Capa RDE-13 Curvas Frente e Verso.cdr
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Ano VIII • Nº 13 • Semestral • Janeiro de 2006 • Salvador, BA Departamento de Ciências Sociais Aplicadas Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano INDEXAÇÃO: A Revista de Desenvolvimento Econômico – RDE é indexada por: – GeoDados: Indexador de Geografia e Ciências Sociais < http//www.geodados.uem.br > – Universidad Nacional Autónoma de México CLASE Citas Latinoamericanas en Ciencias Sociales y Humanidades: < http://www.dgbiblio.unam.mx > A RDE foi classificada pelo QUALIS da CAPES como Nacional A pelas áreas de Planejamento Urbano e Regional/Demografia (área do Programa responsável pela sua edição) e Arquitetura e Urbanismo. Depósito legal junto à Biblioteca Nacional, conforme decreto nº 1.825, de 20 de dezembro de 1907. Ficha Catalográfica – Sistema de Bibliotecas da Unifacs RDE – Revista de Desenvolvimento Econômico. – Ano 1, n. 1, (nov. 1998). – Salvador: Departamento de Ciências Sociais Aplicadas 2 / Universidade Salvador, 1998. v.: 30 cm. Semestral ISSN 1516-1684 Ano I, n. 1 (nov. 1998); Ano I, n. 2 (jun. 1999); Ano 2, n. 3 (jan. 2000); Ano 3 n. 4 (jul. 2001); Ano 3, n. 5 (dez. 2001); Ano 4, n. 6 (jul. 2002); Ano 4, n. 7 (dez. 2002); Ano 5, n. 8 (jul. 2003); Ano 6, n. 9 (jan. 2004); Ano 6, n. 10 (jul. 2004); Ano 7, n. 11 (jan. 2005); Ano 7, n. 12 (jul. 2005); Ano 8, n. 13 (jan. 2006). 1. Economia – Periódicos. II. UNIFACS – Universidade Salvador. UNIFACS. CDD 330 Pede-se permuta On demande l´échange We ask for exchange Pede-se canje Si rischiede lo scambo Mann bitted um austausch 2 Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO EDITORIAL Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA EXPEDIENTE: Revista de Desenvolvimento Econômico A Revista de Desenvolvimento Econômico é uma publicação semestral do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da Universidade Salvador – UNIFACS. UNIVERSIDADE SALVADOR – UNIFACS REITOR: Prof. Manoel Joaquim F. de Barros Sobrinho VICE-REITOR: Prof. Guilherme Marback Neto PRÓ- REITOR DE GRADUAÇÃO: Profª Maria das Graças Fraga Maia PRÓ- REITOR DE PÓS-GRADUAÇÃO: Prof. Luiz Magalhães Pontes PRÓ-REITOR FINANCEIRO: Prof. Sérgio Augusto Gomes V. Viana PRÓ-REITOR ADMINISTRATIVO: Profª Verônica de Menezes Fahel DEP. DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS: Prof. Manoel Joaquim F. de Barros PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E URBANO–PPDRU: Prof. Alcides dos Santos Caldas CONSELHO EDITORIAL Prof. Dr. Alcides Caldas Profª Dra. Bárbara-Christine Nentwig Silva Prof. Dr. José Manoel G. Gândara Prof. Dr. Luiz Gonzaga G. Trigo Prof. Dr. Fernando C. Pedrão Prof. Dr. Noelio D. Spinola Prof. Dr. Pedro Vasconcelos Profª Dra. Regina Celeste de Almeida Souza Profª Dra. Rosélia Piquet Prof. Dr. Rossine Cruz Prof. Dr. Sylvio Bandeira de Mello e Silva Profª Vera Lúcia Nascimento Brito Prof. Victor Gradin EDITOR Prof. Dr. Noelio D. Spinola SECRETÁRIO Prof. MSC José Gileá de Souza CAPA E EDITORAÇÃO GRÁFICA Joseh Caldas FOTOLITOS E IMPRESSÃO S VICTOR GRÁFICA LTDA TIRAGEM: 1.000 exemplares Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva dos autores. Os direitos, inclusive de tradução, são reservados. É permitido citar parte dos artigos sem autorização prévia desde que seja identificada a fonte. É vedada a reprodução integral de artigos sem a formal autorização da redação. ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA: Alameda das Espatódias, 915 - Caminho das Árvores, Salvador, Bahia, CEP 41820-460 - Tel.: 71-3273-8557 E-MAIL: [email protected] – [email protected] Departamento de Ciências Sociais Aplicadas Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano – PPDRU Agora, atualizado cronologicamente, lançamos o nº 13 da Revista de Desenvolvimento Econômico (RDE), editada pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da Universidade Salvador. Os 13 artigos que enriquecem a edição começam com o professor Fernando Cardoso Pedrão que apresenta dois trabalhos. O primeiro, de sua autoria, intitulado Aníbal Pinto e a ruptura do círculo vicioso da pobreza e o segundo, um artigo inédito de Aníbal Pinto que durante muito tempo permaneceu no limbo de um arquivo e também versa sobre El financiamiento del desarrollo y el círculo vicioso de la pobreza. O artigo de Pedrão constitui uma aula de história econômica contemporânea que se impõe à leitura de todos aqueles que trabalham com a temática do desenvolvimento. Em seguida o professor José Elí da Veiga, em seu artigo sobre as vicissitudes da governança cidadã, discute as dificuldades da emergência de novas identidades regionais no extremo sul do Brasil. Já o quarto artigo, de autoria da professora Bárbara-Christine Nentwig Silva e do bacharelando Araori Silva Coelho, estuda a macrocefalia urbana em Boa Vista, Roraima, do ponto de vista urbano e funcional, este direcionado para a área de saúde. O Norte do país é também contemplado, mais uma vez, pela pesquisadora Marta de Azevedo Irving, que aborda a questão das áreas protegidas de fronteira e o turismo sustentável na Amazônia brasileira, especificamente os parques nacionais das Montanhas de Tumucumaque e Cabo Orange que se situam na fronteira com a Guiana francesa. A professora Irving além de contribuir para a discussão da perspectiva do turismo sustentável conclui que o turismo regional só poderá ser competitivo, no plano internacional e, inclusivo, no cenário local, se estiver associado a um diferencial de qualidade social e ambiental, tendo como marca a cooperação Brasil-França e toda a sua significação cultural e identitária no contexto amazônico. Ainda tratando do turismo a professora Carolina de Andrade Spinola questiona se o ecoturismo, o desenvolvimento local e a conservação da natureza em espaços naturais protegidos são objetivos conflitantes? Neste artigo ela toma como exemplo o Parque Nacional da Chapada Diamantina que foi objeto de sua pesquisa, concluindo que não é possível perseguir os objetivos da conservação da natureza e do desenvolvimento local, especialmente nas unidades de conservação localizadas nos países em desenvolvimento, sem atentar para as necessidades humanas de subsistência das populações que os habitam e, conseqüentemente, proceder-se a uma nova discussão sobre os modelos de gestão adotados nesses espaços e a sua capacidade de equacionar todas as variáveis derivadas do uso turístico desses espaços. Continuando na mesma temática a professora Sieglinde Kindl Cunha e o professor João Carlos da Cunha apresentam uma proposta de modelo de análise de clusters de turismo a partir de um enfoque multidisciplinar entre as áreas da sócio-economia, geografia-social e estudos de redes. Mudando de assunto os professores Augusto Monteiro e Carlos Palma de Mello apresentam as conclusões de um estudo de caso onde avaliaram a eficácia dos programas de qualidade em obras públicas do estado da Bahia. O nono artigo, do mestrando Cláudio Damasceno Pinto, na seara microeconômica, estuda a competitividade do setor de supermercados na cidade do Salvador. No plano ambiental registra-se o décimo artigo do professor Generoso de Angelis Neto e equipe, que discutem alguns conceitos relacionados ao tema “resíduos sólidos” num contexto voltado para a análise geográfica. Neste enfoque estuda-se o planejamento e a recuperação de áreas urbanas, principalmente as decorrentes dos impactos ambientais derivados da gestão incorreta dos resíduos. Por seu turno, o professor Paulo Renato Soares Terra apresenta um ensaio onde revisa a literatura teórica e empírica sobre a interdependência entre o crescimento econômico e o setor financeiro. O penúltimo artigo, do professor Jefferson Staduto e equipe, trata de uma experiência concreta dos arranjos produtivos relatando o surgimento de um APL no Oeste do Paraná. Esta edição se encerra com o 13º artigo, dos professores José Vergolino e Alexandre Jatobá que, numa análise econométrica, analisam os determinantes do crescimento da população e do emprego das microrregiões do Nordeste do Brasil no período de 1970/1996. Até a próxima edição. Noelio Dantaslé Spinola EDITOR RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 3 SUMÁRIO 5 ANÍBAL PINTO E A RUPTURA DO CÍRCULO DA POBREZA FERNANDO PEDRÃO 11 EL FINANCIAMIENTO DEL DESARROLLO Y EL CÍRCULO VICIOSO DE LA POBREZA 19 VICISSITUDES DA GOVERNANÇA CIDADÃ: OS CONSELHOS REGIONAIS GAÚCHOS (COREDE) 28 MACROCEFALIA URBANA EM RORAIMA E SUA REPERCUSSÃO NOS SERVIÇOS DE SAÚDE 35 ÁREAS PROTEGIDAS DE FRONTEIRA E TURISMO SUSTENTÁVEL NA AMAZÔNIA: ENTRE O ANÍBAL PINTO SANTA CRUZ JOSÉ ELI DA VEIGA BARBARA-CHRISTINE NENTWIG SILVA E ARAORI SILVA COELHO SURREALISMO E A INVENÇÃO MARTA DE AZEVEDO IRVING 50 O ECOTURISMO, O DESENVOLVIMENTO LOCAL E A CONSERVAÇÃO DA NATUREZA EM ESPAÇOS NATURAIS PROTEGIDOS: OBJETIVOS CONFLITANTES? CAROLINA DE ANDRADE SPINOLA 60 CLUSTERS DE TURISMO: ABORDAGEM TEÓRICA E AVALIAÇÃO 68 A EFICÁCIA DOS PROGRAMAS DE QUALIDADE NO SETOR PÚBLICO: O CASO DO QUALIOP 75 ESTRUTURA DE MERCADO E PADRÕES DE CONCORRÊNCIA: BARREIRAS À ENTRADA NO SETOR DE SUPERMERCADOS EM SALVADOR SIEGLINDE KINDL DA CUNHA E JOÃO CARLOS DA CUNHA AUGUSTO DE OLIVEIRA MONTEIRO E CARLOS PALMA DE MELLO CLÁUDIO DAMASCENO PINTO 86 ÁREAS URBANAS DEGRADADAS: RELAÇÕES COM A GESTÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS 93 AN ESSAY ON THE INTERDEPENDENCE BETWEEN ECONOMIC GROWTH AND THE FINANCIAL SECTOR GENEROSO DE ANGELIS NETO, BRUNO LUIZ DOMINGOS DE ANGELIS E PAULO FERNANDO SOARES PAULO RENATO SOARES TERRA 101 ARRANJO PRODUTIVO LOCAL DE TERRA ROXA: A ANTI-VOCAÇÃO? 114 DETERMINANTES DO CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO E DO EMPREGO DAS MICRORREGIÕES DO NORDESTE DO BRASIL - 1970/1996: UMA ABORDAGEM ECONOMÉTRICA JEFFERSON ANDRONIO RAMUNDO STADUTO, EDNILSE WILLERS E PAULO ROBERTO AZEVEDO JOSÉ RAIMUNDO VERGOLINO E ALEXANDRE DOMINGOS SÁVIO CALDAS JATOBÁ 4 Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ANÍBAL PINTO E A RUPTURA DO CÍRCULO DA POBREZA Fernando Pedrão1 Resumo A publicação tardia de um artigo inédito de Aníbal Pinto Santa Cruz oferece a oportunidade de reconstruir algumas linhas básicas do debate que se travou em torno da superação do circulo vicioso da pobreza, que foi uma tese aparentemente da mecânica da economia, mas que estava carregada de ideologia. Palavras chave: Desenvolvimento, subdesenvolvimento, círculo da pobreza, poupança interna. Resumen La publicación tardía de un ensayo inédito de Aníbal Pinto Santa Cruz nos ofrece la oportunidad de reconstruir algunas líneas básicas de un debate que se trabó acerca de la superación del círculo vicioso de la pobreza, que fue una tesis aparentemente de la mecánica de la economía, pero que estaba cargada de ideología. Palabras llave: Desarrollo, subdesarrollo, círculo de la pobreza, ahorro interno. da CEPAL, com textos não publicados precursores da década de 50, na qual se integrou Aníbal Pinto e na qual participamos. O ensaio de Aníbal Pinto que agora apresentamos tem um significado especial, por trazer uma perspectiva histórica à análise do financiamento do desenvolvimento, como fundamento do debate acerca da desigualdade do desenvolvimento entre as nações e desmitificando as razões do sucesso dos que se industrializaram. Surgem, pela mão dele, a complexidade do papel do colonialismo entre latinos e saxões, e o peso negativo sobre os latinos da transferência do centralismo político e de sua sustentação feudal na formação da grande propriedade rural nas regiões latino-americanas. Concomitantemente, descobre-se o custo social do crescimento da economia inglesa e o modo como esse custo foi arcado no exterior para beneficio da economia norte-americana. O círculo vicioso da pobreza é a reprodu- A oportunidade de ter encontrado um texto inédito de Aníbal Pinto entre papéis da época, além de publicá-lo, permite esboçar uma homenagem tardia ao intelectual engajado que ele foi.2 Isso significa publicar o texto original e avaliar seu significado na época em que foi produzido. Discutir o financiamento do desenvolvimento não era apenas ver como conseguir dinheiro para financiar o plano de desenvolvimento, senão significava perscrutar como a esfera da circulação se integrava na esfera da produção nas condições especiais – induzidas ou conduzidas – dos planos de desenvolvimento. Essa foi a linha de trabalho aberta por Carlos Oyarzún no ambiente RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ção linear da dominação. A ruptura do círculo vicioso da pobreza é o modo da emancipação econômica e política. Aníbal Pinto foi um grande polemista e incentivador de outros, mas deixou uma obra própria assinada surpreendentemente pequena. Grande parte do que fez ficou submerso em relatórios oficiais.3 Assim, o melhor modo de fazer um elogio a Aníbal Pinto é situá-lo no debate de que foi participante apaixonado. Essa figura de homem do mundo, entretanto tão profundamente nacional, de boêmio e incansável trabalhador, perspicaz e cuidadoso, que parecia saído de um diálogo de Platão, teve um claro sentimento político da Economia. Sua participação no debate econômico, sempre teve um sentido afinado da realidade social da economia e da responsabilidade da teoria do desenvolvimento. Foi uma figura representativa do período criativo daquela instituição que teve um desempenho surpreendente: a única 1 Professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da Unifacs. 2 O texto em causa é uma exposição crítica da teoria do círculo vicioso da pobreza, realizada num tratamento de modelo de dois setores, numa linguagem teórica marxista. A tese central dessa crítica é que a continuidade do círculo da pobreza resulta do modo como o capital circula entre S1 e S2 mediante os termos de troca entre esses dois setores – que, entretanto, é determinado pelo padrão geral de acumulação. A noção de circulo vicioso da pobreza é contraditória com as alterações na composição do capital, mesmo em condições em que a operação de cada setor permita separar recursos para investimento. A concepção de circulo vicioso da pobreza não se coaduna com o funcionamento da produção capitalista, porque não considera as interdependências entre os usos de meios de produção nos dois setores. No essencial, a crítica de Aníbal Pinto ao circulo vicioso da pobreza difere da de Celso Furtado – que aparece em La formación de capital y el desarrollo econômico – em que esta última opõe a perspectiva keynesiana à perspectiva de Schumpeter, representada por Nurkse. Há um problema de alteração da composição na formação de capital, que é manejado de diferentes modos por Furtado e por Pinto, dado que na perspectiva keynesiana não há espaço conceitual para trabalhar com as conseqüências das alterações na composição do capital. Mais ainda, na perspectiva keynesiana essas alterações não são obrigatórias, pelo que a ruptura do circulo vicioso da pobreza se torna incidental. O questionamento de Aníbal Pinto sobre a mecânica da ruptura do circulo vicioso da pobreza apóia-se numa abordagem que parte dos elementos da reprodução simples do capital. 3 Há uma produção paralela de artigos de Aníbal Pinto que apareceu em diversas revistas com pseudônimos utilizados para proteção, devido a restrições impostas por sua condição de funcionário internacional. O pseudônimo de Spartaco serviu aos seus propósitos polêmicos politicamente mais comprometidos. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 5 das comissões continentais das Nações Unidas que desenvolveu um pensamento teórico próprio e que procurou criar uma base empírica sistemática para sustentar alternativas de política de desenvolvimento. A CEPAL surpreendeu ao mundo das Nações Unidas, porque ultrapassou seu mandato. O que a CEPAL dos seus primeiros quinze anos teve de original foi concentrar o debate sobre as transformações sociais e econômicas definidas como desenvolvimento econômico e social e ter elevado esse debate a um plano mundial, formulando idéias próprias e trazendo pensadores independentes de outras partes do mundo. As contradições desencadeadas pela política mundial, que cercearam a possibilidade de continuar essa polêmica, e que se estenderam desde a pressão indireta da Aliança para o Progresso até o obstáculo direto do golpe militar que derrubou Salvador Allende, deixaram uma outra CEPAL, convencional, que tem tanto em comum com a anterior como o aldeamento de Tróia VIII com a Tróia VII de Homero. O trabalho da CEPAL começou em 1948 e se cristalizou no Estudo Econômico da América Latina de 1949 4, gerando a seguir um conjunto de estudos país por país, com o nome de Análises e Projeções do Desenvolvimento Econômico. Esses estudos, que foram realizados para diversos países, criaram uma nova inércia do conhecimento de hoje de realidades nacionais que surgiram dos tempos do sistema colonial. Desde fins da década de 50 houve modificações profundas no pensamento sobre as transformações da economia mundial, que podem ser atribuídas em parte a certo amadurecimento das teses formuladas dez anos antes e em parte ao reconhecimento ou ao desenvolvimento de uma visão crítica do processo. Isso em parte apareceu como um contraste entre a chamada teoria do crescimento econômico5 e a teoria do desenvolvimento econômico, sobre a qual em todo caso pairavam dúvidas ou conflitos, se se tratava de desenvolvimento do sistema produtivo capitalista – no sentido de Marx 6 e Schumpeter – ou se se tratava de uma teoria que explicasse como poderiam os países subdesenvolvidos se desenvolver. Realisticamente, se reconhecia que não necessariamente todos os países se desenvolveriam, mas não se entrava realmente no mérito de que no mundo capitalista as tendências da concentração de capital alargavam e aprofundavam as diferenças entre os países. A visão crítica do desenvolvimento surge, ao mesmo tempo em que a própria concepção de desenvolvimento nas nações periféricas ao movimento internacional de acumulação de capital. Essa visão crítica é própria da Economia Política Crítica, geneticamente incompatível com a abordagem mecanicista da análise neoclássica que se tornou a linguagem técnica padronizada da economia do grande capital. Há diferentes níveis e escalas dessa crítica: é uma crítica acadêmica formal, ou passa a incluir o reconhecimento do mundo americano indígena, que é negado pelo projeto colonial, mas que ressurge, repetidamente, definindo-se como uma fonte insubstituível de consciência social. Tal sentido critico aparece junto com a noção de processo de subdesenvolvimento apresentada por Celso Furtado6 – ainda em sua perspectiva keynesiana – assim como aparece através de uma crítica marxista do pensamento teórico, com que se identificavam Pedro Vuskovic, Julio Melnick e Aníbal Pinto no âmbito da CEPAL. Há uma diferença sutil porém profunda, entre a conceituação de subdesenvolvimento manejada por Prebisch e a que passou através das vulgarizações que se reproduzi- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA ram, tal como reimpressões em edições de menor qualidade. Prebisch absorveu uma visão histórica – weberiana – da economia, que distinguiu os trabalhos de seu colaborador mais próximo, o filósofo e sociólogo José Medina Echevarria. Tinha-se como essencial que o desenvolvimento econômico e social – crescimento do produto, distribuição da renda e controle nacional do processo de transformação econômica – jamais foi garantido para todas as nações e que historicamente a maioria fracassa na tentativa de alcançar esses resultados. Daí, a centralidade do planejamento como meio de superar essa tendência negativa. Ficou faltando ligar a historicidade do comércio desfavorável à historicidade da formação de capital. Essa lacuna que Celso Furtado tentaria suprir com seu trabalho de 1969 – A economia latino-americana desde a conquista ibérica até a Revolução Cubana - mas que continuou em aberto, pela falta de uma análise histórica do capital na periferia. Essa seria uma lacuna que Samir Amin tentaria fechar com seu Acumulação à escala mundial (1967), mas que ficou em aberto no relativo à compreensão da reprodução ampliada do capital em sua etapa de concentração. A teoria do desenvolvimento econômico não conseguiu criar uma teoria do capital para a periferia da economia mundial. Com essa visão histórica, na origem não havia praticamente semelhança alguma entre aquela compreensão de que o subdesenvolvimento significava uma perda de capacidade de exercer políticas econômicas independentes e o entendimento 4 A primeira obra teórica de Raul Prebisch, em que foi apresentada por primeira vez a teoria da relação centro-periferia. 5 Houve um estreitamento dos objetivos da teoria do crescimento, desde a versão inicial de Roy Harrod (1939) até a leitura tardia de John Hicks (1965), em que as implicações em termos de teoria do capital foram retiradas. No entanto, a contribuição de Harrod à teoria monetária se faz à luz de uma visão formada no contexto da teoria do capital. Não se pode esquecer que naquele mesmo momento Joan Robinson publicava o que pretendeu ser sua obra principal, a Acumulação de capital. – logicamente numa perspectiva keynesiana. 6 Celso Furtado, Desenvolvimento e subdesenvolvimento, Rio de Janeiro, Cultura, 1959. A crítica harrodiana da teoria neoclássica – no sentido de Marshall – do crescimento pressupunha a necessidade de penetrar no conceito de taxa de salário, para examinar a relação entre os requisitos de trabalho – em cada composição do capital – e as condições do sistema socioprodutivo para prover esse trabalho qualificado. O tema de Harrod não é a taxa in abstracto senão as condições sociais para que essa taxa se verifique e se mantenha. A questão da composição do capital reaparece em diversos textos de Harrod, e, especificamente, numa conferência sobre Marx. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO vulgar de que o subdesenvolvimento seria apenas uma mecânica do atraso tecnológico e de multiplicador de emprego. O enriquecimento da conceituação de subdesenvolvimento surgiu como de algo inerente à dinâmica da economia mundial – tal como Prebisch já tinha indicado desde o Estudo de 49 – e não poderia ser definido como um problema apenas interno, que se pudesse reduzir aos argumentos conhecidos de falta de poupança, de falta no sistema educativo, ou simplesmente de sociedades infensas ao progresso (material). 7 No ambiente da progressão da produção capitalista, o subdesenvolvimento seria o resultado negativo – perverso – da desigualdade conduzida.8 O mecanismo do comércio seria esse fio condutor. Havia, portanto, latente, a necessidade de uma teoria da periferia, que teria que contemplar os aspectos materiais e os ideológicos do processo e não poderia ser apenas uma teoria econômica. Esse foi um objetivo que Prebisch entreviu, em sua tentativa de fazer um grande trabalho coletivo em 1970, mas que foi interrompida. Desde então, a principal diferença entre aquilo que defino como a análise maior do desenvolvimento e a análise menor, estaria entre trabalhar com o processo em sua totalidade ou buscar aspectos ou setores que se apontaria como responsáveis da perpetuação do subdesenvolvimento. Mais adiante, na década de 1970, essa diferença também estaria entre uma visão a longo e médio prazo do planejamento e o aparecimento de um planejamento a curto prazo, que não era muito mais que disciplina orçamentária. A proposta de técnica de planejamento apoiouse em um quadro sintético que era uma combinação do modelo de Harrod com a análise de relações inter-industriais de Leontief. Mas essa técnica estava sustentada num intenso trabalho de análise e pesquisa teórica, que veio a constituir um corpo doutrinário bastante bem definido. Um seminário realizado no Lago Como (Itália) em 1959 mostrava, além disso, a divisão maior entre as doutrinas contestatórias integradas na teoria do desenvolvimento e uma resposta ortodoxa, representada por W.W.Rostow e Roberto Campos. 9 Outros autores neoclássicos que escreviam sobre desenvolvimento, tais como Harvey Leibenstein, Everet Hagen, Henry Bruton, formavam o neoconservadorismo de então, estruturando um discurso que antecipava a chamada síntese neoclássica post-keynesiana, identificada com Paul Samuelson e John Hicks e logo adiante com Robert Solow10. A maré anti-keynesiana apontava justamente para os keynesianos ou pós keynesianos mais à esquerda, especialmente contra Roy Harrod, Joan Robinson, Nicholas Kaldor. 11 Os suecos, isto é, Gunnar Myrdal, Erik Lindahl,12 que já representavam uma crítica mais progressista que Keynes, RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ele próprio um conservador, passavam a constituir um referencial colateral. Os pensadores oriundos das nações classificadas como subdesenvolvidas, tais como Raul Prebisch e os cepalinos do grupo original13, apareciam perante a academia conservadora, majoritariamente norte-americana, como um incidente academicamente pouco consistente. O inverso seria ver a análise neoclássica como historicamente irrelevante. Esse quadro de posições foi ulteriormente confirmado com o lançamento da Aliança para o Progresso – um projeto da administração Kennedy – que se tornaria a referência para uma visão tecnicista desses processos, onde se excluía o componente de conflito social. 14 Em vez de políticas de transformação, ajuda a 7 A escassez de poupança na visão de Prebisch, é um saldo negativo de relações internacionais desfavoráveis que atinge a formação de capital e não é a simples falta de capacidade de poupar dos países periféricos. O Haiti e a Bolívia foram vitimas dessa expropriação da formação de capital em suas exportações, respectivamente, de café e de minerais, tanto como o Brasil, o Chile, a Argentina. A escassez de poupança é um resultado de relações coloniais, que se agrava quando uma maior proporção da formação de capital se passa a investimentos nos países mais ricos e que se aprofunda quando os novos investimentos são parte das cadeias integradas de capitais. É um tema em que se tem que voltar a pensar, quando se confronta hoje com um neoneocolonialismo perpetrado por países europeus que voltam a fazer grandes investimentos integrados em redes internacionais que extraem todo lucro dos países receptores de seus capitais. Os exemplos mais imediatos são Portugal, Espanha e França. 8 Desigualdade conduzida pelas forças que prevalecem na acumulação de capital. Interesses econômicos institucionalmente organizados, com capacidade efetiva de decidir sobre os usos de recursos. 9 As idéias de Roberto Campos já estavam bem definidas em artigo de 1960, Inflação e crescimento equilibrado. Aparecem de modo pleno e sintético na introdução que escreveu ao livro de LorenzoFernandez. 10 Em seus diversos matizes, o conservadorismo na análise do desenvolvimento caracterizou-se por procurar sempre um fator decisivo ao qual atribuir o desastre do atraso e a possibilidade do progresso. Foi o contrário da visão de totalidade do processo, Diferentes autores focalizaram em educação, ou em tecnologia, ou em industrialização, sempre como objetivos que se deve buscar através da liberação dos mercados, que na prática significava abaixar barreiras à expansão dos capitais norte-americanos. Somente da década de 70 em diante a liberação de mercados passou a beneficiar capitais europeus, que, para surpresa de alguns, revelam-se mais colonialistas que os norte-americanos. 11 As idéias de Michal Kalecki tiveram certa ressonância a partir de sua divulgação por Joan Robinson, porém aparentemente jamais foram levadas em conta pelos norte-americanos, mesmo por aqueles mais progressistas. Kalecki foi ignorado pela CEPAL e na América Latina passou a ser lido seriamente pelos brasileiros. Dentre os cepalinos, apenas Carlos Oyarzun e Aníbal Pinto trabalharam com as idéias de Kalecki, por isso tomando o financiamento do desenvolvimento como uma disciplina essencial no estudo do desenvolvimento econômico. 12 Tanto Myrdal quanto Lindahl se destacaram inicialmente com trabalhos de economia monetária, respectivamente, O equilíbrio monetário (1932) e Estudos sobre a teoria do dinheirol e da moeda (1947), mas se afirmaram como cientistas sociais, com um espectro muito mais amplo de interesses. 13 Refere-se a José Mendive, Jorge Ahumada, Jesus González, Carlos Oyarzún , Manuel Balboa, Julian Calvo, José Antonio Mayobre e vários outros. 14 Hoje é preciso reconhecer que a Aliança para o Progresso constituiu uma opção ideológica de política de desenvolvimento, que carregou toda uma elite de pensadores liberais – no sentido norte-americano dessa expressão – que se afirmavam como o lado democrático da Guerra Fria, comparados com fenômenos tais como o macartismo e a direita republicana norte-americana em geral. Observe-se que há uma linha de continuidade entre a luta contra o racismo nos EEUU e a perspectiva étnica nas políticas de desenvolvimento nos países latino-americanos. Na América Central e nos países andinos continuava uma política escravista em relação com os indígenas. A Argentina continuava declarando-se como país mais europeu da América e o Chile continuava negando cidadania aos seus indígenas. O racismo das elites latino-americanas transformou-se em instrumento de apoio a essa linguagem modernizada da influência norte-americana. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 7 políticas setoriais e a gastos assistenciais. O papel desde então atribuído às despesas assistenciais, rotuladas de setores sociais, que significava tratar educação como uma benesse do Estado aos mais pobres, constitui o cerne de uma abordagem da política de desenvolvimento, que ficava reduzida a uma política publica setorialmente delimitada. O mais importante é que o papel do Estado nacional ficava externamente determinado. Logicamente, essa abordagem de despesas compensatórias seria questionada no próprio campo neoclássico, pela subcorrente representada por Milton Friedmann e Harberger, em que esse último passaria a assessorar a ditadura chilena na década de 1970. Assim, a chamada “teoria da dependência” – que, praticamente, foi uma visão sociológica e weberiana do subdesenvolvimento – captava um aspecto do problema maior de desigualdades nas relações entre ricos e entre pobres, mas esquivava o debate sobre a acumulação de capital. Por isso, em paralelo ao discurso demonstrativo da marginalidade – e nem sempre da marginalização – ficava por explicar os mecanismos econômicos que levavam a essa marginalização. A resposta que alguns de nós encontrávamos era o debate sobre a distribuição da renda15, que suscitava resistências de todos que entendiam que a teoria do desenvolvimento deveria ser uma teoria da produção e o foco na distribuição seria um desvio ricardiano, a todas luzes, inoportuno. Prevalecia o ponto de vista de que a análise da distribuição seria, inevitavelmente, estática, e voltaria as costas para a análise a longo prazo da relação entre o crescimento do produto e o do capital. Entretanto, Aníbal Pinto entrou de cabeça nessa outra linha, da relação entre as alterações da distribuição e o desenvolvimento dos países, publicando um livro intitulado Distribuição de renda na América Latina e desenvolvimento (1967), em que trabalhava a distribuição como a cara visível, negativa, da concentração do capital. À parte de expressões que se tornaram emblemáticas, tais como marginalidade e dependência, paten- 8 teou-se uma fragilização do discurso teórico do desenvolvimento, que deveria dar conta de um constante acréscimo do conhecimento factual da realidade latino-americana e que refletia o esgotamento das análises oriundas da macroeconomia keynesiana, que ficava no registro de evidências, mas não se aventurava nas causas do atraso. Nesse contexto, destacou-se, positivamente, o trabalho de Sunkel, Paz e Rodriguez16, que procurou encontrar as especificidades do subdesenvolvimento nesta parte do mundo. No entanto, ainda padecia de um conhecimento histórico estruturado suficiente para compreender o problema do colonialismo. Dentre os cepalinos, somente Celso Furtado empreenderia uma tentativa de síntese dessa trajetória.17 Aníbal Pinto teve uma participação significativa nesse debate, mas infelizmente não deixou texto que referende seus pontos de vista. O contraste desses trabalhos com aqueles outros de desenho marxista, tais como os de Gunder Frank, Ruy Marini e Theotonio dos Santos mostravam a impossibilidade de definir o enquadramento doutrinário dos trabalhos apenas pelo uso de termos de aceitação geral, tais como subdesenvolvimento, dependência, dominação etc. A visão marxista rompia com as barreiras entre as análises macroeconômica e microeconômica, assim como revelava a centralidade do movimento de acumulação de capital. O problema substantivo de combinar a escolha de te- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA O problema substantivo de combinar a escolha de temas com a abordagem de método significava uma opção ideológica não compatível com o projeto de resolver os problemas da sustentação das classes médias... mas com a abordagem de método significava uma opção ideológica que não era compatível com o projeto de resolver os problemas da sustentação das classes médias no processo de desenvolvimento. O suposto economicismo da época não era mais que uma estratégia evasiva dos conflitos de classe que, inevitavelmente, surgiam quando se buscavam as fontes da reprodução da desigualdade e do atraso. Significava que os economistas não se ocupavam dos conflitos sociais subjacentes à formação de capital, onde tudo se resumia em desigualdade de renda. O estudo de Kuznets sobre as variações na relação capital/produto nos EEUU durante 80 anos, era um modo de mostrar o capital formado e de evitar o debate sobre a mecânica da acumulação.18 15 Elaborei minha tese para concurso de docente livre sobre A distribuição da renda e o desenvolvimento econômico (1960) por instigação de Jorge Ahumada, assim como escrevi um artigo sobre As desigualdades regionais e o desenvolvimento econômico (1964) por instigação de Aníbal Pinto. 16 Oswaldo Sunkel, Pedro Paz e Octavio Rodriguez, El subdesarrollo latinoamericano y la teoria del desarrollo, (1981). Esse livro foi o texto básico de vários cursos de desenvolvimento econômico conduzidos por Sunkel na década de 60, quando funcionou como uma resposta econômica da teoria sociológica da dependência. Já havia uma tensão básica entre a fundamentação histórica das teorizações sobre a América Latina e as tentativas de generalização. 17 Alusão a A economia latino-americana desde a Conquista até a Revolução Cubana (1969). Nessa obra Celso Furtado fez uma tentativa de explicar os processos latino-americanos em função dos dados iniciais da colonização, que hoje se vê como um modelo caótico, isto é, um modelo que não incorpora as alterações de tendências introduzidas durante o percurso considerado do processo.Concretamente, como se o fato da independência política não resultasse em alterações das combinações de poder que pudessem alterar as tendências de cada nação em seu conjunto. A principal fragilidade desse modelo – reconhecida pelo próprio Furtado em fala durante o seminário em sua homenagem em 92 – consiste em excluir - tacitamente – o imperialismo. 18 Simon Kuznets, Long –term changes in the National Income of the United States of America since 1870, Income and Wealth, series II, Income & Wealth of the United States, trends and structure, Cambridge, Bowes & Bowes, 1952. Posteriormente, se reconheceu que a pesquisa de Kuznets na realidade significava uma prova das idéias de Marx sobre as alterações na composição orgânica do capital. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO O desgaste da teoria da relação centro-periferia – em sua versão original – deu lugar a outras incursões teóricas, sempre no marco de uma busca de soluções alternativas às da imposição da supremacia norteamericana. Nesse sentido, entendo que podem ser decodificadas as contribuições ao debate sobre a heterogeneidade do capital, em que se destaca um artigo de Aníbal Pinto 19, inaugurando uma linha de debate que se aproximava mais de visão de Marx que do neo-ricardianismo de Piero Sraffa.20 A questão central de uma leitura séria de Marx pesou sobre a teoria do desenvolvimento na América Latina, onde poucos, como Maria da Conceição Tavares e Pedro Vuskovic conheciam consistentemente a obra de Marx. Reconheciase, portanto, que o problema central de uma teoria econômica do capitalismo – uma teoria do capital – ficara fora da teoria do desenvolvimento econômico. Esse, a meu ver, é o fundamento de uma crítica interna da teoria do desenvolvimento, que perdeu de vista a questão essencial da Economia Política. A noção de estilos de desenvolvimento foi introduzida no ambiente da CEPAL pelo físico argentino Oscar Varsawski, que veio municiar outra subcorrente da análise do desenvolvimento – uma corrente quantitativista - que encantou figuras da esquerda e da direita, em busca de uma legitimação não ideológica.21 A noção de estilos de desenvolvimento seria uma ferramenta para penetrar na variedade de situações do período colonial, bem como para registrar a variedade de situações da segunda revolução industrial. Mas padecia da falta de um fundamento consistente no campo social, por isso, terminando por protagonizar mais um engendro de linguagem da Física no campo social. Parecia uma simplificação e um desvio de uma análise genuinamente histórica, já que não registrava o fundamento social da formação do capital e se dispunha a identificar o sistema histórico do colonialismo como uma forma colonial. A seguir surgiu uma bifurcação no próprio campo da análise de es- tilos de desenvolvimento, em que um grupo tentava substituir a análise econômica por uma outra, de inspiração da engenharia; enquanto outra acreditava encontrar uma análoga da categoria formação social. Aníbal Pinto, Oswaldo Sunkel, Norberto González e alguns outros corresponderam a essa subcorrente, que procurava restabelecer categorias nacionais para o tratamento do movimento internacional do capital. Foi uma tentativa que topou com contradições profundas, mas que deixou alguns resultados positivos, na individualização dos problemas nacionais de desenvolvimento. A contribuição de Aníbal Pinto nessa área foi modesta, mas deixou marca, justamente por indicar as contradições entre uma análise internacional do capital e uma análise nacional das formações sociais. Tentativas de interpretação da economia chilena, empreendidas por Jorge Ahumada e pelo próprio Aníbal Pinto, de diferentes modos, tinham mostrado a impossibilidade de alcançar uma explicação nacional satisfatória sem integrá-la internacionalmente. Afinal, o modelo primário exportador mineiro chileno decorria do modo de uso de minerais na segunda revolu- RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ção industrial nos Estados Unidos. O envolvimento de Aníbal Pinto com os problemas do desenvolvimento no Brasil data de sua presença como chefe do Escritório da CEPAL no Brasil e correspondem à primeira metade da década de 1960. Naquele período, em boa parte por sua atividade docente, entrou em contato com grupos de diversas partes do país, vindo a ponderar que a análise regional neste país teria um peso e um significado diferentes de outras partes do continente. A crítica histórica do círculo vicioso da pobreza teve um significado muito especial, naquele momento em que foi formulada e hoje, quando parece remota, porque evoca a temática do controle da formação de capital no esforço dos países para superarem suas condições desfavoráveis. Por isso mesmo, contém os elementos básicos de uma critica das políticas econômicas que descuidem ou ignoram o aspecto de vulnerabilidade das economias nacionais aos movimentos de capitais especulativos. Naquele período em que a análise econômica no Brasil estava dominada por uma quase exclusividade da visão dos grandes centros do Sudeste, percebeu que havia algo de 19 Aníbal Pinto Santa Cruz, La heterogeneidad del capital, Trimestre Económico, abril, 1964. Como se sabe, o debate entre a visão de heterogeneidade do capital e a de capital como entidade financeira – Cambridge (UK) vs.Cambridge (Massachussets) aconteceu durante a década de 60 e foi registrada pela coletânea de Harcourt & Laing , Capital and growth (1967). Entretanto é um pseudo debate, já que evade a questão substancial da composição orgânica do capital. Observe-se que Joan Robinson (1973) – Economics versus Political Economy – que a composição do capital é um tema ambíguo em Marx, entretanto que se torna essencial para a teoria do capital, quando se enfrentam os problemas mais complexos de renovação tecnológica. Tal como se pode ver no referido livro de Harcourt & Laing, o debate cerca da heterogeneidade – de que é parte o artigo de Aníbal Pinto – é uma reação à autosuficiencia da visão do capital financeiro. 20 Referencia a Production of commodities by means of commodities, (1961). O livro de Sraffa foi festejado de modo quase universal, talvez em parte por sua parcimônia – levou 42 anos para produzir um livro de 139 páginas – e talvez porque resolvesse um problema latente em todos economistas, de desejar que houvesse uma saída pós marxista para a teoria de Ricardo. No entanto, esse livro traz uma formalização da análise da produção capitalista industrial, que não contempla as transformações inerentes à superação da segunda revolução industrial. Os principais desdobramentos da análise sraffiana – Pasinetti e Garegnani – continuam no mesmo rumo de tentar criar uma explicação pós ricardiano não inglesa no coração da justificativa inglesa do controle da acumulação industrial. Indiretamente, estão levando água ao pote, isto é, estão construindo uma mecânica da economia plenamente industrial – mercadorias por meio de mercadorias – que não contempla quaisquer outras dimensões da desigualdade que não sejam essas da própria mecânica interna do processo. A internacionalização do capital aparece apenas como um desdobramento ulterior e não como centro do capital mundializado. 21 Não se pode esquecer que uma grande parte da presença das Nações Unidas no após guerra deveuse ao esforço de difundir técnicas estatísticas e de análise macroeconômica em países cujas estatísticas eram precárias, para criar condições de comparabilidade na esfera internacional. O referido quantitativismo seria uma atitude de tendente a pretender desenvolver e aplicar modelos econométricos, que geralmente estavam muito além da confiabilidade das estatísticas desses países. Houve uma substituição da análise econômica possível pela tentativa de impor técnicas quantitativas sem dispor de números confiáveis para esse uso. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 9 irredutível na presença do Nordeste. Esse talvez tenha sido seu momento de maior intimidade com a complexidade deste país e o ensejo para uma visão não centralista dos problemas do desenvolvimento. 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El círculo vicioso de la pobreza La activación del desarrollo económico depende, como ya se sabe, de la capacidad de una población para apartar del consumo una fracción adecuada de sus ingresos (o recursos) para destinarlos a la creación de capital. En relación a este problema se ha popularizado la metáfora del círculo vicioso de la pobreza. Ingreso bajo – ahorro bajo – productividad baja – ingreso bajo etc. En resumen, “son pobres porque son pobres”. En términos estrictamente financieros, “el círculo vicioso” no existe. Los países podrían disponer de todo el ingreso monetario que desearan si las autoridades bancarias dieran “empleo pleno” a las máquinas impresoras. Desde ese ángulo, la pobreza se apreciaría en función de la capacidad para crear y distribuir medios de pago. Lo anterior, claro está, no tiene otra significación que una especie de “reducción al absurdo”. En verdad, cuándo hablamos de “ingresos” nos referimos tácitamente a “ingresos reales” en un sentido muy claro: como una contrapartida financiera que es el reverso de la corriente de bienes y servicios. Al hablar de ahorro y capacidad de ahorro, no nos referimos solamente al saldo monetario de ingresos que se sustraen del consumo, sino que implicamos lo que va con él, como el cuerpo y la sombra – en este caso – que son los recursos humanos y materiales que esas rentas representan, o mejor dicho, sobre las que tiene dominio. En otras palabras, expresar que ahorramos tal o cual proporción del ingreso equivale a señalar que una mayor cuota de bienes queda dispo- nible para la inversión, y tal decisión sólo tiene pleno sentido o importancia en esa acepción. En su forma más simple, el problema del “círculo vicioso” de la pobreza podria exponerse gráficamente así: S1 100 S2 10 El sector 1 es el productor de bienes de consumo. El sector 2 es el productor de bienes de capital. En una esfera están reunidos y combinados los factores productivos que satisfacen las necesidades inmediatas de la población. En la otra, los recursos que tienen por objeto mantener y expandir la capacidad productiva. En un país adolescente, de baja productividad relativa, el S1 absorbe el grueso de los factores de producción (el caso de una comunidad primitiva). En términos de ingresos esto significa que el margen susceptible de ser ahorrado es obligadamente muy pequeño. El s 2 por oposición, es muy reducido si se mide por la proporción de recursos que absorbe y no sólo eso: crece lentamente ya que es muy limitado el flujo de recursos que puede transferir el s 1 para su ampliación. En una economía que se expande, tanto la magnitud como as proporciones de los sectores van modificándose. Podríamos imaginarlas así después de un periodo de desenvolvimiento activo: RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO S1 200 S2 40 La comunidad ha sido capaz de desplazar hacia el sector consumo una parte creciente de sus recursos y ese esfuerzo se ha traducido en una ampliación de ambos sectores, pero en mayor proporción de la esfera que produce bienes de capital. Para tener una idea concreta del desarrollo de ese proceso pueden considerarse las siguientes cifras respecto a la evolución de la importancia relativa de las industrias de bienes de consumo y las de bienes de capital en los Estados Unidos 1850 1900 1927 I II 43% 35 32 18% 23 39 Gracias a esa expansión acelerada – con respecto al otro sector – la inversión por hombre ocupado en el país del norte ha sobrepasado los US$7.000. El problema tratado puede apreciarse desde otro ángulo, más preciso, en las siguientes ecuaciones basadas en aquel esquema de dos sectores: Y= O= S= C= ingreso producto ahorro consumo Y los signos 1 e 2 para señalar los componentes de ambos sectores. 1 Este material inédito é a segunda parte de um texto escrito por Aníbal Pinto para um conjunto de aulas que proferiu para a matéria Financiamento do Desenvolvimento, em curso realizado em Salvador em 1963, em cooperação entre a SUDENE e a Universidade Federal da Bahia e coordenado pelos professores Edivaldo Boaventura e Fernando Pedrão.O artigo foi conservado em sua estrutura original, não atendendo a padronização editorial da RDE. 2 Economista. Pesquisador da Universidade do Chile. Ex-diretor da CEPAL. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 11 0 = 01 + 02 = Y = C + S 01 = C1 + S 1 02 = C2 + S 2 02 = S = S1 + S2, luego, S1 = C2 Esto es, el consumo del sector inversión debe ser igual al ahorro del sector consumo. A fin de que la población activa en el sector inversión pueda dedicarse a la creación de bienes de capital, se requiere que aquella que labora en el sector 1 produzca un excedente sobre su propio consumo. Para esclarecer más este problema y con miras a anticipar otras cuestiones relacionadas que examinaremos más adelante, conviene que nos detengamos más en las relaciones entre los sectores 1 y 2. Supongamos que el excedente de bienes de consumo que deja el S 1 permite ampliar en el S 2 la producción de acero. Logrado ese objetivo, se va a plantear en seguida el problema del destino o uso que se va a dar al incremento de esa disponibilidad. Imaginemos algunas alternativas: (a) la mayor producción de acero se pone a disposición de las industrias del sector I a fin de que aumenten la oferta de bienes durables, menaje etc.; (b) el incremento marginal de la oferta de acero queda integramente en el sector II, para ampliar su capacidad productiva (descontando que ha habido provisión para las depreciaciones en ambos sectores) ; y (c) una combinación de (a) e (b). Evidentemente la alternativa más favorable desde el punto de vista del desenvolvimiento es la (b) , o en todo caso una (c) que inclinara la distribución del acero agregado a favor de S 2 . Esto podría exponerse así: no sólo importan los márgenes de ahorro del S 1 , sino también es primordial resolver acerca del destino de los frutos de ese ahorro. En otras palabras, de que S 1 siga ahorrando, en el sentido de que renuncie al goce inmediato de los resultados del esfuerzo realizado. En lo que respecta a esta cuestión, el profesor Kaldor llama la atención 12 respecto a la distinta “posición estratégica” de los dos sectores. El S2 es dependiente de S1 porque su escala de operaciones está subordinada al ahorro de este último, es decir al margen de bienes de consumo que deja disponible al S1, o sea, a una decisión de éste. Sin embargo, las relaciones de medios o términos de intercambio entre los dos sectores – la cantidad de bienes de capital que puede trocarse por una unidad de bienes de consumo – está determinada por el S2. Supongamos que la producción del S2 consiste de acero. De lo dicho puede deducirse que la cantidad producida va a depender del margen de bienes de consumo liberados , no consumidos, por el S1. Sin embargo, la producción de acero que se pone a disposición del S1 estará determinada por las decisiones del S2. De qué manera? Elevando el precio de sus productos puede reducir la rentabilidad de las inversiones en el S1 y acrecentar la que puede esperarse en el propio. Imaginemos que el S1 ahorra 100 unidades de trigo, que permiten al S2 operar en una escala que se traduce en la producción de 100 unidades de acero, fijará un precio al acero que lleve a intercambiar 70 unidades por las 100 de trigo. Si el S1 redujera en 90 unidades de trigo, obligaría al S2 a disminuir su producción de acero también a 90 unidades, pero si el S2 quisiera continuar usando las 30 unidades del ejemplo anterior, podría hacerlo colocando el precio necesario al acero a fin de que 60 unidades se trocaran por las 90 de trigo que ahorró el S1 . En otras palabras, habría empeorado la relación de precios para el sector consumo. Quizás la consecuencia más importante de lo expuesto es que los países que desean activar su desarrollo necesitan en alguna medida llevar a cabo el proceso de radicar en el S2 una buena o mayor parte de la capacidad acrecentada por el acto de ahorro en el S1. Eso significa dedicar a las industrias de bienes de capital (siderurgia y metalurgia, cemento, maquinarias, energía) una mayor proporción de su producción, Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA que le requeriría un crecimiento paralelo o similar de los dos sectores. He aquí la razón básica del énfasis colocado sobre el crecimiento acelerado de las industrias pesadas en algunos programas de desarrollo económico intensivo. Asimismo subraya la importancia del funcionamiento y control de las industrias básicas de capital, ya que ellas pueden ser la fuente de sus propios requerimientos de inversión. Un caso ilustrativo en este asunto es la política de tarifas o precios de las industrias de servicios públicos o de las industrias pesadas en general. Cómo dijimos antes, todo esto implica que los frutos del ahorro se distraen en alguna medida del sector de producción para el consumo y se concentran en la ampliación de la capacidad productiva. Ello, naturalmente, permitirá una expansión ulterior más acelerada de ambos sectores. Como una cotación al margen de esta cuestión y por su decisiva importancia para el proceso de ahorro – inversión y el del desarrollo en general, cabe subrayar que el sacrificio presente o directo del acto de ahorrrar, de substraer ingresos y recursos del consumo, no se altera por el hecho de que una parte importante de los mismos se dedica a la expansión del S2 en vez de dirigirse a ampliar la capacidad o provisión de recursos para el S1. Volviendo al ejemplo de Kaldor, el S1 ahorró 100 unidades de trigo y las puso a disposición de los inversores a fin de que éstos ocuparan factores en la creación de medios de capital. Estos bienes de producción (otra vez dejando de lado el problema de mantener la capacidad existente) puede dirigirse o utilizarse en uno u otro sector. Supongamos que toda la inversión neta es en el S2 . En este caso el sacrificio extra del sector consumo estribará en no aumentar su capacidad de producción inmediata o próxima, pero no implica acrecentarlo en forma absoluta o actual, ya que está fijado por las 100 unidades de trigo. Desde ese ángulo podemos apreciar que una tasa o volumen de inversión producirá muy distintos RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO efectos sobre el desarrollo según implique una mayor o menor preferencia por la expansión de S2, aunque el sacrificio actual de ahorro sea el mismo en ambos casos. Las relaciones que se establecen desde ese ángulo no deben confundirse con el problema de la productividad de la inversión o del capital, que se expresa en la relación poducto/capital. Por ejemplo, una inversión en un cinema y otra en una obra de irrigación pueden tener la misma productividad si comparamos el volumen de ingresos que genera cada unidad de capital en esos usos, pero el efecto sobre la capacidad productiva y el potencial de desarrollo será muy distinto en ambos casos. Por otra parte, en el momento en que apartaron recursos del consumo paraísos fines, el sacrificio del acto de ahorro fue idéntico , supuesto claro está, que se requerian los mismos factores. Retomando el hilo de la exposición podrá sentarse el supuesto obvio de que los países que tienen un sector I relativamente reducido en comparación con sus habitantes, se encuentran en pié más difícil para ampliar el sector II, o, dicho en otros términos, como S1 (ahorro del sector I) es pequeño, también lo es C 2 ( que representa el margen de bienes de consumo que debe ponerse a disposición de quienes laboran en el sector de bienes de producción). Este principio elemental tiene alguna corroboración estadística, aunque veremos más adelante que está expuesto a serias críticas. Tasas de inversión en algunas áreas Europa Occidental Estados Unidos América Latina Excepción Europa Oriental + de 20% + de 15% + de 15% expansiones sucesivas de la capacidad de los sectores. Así nadie debería preocuparse mayormente de esas relaciones y todo el problema estribaría en que los caminantes se encuentran en un momento dado en puntos más o menos avanzados de la carretera. Lo que ocurre, sin embargo, es que en gran parte del mundo sub-desarrollado no hay o no ha habido durante largos períodos una expansión secular que derive en aquella desviación de recursos hacia la inversión: en otros países la cadencia del crecimiento no ha bastado para compensar el aumento de la población; y en el resto, finalmente, la expansión ha sido demasiado modesta, inestable o desequilibrada para satisfacer la comunidad. En esta materia cabe referirse a una circunstancia marginal, a nuestro tema específico, pero de enorme significación para ubicar el problema en un marco adecuado. Es el hecho de la tendencia indisputable durante un largo período a la acentuación de las desigualdades en el desarrollo económico internacional. (A) El caso de las naciones más rezagadas de Asia y Medio Oriente, que parecen encontrarse aún en términos absolutos más pobres que hace un siglo, no sólo han quedado al margen de la revolución industrial, el sistema capitalista, la irradiación del “libre comercio internacional” etc., sino que puede suponerse que éstos y otros fenómenos contemporáneos resultaron contraproducentes para ellos. (B) La experiencia de otras economías adolescentes – entre las cuáles pueden encontrarse América Latina – que han logrado algún incremento en sus niveles de ingreso, pero que se hallan, sin embargo, a una distancia mayor que hace un siglo de los niveles alcanzados por los países centrales. + de 25% El truísmo de que a mayor volumen de ingreso por persona hay una mayor reserva potencial para transferir recursos hacia la inversión, tendría mayor significado si el desenvolvimiento fuera un proceso espontáneo, persistente o necesario, que automáticamente se tradujera en B. La ruptura del círculo vicioso de la pobreza El interés del examen histórico del problema de romper el círculo vicioso de la pobreza reside en la circunstancia meridiana de que numerosos países han logrado sobrepasar los obstáculos que dificultan el camino y emprender el ascenso RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO desde niveles tanto o más bajos que los que caracterizan a muchos países adolescentes en la actualidad. re las experiencias o modelos más representativos que se mencionaron en esta materia vale la pena considerar los de Inglaterra, Estados Unidos, la Unión Soviética y Japón. Para Singer, el caso inglés se caracteriza por una combinación de dos elementos principales, que son una distribución desigual del ingreso y una alta propensión a ahorrar, un espíritu puritano de la gente que recibía altas rentas. En otras palabras, aludiendo a menciones anteriores, a una compresión muy resuelta y sostenida del sector de producción para el consumo – fundamentalmente el consumo de gran masa – y el aprovechamiento de los recursos así disponibles para la formación del capital. Algunas condiciones muy sui generis se requirieron para que tuviese lugar esa combinación. En primer lugar cabria señalar la reforma agraria inglesa, que destruyó la estructura feudal