actas i jornadas internacionais do miaa
Transcrição
actas i jornadas internacionais do miaa
actas i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte de abrantes câmara municipal de abrantes outubro de 2011 actas i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte de abrantes actas i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte de abrantes ficha técnica título Actas das i Jornadas internacionais do miaa Museu Ibérico de Arqueologia e Arte de Abrantes coordenação Isilda Jana Gustavo Portocarrero Davide Delfino design Gabinete de Comunicação Câmara Municipal de Abrantes edição Câmara Municipal de Abrantes 2011 impressão Tipografia Central do Entroncamento, Lda isbn 978-972-9133-45-9 depósito legal câmara municipal de abrantes outubro de 2011 4584... actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte jornadas internacionais do museu ibérico de arqueologia e arte de abrantes Maria do Céu Albuquerque presidente da câmara municipal de abrantes Numa perspectiva de conhecer melhor e dar a conhecer a Colecção Estrada, que integra o acervo do Museu Ibérico de Arqueologia e Arte (miaa), Abrantes recebeu as primeiras Jornadas Internacionais, em Outubro de 2010. De uma sentida homenagem ao coleccionador João Estrada, oradores e investigadores conceituados tiveram a capacidade de traçar, em simultâneo, as primeiras impressões e as principais características desta colecção. Este livro de actas fala de diferentes épocas, materiais, peças, linguagens artísticas, perspectivas, experiências e nacionalidades. A várias vozes. A várias mãos. Vão-se construindo os sentidos para a criação de um projecto estruturante para a região. Todos os museus contam histórias e guardam memórias, através das peças e dos objectos que integram. Das que actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte expõem e das que reservam. Das mais importantes às mais insignificantes. Cada uma tem um significado, que se vai alterando se falarmos com quem construiu, quem usou, quem adquiriu ou quem agora a vê, através dos estudos apresentados. Mais do que um edifício, o miaa vale pelo seu conteúdo, pelas histórias e pelas oportunidades que encerra. Ou melhor, pelas oportunidades que abre. Hoje, o estudo do acervo do miaa ajuda-nos a aprofundar a dimensão mais local, da relação com a história do concelho e da região. Mas, se por um lado temos de aproximar a cidade e o concelho do miaa, não podemos deixar de assumir a sua dimensão Ibérica e, pela grande diversidade e abrangência, beleza e importância histórica deste espólio, ganhar esse território. índice 09apresentação Isilda Jana 13construção de conhecimento, arqueologia e colecções privadas Luiz Oosterbeek 19a controvérsia internacional sobre propriedade e gestão privadas de artefatos arqueológicos móveis sob a ótica do direito ambiental constitucional brasileiro Henrique Mourão 33uma versão de “o jardim do amor” de rubens pertencente à colecção estrada Fernando António Baptista Pereira 39escultura em marfim indo-portuguesa da colecção estrada Davide Delfino 93artefactos com suástica na colecção estrada: iconografia e simbolismo Fernando Augusto Coimbra 103tesouros escondidos e significado do sagrado: objectos funerários da idade do bronze da europa Davide Delfino 115hidden treasures and sacred meanings: tomb objects in bronze age china Rui Oliveira Lopes 47o núcleo egípcio da colecção estrada 1 29joalharia helénica da colecção estrada (sécs. iv–i a.c.): formas e simbolismo funerário 57multi-analytical approach in the study of ceramics 137recipiente de khol da colecção estrada Hilda Frias Luís Manuel de Araújo J. Mungur-Medhi 69placas de xisto a arte rupestre: a propósito da coleccção estrada Manuel Calado 81lanças e espadas do calcolítico à idade do ferro: evolução da armaria de poder na colecção estrada actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte Gustavo Portocarrero Luís jorge Gonçalves Artur Ramos apresentação Isilda jana coordenadora da equipa de projecto do miaa As Jornadas Internacionais do MIAA pretendem ser um forum anual de apresentação e debate de temas ligados à arqueologia e à arte, numa articulação especial com as colecções do futuro Museu Ibérico de Arqueologia e Arte de Abrantes (MIAA). A par das exposições de Antevisão, já realizadas, e da edição dos respectivos catálogos, onde se tem mostrado uma pequena parte das colecções que irão integrar o futuro museu, estas jornadas são mais uma expressão do projecto que está em desenvolvimento. Como acontece em muitos museus que têm colecções arqueológicas sem contexto conhecido, o MIAA tem no seu acervo muitas peças de difícil atribuição ou de, por vezes, contraditória filiação. Por isso, desde o início, todo o trabalho de organização do museu foi orientado para a estruturação de um pólo de investigação com o objectivo de promover o conhecimento e o debate alargado sobre as suas colecções. actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte As Jornadas Internacionais do MIAA são o momento de trazer a público os estudos e investigações que estão a ser feitos sobre as colecções do futuro MIAA. As primeiras jornadas tiveram o seu objecto de estudo centrado no acervo da Colecção Estrada (ce), o que não irá acontecer, necessariamente, em futuros encontros. Estas primeiras jornadas foram pensadas também como uma homenagem ao Sr. João Estrada, o coleccionador que ao longo da sua vida fez a fabulosa colecção que, em 2007, disponibilizou ao Município de Abrantes para ser mostrada a público. O presente livro consiste nas Actas das primeiras Jornadas Internacionais do MIAA realizadas, em Abrantes, a 28 de Outubro de 2010 e nele se encontram reunidos os contributos dos vários oradores que participaram nestas jornadas. São um conjunto de especialistas, investigadores e docentes universitários que, a partir da sua experiência e reflexão, analisaram peças da ce e nestas Jornadas apresentaram o resultado dos seus estudos. Iniciaram-se os trabalhos com uma intervenção de enquadramento teórico Construção de conhecimento, arqueologia e colecções privadas, onde Luiz Oosterbeek se interroga, nos interroga, sobre a função da arqueologia na sociedade actual e qual o sentido das colecções privadas cujo acervo está, em grande medida, desprovido de contexto. Luiz Oosterbeek analisa esta questão relacionando-a com a necessidade de integrar todos os processos de preservação patrimonial no quadro de um combate pela acessibilidade fundamental e irrestrita ao conhecimento. Vindo do Brasil, Henrique Mourão, em Os bens arqueológicos e artísticos como bens difusos, apresenta a problemática das colecções privadas à luz das recomendações da unesco e aborda a recente legislação brasileira que, ao introduzir a categoria de “bem difuso”, veio permitir a emergência de outros actores, que não apenas os poderes públicos, dando-lhes capacidade de agir, direito de participar, de se informarem e de usarem o património cultural. A ce reúne, para além do rico e diversificado acervo arqueológico, uma apreciável colecção de pintura que se estende do século xvi ao xx. Para análise nestas jornadas, Fernando António Baptista Pereira escolheu uma pintura em madeira atribuível ao círculo de Rubens. É uma versão do “Jardim do Amor”, do mestre flamengo, quadro que se pode ver no Museu do Prado. A ce possui um núcleo de escultura indo-portuguesa, em marfim, datável dos séculos xvii e xviii. Hilda Frias aborda essa temática em Escultura em marfim Indo-Portuguesa da Colecção Estrada. Em O núcleo egípcio da Colecção Estrada, Luís Manuel de Araújo faz a apresentação de algumas peças da colecção. Entre os objectos anunciados como egípcios foram detectados alguns de atribuição duvidosa, peças que não sendo originárias do antigo Egipto, constituem belos exemplos que se integram num fenómeno de egiptomania que se foi disseminando desde o século xix. Jayshree Mungur-Medhi é das Ilhas Maurícias, mas está a fazer o doutoramento em Portugal, tendo como projecto de investigação o estudo arqueométrico das cerâmicas gregas da ce. Na sua comunicação Archaeometry of ceramics for the Col. Estrada and the development of noninvasive methods for miaa, a autora apresenta os primeiros resultados da sua investigação, tendo como objectivo fazer a caracterização química e física da argila. Manuel Calado traz-nos, em Placas de xisto e arte rupestre: a propósito da Colecção Estrada, um dos grandes temas da arte pré histórica europeia. À luz de novos dados considerados relevantes para rever os modelos interpretativos mais correntes, Manuel Calado comenta o conjunto de placas de xisto da ce. As relações entre grupos humanos foram, desde sempre, caracterizadas pela competição violenta. Isso gerou a necessidade de novas armas e de aperfeiçoamento técnico constante. Davide Delfino, em Lanças e espadas do Calcolítico à Idade do Ferro: evolução das armas de poder na Colecção Estrada, mostra a evolução da armaria no quadro da pré-história recente e da proto-história europeia e da Península Ibérica, ilustrada com referências à armaria da ce que é incrivelmente rica em peças que testemunham mais de 3000 anos de história de armaria antiga. O símbolo denominado suástica é um dos mais antigos da humanidade e surge nos mais variados vestígios arqueológicos. A sua tipologia é muito variada. Fernando Coimbra, em Artefactos com suástica na Colecção Estrada: iconografia e simbolismo, tece breves considerações sobre a origem das suásticas e as diferentes tipologias e analisa o símbolo em algumas peças da ce. A Idade do Bronze tem sido considerada um dos períodos mais interessantes da História da China. Por isso, desde os tempos antigos que se coleccionaram artefactos encontrados em antigos túmulos. Foram recolhidos e criteriosamente coleccionados por terem sido usados em rituais sagrados. Rui Oliveira Lopes, em Hidden treasures and sacred meanings: tomb objects in Bronze Age China, analisa alguns desses objectos que hoje integram a ce. A Idade do Bronze europeia foi uma época de profundas transformações, nomeadamente, nas estruturas sociais e nas dinâmicas de contactos. Uma fonte arqueológica importante para perceber estas dinâmicas sociais são os rituais de morte e enterramento. A ce é rica de objectos 10 da Idade do Bronze provenientes de contextos funerários e, ainda que sem contexto arqueológico conhecido, eles permitem-nos relacionar os diferentes contextos culturais do continente europeu e perceber melhor a relação entre as culturas proto-históricas e os seus rituais funerários. É disso que nos fala Davide Delfino na sua comunicação Tesouros escondidos e significado do sagrado: objectos funerários da Idade do Bronze da Europa. Gustavo Portocarrero, em Joalharia Helénica da Colecção Estrada (séc. iv–i a.c.): formas e simbolismo funerário, apresenta um conjunto de 37 peças de joalharia do período helénico e, ainda que sem contexto original, interpreta o seu simbolismo à luz de contextos funerários, pois jóias intactas do mundo antigo estão, normalmente, associadas a rituais de morte e enterramento. Na análise dos vidros romanos, Luís Jorge Gonçalves e Artur Ramos, em Recipiente de khol da Colecção Estrada, destacam os recipientes de khol, pelo que eles significam de modernidade e sofisticação do design em produtos destinados à cosmética das mulheres das elites sociais romanas. São temáticas muito diversificadas, como é diversificado o acervo da Colecção Estrada. A todos os que ajudaram a programar e concretizar estas jornadas, aos oradores e investigadores que connosco colaboraram partilhando os seus estudos e as suas reflexões, o nosso reconhecido agradecimento. actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte construção de conhecimento, arqueologia e colecções privadas Luiz Oosterbeek professor coordenador do instituto politécnico de tomar grupo quaternário e pré-história do centro de geociências (uid76 fundação ciência e tecnologia) A arqueologia: um olhar específico sobre o comportamento humano A arqueologia é um campo multidisciplinar de conhecimento, onde se cruzam as ciências humanas (ou humanidades), as ciências da terra e as ciências naturais. Neste sentido, a arqueologia tem uma óbvia dimensão histórica (na medida em que indaga contextos passados), mas não é essencialmente história. Por um lado porque lhe falta a precisão do tempo curto (excepto ocasionalmente) e por outro porque a sua especialidade é o estudo dos vestígios materiais dos contextos culturais no passado. Assim, a arqueologia é sobretudo um olhar específico sobre o comportamento humano, que valoriza sobretudo as materialidades que exprimem, revestem e contextualizam esse comportamento. O arqueólogo deve ter uma clara compreensão dos processos de formação e modificação dos depósitos que embalam os contextos arqueológicos (pois isso é fundamental não apenas para o seu posicionamento no tempo, mas também para a eventual correlação 12 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte espacial sincrónica de tais vestígios), deve compreender a articulação com os ecofactos e o contexto paleoambiental (o cenário e condicionantes do comportamento humano) e deve conhecer os métodos analíticos com que as diversas ciências concorrem para a construção do conhecimento arqueológico (datações absolutas, caracterização de matérias primas, paleogenética, etc.). Mas deve, sobretudo, conhecer os vestígios materiais do comportamento humano, os artefactos a todas as escalas (dos objectos móveis aos grandes espaços habitacionais). Neste sentido, o arqueólogo é um especialista não apenas das morfologias e simbologias, mas também das técnicas de produção do passado: o olhar arqueológico valoriza a arte e a tecnologia, no tempo e no espaço. Para construir o conhecimento arqueológico, o contexto é quase tudo. Na verdade, um objecto sem contexto perde quase todo o seu valor informativo. Pode manter um valor estético (não propriamente artístico, dado que também em arte o contexto é quase tudo), e mesmo um valor pecuniário (se for construído em materiais nobres), mas o seu valor é diminuído se não for possível relacionálo com outros objectos, estruturas, ecofactos…numa palavra, com o cenário global em que um dia integrou a rede de relações comportamentais humanas. Tal não impede que parte importante da nossa compreensão do passado repouse ainda sobre objectos descontextualizados, não apenas porque muitos achados de grande importância ocorreram sem ser no âmbito de trabalhos arqueológicos cientificamente enquadrados, mas também porque uma parte de tais achados se deu fortuitamente, ou mesmo no âmbito de processos de assalto criminoso a sítios arqueológicos. Este tipo de achados não pode e não deve ser ignorado, na medida em que possa ajudar a abrir hipóteses de pesquisa, ainda que, sublinhe-se, o seu valor explicativo seja limitado. Os objectos arqueológicos são exclusivamente aqueles que provêem de escavações arqueológicas. Isto é, a adjectivação “arqueológico” reporta-se a um atributo conferido pelo acto de ser exumado ou estudado por um arqueólogo (ou seja, alguém com preparação técnica para atender às preocupações de contextualização espacial e temporal antes mencionadas). Os objectos arqueológicos são unidades de significado que ganham sentido num sistema de referência que os arqueólogos por vezes designam de tecno-complexo. O interesse desses objectos é o de, estando inseridos nesse sistema, poderem ser estudados nas suas propriedades relacionais, permitindo fazer inferências sobre o comportamento humano (das sequências tecnológicas à organização social). Por isso o seu lugar é em museus, que permitam o estudo, a conservação e também o usufruto público. O interesse desse estudo reside na estrutura explicativa que comporta: localização e relações sincrónicas (noção de espaço e de ambiente), mobilidade e transformação no tempo (tecnologias, economia e noção de tempo) e relações de dependência (noção de causalidade, noção de acaso e compreensão das dinâmicas sociais e logísticas). Nesta lógica, a musealização de objectos arqueológicos numa tripla dimensão (espacial, temporal e causal) é um poderoso instrumento de formação dos cidadãos, dado que lhes permite compreender a lógica condicionada do comportamento humano, no passado como na actualidade. Um museu deve, assim, promover discursos museográficos que ajudem a construir as noções referidas, dado que essas noções são de utilidade global para a sociedade. comércio e tráfico: uma fronteira cinzenta plena de dilemas Das razões acima aduzidas decorrem duas considerações: o lugar dos objectos arqueológicos é nos museus, com registo claro dos seus contextos de proveniência; e deve ser fortemente combatida a exposição de peças descontextualizadas apenas em função do seu eventual valor estético (sobretudo porque essa exposição pode encorajar o saque de sítios arqueológicos, com a decorrente destruição dos mesmos). É neste sentido que se pronuncia a Convenção da Unesco sobre tráfico ilícito de bens culturais (de 1970), reforçada pela Convenção Internacional para o Repatriamento de objectos culturais roubados ou ilegalmente exportados (de 1995). De facto, não foi sempre este o entendimento da comunidade internacional, mas a compreensão de que a aceitação do comércio de antiguidades arqueológicas pode camuflar e legitimar o tráfico de objectos fruto do saque de sítios arqueológicos tem levado a que cresça a adesão a estas convenções (Renfrew 2009). Subsistem no entanto dificuldades, por um lado de natureza legal e por outro de natureza social. No plano legal, a valorização contextual dos objectos arqueológicos, como aqui se defende, radicando embora num interesse científico e cultural, só é legitimada em função duma noção de interesse colectivo, e em última análise num quadro supra-nacional. Esse é o quadro da Unesco e das Nações Unidas, porém não é a base em que se apoiam a generalidade das ordens jurídicas nacionais, em que a defesa dos direitos individuais é primordial. Por muito que 14 se queira ignorar este facto, existe uma contradição entre a compreensão do interesse colectivo que substancia a dimensão cultural dos objectos arqueológicos e a compreensão do direito individual à propriedade. Naturalmente que este direito não se aplica aos objectos roubados em violação das leis dos países que proíbam tais práticas, mas que fazer nos casos em que o comércio dos bens arqueológicos é tolerada, ou até estimulada, pelas autoridades? Por outro lado, existe uma correlação negativa entre o alargamento do conceito de património arqueológico (que se alargou ao ponto de abarcar a totalidade dos contextos envolventes da actividade humana no passado) e os recursos financeiros disponíveis em face de exigências metodológicas crescentes. Por essa razão, apenas uma pequena parte dos contextos arqueológicos pode ser efectivamente escavada e estudada com rigor, enquanto o resto é muitas vezes destruído sem registo adequado no âmbito de obras públicas ou acidentes naturais. Certos contextos, pelo elevado custo das intervenções, estão particularmente sujeitos a esta destruição (e ao saque que a acompanha), como é o caso dos contextos subaquáticos. Essa vasta componente dos contextos arqueológicos é destruída (por barragens, estradas, tsunamis,…) sem qualquer outra intervenção porque as legislações dos países tendem a restringir a intervenção física sobre os sítios aos profissionais de arqueologia (o que é sem dúvida correcto, na lógica de conhecimento que se explanou antes). Porém, será lógico preferir a destruição completa ao resgate casuístico, nestes contextos? Esta é uma linha de fronteira difusa e perigosa, e certamente que soluções permissivas poderiam abrir caminho à vandalização dos vestígios. Mas também não será sustentável um caminho que, em prol do interesse colectivo, conduza à destruição. Acresce que o património arqueológico não é um recurso de sobrevivência, e a sua importância decorre dos processos de apropriação que possibilita. Ora existem diversos planos de apropriação (da humanidade, dos países, das comunidades, das regiões, das pessoas…), mas a legislação patrimonial tende apenas a valorizar um plano (o dos Estados, apesar da crise em que se encontram) en- actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte quanto o direito civil tende a valorizar sobretudo um outro (o individual). Sobretudo em democracia a ausência de debate sobre esta tensão jurídica é perigosa, pois o interesse social do património decorre precisamente da pluralidade das suas apropriações, e um discurso demasiado distante das dimensões individual e comunitária/local tende a divorciar a população desse mesmo património. Para além da consequência directa de menor investimento público (os estados democráticos reduzem os investimentos em sectores cuja importância não é valorizada pelos eleitores), é sobretudo a não apropriação pelos cidadãos que é inquietante. A actual valorização do património imaterial em detrimento do património material (arqueológico ou não), consagrada na Europa desde 2003, é o corolário de uma estratégia que, ainda que correcta na esfera do combate ao tráfico e ao saque, não cuidou de encontrar os meios de envolver a população na apropriação/usufruto desta herança. Uma recusa intransigente de todas as formas de saque e comércio ilícito não deverá ignorar as dificuldades estratégicas que, do ponto de vista substancial (a construção e apropriação social de conhecimento), se torna necessário enfrentar. Um caminho distinto, centrado na noção de propriedade dos Estados (até ao limite de poderem livremente destruir o património arqueológico) ou mesmo de devolução de bens expatriados no passado (como ocorre com certos objectos icónicos para países como a Grécia ou o Egipto), longe de afirmar a dimensão de bens da humanidade tenderá a reforçar nacionalismos conservadores, potencialmente xenófobos até (sendo que a manipulação belicista da arqueologia é uma realidade com forte tradição). Mas, para além das considerações em torno dos processos de apropriação, subsiste ainda o problema de o que fazer com os objectos descontextualizados, ou sobre os quais se conhecem apenas vagas indicações. Como se referiu antes, tais objectos não são, em rigor, objectos arqueológicos, dado que não provêem de um trabalho arqueológico metodologicamente rigoroso (independentemente de se tratarem de achados fortuitos ou de produtos de saque). Porém, tal não elimina a sua natureza de unidades de informação, que podem efectivamente ser sujeitas a um questionamento do ponto de vista dos métodos da arqueologia: caracterização dos materiais e processos de fabrico, comparação com materiais idênticos provenientes de contextos monitorizados, tipologia. Eles não perdem, por outro lado, o seu valor didáctico, se expostos em museus que claramente expliquem as suas limitações e façam a didáctica dos diversos aspectos tecnológicos, estéticos e também éticos que estão envolvidos. Deve um arqueólogo estudar tais objectos? A resposta positiva acarreta o perigo de assim legitimar eventuais frutos de saque ou ignorância e estimular novos saques. Mas a resposta negativa implica ignorar eventuais fontes de conhecimento, o que contraria a lógica da pesquisa (não ignorando as fronteiras éticas da mesma). A orientação dominante no sentido de limitar a presença permanente de objectos exumados num País nas reservas ou salas de exposição de outro País cria, ainda, uma dificuldade adicional: ela impede a criação de museus com capacidade de mostrar o património universal da Humanidade. É certo que existem diversos museus que já o fazem, herdeiros dos períodos de colonização. Mas o resto do planeta está hoje desprovido da capacidade de construir museus como o British Museum ou o Musée du Louvre. Ocorre que a importância destes museus de arqueologia “transcontinental” não deve ser subestimada no que concerne a formação cultural das populações em que se inserem. Deverão os restantes povos ser desprovidos do direito de também eles virem a constituir museus desta amplitude? A resposta efectiva, nos diversos países, tem sido a de não erguer tais museus, o que também se exprime pela valorização dos museus etno-históricos nesses países (em detrimento dos museus de arqueologia). Para obviar às dificuldades de circulação internacional de objectos arqueológicos, a solução que por vezes ocorre é a da reprodução virtual, que sem dúvida é um processo que permite actualmente um grande rigor e precisão. Porém, a virtualidade em património arqueológico tende a enfraquecer o vínculo entre os cidadãos e a materialidade, que é precisamente o foco do interesse social da arqueologia. Mais uma dificuldade, mais um dilema… colecções privadas e interesse público É neste complexo contexto que se impõe compreender a relação entre colecções privadas de objectos de natureza arqueológica e interesse público. O interesse deve sempre radicar na possibilidade, ou não, de construir conhecimento científico e cultural que possa ser socializável (nas esferas científica e popular), não sendo aceitáveis cláusulas de secretismo: o único interesse possível em tais colecções é a sua visibilidade e fruição social. Neste sentido, o estudo de tais colecções pode justificar-se em função do reforço de conhecimento numa ou mais vertentes de análise acima referidas, e desde que não ocorram ilegalidades ou prevaricações éticas. O interesse público reside, também, no combate à alienação, pelo que todos os passos que sejam dados (por organismos públicos ou privados) no sentido de reforçar nos cidadãos as noções de espaço, tempo e causalidade racional, desde que respeitando a lei, são desejáveis. A sociedade actual é marcada pelo enfraquecimento do conhecimento de base racional, com destruição (intencional ou fortuita) de muitos sítios arqueológicos e tráfico de objectos arqueológicos roubados. O combate a essas tendências passa pelo envolvimento de números crescentes de pessoas no quotidiano dos museus e centros de pesquisa. É nesse quadro que se torna crucial dotar os museus e centros de pesquisa em património arqueológico de redes amplas, que reforcem as competências já instaladas e possam contribuir para a inovação. Aos museus, em cujos acervos não raro se incluem diversos objectos de origem arqueológica, provenientes de colecções formadas antes de 1970 sem informação contextual clara, mas muitos dos quais caracterizáveis após análise laboratorial e, igualmente, com forte valor estético-histórico, cabe a responsabilidade de assumir plenamente a adesão à Convenção de 1970, mas sem fechar portas aos debates sobre as dificuldades e dilemas que se foram enunciando neste texto. E de saberem, a cada momento, que a escolhas devem ser norteadas pelo critério do conhecimento que pode ser produzido e não da propriedade dos bens. Porque o conhecimento é estrutural e sempre apro- 16 priável, enquanto que a propriedade é conjuntural e sempre alienável. Trata-se de um caminho difícil e perigoso, mas vale a pena trilhar outro caminho, talvez ilusoriamente mais seguro, em tempos de mudança e incerteza? bibliografia para debate brodie n., renfrew c. (2005) — Looting and the world’s archaeological heritage: the inadequate response. In: Annual Review of Archaeology, 34, pp. 343–61. cuno, j. (2008) — Who Owns Antiquity? Museums and the Battle over our Ancient Heritage. Princeton, Princeton University Press, 228p. renfrew, c. (2009) — Ethics in archaeological research: international responses to the illicit trade in antiquities. In: D’Agata A.L. and Alaura S. (eds.). Quale futura per l’archeologia? Roma, pp. 235–47. actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte a controvérsia internacional sobre propriedade e gestão privadas de artefatos arqueológicos móveis sob a ótica do direito ambiental constitucional brasileiro Henrique A. Mourão advogado mestre em arqueologia pela universidade de são paulo. prof. de direito ambiental da escola superior de advocacia da ordem dos advogados – seção minas gerais. grupo quaternário e pré-história do centro de geociências (uid76 fundação ciência e tecnologia) resumo Propomos neste ensaio a noção de bem difuso para discutir o problema da propriedade dos bens artísticos e culturais e da atribuição do direito e do dever de usar e proteger esses bens. Essa noção nos parece vantajosa porque suprime a dicotomia que envolve propriedade pública e privada. Palavras-chave: Bens arqueológicos — propriedade cultural — gestão pública e privada — bens difusos. 18 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte abstract We propose in this paper the notion of diffuse heritage to discuss the problem of ownership of cultural and artistic assets and assignment of the right and duty to use and protect these assets. This notion seems advantageous because it suppresses the dichotomy that involves public and private property. Keywords: Archaeological heritage — cultural property — public and private management — diffuse heritage. introdução Segundo crença disseminada pela unesco, em Convenção de 1970, as administrações públicas estatais constituem o contexto ético para estudar, possuir e preservar o passado, uma vez que as administrações privadas estariam subjugadas ao espírito capitalista, que tem como valor imanente a troca dos objetos segundo as leis do mercado, opondo-se, assim, aos princípios que regem os acordos e as convenções da entidade. Os cidadãos particulares que querem preservar, proteger e usar a herança cultural da humanidade são geralmente criticados por grupos que compreendem a gestão, a guarda e o uso privados dos bens arqueológicos, artísticos e culturais como indicativos de dominação, elitismo e posse. Segundo perspectiva da unesco, a propriedade cultural desvia-se dos propósitos da Lei Universal de Propriedade Cultural, que pretende manter os objetos em seus contextos territoriais, preservando as funções e as sensibilidades originárias daqueles que os produziram, garantindo a propriedade dominial dos Estados sobre todos os objetos existentes em seus limites territoriais. Não pretendemos aqui contrapor as perspectivas estatal e particular apenas para tomarmos partido: ambas são insuficientes para resolver o desafio de defender interesses que, na verdade, não são exclusivos nem de Estados nem de particulares. Aliás, é exatamente o rompimento dessa dicotomia que nos permite encontrar respostas mais adequadas ao problema da propriedade dos bens arqueológicos, artísticos e culturais; respostas que também servirão a questões relativas à atribuição do direito e do dever de usar e proteger esses bens. Nesse sentido, introduzindo no ordenamento jurídico a noção de bem difuso (que constitui uma terceira categoria, na qual estão inseridos o meio ambiente natural e os artefatos arqueológicos), a legislação constitucional brasileira criou um novo paradigma, mais democrático e participativo, para o mundo da gestão e da tutela das artes e dos artefatos a que nos referimos. Uma vez compreendido que o Estado é um conceito, e não um suporte ideal das aspirações coletivas, podemos assistir à revisão dos modos de definir os interesses públicos, o que torna possível a emergência de outros atores — cujas capacidades de agir podem ser observadas, e considerados os seus direitos de se informar, de participar e de usar os objetos da antiguidade. Este ensaio está intimamente ligado a questões políticas e a relações jurídico-sociais e humanas. Ele busca a construção de um espaço autônomo para a discussão de uma perspectiva contestatória que contemple todos aqueles que buscam emancipação e liberdade. a relação legal das pessoas com os objetos da antiguidade: breve história Ainda hoje, a relação vigente das pessoas com as artes e com os objetos da antiguidade é aquela prevista na Convenção sobre Meios de Proibir a Importação, Exportação e Transferência de Posse Ilícitas da Propriedade Cultural, de 1970, ocasião em que se elegeu um modelo estatal de transferência de propriedade, gestão e tutela dos artefatos arqueológicos. Importa anotar que os fundamentos que nortearam a Convenção de 1970 também serviram de referência à Convenção unidroit sobre o Retorno Internacional de Bens Culturais Roubados ou Ilicitamente Exportados, de 1995, e à Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Cultural Subaquático, de 2001. A propósito do surgimento dessas preocupações, Choay destaca que foi a partir do estímulo de Estados Nacionais que o interesse pelas antiguidades e sua conservação começou a se esboçar: primeiramente, com a busca de vestígios grego-romanos, na Europa do século xv; depois, à maneira do modelo desenvolvido na Itália, com a necessidade de conservação dos edifícios históricos paleocristãos, valorizando, assim, as suas tradições. Mais tarde, houve o desejo dos Estados de afirmar a sua originalidade arquitetônica, cultural e estética, exaltando a excelência da civilização ocidental para o resto do mundo. Desde então, os Estados Nacionais mostraram-se cada vez mais preocupados com os artefatos arqueológicos, propondo políticas públicas de conservação e gestão e ajudando a disseminar a noção de “propriedade cultural”. Esses novos valores seriam definitivamente assumidos pelos Estados, que passaram a adotar a posição segundo a qual cultura é algo inalienável e fixo, devendo ser controlado por eles. Os artefatos arqueológicos passam a agregar valores políticos, sendo, assim, tomados como “bens culturais”, patrimônio dessa ou daquela cultura Estatal — como se cultura pudesse pertencer a alguém, como se não fosse algo dinâmico e instável, como se não se formasse por uma fusão de várias culturas. Após a segunda grande guerra, com a criação da onu, os artefatos (móveis e imóveis) foram então submetidos aos cuidados da lei, anunciando-se, com isso, uma matriz estatizante, já que, à época, fazia-se sentir a preocupação internacional com o desenvolvimento de novas tecnologias de guerra, além dos receios motivados pelas operações militares dos nazistas, que causaram graves danos a inúmeros artefatos arqueológicos. Com a criação da unesco, Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, em 1945, essa matriz foi definitivamente consolidada: a fim de preservar os patrimônios culturais e naturais, criou-se o World Heritage Centre, entidade que busca a preservação e a restauração de artefatos e locais históricos, atuando em 112 países. Naomi Mezey (Mezey 2007:05), analisando a leitura comparativa feita por Merryman dos valores e objetivos estampados nos textos das Convenções Internacionais da entidade, Haia 54 e Paris 70, lembra-nos que ambas representam “dois conjuntos de valores e perspectivas sobre a propriedade cultural”, sendo Haia 54 uma “Carta de internacionalismo Cultural” e a unesco 70, de “Nacionalismo Cultural”1. É o que veremos a seguir: as conseqüências para o mundo das artes, das antiguidades e para o direito de propriedade. haia 54 e unesco 70: diferentes perspectivas Propriedade, posse e gestão dos artefatos arqueológicos, etnológicos ou históricos são questões fundamentais nos debates jurídicos travados em torno desses bens. Nesse particular, eles são tomados, no contexto da Convenção de Haia, editada pela unesco em 1954, como um patrimônio universal, comum de toda a humanidade, qualquer que seja o povo a quem eles pertençam ou mesmo o território 1 Naomi Jewel Mezey. 2007. “The Paradox of Cultural Property” Expresso Available at: http://works.bepress.com/naomi_mezey/1. 20 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte onde se encontrem. Paradoxalmente, no contexto da Convenção unesco de 1970 e nas demais que a ela se seguiram, esses artefatos passam a ser entendidos como um patrimônio de determinadas comunidades ou nações. A Convenção de Haia (doravante Haia 54), Convenção sobre a Proteção dos Bens Culturais em caso de conflitos armados, documento fundador da expressão bens culturais, tinha como objetivo exclusivo a proteção dos artefatos arqueológicos, históricos, artísticos e etnológicos em caso de conflito armado. Ela foi proposta em razão da destruição intencional desses artefatos pelos nazistas. Valendo-se de termos que descendem de leis de guerra mais antigas, possui dois protocolos que obrigam as partes (Estados-membro) a salvaguardar os bens culturais dentro do seu território em tempos de paz e evitar segmentação, roubo, apropriação indébita ou sua destruição em tempo de guerra. A expressão propriedade cultural, amplamente utilizada por nós hodiernamente, também foi cunhada nesse momento, sendo conceituada como os bens “móveis ou imóveis de grande importância para o patrimônio cultural de cada povo, o que inclui edifícios ou áreas que contêm bens culturais.” Fundamentada no princípio de que a cultura é parte do patrimônio cultural da humanidade, Haia 54 tratou os objetos de interesse arqueológico, etnológico e histórico como “componentes de uma cultura humana comum, sejam quais forem os seus lugares de origem ou a presente localização, independentes de direitos de propriedade ou jurisdição nacional.” (Merryman 1986: 01). Apesar do que estabelece Haia 54, a história recente ainda registra desrespeito às regras internacionais de proteção, que não vêm sendo aplicadas sistematicamente. Conflitos recentes revelaram deficiências nessa convenção, levando os Estados a entabularem um protocolo adicional (P2) a Haia 54, estabelecido e aprovado em Haia em 26 de março de 1999. O protocolo reforça disposições relevantes concernentes à responsabilidade penal e de execução, além de estendê-las à guerra civil. Além desses instrumentos, os Protocolos de 1977, adicionais às Convenções de Genebra, contêm dispositivos que visam a proteger bens culturais. (Protocolo i, art. 38, 53 e 85; e Protocolo ii, art. 16). Na condição de organização internacional com vocação normativa, a unesco produziu diversos instrumentos legais internacionais de caráter vinculante aos seus Estados-membro, nas quatro áreas centrais da diversidade criativa (patrimônio cultural e natural, patrimônio cultural tangível, patrimônio cultural intangível e criatividade contemporânea). Ao todo, sete convenções foram editadas, entre as quais Haia 54. Em 1970, a unesco editou a Convenção sobre os Meios de Proibir e Prevenir a Importação Ilícita, Exportação e Transferência de Propriedade de Bens Culturais (doravante unesco 70). O próprio título da norma deixa claro, como observa Mezey (Mezey 2007: 04), que a Convenção estava menos preocupada com a guerra do que com o crescente mercado de arte e antiguidades — um “mercado negro”, na visão dos idealizadores do texto. A entidade queria, na verdade, prevenir que os Estados adquirissem produtos culturais roubados ou exportados ilegalmente. A unesco 70 caracterizou os bens culturais com muito mais detalhe do que Haia 54, tomando-os como uma propriedade que é designada pelo Estado e para um Estado. Outra novidade da unesco 70 é que, ao atribuir a propriedade dos artefatos ao Estado onde estão localizados, explicitou um sentido de urgência, afirmando a necessidade de “cada Estado se tornar cada vez mais vivo para com suas obrigações morais a respeito da sua própria herança cultural e de todas as outras nações.” (Mezey) Importa observar que o texto não explicita quais seriam essas obrigações morais dos Estados. Todavia, fica claro o desejo de seus idealizadores de sugerir um código de costumes em relação aos objetos da antiguidade. Esse código não se valeria de unanimidade social, mas teria abrangência cada vez mais ampla, considerando-se que o campo de controle social da moral é mais vasto do que o do Direito, pois independe de fronteiras geográficas e garante uma identidade entre pessoas que nem sequer se conhecem, mas que utilizam o mesmo referencial moral. Percebemos, na base do discurso jurídico que configura o texto da unesco 70, uma maneira de conceber os objetos de interesse arqueológico, etnológico e histórico que confere a esses bens o sentido de herança cultural nacional. É compreensível que os enunciados desse discurso tenham sido formulados segundo a noção de supremacia dos Estados Nacionais. A entidade supranacional organizou-se como instância de defesa de interesses estatais no âmbito internacional, ou seja, como instância que, antes de representar a coletividade civil, representa Estados soberanos. E a soberania, um conceito metafísico e abstrato, se compreende no exato conceito de Estado. Estado não soberano não é Estado. A soberania é uma autoridade superior que não pode ser limitada por nenhum outro poder, nos informa a doutrina jurídica2. As convenções que foram editadas a partir de 1970, especialmente a unidroit e a do Patrimônio Cultural Subaquático, revelam, como a precursora, contradições com a perspectiva de Haia 54: a vida cultural encontra-se, ainda, em um “vácuo legal” em inúmeros sistemas jurídicos, não havendo confirmação, na realidade jurídica e social de vários grupos, do caráter de herança cultural nacional dos artefatos arqueológicos ao país fonte dos objetos. Em nome de uma universalização dos benefícios que a cultura pode trazer, essas Convenções instauraram uma realidade que prejudicou a circulação dos objetos antigos, afetando o comércio e o comportamento cultural de inúmeros membros da sociedade (como se não houvesse diversas realidades culturais). A posse, gestão e tutela dos artefatos passaram a ficar polarizadas nos interesses dominantes de um determinado governo estatal, que seleciona e prioriza as discussões sobre o tema, considerando apenas os seus próprios interesses em relação à cultura nacional. Interessa observar que, havendo violação aos termos dessas Convenções, é prevista a aplicação de sanções: a unesco 70, por exemplo, considera importação ou exportação de material arqueológico fato ilícito, o que foi tipificado na maioria dos códigos ou leis dos países-membro da entidade. Dessa forma, a troca de artefatos arqueológicos é exclusividade das instituições oficiais e não pode existir em um mercado livre de arte e antiguidades. O ponto de vista jurídico assumido pela unesco e disseminado para os ordenamentos jurídicos dos Estados- membro dificulta sensivelmente a resolução das disputas surgidas a partir da edição das normas internacionais. Esse modelo está ancorado em uma matriz cujos métodos e valores não têm assenso geral: as disputas da propriedade e gestão de bens culturais são geralmente resolvidas segundo os interesses dos Estados envolvidos, considerando-se ainda orientação e interveniência da v, que disponibiliza em seu site um roteiro didático aos Estados-membro que queiram solicitar a restituição de uma propriedade cultural. Convém perceber o seguinte: se um objeto cultural tem alto valor monetário ou identificatório, os Estados disputam até mesmo judicialmente a sua posse; do contrário, muitas vezes eles negligenciam a sua preservação. FG Fechner (Fechner 1998: 06) obeserva que: — “a lei de proteção dos bens culturais não deve ser apenas um método para a arbitragem de interesses nacionais, mas deve também ter em conta os interesses da humanidade em geral, incluindo a preservação do objeto em seu contexto original, acessibilidade ao público, e os estudos científicos, históricos e interesses estéticos que podem, também, ser associados com um objeto.” E conclui: — “enquanto alguns Estados são incapazes de proteger seu patrimônio cultural, especialmente em tempos de guerra, o direito internacional público não impede um Estado de destruir o seu património cultural. O Direito do patrimônio cultural está se desenvolvendo rapidamente, e as leis nacionais e convenções internacionais estão no processo de criação.”3 É oportuno anotar que as estruturas normativas que compreendem os Estados Nacionais como soberanos em relação aos artefatos arqueológicos negligenciam inúmeros outros conteúdos, valores e símbolos, razão por que consideramos que o discurso moral e jurídico da unesco não está sedimentado. Antes, o que nos parece óbvio nesses instrumentos jurídicos é a visão estatizante, romântica e nacionalista sobre os objetos da antiguidade. 2 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo. Malheiros, 1999. 3 Michael Fechner The fundamental aims of cultural property Law. Disponível em journals.cambridge.org/action/displayIssue?iid=279319 Volume 7 – Issue 02 de FG Fechner – 1998. 22 implicações da unesco 70 para a gestão coletiva dos bens culturais A preocupação comum com a preservação e a proteção dos artefatos arqueológicos das culturas antigas está cada actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte vez mais evidente. Segundo a International Association of Dealers in Ancient Art — iadaa4, há muitos motivos que ameaçam o compartilhamento global dessa herança: as guerras, o desenvolvimento econômico e religioso e a intolerância cultural. Daí o esforço da entidade, que, segundo ela própria, busca o equilíbrio. Aos motivos da sociedade civil soma-se o discurso distorcido e impreciso que projeta sobre os artefatos arqueológicos crenças morais que não passam de suposições sem assentimento geral. Esse discurso geralmente é proveniente de pessoas e grupos que, ligados de alguma forma a programas estatais, estão interessados na guarda e na preservação do passado — mas com o devido condicionamento oficial da gestão. Ocorre que os cidadãos particulares que também querem preservar e proteger a herança cultural da humanidade são moralmente desencorajados por esses grupos, que, conforme já observamos, veem na disposição de guarda e gestão privada dos bens culturais uma intenção elitista de posse e dominação. Entre os membros desses grupos, os arqueólogos, por exemplo, têm, em sua maioria, a visão de que os artefatos arqueológicos só podem ser manuseados por meio da elaboração de um projeto científico, com a devida teorização e socialização dos resultados — trabalho que apenas pode contar com a colaboração de profissionais de áreas como a Geologia, a Química, a Fotografia, a Antropologia, as Artes Plásticas e a Medicina. Há, contudo, quem acredita que perspectivas como as dos arqueólogos têm um sentido ideológico deformado e antinômico, fundamentado nos acordos e recomendações da unesco. Merryman (Merryman 2004: 269), por exemplo, destaca a visão empobrecida do universo da arte internacional em razão das crenças antimercado dessa entidade. Nessa visão, segundo o jurista, a ideia de proteção e preservação dos bens culturais da humanidade por todos assumiria um significado diferente daquele proposto pela Haia 54, prevalecendo o preconceito contra a circulação da propriedade cultural por meio de transações de mercado.5 Com efeito, os programas públicos de educação cultural têm revelado em seu discurso o propósito claro de obstruir a circulação internacional de objetos culturais me4 5 Disponível em: www.iadaa.org/. EMERRYMAN John Henry. A licit international trade in cultural objects in GIDBON, Kate Fitz (Editor). Who owns the past?