actas i jornadas internacionais do miaa

Transcrição

actas i jornadas internacionais do miaa
actas
i jornadas
internacionais
do miaa
museu ibérico
de arqueologia e arte
de abrantes
câmara municipal de abrantes
outubro de 2011
actas
i jornadas
internacionais
do miaa
museu ibérico
de arqueologia e arte
de abrantes
actas
i jornadas
internacionais
do miaa
museu ibérico
de arqueologia e arte
de abrantes
ficha técnica
título
Actas das i Jornadas internacionais do miaa
Museu Ibérico de Arqueologia e Arte de Abrantes
coordenação
Isilda Jana
Gustavo Portocarrero
Davide Delfino
design
Gabinete de Comunicação
Câmara Municipal de Abrantes
edição
Câmara Municipal de Abrantes
2011
impressão
Tipografia Central do Entroncamento, Lda
isbn
978-972-9133-45-9
depósito legal
câmara municipal de abrantes
outubro de 2011
4584...
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
jornadas internacionais
do museu ibérico de arqueologia
e arte de abrantes
Maria do Céu Albuquerque
presidente da câmara municipal de abrantes
Numa perspectiva de conhecer melhor e dar a conhecer a
Colecção Estrada, que integra o acervo do Museu Ibérico
de Arqueologia e Arte (miaa), Abrantes recebeu as primeiras Jornadas Internacionais, em Outubro de 2010.
De uma sentida homenagem ao coleccionador João
Estrada, oradores e investigadores conceituados tiveram a
capacidade de traçar, em simultâneo, as primeiras impressões e as principais características desta colecção.
Este livro de actas fala de diferentes épocas, materiais,
peças, linguagens artísticas, perspectivas, experiências
e nacionalidades. A várias vozes. A várias mãos. Vão-se
construindo os sentidos para a criação de um projecto estruturante para a região.
Todos os museus contam histórias e guardam memórias, através das peças e dos objectos que integram. Das que
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
expõem e das que reservam. Das mais importantes às mais
insignificantes. Cada uma tem um significado, que se vai
alterando se falarmos com quem construiu, quem usou,
quem adquiriu ou quem agora a vê, através dos estudos
apresentados.
Mais do que um edifício, o miaa vale pelo seu conteúdo,
pelas histórias e pelas oportunidades que encerra. Ou melhor, pelas oportunidades que abre.
Hoje, o estudo do acervo do miaa ajuda-nos a aprofundar a dimensão mais local, da relação com a história
do concelho e da região. Mas, se por um lado temos de
aproximar a cidade e o concelho do miaa, não podemos
deixar de assumir a sua dimensão Ibérica e, pela grande
diversidade e abrangência, beleza e importância histórica
deste espólio, ganhar esse território.
índice
09apresentação
Isilda Jana
13construção
de conhecimento, arqueologia
e colecções privadas
Luiz Oosterbeek
19a controvérsia internacional
sobre propriedade e gestão
privadas de artefatos arqueológicos móveis
sob a ótica do direito ambiental constitucional brasileiro
Henrique Mourão
33uma versão
de “o jardim do amor” de rubens pertencente à colecção estrada
Fernando António Baptista Pereira
39escultura
em marfim indo-portuguesa
da colecção estrada
Davide Delfino
93artefactos com suástica
na colecção estrada:
iconografia e simbolismo
Fernando Augusto Coimbra
103tesouros escondidos
e significado do sagrado:
objectos funerários da idade
do bronze da europa
Davide Delfino
115hidden treasures
and sacred meanings:
tomb objects
in bronze age china
Rui Oliveira Lopes
47o núcleo egípcio
da colecção estrada
1 29joalharia helénica
da colecção estrada
(sécs. iv–i a.c.):
formas e simbolismo funerário
57multi-analytical approach
in the study of ceramics
137recipiente de khol
da colecção estrada
Hilda Frias
Luís Manuel de Araújo
J. Mungur-Medhi
69placas de xisto
a arte rupestre:
a propósito
da coleccção estrada
Manuel Calado
81lanças e espadas
do calcolítico à idade do ferro:
evolução da armaria
de poder na colecção estrada
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
Gustavo Portocarrero
Luís jorge Gonçalves
Artur Ramos
apresentação
Isilda jana
coordenadora da equipa
de projecto do miaa
As Jornadas Internacionais do MIAA pretendem ser um
forum anual de apresentação e debate de temas ligados à
arqueologia e à arte, numa articulação especial com as colecções do futuro Museu Ibérico de Arqueologia e Arte de
Abrantes (MIAA).
A par das exposições de Antevisão, já realizadas, e da
edição dos respectivos catálogos, onde se tem mostrado
uma pequena parte das colecções que irão integrar o futuro museu, estas jornadas são mais uma expressão do projecto que está em desenvolvimento.
Como acontece em muitos museus que têm colecções
arqueológicas sem contexto conhecido, o MIAA tem no
seu acervo muitas peças de difícil atribuição ou de, por
vezes, contraditória filiação. Por isso, desde o início, todo
o trabalho de organização do museu foi orientado para a
estruturação de um pólo de investigação com o objectivo
de promover o conhecimento e o debate alargado sobre as
suas colecções.
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
As Jornadas Internacionais do MIAA são o momento
de trazer a público os estudos e investigações que estão a
ser feitos sobre as colecções do futuro MIAA. As primeiras jornadas tiveram o seu objecto de estudo centrado no
acervo da Colecção Estrada (ce), o que não irá acontecer,
necessariamente, em futuros encontros. Estas primeiras
jornadas foram pensadas também como uma homenagem
ao Sr. João Estrada, o coleccionador que ao longo da sua
vida fez a fabulosa colecção que, em 2007, disponibilizou
ao Município de Abrantes para ser mostrada a público.
O presente livro consiste nas Actas das primeiras Jornadas Internacionais do MIAA realizadas, em Abrantes, a
28 de Outubro de 2010 e nele se encontram reunidos os
contributos dos vários oradores que participaram nestas
jornadas. São um conjunto de especialistas, investigadores
e docentes universitários que, a partir da sua experiência
e reflexão, analisaram peças da ce e nestas Jornadas apresentaram o resultado dos seus estudos.
Iniciaram-se os trabalhos com uma intervenção de
enquadramento teórico Construção de conhecimento, arqueologia e colecções privadas, onde Luiz Oosterbeek se
interroga, nos interroga, sobre a função da arqueologia na
sociedade actual e qual o sentido das colecções privadas
cujo acervo está, em grande medida, desprovido de contexto. Luiz Oosterbeek analisa esta questão relacionando-a
com a necessidade de integrar todos os processos de preservação patrimonial no quadro de um combate pela acessibilidade fundamental e irrestrita ao conhecimento.
Vindo do Brasil, Henrique Mourão, em Os bens arqueológicos e artísticos como bens difusos, apresenta a problemática das colecções privadas à luz das recomendações
da unesco e aborda a recente legislação brasileira que,
ao introduzir a categoria de “bem difuso”, veio permitir a
emergência de outros actores, que não apenas os poderes
públicos, dando-lhes capacidade de agir, direito de participar, de se informarem e de usarem o património cultural.
A ce reúne, para além do rico e diversificado acervo
arqueológico, uma apreciável colecção de pintura que se
estende do século xvi ao xx. Para análise nestas jornadas,
Fernando António Baptista Pereira escolheu uma pintura
em madeira atribuível ao círculo de Rubens. É uma versão
do “Jardim do Amor”, do mestre flamengo, quadro que se
pode ver no Museu do Prado.
A ce possui um núcleo de escultura indo-portuguesa,
em marfim, datável dos séculos xvii e xviii. Hilda Frias
aborda essa temática em Escultura em marfim Indo-Portuguesa da Colecção Estrada.
Em O núcleo egípcio da Colecção Estrada, Luís Manuel
de Araújo faz a apresentação de algumas peças da colecção.
Entre os objectos anunciados como egípcios foram detectados alguns de atribuição duvidosa, peças que não sendo
originárias do antigo Egipto, constituem belos exemplos
que se integram num fenómeno de egiptomania que se foi
disseminando desde o século xix.
Jayshree Mungur-Medhi é das Ilhas Maurícias, mas
está a fazer o doutoramento em Portugal, tendo como
projecto de investigação o estudo arqueométrico das cerâmicas gregas da ce. Na sua comunicação Archaeometry of
ceramics for the Col. Estrada and the development of noninvasive methods for miaa, a autora apresenta os primeiros
resultados da sua investigação, tendo como objectivo fazer
a caracterização química e física da argila.
Manuel Calado traz-nos, em Placas de xisto e arte rupestre: a propósito da Colecção Estrada, um dos grandes
temas da arte pré histórica europeia. À luz de novos dados
considerados relevantes para rever os modelos interpretativos mais correntes, Manuel Calado comenta o conjunto
de placas de xisto da ce.
As relações entre grupos humanos foram, desde sempre, caracterizadas pela competição violenta. Isso gerou a
necessidade de novas armas e de aperfeiçoamento técnico
constante. Davide Delfino, em Lanças e espadas do Calcolítico à Idade do Ferro: evolução das armas de poder na
Colecção Estrada, mostra a evolução da armaria no quadro
da pré-história recente e da proto-história europeia e da
Península Ibérica, ilustrada com referências à armaria da
ce que é incrivelmente rica em peças que testemunham
mais de 3000 anos de história de armaria antiga.
O símbolo denominado suástica é um dos mais antigos da humanidade e surge nos mais variados vestígios
arqueológicos. A sua tipologia é muito variada. Fernando
Coimbra, em Artefactos com suástica na Colecção Estrada:
iconografia e simbolismo, tece breves considerações sobre
a origem das suásticas e as diferentes tipologias e analisa o
símbolo em algumas peças da ce.
A Idade do Bronze tem sido considerada um dos períodos mais interessantes da História da China. Por isso,
desde os tempos antigos que se coleccionaram artefactos
encontrados em antigos túmulos. Foram recolhidos e criteriosamente coleccionados por terem sido usados em
rituais sagrados. Rui Oliveira Lopes, em Hidden treasures
and sacred meanings: tomb objects in Bronze Age China,
analisa alguns desses objectos que hoje integram a ce.
A Idade do Bronze europeia foi uma época de profundas transformações, nomeadamente, nas estruturas
sociais e nas dinâmicas de contactos. Uma fonte arqueológica importante para perceber estas dinâmicas sociais são
os rituais de morte e enterramento. A ce é rica de objectos
10
da Idade do Bronze provenientes de contextos funerários
e, ainda que sem contexto arqueológico conhecido, eles
permitem-nos relacionar os diferentes contextos culturais
do continente europeu e perceber melhor a relação entre
as culturas proto-históricas e os seus rituais funerários.
É disso que nos fala Davide Delfino na sua comunicação
Tesouros escondidos e significado do sagrado: objectos funerários da Idade do Bronze da Europa.
Gustavo Portocarrero, em Joalharia Helénica da Colecção Estrada (séc. iv–i a.c.): formas e simbolismo funerário,
apresenta um conjunto de 37 peças de joalharia do período
helénico e, ainda que sem contexto original, interpreta o
seu simbolismo à luz de contextos funerários, pois jóias
intactas do mundo antigo estão, normalmente, associadas
a rituais de morte e enterramento.
Na análise dos vidros romanos, Luís Jorge Gonçalves e
Artur Ramos, em Recipiente de khol da Colecção Estrada,
destacam os recipientes de khol, pelo que eles significam de
modernidade e sofisticação do design em produtos destinados à cosmética das mulheres das elites sociais romanas.
São temáticas muito diversificadas, como é diversificado o acervo da Colecção Estrada.
A todos os que ajudaram a programar e concretizar estas jornadas, aos oradores e investigadores que connosco
colaboraram partilhando os seus estudos e as suas reflexões, o nosso reconhecido agradecimento.
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
construção
de conhecimento, arqueologia
e colecções privadas
Luiz Oosterbeek
professor coordenador
do instituto politécnico de tomar
grupo quaternário e pré-história
do centro de geociências
(uid76 fundação ciência e tecnologia)
A arqueologia: um olhar específico
sobre o comportamento humano
A arqueologia é um campo multidisciplinar de conhecimento, onde se cruzam as ciências humanas (ou humanidades), as ciências da terra e as ciências naturais. Neste
sentido, a arqueologia tem uma óbvia dimensão histórica
(na medida em que indaga contextos passados), mas não é
essencialmente história. Por um lado porque lhe falta a
precisão do tempo curto (excepto ocasionalmente) e por
outro porque a sua especialidade é o estudo dos vestígios
materiais dos contextos culturais no passado.
Assim, a arqueologia é sobretudo um olhar específico
sobre o comportamento humano, que valoriza sobretudo
as materialidades que exprimem, revestem e contextualizam esse comportamento. O arqueólogo deve ter uma clara compreensão dos processos de formação e modificação
dos depósitos que embalam os contextos arqueológicos
(pois isso é fundamental não apenas para o seu posicionamento no tempo, mas também para a eventual correlação
12
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
espacial sincrónica de tais vestígios), deve compreender a
articulação com os ecofactos e o contexto paleoambiental
(o cenário e condicionantes do comportamento humano)
e deve conhecer os métodos analíticos com que as diversas
ciências concorrem para a construção do conhecimento
arqueológico (datações absolutas, caracterização de matérias primas, paleogenética, etc.). Mas deve, sobretudo, conhecer os vestígios materiais do comportamento humano,
os artefactos a todas as escalas (dos objectos móveis aos
grandes espaços habitacionais). Neste sentido, o arqueólogo é um especialista não apenas das morfologias e simbologias, mas também das técnicas de produção do passado:
o olhar arqueológico valoriza a arte e a tecnologia, no tempo e no espaço.
Para construir o conhecimento arqueológico, o contexto é quase tudo. Na verdade, um objecto sem contexto
perde quase todo o seu valor informativo. Pode manter
um valor estético (não propriamente artístico, dado que
também em arte o contexto é quase tudo), e mesmo um
valor pecuniário (se for construído em materiais nobres),
mas o seu valor é diminuído se não for possível relacionálo com outros objectos, estruturas, ecofactos…numa palavra, com o cenário global em que um dia integrou a rede
de relações comportamentais humanas.
Tal não impede que parte importante da nossa compreensão do passado repouse ainda sobre objectos descontextualizados, não apenas porque muitos achados de grande importância ocorreram sem ser no âmbito de trabalhos
arqueológicos cientificamente enquadrados, mas também
porque uma parte de tais achados se deu fortuitamente, ou
mesmo no âmbito de processos de assalto criminoso a sítios arqueológicos. Este tipo de achados não pode e não
deve ser ignorado, na medida em que possa ajudar a abrir
hipóteses de pesquisa, ainda que, sublinhe-se, o seu valor
explicativo seja limitado.
Os objectos arqueológicos são exclusivamente aqueles
que provêem de escavações arqueológicas. Isto é, a adjectivação “arqueológico” reporta-se a um atributo conferido
pelo acto de ser exumado ou estudado por um arqueólogo
(ou seja, alguém com preparação técnica para atender às
preocupações de contextualização espacial e temporal antes mencionadas).
Os objectos arqueológicos são unidades de significado
que ganham sentido num sistema de referência que os arqueólogos por vezes designam de tecno-complexo. O interesse desses objectos é o de, estando inseridos nesse sistema, poderem ser estudados nas suas propriedades relacionais, permitindo fazer inferências sobre o comportamento humano (das sequências tecnológicas à organização
social). Por isso o seu lugar é em museus, que permitam o
estudo, a conservação e também o usufruto público.
O interesse desse estudo reside na estrutura explicativa
que comporta: localização e relações sincrónicas (noção
de espaço e de ambiente), mobilidade e transformação no
tempo (tecnologias, economia e noção de tempo) e relações de dependência (noção de causalidade, noção de acaso e compreensão das dinâmicas sociais e logísticas).
Nesta lógica, a musealização de objectos arqueológicos numa tripla dimensão (espacial, temporal e causal) é
um poderoso instrumento de formação dos cidadãos,
dado que lhes permite compreender a lógica condicionada do comportamento humano, no passado como na actualidade.
Um museu deve, assim, promover discursos museográficos que ajudem a construir as noções referidas, dado
que essas noções são de utilidade global para a sociedade.
comércio e tráfico: uma fronteira cinzenta
plena de dilemas
Das razões acima aduzidas decorrem duas considerações:
o lugar dos objectos arqueológicos é nos museus, com registo claro dos seus contextos de proveniência; e deve ser
fortemente combatida a exposição de peças descontextualizadas apenas em função do seu eventual valor estético
(sobretudo porque essa exposição pode encorajar o saque
de sítios arqueológicos, com a decorrente destruição dos
mesmos). É neste sentido que se pronuncia a Convenção
da Unesco sobre tráfico ilícito de bens culturais (de 1970),
reforçada pela Convenção Internacional para o Repatriamento de objectos culturais roubados ou ilegalmente exportados (de 1995).
De facto, não foi sempre este o entendimento da comunidade internacional, mas a compreensão de que a aceitação do comércio de antiguidades arqueológicas pode camuflar e legitimar o tráfico de objectos fruto do saque de
sítios arqueológicos tem levado a que cresça a adesão a estas convenções (Renfrew 2009).
Subsistem no entanto dificuldades, por um lado de natureza legal e por outro de natureza social.
No plano legal, a valorização contextual dos objectos
arqueológicos, como aqui se defende, radicando embora
num interesse científico e cultural, só é legitimada em função duma noção de interesse colectivo, e em última análise
num quadro supra-nacional. Esse é o quadro da Unesco e
das Nações Unidas, porém não é a base em que se apoiam
a generalidade das ordens jurídicas nacionais, em que a
defesa dos direitos individuais é primordial. Por muito que
14
se queira ignorar este facto, existe uma contradição entre a
compreensão do interesse colectivo que substancia a dimensão cultural dos objectos arqueológicos e a compreensão do direito individual à propriedade. Naturalmente que
este direito não se aplica aos objectos roubados em violação das leis dos países que proíbam tais práticas, mas que
fazer nos casos em que o comércio dos bens arqueológicos
é tolerada, ou até estimulada, pelas autoridades?
Por outro lado, existe uma correlação negativa entre o
alargamento do conceito de património arqueológico (que
se alargou ao ponto de abarcar a totalidade dos contextos
envolventes da actividade humana no passado) e os recursos financeiros disponíveis em face de exigências metodológicas crescentes. Por essa razão, apenas uma pequena
parte dos contextos arqueológicos pode ser efectivamente
escavada e estudada com rigor, enquanto o resto é muitas
vezes destruído sem registo adequado no âmbito de obras
públicas ou acidentes naturais. Certos contextos, pelo elevado custo das intervenções, estão particularmente sujeitos a esta destruição (e ao saque que a acompanha), como
é o caso dos contextos subaquáticos. Essa vasta componente dos contextos arqueológicos é destruída (por barragens, estradas, tsunamis,…) sem qualquer outra intervenção porque as legislações dos países tendem a restringir a
intervenção física sobre os sítios aos profissionais de arqueologia (o que é sem dúvida correcto, na lógica de conhecimento que se explanou antes). Porém, será lógico
preferir a destruição completa ao resgate casuístico, nestes
contextos? Esta é uma linha de fronteira difusa e perigosa,
e certamente que soluções permissivas poderiam abrir caminho à vandalização dos vestígios. Mas também não será
sustentável um caminho que, em prol do interesse colectivo, conduza à destruição.
Acresce que o património arqueológico não é um recurso de sobrevivência, e a sua importância decorre dos
processos de apropriação que possibilita. Ora existem diversos planos de apropriação (da humanidade, dos países,
das comunidades, das regiões, das pessoas…), mas a legislação patrimonial tende apenas a valorizar um plano (o
dos Estados, apesar da crise em que se encontram) en-
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
quanto o direito civil tende a valorizar sobretudo um outro
(o individual). Sobretudo em democracia a ausência de
debate sobre esta tensão jurídica é perigosa, pois o interesse social do património decorre precisamente da pluralidade das suas apropriações, e um discurso demasiado distante das dimensões individual e comunitária/local tende
a divorciar a população desse mesmo património. Para
além da consequência directa de menor investimento público (os estados democráticos reduzem os investimentos
em sectores cuja importância não é valorizada pelos eleitores), é sobretudo a não apropriação pelos cidadãos que é
inquietante.
A actual valorização do património imaterial em detrimento do património material (arqueológico ou não),
consagrada na Europa desde 2003, é o corolário de uma
estratégia que, ainda que correcta na esfera do combate ao
tráfico e ao saque, não cuidou de encontrar os meios de envolver a população na apropriação/usufruto desta herança.
Uma recusa intransigente de todas as formas de saque
e comércio ilícito não deverá ignorar as dificuldades estratégicas que, do ponto de vista substancial (a construção e
apropriação social de conhecimento), se torna necessário
enfrentar. Um caminho distinto, centrado na noção de propriedade dos Estados (até ao limite de poderem livremente
destruir o património arqueológico) ou mesmo de devolução de bens expatriados no passado (como ocorre com certos objectos icónicos para países como a Grécia ou o Egipto), longe de afirmar a dimensão de bens da humanidade
tenderá a reforçar nacionalismos conservadores, potencialmente xenófobos até (sendo que a manipulação belicista da
arqueologia é uma realidade com forte tradição).
Mas, para além das considerações em torno dos processos de apropriação, subsiste ainda o problema de o que fazer com os objectos descontextualizados, ou sobre os quais
se conhecem apenas vagas indicações. Como se referiu antes, tais objectos não são, em rigor, objectos arqueológicos,
dado que não provêem de um trabalho arqueológico metodologicamente rigoroso (independentemente de se tratarem de achados fortuitos ou de produtos de saque). Porém,
tal não elimina a sua natureza de unidades de informação,
que podem efectivamente ser sujeitas a um questionamento do ponto de vista dos métodos da arqueologia: caracterização dos materiais e processos de fabrico, comparação
com materiais idênticos provenientes de contextos monitorizados, tipologia. Eles não perdem, por outro lado, o seu
valor didáctico, se expostos em museus que claramente expliquem as suas limitações e façam a didáctica dos diversos
aspectos tecnológicos, estéticos e também éticos que estão
envolvidos. Deve um arqueólogo estudar tais objectos? A
resposta positiva acarreta o perigo de assim legitimar eventuais frutos de saque ou ignorância e estimular novos saques. Mas a resposta negativa implica ignorar eventuais
fontes de conhecimento, o que contraria a lógica da pesquisa (não ignorando as fronteiras éticas da mesma).
A orientação dominante no sentido de limitar a presença permanente de objectos exumados num País nas
reservas ou salas de exposição de outro País cria, ainda,
uma dificuldade adicional: ela impede a criação de museus
com capacidade de mostrar o património universal da
Humanidade. É certo que existem diversos museus que já
o fazem, herdeiros dos períodos de colonização. Mas o resto do planeta está hoje desprovido da capacidade de construir museus como o British Museum ou o Musée du Louvre. Ocorre que a importância destes museus de arqueologia “transcontinental” não deve ser subestimada no que
concerne a formação cultural das populações em que se
inserem. Deverão os restantes povos ser desprovidos do
direito de também eles virem a constituir museus desta
amplitude? A resposta efectiva, nos diversos países, tem
sido a de não erguer tais museus, o que também se exprime pela valorização dos museus etno-históricos nesses
países (em detrimento dos museus de arqueologia).
Para obviar às dificuldades de circulação internacional
de objectos arqueológicos, a solução que por vezes ocorre
é a da reprodução virtual, que sem dúvida é um processo
que permite actualmente um grande rigor e precisão. Porém, a virtualidade em património arqueológico tende a
enfraquecer o vínculo entre os cidadãos e a materialidade,
que é precisamente o foco do interesse social da arqueologia. Mais uma dificuldade, mais um dilema…
colecções privadas e interesse público
É neste complexo contexto que se impõe compreender a
relação entre colecções privadas de objectos de natureza
arqueológica e interesse público. O interesse deve sempre
radicar na possibilidade, ou não, de construir conhecimento científico e cultural que possa ser socializável (nas
esferas científica e popular), não sendo aceitáveis cláusulas
de secretismo: o único interesse possível em tais colecções
é a sua visibilidade e fruição social. Neste sentido, o estudo
de tais colecções pode justificar-se em função do reforço
de conhecimento numa ou mais vertentes de análise acima
referidas, e desde que não ocorram ilegalidades ou prevaricações éticas.
O interesse público reside, também, no combate à alienação, pelo que todos os passos que sejam dados (por organismos públicos ou privados) no sentido de reforçar nos
cidadãos as noções de espaço, tempo e causalidade racional, desde que respeitando a lei, são desejáveis. A sociedade actual é marcada pelo enfraquecimento do conhecimento de base racional, com destruição (intencional ou
fortuita) de muitos sítios arqueológicos e tráfico de objectos arqueológicos roubados. O combate a essas tendências
passa pelo envolvimento de números crescentes de pessoas no quotidiano dos museus e centros de pesquisa. É nesse quadro que se torna crucial dotar os museus e centros
de pesquisa em património arqueológico de redes amplas,
que reforcem as competências já instaladas e possam contribuir para a inovação.
Aos museus, em cujos acervos não raro se incluem diversos objectos de origem arqueológica, provenientes de
colecções formadas antes de 1970 sem informação contextual clara, mas muitos dos quais caracterizáveis após análise laboratorial e, igualmente, com forte valor estético-histórico, cabe a responsabilidade de assumir plenamente a
adesão à Convenção de 1970, mas sem fechar portas aos
debates sobre as dificuldades e dilemas que se foram enunciando neste texto. E de saberem, a cada momento, que a
escolhas devem ser norteadas pelo critério do conhecimento que pode ser produzido e não da propriedade dos
bens. Porque o conhecimento é estrutural e sempre apro-
16
priável, enquanto que a propriedade é conjuntural e sempre alienável.
Trata-se de um caminho difícil e perigoso, mas vale a
pena trilhar outro caminho, talvez ilusoriamente mais seguro, em tempos de mudança e incerteza?
bibliografia para debate
brodie n., renfrew c. (2005) — Looting and the world’s archaeological
heritage: the inadequate response. In: Annual Review of Archaeology, 34,
pp. 343–61.
cuno, j. (2008) — Who Owns Antiquity? Museums and the Battle over
our Ancient Heritage. Princeton, Princeton University Press, 228p.
renfrew, c. (2009) — Ethics in archaeological research: international
responses to the illicit trade in antiquities. In: D’Agata A.L. and Alaura S.
(eds.). Quale futura per l’archeologia? Roma, pp. 235–47.
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
a controvérsia internacional
sobre propriedade e gestão
privadas de artefatos
arqueológicos móveis
sob a ótica do direito ambiental
constitucional brasileiro
Henrique A. Mourão
advogado
mestre em arqueologia pela universidade
de são paulo.
prof. de direito ambiental da escola superior
de advocacia da ordem dos advogados
– seção minas gerais.
grupo quaternário e pré-história
do centro de geociências
(uid76 fundação ciência e tecnologia)
resumo
Propomos neste ensaio a noção de bem difuso para discutir o problema da propriedade dos bens artísticos e
culturais e da atribuição do direito e do dever de usar
e proteger esses bens. Essa noção nos parece vantajosa
porque suprime a dicotomia que envolve propriedade
pública e privada.
Palavras-chave: Bens arqueológicos — propriedade cultural — gestão pública e privada — bens difusos.
18
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
abstract
We propose in this paper the notion of diffuse heritage to
discuss the problem of ownership of cultural and artistic
assets and assignment of the right and duty to use and protect these assets. This notion seems advantageous because
it suppresses the dichotomy that involves public and private property.
Keywords: Archaeological heritage — cultural property
— public and private management — diffuse heritage.
introdução
Segundo crença disseminada pela unesco, em Convenção de 1970, as administrações públicas estatais constituem
o contexto ético para estudar, possuir e preservar o passado, uma vez que as administrações privadas estariam subjugadas ao espírito capitalista, que tem como valor imanente a troca dos objetos segundo as leis do mercado,
opondo-se, assim, aos princípios que regem os acordos e
as convenções da entidade.
Os cidadãos particulares que querem preservar, proteger e usar a herança cultural da humanidade são geralmente criticados por grupos que compreendem a gestão, a
guarda e o uso privados dos bens arqueológicos, artísticos
e culturais como indicativos de dominação, elitismo e posse. Segundo perspectiva da unesco, a propriedade cultural desvia-se dos propósitos da Lei Universal de Propriedade Cultural, que pretende manter os objetos em seus
contextos territoriais, preservando as funções e as sensibilidades originárias daqueles que os produziram, garantindo a propriedade dominial dos Estados sobre todos os
objetos existentes em seus limites territoriais.
Não pretendemos aqui contrapor as perspectivas estatal e particular apenas para tomarmos partido: ambas são
insuficientes para resolver o desafio de defender interesses
que, na verdade, não são exclusivos nem de Estados nem
de particulares. Aliás, é exatamente o rompimento dessa
dicotomia que nos permite encontrar respostas mais adequadas ao problema da propriedade dos bens arqueológicos, artísticos e culturais; respostas que também servirão a
questões relativas à atribuição do direito e do dever de usar
e proteger esses bens.
Nesse sentido, introduzindo no ordenamento jurídico
a noção de bem difuso (que constitui uma terceira categoria, na qual estão inseridos o meio ambiente natural e os
artefatos arqueológicos), a legislação constitucional brasileira criou um novo paradigma, mais democrático e participativo, para o mundo da gestão e da tutela das artes e dos
artefatos a que nos referimos. Uma vez compreendido que
o Estado é um conceito, e não um suporte ideal das aspirações coletivas, podemos assistir à revisão dos modos de
definir os interesses públicos, o que torna possível a emergência de outros atores — cujas capacidades de agir podem
ser observadas, e considerados os seus direitos de se informar, de participar e de usar os objetos da antiguidade.
Este ensaio está intimamente ligado a questões políticas e a relações jurídico-sociais e humanas. Ele busca a
construção de um espaço autônomo para a discussão de
uma perspectiva contestatória que contemple todos aqueles que buscam emancipação e liberdade.
a relação legal das pessoas com os objetos
da antiguidade: breve história
Ainda hoje, a relação vigente das pessoas com as artes e
com os objetos da antiguidade é aquela prevista na Convenção sobre Meios de Proibir a Importação, Exportação e
Transferência de Posse Ilícitas da Propriedade Cultural, de
1970, ocasião em que se elegeu um modelo estatal de transferência de propriedade, gestão e tutela dos artefatos arqueológicos. Importa anotar que os fundamentos que nortearam a Convenção de 1970 também serviram de referência à Convenção unidroit sobre o Retorno Internacional de Bens Culturais Roubados ou Ilicitamente
Exportados, de 1995, e à Convenção sobre a Proteção do
Patrimônio Cultural Subaquático, de 2001.
A propósito do surgimento dessas preocupações, Choay destaca que foi a partir do estímulo de Estados Nacionais que o interesse pelas antiguidades e sua conservação
começou a se esboçar: primeiramente, com a busca de vestígios grego-romanos, na Europa do século xv; depois, à
maneira do modelo desenvolvido na Itália, com a necessidade de conservação dos edifícios históricos paleocristãos,
valorizando, assim, as suas tradições. Mais tarde, houve o
desejo dos Estados de afirmar a sua originalidade arquitetônica, cultural e estética, exaltando a excelência da civilização ocidental para o resto do mundo.
Desde então, os Estados Nacionais mostraram-se cada
vez mais preocupados com os artefatos arqueológicos,
propondo políticas públicas de conservação e gestão e ajudando a disseminar a noção de “propriedade cultural”. Esses novos valores seriam definitivamente assumidos pelos
Estados, que passaram a adotar a posição segundo a qual
cultura é algo inalienável e fixo, devendo ser controlado
por eles. Os artefatos arqueológicos passam a agregar valores políticos, sendo, assim, tomados como “bens culturais”,
patrimônio dessa ou daquela cultura Estatal — como se
cultura pudesse pertencer a alguém, como se não fosse
algo dinâmico e instável, como se não se formasse por uma
fusão de várias culturas. Após a segunda grande guerra,
com a criação da onu, os artefatos (móveis e imóveis) foram então submetidos aos cuidados da lei, anunciando-se,
com isso, uma matriz estatizante, já que, à época, fazia-se
sentir a preocupação internacional com o desenvolvimento de novas tecnologias de guerra, além dos receios motivados pelas operações militares dos nazistas, que causaram
graves danos a inúmeros artefatos arqueológicos. Com a
criação da unesco, Organização das Nações Unidas para
a Educação, Ciência e Cultura, em 1945, essa matriz foi definitivamente consolidada: a fim de preservar os patrimônios culturais e naturais, criou-se o World Heritage Centre, entidade que busca a preservação e a restauração de
artefatos e locais históricos, atuando em 112 países.
Naomi Mezey (Mezey 2007:05), analisando a leitura
comparativa feita por Merryman dos valores e objetivos
estampados nos textos das Convenções Internacionais da
entidade, Haia 54 e Paris 70, lembra-nos que ambas representam “dois conjuntos de valores e perspectivas sobre a
propriedade cultural”, sendo Haia 54 uma “Carta de internacionalismo Cultural” e a unesco 70, de “Nacionalismo
Cultural”1. É o que veremos a seguir: as conseqüências
para o mundo das artes, das antiguidades e para o direito
de propriedade.
haia 54 e unesco 70: diferentes perspectivas
Propriedade, posse e gestão dos artefatos arqueológicos,
etnológicos ou históricos são questões fundamentais nos
debates jurídicos travados em torno desses bens. Nesse
particular, eles são tomados, no contexto da Convenção de
Haia, editada pela unesco em 1954, como um patrimônio
universal, comum de toda a humanidade, qualquer que
seja o povo a quem eles pertençam ou mesmo o território
1 Naomi Jewel Mezey. 2007. “The Paradox of Cultural Property” Expresso
Available at: http://works.bepress.com/naomi_mezey/1.
20
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
onde se encontrem. Paradoxalmente, no contexto da Convenção unesco de 1970 e nas demais que a ela se seguiram, esses artefatos passam a ser entendidos como um
patrimônio de determinadas comunidades ou nações.
A Convenção de Haia (doravante Haia 54), Convenção
sobre a Proteção dos Bens Culturais em caso de conflitos armados, documento fundador da expressão bens culturais,
tinha como objetivo exclusivo a proteção dos artefatos arqueológicos, históricos, artísticos e etnológicos em caso de
conflito armado. Ela foi proposta em razão da destruição
intencional desses artefatos pelos nazistas. Valendo-se de
termos que descendem de leis de guerra mais antigas, possui
dois protocolos que obrigam as partes (Estados-membro) a
salvaguardar os bens culturais dentro do seu território em
tempos de paz e evitar segmentação, roubo, apropriação
indébita ou sua destruição em tempo de guerra.
A expressão propriedade cultural, amplamente utilizada por nós hodiernamente, também foi cunhada nesse
momento, sendo conceituada como os bens “móveis ou
imóveis de grande importância para o patrimônio cultural
de cada povo, o que inclui edifícios ou áreas que contêm
bens culturais.” Fundamentada no princípio de que a cultura é parte do patrimônio cultural da humanidade, Haia
54 tratou os objetos de interesse arqueológico, etnológico e
histórico como “componentes de uma cultura humana comum, sejam quais forem os seus lugares de origem ou a
presente localização, independentes de direitos de propriedade ou jurisdição nacional.” (Merryman 1986: 01).
Apesar do que estabelece Haia 54, a história recente ainda
registra desrespeito às regras internacionais de proteção,
que não vêm sendo aplicadas sistematicamente. Conflitos
recentes revelaram deficiências nessa convenção, levando
os Estados a entabularem um protocolo adicional (P2) a
Haia 54, estabelecido e aprovado em Haia em 26 de março
de 1999. O protocolo reforça disposições relevantes concernentes à responsabilidade penal e de execução, além de
estendê-las à guerra civil. Além desses instrumentos, os
Protocolos de 1977, adicionais às Convenções de Genebra,
contêm dispositivos que visam a proteger bens culturais.
(Protocolo i, art. 38, 53 e 85; e Protocolo ii, art. 16).
Na condição de organização internacional com vocação normativa, a unesco produziu diversos instrumentos
legais internacionais de caráter vinculante aos seus Estados-membro, nas quatro áreas centrais da diversidade
criativa (patrimônio cultural e natural, patrimônio cultural tangível, patrimônio cultural intangível e criatividade
contemporânea). Ao todo, sete convenções foram editadas, entre as quais Haia 54.
Em 1970, a unesco editou a Convenção sobre os Meios
de Proibir e Prevenir a Importação Ilícita, Exportação e
Transferência de Propriedade de Bens Culturais (doravante unesco 70). O próprio título da norma deixa claro,
como observa Mezey (Mezey 2007: 04), que a Convenção
estava menos preocupada com a guerra do que com o
crescente mercado de arte e antiguidades — um “mercado
negro”, na visão dos idealizadores do texto. A entidade
queria, na verdade, prevenir que os Estados adquirissem
produtos culturais roubados ou exportados ilegalmente.
A unesco 70 caracterizou os bens culturais com muito mais detalhe do que Haia 54, tomando-os como uma
propriedade que é designada pelo Estado e para um Estado. Outra novidade da unesco 70 é que, ao atribuir a propriedade dos artefatos ao Estado onde estão localizados,
explicitou um sentido de urgência, afirmando a necessidade de “cada Estado se tornar cada vez mais vivo para com
suas obrigações morais a respeito da sua própria herança
cultural e de todas as outras nações.” (Mezey) Importa observar que o texto não explicita quais seriam essas obrigações morais dos Estados. Todavia, fica claro o desejo de
seus idealizadores de sugerir um código de costumes em
relação aos objetos da antiguidade. Esse código não se valeria de unanimidade social, mas teria abrangência cada
vez mais ampla, considerando-se que o campo de controle
social da moral é mais vasto do que o do Direito, pois independe de fronteiras geográficas e garante uma identidade entre pessoas que nem sequer se conhecem, mas que
utilizam o mesmo referencial moral.
Percebemos, na base do discurso jurídico que configura o texto da unesco 70, uma maneira de conceber os objetos de interesse arqueológico, etnológico e histórico que
confere a esses bens o sentido de herança cultural nacional.
É compreensível que os enunciados desse discurso tenham
sido formulados segundo a noção de supremacia dos Estados Nacionais. A entidade supranacional organizou-se
como instância de defesa de interesses estatais no âmbito
internacional, ou seja, como instância que, antes de representar a coletividade civil, representa Estados soberanos.
E a soberania, um conceito metafísico e abstrato, se compreende no exato conceito de Estado. Estado não soberano
não é Estado. A soberania é uma autoridade superior que
não pode ser limitada por nenhum outro poder, nos informa a doutrina jurídica2.
As convenções que foram editadas a partir de 1970, especialmente a unidroit e a do Patrimônio Cultural Subaquático, revelam, como a precursora, contradições com a
perspectiva de Haia 54: a vida cultural encontra-se, ainda,
em um “vácuo legal” em inúmeros sistemas jurídicos, não
havendo confirmação, na realidade jurídica e social de vários grupos, do caráter de herança cultural nacional dos
artefatos arqueológicos ao país fonte dos objetos.
Em nome de uma universalização dos benefícios que a
cultura pode trazer, essas Convenções instauraram uma
realidade que prejudicou a circulação dos objetos antigos,
afetando o comércio e o comportamento cultural de inúmeros membros da sociedade (como se não houvesse diversas realidades culturais). A posse, gestão e tutela dos
artefatos passaram a ficar polarizadas nos interesses dominantes de um determinado governo estatal, que seleciona e
prioriza as discussões sobre o tema, considerando apenas
os seus próprios interesses em relação à cultura nacional.
Interessa observar que, havendo violação aos termos
dessas Convenções, é prevista a aplicação de sanções: a
unesco 70, por exemplo, considera importação ou exportação de material arqueológico fato ilícito, o que foi tipificado na maioria dos códigos ou leis dos países-membro da
entidade. Dessa forma, a troca de artefatos arqueológicos é
exclusividade das instituições oficiais e não pode existir
em um mercado livre de arte e antiguidades.
O ponto de vista jurídico assumido pela unesco e
disseminado para os ordenamentos jurídicos dos Estados-
membro dificulta sensivelmente a resolução das disputas
surgidas a partir da edição das normas internacionais. Esse
modelo está ancorado em uma matriz cujos métodos e valores não têm assenso geral: as disputas da propriedade e
gestão de bens culturais são geralmente resolvidas segundo
os interesses dos Estados envolvidos, considerando-se ainda orientação e interveniência da v, que disponibiliza em
seu site um roteiro didático aos Estados-membro que queiram solicitar a restituição de uma propriedade cultural.
Convém perceber o seguinte: se um objeto cultural tem
alto valor monetário ou identificatório, os Estados disputam até mesmo judicialmente a sua posse; do contrário,
muitas vezes eles negligenciam a sua preservação. FG Fechner (Fechner 1998: 06) obeserva que: — “a lei de proteção
dos bens culturais não deve ser apenas um método para a
arbitragem de interesses nacionais, mas deve também ter em
conta os interesses da humanidade em geral, incluindo a preservação do objeto em seu contexto original, acessibilidade
ao público, e os estudos científicos, históricos e interesses estéticos que podem, também, ser associados com um objeto.”
E conclui: — “enquanto alguns Estados são incapazes de
proteger seu patrimônio cultural, especialmente em tempos
de guerra, o direito internacional público não impede um
Estado de destruir o seu património cultural. O Direito do
patrimônio cultural está se desenvolvendo rapidamente, e as
leis nacionais e convenções internacionais estão no processo
de criação.”3
É oportuno anotar que as estruturas normativas que
compreendem os Estados Nacionais como soberanos em
relação aos artefatos arqueológicos negligenciam inúmeros outros conteúdos, valores e símbolos, razão por que
consideramos que o discurso moral e jurídico da unesco
não está sedimentado. Antes, o que nos parece óbvio nesses instrumentos jurídicos é a visão estatizante, romântica
e nacionalista sobre os objetos da antiguidade.
2 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo. Malheiros, 1999.
3 Michael Fechner The fundamental aims of cultural property Law.
Disponível em journals.cambridge.org/action/displayIssue?iid=279319
Volume 7 – Issue 02 de FG Fechner – 1998.
22
implicações da unesco 70 para a gestão
coletiva dos bens culturais
A preocupação comum com a preservação e a proteção
dos artefatos arqueológicos das culturas antigas está cada
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
vez mais evidente. Segundo a International Association of
Dealers in Ancient Art — iadaa4, há muitos motivos que
ameaçam o compartilhamento global dessa herança: as
guerras, o desenvolvimento econômico e religioso e a intolerância cultural. Daí o esforço da entidade, que, segundo ela própria, busca o equilíbrio.
Aos motivos da sociedade civil soma-se o discurso distorcido e impreciso que projeta sobre os artefatos arqueológicos crenças morais que não passam de suposições sem
assentimento geral. Esse discurso geralmente é proveniente de pessoas e grupos que, ligados de alguma forma a programas estatais, estão interessados na guarda e na preservação do passado — mas com o devido condicionamento
oficial da gestão. Ocorre que os cidadãos particulares que
também querem preservar e proteger a herança cultural
da humanidade são moralmente desencorajados por esses
grupos, que, conforme já observamos, veem na disposição
de guarda e gestão privada dos bens culturais uma intenção elitista de posse e dominação. Entre os membros desses
grupos, os arqueólogos, por exemplo, têm, em sua maioria,
a visão de que os artefatos arqueológicos só podem ser manuseados por meio da elaboração de um projeto científico, com a devida teorização e socialização dos resultados
— trabalho que apenas pode contar com a colaboração de
profissionais de áreas como a Geologia, a Química, a Fotografia, a Antropologia, as Artes Plásticas e a Medicina.
Há, contudo, quem acredita que perspectivas como as
dos arqueólogos têm um sentido ideológico deformado e
antinômico, fundamentado nos acordos e recomendações
da unesco. Merryman (Merryman 2004: 269), por exemplo, destaca a visão empobrecida do universo da arte internacional em razão das crenças antimercado dessa entidade. Nessa visão, segundo o jurista, a ideia de proteção e
preservação dos bens culturais da humanidade por todos
assumiria um significado diferente daquele proposto pela
Haia 54, prevalecendo o preconceito contra a circulação da
propriedade cultural por meio de transações de mercado.5
Com efeito, os programas públicos de educação cultural
têm revelado em seu discurso o propósito claro de obstruir a circulação internacional de objetos culturais me4
5
Disponível em: www.iadaa.org/.
EMERRYMAN John Henry. A licit international trade in cultural objects in GIDBON,
Kate Fitz (Editor). Who owns the past?- Cultural Policy, Cultural Property, and the Law.
New Brunswick, New Jersey, and London: Rutgers University Press, 2005,2007. pag. 269
diante o livre comércio de arte e antiguidades. Esse discurso cria uma atmosfera de aversão à gestão privada,
induzindo as pessoas a pensar que só se pode encontrar
segurança e competência plena quando a gestão, a proteção e a preservação de bens culturais ocorrem em instâncias oficiais, na maioria das vezes museus e instituições de
pesquisa. Percebe-se, todavia, uma crítica ao discurso oficial por um número crescente de pessoas, as quais vêm
exercitando seu direito de participação na gestão, na proteção e na preservação de bens culturais, revelando-se, assim, a necessidade de criação de novos estatutos para
legislar o patrimônio cultural comum da humanidade.6
O discurso antimercado, segundo nos parece, desconsidera os valores, as tradições, os hábitos e as produções materiais daqueles que entendem os artefatos arqueológicos
como bens que devem ser geridos com a participação direta da coletividade.
