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ISSN 1517-2422 cadernos metrópole configuração urbana Cadernos Metrópole v. 12, n. 24, pp. 295-605 jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 295 09/11/2010 13:05:15 Catalogação na Fonte – Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP Cadernos Metrópole / Observatório das Metrópoles – n. 1 (1999) – São Paulo: EDUC, 1999–, Semestral ISSN 1517-2422 A partir do segundo semestre de 2009, a revista passará a ter volume e iniciará com v. 11, n. 22 1. Regiões Metropolitanas – Aspectos sociais – Periódicos. 2. Sociologia urbana – Periódicos. I. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. Observatório das Metrópoles. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. Observatório das Metrópoles CDD 300.5 Periódico indexado na Library of Congress – Washington Cadernos Metrópole Profa. Dra. Lucia Bógus Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais - Observatório das Metrópoles Rua Ministro de Godói, 969 – 4° andar – sala 4E20 – Perdizes 05015-001 – São Paulo – SP – Brasil Prof. Dr. Luiz César de Queiroz Ribeiro Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - Observatório das Metrópoles Av. Pedro Calmon, 550 – sala 537 – Ilha do Fundão 21941-901 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil Caixa Postal 60022 – CEP 05033-970 São Paulo – SP – Brasil Telefax: (55-11) 3368.3755 [email protected] http://web.observatoriodasmetropoles.net Secretária Raquel Cerqueira Book CM24_final.indb 296 09/11/2010 13:05:16 configuração c o n f i g u r a ç ão u urbana rbana Book CM24_final.indb 297 09/11/2010 13:05:16 PUC-SP Reitor Dirceu de Mello EDUC – Editora da PUC-SP Direção Miguel Wady Chaia Conselho Editorial Ana Maria Rapassi, Cibele Isaac Saad Rodrigues, Dino Preti, Dirceu de Mello (Presidente), Marcelo da Rocha, Maria do Carmo Guedes, Maria Eliza Mazzilli Pereira, Maura Pardini Bicudo Véras, Onésimo de Oliveira Cardoso Coordenação Editorial Sonia Montone Revisão de português Sonia Rangel Revisão de inglês Elaine Philippe Revisão de espanhol Vivian Motta Pires Projeto gráfico, editoração e capa Raquel Cerqueira Rua Monte Alegre, 971, sala 38CA 05015-001 São Paulo - SP - Brasil Tel/Fax: (55) (11) 3670.8085 [email protected] www.pucsp.br/educ Book CM24_final.indb 298 09/11/2010 13:05:19 cadernos metrópole EDITORES Lucia Bógus (PUC-SP) Luiz César de Q. Ribeiro (UFRJ) COMISSÃO EDITORIAL Luciana Teixeira Andrade (UFMG, Minas Gerais, Brasil) Orlando Alves dos Santos Júnior (UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil) Sérgio de Azevedo (UENF, Rio de Janeiro, Brasil) Suzana Pasternak (USP, São Paulo, Brasil) CONSELHO EDITORIAL Adauto Lucio Cardoso (UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil) Aldo Paviani (UnB, Brasília, Brasil) José Antônio F. Alonso (FEE, Rio Grande do Sul, Brasil) Alfonso Xavier Iracheta (El Colegio Mexiquense, México) José Machado Pais (UL, Lisboa, Portugal) Ana Clara Torres Ribeiro (UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil) José Marcos Pinto da Cunha (Unicamp, São Paulo, Brasil) Ana Fani Alessandri Carlos (USP, São Paulo, Brasil) José Maria Carvalho Ferreira (UTL, Lisboa, Portugal) Ana Lucia Nogueira de P. Britto (UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil) José Tavares Correia Lira (USP, São Paulo, Brasil) Ana Maria Fernandes (UFBa, Bahia, Brasil) Leila Christina Duarte Dias (UFSC, Santa Catarina, Brasil) Andrea Catenazzi (UNGS, Los Polvorines, Argentina) Luciana Corrêa do Lago (UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil) Anna Alabart Villà (UB, Barcelona, Espanha) Luís Antonio Machado da Silva (Iuperj, Rio de Janeiro, Brasil) Arlete Moyses Rodrigues (Unicamp, São Paulo, Brasil) Luis Renato Bezerra Pequeno (UFC, Ceará, Brasil) Brasilmar Ferreira Nunes (UFF, Rio de Janeiro, Brasil) Marco Aurélio A. de F. Gomes (UFBa, Bahia, Brasil) Carlos Antonio de Mattos (PUC, Santiago, Chile) Maria Cristina da Silva Leme (USP, São Paulo, Brasil) Carlos José Cândido G. Fortuna (UC, Coimbra, Portugal) Maria do Livramento M. Clementino (UFRN, Rio Grande do Norte, Brasil) Cristina López Villanueva (UB, Barcelona, Espanha) Marília Steinberger (UnB, Brasília, Brasil) Edna Maria Ramos de Castro (UFPA, Pará, Brasil) Nadia Somekh (UPM, São Paulo, Brasil) Eleanor Gomes da Silva Palhano (UFPA, Pará, Brasil) Nelson Baltrusis (UCSAL, Bahia, Brasil) Erminia Teresinha M. Maricato (USP, São Paulo, Brasil) Ralfo Edmundo da Silva Matos (UFMG, Minas Gerais, Brasil) Félix Ramon Ruiz Sánchez (PUC, São Paulo, Brasil) Raquel Rolnik (USP, São Paulo, Brasil) Fernando Nunes da Silva (UTL, Lisboa, Portugal) Ricardo Toledo Silva (USP, São Paulo, Brasil) Frederico Rosa Borges de Holanda (UnB, Brasília, Brasil) Roberto Luís de Melo Monte-Mór (UFMG, Minas Gerais, Brasil) Geraldo Magela Costa (UFMG, Minas Gerais, Brasil) Rosa Maria Moura da Silva (Ipardes, Paraná, Brasil) Gilda Collet Bruna (UPM, São Paulo, Brasil) Rosana Baeninger (Unicamp, São Paulo, Brasil) Gustavo de Oliveira Coelho de Souza (PUC, São Paulo, Brasil) Sarah Feldman (USP, São Paulo, Brasil) Heliana Comin Vargas (USP, São Paulo, Brasil) Tamara Benakouche (UFSC, Santa Catarina, Brasil) Heloísa Soares de Moura Costa (UFMG, Minas Gerais, Brasil) Vera Lucia Michalany Chaia (PUC, São Paulo, Brasil) Jesús Leal (UCM, Madrid, Espanha) Wrana Maria Panizzi (UFRGS, Rio Grande do Sul, Brasil) Book CM24_final.indb 299 09/11/2010 13:05:19 COLABORADORES AD HOC Benny Schvasberg (UnB, Brasília, Brasil) Eduardo César Leão Marques (USP, São Paulo, Brasil) Eduardo Marandola Junior (Unicamp, São Paulo, Brasil) Eustógio Wanderley Correia Dantas (UFC, Ceará, Brasil) Felipe Link Lazo (UDP, Santiago, Chile) Fernando Garrefa (UFB, Minas Gerais, Brasil) Francisco de Assis Comaru (UFABC, São Paulo, Brasil) Gislene Aparecida dos Santos (UFPR, Paraná, Brasil) Humberto Miranda do Nascimento (Unicamp, São Paulo, Brasil) Isabel aparecida Pinto Alvarez (USP, São Paulo, Brasil) João Carlos Ferreira de Seixas (UL, Lisboa, Portugal) João Farias Rovati (UFRGS, Rio Grande do Sul, Brasil) João Manuel Machado Ferrão (UL, Lisboa, Portugal) Jorge da Silva Macaísta Malheiros (UL, Lisboa, Portugal) Jorge Manuel Gonçalves (UTL, Lisboa, Portugal) José Geraldo Simões Junior (Mackenzie, São Paulo, Brasil) Laura Machado de Mello Bueno (PUCCampinas, São Paulo, Brasil) Lia de Mattos Rocha (UERJ, Rio de Janeiro, Brasil) Lúcia Cony Faria Cidade (UnB, Brasília, Brasil) Luciano Joel Fedozzi (UFRGS, Rio Grande do Sul, Brasil) Luís António Vicente Baptista (UNL, Lisboa, Portugal) Márcia da Silva Pereira Leite (UERJ, Rio de Janeiro, Brasil) Marcia Maria Cabreira Monteiro de Souza (PUCSP, São Paulo, Brasil) Márcio Moraes Valença (UFRN, Rio Grande do Norte, Brasil) Maria Augusta Justi Pisani (Mackenzie, São Paulo, Brasil) Maria Lucia Refinetti Rodrigues Martins (USP, São Paulo, Brasil) Marísia Margarida Santiago Buitoni (PUCSP, São Paulo, Brasil) Marta Domínguez Pérez (UCM, Madri, Espanha) Marta Dora Grostein (USP, São Paulo, Brasil) Milena Kanashiro (UEL, Paraná, Brasil) Neio Lúcio de Oliveira Camps (UnB, Brasília, Brasil) Norma Lacerda (UFPE, Pernambuco, Brasil) Olga Lucia Castreghini de Freitas Firkowski (UFPR, Paraná, Brasil) Paulo Jorge Marques Peixoto (UC, Coimbra, Portugal) Paulo Roberto Rodrigues Soares (UFRGS, Rio Grande do Sul, Brasil) Regina Maria Prosperi Meyer (USP, São Paulo, Brasil) Renato Cymbalista (Unicamp, São Paulo, Brasil) Ricardo Libanez Farret (UnB, Brasília, Brasil) Ricardo Ojima (Unicamp, São Paulo, Brasil) Rosana Denaldi (UFABC, São Paulo, Brasil) Sérgio Manuel Merêncio Martins (UFMG, Minas Gerais, Brasil) Silvana Maria Pintaudi (Unicamp, São Paulo, Brasil) Sonia Lúcio Rodrigues de Lima (UFF, Rio de Janeiro, Brasil) Sylvio Carlos Bandeira de Mello e Silva (UCSal, Bahia, Brasil) Weber Soares (UFMG, Minas Gerais, Brasil) Book CM24_final.indb 300 09/11/2010 13:05:19 sumário 303 Apresentação dossiê configuração urbana Popula on and formal jobs spa al dispersion 309 Dispersão espacial da população e do emprego in contemporary Brazilian influence regions formal nas regiões de influência do Brasil contemporâneo Carlos Lobo Ralfo Matos Metropolises and produc ve structures: 331 Metropolização e as estruturas produ vas: spa al-temporal convergences and divergences convergências e divergências espaço-temporais Luiz César de Queiroz Ribeiro Marcelo Gomes Ribeiro Inequali es in the metropolitan 349 Desigualdades nos mercados de trabalho and non-metropolitan Brazilian labor markets metropolitano e não metropolitano brasileiro (1981-2006) (1981-2006) Hipólita Siqueira Alexandre Gori Maia Demographic deconcentra on 369 A desconcentração demográfica paulista of São Paulo in perspec ve em perspec va Douglas Sathler Vitor Miranda The s gma of living far away from the city: 395 O es gma de morar longe da cidade: repensando rethinking the Brazilian “dormitory towns” o consenso sobre as “cidades-dormitório” no Brasil consensus Ricargo Ojima Eduardo Marandola Jr. Rafael Henrique Moraes Pereira Robson Bonifácio da Silva Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 295-605, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 301 301 09/11/2010 13:05:19 Ci es with horizontal growth: fair territorial 417 Cidades que crescem horizontalmente: o ordenamento territorial justo da mudança anning of rural-urban use change de uso rural para urbano Paula Freire Santoro Patricia Lemos Cobra Nabil Bonduki Urbaniza on trends and non-metropolitan 441 Tendências da urbanização e os espaços urban spaces urbanos não metropolitanos Renato Pequeno Denise Elias Recent territorial dynamics: 467 Dinâmicas territoriais recentes: rupturas ou manutenção de tendências? ruptures or trends’ maintenance? Rosa Moura Territorial plan urban deriva on: what are 491 A deriva urbanís ca do planeamento territorial: que consequências para o desenvolvimento local? the consequences for the local development? Jorge Gonçalves Neoliberal globaliza on, urban changes 507 Mundialización neoliberal, cambios urbanos and state policies in La n America y polí cas estatales en América La na Emilio Pradilla Cobos Globaliza on as reterritorializa on: 535 A globalização como reterritorialização: the re-scaling of urban governance o reescalonamento da governança urbana in the European Union na União Europeia Neil Brenner The city of Vitoria and the port in the early modern 565 A cidade de Vitória e o porto nos princípios urbaniza on at the beginning of the 20th century modernos da urbanização no início do século XX Maria da Penha Smarzaro Siqueira From differences in scale to scaling differences 585 Das diferenças de escala à escalada das diferenças Le cia Peret Antunes Hardt Carlos Hardt Marlos Hardt 302 Book CM24_final.indb 302 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 295-605, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:19 Apresentação A realidade metropolitana brasileira é vista, nesta edição, de maneira rica e variada, desde sua natureza intrínseca à comparação com outras situações do planeta. Não só os núcleos centrais dos assentamentos são estudados: focam-se também a natureza de sua área de influência, os processos de suburbanização, as formas múltiplas em que se expande a mancha ocupada. As contribuições vêm de um espectro diverso de formações disciplinares: geografia (a maioria), arquitetura e urbanismo, sociologia, demografia, história, economia. Na escala maior, temos os trabalhos de Emilio Pradilla Cobos e Neil Brenner. Pradilla reflete sobre a mundialização neoliberal, as mudanças urbanas e as políticas estatais. Num panorama que tende rapidamente à “urbanização total”, mostra como ela é hoje constituída por “cidades-região”, um tecido multifacetado, constituído por 1) “grandes desenvolvimentos imobiliários mistos”, 2) “centros comerciais socialmente diferençados” e 3) “unidades habitacionais fechadas”. Em todos identifica formas antiurbanas de desenvolvimento, envolvendo a primazia ao carro como modo de transporte (em detrimento do transporte público), a interiorização de atividades urbanas centrais (que antes estavam diretamente relacionadas ao âmbito público, como ruas e praças), e a segmentação das próprias residências, agora fechadas em guetos habitacionais, soluções que se disseminam por todas as faixas de renda. Conhecemos bem as versões no Brasil. Brenner aborda o tema mais processual que fisicamente. Discute as formas de governança metropolitana, basicamente na Europa. Descreve o processo de globalização como “desterritorialização” da nacionalidade pelo enfraquecimento dos Estados nacionais na regulação de suas economias e de seu espaço. E usa provocativo neologismo: progressivamente testemunhamos uma lógica espacial “glocal” a presidir a intervenção do capital globalizado nos empreendimentos pontuais em nossas cidades. As cidades – e seus processos de governança – se reestruturam para inserir-se competitivamente numa hierarquia urbana mundial. Isso implica um redesenho do “campo de batalha”, útil analogia para caracterizar desde sempre os conflitos de interesses na arena urbana. Talvez possamos deduzir da leitura de Brenner que o controle do Estado tende a confinar-se em nichos mais restritos e estrategicamente periféricos ante os interesses do capital mundial. Numa abrangência espacial menor, temos os trabalhos sobre processos de urbanização dos quais as metrópoles são um elemento constituinte. Entre os artigos, isso é feito em várias perspectivas. Na interface entre aspectos demográficos e do mercado de trabalho há os trabalhos de Carlos Lobo e Ralfo Matos, e de Hipólita Siqueira e Alexandre Gori Maia. Lobo e Matos questionam a tendência à “reversão da polarização” pela qual empregos e habitantes, pelas deseconomias de Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 303-308, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 303 303 09/11/2010 13:05:19 Apresentação aglomeração (congestionamentos, preço de imóveis, criminalidade, etc.) estariam provocando uma dispersão dos investimentos e uma rarefação da urbanização na direção de pontos cada vez mais distantes do núcleo central. Sim, há uma desconcentração, mas os autores argumentam que, melhor que uma “reversão de polarização”, o processo poderia ser descrito como o de um “desenvolvimento poligonal”, com investimentos ainda concentrados, se não nos núcleos históricos, numa área de influência bem próxima deles. As atividades econômicas continuariam a usufruir das economias de aglomeração sem, contudo, sofrer mais diretamente os impactos das “deseconomias”. A “dispersão espacial” é um fato, mas “é equivocado absolutizar o processo de desconcentração espacial”. Sua contribuição quanto às “regiões de influência”, de primeiro, segundo e terceiro níveis, lança importante luz sobre o assunto. Siqueira e Maia informam o leitor mediante um histórico mais longo, considerando os períodos de crescimento de 1930-1970, o período de “dinâmica amplamente desfavorável ao mercado de trabalho” dos anos 1980-1990 e uma “certa recuperação industrial” no início do novo século. Apontam uma desconcentração da indústria, mas parecem corroborar as conclusões de Lobo e Matos, num outro recorte, o das desigualdades regionais: elas “permanecem inaceitáveis, tanto nas regiões ‘mais pobres’ como nas ‘mais ricas’”. Citando Cano, comentam das “causas estruturais regionais que perpetuam um quadro social com índices deploráveis de pobreza e de enfrentamento das estruturas (regionais) de dominação: renda, propriedade, controle político, acesso ao Estado, etc.”. Quiçá os recentes investimentos industriais, por exemplo, nos grandes empreendimentos do Nordeste (que estão fora do escopo temporal do texto) minimizem a perversidade. Nos aspectos demográficos, há o trabalho de Douglas Sathler e Vitor Miranda, num marco espacial menor: a realidade paulista. Seu interesse reside no contraponto oferecido aos argumentos de concentração antes comentados. Para o âmbito paulista, os autores sugerem que, sim, houve significativo aumento da importância demográfica de cidades médias, e que a “Região Metropolitana de São Paulo vem repartindo o seu dinamismo econômico e populacional com o interior do estado”. Teria havido movimentos a contrariar “tendências históricas” e a “migração de retorno” chega a levar, para o interior, “problemas antes exclusivos da RMSP”. Como as análises anteriormente citadas centram o foco no emprego formal ou em produção industrial, é possível não haver contradição entre o presente texto e aqueles: as novas tendências aqui apontadas poderiam estar relacionadas a um crescimento demográfico com empregos em serviços e predominantemente informais – uma hipótese a ser verificada. Por sua vez, Rosa Moura analisa o tema concentração/dispersão sob o olhar do impacto das novas tecnologias, particularmente as telecomunicações. Supostamente, como quer parte da literatura, elas estariam na base de um novo modelo aespacial de relações sociais, tornando irrelevantes as distâncias físicas, inclusive mediante o teletrabalho. Desde Castells (1999) banalizou-se a expressão “sociedade em rede” para descrever as novas interações humanas numa sociedade “pós-urbana”. O erro é duplo. Primeiro, a contemporaneidade não inventou a “sociedade em rede” – todas, em todos os tempos e espaços, sempre o foram. Apenas, eram mais limitadas, na medida dos recursos disponíveis, tecnológicos ou simbólicos (Hillier e Netto, 2001). A diferença, 304 Book CM24_final.indb 304 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 303-308, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:19 Apresentação pois, é de quantidade, não de qualidade. Segundo, a suposta desimportância do lugar tampouco ocorre, pelo contrário: a importância da identidade do lugar cresce porque ainda não inventaram uma maneira de enviar a Praia de Copacabana pela internet... William Mitchell o demonstrou num brilhante texto, The revenge of place [A vingança do lugar] (2001). Mediante extensa pesquisa empírica, Moura revelou, em contraste com certa tendência da literatura (inspirada por Castells?...), que as novas tecnologias não criam uma sociedade “pós-urbana”, “deslocalizada”, com ruptura das relações centro-periferia, etc. Ao contrário, os arranjos urbano-regionais no Brasil implicam uma contínua concentração (desigual) da atividade econômica, e a “proximidade espacial permite a articulação de estratégias de desenvolvimento entre os segmentos atuantes na produção do espaço”. Está se consolidando uma fase “pós-metropolitana”, mas não no sentido da decadência desses grandes aglomerados, porém no de sua transformação. Importante atributo dela é o fortalecimento de densos eixos de atividades, a usufruírem dos intensos fluxos circulatórios, até certo ponto a “costurarem” a fragmentação e descontinuidade da mancha urbanizada. O fenômeno é muito claro, por exemplo, em Brasília, cidade fragmentada por excelência. Modelos morfológicos associados a modelos de transportes demonstram que os eixos fisicamente mais acessíveis à metrópole como um todo atraem os fluxos veiculares mais fortes, que por sua vez “puxam” atividades centrais para suas faixas lindeiras (Barros, 2006). Moura cita oportunamente as análises de François Ascher (2010) referidas à realidade francesa. Este último autor fala de um assentamento complexo e organicamente estruturado, onde podemos identificar quatro “cidades”: 1) as áreas centrais, habitadas por uma população cosmopolita de alta renda que consegue enfrentar o mercado imobiliário de altos valores; 2) uma população de rendas mais modestas, que foge dos altos preços centrais, mas ainda frequenta rotineiramente os equipamentos metropolitanos; 3 ) uma população multimotorizada que opta por pagar o preço de uma vida semirrural – os “rurbanos” – viajando grandes distâncias, servindo-se ainda, contudo, dos equipamentos centrais e 4) os moradores da “habitação social”, semiencerrados em seus bairros-gueto subequipados, pouco frequentadores do centro da cidade. Isto tende a ser, propõe Ascher, a realidade metropolitana hodierna – nova a ponto de merecer específica denominação: a metápole. Decerto as metápoles brasileiras não são como as francesas (e estes artigos ajudam a detectar sua identidade peculiar), mas Moura sugere que, também no Brasil, testemunhamos algo novo. E mostra, mais uma vez, que teoria não é como vinho – não é “de origem controlada”, com qualidade atestada pelo local de fabricação... Uma coisa é transpor interpretações empíricas concretas para realidades estranhas. Outra é inspirar-se em reflexões abstratas, e repensar nossa realidade empírica à luz delas. Como tantas ideias, dos quatro cantos do planeta, as de François Ascher são inspiradoras. Luiz César de Queiroz Ribeiro e Marcelo Gomes Ribeiro exploram uma tipologia metropolitana brasileira, ao estudar quinze unidades identificadas pelo Observatório das Metrópoles. Os tipos são construídos a partir do espectro das atividades econômicas, divididas em quatro grandes setores: indústria, serviços, construção civil e comércio. Detecta-se uma transformação no tempo, advinda da transferência de atividades antes alocadas como “indústria”, para “serviços”, porém Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 303-308, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 305 305 09/11/2010 13:05:19 Apresentação serviços de tecnologia de ponta, ainda relacionados à produção material. A rigor, portanto, não há um decréscimo na produção de bens tradicionais e de bens duráveis, mas uma “mudança no padrão de produção industrial”. Mais importante, “as atividades ligadas às novas tecnologias (...) têm nas metrópoles o locus principal do seu desenvolvimento”. A partir de análise fatorial e de análise de cluster, Ribeiro e Ribeiro classificam as metrópoles brasileiras em quatro grupos, diferençados por seu perfil econômico. O primeiro é de metrópoles de serviços, embora complementares à atividade produtiva, compreendendo Belém, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Recife e Rio de Janeiro. O segundo resume-se a Brasília e à Região Integrada do Entorno (RIDE), metrópole tipicamente terciária, mas agora de prestação de serviços às “empresas, famílias e finanças, aluguéis e agrícola”. A atividade do terceiro grupo são as commodities, o grupo formado por Salvador e Vitória. O quarto grupo relaciona-se às atividades industriais, “tanto relativas à produção de bens tradicionais e bens duráveis como referente à produção de bens difusores de progresso técnico”. Compreende Belo Horizonte, Campinas, Curitiba, Manaus, Porto Alegre e São Paulo. Mediante procedimentos diversos, os autores corroboram conclusões de outros estudos, ao verificarem que as metrópoles continuam exercendo centralidade na economia nacional: apesar de sua perda relativa na participação em ramos de atividades consolidados até os anos 1970, elas concentram (a aumentam) sua participação relativa às atividades decorrentes de progresso técnico. Vejamos agora estudos de caso de metrópoles específicas. Maria da Penha Smarzaro Siqueira analisa Vitória e as relações da cidade com o porto (lembremos que o estudo de Ribeiro e Ribeiro a qualifica essencialmente como metrópole exportadora de commodities, junto com Salvador). Mostra como, na esteira das reformas urbanísticas higienistas do início do século XX, que de uma maneira ou de outra mudaram a face de inúmeras capitais brasileiras (no caso de Vitória isso se deu em 1920), as obras que visaram “garantir a salubridade da região que permeava os portos” mudaram a fisionomia da cidade, “marcando a grande e longa parceria entre a cidade e seu porto”. Estudos morfológicos futuros, por exemplo, utilizando técnicas da Teoria da Sintaxe Espacial (Medeiros, 2006; Holanda, 2010), poderão lançar mais luz sobre o interessante processo, ao considerar o impacto de tais obras na malha viária da cidade, e como elas mudam a estrutura das acessibilidades urbanas. Letícia Peret Antunes Hardt, Carlos Hardt e Marlos Hardt estudam Curitiba. Suas conclusões também ratificam conclusões anteriores sobre o processo da crescente importância demográfica e econômica das metrópoles brasileiras, apesar de uma certa “concentração decentrada” vis-à-vis o núcleo central: no Paraná, dos dezoito municípios com taxa estimada de crescimento superior a 3% ao ano para a primeira década do século XXI, dez encontram-se na região metropolitana de Curitiba”. Isso implica igualmente uma “exportação” para estes municípios dos graves problemas sociais do núcleo central. A seguir mudamos novamente a escala. Os estudos analisam a realidade “perimetropolitana” – áreas de expansão urbana, pequenos municípios, “cidades-dormitório”, etc. Eles funcionam como bom contraponto aos estudos metropolitanos propriamente ditos – um “outro lado da 306 Book CM24_final.indb 306 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 303-308, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:19 Apresentação moeda” que ajuda a compreender melhor a própria metrópole. Jorge Gonçalves revisita o planejamento territorial, particularmente o local, no contexto da globalização, para o caso dos municípios portugueses. Mostra como o processo tornou-se mais complexo, com a “multiplicação dos atores presentes”: “o tempo da Câmara Municipal, enquanto agente único, acabou”. Mas sua visão não é pessimista: “existiu um amadurecimento generalizado no domínio do desenvolvimento, estimulado pelas obrigações resultantes da integração do país na União Europeia e noutras esferas supranacionais”. O processo de integração à economia global, quase escusado dizer, é pois contraditório: mesmo uma visão empírica de quem visita Portugal periodicamente permite identificar as profundas modificações pelas quais o país passou, modificações que reverberam até nas menores e mais “locais” localidades. As “cidades-dormitório” no Brasil são tema de Ricardo Ojima, Eduardo Marandola Jr., Rafael Henrique Moraes Pereira e Robson Bonifácio da Silva. O estudo insurge-se contra o “estigma” em torno desse tipo de núcleo no Brasil, que ficou associado, nos estudos urbanos brasileiros, sobretudo nos anos 1970, a processos de marginalização e periferização da pobreza. A realidade hoje, mostram os autores, é bem diferente: “todos os estratos sociais aprenderam a lidar com a distância e com a possibilidade de fugir da cidade”. Resulta uma realidade multifacetada, policêntrica, como a apontada por Ascher e corroborada por vários outros estudiosos (Bertaud, 2003), em que, frequentemente, ao contrário do que reza a literatura, os “rurbanos” são um contingente de renda elevada que optam por pagar os altos custos de uma intensa motorização (vários veículos por família) e de deslocamento rotineiro, dado o tecido rarefeito das regiões que habitam (nelas, é impossível implantarem-se sistemas eficientes de transporte público). No Brasil não é diferente, e Brasília, como uma das cidades mais dispersas do mundo, talvez seja exemplo emblemático (Ribeiro e Holanda, 2006; Ribeiro, 2008). Paula Freire Santoro, Patrícia Lemos Cobra e Nabil Bonduki estudam o espraiamento das cidades brasileiras, particularmente a partir dos anos 1980, e as implicações das transformações correlatas de mudança de solo rural para urbano. Ilustram, mediante o exemplo de empreendimentos em São Carlos, como instrumentos como a Outorga Onerosa de Alteração de Uso pode ser utilizada, primeiro, para melhorar controlar os processos de expansão urbana, segundo para captar recursos que possam ser utilizados em programas de urbanização ou habitação de interesse social. Preocupam-se também com mudanças do Brasil rural para o Brasil urbano, estudando espaços não metropolitanos, Renato Pequeno e Denise Elias. Debruçam-se sobre o caso de Mossoró (RN), onde a utilização dos novos instrumentos de desenvolvimento urbanístico previstos no Estatuto da Cidade não revertem na estruturação de uma cidade mais democrática. Pelo contrário, a edificação compulsória (que se limita a áreas sem importância) ou a delimitação de ZEIS (que se limita a zonas periféricas) apenas reforçam e reproduzem uma organização espacial segregacionista. Aqui, como em São Carlos ou em qualquer lugar, são as correlações de força que definem se os instrumentos formais de controle da urbanização disponíveis (como o Estatuto da Cidade) resultam (ou não) em letra morta. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 303-308, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 307 307 09/11/2010 13:05:19 Apresentação Enfim, o conjunto de artigos compreende um rico panorama da questão metropolitana brasileira e de (alguns) espaços que lhe são periféricos. Este volume não é para ser lido, é para ser cuidadosamente estudado. Ilumina a compreensão de um dos fenômenos socioespaciais mais importantes da atualidade – algo de cuja natureza multifacetada só recentemente estamos nos dando conta. Algo, talvez, que conduza, mais cedo do que pensamos, e de forma mais generalizada, a novas configurações. Em outras palavras: das metrópoles de ontem às metápoles de amanhã. Frederico de Holanda UnB, Brasília Referências ASCHER, F. (2010). Novos princípios do urbanismo/Novos compromissos urbanos – um léxico. Lisboa, Livros Horizonte. BARROS, A. P. B. G. de (2006). Estudo exploratório da sintaxe espacial como ferramenta de alocação de tráfego. Dissertação de mestrado em Transportes. Brasília, Faculdade de Tecnologia, Universidade de Brasília. Disponível em: htpp://www.fredericodeholanda.com.br). BERTAUD, A. (2003). Order without design. Disponível em: h p://alain-bertaud.com/images/Average%20Density%20graph.pdf. Acesso em: 1 de julho de 2006. CASTELLS, M. (1999). A sociedade em rede. São Paulo, Paz e Terra. 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Diante das controvérsias, o objetivo deste trabalho foi avaliar a magnitude da dispersão espacial da população nas Regiões de Influência das principais metrópoles brasileiras, definidas pelo IBGE. Foram utilizadas as bases dos últimos Censos Demográficos e da Relação Anual das Informações Sociais, a partir das quais foi possível identificar os fluxos da população e da mão de obra ativa formal. Os resultados indicam a intensificação na ocupação dos espaços além das Regiões Metropolitanas. No caso da metrópole paulista, o crescimento desses deslocamentos para sua Região de Influência direta parece confirmar uma espécie de “dispersão polinucleada”. Abstract Since late 1970s, several authors have worked on the polarization reversion hypothesis in Brazil, as suggested by the models applied in the developed countries. Considering the existing controversies, this research aims at evaluating the current population spatial dispersion magnitude on the main Brazilian metropolises Influence Regions, defined by IBGE. The data for this research was extracted from the last Demographic Censuses and from the Annual Relation of Social Information, based on which it was possible to identify population and active formal workers flows. The results indicate the occupation of spaces expansion beyond the of Metropolitan Regions limits. In the case of São Paulo metropolis the increase of these population flows to its Influence Region seems to confirm a kind of “polynucleated dispersion”. Palavras-chave: dispersão espacial; migração; mobilidade de trabalhadores formais; regiões de influência e dispersão polinucleada. Keywords: spatial dispersion; migration; formal workers mobility; influence regions; polynucleated dispersion. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 309-330, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 309 09/11/2010 13:05:20 Carlos Lobo e Ralfo Matos Introdução população e é por essa lacuna que este estudo Além das controvérsias que resultaram da di- da dispersão espacial da população e da força fusão de expressões como “reversão da polari- de trabalho no Brasil, tendo como recorte es- zação”, “desconcentração concentrada”, “de- pacial de análise as Regiões de Influência das senvolvimento poligonal”, entre outras, há um principais metrópoles, estabelecido pelo IBGE.1 relativo consenso acerca das evidências empíri- Pode-se perguntar se haveria um rearranjo dos cas de declínio do crescimento demográfico de fluxos migratórios e dos deslocamentos da for- grandes centros metropolitanos brasileiros nas ça de trabalho ativa no interior das Regiões de últimas décadas do século passado. Embora os Influência das principais cidades brasileiras. processos de urbanização e metropolização no Seria a dispersão espacial evidenciada pela Brasil sejam ainda relativamente recentes – o intensificação e difusão da influência metropo- que exige cuidado no uso de expressões como litana? Ou essa dispersão é ainda muito inci- despolarização ou mesmo desconcentração – piente, estando ainda restrita às periferias das os dados referentes aos dois últimos Censos De- metrópoles? pretende trilhar. O objetivo é avaliar a atual magnitude mográficos parecem confirmar uma tendência Diante desse propósito, foram utilizadas de dispersão espacial da população, a despeito as bases referentes aos Censos Demográficos de de os principais centros metropolitanos conti- 1991 e 2000 e à Relação Anual das Informações nuarem mantendo suas posições hierárquicas Sociais (RAIS) de 1996 a 2005, a partir das quais do ponto de vista macrorregional, atraindo ex- foi possível identificar os estoques e fluxos da pressivos contingentes populacionais. população residente e da População Ativa For- Mesmo tendo em vista as contribuições mal (PAF). O pressuposto principal é de que es- da economia regional estrito senso, há um de- sa dispersão se materializa no crescimento dos bate que requer aprofundamento quanto à dis- estoques de pessoas residindo e/ou trabalhando tribuição espacial da população, notadamente fora e em espaços mais distantes das principais no que se refere aos movimentos migratórios Regiões Metropolitanas do país, bem como no e aos deslocamentos da força de trabalho. No incremento do volume dos fluxos de população âmbito da geografia regional, são poucos os migrante e dos deslocamentos da PAF para os trabalhos sobre migrações internas que se uti- municípios de cada uma das Regiões de Influên- lizam de informações censitárias para estimar cia, considerada a distância envolvida nos veto- os movimentos da população no espaço. Escas- res que representam esses fluxos. sas também são as pesquisas voltadas para a Ainda que não seja o objetivo deste tra- análise espacial dos estoques e deslocamentos balho investigar os fatores sociais, políticos ou da população inserida no mercado de trabalho econômicos determinantes da dispersão espa- formal. A investigação sobre a distribuição e cial, a elaboração e divulgação de indicadores os fluxos da população permite reconhecer di- específicos podem ser úteis à elaboração e mensões ainda pouco exploradas do processo proposição de políticas públicas necessárias à de desconcentração ou dispersão espacial da redução das desigualdades regionais no país. 310 Book CM24_final.indb 310 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 309-330, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:20 Dispersão espacial da população e do emprego formal... Em várias circunstâncias, a redistribuição da solo); do aumento do custo de vida devido aos população residente e dos trabalhadores for- gastos crescentes de transporte e habitação mais deixa de ser uma mera consequência de (explicados em parte pelas altas do preço da determinados processos espaciais, tornando-se terra); da expansão da criminalidade e piora catalisadora de profundas mudanças na reali- das condições de vida. dade regional, a exemplo do papel da migração Para Redwood III (1984), o momento de- na dinamização do estado de São Paulo ou do cisivo de início da RP refere-se à intensificação Centro-Oeste brasileiro. das deseconomias de aglomeração e reflete incrementos derivados da elevação dos custos de moradia e trabalho. Esse processo caracteriza- Reversão da polarização, desconcentração ou dispersão espacial da população. Aspectos teóricos e conceituais se pela mudança da tendência de polarização espacial na economia nacional, a partir da qual ocorreria a dispersão espacial para fora da região central. Essa mudança manifesta-se por uma sequência de fases: no início haveria um processo bem definido de concentração econômica, quando se estabelece um centro e uma Richardson (1980) é um dos textos-referência periferia; em sequência ocorreriam transforma- sobre o processo de reversão da polarização ções estruturais na área central, momento em (RP). Nessa obra, o autor afirmava que o cres- que os núcleos adjacentes passariam a apre- cimento continuado da concentração das ativi- sentar crescimento mais acelerado que o cen- dades econômicas não leva ao aumento con- tro; o terceiro estágio marcaria o início do pro- tinuado da eficiência. Os benefícios marginais cesso de reversão da polarização, quando a dis- derivados da escala urbana e da concentração persão ganharia maior amplitude; na sequência produtiva tendem a diminuir a partir de certo a dispersão também atingiria os centros secun- tamanho de população. Os custos médios de dários; e finalmente a área central começaria prover infraestrutura física, serviços públicos a perder população. 2 Ainda de acordo com e administração governamental local aumen- Redwood III (ibid.), o crescimento demográfico tam em termos per capita com o crescimento e econômico das cidades secundárias reflete a da cidade. Dessa forma, a relação custo-be- combinação de diversos fatores, que em várias nefício altera-se diante dos custos crescentes. circunstâncias exigem a intervenção pública na Richardson sugere que o ponto de inflexão e economia local. os custos sociais marginais refletem o começo Richardson, todavia, para além da ex- de crescentes deseconomias de aglomeração pansão das cidades secundárias no entorno do resultantes do incremento de diversos tipos core metropolitano, afirma que a difusão regio- de congestionamentos urbanos; da elevação nal do crescimento é a própria manifestação do do preço médio da terra urbana (que passa a processo de reversão da polarização.3 Para esse sofrer concorrência entre usos alternativos de autor, a Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 309-330, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 311 311 09/11/2010 13:05:20 Carlos Lobo e Ralfo Matos Polarization reversal may be defined as the turning point when spatial polarization trends in the national economy give way to a process of spatial dispersion (grifo nosso) out of the core region into other regions of the system. [...] This process of interregional dispersion is the main feature of PR. (Richardson, 1980, pp. 67-68) das cidades secundárias, que cumprem papel fundamental na eficiência econômica e no desenvolvimento regional. Ao examinar o desenvolvimento econômico regional, o autor sugere que certos tipos de atividade industrial tendem naturalmente a se localizar nessas cidades. As indústrias de bens intermediários baseadas em recursos naturais (química, plásticos, madeira, Talvez seja exatamente essa dispersão re- papel e metalurgia, incluindo aço) podem es- gional o principal aspecto controverso sobre a tar localizadas próximas de grandes cidades, de ocorrência da reversão da polarização no Brasil. modo a reduzir custos de transportes valendo- Várias foram as tentativas de aplicação desses se da proximidade dos mercados. Outro grupo modelos para o caso brasileiro, cujas particula- de indústrias se dirige às cidades secundárias ridades estruturais e setoriais oferecem difi- para se servir dos mercados locais protegidos culdades à interpretação desse fenômeno. Um da concorrência externa, dados os custos de dos primeiros trabalhos que avaliou a possível transportes relativamente altos. Alguns serviços reversão da polarização no Brasil foi realizado de maior magnitude e mais especializados, tais por Townroe e Keen (1984). Esses autores con- como universidades, hospitais, algumas ativi- sideram que esse processo se verifica a partir dades comerciais, também procuram se instalar do ponto em que a concentração da população em centros médios. urbana na região central começa a declinar, de Apesar de atraentes, as proposições so- modo que a razão entre a população da maior bre a reversão da polarização no Brasil sofre- cidade e a população total do estado começa a ram inúmeras críticas. As controvérsias envol- decrescer.4 vem desde as evidências empíricas, até o tipo Redwood III (1984) apresentou outras de variáveis e a metodologia utilizada. Azzoni evidências sobre o caso brasileiro. Com a cons- (1986), por exemplo, critica o fato de o tama- tatação da perda da participação do estado de nho da cidade ser considerado com indicador São Paulo a partir de finais da década de 1950, de economias aglomerativas. Ao admitir que as esse autor acreditava que estaria em curso um vantagens aglomerativas estão presentes no processo de desconcentração das principais ambiente urbano, a exemplo da linha de pola- áreas metropolitanas que favorecia os centros rização psicológica e do transporte de ideias, é secundários mais próximos. Ao trabalhar com imprescindível considerar a região como capaz as principais tendências demográficas e a lo- de gerar um campo de atração sobre novos in- calização da atividade industrial, foram encon- vestimentos. A ideia essencial é que a atração tradas evidências de que os processos de su- regional transcende o ambiente urbano, embo- burbanização, de descentralização urbana e de ra os custos locacionais sejam essencialmente reversão da polarização se difundiam em todo urbanos. Para Azzoni, era no mínimo apressada 5 o sistema urbano (ibid.). É essencial, nessa in- a suposição de que haveria um processo de re- terpretação, a atenção dirigida às necessidades versão da polarização no Brasil. Pelo contrário, 312 Book CM24_final.indb 312 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 309-330, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:20 Dispersão espacial da população e do emprego formal... [...] as evidências indicam que, longe de constituir-se um sinal de reversão da polarização, o fenômeno observado em São Paulo estaria mais próximo de um espraiamento da indústria dentro da área mais industrializada do país, em um processo do tipo “desconcentração concentrada”. Seria aproximadamente um tipo de suburbanização das atividades industriais em âmbito mais abrangente, o que é possível pelas oportunidades abertas pelo desenvolvimento tecnológico, em um sentido amplo, e separação das atividades produtivas das atividades de comando empresarial. (Ibid., p. 126) Azzoni acreditava que a Região Metropolitana de São Paulo não deve ser tomada como referência para análise das alterações espaciais no estado paulista. Ao considerar a ação de um “campo aglomerativo”, o autor apontou um conjunto de cidades, num raio de aproximada- desconcentração regional da indústria. Avaliando o processo recente de desenvolvimento industrial e desconcentração econômica, esse autor propõe um novo tipo de dualismo espacial. A área desenvolvida e verdadeiramente dinâmica estaria restrita a um “polígono” que abrange o Sul e parte do Sudeste brasileiro, estendendo-se de Belo Horizonte a Porto Alegre, ficando de fora o Rio de Janeiro e a maior parte do território brasileiro. Nesse espaço, [...] é mais apropriado considerar o Brasil como um caso de desenvolvimento poligonal, onde um número limitado de novos polos de crescimento ou regiões tem capturado a maior parte das novas atividades econômicas. O resultado está longe de ser uma verdadeira desconcentração, especialmente porque os novos centros estão no próprio estado de São Paulo ou relativamente próximos dele. (Ibid., p. 35). mente 150 km da Região Metropolitana, com alto poder de atração sobre os investimentos industriais e consequentemente sobre a população. À medida que aparecem novos avanços tecnológicos, esse campo aglomerativo ampliase e reduz o próprio poder de atração do núcleo central.6 Diniz (1993), ao contestar alguns dos pressupostos e os resultados apresentados por Azzoni, incorpora uma série de outros aspectos a considerar, além das economias de aglomeração.7 Desses aspectos, Diniz destaca cinco: a) a distribuição espacial dos recursos naturais; b) o papel do Estado; c) o processo de unificação do mercado nacional e suas implicações para Para Diniz, era restrita a abrangência espacial da suposta reversão da polarização para o caso brasileiro. O autor ainda acrescenta [...] não parece que esta tendência de reversão em sentido amplo continuará até o final do século. Ao contrário, a grande ênfase em indústrias de alta tecnologia e o relativo declínio e fracasso das políticas regionais e do investimento estatal abrem uma terceira possibilidade. Nesta, o processo de desconcentração será enfraquecido e o crescimento tenderá a se circunscrever ao estado de São Paulo e ao grande polígono em torno dele. Estamos chamando este processo de aglomeração poligonal. (Ibid., p. 54) a concorrência intercapitalista e para as estrutu ras produtivas regionais; d) as economias As conclusões de Diniz (ibid.) introduzem de aglomeração; e) a concentração regional a ideia de que o resto do país estaria à margem da pesquisa e renda, que cria obstáculos à dos efeitos cumulativos do desenvolvimento do Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 309-330, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 313 313 09/11/2010 13:05:20 Carlos Lobo e Ralfo Matos core paulista. Na verdade, o autor não traba- alternativas. A migração pode responder aos lhou com uma temporalidade prospectiva de fatores de expulsão do meio urbano (nota- longa duração e, assim, não vislumbrava de- damente aos custos de moradia e à escassez terminadas possibilidades de desenvolvimento de emprego), mas pode também se associar a econômico para o resto do país fora do padrão outro grupo de causas, não econômicas, rela- técnico-moderno que as sociedades de con- cionadas à melhoria da qualidade de vida e/ sumo dos países desenvolvidos prefiguram, e ou busca de amenidades, como no retorno às que, evidentemente, se encontra presente nos localidades de origem após a aposentadoria. É grandes centros urbanos do Centro-Sul brasilei- indiscutível que boa parte da expansão da ur- ro (Matos, 2003). Análises com base nas redes banização do país nas últimas décadas deriva geográficas e, particularmente, nas redes urba- dos efeitos multiplicadores de espraiamento da nas mostram-se mais eficientes à reflexão eco- concentração urbana e industrial do Sudeste. nômico-espacial do que as análises baseadas Esse processo estimulou o adensamento da re- em uma visão cartográfica dual do território de urbana e os vínculos de complementaridade brasileiro presentes em recortes espaciais como entre as centralidades. A suposição que a reali- o do polígono “virtuoso” de Diniz, onde o país dade brasileira possa se enquadrar no modelo se resume a dois, o que está dentro do polígono analítico da reversão da polarização, ou mesmo e o que está fora. As redes podem expressar di- em uma mudança de tendência demográfica mensões abstratas, mas comumente traduzem de longo prazo, parece uma generalização sim- materialidades espaciais. São espaços e subes- plista, conquanto o país esteja de fato passan- paços em movimento. São lugares articulados do por um ciclo de descompressão do cresci- por fluxos multivariados. Fluxos de pessoas, ca- mento urbano central, no qual os movimentos pitais, informações, ideias e culturas. As redes migratórios internos e os deslocamentos da mais importantes estão carregadas de técnica força de trabalho assumem importante papel e história social, sendo, portanto, construções explicativo. dinâmicas relativamente duráveis. As redes urbanas, por exemplo, são depositárias de estruturas sociais pretéritas e futuras, tradicionais ou modernas, que dão forma e sentido à vida de milhares de pessoas, famílias e instituições.8 Fluxos migratórios e dispersão espacial Matos (1995) acredita que importantes mudanças no padrão de distribuição espacial Os deslocamentos da população e a organi- da população estão em curso, sem se conhecer, zação do espaço regional são nexos impor- no entanto, qual é o real alcance desse fenôme- tantes na literatura há muito tempo. Quando no, e se as explicações existentes são suficien- Ravenstein formulou suas teses sobre os movi- temente abrangentes. É seguro dizer, contudo, mentos migratórios, ainda em finais do século que tanto as pessoas quanto as atividades XIX, apresentava explicitamente a relação econômicas reagem aos impactos das deseco- entre as atividades econômicas e os desloca- nomias de aglomeração buscando localizações mentos espaciais da população. As principais 314 Book CM24_final.indb 314 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 309-330, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:20 Dispersão espacial da população e do emprego formal... regularidades encontradas por esse autor di- de expulsão”. Os primeiros referem-se à neces- ziam respeito à distância, aos movimentos sidade de mão de obra decorrente do cresci- por etapas, à configuração das correntes e mento da produção industrial e da expansão do contracorrentes, à predominância da migração setor de serviços urbanos que funcionam como feminina e também ao fato de que as migra- forças de concentração espacial. Os fatores de ções tendiam a gerar movimentos sucessivos a expulsão podem ser divididos em: “fatores de partir de áreas próximas a um centro industrial mudança”, decorrentes da penetração do capi- ou comercial.9 Quase um século mais tarde, Lee talismo no campo e a adoção de um sistema (1980) retomou as formulações de Ravenstein, poupador de mão de obra; e os “fatores de es- incorporando informações a respeito dos movi- tagnação”, associados à pressão demográfica mentos internos nas sociedades de capitalismo sobre a disponibilidade de terras. Para Singer, tardio. Na interpretação desse autor, a decisão a distinção entre áreas de emigração (sujeitas de migrar está vinculada a uma decisão que le- aos fatores de mudança) e de estagnação per- va em conta os chamados fatores positivos e mite visualizar melhor suas consequências. As negativos nas áreas de origem e destino. Lee regiões de mudança perdem população, mas também acredita que a migração nunca é com- a produtividade aumenta, o que permite, pelo pletamente racional. Dessa forma, é natural menos em princípio, uma melhora nas condi- que pessoas distintas sejam afetadas de ma- ções de vida locais. Já as áreas de estagnação neira diferente por uma série de obstáculos ou apresentam deterioração da qualidade de vida, incentivos à possibilidade de migrar. funcionando às vezes como “viveiros de mão Singer (1973), contudo, considera a migração como um reflexo da estrutura e dos me- de obra” para os latifundiários e as grandes empresas agrícolas. canismos de desenvolvimento do sistema ca- Nessa mesma perspectiva estruturalista, pitalista, cujo motor principal é o acirramento há, tanto na economia como na demografia, das desigualdades regionais. Para esse autor, vários autores que expressam a migração como mobilidade, estreitamente vinculada à cria- É claro que qualquer processo de industrialização implica uma ampla transferência de atividades (e, portanto, de pessoas) do campo às cidades. Mas, nos moldes capitalistas, tal transferência tende a se dar a favor de apenas algumas regiões em cada país, esvaziando as demais. Tais desequilíbrios regionais são bem conhecidos e se agravam na medida em que as decisões locacionais são tomadas tendo por critério apenas a perspectiva da empresa privada. (Ibid., p. 222) ção, expansão e articulação dos mercados de trabalho do país. O desenvolvimento desigual do sistema capitalista faz com que a população se distribua seguindo a mesma lógica de intensificação dos espaços econômicos, formando grandes reservatórios de mão de obra. Apesar de seu mérito, boa parte dessas teses responde apenas parcialmente a determinadas causas da migração, não vinculadas tão somente às necessidades estruturais do capitalismo. Além disso, essas formulações não Ao analisar a migração, Singer identifica enfatizaram as externalidades que poderiam os chamados “fatores de atração” e os “fatores transformar os espaços de destino dos fluxos Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 309-330, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 315 315 09/11/2010 13:05:20 Carlos Lobo e Ralfo Matos migratórios, ignoravam as vantagens comparativas a favor das localidades não centrais e não puderam avaliar o peso da imigração de origem urbana nem da migração de retorno As regiões de influência das cidades (REGICs): a dimensão regional da dispersão (Matos, 1995). Também investiram de modo insuficiente no entendimento dos efeitos posi- De acordo com o IBGE, a delimitação das tivos que a migração pode gerar na dinamiza- Regiões de Influência das Cidades dá conti- ção das regiões de destino, no que diz respeito nuidade à tradição de estudar a rede urbana à oferta de mão de obra qualificada, a certas brasileira e visa construir um quadro nacional, possibilidades de novos investimentos e de apontando as permanências e as modificações intercâmbio técnico, por exemplo. Nesse senti- registradas. Os estudos anteriores realizados do, mais que um indicador de concentração ou nos anos de 1966, 1978 e 1993 definiram os dispersão das atividades econômicas, a migra- níveis da hierarquia urbana e estabeleceram ção reflete processos sociais mais complexos, a delimitação das regiões de influência das cujas consequências vão além dos aspectos cidades brasileiras a partir de questionários estruturais da economia.10 que investigaram a intensidade dos fluxos de Se o modo como são organizados os consumidores em busca de bens e serviços. A elementos do espaço pode ser visto como atualização realizada em 2007 e divulgada em um resultado histórico da atuação dos agen- 2008 retoma a concepção utilizada nos primei- tes sociais, os fluxos de informação, capitais ros estudos realizados pelo IBGE em 1972, que e pessoas, por exemplo, permitem alimentar resultaram na Divisão do Brasil em regiões fun- o dinamismo das formas e funções que com- cionais urbanas. põem e caracterizam o espaço geográfico. Para A atual proposta estabeleceu uma classi- Santos (1996), a necessidade de fluidez é uma ficação hierárquica dos centros metropolitanos das mais importantes características do mundo do país e delimitou suas áreas de atuação, de- atual que é, ao mesmo tempo, causa, condição nominadas Regiões de Influência (RI). Foi privi- e resultado. Essa condição de fluidez é parti- legiada a função de gestão do território, como cularmente relevante nos estudos sobre as mi- sugerido por Corrêa, quando observou que o grações internas, que por definição envolvem centro de gestão do território o movimento de populações entre pontos do espaço, em um determinado intervalo de tempo. As migrações são, em essência, fluxos que se manifestam e se materializam no espaço. A abordagem regional torna-se, nesse aspecto, relevante para a compreensão dos deslocamentos da população e da força de trabalho e para a explicação de diferenciações espaciais que se consolidam. 316 Book CM24_final.indb 316 [...] é aquela cidade onde se localizam, de um lado, os diversos órgãos do Estado e, de outro, as sedes de empresas cujas decisões afetam direta ou indiretamente um dado espaço que passa a ficar sob o controle da cidade através das empresas nela sediadas. (Corrêa, 1995) Duas etapas metodológicas são centrais na definição e hierarquização dos centros de Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 309-330, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:20 Dispersão espacial da população e do emprego formal... gestão do território e na delimitação de sua de influência e a articulação das redes no terri- região de influência. De modo simplificado, a tório. Para investigar a articulação desses cen- hierarquização da rede de cidades privilegiou tros, foram considerados os eixos de gestão pú- dois níveis de centralidade: a Gestão Federal, blica e de gestão empresarial, complementados avaliada a partir da existência de órgãos do Po- pelos serviços de saúde. As áreas de influência der Executivo e do Judiciário Federal; e a Gestão dos centros foram delineadas a partir da inten- Empresarial, conjugada com a presença de dife- sidade das ligações entre as cidades, com base rentes equipamentos e serviços (estabelecimen- em dados secundários e informações obtidas tos de ensino superior, saúde, comércio e servi- por questionário específico da pesquisa, e per- ços, instituições financeiras, redes de televisão mitiram identificar 12 redes de primeiro nível. aberta, conexões aéreas e internet). Classifica- A partir de algumas adaptações dessa proposta dos em seis níveis de hierarquia, conforme sua divulgada pelo IBGE, as Regiões de Influência posição no âmbito da gestão federal e empre- (RIs) utilizadas neste trabalho estão representa- sarial, integram o conjunto final 711 centros de das na Figura 1, que identifica as onze divisões gestão do território. A intensidade das ligações regionais que compõem o primeiro nível hierár- entre as cidades permitiu estabelecer suas áreas quico estabelecido nas REGICs 2007. Figura 1 – Regiões de Influência direta das principais metrópoles brasileiras (REGIC 1997) Fonte: Extraído e adaptado de IBGE 2007. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 309-330, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 317 317 09/11/2010 13:05:20 Carlos Lobo e Ralfo Matos Os recortes espaciais das Regiões de Influência das principais metrópoles brasileiras do IBGE (2008), sobrepostos à divisão municipal conforme divisão político-administrativa (Re)distribuição espacial da população e do emprego formal de 2000, serviu de referência às tabulações e à análise de dados explorados nesta pesquisa. Sinais de dispersão espacial da população bra- Mais que isso, essa regionalização permitiu sileira podem ser identificados pelas entradas e avaliar a intensidade da dispersão espacial da saídas de população nos municípios das prin- população no interior das respectivas Regiões cipais Regiões Metropolitanas do país, consi- de Influência. Essa atualização metodológica deradas a partir dos fluxos referentes a migra- trazida pela REGIC 2007, mesmo que possa ção de Data Fixa,11 nos períodos 1986/1991 e suscitar ressalvas e limitações, oferece um re- 1995/2000. No caso da RMSP, o saldo migra- trato mais aproximado das relações de inter- tório manteve-se negativo e consideravelmente dependência que se estabelecem no espaço, elevado nos dois quinquênios, resultado direto onde os fluxos de migrantes e da força de tra- do sensível crescimento no volume de emigran- balho são especialmente relevantes. tes. Como observado na Tabela 1, no intervalo Tabela 1 – Fluxos migratórios entre as regiões metropolitanas e os municípios da mesma REGIC (fluxos intra-REGIC) Migração de Data Fixa - 1986/1991 e 1995/2000 RMs 1986/1991 1995/2000 Entradas Saídas Saldo Entradas Saídas Saldo 124.526 419.329 -294.803 142.783 510.260 -367.477 Rio de Janeiro 60.736 107.527 -46.791 70.522 135.482 -64.960 Brasília 39.946 74.360 -34.414 48.035 114.159 -66.124 Manaus 24.468 13.100 11.368 36.871 30.575 6.296 Belém 69.329 31.989 37.340 74.900 52.217 22.684 137.316 41.847 95.469 95.655 60.349 35.306 São Paulo Fortaleza Recife 84.726 43.235 41.490 70.342 49.030 21.312 Salvador 111.880 52.045 59.835 108.251 70.901 37.349 Belo Horizonte 145.143 62.638 82.505 152.081 75.126 76.955 Curitiba 125.602 41.323 84.279 140.653 60.587 80.066 Porto Alegre 165.872 87.068 78.804 144.252 106.932 37.320 Fonte: IBGE. Censos Demográficos de 1991 e 2000 (dados da amostra). 318 Book CM24_final.indb 318 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 309-330, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:20 Dispersão espacial da população e do emprego formal... 1986/1991 cerca de 410 mil pessoas emigra- Determinadas evidências surgem quan- ram da RMSP para sua Região de Influência. do discriminadas as trocas de população entre Entre 1995/2000 o volume desse fluxo atingia as RMs e os municípios das respectivas RIs. mais de meio milhão de migrantes. Nesse mes- Novamente, o caso da RISP deve ser mencio- mo período, o número de imigrantes na RMSP nado. De 1995 a 2000, como resultado das foi inferior a 150 mil. Por outro lado, à exceção trocas de migrantes com a RMSP, foram veri- das RMRJ e Brasília, que também exibiam sal- ficados ganhos de população em grande parte dos negativos, as demais RMs analisadas apre- dos municípios de sua Região de Influência. sentavam saldo positivo nos dois períodos. No Como representado na Figura 2, de um total entanto, mesmo que essas Regiões Metropoli- de 808 municípios que integravam a RISP, tanas funcionassem como núcleos de atração mais de 89% deles (722) exibiram saldo po- de população em suas respectivas Regiões de sitivo. No quinquênio anterior, eram 626 mu- Influência (RIs), o número absoluto de imigran- nicípios nessa condição. Apenas em alguns tes foi reduzido quando comparados os dois municípios localizados no Triângulo Mineiro quinquênios. Muito mais relevante, entretanto, e no sul de Mato Grosso do Sul foi maior a foi o crescimento na emigração metropolitana, frequência de saldos migratórios negativos. observado em todas as REGICs. No entanto, mesmo nesses espaços, bastante Quando avaliados os vetores migratórios diferenciados geograficamente, com caracte- que representam os deslocamentos espaciais rísticas físicas peculiares, como relevo, clima e da população, nota-se um aumento generali- hidrografia, os vínculos com a metrópole pau- zado no número de municípios que receberam lista também configuram campos de atração emigrantes das respectivas Regiões Metropoli- de população. tanas. Mesmo que parte desse crescimento ti- Algumas observações devem ser con- vesse sido resultado direto das emancipações sideradas quando incorporada a dimensão municipais entre 1991 e 2000, o aumento da distância na análise dos fluxos migratórios.12 frequência e do volume de emigrantes proce- Discriminados em três Regiões de Influência, dentes das RMs sugere um novo arranjo na di- RI-1, RI-2 e RI-3,13 conforme tercis de distân- nâmica migratória regional do país. O caso da cia em relação ao núcleo metropolitano, em RM de São Paulo, cujos volumes são mais ex- vários casos, os resultados indicam um au- pressivos, novamente deve ser mencionado. No mento no volume da população migrante que período 1995/2000, 788 municípios da Região se dirigiu às áreas mais próximas da Região de Influência de São Paulo (RISP) receberam Metropolitana. Em todas as REGICs, nos dois emigrados da RM, enquanto no intervalo ante- quinquênios observados, mais da metade dos rior eram 702. Em alguns casos, como na REGIC emigrados das RMs encaminharam-se para a de Porto Alegre, o crescimento no número de sub-região RI-1. Em Brasília e Fortaleza, por vetores foi ainda mais significativo, elevando- exemplo, a proporção de emigrantes que se se de 387 de 1986/1991 para 510 municípios dirigiu para a RI-1, nos dois quinquênios, foi entre 1995/2000. superior a 90%. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 309-330, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 319 319 09/11/2010 13:05:20 Carlos Lobo e Ralfo Matos Figura 2 – Saldo migratório nas trocas entre os municípios da RISP e a RM 1986/1991 e 1995/2000 Fonte: IBGE: Censos Demográficos de 1991 e 2000 (dados da amostra). 320 Book CM24_final.indb 320 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 309-330, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:20 Dispersão espacial da população e do emprego formal... Ainda que fosse esperado um maior vo- formal no Brasil contemporâneo? Uma infor- lume de migrantes com destino a RI-1, tendo mação relevante diz respeito aos números refe- em vista a predominância da migração de cur- ridos aos trabalhadores de carteira assinada se ta distância, como já descrita por Ravenstein, analisados os dados da já mencionada Popula- acrescenta-se o fato de também ter ocorrido, ção Ativa Formal (PAF). Os indicadores extraí- em todas as REGICs, exceto as de Belo Horizon- dos das bases da RAIS,15 que se referem a uma te e Manaus,14 um crescimento absoluto e rela- parcela importante da população, permitem tivo no número de imigrantes procedentes das avaliar a distribuição espacial de parte da força RMs. Entre 1995/2000, dos 135.482 emigrados de trabalho. Avaliadas as séries anuais do pe- da RMRJ, 85.456 dirigiram-se para a RI-1, o que ríodo 1996/2005, os resultados referentes aos correspondia a 63,08%. No quinquênio ante- estoques da PAF confirmam, em certa medida, rior, essa proporção era de 52,68%. No caso de a perda relativa na participação da RMSP na São Paulo, a proporção de migrantes com des- REGIC de São Paulo, ainda que em termos ab- tino a RI-1 passou de 62,84% (1986/1991) pa- solutos tivesse ocorrido um importante incre- ra 68,19% (1995/2000), o que perfaz 347.957 mento nesse decênio. Em 1996, a PAF na RMSP pessoas de um universo de 510.260 emigrantes agregava um volume próximo a 5 milhões de da RM com destino a toda a RI nesse último pessoas, o que correspondia a 55,98% do total quinquênio. da REGIC (ver Tabela 2). No ano de 2005 eram Diante dessas evidências, o que se pode pouco mais de 6,4 milhões, o que representava afirmar sobre a dispersão espacial do emprego 51,83% de toda REGIC. Se a parcela relativa da Tabela 2 – Número e percentual da população formal ativa na RM e nas RIs da REGIC São Paulo 1996 a 2005 Ano RM RI-1 RI-2 RI-3 N % N % N % N % 1996 5.306.121 55,98 2.339.810 24,68 1.046.249 11,04 786.512 8,30 1997 5.370.550 55,56 2.392.710 24,75 1.071.228 11,08 831.186 8,60 1998 5.338.769 55,09 2.437.679 25,16 1.065.011 10,99 848.673 8,76 1999 5.387.028 54,60 2.504.488 25,38 1.097.451 11,12 877.427 8,89 2000 5.603.159 54,10 2.658.119 25,66 1.169.096 11,29 926.860 8,95 2001 5.694.868 53,39 2.764.271 25,92 1.220.508 11,44 986.543 9,25 2002 5.840.923 53,01 2.860.420 25,96 1.282.877 11,64 1.034.496 9,39 2003 5.931.732 52,46 2.951.009 26,10 1.339.481 11,85 1.084.426 9,59 2004 6.198.726 51,97 3.142.180 26,34 1.429.342 11,98 1.157.174 9,70 2005 6.470.277 51,82 3.330.611 26,67 1.479.634 11,85 1.206.297 9,66 Fonte: MTE. RAIS 1996 a 2005. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 309-330, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 321 321 09/11/2010 13:05:21 Carlos Lobo e Ralfo Matos PAF na Região Metropolitana reduziu-se no de- A Figura 3 identifica a densidade média cênio 1996/2005, o mesmo não ocorreu nas três dos deslocamentos anuais da PAF procedentes sub-regiões de Influência de São Paulo. Em todas da RMSP no período de 1996 a 2005. Nela des- essas RIs houve um crescimento, tanto absoluto tacam-se quatro principais eixos direcionais de quanto relativo. Cabe, porém, citar o significati- dispersão, coincidentes com os principais tron- vo aumento da PAF observado na RI-1. De 1996 cos viários do estado: 1) o da via Dutra, no vale a 2005, ocorreu a incorporação de quase 1 mi- do Paraíba do Sul, cujos núcleos são Taubaté lhão de trabalhadores na PAF dessa sub-região, e São José dos Campos; 2) o da Anchieta/Imi- que passou a integrar 3,3 milhões de pessoas ao grantes, na Baixada Santista, onde o papel cen- final do período (em 1996 eram 2,3 milhões). Em tral é exercido por Santos; 3) o da Anhanguera/ termos relativos, a RI-1, em 2005, já compreen- Bandeirantes, cujos centros polarizadores são dia 26,67% da PAF total da REGIC. No ano de Jundiaí e Campinas; e 4) o da Castelo Branco, 1996, essa proporção era de 24,68%. onde se destaca o município de Sorocaba. Na Considerados os fluxos anuais, obtidos RI-2 e RI-3, a densidade ainda era marcada pe- a partir da declaração do município de tra- la existência de polos de atração menos inte- balho, o número referente à PAF que deixou grados, o que denotava certa “nuclearização” a RM evoluiu de 83.690 para 90.351 entre espacial. 1996/1997. Grande parte desses deslocamen- Dessa forma, além dos estoques da PAF, tos tinha como destino os municípios da RI-1, as informações referentes aos deslocamentos os quais absorviam 78,26% dos fluxos no inter- espaciais também indicam um crescimento no valo 2004/2005 (parcela que envolvia 70.709 volume da força de trabalho formal que dei- pessoas). No período 1996/97 essa proporção xou a Região Metropolitana de São Paulo. Esse era de 70,61%, o que representa um cresci- crescimento no fluxo de trabalhadores para mento de quase 8% nos deslocamentos da PAF fora da Região Metropolitana parece confir- para a RI de São Paulo. Nas duas outras RIs foi mar a atratividade e o dinamismo de um grupo verificada uma redução relativa nos fluxos pro- de municípios da Região de Influência de São cedentes da RM. No caso da RI-3, observou-se Paulo, notadamente aqueles da RI-1 que for- uma redução no volume de trabalhadores que mam uma “segunda” periferia metropolitana. vieram se ocupar na região, de 10.104 entre Nesse espaço, consolidam-se centros nodais 1996/1997 para 5.297 entre 2004/2005. Boa com notável função polarizadora e formam- parte dessa diminuição ocorreu em função da -se espaços contíguos de alta densidade que diminuição nos deslocamentos para Campo têm atraído parcelas crescentes e significativas Grande e área de influência, tradicional frontei- da força de trabalho regional, inclusive aque- ra de expansão receptora de trabalhadores da la que, em algum momento, vinculava-se ao REGIC de São Paulo. mercado de trabalho metropolitano. 322 Book CM24_final.indb 322 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 309-330, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:21 Dispersão espacial da população e do emprego formal... Figura 3 – Densidade dos deslocamentos anuais médios da PAF procedentes da RM para as regiões de influência da REGIC de São Paulo 1996 a 2005 Densidade Muito baixa Baixa Média Alta Muito alta Fonte: MTE. RAIS 1996 a 2005. Considerações finais As últimas três décadas do século passado são decisivas na análise da dinâmica demo- Existem incertezas acerca dos padrões de dis- gráfica brasileira. Se a progressiva queda nas tribuição espacial da população brasileira. A taxas de fecundidade foi responsável direta pe- crença na suposta reversão da polarização ou la forte desaceleração no ritmo de crescimento mesmo de desconcentração espacial, como demográfico do país, de outro lado, as migra- sugerida por determinados autores e proposta ções internas tornaram-se fundamentais para nos modelos clássicos da economia regional, entender o processo de redistribuição espacial tem se mostrado pouco adequada à análi- da população. A partir da década de 1970, co- se do caso brasileiro. Contudo, a progressiva mo resultado da dinâmica migratória interna, queda no peso econômico e demográfico dos ampliaram-se as evidências acerca da redução principais centros urbanos do país, bem como do peso relativo das metrópoles. Mesmo que as a desaceleração no ritmo de crescimento popu- metrópoles e suas periferias continuem atrain- lacional das principais Regiões Metropolitanas, do expressivos contingentes demográficos, a requer um maior aprofundamento na avaliação intensificação nos fluxos de emigrantes tem re- de novas tendências e padrões na distribuição fletido diretamente no crescimento demográfi- espacial da população brasileira. co de vários núcleos urbanos fora das principais Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 309-330, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 323 323 09/11/2010 13:05:21 Carlos Lobo e Ralfo Matos Regiões Metropolitanas brasileiras, tornando desses fluxos direcionados aos principais polos mais densa a rede de cidades em cada uma de de atração da região foi tão expressivo que re- suas Regiões de Influência. duziu os escores de distância ponderada, o que Os resultados obtidos neste trabalho sugere tratar-se de uma forma de dispersão po- não confirmam a integralidade da reversão linucleada (Lobo, 2009), por onde se observam da polarização nos termos de Richardson, claros sinais de expansão no interior da Região nem a suposta desconcentração econômico/ de Influência, para além dos modestos 150 km demográfica destacada por Redwood III, en- do campo aglomerativo de Azzoni. tre outros, mas oferecem claros sinais de dis- Outra conclusão deste trabalho refere-se persão espacial da população, já proeminente à necessidade de se utilizarem ferramentas de em determinados casos, como na Região de geoprocessamento na análise espacial, ainda Influência de São Paulo. Ainda que as maio- pouco exploradas na Economia, na Demografia res Regiões Metropolitanas brasileiras tenham e na Geografia. O estudo dos fluxos migrató- mantido sua centralidade regional – o que rios associados à variável distância é um exem- torna equivocado absolutizar o processo de plo das possibilidades oferecidas às pesquisas desconcentração espacial –, o crescimento nas áreas de Ciências Humanas e Ambientais. demográfico acelerado de vários pontos da O recorte espacial oferecido pelas Regiões de rede urbana brasileira têm feito aumentar sua Influência das Cidades, proposto pelo IBGE, participação na atração de migrantes, o que mesmo que seja passível de críticas pontuais indica uma redistribuição espacial da popula- tendo em conta os conceitos adotados e os ele- ção no interior das Regiões de Influência das mentos metodológicos utilizados, permite uma principais metrópoles do país. análise diferenciada das tradicionais aborda- No caso da Região de Influência de São gens desenvolvidas pela Economia. Por último, Paulo, os efeitos dessa dispersão espacial da cabe também destacar a importância, nota- população mostram-se mais consolidados, so- damente para a Geografia da População e os bretudo no interior da rede de cidades mais estudos relativos às migrações, de se explorar próximas à capital. A denominada Região de mais acuradamente as bases de dados extraí- Influência 1 (RI-1) compreende muitos muni- das de fontes como o Censo Demográfico e a cípios que têm atraído um crescente número RAIS. São possibilidades que ganham relevân- de pessoas que deixaram a RMSP. O volume cia tendo em vista o novo Censo de 2010. 324 Book CM24_final.indb 324 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 309-330, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:21 Dispersão espacial da população e do emprego formal... Carlos Lobo Doutor em Geografia. Fundação João Pinheiro. Universidade Federal de São João Del-Rei. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. [email protected] Ralfo Matos Doutor em Demografia. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. [email protected] Notas (1) Cabe, contudo, expor algumas considerações iniciais. Uma primeira refere-se à adoção da Região Metropolitana (RM) como centro de dispersão. Ainda que outras pesquisas tenham considerado o núcleo e a periferia como en dades dis ntas e separadas, optou-se em manter a unidade dessas regiões, tendo em vista tratar-se, em geral, de espaços com razoável con guidade sica e forte nível de interdependência, tanto econômica, quanto polí ca. Mesmo que existam diferenças quando comparadas as diversas Regiões Metropolitanas no Brasil, resultado de critérios dis ntos na delimitação e definição dos municípios que integram cada uma delas, parece pouco razoável não considerar as RMs em sua integralidade. Veja os exemplos de São Paulo/Guarulhos, Rio de Janeiro/Niterói, Belo Horizonte/Contagem, etc. Embora sejam unidades polí cas e administra vas dis ntas, são espaços altamente ar culados, cujas inter-relações jus ficaram o próprio estabelecimento das Regiões Metropolitanas. Outro ponto diz respeito à não adoção de um único núcleo polarizador. Em estudos anteriores, foi comum a u lização de São Paulo, seja o município, RM ou Estado, como centro aglu nador, a par r do qual era avaliada a suposta desconcentração espacial. Contudo, parece pouco plausível supor que a aceleração do crescimento demográfico das Regiões Metropolitanas de Belo Horizonte, Curi ba, Recife e Salvador, por exemplo, possa representar um quadro de desconcentração espacial da população. Além do mais, São Paulo e região man veram sua relevância demográfica e econômica e ainda exercem forte influência em grande parte do território nacional. A análise centrada nas Regiões de Influência das principais regiões metropolitanas do país pode conduzir a resultados mais consistentes e coerentes com a realidade atual. Mais que uma ampliação de escala, essa abordagem regional permite iden ficar processos espaciais que ocorrem em níveis hierárquicos inferiores, mais próximos das relações que se estabelecem entre os centros regionais e os demais municípios de sua área de influência. Outro aspecto que também não deve ser ignorado refere-se à reduzida série histórica dos dados referentes aos movimentos migratórios. Ante a necessidade de u lização dos fluxos intermunicipais, a análise restringiu-se aos dois quinquênios dos úl mos intervalos censitários (1986/1991 e 1995/2000). Assim, a iden ficação de tendências muito definidas em duas contagens consecu vas não é de todo conclusiva, mas convém não desconhecer que esse período foi de forte desaceleração no ritmo de crescimento populacional das principais metrópoles brasileiras. (2) Na literatura econômica, como indicado por Lo e Salih (1991), são listadas as seguintes condições para a ocorrência do processo de reversão da polarização: a) existência de pleno emprego (o que pode fomentar os fluxos migratórios procedentes de áreas rurais); b) aparecimento Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 309-330, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 325 325 09/11/2010 13:05:21 Carlos Lobo e Ralfo Matos de deseconomias de aglomeração (o que faria com que novos empreendimentos buscassem as regiões periféricas); c) ocorrência de efeitos de espraiamento em larga escala; d) aumento da complexidade organizacional nas a vidades empresariais. (3) Richardson analisou os casos do Japão e da Coreia, onde teria verificado o processo de reversão da polarização. Contudo, a experiência americana, com a perda expressiva de população das grandes cidades do Nordeste e o grande crescimento dos centros do Sul do país, é aquela que mais se aproxima do modelo proposto. (4) Townroe e Keen, além de calcularem índices de reversão da polarização, sugerem certa dualidade dos fatores que levam à concentração das a vidades econômicas, representados pelo papel concentrador de determinadas forças sociais e econômicas, que a par r de um ponto passariam a atuar na direção oposta: da desconcentração. A transição demográfica, os graus de desigualdade social e econômica, os padrões de desenvolvimento rural e as formas ins tucionais e sociais de difusão de informações e inovações podem incrementar ou não a concentração na distribuição da população urbana. (5) Uma constatação feita por Redwood III foi a redução na par cipação do estado de São Paulo na produção industrial nacional, que passou de 48,3% em 1970/75 para 47,3 em 1980. Esse autor também chama a atenção para a queda na proporção do emprego industrial na Região Metropolitana de São Paulo, que reduziu de 70,7% em 1959 para 63,3% em 1977/79. Na área de influência da RMSP, a tendência foi inversa, com valores rela vos que subiram de 29,3% para 36,4% no mesmo período. (6) Para Negri (1996), a abordagem de Azzoni cons tui-se, na verdade, uma crí ca aos pressupostos metodológicos dos economistas da polarização reversa, mas não transcende esse quadro e busca indicar que a perda de importância rela va da região metropolitana de São Paulo foi compensada pelo crescimento do interior do estado. De acordo com esse autor, há ainda várias questões a serem qualificadas. Em primeiro lugar, a análise locacional deixa de lado uma série de contribuições novas da moderna organização industrial (formação de oligopólios e barreiras comerciais; novas estruturas de mercado; novos padrões de compe ções capitalistas; e diversificação da produção visando ocupar mercados potenciais). Em segundo, houve subes mação da ação do Estado, cujos inves mentos diretos e desdobramentos nem sempre são ditados pelas regras de mercado. Por úl mo, a existência de um conjunto de outras determinações externas à indústria e ao plano microeconômico das decisões locacionais, que também se cons tuíram em determinantes específicos de desconcentração. (7) Para Diniz o “espraiamento” industrial brasileiro não ocorreu apenas dentro do limitado raio de 150 km da área metropolitana de São Paulo. Após a incontestável concentração econômica e demográfica verificada até finais da década de 1960, iniciou-se em um primeiro momento o processo de reversão dessa polarização. Entretanto, o processo de desconcentração não teria ocorrido de modo ampliado e sim em espaços sele vos bem equipados e ricos em externalidades, refle ndo, sobretudo, o espraiamento para o interior de determinados estados brasileiros. Em uma segunda fase, ocorreria a rela va reconcentração no polígono definido pela região formada por Belo Horizonte – Uberlândia – Londrina/Maringá – Porto Alegre – Florianópolis – São José dos Campos – Belo Horizonte. (8) As redes urbanas podem ser expressas mediante técnicas que combinam um grande número de dados econômicos, sociais e geográficos, preferentemente transcritos em intensidades variáveis de fluxos entre as localidades. O dado populacional está sempre presente nas formulações teóricas e é sempre u lizado em qualquer técnica de regionalização, não raro subs tuindo variáveis 326 Book CM24_final.indb 326 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 309-330, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:21 Dispersão espacial da população e do emprego formal... de fluxos inexistentes. Sobre os significados da população enquanto variável-controle, especialmente das populações em movimento, convém observar que elas não só exprimem a sociedade, a cultura e a ação polí ca, real ou virtual, mas impactam também os ambientes onde se reproduzem, por cons tuir força de trabalho e mercados de consumo, fatores-chave para a geração de riqueza. Ademais, o estudo das populações, sobretudo com base em dados censitários, permite conhecer em detalhe diversas caracterís cas dos fluxos de pessoas entre as localidades, pré-requisito para a formação de redes geográficas e redes sociais (Matos, 2003). (9) Para Ravenstein (1980, p. 26), as grandes cidades “proporcionam facilidades tão extraordinárias à divisão e à combinação do trabalho, ao exercício de todas as artes e à prá ca de todas as profissões que, a cada ano, um número maior de pessoas nelas possa habitar”. Para o autor, outros aspectos que também induzem a migração são as facilidades educacionais, a salubridade do clima ou a cares a de vida. (10) Na discussão sobre os fatores que atuaram na quebra do padrão concentrador, vários autores chamam a atenção para o perfil de desenvolvimento rural e urbano, as formas ins tucionais e sociais de difusão de informações e inovações, a inserção tardia ou avançada na transição demográfica e os graus de desigualdade regional. De acordo com Matos (2003), novas abordagens devem levar em conta as alterações recentes no padrão migratório brasileiro, marcado pela perda de primazia dos fluxos do campo para a cidade e pela dinamização da rede urbana. Em grande parte, essas mudanças respondem à difusão de determinadas possibilidades oferecidas na periferia e novos fluxos migratórios podem se reorientar espacialmente, reagindo a fatores de atração presentes nas cidades secundárias. (11) Conforme Carvalho e Rigo (1998), as informações ob das a par r desse quesito referem-se ao conceito de migrante semelhante àquele implícito no saldo migratório por técnica indireta. Dessa forma, o migrante de data fixa é definido como a pessoa que residia em locais diferentes no início e ao final do quinquênio considerado. (12) É importante destacar que parte do incremento no volume de emigrantes metropolitanos pode ser explicada pelo próprio aumento no estoque de população residente, consequência direta do crescimento demográfico verificado no intervalo entre os dois levantamentos censitários. (13) Convém observar que, ao trabalhar com o fator distância, vários aspectos geográficos das Regiões de Influência explicam, direta ou indiretamente, possibilidades de trajetórias migratórias consideradas a origem e des no dos migrantes. Nas Regiões de Influência com vários municípios localizados na faixa litorânea, por exemplo, há interferência de atributos rela vos às condições morfoclimá cas, aos recursos naturais disponíveis e a fatores culturais. Já nos espaços interioranos, também há barreiras sicas similares e/ou específicas que podem restringir e/ou favorecer a imigração. (14) Tendo como base o recorte cartográfico referente à divisão polí co-administra va de 2000, adotado no Censo Demográfico de 2000, u lizou-se como referência as coordenadas geodésicas de referência da sede municipal do core metropolitano, de acordo com critérios estabelecidos pelo próprio IBGE. A partir desse ponto, para cada uma das REGICs, foram identificadas as distâncias em linha reta em relação à sede de cada município. O conjunto desses valores permite agrupar os municípios de cada REGIC conforme tercis de distâncias, denominados de RI-1, RI-2 e RI-3 (o primeiro é formado pelos municípios mais próximos do Core Metropolitano e o úl mo pelos mais distantes). Dessa forma, cada uma das RIs compreende aproximadamente 1/3 dos municípios de cada REGIC em 2000. Por exemplo, na REGIC de São Paulo as sub-regiões RI-1, RI-2 e RI-3 possuem 270, 269 e 269 municípios, respec vamente. As distâncias em relação a Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 309-330, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 327 327 09/11/2010 13:05:21 Carlos Lobo e Ralfo Matos São Paulo são ob das pelos seguintes raios de circunferência: RI-1 até 240,32 km; RI-2 de 240,33 km a 453,52 Km; e a RI-3 mais de 453,53 km. (14) Nesses dois casos, a pequena queda na proporção de migrantes metropolitanos na RI-1 parece ser um reflexo da estrutura e organização espacial da rede de cidades de cada REGIC, bem como de caracterís cas geográficas singulares. Na RI de Belo Horizonte, um aspecto que provavelmente influencia essa dispersão da migração associa-se ao fato de que boa parte das Capitais Regionais localiza-se nas RI-2 e RI-3, que atuam como importantes centros de atração de população. Das seis Capitais Regionais consideradas pelo IBGE, excluídos os municípios de Uberlândia e Juiz de Fora (que integram as REGICs de São Paulo e Rio de Janeiro, respec vamente), apenas Divinópolis e Ipa nga compõem a RI-1. Já na RI de Manaus o quadro é ainda mais dis nto. Além de uma dispersão rela va à própria estrutura da rede urbana regional, fortemente limitada pelas condições naturais, o principal centro de polarização da RI é Boa Vista (RR), muito além dos 303,82 km que delimitam a RI-1 Manaus. (15) A Relação Anual das Informações Sociais (RAIS) foi ins tuída pelo Decreto n. 76.900, de 2 de dezembro de 1975. Originalmente, a RAIS foi criada para obter informações acerca da entrada da mão de obra estrangeira no Brasil e os registros relativos ao FGTS, úteis ao controle de arrecadação e concessão de bene cios pelo Ministério da Previdência Social, e para servir de base de cálculo do PIS/PASEP. A RAISMIGRA é uma base de dados derivada do registro da RAIS e visa o acompanhamento geográfico, setorial e ocupacional da trajetória dos trabalhadores ao longo do tempo. A base está organizada de forma longitudinal, permi ndo a realização de estudos de mobilidade, duração e reinserção de indivíduos no mercado de trabalho, o que não é permi do pela base RAIS convencional, que está organizada por ano de referência da declaração dos vínculos emprega cios. Trata-se de uma forma de levantamento censitário de registro administra vo. Contudo, essa cobertura é variada no tempo e espaço. De acordo com o próprio MTE, a cobertura atual dessa base oscila em torno de 97% do universo do mercado formal brasileiro (MTE, 2009). Referências AZZONI, C. (1986). Indústria e reversão da polarização no Brasil. Ensaios Econômicos, São Paulo, IPE/ USP, n. 58, pp. 1-176. BAENINGER, R. (1998). A nova configuração no Brasil: desaceleração metropolitana e redistribuição da população. In: XI ENCONTRO DE ESTUDOS POPULACIONAIS, Anais, Caxambu. Associação Brasileira de Estudos Populacionais, pp. 729-772. BRITO, F. (2006). O deslocamento da população brasileira para as metrópoles. 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Até essa década, as metrópoles ganharam importância por terem sido responsáveis por grande parcela da riqueza produzida e dos empregos gerados no país. Inversão dessa tendência verificou-se nos anos 70 em diante. E, na atualidade, parece haver tendências de novas mudanças da geografia econômica (metropolitana e não metropolitana). Por esse motivo, este trabalho procura se inserir nesse debate ao discutir possíveis tendências territoriais da economia a partir das principais metrópoles brasileiras, tendo como base a conformação histórico-econômica da rede urbana brasileira. Espera-se, portanto, compreender a estrutura da organização econômica dos espaços metropolitanos. Abstract The economic activity territorial configuration interpretation in Brazil is generally associated with structural changes in the country, mainly since the 70s. Until that decade, cities had gained importance because they were responsible for a large portion of the wealth produced and of the employment generated in the country. This trend started being reversed during the 70s. Nowadays there seems to be changing trends in the new economic geography (metropolitan and non-metropolitan). For this reason, this paper intends to join this debate by discussing possible territorial economic trends in the main Brazilian metropolises, based on the economical history of the Brazilian urban network. It therefore aims at the understanding of metropolitan areas economic organization structure. Palavras-chave: metrópole; atividade econômica; reconfiguração territorial. Keywords: metropolis; economic activity; territorial reconfiguration. