumo .............................................................................................................. p. 3 Primeira Estrofe ............................................................................................ p. 4 O Artista Renomado, Admirado, Versátil, Objeto de Estudo – Chico do Brasil .................................................................................... p. 8 Segunda Estrofe: Nosso Percurso e como Trabalhamos Nossos Instrumentos ....................................................................................... p. 12 Terceira Estrofe - Uma Obra que Vem Atravessando o Tempo, Um Artista que Vem Vivendo o seu Tempo ................................................................................. p. 14 Categoria Momentos da Vida: Criança, Adolescente, Adulto e Velho .............. p. 15 Categoria Cuidados e Descuidos ......................................................................... p. 24 Categoria Brincadeira: Como Brincam os Pequenos Chicos?........................... p. 43 Categoria Características da Infância .............................................................. p. 52 Categoria Infâncias ............................................................................................. p. 60 Considerações Finais .......................................................................................... p. 75 Referências ......................................................................................................... p. 79 Lista de Músicas do Chico Buarque Relacionadas à Infância .......................... 87 p. 3 Resumo As expressões artísticas constituem e são constituídas pelos contextos sociais e históricos. A consideração de seus conteúdos contribui para uma compreensão mais ampliada das realidades. Ademais, consideramos que infância é uma categoria social e historicamente construída. Em determinado contexto, é possível que circulem diferentes significações de infância, que podem se articular, se embater, se contrapor. Com esses pontos de partida, esta investigação foi orientada pela seguinte pergunta: Quaissignificações de infância e de ser criança podem ser encontradas nas canções de Chico Buarque de Holanda? Para abordar este questionamento, este estudo efetivou: pesquisa bibliográfica sobre arte e realidade social; infância e ser criança; escuta e reescuta do conjunto de canções de Chico Buarque, de autoria única ou em parceria, desde os anos 1960 aos anos 2000, de modo a identificar todas aquelas que, a nosso ver, contêm referências a significações de infância e ser criança. Submetemos os dados construídos à análise de conteúdo temática, emergindo as seguintes categorias: brincadeira; características da infância; cuidados e descuidos; infâncias; e momentos da vida. Na discussão das categorias, encontramos que Ser criança faz-se esperança. Ser adulto e velho, não. Ao adulto, cabe trabalho e cuidado com o outro; ao velho, desesperança, tristeza e cansaço. Em Cuidados e Descuidos, vemos como Chico busca reminiscências infantis e valorização das pessoas do povo. Na sua obra, aparecem figuras marcantes e desvalidas como o negro, o torto, o errante, os detentos. Para CB, é grande a preocupação com o cuidado voltado à criança, assim como uma denúncia ao descuido que atravessa a infância. E o sonho de uma infância cuidada, de crianças amadas, se revela, mais uma vez, nas palavras poéticas do Chico, no olhar vigilante, capaz de gestos extremos para protegê-las: Tutu-Marambá não venha mais cá/ Que a mãe da criança te manda matar– A Noiva da Cidade1. Nas músicas do Chico, emergem várias brincadeiras, brinquedos e jogos, que nos falam de uma cultura e de uma prática cultural. Em João e Maria, por exemplo, o jogo de faz-de-conta é um convite às brincadeiras de heróis, cowboys, guerra e princesa. Aparecem brinquedos como pião e 1 Em anexo colocaremos a lista das letras pesquisadas, parcerias - quando existirem, e data de criação. 4 bodoques. Em Maninha, o poeta nos fala de um tempo idílico, fantasioso e restrito um “quintal” que consegue se manter imune aos perigos da vida e à escuridão da noite. Chico Buarque não nos fala de uma infância única. Mostra-nos várias infâncias, vividas de modo tão diverso e singular quanto as sociedades e as histórias podem ser. As Características da infância são marcadas por movimentos, brincadeira, energia, transgressão, alegria. A escola, quando aparece, assume uma perspectiva negativa. Chico apresenta a criança sempre de uma forma positiva, como a inauguração de possibilidades já esgotadas para os velhos. Finalmente, em Infâncias, fica muito marcada a presença de marcação de classes, como em Construção e Pedro Pedreiro. Também gênero e sexualidade, assim como inserção social, são dimensões da categoria que denominamos Infâncias. Sem dúvidas, Chico Buarque consegue, com sua poética, fazer um retrato da sociedade brasileira. A investigação revela que, embora não sejam incluídos como temas recorrentes nas canções de Chico Buarque, infância e ser criança se fazem presentes em inúmeras composições do artista, com diversificadas significações. Palavras-Chave: Infância; Criança; Arte; Chico Buarque. Primeira Estrofe: A arte e a constituição do tecido social São incontáveis os fios que constituem o tecido social, fios que se entrelaçam, se embatem, se fortalecem, se esgarçam, em processo constante, não linear, ao longo da história e em diferentes contextos. Fios que advêm de fontes normativas as mais diversas, tais como: legislação, religião, tradições e costumes2, ciência e filosofia, mercado de consumo, cultura e arte. Diferentes concepções3, significações, visões de 2Incluímos tradições e costumes como manifestações da cultura, e por a reconhecermos, com Giddens (2010), como modos de vida partilhados por membros de uma sociedade, ou de grupos a ela pertencentes. O que abrange gama extensa de modos de estar no mundo, quanto a costumes, tradições, produções materiais e imateriais, valores, crenças, ideias. Como tal, costumes e tradições são regras, normas que se fazem fonte de regulação da vida social. 3 Deixamos claro que reconhecemos a simultaneidade de concepções sobre infância e ser criança, em um mesmo tempo e contexto histórico, e não uma sucessão de concepções (FROTA, 2007; PINHEIRO, 2006). 5 mundo e de infância, por exemplo, circulam no tecido social, através de expressões advindas dessas fontes e contribuem, sobremaneira, para a concretização de práticas e tratos sociais que são dispensados a crianças, a partir de regras, normas que grupos e instituições estabelecem, adotam. Normas e regras que se configuram e se reconfiguram ao largo da história e ao considerarmos diferentes contextos sociais (PINHEIRO, 2007; 2009). Temos como um de nossos pontos de partida que a arte é constituída e constitui a realidade em que nos inserimos, qual seja, expressões artísticas e contextos sociais e históricos mantêm mútuas influências (CÂNDIDO, 2000). Antônio Cândido (2000, p. 20-21), com diversas reflexões sobre a relação entre arte e vida social, afirma que: a arte é social em dois sentidos: depende da ação de fatores do meio, que se exprimem na obra em graus diversos de sublimação; e produz sobre os indivíduos um efeito prático, modificando a sua conduta e concepção do mundo, ou reforçando neles o sentimento de valores sociais. Cândido aponta para as influências concretas exercidas pelos fatores socioculturais nas expressões artísticas, que “marcam os quatro momentos de sua produção, pois: a) o artista, sob o impulso de uma necessidade interior, orienta-o segundo os padrões de sua época; b) escolhe certos temas; c) usa certas formas; e d) a síntese resultante age sobre o meio” (p. 21). Temos a arte como sistema simbólico próprio, que assume diversificadas expressões, ao considerarmos a sua diversidade: manifestam-se em produções nos campos da literatura4 e poesia; artes cênicas; artes plásticas; música; dança; cinema e fotografia. Dois pensamentos de Miranda (2010) contribuem para clarear nossa compreensão de arte e de suas implicações no cotidiano e na construção de nós, como seres humanos: Todos nós nascemos, biológica e espiritualmente, incompletos. A humanidade de cada um de nós se constrói na história. E as artes, de 6 forma manifesta e clara ou latente e tortuosa, parecem nos conduzir a este grande termo: superar as incompletudes e insuficiências de nossa humanidade, nos tornando cada mais humanos (p. 07) [...] Partimos do princípio de que a arte é uma linguagem e, como tal, ela não se reduz a um mero meio de comunicação entre os homens, mas é principalmente um poderoso instrumento de estruturação de sentidos do mundo. Daí a importância de se vincular a diversidade dessas linguagens a uma perspectiva comum de busca de expressão e compreensão da vida (p. 15). Prosseguindo na abordagem da relação entre arte e vida social, trazemos para o diálogo afirmação de Farias (2002), que nos permite refletir sobre a potência da arte como expressão e como instrumento de leitura da realidade: “arte é expressão em toda a sua potência – além da forma e significado da expressão que se emprega cotidianamente, além da realidade que nos é ofertada a cada dia, cujos limites se fecham antes de até onde pode ir a imaginação (p. 9).” As reflexões acima construídas, em diálogo com Cândido, Farias e Miranda, permitem-nos considerar as produções artísticas como interpretações das realidades sociais, ao mesmo tempo em que possibilitam novas interpretações, em movimentos, tensionamentos e articulações entre elas. Constituímos um grupo de investigação, que a nós interessa compreender as concepções de infância e de ser criança, que circulam em diferentes segmentos do tecido social. Em estudos anteriores, abordamos, por exemplo, concepções de infância e de ser criança que circulavam em assentamento rural de município do semiárido cearense (FROTA et al, 2013; 2014); entre crianças que participavam de atividade de pintura em instituição de entretenimento e lazer (PINHEIRO et al, 2009); concepções 4 Cândido (1995: 174) apresenta a seguinte compreensão de literatura: Chamarei de literatura, da maneira mais ampla possível, todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, chiste, até as formas mais complexas e difíceis de produção escrita das grandes civilizações. E prossegue, deixando claro o que impulsiona as produções literárias e, ao mesmo tempo, como ela se faz presente entre nós: ... a criação ficcional ou poética, que é a mola da literatura em todos os seus níveis e modalidades, está presente em cada um de nós, analfabeto ou erudito, como anedota, causo, história em quadrinhos, noticiário policial, canção popular, moda de viola, samba carnavalesco (p. 174-5). 7 de infância e de ser criança em obras literárias brasileiras e estrangeiras (PINHEIRO, 2012). Desta feita, no incomensurável conjunto de expressões artísticas – constituídas e constitutivas do tecido social, buscamos identificar e compreender significações de infância e do ser criança que circulam através de letras de música popular brasileira. É importante destacar que a música (melodia e letra) é expressão artística de larga difusão em nosso País. Em outras palavras, buscamos adentrar no universo das letras de canções da Música Popular Brasileira (MPB), que possam veicular significações sociais do ser criança e de infância. Para viabilizar esta investigação, estabelecemos como recorte o universo das letras das canções de Chico Buarque de Holanda (CB), de sua única autoria ou em parceria, bem como versões para o idioma português, efetivadas pelo compositor. O universo de suas canções foram elencadas a partir do sítio eletrônico do autor 5, incluindo tanto aquelas que compõem a discografia, como as que se encontram fora dela. A articulação feita entre a concepção de arte e as produções de Chico Buarque, construída pelo historiador Chico Alencar (2004, p. 68-69)6, contribui para as reflexões, que ora fazemos: Toda arte talvez seja isso: fragmento de um improvável futuro de ‘tanto amar’, do qual há ‘léguas a nos separar’. Humana certeza de um incerto desejo: ‘além das cortinas/são palcos azuis’. Sem a arte, como suportar a cruz aspereza da existência? (grifos no original). E, dando continuidade ao seu pensamento, afirma Alencar: “A arte de Chico (Buarque) é, seguramente, essa promessa, essa crônica utopia, esse canto lírico e 5www.chicobuarque.com.br Nossos incontáveis acessos vêm se dando desde o início de 2014, quando demos início ao processo de análise do conteúdo das letras de canções de Chico Buarque, como será detalhado mais adiante. 6 Como é possível perceber, Chico Alencar construiu seu texto fazendo uso de fragmentos de canções de Chico Buarque, tornando-o peculiar e instigante à leitura. 8 político, realista e romântico, sofisticado e popular, brasileiro e universal, ‘do que não tem governo, nem nunca terá’. Aspiração, inspiração. ‘Mais, quero mais!’” As canções de Chico Buarque de Holanda e as infâncias e as vivências do ser criança. Como o artista trata dessas dimensões da vida de todos e todas nós? Que temas se fazem mais recorrentes? Por que nossa escolha recaiu sobre essas expressões artísticas de Chico Buarque, em nossas buscas investigativas sobre significações de infância e de ser criança, nos tempos atuais no Brasil? Antes de prosseguir, parece-nos oportuno um comentário primeiro e sucinto sobre a nossa percepção das canções de Chico Buarque, sob o respaldo do que nos diz Cândido (1995, p. 179), ao considerar a produção literária, no conjunto indissociável entre conteúdo e forma, resulta em certa modalidade de conhecimento, que “enriquece a nossa percepção e a nossa visão do mundo”. O Artista Renomado, Admirado, Versátil, Objeto de Estudo – Chico do Brasil. Nossa escolha pelas canções de Chico Buarque se fundamenta em alguns critérios: respeitabilidade de que goza o artista; a importância reconhecida de sua obra; a amplitude do trabalho do artista, iniciado nos primeiros anos da década de 1960 até os dias de hoje. A propósito da arte como constitutiva e constituída da realidade, já em seu primeiro songbook, intitulado A Banda (BUARQUE DE HOLANDA, 1966), Chico, então aos 22 anos, em texto introdutório, revela a sua intenção (ou determinação) de “exprimir uma visão objetiva, quase cinematográfica do mundo que me cerca” (s/n). Quanto à presença de infâncias e ser criança nas canções de CB, apontamos que o autor termina o referido texto, assim dedicando o livro: E este livro é bem o meu samba (não samba – ritmo – mas samba no seu sentido mais largo) [grifo no original]. O samba que uma criança andou cantarolando, e que um pedreiro pendurado num andaime, mesmo assim achou de assobiar. Ora, quando é que a criança e o pedreiro vão saber deste livro? Não sei, o livro é deles. [grifos nossos] (s/n). 9 O conjunto de criações artísticas de Chico Buarque tem sido recorrentemente apontado como de elevada relevância no cenário artístico nacional e internacional. São inúmeras as referências que sobre ele encontramos, formuladas por jornalistas, biógrafos, artistas, críticos de arte, literatos. São adjetivações fartas e reveladoras do respeito que goza Chico Buarque entre tantos formadores de opinião, tanto no Brasil como em alguns outros países. Em seguida, trazemos algumas dessas referências, sabendo que longe estamos de esgotá-las. O sociólogo Antônio Cândido (2004, p. 19) destaca a integridade de CB, bem assim a variedade de suas aptidões. Aponta, ainda, que CB, como poucos, é capaz de “fundir harmoniosamente a maestria artística e a consciência social, completando um perfil de cidadão serenamente destemido e participante, sempre na linha da melhor orientação política”. Já o dramaturgo Augusto Boal (2004, p. 45), contextualizando lembranças de seu exílio em Lisboa, por conta da ditadura militar no Brasil, relembra a chegada, por intermédio de sua mãe, de uma carta de CB: trata-se de Meu Caro Amigo (letra dele e melodia de Francis Hime - 1976), letra que o dramaturgo considera a mais pura poesia épica. Para Boal, a música os fez (exilados – ele, Paulo Freire, Darcy Ribeiro e outros) ouvir um canto de esperança, e destaca a resistência de CB no Brasil, escrevendo, por exemplo, Apesar de Você e Vai Passar. As palavras de Frei Betto (2004, p. 53),jornalista e escritor, destacam três dimensões de CB como artista: compositor e intérprete, escritor e animal político. É impossível resistir a citar mais algumas de suas alusões ao artista: Sua antimensagem é um convite ao mais profundo do nosso ser, lá onde o discurso se cala e a intuição passeia de mãos dadas com sua irmã gêmea – a inteligência. (...) Abraça causas movido pela bemaventurança da fome de justiça. Fica ao lado dos oprimidos, ainda que aparentemente eles não tenham razão. (...) Chico é todo ele palavra. Esse é o seu reino, a sua mátria, a razão do seu viver. Por isso a preserva tanto. Conhece o seu valor e cuida de não desperdiçá-la. Nele também o verbo se faz carne, e música, e texto e protesto. O teólogo e escritor Leonardo Boff (2004) destaca na obra de CB “uma clara visão humanista não sem influência da cultura cristã” (p. 83), e reconhece no artista “o 10 poeta cantador engajado com as causas maiores, que têm a ver com o humanismo e o cristianismo secular”(p. 88), bem como “uma das referências fundamentais da resistência à Ditadura Militar, através de seu engajamento discreto, mas persistente” (idem). E, na obra do compositor, Boff destaca valores recorrentes ligados à tradição da solidariedade, da igualdade e da fraternidade. Apoia, sempre que solicitado, os destituídos e os pobres, os sem terra. Jamais negocia com a liberdade e, mesmo diante da escuridão, convoca a alegria de viver e preserva a utopia contra todo o cinismo e pragmatismo (p. 88). Sobre as declarações de Boff sobre CB, queremos ainda destacar uma observação deveras perspicaz: comentando sobre o conteúdo de Gente Humilde, o teólogo o desvela como a reação de quem não é povo mas é sensível, humano e solidário com essa ‘condition humaine’ no caso de Chico, Vinícius de Morais e Garoto, co-autores da letra e da música. O compositor pensa ‘em minha gente’, quer dizer, para Chico, ela existe e está aí, quando para tantos ela não só é invisível como não existe (p. 89) (grifos no original). Regina Zappa (2004, p. 107), jornalista e biógrafa de CB, traz observações sagazes sobre a alma brasileira, presente nas músicas de CB. E vice-versa.Zappa baseia sua afirmativa no conteúdo de músicas de CB. A biógrafa descreve CB como “um homem inteligente, de humor refinado e alma sensível e um atento observador na natureza humana”. Assim como Zappa, consideramos que esses atributos de CB são fundamentais para tornar peculiar a sua obra, no sentido de captar e retratar, em suas canções, a alma brasileira, em suas tão diversificadas facetas, fincadas também em tão variados