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LÍNGUA PORTUGUESA: LEITURA, PRODUÇÃO DE TEXTO E LITERATURA INFANTIL PROFESSORES Dra. Ivone Pingoello Me. João Carlos Dias Furtado ACESSE AQUI O SEU LIVRO NA VERSÃO DIGITAL! EXPEDIENTE DIREÇÃO UNICESUMAR Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor Executivo de EAD William Victor Kendrick de Matos Silva Pró-Reitor de Ensino de EAD Janes Fidélis Tomelin Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Diretoria Executiva Chrystiano Mincoff, James Prestes, Tiago Stachon Diretoria de Design Educacional Débora Leite Diretoria de Graduação Kátia Coelho Diretoria de Permanência Leonardo Spaine Diretoria de Pós-graduação, Extensão e Formação Acadêmica Bruno Jorge Head de Produção de Conteúdos Celso Luiz Braga de Souza Filho Gerência de Produção de Conteúdo Diogo Ribeiro Garcia Gerência de Projetos Especiais Daniel Fuverki Hey Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila Toledo Supervisão de Projetos Especiais Yasminn Zagonel FICHA CATALOGRÁFICA Coordenador(a) de Conteúdo Marcia Maria Previato de Souza Projeto Gráfico e Capa Arthur Cantareli, Jhonny Coelho e Thayla Guimarães Editoração Robson Yuiti Saito e Sabrina Novaes Design Educacional Amanda Peçanha Dos Santos Revisão Textual Cintia Prezoto Ferreira Ilustração Marcelo Goto Fotos Shutterstock C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância. PINGOELLO, Ivone; FURTADO, João Carlos Dias. Língua Portuguesa: Leitura, Produção de Texto e Literatura Infantil. Ivone Pingoello; João Carlos Dias Furtado. Maringá - PR.: UniCesumar, 2020. 184 p. “Graduação - EaD”. 1. Língua Portuguesa. 2. Leitura. 3. Produção de Texto 4. Literatura Infantil. EaD. I. Título. Impresso por: CDD - 22 ed. 469 CIP - NBR 12899 - AACR/2 ISBN 978-85-459-0982-8 Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679 NEAD - Núcleo de Educação a Distância Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360 BOAS-VINDAS Neste mundo globalizado e dinâmico, nós trabalhamos com princípios éticos e profissionalismo, não somente para oferecer educação de qualidade, como, acima de tudo, gerar a conversão integral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e espiritual. Assim, iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de 100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil, nos quatro campi presenciais (Maringá, Londrina, Curitiba e Ponta Grossa) e em mais de 500 polos de educação a distância espalhados por todos os estados do Brasil e, também, no exterior, com dezenasde cursos de graduação e pós-graduação. Por ano, produzimos e revisamos 500 livros e distribuímos mais de 500 mil exemplares. Somos reconhecidos pelo MEC como uma instituição de excelência, com IGC 4 por sete anos consecutivos e estamos entre os 10 maiores grupos educacionais do Brasil. A rapidez do mundo moderno exige dos educadores soluções inteligentes para as necessidades de todos. Para continuar relevante, a instituição de educação precisa ter, pelo menos, três virtudes: inovação, coragem e compromisso com a qualidade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de Engenharia, metodologias ativas, as quais visam reunir o melhor do ensino presencial e a distância. Reitor Wilson de Matos Silva Tudo isso para honrarmos a nossa missão, que é promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária. TRAJETÓRIA PROFISSIONAL Dra. Ivone Pingoello Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2012), possui mestrado em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2009), graduação em Pedagogia pela UniCesumar (2013) e graduação em Letras pela Universidade Paranaense (2005). Atua como professora Universitária, pesquisadora e palestrante sobre os temas Violência Escolar e Bullying. http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4744310Z5 Me. João Carlos Dias Furtado Mestre em Letras com ênfase em literatura pela Universidade Estadual de Maringá (2011) e graduado em Letras Português/Inglês pela Universidade Estadual de Maringá (2007) e Doutorado do Programa de Pós graduação em Letras da Universidade Estadual de Maringá. Atualmente trabalha no Centro Universitário Cesumar (Unicesumar), nos cursos de Letras e Pedagogia, e no Colégio Marista de Maringá. http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4127815Y2 A P R E S E N TA Ç Ã O DA DISCIPLINA LÍNGUA PORTUGUESA: LEITURA, PRODUÇÃO DE TEXTO E LITERATURA INFANTIL Caro(a) aluno(a), é com imensa satisfação que esse livro foi preparado para você, pois participar do seu sucesso estudantil é o grande prêmio de todo docente. Sendo assim, nós, João Carlos Dias Furtado e Ivone Pingoello, queremos contribuir efetivamente para a sua formação acadêmica e pessoal. Este livro foi constituído visando uma formação teórica e promovendo reflexões sobre a prática que auxiliará o seu trabalho com a Língua Portuguesa, com todas as suas nuances de leitura, produção e interpretação, como também na sua formação como pesquisador. O domínio da língua materna é fundamental para todo cidadão exercer o seu papel pleno e alcançar seus objetivos pessoais e profissionais, pois conseguir estabelecer uma comunicação eficiente e adequada nos mais diversos meios comunicativos é fundamental para aproximar a pessoa de seu objetivo, de seu sonho; por isso, o ensino da língua no contexto escolar deve valorizar e promover o enaltecimento de um aluno que saiba manipulá-la eficientemente e seja um pesquisador constante em sua vida profissional. A primeira Unidade apresenta a Língua Portuguesa como objeto de estudo, discutindo suas funções, as diferenças entre a língua escrita e a oralidade, entendendo as concepções de linguagem, a formação gramatical e as diferentes gramáticas possíveis de serem praticadas. O objetivo dessa unidade é apresentar a língua como um organismo vivo em constante transformação e o modo como podemos ensiná-la diante das possibilidades gramaticais existentes. A segunda Unidade introduz a importância da leitura na formação do aluno, resgatando as funções da leitura e destacando quais competências precisam ser desenvolvidas em sala de aula para conseguirmos formar um leitor crítico, que saiba, também, ler as novas mídias, imagens e o mundo ao seu redor. O objetivo dessa unidade é resgatar a importância de um bom trabalho de leitura no processo de formação educacional como base formadora de um indivíduo consciente de seu papel no mundo. A P R E S E N TA Ç Ã O DA DISCIPLINA A terceira Unidade discute a produção textual, a necessidade de instrumentalizar os alunos para produzirem bons textos (articulando a coerência e a coesão) e a importância de trabalhar com os gêneros textuais. O objetivo dessa unidade é valorizar a produção textual como importante meio de expressão individual e coletiva no ambiente profissional e pessoal. A quarta Unidade enfatiza a produção textual no ambiente acadêmico, pois discute e apresenta aspectos importantes do texto dissertativo, do relatório de estágio, de como fazer uma revisão de texto, promovendo uma formação orientada para esse nível de ensino. O objetivo dessa unidade é fomentar e qualificar a escrita no ensino superior, formando e orientando uma produção acadêmica de qualidade. A quinta Unidade apresenta um breve histórico da Literatura Infantil, discutindo a importância da literatura voltada para crianças na escola e as funções que ela exerce na formação do aluno-cidadão. O objetivo dessa unidade é compreender o valor que a literatura promove na aquisição linguística, cultural, estética, crítica e ideológica do aluno. As cinco unidades deste livro incitam reflexões, discussões e o debate de teorias e práticas que estimulam a sua formação acadêmica de qualidade; por isso, as unidades desenvolvem progressivamente o estudo de tópicos que se complementam e promovem uma discussão ampla e orientada para a sua práxis. Portanto, este livro apresenta a língua materna e suas especificidades para a formação de um profissional capaz de articular esse conhecimento para a formação de outros alunos, pois esse é o objetivo principal desta disciplina. Bons estudos. ÍCONES pensando juntos Ao longo do livro, você será convidado(a) a refletir, questionar e transformar. Aproveite este momento! explorando Ideias Neste elemento, você fará uma pausa para conhecer um pouco mais sobre o assunto em estudo e aprenderá novos conceitos. quadro-resumo No fim da unidade, o tema em estudo aparecerá de forma resumida para ajudar você a fixar e a memorizar melhor os conceitos aprendidos. conceituando Sabe aquela palavra ou aquele termo que você não conhece? Este elemento ajudará você a conceituá-la(o) melhor da maneira mais simples. conecte-se Enquanto estuda, você encontrará conteúdos relevantes online e aprenderá de maneira interativa usando a tecnologia a seu favor. Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar Experience para ter acesso aos conteúdos online. O download do aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store CONTEÚDO PROGRAMÁTICO UNIDADE 01 10 OS NÍVEIS E FUNÇÕES DA LINGUAGEM ORAL E ESCRITA UNIDADE 03 A PRODUÇÃO TEXTUAL UNIDADE 05 73 136 LITERATURA INFANTIL UNIDADE 02 44 CONCEPÇÕES DE LEITURA: DA DECODIFICAÇÃO AO LETRAMENTO UNIDADE 04 107 ASPECTOS ACADÊMICOS DA PRODUÇÃO TEXTUAL FECHAMENTO 174 CONCLUSÃO GERAL 1 OS NÍVEIS E FUNÇÕES DA LINGUAGEM ORAL E ESCRITA PROFESSORES Dra. Ivone Pingoello Me. João Carlos Dias Furtado PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • A língua materna como objeto de estudo • Os fundamentos linguísticos da comunicação • Oralidade versus Escrita • A gramática • Concepções de linguagem. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM • Conceituar linguística, língua, linguagem e fala. • Conceituar os elementos linguísticos da comunicação • Verificar as especificidades da comunicação oral e escrita • Compreender as concepções de linguagem existentes • Compreender a importância e a função da gramática na estruturação da língua. INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), nesta unidade, adentraremos no estudo da língua materna, sua função, suas particularidades e diferenças entre o seu uso na escrita e na oralidade e discutiremos a sua importância para todo o processo de ensino-aprendizagem. A importância do conhecimento da nossa língua é primordial para o desenvolvimento de um bom trabalho educacional e formativo, possibilitando o desenvolvimento de habilidades e o conhecimento que auxiliarão na nossa vida pessoal e profissional. A realidade do século XXI exige um cidadão, um profissional apto a desenvolver seu papel com desenvoltura e excelência, promovendo uma interação linguística e social que permita a execução de sua função; por isso, o domínio e o uso da polissemia, da conotação e das variantes linguísticas é fundamental. Sendo assim, nesta primeira unidade, estudaremos a importância da língua materna como objeto de estudo e uso social, as suas funções e a relevância em sua diversidade e variedade. Entenderemos quais são as concepções de linguagem e como isso pode favorecer o ensino da língua materna e a sua formação gramatical. Faremos uma breve passagem pela história evolutiva da linguagem, da gramática e das necessidades pedagógicas de ensino que devem ser refletidas para tratá-la em sala de aula. Historicamente, o ensino escolar da língua portuguesa tem priorizado as regras gramaticais marcadas pela ideia do certo e do errado, desconsiderando as variações linguísticas, a ação comunicativa e o perfil sociocultural dos alunos e desprezando seus conhecimentos prévios em relação à língua. Hoje sabemos que essa não deve ser a realidade do processo de ensino e aprendizagem na sala de aula, pois a língua, viva e orgânica, deve ser trabalhada de forma a demonstrar as potencialidades e os caminhos que podem ser construídos pelos alunos em sua caminhada estudantil. Essa é a nossa função. Bons Estudos! UNIDADE 1 1 A LÍNGUA MATERNA COMO Objeto de Estudo A cultura de um povo/nação é construída ao longo de sua história e suas experiências, isso envolve uma grande quantidade de eventos, fatos, habilidades desenvolvidas e evolução. A língua materna está dentro dessa evolução pela qual o ser humano passou e ainda passa, pois é a partir da utilização da linguagem elaborada que o desenvolvimento humano ocorre de forma exponencial. A partir disso, não podemos separar a língua/linguagem humana de sua cultura, ou seja, aquela tem um papel fundamental na formatação da cultura humana e há uma interação constante entre elas. Segundo Antunes (2009, p. 21), “dessa forma, todas as questões que envolvem o uso da língua não são apenas questões linguísticas, são também questões políticas, históricas, sociais e culturais”. A linguagem é a essência da ação humana e perpassa toda a história evolutiva do ser humano, em graus mais e menos desenvolvidos. A comunicação efetiva-se por meio da linguagem e esta é o campo de estudos da linguística que, como ciência, baseia-se em estudos teóricos e empíricos para fundamentar a tese de que toda e qualquer manifestação linguística é passível de descrição e explicação dentro de um quadro científico específico. A Linguística, enquanto ciência, surgiu no início do século XX com os estudos de Ferdinand de Saussure, estabelecendo dicotomias muito adequadas ao contexto histórico e científico da época, o positivismo. Essas dicotomias conceituadas por ele foram denominadas posteriormente como: língua versus fala; sincronia versus diacronia; significado versus significante e sintagma versus paradigma. Como um processo natural na ciência, Saussure traz em seus estudos apontamentos feitos por Humboldt; e, posteriormente, estudiosos, como Bakhtin, Chomsky e Labov, contribuíram discordando ou continuando os estudos de Saussure. 12 UNICESUMAR Esses estudos avançaram e adentraram as universidades brasileiras no meio do século XX. Ferdinand de Saussure, com o Curso de Linguística Geral, é considerado um marco inicial na era da ciência da linguagem, pois ele consegue conduzir a Linguística ao status de ciência; segundo Lemos (2002), Saussure não tratou a Linguística apenas como uma composição de outros estudos científicos, mas ordenou estudos da língua e linguagem a partir de suas relações, evidentemente com certas limitações que foram discutidas por outros estudiosos. Segundo Saussure (2006), a ciência que estuda a língua passou por três fases sucessivas até o reconhecimento do seu objeto específico de estudo. Conforme esclarece o autor, os primeiros estudos foram designados de Gramática, inaugurados pelos Gregos e tendo continuidade com os franceses, e constituíam-se nos estudos das regras normativas da língua e as formulações de regras para distinguir-se o certo do errado. Em seguida, surge a Filologia, movimento instaurado a partir de 1777 por Friedrich August Wolf, que se ocupava com a história literária, com os costumes, as instituições e se apegava mais à língua escrita do que à falada. Os estudos filológicos continuam e criam um corpus de análise que fomenta o desenvolvimento da linguagem e todas as suas nuances. Sendo assim, na terceira fase de evolução dos estudos da língua, observou-se que elas poderiam ser comparadas entre si e surgiu, em 1816, a partir da filologia comparada, a Gramática Comparada, que se ocupa em estudar as origens das línguas, comparando-as em sua evolução como a relação entre o sânscrito, o germânico, o grego, o latim, dentre outras (SAUSSURE, 2006). Câmara Jr. (1975) considera esses estudos como pré-linguísticos, pois ainda não têm caráter científico, mas contribuirão para o desenvolvimento da ciência linguística. Para o autor, o cerne dos estudos linguísticos consiste no estudo histórico e descritivo. No século XIX, já havia uma grande euforia nos estudos da linguagem, apresentando a comparação entre as línguas e suas origens, os estudos fonéticos e os princípios universais na gramática, mas quem chancela o caráter científico desses estudos é Saussure, discutindo a língua como um conjunto de relações que constitui um sistema que é mais relevante do que seus próprios elementos. Assim, no século XX, Saussure dedica-se ao estudo da língua imanente, estabelecendo a dicotomia de sistemas Langue (língua) e Parole (fala), embora direcione seus estudos para a língua. Consoante Faraco (2004, p. 64), “Saussure tinha descoberto na língua uma construção legitimamente estrutural”, pois trabalhou com o sentido sincrônico da língua em oposição aos estudos comparatistas diacrônicos e estabeleceu 13 UNIDADE 1 14 que o significante e o significado são arbitrários em todas as línguas, desfazendo qualquer conceito que juntava o sinal gráfico/som ao sentido da palavra em si. Apesar de não deixar um modelo acabado e/ou pronto de análise linguística, a proposta estruturalista dele modificou o olhar para os estudos linguísticos, tornando-se a base da ciência da língua. Esse novo paradigma difundiu-se na Europa e na América em diversas correntes importantes de estudos, como a Escola Linguística de Praga (Wilhem Mathesius, Roman Jakobson, Troubetzkoy), o estruturalismo que deu origem à glossemática de Louis Hjelmslev, o funcionalismo de André Martinet e as pesquisas nos Estados Unidos (Franz Boas e Edward Sapir). Nesse breve panorama, observamos que os direcionamentos saussurianos foram tão amplos que são poucas, hoje, “as teorias linguísticas que podem declarar-se autenticamente não saussureanas”, afirma Faraco (2004, p. 68). Já na segunda metade do século XX, por volta dos anos de 1970, diversos estudos de base saussuriana entremeiam-se pelas lacunas deixadas pela teoria estruturalista, propondo um estudo da linguagem e do pensamento, o lado psicológico da comunicação, tendo como base o fato de que “a língua foi criada somente quando o pensamento humano excogitou empregar os sons vocais com propósito comunicativo”, conforme afirma Câmara Jr. (1975, p. 59). Um olhar para os fenômenos da comunicação com o entendimento de que as estruturas linguísticas não explicariam tudo, recorrendo à base da psicologia e aos estudos cognitivos: essa vertente chamou a atenção de diversos estudiosos que enveredaram suas pesquisas por esse caminho, como Professor Educação um grande expoente da Escola de Praga, Roman Jakobson, que ampliou a discussão sobre as funções da comunicação, Lição atentando para as relações internas e externas da comunicação e para a intenção do Aprendiz discurso; evidentemente, ele não conseguiu resolver todos Ciência os aspectos da comunicação, Treinamento mas apontou para avanços significativos nessa direção que se EDUCAÇÃO INFOGRÁFICA denominou Funcionalismo. UNICESUMAR Outra vertente que surge dos estudos estruturalistas de Saussure é a Sociolinguística, que pretende verificar os fenômenos da língua em seu contexto social, sua valorização e segregação, suas variedades e um olhar direcionado aos falantes. Estudiosos como Hugo Schuchardt e Émile Benveniste indicam a importância de não separar a língua, o indivíduo e seu contexto social, pois “é dentro da e pela língua, que indivíduo e sociedade se determinam mutuamente” (ALKMIM, 2001, p. 26). Esses estudos abriram diversas oportunidades de pesquisa e desenvolvimento da Sociolinguística com diferentes enfoques na relação da língua e da sociedade. pensando juntos “Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre.” (Paulo Freire) 2 OS FUNDAMENTOS LINGUÍSTICOS da Comunicação Como vimos anteriormente, a Linguística moderna inicia-se com os estudos de Saussure; são os conceitos apresentados por ele que constituem o direcionamento científico do estudo da linguagem humana, tema que sempre encantou e inquietou muitos estudiosos. Você já deve ter percebido que a linguagem e o discurso envolvem uma gama de variáveis (poder, grupos sociais, cultura, momentos históricos) que influen15 UNIDADE 1 ciaram e continuam influenciando no desenvolvimento e complexidade que o uso da língua materna envolve. Se estudamos a língua morta de uma sentença desconexa com a realidade, tudo pode parecer perene e objetivo, mas sabemos que a linguagem envolve diretamente um caráter social, por isso entendemos que a língua está em constante mudança e transformação. Um exemplo disso é que não usamos a mesma linguagem ou as mesmas expressões e gírias ou o vocabulário que os nossos avós, e nos distanciamos, também, da linguagem de nossos pais, por motivos cronológicos e pela busca de autoafirmação, buscando uma identidade social; ou seja, há uma coexistência entre o momento histórico, o grupo social, o poder econômico e a linguagem que usamos. “ É quase impossível citar uma variável social que, ao surgir, não produza um efeito sistemático sobre o comportamento linguístico: idade, sexo, classe, casta, país de origem, geração, região, escolaridade; pressuposições cognitivo-culturais; bilinguismo, e assim por diante (GOFFMAN, 2002, p. 13-14). Outro bom exemplo disso é quando pensamos na diversidade de palavras que existem para denominarem uma mesma situação, pessoa ou objeto. Imaginemos alguém que não gosta de gastar seu dinheiro. Podemos chamá-lo de muquirana, sovina, mão de figa, avarento, fominha, muximba, mão fechada, e tantas outras possibilidades. Isso indica o quanto a língua é viva, rica e molda-se à necessidade do falante/escritor. Esse exemplo demonstra um caráter fundamental das línguas nacionais: a arbitrariedade, isto é, a relação do signo (palavra) e significante (objeto/sentido) é construída social e historicamente, dado que não há uma naturalidade entre ambos, pois se assim houvesse, todos os objetos teriam o mesmo nome nas mais diversas línguas maternas existentes. Como verificamos isso? Fácil! Pensemos no signo “cadeira” e no seu significante (objeto/conceito do objeto); se a relação entre eles fosse natural, em todas as línguas aquele objeto de sentar e com um encosto chamaria “cadeira”, mas sabemos que não é assim, por exemplo, em inglês chama-se “chair”, em espanhol “silla”, em francês “chaise” etc. A arbitrariedade está em não haver relação entre a palavra, que seria o signo, e a imagem, que seria o significado. Para que houvesse relação, o objeto deveria ser designado por uma palavra que remeteria à sua função; a cadeira se chamaria “sentador”, por exemplo, nome que remete à função da cadeira, de ser um objeto 16 UNICESUMAR para sentar. Conseguimos entender que a palavra carro designa o objeto que já conhecemos por compartilharmos do significado estabelecido socialmente. Portanto, as grafias convencionais não representam o objeto, não há nenhum laço natural entre a grafia e o objeto designado. pensando juntos “É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal maneira que num dado momento a tua fala seja a tua prática.” (Paulo Freire) Percebemos assim que o signo e o significante são construções sociais e históricas para relacionar um conceito (matéria) a um nome que seja comum a um grupo de falantes; portanto, o vocabulário de uma língua nacional vai sendo construído de forma arbitrária ao longo de sua formação histórica, com diversas influências culturais, sociais e regionais. Como surgiu a Língua Portuguesa, então? Ela tem sua origem no Latim que, adotado pelo Império Romano e com a sua expansão por quase toda a Europa, sofreu a influência de diversos povos conquistados. Constituiu-se, assim, o Latim erudito, usado por um grupo seleto para documentos oficiais e literários, e o Latim Vulgar, que transforma-se em outras línguas chamadas neolatinas (com origem do Latim). Exemplos vivos de línguas neolatinas são o português, o espanhol, o francês, o italiano e o romeno. Ora, as línguas não existem sem as pessoas que as falam, e a história de uma língua é a história de seus falantes (CALVET, 2002, p. 11). Ficaram claras as mudanças e transformações que ocorreram nas línguas nacionais? Outro bom exemplo é a diferença de pronúncia (sotaque) e expressão gramatical entre os países que falam a “mesma” Língua Portuguesa, diferença clara entre o sotaque de Portugal e do Brasil. Porém, nem precisamos ir tão distante assim, pois é fácil notar essas diferenças entre os usos da língua materna entre as regiões do nosso próprio país. Por isso, criamos a nossa identidade cultural e pessoal diante da interação linguística, vendo, ouvindo, falando e escrevendo em língua portuguesa; conforme Bakhtin (2010), adquirimos os conceitos da língua mediante a interação verbal quando ouvimos enunciados concretos e os reproduzimos com os indivíduos que nos cercam. São 249 milhões de falantes nativos da língua portuguesa e 20 milhões de pessoas que têm o idioma como segunda língua, compreendidos pelas comu17 UNIDADE 1 nidades de Macau (China) e Goa (Índia) e por oito países: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. explorando Ideias Você sabia que Brasil e Portugal não são os únicos países que usam a Língua Portuguesa? Realmente, o grupo de países que falam português é grande. Quer saber um pouco mais? Existe o site dessa comunidade de países que usam a mesma língua. Nesse site você encontrará informações e curiosidades sobre todos os integrantes. Para saber mais, acesse o link disponível em: <www.cplp.org>. Fonte: os autores. A Língua Portuguesa hoje é a 6ª língua mais falada no mundo, isso nos dá uma dimensão de sua importância e do peso cultural e comercial que ela adquiriu ao longo de sua história e formação. Diante disso, surge uma pergunta: posso entender Língua como um sinônimo de Linguagem? “ Para nós, ela [língua] não se confunde com a linguagem; é somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos (SAUSSURE, 2006, p.17). A partir do pensamento de Saussure, entendemos que a Língua e Linguagem não são a mesma coisa, mas que a Língua é algo construído (“conjunto de convenções necessárias”) para que faça parte de um domínio maior (Saussure chama isso acima de faculdade, no sentido de capacidade, aptidão natural), que é a linguagem. Assim, entendemos que a Linguagem é a faculdade comunicativa, ou seja, a capacidade, possibilidade de comunicar-se, enquanto a Língua é a “ferramenta” que permite exercer tal faculdade. A Linguagem é algo natural ao ser humano, é uma capacidade com a qual nascemos; contudo, a Língua é adquirida, convencionada (arbitrária) e precisamos assimilá-la. Podemos, agora, fazer a seguinte síntese sobre Língua e Linguagem: ■ A língua é um conjunto de grafias combinadas entre si que representam a linguagem verbal utilizada por um grupo de indivíduos constituintes 18 UNICESUMAR de uma comunidade. Diante da heterogeneidade da linguagem, é a língua que será capaz de fornecer um ponto de apoio satisfatório para seu usuário, ou seja, a língua é um conjunto de convenção necessária que permite o uso e organização da linguagem. ■ A linguagem é o uso de procedimentos variáveis que possibilitam a comunicação humana, faculdade inerente ao homem de comunicar-se utilizando a fala. Esta abrange a comunicação linguística em toda a sua totalidade, é individual, intencional, espontânea e depende das estruturas psicofísicas do indivíduo para se realizar. Conseguimos identificar a relação e as diferenças entre o que é Língua e Linguagem, algo que parece tão natural e tão corriqueiro em nosso dia a dia, mas que representa uma sofisticação da comunicação humana que se estabelece todos os dias com diferentes pessoas em diversos lugares. E diante desse poder comunicativo da linguagem é que notamos que a língua, como base de comunicação, pode ser utilizada na forma escrita, oral, braile e libras. Evidentemente, cada forma de utilizar a língua exige uma certa habilidade que influencia diretamente na potencialidade de seu discurso; por exemplo, na língua escrita, o uso das normas gramaticais, da pontuação adequada, da organização das ideias de forma coerente nos parágrafos possibilita uma comunicação eficiente, pois é pouco provável que um texto cheio de erros ortográficos e incoerente possa comunicar algo a alguém de forma clara. O mesmo ocorre com a língua oral (fala), algumas habilidades são necessárias para estabelecer um boa comunicação, pois aqui a proximidade entre locutor e interlocutor possibilitam uma forma de interação que extrapola a língua escrita, pois a expressão facial e a entonação vocal influenciam diretamente na eficiência comunicativa. Podemos perceber relações de semelhança e diferença entre o uso da língua escrita e oral que promovem, em seus contexto,s particularidades que formam uma linguagem própria. A língua escrita pode ser dividida em literária e não literária. A primeira é conhecida como linguagem conotativa, figurada, em que não há compromisso com a verdade, podendo ser fictícia ou misturar fatos reais com a ficção, há liberdade de uso de formas não convencionais da escrita em nome da estilística. A segunda se refere à linguagem utilizada com o objetivo de informar, registrar, argumentar ou relatar fatos verídicos, é definida como linguagem denotativa, pois tem compromisso com a verdade. Na comunicação oral, não são observadas a rigor as formalidades das normas culta da língua, o falante não necessita ir à escola para aprender a utilizar a língua 19 UNIDADE 1 20 falada, ele aprende no meio em que vive, sob a influência de seus familiares e amigos, por meio de veículos de comunicação etc. Em situação de uso da língua falada, emissor e receptor estão presentes, a recepção da mensagem é imediata e o receptor pode intervir no discurso do emissor. Este pode perceber na reação do receptor o efeito de sua mensagem. Na língua falada, pode-se empregar gestos, expressões faciais, gírias, entonações mais acentuadas nas partes mais importantes do discurso, e podemos repetir palavras ou frases que não foram bem entendidas pelo emissor. Encontrar variações no uso da língua é comum e é um processo natural. Quem ainda se dirige a um amigo com o pronome de tratamento “Vossa Mercê”? Acredito que ninguém, mas e o pronome “você”? Acredito que muitos. Assim, se olharmos atentamente para as mudanças na língua ao longo da história, veremos que Vossa Mercê transformou-se em vossemecê que virou vosmecê e que virou você e, que se formos pensar muito bem, hoje em dia já está ultrapassado, pois muitos já falam há um bom tempo “cê” (“cê vai lá em casa?”,“cê gosta disso?”), e nada impede que futuramente ele se transforme e vc por causa do uso em massa das novas mídias e redes sociais. A partir disso, muitas vezes surgem dúvidas: não existe uma língua correta, tudo pode mudar, tudo é possível, tudo está correto? E aí não conseguimos nos posicionar, por isso precisamos ter alguns conceitos bem claros, principalmente como educadores. Primeiramente, já notamos que a língua é um organismo em constante transformação, por isso tende a alterar-se conforme o tempo passa, especialmente na oralidade, onde as mudanças são mais rápidas e dinâmicas; já na escrita, elas tendem a ocorrer menos. É importante lembrar que, no campo artístico/literário, as inovações estéticas, o uso das figuras de linguagem e a conotação sempre têm uma liberdade maior de criação e invenção que o uso ordinário da língua. Portanto, não temos uma língua única, estanque e perfeita que é a correta, existem as variedades linguísticas, que devem estar adequadas à situação comunicativa na qual o falante e/ou escritor for usá-la. Vamos refletir sobre isso com alguns exemplos: não é adequado o uso informal e com vícios de linguagem na aprendizagem escolar, da mesma forma que dois amigos conversando podem usar uma linguagem informal, ou um casal de namorados pode usar apelidos, palavras carinhosas entre si em um jantar. Da mesma forma que seria estranho ir de terno à praia, é estranho usar uma linguagem chula em uma apresentação formal de trabalho. “ Numa comunidade linguística, possibilidade de representação de determinados elementos linguísticos (fonéticos, morfológicos, sin- UNICESUMAR táticos etc.) por diferentes modos de expressão. A sociolinguística se caracteriza pelo reconhecimento da variação linguística como constitutiva das línguas humanas e por assumir essa heterogeneidade natural como objeto de estudo (CALVET, 2002, p. 156). Percebemos que todas as línguas nacionais têm uma liberdade de uso, de variações enormes, mas isso não quer dizer que não haja um norma, há sim, pois é a partir da norma culta da língua que surgem as variantes (variação linguística), e é por isso que o falante/escritor deve dominar a norma culta e suas variantes e não somente uma variação linguística, pois se assim ocorrer, seria como se a pessoa só tivesse um tipo de roupa para ir trabalhar, ir a uma celebração religiosa, ir à praia, praticar um esporte. Isso indica a necessidade de estudarmos profundamente a nossa língua materna. As variações linguísticas podem ser classificadas da seguinte forma: ■ Variação geográfica ou diatópica: características de falas regionais, expressões próprias de determinados lugares, diferenciação entre o urbano e o rural. ■ Variação social ou diastrática: características relacionadas à posição que o falante ocupa em suas relações que demonstram escolaridade, classe social e/ou gênero. ■ Variação estilística ou diafásica: características relacionadas à circunstância comunicativa: espaço da comunicação, assunto abordado, tipo de texto. Podemos nos deparar em nosso dia a dia com vários níveis de linguagem e temos a capacidade de nos adaptarmos a todas elas, conforme nossa necessidade e conhecimento. Não podemos dizer que ora erramos ou ora acertamos, o que ocorre é o uso adequado ou inadequado em certas ocasiões. Os grupos sociais diferenciam-se por vários aspectos, entre eles a vestimenta, local de moradia, de trabalho, gosto musical, religioso e político e não poderia ser diferente com a língua falada por esses grupos, cada qual utiliza códigos linguísticos que os identifica com o grupo ao qual pertencem. Lembrando que códigos linguísticos são as expressões da comunicação verbal utilizada pelos falantes. “ A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação normativa. Assim, quando se fala em “Língua Portuguesa” está se falando de uma unidade que se constitui de muitas variedades (BRASIL, SEF, 1998, p. 24). 21 UNIDADE 1 Dessa forma, um advogado em serviço adotará o linguajar típico da área do direito, mas este mesmo advogado em um momento de lazer e descontração poderá utilizar outro linguajar, o linguajar coloquial. O que se percebe é que o falante é capaz de adaptar seu linguajar às exigências sociais do seu meio. Por exemplo, não falamos com uma criança como falamos com um adulto, não falamos com nosso chefe como falamos com nossos colegas de trabalho, quando estamos reunidos em família, ficamos despreocupados com a estética da nossa fala. Isso se deve ao fato de que sempre que falamos queremos obter uma resposta, por isso nosso discurso tende a se adaptar ao emissor; levamos em consideração a forma como nossa fala será absorvida pelo destinatário, qual o grau de conhecimento que ele possui da situação, suas opiniões, preconceitos, ponto de vista, simpatia ou antipatia (BAKHTIN, 2010). Sendo assim, não se pode falar em linguagem correta ou errada, mas sim adequada ao ambiente social em que a linguagem está sendo produzida, à relação entre emissor e receptor, ao grau de intimidade entre ambos. Nas relações familiares, as conversas são desprovidas das convenções sociais, há uma confiança profunda no poder de compreensão do destinatário, e o falante se despe de toda convenção social. Já nas relações formais, fora do âmbito de amizade, do grau familiar, a convenções são mantidas e a confiança quanto à compreensão do outro é duvidosa (BAKHTIN, 2010). “ Embora no Brasil haja relativa unidade lingüística e apenas uma língua nacional, notam-se diferenças de pronúncia, de emprego de palavras, de morfologia e de construções sintáticas, as quais não somente identificam os falantes de comunidades lingüísticas em diferentes regiões, como ainda se multiplicam em uma mesma comunidade de fala. Não existem, portanto, variedades fixas [...] (BRASIL, SEF, 1998, p. 24). Isso demonstra que a língua é viva, pertence ao falante e devemos respeitar o modo de falar de cada um. É nesse contexto que um futuro professor pode questionar: se temos que respeitar esses modos diferentes de falar, o que fazer quando um aluno diz “pobrema” ao invés de dizer “problema”; “a gente vamos” ao invés de “a gente vai” ou “nós vamos”? Devemos nos atentar para o fato de que o linguajar da criança é reflexo do linguajar da família, do ambiente em que vive, portanto, em uma situação como essa, não se recomenda chamar a atenção do aluno na frente de todos, expondo-o à humilhação e indiretamente expondo alguém da família da qual ele copiou o termo errado; agindo dessa forma, estaremos fazendo com que o aluno passe a 22 UNICESUMAR ter vergonha daquele que lhe ensinou a falar errado, que pode ser o pai, a mãe ou os avós. O correto é o professor ensinar à toda a turma de forma que o aluno perceba os erros cometidos sem ser citado. 3 ORALIDADE VERSUS ESCRITA A escrita e a oralidade são práticas sociais muito comuns na história da humanidade, cada uma com sua particularidade, mas ambas com funções de grande importância para a nossa sociedade. A escrita tornou-se mais do que uma tecnologia, um conhecimento, tornou-se um bem cultural que foi e ainda é construído, e que é indispensável para a vida em qualquer ambiente rural ou urbano, pois permeia as mais diversas relações: trabalho (documentos, relatórios), namoro (bilhetes, cartas, dedicatórias), profissional (contrato), pessoal (leitura, bilhete) etc. A fala é naturalmente aprendida no dia a dia de qualquer criança de forma natural; passa por um processo formativo, mas não tão incisivo quanto a escrita. A fala também é um instrumento comunicativo de prestígio na sociedade moderna, pois atinge um objetivo poderoso na comunicação de massa por meio das mídias tradicionais (televisão, rádio) e das novas mídias (internet, aplicativos de smartphone). Notamos que tanto a escrita quanto a fala nascem da necessidade de comunicar-se com outrem. Esse princípio básico de comunicação (locutor/enunciador e 23 UNIDADE 1 um interlocutor/receptor) faz com que a comunicação se torne uma necessidade social, e por isso entendemos a importância que cada vez mais a escrita e a fala assumem nos tempos contemporâneos. pensando juntos “Se a educação sozinha não pode transformar a sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda.” (Paulo Freire) Diante dessa necessidade de comunicação (oral ou escrita) é que entendemos o caráter coletivo da comunicação, isto é, a fala e a escrita são individuais, mas só tornam-se comunicação pelo processo de interação com o outro; consoante Bakhtin (2010), só existe o Eu porque existe o outro, esse confronto é que delimita a fala e/ ou escrita individual. Para o autor, esse é o caráter dialógico da língua/comunicação. Um bom exemplo disso é um discurso político que tem um comunicador, uma intenção comunicativa, tem um horizonte de expectativa e um ouvinte/ leitor idealizado, há uma interdependência dos indivíduos no discurso mesmo que pessoalmente essas pessoas nunca conversem ou sejam amigas. Outro exemplo é quando o filho pede algo aos pais, também há um comunicador com sua intenção comunicativa bem clara, um horizonte de expectativa (conseguir o que foi pedido) e os ouvintes (seus pais). Imagine, hipoteticamente, que essa pessoa não tenha pais; o seu discurso não se configura como uma comunicação, por isso Bakhtin (2010) reforça a ideia de que as palavras, o texto e o discurso estão impregnados de significado e são dependentes do outro para fazerem sentido ou serem eficazes. Um grande estudioso da comunicação, das unidades linguísticas e das funções da linguagem foi Roman Jakobson (1896 - 1982), que participou do Círculo Linguístico de Praga (grupo de estudos que desenvolveu métodos de análise estruturalista e semiótica) que também contou com diversos estudiosos de renome, como: Vilém Mathesius, Nikolai Trubetzkoy, Sergei Karcevskiy, René Wellek, Jan Mukařovský, entre outros. A pesquisa de Jakobson aprofundou o estudo sobre a finalidade da língua, as funções que a linguagem pode proporcionar e o entendimento da relação entre o falante e o ouvinte. Como base para a criação de sua teoria, Jakobson toma o modelo Karl Buhler como princípio de estudo, pois este já definia três funções básicas da linguagem: função expressiva; função conativa e função de representação. 