Tadao Ando - Cynthia Garcia
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Tadao Ando - Cynthia Garcia
gente ENTRE4PAREDES Samurai do concreto “Arquitetura sem responsabilidade não é arquitetura”, afirma TADAO ANDO, maior nome da estética japonesa contemporânea por CYNTHIA GARCIA t vogue CASA no conceito de inserir a nova arquitetura estimulando tensão e diálogo com o entorno” fotos MITSUO MATSUOKA E TADAO ANDO adao Ando, gêmeo univitelino que na juventude foi pugilista profissional e, hoje, é o mestre do concreto zen, possui personalidade forte, incomum. Direto como um soco, ele descreve sua técnica de trabalho como guerrilha urbana, diz que é fã de Che Guevara e acusa o mundo de ter se americanizado demais. “Uso a profissão de arquiteto para lutar contra a insensatez da sociedade”, confessa. O papa da construção nipônica não esconde que é autodidata e manipulador. Seu escritório (foto ao lado), um pequeno ateliê de 100 metros quadrados, gira em torno da mesa central e continua no mesmo prédio onde iniciou, em 1969, brilhante carreira, ao fundar a Tadao Ando Arquitetos & Associados, onde hoje trabalham 25 funcionários “com seriedade e sob o clima tenso”. O conceito minimalista de projetar desenvolvido por ele cria tensão entre a luz e a sombra. Na utilização do terreno, o apuro revela uma simbiose com o entorno, que distingue suas obras, seja em meio à natureza ou na urbe. Mas é da casa que parte seu raciocínio espacial. “(...) A casa é o baluarte de resistência ao crescimento urbano desordenado”, afirma, em sua autobiografia recém-lançada pela Editora Bei, nocauteando de vez os clichês que o Ocidente criou em torno desse samurai do traço. 120 “ meus projetos são baseados Acima, Benesse House Museum, em Naoshima, feito em 1988, onde pode-se chegar de barco, pelo mar, e pernoitar. Ao lado, portrait do arquiteto em seu ateliê CASA vogue 121 gente ENTRE4PAREDES “ não tive ninguém para me ensinar; tive que conviver com a minha insegurança e o meu isolamento” CASA VOGUE: Na juventude, o senhor foi pugilista. O boxe tem alguma relação com a atividade de arquiteto? TADAO ANDO: Aprendi duas lições no ringue. A primeira é só contar consigo mesmo, pois ninguém pode ajudá-lo. A outra, saber administrar a tensão do trabalho do começo ao fim. O boxe me ensinou a disciplina do exercício. O senhor é autodidata, assim como Le Corbusier. No entanto, ambos se tornaram sinônimos dos novos caminhos da arquitetura moderna e contemporânea. O que diria do diploma no panorama atual? No meu caso, ser autodidata não foi uma escolha. É uma questão que envolve prós e contras. Hoje, eu diria que o aprendizado formal da arquitetura é o melhor caminho. Ter sido autodidata foi um excelente treino para lidar com a responsabilidade através do meu próprio esforço. Não tive ninguém para me ensinar; tive que conviver com a minha insegurança e o meu isolamento. Mas não nego que esse treino se tornou ferramenta preciosa para sobreviver aos desafios da vida em sociedade. Fale sobre a influência do International Style de Le Corbusier (1887-1965) no seu trabalho. Em 1965, na minha primeira viagem à Europa, lembro-me do impacto ao me deparar diante da Capela de Notre-Dame-duHaut, de autoria de Le Corbusier (em Ronchamp, França). Havia uma multidão, aquela cena me impressionou e me fez refletir sobre a função da arquitetura, que é a de fornecer espaços de convívio, onde o ser humano possa se relacionar. Essa experiência forjou o meu conceito sobre a arquitetura. O mesmo senti ao visitar o Panteão em Roma, quando percebi a força e a beleza do espaço. E Kenzo Tange (1913-2005), qual a relevância desse grande nome da moderna arquitetura na sua obra? Quando me envolvi no projeto para lançar Tóquio como sede dos Jogos Olímpicos de 2016, uma das principais regiões a ser revitalizada era a que havia sediado as Olimpíadas de 1964 (em Tóquio), onde se encontram vários prédios geniais de Kenzo. Ele foi o pioneiro, foi quem chamou a atenção do Ocidente para a importância e o caráter único da arquitetura oriental. Em sua juventude, nos anos 60, o senhor testemunhou in loco a revolta dos estudantes em maio de 1968, em Paris. Por conta de Che Guevara, o senhor diz que usa táticas de guerrilha no trabalho. No Japão, é conhecido pela consciência social e pelos projetos de moradia popular, no entanto, no Ocidente, é visto como arquiteto de elite? 122 vogue CASA Acima, Church of the Light, em Osaka, Japão, projetada em 1987, com arquitetura sem ornamentos. Abaixo, Church on the Water, localizada numa área montanhosa no centro de Hokkaido, Japão gente ENTRE4PAREDES Ao lado, Modern Art Museum, no Texas, EUA, feito em 1997. Abaixo, dois ângulos do Chichu Art Museum, projeto de 2000, em Naoshima. O museu conta com obras de três grandes artistas: Claude Monet, Walter de Maria e James Turrel A moradia é a tipologia básica da arquitetura. Ligada às atividades do dia a dia, uma residência é composta de quarto, área social, banheiro e cozinha. O que a diferencia é sua íntima relação com os indivíduos que abriga. Tento criar um espaço que reflita o caráter individual do ser humano nesta sociedade, a meu ver, cada vez mais alienada. Desde que comecei, luto para impor esse conceito que denomino de guerrilha urbana pessoal. É uma declaração contra as forças estabelecidas que tentam aniquilar as comunidades e os indivíduos com suas diferenças. Em geral, em uma habitação, essas condições são ditadas pelo orçamento ou pelo terreno. Descobrir potencial na limitação me dá enorme prazer. O senhor dispensa projetos comerciais. Por quê? Hoje, esse tipo de empreendimento que se diz contemporâneo se deixa violentar pelo mercantilismo, busca apenas impactar e se distancia dos seus fundamentos. É uma das razões do desinteresse das pessoas pelas construções que se apropriam dos cenários mundiais. No mundo da moda o senhor assinou o Armani / Teatro, em Milão. O que o norteou? O espaço é flexível; um prédio para mil pessoas, cuja dinâmica se adapta a vários tipos de eventos sem perder a dramaticidade espacial. Era uma fábrica que Armani queria transformar em teatro. Já fiz várias revitalizações na Europa baseadas no conceito de inserir a nova arquitetura estimulando tensão e diálogo com o entorno. Outra de suas lutas é a coexistência da arquitetura do passado, presente e futuro num ambiente onde haja respeito pela natureza e por pessoas de todas as idades. Sustentabilidade é um tema que me fascina. Uma das minhas atividades recentes é o reflorestamento do Sea Forest Project (Umi no Mori). É uma ação com donativos da comunidade para transformar em parque um antigo aterro de lixo do tamanho de um campo de golfe de 18 buracos, com 88 hectares, na baía de Tóquio. Sem dúvida, será o meu maior projeto. Lutar pelo meio ambiente para usofruto de todos é a maior responsabilidade do arquiteto contemporâneo. p 124 CASAvogue
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