Segundo Merryman (Merryman 2004: 276), três forças
separadas, mas que se amparam mutuamente, opõem-se a
esse tipo de iniciativa, visando à inibição do livre comércio
de arte e da posse privada lícita das artes e antiguidades:
1 O preconceito antimercado da unesco;
2 A retenção excessiva das nações-fonte;
3 A cruzada dos arqueólogos.
O autor observa que o mundo da propriedade cultural
é habitado apenas por governos e instituições oficiais, não
havendo lugar para a livre circulação dos bens culturais ou
mesmo para um comércio livre de antiguidades. Com efeito, a gestão privada do patrimônio cultural não é uma realidade factível sob um sistema de leis que toma o Estado
como ator principal.
Boardman (Boardman 2009:107–124) também chama
a atenção para as consequências das legislações que consideram os Estados Nacionais guardiões do patrimônio da
humanidade7:
1 Falha no controle efetivo de saque de sítios e museus (em
grande parte culpa de países de origem dos objetos);
6
7
A Kunstpedia Foundation, com sede na Holanda, é um exemplo: trata-se de uma entidade sem fins lucrativos dedicada a promover o interesse e o apreço pelas Belas Artes, à exceção
da Arte Contemporânea. A fundação gerencia um site (www.kunstpedia.org) que oferece conteúdo livre e acessível na forma de artigos, ebooks e blogs criados por uma variedade
de colaboradores, entre os quais historiadores de arte, colecionadores, galerias, negociantes
e museus.
J. Boardman, arqueólogos, colecionadores e museus, em: cuja cultura? A promessa de Museus e do debate sobre Antiguidades, Ed. James Cuno, Princeton e Oxford (2009), S. 107-124.
2A destruição ou negligência total, por alguns arqueólogos, de antiguidades que ilogicamente são consideradas “contaminadas”;
3Absoluta restrição à coleção de antiguidades (muitas
que merecem proteção e estudo) por museus e particulares;
4A censura da bolsa original;
5A asfixia de um comércio legítimo de antiguidades;
6A negação do direito das pessoas ou museus para adquirir antiguidades que não sejam comprovadamente
objeto de roubo ou resultado de pilhagem, assim consideradas, desde que provado o contrário.
Estamos certos de que desconsiderar o direito de participação da coletividade é um equívoco da legislação da
unesco. Se hoje consagramos a noção segundo a qual os
objetos da antiguidade são um valor da humanidade, também não podemos nos esquecer de que uma poderosa relação de senhoridade e poder liga as pessoas aos objetos do
passado. Por conseqüência, é preciso reconhecer o direito
que elas têm de participar e de intervir nos processos de
gestão desses bens.
os diferentes valores atribuídos
aos objetos arqueológicos
Segundo Jorge Coli (Coli 2005: 11)8, há séculos consideramos os artefatos arqueológicos objetos artísticos ou mesmo mercantis, ou seja, objetos indissociáveis de nossa cultura. É necessário perceber, todavia, que a noção de arte
não é comum a todas as culturas; dessa forma, diferentes
manifestações culturais acabam por receber diferentes valores: determinados objetos de um povo são considerados
instrumentos de culto, rito e magia, e não objetos de arte.
Um objeto arqueológico também pode ser tomado como
uma relíquia. A Igreja Católica, por exemplo, acredita que
as relíquias são instrumentos que favorecem o contato dos
“amigos da Igreja” com Deus.
Nas situações em que o proprietário do artefato não é
mais aquele que o escondeu ou o perdeu em tempo remoto, é preciso verificar qual seria o papel do Direito em rela8 Coli, Jorge. Como estudar a arte brasileira do Século XIX. SENAC. São Paulo:2005, pag.11.
24
ção a esses objetos que não possuem dono determinado.
Analisando a visão que a unesco tem da relação das pessoas com os objetos da antiguidade, Neil Assher Silberman
(Silberman 2003:211)9 conclui que “consciente ou inconscientemente, a interpretação arqueológica e a apresentação pública de monumentos arqueológicos são usados
para dar suporte ao prestígio ou poder dos Estados-Nação
modernos”. Desse modo, as práticas culturais relativas aos
objetos arqueológicos são transformadas pela força coercitiva da norma internacional.
Apesar de as prescrições da unesco serem recepcionadas por inúmeros ordenamentos jurídicos ocidentais,
traduzidas como direitos do homem e do cidadão, ou seja,
como direitos concernentes à satisfação das necessidades
pessoais, a garantia desses direitos é, na prática, um grande
desafio contemporâneo. Os textos dos acordos e convenções da entidade violam frontalmente os direitos civis ao
vedar às pessoas a possibilidade de posse dos artefatos arqueológicos e a sua disposição mercantil. Constituem, assim, um campo fértil para as batalhas jurídicas, que se travam no quadro de leis legais e ilegais, constitucionais e
inconstitucionais.
Entendemos que, se o interesse social deriva do individual, o primeiro só será resguardado de fato quando forem
efetivadas as prerrogativas e as aspirações pessoais. Acreditamos que a destruição de sítios arqueológicos deve ser
combatida com tolerância e respeito aos inúmeros interesses que eles envolvem, alguns deles centenários e profundamente enraizados em diferentes culturas. Contudo, a
unesco, com seu discurso estatizante, pretende resolver
conflitos incitando todos a pensar que os interesses privados, entre os quais os dos comerciantes de arte e de antiguidades, são responsáveis pela destruição da história e da
memória, comprometidos que estariam apenas com os resultados proporcionados pelo mercado. Todavia, conforme pretendemos mostrar, esses interesses podem ser perfeitamente compatíveis com a educação e com o compartilhamento.
propriedade e gestão de artefatos
arqueológicos sob a ótica do direito
ambiental constitucional brasileiro
A unesco 70 implicou a institucionalização do meio ambiente natural e dos objetos da antiguidade. Desse modo, a
institucionalização é uma operação jurídica ainda presente
nos ordenamentos dos Estados-membro. Seu efeito é o estímulo contínuo à criação de entidades burocráticas para
dar suporte a esses Estados. Os conflitos envolvendo artes e
antiguidades são resolvidos, no plano internacional, com
interferência direta da unesco (por meio de seu Comitê
Intergovernamental) e, no plano interno dos Estadosmembro, segundo a supremacia do interesse público Estatal em relação ao interesse individual, da prioridade do interesse geral em detrimento do interesse individual,
devendo este submeter-se àquele.
Todavia, verifica-se hoje um posicionamento jurídico
divergente, que altera de modo definitivo esse panorama.
Discorrendo sobre as transformações ideológicas ocorridas no pós-guerra, Fiorillo (2004a) menciona o trabalho
Formações Sociais e Interesses Coletivos Diante da Justiça
Civil, de Capelletti, que enfatiza a existência de uma outra
categoria de interesses, a qual ultrapassa a tradicional dicotomia entre interesse público (de que é titular o Estado) e
interesse privado (cuja titularidade é atribuída ao indivíduo). Trata-se de interesses que dizem respeito às necessidades da coletividade e, portanto, não se situam em um
contexto individualizado; no entanto, não chegam a constituir-se como interesses públicos. Na doutrina jurídica hodierna, são denominados interesses metaindividuais. Por
serem relativos aos mais altos valores humanos (a qualidade de vida e a dignidade da pessoa humana, por exemplo),
esses interesses pressupõem uma transformação ideológica. Com efeito, a perspectiva que eles implicam torna impossível solucionar litígios segundo a velha concepção de
indivíduo como proprietário de um bem.
No Brasil, conforme já constatamos (Mourão, 2009:79)10,
o meio ambiente, nele incluído o meio ambiente cultural (e,
portanto, os bens culturais), tem sido entendido pela ciência do direito como um bem jurídico, e a sua natureza jurí-
9 FINKELSTEIN, Israel, SILBERMAN, Neil Asher. A Bíblia não tinha razão. Trad.
Tuca Magalhães. São Paulo: A Girafa, 2003, p.211.
10 Mourão, Henrique Augusto. Patrimônio Cultural como um Bem Difuso-O Direito Ambiental Brasileiro e a defesa dos interesses coletivos por organizações não governamentais.
Del Rey.Belo Horizonte:209. p.12.
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
dica tem sido definida na doutrina como uma questão concernente aos interesses difusos. Miranda, referindo-se à
Constituição do Brasil de 1988 (cr/88), afirma que: —
“a doutrina constitucional contemporânea classifica os direitos fundamentais por meio de um enfoque histórico, de acordo com as funções preponderantes por eles desempenhadas.
Fala-se, assim, em direitos de primeira geração (voltados à
proteção da esfera individual da pessoa humana contra ingerências do poder público, tais como o direito à vida, à propriedade e à liberdade); de segunda geração (caracterizados
pela imposição de obrigações de índole positiva aos poderes
públicos em contraposição ao abstencionismo estatal, objetivando incrementar a qualidade de vida da sociedade, podendo ser citados entre eles os direitos à educação, à saúde e
à moradia) e de terceira geração (que possuem como titulares não mais o indivíduo ou a coletividade, mas o próprio
gênero humano, dentre os quais estão o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o direito dos povos ao
desenvolvimento e o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade). (Miranda, 2006, p. 16)
Desse modo, a proteção do meio ambiente (art. 225), a
proteção do patrimônio cultural (art. 216) e a garantia do
exercício dos direitos culturais (art. 215) constituem direitos fundamentais do povo brasileiro. Além disso, a proteção dos artefatos arqueológicos, associada à tutela de interesses próprios do gênero humano, é um direito
transindividual difuso, “uma vez que pertence a todos ao
mesmo tempo em que não pertence, de forma individualizada, a qualquer pessoa” (Miranda, 2006, p. 17).
Podemos concluir, ainda, em razão do fato de o patrimônio cultural ser espécie do gênero meio ambiente, que
todo bem referente à nossa cultura, à nossa identidade, à
nossa memória etc., uma vez reconhecido como patrimônio cultural (caso dos artefatos arqueológicos), pertence à
categoria dos bens ambientais e, em decorrência disso,
constitui um bem difuso (Fiorillo, 2004a, p. 212). Essa categorização encontra-se na própria CR/88, nos arts. 215,11
caput, e 216, § 1º, que afirmam ser dever do Poder Público,
com a colaboração da comunidade, preservar o patrimônio cultural. O patrimônio cultural é, portanto, um bem
de massa, ou seja, um bem que rompe com a ideia de apropriação individual e instaura a necessidade de limitação de
condutas particulares que possam resultar em dano ambiental.
Miranda enumera as importantes conseqüências de
ordem jurídica prática advinda do reconhecimento do caráter difuso e indisponível do direito de preservação do
patrimônio cultural:
11 “Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes
da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.
12 Mourão, Henrique Augusto. Patrimônio Cultural como um Bem Difuso-O Direito Ambiental Brasileiro e a defesa dos interesses coletivos por organizações não governamentais.
Del Rey.Belo Horizonte:209. p.220.
1 A imprescritibilidade das ações que objetivam a reparação de danos ambientais coletivos;
2 A possibilidade de defesa do patrimônio cultural mediante a utilização de instrumentos processuais modernos e eficientes, tais como a ação civil pública (Lei
7.237/85);
3A indeclinável necessidade de intervenção do Ministério Público, como custos legis, nas ações cíveis que
envolvam a defesa de tal bem jurídico — quando o
Parquet não for o próprio autor —, ante o interesse público evidenciado pela natureza da lide (art. 127 – cf/88
e art. 82, iii, cpc). (Miranda, 2006, p. 18-19).
Conforme já expusemos em Mourão 2009, a moderna
legislação, mencionada por Miranda, também confere às
associações civis legitimidade para agir na propositura de
Ação Civil Pública em defesa dos patrimônios histórico,
arqueológico, espeleológico etc, o que se pode verificar no
disposto no art. 5º, inciso ii, da Lei 7.347/8512.
os artefatos arqueológicos como bens
difusos e adéspotas
A sociedade moderna desvinculou da noção de propriedade o caráter religioso que a civilização grego-romana lhe
atribuía e passou a conferir-lhe o valor de mera utilidade
econômica, além de estabelecer, via constitucionalismo,
uma nítida separação entre o Estado e a sociedade civil,
entre o homem privado (indivíduo) e o cidadão (sujeito da
sociedade política). Não obstante os paradigmas modernos, com a evolução socioeconômica do século xx, o objeto de garantia constitucional veio a ser alterado. Sucessi-
26
vas guerras, com destruição de cidades inteiras, rápida e
maciça concentração urbana, esgotamento de recursos naturais, entre outros fatos, implicaram a intervenção legislativa dos Estados nos sistemas jurídicos. Os direitos patrimoniais indispensáveis à subsistência individual começavam a merecer a mesma proteção constitucional
dispensada tradicionalmente à propriedade. Esse novo gênero de tutela torna-se necessário, segundo Comparato,
“quando a propriedade não se apresenta, concretamente,
como uma garantia da liberdade humana, mas, bem ao
contrário, serve de instrumento ao exercício de poder sobre outrem”.
No Brasil, a cr/88, à luz dessa compreensão da propriedade como fonte de direitos e deveres fundamentais,
estabelece que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” (art. 5º, § 1º).
Ela vincula, ao direito de propriedade, o dever fundamental de atendimento às necessidades sociais. Aquilo que foi
instituído ganha, assim, novas finalidades. A propriedade
não é garantia em si mesma, mas um instrumento de proteção de valores fundamentais.
Tendo em vista essa nova compreensão, Fiorillo (2004a,
p. 56) chama a atenção para a existência de uma possível
antinomia legal quando a “Constituição Federal em diversos artigos determina serem da União ou dos Estados os
bens tipicamente ambientais” (art. 20, iii, iv, v e vi; art.
26, i, ii e iii), entre os quais podemos citar os sítios arqueológicos e as cavidades subterrâneas (inciso x do art. 20).
A antinomia, porém, é só aparente. É o próprio Fiorillo
quem a refuta como uma falsa percepção, observando que
até a instituição do Código de Defesa do Consumidor, em
199013, todos os bens relacionados nos incisos do artigos
20 e 26 da cr/88 eram considerados públicos. Isso se dava
unicamente porque cabia ao Código Civil a responsabilidade pela classificação dos bens em nosso ordenamento
jurídico, e esse diploma somente reconhecia a existência
de duas espécies de bens: os públicos e os privados. Assim,
a leitura do art. 66, i, do Código Civil de 1916 determinava
a leitura dos termos do art. 225 da cr/88, de modo que se
compreendia que o meio ambiente, como um bem de uso
13 O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, Lei 8079, de 11 de setembro de 1990,
entrou em vigor em 11 de março de 1991.
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
comum do povo, seria um bem público. Por isso, destaca
Fiorillo, a forma de expressão do artigo constitucional era
equivalente à do Código Civil, como evidenciam os excertos a seguir:
(...) Art. 66, i do Código Civil Brasileiro de 1916:
Os bens públicos são:
i — de uso comum do povo, tais como mares, rios,
estradas, ruas e praças;
(...) Art. 225 da Constituição Federal de 1988:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público
e à Coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações (...)
Entretanto, a compreensão do meio ambiente como
um bem público se desfaz com a instituição do Código de
Defesa do Consumidor. Conforme já afirmamos em Mourão 200914, esse ordenamento, ao estabelecer o que são
bens difusos e coletivos, em consonância com a cf/88, revoga tacitamente o inciso i do art. 66 do Código Civil de
1916. Além dos bens públicos e privados, o nosso ordenamento jurídico passa, então, a contemplar uma terceira
categoria de bens: a dos bens difusos. Tento em vista a
congruidade das molduras normativas insertas na Constituição Federal, conferiu-se tratamento diferenciado “(...)
ao bem público e ao difuso, na medida em que foi ressaltado, mais uma vez, que meio ambiente não é patrimônio
público, até mesmo porque conclusão contrária a esta
obrigar-nos-ia a acreditar na redundância do legislador
constituinte” (Fiorillo, 2004a, p. 56). Segundo Fiorillo
(2004a), o art. 129, iii, da Constituição Federal confirma o
novo estatuto do meio ambiente:
(...) Art. 129 — São funções institucionais do Ministério Público:
iii — promover o inquérito civil e a ação civil pública,
para a proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. (...)
14 Mourão, Henrique Augusto. Patrimônio Cultural como um Bem Difuso-O Direito Ambiental Brasileiro e a defesa dos interesses coletivos por organizações não governamentais.
Del Rey.Belo Horizonte:209. p.81.
Da mesma maneira, o art. 5º, lxxiii, preceitua: “Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular
que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de
entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (...)”.
De acordo com Fiorillo, com esses dispositivos, (...) observamos que o legislador constituinte distinguiu os bens
pertencentes ao patrimônio público dos pertencentes a
toda a coletividade. Isso se torna mais evidente ao constatarmos que ele tratou de forma diversa patrimônio público
e meio ambiente, numa clara alusão ao fato de que este não
constitui aquele. (Fiorillo, 2004a, p. 53).
Podemos concluir, portanto, que os bens que possuem
as características de bem ambiental (são de uso comum do
povo e indispensáveis à sadia qualidade de vida) não são
de propriedade de qualquer dos entes federados; em outras palavras, os rios, os lagos (inciso iii), as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos (inciso x), por exemplo, dos quais trata o art. 20 da
cr/88, não são bens de propriedade da União. Contudo, é
importante sublinhar que, (...) ao fazer-se distinção entre
bem público e bem de natureza difusa, não se colocam em
cheque o princípio da legalidade e o poder-dever de a Administração agir conforme os ditames legais e em benefício da coletividade. (Fiorillo, 2004a, p. 53) Com efeito, o
poder público deve atuar como administrador do bem que
pertence à coletividade, gerindo-o sempre com a participação direta da sociedade.
Plenamente fundamentada, embora fortemente provocativa àqueles que resistem a novos paradigmas, a legislação brasileira enquadra com pertinência os bens arqueológicos — segmento dos bens ambientais culturais — na
categoria dos bens difusos. Esse enquadramento encontra
sustentação não apenas no espírito da letra constitucional,
mas também no contexto social em que se ampara o assunto e nas próprias tendências da práxis da arqueologia,
hoje plenamente imbuída do princípio da inclusão e da
devolução social. Assim, como bens difusos, de uso comum do povo brasileiro, os artefatos arqueológicos podem
exercer sua função de contribuir para a qualidade de vida
humana. A União, hoje sua gestora única, fixará as regras
para sua melhor fruição, mediante a consolidação de estrutura híbrida que garanta a participação direta da sociedade. Deve-se considerar, porém, que, resguardadas as
prerrogativas de inserção nacional, o segmento social mais
interessado na utilização desses artefatos é a comunidade
local que os detém em seu território15. Assim, cabe ao poder público federal, com o apoio dos poderes estaduais e
em parceria com os profissionais da arqueologia e outros
interessados, esclarecer os propósitos dos bens arqueológicos junto à comunidade e ao poder público locais, em
linguagem adequada, estimulando a inclusão social por
meio do seu reconhecimento e da sua valorização, promovendo ações de educação patrimonial.
considerações finais
Nosso objetivo neste ensaio foi examinar criticamente o
conflito que, tendo em vista os propósitos comuns de possuir e preservar os artefatos arqueológicos, patrimônio comum da humanidade, estabelece-se em função das diferentes formas de entender como se deve realizar a gestão e
a preservação, quem deve preservar e quais são as implicações das decisões sobre a gestão e a preservação para as
políticas nacional e internacional e as leis da propriedade
cultural. O nosso grande desafio foi transcender a tradicional dicotomia entre direito público e direito privado estabelecida por setores mais conservadores do Direito, com
base na distinção entre os interesses da esfera particular e
os interesses públicos (relativos ao Estado), e propor um
modelo de gestão e preservação dos objetos em que o importante não é a propriedade do bem, mas o acesso a ele.
Constatamos aqui uma summa divisio em relação à
propriedade cultural: verificam-se, de um lado, os interesses individuais, cujos representantes (pessoas físicas ou naturais, instituições ou entidades privadas) buscam autonomia e legitimidade; e, de outro, os interesses dos Estados
nacionais, não na qualidade de poder público, mas de um
particular16 que retém deliberadamente bens culturais situados em seu território.
15 O assunto encontra respaldo na letra constitucional, que delega aos municípios a prerrogativa
de cuidar dos interesses locais. Nesse sentido, chamamos a atenção para o art. 30, I, II e IX,
da Carta da República.
16 MALHEIRO citando Franco Montouro (Introdução à ciência do direito, pag.36).
MALHEIRO, Emerson Penha. Manual do Direito Internacional Público. São Paulo.
Editora Revista dos Tribunais. 2ª Ed. 2009 Pag. 193.
28
Messenger assinalou que o discurso e o sentido das palavras variam conforme a posição e as crenças de quem
fala17. Em consonância com essa observação, devemos
acrescentar que, nas sociedades capitalistas complexas, devido à estratificação social, à diferenciação cultural, regional e ideológica, há uma gradativa e inevitável nuclearização e fragmentação de interesses que implica uma maior
diversidade discursiva. Todavia, é possível, na maior parte
das vezes, caracterizar os conflitos entre os discursos interessados na propriedade cultural como conflitos que têm
em comum a separação profunda entre as noções de público e de privado. Com efeito, trata-se de tensões e contradições inclusive conceituais, que se estabelecem com base
nas supostas prerrogativas dos Estados e nas supostas prerrogativas do setor privado, em conformidade com um processo de fragmentação social típico da modernidade.
Os diferentes grupos que pretendem possuir e preservar
objetos históricos, etnológicos, artísticos e arqueológicos,
tomando para si o encargo de atender interesses que seriam
de toda a coletividade humana, representam, na verdade,
um dos lados do conflito relativo ao papel que cabe ao setor
público e aquele que se deve atribuir ao setor privado.
A Constituição Brasileira de 1998 tratou de preencher
esse abismo e não recepcionou a summa divisio clássica
entre Direito Público e Direito Privado18. A visão daqueles
que consideram a propriedade cultural algo intangível e
absoluto ou mesmo daqueles que insistem no protagonismo dos Estados no seu domínio, proteção e gestão contraria a importante noção da Carta Política, que preconiza
“mais sociedade, mais direitos e deveres individuais e mais
direitos e deveres coletivos e menos Estados e menos mercantilização”19. O Constituinte brasileiro preferiu adotar o
quadro filosófico da ciência jurídica contemporânea, ao
qual Canotilho chama de direito subjetivo público, ou direito supra-individual, cujo propósito é garantir a proteção
dos interesses não só do indivíduo proprietário mas também da coletividade20.
No modelo constitucional brasileiro, a propriedade
privada permanece plenamente tutelada. Todavia, ela passou a cumprir sua função social, em conformidade com o
preceito de assegurar a todos existência digna, com os ditames da justiça social, para a qual não deve haver exclusões ou discriminações, e com o princípio de respeito à
dignidade da pessoa humana, um dos apanágios do Estado Democrático de Direito21.
A necessidade de tomar o meio ambiente (aí incluídos
os artefatos arqueológicos, componentes do meio ambiente cultural) como um bem público, de propriedade do Estado, se desfez com a instituição do Código de Defesa do
Consumidor em 1990. Esse ordenamento, ao estabelecer o
que são bens difusos e coletivos, em consonância com a
cf/88, revogou tacitamente o inciso i do art. 66 do Código
Civil de 1916. Assim, além dos bens públicos e privados, o
ordenamento jurídico brasileiro passou a contemplar uma
terceira categoria de bens: a dos bens difusos.
O reconhecimento do caráter difuso do bem ambiental
cultural, compreendido, assim, como bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, confere uma
importante e especial força jurídica aos seus titulares, a coletividade, posto que a eles se dirigem as mais diversas medidas que garantem a vitaliciedade do instituto (salge jr.,
2003, p. 111). Fiorillo (2004a, p. 56) observa que, “diante
desse novo quadro, os bens que possuem as características
de bem ambiental (de uso comum do povo e indispensável
à sadia qualidade de vida) não são propriedades de qualquer dos entes federados (...)”22.
Importa observar, por fim, que essa posição jurídica
está em conformidade tanto com a perspectiva neoliberal,
que preconiza a redefinição das atividades do Estado,
quanto com os princípios da democracia, que pressupõe
que se disponibilizem à sociedade civil vários recursos de
defesa do bem ambiental cultural. Desse modo, a sociedade civil organizada e legitimada pode assumir o papel de
prestação e execução direta de serviços e atividades de caráter público, cabendo ao Estado regular, induzir e mobilizar os agentes econômicos e sociais. Avigora-se, assim, o
espaço público não estatal23.
Não pretendemos aqui esgotar o assunto, tendo em
vista os diferentes aspectos que o tema sugere e que ainda
merecem reflexão. Contudo, acreditamos que considerar
17 MESSENGER, Phyllis Mauch. The ethics of cultural property. Whose property ? Whose culture ?,
pag. 209.
18 ALMEIDA,Gregório Assagra. Direito coletivo brasileiro: autonomia metodológica e a superação
da suma divisio direito público e direito privado pela suma divisio constitucionalizada e relativizada direito coletivo e direito individual. Disponível Direito Processual Coletivo Brasileiro. Saraiva:2003, pag. 203.
19 NUNES JUNIOR, Amandino Teixeira. O Estado ambiental de Direito. Jus Navigandi,
Teresina, ano 10, n. 589, 17 fev. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/6340>.
20CANOTILHO, J.J. Gomes. Proteção do ambiente de propriedade: crítica de jurisprudência
ambiental. Coimbra, 1995, p. 38.
21 SOUZA, Mário Jorge Uchoa. Evolução da função social da propriedade nas constituições brasileiras e no direito comparado. Disponível em http://jusvi.com/artigos/1049.
22Oosterbeek lembra-nos os princípios da Declaração Internacional de Calamosa, de 1998,
uma reflexão de iniciativa do Comitê Internacional para a Gestão de Qualidade
do Património Cultural, que busca uma mudança de paradigma na esfera da “gestão do patrimônio”. Os princípios seriam três: 1)“O Patrimônio Cultural é a memória coletiva da Humanidade; 2) O Património Cultural é um recurso não renovável; 3) A gestão de qualidade do Patrimônio Cultural deve ser orientada para a sua preservação, no contexto do desenvolvimento sustentável.” Oosterbeek, Luiz Miguel. Gestão da Arqueologia: Mudar
o paradigma. Disponível em www.praxisarchaeologica.org/issues/PDF/2008_139144.pdf.
23 Idem.
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
essa terceira via, a noção de bem difuso, é caminho rico de
possibilidades para a solução dos conflitos relativos à gestão e conservação dos bens culturais.
bibliografia
almeida,g. (2003) — Direito coletivo brasileiro: autonomia metodológica
e a superação da suma divisio direito público e direito privado pela
suma divisio constitucionalizada e relativizada direito coletivo e direito
individual. Disponível Direito Processual Coletivo Brasileiro. Saraiva.
bonavides, p. (2001) — Teoria constitucional da democracia participativa:
por um direito constitucional de luta e resistência; por uma nova
hermenêutica; por uma repolitização da legitimidade. São Paulo Malheiros.
brasil. — Constituição (1988). Constituição da República Federativa
do Brasil, 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
canotilho, j.j. g. (19959 — Proteção do ambiente de propriedade: crítica
de jurisprudência ambiental. Coimbra Editora.
canotilho, j. j. g.; moreira, v (1991) — Fundamentos da constituição.
Coimbra: Coimbra Editora.
capelletti, m.; garth, b. (1988) — Acesso à justiça. Porto Alegre:
Sérgio Antônio Fabris Editor.
coli, j. (2005) — Como estudar a arte brasileira do Século XIX.
São Paulo: SENAC.
cuno, j. (2008) — Who owns antiquity? – Museums and the battle over
our ancient heritage. Princeton: Princeton University Press.
consumidor, l. (1991) — Código de Defesa do (Lei nº. 8079/90),
Enciclopédia Britannica do Brasil. São Paulo.
finkelstein, i.; silberman, n. a. (2003) — A Bíblia não tinha razão.
São Paulo: A Girafa.
fiorillo, c. a. p. (2000) — O direito de antena em face do direito
ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva.
fiorillo, c. a. p. (2004a) — Curso de direito ambiental brasileiro, 5.
São Paulo: Saraiva.
fiorillo, c. a. p. (2004b) — Princípios do processo ambiental.
São Paulo: Saraiva.
gidbon, k. f, (ed) (2007) — Who owns the past? – Cultural Policy,
Cultural Property, and the Law. New Brunswick, New Jersey, and
London: Rutgers University Press.
malheiro, e. p. (2009) — Manual do Direito Internacional Público.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.ª Ed.
mancuso, r. de c. (2004) — Interesses difusos: conceito e legitimação
para agir, 6, Revista dos Tribunais, ed. São Paulo.
mancuso, r de camargo — Comentário ao código de proteção
do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991.
merryman, j. h. (1986) — Two Ways of Thinking About Cultural
Property. American Journal of International Law,80, 4, 831.
messenger, p. m. (ed). (2003) — Whose Culture?- The Ethics of Collecting
Cultural ProPert. Albuquerque: The University of New Mexico Press.
milaré, e. (ed.). (2005) — A acção civil pública após 20 anos: efetividade
e desafios, Revista dos Tribunais, São Paulo, pp. 33–57.
miranda, m. p. de s. (2006) — Tutela do patrimônio cultural brasileiro:
doutrina, jurisprudência, legislação, Belo Horizonte: Del Rey.
mirra, á. l. v. (2004) — Ação civil pública em defesa do meio ambiente:
a representatividade adequada dos entes intermediários legitimados para
a causa, In MIRRA, Á. L. V. Ação civil pública e a reparação do dano ao
meio ambiente. 2. São Paulo: Juarez de Oliveira.
modesto, p. (2002) — Participação popular na administração pública:
mecanismos de operacionalização, Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n.
54, fev. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.
asp?id=2586>.
modesto, p. (1999) — Reforma administrativa e marco legal das
organizações sociais no Brasil. Revista de Direito Administrativo, 210,
out./dez. 1999, Rio de Janeiro, pp. 199–200.
morais, j. l. (2005) — A arqueologia preventiva como arqueologia:
o enfoque acadêmico-institucional da arqueologia no licenciamento
ambiental. Revista de Arqueologia do IPHAN, Florianópolis, v. 2, 298–133.
morais, j. l.; mourão, h. a. — Inserções do direito na esfera do
patrimônio arqueológico e histórico-cultural, In WERNECK, M. et al.
(eds.). Direito ambiental: visto por nós advogados, Belo Horizonte: Del
Rey, pp. 341–393.
mourão, h. a. (2009) — Patrimônio Cultural como um Bem DifusoO Direito Ambiental Brasileiro e a defesa dos interesses coletivos por
organizações não governamentais. Belo Horizonte:Del Rey.
nunes junior, a. t. (2005) — O Estado ambiental de Direito. Jus
Navigandi, Teresina, ano 10, n. 589, 17 fev. 2005. Disponível em: <http://
jus.com.br/revista/texto/6340>.
oosterbeek, l. m. (2008) — Gestão da Arqueologia: Mudar o paradigma.
Disponível em www.praxisarchaeologica.org/issues/PDF/2008_139144.pdf
renfrew, c. (2006) — Loot, Legitimacy and Ownership. London: CPI
Antony Rowe Ltd.
souza, m. j. u. (2002) — Evolução da função social da propriedade nas
constituições brasileiras e no direito comparado. Disponível em http://
jusvi.com/artigos/1049.
robson, e. et al. (eds) (2006) — Who owns objects? — The Ethics and
Politics of Collecting Cultural Artefacts. Oxford: Oxbow Books.
salge jr.d. (2003) — Instituição do bem ambiental no Brasil pela
Constituição Federal de 1988 e seus reflexos jurídicos ante os bens da
União. São Paulo: Juarez de Oliveira.
thomas, j. (2006) — Archaeology and Modemity. London and New
York: Routledge.
yoshida, c. y. m. (2006) — Tutela dos interesses difusos e coletivos.
São Paulo: Juarez de Oliveira.
merryman j.h. (2007) — A licit international trade in cultural objects,
in gidbon, k. f. (Ed.) Who owns the past? — Cultural Policy, Cultural
Property, and the Law. New Brunswick, New Jersey, and London: Rutgers
University Press.
30
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
uma versão
de “o jardim do amor” de rubens
pertencente à colecção estrada
Fernando António Baptista Pereira
cieba – faculdade de belas-artes
da universidade de lisboa
A colecção Estrada é especialmente relevante, à escala nacional e mesmo internacional, em virtude do rico e diversificado espólio arqueológico que reuniu e que tem sido
apresentado nas sucessivas Antevisões do Museu Ibérico de
Arqueologia e Arte de Abrantes (miaa). É, em grande parte, por esse motivo que, no seu nome, o miaa é, em primeiro lugar, um museu de Arqueologia e, só depois, de Arte…
Várias peças desse espólio arqueológico, nomeadamente
cerâmicas, bronzes, vidros, ourivesaria e joalharia, foram
objecto de intervenções de estudo científico durante as primeiras jornadas do miaa, cujas Actas agora se editam.
Contudo, o senhor Estrada, ao lado do seu interesse
pela Arqueologia, sempre comprou pintura e acumulou
uma apreciável embora por vezes desigual colecção, que se
estende do século xvi ao xx. Na sua maior parte, já está
inventariada no miaa, ainda que se encontrem em sua
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
casa diversas pinturas muito interessantes, como um retrato da Escola Italiana do século xvi, que estudaremos
com detalhe noutra ocasião.
Desta feita, escolhemos uma pintura sobre madeira atribuível ao círculo ou mesmo à oficina de Rubens, ainda inédita e por nós revelada na 2.ª Antevisão do miaa, que é uma
versão, em diferente formato, noutro tipo de suporte e com
alguma redução figurativa, do famoso “Jardim do Amor”
do Mestre Flamengo, que se expõe no Museu do Prado.
Esta oportunidade afigurou-se-nos ideal para dar conta do estudo mais aprofundado que temos vindo a fazer do
original e desta versão, não esquecendo a intervenção de
restauro a que esta última foi sujeita e que, a nosso ver, não
teve na devida conta a ligação da pintura com o seu modelo de referência. Nada se conhece acerca da proveniência
deste óleo sobre madeira nem tivemos acesso ao relatório
do restauro realizado. Não obstante, a informação que recolhemos sobre a obra de que a presente pintura é uma
versão e a análise a que procedemos desta última são já
suficientes para fazer um primeiro ponto da situação e fazer recomendações sobre uma eventual nova intervenção
de restauro.
o jardim do amor
A composição original conhecida com o título de “O Jardim do Amor”, que, como se disse, se expõe no Museu do
Prado, é uma das mais conhecidas e apreciadas obras de
Peter Paul Rubens (1577–1640), grande pintor da Escola
Flamenga e um dos principais criadores do Barroco e da
iconografia cristã da chamada Reforma Católica. O catálogo relativo à Pintura Flamenga desse prestigiado museu
situa a pintura na última década de vida do pintor, pelos
anos de 1633–34 (Padrón 1995: 982-987; Vergara s/d), quando Rubens estava nos seus cinquenta anos e tinha casado,
poucos anos antes, em 1630, em segundas núpcias, com
Hélène Fourment, então com apenas 16 anos e considerada
a jovem “mais bela de Antuérpia”.
Fig. 1 | Peter Paul Rubens, “O Jardim do Amor”, ca 1633-34,
óleo sobre tela, 198x283 cm, Museu do Prado.
A composição, na época designada como uma “conversation à la mode” ou uma “Conversatie van Joffrs” (conversação de jovens mulheres, em flamengo), pretendia constituir uma homenagem ao amor e à felicidade conjugais, o
que estará relacionado com o aludido recente matrimónio
do pintor e com os seus esperados frutos, temática que
também originaria os derradeiros retratos da família do
pintor, como o que se expõe no Metropolitan Museum de
Nova Iorque.
Inseria-se, por seu turno, numa linha iconográfica que
tem origens medievais (nomeadamente no tema da Virgem no hortus conclusus ou até no modelo da sacra conversazione) mas que, além de se cruzar com a tipologia do
retrato colectivo, tão em voga nos Países Baixos, fora devidamente actualizada, segundo apurou Elise Goodman
(Goodman 1992), no quadro do gosto aristocrático pelo
galanteio e pelos novos costumes amorosos que os salões
literários da Paris seiscentista promoviam, fora dos rígidos cânones da corte. Goodman demonstrou que o pintor
conhecia e admirava os escritores de vanguarda da Paris
de cerca de 1630, como Theophile de Viau, Tristan l’Hermite ou Jean-Louis Guez de Balzac, assim como utilizou
na composição da obra gravuras que circulavam na sociedade cultivada flamenga e francesa ilustrando os temas
favoritos dessa literatura amorosa e os ideais da beleza feminina e do galanteio amoroso (ibid.).
A pintura, para a realização da qual foram feitos diversos desenhos preparatórios, apresenta grupos de jovens
mulheres reclinadas, sentadas ou em pé, ricamente vestidas, por vezes acompanhadas de homens igualmente jovens e com vestuário cortesão, num cenário idílico, como
era convenção na época e no gosto literário que inspirou o
autor, pontuado por uma construção arquitectónica de cariz clássico-maneirista — um templete porticado, em que
já se viu uma alusão ao pórtico da casa apalaçada do pintor
em Antuérpia — que deixa entrever, à esquerda, uma
aprazível paisagem. Todo o cenário configura um Jardim
do Amor, reforçado pela presença de inúmeros putti ou
Amores esvoaçantes, lançando flechas, empunhando uma
tocha ou incitando as mulheres a seguirem as suas afeições
face aos homens que as acompanham e galanteiam. No interior do templo, em cuja balaustrada se encontra um outro agrupamento, divisam-se uma estátua da Deusa do
Amor, Vénus, em pose e com atributos que reforçam a di-
34
mensão de fertilidade, e um grupo escultórico das Três
Graças, associação temática muito em voga em composições de evocação amorosa ou matrimonial desde o final da
Idade Média e o Renascimento. A crítica tem sublinhado a
parecença física do rosto de algumas das mulheres representadas e de uma ou outra personagem masculina com os
rostos do pintor e da sua segunda esposa (Vergara s/d).
A obra aparece inventariada em 1666, no Alcázar de
Madrid, em Espanha, sendo designada como “un sarao de
Rubens”, tendo feito parte da colecção real até à sua incorporação no Prado, onde foi catalogada pela primeira vez
em 1843 (ibid.).
duas gravuras realizadas a partir
de “o jardim do amor” e os respectivos
desenhos preparatórios
Rubens preocupou-se sempre com a divulgação da sua
obra através da gravura. Lukas Vosterman foi o primeiro
artista-gravador a realizar gravuras baseadas nas obras do
pintor. Dado que, no próprio “Jardim do Amor”, como
atrás se mencionou, Rubens utilizou fontes gravadas ilustrativas da lírica amorosa de que o quadro se fez eco, é
natural que visse com bons olhos a realização de gravuras
inspiradas na composição e que disseminariam o modo
como havia tratado o tema junto de uma clientela aristocrática e burguesa que seguia os mesmos ideais.
Fig. 2 | Peter Paul Rubens, desenhos preparatório para gravura da primeira e segunda parte
de “O Jardim do Amor”, Metropolitan Museum de Nova Iorque.
Quase sempre eram os gravadores que realizavam os
desenhos sobre os quais se realizavam as matrizes para impressão. Contudo, no caso das gravuras pensadas para divulgar “O Jardim do Amor”, tal não aconteceu. O próprio
Rubens retocou e corrigiu os desenhos das duas partes em
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
que a composição original foi dividida, dando origem às
gravuras executadas e impressas por Christoffel Jegher.
Fig. 3 | Gravuras de Jegher, a partir de “O Jardim do Amor” de Rubens.
Os desenhos, à pena e a sépia com aguadas, encontram-se hoje no Metropolitan Museum de Nova Iorque,
que também possui exemplares das gravuras, no geral
muito fiéis aos protótipos.
A divisão da composição com o objectivo de realizar as
versões gravadas é muito curiosa. Nas duas metades, o enquadramento arquitectónico foi significativamente sacrificado, em nome da concentração temática no que parecem
ser as modalidades do galanteio amoroso. Na metade esquerda, o pintor seleccionou os dois pares do primeiro
plano, o que está em pé e o que está reclinado no solo (em
que a figura feminina desenha uma pose “melancólica”),
acrescentando-lhe a cena que se passa na balaustrada do
templo, em que os diversos pares amorosos se resguardam
de jactos líquidos de origem não explícita mas que, de
acordo com a composição pictórica original, poderiam ser
os que brotam dos seios da estátua de Vénus. Na metade
direita, tudo se concentra no grupo central e mais numeroso de figuras femininas da pintura, apenas acompanhadas por um tocador de alaúde e por outros dois homens,
divisando-se, ao fundo, à direita, o grupo das Três Graças,
o que indicia o estatuto virginal das protagonistas que as
figuras masculinas pretendem conquistar. Deve assinalarse que, na versão gravada desta metade, esse detalhe desaparece.
a versão de “o jardim do amor”
da colecção estrada
O modo como o autor não hesitou em “partir” a composição ao meio para poder realizar duas gravuras sobre diferentes modalidades do mesmo tema amoroso ajuda-nos a
compreender a opção da oficina de Rubens, ou do seu círculo, na realização da versão que pertence à Colecção Estrada.
Fig. 4 | A variante para o “Jardim do Amor” da Col. Estrada: óleo sobre madeira,
106,5x96 cm, anverso.
Fig. 5 | A variante para o “Jardim do Amor” da Col. Estrada: óleo sobre madeira,
106,5x96 cm, reverso.
Em primeiro lugar, a composição não deriva nem das
gravuras nem dos respectivos desenhos preparatórios,
mas implica o conhecimento directo da própria pintura
original, uma vez que mantém o enquadramento arquitectónico, apenas reduzindo, em parte, os grupos figurativos,
em virtude da alteração do formato (de um rectângulo horizontal para um rectângulo vertical), para se concentrar
no grupo central e na narrativa de galanteio de jovens mulheres que aí se encontram por três homens: o que lê (novidade face à composição original), à esquerda, o que toca,
ao centro, e o que chega acompanhando uma mulher, à
direita. À esquerda, foi sacrificado o grupo em pé, enquanto, à direita, deixou de se ver a estátua de Vénus e, ao fundo, o grupo junto da balaustrada. Os cupidos diminuiram
de número mas continuam presentes no trabalho de acompanhamento do galanteio e de incitamento das damas.
A coerência formal e temática da composição mantém-se
e até se reforça, com a presença do “leitor”, a referência à
literatura amorosa que, como atrás vimos, inspirou o tema
e, finalmente, o seu desdobramento nos dois desenhos e
gravuras e nas duas obras pictóricas.
36
Há, todavia, evidentes diferenças na qualidade de execução. Enquanto a pintura do Prado é uma obra autógrafa
de Rubens, no auge das suas notáveis capacidades criativas
(como é o caso, também, dos desenhos preparatórios para
as gravuras e não tanto o caso destas), a versão da Colecção Estrada é uma cópia oficinal ou de um continuador
que, não obstante, conhecia e seguiu de perto a composição original, porventura sob a orientação do mestre, nas
opções relativas ao suporte (a madeira e não a tela) e ao
novo enquadramento vertical que implicaria reformulações ao nível dos grupos figurativos, sem sacrifício da
mensagem fundamental.
Mas o que choca o espectador é o modo como foi feita
a reintegração ao nível do desenho e do cromatismo no
restauro da pintura ou se não eliminaram repintes anteriores, o que, em alguns casos, desfigura a qualidade da obra,
em absoluto contraste com os sectores da camada pictórica que conservaram os valores originais. Bastaria ter atenção a relação desta versão com a pintura original para ir
buscar valores de reintegração que não diminuissem a
qualidade apesar de tudo considerável desta obra da Colecção Estrada. Recomendaríamos, para terminar, num
futuro trabalho de conservação e restauro sobre a pintura,
afinal bem necessário, uma revisão radical da reintegração, com o objectivo de harmonizar o que resta com o que
supõe ter desaparecido.
bibliografia
goodman, elise (1992) — Rubens: The Garden of Love As Conversatie
a La Mode, Amesterdão/Filadélfia: John Benjamins Publishing Co.
padrón, matiaz días (1995) — El siglo de Rubens en el Museo del Prado.
Catálogo razonado de pintura flamenca del siglo XVII, vol. II, Barcelona:
Editorial Prensa Ibérica, e Madrid: Museo del Prado, pp. 982-987, n.º 1690.
vergara, alejandro (s/d) — El Jardin del Amor,
http://www.museodelprado.es/pradomedia/multimedia/el-jardin-delamor/?pm_subcat=49&pm_cat=2&pm_video=on&pm_audio=on&pm_
interactivo=on (acedido a 1/9/2011).
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
escultura
em marfim indo-portuguesa
da colecção estrada
Hilda Frias
cieba – faculdade de belas-artes
da universidade de lisboa
resumo
A Colecção Estrada possui um importante núcleo de escultura indo‐portuguesa em marfim datável dos sécs. xvii
e xviii, representativo do encontro cultural e artístico entre Oriente e Ocidente e da necessidade dos missionários
em divulgar a Palavra e a fé cristã.
A imaginária indo‐portuguesa desta época caracteriza-se
pelo labor escultórico em madeira ou marfim, esta de menores dimensões, geralmente apresentando figuras da Virgem Maria, do Menino Jesus, de S. José e de outros santos,
com particular incidência para as representações de Santo
António e de S. Francisco Xavier. Muito difundidos são
também as representações do Bom Pastor.
Palavras-chave: marfim; escultura; indo-português; cristianismo; santos.
38
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
abstract
The Collection Estradahas na important nucleus of indoportuguese sculpture in ivory datable from the 17th and
18th centuries, representing the cultural and artistic meeting
between East and West and the need of missionaries spreadingthe Word and Christian faith.
The indo-portuguese images from this period are characterised by Works in wood or ivory, the latter with smaller
dimensions, usually presenting figures if the Virgin Mary,
the Child Jesus, St. Joseph and other saints, in particular St.