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 331-347, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 331 09/11/2010 13:05:22 Luiz César de Queiroz Ribeiro e Marcelo Gomes Ribeiro Introdução A ocorrência da desconcentração econômica das metrópoles brasileiras tem sido tema de debate recorrente na contemporaneidade, mesmo se tratando de um fenômeno colocado Brasil) tornou-se, na média, medíocre e, com isso, o arrefecimento da dinâmica de acumulação inibiu também o crescimento periférico. Isso causou uma inflexão no processo de desconcentração econômica que, em muitos casos, apresentou resultados mais “estatísticos” do que efetivos. (Ibid., p. 312) em curso no país há cerca de 30 anos ou mais. Há, porém, algumas interpretações que têm Em face do processo de desconcentra- refletido sobre uma possível reconcentração ção econômica, autores como Diniz (1993) e econômica, decorrente, sobretudo, de mudan- Diniz e Crocco (1996) já apontavam que seu ças no padrão de produção que tem reconfigu- espraiamento industrial não se deu para to- rado as atividades econômicas no âmbito das do o território nacional. Numa primeira fase, metrópoles. Nesse sentido, o presente traba- ocorreu para o interior do estado de São Paulo lho pretende colaborar neste debate a partir e para quase todos os estados brasileiros. Nes- de dados empíricos das atividades econômicas se caso, o tipo de indústria que se deslocava das metrópoles brasileiras e, com isso, levan- era aquela vinculadas à expansão da frontei- tar hipóteses para o processo em curso no ter- ra agrícola e mineral, que requeria volumosos ritório nacional. recursos naturais, como foi o caso do Centro- Na década de 1990, foi intenso o debate -Oeste do país, ou era aquela que procurava que procurou caracterizar o processo de des- diminuir seus custos produtivos, principalmen- concentração econômica que tinha na Área te os de mão de obra, como se verificou nos Metropolitana de São Paulo seu “polo” mais estados do Espírito Santo, Minas Gerais e nos expressivo, que havia se constituído, principal- estados da região Nordeste. mente até 1970. Esse processo de desconcen- Na segunda fase, ocorreu um proces- tração apresentou duas fases distintas, segun- so de reconcentração econômica no polígono do Wilson Cano: que se estende de Belo Horizonte, passando Entre 1970 e 1985, período em que consolidamos a implantação de nossa matriz industrial e, por isso, a acumulação exigia esforço periférico de articulação ainda mais intenso, usamos ainda mais nossa base de recursos naturais – água, terra, minérios – e, com isso, a periferia mais bem dotada de recursos foi mais acionada. (1998, p. 311) Entre 1985 e 1995, quando convivemos, primeiro, com a “crise da dívida”, e agora, também com políticas neoliberais, o crescimento econômico de São Paulo (e do 332 Book CM24_final.indb 332 por Uberlândia (Triângulo Mineiro), Londrina/ Maringá, Porto Alegre, Florianópolis, São José dos Campos e Belo Horizonte. A característica principal das indústrias que se implantam nesse polígono são as de alta tecnologia. Ou seja, nesse período estaria havendo um processo de desconcentração da Área Metropolitana de São Paulo em favor do interior do estado de São Paulo ou dos estados mais próximos. Nesse sentido, Diniz procura analisar os fatores que, conjugados, poderiam contribuir para essa dinâmica. Segundo ele, podemos considerar: Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 331-347 jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:22 Metropolização e as estruturas produtivas a) deseconomias de aglomeração na Área Metropolitana de São Paulo e sua criação em outros centros urbanos ou regiões; b) o papel do Estado, seja através de políticas regionais explícitas, seja pela consequên cia de outras decisões de importância; c) disponibilidade diferenciada de recursos naturais; d) unificações do mercado e mudanças de estrutura produtiva; e) concentração da pesquisa e da renda. (1993, p. 39) Paulo e Rio de Janeiro, seja em momento posterior, dado o processo de desconcentração econômica. Uma nova configuração espacialeconômica estaria se estabelecendo, para além dos centros metropolitanos do país? É na tentativa de levantar hipóteses a essas questões, que se coloca este trabalho. O artigo está dividido em quatro seções, além desta introdução e da conclusão. Na primeira, procura-se demonstrar as aglomerações urbanas com funções metropolitanas existentes na contemporaneidade. Na segunda, apresen- Em período mais recente, o mesmo au- ta-se o peso da estrutura econômica das me- tor, ao analisar o desempenho econômico das trópoles brasileiras no conjunto da economia nove regiões metropolitanas tradicionais, tem do país. Na terceira, procura-se apreender a demonstrado a perda de participação na pro- relação existente entre as metrópoles. Por fim, dução industrial, no período de 1980 a 2005, procura-se elaborar uma tipologia econômi- à exceção de Fortaleza, Porto Alegre, Curitiba e ca das metrópoles, tentando demonstrar suas Belo Horizonte, que, apesar de algumas oscila- diferenças. ções, têm conseguido assegurar ou mesmo ampliar sua participação no conjunto da economia brasileira (Diniz e Diniz, 2007). Assim, por decorrência do processo de reestruturação produtiva, colocado em curso no país desde a década de 1980, mas, sobretudo, As aglomerações urbanas brasileiras com funções metropolitanas a partir dos anos 90, tem ocorrido uma reespacialização econômica que estaria configurando As primeiras regiões metropolitanas do país fo- uma Cidade-Região que teria como centro ir- ram institucionalizadas na década de 1970 pe- radiador a Região Metropolitana de São Paulo, la União. Em 1973, criaram-se as de São Paulo, mais especificamente o município de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, e integraria as regiões paulistas de Campinas, Recife, Fortaleza e Belém. Em 1974, depois da São José dos Campos, Sorocaba e Santos. fusão do estado do Rio de Janeiro e do estado Nesse contexto histórico-econômico, fi- da Guanabara, foi criada a região metropolita- ca a indagação do papel que têm cumprido as na do Rio de Janeiro, constituindo-se um total metrópoles brasileiras na estrutura econômica de nove metrópoles (Davidovich, 2004). do país, haja vista que elas tiveram importância Novas regiões metropolitanas só vieram decisiva para o desempenho da economia do a se constituir com amparo jurídico depois da país, seja no período de intensa concentração Constituição Federal de 1988, que atribuía aos industrial, que se fazia principalmente em São estados e, não mais à União, a competência Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 331-347, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 333 333 09/11/2010 13:05:22 Luiz César de Queiroz Ribeiro e Marcelo Gomes Ribeiro para sua institucionalização. Desse período do agrupamento realizado pelo Observatório em diante, os critérios para criação das regiões das Metrópoles, a partir de tabulação especial metropolitanas foram vários, atendendo, pedida ao IBGE (Ferraz, 1996). sobretudo, interesses políticos. Mas muitas Nesta tabulação especial procurou-se metrópoles que foram institucionalizadas cor- organizar as atividades econômicas, compre- responderam às mudanças ocorridas na rede endendo aquelas capazes de serem realizadas urbana brasileira provocada pelo crescimento no espaço urbano, sobretudo no espaço metro- populacional em vários contextos, que culmi- politano, em quatro grandes setores: indústria, nou no surgimento de diversas aglomerações serviços, construção civil e comércio. Cada um urbanas. desses setores foi desagregado em sub-setores As metrópoles consideradas neste traba- ou ramos de atividade, na tentativa de obten- lho são as aglomerações urbanas com funções ção dos aspectos diferenciadores interno a ca- metropolitanas definidas pelo estudo elabora- da setor e, ao mesmo tempo, pela formação de do pelo Observatório das Metrópoles intitula- uma composição que expressasse a natureza do “Identificação dos Espaços Metropolitanos de sua atividade e a posição nos encadeamen- e Construção de Tipologias”, que corresponde tos dos processos econômicos (produção, distri- ao total de 15 metrópoles, que são: Belém, Belo buição, etc.). 1 Horizonte, Brasília , Campinas, Curitiba, Floria- A partir da classificação das atividades nópolis, Fortaleza, Goiânia, Manaus, Porto Ale- econômicas, realizou-se a análise da condição gre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo das metrópoles no contexto nacional, mas é e Vitória. Essa definição está baseada no grau preciso reconhecer que a produção de indica- de integração entre os municípios de várias dores econômicos para a escala metropolitana aglomerações urbanas existentes no país e re- sempre envolve determinadas dificuldades que conhecidas pelo IBGE (Observatório, 2005). tornam a análise para esse contexto comprometida em função dos dados organizados nessa dimensão. Por esse motivo, neste trabalho, Estrutura econômica das metrópoles brasileiras vis-à-vis a economia nacional considerar-se-á a massa salarial, classificada pelos ramos de atividade econômica, como proxy da estrutura econômica das metrópoles, embora se reconheçam os seus limites. Inclusive, uma das dificuldades envolvidas refere-se Os dados econômicos utilizados para análise à dimensionalidade dessa variável, pois não das metrópoles brasileiras são provenientes do é capaz de apreender nem a estrutura, nem a Cadastro CEMPRE do IBGE, que agrupa infor- dinâmica da economia informal. Mesmo assim, mações de várias pesquisas setoriais segundo optou-se pela utilização dessa variável por ser as atividades econômicas, distribuídas por nú- uma das componentes da renda nacional e ser mero de empresas, pessoal ocupado e massa a variável de maior composição, expressando salarial. Estes dados foram trabalhados segun- de algum modo as condições econômicas da do os ramos de atividade econômica decorrente sociedade. 334 Book CM24_final.indb 334 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 331-347 jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:22 Metropolização e as estruturas produtivas Pode-se observar que a participação eco- serviços às empresas registraram aumento. Isso nômica das metrópoles no contexto nacional pode sugerir uma interpretação da mudança na foi reduzida ao longo do período de 1996 a organização da estrutura econômica das me- 2004, de acordo com os dados da Tabela 1, pois trópoles levada a cabo, sobretudo, pelas trans- passou de 67,2%, naquele ano, para 62,7%, formações no processo produtivo e de trabalho neste. Essa redução foi conduzida por todos os que foram muito mais efetivas nos setores in- setores de atividade, principalmente quando se dustriais e, portanto, nas metrópoles onde esse verifica o setor industrial, à exceção do setor de setor produtivo tendeu a se concentrar. E isso, serviços. Com esses dados gerais poderíamos por sua vez, teria provocado a migração de ati- chegar à conclusão de que as metrópoles estão vidades antes inseridas nas indústrias para o passando por um processo de desconcentração setor de serviços, devido a sua natureza. econômica, mas é preciso tomar certa cautela A participação das metrópoles referente para não sermos conduzidos a interpretações ao setor de construção civil também sofreu re- “afoitas” nesse processo. dução, embora de menor magnitude que aque- O debate da desconcentração econômica la registrada no setor industrial. Mas quando se está baseado, significativamente, no processo verifica a atividade “Obras de infraestrutura p/ de desconcentração das atividades industriais. energia elétrica e p/ telecomunicações”, obser- Quando se verificam os dados do setor indus- va-se significativo crescimento, pois passou de trial, percebe-se também uma redução na par- 49,6%, em 1996, para 67,4%, em 2004, embo- ticipação desse setor na economia do país em ra tenha atingido a marca de 72,9%, em 2000; pouco mais de 5% no período de 1996 a 2004. ou seja, cresceu em oito anos quase 20 pontos Porém, embora se verifique que as atividades percentuais. Isso quer dizer que as atividades li- industriais de bens tradicionais e de bens du- gadas às novas tecnologias, que têm a ver com ráveis tenham decrescido, as atividades di- as transformações estruturais ocorridas desde fusoras de progresso técnico apresentaram os anos 80, têm nas metrópoles o lócus princi- considerável crescimento. Essa constatação é pal de seu desenvolvimento. relevante, na medida em que se trabalha com O setor comércio, que também faz parte a hipótese de estar ocorrendo nas metrópoles do setor de serviços, está separado e desagre- uma mudança no padrão de produção indus- gado em seis atividades. Este foi o setor que trial. Se for esse o fato, a redução da massa teve a maior queda na participação das metró- salarial pode ser um fenômeno que ocorre pari poles na economia nacional, em mais de 6 pon- passu ao crescimento do produto nesse setor, tos percentuais. Mas esse setor de atividades sendo resultado das mudanças tecnológicas econômicas tem a característica de existir em do processo produtivo. todo o território nacional e, portanto, não apa- Corrobora com essa constatação o com- rece como atividade diferenciadora da estrutu- portamento exercido pelo setor de serviços; ra econômica. O seu comportamento não ajuda pois, embora algumas atividades tenham sofri- a explicar a dinâmica da economia e, principal- do redução, aquelas vinculadas à prestação de mente, as tendências existentes. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 331-347, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 335 335 09/11/2010 13:05:22 Luiz César de Queiroz Ribeiro e Marcelo Gomes Ribeiro Tabela 1 – Brasil: participação econômica¹ das metrópoles² segundo o setor de atividade Ano Setor de atividade econômica 1996 2000 2004 Indústria Duráveis Tradicionais Progresso técnico Commodities 61,5 73,0 63,9 69,0 45,9 59,4 68,5 60,1 67,3 47,1 55,2 62,9 57,1 70,9 41,9 Serviços Limpeza urbana e esgoto Financeiros, aluguéis e agrícolas Transporte e distribuição Prestados às empresas Prestados às famílias 75,7 81,3 85,9 70,1 78,5 74,8 76,7 75,1 84,6 68,8 82,0 72,6 75,3 71,9 73,4 66,7 82,2 70,0 Construção civil Aluguel de equipamentos de construção e demolição com operários Obras de acabamento Obras de infraestrutura para energia elétrica e para telecomunicações Obras de instalações Preparação do terreno Construção de edifícios e obras de engenharia civil 73,0 79,7 75,5 49,6 80,6 75,4 73,6 69,6 28,3 78,2 72,9 80,3 63,5 67,0 69,2 68,4 78,0 67,4 79,8 64,9 67,8 Comércio Comércio atacado Comércio varejo Comércio transporte Comércio combustível Representantes Outros 64,4 68,1 64,3 60,2 51,4 81,4 73,6 60,5 67,5 59,2 58,4 43,6 76,5 64,3 57,9 66,5 55,3 55,2 42,5 78,3 67,3 Total 67,2 66,0 62,7 ( ¹ ) Refere-se à massa salarial. ( ² ) São as aglomerações urbanas com funções metropolitanas: Belém, Belo Horizonte, Brasília, Campinas, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Fonte: Organizado pelo Observatório das Metrópoles. IBGE, cadastro Cempre. Nesse sentido, ao concentrar o esforço reduzido sua participação em detrimento do au- numa análise mais apurada da evolução da par- mento de outras, sobretudo aquelas que exigem ticipação das atividades econômicas industriais, maior desenvolvimento tecnológico. Assim, as de serviços e as voltadas à construção civil, metrópoles brasileiras continuam sendo os es- observa-se que está havendo mudanças no pa- paços da realização de grande parte das ativi- drão produtivo das metrópoles brasileiras, que dades econômicas do país e, por isso, possuem faz com que determinadas atividades tenham forte tendência em reafirmar sua centralidade. 336 Book CM24_final.indb 336 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 331-347 jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:22 Metropolização e as estruturas produtivas 1996 a 2004, na ordem de 7,4%. Essa redução Estrutura econômica intermetropolitana no total das metrópoles foi decorrente do crescimento negativo das metrópoles de Belém, Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro Em face da importância que têm ocupado as e São Paulo. Esta última metrópole, apesar de metrópoles brasileiras na economia do país, é ter registrado queda de 15,3%, teve redução mister compreender a relação entre elas, anali- relativamente pequena na participação do con- sada comparativamente. Para tanto, a tabela 2 junto das metrópoles, passando de 47,7% para apresenta a participação de cada uma das me- 43,6%, no mesmo período. Belo Horizonte e trópoles no conjunto e a variação relativa no Fortaleza, não obstante a redução na variação período de 1996 a 2004. Neste último aspecto, percentual de 1996 a 2004, tiveram aumento observa-se que o conjunto das metrópoles so- na participação do conjunto das metrópoles, freu redução da massa salarial, no período de mesmo que tenha sido pequeno. Tabela 2 - Participação das regiões metropolitanas no conjunto das metrópoles brasileiras¹ segundo a massa salarial e variação relativa 1996, 2000 e 2004 Região Metropolitana Belém Belo Horizonte Brasília2 Campinas Curitiba Florianópolis Fortaleza Goiânia Manaus Porto Alegre Recife Rio de Janeiro Salvador São Paulo Vitória Total Ano 1996 2000 2004 Variação (%) 2004/1996 1,0 6,2 2,5 4,5 4,5 0,9 1,7 1,3 1,3 5,9 2,6 15,5 3,1 47,7 1,4 1,0 6,1 2,7 5,1 5,0 1,0 1,7 1,4 1,4 5,8 2,6 14,9 3,0 46,9 1,4 1,0 6,7 3,2 5,5 5,1 1,1 1,8 1,5 1,7 6,1 2,5 15,2 3,4 43,6 1,7 -9,8 -0,9 20,9 13,3 3,7 16,2 -3,4 12,4 24,8 -3,4 -13,0 -9,4 2,6 -15,3 9,7 100,0 100,0 100,0 -7,4 ( ¹ ) São as aglomerações urbanas com funções metropolitanas. ( ² ) Compreende a Região de Desenvolvimento Integrado do Distrito Federal (RIDE). Fonte: Organizado pelo Observatório das Metrópoles. IBGE, Cempre 1996, 2000 e 2004. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 331-347, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 337 337 09/11/2010 13:05:22 Luiz César de Queiroz Ribeiro e Marcelo Gomes Ribeiro Além disso, observa-se que as outras me- seguiu aumentar sua participação 0,7%, pas- trópoles tiveram crescimento positivo no mes- sando de 2,5%, em 1996, para 3,2%, em 2004. mo período. Nestas, destacam-se o crescimento O maior destaque em termos de aumento na de Manaus (24,8%) e de Brasília (20,9%), ape- participação do conjunto das metrópoles é de sar de esse crescimento ter possibilitado o au- Campinas que, com variação de 13,3% entre mento da participação da primeira de apenas 1996 e 2004, passou de 4,5% para 5,5%, no 0,4% do conjunto das metrópoles. Brasília con- mesmo intervalo temporal. Tabela 3 – Participação das atividades econômicas¹ no conjunto das metrópoles brasileiras² Ano Setor de atividade econômica 1996 2000 2004 Indústria Duráveis Tradicionais Progresso técnico Commodities 39,9 7,2 19,4 5,9 7,4 36,1 6,0 18,1 5,6 6,4 38,7 6,1 18,0 6,1 8,5 Serviços Limpeza urbana e esgoto Financeiros, aluguéis e agrícolas Transporte e distribuição Prestados às empresas Prestados às famílias 35,3 0,8 2,1 10,2 16,2 5,9 38,8 0,6 2,1 9,5 19,8 6,8 36,9 0,7 1,7 8,8 19,8 5,8 6,9 0,0 0,4 0,3 0,6 0,4 5,2 6,0 0,0 0,5 0,9 0,7 0,3 3,7 5,9 0,1 0,3 0,6 0,7 0,3 4,0 17,9 4,9 9,2 2,5 0,7 0,4 0,2 19,0 5,0 10,2 2,4 0,8 0,4 0,2 18,6 5,4 10,0 2,0 0,7 0,4 0,2 100,0 100,0 100,0 Construção civil Aluguel de equipamentos de construção e demolição com operários Obras de acabamento Obras de infraestrutura para energia elétrica e para telecomunicações Obras de instalações Preparação do terreno Construção de edifícios e obras de engenharia civil Comércio Comércio atacado Comércio varejo Comércio transporte Comércio combustível Representantes Outros Total ( ¹ ) Refere-se à massa salarial. ( ² ) São as aglomerações urbanas com funções metropolitanas: Belém, Belo Horizonte, Brasília, Campinas, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Fonte: Organizado pelo Observatório das Metrópoles. IBGE, cadastro Cempre. 338 Book CM24_final.indb 338 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 331-347 jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:22 Metropolização e as estruturas produtivas Diante da análise entre as metrópoles, principalmente, os ramos de atividade do co- observa-se, na Tabela 3, a participação das ati- mércio atacado e comércio varejo, que são os vidades econômicas no conjunto das metrópo- principais componentes desse setor de ativida- les brasileiras. A indústria apresentou redução de econômica. na participação entre 1996 e 2000, mas apre- Observamos, mais uma vez, que, embo- sentou recuperação no ano de 2004, apesar de ra tenha havido redução na participação das não ter sido suficiente para atingir o mesmo metrópoles brasileiras na economia nacional e patamar de 1996. Nesse setor, constata-se que crescimento no conjunto das mesmas, no perío- os ramos de atividade econômica indústria de do de 1996 a 2004, quando se analisam os ra- bens duráveis e indústria de bens tradicionais mos de atividade que exige maior desempenho apresentaram queda, entre 1996 e 2004, e os tecnológico, as metrópoles ganharam impor- ramos de atividade denominados indústria de tância, tanto no que se refere aos ramos indus- difusão de progresso técnico e indústria de triais que sofreram primeiramente os impactos commodities registraram crescimento, embora das transformações tecnológicas quanto nos com oscilação para baixo no ano de 2000. serviços que passaram a ter conotação maior O setor de serviços apresentou crescimen- na medida em que várias etapas do processo to na participação do conjunto das metrópoles produtivo, que antes se concentravam na in- entre 1996 e 2004, apesar de neste último ano dústria, foram transferidas para este setor. ter atingido um patamar inferior ao registrado Assim, fica claro que o debate acerca em 2000. O único ramo de atividade econô- da territorialidade das mudanças econômicas mica que alcançou crescimento no período de no Brasil não pode desconsiderar a centrali- 1996 a 2004 na participação no conjunto das dade desempenhada pelas metrópoles, que metrópoles foi o de serviços prestados às em- continuam sendo lócus da concentração econô- presas. Todos os demais de ramos de atividades mica do país, embora tenha ocorrido uma re- tiveram participação reduzida nesse período, o lativa diversificação das atividades econômicas que demonstra o quanto aquele ramo de ativi- existentes no seu interior. dade econômica foi responsável pelo aumento no setor de serviços. O setor de construção civil teve redução na participação econômica no conjunto das metrópoles, passando de 6,9%, em 1996, para 5,9%, em 2000. Essa redução foi decorrente, Definição de uma tipologia econômica das metrópoles brasileiras sobretudo, do crescimento negativo do subsetor construção de edifícios e obras de cons- Para compreensão da organização das metró- trução civil. poles brasileiras segundo os ramos de ativida- Apesar da oscilação, o setor de comércio de econômica, foi realizada análise fatorial por apresentou crescimento na participação eco- correspondência binária, um procedimento es- nômica no conjunto das metrópoles entre os tatístico capaz de resumir dados multivariados anos de 1996 e 2004. Colaboraram para isso, segundo os principais aspectos diferenciadores Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 331-347, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 339 339 09/11/2010 13:05:22 Luiz César de Queiroz Ribeiro e Marcelo Gomes Ribeiro e que demarcam da melhor forma a distribui- Observa-se na análise fatorial que dois ção das variáveis (atividades econômicas) na eixos são responsáveis pela explicação de relação com as metrópoles. A partir dos prin- 74,1% da variância dos fatores, que diz respei- cípios de organização das metrópoles observa- to ao modo como as metrópoles se distribuem dos na análise fatorial, foi realizado outro pro- segundo as atividades econômicas, sendo que cedimento estatístico para agrupamento das o primeiro eixo corresponde a 52,2% e o se- metrópoles, chamado de análise de cluster. gundo a 21,9%, conforme Gráfico 1. Entender o que significa cada um desses eixos é importante para a compreensão dos princípios de Análise fatorial organização econômica das metrópoles brasileiras, tendo em vista que se acredita que esse Na análise fatorial por correspondência biná- percentual de explicação é muito robusto esta- ria, a interpretação dos resultados precisa ser tisticamente. vista de forma relativa, na medida em que o O primeiro fator (eixo) expressa a opo- posicionamento de cada metrópole se refere sição entre as categorias industriais de bens ao conteúdo que carrega das atividades econô- duráveis, bens tradicionais e bens difusores de micas em relação às demais metrópoles. Nesse progresso técnico, de um lado, e categorias de sentido, não se pode considerar sua posição de setores econômicos diversos, por outro lado, forma substantiva, porque cada metrópole é tais como commodities, prestação de serviço sempre definida numa análise de conjunto. às empresas e construção de edifícios e obras Gráfico 1 – Distribuição percentual da variância dos fatores 340 Book CM24_final.indb 340 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 331-347 jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:22 Metropolização e as estruturas produtivas de engenharia civil (Gráfico 2). Essa oposição caracterizam pelas atividades ligadas mais ao revela a diferenciação que a indústria tem dos processo produtivo e outras mais aos serviços outros setores de atividade econômica. E isso voltados a suprir a atividade produtiva. significa que ela se destaca como atividade que Quando se considera o resultado do se- marca distinção entre as metrópoles que estão gundo fator, observa-se que as metrópoles que sendo analisadas. exercem influência segundo as atividades eco- As metrópoles que exerceram influência na oposição descrita em relação ao primeiro nômicas antes descritas são Salvador e Vitória, de um lado, e Brasília e São Paulo, de outro. fator são Campinas, Manaus e São Paulo, onde De acordo com os resultados da análise destacam-se as atividades industriais, e Brasí- fatorial referentes ao conteúdo expresso pelos lia, Rio de Janeiro e Salvador, onde as ativida- dois primeiros fatores explicativos, podemos des de commodities, prestação de serviços às considerar que a atividade produtiva, sobre- empresas e construção de edifícios são mais tudo a industrial, coloca-se como aspecto di- expressivos em relação às demais metrópoles. ferenciador da estrutura econômica existentes O segundo fator (eixo) refere-se à opo- entre as metrópoles, inclusive as atividades sição entre as categorias commodities e trans- que se destacam dos demais setores econômi- porte e distribuição, de um lado, e prestação de cos são aquelas subsidiárias da indústria. Essa serviço às empresas e serviços financeiros, alu- constatação revela que a atividade produtiva guéis e agrícolas, de outro lado (Gráfico 2). Es- é a principal forma de organização econômica sa oposição revela que algumas metrópoles se das metrópoles brasileiras. Gráfico 2 – Plano cartesiano das atividades econômicas e metrópoles Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 331-347, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 341 341 09/11/2010 13:05:22 Luiz César de Queiroz Ribeiro e Marcelo Gomes Ribeiro Diversidade produtiva das metrópoles de serviços às famílias (8%). O setor de serviços é acompanhado pela Indústria (27,9%), A análise de cluster efetuada neste trabalho foi que tem como destaque as indústrias de bens definida com base nos princípios de organiza- tradicionais (14,6%) e commodities (9,6%). O ção das metrópoles segundo as atividades eco- setor de comércio participa com 21,6% e, nesse nômicas. Esses princípios são condizentes com setor, destacam-se o comércio varejista (12,4%) a definição dos fatores (eixos) considerados na e o comércio atacadista (5,9%). O setor de análise fatorial por correspondência binária. construção civil corresponde apenas a 6,9%, O procedimento executado considerou a dispersão entre as metrópoles de um mes- em que a principal atividade é construção de edifícios e obras de engenharia civil (4,5%). mo grupo, que precisa ser baixa, e a dispersão O segundo grupo se define principalmen- entre os grupos formados, que precisa ser al- te pelas atividades de prestação de serviços às ta. Assim, a partir de uma variância intraclasse empresas, prestação de serviços às famílias e de 18,5% e da variância interclasse de 81,5%, finanças, aluguéis e agrícola. Estas são ativi- foram formados quatro grupos de metrópoles, dades essencialmente do setor de serviços, e é conforme o Quadro e o Mapa 1. isso que caracteriza a metrópole contida nesse A caracterização de cada grupo corres- grupo, que é a região de desenvolvimento inte- ponde às atividades que o diferencia em relação grado do Distrito Federal (RIDE). Como se trata aos demais grupos e ao conjunto das metrópo- da capital do país, as atividades de serviços são les. Nesse sentido, o primeiro grupo, composto diferenciadoras em relação às outras metrópo- por seis regiões metropolitanas, caracteriza-se les e ao conjunto das mesmas. pelas atividades de transporte e distribuição e O setor de serviços é o setor de maior prestação de serviços às empresas. Embora se- composição do grupo 2, como pode ser obser- jam atividades do setor de serviços, elas pos- vado na Tabela 3, com participação de 59,7%. suem a característica de serem atividades com- O setor de comércio aparece como o segundo plementares da atividade produtiva. Esse grupo setor de maior composição nesse grupo, com também possui a segunda maior composição 22,8%, mas essa participação é relativamente nas atividades industriais de bens tradicionais, comum a todos outros grupos. As atividades comparativamente aos outros grupos. que se destacam nesse grupo são: comércio va- O setor de atividade econômica de maior rejista e comércio atacadista. A construção civil participação no grupo 1, conforme a Tabela 4, participa com 8,8% das atividades econômicas é Serviços, com 43,6%. Nesse setor, destacam- do grupo 2 e a indústria com 8,7%. Nesta últi- se Prestação de serviços às empresas (21,4%), ma, o único destaque é para indústria produto- Transporte e distribuição (11,3%) e Prestação ra de bens tradicionais (5,5%). 342 Book CM24_final.indb 342 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 331-347 jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:22 Metropolização e as estruturas produtivas Quadro 1 – Classificação econômica das metrópoles brasileiras Grupo 1 Grupo 2 Belém Florianópolis Fortaleza Goiânia Recife Rio de Janeiro Brasília Grupo 3 Grupo 4 Salvador Vitória Belo Horizonte Campinas Curitiba Manaus Porto Alegre São Paulo Mapa 1 – Tipologia econômica das metrópoles brasileiras Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 331-347, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 343 343 09/11/2010 13:05:22 Luiz César de Queiroz Ribeiro e Marcelo Gomes Ribeiro Tabela 4 – Perfil dos grupos segundo as atividades econômicas – 2004 Atividades econômicas Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4 Grupo 5 Indústria Bens duráveis Difusora de progresso técnico Bens tradicionais Commodities 27,9 0,8 2,9 14,6 9,6 8,7 0,3 0,8 5,5 2,1 34,8 1,9 1,5 9,9 21,5 43,9 8,4 7,7 20,4 7,5 38,7 6,1 6,1 18,0 8,5 Serviços Limpeza urbana e esgoto Financeiros, aluguéis e agrícolas Transporte e distribuição Prestados às empresas Prestados às famílias 43,6 1,3 1,6 11,3 21,4 8,0 59,7 2,2 6,5 3,0 39,6 8,3 36,1 1,3 0,9 11,8 16,5 5,6 33,7 0,4 1,6 8,1 18,6 4,9 36,9 0,7 1,7 8,8 19,8 5,8 6,9 0,1 0,8 0,3 0,3 0,9 4,5 8,8 0,0 0,7 0,1 0,2 0,8 6,9 10,0 0,1 0,2 0,5 0,5 1,0 7,7 5,1 0,0 0,5 0,3 0,3 0,6 3,4 5,9 0,1 0,6 0,3 0,3 0,7 4,0 21,6 5,9 12,4 2,0 0,7 0,4 0,2 22,8 4,6 13,0 3,2 1,5 0,2 0,2 19,1 4,5 11,2 2,2 0,8 0,2 0,1 17,3 5,3 8,9 2,0 0,6 0,4 0,1 18,6 5,4 10,0 2,0 0,7 0,4 0,2 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Construção civil Aluguel de equipamentos de construção e demolição c/ operários Obras de infraestrutura p/ energia elétrica e p/ telecomunicações Preparação do terreno Obras de acabamento Obras de instalações Construção de edifícios e obras de engenharia civil Comércio Comércio atacado Comércio varejo Comércio transporte Comércio combustível Representantes Outros Total Fonte: Organizado pelo Observatório das Metrópoles. IBGE, cadastro Cempre. A atividade definidora do terceiro grupo o setor industrial não chega a ser o setor de é, principalmente, commodities, cuja partici- maior composição, pois participa com 34,8% pação no conjunto das atividades econômi- contra a participação do setor de serviços, que cas corresponde a 21,5%. Nos outros grupos, corresponde a 36,1%, como se vê na Tabela 4. a participação dessa atividade não ultrapassa Neste último setor, destacam-se as atividades 7,5%, o que demonstra sua importância para prestação de serviços às empresas (16,5%) e composição do grupo 3. transporte e distribuição (11,8%). O setor de Embora as commodities sejam a ativida- comércio tem participação de 19,1% e as ativi- de econômica diferenciadora do terceiro grupo, dades mais significativas são comércio varejista 344 Book CM24_final.indb 344 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 331-347 jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:23 Metropolização e as estruturas produtivas (11,2%) e comércio atacadista (4,5%). O setor porção do território nacional, que correspon- de construção civil, não obstante ser o setor de de ao polígono definido por Diniz (1993). As menor composição do grupo 2, possui a maior outras metrópoles se baseiam, principalmente, participação nesse grupo ao comparar com os em atividades de serviços ou são subsidiárias demais grupos, atingindo 10% da participação. do setor industrial. O quarto grupo se caracteriza pelas atividades industriais, tanto relativas à produção de bens tradicionais e bens duráveis, como referente à produção de bens difusores de pro- Conclusão gresso técnico. À exceção de Manaus, todas as metrópoles que fazem parte desse grupo estão Este trabalho procurou analisar o peso das nas regiões Sul e Sudeste do país, onde se tem atividades econômicas das metrópoles brasi- concentrado parte significativa da indústria leiras na economia nacional, na perspectiva de brasileira, principalmente a partir do processo contribuir para o debate realizado na contem- de desconcentração econômica da área me- poraneidade acerca da desconcentração e/ou tropolitana de São Paulo (Diniz, 1993; Diniz e reconcentração econômica. Nesse sentido, foi Crocco, 1996). possível chegar a algumas conclusões, mesmo O setor de atividade de maior composição é também o industrial, com 43,9%. Os des- que preliminares, que podem ser resumidas da seguinte forma: taques são principalmente as atividades indus- 1) Há perda na participação das atividades triais produtoras de bens tradicionais (20,4%), econômicas nas metrópoles, principalmente indústrias produtoras de bens duráveis (8,4%) nos ramos de atividade que se haviam consoli- e bens difusores de progresso técnico (7,7%). dado até a década de 1970 no país, sobretudo Nestas duas últimas atividades, a participação em São Paulo; nesse grupo é aproximadamente três vezes 2) Em atividades decorrentes de progresso mais a participação que essas atividades têm técnico, a tendência verificada é a de que as nos outros grupos. metrópoles tendem a concentrá-las, pois há re- O setor de serviços aparece como a segunda maior composição (33,7%). Neste se- gistro de aumento na participação das metrópoles no conjunto da economia nacional; tor, destacam-se as atividades de prestação 3) Embora as tendências acima estejam se de serviços às empresas (18,6%) e transporte verificando para o conjunto das metrópoles, e distribuição (8,1%). O setor de comércio é não se pode considerá-las da mesma forma. o que possui a menor composição em relação Comportamentos diferentes têm sido observa- aos outros grupos, com 17,3%. O mesmo ocor- do entre elas, enquanto algumas metrópoles re com o setor de construção civil, que aparece como São Paulo e Rio de Janeiro apresentam com 5,1%. queda na variação temporal da participação Desse agrupamento formado, observa-se econômica do seu conjunto, outras como Ma- que mesmo entre as metrópoles brasileiras as naus, Brasília e Campinas possuem resultados atividades industriais estão concentradas numa completamente inversos. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 331-347, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 345 345 09/11/2010 13:05:23 Luiz César de Queiroz Ribeiro e Marcelo Gomes Ribeiro Em função das diferenças existentes en- As metrópoles que fazem parte do quar- tre as metrópoles, foi construída uma tipologia to grupo, à exceção de Manaus, estão localiza- econômica em que se formaram quatro grupos. das no polígono econômico definido por Diniz Os grupos 1 e 2 possuem forte presença das ati- (1993) e Diniz e Crocco (1996), o que sugere vidades de serviços, o que os diferencia dos de- que as atividades econômicas continuam cen- mais. Os grupos 3 e 4, pelo contrário, se carac- tralizadas nessa porção do território do país. E terizam, principalmente, pela presença das ati- mais que isso, que essas metrópoles continuam vidades industriais. O grupo 3 é marcado mais exercendo centralidade na economia nacional. pela presença das commodities, enquanto o As tendências observadas neste trabalho são grupo 4 destaca-se pela presença das indústrias uma constatação, contudo, precisam ser melhor de bens tradicionais, indústrias de bens duráveis aprofundadas sob a utilização de outros dados e indústrias difusoras de progresso técnico. econômicos. Luiz César de Queiroz Ribeiro Sociólogo. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. [email protected] Marcelo Gomes Ribeiro Economista e Sociólogo. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. [email protected] Nota (1) Refere-se à Região de Desenvolvimento Integrada do Distrito Federal (RIDE). 346 Book CM24_final.indb 346 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 331-347 jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:23 Metropolização e as estruturas produtivas Referências CANO, W. (1998). Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil: 1930-1995. Campinas, Ins tuto de Economia da Unicamp. DAVIDOVICH, F. (2004). “A ‘volta da metrópole’ no Brasil: referências para a gestão territorial”. In: RIBEIRO, L. C. Q. (org.). Metrópoles: entre a coesão e a fragmentação, a cooperação e o conflito. São Paulo/Rio de Janeiro, Fundação Perseu Abramo/FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional. DINIZ, C. C. (1993). Desenvolvimento poligonal no Brasil: nem desconcentração nem con nua polarização. Revista Nova Economia, v. 3, n. 1, pp. 35-64. DINIZ, C. C. e CROCCO, M. A. (1996). Reestruturação econômica e impacto regional: o novo mapa da indústria brasileira. Nova Economia. Belo Horizonte, v. 6, n. 1, pp. 77-103. DINIZ, C. C. e DINIZ, B. C. (2007). A região metropolitana de São Paulo: reestruturação, reespacialização e novas funções. EURE. San ago, v. XXXIII, pp. 27-43. FERRAZ, J. C. et al. (1996). 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Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 331-347, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 347 347 09/11/2010 13:05:23 Book CM24_final.indb 348 09/11/2010 13:05:23 Desigualdades nos mercados de trabalho metropolitano e não metropolitano brasileiro (1981-2006) Inequalities in the metropolitan and non-metropolitan Brazilian labor markets (1981-2006) Hipólita Siqueira Alexandre Gori Maia Resumo O objetivo deste artigo é analisar os impactos das mudanças na economia brasileira sobre o mercado de trabalho nas áreas metropolitanas e não metropolitanas durante o período 1981-2006. A hipótese central é de que houve piora em alguns dos importantes e já precários indicadores do mercado de trabalho brasileiro, sobretudo nas áreas metropolitanas, as quais concentram as maiores e melhores possibilidades de inserção ocupacional e de captação de renda. Para cumprir com o objetivo proposto, analisa-se a dinâmica dos indicadores de quantidade e qualidade das ocupações (taxa de ocupação, desemprego, subemprego e informalidade), a distribuição dos ocupados segundo setores de atividade econômica e a distribuição dos rendimentos entre as principais aglomerações metropolitanas e não metropolitanas do Brasil. Abstract The aim of this paper is to analyze the impacts of Brazilian economy changes on metropolitan and non-metropolitan areas labor market during the period 1981-2006. The central hypothesis is that some important and precarious labor market indicators have worsened, especially in the metropolitan areas which hold the best occupational insertion and income generation opportunities. In order to reach such purposes, this paper analyzes the dynamics of quality and quantity occupation indicators (employment rate, unemployment, underemployment, informality and wages) as well as their distribution according to major geographical region and economic sectors. Palavras-chave: desigualdades territoriais; mercado de trabalho; regiões metropolitanas e regiões não metropolitanas; economia brasileira; informalidade. Keywords: territorial inequalities; labor market; metropolitan and non-metropolitan areas; Brazilian economy; informality. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 349-367, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 349 09/11/2010 13:05:23 Hipólita Siqueira e Alexandre Gori Maia Introdução acesso a bens públicos teriam contribuído para a redução da capacidade do Estado de promover políticas de desenvolvimento (industrial, re- As transformações no ambiente econômico gional, agrícola, social, etc.). Em geral, os anos brasileiro nos anos 80 e 90 determinaram em 1990 foram marcados por elevada instabilida- grande medida uma dinâmica amplamente de nas taxas de crescimento econômico, de- desfavorável ao mercado de trabalho, tanto em terminando um ambiente de grande incerteza regiões metropolitanas como em regiões não para a realização de investimentos, apesar da metropolitanas, sendo importantes o aumento atração de certo volume de investimento direto do desemprego e a deterioração das condições externo.1 O ajuste produtivo ocorreu com mo- de inserção no mercado de trabalho (Maia, dernização das empresas e aumento do com- 2009). No início dos anos 80, a interrupção do ponente importado, porém, de modo bastante crédito internacional provocou o colapso da defensivo, sem a implantação de novos setores dívida externa brasileira, a qual crescera consi- capazes de compensar a destruição dos postos deravelmente na década de 70. Sem conseguir de trabalho e de gerar novas ocupações. renegociar a dívida, o governo brasileiro foi Com a alteração nos preços relativos obrigado a adotar uma política macroeconômi- pós-desvalorização cambial ao final da década ca que forçou uma adaptação da economia à de 90, o crescimento do comércio internacio- restrição externa através de uma profunda re- nal no início da década de 2000 e as melho- cessão entre os anos de 1981 e 1983. Como re- rias nos preços das commodities, houve uma sultado, houve uma brusca interrupção na tra- recuperação no dinamismo da economia bra- jetória de crescimento da economia brasileira e sileira, com inserção externa mais favorável. a estagnação iniciou-se com uma forte queda Embora em meio a políticas macroeconômicas do PIB, do poder de compra das remunerações ainda bastante restritivas e sem a remoção dos do trabalho e o avanço de uma cada vez mais obstáculos estruturais ao crescimento susten- descontrolada inflação. Seguiram-se inúmeras tado (elevadas taxas de juros, restrição fiscal tentativas frustradas de estabilização da eco- e financeira do Estado, frágil financiamento de nomia até o plano real de 1994. longo prazo, ausência de política industrial e Os anos 90 foram ainda marcados pela persistência de importantes gargalos na infra- disseminação de processos de abertura comer- estrutura econômica e social), houve certa re- cial e financeira, os quais ocorreram paralela- cuperação do crescimento industrial e amplia- mente à adoção de políticas de estabilização ção do consumo de bens e serviços (Amitrano, monetária, mediante elevadas taxas de juros, 2006). Este último aspecto também decorrente valorização cambial e intensificação da con- da intensificação das políticas de transferência corrência externa. O aumento da dívida pública de renda, de valorização do salário mínimo e da decorrente desses ajustes resultou em grave expansão do crédito pessoal (Quadros, 2008). deterioração do financiamento dos gastos e No que se refere às estruturas produtivas investimentos do setor público. Ao mesmo tem- regionais, foram mais acionadas aquelas refe- po, as privatizações de empresas estatais e do rentes ao agronegócio e à indústria extrativa 350 Book CM24_final.indb 350 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 349-367, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:23 Desigualdades nos mercados de trabalho... mineral. Também se alterou o quadro de baixo metropolitanas (ANM) brasileiras durante o dinamismo do mercado de trabalho caracterís- período de 1981-2006. Desse modo, visa con- tico dos anos 1990. Segundo as avaliações de tribuir para o debate sobre as desigualdades Baltar et al. (2006) e de Leone e Baltar (2007), regionais do mercado de trabalho brasileiro. A a queda das ocupações agrícolas foi interrom- hipótese central é a de que houve uma piora pida e ocorreu uma recuperação do crescimen- dos já precários indicadores do mercado de to das ocupações não agrícolas, sobretudo do trabalho brasileiro, especialmente nas AM. emprego assalariado em estabelecimentos No período mais recente, as menores taxas de com maior nível de formalização dos vínculos. desemprego observadas nas ANM não indica- Entretanto, os autores argumentam que a me- riam melhores condições em seus mercados lhoria no crescimento econômico foi insuficien- de trabalho. Por outro lado, são reforçadas as te para gerar ocupações em nível compatível evidências de que os impactos negativos das com o intenso crescimento da PEA na primeira transformações econômicas foram mais signi- metade da década atual. ficativos sobre os mercados de trabalho metro- Convém ressaltar que, apesar das me- politanos, os quais, guardadas as especificida- lhorias recentes nas taxas de crescimento eco- des regionais, concentram as maiores possibi- nômico, análises como a de Carneiro (2008) lidades de inserção ocupacional e de captação apontam para uma diminuição do adensamen- de renda fora do mercado de trabalho. to das cadeias produtivas, determinada pelas Além desta seção introdutória e das políticas macroeconômicas adotadas (libera- considerações finais, o artigo contém mais lização comercial, elevadas taxas de juros e duas seções principais. Na seção seguinte, é períodos recorrentes de apreciação da moeda feita uma breve análise sobre a situação mais nacional) e a instauração de um padrão de recente das desigualdades nas estruturas pro- crescimento comandado pela demanda do- dutivas regionais brasileiras, destacando que méstica e pelas exportações líquidas, em que apesar da continuidade das tendências de des- os investimentos assumem papel subordinado. concentração da atividade econômica no terri- Isso ocorreu nos segmentos industriais mais tório nacional, de maior ímpeto na década de dinâmicos do capitalismo contemporâneo 1970, elas não foram capazes de alterar radi- (intensivos em tecnologia e de maior valor calmente a divisão inter-regional do trabalho. agregado), com graves consequências para as Na terceira seção, são analisadas a dinâmica estruturas produtivas regionais mais diversifi- dos indicadores de quantidade e qualidade das cadas e integradas. ocupações (taxa de ocupação, desemprego, Nesse contexto de profundas transfor- subemprego e informalidade), a distribuição mações econômicas, o objetivo deste artigo dos ocupados segundo setores de atividade é analisar os impactos no mercado de traba- econômica e a distribuição dos rendimentos lho das áreas das metropolitanas (AM) e não entre as principais AM e ANM do Brasil. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 349-367, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 351 351 09/11/2010 13:05:23 Hipólita Siqueira e Alexandre Gori Maia Desigualdades nas estruturas produtivas regionais ao direito à cidade, exceto em suas modalidades e porções territoriais “ilegais”, em que não vigoram os preceitos jurídicos e urbanísticos estabelecidos. Os aspectos estruturais da questão regional A crise da dívida dos anos 1980 e as re- brasileira, sob o prisma da integração do mer- formas liberalizantes dos anos 1990 dificulta- cado nacional, foram tratados por Cano (2008) ram sobremaneira as políticas nacionais de de- através da proposição de uma periodização senvolvimento, importantes para a estruturação bem definida. O período de crescimento eco- dos processos descritos brevemente nos pará- nômico (1930-1970) foi marcado pela forte grafos anteriores. Sendo assim, determinaram concentração industrial no estado de São Pau- uma dinâmica macroeconômica amplamente lo e complementaridade com as demais es- desfavorável ao crescimento econômico e um truturas produtivas. A partir da década de 70, ambiente de grande incerteza para a realização inicia-se um período marcado por particulares, de investimentos autônomos. Houve ampliação heterogêneos, complexos e controvertidos pro- das lógicas de valorização financeira e o ajuste cessos de desconcentração regional produtiva. produtivo e patrimonial foi bastante defensivo, Os determinantes desses processos (expansão pautando-se, sobretudo, pelas privatizações, da fronteira agrícola, políticas estatais, fluxos ampliação da participação de empresas es- migratórios, etc.) foram amplamente discuti- trangeiras, aumento de componentes importa- dos pela literatura da área de economia re- dos, cortes significativos do pessoal ocupado e gional (Cano, 2008; Diniz, 1995; Azzoni, 1986; estratégias de terceirização/subcontratação e Pacheco, 1998; Guimarães Neto, 2002; Araújo, concentração em atividades-fim (core business) 2000). das empresas. No que se refere especificamente à ques- Ao longo das décadas de 1980 e 1990, o tão dos processos que atuaram na urbanização crescimento econômico foi inexpressivo, apre- e nos mercados regionais de trabalho, em meio sentando forte instabilidade. De acordo com à “fuga para a frente” da contínua apropriação Carneiro (2008), a instauração de um regime privada territorial e da constante interiorização de mercado desregulado e de um padrão de (Tavares, 1999), a expansão da fronteira agríco- crescimento ciclotímico, comandado pela de- la e os processos de industrialização intensifi- manda doméstica e pelas exportações líquidas, caram a formação de amplos estoques de mão teve graves consequências para a estrutura de obra nos distintos espaços urbanos brasi- produtiva nacional. Diminuiu o adensamento 2 leiros. Embora o período de 1960-1980 tenha das cadeias produtivas, especialmente da in- sido caracterizado pelo dinamismo na geração dústria de bens intensivos em trabalho e em de ocupações, tanto na indústria como no setor tecnologia. Tal padrão contrasta com o período terciário, boa parte desse excedente de mão de anterior, em que o crescimento acompanhava obra não foi incorporado aos segmentos mais expressiva diversificação da estrutura produti- organizados do mercado de trabalho. Tampou- va, num movimento de catching up com os paí- co houve acesso aos mercados habitacionais e ses desenvolvidos. 352 Book CM24_final.indb 352 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 349-367, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:23 Desigualdades nos mercados de trabalho... Nesse sentido, a interrupção dos proces- 2009). Reduziram as remunerações e a taxa de sos econômicos e sociais estruturantes e seus assalariamento no mercado de trabalho urba- efeitos podem ser observados em várias di- no, já bastante precarizado pelo elevado peso mensões: inserção externa vulnerável do país; das ocupações informais (trabalhadores sem manutenção de baixo nível de investimento e carteira, domésticos e por conta própria). A dis- inversões de capital de baixa qualidade em ter- tinção em relação ao período de 1950-1980 é mos de encadeamentos; desadensamento da que as maiores taxas de crescimento econômi- estrutura produtiva; precarização do mercado co, determinadas pela diversificação das estru- de trabalho; tendências pontuais de desconcen- turas produtivas no âmbito da implementação 3 tração “espúria”; ampliação das desigualda- de blocos descontínuos de investimento reper- des regionais e socioeconômicas; entre outras. cutiam na expansão das ocupações urbanas de As exorbitantes taxas de inflação e a cri- classe média, do emprego de maior qualifica- se fiscal gerada pelo comprometimento com o ção na administração pública e serviços sociais serviço da dívida refletiram-se em drástica re- e do emprego nas grandes empresas, privadas dução dos investimentos em infraestrutura e e estatais. Desse modo, refletiam-se em possi- desmontagem das instituições de planejamen- bilidades de ascensão social num movimento to regional e urbano criadas no período ante- de estruturação do mercado urbano de traba- rior. Fagnani (2005) chama a atenção para o lho assalariado (Siqueira, 2010b). fato de essas condições ocorrerem justamente No plano regional, apesar da reversão do no processo de redemocratização do país, no clico de crescimento econômico com a crise da âmbito da implementação da Constituição Fe- dívida externa nos anos 1980, a maturação dos deral de 1988 e da proliferação dos movimen- empreendimentos do II PND e as políticas de tos sindicais e sociais. Com isso, a defesa dos exportação para dar conta do serviço da dívi- rendimentos dos salários contra os aumentos da permitiram a continuidade dos movimentos de preços torna-se prioridade na retomada da de desconcentração regional da indústria. De ação sindical. acordo com Pacheco, entre 1980-1995, isso Nos anos 1990, o aumento do desemprego e a restrição das oportunidades de ocupação no mercado de trabalho nacional foram drásticos. Em termos gerais, houve diminuição do emprego em estabelecimentos e das ocupações nos setores agrícola, da indústria de transformação, construção civil, financeiro, serviços de utilidade pública e transportes, e aumento das ocupações no heterogêneo setor terciário. O aumento do desemprego e ocorreu de maneira menos intensa do que nos anos 1970, sendo acompanhada por [...] uma crescente heterogeneidade no desenvolvimento interno das regiões brasileiras, com o surgimento de “ilhas” de produtividade em quase todas as regiões, crescimento relativo maior das “antigas periferias” nacionais e uma importância maior do conjunto das “cidades médias”. (1998. p. 169) a redução da oferta de trabalho contribuíram Cano (2008) argumenta que, no movi- ainda para uma piora generalizada nas con- mento de desconcentração regional do “perío- dições de inserção dos trabalhadores (Maia, do neoliberal” (1990-2005), alguns processos Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 349-367, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 353 353 09/11/2010 13:05:23 Hipólita Siqueira e Alexandre Gori Maia estariam atuando em dois sentidos. Num senti- valor agregado) e desconcentração (dos seto- do inter-regional, em prejuízo ao estado de São res intensivos em trabalho e recursos naturais) Paulo, tendo como principais determinantes: a) num quadro geral de desigualdades sociais os benefícios financeiros e fiscais concedidos (pobreza, miséria e desemprego aberto). De- pela guerra fiscal; b) a continuidade da expan- sigualdades estas que ainda permanecem ina- são da fronteira agrícola e de recursos mine- ceitáveis, tanto nas regiões “mais pobres” co- rais; c) a expansão urbana em regiões menos mo nas “mais ricas”, e reforçam a questão da desenvolvidas, uma vez que a crise afetou mais insuficiência da desconcentração da indústria a economia paulista e inibiu o movimento mi- para a redução das desigualdades regionais. gratório inter-regional; e d) as políticas de in- Igualmente, ressalta a necessidade de se ques- centivo ao turismo nacional. Simultaneamente, tionarem as “causas estruturais regionais que teria ocorrido um reforço da concentração nos perpetuam um quadro social com índices de- ramos industriais de maior avanço tecnológico ploráveis de pobreza” e de enfrentamento das no estado de São Paulo. Num sentido intraesta- “estruturas (regionais) de dominação: renda, dual, outros fatores favoreceram a indústria do propriedade, controle político, acesso ao Esta- interior paulista: melhorias e transformações do, etc.” (ibid, p. 18). na infraestrutura de transporte; modernização Como ressaltado em Siqueira (2010a), agrícola e agroindustrial (beneficiados pela os investimentos realizados e projetados mar- melhoria nos preços de produtos como carne cam novas tendências locacionais e, ao mes- bovina e açúcar); implantação de projetos de mo tempo, confirmam tendências na divisão polos tecnológicos; guerra fiscal entre municí- inter-regional de períodos anteriores, no sen- pios paulistas; e a recuperação dos preços in- tido de algumas especializações regionais já ternacionais do petróleo e melhores condições existentes e na manutenção do estado de São cambiais, favorecendo a produção de álcool. Paulo como principal núcleo de acumulação. A Por outro lado, para Cano (2008), no pe- análise do desempenho dos principais setores ríodo que se inicia com a crise da dívida dos produtivos das macrorregiões brasileiras e da anos 1980, alguns processos impediram um distribuição regional das intenções de investi- aprofundamento ainda maior das desigualda- mento confirma a configuração de uma dinâ- des regionais. Foram estes: a) o crescimento da mica regional caracterizada por tendências de urbanização nas regiões mais periféricas deter- desconcentração, as quais foram determina- minada pela continuidade da expansão da fron- das pelo acirramento da guerra fiscal e pela teira agrícola e mineral; b) pequeno crescimen- proximidade das fontes de recursos naturais to industrial; c) expansão dos gastos sociais a (agronegócio e indústria mineral extrativa). partir da Constituição de 1988; e d) expulsão Simultaneamente, são fortes as tendências de trabalhadores em atividades agrícolas. de reconcentração regional, as quais mais re- Todavia, o autor assinala a importân- centemente dizem respeito não só a alguns cia de considerar essa “acomodação” e os setores dinâmicos e de maior conteúdo tecno- movimentos de reconcentração (da atividade lógico, mas também a outros fatores como, por industrial com maior conteúdo tecnológico e exemplo, as macroestratégias governamentais 354 Book CM24_final.indb 354 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 349-367, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:23 Desigualdades nos mercados de trabalho... de fortalecer a indústria naval e os desdobra- previdenciária, jornada inferior a 35 horas de mentos do Pré-sal, dos Jogos Olímpicos e do trabalho e rendimento médio/hora no trabalho Trem-Bala. Nesse movimento, atuam impor- principal. tantes “requisitos locacionais”, dentre eles, a Na composição da População Economi- oferta de mão de obra qualificada, eficiente camente Ativa (PEA), foram considerados como infraestrutura de transporte, proximidade a ocupados os indivíduos com 10 anos ou mais mercados consumidores de maiores dimensões de idade que tinham trabalho remunerado na e de alta renda. Porém, outro fator de grande semana ou que exerciam trabalho não remune- importância diz respeito à inércia e rigidez rado durante pelo menos 15 horas na semana. locacional determinada pelo alto custo de ca- Como desempregados, foram considerados os pital da saída das grandes metrópoles e das indivíduos com 10 anos ou mais de idade que aglomerações já consolidadas em uma econo- não estavam ocupados na semana, mas que, mia em regime de baixo crescimento. num período de 2 meses, estavam à procura de Por fim, encerrando essa seção, caberia trabalho. A taxa de desemprego foi estimada ressaltar a necessidade de investigações críti- pelo percentual de desempregados em relação cas e interdisciplinares que possibilitem inter- à PEA e a taxa de participação pelo percentual pretações mais aprofundadas dos complexos da PEA em relação à População em Idade Ativa processos de urbanização, de reorganização (PIA), ou seja, pessoas com 10 anos ou mais de econômica, de aprimoramento ou não de nos- idade. sas forças produtivas, dos mercados de traba- Estimou-se ainda a percentagem de lho, das condições sociais e outras, em análises ocupados sem contribuição previdenciária e que pudessem tratar esses processos de manei- com jornada inferior a 35 horas semanais como ra devidamente regionalizados. aproximações, respectivamente, das condições da informalidade e subemprego no mercado de trabalho. Esse procedimento justifica-se pela O mercado de trabalho metropolitano e não metropolitano brasileiro ausência de informações específicas sobre esse tema nos questionários da PNAD que permitam uma comparação ao longo do tempo delimitado. No conjunto das AM foram consideradas Procedimentos metodológicos as 10 principais da PNAD: Distrito Federal (Região Centro-Oeste); São Paulo, Rio de Janeiro Os resultados deste trabalho apoiaram-se nas e Belo Horizonte (Região Sudeste); Porto Ale- informações disponibilizadas pela Pesquisa gre e Curitiba (Região Sul); Salvador, Recife e Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), Fortaleza (Região Nordeste) e Belém (Região do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta- Norte). Os setores de atividade econômica fo- tística (IBGE), para os anos de 1981 a 2006. ram agregados em 14 categorias: 1) ativida- Serão apresentadas análises sistematizadas des agrícolas; 2) indústria da transformação; segundo setores de atividade, contribuição 3) outras atividades industriais; 4) construção Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 349-367, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 355 355 09/11/2010 13:05:23 Hipólita Siqueira e Alexandre Gori Maia civil; 5) comércio e reparação; 6) alojamento reduz no Norte (apenas Belém) (de 26% para e alimentação; 7) transporte, armazenagem 20%) e no Sul (de 47% para 45%) e se man- e comunicação; 8) administração pública; 9) tém em 16% no Nordeste. Essas mudanças educação, saúde e serviços sociais; 10) serviços podem indicar maior pressão sobre os merca- domésticos; 11) setor financeiro; 12) atividade dos de trabalho das AM que aumentaram suas a empresas; 13) serviços pessoais e recreativos; participações, porém tal afirmação exige um 14) outros serviços. exame detalhado dos fluxos migratórios re- Os níveis econômicos da população ocupada foram analisados a partir do rendi- gionais, o que, por sua vez, excede os limites deste trabalho. mento da ocupação principal. Todos os valores O período analisado abrange, em sua foram deflacionados para (R$) Reais de 1º de maioria, uma trajetória bastante errática de outubro de 2007 a partir do INPC (Índice Na- crescimento econômico no Brasil, marcada por cional de Preços ao Consumidor), corrigido pa- elevadas taxas de inflação na década de 1980 ra a PNAD. Porém, foi feito um ajuste no índice e início de 1990 e miniciclos de crescimento de inflação para que esse captasse as variações das taxas anuais do PIB (1984-87; 1993-97; percebidas no dia 1º de cada mês, período de 2000; 2004-06). Junto com as mudanças no referência para os rendimentos coletados pela contexto econômico internacional e o conjun- PNAD e, com isso, não permaneça centrado no to diverso de políticas econômicas internas dia 15 de cada mês, como originalmente prevê adotadas, representadas por uma série de pla- sua metodologia (Corseuil e Foguel, 2002). nos de estabilização inflacionária, a abertura comercial e financeira, privatizações, etc., os horizontes de baixo crescimento econômico Resumo e discussão dos resultados determinaram cenários bastante instáveis para a realização de investimentos com consequên- Com uma população total de 27 milhões de cias extremamente negativas para a geração ocupados, as 10 principais AM identificadas de ocupações. pela PNAD concentravam um terço da popu- Entre 1981-2001, a taxa anual de cresci- lação ocupada nacional em 2006, sendo que mento das ocupações é a mesma para o total este percentual praticamente não se altera en- das AM e ANM (Tabela 2). Porém, há distintas tre 1981-2006 (Tabela 1). No que se refere ao taxas regionais: as ocupações das AM crescem total das macrorregiões, a maior concentração mais no Nordeste e no Sul; e crescem menos no das ocupações nas AM em 2006 foi observa- Norte (Belém) e no Sudeste. No Centro-Oeste, a da no Sul e a menor no Nordeste. Porém, ao diferença não é significativa. No período 2001- longo do período analisado, esses percentuais 2006, de melhor crescimento econômico do PIB sofrem alterações divergentes. A concentração nacional, a taxa total das AM é maior, o que aumenta nas AM do Sudeste (de 16% para se repete em todas as regiões, com exceção do 20%) e do Centro-Oeste (de 19% para 26%), Norte (Belém). 356 Book CM24_final.indb 356 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 349-367, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:23 Desigualdades nos mercados de trabalho... Tabela 1 – Distribuição dos ocupados segundo região geográfica e área censitária – Brasil1 1981, 2001 e 2006 1981 AM Região (1.000) pessoas 2001 ANM % (1.000) pessoas AM % (1.000) pessoas 2006 ANM % (1.000) pessoas AM % (1.000) pessoas ANM % (1.000) pessoas % Norte 268 26,3 753 73,7 691 21,0 2.594 79,0 858 20,1 3.401 79,9 Nordeste 1.974 16,3 10.126 83,7 3.884 19,6 15.933 80,4 4.458 20,0 17.871 80,0 Sudeste 9.792 47,4 10.868 52,6 14.476 44,8 17.845 55,2 16.848 44,9 20.693 55,1 Sul 1.576 18,9 6.761 81,1 3.099 25,0 9.273 75,0 3.567 25,8 10.271 74,2 Centro-Oeste 467 16,3 2.395 83,7 916 15,3 5.069 84,7 1.103 16,1 5.749 83,9 Total 14.077 31,3 30.903 68,7 23.065 31,3 50.715 68,7 26.833 31,6 57.985 68,4 Fonte: PNAD, microdados, IBGE. (1) Exclusive áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. Tabela 2 – Taxa anual de crescimento das ocupações, segundo região geográfica e área censitária Brasil1 (2001/1981 e 2006/2001) Região Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Total 2001/1981 2006/2001 AM ANM AM ANM 4,8 3,4 2,0 3,4 3,4 2,5 6,4 2,3 2,5 1,6 3,8 2,5 4,4 2,8 3,1 2,9 3,8 3,1 5,6 2,3 3,0 2,1 2,6 2,7 Fonte: PNAD, microdados, IBGE. (1) Exclusive áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. Antes de avaliar a qualidade das ocupa- dos já precários indicadores do mercado de tra- ções nos diversos setores econômicos das AM balho brasileiro (Maia, 2009). No Brasil, a taxa e ANM brasileiras, é essencial ressaltar o com- de desemprego entre 1981 e 2006 teve aumen- portamento da economia e suas consequên- to expressivo de 5,9% para 10,7%. Nas AM, cias para o mercado de trabalho no período. O a taxa de desemprego, que já era elevada em baixo crescimento da economia observado nos 1981 (8,7%), chegou a 13,8% em 2006. Como últimos 26 anos pode ser apontado como um podem ser observadas na Figura 1, as taxas dos principais determinantes da deterioração de desemprego são mais elevadas nas AM do Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 349-367, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 357 357 09/11/2010 13:05:23 Hipólita Siqueira e Alexandre Gori Maia que nas ANM, o que estaria mais relacionado nas ANM. O desemprego voltou a subir na ao funcionamento diferenciado dos mercados segunda metade da década de 1990, quando de trabalho nas AM (estruturas ocupacionais novamente pioraram as taxas de crescimento mais complexas e heterogêneas, pressões mi- da economia. Tanto nas AM quanto nas ANM, gratórias, elevadas taxas de rotatividade, etc.) os picos das taxas de desemprego foram ob- do que a uma suposta maior capacidade de ge- servados na metade do segundo mandato ração de emprego das ANM. Ademais, ambas do Governo FHC, em 2000, e no segundo apresentaram a mesma trajetória de aumento ano do mandato do Governo Lula em 2003. do desemprego no período analisado. Desde então, a retomada do crescimento da O desemprego cresceu, sobretudo entre economia mundial tem impulsionado a eco- 1990 e 1992, como reflexo das taxas negati- nomia brasileira e vem reduzindo a taxa de vas de crescimento econômico e elevados ín- desemprego do país. Entretanto, a taxa de dices de inflação. Entre 1993 e 1996, maiores desemprego em 2006, de 13,8% nas AM e de taxas de crescimento do PIB podem ter impe- 9,1% nas ANM, era bastante superior às ta- dido o crescimento do desemprego, que ficou xas observadas em 1981, de 8,7% e de 4,5%, estabilizado em 11% da PEA nas AM e 7% respectivamente. Figura 1 – Taxa de Participação (TP) e Taxa de Desemprego (TD) segundo área censitária – Brasil1 1981 a 2006 Fonte: PNAD, microdados, IBGE. (1) Exclusive áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. 358 Book CM24_final.indb 358 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 349-367, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:23 Desigualdades nos mercados de trabalho... As taxas de participação (TP: participa- 26% para 16% entre 1981-2006 (Tabela 3). ção da PEA no total da PIA) das AM e ANM Em menor medida, também houve uma queda foram praticamente semelhantes. Na década nas ocupações dos setores da construção civil, de 1980, o crescimento da TP esteve associa- administração pública e serviços financeiros. do, sobretudo, à maior parcela de ocupados Dentre os demais setores, não houve aumen- na PIA, visto que a taxa de desemprego não tos significativos de participação de nenhum cresceu nesse período. A partir da década de setor considerado individualmente. O setor 1990, o crescimento da TP passou a estar asso- de comércio e reparação, que já tinha contri- ciada, sobretudo, ao crescimento do número de buição importante no total das ocupações em desempregados. 1981 (17%), aumentou sua participação para Ocorreram ainda mudanças importantes 20% em 2006. Também tiveram aumentos de na composição setorial das ocupações. Nas percentuais relativos: atividades a empresas, AM, a mudança mais importante foi a brusca educação, saúde e serviços sociais, alojamento redução da participação relativa das ocupa- e alimentação, serviços pessoais e recreativos, ções industriais no total das ocupações, de serviços domésticos e outros serviços. Tabela 3 – Distribuição dos ocupados segundo setor de atividade e área censitária – Brasil1 1981 e 2006 1981 Setor de atividade Atividades agrícolas Indústria transformação Outras ativ. industriais Construção civil Comércio e reparação Alojam. e alimentação Transp., armaz. e com. Administração pública Educ., saúde e serv. soc. Serviços domésticos Setor financeiro Atividades a empresas Serviços pes. e recreat. Outros serviços Total AM Pessoas (1.000s) 253 3.642 197 1.214 2.356 463 856 948 1.127 1.113 546 572 440 351 14.077 2006 ANM % 1,8 25,9 1,4 8,6 16,7 3,3 6,1 6,7 8,0 7,9 3,9 4,1 3,1 2,5 100,0 Pessoas (1.000s) 13.017 3.965 415 2.411 3.378 605 1.073 1.030 1.693 1.606 376 404 570 362 30.903 AM % 42,1 12,8 1,3 7,8 10,9 2,0 3,5 3,3 5,5 5,2 1,2 1,3 1,8 1,2 100,0 Pessoas (1.000s) 337 4.185 211 1.895 5.432 1.293 1.681 1.392 2.915 2.316 582 2.095 1.260 1.283 26.833 ANM % 1,3 15,6 0,8 7,1 20,2 4,8 6,3 5,2 10,9 8,6 2,2 7,8 4,7 4,6 100,0 Pessoas (1.000s) 13.253 8.065 515 3.769 10.195 2.080 2.358 3.028 5.028 4.401 488 1.864 1.653 1.290 57.985 % 22,9 13,9 0,9 6,5 17,6 3,6 4,1 5,2 8,7 7,6 0,8 3,2 2,9 2,2 100,0 Fonte: PNAD, microdados, IBGE. (1) Exclusive áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 349-367, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 359 359 09/11/2010 13:05:24 Hipólita Siqueira e Alexandre Gori Maia Nas ANM reduziu-se expressivamente a se diferenciam em seus contextos regionais. O participação relativa das ocupações agrícolas mesmo pode ser identificado em termos das (de 42% em 1981 para 26% em 2006), o que articulações das atividades de serviços com as estaria associado à expansão de culturas alta- industriais e agrícolas (refletindo as estraté- mente mecanizáveis, pouco intensivas em mão gias empresariais de reestruturação produtiva) de obra. Por outro lado, comércio e reparação e intrassetorias, como a diversidade de ativi- foi o setor que mais aumentou seu percentual dades que compõem os agregados comércio e relativo, de 11% para 18%. Também aqui não reparação, atividades a empresas e alojamento houve aumento significativo da participação e alimentação. relativa de nenhum setor considerado indi- No entanto, para além do que as diferen- vidualmente. À exceção de outras atividades cia, a qualidade dessas ocupações pode ser um industriais, construção civil e setor financeiro, aspecto geral que as iguala. Essa hipótese pode todos os demais tiveram pequenos aumentos ser atestada pelo aumento dos índices de in- em seus percentuais. formalidade e subemprego dos trabalhadores. Apesar de essas mudanças terem ocor- A parcela de trabalhadores sem contribuição rido no sentido do aumento das atividades de previdenciária oficial, como indicador de apro- serviços, a elevada heterogeneidade desse se- ximação da condição de informalidade, passou tor não permite determinar tendências gerais de 25% dos ocupados das AM em 1981 para para esse movimento, sobretudo considerando 39% em 2006 (Tabela 4). as diferenças existentes não só nas estruturas Entre as AM, Brasília apresentou o menor produtivas entre ANM e as AM, mas também crescimento da informalidade e as AM do Sul, entre e no interior das próprias AM. A queda onde a informalidade era a menos expressiva, do emprego industrial pode estar sendo puxa- o maior crescimento. Nas ANM, houve uma li- da pelas metrópoles onde a indústria é mais geira redução dessa participação (de 61% para importante, como a de São Paulo, o que, por 54%), embora os trabalhadores sem contribui- sua vez, mereceria uma análise mais apurada. ção previdenciária continuem representando Porém, os movimentos sugerem os impactos parcela majoritária da população ocupada. negativos das políticas macroeconômicas e Contribuíram para esse processo, sobretudo, dos sucessivos ajustes produtivos que resulta- o crescimento da contribuição nas ANM da ram bastante prejudiciais aos setores de maior Região Sul e Sudeste. Nas regiões menos de- contribuição no total das ocupações. As alter- senvolvidas, Norte e Nordeste, a infomalidade nativas ao desemprego foram dadas principal- é mais acentuada. Os dados do período 2001- mente pela inserção em serviços com lógicas 2006 sugerem ainda uma tênue redução geral organizacionais extremamente diversas como da informalidade, embora permaneça bastante comércio e reparação; atividades a empresas e acentuada em Belém e nas AM do Nordeste e serviços domésticos que, por sua vez, também nas ANM de todas as macrorregiões. 360 Book CM24_final.indb 360 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 349-367, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:24 Desigualdades nos mercados de trabalho... Tabela 4 – Percentagem de ocupados sem contribuição previdenciária oficial segundo grande região e área censitária – Brasil1 1981, 2000 e 2006 Região 1981 2001 2006 AM ANM AM ANM AM ANM Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste 33,5 35,3 24,0 20,1 25,5 49,1 76,6 49,4 60,0 58,6 56,3 51,5 38,3 38,2 36,9 61,4 76,1 45,9 51,4 59,8 56,4 48,7 36,7 35,8 33,2 57,5 73,1 41,3 44,8 53,6 Total 25,4 61,3 41,0 58,6 39,1 53,9 Fonte: PNAD, microdados, IBGE. (1) Exclusive áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. Em termos setoriais, a construção civil, pessoais e construção civil, seja um dos setores reconhecida pela elevada informalidade de onde a contribuição previdenciária é bem me- suas ocupações, apresentou a pior dinâmica nor nas AM. para a contribuição previdenciária nas AM: Nas ANM, as mudanças positivas ocor- cresceu 32 pontos percentuais entre 1981 e reram com o aumento do percentual de traba- 2006, superando a elevada taxa observada no lhadores com contribuição previdenciária nos setor doméstico e permanecendo atrás ape- serviços domésticos e nas atividades agrícolas. nas do historicamente precário setor agrícola Assim como nas AM, além do crescimento eco- (Tabela 5). O percentual de trabalhadores sem nômico positivo, isso pode estar também rela- contribuição previdenciária também cresceu de cionado a uma maior atuação do Estado nos modo significativo e generalizado nos demais últimos anos no que se refere à formalização setores, tanto naqueles que diminuíram sua dos vínculos de emprego, como observado em participação relativa no total das ocupações, Baltar et al. (2006). No entanto, também hou- indústria de transformação e setor financeiro, ve um forte movimento de informalização em como naqueles que aumentaram, por exemplo, alguns setores, como pode ser observado no comércio e reparação, atividades a empresas aumento do percentual de não contribuição e alojamento e alimentação. Uma tendência de trabalhadores em transporte, armazenagem positiva pode ser observada na redução de 5,5 e comunicação, construção civil, alojamento e p.p no percentual de não contribuição dos ser- alimentação, setor financeiro, comércio e repa- viços domésticos, embora junto com serviços ração e atividades a empresas. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 349-367, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 361 361 09/11/2010 13:05:24 Hipólita Siqueira e Alexandre Gori Maia Tabela 5 – Percentagem de ocupados sem contribuição previdenciária oficial, segundo setor de atividade e área censitária – Brasil1 1981 e 2006 1981 Setor de atividade 2006 AM ANM AM ANM Atividades agrícolas Indústria transformação Outras ativ. industriais Construção civil Comércio e reparação Alojam. e alimentação Transp., armaz. e com. Administração pública Educ., saúde e serv. soc. Serviços domésticos Setor financeiro Atividades a empresas Serviços pes. e recreat. Outros serviços 72,6 15,2 5,2 31,2 30,4 31,4 10,6 17,2 12,7 68,0 3,0 13,6 57,8 22,7 91,9 33,1 23,4 51,8 40,5 48,4 25,2 16,2 14,3 83,3 3,9 23,8 71,9 38,1 78,4 32,0 10,5 63,2 44,7 49,9 28,4 18,0 19,9 62,5 13,4 25,1 60,6 38,0 83,7 35,6 19,9 70,7 51,0 61,2 44,4 13,9 16,0 74,2 17,2 32,5 71,5 49,8 Total 25,4 61,3 39,1 53,9 Fonte: PNAD, microdados, IBGE. (1) Exclusive áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. Tabela 6 – Percentagem de ocupados com jornada inferior a 35 horas semanais segundo grande região e área censitária – Brasil1 1981, 2000 e 2006 Região 1981 2001 2006 AM ANM AM ANM AM ANM Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste 15,8 18,0 15,3 15,2 12,2 14,3 26,3 13,4 16,3 13,3 22,8 24,7 18,4 19,2 20,3 21,4 35,4 20,6 22,8 23,0 28,2 23,8 19,8 19,8 19,5 24,1 39,9 21,7 25,1 24,6 Total 15,6 18,3 19,8 26,0 20,7 28,4 Fonte: PNAD, microdados, IBGE. (1) Exclusive áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. No que se refere à parcela de trabalhado- ocupados nas AM e 28% nas ANM (Tabela 6). res com jornada inferior a 35 horas semanais, Os dados também sugerem que o subemprego utilizada como aproximação para a mensura- teria aumentado mesmo no recente período de ção do subemprego, essa aumentou nas duas crescimento econômico, sobretudo nas ANM da regiões, porém de forma mais intensa nas região Nordeste, onde já era mais acentuada ANM. Em 2006, estes representavam 21% dos em 1981. 362 Book CM24_final.indb 362 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 349-367, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:24 Desigualdades nos mercados de trabalho... A deterioração dos indicadores de jorna- Apesar de ter ocorrido uma melhora no ren- da de trabalho também ocorreu de modo bem dimento médio/hora do trabalho principal das generalizado entre os setores de atividade, po- ANM entre 1981-2006, este continuava infe- rém com maior vigor em atividades agrícolas, rior ao das AM em 2006 (R$ 2,3 a menos do alojamento e alimentação e serviços domésticos que o dos trabalhadores das AM) (Tabela 8). A (Tabela 7). Associada aos indicadores de infor- tendência de queda do rendimento médio nas malidade de parcela expressiva das ocupações, AM continuou mesmo no período 2001-2006. o crescimento da subjornada sugere o cresci- Entretanto, são observadas importantes distin- mento expressivo do subemprego, ou seja, de ções entre as regiões que de modo geral refle- ocupações em caráter parcial e temporário nos tem o padrão desigual da distribuição de renda mercados de trabalho das AM e das ANM, como do país: aumento do rendimento na RIDE de forma de inserção precária num contexto de ma- Brasília, superior tanto às demais AM como às nutenção das taxas elevadas de desemprego. ANM; melhores rendimentos nas AM do Sul e Diferenças expressivas entre as AM e Sudeste; queda dos rendimentos nas AM Norte ANM são também observadas em relação ao (Belém) e Nordeste; rendimentos bastante infe- padrão de remuneração dos trabalhadores. riores nas ANM do Nordeste. Tabela 7 – Percentagem de ocupados com jornada inferior a 35 horas semanais, segundo setor de atividade e área censitária – Brasil1 1981 e 2006 Setor de atividade 1981 2006 AM ANM AM ANM Atividades agrícolas Indústria transformação Outras ativ. industriais Construção civil Comércio e reparação Alojam. e alimentação Transp., armaz. e com. Administração pública Educ., saúde e serv. soc. Serviços domésticos Setor financeiro Atividades a empresas Serviços pes. e recreat. Outros serviços 16,2 8,3 4,8 4,5 13,2 11,2 6,8 21,1 40,7 19,3 22,4 15,3 46,2 22,6 18,3 14,5 5,4 11,1 14,0 14,5 6,7 16,1 46,3 19,1 19,4 12,4 53,8 20,5 35,2 13,0 7,4 10,6 16,6 19,1 9,2 20,4 37,4 36,7 20,0 16,2 37,0 18,9 39,9 16,7 9,7 8,8 21,4 24,5 15,1 25,6 43,3 41,0 25,6 21,0 45,0 28,1 Total 15,6 18,3 20,7 28,4 Fonte: PNAD, microdados, IBGE. (1) Exclusive áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 349-367, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 363 363 09/11/2010 13:05:24 Hipólita Siqueira e Alexandre Gori Maia Tabela 8 – Rendimento médio/hora do trabalho principal na semana1 segundo grande região e área censitária – Brasil2 1981 e 2006 (em Reais) Região 1981 2001 2006 AM ANM AM ANM AM ANM Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste 5,3 5,5 7,7 6,9 8,8 4,9 2,5 4,6 4,2 4,2 5,3 4,8 7,5 6,5 9,5 4,3 2,2 4,9 4,3 4,5 4,6 4,8 7,1 6,6 10,8 4,8 2,7 5,2 5,2 4,9 Total 7,3 3,8 6,9 3,9 6,7 4,4 Fonte: PNAD, microdados, IBGE. (1) Valores em 1º de outubro de 2007 (INPC corrigido para a PNAD, IPEA). (2) Exclusive áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. Tabela 9 – Rendimento médio/hora do trabalho principal na semana1 segundo setor de atividade e área censitária – Brasil2 1981 e 2006 (em Reais) Setor de atividade Atividades agrícolas Indústria transformação Outras ativ. industriais Construção civil Comércio e reparação Alojam. e alimentação Transp., armaz. e com. Administração pública Educ., saúde e serv. soc. Serviços domésticos Setor financeiro Atividades a empresas Serviços pes. e recreat. Outros serviços Total 1981 2006 AM ANM AM ANM 5,7 7,6 13,0 5,1 6,0 4,5 8,0 10,6 10,2 1,6 14,6 8,6 4,8 9,8 2,6 4,3 7,1 3,0 4,5 3,4 5,6 6,4 6,3 0,9 13,1 5,7 3,0 4,5 3,2 6,1 12,3 4,3 5,3 4,4 6,3 13,7 9,9 2,9 12,7 9,2 6,8 6,9 2,2 4,6 7,4 3,6 4,4 3,2 5,3 8,2 7,5 2,1 10,9 7,7 4,8 5,5 7,3 3,8 6,7 4,4 Fonte: PNAD, microdados, IBGE. (1) Valores em 1º de outubro de 2007 (INPC corrigido para a PNAD, IPEA). (2) Exclusive áreas rurais de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. 364 Book CM24_final.indb 364 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 349-367, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:24 Desigualdades nos mercados de trabalho... Em termos setoriais, os rendimentos por tanto à busca pela sobrevivência como proces- hora de trabalho caíram principalmente em al- sos de reestruturação das empresas (terceiriza- guns dos setores mais importantes e estrutura- ção, subcontratação, etc.). Esse processo ocorre dos da economia: indústria de transformação, em um contexto de elevada instabilidade no outras atividades industriais, administração pú- que se refere ao crescimento econômico, re- blica, educação, saúde e serviços (Tabela 9). dução dos investimentos públicos e privados, Nas AM, houve queda do rendimento sendo que as mudanças ocorridas não foram médio/hora de trabalho em praticamente to- suficientes para alterar o padrão da divisão dos os setores, à exceção de administração inter-regional do trabalho, caracterizado por pública (R$3,1 de acréscimo), serviços pessoais elevadas desigualdades regionais. Portanto, as e recreativos (R$2 de acréscimo), serviços do- menores taxas de desemprego das aglomera- mésticos (R$1,3 de acréscimo) e atividades a ções não metropolitanas não estão relaciona- empresas (R$0,6 de acréscimo). Nas ANM, as das à sua maior capacidade de geração de em- melhorias no rendimento médio/hora de tra- prego, mas sim a uma maior pressão das trans- balho foram mais relevantes em atividades a formações observadas nas últimas décadas empresas (R$2 de acréscimo), administração sobre as estruturas mais complexas (produtivas pública e serviços pessoais e recreativos (am- e ocupacionais) das áreas metropolitanas. bos, R$1,8 de acréscimo). O contexto macroeconômico mais recente de retomada do crescimento das atividades econômicas, inclusive da industrial, promovido Considerações finais pelas melhorias no comércio internacional certamente terá maiores impactos nas estruturas metropolitanas com estruturas produtivas de Embora tenha sido destacado o aumento do maior complexidade e diversidade. No entanto, emprego no interior do país em contraste com faz-se necessária a retomada de uma trajetória as grandes áreas urbanas, vem ocorrendo uma sustentável de crescimento e de investimentos piora nas estruturas das ocupações, tanto nas nas infraestruturas sociais urbano-regionais AM como nas ANM brasileiras desde a década visando reduzir desigualdades na divisão inter- de 1980. Isso pôde ser observado no aumento regional do trabalho, bem como a reversão do das ocupações em atividades de serviços com quadro de precarização dos mercados de traba- diversas lógicas de organização que se referem lho metropolitano e não metropolitano. Hipólita Siqueira Economista. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, São Paulo, Brasil. [email protected] Alexandre Gori Maia Estatístico e doutor em Economia Aplicada. Universidade Estadual de Campinas Campinas, São Paulo, Brasil. [email protected] Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 349-367, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 365 365 09/11/2010 13:05:24 Hipólita Siqueira e Alexandre Gori Maia Notas (1) Em função de sua grande par cipação nas operações de priva zação e de fusão e aquisição em detrimento do aumento de capacidade produ va, os recursos atraídos não foram capazes de alterar significa vamente a taxa global de inves mentos da economia brasileira. Por outro lado, num contexto de guerra fiscal, contribuíram para um movimento pico de desconcentração da indústria de bens de consumo no sen do das regiões Sul, Nordeste e Centro-Oeste (Siqueira, 2010a). (2) Convém destacar que, como afirma Barbosa de Oliveira (1998), o excedente estrutural de mão de obra não surge a par r desses processos e tem suas origens históricas relacionadas à ocupação econômica do território brasileiro no período colonial-escravista. (3) Segundo Cano (2008), de modo contrário à desconcentração “virtuosa” entre 1970 e 1980, que se deu sob impactos de polí cas de desenvolvimento nacional e regional, nível elevado de inves mentos e de taxas de crescimento econômico e resultaram no aprofundamento da integração do mercado nacional, no período pós-“crise da dívida” a desconcentração ocorre sob pífio crescimento econômico e guerra fiscal, sendo a estrutura produ va do centro dinâmico da acumulação, Região Metropolitana de São Paulo, mais afetada pelas perdas de crescimento. Referências AMITRANO, C. (2006). O modelo de crescimento da economia brasileira no período recente: condicionantes, caracterís cas e limites. Polí ca Econômica em Foco, n. 7, pp. 206-249. ARAÚJO, T. B. (2000). Ensaios sobre o desenvolvimento brasileiro: heranças e urgências. Rio de Janeiro, Revan. AZZONI, C. R. (1986). Indústria e reversão da polarização no Brasil. São Paulo, IPE-USP. BALTAR, P. E. de A.; KREIN, J. D. e MORETTO, A. (2006). 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Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 349-367, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 367 367 09/11/2010 13:05:24 Book CM24_final.indb 368 09/11/2010 13:05:24 A desconcentração demográfica paulista em perspectiva Demographic deconcentration of São Paulo in perspective Douglas Sathler Vitor Miranda Resumo A redistribuição espacial da população no estado de São Paulo (SP), em paralelo ao arrefecimento no ritmo de crescimento demográfico da Região metropolitana de São Paulo (RMSP) nas últimas décadas, apresenta reflexos evidentes no que tange a formação de “novas espacialidades” predominantemente urbanas. Não obstante, a emergência dos pequenos municípios de economia mais diversificada, após terem experimentado décadas de declínio populacional, indica que a dispersão da população extrapola os limites das novas aglomerações metropolitanas e das cidades médias do interior paulista. O presente estudo tem o intuito de contribuir, em alguma medida, para o entendimento da desconcentração demográfica no estado, a partir de uma metodologia própria de análise do crescimento populacional e de mapeamento dos movimentos migratórios intraestaduais recentes. Abstract The population spatial redistribution in the state of São Paulo (SP), parallel to the slacking in the RMSP demographic growth rhythm in the last decades, presents clear reflexes of “new spatialities” formation, mostly urban ones. Notwithstanding, the arising of small municipalities with more diversified economy, after having experimented decades of population decrease, indicates that the dispersion of the population exceeds the new metropolitan agglomerations and the medium cities of São Paulo’s countryside limits. The present study aims to somehow contribute to the comprehension of the lack of demographic concentration in the state, based on a proper methodology of population growth analyses and recent inter-state migratory movement mapping. Palavras-chave: demografia; migração; São Paulo; polos de crescimento; desconcentração. Keywords: demography; migration; São Paulo; growth poles; deconcentration. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 369 09/11/2010 13:05:24 Douglas Sathler e Vitor Miranda O presente estudo tem o intuito de con- Introdução tribuir para o entendimento da desconcentra- Os dados publicados no Censo 2000 e na Con- ção demográfica no estado a partir de uma tagem da População 2007 (IBGE, 2008) reve- metodologia própria de análise do crescimento lam que a dispersão demográfica continua a populacional e de mapeamento dos movimen- redesenhar os padrões migratórios e de cres- tos migratórios intraestaduais recentes. Ainda, cimento populacional no estado de São Paulo procura estabelecer uma discussão sobre o sig- (SP). A mudança da direção e do sentido dos nificado dessas recentes transformações para fluxos migratórios contribuiu de maneira deci- complementar as análises empíricas. 1 siva para a formação de novos polos de crescimento demográfico em SP, não apenas capazes de incorporar um maior volume de imigrantes ao seu estoque populacional, mas também de reter parte dos fluxos que em décadas anteriores se dirigiam à Região Metropolitana de São A desconcentração demográfica no estado de São Paulo Paulo (RMSP). O estado de SP, dono da rede urbana A desaceleração no ritmo de crescimento popu- mais completa e diversificada do Brasil, conta lacional das principais metrópoles brasileiras é com um conjunto de “novas espacialidades” uma realidade que já perdura há algumas dé- que passaram a se destacar, nas últimas dé- cadas. A RMSP está em conformidade com essa cadas, pelo notável desempenho econômico tendência, uma vez que as Taxas de Crescimen- e crescimento demográfico. O surgimento de to Geométrico (TCG) nos períodos de 1980- novas aglomerações metropolitanas e a emer- 1991, 1991-2000 e 2000-2007 (1,88, 1,70 e gência de centros não metropolitanos de porte 1,04% a.a.) possuem valores distantes do cres- médio, assim como o verificado crescimento cimento populacional registrado na década de populacional dos pequenos municípios mais di- 1970 (4,46% a.a.). Nesse sentido, o interior do nâmicos, evidenciam que a RMSP vem repartin- estado de São Paulo assume uma posição de do o seu dinamismo econômico e populacional maior destaque em relação à RMSP, apresen- com o interior do estado. tando maiores taxas de crescimento demográ- Um dos elementos mais centrais das mudanças verificadas em SP é, inegavelmente, a fico e se tornando destino preferencial de um expressivo contingente de migrantes. radical alteração dos movimentos migratórios, O processo de desconcentração demo- que passam a contrariar tendências históricas de gráfica paulista ganha maior visibilidade em concentração espacial, com a existência de um paralelo à redução das taxas de crescimento da novo padrão desconcentrador. Assim, a migra- RMSP durante a década de 1980. Nas três últi- ção de retorno e seus efeitos indiretos, em con- mas décadas, a predominância dos movimentos junto com a capacidade de atração populacional migratórios do tipo urbano-urbano vem contri- de alguns polos regionais, causaram grandes buindo para uma expansão sem precedentes, impactos na dinâmica demográfica paulista. por meio de uma rede urbana mais dispersa e 370 Book CM24_final.indb 370 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:24 A desconcentração demográfica paulista em perspectiva interiorizada, dotada de novas aglomerações município de São Paulo. Os períodos de 1980- metropolitanas e de muitos núcleos urbanos de 1991 e 1991-2000 foram marcados pela queda porte médio com áreas de influência significati- significativa do crescimento demográfico do va (Matos e Baeniger, 2004). núcleo metropolitano (1,17 e 0,88% a.a. res- Ademais, percebe-se uma crescente im- pectivamente) e também nas áreas periféricas portância dos pequenos municípios intimamen- que tiveram valores significativamente superio- te conectados com os polos paulistas para o res aos exibidos pelo município de São Paulo entendimento da dispersão da população pelo (3,21 e 2,85% a.a. entre 1980-1991 e 1991- interior do estado. A diversificação econômi- 2000, respectivamente). Já os dados da Conta- ca e a formação de espaços multifuncionais gem da População do IBGE (2007), indicam que nessas áreas, que, em alguns casos, dialogam essa tendência se aprofundou após a virada do com a agricultura moderna e a terceirização milênio, uma vez que o município de São Paulo das partes produtivas, causam impactos cada teve TCG de 0,61% a.a., contra 1,63% a.a. da vez mais evidentes na distribuição espacial da periferia. No entanto, sabe-se que o fenômeno população. da dispersão demográfica no estado de SP ex- De acordo com a definição de Richardson trapola os limites da grande metrópole. (1980), a desconcentração espacial da popula- A partir da década de 1970, o processo ção atravessa algumas etapas, a saber: a) a de desconcentração econômico espacial, tam- primeira envolveria a periferia imediata do bém denominado reversão da polarização, pro- core, com a população e as atividades econô- porcionou a dispersão das atividades industriais micas descentralizando-se nos satélites dentro e de pessoas para fora dos limites da RMSP. De da região core (o equivalente às áreas de uma acordo com Matos (1995), “a desconcentração grande região metropolitana); b) num segundo demográfica coincide com a desconcentração momento, também chamado de fase de des- econômica em vários aspectos”. Sendo assim, centralização concentrada, a dispersão atingi- as deseconomias de aglomeração não somente ria alguns centros de maior expressão; c) o pro- atingem a distribuição geográfica das ativida- cesso se completaria com a repetição da des- des econômicas como também produzem no- centralização intrarregional em outras regiões vos rearranjos espaciais da população. do sistema urbano, resultando numa hierarquia urbano-regional estável. A presença da indústria no interior de São Paulo não pode ser considerada uma no- Na RMSP, o processo de “periferização” vidade.2 Na verdade, o novo está no aumento sinalizava para uma mudança nas configura- do grau de importância dessa região nas últi- ções espaciais da população, uma vez que o mas décadas, que assumiu o posto de segunda maior ritmo de crescimento demográfico das maior concentração industrial do país, supera- periferias em relação ao núcleo metropolitano da apenas pela RMSP (Lencioni, 2003). indicava que a dispersão demográfica cumpria Os principais fatores que impulsionaram a primeira etapa definida por Richardson. Na o crescimento industrial no interior paulista, a década de 1970 a TCG da periferia metropoli- partir da década de 1970, foram: a) a moderni- tana era de 6,34% a.a. contra 3,67% a.a. do zação da agricultura, que propiciou condições Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 371 371 09/11/2010 13:05:24 Douglas Sathler e Vitor Miranda favoráveis para a estruturação dos complexos O estudo realizado pelo Sebrae-SP (2007), agroindustriais; b) a ampliação dos investi- denominado “Onde estão as Micro e Pequenas mentos do estado, principalmente do governo Empresas em São Paulo”, analisou o comporta- federal, com destaque para a instalação de re- mento de empresas entre 2000 e 2004, cons- finarias de petróleo em Paulínia e São José dos tatando um expressivo aumento do número de Campos, a consolidação do polo petroquímico pequenos negócios no interior do estado. Ain- de Cubatão e a expansão da Companhia Side- da, o Anuário do Trabalho na Micro e Pequena rúrgica Paulista (Cosipa), assim como a instala- Empresa (Sebrae, 2008) destaca que as ção de plantas industriais no setor de eletrônica, informática e telecomunicações em Campinas, além do pró-álcool, que estimulou o surgimento de novas indústrias complementares, como a de bens de capitais; c) a política estadual de [...] companhias menores têm papel importante na interiorização da economia, gerando renda, emprego e retendo a população local com a oferta de empregos cada vez mais qualificados. construção de uma malha viária ampla e moderna, que diminuiu os custos de transporte e propiciou novas alternativas locacionais para as indústrias; d) a elevação dos custos de aglomeração na RMSP (Seade, 1998). A dispersão da indústria para o interior paulista foi acompanhada pelo aumento da interligação e do relacionamento empresarial dessas áreas com a grande metrópole nacional. Segundo Gomes: Nesse contexto de novos investimentos no interior paulista, não se pode esquecer que a dispersão da população pelo estado também é reflexo do aumento do desemprego e precarização do trabalho na RMSP. Traduzem o surgimento de novas opções que se abrem a um grande número de trabalhadores pouco dispostos a se engajarem novamente como mão de obra barata, por exemplo, no emprego urbano-industrial formal, em que teriam de contabi- [...] muitas empresas que se localizam no Interior e capitais regionais possuem escritório em São Paulo, seja administrativo, marketing ou comercial. Nesse sentido, a relação do Interior com a metrópole não se dá apenas com as empresas que a deixaram, mas também com aquelas que nunca estiveram localizadas na metrópole, geradas por capital local. (2009, p. 10) Cleps (2003, p. 67) destaca que lizar elevados custos de transporte e moradia (Matos et al., 2004, p. 15). Não obstante, mesmo que os fatores econômicos sejam os principais definidores da intensidade dos padrões migratórios recentes verificados no estado de SP, deve-se ressaltar a crescente importância dos fatores não econômicos relacionados à qualidade de vida e ao bem-estar, cada vez mais decisivos no processo de dispersão populacional. [...] acompanhando o desenvolvimento industrial e a sua relativa desconcentração, o que se percebeu foi um importante crescimento das atividades do setor terciário, não só na capital como também em todo o estado. 