24 UNICESUMAR Partindo disso, ele cria sua teoria sobre a comunicação com seis elementos constituintes: 1. Remetente/codificador: emissário da mensagem; 2. Mensagem: objeto da comunicação, conteúdo, assunto; 3. Referente/Contexto: é aquilo (objeto ou situação) a que mensagem se refere; 4. Código: conjunto de signos comum ao emissor e ao receptor; 5. Canal de comunicação: meio pelo qual a mensagem é transmitida; 6. Destinatário/decodificador: receptor da mensagem. Para que possamos entender claramente esses elementos, imaginemos a seguinte situação comunicativa: você manda uma mensagem para um amigo, por meio de um aplicativo de mensagens, convidando-o para uma festa. Nesse contexto hipotético, classificamos a situação, segundo o modelo de Jakobson, da seguinte forma: 1. Remetente: você; 2. Mensagem: conteúdo da mensagem enviada (texto); 3. Referente: a festa; 4. Código: língua portuguesa; 5. Canal de comunicação: aplicativo de mensagens; 6. Destinatário: o seu amigo. Jakobson foi além de uma simples classificação comunicativa, ele atribuiu a cada uma das citadas acima uma função comunicativa que estabelece sentido em seu uso, assim, o remetente corresponde à função emotiva; a mensagem corresponde à função poética; o referente à função referencial; o código à função metalinguística; o canal de comunicação à função fática e o destinatário à função conativa. Para Jakobson (2005), essas funções da linguagem não se anulam, mas sim há uma predominância de uma sobre a outra, dependendo da situação comunicativa, de forma que, em uma situação comunicativa, quando a função conativa prevalece, as outras fazem um papel secundário; isso ocorre devido à dinamicidade da língua. “ A diversidade reside não no monopólio de alguma dessas diversas funções, mas numa diferente ordem hierárquica de funções. A estrutura verbal de uma mensagem depende basicamente da função predominante (JAKOBSON, 2005, p. 157). 25 UNIDADE 1 A partir disso, é necessário entendermos as particularidades de cada uma dessas funções. Segundo Jakobson (2005), elas são: ■ Função emotiva: expressa as emoções e sentimentos de quem fala, na primeira pessoa do discurso. Comum em textos opinativos, frases com interjeições e poesias subjetivas; ■ Função conativa: centrada no destinatário, por isso tem um aspecto de persuasão, convencimento. Comum em textos publicitários; ■ Função referencial: tem o seu objetivo em descrever/apresentar o objeto ou situação tratada na mensagem, há predominância do discurso em terceira pessoa impessoal. Comum em textos científicos e descritivos; ■ Função poética: tem como objetivo a construção do texto da mensagem, pois utiliza a linguagem de forma a combinar imagens, sons e ritmos que produzam uma mensagem mais elaborada. Comum em textos literários e publicitários; ■ Função fática: tem como objetivo estabelecer comunicação, prolongando-a, focando-se no canal. Comum em cumprimentos e despedidas; ■ Função metalinguística: tem como objetivo o próprio código, verificar o êxito da própria comunicação. Comum quando a comunicação volta-se para explicar um termo ou expressão usada na própria comunicação. O modelo de Jakobson pode ser esquematizado na figura a seguir: Figura 1 - Modelo de comunicação de Jakobson Fonte: Alves (2014, on-line)1. Naturalmente, a teoria/modelo de comunicação de Jakobson não consegue abarcar todas as possibilidades comunicativas ou encaixar-se com perfeição em todos os momentos comunicativos, pois, como já discutimos, a linguagem é dinâmica e 26 “ UNICESUMAR está em constante transformação. Sendo assim, surgiram e surgirão situações em que esse modelo não será aplicado com exatidão; contudo, é uma ótima orientação teórica para entendermos e trabalharmos a escrita e a oralidade no ambiente escolar, especialmente nas práticas orais na escola, que muitas vezes são subjugadas ou esquecidas, sendo tratadas com menor importância. Ensinar língua oral não significa trabalhar a capacidade de falar em geral. Significa desenvolver o domínio dos gêneros que apoiam a aprendizagem escolar da língua portuguesa e de outras áreas (exposição, relatório de experiência, entrevista, debate, etc.) e, também, os gêneros da vida pública no sentido mais amplo do termo (debate, teatro, palestra, entrevista, etc.) (BRASIL, 1998, p. 67-68). Assim, é necessário entender que as práticas de comunicação oral e escrita têm suas particularidades, mas ambas são importantes para a formação desse educando e na construção de um cidadão que saiba se expressar adequadamente na forma escrita e oral. Segundo Fávero et al. (2005, p. 74), podemos observar traços distintivos entre a fala e a escrita organizados no quadro a seguir: FALA ESCRITA O texto mostra todo seu processo de criação O texto tende a esconder o seu processo de criação, mostrando apenas o resultado Interação face a face Interação a distância (espaço-temporal) Planejamento simultâneo ou quase simultâneo à produção Planejamento anterior à produção Criação coletiva: administrada passo a passo Criação individual Impossibilidade de apagamento Possibilidade de revisão Sem condições de consulta a outros textos Livre consulta Reformulação pode ser promovida tanto pelo falante como pelo interlocutor A reformulação é promovida apenas pelo escritor O falante pode processar o texto, redirecionando-o a partir das reações do interlocutor O escritor pode processar o texto a partir das possíveis reações do leitor Quadro 1 – Fala X Escrita / Fonte: Fávero et al. (2005, p. 74). 27 UNIDADE 1 A partir desse quadro explicativo, entendemos a importância da comunicação por meio da escrita e da oralidade e que não há um meio melhor do que o outro, mas sim possibilidades discursivas que se adaptam a contextos comunicativos distintos, que podem ser potencializados de acordo com a escolha correta do tipo de discurso utilizado e da forma de expressá-lo. Notadamente, as novas mídias e recursos tecnológicos impõem-nos e, certamente, imporão novas práticas discursivas utilizando o texto escrito e a oralidade, por isso a escola e seus educadores devem estar atentos às possibilidades comunicativas e suas adequações. 4 A GRAMÁTICA Quando nascemos e logo nos primeiros anos de vida, quando começamos a falar, construímos uma fala baseada em uma lógica comunicativa; mesmo que não saibamos o que é gramática, sujeito, verbo ou análise sintática, conseguimos estabelecer uma comunicação eficiente com os pais e/ou responsáveis. Sendo assim, notamos que as regras gramaticais surgem da análise de como o ser humano utiliza a língua; por isso, a gramática não pode ser uma camisa de força, mas sim um instrumento que nos auxilie na nossa formação como comunicadores. Ao olharmos para a história da evolução dos estudos gramaticais, notamos que os primeiros estudos e os primeiros manuais voltaram-se para estudar um certo padrão, um certo uso e desconsiderar as outras variáveis, por isso surge o conceito de “certo” e “errado”. 28 UNICESUMAR A origem da gramática tradicional data do século II a. C. e foi descrita pela primeira vez por Dionísio da Trácia, com o objetivo de oferecer os padrões linguísticos para as obras de escritores consagrados, limitando-se à língua literária grega. Foi organizada para transmitir o patrimônio literário grego e serviu de modelo para a tradição gramatical ocidental com o apoio das línguas grega e latina, sendo aplicada, posteriormente, à descrição de diversas línguas (CHAPANSKI, 2003). A gramática tradicional sempre trabalhou com a organização de uma língua padrão, denominada como norma culta, que estabeleceu o modelo “certo” de usá-la e apontou as variantes informais como um uso “errado” da língua, e isso perdurou durante muito tempo nos estudos da linguagem, começando a ser questionado apenas com o surgimento da ciência Linguística, como vimos nesta mesma unidade. É nesse contexto que o ensino tradicional baseou o estudo da língua materna, como uma memorização e aplicação das regras “corretas”; o que não se encaixava na norma culta era visto como “errado”. pensando juntos “A teoria sem a prática vira ‘verbalismo’, assim como a prática sem teoria, vira ativismo. No entanto, quando se une a prática com a teoria tem-se a práxis, a ação criadora e modificadora da realidade.” (Paulo Freire) De acordo com Travaglia (2006), há três concepções gramaticais que podem ser trabalhadas, discutidas e utilizadas para a formação linguística do aluno, que são: Gramática Normativa, Descritiva e Internalizada. As principais características dessas gramáticas são: ■ A Gramática normativa estabelece as regras e normas a serem seguidas pelos falantes da língua e considera erro o que foge a essas regras. É dividida em três partes: a fonética, que estuda os sons da fala; a morfologia, que estuda as classes gramaticais, e a sintaxe, que estuda a função que as palavras desempenham dentro da oração, como a concordância, a regência e a disposição da palavra na frase. Para que se possa compreender o uso dos pronomes relativos, a colocação pronominal e as várias relações de concordância, por exemplo, dentro da frase e esta dentro do período, é importante realizarmos uma análise sintática, que é a parte da gramática normativa que se preocupa com a organização das palavras na sentença. 29 UNIDADE 1 ■ A Gramática descritiva se ocupa com a descrição da forma e do funcionamento da língua, refere-se à formação do discurso concreto utilizado pelos falantes dentro das regras gramaticais estabelecidas. Sua função é investigar, descrever e registrar as variedades da língua, em um dado momento de sua existência, estudando os seus mecanismos e construindo hipóteses que expliquem seu funcionamento. Não leva em conta o conceito de certo ou errado, mas o que funciona como meio de comunicação, e considera que existe apenas o adequado e o inadequado ao contexto. ■ A Gramática internalizada ocorre por meio da internalização do conjunto de regras normativas de uso da língua pelos seus usuários. De acordo com Luft (2008), essa internalização ocorre na medida em que se convive com falantes da mesma língua, e é denominada pelo autor de saber linguístico. Para Travaglia, “não há erro linguístico nessa concepção de gramática, mas sim o uso inapropriado de interação de situações comunicativas por não atender às normas sociais de uso da língua” (TRAVAGLIA, 2006, p. 29). explorando Ideias Só existe um tipo de gramática? Devemos ser escravos da gramática? Só podemos escrever ou falar de um forma? Essa reflexão é fundamental para adotarmos uma postura adequada em sala de aula em relação ao ensino da língua materna, por isso leia o artigo de Eunice de Campos: “Reflexões sobre o ensino de gramática” e esclareça alguns pontos fundamentais para a nossa prática docente. Para saber mais, acesse o link disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1155-4.pdf>. Fonte: os autores. Evidentemente, as possibilidades de trabalho com a gramática não podem nos levar a deixar de lado o ensino da norma culta; esta é a função da escola, promover o ensino da norma padrão da língua materna, mas isso não quer dizer que devemos impor o ensino como um conjunto de regras e que os alunos serão avaliados como “certos” ou “errados”, por isso o entendimento de que a língua é dinâmica e está em constante mutação deve permear todas as propostas didáticas de ensino do professor. Diante desse entendimento, conseguimos enxergar possibilidades de ensino que promovam a inclusão e o aprimoramento por parte dos estudantes no uso da linguagem, tanto nas variantes que ele domina quanto na aprendizagem das 30 “ UNICESUMAR variantes que ele não conhece, inclusive no aprimoramento do norma culta, fazendo disso um processo natural de estudo de sua língua e o tornando um manipulador eficiente dela. Segundo Bechara (2002, p. 13), “A língua não se ‘impõe’ ao indivíduo (embora isso frequentemente se costuma dizer): o indivíduo ‘dispõe’ dela para manifestar sua liberdade de expressão”. Entendemos que as diferentes possibilidades de usar a língua materna demonstram as diferenças culturais, sociais e históricas na formação de uma sociedade que optou conscientemente ou não por usar uma construção linguística para se comunicar; por isso excluir as variedade linguísticas da sala de aula é excluir a diversidade cultural da sala de aula. Essa exclusão ou segregação linguística e cultural demonstra a distância que a escola está da sociedade. Dessa forma, todas as questões que envolvem o uso da língua não são apenas questões linguísticas; são também questões políticas, históricas, sociais e culturais. Não podem, portanto, ser resolvidas somente com um livro de gramática ou à luz do que prescrevem os comandos de alguns manuais de redação (ANTUNES, 2009, p. 21). Entendemos assim que a língua materna também faz parte da formação pessoal e cultural do aluno que vai, aos poucos, construindo a sua identidade e inserindo-se na sociedade com seus posicionamentos. Isso evidencia que é por meio do uso da língua que o sujeito constrói sua identidade social, recebe e transmite informações, ideias, culturas e conceitos; portanto, limitar o conhecimento da língua seria o mesmo que limitar o campo de atuação do sujeito. Dessa forma, entendemos que todos devem ter acesso a todas as informações que contribuam com o desenvolvimento pleno das competências linguísticas adequadas para cada ocasião, incluindo as variantes da linguagem escrita e a norma culta presentes em situações que envolvem o aspecto profissional e social. “ A língua é, assim, um grande ponto de encontro; de cada um de nós, com nossos antepassados, com aqueles que, de qualquer forma, fizeram e fazem a nossa história. Nossa língua está embutida na trajetória de nossa memória coletiva. Daí, o apego que sentimos à nossa língua, ao jeito de falar de nosso grupo. Esse apego é uma forma de selarmos nossa adesão a esse grupo (ANTUNES, 2009, p. 23). 31 UNIDADE 1 Dessa maneira, entendemos a relevância de apresentar na sala de aula o valor de nossa língua materna como nossa identidade cultural e, principalmente, de demonstrar a sua relevância na formação de nossa identidade, por isso trabalhar a língua deve ser um, experiência na qual o aluno se sinta inserido e entenda as possibilidades existentes de uso da língua, tanto da norma culta quanto das diversas variáveis existentes na própria língua. Portanto, o ensino de língua materna não pode restringir-se ao ensino de regras que conduzam ao pensamento limitado do “certo” e do “errado”, mas sim a uma reflexão maior sobre as possibilidades de domínio das variantes linguísticas. Consoante Antunes (2009, p. 31), “a língua portuguesa falada no Brasil precisa ter como foco de sua legitimidade as manifestações da plural e mestiça cultura brasileira”, demonstrando a inclusão e a diversidade que a língua portuguesa produziu e produzirá. 5 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM Notamos ao longo desta unidade que a língua tem um caráter dinâmico, está em constante transformação e que historicamente teve um papel importante na formação e construção das sociedades em que o homem viveu. Muitos estudiosos apresentaram suas teses sobre o desenvolvimento da língua e sua influência da formação escolar e de seus paradigmas. Contudo, Bakhtin postulou a concepção dialógica da linguagem, entendendo que a língua se constitui na interdependência da comunicação com o outro, isto é, ela não existe em um sistema isolado. 32 “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.” UNICESUMAR pensando juntos (Paulo Freire) As concepções bakhtinianas inserem-se dentro de um contexto de ensino-aprendizado e ainda hoje são pontos fundamentais para a reflexão da prática docente. As concepções são: linguagem como expressão do pensamento; linguagem como instrumento de comunicação; e linguagem como forma de interação. Sobre isso, Travaglia ressalta que “ [...] o modo como se concebe a natureza fundamental da língua altera em muito o como se estrutura o trabalho com a língua em termos de ensino. A concepção de linguagem é tão importante quanto a postura que se tem relativamente à educação (TRAVAGLIA, 2006, p. 21). Entendemos assim a importância de saber claramente as concepções de Bakhtin, pois a forma como encaramos a língua definirá os caminhos que nós, professores, optaremos para o ensino de língua materna. Veremos, a seguir, as características principais das três concepções baseadas na leitura que Travaglia (2006) fez das propostas bakhtinianas: 1. Linguagem como expressão do pensamento: está ligada diretamente à noção da gramática tradicional e entende que o ato de escrita não sofre nenhuma influência das circunstâncias sociais e históricas em que o autor está inserido. Entendendo que a norma culta é a forma de “traduzir” o que o ser humano está pensando, assim o conhecimento pleno da gramática tradicional permite uma expressão e comunicação eficiente. 2. Linguagem como instrumento de comunicação: entende que a língua é um conjunto de códigos que, combinados da forma correta, permitem uma comunicação objetiva e eficiente. Assim, se o emissor e o receptor dominarem o mesmo código, a comunicação ocorrerá satisfatoriamente. Essa concepção vincula-se a uma visão gramatical tradicional por apresentar a língua como uma ferramenta isolada do seu contexto social e real de uso. Esse modelo entendia que a repetição de modelos prontos 33 UNIDADE 1 de comunicação seriam suficientes para estabelecer a aprendizagem da língua e seus elementos comunicativos. 3. Linguagem como forma de interação: entende que a língua se materializa no processo comunicativo de forma dinâmica e ininterrupta, considerando o contexto histórico, político e social como parte essencial do discurso e com interferência direta na comunicação. Essa concepção não aceitou que a língua é a expressão do que o ser humano pensa ou, ainda, que ela é um conjunto fechado de regras comunicativas, mas apoiou-se no conceito de que a língua constitui-se nas condições do ato comunicativo, que é sempre diferente e dinâmico, mesmo que seja repetido diversas vezes. Segundo Bakhtin (2010, p. 271), “a compreensão de uma fala de um enunciado é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa.” O entendimento dessas concepções é fundamental para que possamos atualizar e/ou repensar nossas práticas docentes no ensino de língua materna, pois não podemos promover um ensino puramente gramatical entendendo que o simples domínio da regra possibilitará uma formação linguística adequada a esse aluno do século XXI; por isso, no processo de ensino-aprendizagem, a adoção da terceira concepção de Bakhtin deve ser constante e permear todo o nosso planejamento escolar, possibilitando entender a língua e todas as suas perspectivas na sua forma real de interação e não em contextos idealizados ou irreais. Portanto, a língua como um organismo vivo e dinâmico deve estar presente na sala de aula, nos planejamentos e nas práticas escolares, incluindo as diversas variedades linguísticas e culturais para formar linguisticamente o aluno para a pluralidade da língua materna. 34 O uso da linguagem elaborada articula uma série de habilidades que diferenciam o ser humano dos demais animais, sendo um ponto crucial na evolução humana e no desenvolvimento da capacidade de interagir, comunicar-se, transformar, produzir e singularizar-se. É o uso dessa linguagem elaborada que perpetua a espécie humana, seus hábitos, culturas e seus descendentes. Estudamos, nesta unidade, a importância do uso da linguagem de forma adequada ao meio em que se está inserido, ao propósito comunicativo e à possibilidade de utilizar diversos recursos da linguagem para atingir seu objetivo. A materialização do som da fala, dos gestos, a entonação vocal e a expressividade facial e corporal constituem partes fundamentais da linguagem que estudamos, embora evidentemente demos destaque para o estudo da linguagem escrita e falada. Entendemos as diferenças entre a língua escrita e a oral, os recursos que cada uma dispõe para sua utilidade e vimos que a linguagem se articula necessariamente na comunicação; por isso, entender os fundamentos da comunicação é necessário e importante para uma boa aprendizagem. Discutimos, também, a origem, formação e importância da gramática no contexto escolar, refletindo sobre o seu uso e a necessidade de estar atento para a linguagem que extrapola os limites gramaticais que engessam a língua. Estudamos as concepções de linguagem e entendemos como o ensino da língua materna pode privilegiar certos aspectos e nuances que valorizam a gramática, a oralidade e as transformações da linguagem e como isso deve ser trabalhado para valorizar a formação de um aluno que saiba explorar a sua potencialidade linguística. A aquisição da linguagem não é um fim, é um começo de evolutivas etapas de conhecimento e interação que vão se aprimorando nos níveis subsequentes de estudos e aperfeiçoamentos. Nesta etapa de nosso trabalho, nosso objetivo foi contribuir com esse aprimoramento e fomentar a percepção da comunicação como um ato social ao alcance de todos e capaz de transformação e ascensão social. UNICESUMAR Considerações Finais 35 na prática 1. O desenvolvimento de uma linguagem elaborada por parte do ser humano foi fundamental para a sua evolução histórica, cognitiva e social. Sabemos que os conceitos de Língua e Linguagem não são sinônimos, por isso, assinale (V) para as assertivas verdadeiras e (F) para as falsas. ( ) A língua é um conjunto de símbolos e sinais que se organizam naturalmente no uso da língua. ( ) A língua é um conjunto de grafias que combinadas entre si reproduzem a língua. ( ) A linguagem abrange a comunicação linguística em sua totalidade. ( ) A linguagem são as variadas possibilidades de comunicação humana. a) V V F V. b) F V V V. c) F V V F. d) V V V F. e) V V F F. 2. A língua portuguesa, como todas as outras línguas vivas, tem variantes linguísticas que demonstram as diferentes construções sociais, históricas e regionais que a língua sofre. Sobre isso, é correto afirmar: I - As variações linguísticas são deformações da norma culta. II - As variações linguísticas são ampliações do uso da língua. III - A linguagem informal ou regional não pode ser considerada uma variante. IV - As variações linguísticas fazem parte do patrimônio cultural de um país. a) Apenas a alternativa I. b) As alternativas I e II. c) As alternativas II e IV. d) As alternativas III e IV. e) As alternativas I, III e IV. 36 na prática 3. Um dos grandes estudiosos da comunicação humana é Jakobson, não só na análise e funcionamento da língua, como também na comunicação. Sobre o modelo de comunicação e as funções da linguagem de Jakobson, é correto afirmar: a) O emissor corresponde à função conativa por apresentar uma apelo emocional em sua mensagem. b) O código corresponde à função poética da língua por demonstrar uma necessidade explícita de desenvolver uma linguagem rebuscada. c) A mensagem corresponde à função metalinguística pela necessidade de deixar o canal comunicativo sempre “alerta”, em contato. d) O receptor corresponde à função referencial da linguagem por apresentar um conteúdo de extrema importância para a comunicação. e) O canal corresponde à função fática da comunicação por pretender manter contato com o destinatário. 4. Estudamos, nesta unidade, que a gramática não pode servir para nos “escravizar”, mas que ela deve apresentar a língua em funcionamento e analisar as potencialidades que podemos realizar ao utilizar a língua materna. Explique como a gramática pode ser utilizada na prática escolar. 5. Bakhtin foi um dos grandes estudiosos da linguagem e possui grande importância na formação escolar. As suas três concepções de língua demonstram a dificuldade histórica que o ensino de língua materna sofreu e ainda sofre em alguns casos. Explique qual das três concepções de língua deve ser utilizada em sala de aula para promover uma melhor aprendizagem. 37 aprimore-se Leia um trecho do artigo intitulado “Educação e Desenvolvimento Econômico no Brasil”, de Lúcia Bruno, que discute a relação entre o valor educativo e o desenvolvimento do mercado, da economia e do conhecimento. Para analisar o valor de uso e o valor de troca da educação escolar e sua incidência no desenvolvimento econômico, vou abordá-la a partir da questão da qualificação, da qual constitui um dos elementos centrais. Há ainda muita discussão acerca do que seja qualificação, talvez pela dificuldade em estabelecer um sentido único a ela quando as formas de exploração do trabalho são muito distintas entre si, como ocorre no capitalismo contemporâneo. Em um artigo publicado em 1996, intitulado “Educação, qualificação e desenvolvimento econômico”, apresentei uma formulação de qualificação, mais como recurso heurístico do que propriamente um conceito fechado. Considerei, então, qualificação como uma estrutura cujos elementos, além de mutáveis historicamente, se apresentam hierarquizados entre si a partir de uma determinada lógica, que por sua vez é dada pelas relações sociais de produção vigentes em processos de trabalho que são distintos entre si, do ponto de vista das formas de exploração. Historicamente a qualificação no capitalismo diz respeito à capacidade do trabalhador de realizar as tarefas requeridas pela tecnologia utilizada. Essa perspectiva pressupõe dois componentes básicos: um muscular e outro intelectual, que têm sido combinados de diferentes formas nas sucessivas fases do capitalismo. Em termos históricos e em linhas muito gerais, [...] desde que o capitalismo começou a se desenvolver em vastas regiões do mundo, a capacidade de trabalho do proletariado foi se caracterizando pela seguinte sucessão de etapas: inicialmente a qualificação dizia respeito à capacidade de realizar operações que requeriam grande esforço físico e habilidades manuais sempre mais aprimoradas. Depois, progressivamente, enquanto era obtido esse crescente adestramento muscular e manual, foram sendo desenvolvidos os componentes intelectuais da qualificação dos trabalhadores. O período que estamos vivendo se caracteri- 38 aprimore-se za exatamente pela predominância dos componentes intelectuais da capacidade de trabalho, especialmente daquela em processo de formação. Trata-se, pelos menos nos setores mais dinâmicos do capitalismo, de explorar não mais as mãos dos trabalhadores, mas seu cérebro (BRUNO, 1996, p. 92). O que vem sendo valorizado pelas empresas que operam com tecnologias intensivas em conhecimento envolve pelo menos os seguintes elementos: escolaridade crescente; conhecimento tácito relacionado com a experiência subjetiva do trabalhador no exercício de sua função; capacidade de tomar decisões e prevenir desajustes operacionais; capacidade de comunicação que permita o estabelecimento de referências comuns e proposição de ações conjuntas entre trabalhadores que desempenham funções distintas e com diferentes graus de complexidade; habilidade manual que permita a utilização eficiente de equipamentos de alta precisão técnica; capacidade de inovação no âmbito das atividades desempenhadas; capacidade de selecionar e relacionar informações variadas; capacidade de assimilação de códigos e normas disciplinares e de comportamento, articulando, ainda, aspectos de personalidade e atributos relacionados à condição étnico-cultural, de gênero e geracional. Esses elementos existem sempre articulados entre si e hierarquizados a partir de situações concretas, conferindo diferentes conteúdos à qualificação, consoante o processo de trabalho em questão, as condições conjunturais da economia, as estratégias patronais de utilização da força de trabalho e o nível de desenvolvimento das lutas dos trabalhadores. Essa compreensão do que seja qualificação no capitalismo nos permite estudá-la nas mais diferentes situações, pois a cada hierarquização apresentada por seus elementos constitutivos temos uma dada configuração dos processos de exploração da capacidade de trabalho e uma dada valorização de alguns de seus elementos em detrimento de outros. 39 aprimore-se Isso situa a qualificação como algo decorrente diretamente das relações sociais de produção na sua contraditoriedade, isto é, a qualificação é aberta aos conflitos sociais. Na realidade, há sempre uma luta entre o trabalhador e a racionalidade que lhe é imposta por meio dos métodos de trabalho, da tecnologia empregada, da disciplina, da avaliação de seu desempenho, na medida em que se objetiva impedi-lo de usar sua capacidade de trabalho em benefício próprio. Da mesma forma que o valor de uso e o valor de troca não são meras nomenclaturas, mas expressam posições de classe no interior da relação de exploração, a qualificação tem de ser vista desses dois pontos de vista. Ser qualificado é, na perspectiva do capital, possuir algum tipo de capacidade de trabalho passível de ser utilizada na produção de valor, de mais-valia. Essa capacidade é, no capitalismo, uma mercadoria produzida socialmente por trabalhadores, como já foi referido anteriormente. Uma mercadoria tem valor de uso porque tem um valor ao ser utilizada; ela satisfaz alguma necessidade socialmente dada. Possui também valor de troca quando não é imediatamente útil a quem a possui. Fonte: Bruno (2011, online)2. 40 eu recomendo! livro Ensino de Gramática. Opressão? Liberdade? Autor: Evanildo Bechara Editora: Ática Sinopse: na escola antiga, o professor tratava a norma culta como o único uso válido da língua portuguesa. Hoje, em nome da liberdade, privilegia-se o ensino da forma coloquial. Nessa obra, o professor Evanildo Bechara, membro da Academia Brasileira de Letras, defende a ideia de que, na verdade, existe opressão nas duas situações, visto que apresentar apenas uma dessas modalidades aos estudantes é privá-los da liberdade de escolher qual o registro mais adequado às diversas situações comunicativas que vivenciam. O autor mostra como o aprendizado da gramática é importante para que o falante domine as diversas possibilidades da língua. Ensino da gramática – Opressão? Liberdade? auxilia o professor de português a transformar o aluno em um poliglota em sua língua, capaz de compreender diferentes linguagens e de produzir discursos variados. livro Linguística Textual e ensino de Língua Portuguesa Autor: Albertina Rossi Editora: Intersaberes Sinopse: estudos indicam que, para que o aluno desenvolva de maneira efetiva as habilidades de ouvir, falar, ler e escrever, os professores devem realizar um trabalho com os gêneros textuais, os quais contemplam os princípios da linguística relativos à descrição da linguagem verbal humana em situações reais de comunicação. Considerando isso, a presente obra propõe uma reflexão sobre tópicos que vão desde as teorias de aquisição da língua escrita até a prática e produção de textos na escola. O objetivo é contribuir para o aperfeiçoamento do ensino e da aprendizagem da língua materna – neste caso, o português utilizado no Brasil. 41 eu recomendo! livro Linguagem e escola: uma perspectiva social Autor: Magda Soares Editora: Contexto Sinopse: esse livro pretende analisar as relações entre linguagem e escola, tendo como principal foco de interesse a contribuição dessa análise para a compreensão do problema da educação das camadas populares no Brasil. filme O clube do Imperador Ano: 2002 Sinopse: William Hundert (Kevin Kline) é um professor da St. Benedict’s, uma escola preparatória para rapazes muito exclusiva que recebe como alunos a nata da sociedade americana. Lá Hundert dá lições de moral para serem aprendidas por meio do estudo de filósofos gregos e romanos. Hundert está apaixonado por falar para os seus alunos que “o caráter de um homem é o seu destino” e se esforça para impressioná-los sobre a importância de uma atitude correta. Repentinamente algo perturba essa rotina com a chegada de Sedgewick Bell (Emile Hirsch), o filho de um influente senador. Sedgewick entra em choque com as posições de Hundert, questionando a importância daquilo que é ensinado. Porém, apesar dessa rebeldia, Hundert considera Sedgewick bem inteligente e acha que pode colocá-lo no caminho certo, chegando mesmo a colocá-lo na final do Senhor Julio Cesar, um concurso sobre Roma Antiga. Contudo Sedgewick trai essa confiança fazendo cábulas. filme A chegada Ano: 2016 Sinopse: naves alienígenas chegaram às principais cidades do mundo. Com a intenção de se comunicar com os visitantes, uma linguista e um militar são chamados para decifrar as estranhas mensagens dos visitantes. 42 eu recomendo! filme Half Nelson Ano: 2006 Sinopse: Dan Dunne (Ryan Gosling) trabalha como professor em uma escola secundária, localizada na vizinhança pobre do Brooklyn. Desiludido com a realidade, ele não cumpre o currículo padrão da escola e tenta, de alguma forma, incentivar seus alunos a estudar os direitos alcançados com a Guerra Civil americana. Para tanto, Dan tenta ensiná-los a pensar por si próprios, incentivando a troca de trabalhos entre eles. Porém, fora de sala, Dan recorre às drogas para superar a desilusão. Um dia ele é pego, logo após uma aula, por uma de suas alunas, Drey (Shareeka Epps). Apesar da diferença de idade e das condições sociais, eles aos poucos tornam-se bons amigos. conecte-se O documentário “Quando sinto que já sei” registra práticas educacionais inovadoras que estão ocorrendo pelo Brasil. A obra reúne depoimentos de pais, alunos, educadores e profissionais de diversas áreas sobre a necessidade de mudanças no tradicional modelo de escola. https://www.youtube.com/watch?v=HX6P6P3x1Qg A diversidade de textos que circulam no caminho diário dos alunos permite que eles tenham ainda mais possibilidades de conhecer sobre a língua portuguesa. No primeiro episódio da série é abordada uma das principais preocupações dos estudos linguísticos da atualidade: a necessidade de extrapolar o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa baseado apenas no texto verbal escrito. http://tvescola.mec.gov.br/tve/video/perspectivas-lingua-portuguesa-oralidade-e-escrita No segundo episódio, a série mostra perspectivas no ensino da gramática e como o domínio dela é indispensável para a construção de um ser pensante. Analisando a diversidade da língua e as formas diferentes do falar, o espectador é convidado para entender que, quando se trata de comunicação, não existe certo e errado em termos linguísticos. http://tvescola.mec.gov.br/tve/video/perspectivas-lingua-portuguesa-cultura-e-variacao-linguistica 43 2 CONCEPÇÕES DE LEITURA: DA DECODIFICAÇÃO ao Letramento PROFESSORES Dra. Ivone Pingoello Me. João Carlos Dias furtado PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: • Fundamentos teóricos da leitura • As etapas dos procedimentos de leitura • As competências críticas de leitura. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM • Compreender os processos sociais da leitura • Aperfeiçoar os procedimentos de leitura • Ampliar as competências críticas de leitura. INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), nesta unidade, iremos analisar especificamente o processo de leitura e suas funções sociais. O objetivo é que você aperfeiçoe suas habilidades leitoras e concretize o letramento acadêmico em sua formação profissional. Para isso, vamos trabalhar os conceitos de alfabetização funcional, os processos e técnicas que possibilitam o monitoramento da leitura rumo à aquisição da proficiência leitora, além de refletirmos sobre a leitura midiática, leitura dos hipertextos e das imagens. Todos esses campos do conhecimento fazem parte da nova concepção comunicativa que exige a leitura dinâmica e que está em constantes adaptações e reformulações a partir dos novos elementos inseridos nos discursos textuais contemporâneos. A comunicação é uma produção cultural que tem dominado o mercado globalizado e caracteriza-se na contemporaneidade pelo uso intensivo de meios tecnológicos de transmissão de informações. Nesse campo, a leitura é a parte estruturada a partir de diferentes funções: cognitiva, ideológica, informativa, de entretenimento, de interação social e construção do conhecimento. Cumprindo eficientemente essas funções, a leitura atinge seus objetivos, penetrando e interferindo na ação humana. Portanto, assumimos o pensamento de que a leitura é parte integrante da formação de identidades, crenças, conceitos e concepções e que, por seu vínculo com o mercado consumidor, deve receber especial atenção dos profissionais que almejam trabalhar com a educação, visto que a ela promove a liberdade que, por sua vez, é a ação opositora da alienação. A alienação se combate com informações e o caminho é a proficiência leitora, emancipada, autônoma e crítica. É o que propomos nesta unidade: a ampliação de sua autonomia leitora. Bons estudos! Boas leituras! UNIDADE 2 1 FUNDAMENTOS TEÓRICOS da Leitura Agora vamos tratar das questões relacionadas às funções sociais da leitura e, para isso, solicito que: Observe o ambiente em que você está, analise as composições das ruas de cidades pelas quais você transita, pense nos comércios e lugares que frequenta. Agora reflita: há algum desses ambientes ou lugares em que a escrita não esteja presente? Quantas vezes por dia é solicitado a você um tipo de leitura nos ambientes que frequenta? As respostas evidenciam que vivemos em uma sociedade grafocêntrica, que tem na escrita e na leitura a base principal de transmissão de informações. Os suportes de transmissão de informações se modernizaram; analisando as memórias que temos de tempos passados, percebemos que houve grandes evoluções nos processos de leitura e escrita. Também são perceptíveis os novos questionamentos pelos quais passam as escolas públicas brasileiras, a exigência de abandonar os velhos paradigmas de ensino, a codificação e decodificação das letras do alfabeto, o ensino tradicional de memorização e repetição mecânica dos textos lidos. Essas metodologias não atendem mais às demandas sociais que exigem o letramento, a fluência leitora e compreensiva dos mais diversos gêneros discursivos, de fazer da leitura e escrita um instrumento de interação e transformação da prática social. A proposta desta aula consiste em promover a reflexão sobre a leitura como componente cultural de formação de identidades sociais, um campo de possibilidades de participação ativa na construção de nossa própria história. 