Anthony and St. Francis Xavier. Also very widespread are
the images of the Good Sheperd.
Keywords: ivory; sculpture; indo-portuguese; christianity;
saints.
A designação — arte indo-portuguesa — é, geralmente,
utilizada para a produção dos séculos xvi e xviii, religiosa
ou laica, que se insere no relacionamento artístico entre
Portugal e a Índia, com características muito particulares,
tendo como ponto fulcral a interpenetração das culturas
indiana e europeia, especialmente a portuguesa.
Segundo alguns autores, como Bernardo Ferrão Tavares e Távora, a designação arte indo-portuguesa é atribuída a John Charles Robinson que, em 1881, a utiliza no texto
de introdução do Catalogue of the Special Loan Exhibition
of Spanish and Portuguese Ornamental Art.
Em 1883, Sousa Viterbo escreve n’A Exposição de Arte
Ornamental. Notas ao Catálogo, um texto onde faz corresponder o termo indo-português a objectos feitos na Índia
por artífices indígenas ou em Portugal, sob influência indiana e em 1884, Joaquim de Vasconcelos, alarga essa definição a três categorias — objectos feitos em Portugal por
artífices orientais a residirem em território luso; objectos
feitos por artífices portugueses no Oriente, mas em cidades que estivessem sob o domínio nacional, de Goa até
Malaca; objectos importados, originários das indústrias da
Ásia, mas de tal forma raros que os quiséssemos imitar. Já
no século xx João Couto (1938), Luís Keil (1940), Maria
José de Mendonça (1949), Reynaldo dos Santos (1962) e
Madalena Cagigal e Silva (s.d.) abordam o conceito de arte
indo-portuguesa referindo a importância das influências e
questões iconográficas.
Maria Madalena Cagigal e Silva no seu texto A Arte
Indo-Portuguesa (s.d.), refere num capítulo que dedica a
este tema, que o estilo indo-português é a combinação especial de elementos indianos e portugueses ou ocidentais,
resultante da fusão das várias formas de emprego da decoração, escolha dos motivos e técnicas, submetidas a um
tratamento característico.
Tempos mais tarde, Bernardo Ferrão Tavares e Távora
na sua obra A Imaginária Luso-oriental e o Mobiliário Português (1983), refere ser um termo, de início, atribuído à
produção que transmite uma relação de interpenetração
entre a cultura portuguesa — europeia — e as do Império
do Oriente, dividindo esse conceito por outras escolas e
centros de produção artística, como o sino-português (relação Portugal/China), o nipo-português (relação Portugal/
Japão), o cingalo-português (relação Portugal/Ceilão), ficando o indo-português relacionado com a produção resultante da inter-relação da cultura portuguesa e da indiana.
Já mais perto dos nossos dias, Teotónio de Souza (1994)
refere, num artigo sobre a arte cristã de Goa, que das peças
que se podem denominar indo-portuguesas devem ser excluídas as produzidas na Índia pelos artistas da Companhia de Jesus ou outros europeus, devido ao domínio das
tradições artísticas locais que emana dos objectos produzidos na Índia pelos nativos.
Nos anos mais recentes alguns autores preferem a designação de produção indiana de exportação para o mercado português, algo que reforça o cariz de localização de
elaboração das peças e deixa de parte o lado importante da
relação cultural e artística1.
marfins
O marfim é uma substância de origem animal, extraído
das presas de elefantes, morsas, hipopótamos, narvais e até
de fósseis de mamute, tendo sido utilizado de diversas formas e esculpido desde que o homen pré-histórico conseguiu aperfeiçoar as suas ferramentas, lanças e propulsores.
De início era trabalhado para poder ser utilizado para caça
ou pesca, mas já na Antiguidade, os primeiros a trabalhar
este material foram os artistas egípcios, os do Império Pérsico e da Fenícia, assim como os gregos, com as placas de
marfim gravadas.
Na Europa, será na França que surgem os mais antigos
marfins de caráter religioso, que datam do século v, mas a
arte de trabalhar e esculpir o marfim alcançou o apogeu no
período Gótico. A produção dividide-se em marfins religiosos e profanos, quando, no século xvi, surgem as primeiras representações do amor profano, os retratos e as
peças torneadas. No século xvii, os dois principais centros
de produção na Europa eram França e Alemanha.
Na China e no Japão além do seu emprego em marchetaria e pequenas representações de divindades, existe uma
série de objetos diversos como as representações médicas,
(como a que se encontra hoje em exposição no Museu da
Farmácia em Lisboa) representando o corpo de uma mulher despida, geralmente reclinada e apoiada num dos braços e que servia para as doentes mostrarem aos médicos a
zona do corpo afectada, sem que precisassem de se despir
e os frasquinhos de fumo, de poucos centímetros de altura,
decorados com variadas cenas e diferentes personagens.
a imaginária indo-portuguesa em marfim
No seguimento das directrizes do Concílio de Trento, a
política religiosa implementada na Índia, seguia os princípios da Contra-Reforma e defendia o catolicismo ameaçado pelo pensamento Protestante, daí que durante o século
xvi a Igreja Católica adopte medidas específicas com vista
à propagação da doutrina cristã em território indiano, visando consolidar a autoridade do papado.
Esta é a altura em que é criada a Companhia de Jesus,
estabelecido o Index e o Tribunal do Santo Ofício. A ideia
da conquista era a de conseguir o comércio de especiarias
e a conquista de almas para a cristandade.
Vasco da Gama, em 1498, aporta em Calecute, levando
consigo dois frades Trinitários, com vista a suprirem as necessidades espirituais e religiosas dos marinheiros e a converterem os gentios que iriam encontrar.
Após a ida de diversos membros de diferentes ordens
religiosas, surge em 1542, no mais notável período das missões portuguesas, a ordem dos Jesuítas. São Francisco Xavier e os seus companheiros serão os protagonistas de uma
nova etapa de evangelização, aprendendo as línguas nativas, fazendo pregações, fundando colégios e missões pelas
Américas e a Ásia.
Mas, como todos sabemos, este processo de evangelização e conversão não foi de todo pacífico; muito pelo
contrário: na Índia, templos hindus foram destruídos e no
seu lugar erguidas igrejas católicas, as crianças consideradas órfãs foram entregues ao Colégio de São Paulo da
Companhia de Jesus com o fim de serem baptizadas e
educadas de forma católica, muitas pessoas foram convertidas e baptizadas de forma coerciva, através da persuasão
e da força. Nas viagens, os missionários levavam consigo
1 Ferreira, Maria João, Arte Indo-portuguesa,
http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/content.php?printconceito=744
40
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
imagens de tamanho mais reduzido com o fim de oração
e, como previsto nas normas do Concílio de Trento, esta
foi, igualmente, uma prática de evangelização. A produção de imagens religiosas de tamanho reduzido foi fundamental para a urgente evangelização e divulgação da iconografia religiosa cristã e o consequente implantar do
culto doméstico.
Mas foram essas imagens que serviram de base aos trabalhos de artistas locais que assim se imbuíam do espírito
desejado para realizarem obras de cariz cristão, fazendo
surgir assim a imaginária indo-portuguesa, baseada em
modelos oriundos do Ocidente e impregnada de elementos decorativos orientais. Como refere Bernardo Távora,
“os artistas indígenas, ao trabalharem para as Missões, não
podiam eximir-se do complexo hereditário e ambiental da
etnia e das técnicas locais e, sobretudo, da ancestralidade
dos cânones religiosos e artísticos do seu povo”.
A mão-de-obra local não agradou ao meio eclesiástico
local, mas era de todo impossível realizar as obras na sua
totalidade em território português e depois enviá-las ou
ter artistas cristãos a responderem localmente a todas as
solicitações.
Era clara a proibição da feitura de imagens religiosas
cristãs pelos infiéis — “nenhum Christão mande pintar
imagens, nem cousa alguma pertencente ao culto divino a
pintor infiel, nem fazer a ourives, fundidores, latoeiros infiéis, calices, cruzes, castiçaes, nem cousa outra alguma que
aja de servir em Igrejas”.
Dá-se um encontro de saberes e de conhecimentos
prévios, a imagem é cristã mas a representação é oriental,
nos traços, trajes, jeitos,…
Surgem as representações do Bom Pastor como um
menino, iconograficamente representado como um jovem
desde as imagens paleocristãs, e muito difundido na arte
da Antiguidade clássica, grega e romana.
O Bom Pastor é o Salvador, o que conduz e protege o
seu rebanho e o afugenta dos perigos. O Bom Pastor que
dá a vida pelas suas ovelhas e tem o dever de as conduzir,
segundo o Evangelho de S. João. No Evangelho de S. Lucas, Jesus questiona:
“Qual de vós, tendo cem ovelhas e perder uma, não
abandona as noventa e nove no deserto e vai em busca daquela que se perdeu, até encontrá-la? E achando-a, alegre a
põe sobre os ombros e, de volta para casa, convoca os amigos
e os vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida”.
O Bom Pastor é um modelo de fé e de salvação que
servia os princípios da evangelização, pois a ovelha tresmalhada e perdida do rebanho — o pecador — é levada ao
ombro pelo salvador e assim reencontra o caminho certo.
O Bom Pastor do Oriente (fig. 1) é um Menino Jesus
dormente com a cabeça apoiada na mão direita, no topo
do monte rochoso em socalco, com uma ovelha ao ombro
e outra no colo e com as pernas cruzadas, vestido como
pastor e representado com os seus habituais atributos - o
bornal e a cabaça, geralmente, colocado sobre uma peanha, dividida em três socalcos, decorada por uma fonte de
onde uma carranca jorra água para um tanque e onde se
observam duas aves a beber e um rebanho de ovelhas
guardadas pelo Bom Pastor; na base a representação de
Maria Madalena penitente, deitada à maneira indiana,
como Vishnu dormindo no oceano cósmico.
Os modelos escultóricos europeus dominantes durante os sécs. xvi a xviii eram provenientes da Flandres —
Bruxelas, Antuérpia e Malines — modelos flamengos levados pelos portugueses para o Oriente e que serviram de
inspiração aos artistas locais, tendo como características
particulares a frontalidade, o hieratismo a mão direita erguida em posição de abençoar e a mão esquerda com o
globo, os Menino Jesus de Malines, representadas com o
cabelo cortado à maneira medieval e com expressões e
anatomia flamengas, o rosto redondo, coxas largas, nádegas pequenas e a perna direita ligeiramente avançada e
flectida. O Menino Jesus Salvador do Mundo e o Menino
Jesus de Vara Crucífera são exemplos destes modelos de
Menino Jesus de Malines que se tornaram populares na
Índia dos sécs. xvii e xviii (fig. 2 e fig. 3).
Fig. 3 | Menino Jesus | ce03773
dimensões médias: 24,5 cm, 8,7 cm, 5,9 cm.
Fig. 1 | Bom Pastor | ce02419
dimensões médias: 21,5 cm, 5,7 cm, 4,6 cm.
Como é óbvio estas representações não se inserem na
denominação de obra indo-portuguesa mas são uma das
fontes inspiratórias da produção local, na mesma senda
das gravuras e retábulos portáteis que lá chegaram.
A iconografia mariana é apresentada em grande escala,
a Virgem com o Menino em que as representações surgem
com certas características muito particulares, hirtas, inexpressivas, com longos cabelos escorridos e ondeados, múltiplas pregas no panejamento e para serem observadas
frontalmente.
Já nas representações das Virgens em Majestade (fig. 4),
a Senhora é representada sentada num trono ou cadeira de
braços, onde se observa em pleno a arte de entalhar, tipicamente hindu.
Fig. 2 | Menino Jesus | ce03755
dimensões médias: 36,7 cm, 12,4 cm, 12,4 cm.
42
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
Fig. 4 | Virgem em Magestade | ce03766
dimensões médias: 12,1 cm, 4,9 cm, 3,8 cm.
No que se refere às imagens da Senhora da Conceição,
estas surgem com frequência na imaginária em marfim,
provavelmente devido ao Rei D. João iv, em 1646, ter adoptado a Imaculada Conceição como padroeira de Portugal
(fig. 5). Por vezes as representações em marfim da Imaculada Conceição surgem sozinhas, sem o menino (fig. 6).
Fig. 5 | Nossa Senhora da Conceição | ce02418
dimensões médias: 19,6 cm, 6,7 cm, 4,6 cm.
Fig. 6 | Nossa Senhora da Conceição | ce02418
dimensões médias: 24,3 cm, 7,1 cm, 5,7 cm.
É de referir que antes da chegada dos missionários europeus à Índia, era popular o culto dos episódios da infância de Krishna e da sua mãe adoptiva, Yashoda, consorte
de Nanda, era o culto dos princípios da maternidade e da
figura de Krishna criança divina e avatar de Vishnu.
Outras imagens muito divulgadas são as de Cristo crucificado, com dimensões várias, estas esculturas faziam-se
acompanhar, a maioria das vezes, por representações da
Virgem Maria, S. João e Maria Madalena. Possuíam bases
e peanhas em forma de templetes, com nichos, adornados
com trabalho de prata rendilhado.
Os missionários europeus encontraram um paralelismo e similitudes formais e conceptuais que poderiam facilitar a tradução simbólica da iconografia cristã.
O material mais utilizado para estas representações foi
o marfim, abundante na região e na época, fazia obras refinadas e de bons contornos.
Geralmente, as representações em marfim são de vulto
perfeito, podendo surgir isoladas e avulsas, pequena estatuária executada em presas de elefante ou de rinoceronte
e que eram provenientes da costa oriental africana ou de
Ceilão. Surgem, igualmente, as placas com baixo-relevo
em marfim, os retábulos portáteis medievais.
São raras as estruturas compósitas mas surgem conjuntos de peças policromas, os Calvários, as Árvores de Jessé
— filiadas nas Árvores sagradas da Índia. A Árvore da
Vida protege a figura do Bom Pastor sendo uma referência
à figueira, a árvore sagrada para os Budistas, que teve um
papel protector de Buda pois foi sob ela que alcançou a
revelação espiritual.
Existiam diferentes locais de elaboração de obras: a Escola Indo-Portuguesa, na Costa Ocidental e Meridional da
Índia, com destaque para Cochim e Goa; a Escola Mogol,
na Costa Setentrional da Índia, em Guzerate, com Damão
e Diu; a Escola Cíngalo-Portuguesa, englobando a Ilha de
Ceilão; a Escola Nipo-Portuguesa, ligada às possessões
portuguesas no Japão; a Escola Sino-Portuguesa, ligada às
possessões portuguesas na China.
Cada oficina tinha o seu estilo próprio, a sua forma de
imaginar, entalhar e finalizar uma peça, o que lhe confere
44
um carácter muito próprio e singular; daí as distinções,
pois hoje em dia é quase impossível conhecer a autoria
de cada peça. Sendo assim, as peças agrupam-se segundo
marcadas características que definem o estilo particular de
cada artista ou oficina e os temas iconográficos utilizados
segundo a actividade missionária. No uso de materiais e
das técnicas de entalhamento do marfim, os artistas demonstram semelhanças de trabalho com o realizado em
madeira, semelhanças formais e conceptuais e encontramse os mesmos estereótipos das peças de madeira, os mesmos maneirismos.
Também a imaginária tradicional local deixa a sua
marca nestas peças com a inexpressividade dos rostos, o
hieratismo e a valorização do símbolo em detrimento do
sentimento.
Na Índia surge o marfim proveniente do elefante do
Ceilão e o do elefante africano e certos documentos referem o marfim grosso, miúdo, meão. Por vezes, as peças em
madeira possuem as partes mais nobres como as mãos e a
face, em marfim, sendo as outras e a peanha em madeira.
As esculturas de vulto são executadas na parte interiormente preenchida ou na parte oca; as peças contêm no
interior uma peça de madeira ou de marfim, com o fim de
reforçar a escultura e não é raro a escultura de vulto seguir
a curvatura longitudinal do dente, sendo as peças compostas por vários elementos presos entre si por cola ou pinos
em bambu ou marfim.
bibliografia
boxer, c.r. (1969) — O Império Colonial português, Lisboa: Edições 70.
couto, joão (1938) — “Alguns Subsídios para o Estudo Técnico
das Peças de Ourivesaria no Estilo Denominado Indo-Português”, in
Primeiro Congresso da História da Expansão Portuguesa no Mundo: 2.ª
secção: Portugueses no Oriente, Lisboa: Ministério das Colónias.
dias, pedro (2004) — “O Contador das Cenas Familiares. O quotidiano
dos portugueses de Quinhentos na Índia na decoração de um móvel
indo-português”, in Dias, Pedro, Arte Indo-Portuguesa. Capítulos da
História, Coimbra: Almedina.
dias, pedro (1988) — “A escultura em marfim”, in História da Arte
Portuguesa no Mundo (1415–1822), Círculo de Leitores.
ferrão, bernardo (19909 — Mobiliário Português: Índia e Japão, Vol.
iii, Porto: Lello & Irmão Editores. http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/
content.php?printconceito=744
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
keil, luís (1940) — “A Arte Portuguesa e a Arte Oriental”, in Terceiro
Congresso do Mundo Português, 5, Lisboa: Comissão Executiva dos
Centenários.
mendonça, maria josé de (1949) — “Alguns Tipos de Colchas
Indo-Portuguesas na Colecção do Museu de Arte Antiga”
Boletim do Museu, Vol. ii, fasc. ii.
santos, reynaldo dos (1962) — “Goa e a Arte Indo-Portuguesa”
Colóquio, n.º 17.
silva, edjane cristina rodrigues da (2009) — “Influência da
iconografia indo-portuguesa na representação do Menino Jesus do
Monte”, 18.º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes
Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais, Salvador.
silva, madalena cagigal e (1966) — “A Arte-Indo-Portuguesa”,
Lisboa, Edições Excelsior. 1966. A Arte Portuguesa: As Artes Decorativas
i, Lisboa, Edições Excelsior,[s.d.].
souza, teotónio de — “A Arte Cristã de Goa: uma introdução
histórica para a dialética da sua evolução”, in Oceanos – IndoPortuguesmente, Lisboa, 1994, nº19/20 – Setembro/ Dezembro
távora, bernardo ferrão tavares e — A Imaginária Luso-oriental
Lisboa, Imprensa Nacional — Casa da Moeda. 1983.
vasconcelos, joaquim de — Exposição Distrital de Aveiro em 1882
Aveiro, [s.n.]. 1883.
viterbo, francisco marques de sousa — “A Exposição de Arte
Ornamental: Notas ao Catálogo” Boletim da Sociedade de Geographia
de Lisboa, 3.ª Série, n.º 9. 1882.
oswald, maria cristina
Marfins, formas e técnicas, com especial incidência na imaginária
indo-portuguesa in revista Oceanos, n.º 19/20, 1994.
o núcleo egípcio
da colecção estrada
Luís Manuel de Araújo
faculdade de letras da universidade de lisboa
instituto oriental
resumo
O acervo egípcio do Museu Ibérico de Arqueologia e Arte
de Abrantes tem cerca de cinquenta objectos, alguns dos
quais já estiveram expostos, e encontra-se ainda em fase
de estudo. Existem no acervo objectos que, não sendo
originais, foram produzidos com cativante esmero e com
uma certa destreza técnica, podendo inserir-se no âmbito
da egiptomania.
Palavras-chave: colecções egípcias em Portugal; coleccionismo; egiptomania.
46
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
abstract
The Egyptian collection of Museu Ibérico de Arqueologia
e Arte de Abrantes has about fifty objects, some of wich in
exhibition and still in study. Some of these objects, although
not original, were produced with such an impressive ability
and technique that we can include them in the context of
egyptomania.
Keywords: Egyptian collections in Portugal; collecting;
egyptomania.
O interessante acervo egípcio do Museu Ibérico de Arqueologia e Arte de Abrantes, com cerca de cinquenta peças, e
que se encontra ainda em fase de estudo, vem juntar-se a
outros acervos congéneres existentes em Portugal, contribuindo para que o número de objectos evocativos do país
do Nilo aumente um pouco mais. Na verdade, existem actualmente no nosso país mais de mil peças egípcias, desde
grandes sarcófagos antropomórficos a pequenos amuletos,
estando quase todos eles já estudados e publicados, esperando-se que em breve possa ser publicada a totalidade do
acervo egiptológico abrantino.
A maior colecção egípcia entre nós é a do Museu Nacional de Arqueologia (com cerca de seiscentas peças, das
quais estão expostas umas trezentas), seguindo-se as do
Museu da Farmácia e do Museu de História Natural da
Universidade do Porto (ambas com mais de cem peças)
e a do Museu da Sociedade de Geografia de Lisboa (com
quase cem peças). Mas a melhor em qualidade é, sem dúvida, a colecção egípcia do Museu Calouste Gulbenkian,
que expõe quarenta peças, algumas das quais de ampla
fama internacional. Existem depois pequenas colecções
em outros museus públicos e privados a que se juntam os
acervos particulares de vários coleccionadores.
Se bem que não atinjam a quantidade e a qualidade
dos objectos das grandes colecções egípcias de museus
da Europa e dos Estados Unidos, os acervos portugueses
testemunham o gosto pelo coleccionismo de antiguidades, onde os objectos egípcios marcam tradicional e quase
obrigatória presença, a começar pelos típicos escaravelhos,
amuletos, estatuetas funerárias e bronzes figurativos. E são
alguns destes objectos que integram a pequena colecção
abrantina, que aqui se apresentam por serem os mais significativos.
Estão neste caso um escaravelho, coleóptero sagrado
que foi objecto de intensa veneração ao longo de toda a
história da civilização egípcia, como símbolo de forte
pendor profiláctico ligado ao renascimento, e os bronzes
figurativos que, sobretudo na Época Baixa, fase correspondente às últimas dinastias egípcias autóctones (da xxvi à
xxx dinastia), foram produzidos em grande quantidade
para evocar divindades como Osíris, Hórus e Ísis, além
de animais sagrados, como os muito queridos felinos da
deusa Bastet. Destaque-se também um fragmento de sarcófago com uma imagem da deusa Ísis, duas estatuetas
funerárias, um prato redondo, uma estatueta de Amon, e
um colar com pequenos amuletos. Quanto ao núcleo de
escaravelhos (vinte exemplares), foram já publicados em
Cadmo, revista do Centro de História da Universidade de
Lisboa (19, 2009: 120–123).
gato
Datação: Época Baixa ou dinastia ptolemaica (séculos
vii–i a.c.).
Estatueta de bronze de um gato, animal sagrado da deusa Bastet, ligada ao amor e à protecção, na sua tradicional
pose sentada, com a cauda na base passando pelo lado direito (fig. 2).
alguns objectos do acervo
osíris
Datação: Época Baixa ou dinastia ptolemaica (séculos
vii–i a.c.).
Estatueta de bronze representando Osíris, deus da eternidade e do Além, em pose mumiforme, com a sua típica
iconografia: ceptros hekat (do Sul) e nekhakha (do Norte)
cruzados nas mãos que saem do envoltório fúnebre, a barba divina no queixo, a coroa atef emplumada com a serpente sagrada na fronte (fig. 1).
Fig. 1 | Osíris | ce01135
dimensões médias: 22,1 cm, 4 cm, 5,7 cm.
Fig. 3 | Fragmento de sarcófago | ce03850
dimensões médias: 22,7 cm, 35,5 cm, 0,3 cm.
hórus criança
Datação: Época Baixa ou dinastia ptolemaica (séculos
vii–i a.c.).
Estatueta de bronze de Hórus Criança (Harpócrates), desnudado e com a sua conhecida iconografia: a mão direita
junto da boca, à qual chega o dedo indicador, uma madeixa de cabelo entrançado caindo sobre o ombro direito e a
serpente sagrada saindo da fronte. Na base tem um espigão para fixação (fig. 4).
Fig. 2 | Gato | ce01101
dimensões médias: 26,5 cm, 15,7 cm, 10 cm.
48
fragmento de sarcófago
Datação: Época Baixa ou dinastia ptolemaica (séculos
vii–i a.c.).
Fragmento de um sarcófago em cartonagem pintada com
uma imagem da deusa Ísis alada, com asas abertas partindo dos braços estendidos, cujas mãos seguram penas da
deusa Maet (verdade, justiça e equilíbrio). A figura ajoelhada exibe sobre a peruca a típica cornamenta liriforme
com o disco solar. O texto hieroglífico menciona o nome
da deusa Ísis (fig. 3).
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
Fig. 4 | Hórus criança | ce02740
dimensões médias: 13,3 cm, 4,3 cm, 5,3 cm.
escaravelho
Datação: Império Novo (séculos xv–xii a.c.).
Escaravelho com os clípeos razoavelmente assinalados,
tendo na carapaça o protórax e os élitros marcados por
incisões. De lado observam-se as patas em ligeiro relevo.
A base ovalada apresenta-se com uma inscrição com signos ilegíveis (fig. 5).
Fig. 5 | Escaravelho | ce00148
dimensões médias: 1,5 cm, 2 cm, 1,5 cm.
estatueta de criança
Datação: Indeterminada.
Estatueta de faiança muito erodida, já sem o revestimento
vítreo original. O objecto está furado na cabeça, aparentemente para ser usado como amuleto (fig. 6).
Fig. 7 | Estatueta de Amon | ce02736
dimensões médias: 11,7 cm, 3,7 cm, 4,9 cm.
Fig. 9 | Esfinge | ce01139
dimensões médias: 6,2 cm, 8,6 cm, 3,3 cm.
estatueta de amon
Datação: Império Novo (séculos xv–xii a.c.).
Estatueta com a típica iconografia do deus Amon, exibindo uma coroa com altas plumas e tendo no queixo a barba
divina. A mão esquerda está avançada, indiciando que já
segurou um grande ceptro uase (prosperidade), o qual
aparece amiúde empunhado pelo deus tebano, estando a
perna esquerda avançada. A figura tem nos pés elementos
para fixação a uma base original que desapareceu (fig. 7).
esfinge
Datação: Indeterminada.
Figura de carneiro deitado em pose esfíngica com patas
estendidas em frente e cabeça envolvida por cornamenta
alongada horizontalmente junto ao rosto e a terminar junto das comissuras da boca. A esfinge criocéfala poderá aludir ao deus Amon ou então ao deus Khnum. A figura assenta numa base rectangular do mesmo material (fig. 9).
taça
Datação: Império Novo (?).
Recipiente de faiança azul com decoração interior a preto
em forma de pétalas saindo de um círculo central na parte
côncava (fig. 8).
colar com amuletos
Datação: Indeterminada.
Colar formado por tubinhos de faiança de onde pendem
pequenos amuletos muito erodidos e de difícil identificação. Reconhece-se entre eles uma pequena edícula, um
olho mágico udjat, e um elemento que parece ser constituído por udjat unidos (fig. 10).
Fig. 10 | Colar com amuletos | ce01410
dimensões médias: 19,5 cm, 1,9 cm, 0,7 cm.
Fig. 6 | Estatueta de criança | ce03055
dimensões médias: 1,5 cm, 2 cm, 1,5 cm.
Fig. 8 | Taça | ce02354
dimensões médias: 4,2 cm, 9.8 cm.
50
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
egiptomania na colecção estrada
Entre as mais belas peças do acervo egípcio estão algumas
estatuetas de bronze de boa factura, com harmoniosas
proporções que sugerem as produções da xviii dinastia
(Império Novo) e uma cimitarra de bronze. A inicial sensação de regozijo por ver a qualidade geral dos objectos
que foram mostrados ao investigador e a boa impressão
colhida numa primeira apreciação das estatuetas vieram
depois a desvanecer-se numa observação mais atenta —
tratava-se de imitações cuidadosamente elaboradas.
Quem produziu a cimitarra e as estatuetas de bronze
que eram apresentadas como egípcias não se conteve na
ânsia de “aprimorar” o produto que pretendia vender aos
incautos, certamente por altos preços, dada a qualidade
do trabalho técnico de metalurgia e o respeito por uma
tradicional iconografia que se detecta nos objectos. Mas
afinal as estatuetas são reproduções habilidosas de originais que podem ser apreciados em museus que expõem
peças semelhantes ou que podem ser vistas em vários catálogos de arte egípcia. Uma das fontes de inspiração para
a cópia terá sido o espólio do faraó Tutankhamon, hoje no
Museu Egípcio do Cairo, que inclui diversas estatuetas de
metal ou de madeira de idêntica configuração. Assim se
explica que os textos hieroglíficos gravados em algumas
destas peças falsas da colecção Estrada invoquem o nome
do famoso monarca egípcio da xviii dinastia.
Este conjunto de objectos imitando estatuetas egípcias
da xviii dinastia comprova o que se sabe deste há algum
tempo: a existência de um centro ou de centros de produção de falsificações, dotados de meios para o fabrico de
“antiguidades”, algures em França, em Espanha, e outros
países, que ciclicamente inundam o “mercado”. Não faltam
mesmo os objectos feitos com materiais nobres, com destaque para o ouro, produzindo “tesouros” que depois são
“descobertos” em locais nunca claramente identificados e
“comprovados” por “documentos” nunca mostrados. Alguns coleccionadores terão sido vítimas desses hábeis meliantes, e também as imitações “egípcias” não foram esquecidas, estando presentes em vários acervos do nosso país
— e por isso, e dentro da experiência obtida na apreciação
de colecções propostas para estudo e publicação, a primeira tarefa é separar imediatamente os objectos falsos.
Depois não admira que surjam notícias como a que
correu em 2009, amplamente divulgadas na imprensa,
dando conta de que o bpn possuía uma “colecção egípcia”
tida como sendo valiosíssima, que o banco de Oliveira e
Costa teria comprado por cinco milhões de euros. Mais
tarde veio o “esclarecimento” que afinal a colecção não
era egípcia mas sim um heterogéneo conjunto de objectos
“encontrados” em território português e que o arqueólogo
Luís Raposo, director do Museu Nacional de Arqueologia
considerou, em esclarecimento prestado à comunicação
social, serem “peças falsas ou cópias”.
Quanto aos objectos egípcios integrados no lote adquirido pelo bpn, o Correio da Manhã mostrava, no seu suplemento de domingo (n.º 10850, de 21-2-2009), apenas uma
peça pretensamente egípcia, um vaso de vísceras com tampa em forma de cabeça humana, no meio de muitos objectos de ouro, nomeadamente máscaras funerárias inseridas
num grupo de “artefactos de origem grega e fenícia”. No
meio de todos os “objectos de arte” do bpn estas “estatuetas
egípcias” da colecção Estrada fariam por certo boa figura e
poderiam até “valorizar” o controverso acervo que chegou
a ser designado por “colecção Joaquim Pessoa”.
Mas a cimitarra e as estatuetas que aqui apreciamos
foram adquiridas pelo senhor Estrada, em circunstâncias
que não se conhecem bem ao certo, servindo agora não
para serem expostas como exemplos de arte egípcia (porque são falsas) mas eventualmente para serem exibidas
como sugestivos fenómenos de egiptomania.
Fig. 11 | Cimitarra | ce00176
dimensões médias: 68 cm, 6,6 cm, 0,6 cm.
estatueta de anúbis
Datação: Imitação recente.
Estatueta de bronze de boa feitura técnica com um corpo humano em pose mumiforme mas com uma cabeça
de canídeo, neste caso aludindo ao deus Anúbis, protector
das necrópoles. A cabeça tem focinho afilado, olhos bem
delineados, orelhas pontiagudas para cima, e uma cabeleira tripartida e estriada. Tem um grande colar usekh de
aparato e as mãos estão unidas à frente. A iconografia é
aquela que habitualmente se vê em produções egípcias
deste tipo, mas é chocante a presença do prenome do rei
Tutankhamon dentro de uma cartela gravada no espaço
entre as duas orelhas da cabeça: lá pode ler-se o prenome
ou quarto nome do rei, que era Nebkheperuré (fig. 12).
A maior parte dos signos hieroglíficos foi feita com algum
cuidado e até são legíveis, mas no geral trata-se de signos
avulsos que procuram imitar o texto clássico do capítulo
6 do “Livro dos Mortos”, e que aqui não dão uma leitura
coerente (fig. 14 e 15).
Fig. 14 | Estatueta funerária | ce01134
dimensões médias: 26,5 cm, 7,1 cm, 4,6 cm.
Fig. 13 | Estatueta de Sekhmet | ce01133
dimensões médias: 35,7 cm, 7,1 cm, 6,4 cm.
objectos do acervo inseridos neste grupo
cimitarra
Datação: Imitação recente.
Cimitarra de bronze, de inspiração cananaica, conhecida
pela designação de khopech, usada no Egipto durante a
fase expansionista do Império Novo (séculos xvi–xi a.c.),
sendo igualmente um símbolo de poder (fig. 11).
estatueta de sekhmet
Datação: Imitação recente.
Estatueta de bronze de boa feitura técnica com um corpo
humano encimado por uma cabeça de leoa de bons traços
fisionómicos na associação leonina da deusa Sekhmet, que
tinha instintos protectores e benfazejos alternando com a
fúria aniquiladora. Sobre a cabeça está o disco solar, também de bronze, e à frente da figura foi gravado na posição
vertical um texto hieroglífico com bons signos que não
passa de imitação de conhecidos textos presentes em estatuetas do rei Tutankhamon. Na presente inscrição lê-se:
“Filho de Ré, senhor dos diademas, Nebkheperuré, dotado
de vida.” Trata-se do quarto nome do famoso rei da xviii
dinastia (fig. 13).
estatueta funerária
Datação: Imitação recente.
Estatueta de bronze de boa feitura técnica com um corpo
humano bem elaborado e em pose de múmia com a iconografia dos habituais chauabti. Tem os braços cruzados à
frente para nas mãos segurar os alviões junto dos ombros,
e exibe um colar de três voltas. À frente tem um texto hieroglífico em oito colunas horizontais que se desenvolve
da direita para a esquerda e cuja leitura não faz sentido.
Fig. 12 | Estatueta de Anúbis | ce01130
dimensões médias: 35,8 cm, 7,4 cm, 8,4 cm.
52
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
Fig. 15 | Texto hieroglífico da estatueta funerária
imitando o capítulo 6 do “livro dos Mortos”
bibliografia
estatueta funerária
Datação: Imitação recente.
Estatueta de bronze em pose mumiforme e sem qualquer
inscrição, mostrando um corpo harmonioso e com os braços cruzados à frente. Tem uma cabeleira arredondada conhecida pela designação de cabeleira em saco, exibindo à
frente a serpente sagrada iaret (fig. 16).
aldred, cyril (1980) — Egyptian Art in the Days of the Pharaohs, 3100320 bc, Londres: Thames and Hudson.
almagro-gorbea, martin; torres ortiz, mariano (2009)
— “Los escarabeos fenicios de Portugal. Un estado de la cuestión”, in
Estudos Arqueológicos de Oeiras, Oeiras: Câmara Municipal, pp. 521–554.
almeida, júlia pereira de; araújo, luís manuel de (2009) —
“Escaravelhos egípcios em Portugal», in Cadmo, 19, Lisboa: Centro
de História da Universidade de Lisboa, pp. 97–130.
araújo, luís manuel de (1993) — Antiguidades Egípcias, I, Museu
Nacional de Arqueologia, Lisboa: Instituto Português de Museus.
araújo, luís manuel de (2006) — Arte Egípcia. Colecção Calouste
Gulbenkian. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, FCT.
araújo, luís manuel de (2011) — A Coleção Egípcia do Museu de
História Natural da Universidade do Porto, Porto: Universidade do Porto.
daumas, françois (1987) — La Civilisation de l’Égypte Pharaonique,
Paris: Éditions B. Arthaud.
málek, jaromír (1999) — Egyptian Art, Londres: Phaidon Press.
Fig. 17 | Estatueta deHórus | ce01132
dimensões médias: 39 cm, 7,3 cm, 6,2 cm.
estatueta de harpócrates
Datação: Imitação recente.
Estatueta de madeira em pose de marcha com a perna esquerda avançada, exibindo sobre a cabeça uma coroa compósita de bronze, e o rosto com traços anatómicos feitos
com razoável pormenor. O braço esquerdo cai ao longo
do corpo, que está vestido com um saiote curto, enquanto o braço direito se apresenta flectido, com a mão direita
chegada à boca e o dedo indicador junto aos lábios, como
é típico na iconografia de Harpócrates (fig. 18).
sales, josé das candeias (1999) — As Divindades Egípcias. Uma chave
para a compreensão do Egipto antigo, Lisboa: Editorial Estampa.
seipel, wilfried (1989) — Ägypten. Götter, Gräber und die Kunst 4000
Jahre Jenseitsglaube, Linz: OÖ Landesmuseum Linz. 1989.
Fig. 16 | Estatueta funerária | ce01131
dimensões médias: 32,5 cm, 8,6 cm, 6,3 cm.
estatueta de hórus
Datação: Imitação recente.
Estatueta de bronze em pose mumiforme e sem qualquer
inscrição, mostrando um corpo harmonioso, com os braços cruzados à frente e com um colar usekh de aparato cobrindo as mãos. A cabeça é de falcão, com os correctos
traços anatómicos da ave identificadora do deus Hórus,
rodeada por uma cabeleira tripartida e estriada (fig. 17).
Fig. 18 | Estatueta de Harpócrates | ce00140
dimensões médias: 31,3 cm, 5,2 cm, 2,6 cm.
54
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
multi-analytical approach
in the study of ceramics
J. Mungur-Medhi
universidade de trás os montes e alto douro
instituto politécnico de tomar
grupo quaternário e pré-história
do centro de geociências
(uid76 fundação ciência e tecnologia)
resumo
Este estudo, que incidiu sobre uma amostra de dez cerâmicas da Colecção Estrada, para além de ser uma tentativa
de utilizar diferentes métodos analíticos para encontrar as
técnicas mais apropriadas para a caracterização e datação
de uma colecção de cerâmica, procura também mostrar a
natureza compensatória desses métodos analíticos.
Palavras-chave: cerâmicas; autenticidade; análise mineralógica; análise química; termoluminiscência.
56
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
abstract
This study, which focused on a sample of ten ceramics of the
Collection Estrada, besides being an attempt to use different
analytical methods to find the most appropriate techniques
for the characterization and dating of a collection of ceramics, also seeks to show the compensating nature of these
analytical methods.
Keywords: ceramics; authenticity; mineralogical analysis,
chemical analysis; thermoluminescence.
“From the initial survey of a potential site to the laboratory
analyses that can last for years after the digging is over, archaeologists and physical scientists are collaborating to learn
more about the past that ever could have been summarised
using classical methods alone” zurer, 1983; 26.
Large proportion of archaeological and archaeometric investigations are oriented towards Heritage, having as their
main objectives: identification, better understanding, and
preservation.
The present study has a similar focus: multiple analytical approaches are applied to better understand a ceramic
group, which forms part of an important collection in Portuguese Heritage. Actually, artefacts and works of art kept
in museums originated in many cases from ancient private
collections. In such cases, a partial or total absence of historical information may create additional problems concerning their authenticity. Hence there is a need for proper
study in order to attribute each artefact the corresponding
culture, to develop their contextualisation and investigate
their authenticity. The study of museum collections and
their preservation requires the use of analytical techniques
combined with examination techniques. In the present
study a sample of 10 ceramics were selected.
The experimental work was divided into 3 parts: the
first one was the classical approach of typology and style
in order to make a relative chronology of the ceramics that
would be used as a base to guide the application of instrumental analytical techniques; the second part consisted of
compositional analysis and the third part was devoted to
absolute chronology.
objectives
The collection under study will soon find its place in the
future museum Museu Iberico de Arqueologia e Arte, in
Abrantes Portugal and out of it the 10 ceramics were studied with the following objectives:
1 Establish the authenticity and absolute dates;
2Finding the mineralogical and elemental fingerprint of
the samples to group the ceramics and indicate which
of them may have the same source;
3Come out with the most appropriate method for the
future study of the collection;
4Look into the compatibility and compensating aspects
of different methods and to stress on their complementary needs;
5Application of analytical methods cannot merely be
adopted from the physical sciences but must be developed to address key issues in archaeology and heritage
(Whitbread, 2001). Through this work there is also an attempt to look into the archaeological and heritage problems as from a chemist approach and vice versa. Hence
it is experimentation in trying to address this problem
of gap between archaeology and archaeometry.
methods
Due to the mixture of artefacts from different time periods
and absence reliable associated documentation, the first
approach was to classify and group the ceramics based
on their typology and style. They were placed in a relative
time line and attributed to the analogous culture and geographical distribution. Thereafter, thermoluminescence
dating was applied for an absolute chronology.
Thermoluminescence dating is an appropriate method
to date ceramic as the latter is an insulator and semiconductor and has absorbed energy during exposure to radiation; characteristics needed for tl dating. The basic
principle is that clay and its temper of pottery lose their
accumulated geological dose when the pot is fired during
its manufacture thus setting the thermoluminescence to
zero. The newly formed pot is now subjected to natural radiation from its surroundings and the pottery accumulates
an absorbed dose which is proportional to its archaeological age.
In its simplest form
Age (years) = Palaeodose(gy)/Annual Dose rate (gy)
The palaeodose also known as equivalent dose (de)
was calculated using 3 different techniques:
58
1 The Regenerative Technique, which applies incremental irradiations to aliquots that have first been measured
for their natural signal and thus zeroed. This procedure
‘regenerates’ the growth curve from zero and the natural signal is fitted into the curve by interpolation.
1 disc of each specimen was heated up to 500°c and the
tl was measured thus obtaining the natural dose and
at the same time setting tl of the sample to 0. The sample was then given an artificial Beta dose and the regenerated signal was measured. The measurement and
irradiation was conducted in a Risø da-15 automatic
reader with bg25 and ha3 detection filters to detect in
the blue emission region, and a 90Sr/90Y irradiator (Bøtter-Jensen et al., 2000) giving 0.065±0.001 gy/s to fine
polymineral grains on aluminium discs for 50 seconds
(Richter et al 2003) that is 3.25 ± 0.05 gys. The data was
then plotted on a graph of Temperature against the tl
counts followed by a calculation of integrals for each
measured signal of each sample. The 351-450°c integral
was used and the integral equation: Artificial dose x
[Natural integral/(Bleach+dose integral)] was used to
calculate the palaeodose.
2The second technique used consisted of the Multiple
Aliquot Additive Dose Technique. Incremental irradiations are given to different aliquots that still retain
their natural dose which results in enhancement of the
luminescence signal and a growth curve is constructed
plotting irradiation against luminescence signal. The
natural signal forms the lowest point on this curve,
which is then extrapolated back to zero dose to estimate de.
2 discs for each sample were allocated to get the natural dose and beta dose were given to 8 discs in group
of two, each time doubling the dose. The 8 aluminium
discs for each sample were irradiated in Daybreak 801E
calibrated to 0.145 gy/s, and were allowed to rest for 3
to 2 weeks before measurement. The discs were pre-
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
heated at 140°c for 16 hrs before being measured in a
Risø reader using bg25 and ha3 detection filters. The
data was plotted to draw a curve to see the peaks at
each given dose. Thereafter, tl integral was calculated.
Integral 200-399°c was used to calculate the palaeodose.
3The third technique employed was the pre-dose technique. Here, the archaeological age of the specimen
is related, not to the natural thermoluminescence intensity, but to the sensitivity of a particular glow peak
found in all pottery quartz. The sensitivity of the peak
is found to be dependent upon the amount of radiation
previously received which, in the case of an archaeological specimen, is the archaeological dose (McKeever, 1985). However, in this case a simplified Pre-dose
technique proposed by Galli (Galli et al, 2006) was
adopted, which is a method applied to fine-grain, contrary to the traditional predose technique which is
done on quartz grain.
3 to 6 aliquots were irradiated in the Risø using bg25
and ha3 detection filters with a preheat of 30°c to release the nitrogen in the Risø. The 110°c peak response
was measured and considered as S₀ and the tl was
measured after giving a beta dose of 0.065 gy up to
450°c and this measurement was repeated for 8 times
and the data being sn. The temperature is plotted
against the tl counts. However, instead of one, two
integrals were chosen; one is at the 60-119°c intervals
as the 110°c peak is located in this range and the other
at the 120-159°c which was used as the base line. Both
integrals were plotted against the Cumulative Predose
as shown in fig 1. After obtaining the integrals sn/s0 of
both these integrals are calculated and plotted on the
same graph against the cumulative predose to produce
two linear line equations, extrapolated to have the interception. However, the cycle which followed the first
point of saturation was rejected for the first integral
thus avoiding an overestimate of the palaeodose. Satu-
ration point varied from aliquot to aliquot even within
the same sample and the cycle was accepted or rejected
by looking at the plots.
tl (cts)
12000
60–...
120...
10000
8000
6000
4000
2000
0
-2000
0
5
10
15
20
25
Cumulative PreDose (gy)
Integrals against cumulative predose
sn/s0
20
16
60–120
120...
y = 0.6464x + 1.6244
12
8
y = 0.0597x + 1.4263
4
0
-4
0
Palaedose (gy)
4
8
12
16
20
24
Cumulative PreDose (gy)
ESn/S0 against cumulative predose with the linear equations
For dating, apart from the palaeodose, the radioactivity
that is the annual dose has to be calculated as well. It consists of calculating how much dose the sample may have
received each year. For most of the samples annual dose is
provided equally by potassium, thorium and uranium and
a few percentages from rubidium and cosmic rays. The
data obtained by inaa undertaken for the chemical analysis which gives the rate of decay of potassium, uranium
and thorium, is used to calculate the rate of ionization in
the crystals. To finalise the Gamma dose it is important to
consider the Gamma dose rate of the sample’s surroundings. As there is a lack of information on the context of the
samples, the Gamma dose was calculated using the ‘Local
hypothesis’ (Zink et al, 2005) that is assuming that the pot
was buried in Portuguese soil or similar soil. An average
Gamma dose of the Portuguese soil was calculated based
on the gamma doses in a selection of Portuguese soils and
sediments. Water content/moisture is another aspect to be
considered while calculating the annual dose. Water of the
pottery or in the soil where the pottery was, absorbs part
of the radiation before reaching the thermoluminescence
grains; that is water decreases the radioactivity per unit
mass compared to dry situation (Aitken, 1985). Hence,
moisture saturation level depends on the kind of fabric
and the kind of sediment as well. Once again water content
from both the sample and the sediment was a limitation
in our measurement due to lack of context and the water
content had to be estimated. After accounting for the difference in Efficiency of Alpha Radiation Relative to Beta in
Producing Luminescence and the cosmic dose the annual
dose can be finalised and the age calculated using:
Age (years) = Palaeodose (gy)/Annual dose.