372 Book CM24_final.indb 372 A presença marcante de uma série de fatores atrativos em algumas regiões do interior paulista, em conjunto com os fatores repulsivos na RMSP, destacam a importância que os movimentos migratórios intraestaduais recentes Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:24 A desconcentração demográfica paulista em perspectiva assumem para o entendimento da desconcentração demográfica no estado. Ademais, após décadas de declínio da fecundidade em todo o país e com grande intensidade no estado de São Paulo, a contribuição da migração para as variações nas taxas de crescimento dos municípios se torna cada vez mais evidente, até porque, como destacam Amorim Filho e Rigotti (2002, p. 2), “o crescimento vegetativo da população é um processo mais lento e regular do que as flutuações resultantes dos fluxos migratórios”. Os próximos tópicos analisam a influência dos movimentos migratórios na evolução da desconcentração demográfica em SP a partir dos dados censitários de 1991 e 2000 e da Contagem da População 2007 (IBGE, 2008), destacando a relevância das novas aglomerações metropolitanas, das cidades médias e dos pequenos municípios que fazem parte das microrregiões dos maiores polos regionais do interior paulista no desenvolvimento desse processo. se transformaram recentemente em áreas metropolitanas: Campinas e Santos.3 A Região Metropolitana de Campinas (RMC), constituída por uma rede urbana densa e articulada, conta com a mais expressiva concentração industrial do interior paulista, abrigando setores modernos e plantas industriais organizadas em complexas cadeias produtivas. Já a Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS), com população superior a 1,6 milhões de habitantes em 2007 (IBGE, 2008), destaca-se pela presença marcante das atividades comerciais. Segundo Caiado (2004, p. 5), na RMBS “a indústria de transformação e o setor terciário, baseados principalmente nas atividades portuárias, são os principais setores da economia regional”. Assim, as transformações geradas pelo intenso processo de interiorização da industrialização nos anos 1970 extrapolaram os limites municipais de Campinas e Santos, consolidando no entorno desses municípios importantes aglomerações urbanas. De acordo com Baeninger (2004, p. 6), as As novas aglomerações metropolitanas paulistas: migração e crescimento populacional novas aglomerações metropolitanas [...] distinguem-se das antigas metrópoles, tanto por seu papel no contexto do desenvolvimento econômico do país quanto pelo menor poder de sua área de influência, abrangendo espaços regionais bastante restritos. A desconcentração da indústria e de pessoas em direção ao interior paulista produziu novas Do ponto de vista demográfico, tanto a RMC formas de organização territorial em visível con- como a RMBS têm se destacado por apresen- traste com o que dominava no passado. Bae- tarem TCG relativamente elevadas se compara- ninger e Gonçalves (2000, p. 7) ressaltam que das ao da RMSP nas últimas décadas, além de [...] as regiões que mais concentraram atividades e população, nesse processo de desconcentração industrial, foram as que Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 373 se tornarem destino preferencial de um expressivo contingente de imigrantes procedentes da grande metrópole. 373 09/11/2010 13:05:25 Douglas Sathler e Vitor Miranda A RMBS e a RMC, mesmo diante da verificada tendência de diminuição do ritmo de Baeninger e Gonçalves (2000, p. 31) destacam que crescimento populacional durante o período de [...] a estruturação da área, distribuição espacial da população e o processo de crescimento, expansão e ocupação do novo território metropolitano não podem ser entendidos sem referência ao fenômeno migratório. 1970-2007, ainda apresentam TCG superiores ao que é observado na RMSP no final desse período. Assim como verificado na RMSP, os núcleos das novas aglomerações metropolitanas paulistas já não sustentam altas taxas de crescimento entre 2000-2007. O dinamismo Diante disso, este tópico demonstra de maneira demográfico exibido pelas periferias metropo- clara e breve a contribuição dos movimentos litanas ainda consegue manter as TCG da RMC migratórios recentes, para o processo de dis- e da RMBS a níveis ainda significativos (ver Ta- persão populacional e formação dos novos nú- bela A1, anexo). cleos metropolitanos no interior paulista. Diante disso, parece claro que o processo A Tabela 14 traz informações referentes de periferização exerce um papel importante na aos movimentos migratórios na RMBS, RMC dinâmica demográfica das novas aglomerações e RMSP entre 1986-1991 e 1995-2000. Nes- metropolitanas. Segundo Sugimoto (2005, p. se trabalho, consideraram-se como migrantes 10), na RMBS, “os mapas da dinâmica metro- as pessoas maiores de 5 anos que em 1986 e politana indicam movimentos migratórios im- 1995 não moravam no município de residência portantes, principalmente da população pobre, atual, respectivamente, em 1991 e 2000 (Data do chamado núcleo duro formado por Santos Fixa).5 e São Vicente para áreas periféricas”. Na RMC, O saldo migratório (SM) pode ser enten- a periferia apresenta um ritmo de crescimento dido como o resultado da diferença entre imi- notoriamente maior do que é verificado no mu- grantes e emigrantes (Data Fixa), considerando nicípio de campinas entre 2000 e 2007 (de 2,20 os efeitos indiretos do fluxo (Carvalho e Rigotti, contra 1,00% a.a.). 1998, p. 341). Entretanto, o “saldo migratório” Tabela 1 – Número de imigrantes, emigrantes (data fixa) e “saldo migratório” (SM) para a RMC, RMBS e RMSP em 1986-1991 e 1995-2000 Região metropolitana Santos Campinas São Paulo Imigrantes 1986-1991 Emigrantes 1986-1991 112.692 234.633 940.174 58.749 71.002 810.302 SM 1986-1991 53.942 163.631 129.872 Imigrantes 1995-2000 Emigrantes 1995-2000 SM 1995-2000 132.933 210.525 874.193 77.046 121.434 1.014.216 55.887 89.091 -140.023 Fonte: Censos demográficos de 1991 e 2000. 374 Book CM24_final.indb 374 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:25 A desconcentração demográfica paulista em perspectiva calculado não está em plena conformidade A Tabela 2 demonstra a procedência dos com a conceituação teórica, pois desconside- imigrantes da RMBS e da RMC de acordo com ra os migrantes com menos de cinco anos de os dados disponíveis nos Censos Demográficos idade na data do recenseamento (efeito direto de 1991 e 2000. Verifica-se um aumento signifi- e indireto) e, também, não contabiliza o efeito cativo de imigrantes originados da RMSP, assim da migração internacional. Apesar disso, deve- como da proporção em relação ao total, nas se admitir que o “saldo migratório” ainda pode novas aglomerações metropolitanas do estado. ser considerado uma importante ferramenta de Na RMBS o acréscimo no número de imigran- investigação. tes originados da RMSP foi de 15.721 pessoas Tanto a RMC como a RMBS apresentam do primeiro para o segundo período analisa- SM positivos nos dois períodos analisados. do. A proporção de imigrantes procedentes da Verifica-se um pequeno aumento no SM para maior metrópole do país na RMBS passou de a RMBS, enquanto que na RMC o SM, ainda 36,73% para 42,97%, um aumento de 6,24 %. positivo (89.091), diminuiu consideravelmen- A RMC está em conformidade com o que ocor- te entre 1986-1991 e 1995-2000. Chama a reu na RMBS, já que apresentou um expressivo atenção o fato de que a RMSP apresenta de- aumento de imigrantes procedentes da RMSP créscimo significativo do valor referente ao SM (7.603) que passaram a representar, segundo o nos dois períodos analisados (de 129.872 pa- Censo de 2000, 28,68% do total. ra -140.023), já que o número de pessoas que Observa-se, também, um aumento sig- deixam a grande metrópole para o interior do nificativo de imigrantes procedentes do res- estado e para outras regiões do Brasil chega a tante de SP. Nesse sentido, a RMBS passou a superar o volume de imigrantes na RMSP em contar com um contingente de 21.780 imigran- 1995-2000. tes provenientes do restante do estado, o que Tabela 2 – Procedência dos imigrantes (data fixa) das novas aglomerações metropolitanas do estado (1986-1991 e 1995-2000) por regiões predefinidas Município RMSP Restante de SP Outros estados Total Pessoas % Pessoas % Pessoas % Pessoas % Data Fixa (1986-1991) RMBS RMC 41.394 52.776 37 22 16.120 70.325 14 30 55.178 111.532 49 48 112.692 234.633 100 100 Data Fixa (1995-2000) RMBS RMC 57.115 60.379 43 29 21.780 64.916 16 31 54.038 85.230 41 40 132.933 210.525 100 100 Fonte: Censos demográficos de 1991 e 2000. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 375 375 09/11/2010 13:05:25 Douglas Sathler e Vitor Miranda corresponde a 16,38 % do total . No caso da De acordo com Lajugie (1974, p. 12), a RMC, verifica-se um tímido aumento da pro- cidade média se define, antes de tudo, por suas porção de imigrantes originados do restante do funções, pela posição que ela ocupa na rede ur- estado (de 29,97 para 30,84%). bana, entre a metrópole, com vocação regional, Os dados revelam com clareza que, nas e os pequenos municípios, com influência pu- últimas décadas, as novas aglomerações me- ramente local (ibid., p. 4). Entretanto, a escolha tropolitanas de SP contribuíram de maneira dos limiares populacionais para a definição das expressiva para a evolução da dispersão da cidades médias depende não apenas do con- população pelo estado. O próximo tópico irá texto socioeconômico e cultural, mas também realizar uma discussão sobre o papel de desta- dos objetivos particulares de cada estudo. Em que assumido pelas cidades médias do interior regiões mais estagnadas e com particularida- paulista no que tange ao desenvolvimento des- des espaciais, a exemplo da Amazônia Legal se processo. brasileira, as cidades de médio porte demográfico nem sempre estão preparadas para servirem como intermediadoras de fluxos (bens, in- Polos de crescimento populacional: as cidades médias do interior paulista formações, serviços, mercadorias, entre outros). Por outro lado, considerando o nível de complexidade e de amadurecimento da rede urbana (ou redes urbanas) de São Paulo, a definição de cidade média a partir de um critério estritamen- 6 As cidades médias paulistas, assim como ve7 rificado no estado de Minas Gerais, têm tido te demográfico pode, se realizada com cautela, gerar resultados positivos para a análise. um crescimento populacional mais significativo Sendo assim, um critério bastante razoá- se comparado aos demais níveis hierárquicos vel e que será adotado neste paper, define os urbanos. De uma forma geral, essas cidades municípios médios como aqueles não metropo- desempenham papel fundamental no equilíbrio litanos com população variando entre 200.000 e no funcionamento das redes urbanas de que e 500.000 habitantes. Dessa forma, os municí- fazem parte. pios que guardam os nomes das microrregiões Os limiares demográficos que definem analisadas neste tópico são: Sorocaba, São Jo- uma cidade média não são universais. No caso sé do Rio Preto, Franca, São José dos Campos, brasileiro, país populoso e com um imenso ter- Bauru, Limeira, Piracicaba, Ribeirão Preto, Jun- ritório marcado por profunda heterogeneidade diaí, Marília e São Carlos.8 Em SP, essas cidades social, cultural e econômica, segundo Amorim de médio porte populacional apresentam ta- Filho e Rigotti (2002, p. 13), “não poderíamos manho demográfico e funcional suficiente para esperar outra coisa se não grande variabilidade que possam oferecer um leque diversificado de na hierarquia e no relacionamento das cidades bens e serviços ao espaço microrregional em com a região e o sistema urbano dos quais fa- que estão inseridas, desempenhando o papel zem parte”. de centros de crescimento econômico regional. 376 Book CM24_final.indb 376 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:25 A desconcentração demográfica paulista em perspectiva De maneira agregada, a TCG dos muni- As informações contidas na Tabela 3 su- cípios médios de SP (2,2% a.a.) é superior ao gerem que o dinamismo demográfico exibido valor encontrado para os demais municípios recentemente pelas cidades médias deve-se, não metropolitanos sedes de microrregião pre- em grande medida, à contribuição dos SM fran- sentes no estado (1,7% a.a.). Apenas os muni- camente positivos para a maior parte dos muni- cípios de Ribeirão Preto, Piracicaba e Jundiaí cípios estudados nos dois períodos em questão. não apresentam TCG superior a 2% a.a. entre Sorocaba, São José do Rio Preto, São José dos 1991 e 2000 (ver Tabela A2, anexo). Apesar da Campos, Bauru e São Carlos se destacam pelos tendência decrescente das TCG para o total de valores de SM mais elevados. Apenas o muni- municípios de médio porte de 1970 a 2000, de- cípio de Jundiaí apresentou SM negativo nos ve-se ressaltar que a dispersão demográfica se dois períodos analisados, apesar do verificado manifestou com maior nitidez nas últimas déca- aumento de imigrantes em relação à pequena das analisadas, sobretudo, devido à diminuição queda no número de emigrantes. mais expressiva do crescimento demográfico Entretanto, os dados demonstram que a da RMSP. Os dados da Contagem da População redução do crescimento populacional das cida- revelam que os municípios médios de SP apre- des médias paulistas nas duas últimas décadas sentaram, no total, uma TCG de 1,39%a.a. en- analisadas (ver Tabela A2, anexo) se deve em tre 2000-2007, com impactos significativos nos boa parte à diminuição significativa do SM que, valores absolutos já que essa taxa incidiu sobre só entre 1986-1991 e 1995-2000, no total, pas- um estoque populacional superior aos das dé- sou de 140.035 para 108.085. cadas anteriores, refletindo em um incremento de 383.912 pessoas em apenas sete anos. As Tabelas 4 e 5 permitem o melhor entendimento da evolução da procedência dos Tabela 3 – Número de imigrantes, emigrantes (data fixa) e “saldo migratório” (SM) para as cidades médias paulistas em 1986-1991 e 1995-2000 Município Sorocaba São José do Rio Preto Franca São José dos Campos Bauru Limeira Piracicaba Ribeirão Preto Jundiaí Marília São Carlos Total Imigrantes 1986-1991 Emigrantes 1986-1991 SM 1986-1991 Imigrantes 1995-2000 Emigrantes 1995-2000 SM 1995-2000 41.168 42.977 24.402 47.690 30.202 19.067 22.014 36.529 22.037 17.540 15.961 22.375 15.296 8.491 23.349 13.602 8.235 12.256 24.173 31.714 12.815 7.244 18.793 27.681 15.911 24.340 16.600 10.831 9.758 12.356 -9.677 4.725 8.717 50.783 44.937 18.090 48.858 31.463 16.967 22.847 39.003 28.231 19.476 20.109 30.151 23.666 14.377 31.808 18.798 11.722 14.278 35.893 31.073 11.693 9.219 20.632 21.271 3.713 17.050 12.664 5.246 8.569 3.111 -2.843 7.783 10.891 319.585 179.550 140.035 340.763 232.678 108.085 Fonte: Censos demográficos de 1991 e 2000. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 377 377 09/11/2010 13:05:25 Douglas Sathler e Vitor Miranda imigrantes entre 1986-1991 e 1995-2000 nas da grande metrópole aumentou em oito dos cidades médias paulistas. A desconcentração onze municípios analisados. Apenas os muni- demográfica no estado é evidenciada pelo au- cípios de São José do Rio Preto, Ribeirão Preto mento do número de imigrantes originados da e Bauru, apesar do ligeiro aumento do valor RMSP, com o acréscimo de 12.245 imigrantes absoluto deste último, não apresentaram au- entre os períodos analisados (2,3% do to- mento da proporção de imigrantes que vieram tal). A proporção de imigrantes procedentes da RMSP. Tabela 4 – Procedência dos imigrantes dos municípios polos (data-fixa) 1986-1991 por regiões predefinidas Microrregião Município Sorocaba São José do Rio Preto Franca São José dos Campos Bauru Limeira Piracicaba Ribeirão Preto Jundiaí Marília São Carlos Total RMSP Restante Pessoas Outros estados % Pessoas % Total Pessoas % Pessoas % Pessoas 2.955 6.629 3.427 3.860 3.891 757 1.414 2.569 895 2.235 874 7,20 15,40 14,00 8,10 12,90 4,00 6,40 7,00 4,10 12,70 5,50 10.705 9.042 2.710 10.299 7.259 3.482 4.216 8.177 4.268 4.841 3.170 26,0 21,0 11,1 21,6 24,0 18,3 19,2 22,4 19,4 27,6 19,9 14.619 17.616 4.148 8.791 12.255 6.084 7.535 12.871 5.632 7.141 6.062 35,5 41,0 17,0 18,4 40,6 31,9 34,2 35,2 25,6 40,7 38,0 12.889 9.691 14.117 24.739 6.797 8.743 8.848 12.912 11.241 3.323 5.855 31,1 22,5 57,9 51,9 22,5 45,9 40,2 35,3 51,0 18,9 36,7 41.168 42.977 24.402 47.690 30.202 19.067 22.014 36.529 22.037 17.540 15.961 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 % 29.505 9,20 68.169 21,3 102.754 32,2 119.157 37,3 319.585 100 Fonte: Censo demográfico 1991. Tabela 5 – Procedência dos imigrantes dos municípios polos (data-fixa) 1995-2000 por regiões predefinidas Município Sorocaba São José do Rio Preto Franca São José dos Campos Bauru Limeira Piracicaba Ribeirão Preto Jundiaí Marília São Carlos Total Microrregião RMSP Restante Pessoas Outros estados % Pessoas % Total Pessoas % Pessoas % Pessoas 5.432 6.222 2.308 3.867 4.480 727 1.394 2.871 3.171 2.309 893 10,7 13,8 12,8 7,9 14,2 4,3 6,1 7,4 11,2 11,9 4,4 16.824 8.311 2.826 10.867 7.354 3.499 4.924 6.488 8.910 5.461 4.950 33,1 18,5 15,6 22,2 23,4 20,6 21,6 16,6 31,6 28,0 24,6 16.532 20.328 4.803 10.454 13.004 6.770 8.621 13.391 7.424 8.225 8.368 32,6 45,2 26,5 21,4 41,3 39,9 37,7 34,3 26,3 42,2 41,6 11.994 10.075 8.153 23.670 6.625 5.972 7.908 16.253 8.726 3.481 5.899 23,6 22,4 45,1 48,4 21,1 35,2 34,6 41,7 30,9 17,9 29,3 50.783 44.937 18.090 48.858 31.463 16.967 22.847 39.003 28.231 19.476 20.109 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 % 33.673 9,9 80.414 23,6 117.921 34,6 108.755 31,9 340.763 100 Fonte: Censo demográfico 2000. 378 Book CM24_final.indb 378 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:25 A desconcentração demográfica paulista em perspectiva Mesmo com o decréscimo da proporção A partir da coleção de mapas represen- de imigrantes procedentes da própria micror- tados na Figura 1 torna-se evidente a exis- região em seis dos onze municípios analisa- tência de um maior nível de relacionamento, dos, no total, ocorreu um aumento de 9,2 para em termos de volume de imigrantes, das ci- 9,9%, com destaque para o acréscimo observa- dades médias paulistas com a RMSP do que do em Jundiaí e Sorocaba (7,1 e 3,5% respec- com as próprias microrregiões a que fazem tivamente). De um modo geral, os decréscimos parte. nos municípios de São José do Rio Preto, Fran- Nos municípios de São Carlos, Limeira, ca, São José dos Campos, Piracicaba, Marília e Piracicaba, Sorocaba e Jundiaí, o aumento da São Carlos foram pouco expressivos, sem im- proporção de imigrantes entre os períodos ana- plicar grandes variações no número absoluto lisados pode ser visualizado facilmente a partir desses imigrantes. dessa representação cartográfica (verificar es- Os municípios de Franca, São José dos pessura das setas). Campos e Jundiaí ainda apresentaram alta Em Franca, o maior distanciamento geo- proporção de imigrantes procedentes de outras gráfico em relação à RMSP implica menor unidades da federação em 1995-2000, mesmo proporção de imigrantes da grande metrópole com o decréscimo em relação a 1986-1991. No tanto em 1986-1991 quanto em 1995-2000.9 total, a evolução da proporção de imigrantes Isso também pode ser observado para São José interestaduais (de 37,3 para 31,9%) está de do Rio Preto e, até mesmo, para Ribeirão Preto, acordo com a tendência observada para o esta- que em 1995-2000 apresentavam níveis de re- do como um todo. lacionamento baixos com RMSP se comparado O mapeamento da procedência dos imigrantes das cidades médias paulistas se revela ao que ocorre nas outras cidades médias do estado. extremamente importante para o avanço das O próximo tópico discute a desconcentra- discussões referentes à dispersão demográfica ção demográfica no estado de São Paulo a par- em SP, uma vez que os mapas permitem pen- tir do verificado crescimento populacional dos sar sobre o impacto exercido pelo componente pequenos municípios pertencentes às microrre- geográfico no que tange aos diferentes padrões giões das cidades médias não metropolitanas. migratórios. Segundo Matos (1995), “torna-se Esse tipo de análise se demonstra cada vez indispensável visualizar no espaço geográfico a mais relevante, sobretudo, devido ao recente redistribuição dos fluxos migratórios focalizan- aumento dos fatores de atração populacional do as localidades que mais participam como apresentado por esses conjuntos de pequenos receptoras e emissoras”. municípios. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 379 379 09/11/2010 13:05:25 Douglas Sathler e Vitor Miranda Figura 1 – Coleção de mapas: distribuição proporcional da procedência dos imigrantes das cidades médias paulistas (polos de crescimento demográfico) nos períodos 1986-1991 e 1995-2000 Polos paulistas Municípios que compõem a microrregião do polo Demais regiões Delimitador das microrregiões selecionadas Legenda Porcentagem de imigrantes Imigrantes provenientes da RMSP e microrregião do polo Delimitador da microrregião selecionada Imigrantes provenientes do restante de SP e outros estados Microrregião amplida Legenda Imigrantes provenientes da RMSP e microrregião do polo Imigrantes provenientes do restante de SP e outros estados Book CM24_final.indb 380 0 a 9,99 2000 0 a 9,99 10 a 19,99 10 a 19,99 20 + 20 + Porcentagem de imigrantes Delimitador da microrregião selecionada 1991 Microrregião amplida 0 a 9,99 2000 0 a 9,99 10 a 19,99 10 a 19,99 20 + 20 + Porcentagem de imigrantes Legenda 380 1991 Imigrantes provenientes da RMSP e microrregião do polo Delimitador da microrregião selecionada Imigrantes provenientes do restante de SP e outros estados Microrregião amplida 1991 0 a 9,99 2000 0 a 9,99 10 a 19,99 10 a 19,99 20 + 20 + Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:25 A desconcentração demográfica paulista em perspectiva Porcentagem de imigrantes Legenda Imigrantes provenientes da RMSP e microrregião do polo Imigrantes provenientes do restante de SP e outros estados Delimitador da microrregião selecionada 1991 Microrregião amplida 0 a 9,99 2000 0 a 9,99 10 a 19,99 10 a 19,99 20 + 20 + Porcentagem de imigrantes Legenda Imigrantes provenientes da RMSP e microrregião do polo Delimitador da microrregião selecionada Imigrantes provenientes do restante de SP e outros estados Microrregião amplida Legenda Imigrantes provenientes da RMSP e microrregião do polo Imigrantes provenientes do restante de SP e outros estados 1991 0 a 9,99 2000 0 a 9,99 10 a 19,99 10 a 19,99 20 + 20 + Porcentagem de imigrantes Delimitador da microrregião Delimitador da microrregião selecionada selecionada Microrregião amplida Microrregião amplida 1991 0 a 9,99 2000 0 a 9,99 10 a 19,99 10 a 19,99 20 + 20 + Fonte: Censos Demográficos de 1991 e 2000. Elaboração: Douglas Sathler (Cedeplar/UFMG). Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 381 381 09/11/2010 13:05:25 Douglas Sathler e Vitor Miranda São Paulo dos pequenos notáveis Estudos recentes10 enfatizam a crescente diversificação econômica e a emergência de espaços multifuncionais a partir da disseminação de novas formas de produção e de sobre- No que diz respeito à proliferação de centros vivência nos pequenos municípios e nas áreas locais na rede urbana paulista, deve-se ter em rurais brasileiras. Nesse sentido, a pluriativida- mente que esse fenômeno pode responder, em de no Brasil aparece como importante alterna- maior ou em menor medida, a uma tendência tiva de emprego e renda, já que o desemprego nacional: os centros locais estão mais urbani- e o subemprego nas atividades tradicionais zados e mais integrados do que se observava eram decisivos na manutenção das altas taxas há décadas atrás. Sob essa perspectiva, pode- de êxodo que incidiam sobre essas áreas. se inferir que existe no Brasil, atualmente, uma O crescimento no número de micro e pe- maior integração desses pequenos municípios quenas empresas nos pequenos municípios de com os demais centros urbanos inseridos nas São Paulo, identificado com base na pesquisa redes, assim como uma maior participação des- do Sebrae (2007), entre 2000 e 2004, é resul- tes como nós com relação aos diversos fluxos tado de um conjunto de vantagens compara- materiais e imateriais. Sendo assim, para en- tivas que, de acordo com Tiago (2008), têm tender a maior inserção dos pequenos muni- contribuído para o crescimento das economias cípios nas redes urbanas, deve-se não apenas locais e são capazes de evitar o êxodo para as olhar para as mudanças que estão ocorrendo capitais. Com relação às transformações dos fora desses lugares, mas, também, perceber as pequenos municípios próximos às áreas mais transformações que estão ocorrendo no interior dinâmicas do país, Tiago destaca que desses pequenos centros locais. No Brasil, de forma geral, esse aumento da urbanidade nas pequenas cidades, que, anteriormente, tinham sua economia menos diversificada e apoiada, quase que exclusivamente, nas atividades ligadas à terra, está relacionado a um conjunto de fatores, tais como: a) melhoria no nível geral das condições de vida e diminuição da pobreza; b) maior acesso à informação e a sensação de que as distâncias são menores do que no passado; c) melhoria na infraestrutura regional e intra- [...] o crescimento econômico vivido nos últimos anos, o avanço do agronegócio e a migração da indústria das regiões metropolitanas para as cidades do interior são incentivos importantes para a criação de um ambiente de fomento aos negócios de menor porte. Juntam-se a isso incentivos fiscais oferecidos pelos municípios, custos menores para a compra de terrenos ou aluguéis de galpões e mão de obra mais barata. (2008, p. 3) Com relação ao trabalho, o autor ressalta que, nos pequenos e médios municípios, municipal; d) maior integração dos moradores com pessoas que residem em municípios médios ou grandes, a exemplo de parentes e amigos, ou mesmo com migrantes retornados (Sathler, 2009). 382 Book CM24_final.indb 382 [...] a mão de obra está mais qualificada, atraindo negócios. Com o avanço da internet e o crescimento de universidades no interior, o conhecimento é muito mais disseminado. (Ibid., p. 3) Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:25 A desconcentração demográfica paulista em perspectiva As indagações sobre as mudanças que Entre 2000 e 2007, os dados impressio- vêm ocorrendo nos pequenos municípios e nas nam, já que a população total desses conjuntos áreas rurais do país chegam a impressionar, de pequenos municípios passou de 1.015.016 sobretudo, ao se recordar que há não muito para 1.200.476 e a TCG, nesse período, foi de tempo, vários estudiosos temiam o esvazia- 2,43%a.a, bem superior ao que foi calculado mento dessas áreas, alardeando-o como ten- para as décadas anteriores. Nesse período, os dência inexorável (Matos et al., 2004). Sathler conjuntos de pequenos municípios de Sorocaba (2005, p. 13) destaca a crescente capacidade (7,56%a.a.) e Jundiaí (4,14%a.a.) continua- das áreas rurais e dos pequenos municípios de ram a se destacar, sobretudo diante da posição reter e atrair trabalhadores, ou seja, de uma estratégica dessas microrregiões, próximas à forma geral, já não se sobressaem os fatores de maior aglomeração urbana do país. Ainda, os repulsão populacional nas regiões com maior pequenos notáveis de Marília (6.89%a.a.) me- diversificação econômica. recem destaque nesse período. Assim, esta seção pretende lançar mão Com relação aos pequenos municípios de de alguns dados que refletem essas transforma- Sorocaba, a ideia da criação de espaços funcio- ções, analisando alguns aspectos da dinâmica nais parece estar de acordo com os achados do demográfica dos municípios paulistas não me- Sebrae (2008). Esses pequenos municípios fa- tropolitanos com população inferior a 30.000 zem parte do que a pesquisa chamou de “um habitantes (pequenos municípios) pertencentes bom exemplo de polo que está atraindo novas às microrregiões das cidades médias trabalha- empresas”. Considerando toda a microrregião das no tópico anterior. Será realizada uma bre- de Sorocaba, a pesquisa destaca que, “o grupo ve discussão sobre o crescimento populacional de municípios recebeu, nos últimos dez anos, e os movimentos migratórios dos pequenos 25 fábricas (14 só em Sorocaba). Estas em- municípios pertencentes às microrregiões que presas migraram, em esmagadora maioria, da guardam o nome das cidades médias paulistas. RMSP” (Sebrae, 2008, p. 4). A Tabela A3 (anexo), que representa a Os pequenos municípios de Marília se in- população e as TCG entre 1970 e 2007 dos serem em um contexto regional de investimen- conjuntos de pequenos municípios contidos tos recentes, com destaque para a instalação nas microrregiões das cidades médias paulis- de indústrias de alimentos, bebidas e de insu- tas, demonstra que, no total, existe uma clara mos agrícolas. Parece claro que essas indústrias tendência de aumento das taxas de cresci- possuem potencial gravitacional suficiente pa- mento com o passar das décadas, passando de ra atrair indústrias e empresas prestadoras de 0,61%a.a. na década de 1970 para 1,98%a.a. serviços, diretos e indiretos, de menor porte, entre 1991-2000. Verifica-se que os conjuntos o que diversifica a economia e coloca os pe- de pequenos municípios de todas as microrre- quenos municípios da região no rol daqueles giões em estudo apresentaram TCG positivas com maior poder de retenção e atratividade entre 1991 e 2000, com destaque para os pe- populacional. quenos municípios de Sorocaba (4,03%a.a.) e Jundiaí (4,3%a.a). Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 383 A microrregião de Jundiaí possui posição privilegiada do ponto de vista das 383 09/11/2010 13:05:25 Douglas Sathler e Vitor Miranda Tabela 6 – Número de imigrantes, emigrantes (data fixa) e “saldo migratório” (SM) para os conjuntos de pequenos municípios pertencentes às microrregiões das cidades médias paulistas em 1986-91 e 1995-2000 Município Sorocaba São José do Rio Preto Franca São José dos Campos Bauru Limeira Piracicaba Ribeirão Preto Jundiaí Marília São Carlos Total Imigrantes 1986-1991 Emigrantes 1986-1991 SM 1986-1991 Imigrantes 1995-2000 Emigrantes 1995-2000 SM 1995-2000 7.297 21.043 6.671 2.650 10.738 7.897 9.069 17.857 10.268 7.653 7.920 1.855 17.342 5.746 1.059 12.780 3.514 3.733 7.365 1.744 7.715 4.374 5.442 3.702 924 1.591 -2.042 4.383 5.336 10.492 8.523 -62 3.546 9.303 25.408 7.054 2.785 12.245 8.684 10.414 18.877 11.502 7.789 8.070 3.717 15.461 4.851 1.373 9.973 4.239 4.682 10.693 3.900 6.443 4.740 5.587 9.946 2.202 1.413 2.273 4.445 5.733 8.184 7.602 1.346 3.330 109.063 67.226 41.837 122.133 70.072 52.061 Fonte: Censos demográficos de 1991 e 2000. *Deve-se tomar cuidado na confiabilidade dos dados referentes ao conjunto de pequenos municípios da micro. de São José dos Campos, já que a amostra é pequena. oportunidades econômicas, já que está encai- em grande medida, aos saldos migratórios po- xada entre a RMC e a maior região metropo- sitivos exibidos por essas regiões. A partir da litana do país, a RMSP. No pequeno município observação da Tabela 6,11 percebe-se que em de Louveira, a atividade industrial teve um im- 1986-1991 apenas dois conjuntos de pequenos portante incremento a partir de 1997, com a municípios apresentavam SM negativos. Já em implantação da Procter & Gamble do Brasil & 1995-2000, todos os conjuntos de pequenos Cia que, de acordo com as informações da pre- municípios estudados apresentaram SM positi- feitura da cidade, gerou 870 empregos diretos. vo. Diante disso, no total, o aumento observado Já Itupeva tem se destacado pelo incremento no SM entre os períodos de 1986-1991 e 1995- das atividades turísticas, chácaras de lazer e 2000 foi bastante significativo. condomínios residenciais. Segundo os dados Os números surpreendem, sobretudo, da prefeitura da cidade, o desenvolvimento da ao pensar que, no caso das cidades médias, indústria e do setor de serviços tem proporcio- que no total abrigavam uma população de nado o aumento da arrecadação tributária e do 3.791.969 em 2000, o SM foi de 108.085 pa- número de empregos. ra 1995-2000, enquanto que os conjuntos de Essa tendência de recuperação do cres- pequenos municípios das microrregiões que cimento demográfico exibida pelos conjuntos guardam os nomes dessas mesmas cidades de pequenos municípios em estudo se deve, médias apresentaram, quando somados, SM 384 Book CM24_final.indb 384 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:26 A desconcentração demográfica paulista em perspectiva pouco inferior à metade do que foi observado da RMSP passou de 18.702 em 1986-1991 para no total para esses polos regionais (52.061), 26.765 em 1995-2000. mas abrigando um estoque populacional que, O mesmo ocorre com a proporção de no total, correspondia a quase um quarto (cer- imigrantes procedentes da sede da própria mi- ca de 26,7%) do que possuem as sedes das crorregião que, no total, passou de 14,9% para microrregiões em estudo no ano de 2000. Fa- 17,9% entre 1986-1991 e 1995-2000. Porém, zendo uma interpretação um pouco grosseira, verifica-se que as proporções de imigrantes pode-se dizer que os conjuntos de pequenos oriundos do restante do estado e de outras uni- municípios analisados tiveram maior capacida- dades da federação diminuíram entre os dois de de atratividade populacional (o dobro) do períodos analisado. que o total das cidades médias trabalhadas no tópico anterior. Parece claro que a desconcentração demográfica que esteve em curso na década de Ainda, as Tabelas 7 e 8 permitem avaliar 1990 também teve a participação dos peque- a procedência dos imigrantes das áreas pre- nos municípios inseridos nas microrregiões dominantemente rurais em estudo. mais dinâmicas do estado. Apesar da ausência O que mais chama a atenção é o fato de dados sobre migração para os pequenos no- de que entre 1986-1991 e 1995-2000 ocorreu táveis após a virada do milênio, os dados da um aumento da proporção de imigrantes pro- Contagem da População 2007 (IBGE, 2008) cedentes da RMSP para essas áreas de 17,1% indicam que esses movimentos populacionais para 21,9%, o que evidencia mais uma vez o se intensificaram, o que ressalta a importân- papel importante que os pequenos municípios cia desses municípios na rede de centralidades assumem para a evolução do processo de des- paulista, com impactos que devem ser levados concentração demográfica em SP. Em termos em consideração pelos gestores e formuladores absolutos, o número de imigrantes nessas áreas de políticas públicas municipais e estaduais. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 385 385 09/11/2010 13:05:26 386 Book CM24_final.indb 386 1.854 Franca 1.026 1.180 Marília São Carlos 14,9 14,9 13,4 26,0 10,8 14,0 5,2 10,8 6,0 27,8 14,2 21,4 % 6.047 0 1.048 31 1.253 839 619 428 288 0 1.108 431 Pessoas 5,5 0,0 13,7 0,3 7,0 9,3 7,8 4,0 10,9 0,0 5,3 5,9 % Resto da Micro 18.702 1.200 1.111 1.724 2.803 1.953 735 2.048 896 583 3.889 1.760 Pessoas 17,1 15,0 14,5 16,8 15,7 21,5 9,3 19,1 33,8 8,7 18,5 24,1 % Microrregião 38.584 3.470 3.138 3.063 5.745 2.413 2.513 5.437 389 1.594 8.749 2.073 Pessoas RMSP 35,4 43,8 41,0 29,8 32,2 26,6 31,8 50,6 14,7 23,9 41,6 28,4 % 29.531 2.070 1.330 2.784 6.126 2.595 3.618 1.664 918 2.639 4.317 1.471 Pessoas 27,1 26,1 17,4 27,1 34,3 28,6 45,8 15,5 34,6 39,6 20,5 20,2 % Resto de SP 109.063 7.920 7.653 10.268 17.857 9.069 7.897 10.738 2.650 6.671 21.043 7.297 Pessoas 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 % Outros estados Fonte: Censo Demogrático 1991. * Deve-se tomar cuidado na confiabilidade dos dados referentes ao conjunto de pequenos municípios da micro de São José dos Campos, já que a amostra é pequena. 16.198 2.666 Jundiaí Total 1.930 Ribeirão Preto 411 1.269 Limeira Piracicaba 1.160 Bauru 159 2.981 São José do Rio Preto São José dos Campos 1.563 Pessoas Sede da Micro Sorocaba Município 340.763 20.109 19.476 28.231 39.003 22.847 16.967 31.463 48.858 18.090 44.937 50.783 Pessoas Total % 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 Tabela 7 – Procedência dos imigrantes dos pequenos municípios integrantes da microrregião polo (data fixa) – 1986-1991 Douglas Sathler e Vitor Miranda Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:26 Book CM24_final.indb 387 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 2.459 Franca 1.920 1.226 1.473 Jundiaí Marília São Carlos 17,6 18,3 15,7 16,7 17,3 11,2 6,7 15,5 7,5 34,9 20,4 22,2 620 7.069 0 779 415 1.067 1.011 793 521 376 0 1.487 5,8 0,0 10,0 3,6 5,7 9,7 9,1 4,3 13,5 0,0 5,9 6,7 % Resto da Micro Pessoas RMSP 26.765 1.291 1.726 2.491 3.072 3.022 1.217 3.044 1.296 711 5.394 3.500 Pessoas 21,9 16,0 22,2 21,7 16,3 29,0 14,0 24,9 46,5 10,1 21,2 37,6 % 37.952 3.176 3.104 2.759 5.319 2.959 2.519 5.802 265 1.811 8.052 2.186 31,1 39,4 39,9 24,0 28,2 28,4 29,0 47,4 9,5 25,7 31,7 23,5 % Resto de SP Pessoas 933 28.888 2.130 954 3.916 6.148 2.253 3.570 980 639 2.072 5.292 23,7 26,4 12,2 34,0 32,6 21,6 41,1 8,0 22,9 29,4 20,8 10,0 % Outros estados Pessoas Total 122.133 8.070 7.789 11.502 18.877 10.414 8.684 12.245 2.785 7.054 25.408 9.303 Pessoas 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 100 % Fonte: Censo Demogrático 1991. * Deve-se tomar cuidado na confiabilidade dos dados referentes ao conjunto de pequenos municípios da micro de São José dos Campos, já que a amostra é pequena. 21.459 3.271 Total 1.169 Ribeirão Preto 586 Limeira Piracicaba 1.898 Bauru 209 5.183 São José dos Campos 2.065 São José do Rio Preto % Sede da Micro Pessoas Sorocaba Município Tabela 8 – Procedência dos imigrantes dos pequenos municípios integrantes da microrregião polo (data fixa) – 1995-2000 A desconcentração demográfica paulista em perspectiva 387 09/11/2010 13:05:26 Douglas Sathler e Vitor Miranda Considerações finais Diante disso, define-se uma nova realidade urbana no interior paulista, na qual os A redução dos expressivos ganhos populacio- problemas antes exclusivos da RMSP passam a nais que ocorreram na maior parte do século se apresentar também nas novas aglomerações XX constitui uma importante evidência que si- metropolitanas e, em menor medida, nas cida- naliza para um estado de um novo tempo. Os des médias, o que torna crescente a demanda SM positivos das novas aglomerações metropo- por novos instrumentos de ordenação e gestão litanas paulistas e de todas as cidades médias territorial urbana entre 1995-2000 (exceto Jundiaí) confirmam a A desconcentração demográfica no es- importância do estudo dos movimentos migra- tado é um processo que parece não ter mais tórios para o entendimento da desconcentra- volta. Nada indica que os contingentes de mão ção demográfica no estado. de obra excedentes dos setores formais voltem Parece claro o papel de destaque que a a reingressar efetivamente em atividades rees- RMSP assume para a manutenção das elevadas truturadas em um novo ciclo de crescimento TCG das novas aglomerações metropolitanas econômico. São muitos os fatores que atraem do estado, uma vez que a proporção de imi- as pessoas para fora da RMSP em direção às grantes procedentes da grande metrópole che- cidades médias paulistas e os pequenos muni- ga até mesmo a ultrapassar, como no caso da cípios mais dinâmicos do estado. RMBS, a proporção de imigrantes oriundos de Ao final, estudos posteriores poderão de- todo o restante de SP. O aumento da proporção monstrar com clareza a dimensão do impacto de imigrantes originados da RMSP também é da migração de retorno no crescimento dos observado em grande parte das cidades médias polos paulistas para as últimas décadas, assim paulistas e nos conjuntos agregados dos pe- como nos pequenos municípios investigados quenos municípios estudados. neste trabalho. Douglas Sathler Geógrafo. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. [email protected] Vitor Miranda Economista. University of Pennsylvania. Philadelphia, Estados Unidos. [email protected] 388 Book CM24_final.indb 388 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:26 A desconcentração demográfica paulista em perspectiva Notas (1) A Contagem da População 2007 (IBGE, 2008), mesmo diante de suas limitações no que diz respeito à qualidade dos dados gerados, parece confirmar algumas tendências que se desenhavam com base nos resultados dos dois úl mos censos demográficos. (2) De acordo com Lencioni (2003), já na década de 1920, por volta de 30% da produção industrial paulista era proveniente do interior, com destaque para as regiões de Sorocaba e de Campinas, que concentravam 21,2% dos operários do estado de SP. (3) A criação da RMC foi aprovada pela Assembleia Legisla va do Estado em 24/5/2000. Já a RMBS, foi ins tuída anteriormente pela lei complementar estadual número 815, em 30/7/1996. (4) Deve-se deixar claro que os dados mais recentes sobre migração provenientes da PNAD 2008 são bastante limitados em termos de poder analí co. Sendo assim, os Censos Demográficos e os dados/es ma vas presentes na Contagem da População 2007 (IBGE, 2008) são u lizados para lançar luz sobre os problemas inves gados nesse tópico. (5) Não devem ser contabilizados como migrantes os movimentos de indivíduos que não estabelecem residência permanente no local de des no, uma vez que o conceito de migração “referese às mudanças de residência entre unidades espaciais bem definidas”. Os limites territoriais a serem transpostos devem ser especificados e, após o recorte temporal ser definido, só serão consideradas as mudanças de residências nesse período (Carvalho e Rigo , 1998, p. 339). (6) Todos os dados inves gados nesse tópico consideram o município como unidade de análise. (7) Ver Umbelino e Sathler (2005). (8) Os municípios de São José dos Campos (539.313 hab.), Ribeirão Preto (504.923 hab.), São Carlos (192.998 hab.) e Marília (197.342 hab.) extrapolam em pouco os limiares populacionais estabelecidos para o ano de 2000. (9) A alta proporção de imigrantes interestaduais nesse município nos períodos analisados pode ser, em boa parte, explicada pela grande proximidade geográfica com o Sul de Minas Gerais, região que conta com cidades importantes do ponto de vista regional. (10) Ver Sathler (2005) e Matos et al. (2004). (11) Nessa tabela, os imigrantes e emigrantes não foram simplesmente somados para se chegar ao SM. Nesse cálculo, todos os movimentos migratórios que ocorreram dentro de cada conjunto de pequenos municípios não foram contabilizados. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 389 389 09/11/2010 13:05:26 Douglas Sathler e Vitor Miranda Referências ABRAMOVAY, R. (2000). Funções e medidas da ruralidade no desenvolvimento contemporâneo. 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IBGE, contagem da População (2007). 304.962 680.826 RMC Periferia 307.800 Periferia 375.864 345.630 Núcleo Núcleo 653.430 RMBS 1970 8.337.379 10.886.518 19.223.897 1.594.226 1.039.297 2.633.523 1.188.575 418.288 1.606.863 2007 6,34 3,67 4,46 7,22 5,86 6,49 5,87 1,89 3,94 TCG 70-80 3,21 1,17 1,88 4,74 2,23 3,51 3,46 0,26 2,19 TCG 80-91 Tabela A1 – População e TCG das novas aglomerações metropolitanas paulistas (núcleo e periferia) e da RMSP entre 1970 e 2007 ANEXO 2,85 0,88 1,65 3,36 1,53 2,56 2,99 0,49 2,16 TCG 91-2000 1,63 0,61 1,04 2,20 1,00 1,71 2,08 -0,98 1,21 TCG 2000-2007 Douglas Sathler e Vitor Miranda Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:26 Book CM24_final.indb 393 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 1980 2.546.230 2.265.173 119.535 121.768 258.809 318.544 214.307 150.561 186.659 287.513 148.990 188.599 269.888 3.216.449 3.123.317 158.221 161.149 289.269 431.225 278.715 207.770 261.112 442.370 233.098 281.382 379.006 1991 População Fonte: IBGE, Censos de 1970-2000. IBGE, Contagem da População (2007). 1.848.459 85.425 São Carlos Total - demais municípios (43) 98.176 Marília 1.480.741 169.076 Jundiaí Total 212.879 Ribeirão Preto 90.963 Limeira 152.505 131.936 Bauru Piracicaba 148.332 São José dos Campos 93.638 122.134 Franca São José do Rio Preto 1970 175.677 Sorocaba Município 2000 3.638.063 3.791.969 192.998 197.342 323.397 504.923 329.158 249.046 316.064 539.313 287.737 358.523 493.468 2007 3.847.690 4.175.881 212.956 218.113 342.983 547.417 358.108 272.734 347.601 594.948 319.094 402.770 559.157 3,25 4,34 3,42 2,18 4,35 4,11 3,46 5,17 3,53 6,84 4,75 4,44 4,39 1970-1980 2,15 2,96 2,58 2,58 1,02 2,79 2,42 2,97 3,10 3,99 4,15 3,70 3,13 1980-1991 TCG 1,39 2,20 2,25 2,30 1,26 1,79 1,88 2,05 2,17 2,25 2,39 2,75 3,00 1991-2000 Tabela A2 – População residente e TCG (% a.a.) nas cidades médias não metropolitanas e demais municípios não metropolitanos sedes de microrregião (total) de São Paulo entre 1970-2007 0,80 1,39 1,42 1,44 0,84 1,16 1,21 1,31 1,37 1,41 1,49 1,68 1,80 2000-2007 A desconcentração demográfica paulista em perspectiva 393 09/11/2010 13:05:26 394 Book CM24_final.indb 394 97.669 30.904 38.084 Bauru Limeira Piracicaba 38.087 São Carlos 701.785 49.011 70.425 20.511 122.318 48.087 41.370 99.021 12.895 49.240 161.190 27.717 1980 852.021 65.781 68.495 34.401 160.336 66.622 58.063 100.850 16.598 55.038 183.470 42.367 1991 População Fonte: IBGE, Censos de 1970-2000. IBGE, Contagem da População (2007). 660.441 80.629 Marília Total 13.525 Jundiaí 105.016 10.517 Ribeirão Preto 56.164 São José dos Campos 166.965 22.881 1970 Franca São José do Rio Preto Sorocaba Município 1.015.016 78.817 69.144 50.069 194.511 82.451 75.259 106.330 21.302 62.546 214.335 60.252 2000 1.200.476 81.873 110.215 66.526 220.834 98.412 83.603 117.895 21.819 65.235 233.726 100.338 2007 0,61 2,55 -1,34 4,25 1,54 2,36 2,96 0,14 2,06 -1,31 -0,35 1,94 1970-1980 1,78 2,71 -0,25 4,81 2,49 3,01 3,13 0,17 2,32 1,02 1,18 3,93 1980-1991 TCG 1,98 2,05 0,11 4,30 2,19 2,42 2,95 0,60 2,84 1,44 1,76 4,03 1991-2000 Tabela A3 – TCG da população total dos conjuntos de municípios pequenos (<30.000 habitantes) pertencentes às microrregiões das cidades médias não metropolitanas 2,43 0,54 6,89 4,14 1,83 2,56 1,51 1,49 0,34 0,60 1,24 7,56 2000-2007 Douglas Sathler e Vitor Miranda Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 369-394, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:26 O estigma de morar longe da cidade: repensando o consenso sobre as “cidades-dormitório” no Brasil* The stigma of living far away from the city: rethinking the Brazilian “dormitory towns” consensus Ricardo Ojima Eduardo Marandola Jr. Rafael Henrique Moraes Pereira Robson Bonifácio da Silva Resumo No Brasil, o termo cidade-dormitório costuma ser utilizado com uma carga pejorativa para os municípios que apresentam baixo nível de desenvolvimento econômico e social, precárias condições de assentamento e de vida para sua população e nítida dependência econômica de um polo regional. O objetivo geral deste artigo é problematizar o termo cidade-dormitório e os contextos envolvidos em sua utilização, na tentativa de desmistificar o seu uso generalizado no país. Do ponto de vista teórico, realizou-se uma revisão da literatura internacional e nacional buscando compreender alguns pontos de convergência sobre o termo, bem como a discussão em torno da noção de estigmatização e estigma territorial. A partir de uma análise dos dados censitários e de alguns exemplos de pesquisa, buscou-se uma abordagem que permita repensar a dimensão de morar em uma “cidade-dormitório” e suas repercussões nas interações espaciais em áreas urbanizadas no Brasil. Abstract In Brazil, the term “dormitory town” is often used pejoratively to refer to municipalities that present low social and economic development levels, poor settlement and life conditions for its population and clear economic dependency of a regional center. The main goal of this paper is to problematize the term dormitory town and the contexts related to its use in an attempt to demystify its generalized use in Brazil. In a theoretical view point, a national and international bibliographical review was performed seeking to comprehend some convergence points on the term as well as the discussion concerning the stigma and territorial stigma notion. Using the Brazilian census data and some research examples, we used a methodological approach that allow us to rethink the dimension of living in a dormitory town and its reflects on spatial interactions in Brazilian urbanized areas. Palavras-chave: segregação espacial; cidadedormitório; mobilidade pendular; estigma; subúrbio; urbanização brasileira. Keywords: spatial segregation; dormitory town; commuting; stigma; suburb; Brazilian urbanization. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 395-415, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 395 09/11/2010 13:05:26 Ricardo Ojima et al. Introdução exposição a diversos riscos ambientais, com No Brasil, o termo cidade-dormitório costuma blicos (como educação, saneamento e trans- ser utilizado com uma carga pejorativa para porte público), com baixos níveis de renda e os municípios que apresentam baixo nível de escolaridade e baixo acesso as oportunidades desenvolvimento econômico e social, precárias de trabalho. péssimo acesso a infraestrutura e serviços pú- condições de assentamento e de vida para sua Por outro lado, as cidades-dormitório po- população e nítida dependência econômica de dem assumir as feições de uma agradável cida- um polo regional. Os trabalhos acadêmicos no de bucólica, onde vivem populações com boas país de maneira geral mantiveram essa carga condições socioeconômicas e que desfrutam de semântica do termo cidade-dormitório, embora ótima infraestrutura urbana e fácil mobilidade não tenham desenvolvido um conteúdo concei- (sobretudo, calcada em meios de transporte tual mais claro do termo. individuais). 1 Apesar dessas divergências, o Assim, a noção de cidade-dormitório fi- elemento fundamental que define a ideia de cou associada aos processos de marginalização uma “cidade-dormitório” nesses dois polos do e periferização da pobreza nos contextos de fenômeno é o mesmo: áreas residenciais com expansão metropolitana nos estudos urbanos elevada proporção de pessoas que realizam brasileiros, sobretudo após 1970. No entanto, suas atividades cotidianas (trabalho, estudo diferentemente dessa conotação pejorativa ou lazer) em outra cidade, geralmente na sede que as cidades-dormitórios assumem em par- metropolitana, originando os fluxos de deslo- te da literatura especializada no Brasil, as no- camento pendular. ções correspondentes a cidade-dormitório na A motivação deste estudo é colocar em bibliografia internacional são vistas de forma questão o significado da noção de cidade-dor- menos pessimista, sendo comumente associa- mitório, procurando interpretá-la para além do das ao processo de suburbanização das classes contexto da periferização dos anos 1970, ques- médias. tionando o que significa uma “cidade-dormi- A complexidade dos diferentes proces- tório” no Brasil urbano de hoje. As motivações sos de produção do espaço justifica, em parte, são pelo menos duas. Em primeiro lugar, cida- a existência da grande diversidade de abor- de-dormitório, tal como aparece na literatura dagens sobre tal modelo de urbanização que urbana nacional, não expressa a complexidade ora a elogia e ora a condena. Numa pequena dos fenômenos associados à urbanização brasi- amostra da bibliografia pesquisada é possível leira contemporânea, cujos movimentos de dis- identificar que o perfil socioeconômico e de persão e de formação de aglomerações urbanas desenvolvimento urbano de uma cidade-dor- têm marcado tanto a forma urbana quanto os mitório varia entre os extremos das condições estilos de vida de sua população (associados às de desenvolvimento humano. Por um lado, escolhas de local de moradia e de trabalho e ao descrevem-se assentamentos cujas populações crescimento e generalização da pendularidade possuem precárias condições de moradia com observados nos últimos anos). 396 Book CM24_final.indb 396 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 395-415, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:26 O estigma de morar longe da cidade Em segundo lugar, o uso do termo cidade- deslocamentos pendulares possui certo poten- dormitório, seja no cotidiano, nas políticas pú- cial de informação sobre os estilos de vida da blicas ou pela própria academia, constituiu um população e a forma de organização do tecido estigma (Goffman, 1982; Wacquant, 2007) que urbano. Em vista disso, procuramos embasar a atinge moradores e cidades que, mesmo que discussão acerca das cidades-dormitório a par- não possuam mais uma relação com aqueles tir de uma caracterização desses municípios a processos urbanos típicos dos anos 1970 (co- partir dos dados sobre o seu grau de pendulari- mo a periferização da população de baixa ren- dade e de seu nível de desenvolvimento urbano da via especulação imobiliária) ou mesmo que pensado sob alguns aspectos socioeconômicos, apresentam características socioeconômicas reforçando a necessidade de repensar o con- diferentes daquelas consideradas em muitos senso construído em torno desse fenômeno no estudos, permanecem cristalizados no imaginá- país. rio e na política urbana. O estigma que uma ci- O quarto, por sua vez, recupera as dis- dade recebe é uma iniquidade social que marca cussões teóricas acerca do conceito de estigma o espaço e a paisagem da cidade, somando-se (Goffman, 1982) e fazem algumas reflexões a outras formas de exclusão e segregação no acerca da classificação de cidades-dormitório espaço regional e dificultando a análise crítica enquanto manifestação de estigma territorial dos processos socioespacias contemporâneos. (Wacquant, 2007). O quinto e último tópico do Para isso, o segundo tópico do texto bus- estudo busca analisar a categoria da cidade- ca “decifrar” o termo “cidade-dormitório” na dormitório presente na literatura brasileira tentativa de compreender a heterogeneidade dentro do contexto histórico de desenvolvi- dos contextos envolvidos em sua utilização mento urbano que se deu no país sobre forte com ênfase na realidade brasileira, realizando influência de um modelo modernista de desen- o seu questionamento e buscando dados e evi- volvimento industrial. Ainda são feitas algumas dências que expressam tal heterogeneidade. considerações sobre o estigma da cidade-dor- Para tanto, procuramos mostrar que as dife- mitório enraizado em nosso imaginário urbano, rentes concepções do termo na bibliografia na- começa a ser redesenhado, na medida em que cional e internacional respondem às diferentes um novo tipo de “cidade-dormitório” no Brasil, formas históricas do desenvolvimento urbano baseada nos condomínios fechados, se consti- nesses países (no caso do Brasil com seu mode- tuiu nos últimos 30 anos. lo centro-periferia; e nos EUA com seu modelo de subúrbios de classe média). Na terceira parte do texto são utilizados os dados do Censo Demográfico (IBGE) sobre os deslocamentos pendulares para se A cidade-dormitório na literatura discutir a noção de cidade-dormitório.2 Além de possibilitar alguma informação sobre os No Brasil, diversos são os fatores apontados diferentes arranjos espaciais de rede urbana e como causa do surgimento das cidades-dor- diferentes dinâmicas populacionais, o dado de mitório. Dentre eles, podem ser destacados Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 395-415, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 397 397 09/11/2010 13:05:26 Ricardo Ojima et al. os processos de conurbação e metropoliza- primeiro em áreas de conurbação e depois em ção marcados pela expansão urbana de áreas municípios muito próximos. À medida que al- com baixo dinamismo econômico, elevado guns municípios aplicavam rígidas normas pa- crescimento populacional e que, via de regra, ra controlar a expansão do uso do solo, outros são ocupadas por população de baixa renda permitiram e incentivaram a chegada de con- residente em assentamentos precários (Villa- tingentes populacionais de outros municípios, ça,1998; Santos, 2005, Correa, 2006). Há uma em especial do polo regional. Em vista disso, associação quase que imediata do processo de a distância casa-trabalho a percorrer se tornou metropolização ao surgimento das “cidades- maior, mais custosa e penosa, o que exacerba -dormitório” baseado no modelo dicotômico as imagens que se aplicam às áreas mais afas- “centro-periferia”. tadas dos centros urbanos tradicionais. Num estudo publicado em 2007, Ojima É, portanto, na análise da produção so- et al. apontam que, embora pareça, essa re- cial do espaço, da distribuição territorial do tra- lação entre cidades-dormitório e regiões me- balho e na periferização baseada no mercado tropolitanas não é tão simples e mecânica. Os do solo urbano que a literatura dos anos 1970 autores identificaram que entre os municípios e 1980 encontram as principais condicionan- com mais de 20% de sua população ocupada tes para a localização dos grandes contingen- realizando deslocamentos pendulares no ano tes populacionais provenientes da área rural e de 1980, 51% pertenciam a Regiões Metropo- dos grandes fluxos migratórios inter-regionais litanas (RMs). Entretanto, em 2000, a partici- (Nordeste-Sudeste, por exemplo) nas periferias pação dos municípios em RMs diminuiu para metropolitanas. 40%. Ou seja, a maior parte desses municípios Na literatura internacional, por sua vez, o está localizada fora de RMs, o que aponta que uso de termos similares como dormitory-town a vinculação que se faz entre “cidades-dormi- ou satellite-city não costumam ser usados den- tório” e metrópoles não é tão simples quanto tro desse contexto. Ao contrário, costumam ser parece. atribuídos às áreas ocupadas por população de Na urbanização e metropolização brasi- média e alta renda representada pelos subúr- leira, esse processo foi reforçado pela especula- bios norte-americanos. Entretanto, o elemento ção imobiliária que coordenou a incorporação fundamental que define a ideia de uma “cida- do solo urbano, cuidando de levar conjuntos de-dormitório” é o mesmo: áreas residenciais habitacionais destinados às classes sociais com grande proporção de pessoas que realizam mais pobres para longe da cidade, garantindo a suas atividades cotidianas (trabalho, estudo ou valorização de áreas intermediárias no cinturão lazer) em outro núcleo urbano, geralmente na periurbano (Cano, 1988). Esse processo, que se própria metrópole. repetiu em outras localidades, contribuiu para Nos Estados Unidos, estudos como o de a distância física dessa população, reificando Schnore (1957) consideram o termo subúrbio no espaço a distância social. como uma comunidade formalmente constituí- Em áreas com maior densidade urbana, da, município ou não, sendo contígua e de- esse processo de segregação social ocorreu pendente de uma grande cidade. Esse autor 398 Book CM24_final.indb 398 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 395-415, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:26 O estigma de morar longe da cidade distingue os subúrbios das satellite cities ao empregos, também consideradas como satellite analisar suas principais características. Ain- cities por Schnore, as dormitory town apresen- da que ambas sejam partes constituintes da tam maior proporção de pessoas brancas, po- estrutura metropolitana, as satellite cities se- pulação com maior escolaridade e a renda é riam compostas por: (a) cidades que oferecem consideravelmente maior. emprego tanto para sua população residente Outros estudos, como o de Goldstein e quanto para uma pequena parcela de pessoas Moses (1975), enfatizam a questão do trans- residentes em outros municípios, sendo ca- porte, especialmente o uso de automóvel par- racterizadas como “subúrbios de produção” ticular e a localização da residência geralmente (Douglass, 1925 apud Schnore, 1957); e por (b) afastada do centro. Nesta análise, dois elemen- cidades que se restringem a fornecer apenas tos merecem destaque: a elevação do custo do moradias para as pessoas que trabalham em transporte e a redução do preço do aluguel à outras cidades, daí os termos dormitory town e medida que se vai afastando do centro. Ques- bedroom city, ou “cidades-dormitório”. tão clássica considerada crucial na tomada de Já os subúrbios cidades-dormitório, pa- decisão de onde morar nas mais variadas ver- ra Schnore (1957), se localizariam nas áreas tentes de estudos urbanos (Gottdiener, 1993). metropolitanas das grandes regiões, sendo Blumenfeld (1964) observa que a vinda das frequentemente integradas às grandes cida- pessoas para a metrópole visa (a) minimizar os des-polo que as subordinariam pela oferta custos de se deslocar para o trabalho e, quando de emprego. Tais cidades-polo são, portanto, isto não acontece, (b) maximizar as oportuni- receptáculos da força de trabalho da cidade- dades ao partir dos deslocamentos intrametro- dormitório. politanos, já que elas podem se valer de uma Numa comparação empírica na década de 1940 com as cidades que oferecem emprego, ampla possibilidade de emprego presente na metrópole. as dormitory town consideradas por Schnore Ainda em Blumenfeld (1949), encontra- (ibid.) teriam populações mais envelhecidas mos referências às cidades-dormitório como com status socioeconômico mais elevado que a uma opção individual ou familiar que permite média verificada nos subúrbios em geral. Esse a essas pessoas residir em um espaço urbano autor detectou também elevadas taxas de cres- ao mesmo tempo contínuo e afastado do gran- cimento populacional nas cidades-dormitório, de centro urbano. Em larga medida, essa opção que seriam explicadas pelas altas taxas de imi- pode ser interpretada como uma estratégia so- gração de pessoas provavelmente atraídas por cial de localização no espaço da cidade onde amenidades ambientais. estão em jogo espacial, em poucas palavras, a Em um estudo posterior, Schnore (1963) fuga de inúmeros problemas típicos das gran- avança na diferenciação entre as satellite cities des cidades (como violência, congestionamen- do estado de Nova Iorque através da análise tos, poluição, etc.) e, simultaneamente, uma de suas características sociais, econômicas e maior proximidade de amenidades ambientais demográficas. Em comparação com as cida- que possibilitem melhor qualidade de vida, ain- des que possuem alguma oferta mínima de da que afastada do local de trabalho. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 395-415, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 399 399 09/11/2010 13:05:27 Ricardo Ojima et al. Nesse debate, o papel dos transportes sobre a expansão metropolitana e a configura- foi um tema bastante estudado pelos norte- ção de sua forma. Além disso, ressalta que, de- americanos como sendo um elemento estru- vido à medição da interação pelos fluxos pen- turador e primordial das cidades-dormitório. A dulares, eles clarificam as posições e funções modernização dos meios de transporte desem- das cidades metropolitanas dentro da região. penhou papel crucial ao possibilitar o aumento das distâncias percorridas e tornar viável que inúmeras pessoas residam a uma distância considerável do seu local de trabalho. No Canadá, o estudo de Holmes (1971), por sua vez, aponta como os serviços de transporte coletivo Deslocamentos pendulares: problematizando a cidadedormitório por ônibus desempenham importante papel no transporte de trabalhadores das siderúrgicas Na manifestação concreta das “cidades-dormi- entre Belmont e Toronto e atuando como fa- tórios”, seja naquelas relatadas pela bibliogra- tor primordial para a manutenção e aumento fia nacional ou internacional, uma das evidên- do fluxo de pessoas entre esses dois municí- cias empíricas que caracterizariam a essência pios. Yapa et al. (1971) destacam, ainda, como das “cidades-dormitório” é o fato de que essas a melhoria nos transportes possibilitaram a seriam cidades que possuem importantes con- descentralização industrial e residencial. Esses tingentes de sua população economicamente dois processos seriam forças importantes no ativa trabalhando fora do município. São cida- atual processo de ocupação do espaço e dos des que tiveram um crescimento populacional constantes fluxos populacionais verificados acentuado e descompassado em relação ao seu principalmente nas regiões metropolitanas. crescimento econômico ou à expansão do seu Ao estudarem a estruturação do espa- mercado de trabalho. ço metropolitano no estado de Rhode Island, Seria possível, portanto, identificar as Goldstein e Mayer (1964) destacam a migra- cidades que poderiam ser consideradas como ção de pessoas para outras cidades que não “dormitório” a partir de um critério elementar o centro metropolitano devido à descentraliza- que caracterizaria uma situação típica: uma ele- ção espacial da indústria daquele estado, fe- vada proporção de pessoas que não trabalham nômeno que foi apontado também em nosso no município onde residem. Uma das maneiras país anos mais tarde e dentro de um contexto de captar empiricamente a dinâmica popula- diferente (Santos, 2005; Correa, 2006). cional que configura as chamadas cidades-dor- Enfim, Hughes (1993) salienta que os mitório é através do Censo Demográfico onde subúrbios já não servem mais como dormitó- é possível identificar o volume de pessoas que rio, pois estão se transformando em centros de possuem local de residência e de trabalho loca- emprego com atividades de consumo, cultura lizados em municípios distintos e, além disso, o e administração, ocasionada pelo processo seu perfil socioeconômico. de descentralização industrial. Dessa forma, A partir do Censo poderemos então tal transformação leva-nos a um novo pensar responder às perguntas: existe uma cidade 400 Book CM24_final.indb 400 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 395-415, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:27 O estigma de morar longe da cidade dormitório “tipicamente” brasileira? Ou ain- significativa. As evidências encontradas pelas da, quem são as pessoas que moram em um análises contribuem de maneira importante município e trabalham/estudam em outro? E para se relativizar ou, pelo menos, problema- em que medida o seu perfil socioeconômico se tizar o uso do termo “cidade-dormitório” de aproxima do estigma de um morador daquela forma a questionar a carga pejorativa que ele cidade-dormitório cristalizada no imaginário e carrega consigo. na política urbana (cidade periférica, economi- E quanto ao segundo bloco de perguntas camente dependente, com baixas escolaridade sobre o perfil socioeconômico daquelas pessoas e renda)? que realizam os deslocamentos pendulares? Em estudo anterior, Ojima, Silva e Perei- Inúmeros estudos brasileiros vêm apontando ra (2007) empreendem o esforço exploratório quão heterogêneo é o perfil socioeconômico sobre essas perguntas.3 Utilizando dados dos daquelas pessoas que moram e trabalham em censos demográficos de 1980 e 2000, os au- municípios distintos.4 O imaginário cristalizado tores buscam contrapor aquelas percepções sobre as “cidades-dormitório” (estigmatizadas usualmente presentes sobre as características por características socioeconômicas e de de- de uma “típica cidade-dormitório” (como per- senvolvimento urbano precário), contudo, não tencimento a alguma região metropolitana, parece passar por uma reconstrução (atualiza- baixo nível de desenvolvimento, elevado ritmo ção) acerca das diversas condições reais de de- de crescimento populacional, baixo Produto senvolvimento urbano correntes no Brasil nos Interno Bruto – PIB, etc.) àquelas característi- últimos anos. cas empiricamente encontradas nos municípios Mesmo um rápido diagnóstico das con- brasileiros segundo a proporção de sua popula- dições de renda e escolaridade daqueles mu- ção que realiza deslocamentos pendulares. nicípios que possuem mais de 20% de sua As análises indicam que: população residente economicamente ativa (a) existe uma correlação positiva e estatisti- trabalhando em outro município (municípios camente significativa entre taxa de crescimen- que, por esse critério demográfico, facilmente to populacional e proporção de deslocamentos seriam classificados como “cidades-dormitó- pendulares, de certa maneira confirmando a rio”) permite apontar certa incoerência entre ideia de que cidades-dormitório vivenciam in- as evidências empíricas e o estigma carrega- tensos ritmos de crescimento populacional; do por essas cidades e seus moradores. Afinal, (b) existe uma correlação negativa, estatica- apenas 7,4% dos 5.507 municípios existentes mente significativa, entre Índice de Desenvol- em 2000 se enquadrariam dentro desse critério vimento Humano Municipal (IDH-M) e a pro- de cidade-dormitório. porção de deslocamentos pendulares, proble- Considerando o nível de renda, ao se matizando a ideia de que cidades-dormitórios comparar a população que trabalha no mesmo seriam eminentemente subdesenvolvidas; município onde reside com aqueles que “con- (c) a correlação entre proporção de des- tribuem” para a denominação da cidade-dor- locamentos pendulares e PIB municipal per mitório, estes costumam ter maiores rendas capita não se apresentou estatisticamente individuais e maior escolaridade. O Gráfico 1 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 395-415, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 401 401 09/11/2010 13:05:27 Ricardo Ojima et al. Gráfico 1 – Distribuição da população segundo renda (em salários-mínimos) e por situação de pendularidade Pendular Mesmo município Renda (em salários mínimos) Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000. mostra que, tanto entre as faixas de dois a cin- Os dados elucidam a diversidade de con- co salários como na de cinco ou mais salários textos urbanos que poderiam ser classificados mínimos, a proporção de pessoas que realizam como “cidades-dormitórios” caso fossem con- movimentos pendulares é maior do que a da- siderados unicamente o critério do grau de queles que trabalham no mesmo município on- pendularidade. Essa pluralidade contribui para de residem. uma reflexão crítica acerca da percepção cor- Na literatura internacional, alguns au- rente em parte da literatura especializada de tores, como Renkow e Hoover (2000), tam- uma única periferia urbana (Gottdiener, 1993; bém desenvolvem trabalhos indo nessa di- Lago, 2000). reção ao apontar que os trabalhadores mais Os dados reforçam ainda a ideia de um especializados tendem a receber melhores novo padrão de “cidade-dormitório” presente salários e realizarem com mais frequência os no estudo de Cunha et al. (2006). Uma cida- movimentos pendulares. de-dormitório que, ao invés de abrigar uma Quando observamos a distribuição da população não escolarizada e de baixa remu- população segundo anos de estudo, podemos neração, cidades pequenas e médias sem in- notar que também existe uma significativa fraestrutura urbana muito complexa começam participação de pessoas mais instruídas entre a receber uma população de maior renda e aquelas que realizam os movimentos pendula- qualificação que para ali migra, mas que man- res (ver Gráfico 2). tém seus laços cotidianos com a cidade-polo, o 402 Book CM24_final.indb 402 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 395-415, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:27 O estigma de morar longe da cidade Gráfico 2 – Distribuição da população segundo escolaridade (em anos de estudo) e por situação de pendularidade Pendular Mesmo município Estudos (em anos completos) Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000. que explica parte do aumento observado nos migrantes são responsáveis pela pobreza urba- últimos anos do número de pessoas que rea- na? Sem adiantar o argumento, uma pista para lizam deslocamentos pendulares. Assim, tais a resposta a essas perguntas reside no próprio “cidades-domitório” possuem elevado grau de aumento da pobreza e da periferização precária articulação espacial e integração territorial (via urbana como, sobretudo, entre 1960 e 1970. conexão com diversos lugares e fluidez), mas baixo grau de interação social e poucos laços de compartilhamento do território. Como se trata de outro processo, oriundo de novas dinâmicas de estruturação e produção do espaço Repensando o estigma da cidade-dormitório urbano na escala regional, há necessidade de rever o significado do termo “cidade-dormitó- A origem do termo estigma vem dos romanos, rio” e do estigma a ela associado, atualizando entre os quais era um sinal externo, corporal, assim o debate sobre o tema. de identificação, demarcando aqueles que ti- Neste sentido, porque associamos a ideia nham aspectos particulares a um grupo como de cidade-dormitório àquela da população mais um defeito, fraqueza ou desvantagem. O con- pobre? Talvez seja o imaginário construído em ceito formal de estigma foi difundido e siste- torno da imagem de que o migrante traz con- matizado por Erving Goffman, que o fez a partir sigo a pobreza a construção social de que os de uma longa carreira dedicada ao estudo dos Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 395-415, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 403 403 09/11/2010 13:05:27 Ricardo Ojima et al. processos que operam por detrás da interação possui também o caráter de reafirmação da ca- simbólica dos indivíduos e que se concretizou tegoria de “normalidade”, daquilo que é bem em uma dezena de livros sobre o tema. A obra visto e socialmente desejado. Essa perspectiva que consolida formalmente o conceito de es- se apresenta como uma essência do conceito tigma (intitulada Notas sobre a manipulação de “estigma”, ou seja, a noção de que os estig- da identidade deteriorada) foi originalmente matizados só existem enquanto conflito com o publicada em 1963 e delimita a questão em grupo “normal”. A identificação de uma anor- torno da construção de expectativas (enquanto malidade se faz na identificação e reafirmação representações sociais compartilhadas) acerca de uma normalidade desejada socialmente do desempenho de papéis sociais em situações (Goffman 1982; Winkin, 1999).6 O próprio es- socialmente definidas (Goffman, 1982).5 tigma, portanto, acaba por produzir grupos Embora essas expectativas sociais inter- sociais “normais” e “anormais” que compar- nalizadas nos indivíduos possuam certo caráter tilham determinados signos estabelecendo normativo (apontando quais desempenhos se- uma forma específica de identidade a partir do riam ou não socialmente aceitos para determi- estereótipo. nados papéis em determinados contextos), elas Aqui nos interessa destacar, particular- não são refletidas, mas sim baseadas em práti- mente, o compartilhamento do local de resi- cas e papéis sociais subjacentes à ordem da in- dência enquanto um elemento de estigmatiza- teração face-a-face (Winkin, 1999). O estigma ção, ou seja, a influência que a representação surge quando se descortina a incongruência simbólica sobre determinados espaços físicos entre o que se espera do indivíduo (a expectati- exerce sobre a posição social dos atores que va proporcionada pela sua identidade virtual) e ocupam esses espaços. Trata-se do que Wac- o que ele realmente é (a sua identidade real). quant (2007) denomina estigma territorial ou A estigmatização possui, essencialmen- estigmatização territorial.7 te, uma natureza de desqualificação social do Embora seja possível identificar afinida- estigmatizado por parte dos “normais”, na des entre a marginalização de guetos estuda- medida em que a identidade real do indivíduo dos pela Escola de Chicago (Park, 1974) e a no- aponta atributos físicos, morais ou grupais que ção de estigma territorial, esta reforça a ideia são negativos àquela expectativa que antes se de que propriedades simbólicas atribuídas aos tinha sobre sua identidade social virtual. O es- espaços se transmitem aos seus moradores. Por tigma, portanto, não é analisado como um sim- um lado, se no campo simbólico os bairros no- ples “estado” em si, mas sim como um proces- bres enobrecem os seus habitantes, por outro, so histórico de desqualificação social ao longo os bairros estigmatizados possuem o poder de da própria carreira moral (Goffman, 1999) do degradar os seus habitantes. indivíduo. Subjacente a essa ideia de estigma terri- Se, por um lado, a rotulação opera en- torial está a postulação de Bourdieu (1997) de quanto uma forma de controle social que des- que existiria certa correlação entre as posições valoriza o estigmatizado categorizando-o como ocupadas pelos atores sociais no espaço físi- “anormal”, por outro lado, a estigmatização co e a posição que ocupam espaço social (as 404 Book CM24_final.indb 404 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 395-415, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:27 O estigma de morar longe da cidade classes sociais a que pertencem). Wacquant e relação aos moradores daquele bairro. Como Bourdieu compartilham da ideia de que há uma efeitos dessa estigmatização territorial, o fato relação dupla de mútua influência entre a posi- de morar em determinados bairros se colocaria ção ocupada pelo indivíduo no espaço físico e enquanto um obstáculo adicional para se con- sua posição ocupada no espaço social. Ou seja, seguir um emprego.8 ao mesmo tempo em que a ocupação de deter- No prefácio de seu livro, Goffman simpli- minados bairros por uma classe social despres- fica a ideia de estigma enquanto a “situação tigiada pode depreciar as percepções da popu- do indivíduo que está inabilitado para a acei- lação sobre aquele bairro, a própria percepção tação social plena” (1982, p. 7), o que suscita depreciativa que a cidade possui do bairro in- indagar: qual a origem do estigma que recai fluencia a maneira como a população se rela- sobre as cidades-dormitório? Que propriedades ciona com seus moradores. Portanto, não existe degradantes essas cidades teriam para que lhes apenas uma sobreposição entre o estigma ter- fosse conferida essa mácula? ritorial e os estigmas da pobreza e da margi- Pensar o morador da cidade-dormitório nalidade, há uma retroalimentação entre eles. como alguém estigmatizado passa, em primei- A mácula do estigma alija a pessoa da aceita- ro lugar, por retomar a dimensão espacial do ção social por ter sua própria condição humana estigma. Se o estigma está no corpo, na con- negada. O indivíduo estigmatizado passa a ser duta ou na classe social, conforme análise de entendido como subumano e incompleto pelo Goffman, ela também tem de estar nos lugares seu defeito. das pessoas e nas suas paisagens. Assim como Ainda que não seja foco do presente ar- projetam imagens e representações, os luga- tigo, cabe mencionar que os efeitos da estig- res podem ostentar sinais que os diferenciam matização não são exclusivamente simbólicos. no contexto do espaço, não tendo aceitação O próprio Goffman já havia alertado sobre social plena. As paisagens e os lugares são in- suas implicações para o constrangimento de tencional e socialmente produzidos; possuem oportunidades e para exclusão social. Em suas qualificativos que os singularizam ou os iden- palavras: tificam: paisagens do medo, amáveis, saudosas, Por definição, é claro, acreditamos que alguém com um estigma não seja completamente humano. Com base nisso, fazemos vários tipos de discriminações, através das quais efetivamente, e muitas vezes sem pensar, reduzimos suas chances de vida. (1982, p. 15) terríveis, tenebrosas, medonhas, feiosas, agradáveis (Tuan, 2005). A paisagem é a expressão da relação sociedade-natureza num determinado tempo-espaço, e por isso nela estão, tanto quanto no lugar, materializados os sentidos, os tempos e os significados sociais e culturais (Claval, 2004). Por outro lado, as pessoas Nesse sentido, os aspectos negativos de são os seus lugares, no mesmo sentido que os um bairro degradado exerceriam influência so- lugares são as suas pessoas (Casey, 1993; Bour- bre a atitude e o comportamento das pessoas dieu, 1997; Wacquant, 2007). Assim como fazer em geral (como empregadores, políticos, agen- parte de um grupo identitário traz consigo seu tes públicos, prestadores de serviços, etc.) em estigma, morar ou estar associado a um lugar Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 395-415, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 405 405 09/11/2010 13:05:27 Ricardo Ojima et al. estigmatizado traz sobre a pessoa o mesmo es- uma cidade plena, é apenas uma subcidade, tigma de seu lugar. uma quase-cidade (Tuan, 1980). É importante ter em mente essa asso- Essa noção de subúrbio surgiu na era ciação direta, viceral, pois ela não se processa moderna, na Inglaterra do século XVIII, quan- apenas no campo das representações sociais; do a Revolução Industrial tornou a cidade um ela se concretiza em experiências cotidianas lugar topofóbico, poluído, com ambiente hostil, no mundo da vida (Schutz, 1979). Se queremos insalubre, fedido, com massas de trabalhadores pensar a constituição ou não de uma estigma- pobres apinhados em residências de igual esta- tização de pessoas que moram em determina- do. As elites que tiveram condições de sair da dos lugares, é importante ter em mente a di- cidade, assim o fizeram, pois talvez pior que o mensão intersubjetiva dessas construções e as espaço físico hostil, o era o espaço social, peri- mediações sociais que passam pela construção goso, opressivo e desagradável. Mas essa fuga de identidades territoriais e de suas frontei- da cidade não foi um retorno à Inglaterra agrá- ras, resistências, impedimentos e autocontro- ria, mas tão somente às virtudes do campo e da les. Tais mecanismos, estudados por Goffman natureza que permaneceram cuidadosamente como o controle da informação (e o controle preservadas na memória e no imaginário oci- da identidade virtual) e o alinhamento grupal dental, até hoje (Thomas, 1998). têm um viés espacial cujo entendimento se faz necessário. Isso é evidente na construção da ideia de cidade-dormitório. A história urbana é uma história de segregações, de controle e de seletividade territorial. Os lugares com amenidades ou privilegiados sempre estiveram à disposição (ou foram tomados) por aqueles que tinham meios de espacializar seu poder, o que, em certo sentido, desloca a dimensão da cidade-dormitório Quando as cidades são vistas como paradigmas cósmicos ou centros de civilidade e liberdade, viver longe delas – nos subúrbios – é estar fora dos limites, é estar em uma zona intermédia onde os homens não podem alcançar a sua plena humanidade. Por outro lado, quando as cidades são descritas como abominações, “antros de iniquidade”, os subúrbios adquirem um brilho romântico, quando não sagrado. (Tuan, 1980, p. 261) do tempo presente para a própria essência da cidade (Villaça, 1998; Bourdieu, 1997). A noção Tuan (1980, 2005), Mumford (1998) e básica por detrás dessa ideia de cidade-dormi- Williams (1989), entre outros autores, discor- tório e, em alguma medida da noção de subúr- rem sobre esse processo de amor e ódio à ci- bio (embora em contextos espaço-temporais dade que se sucedeu e se modificou ao longo distintos), é a da não-cidade que, por não ser da história ocidental. No entanto, é importan- uma cidade plena, recebe um adjetivo que a te notar que o sentido da negação é sempre o desqualifica enquanto uma cidade incompleta mesmo: fugir das mazelas e dos perigos, mas tendo uma única função: a moradia. Por isso a manter-se urbano, atrelado à cidade. A ideia ideia de subúrbio está no mesmo horizonte: o dos subúrbios é exatamente esta: deixar a cida- sub é o prefixo da incompletude, que transmi- de, mas ficar numa cidade diminuída que, além te a noção de cidade-de-menos, alijada de ser de manter aspectos da civilidade e urbanidade, 406 Book CM24_final.indb 406 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 395-415, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:27 O estigma de morar longe da cidade permite a conexão e acesso à cidade sempre mesma orientação daquela do subúrbio rico, é que necessário. Foi assim como os primeiros direcionada a locais menos conectados ou va- subúrbios ingleses, baseados nos trens no sé- lorizados, construindo assim vários subúrbios, culo XVIII, com os subúrbios americanos no várias periferias, várias esferas. início do século XX com os automóveis, e com Quando se fala, no Brasil, de uma nova as cidades-dormitório brasileiras (e latino-ame- periferia e de uma nova forma de produção do ricanas) a partir dos anos 1970, com os auto- espaço urbano que se contrapõem ao modelo móveis e com o transporte público de massa. clássico centro-periferia, na verdade, se está a Em qualquer um desses casos, o princípio é ne- falar da modificação da lente dos cientistas que gar a cidade, mas mantê-la ao alcance, e isto acompanham o processo. Assim, num primeiro só se tornou possível com o desenvolvimento momento, aquele elevado grau de desigualda- dos sistemas de transporte e de comunicação de espacial na distribuição da população pobre (Ascher, 1998). (segregada nas periferias) e das atividades eco- Talvez uma lacuna pouco desenvolvida de nossa literatura é encarar a “periferização” ou a “suburbanização” brasileira, corriqueiramente associada ao surgimento das cidades-dormitório, como um processo que atinge primeiramente os mais pobres. A história mostra que esse processo, assim como toda a produção do espaço urbano, é comandado pelas elites (Villaça, 1998). Elas são as primeiras a saírem das cidades e construírem os subúrbios ricos. As classes médias seguem as primeiras e só mais tarde as classes mais baixas conseguem, também elas, construir seus subúrbios. É tão nítida a diferença entre tais fenômenos que comumente não se encara como sendo o mesmo processo, muitas vezes devido à sua complexidade. Os vastos bairros residenciais operários de casas similares (quando não idênticas) afastados dos poluídos centros industriais urbanos aparecem já na Inglaterra do século XIX, compondo o conjunto de ganhos sociais que as classes trabalhadoras conseguem gradativamente por meio de programas habitacionais (?), incluindo ao longo do século XX o automóvel individual e a possibilidade também deixar a cidade (Tuan, 1980). Tal produção do espaço, embora esteja dentro da Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 395-415, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 407 nômicas e de infraestrutura básica (concentradas nos centros) [...] foram as bases empíricas para que a perspectiva dual predominasse nos estudos sobre segregação urbana nos anos 70 e 80, embora o núcleo e a periferia nunca tenham se constituído em espaço socialmente homogêneos. (Lago, 2000, p. 15) Num segundo momento, as recentes transformações nas dinâmicas metropolitanas acirram a necessidade de se rever o modelo dual (de centro-periferia) adotado nas análises espaciais mais tradicionais (Gottdiener, 1993). Tal modelo sempre existiu em um nível teórico de análise, embora alguns estudos apontem que, empiricamente, com um viés ideológico muito acentuado, não possuindo respaldo na história nem nas principais teorias da morfologia urbana. Pode-se então dizer que há um estigma contra quem mora nas chamadas cidades-dormitório? Se sim, como se construiu esse estigma? A questão está amarrada justamente à origem do termo: cidade-dormitório no Brasil foi a alcunha dada a cidades em contextos metropolitanos que mantinham dependência 407 09/11/2010 13:05:27 Ricardo Ojima et al. (serviços, cultura, economia, lazer, educação) (e servem) simbolicamente como medidas de das sedes metropolitanas. Seriam consideradas desenvolvimento expressos no orgulho dos cidades incompletas, que não teriam a capaci- cidadãos. Uma cidade que não produzia, mas dade de fornecer a seus cidadãos o básico que, que tão somente fornecia mão de obra para por este motivo, têm de buscar a satisfação de outras era vista como uma cidade menor, uma suas necessidades em outra cidade. Seriam sub- subcidade, que não tinha ela mesma os meios cidades (subúrbios no sentido lato do termo), de produzir e assim se desenvolver. Essa visão cidades incompletas e seus habitantes subpes- da modernidade urbano-industrial – enquanto soas, subcidadãos, subcitadinos. O ponto cen- padrão de normalidade urbana no Brasil dos tral dessa discussão, no entanto, não é a for- anos 1950 a 1980 – é uma das fontes do es- mação dos subúrbios nem a dependência entre tigma sobre uma cidade que tivesse apenas a as cidades nem a rede de hierarquia urbana. A função residencial. questão que permite entender essa estigmati- Outra fonte para o estigma construído zação é a modernidade brasileira e nossa visão em torno das cidades-dormitórios no país é a desenvolvimentista do progresso associado ao própria pobreza associada às periferias metro- urbano e à indústria. politanas que foram se formando ao longo do O sentido histórico do subúrbio apon- acelerado processo de urbanização vivenciado tado na bibliografia internacional, que é o no Brasil entre as décadas de 1940 e 1980. mesmo que agora aflora para o senso comum Como muitas daquelas periferias constituíam (e para a academia) acerca dos condomínios de fato áreas socialmente excluídas (com pre- fechados no Brasil, é o da não-cidade inten- cárias condições de assentamento e de acesso cional. A incompletude é proposital para ga- à infraestrutura e serviços públicos) e desem- rantir as amenidades e as virtudes associadas penhando função de dormitório, sua própria ao imaginário da natureza e às condições de consolidação enquanto cidade reforçou a as- saúde e comunidade (Tuan, 1980). No caso sociação entre pobreza e cidade-dormitório. das cidades-dormitório, seu sentido histórico E essa associação foi reforçada a tal ponto cristalizado no imaginário urbano brasileiro que raramente se observam cidades e bairros aponta no sentido de uma privação involuntá- (como Alphaville em São Paulo, por exemplo) ria, não necessariamente planejada, tornando- com elevada pendularidade onde residem pes- se ela um estigma da sub-habitação e da sub- soas de elevada escolaridade e renda serem cidadania. consideradas cidades-dormitório. O Brasil dos anos 1970 ainda busca no Há uma sobreposição de estigmas ou, crescimento econômico de base industrial al- talvez, um ocultamento de um estigma pelo cançar ganhos econômicos e sociais. É com outro, em que o verdadeiro sinal indesejável base num modelo de modernidade desen- seja aquele da pobreza, do migrante, do dife- volvimentista que as cidades pautaram seus rente que não eu, que é sub-humano vivendo próprios crescimentos. O tamanho da popula- uma subvida em uma subcidade. A força desta ção, a quantidade de indústrias, o número de exclusão é a principal razão do descompasso edifícios altos nos centros comerciais serviam do significado cultural no Brasil da ideia de 408 Book CM24_final.indb 408 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 395-415, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:27 O estigma de morar longe da cidade subúrbio com a construção da ideia na Europa A ideia de um lugar exclusivamente re- e nos Estados Unidos, estando colado o estig- sidencial já é aceitável socialmente, e se ainda ma da pobreza ao estigma da cidade-dormi- persiste o estigma é justamente porque seu tório, e vice-versa, o que não acontece nesses principal componente não é o de pendular ou outros países. de morar longe, mas é justamente a pobreza e O que temos hoje, portanto, é uma espé- o ser migrante que estão fazendo permanecer cie de ajustamento histórico do caso brasileiro o estigma. Utilizar tal ideia, portanto, é uma a um contexto mais amplo do processo de su- forma de reificar uma iniquidade social que burbanização. Todos os extratos sociais, hoje, alija as pessoas de sua condição humana e so- aprenderam a lidar com a distância e com a cial, retirando até de seus lugares a dignidade possibilidade de fugir da cidade. As cidades e o respeito. não desejam, necessariamente, ter um, dois ou três milhões de habitantes. Várias cidades procuram controlar seu uso do solo, evitando um crescimento populacional muito acentuado. Nas fronteiras da cidade As indústrias, principalmente as sujas, não são mais bem vistas, muito menos como Espera-se que tenha ficado claro ao longo do promotoras de desenvolvimento. Várias cidades texto que a classificação de uma cidade en- têm optado pelo turismo, prestação de serviços quanto “cidade-dormitório” no Brasil tem sido ou outras atividades que lhe garantem receita historicamente baseada num modelo de mo- sem mudar seu caráter ou dimensão. E mesmo dernidade tipicamente industrial e desenvolvi- aquelas que nos anos 1970 e 1980 eram cha- mentista. E espera-se também ter ficado claro madas de cidades-dormitório, na verdade, ve- como essa classificação de “cidade-dormitório” mos hoje que apenas apresentam um grande constitui uma manifestação de estigma territo- fluxo de pendularidade, o que não implica que rial (Goffman, 1982; Wacquant, 2007). sua única função ou sua principal função seja a residencial. As análises empíricas sobre a realidade das cidades brasileiras que possuem pelo me- Cidades que poderiam ser tomadas como nos 20% de sua população ocupada realizan- exemplos da ideia de cidade-dormitório, com do deslocamentos pendulares no ano de 2000 a descentralização e involução metropolita- apontam novos contextos urbanos em que o na, desenvolveram serviços e atividades que aumento das proporções de movimentos pen- apontam para um modelo de urbanização e dulares não está necessariamente associado a de metropolização menos concentrado, onde uma precarização socioeconômica e urbana, a sede da região tem seu peso relativo muito tornado necessário repensar a formação his- menor do que se viu durante a industrialização. tórica e econômica dessas cidades, bem como A heterogeneidade e complexidade das redes e sua rede de interações espaciais regionais. formas urbanas mudaram tais relações, o que Esse fenômeno destaca ainda o fato de torna o uso do termo cidade-dormitório acade- que esse novo padrão de cidade-dormitório micamente impreciso. (Cunha et al., 2006) se diferenciam muito Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 395-415, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 409 409 09/11/2010 13:05:27 Ricardo Ojima et al. daquelas típicas áreas periféricas dos anos urbana e ao processo de periferização da popu- 1960 e 1970 apontadas por parte da literatura lação de baixa renda. Em algumas regiões, por brasileira. Não se trata simplesmente de áreas exemplo, embora sejam identificados processos socialmente excluídas onde a infraestrutura clássicos de regionalização e polarização, não está ausente e a população do município-sede se trata de municípios em que o processo de se refugia, (repelida) impelida pelo processo expansão urbana se deu unicamente através de periferização via especulação imobiliária. de conurbação ou mesmo de um crescimento Existe uma diversidade de situações que me- da mancha urbanizada do município-sede em recem ser avaliadas, sobretudo nos casos em direção às suas “periferias”. que todos os indicadores apontam para áreas Enfim, essa discussão ainda é carente de de melhores condições de vida e de dinamismo estudos sistemáticos. Embora o emprego do econômico. termo cidade-dormitório seja antigo no Brasil, O que parece importante é reconhecer pouco se desenvolveu para efetivamente ca- que a “periferia” das grandes cidades brasilei- racterizar e verificar se esse uso era válido. Um ras tem se tornado cada vez mais heterogênea estudo de casos típicos poderia trazer mais ele- e plural, e que o uso do termo “cidade-dormi- mentos e permitiria identificar algumas novas tório” não tem contribuído para explicitar essa evidências (Ojima, Pereira e Silva, 2008). O en- diversidade de situações. Ao contrário, a clas- tendimento das dinâmicas imobiliárias e demo- sificação por critérios não técnicos de algumas gráficas, do processo de expansão urbana e das cidades e não de outras enquanto cidade-dor- características dos setores da economia que mitório apenas contribui para reforçar a retro- moldam essas regiões poderia trazer elemen- alimentação entre os estigmas da pobreza e do tos importantes para reconhecer os desafios território. do planejamento urbano e regional, evitando É importante destacar, portanto, que a a conveniência de se simplificar parte dos in- compreensão acerca das cidades-dormitório teresses políticos, sociais e econômicos apenas não seja reduzida à questão da expansão sob a noção de “cidade-dormitório”. 