contextos, país afora. Para Zappa, a invenção é uma característica marcante na sua obra [de CB]. Ele inventa a Januária na janela, o Pedro Pedreiro esperando o trem, a Iracema voando para a América, o Nicanor com mãos de marinheiro, a mãe que deixa a blusa com seu cheiro na cama do filho, a mulher que reclama baixinho no tapete atrás da porta, o operário que cai da 11 construção atrapalhando o trânsito. Quem não conhece essas pessoas? (p. 109). Gostamos especialmente dessa última afirmativa de Zappa, posto que nos remete à familiaridade das “invenções” de Chico, tanto com relação às pessoas, como às situações nas quais o compositor as insere, as contextualiza. Essa familiaridade reitera um de nossos pontos de partida: a arte constitui realidades e é por elas constituída, fonte e destino que se entrelaçam, e como! Como partes de nossos cotidianos, nós os reconhecemos nas “invenções” de CB, e nelas também nos reconhecemos! Podemos, ainda, apontar outros atributos reconhecidos em CB: o músico Aquiles Reis (2004, p. 47) reconhece-o como “fantasista de truz”; o cantor e compositor Chico César (2004, p. 49) fala da sua “bondade e retidão”, e seu “rigor estético e sua verve generosa”. O diretor de teatro Gerard Thomas (2004, p.55) qualifica CB como “um dos grandes, senão maiores poetas de todos os tempos, como um dos grandes gênios universais”. O compositor cubano Silvio Rodriguez (2004, p.59) faz afirmativa similar à de Thomas, ao afirmar que CB: “es um grand artista brasileño, latino-americano y del mundo”. Na mesma linha de declarações, Zappa (2004, p. 107) o aponta como “um dos artistas brasileiros mais importantes do nosso tempo”. O compositor Marcelo Brum-Lemos (2004, p. 57) é pródigo em adjetivações sobre CB: “carioca, futebolista, erudito, pícaro, brasileiro, romancista, romântico, político, socialista, burguês, melancólico, cronista, mundano”. De fato, salta aos nossos olhos como são diversos os atributos reconhecidos em CB, que se referem à sua forma de ser no mundo, envolvendo características pessoais, sua inserção na política e no meio artístico, sua sensibilidade com demandas as mais prementes do mundo social e histórico, como poeta do cotidiano, inteligente, com capacidade criativa da mais elevada qualidade. Chico Buarque e suas produções artísticas também vêm sendo objeto de inúmeros trabalhos no âmbito acadêmico, entre artigos, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Muitos desses trabalhos, em forma de artigos ou capítulos, compõem duas coletâneas sobre o artista e sua obra, organizadas pelo escritor e Professor Doutor da UFPB, Rinaldo de Fernandes (2004; 2013). Os Professores Doutores Adélia Bezerra 12 de Meneses e Anazildo Vasconcelos da Silva são exemplos, também, de autores de trabalhos acadêmicos sobre o artista Chico Buarque e sua obra. Há temas apontados como mais recorrentes no conteúdo das obras de Chico Buarque. Neste sentido, é por demais sugestivo o título de coletânea, organizada por Rinaldo de Fernandes (2013): “Chico Buarque: o poeta das mulheres, dos desvalidos e dos perseguidos – Ensaios sobre a mulher, o pobre e a repressão militar nas canções de Chico”. Maternidade, o marginal, o protesto, o amor também são incluídos entre as temáticas mais recorrentes em suas produções artísticas. Dos estudos por nós acessados, que fazem referência a temas abordados nas produções artísticas de CB, encontramos tão somente duas alusões a crianças e infâncias: Chico Alencar (2004, p. 67), numa construção textual utilizando trechos de canções de CB que abordam o cotidiano, inclui “as desventuras dos meninos do Brejo da Cruz, que zanzam daqui pr’acolá, dos pivetes dos sinais fechados”; e quando Zappa (2004, p. 109) inclui, entre os personagens que CB inventa, “a mãe que deixa a blusa com seu cheiro na cama do filho”. Achamos conveniente relembrar a alusão à criança e ao pedreiro (Pedro Pedreiro), que fez CB, em seu primeiro songbook, em 1966, quando ele se interroga sobre quando os dois saberão de seu livro. “Não sei, o livro é deles”, é a resposta que Chico se deu. E ficamos a nos inquietar, desassossegados, com a possibilidade de que CB traz o vigor das infâncias amadas, “bem vividas”, e também do rigor das infâncias maltratadas, violadas, desvalidas. Segunda Estrofe: Nosso percurso e como trabalhamos nossos instrumentos A Pesquisa vem sendo construída por uma equipe interdisciplinar, composta por um músico, duas Professoras, vinculadas ao Departamento de Economia Doméstica da 13 UFC7 (DED) e ao Núcleo de Estudos sobre Geração Idade e Família (NEGIF); e duas integrantes da Psicologia- UFC, vinculadas ao Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a Criança (NUCEPEC). Como já afirmamos anteriormente (CAVALCANTE et al, 2014), trata-se de um estudo qualitativo, exploratório e documental.Trabalhamos com a análise do acervo musical de Chico Buarque. Toda a sua produção de letras de música foi analisada, entre os anos 1960 e anos 2000, através da consulta e pesquisa em seu site oficial. As letras foram estudadas, escutadas e reescutadas, sendo selecionadas aquelas que fazem alusões diretas e ou indiretas à criança e à infância. A partir daí, trabalhamos em diálogo com autores que estudam a obra de Chico, bem como com aqueles que abordam as categorias que emergiram do conteúdo das músicas analisadas. Os dados construídos foram submetidos a processo de análise de conteúdo temático, durante o qual emergiram as seguintes categorias: Brincadeira; Infâncias; Cuidados e Descuidos; Características da Infância; e Momentos da Vida. Cada uma delas será devidamente explorada ao longo do texto. No decorrer da pesquisa, dialogamos com teóricos da sociologia da infância, psicologia do desenvolvimento, filosofia da infância, estudiosos da arte, considerando concepções de infância e criança, como as identificadas nas letras das músicas de CB. Buscamos orientação na diversa quantidade de trabalhos acadêmicos e ensaios já concretizados que analisam a obra de Chico Buarque, como as publicações “Chico Buarque do Brasil” e “Chico Buarque, o Poeta das Mulheres, dos Desvalidos e dos Perseguidos”, ambas sob a organização de Rinaldo Fernandes; textos acadêmicos de Luciano Cavalcanti (2009), Cynthia Ciarallo (2009), Adélia Bezerra de Meneses (2013) Igor Fagundes (2013); biografias do autor, de autoria de Regina Zappa (2004) e Fernando de Barros e Silva (2004). 7 O NEGIF é um núcleo vinculado ao Departamento de Economia Doméstica da UFC, que tem como objetivos desenvolver projetos de pesquisa e extensão relativos à Família, idade e gênero em atendimento a demandas da comunidade; além de promover debates e discussões acadêmicas nesse âmbito. Sítio Eletrônico <http://www.economiadomestica.ufc.br/negif.html> acesso em 17 de junho de 2015. O NUCEPEC é um programa de extensão da UFC e é pioneiro na Região Nordeste e entre as Universidades Públicas na Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes no Brasil. Sítio Eletrônico <http://nucepec.webnode.com/sobre-nos/> acesso em 17 de junho de 2015. 14 Pudemos adentrar também em estudos sobre arte, estética, cultura e música popular brasileira; além de contribuições de ciências sobre novos olhares voltados para a infância. Estabelecemos diálogo com vários autores, de forma destacada com Jorge Coli, Marc Jimenez, Antônio Cândido, Octávio Paz, Michel de Certeau, Dilmar Miranda, Clarice Cohn, Walter Kohan, Manuel Sarmento. Em análise de conteúdo que permita o tratamento de dados advindos de canções, consideramos estudos e ideias de Bardin (2009), Minayo(2001), Pinheiro (2006), Pinheiro et al (2009); Frota et al (2013). Durante todo o desenvolvimento da nossa investigação, acompanha-nos um questionamento central: Quais significações sociais explícitas e implícitas, relacionadas ao ser criança e à infância, são refletidas na obra musical de Chico Buarque de Holanda? Concomitante a esses estudos e análises, fizemos entrevistas e conversamos com estudiosos e Professores da UFC. Dilmar Miranda8, estudioso de arte e música popular brasileira, com o qual discutimos sobre arte e música popular brasileira; Nelson Costa, estudioso da obra musical de Chico Buarque; e Consiglia Latorre, que nos compartilhou vivências musicais com Chico Buarque. Terceira Estrofe - Uma Obra que Vem Atravessando o Tempo, Um Artista que Vem Vivendo o seu Tempo. É na década de 1960 que CB inicia a produção artística. Já são, assim, mais de 40 anos de profícua criação, no âmbito de melodias e letras de música, peças teatrais e romances. Em nosso estudo, como dito anteriormente, escutamos as suas canções desde a década de 1960 até os anos 2000. Embora houvesse poucos indícios de que Chico abordasse a temática da infância em sua obra, para nossa surpresa encontramos uma 8Dilmar Miranda é professor associado do Instituto de Cultura e Arte da Universidade Federal do Ceará, responsável pela área de Estética Filosófica e Estética Musical, atuando principalmente nos seguintes temas: música, cultura, arte e modernidade. Nelson Costa é Professor Associado do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal do Ceará. Consiglia Latorre é Coordenadora do Curso de Licenciatura em Música do Instituto de Cultura e Arte - ICA, da Universidade Federal do Ceará- UFC. 15 diversidade enorme de canções que tratam sobre a criança e a infância em diversas representações. Fizemos uma primeira pré-seleção das canções de Chico, consultando as letras em seu sítio oficial e escutando-as por intermédio do sítio de audiovisuais conhecido como youtube, assim como em discos, em interpretações que contassem com a participação do compositor. Posteriormente, reescutamos as músicas já pré-selecionadas para uma reverificação das nossas escolhas. Dessa forma pudemos ter um segundo olhar sobre as músicas. Encontramos na década de 1960, 15 canções contendo algum tipo de representação da infância. A década de 1970 se apresenta como tendo o maior acervo de letras de músicas que tratem, implícita ou explicitamente, sobre o tema de nossa investigação, contendo 26 canções. Na década de 1980, identificamos 12 canções nas quais aparece alguma alusão à criança e infância. Já a década de 1990 revelou um número pequeno de letras de músicas com alusão ao tema pesquisado: selecionamos somente 02 letras de canções. Finalmente, nos anos 2000, aparecem 03 canções que abordam o ser criança e a infância. Indagamo-nos de que modo o contexto efervescente dos anos 1960 a 1980, marcados por grande convulsão social e política, possa ter contribuído para o delineamento desta realidade. Parece existir uma relação direta e clara entre a realidade social e as letras das musicas. Pivete, que se configura numa clara denúncia social, data de 1978. O Meu Guri, que também retrata e exclusão e uma dura realidade de crianças em conflito com a lei, foi criada em 1981. Finalmente, à guisa de exemplificação, Brejo da Cruz, de 1984, também é emblemática como denúncia de descuido e privação existentes na infância. A seguir, passamos a apresentar a análise das letras das músicas já em categorias, como falado anteriormente. Categoria Momentos da vida: criança, adolescente, adulto e velho. Uma discussão muito presente na contemporaneidade refere-se ao conceito de infância, que se desdobra na sua compreensão como um vir a ser e um devir. Enquanto para a tradição, a infância é uma fase da vida que se caracteriza pela incompletude e falta, que descreve a criança como um projeto de um vir-a-ser; para a filosofia da 16 diferença, a infância é compreendida como um devir, um acontecimento aberto ao inesperado (KOHAN, 2014). Para a Psicologia do Desenvolvimento, por muito tempo, as idades da vida eram marcadas pelo tempo cronológico ou transformações fisiológicas. No entanto, uma crítica é feita a esse pensamento: “a linearidade do tempo cronológico autoriza uma compreensão da infância que lhe atribui uma qualidade de menoridade e, consequentemente, sua relativa desqualificação como estado transitório, inacabado e imperfeito” (JOBIM e SOUZA, 1997, p. 44). Para Jardim (2002), a idéia da criança como um vir a ser, elimina a possibilidade de multiplicidade, pois pressupõe um modelo a ser seguido e completado, diferentemente do devir. Assim, o-vir-a-ser já é determinado antes de ser e encontra-se inscrito aprioristicamente. Neste rumo é que a Psicologia do Desenvolvimento tem, predominantemente, caminhado, pelo menos até os anos 1980. Já o devir sugere um percurso atravessado por encontros e desencontros, por acasos. Teorias da Psicologia têm questionado o dogma da infância caracterizada somente a partir de uma compreensão biologicista e universal, negando essa determinação. Pino (2005), por exemplo, considera que “na medida em que as ações da criança vão recebendo as significações que lhe dão o Outro [...] ela vai incorporando a cultura que a constitui como um ser cultural, ou seja, um ser humano” (p. 66). Assim, estudiosos da Psicologia do Desenvolvimento têm buscado pensar o homem como um ser no qual as dimensões cultural, histórica e biológica são mescladas e, como tal, impossíveis de serem negadas. Isso é um passo importante, mas ainda há muito a ser feito, em direção a uma psicologia que consiga olhar a criança como uma pessoa completa, diferente, mas não desigual do adulto. Como afirma Arenhart (2003), não cabe olhar as crianças a partir da “(...) ausência de características em relação aos adultos, mas pela presença de outras características diferentes das de adultos” (p. 25). Hoje existe uma clareza muito grande, um movimento assumido amplamente, no sentido de considerar a criança um devir, um ser aberto às possibilidades. Percebemos que a criança vem ocupando, além de um lugar definido anteriormente, iluminado pelo ideário modernista, uma compreensão mais aberta e prenhe de possibilidades, trazida pelo movimento da pós-modernidade. Como afirma Larrosa (2013): “Trata-se aqui de 17 devolver à infância, a sua presença enigmática e de encontrar a medida da nossa responsabilidade pela resposta, ante a exigência que esse enigma leva consigo” (p. 186). Dornelles (2010) considera a infância como acontecimento, imprevisibilidade, e movimento. Acredita na provisoriedade das verdades modernas. Deste modo, tende a ver a criança como independente, como um ser que é cuidado para cuidar de si mesmo,podendo escolher e assumir responsabilidades por sua escolha. Para tanto, o devir se faz presente: “re-interpretar as infâncias, fazendo-as transbordar de significados, na tentativa de mostrá-las como uma possibilidade de viver e viver outra forma de ser criança” (p.4). Assim como a pesquisadora, percebemos que as letras do poeta Chico Buarque retratam diferentes infâncias e crianças com diversas inserções sociais, como vimos mostrando no decorrer deste texto. Analisando a obra musical de Chico, Dornelles (2010) enxerga diferentes formas de compreensão da infância: a criança da guerra, que está à margem da sociedade que, na nossa compreensão, pode ser representada por O Meu Guri, Pivete e Brejo da Cruz; a criança percebida como uma divindade, um anjo ou um deus, representação presente nas letras Malandro quando Morre, Minha História e Angélica, como exemplo; a criança das brincadeiras, evidenciada em João e Maria e Pivete, e a criança da modernidade, fruto de uma sociedade que assusta os adultos avessos à tecnologia, como na letra de Nina. Compreendendo que existem diferentes cartografias da infância, Dornelles assegura que Chico Buarque enxerga a multiplicidade de Infâncias possíveis e concretas no nosso País. Assegura que toda criança inaugura um devir criança, pois que é, sendo em movimento e indiscernibilidade. Além disso, chama atenção para o devir criança como uma política de afirmação da vida, como possibilidade de viver o criançar, de viver o ser criança como pratica de potencialização da alegria da vida. Neste momento, a Filosofia da infância traz uma contribuição muito importante aos estudos que têm sido feitos nesta seara: A criança precisa dizer-se! Para Kohan (2004): A infância pronuncia uma palavra que não se entende. A infância pensa um pensamento que não se pensa. Dar espaço a essa língua, aprender essa palavra, atender esse pensamento pode ser uma oportunidade não apenas de dar um espaço digno, primordial e 18 apaixonado a essa palavra infantil, mas também de educar a nós mesmos (p. 131). A compreensão da infância como um tempo de possibilidade da experiência, da alteridade radical, de ruptura, é ressaltada por Kohan (2010, 2012) e Agambem (2005). A infância resgata a experiência, expropriada que foi pela época da técnica. Daí a grande necessidade de proteger e cuidar da criança e da infância. Falamos aqui de uma possibilidade existencial para além da cronologia. Uma possibilidade com capacidade transgressora e disruptiva. Deste modo, consideramos que Chico Buarque enxerga uma multiplicidade de infâncias, caracterizando-as diferentemente, como podemos perceber na categoria características da infância. Existe, porém, uma linha comum ao falar da criança: a potência de vida, claramente percebida em algumas letras de músicas, como A Banda (a criançada toda se assanhou/ pra ver a banda passar/ cantando coisas de amor);Olê, Olá(Seu padre toca o sino que/ é pra todo mundo saber/ Que a noite é criança, que o samba é menino/ Que a dor é tão velha/ que pode morrer);Sonho de um Carnaval(Que gente longe viva na lembrança/ Que gente triste possa entrar na dança/ Que gente grande saiba ser criança);Roda Viva (Tem dias que a gente se sente/ Como quem partiu ou morreu/ A gente estancou de repente/ Ou foi o mundo então que cresceu/ A gente quer ter voz ativa/ No nosso destino mandar/ Mas eis que chega a roda-viva/ E carrega o destino pra lá), A Cidade Ideal (O sonho é meu e eu sonho que Deve ter alamedas verdes A cidade dos meus amores E, quem dera, os moradores E o prefeito e os varredores Fossem somente crianças Deve ter alamedas verdes A cidade dos meus amores E, quem dera, os moradores E o prefeito e os varredores E os pintores e os vendedores As senhoras e os senhores E os guardas e os inspetores Fossem somente crianças). Por outro lado, é importante deixar claro que adolescências e adolescentes não foram objeto de nosso olhar. Sugerimos, assim, o aprofundamento desse objeto de 19 estudo em outro momento. Deste modo, nossas reflexões com relação à adolescência são incompletas e ainda introdutórias. Aparece a figura do púbere/adolescente, por exemplo, em Carioca, encarnada na menina de peitinhos de pitomba, que vende bugigangas na noite, para sobreviver. Também aparece em Uma Canção Desnaturada, ao descrever o sofrimento dos pais diante do crescimento de uma filha bem amada: Por que cresceste curuminha/ assim depressa, estabanada. Ou ainda em Ai, Se Eles me Pegam Agora (Ai, se mamãe pega agora/de anágua e de combinação/ Será que ela me manda embora, ou não). As três letras/poesias se referem