en el campo, caracterizada por la explotación semi-comunal de pequeñas extensiones fragmentadas y la sustituyó por una agricultura de extensiones más amplias y dirigida a satisfacer la demanda por alimentos y materias primas de las ciudades. Esa reforma, como se sabe, no implicó una revolución en el sistema de propiedad sino que fundamentalmente un cambio en la organización y en el funcionamiento del sistema agrícola. Por otra parte, está el sistema suplementario que anota Singer. La alta propensión a ahorrar de quienes resultaron favorecidos por la situación descrita. Para explicar esa inclinación incluso se alude frecuentemente a condiciones de tipo religioso, como la influencia del movimiento protestante y las proyecciones económicas del mismo: una estimación por los valores materiales, sobriedad en los hábitos de vida etc.. Desgraciadamente, para esas tesis generalmente aceptadas, la escasa documentación empírica no ofrece mucho asidero. De acuerdo a Simon Kuznets, por ejemplo, que se basa Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 13 en varias investigaciones inglesas, el porcentaje de formación de capital en el Reino Unido entre 1870 e 1890 fue inferior al 10% sobre el producto bruto y en el mismo periodo en Estados Unidos fue más del doble. De manera, pues, que no habría sido la abstinencia de consumo por parte de los sectores no asalariados, que son la otra parte de esa ecuación socio-económica del desarrollo inglés. Pensamos, en cambio, y nada más que a título de vaga hipótesis, que podrian haber tenido mayor gravitación elementos como los siguientes: a. Las innovaciones tecnológicas del periodo, que elevaron sustancialmente la productividad del sistema. b. El hecho de que una parte considerable de las inversiones debió dirigirse a las industrias básicas de capital, especialmente después de la expansión textil del primer periodo, cuestión que parece muy probable, al recordar la estructura de la economía inglesa del periodo y el hecho de que la expansión de las industrias de consumo para la masa estaba constreñida por el patrón de la distribución de las rentas. c. Seguramente su condición de principal proveedor de bienes de capital permitió a Inglaterra establecer una relación de precios ventajosa para su economía, a lo que habría que agregar la existencia de condiciones políticas – v.g. su posición rectora del mundo que favorecían al proceso. Sobre esa materia Meier & Baldwin señalan que los historiadores económicos generalmente concuerdan en que una parte substancial del incremento en el ingreso real de Gran Bretaña puede atribuirse a un mejoramiento secular de sus términos de intercambio. d. Por último, aunque no menos importante, el desarrollo económico inglés fue alimentado por una caudalosa transferencia de ingresos de otros países, gracias al sistema colonial. Los antecedentes muy minuciosos sobre la contri- 14 bución dela Índia, por ejemplo, no dejan dudas de que el crecimiento del ingreso, que a la postre llegó también a alcanzar a los grupos que habían sufrido y pagado por la Revolución Industrial, se debió en buena proporción al factor señalado. (Ver al respecto, Political Economy of Growth, por Paul Baran, University of Stanford, Estados Unidos). Respecto a las características del proceso de financiamiento de la creación de capital, es posible distinguir algunas fases características en la evolución inglesa.3 Entre 1750 e 1800 se ha percibido que la acumulación se debió a la “inflación de utilidades”, que fueron ahorros forzosos a través de un retraso de los salarios monetarios respecto de los precios en alza, que facilitaron la acumulación de fondos para la inversión en nuevas empresas y ampliaron el margen de ganancias que podrían reinvertirse en el sistema industrial. Durante el siglo dieciocho y la primera parte del diecinueve, el financiamiento interno antes que el externo, basado en el sistema bancario y en las bolsas de valores, fue el principal medio de desenvolver las empresas industriales. Hacia fines del siglo dieciocho el sistema bancario comenzó a adquirir un gran impulso, pero de preferencia facilitó el capital de trabajo en tanto que los ahorros individuales y las utilidades no distribuidas proveyeron los recursos para la formación de capital, desarrollándose con el tiempo las instituciones conocidas del mercado financiero. Es interesante señalar que en Inglaterra, a la inversa que en el continente, y sobre todo en Alemania, los bancos se mantuvieron ajenos al financiamiento, control y promoción de empresas, lo que se explica porque hubo un flujo suficiente de ahorros desde las otras fuentes ya mencionadas. En este último sentido, habría que mencionar la aparición en la constelación financiera de uno de los instrumentos más eficaces y que pasa a ser Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 3 dominante en la organización privada: la sociedad por acciones o anónima. En tiempos recientes, el proceso de financiamiento en Gran Bretaña ha experimentado cambios que son comunes a prácticamente todos los países europeos y que se podrían resumir en: (a) la pérdida de importancia de la contribución de ahorros personales; y (b) la generación en el propio mundo de las empresas de los recursos invertibles. Aún en los países de filosofía tan liberal como Alemania Occidental, el ahorro del gobierno ha representado alrededor del 40% del total en 1954. Sobre este punto, véase conferencia del prof. Carlos Oyarzún. En el extremo opuesto al modelo inglés puede situarse la Unión Soviética, cuyo único punto de semejanza con el primero puede estar en el hecho de que en ninguna de las dos experiencias jugó un papel la inversión extranjera. En el ejemplo soviético, como es evidente, el desarrollo económico tiene lugar en el marco de una estructura social y política por completo diferente, por no decir opuesta. Sin embargo, algunos rasgos económicos fundamentales se repiten. Por una parte está el fenómeno del crecimiento desproporcionado de los sectores básicos, que se traduce en una expansión acelerada de la esfera de la producción de bienes de capital y en la contención del crecimiento del sector de producción para el consumo. Por otra parte, sobresale el hecho de la transformación agraria, que a la vez que liberó mano de obra para las industrias y las actividades terciarias – servicios de toda clase – provee el excedente alimenticio y las materias primas de origen agropecuario, que demanda la industrialización. Respecto al primer aspecto, el agente social que tuvo a su cargo la recepción de los ingresos y su canalización hacia la formación de capital fue el Estado y no la clase propietaria, que en el proceso aseguró el dominio sobre los medios de producción en Inglaterra. Mirado desde un ángulo menos institucional, podría Ver, para mayores detalles, G.Meier e R. Baldwin, Economic Development. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO decirse con Hans Singer que el grupo o partido dirigente desempeñó el papel respectivo. Hay pocas dudas que ese conglomerado humano consiguió eludir gran parte de los sacrificios que resistió la masa, pero no es menos efectivo que la prodigalidad, el consumo conspicuo y la relajación que traerían aparejadas no han figurado corrientemente entre los múltiples defectos que se han criticado en esos agentes políticos del proceso de acumulación. De allí que el mismo Singer se haya referido alguna vez al patrón victoriano de la sociedad soviética dirigente. Hay considerable discusión respecto al grado de sacrificios que implicó para a población rusa el desenvolvimiento económico. Que ha habido un sacrificio relativo no cabe duda y está registrado en la distinta intensidad del crecimiento de los sectores. Sin embargo, no está claro si el proceso también implicó otro de carácter absoluto, es decir que el esfuerzo haya requerido en el período o parte de él una disminución del ingreso o mejor dicho del consumo por persona. A este respecto el economista inglés Maurice Dobb,4 sostiene que deben dejarse de lado las influencias o causas extra económicas, como las que afligieron los primeros diez años de la revolución. Descontados esos efectos y ese periodo, Dobb sostiene que hubo pequeños aumentos del consumo y no una reducción del mismo y que el gran empeño de inversión se debió esencialmente a la acumulación de los aumentos del producto en el sector de bienes de capital. De todos modos – y sin olvidarse la gravitación de las exigencias militares y la destrucción de la última guerra – parece cierto que el ciudadano tuvo que esperar hasta estos últimos años para disponer en alguna cantidad significativa de muchos bienes de consumo de empleo extendido en los países desarrollados. Esta reflexión, empero, debe relacionarse con otra que habitualmente se olvida: que el grueso de la población inglesa debió aguardar casi un siglo desde el inicio de la revolución industrial, que se fija aproximadamente em 1760, para que se compensaran sus ingentes sacrificios en pro del desenvolvimiento de su país. Y agregamos que la fase de mejoramiento arribó principalmente cuando Inglaterra comenzó a cosechar el fruto de sus inversiones en la producción agrícola del extranjero y el giro favorable de sus relaciones de precio de intercambio. Esta evaluación, sobra señalarlo, no toma en cuenta los aspectos políticos del asunto – por ejemplo, si la población ganó o perdió por ese concepto al pasar del zarismo al sistema actual. Solamente quiero subrayar que en términos estrictamente económicos el enorme salto de la industrialización soviética no importó penurias que resulten desmedidas en su rigor o prolongación al compararse con las que sufrió la nación inglesa para romper su círculo de la pobreza. La nota anterior es importante porque quienquiera haya visitado – como el que escribe – los países de Asia, se habrá dado cuenta de que el impacto de la experiencia rusa tiene poco que ver con la ideología o el sistema político y mucho, en cambio, con la reflexión de que es posible en un plazo no excesivamente largo y sin reducción absoluta de los niveles de vida, imprimir un impulso vigoroso al desenvolvimiento económico aún desde niveles muy bajos de productividad e ingresos. Quizás en esta apreciación exista un grado de ilusión, porque no puede olvidarse que muchos de los países de esa región, por ejemplo India, no cuentan con los ricos recursos naturales de que dispone la U.R.S.S., pelo ello no despoja de significación aleccionador a la experiencia. Como es natural, el mecanismo de financiamiento de la creación de capital en el sistema soviético difiere radicalmente del empleado en los países de empresa privada. El Estado, por medio del presupuesto fiscal, es el principal recolectador e inversor de los ahorros colectivos. Por otro lado, las empresas estatales y las granjas colectivas también disponen de una parte menor de los recursos para la capitalización, ya que están autorizados para retener un RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO 4 margen de las utilidades de sus operaciones productivas. El medio que emplea el gobierno para reunir los ahorros es el común, de un superávit en cuenta corriente, esto es, un excedente de las entradas respecto a los gastos que no involucran aumento del capital nacional. Ese superávit, unido a los recursos propios citados arriba, constituye el volumen del ahorro que pasa a disposición de las unidades productivas, de acuerdo a las decisiones generales y particulares del plan. Un aspecto interesante y discutido del sistema soviético es la estructura tributaria que le permite acumular los recursos para sus gastos corrientes y de capital. Como se sabe, la fuente primordial de ingreso está representada por los impuestos indirectos sobre las mercaderías producidas. En esta clasificación también se incluyen los tributos sobre las utilidades de las empresas estatales y las deducciones o imposiciones de seguridad social sobre los salarios, ya que representan cargas sobre los precios. Parece indudable que el efecto de este régimen tributario es de carácter regresivo, esto es, significa una contribución mayor sobre el ingreso para las personas de menores rentas, efecto que se atenúa en alguna medida por cierta discriminación que favorece a los bienes más esenciales. A juicio de algunos investigadores (ver F.D. Holzman, Financing Soviet Development, trabajo del libro Capital Formation and Economic Development, Universidad de Princeton) esta preferencia del régimen fiscal soviético obedece a tres razones: a. que los efectos psicológicos de la tributación son menores que en el caso de la imposición directa y personal a los ingresos; b. que los impuestos indirectos son de administración más simples; c. que el impuesto al valor de las producciones facilita la planificación de la economía. Como existe un mercado relativamente libre de productos de consu- Simon Kuznets, Soviet economic development since 1917. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 15 mo, por medio de la tributación pueden equilibrarse oferta y demanda elevando o bajando los precios de los artículos. A lo anterior habría que agregar que la teoría y práctica soviéticas se han mostrado muy indiferentes a los problemas de la distribución del ingreso, salvo en lo que respecta a la necesidad de establecerse incentivos apropiados para los elementos calificados de la mano de obra. Parece haberse partido de la base de que proviniendo todas las rentas del trabajo y Estado supeditados a una ponderación de la utilidad social del servicio prestado, no hay lugar para las preocupaciones que interesan en otros tipos de sociedades. En resumen, el sistema soviético se basa en un mecanismo de ahorro a través del sistema de precios y que se traduce en el control y dirección del volumen de consumo de la población. El modelo de crecimiento de Estados Unidos – que tiene algún parentesco con el de Canadá, Australia y Nueva Zelandia ) es el que más se asemeja en el terreno económico al ya famoso “parto sin dolor” de la medicina actual. Evidentemente, no fue una situación idílica la que afrontaron los esforzados pioneros de la colonización norteamericana, como tampoco pueden olvidarse las dificultades y penurias que encaró el proletariado industrial en los períodos formativos de la industrialización. La documentación económica y la literatura social nos ofrecen abundante testimonio al respecto y vale la pena recordar que el día que consideran como su principal festividad los trabajadores de la mayoría de los países, recuerda precisamente el drama obrero de un 1er de mayo en Chicago. Sin embargo, en términos relativos, que son los que importan para estos exámenes, difícilmente puede ponerse en duda que el formidable progreso del país del norte requirió una suma mínima de sacrificios en comparación a otros países y a la generosidad de la cosecha de bienestar material conseguida. Esta experiencia afortunada se debe a una conjunción de factores de diverso orden. En primer lugar, habría que referirse a la combinación 16 excepcional, de recursos humanos y naturales, tan ricos unos como otros. Respecto al primer factor, bien se sabe que las corrientes de inmigración trajeron a Estados Unidos a una parte de los elementos más emprendedores y capacitados que existían en Europa, gente que poseía el bagaje técnico de la época y que se encontraba poseído de un espíritu indomable y resuelto a superar toda clase de obstáculos. Por otra parte, esa energía se volcó sobre un medio material de gran riqueza potencial: tierras vírgenes y abundantes, aptas para todas las explotaciones en su inmensa área, ricas en variadas reservas minerales. De esa feliz combinación de recursos, unida a una mentalidad realmente identificada con el progreso y con la necesidad de la acumulación, surgieron caudalosos los excedentes destinados a elevar la productividad agraria y a desarrollar los otros sectores económicos. Es útil indicar que las propias unidades agrícolas y el comercio y pequeñas manufacturas fueron la cuna de los industrialistas que habían de transformar la economía.5 El proceso de formación de capital se alivió también porque, como anota Hans Singer, “los fondos que fueron necesarios para el crecimiento del país y que Inglaterra y la U.R.S.S. generaron con enormes sacrificios fueron obtenidos por Estados Unidos en la forma del dinero gastado por los países fuentes de la migración en el aprovisionamiento, preparación y equipo de los que partieron a Estados Unidos”. Junto a los elementos anteriores conviene subrayar la importancia decisiva del dinamismo y de la flexibilidad inherentes a una sociedad abierta, esto es, libre de las rigideces institucionales y del peso de tradiciones desventajosas para un proceso de cambios persistentes en la estructura social y económica. La ausencia de una organización feudalista en la agricultura, con el consiguiente monopolio o control de los recursos y el poder por minorías sin intereses en la mutación del cuadro existente, puede apreciarse en toda Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 5 6 7 su trascendencia al cotejar la evolución dispar que tiene lugar en el Sur, donde existían esas trabas, y en otras áreas del territorio. Un aspecto interesante en el desarrollo de Estados Unidos es el referente al aporte extranjero a la formación de capital por la vía de inversiones o transferencias de ingresos. Aunque parezca extraño a la luz de las oportunidades que ofreció ese pujante mercado, las inversiones a largo plazo en el país del norte no parecen haber sido sustanciales ni en relación a la inversión con recursos internos ni comparados con las contribuciones a otras áreas. Respecto al primer punto, los datos recopilados por Kuznets6 indican que el aporte exterior representó entre 1870 y 1890 aproximadamente el 7% de la creación de capital interna, que desaparece posteriormente, cuando Estados Unidos se transforma en país acreedor. Asimismo, en la distribución de inversiones a largo plazo de los principales países exportadores de capital, que exceptuando Estados Unidos llegaban a unos 40.000 millones de dólares en 1913-14, la economía norteamericana sólo recibió 6.800 millones, cifra inferior a la de América Latina – 8.500 millones – y a la de Europa – 12.000 millones – comparable solamente con la de Asia, 6.000 millones. Esta evolución subraya la observación de algunos autores de que, contrariamente a las suposiciones abstractas, desde antiguo los movimientos de capital sufrieron una gran influencia de las consideraciones políticas. A este respecto se destaca que buena parte de las inversiones en Europa fueron dirigidas antes de los años citados a países europeos y Rusia con fines extra económicos y por influencia de los gobiernos acreedores. Sobre ese punto Kuznets señala que los fondos internacionales de capital disponibles sólo fluyeron en parte hacia los canales de una demanda garantizada para la formación de capital.7 En cuanto a la estructura o mecanismos financieros para la conversión de los ahorros en capital, el Ver G. Soule, Economic forces in American History Simon Kuznets, op.cit. Simon Kuznets, op.cit. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO estudio de Goldsmith8 indica algunas tendencias significativas en la evolución norteamericana. En primer término esas tendencias señalan un marcado cambio en la relación entre los activos financieros o intangibles – acciones, bonos etc – y el capital reproductivo o activos reales. El coeficiente era muy bajo alrededor de 1850, período del que se disponen los primeros cálculos, cuando los activos financieros representaban aproximadamente la mitad de los físicos. Eso es muy natural, dado el escaso desarrollo de las instituciones financieras y las corporaciones de negocios o sociedades anónimas, lo mismo que la deuda pública. Con posterioridad, la relación sigue inclinándose a favor de los activos financieros que en los últimos años representan un valor equivalente al capital reproductivo. El proceso, como es evidente, representa la creciente sustitución de la propiedad directa – en que se confunden dueño y empresa – por la indirecta – en que esas dos categorías se separan y son relacionadas por títulos o valores financieros. Por ejemplo, la explotación agrícola tradicional y la inversión o propiedad por la vía de una institución de seguros o de financiamiento. Anota Goldsmith que “si la primera mitad de este siglo es tomada en conjunto…se percibe que menos de un cuarto de la expansión neta total de los activos de las unidades familiares, menos de un tercio de la de los gobiernos locales y estaduales y de los negocios no integrados en corporaciones, pero 3/5 del incremento de activos de las corporaciones no financieras, requirieron fondos externos, es decir, tuvieron que valerse de los canales financieros”.9 Otro aspecto digno de destacarse en el proceso de formación de ahorros y capital en Estados Unidos y que contrasta con la situación emergente en otros países capitalistas avanzados, es la importancia que mantienen los ahorros individuales en el volumen global, aunque su proporción haya disminuido ligeramente con el tiempo. Como se puede apreciar, aumentó la participación de las empresas y del gobierno. Según Kuznets, el ahorro bruto se distribuyó así en los dos períodos escogidos: Personal No agrícola 1887-1906 1946-1949 43,3 36,1 agricultura Sociedades incorporados anónimas gobierno 8.1 8,0 Finalmente, cabría aludir al hecho que representa un marcado contraste con el modelo británico que para Estados Unidos el proceso de crecimiento y de capitalización ha debido muy poco a la transferencia de ingresos de otros países a causa de sus inversiones en el exterior. La verdad es que a pesar de su condición de país acreedor, las entradas por este concepto representan una fracción muy pequeña de su ingreso nacional. Esto se aprecia muy claramente en la escasa significación del intercambio exterior en la producción norteamericana, que no ha llegado al 5% en los últimos años. Parece claro que el mejoramiento del ingreso disponible por ese camino tiene que manifestarse realmente en los excedentes de importaciones respecto a las exportaciones. Y siendo reducido ese volumen respecto al producto interno, difícilmente puede ser aplicable ese margen para el ingreso global. El problema puede apreciarse con nitidez en algunas cifras sobre América Latina. En 1955, por ejemplo, la salida de capitales por servicios y remesas de utilidades representó unos 1.100 millones de dólares. La suma fue muy importante en comparación al valor de las exportaciones latinoamericanas de ese año, que alcanzaron a 8.150 millones, pero relativamente insignificante comparada con el ingreso nacional del país del norte, que excedió los 300.000 millones de dólares. Se trata, como se ve, de dos problemas distintos, que no deben confundirse en este momento del análisis, aunque más tarde los apreciemos en distinta for- RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Negocios 8.4 4,4 33.5 36,5 6.8 14,6 ma al detenernos a considerar la cuestión de las contribuciones y aportes del capital extranjero. La experiencia de Japón no ha recibido tanta atención como las anteriores. Sin embargo, es indudable que se trata de uno de los fenómenos más fascinantes en la historia del desarrollo económico. Primero, es el único país no europeo que ha logrado introducirse al selecto club de las naciones industrializadas y, en seguida que realizó esta hazaña en un ambiente poco propicio aparentemente para la aventura, como era la última parte del siglo pasado, cuando una tras otra de las economías de la periferia no capitalista fueron incorporadas al sistema de intercambio creado por las naciones más adelantadas. Segundo, significa un verdadero reto para los investigadores la circunstancia sin paralelo de que la radical transformación de la estructura productiva del Japón se desenvolvió dejando casi intacto el sistema socio-político tradicional, salvo en lo que respecta a desplazamientos entre los grupos dominantes. Hasta ahora no ha sido posible resolver enteramente la incógnita respecto a la motivación o conjuro que hizo, prácticamente, saltar siglos a la economía japonesa. Entre las hipótesis más atractivas quizá esté la que menciona Paul Baran10 y que tiene alguna sugerencia digna de Toynbee. A juicio de ese autor, el proceso de mutación del sistema productivo iniciado por la clase dirigente nipona puede interpretarse como la respuesta al desafio planteado en Asia por la invasión comercial y política de 8 R.W. Goldsmith, Capital formation and economic growth 9 R. W. Goldsmith, op.cit. 10 Paul Baran, op.cit. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 17 las grandes potencias. Ese fenómeno sometió a una presión angustiosa a la sociedad japonesa, tradicionalmente hostil a toda penetración extranjera: o seguir la suerte de China y otros países del área, o erigirse contra los colonizadores, no con las armas, que no ofrecían esperanza, sino con la misma organización y el instrumento económico que había hecho poderosos a sus enemigos potenciales. Su condición insular y la relativa pobreza de recursos naturales seguramente favorecieron la elección y desarrollo de la segunda alternativa. La estrategia económica del Japón se asienta, como otras, en una función decisiva de la agricultura. Por un lado, el Estado arrebató a los terratenientes el poder de tributación que tenian sobre los granjeros y que ejercían por medio de los samurais. Por el otro lado, se realizó una intensa acción para elevar la productividad de la explotación agrícola, con los fines ya conocidos – aumentar la oferta de bienes y de mano de obra – pero recurriendo a los impuestos, para impedir que el aumento de ingresos acrecentara su consumo y a objeto de canalizarlos hacia la inversión. A esto se agregó la resuelta política gubernamental de establecer industrias, desarrollar yacimientos mineros, astilleros etc., para entregarlos a poderosos grupos privados a bajo precio, o su compensación. De este modo, el Estado congenió sus poderes con los intereses de las grandes casas empresariales, las zaibatsu. Fue un arreglo poco justiciero para quienes habian suportado el peso de la tributación, pelo el objetivo central – la transformación del país – se obtuvo en un plazo relativamente breve. Antes de la Primera Guerra Mundial, en su enfrentamiento con Rusia, Japón probó que ya era una de las grandes potencias. La transferencia de los ahorros creados por la política fiscal significó el principal mecanismo de financiamiento de la formación de capital. Luego, los propios excedentes de los grandes consorcios, favorecidos por una política social y por una situación de mano de obra excesiva, que restringía la lucha de los asala- 18 riados, pasaron a constituir la otra fuente básica de recursos. El capital extranjero jugó, en general, un papel secundario. Sólo en los años anteriores a la Primera Guerra Mundial representó alrededor del 5% de la inversión doméstica. En verdad, pasaron a ser más importantes las inversiones japonesas en el exterior y el flujo de ingresos provisto por la expansión de su sistema colonial. El discípulo resultó a la postre un destacado exponente de la política contra la que se había rebelado. C. Revisión: el esfuerzo interno en la ruptura del círculo de la pobreza Una sumaria recapitulación de los aspectos primordiales en estas cuatro experiencias tan destacadas como particulares podría poner de relieve el papel estratégico de la política y el desarrollo del sector agrícola en relación a la liberación de mano de obra para los otros sectores, la provisión de un excedente de alimentos y de materias primas para las actividades industriales y como reserva tributaria, como el caso del Japón Sólo en Inglaterra el comercio exterior tiene una significación importante como proveedor de alimentos, pero una vez que las inversiones y exportaciones ya habían crecido considerablemente. En lo relativo a los medios de financiamiento y acumulación de capital, encontramos que tanto en Inglaterra como en Estados Unidos las empresas y el ahorro personal proveen los principales recursos, canalizándose hacia la inversión gracias a un complejo sistema financiero. En cambio, vemos que en Japón y en la U.R.S.S, con distintas modalidades y contenido, el ahorro creado por la política fiscal constituye la fuente básica del proceso. En el caso de Japón sobre todo en la fase inicial de la industrialización. Luego, vemos que el aporte de capital extranjero tiene una significación muy reducida en la experiencia de E.E.U.U. y de Japón y prácticamente ninguna en las de Inglaterra e de la U.R.S.S. y aun, que la transferencia de ingresos desde el exterior, por la vía del rendimiento de inversiones, la relación con los términos de intercambio Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA y los vínculos coloniales, revista importancia en Inglaterra y Japón y muy poco en los Estados Unidosy ninguna para la U.R.S.S.. Ahora, si proyectamos esos cuadros a la evolución latinoamericana de las últimas décadas, para intentar un contraste muy simple de características, tal vez se pusieran en relieve los siguientes aspectos en el por lo demás muy poco homogéneo fenómeno latinoamericano. Salvo en los casos de Argentina, México y Brasil, la agricultura no ha desempeñado la función “clásica” de las experiencias antes comentadas. En cambio, la expansión de las actividades primarias ha constituido, en general, un medio para adquirir manufacturas y bienes de capital en el exterior, o sea, para activar la industrialización de otros países. Las relaciones entre los sectores I e II a las que nos referimos más atrás, podrían proyectarse en sus líneas básicas para interpretar el intercambio entre las naciones de producción primaria y las industrializadas. El sistema financiero en general y la formación de ahorros personales tienen poco peso en la acumulación. En casi todos los países, al lado de la inversión con recursos internos de las empresas, pesó la participación, directa e indirecta, del Estado. En México, la inversión pública se situó entre el 35% (1946) y el 43% (1953) del total. En Colombia, subió desde un 2,2% en 1945 a un 23% en 1954. En Chile representó un promedio de 35% entre 1946 y 1953. En Brasil, las cifras de CEPAL sitúan la inversión pública en ese periodo desde un 8,9% a un 14,6%. MESTRADO EM ANÁLISE REGIONAL O primeiro da sua categoria no Estado da Bahia RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO VICISSITUDES DA GOVERNANÇA CIDADÃ: OS CONSELHOS REGIONAIS GAÚCHOS (COREDE) José Eli da Veiga 1 Resumo Este artigo discute as atuais dificuldades do processo de emergência de novas identidades regionais no extremo sul do Brasil. Palavras-chave: institucionalização de regiões, emergência de identidades regionais, conselhos regionais, Rio Grande do Sul, COREDE. Abstract: This article undertakes a discussion about the current difficulties on the rise out of new regional identities in the extreme south of Brazil. Key-words: institutionalization of regions, emergence of regional identities, regional councils, Rio Grande do Sul, COREDE. 