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ISSN 0047-2085 CODEN JBPSAX 4 outubro | dezembro • 2011 Volume 60, Número 4, 2011 Originais – Originals Validação psicométrica do Cocaine Craving Questionnaire-Brief – Versão Brasileira Adaptada para o Crack para dependentes hospitalizados Eating habits and psychopathology: translation, adaptation, reliability of the Nutrition Behavior Inventory to Portuguese and relation to psychopathology Simulator Sickness Questionnaire: tradução e adaptação transcultural Validade discriminante do Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey: comparação entre idosos normais e idosos na fase inicial da doença de Alzheimer Associação entre polimorfismo SLC6A3 3’UTR VNTR e a resposta ao tratamento da dependência de nicotina Alterações cognitivas em indivíduos brasileiros com esclerose múltipla surto-remissão Comorbidades clínicas e psiquiátricas em pacientes com transtorno bipolar do tipo I Sintomas depressivos em crianças e adolescentes com anemia falciforme Satisfação de familiares de pacientes psiquiátricos com os serviços de saúde mental e seus fatores associados Tentativas de suicídio e mortalidade por suicídio em um município no interior da Bahia Cardio-respiratory symptoms in panic disorder: a contribution from cognitive-behaviour therapy Insatisfação corporal de adolescentes atletas e não atletas Body image dissatisfaction and its relationship with physical activity and body mass index in Brazilian adolescents Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro Official Journal of the Institute of Psychiatry - Federal University of Rio de Janeiro Editores Antônio Egidio Nardi Leonardo Franklin da Costa Fontenelle Editores Eméritos Eustáchio Portella Nunes João Romildo Bueno Márcio Versiani Editores Associados Alexandre Valença Jerson Laks Mauro Mendlowicz Editor Júnior William Berger Conselho Editorial Internacional Allen Frances (Duke University) Charles Marmar (University of California San Francisco) Christos Pantelis (University of Melbourne) Dan J. Stein (University of Cape Town) Danielle C. Cath (Utrecht University) Ezra Susser (Columbia University) George T. Grossberg (St. Louis University) Graham Thornicroft (King’s College) Gregor Hasler (University of Bern) Hagop Akiskal (University of California San Diego) Júlio Licínio (Australian National University) Mario Maj (University of Naples) Mark Zimmerman (Brown University) Martin B Keller (Brown University) Michael Devlin (Columbia University) Michael Liebowitz (Columbia University) Murray B. Stein (University of California San Diego) Myrna Weissman (Columbia University) Paul Appelbaum (Columbia University) Ronald Kessler (Harvard University) Ross Baldessarini (Harvard University) Susan McElroy (University of Cincinnati) Conselho Editorial Nacional Albina R. Torres (Unesp) Antonio L. Teixeira (UFMG) Antonio W. Zuardi (USP Ribeirão Preto) Aristides V. Cordioli (UFRGS) Eliasz Engelhardt (UFRJ) Euripedes C. Miguel (USP) Fábio L. Rocha (IPSEMG) Flávio Kapczinski (UFRGS) Helio Elkis (USP) Irismar R. de Oliveira (UFBA) Ivan Figueira (UFRJ) Jair de J. Mari (Unifesp) José Carlos Appolinário (UFRJ) Letícia Furlanetto (UFSC) Luís Alberto Hetem (USP Ribeirão Preto) Marcelo Santos Cruz (UFRJ) Maria Conceição Rosário (Unifesp) Mario Louzã (USP) Maurício S. de Lima (UFPel) Neury J. Botega (Unicamp) Paulo Dalgalarrondo (Unicamp) Paulo Mattos (UFRJ) Roberto Piedade (UFRJ) Valentim G. Filho (USP) Wagner F. Gattaz (USP) Ygor A. Ferrão (UFCSPA) Conselho Consultivo Antonio P. Palha (Universidade do Porto) Clarisse Gorestein (USP) Claudio Eizerick (UFRGS) Fábio Gomes de Matos (UFCE) Humberto Corrêa (UFMG) Itiro Shirakawa (Unifesp) Jorge Alberto Costa e Silva (Santa Casa de Misericórdia, RJ) José Alberto Del Porto (Unifesp) Josimar Mata França (UnB) Juarez Oliveira Castro (UFMG) Jurandir Freire Costa (UERJ) Luiz Salvador Miranda Jr. (UCDB) Marcio Amaral (UFRJ) Marco Antonio Brasil (UFRJ) Marcos Pacheco de T. 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Venceslau Brás, 71 Campus Praia Vermelha – 22290-140 Rio de Janeiro, RJ – Brasil Telefax: (5521) 3873-5510 E-mail: [email protected] www.ipub.ufrj.br/jpb.htm Rua Anseriz, 27 Campo Belo – 04618-050 – São Paulo, SP Telefax: (11) 3093-3300 www.segmentofarma.com.br E-mail: [email protected] INDEXADA EM: Scientific Eletronic Library Online – SciELO American Psychological Association – PsychoINFO British Libray Document Supply Center – BLDSC Scopus Index Medicus Latino-Americano – LILACS Institute de L’ Information Scientifique et Techinique – INIST Libray of the Royal Netherlands Academy of Arts and Sciences – KNAW Free Medical Journals – FMJ CIP-BRASIL - CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ J82 Jornal Brasileiro de Psiquiatria/Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Psiquiatria. – Rio de Janeiro, 1948 -. v.60, n.4 2011 Trimestral ISSN 0047-205801965 – a responsabilidade passa a ser da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Psiquiatria 1982 – publicado pela ECN ed. Científica Nacional Editado pela Segmento Farma Editores a partir do v.56, n.1-4, 2007 Continuação de: Anais do Instituto de Psiquiatria 1942-1947 1. Psiquiatria - Periódicos brasileiros. I. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Psiquiatria CDD 616.89 CDU 616.89 OBS.: As notas de responsabilidade foram dados obtidos junto à Biblioteca Nacional Rua Anseriz, 27, Campo Belo – 04618-050 – São Paulo, SP. Fone: 11 3093-3300 • www.segmentofarma.com.br • [email protected] Diretor-geral: Idelcio D. Patricio Diretor executivo: Jorge Rangel Gerente financeira: Andréa Rangel Gerente comercial: Rodrigo Mourão Editora-chefe: Daniela Barros MTb 39.311 Comunicações médicas: Cristiana Bravo Relações institucionais: Valeria Freitas Gerentes de negócios: Claudia Serrano, Marcela Crespi, Philipp Santos e Valeria Freitas Coordenadora comercial: Andrea Figueiro Gerente editorial: Cristiane Mezzari Assistente editorial: Camila Sáfadi Coordenadora editorial: Sandra Regina Santana Designer: Flávio Santana Revisoras: Glair Picolo Coimbra e Sandra Gasques Produtor gráfico: Fabio Rangel Cód. da publicação: 12057.1.12 Todos os anúncios devem respeitar rigorosamente o disposto na RDC nº96/08 sumário Artigos originais – Original articles Validação psicométrica do Cocaine Craving Questionnaire-Brief – Versão Brasileira Adaptada para o Crack para dependentes hospitalizados Psychometric validation of Cocaine Craving Questionnaire-Brief – Brazilian Crack Adapted Version inpatients dependents Renata Brasil Araujo, Maria da Graça Tanori de Castro, Rosemeri Siqueira Pedroso, Paola Lucena dos Santos, Letícia Leite, Marcelo Rossoni da Rocha, Ana Cecília Petta Roselli Marques..............................................................................233 Eating habits and psychopathology: translation, adaptation, reliability of the Nutrition Behavior Inventory to Portuguese and relation to psychopathology Hábitos alimentares e psicopatologia: tradução, adaptação, confiabilidade do Nutrition Behavior Inventory para o português e correlação com a psicopatologia Cássia Roberta Benko, Antonio Carlos de Farias, Mara L. Cordeiro.............................................................................................240 Simulator Sickness Questionnaire: tradução e adaptação transcultural Simulator Sickness Questionnaire: translation and cross-cultural adaptation Marcele Regine de Carvalho, Rafael Thomaz da Costa, Antonio Egidio Nardi............................................................................247 Validade discriminante do Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey: comparação entre idosos normais e idosos na fase inicial da doença de Alzheimer Discriminant validity of the Rey Auditory Verbal Learning Test: comparison between normal elderly and elderly patients in early stages of Alzheimer’s disease Mariana Fonseca Cotta, Leandro Fernandes Malloy-Diniz, Fábio Lopes Rocha, Maria Aparecida Camargos Bicalho, Rodrigo Nicolato, Edgar Nunes de Moraes, Jonas Jardim de Paula ...........................................................................................253 Associação entre polimorfismo SLC6A3 3’UTR VNTR e a resposta ao tratamento da dependência de nicotina Association between polymorphism SLC6A3 3’UTR VNTR and response to treatment of nicotine dependence Guilherme Rubino de Azevedo Focchi, Ismael Dale Cotrim Guerreiro da Silva, Sandra Scivoletto.............................................259 Alterações cognitivas em indivíduos brasileiros com esclerose múltipla surto-remissão Cognitive profile of Brazilian individuals with relapsing-remitting multiple sclerosis Marco Aurélio Negreiros, Jesus Landeira-Fernandez, Cíntia Villela Kirchmeyer, Renata Alves Paes, Regina Alvarenga, Paulo Mattos...............................................................................................................................................................................266 Comorbidades clínicas e psiquiátricas em pacientes com transtorno bipolar do tipo I Psychiatric and medical comorbidities in type 1 bipolar disorder patients Izabela Guimarães Barbosa, Rodrigo de Almeida Ferreira, Rodrigo Barreto Huguet, Fábio Lopes Rocha, João Vinícius Salgado, Antônio Lúcio Teixeira............................................................................................................................271 Sintomas depressivos em crianças e adolescentes com anemia falciforme Depressive symptoms in children and adolescents with sickle cell anemia Felipe José Nascimento Barreto, Rosana Cipolotti......................................................................................................................277 Satisfação de familiares de pacientes psiquiátricos com os serviços de saúde mental e seus fatores associados Family satisfaction in mental health services and associated factors Marina Bandeira, Mônia Aparecida da Silva, Cleucimara Aparecida Camilo, Cynthia Mara Felício............................................284 sumário Tentativas de suicídio e mortalidade por suicídio em um município no interior da Bahia Suicide attempts and suicide mortality in a countryside Bahia city Viviane dos Santos Souza, Murilo da Silva Alves, Lívia Angeli Silva, Débora Cristiane Silva Flores Lino, Adriana Alves Nery, Cezar Augusto Casotti.................................................................................................................................294 Cardio-respiratory symptoms in panic disorder: a contribution from cognitive-behaviour therapy Sintomas cardiorrespiratórios no transtorno de pânico: uma contribuição da terapia cognitivo-comportamental Anna Lucia Spear King, Adriana Cardoso de Oliveira e Silva, Alexandre Martins Valencça, Antonio Egidio Nardi.....................301 Insatisfação corporal de adolescentes atletas e não atletas Body dissatisfaction of teen athletes and non-athletes Leonardo de Sousa Fortes, Valter Paulo Neves Miranda, Ana Carolina Soares Amaral, Maria Elisa Caputo Ferreira.................309 Body image dissatisfaction and its relationship with physical activity and body mass index in Brazilian adolescents Insatisfação com a imagem corporal e sua relação com atividade física e índice de massa corporal em adolescentes brasileiros Maria F. Laus, Telma M. Braga Costa, Sebastião S. Almeida.......................................................................................................315 Revisões de literatura – Literature reviews A patogênese genética e molecular da síndrome de Angelman The genetic and molecular pathogenesis of the Angelman syndrome Angelica Francesca Maris, Alexis Trott .......................................................................................................................................321 Revisão dos métodos empregados na avaliação da dimensão corporal em pacientes com transtornos alimentares Review of methods employed in the assessment of body size in patients with eating disorders Bianca Elisabeth Thurm, Maria Luiza de Jesus Miranda, Fabio Tapia Salzano, Raphael Cangelli Filho, Táki Athanássios Cordás, Eliane Florêncio Gama.........................................................................................................................331 Comunicações breves – Brief communications Formas deficitária e não deficitária da esquizofrenia não diferem quanto à sazonalidade de nascimentos nas regiões Sul e Sudeste do Brasil Deficit and non-deficit schizophrenia do not differ regarding season of birth in Brazilian Southern and Southeast regions Victor M. V. Lopes, Cláudio E. M. Banzato, Clarissa R. Dantas....................................................................................................337 Escolha de alimentos durante a abstinência alcoólica: influência na fissura e no peso corporal Food choice during alcohol abstinence: influence in craving and body weight Mayla Cardoso Fernandes Toffolo, Izabelle de Sousa Pereira, Karine Aparecida Louvera Silva, Cláudia Aparecida Marliére, Aline Silva de Aguiar Nemer........................................................................................................................................................341 Relato de caso – Case report Considerações sobre a clínica e o tratamento de uma manifestação incomum do transtorno dismórfico corporal: a síndrome de referência olfatória Considerations on the clinical picture and treatment of an unusual manifestation of body dysmorphic disorder: the olfactory reference syndrome Cristiane Maluhy Gebara, Tito Paes de Barros Neto....................................................................................................................347 Agradecimento aos pareceristas 2010 pareceristas do jornal brasileiro de psiquiatria volume 60 de 2011 Adriana Cardoso Albina Torres Alexandre Valença Alessandra Diehl Ana Carolina Mathias Ana Hounie Ana Luiza Camozzato André Carvalho André F. Carvalho Andrea Deslandes Andréa Lopez Angela Scippa Angélica Espinosa Miranda Antonio Teixeira Antonio Zuardi Arthur Guerra de Andrade Bruno Mendonça Coelho Bruno Nazar Camila Guindalini Camila Martiny Carla de Meis Carla Maluf Claiton Bau Claudia Roberta de Castro Moreno Daniela Braga Daniela Dantas Lima Daniele Marano Deniela Braga Elias Abdalla Elisabeth Meyer Elisa Kozasa Fabiana Kohlrausch Fábio Henrique Porto Fernando Silva Neves Flávio Alheira Fernando Volpe Gastão Soares Filho Gisele Gus Manfro Gisele Huf Heloisa Helena Alves Brasil Helena Moraes Hudson de Carvalho Humberto Correa Inah Proença Ivan Aprahamian Jair Mari João Felicio Rodrigues Neto José Augusto Bragatti José Taborda José Alexandre Crippa Júlia Fontenelle Juliana Gois Julio Peres Kátia Petribú Leonardo Fontenelle Leandro Malloy-Diniz Lisieux Telles Lívia Santana Luciana de Avila Quevedo Manoel Freire de Oliveira Neto Marcelo Cruz Marcelo Papelbaum Maria Antonia Serra Maria Paula Magalhães Maria Tavares Cavalcanti Marina Bandeira Marle Alvarenga Michelle Levitan Neusa Sica da Rocha Paula V. Nunes Patricia Tirico Pedro de Alvarenga Priscila Duarte Rafael Ferreira Garcia Rafael Freire Rafael Garcia Regis Barros Ricardo Arida Roberto Ratzke Rodolfo N. Campos Rodrigo de Oliveira Moreira Rodrigo Moreira Ronaldo Laranjeiras Rosemeri Pedroso Sérgio Blay Táki Athanássios Cordás Themis Torres Tiago da Silva Alexandre Tatiana Moya Valéria Pagnin Valeska Pereira Valeska Marinho Vera Lemgruber Vilma Aparecida da Silva William Berger Ygor Ferrão artigo original Validação psicométrica do Cocaine Craving Questionnaire-Brief – Versão Brasileira Adaptada para o Crack para dependentes hospitalizados Psychometric validation of Cocaine Craving Questionnaire-Brief – Brazilian Crack Adapted Version inpatients dependents Renata Brasil Araujo1, Maria da Graça Tanori de Castro2, Rosemeri Siqueira Pedroso3, Paola Lucena dos Santos4, Letícia Leite4, Marcelo Rossoni da Rocha4, Ana Cecília Petta Roselli Marques5 RESUMO Palavras-chave CCQ-B, craving, validação, crack/cocaína. Introdução: O craving (ou fissura) é um fator muito importante no tratamento da dependência de substâncias psicotrópicas. Objetivo: Validar o Cocaine Craving Questionnaire-Brief – Versão Brasileira Adaptada para o Crack. Método: O delineamento foi experimental e seus participantes foram randomizados, em grupos: experimental, para o qual foi apresentada uma imagem de um indivíduo consumindo crack (G1), e controle (G2), para o qual não foi apresentada nenhuma imagem. A amostra foi composta por 109 sujeitos (G1 = 50 e G2 = 59) do sexo masculino, internados por causa da dependência do crack. Os instrumentos utilizados foram: Entrevista Clínica com dados sociodemográficos, CCQ-B Versão Adaptada para o Crack, Escala Analógico-Visual do Craving, Inventários Beck de Ansiedade e de Depressão e o Estímulo Visual indutor de craving para o G1. Resultados: Na análise fatorial, foram encontrados dois fatores: o fator 1, relacionado ao craving propriamente dito, e o fator 2, relacionado à percepção da falta de controle do uso do crack. Os dois fatores apresentaram variância total de 68,84%, e a correlação entre os fatores foi significativa e de baixa intensidade (r = 0,204; p = 0,041). O alfa de Cronbach do seu total de pontos foi 0,85. O instrumento no total de pontos foi correlacionado com a Escala Analógico-Visual (r = 0,515; p < 0,01). Conclusão: O CCQ-B – Versão Brasileira Adaptada para o Crack demonstrou ser, psicometricamente, satisfatório para utilização em pesquisas e em ambiente clínico. ABSTRACT Background: The craving is a very important factor in the treatment of drug addiction. Objective: Validate the Cocaine Craving Questionnaire-Brief – Brazilian Crack Adapted Version. Method: Subjects enrolled in this experimental study were randomized into groups: experimental for this group was shown an image of a subject using crack (G1) and control (G2) for this group no pictures were shown. The sample was composed of 109 subjects (G1 = 50 and G2 = 59), ma- Recebido em 28/7/2011 Aprovado em 1/12/2011 1 Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Hospital Psiquiátrico São Pedro, Cognitá – Clínica de Terapia Cognitivo-Comportamental. 2 PUCRS. 3 Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas. 4 Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). 5 Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Endereço para correspondência: Maria da Graça Tanori de Castro Rua Mariante, 288, sala 407, Rio Branco – 90430-181 – Porto Alegre, RS Tels.: (51) 3222-1154/(51) 9983-8430 E-mail: [email protected] 234 artigo original Araujo RB et al. Keywords CCQ-B, craving, validation, crack/cocaine. les, crack/cocaine dependent inpatients. The assessment instruments were: Clinical Interview with social and demographic data, CCQ-B – Crack Adapted Version; Visual Analogic Scale for Craving, Anxiety and Depression Beck and Inventories Visual Cue to elicit craving. Results: On the factorial analysis two factors were found: Factor 1, related to craving itself, and Factor 2, the perceived lack of control of crack use. The two-factor factorial analysis presented a total variation of 68.84%, and the correlation between these factors was significant and of low intensity (r = 0.204; p = 0.041). A Cronbach’s alpha value from total of points of scale was 0.85. We observed a correlation between the scale total score and the Visual Analogic Scale (r = 0.515; p < 0.01). Conclusion: The Cocaine Craving Questionnaire-Brief – Brazilian Crack Adapted Version proved to be an adequate psychometric instrument for use in research and in clinical settings. INTRODUÇÃO A cocaína, utilizada na forma de pedra, denominada “crack”, é uma substância psicoativa e psicotrópica, cujo consumo tem aumentado, assim como a busca por tratamento1. Esse consumo está associado à alta mortalidade entre os usuários2. O craving ou fissura, por outro lado, é uma variável muito importante na compreensão da dependência, pois influencia a evolução e a gravidade da síndrome de abstinência, como também pode determinar a recaída3,4. O craving é um dos critérios da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) a ser avaliado no diagnóstico de dependência de substância, sendo descrito no critério A como um desejo forte ou senso de compulsão por consumir a substância5; o DSM-IV6 também lista o craving como um dos critérios a ser considerado, descrito como um desejo persistente. Sabe-se que o craving do crack é muito intenso, fenômeno que pode estar relacionado à via de administração, que produz rápida sensibilização das áreas dopaminérgicas, e da mesma forma ocorre rápida diminuição do seu efeito7. Apesar da relevância do craving, não existem muitos instrumentos de avaliação desse sintoma em usuários de crack/cocaína. O craving tem sido pesquisado por alguns autores utilizando “gatilhos” como imagens associadas à substância, para sua indução e aferição, como o estudo conduzido por Tiffany e Drobes8 e Zeni e Araujo9. Em nosso meio, Zeni e Araujo utilizaram estímulo visual com fotografias para induzir o craving por nicotina e crack9. Assim, o Cocaine Craving Questionnaire-Brief (CCQ-B) foi desenvolvido por Sussner et al. em 200610, a partir do Cocaine Craving Questionnaire-Now (CCQ-Now)11, versão longa do instrumento, a qual foi validada no Brasil por Silveira et al.12. Na validação psicométrica da versão original do CCQ-B, foi realizado um estudo de validade convergente com o CCQ-Now, o qual obteve correlação positiva de intensidade muito alta, demonstrando a excelente consistência interna do instrumento10. Palihal et al.11 também utilizaram o CCQ-B e verificaram que escores mais altos nesse instrumento eram indicadores de recaída em dependentes de cocaína. Em 2009, foi publicada, no Brasil, a Validação Semântica do CCQ-B e de sua versão adaptada para o crack12. A validaJ Bras Psiquiatr. 2011;60(4):233-9. ção semântica é um primeiro passo no processo de validação de um instrumento, já que proporciona a confiança de que as adaptações de linguagem relacionadas a diferentes países foram realizadas, no entanto é necessário que haja uma confirmação de que as propriedades psicométricas do instrumento também estão adequadas, sendo definida a sua forma de análise e seus pontos de corte13. Assim, o objetivo deste estudo é realizar, de forma inédita, a validação psicométrica do CCQ-B – Versão Brasileira Adaptada para o Crack em dependentes internados para desintoxicação. MÉTODO Delineamento Foi realizado um estudo experimental, no qual a variável craving foi manipulada pela exposição de um estímulo visual. Os pacientes foram divididos, por sorteio, em dois grupos: o G1 (grupo experimental), para o qual foi apresentada uma fotografia de um indivíduo utilizando crack, e G2 (grupo controle), para o qual não foi apresentado nenhum estímulo. Amostra O tamanho da amostra foi definido segundo o critério de Hair Jr., que preconiza um número de 10 sujeitos por variável para a utilização da análise fatorial14. A amostra foi composta por 109 indivíduos dependentes de crack/cocaína, segundo os critérios da Classificação Internacional de Doenças (CID-10)5, hospitalizados para desintoxicação em uma unidade masculina especializada, na faixa etária de 18 a 60 anos, com escolaridade mínima de quatro anos. O crack era a droga de preferência, sendo o último uso relatado no mínimo há sete e, no máximo, 21 dias. Foram excluídos participantes com dificuldades para a leitura e a compreensão do questionário, aferidas na entrevista clínica, que prejudicassem o entendimento das escalas. Os participantes foram divididos, aleatoriamente por sorteio, em dois grupos: no Experimental (G1), foi apresentada uma foto com a imagem de alguém consumindo crack antes da aplicação dos instrumentos, e no Controle (G2), não foi apresentada a foto antes da aplicação. artigo original Cocaine Craving Questionnaire versão brasileira 235 Instrumentos Aspectos éticos 1) Entrevista composta por informações sociodemográficas e descrição do padrão de uso de substâncias psicoativas e psicotrópicas. 2) Cocaine Craving Questionnaire-Brief (CCQ-B)10: escala com 10 itens, tipo Likert, de 7 pontos, que vai de “discordo totalmente” até “concordo totalmente”. O escore do CCQ-B, na validação original10, foi obtido a partir da soma de pontos de todas as questões, não sendo subdividida em fatores. Foi utilizada, neste estudo, a Versão Brasileira Adaptada para o Crack, publicada por Araujo et al.13. A versão brasileira, na validação psicométrica, distribuiu-se em dois fatores: o fator 1 representa o constructo do craving, e o fator 2, a falta de controle do uso do crack. A escala pode ser avaliada a partir de seu escore total (com as questões 4 e 7 invertidas, devendo ser somadas às demais), a partir dos pontos do fator 1 (soma de todas as questões, exceto a 4 e a 7) e do fator 2 (soma das questões 4 e 7 invertidas). Os pontos de corte da escala podem ser observados na tabela abaixo: Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Psiquiátrico São Pedro. Os dados foram coletados após o indivíduo ter aceitado participar por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Pontos de Corte do CCQ-B – Versão Brasileira Adaptada para o Crack Escala Grau Craving Mínimo CCQ-B – Versão Brasileira Adaptada para o Crack – Escore Total Fator 1 0 a 11 pontos 0 a 7 pontos Fator 2 Foi realizada uma entrevista individual em uma sala pequena, com poucos estímulos visuais e sonoros, para os dois grupos: para o Grupo Experimental (G1) foi apresentado, por 60 segundos, o estímulo evocador de craving e para o Grupo Controle (G2) não foi apresentado nenhum estímulo. Para o G1, 1 minuto após a apresentação do estímulo, era feito o preenchimento dos questionários na seguinte ordem: Escala Analógico-Visual, CCQ-B – Versão Brasileira Adaptada para o Crack, BAI e BDI. Para o G2, os mesmos instrumentos, na mesma ordem, eram aplicados após 2 minutos de seus participantes terem entrado na sala, para que houvesse equivalência de tempo entre os dois grupos. Se algum participante relatasse ter craving ao final da aplicação, era realizada a técnica comportamental do relaxamento diafragmático15. Análise de dados 0 a 2 pontos Leve 12 a 16 pontos 8 a 9 pontos 3 a 4 pontos Moderado 17 a 22 pontos 10 a 11 pontos 5 a 6 pontos 23 ou mais pontos 12 ou mais pontos 7 ou mais pontos Grave Coleta de dados 3) Escala Analógico-Visual de avaliação do craving pelo crack no momento (EAV): consiste em uma linha de 10 centímetros, numerados de 0 a 10, que visa medir a intensidade de craving (fissura) pelo crack, significando o 0 “nenhuma fissura” e o 10 “muita fissura”. Essa escala já foi utilizada no estudo de Zeni e Araujo9,15. 4) Inventário Beck de Ansiedade (BAI), desenvolvido por Steer e Beck16, validado para o Brasil por Cunha17. Consiste em um questionário que tem por objetivo medir a gravidade dos sintomas de ansiedade e é composto por 21 itens. O escore total é obtido pelo somatório dos escores de cada item. Os pontos de corte para pacientes psiquiátricos são: de 0 a 10: mínimo; de 11 a 19: leve; de 20 a 30: moderado; de 31 a 63: grave. 5) O Inventário Beck de Depressão (BDI) é um dos instrumentos mais usados, tanto na clínica quanto em pesquisa, para avaliar sintomas depressivos. É uma escala de autorrelato, composta por 21 itens, desenvolvida por Steer e Beck16 (1993) e validada no Brasil17. Os pontos de corte para pacientes psiquiátricos são: 0-11: sintomas mínimos/ausentes; 12-19: sintomas leves; 20-35: sintomas moderados; 36-63: sintomas graves. 6) Estímulo evocador do craving: composto por uma fotografia do tamanho A4 com um indivíduo fazendo uso do crack. Esses estímulos já tinham sido utilizados em outros estudos9,15. Os dados foram analisados por meio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17.0, com testes descritivos e de frequências para a análise exploratória dos dados. O teste qui-quadrado e o teste exato de Fisher foram utilizados para analisar a associação entre variáveis categóricas; o teste t de Student, para amostras independentes, para comparar G1 e G2 quanto às variáveis contínuas e na validade discriminante; o coeficiente de correlação linear de Pearson foi utilizado na validade convergente e de critério e no estudo correlacional; o alfa de Cronbach, no estudo de confiabilidade; o Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), o teste de Bartlett e a ANOVA, na análise fatorial e a regressão linear para verificar o modelo de composição do craving. O nível de significância utilizado foi 5%. RESULTADOS A amostra de 109 dependentes foi distribuída em: G1, com 50 sujeitos (45,87%), e G2, com 59 sujeitos (54,13%). Todos, exceto um paciente, iniciaram o uso de cocaína pela via inalada e depois passaram para o uso do crack. O tempo médio de diferença entre o início do uso de uma via de administração para a outra foi de 5,27 anos (SD = 5,01, mínimo = -3; máximo = 29). Quanto ao uso de outras substâncias, 96,33% eram dependentes de maconha, 91,7%, de nicotina e 18,35%, de álcool. Não houve diferença significativa entre os grupos com relação às variáveis analisadas (Tabela 1). J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):233-9. 236 artigo original Araujo RB et al. Tabela 1. Comparação entre médias e (desvios-padrão) entre grupo 1 e grupo 2, segundo aspectos sociodemográficos, padrão de consumo de substâncias e momentos do tratamento/abstinência Variáveis Grupo 1 (n = 50) Grupo 2 (n = 59) Idade 29,09 (±6,34) 26,95 (±6,81) 1,648 0,102 Anos de estudo 7,70 (±2,24) 8,53 (±2,73) -1,663 0,100 Tempo de internação 11,67 (±9,31) 14,15 (±5,22) -1,545 0,111 Idade do início do uso da cocaína Tempo do último uso de cocaína (dias) Quantidade de cocaína utilizada/semana (gramas) T P 17,14 (±2,44) 17,61 (±4,03) -0,666 0,507 436,46 (±778,34) 254,51 (±341,25) 1,523 0,132 14,51 (±21,58) 8,01 (±13,99) 1,648 0,103 Idade do início do uso de crack 23,30 (±6,11) 22,38 (±6,42) 0,739 0,461 Tempo do último uso de crack (dias) 12,10 (±10,01) 15,31 (±10,79) -1,732 0,080 Quantidade de crack utilizada/ semana (gramas) 14,68 (±16,57) 11,27 (±14,32) -1,534 0,122 Ansiedade (Inventário Beck de Ansiedade) 16,11 (±38,65) 15,88 (±32,81) 0,655 0,333 Depressão (Inventário Beck de Depressão) 14,07 (±9,22) 15,97 (±8,76) 0,822 0,524 Confiabilidade Para avaliar a consistência interna do instrumento, foram calculados os valores do alfa de Cronbach no questionário como um todo e de seus dois fatores. O alfa total foi de 0,85 (10 itens), o do fator 1 foi 0,93 (8 itens) e o do fator 2 foi 0,66 (2 itens). O método split-half foi utilizado para avaliar a confiabilidade do instrumento, sendo obtido o coeficiente 0,88. Análise fatorial O Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o teste de Bartlett foram utilizados com o intuito de comprovar a adequação dos dados do CCQ-B para a análise fatorial. Os resultados deles foram, respectivamente, 0,851 e p < 0,001 e comprovaram que a utilização da ANOVA seria adequada para a validação da escala. Na tabela 2, estão distribuídas as questões nos fatores da escala a partir da utilização da rotação promax. O critério utilizado para a colocação dos itens nos fatores foi o descrito por Tiffany e Drobes18, os quais consideraram, na validação do Questionnaire of Smoking Urge (QSU), como pertencentes a um determinado fator itens com carga fatorial igual ou superior a 0,40, cuja carga no outro fator fosse menor do que 0,25, devendo a diferença entre ambas ser de, no mínimo, 0,20. Os fatores 1 e 2 do CCQ-B apresentaram autovalor de 5,50 e 1,39 e variância de 54,98% e 13,86%, respectivamente, sendo o total da variância equivalente a 68,84% e a correlação entre os dois fatores significativa e de baixa intensidade (r = 0,204; p = 0,041). Tabela 2. Questões do CCQ-B – Versão Brasileira Adaptada para o Crack e distribuição fatorial Amostra = 109 Fatores Questões Fator 1 Fator 2 CCQ-B 1 0,734* 0,234 CCQ-B 2 0,795* 0,049 CCQ-B 3 0,935* -0,035 CCQ-B 4 -0,033 0,830* CCQ-B 5 0,819* 0,016 CCQ-B 6 0,739* -0,098 CCQ-B 7 -0,030 0,836* CCQ-B 8 0,774* -0,104 CCQ-B 9 0,912* -0,075 CCQ-B 10 0,847* 0,031 * Participa da composição do fator. Tabela 3. Correlações do CCQ-B – Versão Brasileira Adaptada para o Crack, fatores 1 e 2 e a Escala Analógico-Visual Amostra = 109 CCQ-B total CCQB Total Fator 1 Fator 2 Escala AnalógicoVisual 1,00 0,925** 0,550** 0,515** Fator 1 0,925** 1,00 0,209* 0,447** Fator 2 0,550** 0,209* 1,00 0,350** EAV 0,515** 0,447** 0,350** 1,00 *p < 0,05; **p < 0,01. Validade convergente e de critério A validade convergente e de critério do CCQ-B foi mensurada, respectivamente, por meio da análise das correlações do CCQ-B e seus fatores com os escores da Escala Analógico-Visual e pelas correlações do CCQ-B entre seus fatores (Tabela 3). J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):233-9. Validade discriminante Foi avaliada pelo escore total do CCQ-B, pelo escore de seus fatores e pela pontuação na Escala Analógico-Visual, no G1 e no G2 (Tabela 4). artigo original Cocaine Craving Questionnaire versão brasileira Tabela 4. Comparação de médias e (desvios-padrão) do craving entre grupo 1 e grupo 2 Variáveis Grupo 1 (n = 50) Grupo 2 (n = 59) T P CCQ-B total 19,82 (±12,27) 15,80 (±6,03) 2,045 0,044 CCQ-B fator 1 13,38 (±10,29) 10,22 (±3,42) 2,028 0,045 CCQ-B fator 2 6,44 (±4,18) 5,57 (±4,23) 1,006 0,317 Escala Analógico-Visual 5,22 (±2,14) 3,45 (±2,02) 4,617 0,001 Modelo do craving Por meio da regressão linear, foi verificado quais eram as variáveis indicativas do total de pontos do CCQ-B. O modelo que melhor explicou essa variável foi o composto por: total de pontos do BDI e do BAI [R2 = 0,949; F (4,15) = 23,009; p < 0,001]. O valor do coeficiente beta do total de pontos do BDI foi de 0,584 (p = 0,01) e o do BAI, de 0,493 (p = 0,05). As variáveis excluídas pela regressão linear foram: idade, escolaridade, estado civil, idade de início do uso de cocaína e de crack, quantidade consumida de cocaína e de crack e último consumo de cocaína e de crack. Craving e fatores associados O coeficiente de correlação linear de Pearson foi empregado no estudo correlacional entre o total de pontos do CCQ-B e algumas variáveis. Foram encontradas correlações positivas de baixa intensidade (0,20 < r < 0,40) a muito baixa (0 < r < 0,20) e com os sintomas de depressão pelo BDI (r = 0,382; p = 0,010) e a quantidade de crack consumida em gramas por semana (r = 0,194; p = 0,044) e correlação negativa de intensidade baixa com o tempo do último uso de tabaco (r = -0,230; p = 0,028). O fator 1 teve correlação positiva de intensidade baixa apenas com os sintomas de depressão pelo BDI (r = 0,335; p = 0,025), e o fator 2 teve correlação positiva de intensidade baixa com os sintomas de depressão, BDI (r = 0,299; p = 0,046), e correlação negativa de baixa intensidade com o tempo do último uso de tabaco (r = -0,234; p = 0,025). Não foi identificada correlação entre o total do CCQ-B, nem entre os dois fatores dessa escala e idade, escolaridade em anos de estudo, idade de início do uso do crack, tempo de internação, sintomas de ansiedade (BAI) e tempos do último uso do crack, da cocaína inalada, da maconha e do álcool (p > 0,05). DISCUSSÃO Propriedades da escala O CCQ-B – Versão Brasileira Adaptada para o Crack demonstrou ser um instrumento adequado para mensurar o craving do crack, a partir da avaliação de suas propriedades psicométricas. Pela análise fatorial, foram obtidos dois fatores com cargas fatoriais altas, demonstrando a forte participação de cada questão nos respectivos fatores. Os resultados foram 237 adequados, segundo os parâmetros de Tiffany e Drobes18. O fator 1 seria o craving e o fator 2, a falta de controle do uso do crack. Sussner et al.10 e Palihal et al.11 não realizaram análise fatorial do CCQ-B, no entanto, na análise fatorial da escala original, o CCQ-Now11, foi obtida uma solução de quatro fatores, os quais continham questões relativas a duas ou mais das seguintes categorias: desejo de usar cocaína, intenção e planejamento de usar cocaína, antecipação do efeito positivo, antecipação do alívio dos sintomas de abstinência ou da disforia e falta de controle do uso da cocaína. Assim, Tiffany et al.7 consideraram que as categorias já destacadas na validação do QSU18 e que comporiam o craving pelo tabaco também fariam parte do craving pela cocaína, no entanto salientaram a presença de uma nova categoria: a falta de controle do uso. A presença dessa nova categoria igualmente foi observada em nosso estudo. Foram encontradas, na validade de critério, correlações positivas do total de pontos com os dois fatores, no entanto a correlação com o fator 2 foi de intensidade moderada e com o fator 1, muito alta, demonstrando que a avaliação do somatório de pontos da escala e de seu fator 1 mensurou o mesmo constructo. A correlação entre os dois fatores, por outro lado, foi de intensidade baixa19. Isso significa que o fator 1, denominado de “craving”, mensura o mesmo que o total de pontos da escala, sendo facultativo utilizar este último cálculo, por outro lado, demonstra que o fator 2 – falta de controle do uso do crack – não faz parte do constructo craving, sendo uma análise separada. O fato de o fator 2 aparecer como um fator separado pode estar relacionado ao fato de o seu craving ser muito intenso15. Mas deve-se destacar que as questões que compõem o fator 2 são invertidas, o que pode ter influenciado nesse resultado, como já alertado por Tiffany et al.7. O instrumento apresentou um nível satisfatório de consistência interna e de confiabilidade, de acordo com Bisquerra et al.19. Apesar de o fator 2 ter um valor de alfa inferior a 0,70, foi muito próximo dele (0,66) e pode ser justificado pelo pequeno número de questões – apenas duas – que compõem esse fator, não prejudicando a confiabilidade do instrumento. A confiabilidade do CCQ-B já havia sido encontrada em outros estudos10,11. Na análise convergente, pode-se observar que o CCQ-B em seu total de pontos e seu fator 1 tiveram correlações positivas e moderadas e, em seu fator 2, uma correlação positiva de intensidade baixa com a Escala Analógico-Visual para mensurar o craving, resultados também destacados por Palihal et al.11 e Sussner et al.10. O fato de as correlações serem de intensidades moderada e baixa, pode-se inferir, ocorreu em virtude de a Escala Analógico-Visual analisar o craving de forma uni e não multidimensional, como é o caso do CCQ-B. Outro ponto que se observa na clínica e que responderia pelos valores dessas correlações é que os dependentes, quando questionados diretamente a respeito do craving como J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):233-9. 238 artigo original Araujo RB et al. desejo, o confundem com a intenção de realizar esse desejo, outro componente do craving4. A crítica à utilização de escalas unidimensionais para avaliar o craving já foi feita por alguns autores, os quais destacam o aspecto multifatorial do fenômeno4,18. Como não houve diferenças significativas entre os grupos experimental e controle em variáveis que poderiam interferir no craving, foi possível realizar a validade descriminante da escala. A apresentação do estímulo visual foi efetiva em induzir o craving, como ocorre em outros estudos8,9,15. Segundo a validade descriminante, pode-se verificar que o CCQ-B foi sensível para perceber diferenças entre o craving nos grupos experimental e controle, tanto pelo seu total de pontos quanto pelo seu fator 1 (Craving). O fator 2 (falta de controle do uso do crack), por outro lado, não variou nos dois grupos. Isso faz com que se infira que a falta de controle não faça parte do constructo craving4, mas que seja uma consequência dele, o que torna mais consistente a constatação da baixa correlação entre os dois fatores da escala. Neste ponto, os achados são discordantes dos encontrados por Tiffany et al.7, que acreditam que a falta de controle não é uma consequência do craving, mas que faz parte do automatismo do comportamento de usar a droga que ocorre em indivíduos com uma longa história de consumo. A falta de controle do uso da substância não havia sido destacada como um componente do craving em estudo relacionado a outra substância utilizada pela via fumada, o tabaco18. O modelo que melhor explicou o total de pontos do CCQ-B foi o composto por sintomas de depressão e de ansiedade, o que está de acordo com o já defendido por alguns autores como o uso da substância como alívio do afeto negativo fazer parte do constructo craving4,7,18. Correlações com sintomas psiquiátricos Na análise correlacional, foi observada correlação positiva de intensidade baixa entre o total de pontos do CCQ-B, entre os dois fatores, e os sintomas de depressão no BDI, o que está de acordo os resultados da literatura10,11, sendo encontrada correlação positiva, mas de intensidade muito baixa, do total de pontos da escala com a quantidade de crack consumida em gramas por semana. Tanto os pacientes que apresentavam mais sintomas de depressão, quanto aqueles que consumiam mais crack, em nossa amostra, tinham craving mais intenso, no entanto apenas os deprimidos percebiam uma maior falta de controle do uso do crack. Tiffany et al.7 encontraram correlações positivas do total de pontos dessa escala e a frequência de utilização da cocaína nos últimos seis meses utilizando o CCQ-Now. Foram encontradas correlações negativas de intensidade baixa entre o total de pontos do CCQ-B e entre o fator 2 e o tempo do último uso de tabaco, ou seja, quanto menos tempo passou do último uso do tabaco, maior é o craving pelo crack e mais o indivíduo percebe-se como não tendo J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):233-9. o controle do uso desta última substância, o que está de acordo com Zeni e Araujo9, que salientaram a associação entre o craving por ambas as substâncias e a importância do tratamento concomitante das duas dependências9. Pode-se destacar um dado que contrasta com o de outros estudos7,10, que foi não encontrar a correlação entre o craving e sintomas de ansiedade pelo BAI. Não foram encontradas correlações entre o craving e fatores associados à gravidade da dependência como: idade de início do uso do crack, tempo de internação e tempo decorrido do último uso de crack e de cocaína inalada. Pode-se inferir que esses achados estejam relacionados, no caso do crack, à pouca variação dessas variáveis na amostra pesquisada e, no caso da cocaína inalada, pelo fato de o craving pelo crack ter suas especificidades como seu efeito fugaz e característico ritual de consumo15. Deve-se destacar que Sussner et al.10 também não encontraram associação entre o craving medido pelo CCQ-B e o número de dias de consumo de cocaína no último mês. Limitações É um estudo com amostra composta apenas por pacientes adultos, do sexo masculino e em regime de internação, o que pode influenciar os pontos de corte do questionário estudado. Outras limitações deste estudo foram a não apresentação de um estímulo neutro para o G2 e a não mensuração do craving nos dois grupos antes da apresentação do estímulo visual. Diferentes ambientes de tratamento devem ser estudados, pois a maioria dos dependentes é encontrada no tratamento ambulatorial. Mulheres e adolescentes dependentes devem compor novas amostras de pesquisas. Perspectivas futuras apontam para estudos que também utilizem biomarcadores na avaliação do craving. CONCLUSÃO Conclui-se que o CCQ-B – Versão Brasileira Adaptada para o Crack possui propriedades psicométricas satisfatórias, podendo ser um instrumento de avaliação do craving em pesquisas, como também em ambientes clínicos especializados no tratamento da dependência, no entanto ressaltamos que o mesmo deve ser avaliado em outros contextos clínicos. A amostra neste estudo permitiu sua avaliação em pacientes masculinos, adultos e hospitalizados, mas são necessários estudos com outros sujeitos. AGRADECIMENTOS Ao Dr. Bradley Sussner e ao Dr. Stephen Tiffany, pela permissão de validar o CCQ-Brief – Versão Brasileira e o CCQ-Brief artigo original – Versão Brasileira Adaptada para o Crack. Ao referir-se às versões brasileiras do CCQ-Brief, solicitamos que sejam citados os artigos Tiffany et al.7 e Sussner et al.6 encontrados nas referências deste artigo. Cocaine Craving Questionnaire versão brasileira 239 8. Tiffany ST, Drobes DJ. Imagery and smoking urges: the manipulation of affective content. Addict Behav. 1990;15(6):531-9. 9. Zeni TC, Araujo RB. Relação entre o craving por tabaco e o craving por crack em pacientes internados para desintoxicação. J Bras Psiquiatr. 2011;60(1):28-33. 10. Sussner B, Smelson DA, Rodrigues S, Kline A, Losonczy M, Ziedonis D. The validity and reliability of a brief measure of cocaine craving. Drug Alcohol Depend. 2006;83(3):233-7. REFERÊNCIAS 11. Palihal P, Hyman SM, Sinha R. 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Hair Jr JF, Anderson RE, Tatham RL, Black WC. Multivariate Data Analysis. 5. ed. Upper Saddle River: Prentice Hall; 1998. Marques AC, Seibel SD. O craving. In: Seibel SD, Toscano Jr. A, editores. Dependência de drogas. São Paulo: Atheneu; 2001. p. 239-48. 15. Zeni TC, Araujo RB. O relaxamento respiratório no manejo do craving e dos sintomas de ansiedade em dependentes de crack. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 2009;31(2):116-9. 4. Araujo RB, Oliveira MS, Pedroso RS, Miguel AC, Castro MGT. Craving e dependência química: conceito, avaliação e tratamento. J Bras Psiquiatr. 2008;57(1):57-63. 16. Steer RA, Beck A. Beck Depression Inventory (BDI). In: Sederer LI, Dickey B. Outcomes assessment in clinical practice. Baltimore: Williams & Wilkins; 1996. p. 100-4. 5. Organização Mundial de Saúde. Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas; 1993. 17. Cunha JA. Manual da versão em português das Escalas Beck. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2001. 171 p. 6. American Psychiatric Association – DSM-IV-TR. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 4. ed. Texto revisado. Porto Alegre: Artmed; 2002. 18. Tiffany ST, Drobes DJ. The development and initial validation of a questionnaire on smoking urges. Br J Addict. 1991;86:1467-76. 7. Tiffany ST, Singleton E, Haertzen CA, Henningfield JE. The development of a cocaine craving questionnaire. Drug Alcohol Depend. 1993;34:19-28. 19. Bisquerra R, Sarriera JC, Martinez F. Introdução à estatística – enfoque informático com o pacote estatístico SPSS. Porto Alegre: Artmed; 2004. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):233-9. ORIGINAL artigo original ARTICLE Eating habits and psychopathology: translation, adaptation, reliability of the Nutrition Behavior Inventory to Portuguese and relation to psychopathology Hábitos alimentares e psicopatologia: tradução, adaptação, confiabilidade do Nutrition Behavior Inventory para o português e correlação com a psicopatologia Cássia Roberta Benko1, Antonio Carlos de Farias2, Mara L. Cordeiro3 ABSTRACT Keywords Eating habits, psychopathology, children, mental health. Objective: The Nutrition-Behavior Inventory (NBI) is a self-administered instrument that allows eating habits to be correlated with psychopathological symptoms. The objective was to translate and adapt the NBI to Portuguese, and test the Portuguese NBI’s reliability. The second aim was to verify its sensitivity for identification of risk factors in terms of behavior/eating habits in children and adolescents. Methods: The NBI was translated, adapted, and back-translated. The Portuguese version of the NBI was then applied (N = 96; 9-12 years). In order to verify the internal consistency, Cronbach’s alpha was used. The psychopathological indicators of the participants were accessed using the Child Behavior Checklist (CBCL). The mean CBCL scores were analyzed in relation to the NBI data (cutoff point: ≥ 30 with indicators, and < 30 without). Results: Internal consistency was high (Cronbach’s alpha = 0.89) for the NBI. The CBCL scores correlated significantly with NBI (> 30) on the following: anxiety and depression (p = 0.041), social difficulties (p = 0.028), attention problems (p = 0.001), aggressive behavior (p = 0.015); ADHD (p < 0.001), and conduct problems (p = 0.032). Conclusion: The present results indicate that the NBI is a reliable instrument. The NBI can be useful for evaluating psychopathological symptoms related to the eating habits and behaviors of children and adolescents. resumo Objetivo: O Nutrition-Behavior Inventory (NBI) é um instrumento de autorrelato que permite que os hábitos alimentares sejam acessados e correlacionados com sintomas psicopatológicos. O objetivo foi traduzir, adaptar e testar a confiabilidade do NBI para o português. O segundo Recebido em 18/7/2011 Aprovado em 31/10/2011 1 Pelé Pequeno Príncipe Research Institute, Department of Neuropsychopharmacology; Faculdades Pequeno Príncipe; Children’s Hospital Pequeno Príncipe, Department of Psychology, Curitiba, Brazil. 2 Pelé Pequeno Príncipe Research Institute, Department of Neuropsychopharmacology; Faculdades Pequeno Príncipe; Children’s Hospital Pequeno Príncipe, Department of Neuropediatrics, Curitiba, Brazil. 3 Pelé Pequeno Príncipe Research Institute, Department of Neuropsychopharmacology; Faculdades Pequeno Príncipe; University of California Los Angeles, Semel Institute for Neuroscience and Human Behavior, Department of Psychiatry and Biobehavioral Sciences of the David Geffen School of Medicine, United States. Address for correspondence: Mara L. Cordeiro Instituto Pelé Pequeno Príncipe, Departamento de Neuropsicofarmacologia Av. Silva Jardim, 1632, Água Verde – 80250-200 – Curitiba, PR, Brazil Tel.: (+55 41) 3310-1036/Telefax: (+55 41) 3322-1446 E-mail: [email protected] ORIGINAL ARTICLE Palavras-chave Hábitos alimentares, psicopatologia, crianças, saúde mental. Eating habits and psychopathology in children and adolescents 241 objetivo foi verificar a sua sensibilidade para a identificação de fatores de risco em termos de comportamento/hábitos alimentares em crianças e adolescentes. Métodos: O NBI foi traduzido, adaptado e retrotraduzido. A versão em português do NBI foi então aplicada (N = 96; 9-12 anos). O instrumento foi analisado em relação à consistência interna por meio do índice alfa de Cronbach. Os indicadores psicopatológicos dos participantes foram acessados utilizando o Child Behavior Checklist (CBCL). Os escores médios do CBCL foram analisados em relação aos dados do NBI (ponto de corte: ≥ 30 com indicadores, e < 30 sem). Resultados: A consistência interna foi alta (alfa de Cronbach = 0,89) para o NBI. As pontuações do CBCL foram associadas significativamente com NBI (> 30) em relação aos indicadores: ansiedade e depressão (p = 0,041), dificuldades sociais (p = 0,028), problemas de atenção (p = 0,001), comportamento agressivo (p = 0,015), TDAH (p < 0,001) e problemas de conduta (p = 0,032). Conclusão: Os resultados indicam que o NBI é um instrumento confiável. O NBI pode ser útil para avaliar sintomas psicopatológicos relacionados com os hábitos alimentares e comportamentos de crianças e adolescentes. INTRODUCTION The etiology of mental disorders is complex and multifactorial, and more research is needed to decipher it. One of the most commonly accepted scientific hypotheses regarding the etiology of mental disorders is that there is a strong interaction between genetic predisposition and positive and/or negative environmental factors and that, therefore, interaction with the environment can affect the development of mental or physical health problems during a person’s lifespan1. The growing number of mental health problems has motivated scientists worldwide to study factors that provide protection from or increase vulnerability to the development of mental illness2. Furthermore, there is a need to find treatment approaches that are more effective than existing treatments, as well as to adopt a preventive posture. Nutrition and eating habits are environmental factors that can have a substantial positive or negative influence on mental health3. Nutrition and eating behavior merit particular during childhood and adolescence when maturation and brain development are accelerated. Appropriate attention to diet and adequate consumption of nutrients can be vital to the proper development of neurobiological processes during this period4. Moreover, a child’s dietary choices can have a strong impact on the way in which s/he learns, feels, and behaves5. The manifestation of early psychopathological symptoms of mental illness during adolescence, even when temporary, can be a harbinger of continued and even more serious mental health problems in adulthood6. Prevention measures should consider the timing of pediatric susceptibility and what environmental factors may “trigger” genetic predispositions to mental and behavioral disorders6. A number of studies have demonstrated a relationship between diet and mental health, but few clearly delineated scientific studies have addressed this question in subjects that are in important developmental phases, such as late childhood and the start of adolescence7. During this period, there are biological, psychological, and a social change that commonly gives rise to many behavioral changes. Although it is clear that there is a relationship between diet and mental disorders, there is not yet a consensus among scientists as to whether food preferences and choices are causative or consequential factors of mental disorders8. Early diagnosis can help to prevent problems of increasing prevalence in the West, especially if diagnosis is followed by appropriate preventative and therapeutic measures, including improvements in the quality of dietary practices in order to reduce the social and personal impact of mental disorders and behavioral problems in young people9. In 1980, Alexander Schauss developed the “NutritionBehavior Inventory” (NBI) for research examining the influence of diet on behavior. The NBI addresses behavioral, physical, and metabolic symptoms and their relationship to nutrition. It includes questions that enable evidence of habits involving high consumption of sugar, carbohydrates, and caffeine, as well as evidence of behaviors arising from metabolic and behavioral disorders, to be ascertained10. The NBI is an inventory with 52 questions, with each question addressing a particular symptom(s) of health, dietary habits, and behaviors. The form can be filled out with a pencil and takes 15~20 minutes. The higher the score (especially ≥ 30), the greater the probability that an individual has nutritional factors that affect their health and behavior10. The instrument can be applied in a self-reporting format with four answer choices, graded according to frequency as follows: “most of the time” (3 points); “often” (2 points); “rarely” (1 point); and “never” (0 points). Of the 52 questions on the NBI, 10 probe for evidence that a person may have a blood sugar disorder; responses to these questions may also indicate a high consumption of refined carbohydrates and caffeine10. At the moment, the NBI is the only instrument that allows for this type of analysis, as most scales used in studies examining the relationship between dietary habits and behaviors are specifically directed at identifying eating disorders, J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):240-6. 242 ORIGINAL ARTICLE Benko CR et al. such as anorexia, bulimia, and obesity. For example, the “Eating Attitude Test (EAT)”11 is an instrument that reveals susceptibility toward the development of anorexia and bulimia nervosa in adults, whereas the “Children’s Eating Attitude Test (ChEAT)”12 evaluates symptoms of bulimia and a preoccupation with body weight in children and adolescents. The first aim of the present work was to translate to Portuguese, adapt, and to test the reliability for the Brazilian population an instrument that is comparable to the English-language NBI in terms of being capable of flagging indicators of dietary behaviors or habits that may be related to mental disorders in people in late childhood and the start of adolescence. The second aim was to test the hypothesis that the NBI would be sufficiently sensitive to reveal associations between eating habit related risk factors and behavior in a group of children with psychopathologies relative to a healthy control group using the Child Behavior Checklist (CBCL)13. The CBCL is a broad spectrum inventory that documents behavioral and emotional problems and competencies in children 6 to 18 years of age13. The CBCL has been translated into over 80 languages and research has shown that it has great reliability and validity in clinical and non-clinical populations14-19. Furthermore, studies have also shown that the CBCL has good convergence with structured, interview-derived diagnostic categories20. The long-term objective of this work is to provide a means for performing triage (that can be used not only in Brazil, but also in English speaking countries) for mental and/or behavioral problems during the critical period of development that occurs in late childhood and adolescence, thereby facilitating the administration of further preventative actions during this stage. Method Participants This research was carried out in accordance with the Guidelines established by the Brazilian Ministry of Health’s National Commission for Research Ethics, Resolution 196/96, and was approved by the Research Committee for Human Subjects. The present investigation was part of an ongoing longitudinal clinical assessment of behavioral, mood, and learning disorders conducted in our research institute. The assessment and diagnostic methods employed are described in detailed elsewhere21,22. The study included only children/ adolescents between 9 and 12 years of age, of both sexes, who were students in schools belonging to the Municipal Education system of Curitiba, a southern city in Brazil, and who were sent for evaluation by a multi-professional team during the period between March 2007 and November J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):240-6. 2009. To be included, the participants were required to have an intelligence quotient (IQ) ≥ 70 as determined by the third version of the Wechsler Intelligence Test (WISC-III)23. Parents or guardians accompanying enrolled children provided written informed consent. Since the NBI only gives indicators of eating habit behavior associated with psychological problems, we tested the applicability of the NBI by comparing the results with results obtained from the CBCL, a well established (worldwide) inventory for evaluating psychopathology in children and adolescents14. Study procedures The experimental strategy basically consisted of two steps: (1) “Translation, back-translation, and adaptation of the NBI” and (2) “Applicability of the NBI” utilizing results from the “Child Behavior Checklist” (CBCL). First step: translation, back-translation, and adaptation of the NBI For the translation, adaptation, and validation of the NBI for the Brazilian population, the researchers sought the authorization of the original instrument’s author in accordance with previously suggested guidelines24-26. Briefly, the original NBI was first translated to Portuguese by two independent professionals fluent in both the original and target languages; both versions were analyzed and synthesized. Subsequently, the synthesized version was back-translated to its original language and reviewed by an expert committee comprised of two clinical psychologists, a pediatric neurologist with an MD and a neuroscientist with a PhD. The Portuguese version of the NBI was then pretested on 20 respondents to probe for their understanding and acceptability of the test as well as for the emotional impact that the test makes. Small changes were necessary in order to adapt it to Brazilian culture. However, we avoided changing the essence of the questions as posed by the original author. Participants who were able to read fluently responded the questionnaire by self-reporting. The evaluator – a psychology professional trained and directed to maintain neutrality while reading the instrument’s questions – read the questions aloud for those who were not yet able to read fluently and helped them fill out the form in accordance with their answers. In order to verify the internal consistency of the instrument’s items, Cronbach’s alpha was used. A construct can be indirectly validated with an internal base of consistency or no relation between the questions that make up part of the scale, indirectly leading to the conclusion that the scale is a valid construction27. The Cronbach’s alpha coefficient is the simplest and best-known measure of internal consistency and is the primary approach used in constructing the validation of a scale. In general, a group of items that explore a common factor have a high Cronbach’s alpha value. ORIGINAL ARTICLE The minimum acceptable value for the Cronbach’s alpha coefficient is 0.70; alpha values between 0.80 and 0.90 are considered ideal28. Second step: applicability of the NBI (annex) Based on their responses in the Portuguese-language version of the NBI, the subjects were separated into two groups, using a cutoff of 30 points10. The groups (< 30 and ≥ 30) were analyzed in relation to the scales for the “Child Behavior Checklist” (CBCL). This instrument, answered by the children’s guardians, is used across the world, and has been validated in Brazil29, to measure psychopathological indicators and social and behavioral problems in subjects between 6 and 18 years old. The CBCL provides scales concerning overall problems and two scales of Internalizing and Externalizing problems of the following kind: depression, withdrawal, rule-breaking behavior, aggressiveness, social problems, and problems in thinking, attention, and somatization. In addition, the CBCL has a subscale based on the diagnostic criteria established by the Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM), which gives indicators for affective, anxiety and somatic problems as well as indicators for the diagnosis of attention deficit/hyperactivity disorder, oppositional defiant disorder, and conduct problems29. For the scoring, we used software developed by Achenbach Assessment Data Manager (ADM)13, which converts raw scores into scores that are T-normalized for age and gender. The 98th percentile of the normative sample of T scores was 70 or greater and the subclinical (borderline) range for T scores was 65-70. For total Internalizing and Externalizing Problems, a T score in the range of 60-63 points is considered borderline and a T score above 63 points in the clinical range13. Data analyses For the statistical analyses, Statistica-7.0 (StatiSoft® South America) software was used. Data were verified in relation to normality and descriptive analyses using KolmogorovSmirnov tests. The Levene test, one of the strongest and most robust tests in terms of deviations, was also used to verify the homogeneity of the variations. In cases where there was no homogeneity (p < 0.05), Welch’s Student’s T-test (Test W/ Separate Variance Estimates in Statistica) was applied. The Student T-Test was used to examine relationships between the dependent variables (IQ, CBCL) and the independent NBI variable (NBI < 30 or NBI ≥ 30). Comparisons were considered significant when they had two-tailed values of p < 0.05. Results Demographics The demographic data are summarized in table 1. A total of 96 participants, 9 to 12 years of age, of both sexes (83 boys Eating habits and psychopathology in children and adolescents 243 and 13 girls), completed the inventory. Average age did not differ between the groups (p = 0.84). The two groups were found to be similar with respect to potentially interfering factors, such as age and IQ. As the children were referred from the same local public schools, we could presume that there were not substantial socioeconomic differences in the groups studied. Table 1. Demographic data for the study population Parameter Sex NBI < 30 (N = 28) NBI ≥ 30 (N = 68) M (N = 83) 29% (N = 24) 71% (N = 59) F (N = 13) 30.8% (N = 4) 69.2% (N = 9) Age IQ Total p (years) 9.7 ± 1.2 9.8 ± 1.0 0.837 (WISC-III) 100.3 ± 20.7 99.3 ± 17.0 0.838 Cultural and sample related adaptations The cultural adaptation was tested in 20 participants. We found that after translation and back-translation, some questions needed to be adapted or withdrawn, as shown in table 2, to obtain the final version of the adapted questionnaire. An analysis performed to verify the internal consistency of the translated instrument yielded a Cronbach’s alpha index value of 0.8896. Table 2. Questions on the original NBI inventory that were changed during adaptation Original question Translation Adaptation 23. I feel better after my first snack or meal of the day 23. Eu me sinto melhor depois do primeiro lanche ou refeição do dia [I feel better after my first snack or meal of the day] 23. Eu me sinto melhor depois do café da manhã [I feel better after breakfast] 26. I eat sweet things or drink caffeinated coffee, tea or cola 26. Eu como coisas doces ou bebidas cafeinadas como café, chá ou CocaCola [I eat sweet things or caffeinated drinks like coffee, tea or Coca-Cola] 26. Eu como doces ou bebo Coca-Cola, chá ou café frequentemente [I often eat sweets or drink CocaCola, tea or coffee] 31. I drink alcoholic beverages 31. Eu bebo bebidas com álcool [I drink alcoholic beverages] Question removed* 36. I constantly worry about things 36. Eu constantemente me preocupo com as coisas [I constantly worry about things] 35. Eu estou sempre preocupado com alguma coisa [I am always worried about something] 48. I want to kill myself 48. Eu quero me matar [I want to kill myself] 47. Eu já pensei em me matar [I have thought about killing myself] 52. Do you smoke cigarettes? 52. Você fuma cigarros? [Do you smoke cigarettes?] Question removed* * Questions removed since the study population were underage (9-12 years old). J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):240-6. 