a uma pessoa não mais criança, mas ainda não adulta, pois que depende dos pais. É perceptível, então, a existência de uma diferença, no conteúdo dessas canções de Chico Buarque, entre ser criança e ser adolescente. No entanto, será possível afirmar que a adolescência se deixa ver como uma categoria social? Esta é uma indagação que não é possível de ser respondida, pelo menos por este estudo. Chico não utiliza o termo adolescência. Será que, para ele, crianças e adolescentes podem ocupar os dois lugares ao mesmo tempo? Talvez não, pois ele fala de pessoas crescendo, rompendo com a tradição familiar, tentando ser por si mesmas. Algo como descreve Paz (2014), na sua poesia: Para nós, em algum momento, nossa existência se revela como alguma coisa de particular, intransferível e preciosa. Quase sempre esta revelação se situa na adolescência. A descoberta de nós mesmos se manifesta como um saber que estamos sós; entre o mundo e nós surge uma impalpável, transparente muralha: a da nossa consciência (O labirinto da Solidão – Otávio Paz). Talvez sim. Talvez fale de um momento da vida que está para além da cronologia ou fisiologia. Assim, único e, ao mesmo tempo, universal (FROTA, 2001). Em contraposição à criança, Chico fala do adulto, como aquele que cuida\descuida do filho. O adulto é aquele que mantém a casa, cuida da comida e da vida. Educa e ensina a moral vigente. Vejamos a letra de Ai, Se Eles me Pegam Agora, na qual isso fica muito evidente: Ai, se mamãe me pega agora de anágua e de combinação Será que ela me leva embora ou não Será que vai ficar sentida, será que vai me dar razão Chorar sua vida vivida em vão Será que faz mil caras feias, será que vai passar carão Será que calça as minhas meias e sai deslizando pelo salão Eu quero que mamãe me veja pintando a boca em coração Será que vai morrer de inveja ou não 20 Ai, se papai me pega agora abrindo o último botão Será que ele me leva embora ou não Será que fica enfurecido será que vai me dar razão Chorar o seu tempo vivido em vão Será que ele me trata à tapa e me sapeca um pescoção Ou abre um cabaré na lapa e aí me contrata como atração Será que me põe de castigo será que ele me estende a mão Será que o pai dança comigo ou não? Também em Madalena foi Pro Mar (Madalena foi pro mar/ e eu fiquei a ver navios (...) que é preciso voltar já/ pra cuidar dos nossos filhos); Pedro Pedreiro (Esperando um filho pra esperar também); Morena de Angola (Será que quando fica choca põe de quarentena o seu chocalho/ Será que depois ela bota a canela no nicho do pirralho); Uma Canção Desnaturada(Porque cresceste,curuminha/Assim depressa, e estabanada/ Saíste maquiada/Dentro do meu vestido...);dentre outras letras, aparece a figura do adulto como o responsável por cuidar da criança. No entanto, em O Meu Guri, essa ideia de cuidado unidirecional adulto-criança é substituída por cuidado mútuo, entre mãe e filho: (Eu consolo ele/ Ele me consola/ Boto ele no colo/ Pra ele me ninar/ De repente acordo, olho pro lado/ E o danado já foi trabalhar). Chama-nos a atenção Chico Buarque significar o Guri como capaz de cuidar de sua mãe, ao mesmo tempo em que é por ela cuidado, utilizando termos como colocar no colo, consolar e ninar. O consolar, o ninar, em mútua direção, quebra, portanto, esse unidirecionamento do cuidado adulto-criança, adulto-adolescente, tão amplamente difundido em nossa cultura. Se ao adulto cabe o trabalho como característica marcante, também ele aparece fortemente presente na criança, em canções tais como Pivete, O Meu Guri, Carioca. Então, não parece ser o trabalho um traço determinante da adultície, para CB. Pelo menos não tão forte quanto a indissociabilidade com o cuidar, manter financeira e emocionalmente, ensinar a ética social. É preciso levar em conta que, nas três canções acima citadas, há uma forte marcação de classes, tudo apontando para a subalternidade dos personagens (ressaltamos palavras como morro, carregamento, vender bugigangas na noite, capricha na flanela e vende chicletes no sinal, por exemplo) Ou seja, a admissão de trabalho para crianças e adolescentes não é para qualquer um deles, e sim para aqueles pertencentes a classes trabalhadoras. Nessa situação, infância e adultície não parecem se distinguir através do trabalho também nas canções referidas de CB. 21 Identificamos a velhice retratada, nas composições musicais do poeta CB, como um momento da vida caracterizado por tristeza, desilusão, cansaço, desgaste, morte e doença. Em nenhuma de suas letras,percebemos a velhice como um tempo de sabedoria, amadurecimento e plenitude, como sugerem atuais estudos sobre o envelhecimento (DEBERT, 2004; COSTA & FAVERO, 2009), o que nos chama atenção. Em A Banda, por exemplo, enquanto a meninada toda se assanhou, O velho fraco se esqueceu do cansaço e pensou/ Que ainda era moço para sair do terraço e dançou. Em Olê Olá, é dito que a noite é criança/ Que o samba é menino/ Que a dor é tão velha/ Que pode morrer...”. Ao velho, mesmo que de modo indireto, através de uma alusão também indireta, cabe a ameaça da morte, do fim, não como parte de um processo de vida, mas como uma decrepitude e perda. Velho Francisco mostra claramente a ideia do velho representado como um jávivido, um que-já-não-é: Já gozei de boa vida Tinha até meu bangalô Cobertor, comida Roupa lavada Vida veio e me levou Fui eu mesmo alforriado Pela mão do Imperador Tive terra, arado Cavalo e brida Vida veio e me levou Hoje é dia de visita Vem aí meu grande amor Ela vem toda de brinco Vem todo domingo Tem cheiro de flor Quem me vê, vê nem bagaço Do que viu quem me enfrentou Campeão do mundo Em queda de braço Vida veio e me levou Li jornal, bula e prefácio Que aprendi sem professor Frequentei palácio Sem fazer feio Vida veio e me levou Hoje é dia de visita Vem aí meu grande amor Ela vem toda de brinco 22 Vem todo domingo Tem cheiro de flor Eu gerei dezoito filhas Me tornei navegador Vice-rei das ilhas Da Caraíba Vida veio e me levou Fechei negócio da China Desbravei o interior Possuí mina De prata, jazida Vida veio e me levou Hoje é dia de visita Vem aí meu grande amor Hoje não deram almoço, né Acho que o moço até Nem me lavou Acho que fui deputado Acho que tudo acabou Quase que Já não me lembro de nada Vida veio e me levou Nesta letra, Chico Buarque parece descrever uma vida vivida, através de momentos existenciais, cheios de acontecimentos por vezes plenos de energia e glamour. Ao velho, tristeza, memória falha e inércia! Já em Essa Pequena, letra escrita em 2011, Chico fala também da maturidade, em contraposição à juventude, embora que de forma mais lírica e menos pungente: Meu tempo é curto O tempo dela sobra Meu cabelo é cinza O dela é cor de abóbora Temo que não dure muito A nossa novela, mas Eu sou tão feliz com ela Meu dia voa E ela não acorda Vou até a esquina Ela quer ir pra Flórida Acho que nem sei direito O que que ela fala, mas Não canso de contemplá-la Feito avarento conto meus minutos Cada segundo que se esvai Cuidando dela que anda noutro mundo Ela que esbanja suas horas 23 Ao vento, ai As vezes ela pinta a boca e sai Fique a vontade, eu digo Take your time Sinto que ainda vou penar com essa pequena, mas O blues já valeu a pena Nessa poesia, Chico parece dar-se conta da passagem do tempo e da necessidade de aproveitar cada segundo da vida. O amor por uma jovem mulher lhe trouxe esta perspectiva? Nadine Stair (s\d)9, em um escrito Instantes10, já havia acenado para esta urgência de viver a vida, muitas vezes não consciente para a maioria de nós. Se eu pudesse novamente viver a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais, seria mais tolo do que tenho sido. Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério. Seria menos higiênico. Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios. Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvetes e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos problemas imaginários. Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e profundamente cada minuto de sua vida; claro que tive momentos de alegria. Mas se eu pudesse voltar a viver trataria somente de ter bons momentos. Porque se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos; não percam o agora. Eu era um daqueles que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas e, se voltasse a viver, viajaria mais leve. Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono. 9 Ver o site: http\\www.falandoemliteratura.com\2014\06\14\o-poema-instantes-não-e-deborges. 10 Autoria de Instante é contestada, sendo atribuída, erradamente a Jorge Luis Borges. 24 Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente. Mas, já viram, tenho 85 anos e estou morrendo. Por fim, vejamos a canção Sonho de um Carnaval. CB parece contrapor desengano e esperança, a partir de um tempo de folia. E saber ser criança – por parte do adulto – é posto entre fontes de esperança: utilizar-se de lembrança para aproximar as pessoas que estão longe, e valer-se da dança para espantar a tristeza de gente. Tudo isso, CB parece colocar como um Sonho de Carnaval: Carnaval, desengano Deixei a dor em casa, esperando E brinquei, e gritei e fui vestido de rei. Quarta feira, sempre desce o pano Carnaval, desengano Essa morena me deixou sonhando Mão na mão Pé no chão E hoje, nem lembra não (...) Ser criança faz-se esperança. Ser adulto, não? O conteúdo dessa canção de CB parece nos apontar para tal. Essas contraposições entre momentos da vida, que identificamos em canções de CB, fazem-nos lembrar de colocações de Sarmento (2013, p. 19-20), quanto a representações sociais mútuas, do tipo intergeracionais. Entendemos tais representações como expectativas que são atribuídas por uma geração em relação a outra. Como diz Sarmento: ‘brincar é coisa de criança’, ‘o trabalho está reservado para os adultos’ etc, tem implicações na construção de programas institucionais diferenciados (por exemplo, a construção de creches e escolas infantis e de centros de acolhimento de idosos para a terceira idade) e exprime-se numa normatividade específica, ou seja, um conjunto de regras e de prescrições, algumas formais – ou seja, formuladas como 25 normas jurídicas – outras expressas através de orientações morais e comportamentais assumidas pelo senso comum e que incidem, umas e outras, no que é permitido às crianças, no que é suposto que elas façam e no que lhes é interdito. Nessa linha de pensamento, podemos apontar, por exemplo, para as recorrentes alusões que são feitas, na sociedade contemporânea ocidental, que consideram a infância como momento de vida marcado por falta, por incapacidade, por incompetências, expressas por adultos. Crianças, postas, portanto, em situações inferiorizadas em relação a adultos, e com interditos por vezes excessivos, como a proibição de participarem de instâncias de decisão de assuntos coletivos. Categoria Cuidados e descuidos Cuidados: sentidos possíveis Para Boff (2005), em latim, donde se deriva o português, cuidado significa Cura. Cura é um dos sinônimos eruditos de cuidado. Em seu sentido mais antigo, cura se escrevia em latim coera e se usava em um contexto de relações humanas de amor e de amizade. Cura queria expressar a atitude de cuidado, de desvelo, de preocupação e de inquietação pelo objeto ou pela pessoa amada. O cuidado somente surge quando a existência de alguém tem importância para mim. Passamos, então, a nos dedicar a ele; dispomo-nos a participar de seu destino, de suas buscas, de seus sofrimentos e de suas conquistas, enfim, de sua vida.Cuidado significa, então, desvelo, solicitude, diligência, zelo, atenção, bom trato. Trata-se, como se depreende, de uma atitude fundamental do ser humano. O cuidado fala da relação do homem com o outro. Diz desta relação, tão bem delimitada como sendo um modo ontológico de caracterizar o ser humano. O homem é um ser-de-cuidado, afirma categoricamente Heidegger, em Ser e Tempo (1927/2010). Na sua obra musical, Chico nos fala do modo de cuidado com as crianças. E, aqui, nos voltaremos a isso. Debruçaremo-nos sobre as formas de cuidados e de descuidos de que nos fala o compositor, da relação do ser humano em geral com a infância/criança. Boff (2004) acredita que A produção artística e literária de Francisco Buarque de Hollanda revela, em seu transfundo, uma clara visão humanista não sem 26 influência da cultura cristã. Não que se apresente como um homem religioso, mas alguém que se inscreve dentro da tradição humanista, sabidamente fecundada pelo ideário cristão (p. 83). Em seu texto, Boff (2004) discorre sobre esse humanismo aberto, como ele o chama, e ao qual associa a bondade, a solidariedade, a cooperação e a compaixão. E, mais ainda, o amor, a benquerença, a reconciliação, a paz. E continua afirmando: Esse humanismo aberto possui valor intrínseco, mesmo quando se esquecem as razões últimas de sua sustentação. Ele se tornou hoje patrimônio transcultural da humanidade. Constitui a atmosfera ética e espiritual que respiramos coletivamente. (p. 84-5). A compreensão do filósofo, acerca da obra de Chico Buarque, é deque ela vem sendo construída dentro de um caldo cultural com as características acima descritas por Boff. Logicamente, jamais tivemos a expectativa de que CB formularia um discurso nos moldes teóricos e acadêmicos. Na verdade, não teorizando, Chico canta “existencialmente o cotidiano em sua profundidade, em seus limites e em sua glória escondida” (Boff, 2004, p. 85). Para o autor, o sentido da produção de Chico Buarque vai além daquele que ele mesmo quis dar a sua obra. Ele não tem o monopólio do sentido da realidade por ele cantada e descrita. Há múltiplas facetas de sentido que podem ser captadas pelos ouvintes e leitores, que então se fazem co-autores da obra. Essas são as interpretações múltiplas que as produções artísticas permitem! E Boff (2004) faz referência de que os valores recorrentes em sua [de Chico Buarque] vasta obra são aqueles ligados à tradição da solidariedade, da igualdade e da fraternidade. Apoia, sempre que solicitado, os destituídos e pobres, os sem-terra. Jamais negocia com a liberdade e, mesmo diante da escuridão, convoca a alegria de viver e preserva a utopia contra todo o cinismo e pragmatismo. (p. 3). Em Acalanto para Helena, Chico nos revela seu cuidado e pre-ocupação com a filha: Dorme minha pequena/ Não vale a pena despertar/ Eu vou sair/ Por aí afora/ Atrás da aurora/ Mais serena. Seus olhos parecem enxergar a dureza da vida e os riscos que os chicos e as chicas correm. Fala-nos da necessidade de cuidar dos pequenos? 27 Cavalcanti (2009) assegura que, em sua obra, Chico Buarque nos mostra uma ampla galeria de desvalidos: pobres, assalariados, camelôs, ambulantes, prostitutas, malandros, pessoas humildes e mulheres. Também as crianças atravessam sua obra, embora que pouco vistas e reconhecidas. Chico busca reminiscências infantis e valorização das pessoas do povo. Aparecem figuras marcantes e desvalidas como o negro, o torto, o errante, os detentos. As crianças também podem ser identificadas como desvalidas se não são cuidadas? Parece-nos claramente que sim. No que chamou de galeria de desqualificados, Cavalcanti (2009) se refere a “gente que vive porque é teimosa” (p.20). Chico reconhece o outro, resgata sua experiência de dor e de alegria, pertencentes a todos os seres humanos, afirma o autor. E segue dizendo: “Compreende que o indivíduo está inserido no mundo, sujeito a todas prováveis situações que possam ocorrer. Com o sentimento de solidariedade confraternizam-se numa igualdade universal” (p. 25). Em Angélica, por exemplo, o poeta nos conduz ao umbral da dor humana de não mais poder cuidar do filho, pois que morto: Quem é essa mulher, Que canta sempre esse estribilho? Só queria embalar meu filho. Que mora na escuridão do mar. Quem é essa mulher, Que canta sempre esse lamento? Só queria lembrar o tormento, Que fez o meu filho suspirar. Quem é essa mulher, Que canta sempre o mesmo arranjo? Só queria agasalhar meu anjo. E deixar seu corpo descansar. Quem é essa mulher, Que canta como dobra um sino? Queria cantar por meu menino, Que ele já não pode mais cantar. 28 Quem é essa mulher. Que canta sempre esse estribilho? Só queria embalar meu filho. Que mora na escuridão do mar (Angélica) (1977, Chico e Miltinho). O contexto dessa música refere-se aos denominados anos de chumbo da Ditadura Militar, e diz respeito à história real de uma mãe, Zuleika Angel Jones, a Zuzu Angel.Ela lutou desesperadamente- até morrer em um estranho acidente de carro- para desvendar o mistério que cercava o desaparecimento e morte de seu filho Stuart Angel, militante político, que foi preso e torturado por desobedecer ao sistema ditatorial vigente à época. Quais as ações que a canção registra? Embalar, agasalhar, deixar descansar- verbos que indiciam os gestos da maternidade, de proteção, cuidado e preservação do que é frágil: seu filho, seu anjo, seu menino. Para Fernandes (2013),“cabe à mulher, a serviço da vida, de um lado ativar o que não pode ser esquecido, resgatar continuamente a memória; de outro lado, denunciar a situação de opressão.” (p.22). Ao mesmo tempo, Chico Buarque nos fala de cuidado e da proteção maior para com os pequenos, como em Opereta de Casamento (1982, Chico e Edu Lobo): Oh meu pai, oh meu pai, por favor/ Condenai o nosso amor/ De langor e luxúria! Mas poupai, oh meu pai/Nosso filho Da fúria do Senhor! Parece existir, na sua obra, uma compreensão de cuidado/descuido com as crianças e a infância. Boff (2004, 2005) foi extremamente sagaz ao falar que Chico trata de um ethos humano, pela forma de estar no mundo, através do cuidado. É o que o filósofo afirma: não vemos a natureza e tudo que nela existe como objetos. A relação não é sujeito-objeto, mas sujeito-sujeito. Experimentamos os seres como sujeitos, como valores, como símbolos que remetem a uma realidade frontal. A relação não é de domínio, mas de convivência. (...) Não é pura intervenção, mas principalmente interação e comunhão. É de cuidado das coisas.Cuidar das coisas implica ter intimidade com elas, senti-las dentro, acolhê-las, respeitá-las, dar-lhe sossego e repouso. Cuidar é entrar em sintonia com as coisas. Auscultar-lhe o ritmo e afinar-se com ele. Cuidar é estabelecer comunhão. Não é a razão analítica-instrumental que é chamada a funcionar. Mas a razão cordial, o esprit de finesse (o espírito de delicadeza), o sentimento profundo. Mais que o logos (razão), é o pathos(sentimento), que ocupa aqui a centralidade (2005, p. 5). 