- Cultural Policy, Cultural Property, and the Law. New Brunswick, New Jersey, and London: Rutgers University Press, 2005,2007. pag. 269 diante o livre comércio de arte e antiguidades. Esse discurso cria uma atmosfera de aversão à gestão privada, induzindo as pessoas a pensar que só se pode encontrar segurança e competência plena quando a gestão, a proteção e a preservação de bens culturais ocorrem em instâncias oficiais, na maioria das vezes museus e instituições de pesquisa. Percebe-se, todavia, uma crítica ao discurso oficial por um número crescente de pessoas, as quais vêm exercitando seu direito de participação na gestão, na proteção e na preservação de bens culturais, revelando-se, assim, a necessidade de criação de novos estatutos para legislar o patrimônio cultural comum da humanidade.6 O discurso antimercado, segundo nos parece, desconsidera os valores, as tradições, os hábitos e as produções materiais daqueles que entendem os artefatos arqueológicos como bens que devem ser geridos com a participação direta da coletividade. Segundo Merryman (Merryman 2004: 276), três forças separadas, mas que se amparam mutuamente, opõem-se a esse tipo de iniciativa, visando à inibição do livre comércio de arte e da posse privada lícita das artes e antiguidades: 1 O preconceito antimercado da unesco; 2 A retenção excessiva das nações-fonte; 3 A cruzada dos arqueólogos. O autor observa que o mundo da propriedade cultural é habitado apenas por governos e instituições oficiais, não havendo lugar para a livre circulação dos bens culturais ou mesmo para um comércio livre de antiguidades. Com efeito, a gestão privada do patrimônio cultural não é uma realidade factível sob um sistema de leis que toma o Estado como ator principal. Boardman (Boardman 2009:107–124) também chama a atenção para as consequências das legislações que consideram os Estados Nacionais guardiões do patrimônio da humanidade7: 1 Falha no controle efetivo de saque de sítios e museus (em grande parte culpa de países de origem dos objetos); 6 7 A Kunstpedia Foundation, com sede na Holanda, é um exemplo: trata-se de uma entidade sem fins lucrativos dedicada a promover o interesse e o apreço pelas Belas Artes, à exceção da Arte Contemporânea. A fundação gerencia um site (www.kunstpedia.org) que oferece conteúdo livre e acessível na forma de artigos, ebooks e blogs criados por uma variedade de colaboradores, entre os quais historiadores de arte, colecionadores, galerias, negociantes e museus. J. Boardman, arqueólogos, colecionadores e museus, em: cuja cultura? A promessa de Museus e do debate sobre Antiguidades, Ed. James Cuno, Princeton e Oxford (2009), S. 107-124. 2A destruição ou negligência total, por alguns arqueólogos, de antiguidades que ilogicamente são consideradas “contaminadas”; 3Absoluta restrição à coleção de antiguidades (muitas que merecem proteção e estudo) por museus e particulares; 4A censura da bolsa original; 5A asfixia de um comércio legítimo de antiguidades; 6A negação do direito das pessoas ou museus para adquirir antiguidades que não sejam comprovadamente objeto de roubo ou resultado de pilhagem, assim consideradas, desde que provado o contrário. Estamos certos de que desconsiderar o direito de participação da coletividade é um equívoco da legislação da unesco. Se hoje consagramos a noção segundo a qual os objetos da antiguidade são um valor da humanidade, também não podemos nos esquecer de que uma poderosa relação de senhoridade e poder liga as pessoas aos objetos do passado. Por conseqüência, é preciso reconhecer o direito que elas têm de participar e de intervir nos processos de gestão desses bens. os diferentes valores atribuídos aos objetos arqueológicos Segundo Jorge Coli (Coli 2005: 11)8, há séculos consideramos os artefatos arqueológicos objetos artísticos ou mesmo mercantis, ou seja, objetos indissociáveis de nossa cultura. É necessário perceber, todavia, que a noção de arte não é comum a todas as culturas; dessa forma, diferentes manifestações culturais acabam por receber diferentes valores: determinados objetos de um povo são considerados instrumentos de culto, rito e magia, e não objetos de arte. Um objeto arqueológico também pode ser tomado como uma relíquia. A Igreja Católica, por exemplo, acredita que as relíquias são instrumentos que favorecem o contato dos “amigos da Igreja” com Deus. Nas situações em que o proprietário do artefato não é mais aquele que o escondeu ou o perdeu em tempo remoto, é preciso verificar qual seria o papel do Direito em rela8 Coli, Jorge. Como estudar a arte brasileira do Século XIX. SENAC. São Paulo:2005, pag.11. 24 ção a esses objetos que não possuem dono determinado. Analisando a visão que a unesco tem da relação das pessoas com os objetos da antiguidade, Neil Assher Silberman (Silberman 2003:211)9 conclui que “consciente ou inconscientemente, a interpretação arqueológica e a apresentação pública de monumentos arqueológicos são usados para dar suporte ao prestígio ou poder dos Estados-Nação modernos”. Desse modo, as práticas culturais relativas aos objetos arqueológicos são transformadas pela força coercitiva da norma internacional. Apesar de as prescrições da unesco serem recepcionadas por inúmeros ordenamentos jurídicos ocidentais, traduzidas como direitos do homem e do cidadão, ou seja, como direitos concernentes à satisfação das necessidades pessoais, a garantia desses direitos é, na prática, um grande desafio contemporâneo. Os textos dos acordos e convenções da entidade violam frontalmente os direitos civis ao vedar às pessoas a possibilidade de posse dos artefatos arqueológicos e a sua disposição mercantil. Constituem, assim, um campo fértil para as batalhas jurídicas, que se travam no quadro de leis legais e ilegais, constitucionais e inconstitucionais. Entendemos que, se o interesse social deriva do individual, o primeiro só será resguardado de fato quando forem efetivadas as prerrogativas e as aspirações pessoais. Acreditamos que a destruição de sítios arqueológicos deve ser combatida com tolerância e respeito aos inúmeros interesses que eles envolvem, alguns deles centenários e profundamente enraizados em diferentes culturas. Contudo, a unesco, com seu discurso estatizante, pretende resolver conflitos incitando todos a pensar que os interesses privados, entre os quais os dos comerciantes de arte e de antiguidades, são responsáveis pela destruição da história e da memória, comprometidos que estariam apenas com os resultados proporcionados pelo mercado. Todavia, conforme pretendemos mostrar, esses interesses podem ser perfeitamente compatíveis com a educação e com o compartilhamento. propriedade e gestão de artefatos arqueológicos sob a ótica do direito ambiental constitucional brasileiro A unesco 70 implicou a institucionalização do meio ambiente natural e dos objetos da antiguidade. Desse modo, a institucionalização é uma operação jurídica ainda presente nos ordenamentos dos Estados-membro. Seu efeito é o estímulo contínuo à criação de entidades burocráticas para dar suporte a esses Estados. Os conflitos envolvendo artes e antiguidades são resolvidos, no plano internacional, com interferência direta da unesco (por meio de seu Comitê Intergovernamental) e, no plano interno dos Estadosmembro, segundo a supremacia do interesse público Estatal em relação ao interesse individual, da prioridade do interesse geral em detrimento do interesse individual, devendo este submeter-se àquele. Todavia, verifica-se hoje um posicionamento jurídico divergente, que altera de modo definitivo esse panorama. Discorrendo sobre as transformações ideológicas ocorridas no pós-guerra, Fiorillo (2004a) menciona o trabalho Formações Sociais e Interesses Coletivos Diante da Justiça Civil, de Capelletti, que enfatiza a existência de uma outra categoria de interesses, a qual ultrapassa a tradicional dicotomia entre interesse público (de que é titular o Estado) e interesse privado (cuja titularidade é atribuída ao indivíduo). Trata-se de interesses que dizem respeito às necessidades da coletividade e, portanto, não se situam em um contexto individualizado; no entanto, não chegam a constituir-se como interesses públicos. Na doutrina jurídica hodierna, são denominados interesses metaindividuais. Por serem relativos aos mais altos valores humanos (a qualidade de vida e a dignidade da pessoa humana, por exemplo), esses interesses pressupõem uma transformação ideológica. Com efeito, a perspectiva que eles implicam torna impossível solucionar litígios segundo a velha concepção de indivíduo como proprietário de um bem. No Brasil, conforme já constatamos (Mourão, 2009:79)10, o meio ambiente, nele incluído o meio ambiente cultural (e, portanto, os bens culturais), tem sido entendido pela ciência do direito como um bem jurídico, e a sua natureza jurí- 9 FINKELSTEIN, Israel, SILBERMAN, Neil Asher. A Bíblia não tinha razão. Trad. Tuca Magalhães. São Paulo: A Girafa, 2003, p.211. 10 Mourão, Henrique Augusto. Patrimônio Cultural como um Bem Difuso-O Direito Ambiental Brasileiro e a defesa dos interesses coletivos por organizações não governamentais. Del Rey.Belo Horizonte:209. p.12. actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte dica tem sido definida na doutrina como uma questão concernente aos interesses difusos. Miranda, referindo-se à Constituição do Brasil de 1988 (cr/88), afirma que: — “a doutrina constitucional contemporânea classifica os direitos fundamentais por meio de um enfoque histórico, de acordo com as funções preponderantes por eles desempenhadas. Fala-se, assim, em direitos de primeira geração (voltados à proteção da esfera individual da pessoa humana contra ingerências do poder público, tais como o direito à vida, à propriedade e à liberdade); de segunda geração (caracterizados pela imposição de obrigações de índole positiva aos poderes públicos em contraposição ao abstencionismo estatal, objetivando incrementar a qualidade de vida da sociedade, podendo ser citados entre eles os direitos à educação, à saúde e à moradia) e de terceira geração (que possuem como titulares não mais o indivíduo ou a coletividade, mas o próprio gênero humano, dentre os quais estão o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o direito dos povos ao desenvolvimento e o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade). (Miranda, 2006, p. 16) Desse modo, a proteção do meio ambiente (art. 225), a proteção do patrimônio cultural (art. 216) e a garantia do exercício dos direitos culturais (art. 215) constituem direitos fundamentais do povo brasileiro. Além disso, a proteção dos artefatos arqueológicos, associada à tutela de interesses próprios do gênero humano, é um direito transindividual difuso, “uma vez que pertence a todos ao mesmo tempo em que não pertence, de forma individualizada, a qualquer pessoa” (Miranda, 2006, p. 17). Podemos concluir, ainda, em razão do fato de o patrimônio cultural ser espécie do gênero meio ambiente, que todo bem referente à nossa cultura, à nossa identidade, à nossa memória etc., uma vez reconhecido como patrimônio cultural (caso dos artefatos arqueológicos), pertence à categoria dos bens ambientais e, em decorrência disso, constitui um bem difuso (Fiorillo, 2004a, p. 212). Essa categorização encontra-se na própria CR/88, nos arts. 215,11 caput, e 216, § 1º, que afirmam ser dever do Poder Público, com a colaboração da comunidade, preservar o patrimônio cultural. O patrimônio cultural é, portanto, um bem de massa, ou seja, um bem que rompe com a ideia de apropriação individual e instaura a necessidade de limitação de condutas particulares que possam resultar em dano ambiental. Miranda enumera as importantes conseqüências de ordem jurídica prática advinda do reconhecimento do caráter difuso e indisponível do direito de preservação do patrimônio cultural: 11 “Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. 12 Mourão, Henrique Augusto. Patrimônio Cultural como um Bem Difuso-O Direito Ambiental Brasileiro e a defesa dos interesses coletivos por organizações não governamentais. Del Rey.Belo Horizonte:209. p.220. 1 A imprescritibilidade das ações que objetivam a reparação de danos ambientais coletivos; 2 A possibilidade de defesa do patrimônio cultural mediante a utilização de instrumentos processuais modernos e eficientes, tais como a ação civil pública (Lei 7.237/85); 3A indeclinável necessidade de intervenção do Ministério Público, como custos legis, nas ações cíveis que envolvam a defesa de tal bem jurídico — quando o Parquet não for o próprio autor —, ante o interesse público evidenciado pela natureza da lide (art. 127 – cf/88 e art. 82, iii, cpc). (Miranda, 2006, p. 18-19). Conforme já expusemos em Mourão 2009, a moderna legislação, mencionada por Miranda, também confere às associações civis legitimidade para agir na propositura de Ação Civil Pública em defesa dos patrimônios histórico, arqueológico, espeleológico etc, o que se pode verificar no disposto no art. 5º, inciso ii, da Lei 7.347/8512. os artefatos arqueológicos como bens difusos e adéspotas A sociedade moderna desvinculou da noção de propriedade o caráter religioso que a civilização grego-romana lhe atribuía e passou a conferir-lhe o valor de mera utilidade econômica, além de estabelecer, via constitucionalismo, uma nítida separação entre o Estado e a sociedade civil, entre o homem privado (indivíduo) e o cidadão (sujeito da sociedade política). Não obstante os paradigmas modernos, com a evolução socioeconômica do século xx, o objeto de garantia constitucional veio a ser alterado. Sucessi- 26 vas guerras, com destruição de cidades inteiras, rápida e maciça concentração urbana, esgotamento de recursos naturais, entre outros fatos, implicaram a intervenção legislativa dos Estados nos sistemas jurídicos. Os direitos patrimoniais indispensáveis à subsistência individual começavam a merecer a mesma proteção constitucional dispensada tradicionalmente à propriedade. Esse novo gênero de tutela torna-se necessário, segundo Comparato, “quando a propriedade não se apresenta, concretamente, como uma garantia da liberdade humana, mas, bem ao contrário, serve de instrumento ao exercício de poder sobre outrem”. No Brasil, a cr/88, à luz dessa compreensão da propriedade como fonte de direitos e deveres fundamentais, estabelece que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” (art. 5º, § 1º). Ela vincula, ao direito de propriedade, o dever fundamental de atendimento às necessidades sociais. Aquilo que foi instituído ganha, assim, novas finalidades. A propriedade não é garantia em si mesma, mas um instrumento de proteção de valores fundamentais. Tendo em vista essa nova compreensão, Fiorillo (2004a, p. 56) chama a atenção para a existência de uma possível antinomia legal quando a “Constituição Federal em diversos artigos determina serem da União ou dos Estados os bens tipicamente ambientais” (art. 20, iii, iv, v e vi; art. 26, i, ii e iii), entre os quais podemos citar os sítios arqueológicos e as cavidades subterrâneas (inciso x do art. 20). A antinomia, porém, é só aparente. É o próprio Fiorillo quem a refuta como uma falsa percepção, observando que até a instituição do Código de Defesa do Consumidor, em 199013, todos os bens relacionados nos incisos do artigos 20 e 26 da cr/88 eram considerados públicos. Isso se dava unicamente porque cabia ao Código Civil a responsabilidade pela classificação dos bens em nosso ordenamento jurídico, e esse diploma somente reconhecia a existência de duas espécies de bens: os públicos e os privados. Assim, a leitura do art. 66, i, do Código Civil de 1916 determinava a leitura dos termos do art. 225 da cr/88, de modo que se compreendia que o meio ambiente, como um bem de uso 13 O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, Lei 8079, de 11 de setembro de 1990, entrou em vigor em 11 de março de 1991. actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte comum do povo, seria um bem público. Por isso, destaca Fiorillo, a forma de expressão do artigo constitucional era equivalente à do Código Civil, como evidenciam os excertos a seguir: (...) Art. 66, i do Código Civil Brasileiro de 1916: Os bens públicos são: i — de uso comum do povo, tais como mares, rios, estradas, ruas e praças; (...) Art. 225 da Constituição Federal de 1988: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à Coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (...) Entretanto, a compreensão do meio ambiente como um bem público se desfaz com a instituição do Código de Defesa do Consumidor. Conforme já afirmamos em Mourão 200914, esse ordenamento, ao estabelecer o que são bens difusos e coletivos, em consonância com a cf/88, revoga tacitamente o inciso i do art. 66 do Código Civil de 1916. Além dos bens públicos e privados, o nosso ordenamento jurídico passa, então, a contemplar uma terceira categoria de bens: a dos bens difusos. Tento em vista a congruidade das molduras normativas insertas na Constituição Federal, conferiu-se tratamento diferenciado “(...) ao bem público e ao difuso, na medida em que foi ressaltado, mais uma vez, que meio ambiente não é patrimônio público, até mesmo porque conclusão contrária a esta obrigar-nos-ia a acreditar na redundância do legislador constituinte” (Fiorillo, 2004a, p. 56). Segundo Fiorillo (2004a), o art. 129, iii, da Constituição Federal confirma o novo estatuto do meio ambiente: (...) Art. 129 — São funções institucionais do Ministério Público: iii — promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. (...) 14 Mourão, Henrique Augusto. Patrimônio Cultural como um Bem Difuso-O Direito Ambiental Brasileiro e a defesa dos interesses coletivos por organizações não governamentais. Del Rey.Belo Horizonte:209. p.81. Da mesma maneira, o art. 5º, lxxiii, preceitua: “Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (...)”. De acordo com Fiorillo, com esses dispositivos, (...) observamos que o legislador constituinte distinguiu os bens pertencentes ao patrimônio público dos pertencentes a toda a coletividade. Isso se torna mais evidente ao constatarmos que ele tratou de forma diversa patrimônio público e meio ambiente, numa clara alusão ao fato de que este não constitui aquele. (Fiorillo, 2004a, p. 53). Podemos concluir, portanto, que os bens que possuem as características de bem ambiental (são de uso comum do povo e indispensáveis à sadia qualidade de vida) não são de propriedade de qualquer dos entes federados; em outras palavras, os rios, os lagos (inciso iii), as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos (inciso x), por exemplo, dos quais trata o art. 20 da cr/88, não são bens de propriedade da União. Contudo, é importante sublinhar que, (...) ao fazer-se distinção entre bem público e bem de natureza difusa, não se colocam em cheque o princípio da legalidade e o poder-dever de a Administração agir conforme os ditames legais e em benefício da coletividade. (Fiorillo, 2004a, p. 53) Com efeito, o poder público deve atuar como administrador do bem que pertence à coletividade, gerindo-o sempre com a participação direta da sociedade. Plenamente fundamentada, embora fortemente provocativa àqueles que resistem a novos paradigmas, a legislação brasileira enquadra com pertinência os bens arqueológicos — segmento dos bens ambientais culturais — na categoria dos bens difusos. Esse enquadramento encontra sustentação não apenas no espírito da letra constitucional, mas também no contexto social em que se ampara o assunto e nas próprias tendências da práxis da arqueologia, hoje plenamente imbuída do princípio da inclusão e da devolução social. Assim, como bens difusos, de uso comum do povo brasileiro, os artefatos arqueológicos podem exercer sua função de contribuir para a qualidade de vida humana. A União, hoje sua gestora única, fixará as regras para sua melhor fruição, mediante a consolidação de estrutura híbrida que garanta a participação direta da sociedade. Deve-se considerar, porém, que, resguardadas as prerrogativas de inserção nacional, o segmento social mais interessado na utilização desses artefatos é a comunidade local que os detém em seu território15. Assim, cabe ao poder público federal, com o apoio dos poderes estaduais e em parceria com os profissionais da arqueologia e outros interessados, esclarecer os propósitos dos bens arqueológicos junto à comunidade e ao poder público locais, em linguagem adequada, estimulando a inclusão social por meio do seu reconhecimento e da sua valorização, promovendo ações de educação patrimonial. considerações finais Nosso objetivo neste ensaio foi examinar criticamente o conflito que, tendo em vista os propósitos comuns de possuir e preservar os artefatos arqueológicos, patrimônio comum da humanidade, estabelece-se em função das diferentes formas de entender como se deve realizar a gestão e a preservação, quem deve preservar e quais são as implicações das decisões sobre a gestão e a preservação para as políticas nacional e internacional e as leis da propriedade cultural. O nosso grande desafio foi transcender a tradicional dicotomia entre direito público e direito privado estabelecida por setores mais conservadores do Direito, com base na distinção entre os interesses da esfera particular e os interesses públicos (relativos ao Estado), e propor um modelo de gestão e preservação dos objetos em que o importante não é a propriedade do bem, mas o acesso a ele. Constatamos aqui uma summa divisio em relação à propriedade cultural: verificam-se, de um lado, os interesses individuais, cujos representantes (pessoas físicas ou naturais, instituições ou entidades privadas) buscam autonomia e legitimidade; e, de outro, os interesses dos Estados nacionais, não na qualidade de poder público, mas de um particular16 que retém deliberadamente bens culturais situados em seu território. 15 O assunto encontra respaldo na letra constitucional, que delega aos municípios a prerrogativa de cuidar dos interesses locais. Nesse sentido, chamamos a atenção para o art. 30, I, II e IX, da Carta da República. 16 MALHEIRO citando Franco Montouro (Introdução à ciência do direito, pag.36). MALHEIRO, Emerson Penha. Manual do Direito Internacional Público. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2ª Ed. 2009 Pag. 193. 28 Messenger assinalou que o discurso e o sentido das palavras variam conforme a posição e as crenças de quem fala17. Em consonância com essa observação, devemos acrescentar que, nas sociedades capitalistas complexas, devido à estratificação social, à diferenciação cultural, regional e ideológica, há uma gradativa e inevitável nuclearização e fragmentação de interesses que implica uma maior diversidade discursiva. Todavia, é possível, na maior parte das vezes, caracterizar os conflitos entre os discursos interessados na propriedade cultural como conflitos que têm em comum a separação profunda entre as noções de público e de privado. Com efeito, trata-se de tensões e contradições inclusive conceituais, que se estabelecem com base nas supostas prerrogativas dos Estados e nas supostas prerrogativas do setor privado, em conformidade com um processo de fragmentação social típico da modernidade. Os diferentes grupos que pretendem possuir e preservar objetos históricos, etnológicos, artísticos e arqueológicos, tomando para si o encargo de atender interesses que seriam de toda a coletividade humana, representam, na verdade, um dos lados do conflito relativo ao papel que cabe ao setor público e aquele que se deve atribuir ao setor privado. A Constituição Brasileira de 1998 tratou de preencher esse abismo e não recepcionou a summa divisio clássica entre Direito Público e Direito Privado18. A visão daqueles que consideram a propriedade cultural algo intangível e absoluto ou mesmo daqueles que insistem no protagonismo dos Estados no seu domínio, proteção e gestão contraria a importante noção da Carta Política, que preconiza “mais sociedade, mais direitos e deveres individuais e mais direitos e deveres coletivos e menos Estados e menos mercantilização”19. O Constituinte brasileiro preferiu adotar o quadro filosófico da ciência jurídica contemporânea, ao qual Canotilho chama de direito subjetivo público, ou direito supra-individual, cujo propósito é garantir a proteção dos interesses não só do indivíduo proprietário mas também da coletividade20. No modelo constitucional brasileiro, a propriedade privada permanece plenamente tutelada. Todavia, ela passou a cumprir sua função social, em conformidade com o preceito de assegurar a todos existência digna, com os ditames da justiça social, para a qual não deve haver exclusões ou discriminações, e com o princípio de respeito à dignidade da pessoa humana, um dos apanágios do Estado Democrático de Direito21. A necessidade de tomar o meio ambiente (aí incluídos os artefatos arqueológicos, componentes do meio ambiente cultural) como um bem público, de propriedade do Estado, se desfez com a instituição do Código de Defesa do Consumidor em 1990. Esse ordenamento, ao estabelecer o que são bens difusos e coletivos, em consonância com a cf/88, revogou tacitamente o inciso i do art. 66 do Código Civil de 1916. Assim, além dos bens públicos e privados, o ordenamento jurídico brasileiro passou a contemplar uma terceira categoria de bens: a dos bens difusos. O reconhecimento do caráter difuso do bem ambiental cultural, compreendido, assim, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, confere uma importante e especial força jurídica aos seus titulares, a coletividade, posto que a eles se dirigem as mais diversas medidas que garantem a vitaliciedade do instituto (salge jr., 2003, p. 111). Fiorillo (2004a, p. 56) observa que, “diante desse novo quadro, os bens que possuem as características de bem ambiental (de uso comum do povo e indispensável à sadia qualidade de vida) não são propriedades de qualquer dos entes federados (...)”22. Importa observar, por fim, que essa posição jurídica está em conformidade tanto com a perspectiva neoliberal, que preconiza a redefinição das atividades do Estado, quanto com os princípios da democracia, que pressupõe que se disponibilizem à sociedade civil vários recursos de defesa do bem ambiental cultural. Desse modo, a sociedade civil organizada e legitimada pode assumir o papel de prestação e execução direta de serviços e atividades de caráter público, cabendo ao Estado regular, induzir e mobilizar os agentes econômicos e sociais. Avigora-se, assim, o espaço público não estatal23. Não pretendemos aqui esgotar o assunto, tendo em vista os diferentes aspectos que o tema sugere e que ainda merecem reflexão. Contudo, acreditamos que considerar 17 MESSENGER, Phyllis Mauch. The ethics of cultural property. Whose property ? Whose culture ?, pag. 209. 18 ALMEIDA,Gregório Assagra. Direito coletivo brasileiro: autonomia metodológica e a superação da suma divisio direito público e direito privado pela suma divisio constitucionalizada e relativizada direito coletivo e direito individual. Disponível Direito Processual Coletivo Brasileiro. Saraiva:2003, pag. 203. 19 NUNES JUNIOR, Amandino Teixeira. O Estado ambiental de Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 589, 17 fev. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/6340>. 20CANOTILHO, J.J. Gomes. Proteção do ambiente de propriedade: crítica de jurisprudência ambiental. Coimbra, 1995, p. 38. 21 SOUZA, Mário Jorge Uchoa. Evolução da função social da propriedade nas constituições brasileiras e no direito comparado. Disponível em http://jusvi.com/artigos/1049. 22Oosterbeek lembra-nos os princípios da Declaração Internacional de Calamosa, de 1998, uma reflexão de iniciativa do Comitê Internacional para a Gestão de Qualidade do Património Cultural, que busca uma mudança de paradigma na esfera da “gestão do patrimônio”. Os princípios seriam três: 1)“O Patrimônio Cultural é a memória coletiva da Humanidade; 2) O Património Cultural é um recurso não renovável; 3) A gestão de qualidade do Patrimônio Cultural deve ser orientada para a sua preservação, no contexto do desenvolvimento sustentável.” Oosterbeek, Luiz Miguel. Gestão da Arqueologia: Mudar o paradigma. Disponível em www.praxisarchaeologica.org/issues/PDF/2008_139144.pdf. 23 Idem. actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte essa terceira via, a noção de bem difuso, é caminho rico de possibilidades para a solução dos conflitos relativos à gestão e conservação dos bens culturais. bibliografia almeida,g. (2003) — Direito coletivo brasileiro: autonomia metodológica e a superação da suma divisio direito público e direito privado pela suma divisio constitucionalizada e relativizada direito coletivo e direito individual. Disponível Direito Processual Coletivo Brasileiro. Saraiva. bonavides, p. (2001) — Teoria constitucional da democracia participativa: por um direito constitucional de luta e resistência; por uma nova hermenêutica; por uma repolitização da legitimidade. São Paulo Malheiros. brasil. — Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. canotilho, j.j. g. (19959 — Proteção do ambiente de propriedade: crítica de jurisprudência ambiental. Coimbra Editora. canotilho, j. j. g.; moreira, v (1991) — Fundamentos da constituição. Coimbra: Coimbra Editora. capelletti, m.; garth, b. (1988) — Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor. coli, j. (2005) — Como estudar a arte brasileira do Século XIX. São Paulo: SENAC. cuno, j. (2008) — Who owns antiquity? – Museums and the battle over our ancient heritage. Princeton: Princeton University Press. consumidor, l. (1991) — Código de Defesa do (Lei nº. 8079/90), Enciclopédia Britannica do Brasil. São Paulo. finkelstein, i.; silberman, n. a. (2003) — A Bíblia não tinha razão. São Paulo: A Girafa. fiorillo, c. a. p. (2000) — O direito de antena em face do direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva. fiorillo, c. a. p. (2004a) — Curso de direito ambiental brasileiro, 5. São Paulo: Saraiva. fiorillo, c. a. p. (2004b) — Princípios do processo ambiental. São Paulo: Saraiva. gidbon, k. f, (ed) (2007) — Who owns the past? – Cultural Policy, Cultural Property, and the Law. New Brunswick, New Jersey, and London: Rutgers University Press. malheiro, e. p. (2009) — Manual do Direito Internacional Público. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2.ª Ed. mancuso, r. de c. (2004) — Interesses difusos: conceito e legitimação para agir, 6, Revista dos Tribunais, ed. São Paulo. mancuso, r de camargo — Comentário ao código de proteção do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991. merryman, j. h. (1986) — Two Ways of Thinking About Cultural Property. American Journal of International Law,80, 4, 831. messenger, p. m. (ed). (2003) — Whose Culture?- The Ethics of Collecting Cultural ProPert. Albuquerque: The University of New Mexico Press. milaré, e. (ed.). (2005) — A acção civil pública após 20 anos: efetividade e desafios, Revista dos Tribunais, São Paulo, pp. 33–57. miranda, m. p. de s. (2006) — Tutela do patrimônio cultural brasileiro: doutrina, jurisprudência, legislação, Belo Horizonte: Del Rey. mirra, á. l. v. (2004) — Ação civil pública em defesa do meio ambiente: a representatividade adequada dos entes intermediários legitimados para a causa, In MIRRA, Á. L. V. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente. 2. São Paulo: Juarez de Oliveira. modesto, p. (2002) — Participação popular na administração pública: mecanismos de operacionalização, Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto. asp?id=2586>. modesto, p. (1999) — Reforma administrativa e marco legal das organizações sociais no Brasil. Revista de Direito Administrativo, 210, out./dez. 1999, Rio de Janeiro, pp. 199–200. morais, j. l. (2005) — A arqueologia preventiva como arqueologia: o enfoque acadêmico-institucional da arqueologia no licenciamento ambiental. Revista de Arqueologia do IPHAN, Florianópolis, v. 2, 298–133. morais, j. l.; mourão, h. a. — Inserções do direito na esfera do patrimônio arqueológico e histórico-cultural, In WERNECK, M. et al. (eds.). Direito ambiental: visto por nós advogados, Belo Horizonte: Del Rey, pp. 341–393. mourão, h. a. (2009) — Patrimônio Cultural como um Bem DifusoO Direito Ambiental Brasileiro e a defesa dos interesses coletivos por organizações não governamentais. Belo Horizonte:Del Rey. nunes junior, a. t. (2005) — O Estado ambiental de Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 589, 17 fev. 2005. Disponível em: <http:// jus.com.br/revista/texto/6340>. oosterbeek, l. m. (2008) — Gestão da Arqueologia: Mudar o paradigma. Disponível em www.praxisarchaeologica.org/issues/PDF/2008_139144.pdf renfrew, c. (2006) — Loot, Legitimacy and Ownership. London: CPI Antony Rowe Ltd. souza, m. j. u. (2002) — Evolução da função social da propriedade nas constituições brasileiras e no direito comparado. Disponível em http:// jusvi.com/artigos/1049. robson, e. et al. (eds) (2006) — Who owns objects? — The Ethics and Politics of Collecting Cultural Artefacts. Oxford: Oxbow Books. salge jr.d. (2003) — Instituição do bem ambiental no Brasil pela Constituição Federal de 1988 e seus reflexos jurídicos ante os bens da União. São Paulo: Juarez de Oliveira. thomas, j. (2006) — Archaeology and Modemity. London and New York: Routledge. yoshida, c. y. m. (2006) — Tutela dos interesses difusos e coletivos. São Paulo: Juarez de Oliveira. merryman j.h. (2007) — A licit international trade in cultural objects, in gidbon, k. f. (Ed.) Who owns the past? — Cultural Policy, Cultural Property, and the Law. New Brunswick, New Jersey, and London: Rutgers University Press. 30 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte uma versão de “o jardim do amor” de rubens pertencente à colecção estrada Fernando António Baptista Pereira cieba – faculdade de belas-artes da universidade de lisboa A colecção Estrada é especialmente relevante, à escala nacional e mesmo internacional, em virtude do rico e diversificado espólio arqueológico que reuniu e que tem sido apresentado nas sucessivas Antevisões do Museu Ibérico de Arqueologia e Arte de Abrantes (miaa). É, em grande parte, por esse motivo que, no seu nome, o miaa é, em primeiro lugar, um museu de Arqueologia e, só depois, de Arte… Várias peças desse espólio arqueológico, nomeadamente cerâmicas, bronzes, vidros, ourivesaria e joalharia, foram objecto de intervenções de estudo científico durante as primeiras jornadas do miaa, cujas Actas agora se editam. Contudo, o senhor Estrada, ao lado do seu interesse pela Arqueologia, sempre comprou pintura e acumulou uma apreciável embora por vezes desigual colecção, que se estende do século xvi ao xx. Na sua maior parte, já está inventariada no miaa, ainda que se encontrem em sua actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte casa diversas pinturas muito interessantes, como um retrato da Escola Italiana do século xvi, que estudaremos com detalhe noutra ocasião. Desta feita, escolhemos uma pintura sobre madeira atribuível ao círculo ou mesmo à oficina de Rubens, ainda inédita e por nós revelada na 2.ª Antevisão do miaa, que é uma versão, em diferente formato, noutro tipo de suporte e com alguma redução figurativa, do famoso “Jardim do Amor” do Mestre Flamengo, que se expõe no Museu do Prado. Esta oportunidade afigurou-se-nos ideal para dar conta do estudo mais aprofundado que temos vindo a fazer do original e desta versão, não esquecendo a intervenção de restauro a que esta última foi sujeita e que, a nosso ver, não teve na devida conta a ligação da pintura com o seu modelo de referência. Nada se conhece acerca da proveniência deste óleo sobre madeira nem tivemos acesso ao relatório do restauro realizado. Não obstante, a informação que recolhemos sobre a obra de que a presente pintura é uma versão e a análise a que procedemos desta última são já suficientes para fazer um primeiro ponto da situação e fazer recomendações sobre uma eventual nova intervenção de restauro. o jardim do amor A composição original conhecida com o título de “O Jardim do Amor”, que, como se disse, se expõe no Museu do Prado, é uma das mais conhecidas e apreciadas obras de Peter Paul Rubens (1577–1640), grande pintor da Escola Flamenga e um dos principais criadores do Barroco e da iconografia cristã da chamada Reforma Católica. O catálogo relativo à Pintura Flamenga desse prestigiado museu situa a pintura na última década de vida do pintor, pelos anos de 1633–34 (Padrón 1995: 982-987; Vergara s/d), quando Rubens estava nos seus cinquenta anos e tinha casado, poucos anos antes, em 1630, em segundas núpcias, com Hélène Fourment, então com apenas 16 anos e considerada a jovem “mais bela de Antuérpia”. Fig. 1 | Peter Paul Rubens, “O Jardim do Amor”, ca 1633-34, óleo sobre tela, 198x283 cm, Museu do Prado. A composição, na época designada como uma “conversation à la mode” ou uma “Conversatie van Joffrs” (conversação de jovens mulheres, em flamengo), pretendia constituir uma homenagem ao amor e à felicidade conjugais, o que estará relacionado com o aludido recente matrimónio do pintor e com os seus esperados frutos, temática que também originaria os derradeiros retratos da família do pintor, como o que se expõe no Metropolitan Museum de Nova Iorque. Inseria-se, por seu turno, numa linha iconográfica que tem origens medievais (nomeadamente no tema da Virgem no hortus conclusus ou até no modelo da sacra conversazione) mas que, além de se cruzar com a tipologia do retrato colectivo, tão em voga nos Países Baixos, fora devidamente actualizada, segundo apurou Elise Goodman (Goodman 1992), no quadro do gosto aristocrático pelo galanteio e pelos novos costumes amorosos que os salões literários da Paris seiscentista promoviam, fora dos rígidos cânones da corte. Goodman demonstrou que o pintor conhecia e admirava os escritores de vanguarda da Paris de cerca de 1630, como Theophile de Viau, Tristan l’Hermite ou Jean-Louis Guez de Balzac, assim como utilizou na composição da obra gravuras que circulavam na sociedade cultivada flamenga e francesa ilustrando os temas favoritos dessa literatura amorosa e os ideais da beleza feminina e do galanteio amoroso (ibid.). A pintura, para a realização da qual foram feitos diversos desenhos preparatórios, apresenta grupos de jovens mulheres reclinadas, sentadas ou em pé, ricamente vestidas, por vezes acompanhadas de homens igualmente jovens e com vestuário cortesão, num cenário idílico, como era convenção na época e no gosto literário que inspirou o autor, pontuado por uma construção arquitectónica de cariz clássico-maneirista — um templete porticado, em que já se viu uma alusão ao pórtico da casa apalaçada do pintor em Antuérpia — que deixa entrever, à esquerda, uma aprazível paisagem. Todo o cenário configura um Jardim do Amor, reforçado pela presença de inúmeros putti ou Amores esvoaçantes, lançando flechas, empunhando uma tocha ou incitando as mulheres a seguirem as suas afeições face aos homens que as acompanham e galanteiam. No interior do templo, em cuja balaustrada se encontra um outro agrupamento, divisam-se uma estátua da Deusa do Amor, Vénus, em pose e com atributos que reforçam a di- 34 mensão de fertilidade, e um grupo escultórico das Três Graças, associação temática muito em voga em composições de evocação amorosa ou matrimonial desde o final da Idade Média e o Renascimento. A crítica tem sublinhado a parecença física do rosto de algumas das mulheres representadas e de uma ou outra personagem masculina com os rostos do pintor e da sua segunda esposa (Vergara s/d). A obra aparece inventariada em 1666, no Alcázar de Madrid, em Espanha, sendo designada como “un sarao de Rubens”, tendo feito parte da colecção real até à sua incorporação no Prado, onde foi catalogada pela primeira vez em 1843 (ibid.). duas gravuras realizadas a partir de “o jardim do amor” e os respectivos desenhos preparatórios Rubens preocupou-se sempre com a divulgação da sua obra através da gravura. Lukas Vosterman foi o primeiro artista-gravador a realizar gravuras baseadas nas obras do pintor. Dado que, no próprio “Jardim do Amor”, como atrás se mencionou, Rubens utilizou fontes gravadas ilustrativas da lírica amorosa de que o quadro se fez eco, é natural que visse com bons olhos a realização de gravuras inspiradas na composição e que disseminariam o modo como havia tratado o tema junto de uma clientela aristocrática e burguesa que seguia os mesmos ideais. Fig. 2 | Peter Paul Rubens, desenhos preparatório para gravura da primeira e segunda parte de “O Jardim do Amor”, Metropolitan Museum de Nova Iorque. Quase sempre eram os gravadores que realizavam os desenhos sobre os quais se realizavam as matrizes para impressão. Contudo, no caso das gravuras pensadas para divulgar “O Jardim do Amor”, tal não aconteceu. O próprio Rubens retocou e corrigiu os desenhos das duas partes em actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte que a composição original foi dividida, dando origem às gravuras executadas e impressas por Christoffel Jegher. Fig. 3 | Gravuras de Jegher, a partir de “O Jardim do Amor” de Rubens. Os desenhos, à pena e a sépia com aguadas, encontram-se hoje no Metropolitan Museum de Nova Iorque, que também possui exemplares das gravuras, no geral muito fiéis aos protótipos. A divisão da composição com o objectivo de realizar as versões gravadas é muito curiosa. Nas duas metades, o enquadramento arquitectónico foi significativamente sacrificado, em nome da concentração temática no que parecem ser as modalidades do galanteio amoroso. Na metade esquerda, o pintor seleccionou os dois pares do primeiro plano, o que está em pé e o que está reclinado no solo (em que a figura feminina desenha uma pose “melancólica”), acrescentando-lhe a cena que se passa na balaustrada do templo, em que os diversos pares amorosos se resguardam de jactos líquidos de origem não explícita mas que, de acordo com a composição pictórica original, poderiam ser os que brotam dos seios da estátua de Vénus. Na metade direita, tudo se concentra no grupo central e mais numeroso de figuras femininas da pintura, apenas acompanhadas por um tocador de alaúde e por outros dois homens, divisando-se, ao fundo, à direita, o grupo das Três Graças, o que indicia o estatuto virginal das protagonistas que as figuras masculinas pretendem conquistar. Deve assinalarse que, na versão gravada desta metade, esse detalhe desaparece. a versão de “o jardim do amor” da colecção estrada O modo como o autor não hesitou em “partir” a composição ao meio para poder realizar duas gravuras sobre diferentes modalidades do mesmo tema amoroso ajuda-nos a compreender a opção da oficina de Rubens, ou do seu círculo, na realização da versão que pertence à Colecção Estrada. Fig. 4 | A variante para o “Jardim do Amor” da Col. Estrada: óleo sobre madeira, 106,5x96 cm, anverso. Fig. 5 | A variante para o “Jardim do Amor” da Col. Estrada: óleo sobre madeira, 106,5x96 cm, reverso. Em primeiro lugar, a composição não deriva nem das gravuras nem dos respectivos desenhos preparatórios, mas implica o conhecimento directo da própria pintura original, uma vez que mantém o enquadramento arquitectónico, apenas reduzindo, em parte, os grupos figurativos, em virtude da alteração do formato (de um rectângulo horizontal para um rectângulo vertical), para se concentrar no grupo central e na narrativa de galanteio de jovens mulheres que aí se encontram por três homens: o que lê (novidade face à composição original), à esquerda, o que toca, ao centro, e o que chega acompanhando uma mulher, à direita. À esquerda, foi sacrificado o grupo em pé, enquanto, à direita, deixou de se ver a estátua de Vénus e, ao fundo, o grupo junto da balaustrada. Os cupidos diminuiram de número mas continuam presentes no trabalho de acompanhamento do galanteio e de incitamento das damas. A coerência formal e temática da composição mantém-se e até se reforça, com a presença do “leitor”, a referência à literatura amorosa que, como atrás vimos, inspirou o tema e, finalmente, o seu desdobramento nos dois desenhos e gravuras e nas duas obras pictóricas. 36 Há, todavia, evidentes diferenças na qualidade de execução. Enquanto a pintura do Prado é uma obra autógrafa de Rubens, no auge das suas notáveis capacidades criativas (como é o caso, também, dos desenhos preparatórios para as gravuras e não tanto o caso destas), a versão da Colecção Estrada é uma cópia oficinal ou de um continuador que, não obstante, conhecia e seguiu de perto a composição original, porventura sob a orientação do mestre, nas opções relativas ao suporte (a madeira e não a tela) e ao novo enquadramento vertical que implicaria reformulações ao nível dos grupos figurativos, sem sacrifício da mensagem fundamental. Mas o que choca o espectador é o modo como foi feita a reintegração ao nível do desenho e do cromatismo no restauro da pintura ou se não eliminaram repintes anteriores, o que, em alguns casos, desfigura a qualidade da obra, em absoluto contraste com os sectores da camada pictórica que conservaram os valores originais. Bastaria ter atenção a relação desta versão com a pintura original para ir buscar valores de reintegração que não diminuissem a qualidade apesar de tudo considerável desta obra da Colecção Estrada. Recomendaríamos, para terminar, num futuro trabalho de conservação e restauro sobre a pintura, afinal bem necessário, uma revisão radical da reintegração, com o objectivo de harmonizar o que resta com o que supõe ter desaparecido. bibliografia goodman, elise (1992) — Rubens: The Garden of Love As Conversatie a La Mode, Amesterdão/Filadélfia: John Benjamins Publishing Co. padrón, matiaz días (1995) — El siglo de Rubens en el Museo del Prado. Catálogo razonado de pintura flamenca del siglo XVII, vol. II, Barcelona: Editorial Prensa Ibérica, e Madrid: Museo del Prado, pp. 982-987, n.