410 Book CM24_final.indb 410 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 395-415, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:27 O estigma de morar longe da cidade Ricardo Ojima Demógrafo. Núcleo de Estudos de População/Universidade Estadual de Campinas. Campinas, São Paulo, Brasil. [email protected] Eduardo Marandola Jr. Geógrafo. Núcleo de Estudos de População/Universidade Estadual de Campinas. Campinas, São Paulo, Brasil. [email protected] Rafael Henrique Moraes Pereira Sociólogo. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Brasília, Distrito Federal, Brasil. [email protected] Robson Bonifácio da Silva Geógrafo. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, São Paulo, Brasil. [email protected] Notas (*) Uma primeira versão deste ar go foi apresentada durante o 32º Encontro Anual da ANPOCS, no Grupo de Trabalho “A cidade nas ciências sociais: teoria, pesquisa e contexto”, em Caxambu, em 2008. Este estudo foi desenvolvido no âmbito do projeto: “As dimensões humanas das mudanças ambientais globais, seus impactos e consequências na urbanização contemporânea: novos paradigmas para as ciências sociais?” (Edital MCT/CNPq 03/2008 - Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas; 400303/2008-6). (1) Tais feições da cidade-dormitório no contexto de outros países podem ser percebidas, por exemplo, em alguns estudos como os de Goldstein e Mayer (1964) e Goldstein e Goldstein (1984). (2) Segundo o IBGE (2003), deslocamentos pendulares compreendem aqueles deslocamentos que as pessoas realizam entre suas residências e seus respec vos locais de trabalho/estudo quando estes se encontram localizados em municípios dis ntos. Segundo Beaujeu-Garnier (1974), o nome “pendular” se relaciona ao vai e vem do movimento entre os dois municípios, semelhante à oscilação de um pêndulo. (3) Após breve discussão metodológica, os autores assumem que seria um recorte razoável para inclusão de um município na classe de “cidade-dormitório” caso ele possua pelo menos 20% de sua população residente economicamente a va trabalhando em outro município, ou seja, realizando deslocamentos pendulares. (4) Ver, por exemplo, os estudos de An co (2003), Cunha e Miglioranza (2006); Erva e os estudos de Sobreira (2005 e 2007). Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 395-415, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 411 e Jardim (2006) 411 09/11/2010 13:05:27 Ricardo Ojima et al. (5) O estudo de Link e Phelan (2001) é muito elucida vo da heterogeneidade conceitual ao redor da noção de es gma. Segundo os autores, essa diversidade se deve, dentre outros fatores, pelo (1) caráter mul disciplinar desse conceito (apropriado por psicólogos, geógrafos de cien stas sociais em geral), e pela (2) aplicação desse conceito a uma grande variedade de circunstâncias (doenças mentais, gênero, raça, etnia, nacionalidade, doenças, etc.) sob diferentes abordagens e ênfases. Apesar de uma grande diversidade de abordagens, e mesmo de definições conceituais, o presente estudo se esforça para que o conceito de es gma aqui u lizado se aproxime ao máximo daquele sen do teorizado por Goffman (presente em suas obras de 1982 e 1999) e analisados por Winkin (1999). (6) Segundo Link e Phelan (2001), a cristalização de um es gma poderia ser decomposta em quatro diferentes componentes inter-relacionados entre si, quais sejam: (1) dis nção e rotulação de um desempenho “inadequado” de um papel social; (2) a associação dessas diferenças/incongruências a atributos deprecia vos; (3) a separação do “nós normais” e “eles anormais”; e (4) perda de status e discriminação onde relações assimétricas de poder estão presentes. (7) Segundo Goffman (1982), haveria três pos de es gma: es gmas relacionados ao corpo (deformidades sicas), aqueles relacionados a culpas de caráter (vícios, crenças, paixões) e os es gmas tribais (raça, nação, religião). Dentro desse “catálogo”, Goffman não menciona, contudo, alguma dimensão territorial do es gma. Nesse sen do, são úteis as reflexões presentes no estudo de Wacquant (2007). Essa dimensão territorial do es gma também se encontra presente nos estudos de Barbio (2006) e Gourlay (2007). (8) Syrett (2008) apresenta uma revisão da literatura que discute os chamados Area effects ou neighbourhood effects, conceitos que se debruçam sobre a dimensão territorial por detrás do es gma/discriminação e seus efeitos. Outros autores que também alertam sobre os efeitos não simbólicos da es gma zação territorial são Barbio (2006), Kaztman e Wormald (2002), Kaztman (2006), Gourlay (2007) ou mesmo os estudos revisados por Link e Phelan (2001). Referências ÂNTICO, C. (2003). Onde morar e onde trabalhar: espaço e deslocamentos pendulares na Região Metropolitana de São Paulo. Tese de Doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas. ASCHER, F. (1998). Metapolis: acerca do futuro da cidade. 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Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 395-415, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 415 415 09/11/2010 13:05:28 Book CM24_final.indb 416 09/11/2010 13:05:28 Cidades que crescem horizontalmente: o ordenamento territorial justo da mudança de uso rural para urbano Cities with horizontal growth: fair territorial planning of rural-urban use change Paula Freire Santoro Patricia Lemos Cobra Nabil Bonduki Resumo O planejamento territorial brasileiro enfrenta permanentemente o desafio de gerir territórios que convertem suas terras rurais em urbanas, resultado do crescimento urbano. Nos anos 1980, o Brasil vivenciou processos de alteração demográfica e de reversão da concentração nas grandes cidades associados à desconcentração e às alterações no desenvolvimento industrial e ao surgimento de novas formas condominiais de urbanização. O crescimento horizontal dessas cidades exige novas estratégias de planejamento de forma que ajudem na construção preventiva de espaços urbanos qualificados e inclusivos. Este artigo debate as possibilidades da utilização de instrumentos da legislação brasileira para esta gestão, em especial a Outorga Onerosa de Alteração de Uso, e propõe novas formas de ordenamento do território, em particular, planos de expansão urbana. Abstract Brazilian planning policy permanently faces the challenge of managing territories that convert rural into urban land as the outcome of urban growth. In the 80s, Brazil experienced demographic change and concentration reversion processes in major cities, which were associated with deconcentration and changes in the industrial development and with the emergence of new condominium housing forms. These cities’ horizontal growth raises the need of new planning strategies towards the creation of including and qualified urban territories in a preventive manner. This article debates the odds in using the Brazilian law to manage for such management focusing on the Award with Costs of Alteration in Use instrument, and proposes new planning instruments, such as urban growth plan. Palavras-chave: urbanização; mudança ruralurbano; valorização da terra; Outorga Onerosa de Alteração de Uso; Planos Diretores; planos de expansão urbana. Keywords: urbanization; rural-urban transformation; land value appreciation, Award with Costs of Alteration in Use; master plans, urban expansion plans. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 417-440, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 417 09/11/2010 13:05:28 Paula Freire Santoro, Patricia Lemos Cobra e Nabil Bonduki Introdução1 debateram (e hoje somam-se a outros que reveem) um esquema de análise que se generalizou, o chamado padrão periférico de cresci- Os gestores dos municípios brasileiros enfren- mento, baseado em loteamento periférico-casa tam permanentemente o desafio de administrar própria-autoconstrução, e que gerou o con- territórios urbanos resultantes da conversão de ceito de espoliação urbana (Kowarick, 1980; terras rurais, resultado do crescimento horizon- Kowarick, Rolnik e Someck, 1990). tal das cidades. A expansão urbana é um pa- Esses trabalhos influenciaram a inter- drão bastante adequado, desde que planejado, pretação sobre processos em outras cidades, a uma realidade de crescimento populacional não integrantes das regiões metropolitanas e físico explosivo, como aquela experienciada paulistas, principalmente sobre as que exer- por um grande número de cidades brasileiras cem influência regional ou local. Essas cidades, até a década de 1980, fruto de processo de in- entretanto, como afirma Feldman (2003), não tensa urbanização do país, no âmbito da pas- geraram suas próprias periferias extensivas e sagem da economia agrário-exportadora para ocupam parcela diminuta do território muni- a urbano-industrial impulsionada pelo Estado cipal, o que aponta para a necessidade de di- (Oliveira, 1972; Cano, 1997; Negri, 1996). O ferenciarmos as análises das cidades conside- processo de urbanização acelerada dos anos rando a sua posição na rede de cidades,2 o que 1960 e 1970, além de promover a transferên- significará diferenciar as estratégias e os inte- cia populacional da área rural para a urbana, resses dos atores que promovem a expansão concentrou boa parte do fluxo migratório em urbana nesses diferentes grupos de cidades. poucos territórios, geralmente grandes e médias cidades, sobretudo as metrópoles. Sem deixar de apresentar um quadro de expansão urbana baseado em loteamen- A literatura voltada para os estudos ur- tos populares, o território periurbano dessas banos pesquisou essa dinâmica de crescimento cidades que não integram as regiões metro- centrada, sobretudo, na acelerada expansão politanas (espaço onde se dá a transforma- das metrópoles. Nessa direção, a partir da se- ção de uso rural para urbano) tem sido palco gunda metade da década de 1970, houve uma de novas dinâmicas imobiliárias: pós-anos 80, larga produção científica sobre o crescimento como a expansão de loteamentos horizontais periférico em São Paulo, estudos que identifi- residenciais, distritos industriais e programas cavam os processos imobiliários e sociais da de uso múltiplo, estimulada por programas de urbanização veloz e horizontal, baseada na financiamento habitacional, pelo baixo preço precarização das condições de moradia e vi- das terras periurbanas e por políticas de mo- da urbana (Kowarick, 1980; Sampaio e Lemos, bilidade baseadas nos veículos individuais e no 1978; Maricato, 1979 e 1996; Bonduki e Rolnik, rodoviarismo (Mattos, 2007; Reis, 2006); e nos 1979; Rolnik, 1997; Bonduki, 2004). Baseados anos 1990 e 2000, as oscilações no mercado em análise de cunho marxista e no âmbito da agrícola rural no interior paulistano – ora valo- crítica ao modelo econômico implementado pe- rizando, ora desvalorizando as culturas de cana lo regime militar, diversos autores construíram, e laranja – têm estimulado a mudança do solo 418 Book CM24_final.indb 418 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 417-440, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:28 Cidades que crescem horizontalmente rural para urbano através da abertura de novos loteamentos residenciais (Bonduki, 2009). Demógrafos como George Martine, Cunha e Baeninger alinham-se com economis- No campo da literatura urbana, por um tas como Cano (1997), Azzoni (1989) e Negri lado, a interpretação da expansão urbana (1996) e dissertam sobre processos de altera- horizontal tem sido associada às mudanças ção da concentração populacional nas metró- demográficas pós-anos 80 no Brasil, com o poles e grandes cidades associado à fase da in- crescimento da população urbana nas cidades dustrialização pesada (expressão utilizada por dinâmicas; por outro, é associada às estraté- Cano), mostrando a desconcentração relativa gias dos mercados imobiliários que estimulam da indústria e da urbanização, principalmente o crescimento horizontal. Estes o fazem ora via nos aspectos de crescimento de sua população mercado informal, que busca a economia de re- urbana. Defendem a tese de uma reversão da dução de custos que se apresenta através da polarização das metrópoles na urbanização implantação da urbanização em uma estrutura brasileira, interpretação que requer observação difusa e dispersa; ora via mercado formal, que e que precisa ser tratada com cuidado, sobretu- busca a inovação do produto imobiliário oferta- do considerando que o padrão de crescimento do pelo mercado, como, por exemplo, um con- das metrópoles é desigual e que esse processo domínio horizontal fechado onde não há, ou ocorreu num período de baixo crescimento da exclusividade no lugar escolhido para um novo economia, que pode estar sendo alterado pelo loteamento, como os loteamentos ditos “ecoló- atual ciclo de expansão dos anos 2000. gicos”, entre outros similares. No campo do estudo do mercado imobi- No campo da demografia, Martine (1994) liário, um dos principais autores que se debruça resgata o crescimento populacional dos anos sobre as estratégias dos atores que promovem 1960 e 1970, e demonstra que a década de a expansão urbana e a morfologia resultante 80 aponta para uma mudança significativa do destas é Pedro Abramo (2007, 2009). Abramo padrão de urbanização brasileiro, com uma re- (2009) afirma que as cidades latino-americanas dução significativa do ímpeto da concentração possuem “uma estrutura ‘híbrida’, ao mesmo populacional em grandes cidades, com declínio tempo compacta e difusa, produzida pelo mer- relevante da migração rural-urbana e inter-re- cado informal e formal que, por razões vincula- gional (ibid., p. 43). Cunha e Baeninger (2007) das às suas próprias lógicas de funcionamento, afirmam que nos anos 80 houve a intensificação produzem a cidade COM-FUSA”.4 da migração urbano-urbano e, nos anos 90, um Segundo o autor, as estratégias dos maior número de deslocamentos migratórios agentes dos submercados informais de solo interestaduais, e reforçam que há uma relação urbano dividem-se principalmente em busca entre a desconcentração econômica e os fluxos da economia da proximidade, que traz soluções migratórios, oferecendo possíveis explicações de estrutura compacta (favelas poderiam ser para novos destinos migratórios e afirmando exemplos nesta direção), e busca da economia que o papel da metrópole como atratora popu- de redução de custos, que se apresenta atra- lacional muda em face da desconcentração e vés da implantação de uma estrutura difusa (os crise do emprego metropolitano. 3 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 417-440, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 419 loteamentos dispersos em manchas urbanas 419 09/11/2010 13:05:28 Paula Freire Santoro, Patricia Lemos Cobra e Nabil Bonduki distantes dos centros urbanos poderiam ser de projetos urbanos,6 embora nelas também exemplos nesta direção). A lógica de cresci- possam ocorrer empreendimentos alternativos mento urbano pautada pela “COM-FUSÃO” com apelo de mercado. Para essas intervenções fruto da estratégia dos submercados informais, acontecerem, frequentemente há resistências como propõe Abramo (2009), dá-se fortemente às mudanças e os custos são altos. Já nas de- nas regiões metropolitanas, onde o mercado in- mais cidades, fora das regiões metropolitanas, formal apresenta-se de forma quantitativamen- a distinção pode acontecer na região periur- te mais significante e alinha-se com a produção bana (ou de transição urbano-rural), onde há da literatura sobre as periferias já comentada, pouca ou nenhuma resistência à mudança de mas que também está presente nas demais ci- uso rural para urbano, ante as oscilações dos dades brasileiras de todos os portes. 5 preços agrícolas e a alta rentabilidade da im- Em relação às estratégias do mercado plantação de preços urbanos, o que aponta pa- formal, trabalhos anteriores de Abramo (2007) ra a facilidade de opção pela mudança de uso mostravam que a estratégia desses atores, di- (Santoro e Bonduki, 2009). ferente dos do mercado informal, consiste em Nessas cidades, parece ser mais intensa a procurar distinção socioespacial. As famílias opção pela estratégia da difusão, em face da di- buscam estar próximas dos seus próximos e a ficuldade de atrair recursos para projetos urba- forma utilizada para o consumo dos produtos nos, pela própria concorrência com as grandes imobiliários é a diferenciação dos imóveis, pro- cidades e metrópoles, e, no caso das cidades curando manter a liquidez de imóveis novos. menores, pela forte dependência dos recursos Dentro da estratégia da diferenciação encontra- federais para qualquer intervenção de maior se, necessariamente, um deslocamento espacial porte. Nelas, a inovação pode se dar através de da oferta – oferecer um produto diferente em diferenciais do produto de mercado – como, por uma espacialidade diferente – desvalorizando exemplo, um condomínio horizontal fechado e valorizando espaços simultaneamente, em es- onde esse modelo ainda não estava implemen- paços de relocação e alocação dos ocupantes e tado, como os “Dahma”, em São Carlos-SP ou usos, em um movimento caleidoscópico (Abra- loteamentos “ecológicos”, como o “Ecovile” mo, 2007). Segundo o autor, o fato gerador do em Curitiba-PR (Polucha, 2009). efeito caleidoscópico é a inovação espacial: um Como afirma Abramo: novo produto imobiliário em uma nova espacialidade urbana associada ao deslocamento da externalidade de vizinhança, ou seja, mantendo a distinção espacial em relação aos outros (ibid., 2009, p. 18). Nas metrópoles, necessita-se de uma inovação em grande escala para produzir distinção socioespacial, envolvendo grande parte do mercado imobiliário, de forma coordenada, por isso a grande procura para a realização 420 Book CM24_final.indb 420 Uma forma de minorar essa incerteza em relação as inovações espaciais é a de promover essas inovações com uma estratégia locacional de contiguidade espacial. Assim, nas últimas décadas podemos sugerir que as inovações espaciais nas grandes cidades latino-americanas se manifestaram a partir de um processo de extensificação da “cidade” formal a partir da contínua promoção de inovações espaciais para os estratos superiores da Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 417-440, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:28 Cidades que crescem horizontalmente pirâmide da distribuição de renda. Em termos da estrutura urbana, essa estratégia de atuação dos capitais imobiliários é promotora de uma cidade de estrutura difusa. (2009, p. 18) a explicação para o crescimento urbano se desvincula da associação ao crescimento da população urbana ou do padrão periférico de crescimento. Como podemos perceber pelas teses urbanísticas, geográficas, demográficas e relativas à economia urbana, a explicação para o crescimento periférico se complexizou consideravelmente. Até os anos 80, era frequente na Da continuidade da expansão urbana e a lenta reação do planejamento urbano literatura a associação do crescimento urbano com o crescimento populacional, associado à Com causas mais complexas e diferenciadas, migração rural-urbana para construção de um os processos de expansão urbana continuam exército populacional para a indústria fordista, intensos, com frequentes processos de es- numa abordagem estruturalista que era com- praiamento, sinalizando um processo de ex- patível com o momento político de denúncias pansão física contínua das áreas urbanas que ao modelo político e econômico do desenvol- se dá sobre o que aqui está se chamando de vimentismo conservador e do regime militar; “periurbano” (Santoro e Bonduki, 2009), tam- pós anos 80, quando muda o padrão de urba- bém denominado por outros autores “transi- nização brasileiro e o mercado de trabalho, as ção rural-urbano”. alterações na economia e nos padrões migra- A mensuração desse processo e do que tórios sugerem que sejam desenvolvidos novos ele representa no âmbito da área urbana dos caminhos teóricos para explicar o crescimento municípios brasileiros requer ainda muitas pes- urbano. E essa mudança se aplica tanto para quisas, os estudos existentes trazem diferentes metrópoles como para aglomerações urbanas interpretações. A estimativa de áreas urbaniza- não metropolitanas, pois as forças de atração e das, geralmente, tem sido elaborada através da repulsão modificam o padrão migratório desses interpretação de imagens de satélite cujas me- territórios. todologias, nem sempre comparáveis, dificul- Já em relação ao mercado imobiliário, tam a generalização das interpretações. A de- alguns processos sintetizam as explicações pa- finição da imagem pode estar sujeita a grandes ra a expansão da mancha urbana das cidades imprecisões, dependendo da sua resolução e da paulistas: a (1) oscilação na valorização das intensidade da fonte luminosa (Garcia e Matos, terras rurais – que gerava muito pouca resis- 2005); ademais, existem limites operacionais tência à mudança de uso rural para urbano no em face do elevado custo das imagens, de seu território periurbano – associada à (2) inova- processamento e análise (Ojima, 2007).7 ção promovida pela expansão da tipologia do Limitando-se a dois estudos que têm loteamento horizontal de casas como um dife- como objetivo mensurar a área urbana brasi- rencial, (3) o sistema rodoviário e o estímulo ao leira (Garcia e Matos, 2005, e Embrapa, 2006) uso de carros. Aos poucos, ao se complexizar, pode-se ter uma boa ideia das dificuldades Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 417-440, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 421 421 09/11/2010 13:05:28 Paula Freire Santoro, Patricia Lemos Cobra e Nabil Bonduki metodológicas e conceituais encontradas no Entre inúmeros exemplos, podem ser ci- aprofundamento desse tema. O trabalho de tados: Sorocaba, que ao rever seu plano dire- Garcia e Matos retira da área total dos muni- tor em 2004 quase duplicou sua área urbana cípios a metragem correspondente aos setores (Santoro et al., 2007);10 Pereira Barreto, que te- censitários rurais do IBGE (2000), chegando ve sua população diminuída por diversas ações assim a uma dimensão da área urbana pró- de desmembramento, mas, na revisão do plano xima ao que está definido como zona urbana diretor, criou uma área de expansão que corres- oficial pelos municípios. Os autores concluem ponde a quase três vezes a dimensão atual da que as áreas urbanas brasileiras, se somadas, área urbana (Santoro, 2009);11 Andradina, que correspondem a apenas cerca de 1,06%8 do apresentou taxas diminutas de crescimento de- total do território brasileiro. Enquanto isso, a mográfico (0,58% entre 1991 e 2000 e -0,10% Embrapa, analisando fotos de satélite a partir entre 2000 e 2007, segundo o IBGE), embora de uma amostra de municípios e extrapolando tenha criado, no plano diretor, três áreas de com procedimentos estatísticos, conclui que a expansão que correspondem a um acréscimo área efetivamente urbanizada do Brasil chega de 58,51% da área urbanizada (Klintowitz, a apenas cerca de 22 mil km2 ou 0,25% do to- 2009);12 Americana, que apresenta uma área tal do território brasileiro (Embrapa, 2006). de expansão de 45km2 (Carvalho, 2009). Mesmo considerando a dificuldade de Associada a esse tipo de expansão da mesurar a expansão urbana, esses números zona urbana, consolidou-se na literatura e no mostram que as zonas urbanas oficiais corres- senso comum um discurso, que se tornou tra- pondem a aproximadamente quatro vezes as dicional, que reitera a ideia de que a mudança áreas efetivamente urbanizadas mapeadas por de terra rural, que tinha seu preço calculado satélite, o que dá indícios de que os municípios em alqueires ou hectares, para urbana, comer- têm ampliado exageradamente seus limites cializada por metros quadrados, promove uma urbanos, movidos por diferentes causas: inte- significativa valorização, geralmente apropria- resses fundiários e imobiliários, aumento do da pelo proprietário, em processos que nem IPTU, pressão para implementação de empre- sempre, ou quase nunca, garantem a produção endimentos habitacionais, etc. do solo urbano infraestruturado acessível às di- Desenvolvemos a hipótese de que as versas classes sociais. cidades têm ampliado suas manchas urbanas, Diversos autores da economia urbana pressionadas, sobretudo, pelos interesses imo- afirmam que a valorização na mudança de solo biliários e fundiários. A análise do recente ciclo rural para urbano corresponde à maior valori- de planos diretores elaborados pós-Estatuto zação na “vida” de um terreno (Borrero, 2002; da Cidade (Lei Federal nº 10.257/01) dá exem- Biderman, 2007). Essa valorização é apropriada plos de diversas cidades no estado de São pelos proprietários de terras e torna essa ope- Paulo que estão estimulando o espraiamento ração muito interessante para os que veem a urbano, inclusive algumas onde ocorreu uma terra como mercadoria. Recente pesquisa que diminuição de população. 422 Book CM24_final.indb 422 9 está sendo desenvolvida em municípios do Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 417-440, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:28 Cidades que crescem horizontalmente estado de São Paulo procura apresentar dados O instrumento tributário mais utilizado empíricos que, por um lado, sustentam essa nos municípios médios e pequenos é o Imposto argumentação, por outro, mostram as nuances Predial Territorial Urbano (IPTU). Ao estabelecer desse processo, mostrando suas ambiguida- valores das propriedades, representados em 13 des (Santoro e Bonduki, 2009). uma planta genérica de valores, estes servem Embora a produção das diversas moda- de base para a cobrança do IPTU. A atualização lidades de solo urbano seja bastante atraente dos valores da terra que passou pelo proces- para proprietários de terras e empreendedores, so de urbanização pode levar o município, em esta tem implicações bastante distintas para o tese, a receber um imposto correspondente ao estado. A expansão da mancha urbana signifi- novo valor da terra, ganho que, embora não re- ca, para as prefeituras, além da possibilidade cupere totalmente a valorização da terra que é de cobrar o IPTU, a necessidade de extensão de apropriada pelo proprietário, ao menos permite serviços urbanos e a construção e manutenção uma tributação justa relativa ao novo valor de de novos equipamentos, entre outras despesas. mercado. Além disso, muitas vezes, a abertura de novos No entanto, no Brasil, mesmo esse ga- parcelamentos periféricos ocorre simultanea- nho gerado pelo IPTU não é cobrado com efi- mente a dinâmicas de esvaziamento popula- cácia e equidade, por vários motivos: muitos cional, subutilização e deterioração do parque municípios nem cobram o imposto ou têm edificado de áreas centrais, esvaziando áreas grande volume de isenções; a planta genérica onde o estado já investiu, implantando infraes- de valores, base da cobrança, tem cadastros trutura e equipamentos sociais, que continuam desatualizados, obsoletos, incompletos; há requerendo manutenção. Quase nunca novos fortes resistências políticas a uma cobrança parcelamentos periféricos estão vinculados à justa, como consequência, há dificuldade de escassez de imóveis urbanos, sendo comum aprovação de atualização de valores pela Câ- verificar municípios onde há milhares de lotes mara; os prefeitos não querem ficar marcados vazios ao mesmo tempo que a implantação de como os que aumentaram impostos; existem novos loteamentos é intensa. São dinâmicas interpretações jurídicas que obstruem altera- que seguem a lógica do mercado fundiário e ções; falta de confiança no sistema tributário; imobiliário, fortemente especulativo. eficiência na arrecadação causada por altos No campo do planejamento urbano, a índices de ineficiência. Essas razões mostram dinâmica de expansão urbana tem sido acom- porque, mesmo sendo o instrumento tributá- panhada de significativas transformações no rio mais disseminado, o IPTU não consegue campo das regulamentações, que possuem sequer tributar corretamente os novos valores princípios e diretrizes no sentido de exigir a assumidos pela terra transformada em urbana, recuperação da valorização fundiária. No en- para dar conta das necessidades de serviços tanto, ainda são escassos os exemplos em públicos que estas áreas requerem. que os poucos instrumentos existentes para Ainda em processo de revisão atualmen- essa recuperação deram efetivamente algum te, a legislação federal de parcelamento do solo resultado. urbano, a Lei Federal nº 6.766/79 (Lei Lehman), Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 417-440, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 423 423 09/11/2010 13:05:28 Paula Freire Santoro, Patricia Lemos Cobra e Nabil Bonduki em sua versão atual, exige uma contrapartida urbanizar ou mudar de um uso menos rentável na abertura do loteamento – não financei- para um mais (geralmente mudança de uso ra, mas através da doação de áreas para uso habitacional para comercial, entre outras institucional e áreas verdes. Embora seja atra- possíveis). vés dela que o Estado permite a expansão ur- De fato, o Outorga Onerosa de Alteração bana ao autorizar a possibilidade de urbanizar, de Uso (OOAU), associada à elaboração dos a Lei Lehman não prevê nenhuma forma de re- planos de expansão urbana, parece ser o ins- cuperação da valorização obtida com a mudan- trumento mais adequado para capturar a valo- ça de uso do solo rural para urbano. rização imobiliária gerada pela transformação O projeto de revisão em debate na Câma- de terra rural em terra urbana. No entanto, os ra dos Deputados (Projeto de Lei nº 3.057/00) debates sobre esse instrumento e sua aplicação tramita há alguns anos e inova um pouco nessa ainda são embrionários no Brasil. direção, ao propor a exigência de uma porcen- Ante o quadro institucional atual, mar- tagem dos lotes (entre 10 e 15%) para habi- cado pela consolidação do Estatuto da Cidade, tação de interesse social – reivindicação dos parece injustificável que os municípios brasilei- movimentos de luta por moradia – em todos ros que se caracterizam por uma forte expan- os parcelamentos. No entanto, a proposta es- são horizontal não sejam capazes de imple- tá longe de ser acordada. Em uma das versões mentar um instrumento urbanístico novo, como que foi apresentada, apenas tende a mudar a Outorga Onerosa de Alteração de Uso – nos a destinação das áreas de interesse público, textos de leis dos planos diretores aprovados substituindo a exigência de doações de áreas nesse período. Considerando o processo contí- verde e institucional por habitação social, al- nuo de conversão de terras rurais em urbanas; ternativa que institucionalizaria a precariedade a valorização da terra existente nesse proces- urbanística no país. so, obtida de forma privada; e os princípios e Já a Constituição Federal de 1988 e o diretrizes do Estatuto da Cidade que exigem Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/01) a recuperação da valorização para a coletivi- explicitam que os municípios têm não apenas dade, considera-se que, em face da dinâmica o direito, mas o dever de intervir em processos imobiliária que esses municípios vivenciam, seu especulativos que resultem em valorizações planejamento deveria ter avançado na direção excessivas da terra (Levy et al., 2005). Dentre da utilização da Outorga Onerosa de Alteração os instrumentos criados pelo Estatuto que mais de Uso nos seus planos diretores recentemente diretamente incidem sobre a recuperação da aprovados. valorização da terra está a Outorga Onerosa Essa hipótese levou a pesquisa a identifi- do Direito de Construir (OODC), que pode ser car os municípios no estado de São Paulo que cobrada sobre a permissão de construir e a preveem, em lei, esse instrumento, investigan- Outorga Onerosa de Alteração de Uso (OOAU), do os conteúdos referentes à sua aplicabilidade que pode ser cobrada sobre a permissão de no plano diretor e em lei específica. 424 Book CM24_final.indb 424 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 417-440, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:28 Cidades que crescem horizontalmente As origens da utilização Outorga Onerosa de Alteração de Uso: a experiência do Distrito Federal possibilidade de mudanças de uso dentro da área urbana, desde que respeitado o que estabelecem os planos locais e mediante outorga onerosa.19 Essa lei estabelecia que toda a valorização auferida através de peritos que trabalhariam Pouco se investigou sobre como se deu a inser- caso-a-caso seria cobrada e que os recursos ção do instrumento Outorga Onerosa de Altera- obtidos iriam 95% para o Fundo de Desenvol- ção de Uso no Estatuto da Cidade (Lei Federal vimento Urbano do Distrito Federal (Fundurb) e nº 10.257/01). Em uma revisão dos encontros 5% para o Fundo do Meio Ambiente do Distrito que marcaram o urbanismo brasileiro,14 perce- Federal.20 O valor da ONALT seria atribuído pela be-se que o tema da Outorga Onerosa do Di- Terracap, cuja fórmula de cálculo é apresentada reito de Construir esteve sempre presente (em- pela fórmula VO = A (VUP - VUA), onde: bora sob o novo de Solo Criado), enquanto que a de Alteração de Uso não é nem citada. Inspirados nos modelos de desenvolvimento urbano francês e americanos, alguns desses encontros pautaram propostas de regulação do mercado imobiliário pouco interventivas ou preventivas, como veríamos nos anos subsequentes à aprovação do Estatuto da Cidade com o estudo de experiências de Outorga Onerosa do Direito de Construir em doze municípios (Cymbalista et al., 2007). • VO é o valor a ser pago pela outorga one- rosa da alteração de uso; • VUP é o valor do metro quadrado da uni- dade imobiliária com o uso pretendido, obtido pelo Laudo de Avaliação; • VUA é o valor do metro quadrado da uni- dade imobiliária com o uso atual, de acordo com a Pauta de Valores Imobiliários; • "A" é a área da unidade imobiliária (De- creto nº 22.121/2001, art. 19).21 José Roberto Bassul, que acompanhou o Embora não haja informações sistema- processo de aprovação do Estatuto da Cidade tizadas sobre a aplicação desse instrumento, no Senado Federal e publicou livro sobre essa o mais importante é sua novidade diante do experiência, afirma que esse instrumento en- objetivo inicial do instrumento. Pensado inicial- trou no Projeto de Lei do Estatuto da Cidade mente para regularizar a situação de postos de em função da utilização que já ocorria no go- gasolina em Brasília, hoje é possível encontrar verno do Distrito Federal desde 2000. casos como o Plano Diretor Local de Taguatinga 15 Desde 1996, durante o governo de Cris- (Lei Complementar no 90/1998), que determina tóvão Buarque, o Distrito Federal já tinha pre- ser aplicável a cobrança de ONALT para casos visto o instrumento da Outorga Onerosa do de habitação coletiva, e chegou a ter casos de 16 Direito de Construir, mas foi em 2000 que o exigência da ONALT como forma de compensar que tratará o adensamento da infraestrutura urbana que de alteração de uso residencial para comercial ocorreria pela alteração de uso de uma área e usos especiais instituindo a Outorga Onero- industrial para residencial, embora existam ar- Distrito Federal promulga a lei sa da Alteração de Uso, 18 17 que considerava a Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 417-440, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 425 gumentações no Tribunal de Justiça do Distrito 425 09/11/2010 13:05:28 Paula Freire Santoro, Patricia Lemos Cobra e Nabil Bonduki Federal e dos Territórios considerando abusiva 22 Alteração de Uso, esse instrumento aparece ci- a exigência do pagamento da ONALT. Dessa tado no art. 29 e regulado, juntamente com a forma, percebe-se que houve uma ampliação OODC, nos artigos 30 (estabelece necessidade do objetivo inicial do instrumento, voltado para de lei específica) e 31 (determina finalidades de regularização de postos de gasolina, para um utilização dos recursos obtidos), mas ele apa- instrumento de gestão social da valorização rece muito pouco conceituado e existe pouca da terra que recuperaria a valorização da terra argumentação em torno da sua defesa. obtida na mudança de usos urbanos mais ren- No entanto, efetivamente, o Estatuto da táveis. Essa mudança parece enfrentar fortes Cidade determina que o planejamento deverá resistências no mundo do direito, que considera envolver o território como um todo, conside- essa recuperação uma argumentação jurídica, rando área urbana e rural (art. 40, parágrafo não uma forma preventiva de evitar saturação 2º), buscando a integração e a complementa- da infraestrutura existente. riedade entre as atividades desenvolvidas nes- Percebe-se também que o debate se dá ses dois espaços, embora seus instrumentos apenas sobre as áreas urbanas, ainda não há tenham forte caráter urbano e metropolitano. a ideia de incidir na alteração de uso do solo Para enfrentar o desafio de planejar o rural, rural para urbano, essa concepção parece ter inicialmente, era necessário “ler o território” surgido após interpretações sobre o Estatuto (Nakano, 2004, p. 25), propondo novas meto- da Cidade, logo após a sua aprovação. dologias e formas de integração desses universos que possuem diferentes atores sociais envolvidos na sua gestão. A Outorga Onerosa da Alteração de Uso no Estatuto da Cidade Após a aprovação do Estatuto da Cidade, em 2001, foram aprovados diversos planos diretores e alguns deles, em especial, debruçaram-se sobre a questão rural procuran do desenvolver propostas de intervenção sobre O Estatuto da Cidade (Lei Federal nº as áreas de transição rural-urbana. É o ca- 10.257/2001) baseia-se nos princípios da sepa- so de Piracicaba, em São Paulo, por exemplo, ração do direito de construir do direito de pro- que propôs em seu plano a Região do Entorno priedade do terreno e na função social da pro- Imediato (REI), que procurava superar a es- priedade para conceituar o instrumento da Ou- tagnação da atividade agrícola tradicional no torga Onerosa do Direito de Construir (OODC). entorno do núcleo urbano municipal (Sparovek “De uma certa forma, reconhece-se que o direi- et al., 2004, pp. 14-24). São Carlos foi um dos to de construir tem um valor em si mesmo, in- municípios cujo plano diretor (Lei Municipal no dependente do valor da propriedade, podendo 13.691/2005) também procurou intervir sobre agregar ou subtrair valor a esta” (Brasil, 2002, esse espaço e adotou a OOAU como instru- p. 65). Há toda uma argumentação e interpre- mento para recuperar a valorização da terra tação desse instrumento no Estatuto da Cidade, obtida na mudança de uso rural para urbano, mas, efetivamente, sobre a Outorga Onerosa de como falaremos mais adiante. 426 Book CM24_final.indb 426 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 417-440, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:28 Cidades que crescem horizontalmente Exemplos pontuais de intervenção em áreas rurais a partir do plano diretor parecem está vinculada expressamente a um objetivo ou estratégia do plano diretor. sinalizar um esforço de planejar sobre o rural Diversos desses 23 municípios que citam que merece ainda a ser investigado, tanto em o instrumento definem regras no plano diretor termos do que foi proposto como em termos de para sua aplicação, muitas vezes associadas seus resultados, ainda difíceis de medir em fun- ao instrumento da Outorga Onerosa do Direito ção da atualidade do tema. de Construir, como a destinação dos recursos obtidos para um fundo ou as finalidades onde podem ser aplicados os recursos. O próprio A utilização da Outorga Onerosa da Alteração de Uso nos planos diretores no estado de São Paulo Estatuto da Cidade também associa os instrumentos nesse regramento e os municípios seguem o Estatuto como “modelo”. Dentre os 23, dezessete definem a aplicação do instrumento em macrozonas ou zonas demarcadas em mapas anexos. Para investigar como os planos diretores no Alguns dos municípios aplicam sobre to- estado de São Paulo estavam lidando com da a zona urbana, indiferenciando o objetivo do suas áreas de expansão urbana e se estavam instrumento, eventualmente até confundindo-o propondo OOAU para recuperar a valorização com a OODC.24 Mas há oito municípios que da terra obtida nesse processo, iniciou-se uma parecem se alinhar na concepção de utilização investigação específica a partir do projeto de do instrumento para áreas de expansão.25 Cin- Avaliação dos Planos Diretores Participativos co dos 23 planos estabelecem um prazo26 para no Estado de São Paulo, coordenado no esta- aprovação de lei específica que regulamenta a do pelo Instituto Pólis. Esse projeto compõe a aplicação do instrumento e apenas dois muni- Rede Nacional de Avaliação de Planos Direto- cípios efetivamente têm essa lei: São Carlos e res Participativos sob coordenação central do Diadema.27 IPPUR-UFRJ e do Ministério das Cidades (2008- Dentro desse grupo de oito municípios 2009) e analisou 91 planos diretores participa- que pensam o instrumento para a área de ex- tivos. Uma revisão feita sobre essas análises pansão, apenas São Carlos e Tatuí afirmam que permitiu destacar alguns resultados de sua um conselho municipal – Conselho Municipal implementação. 23 de Habitação e Desenvolvimento Urbano de Dos 91 planos estudados, apenas 23 ci- São Carlos e do Conselho Municipal de De- tam o instrumento e quatorze apenas mencio- senvolvimento Urbano de Tatuí – aprovaria o nam o instrumento. Dentre os planos diretores instrumento. A maioria dos municípios deter- que possuem o instrumento, nenhum consegue, mina que será o poder público municipal que a partir do seu plano diretor, aplicar a OOAU, aprova. todos exigem leis específicas, ou seja, nenhum Sobre a definição da fórmula de cálculo tem caráter autoaplicável. Dos 23, apenas em das contrapartidas, três do grupo de oito nove municípios a aplicação do instrumento municípios estabelecem valores e fórmulas Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 417-440, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 427 427 09/11/2010 13:05:28 Paula Freire Santoro, Patricia Lemos Cobra e Nabil Bonduki quase idênticas: Boituva determina que o valor por meio da utilização adaptada de instrumen- da outorga será correspondente a 5% do valor tos para indução da política urbana” (Silva e de mercado da parte a ser edificada, além dos Peres, 2009, p. 1). No caso, as autoras afirmam limites do Coeficiente de Aproveitamento Bási- que esses municípios previram Áreas Especiais co; Tatuí, 5% do valor de mercado do imóvel de Interesse – AEIs, adaptando-se e criando um onde incidirá o parcelamento; São Carlos, 5% zoneamento que enfocasse temas que se dão do valor de mercado do imóvel onde incidirá o sobre as áreas rurais – recuperação ambiental, parcelamento. proteção de mananciais, conservação do patri- Dentre os 23 municípios que citam o ins- mônio, entre outros.28 trumento, quinze definem finalidades para o Para exemplificar a aplicação desse ins- destino dos recursos obtidos com as contrapar- trumento, foram elencadas duas experiências tidas arrecadadas na aplicação do instrumento, de aplicação da OOAC em São Carlos, possivel- e diversos deles definem que os recursos vão mente os casos mais desenvolvidos no estado. para fundos municipais. A partir desse quadro, podemos concluir que, apesar de muito inicial, houve no processo de construção dos planos diretores participativos pós-Estatuto da Cidade uma pequena disseminação da possibilidade de utilização desse instrumento nos municípios preocupados com sua expansão urbana. Essa percepção é pos- Duas experiências de aplicação da Outorga Onerosa de Alteração de Uso em São Carlos sível a partir da demarcação da utilização do instrumento da OOAU em áreas de expansão ou de transição urbano-rural, ou periurbanas; e A cidade de São Carlos29 instituiu e regulamentou o instrumento de Outorga Onerosa de Alte- também pela utilização de uma fórmula muito ração de Uso através da lei de seu plano diretor semelhante para o cálculo dos valores a serem (Lei Municipal nº 13.691 de 25 de novembro de arrecadados. 2005) e de lei específica (Lei nº 14.059 de 16 Há pouca literatura sobre a OOAU, embora, recentemente, Silva e Peres (2009) destacaram, dentre as possibilidades do Estatuto da Cidade, a elaboração de planos diretores que envolvam o planejamento de áreas rurais e urbanas e apresentam São Carlos e Santa Cruz do Rio Pardo, ambos no estado de São Paulo, como municípios que buscaram enfrentar a dimensão expressiva de seu território rural através de de abril de 2007). O instrumento de OOAU foi proposto com o objetivo de [...] coibir a especulação imobiliária em zonas pertencentes ao meio rural, mas contíguas à macrozona urbana, buscando controlar os processos de expansão aleatória das fronteiras urbanas e rurais, valorizando a ocupação de glebas urbanas vazias. (Silva e Peres, 2009) seus planos diretores, “consolidar diretrizes por meio de recortes territoriais que constituíram o Além desse objetivo principal, a OOAU de- zoneamento e as áreas especiais de interesse, e ve obter recursos (ou imóveis) vinculados à 428 Book CM24_final.indb 428 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 417-440, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:28 Cidades que crescem horizontalmente realização de obras de interesse social que vi- Alteração de Uso, principalmente considerando sem a qualificação urbanística e a melhoria dos a diversidade de atores envolvidos na urbani- espaços públicos e equilibrar a ocupação do zação dessa região, dentre eles a universidade solo urbano otimizando a utilização de infraes- que pretendia expandir, os empreendedores de trutura existente. loteamentos, os agricultores, entre outros.30 Es- Segundo a lei que regulamenta o ins- sa observação de Lucchese levanta hipóteses trumento no município, a Outorga Onerosa de que nas áreas onde houve resistência, possi- de Alteração de Uso do Solo poderá ser apli- velmente o instrumento não foi marcado. cada nas propriedades localizadas na Zona Além da demarcação da utilização do 4 – Regulação e Ocupação Controlada e Zona instrumento sobre essas zonas, o plano diretor 5 – Proteção e Ocupação Restrita (vide mapa). determina alterações na lei de parcelamento Cabe ressaltar que os Empreendimentos de Ha- do solo que, dentre outras, prevê que as áreas bitação de Interesse Social localizados nessas reservadas para uso institucional ou verde pu- zonas são passiveis de isenção do pagamento dessem ser compensadas em outro local ou em da OOAU doação em dinheiro ao Fundo Municipal de Entretanto, Maria Cecilia Lucchese apon- Habitação e Desenvolvimento Urbano; que par- ta que, ao mesmo tempo que a opção de uti- celamentos não habitacionais deveriam fazer lizar a OOAU foi inovadora, o instrumento foi Estudo de Impacto de Vizinhança; e que par- aplicado fora de lugar: celamentos em zonas rurais seriam permitidos através do instrumento de Outorga Onerosa de O plano diretor trabalha de forma interessante com a área rural do município, e ao admitir a existência de uma área de transição entre o meio urbano e o rural assume uma forma de controle sobre seu desenvolvimento através do instrumento da Outorga Onerosa de Alteração do Uso do Solo, que é um instrumento inovador. Mas como nesse setor da cidade predominam loteamentos clandestinos e irregulares, o que mostra uma dificuldade de fiscalização por parte do Poder Público, a aplicação de um instrumento de outorga onerosa pode não frear o desenvolvimento de novos parcelamentos e ao contrário aumentar o número de irregulares e clandestinos. (Lucchese, 2009, p. 6) Alteração do Uso do Solo. A lei específica da OOAU determina que, para iniciar o processo de aprovação do parcelamento, inicialmente, deve-se aprovar a transformação da propriedade rural em uma gleba de fins urbanos. Para a aprovação dos parcelamentos com uso da OOAU, deve ser apresentado à prefeitura municipal um Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV).31 Após a realização do EIV, a utilização do instrumento deve ser aprovada pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano de São Carlos através dos pareceres da Câmara Técnica de Parcelamento do Solo e da Câmara Técnica de Legislação Urbana. Com os pareceres favoráveis à alteração, Entrevistas com responsáveis pela ela- instrumento deve ser averbado na matrícula do boração do plano diretor mostram que houve imóvel e a prefeitura municipal deve realizar a grande dificuldade na demarcação das áreas cobrança da contrapartida do empreendedor. passíveis de cobrança da Outorga Onerosa de O pagamento integral da contrapartida deve Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 417-440, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 429 429 09/11/2010 13:05:28 Paula Freire Santoro, Patricia Lemos Cobra e Nabil Bonduki Mapa Macrozona de Uso Multifuncional Rural do Município de São Carlos, 2005 430 Book CM24_final.indb 430 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 417-440, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:29 Cidades que crescem horizontalmente ser realizado antes da aprovação definitiva do Parque Eco-Tecnológico Damha I e II (2008) e empreendimento, somente após o pagamento Terra Nova São Carlos I e II (2009) com a apli- da contrapartida será emitido um decreto que cação do instrumento da OOAU. altera a zona da propriedade. O empreendimento Parque Eco-Tecnoló- A contrapartida que o empreendedor gico Damha I e II foi construído em um terreno deve pagar ao poder público correspondente a localizado na Zona 4 – Regulação e Ocupação 5% (cinco por cento) do valor de mercado do Controlada próximo à Rodovia SP-318 (Eng. imóvel a ser parcelado. Esse valor é determina- Thales de Lorena Peixoto Jr.). O projeto, apre- do por um laudo da Comissão de Avaliação de sentado pela Empreendedora Encalso Constru- Bens Imóveis da Prefeitura Municipal de São tores Ltda., possui uma área total de 462.798 Carlos baseado na Planta Genérica de Valo- m2 que foi subdividida em lotes para abrigar res que corresponde a 70% (setenta por cen- indústrias e empresas sem risco ou com baixo to) do valor de mercado do imóvel. De acordo risco ao meio ambiente.37 com Ricardo Martucci e Alberto Engelbrecht32 O empreendimento Terra Nova São o critério utilizado para estabelecer o valor de Carlos I e II, também localizado Zona 4 – Re- mercado do imóvel é o valor das áreas mais gulação e Ocupação Controlada, é formado próximas e semelhantes do empreendimento por dois loteamentos destinados a posterior na Planta Genérica de Valores (PGV). Segundo construção de quatro condomínios de casas 33 Diretor do Departamento populares destinados a famílias com renda de de Planejamento Territorial, a Comissão deve cinco a dez salários mínimos. O projeto, apre- realizar também uma pesquisa junto às imobi- sentado pela Rodobens Negócios Imobiliários, liárias da cidade para confirmar o valor obtido possui duas glebas com áreas de 107.912 m2 com a Planta Genérica de Valores do ano. Esse e 536.553 m2 que abrigarão aproximadamen- procedimento não está na lei específica, foi um te 1.700 casas térreas e sobrados geminados, mecanismo criado pelo Conselho Municipal de previsto para serem entregues em 2011. Após Desenvolvimento Urbano para ter uma “avalia- o processo de aprovação do loteamento com Daniel Mazziero, 34 aplicação da OOAU, iniciou-se o processo de ção com valor de mercado”. Os recursos obtidos através da aplicação da OOAC devem ser destinados ao Fundo Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urba35 aprovação dos condomínios que ainda está em andamento.38 Os loteamentos Terra Nova São Car- no e a definição de como o recurso será apli- los I e II pagaram como contrapartida para cado cabe ao Conselho Municipal Habitação e o município R$660.000,00 e o Parque Eco- Desenvolvimento Urbano de São Carlos. 36 Tecnológico Damha R$447.988,46, totalizan- Apesar das dificuldades em definir parâ- do R$1.107.988,46. Esse valor corresponde metros para a aplicação do instrumento e em a aproximadamente 0,27% do total de re- aprovar a lei específica de OOAU, o município ceitas orçamentárias de 2009 (Lei Municipal de São Carlos aplicou duas vezes o instrumen- nº 4.832/2009), no entanto, equivale aos to. Desde 2007, ano de promulgação da lei es- recursos gastos com um programa de mo- pecifica, foram aprovados os empreendimentos radia solidária (Mutirão São Carlos VIII) e a Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 417-440, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 431 431 09/11/2010 13:05:29 Paula Freire Santoro, Patricia Lemos Cobra e Nabil Bonduki produção de unidades habitacionais novas de alta renda e hoje já disseminadas como (Monte Carlo). Ou seja, poderia ser revertido modelo de parcelamento de solo que retrata em projetos urbanos habitacionais que deem o modo de vida centrado no rodoviarismo, no conta dos déficits e atendessem aos que não veículo individual, no controle da circulação e têm condições de comprar sua moradia no na implementação de sistemas de vigilância. A mercado formal. urbanização através de condomínios ou lotea- As contrapartidas representam a recupe- mentos traz a necessidade de o poder público ração da valorização da terra na mudança do repensar suas estratégias de planejamento e uso rural-urbano e o montante recuperado foi sua atuação como gestor do parcelamento do destinado ao Fundo Municipal de Habitação solo, e revisitar instrumentos de gestão social e Desenvolvimento Urbano. Segundo Daniel da valorização da terra pode ser um proce- Mazziero,39 os recursos do fundo ainda não fo- dimento inspirador para se pensarem novas ram utilizados em nenhum projeto desenvolvi- formas de atuar e agir preventivamente para do pela secretaria. gerar espaços urbanos qualificados, infraestruturados e justos. Nesse sentido, é necessário, sim, enfren- Considerações finais tar as possibilidades dos instrumentos mais tradicionais de recuperação da valorização da Este trabalho procurou mostrar que, ao se com- terra, tais como IPTU, e aprofundar as possibili- plexizar, a explicação para o crescimento urba- dades de utilização de novos instrumentos, de no se desvincula da associação ao crescimento forma criativa e inovadora, tais como a OOAU, da população urbana ou do padrão periférico compreendidos dentro de um projeto urbano de crescimento e que há novas formas de urba- para as áreas de expansão. nização que demandam que sejam concebidas Os estudos realizados sobre os municí- novas formas de intervenção pensadas a partir pios do estado de São Paulo mostraram que de dinâmicas não metropolitanas, deslocando- há ainda pouquíssima disseminação sobre as se dos trabalhos que têm a metrópole como possibilidades de utilização do instrumento da principal fonte inspiradora. Outorga Onerosa de Alteração de Uso, embora Esse deslocamento é importante em face ela já esteja aparecendo nos planos diretores, dos novos processos de alteração demográfica muito em função do reconhecimento de áreas que o país viveu no pós-1980, uma reversão de urbanização ou de necessidade de controle do processo de concentração nas metrópoles urbano, moldadas em propostas já em anda- e grandes cidades associado à desconcentra- mento, ainda que tímidas e pouco expressi- ção da indústria (Martine, 1994 e Cano, 2007); vas em termos de recursos, a exemplo de São ante as alterações atuais no processo produ- Carlos. Embora ainda tímida na sua aplicação, tivo, tais como a aceleração do agronegócio, a OOAU pode ser concebida como parte de e, principalmente, ante o surgimento e disse- um conjunto de instrumentos que trabalhem minação das formas condominiais de urbani- para a promoção da urbanização de for- zação, envolvendo inicialmente classes mais ma preventiva, induzida pelo poder público, 432 Book CM24_final.indb 432 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 417-440, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:29 Cidades que crescem horizontalmente colaborando para distribuir entre ele (repre- os desejos dos cidadãos e o cumprimento da sentando o interesse coletivo) e proprietários função social da propriedade. de terra a valorização obtida nesse processo. O Plano Nacional de Habitação do Bra- Para essa aplicação, exige que a gestão públi- sil também propõe e procura estimular a for- ca repense seu papel, atuando de forma mais mulação de planos de expansão urbana. Essa pró-ativa e interventiva, ainda que reguladora, proposta visa articular projeto urbano com sobre o crescimento urbano das aglomerações qualidade e também equacionar os ônus e urbanas. benefícios decorrentes da urbanização, de for- Se essa recuperação da valorização da ma a não privilegiar grandes proprietários de terra obtida na mudança de uso rural para terra e produzir territórios urbanos com qua- urbano é necessária, mais que isso, ela deve lidade. Por isso, planos de expansão deveriam ser parte de um processo de urbanização com ser acompanhados de projetos urbanos que qualidade, caso contrário esvaziam-se seus ob- articulem moradia, educação, equipamentos jetivos urbanos. Nesse sentido, a experiência sociais e culturais, mobilidade, que podem ser internacional do planejamento territorial pode obtidos com instrumentos como Planos Locais, ser um caminho indicativo, pois são muitos os Planos de ZEIS, a partir de EIVs, Consórcio Imo- países que planejam sua expansão urbana, biliário ou outras figuras; com participação além dos que consideram percentuais de desti- cidadã e através de processos democráticos e nação de áreas para habitação como parte das transparentes; devem conter cálculos sobre os obrigações urbanísticas do parcelador (Alema- custos e a valorização final da terra obtida; e nha, Inglaterra e Espanha). A Colômbia, por prever instrumentos que trabalhem para essa exemplo, prevê que cada ampliação de perí- recuperação e para o cofinanciamento da ur- metro deve ser feita com planes parciales com banização desejada. reajuste de terras que medem e repartem os Propõe-se aqui que os planos de expan- custos e benefícios da urbanização com objeti- são deveriam, portanto, articular instrumentos vo de construir pedaços de cidade nas áreas de de forma a enfrentar a resistência dos pro- expansão. Espera-se, com essa definição, que prietários de terra nas áreas periurbanas ou haja o reconhecimento de que os custos da im- de transição rural-urbana, admitindo que o plantação de infraestrutura têm sido divididos crescimento de nossas cidades tem se dado entre poder público e mercado privado, e que sobre esse território e tende a continuar acon- sejam propostas parcerias e processos nego- tecendo em face das dinâmicas do mercado ciados onde haja projeto urbano, traduzindo imobiliário. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 417-440, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 433 433 09/11/2010 13:05:29 Paula Freire Santoro, Patricia Lemos Cobra e Nabil Bonduki Paula Freire Santoro Arquiteta urbanista. Instituto Pólis. São Paulo, São Paulo, Brasil. [email protected] / [email protected] Patricia Nogueira Lemos Cobra Arquiteta urbanista. Instituto Pólis. São Paulo, São Paulo, Brasil. [email protected] / [email protected] Nabil Bonduki Urbanista. Universidade de São Paulo. São Paulo, São Paulo, Brasil. [email protected] Notas (1) Este ar go foi desenvolvido no âmbito da pesquisa em Polí cas Públicas apoiada pela Fapesp, in tulado “Urbanização e preço da terra nas franjas urbanas em municípios do Estado de São Paulo”, que está sendo desenvolvido pelo Pólis – Ins tuto de Estudos, Formação e Assessoria em Polí cas Sociais e pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, e que contou com o apoio do Lincoln Ins tute of Land Policy (2007) e da Oxfam (2008-2009). Este texto apresenta e discute os resultados parciais da segunda fase de pesquisa. (2) Feldman (2003), ao iniciar uma inversão do olhar do planejamento sobre a metrópole, propõe no tulo de seu ar go que o planejamento se debruce sobre “cidades não metropolitanas”, que consistem nas grandes e médias cidades com importância econômica regional, polos de rede de cidades, com crescente população e dinâmica econômica. Considerando que essas diferem entre si, procuraremos nesse ar go não u lizar esse termo “cidades não metropolitanas” como um conceito de cidade, mas sim como uma forma de referenciarmos a essa outra mirada do planejamento urbano, desfocando das metrópoles. (3) Em relação ao estado de São Paulo, Gonçalves (1994) afirma que um novo patamar de configuração da rede urbana estaria em processo, envolvendo uma nova ar culação interna às regiões paulistas e, por outro, podendo-se iden ficar, por um lado, novas relações entre elas e a metrópole. (4) Abramo (2009), referenciando-se às cidades dos países centrais, afirma que a crise do fordismo urbano nos anos oitenta “se manifesta, sobretudo, através da crise do urbanismo modernista e regulatório com a flexibilização urbana e com a crise de financiamento estatal da materialidade urbana (habitação, equipamentos e infraestrutura) e alguns serviços urbanos cole vos” (p. 2). Diante da crise, há o retorno do mercado como ator determinante da produção da cidade, papel antes mediado pelo Estado na definição das regras de uso do solo, decisões de inves mentos, entre outras. O autor desenvolve, portanto, a tese de que as cidades modernas dos países la no-americanos resultam do funcionamento das duas lógicas modernas (Mercado e Estado), mas também de uma terceira lógica, a lógica da necessidade – referindo-se ao “padrão periférico de crescimento” já comentado através do trio “loteamento periférico-casa própria-autoconstrução” –, que promoveu a produção de “cidades populares”. Nos dois casos, o mercado ressurge como principal mecanismo de coordenação da produção da cidade. 434 Book CM24_final.indb 434 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 417-440, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:29 Cidades que crescem horizontalmente (5) Estudo sobre os setores subnormais do IBGE 2000 (Marques, 2007) mostra sua presença em um grande número de municípios. (6) A estratégia de trazer megaeventos espor vos como a Copa 2014 e as Olimpíadas 2010 é uma dessas estratégias, por exemplo. (7) Ojima (2007) procura construir um indicador de dispersão urbana e introduz seu ar go trazendo parte dos trabalhos sobre morfologia urbana e de análise de modelos de dispersão/coesão ou densidade urbana. Dentre eles, destaca o estudo de Angel, Scheppard e Civco (2005) sobre quatro mil cidades no mundo com população superior a 100 mil habitantes, os trabalhos da Columbia University com o estudo dos pontos de luz emi dos pelas aglomerações urbanas, e o trabalho de Garcia e Matos (2005) sobre a Malha Digital de Setores Censitários Rurais a par r de informações do IBGE. (8) Isso sem considerar Sergipe, cujos setores censitários não foram ob dos até esse momento da pesquisa. (9) O projeto de avaliação dos Planos Diretores Par cipa vos no Estado de São Paulo é coordenado pelo Ins tuto Pólis, que compõe a Rede Nacional de Avaliação de Planos Diretores Par cipa vos, sob a coordenação central do Ministério das Cidades e do Ins tuto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro - IPPUR/UFRJ. O processo de pesquisa envolve uma análise detalhada dos conteúdos dos planos diretores aprovados produzidos após o Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/01). Envolve, em uma segunda fase, a capacitação dos diversos atores para implementação dos planos diretores como instrumento de democra zação do acesso à terra e par cipação popular. Seus resultados ainda estão sendo processados e serão publicados na página da internet do projeto. (10) No caso de Sorocaba, Santoro et al. (2007) mostram antes do plano diretor que a área urbana e área industrial somadas ocupavam 233,14 km2 e correspondiam a 51,12% do território municipal; após o plano, elas somavam 375,76km2 e correspondiam a 82,4% do território, mostrando um crescimento de 61%. (11) Santoro (2009), no estudo de caso do Plano Diretor de Pereira Barreto, mostra que o município criou uma área de expansão que corresponde a 275% da área atualmente urbanizada, para abrigar “ranchos”; ao mesmo tempo que se percebe que perdeu população entre 1991 e 2000, numa taxa nega va de -7,39% da população total (TGCA). (12) Cálculos ob dos a par r da análise do Plano Diretor de Andradina feita por Klintowitz (2009), cujas áreas de ZEIS permitem aferirmos o percentual da zona de expansão. (13) A pesquisa mostra que a valorização não é tão rápida e nem tão fácil como o senso comum afirma; e em alguns casos não é ela que opera a decisão por urbanizar, nessa perspec va é necessário comparar rentabilidades dos solos urbano e rural para compreender a urbanização (Santoro e Bonduki, 2009, p. 7). (14) Dentre eles, é possível citar o “Seminário sobre uso do solo e loteamento urbano” em Salvador, 1969; e o que culminou com a Carta de Embu, em Embu, 1976. (15) É dele o livro que descreve esse processo (Bassul, 2005). (16) Lei nº 1.170/1996; Decreto nº 19.436/98 e Lei nº 1.832/1998. (17) Lei nº 2.526/2000. (18) Lei Complementar nº 2.526/2000, regulamentada através do Decreto nº 22.121/2001 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 417-440, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 435 435 09/11/2010 13:05:29 Paula Freire Santoro, Patricia Lemos Cobra e Nabil Bonduki (19) A lei diz: “Art. 2° A outorga onerosa da alteração de uso cons tui-se em cobrança, mediante pagamento de valor monetário, pela modificação ou extensão dos usos e dos diversos pos de a vidades que os compõem, previstos na legislação de uso e ocupação do solo para a unidade imobiliária ou quaisquer dos seus pavimentos, que venham a acarretar a valorização dessa unidade imobiliária. § 1º Considera-se modificação de uso a mudança de um uso ou po de a vidade para outro diferente daqueles previstos para a unidade imobiliária nas normas de edificação, uso e gabarito vigentes. § 2º Considera-se extensão de uso a inclusão de um novo uso ou po de a vidade não previsto para a unidade imobiliária, mantendo-se o uso previsto nas normas e edificação, uso e gabarito vigentes” (Lei Complementar nº 294/2000). (20) A Lei complementar 294/2000 criou os procedimentos para sua u lização, seja por mudança de uso ou extensão de uso ao uso original por um outro po de a vidade e estabelece que os Planos Diretores Locais aprovados que determinarão as a vidades permi das e a possível cobrança por isso através da Outorga Onerosa de Alteração de Uso – ONALT. Esta, para efe vamente ser outorgada, deverá ter um laudo de avaliação da Terracap (proprietária das terras do DF) e apresentar esse laudo na Administração Regional. Os Planos Diretores Locais podem exigir um Estudo Prévio de Viabilidade Técnica – EPVT, a ser pago pelo empreendedor, para implantação de determinada a vidade antes mesmo do processo junto à Terracap. As modificações de uso já aprovadas por lei complementar específica teriam que ser regularizadas através de procedimento administra vo junto à Administração Regional. (21) Os valores do metro quadrado serão calculados levando em conta o novo valor de mercado do imóvel em face do novo uso, e tem como base as Normas Brasileiras Registradas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), considerando tabelas de avaliação do Terracap e da SEDUH, através da contratação de peritos. Os recursos con nuam dividindo-se nos fundos já citados. Se o valor da ONALT não for pago totalmente, o alvará de construção defini vo não é emi do. (22) Fonte: Matéria da TV Jus ça de 09/02/2009 “Pedido de suspender alvará de construtora para erguer residencial em área industrial do DF é indeferido”, disponível em h p://www.tvjus ca. gov.br/maisno cias.php?id_no cias=9673. (23) Foram destacadas as perguntas de número 51 a 66 do ques onário orientador, que tratam de temas correlatos ou diretamente relacionados com a OOAU. (24) Esses são: Assis, que define a zona 1 e zona 2 em toda a Macrozona Urbana; Diadema, sobre as Zonas de Uso e Áreas especiais; Ilha Solteira, em toda a zona urbana; Ourinhos, sobre a Macrozona Urbana. Dentre os municípios que parecem delimitar áreas para OODC e colocam sobre a mesma área OOAU, estão: Ita ba, que aplica na Zona Predominantemente Residencial de Alta Densidade e na Zona Comercial de Alta Densidade, cujo próprio nome já indica se tratar de área adensável em termos constru vos; São Bernardo, sobre as áreas das operações urbanas consorciadas; Vargem Grande Paulista que demarcou uma zona cujos imóveis estão sujeitos à aplicação desse instrumento. (25) Eles são: (1) Boituva, que aplica sobre a Zona de Ocupação Controlada Rural; (2) Mogi Guaçu, em Zona de Urbanização Específica; (3) Peruíbe, que marcou sobre as áreas 1 – Áreas situadas na Macrozona de Qualificação Urbana, 2 – Áreas situadas na Macrozona Turís ca de Sol e Praia e 3 – Macrozona de Expansão Urbana; (4) Poá, que delimitou sobre a Macrozona de Proteção Ambiental e na Macrozona de Uso e Ocupação Controlados; (5) Porto Feliz, sobre a Zona de 436 Book CM24_final.indb 436 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 417-440, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:29 Cidades que crescem horizontalmente Ocupação Controlada Rural – Zona 4 e na Zona de Produção Agrícola Sustentável – Zona 5; (6) Santa Cruz do Rio Pardo, sobre as Zona 5 (A e B) – Zona de Influência Urbana e Zona 6 – Recuperação e Preservação de Manancial; (7) São Carlos, sobre a Zona de Regulação e Ocupação Controlada e a Zona de Preservação e Ocupação Restrita; (8) Tatuí, na Zona 4, mudança de uso rural para urbano. (26) Dentre esses cinco que estabelecem prazo para a prefeitura elaborar legislação específica, apenas um deles não faz parte desse grupo de oito municípios que dão fortes indícios de u lizarem o instrumento da forma com o obje vo de recuperar a valorização na mudança de uso rural para urbano: Assis, que propôs 20 meses para fazer a legislação específica; Boituva propôs 360 dias; Porto Feliz, 360 dias; e Tatuí, 540 dias a contar da data de aprovação do plano diretor. (27) A análise de Santa Cruz do Rio Pardo afirmou que o município não possui o instrumento em lei específica, no entanto, Silva e Peres (2009) afirmam que o instrumento existe e já está sendo u lizado, embora não descrevam experiências. Pode ser que as temporalidades das pesquisas tenham sido diferentes, o que ocasionou essa dúvida. (28) Um olhar rápido sobre o quadro de zonas rurais nesses municípios mostra que Santa Cruz do Rio Pardo propõe recuperação ambiental e demarca áreas de risco de erosão, trabalhando o instrumento no sen do de evitar ocupação e promover recuperação; já São Carlos propõe zonas de controle de ocupação, mas de proposta de produção agrícola familiar ou manutenção de usos rurais, com um aspecto menos impedi vo e mais proposi vo (ver Silva e Peres, 2009, p. 12). (29) São Carlos está localizada na mesorregião de Araraquara no interior do estado de São Paulo e possui cerca de 220.463 habitantes, es ma va da Fundação Seade para 2009, com base nos dados do Censo IBGE. (30) Em especial, agradecemos aos arquitetos urbanistas Ricardo Martucci, Laila Mourad, Gisela Leonelli e Raquel Rolnik, as úl mas eram do Ins tuto Pólis e trabalharam na elaboração do plano diretor de São Carlos, por cederem material e conhecimento sobre a cidade de São Carlos-SP. (31) O EIV tem como obje vo prever os principais impactos do empreendimento durante as fases do projeto, contemplando propostas para adoção de medidas mi gadoras ante os impactos iden ficados. Esse estudo deve ser aprovado previamente pela Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano e pela Companhia de Tecnologia em Saneamento Ambiental (Cetesb) do estado de São Paulo. (32) Informação coletada da ata da reunião do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano do dia 11 de setembro de 2008. (33) Entrevista realizada em agosto de 2009 para a pesquisadora Patricia Cobra como parte da pesquisa “Urbanização e preços da terra nas franjas urbanas em três municípios no estado de São Paulo”. (34) Caso a pesquisa junto às imobiliárias não esteja de acordo com o valor es pulado pela Comissão, o beneficiário poderá entrar com um recurso. Esse recurso deverá ser acompanhado de um laudo técnico elaborado por um profissional habilitado no Conselho Regional de Engenharia, Agricultura e Agronomia do Estado de São Paulo (CREA/SP). (35) Segundo a lei do plano diretor, os recursos do fundo podem ser u lizados para a aquisição de áreas infraestruturadas des nadas a empreendimentos habitacionais de interesse social (EHIS); projeto e execução de equipamentos de esporte, cultura e lazer ou geração de trabalho e renda e a consolidação, conservação e proteção das áreas dos Córrego do Monjolinho, Córrego do Gregório ou Ribeirão do Feijão. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 417-440, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 437 437 09/11/2010 13:05:29 Paula Freire Santoro, Patricia Lemos Cobra e Nabil Bonduki (36) O plano diretor determina, entre suas atribuições, que o Conselho deve monitorar a gestão do plano diretor, elaborar propostas, examinar e emi r pareceres nos temas afetos à polí ca urbana ou quando solicitado, e supervisionar a aplicação dos instrumentos determinados na lei do plano. (37) Extraído de um documento elaborado por Daniel Mazziero – Diretor do Departamento de Planejamento Territorial, no dia 27 de maio de 2009. (38) Até dezembro de 2009, somente um dos quatro condomínios estava aprovado pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano de São Carlos. (39) Entrevista realizada em agosto de 2009 pela pesquisadora Patricia Cobra como parte da pesquisa “Urbanização e preços da terra nas franjas urbanas em três municípios no Estado de São Paulo”. Referências ABRAMO, P. (2007). 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Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 417-440, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:29 Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos Urbanization trends and non-metropolitan urban spaces Renato Pequeno Denise Elias Resumo No Brasil, com a expansão dos sistemas de objetos voltados a dotar o território de fluidez para os investimentos produtivos, ocorre uma descentralização da produção, acirrando a divisão territorial do trabalho, resultando em redefinições urbanas e regionais de várias naturezas. Os estudos sobre os espaços urbanos não metropolitanos em diferentes regiões do país representam um dos caminhos necessários para avançar na compreensão da complexidade da realidade brasileira contemporânea. O presente texto reflete parte de uma pesquisa em desenvolvimento que tem como objeto alguns desses espaços e tem como objetivo principal apresentar uma das características que se tem mostrado recorrente a todas as cidades estudadas, qual seja, o aprofundamento das desigualdades socioespaciais. A moradia é a variável principal escolhida para análise.1 Abstract In Brazil, the expansion of systems objects which attempts to bring productive investments fluidity for the territory results in production decentralization and provides the work territorial division, resulting in urban and regional redefinitions of several natures. The studies on non-metropolitan urban spaces in different country areas represent one of the necessary ways of moving forward in the understanding of the complexity of the contemporary Brazilian reality. This text reflects part of an ongoing research that has as object some of these spaces and as main target presenting one of the recurrent characteristics to all studied cities whatsoever, the probing of social-spatial inequalities. Housing is the main variant chosen for analysis. Palavras-chave: urbanização; espaços não metropolitanos; cidades médias; desigualdades socioespaciais; moradia. Keywords: urbanization; non-metropolitan spaces; medium size cities; social-spatial inequalities; housing. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 441 09/11/2010 13:05:29 Renato Pequeno e Denise Elias Introdução econômico nas últimas três décadas, sejam associados à difusão do agronegócio, do comércio e dos serviços especializados, seja à No Brasil, entre 1940 e 1980, deu-se verdadei- descentralização da produção industrial. Com ra inversão quanto ao lugar de residência da a generalização do fenômeno da urbanização população brasileira, caracterizando a deno- da sociedade e do território que o Brasil atinge minada passagem do Brasil rural para o Bra- no final do século XX, os trabalhos de inves- sil urbano. Com a expansão dos sistemas de tigação científica sobre esses espaços em tais objetos e sistemas de ação (Santos, 1996) vol- condições têm sua relevância reforçada. tados a dotar o território de fluidez para os in- O presente texto reflete, por um lado, vestimentos produtivos, os fatores locacionais parte de uma pesquisa desenvolvida de 2006 clássicos são redimensionados, ocorrendo uma a 2009.2 A pesquisa tem como objetivos prin- descentralização da produção. cipais: a) analisar as diferentes funções de- Nesse contexto, até a década de 1980, sempenhadas por um conjunto de espaços muitos lugares que, do ponto de vista da di- urbanos não metropolitanos escolhidos para visão internacional do trabalho, compunham estudo; b) avaliar as diferenças entre eles, o que Santos (1993) chamou de “exército distinguindo os que mais rapidamente se mo- de lugares de reserva”, tornam-se atrativos dernizam daqueles que mantêm papéis regio- à produção moderna e são incorporados aos nais herdados de período histórico anterior; circuitos produtivos globalizados de empre- c) realizar uma pesquisa que contribua para sas nacionais e multinacionais hegemônicas o adensamento da reflexão sobre as novas em diferentes ramos da economia. Acirra-se, tendências da urbanização brasileira e amplie assim, a divisão territorial do trabalho e das os conhecimentos sobre os espaços urbanos trocas intersetoriais, resultando em reestrutu- não metropolitanos, em diferentes regiões rações urbanas e regionais de várias naturezas brasileiras. e magnitudes por todo o território nacional. Neste texto, temos como principal ob- Diante das novas características eco- jetivo apresentar algumas das evidências nômicas e territoriais do Brasil, os antigos es- já constatadas a partir de um dos temas da quemas utilizados para classificar a sua rede pesquisa, qual seja, o do aprofundamento urbana, as divisões regionais, as regiões metro- das desigualdades socioespaciais no espaço politanas que, até hoje, são amplamente em- urbano, tendo na moradia a variável principal pregados, necessitam de uma revisão que dê escolhida para análise, apresentando um con- conta da complexidade da realidade atual. junto de processos adjacentes.3 Como objeto Entre os caminhos para avançar nesse de análise, temos a cidade de Mossoró, no Rio sentido, destacamos a premência de estudos Grande do Norte, na qual vários dos processos não só sobre as metrópoles ou suas respecti- supracitados como importantes para análise vas regiões metropolitanas, mas também sobre da pesquisa maior se destacam, evidenciando a ampla gama de espaços urbanos não metro- as especificidades e as singularidades que a politanos que apresentam grande dinamismo caracterizam (Figura 1). 442 Book CM24_final.indb 442 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:29 Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos Figura 1 – Mossoró – Situação geográfica São apresentados alguns elementos derivados e as possíveis respostas até aqui metodológicos utilizados, visando a contribuir propostas pelos diferentes agentes produtores com a formulação de uma síntese que possa do espaço. nortear as similaridades entre as realidades O arcabouço teórico-conceitual para a percebidas nos diferentes municípios ana- explicação de tais processos e impactos socio- lisados na pesquisa como um todo. São dis- espaciais encontra-se em construção, até por- cutidos, também, os principais processos até que muitos ainda estão em curso. Mas acre- aqui constatados, objetivando-se sistematizar ditamos ser possível citar alguns caminhos, o conjunto de pressões que levam à ocor- sempre com o objetivo de avançar na análise rência dos mesmos, assim como os impactos e na síntese dos mesmos. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 443 443 09/11/2010 13:05:30 Renato Pequeno e Denise Elias Mossoró: entre verticalidades e horizontalidades de decisão e comando, todos localizados fora da região e mesmo fora do país. Contribuem para tal as políticas promovidas pelos governos federal, estadual e munici- Entre as partes do Brasil recentemente incor- pal, as quais têm alocado recursos em infraes- poradas aos circuitos produtivos globalizados trutura necessária ao incremento da economia, de empresas nacionais e multinacionais he- bem como garantido subsídios que possam gemônicas em diferentes ramos da economia, atrair empresários de diferentes setores. Nes- destacaremos aqui um exemplo do semiárido se particular, não podemos deixar de destacar brasileiro que, na sua maior parte, permaneceu a forte representação que Mossoró possui, há à margem de tais circuitos até pouquíssimo décadas, nas diferentes instâncias dos pode- tempo. res estaduais e mesmo no congresso nacional, Mas, desde a década de 1980, de forma com os “filhos da terra” fazendo-se presentes intensa, essa área assume novos papéis na di- enquanto deputados federais e mesmo senado- visão internacional do trabalho e tem ramos res, beneficiando totalmente a cidade na vinda econômicos inseridos na dinâmica da produ- de recursos públicos. Estudos de Felipe (2001) ção moderna e vive, desde então, importantes comprovam tal afirmação. transformações socioespaciais (Elias e Peque- Mossoró (RN) e ampla região sob sua no, 2006, 2007), incluindo o próprio discurso influência estão entre as novas áreas dinâmi- sobre suas possibilidades econômicas. Podería- cas do Brasil, nas quais é possível observar as mos dizer que, em algumas instâncias, busca- transformações na produção que se processa, se construir um novo imaginário social sobre cada vez mais, com utilização intensiva de ca- algumas de suas partes, consideradas com vá- pital, tecnologia e informação, principais forças rias vantagens comparativas, para as quais se produtivas do presente período histórico, sendo vislumbram amplas oportunidades para alguns visível a substituição crescente do meio natural negócios, em geral associados às riquezas na- e do meio técnico pelo meio técnico-científico- turais dessa região. informacional (Santos, 1988, 1996), com forte Partes do semiárido passam a ser consi- incremento da urbanização e do tamanho da deradas, a partir desse momento, como fração cidade. Entre nossas principais preocupações do espaço do planeta cada vez mais aberta às nesta pesquisa, está justamente compreender determinações exógenas e aos novos signos a dinâmica dessa urbanização, especialmente a contemporâneos. Isso é ainda mais verdade partir dos novos agentes econômicos. no relacionado aos mercados, cada vez mais Mossoró, em pleno semiárido brasileiro, longínquos e competitivos; aos preços, alguns é a segunda cidade mais importante do Rio geridos pelas principais bolsas de mercadorias Grande do Norte. Localiza-se no noroeste poti- do mundo; aos pacotes tecnológicos adotados, guar, entre duas regiões metropolitanas, Forta- muitas vezes induzidos pelos interesses de leza (CE) e Natal (RN), e dista cerca de 200 km multinacionais hegemônicas nos respectivos de cada uma. Conta hoje com cerca de 220 mil ramos, e, sobretudo, no referente aos centros habitantes e encabeça uma área de influência 444 Book CM24_final.indb 444 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:30 Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos regional com mais de um milhão de habitantes, todos os continentes, uma das três mais im- composta por cerca de 75 municípios, especial- portantes empresas produtoras e exportadoras mente do próprio estado, mas também do Cea- de frutas do mundo, assim como a Petróleo rá e da Paraíba,4 em especial para a prestação Brasileiro S/A (Petrobras). A instalação dessas de serviços e atividades comerciais. empresas em Mossoró ou na região sob sua Na área de influência de Mossoró, reali- influência constitui um verdadeiro marco para za-se parte dos circuitos espaciais da produção qualquer periodização que se faça sobre a ci- (Santos, 1986) de três importantes atividades dade ou região, dados os profundos impactos econômicas, que apresentam destacado cres- socioeconômicos e espaciais que advêm desde cimento desde a década de 1980 e juntas são então. responsáveis por parte do crescimento urbano É importante lembrar que Mossoró é desse município e por significativas reestrutu- hoje o primeiro produtor brasileiro de petró- rações urbanas e regionais. Trata-se do agro- leo com exploração em terra e o segundo em negócio da fruticultura tropical (especialmente volume geral (terra e mar). Da mesma forma, melão e banana); da exploração do petróleo e concentra a quase totalidade da extração de do gás natural e da extração e beneficiamento sal do país, assim como é o principal produtor do sal. brasileiro de melão, voltado, em grande parte, Das três atividades, a extração de sal é para a exportação para a Europa e Estados a que ocorre há mais tempo, cerca de um sé- Unidos. Dessa forma, em Mossoró e em região culo, tendo passado por forte reestruturação sob sua influência, teríamos os territórios do produtiva na década de 1970, comandado por petróleo, do sal e do agronegócio da fruticul- capitais externos, nacionais e multinacionais, tura tropical. de destaque no ramo, resultando em significa- Mossoró concentra os serviços e comér- tivas metamorfoses no processo produtivo, as- cios mais importantes para todas essas ativi- sim como em forte concentração no setor, que dades, tais como os escritórios das principais passou a se constituir por cerca de ¼ do total empresas agrícolas, a sede da Petrobrás e das de empresas existentes antes do processo de respectivas prestadoras de serviços, a sede de reestruturação. algumas das mais importantes extratoras e be- As outras duas atividades, por sua vez, neficiadoras de sal e vários outros nós dos res- poderíamos dizer que estão entre as mais re- pectivos circuitos espaciais da produção que se centes e importantes realizadas em Mossoró e dão, em parte, na região sob sua influência, co- região, fruto, em parte, das novas possibilida- nectados com várias outras partes do mundo. des produtivas advindas da revolução tecnoló- Tais atividades têm interessado aos capi- gica e da fluidez do espaço. A elas está associa- tais hegemônicos dos respectivos ramos, pro- da a chegada de capitais externos, nacionais e movendo a instalação de diversas empresas de multinacionais, entre os mais significativos no capitais não locais, as quais imprimem novas mundo nos respectivos ramos, tais como a mul- formas de produção, distribuição, armazena- tinacional Del Monte Fresh Produce, que atua mento e consumo; expandem-se muitos novos na fruticultura em mais de cinquenta países em fixos a partir dos quais se dão múltiplos novos Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 445 445 09/11/2010 13:05:30 Renato Pequeno e Denise Elias fluxos, seja de matéria ou de informação, sen- e informação ao espaço agrário, obrigando do que parte significativa deles é totalmente Mossoró a suprir suas demandas por insumos comandada por interesses exógenos, predo- materiais e intelectuais. Vale lembrar que, para minando as verticalidades, por mais que se ex- a difusão do consumo produtivo agrícola, deve- pandam as horizontalidades. Tudo isso culmina mos considerar os sistemas de objetos, os sis- em significativo aumento da densidade técnica temas de ação (Santos, 1996) e todos os fluxos e normativa do espaço urbano e agrícola de correspondentes. Mossoró e região e, consequentemente, em São inúmeras as atividades associadas ao processos de reestruturação urbana e regional. consumo produtivo agrícola geradas pelo agro- O crescimento das atividades supracita- negócio, especialmente do melão e da banana, das acaba por propiciar a instalação de um nú- em Mossoró: empresas comerciais (máquinas e mero grande e diversificado de estabelecimen- implementos agrícolas, sementes selecionadas, tos que oferecem comércios e serviços especia- produtos veterinários, agrotóxicos, etc.); empre- lizados, alguns bastante modernos, antes res- sas de serviços (pesquisa agropecuária, análise tritos às principais capitais do país, associados de solos, aviação agrícola, consultoria agrícola, ao consumo produtivo (Santos, 1988, 1996), ou telefonia rural, irrigação, manutenção de máqui- seja, aqueles inerentes às demandas primor- nas agrícolas, informática, empresas de gestão diais das três principais atividades econômicas, de recursos humanos, de transporte de cargas, em especial, as que evidenciam a atuação de entre outras). É possível observar, inclusive, cer- novos agentes econômicos na cidade e região. ta especialização na cidade voltada à comercia- Tais produtos e serviços são oferecidos lização de tais insumos, ao longo da BR 304. por empresas modernas e são bastante impor- Entre as consequências desse crescimen- tantes, especialmente para o agronegócio e to das atividades econômicas, temos uma gran- para a extração de petróleo e gás, acirrando a de atração de mão de obra de várias partes divisão territorial e social do trabalho, intensifi- do país, especializada ou não. Isso somado ao cando as trocas de várias naturezas, com pro- êxodo rural promovido pela concentração fun- fundos impactos na vida social e no território. diária com a instalação das empresas agrícolas Poderíamos destacar, por exemplo, que parte contribui, sobremaneira, para novas dinâmicas do processo produtivo comandado pela Petro- populacionais em Mossoró e região. Somente brás é todo terceirizado para uma série de ou- citando Mossoró, a população total do muni- tras empresas, muitas multinacionais, as quais cípio passa de pouco mais de 97 mil para cer- realizam várias e complexas atividades econô- ca de 214 mil habitantes, de 1970 a 2000, de micas vinculadas à extração do petróleo. acordo com dados do IBGE (Sidra). Em igual O consumo produtivo agrícola, por sua período, o crescimento da população urbana vez, como ocorre em todas as áreas de di- foi ainda superior, quando passa de cerca de fusão do agronegócio no Brasil (Elias, 2003, 79,5 mil para 199 mil habitantes. Dessa forma, 2006, 2007), é um elemento estruturante da em trinta anos, a população urbana cresceu economia urbana de Mossoró e cresce, parale- cerca de 2,5 vezes. No que tange à taxa de ur- lamente, a incorporação de ciência, tecnologia banização, atinge os 93% no ano 2000. 