46 UNICESUMAR Para isso, é necessária a compreensão da construção social das dicotomias alfabetizado e analfabeto. Ser leitor no Brasil do século XVII era privilégio da elite e dos religiosos, qualidade que marcava a separação de classes sociais. O termo “analfabeto” surge no Brasil no final do século XIX quando se estabelece a proibição do voto do sujeito analfabeto por ocasião da reforma eleitoral de 1882; o analfabeto passa a ser um indivíduo visível aos olhos da sociedade, que usa essa característica para selecionar e excluir. Em períodos anteriores, nos séculos XVI e XVII, a qualidade de leitor distinguia os hereges dos cristãos, os bárbaros dos civilizados e, no século XX, a oposição é marcada entre ignorante e educado (SILVA, 2015). A história revela que a exclusão social, pobreza, inabilidade para lutar por seus direitos e ausência do sentimento de poder para participar da vida política do país estão estritamente relacionadas com a falta de proficiência em leitura e com os poucos anos de escolarização. No primeiro censo nacional realizado no ano de 1872, o índice de alfabetizados era de 17,7%, considerando pessoas de cinco anos de idade ou mais. Até o ano de 1960, a população de analfabetos no Brasil era de 46,7%, que foi caindo progressivamente até atingir os 8% dos tempos atuais (SILVA, 2015). No século XX, amplia-se o conceito de leitura e a escrita ganha novos suportes de produção. Surge, no Brasil dos anos de 1980, o termo letramento como tradução da palavra inglesa literacy. Para Soares (2002), o conceito de alfabetização sofreu ampliações, além de entendida como uma técnica por envolver procedimentos específicos de ensino e aprendizagem, passou também a ter significado social por oferecer possibilidades de interações sociais que proporcionam a autonomia do sujeito alfabetizado. Para os que não dominam essa prática, o letramento, cunha-se os termos analfabetos funcionais ou iletrados. As práticas letradas são indissociáveis da alfabetização, ambas fazem parte do processo de desenvolvimento do conhecimento e se desenvolvem em variados espaços sociais, mantendo relação direta com o mundo do trabalho. No contexto dessa relação letramento-mundo do trabalho, o INAF – Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional – realiza pesquisas com a finalidade de verificar as condições de alfabetismo da população de jovens e adultos brasileiros. Na nova proposta do INAF (LIMA; RIBEIRO; CATELLI JUNIOR; 2016), foram categorizados cinco níveis distintos de escala de alfabetismo, que passa a se organizar em cinco grupos: Analfabeto, Rudimentar, Elementar, Intermediário e Proficiente. As categorias Analfabeto e Rudimentar se referem ao grupo dos Analfabetos Funcionais, que é a classificação dada às pessoas que conseguem codificar 47 UNIDADE 2 e decodificar as letras do alfabeto e construir leituras e escritas apenas para fins funcionais com caráter instrumental; as categorias Elementar, Intermediário e Proficiente referem-se ao grupo do Alfabetismo Funcional, que é a classificação dada às pessoas que conseguem ir além da decodificação e codificação. No quadro a seguir, produzido pelo INAF, destacamos as conceituações de cada nível: • • • 48 Analfabeto: corresponde à condição dos que não conseguem realizar tarefas simples que envolvem a leitura de palavras e frases, ainda que uma parcela destes consiga ler números familiares (números de telefone, preços, etc.). Rudimentar: localiza uma ou mais informações explícitas, expressas de forma literal, em textos muito simples (calendários, tabelas simples, cartazes informativos) compostos de sentenças ou palavras que exploram situações familiares do cotidiano doméstico. Compara, lê e escreve números familiares (horários, preços, cédulas/moedas, telefone), identificando o maior/menor valor. Resolve problemas simples do cotidiano envolvendo operações matemáticas elementares (com ou sem uso da calculadora) ou estabelecendo relações entre grandezas e unidades de medida. Reconhece sinais de pontuação (vírgula, exclamação, interrogação, etc.) pelo nome ou função. Elementar: seleciona uma ou mais unidades de informação, observando certas condições, em textos diversos de extensão média, realizando pequenas inferências. Resolve problemas envolvendo operações básicas com números da ordem do milhar, que exigem certo grau de planejamento e controle (total de uma compra, troco, valor de prestações sem juros). Compara ou relaciona informações numéricas ou textuais expressas em gráficos ou tabelas simples, envolvendo situações de contexto cotidiano doméstico ou social. Reconhece o significado de representação gráfica de direção e/ou sentido de uma grandeza (valores negativos, valores anteriores ou abaixo daquele tomado como referência). Intermediário: localiza informação expressa de forma literal em textos diversos (jornalístico e/ou científico), realizando pequenas inferências. Resolve problemas envolvendo operações matemáticas mais complexas (cálculo de porcentagens e proporções) da ordem dos milhões, que exigem critérios de seleção de informações, elaboração e controle em situações diversas (valor total de compras, cálculos de juros simples, medidas de área e escalas); interpreta e elabora sínteses de textos diversos (narrativos, jornalísticos, científicos), relacionando regras com casos particulares a partir do reconhecimento de evidências e argumentos e confrontando a moral da história com sua própria opinião ou senso comum. Reconhece o efeito de sentido ou estético de escolhas lexicais ou sintáticas, de figuras de linguagem ou sinais de pontuação. • Proficiente: elabora textos de maior complexidade (mensagem, descrição, expo- UNICESUMAR • sição ou argumentação) com base em elementos de um contexto dado e opina sobre o posicionamento ou estilo do autor do texto. Interpreta tabelas e gráficos envolvendo mais de duas variáveis, compreendendo elementos que caracterizam certos modos de representação de informação quantitativa (escolha do intervalo, escala, sistema de medidas ou padrões de comparação) reconhecendo efeitos de sentido (ênfases, distorções, tendências, projeções). Resolve situações-problema relativos a tarefas de contextos diversos, que envolvem diversas etapas de planejamento, controle e elaboração, que exigem retomada de resultados parciais e o uso de inferências. Quadro 1 – Níveis de proficiência linguística /Fonte: Lima, Ribeiro e Catelli Jr. (2016, p. 5). O INAF apresenta o resultado de pesquisa realizada no ano de 2015 com 2.002 pessoas, entre jovens, adultos e idosos com idade entre 15 e 64 anos, residentes tanto de zonas rurais quanto urbanas. Dentre a população pesquisada, 27% foram classificadas como Analfabetas Funcionais, 4% corresponde ao grupo de pessoas consideradas Analfabetas; 42% dos entrevistados foram classificados no grupo Elementar, 23% estavam no grupo Intermediário e 8% dos respondentes demonstraram possuir proficiência no uso da leitura e da escrita, num total de 73% de pessoas classificadas no grupo dos Alfabetizados Funcionais (LIMA; RIBEIRO; CATELLI JR.; 2016). Em relação à situação de trabalho, 47% dos entrevistados classificados como Analfabetos estavam trabalhando; da mesma forma, 60% do grupo Rudimentar, 62% do grupo Elementar, 68% do grupo Intermediário e 75% do grupo Proficiente estavam trabalhando no momento da realização da pesquisa (LIMA; RIBEIRO; CATELLI JR.; 2016). Os autores Lima, Ribeiro e Catelli Jr. (2016) observam que é na pequena parcela da população entrevistada que apresentou o nível de proficiência em 49 UNIDADE 2 leitura e escrita (8%) que se encontra o maior percentual de pessoas que estavam trabalhando. Se observarmos os números, percebe-se que o percentual de pessoas com trabalho vai aumentando gradativamente à medida que aumentam as habilidades e competências no uso da leitura e da escrita. Os dados apresentados pelo INAF revelam que as ocupações profissionais nas quais se identifica a maior presença de pessoas na condição Proficiente são, também, as que apresentam maior escolaridade. Isto é, a proficiência em leitura e escrita está diretamente relacionada com o nível mais alto de formação, no caso, a formação no Ensino Superior (LIMA; RIBEIRO; CATELLI JR., 2016). pensando juntos A que grupo de leitores você pertence? Você se considera proficiente em leitura? O que falta para melhorar? Qual a importância da leitura para a sua vida acadêmica e profissional? Portanto, a formação em curso de Ensino Superior promove a evolução da capacidade leitora, ampliando o campo das relações sociais, das oportunidades de trabalho, da construção de relações de sentidos entre o lido e o praticado, refletido, compreendido e aplicado em ações diárias. Essa evolução não ocorre a olhos nus, nem é perceptível sem que ocorra uma autoavaliação, ou seja, só percebemos que evoluímos quando nos auto avaliamos. Essa autoavaliação é importante para percebermos que evoluímos constantemente quando não desistimos de estudar, ler e compartilhar ideias. Nesse exato momento está acontecendo em sua vida o processo de formação e/ ou aperfeiçoamento para a proficiência em leitura, você está inserido no contexto do letramento acadêmico. No conceito de Fischer (2008), letramento acadêmico é a fluência individual e autônoma de formas de pensar, ser, fazer, ler e escrever, agir e interagir, acreditar, valorizar, sentir, usar recursos e ferramentas tecnológicas. Estando numa sociedade grafocêntrica, não se separa o ler do ver, do descrever, do explicar e dos valores construídos, das ideologias, conhecimento e poder. Para o letramento acadêmico é necessário a independência na pesquisa, na construção de ideias, de produção de trabalhos, autoconfiança e responsabilidade. É a partir dos contatos com leituras diversificadas que se constroem identidades, posicionamentos ideológicos, significados culturais e estruturas de poder que vão refletir na atuação profissional, no mundo do trabalho e 50 “ UNICESUMAR nas realizações pessoais. Letramento acadêmico é desenvolver conhecimentos relevantes para a área acadêmica, incluindo linguagem adequada, que vão possibilitar a transformação social. Nos cursos de EAD, o engajamento em práticas de letramento acadêmico ocorre por meio das leituras solicitadas, leituras dos livros, das páginas indicadas pelos tutores no portal Moodle, leituras complementares, realizando as atividades propostas, mantendo contato com tutores, acessando os links para tirar dúvidas e utilizando integralmente a relação entre letramento e tecnologias. Os recursos tecnológicos possibilitam trabalhar com multiletramentos, que significam possibilidades de leituras visuais, digitais e sonoros ao mesmo tempo e em um mesmo ambiente, substituindo os suportes materiais, como cadernos, folhas, canetas, entre outros. É a cultura digital revolucionando as formas tradicionais de leitura, escrita, aprendizagem e interação social. As participações nos fóruns são momentos importantes de materialização de ideias e organização do pensamento a partir de leituras realizadas; cada postagem alinha-se aos demais comentários, formando o elo de pensamento: O objetivo do fórum, dessa forma, assemelha-se ao que Lévy (2004, 2009) chama de inteligência coletiva: capacidade de um coletivo de se engajar numa cooperação intelectual para criar, inovar e inventar, e tem como fundamento e objetivo o reconhecimento e enriquecimento mútuo das pessoas (PINTO; FISCHER, 2014, p. 21). Para Fischer (2008), ser letrado representa ter a capacidade de realizar práticas sociais num contexto de poder e ideologia, de se manifestar, agir em prol da defesa de ideologias próprias. Isso significa que tornar-se letrado é poder construir identidade própria. Para a autora, as práticas de leitura e escrita integram as experiências de vida do sujeito e interferem nos modos de dar sentido às experiências sociais. Nos sentidos dados por Pinto e Fischer (2014), o letramento empodera o sujeito nas questões sociais, culturais e econômicas, empoderamento que pode ser demonstrado nas atuações acadêmicas, profissionais e nas realizações pessoais. As autoras ressaltam que as práticas de letramento não se findam com os estudos acadêmicos, ninguém fica ou está letrado, mas se mantém em constante processo de letramento. Assim, não se transmite o letramento, mas se promove o processo de sua construção que é individual, considerando as experiências letradas de cada sujeito. 51 UNIDADE 2 explorando Ideias O termo empoderamento foi incluído em documento da Organização das Nações Unidas – ONU – para a década da Alfabetização 2003/2012. A UNESCO (2003) colocou a alfabetização no contexto da Educação para Todos, lançou o slogan “Alfabetização como Liberdade” e registrou o termo empoderamento afirmando que, por meio da alfabetização, os sem-poder podem se empoderar, libertando-se da ignorância, ficando livres para ação, escolhas e participação na construção de sua própria história de vida. Quando as pessoas não são letradas, suas inabilidades de entender os direitos jurídicos prejudicam o poder de invocá-los; isso pode ser uma deficiência severa para aqueles/as cujos direitos são violados. Para Paulo Freire (2005), a democratização da cultura escrita e da leitura favorece a reflexão e o clarear das consciências, promovendo a humanização com consequente compreensão dos direitos que possuem, promovendo a busca desses direitos antes desconhecidos. Fonte: os autores. 2 AS ETAPAS DOS PROCEDIMENTOS de Leitura Na base da construção do conhecimento acadêmico e profissional está o processo de leitura, que deve atingir o nível de proficiência, ou seja, o domínio das técnicas de interpretação e compreensão textual que fazem parte do letramento acadêmico. É possível melhorarmos nossas leituras a partir do desenvolvimento de técnicas específicas e monitoramento constante das evoluções atingidas a 52 “ UNICESUMAR cada nova leitura. Nesse contexto, elencamos algumas considerações que podem auxiliar na promoção da leitura proficiente. Cabral (1986) descreve quatro etapas as que promover uma leitura com proficiência, são elas: decodificação, compreensão, interpretação e retenção. Decodificação: é a fase inicial da leitura, é a decifração do código linguístico, é a junção das letras, de seus respectivos sons e a atribuição de significados. Compreensão: é a segunda fase da leitura, na qual ocorre a assimilação das informações contidas no texto, sendo necessário ao leitor ter conhecimento sobre o assunto abordado para que possa atribuir sentido ao texto lido. É a análise dos dados textuais. Interpretação: é a capacidade de análise crítica frente ao texto e só ocorre depois da compreensão. Sem compreensão não ocorre a interpretação. Nessa etapa, recupera-se todas as informações e conhecimentos prévios sobre o assunto, estabelece-se a intertextualidade entre os textos, questiona-se, julga-se e tira-se conclusões a respeito do texto lido. Retenção: é a última fase da leitura, na qual o/a leitor/a é capaz de armazenar na memória as informações mais importantes expostas no texto. Cabem então analogias, comparações, reconhecimento do sentido de linguagens figuradas e das ideias subjacentes. É imprescindível considerar cada uma das etapas de leitura para o processo de autoavaliação, haja vista que o desempenho nessas etapas depende do nível de suas leituras. A leitura é a realização da escrita que, por sua vez, é a materialização da fala num processo cognitivo que envolve aptidões auditivas e visuais; portanto, envolve uma habilidade mental complexa. É pelo exercício da habilidade cognitiva que você conseguirá desenvolver a capacidade de compreensão e produção textual necessária para transitar pelos diferentes setores sociais e exercer com propriedade a cidadania. Kleiman (2000) cita três níveis de conhecimentos essenciais para que a compreensão das leituras realizadas possa ocorrer: conhecimento linguístico, conhecimento textual e conhecimento de mundo. ■ O conhecimento linguístico refere-se ao conhecimento da linguagem utilizada pelo/a autor/a do texto, do vocabulário, da língua. Se não há domínio da língua, não há compreensão textual. 53 UNIDADE 2 ■ O conhecimento textual é adquirido ao longo da aprendizagem de leitura quando se entra em contato com diferentes gêneros textuais. Ao definirmos o gênero textual, sabemos antecipadamente qual a intenção do/a autor/a, se é a de informar, de divertir, de contar uma história, entre outras intenções. ■ O conhecimento de mundo é o que nos permite fazer inferências, o que fazemos quando nossa percepção é ativada por meio da nossa memória de situações ou leituras anteriores vivenciadas; esse é o processo pelo qual estabelecemos relações entre os elementos já conhecidos e os citados pelo/a autor/a. O processo de evolução do aprendizado da leitura começa na alfabetização e não tem fim, ela evolui acompanhando a evolução do sujeito e da sociedade como um todo. Dessa forma, temos vários grupos de leitores/as, cada qual em seu momento específico de evolução leitora. Na construção do conhecimento por meio da leitura, faz-se necessário o contato com variados gêneros textuais, que consistem na variedade de tipologias textuais discursivas e que podem ser divididos para fins de análise em unidade de estilo, de composição e de tema. Os tipos textuais podem ser agrupados em cinco: ■ Narração: narração de fatos reais ou fictícios. Exemplos: conto, romance, novela, fábula. Possuem personagens, enredo, espaço e ambiente. ■ Descrição: retrata verbalmente ambientes, objetos e pessoas. Descreve características, enumera e compara. ■ Dissertação: expõe ideias, argumenta, debate conceitos, propõe reflexões, teses e antíteses. Exemplos: artigos científicos, trabalhos de conclusão de curso etc. ■ Injunção: instrui, orienta e ensina a manusear. Exemplos: receitas, manuais, bulas e regulamentos. ■ Exposição: expõe fatos, publica notícias e acontecimentos. É de ordem impessoal. Exemplo: notícias jornalísticas. Os tipos textuais são categorizações de textos conforme sua composição linguística e definem as funções sociais do texto; os tipos textuais orientam a escolha do que ler conforme o objetivo de leitura. Gêneros textuais estão relacionados com as diferentes formas de comunicação; em um mesmo tipo textual podem aparecer vários gêneros textuais, por exemplo, no gênero carta pode haver descrição, narração e argumentação; no gênero manual de instrução pode haver trechos descritivos, dissertativos e injuntivos. Num mesmo tipo de texto podem coexistir diferentes gêneros textuais. 54 UNICESUMAR Os gêneros textuais abrangem um ilimitado conjunto de variações e que estão sempre em evolução por ocasião da evolução das novas tecnologias e das mídias de comunicação e informação. Desta forma, o sentido do texto tanto pode variar conforme variam os tipos e o contexto de sua publicação como também podem variar de leitor/a para leitor/a e varia, também, a percepção do/a leitor/a no campo de evolução das habilidades leitoras. Evoluímos lendo, e lendo evoluímos. Na evolução leitora, ampliam-se os processos de inferência. Para entender melhor o que é a inferência, leia a piada no quadro a seguir: - Não que eu queira contar vantagem… - Disse o marceneiro. - Mas os meus antepassados construíram a Arca de Noé! - Isso não é nada! - Respondeu o jardineiro. - Foram os meus antepassados que plantaram o Jardim do Éden! - Tudo bem! - Disse o eletricista. - Mas quando Deus disse “Haja luz”, quem vocês acham que tinha puxado a fiação? Quadro 2 – Três sujeitos discutiam quem tinha a profissão mais antiga. Fonte: Hartmann e Santarosa (2009, p. 71). Hartmann e Santarosa (2009) esclarecem que a piada só faz sentido se sabemos o que fazem um marceneiro, um jardineiro e um eletricista para entender as ações mencionadas na piada e, para que o humor seja atingido, é necessário que se tenha conhecimento das histórias narradas na Bíblia e a frase “Haja luz”. Sem esses conhecimentos a piada não seria engraçada, assim como outros gêneros textuais também não teriam sentido sem um conhecimento prévio sobre o assunto tratado no texto. A cada nível alcançado ocorre uma mudança de comportamento, um avanço na capacidade intelectual e cognitiva. Tais mudanças ocorrem à medida que se atingem níveis mais elevados de compreensão de mundo proporcionados pela postura ativa diante das práticas sociais, entre elas a leitura. É lendo que se aprende a ler e a cada leitura novas etapas de desenvolvimento vão surgindo, dependendo da posição assumida pelo/a leitor/a. Mortimer e Van Doren (2010) acreditam que há duas posições que podem ser assumidas, são elas: Leitura passiva: caracterizada pela mera recepção de informação desacompanhada da reflexão. É a leitura mecânica, objetivando apenas a prova, a apresentação de um trabalho, ocasionando uma memorização superficial. É quando sentimos sono ao ler ou quando fechamos o livro por achá-lo desinteressante, quando, na verdade, o desinteresse pode ser fruto da nossa passividade. 55 UNIDADE 2 56 Leitura ativa: é determinada pelo grau de atividade por parte do/a leitor/a, sua presença dialógica num esforço constante em compreender a mensagem, é um/a leitor/a atento que volta a ler parágrafos que não ficaram claros, buscando o entrelaçamento das ideias do/a autor/a. A capacidade de compreensão leitora depende do grau de atividade cognitiva do/a leitor/a. Ao primeiro obstáculo, se abandonada a leitura, a possibilidade de se atingir um grau maior de compreensão é abandonada também. Ao passo que, diante de uma dificuldade em se compreender o texto, recorre-se a releituras, busca de informações complementares, como o contexto do/a autor/a, a época em que o texto foi escrito; a possibilidade de se atingir um grau maior de compreensão leitora aumenta. Mortimer e Van Doren (2010) citam quatro níveis de leitura, os quais são: Leitura Elementar - É o princípio elementar da decodificação da escrita oferecido nas primeiras séries do Ensino Fundamental. A pergunta norteadora é: “O que a frase diz”. Leitura Averiguativa - Pré-leitura ou garimpagem: é a busca de textos partindo de interesse próprio, é a garimpagem que se faz em livrarias, bibliotecas ou estantes virtuais; achando um texto com um título promissor, parte-se para a averiguação se o conteúdo vai ao encontro do que se busca lendo o sumário ou o resumo. A pergunta norteadora é: “Este texto é sobre o quê?”. A leitura averiguativa consiste em uma pré-leitura para a confirmação ou refutação de um texto dentro do que se procura e dessa forma é uma atividade rápida que disponibiliza de pouco tempo, pois pode estar sendo feita em uma livraria, por exemplo. Para uma boa garimpagem, Mortimer e Van Doren (2010) dão algumas sugestões: — Cuidado com os títulos comerciais que visam somente a venda e são fracos em conteúdos. — Verifique o nome do/a autor/a: é de alguém conhecido/a, já citado/a em outros textos? — O livro foi publicado em uma única edição e há muitos anos? Sinal de que não houve muita procura por ele. — O livro foi editado várias vezes? Significa que superou as expectativas de vendas. — Todo livro possui uma ficha catalográfica com anotações dos tópicos abordados, são as palavras-chave, lendo-as, você terá uma noção dos temas abordados. UNICESUMAR — No sumário ou índice de livros, você pode perceber os tópicos, os subtítulos que indicam de que forma e quais os pontos que são tratados no livro. — Confira a bibliografia consultada pelo/a autor/a, nesta parte você poderá ter uma noção das bases do texto, da confiabilidade dos dados apresentados quando se utiliza de autores renomados e respeitados dentro do tema abordado. Esse item também pode ser utilizado por você para novas consultas, novas garimpagens, cada referência citada pode ser buscada por você como nova fonte de informação. Antes de decidir sobre a leitura total do texto, passe os olhos sobre alguns parágrafos, leia partes da introdução e partes das considerações finais, desta forma você terá uma ideia se é o que realmente procura. Após essa averiguação e o texto sendo descartado de sua leitura, não significa que você perdeu tempo, pelo contrário, você ganhou conhecimento. O texto pode não lhe ser útil neste momento, mas poderá o ser num momento futuro. O ideal seria você anotar o título e o assunto tratado para uma consulta futura, caso venha a precisar. Leitura Analítica - É a leitura ativa por excelência. Busca-se a análise para subsidiar a compreensão. Quando a leitura é de entretenimento ou apenas busca de uma informação em específico, a análise não é obrigatória. A análise para fins de construção da compreensão segue algumas etapas, as quais são: a) Análise Textual – Busca informações sobre o/a autor/a, sua posição metodológica e teórica, informações sobre o vocabulário, sobre a data de publicação, o contexto em que foi publicado. As questões feitas nessa análise são objetivas, fornecem o mapa esquemático do texto e a visão total da unidade. b) Análise Temática - A partir dos dados sobre o/a autor/a, principalmente sua linha teórica, busca-se entender a mensagem que o/a autor/a quer transmitir sem que sejam feitas interferências pessoais por parte do/a leitor/a. As questões formuladas nessa parte da análise fornecem o conteúdo, o que o/a autor/a quis dizer. c) Análise Interpretativa – Amparados pelos dados fornecidos pelas duas fases primeiras de análises, chegamos à interpretação leitora, construímos nossa própria visão do texto, momento de desenvolvimento intelectual do/a leitor/a. 57 UNIDADE 2 Leitura Comparativa – Leitura exigida normalmente em teses e dissertações, trabalhos acadêmicos e científicos. A partir da escolha de um tema central, buscam-se livros que tratem do tema proporcionando uma dialogicidade entre os/ as autores/as na busca da afirmação ou refutação de uma ideia. Sendo o texto uma construção cultural da atividade humana, ambos, leitor/a e autor/a, participam do processo de construção do sentido do texto. O significado posto pelo/a autor/a não é garantia de que o/a leitor/a compreenderá da forma desejada. Ao compreender um texto, o/a leitor/a estabelece novos sentidos, os quais nem sempre são compatíveis com o sentido desejado pelo/a autor/a. Portanto, a leitura é sempre uma ação criativa e não reprodutora e deve conduzir à autonomia de pensamento, pois é diálogo, interação, construção de sentidos. Não se deve conceber a leitura como uma imposição do/a autor/a, mas como sobreposição de visões de mundo. 3 AS COMPETÊNCIAS CRÍTICAS de Leitura pensando juntos Quem não sabe pensar, acredita no que pensa. Mas, quem sabe pensar, questiona o que pensa. (Pedro Demo) 58 UNICESUMAR Parafraseando Demo, podemos dizer: “Quem não é letrado, acredita no que lê. Mas quem é letrado, questiona o que lê”. Essa é a base principal da leitura crítica: questionar tudo o que lê, manter uma postura analítica, avaliativa, reflexiva e questionadora. É não aceitar um texto como imposição de ideias, ter a capacidade de desvendar os sentidos explícitos e implícitos no texto, cogitar a dúvida e dinamizar conflitos. A leitura crítica não aceita a posição passiva, codificadora e superficial de um texto, ela exige a posição ativa de um leitor cujas ideias se sobrepõem às do/a autor/a. Ler criticamente implica estabelecer conexões entre o discurso escrito e as práticas sociais. Adquirir a capacidade de ler criticamente é emancipar-se, tornar-se independente, não manipulável, é sair da situação de condescendente e ter domínio sobre as próprias ideias. Ser crítico é ter a capacidade de ponderar tudo o que se lê diante de tudo que se conhece. Dessa forma, não devemos nos deixar influenciar por um renomado/a autor/a e aceitar como lei o que escreve apenas por ser um/a autor/a reconhecido nacional e internacionalmente, da mesma forma que não devemos rejeitar tudo partindo da concepção errônea de que ser crítico é rejeitar tudo e ficarmos apenas com a nossa verdade. Todas as verdades são transitórias, tudo tem que ser ponderado e relativizado. Entre as leituras em relação às quais mais necessitamos ser críticos estão as leituras propostas pela mídia, tanto no que diz respeito aos textos escritos como os textos orais, vinculados aos veículos de propagação de informações de massa, como rádios, redes de televisões, jornais impressos e on-line, revistas impressas e on-line. Esses veículos possuem o poder de decidir o que iremos saber e o que não devemos saber e, ainda, de que forma a informação será transmitida. Nesse contexto, é válido retomarmos o pensamento de Bakhtin (2010), quando o autor afirma que todo ato comunicativo é intencional e carregado de ideologia e podemos perceber que com os textos midiáticos isso não é diferente. A mídia jornalística e de entretenimento são produtos de empresas privadas e como tal estão associadas à ideologia da empresa à qual pertencem. As empresas de mídia jornalísticas afirmam que são meios independentes de transmissão de informação, mas isso não ocorre, porque tais empresas são mantidas por grandes patrocinadores que fazem usos desses meios para divulgar seus produtos e marcas, além de propagandas políticas, conforme esclarecem Hartmann e Santarosa (2009). Conforme ressaltam os autores, o vínculo com os meios de produção privada de mercadorias e com interesses de grupos financeiros e políticos “deixa 59 UNIDADE 2 claro que a objetividade e a imparcialidade são impossíveis em qualquer meio de comunicação” (HARTMANN; SANTAROSA, 2009, p. 143). Hartmann e Santarosa (2009) citam Santos (2001) para esclarecer que os meios de comunicação valem-se de seu poder para difundir suas ideologias hegemônicas. Para Santos (2001), a globalização promoveu o fortalecimento de várias empresas em nível mundial, entre elas estão as empresas jornalísticas que, conforme declara o autor, não são mais que sete em todo o mundo, e direcionam as perspectivas de notícias nas agências menores. O que significa que as agências menores são meras reprodutoras das notícias veiculadas nas grandes agências, detentoras do poder de difundir apenas as notícias que vão gerar retorno financeiro, tanto nas vendas dos jornais como na garantia de permanência de seus patrocinadores. A seguir, reproduzimos um texto jornalístico utilizado por Hartmann e Santarosa (2009) para expor a linguagem utilizada nos textos jornalísticos: Governo nega que ampliação do Bolsa Família tenha caráter eleitoreiro A menos de sete meses das eleições municipais, o governo federal decidiu estender o pagamento do programa Bolsa Família para jovens de 16 e 17 anos. A partir desta segunda-feira, as famílias que já possuem crianças e jovens inscritos no programa poderão ampliar o benefício caso os filhos já tenham completado 15 anos - idade fixada como limite, em 2003, para o pagamento do Bolsa Família. A secretária nacional de Renda e Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social, Rosani Cunha, negou que a extensão do programa tenha fins eleitoreiros, mesmo atingindo jovens já autorizados pela Legislação Eleitoral a votarem. “Estamos falando de uma modalidade dentro do programa. A compreensão do governo é a de que não faremos um novo benefício, mas um ajuste em um programa que já existia. Não é a ampliação do Bolsa Família, mas o seu aperfeiçoamento. Além disso, a extensão foi aprovada pelo Congresso no ano passado”, afirmou. Segundo a secretária, o pagamento continuará sendo repassado à mãe (ou chefe da família) responsável pelo jovem. “Quem melhor consegue decidir onde adotar esse dinheiro é a própria família, preferencialmente a mãe. A decisão foi muito mais para guardar coerência com o Bolsa Família que qualquer outra coisa”, disse a secretária ao ser questionada sobre o suposto viés eleitoreiro da extensão. Cunha afirmou que o principal objetivo da mudança é garantir que jovens até 17 anos permaneçam na escola, uma vez que grande parte abandonava os estudos ao completar 15 anos com o fim do pagamento do Bolsa Família. Dados da Pnad 60 UNICESUMAR (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) revelam, porém, que os beneficiários do programa têm uma freqüência escolar 1,6% maior que os não beneficiários. “A faixa etária de 15 a 17 anos é crítica para o sistema educacional. Perder esses 1,6% seria muito. Para nós, é um índice importante, em um país em que 1% para a educação pública é muita gente”, minimizou o secretário de Educação Continuada e Alfabetização do Ministério da Educação, André Lázaro. [...] (Texto de Gabriela Guerreiro, citado por Hartmann e Santarosa, 2009, p. 144-145) Para efeito de comparação, Hartmann e Santarosa (2009) refizeram a mesma reportagem com os dados básicos necessários para seu entendimento, cuja reprodução apresentamos a seguir: Governo estende benefício do Bolsa Família para aluno de até 17 anos Ontem, 17-03, em Brasília, o governo federal decidiu estender o pagamento do programa Bolsa Família para jovens de 16 a 17 anos. Desde ontem as famílias que possuem crianças e jovens inscritos no programa poderão ampliar o benefício caso os filhos já tenham completado 15 anos – idade fixa como limite em 2003, para o pagamento do Bolsa Família. Segundo a secretária nacional de Renda e Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social, Rosani Cunha, o objetivo da mudança é garantir que jovens de até 17 anos permaneçam nas escolas, uma vez que grande parte abandonava os estudos ao completar 15 anos, com o fim do pagamento do Bolsa Família. O segundo texto foi feito por Hartmann e Santarosa (2009, p. 147) com os mesmos dados informados no primeiro texto e deixa clara a diferença de objetivos. No segundo texto há apenas informações objetivas, sem valorização negativa ou positiva, caberia ao/à leitor/a julgar o fato no âmbito assistencialista, social ou político. O risco que se corre ao publicar uma notícia dessa é o fato de o/a leitor/a (leia-se eleitor/a) estar livre para interpretar, podendo passar despercebido a possível ilicitude do governo, interpretação desejada pelo jornal, ou interpretar como um ato de bondade do governo, fato que culminará num possível voto de confiança para o governo. É um risco que um jornal, caso seja anti-governista, não pode correr e já no enunciado da reportagem lança em debate a negação do governo do uso do Bolsa Família com a finalidade eleitoreira. Ninguém nega algo de que não tenha sido acusado, e quando nega levanta hipóteses sobre a veracidade da acusação 61 UNIDADE 2 (HARTMANN; SANTAROSA, 2009). Dessa forma, o objetivo do primeiro texto é o de levantar a hipótese de uso do programa Bolsa Família para fins eleitoreiros. Hartmann e Santarosa (2009) afirmam que não existe jornalismo neutro e cabe ao/à leitor/a observar não só a informação transmitida, mas o modo como a informação está sendo transmitida. Nessa análise, os números são os dados mais susceptíveis de serem usados a favor ou contra a situação que se deseja lançar. Hartmann e Santarosa (2009) citam o exemplo da inflação: caso ela suba meio por cento, dependendo do veículo de transmissão, a notícia pode sair desta forma: A inflação já subiu meio por cento. E em outro jornal, a mesma notícia pode ser dada de outra forma: A inflação subiu meio por cento como previsto pelo governo. Na primeira frase a ordem é alertar o/a leitor/a de que a inflação está subindo; na segunda frase a ordem é informar que está tudo sob controle. Manipulações como essas podem ser facilmente verificadas em épocas de eleições. Devemos, portanto, ler criticamente todo e qualquer texto publicado nas mídias de massa, inclusive entrevistas, reportagens, crônicas, artigos de opinião, todos, sem exceção, podem trazer a marca ideológica de quem o escreveu, de quem pagou para escrever, de quem tem interesse e ganhará dinheiro com a reportagem ou com a entrevista. É nesse contexto que o atributo acadêmico passa pela promoção da habilitação em ler textos sincréticos e não sincréticos, entender os sentidos explícitos e os implícitos nos discursos midiáticos, saber interpretar a mensagem não só pela decodificação das palavras, mas também pela leitura do contexto, do veículo utilizado, razão pela qual as atividades de leitura não devem ser restringidas a um único veículo, mas à pluralidade dos meios utilizados que se configuram nos princípios do letramento digital. Para isso, é necessário formar opiniões críticas a partir de análises de textos midiáticos com o objetivo de compreender a força midiática disseminadora de ideologias, construtora/destruidora de identidades; desenvolver as potencialidades identificadoras das marcas discursivas nos diferentes modos de retratar os mesmos fatos, desvelar a intenção por trás da escolha intencional de verbos que retratam ações e moldam opiniões, analisar o dito e o não dito. Diante de conflitos interpretativos, podemos fazer alguns questionamentos para aguçar o faro crítico. Sugerimos que você pergunte: 62 O que o/a autor/a está tentando provar? Sobre quem ele/a está falando? Ele/a está ressaltando os aspectos positivos ou negativos? Em que provas ele/a está se baseando? As provas são confiáveis? Qual é a relação que o/a autor/a tem com o sujeito referido no texto ou o fato relatado? UNICESUMAR ■ ■ ■ ■ ■ ■ Mesmo diante do que acredita que seja a verdade, questione, pois todas as verdades podem ser abaladas quando entram em conflito com uma mente questionadora. Quanto maior o contato com a leitura, maior será a capacidade reflexiva sobre os textos, pois há a possibilidade de comparação das ideias propostas por cada autor/a. Nesse contexto, os hipertextos podem contribuir com a interatividade textual. Os Hipertextos e os Hiperleitores Como já visto, a linguagem tende a se moldar às necessidades de seus locutores, os níveis linguísticos variam conforme variam os contextos onde são empregados. Dessa forma, há um novo contexto no qual a linguagem escrita procura se moldar à nova ferramenta de transmissão: o computador e a internet. Podemos dizer que o computador revolucionou o uso da linguagem, criou novos linguajares - como o “internetês”, por exemplo - ampliou e agilizou os meios de se comunicar, criou um novo perfil de analfabetismo: o virtual; e criou um novo perfil de letramento: o digital. As formas de apresentação textual ganharam novas estruturas e com elas surgem os hipertextos, que se referem ao procedimento de escrita e leitura em que se podem incluir links que, quando clicamos sobre eles, abre-se uma nova janela e o texto citado pelo/a autor/a surge na tela. Seria como se no texto estivessem acoplados todos os textos citados na referência. Obviamente isso não seria possível na produção impressa, mas é plenamente possível na produção de hipertextos publicados em páginas da internet. Para Nojosa (2007), o hipertexto representa um conjunto de amarras interligadas por conexões significativas que incluem palavras, imagens, gráficos, sequências sonoras etc. Para o autor, o surgimento do hipertexto criou um espaço dialógico por meio do qual as partes não se perdem no todo, ocorre uma dinâ63 UNIDADE 2 mica de leitura onde não há um centro regulador, mas uma nova organização de leitura sobre a qual o/a receptor/a pode ter a percepção da complexidade das informações do mundo contemporâneo. A dificuldade encontrada por um/a leitor/a desavisado está em se deparar com uma variedade maior de informações, correndo o risco de se perder entre tantas delas. O/A leitor/a, mais do que nunca, tem que ter um objetivo claro de leitura, ter a capacidade de filtrar o que lhe interessa e avaliar as informações. Nesse tipo de leitura, outras habilidades têm que estar presentes, como o domínio dos recursos digitais e o reconhecimento de ícones. O hipertexto também pode nos remeter a links que constam imagens que o/a autor/a acredita ser importante para a compreensão do texto. Dessa forma, o acesso à imagem referida pelo/a autor/a se amplia e se transforma em instrumento essencial para manter a atenção do/a leitor/a, para vender, transmitir mensagens, entreter etc. Imagem é a voz do momento! O instrumento principal de comunicação da mídia é a imagem, por ser uma mensagem agradável aos olhos e de rápida absorção. Leitura de imagem Para Costa Val (2006), pode-se definir como texto todo conjunto de signos linguísticos de qualquer extensão, dotado de unidade sociocomunicativa. Portanto, podemos definir que texto é toda ação comunicativa tomada conscientemente no ato de situações concretas de interações sociais processadas por meio de estratégias e operações de ordem cognitivas. Nesse contexto, podemos afirmar que uma placa de trânsito representa um texto, o semáforo representa um texto, o slogan de uma empresa representa um texto, livros, revistas, noticiários, novelas e demais manifestações verbais e não verbais representam texto. Isso porque todos transmitem uma mensagem, todos são ações comunicativas que promovem a interação entre o produtor e o receptor da mensagem. A imagem tem uma linguagem mundial, pode ser interpretada em todos os países, porém a interpretação pode variar conforme variam o conhecimento das pessoas que leem a imagem. Pelo seu poder comunicativo, a imagem é amplamente explorada pelos meios de comunicação, os quais também podem manipular o foco desejado e publicar apenas o que lhes convêm. Portanto, a imagem pode ter várias funções conforme o interesse de quem a utiliza. 64 UNICESUMAR Podemos fazer dois tipos de leitura de imagem, a leitura denotativa e a leitura conotativa. Na leitura denotativa, elencamos os elementos que compõem a imagem, podemos enumerá-los e/ou descrevê-los como a quantia de objetos, de seres que aparecem na figura, e as cores utilizadas. A leitura conotativa é a interpretação das possíveis mensagens que a imagem pode transmitir, a interpretação das feições dos sujeitos retratados, a disposição dos objetos, o significado das cores. Para ler uma imagem, devemos mobilizar nossa percepção tanto denotativa como conotativa, buscando identificar o que a imagem representa, o tema ou assunto exposto nela; identificar os elementos que a compõem, como objetos, pessoas, animais etc.; e a interpretação do que a imagem significa. As imagens podem trazer mensagens que nos remetem a diferentes mundos, como, por exemplo: — À cultura e às civilizações passadas, como os quadros clássicos históricos. — Há valores ultrapassados ou atuais que podem ser percebidos nas roupas ou no posicionamento dos corpos expostos nos quadros. — Valores comerciais, como as imagens publicitárias. — Situações sociais de diferentes regiões, como a riqueza e pobreza, por exemplo. A imagem possui várias funções. Dentre elas, citamos as seguintes: ■ Imagem informativa ou representativa - transmite informações tanto reais como fictícias, como as fotos jornalísticas, as pinturas ou as imagens de ficção, como os seres encantados, as pinturas que retratam fatos históricos, placas com ícones representativos etc. ■ Imagem explicativa - tem por objetivo explicar a realidade por meio de dados, como as ilustrações dos textos, as tabelas e diagramas. ■ Imagem argumentativa - objetiva influenciar, persuadir e convencer o leitor, como as imagens publicitárias tanto comerciais como políticas. ■ Imagem crítica - promove a conscientização sobre determinados problemas, procura denunciar fatos e situações por meio de fotos, desenhos, caricaturas, como as charges, as tirinhas, as fotos de guerras e de descasos com o meio ambiente. ■ Imagem estética - privilegia o belo, são as fotos artísticas, de moda e beleza. ■ Imagem simbólica - representam símbolos, como marcas de carro, tênis, bandeiras e placas de trânsito. ■ Imagem narrativa - são as imagens postas em sequência que sugerem histórias, cenas ou ações, como as histórias em quadrinhos e novelas de revistas. 