Simultaneously, compositional study including mineralogy and elemental analysis of the fabric was undertaken.
X-Ray Diffraction and Infrared Spectroscopy were used
to define the mineral composition whereas Instrumental
Neutron Activation Analysis and Micro X-Ray Fluorescence were carried out to determine the chemical composition of the paste and surface coating respectively. One
destructive and one non-destructive or minimum invasive method have been chosen for both the analyses. The
methods shall also indicate which one can be the most
appropriate and reliable in further study of the collection
taking into consideration the integrity of the pieces and
the conservation aspects.
xrd is one of the most important characterization
tools used in solid state chemistry and materials science.
In X-ray diffraction work a distinction is drawn between
single crystal and polycrystalline or powder applications.
The powder diffraction method is ideally suited for characterization and identification of polycrystalline phases.
The main use of powder diffraction is to identify components in a sample by a search/match procedure.
In the present work, samples were scanned from 2°–70°
of 2θ, under a speed of 0.5steps/min with a Tension 45 kv
60
and Current 40 for 2 hours with a PANalytical X’Pert PRO
powder.
Mineralogical analysis via irtf is one of the ideal
methods for archaeological and heritage materials, first
due to the minimum amount of material required, about 2
mg and the exhaustive nature of the analysis (Hachi et al,
2002) and also has speed advantage.
Chemical composition of pottery may be characteristic
of a particular site or area of manufacture (Wilson, 1978).
Two of the methods applied in the present study are: inaa;
a destructive method (even though a small amount of
sample is required) and X-Ray Fluorescence Spectroscopy
a non-destructive and non-invasive method.
Instrumental neutron activation analysis (inaa) is one
of the most used analytical techniques for the determination of trace element concentrations in pottery and clay
materials for provenance studies in archaeometric investigations of ceramics. The main advantages of inaa for pottery analysis are: high precision, accuracy and sensitivity
for many elements. However it is a destructive method,
though a small amount (about 200mg) is required.
For neutron activation analysis, samples after being
dried in an oven at 110 °c and standards were bundled together and irradiated at a thermal flux of. 3.96 x 1012 cm-2s-1
Ф
epi/Фth = 1.03%; Фth/Фfast = 29.77 for 6 hours. Standard
reference materials gsd-9 and gss-1 were used to calibrate.
The bundles were rotated continuously during irradiation
to ensure that all samples received the same neutron exposure. Iron (Fe) flux monitors were irradiated with the samples to allow corrections due to variation in neutron flux.
After the data have been collected, the next step in any
compositional analysis of pottery is to determine if there
are any distinct groups present in the data. The volume of
data generated in pottery inaa studies is often substantial
consisting of up to 35 elements measured in all sampled
sherds and clays. Methods, based on multivariate statistical analysis are required to identify and quantify the similarities and differences between specimens and groups of
specimens. Pottery groups defined by compositional data
can be viewed as “centres of mass” in the compositional
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
hyperspace described by the measured element concentrations. Pattern recognition methods such as cluster analysis,
plots of the original data in two and/or three dimensions,
and principal components analysis (pca) are customary
approaches to data handling (Glascock et al, 2003). In the
present case despite being very few samples 3 methods
were approached to analyse the data.
The data was first treated as absolute values. Histograms of each element were constructed using Excel
Spreadsheet. It helped to compare the composition of an
element in each sample. The absolute values were also
used to plot Bivariate plots, for some major and trace elements. Bivariate plots/ Biplots, where the relationship
between the variables (i.e., elements) is plotted, are used
to examine the correlations between variables and within
the samples, identify obvious groups and detect outlier
specimens. It further helps to cross check and confirm
the observations made from histograms. To further group
and perceive the outliers Multivariate Statistical, namely
clustering methods were employed by using the Statistica
Program 8, specifically the joining tree-clustering method,
using the standardised values of the chemical elements.
The amalgamation rule employed in the joining tree-clustering was upgma (unweighted pair-group method using
arithmetic averages). The joining tree-clustering method
uses the dissimilarities/ similarities or distances between
objects when forming the clusters. These distances can
be based on a single dimension or multiple dimensions,
with each dimension representing a rule or condition for
grouping objects (Dias and Prudêncio, 2007). Coefficient
correlation of Pearson in order to define groups with similar chemical composition and the Euclidean distances to
separate outliers were used. The results are presented in
the form of dendrograms showing the order and levels of
specimen clustering. The Rare Earth Elements (ree) were
also normalised to the Haskin et al 1968, Chondrite values (Rollinson, 1993). Data were normalised to give equal
weight to the largely varying concentration values of the
elements; the crude data is scaled to values with average 0
and standard deviation 1 (Mommsen et al, 1988).
The non invasive method used for chemical analysis
was Energy Dispersive Micro X-Ray Florescence (microedxrf). The aim of the present work was to investigate
and evaluate the ability of applying portable micro-edxrf
Instrument. The major advantage of this device is the nondestructiveness thus a whole ceramic can be analysed including its fabrics, paintings, glaze and varnish. However,
it has its own limitations which can restrict the analysis to
a major extent; in theory this technique may not detect the
elements which are present in less than ½ % that is it may
not identify the trace elements present in the ceramics. Besides, the chemical characterisation, this application would
also indicate how far the results from the X-ray florescence
is reliable and accurate to characterise this collection being
favoured compared to inaa due to its non-invasive character. Simultaneously pigment and varnish identification
would also be possible.
The Micro-edxf spectrometer ‘Oxford instruments XRay Technology’ was used. (Fig. 1) It includes x-ray tube
which scan the sample when energised; Beryllium exit
window, Maximum voltage 30 kv, max current 0.1 mA,
max power 3 W and max temperature 45 degrees and a Si
x-ray detector which detects the emitted x-rays from the
sample (xr – 100 cr) and transmits the x-rays to an Elemental Analysor (po-2 with max 30 kv).
results
Mineralogical study
Based on mineralogical analysis of xrd, 2 main groups
were identified; one calcitic including ce00008 (fig. 2),
ce00069 (fig. 3), ce00181 (fig. 4) and ce00185 (fig. 5) and
the rests that is ce00006 (fig. 6), ce00012 (fig. 7), ce00160
(fig. 8), ce00674 (fig. 9), ce02155 (fig. 10) and ce03939
(fig. 11) do not have trace of calcite. ftir Spectroscopy also
illustrates that ce00008, ce00181, ce00185 have calcite but
at the same time ce00012 also contains approximately the
same amount of calcite as ce00008 which has not been
identified by xrd. ftir also pointed the presence of calcite in trace in ce00160 and ce00674 which xrd did not
recognize most probably due to the absence of crystalline
phases of the mineral.
Fig. 2 | Askos with taurin
plastic form, like Villanovian
funerary pottery | ce00008
average measurements:
25,8 cm, 23,5 cm.
Fig. 3 | Double ware,
with painted geometric
decoration | ce00069
average measurements:
23,5 cm, 22,2 cm.
Fig. 4 | Red figure “columns
crater”, with centauromakia
scene | ce00181
average measurements:
22,9 cm, 39,3 cm.
Fig. 5 | Black figure crater,
with tauromakia scene
| ce00185
average measurements:
29,5 cm, 42 cm.
Fig. 6 | Red figure “Calix”
| ce00006
average measurements:
22,3 cm, 24,4 cm.
Fig. 1 | The Micro-EDXF spectrometer ‘Oxford instruments X-Ray Technology’ in using
62
Fig. 7 | Beaker with plastic
ornitomorphic figures,
like Villanovian funerary
pottery | ce00012
average measurements:
23,3 cm, 35 cm.
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
Fig. 8 | Red painted ware, like
Iberian pottery | ce00160
average measurements:
21 cm, 13 cm.
Fig. 9 | Pottery painted
human statuette | ce00674
average measurements:
18,6 cm, 34,6 cm.
Fig. 10 | Red figure “Rython”
| ce02155
average measurements:
12,6 cm, 17 cm, 23,3 cm.
Fig. 11 | Globular ware, with
graved decoration | ce03939
average measurements:
20,5 cm, 25,8 cm.
At the same time comparing the spectra from ftir the
closeness of ceramics could be easily identified for instance
ce00008 and ce00012 seem to be of exactly the same mineralogical composition and have gone through the same
treatment, thus most probably from the same source.
Along with the mineral composition, mineralogical
analysis also gives important information on the firing
temperature. In our case a combination of data from both
techniques was highly compensating for this purpose: for
instance ftir shows the presence of amorphous silicate
in some ceramics indicating a firing temperature above
500°c. At the same time xrd shows clear presence of plagioclase feldspar indicating that the ceramic has been heated below 900°c. Hence ce00012 has most probably been
fired around 900°c. ce00008 having plagioclase feldspar
(xrd) and amorphous (irtf), went through a temperature
between 500 to 900°c not even reaching 900°c as there is
calcite. ce00181 and ce00674 which have no plagioclase
most probably went through a firing temperature of above
900°c. ce00006 and ce02155 were most probably fired at
a temperature around 900°c due to the presence of both
diopside and plagioclase. ce00069, ce00160, ce00185 and
ce03939 were fired below 900°ce but not very low.
Chemical study
Based on the geochemical data obtained from inaa, specimen ce00160 is a principal outlier in this sample of 10 ceramics followed by ce00674 which is also different from
others. The rest can be clustered in 4 different groups with
ce00069 and ce03939 being close, ce00008 and ce00012
form one perfect cluster as they are very close; ce00006
and ce00185 may have the same source and ce00181 and
ce02155 form another group. While according to Micro‑edxrf, ce00069 is an outlier; ce00008 and ce00012 is
of the same geochemical category; ce00185, ce02155 and
ce00006 cluster together, ce00181 is completely apart and
not even corresponding to the other similar looking ceramics and ce00160, ce00674 and ce003939 are also unique
specimens. Thus, the geochemical similarity/dissimilarity
of some elements points 6 sources of raw materials.
64
Dating
The three techniques used along with different methods
of data analysis gave very low or hardly any paleodose of
the ceramics. The Predose Technique even indicates that
they were not archaeological ceramics recently affected by
heat (being one of the hypothesis) but instead are recently
manufactured ceramics. Thus, tl points out that most of
the ceramics are 19th–20th ad, at the most 14th–15th Century ad, production and not a 8th–5th bc bc production
as the typologysuggested. The results are summarised in
the following table:
tl dates of the ceramics
ceramics
predose
date ad ± yrs
regenerative
date ad ± yrs
maad
date ad ± yrs
A8/526
CE02155
2229
98
1923
8
1964
11
A8/527
CE00008
1989
47
2004
0
1929
9
A8/528
CE00012
2167
54
2004
0
1948
8
A8/529
CE03939
1912
16
1995
2
1974
8
A8/530
CE00160
3236
226
1923
8
1995
3
A8/531
CE00674
1609
132
1887
12
1958
5
A8/532
CE00181
22
952
883
191
1991
5
A8/533
CE00185
2176
44
1966
4
1936
22
A8/588
CE00006
2237
75
–
–
2078
16
A8/589
CE00069
2323
167
–
–
2149
37
discussions and conclusions
ftir and xrd add up in the mineralogical understanding of the sample in their own way. ftir is highly advantageous as it requires only 2.5 mg of powder for analysis
and from a conservation point of view it is preferred. This
method already gives an idea of the mineralogical composition and also about the firing temperature, depending on the presence of clay minerals or amorphous silicate
or other mineral transformation phases. Moreover, along
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
with non-crystalline minerals it can clearly identify the
presence of organic materials. However, not all the minerals can be identified precisely for instance we can find the
presence of feldspar but which one exactly cannot be said.
xrd is quite accurate but is more invasive
The two methods of chemical analyses compensate
each other for inaa analyses the paste and the edfx looks
at the surface. Nevertheless, for proper geochemical characterisation inaa is better as the latter analyses the paste
and can identify trace elements. Micro-edxrf is efficient
but not ideal for detailed chemical analysis especially if
questions of Provenance are treated. Nevertheless, being a
non-destructive method it is highly useful and can be the
first step in chemical analysis.
The Mineralogical and chemical data of the ceramics were even useful in the Thermoluminescence Dating
process of these ceramics. An obvious one is the use of
data generated from inaa (for K, Th, and U) in calculating the Annual Dose. Moreover, the mineralogical data of
the sediments (taken from inside the ceramics as proof
of context) allowed us to reject the sediments to calculate
the doses for the external environment. Moreover, when
amorphous silicate was identified in one of the sediments
it was hypothesised that ceramics could have got accidently heated during its museological history. In this case the
Regenerative and Multiple Aliquot technique would not
give palaeodose. These observations lead to adoption of
the Predose Technique.
All the methods have their own advantages, disadvantages and limitations. None of the analytical methods is really perfect that is why it is always better to use more than
one method as they compensate each other. However, for
such a collection it is highly advisable to go for the non-invasive method first followed by the invasive and at last the
destructive methods if really required. However, if dating
or authenticity test is required the invasive aspect is inevitable for even a small amount of powder is required for the
purpose.
Finally, it can be said that along with the authenticity it
has also been able to test different analytical methods on the
10 samples of the collection and test for several hypotheses.
All the analysis conducted and the different methods used,
are compensating and help to build up in the understanding of the ceramics and eventually the collection. As suspected, the collection does have some copies of artefacts.
Actually, it is normal to find copies in museum’s collections as many museums have been buying artefacts
from different sources to enrich their collection and often without authenticity test. However, it does not mean
that the whole collection should be characterised as fake
and ignored. On the contrary proper studies have to be
undertaken for proper sorting and characterisation, thus
achieving an important part in proper heritage management of the collection and the future museum. Museum
collections contain heteroclite items with unspecified
archaeological context, origin and mode of acquisition.
Some of these items have been submitted in the past to
more or less ingenuous unspecified restorations, while
others are mere copies, pastiches or fakes. Museums
emerged from personal collections of antiquities that noble families collected since the Middle Ages. Artists tried
to make objects as close in appearance as possible to the
originals: the Renaissance and the 19th century being the
most prominent periods. Since the opening in 1888 of
the Chemical Laboratory of the Royal Museums, Berlin,
directed by Friedrich Rathgen, for the study, authentication and preservation of cultural heritage; there has been
huge progress in analytical techniques. To accomplish
this work, science-based study, art history and conservation-restoration are carried out together. Nowadays, an
increasing number of analytical techniques are applied to
museum objects (Guerra, 2008). Hence, analysing the collection of Estrada Foundation (collection under present
study) add up in this global move.
and to whom I am highly grateful. I further thank Dr. L.
Oosterbeek, the director of the Erasmus Mundus master in
Portugal during which this work was conducted. I further
express my gratitude to Dr. F. Frölich and his team from the
Spectroscopy lab and Dr. A. Zink and Dr. F. Gaultier from
the Louvre Museum, Paris. I am grateful to the Estrada
Foundation and to the team working on this collection for
allowing me to work within and be part of the project. As
this work was conducted in relation to my master thesis
as an Erasmus Mundus Student, I take the opportunity to
thank each and everyone related to this programme.
glascock m. d. — An Overview of Neutron Activation Analysis.
guinn v. p. (1991) — Past, Present, Future of Neutron Activation Analysis.
Journal of Radioanalytical and Nuclear Chemistry. Articles, Vol. 160,
N.º 1 (1992) pp. 9-19.
bibliography
prudence m. r. (1987) — Pottery Analysis A sourcebook. The University
of Chicago Press.
acknowledgement
This work was conducted at the Insitituto Politecnico de
Tomar, Instituto Tecnologico e Nuclear, Lisbon and Spectroscopy lab at Musée de L’homme Paris under the supervision of Dr. J.Coroado, Dr. M.I. Dias and C.I. Burbidge
glascock m. d. and neff h. (2003) — Neutron activation analysis
and provenance research in archaeology. Meas. Sci. Technol. 14 (2003)
1516–1526 pii: S0957–0233(03)56714–5. Online stacks.iop.org/MST/14/1516.
aitken m.j. (1985) — Thermoluminescence Dating.
London, Academic Press.
bishop r.l. (2003) — Instrumental Neutron Activation Analysis of
Archaeological Ceramics: Progress and Challenges. Nuclear Analytical
Techniques in Archaeological Investigations Technical Reports Series
N.º.416 . Chapter 2, Part Ii: Reports By Participants In The Co-Ordinated
Research Project.
brouwer p. (2003) — Theory of xrf Getting acquainted with the
principles. PANalytical BV, the Netherlands.
castaing j. a, girod m. b, zink a. (2004) — Radiation background due
to radioactivity in palaces and museums: influence on tl/osl dating.
Journal of Cultural Heritage 5 (2004) pp. 393–397.
Online www.sciencedirect.com. 2004.
mckeever s.w.s. (1985) — Thermoluminescence of Solids. (Chap 1; 2; 7).
Cambridge University Press, Cambridge London New York
New Rochelle Melboune Sydney.
papachristodoulou c., oikonomoub a., ioannides k.
and gravani k. (2006) — A study of ancient pottery by means of X-ray
fluorescence spectroscopy, multivariate statistics and mineralogical
analysis. Analytica Chimica Acta pp. 573–574 (2006) pp. 347–353.
www.sciencedirect.com.
pollard a.m., batt c.m., stern b., young s.m.m. (2006) — Analytical
Chemistry In Archaeology. Cambridge Manuals in Archaeology. G.Ed.
Graeme Barker. Cambridge University Press.
stuart b. (2004) — Infrared Spectroscopy: Fundamentals and
Applications. Analytical Techniques in the Sciences. Wiley.
wintle a.g. (1997) — Luminescence dating: Laboratory Procedures and
Protocols. Radiation Measurements Vol. 27, N.º. 5/6, pp. 769–817.
wintle a.g. (2008) — Fifty Years of Luminescence Dating. Archaeometry
50 , 2 (2008) pp. 276–312.
zink a. and porto e. (2005) — Luminescence Dating Of the Tanagra
Terracottas Of The Louvre Collections. Geochronometria. Journal on
Methods and Applications of Absolute Chronology Vol. 24, pp. 21–26.
zurer s. p., c and en washington (1983) — Archaeological Chemistry
Physical Science helps to unravel human history. Special Report: pp. 26–43.
dias m. i., prudêncio i. (2007) — Neutron Activation Analysis of
Archaeological Materials: An Overview of the itn naa Laboratory,
Portugal. Archaeometry 49, 2(2007) 383–393.
dias m.i., prudêncio.i. (2008) — On the importance of using scandium
to normalize geochemical data preceding multivariate analyses applied
to archaeometric pottery studies. Microchemical Journal 88 (2008) pp.
136–141. Online www.sciencedirect.com. 2008.
feathers j.k. (2003) — Use of luminescence dating in archaeology.
Institute Of Physics Publishing Measurement Science and Technology.
Meas. Sci. Technol. 14 (2003) pp. 1493–1509. Online at stacks.iop.org/
MST/14/1493.
fröhlich f.s et gendron-badou a. (2002) — La Spectroscopie
infrarouge un outil polyvalent. Géologie de la Préhistoire Méthodes,
Techniques, Applications. Associations pour l’étude de l’environnement
géologique de la préhistoire. Paris.
glascock m. d., neff h. and vaughn k. j. (2004) — Instrumental
Neutron Activation Analysis and Multivariate Statistics for Pottery
Provenance. Hyperfine Interactions 154: 95–105, 2004. © 2004 Kluwer
Academic Publishers. Printed in the Netherlands.
66
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
placas de xisto
a arte rupestre:
a propósito
da coleccção estrada
Manuel Calado
cieba – faculdade de belas-artes
da universidade de lisboa
resumo
As placas de xisto são um dos grandes temas da arte préhistórica europeia: com uma personalidade muito vincada,
em termos de linguagem gráfica, embora ecoando gostos e
soluções artísticas de carácter mais transcultural.
Aborda-se aqui, por um lado, a eventual inspiração do estilo das placas na estética específica das artes das fibras e,
por outro, o carácter antropomórfico que essa inspiração
parece implicar.
A descoberta de uma verdadeira oficina de placas de xisto,
com todas as etapas da cadeia operativa bem representadas, num povoado de fossos sinuosos (Águas Frias, Alandroal), permite-nos rever os modelos interpretativos mais
correntes, em vários aspectos fundamentais. A relação entre as placas ditas “alentejanas” e a arte rupestre neolítica
pode ser abordada, desde logo, em termos iconográficos
e, na verdade, diversos autores o têm tentado: no centro
dessas análises destacam-se as eventuais relações entre a
temática expressa nas placas e os temas presentes na chamada “arte megalítica”.
Este trabalho centra-se, no entanto, nas questões espaciais
implicadas na comparação entre a distribuição geográfica
das placas, a sua área nuclear de proveniência e a distribuição da arte rupestre no Alentejo Central, nomeadamente
o Complexo Rupestre do Alqueva.
Palavras-chave: placas de xisto; arte rupestre; Neolítico.
68
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
abstract
The slate plaques are one of the great themes of European
prehistoric art, with a very strong personality in terms of
graphic language, while echoing tastes and artistic solutions
of a more transcultural type.
I address here, on the one hand, the possible inspiration for
the style of the plaques in the specific aesthetic of fiber arts
and, secondly, the anthropomorphic character that that such
inspiration seems to suggest.
The discovery of a workshop for the manufacturing of slate
plaques, with all the stages of the operative chain represented, in a Neolithic ditched village (Águas Frias, Alandroal)
allows us to review the most current interpretative models
in several key aspects. The relationship between the plaques
from Alentejo and the Neolithic rock art can be approached
from the outset in iconographic terms and, indeed, some authors have tried it: in the center of those analyses the possible
relationships between the themes expressed in the plaques
and the themes present in the “megalithic art” are usually
highlighted.
This paper focuses, however, on the spatial issues involved in
the distribution of rock art in Central Alentejo, including the
Alqueva Complex.
Keywords: schist plaques; rock art; Neolithic; Central Alentejo.
O trabalho arqueológico é, essencialmente, o da busca de
significações que os sítios, os espólios ou os seus vestígios, directa ou indirectamente revelem. Busca indícios, sinais, signos ou sistemas que procura entender na sua singularidade
ou multiplicidade, estabelecendo analogias ou oposições, investigando relações de significação. pina h. l., 2003.
homenagem
O texto em epígrafe foi retirado de um trabalho de Henrique Leonor Pina sobre as placas de xisto; trata-se de um
contributo interessante, muito bem pensado e bem escrito.
Este artigo pretende, modestamente, ser uma homenagem ao arqueólogo independente cujo trabalho de campo
e cujos escritos marcaram, de forma indelével, alguns temas fulcrais do megalitismo alentejano.
O homem que descobriu, de uma penada, o recinto megalítico dos Almendres e a Anta Grande do Zambujeiro.
as placas de xisto como linguagem gráfica
É consensual a ideia de que “existiu uma gramática decorativa para as placas de xisto gravadas” (Gonçalves, 2006:
46); é isso, aliás, que nos permite falar num certo “ar de
família”, apesar de ser muito difícil encontrar duas placas
exactamente iguais numa amostra que, na actualidade,
conta com largas centenas de exemplares conhecidos.
Se quisermos caracterizar sinteticamente a linguagem
gráfica das placas de xisto, teremos que ter em mente, entre outros aspectos, o carácter anguloso dos motivos, o uso
alternado do claro-escuro, a organização em bandas ou a
simetria em função de um eixo vertical. Em comum, as
placas de xisto têm ainda a forma genericamente quadrangular do suporte e a sua materialidade.
Na verdade, todos estes aspectos conhecem excepções,
incluindo o uso do xisto como material de suporte (isto se
incluirmos na mesma categoria as placas de grés e outras
variantes mais atípicas) (Bueno, 2010).
Note-se que as composições baseadas em motivos angulosos são raras na arte paleolítica europeia que é, aliás,
muito mais figurativa do que geométrica; esses padrões
começam a ocorrer, com alguma frequência, sobretudo a
partir do Neolítico Final e mantêm-se, de uma forma mais
ou menos intermitente, até ao final da Idade do Bronze.
Na arte rupestre de ar livre que, no Alentejo, ocorre
maioritariamente em rochas do leito de rios, os motivos
arredondados costumam predominar. Nos objectos móveis, pelo contrário, parece observar-se uma escolha mais
recorrente pelos motivos angulosos.
Nas placas de xisto, excluindo o motivo ocular/solar, as
formas arredondadas estão virtualmente ausentes.
considerações sobre a génese
dos motivos angulosos
A interpretação das placas como “imágenes vestidas con
mantos bordados o pintados” (Bueno, 2010: 70) é muito
sugestiva, sobretudo quando se assume o carácter antropomórfico das mesmas.
É claro que os mesmos motivos aplicados num báculo
(Alvim, 2010), complicam essa leitura mais imediata, embora, na minha opinião, sem a contradizerem.
Katina Lillios, menos entusiasta com o carácter antropomórfico das placas (tendo proposto, como alternativa, o
conceito de biomórfico) (Lillios, 2008), dilui um pouco a
imagem, ao afirmar que “it seems logical to consider woven
textiles, possibly clothing, blankets, or carpets, as the inspiration or basis for the decorative motifs on the slate plaques”
(Lillios, 2002: 141).
Com um pouco mais de audácia, poderia ainda estender-se esta lista à própria cestaria que é, verosimilmente,
o antepassado tecnológico da tapeçaria e da tecelagem.
Na verdade se, em vez de pintados, os motivos fossem o
resultado da utilização de fios (ou fibras) de cores diferentes, o seu carácter anguloso e a organização em bandas
poderiam ser sobretudo resultantes de constrangimentos
técnicos. Vejam-se, por exemplo, os motivos decorativos
(e a respectiva organização) nas mantas tradicionais alentejanas, ou nos tapetes tradicionais do Norte de África.
Tendo em mente alguns dados etnográficos bem estudados, nomeadamente entre os índios amazónicos (van
Velthem, 1998), entende-se melhor a importância relativa
da cestaria na arte “primitiva”: as dificuldades técnicas da
70
execução de motivos, em objectos trançados, implicaram
uma valorização deste tipo de suporte sobre os demais,
nomeadamente a cerâmica, a madeira ou o próprio corpo
humano.
Fig. 1 | Tapete artesanal marroquino
A relativa complexidade dos cálculos mentais envolvidos na execução da cestaria inspirou, aliás, significativamente, alguns trabalhos relevantes no campo da etnomatemática (Gerdes, 2002; Gerdes, 2010).
Para além disso, entre os Wayana, por exemplo, a cestaria possui o “status de suporte material para uma rica
trama simbólica que inclui representações de ordem cosmológica, histórica, económica e social, revelando ainda
profundas preocupações estéticas e semióticas” (Vidal,
1998); a cestaria Wayana utiliza motivos geométricos angulosos os quais, em última análise, são estilizações de temas figurativos (van Velthem, 1998).
Fig. 2 | Motivos da cestaria Wayana (seg. van Velthem, 1998)
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
Fig. 3 | Pintura corporal
de índio Kyikatêjê
A aprendizagem desta técnica é reservada exclusivamente aos homens e é feita geralmente ao longo de vários
anos; a cerâmica, pelo contrário é exclusiva das mulheres, tal como a pintura corporal, e a sua aprendizagem é
comparativamente simples. Em muitos casos, os motivos
pintados ou incisos nas cerâmicas ou pintados no corpo,
remetem claramente para os motivos dessa “arte maior”
que é a cestaria e, sintomaticamente, tendem a ser bastante
menos complexos e variados.
Infelizmente, por razões de ordem tafonómica, não
dispomos, na cultura material neolítica alentejana, de nenhuma informação sobre os grafismos, que certamente
existiram, sobre suportes perecíveis.
Porém, existem muitas evidências de tecidos neolíticos, preservados noutras áreas europeias, em que aparecem os mesmos padrões decorativos das placas (Lillios,
2002: 142).
Entre nós, a única possível excepção diz respeito ao
uso de pintura corporal — e, eventualmente, de tatuagem
— sugerido pelas chamadas “tatuagens faciais”, motivos
em ziguezague na face de muitas figuras antropomórficas,
mais ou menos contemporâneas das nossas placas (Hurtado, 2010).
Porém, é bem plausível que os entrançados se tenham
desenvolvido ainda em sociedades de caçadores-recolectores, como aliás o sugerem alguns motivos geométricos
paleolíticos ou mesolíticos que têm sido, por vezes, interpretados como redes ou armadilhas.
Seja qual for a origem da cestaria — e do uso da mesma
como suporte de imagens gráficas — é certo que no Neo-
lítico final, em paralelo com as placas de xisto, surgem as
primeiras evidências artefactuais da tecelagem, materializadas nos chamados pesos de tear.
Muitos dos quais, particularmente na Estremadura, foram decorados com os habituais motivos angulosos.
As roupagens tecidas foram, provavelmente, nessa
época, uma das mais conspícuas inovações do quotidiano
e, logo, um dos suportes mais adequados para a exibição
de símbolos gráficos. A cerâmica do Neolítico final, maioritariamente lisa,
ostenta ocasionalmente motivos análogos aos das placas
de xisto, nomeadamente os triângulos preenchidos alternadamente, com ressonâncias noutras áreas europeias.
Por outro lado, no Calcolítico médio/final, as placas
parecem ser “una de las inspiraciones simbólicas para las
cerámicas campaniformes incisas” (Bueno, 2010: 39), inspirações que aparentemente se prolongam na cerâmica de
ornatos brunidos, dos finais da Idade do Bronze, assim
como na ourivesaria dessa época.
Nesta linha de raciocínio, as placas (tal como os seus
putativos sucedâneos) evocariam, no que diz respeito à
sua linguagem gráfica, o universo estético da cestaria, da
tapeçaria e, sobretudo, da tecelagem.
Os tecidos seriam, no Neolítico final, uma verdadeira novidade cultural, herdando, eventualmente, motivos
criados e usados nas artes ancestrais da cestaria. Não se
pode obviamente esgotar a questão da génese da gramática decorativa das placas de xisto, nessa sugestiva relação.
Se tivermos em conta o contributo do modelo chamanista, teremos um quadro interpretativo aceitável para a
génese dos motivos geométricos, em geral, mas sem que,
por essa via, se possa fazer qualquer distinção entre motivos angulosos ou arredondados (Clottes e Lewis-Williams,
1998; Lewis-Williams, 2004, 2005).
Num certo sentido, é como se o ziguezague fosse equivalente, só que na escrita específica dos entrançados, ao
serpentiforme de outras linhagens gráficas.
Uma palavra aqui para a dimensão antropológica da
questão: sem grandes comentários, uma vez que o tema
exigiria mais espaço (e mais saber).
Seja qual for a nossa perspectiva, é certo que a estética
dos motivos angulosos, organizados em bandas, jogando
com o claro-escuro e a simetria, encontramo-la replicada
em épocas, latitudes e longitudes tão diversas, como são
as da arte rupestre de Santa Catarina (Brasil) ou das casas
actuais do Burkina Faso.
Poderíamos relacionar também estes exemplos com
eventuais ascendências nas artes dos entrançados?
Fig. 4 | Casa tradicional do Burkina Faso
(http://ecran.fond.free.fr/burkina/burkina.html)
antropomorfismo: um ponto de partida
O carácter antropomórfico das placas de xisto é sugerido
por vários aspectos intrínsecos e extrínsecos:
1 Muitas placas de xisto (e, sobretudo, muitas placas de
grés) apresentam detalhes anatómicos que apontam
fortemente para a representação estilizada da figura
humana: olhos, nariz, tatuagens faciais, cabelos, ombros, braços e pés; note-se que estes elementos, quando
existem, não surgem necessariamente todos associados
numa mesma placa.
2A forma trapezoidal — a mais corrente nas placas de xisto — tem sido relacionada com a forma dos machados
de pedra polida (Bueno, 2010: 58). Ora, esses machados,
sendo objectos fortemente carregados de valor simbólico, tendem a funcionar como atributos, a par dos cajados,
72
dos agricultores e pastores neolíticos (Calado, 2004),
funcionando objectivamente como metáforas que evocam os seus portadores (Pétrequin e Pétrequin, 2006).
O uso de “mantos que les cubrían por completo” (Bueno, 2010: 62), como foi recentemente proposto, justificaria também uma silhueta tendencialmente trapezoidal.
O trapézio alongado (embora com a base menor para
baixo) não deixa de poder ser ligado, tendo em conta a tendência esquematizadora da linguagem gráfica
neolítica, à própria estrutura do corpo humano. Recorde-se que, por razões anatómicas, é essa a forma
mais corrente das sepulturas escavadas na rocha, em
época medieval, ou dos caixões, ainda hoje em dia.
Essa mesma figura geométrica foi aplicada sistematicamente, durante o Neolítico, na planta das grandes casas da
Europa Central, assim como em muitas das construções
funerárias, nomeadamente nos chamados long barrows.
Porque, como proclamou Protágoras, o homem é a
medida de todas as coisas...
3A conjugação entre os motivos e a sua organização gráfica, nas placas de xisto, sugere, na maioria dos casos,
que estamos perante figurações humanas, representadas através de padrões do vestuário.
4O contexto cultural em que se inserem as placas de xisto, quer tendo em conta apenas os objectos móveis, geralmente designados como “ídolos” (Hurtado, 2010), à
escala do Sudoeste peninsular, quer a sua “relación con
otras versiones de imágenes antropomorfas al interior
o a exterior de los sepulcros, y, sobre todo, su conexión
con el conjunto de las producciones de los constructores de megalitos” (Bueno, 2010: 39), está indelevelmente marcado pela representação da figura humana.
Parece-me claro que os verdadeiros problemas interpretativos começam a partir daqui. As mensagens veiculadas por estes “referentes privilegiados da memória” (Pina,
2003), quer sejam imagens de divindades, como a DeusaMãe (Almagro Gorbea, 1973; Gonçalves, 1999, 2004, 2006),
quer sejam, mais prosaicamente, registos de tipo heráldico
(Lisboa, 1985; Lillios, 2002, 2003, 2008), quer desempe-
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
nhem uma função mais difusa como marcadores étnicos
(Bueno, 2010; Hurtado, 2010), exigem imaginação criativa. E, provavelmente, novas abordagens.
águas frias: os novos dados
Em 2004, coordenei, no contexto do salvamento arqueológico da barragem do Alqueva, a escavação de um povoado pré-histórico, com ocupação predominantemente do
Neolítico final, mas com alguma continuidade pelo Calcolítico inicial.
Trata-se de um povoado de fossos sinuosos, uma tipologia que, tanto quanto parece, é exclusiva do Sudoeste
peninsular, e que, parcialmente, coincide com a área de
dispersão das placas de xisto.
Um dos objectivos principais da estratégia de escavação delineada foi precisamente a caracterização, em planta, do sistema de fossos, uma vez que, até essa data, não se
conhecia nenhum desses povoados em extensão; eu próprio tinha dirigido escavações em dois outros povoados
da mesma tipologia, sempre através de sondagens pontuais, dirigidas mais para questões estratigráficas e menos
para a leitura espacial do conjunto.
Foram, através de uma decapagem em área, detectados
3 fossos concêntricos, desenhando semi-círculos que, no
lado aberto, terminavam perto da margem de um antigo
açude natural.
Fig. 5 | Planta dos fossos
do povoado das águas Frias
Para além dos fossos, com larguras e profundidades
variáveis, foram detectadas e parcialmente escavadas outras estruturas, nomeadamente fossas/silos, “fundos de
cabana”, buracos de poste, restos de muros e empedrados
de diversos tipos.
De entre a parafernália artefactual, característica do
Neolítico final/Calcolítico inicial da região, destaca-se um
conjunto de cerca de uma centena de placas de xisto, inteiras ou fragmentadas, correspondendo a todas as fases da
cadeia operativa do respectivo fabrico.
uma hipótese diferente cruzando
os dados novos com os dados velhos
Antes da escavação das Águas Frias a questão do local de
fabrico das placas de xisto era colocada de forma muito
difusa; na verdade, assumia-se que esses artefactos eram
originários genericamente do Alentejo Central, região que
corresponde mais ou menos aos limites do actual distrito
de Évora (Bueno, 1992: 596; Lillios, 2002: 137).
Essa origem era sugerida quer pela leitura dos mapas
de distribuição dos enterramentos com placas de xisto,
quer pela quantidade absoluta destes artefactos votivos.
A análise da distribuição espacial dos motivos tinha,
desde há muito, permitido observar a existência de exemplares praticamente idênticos, embora relativamente complexos, em áreas tão afastadas como a Península de Lisboa,
a região de Huelva e o Alentejo Central (Cardoso, 2002;
Pina, 2003). Esta observação implicava, à partida, a existência de um núcleo produtor (dos objectos ou do conceito) e, nesta óptica, o Alentejo Central estava particularmente bem colocado.
Fig. 6 | Placas de xisto em diversas fases de fabrico.
Essa cadeia operativa está representada por blocos de
xisto em bruto, placas formatadas, placas com os topos polidos, placas com as faces polidas e até fragmentos de placas decoradas; existem, ainda, fragmentos não trabalhados com esboços frustres, correspondendo certamente ao
processo de treino dos gravadores. Curiosamente, faltam
apenas exemplares perfurados, sugerindo que essa seria a
última operação de acabamento, ou mesmo que esse detalhe seria acrescentado fora da oficina de fabrico de placas
e, provavelmente, feito pelo destinatário final.
Estes dados que não têm, até à data, nenhum paralelo,
vieram colocar um certo número de questões que permitem repensar, sob outra luz, os modelos em voga sobre os
fenómenos subjacentes à dispersão espacial das placas de
xisto.
Fig. 7 | Placas complexas, com motivos muito semelhantes, oriundas da Estremadura
(Quinta da Farinheira), do Alentejo Central (Cabacinhos)
e da Andaluzia (Rosal de la Frontera) (seg. Pina, 2003).
Na verdade, apesar de se ter estabelecido um consenso
razoável sobre a origem centro-alentejana das placas, pensava-se, sem grande discussão, que elas seriam produzidas
de forma dispersa na região e mesmo que todos os povoados poderiam ter sido centros produtores (Gonçalves,
1982).
No estado actual dos nossos conhecimentos, creio que
esta possibilidade deve ser completamente descartada: o
facto de, nos últimos anos, ter sido escavado um número
elevado de povoados, genericamente atribuíveis ao Neolítico final e Calcolítico, e de, em nenhum deles, terem sido
observadas evidências consistentes do fabrico das placas,
parece-me suficientemente eloquente.
74
Convém acrescentar que eu próprio dirigi, no contexto
do Plano de Minimizações do Alqueva, escavações de salvamento em dois outros povoados de fossos sinuosos, em
tudo análogos ao das Águas Frias; porém, em nenhum deles foi assinalada a presença de indícios do fabrico de placas;
note-se que estes povoados — Juromenha e Malhada das
Mimosas — se localizam a curta distância das Águas Frias,
em contextos paisagísticos muito semelhantes (ambos junto às margens esquerdas de afluentes do Guadiana).
A pergunta que importa colocar é a seguinte: o que distingue o povoado das Água Frias de todos os outros, mais
ou menos contemporâneos, onde, pelos vistos, não foram
produzidas placas de xisto?
O único aspecto que, a meu ver, permite destacar as
Águas Frias dos restantes povoados da mesma família, é a
sua relação geográfica com o complexo de arte rupestre do
Alqueva. Efectivamente, com base nos dados actualmente
disponíveis, este é o povoado mais estreitamente relacionado, em termos espaciais, com esse santuário de ar livre
e, em particular, com os seus dois núcleos mais significativos, na margem direita do Guadiana: o conjunto da Casa
da Moinhola e o conjunto da Retorta.
Essa relação tem a ver, por um lado, com a distância
absoluta, mas também com a rede viária natural: o povoado das Água Frias situa-se na intersecção entre o Lucefece (afluente da margem direita do Guadiana) e a falha da
Messejana/Plasencia, uma das grandes linhas de transitabilidade natural da região. O Lucefece, por sua vez, estabelece
a ligação mais directa entre os dois acidentes naturais mais
importantes do Alentejo Central: a serra d’Ossa, como
ponto mais alto, e o Guadiana, como “ponto” mais baixo.
Na perspectiva do Complexo rupestre do Alqueva,
note-se que o Lucefece é o principal afluente entre os referidos conjuntos da Retorta e da Casa da Moinhola.
Como já tive oportunidade de escrever, o Complexo
rupestre do Alqueva sugere, por diversas razões (Calado,
2004), a existência de uma “área de captação” de “artistas”
e utentes muito para além do âmbito estritamente local;
trata-se de uma concentração de gravuras, nas rochas do
leito do rio, que dificilmente poderia ser atribuída a po-
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
pulações sediadas nas proximidades imediatas, onde aliás
escasseiam as evidências de povoamento.
Fig. 8 | Relação espacial entre as Águas Frias (1)
e os conjuntos da Retorta (2) e da Casa da Moinhola (3).
A este propósito, invoquei mesmo um suposto fenómeno de transumância estival, tendo em conta as características climáticas do Alentejo: o leito e as margens do
Guadiana eram, na região, o único oásis onde, nos meses
de Verão, se podia dispor de pastagens frescas (Calado,
2004a). De resto, este papel económico, que julgo indiscutível, pode ter tido consequências no plano simbólico.
Em consonância com a diacronia da arte rupestre do
Alqueva, é plausível que o rio tivesse tido, já no Paleolítico, embora por razões relacionáveis com a caça, um papel
económico (e simbólico) igualmente destacado.
Note-se que, em termos de materialidade, as gravuras
do Guadiana se relacionam exclusivamente (ou quase)
com as bancadas de xisto, estando totalmente ausentes
dos granitos que com elas se intercalam, ao longo do curso
do rio. Apenas um pequeno núcleo — o da Malhada dos
Gagos — tem como suporte outra rocha metamórfica, as
corneanas.
O modelo interpretativo que, face a estes dados, proponho (a título provisório, pois claro) assenta na possibilidade de o fabrico das placas de xisto ter uma relação directa
com as “peregrinações” (Scarre, 2001) ou transumâncias
que se realizariam, a partir de um contexto geográfico
alargado, ao referido Complexo rupestre.
Isto não exclui a possibilidade de estarmos também
perante “comercializações de artefactos ideotécnicos, mágico-religiosos, acompanhando outros, tecnómicos, em
rotas de contactos e trocas distantes” (Gonçalves, 2006:
50); porém, acrescenta a essas presumíveis rotas, outras
motivações e, eventualmente, outros agentes.
Este modelo permite levantar a hipótese de as Águas
Frias serem o único centro produtor, hipótese que, em última análise, depende da continuação da ausência de dados, em todos os outros povoados, mas que, teoricamente,
pode ser testada com base na análise das matérias-primas,
como, no lado espanhol, está sendo tentado com os ídolos
de calcário (Hurtado, 2010: 177).
Esse aspecto que, tanto quanto sei, nunca foi objecto de
investigação, é, naturalmente, uma das linhas futuras para
o estudo das placas de xisto, no que diz respeito à possibilidade de serem originárias de um único ou, em alternativa,
de vários centros produtores.
Neste mesmo modelo, poderíamos inclusivamente admitir uma hipótese mais arrojada: a de que as placas teriam sido extraídas das próprias rochas (ou do respectivo
contexto geológico) que serviram de suporte às gravuras
do Guadiana. Note-se que as gravuras usaram apenas as
superfícies de diáclase, enquanto as placas, pelo contrário,
foram gravadas em faces de estratificação.
discussão
O modelo de um único centro produtor de placas de xisto
implica o conceito de especialização artística.
Esta conclusão aplica-se igualmente se optarmos por
uma versão mais mitigada, em que se admita a existência
de mais do que um centro produtor (faltando ainda descobrir saber onde andarão os outros…).
É verdade que, para olhos e mãos pouco treinados, a
execução de uma placa de xisto poderia não ser uma tarefa facilmente exequível; efectivamente, os exemplares mal
planeados e/ou mal executados sugerem que nem todos os
artesãos tinham as mesmas competências.
Mas não era certamente uma dificuldade maior do que
executar um machado de pedra polida ou uma lâmina de
pedra lascada. A haver especialistas, penso que é necessário pensar em razões de outra ordem…
A existência de um grupo, eventualmente identificado
com um povoado, que tivesse o “monopólio” do fabrico
de um determinado tipo de artefacto simbólico tem, certamente, muitos paralelos etnográficos (Pétrequin e Pétrequin, 2006).
As razões dessa eventual prerrogativa estão, neste momento, para além das nossas possibilidades interpretativas: mas a proximidade espacial com a arte rupestre do
Alqueva (e a eventual reivindicação de alguns direitos
territoriais daí decorrentes) podem fornecer alguma pista
genérica.
Como conjugar os dados das Águas Frias e o esboço
de proposta que aqui apresento, com a agenda da investigação sobre o tema, nomeadamente com os principais
modelos interpretativos sobre os significados e as funcionalidades das placas?
Um único centro produtor, associado ao santuário rupestre do Alqueva, poderia ajustar-se melhor a uma interpretação das placas como ícones, representando entidades
religiosas (incluindo eventuais deusas-mães, mas também,
por agora, outras divindades ou mesmo antepassados),
que teriam funcionado em paralelo com os outros tipos de
ídolos reconhecidos no so peninsular (Hurtado, 2010).