º 1690. vergara, alejandro (s/d) — El Jardin del Amor, http://www.museodelprado.es/pradomedia/multimedia/el-jardin-delamor/?pm_subcat=49&pm_cat=2&pm_video=on&pm_audio=on&pm_ interactivo=on (acedido a 1/9/2011). actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte escultura em marfim indo-portuguesa da colecção estrada Hilda Frias cieba – faculdade de belas-artes da universidade de lisboa resumo A Colecção Estrada possui um importante núcleo de escultura indo‐portuguesa em marfim datável dos sécs. xvii e xviii, representativo do encontro cultural e artístico entre Oriente e Ocidente e da necessidade dos missionários em divulgar a Palavra e a fé cristã. A imaginária indo‐portuguesa desta época caracteriza-se pelo labor escultórico em madeira ou marfim, esta de menores dimensões, geralmente apresentando figuras da Virgem Maria, do Menino Jesus, de S. José e de outros santos, com particular incidência para as representações de Santo António e de S. Francisco Xavier. Muito difundidos são também as representações do Bom Pastor. Palavras-chave: marfim; escultura; indo-português; cristianismo; santos. 38 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte abstract The Collection Estradahas na important nucleus of indoportuguese sculpture in ivory datable from the 17th and 18th centuries, representing the cultural and artistic meeting between East and West and the need of missionaries spreadingthe Word and Christian faith. The indo-portuguese images from this period are characterised by Works in wood or ivory, the latter with smaller dimensions, usually presenting figures if the Virgin Mary, the Child Jesus, St. Joseph and other saints, in particular St. Anthony and St. Francis Xavier. Also very widespread are the images of the Good Sheperd. Keywords: ivory; sculpture; indo-portuguese; christianity; saints. A designação — arte indo-portuguesa — é, geralmente, utilizada para a produção dos séculos xvi e xviii, religiosa ou laica, que se insere no relacionamento artístico entre Portugal e a Índia, com características muito particulares, tendo como ponto fulcral a interpenetração das culturas indiana e europeia, especialmente a portuguesa. Segundo alguns autores, como Bernardo Ferrão Tavares e Távora, a designação arte indo-portuguesa é atribuída a John Charles Robinson que, em 1881, a utiliza no texto de introdução do Catalogue of the Special Loan Exhibition of Spanish and Portuguese Ornamental Art. Em 1883, Sousa Viterbo escreve n’A Exposição de Arte Ornamental. Notas ao Catálogo, um texto onde faz corresponder o termo indo-português a objectos feitos na Índia por artífices indígenas ou em Portugal, sob influência indiana e em 1884, Joaquim de Vasconcelos, alarga essa definição a três categorias — objectos feitos em Portugal por artífices orientais a residirem em território luso; objectos feitos por artífices portugueses no Oriente, mas em cidades que estivessem sob o domínio nacional, de Goa até Malaca; objectos importados, originários das indústrias da Ásia, mas de tal forma raros que os quiséssemos imitar. Já no século xx João Couto (1938), Luís Keil (1940), Maria José de Mendonça (1949), Reynaldo dos Santos (1962) e Madalena Cagigal e Silva (s.d.) abordam o conceito de arte indo-portuguesa referindo a importância das influências e questões iconográficas. Maria Madalena Cagigal e Silva no seu texto A Arte Indo-Portuguesa (s.d.), refere num capítulo que dedica a este tema, que o estilo indo-português é a combinação especial de elementos indianos e portugueses ou ocidentais, resultante da fusão das várias formas de emprego da decoração, escolha dos motivos e técnicas, submetidas a um tratamento característico. Tempos mais tarde, Bernardo Ferrão Tavares e Távora na sua obra A Imaginária Luso-oriental e o Mobiliário Português (1983), refere ser um termo, de início, atribuído à produção que transmite uma relação de interpenetração entre a cultura portuguesa — europeia — e as do Império do Oriente, dividindo esse conceito por outras escolas e centros de produção artística, como o sino-português (relação Portugal/China), o nipo-português (relação Portugal/ Japão), o cingalo-português (relação Portugal/Ceilão), ficando o indo-português relacionado com a produção resultante da inter-relação da cultura portuguesa e da indiana. Já mais perto dos nossos dias, Teotónio de Souza (1994) refere, num artigo sobre a arte cristã de Goa, que das peças que se podem denominar indo-portuguesas devem ser excluídas as produzidas na Índia pelos artistas da Companhia de Jesus ou outros europeus, devido ao domínio das tradições artísticas locais que emana dos objectos produzidos na Índia pelos nativos. Nos anos mais recentes alguns autores preferem a designação de produção indiana de exportação para o mercado português, algo que reforça o cariz de localização de elaboração das peças e deixa de parte o lado importante da relação cultural e artística1. marfins O marfim é uma substância de origem animal, extraído das presas de elefantes, morsas, hipopótamos, narvais e até de fósseis de mamute, tendo sido utilizado de diversas formas e esculpido desde que o homen pré-histórico conseguiu aperfeiçoar as suas ferramentas, lanças e propulsores. De início era trabalhado para poder ser utilizado para caça ou pesca, mas já na Antiguidade, os primeiros a trabalhar este material foram os artistas egípcios, os do Império Pérsico e da Fenícia, assim como os gregos, com as placas de marfim gravadas. Na Europa, será na França que surgem os mais antigos marfins de caráter religioso, que datam do século v, mas a arte de trabalhar e esculpir o marfim alcançou o apogeu no período Gótico. A produção dividide-se em marfins religiosos e profanos, quando, no século xvi, surgem as primeiras representações do amor profano, os retratos e as peças torneadas. No século xvii, os dois principais centros de produção na Europa eram França e Alemanha. Na China e no Japão além do seu emprego em marchetaria e pequenas representações de divindades, existe uma série de objetos diversos como as representações médicas, (como a que se encontra hoje em exposição no Museu da Farmácia em Lisboa) representando o corpo de uma mulher despida, geralmente reclinada e apoiada num dos braços e que servia para as doentes mostrarem aos médicos a zona do corpo afectada, sem que precisassem de se despir e os frasquinhos de fumo, de poucos centímetros de altura, decorados com variadas cenas e diferentes personagens. a imaginária indo-portuguesa em marfim No seguimento das directrizes do Concílio de Trento, a política religiosa implementada na Índia, seguia os princípios da Contra-Reforma e defendia o catolicismo ameaçado pelo pensamento Protestante, daí que durante o século xvi a Igreja Católica adopte medidas específicas com vista à propagação da doutrina cristã em território indiano, visando consolidar a autoridade do papado. Esta é a altura em que é criada a Companhia de Jesus, estabelecido o Index e o Tribunal do Santo Ofício. A ideia da conquista era a de conseguir o comércio de especiarias e a conquista de almas para a cristandade. Vasco da Gama, em 1498, aporta em Calecute, levando consigo dois frades Trinitários, com vista a suprirem as necessidades espirituais e religiosas dos marinheiros e a converterem os gentios que iriam encontrar. Após a ida de diversos membros de diferentes ordens religiosas, surge em 1542, no mais notável período das missões portuguesas, a ordem dos Jesuítas. São Francisco Xavier e os seus companheiros serão os protagonistas de uma nova etapa de evangelização, aprendendo as línguas nativas, fazendo pregações, fundando colégios e missões pelas Américas e a Ásia. Mas, como todos sabemos, este processo de evangelização e conversão não foi de todo pacífico; muito pelo contrário: na Índia, templos hindus foram destruídos e no seu lugar erguidas igrejas católicas, as crianças consideradas órfãs foram entregues ao Colégio de São Paulo da Companhia de Jesus com o fim de serem baptizadas e educadas de forma católica, muitas pessoas foram convertidas e baptizadas de forma coerciva, através da persuasão e da força. Nas viagens, os missionários levavam consigo 1 Ferreira, Maria João, Arte Indo-portuguesa, http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/content.php?printconceito=744 40 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte imagens de tamanho mais reduzido com o fim de oração e, como previsto nas normas do Concílio de Trento, esta foi, igualmente, uma prática de evangelização. A produção de imagens religiosas de tamanho reduzido foi fundamental para a urgente evangelização e divulgação da iconografia religiosa cristã e o consequente implantar do culto doméstico. Mas foram essas imagens que serviram de base aos trabalhos de artistas locais que assim se imbuíam do espírito desejado para realizarem obras de cariz cristão, fazendo surgir assim a imaginária indo-portuguesa, baseada em modelos oriundos do Ocidente e impregnada de elementos decorativos orientais. Como refere Bernardo Távora, “os artistas indígenas, ao trabalharem para as Missões, não podiam eximir-se do complexo hereditário e ambiental da etnia e das técnicas locais e, sobretudo, da ancestralidade dos cânones religiosos e artísticos do seu povo”. A mão-de-obra local não agradou ao meio eclesiástico local, mas era de todo impossível realizar as obras na sua totalidade em território português e depois enviá-las ou ter artistas cristãos a responderem localmente a todas as solicitações. Era clara a proibição da feitura de imagens religiosas cristãs pelos infiéis — “nenhum Christão mande pintar imagens, nem cousa alguma pertencente ao culto divino a pintor infiel, nem fazer a ourives, fundidores, latoeiros infiéis, calices, cruzes, castiçaes, nem cousa outra alguma que aja de servir em Igrejas”. Dá-se um encontro de saberes e de conhecimentos prévios, a imagem é cristã mas a representação é oriental, nos traços, trajes, jeitos,… Surgem as representações do Bom Pastor como um menino, iconograficamente representado como um jovem desde as imagens paleocristãs, e muito difundido na arte da Antiguidade clássica, grega e romana. O Bom Pastor é o Salvador, o que conduz e protege o seu rebanho e o afugenta dos perigos. O Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas e tem o dever de as conduzir, segundo o Evangelho de S. João. No Evangelho de S. Lucas, Jesus questiona: “Qual de vós, tendo cem ovelhas e perder uma, não abandona as noventa e nove no deserto e vai em busca daquela que se perdeu, até encontrá-la? E achando-a, alegre a põe sobre os ombros e, de volta para casa, convoca os amigos e os vizinhos, dizendo-lhes: Alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida”. O Bom Pastor é um modelo de fé e de salvação que servia os princípios da evangelização, pois a ovelha tresmalhada e perdida do rebanho — o pecador — é levada ao ombro pelo salvador e assim reencontra o caminho certo. O Bom Pastor do Oriente (fig. 1) é um Menino Jesus dormente com a cabeça apoiada na mão direita, no topo do monte rochoso em socalco, com uma ovelha ao ombro e outra no colo e com as pernas cruzadas, vestido como pastor e representado com os seus habituais atributos - o bornal e a cabaça, geralmente, colocado sobre uma peanha, dividida em três socalcos, decorada por uma fonte de onde uma carranca jorra água para um tanque e onde se observam duas aves a beber e um rebanho de ovelhas guardadas pelo Bom Pastor; na base a representação de Maria Madalena penitente, deitada à maneira indiana, como Vishnu dormindo no oceano cósmico. Os modelos escultóricos europeus dominantes durante os sécs. xvi a xviii eram provenientes da Flandres — Bruxelas, Antuérpia e Malines — modelos flamengos levados pelos portugueses para o Oriente e que serviram de inspiração aos artistas locais, tendo como características particulares a frontalidade, o hieratismo a mão direita erguida em posição de abençoar e a mão esquerda com o globo, os Menino Jesus de Malines, representadas com o cabelo cortado à maneira medieval e com expressões e anatomia flamengas, o rosto redondo, coxas largas, nádegas pequenas e a perna direita ligeiramente avançada e flectida. O Menino Jesus Salvador do Mundo e o Menino Jesus de Vara Crucífera são exemplos destes modelos de Menino Jesus de Malines que se tornaram populares na Índia dos sécs. xvii e xviii (fig. 2 e fig. 3). Fig. 3 | Menino Jesus | ce03773 dimensões médias: 24,5 cm, 8,7 cm, 5,9 cm. Fig. 1 | Bom Pastor | ce02419 dimensões médias: 21,5 cm, 5,7 cm, 4,6 cm. Como é óbvio estas representações não se inserem na denominação de obra indo-portuguesa mas são uma das fontes inspiratórias da produção local, na mesma senda das gravuras e retábulos portáteis que lá chegaram. A iconografia mariana é apresentada em grande escala, a Virgem com o Menino em que as representações surgem com certas características muito particulares, hirtas, inexpressivas, com longos cabelos escorridos e ondeados, múltiplas pregas no panejamento e para serem observadas frontalmente. Já nas representações das Virgens em Majestade (fig. 4), a Senhora é representada sentada num trono ou cadeira de braços, onde se observa em pleno a arte de entalhar, tipicamente hindu. Fig. 2 | Menino Jesus | ce03755 dimensões médias: 36,7 cm, 12,4 cm, 12,4 cm. 42 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte Fig. 4 | Virgem em Magestade | ce03766 dimensões médias: 12,1 cm, 4,9 cm, 3,8 cm. No que se refere às imagens da Senhora da Conceição, estas surgem com frequência na imaginária em marfim, provavelmente devido ao Rei D. João iv, em 1646, ter adoptado a Imaculada Conceição como padroeira de Portugal (fig. 5). Por vezes as representações em marfim da Imaculada Conceição surgem sozinhas, sem o menino (fig. 6). Fig. 5 | Nossa Senhora da Conceição | ce02418 dimensões médias: 19,6 cm, 6,7 cm, 4,6 cm. Fig. 6 | Nossa Senhora da Conceição | ce02418 dimensões médias: 24,3 cm, 7,1 cm, 5,7 cm. É de referir que antes da chegada dos missionários europeus à Índia, era popular o culto dos episódios da infância de Krishna e da sua mãe adoptiva, Yashoda, consorte de Nanda, era o culto dos princípios da maternidade e da figura de Krishna criança divina e avatar de Vishnu. Outras imagens muito divulgadas são as de Cristo crucificado, com dimensões várias, estas esculturas faziam-se acompanhar, a maioria das vezes, por representações da Virgem Maria, S. João e Maria Madalena. Possuíam bases e peanhas em forma de templetes, com nichos, adornados com trabalho de prata rendilhado. Os missionários europeus encontraram um paralelismo e similitudes formais e conceptuais que poderiam facilitar a tradução simbólica da iconografia cristã. O material mais utilizado para estas representações foi o marfim, abundante na região e na época, fazia obras refinadas e de bons contornos. Geralmente, as representações em marfim são de vulto perfeito, podendo surgir isoladas e avulsas, pequena estatuária executada em presas de elefante ou de rinoceronte e que eram provenientes da costa oriental africana ou de Ceilão. Surgem, igualmente, as placas com baixo-relevo em marfim, os retábulos portáteis medievais. São raras as estruturas compósitas mas surgem conjuntos de peças policromas, os Calvários, as Árvores de Jessé — filiadas nas Árvores sagradas da Índia. A Árvore da Vida protege a figura do Bom Pastor sendo uma referência à figueira, a árvore sagrada para os Budistas, que teve um papel protector de Buda pois foi sob ela que alcançou a revelação espiritual. Existiam diferentes locais de elaboração de obras: a Escola Indo-Portuguesa, na Costa Ocidental e Meridional da Índia, com destaque para Cochim e Goa; a Escola Mogol, na Costa Setentrional da Índia, em Guzerate, com Damão e Diu; a Escola Cíngalo-Portuguesa, englobando a Ilha de Ceilão; a Escola Nipo-Portuguesa, ligada às possessões portuguesas no Japão; a Escola Sino-Portuguesa, ligada às possessões portuguesas na China. Cada oficina tinha o seu estilo próprio, a sua forma de imaginar, entalhar e finalizar uma peça, o que lhe confere 44 um carácter muito próprio e singular; daí as distinções, pois hoje em dia é quase impossível conhecer a autoria de cada peça. Sendo assim, as peças agrupam-se segundo marcadas características que definem o estilo particular de cada artista ou oficina e os temas iconográficos utilizados segundo a actividade missionária. No uso de materiais e das técnicas de entalhamento do marfim, os artistas demonstram semelhanças de trabalho com o realizado em madeira, semelhanças formais e conceptuais e encontramse os mesmos estereótipos das peças de madeira, os mesmos maneirismos. Também a imaginária tradicional local deixa a sua marca nestas peças com a inexpressividade dos rostos, o hieratismo e a valorização do símbolo em detrimento do sentimento. Na Índia surge o marfim proveniente do elefante do Ceilão e o do elefante africano e certos documentos referem o marfim grosso, miúdo, meão. Por vezes, as peças em madeira possuem as partes mais nobres como as mãos e a face, em marfim, sendo as outras e a peanha em madeira. As esculturas de vulto são executadas na parte interiormente preenchida ou na parte oca; as peças contêm no interior uma peça de madeira ou de marfim, com o fim de reforçar a escultura e não é raro a escultura de vulto seguir a curvatura longitudinal do dente, sendo as peças compostas por vários elementos presos entre si por cola ou pinos em bambu ou marfim. bibliografia boxer, c.r. (1969) — O Império Colonial português, Lisboa: Edições 70. couto, joão (1938) — “Alguns Subsídios para o Estudo Técnico das Peças de Ourivesaria no Estilo Denominado Indo-Português”, in Primeiro Congresso da História da Expansão Portuguesa no Mundo: 2.ª secção: Portugueses no Oriente, Lisboa: Ministério das Colónias. dias, pedro (2004) — “O Contador das Cenas Familiares. O quotidiano dos portugueses de Quinhentos na Índia na decoração de um móvel indo-português”, in Dias, Pedro, Arte Indo-Portuguesa. Capítulos da História, Coimbra: Almedina. dias, pedro (1988) — “A escultura em marfim”, in História da Arte Portuguesa no Mundo (1415–1822), Círculo de Leitores. ferrão, bernardo (19909 — Mobiliário Português: Índia e Japão, Vol. iii, Porto: Lello & Irmão Editores. http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/ content.php?printconceito=744 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte keil, luís (1940) — “A Arte Portuguesa e a Arte Oriental”, in Terceiro Congresso do Mundo Português, 5, Lisboa: Comissão Executiva dos Centenários. mendonça, maria josé de (1949) — “Alguns Tipos de Colchas Indo-Portuguesas na Colecção do Museu de Arte Antiga” Boletim do Museu, Vol. ii, fasc. ii. santos, reynaldo dos (1962) — “Goa e a Arte Indo-Portuguesa” Colóquio, n.º 17. silva, edjane cristina rodrigues da (2009) — “Influência da iconografia indo-portuguesa na representação do Menino Jesus do Monte”, 18.º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais, Salvador. silva, madalena cagigal e (1966) — “A Arte-Indo-Portuguesa”, Lisboa, Edições Excelsior. 1966. A Arte Portuguesa: As Artes Decorativas i, Lisboa, Edições Excelsior,[s.d.]. souza, teotónio de — “A Arte Cristã de Goa: uma introdução histórica para a dialética da sua evolução”, in Oceanos – IndoPortuguesmente, Lisboa, 1994, nº19/20 – Setembro/ Dezembro távora, bernardo ferrão tavares e — A Imaginária Luso-oriental Lisboa, Imprensa Nacional — Casa da Moeda. 1983. vasconcelos, joaquim de — Exposição Distrital de Aveiro em 1882 Aveiro, [s.n.]. 1883. viterbo, francisco marques de sousa — “A Exposição de Arte Ornamental: Notas ao Catálogo” Boletim da Sociedade de Geographia de Lisboa, 3.ª Série, n.º 9. 1882. oswald, maria cristina Marfins, formas e técnicas, com especial incidência na imaginária indo-portuguesa in revista Oceanos, n.º 19/20, 1994. o núcleo egípcio da colecção estrada Luís Manuel de Araújo faculdade de letras da universidade de lisboa instituto oriental resumo O acervo egípcio do Museu Ibérico de Arqueologia e Arte de Abrantes tem cerca de cinquenta objectos, alguns dos quais já estiveram expostos, e encontra-se ainda em fase de estudo. Existem no acervo objectos que, não sendo originais, foram produzidos com cativante esmero e com uma certa destreza técnica, podendo inserir-se no âmbito da egiptomania. Palavras-chave: colecções egípcias em Portugal; coleccionismo; egiptomania. 46 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte abstract The Egyptian collection of Museu Ibérico de Arqueologia e Arte de Abrantes has about fifty objects, some of wich in exhibition and still in study. Some of these objects, although not original, were produced with such an impressive ability and technique that we can include them in the context of egyptomania. Keywords: Egyptian collections in Portugal; collecting; egyptomania. O interessante acervo egípcio do Museu Ibérico de Arqueologia e Arte de Abrantes, com cerca de cinquenta peças, e que se encontra ainda em fase de estudo, vem juntar-se a outros acervos congéneres existentes em Portugal, contribuindo para que o número de objectos evocativos do país do Nilo aumente um pouco mais. Na verdade, existem actualmente no nosso país mais de mil peças egípcias, desde grandes sarcófagos antropomórficos a pequenos amuletos, estando quase todos eles já estudados e publicados, esperando-se que em breve possa ser publicada a totalidade do acervo egiptológico abrantino. A maior colecção egípcia entre nós é a do Museu Nacional de Arqueologia (com cerca de seiscentas peças, das quais estão expostas umas trezentas), seguindo-se as do Museu da Farmácia e do Museu de História Natural da Universidade do Porto (ambas com mais de cem peças) e a do Museu da Sociedade de Geografia de Lisboa (com quase cem peças). Mas a melhor em qualidade é, sem dúvida, a colecção egípcia do Museu Calouste Gulbenkian, que expõe quarenta peças, algumas das quais de ampla fama internacional. Existem depois pequenas colecções em outros museus públicos e privados a que se juntam os acervos particulares de vários coleccionadores. Se bem que não atinjam a quantidade e a qualidade dos objectos das grandes colecções egípcias de museus da Europa e dos Estados Unidos, os acervos portugueses testemunham o gosto pelo coleccionismo de antiguidades, onde os objectos egípcios marcam tradicional e quase obrigatória presença, a começar pelos típicos escaravelhos, amuletos, estatuetas funerárias e bronzes figurativos. E são alguns destes objectos que integram a pequena colecção abrantina, que aqui se apresentam por serem os mais significativos. Estão neste caso um escaravelho, coleóptero sagrado que foi objecto de intensa veneração ao longo de toda a história da civilização egípcia, como símbolo de forte pendor profiláctico ligado ao renascimento, e os bronzes figurativos que, sobretudo na Época Baixa, fase correspondente às últimas dinastias egípcias autóctones (da xxvi à xxx dinastia), foram produzidos em grande quantidade para evocar divindades como Osíris, Hórus e Ísis, além de animais sagrados, como os muito queridos felinos da deusa Bastet. Destaque-se também um fragmento de sarcófago com uma imagem da deusa Ísis, duas estatuetas funerárias, um prato redondo, uma estatueta de Amon, e um colar com pequenos amuletos. Quanto ao núcleo de escaravelhos (vinte exemplares), foram já publicados em Cadmo, revista do Centro de História da Universidade de Lisboa (19, 2009: 120–123). gato Datação: Época Baixa ou dinastia ptolemaica (séculos vii–i a.c.). Estatueta de bronze de um gato, animal sagrado da deusa Bastet, ligada ao amor e à protecção, na sua tradicional pose sentada, com a cauda na base passando pelo lado direito (fig. 2). alguns objectos do acervo osíris Datação: Época Baixa ou dinastia ptolemaica (séculos vii–i a.c.). Estatueta de bronze representando Osíris, deus da eternidade e do Além, em pose mumiforme, com a sua típica iconografia: ceptros hekat (do Sul) e nekhakha (do Norte) cruzados nas mãos que saem do envoltório fúnebre, a barba divina no queixo, a coroa atef emplumada com a serpente sagrada na fronte (fig. 1). Fig. 1 | Osíris | ce01135 dimensões médias: 22,1 cm, 4 cm, 5,7 cm. Fig. 3 | Fragmento de sarcófago | ce03850 dimensões médias: 22,7 cm, 35,5 cm, 0,3 cm. hórus criança Datação: Época Baixa ou dinastia ptolemaica (séculos vii–i a.c.). Estatueta de bronze de Hórus Criança (Harpócrates), desnudado e com a sua conhecida iconografia: a mão direita junto da boca, à qual chega o dedo indicador, uma madeixa de cabelo entrançado caindo sobre o ombro direito e a serpente sagrada saindo da fronte. Na base tem um espigão para fixação (fig. 4). Fig. 2 | Gato | ce01101 dimensões médias: 26,5 cm, 15,7 cm, 10 cm. 48 fragmento de sarcófago Datação: Época Baixa ou dinastia ptolemaica (séculos vii–i a.c.). Fragmento de um sarcófago em cartonagem pintada com uma imagem da deusa Ísis alada, com asas abertas partindo dos braços estendidos, cujas mãos seguram penas da deusa Maet (verdade, justiça e equilíbrio). A figura ajoelhada exibe sobre a peruca a típica cornamenta liriforme com o disco solar. O texto hieroglífico menciona o nome da deusa Ísis (fig. 3). actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte Fig. 4 | Hórus criança | ce02740 dimensões médias: 13,3 cm, 4,3 cm, 5,3 cm. escaravelho Datação: Império Novo (séculos xv–xii a.c.). Escaravelho com os clípeos razoavelmente assinalados, tendo na carapaça o protórax e os élitros marcados por incisões. De lado observam-se as patas em ligeiro relevo. A base ovalada apresenta-se com uma inscrição com signos ilegíveis (fig. 5). Fig. 5 | Escaravelho | ce00148 dimensões médias: 1,5 cm, 2 cm, 1,5 cm. estatueta de criança Datação: Indeterminada. Estatueta de faiança muito erodida, já sem o revestimento vítreo original. O objecto está furado na cabeça, aparentemente para ser usado como amuleto (fig. 6). Fig. 7 | Estatueta de Amon | ce02736 dimensões médias: 11,7 cm, 3,7 cm, 4,9 cm. Fig. 9 | Esfinge | ce01139 dimensões médias: 6,2 cm, 8,6 cm, 3,3 cm. estatueta de amon Datação: Império Novo (séculos xv–xii a.c.). Estatueta com a típica iconografia do deus Amon, exibindo uma coroa com altas plumas e tendo no queixo a barba divina. A mão esquerda está avançada, indiciando que já segurou um grande ceptro uase (prosperidade), o qual aparece amiúde empunhado pelo deus tebano, estando a perna esquerda avançada. A figura tem nos pés elementos para fixação a uma base original que desapareceu (fig. 7). esfinge Datação: Indeterminada. Figura de carneiro deitado em pose esfíngica com patas estendidas em frente e cabeça envolvida por cornamenta alongada horizontalmente junto ao rosto e a terminar junto das comissuras da boca. A esfinge criocéfala poderá aludir ao deus Amon ou então ao deus Khnum. A figura assenta numa base rectangular do mesmo material (fig. 9). taça Datação: Império Novo (?). Recipiente de faiança azul com decoração interior a preto em forma de pétalas saindo de um círculo central na parte côncava (fig. 8). colar com amuletos Datação: Indeterminada. Colar formado por tubinhos de faiança de onde pendem pequenos amuletos muito erodidos e de difícil identificação. Reconhece-se entre eles uma pequena edícula, um olho mágico udjat, e um elemento que parece ser constituído por udjat unidos (fig. 10). Fig. 10 | Colar com amuletos | ce01410 dimensões médias: 19,5 cm, 1,9 cm, 0,7 cm. Fig. 6 | Estatueta de criança | ce03055 dimensões médias: 1,5 cm, 2 cm, 1,5 cm. Fig. 8 | Taça | ce02354 dimensões médias: 4,2 cm, 9.8 cm. 50 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte egiptomania na colecção estrada Entre as mais belas peças do acervo egípcio estão algumas estatuetas de bronze de boa factura, com harmoniosas proporções que sugerem as produções da xviii dinastia (Império Novo) e uma cimitarra de bronze. A inicial sensação de regozijo por ver a qualidade geral dos objectos que foram mostrados ao investigador e a boa impressão colhida numa primeira apreciação das estatuetas vieram depois a desvanecer-se numa observação mais atenta — tratava-se de imitações cuidadosamente elaboradas. Quem produziu a cimitarra e as estatuetas de bronze que eram apresentadas como egípcias não se conteve na ânsia de “aprimorar” o produto que pretendia vender aos incautos, certamente por altos preços, dada a qualidade do trabalho técnico de metalurgia e o respeito por uma tradicional iconografia que se detecta nos objectos. Mas afinal as estatuetas são reproduções habilidosas de originais que podem ser apreciados em museus que expõem peças semelhantes ou que podem ser vistas em vários catálogos de arte egípcia. Uma das fontes de inspiração para a cópia terá sido o espólio do faraó Tutankhamon, hoje no Museu Egípcio do Cairo, que inclui diversas estatuetas de metal ou de madeira de idêntica configuração. Assim se explica que os textos hieroglíficos gravados em algumas destas peças falsas da colecção Estrada invoquem o nome do famoso monarca egípcio da xviii dinastia. Este conjunto de objectos imitando estatuetas egípcias da xviii dinastia comprova o que se sabe deste há algum tempo: a existência de um centro ou de centros de produção de falsificações, dotados de meios para o fabrico de “antiguidades”, algures em França, em Espanha, e outros países, que ciclicamente inundam o “mercado”. Não faltam mesmo os objectos feitos com materiais nobres, com destaque para o ouro, produzindo “tesouros” que depois são “descobertos” em locais nunca claramente identificados e “comprovados” por “documentos” nunca mostrados. Alguns coleccionadores terão sido vítimas desses hábeis meliantes, e também as imitações “egípcias” não foram esquecidas, estando presentes em vários acervos do nosso país — e por isso, e dentro da experiência obtida na apreciação de colecções propostas para estudo e publicação, a primeira tarefa é separar imediatamente os objectos falsos. Depois não admira que surjam notícias como a que correu em 2009, amplamente divulgadas na imprensa, dando conta de que o bpn possuía uma “colecção egípcia” tida como sendo valiosíssima, que o banco de Oliveira e Costa teria comprado por cinco milhões de euros. Mais tarde veio o “esclarecimento” que afinal a colecção não era egípcia mas sim um heterogéneo conjunto de objectos “encontrados” em território português e que o arqueólogo Luís Raposo, director do Museu Nacional de Arqueologia considerou, em esclarecimento prestado à comunicação social, serem “peças falsas ou cópias”. Quanto aos objectos egípcios integrados no lote adquirido pelo bpn, o Correio da Manhã mostrava, no seu suplemento de domingo (n.º 10850, de 21-2-2009), apenas uma peça pretensamente egípcia, um vaso de vísceras com tampa em forma de cabeça humana, no meio de muitos objectos de ouro, nomeadamente máscaras funerárias inseridas num grupo de “artefactos de origem grega e fenícia”. No meio de todos os “objectos de arte” do bpn estas “estatuetas egípcias” da colecção Estrada fariam por certo boa figura e poderiam até “valorizar” o controverso acervo que chegou a ser designado por “colecção Joaquim Pessoa”. Mas a cimitarra e as estatuetas que aqui apreciamos foram adquiridas pelo senhor Estrada, em circunstâncias que não se conhecem bem ao certo, servindo agora não para serem expostas como exemplos de arte egípcia (porque são falsas) mas eventualmente para serem exibidas como sugestivos fenómenos de egiptomania. Fig. 11 | Cimitarra | ce00176 dimensões médias: 68 cm, 6,6 cm, 0,6 cm. estatueta de anúbis Datação: Imitação recente. Estatueta de bronze de boa feitura técnica com um corpo humano em pose mumiforme mas com uma cabeça de canídeo, neste caso aludindo ao deus Anúbis, protector das necrópoles. A cabeça tem focinho afilado, olhos bem delineados, orelhas pontiagudas para cima, e uma cabeleira tripartida e estriada. Tem um grande colar usekh de aparato e as mãos estão unidas à frente. A iconografia é aquela que habitualmente se vê em produções egípcias deste tipo, mas é chocante a presença do prenome do rei Tutankhamon dentro de uma cartela gravada no espaço entre as duas orelhas da cabeça: lá pode ler-se o prenome ou quarto nome do rei, que era Nebkheperuré (fig. 12). A maior parte dos signos hieroglíficos foi feita com algum cuidado e até são legíveis, mas no geral trata-se de signos avulsos que procuram imitar o texto clássico do capítulo 6 do “Livro dos Mortos”, e que aqui não dão uma leitura coerente (fig. 14 e 15). Fig. 14 | Estatueta funerária | ce01134 dimensões médias: 26,5 cm, 7,1 cm, 4,6 cm. Fig. 13 | Estatueta de Sekhmet | ce01133 dimensões médias: 35,7 cm, 7,1 cm, 6,4 cm. objectos do acervo inseridos neste grupo cimitarra Datação: Imitação recente. Cimitarra de bronze, de inspiração cananaica, conhecida pela designação de khopech, usada no Egipto durante a fase expansionista do Império Novo (séculos xvi–xi a.c.), sendo igualmente um símbolo de poder (fig. 11). estatueta de sekhmet Datação: Imitação recente. Estatueta de bronze de boa feitura técnica com um corpo humano encimado por uma cabeça de leoa de bons traços fisionómicos na associação leonina da deusa Sekhmet, que tinha instintos protectores e benfazejos alternando com a fúria aniquiladora. Sobre a cabeça está o disco solar, também de bronze, e à frente da figura foi gravado na posição vertical um texto hieroglífico com bons signos que não passa de imitação de conhecidos textos presentes em estatuetas do rei Tutankhamon. Na presente inscrição lê-se: “Filho de Ré, senhor dos diademas, Nebkheperuré, dotado de vida.” Trata-se do quarto nome do famoso rei da xviii dinastia (fig. 13). estatueta funerária Datação: Imitação recente. Estatueta de bronze de boa feitura técnica com um corpo humano bem elaborado e em pose de múmia com a iconografia dos habituais chauabti. Tem os braços cruzados à frente para nas mãos segurar os alviões junto dos ombros, e exibe um colar de três voltas. À frente tem um texto hieroglífico em oito colunas horizontais que se desenvolve da direita para a esquerda e cuja leitura não faz sentido. Fig. 12 | Estatueta de Anúbis | ce01130 dimensões médias: 35,8 cm, 7,4 cm, 8,4 cm. 52 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte Fig. 15 | Texto hieroglífico da estatueta funerária imitando o capítulo 6 do “livro dos Mortos” bibliografia estatueta funerária Datação: Imitação recente. Estatueta de bronze em pose mumiforme e sem qualquer inscrição, mostrando um corpo harmonioso e com os braços cruzados à frente. Tem uma cabeleira arredondada conhecida pela designação de cabeleira em saco, exibindo à frente a serpente sagrada iaret (fig. 16). aldred, cyril (1980) — Egyptian Art in the Days of the Pharaohs, 3100320 bc, Londres: Thames and Hudson. almagro-gorbea, martin; torres ortiz, mariano (2009) — “Los escarabeos fenicios de Portugal. Un estado de la cuestión”, in Estudos Arqueológicos de Oeiras, Oeiras: Câmara Municipal, pp. 521–554. almeida, júlia pereira de; araújo, luís manuel de (2009) — “Escaravelhos egípcios em Portugal», in Cadmo, 19, Lisboa: Centro de História da Universidade de Lisboa, pp. 97–130. araújo, luís manuel de (1993) — Antiguidades Egípcias, I, Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa: Instituto Português de Museus. araújo, luís manuel de (2006) — Arte Egípcia. Colecção Calouste Gulbenkian. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, FCT. araújo, luís manuel de (2011) — A Coleção Egípcia do Museu de História Natural da Universidade do Porto, Porto: Universidade do Porto. daumas, françois (1987) — La Civilisation de l’Égypte Pharaonique, Paris: Éditions B. Arthaud. málek, jaromír (1999) — Egyptian Art, Londres: Phaidon Press. Fig. 17 | Estatueta deHórus | ce01132 dimensões médias: 39 cm, 7,3 cm, 6,2 cm. estatueta de harpócrates Datação: Imitação recente. Estatueta de madeira em pose de marcha com a perna esquerda avançada, exibindo sobre a cabeça uma coroa compósita de bronze, e o rosto com traços anatómicos feitos com razoável pormenor. O braço esquerdo cai ao longo do corpo, que está vestido com um saiote curto, enquanto o braço direito se apresenta flectido, com a mão direita chegada à boca e o dedo indicador junto aos lábios, como é típico na iconografia de Harpócrates (fig. 18). sales, josé das candeias (1999) — As Divindades Egípcias. Uma chave para a compreensão do Egipto antigo, Lisboa: Editorial Estampa. seipel, wilfried (1989) — Ägypten. Götter, Gräber und die Kunst 4000 Jahre Jenseitsglaube, Linz: OÖ Landesmuseum Linz. 1989. Fig. 16 | Estatueta funerária | ce01131 dimensões médias: 32,5 cm, 8,6 cm, 6,3 cm. estatueta de hórus Datação: Imitação recente. Estatueta de bronze em pose mumiforme e sem qualquer inscrição, mostrando um corpo harmonioso, com os braços cruzados à frente e com um colar usekh de aparato cobrindo as mãos. A cabeça é de falcão, com os correctos traços anatómicos da ave identificadora do deus Hórus, rodeada por uma cabeleira tripartida e estriada (fig. 17). Fig. 18 | Estatueta de Harpócrates | ce00140 dimensões médias: 31,3 cm, 5,2 cm, 2,6 cm. 54 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte multi-analytical approach in the study of ceramics J. Mungur-Medhi universidade de trás os montes e alto douro instituto politécnico de tomar grupo quaternário e pré-história do centro de geociências (uid76 fundação ciência e tecnologia) resumo Este estudo, que incidiu sobre uma amostra de dez cerâmicas da Colecção Estrada, para além de ser uma tentativa de utilizar diferentes métodos analíticos para encontrar as técnicas mais apropriadas para a caracterização e datação de uma colecção de cerâmica, procura também mostrar a natureza compensatória desses métodos analíticos. Palavras-chave: cerâmicas; autenticidade; análise mineralógica; análise química; termoluminiscência. 56 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte abstract This study, which focused on a sample of ten ceramics of the Collection Estrada, besides being an attempt to use different analytical methods to find the most appropriate techniques for the characterization and dating of a collection of ceramics, also seeks to show the compensating nature of these analytical methods. Keywords: ceramics; authenticity; mineralogical analysis, chemical analysis; thermoluminescence. “From the initial survey of a potential site to the laboratory analyses that can last for years after the digging is over, archaeologists and physical scientists are collaborating to learn more about the past that ever could have been summarised using classical methods alone” zurer, 1983; 26. Large proportion of archaeological and archaeometric investigations are oriented towards Heritage, having as their main objectives: identification, better understanding, and preservation. The present study has a similar focus: multiple analytical approaches are applied to better understand a ceramic group, which forms part of an important collection in Portuguese Heritage. Actually, artefacts and works of art kept in museums originated in many cases from ancient private collections. In such cases, a partial or total absence of historical information may create additional problems concerning their authenticity. Hence there is a need for proper study in order to attribute each artefact the corresponding culture, to develop their contextualisation and investigate their authenticity. The study of museum collections and their preservation requires the use of analytical techniques combined with examination techniques. In the present study a sample of 10 ceramics were selected. The experimental work was divided into 3 parts: the first one was the classical approach of typology and style in order to make a relative chronology of the ceramics that would be used as a base to guide the application of instrumental analytical techniques; the second part consisted of compositional analysis and the third part was devoted to absolute chronology. objectives The collection under study will soon find its place in the future museum Museu Iberico de Arqueologia e Arte, in Abrantes Portugal and out of it the 10 ceramics were studied with the following objectives: 1 Establish the authenticity and absolute dates; 2Finding the mineralogical and elemental fingerprint of the samples to group the ceramics and indicate which of them may have the same source; 3Come out with the most appropriate method for the future study of the collection; 4Look into the compatibility and compensating aspects of different methods and to stress on their complementary needs; 5Application of analytical methods cannot merely be adopted from the physical sciences but must be developed to address key issues in archaeology and heritage (Whitbread, 2001). Through this work there is also an attempt to look into the archaeological and heritage problems as from a chemist approach and vice versa. Hence it is experimentation in trying to address this problem of gap between archaeology and archaeometry. methods Due to the mixture of artefacts from different time periods and absence reliable associated documentation, the first approach was to classify and group the ceramics based on their typology and style. They were placed in a relative time line and attributed to the analogous culture and geographical distribution. Thereafter, thermoluminescence dating was applied for an absolute chronology. Thermoluminescence dating is an appropriate method to date ceramic as the latter is an insulator and semiconductor and has absorbed energy during exposure to radiation; characteristics needed for tl dating. The basic principle is that clay and its temper of pottery lose their accumulated geological dose when the pot is fired during its manufacture thus setting the thermoluminescence to zero. The newly formed pot is now subjected to natural radiation from its surroundings and the pottery accumulates an absorbed dose which is proportional to its archaeological age. In its simplest form Age (years) = Palaeodose(gy)/Annual Dose rate (gy) The palaeodose also known as equivalent dose (de) was calculated using 3 different techniques: 58 1 The Regenerative Technique, which applies incremental irradiations to aliquots that have first been measured for their natural signal and thus zeroed. This procedure ‘regenerates’ the growth curve from zero and the natural signal is fitted into the curve by interpolation. 1 disc of each specimen was heated up to 500°c and the tl was measured thus obtaining the natural dose and at the same time setting tl of the sample to 0. The sample was then given an artificial Beta dose and the regenerated signal was measured. The measurement and irradiation was conducted in a Risø da-15 automatic reader with bg25 and ha3 detection filters to detect in the blue emission region, and a 90Sr/90Y irradiator (Bøtter-Jensen et al., 2000) giving 0.065±0.001 gy/s to fine polymineral grains on aluminium discs for 50 seconds (Richter et al 2003) that is 3.25 ± 0.05 gys. The data was then plotted on a graph of Temperature against the tl counts followed by a calculation of integrals for each measured signal of each sample. The 351-450°c integral was used and the integral equation: Artificial dose x [Natural integral/(Bleach+dose integral)] was used to calculate the palaeodose. 2The second technique used consisted of the Multiple Aliquot Additive Dose Technique. Incremental irradiations are given to different aliquots that still retain their natural dose which results in enhancement of the luminescence signal and a growth curve is constructed plotting irradiation against luminescence signal. The natural signal forms the lowest point on this curve, which is then extrapolated back to zero dose to estimate de. 2 discs for each sample were allocated to get the natural dose and beta dose were given to 8 discs in group of two, each time doubling the dose. The 8 aluminium discs for each sample were irradiated in Daybreak 801E calibrated to 0.145 gy/s, and were allowed to rest for 3 to 2 weeks before measurement. The discs were pre- actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte heated at 140°c for 16 hrs before being measured in a Risø reader using bg25 and ha3 detection filters. The data was plotted to draw a curve to see the peaks at each given dose. Thereafter, tl integral was calculated. Integral 200-399°c was used to calculate the palaeodose. 3The third technique employed was the pre-dose technique. Here, the archaeological age of the specimen is related, not to the natural thermoluminescence intensity, but to the sensitivity of a particular glow peak found in all pottery quartz. The sensitivity of the peak is found to be dependent upon the amount of radiation previously received which, in the case of an archaeological specimen, is the archaeological dose (McKeever, 1985). However, in this case a simplified Pre-dose technique proposed by Galli (Galli et al, 2006) was adopted, which is a method applied to fine-grain, contrary to the traditional predose technique which is done on quartz grain. 