65 UNIDADE 2 ■ Imagem expressiva - revela sentimentos e emoções focando as expressões faciais. ■ Imagem lúdica - tem a função de entretenimento, de diversão, humor, como os desenhos infantis. Como já dito anteriormente, nenhum texto está isento da ideologia do/a autor/a, nem mesmo a imagem que é considerada um texto visual a ser decodificado; portanto, por trás de toda imagem há uma intenção, e o desafio do/a leitor/a é descobrir sobre qual intenção se ampara o/a autor/a da imagem, se é a de entreter, divertir, emocionar, informar ou persuadir. Dessa forma, também na imagem carecemos de usar nossa leitura crítica, principalmente em se tratando de imagens jornalísticas e publicitárias. Perguntas também podem ser feitas na tentativa de ler as mensagens expostas na imagem, como: ■ A imagem foi retirada do contexto? ■ Houve tratamento na imagem na tentativa de maquiar a realidade? ■ Qual o objetivo de expor a imagem? ■ A imagem foi produzida por quem, para quem e para quê? ■ Qual a função pretendida pelo/a autor/a da imagem? 66 Vimos, nesta unidade, que a leitura ou falta dela marca os sujeitos históricos. Numa sociedade grafocêntrica, a leitura é passaporte para ocupações profissionais e o letramento representa a possibilidade de melhorar o nível profissional. Para além do mundo do trabalho, o mundo da leitura nos torna construtores de nossa própria história, nos oferece chances de construirmos opiniões próprias, formularmos conceitos, ideias, visões de mundo livre das ideologias alheias, da alienação, e de construirmos identidade própria. As práticas de letramento são indissociáveis das práticas sociais, haja vista que estas são permeadas por imagens, textos, outdoors, placas, livros, jornais e todas as mídias comunicativas que vendem sonhos pelo preço de mercado e que estamos sujeitos a pagar, caso não tenhamos noções de juízo de valor. Por isso afirmamos que o letramento é um processo contínuo de aprendizagem da leitura, está construída nas práticas sociais que respondem às demandas da realidade social, pois a cada instante a mídia inventa novas demandas. Somos todos leitores em processo contínuo de formação, continuamente aumentando as habilidades linguísticas, as noções e percepções textuais, ampliando o vocabulário e as possibilidades de leituras de mundo e, principalmente, aumentando nossas defesas contra a alienação. A ampliação das habilidades leitoras decorrerão das estratégias de leitura, dos questionamentos perante à dialogicidade estabelecida entre leitor/a e texto. A interação com o/a autor/a, mediante a palavra escrita, deve ocorrer continuamente até que se esgotem os questionamentos necessários para estabelecer a compreensão e interpretação textual. E lembre-se, somente a prática o/a levará a eficiência. Aprimorar e disciplinar as leituras o/a conduzirá à autonomia leitora, fundamental para seu sucesso pessoal e profissional, fundamental para o empoderamento! UNICESUMAR Considerações Finais 67 na prática 1. Leia um jornal de sua região, anote quantas reportagens há no jornal que falem bem ou que falem mal de algum governo municipal de sua região e formule considerações sobre a reportagem: O jornal é a favor, contra ou mantém uma postura apartidária em relação ao partido do governo citado? 2. Faz parte do processo de formação a autoavaliação de nossa evolução leitora e isso só é possível se temos bem definido o conceito e a importância do letramento acadêmico em nossas práticas sociais. Dessa forma, solicitamos a você que defina o que é letramento acadêmico e qual a importância desse processo em sua vida acadêmica e profissional. 3. Estudamos as quatro etapas que podem promover a leitura com proficiência propostas por Cabral (1986), as quais são: decodificação, compreensão, interpretação e retenção. Solicitamos a você que conceitue decodificação, compreensão e interpretação. 4. Pesquise imagens em jornais e escolha uma para análise. Analise-a quanto ao que é retratado: ou as pessoas, ou os objetos, o ambiente, a mensagem que a imagem quer transmitir. Descreva a análise e escreva sua impressão sobre a imagem/ mensagem. 5. A leitura potencializa nossa capacidade de comunicação. Assim, podemos afirmar que o hábito de ler amplia nosso vocabulário e subsidia nossos argumentos, ampliando nosso poder de discussão. Tendo como base esse princípio, assinale a alternativa que contempla essa evolução: a) A prática da leitura não influencia a produção de textos. b) Ler e escrever são práticas distintas e desconexas. c) A escrita independe de leitura e de organização de pensamento. d) Leituras e produção textual promovem o letramento. e) Todas as alternativas estão corretas. 68 aprimore-se Como leitura complementar, sugerimos a leitura do artigo intitulado “Fichamento como método de documentação e estudo”, da professora e pesquisadora Marivalde Moacir Francelin. O artigo discute três formas básicas que podem auxiliar no estudo do texto acadêmico: fichamento, resumo e resenha. Essa discussão auxilia na compreensão e ampliação das práticas de escrita de textos acadêmicos. Em síntese, podemos dizer que o fichamento é um método de pesquisa pessoal, portanto pode ser realizado de várias maneiras como, veremos mais adiante. Sua função é de organizar ideias por meio do material consultado para a realização de uma pesquisa. Não há limite para se fazer fichamentos, mas isso depende de coerência. Não se pode fichar tudo sobre um assunto e, geralmente, não usamos todo o material que levantamos e fichamos, mas teremos uma fonte de informação organizada para consultas posteriores. Os resumos já seguem, por exemplo, parâmetros pré-estabelecidos, como as normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). A função do resumo, muitas vezes, é de divulgação, ou seja, não serve apenas como método pessoal de pesquisa. Vocês verão muitos resumos e resenhas publicados mas, dificilmente, verão um fichamento em alguma publicação. Um resumo tem extensão limitada e não comporta, como em resenhas e fichamentos, citações e comentários, muito menos menciona outras obras. Geralmente, os resumos trazem informações sobre o conteúdo de uma obra. Tais informações devem ser claras e objetivas, representando o tema da obra, a metodologia utilizada, as hipóteses levantadas, metodologias e conclusões. Em fichamentos e resenhas estes itens não são obrigatórios, a não ser que sejam a temática da pesquisa empreendida e/ou da obra que está sendo analisada. Outra coisa importante sobre os resumos está no fato de existirem vários tipos deles, mas não estamos falando apenas de resumos críticos, informativos e descritivos como as normas sugerem. Estamos falando de resumos acadêmicos e resumos documentários. Qual é a diferença entre eles? 69 aprimore-se Os resumos acadêmicos são feitos como atividades de análise de textos para as disciplinas de graduação. Possuem linguagem menos formal e objetiva e não se baseiam, necessariamente, em normas. Os resumos acadêmicos são aqueles que os professores requisitam como atividade de análise de textos. Assim como na linguagem, também não há uma formatação para o texto do resumo acadêmico e nem mesmo critérios quanto à sua extensão. Eles podem ser apresentados em espaços duplos, com parágrafos e em mais de uma página, desde que mantenham as informações essenciais do documento. A resenha comporta alguns elementos do fichamento e do resumo. Sendo um texto informativo e crítico ao mesmo tempo, a resenha, invariavelmente, pode intercalar comentários e citações (diretas e indiretas), fazer referências a outros textos, constituindo já um exercício de produção textual. As resenhas não possuem número máximo de páginas, mas devem respeitar alguns limites para não serem confundidas com um ensaio, um artigo ou um resumo. Não vamos nos estender muito nestas observações, mas é importante ter em mente que: 1. O fichamento é o primeiro passo na realização de uma pesquisa, portanto, quase sempre fazemos fichamentos, independentemente do tipo da pesquisa. 2. O resumo é uma atividade, um exercício de raciocínio que visa entendimento e síntese de uma obra a partir de regras pré-estabelecidas ou não. 3. Já a resenha é uma atividade de análise e síntese que permite maior elasticidade na abordagem, porém, exige, além das características já mencionadas, um certo domínio sobre assunto tratado na obra que está sendo resenhada. A resenha é, portanto, uma atividade mais complexa, porém torna-se mais fácil quando o hábito de fazer fichamentos e resumos são familiares ao pesquisador. Quando professores e professoras pedem para seus estudantes fazerem um fichamento, resumo ou resenha, geralmente se referem aos tipos bibliográficos ou de conteúdo. Cabe ao aluno ou aluna seguir as instruções dadas por cada instrutor(a). Fonte: Francilin ([2017], on-line)1. 70 eu recomendo! livro Práticas de leitura para o letramento no ensino superior Autor: Schirley Horácio de Góis Hartmann e Sebastião Donizete Santarosa Editora: Ibpex Sinopse: livro oferece reflexões sobre o processo de letramento que se inicia, na visão dos autores, antes da alfabetização e se estende por toda a vida num processo contínuo de ampliação de domínios variados de conhecimentos de gêneros textuais. O objetivo do livro é promover a compreensão de que a leitura promove a transformação por meio das práticas sociais entendidas como letramento. A proposta é a construção da autonomia do estudante universitário, a fim de torná-lo um leitor crítico. Sinopse: o livro pode ser acessado na Biblioteca Virtual Pearson da UniCesumar. filme O clube de leitura de Jane Austen Ano: 2007 Sinopse: o filme retrata a vida de um grupo de mulheres que fazem parte de um clube do livro sobre as obras de Jane Austen. Nas reuniões do grupo são discutidas as leituras e lições aprendidas na tentativa de resolver problemas pessoais de relacionamentos. filme O contador de histórias Ano: 2009 Sinopse: o filme conta a vida real de um pedagogo que foi criado na FEBEM desde os seis anos de idade; aos 13 anos ele conhece a pedagoga francesa Margherit Duvas, que muda sua vida radicalmente. 71 eu recomendo! conecte-se O QEdu é um portal no qual você irá encontrar informações sobre a qualidade do aprendizado em cada escola, município e estado do Brasil. Assim, você poderá fazer avaliações sobre o letramento nas escolas brasileiras. http://www.qedu.org.br/ O link a seguir oferece acesso às entrevistas de Roxane Rojo, gravadas em maio de 2013, no Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), em São Paulo (SP). Roxane apresenta suas concepções sobre alfabetização, letramento e multiletramentos. http://www.plataformadoletramento.org.br/em-revista-entrevista-detalhe/246/ roxane-rojo-alfabetizacao-e-multiletramentos.html 72 3 A PRODUÇÃO TEXTUAL PROFESSORES Dra. Ivone Pingoello Me. João Carlos Dias Furtado PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • Leitura e formação do leitor • A influência da leitura na produção de texto • Elementos fundamentais para uma boa produção de texto • Características de textos narrativos • Características de textos descritivos • A produção textual na internet. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM Entender a importância da leitura na formação de um cidadão crítico • Entender a importância da produção textual como instrumento comunicativo • Reconhecer a importância dos elementos de coesão e coerência dos textos produzidos • Compreender os processos de construção de textos narrativos e descritivos • Entender o contexto comunicativo da internet: práticas de produção escrita • Compreender a importância do desenvolvimento integral das práticas de leitura, escrita e análise linguística. INTRODUÇÃO O universo do conhecimento nos diversos segmentos do Ensino Básico e Superior exige uma postura acadêmica do aluno que perpassa diretamente pelo uso adequado da linguagem nesse contexto. Ao ingressarmos na escola, na maioria das vezes, não estamos preparados para entender os requisitos linguísticos básicos de uma vida e produção acadêmica. A escrita, que é uma habilidade tão comum e tão utilizada por nós em nosso dia a dia, esbarra, muitas vezes, em uma certa dificuldade de entender que cada situação comunicativa exige um nível linguístico, por isso devemos perceber que o processo educativo não foge a essa prática, ou seja, devemos utilizar uma linguagem adequada ao ambiente acadêmico que é regido pela norma culta. Quando adentramos no Ensino Fundamental, depois Médio e Superior, iniciamos uma nova etapa educacional que tem seus desafios e exigências, assim, a produção textual oral e escrita deve estar coerente com essas exigências. Nessa Unidade III, estudaremos a importância de uma formação sólida nas práticas de leitura e escrita que colaboram para a construção de um cidadão crítico e consciente de seu papel social e político, por isso ser um bom leitor, fazer uma leitura crítica, saber expressar-se oralmente e de forma escrita são requisitos que o século XXI exige cada vez mais no âmbito profissional e pessoal. Portanto, quando se fala em produção textual, fala-se sobre a capacidade de participar do mundo letrado, de não ficar às margens da sociedade como mero espectador do conhecimento quando se tem meios de expressar o próprio conhecimento, contribuindo culturalmente com essa construção. O uso adequado da linguagem em sua produção textual demonstra a capacidade cognitiva e social do escritor de ler a realidade à sua volta e potencializar sua comunicação. Bons estudos! FORMAÇÃO do Leitor UNICESUMAR 1 LEITURA E Iniciamos esta unidade com uma pergunta pessoal: sou um bom leitor? Evidente que para alguns a resposta será rápida e objetiva, sim ou não, e para outros será necessário uma reflexão maior que alcance suas lembranças e conhecimentos pessoais. Diante disso, destacamos a importância de sermos leitores, leitores de jornais, revistas, gibis, poesia, narrativas de mistério, romances românticos, publicidade, bula de remédio, manual de instrução e tantos outros textos possíveis. Ser um leitor significa ler, evidentemente conforme criamos o nosso senso crítico apurado, as nossas leituras ganham em qualidade e há uma seleção natural do que lemos e por que lemos, mas, no processo de formação de um leitor, é necessário que sejamos expostos a uma grande diversidade e quantidade de gêneros textuais que nos permitam formar o nosso gosto particular, senso crítico e entender a dimensão estética das obras literárias. “ A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem etc. [...] (BRASIL, 1998, p. 69-70). Estudamos, na unidade anterior, as etapas e níveis de leitura que devemos alcançar, pois, muitas vezes, nos consideramos leitores competentes, mas não con75 UNIDADE 3 seguimos depurar e interpretar com qualidade um texto simples. Isso ocorre porque no processo de formação de um leitor, os conhecimentos se somam e não podem ser particularizados, não posso entender que apenas a decodificação de palavras sem o conhecimento temático sobre o que o texto trata me dará uma noção completa de seu sentido, que não preciso saber a norma culta para ler, que conhecimentos das áreas de física, química e biologia não são importantes para ler ou que o processo de leitura está isolado da escrita e da fala. Assim, verificamos que a prática da leitura é uma habilidade complexa que exige uma série de conhecimentos que se somam ao longo de nossa trajetória e são adquiridos e fortalecidos com hábitos cotidianos. “ A leitura, embora ação corriqueira nos dias de hoje, sobretudo nas regiões urbanas, não é natural. Não lemos como comemos, respiramos ou dormimos. Para tanto, precisamos aprender o código escrito, socialmente aceito e a ter domínio sobre ele em todas as suas modalidades, quer práticas (como propagandas, receitas, notícias, informações, anotações) quer estéticas (como narrativas e poemas) (AGUIAR, 1996, p. 48). Sendo assim, a prática da leitura não só é um ato pessoal, mas também de construção social e ordinário, pois se concretiza na cultura letrada de uma sociedade que expressa a sua racionalidade, opinião e posição social por meio do processo de leitura e, também, da produção de texto. Nesse contexto, o ato de leitura promove um ato dinâmico de interação do leitor com o escritor, o produtor do livro (mercado editorial), com a sociedade e outros leitores que enriquecem o seu universo cultural e científico por meio de variadas leituras que compõem, gradativamente, o seu repertório de leituras e conhecimentos. Não tinha percebido a importância da leitura? Não! Tenho certeza que agora a sua consciência como leitor aumentou um pouco mais e isso nos posiciona, como professores, em uma campanha que começa com nós mesmos, a campanha de fazer 76 UNICESUMAR do Brasil um país leitor, temos a obrigação de sermos bons leitores e formarmos bons leitores dos mais variados gêneros textuais e literários. Uma pesquisa realizada pelo IBOPE em 2016, sob encomenda do Instituto Pró-Livro (IPL), ouviu cinco mil pessoas nas cinco regiões do Brasil, e o resultado demonstra que temos uma dificuldade em formar um país de leitores. A pesquisa revela que para 56% da população brasileira a leitura é um hábito, índice que parece satisfatório, mas que na comparação histórica demonstra uma evolução pequena ou inexistente, pois em 2007 eram 55% e, em 2011, 50%. explorando Ideias Ficou curioso com esses números? Ainda não conseguimos formar um país de leitores e isso é um dos objetivos que a escola, junto à sociedade, deve alcançar. O Jornal Estadão fez uma reportagem com o objetivo de entender melhor esses números que indicam essa triste realidade nacional. Para saber mais, acesse o link disponível em: <http://cultura.estadao.com.br/blogs/babel/44-da-populacao-brasileira-nao-le-e-30-nunca-comprou-um-livro-aponta-pesquisa-retratos-da-leitura/>. Fonte: os autores. Os dados indicam que o brasileiro lê 4,96 livros por ano, o que não dá um livro por bimestre. Desse número, 0,94 são leituras indicadas pela escola e 2,88 são escolhas próprias; também do número total, 2,43 foram os livros lidos na íntegra e 2,53 foram lidos parcialmente. Esse cenário demonstra a importância da escola na formação de bons leitores que tornar-se-ão cidadãos críticos e conscientes de seu papel na nossa sociedade. Por isso, a prática da leitura na escola impulsiona outras práticas imprescindíveis na sociedade atual, como a escrita. Um bom leitor forma, ao longo de sua vida, um repertório de leitura que auxilia e o promove a ser um bom produtor de texto, bom comunicador e com habilidade suficiente para exercer e apresentar seu ponto de vista e posicionar-se de acordo com suas crenças. 77 UNIDADE 3 2 A INFLUÊNCIA DA LEITURA NA Produção de Texto Ao entendermos que a língua é um espaço de interação em um processo dinâmico e em constante transformação, fica evidente a necessidade de uma prática escolar que promova a interação entre os processos de leitura, produção de texto e análise linguística. Não há como pensarmos no desenvolvimento linguístico de um aluno sem entendermos que há uma íntima relação entre esses processos, assim, é fundamental que a prática de produção textual seja acompanhada por um bom trabalho de leitura e o entendimento da estrutura da língua (análise linguística). Por isso, ser um bom leitor e entender o funcionamento estrutural da língua possibilitam que eu escreva um bom texto. Podemos entender o ato da leitura, segundo os PCNs, como: “ Não se trata de extrair informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiências (BRASIL, 1998, p. 69). Diante disso, proporcionar aos alunos uma boa experiência de leitura que os possibilite se tornarem bons leitores é fundamental para o desenvolvimento da habilidade de produção de texto e análise linguística. 78 “ UNICESUMAR A habilidade de escrita também exige um bom conhecimento de como a língua materna se estrutura e explora o repertório de leitura do aluno, pois entende-se que seja necessário que os alunos desenvolvam uma competência discursiva marcada por um bom domínio da modalidade escrita e por uma visão de que a produção de um texto é um trabalho que exige a superação de jogos de palavras ou frases soltas (CITELLI; BONATELLI, 2001, p. 122). A escola é um espaço fundamental para o fomento e um trabalho sistematizado para o desenvolvimento da análise linguística, leitura e escrita, por isso o professor deve estimular desde sempre o entendimento da linguagem e suas possibilidades de uso e manipulação para que assim o aluno seja formado integralmente e consiga autonomia para se manifestar, pois escrever um texto não é somente juntar frases ou palavras soltas. “ O produto da atividade discursiva oral ou escrita que forma um todo significativo, qualquer que seja sua extensão, é o texto, uma seqüência verbal constituída por um conjunto de relações que se estabelecem a partir da coesão e da coerência. Em outras palavras, um texto só é um texto quando pode ser compreendido como unidade significativa global. Caso contrário, não passa de um amontoado aleatório de enunciados (BRASIL, 1998, p. 21). Portanto, para o aluno se tornar um bom produtor de texto que “forma um todo significativo”, é necessário que ele seja um bom leitor e tenha um bom domínio do funcionamento da língua. explorando Ideias Você tem ideia de como abordar gêneros textuais em sala de aula? Não? Então leia a reportagem “Como usar gêneros textuais para ensinar leitura e produção de texto”, da revista Nova Escola, e descubra práticas que podem estimular a formação linguística integral do aluno. Para saber mais, acesse o link disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/2588/como-usar-os-generos-para-ensinar-leitura-e-producao-de-textos>. Fonte: os autores. 79 UNIDADE 3 Dessa forma, temos, na prática de leitura, no estudo do funcionamento da língua, habilidades pessoais e sociais que proporcionam uma produção textual mais coerente e com maior qualidade, pois são práticas que se completam na formação cognitiva dos alunos. pensando juntos “A leitura do mundo precede a leitura da palavra”. (Paulo Freire) 3 ELEMENTOS FUNDAMENTAIS PARA UMA BOA Produção de Texto O mundo do texto escrito é um universo repleto de possibilidades, estruturas e recursos, por isso, entender e dominá-lo é fundamental para a sua inserção no mercado de trabalho e para a sua vida pessoal. A escola é um dos ambientes em que o uso da escrita é fundamental e lá deve-se estudar e formar os alunos para serem bons produtores de textos, assim, ela não pode se eximir de seu papel fundamental que é instrumentalizar os alunos a se tornarem habilidosos comunicadores. Segundo Sercundes (2011), há três processos em que a escrita insere-se no contexto escolar como concepções de produção de texto: 80 UNICESUMAR 1. Escrita como um dom: entende-se que o aluno já domina todo o processo de escrita e não há um trabalho prévio e sistêmico sobre a escrita que será feita; o professor lança um tema, um assunto, e o aluno produz. Essa concepção é falha na formação do aluno em não apresentar uma orientação de leitura, análise linguística, estrutura e gênero textual e é muito pouco usada nos dias de hoje. 2. Escrita como consequência: nessa concepção, a escrita é uma consequência de um saber ou senso comum, pouco aprofundado, como escrever após assistir um filme, ou uma viagem, a rotina dos alunos. Aqui também o trabalho com a leitura, análise linguística, estrutura e os gêneros textuais são preteridos, pois há um pretexto (filme, música, história etc.) que norteia a produção textual. 3. Escrita como trabalho: entende-se, nessa concepção, que a produção de texto é uma extensão do conhecimento e trabalho feitos em sala de aula junto ao professor, assim, a escrita é uma construção e não meramente uma produção ocasional. O filme, a pesquisa ou a música pode ser uma das etapas de formação para uma produção de texto que envolve a leitura, análise linguística, estrutura, gênero textual e a possibilidade de reescrita e aquisição do conhecimento. A concepção que deve estar presente na escola é a Escrita como trabalho, pois visa um trabalho completo e interativo do aluno com o professor, com a temática discutida e todo processo formativo. Por isso a produção de texto não pode ser feita de qualquer jeito, assim, ao produzirmos um texto, é importante refletir sobre questões, como: qual gênero textual usarei? Qual linguagem estará adequada àquele gênero? Quem é o meu público-alvo? Em qual contexto sociointerativo está inserido o meu texto? Pois a decisão do como escrever, a linguagem a ser usada, o tema a ser abordado depende muito da destinação do texto. Será um texto destinado ao público infantil, adulto, ou será um trabalho de conclusão de curso, uma dissertação ou tese? Qual o gênero a ser trabalhado? Esses são os primeiros direcionamentos a serem seguidos na definição da estrutura do texto. Os PCNs (1998) apontam para alguns aspectos fundamentais que o aluno deve se atentar ao produzir um texto. ■ finalidade; ■ especificidade do gênero; 81 UNIDADE 3 ■ lugares preferenciais de circulação; ■ interlocutor eleito; Utilização de procedimentos diferenciados para a elaboração do texto: ■ estabelecimento de tema; ■ levantamento de idéias e dados; ■ planejamento; ■ rascunho; ■ revisão (com intervenção do professor); ■ versão final. Utilização de mecanismos discursivos e lingüísticos de coerência e coesão textuais, conforme o gênero e os propósitos do texto, desenvolvendo diferentes critérios: ■ de manutenção da continuidade do tema e ordenação de suas partes (BRASIL, 1998, p. 58). Costa Val (2006) considera texto como toda a unidade linguística comunicativa básica, entendendo-se como texto tanto a comunicação oral como a escrita, pois ambos não são fragmentos comunicativos, mas textos dotados de significados que são produzidos pela textualidade composta por elementos responsáveis pelo processo sociocomunicativo do texto. Tais elementos, segundo Costa Val (2006) e Koch e Travaglia (2007), são: intencionalidade, informatividade, aceitabilidade, situacionalidade, intertextualidade e coerência e coesão. A intencionalidade citada por Costa Val (2006) e Koch e Travaglia (2007) refere-se à produção textual coerente e coesa com objetivos definidos pelos autores que podem informar, divertir, impressionar, alertar, convencer, pedir, criticar, elogiar etc. A aceitabilidade se refere, primeiro, à expectativa do produtor da aceitação de seu produto e, depois, ao receptor, ao nível de aproveitamento, utilidade, relevância e aquisição de novos conhecimentos por meio da leitura; fatores que envolvem a capacidade do texto em cumprir com seus objetivos. Por esse motivo, a produção de um texto deve ser pensada como um todo; não haverá aceitação se o texto for incoerente ou estiver fora dos padrões textuais aceitáveis. A situacionalidade compreende a adequação do texto à situação sociocomunicativa, são os elementos responsáveis pela relevância e pertinência do texto quanto ao contexto em que está inserido. O contexto orienta tanto a produção como a recepção textual, é elemento definidor da coerência; neste caso, a autora cita as placas 82 UNICESUMAR de trânsito, que são muito mais coerentes que longos textos expostos na rodovia para informar ou advertir os motoristas (COSTA VAL, 2006; KOCH; TRAVAGLIA, 2007) . Quanto à informatividade, o texto deve apresentar dados suficientes para sua compreensão, nem demais, nem de menos. O texto não pode trazer somente dados novos, inusitados, o que impossibilitaria a compreensão do leitor; há a necessidade de integração entre o dado e o novo para a contextualização da informação nova (COSTA VAL, 2006; KOCH, TRAVAGLIA, 2007). A intertextualidade, para Costa Val (2006) e Koch e Travaglia (2007), refere-se à dependência do conhecimento de outras unidades linguísticas para a compreensão/produção de outros textos. Há uma colaboração contínua entre os textos para que se possa atingir a aceitabilidade, promover a autenticidade, aumentar a capacidade informativa. Portanto, podemos afirmar que em todo texto está presente a intertextualidade. Conforme Koch e Travaglia (2007), o conhecimento de mundo do leitor, o conhecimento compartilhado que se refere ao conhecimento em comum entre autor e receptor, a inferência que é o uso do conhecimento de mundo para a compreensão textual e os fatores de contextualização, que são a âncora do texto são elementos fundamentais na construção da coerência textual, e que devem ser analisados pelo autor para que sua intencionalidade seja atingida. A coerência e a coesão são citadas por Costa Val (2006) e por Koch e Travaglia (2007) como elementos fundamentais na construção do sentido do texto, elementos que merecem destaque em nosso trabalho. explorando Ideias Um texto é composto de diversos elementos que, bem-articulados, conseguem deixar o texto excelente, entre esses elementos, dois se destacam: coerência e coesão. Leia um pouco mais sobre isso na reportagem “A coesão e a coerência: na interpretação e produção de textos em sala de aula”, do Portal da Educação. Para saber mais, acesse o link disponível em: <https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/educacao/a-coesao-e-a-coerencia-na-interpretacao-e-producao-de-textos-em-sala-de-aula/52602>. Fonte: os autores. Quando o texto tem um sentido harmônico, conexo do início ao fim, quando você lê e percebe uma comunicação entre as partes do todo, isso é denominado coerência textual. A articulação das ideias, a organização dos argumentos, o bom uso do gênero textual e a linguagem adequada à situação comunicativa são frutos de um texto coerente. 83 UNIDADE 3 Para Koch e Travaglia (2007), o texto pode apresentar coerência global e local. A coerência quanto ao sentido global refere-se ao processo intertextual, ou seja, a relação do texto com o contexto incluindo o conhecimento de mundo do leitor, sua capacidade cognitiva de interpretabilidade de leitura; ocorre a incoerência global quando não há relação intertextual, quando se perde a relação contextual entre texto e leitor, texto e sentido. Nesse mesmo sentido, Pignatari (2010) designa a coerência global de coerência externa. A coerência local ocorre quando há relação intratextual, encadeamento das ideias, utilização de elementos coesivos para a unificação de sentido; a incoerência local ocorre quando esses elementos são negligenciados, quando as partes do todo se perdem, formando fragmentos isolados. Para coerência local, Pignatari (2010) utiliza o termo coerência interna. “ [...] a coerência não está no texto, não nos é possível apontá-la, destacá-la, sublinhá-la ou coisa que o valha, mas somos nós, leitores, em um efetivo processo de interação com o autor e o texto, baseados nas pistas que nos são dadas e nos conhecimentos que possuímos, que construímos a coerência (KOCH & ELIAS, 2008, p. 184). Para Fiorin e Savioli (2007), coerência é “um conjunto harmônico, em que todas as partes se encaixam de maneira complementar de modo que não haja nada destoante, nada ilógico, nada contraditório, nada desconexo” (FIORIN; SAVIOLI, 2007, p. 261). 84 UNICESUMAR A coerência passa despercebida de nossas leituras, ao passo que a incoerência é facilmente percebida. A coerência permite que nossa leitura flua normalmente sem interrupções; a incoerência causa bloqueios, paradas na leitura na tentativa de decifrar o que está escrito. Nos primeiros textos escritos pelas crianças, a ideia de coerência já está presente. Quando ela escreve, por exemplo: “O meu boi roxo come barbante”, a coerência está presente, mesmo que cause estranheza aos olhos do professor; percebe-se que a frase contém o sujeito boi, o adjetivo do sujeito roxo, a ação cometida pelo sujeito representada pelo verbo comer e o objeto direto representado pelo barbante. Não se pode confundir criatividade, imaginação, ficção, com falta de coerência. Independentemente da cor do boi e o que ele come, a frase tem sentido, logo, tem coerência. Portanto, só se pode dizer que um texto é incoerente se ele não apresenta construção de sentido, se não houver nele elementos estruturais que apontem um fato, uma mensagem, uma ideia ou informação. Podemos dizer, também, que é incoerente um texto que apresente ideias contraditórias; como exemplo, podemos citar a seguinte frase: “O herói salvou a vítima fatal”. Nesse caso falta a compreensão do significado da palavra fatal; se é fatal, não tem mais como salvar. Portanto, o grau de conhecimento que se possui da língua pode ocasionar deformidade na produção da escrita, assim como também o conhecimento de mundo do leitor, pois a maior parte dos conhecimentos necessários à compreensão textual não vem explícita no texto, mas na capacidade de inferência, do conhecimento prévio sobre o assunto tratado. Assim, fica claro que é fundamental, ao produzir um texto, ter domínio sobre o assunto que será abordado (ter lido diversos textos sobre o assunto, discutido com colegas, pesquisado contrapontos do assunto), para que o texto não caia no senso comum e torne-se incoerente. Os autores Koch & Elias (2008) e Costa Val (2006) apontam algumas estruturas fundamentais que devem ser observadas para a manutenção da coerência textual, o que pode ser estruturado da seguinte forma: ■ Repetição: deve haver um equilíbrio entre a repetição ou retomada de aspectos importantes e progressão, remetendo a algo novo, uma informação nova. A repetição ou retomada do termo, citado por Koch e Elias (2008), é um recurso adotado na progressão textual, porém deve ser visto com cautela, pois repetição não significa repetir o tempo todo o termo referenciado, mas sim retomar o essencial do que foi referido para progredir nas discussões. 85 UNIDADE 3 86 ■ Progressão: no desenvolvimento do texto, pode-se perceber a progressão do tema que pode ser feita de forma constante em enunciados sucessivos; progressão linear é quando o assunto que se expõe no enunciado anterior é o tema do enunciado seguinte; progressão com divisão do tema é quando este é subdividido em partes e cada uma é trabalhada em enunciados subsequentes. A progressão textual pode, ainda, ser realizada sob tópicos, por exemplo, quando citamos a violência escolar como tema e decide-se falar sobre todas as suas vertentes; cada tópico refere-se a uma vertente ou, se o assunto tratado é a alfabetização, podemos discorrer sobre a alfabetização de crianças, de adultos, os métodos de alfabetização, os instrumentos utilizados para alfabetizar etc. ■ Não contradição: refere-se tanto ao âmbito interno como ao âmbito externo do texto. No âmbito interno, o texto não pode trazer afirmações e negações sobre um mesmo ponto de vista. Não confundir a não contradição com oposições de ideias debatidas em um mesmo texto; debates baseados em oposições de ideias são sempre interessantes para qualquer texto. Podemos citar como exemplo de não contradição afirmar que corrupção é crime e no mesmo texto alegar que a propina paga a um policial rodoviário para fugir de uma multa é uma forma de resolver um problema; oposição de ideias seria debater em um mesmo texto os prós e os contras dentro de um mesmo tema. No âmbito externo, a não contradição refere-se ao contexto situacional, como, por exemplo, escrever um texto com linguagem científica quando destinado a crianças pequenas, escrever um texto com linguagem infantil quando destinado ao jovem adolescente, publicar um texto anedótico em uma revista científica, colocar rótulos em língua estrangeira em produtos vendidos no Brasil. Essas são ações que indicam contradição, e a não contradição seria a adequação do tema ao público e ao veículo de comunicação. ■ Encadeamento: há duas formas citadas desse procedimento por Koch & Elias (2008): o encadeamento por justaposição, quando os enunciados são justapostos apenas com conexão semântica, sem a utilização de conjunções (em alguns desses casos podemos utilizar letras do alfabeto ou enumerar os tópicos para determinar as sequências em que serão apresentados nos textos); e o encadeamento por conexão ocorre quando são utilizados os conectivos, como os que já vimos anteriormente (mas, contudo, entretanto, porém, segundo, conforme etc.). UNICESUMAR ■ Articulação: refere-se à teia formada pelo texto, o encadeamento das ideias, à ordem linear dessas ideias, é o processo de construção dos subtemas unidos ao tema principal. Vimos que a coerência está ligada ao sentido global do texto, de uma parte dele, entre os argumentos e a tese defendida. Assim, podemos afirmar que a coesão é a articulação linguística (gramatical) entre as palavras, períodos e parágrafos que mantém uma unidade entre as diversas partes que compõem o texto. “ Costumou-se designar por coesão a forma como os elementos linguísticos presentes na superfície textual se interligam, se interconectam, por meio de recursos também linguísticos, de modo a formar um “tecido” (tessitura), uma unidade de nível superior à da frase, que dela se difere qualitativamente (KOCH, 2007, p. 35). Há algumas palavras que podem ser usadas como elementos coesivos de transição, as mais comumente utilizadas são: além disso; de modo que; bem como; atualmente, segundo, conforme, de acordo com. Há pronomes que são usados como elementos de coesão referencial, entre eles estão: meu, eu, tu, eles, este, aquele, algum, nenhum. E também são utilizados os elementos de coesão por substituição, que são as palavras utilizadas para substituir o nome evitando sua repetição no texto, como, por exemplo, substituir o nome próprio por um nome comum, o nome da pessoa pelo cargo que ela ocupa, pela posição na família (o pai, a mãe etc.). Para entendermos melhor, vamos observar o exemplo dado por Pignatari (2010, p. 22): As mulheres acumulam hoje inúmeras funções, diferentemente das mulheres de tempos passados, quando bastava às mulheres se ocuparem com os filhos e com as organizações domésticas. Exemplo de substituição: As mulheres acumulam hoje inúmeras funções, diferentemente das de tempos passados, quando bastava a elas se ocuparem com os filhos e com a organização doméstica. A coesão estrutura-se em um texto como uma sequência de “ligações” linguísticas (gramaticais) que articulam as ideias do texto, assim ela atua nos níveis sintáticos e semânticos dependendo sempre do bom uso lexical e gramatical ao longo 87 UNIDADE 3 de sua organização, proporcionando, especificamente no nível semântico, uma relação íntima com a coerência do texto, pois são processos interdependentes. Segundo Antunes (2005, p. 51), a coesão ocorre diante da relação textual significativa entre alguns procedimentos e recursos: ■ Reiteração: retomada de elementos textuais (repetição e substituição) ao longo do texto, criando um movimento de ida e volta aos elementos, “como se um fio perpassasse do início ao fim”. ■ Associação: é a relação entre as palavras pertencentes ao mesmo campo semântico ao longo do texto, criando uma semântica afim. ■ Conexão: é a relação específica que acontece entre as orações, períodos, parágrafos e partes maiores do texto, por meio do uso de preposições, conjunções e advérbios. A coerência está para o conteúdo assim como a coesão está para a sintaxe. A função da coerência é a formação lógica textual, a função da coesão é a ligação das partes constituintes do texto. Esclarecendo: sintaxe é a sequência ou ordem das palavras nas frases e destas nos textos. “ A coesão manifestada no nível microtextual refere-se aos modos como os componentes do universo textual, isto é, as palavras que ouvimos ou vemos estão ligadas entre si dentro de uma sequência. A coerência, por sua vez, manifestada em grande parte macro textualmente, refere-se aos modos como os componentes do universo textual, isto é, os conceitos e as relações subjacentes ao texto de superfície se unem numa configuração de maneira reciprocamente acessível e relevante. (FÁVERO; TRAVAGLIA, 2009, p. 10). O conhecimento linguístico refere-se ao conhecimento da ortografia, da gramática e do léxico da língua utilizada. A escrita correta, segundo Koch e Elias (2008), é uma ação colaborativa e respeitosa do autor em relação ao leitor, evitando problemas de comunicação com escritas incorretas. A produção de texto sempre deve se basear no conhecimento já constituído e relacioná-lo com a necessidade que o texto que será feito exige, estabelecendo, assim, relações de intertextualidade que confirmam, suportam ou serão refutadas ao longo do texto; por isso, a produção deve iniciar com objetivos claros, estudo prévio do assunto e do gênero textual. 