Fig. 9 | Distribuição dos diversos tipos de “ídolos oculados”
e de placas (seg. Hurtado, 2010: 176).
76
A possibilidade de serem, todos eles, marcadores étnicos, através da representação iconográfica de panteões especializados, adapta-se bastante bem à realidade globalmente
disponível, em que existem figuras específicas razoavelmente adaptadas a territórios específicos. Resta ver até que ponto
os restantes tipos de “ídolos” foram ou não produzidos em
povoados especializados dentro de cada área de influência.
Usando um anacronismo meio forçado, podemos imaginar que as placas (e os outros “ídolos”) podem ter funcionado como “recuerdos” religiosos.
Porém, se nos abstivermos da interpretação desses objectos como representações de entidades religiosas ou míticas, e preferirmos estabelecer um nexo entre a diversidade
das soluções gráficas e o seu papel individualizador, poderemos estar perante representações do defunto e, eventualmente, dos seus vínculos linhagísticos (ou outros).
Recorrendo outra vez ao anacronismo, teríamos que
ver nas Águas Frias uma espécie de Registo Civil neolítico.
É claro que os desenhos das placas poderiam ser decididos pelos clientes (com base num programa iconográfico socialmente estabelecido) e executadas pelos artistas.
Porém, do meu ponto de vista, é cedo para tomarmos
posição definitiva sobre as interpretações disponíveis.
Apesar de considerar o modelo interpretativo avançado por Isabel Lisboa (1985) e desenvolvido por Katina
Lillios (2008), muito estimulante, penso que, ao centrarse exclusivamente sobre a dimensão social (incontornável,
sem dúvida), esquece completamente a dimensão religiosa
e as muitas metáforas que frequentemente a englobam (incluindo as que derivam da dimensão social).
De resto, mesmo sendo verosímil, o significado heráldico da iconografia, não é certamente o mais expectável,
sobretudo tendo em conta que nunca se identificou, em
culturas contemporâneas e comunicantes, um sistema tão
elaborado como o que foi proposto para as placas.
Basta aceitarmos a comparação com os outros “ídolos” (Hurtado, 2010), que dificilmente funcionariam como
“brasões” linhagísticos, ou mesmo com motivos semelhantes fixados noutros suportes (Bueno, 2010), como seria o caso, por exemplo, da cerâmica campaniforme.
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
Porém, podemos mais facilmente admitir que, em vez
de linhagens, os grafismos representem outras características, ou escolhas, ou eventos marcantes, do personagem
que, na sepultura, usou cada uma das placas.
Embora não defenda que os motivos das placas sejam
puramente jogos gráficos, com intuitos decorativos, essa
dimensão tem que ser igualmente considerada.
Parece-me claro que a diversidade das soluções gráficas, usando o mesmo “alfabeto” de base, evoca as noções
de criatividade e de agenciamento.
“Todos iguais, todos diferentes”, aplica-se, na verdade,
a todos os menires, a todos os recintos, a todas as antas, a
todas as placas de xisto…
bibliografia
e almagro gorbea, martin (1973) — Los Idolos del Bronce I Hispano,
Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas.
alvim, pedro (2010) — Recintos megalíticos do Ocidente do Alentejo
central: arquitectura e paisagem na transição Mesolítico‐Neolítico,
Tese de mestrado apresentada na Universidade de Évora.
boaventura, rui (2006) — “Os iv e iii milénios a.n.e. na região
de Monforte, para além dos mapas com pontos: os casos do cluster
de Rabuje e do povoado com fossos de Moreiros 2”,
Revista Portuguesa de Arqueologia, vol. 9, n.º 2, pp. 61–73.
bueno ramírez, primitiva (1992) — “Les plaques décorées alentéjaines:
approche de leur étude et analyse”, L’Anthropologie, 96 (2–3), pp. 573–604.
bueno ramirez, primitiva (2010) — “Ancestros e imágenes
antropomorfas muebles en el âmbito del megalitismo occidental: las
placas decoradas” in c. cacho; r. maicas; e. galán; martos, j. a. (eds.)
Ojos que nunca se cierran: ídolos en las primeras sociedades campesinas,
Madrid: Ministerio de Cultura.
calado, manuel (2004a) — “Entre o Céu e a Terra. Menires e arte
rupestre no Alentejo Central”, in calado, m. (ed.) Sinais de Pedra. i
Colóquio Internacional sobre Megalitismo e Arte Rupestre,
Évora: Fundação Eugénio de Almeida.
calado, manuel (2004b) — Menires do Alentejo Central: génese
e evolução da paisagem megalítica regional, tese de doutoramento
policopiada, Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
www.crookscape.org (versão pdf).
calado, manuel (2006) — Alentejo, Arkeos 18, ceiphar.
calado, manuel; rocha, leonor (2007) — “As primeiras sociedades
camponesas no Alentejo Central: a evolução do povoamento”,
in cerrillo, e.; valadés, j. (eds.), Los primeros campesinos de La Raya.
Aportaciones recientes al conocimiento del Neolítico y Calcolítico en
Extremadura y Alentejo, Memorias 6, pp. 29–46, Cáceres.
calado, manuel; rocha, leonor (2010) — “Megaliths as Rock Art in
Alentejo, Southern Portugal”, in calado, d.; baldia, m.; boulanger, m.
(eds.), Monumental Questions: Prehistoric Megaliths, Mounds,
and Enclosures, bar S2122, pp. 25–31, Oxford: Archaeopress.
leisner, georg e leisner, vera (1956) — Die Megalithgräber der
Iberischen Halbinsel. Der Westen, Berlim: Walter de Gruyter.
cardoso, joão luís (2002) — Pré-história de Portugal, Lisboa: Ed. Verbo.
leisner, georg e leisner, vera (1959) — Die Megalithgräber der
Iberischen Halbinsel. Der Westen, Berlim: Walter de Gruyter.
carpenter, edmund (ed.) (1986–1988) — Materials for the study of
social symbolism in ancient & tribal art: a record of tradition & continuity/
based on the researches & writings of Carl Schuster, Nova Iorque: Rock
Foundation.
carrera ramirez, fernando; fábregas valcarce, ramón (2002)
— “Datación radiocarbónica de pinturas megalíticas del Noroeste
peninsular”, Trabajos de Prehistoria 59 (1), pp. 157–166.
cartailhac, émile (1886) — Les ages préhistoriques de l’Espagne et du
Portugal, Paris: Ch. Reinwald.
clottes, jean; lewis-williams, david (1998) — The Shamans of
Prehistory: Trance and Magic in the Painted Caves, Nova Iorque: Harry N.
Abrams.
correia, v. (1917) — “Arte pré-histórica: os idolos-placas”,
Terra Portuguesa, 12, pp. 29–35.
frankowski, eugeniusz (1920) — Estelas Discoideas de la Península
Ibérica, Madrid: Museo Nacional de Ciencias Naturales.
gerdes, paulus (2002) — The beautiful geometry and linear algebra
of Lunda-designs, Maputo: merc.
gerdes, paulus (2010) — Tinlhèlò, Interweaving Art and Mathematics:
Colourful Basket Trays from the south of Mozambique.
gimbutas, marija (1991) — Civilization of the Goddess: The World of Old
Europe, São Francisco: Harper San Francisco.
gonçalves, vítor (1982) — “O povoado calcolítico do Cabeço do Pé
da Erra (Coruche)”, Clio, 4, pp. 7–18.
gonçalves, vítor (1999) — Reguengos de Monsaraz: Territórios
Megalíticos, Reguengos de Monsaraz: Câmara Municipal
de Reguengos de Monsaraz.
gonçalves, vítor (2004) — “Manifestações do sagrado na Pré-História
do Ocidente peninsular. 5. O explícito e o implícito. Breve dissertação,
invocando os limites fluidos do figurativo, a propósito do significado
das placas de xisto gravadas do terceiro milénio a.n.e.”, Revista Portuguesa
de Arqueologia, vol. 7, n.º 1, pp. 165–183.
gonçalves, vítor (2006) — “Manifestações do sagrado na Pré.História
do Ocidente Peninsular. 7. As placas híbridas.Definição do conceito.
Alguns poucos exemplos. De novo, os possíveis significados das placas”,
Revista Portuguesa de Arqueologia, vol. 9, n.º 2, pp. 27–59.
hurtado, victor (1986) — “El Calcolítico en la cuenca media del
Guadiana y la necrópolis de la Pijotilla”, Actas de la mesa redonda sobre
megalitismo peninsular, pp. 51–75.
hurtado, victor (2010) — “Representaciones simbólicas, sitios,
contextos e identidades territoriales”, in cacho, c.; maicas, r.; galán,
e.; martos, j. a. (eds.), Ojos que nunca se cierran: ídolos en las primeras
sociedades campesinas, Madrid: Ministerio de Cultura.
leisner, vera (1965) — Die Megalithgräber der Iberischen Halbinsel.
Der Westen, Berlim: Walter de Gruyter.
lewis-williams, david (2004) — The Mind in the Cave, Londres:
Thames and Hudson.
lewis-williams, david; pearce, david (2005) — Inside the Neolithic
Mind: Consciousness, Cosmos and the Realm of the Gods,
Londres: Thames & Hudson.
lillios, katina (2002) — “Some new views of the engraved slate plaques
of southwest Iberia”, Revista Portuguesa de Arqueologia, 5 (2), pp. 135–151.
lillios, katina (2003) — “Creating memory in prehistory: the
engraved slate plaques of southwest Iberia”, in van dyke, r.; alcock, s.,
Archaeologies of Memory, pp. 129–150, Oxford: Blackwell.
lillios, katina (2008) — Heraldry for the Dead. Memory, Identity and
the Engraved Stone Plaques of Neolithic Iberia, Austin: University of Texas
Press.
lisboa, isabel (1985) — “Meaning and messages: mapping style in the
Iberian Chalcolithic”, Archaeological Review from Cambridge, 4(2), pp.
181–196.
pétrequin, anne-marie e pétrequin, pierre (2006) — Objects de
pouvoir en Nouvelle-Guinée, Paris: Editions de la Reunión des Musées
Nationaux.
pina, henrique leonor (2003) — Abordagem semiótica de um tema
arqueológico, www.crookscape.org.
pinto, ana maria; pinto, jorge (1978) — “Problemas de análise
descritiva de placas de xisto gravadas do megalitismo português”,
1.ª Mesa-Redonda Sobre o Neolítico e o Calcolítico em Portugal.
rodrigues, maria da conceição (1986) — Código Para a Análise
das Placas de Xisto Gravadas do Alto Alentejo, Castelo de Vide:
Câmara Municipal de Castelo de Vide.
rodrigues, maria da conceição (1986) — Estudo Ideológico-Simbólico
das Placas de Xisto Gravadas, Castelo de Vide: Câmara Municipal
de Castelo de Vide.
scarre, chris (2001) — “Pilgrimage and Place in Neolithic Western
Europe”, in smith, a. t.; brookes, a. (eds.), Holy Ground: Theoretical
Issues Relating to the Landscape and Material Culture of Ritual Space, pp.
9–20, Oxford: British Archaeological Reports International Series 956.
van velthem, lucia (1998) — A Pele de Tuluperê,
Belém: Museu Paraense Emilio Goeldi.
vidal, lux (1998) — “Prefácio”, in van velthem, l., A Pele de Tuluperê,
Belém: Museu Paraense Emilio Goeldi.
leisner, georg e leisner, vera (1943) — Die Megalithgräber der
Iberischen Halbinsel. Der Süden, Berlim: Walter de Gruyter.
leisner, georg e leisner, vera (1951) — Antas do Concelho
de Reguengos de Monsaraz, Lisboa: Uniarch.
78
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
lanças e espadas
do calcolítico à idade do ferro:
evolução da armaria
de poder na colecção estrada
Davide Delfino
instituto terra e memória
grupo quaternário e pré-história
do centro de geociências
(uid76 fundação ciência e tecnologia)
resumo
A relação entre grupos humanos, já desde o Neolítico (iv–
iii milénio a.c.), caracteriza-se por competições violentas
pela posse de territórios ou recursos naturais e também
pelo saque, o que gerou gradualmente inovações técnicas e mudanças sociais. Estes dois fenómenos estão relacionados e avançaram lado a lado. As inovações técnicas
levaram ao desenvolvimento de novas armas. Quanto às
mudanças sociais, elas levaram ao nascimento duma nova
classe social: a partir do Calcolítico Final (2500–2000 a.c.)
apareceram grupos de guerreiros que no decurso da Idade
do Bronze (2000–800 a.c.) adoptaram e desenvolveram
uma panóplia que marcava o seu status, sendo formada
por espadas e lanças, as quais foram a base dos exércitos
de homens livres da segunda Idade do Ferro (vi–ii séc.
a.c.). Neste artigo, irá ser ilustrada esta evolução no quadro
da Pré-história Recente e da Proto-história Europeia e da
Península Ibérica, com frequentes referências à Colecção
Estrada, sendo esta incrivelmente rica em peças que testemunham mais de 3000 anos de história da armaria antiga.
Palavras-chave: Pré e Proto-História, Península Ibérica,
Guerreiros, Espadas, Lanças.
80
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
abstract
The relationship between human groups already since the
Neolithic period (iv–iii millennium bc) is characterized by
violent contests for possession of territory or natural resources, as well as looting, something that gradually led to technical innovations and social changes: these two phenomena
are linked and moved together. Technical innovations led
to the development of new weapons; as for social changes,
they resulted in the birth of a new social class: from the Late
Chalcolithic (2500–2000 bc) emerged groups of warriors
who, during the course of the Bronze Age (2000–800 bc),
adopted and developed a remarkable array that marked
their status, which was formed by swords and spears, which
were the basis of the armies of freemen in the Second Iron
Age (vi–ii centuries bc). In this article, it will be illustrated
this development in the context of the European and Iberian
Late Pre-history and Proto-history, with frequent references
to the Collection Estrada, which is incredibly rich pieces that
testify over 3000 years history of weaponry.
Keywords: Pre and Proto-history, Iberian Peninsula, Warriors, Swords, Spreads.
calcolítico e o nascimento das armas
e da figura do guerreiro
Os combates entre pequenos grupos humanos, usando não
armas de guerra mas ferramentas do quotidiano, nascem
possivelmente a partir do Neolítico, onde nos grupos humanos a actividade da caça não acabou completamente, mas
permaneceu como uma prática complementar pela subsistência. Na competição entre grupos humanos pelo controlo
dos recursos naturais dum território, ou para fazer saques, a
prática da guerra, feita ocasionalmente e com pequenas formações de guerreiros, tornou-se usual na interacção entre
grupos humanos (Jimenez, 2009: 24–30). Neste sentido, os
mesmos caçadores “guerreiros” improvisados usavam como
armas instrumentos das actividades quotidianas, como o
arco e as setas usadas na caça ou machados de pedra usados
no trabalho da madeira (Guilaine, Zammit, 2001).
Este modo de fazer a guerra continua no Calcolítico
Inicial e Médio: mas os novos recursos naturais (cobre,
prata) provocam uma maior instabilidade, com maior
frequência de ataques contra os povoados, que já a partir do Neolítico Recente mostram monumentais obras
de fortificação (Jimenez, 2009: 29), os seus habitantes e
as suas reservas de recursos. Mas no Calcolítico Inicial
é possível olhar também o aparecimento dum novo elemento que irá provocar uma mutação irreversível, quer
na tecnologia geral quer na fabricação das armas e no desenvolvimento do modo de fazer a guerra: o metal, nomeadamente o cobre. A importância que irá assumir este
material, mais facilmente trabalhável e reciclável, vai a par
e passo com o aparecimento duma nova figura: o guerreiro. Sendo os assaltos e os combates entre grupos humanos mais frequentes, foi preciso que grupos de pessoas
se disponibilizassem para assegurar uma protecção mais
permanente aos povoados e aos recursos, convertendo-se
em especialistas militares que começaram a utilizar ferramentas que não eram apenas instrumentos do quotidiano
utilizados periodicamente para combater, mas definitivamente verdadeiras armas (Mederos Martin, 2009: 41).
O aparecimento desta figura é testemunhado a partir do
Calcolítico Final (2500–2000 a.c.) com a cultura do vaso
Campaniforme, cuja cultura material evidencia o surgir
dum novo tipo de armamento para combates individuais
e feito especificamente para a guerra.
As evidências na cultura material
A panóplia dos guerreiros do Calcolítico Final, cujas evidências foram encontradas sobretudo nas sepulturas, é
composta por armas inteiramente de cobre, frequentemente ligado com o arsénico: punhal, dardos, setas e, talvez, alabardas.
Estes artefactos definem alguns patamares novos: o
uso quase exclusivo do metal pelas armas, o abandono do
arco como arma principal, sendo substituído pelo punhal
e pelo dardo e a assunção destas armas também como status symbol.
Relativamente ao dardo, como a haste de madeira não
se conservou nos depósitos arqueológicos, está representada somente pela ponta metálica: esta é identificável nas
“Pontas de Palmela” de dimensões maiores (entre os 7 e os
13 cm.), sendo demasiado grandes e pesadas para funcionar
como uma ponta de seta (o peso é de cerca 15–34 gramas).
O punhal, já esporadicamente presente no Calcolítico
Médio, sofreu no Calcolítico Final um aumento do comprimento da lâmina até aos 20–35 cm. Inicialmente, eram
de lâmina triangular, com a base de lingueta rectangular
para a alça, sendo de longe mais maciça para reforçar o encaixe no cabo; depois, a partir da Idade do Bronze Antigo,
os punhais evoluíram no sentido de uma redução da lingueta, até esta desaparecer, sendo substituída por rebites
na base, a qual tomou uma forma côncava.
O arco ficou com setas de ponta metálica, identificáveis nas “Pontas de Palmela” mais pequenas (comprimento inferior as 7 cm.), sendo provavelmente mais eficazes
na penetração por causa da espessura milimétrica, contrariamente às pontas de sílex. Uma parte importante da
panóplia do arqueiro foi o braçal, sendo feito para proteger
o antebraço dos golpes da corda do arco: são conhecidos
muitos destes em contexto funerário, em material — pedra ou ouro — que era só cerimonial e não para uso em
combate; estes últimos seriam de osso ou de couro.
82
Finalmente, a alabarda é uma arma de forma similar ao
punhal de rebites: de forma triangular, com nervura central e base côncava. Diferencia-se do punhal pelo maior
comprimento e provavelmente pelo maior número de
rebites. Originalmente era montada no topo dum cabo,
fixada com rebites e orientada num ângulo de 90º formando um L com o cabo: é possível perceber isso olhando as
gravuras rupestres do Mont Bego (Conti, 1972) ou da Val
Camonica (Arcá, Fossati, 1995: 147–149; Cittadini, 2004:
74–75, de Marinis, 1994: 76, 78–82). Muito provavelmente
era usada para golpear de cima para baixo: a provável associação do cavalo a guerreiros sepultados em túmulos com
adereço “Campaniforme” permite supor o uso desta arma
por cavaleiros (Mederos Martin, 2009: 45).
As evidências na Colecção Estrada
A Colecção Estrada conta com várias armas significativas,
sobretudo do Calcolítico Final e da Cultura Campaniforme, períodos em que é extremamente rica em “Pontas
de Palmela”. Desta típica ponta de seta, são identificáveis
exemplares que pertencem quer a setas (ce00222; ce01902;
ce01905) quer a dardos (ce01865; ce01866; ce01867) (fig. 1).
Olhando o aspecto das pontas destinadas aos dardos, armas de combate individual entre guerreiros, percebe-se
que o pedúnculo foi mais curado, sendo dobrado nos bordos provavelmente para assegurar uma fixação que resista
melhor ao stress do embate entre um corpo e uma arma
de bastante peso.
Fig. 1 | Pontas de seta | ce00222; ce01902; ce01905;
dimensões médias: 0–2 cm, 2–6,5 cm.
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
Fig. 1 (cont.) | Pontas de dardo ou lanças do tipo “de Palmela”,
Cultura do Vaso Campaniforme | ce01865; ce01866; ce01867;
dimensões médias: 0–9,5 cm, 3–3 cm.
A guerra no Calcolítico
Frente a estas evidências é claro que no Calcolítico Final surgiu uma verdadeira classe social, os guerreiros,
que fazia da prática do combate o seu próprio marcador
social. Para as sociedades humanas desta época a possibilidade de dispor de profissionais da guerra para defender os próprios recursos ou saquear aqueles de outras
comunidades, significou terem pessoas mais treinadas
no combate e atentas ao desenvolvimento de novas armas que fossem mais eficientes no uso bélico e que não
tivessem de participar em actividades de subsistência
de modo a poderem dedicar-se a tempo inteiro à guerra. Também a possibilidade de aproveitar o novo material que marcou este período, o cobre, foi de enorme
relevância no desenvolvimento da armaria e da guerra.
O cobre é um material muito dúctil, reciclável e, uma vez
reduzido de mineral ao metal, mais fácil e rápido de trabalhar, nas primeiras formas mais elementares, em comparação com a pedra. Tal permitiu um maior desenvolvimento
dos tipos de armas e uma produção mais especializada e
maciça. O controlo dos recursos de cobre muito provavelmente causou mais motivos de conflito entre comunidades humanas, mais assaltos e maior necessidade de defesa
do território: isso é visível nos grandes povoados fortifica-
dos que surgiram em proximidade de recursos mineiros
como o de Los Millares, no Levante espanhol. E consequentemente, quem controlava mais recursos cupríferos,
controlava uma melhor produção de armas e uma melhor
arte da guerra.
Provavelmente o combate era feito a média distância,
entre pequenos grupos de guerreiros de elite, armados
principalmente com arco e dardo, para depois passar ao
corpo a corpo usando o punhal que nesta altura vê aumentar o seu comprimento; ainda é possível o utilização
da alabarda montando um cavalo, como demonstraria a
hipótese mais aceite do uso da alabarda e a domesticação
do cavalo ocorrida no iii milénio a.c. (Mederos Martin,
2009: 42–43, 44).
a idade do bronze: dos guerreiros aos heróis
A idade das espadas
O período que vai do séc. xxiii a.c. até ao séc. viii a.c.,
denominado Idade do Bronze, marca uma profunda mudança nas estruturas sociais, na demografia e nas inovações tecnológicas que vão influenciar também a arte da
guerra e o desenvolvimento da armaria. O surgimento de
sociedades mais hierarquizadas e ditas “guerreiras”, que
se iniciou já no Calcolítico Final, gerou na Europa alguns
processos que levaram, por um lado à transformação dos
grupos de guerreiros em classes de aristocratas ligados à
guerra e por outro a uma exploração sistemática dos recursos metalíferos (nomeadamente cobre, estanho, prata)
e a uma enorme melhoria da tecnologia metalúrgica ligada na grande maioria à criação de armas. Estas, evoluíram
do punhal e do dardo (status symbols calcolíticos) para a
espada e a lança, armas típicas dos guerreiros heróis da
Idade do Bronze.
Na Idade do Bronze Médio 1, dito HaB na periodização
do Reinecke (Reinecke, Bonher, Wagner, 1965) e correspondente aos sécs. xvii–xvi a.c. em cronologia absoluta
contemporânea, a arma mais significativa do guerreiro
do final do Calcolítico, o punhal, passou a transformar-se
numa arma mais cumprida e polivalente, a espada, cuja
criação foi possível graças ao desenvolvimento da tecno-
logia metalúrgica, sobretudo das técnicas de fundição em
molde, cuja manifestação mais refinada foi a técnica de
“cera perdida”. Esta nova arma foi carregada dum particular simbolismo: era o prolongamento da mão do guerreiro
que, sendo complementar da habilidade deste, era quase
parte do mesmo.
Outra arma importante da elite guerreira era a lança,
herdeira dos dardos do Calcolítico Final, tornados agora
armas mais compridas e pesadas; evidências do uso maciço das lanças são claras na cultura material (Almagro
Gorbea, 2009: 52), especialmente nos depósitos, e nos
combates entre heróis narrados da Ilíada (Ilíada, Livro xii,
vs. 244–250; Livro xvi, vs. 805–809; Livro xx, vs. 434–437;
Livro xxii, vs.283–293, 326). No Bronze Final aparecem
lanças quer com a ponta encaixada na haste por meio dum
cabo em forma de canhão, quer com um conto de bronze
na base da haste, provavelmente para balançar o peso da
arma no lançamento além de permitir uma maior precisão
(Ilíada, Livro xxii, vs. 289). Relativamente ao uso preciso
desta arma ainda fica na dúvida a efectividade do uso seja
como arma de lançamento, seja como uma espécie de pica
(Harding, 1999: 91)
A partir da Idade do Bronze Antigo o dinamismo nos
contactos ligados na maioria à troca do bronze, do estanho e do âmbar, permitiu que numa Europa subdividida
em várias macro regiões, cada uma com a sua cultura, se
difundisse o mesmo modelo de guerreiro herói (Jensen,
1999: 92–93) e da mesma panóplia carregada de simbolismo social: isso é visível por exemplo na Península Ibérica
nas estelas estremenhas do Bronze Final Atlântico (Oliveira Jorge, 1999: 116), onde estão representadas a lança e a
espada (e o escudo) como panóplia da elite guerreira, à
imagem do que acontece no Mediterrâneo Oriental Micénico.
As evidências na cultura material
A evolução natural do punhal é portanto a espada, resultado dum alongamento da lâmina para poder golpear
mais à distância física e permitir a defesa dos golpes do
adversário com a mesma arma. O alongamento da lâmina,
84
inicialmente, foi de algumas dezenas de centímetros, até
chegar a um comprimento de 30–40 cm., para depois se
fazerem armas pouco manejáveis, dum comprimento até
aos 80–90 cm (Bronze Médio–Recente), para finalmente
alcançar um comprimento ideal de 50–60 cm. (Bronze Final) (Gaucher, Mohen 1972).
Mas a lâmina não foi a única parte que sofreu uma
transformação: também foi fundamental a evolução do
cabo, muito cuidadosa e perdurante por toda a Idade do
Bronze e com fases de evolução não constante, de modo
a permitir uma melhor fixação com a presa e uma melhor
distribuição do peso ao longo da espada, sendo isto fundamental para obter uma arma eficaz e manejável.
Portanto, partindo dos punhais de lingueta do Calcolítico Final, a lâmina no Bronze Médio fez-se mais larga,
comprida e grossa, sendo a lingueta substituída por cravos
de fixação, advindo a base de forma circular, como é visível nos numerosos exemplares entre os quais os de Setefilla
(Sevilha) e Castelo Bom (Guarda) (Almagro Gorbea, 2009:
53), talvez permanecendo a lingueta atrofiada como no tipo
Armoricano francês (Gaucher, Mohen, 1972: 19–20). Mas a
evolução não foi linear e depois de um alargamento da base
circular com mais rebites nas espadas tipo Sauerbrünn
(Bianco Peroni, 1970: 144; Kemenczei, 1988: 149–151), ou
nas espadas com base muito estreita e com rebites como os
tipos Haguenau ou Rosnoën (Bronze Médio e Final) (Gaucher, Mohen, 1972: 23–26) ou também Rixheim (Bronze
Final) (Reim, 1974: 29), voltou a parecer a lingueta mista
nos rebites dos tipos Monza e Pepinville no Bronze Recente
(Bz D/ séc. xiii a.c.), para depois ter uma definitiva evolução com a base circular transbordante transformada numa
guarda larga, sempre com rebites e lingueta larga terminal,
como é visível nos tipos do Bronze Final (Ha A–B / sécs.
xii–viii a.c.) como o Hemigkofen, Vilar Maior, Saint Nazaire, Huelva até chegar a ter um pomo na parte terminal
de lingueta nos tipos Venat e Monte Sa Idda (Brandherm,
2007: lâminas 45–48). A evolução das presas foi no sentido
de serem recobertas com cabos de madeira orgânica ou de
metal: a julgar dos numerosos enterramentos sepulcrais,
onde as espadas faziam parte do adereço, não é raro en-
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
contrar cabos com materiais de valor (ouro ou prata) ou
exóticos (âmbar) (Almagro Gorbea, 2009: 55).
A carga de prestígio e de status symbol do objecto é
evidente nas numerosas oferendas rituais que se costumavam fazer nos rios a partir da Idade do Bronze Recente,
mas sobretudo no Bronze Final: ditos gewasserfunde pelos alemães (tradução: achados na água) (Huth, Logel,
Shmid, 2008), estas oferendas de armas com particular
carga simbólica da elite guerreira, verdadeiros insigna dignitatis (Jensen, 1999: 90), nomeadamente espadas e lanças,
reflectem também uma carga sagrada quer no momento
de deposição simbólica em pontos de passagem nos rios
(que podiam marcar pontos culturalmente significativos
de fronteira), quer de oferenda aos deuses dos rios, que
eram possivelmente os protectores dos vaus (Galvez Priego, 1995: 31–32; Warmenbol, 1991: 84).
As evidências na Colecção Estrada
A Colecção Estrada conta com significativas peças da
Idade do Bronze, associadas a uma etapa fundamental da
evolução da armaria: a transformação do punhal em espada, arma esta que vai ser protagonista nos combates e na
guerra por quase 3500 anos após a sua invenção, sem esquecer o seu lado simbólico de poder militar, algo que irá
permanecer até aos nossos dias nos sabres que os oficiais
dos exércitos costumam ostentar nos uniformes de gala.
punhais
Na etapa da melhoria dos punhais, a Colecção conta com
um punhal de cobre, que pela tipologia pertence a um período incluído entre o Calcolítico Final e a Idade do Bronze
Inicial. O exemplar (ce01930) (fig. 2), muito mineralizado e
com superfície pouco visível por causa da espessura da patina (malaquita), pertence aos punhais do tipo “a languette
simple perforé, groupe a languette large non debordant”
(Briard, Mohen 1983, p. 25), que são presentes, sobretudo
na Europa Central na Idade do Bronze Antigo e, olhando
pela Península Ibérica na Meseta espanhola, na Andaluzia
(ibid: 24–25; Rovira, Montero Ruiz, Consuegra Rodriguez,
1997: 176, 350) e nas Astúrias (de Blas Cortina, 1997: 58).
derado um exemplo de acto de sobrevivência duma espada
com carga simbólica, feito por um artesão metalúrgico.
molde de terracota: isso é testemunhado pelas marcas
nos furos para os rebites, que foram obtidos furando o
modelo de cera fria, operação que causou a formação
de pequenos rebordos irregulares (fig. 5), que num
molde de pedra não apareceriam;
(fig. 6): isso não prejudicou a boa feitura da espada,
sendo a lâmina já bem fundida e sendo possível camuflar as imperfeições no cabo com as inserções ou em
madeira orgânica ou mesmo em metal, como mostra o
exemplar do Museu de Orleáns na França (Gaucher,
Mohen, 1972: 63);
Fig. 3 | Punhal do tipo de lingueta e quatro rebites.
Idade do Bronze Recente | ce01930
dimensões médias: 2,8–0 cm, 3–6,7 cm.
espada pistilliforme tipo de hemigkofen
Nos grupos de armas que, evoluindo dos punhais, se tornaram a “rainha” dos combates, as espadas, a Colecção
Estrada conta com um exemplar de excepcional valor,
quer pela perfeita conservação, quer pela linha elegante e
proporcionada própria da tipologia à qual pertence: a espada pistilliforme de tipo Hemigkofen (ce01808) (fig. 4).
Fig. 2 | Punhal em cobre do tipo de base simples e rebites.
Calcolítico / Idade do Bronze Antigo | ce01930
dimensões médias: 3,4–0 cm, 4–11,9 cm.
Uma outra peça, a ce01930 (fig. 3) , é identificável com
um punhal, de tipo de lingueta com 4 rebites e lâmina com
nervura central. Mas olhando melhor a sua forma, não ser
demasiado maciça a lingueta e não serem necessários tantos rebites de fixação para lâmina tão pequena, como também supérflua é a presença duma nervura central nesta, é
provável que esta peça seja um exemplo de reciclagem
duma arma para fazer uma outra: nomeadamente neste
caso a adaptação duma espada fracturada na parte inicial
da lâmina para fazer um punhal. Os elementos formais fazem pensar na adaptação duma espada próxima do tipo
Rixheim, ou do tipo Krautergersheim difundida na Europa
Central e Atlântica no séc. xii a.c. (Brandherm, 2007: 12,
30 e lâminas 1 e 44; Gaucher, Mohen, 1972: 54–55). Esta hipótese é suportada também pelo facto de ser documentada
esta prática em outros objectos da Idade do Bronze Final
(Giachina et al, 2008: 164). Aparentemente pode ser consi-
Fig. 4 | Espada com lâmina pistilliforme do tipo “Hemigkofen”.
Idade do Bronze Recente | ce01808
dimensões médias: 3,5–0 cm, 6–62 cm.
Este tipo de espada, pela sua forma destinado a cortar
pelo fio, difundiu-se, com algumas variantes, sobretudo
no sudoeste da Alemanha, na Suíça e no sul de França,
tendo sido feitos também alguns achados na Europa Atlântica (Brandherm, 2007: 35–36 e lâminas 2 e 45). As espadas
deste tipo que têm contexto arqueológico são datáveis do
período de HaA1-A2/sécs. xii–xi a.c. (ibid: 36). O exemplar da Colecção Estrada é extremamente interessante pelas marcas de fabricação que são visíveis também a olho
nu. É possível olhar evidências de mais de uma etapa do
ciclo de fabricação e de vida da arma:
–antes da fundição no molde, foi criado um modelo
em cera, para depois ser coberto com argila e criar um
86
Fig. 5 | Espada do tipo “Emigkofen”. Com a particularidade do orifício para rebite,
onde podem observar-se as marcas da furagem do modelo de cera fria.
–na operação de melting, colando o bronze líquido no
molde, foi obtido um óptimo resfriamento uniforme
em toda a lâmina, que era a parte mais importante e
mais delicada nesta fase, mas não se tendo passado o
mesmo no cabo, onde é possível olhar a clássica rugosidade na superfície do bronze e a parte terminal do
cabo não completamente formada: estes são sintomas
dum resfriamento repentino do bronze colado que não
conseguiu tomar a forma do modelo (fig. 6);
Fig. 6 | Espada do tipo “Emigkofen”. Marcas do resfriamento irregular
do bronze na parte do cabo no momento da coladura.
–sendo o encaixe da parte de madeira orgânica do cabo
enfraquecido pelo defeito de colagem descrito no segundo ponto, foi preciso reforçá-lo com uma pequena
junta de bronze, colada numa operação bastante rápida e grosseira, até chegar a ter uma lingueta uniforme
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
Fig. 7 | Espada do tipo “Emigkofen”. Marcas de uso na lâmina.
– durante a vida da espada, nomeadamente antes de ser
enterrada, ela sofreu vários golpes na lâmina, visíveis
na parte terminal e média (fig. 7); estes desgastes são
também evidências dum acabamento de forja para endurecer os bordos e obter um fio cortante: esta operação, endurecendo o metal, causa um enfraquecimento
do mesmo.
Estas evidências estão de acordo com aquelas que
aparecem em numerosos exemplares da Idade do Bronze
Final na Península Ibérica e também averiguadas pela observação autóptica e pela experimentação (Quilliec, 2007:
97–105; Hernandez Valverde, 2007: 60).
Quer a patina superficial, aparentemente uma cuprita muito escura ou uma calcocita (Mazzeo, 2005: 37) que
sofreu limpezas onde aparece o bronze metálico, quer a
boa conservação da matriz metálica, podem testemunhar
uma permanência da espada num solo saturado de água
(Giardino, 2010: 93 e 214): isso é compatível com uma deposição ritual ou simbólica em água do tipo gewasserfunde
(deposição ritual em águas).
Ponta de lança do tipo Vénat
Uma última peça testemunha a segunda arma distintiva
da panóplia da elite guerreira da Idade do Bronze Final:
uma ponta de lança em bronze (ce012497) (fig. 8). Trata-se
dum exemplar do tipo Vénat, difundido no Bronze Final iii
(Ha B/meados do xi — meados do séc. x a.c.) na França
Atlântica e com alguns exemplares na Península Ibérica, na
Suíça e na Inglaterra (Briard, Mohen, 1983: 134) e identificável pelo alargamento do canhão na base e pelos furos que
apresenta na base de lâmina. Pelo estado de desgaste, nomeadamente pela lâmina sem parte terminal e deformada,
a peça possivelmente sofreu um desgaste no uso e muito
provavelmente foi reciclada num depósito de fundidor.
Fig. 8 | Ponta de lança do tipo “Vènat”. Idade do Bronze Final | ce012497
dimensões médias: 2,8–1,3 cm, 1,3–19,5 cm.
A guerra na Idade do Bronze
Também sendo uma época de grande desenvolvimento da
armaria, o modo de combate parece continuar, na Peninsula Ibérica, quase ao modo do Calcolítico Final: pequenos
grupos de guerreiros enfrentavam-se em breves lutas na
ocasião de saques, assaltos aos povoados e guerrilhas. Estas conclusões são propostas por Almagro Gorbea (2009:
56) que, baseando-se num cálculo aproximativo dos habitantes por povoado, não considera possível imaginar grandes batalhas entre grupos diferentes, mas só choques de
poucas dezenas de guerreiros, provavelmente ligados aos
chefes heróis, os quais na maioria das vezes terão resolvido
os conflitos com combates individuais de tipo heróico en-
tre eles. Não é de excluir a possibilidade de alianças entre
povoados, para juntar os pequenos grupos de guerreiros
em caso de extrema necessidade. Mas na Idade do Bronze,
sobretudo na Final, a situação muda radicalmente, sendo
muito numerosas as espadas achadas (Brandherm, 2007)
e aparecendo as primeiras, poucas, couraças e capacetes
como é visível no depósito da Ria Huelva (Torres Ortiz,
2009: 100). Isto só pode significar um aumento do número
dos guerreiros dependentes dos “chefes heróis”, sendo que
estes guerreiros continuam a ver na espada um símbolo do
seu status, e, paralelamente, um ulterior crescimento do
prestígio e do poder dos “chefes heróis” que, ao contrário
dos seus guerreiros, aparecem no campo de batalha com
vistosos armamentos defensivos.
a idade do ferro: dos heróis aos exércitos
espadas como símbolo de homens livres
A Idade do Ferro provoca na Península Ibérica uma radical
mudança seja na fabricação seja no uso das armas.
A Primeira Idade do Ferro (sécs. viii–vi) é caracterizada
sobretudo pela grande novidade da substituição do bronze
pelo ferro, introduzido pelo Fenícios na Península Ibérica:
este metal vai ser o protagonista na fabricação das armas,
sobretudo espadas, punhais e lanças. Por um lado, permitia
fabricar mais peças em menos tempo e, por outro, é tecnicamente mais versátil que o bronze. Nesta primeira parte
da Idade do Ferro as primeiras espadas em ferro da Península Ibérica derivam directamente das espadas de bronze
do tipo Ronda-Monte Sa Idda, conhecendo-se exemplares
quer em bronze, quer em ferro, marcando, desta forma, a
passagem entre os dois períodos (Farnié Lobensteiner,
Quesada Sanz, 2005: 38–40, 130, 161); outras, com cabo de
antena, são de origem centro europeia halstattica (ibid.:
45–46). Por outro lado a estrutura social não se diferencia
muita daquela do Bronze Final (ibid.: 24–27) permanecendo, assim, uma situação onde grupos de guerreiros, associados em redor dum chefe herói, executam os combates
entre grupos humanos. Só na área do sudeste, caracterizada pela cultura tartéssica, é possível verificar mudanças depois da chegada dos Fenícios, passando o poder a não estar
88
directamente ligado à posse e uso das armas, mas, ao invés,
sendo entendido como “sagrado” (ibid.: 229). Este horizonte, quer da cultura material, quer da estrutura social e do
modo de combate, vai ser radicalmente mudado na Segunda Idade do Ferro (sécs. vi–ii a.c.) quando a Península Ibérica entra em contacto directo com as grandes civilizações
do Mediterrâneo: Cartago, Grécia e Roma.
A grande mudança do séc. iv a.c. e as evidências na cultura material
Com a passagem à Segunda Idade do Ferro formam-se na
Península Ibérica os povos conhecidos pelos historiadores
gregos e latinos: entre estes, os Iberos e Celtiberos jogam
um papel particularmente importante no nascimento das
armas que caracterizam os guerreiros de toda a Península.
A evolução das armas espelha o desenvolvimento do
modo de combate, mas também da mudança social: a
sociedade da monarquia heróica da fase Ibera antiga e
do início da fase Celtibera ii (séc. v a.c.), transforma-se
numa aristocracia guerreira na fase Ibera plena e na fase
Celtibera IIb (séc. iv — início do séc. iii a.c.) (Quesada
Sanz, 1997; Lorrio, 1997); espelho destas organizações sociais é a distribuição das armas nas necrópoles, factor que
determina também a importância social do armamento e
da actividade bélica. O período de formação plena da armaria ibera e celtibera ocorre entre o séc. vi a.c. e o séc.
iii a.c. onde são protagonistas absolutas as espadas e as
lanças: esta fase marca uma passagem não só a nível social,
mas também a nível de táctica bélica: de pequenos grupos
de infantes pesados “nobres” que acompanhavam no combate os reis, passa-se, com o alargamento da acessibilidade
a armas mais prestigiosas como as espadas, a um combate
onde a infantaria pesada se torna protagonista.
A armaria dos guerreiros Iberos na Colecção Estrada
Da Segunda Idade do Ferro da Península Ibérica, a Colecção Estrada conta com um conjunto de espadas que, por
serem tão numerosas e variadas, neste momento só é possível dedicar algumas reflexões a um conjunto significativo da armaria dos Iberos: as “falcatas (ce00263; ce01754)
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
(fig. 9). Este tipo de arma, nascido na Itália peninsular no
séc. viii a.c., foi introduzido na região jónica da Grécia,
onde era dita “machaira”, e na área villanovense no séc. vi
a.c., chegando à Península Ibérica no séc. v a.c., onde foi
adoptado pelos Iberos do Levante Espanhol, evoluindo
para uma arma mais prática e pesada, mas também versátil
e robusta (Quesada Sanz, 2010: 67–68). A falcata tornou-se
a arma típica dos Iberos, utilizada, nomeadamente, pelas
formações de infantaria pesada formada pela aristocracia
guerreira, sendo muitos exemplares ricamente damasquinados em prata (ibid: 66–69).
Fig. 9 | Falcatas ibéricas. Segunda Idade do Ferro. | ce00263 e ce01754
dimensões médias: 14,4–0,4–12,9 cm, 5,4–0,5–53 cm.
conclusões
Nascidas entre o Calcolítico e a Idade do Bronze, lanças
e espadas foram os primeiros objectos concebidos e desenvolvidos para serem utilizados como armas e, ao longo
dos séculos, foram carregadas de significados simbólicos
de poder, representando o poder social ligado à actividade
guerreira e ao sexo masculino.