244 ORIGINAL ARTICLE Benko CR et al. Analyses of the NBI with respect to CBCL psychopathological indicators The averages obtained in the analyses of the subscales of the CBCL were compared between the groups, according to their NBI scores (NBI < 30 and NBI ≥ 30) to verify the statistical difference for each subscale. Figure 1 summarizes the results obtained for the two groups, participants with an NBI < 30 versus those with an NBI ≥ 30 points. These analyses indicate that significant correlations were detected by the CBCL for the problems of: anxiety and depression (p = 0.041); social difficulties (p = 0.028); attention problems (p = 0.001); aggressive behavior (p = 0.015); ADHD (p < 0.001); and conduct problems (p = 0.032); as well as for the externalizing problems (p = 0.03); and total problems (p = 0.017). CBCL – Psychopathologies NBI < 30 NBI ≥ 30 71 T-SCORE 68 65 62 59 SC SP TP AP RBB AB AfP AnP SP AD HP ODP CP IP EP TP AD DW 56 NBI: “Nutritional Behavior Inventory”; CBCL: “Child Behavior Checklist”; AD: anxiety/depression; DW: depression/ withdrawal; SC: somatic complaints; SP: social problems; TP: thought problems; AP: attention problems; RRB: rule-breaking behaviors; AB: aggressive behaviors; AfP: affective problems; AnP: anxiety problems; SP: somatic problems; ADHP: attention deficit/hyperactivity problems; ODP: oppositional defiance problems; CP: conduct problems; IP: internalizing problems; EP: externalizing problems; TP: total problems. * (p < 0.05). Figure 1. Graph comparing the NBI scores and the average T scores of the CBCL. Discussion The present results indicate that the Portuguese version of the NBI is a reliable instrument. Furthermore, a comparison of the NBI results with data obtained with the CBCL – a widely used instrument with excellent psychometric properties and convergence between structured interview-derived diagnoses – demonstrated that the NBI can also be useful for assessing psychopathological symptoms related to the eating habits and behavior of children and adolescents. Participants with high NBI scores also presented indicators of mood, attentional, and behavioral problems in the CBCL. There is a general consensus that the incidence rate of psychiatric disorders in children and adolescents has risen over the last few decades. Although the reasons for this increase remain speculative, some important research has focused J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):240-6. on possible causes and preventions for these disorders. The first aim of the present work was to translate and validate the NBI for Portuguese language speakers, and the second aim was to analyze whether factors such as eating behaviors and habits could be associated with psychopathology during late childhood and early adolescence. The goal was to find simple ways to identify symptoms and factors that negatively contribute to the mental health of this population or cause it to deteriorate. The NBI is a paper and pencil questionnaire that provides a straightforward analyzable inventory that can be applied in triage clinical settings or even at schools. Cultural adaptations and adaptations in relation to the sample After the translation and back-translation of the original NBI, some questions needed to be withdrawn or adapted in light of the equivalence of construction comparison. Specifically, questions about smoking (an open question) and alcohol use (question 31) were removed from the study. We observed discomfort and resistance to these questions during the pilot application of the first questionnaire related to the age range (9-12 years) of the study’s participants. The questions were removed in order to facilitate the participants’ adherence. The cultural adaptations proposed did not imply changes to the main content of the questions; we confirmed this by observing comparisons between the back-translation and the original instrument, so as to identify the equivalence of construction. However, for those wishing to investigate issues related to alcohol and tobacco use in adults, the omitted questions may be left in the NBI. The NBI was analyzed for internal consistency using Cronbach’s alpha index27, which assesses the reliability of a test in situations in which the researcher is not able to do other interviews with the individual, but which require an appropriate estimate of the average degree of error. In general, scales with an alpha value lower than 0.70 should be avoided. The alpha value for our translated, adapted NBI was 0.8896, and there were no questions outside the expected average, indicating that the instrument had good internal consistency, in accordance with what we expected for its validation. Clinical implications and study limitations The present study had some limitations. First, our sample was made up mainly of male participants. This gender imbalance was related to the characteristics of our center’s line of research, as the students were referred to us from local schools21,22. In this population, teachers tend to recommend or refer students with externalizing symptoms, rather than those with internalizing symptoms, and research has shown30 that boys tend to have more externalizing problems than girls. Second, since the NBI has not been translated to other languages (e.g., Spanish), we were unable ORIGINAL ARTICLE to compare our results with those of other translations and cultures. Nonetheless, our work may open new avenues of research in the area of eating habits and psychopathology in other countries. Third, we only analyzed the results of the NBI with respect to CBCL indicators, and not with the respective conclusive diagnoses of the disorders in the children. However, several studies have well documented that the CBCL has good convergence with structured psychiatric interview16,31-35. Fourth, because of the research characteristics of our center, we could only include children and adolescents in the sample. Thus, we do not know whether the NBI as translated would be useful for the adult population in Brazil. This indicates that further research validating our already translated NBI may be tested in an adult Brazilian population. In spite of the limitations mentioned above, the results presented indicate that the NBI has sensitivity for identifying psychopathological symptoms related to the dietary habits of children and adolescents (Figure 1). It supports current data in the literature that suggests that emotional difficulties and problems are correlated with eating habits and consumption of so-called junk-food36,37. Furthermore, early studies showed that adolescents who together with their parents exhibited aggressive behavior had very high NBI scores10. The present study showed that pre-adolescents with social problems, aggressive behavior issues, and conduct problems also had NBI scores above the cut-off point of 30 (Figure 1). Certainly, additional studies are needed to extend our seminal findings. In addition, studies suggest that children who eat more junk-food may have nutritional imbalances over the longterm, since these foods are normally rich in sugar and fat, and in many instances, contain additives, food coloring, and preservatives, and provide poor quality nutrition36. Consumption of junk-food has been shown to make adolescents more prone to hyperactivity and attention problems, as well as other emotional problems that are often comorbid with these conditions, such as behavioral disorders and social problems37. High consumption of caffeine and sugar, mainly in the form of soft drinks, has been associated with aggressive behavior, ADHD, social problems and somatic complaints38. An unhealthy dietary regimen can also be considered a subjacent symptom of mental disorders39. In addition, changes in the reward circuit of the brain during puberty can also be related to depressive symptoms in adolescents. It is possible; however, that an increase in reward seeking behavior, at this point in development, may compensate for changes in affect40. The continual search for foods that are very tasty, though being poor in nutritional value, uses neutral paths of behavioral reinforcement, including the dopaminergic system, progressively degrading the equilibrium of the brain’s reward circuit and thereby generating more consumption Eating habits and psychopathology in children and adolescents 245 and a compulsion for this type of food. This circumstance, termed “dietary dependence”, is considered a mental health risk factor, especially during childhood and adolescence40. Mood, anxiety disorders and substance abuse disorders are among the most studied, common, serious, and incapacitating disorders that arise during adolescence41. Moreover, the manifestation of these disorders during early adolescence is associated with subsequent development of serious forms of these diseases, and anxiety symptoms often precede mood disorders during childhood and adolescence40. Therefore, this issue in and of itself underscores why early diagnosis and detection of risk factors for mental health problems during these phases is crucial. Conclusion The presently developed Portuguese-language NBI is the first instrument that allows for triage to evaluate emotional and behavioral problems and dietary habits related to behavioral and mood disorders in Portuguese speaking people. The presently reported analyses of its internal consistency after translation and adaptation when administered to Brazilian children and adolescents offer sufficient proof of its validation. Furthermore, our results suggest that there is a strong association between NBI findings and CBCL psychopathological indicators for several mental health problems, such as depression, anxiety, attention problems, aggressiveness, and conduct and social problems. The indicators for externalizing and total problems were also significant. The results presented in this study suggest that poor diet may be associated with mental disorders and demonstrate that the NBI can be used for early identification of symptoms of emotional problems and behaviors and related dietary habits in an inexpensive, easy, and rapid manner. The NBI is easy to administer in walk-in clinics or by teachers in schools, thus facilitating the early identification of risk factors that contribute to mood or behavioral disorders. NBI findings can also serve as a basis for planning possible complementary actions and therapeutic interventions, such as modifying dietary habits or secondary prevention tactics. Such interventions can prevent problems from progressing or becoming chronic, which is important considering adolescents’ vulnerability to mental illness. ACKNOWLEGMENTS This study was supported by the State of Paraná Department of Science and Technology (SETI nº 003/07) and the State Health Department (SESA nº 009/07), Mr. Norbert Gehr and the UCLA Foundation. We thank social worker Ms. Rosilda Ferreira for her assistance, the public school teachers, the J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):240-6. 246 Benko CR et al. ORIGINAL ARTICLE students and their families for participating in the study. We also thank Dr. Alexander Schauss for giving us the opportunity to translate and adapt to Portuguese his questionnaire. 19. Nolan TM, Bond L, Adler R, Littlefield L, Birleson P, Marriage K, et al. Child Behaviour Checklist classification of behaviour disorder. J Paediatr Child Health. 1996;32:405-11. DISCLOSURES 21. Farias AC, Cunha A, Benko CR, McCracken JT, Costa MT, Farias LG, et al. Manganese in children with attention-deficit/hyperactivity disorder: relationship with methylphenidate exposure. J Child Adolesc Psychopharmacol. 2010;20(2):113-8. None to declare. REFERENCES 1. Hyman S. Mental illness: genetically complex disorders of neural circuitry and neural communication. Neuron. 2000;28(2):321-3. 2. Bet PM, Penninx BW, Bochdanovits, Uitterlinden AG, Beekman AT, Van Schoor NM, et al. Glucocorticoid receptor gene polymorphisms and childhood adversity are associated with depression: new evidence for a gene-environment interaction. Am J Med Genet B Neuropsychiatr Genet. 2009;150B(5):660-9. 3. Rosales FJ, Reznick JS, Zeisel SH. Understanding the role of nutrition in the brain and behavioral development of toddlers and preschool children: identifying and addressing methodological barriers. Nutr Neurosci. 2009;12(5);190-202. 4. Rao TS, Asha MR, Ramesh BN, Rao KS. Understanding nutrition, depression and mental illnesses. Indian J Psychiatry. 2008;50(2):77-82. 5. 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J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2010;49(2):162-72. artigo original Simulator Sickness Questionnaire: tradução e adaptação transcultural Simulator Sickness Questionnaire: translation and cross-cultural adaptation Marcele Regine de Carvalho¹, Rafael Thomaz da Costa¹, Antonio Egidio Nardi¹ RESUMO Palavras-chave Cybersickness, realidade virtual, adaptação transcultural, equivalência semântica. Contexto: O estudo de cybersickness, sintomas desconfortáveis relacionados à interação em ambientes virtuais, é importante para a implementação de melhorias destes, para ajudar a preservar o bem-estar dos usuários e reduzir o abandono às exposições virtuais. Usar um instrumento adequado para identificar e mensurar os sintomas de cybersickness, de forma padronizada, pode contribuir para essa finalidade. Objetivo: Este estudo tem como objetivo apresentar as etapas de tradução e adaptação para a língua portuguesa do instrumento Simulator Sickness Questionnaire, que mede os sintomas de cybersickness. Métodos: Três traduções e retrotraduções foram realizadas por avaliadores independentes; realizaram-se a equivalência semântica e a avaliação das versões, sendo elaborada uma versão síntese. Os comentários dos participantes sobre a versão preliminar do questionário foram examinados. Resultados: Foi construída a versão brasileira preliminar do questionário. Verificou-se que a maioria dos participantes entendeu as descrições dos sintomas expostas no questionário em português. Conclusão: A utilização de três versões de tradução e retrotradução, discussão sobre a versão síntese e a interlocução com a população-alvo proporcionaram viabilidade ao processo de equivalência semântica da versão final brasileira. ABSTRACT Keywords Cybersickness, virtual reality, cross-cultural adaptation, semantic equivalence. Background: The study of cybersickness, uncomfortable symptoms related to interaction in vir tual environments, is important for these environments’ improvement that help to preserve the welfare of users and reduce the abandonment of virtual exposures. Using an appropriate instrument to identify and measure the symptoms of cybersickness in a standardized way can contribute to this purpose. Objective: The objective of the current study is to present the stages of translation and adaptation into Portuguese of the instrument “Simulator Sickness Questionnaire”, which measures cybersickness’ symptoms. Methods: Three translations and back translations were conducted by independent evaluators, the semantic equivalence and versions’ evaluation were made, producing a synthesized version. Comments from participants on the preliminary version of the questionnaire were examined. Results: The preliminary Brazilian version of the questionnaire was developed. It was found that most participants understood the symptoms’ descriptions given in the translated questionnaire. Conclusion: The use of three different versions of translation and back translation, the discussion of the synthetic version and the interaction with the target population have provided viability for the process of semantic equivalence of the Brazilian final version. 1 Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Instituto de Psiquiatria, Laboratório do Pânico e Respiração; Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Medicina Translacional (INCT-TM). Recebido em 11/4/2011 Aprovado em 15/6/2011 Endereço para correspondência: Marcele Regine de Carvalho Av. das Américas, 1155/2005, Barra da Tijuca – 22631-000 – Rio de Janeiro, RJ E-mail: [email protected] 248 Carvalho MR et al. INTRODUÇÃO A realidade virtual pode ser definida como uma interface tridimensional que coloca o sujeito em condição de troca com um ambiente recriado via computador1. Em ambientes virtuais, os usuários são imersos em ambientes com estímulos multissensoriais amparados por um sofisticado aparato que permite interação com o ambiente virtual tridimensional. Em psiquiatria e psicologia, a exposição de pacientes a ambientes virtuais é uma técnica psicoterapêutica utilizada como uma ferramenta para eliciar ansiedade e desencadear o processo de habituação a estímulos ansiogênicos e também para testar e modificar cognições distorcidas, principalmente a partir da abordagem da terapia cognitivo-comportamental2. Mas é possível que nesses ambientes virtuais os usuários sintam sintomas desconfortáveis (como vista cansada, fadiga, tontura, ataxia) que atrapalham a experiência virtual e fazem parte da experiência denominada de “cybersickness”. Além dos efeitos de cybersickness imediatos, sintomas de cybersickness consequentes à interação, como flashbacks visuais, desorientação e distúrbios de equilíbrio podem acontecer até 12 horas após a exposição ao ambiente virtual3. Sendo assim, muitos usuários experimentam desconforto durante e, às vezes, depois de uma sessão em um ambiente virtual4. Cobb5 verificou que 80% de todos os participantes de sua pesquisa apresentaram aumento nos sintomas de cybersickness dentro de 10 minutos após ficarem imersos em um ambiente de realidade virtual. Regan e Ramsey6 verificaram que indivíduos expostos à realidade virtual apresentaram sintomas por até 5 horas após a imersão. A severidade e a duração desses sintomas podem ser influenciadas pelo tempo de exposição ao ambiente virtual e da intensidade da experiência4. Parece existir uma correlação entre a percepção do próprio movimento sem um movimento físico real e a sensação de mal-estar (sickness)7,8. A experiência de cybersickness é, provavelmente, o resultado da mescla de estímulos visuais e de movimento, e não apenas devida ao movimento em si9. Alguns estudos avaliaram a habituação aos efeitos colaterais de imersão em realidade virtual, observando que ela ocorria quando a realidade virtual era repetidamente apresentada10,11. Apesar disso, os sintomas de cybersickness podem ser potencialmente graves, já que podem perdurar após a exposição e ter um efeito sobre a capacidade do usuário para executar tarefas no mundo real12. Outra consequência de cybersickness é que as pessoas que experimentam esses sintomas podem evitar o uso de realidade virtual no futuro13. Investigações preliminares demonstraram que sintomas de cybersickness estão associados com aumento da frequência cardíaca, da condutância da pele, da taquiarritmia gástrica e dos níveis plasmáticos de catecolaminas. Mudanças na atividade do córtex cerebral também foram detectadas por meio de eletroencefalograma4. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):247-52. artigo original Acredita-se que conflitos sensoriais são a chave para o entendimento da provocação dos sintomas de cybersickness. Porém, existem algumas outras hipóteses possíveis e coerentes para o desencadeamento dos sintomas14. Uma teoria bem difundida sobre o assunto foi formulada por Oman15 sobre o mal-estar relacionado ao movimento (motion-sickness): o movimento produz um conflito entre o input sensorial real e as informações sensoriais esperadas. Essa teoria foi atualizada para a aplicação em ambientes virtuais16. Na síndrome de cybersickness, os usuários recebem sinais visuais que podem induzir uma ilusão de movimento do corpo, enquanto seus corpos são fisicamente parados. Isso provocaria desacordo entre os estímulos visuais, vestibulares e proprioceptivos, culminando nos sintomas14. Esses desacordos podem ser consequência de uma gama de fatores como: erro no rastreamento de posição do usuário em relação ao programa, atraso na atualização da posição do corpo, tremor ou oscilação das partes do corpo representadas, gráficos distorcidos, ótica pobre, tremulação de imagem. A ilusão do próprio movimento (vection), o atraso entre o tempo que um movimento físico é realizado e o tempo de resposta do computador com modificação na imagem gerada, o campo de visão, variáveis individuais e quantidade de movimentos da cabeça também são apontados como fatores de influência para o desacordo entre estímulos3. O Simulator Sickness Questionnaire (SSQ)17 é um instrumento bastante utilizado nas investigações sobre cybersickness. Uma revisão de literatura identificou que 40 estudos, de um total de 50, utilizaram-no para medir o nível de cybersickness14. O SSQ foi formulado a partir do Motion Sickness Questionnaire (MSQ)18, que consiste de 27 itens que descrevem o desconforto geral. Para estudar os efeitos individuais da realidade virtual, o MSQ foi revisto após análise fatorial realizada por Lane e Kennedy19, sendo renomeado como SSQ. Três fatores específicos (Oculomotor, Desorientação e Náuseas) e um escore total de Gravidade emergiram desta análise3. O SSQ consiste em 16 itens (sintomas). Os sintomas “boredom, drownsiness, decreased salivation, depression, visual flashbacks, faintness, awareness of breathing, decreased appetite, increased appetite, desire to move bowels, confusion e vomiting” contidos na versão do MSQ foram retirados. Os sintomas podem ser classificados como: ausente, leve, moderado ou grave e pontuados de 0 a 3, respectivamente. Para obter os escores de cada subescala (Oculomotor, Desorientação e Náuseas), os sintomas recebem pesos específicos, que devem ser multiplicados pelo valor da pontuação atribuída a cada um deles pelo respondente. Depois, basta somar os valores obtidos para chegar ao valor total de cada subescala, que deve ser colocado em fórmulas de conversão para o escore final de cada subescala. O escore total de gravidade é obtido pela soma dos valores obtidos em cada subescala (valores anteriores ao escore final obtido pelas fórmulas de conversão) e a aplicação em uma fórmula específica que indicará o resultado final da escala17. artigo original As etapas de tradução e adaptação para a língua portuguesa do instrumento Simulator Sickness Questionnaire (SSQ)17 são apresentadas neste trabalho. O objetivo do presente estudo foi traduzir e avaliar a equivalência semântica do SSQ, realizando um estudo piloto na população brasileira de diferentes níveis de escolaridade. Com isso, buscou-se produzir uma versão preliminarmente adaptada do SSQ que possa ser validada em momento posterior. Outro objetivo foi examinar se o SSQ é aplicável a indivíduos de diferentes níveis educacionais. Nota-se a importância em identificar e mensurar os sintomas de cybersickness, de forma padronizada, assim como descobrir os fatores a que estão relacionados, para que melhorias técnicas possam ser feitas nos sistemas de realidade virtual, preservando o bem-estar dos usuários e reduzindo o risco de abandono às exposições em ambientes virtuais. A tradução e a adaptação cultural de instrumentos autoaplicáveis são uma forma de poupar tempo, já que o desenvolvimento de um instrumento é uma tarefa que demanda um longo período de trabalho. Assim, é mais viável usar um instrumento que já foi desenvolvido e sistematicamente utilizado. MÉTODOS É recomendado que o processo de adaptação transcultural seja uma combinação entre um componente de tradução literal de um idioma ao outro e um processo de sintonização que contemple o contexto cultural e o estilo de vida da população-alvo da versão20. O processo de adaptação transcultural aconteceu em quatro etapas. Foi utilizado o processo de equivalência semântica, conforme descrito por Reichenheim e Moraes20, que consiste em uma das principais etapas para avaliação da equivalência transcultural de instrumentos de aferição. As primeiras etapas dizem respeito ao processo de tradução (etapa 1), retrotradução (etapa 2) e avaliação da equivalência semântica da versão brasileira preliminar (etapa 3). A última etapa consistiu em um estudo piloto em que 32 participantes de diferentes níveis acadêmicos foram convidados a preencher o questionário traduzido e adaptado e apontar se houve alguma dificuldade quanto ao preenchimento do questionário ou sugestão para aprimorar a clareza dos itens. Na etapa 1, dois psicólogos e uma tradutora profissional, todos brasileiros bilíngues, realizaram, independentemente, três traduções diferentes do instrumento original em inglês para o português brasileiro. Cada um dos colaboradores possui estudos avançados em língua inglesa. Os tradutores podem ser considerados cegos entre si. Contudo, esses profissionais foram escolhidos por estarem familiarizados com os constructos usados no instrumento. Foi pedido para que prestassem atenção à consistência semântica dos termos e construções utilizados. SSQ: tradução e adaptação transcultural 249 Na segunda etapa, retrotraduções para o inglês foram feitas de uma versão traduzida preliminarmente por três psicólogos brasileiros bilíngues, independentemente e sem conhecimento da escala original. Na etapa 3, a avaliação da equivalência semântica foi feita pelos autores deste estudo, e a versão preliminar brasileira em português foi aperfeiçoada com base nas três traduções e retrotraduções feitas e a comparação em relação ao instrumento original (Tabela 1). Para compor a versão brasileira do questionário, os itens foram incorporados de uma das três versões, podendo ter sido ligeiramente modificados de modo a encontrar a melhor combinação de critérios para equivalência semântica. Após a elaboração da versão brasileira preliminar do SSQ, foi realizada a quarta etapa, que consistiu em um estudo piloto com 32 participantes adultos, que assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, selecionados de uma amostra de conveniência (Tabela 2) com base no nível educacional dos indivíduos, abordados no campus da Praia Vermelha da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Isso ocorreu em virtude da grande diferença cultural observada na população brasileira e a fim de garantir a compreensão do questionário por uma parcela grande da população em geral. Trinta e cinco sujeitos foram abordados. Apenas dois sujeitos se recusaram a participar do estudo alegando motivo de horário. Para excluir a possibilidade de algum diagnóstico psiquiátrico atual ou pregresso, os sujeitos foram entrevistados pelos autores, utilizando a versão brasileira da entrevista diagnóstica estruturada Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI 5.0). Os participantes não tinham histórico de transtorno psiquiátrico. Dos voluntários abordados, apenas um foi excluído por apresentar diagnóstico de depressão maior. Os participantes foram divididos em três categorias de acordo com o nível educacional, tendo em vista o objetivo exposto acima: educação elementar (oito anos de educação ou menos), ensino médio (de oito a onze anos de educação) e ensino superior (nível superior ou acima). Os participantes foram solicitados a preencher o questionário e a reportar se cada item estava claro o suficiente e se havia alguma sugestão para melhorar a compreensão do instrumento. Os participantes comentaram a versão preliminar do questionário apontando as dificuldades para melhor compreensão, ou concordando integralmente com a versão do questionário. Considerando essas sugestões, foi elaborada a versão brasileira final do SSQ. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa. RESULTADOS O instrumento original, as traduções (T1, T2e T3), suas respectivas retrotraduções (B1, B2 e B3) e sua versão final em português encontram-se na tabela 1. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):247-52. 250 artigo original Carvalho MR et al. Tabela 1. Versão original, traduções, retrotraduções e versão final do SSQ Versão original Traduções Retrotraduções Versão brasileira 1. General discomfort T1: Mal-estar generalizado T2: Desconforto geral T3: Mal-estar R1: Generalized discomfort R2: Generalized uneasiness R3: Generalized malaise Mal-estar generalizado 2. Fatigue T1: Fadiga T2: Cansaço T3: Cansaço R1: Fatigue R2: Tiredness R3: Tiredness Cansaço 3. Headache T1: Dor de cabeça T2: Dor de cabeça T3: Dor de cabeça R1: Headache R2: Headache R3: Headache Dor de cabeça 4. Eyestrain T1: Vista cansada T2: Vista cansada T3: Vista cansada R1: Eyestrain R2: Tired sight R3: Tired eyes Vista cansada 5. Difficulty focusing T1: Dificuldade em focalizar T2: Dificuldade em manter o foco T3: Dificuldade de concentração R1: Difficulty in keeping focus R2: Difficulty to maintain focus R3: Difficulty to maintain focus Dificuldade de manter o foco 6. Salivation increase T1: Aumento de salivação T2: Aumento de salivação T3: Aumento de salivação R1: Salivation increase R2: Increased salivation R3: Increase in salivation Aumento de salivação 7. Sweating T1: Sudorese T2: Suor T3: Sudorese R1: Sweating R2: Sudoresis R3: Sweating Sudorese 8. Nausea T1: Náusea T2: Enjoo T3: Enjoo R1: Nausea R2: Nausea R3: Nausea Náusea 9. Difficulty concentrating T1: Dificuldade de concentração T2: Dificuldade de concentração T3: Dificuldade de concentração R1: Concentration difficulty R2: Difficulty concentrating R3: Concentration difficulty Dificuldade de concentração 10. “Fullness of the head” T1: “Cabeça cheia” T2: “Cabeça pesada” T3: “Cabeça pesada” R1: Heavy head R2: Heavy head R3: Heavy head “Cabeça pesada’’ 11. Blurred vision T1: Visão borrada T2: Visão turva T3: Visão embaçada R1: Blurred vision R2: Blurred vision R3: Blurred vision Visão embaçada 12. Dizziness eyes open Dizziness eyes close T1: Tontura com olhos abertos Tontura com olhos fechados T2: Tontura com olhos abertos Tontura com olhos fechados T3: Tontura com os olhos abertos Tontura com os olhos fechados R1: Dizziness with eyes open Dizziness with eyes closed R2: Dizziness with open eyes Dizziness with closed eyes R3: Dizziness with open eyes Dizziness with closed eyes Tontura com olhos abertos Tontura com olhos fechados 13. Vertigo T1: Vertigem T2: Vertigem T3: Vertigem R1: Vertigo R2: Vertigo R3: Vertigo Vertigem 14. Stomach awareness T1: Consciência estomacal T2: Consciência estomacal T3: Desconforto abdominal R1: Abdominal disconfort R2: Abdominal disconfort R3: Abdominal disconfort Desconforto Abdominal 15. Burping T1: Arroto T2: Arroto T3: Soluço R1: Eructation R2: Belching R3: Belching Arroto 16. Other T1: Outro T2: Outro T3: Outro R1: Other R2: Other R3: Other Outro A versão revisada pelos tradutores coincidiu entre si com os itens 3, 4, 6, 7, 9, 12, 13 e 16. Os itens 1, 2, 5, 8, 10, 11 e 14 apresentaram pequenas diferenças, que não alteram o significado global dos termos. O item 15 foi o único que apresentou diferença mais significativa entre os significados das traduções. Nesse item, para a palavra “burping” foram atribuídas duas diferentes traduções: arroto e soluço. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):247-52. Em relação às retrotraduções, coincidiram entre si os itens: 3, 8, 10, 11, 13, 14 e 16. Os itens restantes tiveram retrotraduções similares, sem que as diferenças de termos utilizados interferissem no sentido deles. Comparando as traduções com a versão original, apenas o item 14 obteve versões não congruentes em relação ao significado dos termos. “Stomach awareness” foi traduzido li- artigo original teralmente como “consciência estomacal” e também como “desconforto abdominal”. Já na comparação das retrotraduções com a versão original, observou-se que apenas nos itens 10 e 14 houve divergências, relacionadas à dificuldade de equivalência de sentido das expressões nas duas línguas. No item 10, a expressão “heavy head” extraída das traduções foi proveniente da utilização das palavras em inglês seguindo literalmente o sentido das em língua portuguesa, não correspondendo, assim, integralmente à versão original em inglês. Já no item 14 o inverso ocorreu. As retrotraduções não seguiram necessariamente o sentido literal das palavras usadas na tradução, refletindo uma expressão (“abdominal disconfort”) que parece se aproximar ao sentido do item original. Sobre a versão final, os itens incorporados pertenciam a pelo menos uma das três versões de tradução. No caso das palavras que tivessem o mesmo significado nas traduções para o português, optou-se por preservar ao máximo aquelas que mais se aproximassem da tradução literal das da língua inglesa contidas na versão original. Sendo assim, na versão final do SSQ em português, nos itens 2, 8 e 15, a escolha pela tradução final se deu pela maior aproximação ao sentido literal da frase na tradução do inglês para o português, já que não havia divergência semântica entre as opções para tradução. Nos itens 1, 5, 10 e 11, a escolha final deveu-se ao julgamento de que os termos escolhidos seriam mais inteligíveis e/ou usuais do que as demais alternativas. Já no item 14, a escolha por “desconforto abdominal” em relação a “consciência estomacal” se deve ao fato de que essa segunda alternativa é a tradução literal da expressão original na língua inglesa; seu uso seria pouco coloquial e talvez de difícil compreensão ou identificação pelos sujeitos. No estudo piloto do questionário com os participantes da presente amostra, o propósito era testar a compreensão e verificar a necessidade de eventuais modificações de qualquer termo que poderia dificultar o entendimento, a fim de posteriormente testar a possibilidade de usar o questionário em uma ampla faixa de indivíduos, com diferenças culturais e em diferentes contextos educativos. A amostra usada nesse estudo foi composta por 15 homens e 17 mulheres, com idades variando de 16 até 71 anos. Dados demográficos dessa amostra são apresentados na tabela 2. Os participantes não demonstraram problemas em preencher o questionário. Dúvidas em apenas dois itens da versão final do questionário foram referidas por alguns dos participantes. No item 5, nove participantes de ambos os sexos, com ensino fundamental ou ensino médio concluído, acharam a expressão “dificuldade de manter o foco” vaga, de difícil compreensão, questionando em que manter o foco e sugerindo “dificuldade de manter a concentração” como alternativa. Porém, dificuldade de concentração já é um item (9) do questionário. Optou-se, então, por manter o SSQ: tradução e adaptação transcultural 251 Tabela 2. Características demográficas da amostra do estudo piloto Estudo Feminino Masculino Total Ensino fundamental 6 5 11 Ensino médio 5 6 11 Ensino superior 6 4 10 Total 17 15 32 Média 38,25 38,93 38,57 Desvio-padrão 16,63 18,93 17,43 Idade item inalterado, já que a versão original do questionário no item 5 não contempla o tipo de explicação requerida. Outro item comentado pelos participantes foi o 10. Cinco deles, de ambos os sexos, com ensino fundamental ou ensino médio concluído, tiveram dificuldade em caracterizar o que seria “cabeça pesada”. Também se optou por manter o item inalterado, respeitando a tradução mais próxima ao original. DISCUSSÃO O presente estudo para tradução e adaptação transcultural do SSQ enfatizou a equivalência semântica em vez da equivalência literal dos termos, com o propósito de expressar conceitos usuais na população-alvo de futuros estudos. Um ponto positivo para alcançar os bons resultados foi decorrente da participação de três tradutores e três retrotradutores cegos e independentes. Sendo assim, as versões puderam ser confrontadas e discutidas na elaboração da versão final. Isso permitiu que discrepâncias pudessem ser identificadas e discutidas amplamente e que soluções fossem criadas. Além disso, cinco dos seis colaboradores são psicólogos e têm familiaridade com os construtos do questionário, contribuindo ainda mais para a adequação dos resultados que foram avaliados no processo de equivalência semântica. Os participantes que preencheram os questionários possuem diferentes níveis educacionais, o que proporcionou a possibilidade de discutir a viabilidade da aplicação do instrumento em diferentes níveis educacionais da população brasileira. A maioria dos participantes entendeu os sintomas descritos no questionário. Apenas dois itens geraram dúvidas, foram discutidos e optou-se por mantê-los na versão traduzida preliminar. Como uma limitação do estudo aponta-se o pequeno número de participantes (n = 32) que compuseram a amostra no estudo piloto. Como citado anteriormente, para que melhorias técnicas possam ser implementadas nos sistemas de realidade virtual de modo a preservar o bem-estar dos usuários e reduzir a evasão do tratamento, ressalta-se a importância de identificar e mensurar os sintomas de cybersickness. A partir da tradução e da adaptação para o português brasileiro desse J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):247-52. 252 Carvalho MR et al. instrumento já difundido na língua inglesa, essa identificação e mensuração de sintomas passam a ser possíveis de realização na população brasileira, agregando aos estudos sobre realidade virtual no país. Outros estudos construíram versões finais de escalas para o português brasileiro utilizando processo semelhante ao método de tradução e equivalência semântica adotado neste estudo. De Carvalho et al.21 elaboraram a versão brasileira do Driving Cognitions Questionnaire, tendo esta se mostrado satisfatória em relação ao estudo piloto. Freitas et al.22 elaboraram uma versão brasileira da Escala de Compulsão Alimentar Periódica e consideraram a versão final adequada para uso clínico. Mattos et al.23 constataram um nível satisfatório de equivalência semântica entre a versão em português da escala ASRS-18, para avaliação de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade em adultos, gerada a partir da adaptação transcultural e a original em inglês. Silva e Nardi24 realizaram um estudo de equivalência semântica do Social Interaction Self-Statement Test, obtendo resultados favoráveis à utilização do instrumento na população-alvo. Já Cicconelli et al.25, além da tradução e adaptação transcultural, realizaram a validação do questionário genérico de avaliação da qualidade de vida SF-36, no qual a versão final foi considerada adequada para avaliação de pacientes com artrite reumatoide e outras patologias. CONCLUSÃO Para que um instrumento de pesquisa seja utilizado com segurança, é necessário que apresente validade e, consequentemente, boa confiabilidade, além de boa sensibilidade e especificidade. A adaptação transcultural e a equivalência semântica são apenas o primeiro estágio no processo de validação de um questionário. É necessário que, em estudos futuros, esta versão do SSQ tenha sua estrutura fatorial e consistência interna testadas e sua validade convergente e divergente avaliada. REFERÊNCIAS 1. Choi Y, Vincelli F, Riva G, Wiederhold BK, Lee J, Park K. Effects of group experiential cognitive therapy for the treatment of panic disorder with agoraphobia. Cyberpsychol Behav. 2005;8(4):387-93. 2. De Carvalho MR, Freire RC, Nardi AE. Virtual reality as a mechanism for exposure therapy. World J Biol Psychiatry. 2010;11(2):220-30. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):247-52. artigo original 3. Kennedy RS, Lanham DS, Drexler JM, Massey CJ, Lilienthal MG. 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Driving Cognitions Questionnaire: estudo de equivalência semântica. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 2011;33(1):35-42.. 22. Freitas S, Lopes CS, Coutinho W, Appolinario JC. Tradução e adaptação para o português da Escala de Compulsão Alimentar Periódica. Rev Bras Psiquiatr. 2001;23(4):215-20. 23. Mattos P, Segenreich D, Saboya E, Louzã M, Dias G, Romano M. Adaptação transcultural para o português da escala Adult Self-Report Scale para avaliação do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) em adultos. Rev Psiq Clín. 2006;33(4):188-94. 24. Silva ACO, Nardi AE. Versão brasileira do Social Interaction Self-Statement Test (SISST): tradução e adaptação transcultural. Rev Psiq Clín. 2010;37(5):199-205. 25. Cicconelli RM, Ferraz MB, Santos W, Meinão I, Quaresma MR. Tradução para a língua portuguesa e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida SF-36 (Brasil SF-36). Rev Bras Reumatol. 1999;39(3):143-50. artigo original Validade discriminante do Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey: comparação entre idosos normais e idosos na fase inicial da doença de Alzheimer Discriminant validity of the Rey Auditory Verbal Learning Test: comparison between normal elderly and elderly patients in early stages of Alzheimer’s disease Mariana Fonseca Cotta1, Leandro Fernandes Malloy-Diniz2, Fábio Lopes Rocha3, Maria Aparecida Camargos Bicalho4, Rodrigo Nicolato5, Edgar Nunes de Moraes6, Jonas Jardim de Paula7 RESUMO Palavras-chave RAVLT, memória, envelhecimento, doença de Alzheimer. Objetivo: Este estudo transversal visa avaliar a validade discriminante do Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey (RAVLT), ao comparar uma amostra de idosos normais com uma de pacientes na fase inicial da doença de Alzheimer (DA). Métodos: Pacientes na fase inicial da DA (n = 35) e controles saudáveis (n = 35) pareados de acordo com a idade e a escolaridade foram submetidos ao Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey, ao Miniexame do Estado Mental e à Escala de Depressão Geriátrica. O desempenho dos dois grupos foi comparado por meio do teste de Mann-Whitney em cada etapa do RAVLT e, mediante a análise ROC, foi avaliada a validade discriminante do teste nas duas populações estudadas. Resultados: O grupo na fase inicial da DA teve desempenho significativamente pior em todas as etapas do RAVLT quando comparado ao grupo controle, e as etapas demonstraram bom poder diagnóstico, com áreas sobre a curva ROC oscilando entre 0,806 e 0,989 (A1 = 0,806; A2 = 0,869; A3 = 0,958; A4 = 0,947; A5 = 0,989; A6 = 0,962; A7 = 0,985; TOTAL = 0,975; LOT = 0,895; REC = 0,915). Conclusão: Os resultados sugerem que o Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey é eficaz para discriminar idosos normais de idosos na fase inicial da doença de Alzheimer. ABSTRACT Objective: This transversal study aims to evaluate the discriminant validity of the Rey Auditory Verbal Learning Test (RAVLT) by comparing a sample of normal elderly with a patient at the initial stage of Alzheimer’s disease. Methods: Age and educational attainment matched patients Recebido em 3/6/2011 Aprovado em 10/10/2011 1 Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (IPSEMG), Programa de Pós-Graduação; Universidade Federal de Minas Gerais, Hospital das Clínicas, Centro de Referência do Idoso do Núcleo de Geriatria e Gerontologia (UFMG-HC/NUGG). 2 UFMG, Faculdade de Medicina, Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Medicina Molecular, Laboratório de Investigações Neuropsicológicas (INCT/LIN), Departamento de Saúde Mental. 3 IPSEMG, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde. 4 UFMG, NUGG/HC, Centro de Referência do Idoso, Departamento de Clínica Médica. 5 UFMG, Faculdade de Medicina, Departamento de Saúde Mental. 6 UFMG, NUGG/HC, Centro de Referência do Idoso, Departamento de Clínica Médica. 7 UFMG, NUGG/HC, INCT/LIN, Centro de Referência do Idoso. Endereço para correspondência: Mariana Fonseca Cotta Rua Cyro Vaz de Melo, 508/03, Dona Clara – 31255-840 – Belo Horizonte, MG Telefax: (31) 3309-4222 E-mail: [email protected] 254 artigo original Cotta MF et al. Keywords RAVLT, memory, aging, Alzheimer’s disease. at the initial stages of Alzheimer’s disease (n = 35) and normal elderly (n = 35) were submitted to the Rey Auditory Verbal Learning Test, Mini Mental State Examination and the Geriatric Depression Scale. The performance of the two groups was compared using the Mann-Whitney test at each stage of the RAVLT and by ROC analysis the discriminant validity of the test in both populations was evaluated. Results: The group at the initial stages of Alzheimer’s disease had significantly worse performance in all steps of the RAVLT compared to the control group, and the steps showed good diagnostic power, with areas under the curve ranging between 0.806 and 0.989 (A1 = 0,806; A2 = 0,869; A3 = 0,958; A4 = 0,947; A5 = 0,989; A6 = 0,962; A7 = 0,985; TOTAL = 0,975; LOT = 0,895; REC = 0,915). Conclusion: The results suggest that the Rey Auditory Verbal Learning Test is effective for discriminating normal elderly seniors from the ones in early stages of Alzheimer’s disease. INTRODUÇÃO O declínio cognitivo da memória pode ser considerado um elemento fundamental para o diagnóstico diferencial entre o envelhecimento normal e o patológico. O Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey (RAVLT) tem se mostrado útil na avaliação da memória de idosos1-4, contribuindo particularmente para o diagnóstico diferencial entre o envelhecimento normal e quadros demenciais como a demência do tipo Alzheimer5-7. O teste é utilizado para avaliação da memória e aprendizagem8, sendo considerado um instrumento sensível ao déficit de memória episódica2,5,9. O teste foi desenvolvido por Rey, em 1958, e publicado em seu livro, L’exame clinique en psychologie, em 1964, baseado no Test of Memory for Words desenvolvido pelo psicólogo suíço Edouard Claparéde10. No Brasil, o RAVLT foi traduzido, adaptado e normatizado por Malloy-Diniz et al.8 para aplicação em adolescentes, adultos e idosos. Posteriormente, o mesmo autor realizou um novo estudo com uma amostra de idosos normais, utilizando uma versão na qual as listas de palavras originais foram substituídas por dissílabos concretos de alta frequência no idioma português praticado no Brasil. A análise mostrou a importância do nível de escolaridade nos resultados, que se correlacionou de forma positiva no desempenho do teste, sugerindo um impacto benéfico do nível educacional no efeito da idade sobre a cognição11. Outros estudos brasileiros, com idosos saudáveis, também destacaram contribuições utilizando o teste, como o de Magalhães e Hamdan12, que analisaram a influência de variáveis demográficas, como idade, gênero e educação, sobre o desempenho no RAVLT. Constatou-se que a idade foi o principal fator que influenciou o desempenho no teste. Houve influência, ainda, da escolaridade, o que não ocorreu com gênero. Além disso, houve efeito significativo da idade sobre todas as medidas avaliadas e efeitos significativos também da escolaridade, com exceção do reconhecimento. O estudo de Fichman-Charchat et al.13 constatou que o desempenho dos sujeitos melhorou com o fator educação e diminuiu com o aumento da idade, mas não foram enconJ Bras Psiquiatr. 2011;60(4):253-8. tradas diferenças significativas de gênero. Já Martins e Damasceno4 estudaram a memória prospectiva e retrospectiva em pacientes brasileiros com doença de Alzheimer (DA) leve e foi verificado desempenho pior na recordação tardia do teste. Os idosos com declínio da capacidade cognitiva apresentam maior risco de desenvolver a doença de Alzheimer, principalmente os que já evidenciam prejuízo da memória episódica14. O primeiro sintoma observado é exatamente uma alteração na capacidade de aprender e reter novos conteúdos1. Para Fichman-Charchat et al.14, o pior desempenho da memória episódica anterógrada, em especial em tarefas de aprendizagem associativa e evocação livre após intervalo, predispõe à DA. O estudo estrangeiro de Barzotti et al.15, por meio do RAVLT e testes de rastreio, confirma tais afirmativas. Ele verificou uma possível correlação entre disfunção cognitiva e prejuízo de memória verbal, cuja deficiência aparece precocemente na doença de Alzheimer, concluindo sobre a importância de avaliar a memória verbal de curto e longo prazo na fase inicial. O desempenho inferior de pacientes com DA e o comprometimento cognitivo leve (CCL) no RAVLT também são estudados, pois se observa que aqueles que têm maior risco de desenvolver DA são idosos com CCL, principalmente os que apresentaram prejuízo da memória episódica14,16. O CCL amnéstico é tido como uma transição entre o envelhecimento normal e a DA em estágio inicial. O teste, portanto, pode ser um instrumento neuropsicológico eficaz para também avaliar a memória nessa possível transição9. Balthazar et al.3 constataram um desempenho inferior dos pacientes com CCL em relação aos controles que passaram pelo RAVLT. Pacientes com DA foram ainda piores que aqueles que tinham comprometimento cognitivo leve, e esses tiveram desempenho pior que os controles. Comparando o desempenho de idosos normais e idosos com doença de Alzheimer, a pesquisa de Sánchez e Sayago1 verificou a eficiência do RAVLT na avaliação da memória dos idosos com a demência. Enquanto os controles se sobressaíram no teste, observou-se que os demais pacientes tive- artigo original ram alteração na capacidade de aprender e reter uma nova informação. Concluiu-se que o teste consegue discriminar, com mínima margem de erro, os pacientes com a doença de Alzheimer. Estévez-González et al.5 também confirmaram a aplicabilidade do RAVLT, ao avaliarem a possibilidade de diferenciação da fase pré-clínica da doença de Alzheimer, do comprometimento cognitivo leve e do envelhecimento normal. Além disso, idosos com síndrome depressiva também podem, com frequência, sofrer alterações cognitivas, sendo muitas alterações decorrentes da depressão semelhantes às das demências. Por outro lado, outras se assemelham ao envelhecimento normal17. A diferenciação entre depressão e demência também pode ser auxiliada pelo RAVLT, principalmente em casos de distração entre evocação imediata e tardia. Com dificuldade no teste de memória, os pacientes com DA esquecem o conteúdo das informações após intervalo de tempo18, diferentemente do que ocorre em idosos em depressão que passam pelo teste17. O estudo da avaliação da memória na população idosa, possível em testes como o RAVLT, é uma área de crescente interesse. No entanto, ainda é necessária a normatização brasileira do teste para auxiliar na diferenciação entre sujeitos normais e na fase inicial da DA. Apesar da existência de estudos normativos, ainda não há estudos sobre a validade de critério do RAVLT no Brasil, considerando diagnóstico diferencial entre sujeitos normais e na fase inicial da DA. Assim, este estudo tem como objetivo avaliar a capacidade do RAVLT em discriminar indivíduos normais e indivíduos com quadro inicial de demência do tipo Alzheimer, considerando cada um dos escores obtidos pela aplicação do instrumento nesses grupos distintos. MÉTODOS Participantes O estudo foi desenvolvido com delineamento transversal. Avaliaram-se 70 sujeitos de ambos os sexos com idade entre 60 e 84 anos, divididos em dois grupos: o grupo caso (n = 35) e o grupo controle (n = 35). Os seguintes critérios foram estabelecidos como condições para inclusão dos participantes na amostra: 1) Pontuação acima do ponto de corte no MEEM, proposto por Brucki et al.19, condizente com a escolarização formal do participante, sendo este um critério exclusivo ao grupo controle. 2) Pontuação inferior a seis pontos na GDS-15, proposto por Paradela et al.20. 3) Ter pelo menos quatro anos de escolaridade, na medida em que a versão brasileira do teste tem como grupo normativo indivíduos com esse nível de escolaridade11. Validade discriminante do RAVLT: comparação entre idosos normais e idosos na fase inicial da doença de Alzheimer 255 O grupo caso foi composto por idosos examinados por médicos geriatras do Centro de Referência do Idoso do Hospital das Clínicas da UFMG e que preencheram os critérios diagnósticos para DA provável, com base no DSM-IV21. A escala de Avaliação Clínica das Demências22 foi utilizada como instrumento objetivo para a seleção dos participantes, limitando a seleção de casos para demência em fase inicial (CDR = 1). Esses pacientes foram, então, convidados a participar do presente estudo, preenchendo o termo de consentimento livre e esclarecido, assim como seus cuidadores diretos. Os sujeitos incluídos no grupo controle foram selecionados em grupos de convivência de idosos, com base na entrevista clínica realizada por um dos autores (MFC). Participantes com histórico de transtornos psiquiátricos ou neurológicos foram excluídos da seleção. Para rastreio de declínio cognitivo patológico em ambos os grupos, utilizaram-se os testes Miniexame do Estado Mental (MEEM)19 e para avaliação de sintomas depressivos, a versão brasileira da Escala de Depressão Geriátrica (GDS-15)20-23. Os participantes que atenderam aos critérios de inclusão foram, então, submetidos ao RAVLT e às tarefas, no intervalo de 20 a 25 minutos, que incluíram o teste Torre de Londres e Blocos de Corsi. O presente estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Governador Israel Pinheiro – IPSEMG, estado de Minas Gerais, Brasil (CEP 374/09). Descrição do teste O RAVLT consiste em uma lista de 15 substantivos simples, palavras de alta frequência no português brasileiro (lista A), que são lidas em voz alta para o sujeito, com um intervalo de aproximadamente 1 segundo entre as palavras10, por cinco vezes consecutivas (A1 a A5). Após cada leitura da lista, é requerido ao probando que tente se lembrar do maior número possível de palavras da lista, não importando a ordem (a partir da segunda leitura, devem ser repetidas também as palavras recordadas anteriormente). Depois da quinta tentativa (A5), uma lista de interferência, também composta por 15 substantivos (lista B), é lida para o sujeito, sendo seguida da evocação dela (tentativa B1). Logo após a tentativa B1, pede-se ao probando que recorde as palavras da lista A, sem que ela seja, nesse momento, reapresentada (tentativa A6). Após um intervalo de 20 a 25 minutos, que deve ser preenchido com outras atividades que não envolvam testes verbais ou de memória, pede-se ao sujeito que tente se recordar novamente das palavras da lista A (A7), sem a apresentação do estímulo. Após a etapa A7 é realizada uma tarefa de reconhecimento, em que o sujeito deve identificar as 15 palavras da lista A em meio a 35 distratores (palavras da lista B e outras palavras semântica ou foneticamente associadas às palavras-alvo). J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):253-8. 256 artigo original Cotta MF et al. A pontuação do teste de memória de reconhecimento é calculada somando todos os acertos (quando o sujeito identifica corretamente que a palavra pertence à lista A ou que a palavra não pertence à lista A) – 35 (total de distratores). Esse procedimento permite avaliar não apenas a identificação dos alvos (palavras da lista A), mas também leva em consideração o efeito de falsos-positivos (identificação de distratores) e falsos-negativos (palavras da lista A não identificadas). Porém, para as análises subsequentes, optou-se por transformar todos os valores em números positivos, de modo a facilitar a comparação entre os grupos. Assim, utilizou-se apenas o número total de acertos na tarefa de reconhecimento. Procedimentos Primeiramente, utilizou-se de estatística descritiva para caracterização da amostra. O teste de Kolmorogov-Sminorff foi realizado para verificar o tipo de distribuição amostral dos dados e para a escolha da estatística mais adequada para comparação entre os grupos (paramétrica ou não paramétrica). Considerou-se o valor p < 0,05 para estabelecimento da significância estatística. Em um segundo momento, cada etapa do RAVLT (A1, A2, A3, A4, A5, B1, A6, A7 e Reconhecimento) foi utilizada como critério para a discriminação entre os grupos caso e controle por meio de análise da curva ROC (Curva de Características de Operação do Receptor), avaliando o potencial de cada componente no RAVLT para a diferenciação dos dois grupos. RESULTADOS Os dois grupos foram pareados por idade e escolaridade. Os limites de educação formal dos sujeitos estiveram entre 4 e 16 anos. Para assegurar a equidade dos dois grupos, foram realizados testes t não paramétricos (Mann-Whitney) com as variáveis idade (p = 0,126), escolaridade (p = 0,284) e sintomas depressivos mensurados pela GDS (p = 0,721). Foi utilizado o teste de associação de qui-quadrado para verificar estatisticamente se houve diferença entre os grupos em relação ao sexo. Contudo, o grupo controle contou com mais mulheres do que homens quando comparado ao grupo clínico (χ2 = 11,49 p < 0,001). A análise das variáveis demográficas mostrou que não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos quanto a idade, escolaridade e GDS (valor p > 0,05). As características sociodemográficas e clínicas da amostra estão expostas na tabela 1. A comparação entre os dois grupos nas diferentes etapas do RAVLT revelou melhor desempenho do grupo controle sobre o grupo caso (p < 0,001) em todos os componentes do teste. Os resultados estão expostos na tabela 2. As áreas sobre a curva foram robustas na discriminação entre as duas condições conforme demonstra a tabela 3. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):253-8. A maior parte delas está acima de 0,9, indicando que o RAVLT é um teste bastante sensível e específico na separação dos dois grupos. As curvas das etapas A1 até A5 estão expostas no gráfico 1, enquanto as curvas de B1, A6, A7, Total e Reconhecimento, no gráfico 2. Tabela 1. Características sociodemográficas e clínicas: comparação entre os grupos Características Controle DAa Valor p n (%) n (%) < 0,001b Masculino 4 (11,4) 17 (48,6) Feminino 31 (88,6) 18 (51,4) Sexo Idade Anos Anos 60-80 60-84 Média (DPc) Média (DP) 71,4 (6,0) 71,7 (7,6) Anos Anos Escolaridade MEEM 0,284 4-11 4-16 Média (DP) Média (DP) 6,1 (2,8) 7,1 (3,7) 26,8 (1,9) 20,71 (3,9) < 0,001 2,74 (1,75) 2,91 (2,13) 0,721 d GDS-15e 0,126 a) DA: doença de Alzheimer; b) Valor de p obtido por meio do qui-quadrado de Pearson. Os demais valores de p foram obtidos por meio do teste não paramétrico de Mann-Whitney. Ambos significantes se p ≤ 0,05; c) DP: Desvio-padrão; d) Miniexame do Estado Mental; e) Escala de Depressão Geriátrica. Pontuação inferior a seis pontos. Tabela 2. Comparação entre os grupos nas variáveis do RAVLT* Itens do teste A1 A2 A3 A4 A5 B1 A6 A7 REC Mann-Whitney U 238,0 160,0 51,5 64,5 13,0 249,5 46,0 18,0 107,0 Valor p 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 * Resultado da análise pelo teste Mann-Whitney U. REC: Reconhecimento. Tabela 3. Áreas sobre curvas para tentativas A1, A2, A3, A4, A5, A6, A7 e os itens TOTAL, LOT e REC Variáveis do teste Área A1 0,806 A2 0,869 A3 0,958 A4 0,947 A5 0,989 A6 0,962 A7 0,985 TOTAL 0,975 LOT 0,895 REC 0,915 Total: aprendizagem auditivo-verbal; LOT: aprendizagem auditivo-verbal, considerando o aprendizado total em relação ao aprendizado inicial (A1); REC: reconhecimento. artigo original Validade discriminante do RAVLT: comparação entre idosos normais e idosos na fase inicial da doença de Alzheimer Curva ROC Curva ROC Origem da curva 1,0 0,8 0,6 0,8 0,6 0,4 0,4 0,2 0,2 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0 A6 A7 TOTAL LOT REC Linha de referência 1,0 Sensibilidade Sensibilidade Origem da curva A1 A2 A3 A4 A5 Linha de referência 0,0 0,0 257 0,0 0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 – Especificidade 1 – Especificidade Diagonal segments are produced by ties Diagonal segments are produced by ties 1,0 Gráfico 1. Curva ROC para a tentativa A1, A2, A3, A4, A5. Gráfico 2. Curva ROC para a tentativa A6, A7, TOTAL, LOT, REC. DISCUSSÃO ca na fase inicial da doença, fornecendo dados para caracterização do funcionamento mnêmico dos pacientes com DA que demonstraram alteração na capacidade de aprender e reter uma nova informação. Não apresentaram curva de aprendizagem, sendo observada uma associação entre aprendizagem e consolidação, conforme demonstrado em outros trabalhos1,5,6,24. Nossos resultados são condizentes com estudos anteriores1,5,24 conduzidos em amostras de países diferentes que comprovaram desempenho inferior de pacientes demenciais em relação ao grupo controle ao longo das etapas do RAVLT. Foi confirmado, semelhante ao estudo de Estévez-González et al.5, que o RAVLT contribui para o diagnóstico diferencial da DA na fase inicial e distingue idosos normais, sendo um teste neuropsicológico útil para tal finalidade. Barzotti et al.15 encontraram diferenças significativas entre controles normais e indivíduos com provável quadro de Alzheimer nas medidas do RAVLT, além de uma correlação negativa entre o desempenho no teste e o escore na CDR. No entanto, os autores não excluíram sujeitos com quadro depressivo. Nesse sentido, nosso estudo apresenta a vantagem de comparar sujeitos normais com uma amostra de indivíduos na fase inicial da doença e sem quadro depressivo instaurado, conforme resultados do teste de Mann-Whitney da GDS (valor p = 0, 721). A análise das variáveis demográficas e clínicas mostrou que não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos quanto a idade, escolaridade e escores da GDS (valor p > 0,05). Esses resultados demonstram a qualidade da O objetivo do presente estudo foi avaliar a validade discriminante do Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey, mas ainda não há estudos sobre a validade de critério do teste no Brasil comparando o desempenho de idosos normais e idosos na fase inicial da doença de Alzheimer. O principal resultado encontrado foi de que o RAVLT é um teste capaz de discriminar esses dois grupos, ao comprovar o desempenho inferior de pacientes demenciais em relação ao grupo controle. As medidas do RAVLT estudadas apresentaram diferença estatisticamente significativa comparando os idosos normais com os idosos com diagnóstico presumido da DA (valor p < 0,00). As análises dos itens também apontaram para o poder de discriminação entre sujeitos normais e demenciados, conforme pode ser observado pelas análises da curva ROC. Alguns itens mostraram-se particularmente úteis na distinção entre sujeitos normais e sujeitos demenciados, por exemplo, os itens A6, A7 e a memória de reconhecimento. Tais evidências sugerem que as medidas que dependem da sustentação da informação ao longo do tempo são particularmente importantes na distinção entre sujeitos normais e com doença de Alzheimer, sendo compatíveis com os resultados de outros estudos1,4,18. Além disso, confirmou ser um instrumento sensível ao déficit de memória episódica2,5,9. A aprendizagem de listas de palavras do RAVLT permitiu a avaliação da memória episódi- J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):253-8. 258 Cotta MF et al. metodologia empregada para seleção dos indivíduos, uma vez que tais variáveis, importantes confundidores, não foram estatisticamente diferentes. O estudo apresenta limitações no tamanho da amostra e em relação à diferença da frequência de homens e mulheres na amostra. Cabe salientar, entretanto, que o efeito do gênero no RAVLT é controverso, existindo dados que apontam para um melhor desempenho feminino em alguns itens do teste11,18,25-28 e outros que não encontraram tais diferenças8,12,13,29-31. De forma a avaliar o papel do gênero no desempenho, subdividiu-se cada grupo em homens e mulheres, comparando seus desempenhos por meio do teste Mann-Whitney. Não se encontraram diferenças estatisticamente significativas entre os dois subgrupos (DA: p = 0,053-0,935; Controles: p = 0,235-0,900). Estudos futuros, com amostras maiores, deverão utilizar modelos de regressão linear para avaliar o efeito específico dessa variável na discriminação entre homens e mulheres com doença de Alzheimer. Estudos futuros em amostras maiores e mais heterogêneas poderão fornecer dados adicionais sobre a validade da nova versão do RAVLT e suas propriedades clínicas em grupos brasileiros. CONCLUSÃO Os resultados do presente estudo apontam para as boas características de validade discriminante da versão do RAVLT composta por palavras de alta frequência no idioma português praticado no Brasil. Na medida em que já existem normas brasileiras para aplicação do teste em idosos, os resultados aqui apresentados reforçam as propriedades psicométricas adequadas do instrumento, sugerindo sua aplicabilidade na clínica e pesquisa brasileira com populações semelhantes. REFERÊNCIAS 1. Sánchez JL, Sayago AM. Diagnóstico precoz y evolución de la enfermedad de Alzheimer. Rev Neurol (Barcelona). 2000;30(2):121-7. 2. Ferman TJ, Lucas JA, Ivnik RJ, Smith GE, Willis FB, Petersen RC, et al. Mayo’s Older African American Normative Studies: Auditory Verbal Learning Test norms for African American elders. Clin Neuropsychol. 2005;19(2):214-28 3. Balthazar MLF, Martinelli JE, Cendes F, Damasceno BP. Lexical semantic memory in amnestic mild cognitive impairment and mild Alzheimer’s disease. Arq Neuropsiquiatr. 2007;65(3a):619-22. 4. Martins SP, Damasceno BP. Prospective and retrospective memory in mild Alzheimer’s disease. Arq Neuropsiquiatr. 2008;66(2b):318-22. 5. Estévez-González A, Kulisevsky J, Boltes A, Otermín P, García-Sánchez, C. Rey verbal learning test is a useful tool for differential diagnosis in the preclinical phase of Alzheimer’s disease: comparison with mild cognitive impairment and normal aging. Int J Geriatr Psychiatry. 2003;18(11):1021-8. 6. Schoenberg MR, Dawson KA, Duff K, Patton D, Scott JG, Adams RL. Test performance and classification statistics for the Rey Auditory Verbal Learning Test in selected clinical samples. Arch Clin Neuropsychol. 2006;21(7):693-703. 7. Chang YL, Bondi MW, Fennema-Notestine C, McEvoy LK, Hagler DJ Jr, Jacobson MW, et al. Brain substrates of learning and retention in mild cognitive impairment diagnosis and progression to Alzheimer’s disease. Neuropsychologia. 2010;48(5):1237-47. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):253-8. artigo original 8. Malloy-Diniz LF, Da Cruz MF, Torres V, Cosenza R. O Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey: normas para uma população brasileira. Rev Bras Neurol. 2000;36(3):79-83. 9. Balthazar ML, Yasuda CL, Cendes F, Damasceno BP. Learning, retrieval, and recognition are compromised in aMCI and mild AD: are distinct episodic memory processes mediated by the same anatomical structures? J Int Neuropsychol Soc. 2010;16(1):205-9. 10. Boake C. Édouard Claparède and the Auditory Verbal Learning Test. J Clin Exp Neuropsychol. 2000;22(2):286-92. 11. Malloy-Diniz LF, Lasmar, VAP, Gazinelli LSR, Fuentes D, Salgado JV. The Rey Auditory-Verbal Learning Test: applicability for the Brazilian elderly population Rev Bras Psiquiatr. 2007;29(4):324-9. 12. Magalhães SS, Hamdan MC. The Rey Auditory Verbal Learning Test: normative data for the Brazilian population and analysis of the influence of demographic variables. Psychol Neurosci. 2010;3(1):85-9. 13. 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Arq Neuropsiquiatr. 2009;67(2a):224-8. artigo original Associação entre polimorfismo SLC6A3 3’UTR VNTR e a resposta ao tratamento da dependência de nicotina Association between polymorphism SLC6A3 3’UTR VNTR and response to treatment of nicotine dependence Guilherme Rubino de Azevedo Focchi1, Ismael Dale Cotrim Guerreiro da Silva2, Sandra Scivoletto3 RESUMO Palavras-chave Dependência, nicotina, abstinência, polimorfismo. Objetivo: Avaliar a associação entre a resposta ao tratamento da dependência de nicotina com bupropiona e a presença do polimorfismo SLC6A3 3’UTR VNTR, localizado no gene que codifica o transportador dopaminérgico. Método: Foram acompanhados no Ambulatório de Tabagismo do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP 100 pacientes do sexo masculino com diagnóstico de dependência de nicotina, sem outras patologias. Todos receberam bupropiona até 300 mg ao dia por 12 semanas, associada à terapia cognitivo-comportamental em grupo. A Escala de Fagerström foi aplicada no início e no final do tratamento, e avaliou-se a parada do uso de cigarros na última semana de tratamento e um mês após. Os pacientes tiveram 10 ml de sangue colhidos e genotipados para a existência do polimorfismo SLC6A3 3’UTR VNTR. Resultados: Não foi encontrada associação entre cessação do uso de cigarro e presença do polimorfismo. Conclusão: São necessários mais estudos para avaliar se a presença do polimorfismo SLC6A3 3’UTR VNTR estaria relacionada à melhor resposta ao tratamento da dependência de nicotina. ABSTRACT Keywords Dependence, nicotine, withdrawal, polymorphism. Recebido em 10/6/2011 Aprovado em 27/9/2011 Objective: To evaluate the association between response to treatment of nicotine dependence with bupropion and the presence of the polymorphism SLC6A3 3’UTR VNTR, in the gene that codifies the dopaminergic transporter. Method: A hundred patients were treated in the Nicotine Dependence Outpatient Clinic of the Institute of Psychiatry, University of São Paulo Medical School. All patients were male, diagnosed as nicotine dependents and had no other diseases. All received bupropion until 300 mg a day for 12 weeks, combined with cognitive-behavioral group therapy. The Fagerström Scale was applied at the beginning and at the end of treatment. Cigarette cessation was evaluated in the last week of treatment and one month later. Patients had 10 ml blood extracted and genotiped for SLC6A3 3’UTR VNTR polymorphism. Results: There was no association between cigarettes cessation and the presence of polymorphism. Conclusion: More studies are needed to assess whether the presence of polymorphism SLC6A3 3’UTR VNTR could be associated with a better response to treatment of nicotine dependence. 1 Universidade de São Paulo (USP), Faculdade de Medicina, Instituto de Psiquiatria (IPq), Hospital das Clínicas, Grupo Interdisciplinar de Estudos em Álcool e Drogas (GREA). 2 Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Faculdade de Medicina, Departamento de Ginecologia, Laboratório de Ginecologia Molecular. 