88 DE TEXTOS Narrativos UNICESUMAR 4 CARACTERÍSTICAS O ser humano, desde que soube utilizar a linguagem organizada para se comunicar, desempenhou três funções básicas: narrar, descrever e dissertar. A primeira serve para narrar fatos, eventos, situações; a segunda descreve seres animados e inanimados; e a terceira serve para se posicionar, convencer, persuadir (PIGNATARI, 2010). Se essas três funções básicas da linguagem oral são as mais utilizadas pelo homem, passam a ser, também, as mais utilizadas na linguagem escrita. Cada texto tem suas características próprias que exigem do produtor de texto conhecimento da estrutura, linguagem adequada e contexto sociocomunicativo de cada um deles. Dessa forma, cada texto contém uma particularidade que o diferencia dos demais, ao mesmo tempo que segue uma regra global, como a coerência e a coesão. A narrativa sempre esteve no dia a dia de cada um de nós, desde a necessidade de contar um fato banal que acontece conosco para um amigo ou um parente até nas histórias ficcionais. A narração sempre esteve presente na história da humanidade, as gravuras nas pedras feitas pelos homens das cavernas são narrativas, os mitos da criação passaram de geração a geração por meio da narrativa, a Bíblia é um texto narrativo. É o gênero mais presente nas atividades das séries iniciais do ensino fundamental porque ele faz parte da literatura infantil, das fábulas, dos contos, das aventuras dos heróis. É, também, o primeiro gênero textual produzido pelas crianças. Quando elas escrevem, elas querem narrar algo, contar algum fato das 89 UNIDADE 3 suas vidas, contar uma história que viram acontecer ou viajar nas palavras e narrar uma aventura ficcional. O que é ficção? Imaginem um mundo sem a Cinderela, aquela imagem encantada de seu rodopio dançando uma valsa com o príncipe encantado, vestindo aquele vestido azul radiante ou as peripécias de Dom Quixote de La Mancha, Zorro, do Tarzan ou o mundo mágico da Alice viajando pelo país das maravilhas, as aventuras de Harry Potter e tantos outros personagens que só existem na ficção. A ficção trabalha com o limiar da criação, da invenção na contação de histórias. explorando Ideias Você já ouviu falar sobre o gênero épico? Não? Será que ele tem alguma relação com a narração? Leia o artigo “Gênero épico ou narrativo”, do site Norma Culta - Língua Portuguesa em bom português, e entenda um pouco mais sobre a evolução do gênero épico. Para saber mais, acesse o link disponível em: <https://www.normaculta.com.br/genero-epico-ou-narrativo/>. Fonte: os autores. O gênero narrativo parte das ações decorridas na evolução temporal e abarca várias estruturas e estilos. Conforme esclarece Gancho (2004), podemos dizer que há o gênero narrativo épico, estruturado sobre uma história; o gênero narrativo lírico, pertencente à poesia lírica; e o gênero narrativo dramático, que envolve o texto teatral. As narrativas ficcionais são mais difundidas na forma de romances, novelas, contos e crônicas. Conforme Pignatari (2010), o texto narrativo também não é imparcial, o autor argumenta por meio da exposição dos dados narrativos; o ambiente, espaço ou personagem é descrito de forma subjetiva, expondo a opinião do autor. Pignatari (2010) cita a situação em que o autor quer referenciar uma criança do sexo masculino, a referência pode ser feita pelos termos menino, moleque, garoto, anjo ou pestinha, esses dois últimos termos denotariam a intenção do autor em convencer o leitor de que se trata de um menino bom, com comportamento educado ou um menino ruim, mal-educado. É importante ressaltar que o texto narrativo também é utilizado fora do ambiente literário e ficcional; normalmente encontramos narrativas em nosso cotidiano que estão inseridas em jornais, charges, outdoors e outros meios de comunicação. 90 “ [...] a narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades; a narrativa começa com a própria história da humanidade; não há, nunca houve em lugar nenhum povo algum sem UNICESUMAR narrativa; todas as classes, todos os grupos humanos têm as suas narrativas, muitas vezes essas narrativas são apreciadas em comum por homens de culturas diferentes, até mesmo opostas: a narrativa zomba da boa e da má literatura: internacional, trans-histórica, transcultural, a narrativa está sempre presente, como a vida (BARTHES, 2002, p. 103-104). Um texto narrativo caracteriza-se por uma sequência de fatos interligados que contam uma história de amor, de sofrimento, policial, de mistério e tantas outras possibilidades. Nos dias atuais, os jogos eletrônicos também apresentam narrativas complexas ao contar histórias de personagens que estão envolvidas em uma trama eletrônica. Para Gancho (2004), a narração consiste em representar coerentemente uma sequência de acontecimentos reais ou supostamente sucedidos envoltos nos seguintes elementos: Personagem: pessoa ou pessoas que atuam na narrativa, pode(m) ser principal(is) ou protagonista(s), que pode(m) ser representado(s) pelo herói ou anti-herói e personagens secundários, típicos ou caricaturais que representam os demais participantes da história, formando a âncora dos protagonistas. As características principais dos personagens devem ser descritas, pois são fatores importantes na interpretação do texto. Espaço: é o espaço físico onde se desenvolve a ação das personagens; sendo uma narrativa longa, com várias páginas, a descrição do espaço poderia ser feita de forma detalhada. Sendo uma narrativa curta, deve-se descrever o espaço com informações suficientes para que o leitor saiba onde os fatos estão ocorrendo. Ambiente: são as características sociais, econômicas, psicológicas e morais em que vivem os personagens. Com poucas palavras, pode-se revelar se trata de alguém com alto ou baixo poder aquisitivo, se o perfil da personagem é de alguém calmo, agressivo, se é um imoral ou um personagem moralista. Tempo: sequência linear dos acontecimentos da narração, época em que se passa a história ou duração dos fatos. Os fatos devem ser narrados na sequência em que aconteceram, caso haja referências passadas, o leitor deve ser avisado de que o que se descreve faz parte da memória do narrador. Enredo: são as ações que acontecem em torno dos personagens, pode ser chamado de trama ou história. O enredo pode ser apresentado em quatro partes: 1. Apresentação: a exposição do tema central, que seria a introdução da história para o leitor se situar no tempo e no espaço. Na introdução, devem ser respondidas as seguintes perguntas: quem? quando? onde? e o que? É como se a introdução fosse a margem de um rio que se começa a conhecer. 2. Complicação: ou conflito, que seria um problema a ser resolvido, um fato que incomoda ou um sonho a ser realizado. A pergunta que deve ser respondida 91 UNIDADE 3 é o por quê, o como a descrição do problema enfrentado ou dos mistérios a serem revelados. A complicação seria a corredeira do rio, a aventura, a ação. 3. Clímax: que seria o ponto culminante da história, momento de maior tensão, pode ser o momento em que o mistério é revelado, descoberto; a solução é encontrada. Na corredeira do rio, o clímax seria a descida da cachoeira. 4. Desfecho: seria o final feliz ou não, o momento em que as coisas se acomodam, tudo volta ao normal, a aventura acabou, mas deixou uma marca, uma moral ou um aprendizado. São as águas do rio que se encontram calmas novamente, terminando um trajeto cheio de suspense e aventuras. Esses são os elementos fundamentais que compõem uma narração, pois permeiam a estrutura e a organização de histórias contadas nos mais diversos temas. Para Gancho (2004), há três elementos que normalmente são confundidos: tema, assunto e mensagem. Para a autora, cada um desses elementos tem uma constituição própria. ■ Temas: a história se desenvolve em torno dessa ideia, algo amplo e abstrato. ■ Assunto: é a realização concreta do tema, ou seja, é como ele aparece desenvolvido no enredo da história, são os fatos da história. ■ Mensagem: é uma frase/período que permite você resumir/depreender o sentido da história. Esses elementos estão intimamente articulados na história narrada, embora possam ser separados para uma análise pormenorizada sobre determinado livro, conto, romance etc. explorando Ideias Você já leu, ouviu ou contou uma fábula? Será que os animais podem nos ensinar alguma coisa? Esse tipo de narrativa remonta à Antiguidade grega com Esopo e perdura até os dias atuais; sempre com suas características marcantes, é uma forma de contar histórias. Saiba um pouco mais sobre como os animais podem nos dar lições de moral por meio da reportagem “Fábula: Animais dão lição de moral”, do portal UOL Educação. Para saber mais, acesse o link disponível em: <https://educacao.uol.com.br/disciplinas/portugues/ fabula-animais-dao-licao-de-moral.htm>. Fonte: os autores. 92 DE TEXTOS Descritivos UNICESUMAR 5 CARACTERÍSTICAS A descrição textual parte do princípio básico de que será um retrato fiel ou distorcido, isto depende da intenção do texto, de uma imagem, uma realidade, uma situação. Esse tipo de texto é encontrado comumente em textos narrativos, dissertativos, jornalísticos e policiais. Naturalmente, uma boa descrição mexe com a imaginação do ser humano, pois possibilita, por meio de uma série de detalhes, a criação de uma imagem mental de determinada situação real ou ficcional. Descrever não é fazer um texto “sem vida”, que nos conta somente os elementos primordiais de uma cena, pois ao descrever podemos ir muito além da descrição básica, dado que descrever é ter, também, a sensibilidade de perceber as características próprias dos seres animados e inanimados por meio das indicações dos aspectos mais característicos que os distinguem. Para descrever, o autor pode utilizar os cinco sentidos: a audição, a visão, o tato, o olfato e o paladar. Portanto, descrever não é só enumerar características, mas ressaltar os traços mais salientes que podem determinar a impressão do leitor sobre o objeto descrito. Por exemplo, ao lermos a palavra cadeira, vem à nossa mente um objeto que todos conhecemos; mas são todas iguais? A cadeira que eu imaginei é a mesma cadeira que você imaginou? Com certeza não. E se descrevermos cadeira em modelo padrão em madeira rústica de pinho? Assim conseguimos aproximar um pouco mais as nossas visões, ainda que não totalmente. Notamos facilmente que uma boa descrição parte dos elementos físicos e peculiares, mas ela também aproveita os elementos psicológicos e a atmosfera 93 UNIDADE 3 94 do ambiente para criar esse retrato verbal. Ela pode fornecer cor, textura, função, local, clima, sensação, vegetação, peso, altura e tantas outras características. Por outro lado, se descrevermos uma cadeira velha de madeira com assento e encosto de palha, imaginamos um local rústico, mas se descrevermos uma cadeira de madeira de lei com assento e encosto em veludo, nossa imaginação nos remete a um ambiente requintado, de luxo. Percebe-se que na leitura de descrições não ficamos apenas com a imagem do objeto em si, mas completamos com imagens do contexto que estão na nossa mente, que seriam nossas inferências. Quanto mais claras forem as descrições do autor, maior será a aproximação da imagem que nos vem à mente com a imagem que o autor quer que tenhamos, tanto do objeto como do contexto onde o objeto está inserido. Segundo Álvarez (1998), o ato de descrever é a forma de expressão utilizada para expor qualidades, defeitos, sensações e sentimentos no universo real e ficcional que podem ser confrontados com qualquer realidade e contexto sócio-histórico. A descrição passa por três fases: a observação, a reflexão e a expressão. Assim como existe a escrita literária e a não literária, o texto descritivo pode seguir a mesma regra. Ele permite a ficção, descrição de objetos voadores, duendes, fadas e demais componentes desta, pode ser carregado de emoção, exagero e destaque para as características que se quer ressaltar. Na descrição literária, a descrição de um objeto pode estar vinculada à imagem pretendida pelo autor do contexto em geral, como na descrição da cadeira, uma que nos remete a um contexto pobre e outra que nos remete a um contexto requintado. Ao descrever uma pessoa, o autor pode incluir adjetivos que levem o leitor a idealizar a personagem como bela e meiga ou rude e agressiva, que seriam as descrições psicológicas da narrativa literária. No texto descritivo não literário, a ficção não é permitida, a linguagem é técnica, científica, objetiva, cuidando com o uso de palavras ambíguas, que deem dupla margem de sentido à descrição, podendo interferir no resultado final. O texto descritivo não literário é utilizado para descrever aparelhos, manuais de instruções, processos, relatórios e bula de medicamentos. A linguagem utilizada nesses tipos de textos é objetiva e nunca subjetiva, ou seja, o autor do texto descritivo não literário deve ser imparcial, sua opinião e seus sentimentos não devem fazer parte do texto. Se a descrição é sobre um fato presenciado, o relato deve ficar em torno apenas do que se viu e não do que se imaginou; por exemplo, ao descrever um acidente de trabalho, a descrição deve ser sobre os fatos observados e não sobre o que se supõe ter acontecido. Essa linguagem é a mesma linguagem utilizada em relatórios de Trabalhos de Conclusão de Curso. TEXTUAL na Internet UNICESUMAR 6 A PRODUÇÃO Ao pensarmos no século XXI, a grande marca que representa esse momento é a tecnologia e todas as suas implicações, mudanças de hábitos, novos instrumentos comunicativos, novos programas uma nova dimensão temporal e espacial. Diante disso, automaticamente surge a pergunta: isso pode ser usado em sala de aula? Isso atrapalha ou ajuda? Naturalmente, como todo instrumento que pode ser usado no contexto educacional, ele depende de como será inserido nas práticas pedagógicas de cada escola, como os professores usarão esses novos recursos, como isso estimulará o aluno, mas o dilema é sempre muito grande. Será que isso ocorre somente agora? Segundo Pinho (2003, p. 181), “a história é antiga e se repete por ocasião do nascimento de cada nova mídia. O rádio, o cinema e a televisão, cada um no seu tempo, surgiram com conteúdos que reproduziam as mídias que os precederam”. Isso nos dá uma ideia de que o desafio é grande, mas não é limitador e as mudanças não estão ocorrendo somente agora. explorando Ideias Será que a tecnologia acabará com o mundo no qual fomos formados? Os livros, as revistas e os gibis sumirão? Os livros didáticos e os professores também deixarão de existir? 95 UNIDADE 3 São inúmeras mudanças, por isso inteirar-se dessa discussão é fundamental. Leia a reportagem “Roger Chartier: ‘Os livros resistirão às tecnologias digitais’”, da revista Nova Escola. Para saber mais, acesse o link disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/938/roger-chartier-os-livros-resistirao-as-tecnologias-digitais>. Fonte: os autores. Por isso, pensar no uso da internet na escola não é impossível ou ineficiente, evidentemente tem seus desafios, porém, pode proporcionar a afirmação de práticas reais que os alunos já fazem e serem estimuladas na escola, conseguindo unir a teoria à prática. Consoante Xavier (2002), os seus usuários têm reconfigurado os processos gráficos da escrita, utilizando-se de elementos antes estranhos à produção textual. O autor afirma que o uso de formas gráficas diferentes na interação que ocorre na internet não prejudica o aprendizado escolar, mas pode ser usado como con96 “ UNICESUMAR traponto, como ponto de comparação da lógica existente em cada novo código utilizado. Além de não prejudicar, a interação virtual exige muita leitura, ela é a habilidade mais exigida, os sites, os blogs e as páginas de interação estão repletos de textos e utilizam a norma padrão de escrita. O que deve ser discutido é a qualidade dos textos lidos, devemos aguçar o nosso faro crítico sobre a leitura. A internet e suas ferramentas possibilitam o hipertexto e os hiperleitores. Segundo Koch (2007, p. 25), o termo hipertexto designa uma escritura não-sequencial e não-linear, que se ramifica de modo a permitir ao leitor virtual o acesso praticamente ilimitado a outros textos, na medida em que procede a escolhas locais e sucessivas em tempo real. As novas mídias propõem uma nova forma de se expressar e ler, pois o hipertexto produz uma falta de linearidade na forma de encontrar as informações textuais; isso pode parecer um universo caótico, mas não é, pois há uma organização espacial, cromática e sensorial que explora os recursos de outra forma, possibilitando interações mais intensas e constantes. Furlanetto (2014) apresenta uma comparação de uma notícia tradicional com uma feita nas novas mídias: “ [...] o texto foge da linearidade convencional imposta pelo impresso e seduz o leitor com a possibilidade de escolha na forma de ler o conteúdo, ou seja, o texto digital deve informar no início os dados principais da notícia de forma a conquistar o internauta, ou como vou denominá-lo para facilitar e adequar à nova mídia: o interleitor, o que busca a informação digital. Essa informação inicial transmite os dados básicos de uma notícia: Quem, Como, Onde e assim sucessivamente fornecendo condições de uma visão ampla do fato. Nos veículos impressos o lead inicia o texto e na sequência o mesmo é trabalhado com informações adicionais lineares em colunas e parágrafos. No meio digital o lead tem funcionado como uma espécie de “vitrine” da matéria, ou seja, o interleitor lê o conteúdo inicial e se gostar pode se aprofundar no assunto através de um hiperlink disponível no texto (FURLANETTO, 2014, p. 2). Xavier (2002) cita um exemplo de interação que pode ser benéfico à leitura e produção de escrita na internet: é a criação de um site que se refere a um gênero 97 UNIDADE 3 ficcional nascido na rede virtual, em que os participantes podem realizar modificações nas histórias e nos destinos dos personagens. Isto é, alguém posta uma história que passa pelo crivo do site, esta é publicada e os demais participantes podem interagir e dar novos rumos para o texto do autor. Acreditamos que essa ideia pode ser utilizada de forma didática até mesmo pelas instituições escolares, pois é uma forma de incentivar a escrita. explorando Ideias Depois de tanta discussão sobre o uso de tecnologia na escola, você ainda está com dúvidas sobre como isso pode funcionar e quer um exemplo prático? Leia a reportagem: “Revisão de textos no computador”, da revista Nova Escola e descubra uma prática que pode ser aplicada da produção e revisão de textos dentro da escola. Para saber mais, acesse o link disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/2618/ revisao-de-textos-no-computador>. Fonte: os autores. Seria ledo engano pensarmos que a internet é um espaço totalmente livre; ele é regido, primeiro, por regras sociais embasadas nos direitos e limites de liberdade de expressão e, depois, não são todas as páginas que permitem grafias codificadas, se o que você escreve não for entendido por quem lê, não haverá mensagem. Portanto, mesmo diante da aparente liberdade de escrita, a produção textual posta na internet ainda segue as normas básicas da linguagem. Por outro lado, a internet não é composta apenas por sites de relacionamentos em que se pode escrever livremente, há muitos locais de pesquisa, e se na busca a palavra for digitada errada, não se consegue encontrar o que se procura. Da mesma forma, há páginas de publicações acadêmicas e científicas que não admitem outra norma se não a norma culta; há, também, a utilização de palavras-chave nas buscas que direcionam para as ideias centrais do texto, sobre os quais deve-se ter conhecimento. Percebe-se que para poder se aventurar no mundo virtual, um vasto conhecimento de leitura e escrita são necessários para uma interação produtiva e significativa. Esse movimento amplo, que é o âmago das interações virtuais, não deve ser ignorado, deve ser refletido, analisado e ponderado. 98 Finalizamos esta unidade com a certeza de que a produção textual, oral e escrita é fundamental para a formação crítica de todos os alunos em todos os níveis educacionais. Notamos a importância de tornar-se um bom leitor para construir um repertório de leituras que forneça subsídios para a prática escrita, pois quanto maior a consciência leitora e a compreensão global do mundo ao seu redor, maior o conhecimento que serve de base para a produção de texto. Estudamos que um bom texto apresenta ideias claras, articula-se coerentemente, desenvolve as ideias progressivamente e conduz o leitor por meio de elementos coesivos e persuasivos para um sentido preciso e averiguado. Por isso, para uma boa produção textual, é necessário que se delimite o tema, que no desenvolvimento do tema as referenciações sejam retomadas, que se dê continuidade às ideias propostas na introdução, que se organize temas que requerem maiores explicações em tópicos textuais. Um bom texto não pode ter lacunas, partes incoerentes, erros gramaticais, uma desorganização das ideias e argumentos, pois a prática da escrita deve estabelecer uma comunicação eficiente e convincente com seu leitor e/ou interlocutor. Independentemente do gênero textual, os elementos básicos da produção textual são os mesmos eixos norteadores, pois o princípio da coerência, coesão, adequação temática, do uso da linguagem adequada ao contexto e da clareza são fundamentais em qualquer texto. A sociedade atual exige de nós um nível comunicativo de qualidade; como somos produtores ativos de diversos textos, devemos nos posicionar utilizando os instrumentos primordiais desta sociedade, que são a leitura e a escrita. Terminamos assim a unidade, entendendo a importância de ser um bom leitor e escritor, e a sua função primordial na sociedade moderna que exige uma comunicação pessoal e profissional apropriada e eficiente. UNICESUMAR Considerações Finais 99 na prática 1. A leitura é uma atividade fundamental para a formação integral do aluno, pois é uma prática que exige diversas habilidades. Sobre a importância da leitura, é correto afirmar: a) A leitura é uma prática exclusivamente individual e só beneficia o leitor. b) A leitura fomenta um aluno crítico, favorece na produção textual e aperfeiçoa habilidades linguísticas. c) A leitura é uma prática que deve ser trabalhada somente no ambiente escolar. d) A leitura é fundamental para a formação crítica do aluno, por isso deve ser conduzida obrigatoriamente pelos pais. e) O ato de leitura é importante, embora não se relacione a outras práticas da linguagem. 2. A produção textual não deve ser um ato isolado na prática escolar, pois no cotidiano essa habilidade está ligada diretamente a outras práticas, como leitura, interpretação e compreensão linguística. Sobre isso, é correto afirmar: I - A produção de texto deve trabalhar próxima à realidade linguística de uso dos alunos. II - A produção de texto é a mais importante das habilidades que o aluno deve adquirir no período escolar. III - A produção de texto deve ser trabalhada intimamente junto à leitura e à análise linguística. IV - As produções de texto escrita e oral são práticas fundamentais para a formação crítica do aluno. a) Apenas a afirmativa I. b) Apenas a afirmativa II. c) Apenas as afirmativas I e II. d) As afirmativas II, III e IV. e) As afirmativas I, III e IV. 100 na prática 3. Um dos elementos fundamentais para que o texto tenha qualidade é a coerência, pois é a partir dela que há uma unidade geral no sentido do texto. Assinale a única alternativa que não tem erro de coerência. a) No verão fomos a Fortaleza (CE) e não pudemos aproveitar a praia devido à quantidade de neve que caía lá. b) Com a crescente derrubada de árvores, conseguimos ver o vigor e o crescimento da mata nativa no Brasil. c) O governo investe muitos recursos na educação pública, por isso temos os melhores resultados escolares da América Latina. d) O barulho era tanto que mal conseguimos ouvir o mico-leão-dourado cantar na floresta. e) A necessidade de melhor aplicar o dinheiro público faz com que a população fique atenta à ação dos políticos. 4. Estudamos as características do texto descritivo, a partir disso, explique qual é a função primordial de uma descrição. 5. A internet e as novas tecnologias são uma realidade constante em nosso dia a dia, por isso a escola não pode se eximir de apresentar e trabalhar com essas novas ferramentas. Qual é a importância da produção textual na internet? 101 aprimore-se Leia um trecho do artigo “Histórias infantis e aquisição de escrita”, de Vera Lucia Blanc Simões, que discute a necessidade de ter um ambiente educacional nos anos iniciais que estimule a leitura e a escrita. “Vygotsky, entre outros estudiosos do assunto, buscando compreender a origem e o desenvolvimento dos processos psicológicos do indivíduo (abordagem genética), postula um enfoque sociointeracionista para a questão, no qual um organismo não se desenvolve plenamente sem o suporte de outros de sua espécie, o que afirma que todo conhecimento se constrói socialmente. Durante todo o percurso do desenvolvimento das funções psicológicas, culturalmente organizadas, é justamente esse aspecto cultural, social, de interação com o outro, que desperta processos internos desse desenvolvimento. É o contato ativo do indivíduo com o meio, intermediado sempre pelos que o cercam, que faz com que o conhecimento se construa. Especialmente em se tratando da linguagem, o indivíduo tem papel constitutivo e construtivo nesse processo (ele não é passivo: percebe, assimila, formula hipóteses, experimenta-as, e em seguida reelabora-as, interagindo com o meio). O que lhe proporciona, portanto, modos de perceber e organizar o real é justamente o grupo social (a interação que ele faz com esse grupo). É este que determina um sistema simbólico-lingüístico permeador desses modos de representação da realidade. Ainda segundo o autor, o pensamento e a linguagem estão intimamente relacionados na medida em que o pensamento surge pelas palavras. A significação é a força motriz para essa relação: não é o conteúdo de uma palavra que se modifica, mas a maneira pela qual a realidade é generalizada e refletida nela. E são exatamente essas construções de significados que a criança vai desenvolvendo internamente (como uma linguagem interna, seu modelo de produção do pensamento) que partem da fala socializada, da fala dos outros que a cercam. Foi sobretudo Bakhtin (1992) que, indo mais além, explicitou teoricamente essa posição dialógica sobre a natureza da linguagem. Segundo ele, é o diálogo a unidade real da língua. Ao observar as situações de diálogo produzido interativamente, 102 aprimore-se pode-se perceber que a fala é “polifônica”, que existem numerosas vozes atuando: a voz interna, a voz do outro, a própria voz...; vozes caracterizadas pelas convergências e divergências presentes no discurso dialógico, que propiciam diversas mudanças de posição que o sujeito pode fazer, apreendendo, assim, várias facetas da realidade em que vive e representando-a internamente de forma mais completa. Essa construção, portanto, baseia-se no que ele chamou de uma interação socioverbal. A linguagem é a expressão e o produto da interação social de quem fala com quem fala, acrescida do tópico do discurso. [...] Foram os estudos sobre o que seria a psicogênese da linguagem escrita de Ferreiro e Teberosky (1985) que lançaram uma nova luz sobre as tentativas de descrever as etapas pelas quais a criança passa durante o processo da aquisição. Segundo as autoras, a criança, durante o período de contato com os sinais gráficos, vai evoluindo gradativamente. Essa evolução foi caracterizada em quatro grandes níveis: pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético. No nível pré-silábico, observaram a presença de produções gráficas em que não existe correspondência entre a grafia e o som. A criança nessa fase não demonstra preocupação em diferenciar critérios para suas produções, que se constróem a partir de traços idênticos, garatujas ou grafismos primitivos. Não se percebe tampouco controle da quantidade de letras utilizadas para representar o que se quer escrever. Portanto, a criança não se utiliza de uma palavra escrita para simbolizar graficamente um objeto. [...] Já o nível silábico se delimita quando a criança percebe que é possível representar graficamente a linguagem oral. Ela faz então várias tentativas para estabelecer uma relação entre a produção oral e a produção gráfica, entre o som e a grafia. E começa, com essas tentativas, a relacionar o que escreve com as sílabas das palavras faladas que deseja representar. Entretanto, com seu conhecimento prévio sobre o material escrito, utiliza-se de letras que podem não representar os respectivos sons. Ela percebe nessa fase que pode escrever tudo o que deseja, mesmo 103 aprimore-se que aquilo que expressa graficamente não possa ser decifrado por outras pessoas. Também nessa fase, pode aceitar relutante o fato de escrever palavras menores com poucas letras ou ainda pode se usar, ao escrever uma frase, uma letra somente para uma palavra inteira. A criança passa, então, a conviver com esses dois tipos de correspondência entre a grafia e o som, adentrando assim no nível silábico-alfabético. E começa também a experienciar um conflito, já que é capaz agora de perceber que existe uma representação gráfica correspondente a cada som (percebe a relação entre grafema e fonema). Ela vai reformulando sua hipótese anterior, silábica, que lhe parece insuficiente, e vai alternando sua produção entre essa e a alfabética propriamente dita. [...] Para Mayrink-Sabinson (1995), o trabalho desenvolvido por Ferreiro e colaboradores é centrado em um sujeito considerado idealizado e universal, e descreve as transformações efetuadas por ele. O sujeito age sobre as informações que recebe do ambiente e produz a própria linguagem por meio de esquemas assimilados previamente construídos, deixando de lado uma explicitação teórica sobre o contexto, com o qual os indivíduos agem continuamente e tem papel mediador e, portanto, constitutivo, em todo o processo da aquisição da linguagem escrita. A autora desenvolveu um estudo calcado em pesquisas sobre as relações entre mãe e criança pré-escolar durante o processo de aquisição, no qual enfoca o papel do interlocutor adulto letrado em suas interpretações das produções gráficas do sujeito. Fonte: Simoes (2000, on-line). 104 eu recomendo! livro A escrita escolar da História: livro didático e ensino no Brasil (1970-1990) Autor: Décio Gatti Junior Editora: EDUSC Sinopse: neste livro estão apresentados os resultados de uma investigação na área da História das Disciplinas Escolares, na qual foi desenvolvido o olhar sócio-histórico, concentrado no exame dos livros didáticos escritos e publicados no Brasil entre as décadas de 1970 e 1990. A análise detém-se sobre duas fontes principais: obras didáticas e depoimentos de autores e editores de livros didáticos de História. livro Dificuldades de aprendizagem de A -Z Autor: Corinne Smith e Lisa Strick Editora: Penso Sinopse: esse livro apresenta as descobertas mais importantes acerca das funções cerebrais e do processamento da informação, cobrindo todos os estágios do desenvolvimento. Explora os “mitos” e as “lendas” que permeiam este tema. Recurso completo que auxilia tanto na escola quanto em casa. livro Programa de Intervenção com as Dificuldades Ortográficas Autor: Simone Aparecida Capellini, Maria Nobre Sampaio, Amparo Ygual Fernández e José Francisco Cervera Mérida Editora: Pulso Sinopse: as estratégias apresentadas neste livro buscam proporcionar a reflexão dos escolares acerca do nosso sistema de escrita, de forma que o aprendizado, durante o processo de intervenção, torne-se mais prazeroso e sistemático, deixando de ser visto apenas como uma “prática de decorar palavras”. 105 eu recomendo! livro Dificuldades de Aprendizagem em Leitura e Escrita Autor: Geraldo Peçanha de Almeida Editora: WAK Sinopse: esse livro é estruturado e formatado para atender especificamente os alunos com características médias ou acentuadas de aprendizagem na leitura e na escrita. Trata-se de uma possibilidade fônica, ou seja, não é um método global de alfabetização, porque ele não parte do texto e das ideias que são apresentadas ali para posterior desmembramento e trabalho por parte de alunos e professores. É um método pensado para atender crianças e adultos que fogem ao padrão regular de aprendizagem. Isso quer dizer que todas as atividades aqui propostas irão partir de um princípio que deverá ser desencadeado e desenvolvido gradativamente pelos professores. filme O Carteiro e o Poeta Ano: 1995 Sinopse: um carteiro faz amizade com o poeta Pablo Neruda, que vive exilado na costa italiana, e pede que ele o ajude a conquistar sua amada, mas descobre que a poesia sempre esteve dentro de si. Belíssimo filme de Michael Radford. filme Escritores da liberdade Ano: 2007 Sinopse: o filme foi baseado em fatos reais e relata a história da professora Erin Gruwell, que percebe, no início de suas atividades docentes, que a educação na escola na qual lecionava não era como ela havia imaginado. Para superar os problemas de sua turma, utilizou a estratégia da produção escrita como forma de transformar a educação. Utilizou de relatos de guerra para ensinar os valores da tolerância e da disciplina. 106 4 ASPECTOS ACADÊMICOS DA PRODUÇÃO Textual PROFESSORES Dra. Ivone Pingoello Me. João Carlos Dias Furtado PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • As especificidades e a estrutura do texto dissertativo • A linguagem dissertativa • Tópicos de revisão textual. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM • Identificar especificidades da produção textual científica acadêmica • Aperfeiçoar a produção textual acadêmica • Desenvolver habilidades sociais da comunicação escrita. INTRODUÇÃO A vida escolar, da educação infantil à graduação e pós-graduação, é permeada por etapas de evolução dos processos de escrita. No decorrer da vida acadêmica, a cada nova etapa de aprendizagem da escrita, novos conhecimentos são exigidos e novas habilidades são necessárias para produzir cada vez mais e com maior grau de eficiência. Sabemos que nossa capacidade de escrita se inicia na alfabetização e vai se aprimorando com o passar do tempo, num processo contínuo de evolução. Para que esse pensamento se confirme, solicitamos a você que resgate algumas de suas produções textuais do tempo do Ensino Fundamental e Médio e compare com a sua escrita dos tempos atuais. Houve evoluções? Em quais aspectos sua produção textual evoluiu? Os textos que você produziu nas séries do Ensino Fundamental apresentam modificações em termos estruturais em relação aos textos que produziu no Ensino Médio? Os textos que tem produzido na graduação são estruturados da mesma forma dos do Ensino Médio? Com essa avaliação, pretende-se que você perceba em quais aspectos evoluiu, incluindo vocabulário, quantidade de informações no texto, estruturação coerente, entre outros aspectos. Isso porque a proposta desta aula consiste em oferecer novas oportunidades de evolução e/ou aperfeiçoamento de sua produção textual. Aprender a escrever é um processo contínuo que se inicia na alfabetização e vai se aprimorando com o passar do tempo, conforme os processos de ensino e de aprendizagem, contando com a dedicação e esforço do indivíduo. Aprendizes seremos sempre; quanto mais se escreve, mais exigente se fica, e maior será a percepção da estruturação textual e do repertório vocabular. Nos cursos de graduação, a etapa que se inicia é o desenvolvimento mais profundo do processo de leitura, cujo resultado deverá ser a produção de textos acadêmicos de base científica. Nesse nível de produção textual há normas que devem ser seguidas, principalmente no que se refere à linguagem utilizada, ao desenvolvimento coerente e coeso dos textos. Com o objetivo de aperfeiçoar seu conhecimento sobre produção textual, expomos nesta unidade as estruturas essenciais para a produção de textos dissertativos, a fim de contribuir com o desenvolvimento de sua escrita acadêmica científica. Bons estudos e boas produções textuais! ESTRUTURA DO Texto Dissertativo UNICESUMAR 1 AS ESPECIFICIDADES E AS Dissertar implica organizar pensamentos, defender pontos de vista, descobrir soluções e argumentar em favor de uma ideia tendo como base a fundamentação lógica e coerente. Por esse motivo, o texto dissertativo é muito apreciado nas universidades e empresas para avaliar a capacidade cognitiva e intelectual do indivíduo. Por meio do texto dissertativo, pode-se avaliar se o/a autor/a possui os conhecimentos linguístico, enciclopédico, de texto e interacional citados por Koch e Elias (2010). A finalidade da dissertação acadêmica, conforme esclarece Pignatari (2010), é promover reflexões, discussões e busca de soluções para problemas sociais, e os argumentos baseados em comprovações científicas são os meios utilizados para esse fim. Tais argumentos partem da intertextualidade acadêmica, ou seja, há uma discussão promovida entre o/a autor/a do texto e os demais autores/as dos textos, que servem como suporte para a comprovação dos argumentos utilizados. explorando Ideias A intertextualidade nos textos acadêmicos refere-se à citação direta e indireta de outros textos que seguem as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT. Informe-se sobre essas normas, pois elas garantem a legalidade do texto e evitam o plágio. Para saber mais, acesse o link disponível em: <http://www.abntcatalogo.com.br/pub.aspx?ID=34>. Fonte: os autores. 109 UNIDADE 4 Os textos dissertativos acadêmicos possuem particularidades inerentes ao meio acadêmico, como imparcialidade, visão objetiva, exposição de dados, amparo em autores referentes da área, em análises científicas e exemplos concretos de pesquisas já realizadas. O passo inicial para a elaboração de um texto dissertativo é a escolha do tema que delimita, define e direciona os argumentos que deverão ser utilizados na elaboração do texto. Delimitação do tema ou assunto no texto dissertativo Nenhum tema é totalmente inédito e em todo tema há sempre um ângulo novo a ser analisado e discutido, esse é o princípio da originalidade. Para cada tema há inúmeras possibilidades de abordagem, e em cada abordagem cabem, ainda, diferentes análises em áreas distintas de estudos; um único tema pode ser analisado sob a ótica das ciências sociais, históricas e psicológicas, dentre outras áreas. Antes de iniciar a escrita de um texto dissertativo acadêmico, é conveniente projetar o que se vai escrever, ou seja, escolher um tema e organizar as ideias por meio de um projeto de escrita ou ordená-las mentalmente caso se tenha pouco tempo para desenvolver o texto final. Ao projetar, você deve considerar os seguintes fatores que foram relacionados por Pignatari (2010): a dissertação deve ser sobre um tema que mereça ser analisado; deve ser questionada a utilidade do tema para a sociedade ou para uma determinada comunidade ou classe social e refletir sobre o que se pensa ou o que se sabe sobre o assunto. Uma forma de organizar melhor o pensamento é utilizar palavras-chave sobre as quais estão norteadas às ideias centrais do texto. Observe o exemplo dado por Pignatari (2010, p. 47): “ Tema: A inclusão digital Questão: Qual é a relação que se pode visualizar, no mercado de trabalho atual, entre a inclusão digital e a empregabilidade? Palavras-chave: inclusão digital; empregabilidade. Tese: A inclusão digital é hoje em dia uma condição essencial para a empregabilidade. 