446 Book CM24_final.indb 446 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:30 Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos O dinamismo da economia contribuiu para significativas mudanças nas relações sociais realizam parte de seus circuitos espaciais de produção em Mossoró e região. de produção, com a expansão do mercado de Observa-se, também, uma elevação da trabalho formal, mesmo na agricultura, até en- média salarial dos trabalhadores especializa- tão baseada praticamente em relações pouco dos, associados aos novos agentes econômi- ou não monetarizadas, imprimindo muitas no- cos instalados na cidade e região, expandindo vas sociabilidades ao setor. Os dados do mer- a classe média. Para isso contribui, também, o cado de trabalho formal constituem um bom aumento de funcionários públicos; de profissio- indicador para podermos observar caracterís- nais liberais; de técnicos associados à extração ticas importantes da estrutura, evolução e di- de petróleo; de agrônomos trabalhadores das namismo da economia de Mossoró. Utilizando empresas agrícolas, etc. Devemos considerar, dados da Relação Anual de Informações Sociais também, o pagamento dos royalties por parte (RAIS) e do Cadastro de Empregados e Desem- da Petrobrás, a qual injeta uma quantidade de pregados (CAGED) do Ministério do Trabalho e dinheiro considerável na cidade e região. Emprego (MTE), temos que o número de em- Mesmo que a classe média ainda seja pregados formais em todas as atividades eco- relativamente pequena perante a população nômicas em Mossoró somava cerca de 19,5 mil total, possui poder aquisitivo mais elevado e e 47,5 mil, em 1991 e 2007, respectivamente. suficiente para propiciar o surgimento de um Vale destacar que algumas característi- número importante de casas comerciais e de cas da urbanização de Mossoró acompanham a serviços especializados voltados às demandas realidade nacional, tais como a de urbanização da população e às novas lógicas do consumo, recente fortemente inerente à difusão do co- contribuindo sobremaneira para o crescimento mércio e serviços. Assim sendo, desde a década do consumo consumptivo. de 1990, é possível observar predominância do Poderíamos destacar os inerentes à saúde setor no total de pessoas empregadas formal- especializada; educação superior; transportes mente, somando 46,5% no ano de 2007. Se a rodoviários intermunicipais e interestaduais; essas somarmos os empregados em adminis- serviços de segurança privada; administração tração pública, o percentual sobe para 60%. pública, etc. Podem ser observados, também, Conhecer a expansão do consumo, seja através da implantação de ramos de atividades produtivo, seja consumptivo, e suas formas, representativas da atuação dos novos agentes intensidades, qualidades e natureza dos fluxos, econômicos, de redes de venda de eletrodo- de matéria e de informação, são importantes mésticos e eletrônicos; de empresas do setor para indicar o leque de novas relações entre a imobiliário; de supermercados e hipermerca- cidade e o campo, entre os espaços urbanos da dos; de agências bancárias, etc. região sob influência de Mossoró, assim como Recentemente, a entrada de capitais ex- as relações desta com o restante do mundo, ternos vem gerando novas lógicas de locali- explicitando formas de organização interna da zação das atividades comerciais e de serviços, cidade e as novas relações entre os diferen- redefinindo a centralidade de Mossoró em tes elos das empresas que, de alguma forma, suas diferentes escalas. Em julho de 2007, foi Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 447 447 09/11/2010 13:05:30 Renato Pequeno e Denise Elias inaugurado o primeiro shopping center, tendo à frente capital italiano atuante no ramo da construção civil sediado em Fortaleza. Entre as mais Aprofundamento das desigualdades socioespaciais recentes inaugurações, podemos citar, também, a instalação de um outro grande equipamen- É possível reconhecer um quadro de agrava- to defronte ao shopping center, em agosto de mento das desigualdades socioespaciais em 2008, o primeiro hipermercado de capital mul- Mossoró, nas escalas regional e intraurbana, tinacional, o Atacadão, pertencente à mesma mediante a análise das variáveis associadas às holding na qual está inserido o Carrefour. Todo esse crescimento urbano ocorreu sem o devido acompanhamento de uma política de desenvolvimento urbano eficaz, pautada em instrumentos de planejamento urbano adequados ao controle da especulação imobiliária, resultando no crescimento das irregularidades fundiárias e numa série de conflitos de uso e ocupação do solo, além de problemas de circulação e mobilidade. Na ausência de políticas de desenvolvimento urbano e habitacional associadas a processos de planejamento, prevaleceu, nos últimos anos, a lógica do projeto urbano através da qual a gestão do espaço intraurbano passou a ser conduzida mediante intervenções pontuais, orientadas segundo critérios estrategicamente definidos. Dessa forma, do crescimento urbano de Mossoró emergem, além de formas precárias de moradia associadas à carência de redes de infraestrutura urbana e de equipamentos sociais, os espaços de riqueza, onde passam a predominar condomínios horizontais e verticais, bem como centros comerciais e de serviços, estabelecendo um quadro de segregação socioespacial, configurando-se intensas disparidades intraurbanas. suas condições de moradia. Os processos aqui 448 Book CM24_final.indb 448 abordados, com o intuito de indicar essas disparidades, associam-se diretamente às transformações ocorridas na estrutura econômica do município e de sua região de influência, evidenciando-se a compreensão de que o espaço urbano, na forma como é produzido, reflete as mudanças históricas nos processos produtivos (Corrêa, 2003). Com o intuito de identificar os principais processos associados às desigualdades socioespaciais presentes no espaço intraurbano de Mossoró, buscaremos associá-los, em uma primeira análise, aos agentes produtores do espaço urbano, notadamente aqueles voltados à produção residencial. Nesse sentido, buscaremos analisar as diferentes “cidades” que se superpõem no intraurbano de Mossoró, distinguindo-as da seguinte maneira: a) a cidade das políticas públicas, onde prevalece a localização de conjuntos habitacionais de interesse social; b) a cidade espontânea e informal, correspondente às formas de moradia predominantemente precárias; c) a cidade do mercado imobiliário, agrupando as áreas sob influência do mercado imobiliário voltadas para aqueles com maior poder aquisitivo. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:30 Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos Entretanto, faz-se necessário ressaltar residenciais reconhecidamente homogêneas que reconhecemos claramente a presença de no seu conteúdo socio-ocupacional, concentra- interseções derivadas de associações entre os das ao norte da área central. Com isso, ficou diferentes agentes produtores do espaço, nem estabelecido, ao longo de sua evolução urbana, sempre explícitas, as quais se tornam, por ve- uma diferenciação entre uma parte que reunia zes, visíveis através da análise dos instrumen- o centro comercial e seus bairros residenciais tos de planejamento e gestão do solo urbano, adjacentes, melhores providos de serviços ur- formulados pelo poder local. banos, e outra ao norte, onde vivia a mão de obra salineira, predominando as moradias inadequadas e a precariedade urbana. A cidade das políticas habitacionais de interesse social A década de 1970 é um marco para a história de Mossoró. Intensificaram-se os movimentos populacionais do campo para a cidade, motivados pelas recorrentes dificuldades da agricultura de subsistência, atividade até então Quando analisamos o processo de crescimento predominante no semiárido nordestino, e, em urbano de Mossoró, em suas diferentes fases, é especial, pela substituição da força-de-trabalho possível verificar seu forte atrelamento à distri- manual pela mecânica na salinicultura. Além buição espacial das atividades econômicas de disso, reduzem-se as oportunidades de traba- maior importância para a região, ao longo do lho dada à decadência das atividades agroin- tempo. Com isso, a cada mudança na sua es- dustriais de beneficiamento de oleaginosas, trutura produtiva, a morfologia da cidade sofre principalmente a partir da crise da produção de alterações, definindo-se historicamente os frag- algodão, ocasionada por pragas nas plantações, mentos que representam o processo desigual trazendo para a cidade um cenário pouco alen- como o espaço intraurbano mossoroense vem tador, ampliando-se os espaços da pobreza. sendo produzido. Entretanto, é nessa mesma década que, Consolidada como núcleo urbano a par- por conta de sua condição como segundo maior tir da sua localização como entroncamento de município potiguar, equidistante entre Fortale- vias provenientes do Sertão, onde as relações za e Natal, constituindo-se num centro regional comerciais associadas à pecuária, à cultura do consolidado, Mossoró passou a ser alvo de pro- algodão e ao extrativismo de recursos naturais gramas nacionais de desenvolvimento urbano, da caatinga se estabeleciam, Mossoró teve a vindo a ser incluído em Programa Nacional de salinicultura como atividade motriz capaz de Desenvolvimento Urbano para Cidades de Por- atrair grandes contingentes populacionais, ga- te Médio. nhando posição de destaque na rede urbana Nesse período, o Estado passa a inter- regional. Considerando o grande número de vir no âmbito da produção habitacional nas postos de trabalho originados com a fase ar- suas diferentes esferas: a) federal, a partir da tesanal de extração do sal, motivando progres- liberação de recursos provenientes do Sistema sivos fluxos migratórios, formaram-se áreas Financeiro da Habitação (SFH), obtidos junto Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 449 449 09/11/2010 13:05:30 Renato Pequeno e Denise Elias ao Banco Nacional da Habitação (BNH); b) es- visto que essas áreas passaram a contar com tadual, através da Companhia Estadual de redes de infraestrutura urbana e serviços. Além Habitação (Cohab-RN), construindo milhares disso, segundo o Plano Diretor de Mossoró, de de moradias e implementando redes de infra- 1975, contribuiu como fator de escolha dessas estrutura urbana; c) municipal, mediante a de- localizações periféricas, em especial a noroes- sapropriação de imóveis para implantação de te, a localização de distrito industrial, então em conjuntos habitacionais, assim como através da implantação, às margens da BR 304, seguindo formulação de Plano Diretor de Organização do a lógica do binômio localização das indústrias Espaço Urbano de Mossoró, em 1975, o qual e política pública de habitação. passava a definir, em seu zoneamento, os usos Mesmo distantes do Centro e dos servi- compatíveis com as possibilidades trazidas com ços urbanos, fatores como a presença de infra- a política nacional de desenvolvimento urbano estrutura básica e a motivação pelo “sonho da estabelecida pelo governo federal. casa própria” tornaram esses conjuntos atraen- Como ocorreu em todo o restante do tes para o tipo de demanda habitacional local, Brasil, observa-se, desde a implantação do em especial as associadas às classes de renda primeiro conjunto habitacional em Mossoró, média-baixa. Vale aqui ressaltar que, nesse ainda nos anos 1960, a adoção da localização período, os recursos provenientes do estado periférica desses assentamentos. No caso, o foram utilizados não apenas para as classes primeiro conjunto habitacional de Mossoró foi populares como também para a classe média, construído no bairro de Alto São Manoel, ao mediante a obtenção de financiamentos para leste, no outro lado da margem do rio Mossoró, a construção da casa própria, utilizando taxas sendo o baixo custo do terreno a justificativa de juros inferiores aos de mercado, assim como sempre apresentada para tais escolhas. Com longos prazos para o seu pagamento. isso, pretendia-se induzir a expansão da cidade Com isso, observa-se que em Mossoró, para o sudeste, em direção a Natal, capital do como na maior parte das cidades brasileiras, estado. a população em situação de exclusão social só Em meados dos anos 1970, por ocasião não ficou totalmente à margem das políticas do Programa Estadual Habitacional, a prefeitu- habitacionais por conta de sua inclusão como ra passou a interferir mais diretamente na ex- mão de obra para a execução de moradias e pansão urbana de Mossoró, ao definir as áreas redes de infraestrutura. a serem desapropriadas, via decreto, situadas Ao analisar o processo de urbanização a noroeste e a sudeste, nas quais os conjuntos de Mossoró, Pinheiro (2006) destaca que a habitacionais foram implantados. produção habitacional com recursos do Siste- É possível afirmar que a escolha dos terre- ma Financeiro de Habitação através dos pro- nos para assentamentos residenciais populares gramas do BNH, executados pela Cohab-RN veio favorecer os proprietários de glebas vizi- e pelo Inocoop, representaram as principais nhas em áreas intermediárias entre o centro da intervenções urbanas dos anos 1970 e 1980, cidade e essas frentes periféricas onde os con- influenciando diretamente na configuração de juntos habitacionais vieram a ser implantados, um novo eixo de expansão da cidade associado 450 Book CM24_final.indb 450 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:30 Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos às direções para Fortaleza ao noroeste e para imobiliário, a oeste da área central, onde mais Natal ao sudeste. tarde veio a se conformar um eixo de segrega- Cumpre ressaltar que as diferenças de ção residencial. público-alvo da Cohab-RN e do Inocoop in- Nos anos 1990, outros conjuntos vieram fluenciaram na definição da localização dos a ser construídos. Em parte, os novos núcleos mesmos. Os conjuntos populares mais distan- residenciais reforçaram o setor noroeste, porém tes, promovidos pela Cohab-RN, voltaram-se em terrenos mais distantes do centro. Outros para segmentos sociais de renda média-baixa vieram a ser implementados a leste e a sudeste, situados na direção noroeste, enquanto que porém tendo como público-alvo setores de ren- outros, vinculados ao Inocoop, abrigaram da média-baixa associados aos usos vizinhos, segmentos relativamente superiores, mais como as universidades públicas e a Petrobrás, próximos das áreas de interesse do mercado ao longo da BR 304 (Figura 2). Figura 2 – Mossoró: conjuntos habitacionais, 2008 Fonte: Cohab-RN/PMM, 2008. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 451 451 09/11/2010 13:05:30 Renato Pequeno e Denise Elias Em decorrência da implantação desses conjuntos habitacionais, a cidade passou a cem ainda hoje como desafios para os gestores municipais. vivenciar um processo de crescimento des- Mais recentemente, a produção pública contínuo. Entretanto, devemos destacar que a de habitação de interesse social passa a ter localização majoritariamente periférica levou nas formas de moradia subnormal, como as fa- a um quadro de disparidades socioespaciais velas e as áreas de risco, o principal indicador no acesso aos equipamentos sociais, predomi- para quantificação da demanda, evidenciando nantemente concentrados no centro e bairros processo de fragmentação da provisão de mo- vizinhos. Tratando-se de cidade média, onde os radia, comprovado pelo número reduzido de serviços públicos de transporte ainda não se unidades habitacionais de cada intervenção. Da faziam presentes, os moradores desses novos mesma forma, algumas iniciativas vêm sendo setores passaram a enfrentar problemas coti- retomadas, tendo como alvo grupos sociais de dianos de mobilidade. Vale aqui ressaltar que renda média, utilizando recursos oriundos da os problemas da mobilidade urbana remanes- Caixa Econômica Federal (Figuras 3 e 4). Figura 3 – Pequeno conjunto habitacional destinado às famílias de favela urbanizada Fonte: Renato Pequeno, 2008. 452 Book CM24_final.indb 452 Figura 4 – Programa de arrendamento residencial implantado com recursos da CEF Fonte: Renato Pequeno, 2008. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:30 Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos A cidade informal e espontânea primeiro, do norte da área central a noroeste, aglutinando-se a partir das bordas dos bairros populares ao norte do centro da cidade (outrora bairros mais empobrecidos) em direção ao Na forma como foram implementadas, as polí- noroeste, onde se localizaram conjuntos ha- ticas habitacionais de interesse social das dé- bitacionais posteriores à fase do BNH; b) um cadas de 1970 e 1980 levaram à consolidação outro que agrega áreas de ocupação próximas de áreas de exclusão social preexistentes onde às áreas de preservação permanente ao sul e viviam os trabalhadores braçais da extração outras a sudeste, lindeiras aos loteamentos do sal, assim como ao surgimento de dezenas populares e conjuntos habitacionais situados de áreas de ocupação irregular, trazendo para nessa direção. a cidade novos setores marcados pelo acesso A presença da cidade ilegal, justamente desigual às redes de infraestrutura urbana, di- a mais desigual, reúne, todavia, empreendi- retamente associados à distribuição de equipa- mentos habitacionais dos diferentes agentes mentos sociais. produtores do espaço urbano. Dados da Secre- Com a extinção do BNH, em 1986, e a taria Municipal de Desenvolvimento Territorial consequente redução da intervenção estatal da Prefeitura de Mossoró, obtidos em 2008, na produção social da moradia, a favelização indicam a presença de quinze loteamentos irre- passa a predominar como alternativa para gulares, promovidos pelo setor imobiliário pri- provisão habitacional por parte das classes so- vado e destinados à população de baixa renda, ciais menos favorecidas. Desde então, as áreas desde a década de 1990, conformando um arco de favelas passaram por processo de adensa- periférico entre o noroeste e o sudeste, passan- mento, num primeiro momento, através da sua do pelas partes mais distantes dos bairros ao expansão para terrenos vagos nas vizinhanças norte e a leste da cidade (Figura 5). ainda disponíveis para ocupação. Em seguida, A irregularidade apontada para esses as- essas ocupações irregulares tiveram seus lotes sentamentos populares diz respeito à ausência ocupados ao extremo, passando posteriormen- de infraestrutura urbana, assim como à indefi- te a ser alvo de verticalização autoconstruída, nição de áreas públicas institucionais, que ape- substituindo-se as coberturas de telha por lajes, sar de constarem na Lei Federal de Parcelamen- nas quais novos compartimentos vieram a ser to do Solo, Lei 6766/1979 como obrigatórias, edificados. Todavia, é nas franjas periféricas ao não foram consideradas na sua totalidade. sul e nas proximidades de faixas de preserva- Com o intuito de reduzir os custos do ção permanente que as ocupações espontâneas empreendimento e maximizar seus lucros, os vêm sendo mais numerosas e precárias, tornan- empreendedores veem nesse modelo de pro- do a favela o alvo preferencial das políticas pú- dução da cidade uma maneira de atender às blicas de habitação mais recentes. demandas populares não supridas pelo poder No que se refere à localização das áreas local através de políticas públicas. Todavia, na de favela na cidade de Mossoró, é possível per- forma precária e inadequada como esses as- ceber a presença de dois agrupamentos: a) um sentamentos são implantados, tem-se, como Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 453 453 09/11/2010 13:05:30 Renato Pequeno e Denise Elias Figura 5 – Mossoró: favelas – 2008 Fonte: Prefeitura Municipal de Mossoró, 2008. consequência, a produção de fragmentos peri- posteriores à extinção do BNH e da Cohab-RN, féricos desprovidos de saneamento, cujos espa- esses núcleos de moradia popular mais recen- ços livres terminam por alojar favelas, reunindo tes acabam por não atender aos parâmetros grupos ainda mais empobrecidos. mínimos da legislação urbanística municipal, No caso de Mossoró, paradoxalmente, a que também não se adequou à nova realida- produção irregular da moradia é também cons- de. Sendo o município seu próprio controlador tatada a partir da produção habitacional pelo e fiscal, abrem-se assim as oportunidades pa- Estado, reunindo cerca de cinquenta assenta- ra a implantação de formas irregulares com a mentos populares. Em parte, representam pe- anuência dos órgãos municipais. quenos conjuntos habitacionais voltados para Esse processo de favelização, reconhecido áreas de ocupação (favelas) que teriam sido ur- em blocos, porém disperso e fragmentado pelas banizadas ou removidas, mas cujas condições franjas periféricas da cidade, tem representado de relocação ficaram aquém dos requisitos a principal demanda por políticas públicas de legais. Tratando-se de medidas emergenciais habitação mais recentes. Tratando-se de fave- no atendimento às demandas sociais ou mes- las de pequeno porte no que se refere ao nú- mo do uso de recursos pulverizados nos anos mero de famílias, o poder local tem buscado 454 Book CM24_final.indb 454 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:30 Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos viabilizar a sua remoção, especialmente em complementar que viabilize a regularização duas situações: a) localizações estratégicas as- sustentável dessas áreas (Figura 7). sociadas a investimentos futuros de parcerias Trabalhos de campo realizados em 2008, público-privadas; b) ocupações em áreas de quando percorremos áreas periféricas da cida- preservação ambiental permanente (Figura 6). de, fizeram-nos concluir que a realidade da de- Noutros casos, observa-se que a alterna- sigualdade urbana, em relação à expansão de tiva tem sido a urbanização da área com um áreas de ocupação se dá em progressão geo- mínimo de necessidade de remoção definitiva métrica, ampliando o desafio do poder local no de moradias, dando-se preferência à implanta- enfrentamento da questão habitacional. ção das redes de infraestrutura, ao remaneja- Ainda que tenha havido a tentativa de mento de partes de algumas moradias para a erradicar as moradias feitas de taipa, a cada abertura de vias e instalação de saneamento. dia, novas casas são erguidas utilizando tal Como medida de menor custo, progressiva- material, refletindo o quadro de modernização mente adotada nas gestões desde meados dos excludente que tem predominado na cidade, anos 1990, as práticas de urbanização permi- onde as oportunidades atraem a muitos, mas tiriam ao município estabelecer um horizonte efetivamente são alcançadas por poucos. Em futuro no qual Mossoró não mais teria fave- sua maior parte, essas novas moradias têm las. Permanece, em muitos casos, a indefinição sido construídas em situações de risco, seja às quanto à situação fundiária posterior à urba- margens de recursos hídricos, seja ao longo das nização, requerendo-se assim um programa linhas de alta tensão. Figura 6 – Favela em área de risco às margens de córrego canalizado Fonte: Renato Pequeno, 2008. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 455 Figura 7 – Favela urbanizada através de programa municipal Fonte: Renato Pequeno, 2008. 455 09/11/2010 13:05:31 Renato Pequeno e Denise Elias Deve-se aqui ressaltar a importância que dinamismo desse setor na cidade, notadamente a questão habitacional vem tendo por parte pela concentração de empreendimentos a oes- do poder local, o qual demonstrou ter compre- te do centro tradicional em direção à nova cen- endido que as ações nesse setor deveriam ser tralidade que está se formando, onde já estão empreendidas a partir do âmbito municipal. o shopping center, o hipermercado de capital Apesar da extinção da Cohab-RN, o municí- multinacional (Atacadão), a universidade pri- pio buscou recursos para realizar intervenções vada e alguns loteamentos fechados, dentre os voltadas para amenizar o problema habitacio- quais o recém-lançado Alphaville Mossoró, in- nal, inclusive elaborando, em 2003, um Plano tegrante da famosa rede de empreendimentos Estratégico para Moradias em Assentamentos imobiliários original de São Paulo. Subnormais (PEMAS), visando a formulação de A verticalização na cidade de Mossoró política municipal de habitação, junto ao Pro- encontra-se em sua maior parte concentrada grama Habitar Brasil, com recursos da Caixa desde o centro tradicional indo em direção a Econômica Federal (CEF) e do Banco Interame- oeste, onde os loteamentos fechados passam ricano de Desenvolvimento (BID). a ser implantados. Voltados para famílias de Todavia, constata-se que até aqui não renda média-alta, os condomínios verticais houve um processo de planejamento na con- ocupam grandes lotes remanescentes da pri- dução dessas ações, as quais se configuram meira fase de ocupação do bairro Nova Betâ- como intervenções pontuais realizadas a partir nia, marcada pela construção de residências de oportunidades de recursos obtidos junto a unifamiliares em grandes lotes (Figura 8). diversas fontes, evidenciando o que Cardoso Destacamos aqui a crescente presença, (2002) denominou lógica perversa da munici- em Mossoró, de condomínios horizontais co- palização das políticas habitacionais. mo uma forma diferenciada dos loteamentos fechados, em sua maioria localizados no mesmo bairro que concentra a verticalização. Com A cidade do mercado imobiliário porte igual ou menor ao de uma quadra, esses condomínios residenciais apresentam um número reduzido de residências, semelhantes em sua forma e conteúdo, tendo as áreas de lazer, A compreensão das desigualdades sócio-ha- via de acesso interno e os serviços condomi- bitacionais em Mossoró torna-se mais clara niais compartilhados (Figuras 9 e 10). quando se buscam identificar as áreas nas Mais recentemente, passam a ser lan- quais têm havido maiores investimentos do çados pelo mercado imobiliário alguns lotea- setor imobiliário formal. Ainda que as empre- mentos fechados, os quais se diferenciam pelo sas atuantes no setor imobiliário sejam pouco tamanho da área e pela presença de sistema numerosas e recentemente instaladas, inclusive viário privativo entre muros. A Figura 11 reúne havendo espaço para a chegada de empreende- os loteamentos fechados aprovados nos últi- dores do setor provenientes de Fortaleza (CE), mos anos no espaço intraurbano de Mossoró. Natal (RN) e João Pessoa (PB), é perceptível o Observa-se que os mesmos se concentram em 456 Book CM24_final.indb 456 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:31 Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos Figura 8 – Mossoró: processo de verticalização – 2008 Fonte: Trabalho de campo, 2008. Figura 9 – Novos condomínios verticais concentrados no bairro Nova Betania Fonte: Renato Pequeno, 2008. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 457 Figura 10 – Condomínios horizontais e verticais justapostos no mesmo setor Fonte: Renato Pequeno, 2008. 457 09/11/2010 13:05:31 Renato Pequeno e Denise Elias dois setores: na porção oeste da cidade, próxi- Tomando como ponto de partida a espa- mos a grandes áreas vazias; na parte leste, em cialização de processos de produção de mora- direção a Areia Branca. dia voltados para famílias de maior poder aqui- Somados aos condomínios verticais e sitivo, como da verticalização e a produção de horizontais presentes no Bairro Nova Betânia, condomínios horizontais e loteamentos fecha- essas formas de parcelamento do solo se apre- dos, é possível identificar a presença intensiva sentam como grandes alvos de especulação do setor imobiliário desde o centro da cidade imobiliária, induzindo a implantação de infra- em direção ao setor oeste, configurando verda- estruturas urbanas – como as redes de água e deiro eixo de segregação residencial, onde, co- esgotamento sanitário – e sistema viário nes- mo afirma Villaça (1998), se reproduz a lógica sas direções, em detrimento de vasta periferia da apropriação por parte das elites dominantes desprovida de boas condições de habitabilida- dos investimentos públicos feitos em infraes- de urbana (Figura 11). trutura (Figura 12). Figura 11 – Mossoró: loteamentos fechados – 2008 Fonte: Trabalho de campo, 2008. 458 Book CM24_final.indb 458 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:31 Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos Figura 12 – Mossoró: eixo de segregação Fonte: Trabalho de campo, 2007. Outros bairros a sudeste foram alvo de mais próximos ao centro, junto às áreas resi- investimentos imobiliários privados voltados denciais tradicionais que ainda remanescem para a produção de residências unifamiliares, próximas ao centro; b) trecho intermediário porém, diante das condições existentes de in- onde se observa a presença de residências uni- fraestrutura urbana, findaram por não vingar -familiares de maior porte e melhor padrão jus- com a mesma intensidade, passando a preva- tapostas a novos edifícios residenciais verticais lecer a implantação de loteamentos populares. e de condomínios horizontais, prosseguindo até Tratando-se das melhores localizações da a BR 304; c) trecho final, desde a BR 304 em cidade, dotadas inclusive de maiores condições direção a oeste, onde ocorre a nova frente de de mobilidade e de acessibilidade aos serviços expansão do mercado imobiliário agrupando urbanos, esse eixo se subdivide em três partes o trinômio: loteamentos fechados, shopping center e universidade privada. distintas: a) trecho inicial com edifícios verticais Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 459 459 09/11/2010 13:05:31 Renato Pequeno e Denise Elias Ressalta-se, todavia, a complementari- Mossoró passou a contar, assim, com dade entre essa nova centralidade e o centro portentosos investimentos públicos na área tradicional mediante a interligação viária fa- central, configurando-se num processo de em- cilitada entre os mesmos através de avenida belezamento de seus espaços públicos, recupe- estruturante do eixo de segregação, tornando- ração de alguns equipamentos socioculturais se ambos disponíveis aos setores privilegiados e mesmo a implantação de novos edifícios que se apropriaram das melhores localizações e equipamentos para realização de grandes no espaço urbano. eventos, todos eles situados em volta da área Análise realizada nos anúncios populares central. Merece ser destacada uma intervenção contidos nos dois periódicos diários locais para urbanística ao longo do trecho central da via 5 os anos de 2007 e 2008 comprovam essa aná- férrea, trazendo um novo significado para es- lise, dada a presença de imóveis residenciais se setor da cidade, reunindo num só conjunto: para locação ou venda situados nesses bair- museu, teatro, memorial, parque infantil, praça ros a preços inferiores em relação aos imóveis de alimentação, entre outros, com as mesmas características situados nos Constatamos estar diante de uma situa- bairros atravessados pelo eixo de segregação ção na qual se consolida uma bipolarização de residencial. centralidades principais da cidade, interligadas Acreditamos que diante da realidade lo- por avenida que se constitui em eixo da segre- cal, similar ao que ocorre com a grande maio- gação residencial, onde, por um lado, o centro ria das cidades brasileiras, não exista demanda tradicional foi complementado com investimen- com poder de compra suficiente para que duas tos públicos nesses novos equipamentos e, por áreas distintas sejam alvo de investimentos outro, a nova centralidade se consolida a cada imobiliários, remanescendo por conta disso al- novo empreendimento imobiliário residencial guns empreendimentos imobiliários na direção ou inerente ao terciário. A facilidade de acesso sudeste repletos de vazios e com infraestrutu- através de vias regionais, como a BR 304, tam- ras urbanas inacabadas, ainda que tenham sido bém confirma essa hipótese, visto que as duas destinados à classe média. centralidades, quando associadas, assumem Seguindo claramente um caminho de politização e espetacularização de algumas festas um caráter regional, atendendo a demandas de outros vários municípios vizinhos. tradicionais à cidade e região como forma de Percebe-se ainda que, nas margens dessa legitimar o poder, a oligarquia que está à frente intervenção urbanística na área central, já se do executivo municipal, há décadas, fez a op- delineia a presença de futuros investimentos ção pela realização de vultosos investimentos imobiliários verticalizados por conta de novos para a construção de alguns equipamentos pa- edifícios residenciais já realizados ou em cons- ra receber grandes eventos. Numa sociedade trução. Esse adensamento pode ser associado na qual a cultura adquire valor de mercado, tal ao aumento do preço da terra no mercado imo- processo tem rebatimento na reorganização do biliário, o que leva à intensificação do uso do espaço urbano (Bezerra, 2007). solo urbano, à progressiva homogeneização de 460 Book CM24_final.indb 460 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:31 Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos sua população e à segregação residencial. Com modificações nos padrões de urbanização e de isso, abre-se o caminho para processos espe- estruturação da cidade. culativos nesse setor, que poderão significar o Apesar do quadro de desigualdades iden- retardamento da implantação de investimentos tificado a partir das condições de moradia, a públicos em infraestrutura e equipamentos so- recente elaboração do Plano Diretor Municipal, ciais nos bairros periféricos populares, amplian- elaborado em 2006, segundo os princípios pro- do-se, assim, a profundidade do fosso entre os postos pela Lei Federal 10.257/2001 – Estatuto diferentes grupos sociais presentes na cidade. da Cidade – leva-nos a perceber um cenário em que as desigualdades até aqui identificadas tendem a remanescer. A partir da análise À guisa de conclusão desse Plano, constata-se que o mesmo pretende a utilização de quase todos os instrumentos disponibilizados pelo Estatuto supracitado, Considerando as análises realizadas para os di- seja para regularização fundiária, seja para ferentes temas da pesquisa, é possível reconhe- combate da especulação imobiliária ou mes- cer um conjunto de aspectos, os quais podem mo para a promoção da gestão democrática e ser mencionados como singularidades, desse participativa. peculiar espaço urbano não metropolitano Por um lado, aponta para a criação de organizado por Mossoró. A expansão da pro- Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) nas dução e do consumo de produtos modernos e franjas periurbanas de Mossoró, ao norte e sofisticados, inerente ao período histórico atual ao sul, próximas às áreas em que predomina evidencia mudanças no espaço urbano de Mos- a exclusão social. Por outro, destaca a criação soró, assim como seu reforço enquanto cidade de zonas especiais de adensamento, reunindo que polariza um mercado regional. os bairros próximos ao centro, induzindo in- Parece-nos, então, que, em termos de vestimentos imobiliários que reforçam as boas funções regionais, Mossoró exerce alguns pa- localizações da cidade. Além disso, ao definir péis regionais clássicos de cidade média para uma superfície de 2.000 metros quadrados atividades como ensino superior, saúde, comér- como limite mínimo de vazio que não esteja cios e serviços especializados. Da mesma forma, cumprindo com a função social da proprieda- desempenha um papel importante no ofereci- de, restringindo-se à mesma zona especial de mento de parte das demandas das principais adensamento, favorece os processos de espe- atividades produtivas que se dão na sua área culação imobiliária presentes na direção oeste, de influência, compondo um conjunto urbano onde se configuram a nova centralidade e os e econômico maior. Vale destacar que esses novos investimentos. papéis regionais se combinam com interesses Com isso, investidores privados do setor e comandos advindos de outras escalas. Tudo imobiliário tendem a se voltar para um mesmo isso tem resultado, entre outros impactos, em setor da cidade, atendendo a uma demanda mudanças na estrutura fundiária, transforma- específica das classes de maior poder aquisiti- ções nas relações de trabalho e, especialmente, vo. Assim, consolida-se um eixo de segregação Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 461 461 09/11/2010 13:05:31 Renato Pequeno e Denise Elias residencial, promovendo-se cada vez mais a à especulação imobiliária, disponibilizados nes- sua diferenciação social em relação às demais sa lei e adotados no Plano Diretor municipal vi- áreas e bairros. gente, têm sua eficácia comprometida, em fun- Analisado segundo a presença de no- ção de sua utilização restrita ao centro e aos vos instrumentos de gestão do solo urbano e bairros limítrofes onde os vazios são de peque- considerando a realidade sócio-habitacional no porte e em reduzida quantidade. Vale apon- diagnosticada através de trabalhos de campo, tar que o limite mínimo considerado para que observa-se que as áreas consideradas como um vazio urbano não esteja cumprindo com a ZEIS inclusas no plano diretor se situam, majo- função social da propriedade é da ordem de 2 ritariamente, nas franjas periféricas da cidade, mil metros quadrados. Entretanto, observa-se ao norte, a noroeste, a sudoeste e ao sul, onde que os fragmentos desse porte, que remanes- o quadro de exclusão social é a regra. Por outro cem sem ocupação, são em número bastante lado, os instrumentos voltados para o combate reduzido (Figura 13). Figura 13 – Mossoró: instrumentos de combate à especulação imobiliária – 2006 Fonte: Prefeitura Municipal de Mossoró, 2006. 462 Book CM24_final.indb 462 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:31 Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos Além disso, nas áreas onde a especula- demais áreas e bairros. Configura-se, assim, a ção imobiliária se mostra mais forte, como nas partir do que a nova política urbana estabelece, áreas de expansão a oeste e a noroeste, além a reprodução de velhos processos com novas da BR 304, não se encontra previsto o uso do roupagens: a consolidação de uma cidade di- parcelamento, edificação e utilização compul- vidida entre a cidade do mercado imobiliário sória, instrumento que antecede a aplicação do e a cidade informal; a disponibilidade de gran- imposto predial e territorial urbano progressi- des vazios periféricos como alvo para novos vo. Ressaltamos a presença de grandes glebas programas habitacionais, pautados em velhos vazias em notável processo de especulação, co- modelos. mo a Fazenda São João, as quais passaram a Há o interesse de que a pesquisa que abrigar os novos empreendimentos imobiliários estamos realizando ofereça elementos con- residenciais e do terciário. sistentes à análise desse espaço urbano não Ainda que se possam identificar enormes metropolitano, verificando em que medida ele espaços vazios na cidade, por conta de seu estabelece identidades com outras cidades de processo desordenado de crescimento, o Plano mesmo porte, com as mesmas ou distintas fun- Diretor delimita como Zona Especial de Aden- ções, já que o movimento de expansão do capi- samento o conjunto de bairros adjacentes ao talismo tende a promover homogeneidades. Por centro (direções norte e sul) e outros, que de outro lado, sabemos que uma mesma variável modo contínuo se orientam para o oeste, indo tem diferentes impactos conforme o lugar na até a BR 304, onde a ocupação tem sido mais qual se apresenta, para tanto dependendo do intensivamente produzida. jogo de relações entre os mais diferentes pares Essa mesma Zona de Adensamento coin- dialéticos (Santos, 1988) possíveis para análi- cide com a utilização de outros instrumentos se do espaço e da sociedade. Essa constatação de combate à especulação imobiliária, dentre estimula o estudo e a análise do papel de dife- os quais o parcelamento, a edificação e a uti- rentes atores que alteram de forma diversa os lização compulsória, antecedendo a adoção do processos de estruturação urbana e regional. IPTU progressivo no tempo, o qual apresenta Dessa forma, nossa pesquisa reflete, de percentual de crescimento nas alíquotas bas- um lado, um caminho que vem sendo trilhado tante reduzido. Assim, o Plano Diretor deverá e, ao mesmo tempo, mostra que há muito tra- consolidar essa área como aquela favorável a balho a ser feito para que possamos, de fato, novos investimentos do setor imobiliário. conhecer melhor as mudanças que vêm se pro- Com isso, investidores privados e con- cessando nos papéis desempenhados pelos es- sumidores de moradia produzida pelo setor paços urbanos não metropolitanos no Brasil, à imobiliário tendem a voltar os olhos para um medida que se amplia o movimento de ocupa- mesmo setor da cidade, promovendo, cada vez ção do território brasileiro e o integra de forma mais a sua diferenciação social em relação às mais articulada à economia globalizada. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 463 463 09/11/2010 13:05:31 Renato Pequeno e Denise Elias Renato Pequeno Arquiteto e Urbanista. Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil. [email protected] Denise Elias Geógrafa. Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil. [email protected] Notas (1) O presente texto é composto de fragmentos de dois relatórios de pesquisa, respec vamente Elias e Pequeno, 2008 e 2009. Uma versão preliminar desse trabalho foi apresentada durante o XI Simpósio Nacional de Geografia Urbana - 20 anos de reflexões sobre o urbano e a cidade - Transformações e Tendências, ocorrido em Brasília, em 2009. (2) In tulada Cidades médias brasileiras: agentes econômicos, reestruturação urbana e regional, coordenada pelas professoras Maria Encarnação Sposito, da Unesp, campus Presidente Prudente, e Denise Elias, da UECE, com o apoio do CNPq Edital 07/2006. Como objeto de estudo, a pesquisa teve um conjunto de oito cidades representa vas da realidade brasileira: Mossoró (RN), Campina Grande (PB), Itajaí (SC), Londrina (PR), São José do Rio Preto (SP), Marília (SP), Passo Fundo (RS) e Uberlândia (MG). Para informações sobre a pesquisa pode ser visto Sposito et al. (2007). (3) A pesquisa teve quatro temas principais como pilares, notadamente a difusão do agronegócio; a descentralização da produção industrial; a difusão do comércio e dos serviços especializados; e o aprofundamento das desigualdades socioespaciais. (4) Estudos do IBGE para definição das regiões de influência de cidades apontam, desde 1993, que municípios do oeste paraibano, do litoral leste e do baixo Jaguaribe no Ceará encontram-se sob influência de Mossoró. (5) Dados coletados junto aos arquivos dos periódicos locais: Gazeta do Oeste e O Mossoroense, pesquisados entre o segundo semestre de 2007 e o primeiro semestre de 2009. Referências BEZERRA, A. C. A. (2007). “Cidade, festa e iden dade em tempo de espetáculo”. In: BEZERRA, A. C. A.; GONÇALVES, C. U.; NASCIMENTO, F. R. do e ARRAIS, T. A. (orgs.). I nerários geográficos. Niterói, EdUFF, pp. 171-189. CARDOSO, A. (2002). Polí ca habitacional: a descentralização perversa. Cadernos IPPUR. Rio de Janeiro, IPPUR/DP&A, ano XV, n. 1, jan-jul. 464 Book CM24_final.indb 464 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:31 Tendências da urbanização e os espaços urbanos não metropolitanos CORRÊA, R. L. (2003). O Espaço Urbano. 4 ed. São Paulo, Á ca. ELIAS, D. (2003). Globalização e agricultura. São Paulo, Edusp. ______ (2006). “Redes agroindustriais e produção do espaço urbano no Brasil agrícola”. In: ELIAS, D.; SILVA, J. B. da e LIMA, L. C. (orgs.). Panorama da Geografia Brasileira: problemá cas contemporâneas. São Paulo, Annablume/Anpege. ______ (2007). “Agricultura e produção dos espaços urbanos não metropolitanos: notas teórico-metodológicas”. In: SPOSITO, M. E. (org.). Cidades médias: espaços em transição. São Paulo, Expressão Popular. ELIAS, D. e PEQUENO, R. (orgs.) (2006). Difusão do agronegócio e novas dinâmicas socioespaciais. Fortaleza, BNB. ______ (2007). Desigualdades socioespaciais nas cidades do agronegócio. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 9, n. 1. ______ (2008). Cidades médias brasileiras: agentes econômicos, reestruturação urbana e regional. A Cidade de Mossoró (RN). Relatório Parcial de Pesquisa. Presidente Prudente, CNPq, setembro. ______ (2009). Cidades médias brasileiras: agentes econômicos, reestruturação urbana e regional. Mossoró (RN). Anais do Workshop da Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias (ReCiMe). Argen na (Tandil), UNCPBA, maio. FELIPE, J. L. A. (2001). A (Re)Invenção do Lugar. Os Rosados e o “país de Mossoró”. João Pessoa, Grafset. PINHEIRO, K. L. C .B. (2006). O processo de urbanização da cidade de Mossoró: dos processos históricos à estrutura urbana atual. Dissertação de Mestrado. Natal, UFRN. SANTOS, Milton (1986). “Os circuitos espaciais da produção”. In: SANTOS, M. e SOUZA, M. A. A. de (orgs.). A construção do espaço. São Paulo, Nobel. ______ (1988). Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo, Hucitec. ______ (1993). A urbanização brasileira. São Paulo, Hucitec. ______ (1996). A natureza do espaço. São Paulo, Hucitec. SPOSITO, M. E.; ELIAS, D.; SOARES, B. R.; MAIA, D. M. e GOMES, E. T. A. (2007). “O estudo das cidades médias brasileiras: uma proposta metodológica”. In: SPOSITO, M. E. Cidades médias: espaços em transição. São Paulo, Expressão Popular. VILLAÇA, F. (1998). Espaço Intra-urbano no Brasil. São Paulo, Studio Nobel. Texto recebido em 13/fev/2010 Texto aprovado em 2/jun/2010 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 441-465, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 465 465 09/11/2010 13:05:31 Book CM24_final.indb 466 09/11/2010 13:05:32 Dinâmicas territoriais recentes: rupturas ou manutenção de tendências?* Recent territorial dynamics: ruptures or trends’ maintenance? Rosa Moura Resumo Teorias recentes sobre desconcentração, deslocalização, positividade do efeito-proximidade, ruptura das relações centro-periferia, entre outras, vêm influenciando a pesquisa e a produção acadêmica no Brasil. Estariam elas correspondendo às dinâmicas territoriais contemporâneas em curso em território nacional? Este artigo faz uma reflexão sobre esse questionamento. Toma como referência os resultados de pesquisa que identifica arranjos espaciais peculiares às dinâmicas territoriais brasileiras, movidas pela concentração e periferização, e suportadas por infraestruturas ainda carentes das novas tecnologias de comunicação. Abstract Contemporary theories on deconcentration, relocation, positivity of proximity effect, breakingoff centre-periphery relations, among other themes, have been influencing research and academic production in Brazil. Would they be matching the ongoing contemporary territorial dynamics on national territory? This article aims to discuss this question. It takes as reference the results of a research that identifies singular spatial arrangements in Brazilian territorial dynamics, led by the concentration and peripherization processes and supported by poor infrastructures which still lack new communication technologies implementation. Palavras-chave: arranjos urbano-regionais; dinâmicas territoriais; concentração; proximidade; periferização. Keywords: urban-regional arrangements; territorial dynamics; concentration; proximity; peripherization. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 467-489, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 467 09/11/2010 13:05:32 Rosa Moura Aderência entre aporte teórico e realidade releitura de algumas concepções da literatura consagrada, e refletir sobre sua pertinência no cenário de mudanças contemporâneas. Para tanto, vale-se de estudo sobre as dinâmicas ter- Algumas hipóteses definidas a partir da literatura especializada, particularmente a internacional, que exploram processos espaciais, peculiaridades morfológicas e transformações nas relações intraurbanas resultantes de avanços nas tecnologias de comunicação e informação e na reestruturação produtiva apontam que se engendram espaços “pós-urbanos”, com a “deslocalização” da cidade pelos efeitos dessas tecnologias – muitas das quais indisponíveis nos países periféricos. Entre outras, destaca-se ainda a hipótese de que a proximidade valoriza as articulações entre lugares e sujeitos, pelas possibilidades de trocas, criação, inovação, e por potencializarem recursos que levam à inserção do território nos circuitos mais modernos da divisão social do trabalho. Tamanha positividade se restringe ao próprio reconhecimento, por muitos autores, de que os efeitos positivos da proximidade não al- ritoriais afetas à metropolização no Brasil, que revela a configuração de espacialidades ainda mais concentradoras e desiguais – os arranjos urbano-regionais – que as que caracterizaram as fases precedentes da urbanização brasileira. A abordagem inicia com uma síntese das características, da natureza e do conteúdo dos arranjos urbano-regionais, introduzida pela breve descrição da metodologia adotada para a identificação dos arranjos no conjunto dos mais de 5 mil municípios brasileiros. A síntese realizada serve de referencial para a sequência do artigo, que comenta algumas transposições do debate teórico ao universo dos arranjos identificados. As conclusões sinalizam que há uma tendência quase natural de incorporar, ajustar o uso e paradigmatizar conceitos e perspectivas teóricas, sem se aperceber e absorver nas pesquisas as particularidades e singularidades dos processos que peculiarizam cada geografia. cançam a totalidade do território e dos sujeitos atuantes, reforçando a fragmentação, a desigualdade e a exclusão. Tais hipóteses, de certa forma impregnadas na literatura nacional, tornaram-se objeto Arranjos urbano-regionais: uma categoria concentradora de alguns estudos que, mais que buscar a aderência à realidade brasileira, tentam confirmar Densidade e extensão seus pressupostos e os conceitos a elas subjacentes por meio de estratagemas teóricos que O estudo realizado sobre as dinâmicas territo- quase sempre acabam por mistificar a essência riais que caracterizam a fase contemporânea dos processos e dinâmicas territoriais, bem co- da metropolização no Brasil identificou recor- mo de seus resultados efetivos. tes espaciais morfologicamente aglutinadores O objetivo deste artigo é colocar em dis- de aglomerações e centros, concentradores de cussão a pertinência das hipóteses recorrentes população, com elevada densidade urbana, re- à realidade brasileira, fundamentando-se na levância econômico-social e da infraestrutura 468 Book CM24_final.indb 468 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 467-489, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:32 Dinâmicas territoriais recentes científico-tecnológica, os quais denominou identificar e descrever padrões de associação, arranjos urbano-regionais (Moura, 2009). Tais principalmente de agrupamentos de áreas com arranjos possuem forte articulação regional e valores semelhantes (aglomerados espaciais ou extrema complexidade, devido à multiplicidade clusters), com base no Índice de Moran Local de fluxos multidirecionais de pessoas, mercado- (Estatística LISA – Local Indicators of Spatial rias, conhecimento e de relações de poder que Association), conforme Anselin (1995). Foram perpassam seu interior, por realizarem ativida- empregados indicadores mais atualizados que des intensivas em conhecimento e tecnologia, os considerados nos estudos precedentes – tendo como segmentos estruturadores os mais dois expressando concentração (tamanho po- modernos da indústria de transformação ou pulacional, com base na Contagem da Popula- funções terciárias superiores. Caracterizam-se, ção 2007 e estimativas populacionais para os fundamentalmente, pela multiplicidade esca- municípios com população superior ao limite lar, que é elemento ao mesmo tempo poten- para a Contagem, e tamanho da economia, ou cial e complexo para o desempenho de ações PIB total município, de 2005) e dois expressan- articuladas, práticas de cooperação e união na do movimento (intensidade dos deslocamentos busca do desenvolvimento e da realização de pendulares ou fluxos de pessoas para trabalho funções públicas de interesse comum. e/ou estudo em município que não o de resi- A identificação dos arranjos baseou-se dência, em 2000, e participação do número de numa sequência de procedimentos que incluiu, pessoas que saem do município para trabalho como primeiro passo, o resgate de classifica- e/ou estudo sobre o total de pessoas do muni- ções precedentes, construídas com outras fina- cípio que trabalham e/ou estudam) – e contem- lidades, mas com resultados comparáveis, ten- plou todos os municípios do Brasil criados até o do sido mapeados todos os municípios aponta- Censo Demográfico de 2000. A espacialização dos como integrantes de aglomeração urbana, dos resultados revela áreas de concentração segundo o IPEA (2002), de áreas de concen- mais densas, prolongadas por áreas menos tração de população, conforme IBGE (2008), e densas que se estendem em descontinuidade, os inseridos em algum tipo de unidade insti- configurando grandes manchas que se indivi- tucionalizada (região metropolitana – RM, re- dualizam no conjunto do território. Essas man- gião integrada de desenvolvimento – RIDE, ou chas formam desenhos mais complexos que os aglomeração urbana – AU), destacando nela os de aglomerações singulares, pois aglutinam municípios classificados nos níveis de integra- desde grandes aglomerações urbanas a peque- ção entre médio a muito alto, segundo Ribeiro nos aglomerados e centros isolados em proxi- (2009). O mapa produzido revelou as áreas nas midade, assim como suas áreas rurais. Entre as quais se manifesta o fenômeno da aglomera- porções mais concentradoras de população, PIB ção urbana (Figura 1). e com maior densidade de fluxos pendulares de Seguidamente, procedeu-se à combi- população para trabalho e/ou estudo, classifi- nação da análise fatorial com métodos da es- cadas pela análise de autocorrelação espacial tatística de autocorrelação espacial, utilizan- em HH (high/high), HL (high/low) e LH (low/ do a localização geográfica dos dados para high), as espacializações mais aglutinadoras Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 467-489, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 469 469 09/11/2010 13:05:32 Rosa Moura de unidades espacialmente autocorrelaciona- e o AUR do Leste Catarinense avança pelo eixo das (ou aglomerações) foram destacadas co- da BR 101, aproximando as aglomerações ur- mo possíveis arranjos urbano-regionais: São banas de Joinville, Itajaí, Blumenau e Florianó- Paulo, Rio de Janeiro, Brasília/Goiânia, Porto polis. As aglomerações de Fortaleza e Manaus Alegre, Curitiba/Leste Catarinense, Belo Hori- demonstram importância urbano-regional, zonte, Salvador e Recife/João Pessoa (Figura porém não descrevem espacialidades morfo- 2). Observou-se que há forte aproximação dos logicamente aglutinadoras e ampliadas que as resultados da análise de autocorrelação espa- classifiquem entre os arranjos mais complexos. cial ao conjunto de municípios apontados nas Observou-se que há forte aproximação dos re- classificações precedentes (ver Figuras 1 e 2). sultados da análise de autocorrelação espacial O AUR de São Paulo é fortemente aglutinador de outros grandes e pequenos arranjos ao conjunto de municípios apontados nas classificações precedentes (ver Figuras 1 e 2). vizinhos do próprio estado, do sul de Minas Ge- Identificados os arranjos, procedeu-se à rais e da aglomeração de Volta Redonda/Barra análise de sua natureza, a partir de compara- Mansa, no estado do Rio de Janeiro, estabele- ções com os padrões descritos pelos movimen- cendo com eles articulação produtiva. Abrange, tos pendulares da população, com base em em seu núcleo contínuo, as aglomerações urba- tipologia desenvolvida especificamente para nas de São Paulo, Santos, Campinas, Sorocaba e a pesquisa, e pelos estudos sobre a escala da São José dos Campos. O AUR do Rio de Janeiro rede urbana e regiões de influência das cidades extrapola a divisa estadual e se estende em di- (IBGE, 2008), escala da polarização econômica reção a Juiz de Fora, em Minas Gerais, além de e tecnológica, particularizada para grandes es- estabelecer relações com o AUR de São Paulo, paços urbanos – GEUBs (Ruiz e Pereira, 2008), pela articulação da aglomeração industrial de presença aglomerações e atividades industriais Volta Redonda. O AUR de Belo Horizonte arti- inovadoras (Lemos et al., 2005), e de atividades cula municípios do entorno metropolitano e do industriais com perfil de exportação (Moro et Vale do Aço; o de Brasília/Goiânia incorpora al., 2006). Observou-se, em todos os arranjos, Anápolis em relações que perpassam unidades a prevalência de elevada participação do con- da federação; o de Salvador extrapola os limi- junto da unidade no total da população e do tes do aglomerado metropolitano, em direção a produto interno bruto dos respectivos esta- Feira de Santana; o de Recife adentra o estado dos e regiões, assim como os maiores e mais da Paraíba, incorporando João Pessoa, e orien- intrincados fluxos de população para traba- ta-se a outras centralidades do litoral a norte e lho e/ou estudo em município que não o de a sul. No sul do Brasil, o AUR de Porto Alegre se residência. Observou-se também que esses articula à aglomeração urbana de Caxias do Sul arranjos se estruturam a partir das principais e a pequenas aglomerações do entorno, como centralidades da rede urbana do Brasil e que Santa Cruz do Sul, Lajeado/Estrela, Gramado/ suas regiões de influência funcional, econômi- Canela; o de Curitiba articula-se à aglomera- ca e técnico-científica ultrapassam os limites ção de Ponta Grossa e à ocupação contínua do dos estados/regiões onde se inserem. As prin- litoral paranaense, centralizada por Paranaguá; cipais aglomerações industriais brasileiras e 470 Book CM24_final.indb 470 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 467-489, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:32 Dinâmicas territoriais recentes aglomerações industriais de exportação situam- o fenômeno da concentração expandida. Os se nesses arranjos, o que aponta para uma for- elementos observados confirmaram a natureza te associação entre a atividade da indústria e urbano-regional dos arranjos identificados. Figura 1 – Aglomerações urbanas identificadas em classificações precedentes - Brasil Número de identificações do município Em 5 classificações Em 4 classificações Em 3 classificações Em 2 classificações Em 1 classificação Fonte: IPEA (2002), Castello Branco (2003), Observatório das Metrópoles (2005), IBGE (2008) e legislações pertinentes. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 467-489, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 471 471 09/11/2010 13:05:32 Rosa Moura Figura 2 – Arranjos urbano-regionais – Brasil Classes de municípios H-H H-L L-H L-L NS Fonte: elaboração da autora. 472 Book CM24_final.indb 472 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 467-489, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:32 Dinâmicas territoriais recentes Conectividade e polarização Além da densidade física, o grau de polarização e a região de influência econômica dos arranjos se reforçam a partir de sistemas urba- A abrangência da polarização das centralida- no-regionais internamente diferenciados e com des posicionadas nas classes superiores da fortes conexões inter-regionais por intensos hierarquia da rede urbana brasileira, majorita- fluxos de mercadorias e de pessoas. Os nove riamente estruturadoras dos arranjos urbano- arranjos identificados têm como centralidades -regionais, assim como o desenho espacial principais os GEUBs1 que possuem as maiores dos arranjos condicionam-se à presença de escalas de polarização da população e do PIB, um sistema de circulação de melhor qualida- em relação aos demais GEUBs (Ruiz e Perei- de, expresso na malha viária principal dos res- ra, 2008). Também a capacidade tecnológica,2 pectivos estados. Internamente aos arranjos que reflete uma força polarizadora superior à urbano-regionais, a integração de um maior ou expressa na geração e apropriação de renda, menor número de municípios e aglomerações se concentra nos arranjos urbano-regionais. O ou centralidades vizinhas também se associa à Índice de Capacidade Tecnológica (ICT) mos- existência desse sistema e de suas ramificações tra que, em geral, os GEUBs pertencentes aos locais. Tal sistema viabiliza conexões e permite arranjos urbano-regionais são centros tecnoló- a aceleração de fluxos internos aos arranjos, gicos e alguns incluem nessa condição municí- dando suporte a uma relativa dispersão de ati- pios de sua área de influência, denotando uma vidades e à expansão horizontal da área ocupa- significativa dispersão espacial da capacidade da, que alcança distâncias cada vez maiores. A tecnológica na polarização. descontinuidade física do espaço construído é As áreas que configuram arranjos urba- superada pela intensidade dos fluxos favoreci- no-regionais também guardam relação com dos por esse sistema, como confirma o elevado a presença de aglomerações industriais que movimento pendular da população para traba- reforçam as relações internacionais e a inser- lho e/ou estudo e sua multidirecionalidade in- ção do arranjo na divisão social do trabalho. terna aos arranjos. É o que torna evidente o estudo de Lemos et Contribui para o adensamento ao longo al. (2005) ao explicar a existência de indústrias do eixo viário principal e suas ramificações o favorecendo-se dos efeitos de transbordamen- interesse das empresas em garantir elevada tos e encadeamentos potencializados a partir acessibilidade à infraestrutura e aos serviços, dos fluxos entre localidades geograficamente assim como a facilidade do contato com próximas.3 A análise, que identificou 15 aglo- abastecedores e clientes. Isso explica a merações industriais relevantes (AIEs) que localização de novas atividades ao longo desses agrupam 254 dos 5.507 municípios brasileiros corredores viários, "formando verdaderas redes considerados e concentram 75% do produ- de núcleos interrelacionados y especializados en to industrial do conjunto das firmas do país, actividades diversas que contribuyen, a su vez, concluiu que mais de 90% do produto dessas a que se produzca una difusión por contigüidad aglomerações provêm de firmas que inovam de las mismas” (Caravaca Barroso, 1998, p. 13). e diferenciam e de firmas especializadas em Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 467-489, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 473 473 09/11/2010 13:05:32 Rosa Moura produtos padronizados, e que a interação en- e diversidade produtiva" (ibid., p. 116). Elegem, tre essas firmas, por meio da proximidade geo- portanto, os arranjos urbano-regionais como gráfica, é um fator possivelmente relevante de localização privilegiada, ao mesmo tempo em dinamismo do conjunto da aglomeração. Esse que reforçam o padrão concentrador e a escala dinamismo pode beneficiar inclusive firmas, aí de polarização desses arranjos. localizadas, com menor produtividade e que não diferenciam produtos. A distribuição espacial das AIEs é for- Relevância e disparidade temente concentrada no território brasileiro, particularmente em corredores industriais bem Os resultados desse conjunto de trabalhos, delimitados nas regiões Sul e Sudeste. Com- tendo em vista os arranjos urbano-regionais parativamente aos arranjos urbano-regionais identificados, sugerem que a indústria ainda é identificados, exceto o de Brasília/Goiânia, to- o elemento constitutivo determinante. Porém, dos incorporam as mais importantes das AIEs o arranjo pode prescindir da presença da in- identificadas. dústria para realizar fluxos em alta densidade, A mesma metodologia, aplicada para expandir-se geograficamente e assumir fun- estimativas do grau de correlação espacial en- ções de natureza urbano-regional, como con- tre municípios com base em firmas industriais firma o arranjo urbano-regional de Brasília/ com potencial exportador, aponta um conjunto Goiânia. Sugerem também que nem sempre bastante similar de aglomerações industriais a presença da indústria altera a natureza das exportadoras (AIEX) (Moro et al., 2006). Den- relações de um polo ou cria nexos indutores da tre elas se distinguem as aglomerações de São expansão física e articulação com outros cen- Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Volta Re- tros e aglomerados, seja por decorrer de uma donda, Salvador, Porto Alegre/Caxias do Sul, produção especializada, seja por incidir sobre Joinville e Curitiba, totalizando 213 municípios uma localização geográfica na qual não ocor- que concentram 61,8% do VTI e 53,5% das ex- rem centros ou aglomerações importantes nas portações. A discussão posta nesta análise evi- proximidades – casos de Manaus e Fortaleza, dencia possíveis transbordamentos espaciais com morfologias singulares de aglomeração entre municípios contíguos, ou seja, a existên- urbana. cia de um efeito multiplicador do potencial exportador num espaço contínuo. Deixam claro que há regiões “ganhadoras”, como apontam Benko e Lipietz (1994) e Tais aglomerações expressam a conti- evidenciam que o contrário também é verda- guidade geográfica como força centrípeta da deiro, pois seguem existindo regiões à margem atividade exportadora das firmas industriais, do processo mais dinâmico expresso no terri- exatamente daquelas com “elevados requisitos tório. Regiões essas que sustentam a consoli- locacionais, especialmente os relacionados às dação e a expansão das regiões ganhadoras. atividades intensivas em informação e conheci- Evidenciam ainda que no interior dos próprios mento, que requerem escalas urbanas elevadas arranjos ganhadores há porções e segmentos 474 Book CM24_final.indb 474 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 467-489, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:32 Dinâmicas territoriais recentes menos ou mais incluídos em sua dinâmica. Tal desigualdade encontra ressonância no que Morfologias concentradoras e desiguais observa Caravaca Barroso (1998, p. 14) quanto a que “no todo son ventajas en los espacios A hipótese que orientou a pesquisa sobre os considerados privilegiados en el nuevo modelo arranjos urbano-regionais foi de que proces- territorial por su capacidad para competir en la sos concentradores vêm induzindo dinâmicas economía-mundo”. territoriais que resultam em arranjos espaciais Verifica-se, assim, a complexidade da organização produtiva nacional, com enorme aglomerados, cada vez mais expandidos, descontínuos, porém articulados e desiguais. concentração do progresso técnico, o que gera Concentração, conhecimento, mobilida- uma modernização econômica altamente dife- de e conectividade, que agem como elementos renciadora no âmbito das estruturas produtivas essenciais no processo de metropolização, são regionais, cria um mosaico variado em termos inerentes à dinâmica produtiva em sua dimen- de produção e produtividade, amplia a desi- são urbano-regional, estando relacionados aos gualdade entre setores produtivos e regiões, estágios mais avançados da inserção do territó- e reforça a heterogeneidade estrutural. Em tal rio na divisão social do trabalho. Dialeticamen- organização, os arranjos urbano-regionais se te, operam como condicionantes e resultantes colocam como as mais propícias localizações à dessa inserção, acionando as mais diversas reprodução do capital, podendo ser considera- escalas, ou seja, emanam da escala urbana, al- dos espaços ganhadores por excelência. cançam uma perspectiva regional e se inserem Observa-se, então, que o modelo de de- na escala nacional, constantemente se relacio- senvolvimento mantém seu viés polarizador, nando com a escala global. Tais elementos be- mesmo que se percebam alguns movimentos neficiam-se da proximidade, mas, mesmo que difusores, e que a acumulação segue pro- desenvolvam um conjunto de atividades arti- vocando a desigualdade, a concentração do culadas, complementares e dependentes, não crescimento nas grandes aglomerações urba- configuram arranjos espaciais homogêneos, nas e acentuando as disparidades intra e inter- que unam funcionalmente todo o conjunto (de regionais, articulando e incluindo os territórios municípios, atividades ou pessoas) na mesma funcionais e rentáveis, e excluindo os ineficien- dinâmica produtiva ou que revertam com equi- tes ou pouco competitivos. O que diferencia dade as riquezas da produção. essa fase de fases anteriores é o caráter ainda A pesquisa desenvolvida confirmou a hi- mais seletivo do modelo de acumulação. Por pótese de que a concentração, em uma confi- se basear na existência de redes, torna-se ao guração espacial cada vez mais extensa e com- mesmo tempo mais interdependente e mais plexa, dá a tônica às dinâmicas territoriais no fragmentado. Nesse contexto, os arranjos ur- Brasil. Essa confirmação encontrou eco na lite- bano-regionais ampliam suas contradições e a ratura especializada nacional, embora tenha se desigualdade interna entre suas partes. deparado com autores que equivocadamente Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 467-489, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 475 475 09/11/2010 13:05:32 Rosa Moura forçam transposições simplificadas de teorias e cuja mudança se dá mais pela transformação hipóteses internacionais. Refutou, para o caso dos principais centros em aglomerações dos arranjos urbano-regionais analisados, as urbanas que pela agregação de novas centra- tendências de deslocalização, homogeneização lidades (Ipardes, 2000; IPEA, 2002). dos efeitos da proximidade e ruptura das rela- Apesar do processo de reestruturação, ções centro-periferia anunciadas pela literatura particularmente da atividade industrial, consta- internacional. A discussão sobre essas hipóte- ta-se que a própria indústria continua requeren- ses, introduzidas por questões, é aprofundada do a concentração. Lencioni (2003a e b) mostra na continuidade deste artigo. que a cisão territorial entre produção e gestão redesenha as proximidades e as distâncias de um território e instaura uma lógica descontínua Hipóteses recorrentes: aderência e desajustes que constitui a nova lógica da localização industrial. Como as condições de produção não estão disponíveis em toda a parte, mesmo a dispersão territorial da indústria encontra seus Desterritorialização ou reconcentração da atividade econômica? limites territoriais. Portanto, a ideia de desterritorialização da indústria, expressando extrema liberdade de localização do capital industrial, No quadro de reestruturação produtiva, parti- também deve ser colocada em seus devidos cularmente pela desconcentração da atividade termos, recomenda a autora. econômica a partir do polo dinâmico do Sudes- De certa forma, esses limites dimensio- te brasileiro, as aglomerações, ou suas partes nam os arranjos urbano-regionais. Cabe res- dinâmicas, beneficiam-se da reprodução dos saltar, porém, que as relações de proximidade processos de desconcentração do polo nacional alcançam espaços cada vez mais extensos mais dinâmico e de reconcentração em novas ao longo dos caminhos que tentacularmente (ou nem tão novas) áreas (Cano, 1995; Diniz, fazem expandir as aglomerações, e por con- 1993 e 1999; Diniz e Crocco, 1996; Pacheco, seguinte os arranjos que se consubstanciam 1998). Grande parte dos arranjos urbano-regio- graças à intensa mobilidade de fluxos de pes- nais identificados no Brasil encontra-se na rota soas e mercadorias, mesmo que sob condições desse processo desconcentrador; beneficiam-se precárias. dele, firmam-se como os principais centros na Num panorama de manutenção das lógi- rede urbana brasileira e se consolidam como cas que acionam as dinâmicas em curso, sus- pontos (re)concentradores. tentadas por estratégias de desenvolvimento As alterações recentes da rede urbana, regional fragilizadas ou pactuadas sob condu- provocadas pela materialização espacial do ção majoritariamente corporativa na produção processo de reestruturação produtiva e reorga- do espaço, e do modelo de produção e de apro- nização internacional do capital nos anos 1990, priação da riqueza gerada, pode-se vislumbrar sintetizam esse perfil concentrador, posto que que são ínfimas (ou inexistentes) as possibili- se definem pela permanência de uma estrutura dades de reversão do processo concentrador. 476 Book CM24_final.indb 476 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 467-489, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:32 Dinâmicas territoriais recentes Mesmo em um cenário de reestruturação para o reordenamento do território, voltados produtiva e reorganização espacial do capital, a um Brasil policêntrico, visando reverter a as centralidades concentradoras que se emer- tendência concentradora da rede urbana. Seria gem em território nacional – como produtos ou esse então um caminho? possibilidades a esse processo – reproduzem o mesmo perfil, acentuando os traços atuais dos arranjos expandidos multidirecionalmente, tornando-os ainda mais concentradores e desiguais. Esse é o lado perverso da concentração: os indicadores de ótimo desempenho econômico, social e institucional não refletem processos capazes de impulsionar a inserção de todos os municípios que se agregam na aglomeração, muito menos alçar a uma condição de desenvolvimento a totalidade do território. É o que se deduz dos resultados constatados nas detidas análises intrarregionais e inter-regionais do O efeito-proximidade supera disparidades? A proximidade espacial permite a articulação de estratégias de desenvolvimento entre os segmentos atuantes na produção do espaço, de modo a criar externalidades que favorecem o conhecimento e a inovação, conjugando ações materiais, como a adequação, implantação e renovação de infraestruturas, e ações imateriais, movidas pelas trocas de conhecimento e informações. Mais que isso, reforça a representatividade política e o exercício de poder. arranjo urbano-regional de Curitiba, tomado Constata-se, entretanto, que a diversidade pro- como caso, em relação a outros recortes do es- dutiva e a diversificação social se restringem tado do Paraná (Moura, 2009). às porções centrais dos arranjos espaciais con- Assim, faz-se necessária a discussão de figurados, que estabelecem relações verticais alternativas de desvio do curso dos processos, com outras aglomerações e centros da região/ com base em estratégias e políticas de desen- país/mundo, sem inserir a totalidade do conjun- volvimento, o que requer uma profunda com- to na mesma interlocução, conforme já dito. A preensão da natureza do fenômeno urbano- densidade dos fluxos de pessoas, mercadorias, -regional, de sua origem, suas características capitais e informações é intensificada entre e da multiplicidade de escalas que interagem poucos municípios, sem definir nexos que efe- em sua órbita, para que se possam trabalhar tivamente consolidem articulações horizontais perspectivas de mudanças, possibilidades de no espaço enquanto unidade, e sem romper reverter dinâmicas e resultados. Nessa dire- com a totalidade contraditória que caracteriza ção, o “Estudo da Dimensão Territorial para o tais arranjos. Planejamento” (Brasil, 2008), formulado pelo O estudo desenvolvido confirma a refle- Ministério do Planejamento, Orçamento e Ges- xão de Benko e Lipietz (1994) quanto a que tão, defende o reforço à polinucleação como a criação de externalidades envolve e decorre medida de desconcentração das áreas de maior dos municípios ou de partes de seu território densidade do país. O estudo está pautado na que já detêm um mínimo de condições técnicas, proposição de macro e mesopolos estratégicos científicas e institucionais capazes de contribuir Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 467-489, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 477 477 09/11/2010 13:05:32 Rosa Moura no processo inovativo. Esse conjunto melhor capaz de fundar, pela coordenação que dela re- dotado passa a criar recursos para a atração sulta, um processo de reforço que lhe assegura e reprodução de atividades e investimentos, e durabilidade. a proximidade física, institucional e cultural, a Na mesma linha, Torre e Rallet (2005) ar- condicionar a organização da base produtiva. gumentam que, mesmo numa economia cada A dimensão espacial dessa dinâmica de proxi- vez mais globalizada, marcada pelo crescente midades remete ao reforço e à expansão das nomadismo de firmas e mobilidade de indiví- aglomerações e a uma valorização do solo, a duos, a proximidade ainda importa. Porém, a partir de investimentos urbanos que criam um simples proximidade geográfica pode não ge- espaço ao mesmo tempo diverso e desigual, rar sinergias nem criar interações entre atores concentrador e excludente. Os municípios ou econômicos e o nível local, precisando ser ati- partes do território de alguns não dotados vada pela proximidade organizacional – caso dessas condições, e com pouca capacidade de dos clusters, distritos e meios inovativos. Mais articulação para conseguir um salto de qualida- que isso, Gilly e Lung (2005) destacam a proxi- de, permanecem à mercê de tênues relações de midade institucional, que representa a adesão vizinhança, das sobras do processo, ou comple- dos atores às regras da ação comum, explícitas tamente à sua margem. ou implícitas, a um sistema comum de repre- Assim, desconstrói-se a hipótese de que a sentações ou mesmo de valores. Essa proximi- proximidade (espacial como não espacial) é ca- dade não depende de uma adesão perene de paz de propagar homogeneamente a inserção todos os atores, mas resulta de compromissos de lugares e sujeitos na dinâmica do desenvol- cotidianos provisórios entre os atores e seus in- vimento. Percqueur e Zimmermann (2005) mos- teresses divergentes e contraditórios. tram que a relação face a face cria as condições Portanto, condições históricas e culturais para o espaço facilitar o desempenho da coor- locais e a densidade de relações técnicas e po- denação, seja pela proximidade espacial, que líticas consolidadas dão efetividade aos bene- permite o encontro, portanto o relacionamento fícios da proximidade. A inexistência ou insufi- de agentes com potencial a uma proximidade ciência dessas condições cria uma articulação institucional, seja pela transferência da relação frágil e efêmera, que pouco extrai dos efeitos de um contexto de imersão a um outro, seja dos encadeamentos e externalidades propi- ainda pela interação direta, quando a relação ciados pela proximidade. Certas abordagens, é estabelecida e, sobretudo, quando compensa desconsiderando esse elemento fundamental, uma ausência ou insuficiência de proximidade exaltam a capacidade endógena da escala lo- não essencialmente espacial (organizacional cal ou microrregional, como se estas por si só ou institucional). Para esses autores, os dispo- fossem capazes de desencadear um virtuoso sitivos de coordenação não podem depender processo de desenvolvimento. da única dimensão espacial, ou geográfica, da Brandão (2007) faz uma crítica a essas proximidade, mas de sua conjunção com as vertentes teóricas simplificadoras, centradas no outras formas não essencialmente espaciais, endogenismo. Estudos ligados a elas sugerem como as já citadas. Então, essa conjunção é que os complexos produtivos territorializados 478 Book CM24_final.indb 478 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 467-489, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:32 Dinâmicas territoriais recentes seriam capazes de gerar a cooperação e den- pode significar ter que se arcar com efeitos sificar as relações sociais a partir da aprendi- subjacentes a essa dinâmica, sem usufruir os zagem e de aquisições diferenciais acumuladas, benefícios dela resultantes – as cidades dor- dada a proximidade física e o exercício da ge- mitórios são um dos exemplos concretos dessa ração e apropriação de “sinergias coletivas”. contradição. Fazem crer na irrestrita possibilidade do voluntarismo, do empreendedorismo, em forças espontâneas, na capacidade de se coordenarem ações cooperativas e reflexões coletivas, Desmetropolização ou fabulações em torno do fenômeno metropolitano? baseadas na reciprocidade entre os integrantes da comunidade local, fortalecendo o tecido No início dos anos 1990, Santos apontava ten- socioprodutivo, mas relegando o papel do Es- dência à aceleração do fenômeno da urbani- tado e de fatores macroeconômicos. Negligen- zação no Brasil e discutia a questão da “des- ciam hierarquias inter-regionais e a realidade metropolização” – expressão muito em voga a de que o comando dos processos pode estar partir da divulgação dos resultados do Censo fora do território singular, além de relevarem Demográfico de 1991, que revelava o baixo a hegemonia e o poder político. Em síntese, crescimento das metrópoles principais. Mostra- desconsideram as determinações profundas va que, longe de representar uma reprodução do regime social de produção capitalista, “que do fenômeno da “desurbanização” encontrado necessariamente leva às últimas consequências em países do primeiro mundo, aqui o que “se a mercantilização e a penetração recorrente da está verificando é a expansão da metropoli- divisão social do trabalho em todas as possí- zação e, paralelamente, a chegada de novas veis dimensões temporais e escalas espaciais” aglomerações” cuja principal característica é (Brandão, 2007, p. 51). Escapam, portanto, a o desvanecimento da fronteira entre os muni- essas abordagens, as possibilidades de trata- cípios (Santos, 1993, p. 83). Tendência que se mento adequado das heterogeneidades estru- confirma tanto na expansão periférica quanto turais dos países subdesenvolvidos. no surgimento de inúmeras outras aglomera- Os arranjos urbano-regionais comprovam ções urbanas em território nacional, seja no en- essa argumentação. Se, por um lado, conduzi- torno das capitais de estados, seja no interior, das pelas centralidades principais, partes des- mas particularmente acercando-se das pionei- ses arranjos apresentam indicadores crescentes ras aglomerações metropolitanas. Esse proces- de positividade na expansão e diversificação so prenunciava os arranjos urbano-regionais. da atividade econômica e das funções urbanas, Na Europa, Ascher (1995) coloca em pers- por outro, porções incrustradas ou vizinhas ao pectiva histórica e confirma a tendência de que seu conjunto mantêm desempenho irrelevante a metropolização, longe de assistir a um recuo e indicadores sociais de aguda criticidade. Re- das metrópoles, e hoje a formação das metá- velam que estar próximo não é suficiente pa- poles, não aparece como fenômeno contingen- ra integrar e interagir com áreas imersas em te, mas como forma avançada de um processo dinâmicas de alta performance, pelo contrário, de urbanização que começou muito cedo na Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 467-489, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 479 479 09/11/2010 13:05:32 Rosa Moura história da humanidade e que não cessou de se liberam de sua condição patológica e reto- progredir até nossos dias. A metápole emerge mam sua importância no pulsar da economia. como uma fase nesse processo de urbanização Com as mudanças advindas da globaliza- supra-histórico, como uma forma urbana coes- ção nas escolhas locacionais do capital, o forta- truturada pelo uso das novas técnicas de comu- lecimento das metrópoles se dá como suporte nicação, de conservação e de deslocamento dos às relações internacionais, nas quais se locali- bens, pessoas e informações. Metropolização e za o comando do capital. Ao mesmo tempo, a metapolização constituem, assim, um quadro centralidade urbana reitera seu papel funda- no qual atuam forças econômicas, sociais, po- mental na estruturação do espaço nacional. líticas e culturais, influenciando sua dinâmica e Storper e Venables (2005, p. 22) salientam as evolução. Segundo o autor, tal processo descar- fortes evidências de que as inovações informa- ta a ideia da desmetropolização como o declí- cionais ou na estrutura física de transporte “não nio das grandes cidades pela perda eventual de acarretaram o fim das tendências urbanizantes população de cidades centrais, pois esse fenô- do capitalismo moderno. Ao contrário, reforçam meno não é em nada contrário à metropoliza- a localização industrial e o consequente cresci- ção, dado que exprime a recomposição funcio- mento das cidades”. Ademais, a força econô- nal e social dos espaços metropolitanos. O que mica do contato face a face, propiciado pelas perfeitamente cabe no caso brasileiro. cidades, contribui para a aglomeração espacial Também para Veltz (1996), a metropoli- da atividade econômica e das pessoas, seja pe- zação da economia se afirma como a tendência los efeitos de encadeamentos para frente e pa- principal do final do século XX, caracterizando- ra trás das firmas, incluindo acesso aos merca- -se como uma “economia de arquipélago”. dos, seja pela aglomeração dos trabalhadores Nesse arquipélago, as aglomerações principais e pelas interações localizadas promotoras da das redes urbanas nacional/regionais desem- inovação tecnológica. Em tais contatos ocorre penham papel fundamental. As aglomerações tanto o que chamam de “burburinho das cida- metropolitanas reforçam sua centralidade e se des” quanto a inserção dos segmentos sociais, apoiam no conjunto de outras aglomerações instituições, empreendedores e trabalhadores urbanas, que também se consolidam e permi- e seus interesses no âmbito das decisões que tem fluir as relações, expressando um movi- regem a alocação espacial de atividades e pes- mento de recentralização do poder e recon- soas, como mostra Markusen (2005). centração da riqueza. A concentração urbana Os arranjos urbano-regionais do territó- (metropolitana) retoma seu papel estratégico rio brasileiro, todos polarizados por aglomera- na atração e fixação de ativos, na valorização ções metropolitanas, refletem, mesmo em um do capital, agora como elo, por excelência, das quadro de relativa desconcentração nacional, articulações que se processam com a globali- como já abordado, a persistência da concentra- zação da produção, do consumo e dos circui- ção espacial da atividade econômica, sob co- tos financeiros. Confirma-se o que Davidovich nexões geográficas mais complexas e mais di- (2004) chama de “a volta das metrópoles”, que nâmicas, estabelecidas a partir da nova divisão 480 Book CM24_final.indb 480 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 467-489, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:32 Dinâmicas territoriais recentes social e territorial do trabalho. Desmontam, “desindustrialização”. Diniz e Campolina (2007) assim, a hipótese referente à desmetropoliza- registram que, de fato, a queda no indicador de ção e contrariam as observações de estudos emprego na indústria de São Paulo não corres- que detectam uma inflexão no fenômeno da pondeu à queda na produção, até porque sofreu concentração territorial no Brasil, suscitando a os efeitos de compensação do aumento do em- ideia de que as deseconomias de aglomeração prego nos setores de comércio e serviços, o que têm induzido o deslocamento das atividades poderia indicar uma reestruturação produtiva produtivas para as cidades médias interioranas e não uma desindustrialização. Assim, tanto as e, consequentemente, elevado seu crescimento análises dos arranjos urbano-regionais quanto demográfico. A análise deixa claro que há uma outras, complementares, levam a concluir que importante participação de centralidades e há mais fabulações que fatos a confirmar a des- aglomerações vizinhas às metrópoles na con- metropolização e outras noções correlatas em figuração dos arranjos urbano-regionais, mas território brasileiro. dentro da limitação do espaço aglutinador desses arranjos, reforçando seu papel polarizador no sistema urbano nacional. Contribuindo para clarificar algumas mis- Mudanças ou rupturas nas relações centro-periferia? tificações quanto às cidades de porte médio, Ribeiro e Rodrigues (2008) recomendam caute- A extensão dos arranjos urbano-regionais e la ao se definir conceitual e operacionalmente as diferentes morfologias que se aglutinam essas categorias, posto que cidades que fazem dando-lhes unidade, assim como a densidade parte de aglomerações metropolitanas pos- de fluxos que perpassam seu interior, por vezes suem dinâmicas distintas de cidades, do mes- levam a crer que as relações centro-periferia mo tamanho, isoladas ou que polarizam algum cedem lugar a conexões variadas e polidire- outro tipo de aglomeração urbana. Municípios cionadas. Entretanto, ao se analisar o perfil de porte médio inseridos em aglomerações das atividades desenvolvidas entre os distintos metropolitanas apresentam desempenhos su- municípios que compõem os arranjos, observa- periores aos demais, seja no que se refere ao se que a centralidade principal se distingue so- PIB, seja no crescimento da população, além de bremaneira dos demais municípios, pelo peso que, mesmo com perda relativa perante o to- da concentração econômica, populacional e tal do Brasil, é neles que se verificam os mais técnico-científica, pela diversidade funcional substanciais aumentos de postos de trabalho e, fundamentalmente, pelo poder que delas se na indústria de transformação, com incremen- emana. Em sua órbita, os demais municípios to da produtividade e de atividades com maior cumprem papéis complementares sob um es- grau de tecnologia. pectro de relações que varia em graus de auto- Tais observações também desconstroem nomia e dependência. Dessa forma, prevalece alegações de que a metrópole, particularmente o binômio centro-periferia, mas se admite que a paulistana, estaria vivendo um processo de tanto se transformam os centros e as periferias Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 467-489, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 481 481 09/11/2010 13:05:32 Rosa Moura como se complexificam as relações entre eles, liberalização econômica, desregulação e das pela multiplicidade de fluxos e de escalas que novas tecnologias, configurando o que Sassen lhes dão sentido. (2007) denomina uma grande rede global de Veltz (1996) utiliza a metáfora das bo- cidades transfronteiriças que funcionam como necas russas para representar a superação da pontos estratégicos para as operações econô- expressão territorial hierarquizada em zonas micas globais. Ressalta-se que essa expansão embutidas, onde as atividades e funções se dão dos fluxos transfronteiriços conecta não só as em cascatas da cidade capital aos núcleos ru- cidades e aglomerações globais, como as cida- rais, e demonstrar que emerge um território de des dos diversos níveis da hierarquia urbana, redes, onde o local e o global se interpenetram em fluxos que operam em circuitos altamente e realizam a economia de arquipélago. Refere- especializados e diferenciados, multidirecio- se ao espaço facilitado pelas redes de comu- nais. Distintos circuitos especializados estariam nicações e transportes, o território-rede, sob se constituindo e redes particulares estariam efeitos da teleatividade e das conexões túnel. conectando grupos particulares de cidades, No caso das últimas, trata-se do desapareci- conforme seus diferentes papéis na dinâmica mento dos efeitos da travessia entre duas pa- internacional da economia. radas, com as novas tecnologias de transporte Essas concepções aplicam-se a territórios rápido e comunicações desativando a posição onde a densidade técnica constrói sistemas de meia distância, que outrora se beneficiou fluidos e eficientes. No caso das cidades bra- do dinamismo das pontas, conforme Ascher sileiras, as tecnologias recentes pouco têm fa- (1995). Esse território é caracterizado por um vorecido os meios de deslocamentos urbanos, crescimento organizado geograficamente em e mesmo quando fortalecem, persistem nítidos filamentos, em redes lineares, em polímeros sinais de saturação e ineficiência. Em se tratan- que contrastam com o modelo aureolar da geo- do de transportes intraurbanos, a marca das ci- grafia tradicional, em completa ruptura com o dades brasileiras é o crescimento da frota sem padrão christalleriano. a compatível adequação das vias de circulação; Tal reflexão contrapõe o modelo da eco- pesa sobre isso um sistema de transporte cole- nomia territorial, no qual centro e periferia tivo obsoleto e uma crescente demanda repri- se opõem desigualmente, porém se acoplam mida, o que dá margem a serviços clandestinos ligados por mecanismos de interdependên- e precários. Grandes congestionamentos ocor- cia, ao modelo da divisão versus exclusão, do rem no dia a dia e se replicam nas cidades lati- espaço globalizado, no qual as solidariedades no-americanas. Lamentando-se sobre a Cidade geográficas se fragilizam, o crescimento dos do México, Villoro (2007, p. 6) metaforiza que polos se deixa nutrir mais da relação hori- “las calles de la ciudad son un estacionamiento zontal com outros polos que das verticais, no que a veces se mueve”. próprio país.4 Essa relação horizontal conso- A precariedade também caracteriza os lida as cidades como centros nodais em tor- sistemas de circulação intermunicipal nas aglo- no dos quais se articulam as novas dinâmicas merações metropolitanas. Contornos ou anéis da acumulação, sob impulso das políticas de que desviem o trânsito de longa distância do 482 Book CM24_final.indb 482 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 467-489, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:32 Dinâmicas territoriais recentes interior das áreas centrais, assim como meios Tal privilégio contribui para a expansão dos de transporte rápidos, que agilizem as cone- espaços aglomerados e para a formação do xões entre os vários pontos integrados desses que, mais tarde, veio a chamar de megarregião espaços – incluindo os acessos aos aeroportos, (Sassen, 2007), que emerge como um territó- que são os verdadeiros portais do contato ma- rio diverso em seu interior, no qual coexistem 5 terial com a escala global – ainda são reivindi- múltiplos tipos de economias de aglomeração, cações pouco esperançosas de atenção. distribuídos entre diversos espaços econômicos Assim, se no mundo desenvolvido man- e escalas geográficas. tém-se ou recoloca-se a importância das metró- É bom lembrar que, embora algumas das poles, a despeito da densificação das relações principais metrópoles, a exemplo de São Paulo, em rede e da suposição de que os avanços nas estejam globalmente interconectadas ao arqui- tecnologias de comunicação e informação ten- pélago transfronteiriço, há todo um conjunto deriam a romper a importância das economias de importantes aglomerações que apenas par- de aglomeração na organização do espaço ur- ticipam do diálogo global mediado pelas cen- bano-regional, nos países periféricos esse tema tralidades principais dos respectivos países, o é apenas virtual. Ou seja, em pouco se concre- que torna necessária uma leitura mais atenta tizaram as hipóteses quanto aos efeitos deslo- às reflexões da literatura consagrada. Pradilla calizadores e desconcentradores das novas tec- (1997, p. 46) observa que os territórios homo- nologias, ao contrário, as grandes metrópoles geneizados e incluídos pelo capital no sistema e suas aglomerações se reforçam no processo de acumulação em escala mundial, de fato, não de reestruturação do capital. São as regiões ga- são contínuos, e seu número reduzido os situa nhadoras, conforme Benko e Lipietz (1994). como “ilhotas” de prosperidade em um “mar” Essa permanência da importância da me- de crescente atraso. Ilhotas essas que, agrega- trópole, como já abordado, adquire ainda maior se, restringem-se muitas vezes a partes interio- dimensão. Tanto confirma a acepção de Veltz res das próprias metrópoles. (1996) sobre a metropolização da economia, Dessa forma, transformam-se as relações quanto embasa a reflexão de Scott et al. (2001) entre centro e periferia, mas não a ponto de sobre cidade-região global, que estende o sig- menosprezá-las. Essas relações permanecem nificado do conceito em termos econômicos, acionadas em países nos quais as redistribui- políticos e territoriais, e reitera o papel dessas ções estatais são escassas e as relações entre como nós espaciais essenciais da economia centros da rede mundial de cidades restringem- global e como atores políticos específicos na se a essas poucas e desiguais ilhotas. Enquanto cena mundial. Também Sassen (1998, p. 76) o modelo contemporâneo de acumulação do admite que “as cidades são lugares fundamen- capital, nos países centrais, provoca cada vez tais para a produção de serviços destinados mais a divisão e a exclusão, percebe-se nas às empresas”, no entanto, o crescimento dos aglomerações latino-americanas o que Santos serviços ocorre de modo diferenciado, de acor- (1996) chama de um jogo dialético entre forças do com a inserção da cidade na rede urbana de concentração e dispersão na organização nacional, privilegiando porções do território. do espaço, no qual, neste período, as primeiras Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 467-489, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 483 483 09/11/2010 13:05:33 Rosa Moura são poderosas, mas as segundas permanecem privilegiadas à reprodução do capital, num igualmente importantes. modelo de desenvolvimento que se mantém polarizador e que acentua as disparidades regionais, privilegiando territórios funcionais e Mais que rupturas e manutenção de tendências: transformações rentáveis, em detrimento dos ineficientes ou pouco competitivos. Modelo esse ainda mais seletivo, interdependente e fragmentado, particularmente pela sua vertente reticular. A partir da leitura atenta da dinâmica Entre o ímpeto em se vislumbrarem tendências dos arranjos urbano-regionais, as análises refu- de novas configurações espaciais decorrentes tam algumas teorias em voga. Concluem que, dos avanços tecnológicos, posto na literatura apesar da densificação das relações em rede e internacional, e o desejo de encontrar referên- da ideia de que as tecnologias recentes de co- cias no território brasileiro que confirmem tais municação e informação tenderiam a romper tendências, percebido em parte da literatura a importância das economias de aglomeração nacional, a análise dos arranjos urbano-regio- na organização do espaço urbano-regional, nais oferece elementos que permitem discernir mantém-se ou se recoloca a centralidade da entre verdades e especulações. metrópole e, consequentemente, das aglome- A importância atual da concentração rações em seu entorno. Ou seja, em pouco se no Brasil se confirma nos arranjos urbano- concretizaram as hipóteses quanto aos efeitos -regionais, que emergem como a manifestação deslocalizadores e desconcentradores dessas espacial de maior relevância e complexidade tecnologias, ao contrário, as grandes metrópo- nas dinâmicas territoriais engendradas pela les se reforçam no processo de reestruturação metropolização. Tais arranjos correspondem às do capital, passando a ditar o comportamento porções mais concentradoras e dinâmicas dos do sistema global. Refutam ainda a hipótese respectivos estados/regiões – a maioria dentro de que as relações centro-periferia sucumbem da própria “região concentrada” do Sul/Su- diante de um novo modelo, fragmentador e deste brasileiro, na concepção de Santos e Sil- excludente. Constata-se que esse padrão de veira (2001) –, que sustentam a divisão social relações assume processos mais complexos e do trabalho em sua perspectiva hegemônica. formas mais diversificadas, sempre associados Sequer a reestruturação produtiva, a difusão ao modo de produção e acumulação do capi- de novas tecnologias de informação e comu- tal, no qual interagem forças de concentração nicação e a reorganização espacial do capital e de dispersão na organização do espaço. lograram reverter as centralidades concentra- De modo geral, a rede urbana brasileira doras que se consolidam em território nacio- se mantém concentrada, mas se verifica a ex- nal, como produtos ou possibilidades a esses pansão das aglomerações urbanas, tanto no processos. Diante dessa constatação, os arran- sentido espacial quanto em sua reprodução jos urbano-regionais tornam-se as localizações em novas localizações em território nacional, 484 Book CM24_final.indb 484 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 467-489, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:33 Dinâmicas territoriais recentes e a consolidação das principais centralidades, atividades beneficiadas pelas externalidades agora incorporando extensas áreas aglutina- da economia de aglomeração e pelas relações das, que configuram arranjos urbano-regionais. de proximidade. Tais condições remetem a no- Neles se constata a concentração da riqueza vos desafios de gestão e exigem a reorientação em um número limitado de grandes centralida- do perfil de políticas públicas, adequando-as a des, com forte assimetria entre a economia dos essa natureza e dimensão híbrida. Políticas que centros e das periferias. efetivem e reproduzam as tendências impulsio- Confirma-se que a criação das externa- nadoras do desenvolvimento, neles verificadas, lidades que privilegiam os arranjos urbano- mas que sejam mais abrangentes, e que sua regionais decorre (de) e envolve municípios implementação se abra ao diálogo necessário ou partes de seu território que já detêm um entre as várias escalas em interação, operando mínimo de condições técnicas, científicas, ins- em dimensão transescalar. Na garantia de es- titucionais e culturais capazes de contribuir no tratégias de desenvolvimento, essas políticas processo de transformação. Favorecidos pela devem organizar as relações e resgatar o terri- proximidade, tais municípios qualificam-se pa- tório em sua totalidade. ra a atração e sustentação de atividades e in- Ao fim e ao cabo, tais políticas públicas vestimentos, portanto, para a acumulação e re- devem contemplar a outra divisão do traba- produção do capital, passando a condicionar a lho, como ressalta Santos (2006), decorrente organização da base produtiva. Os municípios da grande mobilidade de atores em quadros ou partes do território de alguns não dotados ocupacionais não formais, sobreviventes na dessas condições ou com pouca capacidade flexibilidade tropical. Dessa divisão do traba- de articulação para conseguirem um salto de lho, há que se valorizar o efeito de vizinhança qualidade permanecem marginais ao processo, emergente da força diversificada e renovadora registrando os limites da amplitude das possi- das massas em movimento. Força que constrói bilidades sinérgicas do efeito-proximidade. localmente novas solidariedades e negociações Os arranjos urbano-regionais confor- cotidianas entre territórios, e que podem forta- mam, assim, um território diverso e desigual, lecer horizontalmente e igualitariamente esses que concentra ao mesmo tempo riqueza e es- arranjos, incorporando municípios, regiões e cassez, no qual coexistem múltiplos tipos de segmentos ora excluídos. Rosa Moura Geógrafa. Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social. Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano. Curitiba, Paraná, Brasil. [email protected] Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 467-489, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 485 485 09/11/2010 13:05:33 Rosa Moura Notas (*) A autora agradece a contribuição de Olga Lucia C. de F. Firkowski, pela orientação e debate teórico-conceitual ao longo de toda a pesquisa que resultou na iden ficação e análise dos arranjos urbano-regionais no Brasil, voltada à obtenção do tulo de doutora dentro do Programa de PósGraduação em Geografia da Universidade Federal do Paraná. (1) Ruiz e Pereira (2008) tomam como universo de pesquisa as unidades adotadas pelo Observatório das Metrópoles para a classificação das regiões metropolitanas (Ribeiro, 2009), ou seja, RMs e RIDEs ins tucionalizadas, capitais de estados e suas respec vas aglomerações urbanas, reunindo a esses 37 espaços urbanos a RIDE Petrolina/Juazeiro. Os 38 GEUBs agregam 489 municípios, aproximadamente 76 milhões de habitantes (45% da população nacional) que possuem uma renda agregada mensal de aproximadamente R$ 31 bilhões (61% da renda nacional, em 2000). Cabe observar que aglomerações urbanas importantes, como por exemplo Caxias do Sul, pelo fato de não terem sido ins tucionalizadas como RMs, e por não serem polarizadas por capitais, foram desconsideradas pelo estudo, integrando, em alguns casos, as áreas de influência dos GEUBs polarizados pelas capitais. (2) O indicador de capacidade tecnológica resulta da média da par cipação do GEUB no total das patentes nacionais, ar gos cien ficos, população com mais de 12 anos de estudo e valor bruto da transformação industrial (VTI) das firmas que inovam em produto e processo, de acordo com dados da Pesquisa Industrial Anual (PIA) e da Pesquisa de Inovação Tecnológica (PINTEC), ambas do IBGE, 2000 (Ruiz e Pereira, 2008). (3) Lemos et al. (2005) também emprega em seus estudos o método de análise exploratória espacial, fazendo uso da esta s ca Moran local, como indicador da significância e do sen do da autocorrelação espacial. U lizam o VTI, de 2000, do município (rela vo à média de seus vizinhos) na construção da pologia, e a PINTEC, de 2000, do IBGE, nas análises para avaliar a inovação e diferenciação de produtos. No estudo das AIEs, a definição incorpora apenas os municípios cujo produto industrial (VTI) está esta s camente correlacionado com a média de seus vizinhos, compondo quatro pos: HH, HL, LH e LL. “Do ponto de vista da iden ficação das AIEs, o primeiro po (HH) é o único relevante, pois expressa a correlação espacial de dois ou mais municípios com elevado produto industrial, sugerindo a existência de transbordamentos e encadeamentos produ vos espaciais, através de complementaridades e integração industrial regional” (Lemos et al., 2005, p. 342). (4) Inversamente, a conceituação de Milton Santos (1996, 1999) entende as relações “horizontais” como as de proximidade, enquanto as “ver cais” expressam aquelas entre pontos distantes, sob conexões em rede. (5) Anota-se que reivindicações dessa ordem cons tuem a base dos grandes projetos urbanos para os quais se pleiteiam financiamento, com vistas à adequação das cidades para os jogos da Copa do Mundo de 2014. 486 Book CM24_final.indb 486 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 467-489, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:33 Dinâmicas territoriais recentes Referências ANSELIN, L. (1995). Local indicators of spa al associa on – LISA. Geographical Analysis. Columbus, Ohio, v. 27, n. 2, pp. 94-115. ASCHER, F. (1995). Metápolis ou l’avenir des villes. Paris, Odile Jacob. BENKO, G. e LIPIETZ, A. (org.) (1994). As regiões ganhadoras: distritos e redes, os novos paradigmas da geografia econômica. Oeiras, Celta. BRANDÃO, C. A. (2007). Território & desenvolvimento: as múl plas escalas entre o local e o global. Campinas, Editora da Unicamp. BRASIL (2008). Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria de Planejamento e Invesmentos Estratégicos – SPI. 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Jorge Gonçalves Resumo A preocupação em clarificar a atual situação do planeamento de raíz local face aos imperativos do desenvolvimento constitui a razão de ser deste artigo. O presente contexto social e econômico é particularmente interessante para fazer essa avaliação, dada a multiplicidade das estratégias de desenvolvimento seguidas pelas autarquias locais e demais entidades, privadas, associativas e outras de natureza pública (regionais e nacionais) e ainda face aos processos de revisão de Planos Diretores Municipais que estão num momento de generalização. O pressuposto aqui assumido e que configura o desenvolvimento da reflexão é que o planeamento territorial por incapacidade e cedência foi descolando da vocação que historicamente lhe foi atribuída enquanto instrumento quase exclusivo para o desenvolvimento. Palavras-chave: planeamento; desenvolvimento; instrumentos de gestão territorial; coesão social; competitividade territorial. Abstract This article rises from the need of clarifying the current conditions of local planning against the imperative of development. Concerning the social and economic context in Portugal, it is particularly interesting to compose this assessment given the multiplicity of development strategies pursued by local authorities and other entities as private, associative and other types of public (national and regional) and against the procedures for review of territorial municipal plans are in a time of generalization. The assumption made here, in which consists the development of this deliberation is that the territorial planning for incapacity and offer has been set apart from the goal that has been historically attributed almost exclusively as a tool for development. Keywords: planning; development; territorial management tools; social cohesion; territorial competitiveness. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 491-506, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 491 09/11/2010 13:05:33 Jorge Gonçalves As inquietações Se fosse possível centrar a nossa atenção num dado território ao longo das duas últimas décadas, iríamos com certeza verificar as transformações profundas e radicais ocorridas no processo de condução do desenvolvimento socioeconômico com repercussões territoriais. A constatação pode ser feita por via da observação direta a partir dos elementos materializados em equipamentos, áreas de acolhimento empresarial, infraestruturas ou por via da avaliação do trabalho desenvolvido pelos serviços municipais ligados aos domínios sociais, educação, cultura, desporto e ainda pelas múltiplas entidades públicas, privadas ou associativas que agem isoladamente ou em parceria nestes campos. A multiplicação dos atores presentes, as suas estratégias, eficácia e eficiência, designadamente, social e econômica mostra bem como o tempo da Câmara Municipal, enquanto agente único, acabou. Um outro sinal de fim de ciclo respeita à propensão e complexidade das “ferramentas” disponíveis localmente para o desenvolvimento, quase sempre com acesso a financiamentos municipais, mas também beneficiando de apoios regionais e comunitários, cuja incorporação nos instrumentos de gestão territorial, com os de natureza municipal se torna mais difícil. Os desafios vão ganhando, nesta fronteira entre planeamento e desenvolvimento, uma dimensão nem sempre bem avaliada ou, se se quiser, ainda nem sequer devidamente ponderada, o que faz com que aquele se tenha vindo a afastar do cerne da vida coletiva, sendo convocado apenas para dirimir os processos urbanísticos. Estes são, porém, mais o resultado 492 Book CM24_final.indb 492 das dinâmicas do desenvolvimento que o seu catalizador. Esse desafio é ampliado porque o atual momento é ainda especialmente complexo já que a par da intensa competitividade que afeta os territórios (regiões, concelhos, cidades, áreas protegidas) na busca por atenção, investimentos, utilizadores, residentes, emprego surgem, como em nenhum outro período, dinâmicas associativas “oportunistas” procurando ganhar escala e relevância na promoção e valorização de domínios concretos. Essa convergência territorial, visível entre concelhos, associações de municípios e cidades, podem ter como catalizador Programas propostos pela Administração Central (p.e., Programa Polis XXI)1 ou quaisquer outras preocupações genuínas sentidas pelos territórios em causa. Para além desses movimentos, há ainda a marcar a realidade interna de cidades e concelhos processos de planeamento do desenvolvimento, de responsabilidade municipal, mas também de outras entidades públicas, associativas e privadas, consubstanciadas em Planos e Estudos Estratégicos, de Urbanismo Comercial, de Revitalização Urbana, de Marketing Territorial, Carta Educativa, Plano de Desenvolvimento Social, Plano de Ação, Plano de Desenvolvimento Econômico, Estudo de Oportunidades Econômicas, entre outros. Assim, ação, competitividade e parcerias/ sinergias, são processos muito explícitos no quadro atual do planeamento do desenvolvimento em Portugal e que suscita interrogações face à capacidade do sistema de gestão territorial em os integrar e de com eles conviver na manutenção da oposição clássica entre o planeamento normativo (apesar dos quadros normativos reforçarem agora a ideia de es- Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 491-506, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:33 A deriva urbanística do planeamento territorial tratégia) e planeamento das oportunidades. É aqui que se incluem os múltiplos trabalhos de caráter operativo, visando a ação, a mobilização e o apoio à decisão. A discussão deve centrar-se, então, em torno da capacidade ou mesmo do interesse do urbanização das sedes dos seus municípios, em ordem a obter a sua transformação e desenvolvimento segundo as exigências da vida econômica e social, da estética, da higiene e da viação, com o máximo proveito e comodidade para os seus habitantes. sistema de gestão territorial em alimentar proativamente o desenvolvimento ou na sua conti- Era, como se percebe, um instrumento nuação num mundo à parte, anichando-se em de caráter urbanístico sem ambições de outra definitivo no mundo do planeamento territorial, natureza, embora este último quadro legal dei- deixando os esforços objetivos de resolução de xasse a porta aberta ao planeamento de “zonas bloqueios ou disfunção que afetam as comuni- rurais intermédias” desde que fosse importante dades para outros instrumentos e práticas. para o conjunto da estrutura urbana em causa (art. 2º, alínea c). Com a entrada em vigor da Lei 79/77, A gestão territorial e o processo de desenvolvimento local: articulação legal de 25 de outubro, surge pela primeira vez um quadro legal que suscita a atenção para o planeamento municipal. Com efeito, avança-se com a responsabilização da autarquia face ao novo modelo de sociedade que se estava então O planeamento do território é uma atividade que se exerce sobre a globalidade dos usos territoriais possíveis, sejam eles urbanos ou rurais e visa uma racionalização no seu consumo, ao mesmo tempo que se preocupa com a compatibilização das diversas vocações. O resultado deveria ser a qualificação das áreas envolvidas. a desenhar à data. Não sendo uma lei sobre o planeamento territorial não se alheou dele propondo que a assembleia municipal pudesse, se o entendesse, deliberar sobre o Plano Diretor (Art. 48º, alínea i): “Deliberar sobre o plano diretor do município e, se necessário, ordenar a sua elaboração”. Até 1977, vigorou em Portugal uma le- Não estando descrito em nenhum outro gislação que, através do Plano Geral de Urba- documento legal, na realidade o Plano Diretor nização, apenas incidia sobre áreas urbanas Municipal (PDM) nasce juridicamente com o legando sobretudo muitos anteplanos gerais de Decreto-Lei 208/82, de 26 de maio, na sequên- urbanização. Desde 1934 que esta figura existia, cia da regulamentação da referida Lei 79/77. reforçada pelo Decreto-Lei 560/71, de 17 de de- Esta primeira luz sobre o planeamento de es- zembro. Aqui, no seu artigo 1º, afirmava-se que cala municipal operou uma revolução não só As câmaras municipais do continente e ilhas adjacentes são obrigadas a promover a elaboração de planos gerais de Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 491-506, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 493 porque veio ocupar um espaço vazio como pela ambição que nele estava contido acerca do desenvolvimento social e econômico. 493 09/11/2010 13:05:33 Jorge Gonçalves Com efeito, logo no seu artigo 1º, dispõe pouca capacidade das estruturas técnicas municipais para acompanhar a elaboração e, posteriormente, a implementação dos Planos; reduzida experiência dos gabinetes técnicos privados aos quais foi adjudicada a elaboração dos PDM; falta de preparação da Administração Regional e Central para coordenar tão grande número de PDM; ausência de objetivos de desenvolvimento e de ordenamento supramunicipal e regional; limitado esclarecimento dos objetivos e âmbito dos PDM. que [...] as metas a alcançar nos domínios do desenvolvimento econômico e social do município nas suas relações com o ordenamento do território, são um instrumento de planeamento de ocupação, uso e transformação do território do município pelas diferentes componentes setoriais da atividade nele desenvolvida e um instrumento de programação das realizações e investimentos municipais que, respeitando as normas urbanísticas existentes, constituirá um meio de coordenação dos programas municipais com os projetos de incidência local dos departamentos da administração central e regional, articulando-se com os planos ou estudos de caráter nacional e regional. Justifica-se então que se apresente uma nova legislação que simplifique e acelere o processo de elaboração do PDM, o que veio a suceder com o Decreto-Lei 69/90, de 2 de março, através da eliminação de fases, compressão dos estudos de diagnóstico e supressão da programação de investimentos, agora tornada faculta- Este desígnio era reforçado logo no artigo tiva. 3º, alínea a): “Traduzir as metas programáticas A aceleração aconteceu de fato, permi- nos domínios do desenvolvimento econômico e tindo chegar ao final da década de 90 com 272 social, do planeamento territorial e urbano, do PDM aprovados. Mas ela deu-se à conta de fomento das atividades, das infraestruturas e uma simplificação que também atingiu os ante- dos equipamentos”. riores desígnios no campo social e econômico. Já a necessária operacionalização não foi Com se afirmava no preâmbulo do DL 69/90, tão clarividente, propondo-se que fossem considerados 12 tipos de espaços e 6 disposições obrigatórias. Esta densidade de exigências explica que no final dessa década de 80 apenas 5 municípios2 tenham levado a bom termo a tarefa de elaborar os seus PDM. Terêncio (2006) adianta mais algumas justificações pertinentes para esse insucesso: A escassez de informação de base, insuficiência e desatualização da cartografia e ausência de meios informáticos; longo e complexo faseamento (estudos sumários, programa preliminar, estudos prévios, programa base, projeto de plano, plano); 494 Book CM24_final.indb 494 Urge, (...), proceder à revisão dessa legislação, de forma que ela constitua um todo coerente e claro, liberte, o mais possível, de subjetivismos a elaboração, apreciação e aprovação dos planos, garanta às populações a devida consideração dos seus anseios e vontades e ao Governo a sua adequação ao interesse nacional e constitua ainda, para o município, um enquadramento correto para a sua estratégia de desenvolvimento. Assim, o que se torna relevante para o caso presente é que a dimensão econômica e social que o anterior quadro legal consagrava Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 491-506, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:33 A deriva urbanística do planeamento territorial ao PDM (entendível num contexto de inexistência de quaisquer outros instrumentos de política) foi deixada cair focalizada que ficou a lei no PDM como instrumento orientado para a regulação da ocupação do solo remetendo para montante e para uma putativa flexibilidade as exigências dali resultantes. Os objetivos gerais constantes do artigo 5º, ponto 2, mostram bem como agora o planeamento territorial, mais que definir metas, servirá sobretudo para apoiar esse desenvolvimento estabelecendo um quadro territorial apropriado: a) Definir e estabelecer os princípios e regras para a ocupação, uso e transformação do solo; b) Apoiar uma política de desenvolvimento econômico e social; c) Determinar as carências habitacionais, enquadrando as orientações e soluções adequadas no âmbito da política de habitação; d) Compatibilizar as diversas intervenções setoriais; e) Desenvolver e pormenorizar regras e diretivas estabelecidas em planos de nível superior; f) Fornecer indicadores para o planeamento, designadamente para a elaboração de outros planos municipais ou de planos de caráter sub-regional, regional ou nacional; g) Servir de enquadramento à elaboração de planos de atividade do município. Apesar de, em 2003, a cobertura total do território municipal pelo planeamento se ter concretizado através dos PDM e não obstante a expurga de parte substancial dos conteúdos originais, as limitações continuaram a verificar-se como volta a sublinhar Terêncio (2006): Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 491-506, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 495 (...) os municípios não ganharam clara autonomia face a pareceres e decisões externas, permanecendo uma forte tutela de inúmeras entidades, sobre o território; os PDM, se por um lado condicionam administrativamente as decisões e intervenções municipais e do setor privado, por outro não vinculam a Administração Central à execução dos investimentos e programas previstos nos planos; o território, como resultado de um sobredimensionamento generalizado do solo urbano/urbanizável necessário para o processo de urbanização na vigência do PDM, continua fragmentado, mantém-se a dispersão urbana e a dificuldade em implementar, com este “modelo” de ocupação, um sistema racional de transportes e infraestruturas. Entretanto, a pulverização dos instrumentos de ordenamento do território, assim como a enfâse colocada no desenvolvimento sustentável, obrigou a publicar uma moldura legal mais ajustável a essas preocupações, bem como àquelas que resultaram do balanço efetuado aos PDM da 1ª geração. Surge, neste contexto, a Lei de Bases de Ordenamento do Território e do Urbanismo, Lei 48/98, de 11 de agosto, que seria regulamentada em grande parte pelo Decreto-Lei 380/99, de 22 de setembro. Os seus objetivos, no que respeita ao planeamento municipal, mais uma vez sublinhavam que aqui se trata apenas da concretização espacial das estratégias de desenvolvimento de âmbito nacional, regional e local. O artigo 70.º (Objetivos) a) A tradução, no âmbito local, do quadro de desenvolvimento do território estabelecido nos instrumentos de natureza estratégica de âmbito nacional e regional; b) A expressão territorial da estratégia de desenvolvimento local; c) A articulação 495 09/11/2010 13:05:33 Jorge Gonçalves das políticas setoriais com incidência local; (...) h) Os critérios de localização e distribuição das atividades industriais, turísticas, comerciais e de serviços; (...) i) Os parâmetros de uso do solo; (...). lidades e referências aos usos múltiplos possíveis; i) A definição de programas na área habitacional. A introdução destas alterações visam dar resposta às críticas de ausência de linhas progra- Mais uma vez se identifica que o PDM continua a não ser produtor de política econômica e social de base local, mas sim o seu tradutor espacial. Todavia, como quase sempre sucede, a ausência destas orientações máticas suficientemente sólidas que apoiassem as decisões em matéria territorial. Mas as múltiplas referências à estratégia não fazem e nunca poderiam fazer dele um plano estratégico e, deste modo, tornam inconsequentes estes objetivos. obrigam à realização de estudos de base que suportem as decisões de planeamento. Os sucessivos ajustamentos ao DL 380/99, concretizados pelo DL 310/2003 e DL 316/2007 foram sendo enriquecidos com alguns novos Constatar clivagens, delimitar insuficiências olhares, sobretudo neste último, onde, para o Plano Diretor Municipal, se exige no domínio As ausências e os equívocos na relação entre o do seu conteúdo material (artigo 85º) planeamento urbano/territorial e o desenvolvimento local fez com que, na larga generalida- a) A caracterização econômica, social e biofísica, incluindo da estrutura fundiária da área de intervenção; b) A definição e caracterização da área de intervenção, identificando as redes urbana, viária, de transportes e de equipamentos de educação, de saúde, de abastecimento público e de segurança, bem como os sistemas de telecomunicações, de abastecimento de energia, de captação, de tratamento e abastecimento de água, de drenagem e tratamento de efluentes e de recolha, depósito e tratamento de resíduos; d) Os objetivos de desenvolvimento estratégico a prosseguir e os critérios de sustentabilidade a adotar, bem como os meios disponíveis e as ações propostas; f) A identificação das áreas e a definição de estratégias de localização, distribuição e desenvolvimento das atividades industriais, turísticas, comerciais e de serviços; g) A definição de estratégias para o espaço rural, identificando aptidões, potencia- 496 Book CM24_final.indb 496 de, estes IGT continuem a ser apenas um regulamento e um zonamento (como aliás consta do artigo 86º do DL 316/2007). A obrigatoriedade de regular um território fragmentado por vocações muito rígidas deixa pouco espaço para um estatuto mais estratégico e flexível destes documentos. É a conhecida clivagem entre o planeamento normativo e o planeamento de oportunidades, que continua por resolver. As insuficiências enunciadas quanto às necessidades do desenvolvimento estão um pouco por todo o lado, mas talvez seja útil relembrar algumas delas: ● O volume das decisões de suspensão e alteração dos PDM é revelador da incapacidade destes instrumentos em conduzir o processo de desenvolvimento ou sequer de se ajustar a ele de forma adequada. Numa avaliação recente, a Quercus3 identificou entre setembro de 2007 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 491-506, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:33 A deriva urbanística do planeamento territorial e outubro de 2008, 27 suspensões parciais, plantação empresarial, turística ou até mesmo quase sempre por dois anos e com uma argu- urbanística, foi a motivação para esse consumo mentação recorrente, sublinhando a “alteração de espaço protegido. significativa das perspectivas de desenvolvi- ● Mesmo no que de mais profundo havia mento social para o local, incompatíveis com nos objetivos dos Planos Municipais de Orde- as opções contidas no atual PDM”. Aqui cabem namento do Território, como o controle da dis- razões ligadas a projectos PIN, áreas industriais persão edificada, até aí se revelou a sua inca- e empresariais ou projetos turísticos. Só resi- pacidade como tem sido amplamente revelada dualmente surgem justificações associadas a e comentada por alguns dos principais atores equipamentos dirigidos para respostas sociais. do planeamento (cf. Soares, 2002). A revisão e republicação do 380/99, de ● Se se recuar aos anos 80 e até meados 22 de setembro, pelo DL 316/2007, de 19 de se- dos anos 90, observa-se a centralidade que os tembro, não deixa margem para dúvidas quan- instrumentos de gestão territorial possuíam no to à intenção de limitar o acesso à suspensão e quadro do desenvolvimento local, sendo qua- promover a figura da alteração: se em exclusivo os documentos sobre o qual recaía a estratégia municipal, coerente de res- Procede-se, assim, à reclamada delimitação conceptual das figuras da revisão e da alteração dos instrumentos de gestão territorial, autonomizando-se procedimentos específicos de alteração quanto aos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares. Reservando o conceito de revisão para as situações mais estruturais de mutabilidade do planeamento, pretende-se flexibilizar e agilizar os procedimentos de alteração em função das dinâmicas de desenvolvimento econômico, social e ambiental, obviando ao recurso sistemático à figura da suspensão do plano (Preâmbulo); to com a primeiro moldura legal dos PDM (DL 208/82). Daí que se tenha presente a extensão dos estudos de caracterização, a profundidade da recolha de informação e o alargado campo de abrangência dos temas constantes do PDM (antropologia, toponímia, urbanismo comercial. Despojados que ficaram os Instrumentos de Gestão Territorial (IGT) destas obrigações, restava socorrerem-se de outros documentos que podiam ou não existir. Mais uma vez se relembra que mesmo quando os IGT, num assomo de coragem, procuram ir mais além, encontram dificuldades sérias ou mesmo intransponíveis Ainda neste levantamento genérico de concretização das ideias veiculadas porque das insuficiências demonstradas pelos IGT, es- os seus documentos operacionais não deixam tão, por exemplo, as decisões que levam a um de ser, no caso dos PMOT, a carta de ordena- consumo crescente de áreas de REN para usos mento e o regulamento e nos restantes IGT a urbanos. Essa ampliação das áreas urbanas a diferença não é significativa (mesmo naqueles partir da REN feita em sede de Conselho de Mi- considerados estratégicos). ● nistros atingiu, por exemplo, de acordo com a Relembra-se, a título exemplificativo, o Quercus, de 1º de janeiro de 2007 a 25 de mar- caso do PROT-AML onde as consequências da ço de 2008, 43 municípios. Mais uma vez, a im- delimitação e definição dos espaços motores, Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 491-506, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 497 497 09/11/2010 13:05:33 Jorge Gonçalves Figura 1 – Modelo territorial do Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa (PROT AML) Limite do AML Rede rodoviária fundamental Rede ferroviária fundamental Áreas dinâmicas periféricas Espaços naturais protegidos Espaços motores Espaços emergentes Espaços problema Áreas críticas urbanas Áreas com potencialidades de reconversão e renovação Fonte: Comissão de Coordenação Regional e Desenvolvimento de Lisboa e Vale do Tejo. 498 Book CM24_final.indb 498 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 491-506, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:33 A deriva urbanística do planeamento territorial emergentes, problemas, entre outros no mode- Social lo territorial, foram escassas apesar do interes- • Carta Social se inequívoco das propostas. • Programa Local de Habitação • Programa local de emprego/para a empregabilidade Os verdadeiros motores do desenvolvimento local O vazio que foi ficando, quer do empobrecimento do conteúdo dos IGT em nome de uma • Guia de marketing social • Carta Desportiva • Contrato local de segurança Educação • Carta Educativa maior eficácia e celeridade de elaboração, Saúde quer de instrumentos que conduzam ao de- • Carta de Recursos para a Saúde senvolvimento social e econômico, a par de Cultura uma gradual exigência colocada na gestão • Carta Cultural dos recursos financeiros próprios ou disponi- • Plano de desenvolvimento cultural bilizados por outras instâncias (administração • Carta do Patrimônio central,instituições comunitárias, financiamento bancário), foi sendo colmatado com programas setoriais agrupados ou não em sede de planeamento estratégico. Muitos destes documentos que foram sendo produzidos no âmbito municipal ou mes- Economia • Projeto de Urbanismo Comercial • Estudo de ordenamento das atividades comerciais • Plano setorial (turismo, restauração, etc.) mo regional e sub-regional podem integrar-se Acessibilidades no que se poderia designar como planeamento • Plano de acessibilidade informal (cf. Gonçalves, 2003) já que incidem • Plano de estacionamento sobre o território, mas não de acordo com a • Plano de mobilidade sustentável matriz de planos formais. É assim com os pla- Ambiente nos de mobilidade, acessibilidade e estaciona- • Plano verde mento, com os estudos de urbanismo comer- • Agenda local XXI cial, com os projetos de espaços públicos, ver- • Plano de sustentabilidade des ou mineralizados, estudos de revitalização Desenvolvimento urbano/territorial urbana, etc. • Estudo de enquadramento urbanístico A multiplicação deste esforço deu origem a um leque quase infinito de instrumentos • Estudo estratégico de desenvolvimento urbano hoje na posse de municípios e associações de • Estudo de revitalização urbana municípios, cujo levantamento aqui se propõe • Estudo de reabilitação urbana (embora se saiba já das limitações de uma lista dessa natureza): Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 491-506, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 499 • Plano estratégico de cidade/concelho/ sub-região 499 09/11/2010 13:05:34 Jorge Gonçalves Figura 2 – Exemplos de instrumentos alternativos 500 Book CM24_final.indb 500 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 491-506, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:34 A deriva urbanística do planeamento territorial • Estudo de enquadramento estratégico No domínio da educação e para a Carta • Carta estratégica Educativa, percebeu-se cedo que a lógica de • Guia de marketing urbano programa de equipamentos coletivos adotada • Estudo de enquadramento a candidaturas nos instrumentos de gestão territorial poderia polis XXI metodologicamente estar correta para a deter- • Plano de ação minação de carências, mas o universo da efi- • Plano de proteção civil ciência necessária para o seu funcionamento • Plano de Desenvolvimento Local exigia um outro entendimento que as regras Cada um desses documentos encerram para a elaboração da Carta Educativa vieram em si próprios metodologias, ações, tem- permitir. Sugere-se a título de exemplo a me- pos, financiamentos, parceiros e formas de todologia seguida para a elaboração da Carta governação, entre outros recursos, que con- Educativa da Cidade do Porto (Figura 4). figuram novos universos e novas especializa- Para quase todos estes instrumentos será ções que o planeamento (estruturas, técnicos, de imediato possível o seu acesso em tempo real, instrumentos) têm dificuldade em compreen- o que faz deles exercícios de excelência ao nível der, quer por inércia, quer por incapacidade do envolvimento e mobilização de vontades e de fato. atitudes, mas prolonga o seu efeito para lá do Veja-se, por exemplo, as áreas de inter- momento da sua elaboração ao ficarem expostos venção propostas no Contrato Local de Segu- de modo contínuo ao escrutínio da comunidade. rança no município de Loures, celebrado em A abrangência deste novo planeamento 2009 por ocasião dos problemas sociais ocor- do desenvolvimento é revelador de uma reali- ridos no Bairro da Quinta da Fonte: dade complexa, mas que interessa, para este “Áreas de Intervenção Os outorgantes acordam que são consideradas prioritárias as seguintes áreas de intervenção do Contrato Local de Segurança: a) Delinquência juvenil b) Pequena criminalidade c) Violência doméstica d) Comportamentos antissociais e) Fenômenos de insegurança” caso, relevar sobretudo: • o aprofundamento e qualificação dos esforços em domínios não exclusivamente territoriais possibilitando a obtenção e a avaliação de resultados cujos efeitos nesses campos se têm manifestado como nucleares. O território surge mais como uma matriz de acolhimento destes esforços e é nessa medida que lhe é solicitado o seu contributo; • a setorialização desses esforços, a mobili- Fonte: Câmara Municipal de Loures, Contrato zação dos atores e da participação pública tem Local de Segurança, 2009. sido uma garantia do sucesso observado para Ou, ainda, no caso da Agenda XXI de este planeamento do desenvolvimento com a Cascais, é possível identificar a densidade do particularidade dos domínios abordados se te- documento produzido pela Câmara Municipal a rem vindo a multiplicar. Essa preocupação de partir de um esquema síntese que sistematiza a dar resposta a públicos cada vez mais especia- sua estrutura (Figura 3). lizados revelou-se adequada para seduzir cada Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 491-506, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 501 501 09/11/2010 13:05:34 Jorge Gonçalves Figura 3 – Agendas Cascais 21 Fonte: Câmara Municipal de Cascais. 502 Book CM24_final.indb 502 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 491-506, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:34 Fonte: Câmara Municipal do Porto. Figura 4 – Carta Educativa da Cidade do Porto A deriva urbanística do planeamento territorial Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 491-506, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 503 503 09/11/2010 13:05:34 Jorge Gonçalves vez mais atores e interessados em geral para pela insuficência do corpo técnico e político é um exercício ativo da cidadania; visível a olho nu um pouco por todo o lado. Ao • o planeamento territorial não consegue mesmo tempo assistiu-se a uma complexifica- incorporar nos seus instrumentos toda es- ção dos mecanismos visando a operacionaliza- ta riqueza, optando por responder apenas às ção dos processos de transformação territorial, exigências materiais que lhe são colocadas buscando uma maior celeridade, justiça finan- (equipamentos, infraestruturas, densidades, ceira e fiscal, equilíbrio de custos e receitas e qualidade ambiental) e, em casos excepcionais, a possibilidade de constituição de parcerias sugerir de acordo com as expectativas manifes- público-privadas. tadas pelos atores, novas frentes urbanas ou a Mas, por outro lado, existiu um ama- reorganização e requalificação das existentes durecimento generalizado no domínio do disponibilizando-as para novos usos. desenvolvimento, estimulado pelas obrigações resultantes da integração do país na União Europeia e noutras esferas supranacionais, e Remediação ou oportunidade? visível na delimitação dos diagnósticos prospectivos, na constituição de parcerias e mobilização de recursos ou ainda na montagem de Não pretendendo esgotar a discussão, consi- estruturas operacionais e de monitorização. deramos ser tempo, no entanto, de retomar a Esse amadurecimento permitiu algo que questão inicial. A constatação do percurso que nunca foi possível antes: trabalhar em rede está a ser feito, de modo generalizado, pelos quer para alcançar níveis mais elevados de efi- municípios portugueses, mas inscrito numa ciência, quer para ser mais preciso nos resul- dinâmica visível a outras escalas (Peel e Lloyd, tados aproveitando as mais-valias de cada um 2005), permitindo-lhes munir-se de um leque dos atores e recursos adotados. diversificado de instrumentos para o desenvol- Se fosse posível estabelecer uma sequên- vimento, com uma qualidade que é observada cia temporal, acreditamos que, num primeiro na sua capacidade propositiva e na sua dimen- momento, esta divergência de trajeto foi são operativa coloca uma primeira questão de mais uma estratégia de remediação saída importância prática relativa: a deriva urbanís- da dificulda de de dar resposta a problemas tica do planeamento municipal foi uma con- complexos mas, num segundo momento, o sequência do desenvolvimento local ou a sua que foi encarado como um problema revelou- justificação? -se como uma oportunidade essencial para a Parece ficar claro que a resposta não tem teia de apoio ao desenvolvimento que se foi um sentido único, identificando-se contributos tecendo e alastrando a todos os territórios por importantes em cada uma das perspectivas. mais específicos que sejam e se calhar até mais Com efeito, a incapacidade que, em termos intensamente nesses. gerais, a gestão territorial revelou para dar Confirmando-se esses percursos di- resposta aos imperativos do desenvolvimento vergen tes à escala local (e cuja explicação local, seja por limitação do quadro legal, seja procurou-se sinteticamente demonstrar), a 504 Book CM24_final.indb 504 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 491-506, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:34 A deriva urbanística do planeamento territorial reflexão a fazer deve centrar-se na atitude a até à impossibilidade de se reverter esta situa- assumir perante esta realidade antevendo-se, ção a médio prazo. O esforço ciclópico de expurgar con- para já, três possibilidades: • Manutenção do atual distanciamento, penalizando ambos os domínios; tinuamente o sistema de planeamento dos problemas que o tornam ineficiente e ineficaz • Condução do esforço para uma maior in- debilitou-o em várias frentes e nem a ambi- tegração, na lógica preexistente, mas cuja ção de ser o fiel depositário da estratégia dificuldade se prenuncia dado o grau de ma- de desenvolvimento territorial (como sucede turação que ambos os dominios têm vindo a no caso dos PDM) lhe permitirá ir mais além revelar; que a afirmação de um mero estatuto de re- • Estabelecer um quadro de relação que formaliza a distinção mas que garanta a articula- gulamento das dinâmicas definidas noutros fóruns. Embora os IGT sejam hoje dispensados ção proveitosa e que ainda está por fazer. sempre que possível, em alguns casos eles integram o planeamento informal (cf. estudos es- Conclusão tratégicos de áreas críticas urbanas, por exemplo) sendo também verdade que eles próprios Mais que acusar aqui o papel dos IGT na per- se obrigam a incorporar os resultados daqueles sistência das assimetrias sociais, econômicas exercícios “informais” (como sucede com a e urbanísticas visíveis desde há muito mesmo carta educativa, social, etc.). em áreas de grande densidade de planos (cf. o A natureza tem horror ao vazio e tam- exemplo do Algarve com os seus planos regio- bém aqui a gestão territorial foi encontrando nal, turismo, POOC, POAP, PDM, etc.) trata-se substitutos mais dirigidos, abrangentes, eficien- sobretudo de chamar a atenção para a perda tes e eficazes para dar resposta a desafios que da centralidade destes instrumentos na condu- o sistema clássico de planeamento, onipresente ção dos territórios rumo ao desenvolvimento e e onipotente, nunca conseguiu. Jorge Gonçalves Geógrafo. Instituto Superior Técnico. Lisboa, Portugal. [email protected] Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 491-506, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 505 505 09/11/2010 13:05:34 Jorge Gonçalves Notas (1) Disponível em www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Governos/Governos.../20070411_MAOTDR_Doc_ Poli ca_Cidades.htm, acesso em 15 de Junho de 2009. (2) Concelhos de Évora, Mora, Ponte de Sor, Moita e Oliveira do Bairro (3) Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza Referências GONÇALVES, J. M. (2003). A informalidade no ordenamento do território. Geoinova, n. 7, pp. 167-178. ______ (2004). ReciproCidade: apropriação e exclusão em urbanismo. Arquitectura, 2-4, pp. 171317. MEDEIROS, C. A. (org.) (2006). Planeamento e ordenamento do território. Colecção Geografia de Portugal, Círculo de Leitores, Lisboa. PEEL, D. e LLOYD, M. G. (2005). Development Plans, Lesson-drawing and Model Policies in Scotland. Interna onal Planning Studies, v. 10, n. 3-4, pp. 265–287. 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Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 491-506, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:34 Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina Neoliberal globalization, urban changes and state policies in Latin America Emilio Pradilla Cobos Resumo Os investimentos em políticas assistenciais que objetivam solucionar o chamado problema da “violência urbana” indicam uma via da configuração das periferias das grandes cidades ou das chamadas cidades globais, como campos de concentração a céu aberto. Este artigo analisa um projeto de aplicação de medidas socioeducativas em meio aberto para os chamados adolescentes infratores como elastificação da prisão-prédio na composição desses campos de concentração em áreas consideradas de risco e/ou habitadas por jovens classificados como em situação de vulnerabilidade social. O conceito sociológico de gueto, colocado por Wacquant, problematizando-o a partir da noção de campo de concentração a céu aberto proposta por Edson Passetti e da análise genealógica de Michel Foucault. Abstract The investments in assistential policies that aim to solve the so-called problem of “urban violence” indicate a way of the configuration of the major cities peripheries – or the so-called global cities –, as borderless concentration camps. This article analyses the application program of socio-educative measures in openspace for the so-called adolescent offenders as an “elastifi cation” of the prison-building in the production of these concentration camps in areas considered of risk and/or inhabited by youngsters classified as in situation of social vulnerability. Towards this, the sociological concept of “ghetto”, presented by Wacquant, problematizing it through the notion of “borderless concentration camp” proposed by Edson Passetti and by the genealogical analysis developed by Michel Foucault. Palavras-chave: campo de concentração a céu aberto; prisão-prédio; polícia; abolicionismo penal; gueto. Keywords : borderless concentration camp; prison-building ; police; penal abolitionism; ghetto. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 507 09/11/2010 13:05:34 Emilio Pradilla Cobos Introducción Las nuevas formas arquitectónico-urbanas actúan como vectores de la privatización y mercantilización de lo público, contribuyen A lo largo de cerca de tres décadas de a la segregación y exclusión socio-territorial aplicación, el patrón neoliberal de acumulación de los ámbitos ocupados por los segmentos de capital, con sus crisis recurrentes, ha de población empobrecida y, por tanto, a la producido profundos cambios en las estructuras fragmentación social del territorio. económicas, sociales y territoriales de las En el neoliberalismo, el urbanismo y la ciudades latinoamericanas, sobre todo en las planeación urbana, fragmentados en el nivel metrópolis, cuyas contradicciones marcarán las metropolitano, han perdido su legitimidad próximas décadas y plantearán serios retos a política e ideológica y se debilitan ante el las políticas, la planeación y la gestión urbanas. predominio de las políticas modernizadoras Mientras continúa el proceso de pragmáticas cuya mítica meta es “lograr la urbanización y nos acercamos a su conclusión, competitividad en un mundo global”. crece el número de grandes ciudades en la región, se multiplican las metrópolis y observamos el surgimiento de nuevas formas socio-territoriales como las ciudades región o Las promesas incumplidas del neoliberalismo los sistemas urbanos regionales. Las economías urbanas se han Desde la crisis generalizada del capitalismo terciarizado en forma polarizada, con un a inicios de los años ochentas del siglo dominio cuantitativo del empleo informal XX, el neoliberalismo y su globalización 1 de baja productividad. La industria tiende fueron presentados al mundo como el nuevo a reubicarse en las periferias urbanas o paradigma del desarrollo mundial, como la metropolitanas lejanas, y sobre todo en los forma de organización social que llevaría al intersticios semi-rurales de los sistemas urbanos “fin de la historia” y aseguraría el bienestar regionales, o en otras ciudades y regiones de de todas las naciones y sus habitantes. Tres los territorios nacionales. décadas después, este patrón de acumulación El capital inmobiliario, asociado al se mantiene en medio de las crisis causadas financiero, ha ganado un nuevo protagonismo por su sector dominante, el financiero en la economía y la configuración urbana con especulativo, las recesiones productivas la promoción de grandes centros comerciales, periódicas, las mega-fusiones de grandes unidades habitacionales cerradas y de “interés monopolios trasnacionales, la quiebra de social” e inmuebles corporativos. grandes empresas o sectores enteros de la De la centralidad única del pasado, las economía, el bancario y el automotriz, por metrópolis transitaron a la multi-centralidad, ejemplo; los escándalos generados por los y hoy se observa la tendencia en algunas actos ilegales de las trasnacionales, y los metrópolis a su reestructuración a partir de una multimillonarios rescates realizados por los red de corredores terciarios. gobiernos, a costa de sus contribuyentes. 508 Book CM24_final.indb 508 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:34 Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina La acumulación de capital en los países Los países latinoamericanos y del Caribe dominantes, sometida como siempre a ciclos tomados en su conjunto, endeudados con la recesivos, se sostiene gracias al excedente banca mundial y con su sistema bancario- extraído a sus trabajadores y los de los países financiero interno controlado por los capitales atrasados; a la expoliación poco racional de extranjeros, estancados en su industrialización los recursos naturales; a las sobre-ganancias y el avance tecnológico, sin motores internos monopólicas y tecnológicas; al creciente de crecimiento y dependientes del dinamismo control de los mercados internos de los cíclico de las economías hegemónicas, la de países dominados por las trasnacionales allí Estados Unidos en particular, han dado marcha localizadas; al libre mercado internacional atrás en su historia económica, perdiendo en utilizado para ampliar sus mercados saturados; muchos casos lo logrado durante la onda larga y al papel que juegan en la nueva fase de expansiva de la economía posterior al conflicto acumulación originaria de capital en los países mundial, en términos de crecimiento económico ex socialistas del este europeo, en China y y de aumento del producto por habitante otros países de Asia. (Cepal, 2001 y 2005; ver Cuadro 1 y Gráfico 1). Gráfico 1 – América Latina: tasa anual de variación del PIB y del PIB per cápita (en dólares constantes del 2000 y en porcentaje) Fuente: Comisión Económica para América Latina y el Caribe (Cepal), sobre la base de cifras oficiales. Nota: Tomado de “Balance premilinar de las economias, de América Latina y el Caribe, de 2007”, p. 44. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 509 509 09/11/2010 13:05:34 Emilio Pradilla Cobos Cuadro 1 – América Latina y el Caribe: principales indicadores económicos Año 1972* 1973* 1974* 1975* 1976* 1977* 1978* 1979* 1980* Producto interno bruto (1)(3) 7.0 8.3 7.0 3.8 5.4 4.8 5.1 6.5 5.9 Producto interno bruto por habitante (1)(3) 4.3 5.6 4.3 1.2 2.8 2.2 2.5 3.9 3.3 – – – – 7.7 7.4 6.8 6.0 5.7 1981 1982o 1983o 1984o 1985o 1986a 1987a 1988a 1989a 1.7 -1.4 -2.4 3.4 2.8 3.6 2.9 0.6 1.1 -1.0 -3.7 -4.6 1.0 0.4 1.3 0.7 -1.5 -1.0 5.9 7.0 8.1 8.2 7.5 – – – – 1990” 1991” 1992” 1993” 1994” 1995^ 1996^ 1997^ 1998’ 0.3 5.3 3.7 2.5 4.7 1.1 3.8 5.1 2.5 -2.0 2.9 1.3 0.3 2.5 -0.6 2.1 3.4 0.8 6.1 8.5 8.9 8.9 7.8 8.5 9.2 8.8 10.3 1999’ 2000’ 2001’ 2002’ 2003’ 2004’ 2005’ 2006’ 2007’ 0.2 3.9 0.3 -0.5 2.1 6.2 4.6 5.6 5.6 Producto interno bruto por habitante (1)(3) -1.3 2.4 -1.1 -1.8 0.8 4.8 3.3 4.2 4.2 Tasa de desempleo urbano (4) 11.0 10.4 10.2 11.0 11.0 10.3 9.1 8.6 8.0 Tasa de desempleo urbano (4) Año Producto interno bruto (1)(3) Producto interno bruto por habitante (1)(3) Tasa de desempleo urbano (4) Año Producto interno bruto (1)(3) Producto interno bruto por habitante (1)(3) Tasa de desempleo urbano (4) Año Producto interno bruto (1)(3) (1) Sobre la base de cifras oficiales expresada en dolares (2) Variación de Diciembre a Diciembre (3) Tasa de crecimiento (4) Porcentaje Fuente * : Estudio Economico de América Latina y El Caribe, 1981, Cepal Fuente 0 : Estudio Economico de América Latina y El Caribe, 1985, Cepal Fuente a : Comercio Exterior, v. 40, n. 2, México, febrero de 1990, Banco Nal. de Comercio Exterior Fuente “ : Comercio Exterior, v. 47, n. 3, México, febrero de 1997, Banco Nal. de Comercio Exterior Fuente ^ : Balance Preliminar de las Economias de América Latina, 2003, Cepal Fuente ‘ : Balance Preliminar de las Economias de América Latina, 2007, Cepal De la observación de las estadísticas de que desde 1980 ha sufrido tres recesiones la Comisión Económica para América Latina profundas (1981-1982 la cual marco el quiebre (CEPAL) se derivan tres conclusiones básicas: entre los dos patrones de acumulación, 2002 y • Desde 1982, en el período neoliberal, el promedio de las tasas de crecimiento del 2008 en adelante), y tres desaceleraciones muy fuertes (1988-1990, 1995 y 1999). Producto Interno Bruto (PIB) de la región ha • Las tasas de crecimiento del producto sido muy inferior al de igual período en número interno por habitante han seguido un curso de años en el intervencionismo estatal (1954- similar en ambos patrones de acumulación: 1980), mostrando nítidamente su inferioridad crecen menos que el PIB cuando éste crece, y como patrón e instrumento de la acumulación caen más que el PIB cuando éste cae, dando de capital. cuenta, en ambas situaciones de la desigualdad • Durante el período intervencionista, la economía no enfrentó recesiones, mientras 510 Book CM24_final.indb 510 creciente en la distribución de la riqueza entre capital y trabajo. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:35 Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina • Sin embargo, el notorio crecimiento al exigir a los estados, sobre todo a los de del PIB en el período intervencionista permitió los países desarrollados (EEUU, Comunidad el del PIB por habitante, mientras que en el Eu r o p e a , J a p ó n ) , r e s c a t e s m a si v o s y neoliberal, este indicador crece mucho menos multimillonarios de grandes trasnacionales o cae por el bajo crecimiento del PIB y por las in d u s t r ial e s ( s o b r e t o d o l o s g i g a n t e s recesiones. automotrices), inmobiliarias, financieras y La recesión en curso, que se inició bancarias, por parte de los gobiernos, que han en Estados Unidos en 2008, y se expandió llevado a una nueva participación de éstos en rápidamente en América Latina (Gráfico la propiedad de grandes empresas, contraria a 2 ) , es considerada la más prof unda y los dogmas neoliberales. Al menos, se habla estructuralmente compleja desde la Gran ya entre los gobernantes de las potencias Depresión de 1929 -1930, y ha puesto a económicas, de la necesidad de implantar discusión la validez del patrón neoliberal de “una regulación estatal mundial más estricta acumulación y del libre mercado mundial, de los flujos financieros internacionales”. Gráfico 2 – América Latina y El Caribe: tasa de variación del PIB y del PIB per cápita (en dolares constante del 2000 y en porentajes) Fuente: Comisión Económica para América Latina y el Caribe (Cepal), sobre la base de cifras oficiales. Nota: Las tasas de variación indiadas en el gráfico corresponden a la tasa de variación media de cada uno de los subperíodos del PIB per cápita. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 511 511 09/11/2010 13:05:35 Emilio Pradilla Cobos Al impacto de la recesión en los atrasados pero con ventajas comparativas países desarrollados, trasmitida a América ambientales y altos subsidios, y por la caída Latina y el Caribe a través de la salida de constante y acumulativa de los precios de capitales especulativos, la disminución de las materias primas agrícolas en el mercado la demanda y los precios de los productos mundial. Muchos produc tores rurales , agrícolas y manufacturados, y el cierre de hundidos en la crisis y el hambre, se han filiales de trasnacionales, hay que añadir refugiado en el cultivo de estupefacientes la caída de las remesas enviadas por los (coca en Bolivia, Perú y Colombia, marihuana y trabajadores emigrantes sobre todo mexicanos, amapola en México) en la selva o la montaña, centroamericanos, colombianos y ecuatorianos a pesar de la inclemente persecución de los y, sobre todo, la contracción de la masa y aparatos represivos locales y/o de Estados el precio de las exportaciones petroleras de Unidos. Estos procesos siguen empujando México, Venezuela y Ecuador. campesinos a la migración hacia los centros Salvo la industrialización semi- urbanos, incrementados en algunos países por autónoma de los tigres asiáticos previa al la violencia rural ejercida por el narcotráfico, neoliberalismo (Fajnzylber, 1983), y la actual los movimientos armados y los paramilitares. semi-industrialización de Brasil, Rusia, India y El crecimiento urbano periférico, la China, los países atrasados han tenido como formación de ciudades-región y sistemas política industrial casi única la subcontratación urbanos regionales, la acción del capital internacional, la fabricación de piezas o el inmobiliario, y la suburbanización resultante de ensamblaje para las trasnacionales (maquila la multiplicación de las viviendas secundarias en México) por cuya instalación y permanencia de sectores urbanos de altos ingresos, han compiten ferozmente; pero China es hoy el gran sido otros tantos factores de la expulsión del verdugo del crecimiento de este sector en otros campesinado y la transformación de la tierra países, incluido México, gracias a sus ventajas rural en urbana (Pradilla, 2002). competitivas, algunas espurias, como muy En medio de la onda larga recesiva bajos salarios, alta calificación, férrea disciplina iniciada a principios de los ochentas y sin laboral, control estatal de los trabajadores y visos de superación del estancamiento de la represión de sus reivindicaciones. industrialización y del cambio tecnológico en L a desaparición de la producción diversos sectores de la economía, en América campesina latinoamericana ha continuado Latina aumenta el desempleo, crecen el trabajo i n e xo r a b l e m e n t e, a l e n f r e n t a r e n l o s precario y la informalidad como formas de mercados abiertos la desigual competencia subsistencia, y se mantiene o aumenta el con los productos agropecuarios, forestales empobrecimiento de la población (Tokman y y pesqueros, sobre todo transgénicos, O´Donnell, 1999; Cepal, 2001 y 2004; Portes y importados de los países desarrollados o Roberts, 2005). 512 Book CM24_final.indb 512 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:35 Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina Cuadro 2 – América Latina: incidencia de la pobreza y la indigencia, 1980-2007a (en porcentajes de personas) Pobres b Ano Indigentes c Total Urbana Rural Total Urbana Rural 1980 40,5 29,8 59,9 18,6 10,6 32,7 1990 48,3 41,4 65,4 22,5 15,3 40,4 1997 43,5 36,5 63,0 19,0 12,3 37,6 1999 43,8 37,1 63,7 18,5 11,9 38,3 2002 44,0 38,4 61,8 19,4 13,5 37,9 2005 39,8 34,1 58,8 15,4 10,3 32,5 2006 36,3 31,0 54,0 13,3 8,5 29,2 2007 34,1 28,9 52,1 12,6 8,1 28,1 Fuente: Comisión Económica para América Latina y el Caribe (Cepal), sobre la base de tabulaciones especiales de las encuestas de hogares de los respectivos países. a – Estimación correspondientes a 18 países de la región más Haiti. b – Porcentaje de personas con ingresos inferiores a la línea de pobreza. Incluye a las personas que se encuentran en situación de indigencia. c – Porcentaje de personas con ingresos inferiores a la línea de indigencia. Entre 1980 y 2007, antes de estallar la y la ZMVM (Zona Metropolitana del Valle de recesión mundial en curso, en América Latina México), según otra fuente y otra metodología, y Caribe la pobreza total disminuyó -6.4%, llegó al 72.3% en el 2000 (Boltvinik, La Jornada, la rural -7.8% y la urbana solo un -0.9%; en 25-1-2002). Hay que anotar, que en la mayoría ese mismo período, la indigencia total bajo de los casos, estos porcentajes son mayores un -6.0%, la rural -4.6% y la urbana solo un que la media urbana indicada por la Cepal para -2.5%. Sin embargo, en número de personas esos años. estaríamos hablando en 2007 de 48 millones Aunque no disponemos de cifras más más de pobres, y 6 millones más de indigentes recientes sobre la pobreza y la informalidad en que en 1980 (ver Gráfico 3). las metrópolis de la región, todos los analistas Una investigación comparativa coinciden en señalar que la profunda recesión coordinada por Portes, Roberts y Grimson iniciada en el 2008 esta agravando seriamente, (2005, p. 44) da las siguientes cifras de en lo cuantitativo y lo cualitativo, la situación pobreza para algunas metrópolis: Buenos Aires de la pobreza en los países y ciudades de el 51.7% (2002/2003); São Paulo el 55.8% América Latina y Caribe. (2000); Santiago el 12.7% (2000); Lima el La delincuencia incidental (individual, 45.2% (2000); Montevideo (2000) el 23.9%; ocasional, para subsistir), la organizada y la Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 513 513 09/11/2010 13:05:35 Emilio Pradilla Cobos Gráfico 3 – América Latina: evolución de la pobreza y la indigencia, 1980-2008a (en porcentajes y millones de personas) Porcentaje de personas Volumen de población Indigentes Pobres no indigentes Fuente: Comisión Económica para América Latina y el Caribe (Cepal), sobre la base de tabulaciones especiales de las encuestas de hogares de los respectivos países. a Estimación correspondiente a 18 países de la región más Haiti. Las cifras colocadas sobre las secciones superiores de las barras representan el porcentaje y número total de personas pobres (indigentes más pobres no indigentes) b Proyecciones. 514 Book CM24_final.indb 514 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:35 Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina Cuadro 3 – Evolución de la pobreza y la indigencia en seis países latinoamericanos (porcentaje) Argentina Buenos Aires Brasil 1980 1990 1995 2000 2002/3 – – – 35,9 54,7 5,0 33,7 24,8 28,9 51,7 39,0 48,0 35,8 27,5 – Rio de Janeiro – – – – – San Pablo – 27,1 56,6 55,8 – 45,1 38,6 27,5 20,6 – 33,8 28,5 17,8 12,7 – 28,0 47,7 52,9 41,1 39,4 Chile Santiago México Ciudad de México – 76,6* – 72,3* – 46,0 50,2 45,8 47,7 54,8 Lima – 47,8 35,5 45,2 – Uruguay – 28,3 21,7 22,8 – – 28,6 21,3 23,9 – Perú Montevideo Fuente: Portes, Alejandro y Bryan R. Roberts, 2005. * Tomado de Julio Boltvinik, La Jornada, “Economia Moral”, 25 de enero del 2002, Distrito Federal, México. globalizada cuyos giros son el narcotráfico y el contrabando de armas, mercancías, inmigrantes, mujeres y niños, y mercancías robadas, como formas de subsistencia para Urbanización y metropolización en América Latina unos y de enriquecimiento para otros, se están adueñando de las ciudades, haciéndolas Como efecto de la intensa urbanización violentas y modificando durablemente los generada por la industrialización posterior a patrones de vida cotidiana en ellas. la 2ª Guerra Mundial, en 1990, en promedio, Estas evidencias nos llevan a la los países de América Latina y Caribe habían conclusión de que el patrón de acumulación alcanzado un nivel de urbanización del 71.4%, neoliberal globalizado no ha cumplido, similar al de Europa Occidental y superior al al menos en América Latina y Caribe, sus de Europa del Este (United Nations, 1996, pp. promesas de crecimiento económico sostenido 55 y 66), y del 75,5% en el 2000. El ritmo de y mejoramiento de la calidad de vida de la urbanización de la región, es y seguirá siendo mayoría de la población. similar al de Norte América y Oceanía, superior Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 515 515 09/11/2010 13:05:35 Emilio Pradilla Cobos Cuadro 4 – Tasa de urbanización en el mundo Nivel de urbanización – % Población urbana Estimaciones y proyecciones (en miles) Tasa de cambio – % 2000 2030 2000 2010 2020 2030 2000-2010 2010-2020 2020-2030 Total mundial 47.1 60.8 2,856,927 3,505,347 4,215,397 4,944,679 2.1 1.9 1.6 África 37.1 53.5 295,348 417,186 568,199 748,158 3.5 3.1 2.8 Asia 37.1 54.5 1,366,980 1,770,494 2,214,364 2,664,282 2.6 2.3 1.9 Europa 72.7 79.6 529,058 533,808 540,068 545,369 0.1 0.1 0.1 América Latina 75.5 84.6 392,982 471,708 542,392 601,726 1.8 1.4 1.0 Norteamérica 79.1 86.9 249,995 286,479 321,968 354,081 1.4 1.2 1.0 Oceania 72.7 74.9 22,564 25,564 28,405 31,063 1.3 1.1 0.9 Fuente: United Nations Human Settlements (UN-Habitat), 2005, Financing urban shelter. Global report on human settlements 2005. Tabla A.1, p. 186. al europeo que se mantiene casi estático, y será notoriamente en sus tasas de urbanización, superado por el de Asia y África, actualmente unos muy rurales y otros muy urbanos. Este con menor grado de urbanización (Cuadro 4). proceso, marcado por el desarrollo desigual, En el año 2030, según las proyecciones ha producido múltiples formas urbanas que de las Naciones Unidas, América Latina habrá se combinan complejamente, y que van de la alcanzado un nivel de urbanización del 84,6%, pequeña ciudad semi-rural a la extensa ciudad- apenas inferior al de Norte América, aunque región,2 con tallas poblacionales y estructuras el grado de desarrollo socioeconómico sea económico-sociales muy distintas. notoriamente desigual entre ambas regiones, y América Latina contaba en el 2000 con superior al de los demás continentes, llegando 49 aglomeraciones urbanas ubicadas en el a la urbanización casi total. intervalo entre 1 millón y 17 millones 803 mil La urbanización de los países habitantes, que actuaban como núcleos de latinoamericanos y caribeños ha sido desigual, intensos procesos de metropolización; 6 de ellas en función de la magnitud y características sobrepasaban los 5 millones de habitantes y son particulares del doble proceso de hoy los nodos dominantes de la estructuración industrialización urbana y de penetración del de ciudades-región, a las que habría que añadir capitalismo en el campo y de destrucción de las otras que se articulan a sistemas binacionales viejas estructuras agrarias (Pradilla, 2009, cap. (por ejemplo, Ensenada – Rosarito, Tijuana en VI). En 2000, aún habían en la región países con México y San Diego – Los Ángeles, San José y niveles de urbanización inferiores al 60% (Haití, el esto de la conurbación californiana en EEUU), Belice, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, cuyo grado de integración metropolitana no Honduras, Nicaragua, Panamá, Guyana y es reconocido por las estadísticas oficiales Paraguay); y los países-islas de Caribe diferían (Cuadro 5). 516 Book CM24_final.indb 516 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:35 Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina Cuadro 5 – Grandes ciudades en el mundo, años 2000 y 2015 2000 Total mundial África Asia 2015 +1’000,000 habitantes +5’000,000 habitantes +1’000,000 habitantes +5’000,000 habitantes 404 39 451 56 42 3 45 6 202 22 235 32 Europa 64 5 69 5 América Latina 49 6 58 9 Norteamérica 41 3 48 4 6 – 6 – Oceania Fuente: United Nations Centre for Human Settlements (Habitat), 2001, Cities in a globalizing world. Global report on human settlements 2001. Tabla B.1, p. 186. Si tuviéramos indicadores económicos los núcleos más excluidos de los inmigrantes comparables, veríamos que la estructura y de países atrasados en las ciudades del mundo el rango económico de las metrópolis de los desarrollado. países desarrollados y las de los atrasados son En 2005, al menos 23 ciudades muy distintos a lo que muestra el indicador latinoamericanas alcanzaron una talla de más poblacional. Nueva York, Londres y Tokio de 2 millones de habitantes, las cuales, a pesar son catalogados como ciudades globales de lo aleatorio del límite empírico, podemos ca- dominantes (Sassen, 1991), mientras que las racterizar como metrópolis. A ellas habrá que mayores metrópolis del tercer mundo, incluidas añadir otras no registradas por las estadísticas, México, São Paulo y Buenos Aires, con mayor en particular las resultantes de la conurbación de población que Nueva York y Londres, apenas ciudades colocadas a ambos lados de fronteras son desiguales eslabones locales y regionales nacionales, como la que separa a México de subordinados en el sistema urbano de la Estados Unidos. Ocho de estas metrópolis globalización (Pradilla, 2008b). Encontraríamos superaban los 5 millones de habitantes: Buenos una diferenciación aún mayor en el nivel Aires, Argentina; Belo Horizonte, Rio de Janeiro promedio y la distribución social del ingreso, y São Paulo, Brasil; Santiago, Chile; Bogotá, la cobertura y la estructura del empleo, y la Colombia; Ciudade de México, México y Lima, calidad de vida de la población metropolitana; Perú, las cuales se mantendrán en este rango por ejemplo: las ciudades latinoamericanas hasta el 2015. Por su dimensión y complejidad son escenario de un empobrecimiento masivo territorial, económica y social, y su inserción y profundo, solo comparable al observado en en estructuras territoriales más complejas, las Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 517 517 09/11/2010 13:05:35 Emilio Pradilla Cobos caracterizamos como núcleos metropolitanos y fueron su motor en el pasado, podríamos de ciudades-región en formación, que la deducir que el estancamiento de las primeras estadística demográfica no recoge aún. es un factor del de las segundas. Habría que añadir algunas metrópolis más La caída del ritmo nacional y regional de que no alcanzan los 5 millones de habitantes, crecimiento de la industria desde la crisis de los pero presentan la complejidad que permite ochentas, responsable en gran medida de la caracterizarlas como tales; así como a las que pérdida de dinamismo de toda la economía, ha se forman binacionalmente, como Tijuana- sido motivada por el atraso y la dependencia Ensenada, (México) inserta en la ciudad- tecnológicas, la desigual competencia de la región californiana (EEUU) y la conurbación de industria local con las trasnacionales externas Saltillo-Ramos Arizpe, Monterrey, las cercanas e internas, y su restringido mercado interno ciudades fronterizas de México y Estados carcomido por el desempleo masivo y la caída Unidos y algunas ciudades del sur de ese país, histórica de los salarios e ingresos reales de sus desbordando la vigilada frontera binacional trabajadores y penetrado por las mercancías (Pradilla y Márquez, 2007). importadas. Las metrópolis latinoamericanas en general, han sufrido la pérdida de muchas de sus empresas industriales, sobre todo las Desindustrialización y terciarización de las metrópolis grandes, establecidas en las primeras décadas de industrialización, y que con el crecimiento metropolitano quedaron ubicadas al interior de la áreas densamente urbanizadas, las cuales En medio de la actual fase de extensión y han cerrado sus puertas por el peso negativo profundización del proceso multisecular de las deseconomías de aglomeración, las de mundialización del capital, denominada políticas públicas de desconcentración, las globalización, las economías metropolitanas opciones abiertas en el mercado inmobiliario, latinoamericanas atraviesan desde inicios la competencia desigual en el libre mercado de los años ochentas, una fase de perdida de internacional, la quiebra en las recesiones 3 periódicas, o en el mejor de los casos se han y/o relocalización de la industria fuera de trasladado a sus periferias, a localizaciones 5 en los intersticios de las ciudades-región dominada por la informalidad, 6 cuyas en formación, o se han relocalizado en implicaciones son: pérdida de productividad, otros lugares del territorio nacional, por el contracción del empleo productivo estable y surgimiento en ellos de nuevas economías bien remunerado, agudización de la desigual de localización como el comercio fronterizo distribución del ingreso, y persistencia de la (Márquez y Pradilla, 2008). dinamismo, signada por la desindustrialización 4 sus ámbitos, y la terciarización polarizada, pobreza relativa y de la masa de pobres. Puesto Metrópolis como la del Valle de México que las economías metropolitanas concentran – ZMVM – (Pradilla y Márquez, 2004) o Rio de una parte muy significativa de las nacionales, Janeiro (Valladares, Preteceille y otros, 2005), 518 Book CM24_final.indb 518 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:35 Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina han sufrido la reducción del peso relativo de Al tiempo que la industria aumenta su industria en la economía metropolitana, en su productividad y reduce la mano de la nacional, y/o la disminución absoluta de su obra necesaria, o desaparece del ámbito base productiva; se han desindustrializado en metropolitano por su relocalización. El sector términos relativos y absolutos. En la región terciario crece, pero en forma polarizada: un Metropolitana de São Paulo – RMSP –, la reducido sector moderno (gran comercio, industria se ha desplazado hacia la ciudad- servicios especializados para la economía y región y otros lugares del Estado (Prosperi el consumo, banca y finanzas, educación y y otros, 2004, p. 412; Ferreira, 2007, pp. 60 y salud privados, etc.) de alta rentabilidad, poca 7 ss.7). En la zona metropolitana de Buenos utilización relativa de mano de obra calificada, Aires, como en otras grandes ciudades uso intensivo de tecnología y salarios latinoamericanas, la industria se ha desplazado adecuados; y un enorme sector informal de las áreas centrales hacia la periferia de de muy baja productividad, mano de obra municipios conurbados. Un conjunto de descalificada, inestabilidad laboral, reducidos deseconomías de aglomeración surgidas en ingresos, sin seguridad social, que obtiene las metrópolis determinan esta migración: su subsistencia en el comercio callejero, la altos costos del suelo, legislación ambiental prostitución, la piratería, o el trabajo en la restrictiva, costos y tiempos de transporte economía negra como el narcotráfico, la trata intra-metropolitano, salarios más altos, mayor de personas, el contrabando y la venta de sindicalización, etc.; las políticas públicas de objetos robados, etc. desconcentración actúan en el mismo sentido (Márquez y Pradilla, 2008). Según los datos disponibles, la participación del trabajo informal en el total de la población En todos estos casos, la gran perdedora ocupada urbana de los principales países ha sido la fuerza laboral que, a diferencia del latinoamericanos aumentó entre 1980 y 1999, capital, carece de las condiciones materiales en un 4.6%, colocándose en un 46.4% del total. para una relocalización territorial inmediata y El dato es claro: casi la mitad de la población simultanea a la de las empresas; la vivienda urbana ocupada lo hace en el sector informal. propia del trabajador, que le ha significado La investigación comparativa coordinada años de sacrificio, se vuelve una condición por Portes, Roberts y Grimson (2005, p. 40) da desfavorable para la movilidad permanente, las siguientes cifras de trabajo informal para mientras que las carencias del transporte el 2002/2003: Buenos Aires el 47,5%; Rio de colectivo y el tiempo-costo de desplazamiento Janeiro el 39,2%; São Paulo el 50,8%; Santiago lo son para una movilidad diaria. Este impacto el 33,9%; y ciudad de México el 50,0%; Lima viene a añadirse al generado por el incesante (2000) el 61,3%; y Montevideo (2000) el cambio tecnológico en los procesos de trabajo, 27,9%. Con excepción de Montevideo, en la tanto en el sector secundario como el terciario, totalidad de los casos, este porcentaje es mayor que al elevar la productividad en un mercado que el registrado en 1980 o 1990. Seguramente laboral estrecho, da lugar a la reducción del hoy, en medio de la profunda recesión en curso, empleo necesario (Márquez y Pradilla, 2008). estas cifras habrán aumentado. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 519 519 09/11/2010 13:05:35 Emilio Pradilla Cobos Las actividades de subsistencia, incluidas metropolitanos específicos, por lo general en las asóciales (narcotráfico, delincuencia, centralidades, subcentralidades o corredores prostitución, contrabando, piratería de terciarios, los deterioran física y socialmente, y marcas, etc.) desarrolladas por esta gran masa contribuyen de múltiples formas a los procesos informal, ocupan vialidades, plazas y territorios de fragmentación y exclusión socio-territorial. Cuadro 6 – América Latina: distribución de la población ocupada en las zonas urbanas según el segmento del mercado de trabajo y contribución de cada categoria de inserción laboral, zonas urbanas – 1990-1999 (porcentaje) Composición de la ocupación urbana Tipo de inserción laboral 1990 1999 100,0 100,0 Total sector formal 58,9 53,6 Total sector informal 41,1 46,4 Total ocupados Fuente: Cepal, sobre la base de tabulaciones especiales de las encuestas de hogares de los respectivos países. Cuadro 7 – Evolución del trabajo informal en seis países latinoamericanos (porcentaje) 1980 Argentina 1990 1995 2000 2002/3 23,0 – – 45,0 41,8 – 41,5 39,7 43,6 47,5 27,2 37,3 42,6 41,8 – Rio de Janeiro – 31,8 37,7 39,6 39,2 São Paulo – 23,1 37,4 37,5 40,8 27,1 39,2 38,8 37,2 35,6 – 30,8 31,3 32,3 33,9 35,8 35,1 38,2 35,4 44,1 – 44,7 57,4 50,6 50,0 40,5 – 59,7 60,3 61,5 Lima 54,9 55,2 53,8 61,3 – Uruguay 23,1 33,0 35,1 34,7 – – 30,6 28,9 27,9 – Buenos Aires Brasil Chile Santiago México Ciudad de México Perú Montevideo Fuente: Portes, Alejandro y Bryan R. Roberts, 2005. 520 Book CM24_final.indb 520 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:35 Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina De la centralidad a los corredores terciarios El resultado de nuestra investigación nos indica que en la zona metropolitana del Valle de México (y muy probablemente en otras metrópolis mexicanas y latinoamericanas) Las ciudades y metrópolis latinoamericanas esta etapa de formación de múltiples configuradas por el proceso de industrialización subcentralidades urbanas fue de transición. y urbanización acelerada de la posguerra Desde los años ochentas cedió el paso al (1940-1980), están sometidas a procesos surgimiento de múltiples formaciones lineales intensos de reestructuración desde hace de esas mismas características, corredores cerca de tres décadas. La continua expansión urbanos terciarios desplegados a lo largo y poblacional y física, que desbordó ampliamente sobre algunos de los ejes principales de flujos las fronteras administrativas de las ciudades de vehículos y personas, que reproducen y originales y dio lugar a la metropolización, profundizan la segregación socio-territorial. llevó a la desconcentración del comercio y Los 72 corredores registrados en 2008 en la los servicios públicos y privados, buscando ZMVM se entrecruzan en forma irregular en la a los consumidores o usuarios en las nuevas estructura urbana, constituyendo una asimétrica periferias residenciales o populares de los y desigual red o trama de corredores urbanos diversos sectores sociales. terciarios.8 Estos corredores urbanos terciarios El movimiento centrífugo de la población presentan distintos grados de consolidación y la vivienda, es decir, de los compradores- y de intensidad de implantación (densidad usuarios, impactó también a los sectores inmobiliaria, altura de las edificaciones), poseen comerciales y de servicios. A la centralidad una capacidad de atracción diferencial sobre los originaria compleja (administrativa, política, usuarios-compradores a escala metropolitana, religiosa, cultural, comercial, de servicios públicos urbana o local, y se combinan en algunos y privados y oficinas), formada por la ciudad casos paradigmáticos con nuevos desarrollos patrimonial y su transformación-expansión en inmobiliarios para oficinas o viviendas de las primeras seis décadas del siglo XX, se fueron sectores de ingresos altos y medios (Pradilla y y siguen añadiendo en forma espontánea o Pino, 2004; Pradilla y otros, 2008) inducida por grandes proyectos comerciales Los componentes fundamentales de los e inmobiliarios, diversas subcentralidades o corredores terciarios son los centros y plazas nuevas centralidades, que sustituyeron a la comerciales y los agrupamientos longitudinales antigua centralidad, parcial y fragmentariamente de pequeños y medianos comercios, las oficinas debido al dominio casi excluyente de las bancarias y de otras actividades financieras, actividades mercantiles (comercio, servicios para los servicios privados o públicos orientados la economía y el consumo, banca y finanzas, hacia las actividades económicas y hacia los recreación comercial, etc.), con la ausencia usuarios domésticos individuales, servicios de casi total de elementos culturales, políticos, reparación, hoteles, restaurantes y lugares de religiosos, simbólicos, o de espacios públicos y entretenimiento mercantil, ocasionalmente lugares de encuentro colectivo. actividades culturales comerciales, y oficinas de Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 521 521 09/11/2010 13:05:35 Emilio Pradilla Cobos gestión de las diversas empresas e instituciones aparecen como seudo-centralidades, dominadas públicas y privadas. por la mercancía: las “centralidades” de la Evidentemente, la presencia de vivienda ciudad neoliberal. sobreviviente del pasado, de nuevos desarrollos residenciales empresariales, o los nuevos diseños de proyectos de usos mixtos integrados de vivienda, comercio, oficinas y hotelería, no modifica sustantivamente al corredor si lo Las nuevas formas arquitectónico-urbanas terciario es dominante; por el contrario, les aportan consumidores y usuarios localizados. En el conjunto de las metrópolis latinoamericanas La red de corredores terciarios sobre encontramos tres componentes que se han vías de alta intensidad de flujos de personas y multiplicado desde la implantación del patrón vehículos, atrapa en su interior a las antiguas neoliberal de acumulación de capital: los áreas de vivienda a las cuales sirven como grandes desarrollos inmobiliarios mixtos, los lugares de intercambio, de aprovisionamiento centros comerciales socialmente diferenciados, de mercancías y servicios, y de entretenimiento, y las unidades habitacionales cerradas. dando lugar a un efecto de fragmentación En diversas metrópolis del continente de las antiguas áreas integradas. Muchos se llevan a cabo en la actualidad inmobiliarios corredores se han formado desplazando, mixtos desarrollos – megaproyectos – muy destruyendo y sustituyendo por nuevas importantes, que en muchos casos forman parte edificaciones, o en su defecto, reformando de la estructuración de los corredores urbanos zonas de vivienda, sin o con valor patrimonial mediante intervenciones puntuales, y en otras no protegidas adecuadamente por la legislación asumen la forma de grandes complejos semi- sobre conservación patrimonial, por ejemplo, autónomos de desarrollo inmobiliario mixto en Paseo de la Reforma, Insurgentes Centro o (oficinas, hotelería, vivienda de lujo, comercio y Álvaro Obregón en la ciudad de México. servicios, etc.). Puerto Madero en Buenos Aires, Estos corredores, como sus antecesoras Marginal Pinheiros y Avenida Berrini en São las subcentralidades, no constituyen verdaderas Paulo, Paseo de la Reforma y Complejo Santa centralidades urbanas. Son solo agrupaciones Fe en ciudad de México, para citar solo los mercantiles organizadas en función del megaproyectos inmobiliarios más conocidos intercambio, que carecen de muchas de las de la región, han reutilizado áreas recuperadas actividades públicas propias de la vida urbana a actividades portuarias, basureros, industrias colectiva: espacios de encuentro público, relocalizadas o cerradas, antiguas viviendas cultura, religión, política, espectáculo callejero desplazadas, o baldíos interiores o periféricos, libre, etc.; se forman para el automóvil, no etc. Una característica generalizada es el uso para el peatón, carecen de vida de relaciones intensivo del suelo, de alto precio, mediante la humanas directas; solo los centros comerciales construcción en altura. 522 Book CM24_final.indb 522 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:35 Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina Aunque los centros comerciales En la ZMVM, nuestro levantamiento empezaron a aparecer en América Latina en registró, hasta julio de 2008, 200 centros o los años sesentas del siglo XX, sucediendo a plazas comerciales, 188 de las cuales fueron los antiguos pasajes comerciales de finales del construidas luego de 1980. Como señalamos siglo XIX e inicios del XX, su generalización antes, los centros comerciales juegan hoy coincidió con la implantación del patrón un papel sustantivo en la formación de los neoliberal de acumulación, desde el inicio de corredores terciarios a la cual inducen al generar los años ochenta. Al principio fueron orientados un polo de concentración de compradores que hacia los sectores de ingresos medios y altos en puede ser usado como mercado por otras sus zonas de vivienda periféricas, pero en años actividades terciarias, o a los cuales se adosan recientes tienden a generalizarse para todos los dado que en los corredores ya existe un flujo estratos sociales y sus territorios (López Levi, importante de compradores y, por tanto, 1999; Lulle y Paquette, 2007; Duhau y Giglia, economías de aglomeración localizadas (Ver 2008; Pradilla y otros, 2008). plano). Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 523 523 09/11/2010 13:05:36 Emilio Pradilla Cobos Los centros comerciales de tamaño medio y formas desde las horizontales y extensivas, y grande, los prototípicos, están diseñados hasta las verticales, según el patrón urbano para el acceso en automóvil; interiorizan la seguido o promovido por las acciones privadas calle y las plazas y orientan toda su estructura en relación con las políticas públicas: ciudad arquitectónica sobre ellas sustituyendo a las dispersa o ciudad compacta. Son la forma más publicas exteriores; como ámbitos privados, visible y agresiva de la privatización de la calle son vigilados por guardias de seguridad y la segregación social del territorio urbano y, privadas y excluyen a las públicas; se han por tanto, de su fragmentación. convertido en los “modelos” del intercambio En las metrópolis latinoamericanas, mercantil en la fase actual del capitalismo; y la aparición de las unidades habitacionales, son un vector sustantivo de la privatización de formadas con viviendas unifamiliares o lo público urbano. edificios multifamiliares, construidas por los La tercera forma arquitectónico-urbana organismos del Estado, se remonta hasta el que se ha multiplicado en las metrópolis inicio de las políticas estatales de vivienda en latinoamericanas con el patrón neoliberal, es medio del proceso acelerado de urbanización la de urbanizaciones o conjuntos cerrados. Los de mediados del siglo XX. Pero en la ZMVM y factores sociales que impulsan este movimiento otras ciudades mexicanas (y posiblemente en son propios del patrón de acumulación o sus otras metrópolis de otros países de la región), consecuencias no deseadas: la inseguridad desde los años noventa, el cambio en la pública creciente generada por la violencia política habitacional estatal que convirtió a sus urbana, el individualismo imperante en la instituciones promotoras de vivienda en bancos vida cotidiana, las promociones publicitarias hipotecarios o en organismos financieros del capital inmobiliario, y la legalización de la de “segundo piso”, y cedió la función de la propiedad en condominio horizontal o vertical. promoción y construcción de la vivienda “de Es ilustrativo que el investigador Cabrales interés social” a las inmobiliarias privadas, ha señale que de los 71 trabajos de investigación dado lugar a la multiplicación de gigantescos sobre el tema publicados entre 1992 y 2002 en desarrollos habitacionales de viviendas América Latina que revisó, 63 se publicaron mínimas (casas de una o dos plantas de cerca entre 2000 y 2002, mostrando la emergencia de 40 m 2 de área), en extensión, ocupando del tema (Cabrales, 2003, p. 60; también, áreas agrícolas en zonas periféricas, a gran Ribeiro, 1996; y Ciudades, núm. 59). distancia-tiempo de los centros de actividad Estas urbanizaciones o conjuntos cerrados laboral y carentes de comercio, abasto y están rodeados de muros o rejas, se accede a servicios. El objetivo de las inmobiliarias con ellos por garitas, son vigilados por guardias esta localización, es reducir al mínimo el costo privadas y circuitos cerrados de televisión, del suelo en el precio total de construcción 9 impiden el libre acceso a los automóviles y (Duhau, 2008), pero al costo de la continua transeúntes externos y fragmentan la trama extensión urbana sobre áreas de cultivos o de vial urbana, tienen muy diversas dimensiones reserva ambiental. 524 Book CM24_final.indb 524 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:36 Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina La modernización capitalista neoliberal de las metrópolis la mercantilizada y mundializada (narcotráfico, contrabando de mercancías, armas y personas, etc.). Al mismo tiempo, los sectores populares más empobrecidos se ghetifican en sus barrios La modernización capitalista neoliberal de y se ven sometidos al control de bandas las metrópolis, cuyos objetos son las nuevas armadas, muchas veces ligadas al narcotráfico formas arquitectónico-urbanas antes descritas, y otras formas de la delincuencia organizada. ha tenido como fuerzas motoras o como Esta segregación social, producto del efectos-resultados, a procesos sociales como mercado y de las políticas públicas, hace que la privatización de lo público, la fragmentación las metrópolis se fragmenten cada vez más en socio-territorial por la exclusión de actividades lo social y territorial. Este proceso, que surgió como la producción o la vivienda de la en el patrón intervencionista de acumulación, población de bajos ingresos, y la hegemonía y se acentuó con el neoliberal, avanza en del automóvil privado sobre el transporte sentido contrario a la lucha ciudadana por la público. Sus actores fundamentales han sido libre apropiación de la ciudad, el respeto de las los poderes públicos, con pocas diferencias diferencias y la eliminación de las limitaciones prácticas cuando se declaran de derecha o de en el uso de lo público: el derecho a la ciudad. izquierda, y el capital inmobiliario-financiero (Coalición..., 2008). nacional y trasnacional. En el mismo sentido de la privatización La privatización de muchos servicios y – exclusión – fragmentación socio-territorial espacios públicos se ha producido mediante actúa la hegemonía creciente del automóvil su transferencia al capital privado – por venta, privado en las metrópolis. Varios vectores se concesión o asociación –, y la mercantilización conjugan para ello: a) el atraso cuantitativo y del acceso a los bienes básicos que prestan el deterioro cualitativo del transporte público, (vialidad, educación, salud, deporte, cultura, al que los gobiernos no han dado la prioridad etc.) o de su uso (parques e infraestructuras necesaria para atender adecuadamente la recreacionales, playas, etc.) (Pradilla, 2009), o demanda creciente de la población de ingresos su reducción o destrucción para abrir paso a bajos y medios; b) la agresiva publicidad de la vialidad confinada o primaria en función del los distribuidores de autos, que ensalza los predominio creciente del automóvil privado. valores individualistas del automóvil; c) la Los sectores de ingresos medios y altos disminución relativa de los costos de los autos, se segregan y protegen – bunkerizan – en la multiplicación de los autos compactos a bajo urbanizaciones o conjuntos cerrados, en precio y los sistemas de venta a plazos, como sus centros comerciales y clubes privados, estrategas de las trasnacionales automotrices reduciendo la libre movilidad de los habitantes, para enfrentar su crisis de realización mercantil es decir, privatizando los espacios públicos acentuada por la recesión en curso; d) la opción interiores, justificándolo con el incremento real de los gobernantes por las grandes obras de la inseguridad y la violencia, nutrida por la de vialidad confinada (túneles, deprimidos, informalidad, la delincuencia para sobrevivir y/o highways , puentes y distribuidores viales, Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 525 525 09/11/2010 13:05:36 Emilio Pradilla Cobos etc.), muy visibles y rentables en términos de total de predios antiguos destinados a otros la promoción política de los gobernantes; y d) usos, o por integración de nuevas áreas, sus la ideología individualista de las capas medias ámbitos de operación y gestión, los cuales se y altas, exacerbada por la cultura globalista hicieron obsoletos en los viejos emplazamientos neoliberal. ante las nuevas condiciones tecnológicas de Mientras las metrópolis se pueblan de construcción, equipamiento y operación. En ostentosas moles de concreto o socavones, ellos, el capital inmobiliario logra recuperar metidos con calzador en la estrecha estructura para su revalorización, por la vía del mercado, urbana, para el uso de una quinta parte de áreas destinadas a otras actividades, sobre la población, las cuatro quintas partes se todo a la vivienda o la industria, cuyo precio mueven en incómodos y sobresaturados de producción ya fue recuperado y su precio sistemas de transporte colectivo que ruedan de mercado ha disminuido por el deterioro a una velocidad mínima impuesta por el físico o social, y así apropiarse de nuevas 80% de los automotores que realizan el rentas del suelo, en particular diferenciales de 20 % de los desplazamientos. La ciudad localización, creadas socialmente (Jaramillo, deja de ser un territorio para los peatones, 1994, pp. 130-180). amenazados constantemente por el automóvil, En la construcción de oficinas, centros enfrentando insalvables barreras físicas como y plazas comerciales, o vivienda bunker túneles, deprimidos, puentes o entradas de para sectores de ingresos medios y altos, estacionamientos, y teniendo que usar para el capital inmobiliario y constructor lleva a salvarlas elevados y tortuosos puentes u oscuros cabo procesos de valorización de su capital sótanos proclives a los actos de violencia. Las productivo y genera nuevas rentas diferenciales metrópolis neoliberales se modernizan para el de localización que rentabilizan sus acciones automóvil y los automovilistas (Pradilla y Sodi, futuras realizadas en el mismo corredor 2006, pp. 100 y ss.). terciario o zona, en un proceso continuo de expansión de las áreas beneficiadas. Todos los propietarios de suelo, aún los desplazados El protagonismo del capital inmobiliario por la formación del corredor, se apropiarán, en proporción a la extensión y situación del terreno, de las rentas del suelo absolutas o monopólicas y las de localización, generadas La multiplicación de los centros comerciales, los por el crecimiento urbano en su conjunto y por desarrollos inmobiliarios mixtos y su articulación la demanda de emplazamientos terciarios para en la conformación de los corredores terciarios atender sus necesidades. constituyen una nueva estrategia de diversas fracciones del capital. Los procesos de formación de los corredores terciarios han sido de diferente Para el conjunto del capital, estas naturaleza, pero en la mayoría de los casos han formas urbanas significan la oportunidad para sido el resultado de la combinación de múltiples modernizar, por restauración o reconstrucción acciones paulatinas de agentes sociales 526 Book CM24_final.indb 526 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:36 Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina (comerciantes pequeños y grandes, prestadores acceder a ningún proyecto de vivienda público de servicios, bancos y financieras, empresas, o privado. constructores y promotores inmobiliarios), La combinación compleja de para beneficiarse de la demanda dispersa en reconstrucción y ver ticalización interna el territorio urbano. En ocasiones, son parte mediante el aumento signif ic ativo de de grandes proyectos de renovación urbana las alturas de los edificios y /o expansión impulsados por el capital inmobiliario, con el periférica dispersa, determinada por la lógica apoyo o promoción estatal (por ejemplo, el particular del capital inmobiliario y financiero corredor de Paseo de la Reforma y el Desarrollo y sus megaproyectos, y la especificidad de su Santa Fe en la ZMVM). En otros casos, son el relación con las políticas urbanas, define los resultado de los planes de desarrollo urbano procesos de producción – reproducción del y las políticas urbanas de gobiernos locales territorio metropolitano. específicos, como el de Paseo de la Reforma, En esta reestructuración urbana, el capital promovido y apoyado directamente por el inmobiliario, que está ligado estrechamente gobierno local desde el año 2000, y de éste y al capital financiero y bancario que maneja otros ejes en el actual gobierno de la ciudad. En el crédito a mediano y largo plazo y restituye unos y otros casos, los proyectos se articulan en el capital al inmobiliario para que siga torno a las ideologías de la modernización y el operando, y al sector hipotecario público en los desarrollo urbano. proyectos de grandes unidades habitacionales Sin embargo, la expansión sobre las horizontales de vivienda de interés social, periferias de las ciudades y metrópolis, que asume un papel determinante en la economía devora a la naturaleza circundante, no ha y la morfología urbanas, sin que hasta cesado. En ellas siguen localizándose tanto ahora haya logrado impulsar un crecimiento los desarrollos horizontales o verticales de sostenido y sustentable. En América Latina, el sectores de ingresos medios y altos, como los capital trasnacional, sea el inmobiliario y/o el grandes conjuntos de viviendas mínimas de financiero, está jugando un papel cada vez más interés social construidos por las inmobiliarias protagónico en esta modernización urbana, y se privadas y las instituciones hipotecarias habla con frecuencia también de que el sector estatales que ahora siguen las fórmulas inmobiliario es usado como lavadora de las neoliberales de financiamiento, o, como ha ganancias del crimen organizado globalizado. ocurrido desde mediados del siglo X X, la Esto ocurre ante la creciente debilidad implantación de las viviendas precarias, en e incapacidad de una planeación moribunda, asentamientos irregulares de los sectores subordinada a los invisibles equilibrios más pobres de la población, sin capacidad de automáticos del mercado. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 527 527 09/11/2010 13:05:36 Emilio Pradilla Cobos La extinción de la planeación, los nuevos usos del urbanismo y los límites de la participación ciudadana En estas acciones dominan los imperativos de la llamada competitividad en el mundo global, única vía reconocida para el desarrollo urbano, o bien, la competencia entre ciudades o porciones de la metrópoli por la inversión nacional o, sobre todo, extranjera, que nutriría La planeación urbana, que durante el período el crecimiento económico urbano. del intervencionismo estatal gozó de amplia E n e s t e m a r c o, l a p a r t i c i p a c i ó n difusión y legitimidad en el discurso político ciudadana, aceptada solo en el discurso por e intelectual, pero careció de instrumentos los poderes locales, colocada en situación suficientes y eficaces de intervención para de debilidad e incapacidad decisoria en orientar y regular el desarrollo urbano, ha los organismos de planeación a los que se sido despojada en esta fase neoliberal de su permite acceder a los ciudadanos, que en legitimidad por la reducción y el cambio en las diversas realidades concretas ha reemplazado funciones del Estado, el nuevo protagonismo como reivindicación – fuerza a las luchas del del capital inmobiliario-financiero, y tiende movimiento social, consume ingentes recursos a extinguirse, reducida al papel poco útil de humanos y materiales, y sus tímidos logros discurso político u obligación legal remanente legales se desvanecen ante el verticalismo (Pradilla, 2005) de los gobiernos locales y nacionales, y la Por las mismas razones, el urbanismo a partidocrácia. La gran debilidad social de escala urbana, popularizado a mediados del quienes realizan esta participación ciudadana siglo XX, ha sido sustituido por el urbanismo es, sin duda, su falta de legitimidad, por ser puntual de los megaproyectos inmobiliarios seleccionados por el poder mismo, o por formar o de infraestructura aislados, que a pesar de parte de organismos no gubernamentales sin los llamados “estudios de impacto urbano una representatividad amplia, por lo general. y ambiental”, no logran dar cuenta de los procesos de cambio en el todo urbano que explican estas intervenciones y los que ellas producirán en la totalidad urbana y ambiental. La gestión metropolitana, fragmentada por múltiples límites administrativos y pugnas Las teorías y modelos urbanos de importación: un llamado de atención políticas entre sus distintos gobernantes, carente de mecanismos eficaces de Diversos investigadores explican estos procesos coordinación o integración, se ha convertido complejos mediante modelos, descripciones y en una sumatoria pragmática y coyuntural de conceptos tomados prestados a nuestros pares políticas y acciones modernizantes, ejemplares, de los países dominantes, elevados de rango – definidas desde arriba por los gobernantes en de la descripción a la teoría –, universalizados y función de la rentabilidad económica o política. mezclados, por que la “crisis de los paradigmas” 528 Book CM24_final.indb 528 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:36 Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina los autorizaría a borrar las fronteras teórico- mecánicamente y con frecuencia sin pruebas ideológicas. Porter, Krugman, Castells de ayer empíricas. y de hoy, Wallerstein y Harvey cabalgan juntos En tanto, la investigación urbana como D´Artagnan y sus mosqueteros, en extraño latinoamericana languidece, dependiente de salpicón, sin que se reconozcan sus diferencias apoyos gubernamentales escasos, sometida o antagonismos teórico-ideológicos. Muchos a estratificaciones institucionales, y carente de estos modelos descriptivos son tomados de lectores qué la utilicen para construir la de países con geografías, historias, culturas, explicación concreta de los procesos urbanos demografías y grados de desarrollo económico concretos del continente. En muchos casos, y territorial muy diferentes, elaborados en los textos de investigación, plagados de momentos histórico-sociales muy distintos referencias “globalizantes”, no se refieren a al actual (por ejemplo, Plazas Centrales de la investigación pasada y presente realizada Cristaller y Losch, Esquemas radiocéntricos de en América Latina, lo que conduce a darles la la Escuela de Chicago, Polos de desarrollo de los razón a quienes afirman que no vale la pena keynesianos franceses, etc.) sin tener en cuenta gastar recursos en investigación social, pues las serias críticas que generaron en su tiempo, los mismos investigadores ni la consultan, ni la ni el hecho de que quienes los usan hoy afirman leen, ni la consideran útil (Pradilla, 2008b). también que la globalización, omnipresente en esos discursos, todo lo cambió. Finalicemos diciendo que creemos urgente revalorizar el trabajo de los latinoamericanos, El problema no radica en que se trate volver los ojos hacia nuestras realidades, de caracterizar lo que hay de universal en sus particularidades y diferencias, retomar los procesos particulares y diferentes, en el el papel crítico inherente a la teoría y a la ámbito de la teoría; sino que se deja de lado lo intelectualidad, someter a revisión detallada los particular y diferente para generalizar modelos aportes que llegan de los países hegemónicos y conceptos usados para describir realidades que, seguramente, pueden explicar su realidad muy diferentes a las nuestras, aplicándolos pero no necesariamente la nuestra. Emilio Pradilla Cobos Doctor en Economía del Desarrollo y en Urbanismo. Universidad Autónoma Metropolitana. Xochimilco, México DF, México. [email protected] / [email protected] Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 529 529 09/11/2010 13:05:36 Emilio Pradilla Cobos Notas (1) Hemos discu do ampliamente el carácter ideológico y mí co de los conceptos de globalización y ciudades globales (Pradilla, 2008a y 2008b). En realidad, nos encontramos solo en una etapa más del proceso multisecular de expansión mundial y profundización del capitalismo, de mundialización del capital, iniciada a finales del siglo XV con los grandes descubrimientos y conquistas territoriales, y la integración de los nuevos territorios descubiertos (América y África) en la acumulación originaria de capital en Europa. (2) Par mos del concepto desarrollado por Allen J. Sco ([1992] 1994 y 2001), que luego especificamos para América La na: “Entendemos la ciudad-región como un gran sistema urbano uni o mul céntrico, como una trama densa pero no necesariamente continua, de soportes materiales de infraestructuras y servicios, viviendas, actividades económicas, políticas, culturales, administra vas y de ges ón, resultante de la expansión centrífuga de una o varias ciudades o metrópolis cercanas, que ar cula y/o absorbe a otros asentamientos humanos menores en su periferia o a lo largo de las redes de vialidades y transportes que las unen, y a las áreas rurales inters ciales; este conjunto esta integrado como un todo único pero contradictorio, por una alta intensidad de relaciones y flujos permanentes de mercancías, personas, capitales, mensajes e informaciones; en esta trama, la localización de ac vidades es rela vamente indiferente en la medida que sus lugares comparten los efectos ú les de aglomeración y las ventajas compara vas (Pradilla y Márquez, 2007). (3) “Particularizando la caracterización de Coriat, que compartimos, nosotros señalamos que la desindustrialización, como proceso, debe referirse a un ámbito territorial específico (un país, una región, una metrópoli o ciudad), y entenderse como la disminución de su base industrial durante un período mediano o largo de tiempo, que se expresa en: a) el cierre definitivo de establecimientos industriales, ponderado por su tamaño para evaluar su importancia, que conduce a la reducción del total de empresas; b) la disminución del número total de trabajadores industriales; c) la reducción absoluta del capital fijo y/o del ritmo de su formación; y d) la disminución del volumen de la producción industrial, medido en productos sicos, en valor total o agregado. La tendencia a la disminución en términos reales – valores totales – de varias de estas variables, en un período mediano o largo, mostraría una desindustrialización absoluta. La desindustrialización puede producirse también en términos rela vos, es decir, la pérdida de peso o par cipación de la industria de un ámbito territorial, siguiendo sus dis ntas variables básicas, en el total de la economía local, o en el total del sector industrial nacional, o de la economía nacional en su conjunto, aunque no se produzcan pérdidas absolutas” (Márquez y Pradilla, 2008, p. 25). (4) Por relocalización entendemos el desplazamiento de una industria existente, de un emplazamiento a otro localizado en un ámbito territorial específico dis nto. Hablamos de implantación, cuando se trata de la localización de una nueva empresa o filial en un ámbito territorial determinado. (5) Con terciarización, nos referimos al proceso que lleva al crecimiento absoluto y/o rela vo de las variables fundamentales de los distintos subsectores (comercio y servicios) del sector terciario en su conjunto, en la economía de un ámbito territorial específico. Para nosotros, se trata de un proceso dis nto al de servicialización (crecimiento del sector servicios) que u lizan algunos autores, y que a veces, erráticamente, identifican al de terciarización. Al hablar de polarización de la terciarización. descartamos cualquier interpretación que la relacione con la dualización – la sociedad dual –; por el contrario, pensamos que se trata de los polos de una 530 Book CM24_final.indb 530 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:36 Mundialización neoliberal, cambios urbanos y políticas estatales en América Latina unidad contradictoria que no se explican el uno sin el otro y que están en permanente relación de oposición: tal es el caso de la economía formal y la informal. (6) Aunque compartimos las dudas planteadas por muchos investigadores sobre las múltiples definiciones de la Informalidad, usamos esta noción, cuyo contenido concreto es reconocido por todos, aunque no se comparta su teorización o ideologización. (7) Compar mos plenamente con J. S. W. Ferreira (2007), su certera cri ca al mito ideológico de las ciudades globales en América La na (Ver Pradilla, 2008a y 2008b). (8) La revisión realizada en 2008 del recuento inicial hecho en 2001, arrojo un total de 72 corredores urbanos terciarios en la ZMVM (Pradilla y otros, 2008) (9) En el caso de la ZMVM, entre 1994 y junio del 2005 se construyeron 384.561 viviendas de este po, en grandes conjuntos, sobre 6.830 hectáreas, en la periferia de los municipios conurbados en la metrópoli (Dudau, 2008). Referencias CABRALES BARAJAS, L. F. (2003). Ciudades cerradas, libros abiertos. Ciudades, n. 59. Priva zación de la ciudad, Red Nacional de Inves gación Urbana, México DF, México. 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Ciudades la noamericanas. Un análisis compara vo en el umbral del nuevo siglo. Buenos Aires/Argen na, Prometeo Libros. Texto recebido em 17/nov/2009 Texto aprovado em 22/dez/2009 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 507-533, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 533 533 09/11/2010 13:05:36 Book CM24_final.indb 534 09/11/2010 13:05:36 A globalização como reterritorialização: o reescalonamento da governança urbana na União Europeia* Globalization as reterritorialisation: the re-scaling of urban governance in the European Union Neil Brenner Resumo O presente artigo argumenta que os processos de reterritorialização – a reconfiguração e o reescalonamento de formas de organização territorial, como cidades e Estados – constituem um momento intrínseco do atual ciclo de globalização. A globalização é aqui concebida como uma reterritorialização dos espaços, tanto socioeconômico como político-institucional, que se desdobram simultaneamente em múltiplas escalas geográficas sobrepostas. A organização territorial dos espaços urbanos contemporâneos e das instituições estatais deve ser vista ao mesmo tempo como um pressuposto, um meio e um resultado dessa dinâmica de reestruturação espacial global altamente conflitante. Com base nisso, várias dimensões da governança urbana na Europa contemporânea são analisadas como expressões de uma política de escala que está emergindo na interface geográfica entre os processos de reestruturação urbana e de reestruturação do Estado territorial. Abstract This article argues that processes of reterritorialisation – the reconfiguration and rescaling of forms of territorial organisation such as cities and states constitute an intrinsic moment of the current round of globalisation. Globalisation is conceived here as a reterritorialisation of both socioeconomic and political-institutional spaces that unfolds simultaneously upon multiple, superimposed geographical scales. The territorial organization of contemporary urban spaces and state institutions must be viewed at once as a presupposition, a medium and an outcome of this highly conflictual dynamic of global spatial restructuring. On this basis, various dimensions of urban governance in contemporary Europe are analysed as expressions of a politics of scale that is emerging at the geographical interface between processes of urban restructuring and state territorial restructuring. Palavras-chave: globalização; reestruturação territorial; Estado; governança urbana. Keywords: globalisation; territorial restructuring; state; urban governance. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 535 09/11/2010 13:05:36 Neil Brenner Introdução e imóveis – em particular, aglomerações regionais urbanas e instituições reguladoras de Estado – que possibilitam esse movimento ace- Na crescente literatura sobre globalização, lerado. Segundo, e mais importante, tais aná- muitos autores têm enfatizado o aparente de- lises negligenciam as formas de que depende sencaixe (disembedding) das relações sociais, intrinsecamente o presente ciclo de globaliza- econômicas e políticas de suas precondições ção neoliberal, com as quais está entrelaçado, territoriais locais. Argumenta-se, por exemplo, e expresso através de grandes transformações que o “espaço de fluxos” está suplantando o da organização territorial em múltiplas escalas “espaço de lugares” (Castells, 1989, 1996); geográficas. Com base nessas críticas, a tese que a territorialidade e a própria geografia es- central deste artigo é que os processos de re- tão sendo dissolvidas (Ruggie, 1993; O’Brien, territorialização – a reconfiguração e o reesca- 1992); que as fronteiras nacionais se tornaram lonamento de formas de organização territo- irrelevantes, redundantes ou obsoletas (Ohmae, rial, como cidades e Estados – devem ser vistos 1995); que as identidades político-culturais na- como um momento intrínseco do atual ciclo de cionalmente organizadas estão sendo “dester- globalização. ritorializadas” (Appadurai, 1996); e que os es- Apoiando-se nos trabalhos de David paços “supraterritoriais” baseados em “intera- Harvey (1982) e Henri Lefebvre (1977, 1978, ções sem distâncias e sem fronteiras” (Scholte, 1991), este argumento é elaborado por meio 1996) estão descentrando o papel das formas de uma discussão sobre as várias formas como socioinstitucionais territoriais e baseadas na lo- as cidades e os Estados contemporâneos es- calização geográfica. Quaisquer que sejam as tão sendo reterritorializados e reescalonados diferenças de ênfase, de objeto de pesquisa e atualmente. A globalização é aqui concebida de interpretação, essas diferentes análises de como uma reterritorialização dos espaços, globalização têm como ponto comum o foco tanto socioeconômico como político-institu- na acelerada circulação de pessoas, mercado- cional, que se desdobram simultaneamente rias, capitais, dinheiro, identidades e imagens em múltiplas escalas geográficas sobrepostas. no espaço global. Esses fluxos de circulação A organização territorial dos espaços urbanos acelerados e globais personificariam os proces- contemporâneos e das instituições estatais de- sos de desterritorialização por meio dos quais ve ser vista ao mesmo tempo como um pressu- as relações sociais estão sendo destacadas e posto, um meio e um resultado dessa dinâmica deslocadas de lugares e territórios em escalas de reestruturação espacial global altamente geográficas subglobais. conflitante. Com base nisso, várias dimensões Duas deficiências significativas carac- da governança urbana na Europa contemporâ- terizam as interpretações da globalização nea são analisadas como expressões de uma que focam unilateralmente fluxos, circulação “política de escala” (Smith, 1993) que está e processos de desterritorialização. Primeiro, emergindo na interface geográfica entre os tais análises tendem a negligenciar as formas processos de reestruturação urbana e de re- de organização territorial relativamente fixas estruturação territorial do Estado. Uma breve 536 Book CM24_final.indb 536 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:36 Globalização como reterritorialização conclusão propõe que novas representações fossem cruciais para o fordismo do Atlântico de “escalonamento” de práticas espaciais são Norte, um ajuste relativamente apertado foi es- necessárias para se compreender a organiza- tabelecido entre o dinamismo urbano e o cres- ção territorial em rápida mutação do capitalis- cimento econômico nacional (Sassen, 1991). mo mundial do final do século XX. É essa configuração do capitalismo mundial centrada no Estado – estabelecido com base em um relacionamento espacialmente iso- Cidades, Estados e a geografia histórica do capitalismo mórfico entre a acumulação de capital, urbanização e regulamentação dos Estados – que vem se revelando desde a crise econômica global do início dos anos 70. Nessas circunstân- O célebre estudo histórico de Fernand Braudel cias, segundo Taylor (1995), o relacionamento sobre os primórdios da Europa moderna, The historicamente consolidado de “mutualidade” Perspective of the World (1984), resume o pa- entre as cidades e Estados territoriais vem se pel essencial das cidades e Estados na geo- desgastando significativamente, resultando grafia histórica do capitalismo a longo prazo. em novas geografias de urbanização global O trabalho de Braudel acompanha a mudança e de acumulação de capital que não mais se de época ocorrida no século XVIII das “econo- sobrepõem equitativamente às geografias do mias centradas na cidade” (Stadtwirtschaft) poder territorial do Estado. Em escalas espa- de Gênova, Veneza, Antuérpia e Amsterdã ciais supranacionais, novas macrogeografias para a “economia territorial” britânica (Ter- de acumulação de capital têm se consolidado ritorialwirtschaft), baseada em um mercado à proporção que as economias nacionais fordis- nacional agrupada em torno de Londres. Após tas-keynesianas são suplantadas por uma con- o início do período moderno, as economias ter- figuração da economia mundial dominada pe- ritoriais dos Estados-nação uniram grandemen- los blocos super-regionais da Europa, América te as geografias das cidades e a urbanização. do Norte e Ásia Oriental (Altvater e Mahnkopf, Conforme as cidades se subordinam ao poder 1996). Em escalas espaciais subnacionais, a político dos Estados, passam a integrar ainda competição interespacial tem se intensificado mais firmemente os regimes de acumulação entre as regiões urbanas, que se esforçam para escalonados nacionalmente (Arrighi, 1994; atrair investimento de capital e subsídios do Es- Tilly, 1990). No início da segunda revolução in- tado (Leitner e Sheppard, 1998; Krätke, 1991; dustrial, no final do século XIX, as cidades do Mayer, 1992; Swyngedouw, 1989). Enquanto velho mundo industrializado passaram a ser isso, novas hierarquias urbanas mundiais tam- máquinas da produção em massa fordista, in- bém começaram a cristalizar-se, dominadas fraestrutura urbana de um sistema global com- por cidades globais como Nova Iorque, Londres partimentado em distintos Estados territoriais e Tóquio, nas quais as funções centrais do ca- sob a hegemonia geopolítica e geoeconômica pital transnacional têm sido crescentemente dos EUA (Altvater, 1992; Scott e Storper, 1992). concentradas (Hitz et al., 1995; Knox e Taylor, Embora as ligações interurbanas transnacionais 1995; Sassen, 1991). Finalmente, e em especial Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 537 537 09/11/2010 13:05:36 Neil Brenner desde os anos 80, Estados de toda a economia mundial têm se esforçado para se reestruturarem simultaneamente, para se ajustarem às intensificadas interdependências econômicas Cidades e Estados como formas de organização territorial globais e para promoverem o investimento e a acumulação renovada de capital dentro de O ponto de partida desta análise é o proble- seus limites territoriais (Cerny, 1995; Hirsch, ma endêmico da organização territorial den- 1995; Jessop, 1993, 1994; Röttger, 1997). tro do capitalismo teorizado por David Harvey Os estudos de Braudel sobre os primór- (1982) e Henri Lefebvre (1978 e 1991). Como dios da Europa moderna focam mais direta- demonstrou detalhadamente Harvey, o capital mente a transição histórica de uma configu- está inerentemente voltado para a eliminação ração do capitalismo centrada na cidade para das barreiras espaciais ao processo de circula- outra, centrada no Estado, do que a mudança ção – a “aniquilação do espaço pelo tempo” das relações entre cidades e Estados como evocada na famosa formulação de Marx (1973 modos entrelaçados de organização socioe- [1857], p. 539) desenvolvida nos Grundrisse. A conômica, política e geográfica. No entanto, consideração fundamental de Harvey é que es- as considerações anteriores indicam que as se movimento rumo à aceleração temporal con- cidades e os Estados contemporâneos ope- tínua da circulação de capital, ou “compressão ram não como mutuamente exclusivos ou do tempo-espaço”, baseia-se na produção do como configurações geográficas competindo espaço e na configuração espacial. É unicamen- pelo desenvolvimento capitalista, mas como te por meio da construção de infraestruturas de formas de organização territorial interdepen- transporte, comunicações e de regulamentação dentes, densamente sobrepostas. Cidades e institucional relativamente fixas e imóveis – Estados estão sendo reconfigurados, reterri- uma “segunda natureza” de configurações torializados e reescalonados em conjunto com de organização territorial socialmente produ- o mais recente ciclo de globalização capita- zidas – que esse acelerado movimento físico lista, mas ambos permanecem sendo formas das mercadorias através do espaço pode ser essenciais de organização territorial sobre as obtido. Assim, segundo Harvey (1985, p. 145), quais se baseia a circulação de capital em es- “a organização social é necessária para suplan- cala mundial. Este artigo analisa essas trans- tar o espaço”. Harvey apresenta a noção de formações macrogeo gráficas das cidades e “solução espacial” (spatial fix) para teorizar as dos Estados como momentos intrinsecamente matrizes complexas da configuração espacial relacionados dentro de uma única dinâmica socialmente produzida e a dimensão temporal de reestruturação capitalista global. Para este correspondente, expressa pelo tempo de rota- fim, a próxima sessão examina mais de perto ção médio socialmente aceitável de circulação o papel das cidades e dos Estados territoriais dos capitais em uma dada conjuntura histórica. como estruturas geográficas dentro, sobre e Harvey (1982, p. 416) defende que uma solução por meio das quais o desenvolvimento capita- espacial é assegurada pela construção de con- lista se desenrola. figurações socioterritoriais imóveis nas quais a 538 Book CM24_final.indb 538 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:36 Globalização como reterritorialização acumulação expandida de capital possa ser ge- administrar o espaço ‘em grande escala’”. Em rada; isso envolve “a conversão das restrições à seus escritos que evocam sua teoria de Esta- acumulação, de temporais para espaciais”. do, a afirmação mais geral de Lefebvre (1978, O papel das cidades como modelos de pp. 278-280, 307, 388) é que os Estados ter- territorialização do capital tem sido ampla- ritoriais desempenham papéis essenciais na mente reconhecido. As cidades territorializam moldagem das relações sociais do capitalismo o capital pela aglomeração de infraestruturas em configurações geográfico-organizacionais relativamente fixas e imóveis, tais como sis- relativamente estáveis associadas a padrões temas de transporte, suprimento de energia, históricos distintos de acumulação de capital redes de comunicação e outras externalida- e urbanização.1 des que sustentam formas específicas históri- O trabalho de Lefebvre sugere que cada cas de produção, troca, distribuição e consu- solução espacial urbana para o capital pressu- mo (Gottdiener, 1985; Harvey, 1982, 1989b; põe uma maior “solução escalar” (scalar fix) Krätke, 1995; Scott, 1998a; Storper e Walker, (Smith, 1995) composta por formas distintas 1989). O papel dos Estados territoriais como de organização territorial – incluindo aglome- modelos de territorialização do capital tem rações regionais urbanas, instituições esta- sido analisado menos frequentemente. No tais e a economia mundial – que abrangem e entanto, Lefebvre argumentou extensivamen- transcendem a escala urbana. Essa forma de te nos quatro volumes de seu negligenciado análise permite que Lefebvre veja as escalas trabalho De l’État (1976-1978), os Estados têm espaciais como uma estrutura geográfica so- operado igualmente como estruturas geográfi- cialmente produzida sobre a qual, dentro da cas fundamentais através das quais a circula- qual e por meio da qual as formas diferenciais ção de capital tem sido continuamente territo- de capital são sucessivamente desterritoriali- rializada, desterritorializada e reterritorializa- zadas e reterritorializadas durante o curso do da, sobretudo a partir da Segunda Revolução desenvolvimento capitalista (Brenner, 1998b). Industrial do final do século XIX. Segundo Essa conceitualização de solução escalar tam- Lefebvre, a fixidez territorial das instituições bém apresenta implicações substanciais para estatais fornece uma estrutura geográfica es- a análise das relações mutáveis entre cidades tável para a circulação da força de trabalho, e Estados no capitalismo contemporâneo. Por de mercadorias e do capital em múltiplas es- um lado, pode-se argumentar que a dinâmica calas. Os Estados obtêm essa territorialização contraditória de desterritorialização e reterri- de capital provisória de várias formas – por torialização é endêmica do capitalismo como exemplo, por meio de regulamentação mone- sistema histórico-geográfico, e que vem sus- tária, códigos jurídicos, medidas de proteção tentando cada onda de reestruturação induzida social e, mais importante, pela produção de por crises verificada desde a Primeira Revolu- configurações espaciais em larga escala, que ção Industrial, em meados no século XIX (Man- servem como forças específicas territoriais de del, 1975; Soja, 1985). Em cada um dos casos, produção. Lefebvre (1978, p. 298) observa que a agitada dinâmica transformativa do capital “somente o Estado pode assumir a tarefa de torna suas próprias precondições geográficas Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 539 539 09/11/2010 13:05:37 Neil Brenner específicas históricas obsoletas, induzindo a argumentaremos aqui que uma das consequên- uma onda de reestruturação com a finalidade cias geográficas mais importantes do ciclo de de reterritorializar, e assim, reativar o proces- globalização capitalista pós-anos 70 foi a des- so de circulação. Por outro lado, essa dinâmica centralização da escala nacional de acumula- recorrente de desterritorialização e reterritoria- ção, urbanização e regulamentação estatal em lização tem sido organizada por meio de uma favor de novas configurações territoriais sub e grande variedade de configurações escalares, supranacionais. cada uma delas produzida pelo enredamento de redes urbanas e estruturas territoriais estatais, que juntas constituem uma infraestrutura geográfica relativamente fixa para cada ciclo histórico da expansão capitalista. Assim, à proporção que o capital é reestruturado em perío- “Glocalização”: a desnacionalização da territorialidade dos de crises econômicas prolongadas, as configurações escalares em que se fundamenta o No presente contexto, o termo globalização capital são igualmente reorganizadas, a fim de refere-se a um processo dialético ambivalente, criar uma nova estrutura geográfica para uma onde o movimento de mercadorias, capitais, nova onda de crescimento capitalista. moedas, pessoas e informações no espaço geo- Até o início dos anos 70, os processos gráfico é continuamente expandido e acelera- de desterritorialização e reterritorialização do; e infraestruturas espaciais relativamente ocorriam primariamente no interior da estru- fixas e imóveis são produzidas, reconfiguradas tura geográfica da territorialidade do Estado. e/ou transformadas para permitir tal movimen- Apesar das tensões explosivas e dos conflitos to expandido e acelerado. A partir dessa pers- causados pela competição interestatal e inter- pectiva, a globalização envolve uma interação capitalista, o sistema interestatal moderno for- dialética entre o movimento endêmico rumo à neceu ao capital, a partir do século XVII, uma compressão do tempo-espaço no âmbito do ca- estrutura territorial relativamente estabilizada pitalismo (momento de desterritorialização) e para o crescimento econômico e a expansão a produção e reconfiguração contínua de con- geográfica (Arrighi, 1994, Taylor, 1993). Nesse figurações espaciais relativamente fixas – por sentido, a territorialidade do Estado geralmen- exemplo, as infraestruturas territoriais de aglo- te opera mais como uma plataforma institu- merações regionais urbanas e Estados (mo- cional para a reestruturação capitalista do que mento da reterritorialização) (Harvey, 1989a, como objeto direto. Durante o século XX, em 1996; Lefebvre, 1977, 1978, 1991). Assim de- face da política econômica e da hegemonia dos finida, a globalização não ocorre meramente EUA, o papel da escala nacional como detentor através da extensão geográfica do capitalismo da acumulação do capital e da urbanização foi para abranger progressivamente zonas maio- intensificado a tal ponto que a historicidade do res do globo, mas emerge somente quando a nível escalar era frequentemente nacionalizada expansão e a aceleração da acumulação do ou não reconhecida (Taylor, 1996). Entretanto, capital estão intrinsecamente fundamentadas 540 Book CM24_final.indb 540 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:37 Globalização como reterritorialização na construção de infraestruturas territoriais em escala nacional como detentor exclusivo das larga escala, uma “segunda natureza” de con- relações socioeconômicas, intensificando simul- figurações espaciais socialmente produzidas taneamente a importância dos modelos de or- tais como ferrovias, rodovias, portos, canais, ganização territorial sub e supranacionais. Este aeroportos, redes de informação e instituições processo de reescalonamento da territorialida- estatais que permitem a circulação do capital de pode ser considerado a differentia specifica ainda mais rápido. da atual reconfiguração do capitalismo mundial Lefebvre (1977, 1978, 1991, p. 37) si- (Brenner, 1998c). tua essa transformação de época “da pro- Conforme definido, o momento da terri- dução de coisas no espaço para a produção torialização mantém na era contemporânea a do espaço” no fim do século XIX, quando o mesma importância fundamental que sempre “neocapitalismo” e o “modo de produção esta- teve no processo de circulação de capital. En- tal” (le mode de production étatique) foram pri- tretanto, as escalas em que esse processo se meiramente consolidados em escala mundial. produz não são mais espacialmente coexten- Lash e Urry (1987) descreveram essa configu- sivas em relação às matrizes nacionalmente ração centrada no Estado do desenvolvimento organizadas da territorialidade estatal que capitalista mundial como um “capitalismo or- definiram as geografias geopolítica e geoeco- ganizado” e – juntamente com diversos outros nômica do capitalismo. Nesse sentido, o atual pesquisadores (vide, por exemplo, Arrighi, 1994; ciclo de globalização reconfigurou a organiza- Lipietz, 1987; Jessop, 1994; Scott e Storper, ção escalar da dinâmica endêmica do capital 1992) – interpretaram as crises econômicas da desterritorialização e da reterritorialização, mundiais do início dos anos 70 como um meio provocando o que Jessop (1998, p 90) apro- e uma consequência de sua evolução. Consi- priadamente nomeou de “relativização de es- dero o ciclo mais recente da reestruturação cala” (relativisation of scale): do capitalismo em escala mundial, pós-anos 70, como a segunda maior onda de globalização capitalista, através da qual interdependências socioeconômicas globais estão sendo Em contraste com as prerrogativas da economia nacional e do Estado nacional no período do fordismo atlântico, nenhuma escala espacial é privilegiada atualmente. simultaneamente intensificadas, aprofundadas e expandidas, em estreita associação com a O conceito de “glocalização” introduzido produção, a reconfiguração e a transformação por Swyngedouw (1997, 1992, p. 61) para indi- da organização territorial concomitantemen- car “o processo combinado de globalização e te, em escalas espaciais urbano-regionais, na- de reconfiguração territorial local” também res- cionais e supranacionais. Enquanto a onda da salta oportunamente esse processo de reestru- globalização capitalista do final do século XIX turação altamente conflitante, o entrelaçamen- evoluiu amplamente no âmbito da estrutura to e a rediferenciação das escalas espaciais. de territorialidades estatais organizadas na- O restante do presente artigo concretiza essa cionalmente, a onda de globalização pós-anos concepção de globalização/reterritorialização 70 descentralizou significantemente o papel da examinando as várias formas como as cidades Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 541 541 09/11/2010 13:05:37 Neil Brenner e Estados territoriais estão sendo atualmente diferentes escalas espaciais ainda não foi sis- reescalonados em relação às geografias cada tematicamente confrontado. Muito da pesquisa vez mais “glocais” do capital. das cidades globais é composto de estudos que enfocam amplamente uma única escala, em geral, a urbana ou a global. Enquanto a pes- Reescalonamento de cidades quisa sobre a geografia socioeconômica das cidades globais tem se concentrado predominantemente na escala urbana, os estudos das Uma maneira de interpretar a proliferação hierarquias urbanas mutáveis têm enfocado de pesquisa sobre a formação da cidade glo- principalmente a escala global. As escalas do bal desde a publicação do clássico artigo de poder do Estado territorial têm sido na prática Friedmann e Wolff (1982) representa um esfor- totalmente negligenciadas pelos pesquisadores ço contínuo para analisar as formas como a re- das cidades globais (Brenner, 1998a), e os es- cente consolidação de uma nova divisão inter- forços para integrar escalas espaciais diferen- nacional de trabalho tem se entrelaçado com ciais em uma única estrutura analítica ainda uma reterritorialização concomitante da urba- são relativamente raros dentro dos parâmetros nização em diferentes escalas espaciais (Hits et da teoria da cidade global. Eu, todavia, defen- al., 1995; Knox e Taylor, 1995). Enquanto alguns do que a teoria da cidade global contém várias pesquisadores das cidades globais as têm con- considerações metodológicas que podem ser cebido como uma classe distintiva de cidades prontamente desdobradas com esse propósito. no ápice das hierarquias localizadas no centro Talvez ainda mais sistematicamente que da escala mundial, eu vejo a estrutura analítica qualquer outro pesquisador das cidades glo- da teoria da cidade global de forma mais am- bais, Sassen (1991, 1993) enfatizou a inerente pla, como um meio de investigação das formas dependência do lugar do processo de globali- em que o atual ciclo de globalização capitalista zação. As cidades globais são concebidas co- tem envolvido uma reorganização territorial do mo locais urbanos territorialmente específicos, processo de urbanização simultaneamente em onde ocorrem vários processos de produção escalas globais, nacionais e urbano-regionais cruciais para a globalização, sobretudo aqueles (ver também Kräkte, 1995). associados às indústrias de produção e de ser- Na medida em que a teoria da cidade viços financeiros, de que depende amplamente global afeta as “relações contraditórias entre o capital transnacional (por exemplo, serviços a produção em uma era de gestão global e a bancários, contábeis, publicitários, de consulto- determinação política de interesses territo- ria financeira e de gestão, direito empresarial, riais” (Friedmann, 1986, p. 69), ela se concen- seguros e similares). Do ponto de vista da pre- tra na problemática da escala geográfica, em sente discussão, a análise de Sassen pode ser sua organização político-econômica e em seu vista como uma aplicação empírica da teoriza- papel na articulação de conflitos sociopolíti- ção de Harvey sobre a dinâmica espaço-tem- cos. Na prática, esse desafio metodológico de poral do capital. A consolidação das cidades analisar as ligações históricas mutáveis entre globais é entendida como uma forma histórica 542 Book CM24_final.indb 542 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:37 Globalização como reterritorialização específica de aglomeração urbano-industrial (1995/1968) e Friedmann (1973; Friedmann e que vem ocupando um papel propulsor crucial Miller, 1965) há três décadas, foi uma primeira no mais recente ciclo da globalização. Por um tentativa de compreender esse padrão emer- lado, os custos mais baixos do transporte, os gente e multicêntrico diversificado de urbani- modos de organização industrial cada vez mais zação supralocal durante o período do “Alto flexíveis e descentralizados e o desenvolvimen- Fordismo”. Sudjic (1993) descreveu mais recen- to de novas tecnologias da informação melho- temente o grande alastramento dos mosaicos raram significativamente a habilidade do capi- da urbanização pós-fordista como “cidades de tal de coordenar os fluxos de valor em escala 100 milhas” (100-mile cities). Similarmente, So- global. Por outro lado, as estratégias por meio ja (1992) cunhou o sugestivo termo “exópolis” das quais o capital procura simultaneamente para capturar os padrões geométricos transfor- comandar e aniquilar o espaço dependem ne- mados da expansão urbana que se cristalizou cessariamente do investimento e do controle nas tecnópoles do sul da Califórnia. A exópolis, dos lugares específicos, em que a infraestrutura de acordo com Soja (1992, p. 95), não é sim- territorializada tecnológica, institucional e so- plesmente uma cidade sem um centro, mas cial da globalização é garantida. Esses lugares, uma cidade “voltada para fora” (inside-out) e argumenta Sassen, são ambientes construídos, “voltada para dentro”(outside-in) ao mesmo economias de aglomeração, infraestruturas tempo. Entretanto, independentemente de co- tecnológico-institucionais e mercados de traba- mo possa ser rotulada, alguma versão dessa lho locais das cidades globais. A consolidação forma de reconfiguração urbana parece ocor- de uma hierarquia mundial, desde os anos 80, rer em cidades-regiões tão diversas como Los de cidades globais concorrentes, embora in- Angeles, Amsterdã/Randstad, Frankfurt/Rhein- terdependentes, pode, então, ser vista como a -Main, a região de Zurique, Tóquio/Yokohama/ concretização territorial desse último ciclo da Nagoya e Hong-Kong/Guandong, entre tantas compressão do tempo-espaço. outras. À proporção que a escala do processo Uma segunda e igualmente importante de urbanização abarca progressivamente are- dimensão dessa reterritorialização do processo nas geográficas maiores, os sistemas urbanos de urbanização é a grande recomposição da articulam novas geometrias cada vez mais po- forma urbana. Por meio de seu papel articula- licêntricas, que indefinem os modelos herdados dor entre as economias local, regional, nacional de centralidade urbana, enquanto reconstituem e global, as cidades são hoje regiões urbanas simultaneamente os padrões de polarização compactas e policêntricas, melhor descritas se- centro-periferia através dos quais o capital afir- gundo os termos da noção de megalópole de ma seu poder sobre o espaço, o território e o Jean Gottmann (1961), do que pelas lentes da lugar (Keil, 1994). tradicional Escola de Chicago ou pelos modelos Em terceiro lugar, e mais importante, a de lugar central descritos nos padrões concên- reterritorialização do capital transnacional em tricos de uso e ocupação do solo em torno a grandes regiões urbanas está estreitamente núcleos metropolitanos centralizados. O con- vinculada a um reescalonamento mais am- ceito do campo urbano, já definido por Lefebvre plo do processo de urbanização em escalas Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 543 543 09/11/2010 13:05:37 Neil Brenner suprarregionais. Enquanto a hierarquia urbana altamente conflitante. Nesse contexto, o local mundial durante os séculos XIX e XX corres- está inserido e sobreposto ao global, enquanto pondia, de modo geral, à hierarquia geopolítica processos globais parecem permear simulta- dos Estados, hoje o poder geoeconômico das neamente todos os aspectos do local (Amin e cidades vem sendo progressivamente desar- Thrift, 1994; Prigge, 1995). Como Veltz (1997, ticulado das matrizes territoriais do sistema p. 84) observou recentemente: interestadual (Scott, 1998; Taylor, 1995). Hoje, é amplamente sabido que as cidades contemporâneas estão inseridas em fluxos de capital transnacional, de mercadorias e de força de trabalho – segundo Friedmann (1995, p. 25), um “espaço de acumulação global” (space of global accumulation) – que nenhum Estado pode controlar totalmente, e essa valorização do capital nas cidades globais não se converte necessariamente em crescimento econômico nacional. Assim, as cidades não devem mais ser concebidas como componentes subnacionais de regimes de acumulação exclusivos, autocêntricos e nacionalmente escalonados, e sim como “nódulos neomarshallianos das redes globais” (Amin e Thrift, 1992), como “motores regionais da economia global” (Scott, 1996) e como conglomerados locacionais flexivelmente especializados em um “mosaico global de regiões” (Storper e Scott, 1995). Nessas circunstâncias, considerando que as regiões industriais periféricas competem com os núcleos urbanos em termos de investimento de capital, subsí- Foi-se o tempo em que era possível mostrar, como fez Braudel, um mundo econômico organizado em camadas bem definidas, onde grandes centros urbanos se ligavam, por si próprios, a economias adjacentes “lentas”, com o ritmo muito mais rápido do comércio e das finanças de larga escala. Hoje, tudo ocorre como se estas camadas sobrepostas estivessem mescladas e interpermeadas em (quase) todos os lugares. Interdependências de curto e longo alcance não podem mais ser separadas umas das outras. Assim, a fronteira que separa as escalas espaciais está se tornando tão indefinida que talvez seja cada vez mais apropriado conceber a organização escalar do capitalismo contemporâneo como uma sequência contínua de interação globalizada – como uma “morfologia hierárquica estratificada”, segundo a terminologia de Lefebvre (vide, por exemplo, Lefebvre 1976, pp. 67-69) – na qual e através da qual o último ciclo de reterritorialização de capital está se desdobrando. dios estatais e outros bens coletivos, formas intensificadas de desenvolvimento geográfico desiguais estão surgindo (vide, por exemplo, Duncan e Goodwin, 1988; Peck e Tickell, 1994, Reescalonamento de Estados 1995; Smith, 1997). Estas considerações sugerem que as Esse processo de reescalonamento da urba- regiões urbanas contemporâneas devem ser nização tem sido analisado detalhadamente concebidas como espaços preponderantemen- através de estudos urbanos contemporâneos, te “glocais”, nos quais múltiplas escalas geo- contudo, outros processos concomitantes de gráficas se interceptam de maneira potencial e reescalonamento não têm recebido a mesma 544 Book CM24_final.indb 544 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:37 Globalização como reterritorialização atenção. Especificamente, muitas das pesquisas de costume” na economia mundial, onde as urbanas sobre globalização baseiam-se na con- instituições estatais nacionalmente escalona- cepção de soma zero do poder do Estado em das detêm o controle regulador soberano sobre relação à economia mundial: o poder e a im- os sistemas econômicos nacionais. portância do Estado tendem a diminuir à pro- Em contraste a ambas as posições, pro- porção que a globalização se intensifica. Como ponho que o papel do Estado como forma de resultado, a exemplo de muitos outros pesqui- (re)territorialização do capital é analiticamente sadores da globalização (vide, por exemplo, distinto da significância estrutural da escala es- Albrow, 1996; Appadurai, 1996; Ohmae, 1995; pacial nacional em fluxos de capital circunscri- Ruggie, 1993; Strange, 1996), os urbanistas tos, transações econômicas, hierarquias urba- têm concluído frequentemente que uma glo- nas e relações sociais. Desse ponto de vista, os balização econômica intensificada leva a uma globalistas estão de fato corretos ao enfatizar erosão da territorialidade do Estado. De acor- o processo de descentralização da escala na- do com essa posição globalista, a mobilidade cional da regulamentação político-econômica, geográfica supostamente maior do capital e as mas erram ao interpretar esse desenvolvimen- crescentes escalas de operação enfraquecem to como evidência de uma contração, recuo ou irreversivelmente a habilidade do Estado em dissolução da territorialidade do Estado. Ao regular as atividades econômicas dentro limi- mesmo tempo, os estadistas estão igualmente tes de suas fronteiras. Por outro lado, dentre os corretos ao enfatizar a importância contínua autores que enfatizam a importância contínua da territorialidade estatal, mas erram ao ad- das instituições estatais na atual configuração mitir que esse papel está indissociavelmente do mundo capitalista (vide, por exemplo, Hirst ligado às instituições e políticas de Estado na- e Thompson, 1995; Mann, 1997), a territoria- cionalmente escalonadas. A meu ver, ambos os lidade é frequentemente entendida como um argumentos falham na apreciação das várias contentor geográfico relativamente estático e transformações em andamento da organização imutável, não modificado qualitativamente pe- territorial do Estado, por meio das quais novas lo processo de globalização. Desse ponto de instituições e formas de regulamentação são vista, o Estado reagiria à intensificada interde- qualitativamente produzidas em escalas sub e pendência econômica global construindo novas supranacionais; e o papel da escala nacional formas de política socioeconômica nacional, como nível de governança está sendo radical- mas não seria em si transformado qualitativa- mente redefinido, em resposta ao atual ciclo da mente por essas novas interações globais-na- globalização capitalista. Esse reescalonamento cionais. Essas posições estadistas materializam da organização territorial do Estado deve ser a territorialidade do Estado em uma estrutura visto como um momento constitutivo e propul- não histórica de intervenção socioeconômica, sor do processo de globalização. que não é fundamentalmente transformada Apesar de os Estados altamente centra- através de seu papel em processos de reestru- lizados e burocratizados da era fordista-key- turação capitalista global. Elas produzem, as- nesiana convergirem em torno à escala nacio- sim, um sentido equivocado de “negócio como nal como lugar organizacional predominante, Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 545 545 09/11/2010 13:05:37 Neil Brenner desde as crises econômicas mundiais do início dos anos 70, os Estados mais velhos da América do Norte e da Europa Ocidental foram consideravelmente reestruturados, a fim de prover capital com cada vez mais precondições territoriais essenciais e bens coletivos em escalas espaciais sub e supranacionais (Cerny, 1995). Esse processo de reescalonamento da territorialidade transmite o poder do Estado para níveis superiores, para agências supranacionais como a União Europeia (UE) e, simultaneamente, transfere-o para baixo, de volta aos níveis locais e regionais do Estado, que estão melhor posicionados para promover e regular a reestruturação regional urbana. Jessop (1994, p. 264) argumenta: O estado nacional está agora sujeito a várias mudanças que resultam em seu “esvaziamento”. Isto envolve duas tendências contraditórias porque, enquanto o estado nacional ainda continua a ser politicamente importante e retém muito de sua soberania nacional [...], suas capacidades de projetar seu poder, mesmo dentro de suas fronteiras nacionais, estão absolutamente enfraquecidas... pelo movimento em direção a sistemas de produção internacionalizados e flexíveis (mas também regionalizados) [...] Esta perda de autonomia cria em contrapartida a necessidade de coordenação supranacional e um espaço de ressurgimento subnacional. Algumas capacidades do estado são transferidas a um crescente número de corporações panregionais, plurinacionais ou internacionais com uma ampla gama de poderes; outras são devolvidas a níveis de governança locais ou regionais reestruturados no estado nacional; e outras ainda são usurpadas por redes horizontais de poder emergentes – locais e regionais – que contornam os estados centrais 546 Book CM24_final.indb 546 e conectam localidades ou regiões em várias nações. Em toda a União Europeia e na América do Norte, em particular, essa dinâmica de reescalonamento do Estado emergiu como uma importante estratégia neoliberal de reestruturação industrial e de gestão da crise, visando ao mesmo tempo melhorar a eficiência administrativa de instituições estatais, capacitar novas formas de mobilidade de capital no âmbito supranacional para promover a competitividade global de grandes polos de crescimento subnacionais, e executar a desvalorização e a revalorização do capital nas cidades e regiões em declínio. Muito parecidas com as infraestruturas baseadas no local das cidades globais, essas novas instituições estatais emergentes reescalonadas podem ser vistas como formas essenciais de reterritorialização do capital. Como mencionado acima, em vez de abandonar o conceito da urbanização em face das formas policêntricas emergentes de “alastramento global” (global sprawl) (Keil, 1994), os pesquisadores das cidades globais propõem modelos geométricos revisados de crescimento, forma e hierarquia urbanos. Uma estratégia metodológica formalmente idêntica pode ser empregada para caracterizar a forma espacial reconfigurada dos Estados territoriais na era atual. Se a forma espacial das cidades-regiões globais hoje se aproxima progressivamente da “exópolis” analisada por Soja (1992), pode-se argumentar de maneira análoga que a forma espacial dos Estados territoriais na era do capitalismo global está sendo “glocalizada” (vide também Swyngedouw, 1997). Como a exópolis, expressão urbana das formas pós-fordistas de Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:37 Globalização como reterritorialização industrialização capitalista, o “estado glocal” é do Estado pode ser visto como uma estraté- uma configuração geométrica polimórfica que gia neoliberal de “desregulamentação” pa- está, do mesmo modo, voltada para fora e para ra desmantelar as operações redistributivas dentro, simultaneamente – voltada para fora, de ordem fordista-keynesiana configuradas na medida em que tenta promover a competiti- nacionalmente, em geral através do ques- vidade global de suas cidades e regiões; e vol- tionamento de funções de bem-estar social tada para dentro, na medida em que agências de instituições municipais. Por outro lado, e supranacionais tais como a União Europeia, o igualmente importante, o reescalonamento Fundo Monetário Internacional e o Banco Mun- do Estado tem servido como uma estratégia dial passam a desempenhar papéis ainda mais de “re-regulamentação” para construir novas diretos na regulamentação e reestruturação capacidades institucionais a fim de promover de seus espaços territoriais internos. Esse pro- o investimento de capital nos grandes polos cesso de “glocalização” do Estado rearticula de crescimento urbano, geralmente através de as geografias políticas herdadas, de maneira políticas de trabalho social local ou regional- a desprivilegiar sistematicamente as organiza- mente organizadas, ONGs não eleitas, e outras ções institucionais estruturadas nacionalmente iniciativas empresariais tais como parcerias e formas regulamentares. Assim entendida, a público-privadas. Nessas circunstâncias, o pa- territorialidade do Estado conserva atualmente pel dos níveis locais e regionais do Estado está um papel crítico como precondição geográfica sendo significantemente redefinido. Estados de formas contemporâneas de acumulação de contemporâneos locais e regionais não mais capital, mas esse papel não está mais funda- operam como agentes gestores de programas mentado em uma correspondência territorial de consumo coletivo escalonados nacional- isomórfica entre instituições estatais, sistemas mente, mas servem como agências empreen- urbanos e circuitos de acumulação do capital, dedoras de “capital financiado pelo Estado” 2 concentrados em torno da escala nacional. destinado à manutenção e melhoria de vanta- Cerny (1995, p. 618) referiu-se vivida- gens locacionais de suas jurisdições territoriais mente a essa fragmentação simultânea e redi- delineadas (Gottdiener, 1990; Mayer, 1994). ferenciação do espaço político como um “efei- De fato, é sobretudo através de seu papel fun- to serra”, através do qual cada nível do Estado damental na mobilização do espaço urbano procura reagir a uma variedade de pressões, como força de produção que os Estados lo- forças e limitações sub e supranacionais qua- cais e regionais, em particular, têm adquirido se esmagadoras. No contexto atual, uma uma crescente importância estrutural dentro consequência geográfica particularmente fun- de cada hierarquia administrativa de Estado damental desse “efeito serra” é a mobilização territorial. Um dos objetivos principais dessas intensificada de instituições estatais centrais, instituições estatais “glocalmente” orienta- regionais e locais com o propósito de promo- das é melhorar as vantagens de localização ver a reestruturação industrial nas escalas e capacidades produtivas de suas jurisdições subnacionais de grandes aglomerações regio- territoriais como nódulos de competitividade nais urbanas. Por um lado, o reescalonamento máxima na economia mundial. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 547 547 09/11/2010 13:05:37 Neil Brenner Em toda a Europa Ocidental, essa cres- Nesse sentido, o atual ciclo de globali- cente fragmentação interna, rediferenciação za ção neoliberal está reescalonando, e e polarização dos antigos espaços econômi- não erodindo, a territorialidade estatal: a cos também vêm se intensificando desde o desnacionalização da economia nacional e das início dos anos 80 através da implantação de hierarquias urbanas não está degradando o novas formas de política estrutural regional, papel do Estado como forma de territorializa- orientada para o desenvolvimento “endóge- ção do capital, mas “desnacionalizando” sua no” de grandes regiões urbanas (Albrechts e estrutura escalar para privilegiar níveis supra Swyngedouw, 1989; Heeg, 1996); e da cons- e subnacionais de intervenção regulamentar e trução de novas formas e níveis de organiza- de valorização do capital. As instituições “glo- ção territorial do Estado, particularmente em calizadas” regulamentadoras resultantes estão escalas urbano-regionais ou metropolitanas reterritorializando o poder do Estado em múl- (Evans e Harding, 1997; Lefèvre, 1998; Sharpe, tiplas escalas espaciais que não convergem en- 1993; Voelzkow, 1996). Em grandes regiões tre si na escala nacional, nem constituem uma urbanas por toda a União Europeia, institui- totalidade nacional isomórfica e exclusiva (An- ções regulamentadoras escalonadas nacional- derson, 1996; Cerny, 1995). Entretanto, assim mente estão sendo planejadas, promovidas como as cidades-regiões globais continuam a e construídas como um meio de assegurar ser aglomerações urbanas, os Estados pós-for- vantagens locacionais inerentes a um lugar distas e pós-keynesianos que se consolidaram específico. Esses novos espaços estatais de no antigo mundo industrializado, a partir do regulamentação do crescimento urbano estão início dos anos 80, continuam também sendo sendo justificados não como componentes de significantemente Estados territoriais. À medida programas socioeconômicos nacionais ou co- que as escalas de organização territorial estatal mo unidades funcionais dentro de sistemas continuam a circunscrever as relações sociais, administrativos nacionalmente hierarquizados, econômicas e políticas dentro de fronteiras mas como pré-requisitos institucionais de um geográficas delineadas, as instituições estatais lugar específico para manter a competitivida- mantêm seu caráter essencialmente territorial. de estrutural de determinada região urbana. O ponto crucial no contexto atual é que a terri- Uma consequência preponderante desse pa- torialidade do Estado está hoje sendo progres- drão emergente de política locacional sub- sivamente configurada em estruturas escalares nacional tem sido a maciça intensificação de “glocalizadas” em vez de nacionais. desenvolvimento geográfico desigual, uma vez Em meados dos anos 70, Henri Lefebvre que “explosões” temporais de crescimento são já havia começado a esboçar alguns dos am- promovidas por instituições estatais em locais plos contornos dessa forma reescalonada re- geográficos cuidadosamente delineados. cém-emergente de poder territorial do Estado, 548 Book CM24_final.indb 548 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:37 Globalização como reterritorialização na qual “a economia e a política se fundem” (Lefebvre, 1977, 1986, p. 35), e suas implicações para as relações do Estado com seu espaço territorial. Como Lefebvre observa no capítulo de conclusão de The Production of Space Novos espaços estatais: o reescalonamento da governança urbana na União Europeia (1991, p. 378): O relacionamento [entre o Estado e o espaço] [...] está se estreitando: o papel espacial do Estado [...] está mais evidente. Os aparatos administrativos e políticos do Estado não são mais suficientes (se é que já foram) para meramente intervir de uma maneira abstrata no investimento de capital [...] Hoje o Estado e seus aparatos burocráticos e políticos intervêm continua mente no espaço, e fazem uso do espaço em seu aspecto instrumental, a fim de intervir em todos os níveis e por meio de todas as agências do âmbito econômico. A implementação dos reescalonamentos urbano e estatal é um processo altamente contestado e conflitante, mediado por uma vasta cadeia de lutas sociopolíticas pelo controle hegemônico do espaço social que se articulam, por sua vez, em múltiplas escalas espaciais. Por um lado, como discutido acima, o reescalonamento urbano e o reescalonamento estatal podem ser entendidos como duas formas distintas de reterritorialização que emergem com o mais recente ciclo de globalização capitalista induzido pela crise (como resumido no Quadro 1). Por outro lado, os processos de reestruturação Essa tendência à fusão de instituições urbano-regionais e territorial do Estado estão estatais em um circuito de capital é essencial- estreitamente entrelaçados, na medida em que mente capacitada por estratégias de reescalo- cada forma de reterritorialização influencia e namento estatal, que se traduzem em formas transforma continuamente as condições em reconfiguradas de regulamentações locais e re- que a outra se desenrola. Primeiramente, os gionais que permitem ao capital extrair e valo- processos de reestruturação urbano-regionais rizar o excedente. As resultantes configurações induzidos pela crise global econômica do início reescalonadas de poder territorial do Estado dos anos 70 contribuíram muito para as estra- estão firmemente entrelaçadas com o capital tégias neoliberais de reescalonamento do Esta- em escalas espaciais diferenciais e, consequen- do. O reescalonamento estatal funcionou como temente, cada vez mais sensíveis aos ritmos e uma grande estratégia de gestão neoliberal de contradições de cada circuito de capital (vide crise e revalorização do capital, aplicada pelo Poulantzas, 1978, pp. 166-179). Conforme o Estado em uma ampla variedade de contextos Estado passa a operar como um momento cres- urbano-regionais de regiões manufatureiras centemente ativo na mobilização das forças fordistas a novos distritos industriais e cidades- produtivas de cada território, sua organização -regiões globais. O reescalonamento estatal escalar assume um papel central na mediação pode, portanto, ser visto como uma estratégia e circunscrição do crescimento capitalista. de acumulação fundamental, que está sendo Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 549 549 09/11/2010 13:05:37 Neil Brenner Quadro 1 – Globalização como reterritorialização: reescalonamento de cidades e estado Escala espacial do acúmulo de capital Forma de (re)territorialização Global Nacional Urbano-regional Cidades - Reescalonamento urbano - Formação da cidade global Formação de uma hierarquia urbana global. Competição interespacial intensificada entre as cidades em toda a economia mundial. Rearticulação de sistemas de cidades nacionais em hierarquias globais e urbanas suprarregionais. Desvinculação do crescimento da cidade global do crescimento econômico nacional. Formação de “exópolis”: recomposição da forma urbana: emergência de regiões urbanas policêntricas e novos distritos industriais. Estados - Reestruturação territorial do Estado - Emergência dos “Estados glocais” neoliberais Estados territoriais voltados “para dentro” (outside-in): reescalonados para cima, para os níveis supranacionais de regulamentação, onde instituições como União Europeia, FMI e Banco Mundial reestruturam o espaço do Estado. “Desnacionalização” da escala nacional. Estado Central transfere várias tarefas para cima, para agências supranacionais, e retorna outras para baixo, para instituições estatais locais e regionais. Estados territoriais virados “de dentro para fora”: redimensionados para baixo em direção ao níveis subnacionais. Estados promovem investimento por corporações transnacionais dentro das maiores regiões urbanas. Construção de “novos espaços estaduais” para regulamentar “novos espaços industriais”. atualmente implementada por regimes políti- em outro lugar, nem abandonados sem custos cos neoliberais por toda a Europa, com o intui- consideráveis de desvalorização. Dessa manei- to de reestruturar espaços urbanos e regionais. ra, por meio de processos de reescalonamento Em segundo lugar, os processos de reescalo- do Estado, as escalas de organização territorial namento do Estado têm, por sua vez, reconfi- do Estado se tornam mediadoras centrais da gurado significantemente o relacionamento reestruturação industrial capitalista. Pode-se entre capital, instituições estatais e forças so- argumentar, por conseguinte, que a governan- ciopolíticas territorialmente circunscritas nas ça dos padrões de urbanização contemporânea maiores regiões urbanas europeias. Enquanto envolve não apenas a construção de “novos o capital se empenha continuamente para a espaços industriais” para formas pós-fordistas melhoria da mobilidade espacial, diminuindo a de industrialização (Scott, 1988b), mas tam- local-dependência, os Estados contemporâneos bém, e igualmente importante, a consolidação “glocais” tentam fixar o capital, cada vez mais do que se define como novos espaços estatais diretamente, dentro de seus territórios, através para melhorar a capacidade de cada Estado da provisão de bens imóveis, específicos e de de mobilizar o espaço urbano e regional como externalidades que não podem ser encontrados força produtiva. 550 Book CM24_final.indb 550 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:37 Globalização como reterritorialização Na medida em que, hoje, nem a urbanização, nem a acumulação, nem a regula- na União Europeia contemporânea podem ser brevemente identificados. mentação estatal privilegia uma escala espacial única, exclusiva e circunscrita, os limites geográficos das relações sociais se tornaram objetos diretos de contestação sociopolítica. Assim, emerge uma “política de escala” Cidades globais e geopolítica de integração europeia (Smith, 1993, 1995) em que as escalas geográficas operam simultaneamente como locais e As localizações das cidades globais desempe- marcos do conflito sociopolítico. No entanto, nham um papel importante na disputa entre os muitas discussões contemporâneas sobre go- Estados europeus para o acolhimento de escri- vernança urbana pressupõem uma estrutura tórios governamentais da UE em seus territó- jurisdicional urbana ou regional relativamente rios. Essa forma de competição interespacial é fixa, onde as precondições regulatórias para mediada diretamente pelos Estados anfitriões a urbanização capitalista sejam asseguradas das cidades globais, visto que são eles que (para um panorama atual, vide Hall e Hubbard, definem os termos e o ritmo da integração eu- 1996). Nesse sentido, as escalas de governan- ropeia. Tais decisões locacionais resultam, em ça urbana são encaradas mais como platafor- parte, de compromissos estratégicos entre os mas pré-constituídas para a política urbana, poderes hegemônicos da Europa, como ilus- do que como um de seus momentos, dimen- tra a escolha de Bruxelas para acolher a sede sões ou objetos ativos e socialmente produzi- administrativa da União Europeia. Entretanto, dos. Em contraste, a análise precedente indica a recente decisão de localizar o Banco Central que novas geografias da governança urbana Europeu em Frankfurt foi um momento crítico estão atualmente se cristalizando na interface na disputa geopolítica e geoeconômica entre o multiescalar existente entre os processos de Reino Unido e a Alemanha, que visava atrair o reestruturação urbana e de reestruturação ter- centro de gravidade locacional da Europa para ritorial dos Estados. Assim, os dilemas e con- seus respectivos territórios (Londres recebeu tradições contemporâneos da governança ur- somente um ínfimo prêmio de consolação, o bana devem ser analisados em cada uma das Escritório Europeu de Patentes). O processo de escalas espaciais nas quais esses processos integração monetária europeia também tem entrelaçados de reterritorialização se intercep- implicações potencialmente maiores para os tam, desde as escalas regionais urbanas até as padrões de competição espacial entre centros nacionais e europeias. Apesar de não ser pos- financeiros europeus. Londres ainda é, atual- sível elaborar, no atual contexto, uma análise mente, o mais importante centro de serviços detalhada de cada uma dessas escalas e suas financeiros da União Europeia. A introdução interconexões complexas, alguns dos maiores do euro, no entanto, pode proporcionar no- mecanismos socioinstitucionais que ligam os vas oportunidades para Frankfurt e Paris, que processos de reestruturação urbano-regionais estão atualmente desenvolvendo novas infra- e os processos de reescalonamento estatal estruturas regulatórias e tecnológicas para os Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 551 551 09/11/2010 13:05:37 Neil Brenner mercados financeiros globais, e cujos Estados a consolidação de uma forma neoautoritária de anfitriões integraram instantaneamente o sis- governança imposta centralmente na região de tema de moeda única (vide The Economist , Londres (Duncan e Goodwin, 1998). No outro 9/5/1998, Financial Centres Survey, p. 17). Por extremo, a reestruturação estatal na Repúbli- esse motivo, o reescalonamento ascendente ca Federal da Alemanha no início dos anos 80 dos estados territoriais europeus, em direção representou um papel crescentemente descen- à União Europeia, pode favorecer a eventual tralizado para o Estado federado (Länder) e as formação de um eixo integrado Frankfurt-Paris- municipalidades na formulação e na implemen- -Londres, articulando a super-região Europeia tação da política industrial (Herrigel, 1996). com a economia mundial (Taylor, 1997). Entre esses polos, na Holanda, debates sobre reestruturação centro-local proliferaram em todos os níveis do Estado holandês desde me- Cidades globais e relações intergovernamentais ados dos anos 80, levando o Estado central, as províncias e as municipalidades a convergirem para o objetivo de formação de cidade global na megalópole ocidental de Randstad como Desde o início dos anos 80, as relações centro- uma prioridade compartilhada para política -locais se transformaram radicalmente em toda socioeconômica nacional (Dieleman e Mus- a Europa Ocidental. À medida que os Estados terd, 1992). A natureza da governança urbana concebem suas subunidades territoriais como nas cidades-regiões globais é, por conseguinte, camadas administrativas funcionalmente equi- fortemente condicionada por padrões de rela- valentes, e não como nódulos de urbanização ções intergovernamentais de seus Estados an- geograficamente distintivos, os processos de fitriões. Conforme as conexões do Estado local formação da cidade global são raramente com os níveis central e regional do Estado são discutidos em debates da política de Estado reconfiguradas, o mesmo ocorre com as capaci- central sobre relações intergovernamentais (o dades institucionais e financeiras de regulação debate na Holanda sobre as “províncias” no das contradições urbanas da globalização. início dos anos 90 é uma exceção recente significativa). Todavia, reconfigurações de relações intergovernamentais podem ter ramificações importantes para a governança de grandes regiões urbanas, na medida em que elas reorde- Cidades globais e política territorial nam as conexões administrativas, organizacionais e financeiras do Estado local com o Estado A dinâmica de coalizões de crescimento local central e, dessa forma, afetam sua capacidade foi detalhadamente analisada por teóricos do de mobilizar as fontes regulatórias (Cox, 1990). regime urbano (Logan e Molotch, 1987). Entre- Em um extremo, a onda thatcherista de reestru- tanto, a articulação das dinâmicas políticas mu- turação centro-local no Reino Unido acarretou nicipais nas cidades globais, com constelações 552 Book CM24_final.indb 552 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:37 Globalização como reterritorialização políticas regionais e nacionais mais vastas, serviços estatais de bem-estar social a novas não tem sido extensivamente investigada (vi- “líderes” do crescimento econômico (Terhorst e de, contudo, Logan e Swanstrom, 1990). No Van De Ven, 1995). Em toda a União Europeia, entanto, como salientam Friedmann e Wolff a geografia político-econômica das cidades (1982, p. 312): globais se estende além do alcance jurisdicio- Sendo essenciais ao capital transnacional e aos interesses políticos nacionais, as cidades globais podem tornar-se moeda de troca em disputas subsequentes. nal do estado local para reconfigurar alianças político-territoriais em níveis de múltipla escala de seus Estados anfitriões. Consequentemente, da mesma forma que a estrutura territorial do Estado condiciona as políticas de escala dentro A pergunta crucial, partindo dessa pers- das cidades globais, assim também o processo pectiva, é como a disjunção econômica entre de reescalonamento dos processos de urbani- a cidade global e a economia territorial de seu zação se entrelaça com o reescalonamento da estado anfitrião é administrada politicamente. política e das contestações políticas dentro do O Reino Unido é indubitavelmente o exemplo Estado territorial. europeu mais contundente dessa disjunção e de uma política territorial associada altamente polarizada. Desde meados dos anos 70, o dinamismo do sudeste da Inglaterra como cidade-região global fundamentou-se predo- Regiões urbanas e sistemas de planejamento espacial minantemente em uma economia extraterritorial, derivada do papel da cidade como centro Como observado anteriormente, novas geo- financeiro global, amplamente desvinculado grafias de política espacial estatal estão emer- das cidades e regiões em declínio localizadas gindo em toda a União Europeia, e se orientam em outros lugares do Reino Unido. A ascensão para os potenciais “endógenos” dos territórios do thatcherismo nos anos 80 pode ser interpre- subnacionais delineados, tais como regiões tada como uma “declaração de independência urbanas, que cada vez mais são encaradas do sul da Inglaterra, comunidade dependente como fundações geográficas do desempenho de Londres como cidade global” (Taylor, 1995, industrial nacional. Por exemplo, na Alemanha p. 59). Entretanto, mesmo na Holanda, onde a contemporânea, recentemente, a Lei de Plane- região de Amsterdã/Randstad é amplamente jamento Espacial ( Raumordnungsgesetz ) foi considerada como o motor urbano da econo- radicalmente redefinida com a finalidade de mia nacional, a mobilização de políticas cen- abandonar o tradicional projeto pós-guerra de trais e locais ao redor do objetivo da formação “equalização das condições de vida” em escala de cidade global durante o final dos anos 80, nacional, em benefício da promoção das regi- implicou a construção de uma “coalizão de ões urbanas, posicionadas como o mais impor- crescimento urbano nacional” a fim de con- tante “nível de implementação política” (Bren- verter as cidades centrais, de provedoras de ner, 1997b). Igualmente, na Holanda, o projeto Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 553 553 09/11/2010 13:05:37 Neil Brenner pós-guerra de “desconcentração”, que tentou expandir a urbanização para além dos aglomerados ocidentais de Randstad, foi radical- Regiões urbanas e governança metropolitana mente revertido no final dos anos 80 por meio de uma nova política de “cidades compactas”. Em meio a esses reescalonamentos supraurba- As estruturas nacionais revisadas para o pla- nos, o problema de se construírem configura- nejamento espacial holandês introduzidas nos ções de organização territorial em escalas ur- anos 90 também promoveram ativamente a bano-regionais relativamente fixas continua a recentralização do crescimento industrial den- ser mais urgente do que nunca. As instituições tro dos núcleos urbanos ocidentais (Amsterdã, político-regulamentares das regiões urbanas Roterdã, Utrecht e Hague) e definiram inequi- são frequentemente fragmentadas em múlti- vocamente a megalópole de Randstad como plas agências e departamentos, com jurisdições motor urbano-regional nacional de crescimen- e tarefas diferentes. Ainda assim, o processo to econômico (Faludi e Van Der Valk, 1994). de globalização econômica está criando inter- Reorientações bastante análogas de sistemas dependências socioeconômicas mais densas de planejamento espacial organizados na- em escalas urbano-regionais que, em geral, cionalmente se produzem em toda a União suplantam o alcance de cada um desses níveis Europeia (Albrechts e Swyngedouw, 1989). administrativos. Os problemas de governança Enquanto isso, no próprio nível da União Eu- metropolitana estão, por conseguinte, voltan- ropeia, o objetivo clássico de mediação da do à frente das discussões e debates políticos polarização núcleo-periferia por meio de polí- em muitas cidades europeias. Enquanto os ticas estruturais regionais está da mesma for- debates sobre instituições metropolitanas du- ma sendo redefinido para promover potenciais rante as décadas de 60 e 70 concentravam-se “endógenos” para o desenvolvimento econô- predominantemente em questões de eficácia mico regional por todo o espaço territorial eu- administrativa e prestações de serviços locais, ropeu (Tömmel, 1996). Essa tendência tende a as discussões contemporâneas sobre gover- intensificar-se à proporção que o programa de nança regional enfatizam de modo crescente estrutural de fundos é redefinido, em associa- a necessidade de flexibilidade administrativa, ção com a expansão da União Europeia. Co- estratégias de desenvolvimento econômico mo esses exemplos deixam claro, os espaços coordenadas regionalmente e o problema da estatais nacionalmente organizados em toda competição interespacial global intensificada. a União Europeia estão atualmente sendo re- Nesse contexto, formas regionais de regula- -hierarquizados e rediferenciados em um mo- mentação têm sido justificadas como pré- saico altamente desigual de espaços econômi- -requisitos essenciais para a manutenção das cos urbano-regionais relativamente distintos, vantagens locacionais de uma cidade na eco- cada um definido de acordo com sua posição nomia mundial. Por toda a Europa, de Londres, específica dentro das divisões supranacionais Amsterdã, Roterdã, Bruxelas, Lyon e Paris até do trabalho. a aglomeração do Ruhr, Hanôver, Frankfurt, 554 Book CM24_final.indb 554 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:37 Globalização como reterritorialização Stuttgart, Munique, Zurique, Bolonha e Milão, a política econômica urbana está cada vez mais diretamente ligada a diversas formas de A organização territorial das cidades globais planejamento espacial, ao investimento e à regulamentação em escalas regionais (vide Entretanto, é basicamente na escala urbana Lefèvre, 1998; Wentz, 1994). Essas formas de que as capacidades produtivas de organização cooperação regional recém-emergentes em territorial são mobilizadas. Hoje, governos mu- grandes regiões urbanas se baseiam em uma nicipais em toda a Europa estão adotando di- variante pós-fordista de “solidariedade” que retamente esse objetivo, através de um amplo implica uma lógica econômica de maximização leque de estratégias de oferta, que abrangem de competitividade de um espaço de produção a demarcação, a construção e a promoção de capitalista delimitado territorialmente, em vez lugares urbanos estratégicos para desenvolvi- de uma lógica social de redistribuição do exce- mento industrial – por exemplo, centros empre- dente econômico no espaço social de uma úni- sariais, parques industriais, redes telemáticas, ca “sociedade” coerente (Ronneberger, 1997). terminais de transporte e marítimos e vários Por outro lado, essa preocupação globalmente outros tipos de estabelecimentos de varejo, induzida em estabelecer formas regionais de entretenimento e culturais. Essas formas emer- regulamentação é frequentemente desafiada gentes de “empreendedorismo urbano” foram por pressões vindas de baixo em defesa da extensivamente analisadas em relação ao pa- autonomia local, de interesses específicos rela- pel crucial das parcerias público-privadas para cionados ao âmbito locacional e escalar e da a facilitação do investimento de capital em contínua fragmentação jurisdicional do Estado megaprojetos situados em locais estrategica- local (Ronnenberger e Schmid, 1995). Nessas mente designados da cidade (Gottdiener, 1990; condições, a organização territorial do Estado Harvey, 1989c; Mayer, 1994). As Docklands lon- se torna, ao mesmo tempo, arena e objeto das drinas são talvez o mais espetacular exemplo contendas sociopolíticas nas escalas regionais europeu desse tipo de investimento estatal e locais. Essas perspectivas opostas sobre a re- maciço na infraestrutura urbana do capital gulamentação regional se chocam dentro das global, porém, exemplificam uma mudança regiões urbanas contemporâneas, ocasionando estratégica mais ampla na política urbana, que disputas pelo controle regulatório do processo pode ser observada nas cidades globais. Como de urbanização mediado por meio de contesta- Harvey (1989c, pp. 7-8) indica, tais megapro- ção sociopolítica na(s) escala(s) de governança. jetos financiados pelo Estado são designados Enquanto as regiões urbanas em toda a Euro- primariamente para melhorar a capacidade pa competem entre si em busca de vantagens produtiva de lugares urbanos dentro dos fluxos locacionais nas hierarquias urbanas europeia globais de valor, mais do que para reorganizar e global, as escalas de organização territorial as condições de vida e trabalho de modo mais urbana e regional se tornam ainda mais im- amplo dentro das cidades. Ao mesmo tempo, portantes, como instrumentos regulatórios do porém, as capacidades locacionais desses lu- Estado e como locais de conflito sociopolítico. gares urbanos dependem necessariamente de 3 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 555 555 09/11/2010 13:05:38 Neil Brenner uma infraestrutura de organização territorial É nesse sentido que a atual desnaciona- relativamente fixa, que permita extrair e ca- lização da urbanização, da acumulação e do pitalizar valor em intervalos de tempo de cir- poder territorial estatal abre espaço para que culação globalmente competitivos. Em toda a as próprias escalas se tornem objetos diretos Europa, essa ligação entre os processos de re- da disputa sociopolítica. Nessas circunstâncias, escalonamento urbano e estatal está institucio- as escalas não circunscrevem meramente as re- nalmente incorporada no papel fundamental lações sociais dentro de fronteiras geográficas de várias agências paraestatais recentemente determinadas, mas constituem um momento criadas, envolvidas no planejamento e na co- ativo, socialmente produzido e politicamente ordenação do investimento desses megapro- contestado dessas relações. Como campos de jetos locais (por exemplo, a Organização para força densamente organizados, nos quais o ca- o Desenvolvimento das Docklands Londrinas, pital transnacional, os Estados territoriais e as a Organização para o Desenvolvimento Econô- relações sociais localizadas se interceptam, as mico de Rhein-Main em Frankfurt, a Organiza- cidades globais são terrenos geográficos nos ção para o Desenvolvimento do Aeroporto de quais os riscos sociopolíticos dessa política de Schiphol e muitas outras). escala são particularmente substanciais, tanto Essa ampla visão geral é apenas o início em termos geopolíticos como geoeconômicos. da análise das complexidades das várias esca- A conclusão central política e analítica que las geográficas nas quais essas disputas pela emerge dessa análise é que os problemas de organização territorial da governança urbana governança urbana não podem mais ser con- se desenrolam na Europa contemporânea e de frontados simplesmente em escala urbana, co- suas interconexões complexas e rapidamen- mo dilemas de regulação municipal ou mesmo te mutáveis. As escalas do poder territorial regional, mas devem ser analisados também do Estado representam o meio e o resultado em escala nacional, supranacional e global do dessa vertiginosa dialética multiescalar de poder territorial do Estado, pois é basicamente transformação “glocal”, que hoje se encontra nessas escalas supraurbanas que a geografia muito longe do fim. Os conflitos que surgem política intensamente contraditória do neolibe- em razão da organização territorial do Estado ralismo é configurada. em cada uma dessas escalas são, obviamente, também condicionados pela configuração organizacional territorial de outras escalas sobre as quais estão sobrepostos. Ao mesmo tempo, esses conflitos sociopolíticos circunscritos Conclusão: escalonar a política, politizar as escalas podem se tornar altamente voláteis e “saltar escalas” (jumping scales) (Smith, 1993) para O atual desdobramento dos reescalonamentos influenciar, reestruturar ou mesmo transfor- de urbanização e do poder territorial do Esta- mar a estrutura organizacional de configura- do gerou uma transformação importante na ções de escala mais amplas, nas quais estão organização geográfica do capitalismo global. enredadas. As escalas espaciais de produção capitalista, 556 Book CM24_final.indb 556 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:38 Globalização como reterritorialização urbanização e regulação do Estado estão sen- geográficos. Essas configurações reescalonadas do hoje radicalmente reorganizadas, de ma- da organização territorial do Estado, por sua neira tão drástica que vocabulários herdados vez, transformam as condições sob as quais o para descrever a hierarquia encaixada das processo de urbanização se desdobra. Entre- escalas que entrelaçam o capitalismo mundial tanto, se essas estratégias desarticuladas de re- não mais fornecem ferramentas de análise territorialização nas cidades europeias podem apropriadas para conceituar o caráter multica- vir a estabelecer novas soluções espaciais para madas altamente contraditório e densamente acumulação de capital sustentada, a desordem entrelaçado das práticas espaciais contempo- global-local do final do século XX é um pro- râneas. Ante a crescente dinâmica espaço-tem- blema que só pode ser resolvido por meio das poral “glocal” do capital, as infraestruturas ter- próprias políticas de escala, através da contí- ritoriais da urbanização e de regulamentação nua disputa pelo controle hegemônico de lugar, do Estado não mais se coalescem ao redor do território e espaço. nível de escala nacional. Enquanto as cidades Henri Lefebvre (1995, 1991, 1978) argu- hoje operam crescentemente como nódulos mentou extensivamente que as disputas pela urbanos em uma hierarquia urbana mundial, organização territorial do processo de urbani- os Estados estão se reestruturando rapidamen- zação expressam o duplo caráter das escalas te para melhorar a competitividade global de espaciais do capitalismo, ou seja, seu papel suas grandes cidades e regiões. como estrutura para as relações sociais co- Pelo fato de as regiões urbanas ocupa- tidianas e como forças produtivas para os ci- rem a interface altamente contraditória entre clos sucessivos de acumulação de capital em a economia global e o Estado territorial, elas escala mundial. Portanto, cada escala na qual se encaixam em uma multiplicidade de proces- o processo de urbanização se desdobra simul- sos sociais, econômicos e políticos organizados taneamente vincula relações sociais dentro de em escalas espaciais sobrepostas. A resultante arenas geográficas determinadas, hierarquiza política de escala no âmbito das instituições lugares e territórios dentro de amplas configu- político-regulatórias de grandes regiões urba- rações de desenvolvimento geográfico desigual nas pode ser interpretada como uma sequência e intermedeia a disputa incessante do capital, de experimentações, estratégias de tentativa e buscando expandir seu comando e controle erro para gerenciar essas forças intensamente por todo o espaço abstrato da economia glo- conflituosas, através de um processo contínuo bal. As políticas de escala emergentes em rela- de construção, desconstrução e reconstrução ção à governança urbana nas regiões urbanas de configurações relativamente estáveis da or- contemporâneas apresentam ainda uma outra ganização territorial. O reescalonamento da ur- dimensão de organização territorial no âmbito banização leva ao reescalonamento concomi- do capitalismo, à qual Lefebvre também de- tante do Estado, através do qual, simultanea- votou considerável atenção – seu papel como mente, a organização territorial é mobilizada campo de práticas políticas potencialmente como força produtiva e as relações sociais são transformativas, onde “contraplanos“, “con- circunscritas dentro de determinados limites traprojetos” e “contraespaços” podem ser Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 557 557 09/11/2010 13:05:38 Neil Brenner construídos (Lefebvre 1978, pp. 413-444; 1991, Hoje, há uma necessidade urgente de novas pp. 383-384). A organização territorial de go- conceituações de escala para se obter uma so- vernança urbana nas cidades contemporâneas lução analítica – e política – para os atuais pro- é, portanto, um enorme campo de batalha, no cessos de reterritorialização e suas implicações qual cada uma dessas dimensões entrelaçadas na organização geográfica das relações sociais de práticas espaciais se encontra sobreposta. em uma era de globalização neoliberal. Neil Brenner Sociólogo. Universidade de Chicago. Chicago, Estados Unidos. [email protected] Notas (*) Texto originalmente publicado em Urban Studies, v. 36, n. 3 (1999, pp. 431-451). Revisão técnica de Elaine Philippe. (1) Apesar de muito da teoria de estado de Lefebvre focar o papel do Estado como forma de territorialização do capital, ele também dedica atenção extensiva a formas nas quais o Estado opera como o mais importante mediador ins tucional de desenvolvimento geográfico desigual do capital. A mediação do Estado no desenvolvimento geográfico desigual sempre ocorre por meio de estratégias regulatórias historicamente específicas e formas ins tucionais que frequentemente se erguem contra aquelas orientadas para a territorialização do capital. Sobre a teoria de estado de Lefebvre, vide Brenner (1997a, 1998b). (2) Na teoria de Mann (1998, 1993), vejo o atributo essencial do Estado territorial moderno em sua forma territorialmente centralizada, em oposição a todos os outros agentes de poder no sistema do mundo capitalista (empresas capitalistas, associações cívicas, ONGs, etc.). Essa definição leva a uma análise do processo de globalização contemporâneo, sobreposto à rede mundial de territorialidades do Estado, mais do que significando uma erosão unilinear da territorialidade. Em contraste, muitos autores que definem o Estado em termos de conexão isofórmica entre território e soberania como detentor exclusivo dos processos econômico, polí co e/ou cultural; ou como um local de sociedade e iden dade cole va interpretam as transformações contemporâneas como um processo de declínio do Estado (vide, por exemplo, Appadurai, 1996; Cerny, 1995; Ruggie, 1993). (3) Após mais de uma década de controle central estatal sobre Londres, a Confederação da Indústria Britânica (Confedera on of Bri sh Industry) promoveu a construção de uma Agência de Desenvolvimento Londrina responsável pelo planejamento do crescimento urbano de todo o sudeste; enquanto isso, um Conselho Municipal de Londres foi recentemente aprovado por referendo local. Na região de Frankfurt/Rhein-Main, várias facções polí cas e econômicas defenderam um novo modelo moderno de governança regional sob a égide de um “Condado Regional de Rhein-Main”, que se encarregaria da organização local administra va e das capacidades produ vas 558 Book CM24_final.indb 558 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 535-564, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:38 Globalização como reterritorialização sob uma única estrutura regulatória do Estado. Mesmo na região de Randstad na Holanda, onde as propostas do Estado central para construir novas “cidades-província” regionalmente organizadas foram esmagadoramente rejeitadas em referendos locais realizados em 1995 em Amsterdã e Roterdã, novas formas de coordenação ins tucional informal estão, todavia, ainda sendo desenvolvidas em Randstad para regulamentar e promover o crescimento urbano em escalas regionais. Referências ALBRECHTS, L. e SWYNGEDOUW, E. 