A Colecção Estrada conta com um conjunto de armas ofensivas, sobretudo espadas e lanças, extremamente
variado, tanto a nível tipológico como cronológico. Esta
característica permite considerar a Colecção como sendo
de extrema importância no desenvolvimento de temáticas
de investigação como: a guerra na antiguidade, a arte na
guerra, a tecnologia metalúrgica das armas, o simbolismo das armas. Pela variedade de origem das peças, estas
temáticas podem ser desenvolvidas não só em relação à
Península Ibérica, mas também no arco das regiões do
Mediterrâneo.
bibliografia
almagro gorbea, m. (2009) — La Idad del Bronce, In Almagro Gorbea
(ed) Prehistoria y Antigüedad, Historia Militar de España,
Madrid: Ediciones del Labirinto, pp. 49–60.
arcá, a.; fossati, a. (1995) — Sui sentieri dell’arte rupestre, Torino:
edizioni cda.
bianco peroni, v. (1970) — Die schwertrer in Italien–Le spade nell’Italia
continentale, Prahistorische Bronzefunde, abt.4, band 1, Munchen.
brandherm, d. (2007) — Las espadas del Bronce Final en la Peninsula
Iberica, Prähistoriche Bronzefunde, abt.iv, band 16, Stuttgard: Franz
Steiner Verlag.
huth, c ; logel, t. ;shmid, c. (2008) — Versenkt, verloren, vergessen
– Bronzezeitliche Gewasserfunde vom Oberrhein, Archäeologische
Nachrichten aus Baden, pp. 76-77, pp. 18-19.
kemenczei, t. (1988) — Der schwerter in Ungarn, Prahistoriche
Bronzefunde, abt.IV, band 6, Munchen.
lorrio alvarado, a.j (1997) — Los celtiberos, Complutum extra, 7,
Madrid: Universidad Complutense.
mazzeo, r. (2005) — Patine su manufatti metallici, Le patine: genesi,
significato, conservazione, Kermes Quaderni, Firenze: Nardini Editori,
pp. 29-43.
briard, j.; mohen, j.p. (1983) — Typologie des objects de l’ Age du Bronze
en France, vol. II, Paris : Societé Prehistorique Française.
mederos martín, a. (2009) — El Calcolitico, In Almagro Gorbea (ed)
Prehistoria y Antigüedad, Historia Militar de España, Madrid: Ediciones
del Labirinto, pp. 33-48.
cittadini, t. (2004) — Itinerari di visita dell’arte rupestre camuna,
In Fradkin, A.; Anati, E. ( eds) Valcamonica preistorica, Capodiponte:
Edizioni del Centro, pp. 65–96.
oliveira jorge, s. (1999) — Bronze Age Stelae and Menhirs of Iberian
Peninsula: discourses of power, in demakupoulo, k., eluère, c.,
de blas cortina, m.a. (1997) — Asturias y Cantabria, In Delibes de
Castro, G.; Montero Ruiz, I. (eds) Las primeras etapas metalurgicas en
la Peninsula Iberica, Estudios regionales, Madid: Instituto Universitario
Ortega y Gasset.
de marinis, r.c. (1994) — La datazione dello stile iiia, Casini, S. (ed) Le
pietre degli dei; menhir e stele dell’etá del Rame in Valcamonica e Valtellina,
Begamo: Centro Culturale Nicoló Rezzara, pp. 69–87.
jensen, j. (1999) — The héroes: life and death, In Demakopoulo, K.,
Eluère, C., Jensen, J., Jockenhovel, A., Mohen, J.P. (eds) Gods and Heroes
of the European Bronze Age, Thames and Hudson, London, pp. 88–97
jimenez, j. (2009) — Los primeros conflictos bélicos en la Península
Ibérica, In Almagro Gorbea (ed) Prehistoria y Antigüedad, Historia
Militar de España, Madrid: Ediciones del Labirinto, pp. 23–32.
farnié lobensteiner, c.; quesada sanz, f. (2000) — Espadas de hierro,
grebas de bronze; símbolos de poder y instrumentos de guerra a comienzo
de la Edad del Hierro en la Península Ibérica, Monografías del Museo de
Arte Ibérico del Cigarralejo, Murcia: Comunidad Autonoma de Murcia.
gaucher, g.; mohen, j.p. (1972) — Typologie des objects de l’Age du
Bronze en France, fasc. 1, Paris : Société Préhistorique Française.
giachina, j.; gomez de soto, j.; bourchis, j.r.; veber, c. (2008)
— Un depôt de la fin de l’ Age du Bronze à Mechers (Charente- Maritime),
Bulletin de la Societé Prehistorique Française, tome 105, N.º 1, pp. 159–185.
giardino, c. (2010) — I metalli nel mondo antico ; introduzione
all’archeometallurgia, Bari-Roma: Editori Laterza.
guilaine, j.; zammit, j. (2001) — Le sentier de la Guerre : visage de la
violence dans la Prehistoire, Paris : editions du Seuil.
harding, a. (1999) — Swords, Shields and Scolars : Bronze Age Warfare,
past and present, In Harding, A. (ed) Experiment and Design; archaeological
studies in honour of John Coles, Oxford: Oxbow Books, pp. 87–93.
jensen, j., jockenhovel, a., mohen, j.p. (eds) Gods and Heroes of the
European Bronze Age, Thames and Hudson, London, pp. 114–122.
quesada sanz, f. (1997) — El armamento iberico. Estudio tipologico,
geografico, functional, social y simbolico de las armas en la Cultura
Iberica (siglos vi–i a.c.) Monographies Instrumentum, 3, Montagnac.
quesada sanz, f. (2010) — Armas de la Antigua Iberia; de Tartessos
a Numancia, Madrid: Esfera de los Libros.
quilliec, b. (2007) — Vida y muerte de una espada atlántica del Bronce
Final en Europa: reconstrucción de los procesos de fabricación, uso y
destrucción, Complutum, p. 18, pp. 93–107.
reim, h. (1974) — Die spatbronzezeitlichen Griffplatten, Griffdorn und
Griffangelswerter in Ostfrankreich, Prahistoriche Bronzefunde, abt. IV,
band 3, Munchen.
reinecke, p.; binher, k.; wagner, f. (1965) — Mainzer Aufsatze zur
Chronologie der Bronzer und Eisenzeit, Bonn: ed. Habelt.
rovira, s.; montero ruiz, i.; consuegra rodriguez, s. (1997)
— Las primeras etapas metalurgicas en la Peninsula Iberica, 1. Análisis
de materiales, Madid: Instituto Universitario Ortega y Gasset.
torres ortiz, m. (2009) — Tartessos, In Almagro Gorbea (ed)
Prehistoria y Antigüedad, Historia Militar de España, Madrid: Ediciones
del Labirinto, pp. 99–110.
wahl, j.; konig, h.g. (1987) — Anthropologisch Untersuchung der
menshlichen Skelettreste aus dem bandkeramischen Massengrab bei
Talheim, Kreis Heilbronn, Funderberichte aus Baden Wurtemberg, p. 12,
pp. 65–195.
warmenbol, e. (1991) — Le Bronze Final Atlantique entre Côte et
Escaut, In Chevillot, C. ; Coffyn, A. (eds) L’ Age du Bronze Atlantique,
actes du 1er Colloque du Parc Arqueologique de Beynac, pp. 77–88.
hernandez valverde, m. (2007) — Suerte, casualidad y conservación,
El hallazgo leones de Valdevimbre y los depósitos del Bronce Final en la
Peninsula Iberica, Leon: Museos de Castilla y Leon, pp. 52–89.
90
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
artefactos com suástica
na colecção estrada:
iconografia e simbolismo
.
Fernando Augusto Coimbra
instituto terra e memória
grupo quaternário e pré-história
do centro de geociências
(uid76 fundação ciência e tecnologia)
resumo
O autor inicia o actual artigo com algumas considerações
sobre a origem e a tipologia do símbolo da suástica, indispensáveis para a sua melhor compreensão. Descreve objectos da Colecção Estrada onde este símbolo se encontra
presente. Aborda, sinteticamente, hipóteses interpretativas
do motivo estudado. Termina com algumas considerações
de carácter geral.
Palavras-chave: Suástica, origem, tipologia, simbolismo.
92
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
abstract
The author starts the present article with some considerations
about the origin and typology of the swastika symbol, indispensable for its good understanding. He describes some objects from Collection Estrada where this symbol appears. He
develops, in a synthetic way, interpretative hypothesis of the
studied motif. He finishes with some general considerations.
Keywords: Swastika, origins, typology, symbolism.
Entre os milhares de objectos arqueológicos pertencentes
à Colecção Estrada, alguns chamam a atenção pela presença de um símbolo que actualmente causa consternação na
chamada sociedade ocidental. Trata-se da denominada suástica, nome de origem sânscrita que designa um dos mais
antigos signos da humanidade, que o nazismo viria a deturpar, transformando-o num objecto de tirania e horror.
Todavia, a história da suástica demonstra que este motivo teve um carácter religioso e profiláctico entre o vii
milénio a.c. e a actualidade, encontrando-se os exemplos
mais recentes ainda activos em sociedades orientais.
Abordar toda a complexidade e problemática que o
estudo deste símbolo encerra, dentro do limite de páginas disponível nestas actas, é tarefa muito ingrata. Assim,
convidamos o leitor a consultar a nossa Dissertação de
Doutoramento (Coimbra 2007)1, que oferece uma ampla
visão sobre as questões primordiais que envolvem a análise deste motivo. Para além disso, a iconografia que aqui referimos e que não se torna possível reproduzir encontra-se
disponível na mesma obra, para além de cerca de sessenta
páginas de bibliografia dividida em duas secções: bibliografia específica sobre o símbolo estudado e bibliografia
de apoio, composta por obras que ajudam a compreender
melhor este motivo.
Antes de analisar os artefactos com suástica da Colecção Estrada, torna-se imprescindível escrever algumas palavras sobre a possível origem e sobre a tipologia deste símbolo milenar, de modo a poder compreendê-lo melhor.
De facto estas duas questões, principalmente a primeira, são de crucial importância para poder interpretar correctamente a presença da suástica em objectos de carácter
arqueológico.
origem da suástica
A origem da suástica perde-se na noite dos tempos, sendo a mais antiga actualmente conhecida a que existe num
prato pintado de Samarra (Mesopotâmia), datado de finais
do vii milénio a.c., início do vi milénio a.c. Alguns autores apontam exemplares mais antigos, remontando ao Paleolítico Superior, mas são casos que devem ser encarados
1
com muitas reservas uma vez que constituem meandriformes que apenas por acaso formam imperfeitamente uma
suástica (Coimbra 2007).
Iconografia pré-histórica e antiga
Neste campo, a “chave” para a compreensão da origem da
suástica poderá estar num atlas chinês de cometas, datado
do séc. iv a.c., onde um destes astros surge representado
na forma de uma suástica dextrorsa, com um círculo central (fig. 1).
Este atlas, com páginas de seda, medindo metro e meio
de altura, foi encontrado em 1978 no túmulo n.º 3 de Mawangdui, próximo de Chang-Sa, datado de 168 a.c.
Todavia, de acordo com Ze-zong Xi, do Instituto de
História das Ciências Naturais (China), deve ter sido elaborado entre 369 a.c. e 345 a.c., constituindo um documento que reúne informações acumuladas ao longo de
um vasto período de tempo (Xi 1984).
Fig. 1 | Atlas de Mawangdui com um cometa em forma de suástica
(segundo Sagan e Druyan, 1986).
A legenda que acompanha o desenho deste cometasuástica relata o seu aparecimento por diversas vezes, em
diferentes estações do ano (Xi 1984).
Entretanto torna-se legítimo pensar que estes desenhos cometários, executados há mais de dois mil anos,
poderão ser fantasiosos. Mas tal questão não se coloca,
pois eles “conseguem apresentar semelhanças impressionantes com as modernas fotografias de cometas” (Sagan e
Druyan 1986: 30).
Curiosamente, o segundo cometa a contar da esquerda, com uma cauda quádrupla, surge representado de
forma muito semelhante numa pintura rupestre da Toca
Existem exemplares disponíveis para consulta na Universidade Autónoma de Lisboa,
no Museu de Arte Pré-Histórica e do Sagrado no Vale do Tejo (Mação), no Solar Condes
de Resende (V.N. de Gaia), na Sociedade Martins Sarmento (Guimarães), este último em CD,
na Universidade de Salamanca e, brevemente, possivelmente em Coimbra e no Porto,
em locais que o autor oportunamente divulgará à comunidade arqueológica.
Pensamos, ainda, que existirá uma cópia na Biblioteca Nacional.
do Cosmos (Baía, Brasil), rodeada por outros motivos de
carácter astronómico (Coimbra 2010).
Para além do atlas de Mawangdui, uma gravura rupestre das montanhas de Gegham (Arménia) parece igualmente atribuir uma origem cometária à suástica. Observase a presença deste símbolo, com uma espécie de cauda
(como as dos cometas), sendo “adorado” por duas figuras
humanas que erguem os dois braços no ar, os denominados “orantes” (fig. 2).
Fig. 3 | Quatro jactos cometários em forma de cruz (à esquerda). À direita, suástica
originada por acção da radiação e do vento solar (segundo Sagan e Druyan, 1986).
Fig. 4 | Vista radial (núcleo) e axial (cauda) de um cometa
em forma de suástica (segundo Kobres, 1992).
Fig. 2 | Gravura rupestre de Gegham (segundo Martirorsian, 1975).
Astronomia
Diversos astrónomos como Carl Sagan, Bill Napier, Victor
Clube, Victor Gostin, Nick Moore, entre outros, consideram que a suástica tem a sua origem num cometa. Mas
como é possível um astro deste tipo adquirir a forma de
uma suástica?
Em poucas palavras, um cometa é constituído por camadas hexagonais de gelo “sujo”, em cujas moléculas se encontram silicatos, podendo o volume do gelo variar entre
dois e dez km. À medida que o astro se aproxima do Sol, as
camadas exteriores começam a aquecer, transformando o
gelo em gás e libertando a poeira gelada, formada por pequenas partículas de silicatos e outros compostos (Moore
s/d). Esta aproximação ao Sol produz grandes quantidades de gás que dão origem aos chamados jactos cometários (fig. 3). Assim, devido à pressão da radiação solar e ao
vento solar2, o gás e as poeiras do núcleo são empurrados
numa determinada direcção, formando a cauda cometária
(Xi, 1984), e, se o núcleo rodopiar sobre si mesmo, os jactos
adquirem uma forma ligeiramente encurvada dando origem a uma suástica (fig. 3 e fig. 4).
2 Corrente contínua de pequenas partículas emitida pela coroa solar.
Astrofísica
No início dos anos 60, os astrofísicos C.J. Ransom e H.
Schluter da Universidade do Texas, efectuaram experiências repetidas, e com assistência pública, em que expuseram à electricidade e ao magnetismo elementos que entram na composição dos cometas, como o hidrogénio e
o hélio. Estes gases adquiriram então um brilho intenso
para, logo de seguida, começarem a girar num turbilhão e
surpreendentemente tomarem a forma de uma suástica de
quatro braços curvos.
Segundo aqueles autores, “ionized gases can be created
in a glass cylinder arranged so that you may look through the
long axis of the tube. Under certain conditions of ionization
and magnetic field strengths, a stationary spiral will appear
in the tube (...). Again, depending on the conditions, the spiral can have three or more arms. One of the most common
spirals seen in the experiments described was a spiral with
four arms” (Greenberg 1997: 54)3.
Greenberg, refere que esta “espiral” de quatro braços
teria “each arm curving away from the center like a stylized fylfot or swastika” (idem, ibidem), sendo, portanto, estas espirais de braços múltiplos, na realidade, suásticas de
braços curvos.
Ainda de acordo com o mesmo autor, extrapolando
estas experiências laboratoriais para o macrocosmos ob3 Informação pessoal de Ramson e Schluter a Lewis Greenberg, que assistiu a uma das várias
experiências realizadas.
94
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
ter-se-á o mesmo resultado, uma vez que a magnetosfera
terrestre é de tal modo que existem condições para que se
verifique o mesmo fenómeno ocorrido em laboratório.
siderado positivo (benéfico) e outro negativo (maligno),
o que poderá ser válido para algumas culturas mas que de
modo nenhum se poderá generalizar.
tipologia
A suástica é representada de inúmeras formas, sendo muito provavelmente o símbolo que possui mais variantes, entre todos aqueles que surgem em vestígios arqueológicos.
Mas, de modo a estabelecer uma tipologia simplificada,
diremos apenas que ela pode apresentar braços em ângulo
recto e braços curvos (fig. 5).
Este segundo tipo apresenta modalidades com número de braços variável, que pode ir de três (trísceles4), quatro (tetrásceles), cinco, seis, sete… até dezasseis, surgindo
com frequência em algumas lápides funerárias romanas
da Península Ibérica.
objectos da col. estrada com suásticas
Os artefactos da Colecção Estrada que apresentam suásticas não são muito numerosos. Seguidamente descrevemos, por ordem cronológica, alguns dos exemplares mais
significativos.
A peça mais antiga é uma taça cerâmica (ce02670)
com pasta de cor beije amarelado, em cujo centro se observa uma suástica dextrorsa de nove braços curvos, rodeada
por onze motivos em forma de reticulado. Por sua vez, à
volta destes encontram-se dois círculos concêntricos, entre os quais existe uma linha ondulada. Entre este conjunto
e o bordo da taça estão, representadas em círculo, oito cabras monteses. Entre a cauda de cada cabra e a cabeça da
seguinte encontram-se três “chevrons” concêntricos, num
total de oito conjuntos do mesmo motivo (fig. 6).
O tipo de pasta desta taça, a cor das pinturas e os motivos representados são muito comuns no Médio Oriente
entre o v milénio e o iii milénio a.c., cronologia entre a
qual se deve inserir esta peça.
Na Colecção existem alguns exemplares de elementos de
fivela de cinturão, em bronze, com trísceles e com tetrásceles, cuja compreensão se pode basear num paralelo exposto
no Museu Provincial de Cáceres5, peça mais completa do
que aquelas que aqui descrevemos e que ajuda a entender
melhor a sua constituição e o seu funcionamento (fig. 7).
De facto, esta peça de El Romanzal é constituída por
duas partes sobrepostas, encaixando uma na outra num
sistema de macho/fêmea, existindo na Colecção Estrada
somente exemplares isolados6 (fig. 8 e fig. 9).
Fig. 9 | Elemento de fivela de cinturão com representações
de trísceles dextrorsos da Col. Estrada.
dimensões médias: 9,2–11,8–0,2 cm.
Fig. 7 | Fivela de cinturão de El Romanzal.
Fig. 5 | Alguns tipos de suásticas (desenho do autor).
Torna-se difícil saber qual dos dois tipos apareceu primeiro, visto que, por exemplo, na Hungria do v milénio
a.c. já surgem ambos em cerâmica da necrópole de Lengyel, Zengovárkony (Gimbutas, 1989). Na mesma época,
na Mesopotâmia, também já aparecem algumas suásticas
de braços curvos, embora em menor número que as que
têm os braços em ângulo recto.
Algumas suásticas têm os braços virados para a direita
(na metade superior do motivo) e outras apresentam-nos
virados para a esquerda, sendo as primeiras denominadas
dextrorsas e as segundas sinistrorsas.
Esta diferente orientação levou alguns autores a atribuírem-lhes diferentes significados, sendo um sentido con4
quatro braços curvos, com orifício central, inserida num
conjunto de três círculos concêntricos, que, por sua vez,
se inscrevem num conjunto de dois quadrados também
concêntricos.
Sobreposto a este elemento de fivela de cinturão estaria, certamente, uma peça como a que se pode observar na
fig. 9 (ce02240), cuja extremidade esquerda termina em
duas aletas, entre as quais se encontra uma parte de forma
trapezoidal7.
Estas fivelas de cinturão de placa quadrangular são
de tradição ibera e encontram-se bem documentadas em
diversas necrópoles celtiberas da Meseta Oriental (Lorrio
1997). Cronologicamente são atribuíveis aos sécs. iii-ii
a.c. (Almagro-Gorbea et alli 2004).
A peça mais recente das que são aqui estudadas é uma
fíbula em bronze (ce03109), constituída por quatro cabeças de cavalo que formam uma suástica dextrorsa (fig. 10).
Fig. 8 | Elemento de fivela de cinturão com suástica de braços curvos da Col. Estrada.
dimensões médias: 8,7–8,8–0,1 cm.
Fig. 6 | Taça cerâmica com suástica de nove braços curvos.
dimensões médias: 39,5–15 cm.
Toda a decoração interior é pintada em tons de castanho sobre o fundo beije amarelado.
Trísceles, do grego τρισχελής (triskeles), palavra derivada de tria skelia, que significa
“três pernas”; tetrásceles, também do grego τετρασχελής (tetraskeles) palavra derivada
de tetra skelia, “quatro pernas”; pentásceles do grego πέυτασχελής (pentaskeles) derivada
de penta skelia, “cinco pernas” e assim sucessivamente.
Comparando a peça da fig. 8 (ce02263) com a metade esquerda do exemplar patente na fig. 7 a semelhança é
evidente: verifica-se o mesmo tipo de suástica dextrorsa de
5
6
96
Proveniente da necrópole de El Romanzal (Plasenzuela), pertencente ao povoado
de Villasviejas del Tamuja (Botija) e datado de um período entre o séc. iv e o séc. i a.c.
Existem mais exemplos de fivelas completas, com duas partes sobrepostas,
em território celtibérico, nomeadamente em La Revilla, Arcobriga
e El Atance (Lorrio 1997: 220).
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
Fig. 10 | Fíbula em forma de suástica.
dimensões médias: 3,5–3,2–0,2 cm.
7 Comparar a fig. 9 com a metade direita da peça da fig. 7.
Apresenta três círculos concêntricos no centro e dois
círculos também concêntricos, menores, representando
um olho, em cada uma das cabeças, tendo todas orelhas,
excepto uma, que se encontra fracturada. Linhas incisas
em três das cabeças podem representar a crina, facto que
só encontra paralelo na fíbula de Castello, Udine, Itália
(Buora 2005).
Existem cerca de trinta e um exemplares deste tipo de
fíbula, conhecidos até hoje, mas os casos mais semelhantes
ao da Colecção Estrada encontram-se no Museu Nacional
de Bucareste.
A difusão destes artefactos distribui-se pela área da
antiga Dácia romana (Roménia), pela Sérvia, e, com menor número de exemplares, pela Croácia, Eslovénia, Hungria, Áustria, Sul da Alemanha e Nordeste da Itália, sendo
actualmente atribuídos à primeira metade do século iii,
parecendo estar relacionados com a criação do corpo de
cavalaria Ilírica (Buora 2005; Gudea 2005).
Na Colecção Estrada encontram-se ainda algumas peças
com suástica que necessitam de um estudo mais profundo,
cuja falta de contexto arqueológico dificulta a sua atribuição
cultural e cronológica. Deste modo, estes artefactos não serão objecto de interpretação no presente trabalho.
simbolismo e interpretação
Falar do simbolismo da suástica em poucas palavras é tarefa assaz complexa. Em primeiro lugar, para interpretar
o mais correctamente possível qualquer símbolo que surja em vestígios arqueológicos torna-se necessário utilizar
uma metodologia.
O signatário, na sua Dissertação de Doutoramento, socorreu-se de uma associação entre a Arqueologia Cognitiva Processual e a Arqueologia Pós-processual, tentando
interpretar a suástica de um modo contextualizado e que
fosse simultaneamente o menos subjectivo e o mais objectivo possível8.
Na impossibilidade de desenvolver aqui a metodologia
referida, devido ao limite de espaço para este artigo, tentaremos abordar esta secção de uma forma sintética mas
rigorosa.
8 Para desenvolvimento destes assuntos, ver Coimbra, 2007.
Assim, muito brevemente, começamos por mencionar que o símbolo estudado tem significados diversos, de
acordo com os tempos e os lugares: símbolo dos deuses,
símbolo solar, símbolo protector, amuleto de boa sorte,
marca de oleiro… Quanto às peças da Colecção Estrada
tentamos uma interpretação contextualizada, após a comparação com paralelos existentes na bibliografia.
A suástica da taça cerâmica do Médio Oriente poderá,
em face da sua tipologia de braços curvos e da iconografia envolvente, representar a divindade solar. Na mesma
região existem peças semelhantes onde surgem representações da cabra montês, por vezes acompanhadas de suásticas. Este animal, devido ao formato dos seus cornos
tem sido associado ao crescente lunar (Kohen 2009). Para
o mesmo autor (2009) no Médio Oriente existe uma relação entre a lua e a chuva, que, curiosamente, em termos
metereológicos, é o “oposto” do sol.
No Sul da Arábia, os sabeus consideram a cabra como
símbolo do deus lunar (Biedermann 1989)9. Poderemos
estar, então, em presença de uma taça ritual que reúne elementos de um culto astral (solar e lunar).
Relativamente às fivelas de cinturão, importa recordar
as referências de J. M. Blázquez Martínez (1985) sobre o
uso de cinturões mágicos entre os povos pré-romanos da
Península Ibérica, apresentando, alguns, círculos concêntricos e suásticas, como os encontrados em Atienza, La
Osera e Las Cogotas.
Em diversas culturas da Idade do Ferro e mesmo posteriores, existem fivelas de cinturão com a representação
de suásticas, como acontece, por exemplo com uma peça
de um túmulo da floresta de Haguenau e com um exemplar merovíngio, onde se observam três suásticas, cada
uma sobre um cavalo (Bertrand 1897: Pl. viii, fig. 18).
Os casos aqui referidos levam a admitir que os cinturões com este símbolo teriam um carácter protector dos
seus utilizadores, durante os combates10. A mesma interpretação pode ser aplicada aos exemplares existentes na
Colecção Estrada.
Para compreender o significado da fíbula aqui estudada (fig. 10) torna-se necessário analisar primeiramente
outras fíbulas onde a suástica se encontra presente, o que
se verifica pelo menos, desde o séc. viii a.c.
De acordo com Salete da Ponte (2005: 197), “as fíbulas
proto-históricas teriam, para além de uma visão utilitária,
um carácter simbólico (mágico, votivo, económico, sóciopolítico, cultural)”, constituindo “objectos de prestígio social” (Ponte 2005: 193).
Uma vez que a fíbula da Colecção Estrada é semelhante a outras, atribuídas ao corpo de cavalaria Ilírica (Buora
2005; Gudea 2005), pensamos que também lhe é possível
descortinar um carácter de protecção, para além de símbolo de prestígio social, precisamente por se tratar de um
corpo de cavalaria.
9 Em algumas culturas a lua tem carácter masculino e o sol atributos femininos.
10 Os escudos de alguns guerreiros de inúmeras culturas também utilizam símbolos protectores,
entre os quais surge com muita frequência a suástica, quer na variante de trísceles,
quer na de seis braços curvos e até mesmo com o tipo “cruz gamada” (Coimbra 2007).
11 Tomando como exemplo apenas a Grécia Clássica, a suástica surge associada a Zeus,
Atena, Poseidon, Apolo, Artemisa, Afrodite, Hermes e ao herói Heraklés.
98
algumas considerações finais
A suástica é um motivo que surge com grande frequência
em vestígios arqueológicos e etnográficos da mais variada tipologia e cronologia, aparecendo em cerâmicas, arte
rupestre, ourivesaria, escultura, lápides funerárias, aras,
elementos arquitectónicos, mosaicos, moedas, frescos, pesos de tear, documentos escritos, têxteis, armas defensivas
(escudos, capacetes) e ofensivas (lanças, espadas, machados), entre outros artefactos e monumentos pertencentes
aos mais variados povos.
Por exemplo, existem inúmeros casos de suásticas associadas a deuses de muitas culturas11 o que leva a considerar que, inicialmente, esse símbolo terá sido apresentado às populações como “le signe visible d’un dogme, d’une
croyance” (Bertrand 1897: 163).
No Cristianismo, até ao final da Idade Média, este motivo aparece frequentemente em representações do Cristo
e da Virgem, sendo um dos exemplos mais interessantes
uma imagem de Jesus, datada do séc.xv, saindo do túmulo
com um estandarte onde se observa uma suástica (Rynne
1990: 5; fig. 2).
Tal como escreveu S. Heller, “few symbols have had as
much impact on humankind as the swastika. No other mark
has turned up in so many disparate cultures” (Heller 2000:
19–20). Verifica-se, portanto, que este símbolo parece ter
desenvolvido raízes profundas no denominado Incons-
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
ciente Colectivo, que, segundo C. G. Jung (1964), é a parte
da mente que retém e transmite a herança psicológica comum a toda a humanidade.
Actualmente, nas sociedades ocidentais, a suástica é, de
modo geral, encarada como um símbolo maldito a eliminar.
De facto, no princípio de Janeiro de 2005, Franco Frattini,
Comissário Europeu para a Justiça, Liberdade e Segurança, pretendeu banir da Comunidade Europeia este motivo
milenar.
Esta ideia, apesar de não ter sido aprovada, gerou a
reacção de hindus residentes em Inglaterra para os quais
aquele motivo é uma sagrada tradição ancestral, indissociável de aspectos de carácter social como casamentos e
nascimentos12 (Coimbra 2007).
Na realidade, não se pode culpar um símbolo com raízes pré-históricas das atrocidades cometidas pelo nazismo. Portanto, a ideia de banir a suástica tratou-se, de uma
iniciativa bastante infeliz, decorrente da falta de cultura
arqueológica desse comissário, tal como frequentemente
é hábito em alguns políticos13.
Curiosamente, um dos artigos mais esclarecidos sobre a suástica, escritos antes da década de 90 do século
xx, foi elaborado em plena ii Guerra Mundial por John
Prince Lowenstein (1941) e publicado na revista Man, editada pelo Royal Anthropological Institute of Great Britain
and Ireland, numa altura em que Londres era cruelmente
bombardeada pela aviação nazi.
Os ingleses souberam olhar para o passado, para não
se enganarem com o presente… como diria o padre António Vieira. Não foi objectivo deste trabalho redimir ou
reabilitar a suástica aos olhos da sociedade ocidental, mas
apenas compreender a sua presença em artefactos arqueológicos, tentando adivinhar o seu significado.
bibliografia
almagro-gorbea, martín; casado, daniel; fontes, fernando;
mederos, alfredo; torres, mariano (2004) — Prehistoria.
Antiguedades Españolas i, Madrid: Real Academia de la Historia.
beirão, caetano mello; tavares da silva, carlos; soares,
joaquina; varela gomes, mário; varela gomes, rosa (1985) —
“Depósito votivo da ii Idade do Ferro de Garvão. Notícia da primeira
12 Para os hindus a suástica é o símbolo mais sagrado após o trigrama aum.
13 Para banir a suástica do espaço comunitário europeu seria necessário, por exemplo,
destruir inúmeros mosaicos romanos em Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Itália,
entre outros países, o que seria absurdo. Para além disso, seria também preciso ir aos museus
mais importantes da Europa deitar para o lixo dezenas de artefactos, entre vasos
mesopotâmicos, cerâmicas e fíbulas gregas, jóias etruscas, cerâmicas saxónicas,
pratas romanas, entre muitas outras obras de arte.
campanha de escavações”, O Arqueólogo Português, Série iv, 3, Lisboa:
Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia.
berrocal-rangel, luis (1994) — El altar prerromano del Castrejón
de Capote. Ensayo Etno-Arqueológico de um ritual céltico en el suroeste
peninsular, Madrid: Universidad Autónoma de Madrid.
bertrand, alexandre (1897) — La Religión des Gaulois, Paris: Ernest
Leroux.
biedermann, hans (1989) — Diccionario de Símbolos, Barcelona:
Ediciones Paidós.
blásquez martínez, jose maria (1985) — Magia y religión entre los
pueblos indígenas de la Hispania Antigua, in Religión superstición y magia
en el Mundo Romano, Cádis: Universidade de Cádiz.
buora, maurizio (2005) — “Nota sulla diffusione delle fibule a svastica
com terminazioni a testa di cavallo”, Quaderni friulani di archeologia, xv,
Udine: Societá Friulana di Archeologia.
coimbra, fernando augusto (1999) — “Algumas considerações sobre
a Arqueologia da Suástica”, in Centenário da Sociedade Arqueológica da
Figueira 1898–1910, Figueira da Foz: Museu Municipal Dr. Santos Rocha.
coimbra, fernando augusto (2007) — A suástica em Portugal
e na Galiza, desde a Idade do Bronze ao fim do Período Romano:
problemática da origem e da interpretação (policopiado), dissertação
de Doutoramento, Salamanca/Lisboa: Universidade de Salamanca/
Universidade Autónoma de Lisboa.
lowenstein, john prince (1941) — “The swastika: its history and
meaning”, Man, 41, Londres: Royal Anthropological Institute of Great
Britain and Ireland.
martirossian, h. (1975) — The rock carvings of the Gegham Mountain
Range, Yerevan: Academy of Science of Armenia.
moore, nick (s/d) — Cometary Portents – ‘The Swastika’,
www.astronomy.org.nz/aas/Journal/CometaryPortents.asp,
(acedido a 21/10/2010)
ponte, salete da (2005) — “As fíbulas do Bronze Final e Idade do Ferro
de Portugal Interior (Norte e Centro): problemática sobre produção local
e de longa distância”, Actas do i Congresso de Arqueologia
de Trás-os-Montes, Alto Douro e Beira Interior, Côavisão, 7,
Vila Nova de Foz Côa: Câmara Municipal.
rynne, etienne (1990) — “The Swastika at Ennis- Symbol of the
Resurrection”, The North Munster Antiquarian Journal, 32, Galway: s/e.
sagan, carl; druyan, ann (1986) — Cometa, Lisboa: Editora Gradiva.
xi, ze-zong (1984) — “The cometary atlas in the silk book of the
Han tomb at Mawangdui”, Chinese Astronomy and Astrophysics, 8, s/l:
Pergamon Press.
coimbra, fernando augusto (2009) — “Trísceles, tetrásceles
e motivos afins em elementos arquitectónicos castrejos”, Actas do
Congresso Transfronteiriço de Arqueologia Aqvae Flaviae, 41, Chaves:
Centro Cultural Aqvae Flaviae.
coimbra, fernando augusto (2010) — “The Sky on the rocks:
cometary depictions in rock art”, in Anais do Congresso Internacional
de Arte Rupestre “Global Rock Art”, Fumdhamentos, ix, São Raimundo
Nonato: Fundação Museu do Homem Americano.
gimbutas, marija (1989) — Il Linguagio della Dea – Mito e culto della
Dea Madre nell’ Europa Neolitica, Milano: Longanesi.
greenberg, lewis (1997) — Let there be darkness: the reign
of the Swastika, Richmond: Kronos Press.
gudea, nicolae (2005) — “Sulle fibule romane a svastica con estremità
a testa di cavallo”, Quaderni friulani di archeologia, XV, Udine: Societá
Friulana di Archeologia.
heller, steven (2000) — The swastika: symbol beyond redemption?
Nova Iorque: Allworth Press.
jung, carl gustav (1964) — Essai d’Exploration de l’Inconscient,
in L’Homme et ses Symboles, Paris: Robert Laffont.
kobres, bob (1992) — Comets and the Bronze Age Collapse,
http://abob.libs.uga.edu/bobk/bronze.html, (acedido a 15/9/2010).
kohen, Stanley (2009) — The Mountain Goat; symbol of rain
in Iranian pottery, http://www.cais-soas.com/cais/mythology/
mount_goat.htm (acedido a 9/11/2010).
lorrio, alberto (1997) — Los Celtíberos, Madrid/Alicante:
Universidade Autónoma de Madrid/ Universidade de Alicante.
100
tesouros escondidos
e significado do sagrado:
objectos funerários da idade
do bronze da europa
.
Davide Delfino
instituto terra e memória
grupo quaternário e pré-história
do centro de geociências
(uid76 fundação ciência e tecnologia)
resumo
A Idade do Bronze Europeia foi, em muitos sentidos,
uma época de mudanças radicais, nomeadamente nas estruturas sociais e nas dinâmicas de contactos. Uma fonte
arqueo-lógica significativa para perceber estas dinâmicas
sociais é o mundo funerário. A Colecção Estrada é rica em
objectos provenientes de contextos sepulcrais da Idade do
Bronze de toda Europa. Estes, embora sem contexto arqueológico de referência, pois foram adquiridos em casas
de leilões, relacionam-se com diferentes horizontes culturais do continente e revestem-se de interesse para perceber melhor a relação entre as culturas proto-históricas e os
seus contextos funerários.
Palavras-chave: Idade do Bronze, Europa, horizontes funerários, conceito do “além”.
102
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
abstract
The European Bronze Age was in many ways a time of radical changes, particularly in social structures and dynamics
of contacts. A major archaeological source to better understand these social dynamics are the burial horizons. The Estrada Collection is rich in bronze age objects come from all
over Europe which, although with no archaeological context,
since they were acquired in auction houses, are related to different cultural horizons of the continent and are of interest
in order to better understand the relationship between the
proto-historic cultures and their horizons funeral.
Keywords: Bronze Age, Europe, burial horizons, concept of
“Beyond”.
a idade do bronze europeia: um quadro geral
No continente europeu o período que abrange aproximadamente o segundo milénio a.c., é caracterizado por várias
dinâmicas inovadoras: a introdução maciça da metalurgia
do bronze, a cada vez maior complexidade das sociedades,
a dinamização dos contactos a grande distância, a dinamização do comércio, o consequente controlo dos materiais
“exóticos” pelas elites e a normalização do ritual funerário incineratório. O quadro crono cultural das várias fases (tab. 1) da Idade do Bronze não é uniforme em todo o
continente: dum lado, na área do Mediterrâneo oriental,
com as civilizações proto estatais micénica e minóica, as
dinâmicas que caracterizam este período são mais marcadas, uniformes e talvez mais antigas, dum outro, na Europa centro setentrional o quadro é geralmente mais complicado, aparecendo somente algumas das manifestações
típicas da Idade do Bronze.
tab. 1 – Várias fases da Idade do Bronze
cronologia
egeu
mediterrâneo
europa
continental
3200–2200 a.c.
Cultura Cicládica
Neolítico Final/
Calcolítico
Neolítico Final/
Calcolítico
2200–1600 a.c.
Culturas
Cicládica e
Minoica
Culturas de Polada,
Campaniforme
e Argar a
Culturas de Straubing,
Unetice e Wessex i
1600–1500 a.c.
Culturas Minóica
e Micénica
Culturas das
Terramare
e Argar b
Culturas dos Túmulos
do Vale do Danúbio
e Wessex ii
1500–1200 a.c.
Cultura Micénica
Culturas das
Terramare
e Cogotas i
Culturas dos Túmulos
do Vale do Danúbio
e Wessex ii
1200–800 a.c.
“Povos do mar”
Culturas
Protovillanoviense,
Cogotas i
e Tartessos Antigo
Bronze Final Atlântico
e Cultura dos Campos
de Urnas
Apesar destas diferenças as sociedades europeias da
Idade do Bronze têm em comum elite dominante que se legitima mediante a capacidade de acumulação de recursos,
da gestão socioeconómica e do controlo das relações com
outras sociedades (Kristiansen e Larsson 2006: 61, 80–81).
Com esta estruturação da sociedade e o uso maciço do
bronze, que obrigava ao controlo dos recursos ou das rotas
comerciais, surgiram duas características que marcaram as
elites sociais desta época: a guerra e a gestão dos materiais
exóticos ou preciosos. Na cultura material a primeira característica é evidenciada pelo grande número de armas
de bronze e também por fortificações em algumas cidades,
enquanto a segunda é evidenciada pelas jóias em âmbar,
pasta vítrea e ouro. Entre todos os contextos que podem
apresentar evidências das sociedades da Idade do Bronze,
as sepulturas são os que oferecem ambos os testemunhos:
é por isto que, quer através dos objectos, quer através da
interpretação do contexto do achado, as necrópoles são um
factor de primeira importância para fazer a análise social
das sociedades da Idade do Bronze. Neste sentido é de particular relevância perceber qual é o significado de determinados conjuntos de objectos nos espólios funerários, qual
é a mensagem que as sociedades complexas queriam transmitir e qual é o destinatário destas mensagens. Já no final
do século xx, no âmbito dum projecto de investigação e
divulgação sobre a Idade do Bronze Europeia patrocinado
pela União Europeia, foram apresentados vários trabalhos
editados pelos mais prestigiados investigadores: um destes foi dedicado especificamente ao tema do sagrado e dos
valores das sociedades do segundo milénio a.c. (Demakopoulou et al. 1997) e uma das conclusões finais que resultaram, sobretudo da análise dos contextos funerários, foi que
num panorama continental suficientemente diversificado
dum ponto de vista das culturas humanas e da cronologia,
era possível perceber um denominador comum às sociedades humanas: o ideal heróico e guerreiro, o gosto pela exibição de objectos de prestígio e o poder social derivado do
controlo dos tráficos de longa distância. Os mesmos ideais
que se encontram nos poemas homéricos (ibid. 7).
os horizontes funerários
da idade do bronze europeia
Idade do Bronze Antigo
Cultura Cicládica: Cicládico Antigo (3200–2000 a.c.)
Nas Ilhas Cíclades, ricas de recursos minerais, agrícolas
e numa posição estratégica no meio do mar Egeu (Broodbank 2008: 47–48), a Idade do Bronze Antigo na sua
primeira fase (Cicládico Antigo I: 3200–2800/2700 a.c.)
104
é caracterizada pelo grande número de necrópoles, sendo
pouco conhecidos os povoados. As necrópoles forneceram um número de objectos suficiente para perceber que
se tratava de comunidades humanas com uma metalurgia muita desenvolvida e que aproveitaram a posição estratégica das ilhas para gerir muitos contactos marítimos
com as restantes ilhas egeas e a Grécia continental; na fase
média do Bronze Antigo (Cicládico Antigo ii: 2800/2700–
2400/2300 a.c.). Os povoados que são melhor conhecidos
revelam uma sistemática presença de muralhas, enquanto
as necrópoles mostram o florescer da produção cerâmica,
metálica e de artefactos de pedra como os famosos “Ídolos
Cicládicos”. É este o período “clássico” da Cultura Cicládica, no qual as comunidades destas ilhas assumem um
papel de liderança nas rotas marítimas do Mediterrâneo
Oriental e na produção artística. Finalmente na fase terminal do Bronze Antigo (Cicládico Antigo iii: 2400/2300–
2000 a.c.) as Cíclades conhecem um período de desenvolvimento tecnológico com a aparição maciça da metalurgia
do bronze e a invenção do torno para a cerâmica. Este é
também o período em que as Cíclades entram em fase
de decadência, desaparecendo muitos povoados e sendo
o papel de liderança nas rotas marítimas e nas trocas de
recursos agora assumido pela ilha de Creta e pela Grécia
continental (Stampolidis, Sotirakopoulou 2007: 21). As
manifestações funerárias mais significativas são as relativas ao Cicládico Antigo ii: túmulos em cista rectangulares ou trapezoidais reagrupadas em pequenas necrópoles,
com a excepção de Calandriani (750 túmulos), revelam
uma sociedade estratificada. As características da arquitectura funerária e a composição dos adereços das Cíclades estão também presentes nas outras ilhas do mar Egeu
(Dickinson 2000: 253–254). Uma característica parece ser
o costume de enterrar os defuntos num primeiro momento, para depois num segundo, à distância de alguns anos,
arrumar os ossos mais no interior do túmulo (Stampolidis
e Sotirakopoulou 2007: 25).
Cultura do Wessex i (2000–1650 a.c.)
No sul da Inglaterra foi conhecida já em 1938 uma cultu-
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
ra nascida directamente sobre o substrato da Cultura do
Vaso Campaniforme e muito próxima, pela cultura material e os modos de enterramento dos mortos, com a Cultura Armoricana no norte da França (Briard 1976: 148).
A Cultura do Wessex destaca-se pela grande capacidade de
trabalhar o metal, nomeadamente o bronze e o ouro, pelo
excelente controlo dos tráficos de troca no eixo França do
Norte-Inglaterra-Escandinávia e pelas suas manifestações
particulares de arquitectura funerária (ibid.: 149–150; Piggott 1973; Clarke, Cowie e Foxon 1997): túmulos (barrows)
em forma de círculo com uma pequena abertura no meio
e a inumação com enterramentos sucessivos no tempo
(Briard 1976: 149). Os enterramentos são individuais, com
uma forte ostentação de objectos particulares, que revelam as características desta cultura já explicadas atrás. Esta
é uma prática funerária inovadora na Inglaterra (Clarke,
Cowie e Foxon 1997: 107–124), pois anteriormente só as
armas eram ostentadas, como era costume na Cultura
Campaniforme. Olhando o ambiente funerário do Wessex
é possível perceber o grande desenvolvimento tecnológico e comercial desta cultura. Controlada por pequenos,
mas poderosos, chefes que podiam também ser mulheres,
como parece mostrar o túmulo (barrow) de Normanton,
onde uma mulher é enterrada com um rico espólio composto também de armas de bronze (Briard 1999: 102).
Cultura de Unetice (2200–1600 a.c.)
No centro do continente Europeu, entre a Alemanha do
Sudeste, a Checoslováquia e a Polónia do Sudoeste, sobre
um substrato misto entre Cultura do Vaso Campaniforme
e Cultura da Cerâmica Cordata, formou-se uma unidade
cultural, reconhecida sobretudo pela sua cultura material
e o costume de enterramento comum, a qual foi chamada com o nome da necrópole mais significativa: Unetice
(Vandkinde 1999). A feliz posição, no centro do continente e perto das grandes “ruas de água” na direcção Sul /Norte (rios Vistola e Elba) e Oeste/Leste (rio Danúbio), mas
também o facto de ser uma zona rica de recursos metalíferos com exploração de bronze, ajudou esta área cultural
a gerir a troca de âmbar entre a Escandinávia e o Mediter-
râneo (pela dita “rota do âmbar”) (Briard 1976: 106, 108) e
a ter uma extraordinária produção metalúrgica do bronze,
nomeadamente adornos pessoais e armas. Sobretudo este
último aspecto, mas também a prosperidade económica
proveniente da intermediação na “rota do âmbar”, a partir
do séc. xix–xviii a.c., podem perceber-se na riqueza dos
espólios funerários das sepulturas principescas de Unetice, na maioria dos casos em forma de túmulo. Entre estas
destaca-se a de Leubingen na qual a câmara abaixo do túmulo é em forma de cabana, com inumação duma mulher
e dum velho (Briard, 1976: 110-111), quase a recriar um ambiente doméstico e familiar depois da morte, também com
hipótese de sacrifício ritual da mulher (ibid.: 110).
Cultura de Argar a (1800–1500 a.c.)
Na área do Levante espanhol, ainda sobre um substrato da
Cultura do Vaso Campaniforme, surgiu um grupo cultural
caracterizado pela crescente estratificação social, pela estratégia de ocupação do território, com povoados fortificados
em altura e pela sua proximidade aos recursos naturais (sobretudo explorações metalíferas): a Cultura Argarica (Sanches 1986; Pellicer Catalá 1986: 307–310, 325–326). Sendo
mais desenvolvida a nível social e a nível da cultura material no decurso do Bronze Médio (Argar b, 1500–1300 a.c.),
esta cultura, já no final do Bronze Antigo, manifestava as
suas especificidades ligadas à estrutura social. Graças a boa
preservação das sepulturas, em cistas líticas ou em fossas
simples, quase sempre individuais e no interior dos povoados (de baixo do chão das casas, exemplo único na préprotohistória europeia), foi possível perceber a estrutura
social argarica. Mesmo localizadas de baixo das habitações,
as sepulturas conservaram-se muito bem, revelando o uso
de celebrar a morte dum individuo com banquetes rituais:
o banquete parece ter sido praticado em muitos momentos
importantes na sociedade argarica, entre os quais, o falecimento duma pessoa. Pela boa conservação dos adereços
funerários, foi também possível perceber uma produção
de cerâmica para banquete diferenciada segundo os vários
grupos sociais (Aranda Jimenez e Esquivel Guerrero 2006),
o que manifesta uma certa hierarquização e o nascimento
da aquisição de prestígio social por direito familiar, como
parece indicar uma inumação infantil com um espólio
muito rico (Sanches 1986: 239).
Idade do Bronze Médio e Recente
Cultura Micénica (1500–1150 a.c.)