3 to 6 aliquots were irradiated in the Risø using bg25 and ha3 detection filters with a preheat of 30°c to release the nitrogen in the Risø. The 110°c peak response was measured and considered as S₀ and the tl was measured after giving a beta dose of 0.065 gy up to 450°c and this measurement was repeated for 8 times and the data being sn. The temperature is plotted against the tl counts. However, instead of one, two integrals were chosen; one is at the 60-119°c intervals as the 110°c peak is located in this range and the other at the 120-159°c which was used as the base line. Both integrals were plotted against the Cumulative Predose as shown in fig 1. After obtaining the integrals sn/s0 of both these integrals are calculated and plotted on the same graph against the cumulative predose to produce two linear line equations, extrapolated to have the interception. However, the cycle which followed the first point of saturation was rejected for the first integral thus avoiding an overestimate of the palaeodose. Satu- ration point varied from aliquot to aliquot even within the same sample and the cycle was accepted or rejected by looking at the plots. tl (cts) 12000 60–... 120... 10000 8000 6000 4000 2000 0 -2000 0 5 10 15 20 25 Cumulative PreDose (gy) Integrals against cumulative predose sn/s0 20 16 60–120 120... y = 0.6464x + 1.6244 12 8 y = 0.0597x + 1.4263 4 0 -4 0 Palaedose (gy) 4 8 12 16 20 24 Cumulative PreDose (gy) ESn/S0 against cumulative predose with the linear equations For dating, apart from the palaeodose, the radioactivity that is the annual dose has to be calculated as well. It consists of calculating how much dose the sample may have received each year. For most of the samples annual dose is provided equally by potassium, thorium and uranium and a few percentages from rubidium and cosmic rays. The data obtained by inaa undertaken for the chemical analysis which gives the rate of decay of potassium, uranium and thorium, is used to calculate the rate of ionization in the crystals. To finalise the Gamma dose it is important to consider the Gamma dose rate of the sample’s surroundings. As there is a lack of information on the context of the samples, the Gamma dose was calculated using the ‘Local hypothesis’ (Zink et al, 2005) that is assuming that the pot was buried in Portuguese soil or similar soil. An average Gamma dose of the Portuguese soil was calculated based on the gamma doses in a selection of Portuguese soils and sediments. Water content/moisture is another aspect to be considered while calculating the annual dose. Water of the pottery or in the soil where the pottery was, absorbs part of the radiation before reaching the thermoluminescence grains; that is water decreases the radioactivity per unit mass compared to dry situation (Aitken, 1985). Hence, moisture saturation level depends on the kind of fabric and the kind of sediment as well. Once again water content from both the sample and the sediment was a limitation in our measurement due to lack of context and the water content had to be estimated. After accounting for the difference in Efficiency of Alpha Radiation Relative to Beta in Producing Luminescence and the cosmic dose the annual dose can be finalised and the age calculated using: Age (years) = Palaeodose (gy)/Annual dose. Simultaneously, compositional study including mineralogy and elemental analysis of the fabric was undertaken. X-Ray Diffraction and Infrared Spectroscopy were used to define the mineral composition whereas Instrumental Neutron Activation Analysis and Micro X-Ray Fluorescence were carried out to determine the chemical composition of the paste and surface coating respectively. One destructive and one non-destructive or minimum invasive method have been chosen for both the analyses. The methods shall also indicate which one can be the most appropriate and reliable in further study of the collection taking into consideration the integrity of the pieces and the conservation aspects. xrd is one of the most important characterization tools used in solid state chemistry and materials science. In X-ray diffraction work a distinction is drawn between single crystal and polycrystalline or powder applications. The powder diffraction method is ideally suited for characterization and identification of polycrystalline phases. The main use of powder diffraction is to identify components in a sample by a search/match procedure. In the present work, samples were scanned from 2°–70° of 2θ, under a speed of 0.5steps/min with a Tension 45 kv 60 and Current 40 for 2 hours with a PANalytical X’Pert PRO powder. Mineralogical analysis via irtf is one of the ideal methods for archaeological and heritage materials, first due to the minimum amount of material required, about 2 mg and the exhaustive nature of the analysis (Hachi et al, 2002) and also has speed advantage. Chemical composition of pottery may be characteristic of a particular site or area of manufacture (Wilson, 1978). Two of the methods applied in the present study are: inaa; a destructive method (even though a small amount of sample is required) and X-Ray Fluorescence Spectroscopy a non-destructive and non-invasive method. Instrumental neutron activation analysis (inaa) is one of the most used analytical techniques for the determination of trace element concentrations in pottery and clay materials for provenance studies in archaeometric investigations of ceramics. The main advantages of inaa for pottery analysis are: high precision, accuracy and sensitivity for many elements. However it is a destructive method, though a small amount (about 200mg) is required. For neutron activation analysis, samples after being dried in an oven at 110 °c and standards were bundled together and irradiated at a thermal flux of. 3.96 x 1012 cm-2s-1 Ф epi/Фth = 1.03%; Фth/Фfast = 29.77 for 6 hours. Standard reference materials gsd-9 and gss-1 were used to calibrate. The bundles were rotated continuously during irradiation to ensure that all samples received the same neutron exposure. Iron (Fe) flux monitors were irradiated with the samples to allow corrections due to variation in neutron flux. After the data have been collected, the next step in any compositional analysis of pottery is to determine if there are any distinct groups present in the data. The volume of data generated in pottery inaa studies is often substantial consisting of up to 35 elements measured in all sampled sherds and clays. Methods, based on multivariate statistical analysis are required to identify and quantify the similarities and differences between specimens and groups of specimens. Pottery groups defined by compositional data can be viewed as “centres of mass” in the compositional actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte hyperspace described by the measured element concentrations. Pattern recognition methods such as cluster analysis, plots of the original data in two and/or three dimensions, and principal components analysis (pca) are customary approaches to data handling (Glascock et al, 2003). In the present case despite being very few samples 3 methods were approached to analyse the data. The data was first treated as absolute values. Histograms of each element were constructed using Excel Spreadsheet. It helped to compare the composition of an element in each sample. The absolute values were also used to plot Bivariate plots, for some major and trace elements. Bivariate plots/ Biplots, where the relationship between the variables (i.e., elements) is plotted, are used to examine the correlations between variables and within the samples, identify obvious groups and detect outlier specimens. It further helps to cross check and confirm the observations made from histograms. To further group and perceive the outliers Multivariate Statistical, namely clustering methods were employed by using the Statistica Program 8, specifically the joining tree-clustering method, using the standardised values of the chemical elements. The amalgamation rule employed in the joining tree-clustering was upgma (unweighted pair-group method using arithmetic averages). The joining tree-clustering method uses the dissimilarities/ similarities or distances between objects when forming the clusters. These distances can be based on a single dimension or multiple dimensions, with each dimension representing a rule or condition for grouping objects (Dias and Prudêncio, 2007). Coefficient correlation of Pearson in order to define groups with similar chemical composition and the Euclidean distances to separate outliers were used. The results are presented in the form of dendrograms showing the order and levels of specimen clustering. The Rare Earth Elements (ree) were also normalised to the Haskin et al 1968, Chondrite values (Rollinson, 1993). Data were normalised to give equal weight to the largely varying concentration values of the elements; the crude data is scaled to values with average 0 and standard deviation 1 (Mommsen et al, 1988). The non invasive method used for chemical analysis was Energy Dispersive Micro X-Ray Florescence (microedxrf). The aim of the present work was to investigate and evaluate the ability of applying portable micro-edxrf Instrument. The major advantage of this device is the nondestructiveness thus a whole ceramic can be analysed including its fabrics, paintings, glaze and varnish. However, it has its own limitations which can restrict the analysis to a major extent; in theory this technique may not detect the elements which are present in less than ½ % that is it may not identify the trace elements present in the ceramics. Besides, the chemical characterisation, this application would also indicate how far the results from the X-ray florescence is reliable and accurate to characterise this collection being favoured compared to inaa due to its non-invasive character. Simultaneously pigment and varnish identification would also be possible. The Micro-edxf spectrometer ‘Oxford instruments XRay Technology’ was used. (Fig. 1) It includes x-ray tube which scan the sample when energised; Beryllium exit window, Maximum voltage 30 kv, max current 0.1 mA, max power 3 W and max temperature 45 degrees and a Si x-ray detector which detects the emitted x-rays from the sample (xr – 100 cr) and transmits the x-rays to an Elemental Analysor (po-2 with max 30 kv). results Mineralogical study Based on mineralogical analysis of xrd, 2 main groups were identified; one calcitic including ce00008 (fig. 2), ce00069 (fig. 3), ce00181 (fig. 4) and ce00185 (fig. 5) and the rests that is ce00006 (fig. 6), ce00012 (fig. 7), ce00160 (fig. 8), ce00674 (fig. 9), ce02155 (fig. 10) and ce03939 (fig. 11) do not have trace of calcite. ftir Spectroscopy also illustrates that ce00008, ce00181, ce00185 have calcite but at the same time ce00012 also contains approximately the same amount of calcite as ce00008 which has not been identified by xrd. ftir also pointed the presence of calcite in trace in ce00160 and ce00674 which xrd did not recognize most probably due to the absence of crystalline phases of the mineral. Fig. 2 | Askos with taurin plastic form, like Villanovian funerary pottery | ce00008 average measurements: 25,8 cm, 23,5 cm. Fig. 3 | Double ware, with painted geometric decoration | ce00069 average measurements: 23,5 cm, 22,2 cm. Fig. 4 | Red figure “columns crater”, with centauromakia scene | ce00181 average measurements: 22,9 cm, 39,3 cm. Fig. 5 | Black figure crater, with tauromakia scene | ce00185 average measurements: 29,5 cm, 42 cm. Fig. 6 | Red figure “Calix” | ce00006 average measurements: 22,3 cm, 24,4 cm. Fig. 1 | The Micro-EDXF spectrometer ‘Oxford instruments X-Ray Technology’ in using 62 Fig. 7 | Beaker with plastic ornitomorphic figures, like Villanovian funerary pottery | ce00012 average measurements: 23,3 cm, 35 cm. actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte Fig. 8 | Red painted ware, like Iberian pottery | ce00160 average measurements: 21 cm, 13 cm. Fig. 9 | Pottery painted human statuette | ce00674 average measurements: 18,6 cm, 34,6 cm. Fig. 10 | Red figure “Rython” | ce02155 average measurements: 12,6 cm, 17 cm, 23,3 cm. Fig. 11 | Globular ware, with graved decoration | ce03939 average measurements: 20,5 cm, 25,8 cm. At the same time comparing the spectra from ftir the closeness of ceramics could be easily identified for instance ce00008 and ce00012 seem to be of exactly the same mineralogical composition and have gone through the same treatment, thus most probably from the same source. Along with the mineral composition, mineralogical analysis also gives important information on the firing temperature. In our case a combination of data from both techniques was highly compensating for this purpose: for instance ftir shows the presence of amorphous silicate in some ceramics indicating a firing temperature above 500°c. At the same time xrd shows clear presence of plagioclase feldspar indicating that the ceramic has been heated below 900°c. Hence ce00012 has most probably been fired around 900°c. ce00008 having plagioclase feldspar (xrd) and amorphous (irtf), went through a temperature between 500 to 900°c not even reaching 900°c as there is calcite. ce00181 and ce00674 which have no plagioclase most probably went through a firing temperature of above 900°c. ce00006 and ce02155 were most probably fired at a temperature around 900°c due to the presence of both diopside and plagioclase. ce00069, ce00160, ce00185 and ce03939 were fired below 900°ce but not very low. Chemical study Based on the geochemical data obtained from inaa, specimen ce00160 is a principal outlier in this sample of 10 ceramics followed by ce00674 which is also different from others. The rest can be clustered in 4 different groups with ce00069 and ce03939 being close, ce00008 and ce00012 form one perfect cluster as they are very close; ce00006 and ce00185 may have the same source and ce00181 and ce02155 form another group. While according to Micro‑edxrf, ce00069 is an outlier; ce00008 and ce00012 is of the same geochemical category; ce00185, ce02155 and ce00006 cluster together, ce00181 is completely apart and not even corresponding to the other similar looking ceramics and ce00160, ce00674 and ce003939 are also unique specimens. Thus, the geochemical similarity/dissimilarity of some elements points 6 sources of raw materials. 64 Dating The three techniques used along with different methods of data analysis gave very low or hardly any paleodose of the ceramics. The Predose Technique even indicates that they were not archaeological ceramics recently affected by heat (being one of the hypothesis) but instead are recently manufactured ceramics. Thus, tl points out that most of the ceramics are 19th–20th ad, at the most 14th–15th Century ad, production and not a 8th–5th bc bc production as the typologysuggested. The results are summarised in the following table: tl dates of the ceramics ceramics predose date ad ± yrs regenerative date ad ± yrs maad date ad ± yrs A8/526 CE02155 2229 98 1923 8 1964 11 A8/527 CE00008 1989 47 2004 0 1929 9 A8/528 CE00012 2167 54 2004 0 1948 8 A8/529 CE03939 1912 16 1995 2 1974 8 A8/530 CE00160 3236 226 1923 8 1995 3 A8/531 CE00674 1609 132 1887 12 1958 5 A8/532 CE00181 22 952 883 191 1991 5 A8/533 CE00185 2176 44 1966 4 1936 22 A8/588 CE00006 2237 75 – – 2078 16 A8/589 CE00069 2323 167 – – 2149 37 discussions and conclusions ftir and xrd add up in the mineralogical understanding of the sample in their own way. ftir is highly advantageous as it requires only 2.5 mg of powder for analysis and from a conservation point of view it is preferred. This method already gives an idea of the mineralogical composition and also about the firing temperature, depending on the presence of clay minerals or amorphous silicate or other mineral transformation phases. Moreover, along actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte with non-crystalline minerals it can clearly identify the presence of organic materials. However, not all the minerals can be identified precisely for instance we can find the presence of feldspar but which one exactly cannot be said. xrd is quite accurate but is more invasive The two methods of chemical analyses compensate each other for inaa analyses the paste and the edfx looks at the surface. Nevertheless, for proper geochemical characterisation inaa is better as the latter analyses the paste and can identify trace elements. Micro-edxrf is efficient but not ideal for detailed chemical analysis especially if questions of Provenance are treated. Nevertheless, being a non-destructive method it is highly useful and can be the first step in chemical analysis. The Mineralogical and chemical data of the ceramics were even useful in the Thermoluminescence Dating process of these ceramics. An obvious one is the use of data generated from inaa (for K, Th, and U) in calculating the Annual Dose. Moreover, the mineralogical data of the sediments (taken from inside the ceramics as proof of context) allowed us to reject the sediments to calculate the doses for the external environment. Moreover, when amorphous silicate was identified in one of the sediments it was hypothesised that ceramics could have got accidently heated during its museological history. In this case the Regenerative and Multiple Aliquot technique would not give palaeodose. These observations lead to adoption of the Predose Technique. All the methods have their own advantages, disadvantages and limitations. None of the analytical methods is really perfect that is why it is always better to use more than one method as they compensate each other. However, for such a collection it is highly advisable to go for the non-invasive method first followed by the invasive and at last the destructive methods if really required. However, if dating or authenticity test is required the invasive aspect is inevitable for even a small amount of powder is required for the purpose. Finally, it can be said that along with the authenticity it has also been able to test different analytical methods on the 10 samples of the collection and test for several hypotheses. All the analysis conducted and the different methods used, are compensating and help to build up in the understanding of the ceramics and eventually the collection. As suspected, the collection does have some copies of artefacts. Actually, it is normal to find copies in museum’s collections as many museums have been buying artefacts from different sources to enrich their collection and often without authenticity test. However, it does not mean that the whole collection should be characterised as fake and ignored. On the contrary proper studies have to be undertaken for proper sorting and characterisation, thus achieving an important part in proper heritage management of the collection and the future museum. Museum collections contain heteroclite items with unspecified archaeological context, origin and mode of acquisition. Some of these items have been submitted in the past to more or less ingenuous unspecified restorations, while others are mere copies, pastiches or fakes. Museums emerged from personal collections of antiquities that noble families collected since the Middle Ages. Artists tried to make objects as close in appearance as possible to the originals: the Renaissance and the 19th century being the most prominent periods. Since the opening in 1888 of the Chemical Laboratory of the Royal Museums, Berlin, directed by Friedrich Rathgen, for the study, authentication and preservation of cultural heritage; there has been huge progress in analytical techniques. To accomplish this work, science-based study, art history and conservation-restoration are carried out together. Nowadays, an increasing number of analytical techniques are applied to museum objects (Guerra, 2008). Hence, analysing the collection of Estrada Foundation (collection under present study) add up in this global move. and to whom I am highly grateful. I further thank Dr. L. Oosterbeek, the director of the Erasmus Mundus master in Portugal during which this work was conducted. I further express my gratitude to Dr. F. Frölich and his team from the Spectroscopy lab and Dr. A. Zink and Dr. F. Gaultier from the Louvre Museum, Paris. I am grateful to the Estrada Foundation and to the team working on this collection for allowing me to work within and be part of the project. As this work was conducted in relation to my master thesis as an Erasmus Mundus Student, I take the opportunity to thank each and everyone related to this programme. glascock m. d. — An Overview of Neutron Activation Analysis. guinn v. p. (1991) — Past, Present, Future of Neutron Activation Analysis. Journal of Radioanalytical and Nuclear Chemistry. Articles, Vol. 160, N.º 1 (1992) pp. 9-19. bibliography prudence m. r. (1987) — Pottery Analysis A sourcebook. The University of Chicago Press. acknowledgement This work was conducted at the Insitituto Politecnico de Tomar, Instituto Tecnologico e Nuclear, Lisbon and Spectroscopy lab at Musée de L’homme Paris under the supervision of Dr. J.Coroado, Dr. M.I. Dias and C.I. Burbidge glascock m. d. and neff h. (2003) — Neutron activation analysis and provenance research in archaeology. Meas. Sci. Technol. 14 (2003) 1516–1526 pii: S0957–0233(03)56714–5. Online stacks.iop.org/MST/14/1516. aitken m.j. (1985) — Thermoluminescence Dating. London, Academic Press. bishop r.l. (2003) — Instrumental Neutron Activation Analysis of Archaeological Ceramics: Progress and Challenges. Nuclear Analytical Techniques in Archaeological Investigations Technical Reports Series N.º.416 . Chapter 2, Part Ii: Reports By Participants In The Co-Ordinated Research Project. brouwer p. (2003) — Theory of xrf Getting acquainted with the principles. PANalytical BV, the Netherlands. castaing j. a, girod m. b, zink a. (2004) — Radiation background due to radioactivity in palaces and museums: influence on tl/osl dating. Journal of Cultural Heritage 5 (2004) pp. 393–397. Online www.sciencedirect.com. 2004. mckeever s.w.s. (1985) — Thermoluminescence of Solids. (Chap 1; 2; 7). Cambridge University Press, Cambridge London New York New Rochelle Melboune Sydney. papachristodoulou c., oikonomoub a., ioannides k. and gravani k. (2006) — A study of ancient pottery by means of X-ray fluorescence spectroscopy, multivariate statistics and mineralogical analysis. Analytica Chimica Acta pp. 573–574 (2006) pp. 347–353. www.sciencedirect.com. pollard a.m., batt c.m., stern b., young s.m.m. (2006) — Analytical Chemistry In Archaeology. Cambridge Manuals in Archaeology. G.Ed. Graeme Barker. Cambridge University Press. stuart b. (2004) — Infrared Spectroscopy: Fundamentals and Applications. Analytical Techniques in the Sciences. Wiley. wintle a.g. (1997) — Luminescence dating: Laboratory Procedures and Protocols. Radiation Measurements Vol. 27, N.º. 5/6, pp. 769–817. wintle a.g. (2008) — Fifty Years of Luminescence Dating. Archaeometry 50 , 2 (2008) pp. 276–312. zink a. and porto e. (2005) — Luminescence Dating Of the Tanagra Terracottas Of The Louvre Collections. Geochronometria. Journal on Methods and Applications of Absolute Chronology Vol. 24, pp. 21–26. zurer s. p., c and en washington (1983) — Archaeological Chemistry Physical Science helps to unravel human history. Special Report: pp. 26–43. dias m. i., prudêncio i. (2007) — Neutron Activation Analysis of Archaeological Materials: An Overview of the itn naa Laboratory, Portugal. Archaeometry 49, 2(2007) 383–393. dias m.i., prudêncio.i. (2008) — On the importance of using scandium to normalize geochemical data preceding multivariate analyses applied to archaeometric pottery studies. Microchemical Journal 88 (2008) pp. 136–141. Online www.sciencedirect.com. 2008. feathers j.k. (2003) — Use of luminescence dating in archaeology. Institute Of Physics Publishing Measurement Science and Technology. Meas. Sci. Technol. 14 (2003) pp. 1493–1509. Online at stacks.iop.org/ MST/14/1493. fröhlich f.s et gendron-badou a. (2002) — La Spectroscopie infrarouge un outil polyvalent. Géologie de la Préhistoire Méthodes, Techniques, Applications. Associations pour l’étude de l’environnement géologique de la préhistoire. Paris. glascock m. d., neff h. and vaughn k. j. (2004) — Instrumental Neutron Activation Analysis and Multivariate Statistics for Pottery Provenance. Hyperfine Interactions 154: 95–105, 2004. © 2004 Kluwer Academic Publishers. Printed in the Netherlands. 66 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte placas de xisto a arte rupestre: a propósito da coleccção estrada Manuel Calado cieba – faculdade de belas-artes da universidade de lisboa resumo As placas de xisto são um dos grandes temas da arte préhistórica europeia: com uma personalidade muito vincada, em termos de linguagem gráfica, embora ecoando gostos e soluções artísticas de carácter mais transcultural. Aborda-se aqui, por um lado, a eventual inspiração do estilo das placas na estética específica das artes das fibras e, por outro, o carácter antropomórfico que essa inspiração parece implicar. A descoberta de uma verdadeira oficina de placas de xisto, com todas as etapas da cadeia operativa bem representadas, num povoado de fossos sinuosos (Águas Frias, Alandroal), permite-nos rever os modelos interpretativos mais correntes, em vários aspectos fundamentais. A relação entre as placas ditas “alentejanas” e a arte rupestre neolítica pode ser abordada, desde logo, em termos iconográficos e, na verdade, diversos autores o têm tentado: no centro dessas análises destacam-se as eventuais relações entre a temática expressa nas placas e os temas presentes na chamada “arte megalítica”. Este trabalho centra-se, no entanto, nas questões espaciais implicadas na comparação entre a distribuição geográfica das placas, a sua área nuclear de proveniência e a distribuição da arte rupestre no Alentejo Central, nomeadamente o Complexo Rupestre do Alqueva. Palavras-chave: placas de xisto; arte rupestre; Neolítico. 68 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte abstract The slate plaques are one of the great themes of European prehistoric art, with a very strong personality in terms of graphic language, while echoing tastes and artistic solutions of a more transcultural type. I address here, on the one hand, the possible inspiration for the style of the plaques in the specific aesthetic of fiber arts and, secondly, the anthropomorphic character that that such inspiration seems to suggest. The discovery of a workshop for the manufacturing of slate plaques, with all the stages of the operative chain represented, in a Neolithic ditched village (Águas Frias, Alandroal) allows us to review the most current interpretative models in several key aspects. The relationship between the plaques from Alentejo and the Neolithic rock art can be approached from the outset in iconographic terms and, indeed, some authors have tried it: in the center of those analyses the possible relationships between the themes expressed in the plaques and the themes present in the “megalithic art” are usually highlighted. This paper focuses, however, on the spatial issues involved in the distribution of rock art in Central Alentejo, including the Alqueva Complex. Keywords: schist plaques; rock art; Neolithic; Central Alentejo. O trabalho arqueológico é, essencialmente, o da busca de significações que os sítios, os espólios ou os seus vestígios, directa ou indirectamente revelem. Busca indícios, sinais, signos ou sistemas que procura entender na sua singularidade ou multiplicidade, estabelecendo analogias ou oposições, investigando relações de significação. pina h. l., 2003. homenagem O texto em epígrafe foi retirado de um trabalho de Henrique Leonor Pina sobre as placas de xisto; trata-se de um contributo interessante, muito bem pensado e bem escrito. Este artigo pretende, modestamente, ser uma homenagem ao arqueólogo independente cujo trabalho de campo e cujos escritos marcaram, de forma indelével, alguns temas fulcrais do megalitismo alentejano. O homem que descobriu, de uma penada, o recinto megalítico dos Almendres e a Anta Grande do Zambujeiro. as placas de xisto como linguagem gráfica É consensual a ideia de que “existiu uma gramática decorativa para as placas de xisto gravadas” (Gonçalves, 2006: 46); é isso, aliás, que nos permite falar num certo “ar de família”, apesar de ser muito difícil encontrar duas placas exactamente iguais numa amostra que, na actualidade, conta com largas centenas de exemplares conhecidos. Se quisermos caracterizar sinteticamente a linguagem gráfica das placas de xisto, teremos que ter em mente, entre outros aspectos, o carácter anguloso dos motivos, o uso alternado do claro-escuro, a organização em bandas ou a simetria em função de um eixo vertical. Em comum, as placas de xisto têm ainda a forma genericamente quadrangular do suporte e a sua materialidade. Na verdade, todos estes aspectos conhecem excepções, incluindo o uso do xisto como material de suporte (isto se incluirmos na mesma categoria as placas de grés e outras variantes mais atípicas) (Bueno, 2010). Note-se que as composições baseadas em motivos angulosos são raras na arte paleolítica europeia que é, aliás, muito mais figurativa do que geométrica; esses padrões começam a ocorrer, com alguma frequência, sobretudo a partir do Neolítico Final e mantêm-se, de uma forma mais ou menos intermitente, até ao final da Idade do Bronze. Na arte rupestre de ar livre que, no Alentejo, ocorre maioritariamente em rochas do leito de rios, os motivos arredondados costumam predominar. Nos objectos móveis, pelo contrário, parece observar-se uma escolha mais recorrente pelos motivos angulosos. Nas placas de xisto, excluindo o motivo ocular/solar, as formas arredondadas estão virtualmente ausentes. considerações sobre a génese dos motivos angulosos A interpretação das placas como “imágenes vestidas con mantos bordados o pintados” (Bueno, 2010: 70) é muito sugestiva, sobretudo quando se assume o carácter antropomórfico das mesmas. É claro que os mesmos motivos aplicados num báculo (Alvim, 2010), complicam essa leitura mais imediata, embora, na minha opinião, sem a contradizerem. Katina Lillios, menos entusiasta com o carácter antropomórfico das placas (tendo proposto, como alternativa, o conceito de biomórfico) (Lillios, 2008), dilui um pouco a imagem, ao afirmar que “it seems logical to consider woven textiles, possibly clothing, blankets, or carpets, as the inspiration or basis for the decorative motifs on the slate plaques” (Lillios, 2002: 141). Com um pouco mais de audácia, poderia ainda estender-se esta lista à própria cestaria que é, verosimilmente, o antepassado tecnológico da tapeçaria e da tecelagem. Na verdade se, em vez de pintados, os motivos fossem o resultado da utilização de fios (ou fibras) de cores diferentes, o seu carácter anguloso e a organização em bandas poderiam ser sobretudo resultantes de constrangimentos técnicos. Vejam-se, por exemplo, os motivos decorativos (e a respectiva organização) nas mantas tradicionais alentejanas, ou nos tapetes tradicionais do Norte de África. Tendo em mente alguns dados etnográficos bem estudados, nomeadamente entre os índios amazónicos (van Velthem, 1998), entende-se melhor a importância relativa da cestaria na arte “primitiva”: as dificuldades técnicas da 70 execução de motivos, em objectos trançados, implicaram uma valorização deste tipo de suporte sobre os demais, nomeadamente a cerâmica, a madeira ou o próprio corpo humano. Fig. 1 | Tapete artesanal marroquino A relativa complexidade dos cálculos mentais envolvidos na execução da cestaria inspirou, aliás, significativamente, alguns trabalhos relevantes no campo da etnomatemática (Gerdes, 2002; Gerdes, 2010). Para além disso, entre os Wayana, por exemplo, a cestaria possui o “status de suporte material para uma rica trama simbólica que inclui representações de ordem cosmológica, histórica, económica e social, revelando ainda profundas preocupações estéticas e semióticas” (Vidal, 1998); a cestaria Wayana utiliza motivos geométricos angulosos os quais, em última análise, são estilizações de temas figurativos (van Velthem, 1998). Fig. 2 | Motivos da cestaria Wayana (seg. van Velthem, 1998) actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte Fig. 3 | Pintura corporal de índio Kyikatêjê A aprendizagem desta técnica é reservada exclusivamente aos homens e é feita geralmente ao longo de vários anos; a cerâmica, pelo contrário é exclusiva das mulheres, tal como a pintura corporal, e a sua aprendizagem é comparativamente simples. Em muitos casos, os motivos pintados ou incisos nas cerâmicas ou pintados no corpo, remetem claramente para os motivos dessa “arte maior” que é a cestaria e, sintomaticamente, tendem a ser bastante menos complexos e variados. Infelizmente, por razões de ordem tafonómica, não dispomos, na cultura material neolítica alentejana, de nenhuma informação sobre os grafismos, que certamente existiram, sobre suportes perecíveis. Porém, existem muitas evidências de tecidos neolíticos, preservados noutras áreas europeias, em que aparecem os mesmos padrões decorativos das placas (Lillios, 2002: 142). Entre nós, a única possível excepção diz respeito ao uso de pintura corporal — e, eventualmente, de tatuagem — sugerido pelas chamadas “tatuagens faciais”, motivos em ziguezague na face de muitas figuras antropomórficas, mais ou menos contemporâneas das nossas placas (Hurtado, 2010). Porém, é bem plausível que os entrançados se tenham desenvolvido ainda em sociedades de caçadores-recolectores, como aliás o sugerem alguns motivos geométricos paleolíticos ou mesolíticos que têm sido, por vezes, interpretados como redes ou armadilhas. Seja qual for a origem da cestaria — e do uso da mesma como suporte de imagens gráficas — é certo que no Neo- lítico final, em paralelo com as placas de xisto, surgem as primeiras evidências artefactuais da tecelagem, materializadas nos chamados pesos de tear. Muitos dos quais, particularmente na Estremadura, foram decorados com os habituais motivos angulosos. As roupagens tecidas foram, provavelmente, nessa época, uma das mais conspícuas inovações do quotidiano e, logo, um dos suportes mais adequados para a exibição de símbolos gráficos. A cerâmica do Neolítico final, maioritariamente lisa, ostenta ocasionalmente motivos análogos aos das placas de xisto, nomeadamente os triângulos preenchidos alternadamente, com ressonâncias noutras áreas europeias. Por outro lado, no Calcolítico médio/final, as placas parecem ser “una de las inspiraciones simbólicas para las cerámicas campaniformes incisas” (Bueno, 2010: 39), inspirações que aparentemente se prolongam na cerâmica de ornatos brunidos, dos finais da Idade do Bronze, assim como na ourivesaria dessa época. Nesta linha de raciocínio, as placas (tal como os seus putativos sucedâneos) evocariam, no que diz respeito à sua linguagem gráfica, o universo estético da cestaria, da tapeçaria e, sobretudo, da tecelagem. Os tecidos seriam, no Neolítico final, uma verdadeira novidade cultural, herdando, eventualmente, motivos criados e usados nas artes ancestrais da cestaria. Não se pode obviamente esgotar a questão da génese da gramática decorativa das placas de xisto, nessa sugestiva relação. Se tivermos em conta o contributo do modelo chamanista, teremos um quadro interpretativo aceitável para a génese dos motivos geométricos, em geral, mas sem que, por essa via, se possa fazer qualquer distinção entre motivos angulosos ou arredondados (Clottes e Lewis-Williams, 1998; Lewis-Williams, 2004, 2005). Num certo sentido, é como se o ziguezague fosse equivalente, só que na escrita específica dos entrançados, ao serpentiforme de outras linhagens gráficas. Uma palavra aqui para a dimensão antropológica da questão: sem grandes comentários, uma vez que o tema exigiria mais espaço (e mais saber). Seja qual for a nossa perspectiva, é certo que a estética dos motivos angulosos, organizados em bandas, jogando com o claro-escuro e a simetria, encontramo-la replicada em épocas, latitudes e longitudes tão diversas, como são as da arte rupestre de Santa Catarina (Brasil) ou das casas actuais do Burkina Faso. Poderíamos relacionar também estes exemplos com eventuais ascendências nas artes dos entrançados? Fig. 4 | Casa tradicional do Burkina Faso (http://ecran.fond.free.fr/burkina/burkina.html) antropomorfismo: um ponto de partida O carácter antropomórfico das placas de xisto é sugerido por vários aspectos intrínsecos e extrínsecos: 1 Muitas placas de xisto (e, sobretudo, muitas placas de grés) apresentam detalhes anatómicos que apontam fortemente para a representação estilizada da figura humana: olhos, nariz, tatuagens faciais, cabelos, ombros, braços e pés; note-se que estes elementos, quando existem, não surgem necessariamente todos associados numa mesma placa. 2A forma trapezoidal — a mais corrente nas placas de xisto — tem sido relacionada com a forma dos machados de pedra polida (Bueno, 2010: 58). Ora, esses machados, sendo objectos fortemente carregados de valor simbólico, tendem a funcionar como atributos, a par dos cajados, 72 dos agricultores e pastores neolíticos (Calado, 2004), funcionando objectivamente como metáforas que evocam os seus portadores (Pétrequin e Pétrequin, 2006). O uso de “mantos que les cubrían por completo” (Bueno, 2010: 62), como foi recentemente proposto, justificaria também uma silhueta tendencialmente trapezoidal. O trapézio alongado (embora com a base menor para baixo) não deixa de poder ser ligado, tendo em conta a tendência esquematizadora da linguagem gráfica neolítica, à própria estrutura do corpo humano. Recorde-se que, por razões anatómicas, é essa a forma mais corrente das sepulturas escavadas na rocha, em época medieval, ou dos caixões, ainda hoje em dia. Essa mesma figura geométrica foi aplicada sistematicamente, durante o Neolítico, na planta das grandes casas da Europa Central, assim como em muitas das construções funerárias, nomeadamente nos chamados long barrows. Porque, como proclamou Protágoras, o homem é a medida de todas as coisas... 3A conjugação entre os motivos e a sua organização gráfica, nas placas de xisto, sugere, na maioria dos casos, que estamos perante figurações humanas, representadas através de padrões do vestuário. 4O contexto cultural em que se inserem as placas de xisto, quer tendo em conta apenas os objectos móveis, geralmente designados como “ídolos” (Hurtado, 2010), à escala do Sudoeste peninsular, quer a sua “relación con otras versiones de imágenes antropomorfas al interior o a exterior de los sepulcros, y, sobre todo, su conexión con el conjunto de las producciones de los constructores de megalitos” (Bueno, 2010: 39), está indelevelmente marcado pela representação da figura humana. Parece-me claro que os verdadeiros problemas interpretativos começam a partir daqui. As mensagens veiculadas por estes “referentes privilegiados da memória” (Pina, 2003), quer sejam imagens de divindades, como a DeusaMãe (Almagro Gorbea, 1973; Gonçalves, 1999, 2004, 2006), quer sejam, mais prosaicamente, registos de tipo heráldico (Lisboa, 1985; Lillios, 2002, 2003, 2008), quer desempe- actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte nhem uma função mais difusa como marcadores étnicos (Bueno, 2010; Hurtado, 2010), exigem imaginação criativa. E, provavelmente, novas abordagens. águas frias: os novos dados Em 2004, coordenei, no contexto do salvamento arqueológico da barragem do Alqueva, a escavação de um povoado pré-histórico, com ocupação predominantemente do Neolítico final, mas com alguma continuidade pelo Calcolítico inicial. Trata-se de um povoado de fossos sinuosos, uma tipologia que, tanto quanto parece, é exclusiva do Sudoeste peninsular, e que, parcialmente, coincide com a área de dispersão das placas de xisto. Um dos objectivos principais da estratégia de escavação delineada foi precisamente a caracterização, em planta, do sistema de fossos, uma vez que, até essa data, não se conhecia nenhum desses povoados em extensão; eu próprio tinha dirigido escavações em dois outros povoados da mesma tipologia, sempre através de sondagens pontuais, dirigidas mais para questões estratigráficas e menos para a leitura espacial do conjunto. Foram, através de uma decapagem em área, detectados 3 fossos concêntricos, desenhando semi-círculos que, no lado aberto, terminavam perto da margem de um antigo açude natural. Fig. 5 | Planta dos fossos do povoado das águas Frias Para além dos fossos, com larguras e profundidades variáveis, foram detectadas e parcialmente escavadas outras estruturas, nomeadamente fossas/silos, “fundos de cabana”, buracos de poste, restos de muros e empedrados de diversos tipos. De entre a parafernália artefactual, característica do Neolítico final/Calcolítico inicial da região, destaca-se um conjunto de cerca de uma centena de placas de xisto, inteiras ou fragmentadas, correspondendo a todas as fases da cadeia operativa do respectivo fabrico. uma hipótese diferente cruzando os dados novos com os dados velhos Antes da escavação das Águas Frias a questão do local de fabrico das placas de xisto era colocada de forma muito difusa; na verdade, assumia-se que esses artefactos eram originários genericamente do Alentejo Central, região que corresponde mais ou menos aos limites do actual distrito de Évora (Bueno, 1992: 596; Lillios, 2002: 137). Essa origem era sugerida quer pela leitura dos mapas de distribuição dos enterramentos com placas de xisto, quer pela quantidade absoluta destes artefactos votivos. A análise da distribuição espacial dos motivos tinha, desde há muito, permitido observar a existência de exemplares praticamente idênticos, embora relativamente complexos, em áreas tão afastadas como a Península de Lisboa, a região de Huelva e o Alentejo Central (Cardoso, 2002; Pina, 2003). Esta observação implicava, à partida, a existência de um núcleo produtor (dos objectos ou do conceito) e, nesta óptica, o Alentejo Central estava particularmente bem colocado. Fig. 6 | Placas de xisto em diversas fases de fabrico. Essa cadeia operativa está representada por blocos de xisto em bruto, placas formatadas, placas com os topos polidos, placas com as faces polidas e até fragmentos de placas decoradas; existem, ainda, fragmentos não trabalhados com esboços frustres, correspondendo certamente ao processo de treino dos gravadores. Curiosamente, faltam apenas exemplares perfurados, sugerindo que essa seria a última operação de acabamento, ou mesmo que esse detalhe seria acrescentado fora da oficina de fabrico de placas e, provavelmente, feito pelo destinatário final. Estes dados que não têm, até à data, nenhum paralelo, vieram colocar um certo número de questões que permitem repensar, sob outra luz, os modelos em voga sobre os fenómenos subjacentes à dispersão espacial das placas de xisto. Fig. 7 | Placas complexas, com motivos muito semelhantes, oriundas da Estremadura (Quinta da Farinheira), do Alentejo Central (Cabacinhos) e da Andaluzia (Rosal de la Frontera) (seg. Pina, 2003). Na verdade, apesar de se ter estabelecido um consenso razoável sobre a origem centro-alentejana das placas, pensava-se, sem grande discussão, que elas seriam produzidas de forma dispersa na região e mesmo que todos os povoados poderiam ter sido centros produtores (Gonçalves, 1982). No estado actual dos nossos conhecimentos, creio que esta possibilidade deve ser completamente descartada: o facto de, nos últimos anos, ter sido escavado um número elevado de povoados, genericamente atribuíveis ao Neolítico final e Calcolítico, e de, em nenhum deles, terem sido observadas evidências consistentes do fabrico das placas, parece-me suficientemente eloquente. 