3 USP, Faculdade de Medicina, Departamento de Psiquiatria, IPq, Hospital das Clínicas, Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência (SEPIA). Endereço para correspondência: Guilherme Rubino de Azevedo Focchi Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, 785, Cerqueira César – 05403-903 – São Paulo, SP Telefone: (11) 2661-6960 E-mail [email protected] 260 artigo original Focchi GRA et al. INTRODUÇÃO Atualmente, há cerca de 1,3 bilhão de fumantes no mundo, e a metade deles, se continuar fumando, morrerá prematuramente de doenças cardiovasculares, câncer ou doenças respiratórias. A expectativa de vida dos fumantes é em média 25% menor que a dos não fumantes. O cigarro causa cerca de 5 milhões de mortes anualmente no mundo e, se a tendência for mantida, o número de mortes em 2020 aumentará para 10 milhões1-5. No Brasil, 35% dos homens e 27% das mulheres fumam, totalizando cerca de 35 milhões de fumantes, sendo que no país ocorrem cerca de 200 mil mortes ao ano associadas ao uso de cigarros6. Nos Estados Unidos, 60% dos gastos com saúde são empregados no tratamento de patologias relacionadas ao tabagismo, totalizando 1 bilhão de dólares ao dia; no Brasil, os gastos com doenças relacionadas ao tabagismo ultrapassam 330 milhões de reais ao ano4,6. Pode-se afirmar que a dependência de nicotina constitui hoje a principal causa de óbito passível de prevenção nos países ocidentais, sendo um enorme problema de saúde pública. Isso reforça a necessidade de investimento em pesquisas sobre seus determinantes e de novas abordagens terapêuticas7,8. Os tratamentos atualmente usados na dependência de nicotina são: a terapia cognitivo-comportamental, a terapia de reposição de nicotina (TRN) e os tratamentos farmacológicos com bupropiona, nortriptilina e, mais recentemente, com vareniclina9,10. No caso específico da bupropiona, as taxas de cessação do uso de cigarro variam de 25% a 35% por um período de seis meses, altas se comparadas a outras medicações11. Sabe-se que o comportamento de fumar é influenciado pelo genótipo, de forma que há efeito do polimorfismo DRD2 Taq1A na iniciação do tabagismo e da redução da atividade do polimorfismo CYP 2A6 no aumento do consumo de cigarros8,10. Nesse sentido, evidências em modelos humanos e animais sugerem a importância da dopamina como substrato do circuito de recompensa na dependência de nicotina. O foco atual das pesquisas tem se voltado para a influência da variação individual na transmissão dopaminérgica na resposta aos tratamentos farmacológicos para tabagismo12. A bupropiona liga-se ao transportador dopaminérgico; o polimorfismo SLC6A3 3’UTR VNTR aumenta a codificação do transportador e, assim, poderia facilitar a ação desse fármaco. A associação entre a presença desse polimorfismo e o emprego da bupropiona, que funciona como agonista dopaminérgico, aumentaria a disponibilidade de dopamina endógena, e consequentemente o comportamento de procura pela nicotina seria reduzido13, facilitando a cessação do uso do cigarro. A presença do alelo 9 do referido polimorfismo estaria relacionada à maior taxa de cessação de cigarros em comparação ao alelo 10, o que justificaria o seu estudo13. Uma metanálise envolvendo cinco estudos, com um total de 2.155 sujeitos, investigou a presença do polimorfismo J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):259-65. SLC6A3 3’UTR VNTR e sua relação com a parada do uso de cigarros. Verificou-se que em quatro deles houve tendência, porém sem resultado significativo, à associação entre a presença desse polimorfismo e a cessação do uso de cigarros. Os autores enfatizam a importância de mais pesquisas sobre esse polimorfismo no tratamento de fumantes13. No Brasil, não há estudos controlados farmacogenéticos sobre o referido polimorfismo e sua influência no tratamento de dependentes de nicotina com a bupropiona. Considerando que as diferentes etnias refletem diferenças genotípicas, faz-se necessário o estudo de polimorfismos na população brasileira, que é altamente miscigenada. Dessa forma, o objetivo deste estudo é avaliar a relação entre a resposta ao tratamento psiquiátrico da dependência de nicotina e a presença do polimorfismo SLC6A3 3’UTR VNTR em uma amostra clínica brasileira. MÉTODOS Seleção dos sujeitos Os pacientes foram acompanhados em ambulatório específico para o atendimento de dependentes de nicotina no Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (GREA-IPQ-HCFMUSP), no período de agosto de 2008 a novembro de 2009. Foram selecionados 100 sujeitos dependentes de nicotina, mediante divulgação da pesquisa dentro do Complexo HC e da FMUSP. Os critérios de inclusão foram: indivíduos de ascendência europeia, segundo critério do avaliador, para possibilitar a comparação dos resultados com outros estudos10; sexo masculino; idade entre 18 e 50 anos; diagnóstico de dependência de nicotina pelo Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, quarta edição (DSM-IV)7; uso de mais de 10 cigarros por dia há pelo menos um ano; residência fixa na grande São Paulo; primeiro grau completo; telefone para contato e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido14. Os critérios de exclusão foram: presença de patologias clínicas ou psiquiátricas que necessitassem de tratamento em regime de internação; patologias cardíacas, como arritmias e infarto agudo do miocárdio; comorbidades psiquiátricas; uso de medicação psiquiátrica; antecedentes de epilepsia e convulsões14 e hipersensibilidade à bupropiona. A presença de patologias psiquiátricas foi verificada por meio de entrevista psiquiátrica, realizada pelo médico psiquiatra e principal pesquisador do estudo, e que também foi o responsável pela seleção da amostra. De início, foram triados 250 indivíduos; foram excluídos 150 sujeitos, que não obedeceram aos critérios de seleção, pois apresentavam outros diagnósticos (por exemplo: depressão, dependência alcoólica) e pelo uso de outras medi- artigo original cações (por exemplo: antidepressivos). Estes foram encaminhados para outros serviços de tratamento de dependência de nicotina. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa (CAPPesq) da Diretoria Clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (protocolo nº 798/05). Tratamento e seguimento Após avaliação dos critérios de inclusão e exclusão, a proposta e a metodologia do estudo foram explicadas detalhadamente a cada paciente, enfatizando-se a obrigatoriedade da coleta de sangue no início do tratamento e o uso da medicação. Foi utilizado o antidepressivo bupropiona, combinado à terapia de grupo de modelo cognitivo-comportamental, por 12 semanas15,16. As consultas médicas foram realizadas uma vez por semana, com duração de 30 minutos, e os pacientes, no mesmo dia da consulta individual, foram atendidos em grupo de terapia cognitivo-comportamental, pelo mesmo médico. Os grupos de terapia tiveram entre quatro e seis pacientes por grupo. As sessões de grupo tiveram duração de 50 minutos, enfocando a prevenção de recaída no tabagismo, como a identificação dos fatores de recaída e estratégias para lidar com a “fissura” pelo cigarro. Os temas nos grupos não foram definidos previamente, e o terapeuta procurou coordenar as discussões, sempre enfocando a questão da dependência de nicotina e a prevenção de recaídas. Na primeira consulta individual, os pacientes receberam bupropiona na dose de 150 mg (1 cp) ao dia nos primeiros quatro dias, aumentando a dose após esse período para 300 mg ao dia (2 cps, sendo um de manhã e um à tarde). A bupropiona 300 mg ao dia foi mantida até o final do tratamento, sendo então retirada abruptamente17. Os pacientes poderiam interromper a medicação caso apresentassem efeitos colaterais intoleráveis. O controle da medicação e de seu fornecimento aos pacientes foi realizado pelo médico, que dava aos pacientes comprimidos em quantidade suficiente até o retorno seguinte. Os efeitos colaterais pela medicação foram coletados durante as consultas individuais, pelo médico. Não foi empregado questionário para checagem dos efeitos colaterais, para evitar indução de relato pelos pacientes, dando-se, assim, liberdade para que estes observassem espontaneamente as reações adversas, quando ocorressem. Os pacientes que abandonaram o tratamento não foram repostos, sendo também considerados na avaliação dos resultados desta intervenção. A Escala de Fagerström, questionário que avalia a gravidade da dependência de nicotina, foi aplicada na primeira e na última consulta individual18,19. Os dados sociodemográficos e o perfil de consumo de cigarros foram coletados na anamnese, pelo médico. No caso, Polimorfismo e tratamento do tabagismo 261 a anamnese foi realizada mediante entrevista semiestruturada, com as questões focadas no tema tabagismo. Na primeira consulta, foram colhidos 10 ml de sangue de cada paciente (para evitar perdas de material) e, em seguida, armazenados para estudo genético. Estudo genético Após a extração do DNA, foi realizada a amplificação por meio da reação de cadeia de polimerase (PCR). As sequências de “primer” utilizadas para a amplificação do DNA foram 5’ – TGT GGT GTA GGG AAC GGC CTG AG – 3’ e 5’ – CTT CCT GGA GGT CAC GGC TCA AGG – 3’ (alelo 9 do polimorfismo SLC6A3 3’UTR VNTR)20. Seguimento pós-estudo Um mês após o final do tratamento, os pacientes foram avaliados uma única vez por telefone, no sentido de averiguar se estavam ou não abstinentes de nicotina9. Foi perguntado aos que pararam de fumar se mantinham a cessação do uso de cigarro e aos que não pararam se haviam conseguido parar. Em ambos os casos, registrou-se resposta do tipo “sim” ou “não”. O contato foi realizado pelo pesquisador, que lembrou os pacientes a respeito do telefonema na última semana de tratamento. Análise estatística Os dados sociodemográficos (estado civil, trabalho e escolaridade) foram analisados para a amostra completa. As pontua ções na Escala de Fagerström, no início e no final do tratamento, foram comparadas. Ao final do estudo, os pacientes foram divididos em dois grupos: aqueles que cessaram o uso de cigarro e os que não cessaram seu uso. Os dois grupos foram comparados quanto à presença do polimorfismo SLC6A3 3’UTR VNTR, tentativas anteriores de parar de fumar, assiduidade no tratamento e número de cigarros fumados ao dia. Foi realizada análise bivariada (teste do qui-quadrado para variáveis categóricas e prova de Mann-Whitney para variáveis contínuas). Para avaliar a diferença na pontuação da Escala de Fagerström, foi empregado o teste de Wilcoxon. O nível de significância considerado foi de 5%. RESULTADOS Características sociodemográficas e padrão inicial de uso de nicotina Na amostra total, 64% dos pacientes (n = 64) eram casados, 24% (n = 24), solteiros, 11% (n = 11), separados e 1% (1 paciente), viúvo. A maioria dos pacientes (97%, ou 97 pacientes) estava trabalhando; quanto à escolaridade, 67% (n = 67) tinham segundo grau completo, 28% (n = 28) tinham terceiro grau completo e apenas 5% (n = 5) tinham primeiro grau completo. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):259-65. 262 artigo original Focchi GRA et al. A média/desvio-padrão (DP) da pontuação da Escala de Fagerström no início do tratamento foi de 5,96 +/- 2,14. A média/DP do número de cigarros fumados ao dia no início do estudo foi de 31,85 +/- 14,52. Aderência ao tratamento e cessação do uso de cigarro Dos 100 pacientes que iniciaram o estudo, 80% (n = 80) se mantiveram até o final do tratamento. Conseguiu-se um total de 84% amostras de sangue (n = 84). Seis pacientes que colheram a amostra de sangue no início do tratamento abandonaram o estudo. Dos pacientes que permaneceram no estudo, 81% (n = 65) interromperam o uso do cigarro. Considerando apenas os pacientes que completaram o estudo (n = 80), a média/DP da Escala de Fagerström no início do tratamento foi de 5,96 +/- 2,14, e, no final do tratamento, de 0,43 +/- 1,25, encontrando-se redução significativa na gravidade de dependência segundo esse instrumento (p < 0,0001). Análise da associação entre cessação de uso de cigarro versus polimorfismo Para o estudo da associação da cessação do uso e polimorfismo, considerou-se a amostra de 84 pacientes, que foram aqueles que foram genotipados. Observa-se, na tabela 1, que 75% (n = 63) cessaram o uso de cigarro e que 42,9% (n = 36) tinham o polimorfismo, ao passo que 32,1% (n = 27) não tinham o polimorfismo. Quando foi analisada a cessação um mês após o final do tratamento, 41,6% (n = 35) dos pacientes pararam de fumar e apresentavam o polimorfismo, enquanto 28,6% (n = 24) não o apresentavam (Tabela 2). Nessas situações, as diferenças entre a cessação do uso de cigarro e a presença do polimorfismo não foram significativas. Associação entre cessação do uso de cigarros, assiduidade no tratamento e número de cigarros fumados Não foi encontrada associação entre cessar o uso de cigarro ao término do tratamento, tentativas anteriores de parar de fumar e assiduidade no tratamento entre os pacientes que permaneceram no estudo (Tabela 3). Porém, com relação ao número de cigarros consumidos, verificou-se tendência de diferença significativa: a média/DP do número de cigarros consumidos foi menor (30,15 +/- 13,4) entre aqueles que cessaram o uso de cigarro ao término do tratamento (p = 0,06). Quando se considerou o período de um mês após o final do tratamento, quatro sujeitos que antes haviam parado de fumar retomaram o uso de cigarro. Não houve associação entre essas variáveis e a cessação do uso de cigarros (Tabela 4). Tabela 3. Associação entre parada do uso de cigarros ao término do tratamento e número de cigarros fumados, tentativas anteriores de parar de fumar e assiduidade durante o tratamento Cigarros (Média/DP) Tentativas anteriores de parar de fumar Sim Não Sim Não Cessação do uso ao final do estudo (n = 65) 30,15 (13,4) 93,8% (61) 6,2% (4) 35,4% (23) 64,6% (42) Não cessação do uso ao final do estudo (n = 15) 37,67 (15,2) 100,0% (15) 0,0% (0) 13,3% (2) 86,7% (13) P 0,060 0,324 N total Tabela 1. Associação entre cessação do uso de cigarro e presença do polimorfismo SLC6A3 3’UTR VNTR no final do estudo Cessação no final do estudo Sim Não Abandonou Presença de polimorfismo 42,9% (36) 7,1% (6) 4,8% (4) Ausência de polimorfismo 32,1% (27) 10,7% (9) 2,4% (2) N Total p Sim Não Abandonou Presença de polimorfismo 41,6% (35) 8,3% (7) 4,8% (4) Ausência de polimorfismo 28,6% (24) 14,3% (12) 2,4% (2) N total J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):259-65. Tabela 4. Associação entre parada do uso de cigarros um mês após o tratamento e número de cigarros fumados, tentativas anteriores de parar de fumar e assiduidade durante o tratamento Cigarros Média/(DP) 84 Cessação após 1 mês 84 p 0,19 0,097 80 0,44 Tabela 2. Associação entre cessação do uso de cigarro e presença do polimorfismo SLC6A3 3’UTR VNTR um mês após o final do tratamento Assiduidade Tentativas anteriores de parar de fumar Assiduidade Sim Não Sim Não Cessação após 1 mês de tratamento (n = 59) 30,66 (13,6) 93,4% (57) 6,6% (4) 34,4% (21) 65,6% (40) Não cessação após 1 mês de tratamento (n = 21) 34,47 (14,9) 100,0% (19) 0,0% (0) 21,1% (4) 78,9% (15) P N total 0,301 0,252 0,272 80 artigo original Efeitos colaterais O efeito colateral mais importante nos pacientes que permaneceram no estudo foi insônia (25%), seguida de obstipação intestinal (15%) e gosto amargo na boca (13,7%). Um paciente relatou insônia grave e suspendeu a medicação, permanecendo, no entanto, até o final do tratamento. Esse paciente solicitou permanecer na terapia cognitivo-comportamental, foi incluído na análise genética e não apresentou o polimorfismo. Não houve relato de efeitos colaterais mais graves, como convulsões. DISCUSSÃO Foi verificada associação entre número de cigarros consumidos por dia e êxito na cessação do consumo destes: os pacientes que consumiam menos cigarros por dia tenderam a conseguir maior êxito na cessação do consumo. Isso evidencia o número de cigarros fumados ao dia como importante critério de gravidade, usado, inclusive, na Escala de Fagerström19. A intervenção empregada proporcionou a queda da pontuação nessa escala durante o tratamento, com diferença significativa entre o início do estudo e seu término. Isso mostra que o tratamento empregado foi efetivo para reduzir a gravidade da dependência. De fato, no tratamento do tabagismo, a simples redução dos sintomas da dependência já é benéfica para a saúde do indivíduo e pode contribuir para a cessação do tabagismo em tentativas posteriores de parar o cigarro. A parada total do uso de cigarros é o objetivo final do tratamento, e o tratamento precoce é fundamental, antes que o número de cigarros fumados ao dia aumente21. Não foi verificada associação entre presença do alelo 9 do polimorfismo SLC6A3 3’UTR VNTR e a parada do uso de cigarros ao final das 12 semanas de tratamento, o que difere do verificado em outros trabalhos12,13. Um estudo duplo-cego randomizado controlado10, com 291 pacientes de ascendência europeia, que receberam bupropiona ou placebo, combinados à terapia de modelo cognitivo-comportamental por 12 semanas, fez a genotipagem para o receptor dopaminérgico D2 (DRD2-Taq1A), para o transportador de dopamina (SLC6A3 3’UTR VNTR) e para o citocromo CYP2B6. A dosagem de cotinina, marcador bastante confiável na averiguação da abstinência de nicotina, foi realizada durante o tratamento9. Nesse estudo, encontrou-se associação significativa entre o polimorfismo DRD2-Taq1A2A2 e a abstinência de nicotina com a bupropiona, havendo também interação estatisticamente significativa entre os polimorfismos DRD2 Taq1A e CYP2B6, de modo que o encontro desses dois genótipos correspondeu a maiores taxas de abstinência entre os participantes do estudo. Os autores fazem uma crítica ao número pequeno de pacientes, no referente à investigação farmacogenética. Entretanto, deve-se salientar o uso da do- Polimorfismo e tratamento do tabagismo 263 sagem de cotinina e a importância do estudo da interação entre polimorfismos, no referido trabalho. A diferença com o presente estudo pode ser decorrente do tamanho menor da amostra, que teria sido insuficiente para identificar associação. Dessa forma, evidências indicam efeito do polimorfismo do sistema dopaminérgico DRD2Taq1 A2A2 e da interação dos polimorfismos DRD2Taq1A e CYP2B6 no processo de facilitação da abstinência de cigarros22,23. Outro estudo, com 583 pacientes tabagistas, examinou a associação entre o polimorfismo SLC6A3 3’UTR VNTR e o tratamento da dependência de nicotina com terapia de reposição de nicotina ou bupropiona (à escolha do paciente) e terapia cognitivo-comportamental, por 12 semanas. Nesse caso, encontrou-se efeito positivo do polimorfismo na parada precoce de cigarros24. O número de pacientes nesse estudo é maior, porém o fato de os pacientes escolherem o tratamento medicamentoso criaria um viés no sentido de saber qual a medicação realmente efetiva na cessação do cigarro. De fato, a presença do polimorfismo pode não ser o único fator a se relacionar com a resposta ao tratamento. O tamanho do polimorfismo (número de “repeats”) poderia também contribuir para processos dinâmicos que regulariam a densidade do transportador de dopamina, incluindo sua expressão proteica. Nesse caso, não é possível calcular o equilíbrio de Hardy-Weinberg (13,25). A presença do alelo 9 do polimorfismo SLC6A3 3’UTR VNTR poderia reduzir a recaptação de dopamina, facilitando a cessação de cigarros pelo paciente, pois haveria maior disponibilidade desse neurotransmissor no circuito de recompensa cerebral13,24. Além disso, deve-se salientar que outros polimorfismos poderiam atuar em conjunto10,13. O polimorfismo SLC6A3 3’UTR VNTR poderia também interagir com adaptações neuropsicológicas persistentes resultantes do tratamento, podendo auxiliar na manutenção da abstinência10. Não houve problemas de tolerância à medicação, sendo a frequência de efeitos colaterais similar à encontrada em outros trabalhos, ressaltando-se a segurança da bupropiona no tratamento da dependência de nicotina11,15. O presente estudo apresenta algumas limitações. A amostra estudada foi limitada em 100 pacientes, um número considerado pequeno para estudos genéticos10. Porém, é importante lembrar que esse estudo era também de resposta ao emprego de medicação no tratamento de dependência, ou seja, um estudo clínico que apresenta dificuldades para ser realizado com amostras maiores, tais como a seleção da amostra segundo os critérios bastante específicos de inclusão e exclusão. Nesse sentido, outra limitação é o critério de seleção de indivíduos de ascendência europeia a critério do examinador, a saber, pela cor da pele (branca). A ascendência não está apenas relacionada à cor de pele, sendo influenciada pelo genótipo individual, não avaliado neste trabalho. Além disso, é questionável a seleção de indivíduos de ascendência europeia na população brasileira, que J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):259-65. 264 artigo original Focchi GRA et al. tem alto grau de miscigenação. Outro aspecto importante a ser considerado foi a não utilização de instrumentos de avaliação para a triagem de pacientes no sentido de excluir comorbidades psiquiátricas. Optou-se pela entrevista clínica como instrumento de triagem, porque muitos indivíduos poderiam apresentar sintomas ansiosos ou depressivos, não configurando, porém, diagnóstico psiquiátrico. Entretanto, estudos futuros poderão empregar instrumentos para avaliar a intensidade de sintomas e correlacioná-los com a resposta ao tratamento. Da mesma forma, a avaliação do grau de motivação dos pacientes para o tratamento poderia ser realizada, no sentido de homogeneizar os grupos de tratamento e reduzir, assim, a possibilidade de abandonos. Outro aspecto que merece discussão é o uso de dispositivos de nicotina, como goma e adesivo, que poderiam ser usados como forma de tornar a terapêutica mais abrangente. Porém, o seu uso neste trabalho criaria um viés, na medida em que não se saberia até que ponto a parada do uso de cigarros poderia ser atribuída ao efeito específico da bupropiona. Também, não foram analisados outros polimorfismos que poderiam interagir mutuamente e que poderiam estar associados de forma significativa à parada do uso de cigarros10. O citocromo CYP2B6, por exemplo, metaboliza a nicotina, reduzindo seu nível sérico e reforçando, assim, a procura por cigarros26. Por fim, outro aspecto a ser considerado é o tempo de seguimento dos pacientes. Neste trabalho, o tempo de seguimento foi relativamente curto (12 semanas, mais um telefonema um mês após o término do tratamento), e a maioria dos trabalhos publicados sobre o tema faz o follow-up de 12 meses, haja vista o alto grau de recaídas a médio e longo prazo14,22. Entretanto, um tempo de seguimento mais longo aumentaria a possibilidade de outros fatores (por exemplo: sociais) interferirem no estudo, criando um viés e dificultando encontrar a associação entre o polimorfismo e a cessação do tabagismo. Apesar das limitações discutidas acima, este trabalho é o primeiro sobre psicofarmacogenética no tratamento psiquiátrico do tabagismo no Brasil, país com alto grau de miscigenação de sua população. Este estudo cria possibilidades futuras de desenvolvimento de outros trabalhos abordando a psicofarmacogenética do tabagismo e que contem com o emprego de metodologias mais refinadas e maior número de pacientes, tendo como objetivo a seleção de amostras de indivíduos que responderiam mais efetivamente a tratamentos propostos, com um mínimo de efeitos colaterais. macogenético, individualizado, com a seleção de pacientes baseada em seu perfil gênico, levaria à maior efetividade do tratamento proposto, com um mínimo de efeitos colaterais. No caso da dependência de nicotina, deve-se salientar a necessidade de terapias combinadas – medicamentosa e cognitivo-comportamental –, pois é necessária a mudança do estilo de vida por parte do paciente para que este se mantenha abstinente de cigarros10,24. Este trabalho aponta para a necessidade de mais estudos, que contem com melhorias metodológicas, para avaliar se a presença do polimorfismo SLC6A3 3’UTR VNTR poderia melhorar a resposta ao tratamento da dependência de nicotina, sendo importante como modelo para outros estudos futuros. AGRADECIMENTOS À Maria Rita Passos Bueno, do Instituto de Genômica da Universidade de São Paulo (USP), e à Cristiane Alves Oliveira, do Laboratório de Ginecologia Molecular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O presente trabalho recebeu apoio financeiro (auxílio-pesquisa) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) (projeto 07-54410-4). REFERÊNCIAS 1. Centers for Disease Control and Prevention. 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J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):259-65. 14. David S, Niaura B, Papandonatos G, Shadel W, Burkholder G, Britt D, et al. Does the DRD2 Taq 1 a polimorphism influence treatment response to bupropion hydrocloride for reduction of the nicotine withdrawal syndrome? Nicotine Tob Res. 2003;5:935-42. artigo original Polimorfismo e tratamento do tabagismo 265 15. Holm JH, Spencer CM. Bupropion: a review of its use in the management of smoking cessation. Drugs. 2000;59:135-50. 21. Scivoletto S. Tabagismo em adolescentes. In: Focchi GRA, Malbergier A, Ferreira MP, editores. Tabagismo: dos fundamentos ao tratamento. São Paulo: Lemos; 2006. p. 143-55. 16. Sims TH, Fiore MC. Pharmacotherapy for treating tobacco dependence. What is the ideal duration of therapy? CNS Drugs. 2002;16:653-62. 22. Munafò MR, Clark TG, Johnstone E, Murphy MFG, Walton RT. The genetic basis for smoking behavior: a systematic review and meta-analysis. Nicotine Tob Res. 2004;6(4):583-98. 17. 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Objetivo: O objetivo deste estudo é investigar o perfil neuropsicológico de uma amostra de pacientes brasileiros com esclerose múltipla surto-remissão (EMSR), descrevendo as funções cognitivas mais comprometidas. Métodos: Cinquenta e quatro pacientes com EMSR e 54 controles pareados por sexo, idade e nível educacional foram avaliados por meio de uma longa e abrangente bateria neuropsicológica. Resultados: Observou-se que 59,2% dos pacientes com EMSR apresentaram algum tipo de comprometimento cognitivo em comparação com o grupo controle. Os testes neuropsicológicos identificaram disfunções executivas, da memória de longo prazo e da velocidade de processamento de informação. Conclusão: Os resultados encontram-se em conformidade com estudos anteriores relatados na literatura internacional. Contudo, mais estudos ainda são necessários para uma estimativa maior do perfil das alterações cognitivas da esclerose múltipla no Brasil. ABSTRACT Keywords Multiple sclerosis, cognition, neuropsychological tests. Recebido em 8/6/2011 Aprovado em 20/9/2011 Objective: The goal of this study is to investigate neuropsychological profile of a sample of Brazilian patients with relapsing-remitting multiple sclerosis (RRMS) and to describe the cognitive functions more frequently affected. Methods: Fifty-four patients with RRMS and 54 controls matched by sex, age and education were assessed through a long and comprehensive neuropsychological battery. Results: We found that 59.2% of patients with RRMS had some sort of cognitive impairment as compared to the control group. Neuropsychological testing identified executive functions, long-term memory and speed of information processing as the cognitive functions most frequently impaired among patients. Conclusion: The results are in line with previous studies reported. However, as there are few studies of cognitive impairment in patients with multiple sclerosis in Brazilian literature, more studies are still necessary for a larger evaluation of the cognitive profile of multiple sclerosis in Brazil. 1 Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Departamento de Psicologia, PUC-RJ. 2 PUC-RJ, Departamento de Psicologia; Universidade Estácio de Sá (Unesa), Departamento de Psicologia. 3 Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). 4 UFRJ, Instituto de Psiquiatria. Endereço para correspondência: Marco Aurélio Negreiros Rua Rita Ludolf, 17/202, Leblon – 22440-060 – Rio de Janeiro, RJ E-mail: [email protected] artigo original Frequência da alterações cognitivas na esclerose múltipla no Brasil INTRODUÇÃO MÉTODOS A esclerose múltipla (EM) é uma doença inflamatória e desmielinizante do sistema nervoso central (SNC), de curso crônico e progressivo, com sintomas de comprometimento disseminado do SNC nas áreas motoras, sensitivas, cerebelares, do tronco cerebral, esfincterianas e mentais1,2. Há quatro subtipos clínicos de esclerose múltipla: surto-remissão (EMSR), progressiva primária (PP), progressiva secundária (PS) e progressiva recorrente (PR). Cada um deles possui diferentes perfis clínicos3 e fisiopatológicos4. O comprometimento cognitivo em cada diferente subtipo parece ser também diferenciado5-7. A disfunção cognitiva na esclerose múltipla caracteriza-se por déficits de memória, atenção, velocidade de processamento de informação e funções executivas8-10. O comprometimento cognitivo dos pacientes com EM é considerado moderado quando comparado ao dos indivíduos normais9. A prevalência geral de comprometimento cognitivo é de 45% a 65%8,10,11. A avaliação neurológica clínica, assim como outras medidas comuns como a Expanded Disability Status Examination Scale (EDSS)2 ou o Mini-Mental Status Examination (MMSE)12, é geralmente incapaz de detectar as alterações cognitivas de pacientes com EM8,13. Testes neuropsicológicos são os melhores instrumentos para a avaliação da cognição em EM e baterias de testes foram desenvolvidas para esse propósito8,14-16. Diferenças transculturais são consideradas uma importante questão em qualquer pesquisa referente à avaliação da cognição17. Há poucos dados disponíveis sobre comprometimento cognitivo na população brasileira de pacientes com EM. Um estudo18 foi conduzido com 25 pacientes brasileiros com esclerose múltipla surto-remissão (EMSR), no qual foi constatado que a inteligência geral dos pacientes estava preservada, mas houve um pior desempenho na memória de longo prazo verbal e visual e em tarefas que requisitavam tempo de execução. Paes et al.19 investigaram o comprometimento cognitivo em 26 pacientes com EM tipo progressiva primária e encontraram uma frequência de 50% de comprometimento geral, sendo 60% de alteração de memória recente, 40% de alteração de fluência verbal e 40% de alteração de velocidade de processamento de informação comparativamente ao grupo controle. Em um trabalho prévio20, desenvolveu-se uma bateria neuropsicológica breve para identificar as alterações cognitivas em pacientes brasileiros com EMSR composta de três testes cognitivos (Fluência Verbal, Rey Auditorial Verbal Learning Test e Enhanced Cued Recall) com 80,6% de sensibilidade e 97,2% de especificidade, encontrando um perfil de alterações cognitivas nesta pesquisa cujo método e resultados serão discutidos a seguir. No presente artigo, o perfil cognitivo de uma amostra de pacientes brasileiros com EMSR foi investigado por meio de uma abrangente bateria neuropsicológica. Sujeitos 267 Foram selecionados 54 pacientes de um total de 74 consecutivamente admitidos no Setor de Doenças Desmielinizantes do Hospital da Lagoa no Rio de Janeiro. Todos foram diagnosticados com EMSR, clinicamente definida, de acordo com os critérios de Poser et al.21 e possuíam níveis leve a moderado de incapacidade – 1 a 6,5 – na Expanded Disability Status Scale (EDSS)2. Quatro critérios de exclusão foram empregados com a finalidade de prevenir possíveis interferências no desempenho nos testes neuropsicológicos: 1) presença de déficit motor ou visual que comprometesse a resposta adequada aos testes cognitivos; 2) estado de surto ou piora dos sintomas; 3) uso de substâncias psicoativas, além dos antidepressivos prescritos; e 4) coexistência de condições clínicas que interferissem na cognição. Todos os pacientes passaram por uma entrevista-padrão, análise da ficha médica, exames neurológicos, imagem de ressonância magnética (RM) e exame de líquido cefalorraquidiano, com a finalidade de preencher os critérios mencionados. Seis não preencheram os critérios diagnósticos, cinco tinham EDSS mais alto do que 6,5, três estavam usando substâncias psicoativas, um apresentou surto agudo e cinco não completaram o processo de avaliação. Cinquenta e quatro adultos saudáveis, pareados de acordo com sexo, idade e escolaridade, formaram o grupo controle. A mesma entrevista aplicada aos pacientes foi conduzida com a finalidade de eliminar participantes que preenchessem algum dos critérios de exclusão. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, concordando em participar voluntariamente da pesquisa. Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Hospital da Lagoa em conformidade com os princípios da Declaração de Helsinki. Testes neuropsicológicos Rastreamento de demência: Foi aplicado o teste Memória-Informação-Concentração (MIC), que é útil para esse propósito na EM por não conter tarefas visuais e motoras22. Atenção e velocidade de processamento de informação: Avaliadas pelo Digit Symbol versão oral adaptada por nós para EM23. Memória de curto-prazo: Avaliada pelo Digit Span Forward e Backward, respectivamente (Bateria WAIS III)24. Memória de longo prazo: Rey Auditory Verbal Learning Test (RAVLT)25 foi empregado para medir a memória de longo prazo verbal. Uma fase de recordação livre tardia e outra relacionada ao reconhecimento foram incluídas para que esses dois processos de memória pudessem ser avaliados. Buschke Enhanced Cued Recall Test (BECR)26. Avalia simultaneamente memória verbal e não verbal e a memória de longo prazo com a ajuda de pistas semânticas durante o período de evocação. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):266-70. 268 artigo original Negreiros MA et al. Fluência verbal: Foi testada pelo Controlled Verbal Oral Association Test (COWAT), que mede também a função executiva nos subtestes de produção de palavras fonéticas (F-A-S) e semânticas (animais e frutas)27. Pensamento abstrato: Avaliado por meio da aplicação das séries A e C do teste Raven Progressive Matrices28. Análise dos dados As médias dos resultados e seus respectivos desvios-padrão foram apresentados. Um teste T bicaudado foi empregado para detectar diferenças significativas nas médias entre EMSR e grupo controle entre os 26 índices de variáveis cognitivas. O teste do c2 foi usado para identificar a porcentagem de diferença entre os dois grupos. Uma análise de correlação de Pearson foi usada para acessar a relação entre déficit cognitivo entre os pacientes com EM e a severidade da doença de acordo com o EDSS. Um valor p de 0,05 foi considerado estatisticamente significativo. Disfunção cognitiva foi definida de acordo com o procedimento empregado por Rao et al.8, o qual controla as eventuais diferenças individuais nas habilidades cognitivas pré-mórbidas. A regressão múltipla foi realizada com o escore bruto de cada um dos 26 índices cognitivos como a variá vel dependente e as variáveis demográficas (sexo, idade e nível educacional) como as variáveis independentes. Como sexo não é uma variável contínua, foi retornado como uma variável falsa. Um padrão residual foi obtido subtraindo da pontuação regressa e da atual para cada um dos 26 índices de variáveis cognitivas. Falha em cada uma dessas variáveis foi definida como o quinto percentil ou abaixo do escore padronizado residual entre o grupo controle pareado. Déficit cognitivo entre os pacientes com EMSR foi definido como o quinto percentil do número total de falhas nos índices cognitivos dos sujeitos controles. A taxa de frequência de disfunção cognitiva nessa amostra de pacientes EMSR foi calculada como a diferença entre os percentuais de pacientes com EMSR que apresentaram déficit cognitivo a partir de uma taxa de falsos-positivos, definido como a porcentagem de indivíduos controles pareada, erroneamente classificada como cognitivamente alterada. Frequência das alterações cognitivas Empregando um corte de quatro ou mais índices cognitivos fracassados, uma incidência de 59,2% de pacientes com EMSR e 7,4% de sujeitos controles foi encontrada com comprometimento cognitivo. Por isso, uma taxa de frequência de comprometimento cognitivo nesta amostra foi estimada em 51,8%. Curiosamente, nenhuma correlação entre o déficit cognitivo dos pacientes EMSR e a gravidade da doença (EDSS) foi encontrada (r = 0,03, p > 0,8). Funções cognitivas e testes alterados Os resultados indicaram que os pacientes com EMSR apresentam consistentemente piores desempenhos que os sujeitos controles (todos ps < 0,05) em todos os 26 índices dos testes neuropsicológicos. A tabela 1 apresenta as médias e os desvios-padrão dos 26 índices de variáveis cognitivas. Fluência verbal fonêmica e semântica foram as variáveis que apresentaram o maior comprometimento. Aproximadamente 40% dos pacientes com EMSR apresentaram um déficit na geração de palavras que começam com a letra S (fonêmica) ou nomes de frutas (semântica). A memória de longo prazo, medida pelo RAVLT, também demonstrou um alto índice de comprometimento. Como pode ser observado na tabela 1, 35,2% dos pacientes apresentaram um fracasso na segunda evocação do RAVLT e no teste de reconhecimento, enquanto 33,3% dos pacientes fracassaram na primeira evocação do RAVLT. Uma considerável sobreposição entre a primeira e a segunda evocação no RAVLT no desempenho entre os pacientes EMRR foi detectada. Somente 17% dos pacientes que fracassaram no desempenho da primeira evocação foram bem na segunda evocação. A avaliação da memória de longo prazo que inclui o BECR também demonstrou considerável déficit cognitivo entre os pacientes com EMSR. Aproximadamente 30% dos pacientes apresentaram um fracasso na primeira tentativa de evocação livre do BECR (BECR-Free 1) e durante toda a evocação (48 pontos) do BECR (BECR-Recall). Esses dois índices não foram redundantes, pois aproximadamente 58% dos pacientes com EMSR que apresentaram um déficit na primeira tentativa de evocação livre tiveram um bom desempenho durante a evocação do BECR. DISCUSSÃO RESULTADOS Dados sociodemográficos Não houve diferenças entre idade, escolaridade e sexo entre os dois grupos (todos ps > 0,1). Nossos resultados indicam que a incidência de EMSR nesta amostra foi maior em mulheres (61,1%) do que em homens (38,9%; c² = 7,1, p < 0,05). Pacientes com EMSR apresentaram um maior número de índices fracassados em comparação com os sujeitos controles pareados (t 104 = 6,67; p < 0,001). J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):266-70. Os resultados obtidos indicaram que 59,2% dos pacientes com EMSR apresentaram algum tipo de comprometimento cognitivo. Esse resultado encontra-se em conformidade com estudos anteriores relatados na literatura, os quais indicavam que aproximadamente 45%-65% dos pacientes com esclerose múltipla possuem déficits cognitivos detectados por meio de testes neuropsicológicos8,10,11. Os déficits no pensamento abstrato e na fluência verbal, respectivamente detectados em 27,8% e 40,7% dos pacientes, estão relacionados ao comprometimento no funciona- artigo original Frequência da alterações cognitivas na esclerose múltipla no Brasil 269 Tabela 1. Resultados de testes neuropsicológicos* Teste cognitivo Screening de demência MIC Atenção e concentração Digit Symbol Memória de EMRS Controle P % EMRS <5%ile Ordem 2.44 (0.40) 1.23 (0.26) < 0.014 9.3% 21° 44.37 (1.04) 52.81 (1.23) < 0.001 22.2% 12° curto prazo Digit Span Forwards 5.92 (0.15) 6.57 (0.18) < 0.008 11.1% 20° Backwards 3.87 (0.15) 4.48 (0.21) < 0.018 7.4% 22° Longo prazo RAVL RAVL 1 5.10 (020) 6.24 (0.23) < 0.001 27.8% 8° RAVL 2 7.72 (0.33) 8.67 (0.34) < 0.05 3.7% 23° RAVL 3 9,07 (0,35) 10.48 (0.34) < 0.005 22.2% 12° RAVL 4 10.10 (0.37) 11.46 (0.31) < 0.007 18.5% 18° RAVL 5 10.64 (0.34) 12.39 (0.30) < 0.001 22.2% 12° RAVL-Recall 1 7.56 (0.45) 10.39 (034) < 0.001 33.3% 5° RAVL-Recall 2 8,02 (0.44) 10.50 (0.38) < 0.001 35.2% 3° RAVL-Recog 27.29 (0.30) 28.63 (0.21) < 0.001 35.2% 3° Free 1 10.22 (0.30) 12.34 (0.26) < 0.001 29.6% 6° Free 2 11.63 (2.12) 13.18 (0.26) < 0.001 0.0% 24° Free 3 12.11 (0.30) 14.16 (0.21) < 0.001 20.4% 17° Cued 1 5.44 (0.25) 3.66 (0.26) < 0.001 0.0% 24° Cued 2 4.15 (0.26) 2.78 (0.26) < 0.001 27.8% 8° Cued 3 3,72 (0.27) 1.74 (0.21) < 0.001 0.0% 24° BECR-Recall 47.27 (0.21) 47.94 (0.04) < 0.002 29.6% 6° Buschke BECR-Recog 47.61 (0.12) 47.96 (0.03) < 0.002 22.2% 12° Fluência verbal COWAT Fonética Letra “F” 11.88 (0.58) 15.88 (0.67) < 0.001 22.2% 12° Letra “A” 10.83 (0.48) 14.14 (0.63) < 0.001 25.9% 11° Letra “S” 10.02 (0.55) 14.48 (0.65) <0.001 40.7% Animais 16.35 (0.56) 19.61 (0.73) < 0.001 18.5% 18° Frutas 14.11 (0.45) 17.53 (0.56) < 0.001 40.7% 1º 16.89 (0.55) 18.70 (0.58) < 0.02 27.8% 8 Semântica 1° Pensamento abstrato RAVEN * Resultados dos testes neuropsicológicos nos pacientes com esclerose múltipla surto-remissão (EMSR) e no grupo controle com a percentagem de pacientes com resultados abaixo de 5% percentil e a ordem de maior comprometimento. A descrição dos testes se encontra no texto. mento executivo10. A fluência verbal mostrou-se um teste altamente sensível para comprovar o comprometimento cognitivo na EM. Os presentes resultados, obtidos por meio dos testes RAVEN e COWAT, são de fato uma importante característica entre os pacientes com EMSR e estão de acordo com o perfil cognitivo já relatado na literatura, os quais relatam a cognição na esclerose múltipla como sendo uma desordem tipo subcortical executiva frontal8,14. Os resultados também indicaram que memória de longo prazo encontra-se significantemente comprometida em todos os estágios (aprendizagem, evocação e reconhecimento) nos testes RAVLT e BECR. A extensão do comprometimento da J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):266-70. 270 Negreiros MA et al. memória de longo prazo foi entre 18,5%-29,6% nos pacientes. Déficits de evocação em todas essas medidas estavam razoavelmente altas, na extensão de 30%-35%. Interessantemente, pacientes com EMSR apresentaram 22% e 35% de déficit no reconhecimento nos testes RAVLT e BECR, respectivamente. Esses resultados não estão em acordo com a visão clássica que assume que memória de reconhecimento está preservada em pacientes com esclerose múltipla8,14. Uma maior investigação será necessária para confirmar esse achado. O teste que avaliou a velocidade de processamento de informações, o Digit Symbol, mostrou que 22,2% dos pacientes apresentaram comprometimento. Esse tipo de teste foi apontado na literatura como sendo um dos mais sensíveis para detectar disfunção cognitiva em esclerose múltipla e a principal função cognitiva afetada nos pacientes29. No nosso caso, embora a frequência de alteração de velocidade de processamento de informação tenha sido alta (22,2%), foi inferior ao índice de alteração de memória encontrado. O teste de rastreamento de demência (MIC) mostrou comprometimento em 9,3% dos pacientes com EMSR, e os resultados do Digit Span indicaram que 11,1% desses pacientes apresentaram comprometimento no span atencional. Esses resultados são um tanto incoerentes com os relatos da literatura, os quais indicavam que pacientes com esclerose múltipla tinham span atencional preservado e menor pontuação de demência10,14. É possível que se tenha que rever os critérios de pontuação em testes de rastreamento para demência na população brasileira, como já tem sido feito30, visto que variáveis educacionais e culturais influenciam esses critérios. artigo original 4. Kutzelnigg A, Lucchinetti CF, Stadelmann C, Brück W, Rauschka H, Bergmann M, et al. Cortical demyelination and diffuse white matter injury in MS. Brain. 2005;128:2705-12. 5. Gaudino EA, Chiaravalloti ND, Deluca J, Diamond BJ. 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As divergências encontradas se referem ao comprometimento da memória de reconhecimento, ao span atencional e ao rastreamento de demência, tendo sido encontradas alterações não comumente observadas na literatura internacional. Existem poucos estudos de levantamento das alterações cognitivas na esclerose múltipla na literatura brasileira. Portanto, serão necessários mais estudos para que se conheça o perfil das alterações cognitivas da esclerose múltipla no Brasil. 20. Negreiros MA, Mattos P, Landeira-Fernandez J, Paes RA, Alvarenga RP. A brief neuropsychological screening test battery for cognitive dysfunction in Brazilian multiple sclerosis patients. Brain Inj. 2008;22(5):419-26. 21. Poser CM, Paty SW, Scheinberg L, McDonald WI, Davis FA, Ebers GC, et al. New diagnostic criteria for multiple sclerosis: guidelines for research protocols. Ann Neurol. 1983;13:227-31. 22. Blessed G, Tomlinson BE, Roth M. 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Métodos: Foram incluídos neste estudo 94 pacientes bipolares tipo I. O diagnóstico psiquiátrico foi determinado utilizando-se a avaliação Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI-Plus). O diagnóstico de comorbidades clínicas foi baseado na história clínica e no acompanhamento de clínicos gerais. Resultados: As comorbidades mais prevalentes nos pacientes bipolares foram: transtorno de ansiedade generalizada (19,20%), dependência de substâncias (43,60%), hipertensão arterial (29,80%), diabetes mellitus (17,00%), dislipidemia (22,30%) e hipotireoidismo (19,10%). Não foram encontradas diferenças estatísticas em relação às características demográficas ou à prevalência de comorbidades nos grupos com e sem tentativa de suicídio. Conclusão: Pacientes bipolares atendidos em serviço psiquiátrico apresentam elevada prevalência de comorbidades psiquiátricas e clínicas. Nessa população, tentativas de suicídio não se associam com a presença de comorbidades ou características demográficas. ABSTRACT Background: Bipolar disorder type I is frequently associated with psychiatric and medical comorbidities, but data regarding Brazilian patients are lacking. Objectives: The aim of the present study was to evaluate the prevalence of psychiatric and medical comorbidities in a Brazilian sample of bipolar disorder patients type I. A secondary aim was to investigate the association of demographic characteristics and comorbidities with suicide attempts. Methods: Ninety four bipolar disorder type I patients were included in this study. Psychiatric diagnoses were performed following the Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI-Plus) evaluation. The diagnosis of medical comorbidities was based on clinical history and general practice consultation. Results: The com- Recebido em 18/8/2011 Aprovado em 16/11/2011 1 Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Programa de Pós-Graduação em Neurociências, Belo Horizonte; Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (IPSEMG), Hospital Governador Israel Pinheiro, Ambulatório de Transtorno Bipolar, Belo Horizonte; Estresse, Psiquiatria e Imunologia, Divisão de Medicina Psicológica, Instituto de Psiquiatria, King’s College London, London, UK. 2 UFMG, Programa de Pós-Graduação em Neurociências; IPSEMG, Ambulatório de Transtorno Bipolar, Hospital; Governador Israel Pinheiro, Belo Horizonte. 3 Estresse, Psiquiatria e Imunologia, Divisão de Medicina Psicológica, Instituto de Psiquiatria, King’s College London, London, UK. 4 IPSEMG, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Belo Horizonte. Endereço para correspondência: Antônio Lúcio Teixeira – Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina, UFMG Av. Alfredo Balena, 190, Santa Efigênia – 30130-100 – Belo Horizonte, MG E-mail: [email protected] 272 artigo original Barbosa IG et al. Keywords Bipolar disorder, comorbidities, mania, suicide. monest comorbidities in bipolar disorder patients were generalized anxiety disorder (19.20%), substance dependence (43.60%), arterial hypertension (29.80%), diabetes mellitus (17.00%), dyslipidemia (22.30%) and hypothyroidism (19.10%). There were no differences in demographic characteristics or the prevalence of comorbidities when comparing patients with and without previous suicide attempt. Conclusion: Bipolar disorder patients from a psychiatric unit present higher prevalence of psychiatric and clinical comorbidities. Previous suicide attempts were not associated with comorbidities or demographic characteristics. INTRODUÇÃO MÉTODOS O transtorno bipolar do tipo I se caracteriza por episódios recorrentes de mania e depressão e ocorre em 0,6% da população mundial1. Apesar dos avanços relacionados à terapêutica, os pacientes com transtorno bipolar, mesmo em períodos de eutimia, apresentam sintomas de humor residuais, assim como déficits cognitivos2. Estima-se que 15% a 20% das mortes em pacientes com transtorno bipolar possam ser atribuídas a suicídio3. Fatores sociodemográficos parecem ter pequena influência nas taxas de tentativa de suicídio e suicídio completo em pacientes com transtorno bipolar, entretanto a presença de comorbidades psiquiátricas é uma das principais variáveis associadas4. Comorbidade pode ser conceituada como a ocorrência de duas ou mais entidades nosológicas no mesmo paciente. A coocorrência de diagnósticos em um mesmo paciente pode influenciar o curso, a resposta ao tratamento e/ou o prognóstico da enfermidade. Pacientes bipolares tipo I apresentam, em média, 3,1 comorbidades psiquiátricas ao longo da vida1. Há um debate na literatura sobre se esse dado seria um artefato dos sistemas diagnósticos atuais, que empregam uma abordagem categórica, ou se refletiria a existência de entidades nosológicas distintas com um mesmo substrato neurobiológico5. Em relação à presença de comorbidades clínicas, descreve-se elevada prevalência de distúrbios metabólicos, cardiovasculares e endócrinos nesses pacientes6. Não se sabe se essas comorbidades clínicas se referem a condições ligadas ao transtorno bipolar per se, se seriam consequência do tratamento farmacológico ou uma combinação de ambos os fatores. Apesar de a presença de comorbidades psiquiátricas e clínicas ser importante na avaliação, no prognóstico e no curso do transtorno bipolar, a maioria dos estudos farmacoterápicos ignora esse fato. Na população brasileira, ainda há poucos dados sobre a prevalência de comorbidades e sua influência no transtorno bipolar. O objetivo deste estudo é, portanto, identificar a prevalência de comorbidade sem uma amostra de pacientes com transtorno bipolar do tipo I provenientes de um serviço psiquiátrico. O objetivo secundário foi avaliar quais as características do transtorno bipolar e comorbidades (psiquiá tricas e clínicas) estariam relacionadas com a presença de tentativas de suicídio. Sujeitos J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):271-6. Foram incluídos no presente estudo 94 pacientes com o diagnóstico de transtorno bipolar tipo I. Os pacientes foram recrutados em serviço psiquiátrico de atendimento especializado em transtorno bipolar no Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (IPSEMG), Belo Horizonte. Esse serviço é responsável pelo atendimento de pacientes provenientes da rede ambulatorial e de internação do Hospital Governador Israel Pinheiro, que pertence ao IPSEMG. O diagnóstico de transtornos psiquiátricos baseou-se na entrevista clínica estruturada Mini International Neuropsychiatric Interview (MINI-Plus)7. Devido ao fato de os pacientes bipolares serem acompanhados regularmente por clínicos gerais no mesmo serviço, foi extraído do prontuário dos pacientes o diagnóstico das seguintes comorbidades clínicas: 1) hipertensão arterial sistêmica; 2) diabetes mellitus; 3) hipotireoidismo; 4) dislipidemia. As medidas antropométricas foram realizadas no mesmo dia da entrevista clínica. Tentativa de suicídio foi definida como qualquer ato de injúria, deliberadamente autoinfligido, independentemente do risco da letalidade envolvido, em que o paciente tenha a intenção consciente de terminar a própria vida8. Todos os procedimentos descritos no estudo receberam autorização do comitê de ética local. Todos os participantes tinham idade superior a 18 anos, e o consentimento livre e esclarecido foi obtido previamente à entrada no estudo. Não houve critério de exclusão para a entrada neste estudo. Análise estatística A análise descritiva foi usada para apresentar os dados clínicos e sociodemográficos da população. As variáveis contínuas foram apresentadas como médias e desvios-padrão. Os pacientes foram divididos em dois grupos segundo a presença de tentativas prévias de suicídio. As variáveis categóricas dos dados sociodemográficos e prevalências de comorbidades foram comparadas entre o grupo de pacientes com tentativas prévias de suicídio e o grupo sem tentativas prévias, empregando-se o teste do qui-quadrado de Pearson ou o teste exato de Fisher, quando apropriado. artigo original Comorbidades no transtorno bipolar O teste de Kolmogorov-Smirnov foi aplicado para verificar a distribuição de variáveis contínuas entre pacientes bipolares que apresentaram ou não tentativas de suicídio. Devido ao fato de os dados dos pacientes referentes a idade, escolaridade, índice de massa corporal, primeiro episódio de humor, primeiro episódio depressivo, primeiro episódio maníaco e número de internações hospitalares possuírem distribuição normal, o teste t de Student foi empregado para a comparação dos dois grupos. As análises foram realizadas utilizando-se o programa estatístico SPSS versão 17.0. Um valor de p bilateral menor que 0,05 foi adotado como nível de significância estatística para todos os testes. 273 A prevalência de comorbidades psiquiátricas e clínicas na amostra é apresentada na tabela 2. Cinquenta e nove (63,83%) pacientes apresentaram ao menos uma comorbidade psiquiátrica. Os transtornos mais prevalentes foram: transtorno de ansiedade generalizada (27,20%), dependência de álcool (35,50%) e tabaco (43,60%). Em relação a comorbidades clínicas, 52,13% dos pacientes apresentaram ao menos uma comorbidade. Os pacientes bipolares foram subdivididos em dois grupos: pacientes que apresentaram tentativas de suicídio e pacientes que não apresentaram tentativas de suicídio. Não foi encontrada nenhuma associação significativa entre as variáveis investigadas e a presença ou ausência de tentativas de suicídio (ver tabela 3). RESULTADOS Os dados sociodemográficos e clínicos dos participantes são apresentados na tabela 1. A prevalência do gênero feminino foi de 69,10%, e 32,30% dos pacientes eram solteiros. Apesar de os pacientes apresentarem idade média de 50,25 anos (DP = 12,02), apenas 68,10% se encontravam inativos laboralmente. A maioria dos pacientes apresentou longo tempo de evolução da doença (idade média ± DP em anos de 24,01 ± 12,77). Na presente amostra, 33,00% dos pacientes relataram tentativas de suicídio. O número médio de internações psiquiátricas foi de 4,18 (DP = 4,04) e o de tentativas de suicídio foi de 0,90 (DP = 1,58). Curiosamente, 24 pacientes não tinham apresentado, até o momento da entrevista, nenhum episódio depressivo. Tabela 1. Dados sociodemográficos e clínicos da população de pacientes com transtorno bipolar tipo I Pacientes bipolares tipo I (n = 94) Idade em anos (média ± DP) 50,25 ± 12,02 Escolaridade em anos (média ± DP) 10,13 ± 3,63 Gênero feminino 69,10% Pacientes com histórico de tentativas de suicídio 33,00% Número de tentativas (média ± DP) 0,90 ± 1,58 Status funcional Ativo Inativo 31,50% 68,50% Idade de início da doença em anos (média ± DP) 26,39 ±10,12 Idade do primeiro episódio depressivo (média ± DP) 26,02 ± 10,35 Idade do primeiro episódio maníaco (média ± DP) 29,74 ± 12,12 Duração da doença em anos (média ± DP) 24,01 ± 12,77 Número de internações (média ± DP) 4,18 ± 4,04 IMC (média ± DP) 29,22 ± 7,54 Medicamentos em uso atual (prevalência) Lítio 54,30% Anticonvulsivantes 62,40% Antipsicóticos 68,50% Antidepressivos IMC: índice de massa corporal; DP: desvio-padrão. 9,50% Tabela 2. Prevalência de comorbidades psiquiátricas e clínicas na população de pacientes com transtorno bipolar tipo I Pacientes bipolares tipo I (n = 94) Qualquer comorbidade psiquiátrica 63,83% TAG 27,20% TOC 4,30% Transtorno de pânico atual 5,30% Dependência de substâncias ao longo da vida Álcool 35,50% Tabaco 43,60% Outras substâncias 5,30% Hipertensão arterial sistêmica 29,80% Diabetes mellitus 17,00% Hipotireoidismo 19,10% Dislipidemia 22,30% TAG: transtorno de ansiedade generalizada; TOC: transtorno obsessivo-compulsivo. DISCUSSÃO O presente estudo avaliou as comorbidades clínicas e psiquiátricas em uma amostra clínica de pacientes bipolares do tipo I. Transtorno de ansiedade generalizada e dependência de substâncias foram as comorbidades psiquiátricas mais comuns. Hipertensão arterial sistêmica e dislipidemia foram as comorbidades clínicas mais prevalentes. História de tentativas de suicídio não se associou com comorbidades clínicas ou psiquiátricas. Os dados referentes à prevalência de comorbidades psiquiátricas em pacientes com transtorno bipolar estão em consonância com a literatura1, inclusive com outros estudos brasileiros9-13. Aparentemente, a presença de comorbidades em pacientes bipolares é mais regra do que exceção. Uma das hipóteses que poderia justificar tal dado pode ser um artefato dos sistemas diagnósticos contemporâneos que preconizam uma abordagem categórica. Essa abordagem, apesar de permitir maior confiabilidade dos diagnósticos psiquiátricos e melhorar a comunicação entre clínicos e J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):271-6. artigo original Barbosa IG et al. 274 Tabela 3. Comparação entre dados sociodemográficos e comorbidades em pacientes bipolares tipo I com tentativa de suicídio e sem tentativa de suicídio Pacientes bipolares tipo I (n = 94) Valor de p Sem tentativa de suicídio (n = 63) Presença de tentativa de suicídio (n = 31) Idade em anos (média ± DP) 49,79 ± 12,59 51,19 ± 10,89 0,60 † Escolaridade em anos (média ± DP) 10,16 ± 3,66 10,07 ± 3,64 0,91 † 69,80 67,70 0,84 ** Idade de início da doença em anos (média ± DP) 27,19 ± 10,40 24,79 ± 9,51 0,30 † Primeiro episódio depressivo (média ± DP) 26,77 ± 10,67 24,74 ± 9,90 0,46 † Primeiro episódio maníaco (média ± DP) 31,11 ± 12,94 26,68 ± 9,56 0,09 † Duração da doença em anos (média ± DP) 22,54 ± 12,95 26,80 ± 12,12 0,14 † 3,94 ± 4,45 4,64 ± 3,17 0,50 † Episódio depressivo prévio 69,8 83,9 0,14 ** Gênero feminino Número de internações (média ± DP) Presença de qualquer comorbidade psiquiátrica 60,32 70,97 0,31 ** TAG 24,60 32,3 0,23 ** TOC 1,6 9,7 0,10 * Transtorno do pânico atual 1,6 3,2 0,54 * Dependência de substâncias (atual) † Álcool 4,8 6,5 1,00* Tabaco 34,9 38,7 0,72 ** Outras substâncias 4,8 6,5 0,22* Hipertensão arterial sistêmica 27,0 35,5 0,40 ** Diabetes mellitus 12,7 25,8 0,11 ** Hipotireoidismo 15,9 25,8 0,25 ** Dislipidemia 19,0 25,0 0,28 ** Teste t; * teste exato de Fisher; ** teste do qui-quadrado de Pearson; DP = desvio-padrão; TAG: transtorno de ansiedade generalizada; TOC: transtorno obsessivo-compulsivo. pesquisadores, apresenta algumas limitações14. Por exemplo, a definição individualizada de categorias diagnósticas como entidades nosológicas diferentes, ainda que baseada em consenso de especialistas, pode não ter validade discriminante que permita separar doenças distintas. Ademais, a ocorrência de dois transtornos em um mesmo paciente, em momentos diferentes ou concomitantes, pode sugerir mecanismo fisiopatológico subjacente em comum6. De nota, transtorno bipolar e transtornos de ansiedade apresentam aumento de atividade monoaminérgica15, alterações de neuroplasticidade na amígdala e estruturas do sistema límbico15, assim como genes em comum16, o que sugere que possa haver um mesmo mecanismo fisiopatológico comum a dois transtornos. Em relação à prevalência das comorbidades psiquiátricas descritas no presente trabalho, estudos epidemiológicos anteriores apontam a mesma prevalência de transtornos de ansiedade em pacientes bipolares6. Entretanto, há estudos discordantes, não havendo consenso na literatura1,17. A prevalência de qualquer transtorno de ansiedade nos pacientes bipolares é mais elevada que na população em geral (18,1%)18. Possíveis hipóteses associadas à discrepância dos J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):271-6. dados são diferenças no desenho do estudo, por exemplo, estudos populacionais e estudos clínicos, assim como o uso de diferentes instrumentos para entrevista e diagnóstico. Transtornos relacionados a substâncias apresentaram elevada prevalência na nossa população em comparação com estudos que usaram similares ferramentas de entrevista em pacientes bipolares12 e mesmo quando comparados à população geral (3,8%)18. Os dados apresentados corroboram a prevalência de uso e/ou dependência de substâncias em pacientes bipolares na população brasileira19. Há inúmeras hipóteses que procuram explicar a elevada prevalência de dependência de substâncias associada ao transtorno bipolar. Em uma perspectiva baseada em crenças psicológicas, os pacientes com transtorno bipolar buscariam o uso de substâncias como uma forma de aliviar sintomas de humor considerados desagradáveis, como o taquipsiquismo e a irritabilidade20. Por outro lado, o uso nocivo de substâncias poderia deflagrar o primeiro episódio maníaco21. Ainda, o fato de o transtorno bipolar estar relacionado com maior impulsividade, envolvimento excessivo em atividades prazerosas e prejuízo de crítica durante o episódio maníaco poderia estimular a busca de substâncias psicoativas22. artigo original Em relação às comorbidades clínicas, a alta prevalência demonstrada no presente estudo está em conformidade com dados prévios na literatura em pacientes bipolares23. A sobreposição de comorbidades clínicas no paciente com transtorno bipolar tem provável etiologia multifatorial. Pesquisas têm demonstrado que a desregulação do humor e do apetite compartilha alguns substratos neurobiológicos24. Dados de neuroimagem, por exemplo, mostram que há sobreposição dos circuitos neurais ligados à regulação do humor e do comportamento alimentar, como as conexões entre a amígdala e o córtex pré-frontal25,26. Além disso, a hiperatividade persistente do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal em pacientes bipolares pode estar relacionada a elevação da pressão arterial, aumento de resistência à insulina e dislipidemia27,28. É importante mencionar que o uso de medicamentos psicotrópicos, particularmente os antipsicóticos atípicos, também está ligado a síndrome metabólica, aumento do apetite e preferência por alimentos doces, assim como redução da atividade física29. Reconhece-se também que o uso do lítio está associado ao hipotireoidismo. Em nosso estudo, não foram encontradas associações entre tentativas de suicídio e comorbidades clínicas ou psiquiátricas. Esse dado difere do relatado em outros trabalhos, que demonstraram que comorbidades psiquiátricas aumentam o risco de suicídio no transtorno bipolar9,10,30. É reconhecido que a inclusão de pacientes bipolares do tipo II nas amostras de estudo pode determinar o aumento da prevalência de tentativas de suicídio11,31. Ressalta-se ainda que, por se tratar de um estudo retrospectivo, pode existir viés de recordação. Como limitações de nosso trabalho, destacam-se alguns pontos. O fato de se tratar de uma amostra obtida de serviço de atenção psiquiátrica especializada pode comprometer a generalização dos achados para pacientes com transtorno bipolar na comunidade ou acompanhados em outros contextos. O diagnóstico de comorbidades clínicas por meio do registro em prontuário pode ter subestimado a prevalência delas. A inclusão de pacientes bipolares em diferentes estados de humor (mania, eutimia e depressão) pode ter influenciado a avaliação da prevalência das comorbidades psiquiá tricas. Deve-se considerar também a possibilidade de que o presente estudo apresente o viés de Berkson32. Segundo esse viés, pessoas portadoras de mais de uma doença ou transtorno tendem a procurar mais frequentemente tratamento médico, o que faz com que amostras clínicas possuam taxas de comorbidades maiores que a população geral. Por outro lado, pelo nosso conhecimento, este é o estudo brasileiro que investiga o maior número de comorbidades na maior amostra formada exclusivamente por pacientes portadores de transtorno bipolar tipo I. Novos estudos, com amostras ampliadas ou de base populacional, incluindo exames complementares ou de rastreio para o diagnóstico de comorbidades, são necessários. Comorbidades no transtorno bipolar 275 CONCLUSÃO Pacientes bipolares atendidos em centros psiquiátricos especializados apresentam elevada prevalência de comorbidades psiquiátricas e clínicas, particularmente transtornos de ansiedade, transtornos relacionados a substâncias, hipertensão arterial sistêmica e dislipidemia. Essas comorbidades não se associaram a tentativas de suicídio. Portanto, é importante que sejam incluídos na prática clínica exames complementares ou de rastreio para o diagnóstico de comorbidades clínicas em pacientes com transtorno bipolar. AGRADECIMENTOS Este trabalho foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, Brasil), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig, Brasil) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES, Brasil). REFERÊNCIAS 1. Merikangas KR, Jin R, He JP, Kessler RC, Lee S, Sampson NA, et al. 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J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):271-6. artigo original Sintomas depressivos em crianças e adolescentes com anemia falciforme Depressive symptoms in children and adolescents with sickle cell anemia Felipe José Nascimento Barreto1, Rosana Cipolotti2 RESUMO Palavras-chave Anemia falciforme, sintomas depressivos, crianças, adolescentes. Objetivo: Determinar a frequência de sintomas depressivos em crianças e adolescentes com anemia falciforme, bem como caracterizar e associar tal sintomatologia aos dados individuais. Métodos: Realizou-se um estudo transversal com portadores de anemia falciforme dos 7 aos 17 anos, atendidos em um ambulatório de Hematologia Pediátrica, os quais preencheram o Inventário de Depressão Infantil (CDI). Resultados: Foram avaliados 76 pacientes, estabelecendo-se em 13 o ponto de corte. Vinte e seis pacientes (34,2%) apresentavam sintomas sugestivos de depressão. “Não ser tão bom quanto os outros colegas” foi o item mais pontuado, além de ter predominado significativamente naqueles com escore de CDI maior ou igual a 13, assim como as variáveis: ter pais separados ou viúvos e renda familiar mensal menor ou igual a R$ 510,00. O item “preocupação com dores” foi bem pontuado, independentemente da presença de sintomas depressivos (p = 0,1). Conclusão: A depressão em crianças e adolescentes com anemia falciforme ainda é pouco estudada. Os dados obtidos indicam frequência elevada de sintomas depressivos nessa população. Possivelmente, conviver precocemente com a separação dos pais e pertencer a uma família com baixa renda esteja relacionado ao desenvolvimento desses sintomas. ABSTRACT Keywords Sickle cell anemia, depressive symptoms, children, adolescents. Objective: Determinate prevalence of depressive symptoms in children and adolescents with sickle cell anemia, characterize and associate then with individuals data. Methods: A transversal study was conducted with people with sickle cell anemia from 7 to 17 years old, followed at a Pediatric Hematology Center, which fulfilled the Children’s Depression Inventory (CDI). Results: A total of 76 children and adolescents were selected, considering a cut-off point of 13. Twenty-six patients (34,2%) had suggestive symptoms of depression. “Not able to be as good as others siblings” was the most scored item of CDI, and it prevailed significantly in that with CDI score higher or equal than 13, as the variables: having divorced or widowed parents, and family income lower or equal to R$ 510,00. The item “worries about pain” obtained high score whether depressive symptoms were present or not (p = 0,1). Conclusion: Depression in children and adolescents with sickle cell anemia remains poorly discussed. Data obtained indicates high rates of depressive symptoms in this population. Probably, early experience of parental separation and low family income may contribute to development of these symptoms. 1 Universidade Federal de Sergipe (UFS). 