Um pouco posterior à civilização Minóica, apareceu na
Grécia continental, nomeadamente no Peloponeso, uma
das primeiras culturas protourbanas europeias, cujo centro
principal e mais conhecido é a cidade de Micenas. Caracterizada por um forte uso da arquitectura militar, a centralização do poder no “palácio”, uma muito desenvolvida
tecnologia cerâmica e metalúrgica, o uso da escrita (Linear
b) e, no período final (sécs. xiv–xii a.c.) pela implantação
de colónias em várias áreas do Mediterrâneo centro ocidental (Dickinson 2000: 99–110,126–128, 148–160, 187–192,
196–198, 234–248; Mee 2008). A Cultura Micénica tem uma
marca fundamental em muitos campos, entre os quais os rituais funerários. A arquitectura é um elemento muito marcante: os grandes círculos funerários dos sécs. xvi–xv a.c.,
como o Círculo funerário b em Micenas, evidenciam um
enorme prestígio das grandes famílias dominantes, cujos
membros são enterrados juntamente com elementos exóticos (âmbar) ou de prestígio (ouro) que testemunham a capacidade de gestão das trocas de longa distância e o prestígio
social. As mais famosas estruturas, as tholoi do séc. xiii a.c.
como o “Tesouro de Atréo”, marcam o poder das famílias
dos “chefes” (Dickinson 2000: 268–275) com arquitectura
ainda mais monumental: estas pessoas podem agora definir-se como “Reges”. Em ambos os casos era costume fazer
rituais pós-funerários, marcando mais “momentos” na viagem do defunto: arrumação de ossos nos círculos funerários familiares, ou cerimónias posteriores ao enterramento
no corredor de entrada das tholoi, dito dromos, (Cavanagh
2007: 339–340; Demakopoulou 1997: 101) testemunham
uma prática continuada nos sécs. xvi–xiii a.c.
Idade do Bronze Final
Cultura dos Campos de Urnas (1250–800 a.c.)
No final da Idade do Bronze a incineração como ritual
106
funerário tornou-se mais comum e a manifestação cultural que marcou mais esta novidade toma o seu nome
das grandes necrópoles com urna de incineração em pequenas fossas: os Campos de Urnas. Nascidas no centro
da Europa, nomeadamente Alemanha central e vale do
Danúbio, os Campos de Urnas estenderam-se até França,
Catalunha, Itália do Norte e Alemanha do Norte (Briard
1976: 294–296). A Cultura dos Campos de Urnas manifestou também uma tecnologia e uma produção metalúrgica muito avançada, produzindo também muitos modelos típicos de armas, nomeadamente espadas e adornos
pessoais (Brun e Mordant 1988; Bocquet e Lebascle 1983).
O contexto funerário compreendia túmulos, talvez familiares ou por grupo social, tendo no interior pequenas fossas individuais com uma urna incinerária de cerâmica e,
por vezes, de bronze, coberta por uma tampa. No interior,
eram colocadas as cinzas do defunto com o seu espólio.
Este era composto, nos homens, por armas, ferramentas e
objectos de toilette pessoal, e, no caso das mulheres, adornos pessoais e objectos do trabalho doméstico.
as fontes escritas sobre o sentido do “além”
na idade da ilíada
Uma das dificuldades para interpretar a Idade do Bronze
europeia é a falta de documentos escritos, com a excepção
do mundo minóico e micénico. Mas é possível encontrar
informações indirectas nos poemas homéricos, sobretudo
na Ilíada. Estes foram reelaborados no séc. vii a.c. recolhendo livros únicos ou fontes orais mais antigas (Rosati
1992: 3–7), que possivelmente são mais próximas do séc.
xii, época da guerra de Tróia.
As citações de momentos de cerimónias funerárias são
muitas ao longo dos vinte e quatro livros da Ilíada, entre as
quais podem ser destacadas algumas:
“Ao amanhecer vós, Agamemnon, rei dos Povos, ordenastes trazer a madeira e preparar o necessário para sua
descida na morte escura e o fogo nevoento queimar e o
corpo indomável dissolve-se rapidamente (Il., livro xiii, vv.
50–51).”
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
“Feito isto, colocaram-nas [as cinzas] num buraco vazio,
e lá fizeram uma cova com pedras grandes e espessas, e de
repente elevaram o túmulo. (Il., livro xiv, vv. 1014–1017).”
“Feito o túmulo, todos partiram em grão multidão, e no
palácio real de Priamo, reunidos, celebraram um grande e
lauto convívio fúnebre (Il., livro xiv, vv. 801–803).”
Estas três cenas, a primeira referente ao funeral de Patroclo, a segunda e a terceira ao enterro de Heitor, mostram três momentos dos rituais funerários:
1 Permitir ao defunto cumprir a viagem e chegar ao além
queimando o corpo;
2Estabelecer um lugar onde as cinzas podem ser guardadas segundo um tipo de túmulo bem documentado
na Europa sobretudo do Bronze Final, a cista lítica debaixo de um túmulo;
3O banquete fúnebre em honra do defunto, quase uma
despedida definitiva.
problemas de interpretação
do universo funerário
Para ter uma percepção, que seja a mais próxima possível
da realidade, sobre o significado do mundo funerário da
Idade do Bronze da Europa, é preciso fazer dois tipos de
considerações: arqueológicas e cognitivas.
Entre as primeiras, pode questionar-se se, topograficamente, o mundo “dos vivos” coincidia com o mundo “dos
mortos”: apesar do exemplo das sepulturas na cultura argarica, parece que, nas culturas europeias, estes dois mundos eram sempre bem diferenciados, sendo as necrópoles
bem longe dos povoados. Uma outra questão abrange a arquitectura funerária: o panorama europeu, no decurso do
ii milénio a.c. é muito diferenciado, aparecendo túmulos
com arquitectura complexa (os círculos funerários micénicos, as tholoi, alguns túmulos do Vale do Danúbio como
o de Leubingen), mas também muitos com arquitectura
simples (os barrows do Wessex, os túmulos dos campos
de Urnas). Têm todos um factor comum: marcar o território para que os túmulos sejam evidentes. Relativamente
aos rituais funerários, é necessário perguntar em quantos
momentos eram celebrados e em quais: há evidências,
como foi mostrado antes, de ritos antes do enterramento,
o enterramento mesmo era um ritual e também depois deste momento. Uma última pergunta importante é relativa à
composição, rica ou pobre, dos adereços funerários e a sua
presença em todos os túmulos ou só em particulares, pertencentes a indivíduos duma certa classe social ou de género: ao longo do ii milénio a.c. em toda a Europa, apesar
dos diferentes contextos culturais, parece que nunca faltam
adereços em qualquer túmulo, sendo os mais ricos, sobretudo de matérias de luxo (ouro e bronze) e exóticos (âmbar,
pasta vítrea, marfim) exclusivos de contextos funerários de
grupos sociais que geriram os contactos de longa distância.
Entre o segundo tipo de considerações, de tipo cognitivo, surge a hipótese do homem da Idade do Bronze imaginar o falecimento como uma viagem ao além e a possível
subdivisão deste em mais etapas:
1 A partida do mundo “dos vivos”, como mostram as várias evidências de cerimónias antes do enterramento,
mesmo a cremação dos corpos, mais comum a partir
do Bronze Recente e Final;
2Um momento transitório entre a partida e a chegada
ao além, como mostram os enterros secundários de
ossos nas necrópoles do Antigo Cicládico, ou nos círculos funerários micénicos;
3A chegada ao mundo “ dos mortos”, com o momento
do enterramento.
as evidências dos contextos funerários
da idade do bronze europeia
na colecção estrada
Ornamentos pessoais comuns
A Colecção Estrada conta com várias pulseiras de bronze:
particularmente destaca-se um conjunto de 18 pulseiras
(fig. 1) de diferentes tipologias pertencentes a várias fases
cronológicas da Idade do Bronze e originárias de diferentes regiões da Europa. Entre estes objectos destacam-se:
–um grupo de quatro pulseiras simples (ce04160–
ce04163) (fig. 2), semicirculares, pertence a um tipo
documentado na Idade do Bronze Final em necrópoles
mistas de inumação e de incineração como a de Tanchoal dos Patudos (Alpiarça-Santarém), entre os sécs.
xi e x a.c. : neste contexto, nas sepulturas de inumação, foram achadas mais pulseiras por cada defunto e
os de idade mais avançada tinham mais pulseiras, quase como se houvesse uma relação entre o número de
pulseiras e a idade avançada e portanto, possivelmente,
um qualquer estatuto social derivado da idade do defunto (Vilaça e Cruz 1999: 22–23).
em forma de gota e decorados com finas incisões em
motivo de espinha de peixe, os quais se encontram nos
contextos da Idade do Bronze Antiga na Inglaterra
(Cultura do Wessex) e da Alemanha do Norte (ibid.).
Fig. 3 | Pulseira em bronze em forma de espiral. Cultura de Unetice.
Idade do Bronze Antigo. Colecção Estrada.
ornamentos pessoais exóticos ou preciosos
Bastante material incluído nesta categoria é feito com o
material exótico por excelência na Idade do Bronze: o âmbar. Destacam-se:
–um par de brincos (ce02076 e ce02077) (fig. 4) constituído por um fio de bronze ou cobre, no qual são inseridas contas de pasta vítrea em forma de anel, com pasta bicromada formando motivos de ziguezague branco
sobre fundo azul e uma conta de âmbar. Os brincos
encontram paralelos em adornos pessoais similares
de sepulturas da Antiga Idade do Bronze da Inglaterra
(Cultura do Wessex) e da Alemanha do Norte (Clark,
Cowie e Foxon 1985);
Fig. 1 | Pulseiras em bronze de diferentes contextos e cronologia ao longo
do II milénio a.C. Colecção Estrada.
Fig. 2 | Conjunto de quatros pulseiras simples. Idade do Bronze Final.
Colecção Estrada.
–uma pulseira em forma de espiral, com cabos decorados com linhas incisas (ce04622) (fig. 3), com paralelos em várias necrópoles do centro da Europa, entre as
quais Wardbohmen (Bergen, Alemanha) e Rumanova
(Eslováquia) e na Grécia (Leukas); este tipo de pulseiras encontra-se bastante difundido na Europa Central,
estando associado aos contextos funerários da Cultura
de Unetice, a partir do Bronze Antigo (Demakopoulou
et al. 1999).
108
Fig. 4 | Par de brincos em bronze, pasta vítrea e âmbar.
Idade do Bronze Antigo. Colecção Estrada.
– um par de contas de âmbar, ou possivelmente pendentes de brincos sem a agulha (ce02103–ce02104) (fig. 5)
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
Fig. 5 | Par de brincos ou pendentes em âmbar.
Idade do Bronze. Colecção Estrada.
Objectos feitos com estas matérias são indicadores de
controlo sobre os tráficos de longo alcance por parte do
grupo social do inumado: particularmente o primeiro par
de contas, contendo para além do âmbar também a pasta
vítrea o que evidencia a possibilidade de se puder obter
materiais exóticos quer do Mar Báltico (âmbar), quer do
Mediterrâneo Oriental (pasta vítrea).
Fig. 6 | Alfinete em ouro com cabeça em forma de flor.
Tarda cultura Micénica. Colecção Estrada.
–Um alfinete de ouro (ce03343) (fig. 6) composto por
um estilete feito em duas partes: a base de uma lâmina
de ouro enrolada a formar uma ponta e a parte superior
dum fio de ouro encruzilhado para formar uma pequena cadeia; a cabeça é em lâmina de ouro em forma de
flor. Do alfinete há paralelos em alguns túmulos micénicos dos sécs. xv–xiii a.c., seja na Grécia Continental,
seja em enclaves micénicos na ilha de Chipre como no
túmulo 17 de Enkomi (Karagheorghis 2002: 38);
–Uma falera de ouro (ce03002) (fig. 7), de forma circular com ombro central e decoração repuxada de pontinhos formando círculos concêntricos, que encontra
paralelos em túmulos da Idade do Bronze Antiga em
área atlântica (Ilha de Man, Gales e Irlanda) (Timberlake, Gwilt e Davis 2004).
outros elementos de adereços
Outros elementos de adereços, fora das categorias apresentadas anteriormente, são relativos a elementos relacionados com o contexto funerário da cultura cicládica:
Fig. 7 | Falera em ouro com decoração repuxada.
Idade do Bronze Antigo. Colecção Estrada
armas
As armas nos contextos funerários simbolizam a actividade guerreira e, consequentemente, o status de homens
livres: indicam portanto quer o género (masculino) quer
o estado social do defunto. Esta distinção de simbolismo
dos objectos é comum na Europa da Idade do Bronze,
especialmente no Bronze Médio e Recente, como atestam várias necrópoles em toda a Europa: um exemplo é
a necrópole do Olmo di Nogara no norte este da Itália
(De Marinis e Salzani 1997: 703–716). Na Colecção Estrada destaca-se uma espada de bronze (ce01787) (fig. 8) do
tipo “ de antenas” variante “Tarquinia” (Millotte 1970: 282,
287; Bianco 1994: 202; Egg e Pare 1995: 112–115), com paralelos em vários contextos funerários dos últimos Campos
de Urnas (séc. ix a.c.) e, já na Idade do Ferro, nos primeiros momentos da Cultura Vilanovense (séc. viii a.c.).
O exemplar da Colecção Estrada destaca-se por ter no
cabo, no meio das antenas, uma pequena figura humana.
Fig. 8 | Espada em bronze do tipo “de antenas”, próximo da variante “Tarquinia”,
com pequena figura humana no cabo. Idade do Bronze Final/Primeira
Idade do Ferro. Colecção Estrada.
cruzados serem uma representação da deusa da vida e
da morte, à qual todos os homens tinha que voltar depois da experiência terrena (Ferrão 1993: 32). Só é certo
que os ídolos de mármore faziam parte do adereço funerário, bem como a cerâmica, as lascas de obsidiana,
os vasos de mármore e as jóias. É possível atribuir esta
peça ao Antigo Cicládico ii (2700–2400/2300 a.c.)
–Um vaso de cerâmica formado por quatro pequenos
vasinhos juntos (ce01539) (fig. 10) que se aproxima
bastante aos “kernos” de mármore presentes nos túmulos cicládicos, especialmente do período Antigo Cicládico ii. Estes recipientes são interpretados como vasos
rituais para conter oferendas ou pelo defunto, ou pelas
divindades do além (ibid.: 37, 196–197).
enterro definitivo dos defuntos (arrumação posterior dos
ossos em sepultura). Entre as diferentes visões do modo
de chegar ao além, há sempre um sentido comum nas
culturas europeias, ao colocar no local do enterramento
adereços que podem simbolizar, no além, a vida terrena
dos defuntos. Assim, podemos encontrar indícios de pertença a grupos sociais que dominavam o comércio a longa distância, a guerreiros, a grupos de idade e de género.
A Colecção Estrada inclui um abrangente conjunto de objectos que permite ter uma visão dos contextos funerários
de toda a Idade do Bronze europeia, do mar Egeu até ao
Sudeste da Península Ibérica, permitindo perceber numa
única colecção, a ideia do além e a relação que tinham com
esse além os europeus do ii milénio a.c..
bibliografia
aranda jimenez, g.; esquivel guerrero, j. a. (2006)
— Ritual funerario y commensalidad en las sociedades de la Edad
del Bronce en el Sureste peninsular: la cultura de El Argar , Trabajos
de Prehistoria, 63, 2, pp. 117–133.
bianco, s. (1994) — Museo Nazionale della Siritide ( Matera),
Guide archeologiche-preistoria e protostoria in Italia, 11, Forlí, pp. 195–205.
clarke, d.v.; cowie, t.g.; foxon, a. (1985) — Symbols of power at the
time of Stonehenge, Edimburg: Museum of Antiquities of Scotland
bocquet, a. ; lebascle m.c. (1983) — Metallurgia e relazioni culturali,
La memoria della Terra, 1, Turim: Antropologia Alpina.
Fig. 9 | Ídolo de mármore cicládico próximo ao tipo Spedos/ Dokatismata.
Antiga Idade do Bronze Cicládica. Colecção Estrada.
–Um “ídolo cicládico” em mármore (ce03026) (fig. 9)
do tipo Spedos/ Dokatismata (Stampolidis e Sotirakopoulou 2007: 38–39, 45), tendo ainda o pescoço dividido do tronco por uma linha incisa (como no tipo
Spedos), mas já com a cabeça típica do Dokatismata;
representa provavelmente uma personagem feminina
sendo figurado um triângulo inciso no baixo-ventre.
Como se passa com todos os “ídolos cicládicos” este
é também objecto de discussão: se representam o defunto, deuses, antepassados, espíritos, simples figuras
funerárias, primitivos meios de comunicação ou brinquedos para criança. O investigador Thimme chegou a
colocar a hipótese de as figuras femininas com braços
110
Fig. 10 | Vaso em cerâmica dito “kernos”.
Antiga Idade do Bronze Cicládica. Colecção Estrada.
algumas considerações finais
O quadro geral dos contextos funerários da Idade do Bronze Europeia mostra como, em sociedades diferentes e em
várias cronologias no decurso do ii milénio a.c., a chegada
ao além foi sempre vista como uma viagem, composta por
várias etapas. Dependendo das culturas podemos encontrar este ritual dividido ou em duas etapas, com rituais de
despedida do defunto e de enterro, ou em três etapas, com
evidências de rituais de despedida, enterro temporário e
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
briard, j. (1976) — L’Age du Bronze en Europe Barbare,
Paris : Editións des Espérides.
briard, j. (1999) — The Princes of Atlantic, In demakopoulou, k.;
eluere, c.; jensen, j.;jockenhovel,a.; mohen, j.p. (eds) Gods and
Heroes of the European Bronze Age, Londres: Thames and Hudson, p. 102.
broodbank, c. (2008) — The Early Bronze Age in the Cyclades,
In Shelmerdine, C.W. (ed) Tha Cambridge companion to the Aegean
Bronze Age, Nova Iorque: Cambridge Universiy Press, pp. 47–76.
brun, p.; mordant (eds) — Le groupe Rhin-Suisse-France Oriental
et la notion de civilization des Champes d’Urnes, Actes du Colloque,
Nemours,1986, Paris : Musée de Prehistoire de l’ Île de France.
cavanagh, w. (2007) — Death and the Mycenaens, In Shelmerdine,
C.W. (ed) Tha Cambridge companion to the Aegean Bronze Age, Nova
Iorque: Cambridge Universiy Press, pp. 327–341.
demakopoulou, k. (1997) — Funeral architecture and burial
customs in the Aegean, In demakopoulou, k.; eluere, c.; jensen,
j.;jockenhovel,a.; mohen, j.p. (eds) Gods and Heroes of the European
Bronze Age, Londres: Thames and Hudson, pp. 98–101.
demakopoulou, k.; eluere, c.; jensen, j.;jockenhovel, a.; mohen, j.p.
(eds) — Gods and Heroes of the European Bronze Age, Londres: Thames
and Hudson.
de marinis. r.c.; salzani, l.(1997) — Le necropolis di Bronzo Medio
e Recente nella Lombardia Orientale e nel Veneto occidentale,
In bernabó brea, a.m.; cardarelli, a.; cremaschi, m. (eds)
Le Terramare. La piú antica civiltá padana, Milão: Electa, pp. 703–720.
dickinson, o. (2000) — La Edad del Bronce Egea,
Madrid: Ediciones Akal.
egg, m.; pare, c. (1995) — Die metallzeiten in Europa und im vorderen
orient, Menz: Verlag des Romisch-Germanischen Zentralmuseum.
karagheorghis, v. (2002) — Cipro, Milão: Electa editirice.
kristiansen, k.; larsson, t.b. (2006) — La emergencia de la sociedad
del Bronce, Barcelona:Bellaterra Arqueologia.
mee, c. (2008) — Mycenaen Greece, the Aegean and the Beyond, In
Shelmerdine, C.W. (ed) Tha Cambridge companion to the Aegean Bronze
Age, Nova Iorque: Cambridge Universiy Press, pp. 362–386.
millotte, j.p. (1970) — Precis de Protohistoire Europeenne, Paris:
Libraire Armand Colin.
pellicer catalá, m. (1986) — Bronce Antiguo y Medio, In jordá
cerdá, f.; pellicer catalá, m.; costa martinez, p.; almagro gorbea,
m. (eds) Prehistoria. Historia de Espanha, 1, Madrid: Editorial Gredos,
pp. 300–340.
piggott, s. (1973) — The Wessex Culture of Early Bronze Age, In
crittall, e. (ed) A history of Wiltshire, vol 1:2, Oxford, pp. 352–375.
rosati, g. (1992) — Scrittori di Grecia. Il periodo ionico, Firenze:
Sansoni.
sanches, m.j. (1986) — A Cultura de El Argar,
Trabalhos de Antropologia e Etnologia, xxvi, 1–4, pp. 238–242.
stampolidis, n.; sotirakopoulou, p. (2007) — Aegean Waves. Artwoks
of the Early Cycladic Culture in the Museum of Cycladic Art at Athens,
Milão: Skirá Editore s.p.a..
timberlake, s.; gwilt, a.; davis, m. (2004) — A Copper Age/ Early
Bronze Age gold disc from Banc Tynddol (Penguelan, Cwmystwyth
Mines, Ceredigion), Antiquity, Vol. 78, N.º 302.
vandkinde, h. (1999) — The Princely burial of the Unetice Culture, In
demakopoulou, k.; eluere, c.; jensen, j.;jockenhovel,a.; mohen, j.p.
(eds) Gods and Heroes of the European Bronze Age, London: Thames and
Hudson, pp. 103–105.
vilaça, r.; cruz, d. (1999) — A necrópole do Tranchoal dos Patudos
(Alpiarça, Santarém) Conímbriga, xxxviii, pp. 5–29.
112
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
hidden treasures
and sacred meanings:
tomb objects
in bronze age china
.
Rui Oliveira Lopes
cieba – faculdade de belas-artes
da universidade de lisboa
resumo
A Idade do Bronze foi um dos períodos mais significativos
da história da arte na China, não só devido ao virtuosismo
técnico no domínio das técnicas de fundição do bronze,
mas também pela sofisticação artística da ornamentação
da superfície. Para além dos objectos em bronze, os sumptuosos túmulos onde eles foram encontrados contavam
também com um significativo número de objectos em
jade, pelas características místicas e simbólicas que lhe
eram atribuídas. Com a afirmação do Taoismo e do Confucionismo há uma profunda redefinição das principais
instituições da cultura chinesa, reflectindo-se nas práticas
rituais, nas quais os instrumentos musicais, os objectos em
laca e em ouro e as sedas demonstram uma tendência para
o ceremonial em torno do poder político e militar.
Neste texto iremos discorrer sobre a importância dos objectos funerários na relação entre o desenvolvimento tecnológico, a criatividade artística e a centralização do poder.
Palavras-chave: Idade do Bronze, recipiente ritual, taotie,
moldes de fundição, espíritos ancestrais.
114
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
abstract
The Bronze Age was one of the most important periods of
art history in China, not only because of technical virtuosity in the field of bronze casting techniques, but also due
to the artistic sophistication of surface ornamentation. Besides bronze objects, the magnificent tombs where they were
found also had a significant number of objects in jade, due
to the mystical and symbolic characteristics ascribed to it.
With the affirmation of Taoism and Confucianism there is
a profound redefinition of the main institutions of Chinese
culture, reflected in ritual practices, in which musical instruments, objects in lacquer and gold and the silks show a
tendency for the ceremonial around political and military
power.
In this paper we will discuss the importance of funerary objects in the relationship between technological development,
artistic creativity and the centralization of power.
Keywords: Bronze Age, ritual vessel, taotie, piece-mould
casting, ancestral spirits.
Accordingly with Sima Qian, Han Dynasty’s Perfect of the
Grand Scribes who wrote the Shiji (Records of the Grand
Historian), Chinese civilization and culture was founded
by the Yellow Emperor. Huang Di unified the Xia, Jiang, Li
and the Yi tribes along the Yellow River nearly 5.000 years
ago before Sima’s time. Gongsun Xuanyuan, leader of the
Xia clan, defeated the Jiang clan and later formed an alliance with the clans of Jiang and Yi.
Around 2.700 bc Xuanyuan, supported by Jiang and
Yi tribes, defeated Chi You at the famous battle of Zhuolu,
using for the first time arrows and bows made of bamboo
by one of his sons. After the victory over the Li clan, the
people elected Gongsun Xuanyuan the leader of the united tribes and gave him a title called Huang Di (or Yellow
Emperor). Ruling over a peaceful empire, Huang Di left
his capital in Youxiong and arrived at a mountain called
Qiao, in Shaanxi Province. There he ordered the construction of a gigantic tripod cauldron, probably in bronze, to
cook food for all the leaders of all tribes to commemorate
the unification of Han People. About 500 years later, one
of Huang Di descendents, Yu the Great, son of Gun and
grandson of the mythical Zhanxu, founded the Xia Dynasty by 2.100 bc.
Considering that goes back more than two thousand
years of his time, the accurateness of Sima Qian’s Records
have been considered doubtful. However, recent archaeological findings unearthed evidences that Xia sovereigns,
not only could not be mythical but they also developed
advanced bronze casting techniques and had turquoise
workshops. The discovery of Erlitou culture dating back to
1.900 bc / 1.500 bc brings to light an Early Bronze Age urban society which spread throughout Henan and Shaanxi
Provinces. Although some Western scholars are still waiting for more concluding evidences, Chinese scholars believe that the archaeological site of Erlitou is an evidence
of the existence of the Xia Dynasty.
As accepted by most scholars, Bronze Age in China begun by 1700 bc in the kingdom of the Shang dynasty along
the banks of the Yellow River in Northern China and lasted
until the end of the Warring States Period by 221 bc. How-
ever, taking into consideration the importance of Erlitou
culture as an early stage of Bronze Age in China and its
geographical proximity to Shang occupied areas, it is possible to assume that the four phases of Erlitou constitute a
transition between Xia and Shang dynasties.
During the Shang and Zhou Dynasties bronze casting became the melting pot of Chinese culture, religion,
art and political power. The tombs of ancient sovereigns
provide rich evidences of Shang and Zhou technology,
cultural and ritual practices, the invention of writing, the
building of walled cities and imperial palaces right next to
bronze foundries, jade and turquoise workshops. Among
these ritual vessels, weapons and daily use objects were
also found such as musical instruments, lacquered vessels
and the chimera, used as an auspicious symbol for protection from evil spirits. The most important finds were
the so-called “oracle bones”, the ancient records about
Shang rituals and the questions posed to their ancestors.
Through them we could learn that human sacrifices of war
captives were made to Shangdi and the spiritual ancestors
to accomplish success in military campaigns, harvests or
childbirth.
early bronze age in china:
the erlitou culture
The discovery of Erlitou site in the 1950’s in the southern
bank of the Luo River changed the views of historians and
archaeologists over ancient China. Despite all discussions
about the dynastic chronology from later textual records
about Xia and the historical identity of ethnic groups, we
will concentrate ourselves on the objects found on burial
pits, particularly the bronze ritual vessels which represent
the importance of rituals in Ancient Chinese culture and
the beginning of Bronze Age in China.
Erlitou culture is divided in four stages covering a period between 1.900 and 1.550 bc. The site was first occupied by Yangshao (c. 3.500–3.000 bc) and Longshan (c.
3.000–2.500 bc) Neolithic cultures with a gap of about
600 years until the Erlitou culture. In fact, many of the
jade items found in Erlitou followed forms and decora-
116
tion styles of previous Neolithic cultures. One of these
examples is a yue jade axe from phase iii used in ritual
ceremonies as symbol of social status. Most of these jades
show no evidence of use, suggesting that they were symbols of power and military sovereignty. The significance of
weapons in funerary rituals increased in such a way that
almost of jade yue (axes), ge (knifes), dao (swords) were
casted in bronze and found in Erlitou phase iii. While in
Erlitou phase I most of the artefacts unearthed include
white pottery, ivory, turquoise and bronze tools, in Erlitou phase ii the site expanded to its maximum extension
with more structures and burials spread over north area
outside the palatial complex. However, two elite burial pits
were found inside the palatial complex, one of each contained a skeleton of an adult male surrounded by bronzes,
jades, lacquer, ceramics and cowries, following somehow
the tradition of Neolithic cultures. Nearby his hand, it was
found a bronze bell and a dragon-shaped artefact made
with pieces of turquoise and jade was placed on the top of
the skeleton (fig. 1). This artefact could probably be a sceptre placed on the top as a symbol of sovereignty. We should
also take in consideration that the burial pit was located
inside the palatial complex, in front of the main building,
distinguishing it from those of the common people. As it
was found in other tombs worldwide, the richness of the
objects found next to the skeleton and the position inside
the rammed-earth walls in front of the main palace is a
type of hierarchy that allows us to suppose that it was the
tomb of a sovereign.
Fig. 1 | Turquoise mask, Erlitou Culture, (ca. 1750 bc).
The crafts workshops, which include a bronze foundry
and a turquoise workshop, were found in the southeast-
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
ern area of the palatial complex. The waste of turquoise
near the rammed-earth wall allows us to consider that
the dragon-shaped sceptre and the taotie masks, made in
bronze with inlaid turquoise and inspired in the models of
Neolithic jades, were made in situ.
The production of early ritual bronze vessels followed
the piece-mould technique and also the standard forms
and motifs used in ceramics. The forms of ritual vessels
found in Erlitou phase iii were three jia, one he, fragments
of a gu and one ding tripod, the former used for wine while
the latter was used for food. Among these vessels the most
common form of a vessel was the jue. It’s interesting to underline that the jue wine vessel forms from Erlitou became
extremely popular in Shang Dynasty. Six small bells ling
were also found, turning them into one of the most common metal objects in funerary rituals in Erlitou culture. In
latter sites some of these bells were found at the necks of
dogs and horses.
In Erlitou culture, pure copper was found in artifacts
from the earliest period and leaded bronze was found
only in the last period. From the lead isotope analysis, it
has been suggested that the copper source materials were
transported over long distances even in those early days,
which reveals advanced knowledge and casting technology very close to Shang Dynasty bronze alloys and casting
techniques.
In Erlitou phase iii, the clay moulds recovered from
the bronze foundry shows us that this technique was already in use for casting weapons, tools and ritual vessels
before the rise of Early Shang’s capital in Zhengzhou, some
85 km east of Erlitou. This technique was first applied to
cast bronze weapons because these moulds were comparatively simple and needed only two outer parts. The piecemould technique for bronze casting was inspired in the
earlier methods of ceramic production, such as the white
pottery found in Erlitou which was partially made with
moulds. This new method for bronze casting was probably the cause of Erlitou site prosperity not only in matters
of urban planning, but also as social, political and military organization, the development of roads and the use of
small chariots since phase iii. This is the reason why most
scholars believe that Erlitou phases iii and iv are in fact an
Early Shang period, prior to the settlement in Zhengzhou.
There is no absolute certain that Erlitou culture is in fact
an Early Shang period. However, archaeological evidences
found in Shang capital at Zhengzhou demonstrate that
casting techniques and burial rituals were the same found
in Erlitou.
Most scholars assigned Zhengzhou phase (c. 1600–1400
bc), also known as Erligang culture, as an Early Shang period, prior to the settlement in Anyang, the “Ruins of Yin”
(Yinxu). Fist excavated in the 1950s the site is located in the
city of Zhengzhou, near the Yellow Rives in Henan province and just 85 km from Erlitou.
Zhengzhou site consists of common houses and palace
foundations inside an enormous rammed-earth wall with
more than 7 km long. On the foundations of the largest
buildings, with 300 and 150 meters each, were found jade
and copper ornaments along with sacrificial human skeletons. Outside the walls were found two bronze foundries,
a bone workshop, a pottery workshop, common burials
and three bronze hoards. The clay moulds unearthed from
the bronze foundries used for both weapons and vessels
are a testimony of the considerable quantity of bronze vessels found in Zhengzhou. On the other hand, the pottery
workshop area had fourteen kilns, discarded vessels, paddles and anvils for shaping the vessels, which points to the
production of ceramics for daily use and making ritual
bronze vessels.
Burials are significantly different in size and in the
quantity and quality of the commodities. The larger ones
included subsidiary human burials, probably sacrificed,
considering that fifty percent of bone disposals found in
bone workshops belonged to humans.
The archaeological excavations brought to light two
different levels, designated as Lower and Upper Erligang.
The bronzes unearthed from Lower Erligang (c. 1600–1450
bc) were less than those from Upper Erligang and followed the same ornamentation and shapes as those found
in Erlitou. Simple forms of wine vessels like jue, jia and he,
decorated with thin relief lines and geometric design, as
described by Max Loehr style I, explain why most Western
scholars recognize Erlitou as an Early Shang phase. The
geographical proximity between Erlitou and Zhengzhou
permits to establish a cultural link between Erlitou and Erligang cultures.
From Upper Erligang (c. 1450–1300 bc) three bronze
hoards containing imperial-style sets of large-sized exquisite bronze ritual objects, one of which with c. 86 kg,
were found outside the walls of Zhengzhou. These bronzes
were probably buried before the capital’s relocation in the
course of political turbulences. The bronze hoards revealed new styles and techniques on bronze casting and
decoration. The casting techniques developed by Upper
Erligang casters, such as casting in a sequence of pours,
solved the problem of filling the mold without block pockets of air. New techniques opened the way to an indefinite
range of shapes and outer decoration such as those we can
found in ancient ritual jades. Early Shang ritual vessels
found in Zhengzhou were detailed decorated with relief
streamers and curvilinear lines in the form of an anthropomorphic figure, called taotie. The nipple-nailed square
ding unearthed in Zhengzhou and kept today in Henan
Province Museum is one of these new style ritual vessels.
The narrow band all around the vessel is skillfully embellished with a monster or taotie face motif in the four sides
and the four corners.
The taotie is the result of a natural compulsion to ascribe a meaning to non-figural elements as the spirals, lozenge, meanders, zigzags and interlocked T’s that we found
in Neolithic pottery and ritual jades. Our brain has the
ability to naturally connect forms to meanings in order to
identify a meaningful shape. When this happens, a message is sent from the visual centers of the brain to the limbic-emotional centers of the brain, giving it the emotion.
Neurologists call this brain feature the principle of grouping or constancy.
The ritual bronze vessels unearthed from Zhengzhou
site, such as the square ding and the pan basin, show the
combination of apparently geometric lines with spirals and
118
curvilinear pattern revealing the face of a taotie with two
protuberant eyes surrounded by eyebrows, jaws and a nose
between the eyes. A closer look to the pattern as a hole
demonstrates that Early Shang casters created a multiple
figure pattern considering that, if we split the taotie face on
the middle the viewer can see the eye, the beak, the claws
and the tail of two profile birds, probably a phoenix or an
eagle which were very common in Neolithic ritual jades.
Upper Erligang is the result of a demographic growth,
extending its cultural influence in other places of the Yellow River valley to North and Central China, namely in
Daxinzhuang, near Jinan, Shandong and Huaizhenfang
near Xi’an in Shaanxi Province.
The Panlongcheng site some 500 km south from
Zhengzhou, in Hubei, became famous by the richest burials from Upper Erligang period, revealing not only high
technological improvements in bronze casting but also a
relationship between bronze-producing centres in Early
Shang Phase, even beside the long distances between archaeological sites. Some scholars suggest that Early Shang
civilization was not represented by a dynasty settled in a
dominant capital city but rather by a network of urban
centres. Bronze vessels unearthed from different sites of
Upper Erligang Phase show the use of metal spacers during the cast process. Metal spacers were used to maintain
the distance between the inner and outer parts of the
mould. The use of spacers opened the way to the development of a repertoire of typologies of ritual recipients,
as well as a constant innovation of the surface decoration,
combining bands with drawings around the neck of the
recipient with the representation of the taotie in the body
and legs of the recipients. According to some scholars, the
ornamental tradition of Shang bronzes had two variants:
the early one was based on scrolls and quills and the later
one employed more distinctive animal features against a
spiral background, called leiwen.
Shapes became more complex with the assembly of
pre-cast sections such as handles or lids imitating the
traditional forms of ceramics. The most usual shapes unearthed in Upper Erligang Phase are jue, jia, gu and ding,
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
all of them very common in Erlitou, except the gu. Although there was an apparent balance between wine and
food containers, the jue and jia wine vessels were considerable more numerous than the food vessels. Even if the
vessels were cast in ordinary shapes current in ceramic,
they also display a considerable variety of combination
between the main body and the base. Spherical or ovoid
and rectangular body is an unconventional option to the
usual circular ding that could be combined with cylindrical, conical, lobed or flat legs. Other features as necks,
rims, handles and spouts were also combined with many
different bases and bodies. The necks appear in two different designs: cylindrical (either straight or concave) and
trumpet, very common in gui containers with a plain rim
on the base and two handles on the sides.
There are no written sources about the use and function of vessels during the rituals. However, vessel shapes
and physical features let us envision the function of each
of them. In this way, ding, li, fangding were used for cooking meat; yan was a steamer; gui was used for food service;
pan was a water basin; jia, jue and he were used for wine
preparation; the wine was stored in zun and hu containers;
finally, gu and jue were probably used for wine service to
spiritual ancestors.
These exquisite ritual vessels, cast in an assortment
of shapes, motifs, forms of relief, and decorative layouts
were use as cooking and drinking containers required for
regular offerings to the ancestors. Spiritual ancestors made
part of the living world, interceding on behalf of their descendents in the spiritual world, keeping the balance and
order of things. The more superbly and numerous the vessels and the richness of the ritual, the more the ancestors
would appreciate the dedication of their descendents and
take care of them as well. The bronzes could be buried together with all the funeral apparatus but sometimes they
were kept and passed from generation to generation, explaining why in some burial pits ritual bronzes from different periods have been found together.
Early Shang burials do not contain the large sets of ritual vessels has it was found in Anyang, the last Shang capi-
tal. Even the the richest tombs of Early Shang contained
from 14 to 23 bronze vessels in most cases represented by
multiples. For example, in Lijiazui tomb 2, Palongcheng, it
were found four jue, four ding, six pan and three jia. The
plan of the burial shows two small pan (water basin) next
to a yan (steamer) (fig. 2 and fig. 3). The food containers
(ding) were all in the same place as well as the jue and jia.
Finally, most of bronze weapons, such as the enormous
yue (axe), ge (knifes) and the spearheads were next to the
skeleton. Overall, the burial furnishing had twenty-three
vessels and forty weapons and tools. These assemblages
of ritual vessels let assume that shapes and numbers were
correlated with the performance of the ritual, which probably involved a significant number of people.
Despite all stylistic and technical discrepancies between Erlitou and Lower Erligang ritual bronzes, Panlongcheng graves apparently follow the burial tradition
of earlier sites. The rectangular shaft tomb oriented 20º
North, with a wooden coffin, the jade ge blade and bones
of three human sacrifices were a standard in Erlitou and
close to Zhengzhou burials. These evidences reinforce the
idea that in Early Bronze Age China the ritual and cultural
traditions made part of a natural evolutionary or dynastic
progress in which knowledge was spread in different geographical areas linked by communication and the transmission of material culture.
Fig. 2 | Ding, Shang Dynasty (12th-11th century bc), Metropolitan Museum of Art.
not only by the richness of its content but also because it
was discovered intact (fig. 4). The plan and orientation
is the same of that Lijiazui tomb 2 in Panlongcheng but
in larger proportions, containing a vertical shaft with a
wooden chamber at the bottom, a sacrificial pit beneath
the chamber, and a shelf where sacrificial victims were
placed. Despite the small size of the tomb, the burial pit
contained a lacquered coffin and more than five hundred
bronze objects, including vessels, weapons, bells, mirrors
and tiger figurines; nearly eight hundred jade objects,
many of them from Neolithic cultures, one magnificent
ivory cup with turquoise inlay and several pottery, marble,
ivory and turquoise items.
Fig. 3 | Ding Shang Dynasty (12th-11th century bc). Colecção Estrada.
the tomb of fu hao in the “ruins of yin”
Between c. 1300 and 1050 bc Shang rulers settled their last
capital in the city of Yin, near modern Anyang, Henan
Province. In the “Ruins of Yin” archaeologists found in
1899 the earlier evidences of Chinese script carved on tortoise shells and ox scapulas, which became known as oracle
bones because they were records of questions that Shang
kings posed to their ancestors. The first translations confirmed the existence of the “Ruins of Yinxu” mentioned in
ancient records and allowed the reconstruction of Shang
genealogy, which also matched Sima Qian’s Records of the
Grand Historian.
Later, in 1928, archaeologists from the Institute of History and Philology Academia Sinica began archaeological
excavations at the Yin Ruins unearthing extensive architectural foundations of more than fifty palaces, eleven
large tombs along with more than 1300 small graves, thousands of bronze vessels, hundreds of thousands of ceramic
sherds, jade and stone wares, chariot burials, and more
than one hundred and fifty oracle bones with divinatory
inscriptions. In addition to palatial complexes, temples
and royal tombs, the site included residences and workshop areas containing evidences of jade and stone carving;
bronze casting; pottery making and bone carving.
One of the most remarkable discoveries in Anyang was
the tomb of princess Fu Hao, consort of King Wu Ding,
120
phants, just like those found in the province of Hunan, near
the southern bank of the Yangtze River. Along with the taotie, in several configurations emerged new animal designs,
including elephants, tigers, dragons and birds often represented in symmetrical pairs over a background of spirals
(fig. 5, fig. 6, fig. 7 and fig. 8). Uncommon bronze vessels’
shapes and sizes together with large sets of 5 to 10 items in
a set, all of them exquisitely decorated under the influence
of the regional styles, demonstrate Fu Hao’s high status.
Fig. 5 | Huo, Shang Dynasty (12th-11th century bc),
Freer and Sackler Galleries, Smithsonian Institution.
Fig. 4 | Tomb of Princess Fu Hao.
Ritual vessels, weapons and horse fittings constitute
the bulk of bronze wares, demonstrating the importance
of funeral practices, military empowerment and political
authority during late
Shang period. Sets of large bronze vessels were disposed
by type along the three sides around the lacquered coffin,
while the small bronze objects were placed inside the coffins together with the jades and the cowry shells. Most of
the ritual vessels bare small inscriptions with the name of
the ancestors to whom the rituals were dedicated. In what
concerns the decoration and shapes of the recipients of the
Anyang period, we find the most exquisite and embellished
drinking vessels in the shape of birds, dragons and ele-
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
Fig. 6 | Huo, Shang Dynasty (12th-11th century bc),
Freer and Sackler Galleries, Smithsonian Institution.
of the deceased, as a reflection of military rank and social
hierarchy. In its majority, horse fittings were bronze made
in the form of animals and human figures, demonstrating
that these elements were both functional and ornamental.
In resume, cultural material unearthed from Anyang
site reveals that late Shang metropolitan capital established
an unprecedented range of contacts with long distant regions from the Eurasian steppes to the Southern banks of
the Yangtze River.
Fig. 7 | Gui, Shang Dynasty (12th-11th century bc), Anyang Yinxu Museum.
Fig. 8 | Gui, Shang Dynasty (12th-11th century bc), Colecção Estrada.
The jades found in Fu Hao’s tomb demonstrate that
late Shang carvers developed advanced techniques with
incised surface patterns using abrasives, saws, drills and
a rotating disk. Most of the jades are ritual weapons like
the ge blade, very common in Neolithic and Early Bronze
Age, and three-dimensional jade animals incised with two
parallel lines. In fact, just as bronze vessels took Neolithic
ceramic containers as a model, Shang jades represent an
artistic sophistication and technical virtuosity from Neolithic jade shapes and designs.
Another of the interesting finds in Anyang complex is
the chariot burial, usually with horses and sometimes with
charioteers, all sacrificed. This feature, also found in other
civilizations, was probably related with asserting the status
toward the boundaries of yangtze valley
The widespread influence of Upper Erligang culture
reached the margins of the Gan River in Jiangxi Province.
At Wucheng and Xin’gan, archaeologists discovered, respectively, in 1973 and in 1989, two impressive sites. The
former revealed the earliest evidences of writing with short
and unreadable inscriptions incised on ceramic pots. In
fact, ceramics were among all materials found in Wucheng
the most significant, with large quantities, including a small
amount of technically sophisticated glazed, which could be
interpreted as a first attempt to make porcelain.
In Xin’gan, just 20 km from Wucheng on the other
side of Gan River, it was found one of the Shang’s dynasty
richest tombs containing 356 pieces of pottery, 50 bronze
vessels, 4 bells, more than 400 bronze tools and weapons
and about 150 jades. The similarities between the potteries
found in both sites indicate that there were probably two
cities with the same people. On the other hand, the earliest bronzes unearthed in Xin’gan follow the standards of
Erligang culture in particular from those buried in Panlongcheng. The later bronzes demonstrate the rise of local
traditions establishing the foundations of a transition period in Jiangxi, which culminated with a large-scale activity at Anyang about 1200 bc.
Among the earlier vessels there was a fanding (rectangular cooking vessel), which resembles the one found
in Zhengzhou. However, the handles decorated with two
standing tigers points the new styles of middle Shang that
can also be seen in at least ten other bronzes in the same
tomb. The four sides of the body are all profusely decorated
122
with zoomorphic ornaments cast in relief on a ground of
spirals. Another new feature in Xin’gan bronzes are the
plain stripes in the middle of each side and in all four legs.
Beside this ornamental function, plain stripes were also
used to separate different zones in necks and bases. Sometimes they were used as part of face motifs giving volume
to the vessel surface. The ornaments were much richer than
those from Panlongcheng, including human heads, ram
heads, deer and numerous tiger designs. In fact, southern
sites from the 13th to 11th centuries demonstrated a particular preference for realistic animal figurations. In Hunan
Province exquisite animal-shape vessels were unearthed
from Hengyang, Chuanxingshan, Shixingshan. These wine
vessels (guang and zun), respectively cast in the shape of a
buffalo, a boar and an elephant, were unique at that time
and became very popular in Western Zhou.
The most distinctive feature in Xin’gan tomb is the significant amount of food containers for service and cooking
vessels, in comparison with other sites like Palongcheng
and Anyang, in which wine vessels are considerable numerous. Among the 50 bronze vessels discovered in Xin’gan,
37 were ding and li. Only after the rise of Western Zhou
food containers became pre-eminent in the ritual vessel
set. On the other hand, the Xin’gan bronzes are also distinguishable by the four enormous bells cast in two different
shapes, nao and bo, which were never found in northern
sites. These findings, including the large amount of ceramics in Xin’gan tomb suggest that there were different ritual
procedures between southern and northern burials.