110 UNICESUMAR Pignatari (2010) explica que tese é a ideia em torno da qual a dissertação será trabalhada e que deve ser projetada antes da escrita para direcionar os argumentos, portanto, conforme o exemplo exposto, a tese sobre a qual os argumentos serão orientados é de que a inclusão digital é essencial para a empregabilidade. Observa-se no modelo citado que o tema gira em torno da inclusão digital e empregabilidade, portanto a organização do pensamento começa na análise do que se sabe sobre inclusão digital e a sua relação com a empregabilidade. A partir disso, inicia-se a produção dos argumentos que fazem parte de toda a estruturação dissertativa constituída pela introdução, desenvolvimento e pelas considerações finais. Elementos da Introdução A introdução do texto dissertativo se refere à apresentação do assunto a ser tratado. É a exposição do tema que deve ser apresentado de forma resumida e objetiva com a finalidade de situar o/a leitor/a sobre o caminho que o texto percorrerá. Na introdução do texto dissertativo acadêmico deverá constar o tema, uma explicação sucinta do assunto a ser tratado; os objetivos do trabalho (qual é a finalidade do texto, o que você está propondo em termos de análise e reflexão); as justificativas (por que escolheu esse tema, qual a importância dele para a sociedade); o problema, que é a questão que norteia o trabalho, e as possíveis hipóteses levantadas para a sua solução. A problematização tanto pode se referir a um problema a ser resolvido como as relações a serem esclarecidas, suposições a serem confirmadas ou refutadas, perguntas a serem respondidas. Utilizando a violência escolar como tema e supondo que a focalização será sobre a falta de preparo dos professores em enfrentar a violência escolar, pode-se formular a seguinte pergunta: a falta de preparo dos professores contribui para a manutenção da violência escolar? Ou: a formação continuada abrangendo o tema violência escolar contribui com o decréscimo desse problema na escola? A formulação de uma pergunta orienta os argumentos, evitando perda de foco quando se busca a resposta. Uma introdução mal formulada pode apresentar os seguintes problemas: — Não expõe com clareza o tema a ser debatido; — Cita argumentos que não serão debatidos no desenvolvimento; — Usa o senso comum para introduzir o assunto, como, por exemplo: “todos nós sabemos que isso não dá certo” etc. 111 UNIDADE 4 112 Elementos do Desenvolvimento Os argumentos são a essência do texto dissertativo, é por meio deles que o/a autor/a vai tentar convencer o/a leitor/a de suas ideias. Para tanto, Pignatari (2010) sugere a utilização de argumentos que já são conhecidos e aceitos pelo/a leitor/a. Podemos pegar como modelo o tema: a pena de morte deve ser legalizada no Brasil? O primeiro passo que o/a autor/a deve tomar é se posicionar: ser a favor, contra ou demonstrar neutralidade. Se optar por ser contra, um dos argumentos conhecidos e aceitos seria o de que sempre existe o risco de erro judiciário, comum no Brasil, o que poderia levar à morte um inocente. Esse é um argumento normalmente aceito e pode-se, por meio desse argumento, relatar erros já ocorridos no judiciário, além das dificuldades econômicas pelas quais passam as polícias civil e militar, que não conseguem dar conta de investigar de forma satisfatória todos os casos em que caberia a pena de morte. Se optar pelo sim, poderá desenvolver argumentos que demonstrem a reincidência de criminosos que praticaram crimes hediondos, a demonstração por meio de números estatísticos da diminuição da criminalidade em países que aderem à pena de morte. Se optar pela neutralidade, você pode desenvolver argumentos que demonstrem os dois lados da situação, os prós e os contras e deixar que o/a leitor/a tome sua própria decisão. Pignatari (2010) ressalta que, se não houver um argumento satisfatório, o melhor a se fazer é repensar a tese, pois se não ocorre nenhum argumento plausível no momento da escrita, é sinal de que a tese é frágil. Da mesma forma que temos a tese na dissertação, que pressupõe uma ideia, podemos ter, também, a antítese, que seria a tese contrária, a oposição de ideias. Esse é um recurso utilizado para rebater uma ideia proposta sobre a qual pode haver concordância ou discordância por parte do/a leitor/a. A introdução de uma antítese não deve ocorrer de forma arbitrária, sem planejamento, há que se encadear as ideias e utilizar conectivos, tais como: mas, porém, entretanto, contudo, etc., que exercem a conectividade adversativa (PIGNATARI, 2010). A inserção de uma antítese no texto dissertativo deve ser decidida antes de sua produção; evite utilizar esse procedimento no improviso, pois a sua utilização requer argumentos pró e contra que devem ser bem estabelecidos para não se cair em contradição e produzir textos incoerentes. Exemplos de temas que podem ser debatidos entre tese e antítese são alguns dos alimentos que, se por um lado são saborosos, por outro podem engordar; a UNICESUMAR pena de morte, que pode diminuir a violência nas ruas, mas por outro lado pode ser fator de injustiça judiciária; o aborto, tema polêmico defendido por uns e condenado por outros. O desenvolvimento dos textos dissertativos demonstra todo o conhecimento que o autor possui sobre o assunto, é a parte argumentativa em que as ideias são desenvolvidas na tentativa de convencer o/a leitor/a. Porém, atenção! não se trata do conhecimento do senso comum, obrigatoriamente o conhecimento exposto deve ser de base científica, ou seja, resultado de pesquisas bibliográficas. É aquela parte do texto na qual consta: Segundo Pignatari (2010), ...; Conforme Koch e Elias (2010), ...; Para Martins Junior (2009), ...; Podemos perceber, por meio dos relatos de Fiorin e Savioli (2007) etc. No desenvolvimento do texto acadêmico, o discurso que aparece não é o do/a aluno/a autor/a, mas o de outros autores/as que já publicaram textos sobre o mesmo assunto, isso fornece uma base científica, é a contextualização e a intertextualização referenciadas por meio de citações. Há fatos que são aceitos como válidos por consenso, por isso não carecem de citações de autores/as, como por exemplo: — Os investimentos na saúde e educação são indispensáveis para o desenvolvimento do país. — A corrupção desvia dinheiro que deveria ir para os setores prioritários para o bem-estar da sociedade, como a saúde e educação. Os argumentos da dissertação acadêmica podem ser abordados conforme suas causas e consequências, se será uma abordagem histórica ou se a abordagem será comparativa, comparando-se teorias, metodologias ou outros meios disponíveis para a exposição do tema ou se serão contrapostos os pontos negativos e positivos de uma mesma situação. O desenvolvimento deve conter os itens que foram citados na introdução, e estes podem ficar estabelecidos por frases lançadas na introdução e posteriormente analisadas no desenvolvimento como, por exemplo: Disposição na introdução - O aumento progressivo dos índices de violência escolar tem mobilizado analistas e pesquisadores da área na busca de compreender o fator histórico que envolve o problema como subsídio para o desenvolvimento de procedimentos preventivos e interventivos. 113 UNIDADE 4 Percebe-se que temos quatro temas a serem discutidos no desenvolvimento: — O aumento progressivo dos índices de violência escolar – No desenvolvimento do texto esse item deve ser demonstrado a partir de índices estatísticos que comprovem esta afirmativa. — Mobilização dos analistas e pesquisadores – Aqui cabe citar os pesquisadores que estão se mobilizando. — O fator histórico envolvido no problema – A gênese do problema, a causa possível ou as hipóteses da causa. — Desenvolvimento de procedimentos preventivos e interventivos – Descrição de procedimentos que já foram usados, levantamento de hipóteses para o controle do problema etc. Em um texto curto, cada item pode ser trabalhado em um ou mais parágrafos; em textos longos, como um TCC, os itens podem ser trabalhados em subtemas, pode-se estabelecer subtítulos e desenvolver os argumentos relacionados ao subtítulo sem que se perca a relação ou conexão de sentido com o tema central, fator necessário para a coerência textual. E para o encadeamento de cada subdivisão do tema, lembre-se de usar os conectivos, responsáveis pelo fator coesão. Eis alguns exemplos de expressões que podem ser usados como conectivos no desenvolvimento do texto: Ainda que Do ponto de vista de Contudo Ao contrário É claro que Em consequência Apesar de tudo É o caso de Em comparação Apesar disso Em vista disso No entanto Assim como Embora Fica claro que Como se vê Enfim Para tanto De qualquer forma Entretanto Por conta disso Dentro desse raciocínio Esses fatores Tal processo Dessa perspectiva Exemplo disso é Tal situação Quadro 1 – Expressões usadas como conectivos / Fonte: os autores. 114 UNICESUMAR Sendo o desenvolvimento a parte mais extensa do texto e a mais importante, deve-se tomar alguns cuidados para não perder o foco dos argumentos e cair na incoerência, erro que pode ser evitado se seguidas as sugestões de Pignatari (2010, p. 21): — Não escreva se não tiver certeza. — É fundamental pesquisar antes de escrever. — É necessário analisar a lógica e a veracidade do que se escreve. — Não se deve chutar; inventar dados estatísticos é crime. — Não exagere ou generalize. — Para obter coesão, deve-se observar em outros textos como as relações coesivas foram utilizadas. Além da cautela com a coerência e coesão textual, devemos tomar alguns cuidados com a orientação argumentativa, conforme sugerido por Pignatari (2010, p. 90), os quais exemplificamos para maior clareza. — Mudar de assunto no desenvolvimento do texto. Exemplo: expor na introdução que o tema abordado é a alfabetização e desenvolver argumentos somente sobre o baixo salário dos professores. — Dar ênfase a ideias diferentes das que foram propostas na introdução. Exemplo: o tema principal é a formação de professores e a ênfase no desenvolvimento é dada sobre o comportamento dos alunos. — Utilizar argumentos que não têm relação direta com o tema proposto. Exemplo: o tema proposto é o plano de carreira docente e os argumentos são sobre a avaliação escolar. — Mencionar mais argumentos na introdução do que no desenvolvimento. Exemplo: expor que vai ser desenvolvido os temas alfabetização e formação de professores e desenvolver apenas um item mencionado. — Utilizar dados do senso comum, opiniões pessoais sem credibilidade e dados imprecisos sem comprovação. Exemplo: afirmar que a única causa do baixo rendimento escolar dos alunos é o desinteresse e indisciplina dos próprios alunos. 115 UNIDADE 4 Elementos da Consideração Final Ao final das argumentações do desenvolvimento, inicia-se a parte das considerações finais. Atualmente, há uma preferência em se usar o termo “Considerações finais” em vez do termo “Conclusão”, tal preferência se deve ao fato de que nada está concluído, nada está acabado, terminado; o que é tido como verdade hoje, amanhã pode não ser mais em consequência de novas descobertas. Portanto, nada se conclui, porque tudo está em um contínuo processo de transformação, o que se obtém são considerações acerca do tema proposto naquele momento diante do objetivo do trabalho. Essa etapa do trabalho é o momento de se expor, colocar seu ponto de vista, sua opinião. Esse é o momento do texto acadêmico em que o/a aluno/a/autor/a tem a liberdade de se expor, a indicação, inclusive, é de que não haja citação ou referência a nenhum outro/a autor/a. Nessa parte, deve-se apresentar uma síntese do que foi exposto no desenvolvimento do texto, confirmar as hipóteses levantadas e responder à pergunta feita na introdução. Os argumentos finais devem ser coerentes com o texto desenvolvido e com os dados científicos, confirmando a ideia exposta na introdução, sugerindo soluções para o problema e sugestões para novas pesquisas. É válida a utilização de conectivos conclusivos para iniciar a parte final do texto, tais como: diante do exposto, consideramos que; pode-se deduzir que; portanto; dessa forma, acreditamos que etc. Também nas considerações finais há problemas que podem ser evitados com um pouco de atenção por parte do autor, conforme sugere Pignatari (2010), os quais são: — Finalizações simplistas demais ou generalizadas; as considerações devem ser sobre o tema que foi delimitado e não sobre o que ocorre no mundo todo. — Não sugerir soluções impossíveis, como mudar o mundo, mudar as pessoas etc. — Não usar frases de efeitos sem conteúdos, preocupando-se mais com a estética e menos com a essência. — Citar conteúdos que não foram analisados no desenvolvimento do texto. No quadro a seguir, apresentamos uma síntese dos principais elementos que devem constar no texto dissertativo: 116 Exposição do assunto a ser tratado. O tema. A ideia central do texto. A problematização. As hipóteses. As palavras-chave. Elementos do desenvolvimento Elementos das considerações finais Exposição argumentativa. Análise do tema. Divisão em subtemas ou subtítulos. Dados concretos (narração ou descrição de fatos, dados estatísticos, citação de outros textos). Posição argumentativa antítese, prós e contras, causa e consequência, análise histórica. Exposição do resultado final. Retomada da ideia central. Respostas às questões problematizadoras. Confirmação ou refutação das hipóteses. Sugestões de soluções. Opinião própria coerente com os argumentos apresentados no texto. UNICESUMAR Elementos da introdução Quadro 2 – Características do texto dissertativo / Fonte: os autores. Nenhum escritor/a parte do nada na composição de um texto, tem-se sempre como base a intertextualidade. Portanto, ao escrever um texto dissertativo, observe como os outros/as autores/as escrevem, compare as técnicas utilizadas, e utilize modelos para facilitar sua escrita. Utilizar modelos textuais para produção própria é um recurso aceitável; o que é inaceitável é o plágio, a cópia, que é considerada crime passível de punição na esfera da lei. Portanto, os modelos devem servir de parâmetros para a aprendizagem da escrita, de material de estudos e de base para produções inéditas. Expomos, a seguir um modelo de texto dissertativo de autoria de Roxane Rojo (s/d) para que você possa compreender melhor os elementos discursivos do texto dissertativo. Textos multimodais Um texto ou enunciado é um dito (ou cantado, escrito, ou mesmo pensado) concreto e único, “irrepetível”, que gera significação e se vale da língua/linguagem para sua materialização, constituindo o discurso. Um texto é “irrepetível”, pois ainda que seja “o mesmo”, ou muito semelhante a um outro texto, estará enunciado em um novo contexto, o que modifica suas relações de sentido. 117 UNIDADE 4 Na era do impresso, reservou-se a palavra texto principalmente para referir os textos escritos, impressos ou não; na vida contemporânea, em que os escritos e falas se misturam com imagens estáticas (fotos, ilustrações, gráficos, infográficos) e em movimento (vídeos) e com sons (sonoplastias, músicas), a palavra texto se estendeu a esses enunciados híbridos de “novo” tipo, de tal modo que hoje falamos também em textos orais e em textos multimodais, como as notícias televisivas e os vídeos de fãs no YouTube. As mudanças relativas aos meios de comunicação e à circulação da informação, o surgimento e ampliação contínuos de acesso às tecnologias digitais da comunicação e da informação provocaram a intensificação vertiginosa e a diversificação da circulação da informação nos meios de comunicação analógicos e digitais, que, por isso mesmo, distanciam-se hoje dos meios impressos, muito mais morosos e seletivos, implicando, segundo alguns autores, como Chartier e Beaudouin, mudanças significativas nas maneiras de ler, de produzir e de fazer circular textos nas sociedades. Esses “novos escritos”, obviamente, dão lugar a novos gêneros discursivos, quase diariamente: chats, páginas, tweets, posts, ezines, funclips etc. E isso se dá porque hoje dispomos de novas tecnologias e ferramentas de “leitura-escrita”, que, convocando novos letramentos, configuram os enunciados/textos em sua multissemiose (multiplicidade de semioses ou linguagens), ou multimodalidade. São modos de significar e configurações que se valem das possibilidades hipertextuais, multimidiáticas e hipermidiáticas do texto eletrônico e que trazem novas feições para o ato de leitura: já não basta mais a leitura do texto verbal escrito – é preciso colocá-lo em relação com um conjunto de signos de outras modalidades de linguagem (imagem estática, imagem em movimento, som, fala) que o cercam, ou intercalam ou impregnam. Esses textos multissemióticos extrapolaram os limites dos ambientes digitais e invadiram, hoje, também os impressos (jornais, revistas, livros didáticos). Isso se dá devido à linguagem digital que, indiferente, ou alheia, às múltiplas semioses (linguagens), reconfigura todas essas modalidades de linguagem e mídias em um código numérico binário. As mídias digitais facilitam a modificação e recombinação de conteúdos oriundos de quaisquer mídias, porque os processos de digitalização reduzem qualquer conteúdo informativo, originado de qualquer mídia, codificado em qualquer linguagem, a um código numérico/binário comum, o qual pode ser manipulado de forma automatizada. Evidentemente, isso coloca novos desafios aos letramentos escolares. (Roxane Rojo) *Referências bibliográficas indicadas no texto: BEAUDOUIN, V. De la publication à la conversation. Lecture et écriture électroniques. Réseaux, n. 119, p. 199-225, 2002/6. Disponível em: <http://www.cairn.info/article. php?ID_REVUE=RES&ID_NUMPUBLIE=RES_116&ID_ARTICLE=RES_116_0199>. Acesso em: 26 mar. 2017. CHARTIER, R. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: EDUNESP, 1998. Observe que nos dois primeiros parágrafos a autora faz uma introdução explicando os significados dos termos utilizados nos título, contextualizando a discussão. 118 UNICESUMAR Na sequência, a autora expõe, de forma argumentativa, as implicações do tema, as relações do tema com as situações atuais e utiliza duas referências para fortalecer os argumentos (BEAUDOUIN, 2002; CHARTIER, 1998). No caso dessas duas referências, a autora decidiu por não colocar o ano da publicação no corpo do texto. Isso só ocorre quando há permissão do veículo ao qual a publicação está vinculada; em outros casos, a regra é que a citação venha acompanhada do ano de publicação. A finalização do texto é composta por um parágrafo com considerações da autora e uma frase que aponta para novas pesquisas, para a busca de soluções para atender o letramento escolar e o uso dos textos multimodais. 2 A LINGUAGEM DISSERTATIVA Observe os dois tipos de frase: A corrupção destrói o Brasil. Eu culpo a corrupção pela destruição do Brasil. Há uma diferença entre os dois enunciados. No primeiro enunciado, a presença do autor é implícita. No segundo enunciado, o autor fez questão de aparecer e afirmar sua posição, ele inseriu-se na frase explicitamente. No primeiro caso, observamos o sentido de objetividade, pois o que o autor quis enfatizar foi a mensagem; no segundo caso, temos o sentido de subjetividade, pois o autor ressaltou 119 UNIDADE 4 sua opinião, seu ponto de vista. Portanto, em um texto, a linguagem objetiva se refere ao mundo exterior, e a linguagem subjetiva se refere ao mundo interior, opinião pessoal do/a autor/a (FIORIN; SAVIOLI, 2007). A linguagem de um texto acadêmico deve ser científica e impessoal, portanto, objetiva, e não se deve usar gírias, jargões ou palavras indefinidas, como: talvez, acho, alguma, coisa. Preste atenção aos verbos: sendo uma linguagem impessoal, o verbo deve acompanhar o pronome; observemos os exemplos citados por Pignatari (2010, p. 108): Linguagem pessoal Linguagem impessoal Eu demonstrei que A pesquisa demonstra que Eu constatei que Constatou-se que Eu deduzo que Pode-se deduzir que Penso que a realidade pode ser transformada A realidade pode ser transformada Para mim, o fenômeno da globalização é irreversível O fenômeno da globalização é irreversível O texto que mencionei O texto mencionado Quadro 3 – Diferença entre as linguagens / Fonte: adaptado de Pignatari (2010, p. 108). Da mesma forma, os verbos utilizados na primeira pessoa podem ser modificados e usados na terceira pessoa do plural ou na forma impessoal, que indicam que o fato é de conhecimento coletivo. Exemplos: a) Acreditamos que a violência escolar tem atingido índices alarmantes. b) Acredita-se que a violência escolar tem atingido índices alarmantes. a) Percebe-se que a seca no nordeste tem castigado os nordestinos. b) Percebemos, por meio dos noticiários, que a seca no nordeste tem castigado os nordestinos. A linguagem que deve ser usada nos textos acadêmicos é científica, pois o que se quer enfatizar são as ideias e não o/a autor/a. Por isso, não se deve usar vocabulários que denotem a emoção ou afetividade de quem escreve. O que deve ficar em primeiro plano é sempre o assunto, o tema tratado, e não a emoção ou opinião pessoal do/a autor/a. O que se propõe são reflexões em torno de uma questão social e não ideias ou convicções subjetivas. 120 Condição Se Caso Continuidade Oposição E Ainda Assim Desse modo Além disso Outro fator a ser considerado Consequência Assim Consequentemente Por isso Causa/ motivo/ explicação Mas Porque Visto que Dado que Pois Já que Mas Porém Todavia Contudo Entretanto No entanto Retificação ou esclarecimentos Conclusão Por fim Finalmente Em síntese Portanto Para finalizar Em suma UNICESUMAR Outro elemento importante na linguagem dissertativa são os conectivos, como temos afirmado ao longo desse trabalho. Por serem tão importantes e muito utilizados, transcrevemos algumas sugestões feitas por Pignatari (2010) para facilitar a busca de modelos no momento da escrita. A propósito Aliás Assim A saber Isto é Ou seja Quadro 4 – Conectivos / Fonte: adaptado de Pignatari (2010, p. 24). Sendo a linguagem objetiva preferível em textos acadêmicos científicos, a subjetividade deve ser descartada, lembrando que entende-se por subjetividade a expressão de opiniões pessoais, dessa forma, adjetivos e advérbios como: importantíssimo, felizmente, agradável, bonito, entre outros que denotam opinião pessoal, devem ser descartados. Para que se possa corrigir esse tipo de erro, é sempre recomendado fazer as seguintes perguntas para os advérbios e adjetivos: Importantíssimo para quem? Nem todos vão compartilhar da mesma relação de importância, portanto se é importantíssimo para o/a autor/a, pode não ser tão importante assim para o/a leitor/a, o que se configura em opinião pessoal. Felizmente para quem? Todos compactuam da mesma felicidade? Nem sempre! O que para um/a pode ser um ato ou resultado feliz, para outra pessoa pode não ser. Novamente temos uma opinião pessoal ou restrita a um grupo particular de pessoas. Agradável e bonito: o que é agradável para um é agradável para todos/as? Temos os mesmos conceitos do que se pode considerar como bonito? Percebe-se 121 UNIDADE 4 novamente que há opiniões pessoais nessas palavras, portanto, devem ser descartadas de textos acadêmicos científicos. Outro enfoque dado na linguagem dissertativa é à repetição de palavras, que deve ser evitada com o uso de sinônimos, pronomes ou outras palavras com o mesmo valor semântico. Para clarificar esse tipo de problema e verificar como ele pode ser resolvido, observe os modelos a seguir citados por Pignatari (2010, p. 280). Exemplo: a) As mulheres que estão solitárias e que estão sem empregos podem acabar deprimidas. Substituindo fica desta forma: b) As mulheres solitárias e desempregadas podem acabar deprimidas. Exemplo: a) O funcionário novo que escreveu o relatório que analisava o balanço patrimonial foi promovido. Substituindo fica desta forma: b) O funcionário novo, autor do relatório sobre o balanço patrimonial, foi promovido. Exemplo: a) O repórter que chegou ontem elaborou uma reportagem que condena o aborto. Substituindo fica assim: b) O repórter que chegou ontem elaborou uma reportagem condenando o aborto. Use o dicionário para pesquisa de novas palavras; se perceber que uma palavra foi repetida várias vezes no texto, busque novas palavras com o mesmo significado no dicionário. Não use vocabulários de significados duvidosos, confirme se o significado da palavra cabe exatamente na mensagem que se quer transmitir. Há dicionários que os quais podem ser acessados nas páginas de pesquisas na internet. Ao digitar um texto no computador, deixe aberto também o dicionário on-line e recorra a ele em todas as dúvidas quanto ao vocabulário, quanto à ortografia ou como opção de busca de substituições para evitar as repetições. 122 UNICESUMAR A seguir, mais alguns problemas que devem ser evitados na linguagem dissertativa, sugeridos por Pignatari (2010): — Se usar expressões numerativas como “Em primeiro lugar”, não se esqueça de dar a sequência; da mesma forma, se usar a expressão “por um lado” lembre-se que existe a sequência “por outro lado”. —Cuidado com o uso dos pronomes possessivos (seu, sua, teu, tua), que podem gerar frases de sentido duvidoso, como no exemplo citado por Pignatari (2010, p. 112): “O acusado feriu a vítima com sua arma” (de quem era a arma?). Para corrigir esse tipo de situação, utilize o nome próprio ou mude as posições das palavras, no caso do exemplo, a frase pode ser reescrita da seguinte forma: “A vítima foi ferida com a arma do acusado” ou “O acusado feriu a vítima com a arma dele”. — Evite jargões e ditados populares já muitos gastos pelo uso popular, como: quem vê cara não vê coração; quem com ferro fere com ferro será ferido; a esperança é a última que morre etc. — Não use palavras difíceis apenas por estética. — Não fique tentando rebuscar o texto com estruturas mirabolantes, a simplicidade e a objetividade são qualidades em textos dissertativos. Essas recomendações devem ser seguidas na elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso, que é um texto científico acadêmico; porém, para que seja reconhecido como tal, como um texto científico bem-elaborado, ele deve atender a algumas exigências que foram dispostas por Pignatari (2010) e por Martins Júnior (2009), as quais são: — O texto deve ser redigido de forma precisa, clara e objetiva, com o uso da norma padrão da língua. — Organização coerente e coesa dos dados. — Fornecer meios de identificação das fontes utilizadas (as citações diretas e indiretas e as referências no final do texto, conforme normas da ABNT). — Descrever objetivamente o desenvolvimento metodológico e os instrumentos utilizados nas coletas de dados. — O texto deve ser útil e relevante, contribuindo com a ampliação do conhecimento sobre o tema analisado. 123 UNIDADE 4 Estas exigências seguem os princípios da boa comunicação escrita acadêmica ou científica, que são: — Clareza – exposição ordenada, objetiva e clara do assunto tratado. — Concisão – a objetividade encurta caminhos e facilita a leitura. Busque a qualidade e não a quantidade. — Vocabulário – deve ser técnico, com o uso da norma culta. — Correção – erros gramaticais põem em dúvida a validade do estudo. — Encadeamento – o texto deve ser uma sequência lógica do assunto abordado. Cada parágrafo ou capítulo deve ter uma relação harmônica com o parágrafo ou capítulo que o antecede e o precede. — Consistência – escolha do tempo verbal e dos pronomes pessoais, permanecendo estável até o final do texto. — Original – mesmo que se use as ideias de outros autores, a exposição dessas ideias é que devem ser originais, lembrando que plágio é crime. Ideologia – atenção para as ideias que se quer defender, cuidado com palavras que denotam preconceito, racismo ou discriminação. — Crítico – o autor deve ser um crítico de seu próprio texto, não aderir a modismos apenas porque o termo ficou bonito no texto. Todas as palavras têm uma função comunicativa. — Citações – as citações de outros autores devem ser adequadas ao texto, nem muito, nem pouco, o suficiente para a discussão das ideias. Citações em excesso congestionam o texto, e a escassez de citações só é permitida para quem já possui um vasto conhecimento na área. — Regras – As regras para o texto, como fonte, espaçamento e referências sempre estão disponíveis no site ou na biblioteca pertencente à instituição em que o trabalho está sendo desenvolvido. Não havendo o acesso pela internet, deve-se procurar a bibliotecária que irá providenciar as normas para trabalhos acadêmicos. Para a correção final dessas regras, a bibliotecária também poderá auxiliar. pensando juntos “Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre.” (Paulo Freire) 124 REVISÃO TEXTUAL UNICESUMAR 3 TÓPICOS DE Não existe escritor/a perfeito/a, o que existe são técnicas de correção. Alguns usam os trabalhos de profissionais revisores/as de textos, outros fazem suas próprias revisões. O que não se admite é um texto ser finalizado ou publicado sem a devida correção. Ao final da escrita, leia e releia o texto na busca de erros, tanto de coerência e coesão como erros de ortografia. O computador nos oferece alguns instrumentos que facilitam as correções ortográficas, use-os e, caso seja necessário, recorra a um/a amigo/a revisor/a de texto ou uma pessoa especializada que preste este serviço mediante pagamento. Todos nós estamos sujeitos a cometer erros no momento da produção textual, isso porque nos prendemos à mensagem e os erros gramaticais passam despercebidos. Para atenuar esse problema, costuma-se sugerir aos escritores/as que deixem seus textos “dormirem” por um período, que vai depender da urgência de entrega do texto. Por isso se aconselha a escrita bem antecipada à data de entrega. Esse período de afastamento permite ao escritor/a se desvincular do texto como autor/a e ter uma leitura crítica como leitor/a, conseguindo, dessa forma, observar com mais clareza as partes que carecem de correções. Nessa última correção também será possível distinguir o que é importante e essencial para o texto do que é supérfluo e desnecessário. Nos textos atuais, dispensa-se as explicações que não contribuem com o entendimento das mensagens e que geram leituras desinteressantes, longas e cansativas. 125 UNIDADE 4 Para que você tenha noção do que é corrigido em um texto, expomos os procedimentos adotados nas correções de textos de concursos. A correção segue procedimentos sistematizados, conforme esclarece Pignatari (2010): 1. Adequação ao tema – avalia-se se o tema está adequado ao assunto proposto na prova, o aprofundamento do assunto, o enfoque dado, a originalidade do tema e a capacidade de reflexão. 2. Adequação ao tipo de composição solicitada – avalia-se se foi atendida a solicitação do enunciado da prova; se solicitado um texto narrativo, dissertativo ou descritivo, deve-se apresentar um texto que corresponda às características do texto solicitado; avalia-se a estrutura do texto, se a composição introdução, desenvolvimento e considerações finais está bem-definida. 3. Adequação ao nível de linguagem – verifica-se se há erros ortográficos e gramaticais, se foi usado bom vocabulário, norma culta e domínio da habilidade sintática e estilística. 4. Coesão – nesse quesito é observado o uso dos conectivos, a transição entre um parágrafo e outro, entre um argumento e outro, o uso dos pronomes nas retomadas, o uso de sinônimos e se há repetições excessivas de termos. 5. Coerência interna e externa – nesse item é avaliada a harmonia do texto, a progressão, a continuidade e informatividade; a interação e situacionalidade textual, se há conexão entre os argumentos apresentados e a realidade. Avalia-se os argumentos, se há contradições e incoerências. Pignatari (2010, p. 96) apresenta um grande modelo utilizado nas correções de textos para vestibulares. O modelo pode ser utilizado por você para a autocorreção de seus textos. GRADE DE CORREÇÃO PARA TEXTOS DISSERTATIVOS [O corretor assinala com um X a lacuna apropriada] I) Quanto à adequação ao tema, o texto; 0,0 ( ) Não aborda o tema. 0,5 ( ) Explora a proposta, mas de modo superficial. Não desenvolve os argumentos citados. 1,0 ( ) Enfoca parcialmente o tema (aprofunda-se em um argumento, mas não revela visão ampla do tema). 1,5 ( ) Enfoca adequadamente o tema (desenvolve argumentos em profundidade e focaliza a questão de diversos ângulos). 2,0 ( ) Apresenta contribuição pessoal e originalidade (inova com uma solução ou abordagem inédita). Comentários:_________________________________________________ 126 UNICESUMAR II. Quanto à adequação ao tipo de composição, o texto: 0,0 ( ) Foge da modalidade proposta (faz narração ou descrição). 0,5 ( ) Mistura modalidades textuais. 1,0 ( ) Faz dissertação, porém com falhas de estrutura (como ausência de introdução, desenvolvimento ou conclusão). 1,5 ( ) Faz dissertação, mas não emprega bem os recursos (por exemplo, emprega a primeira pessoa). 2,0 ( ) Apresenta bom aproveitamento de todos os recursos do tipo de composição. Comentários:__________________________________________________ III. Quanto ao nível da linguagem e à adequação gramatical, o texto apresenta: 0,0 ( ) Vocabulário precário e insuficiente (frases sem sentido ou sentido deturpado) e erros gramaticais abundantes (mais de dez) e graves. 0,5 ( ) Vocabulário pobre e com muitas repetições, interferências da oralidade, gírias, incorreções gramaticais (até dez erros). 1,0 ( ) Variedade do vocabulário, mas com falhas no uso correto das palavras e adequação gramatical (até cinco erros). 1,5 ( ) Adequação gramatical (até três erros) e vocabular. 2,0 ( ) Variedade e adequação do vocabulário, uso pessoal do léxico (linguagem original e viva, estilo marcante). Comentários:__________________________________________________ Nesse item deve-se observar: ■ Ortografia ■ Concordância ■ Acentuação ■ Uso de conectivos ■ Pontuação ■ Adequação pronominal ■ Regência ■ Adequação verbal IV. Quanto à coesão, o texto: 0,0 ( ) É composto de frases soltas, não apresenta conjunções ou as utiliza de maneira indevida, emprega incorretamente os pronomes. 0,5 ( ) Apresenta muitas falhas de encadeamento (repetição excessiva de itens, frases incompletas, falta de paralelismo, “ondismo”, “queismo”). 1,0 ( ) Não apresenta deficiências graves, mas utiliza só as conjunções mais conhecidas e poucos recursos pronominais. 1,5 ( ) Apresenta bom uso dos elementos coesivos (variedade). 2,0 ( ) Apresenta boa transição entre as frases e os parágrafos e flui naturalmente, sem rupturas inesperadas. Comentários:__________________________________________________ 127 UNIDADE 4 V. Quanto à coerência, o texto apresenta: 0,0 ( ) Desinformação grave (exageros, alegações genéricas, e imprecisas, dados falsos), pouca relação entre as ideias e a realidade (texto “sem pé nem cabeça”). 0,5 ( ) Pouca coerência interna (divergências entre o todo e as partes), ideias contraditórias, evasão, duplo sentido, redundância, quebra de relação entre pensamentos, argumentos que não desenvolvem a tese. 1,0 ( ) Boa coerência interna mas pouca adequação à realidade (pequenos exageros e imprecisões). 1,5 ( ) Coerência interna mas falta de progressão (redação circular, repetitiva). 2,0 ( ) Coerência absoluta (texto progressivo, informativo, com posicionamento claro e convergência argumentativa). Comentários:__________________________________________________ Total geral:__________ Quadro 5 – Quadro de correção / Fonte: Pignatari (2010, p. 96). Naturalmente, esse quadro apresenta um visão técnica sobre os itens que devem ser observados durante a correção de um texto, porém, com a experiência diária, cada corretor cria o seu “caminho de correção”; isso não quer dizer que será melhor ou pior, mas sim que a apropriação dos conceitos e técnicas é executada e desenvolvida por cada indivíduo em sua carreira docente. Uma boa correção é fundamental para a exposição/publicação de qualquer texto acadêmico, pois a linguagem acadêmica tem um padrão de escrita exigente. 128 Caro/a aluno/a, você está inserido em situações diversificadas de comunicação, desempenhando papéis discursivos que vão caracterizando-o/a como aluno/a de graduação. As solicitações de atividades acadêmicas diversas em que a leitura é exigida como base de reflexões e a escrita como materialização da reflexão construída são necessárias para o seu processo de formação e letramento. Assim, tudo que propomos, foi para o seu processo de evolução leitora com consequente ampliação do processo de produção textual. O aperfeiçoamento vem da prática, pois não se aperfeiçoa o que não se pratica. Portanto, mãos à obra! Escreva e reescreva quantas vezes forem necessárias e finalize sua obra-prima. Se sua dificuldade é argumentar, lembre-se que argumentar é inerente às práticas humanas, portanto, argumentar não é algo novo, a dificuldade está em se colocar no papel as ideias propostas. Porém, se você não praticar e buscar o aperfeiçoamento, a dificuldade permanecerá. Sabendo que a dissertação é dividida em partes que se entrelaçam, como introdução, desenvolvimento e considerações finais, pode-se organizar o pensamento também em partes sem perder a noção do todo. Desenvolver o texto partindo de explicações sucintas sobre o tema, desenvolvendo argumentos mais aprofundados e culminando com a exposição dos resultados, as considerações que se faz sobre o tema. Erros podem acontecer e fazem parte de todo o processo de aprendizagem, e para isso existem técnicas de correções. Utilize o quadro de correções sugerido em nosso livro. O importante é saber que a produção de um texto exige conhecimento linguístico, técnico e estrutural, pois assim é possível produzir um bom texto para que atinja os seus objetivos. Acredite em você, pois o que os outros pensam sobre você é o reflexo dos seus próprios pensamentos. Assim, não desista ou deixe as dificuldades te vencerem, estude, treine e saiba que seu sucesso e sua melhora na produção textual serão notados rapidamente e a escrita de qualidade se tornará naturalmente algo tranquilo para você. UNICESUMAR Considerações Finais 129 na prática 1. As grandes empresas, as universidades e demais instituições de ensino preferencialmente têm usado o texto dissertativo para avaliar seus candidatos, isto porque, por meio deste instrumento, é possível avaliar as qualidades mais exigidas, tanto na carreira acadêmica como na profissional. Disserte sobre essas qualidades, quais são e porque elas são importantes no desenvolvimento acadêmico e profissional. 2. Para a construção de um texto acadêmico, é necessário seguir algumas regras básicas que organizam o texto. Também existem orientações que apontam quais elementos são importantes na Introdução, no Desenvolvimento e nas Considerações Finais do texto. A partir de seus estudos, descreva o que você deve considerar em cada uma dessas partes do texto dissertativo. 3. A correção de textos dissertativos em concursos segue procedimentos sistematizados e critérios pré-estabelecidos. Assinale a alternativa que corresponde a esses critérios: I - Adequação ao tema. II - Adequação ao tipo de composição solicitada. III - Avaliação da estrutura do texto: introdução, desenvolvimento e considerações finais. IV - Adequação ao nível de linguagem popular. V - Coesão. Assinale a alternativa correta: a) Somente I e II estão corretas. b) Somente I, II e III estão corretas. c) Somente I, II e IV estão corretas. d) Somente I, II, III e V estão corretas. e) Todas estão corretas. 130 na prática 4. Para serem consideradas textos acadêmicos científicos, as composições devem seguir algumas adequações normativas. Assinale a alternativa que apresenta algumas dessas exigências: I - A linguagem deve ser subjetiva e não objetiva. II - A linguagem deve ser impessoal. III - A ênfase é na opinião do autor, em suas emoções e sentimentos. IV - Utiliza-se a norma culta, verbos concordando com a imparcialidade do/a autor/a. V - No texto científico, a ficção tem papel preponderante. a) Somente I e II estão corretas. b) Somente III e IV estão corretas. c) Somente I, II e V estão corretas. d) Somente II e IV estão corretas. e) Todas estão corretas. 5. Segue um tema adaptado de redação proposta no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, realizado em 2011. Elabore um texto conforme pede o enunciado, buscando amparo nas sugestões expostas em nossos estudos, e em seguida, realize a autocorreção ou troque o material com outro colega, de forma que um corrija o texto do outro, utilizando-se da grade de correções para textos dissertativos exposta no Quadro 5 (Quadro de correção). Tema: redija um texto dissertativo acerca da importância de políticas e programas educacionais para a erradicação do analfabetismo e para a empregabilidade, considerando as disparidades sociais e as dificuldades de obtenção de emprego provocadas pelo analfabetismo. Em seu texto, apresente uma proposta para a superação do analfabetismo e para o aumento da empregabilidade. Referência: adaptado do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (2011). 