74 Convém acrescentar que eu próprio dirigi, no contexto do Plano de Minimizações do Alqueva, escavações de salvamento em dois outros povoados de fossos sinuosos, em tudo análogos ao das Águas Frias; porém, em nenhum deles foi assinalada a presença de indícios do fabrico de placas; note-se que estes povoados — Juromenha e Malhada das Mimosas — se localizam a curta distância das Águas Frias, em contextos paisagísticos muito semelhantes (ambos junto às margens esquerdas de afluentes do Guadiana). A pergunta que importa colocar é a seguinte: o que distingue o povoado das Água Frias de todos os outros, mais ou menos contemporâneos, onde, pelos vistos, não foram produzidas placas de xisto? O único aspecto que, a meu ver, permite destacar as Águas Frias dos restantes povoados da mesma família, é a sua relação geográfica com o complexo de arte rupestre do Alqueva. Efectivamente, com base nos dados actualmente disponíveis, este é o povoado mais estreitamente relacionado, em termos espaciais, com esse santuário de ar livre e, em particular, com os seus dois núcleos mais significativos, na margem direita do Guadiana: o conjunto da Casa da Moinhola e o conjunto da Retorta. Essa relação tem a ver, por um lado, com a distância absoluta, mas também com a rede viária natural: o povoado das Água Frias situa-se na intersecção entre o Lucefece (afluente da margem direita do Guadiana) e a falha da Messejana/Plasencia, uma das grandes linhas de transitabilidade natural da região. O Lucefece, por sua vez, estabelece a ligação mais directa entre os dois acidentes naturais mais importantes do Alentejo Central: a serra d’Ossa, como ponto mais alto, e o Guadiana, como “ponto” mais baixo. Na perspectiva do Complexo rupestre do Alqueva, note-se que o Lucefece é o principal afluente entre os referidos conjuntos da Retorta e da Casa da Moinhola. Como já tive oportunidade de escrever, o Complexo rupestre do Alqueva sugere, por diversas razões (Calado, 2004), a existência de uma “área de captação” de “artistas” e utentes muito para além do âmbito estritamente local; trata-se de uma concentração de gravuras, nas rochas do leito do rio, que dificilmente poderia ser atribuída a po- actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte pulações sediadas nas proximidades imediatas, onde aliás escasseiam as evidências de povoamento. Fig. 8 | Relação espacial entre as Águas Frias (1) e os conjuntos da Retorta (2) e da Casa da Moinhola (3). A este propósito, invoquei mesmo um suposto fenómeno de transumância estival, tendo em conta as características climáticas do Alentejo: o leito e as margens do Guadiana eram, na região, o único oásis onde, nos meses de Verão, se podia dispor de pastagens frescas (Calado, 2004a). De resto, este papel económico, que julgo indiscutível, pode ter tido consequências no plano simbólico. Em consonância com a diacronia da arte rupestre do Alqueva, é plausível que o rio tivesse tido, já no Paleolítico, embora por razões relacionáveis com a caça, um papel económico (e simbólico) igualmente destacado. Note-se que, em termos de materialidade, as gravuras do Guadiana se relacionam exclusivamente (ou quase) com as bancadas de xisto, estando totalmente ausentes dos granitos que com elas se intercalam, ao longo do curso do rio. Apenas um pequeno núcleo — o da Malhada dos Gagos — tem como suporte outra rocha metamórfica, as corneanas. O modelo interpretativo que, face a estes dados, proponho (a título provisório, pois claro) assenta na possibilidade de o fabrico das placas de xisto ter uma relação directa com as “peregrinações” (Scarre, 2001) ou transumâncias que se realizariam, a partir de um contexto geográfico alargado, ao referido Complexo rupestre. Isto não exclui a possibilidade de estarmos também perante “comercializações de artefactos ideotécnicos, mágico-religiosos, acompanhando outros, tecnómicos, em rotas de contactos e trocas distantes” (Gonçalves, 2006: 50); porém, acrescenta a essas presumíveis rotas, outras motivações e, eventualmente, outros agentes. Este modelo permite levantar a hipótese de as Águas Frias serem o único centro produtor, hipótese que, em última análise, depende da continuação da ausência de dados, em todos os outros povoados, mas que, teoricamente, pode ser testada com base na análise das matérias-primas, como, no lado espanhol, está sendo tentado com os ídolos de calcário (Hurtado, 2010: 177). Esse aspecto que, tanto quanto sei, nunca foi objecto de investigação, é, naturalmente, uma das linhas futuras para o estudo das placas de xisto, no que diz respeito à possibilidade de serem originárias de um único ou, em alternativa, de vários centros produtores. Neste mesmo modelo, poderíamos inclusivamente admitir uma hipótese mais arrojada: a de que as placas teriam sido extraídas das próprias rochas (ou do respectivo contexto geológico) que serviram de suporte às gravuras do Guadiana. Note-se que as gravuras usaram apenas as superfícies de diáclase, enquanto as placas, pelo contrário, foram gravadas em faces de estratificação. discussão O modelo de um único centro produtor de placas de xisto implica o conceito de especialização artística. Esta conclusão aplica-se igualmente se optarmos por uma versão mais mitigada, em que se admita a existência de mais do que um centro produtor (faltando ainda descobrir saber onde andarão os outros…). É verdade que, para olhos e mãos pouco treinados, a execução de uma placa de xisto poderia não ser uma tarefa facilmente exequível; efectivamente, os exemplares mal planeados e/ou mal executados sugerem que nem todos os artesãos tinham as mesmas competências. Mas não era certamente uma dificuldade maior do que executar um machado de pedra polida ou uma lâmina de pedra lascada. A haver especialistas, penso que é necessário pensar em razões de outra ordem… A existência de um grupo, eventualmente identificado com um povoado, que tivesse o “monopólio” do fabrico de um determinado tipo de artefacto simbólico tem, certamente, muitos paralelos etnográficos (Pétrequin e Pétrequin, 2006). As razões dessa eventual prerrogativa estão, neste momento, para além das nossas possibilidades interpretativas: mas a proximidade espacial com a arte rupestre do Alqueva (e a eventual reivindicação de alguns direitos territoriais daí decorrentes) podem fornecer alguma pista genérica. Como conjugar os dados das Águas Frias e o esboço de proposta que aqui apresento, com a agenda da investigação sobre o tema, nomeadamente com os principais modelos interpretativos sobre os significados e as funcionalidades das placas? Um único centro produtor, associado ao santuário rupestre do Alqueva, poderia ajustar-se melhor a uma interpretação das placas como ícones, representando entidades religiosas (incluindo eventuais deusas-mães, mas também, por agora, outras divindades ou mesmo antepassados), que teriam funcionado em paralelo com os outros tipos de ídolos reconhecidos no so peninsular (Hurtado, 2010). Fig. 9 | Distribuição dos diversos tipos de “ídolos oculados” e de placas (seg. Hurtado, 2010: 176). 76 A possibilidade de serem, todos eles, marcadores étnicos, através da representação iconográfica de panteões especializados, adapta-se bastante bem à realidade globalmente disponível, em que existem figuras específicas razoavelmente adaptadas a territórios específicos. Resta ver até que ponto os restantes tipos de “ídolos” foram ou não produzidos em povoados especializados dentro de cada área de influência. Usando um anacronismo meio forçado, podemos imaginar que as placas (e os outros “ídolos”) podem ter funcionado como “recuerdos” religiosos. Porém, se nos abstivermos da interpretação desses objectos como representações de entidades religiosas ou míticas, e preferirmos estabelecer um nexo entre a diversidade das soluções gráficas e o seu papel individualizador, poderemos estar perante representações do defunto e, eventualmente, dos seus vínculos linhagísticos (ou outros). Recorrendo outra vez ao anacronismo, teríamos que ver nas Águas Frias uma espécie de Registo Civil neolítico. É claro que os desenhos das placas poderiam ser decididos pelos clientes (com base num programa iconográfico socialmente estabelecido) e executadas pelos artistas. Porém, do meu ponto de vista, é cedo para tomarmos posição definitiva sobre as interpretações disponíveis. Apesar de considerar o modelo interpretativo avançado por Isabel Lisboa (1985) e desenvolvido por Katina Lillios (2008), muito estimulante, penso que, ao centrarse exclusivamente sobre a dimensão social (incontornável, sem dúvida), esquece completamente a dimensão religiosa e as muitas metáforas que frequentemente a englobam (incluindo as que derivam da dimensão social). De resto, mesmo sendo verosímil, o significado heráldico da iconografia, não é certamente o mais expectável, sobretudo tendo em conta que nunca se identificou, em culturas contemporâneas e comunicantes, um sistema tão elaborado como o que foi proposto para as placas. Basta aceitarmos a comparação com os outros “ídolos” (Hurtado, 2010), que dificilmente funcionariam como “brasões” linhagísticos, ou mesmo com motivos semelhantes fixados noutros suportes (Bueno, 2010), como seria o caso, por exemplo, da cerâmica campaniforme. actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte Porém, podemos mais facilmente admitir que, em vez de linhagens, os grafismos representem outras características, ou escolhas, ou eventos marcantes, do personagem que, na sepultura, usou cada uma das placas. Embora não defenda que os motivos das placas sejam puramente jogos gráficos, com intuitos decorativos, essa dimensão tem que ser igualmente considerada. Parece-me claro que a diversidade das soluções gráficas, usando o mesmo “alfabeto” de base, evoca as noções de criatividade e de agenciamento. “Todos iguais, todos diferentes”, aplica-se, na verdade, a todos os menires, a todos os recintos, a todas as antas, a todas as placas de xisto… bibliografia e almagro gorbea, martin (1973) — Los Idolos del Bronce I Hispano, Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas. alvim, pedro (2010) — Recintos megalíticos do Ocidente do Alentejo central: arquitectura e paisagem na transição Mesolítico‐Neolítico, Tese de mestrado apresentada na Universidade de Évora. boaventura, rui (2006) — “Os iv e iii milénios a.n.e. na região de Monforte, para além dos mapas com pontos: os casos do cluster de Rabuje e do povoado com fossos de Moreiros 2”, Revista Portuguesa de Arqueologia, vol. 9, n.º 2, pp. 61–73. bueno ramírez, primitiva (1992) — “Les plaques décorées alentéjaines: approche de leur étude et analyse”, L’Anthropologie, 96 (2–3), pp. 573–604. bueno ramirez, primitiva (2010) — “Ancestros e imágenes antropomorfas muebles en el âmbito del megalitismo occidental: las placas decoradas” in c. cacho; r. maicas; e. galán; martos, j. a. (eds.) Ojos que nunca se cierran: ídolos en las primeras sociedades campesinas, Madrid: Ministerio de Cultura. calado, manuel (2004a) — “Entre o Céu e a Terra. Menires e arte rupestre no Alentejo Central”, in calado, m. (ed.) Sinais de Pedra. i Colóquio Internacional sobre Megalitismo e Arte Rupestre, Évora: Fundação Eugénio de Almeida. calado, manuel (2004b) — Menires do Alentejo Central: génese e evolução da paisagem megalítica regional, tese de doutoramento policopiada, Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, www.crookscape.org (versão pdf). calado, manuel (2006) — Alentejo, Arkeos 18, ceiphar. calado, manuel; rocha, leonor (2007) — “As primeiras sociedades camponesas no Alentejo Central: a evolução do povoamento”, in cerrillo, e.; valadés, j. (eds.), Los primeros campesinos de La Raya. Aportaciones recientes al conocimiento del Neolítico y Calcolítico en Extremadura y Alentejo, Memorias 6, pp. 29–46, Cáceres. calado, manuel; rocha, leonor (2010) — “Megaliths as Rock Art in Alentejo, Southern Portugal”, in calado, d.; baldia, m.; boulanger, m. (eds.), Monumental Questions: Prehistoric Megaliths, Mounds, and Enclosures, bar S2122, pp. 25–31, Oxford: Archaeopress. leisner, georg e leisner, vera (1956) — Die Megalithgräber der Iberischen Halbinsel. Der Westen, Berlim: Walter de Gruyter. cardoso, joão luís (2002) — Pré-história de Portugal, Lisboa: Ed. Verbo. leisner, georg e leisner, vera (1959) — Die Megalithgräber der Iberischen Halbinsel. Der Westen, Berlim: Walter de Gruyter. carpenter, edmund (ed.) (1986–1988) — Materials for the study of social symbolism in ancient & tribal art: a record of tradition & continuity/ based on the researches & writings of Carl Schuster, Nova Iorque: Rock Foundation. carrera ramirez, fernando; fábregas valcarce, ramón (2002) — “Datación radiocarbónica de pinturas megalíticas del Noroeste peninsular”, Trabajos de Prehistoria 59 (1), pp. 157–166. cartailhac, émile (1886) — Les ages préhistoriques de l’Espagne et du Portugal, Paris: Ch. Reinwald. clottes, jean; lewis-williams, david (1998) — The Shamans of Prehistory: Trance and Magic in the Painted Caves, Nova Iorque: Harry N. Abrams. correia, v. (1917) — “Arte pré-histórica: os idolos-placas”, Terra Portuguesa, 12, pp. 29–35. frankowski, eugeniusz (1920) — Estelas Discoideas de la Península Ibérica, Madrid: Museo Nacional de Ciencias Naturales. gerdes, paulus (2002) — The beautiful geometry and linear algebra of Lunda-designs, Maputo: merc. gerdes, paulus (2010) — Tinlhèlò, Interweaving Art and Mathematics: Colourful Basket Trays from the south of Mozambique. gimbutas, marija (1991) — Civilization of the Goddess: The World of Old Europe, São Francisco: Harper San Francisco. gonçalves, vítor (1982) — “O povoado calcolítico do Cabeço do Pé da Erra (Coruche)”, Clio, 4, pp. 7–18. gonçalves, vítor (1999) — Reguengos de Monsaraz: Territórios Megalíticos, Reguengos de Monsaraz: Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz. gonçalves, vítor (2004) — “Manifestações do sagrado na Pré-História do Ocidente peninsular. 5. O explícito e o implícito. Breve dissertação, invocando os limites fluidos do figurativo, a propósito do significado das placas de xisto gravadas do terceiro milénio a.n.e.”, Revista Portuguesa de Arqueologia, vol. 7, n.º 1, pp. 165–183. gonçalves, vítor (2006) — “Manifestações do sagrado na Pré.História do Ocidente Peninsular. 7. As placas híbridas.Definição do conceito. Alguns poucos exemplos. De novo, os possíveis significados das placas”, Revista Portuguesa de Arqueologia, vol. 9, n.º 2, pp. 27–59. hurtado, victor (1986) — “El Calcolítico en la cuenca media del Guadiana y la necrópolis de la Pijotilla”, Actas de la mesa redonda sobre megalitismo peninsular, pp. 51–75. hurtado, victor (2010) — “Representaciones simbólicas, sitios, contextos e identidades territoriales”, in cacho, c.; maicas, r.; galán, e.; martos, j. a. (eds.), Ojos que nunca se cierran: ídolos en las primeras sociedades campesinas, Madrid: Ministerio de Cultura. leisner, vera (1965) — Die Megalithgräber der Iberischen Halbinsel. Der Westen, Berlim: Walter de Gruyter. lewis-williams, david (2004) — The Mind in the Cave, Londres: Thames and Hudson. lewis-williams, david; pearce, david (2005) — Inside the Neolithic Mind: Consciousness, Cosmos and the Realm of the Gods, Londres: Thames & Hudson. lillios, katina (2002) — “Some new views of the engraved slate plaques of southwest Iberia”, Revista Portuguesa de Arqueologia, 5 (2), pp. 135–151. lillios, katina (2003) — “Creating memory in prehistory: the engraved slate plaques of southwest Iberia”, in van dyke, r.; alcock, s., Archaeologies of Memory, pp. 129–150, Oxford: Blackwell. lillios, katina (2008) — Heraldry for the Dead. Memory, Identity and the Engraved Stone Plaques of Neolithic Iberia, Austin: University of Texas Press. lisboa, isabel (1985) — “Meaning and messages: mapping style in the Iberian Chalcolithic”, Archaeological Review from Cambridge, 4(2), pp. 181–196. pétrequin, anne-marie e pétrequin, pierre (2006) — Objects de pouvoir en Nouvelle-Guinée, Paris: Editions de la Reunión des Musées Nationaux. pina, henrique leonor (2003) — Abordagem semiótica de um tema arqueológico, www.crookscape.org. pinto, ana maria; pinto, jorge (1978) — “Problemas de análise descritiva de placas de xisto gravadas do megalitismo português”, 1.ª Mesa-Redonda Sobre o Neolítico e o Calcolítico em Portugal. rodrigues, maria da conceição (1986) — Código Para a Análise das Placas de Xisto Gravadas do Alto Alentejo, Castelo de Vide: Câmara Municipal de Castelo de Vide. rodrigues, maria da conceição (1986) — Estudo Ideológico-Simbólico das Placas de Xisto Gravadas, Castelo de Vide: Câmara Municipal de Castelo de Vide. scarre, chris (2001) — “Pilgrimage and Place in Neolithic Western Europe”, in smith, a. t.; brookes, a. (eds.), Holy Ground: Theoretical Issues Relating to the Landscape and Material Culture of Ritual Space, pp. 9–20, Oxford: British Archaeological Reports International Series 956. van velthem, lucia (1998) — A Pele de Tuluperê, Belém: Museu Paraense Emilio Goeldi. vidal, lux (1998) — “Prefácio”, in van velthem, l., A Pele de Tuluperê, Belém: Museu Paraense Emilio Goeldi. leisner, georg e leisner, vera (1943) — Die Megalithgräber der Iberischen Halbinsel. Der Süden, Berlim: Walter de Gruyter. leisner, georg e leisner, vera (1951) — Antas do Concelho de Reguengos de Monsaraz, Lisboa: Uniarch. 78 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte lanças e espadas do calcolítico à idade do ferro: evolução da armaria de poder na colecção estrada Davide Delfino instituto terra e memória grupo quaternário e pré-história do centro de geociências (uid76 fundação ciência e tecnologia) resumo A relação entre grupos humanos, já desde o Neolítico (iv– iii milénio a.c.), caracteriza-se por competições violentas pela posse de territórios ou recursos naturais e também pelo saque, o que gerou gradualmente inovações técnicas e mudanças sociais. Estes dois fenómenos estão relacionados e avançaram lado a lado. As inovações técnicas levaram ao desenvolvimento de novas armas. Quanto às mudanças sociais, elas levaram ao nascimento duma nova classe social: a partir do Calcolítico Final (2500–2000 a.c.) apareceram grupos de guerreiros que no decurso da Idade do Bronze (2000–800 a.c.) adoptaram e desenvolveram uma panóplia que marcava o seu status, sendo formada por espadas e lanças, as quais foram a base dos exércitos de homens livres da segunda Idade do Ferro (vi–ii séc. a.c.). Neste artigo, irá ser ilustrada esta evolução no quadro da Pré-história Recente e da Proto-história Europeia e da Península Ibérica, com frequentes referências à Colecção Estrada, sendo esta incrivelmente rica em peças que testemunham mais de 3000 anos de história da armaria antiga. Palavras-chave: Pré e Proto-História, Península Ibérica, Guerreiros, Espadas, Lanças. 80 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte abstract The relationship between human groups already since the Neolithic period (iv–iii millennium bc) is characterized by violent contests for possession of territory or natural resources, as well as looting, something that gradually led to technical innovations and social changes: these two phenomena are linked and moved together. Technical innovations led to the development of new weapons; as for social changes, they resulted in the birth of a new social class: from the Late Chalcolithic (2500–2000 bc) emerged groups of warriors who, during the course of the Bronze Age (2000–800 bc), adopted and developed a remarkable array that marked their status, which was formed by swords and spears, which were the basis of the armies of freemen in the Second Iron Age (vi–ii centuries bc). In this article, it will be illustrated this development in the context of the European and Iberian Late Pre-history and Proto-history, with frequent references to the Collection Estrada, which is incredibly rich pieces that testify over 3000 years history of weaponry. Keywords: Pre and Proto-history, Iberian Peninsula, Warriors, Swords, Spreads. calcolítico e o nascimento das armas e da figura do guerreiro Os combates entre pequenos grupos humanos, usando não armas de guerra mas ferramentas do quotidiano, nascem possivelmente a partir do Neolítico, onde nos grupos humanos a actividade da caça não acabou completamente, mas permaneceu como uma prática complementar pela subsistência. Na competição entre grupos humanos pelo controlo dos recursos naturais dum território, ou para fazer saques, a prática da guerra, feita ocasionalmente e com pequenas formações de guerreiros, tornou-se usual na interacção entre grupos humanos (Jimenez, 2009: 24–30). Neste sentido, os mesmos caçadores “guerreiros” improvisados usavam como armas instrumentos das actividades quotidianas, como o arco e as setas usadas na caça ou machados de pedra usados no trabalho da madeira (Guilaine, Zammit, 2001). Este modo de fazer a guerra continua no Calcolítico Inicial e Médio: mas os novos recursos naturais (cobre, prata) provocam uma maior instabilidade, com maior frequência de ataques contra os povoados, que já a partir do Neolítico Recente mostram monumentais obras de fortificação (Jimenez, 2009: 29), os seus habitantes e as suas reservas de recursos. Mas no Calcolítico Inicial é possível olhar também o aparecimento dum novo elemento que irá provocar uma mutação irreversível, quer na tecnologia geral quer na fabricação das armas e no desenvolvimento do modo de fazer a guerra: o metal, nomeadamente o cobre. A importância que irá assumir este material, mais facilmente trabalhável e reciclável, vai a par e passo com o aparecimento duma nova figura: o guerreiro. Sendo os assaltos e os combates entre grupos humanos mais frequentes, foi preciso que grupos de pessoas se disponibilizassem para assegurar uma protecção mais permanente aos povoados e aos recursos, convertendo-se em especialistas militares que começaram a utilizar ferramentas que não eram apenas instrumentos do quotidiano utilizados periodicamente para combater, mas definitivamente verdadeiras armas (Mederos Martin, 2009: 41). O aparecimento desta figura é testemunhado a partir do Calcolítico Final (2500–2000 a.c.) com a cultura do vaso Campaniforme, cuja cultura material evidencia o surgir dum novo tipo de armamento para combates individuais e feito especificamente para a guerra. As evidências na cultura material A panóplia dos guerreiros do Calcolítico Final, cujas evidências foram encontradas sobretudo nas sepulturas, é composta por armas inteiramente de cobre, frequentemente ligado com o arsénico: punhal, dardos, setas e, talvez, alabardas. Estes artefactos definem alguns patamares novos: o uso quase exclusivo do metal pelas armas, o abandono do arco como arma principal, sendo substituído pelo punhal e pelo dardo e a assunção destas armas também como status symbol. Relativamente ao dardo, como a haste de madeira não se conservou nos depósitos arqueológicos, está representada somente pela ponta metálica: esta é identificável nas “Pontas de Palmela” de dimensões maiores (entre os 7 e os 13 cm.), sendo demasiado grandes e pesadas para funcionar como uma ponta de seta (o peso é de cerca 15–34 gramas). O punhal, já esporadicamente presente no Calcolítico Médio, sofreu no Calcolítico Final um aumento do comprimento da lâmina até aos 20–35 cm. Inicialmente, eram de lâmina triangular, com a base de lingueta rectangular para a alça, sendo de longe mais maciça para reforçar o encaixe no cabo; depois, a partir da Idade do Bronze Antigo, os punhais evoluíram no sentido de uma redução da lingueta, até esta desaparecer, sendo substituída por rebites na base, a qual tomou uma forma côncava. O arco ficou com setas de ponta metálica, identificáveis nas “Pontas de Palmela” mais pequenas (comprimento inferior as 7 cm.), sendo provavelmente mais eficazes na penetração por causa da espessura milimétrica, contrariamente às pontas de sílex. Uma parte importante da panóplia do arqueiro foi o braçal, sendo feito para proteger o antebraço dos golpes da corda do arco: são conhecidos muitos destes em contexto funerário, em material — pedra ou ouro — que era só cerimonial e não para uso em combate; estes últimos seriam de osso ou de couro. 82 Finalmente, a alabarda é uma arma de forma similar ao punhal de rebites: de forma triangular, com nervura central e base côncava. Diferencia-se do punhal pelo maior comprimento e provavelmente pelo maior número de rebites. Originalmente era montada no topo dum cabo, fixada com rebites e orientada num ângulo de 90º formando um L com o cabo: é possível perceber isso olhando as gravuras rupestres do Mont Bego (Conti, 1972) ou da Val Camonica (Arcá, Fossati, 1995: 147–149; Cittadini, 2004: 74–75, de Marinis, 1994: 76, 78–82). Muito provavelmente era usada para golpear de cima para baixo: a provável associação do cavalo a guerreiros sepultados em túmulos com adereço “Campaniforme” permite supor o uso desta arma por cavaleiros (Mederos Martin, 2009: 45). As evidências na Colecção Estrada A Colecção Estrada conta com várias armas significativas, sobretudo do Calcolítico Final e da Cultura Campaniforme, períodos em que é extremamente rica em “Pontas de Palmela”. Desta típica ponta de seta, são identificáveis exemplares que pertencem quer a setas (ce00222; ce01902; ce01905) quer a dardos (ce01865; ce01866; ce01867) (fig. 1). Olhando o aspecto das pontas destinadas aos dardos, armas de combate individual entre guerreiros, percebe-se que o pedúnculo foi mais curado, sendo dobrado nos bordos provavelmente para assegurar uma fixação que resista melhor ao stress do embate entre um corpo e uma arma de bastante peso. Fig. 1 | Pontas de seta | ce00222; ce01902; ce01905; dimensões médias: 0–2 cm, 2–6,5 cm. actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte Fig. 1 (cont.) | Pontas de dardo ou lanças do tipo “de Palmela”, Cultura do Vaso Campaniforme | ce01865; ce01866; ce01867; dimensões médias: 0–9,5 cm, 3–3 cm. A guerra no Calcolítico Frente a estas evidências é claro que no Calcolítico Final surgiu uma verdadeira classe social, os guerreiros, que fazia da prática do combate o seu próprio marcador social. Para as sociedades humanas desta época a possibilidade de dispor de profissionais da guerra para defender os próprios recursos ou saquear aqueles de outras comunidades, significou terem pessoas mais treinadas no combate e atentas ao desenvolvimento de novas armas que fossem mais eficientes no uso bélico e que não tivessem de participar em actividades de subsistência de modo a poderem dedicar-se a tempo inteiro à guerra. Também a possibilidade de aproveitar o novo material que marcou este período, o cobre, foi de enorme relevância no desenvolvimento da armaria e da guerra. O cobre é um material muito dúctil, reciclável e, uma vez reduzido de mineral ao metal, mais fácil e rápido de trabalhar, nas primeiras formas mais elementares, em comparação com a pedra. Tal permitiu um maior desenvolvimento dos tipos de armas e uma produção mais especializada e maciça. O controlo dos recursos de cobre muito provavelmente causou mais motivos de conflito entre comunidades humanas, mais assaltos e maior necessidade de defesa do território: isso é visível nos grandes povoados fortifica- dos que surgiram em proximidade de recursos mineiros como o de Los Millares, no Levante espanhol. E consequentemente, quem controlava mais recursos cupríferos, controlava uma melhor produção de armas e uma melhor arte da guerra. Provavelmente o combate era feito a média distância, entre pequenos grupos de guerreiros de elite, armados principalmente com arco e dardo, para depois passar ao corpo a corpo usando o punhal que nesta altura vê aumentar o seu comprimento; ainda é possível o utilização da alabarda montando um cavalo, como demonstraria a hipótese mais aceite do uso da alabarda e a domesticação do cavalo ocorrida no iii milénio a.c. (Mederos Martin, 2009: 42–43, 44). a idade do bronze: dos guerreiros aos heróis A idade das espadas O período que vai do séc. xxiii a.c. até ao séc. viii a.c., denominado Idade do Bronze, marca uma profunda mudança nas estruturas sociais, na demografia e nas inovações tecnológicas que vão influenciar também a arte da guerra e o desenvolvimento da armaria. O surgimento de sociedades mais hierarquizadas e ditas “guerreiras”, que se iniciou já no Calcolítico Final, gerou na Europa alguns processos que levaram, por um lado à transformação dos grupos de guerreiros em classes de aristocratas ligados à guerra e por outro a uma exploração sistemática dos recursos metalíferos (nomeadamente cobre, estanho, prata) e a uma enorme melhoria da tecnologia metalúrgica ligada na grande maioria à criação de armas. Estas, evoluíram do punhal e do dardo (status symbols calcolíticos) para a espada e a lança, armas típicas dos guerreiros heróis da Idade do Bronze. Na Idade do Bronze Médio 1, dito HaB na periodização do Reinecke (Reinecke, Bonher, Wagner, 1965) e correspondente aos sécs. xvii–xvi a.c. em cronologia absoluta contemporânea, a arma mais significativa do guerreiro do final do Calcolítico, o punhal, passou a transformar-se numa arma mais cumprida e polivalente, a espada, cuja criação foi possível graças ao desenvolvimento da tecno- logia metalúrgica, sobretudo das técnicas de fundição em molde, cuja manifestação mais refinada foi a técnica de “cera perdida”. Esta nova arma foi carregada dum particular simbolismo: era o prolongamento da mão do guerreiro que, sendo complementar da habilidade deste, era quase parte do mesmo. Outra arma importante da elite guerreira era a lança, herdeira dos dardos do Calcolítico Final, tornados agora armas mais compridas e pesadas; evidências do uso maciço das lanças são claras na cultura material (Almagro Gorbea, 2009: 52), especialmente nos depósitos, e nos combates entre heróis narrados da Ilíada (Ilíada, Livro xii, vs. 244–250; Livro xvi, vs. 805–809; Livro xx, vs. 434–437; Livro xxii, vs.283–293, 326). No Bronze Final aparecem lanças quer com a ponta encaixada na haste por meio dum cabo em forma de canhão, quer com um conto de bronze na base da haste, provavelmente para balançar o peso da arma no lançamento além de permitir uma maior precisão (Ilíada, Livro xxii, vs. 289). Relativamente ao uso preciso desta arma ainda fica na dúvida a efectividade do uso seja como arma de lançamento, seja como uma espécie de pica (Harding, 1999: 91) A partir da Idade do Bronze Antigo o dinamismo nos contactos ligados na maioria à troca do bronze, do estanho e do âmbar, permitiu que numa Europa subdividida em várias macro regiões, cada uma com a sua cultura, se difundisse o mesmo modelo de guerreiro herói (Jensen, 1999: 92–93) e da mesma panóplia carregada de simbolismo social: isso é visível por exemplo na Península Ibérica nas estelas estremenhas do Bronze Final Atlântico (Oliveira Jorge, 1999: 116), onde estão representadas a lança e a espada (e o escudo) como panóplia da elite guerreira, à imagem do que acontece no Mediterrâneo Oriental Micénico. As evidências na cultura material A evolução natural do punhal é portanto a espada, resultado dum alongamento da lâmina para poder golpear mais à distância física e permitir a defesa dos golpes do adversário com a mesma arma. O alongamento da lâmina, 84 inicialmente, foi de algumas dezenas de centímetros, até chegar a um comprimento de 30–40 cm., para depois se fazerem armas pouco manejáveis, dum comprimento até aos 80–90 cm (Bronze Médio–Recente), para finalmente alcançar um comprimento ideal de 50–60 cm. (Bronze Final) (Gaucher, Mohen 1972). Mas a lâmina não foi a única parte que sofreu uma transformação: também foi fundamental a evolução do cabo, muito cuidadosa e perdurante por toda a Idade do Bronze e com fases de evolução não constante, de modo a permitir uma melhor fixação com a presa e uma melhor distribuição do peso ao longo da espada, sendo isto fundamental para obter uma arma eficaz e manejável. Portanto, partindo dos punhais de lingueta do Calcolítico Final, a lâmina no Bronze Médio fez-se mais larga, comprida e grossa, sendo a lingueta substituída por cravos de fixação, advindo a base de forma circular, como é visível nos numerosos exemplares entre os quais os de Setefilla (Sevilha) e Castelo Bom (Guarda) (Almagro Gorbea, 2009: 53), talvez permanecendo a lingueta atrofiada como no tipo Armoricano francês (Gaucher, Mohen, 1972: 19–20). Mas a evolução não foi linear e depois de um alargamento da base circular com mais rebites nas espadas tipo Sauerbrünn (Bianco Peroni, 1970: 144; Kemenczei, 1988: 149–151), ou nas espadas com base muito estreita e com rebites como os tipos Haguenau ou Rosnoën (Bronze Médio e Final) (Gaucher, Mohen, 1972: 23–26) ou também Rixheim (Bronze Final) (Reim, 1974: 29), voltou a parecer a lingueta mista nos rebites dos tipos Monza e Pepinville no Bronze Recente (Bz D/ séc. xiii a.c.), para depois ter uma definitiva evolução com a base circular transbordante transformada numa guarda larga, sempre com rebites e lingueta larga terminal, como é visível nos tipos do Bronze Final (Ha A–B / sécs. xii–viii a.c.) como o Hemigkofen, Vilar Maior, Saint Nazaire, Huelva até chegar a ter um pomo na parte terminal de lingueta nos tipos Venat e Monte Sa Idda (Brandherm, 2007: lâminas 45–48). A evolução das presas foi no sentido de serem recobertas com cabos de madeira orgânica ou de metal: a julgar dos numerosos enterramentos sepulcrais, onde as espadas faziam parte do adereço, não é raro en- actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte contrar cabos com materiais de valor (ouro ou prata) ou exóticos (âmbar) (Almagro Gorbea, 2009: 55). A carga de prestígio e de status symbol do objecto é evidente nas numerosas oferendas rituais que se costumavam fazer nos rios a partir da Idade do Bronze Recente, mas sobretudo no Bronze Final: ditos gewasserfunde pelos alemães (tradução: achados na água) (Huth, Logel, Shmid, 2008), estas oferendas de armas com particular carga simbólica da elite guerreira, verdadeiros insigna dignitatis (Jensen, 1999: 90), nomeadamente espadas e lanças, reflectem também uma carga sagrada quer no momento de deposição simbólica em pontos de passagem nos rios (que podiam marcar pontos culturalmente significativos de fronteira), quer de oferenda aos deuses dos rios, que eram possivelmente os protectores dos vaus (Galvez Priego, 1995: 31–32; Warmenbol, 1991: 84). As evidências na Colecção Estrada A Colecção Estrada conta com significativas peças da Idade do Bronze, associadas a uma etapa fundamental da evolução da armaria: a transformação do punhal em espada, arma esta que vai ser protagonista nos combates e na guerra por quase 3500 anos após a sua invenção, sem esquecer o seu lado simbólico de poder militar, algo que irá permanecer até aos nossos dias nos sabres que os oficiais dos exércitos costumam ostentar nos uniformes de gala. punhais Na etapa da melhoria dos punhais, a Colecção conta com um punhal de cobre, que pela tipologia pertence a um período incluído entre o Calcolítico Final e a Idade do Bronze Inicial. O exemplar (ce01930) (fig. 2), muito mineralizado e com superfície pouco visível por causa da espessura da patina (malaquita), pertence aos punhais do tipo “a languette simple perforé, groupe a languette large non debordant” (Briard, Mohen 1983, p. 25), que são presentes, sobretudo na Europa Central na Idade do Bronze Antigo e, olhando pela Península Ibérica na Meseta espanhola, na Andaluzia (ibid: 24–25; Rovira, Montero Ruiz, Consuegra Rodriguez, 1997: 176, 350) e nas Astúrias (de Blas Cortina, 1997: 58). derado um exemplo de acto de sobrevivência duma espada com carga simbólica, feito por um artesão metalúrgico. molde de terracota: isso é testemunhado pelas marcas nos furos para os rebites, que foram obtidos furando o modelo de cera fria, operação que causou a formação de pequenos rebordos irregulares (fig. 5), que num molde de pedra não apareceriam; (fig. 6): isso não prejudicou a boa feitura da espada, sendo a lâmina já bem fundida e sendo possível camuflar as imperfeições no cabo com as inserções ou em madeira orgânica ou mesmo em metal, como mostra o exemplar do Museu de Orleáns na França (Gaucher, Mohen, 1972: 63); Fig. 3 | Punhal do tipo de lingueta e quatro rebites. Idade do Bronze Recente | ce01930 dimensões médias: 2,8–0 cm, 3–6,7 cm. espada pistilliforme tipo de hemigkofen Nos grupos de armas que, evoluindo dos punhais, se tornaram a “rainha” dos combates, as espadas, a Colecção Estrada conta com um exemplar de excepcional valor, quer pela perfeita conservação, quer pela linha elegante e proporcionada própria da tipologia à qual pertence: a espada pistilliforme de tipo Hemigkofen (ce01808) (fig. 4). Fig. 2 | Punhal em cobre do tipo de base simples e rebites. Calcolítico / Idade do Bronze Antigo | ce01930 dimensões médias: 3,4–0 cm, 4–11,9 cm. Uma outra peça, a ce01930 (fig. 3) , é identificável com um punhal, de tipo de lingueta com 4 rebites e lâmina com nervura central. Mas olhando melhor a sua forma, não ser demasiado maciça a lingueta e não serem necessários tantos rebites de fixação para lâmina tão pequena, como também supérflua é a presença duma nervura central nesta, é provável que esta peça seja um exemplo de reciclagem duma arma para fazer uma outra: nomeadamente neste caso a adaptação duma espada fracturada na parte inicial da lâmina para fazer um punhal. Os elementos formais fazem pensar na adaptação duma espada próxima do tipo Rixheim, ou do tipo Krautergersheim difundida na Europa Central e Atlântica no séc. xii a.c. (Brandherm, 2007: 12, 30 e lâminas 1 e 44; Gaucher, Mohen, 1972: 54–55). Esta hipótese é suportada também pelo facto de ser documentada esta prática em outros objectos da Idade do Bronze Final (Giachina et al, 2008: 164). Aparentemente pode ser consi- Fig. 4 | Espada com lâmina pistilliforme do tipo “Hemigkofen”. Idade do Bronze Recente | ce01808 dimensões médias: 3,5–0 cm, 6–62 cm. Este tipo de espada, pela sua forma destinado a cortar pelo fio, difundiu-se, com algumas variantes, sobretudo no sudoeste da Alemanha, na Suíça e no sul de França, tendo sido feitos também alguns achados na Europa Atlântica (Brandherm, 2007: 35–36 e lâminas 2 e 45). As espadas deste tipo que têm contexto arqueológico são datáveis do período de HaA1-A2/sécs. xii–xi a.c. (ibid: 36). O exemplar da Colecção Estrada é extremamente interessante pelas marcas de fabricação que são visíveis também a olho nu. É possível olhar evidências de mais de uma etapa do ciclo de fabricação e de vida da arma: –antes da fundição no molde, foi criado um modelo em cera, para depois ser coberto com argila e criar um 86 Fig. 5 | Espada do tipo “Emigkofen”. Com a particularidade do orifício para rebite, onde podem observar-se as marcas da furagem do modelo de cera fria. –na operação de melting, colando o bronze líquido no molde, foi obtido um óptimo resfriamento uniforme em toda a lâmina, que era a parte mais importante e mais delicada nesta fase, mas não se tendo passado o mesmo no cabo, onde é possível olhar a clássica rugosidade na superfície do bronze e a parte terminal do cabo não completamente formada: estes são sintomas dum resfriamento repentino do bronze colado que não conseguiu tomar a forma do modelo (fig. 6); Fig. 6 | Espada do tipo “Emigkofen”. Marcas do resfriamento irregular do bronze na parte do cabo no momento da coladura. –sendo o encaixe da parte de madeira orgânica do cabo enfraquecido pelo defeito de colagem descrito no segundo ponto, foi preciso reforçá-lo com uma pequena junta de bronze, colada numa operação bastante rápida e grosseira, até chegar a ter uma lingueta uniforme actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte Fig. 7 | Espada do tipo “Emigkofen”. Marcas de uso na lâmina. – durante a vida da espada, nomeadamente antes de ser enterrada, ela sofreu vários golpes na lâmina, visíveis na parte terminal e média (fig. 7); estes desgastes são também evidências dum acabamento de forja para endurecer os bordos e obter um fio cortante: esta operação, endurecendo o metal, causa um enfraquecimento do mesmo. Estas evidências estão de acordo com aquelas que aparecem em numerosos exemplares da Idade do Bronze Final na Península Ibérica e também averiguadas pela observação autóptica e pela experimentação (Quilliec, 2007: 97–105; Hernandez Valverde, 2007: 60). Quer a patina superficial, aparentemente uma cuprita muito escura ou uma calcocita (Mazzeo, 2005: 37) que sofreu limpezas onde aparece o bronze metálico, quer a boa conservação da matriz metálica, podem testemunhar uma permanência da espada num solo saturado de água (Giardino, 2010: 93 e 214): isso é compatível com uma deposição ritual ou simbólica em água do tipo gewasserfunde (deposição ritual em águas). Ponta de lança do tipo Vénat Uma última peça testemunha a segunda arma distintiva da panóplia da elite guerreira da Idade do Bronze Final: uma ponta de lança em bronze (ce012497) (fig. 8). Trata-se dum exemplar do tipo Vénat, difundido no Bronze Final iii (Ha B/meados do xi — meados do séc. x a.c.) na França Atlântica e com alguns exemplares na Península Ibérica, na Suíça e na Inglaterra (Briard, Mohen, 1983: 134) e identificável pelo alargamento do canhão na base e pelos furos que apresenta na base de lâmina. Pelo estado de desgaste, nomeadamente pela lâmina sem parte terminal e deformada, a peça possivelmente sofreu um desgaste no uso e muito provavelmente foi reciclada num depósito de fundidor. Fig. 8 | Ponta de lança do tipo “Vènat”. Idade do Bronze Final | ce012497 dimensões médias: 2,8–1,3 cm, 1,3–19,5 cm. A guerra na Idade do Bronze Também sendo uma época de grande desenvolvimento da armaria, o modo de combate parece continuar, na Peninsula Ibérica, quase ao modo do Calcolítico Final: pequenos grupos de guerreiros enfrentavam-se em breves lutas na ocasião de saques, assaltos aos povoados e guerrilhas. Estas conclusões são propostas por Almagro Gorbea (2009: 56) que, baseando-se num cálculo aproximativo dos habitantes por povoado, não considera possível imaginar grandes batalhas entre grupos diferentes, mas só choques de poucas dezenas de guerreiros, provavelmente ligados aos chefes heróis, os quais na maioria das vezes terão resolvido os conflitos com combates individuais de tipo heróico en- tre eles. Não é de excluir a possibilidade de alianças entre povoados, para juntar os pequenos grupos de guerreiros em caso de extrema necessidade. Mas na Idade do Bronze, sobretudo na Final, a situação muda radicalmente, sendo muito numerosas as espadas achadas (Brandherm, 2007) e aparecendo as primeiras, poucas, couraças e capacetes como é visível no depósito da Ria Huelva (Torres Ortiz, 2009: 100). Isto só pode significar um aumento do número dos guerreiros dependentes dos “chefes heróis”, sendo que estes guerreiros continuam a ver na espada um símbolo do seu status, e, paralelamente, um ulterior crescimento do prestígio e do poder dos “chefes heróis” que, ao contrário dos seus guerreiros, aparecem no campo de batalha com vistosos armamentos defensivos. a idade do ferro: dos heróis aos exércitos espadas como símbolo de homens livres A Idade do Ferro provoca na Península Ibérica uma radical mudança seja na fabricação seja no uso das armas. A Primeira Idade do Ferro (sécs. viii–vi) é caracterizada sobretudo pela grande novidade da substituição do bronze pelo ferro, introduzido pelo Fenícios na Península Ibérica: este metal vai ser o protagonista na fabricação das armas, sobretudo espadas, punhais e lanças. Por um lado, permitia fabricar mais peças em menos tempo e, por outro, é tecnicamente mais versátil que o bronze. Nesta primeira parte da Idade do Ferro as primeiras espadas em ferro da Península Ibérica derivam directamente das espadas de bronze do tipo Ronda-Monte Sa Idda, conhecendo-se exemplares quer em bronze, quer em ferro, marcando, desta forma, a passagem entre os dois períodos (Farnié Lobensteiner, Quesada Sanz, 2005: 38–40, 130, 161); outras, com cabo de antena, são de origem centro europeia halstattica (ibid.: 45–46). Por outro lado a estrutura social não se diferencia muita daquela do Bronze Final (ibid.: 24–27) permanecendo, assim, uma situação onde grupos de guerreiros, associados em redor dum chefe herói, executam os combates entre grupos humanos. Só na área do sudeste, caracterizada pela cultura tartéssica, é possível verificar mudanças depois da chegada dos Fenícios, passando o poder a não estar 88 directamente ligado à posse e uso das armas, mas, ao invés, sendo entendido como “sagrado” (ibid.: 229). Este horizonte, quer da cultura material, quer da estrutura social e do modo de combate, vai ser radicalmente mudado na Segunda Idade do Ferro (sécs. vi–ii a.c.) quando a Península Ibérica entra em contacto directo com as grandes civilizações do Mediterrâneo: Cartago, Grécia e Roma. A grande mudança do séc. iv a.c. e as evidências na cultura material Com a passagem à Segunda Idade do Ferro formam-se na Península Ibérica os povos conhecidos pelos historiadores gregos e latinos: entre estes, os Iberos e Celtiberos jogam um papel particularmente importante no nascimento das armas que caracterizam os guerreiros de toda a Península. A evolução das armas espelha o desenvolvimento do modo de combate, mas também da mudança social: a sociedade da monarquia heróica da fase Ibera antiga e do início da fase Celtibera ii (séc. v a.c.), transforma-se numa aristocracia guerreira na fase Ibera plena e na fase Celtibera IIb (séc. iv — início do séc. iii a.c.) (Quesada Sanz, 1997; Lorrio, 1997); espelho destas organizações sociais é a distribuição das armas nas necrópoles, factor que determina também a importância social do armamento e da actividade bélica. O período de formação plena da armaria ibera e celtibera ocorre entre o séc. vi a.c. e o séc. iii a.c. onde são protagonistas absolutas as espadas e as lanças: esta fase marca uma passagem não só a nível social, mas também a nível de táctica bélica: de pequenos grupos de infantes pesados “nobres” que acompanhavam no combate os reis, passa-se, com o alargamento da acessibilidade a armas mais prestigiosas como as espadas, a um combate onde a infantaria pesada se torna protagonista. A armaria dos guerreiros Iberos na Colecção Estrada Da Segunda Idade do Ferro da Península Ibérica, a Colecção Estrada conta com um conjunto de espadas que, por serem tão numerosas e variadas, neste momento só é possível dedicar algumas reflexões a um conjunto significativo da armaria dos Iberos: as “falcatas (ce00263; ce01754) actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte (fig. 9). Este tipo de arma, nascido na Itália peninsular no séc. viii a.c., foi introduzido na região jónica da Grécia, onde era dita “machaira”, e na área villanovense no séc. vi a.c., chegando à Península Ibérica no séc. v a.c., onde foi adoptado pelos Iberos do Levante Espanhol, evoluindo para uma arma mais prática e pesada, mas também versátil e robusta (Quesada Sanz, 2010: 67–68). A falcata tornou-se a arma típica dos Iberos, utilizada, nomeadamente, pelas formações de infantaria pesada formada pela aristocracia guerreira, sendo muitos exemplares ricamente damasquinados em prata (ibid: 66–69). Fig. 9 | Falcatas ibéricas. Segunda Idade do Ferro. | ce00263 e ce01754 dimensões médias: 14,4–0,4–12,9 cm, 5,4–0,5–53 cm. conclusões Nascidas entre o Calcolítico e a Idade do Bronze, lanças e espadas foram os primeiros objectos concebidos e desenvolvidos para serem utilizados como armas e, ao longo dos séculos, foram carregadas de significados simbólicos de poder, representando o poder social ligado à actividade guerreira e ao sexo masculino. A Colecção Estrada conta com um conjunto de armas ofensivas, sobretudo espadas e lanças, extremamente variado, tanto a nível tipológico como cronológico. Esta característica permite considerar a Colecção como sendo de extrema importância no desenvolvimento de temáticas de investigação como: a guerra na antiguidade, a arte na guerra, a tecnologia metalúrgica das armas, o simbolismo das armas. Pela variedade de origem das peças, estas temáticas podem ser desenvolvidas não só em relação à Península Ibérica, mas também no arco das regiões do Mediterrâneo. bibliografia almagro gorbea, m. (2009) — La Idad del Bronce, In Almagro Gorbea (ed) Prehistoria y Antigüedad, Historia Militar de España, Madrid: Ediciones del Labirinto, pp. 49–60. arcá, a.; fossati, a. (1995) — Sui sentieri dell’arte rupestre, Torino: edizioni cda. bianco peroni, v. (1970) — Die schwertrer in Italien–Le spade nell’Italia continentale, Prahistorische Bronzefunde, abt.4, band 1, Munchen. brandherm, d. (2007) — Las espadas del Bronce Final en la Peninsula Iberica, Prähistoriche Bronzefunde, abt.iv, band 16, Stuttgard: Franz Steiner Verlag. huth, c ; logel, t. ;shmid, c. (2008) — Versenkt, verloren, vergessen – Bronzezeitliche Gewasserfunde vom Oberrhein, Archäeologische Nachrichten aus Baden, pp. 76-77, pp. 18-19. kemenczei, t. (1988) — Der schwerter in Ungarn, Prahistoriche Bronzefunde, abt.IV, band 6, Munchen. lorrio alvarado, a.j (1997) — Los celtiberos, Complutum extra, 7, Madrid: Universidad Complutense. mazzeo, r. (2005) — Patine su manufatti metallici, Le patine: genesi, significato, conservazione, Kermes Quaderni, Firenze: Nardini Editori, pp. 29-43. briard, j.; mohen, j.p. (1983) — Typologie des objects de l’ Age du Bronze en France, vol. II, Paris : Societé Prehistorique Française. mederos martín, a. (2009) — El Calcolitico, In Almagro Gorbea (ed) Prehistoria y Antigüedad, Historia Militar de España, Madrid: Ediciones del Labirinto, pp. 33-48. cittadini, t. (2004) — Itinerari di visita dell’arte rupestre camuna, In Fradkin, A.; Anati, E. ( eds) Valcamonica preistorica, Capodiponte: Edizioni del Centro, pp. 65–96. oliveira jorge, s. (1999) — Bronze Age Stelae and Menhirs of Iberian Peninsula: discourses of power, in demakupoulo, k., eluère, c., de blas cortina, m.a. (1997) — Asturias y Cantabria, In Delibes de Castro, G.; Montero Ruiz, I. (eds) Las primeras etapas metalurgicas en la Peninsula Iberica, Estudios regionales, Madid: Instituto Universitario Ortega y Gasset. de marinis, r.c. (1994) — La datazione dello stile iiia, Casini, S. (ed) Le pietre degli dei; menhir e stele dell’etá del Rame in Valcamonica e Valtellina, Begamo: Centro Culturale Nicoló Rezzara, pp. 69–87. jensen, j. (1999) — The héroes: life and death, In Demakopoulo, K., Eluère, C., Jensen, J., Jockenhovel, A., Mohen, J.P. (eds) Gods and Heroes of the European Bronze Age, Thames and Hudson, London, pp. 88–97 jimenez, j. (2009) — Los primeros conflictos bélicos en la Península Ibérica, In Almagro Gorbea (ed) Prehistoria y Antigüedad, Historia Militar de España, Madrid: Ediciones del Labirinto, pp. 23–32. farnié lobensteiner, c.; quesada sanz, f. (2000) — Espadas de hierro, grebas de bronze; símbolos de poder y instrumentos de guerra a comienzo de la Edad del Hierro en la Península Ibérica, Monografías del Museo de Arte Ibérico del Cigarralejo, Murcia: Comunidad Autonoma de Murcia. gaucher, g.; mohen, j.p. (1972) — Typologie des objects de l’Age du Bronze en France, fasc. 1, Paris : Société Préhistorique Française. giachina, j.; gomez de soto, j.; bourchis, j.r.; veber, c. (2008) — Un depôt de la fin de l’ Age du Bronze à Mechers (Charente- Maritime), Bulletin de la Societé Prehistorique Française, tome 105, N.