Contemporary northern sites like those discovered
in Hebei, Shaanxi and Shanxi Provinces shows the combination of Upper Erligang burial form, a larger quantity
of wine vessels and other objects supposedly foreign, like
gold ornaments, bronze disks with human face design,
bones used for divination, wooden vessels painted with red
and black lacquer, one of them inlaid with turquoise and
uninscribed scapulas and turtle shells. The large amount
of bronze weapons as the pre-eminent object in burials
together with presumably foreign items and the lower
quality of bronze decorations leaves the idea that it was a
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
confronting period where military power was the base of
social organization. Later inscribed oracle bones found in
Anyang give us a picture of an embattled scenario with the
alliances and wars between local powers.
Gold ornaments in Shang dynasty’s burials were extremely rare. However, in 1986 archaeologists discovered
one of the most intriguing sites at Sanxingdui, in Sichuan
Province. These two large sacrificial pits provide clear
evidences that outside the boundaries of Yangtze Valley
unknown people lived in the Western regions, probably a
well-established culture with sophisticated ritual practices
and advanced bronze casting technology. Scholars suggest
that these peoples were the Shu, who inhabited the regions
of Sichuan between c. 2800 and 800 bc.
Pit 1 contained around three hundred objects of bronze,
jade and gold together with cowry shells, elephant tusks
and a large amount of burnt animal bones. It seems that
animals were killed and burnt for sacrificial ceremony and
the remains were buried with the artefacts. The burned
animal bones and the lack of human bones it’s a unique
ritual ceremony with no parallel in Shang burials.
In Sanxingdui pit 2, objects were deposited in layers in
which pieces of bronze trees, small bronze vessels, daggers,
pieces of jade, stone and cowries shells were found in the
bottom. In the middle layer, instead of large quantities of
bronze vessels and weapons, archaeologists found one fullsized figure of a man next to more than twenty masks with
protruding eyes and elephant ears; forty-one human bronze
heads, some of them inlaid gold-leaf masks; several bronze
trees ornamented with birds, flowers, pendants, and a dragon. Finally, elephant tusks were scattered on the top layer.
The statue of a standing man with 2.62 meters high and
with the impressive weight of 180 kilograms was also found.
His realistic face with large eyes like those seen in bronze
masks combined with his position, probably holding a
spear made of a perishable material, standing on a square
pedestal and with an austere expression, allows us to assume him to be a tomb guardian. Nevertheless, some scholars suggest that this statue could be a high-ranking shaman,
a cult deity or an ancient King of Shu culture. In both cases,
the truth is that large-scale bronze sculptures in human
shape are unknown in Shang burials, confirming the idea
that these peoples were part of a completely distinctive culture contemporary to the tomb of Princess Fu Hao.
Among the more than one thousand objects, it was
also found a small number of bronze vessels cast in common styles and shapes (zun and lei) from the Provinces
of Hunan and Jiangxi. One of these vessels is a zun with
a flaring mouth, trumpet-shaped neck, a sloping body, a
flat base and a circular foot ring. The shoulders have rams’
heads and perched birds in three-dimensional form covered spirals. The body and base have vertical plain stripes
separating animal mask and cloud designs.
These stylistic acquaintances between Sanxingdui and
Xin’gan are corroborated by isotopic analysis to bronze alloy. Sanxingdui bronzes contain led of an unusual isotopic
composition that matches lead in bronzes from Xin’gan
tombs, signifying a provenance from the same source.
Despite the long distances between the Western region
of Sichuan and the Middle Yangtze sites in Hunan and
Jiangxi Provinces, it seems that cultural exchange and
commercial trade might happen along the Yangtze River
and other subsidiaries rivers. On the other hand, despite
the centralized power of Shang rulers in the Yangtze valley,
foreign cultures were equally, if not more, technologically
advanced in bronze cast and artistic creativity.
the zhou rites and the royal ceremonies
at the dawn of the bronze age
Despite constant battles and the warfare scenario between
1045 bc and 221 bc, the Zhou represents a sophistication of
Shang cultural institutions, such as the political organization, the ritual practices, ancestors worship and script. Supported in these key cultural features, the Zhou established
the major political, cultural, artistic, religious and philosophical institutions of pre-imperial China.
In 1045 bc, after a sequence of battles in upper Yellow
River lead by King Wen, the legendary founder of the Zhou,
his son, King Wu, finally overthrew the Shang. King Wen
began the Zhou rebellion against the Shang, invoking that
the ancestors no longer wanted the Shang to rule, because
they had immoral behaviours, spending their time drinking wine and disregarding the government subjects.
The growth of the Zhou and the cultural legacy of the
Shang, introduced significant changes in bronze casting
technology and artistic creativity. In Early Western Zhou
ritual food vessels substantially replaced the number of
wine vessels found in Shang burials. Gradually, in Middle
and Late Western Zhou, new motifs and shapes were introduced, with exuberant flanges and a flamboyant style. Birds
with a long coiled plum, a curvilinear beak and a long tail
became very common either as a surface relief or a realistic
sculpture. Regional styles from distant lands were merged
into an unique style. Progressively, motifs and decorations
became meaningless and more ornamental, corresponding
to the increasing political importance of the king himself.
Long inscriptions incised in vessels celebrate contracts, the
endowment of lands or nobility status or to celebrate a victory in a battle, demonstrating that bronze vessels in Zhou
Dynasty were more often symbols of power and status instead of ritual objects. Bronze casting techniques using lox
wax methods and gold, copper, silver or jade inlay were developed to make the most exuberant and prestigious objects
reflecting the health and prosperity of the Zhou states. However, the number of bronze objects found in Zhou tombs increased significantly as well as the number of other types of
objects sumptuously made in lacquer. Lacquer and bronze
were frequently assembled in exquisite bells sets and other
musical instruments that had a major role in Zhou rituals.
In February 1978 was found one of the most significant
tombs from the Warring States Period, belonging to the
Marquis Yi of Zeng, buried c. 433 bc. The tomb was divided into four chambers by twelve wooden walls. The eastern and the western chambers contained eight lacquered
coffins each belonging to females aged between 19 and 26.
Considering the large number of musical instruments unearthed from the main chamber and the ceremonial apparatus in Marquis Yi of Zeng burial, these sacrificed women
could be musicians and dancers buried to entertain the
Marquis in his eternal life.
124
The material culture found in the tomb of Marquis Yi
of Zeng demonstrates the high variety of articles included
in funerary paraphernalia, the artistic virtuosity of working with several different techniques and materials and
confronts us with new perspectives on life after death developed during the Warring States Period.
Chronology
Fig. 9 | Set of bells from Marquis Yi of Zeng tomb, Warring States Period (ca. 433 bc).
Inside the main chamber was the Marquis Yi of Zeng
coffin, in which it were found more than five hundred
relics of different kinds, exquisitely made of gold, jade,
bronze, coloured glaze, crystal, lacquered boxes, bone and
jade. More than six thousand articles were unearthed from
this tomb, including 134 bronze ritual vessels that fall into
38 categories and 65 set-bells, all found in the main chamber next to the Marquis Yi of Zeng coffin (fig. 9).
The number of food vessels (ding) was in conformity
with the ritual rules of the Zhou dynasty. Among the ritual
vessels there was a set of bronze zun (wine vessel) and a
bronze pan (water vessel) composed of multi-layered
bronze stalks and patterns, made by using lost wax casting
(fig. 10). Other distinctive findings in the Marquis Yi of
Zeng tomb are the 230 wooden objects painted in red and
black lacquer, including tableware, ritual vessels, musical
instruments, the coffins and objects of daily use.
Xia dynasty
21st century–16th century bc
Period of Erlitou culture
19th century–16th century bc
Shang dynasty
16th century–11th century bc
Period of Erligang culture
(Zhengzhou phase)
16th century–14th century bc
Period of Yinxu culture
(Anyang phase)
13th century–11th century bc
Zhou dynasty
11th century–256 bc
Western Zhou
11th century–771 bc
Eastern Zhou
770–256 bc
Spring and Autumn period
475–221 bc
Warring States period
475–221 bc
Qin dynasty
221–206 bc
Han dynasty
206 bc––ad 220
bibliografia
allan, sarah (1991) — The shape of the turtle: myth, art, and cosmos
in early China. Albany: State University of New York Press.
allan, sarah (2007) — “Erlitou and the Formation of Chinese
Civilization: Toward a New Paradigm”, The Journal of Asian Studies, 66
(2). Cambridge: Cambridge University Press, pp. 461–496.
bagley, robert (1992) — “Meaning and explanation” in whitfield,
roderick (ed.), The problem of meaning in early Chinese ritual bronzes,
Londres: SOAS. Colloquies on Art & Archeology in Asia, 15,
pp. 34–55.
bagley, robert w. (1987) — Shang ritual bronzes in the Arthur M.
Sackler collections, Washington, D.C.: Arthur M. Sackler Foundation.
bagley, robert w. (1990) “Shang Ritual Bronzes: Casting Technique
and Vessel Design”, Archives of Asian Art, 43, Nova Iorque: Asia Society,
pp. 6–20.
bavarian, behzad; reiner, lisa (2006) — Piece mold, lost wax &
composite casting techniques of the Chinese Bronze Age. Northridge:
California State University.
chang, kwang-chih (1981) — “The Animal in Shang and Chou Bronze
Art”. Harvard Journal of Asiatic Studies, 41 (2), [Cambridge, Mass]:
Harvard-Yenching Institute, pp. 527–554.
Fig. 10 | Zun and pan, Warring States Period (ca. 433 bc).
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
chase, w. thomas (1994) — “Chinese bronzes: casting, finishing,
patination and corrosion”, in, scott, david a.; podany, jerry;
considine, brian b. (eds.) Ancient & Historic Metals. Conservation
and Scientific Research, Los Angeles: The Getty Conservation Institute,
pp. 85–117.
childs-johnson, elizabeth (1990) — “Symbolic jades of the Erlitou
Period: A Xia Royal tradition”, Archives of Asian Art, xlviii, pp. 64–90.
jichao, wang; xiang, zhang (2007) — Tomb of Marquis Yi
of Zeng. Ritual and music civilization in the Early Warring States Period,
Hangzhou: Hubei Provincial Museum.
kesner, ladislav (1991) “The Taotie Reconsidered: Meanings and
Functions of the Shang Theriomorphic Imagery”, Artibus Asiae, 51 (2),
Ascona: Artibus Asiae, pp. 29–53.
lévi-strauss, claude (1963) — “Split representation in the art of Asia
and America”, in lévi-strauss, Claude ed., Structural anthropology. New
York: Basic Books, pp. 245–268.
liu, li; chen, xingcan (2002) — “Sociopolitical change from Neolithic
to Bronze Age China”, in STARK, Miriam T. ed. Archaeology of Asia.
Oxford: Blackwell Publishers, pp.149-176.
liu, li and xu, hong (2007) — “Rethinking Erlitou: legend, history
and Chinese archaeology”, Antiquity, Vol. 81:314, pp. 886-901.
loehr, max (1968). Ritual vessels of Bronze Age China.
New York: The Asia Society Inc.
rawson, jessica (ed.) (1992) — The British Museum book of Chinese art,
Londres: The British Museum Press.
rawson, jessica (ed.) (2009) — Treasures from Shanghai. Ancient
Chinese bronze and jades, Londres: The British Museum Press.
rawson, jessica (1999) — “Western Zhou archaeology”, in loewe,
michael; shaughnessy, edward l. (eds.), The Cambridge history of
ancient China: from the origins of civilization to 221 B. C., Cambridge:
Cambridge University Press, pp. 352–449.
thorp, robert l (1985) — “The Growth of Early Shang Civilization:
New Data From Ritual Vessels”, Harvard Journal of Asiatic Studies,
Vol. 45, N.º 1.
zhengyao, jin; guang, zheng; hirano, y.; hayakawa, y.; chase, w.t.
(1998) — “Lead Isotope Study of Early Chinese Bronze Objects”,
The Fourth International Conference on the Beginning of the Use of Metal
and Alloys in Shimane, Japan.
126
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
joalharia helénica
da colecção estrada
(sécs. iv–i a.c.):
formas e símbolismo funerário
.
Gustavo Portocarrero
cieba – faculdade de belas-artes
da universidade de lisboa
resumo
Neste artigo, apresenta-se um conjunto de jóias de ouro
helenísticas existentes na Col. Estrada, procurando-se interpretar o seu simbolismo funerário.
Palavras-chave: Joalharia; ouro; helenismo; simbolismo.
128
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
abstract
In this article, a set of hellenistic gold jewels from the Col.
Estrada is presented and an interpretation of their funerary
symbolism is attempted.
Keywords: Jewellery; gold; hellenism; symbolism.
A Colecção Estrada possui um notável conjunto de jóias
de ouro provenientes do mundo helénico e datáveis dos
séculos iv–i a.c. Neste trabalho, pretende-se apresentar
essas jóias, bem como explicar o papel social por elas
desempenhado.
Estas jóias foram adquiridas em casas de leilão, pelo
que se desconhece o seu contexto original. No entanto,
como, por norma, peças de joalharia intactas da Antiguidade Clássica são provenientes de contextos funerários, a
sua interpretação será, assim, feita em função disso.
São 37 as jóias aqui apresentadas, entre brincos, anéis,
diademas, peitorais, coroas, pendentes e appliques. Todas
elas em ouro, como já se disse, o que não é casual. O ouro,
na cultura grega, evocava o sol e todo o seu simbolismo
multivalente, o qual variava conforme o contexto (Chevalier e Gheerbrant 1994: 496). No caso concreto dos contextos funerários, o que predomina é o simbolismo solar
da renovação, ligado à renovação da vida depois da noite
da morte. Este simbolismo é, por sua vez, consideravelmente reforçado pela formas que as jóias assumem, as
quais estão associadas, como se verá, a cultos ligados à
renovação da vida.
Note-se ainda, que a maior parte das jóias que de
seguida vão ser apresentadas foram usadas por mulheres,
sendo que a sua análise permite-nos compreender melhor a vida das mulheres na sociedade grega, desde papéis
oficiais a formas de resistência.
Comecemos pelos brincos em forma de Eros. São oito
os brincos existentes (ce01384, ce01385, ce01456, ce01457,
ce01477, ce01478, ce01479, ce01480), todos eles apresentado um Eros algo estilizado e encurvado para trás (fig. 1),
sendo esta uma tipologia bem conhecida (Jackson 2006:
206). Eros, neste período, era visto como deus tutelar do
amor e da morte e guia das almas, sendo que, no caso específico da mulheres falecidas, acompanhava-as a Hades,
o rei do mortos, e casava-os (ibid.: 56, 57).
Convém ter em conta que as mulheres não tinham
um lugar independente na sociedade grega, sendo oferecidas em casamento para ligar linhagens (Vernant 1990:
55–77).
Fig. 1 | Brincos com figura de Eros | ce01384 e ce01385
dimensões médias: 2,2 cm, 2,5 cm, 0,2 cm.
É assim, que na arte grega, elas aparecem sempre representadas como esposas (ou filhas) de alguém (Osborne
1998: 84), que depois da morte só poderia ser Hades. Mas,
ao casarem-se com o rei dos mortos, as mulheres esperavam também renascer, tornando-se novas Perséfones.
Aqui, entramos no domínio do mito. Perséfone, filha de
Deméter, deusa maternal da Terra, foi raptada por Hades,
tendo a mãe provocado uma terrível seca para obrigar a
que a filha lhe fosse devolvida; no fim chegou-se a um consenso, sendo-lhe a filha entregue durante 8 meses de cada
ano, durante os quais a vida re-florescia (Brandão 1986:
290–292). Está-se, assim, perante o ciclo da vida-morte-renascimento, sendo que os brincos com a imagem de Eros
que as mulheres falecidas levavam consigo para o túmulo
destinar-se-iam, assim, a propiciar tal desfecho.
Apesar desta visão dominante face às mulheres,
nem todas aceitavam passivamente este papel. Algumas
procuravam uma fuga nas chamadas religiões dos mistérios, cujo papel era o de arrancar os indivíduos das suas
relações e papéis sociais habituais e ajudá-los a alcançar a
salvação pessoal (Vernant 1990: 118, 119).
Uma das mais populares destas religiões era a dedicada
ao deus Dionísio, deus morto e ressuscitado (Chevalier e
Gheerbrant 1994: 266). As seguidoras de Dionísio chamavam-se ménades (ibid.: 109) e oito dos brincos helénicos
da Colecção Estrada apresentam cabeças de mulheres
(ce01778, ce01779, ce03015, ce03016, ce03020, ce03021,
ce04704, ce04705), sendo este género de tipologia geral-
130
mente interpretada como representando ménades (Higgins 1980: 160, 161; Price 2008: 80). Aliás, esta associação
torna-se ainda mais óbvia no caso do par de brincos
ce03020 e ce03021, os quais têm uma ânfora de vinho debaixo da cabeça (fig. 2), sendo o vinho um dos elementos
mais importantes dos rituais dionisíacos, substituindose ao sangue desse deus, representando a bebida da imortalidade (Chevalier e Gheerbrant 1994: 694). Também
associados aos cultos dionisíacos estão mais dois brincos
com cabeças de caprídeos (ce03347 e ce03348), existindo
igualmente paralelos conhecidos para esta categoria de
animais (Higgins 1980: 160). Os brincos estão algo desgastados, mas parecem ser o de um cordeiro ou bode, tendo
ambos os animais um papel importante nestes cultos, simbolizando o primeiro, o triunfo e a renovação da vida, e o
segundo, a força genésica e vital (Chevalier e Gheerbrant
1994: 123, 140).
sagrado que Dionísio – na qualidade de deus da vegetação,
da vida e da morte – celebrou com uma mortal, Ariana,
filha do rei de Creta, tendo esta recebido como prenda de
núpcias um diadema de ouro e sido levada pela deus para
a mansão dos imortais (Brandão 1986: 139). As detentoras
de diademas viam-se assim como novas Arianas que esperavam ter o mesmo destino.
Fig. 3 | Diadema | ce00595
dimensões médias: 4 cm, 43,5 cm, 0,1 cm.
Fig. 4 | Diadema | ce01441
dimensões médias: 20,5 cm, 2,7 cm, 0,1 cm.
Fig. 2 | Brincos com cabeça de mulher e ânfora | ce03020 e ce03021
dimensões médias: 3,8 cm, 1,1 cm, 0,5 cm.
Ainda dentro dos cultos dionisíacos, destaque-se a
presença na Colecção Estrada de dois diademas com
decoração vegetal gravada: um com vegetação espiralada
(ce00595) (fig. 3) e o outro com folhas de palmeira estilizadas (ce01441) (fig. 4), ambos recorrendo à renovação
anual da natureza para simbolizar a vitória sobre a morte.
Estes diademas eram usados por mulheres, conhecendose vários paralelos (Williams e Ogdem 1994: 92, 93, 137,
234, 235). Tal parece estar relacionado com o casamento
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
Já fora dos rituais dionísíacos, mas ainda dentro da
temática da renovação da vida, encontram-se quatro
notáveis coroas da Colecção Estrada com forma de folhas
de árvore: uma com folhas de oliveira (ce02651) (fig. 5),
outra com folhas de carvalho (ce01430) (fig. 6) e as duas
últimas com folhas indistintas (ce00596 e ce04718) (fig.
7), conhecendo-se paralelos para todas as peças (Hacken e
Winkes 1983: 76–78; Williams e Ogden 1994: 106, 107, 165,
180, 181). Entre os gregos a coroa era um signo de consagração aos deuses. Os mortos eram, assim, enfeitados
com uma coroa para captarem a protecção divina. Tal é
o caso da coroa com folhas de oliveira, decerto usada por
um seguidor das iniciações eleusianas, dado essa árvore
ser divinizada pelos seguidores desse culto (Chevalier e
Gheerbrant 1994: 486). Já a coroa com folhas de carvalho,
dadas as suas pequenas dimensões, foi utilizada para coroar uma estatueta de um deus; ora como os gregos coroavam os deuses com as plantas que lhes eram consagradas,
esta coroa foi utilizada numa estatueta de Zeus, dado ser
este o deus que está associado ao carvalho (ibid.).
Fig. 5 | Coroa com folhas de oliveira | ce02651
dimensões médias: 4 cm, 14,1 cm.
Fig. 6 | Coroa com folhas de carvalho | ce01430
dimensões médias: 5,5 cm, 5,4 cm, 1 cm.
Fig. 8 | Brinco com bolota | ce01397 e ce03011
dimensões médias: 4,4 cm, 1,4 cm, 0,7 cm.
Ainda dentro do simbolismo vegetal, uma flor que
também se encontra representada na joalharia helénica da
Colecção Estrada é a rosa, através de um pendente com
uma cabeça feminina, estando o seu cabelo adornado por
rosas (ce03003) (fig. 9). A rosa, flor preferida de Afrodite,
tinha entre os seus atributos um forte simbolismo de regeneração, algo relacionado com o episódio da morte e
ressurreição de Adónis, seu protegido, quando a deusa, no
afã de tentar salvá-lo, picou-se numa rosa branca, colorindo-a de vermelho com o seu sangue (Brandão 1986:
218–220; Chevalier e Gheerbrant 1994: 575). Tal evento era
celebrado todos os anos no mês de Maio numa cerimónia
religiosa conhecida por rosália em que se depunham rosas nas campas dos mortos (Chevalier e Gheerbrant 1994:
575). Está-se, uma vez mais, perante a expectativa de um
renascimento depois da morte.
A vitória da vida sobre a morte foi também simbolizada recorrendo a aves, mais concretamente, pombas. Há
na Colecção Estrada quatro brincos com pombas: dois
deles com uma pomba isolada (ce01454 e ce01455) (fig.
10), conhecendo-se paralelos semelhantes (Higgins 1980:
164), e os outros dois formando um par com uma representação de duas pombas bebendo de uma taça (ce03018
e ce03019) (fig. 11). A pomba simbolizava aquilo que o
homem contém de imperecível, ou seja, o princípio vital, a
alma (Chevalier e Gheerbrant 1994: 533). A propósito disso, nalguns vasos funerários gregos a pomba é representada a beber numa taça que simboliza a fonte da memória
(ibid.), sendo essa precisamente, a iconografia do segundo
par de brincos.
Fig. 12 | Pendente em forma de lua crescente | ce02586
dimensões médias: 4,2 cm, 2,8 cm, 0,1 cm.
A mesma temática da renovação da vida podia também ser simbolizada por astros, mais concretamente, através da lua, como se pode ver num pendente em forma
de lua crescente (ce02586) (fig. 12), conhecendo-se outros
exemplares semelhantes (Higgins 1980: 166). Esta forma
começou por representar a egípcia Ísis ou a síria Ishtar,
senhoras dos mistérios da vida e da morte, e facilmente
associáveis a outras Mães-Terra mediterrânicas, tendo
influenciado a joalharia helénica (Price 2008: 77). Em
contextos funerários, representava o ciclo da passagem da
vida à morte e da morte à vida à semelhança do ciclo lunar
(Chevalier e Gheerbrant 1994: 418)
Fig. 10 | Brinco com pomba | ce01454
dimensões médias: 3,2 cm, 3,2 cm, 0,8 cm.
Fig. 7 | Coroa com folhas indistintas | ce00596
dimensões médias: 4 cm, 21,8 cm, 0,1 cm.
Fig. 13 | Peitoral | ce01443
dimensões médias: 6,8 cm, 14,6 cm, 0,1 cm.
O fruto do carvalho, a bolota, pode ser vista em dois
brincos onde ela está supensa de um sol (ce01397, ce03011)
(fig. 8). Tal pode ser interpretado como simbolizando o
desejo do seu detentor de alcançar a união com o divino, já
que a bolota era o fruto do carvalho, a árvore cósmica que,
na tradição grega, unia o Céu e a Terra (ibid.: 165).
Uma última peça de ourivesaria em que este tema
parece ter estado presente é um peitoral onde se podem
ver as linhas de dois templos simétricos com personagens
divinas nos telhados (ce01443) (fig. 13). O peitoral está
bastente desgastado e é difícil distinguir a cena representada no interior dos templos, mas estaria provavelmente
Fig. 9 | Pendente em forma de cabeça feminina | ce03003
dimensões médias: 4 cm, 2,2 cm, 1 cm.
Fig. 11 | Brinco com par de pombas e taça | ce03018 e ce03019
dimensões médias: 4,8 cm, 2,1 cm, 1 cm.
132
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
relacionada com a obtenção da imortalidade pela personagem falecida.
Se as jóias que se viram até agora partilham um simbolismo de renovação da vida, as restantes, embora presentes igualmente em contextos funerários, apresentam
um carácter diferente, embora auxiliar do da renovação,
mais concretamente, apotropaico e psicopompo.
Já no segundo caso, há um anel com uma imagem de
um golfinho (ce04724) (fig. 16), ligando assim o falecido a
este animal. Os gregos consideravam que o golfinho transportava as almas dos mortos para as ilhas dos Bem-Aventurados (ibid.: 356). Para terminar, assinale-se um brinco
com um golfinho (ce01439) (fig. 17), de que se conhecem
paralelos (Higgins 1980: 161), e com o mesmo significado
psicopompo.
bibliografia
brandão, junito de sousa (1986) — Mitologia Grega, vol. i,
Petrópolis: Vozes.
brandão, junito de sousa (1987) — Mitologia Grega, vol. ii,
Petrópolis: Vozes.
chevalier, jean e gheerbrant, alain (1994)
— Dicionário dos Símbolos, Lisboa: Teorema.
hackens, t. e winkes, r. (eds.) (1983) — Gold Jewelry.
Craft Style and Meaning from Mycenae to Constantinopolis, Université
Catholique de Louvain: Louvain-la-Neuve.
higgins, reynold (1980) — Greek and Roman Jewellery, Berkeley:
University of California Press.
jackson, m. (2006) — Hellenistic Gold Eros Jewellery,
bar International Series 1510.
osborne, robin (1998) — Archaic and Classical Greek Art,
Oxford: Oxford University Press.
price, judith (2008) — Masterpieces of Ancient Jewelry,
Filadélfia: Running Press.
vernant, jean-pierre (1990) — Myth and Society in Ancient Greece,
Nova Iorque: Zone Books.
Fig. 14 | Anel com nó de Hércules | ce01205
dimensões médias: 1,8 cm, 2,1 cm, 0,8 cm.
Assim, relativamente ao primeiro caso, há dois anéis:
um com um nó de Hércules (ce01205) (fig. 14), de que se
conhecem paralelos (Higgins 1980: 170; Williams e Ogden
1994: 253), e outro com uma serpente enrolada (ce02995)
(fig. 15), também com paralelos conhecidos (Higgins 1980:
170). O anel serve essencialmente para indicar uma ligação,
para vincular (Chevalier e Gheerbrant 1994: 486), neste
caso o falecido com o Cosmos, algo possibilitado tanto
pela presença do nó de Hércules, como pela da serpente,
cujo objectivo é abraçar o falecido num círculo contínuo,
impedindo a sua desintegração (ibid.: 483, 595). Estes anéis
funcionam, assim, como talismãs protectores.
williams, dyfri e ogden, jack (1994) — Greek Gold.
Jewellery of the Classical World, Londres: British Museum Press.
Fig. 16 | Anel com imagem de golfinho | ce04724
dimensões médias: 2,4 cm, 2,3 cm, 1 cm.
Fig. 17 | Brinco com golfinho | ce01439
dimensões médias: 2,6 cm, 2 cm, 0,2 cm.
Fig. 15 | Anel com serpente enrolada | ce02995
dimensões médias: 2,5 cm, 2,4 cm, 2,1 cm.
134
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
.
recipiente de khol
da colecção estrada
136
Luís jorge Gonçalves
cieba – faculdade de belas-artes
da universidade de lisboa
Artur Ramos
cieba – faculdade de belas-artes
da universidade de lisboa
resumo
A Colecção Estrada tem na sua colecção um objecto que
destacamos pela sofisticação do seu design destinado a
conter khol. Vamos analisar a sua proveniência e função no
seio da sofisticada sociedade do baixo-império romano.
Palavras-chave: Khol, makeup, Roman Lower-Empire,
Palestine.
abstract
The Collection Estrada has in its collection an object that
we highlight for the sophistication of its design intended to
contain khol. We will look to its origin and function within
the sophisticated society of the Roman lower empire.
Keywords: Khol, makeup, Roman Lower-Empire, Palestine.
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
Na Colecção Estrada analisa-se um “recipiente de khol”
(ce02851), pela sua raridade em Portugal, dado somente
existir outro na Colecção Olmos.
O khol, da palavra árabe kuhl, é um pó mineral em cuja
composição entra malaquite, enxofre e gordura animal,
podendo apresentar uma cor preta ou cinza, dependendo da mistura. Era utilizado na maquilhagem dos olhos,
como cosmético ou pelas suas propriedades medicinais.
Os egípcios foram os primeiros a utilizá-lo para prevenir e aliviar infecções oculares e proteger os olhos da
intensa luminosidade. Do Egipto o seu uso difundiu-se
a outros povos do deserto, sendo usado na Antiguidade
indistintamente por homens ou mulheres. Hoje a sua receita pode variar em diferentes regiões e em cada mulher.
Uma receita clássica é a mistura em proporções iguais de
malaquite, de sulfato de cobre, de alumínios calcinados e
cravinho, sendo em seguida os ingredientes esmagados
num almofariz. Em Marrocos, acrescenta-se azeite, para
tornar o khol mais suave na sua aplicação.
No que se refere aos recipientes de khol já os encontramos no Egipto, onde foram executados refinados exemplares em marfim ou osso, alguns dos quais com a imagem do deus Bés, dado que protegia do mau-olhado. Estes
recipientes eram sempre acompanhados de uma pequena
vareta de madeira. No mundo árabe, caso de Marrocos, o
seu armazenamento continua a ser tradicional em caixas
de madeira, designadas de mquhla, e a sua aplicação com
uma pequena vareta de madeira, denominada mirwed.
Podemos ainda encontrar recipiente em metal muito
adornados, tendo sempre o mesmo princípio de aplicação,
como uma vareta de madeira ou de metal. Hoje, no Ocidente, o lápis de khol substituiu este tipo de recipientes e de
aplicação com as varetas.
No mundo romano iniciaram-se os “recipientes de khol”
em vidro, mas com grande difusão num período já tardio
do Império Romano do Oriente, entre os séculos iv–vi d.c.
Os principais centros de fabrico foram as cidades do mediterrâneo oriental, mais especificamente na faixa litoral do
Líbano, de Israel e de Gaza. A cidade de Tiro evidenciouse ainda como um grande centro exportador e produtor,
podendo encontrar-se “recipientes de khol”, oriundos desta
cidade em Chipre, em Antioquia, no Egipto (ArveillerDulong e Nenna 2005: 361) e nas costas do Mar do Norte,
na Alemanha (Stern 1977: 116, n.º 23–25). No Ocidente do
Mediterrâneo foram encontrados exemplares de “recipientes de khol”, em contexto arqueológico, na necrópole de
Puig des Molins, em Ibiza (Fuentes 1997: 57 ss).
Na colecção do Museu de Israel, em Jerusalém, pode-se
encontrar alguns recipientes com restos de khol e pequenas varetas de bronze que se utilizavam na aplicação do
khol (Abraham 2001: 311, 321 (314 e 321, lâmina 5, n.º 13);
Tommaso 1990: 133 ss.). O recipiente desprovido de pé
era suspenso, através da asa superior ou das asas laterais,
quando as possuía.
Em Portugal temos dois exemplares, um da Colecção
Estrado e outro que integra a Colecção António Olmos
(Gonçalves 2009: 28–36), ambos adquiridos em leilões de
antiguidades, pelo que a sua proveniência é desconhecida. No que se refere ao recipiente, que integra a colecção
Estrada, é formado por dois recipientes unidos, que apresentam a forma de lágrima muito alargada e ligeiramente
rechonchuda na sua parte inferior. A boca apresenta-se
com o lábio engrossado e horizontal. Tem uma única asa
superior e pendente de secção circular, que liga aos lábios,
a qual se encontra a pender para a direita. Foi soprado ao
ar e realizado no mesmo troço de massa de vidro. Uma
vez a massa de vidro unida à cana foi soprado em cada
um dos receptáculos, ficando os dois recipientes unidos
por um troço de massa sem soprar. Entre os exemplares
da Colecção Estrada e da Colecção António Olmos a principal diferença está na existência de asas laterais, no recipiente da segunda colecção.
Esta diferença leva-nos para a questão das variantes
de “recipiente de khol”, que podemos encontrar, tendo em
conta o tipo das asas e a decoração. Quanto às asas, alguns exemplares têm duplo tipo de asas, umas superiores
e pendentes de secção circular e que se ligam a outras que
acompanham os recipientes na sua parte superior. Outros
exemplares têm somente as asas verticais e simples.
O exemplar da Colecção Estrada, integra-se nesta última
tipologia, com asa simples de suspensão, o que pode corresponder a produções Palestinianas, da área de Gaza, mas
reexportados via cidade de Tiro (Arveiller-Dulong e Nenna 2005: n.º 1138–1140 (século iv) e 1317–1326 (século v)),
durante o século iv1, como é o caso da maioria dos exemplares do Museu do Louvre. Os principais paralelos, para
o exemplar da colecção Estrada localizam-se no Museu de
Israel, em Jerusalém. É por isso provável uma origem em
Gaza do recipiente de khol da Colecção Estrada, com uma
cronologia em torno do século iv d.c..
O “recipiente de khol” da Colecção Estrada, infelizmente de contexto arqueológico desconhecido, não apresenta a sofisticação decorativa de outros exemplares, dado
apresentar grande simplicidade, dentro desta tipologia
de recipiente, unicamente asa vertical de suspensão, sem
decoração nos lábios e nas laterais dos recipientes. Globalmente devemos considerar este “recipiente de khol”, como
sendo um produto de gama mais baixa dentro da oferta
destes produtos de luxo. No entanto, revela a sofisticação
das elites do Império Romano no Oriente, ao mesmo
tempo que nos dá também elementos sobre a mestria dos
artesãos de Gaza na arte do vidro. Poderá ter sido propriedade de uma mulher da “classe média”, onde depositou
o seu khol, e, muito provavelmente, o aplicava com a sua
vareta de bronze, no contorno dos seus olhos, conferindo-lhes a cor negra do khol. Como hipótese de contexto
da descoberta, dado o seu bom estado de conservação, é
muito provável que seja oriundo de uma sepultura, onde
acompanhou a sua proprietária, embora não haja informações sobre a sua proveniência.
Fig. 1 | Recipiente de khol da Col. Estrada | ce02851
dimensões médias: 17,1 cm, 5,1 cm, 3,5 cm.
1 Dimensões: com asa 14 cm, sem asa 10,4 cm, largura da pança 2,8 cm: Ibid. p. 413,
n.º 1139, inventário mmc 1298, Départment de ager. Achat, 1890.
138
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
Fig. 2 | Reconstituição artística de damas romanas
usando um recipiente de khol (desenho: Artur Ramos).
bibliografia
abraham, mijal (2001) — “Vidrio y comercio com Oriente
en la Antigüedad Tardia Hispana”, in El Vidrio en la España Romana.
Cuenca, pp. 311, 321 (p. 314 e 321, lâmina 5, n.º 13).
arveiller-dulong, véronique; nenna, marie-dominique (2005)
— “Les verres du proche-orient aux iiie–ive siècle”, in Les verres antiqúes
du Musée du Louvre. Vaisselle et contenants di Ier siècle au dèbut di viie
siècle après J.-C., Paris: Musée du Louvre Éditions, p. 361.
fuentes, a. (1997) — “El vidrio romano. Vidrios del Puig des Molins
(Eivissa). La Colección de D. José Costa “Picarol”, in Traballs del Museu
Arqueològic d’Eivissa i Formentera, 37, p. 57 ss.
gonçalves, luís (2009) — “Antiguidade Clássica”, in Colecção António
Olmos. Cascais: Câmara Municipal de Cascais, pp. 28–36.
stern, e. m. (1977) — “Ancient Glassat the Fondation Custodia”,
in Archeologica Traiectina, 12, p. 116, n.º 23-25.
tommaso, g. de (1990) — “Ampullae vitreae: contenitori
in vetro di unguenti e sostanze aromatiche dell’ Itália romana”,
Archeologica, 94, p. 133 ss.
comunicantes
Artur Ramos
Licenciado em Pintura na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. • Mestre em Estética e Filosofia da Arte pela Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa. • Doutorado em Desenho pela
Faculdade de Belas-Artes da mesma Universidade. • É docente da
fbaul de Desenho e a sua actividade reparte-se pelos três ciclos
de Ensino, Licenciatura, Mestrado e Doutoramento. • Tem mantido
uma constante investigação em torno do retrato e do auto-retrato.
• Paralelamente ao retrato tem desenvolvido um importante trabalho de Desenho no âmbito da investigação arqueológica nomeadamente na recriação de paisagens.
Davide Delfino
Graus académicos: Doutor em “Quaternário: materiais e culturas”
pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro; Diploma de especialização em Arqueologia, variante Pré-História e Proto-História
(Universitá Statale di Milano); Licenciatura em Conservazione dei
Beni Culturali Archeologici (Universitá di Genova) • Participou ou
coordenou mais duma vintena de escavações ou trabalhos de campo
na Itália, Grécia e Portugal no âmbito da Proto-História, Arqueologia Clássica, Arqueologia Medieval e Arte Rupestre. • Coordenou
sessões temáticas no xvi Congresso da União das Ciencias PréHistóricas e Proto-Históricas (u.i.s.p.p); é autor de mais de duas
dezenas de publicações em livros e revistas na Itália, Bulgaria, Portugal a tema da antiga metalurgia e da Proto-História, bem como
de duas dezenas de comunicações em congressos nacionais e internacionais. • É membro da Association Pour la Recherche sur l’ Age
du Bronze (a.p.r.a.b., dirigida por Claude Mordant) desde 2008.
• Foi colaborador da Soprintendenza per i Beni Archeologici della
Ligúria (Itália) e actualmente é colaborador da Câmara Municipal
de Abrantes para o projecto do miaa • Instituições: Docente Convidado do Instituto Politécnico de Tomar (Mestrado de Arqueologia
Pré-Histórica e Arte Rupestre); Investigador do Grupo Quaternário
e Pré-História do Centro de Geociências; Investigador do Instituto
140
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
Terra e Memória (Mação) onde é co-coordenador do Laboratório
de Tecnologia Cerâmica.
Fernando Coimbra
Licenciatura em História-variante Arqueologia (Universidade do
Porto). Doutoramento em Pré-História e Arqueologia (Universidade de Salamanca). • Professor Convidado do Instituto Politécnico
de Tomar (Mestrado de Arqueologia Pré- Histórica e Arte Rupestre). • Membro Integrado do Grupo Quaternário e Pré-História do
Centro de Geociências. Investigador do Instituto Terra e Memória
(Mação).
Fernando António Baptista Pereira
Licenciado em História, pós-graduado em Museologia e Doutorado
em Ciências da Arte (História da Arte) pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, é Professor Associado nesta escola. •
Autor de vasta bibliografia nos domínios da História e Crítica de
Arte, assim como de numerosos Catálogos de Colecções de Museus
e de Exposições de que foi Comissário. • Organizador de museus em
Portugal e em Macau e Comissário de Exposições no nosso país, em
Espanha e no Brasil. Dentre as suas últimas realizações, destacam-se
a Exposição “De Pedro o Grande a Nicolau ii. Arte e Cultura do
Império Russo nas Colecções do Museu Hermitage”, 2007–8, o conceito e a programação do Museu do Oriente, 2005–8, e a Exposição
“Símbolos da República”, na Reitoria da Universidade de Lisboa,
Outubro de 2010.
Gustavo Portocarrero
Licenciatura em História-variante Arqueologia pela Faculdade de
Letras da Universidade do Porto. • Mestrado e Doutoramento pela
Universidade de Lampeter, Wales (Inglaterra). • Investigador do cieba–Centro de Investigação e Estudo em Belas Artes da Faculdade de
Belas-Artes da Universidade de Lisboa. • Desde 2007 que integra a
equipa que estuda a Col. Estrada.
Henrique Mourão
Pós-Graduação em Capacitação em Proteção e Gestão do Património Arqueológico (Arché&Tectum – Consultores Associados).
• Mestre em arqueologia pela Universidade de São Paulo (Brasil).
• Doutorando em Quaternário, materiais e cultura, na área de Gestão do Património, pelo ipt/utad. • Advogado Militante há 22
anos, atuando junto a diversas instituições públicas e privadas em
todo o território nacional. • Prof. de Direito Ambiental da Escola
Superior de Advocacia da oab/mg. • Membro titular da Comissão
de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil, seção do
Estado de Minas Gerais Brasil.
Hilda Frias
Licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de
Letras da Universidade de Coimbra. • Mestre em Arte, Património
e Restauro — Gestão Patrimonial, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. • Prepara a dissertação de doutoramento em
História da Arte da Época Moderna/Contemporânea na Universidade de Salamanca. • Bolseira da Fundação Oriente, para a elaboração
da investigação sobre Arte de Entalhe na Antiga Índia Portuguesa
entre 1995/97. • Membro da equipa do Sector de Educação do Centro
de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão da Fundação Calouste
Gulbenkian desde 1997. • Docente do Ensino Superior desde 2000.
• Coordenadora da Área de Expressões Artísticas e professora dos
curso de Historia da Arte em Portugal e de História da Moda do
iscte.
Jayshree Mungur-Medhi
Licenciatura em História pela Universidade de Mauritius (Ilhas
Maurícias). • Mestrado em Arqueologia Pré-Histórica e Arte Rupestre (ipt/utad). • Doutoranda em Quaternário, materiais e cultura,
pelo ipt/utad, tendo como projecto de investigação o estudo arqueométrico das cerâmicas gregas da Col. Estrada.
Luís Manuel de Araújo
Doutorado em Letras pela Universidade de Lisboa, professor da Faculdade de Letras de Lisboa, no Departamento de História (Instituto
Oriental), onde lecciona matérias de História e Cultura Pré-Clássica. • Foi o presidente da Comissão Organizadora do iv Congresso
Ibérico de Egiptologia que recentemente se realizou em Lisboa e integra actualmente a equipa do Lisbon Mummy Project que estuda
as múmias humanas egípcias do Museu Nacional de Arqueologia.
• Estudou já a maior parte das colecções egípcias existentes em Portugal, tendo publicado doze livros e mais de cem artigos.
Luís Jorge Gonçalves
Licenciado e Mestre em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Doutorado em Ciências da Arte-Arqueologia pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa.
• É docente de História da Arte, Museologia e Arqueologia e Património e a sua actividade lectiva reparte-se pelos três ciclos de
estudos, Licenciatura, Mestrado e Doutoramento. • Tem mantido
investigação no campo da Arqueologia, da Museologia e da História da Arte Antiga e Pré-histórica. Tem obras publicadas no âmbito
das áreas referidas a par de exposições.
Luiz Oosterbeek
Licenciado em História e Doutor em Arqueologia (1994). • Professor Coordenador do Instituto Politécnico de Tomar (ipt), onde é
membro do Conselho Geral. • Professor convidado de diversas universidades da Europa e do Brasil. • Director do Gabinete de Relações
Internacionais do ipt, onde também coordena os cursos de Mestrado em Arqueologia. • Professor convidado da utad, onde coordena o curso de Doutoramento em Quaternário, materiais e culturas.
• Secretário-Geral da União Internacional das Ciências Pré-Históricas e Proto-Históricas, Vice-Presidente de herity International.
• Director de projectos de arqueologia e gestão do património em
Portugal, Brasil e Angola. • Director do Museu de Arte Pré-Histórica
de Mação. • Responsável do Grupo de Quaternário e Pré-História
do Centro de Geociências (fct). • Autor de cerca de 25 livros e 150
artigos.
Manuel Calado
Doutorado em Arqueologia e Pré-História, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde leccionou, entre 1990 e 2008,
diversas disciplinas da Licenciatura e do Mestrado em Arqueologia
dessa Faculdade. • Actualmente lecciona as disciplinas de Arqueologia Pública, Arqueologia Experimental, Etnoarqueologia e Arqueologia da Paisagem, no Mestrado de Património Público, Arte e
Museologia da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.
• Faz parte, como Pesquisador Integrado, do cieba-Centro de Investigação e Estudo em Belas Artes. • Tem desenvolvido investigação
no campo da Arqueologia Pré-Histórica e Proto-Histórica no Sul de
Portugal. A sua tese de doutoramento foi subordinada ao tema “Menires do Alentejo Central: génese e evolução da paisagem megalítica
regional”. • Outra área de actuação é a Arqueologia Pública, sendo
responsável ou co-responsável por diversos projectos relacionados
com sítios e temas da pré-história.
Rui Oliveira Lopes
Rui Oliveira Lopes é investigador associado do Centro de Investigação e Estudos em Ciências da Arte e do Património - Francisco
de Holanda, na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. • Licenciado em História e com Mestrado em Teorias da Arte
da fbaul, onde apresentou dissertação sobre a relação da imagem
sagrada e do seu público na Pintura Portuguesa do Renascimento. •
Desenvolve tese de doutoramento sobre a confluência da arte Cristã
na Índia, China e Japão entre os séculos xvi a xviii. • Tem desenvolvido investigação sobre o reflexo do poder politico e religioso
através da arte, a arte como instrumento de comunicação com o
sagrado, a antropologia da arte e as leis universais da arte que transcendem as fronteiras culturais e os estilos artísticos.
142
actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte
câmara municipal de abrantes
outubro de 2011