2 UFS, Departamento de Medicina. Recebido em 11/8/2011 Aprovado em 21/10/2011 Endereço para correspondência: Felipe José Nascimento Barreto Praça Tobias Barreto, 220, ap. 302 – 49015-130 – Aracaju, SE Tel.: (79) 3224-9059 E-mail: [email protected] 278 artigo original Barreto FJN, Cipolotti R INTRODUÇÃO A anemia falciforme é uma doença autossômica recessiva caracterizada pela homozigose do gene codificador da hemoglobina mutante S, que origina hemácias deformadas, propensas a hemólise e obstrução vascular1-3. Sua alta prevalência entre a população, mais precisamente naquelas em que a influência negra é predominante, faz dessa enfermidade um verdadeiro problema de saúde pública em várias partes do mundo4. Só no Brasil, 3.500 crianças nascem por ano com doença falciforme, grupo de hemoglobinopatias cuja principal representante é a anemia falciforme5. Em curto ou longo prazo, as várias complicações inerentes ao estado falcêmico, quando não levam a óbito, constituem constante ameaça à qualidade de vida5,6. Desde cedo, os portadores de anemia falciforme já sofrem com os efeitos das crises álgicas, infecções e outras urgências significativas, que, invariavelmente, aumentam o número de hospitalizações e diminuem as horas dispensadas à escola e às demais atividades produtivas6-9. O prejuízo funcional e social é notório e, por despontar já na infância e adolescência então, torna-se marcante para fases da vida tão cruciais para a construção da identidade adulta. Reflexo indireto do histórico de faltas por internações, o fraco desempenho escolar que muitos possuem favorece a repetência e dificulta o progresso acadêmico. O menor contato entre colegas é, em algum grau, uma realidade fatídica2,6,9,10. Não é incomum nessa faixa etária que os sinais físicos da anemia falciforme motivem a exclusão do portador dos círculos de amizade, muitas vezes, com a errônea justificativa de que possui uma enfermidade contagiosa11. Diante do convívio prematuro com tantos obstáculos impostos pela natureza incapacitante, incurável e fatal da anemia falciforme, sintomas depressivos podem vir à tona ainda na infância e adolescência12,13. E como toda doença crônica é por si só um fator de risco para depressão14, com a anemia falciforme não poderia ser diferente. Em adultos com anemia falciforme, taxas de depressão variam de 18% a 44%, valores similares aos encontrados para outras condições crônicas severas9. Por sua vez, a depressão contribui de forma negativa no prognóstico da anemia falciforme10. Os sintomas depressivos são capazes de reduzir o limiar de tolerância para dor e a capacidade individual de lidar com essa experiência desagradável. O resultado é um aumento na frequência e intensidade das crises álgicas, maior número de admissões em pronto-socorro e internações e menor adesão ao esquema terapêutico6,7,13,14. Por fim, os sintomas depressivos em crianças e adolescentes são fortes preditores de transtorno depressivo maior, com ou sem ideação suicida, na fase adulta6,11. Na literatura está bem estabelecida a associação entre depressão e doenças crônicas da infância14,15. Quanto à anemia falciforme, há muitos estudos avaliando depressão nos J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):277-83. portadores adultos, porém poucos que contemplem crianças e adolescentes6,13. Tendo em vista as nuances da depressão sobre o desenvolvimento infanto-juvenil16, acredita-se que não seja adequado simplesmente adaptar para essa faixa etária os achados obtidos em adultos. O presente estudo visa determinar a frequência de sintomas depressivos em crianças e adolescentes com anemia falciforme, caracterizar tal sintomatologia e correlacioná-la com dados individuais, antecedentes pessoais e familiares. MÉTODOS Entre julho de 2010 e março de 2011, realizou-se um estudo transversal com crianças e adolescentes atendidos em ambulatório de Hematologia Pediátrica de um hospital universitário, entre 7 a 17 anos e com diagnóstico confirmado de anemia falciforme. Além de estarem em seguimento regular no serviço por no mínimo seis meses e/ou duas consultas de rotina, tinham que ser alfabetizados e estar aptos a entender orientações verbais. Pacientes que foram hospitalizados há menos de um mês ou que apresentavam intercorrências agudas eram abordados em consultas posteriores. As crianças e adolescentes elegíveis, bem como seus respectivos responsáveis, foram entrevistados por um único pesquisador no dia da consulta médica de rotina. Após esclarecimento sobre a natureza e os objetivos da pesquisa, paciente e responsável eram conduzidos a uma sala reservada. Com a autorização verbal e escrita, mediante assinatura de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelo responsável, foram coletados dados referentes à identificação do paciente e de seu principal cuidador, condições socioeconômicas da família, antecedentes familiares de doença psiquiátrica e de anemia falciforme. A seguir, solicitou-se ao paciente que preenchesse o Inventário de Depressão Infantil ou Children’s Depression Inventory (CDI)17,18. Cada um dos 27 itens que o compõe possui três opções de resposta que correspondem a valores de 0 a 2, conforme a gravidade dos sintomas depressivos. Coube ao sujeito da pesquisa assinalar a opção que melhor descrevesse seus pensamentos e sentimentos nas duas semanas anteriores à data da aplicação do CDI, tendo sido enfatizado que não há resposta certa ou errada e ratificado o sigilo dos dados fornecidos. Durante essa etapa, pesquisador e responsável aguardaram do lado de fora da sala até o completo preenchimento do inventário, a fim de garantir a privacidade do paciente e maior fidedignidade às suas respostas. Elaborado por Kovacs17,18, o CDI representa uma adaptação do Inventário de Depressão de Beck às particularidades desse transtorno afetivo na população infanto-juvenil, servindo como método de triagem de sintomas sugestivos de depressão em indivíduos dos 7 aos 17 anos completos19. Nos seus 27 itens, cinco dimensões relevantes de quadros artigo original Sintomas depressivos e anemia falciforme depressivos são avaliadas: humor negativo, problemas interpessoais, ineficiência, anedonia e autoestima negativa18. O somatório da pontuação obtida fornece um escore que varia de 0 a 54, sendo estabelecido em 19 o ponto de corte para a presença de sintomas depressivos em amostras populacionais e em 13 o ponto de corte para amostras clínicas19. No Brasil, o CDI foi inicialmente adaptado e normatizado por Gouveia et al.20, que reduziram o número de itens de 27 para 20, mantendo a consistência interna do instrumento, e sugeriram um ponto de corte de 17 para escolares e adolescentes brasileiros. Há ainda uma segunda versão brasileira do CDI, devidamente traduzida por Baptista21 e que, por sua vez, respeita a estrutura original de 27 itens. No presente estudo, optou-se por empregar esta última adaptação do CDI, além de fixar um ponto de corte maior ou igual a 13 para a presença de sintomas depressivos. Os dados coletados foram analisados pelo programa EPI Info®, versão 3.5.3. Para as variáveis contínuas, calcularam-se média e desvio-padrão, e para as discretas, fez-se a distribuição de frequências. Proporções foram comparadas pelos testes qui-quadrado ou de Fisher e comparações que envolviam médias, pelos testes ANOVA ou Mann-Whitney. Adotou-se um intervalo de confiança de 95% (p < 0,05). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos da Universidade Federal de Sergipe (CEP/UFS), sob o protocolo 0075.0.107.000-10. RESULTADOS Durante o período de coleta de dados, havia em seguimento ambulatorial 139 pacientes com idades entre 7 e 17 anos – 115 deles foram abordados, dos quais 76 pacientes eram elegíveis (Figura 1). Dos 76 pacientes avaliados, 41 (53,9%) eram meninos, com média de idade de 12,9 ± 2,73 anos, sendo oito crianças 279 (10,5%) e 68 adolescentes (89,5%). A média de irmãos foi de 3,01 ± 2,44 e a de número de pessoas no domicílio foi de 4,6 ± 1,88. Quarenta e um pacientes (53,9%) estavam com idade defasada para a série, ou seja, possuíam idade superior em no mínimo dois anos àquela recomendada para a série na qual se encontravam22. No momento da avaliação, 35 pacientes (46,1%) eram filhos de pais casados ou em união estável, 50,7% moravam somente com a mãe e sete (9,2%) eram órfãos de pai. Dentre os cuidadores, 68,6% relataram não ter ensino fundamental completo e 47,3% não exerciam trabalho remunerado. A média de renda mensal era de R$ 842,63 ± 591,08 (R$ 90,00R$ 3.000,00). Vinte e duas famílias (28,9%) referiram renda mensal igual ou inferior a um salário-mínimo (R$ 510,00 na época da coleta). Quarenta e um pacientes (53,9%) recebiam auxílio-doença de um salário-mínimo do Instituto Nacional de Seguridade Social. Vinte pacientes (28,2%) tinham outro portador de anemia falciforme no mesmo domicílio e 19 (25,3%) apresentavam antecedente familiar de transtorno psiquiátrico. Todas as crianças e adolescentes preencheram adequadamente o CDI, que apresentou um escore médio de 10,34 ± 6,63 (0-31). Em 26 pacientes (34,2%), o escore do CDI foi igual ou superior a 13, sugestivo de sintomas depressivos. Os itens mais pontuados, em ordem decrescente, foram: 24 (“não ser tão bom quanto os outros colegas”), 19 (“preocupação com dores”) e 15 (“esforço requerido para realizar tarefas escolares”) (Figura 2). Tanto o item 24 (p = 0,017) quanto o 15 (p = 0,012), pertencentes ao domínio “Ineficiência” do CDI, predominaram de maneira significativa no grupo com sintomas depressivos, com exceção do item 19, que foi bem pontuado independentemente da presença ou não de sintomas depressivos (p = 0,1). Junto com o item 14 (“alteração da imagem corporal”), o item 9 (“ideação suicida”) foi o décimo mais pontuado e, como o item 19, não predominou somente no grupo com sintomas depressivos (Figura 2). Total de pacientes entre 7 e 17 anos de idade com anemia falciforme: 139 Não abordados no estudo: 24 (17,3%) Pacientes abordados no estudo: 115 (82,7%) Elegíveis para aplicação do CDI: 76 (66%) Não inclusos por analfabetismo: 34 (29,5%) Não inclusos por sequelas auditivas: 4 (3,5%) Recusou-se a participar do estudo: 1 (0,86%) Figura 1. Fluxograma de alocação dos pacientes elegíveis para o estudo. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):277-83. 280 artigo original Barreto FJN, Cipolotti R 2 1,8 1,6 Média de cada item e DP 1,4 1,2 1 0,8 0,6 0,4 0,2 0 1234567891011 121314151617 181920 2122 232425 26 27 Itens do CDI Figura 2. Distribuição da média dos 27 itens do CDI. Quando se compararam as variáveis descritivas com os grupos que apresentaram escores do CDI ≥ 13 e < 13, houve uma diferença estatisticamente significante para os quesitos possuir pais separados ou viúvos (p < 0,001) e renda familiar mensal ≤ R$ 510,00 (p = 0,034) (Tabela 1). Também houve associação significativa entre aqueles com escore do CDI ≥ 13 e a média calculada a partir da renda mensal (p = 0,002). Não se observou correlação entre as médias de idade dos pacientes, de número de irmãos e de pessoas que moram no mesmo domicílio. Dentre os cinco domínios avaliados pelo CDI, o mais prevalente foi “Anedonia”, seja nos pacientes com escore ≥ 13 ou < 13. Com base na figura 3, verifica-se uma maior varia- ção entre as pontuações obtidas em cada domínio no grupo com escore ≥ 13, ao contrário do grupo com escore < 13 (Figura 3). Fez-se ainda a análise de cada domínio do CDI com as variáveis: pais separados ou viúvos, idade, renda mensal, sexo, defasagem idade-série e escolaridade do cuidador. Assim, observou-se média significativamente maior entre adolescentes no domínio “Humor deprimido” (p = 0,03). Também foram significativas as médias das pontuações obtidas nos domínios “Anedonia” e “Autoestima negativa” entre os pacientes com pais separados ou viúvos (p = 0,001 e p = 0,02, respectivamente). Para as demais variáveis pareadas com as médias de cada domínio, não houve diferença estatística (Tabela 2). Tabela 1. Comparação entre as variáveis descritivas e os grupos com escore do CDI ≥ 13 (n = 26) e < 13 (n = 50) CDI ≥ 13 Sexo Idade (OMS) CDI < 13 n % Masculino 13 Feminino 13 Total n % 31,7 28 68,3 41 37,1 22 62,9 35 p 0,798 Criança (< 10 anos) 2 25 6 75 8 Adolescente (10-20 anos) 24 35,3 44 64,7 68 11 34,4 21 65,6 33 Vivem em Aracaju ou região metropolitana 7 29,2 17 70,8 24 0,711 Defasagem idade-série presente 16 39 25 61 41 0,474 < 0,001* Nasceram em Aracaju ou região metropolitana 0,44 0,826 Pais separados ou viúvos 4 11,4 31 88,6 35 Órfãos de pai 3 42,9 4 57,1 7 0,45 Cuidador com pelo menos ensino fundamental completo 4 18,2 18 81,8 22 0,064 Cuidador sem trabalho remunerado 12 34,3 23 65,7 35 0,941 Renda mensal ≤ R$ 510 12 54,5 10 45,5 22 0,034* Ganha auxílio-doença 14 34,1 27 65,9 41 0,818 Antecedente de anemia falciforme no mesmo domicílio 5 25 15 75 20 0,394 Antecedente psiquiátrico na família 6 31,6 13 68,4 19 0,961 * p < 0,05. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):277-83. artigo original ia ais ác sso fic pe ter ep s in ma ble Pro Hu mo rd Ine a ido tiv ia ga on ed ne ma An s ti to e s in ma ble Au ais sso ter pe fic ác ia ido ep 281 CDI < 13 Pro Hu mo rd Ine tiv ga on ne ed An ma s ti to e Au r im a CDI ≥ 13 r im 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 -1 ia Médias e DP Sintomas depressivos e anemia falciforme Figura 3. Distribuição das pontuações médias de cada domínio do CDI, com separação entre os grupos com escore de CDI ≥ 13 e escore de CDI < 13. Tabela 2. Análise comparativa entre as médias dos cinco domínios do CDI e as variáveis descritivas: faixa etária e situação conjugal dos pais Domínios do CDI Faixa etária (OMS) Criança Adolescente Anedonia 1,87 ± 1,7 Autoestima negativa 0,75 ± 0,8 Humor deprimido 0,62 ± 0,7 Situação conjugal dos pais p Casados ou união estável Separados ou viúvos p 3,72 ± 2,6 0,05 2,42 ± 1,7 4,46 ± 2,8 0,001* 1,92 ± 1,8 0,08 1,31 ± 1,5 2,2 ± 3,7 0,02* 1,82 ± 1,7 0,03* 1,31 ± 1,3 2,02 ± 1,8 0,06 Ineficácia 2,12 ± 1,3 2,42 ± 1,7 0,64 2,08 ± 1,5 2,65 ± 1,8 0,14 Problemas interpessoais 1,12 ± 2,0 0,89 ± 1,0 0,7 0,88 ± 1,4 0,95 ± 0,9 0,26 * p < 0,05. DISCUSSÃO Na amostra analisada pelo estudo, houve ligeiro predomínio de meninos e uma nítida maioria de adolescentes. O uso da defasagem idade-série teve por objetivo identificar o desempenho escolar, que foi inadequado em pouco mais da metade dos pacientes. O nível de escolaridade também deixava a desejar em 68,6% dos cuidadores, que tinham o ensino fundamental incompleto. Em 50,7% dos casos, não havia um pai morando na casa do portador de anemia falciforme. No geral, as condições financeiras das famílias eram precárias, pois 47,3% dos cuidadores entrevistados nem trabalho remunerado possuíam. O auxílio-doença, benefício garantido por lei para custear as medicações e intercorrências ocorridas no curso de doenças crônicas como a anemia falciforme, só era cedido a 53,9% dos pacientes. Para 28,9% das famílias, a renda mensal relatada era de no máximo um salário-mínimo. Não foi frequente a positividade para antecedentes de transtornos psiquiátricos na família, ou de outro portador de anemia falciforme que residisse no mesmo domicílio dos sujeitos da pesquisa. Estudos anteriores já apontavam para a presença de sintomas depressivos entre crianças e adolescentes com anemia falciforme. Em 1976, Kumar et al.23 compararam dois grupos de crianças, um com portadores de anemia falciforme e outro sem doenças crônicas, e encontraram resultados conflitantes. As crianças com anemia falciforme tinham mais comportamentos de esquiva social e menores índices de autoconceito do que o grupo controle, entretanto exibiam as mesmas taxas de problemas de ajustamento que os colegas sem a doença, e eram até menos ansiosas que estes23. Posteriormente, demonstrou-se que adolescentes com anemia falciforme vivenciam problemas de ajustamento mais severos do que aqueles normalmente experimentados por adolescentes fisicamente saudáveis. Foram encontrados pior rendimento acadêmico, menor satisfação com o corpo e maior tendência a evitar contato social no grupo com anemia falciforme do que no grupo controle. Esses autores foram pioneiros no uso do CDI em pacientes com anemia falciforme, encontrando neles médias significativamente maiores de escore (9,04 ± 5,8) do que nos que não apresentavam a doença (4,54 ± 3,6)24. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):277-83. 282 artigo original Barreto FJN, Cipolotti R Por intermédio do CDI com o ponto de corte 13, o presente estudo revelou sintomas sugestivos de depressão em 35,6% da amostra de crianças e adolescentes com anemia falciforme. Um percentual congruente, embora menor do que esse, foi encontrado por Yang et al.25 em 36 pacientes de 6 a 18 anos que preencheram o Children’s Depression Rating Scale-Revised (CDRS-R), uma escala de estrutura diferente, porém com finalidade semelhante à do CDI. Nesse estudo, 29% dos portadores de anemia falciforme tiveram altos escores do CDRS-R, contra 12% daqueles que compunham o grupo controle. Entretanto, quando ambos os grupos foram submetidos a uma entrevista psiquiátrica, a prevalência de depressão clínica não diferiu significativamente entre eles25. Ainda no estudo de Yang et al., os quatro itens que contribuíram nos maiores escores de CDRS-R no grupo com anemia falciforme foram fadiga, queixas somáticas, preocupações sobre morte e problemas de autoestima25. Também fazendo uso de um instrumento de avaliação para sintomas depressivos, porém dirigida a pais e professores, Hijmans et al.26 encontraram maiores dificuldades escolares e queixas somáticas e menor interação social em crianças com doença falciforme do que nos seus colegas saudáveis. No presente estudo, os itens mais pontuados no CDI foram os relacionados ao domínio “Ineficácia” (“não ser tão bom quanto os outros colegas” e “esforço requerido para realizar tarefas escolares”) e o item sobre “preocupação com dores”, do domínio “Anedonia”. Este último item foi bem pontuado tanto no grupo com escore de CDI ≥ 13 quanto naquele com escore < 13, sugerindo que a dor é sentida em ambos os grupos, não discriminando quem tem daqueles que não têm sintomas depressivos relevantes. Quando comparadas as variáveis descritivas com os escores do CDI, houve associação significativa entre os quesitos que apontavam problemas conjugais e restrições financeiras e as crianças e adolescentes com sintomas depressivos relevantes. Por outro lado, fatores frequentemente relacionados à depressão infanto-juvenil, como história familiar de depressão ou perda do pai16, não foram observados entre os pacientes com escores do CDI ≥ 13. Talvez o convívio precoce com a separação dos pais, a inclusão dos papéis paternos na figura da mãe e a renda familiar desfavorável interfiram negativamente na saúde mental dessas crianças e adolescentes, propiciando o desenvolvimento de sintomas depressivos. O domínio mais pontuado do CDI foi “Anedonia”, embora seja aquele que abarca maior número de itens entre os cinco domínios do instrumento. Esse achado encontra respaldo na literatura, que considera a anedonia como o componente mais específico da depressão em doentes crônicos, por ser, dentre toda a sintomatologia depressiva, aquele que menos é afetado pela condição de base27. Os escores significativamente maiores no domínio “Humor deprimido” entre os adolescentes estão em concordância com a literatuJ Bras Psiquiatr. 2011;60(4):277-83. ra, que destaca o humor deprimido como um dos sintomas mais prevalentes no adolescente com depressão16. A avaliação específica de depressão em crianças e adolescentes com anemia falciforme ainda é objeto de poucos estudos, e no Brasil nenhum estudo dessa natureza foi encontrado na literatura pesquisada. Mesmo a literatura existente em nível mundial apresenta diferenças metodológicas que dificultam a interpretação de seus resultados. Sobre as duas versões brasileiras do CDI, a opção deste estudo foi por utilizar o inventário com 27 itens traduzido por Baptista21, em vez daquele de 20 itens de Gouveia et al.20. Sabe-se que ambas cumprem bem o papel de triagem para sintomas depressivos e, por esse motivo, são utilizadas com frequência no meio científico brasileiro. No entanto, a versão com 27 itens, cuja configuração é mais fiel ao CDI original, apresenta um índice mais alto de consistência interna quando comparado com a versão reduzida19. Um dos sete itens a mais inclusos no CDI com 27 itens, “preocupação com dores”, foi o segundo mais pontuado entre os pacientes deste estudo. Algumas dificuldades merecem destaque, como a considerável parcela de portadores de anemia falciforme que não são alfabetizados, os quais, pela exigência de o CDI ser autoaplicável, não puderam ser incluídos. Isso não só restringiu o tamanho da amostra como deixou de fora um grupo de indivíduos que já poderiam estar sofrendo com consequências da depressão em faixas etárias precoces, como o fraco desempenho escolar. Apesar de ser uma limitação do estudo, optou-se por não utilizar um grupo controle constituído de crianças e adolescentes saudáveis, uma vez que os pontos de corte do CDI são diferentes para populações clínicas e não clínicas. Não houve, também, uma avaliação psiquiátrica concomitante à coleta dos dados, já que o CDI não se presta ao diagnóstico de depressão clínica, mas à identificação de sintomas depressivos. Muitos desafios do dia a dia ainda precisam ser superados por aqueles que padecem da anemia falciforme. Sentimentos de desesperança e baixa autoestima subsequente a hospitalizações frequentes, dor e absenteísmo escolar são queixas comuns desses jovens enfermos28 e podem sinalizar quadros depressivos em curso. Ainda é pequena a importância dada a esse transtorno afetivo em condições crônicas, sendo o seu subdiagnóstico nessas populações mais a regra do que a exceção. Além de sua sintomatologia se confundir muitas vezes com aquela da patologia de base, a depressão ainda é encarada por alguns profissionais, erroneamente, como uma reação “normal” à condição médica subjacente29. CONCLUSÃO Diante da elevada proporção de sintomas depressivos na amostra estudada, acredita-se que a saúde mental das crianças e adolescentes com anemia falciforme não deva artigo original ser relegada a um segundo plano nas consultas de rotina. A implantação de meios de triagem para sintomas depressivos, ou mesmo capacitação de hematologistas e demais profissionais médicos, pode ser uma estratégia benéfica. Intervenções de cunho preventivo e terapêutico organizadas por equipes multidisciplinares devem ser fomentadas. Todavia, não haverá soluções realmente eficazes se não se compreender o meio em que vive o portador de anemia falciforme, suas condições de escolaridade e aspectos socioeconômicos inerentes à sua família. AGRADECIMENTOS À Profa. Msc. Karla Maria Nunes Ribeiro, pelas importantes sugestões e críticas ao projeto e à versão final deste estudo. Sintomas depressivos e anemia falciforme 283 9. Levenson JL. Psychiatric issues in adults with sickle cell disease. Primary Psychiatry. 2008;15(5):45-9. 10. Alao AO, Dewan MJ, Jindal S, Effron M. Psychopathology in sickle cell disease. West Afr J Med. 2003;22(4):334-7. 11. Jerenette C, Funk M, Murdaugh C. Sickle cell disease: a stigmatizing condition that may lead to depression. Issues Ment Health Nurs. 2005;26(10):1081-101. 12. Comer EW. Integrating the health and mental health needs of the chronically ill: a group for individuals with depression and sickle cell disease. Soc Work Health Care. 2004;38(4):57-76. 13. 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Método: Realizou-se uma pesquisa avaliativa de serviços, do tipo correlacional e de corte transversal, com uma amostra de 85 familiares cuidadores de pacientes psiquiátricos, atendidos em três serviços de saúde mental públicos, situados em três cidades do interior de Minas Gerais. Utilizaram-se a Escala de Avaliação da Satisfação dos Familiares com os Serviços de Saúde Mental (SATIS-BR) e um questionário de variáveis sociodemográficas e clínicas. Resultados: A maioria dos familiares estava satisfeita ou muito satisfeita em relação aos aspectos avaliados dos serviços. A satisfação estava significativa e positivamente associada à idade dos pacientes e ao número de meses sem internação psiquiátrica. Não foi detectada influência do tipo de serviço no grau de satisfação. Conclusão: As variáveis dos pacientes foram os principais fatores associados à satisfação dos familiares. A satisfação dos familiares foi elevada, tendo-se inferido a influência parcial do contraste com outros serviços de saúde. Foi apontada a necessidade de maior diferenciação entre os serviços. Estudos futuros, com amostras maiores e aleatórias, poderão reavaliar esses resultados. ABSTRACT Keywords Users’ satisfaction, mental health services, results evaluation (health care) Recebido em 17/10/2011 Aprovado em 29/11/2011 Objective: To evaluate family caregivers’ satisfaction with mental health services and associated factors. Method: A cross-sectional correlational study of service evaluation was carried out with a sample of 85 family caregivers of psychiatric patients attending three public mental health services located in three towns in the state of Minas Gerais. Subjects were interviewed for the application of the Satisfaction with Mental Health Services Scale (SATIS-BR) and a sociodemographic and clinic variables questionnaire. Results: Results showed that most caregivers were satisfied or very satisfied with the services aspects evaluated. Family satisfaction was significantly and positively associated with patients’ age and time spent without hospitalization. The statistical analysis did not detect any effect of type of service on family satisfaction. Conclusion: Patients’ variables were the most important associated factors related to the family satisfaction. Family satisfaction was high, maybe due partly to a comparison with other health services. Data suggest the need for more differentiation among services. Future studies with bigger and randomized samples will be able to reevaluate theses results. 1 Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ); Université de Montreal, McGill University. 2 UFSJ, Programa de Mestrado em Psicologia. 3 UFSJ, Programa de Mestrado em Psicologia, Ambulatório de Saúde Mental de Nepomuceno. 4 UFSJ. Endereço para correspondência: Marina Bandeira Departamento de Psicologia – Laboratório de Pesquisa em Saúde Mental (LAPSAM) – UFSJPraça Dom Helvécio, 74, Dom Bosco São – 36301-160 – João del Rei, MG E-mail: [email protected] artigo original INTRODUÇÃO A inclusão da perspectiva dos usuários no monitoramento e avaliação dos serviços de saúde mental tem sido altamente recomendada, visando assegurar que os cuidados prestados por esses serviços sejam adequados às necessidades dos pacientes e de seus familiares1,2. Segundo Donabedian3, para que os serviços de saúde sejam de qualidade, os resultados devem ser congruentes com as perspectivas dos usuários. Além disso, as avaliações subjetivas dos usuá rios apresentam a vantagem de aferir o impacto real das mudanças produzidas pelo tratamento na vida dos pacientes4. Incluir as perspectivas dos usuários na avaliação dos serviços fornece uma informação valiosa, pois muitas vezes não há uma correspondência direta entre o que os usuá rios percebem como mudança desejável e os resultados objetivos mensurados por terceiros. Pequenas mudanças produzidas pelo tratamento podem fazer uma grande diferença para os usuários, enquanto mudanças significativas em medidas clínicas objetivas podem ser consideradas irrelevantes para eles5. O envolvimento dos familiares, em colaboração com os profissionais dos serviços, apresenta vantagens para o sucesso do tratamento, estando associado à melhora no funcionamento social dos pacientes, à diminuição da duração das internações, à redução de conflitos familiares e à diminuição da sobrecarga dos familiares cuidadores dos pacientes6,7. Perreault et al.7 apontaram para a necessidade de aumentar a participação dos familiares no tratamento e na avaliação dos serviços, tendo em vista que essa colaboração ainda deixa a desejar e que os familiares se ressentem com isso. As queixas dos familiares estão relacionadas com a falta de informação sobre os transtornos psiquiátricos e o tratamento dos pacientes e com a falta de orientações sobre como agir com os pacientes, no dia a dia e nos momentos de crise7,8. Utilizar as avaliações dos familiares sobre os resultados do tratamento pode ser particularmente útil, porque eles são os principais provedores de cuidados aos pacientes, nas atividades cotidianas, na supervisão aos comportamentos problemáticos e na tomada dos medicamentos, que afetam os próprios resultados do tratamento9,10. Eles podem, portanto, detectar mudanças em virtude do tratamento, em diversos aspectos da vida dos pacientes, e essas informações ajudam os profissionais a identificarem os aspectos do tratamento que já atendem às necessidades dos pacientes e aqueles que ainda necessitam ser melhorados para atingir esses objetivos. Além disso, incluir os familiares na avaliação do tratamento pode ter um efeito positivo em seu bem-estar e sentimento de empoderamento, podendo diminuir seu grau de sobrecarga com o papel de cuidador, segundo Perreault et al.7 e Tessler e Gamache9. Uma das medidas mais utilizadas para a avaliação da qualidade dos serviços de saúde mental consiste na satisfação Satisfação de familiares em serviços de saúde mental 285 dos usuários11. A satisfação dos usuários tem sido associada com melhor adesão ao tratamento e menor taxa de abandono2,11,12, além de ser um fator preditivo para menor taxa de hospitalizações futuras dos pacientes13. Hanson2 destaca que as avaliações subjetivas de satisfação dos usuários com os serviços são importantes, porque estão mais associadas com a utilização de serviços do que as medidas objetivas tomadas por terceiros. O conceito de satisfação tem sido formulado por diferentes modelos explicativos, sendo o mais utilizado o modelo da expectativa, segundo o qual o usuário avalia o serviço a partir de uma comparação que ele faz entre as expectativas que possuía previamente e os resultados reais de sua experiência com o serviço. Três modelos de expectativa foram formulados, dentre os quais o modelo do contraste, que postula que a satisfação ocorre quando o usuário observa que sua experiência atual com um determinado produto ou serviço está acima das suas experiências prévias, em situações semelhantes14. Há um consenso de que a satisfação é um construto multidimensional, devendo, portanto, ser avaliado por medidas multifatoriais. Medidas multifatoriais, que são compostas por subescalas, são importantes para detectar aspectos específicos dos serviços que determinam a insatisfação ou a satisfação, o que não pode ser avaliado com medidas globais. Avaliações de serviços devem também ser feitas com medidas padronizadas, com suas propriedades psicométricas avaliadas, visando favorecer a validade dos dados coletados e garantir a possibilidade de comparação entre os estudos11,14. A maioria das pesquisas de avaliação de serviços de saúde mental tem focalizado a satisfação dos pacientes. Pouca ênfase tem sido dada à avaliação da satisfação dos familiares com esses serviços, apesar das recomendações feitas sobre a necessidade da inclusão dos familiares no monitoramento e avaliação dos serviços1,8,15. Alguns estudos internacionais levantaram os fatores associados à satisfação dos familiares com os serviços e com o papel de cuidador. Stengard et al.8 entrevistaram, na Finlândia, uma amostra de 545 familiares de pacientes com esquizofrenia, deinstitucionalizados, após três anos de sua alta do hospital, usando uma medida de um único escore global de três pontos para avaliar a satisfação com os serviços. O estudo constatou que um terço da amostra estava insatisfeita com os serviços de saúde mental. A insatisfação era maior quando os pacientes recebiam menos tratamento ou frequentavam menos o serviço, apresentavam sintomatologia psicótica mais severa e menor nível de autonomia. Os autores concluíram que a satisfação dos familiares estava associada a dois fatores principais: ter uma participação mais ativa como colaboradores dos profissionais do serviço e ter serviços que ajudem o paciente a atingir o máximo de autonomia possível. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):284-93. 286 artigo original Bandeira M et al. Perreault et al.7 analisaram, por meio de regressão múltipla, a influência relativa de diversas variáveis na determinação da satisfação com os serviços, em uma amostra de 145 familiares canadenses, tendo encontrado que o fator preditivo mais importante era o grau de colaboração entre familiares e profissionais. Além disso, a satisfação dos familiares era maior quando eles tinham um maior número de necessidades de tratamento preenchidas, menor grau de sobrecarga objetiva e subjetiva e quando os pacientes apresentavam menor número de comportamentos problemáticos. Observou-se que os familiares estavam mais satisfeitos com o relacionamento com os profissionais do que com as características da estrutura e organização dos serviços, o que confirma, segundo os autores, a tendência dos resultados dos estudos que avaliaram a satisfação dos próprios pacientes com os serviços. No contexto brasileiro, foram encontrados apenas quatro estudos, publicados em periódicos científicos indexados, que avaliaram a satisfação dos usuários com os serviços de saúde mental, utilizando escalas de medidas validadas para aferir a satisfação. Apenas um desses estudos focalizou a satisfação dos familiares, porém com o objetivo de fazer a validação de uma escala de medida16, e os três outros estudos avaliaram a satisfação dos pacientes17-19. Tendo em vista a carência de estudos com os familiares e a importância dessa temática, a presente pesquisa teve como objetivo avaliar a satisfação de familiares de pacientes psiquiátricos em relação aos serviços de saúde mental e seus fatores associados. MÉTODO Delineamento do estudo Trata-se de um estudo correlacional visando avaliar os fatores associados à satisfação dos familiares com os serviços de saúde mental. A pesquisa é de corte transversal, realizada a partir de dados coletados em uma única entrevista estruturada, com aplicação de uma escala de medida multifatorial da satisfação dos familiares. Consiste, também, em uma pesquisa avaliativa, do tipo somativa, definida como aquela que visa avaliar os efeitos de serviços ou programas de tratamento, segundo a classificação de Selltiz et al.20 e de Contandriopoulos et al.21. No caso deste estudo, avaliou-se a satisfação dos familiares com os serviços oferecidos aos pacientes, em relação às dimensões dos resultados do tratamento, dos cuidados prestados e competência da equipe, da privacidade e confidencialidade dos serviços. Participantes Participaram deste estudo 85 familiares de pacientes psiquiátricos que estavam sendo atendidos em três serviços de saúde mental de diferentes municípios do interior de MiJ Bras Psiquiatr. 2011;60(4):284-93. nas Gerais. Houve a participação de apenas um familiar por paciente. Foi utilizada uma amostra não probabilística de familiares, selecionados por meio de indicações dos profissionais dos serviços, que preenchiam os seguintes critérios de inclusão: ter idade igual ou superior a 18 anos, ser indicado como principal cuidador do paciente e conviver diariamente com ele. Foram excluídos os familiares que apresentavam transtornos psiquiátricos e que não tinham condições de compreender as questões dos instrumentos utilizados. Os serviços participantes desta pesquisa incluíram: dois Centros de Atenção Psicossocial (um CAPS tipo I e um CAPS tipo II) e um Ambulatório de Saúde Mental. Apesar de a amostra ser constituída, em geral, por familiares de pacientes de CAPS, a maioria dos pacientes estava sendo atendida em regime não intensivo, que inclui apenas consultas mensais, para acompanhamento da medicação aos pacientes com quadro clínico estável. Instrumentos de medida Escala de avaliação da satisfação dos familiares: A satisfação dos familiares foi avaliada por meio da versão abreviada da Escala de Avaliação da Satisfação dos Familiares com os Serviços de Saúde Mental (SATIS-BR). Essa escala foi elaborada pela Divisão de Saúde Mental da Organização Mundial de Saúde22 e validada, para o Brasil, por Bandeira et al.16. Essa escala possui oito itens agrupados em três subescalas: 1. Resultados do tratamento; 2. Acolhida e competência da equipe; e 3. Privacidade e confidencialidade do serviço. As alternativas de resposta aos itens estão dispostas em uma escala do tipo Likert, com 5 pontos (1 = muito insatisfeitos e 5 = muito satisfeitos). A escala SATIS-BR apresentou bons indicadores de consistência interna, avaliada pela análise da alfa de Cronbach, tendo obtido um valor de alfa de 0,79 para o escore global e valores entre 0,76 e 89 para suas subescalas. Esses valores situam-se dentro da faixa considerada ideal (0,75 a 0,85) por Vallerand23, indicando que as questões da escala são homogêneas, sem serem repetitivas. A validade de construto da escala foi avaliada pela análise de sua estrutura dimensional, pelo método dos Componentes Principais, com rotação Varimax, tendo sido obtidos três fatores, com eigenvalues acima de 1.0, que explicaram 77% da variância dos dados16. Questionário sociodemográfico e clínico: Os dados sociodemográficos dos familiares e dos pacientes e os dados clínicos dos pacientes foram coletados por meio de um questionário, previamente testado em um estudo piloto, visando avaliar a compreensão das questões pela população-alvo. O questionário incluía questões sobre as seguintes variáveis: idade, gênero, data de nascimento, estado civil, escolaridade, renda, tipo de trabalho e parentesco com o paciente. As variáveis clínicas dos pacientes avaliadas foram: tipo de diagnóstico, presença de comorbidade psiquiátrica, duração do transtorno, duração do tratamento psiquiátrico, número de internações, tipo de medicação utilizada, existência de artigo original doenças físicas e número de crises no último ano. Dados clínicos referentes ao diagnóstico, comorbidades, tempo de tratamento e tipo de medicação foram identificados nos prontuários dos pacientes. Coleta de dados Os dados foram coletados por meio de entrevistas estruturadas, com duração aproximada de 30 minutos, para aplicação dos instrumentos de medida, por estagiários de Psicologia previamente treinados. As entrevistas foram realizadas nos serviços de saúde mental, quando os familiares se apresentavam para acompanhar os pacientes, ou em suas residências, após agendamento prévio e conforme sua disponibilidade. A compreensão dos familiares acerca das questões da escala de satisfação foi verificada por meio da Técnica de Sondagem (Probe Technique)24, que consiste em solicitar aos sujeitos que justifiquem suas respostas a cada um dos itens da escala. O presente estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (CEPES) da UFSJ, processo nº 016-a/2010/CEPES, e pela direção das instituições participantes. Os entrevistados foram informados sobre os objetivos do estudo e sobre o sigilo e anonimato dos resultados, tendo assinado um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido concordando em participar da pesquisa. Os participantes receberam uma cópia desse documento, com um número de telefone para contato com os pesquisadores. Análise dos dados Os dados foram computados e analisados por meio do programa SPSS, versão 13.0. As análises estatísticas foram propostas com base nas obras de Bisqueira et al.25 e Dancey e Reidy26. Foram utilizados testes estatísticos não paramétricos, uma vez que os dados não apresentavam distribuição normal, conforme avaliado pelo teste Kolmogorov-Smirnov (KS: 1,53; p = 0,02). Para a descrição das características sociodemográficas e clínicas da amostra e avaliação dos escores de satisfação global, por subescalas e por itens, foi utilizada a análise estatística descritiva, com cálculo de médias, desvios-padrão (DP) e porcentagens. Foram também calculadas as porcentagens de familiares que se declararam insatisfeitos, mais ou menos insatisfeitos ou satisfeitos com os serviços. Os escores médios das três subescalas da SATIS-BR foram comparados, utilizando-se os testes não paramétricos de Kendall’s W para verificar se havia diferença significativa entre eles. Além disso, essas médias foram comparadas duas a duas, pelo teste de Wilcoxon para duas amostras relacionadas, visando identificar quais pares de subescalas apresentavam diferenças significativas. Para identificar os itens específicos da escala que apresentavam escores médios mais elevados de satisfação, foi feita uma análise da média de postos, pelo teste não Satisfação de familiares em serviços de saúde mental 287 paramétrico de Friedman. Foi utilizado o nível de significância de p < 0,05. Foi realizada também uma análise estatística univariada, para identificar as variáveis clínicas dos pacientes e as variá veis sociodemográficas dos pacientes e familiares, associadas à maior satisfação dos familiares com os serviços de saúde mental. Para as variáveis categóricas, foram utilizados o teste Man-Whitney para comparar dois grupos e o teste de Kruskal-Wallis para comparar mais de dois grupos. Para as variáveis contínuas, foi utilizada a correlação de Spearman. Não foi feita uma análise multivariada de regressão múltipla, tendo em vista que os dados dos escores de satisfação não apresentaram distribuição normal. RESULTADOS Descrição das amostras As tabelas 1 e 2 mostram os principais dados descritivos da amostra dos familiares avaliados e as características dos pacientes dos quais eles cuidavam. A maioria dos familiares era do gênero feminino (80,00%), vivendo com companheiro em união estável (60,00%), com escolaridade de ensino fundamental (71,80%). A idade média era de 54,61 anos, sendo a idade mínima de 19 e a máxima de 78 anos. A maioria dos familiares não possuía trabalho formal (79,60%), mas tinha renda própria (62,40%), de um a dois salários-mínimos (79,30%), originada principalmente de aposentadoria (54,80%). Com relação ao grau de parentesco, as mães e pais eram os principais cuidadores dos pacientes (43,60%). Os pacientes que recebiam cuidados dos familiares estudados eram, em sua maioria, do gênero feminino (57,60%) e com escolaridade de ensino fundamental (78,70%). A idade média era de 43,53 anos, sendo a mínima de 20 e a máxima de 73 anos. Grande parte possuía renda própria (62,40%), cujo valor era, na maioria dos casos (79,30%), de um a dois salários-mínimos e as principais fontes de renda eram a aposentadoria (49,00%) e o auxílio do governo (20,80%). A maioria dos pacientes possuía diagnóstico da categoria “Esquizofrenia, Transtornos esquizotípicos e Transtornos delirantes” (60,00%), não apresentava comorbidade psiquiátrica (81,20%) e não possuía doenças físicas (55,30%). Metade dos pacientes (50,60%) não havia apresentado crises no último ano e 36,50% nunca tinham sido internados em hospitais psiquiátricos. A idade média de início do transtorno psiquiátrico era de 27,10 anos; a duração média do transtorno era de 16,89 anos; e a duração média do tratamento psiquiátrico era de 13,02 anos. Os pacientes tomavam, em média, 2,99 tipos de medicamentos por dia. A maioria tomava a medicação de forma independente, sem a ajuda do familiar (65,90%). A maioria estava em regime de tratamento psiquiátrico não intensivo (56,50%). J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):284-93. 288 artigo original Bandeira M et al. Tabela 1. Principais características sociodemográficas dos familiares e dos pacientes Variáveis Categorias Familiares Frequência (%) Pacientes Frequência (%) Gênero Feminino Masculino 68 (80,00%) 17 (20,00%) 49 (57,60%) 36 (42,40%) Estado civil Solteiro Casado/Vivendo como casado Separado/divorciado/viúvo 11 (12,90%) 51 (60,00%) 23 (27,10%) Nível de escolaridade Analfabeto Ensino fundamental completo ou incompleto Ensino médio completo ou incompleto Pós-graduação 12 (14,10%) 61 (71,80%) 12 (14,10%) - 5 (5,90%) 67 (78,70%) 10 (11,80%) 3 (3,60%) Trabalho formal Sim Não 11 (20,40%) 74 (79,60%) 7 (13,20%) 78 (86,80%) Possui renda própria Sim Não 53(62,40%) 32 (37,60%) 53 (62,40%) 32 (37,60%) Renda (em salários-mínimos) <1 1a2 2,1 a 3 3,1 a 4 5 (9,40%) 42 (79,30%) 5 (9,40%) 1 (1,90%) 5 (9,40%) 42 (79,30%) 5 (9,40%) 1 (1,90%) Origem da renda Emprego ou trabalho regular Aposentadoria Pensão Auxílio do governo/Encostado Outra 11 (20,70%) 29 (54,80%) 11 (20,70%) 1 (1,90%) 1 (1,90%) 7 (13,20%) 26 (49,00%) 8 (15,10%) 11 (20,80%) 1 (1,90%) Parentesco entre familiar e paciente Mãe ou pai Irmão(a) Cônjuge Filho(a) Outro 37 (43,60%) 17 (20,00%) 15 (17,60%) 8 (9,40%) 8 (9,40%) Tabela 2. Principais características clínicas dos pacientes Variáveis Categoria diagnóstica Categorias –– Esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e delirantes –– Transtornos do humor e afetivos –– Transtornos neuróticos relacionados ao estresse e somatoforme –– Transtornos fóbicos e ansiosos –– Diagnóstico não especificado Frequência (%) Média ± desvio-padrão 51 (60,00%) 23 (27,00%) 8 (9,40%) 1 (1,20%) 2 (2,40%) Comorbidade psiquiátrica Sim Não Não especificado 15 (17,60%) 69 (81,20%) 1 (1,20) Regime de tratamento CAPS dia Ambulatorial 37 (43,50%) 48 (56,50%) Idade de início do transtorno psiquiátrico 27,10 ± 11,88 anos Duração do transtorno 16,89 ± 10,32 anos Duração do tratamento psiquiátrico 13,02 ± 9,33 anos Crises no último ano Não teve crises Teve 1 crise Teve de 2 a 5 crises Teve de 6 a 10 crises 43 (50,60%) 21 (24,70%) 17 (20,00%) 4 (4,70%) 2,74 ± 2,38 crises Internações Nunca foi internado 1 a 5 internações 6 a 10 internações Mais de 10 internações Não souberam informar 31 (36,50%) 35 (41,20%) 11 (12,90%) 7 (8,20%) 1 (1,20%) 7,42 ± 18,00 internações Número de tipos de medicamentos psiquiátricos 2,99 ± 1,21 tipos Toma o medicamento sozinho Sim Não 56 (65,90%) 29 (34,10%) Doenças físicas Sim Não 38 (44,70%) 47 (55,30%) J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):284-93. artigo original Satisfação de familiares em serviços de saúde mental Satisfação dos familiares com os serviços Análise por subescalas: A tabela 3 apresenta os escores médios de satisfação dos familiares, para a escala global e para as três subescalas da SATIS-BR e os valores de p para a comparação entre elas, duas a duas, por meio do teste não paramétrico de Wilcoxon para amostras relacionadas. O escore médio de satisfação global foi de 4,41 (DP = 0,56), em uma faixa de variação entre 1 e 5, indicando que, em geral, os familiares dos pacientes estavam entre satisfeitos e muito satisfeitos com os serviços. Os escores médios de satisfação foram elevados também para as subescalas, sendo 4,55 para a subescala 1, “Resultados do tratamento”, 4,29 para a subescala 2, “Acolhida e competência da equipe” e 4,40 para a subescala 3, “Privacidade e confidencialidade do serviço”. Uma comparação dessas médias, pelo teste não paramétrico de Kendall’s W, indicou uma diferença significativa entre elas (χ2 = 26,85; p < 0,001). A comparação das médias das subescalas duas a duas, pelo teste de Wilcoxon, confirmou que os familiares estavam significativamente mais satisfeitos em relação aos “Resultados do tratamento”, comparativamente à “Acolhida e competência da equipe” (p < 0,001) e à “Privacidade e confidencialidade do serviço” (p < 0,01). Não houve diferença estatisticamente significativa da satisfação dos familiares entre as subscalas 2 e 3 (p = 0,09). Tabela 3. Médias de satisfação dos familiares por subescalas e escala global e comparação das médias das subescalas, duas a duas, pelo teste não paramétrico de Wilcoxon Subescalas Wilcoxon Média (DP) 1. Resultados do tratamento 4,55 (0,64) 2. Acolhida e competência da equipe 4,29 (0,64) 3. Privacidade e confidencialidade do serviço 4,40 (0,59) Escala global 4,41 (0,56) p (1-2) p (1-3) 0,00** p (2-3) 0,09 0,00* ** p < 0,001; * p < 0,01; p (1-2): comparação das subescalas 1 e 2; p (1-3): comparação das subescalas 1 e 3; p (2-3): comparação das subescalas 2 e 3; DP: desvio-padrão. 289 Análise por itens: A tabela 4 apresenta os resultados descritivos dos escores de satisfação dos familiares para cada item da escala SATIS-BR, em termos das porcentagens de familiares insatisfeitos, mais ou menos satisfeitos e satisfeitos com os serviços. Os resultados mostram que a maioria dos familiares estava satisfeita ou muito satisfeita (respostas 4 e 5) em relação aos diversos aspectos avaliados (81,20% a 96,40%). Os itens que apresentaram maiores porcentagens de satisfação dos familiares foram: as medidas tomadas para assegurar a privacidade do tratamento (item 5), a confidencialidade das informações (item 6), a competência do profissional (item 7) e a capacidade dos serviços em ajudar o paciente a lidar mais eficientemente com os seus problemas (item 3). No que se refere às porcentagens mais elevadas de insatisfação, destacaram-se os itens: compreensão do paciente pelo profissional que o admitiu (item 1), compreensão pela equipe do tipo de ajuda que o paciente necessitava (item 2) e obtenção do tipo de ajuda de que o paciente necessitava (item 4). Nenhum familiar estava insatisfeito em relação à competência do terapeuta principal. A tabela 4 apresenta também os dados referentes à comparação dos escores médios de satisfação aos itens específicos da escala, por meio de uma análise da média de postos de Friedman. Os resultados mostraram uma diferença significativa entre os escores de satisfação dos familiares nos oito itens da escala (χ2 = 68,16; p < 0,001). As médias mais elevadas de satisfação se concentraram principalmente nos itens que avaliaram: os benefícios que o paciente recebeu com o tratamento (item 8), se os serviços recebidos ajudaram o paciente a lidar mais eficientemente com seus problemas (item 3), a competência do terapeuta principal (item 7) e se o paciente obteve o tipo de ajuda de que necessitava (item 4). Fatores associados à satisfação dos familiares Para a análise dos fatores associados à satisfação dos familiares, algumas categorias de variáveis foram agrupadas e outras não foram investigadas, por causa da ocorrência de Tabela 4. Porcentagens de resposta dos familiares para cada item da escala SATIS-BR e médias de postos de Friedman Insatisfeitos Mais ou menos satisfeitos Satisfeitos Respostas 1e2 Respostas 3 Respostas 4e5 1. Compreensão do paciente pelo profissional que o admitiu 5 (5,90%) 11 (12,90%) 69 (81,20%) 3,69 2. Equipe compreendeu o tipo de ajuda de que o paciente necessitava 1 (1,20%) 14 (16,50%) 70 (82,30%) 3,86 3. Serviços recebidos ajudaram o paciente a lidar melhor com os seus problemas 1 (1,20%) 4 (4,70%) 80 (94,10%) 5,27 4. Obtenção do tipo de ajuda de que o paciente necessitava 3 (3,50%) 9 (10,60%) 73 (85,90%) 4,46 5. Medidas tomadas para assegurar a privacidade do tratamento 2 (2,40%) 1 (1,20%) 82 (96,40%) 4,36 6. Confidencialidade das informações 2 (2,40%) 3 (3,50%) 80 (94,10%) 4,43 - 5 (5,90%) 80 (94,10%) 4,64 1 (1,20%) 6 (7,10%) 78 (91,70%) 5,29 Itens 7. Competência do profissional 8. Beneficiou-se com o tratamento Média de postos J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):284-93. 290 artigo original Bandeira M et al. baixas frequências de resposta. Os vários tipos de diagnósticos dos pacientes, que estavam sob cuidado desses familiares, foram agrupados em três categorias, de acordo com a CID-1027: (1) “Esquizofrenia, Transtornos esquizotípicos e Transtornos delirantes”, (2) “Transtornos do humor e afetivos”, e (3) “Transtornos neuróticos relacionados ao estresse e somatoforme”. A categoria diagnóstica Transtornos fóbicos ansiosos não foi analisada, porque tinha apenas um sujeito. Para a variável “local de tratamento”, foram comparados os dados de apenas dois serviços, ambulatório e CAPS, pois so- mente quatro pacientes faziam tratamento em um terceiro serviço. A tabela 5 apresenta os resultados referentes à análise das variáveis categóricas sociodemográficas e clínicas, associadas à satisfação dos familiares. Nessa tabela, para comparar duas categorias, foi utilizado o teste Man-Whitney e, para comparar mais de duas categorias, foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis. A tabela 6 apresenta a análise das variáveis contínuas sociodemográficas e clínicas associadas à satisfação dos familiares, por meio do coeficiente de correlação de Spearman. Tabela 5. Análise univariada das variáveis categóricas sociodemográficas e clínicas associadas à satisfação global dos familiares com os serviços, por meio dos testes Man-Whitney e Kruskal-Wallis Variáveis Categorias N Média (DP) P Gênero do paciente Feminino Masculino 68 17 4,46 (0,63) 4,34 (0,50) 0,58 Paciente frequentou escola Sim Não 80 5 4,38 (0,57) 4,80 (0,19) 0,12 Renda própria (paciente) Sim Não 53 32 4,46 (0,55) 4,34 (0,57) 0,24 51 23 4,40 (0,60) 4,44 (0,54) 0,93 Esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e transtornos delirantes Transtornos neuróticos relacionados ao estresse e somatoforme 51 8 4,40 (0,60) 4,50 (0,42) 0,99 Transtornos do humor e afetivo Transtornos neuróticos relacionados ao estresse e somatoforme 23 8 4,44 (0,54) 4,50 (0,42) 0,96 Comorbidade psiquiátrica Sim Não 15 69 4,28 (0,58) 4,44 (0,56) 0,20 Local de tratamento Ambulatório CAPS 46 35 4,41(0,51) 4,44 (0,60) 0,41 Modalidade de tratamento CAPS DIA Ambulatorial 37 48 4,37 (0,51) 4,44 (0,59) 0,31 Paciente possui doenças físicas Sim Não 38 47 4,33(0,56) 4,48 (0,55) 0,14 Paciente faz outro tratamento de saúde Sim Não 35 50 4,41 (0,51) 4,41 (0,59) 0,76 Paciente internou-se Sim Não 54 31 4,43 (0,57) 4,38 (0,54) 0,48 Paciente toma o medicamento sozinho Sim Não 56 29 4,37 (0,60) 4,49 (0,47) 0,55 Tipo de medicação Via oral Oral e intramuscular 68 17 4,46 (0,52) 4,21 (0,67) 0,17 Gênero do familiar Feminino Masculino 68 17 4,40 (0,60) 4,47 (0,38) 0,81 Familiar frequentou escola Sim Não 74 11 4,43 (0,58) 4,30 (0,36) 0,17 Renda própria do familiar Sim Não 53 32 4,42 (0,55) 4,41 (0,58) 0,83 Trabalho formal (familiar) Sim Não 53 32 4,58 (0,48) 4,39 (0,57) 0,32 Familiar reside com o paciente Sim Não 12 73 4,39 (0,54) 4,57 (0,63) 0,11 Estado civil do familiar Solteiro Casado Vivendo como casado Separado Viúvo 11 49 2 7 16 4,42 (0,52) 4,47 (0,52) 4,56 (0,27) 4,11 (0,53) 4,34 (0,72) 0,60 Parentesco do familiar com o paciente Mãe/pai Irmão Cônjuge Filho Outro 37 17 15 8 8 4,33 (0,60) 4,62 (0,46) 4,31 (0,48) 4,47 (0,54) 4,52 (0,70) 0,20 – Esquizofrenia, Transtornos Esquizotípicos e Transtornos Delirantes – Transtornos do Humor e Afetivos Categoria diagnóstica J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):284-93. artigo original Satisfação de familiares em serviços de saúde mental Os resultados das tabelas 5 e 6 mostraram que, de todas as variáveis analisadas, somente a idade do paciente e o tempo transcorrido desde a sua última internação estavam significativamente associados ao grau de satisfação dos familiares. Os familiares apresentaram maior grau de satisfação com os serviços quando os pacientes eram mais velhos (r = 0,23; p = 0,04) e quando estavam há mais tempo, medido em meses, sem passar por uma internação psiquiátrica (r = 0,26; p = 0,05). Nenhuma variável sociodemográfica dos familiares estava associada à sua satisfação com os serviços de saúde mental avaliados. Tabela 6. Análise univariada das variáveis contínuas sociodemográficas e clínicas associadas à satisfação global dos familiares com os serviços, por meio da correlação de Spearman Variáveis Média (DP) R P 43,53 (12,49) 0,23 0,04* 4,99 (3,34) - 0,18 0,10 Idade do início do transtorno psiquiátrico 27,10 (11,88) 0,04 0,74 Duração do transtorno 16,89 (10,32) 0,20 0,08 Idade do paciente Número de anos de escolaridade do paciente Duração do tratamento psiquiátrico 13,02 (9,33) 0,18 0,09 Número médio de internações 7,42 (18,00) 0,06 0,65 Duração da última internação 55,91 (67,66) 0,06 0,64 Tempo desde a última internação (em meses) 96,85 (93,60) 0,26 0,05* Número de crises no último ano 2,74 (2,38) 0,03 0,82 Número de tipos de medicamentos 2,99 (1,21) - 0,05 0,62 54,61 (14,38) - 0,01 0,94 4,98 (3,34) 0,00 0,99 555,06 (254,18) - 0,09 0,53 Idade do familiar Número de anos de escolaridade do familiar Renda do familiar (em reais) * p ≤ 0,05. DISCUSSÃO Os resultados do presente estudo mostraram que a grande maioria dos familiares (entre 81,20% e 96,40%) demonstrou satisfação ou muita satisfação em relação aos diferentes aspectos dos serviços. Uma minoria (1,20% a 5,90%) relatou estar insatisfeita ou muito insatisfeita, e uma porcentagem um pouco maior (1,20% a 16,50%) apresentou a resposta “mais ou menos”, intermediária entre satisfação e insatisfação. Dois estudos internacionais encontraram taxas mais baixas de satisfação dos familiares com os serviços de saúde mental, comparativamente ao presente estudo. Embora essa diferença de resultados possa estar relacionada com o tipo de serviço, sua organização e tratamentos envolvidos, não é possível fazer uma comparação nesse nível, uma vez que os autores não apresentaram descrições detalhadas sobre esses aspectos. Outras hipóteses, entretanto, podem ser levantadas para explicar as diferenças entre os resultados dos estudos. Na pesquisa de Perreault et al.7, as porcentagens 291 mais baixas de satisfação ou muita satisfação encontradas (46,40% a 85,70%) talvez se expliquem pelo tipo de amostra avaliada, pois se tratava de familiares que faziam parte de grupos de suporte, portanto possivelmente mais organizados, informados e engajados em movimentos coletivos do que os familiares da amostra brasileira avaliada, o que poderia talvez contribuir para uma manifestação mais aberta de opiniões, expectativas e críticas. Além disso, a forma de coletar os dados, por meio de entrevistas por telefone, talvez tenha contribuído também para uma maior manifestação de insatisfação do que entrevistas face a face, tal como utilizada no presente trabalho. No estudo de Stengard et al.8, os familiares foram entrevistados em uma avaliação de follow-up após a alta de internação, sendo que dois terços da amostra demonstraram satisfação com os serviços, enquanto um terço apresentou insatisfação, particularmente com a falta de sua participação no tratamento e com a falta de informações por parte dos profissionais dos serviços. Neste estudo, o tipo de amostra também pode ter contribuído para uma maior manifestação de insatisfação, pois se tratava de 60% dos familiares da amostra total do estudo, cujos pacientes estavam em condições clínicas mais desfavoráveis do que o restante da amostra total, uma vez que usavam mais medicamentos, frequentavam mais os serviços e apresentavam menor grau de autonomia. Além disso, tratava-se de pacientes que tinham recebido alta dos hospitais há apenas três anos, possivelmente ainda em processo de readaptação. No presente estudo, ao contrário, a amostra era constituída por pacientes estabilizados, que estavam em regime ambulatorial, viviam na comunidade e tinham uma média de 17,89 anos de duração da doença, e a maioria (51,80%) tinha tido apenas uma ou nenhuma internação, há 96,85 meses em média. No último ano, a maioria (75,30%) tinha sofrido apenas uma ou nenhuma crise. A presente amostra apresenta, portanto, características diferentes das amostras dos dois estudos citados acima, que talvez expliquem as diferenças de resultados da satisfação dos familiares. No que se refere às condições clínicas dos pacientes, já foi constatado que essa variável está associada à satisfação dos familiares com os serviços. Por exemplo, Stengard et al.8 encontraram que familiares de pacientes com melhor funcionamento global estavam mais satisfeitos com os serviços de saúde mental (OR = 0,73; p = 0,003). O estudo de Perreault et al.7 também mostrou que a satisfação dos familiares estava significativamente associada ao maior tempo de duração da doença do paciente (r = 0.21 e p = 0.014), o que sugere estabilidade do quadro clínico dos pacientes. No presente estudo, a maior satisfação dos familiares estava correlacionada com duas variáveis dos pacientes: maior tempo transcorrido desde a última internação e maior idade, o que também sugere uma estabilidade do quadro clínico. Na presente amostra, os pacientes com maior idade eram também aqueles J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):284-93. 292 artigo original Bandeira M et al. que possuíam o transtorno psiquiátrico há mais tempo (r = 0,39, p < 0,001), que faziam tratamento psiquiátrico por um período mais longo (r = 0,37, p ≤ 0,001) e que estavam há mais tempo sem internação (r = 0,54, p < 0,001). Outra hipótese explicativa dos resultados da presente pesquisa pode ser levantada examinando a realidade dos serviços de saúde do país, comparativamente aos serviços de saúde mental e os efeitos dessa comparação nas expectativas e apreciações dos familiares dos pacientes psiquiátricos. A alta satisfação dos familiares do presente trabalho talvez se explique à luz do modelo da expectativa, em particular a teoria do contraste, descrito na introdução deste artigo. Segundo esse modelo, os sujeitos avaliam um determinado serviço, com base em uma comparação que fazem entre a experiên cia atual com o serviço e experiências prévias com outros serviços de saúde. No presente estudo, uma comparação entre as experiências prévias dos familiares com os serviços de saúde em geral, tais como os postos de saúde, nos quais eles enfrentam filas de espera longas para conseguir uma consulta, em contraste com a de um serviço de saúde mental, como os CAPS, apontaria para as vantagens desse último serviço. No estudo de Silva28, os próprios pacientes haviam relatado que, nos CAPS, eles não necessitam enfrentar filas de espera para marcar consultas, além de terem medicamentos gratuitos, e que eles se sentiam satisfeitos com os serviços de saúde mental por causa dessas suas características. Essa interpretação é coerente com os resultados de outros estudos brasileiros com pacientes psiquiátricos, que também relataram alto nível de satisfação desses pacientes com os serviços17-19. No entanto, outro resultado da presente pesquisa, que merece comentários, foi o fato de a variável serviço não constituir um fator associado ao grau de satisfação dos familiares, embora se tratasse de dois tipos teoricamente diferentes de serviço, CAPS e ambulatório. Esses resultados são surpreendentes, pois serviços definidos por objetivos e organizações distintas tenderiam a proporcionar níveis diferenciados de satisfação dos familiares, por exemplo, quando esses serviços desenvolvem intervenções diferentes7. Os CAPS deveriam, em princípio, ser diferentes dos ambulatórios, em termos da diversidade de intervenções e da atenção mais frequente e intensiva aos pacientes e seus familiares, podendo gerar níveis diferentes de satisfação. Os resultados encontrados no presente trabalho talvez se expliquem pela semelhança de tratamento oferecido aos pacientes da presente amostra, independentemente do tipo de serviço que frequentavam. Como se tratava de pacientes estabilizados, o tratamento se limitou ao medicamento e consultas médicas infrequentes, em ambos os tipos de serviço. Esses dados sugerem uma realidade peculiar dos serviços de saúde mental avaliados e apontam para a necessidade de maior diferenciação entre eles. Destaca-se, em particular, a necessidade de maior desenvolvimento, nos CAPS, das ações previstas de intervenções psicoeducacionais de grupo, com os familiares J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):284-93. e pacientes e visitas domiciliares. Uma tendência à “ambulatorização” dos CAPS já foi apontada em outras localidades, assim como a escassez de intervenções voltadas para a reinserção social dos pacientes, o que compromete a qualidade do atendimento em saúde mental29. O presente estudo apresenta a limitação de ter incluído uma amostra pequena, e do tipo não aleatório, de familiares participantes. Amostras não aleatórias podem influenciar os resultados em favor de um maior grau de satisfação dos familiares com os serviços. O tamanho reduzido da amostra pode também ter influenciado o resultado referente à falta de diferenciação entre os serviços. Pesquisas futuras com amostras aleatórias e de maior tamanho poderão reavaliar os resultados obtidos. CONCLUSÃO Os dados destacaram a elevada porcentagem de satisfação dos familiares com os serviços de saúde mental, o que talvez se explique pelo contraste cognitivo com outros serviços de saúde. Dentre os fatores associados à satisfação, destacou-se a influência das variáveis dos pacientes, em particular suas condições clínicas, no grau de satisfação dos familiares cuidadores. O nível de satisfação não diferiu entre dois tipos teoricamente diversos de serviço, CAPS e ambulatório, provavelmente devido a semelhanças do tratamento oferecido nesses serviços. Esses resultados apontam para a necessidade de maior diferenciação entre os serviços, porém tais dados devem ser reavaliados em estudos futuros, com amostras maiores. CONFLITO DE INTERESSES Nenhum. FINANCIAMENTO Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). REFERÊNCIAS 1. World Health Organization. The World Health Report, Mental Health: New Understanding, New Hope; 2001. 2. Hamson L. Outcome assessment in psychiatric service evaluation. Soc Psychiatry Psychiatric Epidemiol. 2001;36:244-8. 3. Donabedian A. 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J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):284-93. artigo original Tentativas de suicídio e mortalidade por suicídio em um município no interior da Bahia Suicide attempts and suicide mortality in a countryside Bahia city Viviane dos Santos Souza1, Murilo da Silva Alves1, Lívia Angeli Silva2, Débora Cristiane Silva Flores Lino3, Adriana Alves Nery4, Cezar Augusto Casotti4 RESUMO Palavras-chave Suicídio, tentativa de suicídio, epidemiologia, declaração de óbito. Objetivo: Descrever o perfil das tentativas de suicídio e mortalidade por suicídio no município de Jequié/BA, no período entre 2006 e 2010. Método: Estudo epidemiológico descritivo. Os dados das tentativas de suicídio foram obtidos no Corpo de Bombeiros e DATASUS, enquanto aqueles referentes à mortalidade por suicídio foram coletados por meio das declarações de óbito (DOs) da 13ª Diretoria Regional de Saúde da Bahia (13ª DIRES) e complementados pelos registros do Instituto Médico Legal (IML). A análise foi feita por meio de estatística descritiva. Resultados: Nas tentativas de suicídio, a maior frequência foi na faixa etária de 20 a 39 anos (57,69%), entre indivíduos do sexo feminino (53,4%) e utilizando-se como meio a queda de altura (69,2%). Em relação ao suicídio, a taxa média de mortalidade foi de 3,19/100.000 habitantes, com maior frequência em indivíduos acima dos 40 anos (54,16%), do sexo masculino (87,5%), por meio de enforcamento (58,3%) e tendo como local de ocorrência o domicílio (83,33%). Conclusão: O município mostrou-se dentro das estatísticas da região Nordeste e abaixo das taxas nacionais de suicídio. Houve diferenciação entre as características do perfil das tentativas de suicídio e mortalidade por suicídio, especialmente segundo o sexo, faixa etária e meios utilizados. ABSTRACT Keywords Suicide, suicide attempt, epidemiology, death certificate. Recebido em 11/8/2011 Aprovado em 29/11/2011 Objective: Describing the profile of suicide attempts and suicide mortality in the city of Jequié/BA, in the period between 2006 and 2010. Method: A descriptive epidemiological study. Data of suicide attempts were obtained from the Fire Department and DATASUS, while those related to suicide mortality were collected by means of Death Certificates (DOs) of the 13th Regional Health Board of Bahia (13th DIRES) and supplemented by records from the Forensic Medicine Institute (IML). The analysis was made using descriptive statistics. Results: In suicide attempts, the biggest frequency was in people aged from 20 to 39 years (57.69%); among females (53.4%) and using as means the fall from height (69.2%). Regarding suicide, the average mortality rate was 3.19/100,000 inhabitants, most frequently in people over 40 years (54.16%), male (87.5%), by hanging (58.3%) and taking the place of occurrence as the home (83.33%). Conclusion: The city showed up in the statistics of the Northeast region and below the national rates of suicide. There was differentiation between the profile characteristics of suicide attempts and suicide mortality, especially by gender, age and used means. 1 Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Programa de Pós-Graduação em Enfermagem e Saúde (PPGES). 2 UESB, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), PPGES. 3 Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Grupo de Pesquisa em Saúde Mental. 