1. Introdução Os diversos tipos de arranjos institucionais de caráter infra-municipal, municipal ou intermunicipal; micro ou mesorregional; e até estadual ou interestadual, podem ser vistos como decorrências inevitáveis da óbvia incapacidade de uma simples estrutura do tipo União/Estados/Municípios democratizar uma sociedade que objetivamente se organiza em uma dúzia de imensas cidades metropolitanas, rodeadas por 160 microrregiões polarizadas e dominadas por aglomerações urbanas ou cidades, e por uma imensa variedade de situações que ocorrem em 390 microrregiões rurais. Tais arranjos institucionais visam a gerar governança, justamente onde mais fica clara a debilidade governamental, ou a quase falta completa de governo. E nas partes do Brasil em que já houve mais desenvolvimento (Sul/Sudeste), essa debilidade ou falta de governo vem se manifestando com mais clareza nos vazios institucionais que se situam entre a base – municipal — e o escalão intermediário – estadual. Entre as experiências brasileiras desse tipo de governança micro e mesorregional destacam-se as dos dois estados do extremo sul que – talvez não por mera coincidência – têm os mais altos índices de desenvolvimento humano (IDH): Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Com base em pesquisa realizada pelo autor no primeiro trimestre de 20052, a seção 3 deste texto se servirá de concisa descrição analítica, principalmente do caso gaúcho, para propor, na seção 4, discussão mais normativa sobre condições de êxito e real efetividade desse tipo de experiência. O que permite que se proponha no final um balanço sobre a institucionalização dessas novas unidades territoriais com base nos quatro critérios enfatizados por Bandeira (2006), que não devem ser entendidos como etapas consecutivas: a) definição da forma ou abrangência; b) formação de imagem conceitual e simbólica; c) surgimento e instituições e organizações apropriadas; d) estabelecimento da região como parte de um sistema. 2. O contexto Há sempre muita diversidade em fóruns e conselhos criados, ou modificados, por ações de atores sociais que — por várias razões e em diferentes conjunturas — optam por se engajar e se empenhar pela promoção do desenvolvimento. No caso brasileiro essa diversidade tende a ser exponencial, não apenas devido à sua formidável heterogeneidade RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO natural e cultural (que pode ser decomposta em geográficas, históricas, etnológicas, etc.). Também – talvez principalmente — por diversas características da evolução política que transformou essa imensa parte da América do Sul em federação tripartite constituída por 27 unidades territoriais e 5.561 municípios, com graus muito heterogêneos de autonomia legal e dependência financeira de uma União que há meio século foi transferida para o coração do Planalto Central, com a construção de Brasília. Uma das principais conseqüências dessa estranha federação, que só foi legitimada pela Constituição de 1989, é uma óbvia contradição objetiva entre estrutura governamental e hierarquia territorial. Não apenas entre um Brasil metropolitano e o resto, comum em grosseiras abordagens urbanísticas que entendem por interior aquilo que está fora de algumas das verdadeiras 12 aglomerações metropolitanas. Ou — muito pior — fora de algumas das oficiais 27 “RM” (Regiões Metropolitanas) e 3 “RIDE” (Regiões Integradas de Desenvolvimento). Simplesmente são ignoradas as influências cruzadas de 37 aglomerações proto-metropolitanas, 77 centros urbanos, e outros 567 núcleos, sobre os restantes 4.500 municípios nos quais a ruralidade é onipresente. E poucos se dão conta de que o Brasil real é formado por algo como 550 microrregiões potenciais, das quais 60 são fortemente marcadas por aglomerações, 100 são significativamente urbanizadas, e 390 são essencialmente rurais. 1 Professor Titular do Departamento de Economia da FEA e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade de São Paulo: www.econ.fea.usp.br/zeeli/ [email protected] 2 Informações bem mais detalhadas sobre os resultados dessa pesquisa estão em Veiga (2005). Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 19 Não resta dúvida que a descentralização viabilizada pela Constituição de 1989 foi benéfica para a educação e a saúde... Além disso, apesar de já estar bem demonstrado que existem no Brasil entre 9 e 11 macrorregiões, que em nada coincidem com as velhas demarcações, quase todas as análises continuam obrigadas a usar os 26 Estados (mais DF) agrupados em 5 regiões como principais manifestações das desigualdades espaciais. E tão ou mais delirantes são as que utilizam jurássicas dicotomias oficiais, como a do urbano versus rural, que no Brasil é interna aos municípios. A esse chocante nevoeiro territorial soma-se o resultado ambivalente da autonomia que foi atribuída aos 5.561 pilares da singular República Federativa. Não resta dúvida que a descentralização viabilizada pela Constituição de 1989 foi benéfica para a educação e a saúde, duas das três dimensões mínimas do desenvolvimento. Prova disso é a melhoria dos indicadores desses dois trunfos sociais em enorme número de municípios com baixos ou baixíssimos níveis de renda familiar, além de medonhas ou horripilantes condições de saneamento. Todavia, em termos de dinamização econômica, parece ter sido estéril essa pulverização das transferências de recursos públicos. O Atlas do Desenvolvimento Humano (www.pnud.org.br) mostra que nos grotões a freqüência escolar melhorou cinqüenta vezes mais que a renda. Uma distorção que decorre a extrema pulverização dos recursos para investimentos e clama, portanto, por articulações intermunicipais de caráter microrregional na linha das pioneiras sulistas. 3. A governança microrregional sulista ríodo de ditadura militar (Governo Euclides Triches, 1971-74), e o “Programa de Descentralização Regional”, do período da redemocratização (Governo Pedro Simon, 198690), visaram ambos absorver e promover as pré-existentes estruturas de atuação da máquina governamental para fins de planejamento do processo de desenvolvimento. A principal diferença do atual ambiente institucional e organizativo — que só começou a realmente emergir a partir de 1990, na campanha eleitoral de Alceu Collares — está na ênfase na participação da sociedade civil na promoção do desenvolvimento regional. São raros (e certamente pouco lidos) os estudos que se propuseram a reconstituir a trajetória histórica dessas três consecutivas visões públicas do desenvolvimento territorial.3 Por outro lado, há um rico conhecimento tácito disperso entre protagonistas e observadores dessa experiência (de praticamente 35 anos), mas não se pode dizer que ele esteja sistematizado (e, menos ainda, que tenha sido assimilado por significativo número de quadros governamentais, políticos, acadêmicos, sindicais, etc., que hoje estão envolvidos em ações de desenvolvimento). É um problema muito sério, pois, ao lado do semelhante caso catarinense, a experiência de desenvolvimento regional gaúcha é, de longe, a mais avançada do Brasil. 4 Aliás, pode-se até perguntar se a dianteira desses dois estados sulinos em termos de desenvolvimento — apesar de não serem as mais ricas unidades da federação – pode estar ligada a um processo de construção institucional incomparavelmente mais virtuoso do que aquele que ocorreu no Estado de São Paulo, por exemplo. A divulgação do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal de 2000 (IDH-M) revelou que é tão forte a superioridade dos catarinenses e dos gaúchos nas duas dimensões mais relevantes – longevidade e escolaridade – que eles superam os paulistas. Por isso, dar atenção às diferen- O “Sistema de Desenvolvimento Regional e Urbano (Sisdru)”, do pe- 20 Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA ças de desempenho entre esses três Estados pode ser muito elucidativo, particularmente para quem ainda acredita que crescimento e desenvolvimento sejam sincrônicos. O Estado de São Paulo concentra 30% das empresas, 31% dos empregos e mais de 38% da renda gerada pela economia formal brasileira. Como fica fora desse cálculo quase todo o setor primário, no qual são raros os empreendimentos com cadastro nacional de pessoas jurídicas (CNPJ), pode-se supor que a economia paulista abranja bem mais de um terço das empresas e dos empregos, e algo que se aproxima da metade da renda real do país. Não é de se estranhar, então, que seja mais elevada a renda per capita dos municípios paulistas. Em média, ela é 7% mais alta que a dos catarinenses e 10% superior à dos gaúchos. Situação que se inverte com as médias do IDH-M: 0,791 em SC, 0,783 no RS e apenas 0,779 em SP. Um contraste que decorre do sofrível desempenho social de muitos municípios paulistas. Para procurar as raízes desse paradoxo, é bom começar pelo aspecto que melhor espelha a diferença: a distribuição dos municípios de cada Estado segundo as três categorias definidas pelo Pnud. Como nenhum dos 1.405 municípios dos três Estados está em situação de baixo desenvolvimento (IDH menor que 0,500), a comparação se resume aos dois grupos superiores: médio (IDH entre 0,500 a 0,800) e alto (IDH superior a 0,800). Têm alto desenvolvimento 42% dos municípios catarinenses, 37% dos gaúchos, e somente 26% dos paulistas. Certo, o Estado de São Paulo é maior e tem mais municípios. Mas essa desculpa fica em farrapos quando ele é comparado à soma dos dois Estados sulinos. Juntos têm 760 municípios, dos quais 293 (39%) com alto desenvolvimento, enquanto só há IDH superior a 0,800 em 171 dos 645 municípios paulistas. E a superioridade sulista fica ainda mais patente quando são considerados se- 3 Destacam-se: o capítulo IV de RÜCKERT (2001), pp. 348-494; e o volume 1 de BECKER (2002). 4 O mesmo se aplica para certas regiões do Paraná, principalmente Sudoeste e Oeste. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO paradamente os indicadores sociais que compõem o IDH. Por exemplo, no grupo formado pelos municípios de alto desenvolvimento, a média de esperança de vida é de 75 anos em Santa Catarina, 74,4 no Rio Grande, e 73,4 em São Paulo. Para todos os outros indicadores o que varia é a primeira colocação, disputada pelos dois sulinos. São Paulo é sempre o terceiro... Não há explicação razoável para esse fenômeno que não passe pelo avanço relativo das instituições gaúchas e catarinenses de desenvolvimento regional. Enquanto gaúchos e catarinenses azeitavam instituições locais que favoreciam processos descentralizados de desenvolvimento, os paulistas reforçavam as que inibem o dinamismo e a modernização da maioria de suas microrregiões. Enquanto no Sul já se discute quais poderiam ser as melhores formas de gestão de agências de desenvolvimento a serem criadas por dinâmicos conselhos ou fóruns intermunicipais, São Paulo procura novas fórmulas de amparo paternalista a municípios mais atrasados sem o envolvimento solidário de seus vizinhos mais avançados. Claro, esse é um contraste que pode ser atribuído a profundas raízes históricas, pois em São Paulo predominaram as grandes fazendas escravistas enquanto o extremo Sul era povoado de forma democrática por colonos de origem européia. Mas é um contraste que foi confirmado no século XX em vez de ser contrariado. O desempenho socioeconômico de qualquer pequeno município certamente depende muito das qualificações individuais de seu prefeito. Ele não pode fazer milagres, mas são bem recorrentes os casos em que a dinamização pode ser atribuída à eleição de uma pessoa “fora do comum”, capaz de estimular novos empreendimentos e atrair para seu município decisivos investimentos privados e públicos. Quando fica patente a mudança de “atmosfera”, constata-se inclusive o retorno de emigrantes que adquiriram alguma qualificação profissional e fizeram poupança suficiente para abrir novos negócios. Mas esse papel crucial do prefeito não vai muito longe se estiver isolado, e não conseguir contrabalançar a força de gravidade dos municípios que já dominam os vínculos sócio-econômicos da região. Torna-se assim necessária alguma forma de articulação microrregional dos municípios que inclua aquele que mais os influencia. Só assim pode haver diagnóstico, planejamento, divisão do trabalho e capacidade operacional. Em todas as regiões do País já existem inúmeras indicações de tentativas informais de se estabelecer “pactos”, e até algumas iniciativas de criação de consórcios intermunicipais especializados. Mas nada indica que a excelente experiência adquirida em SC e RS pelas “Associações de Municípios” e por seus respectivos “Fóruns de Desenvolvimento” e “Conselhos Regionais de Desenvolvimento” (COREDE) seja razoavelmente conhecida, e muito menos que esteja sendo emulada. O pior é que muitas políticas do governo federal enveredam pela contramão, ao exigirem que pequenos municípios “se voltem para o próprio umbigo”, mediante criação de conselhos municipais, quando o mais importante seria induzir articulações intermunicipais. É compreensível que se queira incentivar a fiscalização da sociedade sobre o uso que as prefeituras fazem das de verbas federais. Mas é equivocado pretender que um conselho de um minúsculo município possa sozinho diagnosticar e planejar seu próprio desenvolvimento. Em movimento independente das demarcações oficiais adotadas pelo governo estadual (Microrregiões Polarizadas e Bacias Hidrográficas), e pelo IBGE (Microrregiões e Mesorregiões Geográficas), os municípios catarinenses se organizaram em 21 microrregiões “espontâneas”, conhecidas como regiões das associações, cada uma com seu respectivo centro regional, também chamado de “município-pólo”. As Associações de Municípios catarinenses são instituições de caráter cooperativo que começaram a ser implantadas desde a década de 1960. Mas foi só com a posterior multiplicação que o go- RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO O pior é que muitas políticas do governo federal enveredam pela contramão, ao exigirem que pequenos municípios “se voltem para o próprio umbigo”... verno estadual passou a estimular seus programas de trabalho e a apoiar sua articulação. As duas primeiras reivindicações motivadoras do surgimento das Associações de Municípios catarinenses foram: construção de estrada (BR282) e expansão da rede de energia elétrica. Desde então, o leque de objetivos não cessou de se ampliar. A organização foi sendo moldada pelos vínculos sócio-econômicos e culturais que existem entre os municípios. E as associações ficaram cada vez mais profissionalizadas. Já em 1998, mais da metade de seus empregados tinha nível superior, além do pessoal de nível médio ser principalmente constituído por técnicos em informática. E os municípios que mais se apóiam na estrutura das associações são justamente aqueles que são considerados de médio e de pequeno porte. A partir de 1992, surgiram convênios entre o governo estadual e as Associações de Municípios para que fossem elaborados “Planos Básicos de Desenvolvimento Regional”, que logo depois passaram a ser chamados de “Planos Básicos de Desenvolvimento Ecológico-Econômico”, para se adequarem ao “Programa Nacional de Zoneamento Ecológico-Econômico”. Como conseqüência, foi realizada uma viagem a diversos países da Europa, com participação de alguns prefeitos, com o objetivo de conhecer as estratégias utilizadas para a promoção do desenvolvimento regional. E foi essa a origem dos Fóruns Regionais de Desenvolvimento, mais o Fórum Catarinense de Desenvolvimento, criado em 1996, e com- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 21 posto de 59 entidades públicas e privadas, que envolvem todos os segmentos organizados da sociedade. Com certeza uma das duas matrizes institucionais de desenvolvimento mais avançadas do País. Foi em tudo semelhante o processo gaúcho de construção das instituições e organizações de desenvolvimento regional. Pode-se dizer até que, tanto em SC quanto no RS, tudo começou nos anos 1970, com as influências estimuladoras dos extintos Serphau e Sudesul5. E que, apesar das diferenças com o que agora ocorre em Santa Catarina6, o ambiente institucional para o desenvolvimento regional permanece muito parecido. A essência da questão reside no fato de que, tanto quanto o atual governo Rigotto, os quatro precedentes (de Simon, Collares, Britto e Dutra) procuraram — cada um a seu modo – formas de convivência e cooperação com as embrionárias organizações regionais. 3.1 A experiência gaúcha Começar com este explícito e inequívoco reconhecimento do lugar de vanguarda que ocupam as instituições e organizações gaúchas de desenvolvimento territorial não significa que se deva contemporizar com qualquer de suas diversas insuficiências, distorções, mazelas, e vícios. Trata-se exatamente do contrário. O que mais interessa nesta reflexão é fazer a crítica desse complexo sistema adaptativo institucional no qual evoluem organizações de caráter municipal (como os atuais conselhos municipais de desenvolvimento, COMUDE), intermediárias, como são os COREDE, e superiores, como são as Mesorregiões “Grande Fronteira Mercosul” e “Metade Sul do RS”. É apontar os problemas e obstáculos que estão retardando e até comprometendo um melhor desempenho das regiões. E o que será dito a seguir deve ser entendido mais como um conjunto de hipóteses que, por enquanto, foram insuficientemente testadas. 7 A principal pergunta de uma avaliação da experiência gaúcha só pode ser a seguinte: “por que ela não está dando liga, apesar do respeito 22 à receita”? É que a dinâmica de emergência dos COREDE não poderia ter sido mais virtuosa. Houve ampla liberdade para que prevalecessem iniciativas com forte participação dos potencias protagonistas locais do desenvolvimento. Foi um processo muito próximo da democracia direta, além de quase sempre conduzido por elites científico-tecnológicas de focos de polarização regional. E, desde o início, esteve fortemente casado com o Programa dos Pólos Tecnológicos, inaugurado pelo governo Simon (desde 1987, com a criação da Fundação de Apoio à Pesquisa, Fapergs), e certamente reforçado no governo Britto, quando a experiência anteriormente liderada pela principal universidade comunitária da região noroeste (UNIJUÍ) passou a ser a grande referência. Bastariam esse três elementos para que se pudesse prognosticar inédita aceleração do desenvolvimento das regiões que melhor tirassem partido dessa invejável ferramenta política que pode ser um COREDE. Todavia, o balanço parece apontar para resultado bem menos efusivo, e, por vezes, até contrário a tal expectativa. Não é difícil apontar regiões nas quais são muito duvidosas as perspectivas de mais desenvolvimento, muito embora tenham um COREDE que pode ser bem avaliado. E, no extremo oposto, não seria difícil apontar região de surpreendente desempenho desenvolvimentista, apesar de seu COREDE ser considerado entre os piores. À primeira vista, tal constatação poderia ensejar uma rápida sentença: não existe qualquer tipo de correspondência entre a qualidade dos Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA COREDE e êxito em termos de desenvolvimento regional. No entanto, seria uma conclusão apressada e comodista, pois só serviria para evitar uma análise mais detalhada dos fatores que mais contribuem para que a ação de um COREDE seja eficaz, neutra, ou até prejudicial ao desenvolvimento regional. Ou seja, o grande desafio de uma avaliação deste tipo é enumerar (e se possível classificar, e mesmo hierarquizar) as causas de uma indisfarçável frustração com o desempenho dos COREDE. Nesta perspectiva, a primeira questão que merece ser discutida tem a ver com a escala. Isto é, com a abrangência espacial e político-administrativa das regiões representadas pelos COREDE. Alguns chegam a reunir mais de 30 municípios, o que por si só já cria imensas dúvidas sobre a possibilidade de engendrar uma elaboração coletiva democrática e realmente participativa de um projeto de território. Pior, há casos de óbvia tensão entre pelo menos duas sub-regiões (na verdade regiões), como demonstra a sobrevivência das respectivas associações de municípios.8 Não se trata apenas de uma questão operacional, embora seja difícil sequer imaginar uma reunião democrática e produtiva na qual estejam presentes 30 representantes de prefeituras, mais 30 representantes de Câmaras Municipais, mais 30 representantes dos COMUDE, e mais “N” representantes dos diversos segmentos organizados da sociedade civil. Há também uma questão de heterogeneidade, que compromete uma verdadeira identidade regional, além de 5 “Serviço Federal de Habitação e Urbanismo” e “Superintendência de Desenvolvimento da Região Sul”. 6 No início de Janeiro de 2005, o governo de Santa Catarina enviou para apreciação dos deputados estaduais um projeto de modernização administrativa, denominado “Cícerus”, em homenagem ao filósofo romano. Ele prevê maior atribuição às secretarias regionais criadas há dois anos, no início do governo Luiz Henrique. São oito secretarias mesorregionais, em torno dos principais pólos econômicos, e 22 microrregionais. 7 Tais hipóteses foram amadurecidas ao longo de entrevistas abertas com informantes-chave realizadas em Janeiro de 2005 em dez municípios gaúchos, além de contatos diretos com dirigentes de diversos COREDE (“Produção”, “Nordeste” e “Noroeste Colonial”, “Fronteira Noroeste” e “Serra”) e da GFM: “Mesorregião Grande Fronteira do Mercosul”. 8 Um caso ilustrativo é o do COREDE “Noroeste Colonial”, no qual coexistem a AMUPLAN (com 12 municípios ao redor de Ijuí) e a AMUCELEIRO (com 21 polarizados por Três Passos). Pior: neste caso houve tentativa inicial de manter no mesmo COREDE também a região polarizada por Santa Rosa, atual COREDE “Fronteira Noroeste”, com 20 municípios. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO impedir um verdadeiro senso de pertencimento. Um caso que chega a ser chocante é o do COREDE auto-intitulado “Produção” (CONDEPRO), mais identificado como “Planalto”, com sede em Passo Fundo. Em assembléia realizada dia 12/01/05, para eleger o Conselho de Representantes, credenciaram-se 547 pessoas que supostamente representavam os 21 “segmentos”. Antes mesmo de entrar em qualquer discussão sobre a legitimidade de conselho assim eleito, cabe perguntar como os 547 presentes poderiam ter tido algum tipo de participação ativa nos trabalhos, caso houvesse algum assunto importante a ser realmente objeto de votação (e não apenas de deliberações por unanimidade silenciosa, ou simples aclamação). Quando se levanta a questão da excessiva escala das regiões supostamente representadas por esses COREDE que têm duas ou três vezes mais municípios do que parece razoável, a resposta dos interlocutores é uma só: força política. É imediato o reflexo de ver o COREDE como um instrumento de pressão9 sobre o governo estadual, mais do que um organismo realmente voltado à ação regional. Este viés de interlocução com a instância superior para a reivindicação e defesa dos interesses da suposta região será discutido mais adiante. Mas antes é preciso ressaltar que parece ser freqüente a utilização dos COREDE em óbvias operações de “lobby”, no sentido de criação de lastro para demandas de grande interesse de determinado “segmento” (o que não exclui, evidentemente, a possibilidade que também possam ser de relativo de interesse regional). O caso mais óbvio que pode ser citado é o dos interesses específicos das universidades regionais, cujo papel foi certamente crucial para a emergência dos COREDE, e continua sendo vital para muitos deles. E é impossível cometer exagero quando se enfatiza o lado positivo dessa participação das universidades desde o início do processo de formação dos COREDE. Como duvidar dessa vantagem, quando se sabe que regiões tendem a ser criadas por cidades-pólo; e que neste início de Século XXI nada pode ser melhor do que conseguir que tal polarização seja determinada pelo conhecimento científico-tecnológico em fertilização cruzada com empresas inovadoras? Chega a ser óbvia a vantagem de ter as universidades como principais protagonistas dos COREDE. Todavia, é preciso perceber que esse importante peso das universidades também pode criar distorções. A rigor, para que as universidades pudessem desempenhar um papel exemplar na orientação (e até condução) dos COREDE, seria necessário que elas evitassem qualquer envolvimento com as inevitáveis disputas político-partidárias. Uma organização voltada ao desenvolvimento regional só evolui e se fortalece se conseguir que o entendimento e a concertação entre seus principais agentes possa sobreviver aos periódicos terremotos eleitorais. Se uma região realmente tem um projeto de desenvolvimento construído com a participação de seus principais empreendedores públicos, privados e sociais, esse projeto terá necessariamente caráter supra-eleitoral e deverá permanecer na agenda seja qual for a eventual reviravolta política causada pelos últimos embates. Na verdade, essa capacidade de “juntar os cacos” pós-eleitorais e continuar a ação conjunta pelos objetivos e metas inscritos por consenso no projeto regional é o principal sinal de maturidade de uma organização (seja conselho, fórum, ou mesmo agência). E a universidade deveria ser, em princípio, o “segmento” mais capaz de evitar que a política partidária causasse sérios estragos no processo de concertação regional. Infelizmente, parece estar ocorrendo o inverso com boa parte das universidades comunitárias que foram tão decisivas para a emergência dos COREDE.10 Há casos em que ocorre exatamente o contrário. “Rachas” internos nas universidades são transferidos para a vida dos RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO COREDE, fazendo como que uma nova reitoria se afaste completamente, mesmo que continue cedendo algum tipo de infra-estrutura à direção do Conselho. Ou — o que é igualmente grave — concorde que um determinado docente continue prestando serviços na coordenação de um COREDE, mas sem qualquer tipo de envolvimento institucional efetivo. Essa instabilidade do comportamento das universidades certamente não seria tão grave se algum outro “segmento” do COREDE pudesse ser um substituto à altura. No entanto, todos os demais atores têm muito mais propensão a se deixarem tragar pelos periódicos turbilhões eleitorais do que seria de se esperar das universidades. Ou seja, em meio a prefeitos, vereadores, sindicalistas, e movimentos sociais, é de se esperar que representantes de universidades sejam os mais maduros e capazes de conseguir que a continuidade do trabalho coletivo não fosse comprometida por clivagens partidárias e ideológicas. Em vez disso, em alguns casos parece que os representantes das universidades são os primeiros a “estragar a festa” ao se deixarem envolver de forma irremediável nos conflitos político-partidários locais. 