29 Há outra canção de Chico, que envolve a tragédia ligada à maternidade: O Meu Guri, composta em 1981. Essa canção, atesta Fernandes (2013), refere-se ao eu lírico de uma mãe de um garoto desvalido e marginal, e que desconhece a real condição do trabalho de seu filho. Quando, seu moço, nasceu meu rebento Não era o momento dele rebentar Já foi nascendo com cara de fome E eu não tinha nem nome pra lhe dar Como fui levando não sei lhe explicar Fui assim levando ele a me levar E na sua meninice, ele um dia me disse Que chegava lá Olha aí! Olha aí! Olha aí! Ai, o meu guri, olha aí! Olha aí! É o meu guri e ele chega Chega suado e veloz do batente Traz sempre um presente pra me encabular Tanta corrente de ouro, seu moço Que haja pescoço pra enfiar Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro Chave, caderneta, terço e patuá Um lenço e uma penca de documentos Pra finalmente eu me identificar Olha aí! Olha aí! Ai, o meu guri, olha aí! Olha aí! É o meu guri e ele chega! Chega no morro com carregamento Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador Rezo até ele chegar cá no alto Essa onda de assaltos está um horror Eu consolo ele, ele me consola Boto ele no colo pra ele me ninar De repente acordo, olho pro lado E o danado já foi trabalhar Olha aí! 30 Olha aí! Ai o meu guri, olha aí! Olha aí! É o meu guri e ele chega! Chega estampado, manchete, retrato Com venda nos olhos, legenda e as iniciais Eu não entendo essa gente, seu moço Fazendo alvoroço demais O guri no mato, acho que tá rindo Acho que tá lindo de papo pro ar Desde o começo eu não disse, seu moço! Ele disse que chegava lá Olha aí! Olha aí! Olha aí! Ai, o meu guri, olha aí Olha aí! É o meu guri! Olha aí! Ai, o meu guri, olha aí Olha aí! É o meu guri! Existe uma profunda ironia da situação trágica ao longo desta composição. Ele disse que chegava lá, em que o orgulho materno mascara a trágica realidade Olha aí, ai o meu guri, olha ai. Fernandes (2013) analisa o contato tênue entre Angélica e O Meu Guri,ao assim refletir: A mãe retratada em Angélica e a favelada do morro: o confronto dessas duas mulheres que perderam seus filhos recorta um quadro doloroso que coloca em questão a maternidade ferida. Duas mães, dois filhos mortos, o “anjo” e o marginal- ambos assassinados: um pelas forças mortíferas da repressão política; outro, eliminado pela força policialesca, num quadro de marginalidade e opressão socioeconômica. Uma tem consciência, sabe que perdeu o filho e, a partir dessa consciência, pode estruturar o seu luto e emprestar um sentido para a sua vida: cantar por seu menino, que ele não pode mais cantar. E a outra, analfabeta, nem pode ler a legenda das fotos do jornal e decodifica invertidos os signos da morte. O que torna quase que mais dolorosa a situação da mãe do Guri marginal é que a alienação atinge fundo, a desumanização vai longe: ela perde, mas não 31 sabe que perdeu, enquanto em Angélica a dor é flagrada no seu movimento. (p.29) Fica-nos claro que uma das formas de referência, nas canções de Chico Buarque, se dá através de suas abordagens sobre a maternidade. Ou seja, o foco do teor de Angélica e O Meu Guri está na maternidade, a saber, na relação entre a mãe e o filho, e não na infância, no ser criança. Cuidados com a Criança e com a Infância Cândido (1995) classifica as produções literárias, categorizadas como Literatura Social, como aquela que “visa a descrever e eventualmente a tomar posição em face das iniquidades sociais, as mesmas que alimentam o combate pelos direitos humanos”. (p. 181). Aponta o romance humanitário e social (começo do Séc. XIX) como exemplo da Literatura Social, através do qual o pobre ocupa um tratamento com dignidade na literatura, e não mais como pitoresco ou cômico. Traz o exemplo de Os Miseráveis, no qual Vitor Hugo, entre outros personagens, inclui a criança brutalizada pela família, o orfanato, a fábrica, o explorador. Assim como Vitor Hugo, o poeta Chico Buarque também nos mostra as iniquidades humanas. Descreve situações críticas permeadas por um lirismo imenso (SILVA, 2010). Em Brejo da Cruz, por exemplo, o compositor denuncia uma situação que vem se perpetuando, e quase sempre se invizibilizando na cotidianidade: o descuido com a criança, particularmente pelo Poder Público. São crianças se alimentando de luz, já que comida não existe. Mais uma vez, a poesia e o lirismo, com a linguagem peculiar de CB, nos conduzem, forçosamente, a enxergar aqueles desvalidos: A novidade Que tem no Brejo da Cruz É a criançada Se alimentar de luz Alucinados Meninos ficando azuis E desencarnando Lá no Brejo da Cruz Eletrizados Cruzam os céus do Brasil Na rodoviária Assumem formas mil Uns vendem fumo Tem uns que viram Jesus Muito sanfoneiro Cego tocando blues 32 Uns têm saudade E dançam maracatus Uns atiram pedra Outros passeiam nus Mas há milhões desses seres Que se disfarçam tão bem Que ninguém pergunta De onde essa gente vem São jardineiros Guardas-noturnos, casais São passageiros Bombeiros e babás Já nem se lembram Que existe um Brejo da Cruz Que eram crianças E que comiam luz São faxineiros Balançam nas construções São bilheteiras Baleiros e garçons Já nem se lembram Que existe um Brejo da Cruz Que eram crianças E que comiam luz. Silva (2010) compreende que a dimensão social da poesia do Chico Buarque tem sido construída referencialmente, a partir da interpretação do contexto histórico, e não poeticamente, a partir da elaboração interna do contexto lírico. Deste modo, seu coro lírico é construído pelas vozes mimetizadas que fazem a representação social, caracterizando-se como vozes concretas de pessoas diferentes, que se fundem para clamar algo. Fala por uma voz que evidencia a tessitura da realidade social e histórica, comprometida e solidaria com a dimensão humana. É o que podemos ver na sua composição Uma Menina, de 1987, na qual faz uma representação da infância desamparada, sem discriminar vitimas ou algozes. Sem condenar ou absolver. Chico parece não querer fomentar culpa ou revolta. Simplesmente convida o leitor a compartilhar do sentimento: Uma menina igual a mil Que não está nem aí Tivesse a vida pra escolher E era talvez ser distraída O que ela mais queria ser Ah, se eu pudesse não cantar Esta absurda melodia Pra uma menina distraída Uma menina igual a mil Do Morro do Tuiuti 33 Uma menina igual a mil Que não está nem aí Tivesse a vida pra escolher E era talvez ser distraída O que ela mais queria ser Ah, se eu pudesse não cantar Esta absurda melodia Pra uma criança assim caída Uma menina do Brasil Que não está nem aí Uma menina igual a mil Do Morro do Tuiuti11 Ciarallo(2009) já nos alertava para a arte de Chico Buarque, afirmando: Forte elemento de compreensão de um povo é a arte. Ela nasce significando de múltiplas formasa vida, o cotidiano desse povo. Chico Buarque é um desses artistas, que busca na música e na poesia ser mediador expressivo de um povo, de um grupo, de um gueto, de um papel, de uma pessoalidade (p. 17). Assim, as relações de cuidado e descuido com a infância-criança se deixam enxergar na sua obra. A maternidade aparece fortemente, como nas canções Angélica, O Meu Guri, Madalena foi pro Mar, Minha História, Ai se eles me pegam agora, A Violeira, As Minhas Meninas. A abordagem da maternidade se faz diversificadamente, claramente atrelada ao papel da mulher que cuida. Apenas em duas composições de Chico Buarque, observamos a ausência desse cuidado materno: em Madalena foi pro Mar (Madalena foi pro mar/ E eu fiquei a ver navios/ Quem com ela se encontrar/ Diga lá no alto mar/ Que é preciso voltar já/ Pra cuidar dos nossos filhos); e em Você não ouviu (No fim do mês, quando o dinheiro aperta/ Você corre esperta/ E vem pedir ajuda/ Eu lhe procuro, mas você se esconde/ Não me diz aondeNem quer ver seu filho. No fim do mês é que você responde/E no primeiro bonde/ Vem pedir auxílio). Em seus conteúdos,a mulher/mãe não cuida do filho, entregando este cuidado ao homem/pai. Na canção Violeira, por exemplo, apesar de todo sofrimento, meio épico, vivido pela personagem, os filhos se mostram como parte integrante da sua existência. A Violeira não fala por ela, mas pela família, por nós. Não é assim que se pode ler na letra do poeta? Ver Ipanema/ 11Trata-se de um bairro da cidade do Rio de Janeiro, com habitantes, em geral, de baixa renda econômica. 34 Foi que nem beber jurema/ Que cenário de cinema/ Que poema à beira-mar/ E não tem tira/ Nem doutor, nem ziguizira/ Quero ver quem é que tira/ Nós aqui desse lugar. O cuidado também atravessa a paternidade, muito marcada, no olhar de CB, pela sustentação financeira da prole, como fica evidenciado em Vai Trabalhar, Vagabundo, um provedor que também deixará a criançada chorando: (...) Parte tranquilo, ó irmão Descansa na paz de Deus Deixaste casa e pensão Só para os teus A criançada chorando Tua mulher vai suar Pra botar outro malandro No teu lugar Vai te entregar Vai te estragar Vai te enforcar Vai caducar Vai trabalhar Vai trabalhar Vai trabalhar O cuidado também se mostra em Minhas Meninas: Olha as minhas meninas As minhas meninas Pra onde é que elas vão Se já saem sozinhas (...) As meninas são minhas Só minhas na minha ilusão Na canção cristalina Da mina da imaginação (...) E a solidão Maltratar as meninas As minhas não As meninas são minhas Só minhas As minhas meninas Do meu coração. Nesta poesia, fica evidente o desejo de cuidar das meninas que, já crescidas, escapam das mãos vigilantes do pai e da mãe. As meninas são do coração. Mas, do coração partem para o 35 mundo. Também Uma Canção Desnaturada nos fala da dor paterna ao perceber que a filha cresceu e foi para o mundo. A dor de não conter o futuro da filha grita pela reversão do tempo: Por que cresceste, curuminha Assim depressa, e estabanada Saíste maquiada Dentro do meu vestido Se fosse permitido Eu revertia o tempo Para viver a tempo De poder Te ver as pernas bambas, curuminha Batendo com a moleira Te emporcalhando inteira E eu te negar meu colo Recuperar as noites, curuminha Que atravessei em claro Ignorar teu choro E só cuidar de mim Deixar-te arder em febre, curuminha Cinquenta graus, tossir, bater o queixo Vestir-te com desleixo Tratar uma ama-seca Quebrar tua boneca, curuminha Raspar os teus cabelos E ir te exibindo pelos Botequins Tornar azeite o leite Do peito que mirraste No chão que engatinhaste, salpicar Mil cacos de vidro Pelo cordão perdido Te recolher pra sempre À escuridão do ventre, curuminha De onde não deverias Nunca ter saído “Vossos filhos não são vossos filhos, são filhos e filhas da própria ânsia de vida”, já nos assegurava, antologicamente, Khalil Gibran. Porém, não é sem sofrimento que alguns pais do Chico vêem o crescimento de seus filhos e a perda da possibilidade de contê-los, em seus cuidados. 36 Não identificamos, no conjunto das canções de Chico Buarque, a presença da família extensa como partícipe das relações de cuidado com as crianças e a infância. Somente a figura do avô, por uma vez, surge, em Opereta de Casamento, como atestamos no trecho que se segue: Quando a mãe caiu na sarjeta Foi seguindo a opereta Na garupa do avô Quando o avô caiu do cavalo Foi chorar no intervalo E mais um ato começou. Para nós, fica patente que o cuidado materno é fortemente presente na poética de Chico Buarque. A propósito, Fagundes (2013), ao analisar O Meu Guri, considera notável a intimidade da mãe com seu filho: Tamanho esforço e competência do guri na corrida [para chegar lá!] comovem o sujeito expressivo: a mãe teria motivos de sobra para se orgulhar dos feitos do rebento, que compartilha seus frutos, trazendo-os para casa, presenteando-os àquela que o deu à luz (ou à sombra?) e lhe possibilitando que também conquiste seu lugar ao sol: “E traz sempre um presente ... terço e patuá”. (p. 157). Chamou nossa atenção o fato de não encontrarmos nenhuma letra na obra de CB que faça algum tipo de referência ao cuidado do Poder Público, como necessário e legítimo para a criança e a infância. Isso nos remete à ausência de cuidado na seara pública. Ou ainda: descuido! Descuidos Frei Betto (2004) tece interessantes comentários sobre a obra de Chico Buarque. Para ele, o poeta se diferencia, evidenciando um comprometimento ético muito peculiar: “Político, Chico evita partidos e palanques. Abraça causas, movido pela bemaventurança da fome de justiça. Fica ao lado dos oprimidos, ainda que aparentemente eles não tenham razão. Exilado em sua clandestinidade permanente, Chico emerge nos momentos cruciais” (p. 53). Para Pinheiro (2015; 2006; 2007), o campo político da infância e da adolescência é amplo, revela tensões próprias a ele, bem como da questão social brasileira. São enormes as desigualdades sociais, decorrentes de problemas estruturais e conjunturais; são políticas e recursos públicos até hoje aquém das demandas do universo 37 de crianças e adolescentes. Assim, é necessário estarmos sempre atentos às peculiaridades desse campo, no que diz respeito a práticas e representações referentes a crianças e adolescentes, que se articulam com seus direitos, quando são violados, e também quando ameaçados de violação. Devemos estar atentos, sem a intenção de se responder definitivamente, ao seguinte questionamento: Como têm sido percebidos, significados, no tecido social brasileiro, crianças e adolescentes com seus direitos violados (ou em ameaça de violação)? No Brasil, há a dimensão normativa de garantia de direitos, que inclui promoção, proteção e defesa. Requer, além de Leis, instituições a quem recorrer, quando de ameaça ou violação: assim, a partir de 1988, contamos com dispositivos fundamentais para a garantia de direitos de crianças e adolescentes, dos quais são exemplos: Constituição Federal (1988); Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (1989); Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA; Lei Federal no. 8069, de 13 de julho de 1990); Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2006). A tensão social existente no campo dos direitos humanos e, especificamente dos direitos das crianças, é grande. Se tomarmos como exemplo o direito à convivência familiar e comunitária, umbilicalmente relacionado à dimensão de cuidado, podemos verificar como há vinculações a outras dimensões de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes, e suas violações, entre os quais, neste texto, é preciso atentar para as formas de violência (familiar, política, institucional, sexual). Para clarearmos, mais ainda, a compreensão que temos de infância e do ser criança, no que se refere à construção de significações e práticas referentes a cuidados e descuidos, são nossas ideias: - no mundo social: nada é natural, tudo é construído; nele circulamos de acordo com sistemas classificatórios; - em nosso tecido social, há uma constante tensão entre igualdade e diferença; entre a significação de crianças e adolescentes como objetos e como sujeitos de direitos; entre políticas universais e específicas – de um lado, e políticas focalistas e assistencialistas, de outro; 38 Apesar da existência de políticas públicas, os direitos da criança estão longe de serem atendidos, posto que em nenhuma delas a abrangência, até hoje, dá conta do universo de demandas. E conteúdos de canções de Chico Buarque evidenciam tais situações, em diferentes tempos contextos sociais e históricos, ao longo de mais de cinquenta anos em que o autor vem construindo suas composições: - (1) crianças trabalhando (Peitinhos de pitomba/Vendendo por Copacabana/ As suas bugigangas/ Suas bugigangas – Carioca); (2) passando fome (A novidade/Que tem no Brejo da Cruz/ É a criançada/ Se alimentar de luz/ Alucinados/ Meninos ficando azuis/E desencarnando/ Lá no Brejo da Cruz– Brejo da Cruz); e, também em: Quando, seu moço, nasceu meu rebento/ Não era o momento dele rebentar/ Já foi nascendo com cara de fome/ E eu não tinha nem nome pra lhe dar – (O Meu Guri); (3) sem o devido cuidado social (Uma menina igual a mil/ Que não está nem aí/ Tivesse a vida pra escolher/E era talvez ser distraída/ O que ela mais queria ser/ Ah, se eu pudesse não cantar/ Esta absurda melodia/ Pra uma menina distraída/ Uma menina igual a mil/ Do Morro do Tuiuti – Uma Menina). São, assim, falas sobre condição de descuido para com as crianças e com a infância, muitas das vezes nos levando a constatar a omissão do Poder Público, cujas instituições deveriam ensejar práticas que combatessem ou eliminassem o trabalho infantil; a fome e a desnutrição; que promovessem atividades voltadas para a construção de projetos de vida para crianças e jovens, para uma menina igual a mil. E Chico aborda temas tão indignantes, de modo contundente, sutil e cheio de lirismo. A propósito, Ciarallo (2009) considera que a “lente da poesia de Chico Buarque (...) ao relatar um caso aparentemente trivial, descreve criativamente aspectos significativos que compreendem o universo desse guri que tanto tem estado na mídia, nas conversas do cotidiano, nos debates político-sociais” (p. 28). Deste modo, O meu guri é nosso guri. Quando dele nos aproximamos, é possível que passemos a ter um compromisso com ele – ignorá-lo, a partir dessa aproximação, é abrir mão da nossa cidadania! Escutemos: Quando, seu moço, nasceu meu rebento Não era o momento dele rebentar Já foi nascendo com cara de fome E eu não tinha nem nome pra lhe dar Como fui levando não sei lhe explicar Fui assim levando ele a me levar E na sua meninice, ele um dia me disse Que chegava lá Olha aí! Olha aí! Olha aí! 39 Ai, o meu guri, olha aí! Olha aí! É o meu guri e ele chega Chega suado e veloz do batente Traz sempre um presente pra me encabular Tanta corrente de ouro, seu moço Que haja pescoço pra enfiar Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro Chave, caderneta, terço e patuá Um lenço e uma penca de documentos Pra finalmente eu me identificar Olha aí! Olha aí! Ai, o meu guri, olha aí! Olha aí! É o meu guri e ele chega! Chega no morro com carregamento Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador Rezo até ele chegar cá no alto Essa onda de assaltos está um horror Eu consolo ele, ele me consola Boto ele no colo pra ele me ninar De repente acordo, olho pro lado E o danado já foi trabalhar Olha aí! Olha aí! Ai o meu guri, olha aí! Olha aí! É o meu guri e ele chega! Chega estampado, manchete, retrato Com venda nos olhos, legenda e as iniciais Eu não entendo essa gente, seu moço Fazendo alvoroço demais O Meu Guri se tornou um ícone quando se fala ou se reflete sobre o descuido social com a criança. Ao cantar nosso guri brasileiro, desafiando datas inscritas no passado, Chico Buarque cumpre com o destino de toda grande obra. Depois de vir pela primeira a público, em 1981, a canção O Meu Guri permanece atual, como podemos constatar nas considerações de Fagundes (2013), sobre a composição: 40 os temas da invisibilidade social, da má distribuição de renda, da evasão de menores de idade para a criminalidade e da invasão da violência no espaço urbano brasileiro passam pela sensibilidade e inteligência de Chico Buarque, pelas quais a letra faz arte mesmo quando à parte da música. (p. 149) O autor faz algumas considerações sobre os três personagens da letra: o guri, apresentado como meu guri, porque quem fala é a sua mãe, que se dirige ao seu moço – é a ele que a mãe se dirige o tempo todo! O poema nos fala da trajetória de um menino nascido em ocasião não conveniente (Não era o momento dele rebentar), pobre (Já foi nascendo com cara de fome), morador de morro (chega no morro; até ele chegar no alto) e vinculado à criminalidade (com carregamento). No relato, não necessariamente ciente e/ou consciente da mãe, o mundo do crime aparece na condição de meio de “chegar lá”, ou seja, de sair da fome e da falta de um nome para se tornar alguém na vida (na sua meninice ele um dia disse/Que chegava lá). (p. 155). Para Fagundes, mãe e guri são vítimas, mãe e guri são os vitimadores: ”Se pelo ângulo policial, reclamamonos vítimas, pelo social, o guri e sua mãe são vitimizados”. (FAGUNDES, 2013, p. 160). E o verbo se fez carne! É deste modo que Frei Beto (2004) se refere ao poeta do Brasil: Chico é todo ele palavra. Esse o seu reino, a sua mátria, a razão de seus viver. Por isso a preserva tanto. Conhece o seu valor e cuida de não desperdiçá-la. Nele também o verbo se faz carne, e música, e texto e protesto. Por isso, preza tanto o espaço que o abriga: o silêncio, onde aprendeu com os monges a lapidar significantes e significados. (p. 53). E o sonho de uma infância cuidada, de crianças amadas, se revela, mais uma vez, nas palavras poéticas do Chico do Brasil, no olhar vigilante, capaz de gestos extremos para protegê-las: “Tutu-Marambá não venha mais cá/Que a mãe da criança te manda matar”. Categoria Brincadeira: como brincam os pequenos Chicos? Brincadeira: o que é mesmo a brincadeira? 