4 UESB, Departamento de Saúde, PPGES. Endereço para correspondência: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Programa de Pós-Graduação em Enfermagem e Saúde (PPGES). Rua José Moreira Sobrinho, s/n, Jequiezinho – 45206-190 – Jequié, BA Telefax: (73) 3528-9738 E-mail: [email protected] artigo original INTRODUÇÃO O suicídio constitui-se como um grave problema de saúde pública mundial, em especial por seu crescimento entre a população mais jovem1,2. Segundo estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), o suicídio é definido como o ato humano de causar a cessação da própria vida, sendo uma das dez principais causas de morte em todo o mundo, chegando a ocupar a terceira posição entre os óbitos ocorridos na faixa etária de 15 a 35 anos3,4. As tentativas de suicídio e o comportamento suicida podem ser conceituados como atos intencionais de autoagressão que não resultam em morte, podendo envolver atos mais graves, para os quais são necessárias hospitalizações. Algumas autoagressões podem, ainda, não necessitar de atendimento médico, o que dificulta a realização de estudos acerca das tentativas de suicídio5. Dados da OMS mostram que, no ano de 2000, 1 milhão de pessoas cometeram suicídio no mundo, o que representou uma morte a cada 40 segundos5,6. Anualmente, 10 a 20 milhões de pessoas tentam o suicídio7. O Brasil apresenta uma taxa geral de suicídio considerada baixa na escala mundial (4 a 6 óbitos por 100.000 habitantes), ocupando o 71º lugar quando comparado com outros países no mundo e 9ª posição em números absolutos de mortes por suicídio2,8. O Brasil encontra-se distante das maiores taxas de suicídio mundiais, mais de 16/100.000 habitantes, como encontradas na França, China, Suíça, Bélgica, Áustria, Estados Unidos e no Leste Europeu. Contudo, registros nacionais sobre a mortalidade demonstram o aumento da incidência de suicídios na faixa etária de adulto jovem, principalmente no sexo masculino, mesmo considerando as possíveis subnotificações existentes3,5,9. De acordo com dados de 2006, a mortalidade por suicídio no Brasil computou um total de 8.506 mortes, correspondendo a 6,7% do total de mortes naquele ano3. Entre as regiões brasileiras, a região Sudeste concentra 50% dos registros de suicídio; a região Sul possui os maiores coeficientes de suicídio; e as regiões Norte e Nordeste apresentam os menores índices. Os estados brasileiros com maiores taxas de suicídio são o Rio Grande do Sul (8 a 10/100.000 habitantes), Santa Catarina (7 a 8,5/100.000 habitantes), Paraná (7,1 suicídios por 100.000 habitantes), seguidos de São Paulo e Goiás7,10,11,. A região Norte apresentou a média de 3,4 mortes por 100 mil/habitantes e a Nordeste, uma média de 2,7 mortes por 100 mil/habitantes. Os maiores aumentos de suicídio foram verificados na região Nordeste, que experimentou um incremento de 130% entre 1980 e 2006, e na região Centro-Oeste, com aumento de 68% no mesmo período12. Diversos estudos comprovaram fatores associados ao suicídio, principalmente os socioeconômicos. Nesse sentido, a baixa escolaridade e a pobreza, normalmente associadas entre si, além de viuvez, perda de uma pessoa querida, sepa- Tentativas e suicídios em um município da Bahia 295 ração afetiva, desentendimentos com familiares ou amigos, divórcio e solidão das grandes cidades, são considerados fatores ou circunstâncias que podem aumentar o risco de suicídio por serem produtores de estresse, bem como outros, que incluem religião, problemas legais, desemprego e trabalho, especialmente o agrícola3,4,8. Uso abusivo de álcool e drogas, disponibilidade dos meios para efetuar o ato suicida, violência física e/ou sexual na infância, isolamento social, baixo suporte social e familiar, baixa qualificação profissional, histórico de tratamento psiquiátrico e distúrbios psíquicos, como depressão, esquizofrenia ou falta de esperança, podem, ainda, ser contributivos para o aumento de risco e a consumação da tentativa de suicídio4,9,10,13. Tais observações demonstram que esse ato não possui uma única causa ou razão, mas resulta de uma complexa interação de fatores, entre eles os biológicos, genéticos, psicológicos, sociais, culturais e ambientais, sendo difícil explicar como a exposição aos mesmos fatores de risco implicam condutas diferenciadas dependendo dos sujeitos envolvidos3,4,8. O comportamento autodestrutivo, como o uso de substâncias psicoativas, recusa de tratamento médico, determinados estilos de vida que também podem resultar em morte, é considerado por alguns autores como comportamento suicida, mas que pode ser distorcido ou mascarado como se tivesse sido natural5. O suicídio tem impactos diretos sobre a vida de familiares e pessoas próximas ao suicida. Além disso, representa prejuízos para a sociedade, pelos investimentos necessários para a formação do indivíduo, anos potenciais de vida perdidos devido à morte precoce e aos custos de internações com indivíduos que não obtêm sucesso com o ato. Na perspectiva de prevenir comportamentos suicidas, foi publicado em 2006, pelo Ministério da Saúde, o Manual de Prevenção ao Suicídio, destinado aos profissionais das equipes de saúde mental14. No Brasil e em outros países, a qualidade dos dados disponibilizados referentes aos óbitos é fator que limita as pesquisas sobre a mortalidade por suicídio10. A ocorrência de subnotificação dos casos de suicídio acontece devido a motivações religiosas, sociais, culturais, entre outras15. Alguns autores indicam que essa distorção deve variar no espaço e no tempo, entre 20% e 100%5. Tais distorções podem estar relacionadas a estigma social acerca do óbito por suicídio, razões jurídicas, religiosidade devido à não aprovação do suicídio e, ainda, a relutância ou preen chimento inadequado pelo profissional médico ao registrar o óbito como “morte acidental” ou “causa indeterminada”16. Os acidentes e as violências têm causado intenso impacto na morbimortalidade da população brasileira. Por isso, o governo tem implementado políticas públicas, a exemplo da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e do Plano Nacional para Prevenção do Suicídio, lançado em 2009. Estas surgem como iniciativas do Ministério da Saúde para tentar diminuir a incidência de casos no J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):294-300. artigo original Souza VS et al. Brasil, visando à redução das taxas de mortes por suicídio e danos causados às pessoas envolvidas direta e indiretamente nesse ato3. Tais políticas são importantes, uma vez que a rede de saúde enfrenta desafios para desenvolver ações preventivas e assistenciais relacionadas ao suicídio. Nesse sentido, mais estudos são necessários, com o objetivo de produzir informações que colaborem na formulação de estratégias para a redução da morbimortalidade da população, reduzindo as taxas de tentativas de suicídio no Brasil. Assim, visando melhorar a situação de saúde e subsidiar o planejamento de ações preventivas nos serviços de saúde, este estudo objetivou descrever o perfil das tentativas de suicídio e mortalidade por suicídio no município de Jequié/BA, no período de 2006 a 2010. MÉTODO Trata-se de estudo epidemiológico descritivo, com dados do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) obtidos na 13ª Diretoria Regional de Saúde da Bahia (13ª DIRES) e do 8º Grupamento de Bombeiro Militar (8º GBM) de Jequié/BA, complementados com dados do Instituto Médico Legal (IML) e do Sistema de Informação Hospitalar (SIH) do DATASUS. O município de Jequié localiza-se na região Sudoeste da Bahia, distante 365 quilômetros de Salvador, capital do estado, e possui uma população de 151.921 habitantes17. Os dados de mortalidade foram obtidos na 13ª DIRES, por meio das declarações de óbito (DOs) registradas no SIM, correspondentes às Causas Externas da Classificação Internacional de Doenças (CID-10). Quando necessário esclarecimento ou confirmação da causa de morte, uma vez que alguns campos da DO não estavam preenchidos ou remetiam à duplicidade de causa entre suicídio e homicídio, foram consultados os registros do IML do município. Para identificar as tentativas de suicídio, recorreu-se aos dados do 8º GBM de Jequié/BA, por este possuir melhor qualidade de informações, uma vez que é o serviço requisitado para atendimento nesses casos. Para fins deste estudo, foram incluídas nessa categoria as ameaças de suicídio que não se concretizaram em virtude da intervenção desse serviço e que são registradas por ele. Os dados foram obtidos nas planilhas de controle de ocorrência, nas quais existe um campo específico para as tentativas de suicídio, sendo descartadas as que obtiveram sucesso, com óbito, uma vez que já estavam presentes nas DOs da 13ª DIRES e IML. Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva, utilizando o programa Excel versão 2007. Foram definidas como variáveis para o suicídio: sexo, idade, etnia, escolaridade, estado civil, ocupação, local de ocorrência do evento, local de moradia, meio utilizado, CID-10, horário, dia da semana, mês e ano do óbito. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):294-300. Em relação às tentativas, as variáveis foram em menor número, devido à pequena quantidade de informações disponibilizadas nos relatórios do Corpo de Bombeiros sobre as ocorrências. Assim, utilizaram-se as variáveis: sexo, idade, local de ocorrência do evento, local de moradia, meio utilizado, horário, dia da semana, mês, ano da ocorrência e consumação das tentativas. Analisou-se, ainda, a tendência das internações por tentativa de suicídio no período de 2006 a 2010, com base nos dados do SIH/DATASUS. O projeto de pesquisa foi avaliado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (CEP/UESB), sendo aprovado com o parecer nº 210/2010. RESULTADOS No período 2006 a 2010, foram registrados no município de Jequié 24 suicídios (taxa média de mortalidade de 3,19 por 100.000 habitantes) e 26 tentativas de suicídio, com média de 3,45 casos por 100.000 habitantes. Na distribuição ao longo dos cinco anos, há uma tendência decrescente nos casos de suicídio, apresentando um pico no ano de 2009 (4,64/100.000) com a maior taxa do período. Em contrapartida, as tentativas apresentam uma tendência crescente, conforme a figura 1. Coeficiente 296 6 5 4 3 2 1 0 Tentativas Suicídio 2006 2007 2008 2009 2009 2010 Figura 1. Distribuição do coeficiente de mortalidade por suicídio e tentativas de suicídio no período de 2006 a 2010 (Jequié/BA, 2011). Dentre as tentativas, verificou-se que a maioria, 61,53% (n = 16), não consumou o ato planejado, geralmente por causa da intervenção do serviço de resgate e/ou de pessoas da comunidade, enquanto 30,76% (n = 8) consumaram o ato, mas não foram a óbito. Ressalta-se que, das tentativas, dois casos (7,69%) não possuíam informações quanto à consumação do ato. Observou-se predominância de suicídio no sexo masculino, com 87,5% (n = 21), enquanto nas tentativas predominou o sexo feminino, com 53,4% (n = 14). Assim, a taxa de mor- artigo original Tentativas e suicídios em um município da Bahia talidade por suicídio entre os homens foi de 5,71/100.000 e entre as mulheres foi de 0,78/100.000. Já em relação aos casos de tentativas entre os homens, constatou-se uma taxa média de 2,71/100.000 e entre as mulheres, de 3,64/100.000. A proporção de suicídios de mulheres em relação aos homens foi de 1:4. Em comparação, nas tentativas, a proporção de homens em relação às mulheres foi de 1:1,4. No que se refere à idade, verificou-se que, nos casos de suicídio, houve uma concentração na faixa etária de 40 anos e mais. Já nos casos de tentativas, concentrou-se entre 20 e 39 anos, conforme se observa na tabela 1. Quanto ao intervalo entre idade mínima e máxima, encontrou-se uma variação de 16 a 76 anos para as tentativas e 16 a 77 anos para os casos de suicídio. Tabela 1. Distribuição dos casos de tentativas de suicídio e suicídio, segundo sexo e idade, no período de 2006 a 2010 (Jequié/BA, 2011) Características segundo sexo e idade Tentativas de suicídio chimento com 91,66% (n = 22) e 8,3% preenchidos com 4 a 7 anos de estudos concluídos (n = 3). Para o suicídio, os meios utilizados foram enforcamento 58,33% (n = 14), seguido de arma de fogo, envenenamento e queda de altura, com o mesmo percentual de 12,5% (n = 3) cada um deles, e queimadura (4,17%, n = 1). Já nos casos das tentativas, os meios utilizados foram a queda de altura em 69,23% (n = 18) dos casos, seguida de envenenamento, com 23,08% (n = 6) e 7,69% (n = 2) sem informação. Nos casos de óbitos por suicídio, foram identificadas as seguintes causas de morte de acordo com a Classificação Internacional de Doenças, conforme a tabela 2. Tabela 2. Distribuição da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) nos casos de suicídio, no período de 2006 a 2010 (Jequié/ BA, 2011) Suicídio Classificação Internacional de Doenças – CID-10 N % 2 8,33 X69 Autointoxicação por substâncias não especificadas 1 4,17 X70 Lesão autoprovocada intencionalmente por enforcamento 14 58,3 X74 Lesão autoprovocada intencionalmente por disparos de arma de fogo 3 X68 Autointoxicação por pesticidas Evento Suicídio Total 297 N % N % N % X76 Lesão autoprovocada intencionalmente pela fumaça, pelo fogo e por chamas 1 4,17 Masculino 10 38,46 21 87,5 31 62 X80 Lesão autoprovocada intencionalmente por precipitação de lugar elevado 3 12,5 Feminino 14 53,84 3 12,5 17 34 TOTAL 24 100 Sem registro 2 7,96 - - 2 4 Sexo Faixa etária (em anos) < 20 2 7,69 3 12,5 5 10 20-30 8 30,77 4 16,67 12 24 30-40 7 26,92 4 16,67 11 22 40-50 6 23,08 8 33,33 14 28 Acima dos 50 anos 1 3,85 5 20,83 6 12 Sem registro 2 7,69 - - 2 4 26 100 24 100 50 100 TOTAL No que diz respeito à ocupação das vítimas de suicídio, identificou-se que não havia essa informação no campo correspondente na DO em 25% (n = 6) dos casos. Nas demais, 12,5% (n = 3) eram estudantes, seguidos de profissionais autônomos, carpinteiros, comerciantes e trabalhadores rurais, e cada uma dessas classes correspondia a 8,33% (n = 2). E com menor percentual, verificaram-se as seguintes ocupações: agrônomo, aposentado, do lar, funcionário público, industriário, motorista e pedreiro, com 4,16% (n = 1) cada. Em relação ao campo raça/cor da DO, foram encontrados 41,66% pardos (n = 10), 29,16% brancos (n = 7), 16,66% ignorados (n = 4) e 12,5% de cor preta (n = 3). Em relação ao estado civil, prevaleceram os solteiros (41,66%, n = 10), seguidos dos casos ignorados (41,66%, n = 10) e casados (16,66%, n = 4). A escolaridade apresentou a maior taxa de não preen- 12,5 Os suicídios ocorreram com maior frequência no inverno (29,17%) e no verão (29,17%), principalmente nos dias de quinta-feira (20,83%), sexta-feira (16,87%) e domingo (16,87%). Já as tentativas ocorreram, mais frequentemente, no outono (26,92%) e primavera (26,92%), prevalecendo os dias de sábado (23,1%) e terça-feira (19,23%). Em relação aos horários predominantes para o suicídio, não foi possível essa identificação, pois o horário em que ocorreu o evento que precipitou o suicídio não constava no registro da declaração de óbito, mas apenas o horário do próprio óbito, que nem sempre coincide com o horário do ato suicida. Quanto às tentativas, estas acontecem, preferencialmente, nos turnos da manhã (46,15%) e noite (30,77%). No município, os suicídios ocorrem com maior frequência em residentes do Centro da cidade (20,83%) e no bairro do Joaquim Romão (16,67%). Este último é um dos maiores bairros do município que, por sua grande extensão, abrange tanto o perímetro central da cidade quanto o periférico; enquanto as tentativas foram mais frequentes nos bairros Joaquim Romão (23,08%) e Curral Novo (19,23%), sendo este último um bairro periférico. Tal bairro possui uma característica geográfica que merece destaque no estudo, uma vez que a existência de uma elevada formação rochosa denominada Pedra do Curral Novo tem favorecido a acessibilidade para tentativas de suicídio. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):294-300. 298 Souza VS et al. Nos casos de suicídio, verificou-se uma relação entre meio utilizado e local da ocorrência. Dentre os casos, 83,33% (n = 20) ocorreram no domicílio, estando mais relacionados a enforcamentos (65%), lesões por armas de fogo (15%), envenenamentos (10%), queimaduras (5%) e queda de altura (5%). Quanto aos demais locais, 8,33% (n = 2) dos casos de suicídio ocorreram em decorrência da queda de altura, em que foi utilizada a formação rochosa existente no município e 8,33% (n = 2) em local não informado, sendo um caso de envenenamento e outro de enforcamento. Nas tentativas, a relação verificada decorreu entre o meio utilizado e o local de residência. Houve predomínio da precipitação de altura (69,23%), estando estas relacionadas com os ambientes próximos ao local de residência, como pontes, viaduto, telhados, sacadas e mais destacadamente a Pedra do Curral Novo (61,11%). Nota-se que, apesar da tendência ascendente nos casos de tentativa de suicídio, com variação de 2,01/100.000 habitantes em 2006 para 5,26/100.000 habitantes em 2010, os dados de internação referente ao mesmo período apresentam certa linearidade. As taxas anuais foram, respectivamente, 0,67, 1,34, 0,66, 0,0 e 0,65. DISCUSSÃO Os resultados do estudo mostram que a taxa de mortalidade por suicídio no município apresenta oscilações, variando de 4,02 em 2006 a 1,97 em 2010, com a maior taxa no período de 4,64 em 2009 e taxa média de 3,19/100.000 habitantes. No âmbito nacional, outros estudos apresentam a taxa geral de mortalidade por suicídio, no Brasil, estimada entre 4,1 e 5,7/100.00012,18-20, e, no Nordeste, essa taxa varia entre 2,4 e 3,1 suicídios por 100 mil/habitantes12,20. Assim, acompanhando as estimativas nacionais, o município apresenta uma taxa média de mortalidade baixa, contudo, de acordo com o perfil epidemiológico da região Nordeste, essa taxa no município apresenta-se no limiar máximo para a região, constituindo-se em fator relevante para o planejamento das políticas públicas e gestão da saúde em nível local. Identificou-se que a tentativa de suicídio encontra-se em ascensão no período estudado, constituindo-se em risco para o aumento da mortalidade por suicídio. As taxas de tentativas mais elevadas que as de suicídios convergem com outros estudos19,21, estimando-se que as tentativas de suicídio sejam 20 vezes mais frequentes do que os suicídios19. Apesar de no Brasil os óbitos associados ao suicídio constarem nos bancos de dados do SIM, no que se refere às informações sobre as tentativas de suicídio não há registro ou notificação sistemática nos serviços de saúde, fazendo-se necessário consultar informações em outros serviços, como a Polícia Militar21 e, neste estudo, o Corpo de Bombeiros. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):294-300. artigo original Mesmo nos casos de suicídio, em que há um sistema de informação que disponibiliza dados sobre o evento, observam-se falhas no preenchimento das DOs e lacunas na alimentação do sistema. Esses fatores geram subnotificação e/ ou discrepâncias entre os dados sobre suicídios nas pesquisas e aqueles disponibilizados no DATASUS1,19,20. Inconsistências de dados foram identificadas neste estudo ao comparar o número de casos de suicídio registrados no SIM/DATASUS de domínio público com os dados do mesmo período, obtidos diretamente das DOs na 13ª DIRES, onde foi encontrado um número menor de casos, semelhante ao que foi identificado no estudo de Parente et al.20. Quanto ao preenchimento das DOs, verificou-se incompletude de modo geral e, principalmente, nas variáveis raça/ cor (16,66% ignorados), estado civil (41,66% ignorados) e escolaridade (91,66% ignorados), que apresentaram baixo índice de completude como também foi observado em outro estudo1. As duas últimas variáveis apresentaram, respectivamente, o índice de completude ruim (não completude de 20% a 50%) e muito ruim (não completude acima de 50%), segundo o escore proposto por Romero e Cunha22. Alguns estudos destacam o suicídio como a mais passível de subestimação entre as causas externas1,23 de mortalidade, relacionando-se a vários motivos (religiosos, sociais, culturais, políticos, econômicos etc.), os quais geram omissão de informações e subnotificação1,15,16. O suicídio apresenta um dos piores índices de preenchimento das DOs, de acordo com o estudo de Macente e Zandonade1, que realizaram uma avaliação da completude do sistema de informação sobre mortalidade por suicídio. No que se refere ao perfil dos casos de suicídio e de tentativas, verificaram-se significativas diferenças, principalmente em relação às características sexo, idade e meios utilizados, que convergem com os resultados encontrados por Macente et al.21. Quanto ao sexo, os resultados estão em conformidade com a produção científica, ocorrendo o predomínio de suicídio no sexo masculino5,12,19-21,24-27, com proporção de quatro casos masculinos para um feminino, corroborando o estudo de Viana et al.24, enquanto as tentativas ocorrem mais destacadamente entre o sexo feminino13,19,21,28. Em relação à idade, as tentativas são mais comuns entre os jovens, enquanto o suicídio é mais frequente entre a população acima de 40 anos, também identificado em outros estudos9,12,13,19,21-26,28. Isso reflete a influência que os fatores socioeconômicos e psicossociais19 relacionados às fases do ciclo vital exercem sobre a tentativa de suicídio, mais comum em adultos jovens9,13,28, enquanto a consumação com êxito se observa mais nas idades avançadas12,19,21,24-26. Nota-se uma relação entre os meios utilizados e o índice de letalidade19, tendo em vista que, nos suicídios, o meio mais utilizado foi o enforcamento (58,33%)12,19-21,24-27, enquanto nas tentativas os meios mais utilizados foram a ameaça de precipitação de altura (69,23%) e o envenenamento artigo original (23,08%), aproximando-se de outros estudos com resultados semelhantes12,19,20,24-26,28,. A ameaça de precipitação de altura como meio mais utilizado nas tentativas merece destaque, pois 61,11% ocorreram em uma elevação rochosa no município, sugerindo que os fatores geográficos podem favorecer a escolha do método. Ainda em relação às tentativas na elevação rochosa, observou-se que, nos casos em que houve intervenção da equipe de resgate, foi possível evitar a precipitação, por causa do treinamento específico que o Corpo de Bombeiros possui para esse tipo de intervenção. Isso reforça a necessidade de que as equipes do SAMU também sejam qualificadas para o atendimento às tentativas de suicídio em lugares de risco. Verificou-se que nas tentativas as intervenções foram realizadas pela equipe de bombeiros e população local (religiosos, familiares, vizinhos, amigos e pessoas que passavam no local). Logo, o papel das equipes de saúde restringiu-se à prestação de atendimento nos casos de lesão física em consequência da efetivação do plano suicida. Os meios utilizados estão associados ao perfil das pessoas que cometem e tentam o suicídio, principalmente ao sexo e idade. A maioria dos que obtêm sucesso é de homens com faixa etária de mais idade19,26, logo utilizam meios mais violentos e letais, como enforcamento e disparo de arma de fogo24,25,27, enquanto nas tentativas a maioria é de mulheres e jovens26, que escolhem métodos mais suaves e lentos, com destaque para o envenenamento e a queda de altura19,21. Tais características perpassam os signos da masculinidade e da feminilidade e relacionam-se à produção de sentidos acerca do suicídio e da tentativa, para ambos os sexos21,29. Aos meios utilizados relacionou-se, ainda, o local do evento e residência. Estes, por sua vez, possuem influência, respectivamente, sobre a disponibilidade e a acessibilidade aos meios19. Observou-se que 83,33% dos suicídios ocorreram na residência12,25, por meio de enforcamento (65%), seguido de disparos de arma de fogo, envenenamentos e queda de altura, convergindo com outros estudos12,25. Nesse sentido, as equipes de saúde da família e de saúde mental podem ser capacitadas para a identificação das pessoas e grupos vulneráveis ao evento, a fim de orientar as famílias e pessoas que convivem com tais grupos, visando à vigilância e à prevenção do evento14,30. Em relação às tentativas, o meio mais utilizado foi a precipitação de altura (69,23%)19,21, estando relacionadas aos ambientes próximos da residência, como pontes, viaduto, telhados, sacadas e, mais destacadamente, a Pedra do Curral Novo (61,11%). O fato de ocorrerem em locais públicos favorece a intervenção em tempo oportuno, enquanto os casos que ocorrem no domicílio, na maioria das vezes, não são percebidos antes da consumação do ato. Nos casos de tentativa no domicílio, a intervenção ocorre após o dano, como nas tentativas por ingestão de substâncias químicas e medicamentos (30,77%). Tentativas e suicídios em um município da Bahia 299 No que se refere aos dias da semana, constatou-se que, no suicídio, houve maior concentração na quinta-feira, seguida da sexta-feira e do domingo, convergindo com outro estudo em relação à sexta-feira21. Nas tentativas, essa concentração ocorreu no sábado, seguido da terça-feira. Os turnos de maior ocorrência das tentativas são as manhãs e as noites, percebendo-se que no período da manhã ocorreram, principalmente, as tentativas por precipitação de altura. Quanto à morbidade por tentativas de suicídio, ao investigar os registros do SIH, encontrou-se discrepância em relação à característica ascendente das tentativas. Apenas os casos mais graves levam à internação hospitalar, sendo a maioria dos casos atendida nas emergências, o que acaba não gerando AIHs21. Assim, os dados de internação obtidos no Sistema de Informação Hospitalar, referentes a 2009, destoam dos dados de mortalidade e tentativas encontrados no estudo, pois esse foi o ano que apresentou maior taxa de mortalidade (4,64/100.000 habitantes) e a segunda maior taxa de tentativas, enquanto as internações registradas decorrentes das tentativas de suicídio, no ano de 2009, apresentaram taxa zero. Dentre as limitações do estudo, destaca-se a escassez de dados oficiais sobre tentativas de suicídio, que levou à restrição da utilização aos casos atendidos pelo Corpo de Bombeiros. Ao observar que muitas intervenções são feitas por populares, amigos e familiares das vítimas, ou pelas equipes de Saúde Mental, Saúde da Família e Serviço Pré-hospitalar, considera-se uma provável subestimação de casos. Outra limitação diz respeito à impossibilidade de verificação das reincidências dos casos, dado o caráter transversal do estudo. Logo, faz-se necessário desenvolver pesquisas, com maior amplitude e utilização de fontes de dados diversas, que apresentem uma caracterização mais fidedigna do perfil de tentativas, bem como a correlação destas com transtornos psiquiátricos e uso de substâncias psicoativas. Além disso, percebe-se grande lacuna de conhecimento no que se refere aos estudos sobre suicídio e tentativas de suicídio na região Nordeste, bem como pesquisas em municípios de pequeno e médio porte. Assim, este estudo visa contribuir com a construção de conhecimento nessa perspectiva e também apontar para a necessidade de novos estudos na área. CONCLUSÃO Os resultados apontam para a diferenciação entre as características do perfil das tentativas de suicídio e mortalidade por suicídio, especialmente segundo o sexo, faixa etária e meios utilizados. As tentativas são mais frequentes entre as mulheres jovens, por meio da precipitação de altura ou outros métodos que não levam à morte imediata, sendo a maioria em J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):294-300. 300 Souza VS et al. locais públicos, onde a atuação dos serviços tem conseguido diminuir a consumação do ato. Quanto aos suicídios, acontecem entre homens acima de 40 anos, por enforcamento, escolhendo o domicílio como local para a sua consumação, o que dificulta a intervenção. Os dados de mortalidade por suicídio entre os anos de 2006 e 2009, no município, encontram-se em consonância com as estatísticas da região Nordeste e abaixo das taxas nacionais de suicídio. Quanto aos dados encontrados, verificou-se a incompletude no preenchimento das DOs, principalmente em relação à escolaridade, estado civil e raça/cor. Além disso, foi identificada a necessidade da melhoria dos registros oficiais, dos serviços de saúde, especialmente, em relação às tentativas. artigo original 12. Lovisi GM, Santos AS, Legay L, Abelha L, Valencia E. Análise epidemiológica do suicídio no Brasil entre 1980 e 2006. Rev Bras Psiquiatr. 2009;31(Supl II):86-93. 13. Diehl A, Laranjeira R. Suicide attempts and substance use in an emergency room sample. J Bras Psiquiatr. 2009;58(2):86-91. 14. 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ORIGINAL ARTICLE Cardio-respiratory symptoms in panic disorder: a contribution from cognitive-behaviour therapy Sintomas cardiorrespiratórios no transtorno de pânico: uma contribuição da terapia cognitivo-comportamental Anna Lucia Spear King1, Adriana Cardoso de Oliveira e Silva2, Alexandre Martins Valencça3, Antonio Egidio Nardi4 ABSTRACT Keywords Panic, anxiety, phobia, exposures. Objective: To compare patients with panic disorder with agoraphobia treated with cognitive-behavioural therapy (CBT) associated with the medication with patients treated only with medication and verify the behaviour of the cardio-respiratory symptoms of both groups. Methods: Randomized sample in the Psychiatry Institute of the Federal University of Rio de Janeiro, divided in two groups of 25 participants each. Group 1 undertook 10 weekly sessions of CBT with one hour of duration each together with medication. Group 2, Control, were administered medication that only consisted of tricyclic anti-depressants and selective inhibitors of the re-uptake of serotonin. Evaluation instruments were applied at the beginning and to the end of the interventions. Results: According to the applied scales, group 1 showed statistically more significant results than group 2, with: reduction of panic attacks, cardio-respiratory symptoms, anticipatory anxiety, agoraphobia avoidance and fear of bodily sensations. Conclusion: Exposures (in vivo and interoceptive), especially for induction symptom exercises and relaxation, were considered essential to prepare patients with panic disorder to handle future cardio-respiratory symptoms and panic attacks with agoraphobia. RESUMO Palavras-chave Pânico, ansiedade, fobia, exposições. Recebido em 10/2/2011 Aprovado em 1/6/2011 Objetivo: Comparar pacientes com transtorno de pânico com agorafobia, tratados com terapia cognitivo-comportamental (TCC) e medicação, com pacientes com o mesmo diagnóstico, tratados apenas com medicação, e verificar o comportamento dos sintomas cardiorrespiratórios em ambos os grupos. Métodos: Amostra randomizada com 50 voluntários diagnosticados no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, dividida em dois grupos de 25 pacientes: o grupo 1 realizou 10 sessões semanais e individuais de TCC com uma hora de duração combinada com medicação. O grupo 2, controle, foi tratado apenas com medicação. A medicação para ambos os grupos consistiu de antidepressivos tricíclicos e inibidores seletivos de recaptação da serotonina. Instrumentos de avaliação foram aplicados no início e ao final das intervenções. Resultados: De acordo com as escalas aplicadas, o grupo 1 apresentou resultados estatisticamente mais significativos do que o grupo 2, com redução dos ataques de pânico, dos sintomas cardiorrespiratórios, ansiedade antecipatória, esquiva agorafobia e medo das sensações corporais. Conclusão: As exposições (in vivo e interoceptivas) e os exercícios de indução dos sintomas e de relaxamento foram considerados essenciais para os pacientes aprenderem a lidar com o transtorno de pânico, com os ataques e com as possíveis situações agorafóbicas futuras. 1 Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ), Psychiatry Institute (IPUB), Panic and Respiration Laboratory (LABPR), National Institute of Technological Science – Translational Medicine (INCT – Translational Medicine/CNPq), Rio de Janeiro, Brazil. 2 Federal University Fluminense (UFF), Laboratory of Thanatology and Psychometrics, LABPR/IPUB/UFRJ – INCT-TM. 3 UFF, Medical Sciences Centre, LABPR/IPUB/UFRJ – INCT-TM/CNPq. 4 LABPR/IPUB/UFRJ – INCT-TM/CNPq. Address for correspondence: Anna Lucia Spear King Rua Almirante Gomes Pereira, 8 (casa), Urca – 22291-170 – Rio de Janeiro, RJ, Brasil Tel.: (55 21) 2295-4477/(55 21) 9219-1233 E-mail: [email protected] 302 ORIGINAL ARTICLE King ALS et al. INTRODUCTION Panic disorder (PD)1 is characterized by the presence of frequent and recurrent acute attacks of anxiety, followed by physical and cognitive symptoms originating from mistaken associations of body sensations (BS) related to a premonition of something serious or of some potential illness. According to the cognitive theory2, due to this cognitive distortion, the individual assumes a badly adapted level of behaviour and loses the capability of identifying BS as natural forms of reactions stemming from the physiological mechanisms of adaptation3. We hypothesized that patients with panic disorder may reduce their number of panic attacks after the cognitive behavioural therapy (CBT)4 sessions with symptom induction exercises (SIE)5 and can also learn to deal with the cardiorespiratory symptoms such as tachycardia and abnormal breathing. Individuals with PD fear BS, and frequently suffer from panic attacks6 (PAs) in certain stressful situations. PAs are described as traumatic, aggressive, and unpredictable. CBT4 has the characteristic of being a short and well recom mended type of psychotherapy for the treatment of PD. Its methods include psycho education (educational techniques for the individual to learn to deal with anxiety and ample knowledge by the patient of the disorder in question), respiratory re-education (RR) exercises; progressive muscular relaxation (PMR) and cognitive restructuring (CR), which consists of giving a new meaning to the mistaken thought levels, are procedures of great importance in CBT. Finally, Interceptive exposure (IE) techniques have the objective of correcting catastrophic interpretations of the physical symptoms (bodily sensations) experienced by the patient. In vivo exposure (IVE) of the individual to feared places or situations is considered to be the primary intervention applied in the treatment, so that the patient with PD can overcome agoraphobic avoidance7. During the patient’s treatment, the techniques of IE and IVE are intended to interact to assist in the remission of the components of cognitive dysfunctions that are linked to agoraphobic avoidance and to autonomic symptoms verified in PD. According to Rangé8, CBT is very efficient when compared to placebo, psychopharmacological treatments9,10, and other forms of psychotherapy. However, some studies11,12 have shown a good clinical response of panic disorder only to psychopharmacological treatment. IE and IVE can be administered by means of SIE and personal contact of the person with places and situations that the person has specifically defined as stressful. The successful overcoming of the initial stages of the treatment by the patient is required for the success of the subsequent steps. From the application of these exposures, the patient builds new internal defences that make him or her capable of staying naturally in prolonged contact with their own BS. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):301-8. The objective of this study is to compare PD patients treated with CBT associated with antipanic medication and patients treated only with antipanic medication and observe the evolution of cardio-respiratory symptoms in both groups. METHODOLOGY Patient selection For inclusion in the research the criteria adopted was, patients over 18 years old of both sexes with a diagnosis of PD with agoraphobia and no serious comorbidities. Patients that showed alcohol or drug dependency, mental retard, or serious mental disorders were excluded from the study. The randomized controlled trials were undertaken at the Panic and Respiration Laboratory (LABPR) at the Psychiatry Institute (IPUB) of the Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ) and National Institute of Technologic Science – Translational Medicine (INCT-TM). All patients who agreed to participate in the study signed a “Term of Free and Clarified Consent” and were made aware of all the procedures to be undertaken, as approved by the Committee of Ethics for the research IPUB/UFRJ. Patients with PD with agoraphobia were diagnosed by clinical psychiatrists from the team at the LABPR/IPUB/UFRJ, according to the diagnostic criteria of the Manual of Diagnostic and Statistics of Mental Disorder1 and the Structured Clinical Interview Diagnostic (SCID-I) evaluation instrument13. The sample consisted of 50 voluntary patients divided into two groups by means of a random draw. The first group (n = 25) received 10 sessions of CBT in conjunction with pharmacotherapy. The second group, the control group (n = 25), received only medication. The patients started on concomitant medication and CBT. We found that there was no loss in the sample. Fifty two volunteers were evaluated in the total survey. Of all the study volunteers, only two dropped out. We noted that all the remaining volunteers felt welcome and receptive to the study from the beginning and therefore continued till the end. Of the two who dropped out, one was due to travel and the other just dropped without any explanation. The raters were blind to refer patients to one group or another. Variables before and after treatment were collected by the same psychologist evaluator with training in cognitive behavioural therapy, the same professional also implemen ted all the scales and questionnaires. This professional psychologist received supervision from a multidisciplinary team from the LABPR/IPUB/UFRJ. Patient evaluation With a view to comparing the results of the groups after the interventions, the following evaluation instruments were ap- ORIGINAL ARTICLE plied at the beginning and at the end of the research: Beck Anxiety Inventory14; Sheehan Disability Scale15; Global Assessment of Functioning (AXIS V)13; questionnaire of fears and phobias16; questionnaire of cognitive agoraphobias17; questionnaire of body sensations17; and Panic and Agoraphobia Scale18. The scales used in the study sought to assess anxiety, fears, phobias, bodily sensations, and the individual’s ability to work, to relate socially and with his or her family, among others. The scales were selected in order to answer the questions inherent in the study. Assessments were made only at the beginning and at the end of the study, there being no application of scales during treatment. Pharmacotherapy Tricyclic anti-depressants (TAD) or selective serotonin reuptake inhibitors (SSRI) were prescribed with fortnightly reevaluation and/or sending to CBT treatment. The SSRI used in this study was paroxetine 20 mg once daily and 150 mg of TAD imipramine was also administered once daily. Patients were not receiving medication before the study and began to use it from the beginning of the study. The psychiatrist after the collection of personal records and the data obtained in SCID was able to make a diagnosis from clinical signs and prescribe the medication best suited, TAD or SSRI. Cognitive-behavioural therapy The 10 CBT sessions were based on an earlier study19 with some modifications and adaptations appropriate to the characteristics of patient population being studied. The contents of the sessions were distributed in the following way: psycho education, agoraphobia, panic, and hyperventilation; respiratory re-education (RR) exercises; progressive muscular relaxation (PMR)20 exercises; preparation of a scale of patient fears, ordered from the smallest to the greatest cause of anxiety; identification of cognitive distortions; cognitive restructuring (CR); symptom induction exercises (SIE); IE; IVE; reinforcement of conquests; observation of procedural difficulties; and maintenance of treatment gains. Patients were encouraged to apply cognitive strategies at home (for example, to expose themselves to changes of temperature, physical exercise, and other sources of anxiety) several times, with the purpose of inducing and tolerating the sensations without therapeutic assistance. Learning in the first treatment phase of the treatment that body sensations related to panic are not really dangerous is essential to overcoming agoraphobia and controlling panic. Standard model of the 10 CBT sessions First session: Psycho education concerning the trajectory of PD and relaxation techniques. RR exercise: Placing ones hand above ones stomach, feeling the air passing through the diaphragm, with perception of the abdominal move- Panic and cardio-respiratory symptoms 303 ment at each respiration. Slow inspiration through the nose while counting to three, holding the respiration while counting to three, and releasing the air slowly through the mouth while counting to six. Repetition of the exercise several times in a row. PMR is undertaken with the individual, whereby the individual respectively tenses and relaxes each of four muscle groups (face; arms, shoulders, chest, and neck; abdomen, spine, and genitals; legs and feet) for ten seconds each of tensioning and relaxing. Second S Session: Explanation concerning the physiological mechanism of “fight and flight”3, and verification of the similarity between the sensation originating from this mechanism and BS that emerge from panic. Conducting the RR exercise. The patient should understand that when one manages to alter thoughts referring to the capacity to deal with feared situations, one is capable of controlling physical symptoms. Third session: Modelling of hyperventilation, as delinea ted by the exaggerated rhythm and depth of respiration in the context of the needs of the body at a given moment. Hyperventilation modelling5 as the patient inspires and expires deeply for 90 seconds, observation of patient reactions and explanation of the reason for the emerging symptoms. Conducting the RR exercise. The patient should understand that anticipated anxiety is characterized by anticipatory thought processes (generally negative) of feared situations. Fourth session: SIE: sitting, the patient looks fixedly at a light for one minute and afterwards stands up quickly and tries to read something. Analysis with the patient of the sensations felt and the levels of negative, catastrophic, and repetitive thoughts that have occurred. The patient begins to understand the origin of their symptoms and to perceive them as inoffensive. Conducting the RR exercise. Fifth session: Explanation of the concepts of BS that can be accentuated due to a situation or to substances. Examples include: exercising oneself or moving oneself quickly, brusque changes of temperature, bright light, and use of caffeine, alcohol, medicines, and irregular levels of respiration8. Conducting SIE: turning around in circles for one minute, and understanding and giving a new positive significance to the reactions verified after stopping. Conducting the RR exercise immediately after IE. Sixth session: Patient complaints during PAs included: “I cannot breathe”, “I am going to suffocate”, “I am going to lose control”, “I am going to die”, “I am going to have a heart attack” or I am going mad”. The concepts of hyperventilation are remembered and SIE from the 4th session is repeated, followed by the RR exercise. Seventh session: Education concerning CR. The patient should try to identify and give a new significance to specific badly-adapted thoughts. The concepts of anticipated an J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):301-8. 304 ORIGINAL ARTICLE King ALS et al. xiety (AA) and agoraphobic avoidance (PA-aa)7 are clarified. Patients have the custom of myths in relation to PA, including but not limited to: the patient is instructed to question and contest his or her conjectures and beliefs, concentrate on realistic probabilities, and gather evidence and formulas to deal with events. Eighth session: The IE refers to the fear learned from internal states. Certain sensations of terror, similar to previously experienced fear, may precipitate new Pas6. The automatic stimulus generated intensifies the feared sensations, creating a vicious circle. Conduct two SIEs: first, the patient sits down and places their head between their legs for 30 seconds, after which they sit up quickly and look to the ceiling. Second, the patient holds their breath until it can no longer be held while turning around in circles for 30 seconds. In continuity, analysis of the symptoms and trying to understand the originating causes. RR exercise is conducted. Ninth session: Conduct three SIEs: first, repeat the SIE from the 5th session. Then follow the first SIE with the two SIEs from the 8th session. Subsequently conduct the RR exer cise. The purpose for the patient is to associate the symptom with the cause. Explain that the symptoms emerge from physiological alterations triggered for some reason, and that BS do not emerge from nowhere, with no apparent reason. Before CBT, the patient would make distorted associations of facts, interpreting tachycardia, perspiration, and loss of breath, among others, as signs of imminent death or loss of control, and not as resulting from specific triggering factors. Tenth session: Conduct one SIE: the patient standing up and turns his or her head from side to side for 30 seconds, stops, and tries to fix his or her eyes on a spot on the wall. Repeat this exercise after the SIE from the third session, in continuity; recover the patient’s physical balance and respiration with RR or PMR exercises. Evaluate the IVE concept regarding confronting the patient with agoraphobic situations or locations. Real confrontation with the feared situation was repeated with each item on the priority list of each patient’s fears, beginning with the least anxiety-provoking and culminating with the most feared. Patients were asked to practice IVE whenever possible. The IVEs conducted were reviewed, practical repetitions were encouraged, and difficulties in the procedures were discussed with each patient. The therapist stimulated thoughts concerning the avoi ded tasks and helped the patients with CR. The fact was commented upon that additional diagnostics, including comorbidities such as depression, generalized anxiety and social phobia, tended to decline after PD treatment. The therapist also reaffirmed that the fear response was inoffensive, passing, and controllable, and that BS appear and disappear and do no need to be actively avoided. After the end of all the stages of the research, the two groups were re-evaluated with the same initial instruments. The groups were compared, and the changes that had ocJ Bras Psiquiatr. 2011;60(4):301-8. curred, relative benefits, losses, and differences between the two groups were observed and documented. Statistical analysis Inferential analysis of the results was undertaken by means of Chi-square tests for several categories and analysis of varian ce (ANOVA) for the continuous variables, considering the differences between the averages of the scores obtained by the participants at the beginning and the end of treatment, in each of the separate evaluator instruments. In the charac terization of the groups, the tests were undertaken with the values identified at the beginning of treatment. Thus, the efficiency of the initiatives undertaken could be perceived. The confidence interval was arbitrated at 95% and p-values ≤ 0.05 were considered significant. Data processing and analysis were conducted using SPSS software (version 14.0). RESULTS Patient characteristic Table 1 presents the socio-demographic and clinical features of the general population and clinical comorbidity (both groups). Administered pharmacotherapy: in the intervention group 44% of patients were using TAD and 56% used SSRI, while in the control group we observed 64% of patients with TAD and 36% with SSRI. Age of the participants Group 1 and group 2 (control) differed significantly in age. The minimum age for both groups was 22 and the maximum was over 55 years old. However, the average age for the group 1 was 44.5 (standard deviation, SD = 12.8; confidence interval (CI) (95%) = 39.0 – 49.8) and for the Control group (2) was 33.7 (SD = 9.6; CI (95%) = 29.7-37.7). The analysis of variance (ANOVA) test of means showed 0.000 significance, which is lower than the p – value 0.05, with 95% confidence. Test results At the end of the study, cardio-respiratory symptoms, PAs, anticipated anxiety, agoraphobic avoidances and fear of BS were significantly reduced in group 1 compared to group 2 (Table 2). In the global assessment of functioning scale, group 1 increased its overall well-being from 60.8 to 72.5, while overall well-being in group 2 progressed, but to a slightly lesser extent, 66.0% to 71.3%. In the respiratory subtype21 PAs, the following respiratory symptoms were prominent during PAs: sensation of suffocation, respiratory difficulty, paresthesias, dizziness, and fear of death22. It was observed that 77.6% of the surveyed patient population presented the respiratory subtype and 22.4% presented the non-respiratory subtype. ORIGINAL ARTICLE Panic and cardio-respiratory symptoms Table 1. Socio-demographic and clinical descriptions of the general population Age n % or Mean (Standard Deviation) 50 39,08 (± 12,46) Minimum = 22; Maximum = 67 Sex Male 39 78% Female 11 22% Marital status Single 18 36% Married 21 42% Separated 11 11% Religion Roman catholic 31 62% Evangelical 11 22% Other 8 16% First grade 14 28% Second grade 19 38% Higher education 17 34% 50 11,82 (± 3,39) Minimum = 6; Maximum = 20 Schooling Years of study Occupational situation Working 27 54% Away from work/on leave from work 10 20% Other 13 26% Non-respiratory 14 28% Respiratory 36 72% No 21 42% Yes 29 58% Subtype of PD Clinical comorbidity Psychiatric comorbidity No 26 52% Yes 24 48% The combination of CBT with pharmacotherapy was efficacious for Group 1, compared to the control group 2. The results of these tests were classified, according to sociodemographic data, presence of patients with physical and psychic comorbidity, and administration of medication. The test results of group 1 are summarized in table 2. Of the tests applied, 6 (67%) showed positive results in group 1. In the scale of panic and agoraphobia, anticipated anxie ty symptoms were satisfactorily reduced from 2.9 to 2.1; PAs were reduced from 1.4 to 0.7; agoraphobic avoidance was reduced from 2.4 to 1.6. In scale of Global Assessment of Functioning (GAF)1, which was scored from 0 to 100 and considered psychological, social, and occupational function in a hypothetical continuum, group 1 obtained a significant statistical increase in global well-being from 60.8 to 72.5. 305 Patients in group 1 showed a reduced loss of control from 2.8 to 2.1, and reduced fears of physical problems from 2.6 to 2.0, as evaluated by the agoraphobic cognitions questionnaire17. Patients in group 1 also showed reduction in general anxiety from 34.9 to 20.0, as evaluated by the Beck Anxiety Inventory14; and reductions in individual work disability from 5.2 to 0.4; in social life disability from 4.8 to 2.2, and in family life disability from 4.6 to 1.8, as evaluated by the Sheehan Disability Scale15. Overall, personal disability in Group 1 was reduced from 14.6 to 4.4. Symptoms in group 1 resulting from PD (including tachycardia, breathlessness, dizziness, tingling, nausea, perspiration, and disorientation, among others), was verified through the application of the Body Sensation questionnaire17. The results showed a general reduction from 3.1 to 2.4. PA in group 1 was reduced from 1.4 to 0.7, in avoidance agoraphobia was reduced from 2.4 to 1.6, and anticipated anxiety was reduced from 2.9 to 2.1, as evaluated by the panic and agoraphobia scale18. Overall, group 1 reduced the main behaviours verified in PD from 27.9 to 18.6. Group 2 did not show significant statistical differences between the beginning and the end of the treatment. The results of the Sheehan scale showed that the only revealing factor leading to comprehension of the difference in the Sheehan total and Sheehan work value scales is the strong independent association of the Sheehan work value scale with psychiatric comorbidity, when controlled for by the other variables. It is worth noting that group 2 (the control group) has more individuals with psychiatric comorbidities than group 1. This may explain the distinct difference between the Sheehan total and Sheehan work results. The psychiatric comorbidity of depression is responsible for depressive symptoms that can interfere in the professional work and social life of the individual. The Sheehan scale showed significant variation in relation to family when the final averages of group 1 and group 2 were compared. However, this variation is no longer rele vant when the results are controlled against the other varia bles. If there are real differences between group 1 and group 2, they may be due simply to pharmacotherapy, with or without CBT. The group receiving medication alone had fortnightly contact with the psychiatrist as well as with the psychologist for progress of treatment monitoring. We truly believe that this group was at a disadvantage compared to the group that received 10 sessions of CBT, borne out in final results of the study, from the benefits achieved in a number of aspects with exposure to CBT, such as reduction of panic attacks, reduction in hyperventilation and cardio-respiratory symptoms and learning about the restructuring of negative thoughts, among others. The study was relevant in demonstrating the important role of CBT in the treatment of panic disorder. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):301-8. 306 ORIGINAL ARTICLE King ALS et al. Table 2. Comparison between the Intervention and Control groups percentage of responders at the end of treatment period Tests Group 1 (G1) Baseline 1 Week BAI (Beck Anxiety Inventory) 34.9 ± 11.2 20.0 ± 7.3 Sheehan Disability Scale – Total 14.6 ± 3.2 Sig Dif.** Group 2 (G2) Sig Dif.** G1 (%) G2 (%) Sig Dif.** 26.8 ± 12.0 0.531 60 56 0.116 10.3 ± 4.2 0.228 44 36 0.013 Baseline 1 Week 0.001 29.3 ± 15.3 4.4 ± 0.8 < 0.001 13.2 ± 4.3 Sheehan Work 5.2 ± 1.1 0.4 ± 0.1 < 0.001 4.0 ± 1.6 3.0 ± 1.8 0.290 52 60 0.001 Sheehan Social 4.8 ± 2.0 2.2 ± 0.6 0.009 4.7 ± 2.0 3.5 ± 2.0 0.195 32 28 0.179 4.6 ± 1.9 1.8 ± 0.8 0.005 4.5 ± 1.2 3.8 ± 1.5 0.451 48 44 0.035 Phobic Fear Questionnaire (PFQ) – Total Sheehan Family 49.4 ± 17.2 38.3 ± 9.7 0.186 44.6 ± 5.8 39.5 ± 13.2 0.491 56 60 0.872 PFQ – Agoraphobia Score 20.2 ± 3.3 14.7 ± 3.5 0.132 14.1 ± 2.8 14.1 ± 5.7 0.990 64 68 0.860 PFQ – Blood Score 15.6 ± 3.8 11.6 ± 1.8 0.207 15.6 ± 4.8 13.8 ± 3.9 0.531 48 40 0.431 PFQ – Sociability Score 13.7 ± 4.2 12.0 ± 2.1 0.584 14.9 ± 5.0 11.6 ± 5.4 0.118 52 60 0.882 Agoraphobic Cognitions Questionnaire (ACQ) 2.7 ± 0.5 2.1 ± 0.8 0.012 3.9 ± 2.1 2.3 ± 1.3 0.283 60 52 0.233 ACQ – Loss of Control 2.8 ± 1.4 2.1 ± 1.0 0.021 2.3 ± 1.2 2.3 ± 1.2 0.852 68 76 0.384 ACQ – Physical Problems 2.6 ± 0.6 2.0 ± 0.6 0.027 2.7 ± 1.3 2.4 ± 0.9 0.114 44 40 0.161 Body Sensations Questionnaire 3.1 ± 1.0 2.4 ± 1.1 0.008 2.3 ± 1.0 2.4 ± 1.2 0.739 56 52 0.957 Panic and Agoraphobia Scale (PAS) 27.9 ± 8.6 18.6 ± 3.4 0.012 25.5 ± 4.4 22.4 ± 5.3 0.372 64 70 0.304 PAS – Panic Attacks 1.4 ± 0.5 0.7 ± 0.2 0.016 1.4 ± 0.5 1.1 ± 0.7 0.413 72 64 0.149 PAS – Avoidance Agoraphobia 2.4 ± 0.7 1.6 ± 0.5 0.033 1.7 ± 0.8 1.6 ± 0.6 0.596 56 60 0.965 PAS – Anticipated Anxiety 2.9 ± 0.6 2.1 ± 0.9 0.028 2.7 ± 1.2 2.3 ± 1.0 0.235 52 48 0.609 PAS – Disability 2.2 ± 1.0 1.6 ± 1.0 0.109 2.1 ± 0.6 1.9 ± 0.7 0.480 56 52 0.359 PAS – Over precaution 2.1 ± 0.7 1.5 ± 0.8 0.117 2.4 ± 0.7 2.1 ± 0.8 0.465 60 68 0.098 Mobility Inventory - Accompanied 2.4 ± 1.1 1.9 ± 0.5 0.056 2.1 ± 1.1 2.5 ± 1.7 0.353 40 36 0.235 Mobility Inventory - Alone 3.5 ± 0.9 3.0 ± 0.7 0.183 3.2 ± 1.6 3.1 ± 1.4 0.781 52 48 0.869 60.8 ± 12.3 72.5 ± 9.2 0.015 66.0 ± 20.4 71.3 ± 25.0 0.139 68 60 0.769 Global Well-being Assessment # Evaluation Scales for group 1 (Cognitive Behaviour Therapy and Medication) and Evaluation Scales for group 2 (Control – with Medication and no Cognitive Behaviour Therapy). Results observed between the beginning and the end of the treatment for both groups. DISCUSSION These study results corroborate other research findings24, which suggest that the combination of CBT with pharmacotherapy19 produces better results than using therapy alone. The advent of effective drugs25 revolutionized the treatment of psychiatric diseases, reducing the number and length of hospitalizations and restoring quality of life for patients. Self-evaluated quality of life evaluation improved, with reduced phobic-hypochondriac behaviour26 resulting in greater freedom in daily life. Not all mental disorders need to be treated through pharmacological approaches. Other therapeutic strategies27 are available, the physician may indicate the optimal treatment for patients, psychotherapy alone or in combination with pharmacological treatment. It is important to establish a good doctor-patient relationship and discuss all procedures and fears of the patient, such as becoming medication dependent, of being “different”, sedated, etc. Most prior research also restricted surveyed populations to patients without agoraphobia or with light agoraphobia, leaving unknown the efficiency of CBT in patients with more J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):301-8. serious agoraphobias7. In the population studied, all the patients showed “with agoraphobia” symptoms. De-Melo-Neto et al.22 studied patients with respiratorysubtype PD with agoraphobia, in which specific hyperventilation exercises were used for the purpose of producing symptoms similar to panic. The objective was CR of certain negative levels of behaviour and response, and the comprehension by patients that the symptoms expressed were inoffensive and could be handled. In the present study, we also had the opportunity to observe the importance of CR in the sample studied, as this technique made an important contribution to the reduction of PD related symptoms. During the research, it was observed that the satisfactory evolution of patients depended on several procedures, including the use of medication prescribed after the psychiatric evaluation, together with CBT techniques such as SIE, CR, RR and PMR exercises. At the end of the SIE, patients were able to perceive that although the sensations produced by the exercises were similar to those of panic, they did not produce the feared consequences, were inoffensive, and were caused by specific stimuli. ORIGINAL ARTICLE This practice allows the patient to find adequate individual CR, lose the fear of being alone with his or her BS, and perceive that the physiological reactions that he or she is having are normal, that they are not originating from something serious, and that they can be handled by the patient. It was verified that patients with PD with agoraphobia lost the fear of natural BS that emerged from physiological alterations as they were able to perceive, by means of SIE, that the sensations had a triggering reason and did not arise spontaneously. Before, the patients usually made erroneous associations about their BS, interpreting tachycardia, perspiration, and breathlessness among other symptoms, as signs of imminent death or loss of control. According to Barlow3, the proposed techniques, IE, and feared in vivo situations are widely recognised as primary, fundamental, and efficacious in the reduction of phobic anxiety reactions. According to Carvalho et al.2, the exposure of the patient to situational generators of anxiety during treatment should act as a habit-creating process, producing a reduction of anxiety in the face of stimuli that generate pathological anxiety. He2 verified the efficiency of cognitive interventions, behavioural interventions, and their combination. Attention should be given to the improvement of important methodological aspects in studies that evaluate the efficiency of CBT, with a view toward obtaining increasingly true results, thereby indicating which directions that may contribute to the refining of the techniques used. In making comparison between the two groups, significant differences were found in the progress of patients in the group 1 compared with the control group 2 in the scales: Sheehan Disability Scale (Total), Sheehan (Work), Sheehan (Social) and Sheehan (Family). Group 1 showed an improvement compared to group 2 in all respects. We observed in group 1 increased motivation to work and to social and family relationships after 10 sessions of CBT. We believe that these results were those that involved increased self-esteem and self-confidence due to the reduction of fears and PA. Despite the difference found between beginning and end of treatment period, comparing the two groups was not statistically significant for the other measurements. Obser ving the results of group 1 individually, who received CBT intervention through the model; we found statistically significant differences between measurements performed before and after intervention in most of these parameters, indica ting an improvement in clinical status. This same improvement cannot be observed in the results of the control group, considering the same period of time. Such progress in group 1 should not be discarded, even by their clinical value. We therefore suggest that future work on these variables can be controlled to better understand the effectiveness of CBT in the context studied. It is necessary to verify if the re- Panic and cardio-respiratory symptoms 307 sults and differences found at the end of the treatment were actually due to CBT or to the existing variations in the profile of the group, including, physical or psychiatric comorbidity. CONCLUSION The techniques of SIE in the controlled laboratory setting were essential to reduce and/or remove the hyperventilation symptoms, tachycardia and changes in breathing as well as other symptoms. Patients treated with CBT had significant improvement compared to the group treated with medication. The techniques of psycho education, CR, IVE and IE, the PMR exercises and RR exercises were key to the reduction and management of symptoms in panic disorder. Our study showed that patients with PD may lower the PA, hyperventilation and cardio vascular symptoms after the CBT sessions with SIE. The main purpose of the study was achieved, which was to test and observe the efficacy and limitations of the proposed CBT model in the treatment of PD patients. In spite of some limitations, the results of this study showed the importance of CBT and its various techniques, in the treatment of PD with agoraphobia. ACKNOWLEDGEMENTS We would like to express our acknowledgements for the team of the Panic and Respiration Laboratory (LABPR/IPUB/ UFRJ, National Institute of Technological Science – Translational Medicine (INCT-TM) and the National Council for Technological and Scientific Development (CNPq) for supporting this research program. Clinical Trial register number: NCT 00772746. Committee of Ethics in Research (CEP – IPUB/UFRJ) Number: 07-06 Approved in 09/03/2006. Sources of funding: National Council for Scientific and Technological Development (CNPq). Conflict of interest: Not declared. REFERENCES 1. American Psychiatry Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental disorders, 4th ed. American Psychiatry Press, Washington, DC; 1994. 2. Carvalho, MR, Nardi AE, Rangé B. Comparison between cognitive, behavioral and cognitive-behavioral approaches in the treatment of panic disorder. Rev Psiq Clín. 2008;35(2);66-73. 3. Barlow DH. Anxiety and its disorders: the nature and treatment of anxiety and panic (Edition). New York: Guilford Press; 1988. 4. Angelotti G. Terapia cognitivo-comportamental para os transtornos de ansiedade. 1. ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2007. 5. King ALS, Valença AM, Nardi AE. Hiperventilação: a terapia cognitivo-comportamental e a técnica dos exercícios de indução dos sintomas no transtorno de pânico. Rev Port Pneumol. 2008;14(2):303-8. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):301-8. 308 King ALS et al. 6. 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O objetivo deste estudo foi comparar a insatisfação corporal de adolescentes atletas e não atletas. Foram avaliados 58 atletas e 61 não atletas do sexo masculino, com idade média de 15 ± 2,12 e 16 ± 1,67 anos, respectivamente. Aplicou-se o Body Shape Questionnaire (BSQ) para mensurar a insatisfação corporal. O índice de massa corporal (IMC) foi obtido pela razão entre a massa corporal (kg) dividida pela estatura (m) elevada ao quadrado (IMC = massa corporal/ estatura²). Utilizou-se o software SPSS 17.0 para análise dos dados por meio de estatística descritiva, Kolmogorov-Smirnov, qui-quadrado de Pearson e ANCOVA. Os resultados apresentaram diferenças de pontuações no BSQ e de prevalência de insatisfação corporal entre os grupos de atletas e não atletas (p < 0,05). Concluiu-se que adolescentes não atletas são mais insatisfeitos com peso e aparência corporal, além de apresentarem maior prevalência desse fenômeno comparado aos atletas de futsal e natação do sexo masculino. ABSTRACT Keywords Body image, adolescent, athletes. The objective of this study was to compare body dissatisfaction among adolescents athletes and non-athletes. We evaluated 58 athletes and 61 non-athletes sex male, mean age 15 ± 2,12 and 16 ± 1,67 years, respectively. We applied the Body Shape Questionnaire (BSQ) to measure the dissatisfaction body. The body mass index (BMI) was calculated as the ratio of body mass (kg) divided by height (m) squared (BMI = body mass/height²). We used the SPSS 17.0 software for data analysis through descriptive statistics, Kolmogorov-Smirnov test, Pearson chi-square and ANCOVA. The results showed differences in BSQ scores and prevalence of body dissatisfaction among groups of athletes and non-athletes (p < 0.05). It was concluded that adolescent non-athletes are more dissatisfied with weight and body appearance, and have a higher prevalence of this phenomenon compared to athletes in soccer and swimming males. 1 Universidade Federal de Visçosa (UFV); Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Faculdade de Educação Física e Desportos. 2 Universidade de São Paulo (USP); UFJF, Faculdade de Educação Física e Desportos. Recebido em 7/7/2011 Aprovado em 31/10/2011 Endereço para correspondência: Leonardo de Sousa Fortes Rua Guaçui, 525/202, São Mateus – 36025-190 – Juiz de Fora, MG E-mail: [email protected] 310 artigo original Fortes LS et al. INTRODUÇÃO Durante o crescimento, o ser humano sofre diferentes alterações em sua forma e composição corporal, bem como em suas características psíquicas1. Um dos períodos em que ocorrem as mudanças mais significativas é a adolescência, marcada por grandes modificações2. A adolescência é definida pela OMS3 como o período compreendido entre 10 e 19 anos de idade. Nessa etapa, o crescimento e o desenvolvimento biológico são fortemente influenciados pela interação de fatores genéticos e ambientais4. Nesse período, muitos jovens engajam-se em processo de treinamento físico sistematizado com o propósito de otimizar o rendimento esportivo5. O número de atletas adolescentes tem aumentado substancialmente6, o que determina a importância de avaliar esses indivíduos sob o olhar de diversas áreas do conhecimento. O ambiente atlético possui características peculiares, tais como exigência de perda/controle de peso, pressão exercida por treinadores no anseio por melhores resultados e uma morfologia considerada ideal para atingir um bom pico de rendimento7. Essas características acabam levando atletas a serem mais exigentes com seus corpos. Em caso de não aceitação corporal, esses sujeitos podem apresentar altos índices de insatisfação com o corpo8. Esta, por sua vez, é definida como a depreciação que o indivíduo tem com sua aparência física e, segundo Ricciardelli et al.9, é considerada sintoma de primeira ordem no desencadeamento de transtornos alimentares. A insatisfação corporal faz parte de um componente da imagem corporal relacionado com as atitudes e comportamentos em relação ao próprio corpo2,9. Ela pode ser avaliada por meio de figuras do corpo, partes dele (como barriga, braços, pernas e quadris) e questionários com perguntas sobre peso corporal e aspectos relacionados com a aceitação corporal. A insatisfação corporal sofre influência de diversos fatores, entre eles: índice de massa corporal10 (IMC), mídia, cultura9, idade11, sexo12 e prática de atividade física13. A cultura atual veicula como ideal de corpo, por intermédio da mídia, uma estética magra para as meninas e musculosa para os meninos2. Por isso, a gordura corporal é considerada aspecto depreciado em nossa sociedade11. Portanto, a prática de atividade física pode ser vista como um fator positivo na satisfação com a imagem corporal, considerando as alterações morfológicas (ganho de massa magra e perda de massa gorda) provocadas por ela13. Atletas geralmente apresentam maior massa muscular e menor perfil lipídico comparados a indivíduos não atletas5. Estudos têm apresentado que os atletas possuem imagem corporal mais positiva que os não atletas13,14. No entanto, outros achados identificaram que atletas são mais insatisfeitos com o corpo do que aqueles que não praticam atividade física sistematizada15. Portanto, ainda há uma inJ Bras Psiquiatr. 