3.2 Três questões de fundo Tudo isso sinaliza a imaturidade do processo institucional. Por isso mesmo, também seria errado atribuir à ideologização de reitores e pró-reitores toda a responsabilidade pela baixa efetividade da ação de certos COREDE. Na verdade, há pelo menos três questões de fundo que ajudam a entender melhor essa fragilidade comportamental dos principais agentes do desenvolvimento regional, a começar pela atuação da intelectualidade científico-tecnológica representada pelas universidades. (a) A primeira dessas questões de fundo é a precariedade dos projetos de desenvolvimento regional. Salvo engano, nenhum COREDE chegou a produzir um verdadeiro plano de 9 Pressão que é sempre qualificada de “política”, mas na maior parte das vezes se assemelha mais a uma pressão corporativa (e até sindical). 10 O papel da UERGS ainda não pode ser avaliado por ser muito recente e incerto. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 23 Encontra-se com certa facilidade alguma brochura intitulada “Plano Estratégico de Desenvolvimento Regional”, que parece muito mais com aqueles “cahiers de doléances” dos Estados Gerais de 1789 do que projetos de desenvolvimento... desenvolvimento regional, que tenha resultado de profunda análise objetiva de suas potencialidades, vocações, vantagens, oportunidades, ou chances de médio e longo prazo. E que depois tenha sido amplamente debatido, legitimado e assumido pela coletividade envolvida. Encontra-se com certa facilidade alguma brochura intitulada “Plano Estratégico de Desenvolvimento Regional”, ou coisa parecida. Mas não passa, em geral, de uma listagem de carências regionais, mais ou menos hierarquizadas, a depender da competência do grupo de trabalho específico que as coletou. Parecem muito mais com aqueles “cahiers de doléances” dos Estados Gerais de 1789 do que projetos ou planos de desenvolvimento. Só quando existe um verdadeiro projeto – que realmente demonstre que a viabilidade do desenvolvimento da região depende de determinadas ações estratégicas muito bem identificadas – é que os diversos grupos sociais conseguem estabelecer as sinergias necessárias a colocá-las em prática. Só quando percebem com clareza uma real perspectiva de progresso é que as forças vivas de uma região podem “vestir a camisa”, independentemente se suas inclinações ideológicas, religiosas, políticas, etc. É isso que faz com que realmente se mobilizem para alavancar os recursos necessários, batendo à por- 24 ta de outras instâncias que não apenas as dos orçamentos públicos do Estado e da União. E é isso que também pode ajudar a criar condições de “blindagem” contra os estragos que resultam dos inevitáveis conflitos de interesse entre partidos, sindicatos corporações, igrejas, empresários, etc. (b) A segunda questão de fundo, que certamente contribuiu muito para o agravamento da primeira, foi a dinâmica incentivada por diversos governos estaduais de se comprometer a alocar uma pequena parte dos recursos para investimento em função dos resultados de anual “consulta popular” ou “orçamento participativo”. Não pode haver dúvida de que a predisposição original do governo Collares de submeter esse tipo de decisão aos novos COREDE foi positiva e certamente ajudou muito em sua rápida estruturação. Todavia, também criou uma séria armadilha, tanto para os governos seguintes, quanto para os próprios COREDE. Por um lado, qualquer governo estadual gaúcho passou a se ver obrigado a algum tipo de ritual do gênero, sob pena de cometer um recuo no processo de democratização. Por outro, qualquer COREDE prefere ter essa oportunidade de abocanhar e repartir algumas migalhas orçamentárias do que se lançar nas incertezas da elaboração coletiva de um verdadeiro projeto de desenvolvimento que depois pudesse ser objeto de contratos de médio prazo (por exemplo, os prazos dos “Planos Plurianuais”, PPA).11 Como sempre valerá mais “um passarinho na mão do que dois voando”, os COREDE consagram 95% de suas energias nesse tipo de operação anual, que além de desgastante, gera muitas Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA frustrações nos municípios que não conseguem a verba que tinha sido orçada para: construir o muro da escola “A”, ou construir uma quadra esportiva perto da escola “B”, mas que acabou não sendo sequer empenhada, muito menos executada. 12 Não se trata de entrar em comparações sobre a condução dessas anuais “consultas populares” ou “orçamentos participativos”, pois seus problemas comuns são muito mais importantes que seus diferentes defeitos específicos. Infelizmente, a principal resultante desses rituais tem sido desviar os COREDE da principal missão que eles deveriam ter assumido: elaborar projetos consistentes que pudessem ser objetos de negociações para a implantação de estratégias de desenvolvimento regional. Enfim, em vez de mobilizar a capacidade de inovação dos principais empreendedores (privados, públicos e sociais) na elaboração de uma estratégia de construção da competitividade sistêmica do território, os COREDE abandonam esse objetivo central. Eles são levados a despender suas melhores energias em inúmeros expedientes de varejo que possam levar este ou aquele órgão do governo estadual a empenhar, e depois executar, esta ou aquela previsão orçamentária. Em poucas palavras: os COREDE abdicam de seu papel no atacado ao se consumirem em pequenas ações de varejo. (c) A terceira das principais questões de fundo que comprometem a eficácia dos COREDE para a ação de desenvolvimento regional está nos discutíveis graus de representatividade e legitimidade que lhes conferem as atuais regras de constituição e funcionamento. Dos trinta e 11 Durante o Fórum dos COREDE realizado no final de fevereiro de 2005 em Nova Petrópolis, foi possível notar em algumas intervenções do plenário uma séria preocupação com este problema. Todavia, a posição predominante, a começar pela atitude dos dirigentes do Fórum, foi mais parecida com uma espécie de “sindicalismo de resultados”. Não valeria a pena abrir mão dessa rotina reivindicatória por migalhas do orçamento obtidas na lógica de varejo, de balcão. Enfim, uma opção preferencial pela obtenção de resultados imediatos, mesmo que irrisórios para o processo de desenvolvimento regional. 12 É impressionante a importância e o tempo que ocupam em reuniões dos COREDE as reclamações contra esta ou aquela Secretaria do governo estadual por não ter atendido até aquele momento esta ou aquela demanda. Ou ainda, para ressaltar que o COREDE provavelmente conseguirá que seja executado neste ano 80% do que foi aprovado no ano anterior. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO dois “segmentos” com direito de representação no COREDE “Noroeste Colonial” (NORC), por exemplo, quatro são membros natos: deputados federais e estaduais com domicílio eleitoral na região, e os prefeitos e presidentes de Câmaras municipais dos trinta e tantos municípios envolvidos. Os outros 28 representantes e seus suplentes são escolhidos durante assembléia convocada para esse fim, na base do voto de quem se fez presente. É muito discutível que isso possa ser considerado como prática democrática. Pode-se até afirmar o oposto, pois esse tipo de escolha dos representantes de cada segmento exclui liminarmente quem não tiver condições de viajar naquele dia ao local da assembléia. Pior, escancara a possibilidade de que prevaleçam os que pertencem a algum “aparelho” partidário, sindical, de ONG, etc. E esse tipo de viés anti-democrático certamente causa prejuízos à composição balanceada de alguns setores decisivos dos empreendedores privados (associações de empresários), públicos (universidades, por exemplo), e sociais (movimentos menos “aparelhados”). Não é o que parece acontecer no COREDE “NORC”, por razões que só poderiam ser apontadas por uma análise mais específica da situação concreta. No entanto, é exatamente o que está ocorrendo com o CONDEPRO (COREDE “Produção”, com sede em Passo Fundo), pois só apareceram pessoas totalmente alinhadas pela identificação com o programa do governo Olívio Dutra (PT) na já citada assembléia para escolher representantes. E mesmo que isso possa significar alta representatividade “popular” (supondo-se que a maioria dos empreendedores sociais siga essa linha), é óbvio que também revela baixíssima representatividade dos empreendedores privados e públicos. E podia-se contar nos dedos de uma mão o número de pessoas presentes que elegeram representantes de algum dos tais “segmentos”. O baixo grau de representatividade e de legitimidade de um COREDE também pode ter o sinal político contrário. Nesse caso, em vez de con- tribuir apenas para uma maior letargia da ação regional, pode engendrar fragmentação organizacional, com o surgimento de estrutura paralela com os mesmos objetivos. Aliás, é o que já está ocorrendo na microrregião chamada de “Médio Alto Uruguai”, por exemplo, onde a ação da SDT/MDA (Secretaria de Desenvolvimento Territorial do Ministério do Desenvolvimento Agrário) provocou a criação de um novo conselho regional (que será seu único interlocutor), e que terá missão idêntica à do respectivo COREDE, o “CODEMAU”. E também ocorreu antes na “Grande Santa Rosa”, onde surgiu um “Fórum” paralelo ao COREDE “Fronteira Noroeste”, e com os mesmo objetivos. Finalmente, é preciso registrar que não se deve subestimar um ceticismo mal disfarçado nas manifestações de vários presidentes de COREDE. Sempre fazendo questão de ressaltar as virtudes desses conselhos, eles por vezes deixam escapar frases bem surpreendentes, como, por exemplo: “O COREDE é uma planta que não tem raiz”. É até muito duvidoso que essa metáfora seja apropriada, pois o problema principal talvez não esteja nessa eventual falta de “raízes”. Mesmo assim, a frase é muito reveladora de um nebuloso mal-estar com o desempenho de certos COREDE. Mal-estar que parece não ter sido ainda bem analisado em razão de uma “mística” que tende a atrofiar os esforços de pesquisa nessa área. Mais uma vez é preciso repetir aqui que essas três observações críticas não devem ser entendidas como um “ataque” à experiência ou à valorosa tradição “corediana”. É exatamente o contrário, pois tanto os COREDE, quanto seus interlocutores no governo estadual, só teriam vantagens em aproveitar este momento para repensar a dinâmica organizacional e institucional do desenvolvimento das atuais 24 regiões. A partir de um balanço conjunto desses 35 anos de experiência prática, talvez seja possível retomar sobre novas bases o relacionamento dos COREDE com as várias esferas de governo e, sobretudo, com orga- RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO nizações cruciais para o desenvolvimento regional, como são os bancos de desenvolvimento (BNDES, BID e BIRD). Por outro lado, tudo indica que o ponto de mutação desse processo passará necessariamente por uma “repactuação” do relacionamento entre os COREDE e o governo estadual. Seria inócua pretensão tentar ir mais longe neste tipo de reflexão. E não apenas pelas características do trabalho de pesquisa que deu origem a este texto. Mesmo que a investigação tivesse sido mais longa e mais profunda, não poderia chegar a algum tipo de receita capaz de prescrever as soluções para os problemas apontados. No máximo se pode aqui formular algumas recomendações que talvez ajudem os atores envolvidos a buscar tais soluções. 4. Diretrizes Qualquer conselho microrregional do gênero dos COREDE visa a organizar o processo de desenvolvimento no território, como alternativa ao puro e simples comportamento dos mercados, que tangem os residentes a se deslocarem para encontrar oportunidade de trabalho e geração de renda. Trata-se de uma prática que pode ter perdido legitimidade com a ofensiva neoliberal do final do século 20, mas que volta com toda a força para as agendas de desenvolvimento. Há pelo menos quatro fatores que explicam essa volta do território ao domínio da ação pública: (a) ele está no centro das estratégias que visam a competitividade e a atratividade econômicas; (b) é nele que pode ser reforçada a coesão social; (c) é o melhor instrumento de modernização das políticas públicas, já que impõe abertura e transversalidade; (d) apesar de nele estarem ancoradas as instituições locais, permanece um domínio de ação de instâncias hierárquicas superiores cujos graus de liberdade são cada vez mais condicionados pelo processo de globalização e pela construção de acordos regionais supranacionais. Enfim, renovar a concepção de território para uma política de ordenamento exige antes de tudo que ele Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 25 seja entendido como ator de um esforço constante de desenvolvimento, mas de um desenvolvimento no qual a coesão social é simultaneamente uma aposta e uma alavanca. Neste sentido, três insights merecem ser mais uma vez repetidos e enfatizados: (a) a necessidade de combinar concorrência com cooperação; (b) a necessidade de combinar conflito com participação; e (c) a necessidade de combinar o conhecimento local e prático com o científico. Três lições que embutem uma interrogação central sobre as condições que permitem a emergência de instituições mais favoráveis a essas três combinações. E a resposta — como não poderia deixar de ser — é afirmação de que o desenvolvimento depende essencialmente do papel catalisador que desempenha um projeto que tenha sido elaborado com ampla participação dos atores locais, isto é, dos empreendedores privados, públicos e sociais que se identificam com determinada região. A orientação essencial de qualquer estratégia de desenvolvimento regional só pode ser a de estimular o surgimento desses “territórios-projeto” e criar as condições para que eles consigam alavancar recursos humanos e financiamentos (ou mesmo doações), tanto no âmbito nacional como internacional. Por isso, a principal recomendação deste estudo é que a riquíssima experiência gaúcha dos COREDE seja auto-avaliada sob essa ótica. Até que ponto se pode dizer que os COREDE estão favorecendo o surgimento de “territóriosprojeto” capazes de alavancar os recursos humanos e financiamentos necessários ao desenvolvimento de suas respectivas regiões? Como já foi bem explicitado acima, por várias razões houve uma espécie de desvio de rota na trajetória dos COREDE. Em vez de fazerem com que pelo menos algumas das 22 regiões iniciais se transformassem em “territórios-projeto”, os COREDE viraram instrumentos de reivindicação de investimentos que, em geral, pouco ou nada contribuem para o desenvolvimento regional (mesmo que muitas vezes possam contribuir para responder a certas carências de alguns municípios). 26 Além de colocar em discussão uma possível repactuação da relação dos COREDE com o governo estadual, tal constatação permite enfatizar mais quatro recomendações duas das quais poderão ser facilmente consensuais: (i) a capacitação dos “coredianos”; (ii) o papel estratégico da política de Ciência, Tecnologia & Inovação (CT&I). Deve ser concebido com a máxima urgência um plano de capacitação dos agentes “coredianos” para a prática do planejamento estratégico. E deve ser dada máxima prioridade ao aprofundamento da política descentralizada de CT&I, o único investimento que poderá ter impacto de longo prazo para o desenvolvimento de “territórios-projeto”. É provável que as outras duas recomendações provoquem muita polêmica e não obtenham o consenso necessário para que possam se tornar efetivas: (iii) a necessária revisão dos estatutos e regimentos internos dos COREDE para que se tornem mais legítimos e realmente favoreçam a participação conjunta dos empreendedores privados, públicos e sociais; (iv) o incentivo à subdivisão de COREDE gigantes em entidades mais adequadas às verdadeiras identidades regionais e que favoreçam mais o sentido de pertencimento por parte dos cidadãos envolvidos. Finalmente — mas de modo algum menos importante — é necessário enfatizar que Bandeira (2004) está certamente coberto de razão quando diz que a experiência gaúcha (assim como a catarinense), indica que os esforços de articulação e concertação têm mais possibilidades de sucesso quando existem, nas regiões, organizações dotadas de credibilidade que se disponham a proporcionar apoio operacional efetivo e continuado a essas iniciativas. No caso de Santa Catarina, esse papel foi até agora mais desempenhado pelas Associações de Municípios do que pelas Universidades. No Rio Grande do Sul ocorreu o contrário. Considerando-se a literatura científica já disponível sobre os temas como a “learning region” e a “knowledge-based economy”, é razoável su- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA por que a fórmula gaúcha venha a se mostrar superior, muito embora ainda seja cedo para uma avaliação comparativa. Muitas universidades comunitárias gaúchas certamente exercem uma liderança efetiva em escala regional. Em geral, as universidades não são vistas com desconfiança, e raramente dão motivos para hostilidade de algum dos grupos sociais locais. Todavia, elas estão longe de ser neutras. Antes de tudo por que têm interesses próprios a defender. E é perfeitamente possível que tais interesses nem sempre coincidam com as respostas necessárias aos desafios estratégicos do desenvolvimento das regiões em que estão implantadas. Bandeira (2004) destaca que o britânico John Goddard, reitor da Universidade de Newcastle upon Tyne, analisou os efeitos econômicos regionais das universidades, tanto para a OCDE, em 1997, quanto para a Unesco, em 1998. E suas recomendações foram no sentido que mais pesquisas empíricas venham a caracterizar três tipos de influência das universidades sobre as regiões em que se localizam. O primeiro é obviamente o efeito direto da Universidade como empregadora e como geradora de fluxos de gastos dentro da região, cujo impacto ele considera eminentemente estático. Em segundo lugar, menciona os impactos dinâmicos de interação entre as universidades e as empresas localizadas na região. Esses impactos ocorrem através da atividade de pesquisa, do ensino, e do recrutamento de graduados pelas empresas da região, bem como através de programas de aperfeiçoamento profissional. O terceiro, aponta para a contribuição das universidades ao desenvolvimento social e comunitário das regiões em que atuam, através de sua influência geral sobre o ambiente cultural local, sobre a formação de lideranças, e também diretamente na formulação de visão estratégica sobre os condicionantes econômicos da região. A rigor, comenta Bandeira (2004:101), esse engajamento direto na promoção do desenvolvimento interessa à própria universidade, pois em geral depen- RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO de também diretamente do dinamismo das áreas em que atua para assegurar os recursos necessários à sua própria manutenção, reprodução, e expansão. No que se refere a esse papel crucial para o desenvolvimento regional que podem desempenhar as universidades, o que mais diferencia a situação gaúcha de situações comparáveis em ambientes mais desenvolvidos é a precária formação dos demais atores, agentes, ou representantes dos “segmentos”, como são chamados nos COREDE. Contrariamente ao que ocorre em situações de mais desenvolvimento, as universidades comunitárias gaúchas tendem a ocupar não apenas o seu espaço, mas muitos outros, dada a carência de quadros bem formados que sejam porta-vozes de outros interesses, ou pontos de vista. E se tal “invasão” pode muitas vezes até ser benéfica, em certos casos ela pode atrapalhar e retardar o processo de formulação, negociação e viabilização de alternativas. 5. Conclusão A institucionalização de uma região pode ser vista como a culminância de processo histórico. Segundo Bandeira (2006), apoiado em Paasi (1986), tal processo envolve quatro aspectos que não devem ser entendidos como etapas consecutivas: a) definição da forma ou abrangência territorial; b) formação de imagem conceitual e simbólica; c) surgimento e instituições e organizações apropriadas; d) estabelecimento da região como parte de um sistema de regiões, com papel administrativo definido, associado à consciência regional da comunidade. Quatro critérios simples que permitem fazer um balanço sintético da experiência gaúcha. No que se refere à abrangência territorial, o balanço é negativo, pois a propensão a ter força política fez com que as regiões dos COREDE atropelassem identidades e pertencimentos pré-existentes, e que até subsistem na forma de associações de municípios. Pior, algumas são formadas por número tão grande de municípios que inviabilizam a possibilidade de real participação democrática. Na formação de imagem conceitual e simbólica, o balanço pode ser simultaneamente positivo e negativo. Ele é positivo no que se refere à imagem e à simbologia geral dos COREDE como forma de gestão mais descentralizada do território estadual, além de menos pulverizada que o poder local dos municípios. Mas ela é negativa em muitos casos em que os COREDE tentaram emplacar denominações simbólicas completamente artificiais, além de contraproducentes. O caso extremo é o do COREDE “Produção”, em região historicamente conhecida por “Planalto”. Mas está longe de ser o único. O aspecto em que o processo parece estar mais avançado é o terceiro, que se refere ao surgimento das instituições e organizações correspondentes, pois foram muito adequadas em sua origem. Todavia, vicissitudes fizeram com que se desviassem de sua principal missão. Em vez de realmente serem aceleradores do desenvolvimento endógeno, os COREDE se tornaram essencialmente instrumentos de reivindicação e pressão na partilha dos parcos recursos do governo estadual. Algo parecido deve ser dito sobre o estabelecimento de cada região corediana como parte de um sistema de regiões, com papel administrativo definido, associado à consciência regional da comunidade. Tem havido avanços bem significativos no contexto estadual, mas que esbarram no atraso relativo em que se encontra o processo histórico de emergência regional fora da região Sul. E isso se manifesta com clareza no contraste entre as experiências sulistas e as frágeis políticas regionais do Ministério da Integração Nacional, com especial destaque para a proposta de implantação do Programa de Desenvolvimento de Mesorregiões Diferenciadas. O balanço é, portanto, bem negativo, apesar de ser enorme o potencial dos COREDE que forem capazes de uma autocrítica que os redirecione para a governança cidadã. Referências BANDEIRA, Pedro Silveira. “Universidades, articulação de atores sociais e desenvolvimento regional”. In: PERIN, RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Zeferino. (org.) Desenvolvimento regional: um novo paradigma em construção. Erechim, RS: EdiFAPES, 2004, p. 73-106. BANDEIRA, Pedro Silveira. “Institucionalização de regiões no Brasil” Ciência & Cultura, ano 58 (1), janeiromarço 2006, pp. 34-35. BECKER, Dinizar Fermiano (Coord) Pró-RS II. Por uma organização social pró-desenvolvimento regional do Rio Grande do Sul. 2 vols. (Conselho Regional de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul) Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2002. PAASI, Anssi. “The institutionalization of regions: a theoretical framework for understanding the emergence of regions and the constitution of regional identity”. Fennia, 164:1, 1986, pp.105146 (apud Bandeira, 2006). RÜCKERT, Aldomar Arnaldo. Reforma do Estado e Tendências de Reestruturação Territorial. Cenários contemporâneos no Rio Grande do Sul. Tese de Doutoramento. USP, FFLCH, Dep. Geografia, Programa de Pós Graduação em Geografia Humana. São Paulo: Dezembro de 2001, 662 p. VEIGA, José Eli da. “Articulações intermunicipais para o desenvolvimento rural”. Texto apresentado no seminário “Associativismo, cooperativismo e economia solidária no meio rural”, CEAM- NEAGRI, ICS – Departamento de Sociologia, CDS Centro de Desenvolvimento Sustentável, Brasília (DF), 16 de novembro de 2005. VEIGA, José Eli da. “O papel do território: uma visão histórica”. Texto apresentado no workshop “Estratégias de combate à pobreza rural no Brasil: situação atual e perspectivas”, realizado no Instituto de Economia da Unicamp, Campinas (SP), 21 a 23 de Novembro de 2005. VEIGA, José Eli da. “Territórios para um desenvolvimento sustentável” Ciência & Cultura, ano 58 (1), janeiromarço 2006, pp. 20-23. MESTRADO EM ANÁLISE REGIONAL O primeiro da sua categoria no Estado da Bahia Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 27 MACROCEFALIA URBANA EM RORAIMA E SUA REPERCUSSÃO NOS SERVIÇOS DE SAÚDE Barbara-Christine Nentwig Silva1 Araori Silva Coelho2 Resumo O Estado de Roraima caracteriza-se por apresentar um sistema urbano macrocefálico, ou seja, com uma grande cabeça, a capital, Boa Vista, muitas vezes maior que as demais cidades do Estado. Assim, por exemplo, Boa Vista é 24 vezes maior em população que a segunda cidade, Caracaraí. Isto se reflete, de forma destacada, na distribuição das funções centrais exercidas pelas cidades. Desta forma, o objetivo deste trabalho é o de fazer uma avaliação da macrocefalia urbana em Boa Vista do ponto de vista demográfico e funcional, este direcionado para os serviços de saúde considerando sua importância para o conjunto da população em todo o Estado. O estudo demonstra que a concentração dos serviços de saúde em Boa Vista é exageradamente grande, muito maior, em termos relativos, que a concentração demográfica. Há, portanto, graves problemas de acessibilidade aos serviços de saúde no interior do Estado o que justifica a implantação de políticas públicas de descentralização. Palavras-chave: Macrocefalia urbana; funções de saúde; Roraima; Boa Vista. Abstract The State of Roraima/Brazil is characterized by an urban macrocephalic system, that is, with a big head, the capital, Boa Vista, many times is greater than the other cities of the State. Thus, for example, Boa 28 Vista is 24 times greater in population than the second city, Caracaraí. This is reflected clearly in the distribution of urban central functions. Therefore, the purpose of this paper is to make an evaluation of the urban macrocephaly of Boa Vista taking demographic and functional data, the last related to health services considering its importance for all the Roraima population. The study shows that the concentration of health services in Boa Vista is extremely exaggerated, much bigger, in relative terms, than demographic concentration. Thus, there are serious problems in health services accessibility in the inland which justify the introduction of decentralization in Roraima health public policies. Key words: urban macrocephaly; health functions; Roraima; Boa Vista. Introdução A análise da rede urbana brasileira revela que a maioria dos Estados brasileiros apresenta uma estrutura urbana do tipo macrocefálico, ou seja, com uma cidade, invariavelmente a capital estadual, exageradamente maior que as demais cidades. Se tomássemos como parâmetro as regiões metropolitanas, os indicadores de macrocefalia seriam ainda mais expressivos. As exceções são os Estados de Santa Catarina, Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 1 2 Espírito Santo, Paraíba, Tocantins, Acre, Rondônia, Pará e Amapá. O termo tem sido mais associado às grandes cidades (São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, etc.) mas pode também ser aplicado a contextos em que cidades de porte médio, como é o caso de Boa Vista, exercem um papel altamente concentrador com relação ao sistema de cidades e da região sob sua influência direta. (SILVA; SILVA, 2004a; SILVA; SILVA, 2004b; AMORIM; DINIZ, 2004). Assim, o Estado de Roraima, localizado na Região Norte do Brasil, é um dos Estados que apresentam a macrocefalia em sua organização urbana do ponto de vista demográfico e funcional, o que causa graves problemas de acessibilidade aos bens e serviços por parte da população distribuída em todo o território estadual. Por conseguinte, o objetivo deste trabalho é o de analisar a macrocefalia urbana de Boa Vista, a capital estadual, do ponto de vista demográfico e funcional, priorizando a análise dos serviços de saúde como um indicador das repercussões da exagerada concentração populacional na capital. Os serviços de saúde foram escolhidos considerando sua relevância para o conjunto da população, não importando, dentre outros aspectos, o sexo, a idade, a renda e o seu local de residência. Com isto, pretende-se Professora Dra., UCSAL / Mestrado em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Social, Pesquisadora do CNPq; e-mail: [email protected]. Bacharelando em Geografia, UFBA, Bolsista do CNPq; e-mail: [email protected]. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO demonstrar a relação direta entre uma determinada estrutura espacial e o acesso aos bens e serviços por parte da população. Assim, uma estrutura urbana macrocefálica coloca graves problemas de consumo e uso de bens e serviços em todo o território, exigindo deslocamentos, o que implica em tempo e custos, ao contrário de uma estrutura urbana mais equilibrada e, conseqüentemente, mais descentralizada e acessível. A metodologia apóia-se na análise estatística e cartográfica dos indicadores demográficos e dos serviços de saúde, obtidos no site do IBGE <http://www.sidra.ibge.gov.br/ cidadesat/default.php> e <http:// www.sidra.ibge.gov.br>. Inicialmente, foram levantados os dados sobre população urbana e rural de diferentes períodos censitários e, em seguida, os dados envolvendo, de forma detalhada, 35 funções centrais relacionadas com os serviços de saúde, referentes ao ano de 2002. Os dados demográficos foram analisados com o objetivo de dimensionar o tamanho de Boa Vista com relação às demais cidades do Estado. Na análise dos dados sobre saúde foram aplicados os seguintes passos metodológicos: tatísticas; a homogeneidade interna do grupo é satisfatória se o coeficiente de variação de cada grupo indicador é menor do que o coeficiente entre as médias dos grupos consecutivos; – classificação dos centros em níveis hierárquicos e construção de um gráfico que relaciona visualmente os centros urbanos e a freqüência de ocorrência de suas funções com a classificação hierárquica; – desenho do mapa com a hierarquia urbana relacionada com os serviços de saúde. Esta metodologia de análise funcional urbana segue, em termos resumidos e com adaptações, a abrangente proposta de Palomäki (1964) aplicada no Brasil por vários autores, dentre os quais Silva; Silva; Leão (1987). Tabela 1 – População total, urbana e rural do Estado de Roraima – 2000 Estado e municípios ESTADO Alto Alegre Amajari Boa Vista Bonfim Cantá Caracaraí Caroebe Iracema Mucajaí Normandia Pacaraima Rorainópolis São João da Baliza São Luiz Uiramutã – levantamento da existência (1) ou não (0) das funções centrais escolhidas em cada centro urbano; não foi necessário o levantamento da freqüência de ocorrência de uma determinada função, mas somente sua existência ou não; – classificação das funções centrais segundo as suas freqüências de ocorrência em cada cidade, ou seja, a sua existência ou não, com o objetivo de definir grupos indicadores de níveis diferentes; – teste da homogeneidade interna dos grupos indicadores de níveis diferentes através de medidas es- Macrocefalia demográfica Como foi analisado no trabalho de Silva; Silva (2004a), a população das cidades do Estado de Roraima, referente ao ano de 2000, pode ser vista na tabela 1 onde se constata que 10 das 15 cidades têm menos que 5.000 habitantes, e duas têm menos de 1.000 habitantes (Uiramutã, com 525 habitantes e Amajari, com 799 habitantes). É preciso observar que nenhum município de Roraima possui vilas (sedes de distritos, segundo a definição do IBGE). Assim, a população urbana apresentada corresponde à população das cidades (sedes dos municípios). As taxas de urbanização são também bastante diferenciadas, sendo que o tamanho demográfico de Boa Vista afeta toda a taxa média de urbanização do Estado de Roraima. O histórico da posição relativa de Boa Vista com relação ao Estado Taxa de População População População urbanização total urbana rural (%) 324.397 247.016 76,15 77.381 17.907 5.195 29,01 12.712 5.294 799 15,09 4.495 200.568 197.098 98,27 3.470 9.326 3.000 32,17 6.326 8.571 1.155 13,48 7.416 14.286 8.236 57,65 6.050 5.692 1.977 34,73 3.715 4.781 3.228 67,52 1.553 11.247 7.029 62,50 4.218 6.138 1.500 24,44 4.638 6.990 2.760 39,49 4.230 17.393 7.185 41,31 10.208 5.091 3.882 76,25 1.209 5.311 3.447 64,90 1.864 5 802 525 9,05 5.277 Fonte: IBGE. Censo Demográfico – 2000. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 29 começa a configurar, a partir de 1970, uma situação que revela a exagerada importância da capital (tabela 2). A população das cidades, com a proporção das cidades do interior do Estado e sua porcentagem com relação à capital, Boa Vista, é apresentada na tabela 3 para os anos de 1991 e 2000. Observa-se que, em 2000, Boa Vista era quase 24 vezes maior que a segunda cidade do Estado, Caracaraí, e a população desta representava apenas 4,18% da população da capital do Estado. Todos estes indicadores possibilitam, portanto, caracterizar a rede ur- ços pelas cidades não siga exatamente a regra acima exposta, dificultando ainda mais o acesso aos bens e serviços por parte da população distribuída em todo o território. Isso decorre dos efeitos negativos da macrocefalia, historicamente construída, combinados com a ausência de políticas públicas específicas. A análise que se seguirá demonstrará que, no caso de Roraima, tomando como parâmetro os serviços de saúde, este problema ocorre de forma destacada. Para tanto, a tabela 4 mostra as 35 funções levantadas nas 15 cidades do Estado (existência ou não existência bana de Roraima como sendo do tipo macrocefálica, ou seja, uma grande cabeça com um pequeno corpo. Macrocefalia funcional dos serviços de saúde A macrocefalia demográfica de Boa Vista se reflete na distribuição das funções urbanas. Em princípio, as cidades de um sistema urbano, segundo o modelo das localidades centrais (CHRISTALLER, 1966), deveriam ter os serviços compatíveis com seu tamanho demográfico e com suas necessidades básicas. Entretanto, pode ocorrer que a distribuição dos servi- Tabela 2 – Proporção entre a população de Boa Vista e a população do Estado de Roraima – 1950/2000 Cidade e Estado População do Estado População de Boa Vista % da população de Boa Vista / Estado Anos 1950 18.116 5.132 28,33 1960 28.304 7.037 24,86 1970 40.885 16.727 40,91 1980 79.159 43.016 54,34 1991 217.583 118.926 54,66 2000 324.397 197.098 60,76 Fonte: SILVA; SILVA, 2004a, p. 42, com base em BARROS, 1995; IBGE, 1950/2000. Tabela 3 – Comparação entre Boa Vista em relação às demais cidades do Estado de Roraima com base no conceito de primazia urbana – 1991 e 2000 População PorcenProporção 1991 tagem Boa Vista 120.157 – – Mucajaí 5.222 23,01 4,35 Caracaraí 5.139 23,38 4,28 Alto Alegre 3.356 35,80 2,79 São João da Baliza 2.309 52,04 1,92 São Luiz 2.268 52,98 1,89 Bonfim 1.221 98,41 1,02 Normandia 1.146 104,85 0,95 Cidades Cidades Boa Vista Caracaraí Rorainópolis Mucajaí Alto Alegre São João da Baliza São Luiz Iracema Bonfim Pacaraima Caroebe Normandia Cantá Amajari Uiramutã População PorcenProporção 2000 tagem 197.098 – – 8.236 23,93 4,18 7.185 27,43 3,65 7.029 28,04 3,57 5.195 37,94 2,64 3.882 50,77 1,97 3.447 57,18 1,75 3.228 61,06 1,64 3.000 65,70 1,52 2.760 71,41 1,40 1.977 99,70 1,00 1.500 131,40 0,76 1.155 170,65 0,59 799 246,68 0,41 525 375,42 0,27 Fonte: SILVA; SILVA, 2004a, p. 44, com base em dados do IBGE, 1991/2000. 30 Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO das funções), arrumadas em ordem decrescente de freqüência de ocorrência. As primeiras duas funções são de baixo limiar e ocorrem em cada cidade, enquanto que 12 funções foram somente encontradas em uma cidade. A função 35 não existe em nenhuma cidade segundo as informações do IBGE. O teste estatístico sugere uma classificação em quatro grupos que indicam homogeneidade intragrupal maior do que de uma classe para a outra (tabela 5). A tabela 4 serviu como base para o desenho da figura 1 que mostra no eixo y as 35 funções de saúde na seqüência da referida tabela e no eixo x a ocorrência destas funções nas 15 cidades. O gráfico dá a visão da formação dos quatro grupos definidos. O primeiro grupo indicador envolve as variáveis (1) a (13); o segundo grupo as variáveis (14) a (16), o terceiro grupo as variáveis (17) a (22) e o quatro grupo 12 variáveis (23) a (34) que ocorrem somente em um centro urbano. A figura 2 visualiza a distribuição das funções de saúde em cada uma das 15 cidades do Estado, identificando a ocorrência ou não das mesmas nos centros urbanos, seguindo a seqüência da tabela 6. Como se percebe, Boa Vista possui 34 funções das 35 arroladas. Já Iracema, no outro extremo dispõe apenas de seis funções. Na classificação dos centros urbanos destaca-se evidentemente Boa Vista, formando, isoladamente, o primeiro nível hierárquico (tabela 7). O segundo grupo de cidades foi definido considerando a presença de todas as três funções de saúde do segundo grupo indicador ou, pelo menos, duas funções do segundo grupo e, no mínimo, uma função do terceiro grupo. Assim, neste nível hierárquico enquadram-se quatro cidades. O terceiro nível de cidades envolve centros que Tabela 4 – Número de ocorrência de funções relacionadas com a saúde nas cidades de Roraima – 2002 Nº de ocorrência Funções 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 Estabelecimentos públicos de saúde sem internação Postos de trabalho de nível superior Equipo odontológico Estabelecimentos de saúde que prestam serviços ao SUS Postos de trabalho de auxiliar de enfermagem Postos de trabalho de médicos Postos de trabalho de nível técnico/auxiliar Postos de trabalho de odontólogos Estabelecimentos de saúde com plano de saúde próprio Equipamentos para manutenção da vida Estabelecimentos públicos de saúde com internação Leitos disponíveis ao SUS Postos de trabalho de enfermeiros Postos de trabalho de técnicos de enfermagem Equipamentos de diagnóstico através de imagem Aparelhos de raio X até mais de 500 mA Eletrocardiógrafos Equipamentos por métodos gráficos Grupo de geradores Ultra-som ecógrafo Estabelecimentos privados de saúde sem internação Estabelecimentos de saúde com atendimento particular Eletroencefalógrafos Equipamentos de hemodiálise Equipamentos para terapia por radiação Equipamentos por métodos óticos Estabelecimentos privados de saúde com internação Estabelecimentos de saúde que prestam serviços a plano de saúde de terceiros Estabelecimentos de saúde de apoio à diagnose e terapia privados Estabelecimentos de saúde de apoio à diagnose e terapia públicos Leitos particulares Mamógrafos com comando simples ou com estereotaxia Tomógrafos Ultra-som doppler colorido Raio X para densitometria óssea 15 15 14 14 14 14 14 14 13 12 12 12 12 7 6 5 3 3 3 3 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 Fonte dos dados: IBGE. Serviços de saúde – 2002. Elaboração: Autores. apresentam pelo menos duas funções do segundo grupo ou duas funções do terceiro grupo indicador. A este nível hierárquico pertencem três cidades. O quarto nível é formado pelas cidades com funções mais freqüentemente distribuídas, sem apresentar as funções mais raras. A figura 3 representa o resultado da classificação acima demonstrada. É preciso salientar RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO que algumas cidades menores, como Normandia, tendem a ter mais funções em decorrência de sua maior distância de Boa Vista. Já cidades maiores, mas bem próximas de Boa Vista, podem ter poucas funções, como é o caso de Mucajaí. Como resultado, foi elaborado um mapa da distribuição das cidades segundo os níveis hierárquicos relacio- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 31 Tabela 5 – Homogeneidade interna dos grupos de funções de saúde Grupos indicadores 1 2 3 4 Homogeneidade dos grupos Relativa Freqüência média Coeficiente Coeficiente de ocorrência Desvio padrão Desvio padrão de variação de variação intragrupal intergrupal intragrupal intergrupal 13,46 1,13 8,40 2,82 26,68 6,00 1,00 16,67 1,33 34,73 2,67 0,52 19,48 0,36 31,58 0,92 0,28 30,43 Absoluta Número de funções 13 3 6 13 Elaboração: Autores. Tabela 6 – Número de funções centrais de saúde nas cidades de Roraima – 2002 Cidades 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 Boa Vista Normandia Alto Alegre Rorainópolis Caracaraí Bonfim Pacaraima Caroebe Amajari São Luiz Mucajaí Cantá São João da Baliza Uiramutã Iracema Nº de funções 34 18 17 16 16 16 15 14 13 13 12 11 11 9 6 Fonte dos dados: IBGE. Serviços de saúde – 2002. Elaboração: Autores. nados com as funções de saúde (figura 4). Como se observa, destaca-se Boa Vista e o fato de que várias cidades próximas da capital não atingiram um nível hierárquico médio demonstrando sua dependência direta de Boa Vista. No sul, Rorainópolis apresenta um nível que a define como um pequeno centro regional. 32 Tabela 7 – Classificação das cidades segundo as funções de saúde Hierarquia dos centros urbanos 1ª Boa Vista 2ª Normandia Alto Alegre Rorainópolis Caracaraí 3ª Bonfim Pacaraima Caroebe 4ª Amajari São Luiz Mucajaí Cantá São João da Baliza Uiramutã Iracema Número de funções População 34 197.098 18 1.500 17 5.195 16 7.185 16 8.236 16 3.000 15 2.760 14 1.977 13 799 12 3.447 12 7.029 11 1.155 11 3.882 9 525 6 3.228 Fonte dos dados: IBGE. Serviços de saúde – 2002. Elaboração: Autores. Visando expressar de forma quantitativa a macrocefalia urbana em Roraima, com base nos serviços de saúde, foram selecionadas três funções: leitos hospitalares, postos de trabalho de médicos, postos de trabalho de enfermeiros e aparelhos de raio X (figura 5). Boa Vista concentra 76% dos leitos hospitalares, 89% dos postos de médicos, 81% dos postos de enfermeiros e 81% dos aparelhos de raio X, contra 61% da população. Em todos estes casos fica clara a concentração dos equipamentos e ser- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA viços de saúde em Boa Vista, complementada pela informação do SUS de que só a capital dispõe de leitos de UTI (15 leitos) no Estado de Roraima. A análise efetuada permite comprovar que a macrocefalia demográfica de Boa Vista repercute de forma dramática na distribuição dos serviços de saúde em Roraima. Toda esta situação é agravada pelas grandes distâncias e pelo estado das rodovias o que torna ainda mais problemático o acesso das pessoas aos serviços de saúde da capital, considerando o tempo e os custos de deslocamento. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Conclusão O pequeno tamanho demográfico de muitas cidades de Roraima, evidentemente não justifica uma forte descentralização dos equipamentos e serviços de saúde. Mas, mesmo as cidades de porte um pouco maior, como Rorainópolis, Caracaraí e Mucajaí estão relativamente mal servidas. Tudo indica, portanto, que a distribuição dos serviços de saúde em Roraima necessita de uma avaliação estratégica que leve em conta dois critérios básicos: (i) o tamanho da cidade e (ii) sua localização relativa com relação à capital e suas relações com outras cidades e municípios vizinhos. Com base nisto, aparece como prioritário o apoio a Rorainópolis, com sua localização mais distante de Boa Vista, no sul do Estado, influenciando São Luiz, São João da Baliza e Caroebe, totalizando hoje uma demanda de 42.000 pessoas, e Caracaraí, influenciando Iracema e toda a área central do Estado, atualmente somando quase 24.000 habitantes. Seria o início do que se poderia chamar de uma “descentralização centralizada” dos serviços com base em Rodwin (1967), em ou- Grupos indicadores 35 1 30 30 2 3 25 4 Funções de saúde Funções de saúde 25 20 15 5 5 0 0 0 3 6 9 12 15 Ocorrência das funções Figura 2 – Ocorrência de funções de saúde nas cidades de Roraima Fonte dos dados: IBGE. Serviços de saúde 2002. Elaboração: Autores. Fonte dos dados: IBGE. Serviços de saúde 2002. Elaboração: Autores. 1ª ordem 2ª ordem 25 3ª ordem 20 4ª ordem 15 10 Cidades Figura 3 – Número de funções de saúde e classificação hierárquica das cidades de Roraima Fonte dos dados: IBGE. Serviços de saúde 2002. Elaboração: Autores. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Iracema Uiramutã S. João da Baliza Cantá Mucajaí São Luiz Caroebe Pacaraima Bonfim Caracaraí Rorainópolis 0 Amajari 5 Alto Alegre 1 3 5 7 9 11 13 15 Cidades Figura 1 – Frequência de ocorrência das funções de saúde e seu agrupamento 30 Normandia 15 10 Centro de Boa Vsita 20 10 35 Número de funções 35 tras palavras, de uma regionalização planejada destes serviços visando torná-los mais acessíveis a toda a população do Estado. Além disso, deveria ser implantado um amplo serviço de atendimento médico e odontológico com características móveis para o periódico atendimento básico in loco das populações urbanas e rurais sem necessidade de deslocamento ou, como diz o Ministério de Saúde (2004, p. 21), de forma semelhante ao que propõe o já citado modelo de hierárquicosistêmico das localidades centrais: As ações e os serviços de saúde não podem ser estruturados apenas na escala dos municípios. Existem no Brasil milhares de pequenas municipalidades que não possuem em seus territórios condições de oferecer serviços de alta e média complexidade; por outro lado, existem municípios que apresentam serviços de referência, tornandose pólos regionais que garantem o atendimento da sua população e de municípios vizinhos. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 33 Uiramutã Pacaraima Postos de trabalho de médico 600 500 500 Normandia BR-174 Amajari Leitos hospitalares 400 400 300 Bonfim Boa Vista Alto Alegre BR -4 300 01 200 200 Cantá Mucajaí 100 100 0 Caracaraí Centro de BR -21 0 1ª ordem Rorainópolis 2ª ordem São Luiz São João da Baliza Caroebe 0 Boa Vista Alto Alegre Caracaraí Rorainópolis Mucajaí Bonfim Normandia Pacaraima Cantá São Luiz Caroebe São João da Baliza Amajari Uiramutã Iracema 0 - 21 BR Boa Vista Alto Alegre Pacaraima São Luiz Caracaraí Normandia Bonfim Caroebe Rorainópolis São João da Baliza Amajari Uiramutã Cantá Iracema Mucajaí Iracema 4 3ª ordem BR -1 7 4ª ordem Postos de trabalho de enfermeiros Aparelhos de raio X 200 18 Estrada pavimentada 15 160 Estrada implantada 12 Limite municipal Povoados 0 50 100 150 km 120 9 80 6 40 3 0 Tabela 8 – Distâncias entre Boa Vista e as demais cidades de Roraima Cidades Alto Alegre Amajari Bonfim Cantá Caracaraí Caroebe Iracema Mucajaí Normandia Pacaraima Rorainópolis São João da Baliza São Luiz Uiramutã Distância de Boa Vista (km) 89 158 125 32 134 354 92 52 183 215 291 346 305 299 Tempo aproximado de viagem* 1 3 2 0 2 7 1 1 3 4 5 7 6 6 h 50 h 10 h 30 h 40 h 40 h 00 h 50 h 00 h 40 h 20 h 50 h 00 h 10 h 00 min min min min min min min min min min min min min min Boa Vista Alto Alegre Mucajaí Rorainópolis Caracaraí Pacaraima Bonfim São Luiz Normandia Amajari Cantá Iracema Caroebe São João da Baliza Uiramutã Fonte dos dados: IBGE. Serviços de saúde – 2002; DNIT. Mapa rodoviário Roraima – 2002. Elaboração: Autores. Figura 5 – Número de leitos hospitalares, postos de trabalho de médicos, postos de trabalho de enfermeiros e aparelhos de raio X nas cidades de Roraima – 2002 Fonte dos dados: IBGE. Serviços de saúde – 2002. Elaboração: Autores. MINISTÉRIO DE SAÚDE. O SUS no seu município: garantindo saúde para todos. Brasília, 2004. (Série B. Textos Básicos de Saúde). * Média de 50 km/h. Fonte: FECOMÉRCIO/RR. Guia turismo em Roraima. 2002/2003. Esta nova regionalização garantiria o atendimento de metas de eficiência e eqüidade para o sistema de saúde do Estado de Roraima. Bamako, Conakry, Dakar and Niamey. Síntesis. Paris: UNICEF; République Française, 2001. Referências bibliográficas CHRISTALLER, W. Central places in Southern Germany. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1966 (original de 1933). AMORIM FILHO, O. B.; DINIZ, A. M. Boa Vista, Roraima: uma cidade média na fronteira setentrional do Brasil. In: XXV CONGRESO NACIONAL Y X INTERNACIONAL DE GEOGRAFIA. Resúmenes… Valdivia: Universidad Austral de Chile, 2004. ASSANI, A. Equity and access to quality care in urban areas. Urban health project Abidjan, 34 0 Boa Vista Alto Alegre Caracaraí Rorainópolis Pacaraima Amajari Bonfim Cantá Caroebe Iracema Mucajaí Normandia São João da Baliza São Luiz Uiramutã Figura 4 Distribuição das cidades de Roraima segundo níveis hierárquicos relacionados com as funções de saúde – 2002 BARROS, N. C. C. de. Roraima: paisagens e tempo na Amazônia Setentrional. Recife: Editora Universitária-UFPE, 1995. FECOMÉRCIO/RR. Guia turismo em Roraima – 2002/2003. Boa Vista, 2003. PALOMÄKI, M. The functional centers and areas of south Bothnia. Finland. Fennia, Helsinki, n. 88, p. 1-235, 1964. RODWIN, L. Planejamento urbano nos países em desenvolvimento. Rio de Janeiro: USAID, 1967. SILVA, S. B. de M. e; SILVA, B. C. N. A rede urbana de Roraima: primazia e integração. Revista de Desenvolvimento Econômico, v. 4, n. 10, p. 38-46, jul. 2004a. IBGE. Censos Demográficos – 1950/2000. Disponível em: <http://www.sidra.ibge. gov. br>. Acesso em: 22 jun. 2005. SILVA, S. B. de M. e; SILVA, B. C. N. Em busca de um novo modelo de desenvolvimento regional na Amazônia brasileira: o exemplo de Roraima. Bahia Análise & Dados, v. 14, n. 3, p. 615-628, dez. 2004b. IBGE. Serviços de saúde – 2002. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat /default.php>. Acesso em: 10 jun. 2005. SILVA, S. B. de M. e; SILVA, B. C. N.; LEÃO, S. O. O subsistema urbano-regional de Ilhéus-Itabuna. Recife: SUDENE, 1987. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ÁREAS PROTEGIDAS DE FRONTEIRA E TURISMO SUSTENTÁVEL NA AMAZÔNIA: ENTRE O SURREALISMO E A INVENÇÃO Marta de Azevedo Irving 1 Resumo O presente trabalho visa contribuir para a discussão da perspectiva do Turismo Sustentável em áreas protegidas de fronteira, na Amazônia brasileira, a partir do olhar sobre os parques nacionais Montanhas de Tumucumaque e Cabo Orange, que configuram e materializam, em sua dinâmica, o encontro de duas lógicas distintas de desenvolvimento, uma vez que se situam em área de fronteira com a Guiana francesa e, ilustram a complexidade de uma região ultraperiférica da Europa e da América Latina, que gradualmente passa a compor o imaginário coletivo, por sua importância geoestratégica, no âmbito da diplomacia contemporânea e, em especial, com relação à Convenção da Diversidade Biológica. Palavras-chave: parques nacionais, fronteira, turismo sustentável, Amazônia. Abstract The present work aims to contribute to the discussion of the approach of Sustainable Tourism in protected areas in the brazilian Amazon border, from the case of Montanhas de Tumucumaque e Cabo Orange National Parks, which illustrate, directly, the challenges and conflicts between two different logics of development in the Amazon region, at the border of French Guiana, an “ultraperipheric” region of the European Union and the Latin America that gradually increases in importance in the global imagination, for its geostrategic importance linked to the contemporany diplomacy, and, in special, with the framework of the Biodiversity Convention. Key Words: National parks, border areas, sustainable tourism, Amazon Region. 1. Introdução e Pressupostos A utilização da base de recursos renováveis para uso turístico se constitui em tema central, no contexto de ecossistemas tropicais, em países emergentes (ou em vias de desenvolvimento), nos quais, a demanda por inclusão social representa foco central de políticas públicas e, também, a garantia de manutenção de integridade de patrimônio natural, de importância global. Essa afirmação é ainda mais significativa para os países de megadiversidade biológica, nos quais as estratégias de conservação estiveram, historicamente, dissociadas da perspectiva de desenvolvimento regional. Nesse contexto, os parques nacionais emergem como pontos focais para o desenvolvimento turístico e veículos potenciais de inclusão social, principalmente em países como o Brasil, ainda distantes das estatísticas mundiais de turismo, apesar de sua condição de país de importante liderança no âmbito da Convenção da Diversidade Biológica. Esta afirmação ganha ainda um significado mais expressivo, no âmbito das políticas públicas e sua articulação progressiva para a redução das desigualdades sociais. No momento, a Diretoria de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente, empreende esforços para a elaboração do RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Plano Nacional de Áreas Protegidas que, em seus princípios norteadores, busca compatibilizar a conservação do patrimônio natural e a inclusão social. Da mesma forma, um esforço conjunto dos Ministérios de Turismo e de Meio Ambiente, finaliza e revisão das Diretrizes para a Política Nacional de Ecoturismo (EMBRATUR/IBAMA, 1994) e coloca em evidência as Unidades de Conservação e a participação da sociedade como focos prioritários para atuação futura. Atualmente, no Brasil, existem 55 parques nacionais, e este englobam aproximadamente 17.631.180 hectares.2 (IBAMA, 2005), distribuídos por todas as regiões do país, com elevada representatividade dos diferentes ecossistemas regionais. No entanto, o processo de criação de parques nacionais (e, a conseqüente demanda de gestão), induzido pelo momento político brasileiro e pelas pressões internacionais, não foi acompanhado de uma estratégia equivalente de inclusão social, ou mecanismos de participação da sociedade na discussão de políticas públicas de proteção da natureza, o que acabou por consolidar uma cisão evidente sociedade-natureza, causa provável de grande parte dos conflitos relacionados à existência de áreas protegidas no Brasil. No entanto, apenas poucos são utilizados efetivamente para uso turístico e, a maioria encontra-se ainda “em fase de implantação”. Assim, os parques nacionais, apesar de seu valor 1 Pesquisadora e Professora do Programa Eicos/IP/UFRJ. Trabalho realizado com apoio inicial da CAPES, do Museu de História Natural de Paris e, da DAP/SBF/MMA para as atividades de campo. 2 Para esta análise, não são consideradas terras indígenas ou quilombolas, por estas não serem constituintes do SNUC. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 35 como patrimônio natural de impacto global, contribuem ainda muito pouco como pontos focais para o desenvolvimento regional, a economia local e a inclusão social. Destes parques, cinco estão diretamente em área de fronteira do Brasil, na Amazônia e, significativamente distantes dos mercados emissores tradicionais: PN da Serra do Divisor, PN do Pico da Neblina, PN Monte Roraima, PN do Cabo Orange, PN Montanhas de Tumucumaque, sendo os últimos dois de importância central para o diálogo ético do turismo entre América Latina e Europa, na Amazônia. Esta região, de grande impacto no imaginário coletivo, representa um atrativo patrimonial e simbólico, sem precedentes, a ser, certamente, capitalizado pelo turismo regional, a médio e longo prazos. Becker (2005) assinala o significado geopolítico da Amazônia, como valorização ecológica de “dupla face”, em termos de sobrevivência humana e capital natural, sobretudo água e megadiversidade, num contexto progressivo de mercantilização da natureza, ao que ela denomina “mercado da vida”. Segundo a autora, a Amazônia pode ser interpretada como um eldorado da contemporaneidade, capital de realização atual e futura e, o único a pertencer, em sua maior parte, a um só Estado Nacional. Esta afirmação se sustenta em alguns argumentos e revela algumas tendências: O novo valor atribuído ao potencial de recurso naturais confere à Amazônia o significado de fronteira do uso científico-tecnológico da natureza e, em sintonia com a política de formação de grandes blocos supranacionais, revela a necessidade de pensar e agir na escala da Amazônia sul-americana” (p. 33-34)... Enquanto espaço geográfico, territorial, a valorização estratégica da Amazonia decorre do novo significado por ela adquirido, o de um duplo patrimônio: o de terras propriamente dito, e o de imenso capital natural. Na representação simbólico-cultural, o valor da região está condicionado pela centralidade que tem hoje no mundo a biodiversidade e a sustentabilidade da Terra. (p. 35). 