41 A brincadeira é uma atividade considerada presente em todas as sociedades e, ao longo de toda a história humana, desde os tempos pré-históricos, já existem indícios de brincadeira e de brinquedos. É compreendida como algo impulsionador de inúmeros desenvolvimentos, sendo indispensável a qualquer ser humano. Como alardeia Chicoi, em Sonho de um Carnaval (1965), No Carnaval, esperança/ Que gente longe viva na lembrança/ Que gente triste possa entrar na dança/ Que gente grande saiba ser criança. O autor parece saber que a brincadeira é muito próxima da infância. Para ele, a dança é antídoto para a tristeza. Ao mesmo tempo, deseja que as pessoas grandes saibam entrar na dança da vida, brincar na vida! Mesmo gente grande pode brincar, acredita Chico, mesmo que seja na lembrança: Lembra amor (...) E depois, brincando de brincar/ Nos brinquedos parados/ Nós dois (Roda Gigante, 1965). Brincando de brincar... quantas possibilidades encontramos aí. A infância, como tempo de brincadeira e de possibilidades é evidenciada por Larrosa (1999) O motivo pelo qual as pessoas de maior idade são de maioridade é porque esqueceram que foram crianças, porque sepultaram em algum lugar remoto, de sua consciência, a violência que as fez maior de idade. E porque se esqueceram, inclusive, do próprio esquecimento, deste gesto que lhes fez enterrar o que são. Para serem maior de idade confortavelmente, as pessoas na maioridade têm de pensar que as aparências são a realidade, que o deserto é o paraíso, que a mentira é a verdade. No entanto, às vezes acontece algo que te fez cair em teu próprio eu, no eu de verdade, no eu que estava oculto e esquecido (p.45) A brincadeira parece ser um elemento trans-histórico. Atravessa o decorrer da humanidade, sendo transformada pelos tempos, culturas, histórias e sociedades. No dizer de Carneiro (s\d), “as crianças em diferentes momentos históricos e em diversos povos, deixaram-nos um legado importante, seus brinquedos e brincadeiras, dando pistas aos estudiosos da maneira como viviam” (p.2). Desse modo, as brincadeiras infantis estão presentes em todo o mundo e são “quase sempre jogos muito simples e divertidos. Não demandam objetos, desenvolvem muitas habilidades e, historicamente, se originam de práticas culturais e religiosas realizadas pelos adultos ao longo do tempo” (p.2). Chico parece dar-se conta disso: “Tapete mágico, aviãozinho, trem fantasma” – Roda Viva povoam sua imaginação. 42 A brincadeira se reveste de coisas simples. E ganha uma importância grande na musicografia de Chico. Na sua música João e Maria (Sivuca – Chico Buarque - 1977), por exemplo, o autor relata uma brincadeira de faz-de-conta, utilizando-se de um tempo verbal que não existe na gramática portuguesa, mas que é recorrente na linguagem infantil. A esta linguagem Chico chama de “passado onírico”12. Agora eu era o herói e meu cavala só falava inglês (...) Agora eu era o rei, era o bedel e era também juiz..(...). Esta música revela um poder de nos levar à infância e suas brincadeiras, por vezes já esquecida. Com uma singeleza ímpar, o poeta nos faz entrar num tempo idílico e onírico: Não, não fuja não/ Finja que agora eu era o seu brinquedo/ Eu era o seu pião/ O seu bicho preferido/ Sim, me dê a mão/A gente agora já não tinha medo/ No tempo da maldade/ Acho que a gente nem tinha nascido/ Agora era fatal/ Que o faz-de-conta terminasse assim/ Pra lá deste quintal/ Era uma noite que não tem mais fim (...). A brincadeira e o quintal parecem nos resguardar de uma noite que não tem mais fim. O quintal fala de um tempo onírico, de um mundo habitado pela fantasia, imaginação e possibilidades. Manuel de Barros (2010), poeta criança, também enxerga no quintal uma metáfora da infância: Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre maiores que as outras pedras do mundo. Justo pelo motivo da intimidade (A Infância – Memórias Inventadas) A brincadeira é a principal ferramenta de interação da criança com o meio em que ela está inserida. É através dela que a criança desenvolve sua percepção dos elementos que estão ao seu redor. É mesmo uma atividade espontânea, que proporciona à criança condições saudável para o seu desenvolvimento biopsicossocial. Muitos são os autores que compartilham da perspectiva da importância da brincadeira para as crianças (BROUGÈRE, 2010; CARNEIRO, s\d; PEREIRA, 2009; JARDIM, 2002; FROTA et al, 2014). 12 Chico usa esta expressão no DVD Chico Buarque – uma palavra, de 2006. 43 Nossa compreensão da brincadeira se dá a partir da visão de dois autores ícones da Psicologia do Desenvolvimento: Vygotsky (1991) e Piaget (1967). No primeiro autor, tem-se o desenvolvimento humano advindo da interação social, constituindo o sujeito nesse processo. No segundo, a compreensão do desenvolvimento como um movimento de equilibração de um estágio menos organizado, para um superior mais organizado. Segundo Piaget (1967), as brincadeiras são impulsionadoras para mudanças de estágio de desenvolvimento. Nos primeiros meses de vida, até aproximadamente dois anos, está voltada para a descoberta de seu próprio corpo e daquilo que ele lhe possibilita, caracterizando o estágio sensório-motor.Entre dois a sete anos, surgem as brincadeiras de faz-de-conta, jogos simbólicos e imaginários, nos quais a criança narra o que faz e cria histórias, fortalecendo a desenvoltura da linguagem, tipificando o estágio pré-operatório: Agora eu era o herói, e o meu cavalo só falava inglês13. Ainda de acordo com Piaget, os sete aos doze anos são marcados pelas brincadeiras coletivas e com regras, favorecendo a saída da criança da perspectiva egocêntrica, conduzindo a um processo de socialização e assimilação das regras coletivas. É aqui que aparecem brincadeiras com bola, pega-pega, esconde-esconde. É este o estágio do operatório concreto. Chico traz conteúdos que parecem descrever um pouco este estágio, na música Doze anos: Ai que saudade que eu tenho/ Dos meus doze anos que saudade ingrata/ Dar banda por aí/ Fazendo grandes planos/ E chutando lata/ Trocando figurinha/ Matando passarinho/ Colecionando minhoca/Jogando muito botão/ Rodopiando pião/ Fazendo troca-troca14. A partir da adolescência, e ao longo da vida adulta, há uma prevalência de jogos coletivos e com regras, o que caracterizaria o último estágio, operatório formal.Mais uma vez, nosso poeta se revela: (...) E, disputando troféu/ Guerra de pipa no céu/ Concurso de pipoca. Na teoria psicológica criada por Vygotsky, há o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), que está relacionado ao processo de aprendizagem 13João e Maria (Sivuca – Chico Buarque, 1977) 14 Doze Anos (Chico Buarque - 1977-78) 44 de um sujeito, através de mediadores. Assim, seu salto evolutivo se dá de um nível de desenvolvimento real para um nível de desenvolvimento potencial, com auxílio de um instrumento que facilite essa transposição. É esse processo na ZDP que possibilita o desenvolvimento do sujeito, levando o indivíduo a alcançar níveis cada vez mais evoluídos (VYGOTSKY, 1991). A brincadeira ocupa um lugar de mediação, promovendo esse processo de ZDP, proporcionando à criança desenvolvimento. Assim, o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal da criança. No brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além de seu comportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade. Como no foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento sob forma condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento (VYGOTSKY, 1991, p.69). Léo15 nos permite enxergar a mediação feita pela brincadeira entre a vida cotidiana e a vida futura. Trata do desenvolvimento de uma pessoa, uma criança, que, atravessando toda sua vida, se vê repetido pelo filho: um pé na soleira e um pé na calçada (...) um nome na lama e um silêncio profundo (...) um pé na soleira e um pé na calçada. A música parece tratar de um desenvolvimento de uma criança, que vive, cresce, tem um filho, trabalha, morre tragicamente e, da lama e do silêncio profundo, ressurgem: (...)um pião, um filho no mundo e uma atiradeira/ Um pedaço de pau/ Um pé na soleira e um pé na calçada”. Segundo Vygotsky (1991), existem cinco funções primordiais da brincadeira. Uma das grandes vantagens da brincadeira, em relação às propostas de exercícios pedagógicos, está no fato de a brincadeira manter por maior tempo seu caráter atrativo e prazeroso, o que faz com que a criança repita várias vezes uma mesma ação, e de modo espontâneo. Uma segunda função importante é o desenvolvimento da linguagem e do pensamento. A brincadeira leva a criança a interagir, seja com um objeto, quando brinca 15 Léo (Mílton Nascimento-Chico Buarque, 1978). 45 sozinha, ou com um colega, quando está em grupo. Quando está sozinha, a criança pequena descreve para si mesma cada ação por ela executada à medida que brinca. Esse processo não somente favorece a fluência de sua linguagem, mas o próprio processo de pensamento. A simbolização é o que possibilita a construção de um pensamento abstrato, ou seja, o surgimento das funções psicológicas superiores próprias à condição humana. Na música Acalanto16, Chico fala de uma criança que se dirige ao irmão já falecido, do seu desejo de que ele estivesse ali. A dor da perda mostra-se com uma pungencia maior do que o egocentrismo infantil: É tão cedo, meu irmão/ Abre os olhos, dorme não/ Espalha os meus soldados/ Estraga os meus brinquedos/ Pode me odiar/ Nunca mais olhar para mim/ Mas não faz/ Não faz mais/ Assim (...). A terceira função da brincadeira, conforme discute Vygotsky (1991), é promover a inserção social. A interação durante a brincadeira auxilia a saída da criança de seu estado egocêntrico, passando a enxergar o ponto de vista do outro. É o que vemos a seguir: Se lembra da jaqueira/ A fruta no capim/ O sonho que você contou pra mim/ Os passos no porão/ Lembra da assombração/ E das almas com perfume de jasmim/Se lembra do jardim, ò maninha/ Coberta de flor/ Pois hoje só dá erva daninha no chão que ela pisou17. Ou ainda neste trecho que se segue de João e Maria: Não, não fuja não/ Finja que agora eu era o seu brinquedo/ Eu era o seu pião/O seu bicho preferido/ Sim, me dê a mão/ A gente agora já não tinha medo/ No tempo da maldade/Acho que a gente nem tinha nascido18. Assim, a brincadeira é fundamental para a compreensão dos papéis sociais presentes em determinado contexto. E Chico parece perceber a importância da brincadeira para a socialização humana. Para Giddens (2010), a socialização é o processo pelo qual as crianças, ou outros membros novos de uma sociedade, aprendem o seu modo de vida. É um processo no qual o principal canal de transmissão da cultura, para as crianças, através do tempo e das gerações, e a brincadeira. Assim, as brincadeiras e jogos são transmissores e 16 Acalanto (Edu Lobo/Chico Buarque, 1985). 17 Maninha, 1977 18 João e Maria, 1977 46 produtores de cultura. Como quarta função, apresentamos a interiorização de regras e valores. Vygotsky (1991) falava que toda brincadeira, sem exceção, possui regras e uma situação imaginária na qual está inserida. Dependendo da brincadeira, esses dois aspectos configuram-se de maneira mais ou menos explícita. Prosseguindo a discussão teórica, temos que Vygotsky (1991) apresenta as regras como inerentes ao humano. Elas não são simplesmente imposições externas que contrariam as vontades individuais, e sim regras de funcionamento social, traduzindo e constituindo uma cultura. Giddens (2010) considera que a cultura se refere aos modos de vida dos membros de uma sociedade ou de grupos pertencentes a essa sociedade. Inclui o vestuário, organização social, padrões de trabalho, cerimônias religiosas, lazer e brincadeira. Em Imagina19, Chico fala de crenças sociais, passadas através de brincadeiras infantis: Sabe que o menino que passar debaixo do arco-íris vira moça, vira/ A menina que cruzar de volta ao arco-iris rapidinho volta a ser rapaz. Finalmente, como quinta função da brincadeira, de acordo com Vygotsky, vem a elaboração de desejos e conflitos irrealizáveis. O brincar, para a criança, torna-se uma via de satisfação de alguma necessidade ou desejo frustrado pela realidade. A criança, em uma brincadeira, tem a possibilidade de simbolizar seus sentimentos, por vezes incomunicáveis e que a mobiliza: medo, agressividade, gratidão e amor. Veja como Chico fala disso: Se lembra do futuro que a gente combinou/ Eu era tão criança e ainda sou20. Acreditamos, deste modo, que as brincadeiras ocupam um patamar importante no cotidiano infantil. É brincando que a criança constrói seu saber, sua imaginação e auto realização. Jardim (2002) credita à brincadeira “(...) a possibilidade de uma ordem específica e absoluta que introduz na imperfeição do mundo e na confusão da vida uma perfeição temporária” (p.34). Continuando com Chico, em Maninha: Querendo acreditar/ Que o dia vai raiar/ Só porque uma cantiga anunciou/ Mas não me deixe assim, tão sozinho/ A me torturar/ Que um dia ele vai embora, 19 Imagina, 1983 20 Maninha, 1977 47 Maninha/ Pra nunca mais voltar. Para Jardim, “o jogo (nesse contexto, essa palavra é sinônimo de brincar) é uma ordem e cria uma ordem” (p. 34). Chico parece concordar com isso. A brincadeira tem o poder de realizar uma conexão entre o mundo real e o imaginário.No mundo do faz de conta, tudo se transforma e se reinventa, as regras se tornam flexíveis e necessárias para o desenvolvimento da brincadeira. Logo, se torna interessante compreender o significado do brincar. Brincadeira e cultura: Sabemos que a brincadeira é uma atividade universal, na qual a criança usa os recursos disponíveis no espaço em que vive para experimentar, executar ações e lidar com situações no âmbito do faz de conta (FROTA et al, 2014). Admitimos que quem brinca se serve de elementos culturais para construir a própria história, ou seja, a experiência lúdica aparece como um processo histórico-cultural. Como percebemos na letra da música João e Maria: Eu enfrentava os batalhões/ Os alemães e seus canhões/ Guardava o meu bodoque/ E ensaiava o rock para as matinês. Todo brinquedo carrega em si não apenas aquilo que o adulto intui ser o espírito infantil, mas toda a cultura em que se insere a sua produção: uma época, um modo de ver o mundo e de relacionar-se com as crianças, uma forma de educar e apresentar a tradição, um projeto de sociedade, afirma Pereira (2009).Na letra da música Doze Anos,Chico nos transporta para um espaço e tempo que revelam uma cultura e uma forma de viver: Ai, que saudades que eu tenho/ Duma travessura/ Um futebol de rua/ Sair pulando muro/ Olhando fechadura/ E vendo mulher nua/ Comendo fruta no pé/ Chupando picolé/ Pé-de-moleque, paçoca/ E disputando troféu/ Guerra de pipa no céu/Concurso de pipoca”. É possível e fácil se aperceber desse vínculo do brinquedo com a sociedade: crianças brincam diferentemente em espaços geográficos, históricos e sociais distintos. É como mostram Brougère (2010), Carneiro (s\d), Frota et al (2014). Associar brinquedo e cultura não é, ainda, uma atitude frequente entre os poucos pesquisadores que se interessam pelo brinquedo, afirma Brougère (2010). O brinquedo e a brincadeira, muitas vezes, se revestem de pouco valor. Além disso, pode perder seu valor lúdico para se tornar um instrumento pedagógico. No entanto, para o estudioso, o brinquedo e a brincadeira são dotados de um forte valor cultural, se “definirmos a cultura como o conjunto de significações produzidas pelo homem. Percebemos como 48 ele é rico de significados que permitem compreender determinada sociedade e cultura” (p. 8). Assim, apesar da dificuldade em conhecer as diferentes infâncias e como viviam as crianças nos distintos povos, é possível conhecer um pouco da história e da cultura através dos objetos utilizados nas brincadeiras infantis, como percebemos claramente com o que fazem os Pequenos Chicos, nas músicas Doze Anos e Léo. Vejamos um trecho de Léo: Um pé na soleira e um pé na calçada/ Um pião (...). Brougère (2010) mostra como o brinquedo e as brincadeiras refletem uma realidade social, toda a cultura que lhes permeia. É feliz na sua argumentação, quando afirma, por exemplo: Ao olhar a Barbie e a Susy, duas bonecas-manequins e, também, as bonecas-bebê e seu ambiente infantil, reconhecemos certos aspectos de nossa realidade cotidiana. Do mesmo modo, sociedades diferentes, sociedades passadas, podem ser conhecidas através das bonecas, de suas roupas, suas casinhas (p. 34). Assim, brinquedos e brincadeiras são constituídos e constituintes de uma cultura, de uma sociedade. Nas músicas do Chico, emergem várias brincadeiras, brinquedos e jogos, que nos falam de uma cultura e de uma prática cultural. Em João e Maria, o jogo de faz-de-conta é um convite às brincadeiras de heróis, cowboys, guerra e princesa. Aparecem brinquedos como pião e bodoques. O poeta nos fala de um tempo idílico, fantasioso e restrito, um “quintal” que consegue se manter imune aos perigos da vida e à escuridão da noite. Já em Doze anos aparecem brincadeiras como chutar latas, matar passarinho, trocar figurinhas, colecionar minhocas, rodopiar pião, jogar botão, jogar futebol de rua, escalar muros, olhar mulher pelada pelo buraco da fechadura, trepar em árvores e comer furtas no pé, chupar picolé, comer pé de moleque e paçoca, disputar troféu, fazer guerra de pipa no céu e, o tão conhecido quanto assegredado, concurso de “piroca”. Fala de um tempo que as crianças de cidades grandes não parecem conhecer, pois vivem sitiadas em prédios, temerosas da violência das cidades. Tem o poder de nos transportar para esse tempo idílico e poético. Léo nos fala de um tempo marcado por ações e objetos. A infância parece ser representada pela soleira da rua e o pé na calçada. Aqui, mais uma vez, o pião surge caracterizando um brinquedo infantil, que logo é trocado por um rabo de saia. E volta ao fazer referência ao filho, de novo na soleira e um pé na calçada. 