131 aprimore-se O ARTIGO. O artigo apresenta uma investigação científica em todas as suas fases fundamentais: um problema digno de ser pesquisado, os objetivos, materiais e métodos de pesquisa, a análise e as considerações sobre a investigação. É, então, um texto dissertativo que busca apresentar à comunidade científica e leitora um estudo novo em dada área de conhecimento. Esse gênero pode ser de dois tipos principais. O artigo de divulgação, também chamado de artigo original, é aquele que traz um tema novo ou uma metodologia nova, apresentando essa novidade na forma de um estudo completo e que, assim, poderá ser replicado (repetido) futuramente (inclusive pelo leitor, se for o caso). Ele pode ser teórico, ou empírico (ou seja, baseado em dados coletados pelo autor ou autora). Já o artigo de revisão trabalha com estudos já publicados, analisando e discutindo essas contribuições anteriores sob uma nova ótica ou ponto de vista a ser considerado. O artigo apresenta uma introdução que contextualiza a área temática e o problema específico investigado. O problema é exposto acompanhado dos objetivos de sua investigação. O texto também traz uma revisão de literatura e fundamentação teórica, as quais podem vir em seções próprias ou diluídas na introdução. A seguir, o artigo descreve os materiais e os métodos usados para conduzir a investigação do problema, e expõe os resultados e sua devida discussão. Após isso, é apresentada a conclusão, que responde diretamente ao problema investigado. A isso se segue a lista de referências bibliográficas e, se necessário, apêndices e anexos. Observe que mesmo o artigo de revisão, descrito anteriormente, tem um problema central de análise naquela dada literatura, bem como métodos específicos para a análise do material (isto é, os estudos anteriores revisados) e respectivas conclusões sobre o que for dissertado na análise. Além da estrutura vista, é convenção incluir no artigo, após o título e identificação do autor, um resumo com palavras-chave adequadas para a correta indexação do texto. O resumo geralmente deve ser tanto em língua portuguesa quanto em uma língua estrangeira. Alguns periódicos solicitam o resumo em dois idiomas estrangeiros, outros delimitam o número de palavras-chave em até 5 ou até 6, outros pedem tradução também do título, entre outras variações. Assim, é sempre preciso verificar as diretrizes para autores do periódico específico em questão. Fonte: EA Escrita Academica (2017, on-line)1. 132 eu recomendo! livro Como escrever trabalhos de conclusão de curso Autor: Joaquim Martins Junior Editora: Vozes Sinopse: como escrever trabalhos de conclusão de curso constitui um manual que mostra como planejar o Trabalho de Conclusão de Curso, elaborar um projeto, desenvolver e escrever o trabalho, desde a escolha do tema da pesquisa e da elaboração do título, de todas as partes essenciais do estudo, dos principais métodos de pesquisa, dos instrumentos de coleta dos dados até as formas de citações e de como escrever as referências dentro das normas da ABNT. conecte-se Acesse o link e assista ao vídeo para saber mais sobre o uso de pleonasmos, que se referem à repetição de palavras do mesmo sentido em uma frase. O vídeo é apresentado pelos atores Leandro Hassum e Marcius Melhem. http://www.youtube.com/watch?v=7aE6IANa2MU&feature=related Para se informar mais sobre as normas da escrita acadêmica e científica, consulte o manual técnico da ABNT ou acesse o site para maiores informações http://www.abnt.org.br/ 133 5 LITERATURA INFANTIL PROFESSORES Dra. Ivone Pingoello Me. João Carlos Dias Furtado PLANO DE ESTUDO A seguir, apresentam-se as aulas que você estudará nesta unidade: • A criança tem direito à literatura • Funções da literatura • Características essenciais da literatura infantil • Breve história da literatura infantil • Literatura infantil: formação linguística e cultural. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM • Entender a literatura como direito fundamental da criança • Conhecer as funções da literatura • Conhecer a natureza da literatura infantil • Compreender a importância da literatura infantil na formação de leitores • Discutir a literatura infantil como instrumento para a aquisição da língua, da cultura, de noções estético-literárias e ideológico-valorativas nela inscritas. INTRODUÇÃO Quando criança, quem nunca sonhou em ser um super-herói, uma princesa, fugir para um reino encantado, brincar nas nuvens, viajar pelo espaço, conversar com animais, ter super poderes? Acredito que todos nós respondemos sim para algumas, ou todas, essas perguntas, porque o universo da imaginação é tão natural ao ser humano que, muitas vezes, “viajamos” sem sair do lugar e sem distinguir realidade de sonho. Pensando nisso, quem não gosta ou nunca gostou dos contos de fadas, quem nunca viajou montado em um tapete voador, quem não desejou ter uma varinha mágica para transformar o sonho em realidade? Desde os clássicos da literatura, como Cinderela, A Bela Adormecida, A Bela e a Fera, aos contos de fadas mais atuais, como Alice no país das maravilhas, Bruxa Onilda, Harry Potter, História sem fim, entre outros, em que o sonho pede licença à realidade e foge para um mundo encantado. Nesta unidade, adentraremos no universo da Literatura Infantil, no mundo mágico e encantado que envolve esse período de vida tão especial para a formação humana. Estudaremos uma breve história da literatura infantil no mundo e no Brasil, veremos as funções que ela exerce em nossas vidas e a sua importância para formação cultural, histórica, linguística e artística. Observaremos alguns autores e obras que marcaram a nossa história literária, qual a importância deles e de seus textos para a nossa formação cidadã e como eles podem enriquecer a formação dos nossos alunos para que também seja possibilitada uma aprendizagem ampla, profunda e significativa. A literatura infantil está diretamente ligada ao desenvolvimento cognitivo e intelectual da criança, por isso é função da escola oferecer os melhores textos e autores para os nossos alunos. Assim, a literatura infantil auxilia nos processos de aquisição da linguagem, em que o lúdico pode ser vinculado ao pedagógico sem que um se sobressaia ao outro, mas sejam instrumentos que se completam na busca da formação da autonomia da criança, de seu senso crítico, suas capacidades de controle emocional e de desenvolvimento da inteligência. Bons estudos! UNIDADE 5 1 A CRIANÇA TEM DIREITO à Literatura Normalmente, quando lemos a palavra direito, remetemos à ideia de leis e estatutos. Aqui no Brasil, lembramos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) a advogados, juízes, direitos e deveres, e para muitos é a profissão que lhes dá o sustento. Tantas ideias que estão no nosso imaginário, porém nessas lembranças nem sempre refletimos sobre o nosso direito à arte, cultura e literatura. Assim, surge a pergunta: nossos filhos e alunos têm direito à literatura de qualidade? Antes de respondermos, devemos atentar para o significado da palavra direito, segundo o dicionário Aurélio ([2017], on-line)1: O que pode ser exigido em conformidade com as leis ou a justiça. 2. Faculdade, prerrogativa, poder legítimo. 3. Complexo de leis sociais. 4. Lado principal. 5. Que corresponde à distância mais curta entre dois pontos. 6. Sem curvas nem irregularidades. 7. Que fica à direita. 8. Que está de pé. 9. Justo, reto; acertado. 10. Que está bem, que está como é devido. 11. Em linha reta. 136 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. De forma direta; sem desvios. De maneira considerada correta. Imposto, taxa. direito canônico: conjunto de leis que regula a disciplina eclesiástica. direito autoral: o mesmo que direitos autorais. direito comum: conjunto de princípios e normas que se aplica à generalidade dos casos em sociedade, em coletividade. direito das gentes: o mesmo que direito internacional público. direito de autor: o mesmo que direitos de autor. direito internacional privado: conjunto de princípios e normas que regula os conflitos emergentes de relações jurídicas privadas internacionais. direito internacional público: conjunto de princípios e normas que regula as relações entre diferentes estados soberanos. direito natural: conjunto de princípios e normas considerados primordiais e baseados na natureza humana, considerados anteriores à teoria jurídica. direitos autorais: para um autor ou seu editor, direito exclusivo de explorar durante muitos anos uma obra literária, artística ou científica. direitos de autor: para um autor ou seu editor, direito exclusivo de explorar durante muitos anos uma obra literária, artística ou científica. montante que um autor recebe pela comercialização da sua obra. direitos de cidade: o mesmo que foros de cidade. direitos políticos: aqueles com que o cidadão intervém nos negócios públicos. UNICESUMAR 12. 13. 14. 15. 16. 17. Lendo com atenção as possibilidades de significado da palavra direito, verificamos que duas coisas parecem encaixar com a discussão desta unidade: primeiro, quando se afirma que direito é aquilo que pode “ser exigido”; e o tópico 22, intitulado direito natural, que aborda o direito como “princípios e normas considerados primordiais”. Com essas definições, voltamos à nossa pergunta e resposta: nossos filhos e alunos têm direito à literatura de qualidade? A resposta, em sua maioria, será Sim, mas realmente exigimos de nossos filhos e das escolas que eles tenham acesso à literatura e, principalmente, literatura de qualidade? Realmente entendemos que a leitura literária na infância é um “princípio primordial”? Se refletirmos bem, como pais e educadores, entendemos mais a expressão direito à literatura como algo teórico do que prático, e isso é um sério problema. 137 UNIDADE 5 pensando juntos “O desenvolvimento de interesses e hábitos permanentes de leitura é um processo constante, que principia no lar, aperfeiçoa-se sistematicamente na escola e continua pela vida afora através das influências da atmosfera cultural geral e dos esforços conscientes da educação e bibliotecas públicas.” (Richard Bamberger) Você pode estar se perguntando: a literatura é uma necessidade tão vital quanto moradia, alimentação, segurança e saúde? Bom, se pudermos verificar que a literatura/arte é algo presente em toda a história da humanidade e está presente todos os dias, podemos sim entendê-la como uma necessidade vital; assim, para comprovar isso, Candido (2011, p. 176), afirma: “ [...] a literatura aparece claramente como manifestação universal de todos os homens em todos os tempos. Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de fabulação. Assim como todos nós sonhamos todas as noites, ninguém é capaz de passar as vinte e quatro horas sem algum momento de entrega ao universo fabuloso. Consoante o raciocínio do autor, verificamos que a literatura é tão fundamental, tão necessidade essencial quanto saúde, segurança, alimentação e moradia, pois a história do ser humano é baseada na fruição imaginativa, isso faz parte da nossa essência. Nesse sentido, o peso da expressão direito à literatura é ressaltado, como vimos no dicionário Aurélio, como um “princípio primordial baseado na natureza humana”. Candido (2011, p. 177) enfatiza isso ao afirmar: “ 138 Ora, se ninguém pode passar vinte e quatro horas sem mergulhar no universo da ficção e da poesia, a literatura concebida no sentido amplo a que me referi parece corresponder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja satisfação constitui um direito. “ UNICESUMAR Esse raciocínio foi também explorado artisticamente pela banda de rock nacional Titãs com a música “Comida”, lançada em 1987, no álbum “Jesus não tem dentes no país dos Banguelas” ([2017], on-line)2, e ela expõe os seguintes trechos: A gente não quer só comida A gente quer comida, diversão e arte A gente não quer só comida A gente quer saída para qualquer parte A gente não quer só comida A gente quer bebida, diversão, balé A gente não quer só comida A gente quer a vida como a vida quer. Ratificando a noção de que todos nós temos o direito à literatura, isso não pode ser um privilégio de poucos e proposto em dosagens pequenas, mas da mesma forma que todos almejam uma boa moradia, uma ótima saúde e atendimento médico, ter uma boa alimentação e segurança, devemos almejar de promover, especialmente nas escolas e famílias, a leitura literária de qualidade para todos, especialmente nos anos iniciais de formação linguística, cultural, social e cognitiva dos seres humanos, a infância. Ao observarmos artigos presentes no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) referentes à educação, entendemos a vital importância da literatura a todos e em todos os níveis educacionais: “ A criança e o adolescente têm direito à educação visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho [...]. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um [...] (BRASIL, ARTIGOS 53 E 54, 1990, p. 55-58 on-line). 139 UNIDADE 5 Novamente lemos a palavra “direito”, e no ECA essa palavra aponta a seguridade à educação e a um desenvolvimento pleno, sendo que já sabemos que a literatura/ arte faz parte das necessidades fundamentais do ser humano. Assim, entendemos-a como elemento de formação e fortalecimento cultural e social ao longo de toda a história humana, com propriedades específicas de cada região, país e época, mas sempre com grande influência nas sociedades e suas crenças. “ Por isso é que nas nossas sociedades a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudiciais, estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate, oferecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas. Por isso é indispensável tanto a literatura sancionada quanto a literatura proscrita; a que os poderes sugerem e a que nasce dos movimentos de negação do estado de coisas predominantes (CANDIDO, 2011, p. 177-178). Como a própria constituição brasileira de 1988 afirma que a educação para todos é um dever do Estado, e posteriormente o ECA reafirma esse compromisso, entendemos que a escola deve promover aos alunos o seu direito à literatura, direito à ficção, à cultura, à arte e ao lúdico para que eles possam ter sua formação ampla e com todos os seus direitos assegurados. 140 LITERATURA UNICESUMAR 2 FUNÇÕES DA Discutimos no tópico anterior o direito à literatura que as crianças têm; não só elas, mas sim todos nós temos, porém restringiremos a elas devido ao nosso tema do universo infantil. Sabemos que é nosso dever, como profissionais da educação, promover a leitura literária na escola e fora dela, pois isso é direito de nossos alunos e nosso direito também. Agora podemos discutir com mais intensidade a seguinte pergunta: qual o papel da literatura em nossa sociedade? Qual a função da literatura em nosso dia a dia? Possivelmente uma resposta rápida seria: entreter, o que não está errado, mas será que ela serve somente para entreter? A resposta é não, e como crianças curiosas não nos cansamos de perguntar, por que não? pensando juntos “Ler é interpretar uma percepção sob as influências de um determinado contexto. Esse processo leva o indivíduo a uma compreensão particular da realidade.” (Renata Junqueira de Souza) 141 UNIDADE 5 Segundo Candido (1972), a literatura tem uma força humanizadora por apresentar problemas sociais, pessoais, ter uma atuação social e psíquica, indagar a realidade e seus costumes, aproximar de outros mundos e realidades, isto é, ela promove no leitor um encontro consigo mesmo e com o outro, atuando diretamente na essência humana: seus sentimentos, vivências, sonhos, desejos, frustrações e vitórias. “ Os contos de fadas oferecem figuras nas quais a criança pode externalizar o que se passa na sua mente, de modo controlável. Os contos de fada mostram à criança de que modo ela pode personificar seus desejos destrutivos numa figura, obter satisfações desejadas de outra, identificar-se com uma terceira, ter ligações ideais com uma quarta e daí por diante, como requeiram suas necessidades momentâneas (BETTELHEIM, 1978, p. 82). É mediante esse conceito da força humanizadora da literatura que Candido delineia três funções: função psicológica, função formadora e função social. Assim, verificaremos a definição dessas três funções: ■ Função psicológica: é baseada na necessidade universal de ficção e fantasia, “e isto ocorre no primitivo e no civilizado, na criança e no adulto, no instruído e no analfabeto”, afirma Candido (1972, p. 83). Essa necessidade é clara nas sociedades primitivas e seus desenhos rupestres, nos mitos e lendas das sociedades não letradas, nas piadas simples e nos mais complexos romances, assim a literatura cumpre essa função, pois “é uma das modalidades que funcionam como resposta a essa necessidade universal”, afirma Candido (1972, p. 83). ■ Função formativa: é entendida no processo histórico de que os países civilizados basearam sua instrução nas letras, mas a literatura deve formar os alunos, crianças, jovens, adultos e velhos do ponto de vista moralizador e pedagogizante? A resposta é simples: não, pois ela “pode formar; mas não segundo a pedagogia oficial [...]”, definida normalmente “[...] conforme os interesses dos grupos dominantes”, diz Candido (1972, p. 4). Por isso, muitas vezes a literatura é “expurgada” da sala de aula, pois é difícil acomodá-la ideologicamente, a sua riqueza pode levar à perversão e subversão e muitos educadores preferem obras infantis moralizantes, segundo as convenções da época, do que uma obra com valor literário e artístico elevado. Assim, o autor entende que “a literatura atua (formativamente), como a vida, ensina na me142 UNICESUMAR dida em que atua com toda a sua gama”, ensina para o bem e para o mal e ele continua reforçando a ideia de que “é artificial querer que ela funcione como manuais de virtude e boa conduta”, afirma Candido (1972, p. 84). ■ Função social: é fundamentada na ideia de que a literatura nos proporciona conhecer o mundo e a nós mesmos. Candido (1972, p. 86) diz que “a obra significa um tipo de elaboração das sugestões da personalidade e do mundo que possui autonomia de significado”, isso não ajuda a entender que a “autonomia” da obra não a desliga do mundo real, de inspirações reais, nem tão pouco a torna um simples relato da realidade corrente, pois a ficção atua livremente sobre ela, por isso “o leitor se sente participante de uma humanidade que é a sua, e deste modo, pronto para incorporar à sua experiência humana mais profunda”, afirma Candido (1972, p. 90). Após estudarmos essas três funções da literatura, fica mais clara a expressão usada pelo autor: “força humanizadora da literatura”, pois a literatura é um dos meios de nos aproximarmos mais de nós e dos outros; podemos, assim, nos defrontar com nossos medos, amores, sonhos, tristezas, alegrias etc. “ Ler sempre representou uma das ligações mais significativas do ser humano com o mundo. Lendo reflete-se e presentifica-se na história. O homem, permanentemente, realizou uma leitura do mundo. Em paredes de cavernas ou reconhecendo-se capaz de representação. Certamente, ler é engajamento existencial (CAVALCANTI, 2002, p. 13). Essa humanização se torna ainda mais relevante à medida que imaginamos a formação das crianças que estão experimentando suas primeiras sensações, temores, dúvidas e afirmações, ou seja, estão humanizando-se, por isso a literatura de boa qualidade deve estar presente em toda formação escolar, principalmente nos anos inciais. 143 UNIDADE 5 3 CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS da Literatura Infantil Quando pensamos na literatura infantil, normalmente a entendemos como uma coisa menor, mais simples que a literatura feita para adultos. Será que isso é verdade? A resposta, por mais que ainda possa espantar alguém, é não, pois “a literatura infantil e a literatura para o público adulto apresentam a mesma essência, as diferenças estão na natureza do leitor/receptor, ou seja, a criança”, afirma Coelho (2000, p. 27-31). Isso deixa claro que a literatura infantil não é algo feito de qualquer jeito e com menor valor artístico e/ou cultural, a autora afirma que “a literatura infantil é, antes de tudo, literatura [...]”. Assim, toda teoria literária usada para análise de textos adultos também serve para a literatura infantil; é evidente que cada nicho literário tem suas particularidades, mas são literatura, isto é, cada gênero literário se utiliza de uma linguagem que se particulariza diante de seu contexto; as histórias em quadrinho, a poesia, a narrativas longas, os contos e tantas outras formas articulam-se em seus objetivos artísticos por meio de uma linguagem que será avaliada como de boa ou má qualidade e não simplesmente como infantil e simplória ou para adultos. Esclarecido isso, podemos expor algumas das características mais comuns na literatura infantil: ■ o conteúdo deve ser acessível; ■ ausência de temas adultos; ■ narrativas relativamente curtas; ■ presença de estímulos visuais; 144 linguagem adequada à faixa etária; apresentando um fato ou uma história de maneira clara; possuem mais diálogos e diferentes acontecimentos; poucas descrições; as crianças são os principais personagens da história; características melódicas (ritmo, rimas); brincadeiras fônicas e vocabulares; jogo lúdico, sensorial e sinestésico; junção entre as linguagens (letras, desenhos e outros estímulos). UNICESUMAR ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ Segundo Sosa (1978), são quatro os elementos necessários para atender às expectativas da criança: o caráter imaginoso, o dramatismo, a técnica do desenvolvimento e a linguagem. A imaginação é fonte primária do texto infantil, o dramatismo se refere à tensão e aos conflitos, e a técnica de desenvolvimento e de linguagem se diferencia da literatura voltada para o público adulto para se adaptar ao nível intelectivo da criança. As obras direcionadas às crianças não podem ser consideradas inferiores tematicamente e artisticamente, pois elas constituem uma criação que utilizará valores estéticos para proporcionar uma experiência qualitativa. O leitor criança se sente estimulado a continuar uma obra quando encontra nela o caráter imaginoso dado pelos mitos, aparições da antiguidade, monstros ou realidades dos tempos modernos expostos em qualquer das formas expressivas: lenda, conto, fábula, quadrinhos etc. Essa diversidade é que privilegia a “força humanizadora”, como debatemos. Conforme Sosa (1978, p. 19), “o espírito da criança precisa do drama, da movimentação das personagens, da soma das experiências populares e tudo isso dito por meio das mais elevadas formas de expressão e com inegável elevação de pensamento”. Nesse sentido, a obra literária de qualidade promove o diálogo entre a realidade e o sonho, entre a fantasia e o cotidiano, uma experiência enriquecedora para esse jovem leitor. Notamos facilmente que nem sempre a literatura direcionada à criança valorizava essencialmente o universo infantil, seu domínio linguístico, suas experiências, mas sim era intitulada às crianças e realmente direcionada para um campo semântico e de cognição adulto; assim, o texto precisava passar, necessariamente, pelo filtro interpretativo do leitor adulto antes de chegar à criança. Veja a diferença entres os seguintes poemas: um escrito por Olavo Bilac e outro por Vinícius de Moraes, ambos com o título “A casa”. 145 UNIDADE 5 A casa Olavo Bilac A casa Vinícius de Moraes Vê como as aves têm, debaixo d’asa O filho implume, no calor do ninho!... Deves amar, criança, a tua casa! Ama o calor do maternal carinho! Dentro da casa em que nasceste és tudo... Como tudo é feliz, no fim do dia, Quando voltas das aulas e do estudo! Volta, quando tu voltas, a alegria! Aqui deves entrar como num templo, Com a alma pura, e o coração sem susto: Aqui recebes da Virtude o exemplo, Aqui aprendes a ser meigo e justo. Ama esta casa! Pede a Deus que a guarde, Pede a Deus que a proteja eternamente! Porque talvez, em lágrimas, mais tarde, Te vejas, triste, desta casa ausente... E, já homem, já velho e fatigado, Te lembrarás da casa que perdeste, E hás de chorar, lembrando o teu passado... _ Ama, criança, a casa em que nasceste! Era uma casa Muito engraçada Não tinha teto Não tinha nada Ninguém podia Entrar nela não Porque na casa Não tinha chão Ninguém podia Dormir na rede Porque na casa Não tinha parede Ninguém podia Fazer pipi Porque penico Não tinha ali Mas era feita Com muito esmero Na rua dos Bobos Número Zero Poema publicado em Poesias Infantis. Rio de Janeiro: Francisco Alves. 1929. Poema publicado no livro A Arca de Noé. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. Quadro 1 – Exemplos dos poemas A casa / Fonte: os autores. Verificamos um tom moralista e pedagogizante no poema de Bilac, que vem acompanhado por uma linguagem mais apropriada a jovens e adultos, enquanto no poema de Moraes explora-se o universo da fantasia em uma linguagem melódica e acessível ao leitor infantil. explorando Ideias Você conhece esse livro “Poesias Infantis”, de Olavo Bilac? Não? Então acesse o site e leia na íntegra todos os poemas publicados no livro disponivel em: <http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/_documents/poesias_infantis_de_olavo_bilac-1.htm>. Porém, leia aten146 dificuldade em escrever para o público infantil; o interessante é que ao final o próprio autor pede desculpas se ele não conseguiu atingir o seu objetivo. Vimos anteriormente, em um de seus poemas, que mostra uma preocupação moral e uma linguagem inacessível; será que os outros poemas seguem essa mesma linha de criação? UNICESUMAR tamente o tópico “Ao leitor” e descubra as indagações e reflexões que o autor faz sobre a Confira isso lendo diretamente todos os seus poemas. Fonte: os autores. Nem sempre a literatura infantil valorizou efetivamente as crianças e seu universo ficcional. Nelly Novaes Coelho (2000), estudiosa da literatura infantil brasileira, assinala um conjunto de características estilísticas e estruturais da literatura infantil, as quais são: Sequência narrativa ■ Propõe problemas a serem solucionados de maneiras diferentes. ■ Coparticipação nas soluções. ■ Não apresenta respostas prontas. Personagens ■ Individualidades que se incorporam no grupo-personagem. ■ Valorização de grupos, patotas, a personagem-coletiva. ■ Espírito comunitário - individualidade do herói está pouco presente. ■ Personagem questionadora que põe em xeque as estruturas prontas, um convite à reflexão. Voz narradora ■ Mais consciente da presença de um leitor possível. ■ Tom mais familiar e até de diálogo. ■ Não trata o leitor como receptor da mensagem, pois não há passividade. Espaço ■ Preocupação crescente em mostrar as relações existentes no espaço, a fim de conduzir à reflexão. Nacionalismo ■ Busca das origens para definir a brasilidade em suas multiplicidades culturais. ■ Delimitar uma nova maneira de ser no mundo, a brasileira. 147 UNIDADE 5 Exemplaridade ■ Deixa de ser usada somente com intenção pedagógica e passa a revelar a ambiguidade natural do ser humano. ■ Tende a ser uma maneira de propor problemas a serem resolvidos e estimular a optar conscientemente nos momentos de agir. Essas características da literatura infantil foram e estão sendo construídas dentro de um processo histórico de emancipação e valorização do papel da criança na sociedade, na família e na escola, promovendo a sua inserção de forma significativa e real, deixando de ser um apêndice nesses ambientes e na ficção. 4 BREVE HISTÓRIA DA LITERATURA Infantil A origem dos primeiros escritos para as crianças encontra-se na Novelística Popular Medieval, que teve suas origens na Índia, com narrativas oriundas de séculos a.C., difundidas pelo mundo pela tradição oral. O “Livro dos Cinco Ensinamentos”, datado dos séculos V e VI a.C., é o registro de produção literária infantil mais antiga. Escrito em sânscrito e dotado de conteúdos religiosos e políticos, era usado para ensinamentos de moral, política e religião pelas fábulas e narrativas. Com origens no Oriente, as narrativas foram reinventadas na Grécia por Esopo (séc. VI a.C.), e no século seguinte foram enriquecidas estilisticamente 148 UNICESUMAR pelo escravo romano Fedro (século I a.C.), as quais só ganharam popularidade no século X. Comênio, um educador tcheco, lançou em 1658, com propósito lúdico e pedagógico, o primeiro livro infantil ilustrado “O Mundo em Quatro Quadros”. Porém, a Literatura Infantil foi constituída como gênero durante o século XVII, época em que as mudanças na estrutura da sociedade desencadearam o início da ascensão da família burguesa. Dessa forma, emerge a necessidade de organização da escola e a Literatura Infantil se converte em instrumento pedagógico. No final do século XVII, na França, foram produzidas as primeiras obras para crianças: As Fábulas (1668) de La Fontaine; os Contos da Mãe Gansa (1691/1697) de Charles Perrault; os Contos de Fadas (1696/1699) de Mme. D’Aulnoy e Telêmaco (1699) de Fénelon (COELHO, 2000). Esse século passado é conhecido como o século do ensaio para o surgimento da literatura infantil. A França do século XVII foi, então, o berço dessa literatura voltada às crianças, um exemplo disso é Charles Perrault, que escreveu muitas das histórias que você leu na sua infância e, possivelmente leu e/ou lerá para seus filhos e alunos. Vamos conferir? Quem nunca leu: A Bela Adormecida no Bosque, Chapeuzinho Vermelho, O Barba Azul, O Gato de Botas, As Fadas, Cinderela (também conhecida como Borralheira ou Gata Borralheira ou Sapatinho de vidro), Henrique do Topete e O Pequeno Polegar? Todas essas histórias estão inseridas no livro “Os contos da Mamãe Gansa”. Charles Perrault era um católico convicto, funcionário da corte de Luís XIV, e seus escritos para o público infantil possuíam cunho pedagógico e moralizante para serem incutidos nos pequenos leitores. Perrault recolheu histórias populares e deu a elas tratamento literário; assim, elas passaram a fazer parte dos contos de fadas de cunho popular não endereçados à burguesia (COELHO, 2000). Perrault realizou a literalização dos contos folclóricos, de tradição popular e oral adulta, transformando em contos de fadas que passaram a ser adotados e consolidados como literatura infantil, ajustados ao gosto e ao propósito da classe aristocrática da corte francesa. Esses acontecimentos reforçam as afirmações de Lajolo & Zilberman (1999, p. 32), de que a literatura tem seus fundamentos na oralidade e se encontra profundamente ligada às raízes da literatura popular, confiando que as crianças gostariam de ler nos livros as histórias que as babás, ex-escravas e as mães lhes contavam. Muitas das narrativas publicadas por Perrault foram repaginadas mais de um século depois pelos irmãos Grimm (Jacob e Wilhelm Grimm), estudiosos do folclore alemão que viajaram em 1800 por toda a 149 UNIDADE 5 150 Alemanha, preocupados em fixar as narrativas orais de seu país. O interesse deles também não era as crianças, mas, em 1815, demonstraram preocupação com o estilo, a sensibilidade, a ingenuidade, a fantasia e o poético (COELHO, 2000). Se foi e é um bom leitor, provavelmente conhece os alemães Jacob e Wilhelm? Não? Jacob e Wilhelm Grimm, popularmente conhecidos como os Irmãos Grimm, desenvolveram pesquisas e estudos linguísticos coletados por meio da memória popular, pela tradição oral, narrativas, lendas e sagas germânicas. Como estudiosos da língua alemã, desenvolveram dois objetivos pela coleta das histórias orais: o levantamento de elementos linguísticos para a fundamentação dos estudos filológicos da língua alemã e a fixação dos textos literários folclóricos germânicos. Especificamente em 1812, os irmãos Grimm fundiram o universo popular ao infantil e dedicaram às crianças por sua temática mágica a publicação de “Histórias das Crianças e do Lar”, com 51 narrativas. Seus contos agradavam tanto os adultos como as crianças, pois continham o fantástico, a fantasia e o mítico. A mais famosa obra dos irmãos foi “Contos de Fadas para Crianças e Adultos”, publicada entre 1812 e 1822, em que constavam os contos: A Bela Adormecida, Os Músicos de Bremen, Os Sete Anões e a Branca de Neve, O Chapeuzinho Vermelho, A Gata Borralheira, As Aventuras do Irmão Folgazão, O Corvo, Frederico e Catarina, O Ganso de Ouro, A Alfaiate Valente, O Lobo e as Sete Cabras, O Enigma, O Pequeno Polegar, Joãozinho e Maria, entre outros. Os textos percorreram mundo afora e ganharam novas versões e traduções que fascinavam pessoas de diferentes línguas e culturas. Eram dotados de mensagens positivas que contribuíam para uma fixação da ética e da moral pela estética literária. Em publicações como “O menino pastor e O pequeno polegar”, os Grimm retrataram a criança com suas características típicas, como a perspicácia, sua sabedoria nata, sua vontade em sair pelo mundo vivendo suas próprias experiências e aventuras e depois voltar como num renascimento. Os irmãos retrataram a criança ativa, incansável, usando todas as suas energias para descobrir o mundo exterior e depois se voltando para si, num processo de autoconhecimento. Em “Joãozinho e Mariazinha”, retrataram problemas de carência vividos pelas crianças, a pobreza, falta de comida, de afetividade, a mãe falecida e a criação pela madrasta, que os abandona na floresta. Lá eles enfrentaram o mundo desconhecido e conseguiram resolver os problemas pensando e agindo juntos (ABRAMOVICH, 2004). Você não conhece todas as histórias escritas pelos Irmãos Grimm? Não deixe de ler, aventurar-se e estudar as suas narrativas, pois todas as suas publicações estão traduzidas UNICESUMAR explorando Ideias e disponíveis gratuitamente no site disponível em: <http://www.grimmstories.com/pt/ grimm_contos/index?page=1>. Boa Leitura! Fonte: os autores. Somente no século XVIII é que as características peculiares às crianças passam a ser percebidas como seres potenciais que poderão servir no futuro para a manutenção do status quo. Sua educação começa a ser mais elaborada e fundamentada na preparação para o egresso na vida adulta. Consolidam-se as instituições burguesas com a industrialização, o que fez com que os livros infantis fossem produzidos em maior escala. Esse século é conhecido como o século do aparecimento da Literatura Infantil. Os livros publicados nessa época agradaram adultos e crianças e alguns títulos se imortalizaram, como Robinson Crusoé, de Daniel Defoe, publicado em 1719 e Viagens de Guliver, de Jonathan Swift, publicado em 1726. O século XIX é conhecido como o século do desenvolvimento da literatura infantil; o campo é fértil para a produção literária, isso porque a criança passou a receber atenção especial para seu crescimento físico, psicológico e cognitivo, surgindo, então, novos conceitos de vida, educação e cultura, abrindo novos caminhos na área pedagógica e literária (LAJOLO; ZILBERMAN, 1999). O grande destaque desse século é Hans Christian Andersen, pois seus textos transbordavam emoções, lirismos e fantasias em seus contos que encantam até os dias atuais. Dentre suas criações consta o Soldadinho de chumbo, O patinho feio, A pequena Sereia, A roupa nova do Rei, dentre outros. Sua obra foi tão marcante que o dia de seu nascimento (02 de abril de 1805) é consagrado hoje como o Dia Internacional do Livro Infantil. explorando Ideias Christian Andersen nasceu a 2 de Abril de 1805, em Odense, na Dinamarca, no seio de uma família humilde. Depois da morte do pai, que lhe costumava contar histórias com a ajuda de um teatro de fantoches, mudou-se para Copenhaga. Nunca casou nem teve filhos e, em 1835, publicou os dois primeiros dos 156 contos que haveria de escrever, inspirado no mundo de fadas e duendes e na tradição popular dinamarquesa. Morreu em Copenhague no dia 4 de Agosto de 1875. Para saber mais, acesse o link disponível em: <http://guida.querido.net/andersen/index.html>. 151 UNIDADE 5 Além dos Irmãos Grimm e Hans Christian Andersen, despontaram autores e obras que se tornaram best-sellers, como: Lewis Carroll - Alice no País das Maravilhas; Collodi – Pinóquio; Jules Verne - A Volta ao Mundo em 80 Dias, entre outros. Tais autores muito contribuíram com a produção literária destinada ao público infantil na Europa e no mundo. Mesmo com uma evolução da literatura infantil e um novo olhar dos escritores para esse público, muitos textos no século XIX e XX estavam direcionados à infância associando a literatura infantil a um instrumento pedagógico institucional escolar, que os educadores e pedagogos utilizavam com objetivo utilitário-pedagógico, esquecendo-se, na maioria das vezes, do caráter lúdico, sensorial, artístico e cultural da obra. Foi nesse contexto que a escola se constituiu em reprodutora da sociedade burguesa, segundo Zilberman (2003), negando o social e introduzindo preceitos normativos excludentes, taxando a visão burguesa da realidade como sendo a de maior valor. No fim do século XIX e início do XX ocorre a consolidação da literatura infantil e a sua presença na escola; naturalmente o contexto da criança, família e sociedade eram diferentes dos século XVII, XVIII e início do XIX, pois havia grandes transformações que responsabilizavam a escola e a família pelos cuidados totais às crianças. Segundo Coelho (2000), é nesse momento que a criança passa a ter valor e a ser levada em consideração no processo e nas interações sociais. O século XX é grande momento da expansão da literatura infantil promovida por novos autores, uma nova visão de mundo e da infância, pelos grandes avanços da imprensa e maior acesso às produções literárias promovido pela ascensão da burguesia. Há, nesse século, um novo grupo de ávidos e jovens leitores que exigem boa literatura, por isso este é considerado o grande momento de consolidação e crescimento do mercado editorial para crianças e jovens. A literatura infantil no Brasil O universo das letras inicia realmente quando o Brasil era um colônia, mas por força do destino, e a ameaça de Napoleão de invadir Portugal de D. João VI, a família real vem à Colônia (1808) e eleva o Brasil a Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, estabelecendo-se no Rio de Janeiro, que passou a sediar uma corte europeia e a ter condições de igualdade com as cidades da metrópole. 