º 1, pp. 159–185. giardino, c. (2010) — I metalli nel mondo antico ; introduzione all’archeometallurgia, Bari-Roma: Editori Laterza. guilaine, j.; zammit, j. (2001) — Le sentier de la Guerre : visage de la violence dans la Prehistoire, Paris : editions du Seuil. harding, a. (1999) — Swords, Shields and Scolars : Bronze Age Warfare, past and present, In Harding, A. (ed) Experiment and Design; archaeological studies in honour of John Coles, Oxford: Oxbow Books, pp. 87–93. jensen, j., jockenhovel, a., mohen, j.p. (eds) Gods and Heroes of the European Bronze Age, Thames and Hudson, London, pp. 114–122. quesada sanz, f. (1997) — El armamento iberico. Estudio tipologico, geografico, functional, social y simbolico de las armas en la Cultura Iberica (siglos vi–i a.c.) Monographies Instrumentum, 3, Montagnac. quesada sanz, f. (2010) — Armas de la Antigua Iberia; de Tartessos a Numancia, Madrid: Esfera de los Libros. quilliec, b. (2007) — Vida y muerte de una espada atlántica del Bronce Final en Europa: reconstrucción de los procesos de fabricación, uso y destrucción, Complutum, p. 18, pp. 93–107. reim, h. (1974) — Die spatbronzezeitlichen Griffplatten, Griffdorn und Griffangelswerter in Ostfrankreich, Prahistoriche Bronzefunde, abt. IV, band 3, Munchen. reinecke, p.; binher, k.; wagner, f. (1965) — Mainzer Aufsatze zur Chronologie der Bronzer und Eisenzeit, Bonn: ed. Habelt. rovira, s.; montero ruiz, i.; consuegra rodriguez, s. (1997) — Las primeras etapas metalurgicas en la Peninsula Iberica, 1. Análisis de materiales, Madid: Instituto Universitario Ortega y Gasset. torres ortiz, m. (2009) — Tartessos, In Almagro Gorbea (ed) Prehistoria y Antigüedad, Historia Militar de España, Madrid: Ediciones del Labirinto, pp. 99–110. wahl, j.; konig, h.g. (1987) — Anthropologisch Untersuchung der menshlichen Skelettreste aus dem bandkeramischen Massengrab bei Talheim, Kreis Heilbronn, Funderberichte aus Baden Wurtemberg, p. 12, pp. 65–195. warmenbol, e. (1991) — Le Bronze Final Atlantique entre Côte et Escaut, In Chevillot, C. ; Coffyn, A. (eds) L’ Age du Bronze Atlantique, actes du 1er Colloque du Parc Arqueologique de Beynac, pp. 77–88. hernandez valverde, m. (2007) — Suerte, casualidad y conservación, El hallazgo leones de Valdevimbre y los depósitos del Bronce Final en la Peninsula Iberica, Leon: Museos de Castilla y Leon, pp. 52–89. 90 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte artefactos com suástica na colecção estrada: iconografia e simbolismo . Fernando Augusto Coimbra instituto terra e memória grupo quaternário e pré-história do centro de geociências (uid76 fundação ciência e tecnologia) resumo O autor inicia o actual artigo com algumas considerações sobre a origem e a tipologia do símbolo da suástica, indispensáveis para a sua melhor compreensão. Descreve objectos da Colecção Estrada onde este símbolo se encontra presente. Aborda, sinteticamente, hipóteses interpretativas do motivo estudado. Termina com algumas considerações de carácter geral. Palavras-chave: Suástica, origem, tipologia, simbolismo. 92 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte abstract The author starts the present article with some considerations about the origin and typology of the swastika symbol, indispensable for its good understanding. He describes some objects from Collection Estrada where this symbol appears. He develops, in a synthetic way, interpretative hypothesis of the studied motif. He finishes with some general considerations. Keywords: Swastika, origins, typology, symbolism. Entre os milhares de objectos arqueológicos pertencentes à Colecção Estrada, alguns chamam a atenção pela presença de um símbolo que actualmente causa consternação na chamada sociedade ocidental. Trata-se da denominada suástica, nome de origem sânscrita que designa um dos mais antigos signos da humanidade, que o nazismo viria a deturpar, transformando-o num objecto de tirania e horror. Todavia, a história da suástica demonstra que este motivo teve um carácter religioso e profiláctico entre o vii milénio a.c. e a actualidade, encontrando-se os exemplos mais recentes ainda activos em sociedades orientais. Abordar toda a complexidade e problemática que o estudo deste símbolo encerra, dentro do limite de páginas disponível nestas actas, é tarefa muito ingrata. Assim, convidamos o leitor a consultar a nossa Dissertação de Doutoramento (Coimbra 2007)1, que oferece uma ampla visão sobre as questões primordiais que envolvem a análise deste motivo. Para além disso, a iconografia que aqui referimos e que não se torna possível reproduzir encontra-se disponível na mesma obra, para além de cerca de sessenta páginas de bibliografia dividida em duas secções: bibliografia específica sobre o símbolo estudado e bibliografia de apoio, composta por obras que ajudam a compreender melhor este motivo. Antes de analisar os artefactos com suástica da Colecção Estrada, torna-se imprescindível escrever algumas palavras sobre a possível origem e sobre a tipologia deste símbolo milenar, de modo a poder compreendê-lo melhor. De facto estas duas questões, principalmente a primeira, são de crucial importância para poder interpretar correctamente a presença da suástica em objectos de carácter arqueológico. origem da suástica A origem da suástica perde-se na noite dos tempos, sendo a mais antiga actualmente conhecida a que existe num prato pintado de Samarra (Mesopotâmia), datado de finais do vii milénio a.c., início do vi milénio a.c. Alguns autores apontam exemplares mais antigos, remontando ao Paleolítico Superior, mas são casos que devem ser encarados 1 com muitas reservas uma vez que constituem meandriformes que apenas por acaso formam imperfeitamente uma suástica (Coimbra 2007). Iconografia pré-histórica e antiga Neste campo, a “chave” para a compreensão da origem da suástica poderá estar num atlas chinês de cometas, datado do séc. iv a.c., onde um destes astros surge representado na forma de uma suástica dextrorsa, com um círculo central (fig. 1). Este atlas, com páginas de seda, medindo metro e meio de altura, foi encontrado em 1978 no túmulo n.º 3 de Mawangdui, próximo de Chang-Sa, datado de 168 a.c. Todavia, de acordo com Ze-zong Xi, do Instituto de História das Ciências Naturais (China), deve ter sido elaborado entre 369 a.c. e 345 a.c., constituindo um documento que reúne informações acumuladas ao longo de um vasto período de tempo (Xi 1984). Fig. 1 | Atlas de Mawangdui com um cometa em forma de suástica (segundo Sagan e Druyan, 1986). A legenda que acompanha o desenho deste cometasuástica relata o seu aparecimento por diversas vezes, em diferentes estações do ano (Xi 1984). Entretanto torna-se legítimo pensar que estes desenhos cometários, executados há mais de dois mil anos, poderão ser fantasiosos. Mas tal questão não se coloca, pois eles “conseguem apresentar semelhanças impressionantes com as modernas fotografias de cometas” (Sagan e Druyan 1986: 30). Curiosamente, o segundo cometa a contar da esquerda, com uma cauda quádrupla, surge representado de forma muito semelhante numa pintura rupestre da Toca Existem exemplares disponíveis para consulta na Universidade Autónoma de Lisboa, no Museu de Arte Pré-Histórica e do Sagrado no Vale do Tejo (Mação), no Solar Condes de Resende (V.N. de Gaia), na Sociedade Martins Sarmento (Guimarães), este último em CD, na Universidade de Salamanca e, brevemente, possivelmente em Coimbra e no Porto, em locais que o autor oportunamente divulgará à comunidade arqueológica. Pensamos, ainda, que existirá uma cópia na Biblioteca Nacional. do Cosmos (Baía, Brasil), rodeada por outros motivos de carácter astronómico (Coimbra 2010). Para além do atlas de Mawangdui, uma gravura rupestre das montanhas de Gegham (Arménia) parece igualmente atribuir uma origem cometária à suástica. Observase a presença deste símbolo, com uma espécie de cauda (como as dos cometas), sendo “adorado” por duas figuras humanas que erguem os dois braços no ar, os denominados “orantes” (fig. 2). Fig. 3 | Quatro jactos cometários em forma de cruz (à esquerda). À direita, suástica originada por acção da radiação e do vento solar (segundo Sagan e Druyan, 1986). Fig. 4 | Vista radial (núcleo) e axial (cauda) de um cometa em forma de suástica (segundo Kobres, 1992). Fig. 2 | Gravura rupestre de Gegham (segundo Martirorsian, 1975). Astronomia Diversos astrónomos como Carl Sagan, Bill Napier, Victor Clube, Victor Gostin, Nick Moore, entre outros, consideram que a suástica tem a sua origem num cometa. Mas como é possível um astro deste tipo adquirir a forma de uma suástica? Em poucas palavras, um cometa é constituído por camadas hexagonais de gelo “sujo”, em cujas moléculas se encontram silicatos, podendo o volume do gelo variar entre dois e dez km. À medida que o astro se aproxima do Sol, as camadas exteriores começam a aquecer, transformando o gelo em gás e libertando a poeira gelada, formada por pequenas partículas de silicatos e outros compostos (Moore s/d). Esta aproximação ao Sol produz grandes quantidades de gás que dão origem aos chamados jactos cometários (fig. 3). Assim, devido à pressão da radiação solar e ao vento solar2, o gás e as poeiras do núcleo são empurrados numa determinada direcção, formando a cauda cometária (Xi, 1984), e, se o núcleo rodopiar sobre si mesmo, os jactos adquirem uma forma ligeiramente encurvada dando origem a uma suástica (fig. 3 e fig. 4). 2 Corrente contínua de pequenas partículas emitida pela coroa solar. Astrofísica No início dos anos 60, os astrofísicos C.J. Ransom e H. Schluter da Universidade do Texas, efectuaram experiências repetidas, e com assistência pública, em que expuseram à electricidade e ao magnetismo elementos que entram na composição dos cometas, como o hidrogénio e o hélio. Estes gases adquiriram então um brilho intenso para, logo de seguida, começarem a girar num turbilhão e surpreendentemente tomarem a forma de uma suástica de quatro braços curvos. Segundo aqueles autores, “ionized gases can be created in a glass cylinder arranged so that you may look through the long axis of the tube. Under certain conditions of ionization and magnetic field strengths, a stationary spiral will appear in the tube (...). Again, depending on the conditions, the spiral can have three or more arms. One of the most common spirals seen in the experiments described was a spiral with four arms” (Greenberg 1997: 54)3. Greenberg, refere que esta “espiral” de quatro braços teria “each arm curving away from the center like a stylized fylfot or swastika” (idem, ibidem), sendo, portanto, estas espirais de braços múltiplos, na realidade, suásticas de braços curvos. Ainda de acordo com o mesmo autor, extrapolando estas experiências laboratoriais para o macrocosmos ob3 Informação pessoal de Ramson e Schluter a Lewis Greenberg, que assistiu a uma das várias experiências realizadas. 94 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte ter-se-á o mesmo resultado, uma vez que a magnetosfera terrestre é de tal modo que existem condições para que se verifique o mesmo fenómeno ocorrido em laboratório. siderado positivo (benéfico) e outro negativo (maligno), o que poderá ser válido para algumas culturas mas que de modo nenhum se poderá generalizar. tipologia A suástica é representada de inúmeras formas, sendo muito provavelmente o símbolo que possui mais variantes, entre todos aqueles que surgem em vestígios arqueológicos. Mas, de modo a estabelecer uma tipologia simplificada, diremos apenas que ela pode apresentar braços em ângulo recto e braços curvos (fig. 5). Este segundo tipo apresenta modalidades com número de braços variável, que pode ir de três (trísceles4), quatro (tetrásceles), cinco, seis, sete… até dezasseis, surgindo com frequência em algumas lápides funerárias romanas da Península Ibérica. objectos da col. estrada com suásticas Os artefactos da Colecção Estrada que apresentam suásticas não são muito numerosos. Seguidamente descrevemos, por ordem cronológica, alguns dos exemplares mais significativos. A peça mais antiga é uma taça cerâmica (ce02670) com pasta de cor beije amarelado, em cujo centro se observa uma suástica dextrorsa de nove braços curvos, rodeada por onze motivos em forma de reticulado. Por sua vez, à volta destes encontram-se dois círculos concêntricos, entre os quais existe uma linha ondulada. Entre este conjunto e o bordo da taça estão, representadas em círculo, oito cabras monteses. Entre a cauda de cada cabra e a cabeça da seguinte encontram-se três “chevrons” concêntricos, num total de oito conjuntos do mesmo motivo (fig. 6). O tipo de pasta desta taça, a cor das pinturas e os motivos representados são muito comuns no Médio Oriente entre o v milénio e o iii milénio a.c., cronologia entre a qual se deve inserir esta peça. Na Colecção existem alguns exemplares de elementos de fivela de cinturão, em bronze, com trísceles e com tetrásceles, cuja compreensão se pode basear num paralelo exposto no Museu Provincial de Cáceres5, peça mais completa do que aquelas que aqui descrevemos e que ajuda a entender melhor a sua constituição e o seu funcionamento (fig. 7). De facto, esta peça de El Romanzal é constituída por duas partes sobrepostas, encaixando uma na outra num sistema de macho/fêmea, existindo na Colecção Estrada somente exemplares isolados6 (fig. 8 e fig. 9). Fig. 9 | Elemento de fivela de cinturão com representações de trísceles dextrorsos da Col. Estrada. dimensões médias: 9,2–11,8–0,2 cm. Fig. 7 | Fivela de cinturão de El Romanzal. Fig. 5 | Alguns tipos de suásticas (desenho do autor). Torna-se difícil saber qual dos dois tipos apareceu primeiro, visto que, por exemplo, na Hungria do v milénio a.c. já surgem ambos em cerâmica da necrópole de Lengyel, Zengovárkony (Gimbutas, 1989). Na mesma época, na Mesopotâmia, também já aparecem algumas suásticas de braços curvos, embora em menor número que as que têm os braços em ângulo recto. Algumas suásticas têm os braços virados para a direita (na metade superior do motivo) e outras apresentam-nos virados para a esquerda, sendo as primeiras denominadas dextrorsas e as segundas sinistrorsas. Esta diferente orientação levou alguns autores a atribuírem-lhes diferentes significados, sendo um sentido con4 quatro braços curvos, com orifício central, inserida num conjunto de três círculos concêntricos, que, por sua vez, se inscrevem num conjunto de dois quadrados também concêntricos. Sobreposto a este elemento de fivela de cinturão estaria, certamente, uma peça como a que se pode observar na fig. 9 (ce02240), cuja extremidade esquerda termina em duas aletas, entre as quais se encontra uma parte de forma trapezoidal7. Estas fivelas de cinturão de placa quadrangular são de tradição ibera e encontram-se bem documentadas em diversas necrópoles celtiberas da Meseta Oriental (Lorrio 1997). Cronologicamente são atribuíveis aos sécs. iii-ii a.c. (Almagro-Gorbea et alli 2004). A peça mais recente das que são aqui estudadas é uma fíbula em bronze (ce03109), constituída por quatro cabeças de cavalo que formam uma suástica dextrorsa (fig. 10). Fig. 8 | Elemento de fivela de cinturão com suástica de braços curvos da Col. Estrada. dimensões médias: 8,7–8,8–0,1 cm. Fig. 6 | Taça cerâmica com suástica de nove braços curvos. dimensões médias: 39,5–15 cm. Toda a decoração interior é pintada em tons de castanho sobre o fundo beije amarelado. Trísceles, do grego τρισχελής (triskeles), palavra derivada de tria skelia, que significa “três pernas”; tetrásceles, também do grego τετρασχελής (tetraskeles) palavra derivada de tetra skelia, “quatro pernas”; pentásceles do grego πέυτασχελής (pentaskeles) derivada de penta skelia, “cinco pernas” e assim sucessivamente. Comparando a peça da fig. 8 (ce02263) com a metade esquerda do exemplar patente na fig. 7 a semelhança é evidente: verifica-se o mesmo tipo de suástica dextrorsa de 5 6 96 Proveniente da necrópole de El Romanzal (Plasenzuela), pertencente ao povoado de Villasviejas del Tamuja (Botija) e datado de um período entre o séc. iv e o séc. i a.c. Existem mais exemplos de fivelas completas, com duas partes sobrepostas, em território celtibérico, nomeadamente em La Revilla, Arcobriga e El Atance (Lorrio 1997: 220). actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte Fig. 10 | Fíbula em forma de suástica. dimensões médias: 3,5–3,2–0,2 cm. 7 Comparar a fig. 9 com a metade direita da peça da fig. 7. Apresenta três círculos concêntricos no centro e dois círculos também concêntricos, menores, representando um olho, em cada uma das cabeças, tendo todas orelhas, excepto uma, que se encontra fracturada. Linhas incisas em três das cabeças podem representar a crina, facto que só encontra paralelo na fíbula de Castello, Udine, Itália (Buora 2005). Existem cerca de trinta e um exemplares deste tipo de fíbula, conhecidos até hoje, mas os casos mais semelhantes ao da Colecção Estrada encontram-se no Museu Nacional de Bucareste. A difusão destes artefactos distribui-se pela área da antiga Dácia romana (Roménia), pela Sérvia, e, com menor número de exemplares, pela Croácia, Eslovénia, Hungria, Áustria, Sul da Alemanha e Nordeste da Itália, sendo actualmente atribuídos à primeira metade do século iii, parecendo estar relacionados com a criação do corpo de cavalaria Ilírica (Buora 2005; Gudea 2005). Na Colecção Estrada encontram-se ainda algumas peças com suástica que necessitam de um estudo mais profundo, cuja falta de contexto arqueológico dificulta a sua atribuição cultural e cronológica. Deste modo, estes artefactos não serão objecto de interpretação no presente trabalho. simbolismo e interpretação Falar do simbolismo da suástica em poucas palavras é tarefa assaz complexa. Em primeiro lugar, para interpretar o mais correctamente possível qualquer símbolo que surja em vestígios arqueológicos torna-se necessário utilizar uma metodologia. O signatário, na sua Dissertação de Doutoramento, socorreu-se de uma associação entre a Arqueologia Cognitiva Processual e a Arqueologia Pós-processual, tentando interpretar a suástica de um modo contextualizado e que fosse simultaneamente o menos subjectivo e o mais objectivo possível8. Na impossibilidade de desenvolver aqui a metodologia referida, devido ao limite de espaço para este artigo, tentaremos abordar esta secção de uma forma sintética mas rigorosa. 8 Para desenvolvimento destes assuntos, ver Coimbra, 2007. Assim, muito brevemente, começamos por mencionar que o símbolo estudado tem significados diversos, de acordo com os tempos e os lugares: símbolo dos deuses, símbolo solar, símbolo protector, amuleto de boa sorte, marca de oleiro… Quanto às peças da Colecção Estrada tentamos uma interpretação contextualizada, após a comparação com paralelos existentes na bibliografia. A suástica da taça cerâmica do Médio Oriente poderá, em face da sua tipologia de braços curvos e da iconografia envolvente, representar a divindade solar. Na mesma região existem peças semelhantes onde surgem representações da cabra montês, por vezes acompanhadas de suásticas. Este animal, devido ao formato dos seus cornos tem sido associado ao crescente lunar (Kohen 2009). Para o mesmo autor (2009) no Médio Oriente existe uma relação entre a lua e a chuva, que, curiosamente, em termos metereológicos, é o “oposto” do sol. No Sul da Arábia, os sabeus consideram a cabra como símbolo do deus lunar (Biedermann 1989)9. Poderemos estar, então, em presença de uma taça ritual que reúne elementos de um culto astral (solar e lunar). Relativamente às fivelas de cinturão, importa recordar as referências de J. M. Blázquez Martínez (1985) sobre o uso de cinturões mágicos entre os povos pré-romanos da Península Ibérica, apresentando, alguns, círculos concêntricos e suásticas, como os encontrados em Atienza, La Osera e Las Cogotas. Em diversas culturas da Idade do Ferro e mesmo posteriores, existem fivelas de cinturão com a representação de suásticas, como acontece, por exemplo com uma peça de um túmulo da floresta de Haguenau e com um exemplar merovíngio, onde se observam três suásticas, cada uma sobre um cavalo (Bertrand 1897: Pl. viii, fig. 18). Os casos aqui referidos levam a admitir que os cinturões com este símbolo teriam um carácter protector dos seus utilizadores, durante os combates10. A mesma interpretação pode ser aplicada aos exemplares existentes na Colecção Estrada. Para compreender o significado da fíbula aqui estudada (fig. 10) torna-se necessário analisar primeiramente outras fíbulas onde a suástica se encontra presente, o que se verifica pelo menos, desde o séc. viii a.c. De acordo com Salete da Ponte (2005: 197), “as fíbulas proto-históricas teriam, para além de uma visão utilitária, um carácter simbólico (mágico, votivo, económico, sóciopolítico, cultural)”, constituindo “objectos de prestígio social” (Ponte 2005: 193). Uma vez que a fíbula da Colecção Estrada é semelhante a outras, atribuídas ao corpo de cavalaria Ilírica (Buora 2005; Gudea 2005), pensamos que também lhe é possível descortinar um carácter de protecção, para além de símbolo de prestígio social, precisamente por se tratar de um corpo de cavalaria. 9 Em algumas culturas a lua tem carácter masculino e o sol atributos femininos. 10 Os escudos de alguns guerreiros de inúmeras culturas também utilizam símbolos protectores, entre os quais surge com muita frequência a suástica, quer na variante de trísceles, quer na de seis braços curvos e até mesmo com o tipo “cruz gamada” (Coimbra 2007). 11 Tomando como exemplo apenas a Grécia Clássica, a suástica surge associada a Zeus, Atena, Poseidon, Apolo, Artemisa, Afrodite, Hermes e ao herói Heraklés. 98 algumas considerações finais A suástica é um motivo que surge com grande frequência em vestígios arqueológicos e etnográficos da mais variada tipologia e cronologia, aparecendo em cerâmicas, arte rupestre, ourivesaria, escultura, lápides funerárias, aras, elementos arquitectónicos, mosaicos, moedas, frescos, pesos de tear, documentos escritos, têxteis, armas defensivas (escudos, capacetes) e ofensivas (lanças, espadas, machados), entre outros artefactos e monumentos pertencentes aos mais variados povos. Por exemplo, existem inúmeros casos de suásticas associadas a deuses de muitas culturas11 o que leva a considerar que, inicialmente, esse símbolo terá sido apresentado às populações como “le signe visible d’un dogme, d’une croyance” (Bertrand 1897: 163). No Cristianismo, até ao final da Idade Média, este motivo aparece frequentemente em representações do Cristo e da Virgem, sendo um dos exemplos mais interessantes uma imagem de Jesus, datada do séc.xv, saindo do túmulo com um estandarte onde se observa uma suástica (Rynne 1990: 5; fig. 2). Tal como escreveu S. Heller, “few symbols have had as much impact on humankind as the swastika. No other mark has turned up in so many disparate cultures” (Heller 2000: 19–20). Verifica-se, portanto, que este símbolo parece ter desenvolvido raízes profundas no denominado Incons- actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte ciente Colectivo, que, segundo C. G. Jung (1964), é a parte da mente que retém e transmite a herança psicológica comum a toda a humanidade. Actualmente, nas sociedades ocidentais, a suástica é, de modo geral, encarada como um símbolo maldito a eliminar. De facto, no princípio de Janeiro de 2005, Franco Frattini, Comissário Europeu para a Justiça, Liberdade e Segurança, pretendeu banir da Comunidade Europeia este motivo milenar. Esta ideia, apesar de não ter sido aprovada, gerou a reacção de hindus residentes em Inglaterra para os quais aquele motivo é uma sagrada tradição ancestral, indissociável de aspectos de carácter social como casamentos e nascimentos12 (Coimbra 2007). Na realidade, não se pode culpar um símbolo com raízes pré-históricas das atrocidades cometidas pelo nazismo. Portanto, a ideia de banir a suástica tratou-se, de uma iniciativa bastante infeliz, decorrente da falta de cultura arqueológica desse comissário, tal como frequentemente é hábito em alguns políticos13. Curiosamente, um dos artigos mais esclarecidos sobre a suástica, escritos antes da década de 90 do século xx, foi elaborado em plena ii Guerra Mundial por John Prince Lowenstein (1941) e publicado na revista Man, editada pelo Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, numa altura em que Londres era cruelmente bombardeada pela aviação nazi. Os ingleses souberam olhar para o passado, para não se enganarem com o presente… como diria o padre António Vieira. Não foi objectivo deste trabalho redimir ou reabilitar a suástica aos olhos da sociedade ocidental, mas apenas compreender a sua presença em artefactos arqueológicos, tentando adivinhar o seu significado. bibliografia almagro-gorbea, martín; casado, daniel; fontes, fernando; mederos, alfredo; torres, mariano (2004) — Prehistoria. Antiguedades Españolas i, Madrid: Real Academia de la Historia. beirão, caetano mello; tavares da silva, carlos; soares, joaquina; varela gomes, mário; varela gomes, rosa (1985) — “Depósito votivo da ii Idade do Ferro de Garvão. Notícia da primeira 12 Para os hindus a suástica é o símbolo mais sagrado após o trigrama aum. 13 Para banir a suástica do espaço comunitário europeu seria necessário, por exemplo, destruir inúmeros mosaicos romanos em Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Itália, entre outros países, o que seria absurdo. Para além disso, seria também preciso ir aos museus mais importantes da Europa deitar para o lixo dezenas de artefactos, entre vasos mesopotâmicos, cerâmicas e fíbulas gregas, jóias etruscas, cerâmicas saxónicas, pratas romanas, entre muitas outras obras de arte. campanha de escavações”, O Arqueólogo Português, Série iv, 3, Lisboa: Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia. berrocal-rangel, luis (1994) — El altar prerromano del Castrejón de Capote. Ensayo Etno-Arqueológico de um ritual céltico en el suroeste peninsular, Madrid: Universidad Autónoma de Madrid. bertrand, alexandre (1897) — La Religión des Gaulois, Paris: Ernest Leroux. biedermann, hans (1989) — Diccionario de Símbolos, Barcelona: Ediciones Paidós. blásquez martínez, jose maria (1985) — Magia y religión entre los pueblos indígenas de la Hispania Antigua, in Religión superstición y magia en el Mundo Romano, Cádis: Universidade de Cádiz. buora, maurizio (2005) — “Nota sulla diffusione delle fibule a svastica com terminazioni a testa di cavallo”, Quaderni friulani di archeologia, xv, Udine: Societá Friulana di Archeologia. coimbra, fernando augusto (1999) — “Algumas considerações sobre a Arqueologia da Suástica”, in Centenário da Sociedade Arqueológica da Figueira 1898–1910, Figueira da Foz: Museu Municipal Dr. Santos Rocha. coimbra, fernando augusto (2007) — A suástica em Portugal e na Galiza, desde a Idade do Bronze ao fim do Período Romano: problemática da origem e da interpretação (policopiado), dissertação de Doutoramento, Salamanca/Lisboa: Universidade de Salamanca/ Universidade Autónoma de Lisboa. lowenstein, john prince (1941) — “The swastika: its history and meaning”, Man, 41, Londres: Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland. martirossian, h. (1975) — The rock carvings of the Gegham Mountain Range, Yerevan: Academy of Science of Armenia. moore, nick (s/d) — Cometary Portents – ‘The Swastika’, www.astronomy.org.nz/aas/Journal/CometaryPortents.asp, (acedido a 21/10/2010) ponte, salete da (2005) — “As fíbulas do Bronze Final e Idade do Ferro de Portugal Interior (Norte e Centro): problemática sobre produção local e de longa distância”, Actas do i Congresso de Arqueologia de Trás-os-Montes, Alto Douro e Beira Interior, Côavisão, 7, Vila Nova de Foz Côa: Câmara Municipal. rynne, etienne (1990) — “The Swastika at Ennis- Symbol of the Resurrection”, The North Munster Antiquarian Journal, 32, Galway: s/e. sagan, carl; druyan, ann (1986) — Cometa, Lisboa: Editora Gradiva. xi, ze-zong (1984) — “The cometary atlas in the silk book of the Han tomb at Mawangdui”, Chinese Astronomy and Astrophysics, 8, s/l: Pergamon Press. coimbra, fernando augusto (2009) — “Trísceles, tetrásceles e motivos afins em elementos arquitectónicos castrejos”, Actas do Congresso Transfronteiriço de Arqueologia Aqvae Flaviae, 41, Chaves: Centro Cultural Aqvae Flaviae. coimbra, fernando augusto (2010) — “The Sky on the rocks: cometary depictions in rock art”, in Anais do Congresso Internacional de Arte Rupestre “Global Rock Art”, Fumdhamentos, ix, São Raimundo Nonato: Fundação Museu do Homem Americano. gimbutas, marija (1989) — Il Linguagio della Dea – Mito e culto della Dea Madre nell’ Europa Neolitica, Milano: Longanesi. greenberg, lewis (1997) — Let there be darkness: the reign of the Swastika, Richmond: Kronos Press. gudea, nicolae (2005) — “Sulle fibule romane a svastica con estremità a testa di cavallo”, Quaderni friulani di archeologia, XV, Udine: Societá Friulana di Archeologia. heller, steven (2000) — The swastika: symbol beyond redemption? Nova Iorque: Allworth Press. jung, carl gustav (1964) — Essai d’Exploration de l’Inconscient, in L’Homme et ses Symboles, Paris: Robert Laffont. kobres, bob (1992) — Comets and the Bronze Age Collapse, http://abob.libs.uga.edu/bobk/bronze.html, (acedido a 15/9/2010). kohen, Stanley (2009) — The Mountain Goat; symbol of rain in Iranian pottery, http://www.cais-soas.com/cais/mythology/ mount_goat.htm (acedido a 9/11/2010). lorrio, alberto (1997) — Los Celtíberos, Madrid/Alicante: Universidade Autónoma de Madrid/ Universidade de Alicante. 100 tesouros escondidos e significado do sagrado: objectos funerários da idade do bronze da europa . Davide Delfino instituto terra e memória grupo quaternário e pré-história do centro de geociências (uid76 fundação ciência e tecnologia) resumo A Idade do Bronze Europeia foi, em muitos sentidos, uma época de mudanças radicais, nomeadamente nas estruturas sociais e nas dinâmicas de contactos. Uma fonte arqueo-lógica significativa para perceber estas dinâmicas sociais é o mundo funerário. A Colecção Estrada é rica em objectos provenientes de contextos sepulcrais da Idade do Bronze de toda Europa. Estes, embora sem contexto arqueológico de referência, pois foram adquiridos em casas de leilões, relacionam-se com diferentes horizontes culturais do continente e revestem-se de interesse para perceber melhor a relação entre as culturas proto-históricas e os seus contextos funerários. Palavras-chave: Idade do Bronze, Europa, horizontes funerários, conceito do “além”. 102 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte abstract The European Bronze Age was in many ways a time of radical changes, particularly in social structures and dynamics of contacts. A major archaeological source to better understand these social dynamics are the burial horizons. The Estrada Collection is rich in bronze age objects come from all over Europe which, although with no archaeological context, since they were acquired in auction houses, are related to different cultural horizons of the continent and are of interest in order to better understand the relationship between the proto-historic cultures and their horizons funeral. Keywords: Bronze Age, Europe, burial horizons, concept of “Beyond”. a idade do bronze europeia: um quadro geral No continente europeu o período que abrange aproximadamente o segundo milénio a.c., é caracterizado por várias dinâmicas inovadoras: a introdução maciça da metalurgia do bronze, a cada vez maior complexidade das sociedades, a dinamização dos contactos a grande distância, a dinamização do comércio, o consequente controlo dos materiais “exóticos” pelas elites e a normalização do ritual funerário incineratório. O quadro crono cultural das várias fases (tab. 1) da Idade do Bronze não é uniforme em todo o continente: dum lado, na área do Mediterrâneo oriental, com as civilizações proto estatais micénica e minóica, as dinâmicas que caracterizam este período são mais marcadas, uniformes e talvez mais antigas, dum outro, na Europa centro setentrional o quadro é geralmente mais complicado, aparecendo somente algumas das manifestações típicas da Idade do Bronze. tab. 1 – Várias fases da Idade do Bronze cronologia egeu mediterrâneo europa continental 3200–2200 a.c. Cultura Cicládica Neolítico Final/ Calcolítico Neolítico Final/ Calcolítico 2200–1600 a.c. Culturas Cicládica e Minoica Culturas de Polada, Campaniforme e Argar a Culturas de Straubing, Unetice e Wessex i 1600–1500 a.c. Culturas Minóica e Micénica Culturas das Terramare e Argar b Culturas dos Túmulos do Vale do Danúbio e Wessex ii 1500–1200 a.c. Cultura Micénica Culturas das Terramare e Cogotas i Culturas dos Túmulos do Vale do Danúbio e Wessex ii 1200–800 a.c. “Povos do mar” Culturas Protovillanoviense, Cogotas i e Tartessos Antigo Bronze Final Atlântico e Cultura dos Campos de Urnas Apesar destas diferenças as sociedades europeias da Idade do Bronze têm em comum elite dominante que se legitima mediante a capacidade de acumulação de recursos, da gestão socioeconómica e do controlo das relações com outras sociedades (Kristiansen e Larsson 2006: 61, 80–81). Com esta estruturação da sociedade e o uso maciço do bronze, que obrigava ao controlo dos recursos ou das rotas comerciais, surgiram duas características que marcaram as elites sociais desta época: a guerra e a gestão dos materiais exóticos ou preciosos. Na cultura material a primeira característica é evidenciada pelo grande número de armas de bronze e também por fortificações em algumas cidades, enquanto a segunda é evidenciada pelas jóias em âmbar, pasta vítrea e ouro. Entre todos os contextos que podem apresentar evidências das sociedades da Idade do Bronze, as sepulturas são os que oferecem ambos os testemunhos: é por isto que, quer através dos objectos, quer através da interpretação do contexto do achado, as necrópoles são um factor de primeira importância para fazer a análise social das sociedades da Idade do Bronze. Neste sentido é de particular relevância perceber qual é o significado de determinados conjuntos de objectos nos espólios funerários, qual é a mensagem que as sociedades complexas queriam transmitir e qual é o destinatário destas mensagens. Já no final do século xx, no âmbito dum projecto de investigação e divulgação sobre a Idade do Bronze Europeia patrocinado pela União Europeia, foram apresentados vários trabalhos editados pelos mais prestigiados investigadores: um destes foi dedicado especificamente ao tema do sagrado e dos valores das sociedades do segundo milénio a.c. (Demakopoulou et al. 1997) e uma das conclusões finais que resultaram, sobretudo da análise dos contextos funerários, foi que num panorama continental suficientemente diversificado dum ponto de vista das culturas humanas e da cronologia, era possível perceber um denominador comum às sociedades humanas: o ideal heróico e guerreiro, o gosto pela exibição de objectos de prestígio e o poder social derivado do controlo dos tráficos de longa distância. Os mesmos ideais que se encontram nos poemas homéricos (ibid. 7). os horizontes funerários da idade do bronze europeia Idade do Bronze Antigo Cultura Cicládica: Cicládico Antigo (3200–2000 a.c.) Nas Ilhas Cíclades, ricas de recursos minerais, agrícolas e numa posição estratégica no meio do mar Egeu (Broodbank 2008: 47–48), a Idade do Bronze Antigo na sua primeira fase (Cicládico Antigo I: 3200–2800/2700 a.c.) 104 é caracterizada pelo grande número de necrópoles, sendo pouco conhecidos os povoados. As necrópoles forneceram um número de objectos suficiente para perceber que se tratava de comunidades humanas com uma metalurgia muita desenvolvida e que aproveitaram a posição estratégica das ilhas para gerir muitos contactos marítimos com as restantes ilhas egeas e a Grécia continental; na fase média do Bronze Antigo (Cicládico Antigo ii: 2800/2700– 2400/2300 a.c.). Os povoados que são melhor conhecidos revelam uma sistemática presença de muralhas, enquanto as necrópoles mostram o florescer da produção cerâmica, metálica e de artefactos de pedra como os famosos “Ídolos Cicládicos”. É este o período “clássico” da Cultura Cicládica, no qual as comunidades destas ilhas assumem um papel de liderança nas rotas marítimas do Mediterrâneo Oriental e na produção artística. Finalmente na fase terminal do Bronze Antigo (Cicládico Antigo iii: 2400/2300– 2000 a.c.) as Cíclades conhecem um período de desenvolvimento tecnológico com a aparição maciça da metalurgia do bronze e a invenção do torno para a cerâmica. Este é também o período em que as Cíclades entram em fase de decadência, desaparecendo muitos povoados e sendo o papel de liderança nas rotas marítimas e nas trocas de recursos agora assumido pela ilha de Creta e pela Grécia continental (Stampolidis, Sotirakopoulou 2007: 21). As manifestações funerárias mais significativas são as relativas ao Cicládico Antigo ii: túmulos em cista rectangulares ou trapezoidais reagrupadas em pequenas necrópoles, com a excepção de Calandriani (750 túmulos), revelam uma sociedade estratificada. As características da arquitectura funerária e a composição dos adereços das Cíclades estão também presentes nas outras ilhas do mar Egeu (Dickinson 2000: 253–254). Uma característica parece ser o costume de enterrar os defuntos num primeiro momento, para depois num segundo, à distância de alguns anos, arrumar os ossos mais no interior do túmulo (Stampolidis e Sotirakopoulou 2007: 25). Cultura do Wessex i (2000–1650 a.c.) No sul da Inglaterra foi conhecida já em 1938 uma cultu- actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte ra nascida directamente sobre o substrato da Cultura do Vaso Campaniforme e muito próxima, pela cultura material e os modos de enterramento dos mortos, com a Cultura Armoricana no norte da França (Briard 1976: 148). A Cultura do Wessex destaca-se pela grande capacidade de trabalhar o metal, nomeadamente o bronze e o ouro, pelo excelente controlo dos tráficos de troca no eixo França do Norte-Inglaterra-Escandinávia e pelas suas manifestações particulares de arquitectura funerária (ibid.: 149–150; Piggott 1973; Clarke, Cowie e Foxon 1997): túmulos (barrows) em forma de círculo com uma pequena abertura no meio e a inumação com enterramentos sucessivos no tempo (Briard 1976: 149). Os enterramentos são individuais, com uma forte ostentação de objectos particulares, que revelam as características desta cultura já explicadas atrás. Esta é uma prática funerária inovadora na Inglaterra (Clarke, Cowie e Foxon 1997: 107–124), pois anteriormente só as armas eram ostentadas, como era costume na Cultura Campaniforme. Olhando o ambiente funerário do Wessex é possível perceber o grande desenvolvimento tecnológico e comercial desta cultura. Controlada por pequenos, mas poderosos, chefes que podiam também ser mulheres, como parece mostrar o túmulo (barrow) de Normanton, onde uma mulher é enterrada com um rico espólio composto também de armas de bronze (Briard 1999: 102). Cultura de Unetice (2200–1600 a.c.) No centro do continente Europeu, entre a Alemanha do Sudeste, a Checoslováquia e a Polónia do Sudoeste, sobre um substrato misto entre Cultura do Vaso Campaniforme e Cultura da Cerâmica Cordata, formou-se uma unidade cultural, reconhecida sobretudo pela sua cultura material e o costume de enterramento comum, a qual foi chamada com o nome da necrópole mais significativa: Unetice (Vandkinde 1999). A feliz posição, no centro do continente e perto das grandes “ruas de água” na direcção Sul /Norte (rios Vistola e Elba) e Oeste/Leste (rio Danúbio), mas também o facto de ser uma zona rica de recursos metalíferos com exploração de bronze, ajudou esta área cultural a gerir a troca de âmbar entre a Escandinávia e o Mediter- râneo (pela dita “rota do âmbar”) (Briard 1976: 106, 108) e a ter uma extraordinária produção metalúrgica do bronze, nomeadamente adornos pessoais e armas. Sobretudo este último aspecto, mas também a prosperidade económica proveniente da intermediação na “rota do âmbar”, a partir do séc. xix–xviii a.c., podem perceber-se na riqueza dos espólios funerários das sepulturas principescas de Unetice, na maioria dos casos em forma de túmulo. Entre estas destaca-se a de Leubingen na qual a câmara abaixo do túmulo é em forma de cabana, com inumação duma mulher e dum velho (Briard, 1976: 110-111), quase a recriar um ambiente doméstico e familiar depois da morte, também com hipótese de sacrifício ritual da mulher (ibid.: 110). Cultura de Argar a (1800–1500 a.c.) Na área do Levante espanhol, ainda sobre um substrato da Cultura do Vaso Campaniforme, surgiu um grupo cultural caracterizado pela crescente estratificação social, pela estratégia de ocupação do território, com povoados fortificados em altura e pela sua proximidade aos recursos naturais (sobretudo explorações metalíferas): a Cultura Argarica (Sanches 1986; Pellicer Catalá 1986: 307–310, 325–326). Sendo mais desenvolvida a nível social e a nível da cultura material no decurso do Bronze Médio (Argar b, 1500–1300 a.c.), esta cultura, já no final do Bronze Antigo, manifestava as suas especificidades ligadas à estrutura social. Graças a boa preservação das sepulturas, em cistas líticas ou em fossas simples, quase sempre individuais e no interior dos povoados (de baixo do chão das casas, exemplo único na préprotohistória europeia), foi possível perceber a estrutura social argarica. Mesmo localizadas de baixo das habitações, as sepulturas conservaram-se muito bem, revelando o uso de celebrar a morte dum individuo com banquetes rituais: o banquete parece ter sido praticado em muitos momentos importantes na sociedade argarica, entre os quais, o falecimento duma pessoa. Pela boa conservação dos adereços funerários, foi também possível perceber uma produção de cerâmica para banquete diferenciada segundo os vários grupos sociais (Aranda Jimenez e Esquivel Guerrero 2006), o que manifesta uma certa hierarquização e o nascimento da aquisição de prestígio social por direito familiar, como parece indicar uma inumação infantil com um espólio muito rico (Sanches 1986: 239). Idade do Bronze Médio e Recente Cultura Micénica (1500–1150 a.c.) Um pouco posterior à civilização Minóica, apareceu na Grécia continental, nomeadamente no Peloponeso, uma das primeiras culturas protourbanas europeias, cujo centro principal e mais conhecido é a cidade de Micenas. Caracterizada por um forte uso da arquitectura militar, a centralização do poder no “palácio”, uma muito desenvolvida tecnologia cerâmica e metalúrgica, o uso da escrita (Linear b) e, no período final (sécs. xiv–xii a.c.) pela implantação de colónias em várias áreas do Mediterrâneo centro ocidental (Dickinson 2000: 99–110,126–128, 148–160, 187–192, 196–198, 234–248; Mee 2008). A Cultura Micénica tem uma marca fundamental em muitos campos, entre os quais os rituais funerários. A arquitectura é um elemento muito marcante: os grandes círculos funerários dos sécs. xvi–xv a.c., como o Círculo funerário b em Micenas, evidenciam um enorme prestígio das grandes famílias dominantes, cujos membros são enterrados juntamente com elementos exóticos (âmbar) ou de prestígio (ouro) que testemunham a capacidade de gestão das trocas de longa distância e o prestígio social. As mais famosas estruturas, as tholoi do séc. xiii a.c. como o “Tesouro de Atréo”, marcam o poder das famílias dos “chefes” (Dickinson 2000: 268–275) com arquitectura ainda mais monumental: estas pessoas podem agora definir-se como “Reges”. Em ambos os casos era costume fazer rituais pós-funerários, marcando