49 Roda Gigante traz um parque de diversões, com sua montanha russa, roda gigante, carrossel, túnel do amor, tapete mágico, aviãozinho, trem fantasma. Com o parque e suas fantasias, também o sentimento de um amor imorredouro, que nem sempre consegue permanecer real, tanto quanto a fantasia o faz. Roda Viva (1967, Chico Buarque) parece falar da vida e das ilusões que a atravessa e a constitui. Vejamos esse trecho: Roda mundo, roda-gigante/ Rodamoinho, roda pião/ O tempo rodou num instante/ Nas voltas do meu coração. Na vida, que não é de faz-de-conta, a roda viva carrega amores, brisas, saudades.Assim como os brinquedos rodam em torno de si mesmos, também a vida parece girar. Em Acalanto, na pungência da dor da perda do irmão, um pequeno chico oferece seus brinquedos, soldadinhos, ao irmão ausente.Oferece também a si mesmo, seu corpo e cabelos, como brinquedo, e para fazer renascer o irmão morto. Finalmente, Maninha fala de balões, de fogueiras, de assombração. Mais uma vez, CB trata de uma infância idílica, habitada por feriados nacionais, que trazem crianças correndo no campo, embaixo de jaqueiras. Deste modo, a cultura lúdica da criança é influenciada tanto pelo brinquedo quanto pelos conteúdos simbólicos e culturais. A brincadeira está ligada aos objetos lúdicos dos quais a criança dispõe, e das tradições diversas que fazem parte de sua existência. A brincadeira é um meio de viver a cultura, tal como ela verdadeiramente é pelos olhos da criança, e não como ela deveria ser, qual seja, pelas lentes dos adultos: A criança está inserida, desde o seu nascimento, num contexto social e seus comportamentos estão impregnados por essa imersão inevitável. Não existe na criança uma brincadeira natural. A brincadeira é um processo de relações interindividuais, portanto, de cultura (BROUGÈRE, 2010, p.104). Voltando à realidade das letras das músicas do Chico, interessa-nos investigar a brincadeira e brinquedos que surgem revelados. O que, a partir deles se mostra ao nosso olhar de pesquisadores? De qual cultura Chico nos fala? Qual sociedade se deixa perceber na sua poesia? Categoria Características da Infância 50 Parece muito fácil descrever a infância ou, ainda, a criança. De um modo geral, existe a compreensão de que ser criança resume-se em ser feliz, alegre, despreocupado, ter condições de vida propícias ao seu desenvolvimento, ou seja, a infância é considerada o "melhor tempo da vida", pelo menos para muitas pessoas desavisadas ou com conclusões aligeiradas. Contudo, alerta Frota (2007), nem sempre é desse modo que a infância é vivida por muitas crianças: “basta olharmos ao redor, para vermos meninos e meninas na rua, esmolando, se prostituindo, sendo explorados no trabalho, sem tempo para brincar, sofrendo violências de todos os tipos” (p. 148). A criança desvalida aparece em algumas das canções do Chico: Pivete (No sinal fechado/ Ele vende chiclete/ Capricha na flanela/ E se chama Pelé/ Pinta na janela/ Batalha algum trocado/ Aponta um canivete e até),O Meu Guri (Quando seu moço nasceu meu rebento/ Não era o momento dele rebentar/ Já veio nascendo com cara de fome/ Eu não tinha nem nome para lhe dar), Uma Menina (Uma menina igual a mil/ Que não está nem aí/ Tivesse a vida pra escolher/ E era talvez ser distraída/ O que ela mais queria ser/ Ah se eu pudesse não cantar/ Esta absurda melodia/ Pra uma criança assim caída/ Uma menina do Brasil/ Que não está nem aí/ Uma menina igual a mil/ Do Morro do Tuiuti), Carioca (De noite/ Meninas/ Peitinhos de pitomba/ Vendendo por Copacabana/ As suas bugigangas/ Suas bugigangas). Ele não nos fala de uma única infância idílica, momento existencial desejado por todos. Fala-nos de infâncias! Scliar (1995) discute a multiplicidade de infâncias na contemporaneidade, deixando clara a construção histórica de tal categoria. Para ele, aquela ideia tão difundida da infância como um tempo de felicidade, não tem sido garantida para todos. O mesmo parecem fazer Dahlberg, Moss e Pence (2003), ao atestarem que as novas concepções de infância e de criança apontam para a aceitação de uma multiplicidade e um devir, que não se fecha em si mesmo, enfatizam que não existe somente uma forma de compreender a criança e a infância. Sob uma perspectiva pós-moderna, afirma Frota (2007), não existe conhecimento absoluto, realidade cristalizada, esperando para ser conhecida e domada; um entendimento universal, que se faça fora da história ou da sociedade. No lugar disso, o projeto pós-modernista propõe que o mundo e o conhecimento dele sejam vistos como socialmente construídos. Isso significa pensar que todos nós estamos engajados na construção de significados, em vez de engajados na descoberta de verdades. Assim, não existe somente uma realidade, mas várias. O conhecimento não é único, e sim múltiplo, variável, 51 fragmentado e mutável, inscrito nas relações de poder, que lhes determinam o que é considerado como verdade ou falsidade. A verdade é compreendida somente como uma correspondência da verdade, uma representação da verdade, e como tal deve ser tomada. (p. 149). Partindo da perspectiva paradigmática da pós-modernidade, a criança é descentralizada, ou seja, retirada do centro, uma vez que se considera que ela exista através das suas relações com os outros, sempre em um contexto particular e próprio. Assim, torna-se possível e necessário afirmar que a infância, como produção cultural na pós-modernidade, não pode ser pensada como cristalizada ou acabada. Constitui-se mesmo num devir, que incorpora a noção de transformação e dinamismo. Coloca-se, então, a necessária compreensão dos diversos sentidos e significados de infância. Elaborar conclusões sobre a concepção de infância na contemporaneidade, evidencia-se uma tarefa impossível de ser levada a cabo. A compreensão da impossibilidade de se tomarem as grandes narrativas como verdades cristalizadas, a certeza da multiplicidade de vivências e de seus significados, que se ancoram nas também múltiplas historicidades, a aceitação da parcialidade das verdades, são elementos que não podem ser deixados de lado. Desse modo, os saberes são construídos de modo tímido, sabendo-se incompletos, precários e parciais. Contudo, ao mesmo tempo, mais verdadeiros. Assim, torna-se necessário alertar para a precariedade das distintas concepções que habitam nossos saberes. Tais concepções, importantes de serem compreendidas e pensadas, não são verdades absolutas e sim “pontas do iceberg”, devendo ser tomadas como tal. As diferentes crianças Chico Buarque não nos fala de uma infância única. Mostra-nos várias infâncias, vividas de modo tão diverso e único quanto as sociedades e as histórias podem ser. Cavalcanti (2012)acredita que os poetas retiram da vida simples e humilde, poesia, tal como faz CB. Assim, “para estes poetas, a poesia está no chão, no mais humilde cotidiano” (p. 12). Na obra de CB, se fazem presentes a valorização da vida cotidiana, na rotina dos subúrbios, assim como a contraposição entre vida simples e agitada. Cidades pequenas e grandes centros urbanos aparecem na sua obra. Ciarallo (2009) acredita que Chico Buarque se apercebe das diferentes infâncias e mostra isso na sua obra. Também afirma que as crianças ricas aparecem em desfiles 52 de modas e propagandas, enquanto as pobres são denominadas menores, e estão nas páginas policiais: “Como se as crianças pobres fossem futuros marginais, um delírio social determinista, constituído a partir das imagens e dos discursos construídos historicamente, sustentados nas relações cotidianas, dilatados e uniformizados, em especial, pela mídia” (p. 20-21). A autora observa ainda que “quando nomeamos crianças e adolescentes, estamos falando de pessoas que têm nome e sobrenome. O sobrenome daquele que nomeamos menor é sua classe” (p. 20). E é muito nitidamente que Chico fala de classe social em O Meu Guri: (...) Já foi nascendo com cara de fome/ Eu não tinha nem nome para lhe dar (...). Já em A Banda, por exemplo, ambientes nostálgicos e interioranos se deixam ver, mostrando outra realidade: “justamente pelo fato desta canção trazer, para um mundo completamente conturbado, um tempo feliz e harmônico” (SILVA, 2004, p. 16). A música se tornou um ícone da produção do poeta. Silva (2004) acredita que A Banda, cantada primeiramente por Nara Leão e pelo autor, se tornou um acontecimento nacional. Aqui, a criança aparece como símbolo da alegria, movimento, assanhamento: A moça triste que vivia calada sorriu/ A rosa triste que vivia fechada se abriu/E a meninada toda se assanhou/ Pra ver a banda passar/ Cantando coisas de amor. Incrível a capacidade lírica do poeta de tratar de realidades tão distintas quanto possíveis:infância desvalida e infância alegre, por exemplo. É de Silva (2004) a seguinte afirmação: A Banda cantada por Chico representa um momento de alegria efêmera, que por onde passa leva sentido à vida de pessoas perdidas em si mesmas e as reúne numa espécie de comunhão, capaz de reencantar a própria natureza: o homem sério para de contar dinheiro, a moça triste e calada sorri, o velho fraco se esquece do cansaço, a rosa triste se abre, a lua cheia aparece – tudo se transfigura ao ver a banda passar cantando coisas de amor. E tudo volta à sua rotina cinzenta e sem sentido – “cada qual no seu canto/ em cada canto uma dor” – tão logo a banda se vai e o encanto se desfaz (p. 41). Dentro deste panorama, a criança mostra-se inquieta, em movimento, de modo lúdico. Destacamos o movimento, presente em A Banda, na forma de “assanhamento”, como uma característica frequentemente associada à infância. A brincadeira parece mesmo ser uma das características mais presentes na representação da infância, dentro 53 da obra de Chico. Em João e Maria, a brincadeira de faz-de-conta nos introduz em um mundo onírico. Sigamos com ela: Agora eu era o herói E o meu cavalo só falava inglês A noiva do cowboy Era você além das outras três Eu enfrentava os batalhões Os alemães e seus canhões Guardava o meu bodoque E ensaiava o rock para as matinês A criança brinca de jogos-de-faz-de-conta, acredita nas histórias de assombração, vibra com um feriado nacional, que abre a possibilidade de correr com os amigos pelas ruas, entre as roupas recém-lavadas. “Naquele tempo” se enxergam as flores no campo e as jaqueiras cheias de frutos. A brincadeira faz-se presente nas musicas do poeta: Marcha para um dia de Sol (Eu quero ver um dia/ Nascer sorrindo/ E toda a gente/ Sorrir com o dia/ Com alegria/ Do sol do mar/ Criança brincando/ Mulher a cantar.); Meu refrão (Já chorei sentido de desilusão/ Hoje estou crescido/ Já não choro não/ Já brinquei de bola/ Já soltei balão/ Mas tive que fugir da escola/ Pra aprender a lição); Roda Gigante (Tapete mágico, aviãozinho, trem fantasma/ E a noite então/ Lembra você, mas qual você/ Não lembra não); Doze Anos: Ai, que saudades que eu tenho Dos meus doze anos Que saudade ingrata Dar bandas por aí Fazendo grandes planos E chutando lata Trocando figurinha Matando passarinho Colecionando minhoca Jogando muito botão Rodopiando pião Fazendo troca-troca. Chico nos mostra uma cultura lúdica, apresentando brincadeiras, jogos e brinquedos, nos apontando para a riqueza dessa atividade. Ao mesmo tempo, não se detém a uma única característica da infância. Será que ele, assim como afirma Dorneles (2010), tenta “re-interpretar as infâncias, fazendo-as transbordar de significados, na 54 tentativa de mostrá-las como uma possibilidade de viver e viver outra forma de ser criança”? (p.4). Dornelles (2010) nos fala da provisoriedade das verdades modernas. Uma destas verdades é da criança como independente, um indivíduo cuidado, para cuidar de si mesmo. Acredita que na modernidade se construiu uma infância que prometia uma criança feliz, respeitada e independente. No entanto, Chico rompe com este paradigma, denunciando infâncias desvalidas, crianças violentadas nos seus direitos. A criança é apresentada como movimento, animação, energia, alegria. Mesmo em Pivete, que nos conduz a uma infância desprotegida, ela também anda, brinca, corre, se alegra. Podemos ver isso em O que Será (à flor da terra) - E todos os meninos vão desembestar; O Que Será (Abertura) – Será que essa criança quer me agoniar/ Será que não se cansa de desafiar/ O que não tem descanso, nem nunca terá; A Cidade Ideal – Atenção porque nesta cidade/ Corre-se a toda velocidade. Doze anos é, toda ela, marcada pelo movimento. Tanto que quase conseguimos ver um bando de meninos inventando “peraltagens”. E, em Outros Sonhos, o que parece impossível para o poeta é ver “Guris inertes no chão”. Em algumas letras de música, a criança é representada como alguém que vive uma dependência afetiva grande, em especial dos pais. Madalena Foi para o Maré um bom exemplo disso. Além disso, inocência, imaturidade, e incompletude também são apontadas como características da criança: Vem que eu te quero fraco/ Vem que eu te quero tolo/ Vem que eu te quero todo meu.(Trecho de Sem Fantasia). Valsa Rancho também mostra este olhar sobre a criança: Me deixa/ Que criança/ Que esperança/ Que prazer/Que saudade. Já em Você, Você, música feita em homenagem ao neto do poeta Chico, a grande dependência materna fica muito evidente: Que roupa você veste, que anéis? Por quem você se troca? Que bicho feroz são seus cabelos Que à noite você solta? De que é que você brinca? Que horas você volta? Seu beijo nos meus olhos, seus pés Que o chão sequer não tocam A seda a roçar no quarto escuro E a réstia sob a porta Onde é que você some? 55 Que horas você volta? Quem é essa voz? Que assombração Seu corpo carrega? Terá um capuz? Será o ladrão? Que horas você chega? Me sopre novamente as canções Com que você me engana Que blusa você, com o seu cheiro Deixou na minha cama? Você, quando não dorme Quem é que você chama? Pra quem você tem olhos azuis E com as manhãs remoça E à noite, pra quem Você é uma luz Debaixo da porta? No sonho de quem Você vai e vem Com os cabelos Que você solta? Que horas, me diga que horas, me diga Que horas você volta? Ao mesmo tempo, Chico apresenta a criança sempre de uma forma positiva, como a inauguração de possibilidades já esgotadas para os velhos. Vejamos alguns trechos de letras: Em Maninha: Se lembra do futuro/ Que a gente combinou/ Eu era tão criança e ainda sou/ Querendo acreditar que o dia vai raiar/ Só porque uma cantiga anunciou. Também em Sonho de Um Carnaval, deparamo-nos com uma perspectiva positiva: No carnaval, esperança/ Que gente longe viva na lembrança/ Que gente triste possa entrar na dança/ Que gente grande saiba ser criança. A Cidade Ideal traz nova perspectiva, também bastante positiva: O sonho é meu e eu sonho que/ Deve ter alamedas verdes/ A cidade dos meus amores/ E, quem dera, os moradores/ E o prefeito e os varredores/ Fossem somente crianças”. Chico nos aponta, desta forma, uma característica infantil que, além de positiva, traz consigo uma esperança de transformação social. Identificamos outras características de infâncias nas letras de música: submissão, obediência, permissão para chorar, fragilidade. Em Meu Refrão, o poeta mostra a criança como alguém que ainda pode chorar: Já chorei sentido de desilusão/ Hoje estou crescido/ Já não choro não/ Já brinquei de bola, já soltei balão/ Mas tive que fugir da escola/ Pra aprender a lição. Em Com Açúcar e com Afeto, também aparece a figura da criança que chora: Quando a noite enfim lhe cansa/ Você vem feito criança/ Pra chorar o meu perdão/ Qual o quê!. Em Ano 56 Novo, novamente isso se faz presente: E eu que sou menino/ Muito obediente/ Estava indiferente/ Logo me comovo/ Pra ficar contente/ Porque é Ano Novo. Assim, às crianças parece ser permitido chorar, se comover, ficar contente e brincar. Até o Fim, juntamente com Meu Refrão, sãos as duas letras de música que tratam da escola. Isso chama atenção pelo fato, na contemporaneidade, ser a escola uma das instituições que mais se confunde com a infância. No entanto, só detectamos sua presença nessas duas letras da música do poeta Chico. Além disso, seu olhar sobre a escola é crítica, como podemos perceber: Inda garoto deixei de ir à escola/ Caçaram meu boletim – Até o fim. Mas tive que fugir da escola/ Pra aprender a lição, trecho de Meu Refrão. Em nosso modo de ver, Chico pensa na criança como um ser em devir. Isso significa que ele pensa a criança como possibilidade de viver, como possibilidade de viver o ser criança como prática de potencialização da alegria da vida, como uma política de afirmação da vida. Categoria Infâncias O Brasil é um país marcado por profundas desigualdades sociais. No que diz respeito à renda, o país é um dos que apresenta os piores quadros de concentração de renda do mundo. Ao longo de sua história constituiu-se de uma maneira persistente a concentração de renda e riqueza no país. Se fizermos uma analise de seu processo de colonização até o período recente pode-se constatar que independente do grau de crescimento econômico o país não consegue de uma maneira justa fazer a repartição do seu produto social. É interessante ressaltar que a renda per capita, renda dividida pela população, é um dos principais indicadores utilizados na mensuração do padrão desenvolvimento de uma nação. Porém, ela não pode ser vista como um elemento isolado dos demais indicadores econômicos e com certeza, os sociais. Ao discutir a exclusão social, pobreza no Brasil, Lemos (2012) aponta a importância de distinguirmos os conceitos de crescimento econômico e desenvolvimento econômico. Para o autor, o crescimento é “aferido apenas através de 57 indicadores de quantum ou de quantidades, como, por exemplo, o produto agregado nas suas diferentes formas de aferição (PIB agregado, renda agregada) ou de um destes agregados expressos em termos médios” (p. 37). Já o desenvolvimento econômico é um conceito bem mais abrangente do que o mero crescimento do produto agregado de um país, de uma região ou de um estado ou município. Os indicadores de quantum, isoladamente, não são capazes de aferir os níveis de bem-estar e de qualidade de vida e, portanto, de desenvolvimento, haja vista que alguns, ou todos eles, podem estar associados a desigualdades sociais significativas. A sociedade pode ter uma produção elevada e apenas uma ínfima e restrita parcela da população tem acesso a esse resultado. Através do conceito de desenvolvimento econômico, deveria haver um envolvimento