152 UNICESUMAR Nesse momento, algumas inovações e modernizações ocorreram no Brasil, advindas das necessidades e aparatos das corte portuguesa, uma delas é a imprensa nacional, uma das providências para a modernização da colônia que passava a ter status de sede real, dando início, assim, à produção de escritos impressos em terras brasileiras. Isso proporcionou que algumas obras literárias voltadas para as crianças começassem a ser publicadas. Em 1818, foram “As aventuras pasmosas do Barão de Munkausen”, seguidas da coletânea de José Saturnino da Costa Pereira, “Leitura para meninos”, contendo uma coleção de histórias morais relativas aos defeitos ordinários às idades tenras, e um diálogo sobre geografia, cronologia, história de Portugal e história natural. Em 1848, “Aventuras do Münchausen” foi reeditada com uma alteração gráfica. Naturalmente, o Reino Unido do Brasil era recheado por uma população analfabeta e a tradição das histórias orais era intensamente presenciada e era marcada por histórias místicas, folclore das culturas indígenas, africanas e europeias, que também ocupavam o lugar da literatura escrita, até porque a leitura não fazia parte da realidade social brasileira. O universo infantil das classes mais abastadas era permeado pelas leituras vozeadas de suas amas e babás. No decorrer do século XIX, com a expansão da educação formal, ocorreu a produção e configuração de uma literatura infantil verdadeiramente direcionada para o jovem público brasileiro. Começaram a surgir algumas publicações, em sua maioria, traduções e adaptações de obras estrangeiras. No fim do século XIX, o Brasil, já independente, passa por várias transformações: em 1888 ocorre a abolição da escravatura e, em 1889, a Proclamação da República. Esta tinha como princípio a formação de uma sociedade participativa da vida social com poder de argumentação de fala e escrita. Com a implantação da República, preconizada pelo aparecimento de uma classe média urbana que buscava mudanças sociais e políticas, foram surgindo os primeiros livros infantis em atendimento às solicitações dessa classe emergente. Para Zilberman (2003), devido à ausência de tradição nacional para escritos literários destinados às crianças, foram encontradas quatro soluções para atender às emergências sociais: traduzir obras estrangeiras; adaptar para as crianças obras escritas originalmente para adultos; reciclar material escolar, pois os leitores eram alunos que já estavam acostumados a usar o livro didático; e ainda, apelar para a tradição popular. Segundo a mesma autora, Carlos Jansen e Figueiredo Pimentel foram os pioneiros nas traduções e adaptações das obras estrangeiras para as crianças e, como vimos, Olavo Bilac também participa dessa produção direcionada a elas. 153 UNIDADE 5 154 No início do século XX, Bilac já era um escritor de prestígio no Brasil por sua literatura adulta, contudo, decide adentrar na literatura infantil com contos e poemas. Esses textos tiveram um tom moralizante e muito apropriado para a escola da época, com um nacionalismo ufanista bem presente, como verificamos em: “Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste! / Criança! Não verás país nenhum como este!” (BILAC, 1929, on-line s.p)3. Foram leituras obrigatórias em várias gerações de crianças brasileiras. A primeira publicação feita no Brasil com grande repercussão no meio escolar foi “Livro do Povo“ de Antonio Marques Rodrigues, impresso pela Tipografia do Frias, com primeira edição em 1861, com 208 páginas e uma tiragem de 4.000 exemplares. Nesse mesmo molde foram publicados: “Método Abílio”, por Abílio César Borges; “O Livro do Nenê”, por Meneses Vieira; “Série Instrutiva”, por Hilário Ribeiro; entre outros. Logo após esta fase, contos para a diversão da infância começaram a ser escritos por autores nacionais, como os “Contos Infantis”, de Júlia Lopes de Almeida. “Contos da Carochinha” foi a primeira coletânea brasileira de literatura infantil, com o intuito de traduzir, para a Língua Portuguesa, contos estrangeiros de sucesso, uma iniciativa tomada por Alberto Figueiredo Pimentel, dotado de fama pela sua busca de popularização da literatura no Brasil. Mais algumas obras e autores: “Livro das Crianças”, de Zalina Rolim; “Leituras Infantis”, de Francisco Vianna; “Era Uma Vez”, de Viriato Correia; “Biblioteca Infanto”, de Arnaldo Barreto. Nos vinte primeiros anos do século XX, a literatura infantil esteve associada intimamente aos interesses educacionais e do Estado, isto é, com fins didáticos. Isso realmente muda com a obra “As Reinações de Narizinho”, 1931, de Monteiro Lobato, livro que serve de mola propulsora para a futura série “Sítio do Picapau Amarelo”, conhecida e reconhecida nacional e internacionalmente. Muitos autores produziram boas obras para as crianças nos anos de 1930 a 1960, como: Érico Veríssimo, Luís Jardim, Lúcio Cardoso, Graciliano Ramos, Guilherme de Almeida, Henriqueta Lisboa e Cecília Meireles. Em 1959 a Câmara Brasileira do Livro (CBL) lança o prêmio Jabuti, idealizado por Edgar Cavalheiro, tornando-se hoje o prêmio nacional mais importante da literatura nacional. Nos anos vindouros, ocorreu uma expansão de instituições e programas voltados para a ampliação da leitura e a discussão da literatura infantil: em 1966, a FNLE (Fundação do Livro Escolar), em 1968 a FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil), em 1973 o CELIJ (Centro de Estudos de Literatura Infantil e Juvenill), em 1979 a ABLIJ (Academia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil) e também várias Associações de Professores de Língua e Literatura (LAJO- UNICESUMAR LO; ZILBERMAN, 1999). Instituições que impulsionaram as produções literárias de autores nacionais. Nesse período, há uma grande expansão do mercado editorial voltado a crianças e jovens, promovido por bons escritores, ilustradores e um público leitor/consumidor dessas obras nacionais e internacionais. Os anos 1970 foram considerados o boom da literatura infantil, atingindo seu ápice nos anos 1980, quando ocorre uma produção em massa de literatura infanto-juvenil, além de surgirem críticos destinados a avaliarem estas produções. Nessa fase, ocorre a ampliação da classe média e aumenta o nível de escolaridade, fator que colabora com o aumento do público leitor. As produções literárias infantis da década de 1970 carregavam uma proposta estética e ideológica diferente. As ideias centrais das obras buscavam resgatar o real de maneira crítica e criativa e desmistificada para a criança, com coerência entre o tema, o estilo e as ações do personagem para passar a imagem de verossimilhança, ampla tendência neorealista na literatura brasileira. A literatura passou a ser produzida com uma linguagem coloquial sem dificuldades de comunicação e personagens com identificação próxima dos leitores (PONDÉ, 1985). Nos últimos trinta anos do século XX, ocorreram os grandes debates, congressos e estudos sobre a literatura infanto-juvenil, promovendo não só novos autores, mas também novas críticas e a introdução dessa disciplina nos cursos de licenciatura de Letras em todo o país, formando profissionais aptos a discutir e trabalhar essas mudanças na escola brasileira. Com a morte de Lobato, o período ficou conhecido como pós-lobatiano e também como período de renovação; os autores desse período foram considerados herdeiros de Lobato. Dentre os novos autores, destacam-se Ana Maria Machado, Bartolomeu Campos de Queirós, Elvira Vigna, João Carlos Marinho, Lygia Bojunga Nunes, Ruth Rocha, Ziraldo etc. Nos anos 1980, 1990 e 2000 houve a consolidação de uma literatura infantil de qualidade. Marcado pelo pós-modernismo, esse período de transição da política brasileira tem como características a heterogeneidade, pluralidade de vozes, de estilos, de gêneros e de visões de mundo. Caracteriza-se pela temática predominantemente urbana, com ênfase nos estilos pessoais e na exploração de novas técnicas narrativas. Nesse período, fim do século XX e início do XXI, duas escritoras brasileiras e um ilustrador venceram do prêmio Hans Christian Andersen, em 1982. Ganhou o prêmio a escritora Lygia Bojunga Nunes, com o livro A bolsa amarela; em 2000, Ana Maria Machado com o livro Bisa Bia, Bisa Bel; em 2014, Roger Mello ganhou 155 UNIDADE 5 como melhor ilustração infantil do ano, e já havia sido indicado ao prêmio duas vezes. Outros autores também se tornaram grandes expoentes literários, como Ziraldo (O menino maluquinho), Orígenes Lessa (Memórias de um cabo de vassoura), Ruth Rocha (Marcelo Marmelo Martelo), Chico Buarque (Chapeuzinho Amarelo), Sylvia Orthof, Marina Colasanti, Roseana Murray e Pedro Bloch. Monteiro Lobato: a transformação da literatura infantil no Brasil explorando Ideias “[...] para ocorrer uma mudança de postura é necessário que haja compromisso em querer mudar.” (Paulo Freire) José Bento Monteiro Lobato, nascido na cidade de Taubaté, interior de São Paulo, no dia 18 de abril de 1882, foi o autor que mais escreveu para crianças, sendo a sua obra considerada a mais extensa da literatura infantil de que se tem notícia. No período de 1925 a 1950, foram vendidos um milhão e meio de exemplares de seus livros. Tantos personagens e histórias que ainda fazem parte do imaginário de muitas crianças e adultos. Um panorama resumido da vida de José Monteiro Lobato mostra um homem nacionalista, militante convicto que queria melhorar o mundo a começar pelo Brasil. Descobriu que já não era mais possível mudar os adultos e passa a escrever para as crianças, as quais não precisam ser transformadas, mas formadas, livres para pensar como numa frase das fábulas de Monteiro, descrita por Abramovich (1983, p. 37), em que Emília diz para um cão: “ – Pois o segredo, meu filho, é um só: liberdade. Aqui não há coleiras. A grande desgraça do mundo é a coleira. E como há coleiras espalhadas pelo nosso mundo!”. Zilberman (2003) explica que essa forma de escrever na literatura infantil pode ter sido usada como uma válvula de escape no período ditatorial por onde os produtores culturais, escritores, ilustradores e artistas em geral tiveram condições de manifestar ideias libertárias sem chamar tanto a atenção por se tratar de literatura com pouca notoriedade social. Esse foi o instrumento utilizado por Lobato e seus seguidores para incutir nas crianças o ideal de liberdade. Pioneiro 156 UNICESUMAR nas indústrias de ferro, na campanha do petróleo, no sistema de distribuição de livros que montou pelo Brasil, pela criação de uma indústria gráfica e editoras, Lobato não almejava ficar rico, mas sim tornar rico seu país, onde todos pudessem ter acesso aos bens de consumo. Conforme relato de Lajolo (2002), Lobato, em 1930, declara à sua irmã que estava endividado e financeiramente dependente dos lucros de suas produções literárias. Em sua obra deu voz de liderança para as mulheres, o sítio do pica-pau amarelo era todo comandado por mulheres, reconhecendo seus atributos. Em 1933, anuncia a Anísio Teixeira a produção de Emília no país da gramática. Ciente da carência de livros didáticos para as crianças, em 1933 publica Aritmética de Emília, Geografia de Dona Benta e Histórias das invenções. Exímio tradutor e adaptador de clássicos da Literatura Infantil, em 1936 Lobato lança o livro D. Quixote das crianças, adaptando o clássico para a leitura infantil, com linguagem inteligível para essa faixa etária. A história de Dom Quixote é contada por meio das leituras de Dona Benta, que deixa claro para as crianças as diferenças entre a obra original e a adaptação feita para elas e que devem ler a história original na íntegra. Sua forma de escrever foi inovadora para o padrão brasileiro e audaciosa, porque continuou incorporando suas ideias nacionalistas antes reportadas nas produções para adultos. A importância deste autor é tanta que a data de seu nascimento, 18 de abril, é consagrada como o Dia Nacional do Livro Infantil. Monteiro Lobato é reverenciado até hoje pela crítica especializada. Um ponto muito importante é que a leitura dos livros de Lobato nas escolas foi responsável pela descoberta do prazer em ler para muitos dos demais autores renomados que temos hoje; segundo relato de Abramovich (1983), ela própria e outros autores como Ruth Rocha tiveram seus gostos pela leitura e literatura infantil despertados por Monteiro Lobato. Monteiro Lobato introduziu, por meio dos seus personagens mirins, uma literatura direcionada para o público infantil com cunho genuinamente brasileiro, sem vestígios da literatura estrangeira presentes nas traduções que circulavam nacionalmente. Publicou “Narizinho Arrebitado”, que mais tarde, pelo sucesso alcançado, foi reeditado como “Reinações de Narizinho”. E a partir das sucessivas e bem acolhidas produções literárias, passou a editar as próprias obras fundando a Editora Monteiro Lobato & Cia., Companhia Editora Nacional e a Editora Brasiliense. Com o crescimento e enriquecimento do fabuloso mundo de suas personagens, Lobato ganhou popularidade por inserir em sua obra 157 UNIDADE 5 158 uma realidade comum e familiar à criança. A mais absoluta verossimilhança e naturalidade passa a ser o elemento integrante do real, absorvendo com isso o universo literário infantil com absoluta naturalidade, sem deixar de lado o fantástico mundo da imaginação infantil. Sua obra preocupou-se em transmitir às crianças o conhecimento da tradição, o conhecimento do acervo herdado e que lhes caberia transformar e também questionar as verdades, os valores e não valores sedimentados na sociedade. As obras lobatianas são enriquecidas pelo folclore, pela exaltação do nacionalismo e pelo engajamento social. Os personagens infantis em suas obras são a grande metáfora encontrada pelo autor para ecoar a insatisfação do mundo adulto e retratar com idealização o panorama nacional almejado. Isso evidenciou o caráter nacionalista de sua obra, retratado nos personagens pela linguagem, imagem, comportamento e relação com a natureza. Monteiro Lobato foi o primeiro autor brasileiro a romper significativamente com o didatismo que impregnava os livros para crianças. Ele inovou ao escrever textos com os quais as crianças se identificavam, bem como ao inverter valores em algumas de suas obras. Fez da literatura infantil o grande instrumento para a educação, realizado pela voz dos seus personagens fantásticos perante os problemas político-econômicos e sociais. São as principais preocupações nacionais observadas em suas obras: petróleo, analfabetismo, exploração das riquezas naturais, saneamento básico e influência estrangeira sobre a economia brasileira. Conseguiu explorar esses problemas aproximando a criança dos problemas cotidianos por meio da literatura infantil. Em sua obra mais expressiva, o “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, faz interagirem os personagens reais (Narizinho, Pedrinho, Dona Benta, Tia Nastácia etc.) com personagens irreais (Emília, Visconde, Rabicó, Saci etc.), de modo que os dois universos se fundem numa mesma verdade, dentro do universo do faz de conta lobatiano, perdurando no tempo e fazendo com que várias gerações convivam no atemporal sítio da família. No período compreendido entre 1920 e 1942, Monteiro Lobato publicou outras obras: “O Saci” – “Fábulas” – “O Marquês de Rabicó” – “A Caçada da Onça” – “A Cara de Coruja” – “Aventuras do Príncipe” – “O Noivado do Narizinho” – “O Circo de Cavalinho” – “A Pena de Papagaio” – “O Pó de Pirlimpimpim” – “Viagem ao Céu” – “As Caçadas de Pedrinho” – “Emília no País da Gramática” – “Geografia de Dona Benta” – “Memórias de Emília” – “O poço de Visconde” – “O Pica-Pau Amarelo” – “A Chave do Tamanho”, e também realizou várias adaptações de contos clássicos da literatura infantil mundial. FORMAÇÃO LINGUÍS TICA E CULTURAL UNICESUMAR 5 LITERATURA INFANTIL: A inserção da literatura de qualidade na escola não é apenas para preencher um aspecto lúdico tão importante para as crianças e adultos, mas sim porque a sua formação linguística e cultural também ocorre por meio dos livros, por isso não devemos limitar a literatura a apenas um momento de descontração, passatempo ou divertimento, evidente que a literatura é fruição e também vincula-se a um código de linguagem e a uma expressão cultural. A literatura não pode servir apenas para expor regras e preceitos morais, como afirma Magalhães (1987), o que ocorria no século XIX e início do XX, pois as publicações infantis eram vinculadas a uma moral pedagogizante, uma ação educativa, isto é, não se tratava a criança como criança e sim com um adulto em formação, ensinando regras, costumes, crenças e valores vigentes na época. Nos dias atuais, a literatura infantil ampliou-se, ganhou novas vestimentas e conquistou as telas dos cinemas com reproduções de clássicos reproduzidos em desenhos animados. Abramovich (2004) critica a supressão de cenas dos contos de fadas expostos na literatura infantil a fim de adaptá-los ao cinema ou para fins didáticos escolares. Nesse contexto, a fala de Abramovich (2004) tem respaldo na afirmação de Bakhtin (2010), quando ambos afirmam que fragmentos de textos ou a supressão de partes deles destitui a unidade de sentido própria do texto escrito. Segundo Bakhtin (2010), quando se analisa uma oração isolada perde-se o todo, perde-se o contexto, perde-se o sentido, pois nenhum enunciado tem sentido fora 159 UNIDADE 5 160 da cadeia de comunicação em que a oração isolada é apenas um elo inalienável. A oração isolada, conforme Bakhtin (2010), é desprovida de expressividade, pois uma oração só atinge a entonação expressiva no todo do enunciado. Por isso, o que se recomenda é a não substituição da leitura pelos filmes que retratam de forma comercial o enredo de um conto de fada. Segundo Abramovich (2004), se no conto há cenas as quais a criança não conseguirá entender, então deve-se mudar de leitura e esperar a fase da maturação da criança para recomendá-la. Refletindo sobre o assunto, devemos censurar livros e filmes para as crianças? A primeira lição histórica que devemos sempre ter em mente é que a censura nunca foi um método eficaz de esconder, apagar ou suplantar determinados assuntos ou práticas. Por isso, devemos pensar sempre com muita parcimônia e cautela nesse assunto, pois não deve haver tema ou situação que não possa ser tratada com as crianças, mas sim o modo como isso é feito é que deve ser pensado por nós educadores, assim invertemos a pergunta retirando o conceito da censura e introduzindo a ideia da adequação: esse livro, essa temática, essa abordagem está adequada a essa faixa etária? Dessa forma, conseguimos promover na escola avanços significativos na formação integral desse aluno e não um aluno que nunca tratou sobre a morte, a tristeza, o medo, o futuro, a frustração, o sonho, a família, a alegria e tantos outros assuntos importantes para formação de qualquer ser humano. Entendemos aqui que o primordial na escola é desenvolver e cultivar o gosto pela leitura para que chegue o momento em que esse aluno caminhe com suas próprias pernas no mundo da ficção. Desenvolver o gosto pela leitura é uma das tarefas da escola, que deve ser criteriosa na aquisição de livros para sua biblioteca. Em visitas periódicas à biblioteca ou no cantinho de leitura na sala de aula, os alunos devem ser incentivados a lerem livros variados, adequados à faixa etária, de culturas e opiniões diversas, com visões de mundo diferentes. A cada avanço na leitura, novos desafios devem ser propostos, leituras mais apuradas devem ser sugeridas, textos mais longos, conteúdos mais explicativos. Pode-se dizer que a literatura infantil é o resultado da interação entre intenção pedagógica e intenção lúdica que, por sua vez, estimula a criatividade de uma forma geral, promovendo a aprendizagem. São três os aspectos que promovem interação entre o lúdico e o pedagógico, conforme descreve Coelho (2000): ■ Aspecto psicofísico - a literatura infantil estimula as funções motoras e intelectuais das crianças, contribui com a formação da personalidade, do desenvolvimento do imaginário e do espírito crítico infantil. UNICESUMAR ■ Aspecto de natureza social - a criança adquire melhores condições de formar sua identidade social, aperfeiçoar seu processo de sociabilidade e estabelecer categorias de valor ligadas à ética. ■ Aspecto linguístico - contribui para o desenvolvimento do vocabulário, para a aquisição de estruturas linguísticas, para a distinção de registros discursivos e desenvolvimento da escrita e da narratividade. Consoante Coelho (2000), entendemos que a literatura não só tem a sua função de fruição, de deleite, mas também de desenvolvimento cognitivo e aprendizagem que, se bem aproveitado pela escola, pode promover um desenvolvimento físico e motor com as brincadeiras de roda, a encenação das histórias; o entendimento de seu contexto sociocultural com a identificação dos personagens, suas ações, o ambiente das histórias e a comparação com a realidade dos próprios alunos; e uma valorização dos aspectos linguísticos, variantes regionais, sociais, confrontando a linguagem formal, informal, a licença poética dos livros. Para que essa interação literatura-escola ocorra com sucesso é imprescindível que o profissional da educação tenha o conhecimento sobre as fases do desenvolvimento infantil para que possa escolher obras que contemplem as potencialidades de cada fase da criança. Segundo Oliveira (2005 on-line)4, o professor deve estar atento para os seguintes estágios para escolher um livro literário adequado à correta faixa etária da criança: 1 a 2 anos ■ Prende-se ao movimento. ■ Ao tom de voz, e não ao conteúdo do que é contado. ■ Presta atenção ao movimento de fantoches e a objetos que conversam com ela. ■ Narrativas curtas. ■ Muitas imagens, uma gravura em cada página. ■ Enredo simples e vivo. ■ Uso de livros-brinquedo, livros de pano, madeira e plástico . ■ Nesta fase, há uma grande necessidade de pegar a história, segurar o fantoche, agarrar o livro etc. 161 UNIDADE 5 2 a 3 anos ■ Histórias rápidas. ■ Pouco texto e poucos personagens. ■ Muito ritmo e entonação. ■ Histórias de bichinhos, brinquedos e seres da natureza humanizados. ■ Histórias com gravuras grandes e boas ilustrações. ■ Os fantoches continuam sendo o material mais adequado. ■ A música exerce um grande fascínio. ■ A criança acredita que tudo ao seu redor tem vida e vivência, por isso, a história transforma-se em algo real, como se estivesse acontecendo mesmo. 3 a 6 anos ■ Fase de “conte outra vez”. ■ Narrativas curtas com a presença do humor. ■ Certo clima de expectativa ou mistério. ■ Discursos ligados à imaginação (fábulas, contos de fadas, lendas etc.). ■ Predomínio da imagem (gravuras, ilustrações, desenhos etc.). ■ O texto escrito deve ser breve e algo que possa ser lido e/ou dramatizado pelo adulto. ■ Imagens devem sugerir situação que seja significativa. ■ Contador de histórias com roupas e objetos característicos. ■ A criança acredita, realmente, que o contador de histórias se transformou no personagem. ■ Variar o material que lhe é oferecido. 7 anos - leitor iniciante ■ A imagem ainda predomina. ■ A narrativa deve conter uma situação mais complexa. ■ Personagens podem ser reais ou fictícios. ■ O processo de julgamento está em pleno desenvolvimento na criança (personagens bons ou maus, fortes ou fracos). 162 UNICESUMAR 8 a 9 anos – o leitor em processo ■ Presença das imagens em diálogos com o texto. ■ A narrativa deve ter um conflito, um fato intrigante e bem-desenvolvido ao longo da história. ■ O humor, a fantasia ou o imaginário sempre exercem interesse na criança. 10 a 11 anos – o leitor fluente ■ Leitura acompanhada pela reflexão. ■ Fase dos questionamentos. ■ Atração por mitos, deuses, heróis, ficção científica ou policial. ■ Livros de aventuras e ação constantes, livros de mistério, presença de heróis e heroínas. ■ A criança passa a se interessar por narrativas escritas, de extensão mediana com um número menor de imagens. 12 a 13 – leitor crítico ■ Livros que contenham textos mais longos. ■ Motivos cotidianos. ■ Diversidade de assuntos, própria da curiosidade do pré-adolescente e do adolescente. Diante do exposto, entendemos a necessidade do professor saber adequar as histórias que serão trabalhadas à faixa etária do aluno para que isso favoreça a formação linguística e cultural dele, aliando assim uma formação humanizadora, como preconiza Candido (2011), a uma prática pedagógica plural, ampla e reflexiva. 163 UNIDADE 5 164 Considerações Finais Chegamos ao final desta unidade e nessa viagem ao universo encantado, lúdico e inventivo da criança, notamos a importância de proporcionar uma experiência enriquecedora aos nossos alunos, mesmo que ainda conheçam bem as “letras” e seus significados, pois a literatura é fonte de uma transformação e formação silenciosa no aluno. Entendemos que a literatura voltada à criança hoje não é mesma feita no século XVII e XVIII, e felizmente notamos que ela evoluiu de preceitos moralistas e doutrinas didáticas à narração de conflitos próprios das crianças que os auxiliaram e continuam auxiliando no enfrentamento de problemas reais. Entendemos que o encantamento e o valor estético de uma obra infantil não está nas figuras belas dos contos de fadas, nem nos monstros horripilantes, mas sim na identificação do leitor com uma personagem criança que vive conflitos próximos a ele, que busca força, tem seus medos e desafios, tem coragem de lutar e vencer, isto é, faz desse personagem alguém de “verdade” e não preso a modelos conservadores ou moralizantes. O estudo desta unidade deixou claro que a literatura infantil deve ser tratada, na escola e fora dela, com toda a importância e responsabilidade que ela merece, pois não se trata de puro divertimento, mas da promoção do raciocínio, da aprendizagem cognitiva, emocional e intelectual. A escola deve desenvolver e promover essa interação entre a ludicidade e o pedagógico, entre o real e o imaginário, entre a brincadeira e a discussão séria, entre o divertimento e a aprendizagem, pois isso pode ser explorado em todas as etapas do desenvolvimento infantil. Por esse motivo, devemos nos atentar para as necessidades de fantasia que as crianças têm, para as fases de desenvolvimento e as características dos livros adotados para que o trabalho pedagógico consiga promover a formação de bons leitores e cidadãos críticos. Entendemos, assim, a importância da escola realizar um bom trabalho de leitura com as crianças, pois isso possibilita a formação de uma base cognitiva, linguística, lúdica, lógica e cultural para a formação integral desse aluno. na prática 1. A literatura é um importante instrumento na formação escolar, cultural e social do aluno, por isso uma prática imprescindível à escola. Sobre isso, é correto afirmar: I - A literatura cumpre somente uma função de fruição. II - A literatura promove uma formação cultural. III - A literatura deve ser uma prática que extrapole os muros da escola. IV - A literatura só é importante nos anos iniciais da formação escolar. a) Apenas a afirmativa I. b) As afirmativas I e II. c) As afirmativas II e III. d) As afirmativas III e IV. e) As afirmativas I, III e IV. 2. Segundo Candido (2011), a literatura tem uma “força humanizadora” e o autor explica isso por meio de três funções da literatura. Sobre isso assinale (V) para as assertivas verdadeiras e (F) para as falsas. ( ) As três funções expostas pelo autor são: psicológica, formativa e social. ( ) A função psicológica relaciona-se ao sentido histórico da obra. ( ) A função formativa vincula-se à obrigatoriedade da literatura de ensinar preceitos morais. ( ) A função social relaciona-se ao contexto social e histórico da obra literária. a) V, V, F, F. b) V, F, V, F. c) V, F, F, V. d) F, F, V, V. e) F, V, V, F. 165 na prática 3. A literatura infantil não é menor ou tem menos valor estético do que a literatura adulta, ideia que por muito tempo foi entendida como verdade. A partir disso, assinale a alternativa verdadeira: a) A poesia infantil apresenta menos musicalidade e figuras de linguagem que a poesia adulta. b) As narrativas infantis, por serem reduzidas, não têm a presença de um narrador e uma cronologia linear. c) Todos os personagens das histórias infantis precisam ser obrigatoriamente crianças. d) Os elementos básicos da narrativa infantil são comuns à narrativa adulta, pois o que difere essencialmente é o público leitor. e) O autor das obras infantis não precisa do mesmo esforço que tem ao fazer uma narrativa para o público adulto. 4. A leitura literária na escola promove uma série de benefícios à formação do aluno se bem planejada e realizada. Cite e explique quais são os aspectos formativos descritos por Coelho (2000). 5. A literatura infantil nem sempre valorizou a autonomia, a criatividade ou fantasia da criança, por muitos anos voltou-se a uma formação dogmática e pedagógica. Um escritor que rompeu com esses valores no Brasil foi Monteiro Lobato. Cite e explique duas características das obras de Lobato que rompem com o modelo de então. 166 aprimore-se Monteiro Lobato é um marco na literatura infantil e na história do Brasil por seus feitos, opiniões e obras escritas. Porém, quando abordamos a vertente escritor de Lobato, conhecemos muito superficialmente as suas obras e, normalmente, não as lemos. Lembrando que somos professores e não podemos deixar Lobato de fora de nosso planejamento, apresentarei trechos da reportagem da revista Nova Escola intitulada “Cinco motivos para se ler Monteiro Lobato com os alunos”, de Camila Camilo. “Se a leitura de Lobato foi tão importante para as crianças da primeira metade do século 20, ela ainda é atraente para a formação dos pequenos leitores. A seguir, veja cinco razões para apresentar as obras do escritor aos alunos: 1. As histórias são narradas como fábulas Em Monteiro Lobato livro a livro, os pesquisadores Marisa Lajolo e João Luís Ceccantini mostram uma carta que o escritor enviou a Godofredo Rangel em 1916. Nela, Lobato manifesta a vontade de “vestir à nacional” as fábulas de Esopo e La Fontaine diante “da atenção curiosa com que meus pequenos ouvem as fábulas que Purezinha lhes conta. Guardam-nas na memória e vão recontá-las aos amigos”. [...] Para ir além do formato tradicional, em suas histórias é possível conhecer os pontos de vista de vários personagens a respeito de uma fábula contada por outro personagem. Ele conta uma história dentro da história. [...] 2. Há personagens femininos fortes e famílias como as de hoje Quem lê Lobato logo percebe a força das figuras femininas como Dona Benta, Narizinho e Emília. O núcleo familiar do Sítio é liderado por uma mulher, Dona Benta, que exerce sua autoridade sem deixar de ser acessível. Os pais de Pedrinho quase não são citados e nem Dona Benta, nem Tia Anastácia são casadas. Se na época em que os livros foram escritos, a situação dos personagens do Sítio do Pica Pau Amarelo parecia ‘avançada’, muitas famílias de hoje têm estruturas semelhantes. Maria Cristina Lopes, diretora do Museu Monteiro Lobato, em 167 aprimore-se Taubaté, a 130 quilômetros de São Paulo, diz que esta identificação é percebida na fala das crianças que visitam o museu, em perguntas como “onde está a mãe da Narizinho?”. “Sob este aspecto, as obras de Lobato são muito modernas e têm a ver com as famílias do presente”, conta a diretora. 3. As obras dão voz às crianças Emília é uma boneca criativa e contestadora que, assim como as duas crianças do Sítio, não é repreendida por dar sua opinião e sustentar atitudes participativas. O professor José Gregorin Filho a compara a outro boneco famoso, o Pinóquio - com a diferença de que este foi punido por seus atos. Gregorin conta, também, que alguns estudos indicam que Emília era “uma espécie de voz do próprio Monteiro Lobato”. 4. Os livros contemplam conteúdos didáticos Alguns títulos como Aritmética da Emília, Emília no país da Gramática e Histórias do mundo para crianças tratam de temas que os alunos verão na escola. O livro de Lajolo e Ceccantini destaca que a obra História do mundo para crianças - na qual Dona Benta narra fatos históricos aos moradores do Sítio - tem a capacidade de proporcionar boas oportunidades de reflexão e questionamento sobre a ordem mundial da época. [...]. 5. Lobato enaltece e defende a natureza [...] Se o fantástico para as crianças de ontem estava nas situações inusitadas vividas no Sítio, hoje, o ambiente rural, diferente do urbano onde a maioria vive, é motivo para encantamento. Além disso, a defesa e o enaltecimento de elementos da natureza são recorrentes nas obras de Lobato.” Fonte: Camilo (2012, on-line)5. 168 eu recomendo! livro Literatura Infantil Brasileira: História e Histórias Autor: Maria Lajolo e Regina Zilberman Editora: Ática Sinopse: a literatura infantil brasileira, ainda que relativamente nova, atinge hoje em dia um estágio de maturidade, resultante do surto de criação e dos estudos teóricos e críticos de que vem sendo objeto. Essa situação é fruto de um percurso: a história que acumulou ao longo do século XX, exigindo maior pesquisa e interpretação. Essa foi a tarefa realizada de modo completo e sistemático por Marisa Lajolo e Regina Zilberman. Ao evitar uma visão da literatura infantil como um setor à parte, as autoras examinam as relações dela com as instituições sociais e com a história da literatura, desenhando um panorama amplo da nossa cultura contemporânea. O livro destina-se, assim, aos estudiosos dos livros para crianças e a todos aqueles que desejam conhecer melhor o panorama da literatura brasileira, do qual a literatura infantil faz parte. livro Literatura Infantil Autor: Marta Morais da Costa Editora: IESDE Sinopse: contar histórias, assim como ouvi-las, é uma experiência humana insubstituível. Para isso, o exercício de formação do leitor é fundamental desde a infância. Pelo ensino a distância, você poderá fazer o curso de Literatura Infantil, que abrirá novos horizontes profissionais para quem deseja desenvolver diferentes técnicas para estimular crianças a exercitar a leitura a partir da alfabetização, por meio da abordagem de temas como o sentido do texto, as formas narrativas, a contação de histórias, entre outros assuntos relevantes. Neste curso online você pode estudar em casa por um material de qualidade, obter o seu certificado e uma melhor colocação profissional em pouco tempo. 169 eu recomendo! livro Do mundo da leitura para a leitura do mundo Autor: Marisa Lajolo Editora: Ática Sinopse: em Do mundo da leitura para a leitura do mundo, a professora Marisa Lajolo realiza uma reflexão abrangente e profunda sobre a leitura na escola e suas implicações na realidade cultural brasileira. Na primeira parte, o volume aborda o mundo da leitura na escola. Seus tópicos essenciais são o livro didático, a literatura infantil e juvenil, as práticas escolares de leitura, a formação e o preparo dos professores e o currículo. Na segunda parte, a leitura do mundo ocupa o primeiro plano, com a análise detalhada de textos literários que investigam a leitura, o leitor e a escola. Entre esses textos, estão “Miss Dollar”, de Machado de Assis, “As aventuras de Ngunga”, de Pepetela, e D. Quixote das crianças, de Monteiro Lobato. Trata-se de obra essencial e indispensável para professores, educadores, editores, historiadores e bibliotecários. filme O jardim secreto Ano: 1993 Sinopse: o filme é uma adaptação do clássico conto de fadas de Frances Hodgson Burnett, O Jardim Secreto. Mary Lennox é uma órfã enviada para viver com seu tio em sua mansão, que é cheia de segredos. Ela descobre um primo doente que ela nunca soube que tinha e um jardim abandonado, o qual está determinada a trazer de volta para a vida. 170 eu recomendo! filme A fantástica fábrica de chocolate Ano: (1971/2005) Sinopse: baseado no conto de Roald Dahl, este cômico e fantástico filme segue o jovem Charlie Bucket e seu avô Joe. Eles se juntam a um pequeno grupo de ganhadores de uma competição, os quais vão para um passeio na mágica e misteriosa fábrica do excêntrico Willy Wonka. Ajudado por seus anões trabalhadores, Wonka esconde uma surpresa para durante o passeio. filme Onde vivem os monstros Ano: 2009 Sinopse: Max é um garoto que está fantasiado de lobo, provocando malcriações com sua mãe por ciúme de um amigo dela. Como castigo, ele é mandado para o quarto sem janta e resolve fugir da casa, usando a imaginação para criar uma misteriosa ilha. Lá, ele encontra vários monstros e diz que possui superpoderes, o que o faz ser nomeado rei do grupo. Responsável por evitar que a tristeza tome conta do lugar, ele passa a criar uma série de jogos para mantê-los em constante diversão. filme O menino e o mundo Ano: 2013 Sinopse: um menino mora com os pais em uma pequena cidade do campo. Diante da falta de trabalho, um dia, ele vê o pai partindo para a cidade grande. Os dias que se seguem são tristes e de memórias confusas para o garoto. Até que então ele faz as malas, pega o trem e vai descobrir o novo mundo em que seu pai mora. Para a sua surpresa, a criança encontra uma sociedade marcada pela pobreza, exploração de trabalhadores e falta de perspectivas. 171 conclusão conclusãogeral geral conclusão conclusão geral geral Caro(a) aluno(a), Encerramos esse ciclo de estudos! Temos a certeza de que esse livro auxiliou você nessa caminhada de sua formação acadêmica, pois a necessidade de ler, discutir, refletir e atualizar-se foi explorada neste material. A nossa proposta nesse livro foi deixar clara a importância do domínio da língua materna, sendo um competente usuário dela nas mais diferentes situações comunicativas e como responsável pelo processo de ensino-aprendizagem de seus futuros e/ou atuais alunos. Ao longo das cinco unidades, estudamos as funções da Língua Portuguesa, semelhanças e diferenças entre a escrita e a oralidade; adentramos na importância da leitura e da formação de leitores críticos e antenados com as novas mídias; destacamos a importância da produção textual com qualidade e dedicamos uma atenção especial para a produção no Ensino Superior, além de adentramos no universo literário destinado às crianças e a sua formação linguística, cultural e valorativa. Assim, compreendemos a importância da boa aprendizagem da língua materna para a nossa vida pessoal e principalmente para a profissional, especialmente para profissionais da área educativa. Nós acreditamos em você, no seu potencial, em sua jornada estudantil e profissional, por isso valorizamos a discussão e reflexão de forma que você entendesse que os temas abordados não foram esgotados em sua totalidade neste livro, mas direcionados para a sua formação ampla e vislumbrando a sua continuidade acadêmica, ressaltando uma formação contínua. Estar motivado e entender como o processo educativo ocorre é primordial para conseguirmos consolidar a nossa formação e dominar cada vez mais os conhecimentos e habilidades necessários para realizar um bom trabalho pedagógico com a língua materna, envolvendo aspectos lúdicos, formativos, de pesquisa, de informação e de reflexão. Portanto, essa nossa caminhada se encerra aqui, mas a caminhada pelo universo do conhecimento sempre será constante; desejamos, com isso, sucesso, e uma formação sólida e profícua, construindo um caminho profissional com muitas realizações. Boa sorte! 172 172 referências ABRAMOVICH, F. 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A im- podendo basear-se nas gramáticas portância do letramento acadêmico é tradicional, descritiva e internalizada a promoção de identidades próprias, de modo que estimulem a prática lin- posicionamentos ideológicos, consti- guística real. tuição de significados culturais e es- 5. A concepção que favorece a aprendizagem de língua materna é a terceira (língua como forma de interação), pois entende-se nessa concepção que a língua é um organismo vivo em constante transformação, assim os alunos percebem a importância de dominar as variáveis linguísticas para se tornarem exímios comunicadores. truturas de poder que vão refletir na atuação profissional, no mundo do trabalho e nas realizações pessoais. Ser letrado/a é ser empoderado, é ter o poder de participação na construção da história coletiva, de se manifestar, agir em prol da defesa de ideologias próprias e de defender direitos. 3. Na decodificação deciframos os códigos linguísticos, ou seja, juntamos as letras e formamos palavras com significados; a compreensão é a junção dos significados de cada palavra que vão atribuir sentido ao texto; a interpretação é a junção do todo significante textual com o conhecimento de mundo que temos e que favorece a retenção das informações. 4. A resposta é pessoal, de acordo com a imagem que foi escolhida para análise. 5. D. 178 gabarito UNIDADE 3 UNIDADE 4 1. B. 1. As qualidades que podem ser avalia- 2. D. 3. E. 4. A função básica de um texto descritivo é conseguir, por meio de palavras, proporcionar uma imagem mental sobre o objeto ou cena abordada, apresentando características básicas, e também valorizar a ambientação e apresentar a sinestesia do lugar. 5. A produção textual também pode acontecer na internet e isso não prejudica o aprendizado escolar, pois esse novo ambiente proporciona novas interações, exige uma grande habilidade de leitura, entendimento de adequação linguística ao contexto no qual o texto será inserido e um olhar crítico sobre o conteúdo a ser escrito. das em um texto dissertativo são a organização de pensamentos, a defesa de pontos de vista, os apontamentos de soluções, a capacidade argumentativa e de construção de fundamentação lógica e coerente, além de possibilidade de avaliação dos conhecimentos linguístico, enciclopédico, de texto e interacional do/a autor/a. São qualidades importantes por serem essenciais à formação e atuação profissional, à manifestação e participação na vida social e política do país, além de possibilitarem a continuidade do processo de letramento. 2. Elementos da introdução: exposição do assunto a ser tratado, o tema, a ideia central do texto, a problematização, as hipóteses e palavras-chave; Elementos do Desenvolvimento: exposição argumentativa, análise do tema, divisão em subtemas ou subtítulos, dados concretos, posição argumentativa - antítese, prós e contras, causa e consequência, análise histórica; Elementos das considerações finais: exposição do resultado final, retomada da ideia central, repostas às questões problematizadoras, confirmação ou refutação das hipóteses, sugestões de soluções, opinião própria coerente com os argumentos apresentados no texto. 3. D. 4. D. 5. A produção textual é individual e livre. 179 gabarito UNIDADE 5 1. C. 2. B. 3. D. 4. Os aspectos descritos por Coelho (2000) são: psicofísico, social e linguístico. O primeiro auxilia na formação motora e cognitiva do aluno, o segundo na formação identitária do aluno, e o terceiro no desenvolvimento do vocabulário e manuseio da linguagem. 5. Monteiro Lobato é um divisor de águas na literatura infantil nacional, ele conseguiu incorporar as histórias clássicas e tradicionais à literatura infantil, constituindo um resgate cultural; introduziu personagens crianças/adolescentes que falavam e agiam realmente como crianças/adolescentes, fazendo com que os leitores se identificassem com eles; incorporou o folclore e as tradições nacionais nas histórias, cultivando a nossa cultura; propôs a diversidade em suas obras, contribuindo para uma ampla reflexão. 180 anotações anotações anotações anotações