mais “momentos” na viagem do defunto: arrumação de ossos nos círculos funerários familiares, ou cerimónias posteriores ao enterramento no corredor de entrada das tholoi, dito dromos, (Cavanagh 2007: 339–340; Demakopoulou 1997: 101) testemunham uma prática continuada nos sécs. xvi–xiii a.c. Idade do Bronze Final Cultura dos Campos de Urnas (1250–800 a.c.) No final da Idade do Bronze a incineração como ritual 106 funerário tornou-se mais comum e a manifestação cultural que marcou mais esta novidade toma o seu nome das grandes necrópoles com urna de incineração em pequenas fossas: os Campos de Urnas. Nascidas no centro da Europa, nomeadamente Alemanha central e vale do Danúbio, os Campos de Urnas estenderam-se até França, Catalunha, Itália do Norte e Alemanha do Norte (Briard 1976: 294–296). A Cultura dos Campos de Urnas manifestou também uma tecnologia e uma produção metalúrgica muito avançada, produzindo também muitos modelos típicos de armas, nomeadamente espadas e adornos pessoais (Brun e Mordant 1988; Bocquet e Lebascle 1983). O contexto funerário compreendia túmulos, talvez familiares ou por grupo social, tendo no interior pequenas fossas individuais com uma urna incinerária de cerâmica e, por vezes, de bronze, coberta por uma tampa. No interior, eram colocadas as cinzas do defunto com o seu espólio. Este era composto, nos homens, por armas, ferramentas e objectos de toilette pessoal, e, no caso das mulheres, adornos pessoais e objectos do trabalho doméstico. as fontes escritas sobre o sentido do “além” na idade da ilíada Uma das dificuldades para interpretar a Idade do Bronze europeia é a falta de documentos escritos, com a excepção do mundo minóico e micénico. Mas é possível encontrar informações indirectas nos poemas homéricos, sobretudo na Ilíada. Estes foram reelaborados no séc. vii a.c. recolhendo livros únicos ou fontes orais mais antigas (Rosati 1992: 3–7), que possivelmente são mais próximas do séc. xii, época da guerra de Tróia. As citações de momentos de cerimónias funerárias são muitas ao longo dos vinte e quatro livros da Ilíada, entre as quais podem ser destacadas algumas: “Ao amanhecer vós, Agamemnon, rei dos Povos, ordenastes trazer a madeira e preparar o necessário para sua descida na morte escura e o fogo nevoento queimar e o corpo indomável dissolve-se rapidamente (Il., livro xiii, vv. 50–51).” actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte “Feito isto, colocaram-nas [as cinzas] num buraco vazio, e lá fizeram uma cova com pedras grandes e espessas, e de repente elevaram o túmulo. (Il., livro xiv, vv. 1014–1017).” “Feito o túmulo, todos partiram em grão multidão, e no palácio real de Priamo, reunidos, celebraram um grande e lauto convívio fúnebre (Il., livro xiv, vv. 801–803).” Estas três cenas, a primeira referente ao funeral de Patroclo, a segunda e a terceira ao enterro de Heitor, mostram três momentos dos rituais funerários: 1 Permitir ao defunto cumprir a viagem e chegar ao além queimando o corpo; 2Estabelecer um lugar onde as cinzas podem ser guardadas segundo um tipo de túmulo bem documentado na Europa sobretudo do Bronze Final, a cista lítica debaixo de um túmulo; 3O banquete fúnebre em honra do defunto, quase uma despedida definitiva. problemas de interpretação do universo funerário Para ter uma percepção, que seja a mais próxima possível da realidade, sobre o significado do mundo funerário da Idade do Bronze da Europa, é preciso fazer dois tipos de considerações: arqueológicas e cognitivas. Entre as primeiras, pode questionar-se se, topograficamente, o mundo “dos vivos” coincidia com o mundo “dos mortos”: apesar do exemplo das sepulturas na cultura argarica, parece que, nas culturas europeias, estes dois mundos eram sempre bem diferenciados, sendo as necrópoles bem longe dos povoados. Uma outra questão abrange a arquitectura funerária: o panorama europeu, no decurso do ii milénio a.c. é muito diferenciado, aparecendo túmulos com arquitectura complexa (os círculos funerários micénicos, as tholoi, alguns túmulos do Vale do Danúbio como o de Leubingen), mas também muitos com arquitectura simples (os barrows do Wessex, os túmulos dos campos de Urnas). Têm todos um factor comum: marcar o território para que os túmulos sejam evidentes. Relativamente aos rituais funerários, é necessário perguntar em quantos momentos eram celebrados e em quais: há evidências, como foi mostrado antes, de ritos antes do enterramento, o enterramento mesmo era um ritual e também depois deste momento. Uma última pergunta importante é relativa à composição, rica ou pobre, dos adereços funerários e a sua presença em todos os túmulos ou só em particulares, pertencentes a indivíduos duma certa classe social ou de género: ao longo do ii milénio a.c. em toda a Europa, apesar dos diferentes contextos culturais, parece que nunca faltam adereços em qualquer túmulo, sendo os mais ricos, sobretudo de matérias de luxo (ouro e bronze) e exóticos (âmbar, pasta vítrea, marfim) exclusivos de contextos funerários de grupos sociais que geriram os contactos de longa distância. Entre o segundo tipo de considerações, de tipo cognitivo, surge a hipótese do homem da Idade do Bronze imaginar o falecimento como uma viagem ao além e a possível subdivisão deste em mais etapas: 1 A partida do mundo “dos vivos”, como mostram as várias evidências de cerimónias antes do enterramento, mesmo a cremação dos corpos, mais comum a partir do Bronze Recente e Final; 2Um momento transitório entre a partida e a chegada ao além, como mostram os enterros secundários de ossos nas necrópoles do Antigo Cicládico, ou nos círculos funerários micénicos; 3A chegada ao mundo “ dos mortos”, com o momento do enterramento. as evidências dos contextos funerários da idade do bronze europeia na colecção estrada Ornamentos pessoais comuns A Colecção Estrada conta com várias pulseiras de bronze: particularmente destaca-se um conjunto de 18 pulseiras (fig. 1) de diferentes tipologias pertencentes a várias fases cronológicas da Idade do Bronze e originárias de diferentes regiões da Europa. Entre estes objectos destacam-se: –um grupo de quatro pulseiras simples (ce04160– ce04163) (fig. 2), semicirculares, pertence a um tipo documentado na Idade do Bronze Final em necrópoles mistas de inumação e de incineração como a de Tanchoal dos Patudos (Alpiarça-Santarém), entre os sécs. xi e x a.c. : neste contexto, nas sepulturas de inumação, foram achadas mais pulseiras por cada defunto e os de idade mais avançada tinham mais pulseiras, quase como se houvesse uma relação entre o número de pulseiras e a idade avançada e portanto, possivelmente, um qualquer estatuto social derivado da idade do defunto (Vilaça e Cruz 1999: 22–23). em forma de gota e decorados com finas incisões em motivo de espinha de peixe, os quais se encontram nos contextos da Idade do Bronze Antiga na Inglaterra (Cultura do Wessex) e da Alemanha do Norte (ibid.). Fig. 3 | Pulseira em bronze em forma de espiral. Cultura de Unetice. Idade do Bronze Antigo. Colecção Estrada. ornamentos pessoais exóticos ou preciosos Bastante material incluído nesta categoria é feito com o material exótico por excelência na Idade do Bronze: o âmbar. Destacam-se: –um par de brincos (ce02076 e ce02077) (fig. 4) constituído por um fio de bronze ou cobre, no qual são inseridas contas de pasta vítrea em forma de anel, com pasta bicromada formando motivos de ziguezague branco sobre fundo azul e uma conta de âmbar. Os brincos encontram paralelos em adornos pessoais similares de sepulturas da Antiga Idade do Bronze da Inglaterra (Cultura do Wessex) e da Alemanha do Norte (Clark, Cowie e Foxon 1985); Fig. 1 | Pulseiras em bronze de diferentes contextos e cronologia ao longo do II milénio a.C. Colecção Estrada. Fig. 2 | Conjunto de quatros pulseiras simples. Idade do Bronze Final. Colecção Estrada. –uma pulseira em forma de espiral, com cabos decorados com linhas incisas (ce04622) (fig. 3), com paralelos em várias necrópoles do centro da Europa, entre as quais Wardbohmen (Bergen, Alemanha) e Rumanova (Eslováquia) e na Grécia (Leukas); este tipo de pulseiras encontra-se bastante difundido na Europa Central, estando associado aos contextos funerários da Cultura de Unetice, a partir do Bronze Antigo (Demakopoulou et al. 1999). 108 Fig. 4 | Par de brincos em bronze, pasta vítrea e âmbar. Idade do Bronze Antigo. Colecção Estrada. – um par de contas de âmbar, ou possivelmente pendentes de brincos sem a agulha (ce02103–ce02104) (fig. 5) actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte Fig. 5 | Par de brincos ou pendentes em âmbar. Idade do Bronze. Colecção Estrada. Objectos feitos com estas matérias são indicadores de controlo sobre os tráficos de longo alcance por parte do grupo social do inumado: particularmente o primeiro par de contas, contendo para além do âmbar também a pasta vítrea o que evidencia a possibilidade de se puder obter materiais exóticos quer do Mar Báltico (âmbar), quer do Mediterrâneo Oriental (pasta vítrea). Fig. 6 | Alfinete em ouro com cabeça em forma de flor. Tarda cultura Micénica. Colecção Estrada. –Um alfinete de ouro (ce03343) (fig. 6) composto por um estilete feito em duas partes: a base de uma lâmina de ouro enrolada a formar uma ponta e a parte superior dum fio de ouro encruzilhado para formar uma pequena cadeia; a cabeça é em lâmina de ouro em forma de flor. Do alfinete há paralelos em alguns túmulos micénicos dos sécs. xv–xiii a.c., seja na Grécia Continental, seja em enclaves micénicos na ilha de Chipre como no túmulo 17 de Enkomi (Karagheorghis 2002: 38); –Uma falera de ouro (ce03002) (fig. 7), de forma circular com ombro central e decoração repuxada de pontinhos formando círculos concêntricos, que encontra paralelos em túmulos da Idade do Bronze Antiga em área atlântica (Ilha de Man, Gales e Irlanda) (Timberlake, Gwilt e Davis 2004). outros elementos de adereços Outros elementos de adereços, fora das categorias apresentadas anteriormente, são relativos a elementos relacionados com o contexto funerário da cultura cicládica: Fig. 7 | Falera em ouro com decoração repuxada. Idade do Bronze Antigo. Colecção Estrada armas As armas nos contextos funerários simbolizam a actividade guerreira e, consequentemente, o status de homens livres: indicam portanto quer o género (masculino) quer o estado social do defunto. Esta distinção de simbolismo dos objectos é comum na Europa da Idade do Bronze, especialmente no Bronze Médio e Recente, como atestam várias necrópoles em toda a Europa: um exemplo é a necrópole do Olmo di Nogara no norte este da Itália (De Marinis e Salzani 1997: 703–716). Na Colecção Estrada destaca-se uma espada de bronze (ce01787) (fig. 8) do tipo “ de antenas” variante “Tarquinia” (Millotte 1970: 282, 287; Bianco 1994: 202; Egg e Pare 1995: 112–115), com paralelos em vários contextos funerários dos últimos Campos de Urnas (séc. ix a.c.) e, já na Idade do Ferro, nos primeiros momentos da Cultura Vilanovense (séc. viii a.c.). O exemplar da Colecção Estrada destaca-se por ter no cabo, no meio das antenas, uma pequena figura humana. Fig. 8 | Espada em bronze do tipo “de antenas”, próximo da variante “Tarquinia”, com pequena figura humana no cabo. Idade do Bronze Final/Primeira Idade do Ferro. Colecção Estrada. cruzados serem uma representação da deusa da vida e da morte, à qual todos os homens tinha que voltar depois da experiência terrena (Ferrão 1993: 32). Só é certo que os ídolos de mármore faziam parte do adereço funerário, bem como a cerâmica, as lascas de obsidiana, os vasos de mármore e as jóias. É possível atribuir esta peça ao Antigo Cicládico ii (2700–2400/2300 a.c.) –Um vaso de cerâmica formado por quatro pequenos vasinhos juntos (ce01539) (fig. 10) que se aproxima bastante aos “kernos” de mármore presentes nos túmulos cicládicos, especialmente do período Antigo Cicládico ii. Estes recipientes são interpretados como vasos rituais para conter oferendas ou pelo defunto, ou pelas divindades do além (ibid.: 37, 196–197). enterro definitivo dos defuntos (arrumação posterior dos ossos em sepultura). Entre as diferentes visões do modo de chegar ao além, há sempre um sentido comum nas culturas europeias, ao colocar no local do enterramento adereços que podem simbolizar, no além, a vida terrena dos defuntos. Assim, podemos encontrar indícios de pertença a grupos sociais que dominavam o comércio a longa distância, a guerreiros, a grupos de idade e de género. A Colecção Estrada inclui um abrangente conjunto de objectos que permite ter uma visão dos contextos funerários de toda a Idade do Bronze europeia, do mar Egeu até ao Sudeste da Península Ibérica, permitindo perceber numa única colecção, a ideia do além e a relação que tinham com esse além os europeus do ii milénio a.c.. bibliografia aranda jimenez, g.; esquivel guerrero, j. a. (2006) — Ritual funerario y commensalidad en las sociedades de la Edad del Bronce en el Sureste peninsular: la cultura de El Argar , Trabajos de Prehistoria, 63, 2, pp. 117–133. bianco, s. (1994) — Museo Nazionale della Siritide ( Matera), Guide archeologiche-preistoria e protostoria in Italia, 11, Forlí, pp. 195–205. clarke, d.v.; cowie, t.g.; foxon, a. (1985) — Symbols of power at the time of Stonehenge, Edimburg: Museum of Antiquities of Scotland bocquet, a. ; lebascle m.c. (1983) — Metallurgia e relazioni culturali, La memoria della Terra, 1, Turim: Antropologia Alpina. Fig. 9 | Ídolo de mármore cicládico próximo ao tipo Spedos/ Dokatismata. Antiga Idade do Bronze Cicládica. Colecção Estrada. –Um “ídolo cicládico” em mármore (ce03026) (fig. 9) do tipo Spedos/ Dokatismata (Stampolidis e Sotirakopoulou 2007: 38–39, 45), tendo ainda o pescoço dividido do tronco por uma linha incisa (como no tipo Spedos), mas já com a cabeça típica do Dokatismata; representa provavelmente uma personagem feminina sendo figurado um triângulo inciso no baixo-ventre. Como se passa com todos os “ídolos cicládicos” este é também objecto de discussão: se representam o defunto, deuses, antepassados, espíritos, simples figuras funerárias, primitivos meios de comunicação ou brinquedos para criança. O investigador Thimme chegou a colocar a hipótese de as figuras femininas com braços 110 Fig. 10 | Vaso em cerâmica dito “kernos”. Antiga Idade do Bronze Cicládica. Colecção Estrada. algumas considerações finais O quadro geral dos contextos funerários da Idade do Bronze Europeia mostra como, em sociedades diferentes e em várias cronologias no decurso do ii milénio a.c., a chegada ao além foi sempre vista como uma viagem, composta por várias etapas. Dependendo das culturas podemos encontrar este ritual dividido ou em duas etapas, com rituais de despedida do defunto e de enterro, ou em três etapas, com evidências de rituais de despedida, enterro temporário e actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte briard, j. (1976) — L’Age du Bronze en Europe Barbare, Paris : Editións des Espérides. briard, j. (1999) — The Princes of Atlantic, In demakopoulou, k.; eluere, c.; jensen, j.;jockenhovel,a.; mohen, j.p. (eds) Gods and Heroes of the European Bronze Age, Londres: Thames and Hudson, p. 102. broodbank, c. (2008) — The Early Bronze Age in the Cyclades, In Shelmerdine, C.W. (ed) Tha Cambridge companion to the Aegean Bronze Age, Nova Iorque: Cambridge Universiy Press, pp. 47–76. brun, p.; mordant (eds) — Le groupe Rhin-Suisse-France Oriental et la notion de civilization des Champes d’Urnes, Actes du Colloque, Nemours,1986, Paris : Musée de Prehistoire de l’ Île de France. cavanagh, w. (2007) — Death and the Mycenaens, In Shelmerdine, C.W. (ed) Tha Cambridge companion to the Aegean Bronze Age, Nova Iorque: Cambridge Universiy Press, pp. 327–341. demakopoulou, k. (1997) — Funeral architecture and burial customs in the Aegean, In demakopoulou, k.; eluere, c.; jensen, j.;jockenhovel,a.; mohen, j.p. (eds) Gods and Heroes of the European Bronze Age, Londres: Thames and Hudson, pp. 98–101. demakopoulou, k.; eluere, c.; jensen, j.;jockenhovel, a.; mohen, j.p. (eds) — Gods and Heroes of the European Bronze Age, Londres: Thames and Hudson. de marinis. r.c.; salzani, l.(1997) — Le necropolis di Bronzo Medio e Recente nella Lombardia Orientale e nel Veneto occidentale, In bernabó brea, a.m.; cardarelli, a.; cremaschi, m. (eds) Le Terramare. La piú antica civiltá padana, Milão: Electa, pp. 703–720. dickinson, o. (2000) — La Edad del Bronce Egea, Madrid: Ediciones Akal. egg, m.; pare, c. (1995) — Die metallzeiten in Europa und im vorderen orient, Menz: Verlag des Romisch-Germanischen Zentralmuseum. karagheorghis, v. (2002) — Cipro, Milão: Electa editirice. kristiansen, k.; larsson, t.b. (2006) — La emergencia de la sociedad del Bronce, Barcelona:Bellaterra Arqueologia. mee, c. (2008) — Mycenaen Greece, the Aegean and the Beyond, In Shelmerdine, C.W. (ed) Tha Cambridge companion to the Aegean Bronze Age, Nova Iorque: Cambridge Universiy Press, pp. 362–386. millotte, j.p. (1970) — Precis de Protohistoire Europeenne, Paris: Libraire Armand Colin. pellicer catalá, m. (1986) — Bronce Antiguo y Medio, In jordá cerdá, f.; pellicer catalá, m.; costa martinez, p.; almagro gorbea, m. (eds) Prehistoria. Historia de Espanha, 1, Madrid: Editorial Gredos, pp. 300–340. piggott, s. (1973) — The Wessex Culture of Early Bronze Age, In crittall, e. (ed) A history of Wiltshire, vol 1:2, Oxford, pp. 352–375. rosati, g. (1992) — Scrittori di Grecia. Il periodo ionico, Firenze: Sansoni. sanches, m.j. (1986) — A Cultura de El Argar, Trabalhos de Antropologia e Etnologia, xxvi, 1–4, pp. 238–242. stampolidis, n.; sotirakopoulou, p. (2007) — Aegean Waves. Artwoks of the Early Cycladic Culture in the Museum of Cycladic Art at Athens, Milão: Skirá Editore s.p.a.. timberlake, s.; gwilt, a.; davis, m. (2004) — A Copper Age/ Early Bronze Age gold disc from Banc Tynddol (Penguelan, Cwmystwyth Mines, Ceredigion), Antiquity, Vol. 78, N.º 302. vandkinde, h. (1999) — The Princely burial of the Unetice Culture, In demakopoulou, k.; eluere, c.; jensen, j.;jockenhovel,a.; mohen, j.p. (eds) Gods and Heroes of the European Bronze Age, London: Thames and Hudson, pp. 103–105. vilaça, r.; cruz, d. (1999) — A necrópole do Tranchoal dos Patudos (Alpiarça, Santarém) Conímbriga, xxxviii, pp. 5–29. 112 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte hidden treasures and sacred meanings: tomb objects in bronze age china . Rui Oliveira Lopes cieba – faculdade de belas-artes da universidade de lisboa resumo A Idade do Bronze foi um dos períodos mais significativos da história da arte na China, não só devido ao virtuosismo técnico no domínio das técnicas de fundição do bronze, mas também pela sofisticação artística da ornamentação da superfície. Para além dos objectos em bronze, os sumptuosos túmulos onde eles foram encontrados contavam também com um significativo número de objectos em jade, pelas características místicas e simbólicas que lhe eram atribuídas. Com a afirmação do Taoismo e do Confucionismo há uma profunda redefinição das principais instituições da cultura chinesa, reflectindo-se nas práticas rituais, nas quais os instrumentos musicais, os objectos em laca e em ouro e as sedas demonstram uma tendência para o ceremonial em torno do poder político e militar. Neste texto iremos discorrer sobre a importância dos objectos funerários na relação entre o desenvolvimento tecnológico, a criatividade artística e a centralização do poder. Palavras-chave: Idade do Bronze, recipiente ritual, taotie, moldes de fundição, espíritos ancestrais. 114 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte abstract The Bronze Age was one of the most important periods of art history in China, not only because of technical virtuosity in the field of bronze casting techniques, but also due to the artistic sophistication of surface ornamentation. Besides bronze objects, the magnificent tombs where they were found also had a significant number of objects in jade, due to the mystical and symbolic characteristics ascribed to it. With the affirmation of Taoism and Confucianism there is a profound redefinition of the main institutions of Chinese culture, reflected in ritual practices, in which musical instruments, objects in lacquer and gold and the silks show a tendency for the ceremonial around political and military power. In this paper we will discuss the importance of funerary objects in the relationship between technological development, artistic creativity and the centralization of power. Keywords: Bronze Age, ritual vessel, taotie, piece-mould casting, ancestral spirits. Accordingly with Sima Qian, Han Dynasty’s Perfect of the Grand Scribes who wrote the Shiji (Records of the Grand Historian), Chinese civilization and culture was founded by the Yellow Emperor. Huang Di unified the Xia, Jiang, Li and the Yi tribes along the Yellow River nearly 5.000 years ago before Sima’s time. Gongsun Xuanyuan, leader of the Xia clan, defeated the Jiang clan and later formed an alliance with the clans of Jiang and Yi. Around 2.700 bc Xuanyuan, supported by Jiang and Yi tribes, defeated Chi You at the famous battle of Zhuolu, using for the first time arrows and bows made of bamboo by one of his sons. After the victory over the Li clan, the people elected Gongsun Xuanyuan the leader of the united tribes and gave him a title called Huang Di (or Yellow Emperor). Ruling over a peaceful empire, Huang Di left his capital in Youxiong and arrived at a mountain called Qiao, in Shaanxi Province. There he ordered the construction of a gigantic tripod cauldron, probably in bronze, to cook food for all the leaders of all tribes to commemorate the unification of Han People. About 500 years later, one of Huang Di descendents, Yu the Great, son of Gun and grandson of the mythical Zhanxu, founded the Xia Dynasty by 2.100 bc. Considering that goes back more than two thousand years of his time, the accurateness of Sima Qian’s Records have been considered doubtful. However, recent archaeological findings unearthed evidences that Xia sovereigns, not only could not be mythical but they also developed advanced bronze casting techniques and had turquoise workshops. The discovery of Erlitou culture dating back to 1.900 bc / 1.500 bc brings to light an Early Bronze Age urban society which spread throughout Henan and Shaanxi Provinces. Although some Western scholars are still waiting for more concluding evidences, Chinese scholars believe that the archaeological site of Erlitou is an evidence of the existence of the Xia Dynasty. As accepted by most scholars, Bronze Age in China begun by 1700 bc in the kingdom of the Shang dynasty along the banks of the Yellow River in Northern China and lasted until the end of the Warring States Period by 221 bc. How- ever, taking into consideration the importance of Erlitou culture as an early stage of Bronze Age in China and its geographical proximity to Shang occupied areas, it is possible to assume that the four phases of Erlitou constitute a transition between Xia and Shang dynasties. During the Shang and Zhou Dynasties bronze casting became the melting pot of Chinese culture, religion, art and political power. The tombs of ancient sovereigns provide rich evidences of Shang and Zhou technology, cultural and ritual practices, the invention of writing, the building of walled cities and imperial palaces right next to bronze foundries, jade and turquoise workshops. Among these ritual vessels, weapons and daily use objects were also found such as musical instruments, lacquered vessels and the chimera, used as an auspicious symbol for protection from evil spirits. The most important finds were the so-called “oracle bones”, the ancient records about Shang rituals and the questions posed to their ancestors. Through them we could learn that human sacrifices of war captives were made to Shangdi and the spiritual ancestors to accomplish success in military campaigns, harvests or childbirth. early bronze age in china: the erlitou culture The discovery of Erlitou site in the 1950’s in the southern bank of the Luo River changed the views of historians and archaeologists over ancient China. Despite all discussions about the dynastic chronology from later textual records about Xia and the historical identity of ethnic groups, we will concentrate ourselves on the objects found on burial pits, particularly the bronze ritual vessels which represent the importance of rituals in Ancient Chinese culture and the beginning of Bronze Age in China. Erlitou culture is divided in four stages covering a period between 1.900 and 1.550 bc. The site was first occupied by Yangshao (c. 3.500–3.000 bc) and Longshan (c. 3.000–2.500 bc) Neolithic cultures with a gap of about 600 years until the Erlitou culture. In fact, many of the jade items found in Erlitou followed forms and decora- 116 tion styles of previous Neolithic cultures. One of these examples is a yue jade axe from phase iii used in ritual ceremonies as symbol of social status. Most of these jades show no evidence of use, suggesting that they were symbols of power and military sovereignty. The significance of weapons in funerary rituals increased in such a way that almost of jade yue (axes), ge (knifes), dao (swords) were casted in bronze and found in Erlitou phase iii. While in Erlitou phase I most of the artefacts unearthed include white pottery, ivory, turquoise and bronze tools, in Erlitou phase ii the site expanded to its maximum extension with more structures and burials spread over north area outside the palatial complex. However, two elite burial pits were found inside the palatial complex, one of each contained a skeleton of an adult male surrounded by bronzes, jades, lacquer, ceramics and cowries, following somehow the tradition of Neolithic cultures. Nearby his hand, it was found a bronze bell and a dragon-shaped artefact made with pieces of turquoise and jade was placed on the top of the skeleton (fig. 1). This artefact could probably be a sceptre placed on the top as a symbol of sovereignty. We should also take in consideration that the burial pit was located inside the palatial complex, in front of the main building, distinguishing it from those of the common people. As it was found in other tombs worldwide, the richness of the objects found next to the skeleton and the position inside the rammed-earth walls in front of the main palace is a type of hierarchy that allows us to suppose that it was the tomb of a sovereign. Fig. 1 | Turquoise mask, Erlitou Culture, (ca. 1750 bc). The crafts workshops, which include a bronze foundry and a turquoise workshop, were found in the southeast- actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte ern area of the palatial complex. The waste of turquoise near the rammed-earth wall allows us to consider that the dragon-shaped sceptre and the taotie masks, made in bronze with inlaid turquoise and inspired in the models of Neolithic jades, were made in situ. The production of early ritual bronze vessels followed the piece-mould technique and also the standard forms and motifs used in ceramics. The forms of ritual vessels found in Erlitou phase iii were three jia, one he, fragments of a gu and one ding tripod, the former used for wine while the latter was used for food. Among these vessels the most common form of a vessel was the jue. It’s interesting to underline that the jue wine vessel forms from Erlitou became extremely popular in Shang Dynasty. Six small bells ling were also found, turning them into one of the most common metal objects in funerary rituals in Erlitou culture. In latter sites some of these bells were found at the necks of dogs and horses. In Erlitou culture, pure copper was found in artifacts from the earliest period and leaded bronze was found only in the last period. From the lead isotope analysis, it has been suggested that the copper source materials were transported over long distances even in those early days, which reveals advanced knowledge and casting technology very close to Shang Dynasty bronze alloys and casting techniques. In Erlitou phase iii, the clay moulds recovered from the bronze foundry shows us that this technique was already in use for casting weapons, tools and ritual vessels before the rise of Early Shang’s capital in Zhengzhou, some 85 km east of Erlitou. This technique was first applied to cast bronze weapons because these moulds were comparatively simple and needed only two outer parts. The piecemould technique for bronze casting was inspired in the earlier methods of ceramic production, such as the white pottery found in Erlitou which was partially made with moulds. This new method for bronze casting was probably the cause of Erlitou site prosperity not only in matters of urban planning, but also as social, political and military organization, the development of roads and the use of small chariots since phase iii. This is the reason why most scholars believe that Erlitou phases iii and iv are in fact an Early Shang period, prior to the settlement in Zhengzhou. There is no absolute certain that Erlitou culture is in fact an Early Shang period. However, archaeological evidences found in Shang capital at Zhengzhou demonstrate that casting techniques and burial rituals were the same found in Erlitou. Most scholars assigned Zhengzhou phase (c. 1600–1400 bc), also known as Erligang culture, as an Early Shang period, prior to the settlement in Anyang, the “Ruins of Yin” (Yinxu). Fist excavated in the 1950s the site is located in the city of Zhengzhou, near the Yellow Rives in Henan province and just 85 km from Erlitou. Zhengzhou site consists of common houses and palace foundations inside an enormous rammed-earth wall with more than 7 km long. On the foundations of the largest buildings, with 300 and 150 meters each, were found jade and copper ornaments along with sacrificial human skeletons. Outside the walls were found two bronze foundries, a bone workshop, a pottery workshop, common burials and three bronze hoards. The clay moulds unearthed from the bronze foundries used for both weapons and vessels are a testimony of the considerable quantity of bronze vessels found in Zhengzhou. On the other hand, the pottery workshop area had fourteen kilns, discarded vessels, paddles and anvils for shaping the vessels, which points to the production of ceramics for daily use and making ritual bronze vessels. Burials are significantly different in size and in the quantity and quality of the commodities. The larger ones included subsidiary human burials, probably sacrificed, considering that fifty percent of bone disposals found in bone workshops belonged to humans. The archaeological excavations brought to light two different levels, designated as Lower and Upper Erligang. The bronzes unearthed from Lower Erligang (c. 1600–1450 bc) were less than those from Upper Erligang and followed the same ornamentation and shapes as those found in Erlitou. Simple forms of wine vessels like jue, jia and he, decorated with thin relief lines and geometric design, as described by Max Loehr style I, explain why most Western scholars recognize Erlitou as an Early Shang phase. The geographical proximity between Erlitou and Zhengzhou permits to establish a cultural link between Erlitou and Erligang cultures. From Upper Erligang (c. 1450–1300 bc) three bronze hoards containing imperial-style sets of large-sized exquisite bronze ritual objects, one of which with c. 86 kg, were found outside the walls of Zhengzhou. These bronzes were probably buried before the capital’s relocation in the course of political turbulences. The bronze hoards revealed new styles and techniques on bronze casting and decoration. The casting techniques developed by Upper Erligang casters, such as casting in a sequence of pours, solved the problem of filling the mold without block pockets of air. New techniques opened the way to an indefinite range of shapes and outer decoration such as those we can found in ancient ritual jades. Early Shang ritual vessels found in Zhengzhou were detailed decorated with relief streamers and curvilinear lines in the form of an anthropomorphic figure, called taotie. The nipple-nailed square ding unearthed in Zhengzhou and kept today in Henan Province Museum is one of these new style ritual vessels. The narrow band all around the vessel is skillfully embellished with a monster or taotie face motif in the four sides and the four corners. The taotie is the result of a natural compulsion to ascribe a meaning to non-figural elements as the spirals, lozenge, meanders, zigzags and interlocked T’s that we found in Neolithic pottery and ritual jades. Our brain has the ability to naturally connect forms to meanings in order to identify a meaningful shape. When this happens, a message is sent from the visual centers of the brain to the limbic-emotional centers of the brain, giving it the emotion. Neurologists call this brain feature the principle of grouping or constancy. The ritual bronze vessels unearthed from Zhengzhou site, such as the square ding and the pan basin, show the combination of apparently geometric lines with spirals and 118 curvilinear pattern revealing the face of a taotie with two protuberant eyes surrounded by eyebrows, jaws and a nose between the eyes. A closer look to the pattern as a hole demonstrates that Early Shang casters created a multiple figure pattern considering that, if we split the taotie face on the middle the viewer can see the eye, the beak, the claws and the tail of two profile birds, probably a phoenix or an eagle which were very common in Neolithic ritual jades. Upper Erligang is the result of a demographic growth, extending its cultural influence in other places of the Yellow River valley to North and Central China, namely in Daxinzhuang, near Jinan, Shandong and Huaizhenfang near Xi’an in Shaanxi Province. The Panlongcheng site some 500 km south from Zhengzhou, in Hubei, became famous by the richest burials from Upper Erligang period, revealing not only high technological improvements in bronze casting but also a relationship between bronze-producing centres in Early Shang Phase, even beside the long distances between archaeological sites. Some scholars suggest that Early Shang civilization was not represented by a dynasty settled in a dominant capital city but rather by a network of urban centres. Bronze vessels unearthed from different sites of Upper Erligang Phase show the use of metal spacers during the cast process. Metal spacers were used to maintain the distance between the inner and outer parts of the mould. The use of spacers opened the way to the development of a repertoire of typologies of ritual recipients, as well as a constant innovation of the surface decoration, combining bands with drawings around the neck of the recipient with the representation of the taotie in the body and legs of the recipients. According to some scholars, the ornamental tradition of Shang bronzes had two variants: the early one was based on scrolls and quills and the later one employed more distinctive animal features against a spiral background, called leiwen. Shapes became more complex with the assembly of pre-cast sections such as handles or lids imitating the traditional forms of ceramics. The most usual shapes unearthed in Upper Erligang Phase are jue, jia, gu and ding, actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte all of them very common in Erlitou, except the gu. Although there was an apparent balance between wine and food containers, the jue and jia wine vessels were considerable more numerous than the food vessels. Even if the vessels were cast in ordinary shapes current in ceramic, they also display a considerable variety of combination between the main body and the base. Spherical or ovoid and rectangular body is an unconventional option to the usual circular ding that could be combined with cylindrical, conical, lobed or flat legs. Other features as necks, rims, handles and spouts were also combined with many different bases and bodies. The necks appear in two different designs: cylindrical (either straight or concave) and trumpet, very common in gui containers with a plain rim on the base and two handles on the sides. There are no written sources about the use and function of vessels during the rituals. However, vessel shapes and physical features let us envision the function of each of them. In this way, ding, li, fangding were used for cooking meat; yan was a steamer; gui was used for food service; pan was a water basin; jia, jue and he were used for wine preparation; the wine was stored in zun and hu containers; finally, gu and jue were probably used for wine service to spiritual ancestors. These exquisite ritual vessels, cast in an assortment of shapes, motifs, forms of relief, and decorative layouts were use as cooking and drinking containers required for regular offerings to the ancestors. Spiritual ancestors made part of the living world, interceding on behalf of their descendents in the spiritual world, keeping the balance and order of things. The more superbly and numerous the vessels and the richness of the ritual, the more the ancestors would appreciate the dedication of their descendents and take care of them as well. The bronzes could be buried together with all the funeral apparatus but sometimes they were kept and passed from generation to generation, explaining why in some burial pits ritual bronzes from different periods have been found together. Early Shang burials do not contain the large sets of ritual vessels has it was found in Anyang, the last Shang capi- tal. Even the the richest tombs of Early Shang contained from 14 to 23 bronze vessels in most cases represented by multiples. For example, in Lijiazui tomb 2, Palongcheng, it were found four jue, four ding, six pan and three jia. The plan of the burial shows two small pan (water basin) next to a yan (steamer) (fig. 2 and fig. 3). The food containers (ding) were all in the same place as well as the jue and jia. Finally, most of bronze weapons, such as the enormous yue (axe), ge (knifes) and the spearheads were next to the skeleton. Overall, the burial furnishing had twenty-three vessels and forty weapons and tools. These assemblages of ritual vessels let assume that shapes and numbers were correlated with the performance of the ritual, which probably involved a significant number of people. Despite all stylistic and technical discrepancies between Erlitou and Lower Erligang ritual bronzes, Panlongcheng graves apparently follow the burial tradition of earlier sites. The rectangular shaft tomb oriented 20º North, with a wooden coffin, the jade ge blade and bones of three human sacrifices were a standard in Erlitou and close to Zhengzhou burials. These evidences reinforce the idea that in Early Bronze Age China the ritual and cultural traditions made part of a natural evolutionary or dynastic progress in which knowledge was spread in different geographical areas linked by communication and the transmission of material culture. Fig. 2 | Ding, Shang Dynasty (12th-11th century bc), Metropolitan Museum of Art. not only by the richness of its content but also because it was discovered intact (fig. 4). The plan and orientation is the same of that Lijiazui tomb 2 in Panlongcheng but in larger proportions, containing a vertical shaft with a wooden chamber at the bottom, a sacrificial pit beneath the chamber, and a shelf where sacrificial victims were placed. Despite the small size of the tomb, the burial pit contained a lacquered coffin and more than five hundred bronze objects, including vessels, weapons, bells, mirrors and tiger figurines; nearly eight hundred jade objects, many of them from Neolithic cultures, one magnificent ivory cup with turquoise inlay and several pottery, marble, ivory and turquoise items. Fig. 3 | Ding Shang Dynasty (12th-11th century bc). Colecção Estrada. the tomb of fu hao in the “ruins of yin” Between c. 1300 and 1050 bc Shang rulers settled their last capital in the city of Yin, near modern Anyang, Henan Province. In the “Ruins of Yin” archaeologists found in 1899 the earlier evidences of Chinese script carved on tortoise shells and ox scapulas, which became known as oracle bones because they were records of questions that Shang kings posed to their ancestors. The first translations confirmed the existence of the “Ruins of Yinxu” mentioned in ancient records and allowed the reconstruction of Shang genealogy, which also matched Sima Qian’s Records of the Grand Historian. Later, in 1928, archaeologists from the Institute of History and Philology Academia Sinica began archaeological excavations at the Yin Ruins unearthing extensive architectural foundations of more than fifty palaces, eleven large tombs along with more than 1300 small graves, thousands of bronze vessels, hundreds of thousands of ceramic sherds, jade and stone wares, chariot burials, and more than one hundred and fifty oracle bones with divinatory inscriptions. In addition to palatial complexes, temples and royal tombs, the site included residences and workshop areas containing evidences of jade and stone carving; bronze casting; pottery making and bone carving. One of the most remarkable discoveries in Anyang was the tomb of princess Fu Hao, consort of King Wu Ding, 120 phants, just like those found in the province of Hunan, near the southern bank of the Yangtze River. Along with the taotie, in several configurations emerged new animal designs, including elephants, tigers, dragons and birds often represented in symmetrical pairs over a background of spirals (fig. 5, fig. 6, fig. 7 and fig. 8). Uncommon bronze vessels’ shapes and sizes together with large sets of 5 to 10 items in a set, all of them exquisitely decorated under the influence of the regional styles, demonstrate Fu Hao’s high status. Fig. 5 | Huo, Shang Dynasty (12th-11th century bc), Freer and Sackler Galleries, Smithsonian Institution. Fig. 4 | Tomb of Princess Fu Hao. Ritual vessels, weapons and horse fittings constitute the bulk of bronze wares, demonstrating the importance of funeral practices, military empowerment and political authority during late Shang period. Sets of large bronze vessels were disposed by type along the three sides around the lacquered coffin, while the small bronze objects were placed inside the coffins together with the jades and the cowry shells. Most of the ritual vessels bare small inscriptions with the name of the ancestors to whom the rituals were dedicated. In what concerns the decoration and shapes of the recipients of the Anyang period, we find the most exquisite and embellished drinking vessels in the shape of birds, dragons and ele- actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte Fig. 6 | Huo, Shang Dynasty (12th-11th century bc), Freer and Sackler Galleries, Smithsonian Institution. of the deceased, as a reflection of military rank and social hierarchy. In its majority, horse fittings were bronze made in the form of animals and human figures, demonstrating that these elements were both functional and ornamental. In resume, cultural material unearthed from Anyang site reveals that late Shang metropolitan capital established an unprecedented range of contacts with long distant regions from the Eurasian steppes to the Southern banks of the Yangtze River. Fig. 7 | Gui, Shang Dynasty (12th-11th century bc), Anyang Yinxu Museum. Fig. 8 | Gui, Shang Dynasty (12th-11th century bc), Colecção Estrada. The jades found in Fu Hao’s tomb demonstrate that late Shang carvers developed advanced techniques with incised surface patterns using abrasives, saws, drills and a rotating disk. Most of the jades are ritual weapons like the ge blade, very common in Neolithic and Early Bronze Age, and three-dimensional jade animals incised with two parallel lines. In fact, just as bronze vessels took Neolithic ceramic containers as a model, Shang jades represent an artistic sophistication and technical virtuosity from Neolithic jade shapes and designs. Another of the interesting finds in Anyang complex is the chariot burial, usually with horses and sometimes with charioteers, all sacrificed. This feature, also found in other civilizations, was probably related with asserting the status toward the boundaries of yangtze valley The widespread influence of Upper Erligang culture reached the margins of the Gan River in Jiangxi Province. At Wucheng and Xin’gan, archaeologists discovered, respectively, in 1973 and in 1989, two impressive sites. The former revealed the earliest evidences of writing with short and unreadable inscriptions incised on ceramic pots. In fact, ceramics were among all materials found in Wucheng the most significant, with large quantities, including a small amount of technically sophisticated glazed, which could be interpreted as a first attempt to make porcelain. In Xin’gan, just 20 km from Wucheng on the other side of Gan River, it was found one of the Shang’s dynasty richest tombs containing 356 pieces of pottery, 50 bronze vessels, 4 bells, more than 400 bronze tools and weapons and about 150 jades. The similarities between the potteries found in both sites indicate that there were probably two cities with the same people. On the other hand, the earliest bronzes unearthed in Xin’gan follow the standards of Erligang culture in particular from those buried in Panlongcheng. The later bronzes demonstrate the rise of local traditions establishing the foundations of a transition period in Jiangxi, which culminated with a large-scale activity at Anyang about 1200 bc. Among the earlier vessels there was a fanding (rectangular cooking vessel), which resembles the one found in Zhengzhou. However, the handles decorated with two standing tigers points the new styles of middle Shang that can also be seen in at least ten other bronzes in the same tomb. The four sides of the body are all profusely decorated 122 with zoomorphic ornaments cast in relief