2011;60(4):309-14. consistência da literatura a respeito da associação dos componentes atitudinais da imagem corporal à prática ou não de atividade física sistemática. Ainda não se sabe se atletas são mais satisfeitos com seus corpos em relação aos não atletas, principalmente entre o público adolescente, que é considerado a faixa etária com maiores graus de insatisfação corporal na população2. Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi comparar a insatisfação corporal de adolescentes atletas e não atletas. MÉTODOS Trata-se de um estudo transversal e comparativo realizado no ano de 2010, na cidade de Juiz de Fora/MG, com alunos do sexo masculino de uma escola da rede particular de ensino e atletas competitivos de um clube esportivo, com idades entre 11 e 19 anos. Aspectos éticos Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora (Protocolo 342/2009; parecer nº 129.273.2009). Todos os participantes apresentaram o termo de consentimento livre e esclarecido, (TCLE) assinado pelos pais ou responsáveis. Nesse documento, explicavam-se os objetivos e procedimentos do estudo. Amostra Foram avaliados 58 atletas do sexo masculino das modalidades de futsal (n = 26) e natação (n = 32), com idade média de 14,66 ± 2,14 anos, selecionados por conveniência. Nesse método de seleção amostral, a participação é voluntária ou os elementos da amostra são escolhidos por uma questão de conveniência. Contudo, o método tem a vantagem de ser rápido, barato e de fácil aplicabilidade. O tempo médio de treinamento físico desses sujeitos era de 3 ± 2,65 anos. Os indivíduos com menos de um ano de treinamento físico sistematizado ou que não fossem participar de competições no ano de 2010 foram excluídos do grupo “atletas”. Além desse grupo, avaliaram-se 61 adolescentes escolares, com média de 15,69 ± 1,81 anos, selecionados por amostragem casual simples. Indivíduos que estivessem em processo de treinamento físico sistematizado ou inscritos em alguma competição foram excluídos do grupo “não atletas”. O sexo feminino não foi incluído nas análises do presente estudo em virtude de alguns motivos que merecem destaque: 1) haviam poucas meninas nos clubes avaliados que cumpriam os critérios de inclusão no grupo “atletas”; 2) poucas meninas que pertenciam ao grupo “não atletas” apresentaram o TCLE assinado pelo responsável; 3) estudos com o sexo feminino sobre variáveis afetivas são abundantes no Brasil, devendo-se priorizar estudos utilizando o sexo masculino. artigo original Instrumentos Foi aplicado o Body Shape Questionnaire (BSQ)16, com o intuito de avaliar a insatisfação corporal. Trata-se de um questionário de autopreenchimento, com 34 questões, em escala Likert de pontos de 1 (nunca) a 6 (sempre), destinadas a avaliar a preocupação que o sujeito apresenta com seu peso e com sua aparência física. A versão utilizada neste estudo foi validada para adolescentes brasileiros por Conti et al.16. Sua análise de consistência interna revelou um α de 0,96 para ambos os sexos; seu coeficiente de correlação entre os escores do teste-reteste foi significativo, variando de 0,89 a 0,91 para mulheres e homens, respectivamente. O escore é calculado a partir da soma das respostas e varia de 34 a 204, e quanto maior o escore obtido, maior a insatisfação com o corpo. Segundo o escore total, o sujeito é classificado como livre de insatisfação corporal (pontuações abaixo de 80), com leve insatisfação corporal (entre 80 e 110), moderadamente insatisfeito (entre 110 e 140) e com grave insatisfação corporal (escores acima de 140). O peso dos adolescentes foi aferido utilizando-se balança de Bio-Impedância G-Tech®, com graduação em 0,1 kg, usando roupas leves e descalços. A estatura foi mensurada com um estadiômetro portátil de marca Tonelli® com graduação em 1 mm. O índice de massa corporal (IMC) foi obtido pela razão entre a massa corporal (kg) dividida pela estatura (m) elevada ao quadrado (IMC = massa corporal/estatura²). Procedimentos Primeiramente, os pesquisadores buscaram autorização dos treinadores do clube e diretores da escola privada para efetuar a coleta de dados. Após esse consentimento, atletas e escolares foram abordados em seus locais de treinamento e em sala de aula, respectivamente, por um dos pesquisadores. Todos os sujeitos da pesquisa foram informados sobre os objetivos e procedimentos do estudo. Solicitou-se aos menores de 18 anos que levassem a seus responsáveis o TCLE. Esse documento deveria ser devolvido assinado na semana subsequente a esse encontro. Os adolescentes que não entregaram o TCLE foram excluídos do estudo. Antes de iniciar a coleta de dados, o profissional de educação física envolvido na avaliação antropométrica (LSF) participou de treinamento para padronizar medidas, com o objetivo de obter maior precisão dos dados coletados (massa corporal e estatura), seguindo as recomendações da National Center for Health Statistics (2000)17. Para aferir a massa corporal, foram adotados os seguintes critérios: adolescente em pé, descalço com o mínimo de roupas, posicionado no centro da plataforma com os braços estendidos ao longo do corpo e com olhar fixo à frente, de modo a evitar oscilação na leitura da medida. Para a estatura, os indivíduos deveriam ficar em pé, olhando para o infinito, sem sapatos, com calca- Insatisfação corporal de atletas e não atletas 311 nhares, glúteos, dorso e cabeça encostados ao plano vertical e os pés e calcanhares unidos formando um ângulo de 45°. Nessa posição, a peça do estadiômetro em ângulo reto foi posicionada sobre o topo da cabeça do adolescente, e a medida foi anotada. Para o BSQ, um único pesquisador (LSF) ficou responsável por sua aplicação nos sujeitos para que não houvessem interferências interavaliadores nas explicações sobre o instrumento. As instituições onde foram realizadas as coletas de dados deste estudo disponibilizaram para nossa equipe salas adequadas para aferição antropométrica e aplicação do questionário. Esses procedimentos foram realizados em dias subsequentes. O primeiro encontro foi destinado apenas à avaliação de massa corporal e estatura, e no segundo dia os adolescentes responderam ao BSQ. Durante o primeiro encontro, os pesquisadores autorizavam apenas um jovem a adentrar no ambiente em que se realizavam as medidas antropométricas. No segundo dia, os questionários foram entregues aos indivíduos, que receberam então a mesma orientação verbal. Uma orientação escrita sobre os procedimentos adequados também estava presente nestes. As eventuais dúvidas foram esclarecidas pelo responsável pela aplicação do BSQ. Os sujeitos do estudo não se comunicavam entre si. Além disso, não houve limite de tempo para preencher o questionário. Análise estatística Para as variáveis idade, IMC e insatisfação corporal, utilizou-se a estatística descritiva (média e desvio-padrão). O teste Kolmogorov-Smirnov foi aplicado para averiguar a distribuição dos dados por grupo. Como a normalidade dos dados foi violada no grupo não atletas, utilizou-se teste Mann-Whitney para comparar idade e IMC entre os grupos (atletas e não atletas). Análise univariada de covariância (ANCOVA), incluindo a idade como covariável, foi conduzida para comparar a insatisfação corporal entre os grupos (atletas e não atletas), pois se constatou que escolares eram mais velhos (p < 0,05) do que os atletas, o que poderia de alguma forma interferir nos resultados. A comparação de prevalência de insatisfação corporal entre atletas e não atletas foi realizada por meio do teste qui-quadrado de Pearson. Para isso, as classificações de insatisfação corporal do BSQ (leve insatisfação, moderadamente insatisfeito e grave insatisfação) foram agrupadas em “insatisfeito”. Para todas as análises, utilizou-se o software SPSS 17.0. Em todos os casos, o nível de significância foi de 5%. RESULTADOS A tabela 1 apresenta a comparação de idade e IMC entre os grupos atletas e não atletas. Foram encontradas diferenças apenas para a idade (p < 0,05). J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):309-14. 312 artigo original Fortes LS et al. Tabela 1. Comparação da idade, IMC e insatisfação corporal entre atletas e não atletas pelo teste Mann-Whitney Atletas Não atletas p valor Idade 14,66 ± 2,14 15,69 ± 1,81 p < 0,02 IMC 21,19 ± 2,76 20,74 ± 3,48 p < 0,17 Variável/Grupo Em relação à comparação da insatisfação corporal utilizando a idade como covariável na análise univariada de covariância (ANCOVA), os não atletas apresentaram pontua ções superiores no BSQ comparados aos atletas (p < 0,05) (Tabela 2). Tabela 2. Comparação da insatisfação corporal entre atletas e não atletas avaliada por meio da análise univariada de covariância (ANCOVA) Variável/Grupo BSQ Atletas Não atletas p valor 49,30 ± 2,70 57,40 ± 2,63 p < 0,04 A comparação da prevalência de insatisfação corporal entre os grupos está ilustrada na tabela 3. Adolescentes não atletas apresentaram maiores frequências de insatisfação com a imagem corporal (14,8) do que os atletas (3,4), havendo diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (p < 0,05). Tabela 3. Comparação da prevalência (%) de insatisfação corporal entre adolescentes atletas e não atletas Insatisfação/Grupo Atletas Não atletas p valor Satisfeito 96,6 85,2 p < 0,001 Insatisfeito 3,4 14,8 p < 0,001 DISCUSSÃO O estudo teve como premissa comparar a insatisfação corporal entre adolescentes atletas e não atletas do sexo masculino. Os resultados revelaram diferença de idade entre os grupos (p < 0,05 – Tabela 1), mas não foi identificada diferença de IMC entre atletas e não atletas. Foi evidenciada diferença de insatisfação corporal entre os dois grupos (p < 0,05 – Tabela 2), mesmo utilizando a idade como covariável na análise univariada de covariância (ANCOVA). Além disso, os não atletas apresentaram maior prevalência de insatisfação corporal comparados aos atletas (p < 0,05 – Tabela 3). O presente estudo apresentou limitações importantes. Uma delas foi utilizar como instrumento principal um questionário. Pesquisadores afirmam que os indivíduos podem não responder com fidedignidade a instrumentos autoaplicáveis2,12. Portanto, os resultados podem não refletir a realidade do contexto avaliado, visto que o resultado final é fruto J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):309-14. de respostas subjetivas. Outra limitação da presente pesquisa foi apresentar um tamanho amostral relativamente baixo para ambos os grupos. Entretanto, ressalta-se a dificuldade de acesso em avaliar atletas na cidade de Juiz de Fora/MG, pois geralmente treinadores recusam a participação voluntária de seus atletas nesse tipo de estudo. Por outro lado, pesquisas desse gênero têm utilizado amostras com número de participantes semelhantes ao do presente estudo6,15. Contudo, este estudo mostra importantes evidências a respeito da comparação da insatisfação corporal entre atletas e não atletas do sexo masculino, acrescentando à literatura algumas questões relevantes sobre esse tema, que tem sido pouco explorado no Brasil. Os resultados do presente estudo demonstram uma prevalência de 14,8% dos meninos não atletas com insatisfação corporal, indicando que existiam baixas taxas de depreciação com peso e aparência física comparado a outros achados2,12. Os estudos que se destinam a investigar esse aspecto têm encontrado altas prevalências de insatisfação corporal no público adolescente2,11,18. O número de casos de adolescentes do sexo masculino insatisfeitos com o corpo tem aumentado nos últimos anos19. Já são encontradas pesquisas que demonstram que os meninos têm maior prevalência de insatisfação com aparência física do que as meninas10,20. Pelegrini e Petroski10, utilizando escala de silhuetas, encontraram prevalência de insatisfação corporal em 66% dos adolescentes do sexo masculino da rede pública de Florianópolis. Em outro estudo semelhante, Petroski et al.12 identificaram que 60% dos adolescentes do sexo masculino do município de Chapecó/SC estavam insatisfeitos com a aparência física. Os achados do presente estudo demonstram maior prevalência de insatisfação corporal no grupo de não atletas (Tabela 3), corroborando a metanálise realizada por Hausenblas e Downs13. A insatisfação corporal parece se manifestar em atletas com frequências diferentes em relação aos não atletas. Estudos têm apresentado que essa população possui baixa prevalência de insatisfação corporal6,13. Vieira et al.6 avaliaram a insatisfação corporal de atletas de judô do estado do Paraná e encontraram prevalência de 7% nessa amostra. Por outro lado, alguns autores encontraram grandes prevalências de insatisfação com peso corporal em atletas5,15. Talvez a exposição do corpo em público, em uniformes que salientam o formato corporal, juntamente com a pressão imposta por treinadores no anseio pela otimização do desempenho esportivo ou simplesmente controle de peso corporal possam ser fatores que influenciem negativamente a imagem corporal, fazendo com que jovens esportistas preocupem-se ainda mais com peso e aparência física5,17. A presente pesquisa buscou utilizar esportes que não apresentassem características estéticas, nem que exigissem baixo peso corporal (futsal e natação). Além disso, é necessário averiguar se há ou não diferenças de variáveis entre grupos de atletas e não atletas que podem influenciar na insatis- artigo original fação corporal. Em uma metanálise comparando a imagem corporal de atletas e não atletas13, foi identificado que atletas apresentavam imagem corporal mais positiva do que os não atletas. Alguns estudos têm corroborado esses achados21,22. No entanto, os resultados de outras pesquisas recentes vêm conflitando com a tendência retromencionada5,7. Sobretudo, existem vários fatores peculiares do ambiente atlético que podem influenciar a imagem corporal em atletas e impossibilitar comparações generalizadas. Um destes aspectos é o tipo de esporte que o sujeito pratica. Sundgot-Borgen e Torstveit7 e Krentz e Warschsburger5 argumentam que atletas que praticam esportes com características estéticas e com exigência de baixo peso corporal tendem a ser mais insatisfeitos com o corpo. Dependendo das modalidades esportivas em que são comparadas com os não atletas, podem ser encontrados resultados diversos. Na presente pesquisa, identificou-se diferença apenas na idade entre os grupos (Tabela 1), o que poderia interferir nos resultados da comparação de insatisfação corporal. Por isso, decidiu-se utilizar uma análise (ANCOVA) que reconfigura as pontuações do BSQ igualando a idade de todos os participantes. Esse teste revelou que adolescentes não atletas do sexo masculino eram mais insatisfeitos com o corpo comparados ao grupo de atletas (p < 0,05 – Tabela 2). Esses achados corroboram as afirmações de Hausenblas e Downs13, que apontaram maior insatisfação corporal em sujeitos que não praticam atividade física sistematizada. Autores como Conti et al.11 e Scherer et al.2 afirmam que a idade e o IMC são fatores que influenciam a imagem corporal. Várias pesquisas têm apresentado que o IMC é fortemente associado com a insatisfação corporal no público adolescente10,12. Estudos têm mostrado que adolescentes mais velhos do sexo masculino tendem a ser menos insatisfeitos com peso e aparência corporal comparados aos mais jovens11. Para futuros estudos, sugere-se que sejam avaliados atletas de outros esportes, além de se incluir o sexo feminino nas análises. É recomendado que sejam realizadas análises multivariadas de covariância utilizando fatores de instrumentos como o BSQ, como variáveis dependentes, e medidas antropométricas (IMC e percentual de gordura) como covariáveis, a fim de se identificarem com mais precisão diferenças de imagem corporal entre atletas e não atletas. Ademais, recomenda-se que sejam incluídos instrumentos que avaliem pressão do ambiente esportivo na tentativa de identificar se treinadores e colegas de equipe influenciam positiva ou negativamente em variáveis afetivas de jovens atletas. CONCLUSÃO Pode-se dizer, entre a amostra do presente estudo, que os não atletas são mais insatisfeitos com peso e aparência corporal, além de apresentarem maior prevalência desse fenô- Insatisfação corporal de atletas e não atletas 313 meno comparado aos atletas de futsal e natação do sexo masculino. Dessa forma, destaca-se a importância de intervenções nas escolas que visem a uma melhor aceitação do corpo na adolescência, a fim de promover maior satisfação com a imagem corporal nessa fase, prevenindo o desenvolvimento de problemas psicológicos. AGRADECIMENTOS Aos adolescentes participantes deste estudo, pela colaboração; à diretora da escola privada Flávia Marcele Cipriani; aos treinadores das equipes avaliadas, Artur Castellões (futsal) e Luiz Francisco Junqueira Marques (natação), pela permissão de os adolescentes participarem da pesquisa; ao Laboratório de Estudos do Corpo (UFJF), pela disponibilização dos instrumentais do estudo; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo financiamento do projeto. REFERÊNCIAS 1. Minatto G, Ribeiro RR, Júnior AA, Santos KD. Idade, maturação sexual, variáveis antropométricas e composição corporal: influências na flexibilidade. Rev Bras Cineantropom Desempenho Hum. 2010;12(3):151-8. 2. 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Prevalence of disordered-eating behaviors in undergraduate female collegiate athletes and nonathletes. J Athl Train. 2005;40(1):47-51. 18. Corseuil MW, Pelegrini A, Beck C, Petroski EL. Prevalência de insatisfação com a imagem corporal e sua associação com a inadequação nutricional em adolescentes. Rev Educ Fis. 2009;20(1):25-31. 22. McGehee TMT, Green JM, Leeper JD, Leever-Dunn D, Richardson M, Bishop PA. Body image, anthropometric measures, and eating-disorder prevalence in auxiliary unit members. J Athl Train. 2009;44(4):418-26. 19. Martins CR, Pelegrini A, Matheus SC, Petroski EL. Insatisfação com a imagem corporal e a relação com estado nutricional, adiposidade corporal e sintomas de anorexia e bulimia em adolescentes. Rev Psiq. 2010;32(1):19-23. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):309-14. ORIGINAL ARTICLE Body image dissatisfaction and its relationship with physical activity and body mass index in Brazilian adolescents Insatisfação com a imagem corporal e sua relação com atividade física e índice de massa corporal em adolescentes brasileiros Maria F. Laus1, Telma M. Braga Costa2, Sebastião S. Almeida1 ABSTRACT Keywords Body image, physical activity, body mass index, adolescent. Objective: To evaluate body image dissatisfaction and its relationship with physical activity and body mass index in a Brazilian sample of adolescents. Methods: A total of 275 adolescents (139 boys and 136 girls) between the ages of 14 and 18 years completed measures of body image dissatisfaction through the Contour Drawing Scale and current physical activity by the International Physical Activity Questionnaire. Weight and height were also measured for subsequent calculation of body mass index. Results: Boys and girls differed significantly regarding body image dissatisfaction, with girls reporting higher levels of dissatisfaction. Underweight and eutrophic boys preferred to be heavier, while those overweight preferred be thinner and, in contrast, girls desired to be thinner even when they are of normal weight. Conclusion: Body image dissatisfaction was strictly related to body mass index, but not to physical activity. RESUMO Palavras-chave Imagem corporal, atividade física, índice de massa corporal, adolescentes. Recebido em 14/9/2011 Aprovado em 28/11/2011 Objetivo: Investigar a insatisfação com a imagem corporal e sua relação com atividade física e índice de massa corporal em adolescentes brasileiros. Métodos: Participaram do estudo 275 adolescentes (139 meninos e 136 meninas) com idade entre 14 e 18 anos. A coleta de dados consistiu na tomada de medidas de peso e altura, seguida pela aplicação da Escala de Figuras de Silhuetas e do Questionário Internacional de Atividade Física. Resultados: As meninas apresentaram índices significativamente maiores de insatisfação com a imagem corporal. Meninos eutróficos e com baixo peso relataram o desejo de pesar mais, enquanto meninos acima do peso gostariam de pesar menos. Em contrapartida, as meninas desejam ser mais magras, mesmo quando estão com peso normal. Conclusão: A insatisfação com a imagem corporal foi estritamente relacionada ao índice de massa corporal, mas não manteve relação com a prática de atividade física. 1 Universidade de São Paulo (USP), Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Departamento de Psicologia. 2 Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP), Curso de Nutrição. Address for correspondence: Sebastião S. Almeida Laboratório de Nutrição e Comportamento, Departamento de Psicologia, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900 – 14040-901 – Ribeirão Preto, SP, Brasil Tel.: (16) 3602-3663 E-mail: [email protected] 316 ORIGINAL ARTICLE Laus MF et al. INTRODUCTION Body image has been considered an internal representation of an individual’s body shape, weight, size, or other features related to physical appearance1. However, researchers have long argued that body image has a multifactorial etiology involving perceptual, affective, cognitive, evaluative, and investment/behavioral components2. Because adolescence is a period characterized by great emotional, social, and physical change, body image disturbance is among the most widespread disorders associated with the onset of adolescence3. Although the research on body image has primarily focused on women and patients with ea ting disorders4, increasing recognition of the psychosocial problems associated with body disturbance among adolescents has led to the need to understand the factors influencing body image for boys and girls in nonclinical populations. According to some authors, a number of studies have emphasized the problems of distorted body image, dissatisfaction with one’s body weight and symptoms of unhealthy weight control among adolescents as a social pressure5. The beauty ideal is conveyed and reinforced by many social influences, including media representations, cultural traditions and attitudes of friends and relatives6. Studies conducted in the West during the last three decades reflect general agreement that “ideal body” is equated with youth, beauty, health, competence, and self-control and is a key to many social benefits7. The male ideal is a V-shaped figure with emphasis placed on large biceps, chest, and shoulders; whereas the female ideal is to be extremely thin, with emphasis placed on slim hips, bottom, and thighs8. However, since for most people this ideal is impossible to achieve, body image disturbance is a likely consequence. It is known that body mass index (BMI) has been the most consistent biological characteristic related to body image satisfaction9 with some studies finding that BMI explained unique variance in body dissatisfaction above and beyond socio-cultural variables10. The general finding from cross-sectional and longitudinal research has been that girls and boys who have greater body mass have expressed heightened body image disturbances9. A substantial body of literature data attests to the negative distress caused by body image disturbance in both females and males, as well as its association with depression symptoms, low self-esteem, and increased risk for suicide3,11. It is also known that body image disturbances might be associated with unhealthy weight-control behaviors10. In that way, physical activity is often considered as a way to reduce body weight and research shows that adolescents frequently relate fitness to appearance and to “looking good”12. Thus, according to Jankauskiené and Kardelis5, several studies have revealed many problems related to weight, body image and physical activity such as pathologiJ Bras Psiquiatr. 2011;60(4):315-20. cal weight control concerns, drive for thinness (particularly in girls), drive for muscularity (particularly in boys), and commitment to exercise. On the other hand, some authors argue that regular physical activity among children and adolescents could be associated with high self-esteem, positive social skills, and a reduced risk of participating in health-risk behaviors13 in which adolescents often engage, with immediate or longterm consequences to their health and well-being. On this basis, adolescents’ body concerns are an important issue and studies should be conducted in an attempt to answer a number of different questions related to body image disorders. Although this is an important issue, only a few published studies explore issues surrounding body image perception and its related factors among Brazilian adolescents. Thus, the main purpose of the present study was to evaluate body image dissatisfaction and its relationship with physical activity and body mass index in a Brazilian sample of adolescents. METHODS Participants Before the beginning of the study, a survey was conducted in the Municipal Secretary of Education to verify the number of adolescents regularly enrolled in high school in the city, resulting in 23.754 students. After that, a simple random and convenient sample corresponding to, at least, 1% of this total was defined. To ensure the inclusion of subjects from all socioeconomic strata, five public and five private schools were randomly selected from each region of the city (north, south, west, east and central). The authors made contact to each director and, after the agreement, students were randomly recruited to voluntarily participate in the study. At the end, 275 adolescents (139 boys and 136 girls) agreed to participate in the study and there were no refusals during data collection. Participants ranged in age from 14 to 18 years (16.2 ± 1.0). Measures Body Mass Index (BMI): BMI is defined as the ratio of weight (kg) to height (m) squared. Weight was measured using a calibrated electronic scale (Kratos-Cas, Brazil) and subjects were weighed wearing light clothes, barefoot and carrying no heavy objects. Height was measured using a portable anthropometer (Kratos-Cas, Brazil) set against the wall, ensuring accurate subject posture before reading the fixed marker. Nutritional status was defined by the age- and sex-specific percentile of BMI based on Ministry of Health parameters14. Weight and height data were processed with the Epi-Info® software, which classified each individual according to the percentile limits as follows: underweight P < 3; normal weight P3 – P < 85; overweight ≥ P85 – P < 97, and obesity P ≥ 97. ORIGINAL ARTICLE International Physical Activity Questionnaire (IPAQ): The IPAQ was developed as an instrument for crossnational monitoring of physical activity and inactivity15. The Brazilian version of the questionnaire was validated for adolescents of both sexes by Guedes et al.16. The short version of the IPAQ assesses physical activity undertaken across a comprehensive set of domains including: leisure time physical activity; domestic and gardening (yard) activities, work-related physical activity, and transport-related physical activity, and asks about three specific types of activity undertaken in the above four domains. The specific types of activity assessed are walking, moderate-intensity activities and vigorous-intensity activities. The 3 items in the short IPAQ form were structured to provide separate scores on walking, moderate-intensity and vigorous-intensity activity. Computation of the total score for the short form requires summation of the duration (in minutes) and frequency (days) of walking and of moderate-intensity and vigorousintensity activities. For each question, participants are given examples of moderate, vigorous, and walking activities and physiological cues for breathing and heart rate to help them recall activities at an appropriate intensity level. The IPAQ does not take into account activities performed for less than 10 consecutive minutes, and the intensity is based on selfreport15. Data are analyzed as categorical variable. The Contour Drawing Scale (CDS): The Brazilian version of the scale was created and validated by Kakeshita et al.17. In this study it was used the adult scale, which was tested by the authors in adolescents*. The scale comprises a set of fifteen contour drawings of each gender presented on separate cards showing escalating measures, from leaner to wider drawings, and mean BMI ranging from 12.5 to 47.5 kg/m2, which evaluates body image dissatisfaction. The method applied consisted of asking subjects to pick one card from a set of cards displayed in ascending order, which would better describe their own body contour at that time (“Perceived” BMI). Subjects were then asked to point out the card with their desired body contour (“Ideal” BMI) and the card which indicates a healthy BMI. Body dissatisfaction is represented as the discrepancy between perceived and ideal BMI. Results are given as a continuous variable, and the closer to zero, the lower dissatisfaction. Factors related to dissatisfaction in adolescents trained in the use of the instruments. Written informed consent was obtained from all subjects. Data analysis Data were analyzed using evaluation scales of each test and the calculation of BMI. Statistical analysis was performed using the Statistica 5.0 software. Data adhered to the assumption for parametric data. Analysis of Variance (ANOVA) was used to determine whether there were any differences in BMI, level of physical activity and body image dissatisfaction between boys and girls and possible interactions between these factors. When applicable, the multiple comparisons NewmanKeuls test was used to determine which groups were diffe rent. A Pearson correlation test between BMI and CDS was also performed. The level of significance was set at 5%. RESULTS Table 1 describes the characteristics of the sample in terms of physical activity level, nutritional status, BMI, body image perception, and dissatisfaction. As can be seen, approximately 73.4% of the boys and 54.4% of the girls were participating in moderate-intensity physical activity lasting for at least 10 min. Seventy-eight percent of the boys and 83.1% of the girls were of normal weight and there was no significant difference in mean BMI between adolescent boys and girls (p < .05). Table 1. Descriptive statistics of the study sample (n = 275) Boys (n = 139) Girls (n = 136) Sedentary 2.9 6.8 Low activity 23.7 39.0 Physical activity level† Moderate activity 47.5 41.2 High activity 25.9 13.2 Nutritional status† Underweight 3.6 0.7 Normal weight 78.4 83.1 Procedure Risk of overweight 10.1 12.5 The project was approved by the Institutional Ethics Committee. Data collection was carried out in rooms provided by the schools and comprised the application of contour drawing tests, weight and height measures and self-administration of the IPAQ. All data were collected in 2008 by one investigator Overweight 7.9 3.7 22.0 (3.8) (16.0 – 35.6) 21.7 (3.5) (16.9 – 35.6) “Perceived” BMI 24.4 (6.2) 26.7 (6.2) “Ideal” BMI 24.2 (3.5) 24.2 (3.6) “Health” BMI 24.8 (3.6) 24.9 (3.5) Dissatisfaction‡ -0.2 (5.5) -2.5 (5.6)a * Laus MF, Murarole, MB, Braga Costa TM, Almeida SS. Estudo de fidedignidade teste-reteste de uma escala de silhuetas brasileira em adolescentes (unpublished manuscript). 317 Body mass index CDS ‡ ‡ Data are reported in percentage. ‡ Data are reported in kg/m2 as mean (Standard Deviation). a p < .001 compared to boys. † J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):315-20. 318 ORIGINAL ARTICLE Laus MF et al. Still on table 1, it can be seen that, according to the CDS, girls would like to have a lower BMI than they think they have. Body image data were then submitted to one-way (dissatisfaction x gender) ANOVA to determine possible differences in dissatisfaction between boys and girls. Table 1 shows that boys and girls differed significantly in body dissatisfaction [F(1,273) = 11,26; p < .001)], with girls reporting higher levels of dissatisfaction than boys. In order to evaluate differences in body image dissatis faction between boys and girls who currently do and do not participate in some form of physical activity, a two-way ANOVA was performed. As can be seen, ANOVA revealed no significant effect of the body image dissatisfaction x physical activity levels x gender interaction (p > .05) which indicates that, in this sample, dissatisfaction exist regardless physical activity level or gender (Table 2). Table 2. Means (and Standard Deviations) for body image dissatisfaction (in kg/m2) of boys and girls according to physical activity level and nutritional status Body image dissatisfaction Boys (n = 139) Girls (n = 136) Sedentary -6.3 (1.6) -1.9 (1.9) Low activity -0.8 (1.2) -1.8 (0.7) Moderate activity 0.0 (0.7) -3.2 (0.8) High activity 0.6 (0.7) -2.2 (0.8) Underweight 6.0 (1.3)a 0.0 (0.0)a Normal weight 1.2 (1.3)a -1.5 (0.5)a Risk of overweight -4.5 (1.1)b -7.4 (1.3)b Overweight -11.4 (1.8) -8.5 (1.0)b Physical activity level Nutritional status a, b b p < .05 (means with different superscripts differ significantly). A two-way ANOVA also was conducted to determine differences in body image dissatisfaction between boys and girls according to the nutritional status. As can be seen on table 2, ANOVA demonstrated no significant effect of gender (p > .05) but revealed a significant effect of the dissatisfaction x nutritional status interaction [F(3,267) = 31.71; p < .05]. Posthoc analysis showed that respondents with higher BMI were more dissatisfied with their weight than respondents with lower BMI. As expected, underweight and normal weight boys would like to be heavier, while those overweight would like to be thinner. In contrast, girls would like to be thinner, even when they are normal weight. Significant correlations were observed between body image dissatisfaction and BMI in boys (r = -.79) and girls (r = -.60), indicating that, in this sample, dissatisfaction with body image proportionally increased with increasing BMI in both sexes (p < .05) (Table 3). J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):315-20. Table 3. Pearson’s correlation coefficients between body mass index (kg/m2) and body image dissatisfaction (kg/m2) for boys and girls Body image dissatisfaction Body mass index a Boys Girls -.79 -.60a a Significant at p < .05. DISCUSSION The objective of the present study was to investigate body image dissatisfaction and its relationship with physical activi ty and body mass index in a Brazilian sample of adolescents. The results showed a large proportion of adolescents engaged in some form of physical activity and that most participants were of normal weight. Body image dissatisfaction was strictly related to BMI, but not to physical activity. Our data concerning the levels of physical activity of adolescents tested by the IPAQ agree with other national stu dies18. Thus, it is important to note that there is a difference between “physical activity” and “exercise”. Caspersen et al.19 define physical activity as any bodily movement produced by skeletal muscles that results in energy expenditure. In daily life it can be categorized into occupational, sports, conditioning, household, or other activities. On the other hand, exercise is a subcategory of physical activity. In fact, both have a number of common elements; however, exercise is not synonymous with physical activity. Exercise is physical activity that is planned, structured, repetitive, and intentional, in the sense that improvement or maintenance of one or more components of physical fitness is an objective19. The IPAQ is a measure of total physical activity and includes transportation and occupational physical activities making no distinction between the two terms. Particularly in developing countries, occupational and transportation activities represent a substantial proportion of total physical activity20. Thus, most of the participants possibly practice this kind of activity, and not specifically “exercise”. Since it is known that exercise is more often performed for appearance-related reasons21 compared to physical activities, this could be one explanation for the lacking relationship between physical activity and body image disturbance. Concerning nutritional status, Madrigal et al.22 have pointed out that the relationship between body weight and body image self-perception is well-documented in the literature, as confirmed in the present study. The present study shows that body dissatisfaction scores of both boys and girls were significantly correlated with their BMI, indicating that body image disturbance increases with increasing BMI. Similarly, previous studies have also found a direct relationship between BMI and body image disturbance23,24. A review conducted by Wardle25 examining recent empirical evidence ORIGINAL ARTICLE on the relationship between obesity and body dissatisfaction found, without exception, greater body dissatisfaction among heavier children and adolescents, confirming that overweight during adolescence may indicate greater body concern and discomfort. The high correlation between body image and anthropometric characteristics suggests that the analysis of body image perception could play an important role in nutritional surveillance24. According to Champion and Furnham26, many theorists have postulated that the media may play a central role in creating and exacerbating the phenomenon of body dissatisfaction. Television and other media represent one of the most important and underrecognized influences on children and adolescents’ behavior27. Figures in the media provide information on fashion, beauty, and body satisfaction, and have the potential to provide positive images for adolescents in the process of their social development and emerging sense of identity. However, adolescents often identify with media characters who are unnaturally thin or who engage in harmful behaviors, and often develop unrealistic and unhealthy norms of physical appearance28. The adult stereotypes of beauty and obesity are naturally assimilated by children and a review conducted by Feldman et al.29 investigating the absorption of these stereotypes in children concluded that children by the age of 6-9 years old already acquire an active dislike of the obese body and by the age of 7 years have assimilated adult cultural perceptions of attractiveness26. According to Pesa et al.30, adolescence is a period of life marked by pronounced physical, psychological, emotional, and social changes. The physical changes that characterize this life stage have been implicated as a trigger for body image problems in both males and females. With pubertal development, girls experience an increase in body fat31. This new body often conflicts with the cultural ideal of a slender body and girls generally become more dissatisfied with their bodies. It stands to reason that excess body weight may have a negative impact on the well-being especially of female adolescents31. In fact, dissatisfaction with body image in girls is normally shown by the desire to lose weight. In contrast, stu dies have shown that boys seem to be approximately equally divided between those desiring weight gain and those de siring weight loss8, as confirmed in the present study. This study has presented numerous interesting findings. Nevertheless, it is not without limitations. This study has presented numerous interesting findings. Nevertheless, it is not without limitations. The first one is related to the use of one self-applicable instrument, which may contain a bias component, once it depend on those who will answer the questions, fact that can result in subjective data. Second, there is the relatively small sample size, which could not properly represent all considered strata, but may provide baseline Factors related to dissatisfaction in adolescents 319 data to begin to examine body dissatisfaction and its related factors during adolescence. In conclusion, boys and girls differed significantly in body dissatisfaction, with girls reporting higher levels of dissatisfaction. In general, underweight and normal weight boys would like to be heavier, while those overweight would like to be thinner and, in contrast, girls would like to be thinner, even when they are of normal weight. Contrary to expectations, body image dissatisfaction was strictly related to BMI, but not to physical activity. These results demonstrated that biological factors, as BMI, may play an important role in the development and maintenance of body image dissatisfaction and provided helpful information about risk population that should be target of interventional programs. ACKNOWLEDGE The authors acknowledge Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP for financial support (Process 2006/01606-6). REFERENCES 1. Powell MR, Hendricks B. Body schema, gender, and other correlates in nonclinical populations. 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Objetivo: Fornecer uma revisão atualizada em língua portuguesa sobre a síndrome de Angelman, com ênfase nos mecanismos genéticos e moleculares dessa patologia, uma causa de deficiência mental severa que em alguns casos pode apresentar recorrência familiar. Método: Foi feita uma revisão bibliográfica utilizando a base de dados do PubMed, tendo como critérios de busca o termo “Angelman syndrome” isoladamente e combinado com “UBE3A”, “clinical”, “genetics” e “molecular” no título dos artigos. Dentre esses, foram selecionados artigos de revisão e artigos originais sobre a fisiopatologia da síndrome, com ênfase nos últimos dez anos. Resultados: Utilizando-se “Angelman syndrome” na busca, apareceram cerca de 1.100 artigos, incluindo 240 de revisão. Nos últimos dez anos são mais de 600 artigos, aproximadamente 120 de revisão, 50% dos quais publicados nos últimos cinco anos. Na base de dados SciELO, são apenas nove artigos sobre a síndrome, dos quais três em português e nenhum artigo atual de revisão. Conclusão: Após ter sido uma das principais causas que atraíram atenção ao estudo e ao entendimento dos mecanismos do imprinting genômico, a síndrome de Angelman está agora se revelando como uma patologia das sinapses. Apesar de o entendimento da fisiopatologia molecular da síndrome de Angelman ainda estar longe de ser compreendida, seu estudo está fornecendo uma visão extraordinária sobre os mecanismos que regem a plasticidade sináptica, novamente atraindo a atenção de pesquisadores que trabalham na fronteira do conhecimento. ABSTRACT Objective: The aim of this work is to provide an actualized review in Portuguese language of the main clinical and behavioral features and in particular of the genetic and molecular aspects of Angelman syndrome, a cause of severe intellectual disability, which in rare cases can be recurrent in the family. Method: This paper is a literature review that used as a source of research, scientific papers with the terms “Angelman syndrome” or combined with UBE3A, clinical, genetics, and molecular in their title, retrieved trough the PubMed database. Among those, mainly review articles and original papers about cellular and molecular aspects of the pathology were selected, prioritarily, those published in the last ten years. Results: The term Angelman syndrome retrieved about 1100 papers, including close to 240 review articles. During the last ten years there were over 600 publica- Recebido em 29/6/2011 Aprovado em 18/10/2011 1 Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética, Laboratório de Neurogenética do Desenvolvimento. 2 Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), Área de Ciências Biológicas e da Saúde. Endereço para correspondência: Angelica Francesca Maris Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Centro de Ciências Biológicas, Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética Trindade – 88040-900 – Florianópolis, SC, Brasil Tel.: (+55 48) 3721-9887 E-mail: [email protected] 322 revisão de literatura Maris AF, Trott A Keywords Angelman syndrome, UBE3A, mental retardation, intellectual disability, genetic imprinting, synaptic dysfunction. tions, with approximately 120 reviews, 50% of whom published in the last five years. The SciELO database was also searched and nine publications about the syndrome were found, three of which in Portuguese and no recent review article. Conclusion: After being one of the main causes to attract attention and stimulate studies to unravel the mechanisms of the genetic imprinting, Angelman syndrome is again in the spotlight because it is revealing itself as pathology of synaptic dysfunction. Albeit still long from understood, the molecular and cellular alterations in Angelman syndrome are allowing an extraordinary insight into the mechanisms which control synaptic plasticity. INTRODUÇÃO Descrita pela primeira vez em 1965, pelo pediatra inglês Harry Angelman, a síndrome que atualmente leva seu sobrenome se caracteriza por retardo mental (RM) severo, acompanhado por incapacidade de falar palavras ou frases, andar atáxico desequilibrado e convulsões e pelo fato de seus portadores rirem excessivamente sempre que há um estímulo de qualquer natureza. Essas risadas inapropriadas, que ocorrem independentemente de um fato alegre, quase como um reflexo, além do andar vacilante, levou à denominação de “happy puppet syndrome” (síndrome da marionete feliz) para essa condição. Posteriormente, considerada pejorativa, foi renomeada de síndrome de Angelman (AS)1. As estimativas da incidência de AS variam de 1/10.000 a 1/40.000 nascimentos2-4. Em 1997, a causa da síndrome de Angelman foi relacionada à perda da função de UBE3A. O gene UBE3A, localizado no cromossomo 15, apresenta uma característica incomum, pois a transcrição desse gene não ocorre do alelo herdado do pai nos neurônios de pessoas normais, um mecanismo denominado de impressão genômica paterna (imprinting paterno), pois todas as pessoas dependem do alelo herdado da mãe para expressar a proteína UBE3A nessas células. Em todos os outros tecidos, a expressão de UBE3A ocorre de forma bialélica (dos alelos herdados de ambos os pais). A síndrome de Angelman se deve a alterações genéticas que impedem a produção de UBE3A do alelo materno, pois então não haverá a função dessa proteína nos neurônios. O produto do gene UBE3A codifica uma ubiquitina ligase, que é responsável por direcionar certas proteínas para degradação. Evidências recentes indicam que desbalanços na função de UBE3A comprometem a função e a plasticidade neuronal; quando não há atividade de UBE3A nos neurônios, desenvolve-se a síndrome de Angelman; já sua expressão aumentada está relacionada com sintomas de autismo5,6. Neste estudo, o objetivo foi revisar os principais mecanismos genéticos e moleculares envolvidos na patogênese e na fisiopatologia da síndrome de Angelman, delineando brevemente o impacto da síndrome no comportamento e desenvolvimento dos afetados. Aspectos clínicos e comportamentais da síndrome de Angelman As crianças com a síndrome de Angelman geralmente nascem com aparência e desenvolvimento inicial indistinguível J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):321-30. de outros bebês saudáveis. A gestação costuma ser normal, os bebês nascem com tamanho e peso normais e, em geral, não há nenhum indício que possa levar os pais ou os médicos pediatras a suspeitarem de qualquer anormalidade2-4. Somente entre 6 meses e 1 ano é que começa a aparecer o retardo em seu desenvolvimento. Talvez um dos primeiros indícios seja a facilidade em sorrir e rir. Já muito cedo essas crianças sorriem mais que o usual, um fato inexplicável até o momento. Sinais de hipotonia podem se manifestar com dificuldades para sucção e deglutição, dificultando a alimentação. Além do retardo em todos os marcos do desenvolvimento, hiperatividade, risadas explosivas, ausência de linguagem verbal (restrita à sonorização de três a cinco sílabas e raramente quatro a cinco palavras) e o aparecimento de crises convulsivas, que ocorrem em 80% dos casos, geralmente antes dos 4 anos de idade, podem levar o médico a diagnosticar a AS1,2,7-9. Porém, a idade média de diagnóstico gira em torno dos 6 anos de idade e muitos pais ficam anos à procura de respostas2. O comportamento de alegria contagiante das crianças afetadas, sua disposição social e a facilidade de satisfazer emocionalmente a criança com AS também podem levar muitos pais a ignorarem por bastante tempo a condição10. Um dos sinais diagnósticos típicos é um padrão de eletroencefalograma (EEG) característico, com ondas trifásicas amplas e picos lentos2. O desenvolvimento motor dos portadores da AS mostra déficits desde os 6 ou 7 meses de idade, com atraso nos marcos mais característicos. Raramente sentam sem apoio antes do primeiro ano de vida e geralmente só conseguem andar sozinhos em torno dos 4 anos de idade ou mais, e cerca de 10% não desenvolvem ambulação10. O seu andar é característico, desajeitado, como que desequilibrado, com frequência sendo acompanhado por tremores, com os braços posicionados com cotovelos flexionados, os antebraços erguidos e as mãos flexionadas para baixo. Todos apresentam dificuldade em coordenar a musculatura motora voluntária e possuem hipotonia do tronco e ao mesmo tempo contratividade de membros. A hiperatividade e a hiperexcitabilidade estão em 100% dos casos, sendo que reagem aos menores estímulos físicos e mentais com explosões descontroladas de risos, vocalizações (gritos de excitação) e com agitação (abano) das mãos. Apesar de esse comportamento ser descrito como um mero reflexo motor, tem-se a impressão de que os afetados tendem a se sentir felizes e satisfeitos, exceto quando não estão conseguindo comunicar um desejo. revisão de literatura Por causa de sua hiperatividade, as crianças pequenas com AS sempre estão manuseando algum brinquedo e o colocando na boca, assim como os próprios dedos. Mais tarde, é comum empurrarem, puxarem cabelos, beliscarem e morderem outras crianças. Mesmo sem nada na boca, são frequentes os movimentos de mastigação, e sua dificuldade com a deglutição pode levá-los a apresentar sialorreia (escape oral de saliva) em graus variados. Além das dificuldades com alimentação, hiperatividade e hiperexcitabilidade, os distúrbios do sono também são muito comuns em pacientes com a síndrome, tornando-se um transtorno para toda a família e por isso é frequente que sejam administradas medicações para dormir9. Principalmente na infância, há grande dificuldade para pegar no sono e muita facilidade para acordar e uma aparente necessidade de somente cinco a seis horas de sono por noite, sem que isso perturbe a sua disposição e atenção durante o período de vigília11,12. Os indivíduos com AS atingem uma idade mental e funcional máxima considerada equivalente a 12 e 30 meses de idade1,10,13. Sua capacidade de compreensão é muito maior que sua capacidade de verbalização. Parece haver influência do tipo de mutação nessa condição, e os mais comprometidos são aqueles com deleções mais extensas, que se caracterizam pela ausência total de linguagem, seguidos pelos que têm mutação no gene UBE3A, que podem chegar a falar duas a cinco sílabas e, eventualmente, três a quatro palavras. Os menos afetados são os portadores de dissomia uniparental, cujo vocabulário pode chegar a mais de dez palavras, porém nunca há aquisição de linguagem verbal com mais de algumas palavras, exceto para casos de mosaicismo somático. A ausência de linguagem verbal associada ao comportamento de risadas reativas e descontroladas e a ausência de regressão nas habilidades adquiridas tendem a ser marcos inconfundíveis da síndrome, servindo quase sempre para a suspeita inicial de diagnóstico. Com o passar dos anos, a hiperatividade característica diminui e aumenta a capacidade prestar atenção e de seguir ordens simples. A maioria desenvolve comunicação suficiente para demonstrar sua vontade e fazer escolhas, como o que quer comer ou vestir. Portadores da AS podem aprender a se comunicar mais com gestos que com a linguagem verbal e há relato de que, mesmo com esforços consistentes para intervir no desenvolvimento da linguagem verbal, o sucesso é praticamente nulo. Por isso, a intervenção no quesito comunicação deveria se concentrar no desenvolvimento da capacidade de comunicação não verbal, ensinando-se comunicação com utilização de imagens, fotos e gestos, uma vez que a frustração com a incapacidade de comunicar seus desejos ou expressar sua contrariedade são as principais causas que originam comportamentos agressivos em portadores de AS14,15. Os indivíduos com AS necessitam de suporte intenso por toda a vida e de supervisão durante as 24 horas do dia. A patogênese da síndrome de Angelman 323 Apesar de desenvolverem certa independência para realizar algumas atividades, não têm noção de perigo e tendem a sempre necessitar de ajuda para realizar as tarefas mais básicas, como tomar banho, escovar os dentes, comer e vestir-se. Muitos aprendem a se despir e a manusear talheres simples, especialmente colheres. Um terço a 50% aprendem a utilizar o banheiro durante o dia, porém é comum molharem a cama à noite2,11. Podem exibir hipersensibilidade ao calor e uma das características marcantes em portadores da AS é sua fascinação por água, não sendo incomum jogarem-se em uma piscina com roupa. Gostam de ver fotos, escutar música alta – inclusive para dançar –, assistir à TV, assim como manusear plásticos brilhantes ou papéis metalizados, como as embalagens de salgadinhos, balões e outros brinquedos que chamam atenção e não exigem coordenação motora fina. A entrada na puberdade ocorre no período normal, assim como o desenvolvimento sexual16. Indivíduos com AS são férteis e há ao menos um caso relatado de uma mulher com AS transmitindo a mutação para uma filha17. Sua expectativa de vida sob cuidados é considerada normal, porém, após os 50 anos, podem apresentar distonia ou par kinsonismo10. Características físicas típicas dos portadores da síndrome de Angelman Apesar de indistinguíveis de bebês normais ao nascimento, 80% dos portadores da AS apresentam atraso no crescimento cefálico, que resulta em microcefalia aos 2 anos de idade e, conforme crescem, muitos se caracterizam por prognatismo, com queixo proeminente, boca larga, com o lábio superior fino, a língua protusa e os dentes espaçados. A cabeça mais achatada no sentido anteroposterior também é achado comum. Muitos adultos desenvolvem obesidade devido a uma ingesta calórica grande (adoram comer) e uma relativa relutância em caminhar ou participar de atividades esportivas, mas também surge como efeito colateral de anticonvulsivantes1,4,18. Entre os portadores de deleções que incluem o gene P, é comum a hipopigmentação da pele, dos olhos e da retina e uma alta proporção de estrabismo. O gene P, necessário para pigmentação normal, fica próximo ao gene UBE3A e codifica um transportador de membrana para pequenas moléculas, provavelmente envolvido no transporte de tirosina, precursora de melanina, nos melanócitos19. Síndrome de Angelman e autismo Alguns autores consideram que uma parte dos afetados por AS apresenta autismo, já que no autismo como na AS há ausência de linguagem e atraso no desenvolvimento social, satisfazendo alguns dos critérios mais relevantes. Porém, as controvérsias a esse respeito são muitas. Ao contrário dos autistas, é notória a disposição para interação J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):321-30. 324 revisão de literatura Maris AF, Trott A social nos portadores de AS, mesmo que não desenvolvam muitas habilidades sociais20. Na realidade, são os casos mais graves, com maior comprometimento cognitivo, que se enquadrariam melhor no diagnóstico autista, porém há autores que alertam que para qualquer condição que resulta em uma deficiência intelectual profunda ou idade mental abaixo de 12 meses de idade é difícil a diferenciação do autismo com base nos critérios utilizados21,22. Vale mencionar que alterações na expressão do gene UBE3A têm apresentado uma relação com o autismo, mas o mecanismo seria justamente oposto ao que causa a AS, uma vez que cerca de 1% dos indivíduos com autismo apresenta duplicação da região do cromossomo 15 que contém o gene UBE3A. Portanto, a atividade aumentada (e não deficiente) de UBE3A poderia ser responsável pelos sintomas de autismo nessas pessoas5,6. O gene UBE3A Esse gene codifica a E6-AP ubiquitina ligase humana, um membro de uma classe de ubiquitina-proteína ligases funcionalmente relacionadas às E3 ubiquitina ligases definido por um domínio carboxiterminal denominado de HECT (Homologous to the E6-AP CarboxiTerminus)23. As proteína-ligases E3 participam de um sistema de degradação proteica não lisossomal, por meio da via ubiquitina-proteossoma, que é responsável pela degradação da maioria das proteínas e de vida curta, cuja síntese e eliminação são reguladas, assim como daquelas envolvidas em processos de sinalização celular, progressão do ciclo celular e reparação de DNA, além de também degradar proteínas anormais24,25. O sistema de ubiquitinização envolve a ação coordenada de três enzimas: enzimas ativadoras de ubiquitina (E1), enzimas conjugadoras de ubiquitina (E2) e (E3) proteínas ligases. As enzimas E3 parecem ser críticas para definir que substrato será ubiquitinado, e aquelas com domínio HECT formam intermediários com os substratos para que estes possam receber a ubiquitina da proteína E223,26,27. Além de seu papel como ubiquitina ligase, cuja função depende do domínio HECT e de um domínio de transativação localizados na porção C-terminal da proteína, o produto do gene UBE3A também funciona como coativador de transcrição pela família de receptores nucleares de hormônios. A atividade de coativador reside em um domínio localizado na porção terminal N-terminal de E6-AP, que, na maioria dos pacientes com AS por mutação em UBE3A, se encontra intacta, por isso não é considerada relevante para a patogênese da condição28. As alterações gênicas que causam a síndrome de Angelman A grande maioria dos casos da síndrome de Angelman é causada por quatro mecanismos genéticos distintos, definiJ Bras Psiquiatr. 2011;60(4):321-30. dos como classes de mutação I a IV, todos resultando em uma ausência de expressão do gene UBE3A materno, localizado na região 15q13. Em uma quinta classe – classe V –, são incluídos aqueles casos impossíveis de serem enquadrados nas classes anteriores2. A classe de mutação I representa 70%-75% dos casos de AS e envolve uma deleção na região 15q11-13 cujo tamanho varia, mas a maioria é de 4 Mb e ocorre em pontos de quebra típicos, provavelmente por crossing-over desigual devido à presença de sequências repetitivas nessa região. Essas deleções costumam representar mutações novas, geradas na gametogênese da mãe, e resultam na ausência da expressão de UBE3A do alelo materno. Quando a mesma deleção é herdada do pai, o indivíduo não desenvolve a síndrome de Angelman, mas a síndrome de Prader-Willi (PW) que não está relacionada ao gene UBE3A e seus portadores apresentam problemas mais leves. As mutações de classe II representam 2%-3% dos afetados e são devidas à dissomia uniparental do cromossomo paterno. Os mecanismos pelos quais essa dissomia ocorre são discutidos, havendo evidências de não disjunção meiótica, porém a maioria parece se dever a eventos pós-zigóticos e tendem a envolver o cromossomo inteiro. Nesse caso, ambos os cromossomos 15 apresentam padrão de imprinting paterno e o gene UBE3A não é expresso. A terceira classe de mutações, que representa 3%-5% dos casos de Angelman, é causada por alterações no padrão de metilação do cromossomo 15 materno e se deve a alterações no centro de imprinting envolvendo AC-SRO (Figura 1), de forma que resulta em um padrão de imprinting genômico paterno para ambos os cromossomos 15 herdados. A classe IV se deve a mutações que envolvem somente o gene UBE3A, representando 5% a 10% dos casos identificados. A grande maioria das mutações identificadas se deve a pequenas deleções ou inserções que podem causar um deslocamento do quadro de leitura e geralmente levam a códons de terminação precoces, truncando a porção carboxiterminal da proteína codificada, e algumas são mutações de sentido trocado, que alteram apenas um ou dois aminoácidos da proteína codificada. Estrutura gênica de UBE3A O gene UBE3A apresenta 16 éxons que se estendem por aproximadamente 120 kb e é transcrito no sentido do centrômero para o telômero no braço longo do cromossomo 15. Esse gene codifica para um número ainda não totalmente definido de isoformas, e ao menos cinco mRNAs distintos foram descritos, resultado de um processamento alternativo complexo da porção 5’ do transcrito primário29. Esse processamento pode levar à utilização de inícios de tradução alternativos, localizados nos éxons 4, 5 e 7-8 (Figura 2). revisão de literatura A patogênese da síndrome de Angelman 325 Figura 1. Região cromossômica em 15q11-13. PAT: representando alelos expressos do cromossomo paterno (caixas escuras, no cromossomo do alto), e em cinza-claro os alelos com imprinting paterno (UBE3A e ATP10A). MAT: representando alelos expressos do cromossomo materno com caixas escuras (UBE3A e ATP10A) e em cinza-claro os alelos com imprinting materno. Seta representando a orientação da região cromossômica do trecho representado. Fonte: Adaptado de Lalande e Calciano, 200734. Figura 2. Organização gênica de UBE3A, representando éxons 1-16, em escala proporcional, e os locais alternativos de iniciação de tradução (códons ATG), nos éxons 4, 5 e 7-8. Fonte: Adaptada de Lossie et al., 200118. Impressão genômica (imprinting) e o gene UBE3A A impressão genômica ou o imprinting genômico (termo que na prática é mais utilizado e também será utilizado neste texto) marca a origem parental de cromossomos, de regiões cromossômicas ou de genes, resultando em padrões de expressão diferencial de até 100 genes identificados até o momento, sem alterar a sequência de bases no DNA. Mecanismos epigenéticos como metilação de DNA e modificações em histonas são os responsáveis por estabelecer o imprinting genômico, que inicialmente se pensava ocorrer somente em mamíferos placentários. Os genes que sofrem imprinting tendem a ter o alelo “imprintado” silenciado, portanto apresentam expressão monoalélica; aqueles com imprinting paterno somente se expressam do alelo materno e os com imprinting materno têm sua expressão apenas do alelo paterno30. Esse processo pode ser mais comum do que se imagina e já foi verificado em várias espécies de insetos e em plantas31. Talvez a principal razão para a evolução do imprinting genômico seja para servir como mais uma barreira à reprodução assexual ou partenogênica32. Curiosamente, vários dos genes regulados por esse mecanismo no início do desenvolvimento fetal estão envolvidos na alocação de recursos da mãe para o feto, e há uma teoria muito aceita de que o imprinting evoluiu como uma “disputa” de genomas paternos de mamíferos poligâmicos para alocar o máximo de recursos da mãe para seu descendente e a defesa da mãe para conservar recursos suficientes para garantir a sua sobrevivência e de outros filhos30. Acredita-se que a maioria dos genes exibe o padrão de imprinting genômico em todas as células do organismo ao longo de sua existência. Porém, mais recentemente se verificou que o imprinting pode reger a expressão diferencial de alelos, dependendo de sua origem paterna ou materna de forma não somente tecido-específica, mas também de forma diferencial em vários estágios do desenvolvimento embrionário30. A região 15q11-13, deletada no cromossomo materno da maioria dos pacientes com AS, contém uma série de genes sujeitos à impressão genômica materna ou paterna. Quando essa região está ausente (deletada) no cromossomo paterno, origina a síndrome de Prader-Willi, caracterizada por hipotoJ Bras Psiquiatr. 2011;60(4):321-30. 326 Maris AF, Trott A nia neonatal, atraso no crescimento, hiperfagia desde a infância que resulta em obesidade, baixa estatura, mãos e pés pequenos, hipogonadismo, problemas de comportamento e RM de leve a moderado33. A ausência da mesma região no cromossomo materno causa a síndrome de Angelman, cujas consequências no desenvolvimento mental e funcional são bem mais graves. O desenvolvimento de PW depende da ausência da expressão de vários genes da região no alelo paterno, enquanto para AS a ausência específica da expressão do gene UBE3A do alelo materno causa a condição. A regulação dessa região do cromossomo 15 parece ser coordenada por um centro de impressão genômica (PW/AS-IC) com dois elementos funcionais, denominados PW-SRO e AS-SRO (SRO está para shortest region of overlap: região de mínima sobreposição entre todas as deleções que causam a condição por mecanismos que afetam o padrão de impressão genômica)34,35. A PW-SRO é uma região de 4,1 kb, que contém o promotor e o primeiro éxon do gene SNRP. Um cromossomo 15 sem a PW-SRO se apresenta com o padrão de expressão de cromossomo de origem materna independentemente de ter sido transmitido pelo pai ou pela mãe, não expressando os vários genes do cromossomo que sofrem impressão genômica materna. Normalmente, a PW-SRO sofre metilação pós-zigótica (dependente de AS-SRO) no cromossomo de origem materna, permitindo a metilação secundária dos genes de impressão genômica materna da região 15q11-13, enquanto no cromossomo paterno PW-SRO não é metilado, conseguindo evitar a metilação dos alelos paternos daqueles genes. O AS-SRO representa uma região de 880 pb, distante 35 kb do éxon 1 de SNRPN, em direção ao centrômero. Essa região contém éxons u5 e u6 localizados antes da origem de transcrição usual de SNRPN, que estão presentes em uma proporção muito pequena de transcritos alternativos de SNRPN. A AS-SRO é necessária para estabelecer o padrão de expressão materno (essencial para expressão de UBE3A) de seu cromossomo somente quando a PW-SRO está funcional. Em caso de deleção ou metilação de PW-SRO, a função de AS-SRO é dispensável (Figura 1)34,35. O mecanismo de impressão genômica secundária de UBE3A difere funcionalmente da maioria dos genes da região por somente ser estabelecida em neurônios do cérebro e não apresentar alterações epigenéticas em seu DNA ou histonas que diferenciem sua origem parental. Foi reportado que o silenciamento da cópia paterna de Ube3a (camundongo) se deve a um transcrito de sentido contrário (antisense) ao gene Ube3a, expresso somente em neurônios cerebrais exclusivamente do cromossomo de origem paterna36. Porém, dados mais recentes contradizem esse fato, e o exato mecanismo de silenciamento do gene Ube3a ainda não está totalmente esclarecido34,37. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):321-30. revisão de literatura Os alvos de UBE3A e efeitos da falta de expressão de UBE3A nas células Alguns dos alvos de ubiquitinização por UBE3A são conhecidos, como o supressor de tumor p5338,39, porém não parece ser esse o responsável pela síndrome. Apesar de, até pouco tempo atrás, nenhum alvo direto de ubiquitinização identificado esclarecer o fenótipo apresentado por afetados com AS, estudos em camundongo revelaram que a deficiência de UBE3A resulta em um aumento da fosforilação inibitória da proteína kinase dependente de cálcio/calmudolina tipo 2 (CaMKII) e diminui sua concentração no terminal pós-sináptico40. Isso pode indicar que a proteína kinase responsável pela fosforilação inibitória da CaMKII seja alvo de degradação regulada por UBE3A, que não ocorreria nos camundongos mutantes. Conhecida por seus efeitos na modulação da plasticidade neuronal, aprendizado e memória, a CaMKII também é essencial para o aprendizado motor cerebelar e a plasticidade de células de Purkinje41. Sua ativação provoca crescimento de filopódia e formação de espinhas dendríticas e sua inibição resulta na perda delas. Camundongos duplo-mutantes para AS e para uma mutação em CaMKII que impede a sua fosforilação inibitória demonstraram uma diminuição de 60% na incidência de crises convulsivas em relação a camundongos somente AS e uma reversão praticamente total para os fenótipos cognitivos, motores dos animais, assim como para os déficits severos no estímulo de potenciação de longa duração (LTP) verificada em hipocampo de camundongos AS. Isso sugere que a proteína kinase que provoca a fosforilação inibitória em CaMKII ou alguma proteína necessária para a via de fosforilação inibitória seja substrato de degradação por meio de UBE3A sempre que há a necessidade de ativar CaMKII. Os duplo-mutantes (AS e CaMKII mutada), que apresentam a atividade de degradação de proteínas regulada por UBE3A disfuncional, porém possuem uma CaMKII mutada de forma que não possa ocorrer a inibição por fosforilação, também não apresentam o aumento médio em 20% no peso visto em camundongos que somente têm a mutação AS42. Até que ponto esses resultados podem ser extrapolados para seres humanos não está claro, porém, fornecem um forte indicativo de um papel importante da CaMKII na fisiopatologia da síndrome de Angelman. Em 2010, finalmente alguns substratos de UBE3A que podem explicar os déficits cognitivos na AS foram identificados. Pesquisadores do grupo de Michael Greenberg (Harward Medical School) descobriram que UBE3A regula o desenvolvimento de sinapses excitatórias por meio do controle da degradação de ARC, uma proteína sináptica que promove a interiorização de receptores de glutamato do subtipo AMPA. Portanto, se não houver UBE3A nos neurônios, haverá mais proteína ARC, o que resulta em um aumento na interiorização (portanto, em uma diminuição no número) de receptores AMPA nas sinapses excitatórias. Desse modo, a desregulação revisão de literatura da expressão dos receptores AMPA nas sinapses, importante para definir se uma sinapse será potenciada ou deprimida, pode ser uma das principais causas para a disfunção cognitiva que ocorre na síndrome de Angelman43,44. Outra proteína cuja degradação é regulada por UBE3A, a Ephexin-5 (Efexina-5), foi descoberta pelo mesmo grupo45. A Efexina-5 atua como uma proteína ativadora de RhoA, que é uma pequena proteína sinalizadora da família das proteínas G, que em seu estado ativo limita a formação de novas sinapses por antagonizar com a ação de Rac, outra proteína G sinalizadora, cuja função, porém, é estimular o desenvolvimento de espículas sinápticas. Após estímulo adequado, a Efexina-5 é fosforilada, ubiquitinada (marcada para degradação) via UBE3A e degradada, liberando, assim, Rac para agir no desenvolvimento sináptico. Na ausência da ação de UBE3A, a degradação da Efexina não ocorre de forma adequada, prejudicando a plasticidade sináptica. Expressão e função do gene UBE3A na estrutura cerebral e neuronal Os primeiros estudos de expressão do gene UBE3A verificaram expressão bialélica (do alelo materno e paterno) em linfócitos e fibroblastos humanos em cultura46, o que apresentou um paradoxo para os pesquisadores, uma vez que somente a ausência de um gene UBE3A funcional da cópia materna, mas não do alelo paterno, causava a síndrome. Até então existia a ideia generalizada de que o padrão de imprinting era estabelecido na gametogênese e que esse padrão seria expresso em todas as células do organismo47. Estudos com embriões humanos em estágio de pré-implantação (4 a 8 céls) constatam que o gene UBE3A já é expresso nessa fase, e provavelmente por ambos os alelos48. Análise direta em cérebros de fetos humanos e de afetados por AS com a deleção característica no cromossomo materno49 demonstrara que o gene UBE3A sofre imprinting paterno específico no cérebro, e não em outros tecidos. Para analisar esse fenômeno mais em detalhe, os pesquisadores se valeram de modelos animais, mais especificamente de camundongos. Em 1997, um grupo de pesquisadores demonstrou um modelo de AS em camundongo devido à dissomia uniparental do cromossomo paterno que porta o gene Ube3a. Como as duas cópias de Ube3a neste caso sofrem imprinting paterno, não ocorre a expressão do alelo materno50. Isso tornou viável utilizar o camundongo como modelo para examinar a expressão de Ube3a em subgrupos específicos de células cerebrais e também durante o desenvolvimento embrionário. Em camundongos normais, ao contrário do relatado para embriões humanos, não foi detectada a expressão de Ube3a bem no início da fase embrionária até os 7,5 dias, somente a partir de 8,5 dias foi detectada a expressão no neuroepitélio e em vários tecidos mesenquimais, incluindo os arcos branquiais, que foi sendo vista na maioria dos tecidos analisados no decorrer do desenvolvimento do embrião50. Nessas A patogênese da síndrome de Angelman 327 fases, os autores não estabeleceram o padrão de expressão de Ube3a em camundongos com dissomia paterna para comparação, mas o fizeram em cérebros de camundongos adultos de 7-9 meses. Nestes, foram encontradas diferenças de expressão para grupos celulares específicos, mas nos mutantes não foi detectada expressão de Ube3a em neurônios do hipocampo e células Purkinje e uma expressão diminuída no córtex cerebral. No restante das regiões cerebrais e outros tecidos, não foram detectadas diferenças na expressão entre camundongos normais e mutantes, levando a concluir que nestes o gene Ube3a é expresso de forma bialélica. Os autores não detectaram diferenças histopatológicas entre as estruturas de animais com e sem a expressão do alelo materno. Atualmente se acredita que a expressão de Ube3a nos nichos de células-tronco que revestem os ventrículos laterais e no giro dentado da formação do hipocampo, assim como células progenitoras de neurônios e neurônios imaturos, ocorre de forma bialélica. A expressão monoalélica (exclusivamente do alelo materno) parece ser estabelecida somente no decorrer da maturação dos neurônios51. Para esclarecer se o imprinting de Ube3a era específico para regiões cerebrais ou se era específico de tipos celulares, Yamasaki et al. analisaram a expressão desse gene em culturas de células cerebrais (neurônios e células gliais) de camundongos normais e de camundongos com a mutação para AS. Foi verificado que, no cultivo de células neuronais, a expressão do gene Ube3a ocorria somente quando havia a expressão do alelo materno, enquanto nas células gliais (astrócitos) a expressão era bialélica36. Dindot et al. analisaram a expressão em detalhes ainda mais específicos, com o objetivo de localizar não somente as células que expressam o gene em seu contexto cerebral, mas encontrar a localização subcelular de UBE3A, assim como os efeitos da ausência da proteína na microestrutura neuronal52. Para tal, esses autores fusionaram o gene Ube3a de camundongo à proteína fluorescente amarela (UBE3A-YFP) e verificaram por imunoistoquímica que Ube3a é expressa quase exclusivamente do alelo materno em neurônios cerebrais de todas as regiões do cérebro em camundongos normais. Essa expressão ocorre em níveis mais elevados nas células piramidais do hipocampo e do córtex e nas células Purkinje do cerebelo, do que nas células gliais que delimitam os ventrículos o gene é expresso de forma bialélica. Em astrócitos de outras regiões do cérebro, não foi encontrada expressão da proteína codificada por Ube3a. A análise da localização subcelular de UBE3A demonstrou alta concentração no núcleo de todas as células em que é expressa, distribuição menos concentrada pelo corpo celular com concentração maior nos cones de crescimento dos neurônios e nos compartimentos pré e pós-sinápticos. Esses autores confirmaram a aparência normal da arquitetura celular do cérebro e da arborização dendrítica dos neurônios em camundongos mutados, porém encontraram nesses neurônios espinhas dendríticas de J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):321-30. 328 revisão de literatura Maris AF, Trott A formato anormal e com tamanho e densidade reduzida, assim como dendritos secundários mais delgados e com algumas regiões nodulares (Figura 3). Esses resultados levaram à conclusão de que UBE3A não afeta a neurogênese em si, mas parece ter um papel local para regular o desenvolvimento das espinhas dendríticas ou a plasticidade sináptica52, o que vai de encontro com o envolvimento da proteína kinase cálcio/calmudolina dependente do tipo II (CaMKII), conforme mencionado acima. A demonstração pelo grupo de Greenberg, de que a degradação regulada da proteína Arc e Efexina-5 depende de UBE3A, reforça o conceito emergente de que a síndrome de Angelman é uma síndrome de disfunção no desenvolvimento sináptico. O grupo de Philpot demonstrou que a UBE3A é necessária para a plasticidade neocortical e a plasticidade dependente de experiências in vivo, indicando que os déficits de aprendizado apresentados pelos indivíduos com a AS provavelmente se devem a uma rigidez sináptica severa53. O mesmo grupo, estudando o cérebro de camundongos que não expressam Ube3a materno, verificou que há uma severa diminuição de sinapses excitatórias no 21º dia do desenvolvimento pós-natal e que mais tarde no desenvolvimento também são encontradas diminuições severas no desenvolvimento de sinapses inibitórias, sendo que a ausência destas talvez explique a suscetibilidade a convulsões apresentadas pelos afetados pela síndrome51. Síndrome de Angelman, síndrome do X-frágil e a síndrome de Rett: três síndromes com alterações nas espinhas dendríticas Além da AS, ao menos duas outras patologias relacionadas com retardo mental são causadas por mutações que alteram a formação, morfologia ou densidade de espinhas dendríticas. Uma delas, a síndrome do X-frágil, é causada por mutações que abolem a expressão da proteína FMR1, envolvida no transporte e tradução local de mRNAs específicos junto a espinhas dendríticas54-56, e um dos mRNAs cuja tradução é regulada pela proteína FMR1 é o da proteína ARC51, considerada um dos alvos mais relevantes de UBE3A. A ausência de FMR1 causa aumento na densidade de espinhas dendríticas, porém a morfologia destas é anormal, sendo mais alongadas e sem o formato de cogumelo característico57-59. Na síndrome de Rett, cujo gene mutado é MECP2, que codifica para uma proteína ligadora a metil-CpG, que em neurônios age como repressor de transcrição na ausência de estímulo sináptico, há uma diminuição na densidade de espinhas dendríticas que também se apresentam imaturas (alongadas e sem o formato de cogumelo característico). Porém, a ausência de Mecp2 (camundongo), além da alteração na função sináptica, também afeta a orientação dos axônios de certos grupos celulares, resultando em sua desorganização60. Realmente, o efeito de mutações de perda de função em MECP2 tem efeito devastador; como esse gene se localiza no cromossomo X, a ausência de sua função tende a apresentar letalidade in utero para meninos, e meninas heterozigotas apresentam déficits variados dependendo da gravidade da mutação e do padrão de inativação do X. Ao contrário do que ocorre para as síndromes de Angelman e X-frágil, em que os afetados têm seu desenvolvimento prejudicado, porém não tendem a perder habilidades adquiridas, maior parte dos afetados pela síndrome de Rett, após desenvolvimento aparentemente normal durante os primeiros 6-18 meses de vida, apresenta graves sintomas de regressão cognitiva e funcional61. MÉTODO Figura 3. Morfologia alterada e densidade reduzida de espinhas dendríticas em neurônios Purkinje do cerebelo e em neurônios piramidais do hipocampo e do córtex de camundongos com deficiência materna para Ube3a, apesar de a arquitetura celular e de a quantidade de ramificações dendríticas aparentemente serem normais. Outras alterações verificadas se referem a ramificações dendríticas secundárias aparentemente mais finas com alguns nódulos mais largos (indicado pela ponta de seta) em neurônios piramidais. AS: camundongos com deficiência materna para Ube3a; WT: camundongos tipo selvagem; PC: células de Purkinje; HP: neurônios piramidais do hipocampo; CT: neurônios piramidais do córtex. Fonte: Imagem de Dindot et al., 200852. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):321-30. Este trabalho é uma revisão bibliográfica que utilizou como fonte de pesquisa as bases de dados do PubMed e Medline, tendo como critérios de busca os termos “síndrome de Angelman”, de forma isolada e em combinações variadas com “UBE3A”, “genetics”, “clinic”, “molecular” e “review” no título dos artigos, com ênfase nos últimos dez anos. Dentre os artigos encontrados, foram selecionados, a critério dos autores, artigos de revisão para rever a parte clínica e comportamental da síndrome, assim como para rever os mecanismos genéticos que levam à alteração da função de UBE3A. Já para entender a parte da fisiopatologia molecular e celular, foram selecionados artigos originais, com ênfase nas descobertas revisão de literatura dos últimos dez anos. Além desses, alguns outros trabalhos foram citados, por sua relevância para a discussão do tema. RESULTADOS Utilizando “Angelman syndrome” na busca, apareceram cerca de 1.100 artigos, incluindo 240 de revisão. Nos últimos dez anos, são mais de 600 artigos, aproximadamente 120 de revisão, 50% dos quais publicados nos últimos cinco anos. Na base de dados SciELO, são apenas nove artigos sobre a síndrome, dos quais três em português e nenhum artigo atual de revisão. Conforme explicado em métodos, a escolha dos artigos utilizados nesta revisão foi feita pelos autores. A presente revisão não é exaustiva quanto a todas as mutações encontradas no gene UBE3A e nem quanto a todos os substratos encontrados para UBE3A. Foram incluídos e discutidos os substratos para os quais pode haver uma correlação com a fisiopatologia dos afetados, um destaque que não é exclusividade dos presentes autores. As figuras foram incluí das pelo seu poder de ilustrar e tornar mais compreensível a parte genética do artigo. A fotografia dos dendritos com suas espículas sinápticas explica o que palavras são pobres para explicar. Nos últimos dois anos, a disfunção de algumas condições clínicas de deficiência intelectual está sendo traçada para a sinapse e está servindo para esclarecer muitos pontos desconhecidos da formação, modulação e manutenção delas. CONCLUSÃO Após ter sido uma das principais causas para o estudo mais aprofundado dos mecanismos do imprinting genômico, a síndrome de Angelman está se revelando como uma patologia das sinapses. A utilização de modelos animais para a síndrome de Angelman e a possibilidade de cultivar células deficientes na expressão materna de UBE3A estão levando ao reconhecimento de proteínas cuja degradação é comprometida nessas células, permitindo estudar sua expressão, localização e função, assim como as alterações micromorfológicas apresentadas pelos neurônios afetados. Apesar de o conhecimento da fisiopatologia molecular da síndrome de Angelman ser muito recente, e seu entendimento estar apenas começando a ser desvendado, seu estudo está fornecendo uma visão extraordinária sobre os mecanismos que regem a plasticidade sináptica. A patogênese da síndrome de Angelman 329 2. Clayton-Smith J, Laan L. Angelman syndrome: a review of the clinical and genetic aspects. J Med Genet. 2003;40(2):87-95. 3. Fridman C, Kok F, Diament A, Koiffmann CP. Angelman syndrome: a frequently undiagnosed cause of mental retardation and epilepsy [case report]. Arq Neuropsiquiatr. 1997;55(2):329-33. 4. 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Neuron. 2007;56(3):422-37. revisão de literatura Revisão dos métodos empregados na avaliação da dimensão corporal em pacientes com transtornos alimentares Review of methods employed in the assessment of body size in patients with eating disorders Bianca Elisabeth Thurm1, Maria Luiza de Jesus Miranda2, Fabio Tapia Salzano3, Raphael Cangelli Filho3,4, Táki Athanássios Cordás3, Eliane Florêncio Gama1 RESUMO Palavras-chave Imagem corporal, distorção da percepção, percepção de tamanho, transtorno alimentar. Objetivo: O presente artigo analisou os métodos de avaliação da percepção da dimensão corporal abordados na literatura científica. Método: Foram utilizadas a palavra-chave “body image” e a combinação desta com os termos “size perception” e “size estimation”, nas bases de dados Medline, Bireme, EBSCO e SCOPUS, para o levantamento científico. O período considerado para essas buscas foi de 1975 a 2010. Resultados: Foram encontrados quatro métodos que avaliam e quantificam a percepção dimensional do corpo, aplicando-se um índice de percepção da dimensão corporal. Os métodos diferem em sua forma de execução, utilização de instrumentos, uso ou não de feedback visual por parte do avaliado, utilização de estímulo tátil ou não para gerar a resposta do avaliado. Conclusão: O Image Marking Procedure (IMP) mostrou-se apropriado para a avaliação da dimensão corporal nos distúrbios alimentares, pela possibilidade de avaliar o grau de distorção corporal e dos segmentos corporais específicos sem a interferência visual, cognitiva e qualquer referencial externo comparado aos outros testes que mostraram limitações quanto a esses aspectos. Sugere-se que ele seja utilizado em futuras pesquisas que avaliem o aspecto dimensional da percepção corporal. ABSTRACT Keywords Body image, perceptual distortion, size perception, eating disorders. Recebido em 25/7/2011 Aprovado em 25/10/2011 Objective: This paper analyzed the methods of assessing the perception of body size discussed in scientific literature. Method: The information search was bases on computerized databases from 1975 to 2010 (Medline, Bireme, EBSCO and Scopus). We used the keyword “body image” and the combination of the terms “size perception” and “size estimation” for the scientific survey. Results: There were four methods found to evaluate and quantify the dimensional perception of the body by applying a body perception index. The methods differ in their form of execution, use tools, whether or not visual feedback from the evaluation, use of tactile stimulation or not to generate the response evaluated. Conclusion: The Image Marking Procedure (IMP) was appropriate for the evaluation of body size on eating disorders by the possibility of evaluating the degree of distortion of the body and specific body segments without visual and cognitive interference and any external referent compared to other tests that showed limitations on these aspects. We suggest that the IMP test could be used in future researches to assess the dimensional aspect of body perception. 1 Universidade São Judas Tadeu (USJT), Departamento de Fisioterapia, Laboratório de Percepção Corporal e Movimento Humano da USJT. 2 USJT, Laboratório de Percepção Corporal e Movimento Humano. 3 Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Hospital das Clínicas (HC-FMUSP), Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria (Ambulim-IPq-HC). 4 USJT, Departamento de Psicologia. Endereço para correspondência: Bianca Elisabeth Thurm Universidade São Judas Tadeu, Departamento de Fisioterapia Rua Taquari, 546, Mooca – 03166-000 – São Paulo, SP, Brasil Tel.: (11) 8182-9426/Fax: (11) 3271-8487 E-mail: [email protected] 332 revisão de literatura Thurm BE et al. INTRODUÇÃO Os transtornos alimentares caracterizam-se por alterações de comportamento alimentar e com etiopatogenia multifatorial, incluindo fatores biológicos, psicológicos, culturais, familiares e genéticos que interagem entre si de modo complexo1. Os principais transtornos alimentares são a bulimia nervosa e a anorexia nervosa, e uma característica comum nesses transtornos é a grande importância que a pessoa dá à imagem corporal. Nos dois casos, uma imprecisão na percepção do tamanho real do corpo é evidente, fazendo com que pacientes com anorexia nervosa e bulimia nervosa apresentem uma distorção da percepção de sua dimensão corporal no sentido de se perceberam maiores do que realmente são (hiperesquematia)2-4. A percepção do corpo pode ser conceituada a partir de dois componentes distintos: a imagem corporal e o esquema corporal. A imagem corporal corresponde ao componente atitudinal e se refere aos aspectos cognitivos, atribuições, crenças e expectativas do sujeito em relação ao seu corpo e ao estado emocional proveniente dele. Já o esquema corporal refere-se ao componente perceptual que diz respeito à percepção da dimensão do corpo relacionada especificamente ao tamanho e à forma corporal, somado à representação dinâmica da posição dos segmentos corporais e sua relação com o espaço ao seu redor. Depende das múltiplas informações sensório-motoras e de sua integração para o planejamento e execução das ações5-8. A região cortical responsável por esse mecanismo é a área temporoparietal9-12. Estudos que avaliam a percepção corporal sugerem que a separação desses componentes é considerada como o princípio básico para a compreensão das distorções da percepção corporal em pacientes com transtornos alimentares13-15. Quando se avalia a imagem corporal, o objetivo é identificar a diferença de como o sujeito se vê e como ele gostaria de se ver ou de ser visto pelo outro. Essa avaliação mostrará o nível de satisfação corporal do sujeito16 utilizando testes de escala de silhueta, técnicas de distorção de imagem e desenhos. Nesses testes, avalia-se o corpo inteiro6,7,14. Outras formas de avaliar a imagem corporal são por meio de questionários e escalas16-18. O objetivo de avaliar a percepção da dimensão corporal é analisar a diferença entre a medida percebida do próprio corpo e a medida real do sujeito; neste caso, avaliam-se as partes do corpo. A diferença entre as medidas torna-se um indicador do grau de distorção da percepção da dimensão corporal16. A avaliação da imagem corporal é largamente utilizada nos estudos clínicos dos transtornos alimentares; já a avaliação clínica do esquema corporal, ou seja, o nível da distorção da percepção corporal, é muito pouco citada ou mesmo utilizada, apesar de os estudos darem ênfase à separação da J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):331-6. avaliação dos componentes atitudinal da dimensional. Percebe-se que a sugestão de avaliar o esquema corporal é mais evidente no âmbito teórico. Segundo Hundleby e Borgoin8 e Gardner14, existem problemas metodológicos e falta de consenso entre as pesquisas em relação aos métodos usados para avaliação do esquema corporal. Portanto, o objetivo foi analisar os métodos de avaliação da percepção da dimensão corporal abordados na literatura científica. MÉTODO A busca de artigos científicos para este trabalho de revisão foi realizada a partir da base de dados Medline, Bireme, EBSCO e SCOPUS. A busca foi conduzida por meio de descritor do DeCs/ MeSH. O descritor utilizado foi “body image”, refinado com os termos “size perception” e “size estimation”. Foram incluídos na análise os estudos que utilizaram testes para avaliar o esquema corporal e que faziam uso da aplicação de um índice de percepção corporal (IPC). Desses, foram analisados apenas os estudos experimentais realizados em população adulta, nas línguas inglesa, portuguesa e alemã e que apresentassem transtorno alimentar. O período considerado para essas buscas foi de 1975 a 2010. Foram excluídos os artigos de revisão e metanálise e aqueles relacionados com avaliações do aspecto atitudinal em relação ao corpo, dentre eles os que incluem as técnicas de distorção da imagem por vídeo e computador, distorção do espelho e fotografia, teste do desenho da figura humana, método de avaliação por meio de silhuetas e questionários. RESULTADOS Verificou-se que o descritor “esquema corporal” não constava na listagem do DeCs/MeSH e, dessa forma, optou-se por um descritor mais próximo a este conceito que foi “imagem corporal” (“body image”). A partir do descritor “imagem corporal”, foi encontrado um total de 9.022 artigos até a data determinada pelo levantamento bibliográfico (10/10/2010). Para filtrar essa busca, utilizou-se a combinação dos termos “body image” + “size perception”, totalizando 399 artigos, e “body image” + “size estimation”, totalizando 126 artigos. Desse total, foram selecionados inicialmente 141 artigos referentes à primeira combinação de unitermos e 65 artigos relacionados à segunda. Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão delimitados por este estudo, chegou-se a 7 e 9 artigos, respectivamente (Tabela 1). Desses, 8 tratavam de anorexia, 1 de bulimia, 2 de anorexia e bulimia e 5 sem patologia e no sexo feminino (Tabela 2). revisão de literatura Dimensão corporal nos transtornos alimentares Em relação aos descritores encontrados, pôde-se observar que o termo “imagem corporal” é utilizado em todos os artigos revisados, e em segundo lugar aparece o termo “distorção da percepção”. Os outros termos encontrados e sua ocorrência estão descritos na tabela 3. Tabela 1. Resultado do levantamento bibliográfico utilizando descritores e unitermos Nº artigos encontrados Descritor Esquema corporal 0 Imagem corporal 9.022 Nº artigos que abordam dimensão corporal Nº artigos selecionados a partir dos critérios estabelecidos Imagem corporal + percepção de tamanho 14 0 0 Body image + size perception 399 141 7 Body image + size estimation 126 65 9 333 Com relação aos métodos empregados, foram encontrados 16 artigos, dentre eles 12 aplicaram o índice de percepção corporal (IPC), que é utilizado para classificar a percepção corporal usando a fórmula tamanho percebido/tamanho real x 100. Nesse caso, os sujeitos que se percebem acima de 100% são classificados como hiperesquemáticos; os que se percebem abaixo de 100% são considerados hipoesquemáticos; e os que se percebem 100%, adequados. Foram encontrados quatro procedimentos que avaliam o esquema corporal, sendo eles: 1. Movable caliper procedure (5 artigos), que utiliza uma barra horizontal com dois pontos luminosos montados num carreto. É solicitado ao sujeito que aproxime ou afaste os pontos luminosos para identificar a largura da parte corporal solicitada (cabeça, ombros, cintura, quadril e perna). A barra é mantida na altura dos olhos; 2. Visual size estimation procedure (1 artigo), que se utiliza de uma barra com duas lâmpadas acopladas e, a partir da projeção da luz na parede, o sujeito orienta o avaliador a parar de mover os pontos luminosos quando estes corresponderem à largura do segmento corporal solicitado (largura entre os ossos zigomáticos, entre os dois ombros, abdome, cintura e quadril). Tabela 2. Características dos artigos consultados quanto à utilização de testes para a avaliação da dimensão corporal Ano País N Teste utilizado IPC Tipo análise Askevold Autor 1975 Noruega 15 AN 22 diversos IMP Não Quanti pierloot et al. 1976 Inglaterra 31 AN 20 NL IMP MCP Sim Quanti whitehouse et al. 1986 Inglaterra 22 BN IMP Sim Quanti fichter et al. 1986 Inglaterra 21AN MCP IMP Não Quanti whitehouse et al. 1988 Inglaterra 12 AN 20 NL IMP Sim Quanti thompson et al. 1989 Estados Unidos 32 NL fem MCP Sim Quanti Bowden et al. 1989 Inglaterra 12 AN 12 BN 24 NL IMP VSEP Não Quanti fonagy et al. 1990 Inglaterra 20 NL masc 20 NL fem MCP Sim Quanti Thomas et al. 1991 Estados Unidos 200 NL fem IMP Não Quanti lautenbacher et al. 1992 Inglaterra 21 AN 20 NL IMP KSEA Sim Quanti lautenbacher et al. 1993 Inglaterra 42 NL IMP KSEA Sim Quanti Hundleby et al. 1993 Canadá 100 NL fem MCP Não Quanti molinari 1995 Italia 20 AN 20 NL IMP Sim Quanti deter et al. 1997 Alemanha 50 AN fem 05 AN masc IMP Sim Quanti Lautenbacher et al. 1997 Inglaterra 57 AN IMP KSEA Sim Quanti Aranda et al. 1999 Espanha 25 BN 19 AN IMP Sim Quanti AN: anorexia nervosa; BN: bulimia nervosa; fem: sexo feminino; masc: sexo masculino; NL: normal; esquizo: esquizofrenia; OB: obeso; IMP: image marking procedure; KSEA: kinesthetic size estimation apparatus; MCP: movable caliper procedure; VSEP: visual size estimation procedure; quanti: análise quantitaviva; IPC: quanto ao uso ou não do cálculo. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):331-6. 334 revisão de literatura Thurm BE et al. Tabela 3. Descritores utilizados pela base de dados dos artigos selecionados Descritor utilizado Ocorrência Imagem corporal 16 Distorção da percepção 9 Constituição corporal 4 Resultado de tamanho 3 A barra é mantida na altura dos olhos durante o teste; 3. Kinesthetic size estimation apparatus – KSEA (3 artigos), uma barra com dois puxadores é colocada à altura dos ombros do sujeito com os olhos vendados e ele deve posicioná-los na largura dos pontos corporais correspondentes tocados pelo avaliador (ombros, cintura, quadril e coxa). 4. Image marking procedure – IMP (13 artigos), na qual os sujeitos, com os olhos vendados, projetam numa folha de papel pendurada na parede à sua frente a percepção da dimensão de segmentos corporais determinados, estimulados de forma tátil (alto da cabeça, ombros, cintura, quadril, coxa) (Tabela 2). DISCUSSÃO A busca da literatura científica na base de dados mostrou que não existe uma padronização dos descritores e palavras-chave em relação ao conteúdo dos artigos no que diz respeito à percepção da dimensão corporal e/ou avaliação do esquema corporal. Essa variedade de descritores dificulta a busca específica dos artigos. O termo imagem corporal sempre foi usado englobando tanto o aspecto atitudinal quanto o dimensional da percepção corporal. Somente por volta de 1990 alguns estudos como os de Thompson e Dolce19 e outros14,20 começaram a abordar a questão de utilizar avaliações diferentes para cada aspecto da percepção do corpo. Esses estudos foram classificados em dois tipos: as avaliações de corpo inteiro, que estão relacionadas com o componente atitudinal, e as avaliações de partes do corpo, que analisam o componente perceptual da dimensão corporal. As pesquisas sobre avaliação do esquema corporal foram conduzidas principalmente no período entre 1975 e 1989. Desse período até 2010, a avaliação da dimensão corporal foi utilizada cada vez menos e observou-se que houve uma tendência de as pesquisas relacionadas aos transtornos alimentares focarem mais no aspecto psicológico da doença, mesmo nos estudos utilizando a ressonância magnética para avaliar a ativação e lesões das áreas corticais nesse grupo de sujeitos14-16,18,21. Pelo fato de os sujeitos com transtornos alimentares serem assistidos principalmente por uma equipe de psiquiatras e psicólogos, parece natural que os pesquisadores foquem no aspecto atitudinal da percepção J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):331-6. da dimensão corporal utilizando instrumentos que estão relacionados à sua área de atuação profissional, como é o caso dos questionários e avaliação da satisfação corporal. Em relação à falta de padronização dos testes que avaliam a percepção dimensional do corpo, é necessário discutir algumas questões. Considerando os segmentos corporais utilizados nos artigos para avaliar a dimensão corporal, foi observado que não existe uma padronização. Alguns segmentos como cabeça, ombros, cintura e quadril são avaliados em todos os estudos, porém alguns deles utilizam também a avaliação da percepção das larguras das coxas, pernas e abdome2,9,19,20. Em nenhum dos artigos foi mencionado que esses testes que avaliam a percepção da dimensão corporal são validados, dessa forma acredita-se que a falta de padronização da escolha dos segmentos corporais se deva a esse fato, fazendo com que cada pesquisador opte pelos segmentos de acordo com o delineamento de sua pesquisa. O mesmo ocorre para calcular o tamanho real dos segmentos corporais, ou seja, não há uma uniformização para essa medida. Alguns usam um antropômetro, que é uma régua com hastes deslizantes que avalia grandes segmentos corporais3,4,13,22-24, um empregou um compasso de ponta25, outros utilizaram um caliper (uma barra)19, diversos marcam em uma folha de papel pendurado na parede as medidas reais do sujeito2,9,20,26,27,29,30. Os instrumentos utilizados nesses estudos se propõem a medir o tamanho real de forma diferente, podendo gerar diferentes medidas e, desse modo, dificultando a comparação entre os diferentes estudos. Analisando os testes encontrados, foi observado que todos visam mensurar a capacidade do sujeito em perceber a sua dimensão corporal, e pareceu viável separá-los em: 1. Os que usam uma barra como ferramenta para a avaliação da dimensão corporal; 2. Os que usam o membro superior livre. Diferenças na forma de execução entre os testes serão apontadas: o uso de uma barra pode ser um diferencial na forma de realização dos testes, pois a barra pode ser um referencial externo que talvez sirva como um guia. Outro ponto importante é que nos testes movable caliper procedure e no visual size estimation procedure, apesar de não informarem claramente nos artigos quanto ao feedback visual, infere-se que os sujeitos permaneceram de olhos abertos. Nesse caso, a visão forneceria informações, possibilitando ao indivíduo fazer ajustes no sentido de comparar a largura real dos segmentos corporais avaliados e a estimativa da percepção da dimensão corporal. Já no IMP, o sujeito marca no papel à sua frente a percepção dos pontos corporais tocados por um avaliador com o membro superior livre. Dessa forma, o teste usa apenas a capacidade do indivíduo de perceber o segmento corporal tocado e, a partir daí, projetá-lo no espaço sem o auxílio da visão. Além disso, não é utilizado nenhum referencial externo, como uma barra, usando somente estí- revisão de literatura mulos exteroceptivos e proprioceptivos. Desse modo, parece mais adequada a utilização de um teste que não propicie ajustes a partir de referenciais externos (visão ou barra), visto que nos transtornos alimentares a comparação visual com relação ao próprio corpo ou o corpo de outros é distorcida pela própria natureza da doença. O teste do IMP vem de encontro aos conceitos do esquema corporal, um sistema neurológico que depende de informações exteroceptivas e proprioceptivas para fornecer a capacidade ao sujeito de perceber e reconhecer o corpo sem a utilização da visão9,10,31. A utilização de recursos como uma barra e a visão, que ocorre nos demais testes encontrados, acaba favorecendo o ajuste voluntário e automático da percepção da dimensão corporal pelo sujeito. Nesse sentido, alguns autores sugerem que o IMP é o único método que acessa a percepção da dimensão corporal baseado no estímulo tátil direto, pois o toque sobre a pele promove a base para a percepção dos limites do corpo32. As regiões tocadas no IMP correspondem às estruturas anatômicas localizadas nas extremidades corporais como o alto da cabeça, os acrômios na região dos ombros, a cintura e os trocanteres na região do quadril. Somados, estes pontos representam os limites da dimensão corporal. Uma vez que nos transtornos alimentares ocorre uma distorção da percepção dos limites corporais, o IMP consegue identificar o grau da distorção da dimensão corporal a partir do cálculo do IPC. É possível analisar, ainda, qual é a região corporal mais afetada pelo transtorno, já que o teste também avalia partes do corpo que comumente são as maiores queixas dessa população, como as regiões da cintura e do quadril. De acordo com as pesquisas, uma característica importante do teste IMP é que ele permite uma comparação direta da largura percebida e da real e permite calcular valores estatísticos33,34. Apesar de todos os testes encontrados se proporem a avaliar a percepção da dimensão corporal, não se sabe se os instrumentos utilizados levam a um resultado final igual. Um estudo que avaliou a percepção da dimensão corporal em atletas de alto rendimento utilizando dois instrumentos – o KSEA e o IMP – mostrou, a partir da análise estatística de equivalência, correlação negativa entre eles, ou seja, os resultados obtidos são diferentes35. Fichter et al.23 usaram três métodos para avaliar o distúrbio da percepção corporal em um grupo de anoréxicas, bulímicas e controle: o IMP, o movable caliper procedure e a distorção da imagem por vídeo. Seus resultados mostraram que o IMP foi mais eficiente para discriminar entre pacientes com anorexia nervosa e grupo controle. Os autores consideram que a vantagem do uso dessa avaliação está na simplicidade técnica e conceitual do método. Segundo Valtolina5, o IMP é um método não verbal que envolve a percepção e aspectos da motricidade. A autora utilizou o IMP para avaliar a dimensão corporal e, a partir dos seus resultados, considerou o teste como sendo o mais apropriado, por ser uma forma direta e não verbal de acessar a Dimensão corporal nos transtornos alimentares 335 percepção da dimensão corporal, o que não ocorre quando se usam questionários. O teste de percepção de Askevold foi desenhado para avaliar a percepção das dimensões de diferentes áreas do corpo, fazendo uso da habilidade do paciente de se projetar no espaço. O estudo direto é o mais compatível para esse tipo de investigação, pois tem a vantagem de não precisar se basear em uma percepção não corporal, como é o caso do uso de questionário ou de entrevista23,35. O julgamento de valores está muito comprometido nos transtornos alimentares, desse modo o uso de uma técnica direta de avaliação da dimensão corporal leva a crer que minimizaria essa interferência cognitiva. CONCLUSÃO Foram encontrados quatro métodos que avaliam e quantificam a percepção corporal utilizando o índice de percepção da dimensão corporal. Os métodos diferem em sua forma de execução, utilização de instrumentos e o uso ou não de feedback visual por parte do avaliado, uso ou não de estímulo tátil para gerar a resposta do avaliado. Dentre os métodos analisados, o Image Marking Procedure (IMP) mostrou-se apropriado para avaliação da dimensão corporal, particularmente nos transtornos alimentares, por ele ser capaz de ativar a capacidade do sujeito de identificar as partes constituintes do seu corpo e de projetá-lo no espaço sem o auxílio da visão, o que corresponde às funções neurológicas do esquema corporal. Acreditamos que o teste do IMP possa contribuir para a avaliação do componente perceptual (esquema corporal) e se somar à avaliação do componente atitudinal da percepção corporal tanto na bulimia nervosa quanto na anorexia nervosa, para ampliar a compreensão desse mecanismo complexo que leva à distorção da dimensão do corpo e à busca de abordagem terapêutica direcionada para cada componente. Levando em conta o aspecto proprioceptivo, a possibilidade de avaliar o grau de distorção corporal e dos segmentos corporais específicos, parece que o IMP é o teste mais adequado para a avaliação do esquema corporal nos transtornos alimentares, por abarcar os aspectos sensoriais da percepção corporal, além da possibilidade de projetar livremente a percepção dos limites corporais sem a interferência visual, cognitiva e qualquer referencial externo comparado aos outros testes que mostraram limitações quanto a esses aspectos. Sendo a distorção da percepção corporal o sintoma central nos pacientes com transtornos alimentares, não só as estratégias terapêuticas devem ser aprofundadas e desenvolvidas, mas também os métodos de avaliação, de modo a aquilatar os benefícios das terapias empregadas. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):331-6. 336 Thurm BE et al. revisão de literatura Levando em conta a praticidade, a exequibilidade e o baixo custo do teste de percepção da dimensão corporal (IMP), sugerimos que ele seja utilizado em futuras pesquisas que avaliem o aspecto dimensional da percepção corporal, seja em pacientes com transtornos alimentares ou com síndromes que levam ao distúrbio do esquema corporal. 16. Ferrer-García M, Gutiérrez-Maldonado J. Body Image Assessment Software: psychometric data. Behav Res Methods. 2008;40(2):394-407. REFERÊNCIAs 20. Lautenbacher S, Thomas A, Roshcer F, Strian KM, Pirke J, Krieg JC. Body size perception and body satisfaction in restrained and unrestrained eaters. 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Efeitos da dor crônica em atletas de alto rendimento em relação ao esquema corporal, agilidade psicomotora e estados de humor [dissertação]. São Paulo (SP): Universidade São Judas Tadeu; 2007. comunicação breve Formas deficitária e não deficitária da esquizofrenia não diferem quanto à sazonalidade de nascimentos nas regiões Sul e Sudeste do Brasil Deficit and non-deficit schizophrenia do not differ regarding season of birth in Brazilian Southern and Southeast regions Victor M. V. Lopes1, Cláudio E. M. Banzato1, Clarissa R. Dantas1 RESUMO Palavras-chave Esquizofrenia, estações do ano, psicopatologia, epidemiologia. Objetivos: Entre os pacientes com esquizofrenia originários do hemisfério norte, observa-se um excesso de 5%-10% de nascimentos no inverno e na primavera. Entretanto, entre os pacientes com a forma deficitária da doença, há uma pequena sobrerrepresentação de nascimentos no verão. Neste estudo, buscou-se verificar se tais associações se repetem entre os pacientes com esquizofrenia nascidos nas regiões Sudeste e Sul do Brasil. Métodos: Setenta e seis pacientes com esquizofrenia foram avaliados quanto a características sociodemográficas e psicopatológicas e categorizados quanto à presença da síndrome deficitária. Pacientes com e sem síndrome deficitária foram comparados quanto à estação de nascimento. Adicionalmente, compararam-se características psicopatológicas entre pacientes nascidos nas quatro estações do ano. Resultados: A distribuição de nascimentos de acordo com as estações não apresentou diferenças significativas. Entre pacientes com síndrome deficitária, dois terços nasceram no verão e outono, mas essa diferença não alcançou significância estatística. Não foram encontradas diferenças psicopatológicas relacionadas à estação do ano de nascimento. Conclusão: Nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, não foi observado o excesso de nascimentos no verão entre pacientes esquizofrênicos com síndrome deficitária, bem como não foi constatado excesso de nascimentos no inverno e primavera no grupo geral de pacientes com esquizofrenia. ABSTRACT Objectives: There is a 5%-10% excess of births in winter and spring among the patients with schizophrenia born in the northern hemisphere. However, in patients with the deficit syndrome of schizophrenia, there is a slight over-representation of births in summer. In this study, we aimed at verifying whether the same patterns are found in patients with schizophrenia born in the Brazilian South and Southeast regions. Methods: Seventy-six patients with schizophrenia were assessed for demographics and psychopathology and also categorized for the presence of deficit syndrome. Patients with deficit and non-deficit schizophrenia were compared for the season of birth. 1 Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas (Unicamp/FCM), Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria. Recebido em 24/10/2011 Aprovado em 01/12/2011 Endereço para correspondência: Clarissa R. Dantas Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Rua Tessália Vieira de Camargo, 126, Cidade Universitária Zeferino Vaz, Barão Geraldo – 13083-887 – Campinas, SP, Brasil Telefax: (19) 3521-7206 E-mail: [email protected] 338 comunicação breve Lopes VMV et al. Keywords Schizophrenia, seasons, psychopathology, epidemiology. In addition, we compared psychopathological variables between patients born in all four seasons. Results: There was no significant difference in the distribution of births according to the seasons. Although two thirds of the patients with deficit syndrome were born in the summer and autumn, this over-representation did not reach statistical significance. We found no differences regarding psychopathology between patients born in all four seasons. Conclusion: In the South and Southeast regions of Brazil, there was no significant excess of births in the summer between schizophrenic patients with deficit syndrome, neither was an excess of births in winter and spring in the overall sample of patients with schizophrenia. INTRODUÇÃO Uma grande variedade de fatores ambientais, tanto biológicos quanto psicossociais, incidindo sobre diversas fases do desenvolvimento, desde o período pré-natal até o início da vida adulta, tem sido implicada na etiologia da esquizofrenia1. Ainda que o aumento no risco de desenvolvimento da doença representado pela exposição isolada a cada um de tais fatores seja de pequena magnitude, chama a atenção a consistência com que se reproduzem achados epidemiológicos ligando a esquizofrenia a, por exemplo, infecção e má nutrição pré-natais, complicações obstétricas, urbanicidade, migração e nascimento nos meses de inverno e primavera1. O efeito da estação de nascimento sobre o risco para a esquizofrenia tem sido relatado desde a década de 19202. Entre os pacientes com esquizofrenia originários do hemisfério norte, verifica-se um excesso de 5%-10% de nascimentos no inverno e na primavera3. Encontrou-se uma razão de chances estimada de 1,07 (intervalo de confiabilidade de 95%: 1,051,08) para nascimentos no inverno/primavera e um risco populacional atribuível de 3,3% em uma grande metanálise de estudos conduzidos naquele hemisfério3. Essa associação entre esquizofrenia e nascimento no inverno/primavera parece fortalecer-se com o aumento da latitude (estações mais bem definidas) e com a maior severidade do inverno1. Estudos sobre sazonalidade de nascimentos na esquizofrenia realizados no hemisfério sul apresentam resultados menos consistentes. Em uma metanálise incluindo dados publicados e não publicados, encontrou-se um excesso de nascimentos nos meses de inverno e primavera, entretanto, apesar de um tamanho amostral de mais de 20.000, tal excesso não alcançou significância estatística4. Por outro lado, dois estudos conduzidos no Nordeste brasileiro, onde se observa pouca variação de temperatura ao longo do ano, mas períodos de chuva e de estiagem bem definidos, encontraram associação entre nascimento três a quatro meses após o período de chuvas e risco de desenvolver esquizofrenia5,6. As hipóteses explicativas para a distribuição desproporcional de nascimentos de esquizofrênicos ao longo do ano têm em comum a ideia de que a estação de nascimento atue J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):337-40. como um marcador para fatores não genéticos sazonais que modificariam o riso para esquizofrenia4. Dentre os vários fatores candidatos propostos, destacam-se as infecções virais, especialmente pelo vírus influenza, e a deficiência de vitamina D4. A síndrome deficitária da esquizofrenia – definida pela presença de sintomas negativos primários, proeminentes e persistentes – tem sido associada a um padrão sazonal de nascimentos, inverso ao descrito para a esquizofrenia em geral, isto é, um excesso de nascimentos no verão7-9. É possível que a exposição diferencial aos supostos fatores modificadores do risco para a esquizofrenia subjacentes à sazonalidade de nascimento contribua também, em algum grau, para diferenças psicopatológicas, de curso da doença, ou ainda de outra natureza, entre esquizofrênicos nascidos no inverno/ primavera e aqueles nascidos no verão/outono10,11. Neste estudo, buscou-se verificar se o excesso de nascimentos nos meses de inverno/primavera entre esquizofrênicos em geral, observado no hemisfério norte, pode ser encontrado também entre pacientes com esquizofrenia nascidos nas regiões Sudeste e Sul do Brasil, com estações do ano melhor definidas e maiores latitudes que a região Nordeste do país, onde estudos sobre a sazonalidade de nascimentos na esquizofrenia foram anteriormente conduzidos. Investigou-se ainda a associação entre estação de nascimento e presença da síndrome deficitária da esquizofrenia e/ou de outras diferenças psicopatológicas. MÉTODOS Este estudo foi realizado no contexto do desenvolvimento de um projeto de pesquisa mais amplo intitulado “Psicopatologia dos sintomas negativos da esquizofrenia”, que incluiu a tradução para o português e a validação das versões brasileiras da Scale for the Assessment of Positive Symptoms (SAPS), da Scale for the Assessment of Negative Symptoms (SANS) e do Schedule for the Deficit Syndrome (SDS) (resultados ainda não publicados), além de uma extensa avaliação cognitiva de pacientes esquizofrênicos12. comunicação breve Sazonalidade de nascimentos na esquizofrenia O projeto recebeu a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e todos os pacientes incluídos no estudo assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A amostra total do projeto amplo consistiu de 85 pacientes esquizofrênicos acompanhados no Ambulatório de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e em dois dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) de Campinas. Houve uma busca ativa de pacientes com características deficitárias, portanto trata-se de uma amostra de conveniência, e não representativa. Critérios de inclusão e exclusão, bem como a caracterização da amostra, já foram descritos em outra publicação12. Os pacientes foram avaliados quanto à presença da síndrome deficitária (SD) com a utilização da versão brasileira do Schedule for the Deficit Syndrome (SDS)13. Para a caracterização psicopatológica, foram adotadas as versões brasileiras da Scale for the Assessment of Positive Symptoms (SAPS) e da Scale for the Assessment of Negative Symptoms (SANS) e a Escala Breve de Avaliação Psiquiátrica (BPRS). Selecionando aqueles nascidos nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, foram encontrados 76 pacientes, que foram divididos em grupos de acordo com a estação do ano ao nascimento, considerando que no hemisfério sul o verão tem início no dia 22 de dezembro; o outono, dia 21 de março; o inverno, dia 21 de junho; e a primavera, em 23 de setembro. Para comparação de proporções, foi utilizado o teste qui-quadrado ou teste exato de Fisher; para comparação de 339 variáveis contínuas entre os quatro grupos, foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis; para comparação entre dois grupos (inverno/primavera versus verão/outono), foi utilizado o teste de Mann-Whitney. O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi 5%. RESULTADOS A distribuição dos pacientes de acordo com a estação em que nasceram não apresentou variações estatisticamente significativas, tendo 20 nascidos no verão, 20 no outono, 14 no inverno e 22 na primavera (teste qui-quadrado para igualdade de proporções, p = 0,5945). Considerando-se os gêneros (18 mulheres e 58 homens), tampouco foram observadas diferenças com valor estatístico: 5 mulheres haviam nascido no verão, 5 no outono, 2 no inverno e 6 na primavera; entre os homens, 15 haviam nascido no verão, 15 no outono, 12 no inverno e 16 na primavera (p = 0,8607). Entre os pacientes com síndrome deficitária, observou-se que dois terços haviam nascido no verão ou no outono, mas tal excesso não alcançou significância estatística, como pode ser observado na tabela 1. A comparação entre os pacientes nascidos em cada uma das estações não revelou diferenças significativas quanto à severidade de sintomas positivos, de sintomas negativos e de psicopatologia geral (Tabela 2). Tabela 1. Distribuição dos nascimentos por estação do ano entre pacientes com e sem a síndrome deficitária da esquizofrenia Pacientes com esquizofrenia Estação de nascimento Verão Outono Inverno Primavera Forma deficitária 9 (33,3%) 9 (33,3%) 3 (11,1%) 6 (22,2%) Forma não deficitária 11 (22,4%) 11 (22,4%) 11 (22,4%) 16 (32,7%) p 0,343 * Teste exato de Fisher, nível de significância 5%. Tabela 2. Características dos pacientes com esquizofrenia segundo a estação de nascimento Estação de nascimento Verão Outono Inverno Primavera p Características média (± dp) média (± dp) média (± dp) média (± dp) Idade (anos) 33,2 (± 9,4) 34,5 (± 7,0) 34,1 (± 9,2) 29,1 (± 8,0) 0,219 Idade ao início dos sintomas (anos) 20,3 (± 6,9) 18,5 (± 3,3) 19,4 (± 3,8) 19,3 (± 5,5) 0,963 Psicopatologia geral (escore total da BPRS) 9,6 (± 5,9) 11,7 (±5,2) 9,9 (± 8,7) 8,5 (± 5,4) 0,338 Sintomas positivos (escore total da SAPS) 4,4 (± 4,4) 6,2 (± 3,2) 5,3 (± 4,4) 4,5 (± 3,7) 0,246 Sintomas negativos (escore total da escore SANS) 11,0 (± 7,4) 12,0 (± 6,0) 10,3 (± 7,5) 9,0 (±6,7) 0,495 * Teste Kruskal-Wallis, nível de significância 5%. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):337-40. 340 comunicação breve Lopes VMV et al. DISCUSSÃO AGRADECIMENTOS Tal como relatado na literatura7, encontrou-se uma sobrerrepresentação de pacientes nascidos nos meses de verão e outono entre esquizofrênicos com síndrome deficitária nascidos nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, entretanto tal excesso não alcançou significância estatística. É possível que o tamanho amostral, definido em função da avaliação cognitiva que integrou o estudo abrangente original, tenha sido insuficiente estatisticamente para detectar diferenças na sazonalidade. Por outro lado, os estudos que identificaram associação entre esquizofrenia deficitária e nascimento nos meses de verão e outono foram realizados no hemisfério norte7 e é possível que, assim como ocorre para a associação entre a esquizofrenia em geral e nascimento nos meses de inverno e primavera, o efeito da estação de nascimento não seja o mesmo nos dois hemisférios e em diferentes latitudes. Diferentemente do relatado nos estudos conduzidos no Nordeste brasileiro5,6, não se encontrou um padrão sazonal para o nascimento no grupo geral de pacientes esquizofrênicos. Em latitudes comparáveis às das regiões Sul e Sudeste brasileiras, na Austrália14, foi encontrada uma tendência similiar à do hemisfério norte, porém sem significância estatística. Talvez diferenças de latitude e climáticas expliquem os achados discrepantes quanto à sazonalidade de nascimentos na esquizofrenia, ainda que não possamos desconsiderar as limitações impostas ao nosso estudo pelo tamanho amostral. Tomados em conjunto, os dados de nosso estudo e os de outras pesquisas sobre o efeito da estação de nascimento sobre o risco para a esquizofrenia reforçam a noção de que múltiplos fatores de risco de pequena magnitude devem interagir de forma complexa para determinar a manifestação da doença1. Os autores agradecem a Cleide Aparecida Moreira Silva e Helymar da Costa Machado, pela ajuda com as análises estatísticas, e aos revisores anônimos pelas contribuições. Este estudo recebeu apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) (08/09488-8) e do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Pibic-CNPq) (108807/2010-0). CONCLUSÃO Nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, não foi observado excesso de nascimentos no verão entre pacientes esquizofrênicos com síndrome deficitária, bem como não foi constatado excesso de nascimentos no inverno e primavera no grupo geral de pacientes com esquizofrenia. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):337-40. REFERÊNCIAS 1. Tandon R, Keshavan MS, Nasrallah HA. Schizophrenia, “just the facts” what we know in 2008. 2. Epidemiology and etiology. Schizophr Res. 2008;102:1-18. 2. Tramer M. 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Métodos: Vinte e um pacientes alcoolistas em tratamento no Centro de Atenção Psicossocial de álcool e drogas (CAPSad), Ouro Preto/MG, foram selecionados para participar deste estudo (14 homens e 7 mulheres, com idade entre 25 e 64 anos). Foi aplicado questionário para avaliar a fissura (craving) e o consumo alimentar. A alteração do peso corporal e do índice de massa corporal (IMC) foi estimada por métodos antropométricos para avaliar o estado nutricional. As avaliações foram realizadas no momento inicial e final, contemplando até três meses de tratamento. Resultados: As mulheres apresentaram ganho de peso (1,9 ± 1,86 kg) e os homens, perda de peso corporal (-0,13 ± 2,09 kg) (p = 0,04). Não houve diferença estatística quando essa variação de peso foi comparada entre os abstinentes (AB) e não abstinentes (NA) (Homens: AB = 0,39 ± 2,19 kg; NA: -1,06 ± 1,75 kg/ Mulheres: AB: 2,73 ± 1,95 kg; NA: 1,42 ± 1,85 kg). A presença de fissura inicial e final foi semelhante entre os que recaíram e os abstinentes. Os abstinentes mantiveram menor fissura e maior sensação de bem-estar com o consumo de alimentos fontes de carboidratos simples ou complexos. Conclusão: Os alcoolistas que conseguiram se abster tiveram menor grau de fissura com maior bem-estar com o consumo de alimentos fontes de carboidratos. Houve mudanças do peso corporal ao longo do tempo de acompanhamento dos alcoolistas em tratamento para a abstinência. ABSTRACT Objective: To assess the craving influence in the choice of simple carbohydrate and changing in body weight in alcoholics patients. Methods: Twenty one patients alcoholics in treatment in a specialized center for alcohol and drugs (CAPSad), Ouro Preto/MG were selected to participate in the study (14 men and 7 women), with aged between 25 and 64 years. A questionnaire was applied to assess craving, and food consumption. The change in body weight and body mass index (BMI) were estimated by anthropometrical methods to assess the nutritional status. Evaluations were performed at baseline and end up covering three months of treatment. Results: It was observed in women the average increase in weight (1.9 ± 1.86 kg), and in men the average loss of weight (-0.13 Recebido em 27/7/2011 Aprovado em 29/11/2011 1 Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Escola de Nutrição (ENUT), Programa de Pós-Graduação em Saúde e Nutrição. 2 ENUT/UFOP. 3 ENUT/UFOP, Departamento de Nutrição Clínica e Social. 4 Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Instituto de Ciências Biológicas (ICB), Departamento de Nutrição; UFOP, Programa de Pós-Graduação em Saúde e Nutrição. Endereço para correspondência: Aline Silva de Aguiar Nemer Universidade Federal de Juiz de Fora/Instituto de Ciências Biológicas – Departamento de Nutrição Cidade Universitária – 36036-900 – Juiz de Fora, MG Tels.: (32) 2102-3234/(32) 8888-0193 E-mails: [email protected]; [email protected] 342 comunicação breve Toffolo MCF et al. Keywords Withdrawal syndrome, craving, carbohydrate, body weight. ± 2.09 kg) (p = 0.04). The statistical analysis showed no difference in the weight change when compared abstinent (A) and non-abstinent (NA) Men: AB = 0.39 ± 2.19 kg; NA: -1,06 ± 1,75 kg/Women: AB: 2.73 ± 1.95 kg; NA: 1.42 ± 1.85 kg. The initial and final craving was similar between those who relapsed and the abstinents. Abstainers maintained lower craving and greater sense of well-being with food sources of simple and complex carbohydrates consumption. Conclusion: There were changes in body weight over time of follow-up treatment for alcoholics in abstinence. INTRODUÇÃO O álcool é a única substância psicoativa que fornece calorias consideradas “vazias” (7,1 kcal/g), por não fornecer outros nutrientes como proteínas, minerais, oligoelementos ou vitaminas1. O consumo extra das calorias do álcool pode favorecer o excesso de peso e o aumento da gordura corporal entre consumidores moderados de álcool2. Porém, seu consumo crônico e pesado está relacionado à desnutrição, tanto primária (por interferir no consumo de alimentos fontes de macro e micronutrientes) quanto secundária (por ser responsável pela má absorção e agressão celular decorrentes de sua citotoxicidade direta)3 . Quando dependentes de álcool diminuem o seu consumo ou se abstêm, podem apresentar um conjunto de sinais e sintomas denominados síndrome de abstinência do álcool (SAA)4. Devido às amplas alterações orgânicas e neuroquímicas causadas pela dependência alcoólica, sintomas como tremores, insônia, agitação e inquietação psicomotora são comuns na síndrome de abstinência5. A síndrome de abstinência aguda do álcool geralmente é superada até o final dos primeiros sete dias de tratamento6. É nessa fase que o craving ou “fissura” (desejo intenso em usar a substância) está mais intenso. Entretanto, os três primeiros meses são críticos para a manutenção da abstinência, mesmo após uma interrupção mais prolongada, e o craving pode estar presente, levando a um lapso ou recaída7. Alterações dos padrões alimentares e sobrepeso têm sido observados durante tratamento para dependência química8,9. Wurtman e Wurtman8 observaram o aumento da vontade de comer alimentos ricos em carboidratos, como doces, durante a abstinência, por causa de sua influência na melhora do humor e alívio da irritabilidade. Esses alimentos contribuem para o aumento dos níveis de triptofano cerebral e, consequentemente, para a síntese e liberação do neurotransmissor serotonina, aliviando potencialmente a sua deficiência pela interrupção do uso do álcool na abstinência. O aumento do consumo alimentar a fim de aliviar os sintomas de abstinência pode levar ao ganho de peso corporal. Cowan e Devine9 observaram aumento do consumo de alimentos ricos em gorduras e açúcares e excessivo ganho de peso entre homens durante a recuperação da dependência alcoólica, o que pode favorecer o desenvolvimento de doenças crônicas9. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):341-6. Entretanto, ainda há poucos estudos na literatura avaliando a escolha de alimentos durante a abstinência entre homens e mulheres e de como esses alimentos podem favorecer a manutenção da abstinência e levar ao ganho de peso corporal. Uma vez que o início da abstinência é marcado por intensa fissura, nossa hipótese é de que os pacientes abstinentes consomem mais alimentos ricos em carboidratos para controlar a fissura, levando ao ganho de peso. Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar a influência da fissura na escolha de alimentos e alteração do peso corporal em pacientes alcoolistas em tratamento. MATERIAL E MÉTODOS Trata-se de um estudo longitudinal, realizado no período de junho a dezembro de 2010. A avaliação inicial foi realizada de junho a setembro de 2010 e a avaliação final, ao completar três meses de tratamento, até dezembro de 2010. Participaram da pesquisa 21 pacientes alcoolistas de ambos os sexos (14 homens), com idade de 25 a 64 anos e frequentadores do Centro de Atenção Psicossocial de álcool e drogas (CAPSad), Ouro Preto/MG, Brasil. Foram incluídos todos os pacientes diagnosticados como dependentes de álcool, conforme critérios da Classificação Internacional das Doenças (CID-10). Não participaram da pesquisa os usuários de drogas ilícitas, mulheres grávidas, menores de 18 anos, pacientes que não apresentaram condições cognitivas adequadas e os que não completaram três meses de acompanhamento no CAPSad. Para avaliar o estado cognitivo dos participantes, utilizou-se o Miniexame do Estado Mental (Mini-Mental State Examination – MMSE)10. A pontuação do MMSE pode variar de 0 (maior grau de comprometimento cognitivo) a 30 pontos (melhor capacidade cognitiva). Considera-se que haja comprometimento cognitivo no caso de: alfabetizados que obtêm menos de 24 pontos; indivíduos com escolaridade entre o 5º e o 9º ano que obtêm menos de 18 pontos; e analfabetos que obtêm pontuação menor que 14 pontos. Todos que concordaram em participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Ouro Preto, MG, Brasil (CEP/UFOP – CAAE: 0031.0.238.000-09). comunicação breve No início do tratamento, os participantes responderam a um questionário com informações sociodemográficas. Em seguida, responderam a um questionário semiestruturado para obter informações sobre os alimentos consumidos para controlar a fissura ou craving pelo uso de álcool. Para cada alimento relatado, atribuiu-se uma nota, numa escala analógica de 0 a 10 pontos, para sensação de bem-estar e alívio da fissura após consumir tal alimento. A nota 0 foi atribuída para nenhuma sensação de bem-estar; a nota 1 ou 2, para pouca sensação de bem-estar; as notas 3 a 6, para média sensação de bem-estar; as notas 6 a 8, para forte sensação de bem-estar; a nota 9 ou 10, para ótima sensação de bem-estar. Nesse questionário inclui-se a terceira questão adaptada do questionário para avaliação do craving, proposto por Araújo et al.6 para avaliar a nota atribuída à fissura sentida na semana da avaliação, a saber: não teve fissura (nota 0), fissura fraca (nota 1 ou 2), fissura média/fraca (nota 3 ou 4), fissura média/ forte (nota 5 ou 6), fissura forte (nota 8) e fissura muito forte (nota 9 ou 10). A avaliação nutricional foi baseada nas medidas de peso corporal e altura, para cálculo do índice de massa corporal (IMC). As medidas foram coletadas seguindo normas propostas por Lohman11. Após três meses de tratamento, foi repetida a aplicação do questionário sobre o consumo de alimentos durante a fissura pelo álcool e realizada a avaliação antropométrica. Utilizou-se o software PASW versão 17.0 para a análise dos dados. Variáveis categóricas foram analisadas pelo teste exato de Fischer. Para comparações das variáveis contínuas iniciais e finais de peso corporal e IMC, utilizou-se o teste não paramétrico de Wilcoxon para amostras pareadas. Para comparação da diferença de peso (peso final/peso inicial) entre homens e mulheres, utilizou-se o teste U Mann-Whitney. As variáveis classificadas em inicial e final referem-se à primeira e à última semana de acompanhamento, respectivamente. O nível de significância foi fixado em menor que 5% (p < 0,05). Fissura, alimentos e peso corporal em alcoolistas 343 Tabela 1. Descrição sociodemográfica e do início do uso do álcool entre mulheres e homens abstinentes e não abstinentes do CAPSad de Ouro Preto, MG* Homem Mulher Abstinentes (n = 9) Não abstinentes (n = 5) Abstinentes (n = 3) Não abstinentes (n = 4) Solteiro 6 1 1 1 Casado 2 2 2 2 Separado/divorciado 0 2 0 1 Viúvo 1 0 0 0 ≤ 4ª série 6 1 0 1 > 4ª série 2 4 3 3 Branco 4 4 2 4 Não branco 5 1 1 0 Sozinho 3 0 0 1 Com a família 6 5 3 3 ≤ 1 salário-mínimo 7 4 3 3 > 1 salário-mínimo 2 1 0 1 Próprio paciente 5 2 1 1 Outros 4 3 2 3 Atividade regular c/ direitos trabalhistas 2 0 0 0 Atividade regular s/ direitos trabalhistas 1 1 0 1 Afastado a mais de 15 dias 1 0 0 1 Aposentado 3 1 0 0 Desempregado 2 3 3 2 ≤ 15 anos 3 1 1 3 16 a 20 anos 3 4 2 1 ≥ 21 3 0 0 0 Variáveis Estado civil Escolaridade Raça* Mora atualmente Renda Responsável pela renda Situação trabalhista Início do uso do álcool RESULTADOS Trinta e seis pacientes foram convidados para participar da pesquisa. Foram excluídos usuários de drogas ilícitas (n = 10), menores de 18 anos (n = 1), paciente com estado cognitivo não adequado (n = 1), pacientes que não completaram três meses de acompanhamento (n = 3). Nenhum paciente convidado se recusou a participar. Vinte um participantes foram incluídos no estudo; 12 mantiveram a abstinência e 9 não se abstiveram ao final dos três meses de acompanhamento. Homens e mulheres apresentaram média de idade em torno de 45,57 ± 9,97 anos e 39,14 ± 7,13 anos, respectivamente. A amostra estudada apresentou perfil sociodemográfico semelhante (p > 0,05) entre abstinentes e não abstinentes (Tabela 1). * p > 0,05 para todas as variáveis analisadas – teste exato de Fisher. As mulheres apresentaram ganho de peso e os homens, perda de peso corporal (Mulheres: 1,98 ± 1,86 kg/Homens: -0,13 ± 2,09; p = 0,04). Entretanto, não houve diferença estatística quando a variação de peso corporal foi comparada, separadamente, entre homens e mulheres abstinentes e não abstinentes (Tabela 2). Embora não significativo, as mulheres abstinentes e não abstinentes ganharam mais peso do que os homens. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):341-6. comunicação breve Toffolo MCF et al. 344 A classificação da fissura inicial e final foi semelhante entre os que recaíram (não abstinentes) e os abstinentes. Porém, após consumir o alimento escolhido para controlar a vontade de usar o álcool, a maioria dos abstinentes (n = 9,75%) que apresentaram fissura fraca ou não sentiram fissura relatou maior sensação de bem-estar em comparação aos que não conseguiram se abster (p = 0,04 – teste exato de Fischer). Houve diferença estatística quanto ao grau de fissura entre as mulheres abstinentes e não abstinentes no início do tratamento. Entre as abstinentes, não houve relato de fissura no início do tratamento. Porém, para as que não conseguiram se abster, o início do tratamento foi enfrentado com relato de fissura moderada a fraca (n = 3) e fissura muito forte (n = 1) (p = 0,04 – teste exato de Fischer). Não houve diferença para a pontuação de fissura final, porém a maioria das não abstinentes apresentou fissura média (n = 3). Entre os homens, a abstinência foi marcada pela presença de fissura forte a muito forte (n = 5). A pontuação ≥ 5 para a sensação inicial e final de bem-estar após o consumo de doce (numa escala de 0 a 10) foi atribuída por 65% dos homens e 86% das mulheres. Os alimentos relatados para controlar a fissura eram fontes de carboidratos simples e complexos, tanto doces quanto salgados. Entre os 21 participantes, 19 (90%) relataram consumir doces para controlar a vontade de usar droga (Figura 1). Dentre os alimentos consumidos, os mais relatados entre os usuários foram: doces, balas, refrigerantes, frutas e sucos, massas, pães e salgadinhos. Tabela 2. Média e desvio-padrão de peso corporal, IMC e diferença de peso corporal (peso final – peso inicial) entre mulheres e homens abstinentes e não abstinentes do CAPSad de Ouro Preto, MG Homem Variáveis antropométricas Abstinente Mulher Não abstinentes Abstinente Não abstinentes Média ± DP n (%) 9 (42,85) Média ± DP 5 (23,80) 3 (14,30) 4 (19,05) Peso inicial (kg) 72,63 ± 13,94 55,3 ± 5,28 67,80 ± 10,46 53,15 ± 9,26 Peso final (kg) 73,02 ± 13,33 54,24 ± 6,77 70,53 ± 11,28 54,57 ± 10,03 0,59 0,34 0,11 0,14 p** IMC inicial (kg/m ) 24,01 ± 3,61 19,65 ± 0,59 25,68 ± 3,50 21,92 ± 2,87 IMC final (kg/m2) 24,15 ± 3,37 19,22 ± 0,56 26,72 ± 3,90 22,47 ± 2,89 0,59 0,34 0,11 0,14 0,39 ± 2,19 -1,06 ± 1,75 2,73 ± 1,95 1,42 ± 1,85 2 p** Diferença peso (kg) a * (-) perda de peso; ** Test Wilcoxon. Tabela 3. Relato da fissura inicial e final e sensação de bem-estar após ingerir o alimento escolhido para controlar a vontade de consumir o álcool Sensação de bem-estar após consumir o alimento para controlar a vontade de usar a droga Abstinente (n = 12) Não abstinentes (n = 9) Nota de 0 a 4 n (%) Nota 5 a 10 n (%) Nota de 0 a 4 n (%) Nota 5 a 10 n (%) Não teve fissura a fissura média/fraca 5 (41,7) 6 (50,0) 2 (22,2) 5 (55,6) Fissura média/forte a muito forte 1 (8,3) 0 (0) 1 (11,1) 1 (11,1) Não teve fissura média/fraca 1 (8,3) 9 (75,0)* 2 (22,2) 6 (66,7) Fissura média/forte a muito forte 2 (16,7) 0 (0) 0 1 (11,1) Fissura inicial Fissura final * Teste exato de Fisher, p = 0,04. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):341-6. comunicação breve Fissura, alimentos e peso corporal em alcoolistas 8 HOMENS MULHERES TODOS Número de participantes 7 345 Abstinente Não abstinente 6 5 4 3 2 1 s ad o se ce Do Al im en o to s sa lg do ce s sc ou bu s Nã ad o se ce Do en to s sa lg do ce s sc ou bu im Al se ce Nã o sa lg ad o s ce s do to s Do en Al im Nã o bu sc ou 0 Figura 1. Alcoolistas abstinentes e não abstinentes que buscaram ou não alimentos doces e salgados para controle da vontade de usar a droga. p > 0,05 – teste exato Fisher. DISCUSSÃO Os resultados deste estudo indicam que alcoolistas que conseguiram se abster, durante o período de acompanhamento, mantiveram menor grau de fissura e maior sensação de bem-estar com o consumo de alimentos fontes de carboidratos simples ou complexos para controlar a vontade de usar o álcool. No presente estudo, observou-se que mulheres abstinentes e não abstinentes ganharam peso no período de acompanhamento. Já os homens abstinentes apresentaram pequeno ganho de peso corporal (390 g) e os não abstinentes perderam peso. O mecanismo de ganho de peso durante a abstinência não foi ainda bem compreendido de acordo com o estudo que avaliou o ganho de peso em pacientes alcoolistas durante a abstinência12. Por outro lado, diferenças encontradas nas alterações de peso entre homens e mulheres podem ser atribuídas a outros fatores não avaliados neste estudo, como hábito alimentar diferenciado entre os sexos, estados motivacionais, processos metabólicos e fisiológicos. A redução do IMC e da gordura corporal em homens alcoolistas em abstinência foi encontrada por Addolorato et al.12, os quais foram normalizados após o tempo mínimo de três meses de abstinência, enfatizando a melhora do estado nutricional com a abstinência. O relato de menor sensação de fissura ou até mesmo de não senti-la no início entre os que mantiveram a abstinência, neste estudo, pode estar associado à frequência de maior sensação de bem-estar com o consumo de alimentos fontes de carboidratos para controlar o uso do álcool. Em contrapartida, Wurtman e Wurtman8 relataram que alterações neuroquímicas em áreas cerebrais envolvidas na recompensa podem ser induzidas pelo consumo de açúcares. A maioria dos alcoolistas e dependentes de outras drogas apresenta preferência por alimentos com alta concentração de carboidratos simples, indicando que o consumo de alimentos doces promove a liberação de endorfinas e dopamina no cérebro, simulando o efeito da droga de abuso13. Entretanto, ainda são poucos os estudos que relacionam o abuso de álcool e sua abstinência com o consumo de açúcares e a recompensa. Krahn et al.14 mostraram que alcoolistas têm preferência por alimentos com sacarose e que a busca por doces, no primeiro mês de abstinência, é grande e tende a diminuir ao longo de seis meses sem consumo alcoólico. Entretanto, essa preferência alimentar por doces seria um dos motivos que contribuem para o ganho de peso na abstinência. Recentemente, Cowan e Devine9 observaram presença de compulsão alimentar e uso de alimentos como substitutos das drogas para satisfazer a fissura entre homens alcoolistas em tratamento para a abstinência. Os autores também relataram que a privação alimentar durante a adicção e as interações entre o estágio de recuperação e convívio ambiental podem contribuir para mudanças na escolha de alimentos e para o ganho de peso excessivo na abstinência, J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):341-6. 346 comunicação breve Toffolo MCF et al. que excede o peso perdido durante a adicção. Não foram encontrados estudos comparando esses fatores entre homens e mulheres em tratamento para o alcoolismo, apenas estudo avaliando o perfil nutricional e o padrão alimentar de 25 adolescentes frequentadores do CAPSad, encontrando-se eutrofia em 84% dos participantes eutróficos e bom padrão de consumo alimentar diário15. Durante o acompanhamento nutricional de pacientes alcoolistas em tratamento, é prudente considerar a mudança de hábitos alimentares com maior consumo de alimentos fonte de carboidratos, justificado pela sensação de bem-estar para controlar a fissura entre os abstinentes, além do desenvolvimento de maior risco de doenças crônicas não transmissíveis, como o diabetes10. Neste estudo, foi pequeno o número de alcoolistas avaliados, assim como a participação do sexo feminino. Isso se justifica pela característica do serviço prestado pelo CAPSad, onde a procura em sua grande maioria é espontânea, e neste caso poucos pacientes, especificamente as mulheres, procuraram tratamento. Como outros métodos para avaliação do consumo alimentar, o levantamento de consumo de alimentos a posteriori apresenta viés de memória. Para minimizar esse tipo de erro e obter resultados mais fidedignos, obedeceu-se a todo o protocolo previamente estabelecido, no qual as entrevistas foram individualizadas, o que o torna mais sensível para detectar diferenças culturais mediante a coleta livre de informação, não forçando um nível de padronização. Este estudo inicial indica alterações antropométricas durante o tratamento e comportamentos diferentes para a fissura e a manutenção da abstinência entre homens e mulheres, sugerindo a necessidade de abordagens multidisciplinares nos CAPSad. Porém, é necessário mais estudos com número maior de participantes para melhor caracterizar a diferença entre os sexos quanto ao consumo de alimentos e à alteração da composição corporal durante o processo de abstinência. CONCLUSÃO Houve alteração de peso corporal ao longo do tempo de acompanhamento e maior fissura inicial entre as mulheres que não conseguiram se abster. O relato de consumo de alimentos fonte de carboidratos simples e complexos foi semelhante entre alcoolistas abstinentes e não abstinentes. Porém, a sensação de bem-estar com o consumo desses alimentos, para evitar o uso do álcool, foi maior entre os abstinentes que também relataram não ter ou ter fissura fraca. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):341-6. É importante a orientação para as escolhas alimentares entre alcoolistas em tratamento, a fim de controlar a fissura e manter o estado nutricional adequado, estabelecendo metas de peso saudável e evitando o aumento de peso corporal, compatível com aumento de riscos cardiovasculares. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação/UFOP, à Escola de Nutrição/UFOP, a Paulo Francisco e a todos os funcionários e usuários do CAPSad e à Késia Diego Quintaes, por contribuírem para a realização deste trabalho. REFERÊNCIAS 1. Lands WEM, Zakhari S. The case of missing calories. Am J Clin Nutr. 1991;54(1):47-8. 2. Silva ABJ, Oliveira AVK, Silva JD, Quintaes KD, Silva-Fonseca VA, Aguiar-Nemer AS. Relação entre consumo de bebidas alcoólicas por universitárias e adiposidade corporal. J Bras Psiquiatr. 2011;60(3):210-5. 3. Lieber CS. Alcohol and the liver: 1994 update. Gastroenterology. 1994;106:1085-105. 4. Laranjeira R, Nicastri S, Jerônimo C, Marques AC, Gigliotti A, Campana A, et al. Consenso sobre a síndrome de abstinência do álcool (SAA) e o seu tratamento. Rev Bras Psiquiatr. 2000;22(2):62-71. 5. Shaw JM, Kolesar GS, Sellers EM, Kaplan HL, Sandor P. Development of optimal treatment tactics for alcohol withdrawal. J Clin Psychopharmacol. 1981;1(6):382-7. 6. Araújo RB, Oliveira MS, Nunes MLT, Piccoloto LB, Melo WV. A avaliação do craving em alcoolistas na síndrome de abstinência. Psico-USF. 2004;9(1):71-6. 7. Miller WR, Rollnick S. Entrevista motivacional: preparando as pessoas para a mudança de comportamentos adictivos. Porto Alegre: Artmed; 2001. 8. Wurtman RJ, Wurtman JJ. Brain serotonin, carbohydrate-craving, obesity and depression. Obes Res. 1995;3(4):477-80. 9. Cowan J, Devine C. Food, eating, and weight concerns of men in recovery from substance addiction. Appetite. 2008;50(1):33-42. 10. Folstein M, McHugh PR. Mini-mental state: a practical method for grading the cognitive state of patient for the clinician. J Psychiatr Res. 1975;12:189-98. 11. Lohman TG. Advances in body composition assessment. Champaign: Human Kinetics Publishers; 1992. 12. Addolorato G, Capristo E, Greco V, Caputo F, Stefanini GF, Gasbarrini G. Three months of abstinence from alcohol normalizes energy expenditure and substrate oxidation in alcoholics: a longitudinal study. Am J Gastroenterol. 1998;93(12):2476 -81. 13. Fortuna JL. Sweet preference, sugar addiction and the familial history of alcohol dependence: shared neural pathways and genes. J Psychoactive Drugs. 2010;42(2):147-51. 14. Krahn D, Grossman J, Henk H, Mussey M, Crosby R, Gosnell B. Sweet intake, sweet-liking, urges to eat, and weight change: relationship to alcohol dependence and abstinence. Addict Behav. 2006;3(4):622-31. 15. Cozer M, Gouvêa LAVN. Avaliação do estado nutricional e hábito alimentar de adolescentes frequentadores do CAPS AD de um município do oeste do Paraná. Rev Tempus Actas Saúde Colet. 2010;4(1):145-54. relato de caso Considerações sobre a clínica e o tratamento de uma manifestação incomum do transtorno dismórfico corporal: a síndrome de referência olfatória Considerations on the clinical picture and treatment of an unusual manifestation of body dysmorphic disorder: the olfactory reference syndrome Cristiane Maluhy Gebara1, Tito Paes de Barros Neto1 RESUMO Palavras-chave Exposição, síndrome de referência olfatória, terapia cognitivo-comportamental, transtornos somatoformes. Neste relato, descreve-se o caso de um rapaz de 23 anos que apresentava a crença de exalar um odor desagradável proveniente da transpiração e acreditava que incomodava as outras pessoas. O paciente foi medicado com amissulprida associada a técnicas de terapia cognitivo-comportamental (TCC), tendo havido acentuada melhora do quadro clínico. Foram abordados aspectos relativos à nosologia e às manifestações clínicas da síndrome de referência olfatória (SRO), e o seu tratamento foi discutido. Observou-se que experimentos comportamentais envolvendo exposição com desafio às crenças delirantes podem ser úteis no tratamento desse transtorno e que os antipsicóticos, particularmente a amissulprida, podem ser uma boa alternativa aos inibidores de recaptação da serotonina (IRSs) no tratamento da SRO. ABSTRACT Keywords Exposure, olfactory reference syndrome, cognitive behavior therapy, somatoform disorders. We report the case of a 23 year old man who believed he emitted an unpleasant odor from perspiration which he’s believed bothered other people. He was treated with amisulpride in combination with cognitive-behavioral therapy (CBT), and there was marked improvement in the clinical status. Aspects related to the clinical manifestations and nosology of olfactory reference syndrome (ORS) and treatment were discussed. It was noted that behavioral experiments involving exposure with challenge to the delusional beliefs may be useful in the treatment of this disorder, and antipsychotics, particularly amisulpride may be a good alternative to the serotonin reuptake inhibitors (SRIs) in the treatment of ORS. 1 Universidade de São Paulo (USP), Hospital das Clínicas, Instituto de Psiquiatria, Departamento de Psiquiatria, Programa de Ansiedade (AMBAN). Recebido em 27/10/2011 Aprovado em 16/11/2011 Endereço para correspondência: Cristiane Maluhy Gebara Rua Ovidio Pires de Campos, 785, 3º andar, Jardim Paulista – 04503-010 – São Paulo, SP, Brasil E-mail: [email protected] 348 relato de caso Gebara CM, Barros Neto TP INTRODUÇÃO DESCRIÇÃO DO CASO A síndrome de referência olfatória (SRO) foi descrita há mais de um século1 e se caracteriza pela preocupação com uma crença falsa de emitir um odor desagradável ou mesmo ofensivo, que não é percebido pelos outros. Poucos estudos foram realizados até o momento abordando esse tema. Pryse-Phillips2 introduziu o termo síndrome de referência olfatória para diferenciá-la dos sintomas olfatórios presentes na esquizofrenia, na depressão e na epilepsia do lobo temporal. O transtorno é grave e o sofrimento é intenso, podendo levar à incapacitação. O DSM-IV3, apesar de não classificar a SRO em uma categoria diagnóstica específica, a considera um transtorno delirante de tipo somático. Em um recente artigo de revisão sistemática, em que foram encontrados 84 relatos de casos de SRO, os autores desses relatos expressaram ceticismo quanto à natureza delirante da crença em boa parte dos casos4. Outro estudo, realizado no Brasil por Prazeres et al.5, observou que apenas 21% dos pacientes apresentavam crenças delirantes. No entanto, um estudo mais recente observou que as crenças em relação ao odor corporal eram delirantes em 85% dos casos6. Para alguns autores, a SRO estaria dentro do espectro da ansiedade social, incluindo-se a fobia social, Taijin Kyofusho e transtorno dismórfico corporal (TDC)7. Há ainda autores que acreditam que a SRO faça parte do espectro obsessivo-compulsivo8. Para Begum e McKenna4, a SRO é um transtorno psiquiátrico primário que não se encaixa na classificação do DSM-IV como um subtipo de transtorno delirante. Feusner et al.9, a exemplo de Lochner e Stein7, propuseram a inclusão de critérios específicos para o diagnóstico da SRO e recomendaram que esta venha a fazer parte do apêndice do DSM-V. Prazeres et al.5 entendem que a SRO seja um subtipo de transtorno dismórfico corporal. O fato é que o status nosológico da SRO é uma questão controversa e ainda existem dúvidas sobre quais tratamentos são eficazes. Os estudos em que os pacientes foram submetidos à psicoterapia são escassos. Em relação ao tratamento, as drogas mais utilizadas são os antidepressivos, sobretudo os inibidores de recaptação da serotonina (IRSs)9, embora os antipsicóticos também sejam citados4. Há relatos de casos que sugerem que a combinação de ambos seja eficaz5. Note-se que as crenças presentes nos casos de SRO frequentemente são delirantes. A terapia comportamental também aparece como uma boa alternativa de tratamento4. Ao se fazer um levantamento sobre esses aspectos, pode-se afirmar que os estudos que abordam o tratamento da SRO são bastante limitados6. O objetivo deste relato de caso é propor que um antipsicótico associado à terapia cognitivo-comportamental possa ser eficaz no tratamento da SRO. O paciente, um homem de 23 anos, chegou ao consultório e relatou com dificuldade o problema: acreditava exalar um odor desagradável pela transpiração e que isso incomodava as pessoas. Ele afirmava saber disso, pois notava que as pessoas se afastavam dele. O paciente terminou com dificuldade o ensino médio, mas, por causa de sua forte convicção de que exalava um odor desagradável, desistiu de estudar, abandonando os planos de ingressar na faculdade, evitando até sair de casa. Permanecia o dia todo no computador, principalmente na internet. Esse paciente encontrava-se confinado à sua casa havia seis anos. Relatou que aos 16 anos, quando voltava da escola, num dia quente, sua mãe pediu para que tomasse banho. A partir desse fato, passou a se preocupar com o suor e o odor que exalava, embora negasse sudorese excessiva. Chegava a tomar quatro banhos por dia. Procurou vários dermatologistas e experimentou diversas marcas de desodorantes para tentar resolver o problema. Foi atendido por um terapeuta de orientação psicodinâmica durante cinco anos. Ele relatou ter um bom relacionamento com os pais e o irmão mais velho. Disse ter sido uma criança muito ativa. Jogava futebol, tinha vários amigos, mas preferia conversar com adultos. O paciente apresentava diversas cognições: “pareço não pertencer a nenhum grupo”, “me sinto com cem anos, sou velho para várias coisas”, “nunca mais vou alcançar meus colegas”, tudo está no lugar errado, tudo é uma escuridão”. Ao exame psíquico, apresentava esquiva de contato interpessoal, ideias delirantes, autorreferência e autoestima diminuída. Foi feita a hipótese diagnóstica de SRO. O paciente foi medicado com paroxetina, mas teve muitos efeitos colaterais e nenhum ganho terapêutico. Seu grau de convicção em relação a exalar o odor desagradável chegava a 95%. Foi suspensa a paroxetina e introduzida a sertralina até 100 mg ao dia, sem que houvesse qualquer melhora do quadro, com diversos efeitos colaterais, como insônia, inquietação e tremor. Foi então, associada a risperidona, 1 mg ao dia, mas o paciente parou a medicação por conta própria, alegando sonolência excessiva e sentimentos de estranheza. Foi introduzida a amissulprida na dose de 50 mg ao dia e foi encaminhado para terapia cognitivo-comportamental. O paciente referiu alguma melhora com a nova medicação. Sentiu-se mais tranquilo, mas mantinha a convicção de exalar o odor desagradável. Na abordagem cognitivo-comportamental, foram feitas algumas sessões de exposição ao vivo, que caracterizavam experimentos comportamentais, e de reestruturação cognitiva. A primeira sessão de exposição foi feita na rua e consistia em, após o paciente fazer uso de uma marca de desodorante, cujo rótulo foi coberto, perguntar para os transeuntes se percebiam algum odor desagradável no paciente. A ideia era configurar uma pretensa pesquisa para uma marca de deso- J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):347-9. relato de caso dorante que não poderia ser identificada. Mais de 20 pessoas responderam às perguntas e não houve nenhuma resposta de que o odor que o paciente exalava era desagradável. A convicção de que exalava tal odor passou de 95% para 75%. As suas cognições passaram a ser mais funcionais. (“agora penso em fazer algo”, “quero estar com pessoas”). A dose de amissulprida foi ajustada para 100 mg ao dia, com o paciente estando mais ativo; ele fez uma trilha e viajou para a praia. O paciente prosseguiu com suas sessões de exposição. A terapeuta sugeriu um lugar público fechado. O elevador de um shopping center foi escolhido para esse outro experimento comportamental. No elevador, a terapeuta perguntava às pessoas se sentiam algum odor estranho. Foram feitas diversas viagens de elevador e só uma pessoa respondeu que percebia um odor diferente, mas não desagradável. Sua convicção em relação a exalar o odor passou para 50%. Atualmente, o paciente encontra-se matriculado em um curso pré-vestibular. Ele tem saído com os amigos, o que não fazia antes, e fez um trabalho em um blog para um familiar. Em relação ao odor corporal, o paciente diz que este não incomoda todas as pessoas. Relata tomar um ou dois banhos por dia. Nas aulas, escolhe uma cadeira em que fique perto das pessoas que já conhece, mas ainda evita pegar elevador lotado. Após algumas sessões de reestruturação cognitiva, sua convicção em relação a exalar o odor desagradável caiu para 25%. DISCUSSÃO Um comentário sobre o diagnóstico da SRO nos parece oportuno, uma vez que em alguns artigos ela aparece dentro dos espectros da ansiedade social7 e do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)8 e guarda semelhanças com o TDC. Sobre essa questão, é importante lembrar que a esquiva e o medo de situações sociais que ocorre na SRO são secundários à crença de exalar o odor. O mesmo se pode dizer em relação ao TOC, por exemplo, em rituais de lavagem na tentativa de eliminar o odor. Em relação ao TDC, há uma preocupação em relação a um defeito imaginário. E, neste caso, pode-se especular se uma crença a respeito de um funcionamento defectivo do corpo estaria se manifestando. Técnicas específicas de TCC podem ser úteis no tratamento de sintomas psicóticos positivos como alucinações e delírios, sobretudo quando causam sofrimento10. No caso desse paciente, a exposição com o desafio à crença, associada à amissulprida, levou à melhora do quadro. Vale ressaltar que apenas um artigo foi localizado, em que a amissulprida foi usada no tratamento da SRO: um relato de caso11. Segundo Phillips e Menard6, os IRSs são as drogas de primeira escolha, associados ou não a antipsicóticos. Estes últimos, usados isoladamente, também podem ser uma boa alternativa. No caso do paciente em questão, não foi isso que ocorreu. Ele não respondeu a IRSs, mas a sua resposta ao antipsicótico foi bastante favorável, contrariando o que existe na literatu- Clínica e tratamento da síndrome de referência olfatória 349 ra e denotando que antipsicóticos, particularmente a amissulprida, são uma boa alternativa no tratamento da SRO. No entanto, é importante realçar que este artigo é um relato de caso, o que dificulta a generalização do resultado. O uso de experimentos comportamentais que desafiam os delírios é encontrado na literatura e leva à redução da convicção nas crenças10,12. Isso pode ser observado no paciente, que, após ter se submetido às sessões de TCC, estimou ter havido uma redução de 75% na sua convicção de exalar o odor. Remanesce a questão de as crenças da SRO serem ou não delirantes. Poderiam ser ideias deliroides? Ou mesmo prevalentes? Essa é uma questão controversa que parece estar longe de se resolver. A esse respeito, Feusner et al.9, em sua sugestão de haver critérios específicos para o diagnóstico da SRO no DSM-V, propõem discriminar se as crenças são: 1) provavelmente não verdadeiras, 2) provavelmente verdadeiras ou 3) indubitavelmente verdadeiras. Desse ponto de vista, pode-se fazer um paralelo entre essa especificação e a questão de serem ideias prevalentes, deliroides ou delirantes. Em relação às cognições relatadas pelo paciente, também houve progresso, com o abandono parcial do discurso repetitivo em relação aos anos que ficou sem fazer nada, voltando-se para o presente e também para o futuro próximo. São necessários mais estudos controlados que evidenciem quais são os tratamentos mais eficazes da SRO. REFERÊNCIAS 1. Potts CS. Two cases of hallucination of smell. University of Pennsylvania Medical Magazine. 1891:226. 2. Pryse-Phillips W. An olfactory reference syndrome. Acta Psychiatr Scand. 1971;47:484-509. 3. American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – Fourth Edition (DSM-IV). Washington, DC; 2000. 4. Begum M, McKenna PJ. Olfactory reference syndrome: systematic review of the world literature. Psychol Med. 2011;41:453-61. 5. Prazeres AM, Fontenelle LF, Mendlowicz MV, De Mathis MA, Ferrão YA, de Brito NF, et al. Olfactory reference syndrome as a subtype of body dismorphic disorder. J Clin Psychiatry. 2010;71:87-9. 6. Phillips KA, Menard W. Olfactory reference syndrome: demographic and clinical features of imagined body. Gen Hosp Psychiatry. 2011;33:398-406. 7. Lochner C, Stein DG. Olfactory reference syndrome: diagnostic criteria and a differential diagnosis. J Postgrad Med. 2003;24:328-31. 8. Stein DJ, Le Roux L, Bouwer C, Van Heerden B. Is olfactory reference syndrome an obsessive-compulsive spectrum disorder? – two cases and a discussion. J Neuropsychiatry Clin Neurosci. 1998;10:96-9. 9. Feusner JD, Phillips KA, Stein DJ. Olfactory reference syndrome: issues for DSM-V. Depress Anxiety. 2010;27:592-9. 10. Kuipers E, Garrety P, Fowler D, Dunn G, Bebbington P, Freeman D, et al. London- East Anglia randomised controlled trial of cognitive-behavioural therapy for psychosis I: effects of the treatment phase. Br J Psychiatry. 1997;171:319-27. 11. Yeh YW, Chen CK, Huang SY, Kuo SC, Chen CY, Chen CL. Successful treatment with amisulpride for the progression of olfactory reference syndrome to schizophrenia. Progr Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 2009;33:579-80. 12. Chadwick P, Birchwood M, Trower P. Cognitive therapy for delusion, voices and paranoia. Chichester: John Wiley & Sons; 1998. p. 69-90. J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):347-9. índice artigo remissivo original por autor A Domingos Sávio da Costa 23 Adriana Alves Nery 294 Adriana C. A. Guimarães 164 Adriana Cardoso de Oliveira e Silva 99, 158, 176, 301 Adriana Trejger Kachani 57 Adriane Bueno Marangoni 198 Aihancreson Vaz Kirchoff de Oliveira 210 Albina R. Torres 123 Alessandra Bertinatto Pinto Fonseca 216 Alexandre Dido Balbinot 205 Alexandre Martins Valença 144, 301 Alexandre Rafael de Mello Schier 99 Alexandro Andrade 216 Alexis Trott 321 Aline Sardinha 227 Aline Silva de Aguiar Nemer 210, 341 Alpheu Ferreira do Amaral Junior 205 Amanda Bertolini de Jesus Silva 210 Amaury Cantilino da Silva Junior 171 Ana Carolina Soares Amaral 309 Ana Cecilia Petta Roselli Marques 233 Andre J. Xavier 164 André Soares Rebello 7 Angelica Francesca Maris 321 Anna Lucia Spear King 301 Antonio Carlos de Farias 240 Antônio de Pádua Serafim 11 Antonio Egidio Nardi 99, 144, 158, 227, 247, 301 Antonio Lucio Teixeira 131, 141, 271 Antonio Roma-Torres 182 Arthur Kummer 131 E B Hannia Roberta Rodrigues Paiva da Rocha 34 Heloísa Karmelina Carvalho de Sousa 34 Héloïse Delavenne 71 Helymar da Costa Machado 198 Henrique Claudio Vicentini 123 Barbie P. do Rosario 164 Bernard Pimentel Range 176 Bernardo Rangel Tura 158 Bianca Elisabeth Thurm 331 Bruno Copio Fabregas 141 C Carla Fonseca Zambaldi 171 Carlos Alberto Buchpiguel 1 Carlos Eduardo Paula Leite 123 Carlos Francisco Almeida de Oliveira 46 Cassia Roberta Benko 240 César de Moraes 40 Cezar Augusto Casotti 294 Cintia Villela Kirchmeyer 266 Clareci Silva Cardoso 221 Clarissa R. Dantas 135, ,337 Claudia Aparecida Marliere 341 Claudio E. M. Banzato 341 Claudio Gil Soares de Araujo 227 Cleucimara Aparecida Camilo 284 Cristiane Cauduro de Souza 73 Cristiane Maluhy Gebara 347 Cynthia Mara Felício 284 D Daianny Macedo de Sousa Rego 46 Daniel Martins de Barros 11 Debora Cristiane Silva Flores Lino 294 Denise Brasil 50 Edgar Nunes de Moraes 253 Eduardo Jardel Portela 131 Eleni de Araújo Sales 34 Eliana Zandonade 151 Eliane Florencio Gama 331 Euclides Timóteo da Rocha 1 Euripedes Constantino Miguel 1 Everto Botelho Sougey 171 F Fabiana Saffi 11 Fabio Lopes Rocha 253, 271 Fabio Tapia Salzano 331 Felipe Filardi da Rocha 148 Felipe Jose Nascimento Barreto 277 Fernanda Monte 164 Filipa Vieira 182 Flavia Domingues Vitorino 141 Frederico D. Garcia 71 G Gabriel Soares Ledur Alves 205 Geraldo Busatto Filho 1 Gerardo Maria de Araujo Filho 131 Gilson de Vasconcelos Torres 86 Giovanni Marcos Lovisi 91 Guilherme Nogueira M. de Oliveira 131 Guilherme Rubino de Azevedo Focchi 259 H I Isa de Pádua Cintra 198 Isabel Brandão 182 Isabella Nascimento 144 Ismael Dale Cotrim Guerreiro da Silva 259 Izabela Guimarães Barbosa 271 Izabelle de Sousa Pereira 341 J Jair Sindra Virtuoso Junior 80 Janiara David Silva 210 Jaqueline Garcia da Silva 73 Jesus Landeira-Fernandez 266 João C. Villares 111 João Carlos Alchieri 34, 86 João Carlos Nascimento de Alencar 34 João Domingos Scalon 221, 271 João Vinicius Salgado 131 Jonas Jardim de Paula 253 José Carlos Souza 23 José Luis G. Pinho Costa 111 Joyce dos Santos Neves 123 Juliana Kelly Pinto Moreira 221 K Karine Aparecida Louvera Silva 341 Karine Porpino Viana 171 Késia Diego Quintaes 210 L Laila da Camara Lima Kurtinaitis 171 Lays Guimaraes Amorim de Oliveira 216 Leandro Fernandes Malloy-Diniz 253 Leonardo de Sousa Fortes 309 Leonardo F. Fontenelle 64 Leonor Lencastre 182 Letícia Leite 233 Lívia Angeli Silva 294 Lucas F. B. Mella Lucas O. Maia 111 Lucia Abelha 91 Luciana Araújo dos Reis 86 Luciene Bolzam Macente 151 M R Rafael Thomaz da Costa 247 Raimundo Félix dos Santos Júnior 46 Raphael Cangelli Filho 331 Raquel Luiza Santos 50 Regina Alvarenga 266 Regina Ponce da Silva 158 Renata Alves Paes 266 Renata Brasil Araujo 28, 205, 233 Ricardo Brandt 216 Ricardo de Azevedo Klumb Steffens 216 Rodolfo de Castro Ribas Junior 176 Rodrigo Barreto Huguet 271 Rodrigo de Almeida Ferreira 271 Rodrigo Moura-Neto 7 Rodrigo Nicolato 253 Ronaldo Bastos 190 Rosana Cipolotti 277 Rosemeri Siqueira Pedroso 233 Maick da Silveira Viana 216 Manoel Antônio dos Santos 16 Manuel A. Fernandez Esteves 111 Mara L. Cordeiro 240 Marcele Regine de Carvalho 247 Marcelo Rossoni da Rocha 233 Marcia Dourado 50 Márcia Freitas 64 Marco Aurelio Negreiros 266 Marcos Rogério Capello Sousa 40 Margareth da Silva Oliveira 73 Maria Aparecida Camargos Bicalho 253 Maria Aparecida Conti 190 Maria Aparecida Zanetti Passos 198 Maria da Glória da Costa Carvalho 7 Maria da Graça Tanori de Castro 233 Maria Elisa Caputo Ferreira 190, 309 Maria F. Laus 315 Maria Fernanda Barroso de Sousa 50 Maria Fernanda Faria Achá 11 Maria Luiza de Jesus Miranda 331 Maria Tavares Cavalcanti 91 Mariana Fonseca Cotta 253 Marilia Suzi Pereira dos Santos 171 Marina Bandeira 221, 284 Marina Prista Guerra 182 Maura Maria Guimarães de Almeida 80 Mauro Fisberg 198 Mauro V. Mendlowicz 67 Mauro Vitor Mendlowicz 144 Mayla Cardoso Fernandes Toffolo 341 Mônia Aparecida da Silva 284 Murilo da Silva Alves 294 S N W O Z Naira Vassalo Lage 148 Natalia Pinho de Oliveira Ribeiro 99 Orlandi-Mattos P. 111 P Paola Lucena dos Santos 233 Paulo Mattos 266 Priscilla Lourenço Leite 176 Samuel Robson Moreira Rego 46 Sandra Scivoletto 259 Sandra Torres 182 Saulo Vasconcelos Rocha 80 Sebastião S. Almeida 315 Sérgio Paulo Rigonatti 11 Silvia Parcias 164 Silvio Roberto Sousa-Pereira 131 Stela Verzinhase Peres 1 T Taís Cardoso de Zeni 28 Táki Athanássios Cordás 57 Talvane Marins de Moraes 144 Tânia Maria Araújo 80 Tarcísio Gomes Dutra 171 Tatiana Fernandes Carpinteiro da Silva 91 Tatiana Zambrano Filomensky 176 Telma M. Braga Costa 315 Thaiza Teixeira Xavier Nobre 86 Thiago Sakae 164 Tito Paes de Barros Neto 347 V Valter Paulo Neves Miranda 190, 309 Vanessa Machado 16 Vanessa Mason 91 Victor M. V. Lopes 337 Vilma Aparecida da Silva Fonseca 210 Vitor Brito da Silva 46 Viviane dos Santos Souza 294 Walmor J. Piccinini 231 William Berger 67 Zanon Passos 64 índice artigo remissivo original por assunto A Abstinência 28, 29, 30, 32, 73, 74, 76, 77, 118, 206, 207, 234, 236, 237, 259, 263, 341, 342, 343, 344, 345 Adaptação transcultural 99, 164, 176, 177, 247, 249, 251, 252 Adesão 17, 30, 41, 46, 47, 48, 49, 53, 73, 74, 77, 78, 136, 137, 138, 139, 158, 159, 162, 278, 285 Adolescência 40, 41, 60, 61, 62, 63, 190, 191, 192, 193, 194, 196, 197, 278, 310, 313 Adolescente 23, 40, 41, 42, 43, 44, 58, 74, 78, 126, 127, 190, 191, 192, 193, 194, 195, 196, 198, 199, 200, 201, 202, 203, 217, 238, 241, 254, 277, 278, 279, 280, 281, 282, 309, 310, 311, 312, 313, 315, 346 Adultos 23, 35, 36, 41, 43, 57, 59, 61, 65, 159, 195, 196, 199, 202, 203, 211, 217, 238, 249, 252, 254, 267, 278, 295, 298, 323, 348 AIDS 46, 47, 48, 49 Álcool 7, 30, 31, 35, 36, 37, 38, 41, 46, 47, 48, 49, 76, 77, 78, 82, 91, 126, 145, 156, 158, 160, 161, 184, 207, 210, 211, 212, 213, 214, 215, 235, 237 Álcool desidrogenase 7, 214 Alcoolismo 7, 78, 210, 346 Análise individual 1 Anemia falciforme 277, 278, 279, 280, 281, 283, 283 Anorexia nervosa 57, 58, 59, 61, 123, 124, 127, 182, 183, 186, 332, 333, 335 Anosognosia 50, 51, 52, 53, 54 Ansiedade 28, 29, 30, 31, 32, 35, 37, 38, 41, 43, 69, 76, 81, 84, 87, 90, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 133, 158, 160, 161, 162, 219, 227, 228, 229, 230, 233, 235, 236, 237, 238, 241, 248, 271, 273, 274, 275, 301, 348, 349 Antropometria 205 Apoio social 16, 156 Atenção primária à saúde 221, 222 Atividade física 26, 44, 56, 59, 61, 80, 81, 82, 83, 84, 214, 228, 275, 310, 313, 315 Atletas 217, 309, 310, 311, 312, 313, 335 Autoconhecimento 135, 136 Avaliação de resultados (cuidados de saúde) 129, 284 Avaliação nutricional 210, 343 C Carboidratos 214, 341, 342, 344, 345, 346 CCQ-B 233, 234, 235, 236, 237, 238 Cirurgia cardíaca 86, 87, 88, 89, 90 Cocaína (crack) 28, 29, 205, 206, 233, 234, 237 Cognição 52, 118, 138, 139, 254, 266, 267, 269, 270 Comorbidades 32, 88, 102, 125, 160, 260, 264, 271, 272, 273, 274, 275 Comportamento aditivo 205 Comportamento compulsivo 171, 176, 178 Comportamento obsessivo 171 Composição corporal 81, 205, 206, 209, 210, 211, 310, 346 Consciência do déficit 50, 51, 52, 53 Crack/cocaina (ver cocaina/crack Craving 28, 29, 30, 31, 32, 120, 205, 206, 233, 234, 235, 237, 238, 341, 342, 343 Crianças 23, 40, 41, 42, 44, 65, 124, 125, 126, 159, 172, 174, 195, 241, 277, 278, 279, 280, 281, 282, 322, 323, 348 Criminoso sexual 11 Cybersickness 247, 248, 249, 251 D Declaração de óbito 294, 297 Deficiência mental 58, 61, 321 Demência 50, 51, 52, 53, 54, 55, 84, 132, 143, 254, 255, 257, 267, 269, 270 Depressão 35, 37, 38, 41, 43, 44, 47, 51, 53, 54, 58, 60, 76, 81, 84, 87, 116, 117, 125, 131, 132, 133, 134, 141, 142, 143, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 216, 217, 218, 219, 220, 233, 235, 236, 237, 238, 241, 249, 253, 255, 256, 260, 272, 275, 277, 278, 282, 295, 348 Disfunção sináptica 321 Distorção da percepção 331, 332, 333, 334, 335 Doença crônica 83, 84, 85, 99, 139, 278 Doença de Alzheimer 253, 254, 255, 256, 257, 258 E Educador físico 23 Emetofobia 123, 124, 125, 256, 127, 128, 129 Endocanabinoide 111, 112, 113, 114, 116, 117, 118, 119, 120, 121 Envelhecimento 52, 54, 81, 253, 254, 255 Epilepsia 60, 131, 132, 133, 134, 145, 260, 348 Equivalência semântica 166, 247, 249, 251, 252 Escala de Avaliação de Depressão de Hamilton 131, 165 Escalas de graduação psiquiátrica 176 Esclerose múltipla 266, 267, 268, 269, 270 Esquizofrenia 11, 38, 91, 135, 136, 137, 138, 139, 140, 285, 287, 288, 290, 295, 333, 337, 338, 339, 340, 348 Estações do ano 337, 338 Estado nutricional, 190, 191, 192, 193, 194, 195, 196, 197, 198, 199, 201, 202, 211, 214, 341, 345, 346 Estágios de mudança 73, 75 Estatura 42, 67, 68, 190, 192, 193, 198, 199, 200, 201, 202, 203, 205, 206, 207, 211, 309, 311, 326 Estilos de personalidade 36, 86, 87, 88, 89, 90 Estudo longitudinal 50, 342 F Febre reumática 158, 159, 161, 231 Fibromialgia 143, 216, 217, 219 Fobia de vômito(ar) 123, 124, 125, 126, 128 (ver também medo de vomitar) H HAART 46, 47, 49 Hábitos alimentares 44, 58, 62, 142, 211, 240, 241, 346 Humor 29, 58, 60, 61, 117, 134, 142, 143, 160, 162, 164, 165, 166, 216, 217, 218, 219, 220, 272, 273, 274, 275, 279, 280, 281, 282, 288, 290 I Idoso 75, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 168, 170, 253, 254, 255, 257, 258 Imagem corporal 57, 59, 60, 61, 62, 127, 190, 191, 194, 195, 196, 197, 198, 199, 201, 202, 203, 279, 309, 310, 312, 313, 315, 331, 332, 333, 334 Imprinting genômico 321, 324, 325, 329 Índice de massa corporal 40, 42, 61, 182, 184, 186, 190, 192, 193, 194, 198, 199, 200, 201, 205, 207, 208, 210, 211, 212, 213, 273, 309, 310, 311, 315, 341, 343 Infância 40, 41, 59, 61, 62, 65, 125, 126, 132, 191, 231, 278, 295, 323, 326 Insight 50, 51, 52, 53, 135, 136, 138, 139, 140, 146 Internação compulsória de doente mental 144 Inventário de Depressão de Beck 131, 132, 278 Psicometria 99, 100, 176 Psicopatologia 34, 36, 42, 57, 59, 62, 64, 124, 135, 136, 139, 140, 144, 147, 240, 241, 337, 338, 339 Psiquiatria forense 144, 147 Q Qualidade de vida 23, 55, 58, 82, 84, 85, 90, 91, 99, 100, 209, 219, 228, 252, 278 R RAVLT 253, 254, 255, 256, 257, 258, 267, 268, 269, 270 Readmissão 16 Realidade virtual 247, 248, 249, 251, 252 Refratariedade 141, 142, 143 Retardo mental 11, 29, 35, 57, 58, 59, 60, 144, 145, 146, 147, 321, 322, 328 Reumatologia 99, 100, 101, 102 S Obesidade 40, 41, 42, 43, 44, 60, 81, 82, 83, 88, 190, 192, 193, 194, 195, 196, 199, 201, 202, 203, 214, 323, 326 Satisfação do usuário 284 Saúde mental 11, 16, 17, 20, 21, 23, 25, 26, 35, 36, 37, 42, 44, 61, 68, 70, 80, 81, 82, 84, 91, 99, 100, 101, 102, 113, 145, 158, 159, 162, 165, 169, 171, 172, 175, 177, 216, 217, 218, 219, 222, 225, 241, 282, 284, 285, 286, 287, 289, 291, 292, 295, 299 Serviços de saúde mental 21, 36, 42, 91, 222, 284, 285, 286, 287, 291, 292 Sexo 23, 25, 125, SF-36 23, 24, 25, 252 Síndrome de abstinência 234, 341, 342, Síndrome de Angelman 321, 322, 323, 324, 326, 327, 328, 329 Síndrome de referência olfatória 347, 348 Sintomas afetivos 182 Sintomas depressivos 32, 44, 53, 54, 65, 81, 84, 132, 133, 134, 136, 139, 141, 142, 148, 165 Sintomas psíquicos 44, 91 Sistema Básico de Saúde 221 Sistemas de informação 151 SPECT cerebral 1 SPM 1, 2, 3, 4, 5 Suicídio 52, 60, 75, 136, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 158, 160, 161, 162, 163, 271, 272, 273, 274, 275, 294, 295, 296, 297, 298, 299, 300 Suicídio/tendências 151 P T J Jogo patológico 73, 74, 75, 78 M Mania 43, 271, 272, 275 Medição da dor 86 Medo de vomitar (ver também fobia de vomitar) 123, 124, 125, 127, 128 Memória 29, 32, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 65, 81, 113, 120, 138, 219, 253, 254, 255, 256, 257, 266, 267, 268, 269, 270, 326, 346 Motivação para mudança 73, 74, 75, 76, 77 N Neurobiologia 111, 112, 148 Neuroplasticidade 111, 112, 116, 117, 119, 120, 274 Nicotina 29, 30, 32, 207, 214, 234, 235, 259, 260, 261, 263, 264 O Pânico 43, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 129, 158, 160, 161, 162, 227, 228, 273,274, 301 Percepção de tamanho 331, 333 Peso corporal 58, 59, 62, 127, 196, 198, 201, 207, 214, 228, 310, 312, 313, 341, 342, 343, 344, 345, 346 Polimorfismo 7, 148, 259, 260, 261, 262, 263, 264 Pós-operatório 86, 87, 88, 89, 90 Pós-parto 171, 172, 175 Programa Saúde da Família 221, 222 Próteses valvulares cardíacas 158 Tabaco 28, 29, 30, 31, 32, 76, 207, 237, 238, 239, 273, 274 Taxa de permanência 16, 17, 18, 19, 20, 21 Tentativa de suicídio 60, 152, 271, 273, 274, 294, 295, 296, 298 Terapia cognitivo-comportamental 62, 74, 128, 227, 228, 248, 260, 261, 263, 301, 347, 348, Testes neuropsicológicos 51, 266, 267, 268, 269 TOC (ver Transtorno obsessivo-compulsivo) Transtorno alimentar 58, 60, 127, 183, 331, 332 Transtorno bipolar 35, 271, 272, 273, 274, 275 Transtorno de comportamento 40 índice remissivo por assunto 352 Transtorno de estresse pós-traumático 64, 67, 69 Transtornos de personalidade 34, 35, 37, 38 Transtornos do humor 58, 143, 164, 288, 290 Transtornos mentais comuns 80, 81, 82, 83, 84, 85, 221, 222, 224 Transtornos mentais 11, 35, 36, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 124, 125, 134, 140, 145, 160, 161, 163, 165, 166, 221, 222, 223, 224, 225, J Bras Psiquiatr. 2011;60(4):350-2. Transtorno obsessivo-compulsivo 1, 59, 123, 125, 127, 148, 158, 160, 161, 172, 178, 231, 273, 274 Transtornos por uso de Cannabis 111, 112, 120, 121 Transtornos psiquiátricos 43, 58, 59, 62, 84, 101, 129, 132, 144, 148, 149, 158, 159, 160, 161, 163, 173, 228, 231, 255, 272, 281, 285, 286, 299 U UBE3A 321, 322, 323, 324, 325, 326, 327, 328, 329 URICA 73, 74, 75, 77 Usuários de droga 74, 78, 205, 342, 343 V Validação 30, 35, 36, 52, 55, 82, 133, 164, 165, 166, 167, 169, 170, 177, 178, 217, 233, 234, 235, 236, 237, 252, 286, 338 Violência 11, 144, 146, 147, 157, 172, 174, 208, 225, 295 Vitamina B12 141, 142, 143 instruções aos autores Informações Gerais Missão – O Jornal Brasileiro de Psiquiatria (JBP), órgão oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é publicado regularmente há mais de 70 anos e o periódico de psiquiatria mais tradicional do Brasil. A missão do JBP é contribuir para o avanço no entendimento e na assistência de indivíduos com transtornos mentais por meio da publicação de artigos que abordam as relações da psiquiatria com diferentes áreas do conhecimento científico, incluindo a medicina clínica, a psicologia e a sociologia. O Jornal Brasileiro de Psiquiatria aceita artigos escritos em português, inglês ou espanhol nas seguintes categorias: (a) artigos originais; (b) comunicações breves; (c) revisões; (d) atualizações; (e) casos clínicos; (f) cartas ao editor; (g) resenha de livros Os manuscritos devem ser enviados para Leonardo Fontenelle, editor, para o seguinte e-mail: [email protected]. Os manuscritos devem estar acompanhados de uma carta de autorização, assinada por todos os autores, seguindo o modelo abaixo, que deve ser enviada por correio para o endereço do jornal. Uma vez aceito para publicação, torna-se o trabalho propriedade permanente do Jornal Brasileiro de Psiquiatria, que reserva todos os direitos autorais no Brasil e no exterior. Carta de Autorização – Modelo “Os autores abaixo assinados transferem ao Jornal Brasileiro de Psiquiatria, com exclusividade, todos os direitos de publicação, em qualquer meio, do artigo..., garantem que é inédito, não está sendo avaliado por outro periódico e que o estudo foi conduzido conforme os princípios da Declaração de Helsinki e de suas emendas, com o consentimento informado aprovado por Comitê de Ética devidamente credenciado” (incluir nome completo, endereço postal, telefone, fax, e-mail e assinatura de todos os autores). Avaliação por Pareceristas (Peer Review) O(s) autor(es) receberá(ão) uma confirmação (por e-mail ou por carta) informando sobre a chegada do manuscrito e seu número de protocolo, o qual será usado durante toda a comunicação posterior. Os artigos submetidos ao Jornal Brasileiro de Psiquiatria são inicialmente avaliados quanto à sua adequação ao formato (estrutura do manuscrito) e ao escopo editorial do periódico. Os editores se reservam ao direito de recusar artigos sem uma revisão externa se julgarem que o artigo não se encaixa nos objetivos do JBP, seja por falta de qualidade ou por inadequação ao escopo do periódico. Artigos qualitativos que não representem um estudo inovador serão recusados. Após passar pelo crivo dos editores, os artigos são enviados, de forma anônima, a pelo menos dois pareceristas anônimos e independentes. A decisão final dos editores, com as cópias dos pareceres, é encaminhada aos autores. No caso de manuscritos que caiam em exigências, o(s) autor(es) deve(m) retornar uma versão final do texto incorporando as modificações solicitadas e uma carta com respostas específicas a cada ponto levantado pelos revisores. Não serão reavaliados artigos que não sejam acompanhados por uma carta resposta detalhada ou cuja carta resposta contenha apenas comentários gerais. Conflitos de Interesse Solicitamos aos autores para declarar todas as possíveis formas de conflitos de interesse, incluindo relações financeiras, entre outras. A não existência de conflito de interesse também deve ser declarada. O autor pode consultar o editorial sobre esse assunto no British Medical Journal intitulado “Beyond conflict of interest” (além dos conflitos de interesse) (http://www.bmj.com/cgi/content/full/317/7154/291). Artigos sem declarações acerca de conflitos de interesse serão enviados de volta aos autores. As fontes de financiamento devem ser declaradas na seção de agradecimentos. Permissão para Reproduzir Material Publicado Previamente Solicitamos que nos envie cópias de permissão para reproduzir materiais (como ilustrações e tabelas) do proprietário do copyright. Não poderemos publicar o material sem essas permissões. Termos de Consentimento Os artigos devem citar que os pacientes incluídos nos estudos assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme a regulamentação de pesquisa clínica no País. Aprovação Ética das Pesquisas Deve ser declarado claramente, na seção de Métodos, que estudo com seres humanos somente foi conduzido após a aprovação de um Comitê de Ética em Pesquisa. De forma similar, deve-se confirmar que experimentos envolvendo animais estão de acordo com os padrões éticos de cuidados com os animais envolvidos. Estrutura Geral do Manuscrito O arquivo deve ser produzido em Word, em Arial, tamanho 12. As abreviações deverão ser evitadas, entretanto abreviações oficiais poderão ser utilizadas, com a primeira menção no texto completa, seguida da sua forma abreviada entre parênteses. Os nomes de medicamentos deverão ser mencionados pela sua denominação química. Todas as páginas devem estar numeradas, indicando-se na primeira a contagem do número total de palavras presentes no corpo do texto (excluindo-se resumo e palavras-chave, abstract, referências, figuras e ilustrações). A primeira página (folha de rosto) deve conter o título em português e em inglês e o título resumido com até 50 caracteres incluindo letras, espaços e pontuações. A segunda página deve conter o RESUMO do trabalho em português. O resumo deve ser informativo, dando uma descrição clara e concisa do conteúdo do artigo, e não deve exceder o limite de 200 palavras. Nos artigos originais, nas comunicações breves e nas revisões, instruções aos autores os resumos devem ser estruturados contendo quatro tópicos: Objetivo(s), Métodos (e não metodologia), Resultados e Conclusões. As palavras-chave deverão estar logo após o resumo, devendo ter um número máximo de 4, e refletir o conteúdo do assunto. Recomenda-se o uso de termos da lista denominada Medical Subject Headings, do Index Medicus, ou da lista de Descritores de Ciências da Saúde, publicada pela BIREME, para trabalhos em português. A terceira página deve conter o título, o resumo do trabalho (Abstract) e as palavraschave em inglês (keywords), que devem ser idênticos às suas versões em português. Os editores recomendam atenção especial à linguagem no abstract. Artigos poderão ser recusados com base na qualidade do inglês. A partir da quarta página, deve-se iniciar o corpo do texto que, nos artigos originais e nas comunicações breves, deve conter as seguintes seções: Introdução, Métodos, Resultados, Discussão e Conclusões. Os autores não devem incluir Resultados e Discussão em uma mesma sessão. Introdução – Deve conter uma revisão sucinta da literatura diretamente relacionada com o tema, assim como o objetivo do estudo. Métodos – Devem descrever o modelo do estudo e os detalhes dos métodos que permitam sua replicação por outros autores. Resultados – Devem ser descritos de forma lógica, sequencial e concisa, com o eventual auxílio de tabelas e ilustrações. Discussão – Deve se limitar a ressaltar os achados obtidos, destacar as semelhanças ou diferenças com os achados obtidos por outros autores, ressaltar as implicações dos achados, suas limitações e perspectivas futuras. Conclusões – Devem especificar, preferencialmente em um parágrafo curto, apenas as conclusões que os dados do estudo permitem sustentar, com seu significado clínico (evitando generalizações excessivas). As tabelas e os gráficos devem ser numerados em algarismos arábicos e preparados em folhas separadas, com as respectivas legendas. Cada tabela deve conter um título descritivo e uma legenda (se necessário). As tabelas devem ser autoexplicativas e não repetir as informações já contidas no texto. Não serão aceitos gráficos do tipo histograma em estudos meramente descritivos. Os locais sugeridos para a inserção deverão ser indicados no texto, com destaque. Ilustrações e fotografias devem ser enviadas em arquivos de alta resolução, em formato tif ou.jpg. A impressão de fotos em cores será cobrada do autor. Os Agradecimentos deverão incluir nomes de participantes que contribuíram intelectual ou tecnicamente em alguma fase do estudo, mas que não são classificados como autores: agradecimentos por apoio financeiro, auxílio técnico etc. devem aparecer antes das Referências. Referências As referências devem seguir o padrão estilo de Vancouver (consultar: “Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals: Writing and Editing for Medical Publication” [http://www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html]), ser numeradas no manuscrito e listadas no final na mesma ordem em que foi utilizada. Todas as citações do texto devem constar, de forma correta, na bibliografia. Artigos • Versiani M. A review of 19 double-blind placebo-controlled studies in social anxiety disorder (social phobia). World J Biol Psychiatry. 2000;1(1):27-33. • Appolinario JC, McElroy SL. Pharmacological approaches in the treatment of binge eating disorder. Curr Drug Targets. 2004;5(3):301-7. • Dekker J, Wijdenes W, Koning Y A, Gardien R, Hermandes-Willenborg L, Nusselder H, et al. Assertive community treatment in Amsterdam. Community Ment Health J. 2002;38:425-34. Livro • Goodwin FK, Jamison KR. Manic-Depressive Illness. New York: Oxford University Press; 1990. Capítulo de Livro • Heimberg RG, Juster HR. Cognitive-behavioral treatments: literature review. In: Heimberg RG, Liebowitz MR, Hope DA, Scneier FR, editors. Social phobia – Diagnosis Assessment and Treatment. New York: The Guilford Press; 1995. p. 261-309. Artigos aceitos para publicação (in press) podem ser incluídos na bibliografia, mas o nome do periódico deve aparecer e, se possível, o volume e o ano devem ser indicados. Referências a materiais não publicados devem ser citadas entre parênteses no texto, mas não na bibliografia. Resumos (Abstracts) podem ser citados somente quando contiverem informações substanciais e não publicadas em outras fontes. Sua natureza deve ser citada na bibliografia, com o termo adicional (Resumo) no final da referência. Referências a páginas na Web devem ser listadas como a seguir. Por exemplo: Associação Brasileira de Psiquiatria – Diretrizes para a Indústria da Moda. Recomendações da Comissão Técnica Brasileira de Grupos Especializados no Estudo e Tratamento de Transtornos Alimentares. http://www.abpbrasil.org.br/newsletter/comissao_ta/ diretrizes_moda.pdf. Acessado em: 12 de abril de 2007. Tipos de Artigos 1. Artigos originais – São trabalhos destinados a comunicar resultados de pesquisa, experiências clínicas ou outras contribuições originais. Tipicamente, os artigos originais apresentam dados novos derivados de uma investigação com um número representativo de indivíduos. Os artigos originais não devem exceder 4.000 palavras nem 30 referências bibliográficas. 2. Comunicação breve – Caracteriza-se por trabalhos contendo pequenas experiências ou comunicações preliminares, que tenham caráter de originalidade, não ultrapassando 2.000 palavras nem 15 referências bibliográficas. 3. Artigos de revisão − São revisões sistemáticas da literatura que buscam responder a uma pergunta bem delimitada. Devem conter até 6.000 palavras e 80 referências bibliográficas. Deverão apresentar: folha de rosto, resumo estruturado, introdução, métodos e discussão, conclusões e referências bibliográficas. 4. Artigos de atualização − São trabalhos descritivos e interpretativos baseados na literatura recente sobre a situação global em que se encontra determinado assunto. Devem conter até 3.000 palavras e 40 referências bibliográficas, devendo também ser mais breves que os artigos de revisão. Deverão apresentar: folha de rosto, resumo não necessariamente estruturado, introdução, métodos e discussão, conclusões e referências bibliográficas. 5. Artigos de apresentação de casos clínicos – Trabalhos contendo casos clínicos interessantes e originais. Deverão apresentar: folha de rosto, resumo, abstract, introdução, descrição do caso clínico, sua relevância e/ou originalidade, discussão, conclusão e a bibliografia consultada sobre o tema. Não deverão ultrapassar 1.500 palavras nem 15 referências. O relato do caso deve ser sucinto, apresentando uma breve revisão da literatura sobre os aspectos clínico e terapêutico, evitando-se dados redundantes ou que não contribuam para o esclarecimento do caso. A discussão deve apresentar os dados contrapondo-os (semelhanças e diferenças) com os casos semelhantes da literatura. 6. Cartas – Comunicações que visam a discutir artigos recentes publicados na revista ou a relatar pesquisas originais ou achados científicos significativos. Cartas breves com, no máximo, 500 palavras e até 5 referências serão consideradas, se estiver explícita a frase “para publicação”. 7. Resenhas de livros – Resenhas breves sobre livros recentes de interesse para a área da psiquiatria. O texto deve incluir uma breve descrição da obra seguida de um conjunto de comentários críticos que forneçam uma visão geral do livro. Não devem ultrapassar 900 palavras. Envio de manuscritos Os manuscritos devem ser enviados para os editores Leonardo Fontenelle ou Antônio Egídio Nardi para o seguinte e-mail: [email protected] Jornal Brasileiro de Psiquiatria Av. Venceslau Brás, 71 − Fundos 22290-140 −Rio de Janeiro, RJ Tel.: (5521) 2295-2549 Fax: (5521) 2543-3101 Os manuscritos devem estar acompanhados de uma carta de autorização, assinada por todos os autores, seguindo o modelo abaixo, e que deve ser enviada por correio para o endereço do jornal (mesmo para os artigos enviados por e-mail). Uma vez aceito para publicação, torna-se o trabalho propriedade permanente do Jornal Brasileiro de Psiquiatria, que reserva todos os direitos autorais no Brasil e no exterior. Carta de Autorização − Modelo “Os autores abaixo assinados transferem ao Jornal Brasileiro de Psiquiatria, com exclusividade, todos os direitos de publicação, em qualquer meio, do artigo ..., garantem que o artigo é inédito e não está sendo avaliado por outro periódico e que o estudo foi conduzido conforme os princípios da Declaração de Helsinki e de suas emendas, com o consentimento informado aprovado por comitê de ética devidamente credenciado.” (Incluir nome completo, endereço postal, telefone, fax, e-mail e assinatura de todos os autores.) Instructions for authors Background Mission – The Brazilian Journal of Psychiatry (BJP), the official journal of Institute of Psychiatry of the Federal University of Rio de Janeiro, is published regularly for more than 70 years and the most traditional psychiatric journal in Brazil. The mission of BJP is to advance the understanding and care of individuals with mental disorders through the publication of articles that discuss the relationship of psychiatry with different scientific fields, including clinical medicine, psychology, and sociology. The Jornal Brasileiro de Psiquiatria accepts articles written in Portuguese, English or in Spanish, within the following categories: a) original articles; b) brief communications; c) reviews; d) updates; e) case reports; f) letters to the editor; g) book reviews; The original must be sent to editor Leonardo Fontenelle by the following e-mail: [email protected]. The original must bring an authorization letter signed by all of the authors, according to the model below, and it must be sent by mail to the journal address. Once accepted for publication, the paper becomes permanent ownership to Jornal Brasileiro de Psiquiatria and all rights are reserved in Brazil and abroad. Permission Letter “The undersigned authors transfer to the Jornal Brasileiro de Psiquiatria, with exclusivity, all the publishing rights, under any means, of the article..., here the authors guarantee that the article is neither published nor being evaluated by other periodicals, moreover that the study was conducted in accordance to the principles of the Declaration of Helsinki and its amendments, including informed consent approved by a properly qualified ethics committee.” (Include complete name, address for postage, telephone, fax, e-mail and signature of all the authors). Peer Review Authors will receive, through e-mail or letter, a confirmation note and a protocol number upon the manuscript’s arrival. The number shall be used throughout the following correspondence. Articles submitted to the Jornal Brasileiro de Psiquiatria are primarily evaluated for its structure and the publishing scope of the journal. The editors reserve the right to reject articles without an external review if they believe that the work does not fit the goals of BJP, either because of poor quality or inadequate content. Qualitative studies that do not pose a groundbreaking hypothesis will be refused. After being evaluated by the editors, articles are submitted anonymously to at least two anonymous and independent reviewers. Authors will receive the editors’ final decision, along with copies of the reviewer’s comments. In case of manuscripts that fall on demand, authors must return the final text with necessary changes, according to the editor’s instructions, and a letter describing the specific answers to each point raised by the reviewers. Articles that are not accompanied by a detailed response letter or whose response letter contains only general comments will not be sent to re-review. Disclosures The authors are requested to disclose all possible kinds of conflict of interest, including sources of funding and any other relationship. If you are sure you do not have any disclosure, please state “none” under “Disclosures”. You can read an editorial about the subject, entitled Beyond conflict of interest, in the British Medical Journal available at: http://www.bmj.com/cgi/content/full/317/7154/281. Do not forget sources of funding must be disclosed under “Acknowledgments”. Articles that contain no statement regarding disclosure will be sent back to authors. Permission to Reproduce Materials Previously Published The authors are requested to send us permission copies to reproduce materials (i.e., illustrations and tables) from copyright owner. Your reports will not be published unless we have got that permission. Consent Terms The reports must mention that patients included in studies gave a Written Informed Consent, according to clinical research regulation in the country. Research Ethical Approval The authors are requested to state clearly under “Methods” that any study of humans has been conducted only after approval by a Research Ethical Board. Also, they must confirm animal trials are in accordance with ethical care standards to animals involved. Overall Structure of the Manuscript Abbreviations should be avoided; official abbreviations, however, may be used, keeping in mind that the first mention of a term in the text must be complete, followed by its abbreviation between brackets. Medicines must be referred to under their chemical name. • All pages must be numbered, with total words count indicated at the first page (except for abstracts, in Portuguese and English, references, pictures and illustrations). The first page (cover page) should contain both Title and Short Title in English and in Portuguese. The Short Title should contain a total of up to 50 characters (with spaces). The second page must contain an abstract in Portuguese. Non-Portuguese speakers may request help from the editorial board regarding Portuguese language in the abstract. The abstract must be informative, giving a clear and concise description of the article’s content, never exceeding the limit of 200 words. In original articles, brief communications and reviews, summaries must be structured containing four instructions for authors topics: objective(s), methods, results and conclusions. Keywords in Portuguese should follow the summary and be limited to four words reflecting the content of the article’s subject. We recommend the terms presented at the list entitled Medical Subject Headings from the Index Medicus or, for articles in Portuguese, at Descritores de Ciências da Saúde, published by BIREME. The third page must contain an abstract and keywords, in English, which must be both identical to their versions in Portuguese. From the fourth page on begin the body of text which in original articles and brief communications, must contain the following sections: Introduction, Methods, Results, Discussion and Conclusions. The authors should not mix Results and Discussion in the same session. Introduction – Must contain a concise review of any literature directly related to the theme, as well as the aim of the study. Methods – Must describe the model of study and a detailed account of methods that permit its replication by other authors. Results – Must be described logically, sequentially and concisely, with the occasional help of tables and illustrations. Discussion – The discussion must be limited to highlighting the conclusions of the study, consider any similarities or differences with the results of other authors, implications of the findings, limitations and future perspectives. Conclusions – One must specify, preferentially in a short paragraph, solely the conclusions the study data allow to support, together with their clinical significance (avoiding excessive generalizations). Tables and illustrations must be numbered in Arabic numerals, and prepared in separate paper sheets, with the respective captions. They should be in a digital format and independent file, proper for reproduction. Each table must be self-explanatory, and must not repeat the information already present in the text. Places for table’s insertion must be clearly indicated in the text. Histograms describing results from descriptive studies will not be accepted. Illustrations and photographs must be sent in high resolution files, format.tif or.jpg. Printing will be charged on the authors. Acknowledgements must be mentioned before references. References References must be presented in Vancouver stile (“Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals: Writing and Editing for Medical Publication” [http://www.nlm.nih.gov/bsd/uniform_requirements.html]), in the same order to quoted in the text, as in the example. Article • Versiani M. A review of 19 double-blind placebo-controlled studies in social anxiety disorder (social phobia). World J Biol Psychiatry. 2000;1(1):27-33. • Appolinario JC, McElroy SL. Pharmacological approaches in the treatment of binge eating disorder. Curr Drug Targets. 2004;5(3):301-7. • Dekker J, Wijdenes W, Koning Y A, Gardien R, Hermandes-Willenborg L, Nusselder H, et al. Assertive community treatment in Amsterdam. Community Ment Health J. 2002;38:425-34. Book • Goodwin FFK, Jamison KR. Manic-Depressive Illness. New York: Oxford University Press; 1990. Book chapter • Heimberg RG, Juster HR. Cognitive-behavioral treatments: literature review. In: Heimberg RG, Liebowitz MR, Hope DA, Scneier FR, editors. Social Phobia – Diagnosis Assessment and Treatment. New York: The Guilford Press, 1995. In press articles may be included in the bibliography, but they must show the periodical name, with volume and year indicated. Unpublished material may be cited in parentheses in the text, but should not be listed in the bibliography. Abstracts may be cited only when they contain substantial information that is not published elsewhere. Their nature must be cited in the bibliography by adding the term (Abstract) at the end of the reference. References to web pages must be listed as followed: Associação Brasileira de Psiquiatria – Diretrizes para a Indústria da moda. Recomendações da Comissão Técnica Brasileira de Grupos Especializados no Estudo e Tratamento de Transtornos Alimentares. http://www.abpbrasil.org.br/newsletter/comissao_ta/diretrizes_moda.pdf. Accessed on: April 12, 2007. Types of Articles 1. Original articles – Manuscripts communicating results of research, clinical experiences or other original contributions. Typically, the original articles present new data derived from an investigation done with a representative number of individuals. The original articles must not exceed 4,000 words and 30 bibliographic references. 2. Brief communications – Characterized by manuscripts containing small experiences or preliminary communications with original character, never longer than 2,000 words and with 15 bibliographic references. 3. Review articles − Systematic reviews of the literature that attempt to answer a well-defined question. They should contain a maximum of 6,000 words and 80 bibliographic references. They should have front page, structured abstract, introduction, methods and discussion, conclusions and bibliographic references. 4. Updating articles − Descriptive and interpretative works based on recent literature about the current status of a given subject. They should contain no more than 3,000 words and 40 bibliographic references and must be briefer than review articles. They should have front page, abstract (not necessarily structured), introduction, methods and discussion, conclusions and bibliographic references. 5. Case reports – Manuscripts containing interesting and original clinical cases. They should contain: front page, summaries, introduction, description of the case, its relevance and/or originality, discussion, conclusion and bibliography on the theme. They should not exceed 1,500 words and 15 references. The description of the case must be brief, with a review of the literature about clinic and therapeutic aspects, avoiding redundant or unimportant data. The discussion must have the data in comparison and contrast with similar cases present in literature. 6. Letters – Communications aiming at discussing articles recently published in the journal or describing original researches or meaningful scientific discoveries. Brief letters with a maximum of 500 words and five references will be considered, as long as the sentence for publishing is explicit. 7. Book reviews – Brief reviews about recently published books that may interest the psychiatric milieu. Sending of Manuscripts The originals must be sent to the editor Leonardo Fontenelle or Antônio Egídio Nardi by e-mail: [email protected]. Jornal Brasileiro de Psiquiatria Av. Venceslau Brás, 71 − Fundos 22290-140 −Rio de Janeiro, RJ Tel: (55-21) 2295-2549 Fax: (55-21) 2543-3101 In addition, the authors must send an authorization letter signed by all of the authors, according to the model below. Once accepted for publication, the paper becomes permanent ownership to Jornal Brasileiro de Psiquiatria and all rights are reserved in Brasil and abroad. Permission Letter “The undersigned authors transfer to the Jornal Brasileiro de Psiquiatria, with exclusivity, all the publishing copyrights, under any means, of the article ..., here the authors guarantee that the article is neither published nor being evaluated by other periodicals, moreover that the study was conducted in accordance to the principles of the Declaration of Helsinki and its amendments, including informed consent approved by a properly qualified ethics committee.” (Include complete name, address for postage, telephone, fax, e-mail and signature of all the authors).