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Seguindo o novo modelo urbanístico que predominava no Brasil em fins do século XIX e início do século XX, nos princípios da higienização/modernização europeia, Vitória aliou às reformas urbanas as obras do porto, enquanto agente maior do progresso do Estado e da modernização da cidade. Palavras-chave: cidade; porto; modernização; urbanização; discurso político. Abstract The major initiatives of the urban reform project occurred in the city of Vitória at the beginning of the 20th century, considering the idea that the public power had regarding the urban action on the city combining sanitation, traffic, and urban remodeling. The intention of attributing Vitória a modern character according to the progress ideals and on behalf of the civilization development was supported by the hygienists’ speeches that gave meaning to these reforms. In this context a plan was designed in three dimensions: the structure outworks and the port rigging, the city’s sanitation and urban reform. Following the new predominant town planning model in Brazil at the end of the 19th century and during the first half of the 20th century, influenced by European sanitation/modernization ideas, Vitoria bounded the port recast to the urban reforms, as the major agent of the state progress and city modernization. Keywords: town; port; modernization; urbanization; political speech. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 565 09/11/2010 13:05:38 Maria da Penha Smarzaro Siqueira Introdução econômicas e culturais. No campo do saber, a razão, como exigência universal, promove o desenvolvimento do saber científico e a racio- O grande desenvolvimento das cidades, princi- nalidade para explicar o mundo. Sob a ótica do palmente a partir do final do século XIX e início progresso e da modernidade, o europeu avança do XX, tornou-se um dos principais fenômenos para o século XX expandindo o sentimento de que caracterizam o mundo contemporâneo. A civilidade expresso, principalmente, nas formas modernidade se alojou nas cidades, transfor- modernas de interações sociais; agir, pensar e mando-as em espaço perfeito para reprodução se sentir de forma moderna, ou seja, estabilizar de sua prática, suas inovações e suas contra- e propagar a “cultura do moderno” (Rouanet, dições. Nesse sentido, cidade e modernidade 1999). serão o verso e o reverso de um novo tempo, É na cidade que se dá a realização das marcado, simultaneamente, por um lado, de mudanças promovidas pela modernidade, em novos conflitos e, por outro, “em meio a uma um movimento dinâmico, abrangente aos di- desconcertante abundância de possibilidades” versos segmentos da sociedade: civil, político, (Berman, 1997, p. 21). econômico e religioso, estendendo-se aos de- Para Berman (ibid.), o século XX marca a mais grupos que nela vivem e sobrevivem. Sua última fase do projeto sociocultural da moder- infraestrutura urbana, além de fundamental nidade (iniciado em meados do século XVI),1 na para o desenvolvimento econômico, promove a qual se dá uma grande expansão do processo construção diversa de representações refletindo de modernização, abarcando o mundo todo, e a realidade socioeconômica, cultural e política. a cultura mundial da modernidade alteraria, Nessa perspectiva, a ideia do progresso com triunfo, as condições econômicas, sociais vai caminhar aliada à ideia de civilidade, ne- e o pensamento humano, sob novos conceitos cessária à força modernizadora que ultrapassa de política e valores. Nesse percurso histórico, os limites do tradicional atraso, derrubando a cidade vivenciou os paradigmas do moder- padrões e valores antigos, dando lugar a no- no e o ideário da modernidade em contraste vos paradigmas universais de pensamento e com o antigo e com o tradicional, principal- ação. mente na Europa Ocidental, onde essa noção Nessa trajetória, as cidades mudam e, no representava o que estava estabelecido antes Brasil, a partir do final do século XIX e início do da industrialização, de sua expansão e de seus XX, essa força modernizadora ganha destaque benefícios. quando se colocam em prática ações de um dis- A modernidade colocava novas pers- curso no qual se privilegiam a urbanização e a pectivas no processo de desenvolvimento das higienização das cidades, delimitando os distin- sociedades, principalmente a partir do século tos espaços urbanos; o político, o econômico, o XVIII, com o movimento intelectual e cultural habitacional e o cultural na funcionalidade da do Iluminismo, que exerceu profunda influên- urbe. Aqui se estabelece o grande momento de cia no pensamento e nas ações da humanida- mudança das cidades brasileiras, com destaque de, em dimensões filosóficas, políticas, sociais, para as cidades portuárias. 566 Book CM24_final.indb 566 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:38 A cidade de Vitória e o porto... Historicamente os portos são a entrada de mercadorias, costumes e valores, ou desvalores, pensamento comum desde a antiguidade clássica. Os portos as cidades portuárias têm distribuição de riquezas e à melhoria do sistema de transporte, daria novo incentivo às funções comerciais dos núcleos urbanos, estimulando o desenvolvimento dos portos. desempenhado, ao longo dos tempos, um papel determinante no desenvolvimento do mun- A partir da segunda metade do século do moderno, constituindo-se como os principais XIX, começam a ocorrer, no Brasil, alguns mo- "nós" de uma rede de fluxos comerciais, finan- vimentos importantes que vão criar novas ceiros, de mercadorias e de informação, em es- perspectivas na estrutura econômica e social cala global (Dal Ri Júnior, 2004). A identidade do país, contribuindo para o desenvolvimento portuária e marítima das cidades sempre repre- relativo do mercado interno e estimulando o senta fator estratégico de desenvolvimento e o processo de urbanização. Nesse quadro inicial porto, naturalmente, integra-se à paisagem da de mudanças se incluem, num contexto refor- cidade como uma referência de vida urbana. mador, a transição do trabalho escravo para o É no contexto dessas questões que de- trabalho livre, a instalação da rede ferroviária, senvolvemos nosso trabalho, tendo como lócus a entrada de imigrantes estrangeiros, o movi- de pesquisa a cidade de Vitória (capital do Espí- mento republicano, as tentativas de industriali- rito Santo, situado no Sudeste do Brasil), e seu zação e o desenvolvimento do sistema de cré- porto, na lógica da modernização urbana do ditos. Esses movimentos derrubaram obstáculos início do século XX. na trajetória do Brasil para a modernidade e para a urbanização (ibid.). O grande incremento urbano pelo qual A cidade e as mudanças urbanas no Brasil passavam determinados países europeus a partir do final do século XIX, refletidos nos aspectos econômico, científico, cultural e material, expressos no ideal da Belle Époque,2 caracteri- Desde o início do século XIX, com a transferên- zado por uma nova maneira de o homem ver e cia da sede do governo português para o Brasil pensar o mundo, refletia-se no mundo ociden- e a abertura dos portos, em 1808, promovendo tal e, principalmente, no Brasil, que buscava se o rompimento do sistema de monopólio até en- inserir no contexto do “moderno” procurando tão predominante, e a Independência, em 1822, estabelecer no país modelos que simbolizas- criaram-se novas condições para o processo de sem civilidade dos centros mais desenvolvidos urbanização. De acordo com Costa (2007, p. da Europa, que representavam o centro dinâmi- 186), a interação do Brasil em movimentos in- co da modernidade e das reformas urbanas. ternacionais de comércio, [...] eliminando a mediação portuguesa, numa fase em que o mercado internacional se achava em plena expansão graças ao crescimento da população, à maior Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 567 No Brasil, o processo de europeização se dá pela importação de noções fundamentais do mundo moderno, ainda que inicialmente pelo viés da dimensão comercial. A chegada da modernidade europeia, pautada nas bases 567 09/11/2010 13:05:38 Maria da Penha Smarzaro Siqueira capitalista, é tardia no Estado brasileiro. No en- como um código de valores que implementa- tendimento de Souza (2000), as ideias burgue- va um modelo, na égide da civilidade europeia, sas e os valores universais entram no Brasil no materializando-se, sobretudo, na Inglaterra e século XVIII através do movimento mercantil, na França. As mudanças que se processavam que trazia também noções de civilidade “a mo- no Brasil – desenvolvimento das redes de dernidade chega ao Brasil de navio, na esteira transportes; abolição da escravatura; imigração da troca de mercadorias” (ibid., p. 245). e industrialização –, enquanto agentes práticos Essas considerações nos remetem ao que simbolizavam modernidade, estimularam pensamento clássico de que os portos são a a urbanização, mas não foram suficientes para entrada de “mercadorias, costumes e valores”. alterar de forma efetiva a orientação da econo- No Brasil, esse movimento vai estabelecer o mia (Costa, 2007). ideário da modernidade, aquele da Europa Mo- Assim, os padrões tradicionais de urba- derna e não ibérica, que desembarca no início nização também não sofriam alterações, com do século XIX com a chegada da Família Real exceção dos principais centros portuários ex- e que traz elementos importantes de uma or- portadores. As cidades permaneciam com suas dem moderna. As mudanças que passam a se funções urbanas limitadas e pouco se trans- processar no Brasil desde o início do século formavam. A historiografia registra o grande XIX perpassam a noção de modernidade, im- contraste que havia entre as cidades portuárias pulsionando mudanças culturais, econômicas, mais movimentadas e mais modernizadas e os ideias liberais e de conhecimento, mas como núcleos urbanos do interior, que se mantinham resultado de uma forma específica de euro- na condição de extensões das zonas rurais. No peização ou reeuropeização. Trata-se de uma final do século XIX e início do XX, a industriali- revalorização de valores ocidentais da cultura zação viria promover a ampliação das funções europeia (Freire, 1990). Esse processo ganha urbanas e alterar o perfil de algumas cidades, vulto nas principais cidades brasileiras, a partir incluindo cidades não portuárias, mas que se da independência (1822), principalmente com destacavam pela existência de um mercado a instauração dos princípios de uma nova cul- interno mais desenvolvido e com melhor in- tura urbana, que passa a considerar a oposição fraestrutura na área de transporte, principal- entre valores locais tradicionais e os valores mente ferroviário. A ideia do progresso aliada europeus, mais universais e modernos, inicial- à indústria, embora em estágio principiante, mente estabelecidos na cidade do Rio de Janei- passa a ganhar espaço ao lado da prosperida- ro, então capital do Brasil. de promovida pela dinâmica da economia ca- Até o final do século XIX, as noções de feeira (ibid.). modernidade e a modernização, aliadas à ur- Nesse contexto, novos fatores viriam a se banização, fizeram-se dentro dos limites das somar aos já existentes, promovendo mudanças cidades político-econômicas mais importan- sociais, econômicas e urbanas nas mais impor- tes do país. As principais funções urbanas se tantes capitais brasileiras, sobretudo naquelas concentraram nos centros exportadores, que de crescimento emergente, localizadas na re- assimilavam os princípios de modernidade gião Sul e Sudeste do país.3 568 Book CM24_final.indb 568 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:38 A cidade de Vitória e o porto... As cidades iniciaram, na ultima década Foi inegável a crescente força da ideolo- do século XIX, um processo de modernização gia da higiene sobre alguns setores da socieda- que priorizou, notadamente, até os anos de de brasileira da época, noção que vai percor- 1930, a infraestrutura, o saneamento/higieni- rer o ideal de reforma urbana até meados do zação e o embelezamento urbano dos antigos século XX, aliando o pensar médico e o saber centros, na busca pelo ideário do moderno e ci- técnico da engenharia. A higiene das cidades vilizado. Os grandes centros urbanos brasileiros, tornara-se um tema para a administração pú- num movimento sincronizado, vão perdendo as blica e os engenheiros sanitaristas se transfor- suas vestes arcaicas que trazem desde os tem- maram então nos grandes pensadores urbanos pos coloniais. Nesse movimento, observamos do país (Abreu, 2002). que na passagem do século XIX para o XX, no Nas cidades litorâneas, essa política tam- conjunto da modernização urbana, a reforma bém se desenvolvia acompanhada de projetos portuária e o saneamento urbano entram em de ampliação e modernização das instalações pauta como signos do progresso econômico e portuárias, para adequá-las à economia agro- da instalação da modernidade. Exemplos des- exportadora e para inserir as cidades nos fluxos te processo são a cidade do Rio de Janeiro e globais ligados ao movimento comercial. Assim, a cidade portuária de Santos, modelo seguido os planos de urbanização se apoiavam em três pelas demais cidades portuárias do Brasil. vertentes: a primeira, a do enfrentamento e eli- O progresso científico na área da saúde minação de epidemias com ações sanitaristas; contribuiu muito para a prática higienista que a segunda, das medidas que visavam ao remo- acompanhou as transformações implementa- delamento do espaço urbano e a terceira, a da das no espaço urbano e na habitação popular modernização das estruturadas portuárias. coletiva (estalagens, cortiços, casas de cômo- Os Códigos Municipais estabeleciam as dos e vilas) que apresentavam um quadro de regras para a higienização das propriedades insalubridade no qual se agravavam periódicos públicas e privadas e para a limpeza pública da surtos de epidemias que atingiam as principais cidade. No que se refere à fiscalização, o poder cidades brasileiras. Para a adoção dos princí- público estabelecia Inspetorias Sanitárias, con- pios sanitaristas nas práticas urbanas, as inicia- tando com fiscais do Serviço Sanitário do Esta- tivas exigiam, num primeiro plano, demolições do, para o trabalho de inspeção das condições e saneamento de áreas inundáveis, degradadas higiênicas e para fazer cumprir as determina- e insalubres, para promover a abertura de es- ções previstas na legislação. Nessa perspecti- paços públicos disponíveis para novos investi- va, leis e normas apoiadas na necessidade de mentos urbanos, a eliminação de focos de con- limpar a cidade, abrir espaço de circulação, are- centração de epidemias e o estabelecimento de jamento e no combate as doenças epidêmicas normativas para as construções. A inclusão de que não representavam novidade para a po- alguns sistemas de infraestrutura, como redes pulação brasileira, “ganham atualidade e são de água e de esgoto, são exemplos em que se combinadas com as mais modernas descober- percebe a inclusão conectada à modernização tas científicas do campo biológico” (Bertucci, urbana. 1996, p. 83). Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 569 569 09/11/2010 13:05:38 Maria da Penha Smarzaro Siqueira A ideia da salubridade, como meio de ga- reformas, na lógica do progresso e em nome rantir e prevenir doenças contagiosas, aliada à do alcance da civilização. Esse discurso estará intervenção transformadora no espaço urbano, presente em todas as capitais brasileiras, pro- passava de forma articulada entre os planos movendo as reformas urbanas, com influência de reformulação e ordenamento do espaço e europeia para pautar a urbanização, os melho- os projetos das obras de desenvolvimento do ramentos e o embelezamento das cidades. porto. O espaço de circulação comercial, de en- No âmbito das intervenções do planeja- trada e saída de mercadorias, obrigatoriamente mento urbano, os princípios da cidade moderna deveria ser higienizado, afastando as condições nas propostas para as áreas centrais portuárias de insalubridade e precariedade. É nesse con- estarão diretamente associados à higienização texto que o projeto de salvar a cidade de epide- do espaço urbano e à medicina urbana, dian- mias que ameaçavam a saúde pública priorizou te do rápido crescimento comercial dos portos, as reformas urbanas no final do século XIX e em função da dinâmica da economia cafeeira, início do XX, em nome da modernidade. que expandia as atividades e o movimento As cidades portuárias sempre constituí- portuário para além dos limites predefinidos ram um suporte fundamental no processo de tradicionalmente no espaço urbano, fato que desenvolvimento. Com as exigências às novas intensificava a associação funcional e espacial estratégias da reformulação urbanística, as direta entre cidade e porto. mesmas deveriam estar em sintonia com os objetivos comuns conjugados na relação cidadeporto. Relação onde se cruzam, no mesmo espaço de interesses interligados em favor do desenvolvimento, o porto (com seu componente maior orientado para as relações econômicas, principalmente externas, projetando a cidade em âmbito nacional e internacional) e a cidade (voltada para a promoção do bem-estar de sua população, conciliando o desenvolvimento econômico com as condições de vida urbana). A interdependência porto-cidade, que se estabelece nas cidades portuárias, e a forma como ambos se afetam mutuamente em De acordo com Pechman e Fritsch (1985, p. 142) A descoberta da insalubridade estava detrás da crise que se desenvolvia nas cidades em franco processo de crescimento [...] iria levar à fundação da urbanística moderna. A higienização das cidades demandava a adoção de medidas tão amplas em seu tecido urbano que, no fim e ao cabo, saneá-las acabava por significar reformá-las em toda sua amplitude [...] tratava-se, em verdade, de replanejar as cidades, de escorá-las em novos fundamentos, de submetê-las a novas formas de organização. termos de uso do espaço sempre exigiu a de- No início do século XX, a cidade do Rio finição de estratégias urbanísticas promovendo de Janeiro, principal porta de entrada do país, uma harmonia e uma cooperação entre o porto maior centro urbano nacional e capital do Bra- e a cidade, conciliando o movimento portuário sil, abrigava o mais importante porto brasileiro e a diversidade da vida urbana. (Follis, 2004) e materializou todo o interven- Nessa perspectiva, o discurso sanitaris- cionismo urbano, sobretudo nas obras de me- ta/higienista vai dar forma e sentido a essas lhoramentos do porto “no aterro de pântanos, 570 Book CM24_final.indb 570 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:39 A cidade de Vitória e o porto... na construção do sistema de esgoto sanitário, era fundamental escoar o café das distantes na condenação das habitações coletivas, e no fazendas até os portos. A construção das fer- apoio a um urbanismo que promovia a cons- rovias dinamizou a comercialização do café e trução de ruas largas e de ‘casas higiênicas’” os serviços de melhoramentos dos portos. Esse (Abreu, 2002, p. 168), que o processo de mo- processo veio promover as primeiras iniciati- dernização urbana colocou em marcha. A vas para as novas intervenções urbanas, que capital superava o urbano modesto do século passariam a mudar o perfil das cidades que se XIX, avançando na modernização técnica do despiam das antigas configurações coloniais sistema urbano e na construção de um cenário e ganhavam um perfil urbano mais moderno, burguês. marcando a emergência de um urbanismo liga- A partir do início do século XX, esse pro- do ao sanitarismo e à engenharia (ibid.). cesso de modernização urbana, que já vinha Nessa perspectiva histórica, as cidades sendo implementado de forma tímida, passou portuárias brasileiras, principalmente enquan- a sofrer intensas alterações nas cidades, onde to espaço de intercâmbio comercial interno e o poder público passou a colocar em prática externo, desenvolveram uma estreita relação critérios técnicos aliados ao ideário higienista, entre o cotidiano urbano e o porto no contexto viabilizando as grandes reformas urbanísticas. das reformas urbanas e os ideais de moderni- Reis Filho (2000, p. 100) diz que: As mudanças institucionais estabelecidas pela República, principalmente a completa [...] liberdade de organização empresarial que permitiu em curto prazo o início da exploração dos recursos tecnológicos já disponíveis no mercado internacional e a concessão de autonomia aos estados e municípios, para a instalação de infra-estrutura [...] foram de fundamental importância e necessárias [...] para a modernização técnica do sistema urbano e dos padrões urbanísticos das cidades brasileiras [...]. No final do século XIX e início do XX, dade e do capitalismo. Em Vitória, a construção do porto e o saneamento da cidade no início do século XX foram obras interligadas no quadro de transformação urbana e fizeram parte de um processo através do qual se reorganizaram o espaço e a própria face da cidade, num plano que articulou as obras de estruturação e o aparelhamento do porto, o saneamento da cidade e as primeiras iniciativas de reforma urbana. A cidade de Vitória e o porto o aperfeiçoamento e a expansão do sistema ferroviário simbolizavam o progresso no país, No final do século XIX, Muniz Freire,4 presiden- marcando as inter-relações entre economia te do estado do Espírito Santo, assim se referia cafeeira-ferrovia-porto. Se, de certa forma, no à capital (Vitória) e ao porto: plano nacional a ampliação das ferrovias visava atender às necessidades de integração nacional, nas cidades portuárias essa iniciativa seria coroada por razões de ordem econômica, Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 571 Vitória, cidade velha de aspecto colonial, pessimamente construída, sem alinhamento, sem esgoto, sem arquitetura, seguindo os caprichos do território, apertada 571 09/11/2010 13:05:39 Maria da Penha Smarzaro Siqueira entre a baía e um grupo de montanhas, não tem campo para desenvolver-se sem a dependência de grandes despesas. Entretanto possui um porto em condições admiráveis, indiscutivelmente muito superior a todos os outros do Estado e um dos melhores do Brasil. (Freire, 1896, p. 17) e de transporte estadual e urbana da capital (Siqueira, 1995). Apesar de toda a deficiência dos métodos de produção e dos meios de transporte, no final do Império, o Espírito Santo já marcava sua presença como um dos grandes produtores nacionais de café, enquadrando-se na con- A cidade de Vitória5 teve seu desenvolvi- juntura econômica brasileira, tradicionalmente mento inicial nas proximidades do porto. Junto estruturada na produção de poucos produtos ao porto, em terrenos conquistados com ater- para exportação. A agricultura de exportação ros, surgiram as primeiras ruas de comércio da constituía a base da econômica no Brasil, sen- parte baixa, onde se instalaram os trapiches. Do do o café o produto principal e maior gerador lado da colina, voltadas para o interior, havia de rendas e riquezas, marcando a economia algumas outras ruas ao redor de uma pequena nacional, desde o início do século XIX até a dé- enseada, aonde chegavam pequenas embarca- cada de 1930, quando o Brasil inicia seu pro- ções. Até o final do Império, as ruas estreitas, o cesso de desenvolvimento industrial. Processo porto desorganizado com trapiches, um simples esse que vai superar a agricultura na compo- cais de madeira, o trânsito de centenas de car- sição do Produto Nacional Bruto somente em roças e as epidemias marcavam o espaço urba- meados dos anos de 1950 (Fausto, 2008). no da capital capixaba, que mantinha um perfil tipicamente colonial. No Brasil, o desenvolvimento e a modernização dos principais portos estão, ao longo A partir desse contexto, podemos visua- da história, intimamente ligados à economia lizar como ocorreram as mudanças urbanas cafeeira. Em Vitória, como nas demais cidades iniciais em Vitória, apoiadas nos marcos da portuárias e exportadoras de café, os portos modernidade, em princípios capitalistas e em cresceram se mantendo por muito tempo em valores burgueses que viriam a orientar a evo- condições insalubres, com o mínimo de meca- lução urbana da cidade ao longo do século XX. nização e espaços desorganizados. Além desse Nessa perspectiva, estruturou-se um plano de quadro de precariedade, as condições de higie- reformulação urbana em três dimensões; as ne e salubridade do porto e da cidade compro- obras de estruturação e o aparelhamento do metiam o trânsito socioeconômico urbano, pro- porto, o saneamento da cidade e a reforma piciando o aparecimento de doenças de caráter urbana, aspectos que marcaram o perfil socio- epidêmico. Esse cenário, principalmente nos espacial da cidade, dinamizado pelo comércio portos de Santos e do Rio de Janeiro, começa a do café que direcionava as relações cidade- sofrer algumas alterações a partir da indepen- porto. O crescimento da economia cafeeira dência (1822). mostrava o que era preciso para o desenvol- Desde o meado do século XIX que come- vimento da produção e comercialização do çaram a se delinear planos de melhoramentos café e alertava os governos do Estado quanto dos portos, visando atender as necessidades à ausência de infraestrutura socioeconômica sempre crescentes do movimento comercial 572 Book CM24_final.indb 572 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:39 A cidade de Vitória e o porto... marítimo, principalmente em função da expor- No início da República (1889), teve iní- tação do café, produto que comandava as ex- cio um modesto processo de desenvolvimento portações do país e que naturalmente passaria da cidade de Vitória, com a construção de pré- a exigir melhoramentos nas precárias condi- dios públicos, tendo como modelo as linhas do ções de atracação e operacionalidades dos por- urbanismo francês, alargamento de ruas para tos. Nessa tendência, o porto do Rio de Janeiro, abrigar as novas casas comerciais e as empre- principal porto brasileiro e maior exportador de sas de importação e exportação de café. A au- café do país, seguido pelo porto de Santos, são sência de infraestrutura agravava o quadro das os marcos iniciais do processo de moderniza- constantes epidemias que se mantinham pre- ção (organização e aparelhamento) portuária sentes na capital, sendo, nesse sentido, e com nacional no final do século XIX. O porto de Vi- o objetivo de afastar focos de doenças, que se tória vai iniciar esse processo somente a partir buscou alargar as ruas centrais próximas ao 6 de 1908. porto, onde se concentravam o comércio, as Nos primeiros tempos da República até primeiras casas de importação e exportação e a primeira década do século XX, Vitória ainda a sociabilidade urbana. Entretanto, o problema não havia sofrido alterações em seu espaço persistia e as intervenções seguintes realiza- urbano, mantinha seu traçado colonial, regis- das até o final do século XIX e início do sé- trado nos trapiches e pequeno cais de madei- culo XX, principalmente aquelas realizadas no ra que atendiam ao porto, nas ruas estreitas primeiro governo de Muniz Freire (1892-1896), e desalinhadas, nas edificações, nas ladeiras direcionavam-se a intervir na urbanização do e escadarias ligadas à parte plana beirando o centro da cidade com o propósito de mudar mar, a cidade alta, que concentrava a elite, e as condições de precariedade com obras de o poder local (político e religioso), na falta de saneamento e aterros de áreas pantanosas e saneamento e no contexto socioeconômico. Os alagadiças, aliando aos trabalhos, as primeiras morros e o mar marcavam os limites permitin- tentativas de estruturação do porto de Vitória do a ocupação em uma estreita faixa na parte (Pires, 2006). baixa da cidade expandindo-se para a parte al- Apesar das crises de mercado e de pro- ta fronteira ao mar. O maior problema urbano dução que atingiam a economia cafeeira, a centrava-se na questão do saneamento. Não expansão e a prosperidade desse produto agrí- se registrava nenhum tipo de infraestrutura, cola, aliadas à grande demanda e ao aumento água, esgoto e energia (Derenzi, 1965). de preços no mercado externo, diversificavam Vitória abrigava em 1900 um total de os comércios locais. Em Vitória, as atividades 11.850 habitantes, e as relações de trabalho se comerciais relacionadas ao café/movimento concentravam principalmente nas funções ad- do porto, intensificavam a função comercial ministrativas, no comércio e em poucas ativi- da cidade. E foi para acolher e dinamizar esse dades liberais (Oliveira, 2008). Todo movimen- comércio que se desenvolveram as primeiras to se dava no centro, nas mediações do porto, obras de aterros na parte plana da cidade, pró- notadamente na Rua da Alfândega e na Rua xima ao porto, alargando e aproximando ruas do Comércio. 7 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 573 até as mediações do cais do Imperador.8 573 09/11/2010 13:05:39 Maria da Penha Smarzaro Siqueira A antiga aspiração política de transformar Vitória em um grande centro comercial, e abrigo natural de novas ideias de progresso, melhoramentos e mudanças”. em função do seu porto, vai começar a se ma- As mudanças que se processaram a partir terializar a partir de 1908, no início do governo do governo de Jerônimo Monteiro seguiram um de Jerônimo Monteiro (1908-1912). No sentido novo e amplo conjunto de reformas urbanas, de que o porto traz tradições, novos conceitos buscando incorporar à capital um modelo mo- e negociações, e que essa tradição divulga o derno de hábitos e urbanização, tendo o centro porto e consequentemente a cidade de origem, da cidade como referência maior para implan- Vitória, a partir desta época, começa a se es- tação de obras, diante da emergência de ações truturar num plano de urbanização aliando públicas em investimentos em infraestrutura cidade/porto. A emergência não estava apenas urbana. em urbanizar a cidade, e sim em urbanizar pro- A centralidade da cidade, enquanto por- movendo condições para o desenvolvimento e to, estava atraindo comerciantes e alterando o expansão do porto. perfil da população. Os antigos problemas ur- O crescimento do porto estabeleceu a banos viam-se ampliados com o movimento do necessidade de uma remodelação urbana, nu- porto que, sem nenhuma estrutura e/ou siste- ma concepção que envolvia ações de saúde ma de vigilância sanitária, agravado com a si- público-sanitária, medidas vinculadas aos no- tuação urbana de insuficiente sistema de água vos pressupostos de higienização que se alia- e esgoto e moradias precárias, fazia com que a vam ao projeto de tornar o porto moderno e cidade fosse constantemente assolada por epi- organizado, buscando eficiência comercial e demias (Monteiro, 1909). operacional, pautada no binômio civilização e Tendo como prioridade as obras de sa- progresso. Princípios que envolviam o plano de neamento público da capital, os trabalhos se urbanização da cidade em vários aspectos. desenvolveram no sentido de estabelecer um Nesse contexto, as principais cidades sistema de água, esgoto, energia e, inclusive, brasileiras no final do século XIX e início do bondes elétricos, aterro de mangues, cons- XX, preparavam-se para dar passagem a um trução de parques, construção de novas ruas, processo de transição para uma cidade capi- alargamento e calçamento de ruas antigas, talista. Embora a predominância estivesse construção de edifícios públicos, da Santa sob domínio do capital mercantil, a nova po- Casa de Misericórdia e enterramento de ce- lítica econômica republicana era determinante mitérios localizados no centro da cidade per- quanto à necessidade de mudanças urbanas, tencentes às irmandades religiosas existentes adequando as cidades ao crescimento eco- na capital,9 construção de um novo cemitério nômico e às atividades de exportação. Em público, em local distante do centro e das Vitória, a reestruturação do espaço urbano mediações da área comercial e residencial, o vai atender aos ideais da economia mercantil existente ficava em anexo ao Convento de São pautada num ideário universal de que “as ci- Francisco, na cidade alta. “Monteiro elaborou dades representavam, o locus da modernidade os primeiros processos transformadores de ur- e lugar de culminância de novas sociabilidades banização ocorridos em Vitória e preparou a 574 Book CM24_final.indb 574 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:39 A cidade de Vitória e o porto... Figura 1 – Cidade e porto em 1910 Fonte: Acervo da Biblioteca Pública Estadual. Vitória.ES. Vista de Vitória em 1910. Cais do Imperador e Cais da Alfândega. cidade para um projeto maior de urbanização como cartão postal do estado, devendo estar moderna, ocorrida posteriormente no governo limpa e saneada em todos os aspectos” (Pa- de Florentino Ávidos (1924-192)” (Siqueira, lácios, 2007, p. 136). Neste caso, percebemos 1995, p. 79). A Figura 1 mostra a cidade e o que as ações se realizavam não por uma mo- porto em 1910. tivação unicamente política e econômica, mas Toda essa preocupação relacionada à também pela relevância do caráter ideológico questão de higiene na capital inseria-se num do projeto modernizador da cidade, que funda- contexto de saneamento material e ideoló- mentou a gestão do governo de Monteiro, num gico que se buscava impor aos habitantes de projeto público voltado para a reformulação do Vitória. “Seria necessário não só dotar a cida- espaço urbano, buscando atender um conjunto de de infraestrutura, mas também moldar com de demandas socioeconômicas e políticas in- hábitos higiênicos as camadas sociais, desde terligadas num quadro de mudanças gerais da as mais humildes, pois Vitória se apresentaria capital. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 575 575 09/11/2010 13:05:39 Maria da Penha Smarzaro Siqueira O perfil urbano de Vitória muda a partir da primeira década do século XX, reforçando as portuários atrelados à função comercial (ibid., p. 46). funções urbanas da cidade no sentido comer- Para isso, foram projetados inicialmente cial. Até os anos 1950, Vitória vai manter sua os aterros de mangues e áreas alagadiças da função administrativa, enquanto sede política região central da cidade e aterros ao longo da do governo estadual, aliada à função comer- parte fronteira ao Palácio do Governo (região cial e à de prestação de serviços. “O espaço de abrigo do Cais do Imperador), para alarga- urbano expressava a modelação impressa pela mento de ruas, possibilitando as obras do porto lógica comercial” (Campos Júnior, 2002, p. 45). de Vitória. Região nobre e privilegiada da cida- A dinâmica econômica local dava-se pelo mo- de, a área do cais do porto completava o ce- vimento comercial do porto voltado, eminente- nário composto pelo antigo conjunto arquite- mente, para o comércio exportador do café. tônico, a escadaria, o palácio e a Igreja de São A função de porto natural da capital Tiago, aglomerado na cidade alta em frente ao capixaba permitia acessibilidade do café, em mar. Esse conjunto foi despido do simples estilo princípio só da região central e posteriormente colonial para receber uma nova roupagem com de todo estado, a outras regiões do país e ao a completa reconstrução do Palácio do Gover- mercado externo. Tal condição dava a Vitória no e seu conjunto, seguindo um estilo fran- a especificidade para desenvolver os serviços cês, nobre, moderno e suntuoso (Bittencourt, Figura 2 – Palácio Anchieta e escadaria – 1908 Fonte: Arquivo Público Estadual. Vitória. ES. Palácio Anchieta e escadaria em 1908. Em frente ao Cais do Imperador. 576 Book CM24_final.indb 576 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:39 A cidade de Vitória e o porto... 2006).10 Nesse plano de reconstrução, a fren- porto, em 1911, com trabalhos de drenagem te do palácio se transporta da lateral (lado da do banco do porto e aterros às margens do Igreja São Tiago para a parte fronteira ao Cais canal, a fim de expandir o espaço físico para do Imperador, ficando o ponto nobre da cida- construção da primeira seção e segunda seção de assim composto: palácio/escadaria/porto. do cais, devendo formar uma plataforma on- A Figura 2 mostra o palácio e a escadaria em de seriam construídos seis armazéns de 75 por 1908. 15 metros cada um. Três dos armazéns seriam Das principais áreas alagadas do centro, destinados exclusivamente à exportação de a região do Campinho recebeu drenagem e café, e os outros dois destinados à importação aterro e no seu lugar se estabeleceu a principal e exportação diversa. As duas estradas de fer- área de lazer da cidade o “Parque Moscoso”, ro, a Estrada de Ferro Sul do Espírito Santo e a local de grande empreendimento paisagístico, Estrada de Ferro Vitória Minas Gerais construi- preferido para residências das elites mais abas- riam, nesta plataforma, uma estação para em- tadas da capital. barque e desembarque de suas mercadorias. O Aliadas aos projetos de melhoramentos porto seria dotado de equipamentos técnicos e urbanos, tinha seguimento as obras de constru- mecânicos modernos, para o serviço de carga e ção do porto. Em maio de 1910, a Companhia descarga de mercadorias (Siqueira, 1995).11 A Porto de Vitória assinou contrato com a firma Figura 3 mostra o cais e os trapiches do porto C.H.Walker & Cia., que deu início às obras do em 1911. Figura 3 – Porto de Vitória e trapiches – 1911 Fonte: Arquivo da Codesa. Vitória. ES. Porto de Vitória e trapiches em 1911. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 577 577 09/11/2010 13:05:39 Maria da Penha Smarzaro Siqueira Entre 1911 e agosto de 1914, os trabalhos populares, ruas pavimentadas, praças e jardins de melhoramentos do porto desenvolveram-se, públicos, o Palácio do Governo Estadual e sua com obras internas no canal, e externas, ini- escadaria reformados com nova arquitetura. O ciando o lançamento de concreto nos alicerces transporte urbano, antes de tração animal, foi do cais, quando foram interrompidos devido à eletrificado, estendendo-se ao longo da cida- crise financeira provocada pela Primeira Guerra de, atingindo bairros próximos ao centro e as Mundial, permanecendo paralisadas até 1924. obras do porto em pleno desenvolvimento (Pa- A Figura 4 mostra parte do cais e condições das lácios, 2007). obras em 1914. Num curto espaço de tempo, a cidade Até o final de 1912, Vitória torna-se mais ganha um novo perfil urbano, num cenário de habitável quanto às condições sanitárias, com cidade civilizada, com ares de modernidade. serviço de água, energia pública e doméstica, Reinava a celebração do novo, num ideário de esgoto, serviço regular de limpeza pública, hos- urbanizar e civilizar, em um conjunto de mu- pital, isolamento para doenças contagiosas, danças que buscava atender princípios moder- cemitério público, polícia domiciliária, casas nos de estética, urbanísticos e econômicos. Figura 4 – Cais e condições das obras – 1914 Fonte: Acervo do Arquivo Público Estadual. Vitória. ES. Avenida Capixaba no final da década de 1930. 578 Book CM24_final.indb 578 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:39 A cidade de Vitória e o porto... Até 1924, os novos governos do Estado agrário exportador, que estava consolidando o não conseguiram manter o ritmo dinâmico dos capitalismo internacional e integrava o Espírito investimentos na condução das obras públicas, Santo na conjuntura econômica nacional. principalmente aquelas relacionadas à urbani- Foram reiniciados os serviços de melho- zação e ao porto. No início dos anos 20, a pro- ramentos urbanos da cidade e as obras do por- dução de café estadual elevou o Espírito Santo to, que constavam de duas naturezas: internas ao 3º lugar na produção nacional, enquanto e externas, como conclusão de obras no canal Vitória, o principal centro de comércio do ca- da baía de Vitória e estruturação natural e fé, permanecia em condições urbanas difíceis técnica para encostamento de navios no cais, e insuficientes, e com precária infraestrutura conclusão da primeira seção do cais com sua portuária. Em 1924, o café, que mantinha um devida infraestrutura técnica e mecânica. A in- movimento crescente, estava gerando 90% das fraestrutura da ponte seria o saneamento dos rendas estaduais, exigindo novos investimentos encontros norte e sul (cidade x continente) com urbanísticos para sua crescente movimentação o assentamento dos pilares sob o canal e da comercial. Nesse contexto, assume o gover- superestrutura metálica da ponte, juntamente no do estado o engenheiro Florentino Avidos com as obras de urbanização e infraestrutura (1924-1928), com uma visão de progresso e de básica da área que permeava a região da ponte evolução à frente de seu tempo (Bittencourt, dando seguimento ao porto.12 2006). Das obras de urbanização da cidade, Flo- Com uma situação econômica mais fa- rentino Avidos conclui e ampliou os trabalhos vorável e com apoio técnico da Secretaria de que davam forma ao projeto modernizador Serviços de Melhoramentos Urbanos, criada iniciado por Jerônimo Monteiro, seguindo prin- em 1923, o novo governo procurou orientar cípios sanitaristas, urbanísticos e de embeleza- sua política para o caminho das grandes obras mento, notadamente sob a grande influência urbanas aliadas às obras do porto. Nesse senti- que exercia as ideias do urbanismo europeu, do, as metas políticas para a continuidade das principalmente o francês. obras que até então permaneciam sem inves- Das obras do porto, foram concluídas a timento público em Vitória, concentraram-se ponte ligando Vitória ao continente, os servi- em quatro áreas prioritárias: melhoramento ços de saneamento da região do porto, obras urbano e remodelação da capital; serviços de internas no canal de acesso,13 alargamento da obras do porto e ponte metálica para ligação primeira seção do cais e aterros para continui- do porto ao continente, estabelecendo a comu- dade da extensão do cais e posterior constru- nicação ferroviária até a plataforma do cais; ção dos armazéns. A Figura 4 mostra a baía de ampliação dos serviços de água, esgoto e ener- Vitória, o porto e a cidade ao longo da Avenida gia, destacando os serviços de saneamento bá- Capixaba no final da década de 1930. sico da cidade e o transporte enquanto agente A partir deste período, não houve mais prioritário para o bom funcionamento do porto. interrupções nas obras do porto e da urbani- Procurou incrementar a consolidação da base zação da cidade. Gradativamente, os trabalhos econômica (cafeeira), e os interesses do setor foram sendo concluídos e, no início da década Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 579 579 09/11/2010 13:05:40 Maria da Penha Smarzaro Siqueira de 1930, estavam construídos os armazéns I, II de circulação, o saneamento e a urbanização e III da primeira seção do cais, sendo que esse das cidades portuárias, objetivando garantir a cais foi concluído em 1937, quando apresentou salubridade da região que permeava os portos condições operacionais e técnicas, permitindo e a maior eficiência do movimento comercial a segura operação dos navios diretamente no portuário. As grandes transformações urba- porto. Entretanto, apenas em 1940 ocorreu a nas são realizadas procurando, entre outros conclusão geral do porto, com o acabamento objetivos, dinamizar o funcionamento dos da plataforma interna e seu aparelhamento portos, evitando a proliferação de doenças técnico, sendo inaugurado o “Cais Comercial contagiosas. de Vitória”, assinalando o começo do atual complexo portuário do Espírito Santo. 14 Apoiados principalmente na legislação de concessão dos serviços públicos, voltados para transporte, saneamento, infraestrutura e serviços portuários, a política urbana atuou na Considerações finais Nas primeiras décadas do século XX, no Brasil, o ideário de urbanização se pautava em projetos influenciados por modelos europeus, respaldados pela teoria higienista, através de planos integrados de saneamento, criando o cenário de modernidade urbana. A lógica da política higienista e do projeto modernizador materializam um amplo plano de reformulação urbana e embelezamento das cidades, marcando um novo tempo na sociedade brasileira. A cidade, lócus da dinâmica mercantil da economia, enfrentaria mudanças urbanas capazes, principalmente, de promover o desenvolvimento do complexo agrário-exportador. Nesse sentido, tanto no final do Império quanto na República, passaram a priorizar as infraestruturas direção de prover as cidades de instrumentos que viabilizassem seu melhor funcionamento econômico e sociourbano. Em Vitória, as mudanças seguiram a lógica da reforma urbanística nacional, sobretudo em relação ao importante elo entre a cidade e o porto. As obras de urbanização e organização portuária demarcaram as novas funções da cidade e de seus espaços para novas demandas sociais e econômicas que emergiam na capital, principalmente em função da economia cafeeira. No contexto das transformações urbanas, o porto mudou o sítio primitivo da cidade e, na década de 1920, o cais do porto e a ponte sobre a baía deram a Vitória uma nova fisionomia urbana, intimamente relacionada com as atividades portuárias, marcando a grande e longa parceria entre a cidade e o seu porto. Maria da Penha Smarzaro Siqueira Historiadora Econômica e Socióloga. Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, Espírito Santo, Brasil. [email protected] 580 Book CM24_final.indb 580 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:40 A cidade de Vitória e o porto... Notas (1) O projeto sociocultural da modernidade, iniciado em meados do século XVI e que vai se consolidar no século XVIII, representa a primeira fase da modernidade, na qual a sociedade começava a experimentar a vida moderna, mas sem percepção do contexto e sem ideia do que as a ngia. Uma segunda fase vai ser marcada pela revolução francesa e se estenderá até o início do século XX, fase revolucionária que dá vida a um grande público moderno e se expressará também na forma de viver e de ver o mundo. No século XX, terceira e úl ma fase, o processo de modernidade se expande de forma universal, a cultura mundial do modernismo vai a ngir as sociedades em toda sua dimensão. Ver Berman (1997). (2) A Belle Époque é o período caracterizado pela expressão de grande entusiasmo vinda do triunfo das conquistas materiais e tecnológicas, entre outras invenções, nas úl mas décadas do século XIX e primeiras do XX. A época é também marcada pela ampliação das redes de comércio internacional e pela crença de que o progresso trazido pelo avanço tecnológico equacionaria tecnicamente os problemas da humanidade. As cidades tornam-se o local privilegiado desse momento e passam a se modernizar este camente, renovando suas feições de modo a se mostrarem progressistas e civilizadas, termos comuns no período. A modernização urbanís ca tem como marco inaugural a grande reforma urbana implementada em Paris pelo barão Georges Eugène Haussmann, entre 1853 e 1869, que tornou a cidade o modelo urbano para varias regiões do mundo. Ver Follis (2004). (3) Com destaque para a capital federal – Rio de Janeiro –, as capitais de São Paulo (São Paulo), Minas Gerais (Belo Horizonte), Paraná (Curi ba) e Rio Grande do Sul (Porto Alegre). O Espírito Santo, embora localizado na região geoeconômica mais dinâmica do país (Sudeste), produtor de café, e sendo sua capital – Vitória – cidade portuária, a mesma não se destacava enquanto cidade com potencial de crescimento emergente, pela deficiência dos métodos de produção no estado, dos meios de transporte, da infraestrutura, pela condição de dependência do Rio de Janeiro e inexpressivas ar culações polí cas com o poder central. Ver Siqueira (1995). (4) José de Melo Carvalho Muniz Freire, jornalista e advogado, foi presidente do estado do Espírito Santo em dois governos, o primeiro no período: 1892-1896 e o segundo: 1900-1904. Inaugurando no seu primeiro governo a fase inicial de reformas urbanas na cidade de Vitória, com obras de saneamento e a elaboração do projeto Novo Arrabalde (um novo bairro), prevendo abrir espaço para expansão urbana da cidade, anexando uma área cinco vezes maior que aquela que abrigava a capital (Oliveira, 2008). (5) A conformação geo sica da cidade de Vitória – ilha montanhosa de reduzida extensão (é uma das de menor território do Brasil), com área de apenas 93,381 km². Desenvolveu-se de forma conges onada entre as orlas, os morros e o braço de mar (seu porto). Siqueira (2001). (6) O marco oficial da inauguração do Porto de Santos é 2 de fevereiro de 1892, quando a então Companhia Docas de Santos – CDS, entregou à navegação mundial os primeiros 260m de cais organizado. O porto do Rio de Janeiro foi oficialmente inaugurado em 20 de julho de 1910, com armazéns e equipamentos em 800 metros de retroárea. O porto de Vitória oficialmente organizado foi inaugurado em 1940, colocando em condições técnicas e operacionais o Cais Comercial de Vitória. Veja Siqueira (1995). O Porto e a Cia. Docas de Santos. Santos, CDS, 1997. Cia.Docas do Rio de Janeiro. Inauguração do Porto do Rio de Janeiro. 20 de julho de 1910. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 581 581 09/11/2010 13:05:40 Maria da Penha Smarzaro Siqueira (7) Rua da Alfândega, atual Avenida Jerônimo Monteiro e Rua do Comércio, atual Avenida Floren no Ávidos, ruas principais do centro da cidade. (8) Cais do Imperador, construído em 1859, para o desembarque do Imperador D. Pedro II, quando o mesmo veio pela primeira vez veio visitar a Província do Espírito Santo, ficando assim denominado. Ma os (1864). Este cais originou o Cais Comercial de Vitória – an go cais do Imperador. (9) A Irmandade da Misericórdia, Irmandade do Rosário e Irmandade do Carmo. No Convento de São Francisco foi estabelecido o primeiro cemitério público de Vitória, todos com funcionamento em condições precárias, mo vo de preocupação das autoridades públicas desde metade do século XIX. A Santa Casa da Misericórdia foi construída seguindo as noções higienistas da época, em local de nível elevado aos mangues, permi ndo segurança em relação à saúde pública (Piva (2005). O cemitério público foi inaugurado em 1912, no distante arrabalde de Santo Antonio, extremo oposto no contorno da ilha, como outra medida de caráter saneador, obra que deu fim aos enterramentos nos an gos cemitérios localizados no centro da cidade (Palácios, 2007). (10) O projeto de reconstrução do palácio do governo foi desenvolvido pelo engenheiro francês Jusn Norbert, constando no mesmo contrato a construção da Escola Normal e a reconstrução da escadaria de acesso ao Palácio, obedecendo aos mesmos traços de arquitetura do Palácio (Bi encourt, 2006). (11) A primeira seção do cais, num trecho 355m de extensão, e a segunda com 500m de extensão. Guindastes, guinchos, escadas, bollards, rampas, equipamento de segurança (Monteiro, 1912). (12) Não cabe neste trabalho analisar e dissertar sobre as questões financeiras referentes às obras em questão, bem como aos projetos técnicos e contratos nacionais e internacionais que implicaram esse empreendimento. Nosso ar go pretende mostrar a relação direta do processo de modernização e urbanização da cidade de Vitória com o desenvolvimento do seu porto. (13) Revisão da dragagem do canal de acesso, dragagem dentro do ancoradouro e desmonte de rocha submarina, num volume de total de 27.000m³ (Avidos, 1928). (14) Cais Comercial de Vitória, an go Cais do Imperador construído em madeira em 1859, deu origem ao atual Complexo Portuário do Espírito Santo, que chegou ao final do século XX como o maior em movimentação de cargas e número de portos do Brasil e da América La na. 582 Book CM24_final.indb 582 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 565-584, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:40 A cidade de Vitória e o porto... Referências ABREU, M. de A. 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Esse fenômeno tem ocorrido segundo escalas variadas de causas e efeitos, que têm, nas regiões metropolitanas, e em particular na Região Metropolitana de Curitiba, resultado em consequências marcantes, notadamente em relação às diferenças na concentração simultânea de riqueza e pobreza, assim como na convivência de múltiplas características e funções. O objetivo principal deste estudo consiste em sistematizar reflexões a respeito desse fenômeno a partir de três escalas de abordagem – nacional, estadual e metropolitana –, em que, respectivamente, expansão, transformação e segregação formam uma tríade de características que permitem concluir pela relevância da assunção de políticas públicas que deem respostas à escalada de diferenças que atingem as realidades locais. Abstract Migrations have performed a fundamental role in the configuration of Brazilian municipalities structure. This phenomenon has happened according to different scales of cause and effect, which have produced in metropolitan regions, and especially in Curitiba Metropolitan Region, remarkable consequences, notably with respect to the differences in the simultaneous concentration of wealth and poverty, as well as to the daily contact between multiple characteristics and functions. This paper has the purpose of systematizing reflections concerning this phenomenon from three approach scales – national, state and metropolitan – in which expansion, transformation and segregation form respectively a characteristics triad that allows us to conclude for the relevance of assuming public policies that may give answers to the increase in differences that reach local realities. Palavras-chave: expansão nacional; transformação estadual; segregação regional; Região Metropolitana de Curitiba. Keywords: national expansion; transformation state; regional segregation; Curitiba Metropolitan Region. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 585-601, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 585 09/11/2010 13:05:40 Letícia Peret Antunes Hardt, Carlos Hardt e Marlos Hardt Introdução houve profunda alteração na sua estrutura produtiva e na distribuição da sua população, com reflexos diretos sobre as condições sociais e es- Villaça (1998) comenta que, no Brasil, as abordagens conceituais sobre a metrópole relacionam-se, substancialmente, com a importância social, econômica e cultural de determinado centro urbano. Assim, é caracterizada como a principal cidade com influência funcional sobre outros núcleos menores em uma região metropolitana. Por sua vez, Matos (2005, p. 73) se refere à metrópole como “a reunião de expressivos estoques populacionais em áreas geograficamente muito mais extensas do que as das cidades do passado ou de quaisquer povoados rurais”, sendo conformada pela configuração espacial de sucessivas periferias, a partir de um centro denso, alvo de constantes fluxos migratórios. Relacionada ao movimento de pessoas, grupos ou povos, de um lugar para outro, a mi- paciais paranaenses. Certamente, a Região Metropolitana de Curitiba (RMC) corresponde ao espaço estadual que mais diretamente sofre as consequências desse processo, com a escalada acentuada de diferenças, quer pela concentração simultânea de riqueza e pobreza, muitas vezes em espaços segregados, quer pela convivência de múltiplas características e funções, distribuídas em variadas tipologias de centros urbanos. A partir desses pressupostos, o presente estudo tem por objetivo precípuo sistematizar os resultados de uma leitura reflexiva sobre processos de concentração populacional e de possível desconcentração urbana na RMC, a partir de três escalas de abordagem, com vistas ao estabelecimento de subsídios à gestão de cidades e regiões. gração consiste em um fenômeno muito antigo, com variadas causas, frequências e intensidades. Para IMDH (2007), as migrações no início do século XXI são caracterizadas pela globali- Escala nacional: a expansão zação, superpopulação em determinados centros ou regiões, violação de direitos, desempre- Do ponto de vista demográfico, a expansão do go, desestruturação de economias tradicionais, processo de urbanização no Brasil foi acentua- perseguições e discriminação, dentre outros da a partir da década de 1960, quando o cres- aspectos. cimento populacional registrou o acréscimo de Os movimentos migratórios ocorrem em aproximadamente 50 milhões de habitantes, diferentes escalas, com resultados igualmente quase duplicando a população registrada no diversos. Nesse sentido, Gonçalves (2007) afir- país em 1950 (Santos, 2005), ocorrendo, a par- ma que três adjetivos ilustram de forma ade- tir de então, a concentração de grande parte da quada o panorama contemporâneo das migra- população em alguns centros urbanos de maior ções: intensas, diversificadas e complexas. Co- porte (Moura, 2004). mum no cenário brasileiro, esse contexto também é encontrado no Paraná, onde, a partir do expansionismo do desenvolvimento nacional, 586 Book CM24_final.indb 586 A expansão e a diversificação do consumo, a elevação dos níveis de renda e a difusão dos transportes modernos, junto a Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 585-601, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:40 Das diferenças de escala à escalada das diferenças uma divisão do trabalho mais acentuada, fazem com que as funções de centro regional passem a exigir maiores níveis de concentração demográfica e de atividades. (Santos, 2005, p. 73) Na escala hierárquica da estrutura urbana nacional nos primórdios do século XXI, destaca-se a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) isoladamente na categoria 1, seguida, com elevado desnível, pela do Rio de Janeiro, também inserida individualmente na categoria 2. A RMC posiciona-se na categoria As profundas modificações ocorridas nas relações de trabalho e na estrutura agrária resultaram em intensos fluxos migratórios internos e externos às fronteiras estaduais. Embora se observe a relativa desaceleração no processo de urbanização do estado e que os fluxos migratórios de longa distância paulatinamente cederam lugar a movimentos de proximidade, o intenso ritmo e a horizontalidade com que se realizou esse processo deram a tônica ao movimento de transição das últimas décadas. (Paraná et al., 2006, p. 9) 3, correspondendo à sexta posição dos espaços urbanos (Paraná et al., 2006). Ao longo do século XX, o Paraná apre- Há importante alcance de Porto Alegre sentou uma dinâmica populacional própria, e Curitiba na Região Sul, com níveis máximos especialmente em função dos efeitos da migra- de centralidade, determinada a partir do seu ção (Magalhães, 2003). forte poder de atração (Tourinho, 2007). Além Esses processos migratórios, heterogê- de transcender sua influência para o estado de neos e de intensidades diferenciadas ao longo Santa Catarina, Curitiba polariza toda a rede do tempo reproduziram dinâmicas distintas urbana paranaense (Moura e Werneck, 2001). de crescimento populacional, o que provocou constantes reorganizações da população no território. Escala estadual: a transformação De 1950 a 1970, as taxas de crescimento populacional paranaense se posicionaram próximas a 5% ao ano; de 1970 a 1990, caíram para patamares inferiores a 1% a.a., especial- No Paraná, também foi acentuado o cresci- mente devido à redução da migração externa; mento populacional no período posterior a de 1990 a 2000, o incremento se aproximou de 1950, sobretudo nas últimas décadas, com mu- 1,40% a.a., associado à acentuada elevação da danças relevantes na estrutura econômica es- população urbana (Figura 1). Paralelamente a tadual, representadas pela superação do setor municípios com crescimento contínuo superior primário pelo secundário e caracterizadas pelo ao do estado, outros apresentaram constan- esvaziamento de áreas rurais com consequen- te redução populacional, correspondendo, em te migração para os principais centros urbanos 2000, a cerca da metade das unidades munici- (Ipardes, 2003). pais (Ipardes, 2002) (Figura 2). Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 585-601, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 587 587 09/11/2010 13:05:40 Letícia Peret Antunes Hardt, Carlos Hardt e Marlos Hardt O mesmo quadro de decréscimo da população rural de quase 75%, em 1950, para cerca de 19%, em 2000 (Figura 3), é registrado para o Brasil e para o Paraná. Apenas o ritmo é diferenciado, sendo gradativo no país e concentrado no período de 1970 a 1990 no estado, “quando o grau de urbanização saltou de 36% para 78%, prosseguindo em alta até o final do século – números que confirmam um relacionamento intrínseco entre a reestruturação da acirrada disputa ao trabalho, bens e serviços, ao acesso ao solo e à cidade. Se nas cidades as contradições sociais já se faziam presentes, a urbanização, em tal intensidade, ampliou as malhas construí das, fazendo surgir novos loteamentos, adensando os bairros existentes, verticalizando habitações e agudizando os conflitos e a segregação socioespacial, ao criar áreas servidas e equipadas ao lado de favelas e periferias carentes. (Ibid., p. 11) economia e os movimentos populacionais” (Paraná et al., 2006, p.10). Na década de 1950, a população rural era superior à urbana em quase 95% dos mu- Migrantes oriundos dos campos ou de pequenos municípios deixaram seu modo de vida tipicamente agrário ou peculiar de pequenas vilas, para se somarem aos habitantes urbanos, na nicípios paranaenses; em 2000, essa situação era presenciada em apenas 29% deles (Figura 3), sendo 37% dos municípios relacionados a graus de urbanização de 50% a 75%. Figura 1 – Gráfico da população total, rural e urbana do Paraná 1950 a 2000 Fonte: Elaborado por Paraná et al. (2006) com base em IBGE (1950-2000) e Ipardes (2002). 588 Book CM24_final.indb 588 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 585-601, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:40 Das diferenças de escala à escalada das diferenças Figura 2 – Mapa das taxas de crescimento populacional (% a.a.) dos municípios paranaenses – 1991 a 2000 Abaixo de -3,50 De -3,50 a -1,50 De -1,50 a 0,00 De 0,00 a 1,50 De 1,50 a 3,50 Acima de 3,50 Fonte: Paraná et al. (2006). Nota: Taxas expressas em % a.a. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 585-601, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 589 589 09/11/2010 13:05:40 Letícia Peret Antunes Hardt, Carlos Hardt e Marlos Hardt Figura 3 Gráfico do grau de urbanização dos municípios paranaenses – 1950 a 2000 Fonte: Elaborado por Paraná et al. (2006) com base em IBGE (1950-2000) e Ipardes (2002). Em 2000, 81,4% dos municípios paranaen ses superaram a média estadual de urbanização, gerando expressivas concentrações urbanas no território paranaen se. [...] A intensidade desse processo sobrecarregou as estruturas urbanas existentes, provocando impactos nas infraestruturas e equipamentos urbanos disponíveis. Num curto intervalo de tempo, as administrações municipais tiveram que se adaptar para responder a demandas ampliadas e modificadas (Paraná et al., 2006, p. 12). formado por 399 municípios, é fortemente conectada à capital, com influências diretas até os limites estaduais mais distantes (Figura 4), apesar das fortes relações de algumas regiões do Paraná com outros estados limítrofes. Além da forte pressão sobre sua periferia imediata, Curitiba também exerce efeitos de centralidade sobre as redes urbanas associadas a todos os outros centros regionais, configurando-se como polo na escala estadual. O eixo da RMC inclui as centralidades de Paranaguá e Ponta Grossa, concentrando 32% da população Para Paraná et al. (ibid.), a rede das cidades paranaenses, integrante de um conjunto 590 Book CM24_final.indb 590 total do estado e 58% da produção estadual (Figura 5) (ibid.). Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 585-601, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:40 Das diferenças de escala à escalada das diferenças Figura 4 – Mapa de principais fluxos migratórios intermesorregionais no Paraná – 2000 Migrantes Mais de 20.000 hab. Mais de 10.000 hab. Menos de 10.000 hab. Fonte: Paraná et al. (2006). Notas: São consideradas migrantes as pessoas maiores de 5 anos que, em 1986, não residiam no município de residência atual. Estão representados os dois maiores fluxos de saída de cada mesorregião. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 585-601, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 591 591 09/11/2010 13:05:40 Letícia Peret Antunes Hardt, Carlos Hardt e Marlos Hardt Figura 5 – Mapa de concentrações de população e produção no Paraná – 2000 Polos: Ponta Grossa, Cidade Metropolitana e Paranaguá Porcentagem da população do estado: 32% Porcentagfem do valor adicionado fiscal do estado: 61% Polos: Londrina, Apucarana e Maringá Porcentagem da população do estado: 16% Porcentagfem do valor adicionado fiscal do estado: 9% Polos: Toledo, Cascavel e Foz do Iguaçu Porcentagem da população do estado: 8% Porcentagfem do valor adicionado fiscal do estado: 9% Maiores produções agrícolas de larga escala Maiores produções agrícolas de pequena e média escala Municípios com maiores proporções de pobreza Principais cidades Rota principal Fonte: Paraná et al. (2006). Nota: VAF = Valor Agregado Fiscal. 592 Book CM24_final.indb 592 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 585-601, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:41 Das diferenças de escala à escalada das diferenças Escala metropolitana: a segregação demandas sociais, sendo registradas elevadas taxas de carência, tanto nos municípios periféricos aos grandes centros urbanos – reduzidos à situação de “cidades-dormitórios” – quanto Formada originalmente por 14 municípios, a RMC conta atualmente com 26 unidades mu- naqueles com decréscimo populacional. Nos municípios que cresceram no Paraná: nicipais, compondo uma área de aproximadamente 15,5 mil km², equivalente a menos de 8% do território estadual (Comec, 2006). Para Hardt, Hardt e Resende (2007, p. 3), devido aos critérios utilizados para a composição da RMC, depara-se com a “configuração de um espaço heterogêneo sob vários aspectos inerentes à caracterização de uma região metropolitana, fazendo-se necessário o seu tratamento de forma diferenciada”. Nesse contexto, o IPEA (2002) subdivide o território regional em três categorias espaciais: a) Núcleo Urbano Central, conformado pela malha urbana da capital paranaense, áreas conurbadas e municípios com forte interação com o polo; b) Primeiro Anel Metropolitano, estruturado por municípios não limítrofes a Curitiba, mas sujeitos a significativos vetores de polarização; c) Segundo Anel Metropolitano, compreendido por áreas incorporadas recentemente à RMC, com incipiente configuração urbana. [...] o processo de ocupação do solo sob a lógica da mercantilização da terra e da moradia, abriu espaço ao mercado informal da habitação. Favelas, ocupações e loteamentos irregulares adentraram áreas ambientalmente vulneráveis, tornando ainda mais instável a vida das populações obrigadas a essa condição de moradia. A ausência de investimentos maciços em infraestrutura e serviços urbanos, voltados à atenção de demandas da coletividade, privou grandes e crescentes contingentes de moradores dos serviços de saneamento básico, saúde, educação e de transporte público. E como mais grave constatação, a incompatibilidade entre a oferta de postos de trabalho e a demanda por vagas, somada à precariedade do emprego, acentuaram a pobreza, reforçaram a insegurança e impuseram cada vez mais ao Estado o papel de provedor. (Paraná et al., 2006, p. 13) No período de 1970 e 2000, Curitiba quase triplicou sua população, comportando Nas últimas décadas do século passado, quase 1 milhão de novos moradores, parale- a RMC destacou-se entre as metrópoles brasi- lamente a um crescimento superior a 870 mil leiras de crescimento mais acelerado. Nos anos pessoas nos seus municípios vizinhos (IBGE, 1990, enquanto o Paraná registrou ligeira ele- 1950-2000). vação das taxas demográficas, a RMC manteve Todavia, essa área com maior grau de seu crescimento a um dos ritmos mais elevados urbanização no estado (Figura 6), embora apre- do país. sente indicadores sociais que refletem grandes Segundo o Ipardes (2003), a infraestrutu- desigualdades, responde pelos índices mais ex- ra e os equipamentos ociosos nos municípios pressivos da atividade econômica, com padrões paranaenses que perderam população não eli- de concentração tanto da riqueza quanto de minaram a desigualdade no atendimento às espaços empobrecidos. Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 585-601, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 593 593 09/11/2010 13:05:41 Letícia Peret Antunes Hardt, Carlos Hardt e Marlos Hardt Figura 6 – Mapa de concentração de população urbana e rural no Paraná – 2000 Fonte: Elaborado por Paraná et al. (2006) com base em IBGE (1950-2000) e Ipardes (2002). Nota: Municípios da RMC em destaque. 594 Book CM24_final.indb 594 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 585-601, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:41 Das diferenças de escala à escalada das diferenças Do ponto de vista regional no espaço es- Essa situação ultrapassa um mero posi- tadual, apenas a área metropolitana apresenta cionamento físico central ou de elevada con- significativos saldos migratórios positivos ao centração de pessoas e riqueza sobre um es- longo do período de 1970 a 2000 (Tabela 1). paço, em relação à área de abrangência de Considerada polo de um dos 12 siste- suas funções, pois a capital paranaense sempre mas urbanos identificados no Brasil no início ocupou lugar de destaque nas análises de ta- do século XXI e classificada como “metrópole manho e hierarquia, confirmando sua posição nacional”, juntamente com apenas mais sete de metrópole no cenário nacional. Essa caracte- capitais estaduais (IPEA, 2002), Curitiba assu- rística torna-se ainda mais relevante quando da me elevados níveis de representatividade no confrontação do seu posto, em 2000, em rela- território da Região Sul. ção aos demais municípios do Paraná (Figura 7). Tabela 1 – Taxas médias geométricas de crescimento anual da população segundo mesorregiões geográficas do Paraná 1970-1980, 1980-1991 e 1991-2000 Taxa média geométrica de crescimento anual (%) Mesorregião 1970-1980 1980-1991 1991-2000 Noroeste -2,51 -1,17 -0,25 Centro-Ocidental -2,34 -0,68 -1,24 Norte Central -0,28 0,93 1,24 Norte Pioneiro -2,09 -0,26 -0,15 Centro-Oriental 2,90 1,35 1,46 Oeste 2,47 0,51 1,28 Sudoeste 1,56 -0,78 -0,13 Centro-Sul 2,97 0,93 0,69 Sudeste 1,23 1,30 0,89 Metropolitana de Curitiba 4,95 2,84 3,13 Paraná 0,97 0,93 1,40 Fonte Elaborada por Ipardes (2004) com base em IBGE (1950-2000). Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 585-601, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 595 595 09/11/2010 13:05:41 Letícia Peret Antunes Hardt, Carlos Hardt e Marlos Hardt Figura 7 – Gráfico da relação tamanho-hierarquia considerando a população total dos municípios paranaenses – 2000 Fonte: Elaborada por Paraná et al. (2006) com base em IBGE (1950-2000). Nota: Diagrama de Zipf em escala bi-logarítmica. 596 Book CM24_final.indb 596 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 585-601, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:41 Das diferenças de escala à escalada das diferenças O movimento pendular daquelas pessoas Segundo a mesma fonte, cerca de 200 que se deslocam do seu lugar de residência mil pessoas se deslocam diariamente na RMC para trabalhar ou estudar em outro município de um município a outro para estudar ou traba- representa importante fenômeno no interior lhar, sendo que aproximadamente 80% se diri- do estado, sendo profundamente relacionado gem a Curitiba, que, por sua vez, também envia à evolução da distribuição espacial da popula- volumes elevados para alguns municípios da ção e ao padrão de urbanização, influenciados, região metropolitana. Assim, percebe-se a al- por sua vez, pela concentração das atividades teração nas formas de concentração, especial- econômicas em determinados espaços (Paraná mente no Núcleo Urbano Central e no Primeiro et al., 2006). A seletividade do mercado imobi- Anel Metropolitano, revelando a sua importân- liário tem expulsado a população das cidades cia como receptores de população. de maior porte para municípios no seu entor- Todavia, pela análise da relação entre o no, incrementando o crescimento populacional número de pessoas que realizam movimentos da periferia e intensificando a mobilidade pen- pendulares para o polo e o total de habitantes dular, fenômeno particularmente identificado municipais com idade acima de 15 anos (Ta- na RMC. bela 2), evidencia-se a continuidade da força Tabela 2 – Relação entre movimentos pendulares e população ativa em municípios centrais da Região Metropolitana de Curitiba – 2002 Município polo Curitiba Município polarizado Relação (%) Almirante Tamandaré 39,01 Piraquara 34,71 Pinhais 32,80 Colombo 32,36 Fazenda Rio Grande 29,35 Campo Magro 24,79 Quatro Barras 21,39 Campina Grande do sul 21,16 Itaperuçu 18,11 São José dos Pinhais 16,35 Araucária 14,02 Campo Largo 12,50 Rio Branco do Sul 8,94 Fonte: Elaborada por Paraná et al. (2006) com base em IBGE (1950-2000) e Ipardes (2002). Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 585-601, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 597 597 09/11/2010 13:05:41 Letícia Peret Antunes Hardt, Carlos Hardt e Marlos Hardt concentradora no centro regional, com os quantidade de domicílios carentes, significa- maiores percentuais registrados em municípios tiva deficiência de infraestrutura e alto déficit das duas categorias espaciais anteriormente habitacional. citadas. Cabe ressaltar que tais condições tam- Da interpretação da Figura 8, depreende- bém se dispersam no Núcleo Urbano Central se que, ao largo do desenvolvimento econômi- e no Primeiro Anel Metropolitano. Assim, vá- co da RMC, é significativa sua escalada de pro- rias outras cidades passam a compartilhar os blemas sociais, com vários de seus municípios efeitos de questões anteriormente peculiares apresentando, na entrada do século XXI, eleva- àquelas com dependência quase exclusiva da da incidência de número de pobres, expressiva metrópole. Figura 8 – Mapa de classificação dos municípios paranaenses a partir dos indicadores sociais: elevada incidência de número de pobres, domicílios carentes, deficiência de infraestrutura e déficit habitacional – 2000 Fonte: Elaborado por Paraná et al. (2006) com base em Ipardes (2003). Nota: Municípios da RMC em destaque. 598 Book CM24_final.indb 598 Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 585-601, jul/dez 2010 09/11/2010 13:05:41 Das diferenças de escala à escalada das diferenças Conclusão dos graves problemas sociais do Núcleo Urba- Para Paraná et al. (2006), a migração continua- ciadas dessas questões, relevando o processo rá desempenhando papel central no perfil da de desconcentração urbana. no Central por cidades anteriormente distan- distribuição espacial da população no território O aumento tendencial da população e paranaense, com as principais correntes migra- das riquezas na RMC traz consigo uma esca- tórias estaduais direcionadas para a RMC. Dos lada sem precedentes das diferenças entre as 18 municípios com taxa estimada de cresci- condições de vida dos diversos segmentos da mento superior a 3% ao ano para a primeira sociedade metropolitana. Assim, esse conjun- década do século XXI, 10 encontram-se na Re- to de fatores leva a concluir pela premente gião Metropolitana de Curitiba. necessidade de adoção de políticas de plane- Embora as tendências populacionais jamento e gestão urbana e regional que deem apontem para a continuidade do padrão de conta da segregação oriunda de deliberações concentração na RMC, onde as projeções pre- impetradas por níveis decisórios hierarquica- veem que, ao final de 2010, seus oito principais mente superiores, nem sempre sensíveis às municípios, além de Curitiba, concentrarão 31% realidades locais, tampouco conscientes dos da população estadual (IBGE, 2006), também novos modelos de configuração urbana no es- é previsível a expansão do compartilhamento paço metropolitano. Letícia Peret Antunes Hardt Arquiteta e urbanista. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba, Paraná, Brasil. [email protected] Carlos Hardt Arquiteto e urbanista. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba, Paraná, Brasil. [email protected] Marlos Hardt Arquiteto e urbanista. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Curitiba, Paraná, Brasil. [email protected] Cad. Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 585-601, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 599 599 09/11/2010 13:05:41 Letícia Peret Antunes Hardt, Carlos Hardt e Marlos Hardt Referências COMEC – Coordenação da Região Metropolitana de Curi ba (2006). Plano de desenvolvimento integrado da Região Metropolitana de Curi ba – PDI. Curi ba, Comec. GONÇALVES, A. J. (2007). A mobilidade humana e a globalização: fenomenologia e desafios. Disponível em: <h p://www.migrante.org.br/textosear gos.htm>. Acesso em: 25 jan 2010. IBGE – Ins tuto Brasileiro de Geografia e Esta s ca (1950-2000). Censos demográficos: 1950, 1960, 1970, 1980, 1990 e 2000. Rio de Janeiro, IBGE. ______ (2006). Cidades. Disponível em: <h p://www.ibge.gov.br/cidadesat. Acesso em: 31 maio 2006. IMDH – Ins tuto de Migrações e Direitos Humanos (2007). Migrantes. 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Metrop., São Paulo, v. 12, n. 24, pp. 585-601, jul/dez 2010 Book CM24_final.indb 601 601 09/11/2010 13:05:42 Book CM24_final.indb 602 09/11/2010 13:05:42 Instruções aos autores ESCOPO E POLÍTICA EDITORIAL A revista Cadernos Metrópole, de periodicidade semestral, tem como enfoque o debate de questões ligadas aos processos de urbanização e à questão urbana, nas diferentes formas que assume na realidade contemporânea. Trata-se de periódico dirigido à comunidade acadêmica em geral, especialmente, às áreas de Arquitetura e Urbanismo, Planejamento Urbano e Regional, Demografia e Ciências Sociais. A revista publica textos de pesquisadores e estudiosos da temática urbana, que dialogam com o debate sobre os efeitos das transformações socioespaciais no condicionamento do sistema político-institucional das cidades e os desafios colocados à adoção de modelos de gestão baseados na governança urbana. CHAMADA DE TRABALHOS A revista Cadernos Metrópole é temática, com chamadas de trabalho específicas para cada número. Os textos deverão ser encaminhados dentro do prazo estabelecido e deverão atender aos requisitos exigidos na chamada. AVALIAÇÃO DOS ARTIGOS Os artigos recebidos para publicação deverão ser inéditos e serão submetidos à apreciação dos membros do Conselho Editorial e de consultores ad hoc para emissão de pareceres. Os artigos receberão duas avaliações e, se necessário, uma terceira. Será respeitado o anonimato tanto dos autores quanto dos pareceristas. Caberá aos Editores Científicos e à Comissão Editorial a seleção final dos textos recomendados para publicação pelos pareceristas, levando-se em conta sua consistência acadêmico-científica, clareza de ideias, relevância, originalidade e oportunidade do tema. COMUNICAÇÃO COM OS AUTORES Os autores serão comunicados por email da decisão final, sendo que a revista não se compromete a devolver os originais não publicados. OS DIREITOS DO AUTOR A revista não tem condições de pagar direitos autorais nem de distribuir separatas. Cada autor receberá três exemplares do número em que for publicado seu trabalho. O Instrumento Particular de Autorização e Cessão de Direitos Autorais, datado e assinado pelo(s) autor(es), deve ser enviado juntamente com o artigo. Book CM24_final.indb 603 09/11/2010 13:05:42 NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DOS ARTIGOS Os artigos podem ser redigidos em português ou espanhol. Os artigos apresentados em outros idiomas serão traduzidos para a língua portuguesa. A fim de garantir o anonimato dos autores, os artigos apresentados não devem conter dados referentes aos autores ou indicações que os identifiquem. Os nomes dos autores devem ser informados em uma folha de rosto, constando formação acadêmica, filiação institucional, cidade, estado, país e e-mail. Os trabalhos devem ser encaminhados em CD, 2 (duas) vias impressas e a folha de rosto. Os artigos devem ser enviados em Word, digitados em espaço 1,5, fonte Arial tamanho 11, margem 2,5 cm; tabelas e gráficos em Excel; imagens em formato TIF, com resolução mínima de 300 dpi e largura máxima de 13 cm, sendo que os gráficos e imagens devem ser em tons de cinza. Os artigos devem ter um resumo de, no máximo, 120 (cento e vinte) palavras em português ou na língua em que o artigo foi escrito e seu correspondente em inglês, com indicação de 5 (cinco) palavras-chave, nas duas línguas. Os trabalhos devem ser enviados para: Caixa Postal 60022 – CEP 05033-970 – São Paulo, SP, Brasil, respeitando-se a data-limite de postagem estabelecida na chamada de trabalho. Após seu recebimento, os trabalhos serão enviados aos pareceristas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS As referências bibliográficas, que seguem as normas da Educ, adaptadas da ABNT, deverão ser colocadas no final do artigo, seguindo rigorosamente as seguintes instruções: Livros AUTOR ou ORGANIZADOR (org.) (ano de publicação). Título do livro. Cidade de edição, Editora. Exemplo: CASTELLS, M. (1983). A questão urbana. Rio de Janeiro, Paz e Terra. Capítulos de livros AUTOR DO CAPÍTULO (ano de publicação). “Título do capítulo”. In: AUTOR DO LIVRO ou ORGANIZADOR (org.). Título do livro. Cidade de edição, Editora. Exemplo: BRANDÃO, M. D. de A. (1981). “O último dia da criação: mercado, propriedade e uso do solo em Salvador”. In: VALLADARES, L. do P. (org.). Habitação em questão. Rio de Janeiro, Zahar. Artigos de periódicos AUTOR DO ARTIGO (ano de publicação). Título do artigo. Título do periódico. Cidade, volume do periódico, número do periódico, páginas inicial e final do artigo. Exemplo: TOURAINE, A. (2006). Na fronteira dos movimentos sociais. Sociedade e Estado. Dossiê Movimentos Sociais. Brasília, v. 21, n. 1, pp. 17-28. Book CM24_final.indb 604 09/11/2010 13:05:42 Trabalhos apresentados em eventos científicos AUTOR DO TRABALHO (ano de publicação). Título do trabalho. In: NOME DO CONGRESSO, número, ano, local de realização. Título da publicação. Cidade, Editora, páginas inicial e final. Exemplo: SALGADO, M. A. (1996). Políticas sociais na perspectiva da sociedade civil: mecanismos de controle social, monitoramento e execução, parceiras e financiamento. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENVELHECIMENTO POPULACIONAL: UMA AGENDA PARA O FINAL DO SÉCULO. Anais. Brasília, MPAS/SAS, pp. 193-207. Teses, dissertações e monografias AUTOR (ano de publicação). Título. Tese de doutorado ou Dissertação de mestrado. Cidade, Instituição. Exemplo: FUJIMOTO, N. (1994). A produção monopolista do espaço urbano e a desconcentração do terciário de gestão na cidade de São Paulo. O caso da avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini. Dissertação de mestrado. São Paulo, FFLCH. Textos retirados de Internet AUTOR (ano de publicação). Título do texto. Disponível em. Data de acesso. Exemplo: FERREIRA, J. S. W. (2005). A cidade para poucos: breve história da propriedade urbana no Brasil. Disponível em: http://www.usp.br/fau/depprojeto/labhab/index.html. Acesso em 8 set. 2005. Book CM24_final.indb 605 09/11/2010 13:05:42 Book CM24_final.indb 606 09/11/2010 13:05:42 Cadernos Metrópole vendas e assinaturas Exemplar avulso: R$20,00 Assinatura anual (dois números): R$36,00 Enviar a ficha abaixo, juntamente com o comprovante de depósito bancário realizado no Banco do Brasil, agência 3326-x, conta corrente 10547-3, ou enviar cheque para a Caixa Postal nº 60022 - CEP 05033-970 - São Paulo – SP – Brasil. 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