equitativo da sociedade na repartição deste bolo. Adicionalmente, essa maior participação deveria vir acompanhada de melhores padrões de qualidade de vida (LEMOS, 2012). A desigualdade social também se apresenta entre as regiões, gênero, raça e etnia. Tais dimensões também contribuem para acentuar tais desigualdades, posto que o diferente é tomado, no Brasil, muitas vezes, como o inferior. Na economia brasileira prepondera uma das distribuições de renda, terra e pessoal, ocupado na agricultura, das mais desiguais do mundo ocidental. Mesmo com o intenso ritmo de crescimento econômico, transformações estruturais e modernização experimentada pela economia brasileira nas últimas cinco décadas, a questão dos desequilíbrios entre pessoas e regiões permaneceu praticamente inalterada. São vários os fatores que levam alguns a terem renda maior do que outros: escolaridade, gênero, região de nascimento e de moradia . Segundo Lemos (2012) a mais marcante das características da sociedade brasileira, é, sem sombra de dúvidas, o contraste no que se refere aos indicadores sociais e econômicos que se distribuem de forma bastante assimétrica entre as regiões, estados, bem como dentro das regiões e dos Estados. A partir dessas reflexões, é possível para nós pensarmos em diversos “Brasis”, bem como diversificados estados, em um mesmo estado brasileiro. Singer (2000) aponta que desigualdade, pobreza e exclusão social, estão altamente inter-relacionadas, mas que devem ser distinguidas. Desigualdade refere-se principalmente à renda, consumo ou acesso a serviços e oportunidades. Isto é 58 inteiramente relativo: o grau de desigualdade pode ser determinado apenas ao se examinar a situação do grupo ou sociedade como um todo, dimensionando a posição de seus componentes e determinando a extensão das diferenças entre eles. A desigualdade pode se revelar muito difícil de ser medida. Porém, o senso comum identifica com facilidade as sociedades nas quais os cidadãos compartilham (em distintos patamares) de um padrão de vida, e sociedades nas quais não existe comensurabilidade entre o modo de vida do rico e as estratégias de sobrevivência do pobre. Já a pobreza é vista também como uma situação relativa, que deve, contudo, ser relacionada com a medida absoluta de um mínimo. Apesar de este mínimo de consumo, de condições de vida, diferir entre os diversos países e mudar continuamente, há uma espécie de referência comum na noção das necessidades básicas, cuja satisfação deve ser assegurada a todos. Pobres são os desprovidos da satisfação daquilo que se consideram as necessidades básicas. Tal definição de pobreza praticamente exclui a hipótese de que poderia haver “pobre voluntário” ou “pobre por escolha própria”, visto que pobreza, neste sentido, implica padecimento por privação do mínimo necessário para manter a pessoa viva e saudável (SINGER, 2000, p. 61). Com relação à exclusão social, essa pode ser vista como uma soma de várias exclusões, habitualmente muito inter-relacionadas. Aqueles que foram expulsos do mercado de trabalho formal, ou do mercado da residência formal, em contraste com o informal, formado por cortiços e favelas, ou da escola, ficam em desvantagem na competição por novas oportunidades, tornando-se candidatos prováveis a novas exclusões. Contrariamente à desigualdade e pobreza, que são situações, a exclusão social é um processo, embora captado estatisticamente pelo número de excluídos. O início da produção artística de CB, década de 1960, se dá no ingresso do Brasil como um país mais urbano, mais industrializado e com uma maior diversidade de ocupações profissionais, caracterizando-se, assim, como uma nação que ingressa no padrão capitalista ocidental. Paralelo a isso, o país enfrenta altas taxas de inflação, elevada dívida externa e déficit do balanço de pagamento. Tem-se, logo no inicio da década, o agravamento de uma das mais sérias crises econômicas e financeiras no país. A partir de abril de 1964, o país passa a vivenciar a intervenção militar, que perdurou 59 até o ano de 1985. Durante esse período conturbado da história de nosso país, vários artistas se manifestaram através de sua arte. A década dos anos 60, no Brasil, é apontada pelos cientistas sociais como um período muito rico cultural e politicamente. O desenvolvimento progressista anunciado por Juscelino Kubitschek, posteriormente colocado em xeque pela repressão pós-golpe de 1964, e permeado pelos atos inconstitucionais, resultaram numa ampla contestação ideológica na época, produzida pela intelectualidade brasileira. Somados à entrada da era eletrônica e a conquista do homem à Lua formam o período mais efervescente e contraditório da história cultural brasileira contemporânea. (FISCHER, FABRICIO, CARVALHO, 2003, p. 136). Chico discorre sobre esse momento quando compõe, em 1965, a música Pedro Pedreiro. No título da canção, Chico demarca uma profissão socialmente considerada inferior. Cria um personagem comum na realidade das grandes cidades brasileiras, que se insere em um contexto de subalternidade e inferioridade econômica, social e de status. Sua profissão, pedreiro, vira seu sobrenome e remete a um ramo da construção civil, onde é absorvida a mão-de-obra de baixa escolaridade e baixa renda. Pedro esperao aumento/ Desde o ano passado/ Para o mês que vem e a sorte pela federal todo mês. Espera tanto por uma mudança em sua condição, que acaba por desistir de sua esperança. Quer ser pedreiro, pobre e nada mais/ Sem ficar esperando, esperando, esperando... Antes, era Pedro Pedreiro Penseiro, agora é só Pedro Pedreiro Pedreiro. Enquanto isso, e a mulher de Pedro/ Está esperando um filho/ Para esperar também, um filho que será um novo Pedro e que encontrará a mesma dificuldade de mobilidade social. Podemos facilmente observar a presença de marcação de classes igualmente em outra canção de Chico Buarque, intitulada Construção. Nela, assim como em Pedro Pedreiro, o protagonista é uma representação de um trabalhador urbano de baixa renda. Ambos são (ou serão) pais que, pelo conteúdo das duas canções, não poderão proporcionar condições ideais de criação para seus filhos. O caráter pessimista (ou seria realista?) das letras nos transmite a sensação de perpetuação da realidade socioeconômica de milhares de brasileiros. 60 É interessante observar o caráter humanista retratado nessas obras. A propósito, Boff (2004) discorre sobre esse humanismo aberto, como ele o chama, e ao qual associa a bondade, a solidariedade, a cooperação e a compaixão. E, mais ainda, o amor, a benquerença, a reconciliação, a paz. Esse humanismo aberto possui, de acordo com o teólogo, valor intrínseco, mesmo quando se esquece as razões últimas de sua sustentação. Ele se tornou hoje patrimônio transcultural da humanidade. Constitui a atmosfera ética e espiritual que respiramos coletivamente (p. 84-5). Em O Meu Guri podemos observar que, mesmo tendo sido composta em 1981, a música permanece atual para a realidade infanto-juvenil Brasileira. Isso é relatado por Fagundes (2013): depois de vir pela primeira a público, em 1981, a canção “O meu guri” permanece atual. Os temas da invisibilidade social, da má distribuição de renda, da evasão de menores de idade para a criminalidade e da invasão da violência no espaço urbano brasileiro passam pela sensibilidade e inteligência de Chico Buarque, pelas quais a letra faz arte mesmo quando à parte da música. (p. 149). Citamos o trecho de O Meu Guri: Já foi nascendo com cara de fome/E eu não tinha nem nome pra lhe dar/Como fui levando, não sei lhe explicar/Fui assim levando ele a me levar/E na sua meninice ele um dia me disse/Que chegava lá. A fome é visível em O Meu Guri, assim como em Brejo da Cruz: A novidade Que tem no Brejo da Cruz É a criançada Se alimentar de luz Alucinados Meninos ficando azuis E desencarnando Lá no Brejo da Cruz. Ainda sobre diferenciação de vivências de infância, CB nos aponta para inserções outras, para além da marcação de classe. São exemplos: a meninada que se 61 assanha ao passar da banda, em conjunção a outras pessoas do cotidiano; a alusão às crianças – junto à “Cecília e a família”, feita pelo compositor em Meu Caro Amigo, em carta que envia ao exilado Augusto Boal. Escutemos: A Marieta manda um beijo para os seus/Um beijo na família, na Cecília e nas crianças/O Francis aproveita pra também mandar lembranças/A todo o pessoal, Adeus. Há, ainda, em A Violeira, a jovem que (Desde menina/ Caprichosa e nordestina/ Que eu sabia, a minha sina/ Era no Rio vir morar/ Em Araripe/ Topei com o chofer dum jipe/ Que descia pra Sergipe/ Pro Serviço Militar) sonhava em migrar para outras regiões. Ou seja, é deslocando-se de uma região a outra, que a Violeira busca outras formas de inserção social. Podemos incluir, ainda, como exemplos de alusões a inserção social, nas canções de: A Cidade Ideal – provavelmente a única alusão de CB à participação de crianças em decisões coletivas, na administração da cidade, e o faz como algo que seria benéfico para a realidade – a presença efetiva da criança, no desempenho dos mais variados papeis sociais: A cidade ideal Cachorro: A cidade ideal dum cachorro Tem um poste por metro quadrado Não tem carro, não corro, não morro E também nunca fico apertado Galinha: A cidade ideal da galinha Tem as ruas cheias de minhoca A barriga fica tão quentinha Que transforma o milho em pipoca Crianças: Atenção porque nesta cidade Corre-se a toda velocidade E atenção que o negócio está preto Restaurante assando galeto Todos: Mas não, mas não O sonho é meu e eu sonho que Deve ter alamedas verdes 62 A cidade dos meus amores E, quem dera, os moradores E o prefeito e os varredores Fossem somente crianças Deve ter alamedas verdes A cidade dos meus amores E, quem dera, os moradores E o prefeito e os varredores E os pintores e os vendedores Fossem somente crianças Gata: A cidade ideal de uma gata É um prato de tripa fresquinha Tem sardinha num bonde de lata Tem alcatra no final da linha Jumento: Jumento é velho, velho e sabido E por isso já está prevenido A cidade é uma estranha senhora Que hoje sorri e amanhã te devora Crianças: Atenção que o jumento é sabido É melhor ficar bem prevenido E olha, gata, que a tua pelica Vai virar uma bela cuíca Todos: Mas não, mas não O sonho é meu e eu sonho que Deve ter alamedas verdes A cidade dos meus amores E, quem dera, os moradores E o prefeito e os varredores Fossem somente crianças 63 Deve ter alamedas verdes A cidade dos meus amores E, quem dera, os moradores E o prefeito e os varredores E os pintores e os vendedores As senhoras e os senhores E os guardas e os inspetores Fossem somente crianças O trabalho infantil também se revela, para nós, como caminho de distinção entre infâncias, no conteúdo de canções de CB: em Carioca, há a púbere, com seus peitinhos de pitomba, que batalha por sua sobrevivência, De noite Meninas Peitinhos de pitomba Vendendo por Copacabana As suas bugigangas Suas bugigangas. No Brasil as crianças de famílias pobres sempre trabalharam. No espaço privado, ou no público, muitas começam nos mais tenros anos a luta pela sobrevivência. No Brasil, o trabalho infantil pode ser considerado como consequência de uma série de fatores. Dentre eles podemos citar a necessidade de contribuir com a renda familiar, dado que, no país, é relevante o numero de famílias com rendimentos financeiros insuficientes para suprir, pelo menos, suas necessidades primárias. Aos filhos de “rico”, a escola! Aos filhos de “pobre”, o “ trabalho”!. É essa a ideologia difundida no início do Brasil republicano, e que perdura até hoje. Segundo Rizzini (2013), a extinção da escravatura foi um divisor de águas no que diz respeito ao trabalho infantil. O debate sobre a teoria que o trabalho seria a solução para o ‘problema do menor abandonado ou delinquente começava a ganhar visibilidade’. A experiência da escravidão havia demonstrado que a criança e o jovem trabalhador constituíam-se em mão de obra mais dócil, mais barata, e com mais facilidade de adaptar-se ao trabalho. 64 As canções de CB também, como em Pivete e O meu guri, fazem referencia a “envolvimento com atos infracionais”. Pinta na janela/ Batalha algum trocado/ Aponta um canivete/ E até... Arromba uma porta/ Faz ligação direta/ Engata uma primeira/ E até/...Se manda pra Tijuca/ Na contramão(...). Descola uma bereta; Em O Meu Guri...Chega suado e veloz do batente/ E traz sempre um presente pra me encabular/ Tanta corrente de ouro, seu moço/ Que haja pescoço pra enfiar/ Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro/Chave, caderneta, terço e patuá/ Um lenço e uma penca de documentos/ Pra finalmente eu me identificar/Chega no morro com o carregamento/ Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador/...Chega estampado, manchete, retrato/ Com venda nos olhos, legenda e as iniciais. A referência de crianças em atos infracionais já é percebida no final do século XIX na cidade de São Paulo. Com o fim do regime escravocrata, migração europeia e acelerado êxodo rural, era comum a prática de “vadiagem” e “gatunagem” de “menores” que aterrorizavam os cidadãos paulistanos( SANTOS, 2013). Em uma revista desse período, séc. XIX, foi publicada uma poesia de Amélia Rodrigues21, O Vagabundo, na qual retrata um ‘menor’ de 12 anos, que perambulava pelas ruas ameaçando a ordem pública. Escutemos: O vagabundo O dia inteiro pelas ruas anda Enxovalhado, roto indiferente: Mãos aos bolsos olhar impertinente, Um machucado chapeuzinho a banda. Cigarro à boca, modos de quem manda, 21Amélia Augusta do Sacramento Rodrigues nasceu na Fazenda Campos, freguesia de Oliveira dos Campinhos, a 26 de maio de 1861. Faleceu aos 65 anos de idade, no dia 22 de agosto de 1926, deixando a marca de um trabalho inigualável, tanto na Educação, como na Literatura e Assistência Social. Disponível em: http://www.jacuipenoticias.com. Acesso em 25 de agosto de 2015. 65 Um dandy de misérias alegremente, A procurar ocasião somente Em que as tendências bélicas expanda E tem doze anos só! Uma corola De flor mal desabrochada! Ao desditoso Quem faz a grande, e peregrina esmola De arranca-lo a esse trilho perigoso, De atira-lo p’ra os bancos de uma escola?! Do vagabundo faz-se o criminoso!... Podemos relacionar a poesia com O pivete de CB ( canção) que em ambas um garoto vive o seu cotidiano perambulando pelas ruas da cidade e se envolve com algum ato infracional. A moral vigente quando da publicação de O Vagabundo, e os interesses por mão de obra que o capital requeria, faziam desse ato, perambular, um crime. O momento que São Paulo vinha vivendo era uma sociedade urbana, que inaugurava um novo de vida. Era o inicio de uma nova sociabilidade, dado que a urbanização e a industrialização imprimiam novas formas de vida na cidade. Existia, porém, uma dicotomia entre uma cidade que vivencia os novos ventos da industrialização e uma população que vivia em condições de vida miserável. Segundo Santos (2013), grande parte da população não participava desse progresso, vivendo em habitações compostas de cortiços, em condições mínimas de salubridade e saneamento, sujeitas a pestes e epidemias. Ainda segundo o autor, a criminalidade, porém, se registrava diferentemente do que se tem hoje. No Brasil atual, a criminalidade, expressa muitas vezes em homicídios, tráfico de drogas, seqüestros, exige uma reflexão sobre os sujeitos envolvidos. Nas últimas décadas, presenciamos um novo padrão de mortes de jovens. Segundo Mello Jorge (1998, apud Waiselfisz, 2011), estudos históricos realizados em São Paulo e no Rio de Janeiro mostram que as epidemias e doenças infecciosas – as principais causas de morte entre os jovens há cinco ou seis décadas –, foram progressivamente substituídas pelas denominadas “causas externas” de mortalidade, principalmente homicídios 66 Já em 1983, Pires alertava que as grandes cidades foram transformadas num autêntico campo de batalha, onde mais de mil pessoas por ano são mortas, em número superior as perdas anuais reconhecidas por países mergulhados em longo conflito armado. Ainda segundo a autora, pesquisas revelavam também que o povo tinha muito medo de ser assaltado. Mas temiam tanto ladrões como a policia. E o crescimento assustador do fenômeno dos linchamentos de assaltantes e criminosos por parte da sociedade – a violência pela as próprias mãos da população- dá a exata medida do descrédito das instituições e do sentimento de insegurança diante da impunidade do ladrão. Em O Meu Guri, de maneira terna, a mãe faz referência ao filho que lhe presenteia com mimos, mesmo desconhecendo a origem. Segundo Fagundes (2013), o poema nos fala da trajetória de um menino nascido em ocasião não conveniente (“Não era o momento dele rebentar”), pobre (“Já foi nascendo com cara de fome”), morador de morro (“chega no morro”; “até ele chegar no alto”) e vinculado à criminalidade (“com carregamento”). No relato, não necessariamente ciente e/ou consciente da mãe, o mundo do crime aparece na condição de meio de “chegar lá”, ou seja, de sair da fome e da falta de um nome para se tornar alguém na vida (“na sua meninice ele um dia disse/Que chegava lá”). (p. 155) Com relação ao chegar lá, Fagundes ainda acrescenta: Tamanho esforço e competência do guri comovem o sujeito expressivo: a mãe teria motivos de sobra para se orgulhar dos feitos do rebento, que compartilha seus frutos, trazendo-os para casa, presenteando-os: “E traz sempre um presente, terço e patuá”. (p. 157). A canção também retrata a ideia da falta de uma ‘família estruturada’, nos moldes legais, na qual sobreviver não é tarefa fácil. Além disso, deixa claro que a dureza da vida corrobora,muitas vezes, para a gestão de atos considerados criminosos. Passeti (2013), ao se referir as famílias pobres do inicio do século XX no Brasil, retrata que as mesmas moravam em condições precárias como em casas alugadas no subúrbio, quartos de cortiços, barracos em favelas ou construções clandestinas. Trocavam regularmente de parceiros, constituindo famílias muito grandes, com filhos desnutridos e sem escolaridade, que cresciam convivendo com a ausência regular do pai 67 ou da mãe. Viviam dificuldades de acesso a bens culturais, carências psíquicas, sociais e econômicas que se avolumavam e que as impeliam para a criminalidade tornando-se em pouco tempo delinquente. Chico parece perceber isso e mostra em suas poesias: em O Meu Guri: Quando, seu moço, nasceu meu rebento/Não era o momento dele rebentar/ Já foi nascendo com cara de fome/ E eu não tinha nem nome pra lhe dar/ Como fui levando, não sei lhe explicar. Minha história, Quando enfim eu nasci minha mãe embrulhou-me num manto/ Me vestiu como se eu fosse assim uma espécie de santo/ Mas por não se lembrar de acalantos, a pobre mulher/ Me ninava cantando cantigas de cabaré. 