on a ground of spirals. Another new feature in Xin’gan bronzes are the plain stripes in the middle of each side and in all four legs. Beside this ornamental function, plain stripes were also used to separate different zones in necks and bases. Sometimes they were used as part of face motifs giving volume to the vessel surface. The ornaments were much richer than those from Panlongcheng, including human heads, ram heads, deer and numerous tiger designs. In fact, southern sites from the 13th to 11th centuries demonstrated a particular preference for realistic animal figurations. In Hunan Province exquisite animal-shape vessels were unearthed from Hengyang, Chuanxingshan, Shixingshan. These wine vessels (guang and zun), respectively cast in the shape of a buffalo, a boar and an elephant, were unique at that time and became very popular in Western Zhou. The most distinctive feature in Xin’gan tomb is the significant amount of food containers for service and cooking vessels, in comparison with other sites like Palongcheng and Anyang, in which wine vessels are considerable numerous. Among the 50 bronze vessels discovered in Xin’gan, 37 were ding and li. Only after the rise of Western Zhou food containers became pre-eminent in the ritual vessel set. On the other hand, the Xin’gan bronzes are also distinguishable by the four enormous bells cast in two different shapes, nao and bo, which were never found in northern sites. These findings, including the large amount of ceramics in Xin’gan tomb suggest that there were different ritual procedures between southern and northern burials. Contemporary northern sites like those discovered in Hebei, Shaanxi and Shanxi Provinces shows the combination of Upper Erligang burial form, a larger quantity of wine vessels and other objects supposedly foreign, like gold ornaments, bronze disks with human face design, bones used for divination, wooden vessels painted with red and black lacquer, one of them inlaid with turquoise and uninscribed scapulas and turtle shells. The large amount of bronze weapons as the pre-eminent object in burials together with presumably foreign items and the lower quality of bronze decorations leaves the idea that it was a actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte confronting period where military power was the base of social organization. Later inscribed oracle bones found in Anyang give us a picture of an embattled scenario with the alliances and wars between local powers. Gold ornaments in Shang dynasty’s burials were extremely rare. However, in 1986 archaeologists discovered one of the most intriguing sites at Sanxingdui, in Sichuan Province. These two large sacrificial pits provide clear evidences that outside the boundaries of Yangtze Valley unknown people lived in the Western regions, probably a well-established culture with sophisticated ritual practices and advanced bronze casting technology. Scholars suggest that these peoples were the Shu, who inhabited the regions of Sichuan between c. 2800 and 800 bc. Pit 1 contained around three hundred objects of bronze, jade and gold together with cowry shells, elephant tusks and a large amount of burnt animal bones. It seems that animals were killed and burnt for sacrificial ceremony and the remains were buried with the artefacts. The burned animal bones and the lack of human bones it’s a unique ritual ceremony with no parallel in Shang burials. In Sanxingdui pit 2, objects were deposited in layers in which pieces of bronze trees, small bronze vessels, daggers, pieces of jade, stone and cowries shells were found in the bottom. In the middle layer, instead of large quantities of bronze vessels and weapons, archaeologists found one fullsized figure of a man next to more than twenty masks with protruding eyes and elephant ears; forty-one human bronze heads, some of them inlaid gold-leaf masks; several bronze trees ornamented with birds, flowers, pendants, and a dragon. Finally, elephant tusks were scattered on the top layer. The statue of a standing man with 2.62 meters high and with the impressive weight of 180 kilograms was also found. His realistic face with large eyes like those seen in bronze masks combined with his position, probably holding a spear made of a perishable material, standing on a square pedestal and with an austere expression, allows us to assume him to be a tomb guardian. Nevertheless, some scholars suggest that this statue could be a high-ranking shaman, a cult deity or an ancient King of Shu culture. In both cases, the truth is that large-scale bronze sculptures in human shape are unknown in Shang burials, confirming the idea that these peoples were part of a completely distinctive culture contemporary to the tomb of Princess Fu Hao. Among the more than one thousand objects, it was also found a small number of bronze vessels cast in common styles and shapes (zun and lei) from the Provinces of Hunan and Jiangxi. One of these vessels is a zun with a flaring mouth, trumpet-shaped neck, a sloping body, a flat base and a circular foot ring. The shoulders have rams’ heads and perched birds in three-dimensional form covered spirals. The body and base have vertical plain stripes separating animal mask and cloud designs. These stylistic acquaintances between Sanxingdui and Xin’gan are corroborated by isotopic analysis to bronze alloy. Sanxingdui bronzes contain led of an unusual isotopic composition that matches lead in bronzes from Xin’gan tombs, signifying a provenance from the same source. Despite the long distances between the Western region of Sichuan and the Middle Yangtze sites in Hunan and Jiangxi Provinces, it seems that cultural exchange and commercial trade might happen along the Yangtze River and other subsidiaries rivers. On the other hand, despite the centralized power of Shang rulers in the Yangtze valley, foreign cultures were equally, if not more, technologically advanced in bronze cast and artistic creativity. the zhou rites and the royal ceremonies at the dawn of the bronze age Despite constant battles and the warfare scenario between 1045 bc and 221 bc, the Zhou represents a sophistication of Shang cultural institutions, such as the political organization, the ritual practices, ancestors worship and script. Supported in these key cultural features, the Zhou established the major political, cultural, artistic, religious and philosophical institutions of pre-imperial China. In 1045 bc, after a sequence of battles in upper Yellow River lead by King Wen, the legendary founder of the Zhou, his son, King Wu, finally overthrew the Shang. King Wen began the Zhou rebellion against the Shang, invoking that the ancestors no longer wanted the Shang to rule, because they had immoral behaviours, spending their time drinking wine and disregarding the government subjects. The growth of the Zhou and the cultural legacy of the Shang, introduced significant changes in bronze casting technology and artistic creativity. In Early Western Zhou ritual food vessels substantially replaced the number of wine vessels found in Shang burials. Gradually, in Middle and Late Western Zhou, new motifs and shapes were introduced, with exuberant flanges and a flamboyant style. Birds with a long coiled plum, a curvilinear beak and a long tail became very common either as a surface relief or a realistic sculpture. Regional styles from distant lands were merged into an unique style. Progressively, motifs and decorations became meaningless and more ornamental, corresponding to the increasing political importance of the king himself. Long inscriptions incised in vessels celebrate contracts, the endowment of lands or nobility status or to celebrate a victory in a battle, demonstrating that bronze vessels in Zhou Dynasty were more often symbols of power and status instead of ritual objects. Bronze casting techniques using lox wax methods and gold, copper, silver or jade inlay were developed to make the most exuberant and prestigious objects reflecting the health and prosperity of the Zhou states. However, the number of bronze objects found in Zhou tombs increased significantly as well as the number of other types of objects sumptuously made in lacquer. Lacquer and bronze were frequently assembled in exquisite bells sets and other musical instruments that had a major role in Zhou rituals. In February 1978 was found one of the most significant tombs from the Warring States Period, belonging to the Marquis Yi of Zeng, buried c. 433 bc. The tomb was divided into four chambers by twelve wooden walls. The eastern and the western chambers contained eight lacquered coffins each belonging to females aged between 19 and 26. Considering the large number of musical instruments unearthed from the main chamber and the ceremonial apparatus in Marquis Yi of Zeng burial, these sacrificed women could be musicians and dancers buried to entertain the Marquis in his eternal life. 124 The material culture found in the tomb of Marquis Yi of Zeng demonstrates the high variety of articles included in funerary paraphernalia, the artistic virtuosity of working with several different techniques and materials and confronts us with new perspectives on life after death developed during the Warring States Period. Chronology Fig. 9 | Set of bells from Marquis Yi of Zeng tomb, Warring States Period (ca. 433 bc). Inside the main chamber was the Marquis Yi of Zeng coffin, in which it were found more than five hundred relics of different kinds, exquisitely made of gold, jade, bronze, coloured glaze, crystal, lacquered boxes, bone and jade. More than six thousand articles were unearthed from this tomb, including 134 bronze ritual vessels that fall into 38 categories and 65 set-bells, all found in the main chamber next to the Marquis Yi of Zeng coffin (fig. 9). The number of food vessels (ding) was in conformity with the ritual rules of the Zhou dynasty. Among the ritual vessels there was a set of bronze zun (wine vessel) and a bronze pan (water vessel) composed of multi-layered bronze stalks and patterns, made by using lost wax casting (fig. 10). Other distinctive findings in the Marquis Yi of Zeng tomb are the 230 wooden objects painted in red and black lacquer, including tableware, ritual vessels, musical instruments, the coffins and objects of daily use. Xia dynasty 21st century–16th century bc Period of Erlitou culture 19th century–16th century bc Shang dynasty 16th century–11th century bc Period of Erligang culture (Zhengzhou phase) 16th century–14th century bc Period of Yinxu culture (Anyang phase) 13th century–11th century bc Zhou dynasty 11th century–256 bc Western Zhou 11th century–771 bc Eastern Zhou 770–256 bc Spring and Autumn period 475–221 bc Warring States period 475–221 bc Qin dynasty 221–206 bc Han dynasty 206 bc––ad 220 bibliografia allan, sarah (1991) — The shape of the turtle: myth, art, and cosmos in early China. Albany: State University of New York Press. allan, sarah (2007) — “Erlitou and the Formation of Chinese Civilization: Toward a New Paradigm”, The Journal of Asian Studies, 66 (2). Cambridge: Cambridge University Press, pp. 461–496. bagley, robert (1992) — “Meaning and explanation” in whitfield, roderick (ed.), The problem of meaning in early Chinese ritual bronzes, Londres: SOAS. Colloquies on Art & Archeology in Asia, 15, pp. 34–55. bagley, robert w. (1987) — Shang ritual bronzes in the Arthur M. Sackler collections, Washington, D.C.: Arthur M. Sackler Foundation. bagley, robert w. (1990) “Shang Ritual Bronzes: Casting Technique and Vessel Design”, Archives of Asian Art, 43, Nova Iorque: Asia Society, pp. 6–20. bavarian, behzad; reiner, lisa (2006) — Piece mold, lost wax & composite casting techniques of the Chinese Bronze Age. Northridge: California State University. chang, kwang-chih (1981) — “The Animal in Shang and Chou Bronze Art”. Harvard Journal of Asiatic Studies, 41 (2), [Cambridge, Mass]: Harvard-Yenching Institute, pp. 527–554. Fig. 10 | Zun and pan, Warring States Period (ca. 433 bc). actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte chase, w. thomas (1994) — “Chinese bronzes: casting, finishing, patination and corrosion”, in, scott, david a.; podany, jerry; considine, brian b. (eds.) Ancient & Historic Metals. Conservation and Scientific Research, Los Angeles: The Getty Conservation Institute, pp. 85–117. childs-johnson, elizabeth (1990) — “Symbolic jades of the Erlitou Period: A Xia Royal tradition”, Archives of Asian Art, xlviii, pp. 64–90. jichao, wang; xiang, zhang (2007) — Tomb of Marquis Yi of Zeng. Ritual and music civilization in the Early Warring States Period, Hangzhou: Hubei Provincial Museum. kesner, ladislav (1991) “The Taotie Reconsidered: Meanings and Functions of the Shang Theriomorphic Imagery”, Artibus Asiae, 51 (2), Ascona: Artibus Asiae, pp. 29–53. lévi-strauss, claude (1963) — “Split representation in the art of Asia and America”, in lévi-strauss, Claude ed., Structural anthropology. New York: Basic Books, pp. 245–268. liu, li; chen, xingcan (2002) — “Sociopolitical change from Neolithic to Bronze Age China”, in STARK, Miriam T. ed. Archaeology of Asia. Oxford: Blackwell Publishers, pp.149-176. liu, li and xu, hong (2007) — “Rethinking Erlitou: legend, history and Chinese archaeology”, Antiquity, Vol. 81:314, pp. 886-901. loehr, max (1968). Ritual vessels of Bronze Age China. New York: The Asia Society Inc. rawson, jessica (ed.) (1992) — The British Museum book of Chinese art, Londres: The British Museum Press. rawson, jessica (ed.) (2009) — Treasures from Shanghai. Ancient Chinese bronze and jades, Londres: The British Museum Press. rawson, jessica (1999) — “Western Zhou archaeology”, in loewe, michael; shaughnessy, edward l. (eds.), The Cambridge history of ancient China: from the origins of civilization to 221 B. C., Cambridge: Cambridge University Press, pp. 352–449. thorp, robert l (1985) — “The Growth of Early Shang Civilization: New Data From Ritual Vessels”, Harvard Journal of Asiatic Studies, Vol. 45, N.º 1. zhengyao, jin; guang, zheng; hirano, y.; hayakawa, y.; chase, w.t. (1998) — “Lead Isotope Study of Early Chinese Bronze Objects”, The Fourth International Conference on the Beginning of the Use of Metal and Alloys in Shimane, Japan. 126 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte joalharia helénica da colecção estrada (sécs. iv–i a.c.): formas e símbolismo funerário . Gustavo Portocarrero cieba – faculdade de belas-artes da universidade de lisboa resumo Neste artigo, apresenta-se um conjunto de jóias de ouro helenísticas existentes na Col. Estrada, procurando-se interpretar o seu simbolismo funerário. Palavras-chave: Joalharia; ouro; helenismo; simbolismo. 128 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte abstract In this article, a set of hellenistic gold jewels from the Col. Estrada is presented and an interpretation of their funerary symbolism is attempted. Keywords: Jewellery; gold; hellenism; symbolism. A Colecção Estrada possui um notável conjunto de jóias de ouro provenientes do mundo helénico e datáveis dos séculos iv–i a.c. Neste trabalho, pretende-se apresentar essas jóias, bem como explicar o papel social por elas desempenhado. Estas jóias foram adquiridas em casas de leilão, pelo que se desconhece o seu contexto original. No entanto, como, por norma, peças de joalharia intactas da Antiguidade Clássica são provenientes de contextos funerários, a sua interpretação será, assim, feita em função disso. São 37 as jóias aqui apresentadas, entre brincos, anéis, diademas, peitorais, coroas, pendentes e appliques. Todas elas em ouro, como já se disse, o que não é casual. O ouro, na cultura grega, evocava o sol e todo o seu simbolismo multivalente, o qual variava conforme o contexto (Chevalier e Gheerbrant 1994: 496). No caso concreto dos contextos funerários, o que predomina é o simbolismo solar da renovação, ligado à renovação da vida depois da noite da morte. Este simbolismo é, por sua vez, consideravelmente reforçado pela formas que as jóias assumem, as quais estão associadas, como se verá, a cultos ligados à renovação da vida. Note-se ainda, que a maior parte das jóias que de seguida vão ser apresentadas foram usadas por mulheres, sendo que a sua análise permite-nos compreender melhor a vida das mulheres na sociedade grega, desde papéis oficiais a formas de resistência. Comecemos pelos brincos em forma de Eros. São oito os brincos existentes (ce01384, ce01385, ce01456, ce01457, ce01477, ce01478, ce01479, ce01480), todos eles apresentado um Eros algo estilizado e encurvado para trás (fig. 1), sendo esta uma tipologia bem conhecida (Jackson 2006: 206). Eros, neste período, era visto como deus tutelar do amor e da morte e guia das almas, sendo que, no caso específico da mulheres falecidas, acompanhava-as a Hades, o rei do mortos, e casava-os (ibid.: 56, 57). Convém ter em conta que as mulheres não tinham um lugar independente na sociedade grega, sendo oferecidas em casamento para ligar linhagens (Vernant 1990: 55–77). Fig. 1 | Brincos com figura de Eros | ce01384 e ce01385 dimensões médias: 2,2 cm, 2,5 cm, 0,2 cm. É assim, que na arte grega, elas aparecem sempre representadas como esposas (ou filhas) de alguém (Osborne 1998: 84), que depois da morte só poderia ser Hades. Mas, ao casarem-se com o rei dos mortos, as mulheres esperavam também renascer, tornando-se novas Perséfones. Aqui, entramos no domínio do mito. Perséfone, filha de Deméter, deusa maternal da Terra, foi raptada por Hades, tendo a mãe provocado uma terrível seca para obrigar a que a filha lhe fosse devolvida; no fim chegou-se a um consenso, sendo-lhe a filha entregue durante 8 meses de cada ano, durante os quais a vida re-florescia (Brandão 1986: 290–292). Está-se, assim, perante o ciclo da vida-morte-renascimento, sendo que os brincos com a imagem de Eros que as mulheres falecidas levavam consigo para o túmulo destinar-se-iam, assim, a propiciar tal desfecho. Apesar desta visão dominante face às mulheres, nem todas aceitavam passivamente este papel. Algumas procuravam uma fuga nas chamadas religiões dos mistérios, cujo papel era o de arrancar os indivíduos das suas relações e papéis sociais habituais e ajudá-los a alcançar a salvação pessoal (Vernant 1990: 118, 119). Uma das mais populares destas religiões era a dedicada ao deus Dionísio, deus morto e ressuscitado (Chevalier e Gheerbrant 1994: 266). As seguidoras de Dionísio chamavam-se ménades (ibid.: 109) e oito dos brincos helénicos da Colecção Estrada apresentam cabeças de mulheres (ce01778, ce01779, ce03015, ce03016, ce03020, ce03021, ce04704, ce04705), sendo este género de tipologia geral- 130 mente interpretada como representando ménades (Higgins 1980: 160, 161; Price 2008: 80). Aliás, esta associação torna-se ainda mais óbvia no caso do par de brincos ce03020 e ce03021, os quais têm uma ânfora de vinho debaixo da cabeça (fig. 2), sendo o vinho um dos elementos mais importantes dos rituais dionisíacos, substituindose ao sangue desse deus, representando a bebida da imortalidade (Chevalier e Gheerbrant 1994: 694). Também associados aos cultos dionisíacos estão mais dois brincos com cabeças de caprídeos (ce03347 e ce03348), existindo igualmente paralelos conhecidos para esta categoria de animais (Higgins 1980: 160). Os brincos estão algo desgastados, mas parecem ser o de um cordeiro ou bode, tendo ambos os animais um papel importante nestes cultos, simbolizando o primeiro, o triunfo e a renovação da vida, e o segundo, a força genésica e vital (Chevalier e Gheerbrant 1994: 123, 140). sagrado que Dionísio – na qualidade de deus da vegetação, da vida e da morte – celebrou com uma mortal, Ariana, filha do rei de Creta, tendo esta recebido como prenda de núpcias um diadema de ouro e sido levada pela deus para a mansão dos imortais (Brandão 1986: 139). As detentoras de diademas viam-se assim como novas Arianas que esperavam ter o mesmo destino. Fig. 3 | Diadema | ce00595 dimensões médias: 4 cm, 43,5 cm, 0,1 cm. Fig. 4 | Diadema | ce01441 dimensões médias: 20,5 cm, 2,7 cm, 0,1 cm. Fig. 2 | Brincos com cabeça de mulher e ânfora | ce03020 e ce03021 dimensões médias: 3,8 cm, 1,1 cm, 0,5 cm. Ainda dentro dos cultos dionisíacos, destaque-se a presença na Colecção Estrada de dois diademas com decoração vegetal gravada: um com vegetação espiralada (ce00595) (fig. 3) e o outro com folhas de palmeira estilizadas (ce01441) (fig. 4), ambos recorrendo à renovação anual da natureza para simbolizar a vitória sobre a morte. Estes diademas eram usados por mulheres, conhecendose vários paralelos (Williams e Ogdem 1994: 92, 93, 137, 234, 235). Tal parece estar relacionado com o casamento actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte Já fora dos rituais dionísíacos, mas ainda dentro da temática da renovação da vida, encontram-se quatro notáveis coroas da Colecção Estrada com forma de folhas de árvore: uma com folhas de oliveira (ce02651) (fig. 5), outra com folhas de carvalho (ce01430) (fig. 6) e as duas últimas com folhas indistintas (ce00596 e ce04718) (fig. 7), conhecendo-se paralelos para todas as peças (Hacken e Winkes 1983: 76–78; Williams e Ogden 1994: 106, 107, 165, 180, 181). Entre os gregos a coroa era um signo de consagração aos deuses. Os mortos eram, assim, enfeitados com uma coroa para captarem a protecção divina. Tal é o caso da coroa com folhas de oliveira, decerto usada por um seguidor das iniciações eleusianas, dado essa árvore ser divinizada pelos seguidores desse culto (Chevalier e Gheerbrant 1994: 486). Já a coroa com folhas de carvalho, dadas as suas pequenas dimensões, foi utilizada para coroar uma estatueta de um deus; ora como os gregos coroavam os deuses com as plantas que lhes eram consagradas, esta coroa foi utilizada numa estatueta de Zeus, dado ser este o deus que está associado ao carvalho (ibid.). Fig. 5 | Coroa com folhas de oliveira | ce02651 dimensões médias: 4 cm, 14,1 cm. Fig. 6 | Coroa com folhas de carvalho | ce01430 dimensões médias: 5,5 cm, 5,4 cm, 1 cm. Fig. 8 | Brinco com bolota | ce01397 e ce03011 dimensões médias: 4,4 cm, 1,4 cm, 0,7 cm. Ainda dentro do simbolismo vegetal, uma flor que também se encontra representada na joalharia helénica da Colecção Estrada é a rosa, através de um pendente com uma cabeça feminina, estando o seu cabelo adornado por rosas (ce03003) (fig. 9). A rosa, flor preferida de Afrodite, tinha entre os seus atributos um forte simbolismo de regeneração, algo relacionado com o episódio da morte e ressurreição de Adónis, seu protegido, quando a deusa, no afã de tentar salvá-lo, picou-se numa rosa branca, colorindo-a de vermelho com o seu sangue (Brandão 1986: 218–220; Chevalier e Gheerbrant 1994: 575). Tal evento era celebrado todos os anos no mês de Maio numa cerimónia religiosa conhecida por rosália em que se depunham rosas nas campas dos mortos (Chevalier e Gheerbrant 1994: 575). Está-se, uma vez mais, perante a expectativa de um renascimento depois da morte. A vitória da vida sobre a morte foi também simbolizada recorrendo a aves, mais concretamente, pombas. Há na Colecção Estrada quatro brincos com pombas: dois deles com uma pomba isolada (ce01454 e ce01455) (fig. 10), conhecendo-se paralelos semelhantes (Higgins 1980: 164), e os outros dois formando um par com uma representação de duas pombas bebendo de uma taça (ce03018 e ce03019) (fig. 11). A pomba simbolizava aquilo que o homem contém de imperecível, ou seja, o princípio vital, a alma (Chevalier e Gheerbrant 1994: 533). A propósito disso, nalguns vasos funerários gregos a pomba é representada a beber numa taça que simboliza a fonte da memória (ibid.), sendo essa precisamente, a iconografia do segundo par de brincos. Fig. 12 | Pendente em forma de lua crescente | ce02586 dimensões médias: 4,2 cm, 2,8 cm, 0,1 cm. A mesma temática da renovação da vida podia também ser simbolizada por astros, mais concretamente, através da lua, como se pode ver num pendente em forma de lua crescente (ce02586) (fig. 12), conhecendo-se outros exemplares semelhantes (Higgins 1980: 166). Esta forma começou por representar a egípcia Ísis ou a síria Ishtar, senhoras dos mistérios da vida e da morte, e facilmente associáveis a outras Mães-Terra mediterrânicas, tendo influenciado a joalharia helénica (Price 2008: 77). Em contextos funerários, representava o ciclo da passagem da vida à morte e da morte à vida à semelhança do ciclo lunar (Chevalier e Gheerbrant 1994: 418) Fig. 10 | Brinco com pomba | ce01454 dimensões médias: 3,2 cm, 3,2 cm, 0,8 cm. Fig. 7 | Coroa com folhas indistintas | ce00596 dimensões médias: 4 cm, 21,8 cm, 0,1 cm. Fig. 13 | Peitoral | ce01443 dimensões médias: 6,8 cm, 14,6 cm, 0,1 cm. O fruto do carvalho, a bolota, pode ser vista em dois brincos onde ela está supensa de um sol (ce01397, ce03011) (fig. 8). Tal pode ser interpretado como simbolizando o desejo do seu detentor de alcançar a união com o divino, já que a bolota era o fruto do carvalho, a árvore cósmica que, na tradição grega, unia o Céu e a Terra (ibid.: 165). Uma última peça de ourivesaria em que este tema parece ter estado presente é um peitoral onde se podem ver as linhas de dois templos simétricos com personagens divinas nos telhados (ce01443) (fig. 13). O peitoral está bastente desgastado e é difícil distinguir a cena representada no interior dos templos, mas estaria provavelmente Fig. 9 | Pendente em forma de cabeça feminina | ce03003 dimensões médias: 4 cm, 2,2 cm, 1 cm. Fig. 11 | Brinco com par de pombas e taça | ce03018 e ce03019 dimensões médias: 4,8 cm, 2,1 cm, 1 cm. 132 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte relacionada com a obtenção da imortalidade pela personagem falecida. Se as jóias que se viram até agora partilham um simbolismo de renovação da vida, as restantes, embora presentes igualmente em contextos funerários, apresentam um carácter diferente, embora auxiliar do da renovação, mais concretamente, apotropaico e psicopompo. Já no segundo caso, há um anel com uma imagem de um golfinho (ce04724) (fig. 16), ligando assim o falecido a este animal. Os gregos consideravam que o golfinho transportava as almas dos mortos para as ilhas dos Bem-Aventurados (ibid.: 356). Para terminar, assinale-se um brinco com um golfinho (ce01439) (fig. 17), de que se conhecem paralelos (Higgins 1980: 161), e com o mesmo significado psicopompo. bibliografia brandão, junito de sousa (1986) — Mitologia Grega, vol. i, Petrópolis: Vozes. brandão, junito de sousa (1987) — Mitologia Grega, vol. ii, Petrópolis: Vozes. chevalier, jean e gheerbrant, alain (1994) — Dicionário dos Símbolos, Lisboa: Teorema. hackens, t. e winkes, r. (eds.) (1983) — Gold Jewelry. Craft Style and Meaning from Mycenae to Constantinopolis, Université Catholique de Louvain: Louvain-la-Neuve. higgins, reynold (1980) — Greek and Roman Jewellery, Berkeley: University of California Press. jackson, m. (2006) — Hellenistic Gold Eros Jewellery, bar International Series 1510. osborne, robin (1998) — Archaic and Classical Greek Art, Oxford: Oxford University Press. price, judith (2008) — Masterpieces of Ancient Jewelry, Filadélfia: Running Press. vernant, jean-pierre (1990) — Myth and Society in Ancient Greece, Nova Iorque: Zone Books. Fig. 14 | Anel com nó de Hércules | ce01205 dimensões médias: 1,8 cm, 2,1 cm, 0,8 cm. Assim, relativamente ao primeiro caso, há dois anéis: um com um nó de Hércules (ce01205) (fig. 14), de que se conhecem paralelos (Higgins 1980: 170; Williams e Ogden 1994: 253), e outro com uma serpente enrolada (ce02995) (fig. 15), também com paralelos conhecidos (Higgins 1980: 170). O anel serve essencialmente para indicar uma ligação, para vincular (Chevalier e Gheerbrant 1994: 486), neste caso o falecido com o Cosmos, algo possibilitado tanto pela presença do nó de Hércules, como pela da serpente, cujo objectivo é abraçar o falecido num círculo contínuo, impedindo a sua desintegração (ibid.: 483, 595). Estes anéis funcionam, assim, como talismãs protectores. williams, dyfri e ogden, jack (1994) — Greek Gold. Jewellery of the Classical World, Londres: British Museum Press. Fig. 16 | Anel com imagem de golfinho | ce04724 dimensões médias: 2,4 cm, 2,3 cm, 1 cm. Fig. 17 | Brinco com golfinho | ce01439 dimensões médias: 2,6 cm, 2 cm, 0,2 cm. Fig. 15 | Anel com serpente enrolada | ce02995 dimensões médias: 2,5 cm, 2,4 cm, 2,1 cm. 134 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte . recipiente de khol da colecção estrada 136 Luís jorge Gonçalves cieba – faculdade de belas-artes da universidade de lisboa Artur Ramos cieba – faculdade de belas-artes da universidade de lisboa resumo A Colecção Estrada tem na sua colecção um objecto que destacamos pela sofisticação do seu design destinado a conter khol. Vamos analisar a sua proveniência e função no seio da sofisticada sociedade do baixo-império romano. Palavras-chave: Khol, makeup, Roman Lower-Empire, Palestine. abstract The Collection Estrada has in its collection an object that we highlight for the sophistication of its design intended to contain khol. We will look to its origin and function within the sophisticated society of the Roman lower empire. Keywords: Khol, makeup, Roman Lower-Empire, Palestine. actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte Na Colecção Estrada analisa-se um “recipiente de khol” (ce02851), pela sua raridade em Portugal, dado somente existir outro na Colecção Olmos. O khol, da palavra árabe kuhl, é um pó mineral em cuja composição entra malaquite, enxofre e gordura animal, podendo apresentar uma cor preta ou cinza, dependendo da mistura. Era utilizado na maquilhagem dos olhos, como cosmético ou pelas suas propriedades medicinais. Os egípcios foram os primeiros a utilizá-lo para prevenir e aliviar infecções oculares e proteger os olhos da intensa luminosidade. Do Egipto o seu uso difundiu-se a outros povos do deserto, sendo usado na Antiguidade indistintamente por homens ou mulheres. Hoje a sua receita pode variar em diferentes regiões e em cada mulher. Uma receita clássica é a mistura em proporções iguais de malaquite, de sulfato de cobre, de alumínios calcinados e cravinho, sendo em seguida os ingredientes esmagados num almofariz. Em Marrocos, acrescenta-se azeite, para tornar o khol mais suave na sua aplicação. No que se refere aos recipientes de khol já os encontramos no Egipto, onde foram executados refinados exemplares em marfim ou osso, alguns dos quais com a imagem do deus Bés, dado que protegia do mau-olhado. Estes recipientes eram sempre acompanhados de uma pequena vareta de madeira. No mundo árabe, caso de Marrocos, o seu armazenamento continua a ser tradicional em caixas de madeira, designadas de mquhla, e a sua aplicação com uma pequena vareta de madeira, denominada mirwed. Podemos ainda encontrar recipiente em metal muito adornados, tendo sempre o mesmo princípio de aplicação, como uma vareta de madeira ou de metal. Hoje, no Ocidente, o lápis de khol substituiu este tipo de recipientes e de aplicação com as varetas. No mundo romano iniciaram-se os “recipientes de khol” em vidro, mas com grande difusão num período já tardio do Império Romano do Oriente, entre os séculos iv–vi d.c. Os principais centros de fabrico foram as cidades do mediterrâneo oriental, mais especificamente na faixa litoral do Líbano, de Israel e de Gaza. A cidade de Tiro evidenciouse ainda como um grande centro exportador e produtor, podendo encontrar-se “recipientes de khol”, oriundos desta cidade em Chipre, em Antioquia, no Egipto (ArveillerDulong e Nenna 2005: 361) e nas costas do Mar do Norte, na Alemanha (Stern 1977: 116, n.º 23–25). No Ocidente do Mediterrâneo foram encontrados exemplares de “recipientes de khol”, em contexto arqueológico, na necrópole de Puig des Molins, em Ibiza (Fuentes 1997: 57 ss). Na colecção do Museu de Israel, em Jerusalém, pode-se encontrar alguns recipientes com restos de khol e pequenas varetas de bronze que se utilizavam na aplicação do khol (Abraham 2001: 311, 321 (314 e 321, lâmina 5, n.º 13); Tommaso 1990: 133 ss.). O recipiente desprovido de pé era suspenso, através da asa superior ou das asas laterais, quando as possuía. Em Portugal temos dois exemplares, um da Colecção Estrado e outro que integra a Colecção António Olmos (Gonçalves 2009: 28–36), ambos adquiridos em leilões de antiguidades, pelo que a sua proveniência é desconhecida. No que se refere ao recipiente, que integra a colecção Estrada, é formado por dois recipientes unidos, que apresentam a forma de lágrima muito alargada e ligeiramente rechonchuda na sua parte inferior. A boca apresenta-se com o lábio engrossado e horizontal. Tem uma única asa superior e pendente de secção circular, que liga aos lábios, a qual se encontra a pender para a direita. Foi soprado ao ar e realizado no mesmo troço de massa de vidro. Uma vez a massa de vidro unida à cana foi soprado em cada um dos receptáculos, ficando os dois recipientes unidos por um troço de massa sem soprar. Entre os exemplares da Colecção Estrada e da Colecção António Olmos a principal diferença está na existência de asas laterais, no recipiente da segunda colecção. Esta diferença leva-nos para a questão das variantes de “recipiente de khol”, que podemos encontrar, tendo em conta o tipo das asas e a decoração. Quanto às asas, alguns exemplares têm duplo tipo de asas, umas superiores e pendentes de secção circular e que se ligam a outras que acompanham os recipientes na sua parte superior. Outros exemplares têm somente as asas verticais e simples. O exemplar da Colecção Estrada, integra-se nesta última tipologia, com asa simples de suspensão, o que pode corresponder a produções Palestinianas, da área de Gaza, mas reexportados via cidade de Tiro (Arveiller-Dulong e Nenna 2005: n.º 1138–1140 (século iv) e 1317–1326 (século v)), durante o século iv1, como é o caso da maioria dos exemplares do Museu do Louvre. Os principais paralelos, para o exemplar da colecção Estrada localizam-se no Museu de Israel, em Jerusalém. É por isso provável uma origem em Gaza do recipiente de khol da Colecção Estrada, com uma cronologia em torno do século iv d.c.. O “recipiente de khol” da Colecção Estrada, infelizmente de contexto arqueológico desconhecido, não apresenta a sofisticação decorativa de outros exemplares, dado apresentar grande simplicidade, dentro desta tipologia de recipiente, unicamente asa vertical de suspensão, sem decoração nos lábios e nas laterais dos recipientes. Globalmente devemos considerar este “recipiente de khol”, como sendo um produto de gama mais baixa dentro da oferta destes produtos de luxo. No entanto, revela a sofisticação das elites do Império Romano no Oriente, ao mesmo tempo que nos dá também elementos sobre a mestria dos artesãos de Gaza na arte do vidro. Poderá ter sido propriedade de uma mulher da “classe média”, onde depositou o seu khol, e, muito provavelmente, o aplicava com a sua vareta de bronze, no contorno dos seus olhos, conferindo-lhes a cor negra do khol. Como hipótese de contexto da descoberta, dado o seu bom estado de conservação, é muito provável que seja oriundo de uma sepultura, onde acompanhou a sua proprietária, embora não haja informações sobre a sua proveniência. Fig. 1 | Recipiente de khol da Col. Estrada | ce02851 dimensões médias: 17,1 cm, 5,1 cm, 3,5 cm. 1 Dimensões: com asa 14 cm, sem asa 10,4 cm, largura da pança 2,8 cm: Ibid. p. 413, n.º 1139, inventário mmc 1298, Départment de ager. Achat, 1890. 138 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte Fig. 2 | Reconstituição artística de damas romanas usando um recipiente de khol (desenho: Artur Ramos). bibliografia abraham, mijal (2001) — “Vidrio y comercio com Oriente en la Antigüedad Tardia Hispana”, in El Vidrio en la España Romana. Cuenca, pp. 311, 321 (p. 314 e 321, lâmina 5, n.º 13). arveiller-dulong, véronique; nenna, marie-dominique (2005) — “Les verres du proche-orient aux iiie–ive siècle”, in Les verres antiqúes du Musée du Louvre. Vaisselle et contenants di Ier siècle au dèbut di viie siècle après J.-C., Paris: Musée du Louvre Éditions, p. 361. fuentes, a. (1997) — “El vidrio romano. Vidrios del Puig des Molins (Eivissa). La Colección de D. José Costa “Picarol”, in Traballs del Museu Arqueològic d’Eivissa i Formentera, 37, p. 57 ss. gonçalves, luís (2009) — “Antiguidade Clássica”, in Colecção António Olmos. Cascais: Câmara Municipal de Cascais, pp. 28–36. stern, e. m. (1977) — “Ancient Glassat the Fondation Custodia”, in Archeologica Traiectina, 12, p. 116, n.º 23-25. tommaso, g. de (1990) — “Ampullae vitreae: contenitori in vetro di unguenti e sostanze aromatiche dell’ Itália romana”, Archeologica, 94, p. 133 ss. comunicantes Artur Ramos Licenciado em Pintura na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. • Mestre em Estética e Filosofia da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. • Doutorado em Desenho pela Faculdade de Belas-Artes da mesma Universidade. • É docente da fbaul de Desenho e a sua actividade reparte-se pelos três ciclos de Ensino, Licenciatura, Mestrado e Doutoramento. • Tem mantido uma constante investigação em torno do retrato e do auto-retrato. • Paralelamente ao retrato tem desenvolvido um importante trabalho de Desenho no âmbito da investigação arqueológica nomeadamente na recriação de paisagens. Davide Delfino Graus académicos: Doutor em “Quaternário: materiais e culturas” pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro; Diploma de especialização em Arqueologia, variante Pré-História e Proto-História (Universitá Statale di Milano); Licenciatura em Conservazione dei Beni Culturali Archeologici (Universitá di Genova) • Participou ou coordenou mais duma vintena de escavações ou trabalhos de campo na Itália, Grécia e Portugal no âmbito da Proto-História, Arqueologia Clássica, Arqueologia Medieval e Arte Rupestre. • Coordenou sessões temáticas no xvi Congresso da União das Ciencias PréHistóricas e Proto-Históricas (u.i.s.p.p); é autor de mais de duas dezenas de publicações em livros e revistas na Itália, Bulgaria, Portugal a tema da antiga metalurgia e da Proto-História, bem como de duas dezenas de comunicações em congressos nacionais e internacionais. • É membro da Association Pour la Recherche sur l’ Age du Bronze (a.p.r.a.b., dirigida por Claude Mordant) desde 2008. • Foi colaborador da Soprintendenza per i Beni Archeologici della Ligúria (Itália) e actualmente é colaborador da Câmara Municipal de Abrantes para o projecto do miaa • Instituições: Docente Convidado do Instituto Politécnico de Tomar (Mestrado de Arqueologia Pré-Histórica e Arte Rupestre); Investigador do Grupo Quaternário e Pré-História do Centro de Geociências; Investigador do Instituto 140 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte Terra e Memória (Mação) onde é co-coordenador do Laboratório de Tecnologia Cerâmica. Fernando Coimbra Licenciatura em História-variante Arqueologia (Universidade do Porto). Doutoramento em Pré-História e Arqueologia (Universidade de Salamanca). • Professor Convidado do Instituto Politécnico de Tomar (Mestrado de Arqueologia Pré- Histórica e Arte Rupestre). • Membro Integrado do Grupo Quaternário e Pré-História do Centro de Geociências. Investigador do Instituto Terra e Memória (Mação). Fernando António Baptista Pereira Licenciado em História, pós-graduado em Museologia e Doutorado em Ciências da Arte (História da Arte) pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, é Professor Associado nesta escola. • Autor de vasta bibliografia nos domínios da História e Crítica de Arte, assim como de numerosos Catálogos de Colecções de Museus e de Exposições de que foi Comissário. • Organizador de museus em Portugal e em Macau e Comissário de Exposições no nosso país, em Espanha e no Brasil. Dentre as suas últimas realizações, destacam-se a Exposição “De Pedro o Grande a Nicolau ii. Arte e Cultura do Império Russo nas Colecções do Museu Hermitage”, 2007–8, o conceito e a programação do Museu do Oriente, 2005–8, e a Exposição “Símbolos da República”, na Reitoria da Universidade de Lisboa, Outubro de 2010. Gustavo Portocarrero Licenciatura em História-variante Arqueologia pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. • Mestrado e Doutoramento pela Universidade de Lampeter, Wales (Inglaterra). • Investigador do cieba–Centro de Investigação e Estudo em Belas Artes da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. • Desde 2007 que integra a equipa que estuda a Col. Estrada. Henrique Mourão Pós-Graduação em Capacitação em Proteção e Gestão do Património Arqueológico (Arché&Tectum – Consultores Associados). • Mestre em arqueologia pela Universidade de São Paulo (Brasil). • Doutorando em Quaternário, materiais e cultura, na área de Gestão do Património, pelo ipt/utad. • Advogado Militante há 22 anos, atuando junto a diversas instituições públicas e privadas em todo o território nacional. • Prof. de Direito Ambiental da Escola Superior de Advocacia da oab/mg. • Membro titular da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Estado de Minas Gerais Brasil. Hilda Frias Licenciada em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. • Mestre em Arte, Património e Restauro — Gestão Patrimonial, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. • Prepara a dissertação de doutoramento em História da Arte da Época Moderna/Contemporânea na Universidade de Salamanca. • Bolseira da Fundação Oriente, para a elaboração da investigação sobre Arte de Entalhe na Antiga Índia Portuguesa entre 1995/97. • Membro da equipa do Sector de Educação do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão da Fundação Calouste Gulbenkian desde 1997. • Docente do Ensino Superior desde 2000. • Coordenadora da Área de Expressões Artísticas e professora dos curso de Historia da Arte em Portugal e de História da Moda do iscte. Jayshree Mungur-Medhi Licenciatura em História pela Universidade de Mauritius (Ilhas Maurícias). • Mestrado em Arqueologia Pré-Histórica e Arte Rupestre (ipt/utad). • Doutoranda em Quaternário, materiais e cultura, pelo ipt/utad, tendo como projecto de investigação o estudo arqueométrico das cerâmicas gregas da Col. Estrada. Luís Manuel de Araújo Doutorado em Letras pela Universidade de Lisboa, professor da Faculdade de Letras de Lisboa, no Departamento de História (Instituto Oriental), onde lecciona matérias de História e Cultura Pré-Clássica. • Foi o presidente da Comissão Organizadora do iv Congresso Ibérico de Egiptologia que recentemente se realizou em Lisboa e integra actualmente a equipa do Lisbon Mummy Project que estuda as múmias humanas egípcias do Museu Nacional de Arqueologia. • Estudou já a maior parte das colecções egípcias existentes em Portugal, tendo publicado doze livros e mais de cem artigos. Luís Jorge Gonçalves Licenciado e Mestre em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Doutorado em Ciências da Arte-Arqueologia pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. • É docente de História da Arte, Museologia e Arqueologia e Património e a sua actividade lectiva reparte-se pelos três ciclos de estudos, Licenciatura, Mestrado e Doutoramento. • Tem mantido investigação no campo da Arqueologia, da Museologia e da História da Arte Antiga e Pré-histórica. Tem obras publicadas no âmbito das áreas referidas a par de exposições. Luiz Oosterbeek Licenciado em História e Doutor em Arqueologia (1994). • Professor Coordenador do Instituto Politécnico de Tomar (ipt), onde é membro do Conselho Geral. • Professor convidado de diversas universidades da Europa e do Brasil. • Director do Gabinete de Relações Internacionais do ipt, onde também coordena os cursos de Mestrado em Arqueologia. • Professor convidado da utad, onde coordena o curso de Doutoramento em Quaternário, materiais e culturas. • Secretário-Geral da União Internacional das Ciências Pré-Históricas e Proto-Históricas, Vice-Presidente de herity International. • Director de projectos de arqueologia e gestão do património em Portugal, Brasil e Angola. • Director do Museu de Arte Pré-Histórica de Mação. • Responsável do Grupo de Quaternário e Pré-História do Centro de Geociências (fct). • Autor de cerca de 25 livros e 150 artigos. Manuel Calado Doutorado em Arqueologia e Pré-História, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde leccionou, entre 1990 e 2008, diversas disciplinas da Licenciatura e do Mestrado em Arqueologia dessa Faculdade. • Actualmente lecciona as disciplinas de Arqueologia Pública, Arqueologia Experimental, Etnoarqueologia e Arqueologia da Paisagem, no Mestrado de Património Público, Arte e Museologia da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. • Faz parte, como Pesquisador Integrado, do cieba-Centro de Investigação e Estudo em Belas Artes. • Tem desenvolvido investigação no campo da Arqueologia Pré-Histórica e Proto-Histórica no Sul de Portugal. A sua tese de doutoramento foi subordinada ao tema “Menires do Alentejo Central: génese e evolução da paisagem megalítica regional”. • Outra área de actuação é a Arqueologia Pública, sendo responsável ou co-responsável por diversos projectos relacionados com sítios e temas da pré-história. Rui Oliveira Lopes Rui Oliveira Lopes é investigador associado do Centro de Investigação e Estudos em Ciências da Arte e do Património - Francisco de Holanda, na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa. • Licenciado em História e com Mestrado em Teorias da Arte da fbaul, onde apresentou dissertação sobre a relação da imagem sagrada e do seu público na Pintura Portuguesa do Renascimento. • Desenvolve tese de doutoramento sobre a confluência da arte Cristã na Índia, China e Japão entre os séculos xvi a xviii. • Tem desenvolvido investigação sobre o reflexo do poder politico e religioso através da arte, a arte como instrumento de comunicação com o sagrado, a antropologia da arte e as leis universais da arte que transcendem as fronteiras culturais e os estilos artísticos. 142 actas das i jornadas internacionais do miaa museu ibérico de arqueologia e arte câmara municipal de abrantes outubro de 2011