1. Gênero e sexualidade Quando pensamos em gênero, podemos pensar em suas diversas formas de uso, como por exemplo, na gramática, em que gênero é compreendido como um meio de classificar fenômenos, um sistema de distinções socialmente acordado, mais do que uma descrição objetiva de traços inerentes. Já no dicionário da Língua Portuguesa, gênero indica a categoria por meio de desinências, uma divisão dos nomes baseada em critérios, tais como sexo e associações psicológicas. Há gêneros masculino, feminino e neutro. (Dicionário Aurélio Buarque de Holanda, 1989). Trazendo para o seu uso mais contemporâneo, o termo “gênero” parece ter aparecido primeiro entre as feministas americanas que queriam insistir no caráter fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo. A palavra indicava uma rejeição ao determinismo biológico implícito no uso de termos como “sexo” ou “diferença sexual”. Segundo Scott (1989), com o avanço dos estudos do sexo e da sexualidade, o gênero se tornou uma palavra útil, pois oferece um meio de distinguir a prática sexual dos papéis atribuídos às mulheres e aos homens. Apesar do fato dos pesquisadores reconhecerem as relações entre o sexo e o que os sociólogos da família chamaram de “os papéis sexuais”, estes não colocam entre os dois uma relação simples. O uso do “gênero” coloca a ênfase sobre todo um sistema de relações que pode incluir o sexo, mas que não é diretamente determinado pelo sexo nem determina diretamente a sexualidade. 68 Apesar disso, os conceitos de gênero e sexualidade são tidos muitas vezes como inseparáveis. Porém é interessante notar que, enquanto a discussão de gênero é muito recorrente quando tratamos de infância, não podemos dizer o mesmo a respeito de sexualidade. Para melhor exemplificar, basta lembrar das diferenças de criação entre meninos e meninas, em seus mais variados aspectos. Na preparação para o nascimento de uma criança; nas diferenças em suas roupas; em seus brinquedos, jogos e brincadeiras, etc. O conceito de gênero perpassa as condições biológicas do nascimento, é uma construção social. Já o conceito de sexualidade infantil apenas foi atribuído de maneira mais aprofundada por Freud, sendo muito pouco explorado antes dele. Para Freud, a noção de sexualidade surge na criança desde seu nascimento. Tal definição ia contra o pensamento clássico de sexualidade, que se caracterizava por ser instintivo e apenas surgir na puberdade. (COSTA e OLIVEIRA, 2011) Trazendo para um âmbito da educação, Louro (1997) considera a escola desempenhando um papel de separar os sujeitos — tornando aqueles que nela entram distintos dos outros que não têm acesso à instituição. Ela dividiu também, internamente, os que lá estavam, através de múltiplos mecanismos de classificação, ordenamento, hierarquização. A escola que nos foi legada pela sociedade ocidental moderna começou por separar adultos de crianças, católicos de protestantes, dentre outras separações. Ela também se fez diferente para os ricos e para os pobres e ela, imediatamente, separou os meninos das meninas. Percebe-se assim que essas concepções foram e são aprendidas e assim, interiorizadas; tornando-se quase "naturais". E a escola é parte importante desse processo. Para Louro (1997) tal "naturalidade", tão fortemente construída, talvez nos impeça de notar que, no interior das atuais escolas, onde convivem meninos e meninas, rapazes e moças, eles e elas se movimentam, circulam e se agrupam de formas distintas. Observa-se, nesses movimentos e interações, que eles parecem "precisar" de mais espaço do que elas parecem preferir "naturalmente" as atividades ao ar livre. Registra-se a tendência nos meninos de "invadir" os espaços das meninas, de interromper suas brincadeiras. E, usualmente, consideramos tudo isso de algum modo inscrito na "ordem das coisas". A sexualidade e o gênero estão, sem dúvida, implicadas nessas construções 69 e é somente na história dessas divisões que podemos encontrar uma explicação para a lógica que as rege. Neste segmento do trabalho, nos embasaremos nas ideias de Joan Scott (1989) e Louro (1997) para tentar identificar significações sociais a respeito de gênero e sexualidade na infância a partir das canções de Chico Buarque. Em Geni e o Zepelim (1977-1978), por exemplo, podemos perceber claramente aspectos da sexualidade na puberdade vinculada a uma exploração sexual: Dá-se assim desde menina Na garagem, na cantina Atrás do tanque, no mato. CB denuncia uma sexualidade antecipada, praticada por uma travesti, Geni, que desde muito cedo se vende por alguns trocados; ou, senão, por algum prazer! Isso nos faz pensar no grande contingente de meninos e meninas que são explorados sexualmente no nosso país, fazendo parte de uma realidade que não deveria ocorrer. Aproveita também para falar da contradição e ‘a-moralidade’ social quando, em função de alguma necessidade própria, pode homenagear ou repudiar um comportamento social. Já em Doze Anos (1977-1978), o poeta nos fala de meninos na puberdade que se iniciam, através da ludicidade, num jogo sexual. Nesta letra de música é possível antevermos meninos agrupados, numa grande algazarra, meio infantil, meio adolescente, brincando com pequenos prazeres. Neste tipo de brincadeira e prazer, as meninas não são incluídas, deixando ver claramente uma diferença na constituição de gênero. Escutemos: Ai, que saudades que eu tenho Duma travessura O futebol de rua Sair pulando muro Olhando fechadura E vendo mulher nua Comendo fruta no pé (...). Em Minha história (1970), Chico retrata o amor de uma prostituta com um marinheiro. Do relacionamento entre os dois nasce um filho que é criado em um prostíbulo. É contraditório o cuidado que a mãe tem pelo filho e a criação que ele recebe 70 pois, ao mesmo tempo em que ele é ninado, por exemplo, são as músicas de cabaré, que ele escuta. Assim, a sexualidade vem transvesti da de cuidado. Me vestiu como se eu fosse assim uma espécie de santo Mas por não se lembrar de acalantos, a pobre mulher Me ninava cantando cantigas de cabaré(...) A personagem da canção Minha história é uma prostituta que foi abandonada grávida. Fica esperando por seu amante parada, pregada na pedra do porto, com seu único velho vestido, cada dia mais curto. Dá a luz a seu filho em um prostíbulo. Retrata uma condição socioeconômica desfavorecida. Outra canção em que se pode ver aspectos relacionados ao gênero e sexualidade é em Carioca (1998), mais especificamente nesse trecho da canção: De noite Meninas Peitinhos de pitomba Vendendo por Copacabana As suas bugigangas Suas bugigangas. São os peitinhos de pitomba que marcam a saída da infância e entrada na puberdade. Com ela, o início de uma sexualidade que, nesta poesia não é mais visível do que o fato da menina estar trabalhando, vendendo suas bugigangas para sobreviver? CONSIDERAÇÕES FINAIS A primeira consideração que fazemos é a de termos nos surpreendido, neste estudo, com a quantidade de canções de Chico Buarque (CB) que abordam a infância e o ser criança (para além de algumas poucas que são mais comumente citadas, neste sentido – O Meu Guri; Pivete; Acalanto para Helena). As canções por nós selecionadas se distribuem da seguinte forma: - década de 1960 – 15 composições; - década de 1970 – 26 composições; 71 - década de 1980 – 12 composições; - década de 1990 – 02 composições; - ano 2000 em diante – 03 composições. São, portanto, 58 canções. Deixamos claro que a seleção seguiu o arbítrio das nossas formações, de nossas inserções em espaços acadêmicos e não acadêmicos, tais como fóruns e redes no campo político dos direitos de crianças e adolescentes. A maior incidência das canções se dá entre os anos 1960 e 1980, período em que houve imensa visibilidade de questões relacionadas à infância e ao ser criança no Brasil e no Exterior. Vivíamos a ditadura militar e a consideração do “problema do menor” como de Segurança Nacional. Sua criminalização era de tal monta que a elaboração da PNBEM (Política Nacional do Bem-Estar do Menor) se deu na ESG (Escola Superior de Guerra), espaço no qual o regime totalitário concebia as leis de exceção. Ao mesmo tempo, foi nas décadas de 1970 e 1980 que o País viveu processos extraordinários de mobilização social, que se voltavam, basicamente, para quatro objetivos: volta ao pluripartidarismo; retorno de eleições diretas em todos os níveis; anistia política geral e irrestrita e a elaboração de nova Constituição Federal, desta feita por uma Assembléia Nacional Constituinte, que substituísse a Carta Magna então vigente, que fora outorgada pelo regime militar. E, pela primeira vez na história da legislação brasileira, a Constituição Federal 1988 traz capítulo específico sobre crianças e adolescentes, garantindo todos os direitos para todos eles. Acresçamos, ainda, que, no mesmo período, as precárias condições de vida no Brasil, particularmente de expressiva parcela de crianças e adolescentes, despertava a indignação de pessoas, grupos e instituições no País, e repercutia no Exterior. Vivíamos, também, em nível mundial, mobilizações intensas, de instituições internacionais, entre as quais a ONU e suas agências, o que resultou na elaboração e aprovação da Convenção das Nações Unidas sobre a Infância, em 1989, tratado assinado pelo maior número de Estados-Parte, à exceção, apenas, dos Estados Unidos e da Somália (PINHEIRO, 2001; 2006, DOIMO, 1995). Circulavam, pois, em embate ou articulação, diversificadas significações de criança e adolescente no País, nas décadas de 1960 a 1980. 72 Chico Buarque, artista engajado, exímio observador, reflete, em suas canções, sobre o cotidiano brasileiro e contribui para reflexões sobre esse cotidiano, suas contradições, tais quais as que podemos observar entre as significações de crianças e adolescentes no País. A peculiar acuidade de Chico, para revelar profundezas do cotidiano, através de suas canções, reitera, em nós, um de nossos pressupostos, de que expressões artísticas refletem as realidades e contribuem para o seu conhecimento e para reflexões sobre elas. De tal forma é a capacidade desse poeta do cotidiano que identificamos imensa diversidade de significações de infância e de ser criança nas letras de suas canções. CB parece atentar para tantas nuances das múltiplas realidades em que vivem crianças e adolescente no País, e o faz em diferentes tons. Trata com lirismo, como no Acalanto para Helena; com a expressão de dores pungentes, sentidas, por exemplo, por uma mãe, em Pedaço de Mim – Chico Buarque, 1977-78: Oh, pedaço de mim/ Oh, metade arrancada de mim/ Leva o vulto teu/ Que a saudade é o revés de um parto/ A saudade é arrumar o quarto/ Do filho que já morreu; e pelo que sente um irmão, em Acalanto, diante da morte de seu irmão: É tão cedo, meu irmão Abre os olhos, dorme não Espalha os meus soldados Estraga os meus brinquedos Pode me odiar Nunca mais olhar pra mim Mas não faz Não faz mais Assim Tão cedo, meu irmão Põe a mão na minha mão Pode fechar meus olhos Alisa os meus cabelos E a quem perguntar Deus, que foi que aconteceu Vou jurar que o teu sangue É meu Eu vou rasgar Meu coração Pra costurar o teu Vou te soprar 73 Esta canção: O meu irmão Morreu; - como denúncia, quando aborda questões graves e delicadas, no âmbito das infâncias brasileiras como: fome e miséria, que levam à morte no campo (Brejo da Cruz); trabalho infantil (Carioca); exploração sexual, em Geni e o Zepelim, (que dá-se assim desde menina); envolvimento com atos infracionais (O Meu Guri; Pivete); crianças em situação de rua (Carioca; Pivete); desigualdades de classes (Pedro Pedreiro; Construção); de gênero (Geni e o Zepelim). Tudo isso nos revela a extrema sensibilidade do compositor, que podemos perceber na diversidade também de emoções em suas composições; e nos encanta, por sua capacidade imensurável de despertar as emoções as mais diversas em nós. No universo das canções de Chico Buarque, convivemos, no correr de nossos estudos, com personagens que ultrapassam a si mesmos, no sentido de que podemos identificá-los em muitos outros de nossos cotidianos. Assim, sentimos ampliar o conhecimento sobre realidades similares às em que se inserem os personagens referidos. Por exemplo, o Pivete pode estar vendendo chiclete em um sinal fechado de incontáveis cidades brasileiras; a personagem de Carioca pode vender suas bugigangas, não só em Copacabana, mas em bairros outros do Rio de Janeiro e em muitas outras cidades; as crianças que desencarnam de fome em Brejo da Cruz (PB) também o fazem em tantos e tantos outros municípios do País. Bem sentimos que o universo das canções sobre e para crianças em muito ultrapassa os limites desta pesquisa. Assim é que fica a nossa sugestão para outras investigações, que possam abordar, por exemplo, criações artísticas, dentro da temática, de Gonzaguinha, Vinicius e Toquinho, Adriana Calcanhoto, que reputamos de imensa riqueza para a compreensão mais ampliada de significações de infância e de ser criança, que circulam através de canções da música popular brasileira. A investigação sobre significações da infância e de ser criança, expressas no universo das canções de Chico Buarque, permitiu-nos uma preciosa ruptura, com relação às vezes pesadas tarefas acadêmicas. Isso porque foram o prazer e a alegria que predominaram no processo de elaboração: ouvimos e reouvimos cada canção, e muitas vezes cantarolamos e cantamos juntos muitas delas; descobrimos algumas que, até o início do estudo, desconhecíamos, entre as quais encontramos conteúdos referentes a 74 crianças e infâncias; trocamos experiências e vimos emergir inúmeras lembranças de nossas infâncias, e revivemos, com intensidade, antigas ou renovadas emoções: tristeza, alegria, indignação, saudade, medo estão entre elas. A satisfação também está em nós, ao nos darmos conta de que as nossas construções podem contribuir para ampliar as reflexões sobre crianças e infâncias no Brasil, em espaços sociais os mais diversos, considerando a potência que a música porta em nosso País, para mobilizar instigações e emoções, particularmente um compositor da estirpe de Chico Buarque. Algumas percepções nos são muito presentes agora, tal que a de que este trabalho contém interpretações nossas sobre as significações de ser criança e infâncias, nas canções de Chico Buarque; de que seus conteúdos não esgotam a imensidão de dimensões da infância e do ser criança em circulação, articulação ou embate no tecido social brasileiro; que igualmente não esgotamos as possibilidades de interpretações das composições musicais de Chico Buarque. Tantas implicações em nós, com o processo de construção deste estudo, nos fazem mais encantados com a potência das expressões artísticas em nos constituir e constituirmos a Vida, que somos certos, agora, de estarmos mais humanizados, mais próximos das complexas realidades de crianças e adolescentes no Brasil, mais poetas, pelo direito e pelo avesso. REFERÊNCIAS AGAMBEN, G. Infância e História – destruição da experiência e origem da história. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005. ALENCAR, C. Luz, Quero Luz. In: FERNANDES, R. (org.) 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Chico Buarque do Brasil: textos sobre as canções, o teatro e a ficção de um artista brasileiro. Rio de Janeiro: Garamond/Fundação Biblioteca Nacional, 2004. Lista de Músicas do Chico Buarque Relacionadas a Infância e Ao Ser Criança.22 Anos 1960 (15 músicas) 1. Marcha para um dia de sol Chico Buarque/1964 2. Madalena foi pro mar Chico Buarque/1965 3. Malandro quando morre Chico Buarque/1965 4. Meu refrão Chico Buarque/1965 5. Olê, olá Chico Buarque/1965 6. Pedro Pedreiro Chico Buarque/1965 7. Sonho de um carnaval Chico Buarque/1965 8. Roda gigante Chico Buarque /1965 9. A banda Chico Buarque/1966 22 Fonte: www.chicobuarque.com.br 83 10. Com açúcar, com afeto Chico Buarque/1966 11. Você não ouviu Chico Buarque/1966 12. Noite dos mascarados Chico Buarque/1966 Para o musical Meu refrão 13. Ano novo Chico Buarque/1967 14. Sem fantasia Chico Buarque/1967 Para a peça Roda Viva de Chico Buarque 15. Mulher, vou dizer quanto te amo Chico Buarque/1968 Anos 1970 26 músicas 16. Minha história (Gesúbambino) Dalla/Palotino - versão de Chico Buarque/1970 17. Acalanto para Helena Chico Buarque/1971 18. Bolsa de amores Chico Buarque/1971 19. Construção Chico Buarque/1971 20. Mambembe Chico Buarque/1972 Para o filme Quando o carnaval chegar, de Cacá Diegues 21. Valsa rancho Chico Buarque/Francis Hime - 1973 22. A noiva da cidade Chico Buarque/Francis Hime - 1976 Para o filme A noiva da cidade, de Alex Vianny 84 23. Meu caro amigo Chico Buarque/ Francis Hime - 1976 24. Mulheres de Atenas Chico Buarque /1976 Para a peça Mulheres de Atenas, de Augusto Boal e Chico Buarque 25. O que será (À flor da terra) Chico Buarque/1976 Para o filme Dona Flor e seus dois maridos, de Bruno Barreto 26. O que será (Abertura) Chico Buarque/1976 Para o filme Dona Flor e seus dois maridos, de Bruno Barreto 27. Vai trabalhar, vagabundo Chico Buarque/1976 Para o filme Vai trabalhar, vagabundo, de Hugo Carvana 28. A cidade ideal Enriquez/ Bardotti /Chico Buarque -1977 Para o musical infantil Os Saltimbancos, de Bardotti e Enriquez, adaptação de Chico Buarque 29. Angélica Miltinho /Chico Buarque - 1977 30. Carta do Tom (Paródia) Toquinho/ Tom Jobim/Chico Buarque – 1977 31. João e Maria Sivuca /Chico Buarque - 1977 32. Maninha Chico Buarque/1977 33. Ai, se eles me pegam agora Chico Buarque/1977-1978 Para a peça Ópera do malandro, de Chico Buarque 34. Até o fim Chico Buarque/1978 35. Doze anos Chico Buarque/1977-1978 Para a peça Ópera do malandro, de Chico Buarque 36. Léo Chico Buarque -1978 85 37. Pedaço de mim Chico Buarque/1977-1978 Para a peça Ópera do malandro, de Chico Buarque 38. Pivete Chico Buarque/1978 39. Alumbramento Chico Buarque/ Djavan - 1979 40. Uma canção desnaturada Chico Buarque/1979 Para a peça Ópera do malandro, de Chico Buarque 41. Qualquer amor Chico Buarque/ Francis Hime - 1979 Para a peça O Rei de Ramos, de Dias Gomes Anos 1980 12 músicas 42. Morena de Angola Chico Buarque/1980 43. Almanaque Chico Buarque/1981 44. O meu guri Chico Buarque/1981 45. Imagina Chico Buarque/ Tom Jobim - 1983 Para o filme Para viver um grande amor, de Miguel Faria Jr. 46. Sinhazinha (Despedida) Chico Buarque/1983 Para o filme Para viver um grande amor, de Miguel Faria Jr 47. Brejo da Cruz Chico Buarque/1984 48. Mano a mano Chico Buarque/ João Bosco - 1984 86 49. Acalanto Chico Buarque/Edu Lobo -1985 Para a peça O corsário do rei, de Augusto Boal 50. Bancarrota blues Edu Lobo/Chico Buarque - 1985 Para a peça O corsário do rei, de Augusto Boal 51. Sentimental Chico Buarque/1985 Para o filme Ópera do malandro, de Ruy Guerra 52. As minhas meninas Chico Buarque/1986 Para a peça As quatro meninas 53. Uma menina Chico Buarque/1987 Anos 1990 02 músicas 54. Você, você Chico Buarque/ Guinga - 1997 55. Carioca Chico Buarque/1998 Anos 2000 03 músicas 56. As atrizes Chico Buarque/2006 57. Outros Sonhos Chico Buarque/2006 58. Nina Chico Buarque/2010 87 i