36 Assim, pensar o planejamento turístico para a região focal de inserção dos parques nacionais Montanhas de Tumucumaque e Cabo Orange (percebidos em seu conjunto com as demais áreas protegidas do Estado do Amapá e da Guiana Francesa), se constitui num exercício complexo e, ainda, surrealista e abstrato de projeção de cenários, numa região de “ultraperiferia” amazônica (MASTEAU, 1997). Esta região, em processo de “transe silencioso” (IRVING, 2005), no qual o território se transforma, de maneira imperceptível para os distantes centros de decisão, adquire uma nova representação no plano global pelo valor estratégico do patrimônio natural (notadamente a base de recursos hídricos e de biodiversidade), e emerge, como potencialidade, para um novo modelo de integração amazônica. Nesse contexto, o turismo, surge como uma projeção distante na economia local, como uma possibilidade remota no mundo globalizado mas se materializa como um apelo, sem precedentes para a reflexão acadêmica e para a possibilidade de distribuição de benefícios pelo uso da natureza, segundo a concepção e os compromissos centrais da Convenção da Diversidade Biológica3. Se expressa também, de maneira progressiva como justificativa recorrente no discurso político regional, sob forte pressão pela integração regional e pelas demandas de desenvolvimento, como mito e alternativa para a redenção regional, em contraposição aos mecanismos convencionais de uso e ocupação de solo na Amazônia. Mas em que escala e, de que maneira, pensar o turismo em Unidades de Conservação tão diversificadas ecologicamente, de elevado significado para a biodiversidade global, mas ainda não efetivamente implantadas, distantes dos centros urbanos e não competitivas na lógica de mercado internacional? Como refletir sobre planejamento turístico num espaço protegido em que o aces- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 3 so representa ainda uma aventura imprevisível e atraente a poucos e, que, não é sequer “reconhecido e apropriado” pelos brasileiros, nem mesmo residentes em sua área de inserção? Que pressupostos éticos deveriam antecipar a emergência do turismo regional? Para o salto ainda surrealista sobre planejamento turístico, neste caso, algumas questões permanecem ainda sem resposta: Em que bases pensar o turismo em áreas protegidas de uso indireto na Amazônia, tendo como fundamento a integração regional? Qual a abordagem desejada para o turismo em áreas protegidas de fronteira? Qual o Estado da Arte do processo de gestão destes parques e quais as suas implicações em cooperação internacional? Como as políticas públicas pretendem construir uma estratégia regional para a gestão da biodiversidade e o desenvolvimento regional, uma vez que os ecossistemas amazônicos são contínuos e transcendem as fronteiras políticas? Algumas dessas questões foram discutidas por Irving (2002a e 2005), tendo como ponto focal os desafios, conflitos, as potencialidades e restrições para a gestão da biodiversidade em áreas protegidas e, em particular, nos espaços para a cooperação transfronteiriça Brasil-França, na Amazônia. Na verdade, o tema da gestão da biodiversidade regional constitui ainda um desafio de contornos indefinidos, o que tende a dificultar seriamente as iniciativas de planejamento turístico, principalmente em função da complexidade envolvida em ecossistemas contínuos envolvendo minimamente 3 países (Brasil, França e Suriname), sujeitos e distintos arcabouços legais e institucionais e lógicas diversificadas, na interpretação de conservação de patrimônio natural e cultural. Com base neste contexto previamente avaliado, o presente trabalho, de caráter exploratório, pretende contextualizar o turismo, numa perspectiva de projeção de cenários tendo, como focos centrais de análise, Para este trabalho, o maior foco de análise estará dirigido à dinâmica do turismo no Estado do Amapá e sua interação com a Guiana Francesa. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO os parques nacionais de fronteira do Estado do Amapá, em suas potencialidades e interfaces com a Guiana Francesa, tendo em vista as políticas públicas, a dinâmica regional e, as demandas futuras, na lógica de um território “em efervescência silenciosa”. A pesquisa foi desenvolvida entre maio de 2004 e julho de 2005, simultaneamente no Brasil e na França, com base em pesquisa documental e bibliográfica, entrevistas dirigidas a interlocutores selecionados (pesquisadores, gestores de espaços protegidos e políticos dos dois países), questionários dirigidos aos diretores de parques, análise de folheteria turística e pesquisa de campo4. 2. Parques nacionais Montanhas de Tumucumaque e Cabo Orange A contextualização preliminar dos dois parques está apresentada a seguir. No entanto, é importante mencionar que as informações sobre a área em questão são ainda limitadas e estão dispersas em alguns sites especializados e muitas publicações e documentos são de acesso limitado. As informações a seguir apresentadas foram levantadas, principalmente, nos sites do Ministério de Meio Ambiente (2004a), do IBAMA (2004), e na consulta a alguns veículos de comunicação e entrevistas realizadas em campo, sistematizadas e discutidas em Irving (2005). Embora localizados numa mesma região geográfica, os dois parques tem características ecológicas bastante distintas e, ilustram um gradiente da linha de fronteira entre sistemas marinhos e costeiros e áreas interiores de floresta tropical densa mas estão sujeitos progressivamente a fortes pressões com relação ao uso dos recursos renováveis. 2.1. Caracterização do Parque Nacional Montanhas de Tumucumaque Figura 1: Contexto de Localização do Parque Nacional Montanhas de Tumucumaque Amapá, tendo também parte de sua extensão no Estado do Pará e faz fronteira com a Guiana Francesa e o Suriname (figura 1). A região de inserção do PNMT se caracteriza por clima quente e úmido, dominada pela floresta tropical densa. Ela abriga também as nascentes dos principais rios do Amapá, como o Oiapoque, o Jari e o Araguari. Com relação ao patrimônio natural, o PNMT se caracteriza por uma elevada riqueza florística e faunística e uma significativa diversidade de habitats, uma das potencialidades de maior relevância para o desenvolvimento turístico, em geral, e para a pesquisa científica, em particular. Entre as espécies de fauna podem ser mencionados grandes carnívoros como a onça (Panthera onca) e a sussuarana (Puma concolor) e primatas raros como o caxiu (Chiropotes satanas) de população muito reduzida em outras regiões. Pássaros como as macaws (Ara cloroptera e Ara ma- O PNMT5 , criado por Decreto s/n, publicado no Diário Oficial de 23 de agosto de 2002, é a maior área protegida do mundo em floresta tropical e possui uma área de 3. 867.000 ha. Está localizado predominantemente na região noroeste do Estado do RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO cao), marianinhas (Pionites melanocephalata, jacus (Penélope marail), beija-flor brilho de fogo (Topaza pela), e grandes pássaros frutívoros da copa da floresta, tais como o Anambé-militar (Haematoderus militaris), o pássaro-boi (Perissocephalus tricolor) e o Gainambé (Procnias alba) são abundantes nas florestas bem conservadas da região. Entre as espécies da flora podem ser citadas a maçaranduba, maparajuba, cupiúba, jarana, mandiqueira, louros, acapu, matamatás, faveiras, abioranas, cedrorana, pracachi, piquá, tachi, entre outras (IBAMA, 2004) A importância ecológica do PNMT é reforçada ainda por este se inserir num imenso corredor de biodiversidade, ligando toda a face oeste do Estado do Amapá até o nordeste do Pará, que proporciona a interligação de diversas áreas protegidas, a grande maioria em ecossistema de floresta densa. O parque é ainda a peça maior em um mosaico de unidades de conservação que recobre mais de 4 A continuidade da pesquisa está prevista no âmbito do Programa Eicos/IP/UFRJ e dos projetos de cooperação Brasil-França para a Gestão da Biodiversidade e Desenvolvimento Regional, em fase de construção entre a Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Museu Nacional de História Natural de Paris (MNHN), a Escola Nacional de Altos Estudos de Paris (EHESS) e, a Diretoria de Áreas Protegidas do Ministério da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Meio Ambiente do Brasil. 5 De acordo com o dispositivo do Artigo 1º do documento legal, “o parque tem como objetivo específico assegurar a preservação de recursos naturais e da diversidade biológica, bem como proporcionar a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação, de recreação e turismo ecológico”. (Lei 9985/2000). Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 37 Figura 2: Contexto de Localização do Parque Nacional de Cabo Orange 50% da área do Estado do Amapá. Sem estradas e isolado de qualquer grande concentração urbana, o parque está praticamente intocado, a não ser por alguns focos isolados de garimpo e pela presença do núcleo populacional de Vila Brasil. O parque situa-se numa região despovoada, exceção à Vila Brasil, único núcleo populacional contido dentro dos limites do Parque. No entanto, em seu entorno, há ocorrência de garimpos. Em seu interior, foram identificadas, pelo IBAMA, 25 pistas de pouso clandestinas6, algumas ainda ativas. As atividades de caça e exploração irregular de madeira, até o momento, não constituem um problema maior para a fiscalização. Não existe acesso rodoviário ao parque, uma vez que as estradas existentes são precárias e não chegam aos seus limites. Sem estradas, e isolado de qualquer grande concentração urbana, o parque está praticamente intocado, a não ser por alguns garimpos e pelo núcleo urbano de Vila Brasil. Também não há no local infraestutura turística de porte mas, com a perspectiva de finalização do plano de Manejo, a área poderá ser aberta à visitação em 2006/2007 e um investimento nesse setor será essencial para o desenvolvimento turístico regional. 38 2.2. Parque Nacional do Cabo Orange O PNCO foi criado pelo Decreto n° 84.913 de 15.07.1980, está localizado no Estado do Amapá, nos municípios de Calçoene e Oiapoque7 e possui uma área de 619.000 ha, com fronteira direta com a Guiana francesa (figura 2). O clima da região é tropical, quente e úmido, com 3 meses de baixa precipitação pluviométrica. As temperaturas médias anuais situam-se entre 24 a 26° C., e o nível pluviométrico entre 1750 e 2000 mm anuais. Em contraste com os ecossistemas predominantes no Parque Nacional Montanhas de Tumucumaque, o Parque Nacional do Cabo Orange tem função primordial na preservação de manguezais e de campos de planície do Amapá e pertence à unidade de relevo Planície Fluvio-Marinha Macapá-Oiapoque, que se constitui de áreas planas, na faixa de terrenos quaternários, formados por sedimentos argilosos, siltosos e arenosos de origem mista, fluvial e marinha. O parque protege uma grande extensão de mangue (uma faixa marítima a 10 Km de largura da costa) e ecossistemas terrestres, além de favorecer a educação ambiental e a pesquisa. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 6 7 8 A vegetação se caracteriza predominantemente por espécies do mangue como a siriúba (Avicenia nitida), o mangue-vermelho (Rhizophora mangue) e o mangue-amarelo (Laguncularia sp.). Os campos da planície do Amapá têm a cobertura vegetal abundante de gramíneas ciperáceas. São encontrados o buriti (Mauritha flexuosa), mururés (Eichornia sp.), canaranas (Echinoa sp.) e o capim-arroz. A fauna local é rica e diversificada e abriga várias espécies de tartaruga, o peixe-boi (Trichechus inunguis), bem como a avifauna,que merece destaque por ser o litoral amapaense o último reduto de várias espécies anteriormente encontradas em todo o litoral brasileiro, entre elas o guará (Eudocimus ruber) e o flamingo (Phoenicopterus ruber). O PNCO, diferentemente da maioria dos parques nacionais brasileiros, possui 92% de sua área total regularizada. No entanto, alguns conflitos e pressões sobre os ecossistemas locais são observados em função de pioneiros na ocupação da região, que possuem fazendas no entorno. São também registrados incêndios, invasões, atividades de pecuária, agricultura, caça, pesca, desmatamentos, mineração e erosão no interior da área do Parque. É importante também ressaltar a existência de moradores dentro do parque e conflito com criadores de búfalos. A relação da administração com os moradores da Borda Sul (remanescentes de quilombo, reconhecidos pela Fundação Palmares) tem sido pacífica mas com a comunidade de Cunani (extrativistas) há problemas de solicitação de área, no limite sul do parque. Não há conflitos diretos entre o parque a área indígena a oeste. Na localidade de Taperebá, os conflitos existem com pescadores que vem do exterior8. 2.3. A importância histórica e cultural do território na lógica da disputa O território, que atualmente abriga os dois parques está associado a um percurso histórico da mais alta Informação obtida em reunião com o IBAMA em Macapá, em agosto de 2004. O acesso é feito através da BR-156, ou por rede fluvial (Rio Caciporé). De Oiapoque (670 Km da capital) por via marítima, é possível chegar a Vila Taperebá que fica na área do Parque. Informações obtidas em questionário dirigido à equipe IBAMA/Parque Nacional de Cabo Orange. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO importância, na lógica da construção de identidade do Brasil e da França na região amazônica e, esse registro é apenas, marginalmente, conhecida pela população dos dois países. Estes parques representam, portanto, não apenas um registro de patrimônio ambiental de importância global mas também uma memória, a ser resgatada, não pelo ângulo da disputa de território, mas por sua face simbólica e multifacetada, de sobreposição de influencias culturais e étnicas, que cria uma paisagem singular, de difícil reprodução no espaço amazônico. Estas influencias reproduzem duas realidades distintas, que trazem à reflexão o diálogo norte-sul ou ainda, os desafios de um espaço geográfico que concentra, simultaneamente, em toda a complexidade, a reflexão ética sobre o (des)envolvimento. Este território representa o resultado do balanço de forças, entre diversos países, desde os tempos remotos da descoberta do continente americano até a época recente da República no Brasil. O percurso histórico recua desde a disputa entre portugueses e espanhóis e, a assinatura imprecisa do Tratado de Tordesilhas, passando pelas iniciativas dos demais países europeus em ocupar a amazônia brasileira, até a disputa direta entre França e Brasil pela soberania do território, entre o Amazonas e o Oiapoque. Confronto político finalizado apenas em 1900, por um Tratado de Arbitragem, decidido na Suíça, que estabeleceu, no plano internacional, os limites definitivos de fronteira, reafirmando a base do Tratado de Utrecht. Estudos detalhados sobre o tema são apresentados em Masteau (1997) e Sarney et al. (2003), entre outros pesquisadores. Evidentemente que a dimensão histórica é extremamente complexa e afeta, até os dias atuais, a dinâmica do território e a paisagem cultural de fronteira e merece um capítulo à parte na caracterização dos dois parques em questão, uma vez que amplifica a sua importância e transcende a interpretação apenas centrada no discurso sobre a biodiversidade. No território dos parques e seu entorno, diversos são os registros históricos e as influencias recíprocas entre Brasil e França, o que pare- ce contribuir para um cenário peculiar na dinâmica amazônica, pouco estudado e negligenciado nos textos tradicionais, que merece um olhar de pesquisa mais aprofundado. Cabe ainda enfatizar que o valor histórico da região poderá representar um diferencial de alta atratividade turística para a região, em estratégias futuras de desenvolvimento, uma vez que integra um resgate identitário para os dois países e envolve, complementarmente, a história do Suriname e todas as suas interfaces com o contexto atual da União Européia.. Com o objetivo de contribuir para a visibilidade desta dinâmica, o Quadro 1 apresenta, resumidamente, alguns dos marcos históricos que poderiam inspirar roteiros turísticos para a região. A resultante do modo de ocupação do território é decorrente do valor estratégico atribuído historicamente ao patrimônio natural e da integração progressiva de bases culturais distintas e, envolve, de maneira evidente, um processo gradual de troca entre etnias e civilizações, de difícil reprodução em território amazônico. 2.4. A gestão dos parques como tema central ao desenvolvimento turístico O processo de criação dos dois parques materializa uma história de decisões centralizadas e, evidentemente conflitos, que, apenas recentemente, começam a ser negociados entre diferentes esferas do Poder Público. Com relação ao processo de gestão e sua utilização para fins turísticos, os parques não dispõem ainda de Planos de Manejo consolidados. No caso do PNMT, uma parceria com a Conservation International e o Exército, tem apoiado expedições para levantamento de flora e fauna, que subsidiarão a caracterização ecológica do parque e a elaboração futura do Plano de Manejo, previsto para ser concluído em 2006. Da mesma forma que o Plano de RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Manejo, o Conselho Gestor, previsto pelo SNUC, com caráter consultivo, encontra-se ainda em formação e consolidação.9 O esforço, no momento, pela direção do parque, tem sido sensibilizar lideranças da região, no sentido de uma configuração mais definitiva e atuante do conselho. Com o novo conselho empossado e, as informações de flora e fauna e, dados sócio econômicos levantados, o Plano de Manejo poderá ser discutido construído, participativamente e, a área aberta à visitação, teoricamente, a partir de 2006/2007. Da mesma maneira, embora o PNCO tenha sido criado em 1980, não dispõe ainda de Plano de Manejo, em fase de planejamento e realização pelo Projeto ARPA. O Conselho Gestor encontra-se também em fase de implantação e consolidação.10 Não há visitação em processo de rotina, embora já tenham sido iniciados testes de visitação orientada com grupos oriundos de Caiena e, no momento, encontra-se em fase de discussão um Projeto de Turismo Integrado entre o Parque Nacional de Cabo Orange e o Parque Regional Natural da Guiana, ambos contíguos na linha de fronteira. No entanto, para o planejamento turístico, considerando o Plano de Manejo, (associado ao Plano de Uso Público) essencial não apenas como documento técnico mas como instrumento norteador de planos e programas, qualquer iniciativa para o desenvolvimento turístico no interior do parque, só poderá ser idealizada, na prática, a partir de 2007, numa previsão realista. Se esta restrição impede o desenvolvimento de estratégias turísticas de curto prazo, ela representa também uma oportunidade ímpar para o planejamento de longo prazo, capaz de antecipar impactos e maximizar benefícios sociais e ambientais. Talvez este seja um dos diferenciais mais interessantes na perspectiva de planejamento turístico para os parques nacionais 9 Um primeiro conselho havia sido criado, de maneira arbitrária, aparentemente sem qualquer representatividade, vinculação ao parque ou lógica de participação social no processo de tomada de decisão. 10 A composição prevê as prefeituras locais, Exército de Fronteira, Batalhão Ambiental (Polícia Militar), Associação Comercial, Colônia de Pescadores (Taperebá), Representantes dos Cuninami (Quilombos), FUNAI, APIO (Povos Indígenas do Oiapoque), AGN (Associação Galibi-Warmorno Indígena), Assentamento de Caçipore e Assentamento de Vila Velha (Assentamento do INCRA), criadores de gado, comunidades locais, Associação Ambiental, Pegadas do Oiapoque (ONG), IEPA (Instituto do Estado de Pesquisa do Amapá), IESA (Instituto de Estudos Socioambientais), INCRA, Associação de Catraeiros (transporte fluviais). Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 39 Quadro 1: Principais Marcos do Histórico da Disputa de Fronteira na Região 40 Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA (continua) RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (conclusão) Fonte: Doratioto, F.F.M. (2003). Obs: As informações resumidas refletem a leitura brasileira sobre a lógica da disputa de fronteira. MESTRADO EM ANÁLISE REGIONAL O primeiro da sua categoria no Estado da Bahia RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 41 Quadro 2: Municípios do Amapá associados à área dos PNMT e PNCO (Área, população, IDH, Principais Atrativos e Comunidades Fontes: www.amapa.net (Consulta em fevereiro 2005), www. Frigoletto.com.br/GeoEcon/ menuecon.html (consulta em fevereiro 2005), PNMT: Parque Nacional Montanhas de Tumucumaque. e PNCO: Parque Nacional do Cabo Orange. Montanhas de Tumucumaque e Cabo Orange e sua região de inserção. Um tema central para a gestão e, futuramente, para o desenvolvimento de circuitos turísticos regionais, diz respeito à limitação de recursos humanos nos dois parques. As equipes do IBAMA são extremamente reduzidas e, embora estejam efetivamente engajadas no processo de inclusão social para a gestão, dispõem de poucos recursos e meios efetivos para responder a uma demanda cotidiana elevada e crescente, em termos de compromissos e ações de campo. 42 2.5. Contextualização sócio econômica regional Os dois parques inserem-se num conjunto total de 5 municípios do Estado do Amapá (Pedra Branca, Serra do Navio, Laranjal do Jarí, Oiapoque e Calçoene) e um município do Pará (Almerim) Estes municípios estão apresentados, em termos de data de criação, população, densidade demográfica e IDH no Quadro 2. A economia local se baseia no setor primário e de serviços. No entanto, em alguns casos, como no município de Oiapoque, o comércio ga- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA nha dimensões mais importantes e estabelece uma dinâmica distinta, de relação direta com a Guiana Francesa. De maneira geral, a agricultura de subsistencia, a criação de gado, a pesca, a exploração florestal e mineral constituem a base da economia local. A infraestrutura turística é praticamente inexistente e, o turismo, não constitui ainda elemento significativo para a economia regional, apesar da riqueza do patrimônio natural e cultural da região. Um tema fundamental para discussão, com relação à gestão da biodiversidade regional e ao planejamento turístico, diz respeito à temática indígena e sua integração às estratégias de desenvolvimento e conservação de recursos renováveis. Nesta coexistem diversos grupos indígenas, alguns dos quais, em ambos os lados da fronteira com a Guiana Francesa e, portanto, submetidos a um enquadramento legal e institucional distinto. Segundo Gallois e Grupioni (2003) são inúmeras as etnias indígenas no norte do Amapá. Os Galibi Marwono ocupam a Terra Indígena Uaçá e a Terra Indígena Juminã. Os Palikur ocupam as margens do rio Urukawá, afluente do Uaçá (Terra Indígena Uaçá), os Karipuna, as Terras Indígenas Uaçá, Juminã e Galibi do Oiapoque e, os Galibi do Oiapoque, a Terra Indígena Galibi do Oiapoque. No noroeste do Amapá os Wajãpi ocupam a Terra Indígena Waiãpi. Próxima ao PNMT há também a Reserva Indígena de Tumucumaque. O Ibama inaugurou recentemente um escritório/base de apoio para o parque Nacional de Tumucumaque em Serra do Navio, município adotado como porta de entrada para o parque estão em fase de discussão duas bases de apoio em Oiapoque e Vila Brasil. Na perspectiva regional, no entanto, a área dos parques e seu entorno já se configuram, sutilmente, como cenário estratégico para a cooperação transfronteiriça com a Guiana francesa sob a ótica da gestão da biodiversidade, do desenvolvimento regional e, a médio e longo prazos, a partir dos circuitos turísticos integrados. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Quadro 3: Entrada de turistas no Brasil, segundo regiões de residência permanente Fonte: Ministério do Turismo (Embratur), - Dados de 2002 revisados. Quadro 4: Hóspedes Nacionais e Estrangeiros no Amapá entre 1998 e 2001 Fonte : Departamento de Turismo do Amapá (http://www.seplan.ap.gov.br) Quadro 5: Hóspedes nacionais e estrangeiros registrados nos meios de hospedagem do Amapá segundo o motivo de viagem – 2001 Fonte: Ficha Nacional de Registro de Hóspedes (http://www.seplan.ap.gov.br/) 3. Estatísticas de Turismo no Brasil e a Perspectiva do Amapá De acordo com o Anuário Estatístico da Embratur de 2004 (Ministério de Turismo/EMBRATUR, 2004), o Brasil recebeu, em 2003, 4.090.590 turistas estrangeiros, dobrando o número de visitantes recebidos em 1995. Ainda assim, as estatísticas de 2003 foram inferiores aos anos de 1998 até 2001, nos quais se registrou, em média, cinco milhões de visitantes ao ano. (Dados resumidos segundo as regiões de residência permanente no Quadro 3). Ainda segundo a mesma fonte, a receita cambial gerada pelo turismo internacional no Brasil foi de US$ 3.385.967, no ano de 2003, demonstrando um crescimento de 8% em relação ao ano anterior, com evidente tendência ao crescimento nos próximos anos. Quanto à origem, em 2003, os turistas europeus (1.567.708 visitantes), representaram o contingente mais representativo, principalmente Alemanha, Portugal, França e Itália. Em segundo lugar, o país foi visitado por turistas sul-americanos (1.532.234 visitantes) e, em seguida, norte americanos (790.652), asiáticos (53.785), sendo 50% desse mercado proveniente do Japão. No mesmo ano, as cidades mais visitadas foram: Rio de Janeiro (36,9%), São Paulo (18,5%), Salvador RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (15,8%), Fortaleza (8,5%), Recife (7,5%), Foz do Iguaçu (7,4%) e Búzios (6%). As cidades amazônicas não se expressam, ainda, com expressividade nas estatísticas turísticas. No caso específico do Estado do Amapá, poucos são os dados recentes. As estatísticas disponíveis pelo Governo do Estado, entre 1998 e 2001, demonstram também um crescimento progressivo da atividade turística, conforme os dados apresentados no Quadro 4. No entanto, a análise cautelosa dos dados informações existentes tendem a reafirmar que, a visitação ao Estado, se dirige prioritariamente à viagem de negócios. O patrimônio natural não parece figurar ainda nas estatísticas como um atrativo significativo, conforme os dados apresentados no Quadro 5. A visitação ao Estado é motivada basicamente por negócios, representações comerciais, circulação de funcionários federais e estaduais, parentes de residentes, e outros grupos para os quais não há ainda motivação turística ou ecoturística. Quanto à faixa etária, a grande concentração de visitantes tem idade entre 26 e 40 anos, provavelmente representando a faixa ativa da população, engajada em negócios ou atividades profissionais diversas no Estado (Quadro 6). Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 43 Quadro 6 Hóspedes nacionais e estrangeiros registrados nos meios de hospedagem do Amapá segundo a faixa etária - 2001 Quadro 8: Total de Visitantes brasileiros por Estado de Origem – 2001 Fonte: Departamento de Turismo (http:/ /www.seplan.ap.gov.br/) Fonte: Ficha Nacional de Registro de Hóspedes (http://www.seplan.ap.gov.br/) Quadro 9 – Total de Visitantes Estrangeiros do Amapá por país de origem – 2001 Fonte: Departamento de Turismo (http:/ /www.seplan.ap.gov.br) Quadro 7: Hóspedes nacionais e estrangeiros registrados nos meios de hospedagem do Amapá segundo o meio de Transporte – 2001 Fonte: Ficha Nacional de Registro de Hóspedes (http://www.seplan.ap.gov.br/) Pensando o acesso ao Estado, este é feito prioritariamente por via aérea, o que confirma a origem distante dos viajantes que ali chegam, provavelmente por razões profissionais (Quadro 7). Com relação à origem dos turistas/visitantes brasileiros, os principais estados emissores na região são o Pará e o próprio Amapá. Alem destes, o Estado do Amazonas aparece também nas estatísticas, o que parece confirmar uma significativa circulação regional. (Quadro 8). Mas chamam a atenção as elevadas esta- 44 tísticas de procedência do Rio de Janeiro e, principalmente, São Paulo, o que parece confirmar a hipótese dos negócios como motivação central para o deslocamento em direção ao Amapá. Com relação à origem dos turistas/visitantes estrangeiros (Quadro 9), a procedência dominante é exatamente dos franceses (de origem da Guiana francesa e do território central). Cabe lembrar ainda, que exis- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 11 tem hoje vôos diretos e diários da Air France para Caiena e, algumas companhias regionais, de menor porte, já operam o circuito de cidades da Amazônia e do nordeste brasileiro diretamente à Caiena e vice versa. E algumas tour operadoras já tem em seu cardápio de ofertas, circuitos integrados entre o Brasil e a Guiana Francesa. Embora o fluxo entre os dois países já tenha caráter regular e sazonal estatísticas turísticas mais detalhadas são ainda incipientes11. O Estado não dispõe de infraestrutura turística significativa e os meios de hospedagem são insuficientes, em qualidade e quantidade Durante a pesquisa, o Comitê de Turismo da Guiana em Paris informou que estava em curso a elaboração de um relatório técnico sobre o turismo regional mas não foi possível o acesso a este documento. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Quadro 10: Agências de viagem instaladas com registro na empresa brasileira de turismo - EMBRATUR – 1996-2001 Fonte: Departamento de Turismo (http:/ /www.seplan.ap.gov.br) para atender à demanda atual e qualquer projeção futura. Não existe, no contexto atual, uma rede efetiva de agências de viagem especializada que possa dar suporte à visitação (Quadro 10). A pesquisa de campo indicou também que, embora as agencias existam nas estatísticas, elas tem baixa capacidade operacional e de resposta, provavelmente em resposta a uma baixa demanda na maior parte do ano. Na perspectiva do Governo do Estado do Amapá (2005), os parques apenas recentemente foram incorporados nos sites oficiais e nas estratégias de planejamento turístico. Mas o Estado os divulga num conjunto de atrações envolvendo, entre outras, a pororoca, o equinócio, o rio Amazonas, a Cachoeira Grande, a Cachoeira de Santo Antônio , a Vila de Curiaú (área quilombola), o Município de Oiapoque e seus diversos diversos atrativos e os diversos grupos e etnias indígenas (como os Galibi-Marwono,os Galibi do Oiapoque, Juminã. Em 2002, o PROECOTUR (Programa de Ecoturismo da Amazônia) concluiu a Estratégia de Ecoturismo para o Estado do Amapá (MMA, 2002), com base na interpretação das informações disponíveis para o Estado. O Relatório Final sistematiza a estratégia para o Estado12. A estratégia foi desenhada para uma abrangência de 15 municípios, entre os quais Calçoene, Laranjal do Jarí, Oiapoque, Pedra Branca do Amapari, e Serra do Navio. A estratégia proposta reconheceu e incluiu, portanto, os cinco municípios do PNMT e seu entorno nas prioridades deli- neadas para o turismo no Estado, mas ela não é clara sobre os encaminhamentos futuros, a não ser pela proposta de fortalecimento da infraestrutura regional. O relatório reafirma, também, a elevada potencialidade do Estado para o ecoturismo. Alem da riqueza em recursos hídricos (Araguari, Jarí e Oiapoque e, principalmente o Amazonas e sua foz), a variedade de fisionomias vegetais e sua posição geográfica (atravessada pela linha do Equador), o colocam em evidencia como potencialidade futura. É mencionada também no documento, a importância do complexo sistema de áreas protegidas, federais e estaduais, entre as quais, a Estação Ecológica Maracá-Jipioca, a Reserva Biológica do Lago Piratuba, a Estação Ecológica do Jarí, a Floresta Nacional do Amapá, a Reserva Extrativista do Rio Cajari, a Reserva Biológica do Parazinho, a Reserva Biológica da Fazendinha, a APA do Rio Curiau, e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru, alem dos parques nacionais Montanhas de Tumucumaque e Cabo Orange. Compõem também o conjunto as Reservas de Patrimônio Natural Seringal Triunfo, Ekinox, Lote Urbano, Retiro Boa Esperança e Retiro Paraíso. Assim, os PNMT e PNCO poderiam funcionar, no futuro, como áreas núcleo de ecoturismo numa perspectiva de circuitos integrados regionais, num mosaico complexo de áreas protegidas. Segundo o relatório, o elevado grau de preservação da cultura local poderia também representar um dos pontos de maior interesse potencial para o turismo, como reflexo da miscigenação de hábitos e costumes ao longo da história, entre negros, indígenas e ribeirinhos, expressos na culinária, na língua, no artesanato e no modo de vida. Com este enfoque alguns atrativos poderiam ser potencializados e integrados ao roteiro ecoturístico, como a Comunidade Negra Quilombola de Curiaú, a Fortaleza de São João e o Trapiche RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO 12 13 em Macapá, as minas abandonadas de manganês da Serra do Navio, alem do artesanato e da culinária local. No entanto, o relatório pouco detalha ou discute a influencia francesa e a importância histórica da área dos parques nacionais como um valor agregado e valorização local das estratégias regionais de turismo. O relatório explicita claramente a limitação de infraestrutura turística, serviços e equipamentos como um problema emergencial a ser equacionado para o desenvolvimento do turismo no Estado. Na época dos levantamentos (2002), foram registrados 39 equipamentos de hospedagem e, um total de 1.621 leitos.13 A maioria, muito simples, com até 20 unidades habitacionais e administração familiar. Como equipamentos de alimentação, o relatório quantificou 133 com oferta bastante limitada.. No setor de entretenimento, a maior parte das alternativas está concentrada em Macapá. Segundo o mesmo documento, a divulgação turística e, os serviços, em geral, são precários e, a maior parte está concentrada em Macapá. Da mesma forma, o Estado é pouco conhecido pelas agências de viagem nacionais e internacionais mas representa um produto que, em geral, desperta o interesse segundo a pesquisa realizada. O relatório propõe para o desenvolvimento do turismo no Estado uma estratégia dirigida especificamente para a observação de fauna, em função da base de recursos renováveis de grande diversidade e abrangência, um roteiro para o mercado externo e cinco roteiros para o mercado interno. No entanto, para se pensar o turismo regional, fortemente centrado em sua potencialidade natural e cultural, é fundamental que se contextualize o contexto do país e o tema, no âmbito de políticas públicas em curso, também na esfera federal. Alem do PROECOTUR e do ARPA (Programa Áreas Protegidas para a Amazônia, que tendem a apoiar estratégias regionais integradas de Criado em 1998, com uma superfície territorial de 143.453,7 km2. e uma população de 457.843 habitantes em 2000 (IBGE, 2000), com crescimento populacional de 5,74% ao ano Com maior concentração em Macapá, Santana e Oiapoque, a maioria, muito simples, com até 20 unidades habitacionais e administração familiar. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 45 conservação da biodiversidade e uso sustentável de recursos renováveis, está em fase de conclusão a revisão das Diretrizes para a Política Nacional de Ecoturismo (EMBRATUR/IBAMA, 1994)14 como resultado de um esforço conjunto entre os ministérios de Turismo e o de Meio Ambiente (MMA/Ministério do Turismo, 2004 ).15 Uma importante inovação da revisão das Diretrizes para a Política Nacional de Ecoturismo, se refere à compreensão de que o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, criado pela Lei 9985/2000 (BRASIL, 2000) representa um elemento central a ser inserido nas políticas de turismo. O documento identificou as seguintes estratégias para o planejamento do ecoturismo em âmbito nacional: a) Ordenamento, Normatização, Regulamentação e Monitoramento; b) Informação e Comunicação; c) Articulação; d) Envolvimento da Comunidade; e) Capacitação; f) Incentivos ao desenvolvimento do ecoturismo; g) Infraestrutura; h) Promoção e Comercialização e; i) Unidades de Conservação. Da mesma forma, encontra-se no Gabinete da Casa Civil para as providências jurídicas o Plano Nacional de Áreas Protegidas com um forte compromisso de articulação institucional, transversalidade e inclusão social. Assim, o ecoturismo no Estado do Amapá poderá se beneficiar, desde as etapas iniciais, de uma base de planejamento, também em articulação com as políticas do Governo Federal. 4. Turismo Sustentável: Uma discussão possível no caso amazônico? O Brasil representa, no cenário e nas estatísticas internacionais, ainda um destino emergente, de impacto reduzido nas estatísticas globais. No entanto, o fenômeno turístico adquire um impacto progressivo na economia do país e se apresenta, no discurso político, como prioridade para a inclusão social e para valorização do patrimônio natural, numa nova perspectiva de desenvolvimento, que pretende sintonizar o crescimento econômico à conservação dos recursos renováveis e à redução das 46 desigualdades sociais. Esta concepção parece representar um esforço na direção da perspectiva global de sustentabilidade, cultivada a partir da Rio 92, e que teve influencia direta na formulação do conceito de turismo sustentável e, inspirou a Agenda 21 do Turismo e do Código de Ética para o Turismo (IRVING, 2002 b). Evidentemente que essa discussão ganha, gradualmente, os espaços das políticas públicas, mas a experiência em planejamento turístico tem demostrado que, na verdade, existe uma enorme lacuna entre a teoria e a práxis e, as experiências consideradas bem sucedidas, tem abrangência ainda limitada e caráter experimental. O planejamento turístico, de base sustentável, requer, por princípio, um compromisso ético, de respeito e engajamento de “quem está” e de “quem vem”, um intercâmbio real entre os sujeitos “que recebem” e os que “são recebidos” e, destes, com o ambiente no qual interagem. Sem esta interação harmoniosa, a troca de valores não se efetiva e o “espaço da interação” ganha contornos apenas circunstanciais. Essa afirmação é ilustrada com maior alcance quando se discute o turismo na região amazônica, de grande impacto no imaginário coletivo mas submetida a restrições sócio econômicas e de acesso (em termos logísticos e operacionais) e de custo. No caso amazônico, “quem está”, atrai o imaginário coletivo, mas está freqüentemente excluído e distante de sua própria autonomia, no processo de tomada de decisão. E “quem vem” não parece ter ainda um rosto definido, e representa, portanto, um “sujeito oculto”, de motivações desconhecidas de uma realidade externa à região. Mas talvez chegue fascinado pelo exótico amazônico que não Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA sabe definir, mas que precisa reproduzir no seu cenário urbano, para preencher as lacunas de seu cotidiano, na materialização do “mito moderno da natureza intocada” (DIEGUES, 1996). Evidentemente que este turista, que busca a Amazônia distante como destino tem um perfil particular que precisa ser interpretado, no momento em que estratégias turísticas para a região são desenhadas e/ou discutidas. Mas em que medida esse “sujeito oculto”, em tese, ávido por experiências enriquecedoras e contato profundo com a natureza se diferencia dos “bandos” que invadem locais turísticos, e que deles se apropriam e se afastam, com a mesma falta de cerimônia em que chegaram? Elouard (1998) lança uma interessante questão sobre esse tema que merece ser transposta para a reflexão em foco. O autor questiona se existe uma “arte de viajar”, que distingue o turista cultivado solitário ou em pequenos grupos “do aventureiro ávido de “bons planos” ou “daquele bando, de umas 50 cabeças”, que se beneficia de uma “super promoção”? Segundo Elouard (op. cit.) os “bandos” tendem a viajar, muito mais para confortar e reafirmar a opinião que tem de seu próprio mundo do que para apreciar um outro. Assim, estes “permanecem” no lugar de origem, cultivam seus valores e querem reproduzir os mesmos hábitos, apesar do deslocamento que empreendem. Por outro lado, aqueles que se dispõem a enfrentar condições imprevisíveis de viagem e alcançar a realidade distante como forma de encontro com a alteridade, podem ser importantes parceiros num processo de fortalecimento da identidade local. Um tema portanto essencial a ser investigado para o planejamento turístico local, se dirige ao perfil do turista (atual e proje- 14 O Plano Nacional de Turismo 2003/2007 é um instrumento essencial de políticas de turismo mas não será detalhado nesta análise, de caráter mais regional. 15 A atualização das Diretrizes para a Política Nacional de Ecoturismo, que completou 10 anos em 2004, foi o resultado de um esforço interinstitucional e envolveu vários segmentos da sociedade civil, governo, setor privado, pesquisadores e profissionais de turismo. O trabalho foi coordenado pelo Grupo temático de Ecoturismo da Coordenação Geral de Segmentação, do Depto de Estruturação, Articulação e Ordenamento Turístico da Secretaria Nacional de Políticas de Turismo, do Ministério do Turismo, a partir de 5 oficinas, realizadas entre junho e novembro de 2004, em cinco regiões brasileiras, em parceria com o Programa Nacional de Ecoturismo, da Secretaria de Políticas para o Desenvolvimento Sustentável-SDS do MMA. O processo envolveu 206 profissionais. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO tado) numa projeção consistente de cenários. Além dos altos custos envolvidos num deslocamento à Amazônia e às dificuldades evidentes de acesso, que restringem e selecionam o perfil do turista, existe alguma estratégia de planejamento que garanta que o turismo à Amazônia poderá se configurar como uma alternativa sustentável e diferenciada? Sob essa ótica, é essencial que se entenda a atração da Amazônia conectada à leitura do exotismo tropical e da floresta virgem. Segundo Quella-Villéger (1998), o exotismo representa “a relação orientada do Ocidente na direção do resto do globo, a tensão do indivíduo face à heterogeneidade do mundo”. Assim, a Amazônia, para o turismo, tenderá a resignificar num cenário ainda distante, o mito moderno da natureza intocada, conforme a discussão de Diegues (1996). Este parece ser o contexto de interpretação para os parques nacionais Montanhas de Tumucumaque e Cabo Orange, encravados numa região “ultraperiférica”, em “efervescência silenciosa”, para os quais o acesso é ainda limitado, mas que, ironicamente, situam-se em fronteira direta com a União Européia e se configuram como áreas protegidas estratégicas para a gestão da biodiversidade global. Embora o turismo não seja ainda uma realidade na região, a base de recursos renováveis do Amapá (neles incluídos os parques nacionais Montanhas de Tumucumaque e Cabo Orange) constitui, evidentemente, uma forte inspiração para roteiros integrados futuros, de grande potencialidade para a região mas que poderá atrair mercados emissores de fora do país, prioritariamente europeus, numa conexão turística direta entre a Europa e a Amazônia. Embora o desenvolvimento turístico na área dos parques e seu entorno possa se configurar ainda como uma hipótese surrealista ou uma ficção, ela precisa ser interpretada sob a ótica de território “em transe silencioso”, no qual será a cooperação com a Guiana francesa e com o Suriname para a gestão da biodiver- sidade e o desenvolvimento regional (incluindo circuitos integrados de turismo), a médio e longo prazos, essencial para qualquer estratégia governamental. Embora os parques se insiram na “ultraperiferia” amazônica (MASTEAU, 1997), o cenário regional indica transformações evidentes no processo de desenvolvimento, de impacto global, capazes de interferir na lógica de uso e ocupação do espaço de fronteira e, assim, na pressão sobre a base de recursos renováveis e, conseqüentemente, nos mecanismos de cooperação internacional. Esse “transe silencioso” é lento e tende a escapar dos olhares desatentos das distantes metrópoles e centros de decisão, o que torna a região ainda mais interessante como “laboratório” para a gestão da biodiversidade e o desenvolvimento regional em área de fronteira, uma vez que os mecanismos para a proteção da natureza e inclusão social podem ser, em tese, discutidos e aprimorados anteriormente à pressão das atividades humanas, que tende a ser crescente, pelo cenário observado. (IRVING, 2005). Ainda são incipientes as discussões no sentido de estratégias de cooperação internacional com os países vizinhos e o turismo ainda se constitui em tema periférico em qualquer fórum oficial. Nesse quadro, não menos flagrante é o distanciamento ainda evidente da pesquisa e das políticas públicas dirigidas à conservação da biodiversidade e o desenvolvimento entre os governos brasileiro francês e, destes com o Suriname e a Guiana, ainda que a realidade socioeconômica e os ecossistemas extrapolem as fronteiras políticas. No plano regional, a criação do Parque Nacional do Sul da Guiana, em discussão há aproximadamente 10 anos16 e, prevista para 2006 (NAVET, 1998; CHARLES-DOMINIQUE, 1998; FLEURY, 1998; LEPÊTRE, RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO 16 17 18 1998; PREFECTURE DE LA RÉGION GUYANE, 2003), em território contíguo ao PNMT (confirmada, em discurso oficial do Presidente Jacques Chirac, em Janeiro de 200517), pode representar um impulso nas estratégias regionais para a gestão da biodiversidade e, conseqüentemente para a cooperação Brasil-França. Não é possível também desconsiderar o diálogo direto entre o Estado do Amapá e o Governo Regional da Guiana francesa. Alguns projetos ocupam a pauta central de discussões e estão em real processo de negociação e implementação, entre estes, a pavimentação integral do sistema viário que estabelece a ligação entre Caiena e Macapá e, a construção da ponte entre Saint Georges e Oiapoque, interligando diretamente Brasil e Guiana Francesa. Em curso, encontra-se também a negociação do Governo do Estado com a rede internacional de hotéis Accor18, para a construção de um hotel de alto nível em Macapá, até 2006/2007, o que poderá favorecer a base para circuitos turísticos regionais, envolvendo diretamente Caiena, Macapá e Belém e, num segundo plano, Manaus e as Antilhas. Este processo poderá ter ainda maior alcance com o fortalecimento progressivo da Base Aeroespacial de Kouru, num cenário de aumento demográfico progressivo e, o evidente crescimento da visitação turística e/ou de negócios, em ambos os lados da fronteira (MASTEAU, op. cit. e GOVERNO DO AMAPÁ, 2004). Os parques nacionais de fronteira do Amapá representam a memória histórica de um “território em transe”, de elevada importância ecológica e geoestratégica. Na perspectiva francesa, Barbault (1998) propõe uma ação e uma abertura para a cooperação com os países vizinhos, em especial o Brasil, para a pesquisa e a política de formação de recursos humanos, num contexto amazônico global. O autor sugere também que o futuro Parque Esse debate ilustra uma polêmica central no debate amazônico, que considera o confronto entre as perspectivas ecocêntrica e antropocêntrica na leitura da natureza. Discurso proferido na Conferencia Internacional sobre Biodivesidade, Ciência e Governança (UNESCO) em Paris em 24 de janeiro de 2005. Informação obtida em conversa com Alberto Gois em novembro de 2004. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 47 Nacional do Sul da Guiana funcione como inspiração para uma Reserva de Biosfera, o que viabilizaria a proteção da natureza e o uso sustentável dos recursos renováveis.. Uma Reserva de Biosfera transfronteiriça, poderia ter como núcleos o Parque Nacional Montanhas de Tumucumaque e o futuro Parque Nacional do Sul da Guiana e, envolver os demais espaços protegidos da região, num exercício efetivo de cooperação binacional. No entanto, qualquer política de cooperação regional deve considerar o Tratado de Cooperação Amazônico19, conforme também discutido por Brackelaire (1998) que advoga uma maior inserção da Guiana no processo. 20 Segundo o autor, a temática de conservação e gestão da biodiversidade da Guiana se insere num contexto regional muito mais amplo, no qual intervêm oito países amazônicos, vizinhos diretos ou indiretos da Guiana Francesa, sendo o principal parceiro o Brasil, com fronteira comum de 655 km. Vale lembrar que o Brasil é o país com maior extensão de fronteira direta com a França. Não menos significativo é o momento político-institucional atual, em que França e Brasil se mobilizam para operacionalizar as suas políticas de biodiversidade e suas estratégias globais para a gestão dos espaços protegidos, sendo que ambas as políticas se sustentam na lógica da gestão da biodiversidade com o enfoque de desenvolvimento regional e uso sustentável dos recursos renováveis. (IFB, 2003 a e 2003 b; BRASIL, 2000 a e b; BRASIL, 2002; IRVING, 2004 e MMA, 2004 b e c). Para os dois países, a oportunidade de intercambio cultural, de produção científica conjunta, de inovação, de conhecimento compartilhado e de construção de um novo modelo de cooperação internacional, baseado no princípio de solidariedade entre países, baseado numa perspectiva ética de desenvolvimento. Nesse movimento possível, em busca da cooperação Brasil-França, alguns avanços político-institucionais estão em curso. Além de uma base legal formal e histórica entre os 48 dois países 21, para a área temática de gestão da biodiversidade e desenvolvimento sustentável, foi assinado entre o Ministério de Meio Ambiente do Brasil e o Ministério de Ecologia e do Desenvolvimento Sustentável da França um Memorando de Entendimento, em outubro de 2004 (MMA, 2004 c) buscando, entre outros objetivos, cooperar em projetos ambientais e de desenvolvimento sustentável ajustados às demandas e prioridades políticas de meio ambiente dos dois países e, em especial, na região de fronteira Guiana francesa/Amapá, no sentido de fortalecimento das ações de cooperação regional. Como desdobramentos deste Memorando de Entendimento, foram realizadas reuniões oficiais entre os dois países em Brasília (abril de 2005), Macapá (Novembro de 2005) e Caiena (dezembro de 2005), que geraram como resultado as bases de um Plano de Ação, em quatro temas prioritários: Articulação político-institucional, fiscalização, pesquisa e desenvolvimento local. Com relação ao desenvolvimento local, encontra-se em fase de elaboração um projeto conjunto de desenvolvimento turístico entre o Parque Natural Regional da Guiana francesa e o Parque Nacional do Cabo Orange como primeira iniciativa com este objetivo. No entanto, o turismo regional só poderá ser competitivo, no plano internacional e, inclusivo, no cenário local, se estiver associado a um diferencial de qualidade social e ambiental, tendo como marca a cooperação Brasil-França e toda a sua significação cultural e identitária no contexto amazônico. Sem este resgate e a percepção do valor geoestratégico regional, o desenvolvimento turístico tenderá a reproduzir os modelos do exotismo tropical, nos quais os compromissos de inclusão social estão no discurso mas rara- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA mente se materializam na prática. Nesta perspectiva, o valor agregado em planejamento se expressa pelo fato de que a potencialidade turística da região não responde ainda a investimentos em infraestrutura de curto prazo, e tende a se consolidar como alternativa de desenvolvimento apenas a médio e longo prazos, o que poderá contribuir para a possibilidade de capacitação local e estratégias diversificadas de desenvolvimento local, nas quais o turismo representa apenas uma das possibilidades. Neste cenário real entre o surrealismo e a invenção, o turismo emerge como potencialidade futura, numa nova perspectiva de integração regional com base na valorização de patrimônio natural e cultural, e como mecanismos possível de construção de cidadania global. Referências BARBAULT, R. 1998. Conserver et gérer la biodiversité en Guyane : Quelle stratégie pour la recherche ? JATBA, Revue d’Ethnobiologie, vol 40 (12) : 207-217. BECKER, B. 2005. Amazonia : geopolítica na virada do milênio. Rio de Janeiro: Garamond, 2004. BRACKELAIRE, V. 1998. Dynamiques amazoniennes autour de la Guyane. Revue d’Ethnobiologie, vol 40 (1-2) : 635646. BRASIL. 2000 a. Lei 9985, que regulamenta o art. 225, Parágrafo 1º, Incisos I,II,III e IV da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação e d’’a outras providências. Brasília. BRASIL. 2000 b. Decreto 4.340, que regulamenta artigos da Lei no. 9.985, que dispões sobre o Sistema de Unidades de Conservação e dá outras providências. Brasília. BRASIL. 2002. Decreto No. 4.339, que institui princípios e diretrizes para implementação da Política Nacional de Biodiversidade, Brasília. 19 Tratado estabelecido em 1978, envolvendo oito países amazônicos, tendo como um dos seus princípios a afirmação e a defesa da soberania de cada um dos países membros para a gestão e uso dos recursos naturais, neles compreendida a floresta amazônica. 20 Apenas recentemente está em discussão o status da França como país observador no Tratado de Cooperação Amazônico. 21 Esse quadro legal e institucional é bastante consistente e já data de mais de 35 anos, a partir do Decreto No. 63.404 de 10 de outubro de 1968 que promulga o Acordo Básico de Cooperação Técnica e Científica com a França, apoiado no Acordo Quadro de 28 de maio de 1996. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO CHARLES-DOMINIQUE, P. 1998. Parcs, reserves et structures de pritection de l’environnement en Guyane Française, le point de vue d’un ecologue. 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Departamento de Ciências Sociais Aplicadas PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E URBANO RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 49 O ECOTURISMO, O DESENVOLVIMENTO LOCAL E A CONSERVAÇÃO DA NATUREZA EM ESPAÇOS NATURAIS PROTEGIDOS: OBJETIVOS CONFLITANTES? Carolina de Andrade Spinola 1 Resumo Este artigo procura discutir a real contribuição do ecoturismo para o desenvolvimento local e a conservação do patrimônio natural em espaços naturais protegidos, através da análise dos resultados de alguns estudos realizados em alguns dos mais conhecidos “destinos verdes” da atualidade. Palavras-Chave: Ecoturismo, Desenvolvimento Local, Conservação da Natureza, Unidades de Conservação. Abstract This paper proposes an analysis of the real contribution of ecotourism to local development and nature conservancy in protected areas, thru the analysis of the experiences of some of the most known green destinies of nowadays. Key Words: Ecotourism, Local Development, Nature Conservancy, Protected Areas. As unidades de conservação têm se firmado como os espaços ideais e legítimos para a prática do ecoturismo nas últimas décadas. Isso ocorreu, em parte por serem os espaços que concentram a maior variedade de atrativos naturais relevantes e biomas/espécies animais preservadas, ao mesmo tempo em que são consideradas o lócus de uma exploração sustentável da atividade, tendo em vista a existência de um aparato legal e administrativo que, ao menos teoricamente, assegura limites à sua utilização. No âmbito desses espaços, a discussão sobre o binômio ecoturismo/ 50 desenvolvimento local introduz alguns aspectos específicos, relacionados com a sua condição de unidades de conservação: a concentração massiva de oferta complementar e fluxos de demanda intensos concorrendo com os usos tradicionais e históricos da área; a existência de restrições, em maior ou menor escala, à sua utilização, por atividades econômicas e populações autóctones; os conflitos institucionais relacionados com a sua administração e a necessidade de conhecimentos técnicos específicos de manejo que assegurem a sua sustentabilidade. Outro questionamento importante para se fazer nesse momento é a quem beneficia o desenvolvimento do ecoturismo em espaços protegidos. Aos próprios espaços e seu patrimônio natural? Às comunidades autóctones? Ao governo central? Aos turistas? ou aos mercados emissores, através do recebimento de parte das receitas de sua operação? O presente artigo pretende, a partir da análise das experiências de alguns destinos ecoturísticos consagrados, responder a essas indagações. De início, far-se-á uma análise das possíveis interações entre ecoturismo e Unidades de Conservação, considerando seus aspectos econômicos, ecológicos e sócio-culturais. Em seguida, introduz-se uma discussão muito controversa no tocante à questão da busca pelo desenvolvimento local nesses espaços: o papel das populações tradicionais. Por Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 1 fim, relacionando todos os elementos levantados, e à luz das da definição de desenvolvimento local sustentável, analisar-se-á quem são os grandes ganhadores e perdedores desse processo e possíveis alternativas de mudança nesse cenário. Custos e benefícios do turismo em Unidades de Conservação Não são numerosos os estudos sobre o impacto do ecoturismo no ambiente específico das unidades de conservação. Normalmente, os trabalhos que objetivam analisar as externalidades da atividade o fazem de uma maneira geral, abrangendo mais elementos do que aqueles presentes em espaços protegidos. Por outro lado, os estudos relativos a unidades de conservação tratam de todos os tipos de ameaças decorrentes do uso econômico da área, inclusive o ecoturismo. Da interrelação entre essas temáticas e consulta a publicações da OMT, obteve-se o elenco das variáveis abordadas nessa seção. Diferentemente da análise que é comumente feita em relação ao turismo convencional, o estudo dos impactos do ecoturismo em Unidades de Conservação deixa para um segundo plano as implicações de ordem econômica e social, se concentrando no levantamento e monitoramento de externalidades negativas, relacionadas com variáveis ambientais a exemplo de vegetação, fauna, solo e recursos hídricos. (MORSEL- Doutora em Geografia (Concentração em Análise Territorial e Planejamento do Turismo) pela Universidade de Barcelona – ES. Professora titular do curso de Turismo da Universidade Salvador – Unifacs; das Faculdades Jorge Amado e da Faculdade Castro Alves. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Quadro 1 – Principais impactos ambientais negativos gerados pelo turismo em unidades de conservação Fonte: Autores referenciados. Elaboração própria. LO, 2001, MATHIESON;WALL, 1990; OMT,1992; PAGANI et al., 1999; THORSELL, 1984; SERRANO, 2001). Os principais impactos negativos listados na bibliografia de referência podem ser melhor visualizados no quadro 1. A vegetação é um dos atrativos principais de muitas unidades de conservação e, apesar de se constituir em um recurso turístico primário, quase todas as atividades recreacionais desenvolvidas pelos visitantes trazem algum tipo de impacto sobre ela, como mudança na quantidade e variedade de espécies, índices de crescimento e estrutura cronológica e diversidade de habitats. Em relação à utilização de madeira por campistas e em construções turísticas, Wall e Wright (1977) destacam o perigo que essa prática pode trazer para a sobrevivência de bosques e florestas que têm árvores muito jovens arrancadas e não repostas. Lindberg e Hawkings (1993) contabilizaram que, no Nepal, uma expedição padrão de 2 semanas gasta 8 mil Kg de madeira enquanto na lareira convencional das casas, gastase 5 mil Kg/ano. Os incêndios verificados nas UC´s devem-se, em sua maioria, a ações outras que a prática de atividades recreacionais mas, não se pode ignorar o perigo representado pelas fogueiras de acampamento acendidas em locais inapropriados e de maneira inadequada ou o dano que pode ser causado por restos de RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO cigarros displicentemente jogados em áreas cuja vegetação seja muito seca. Mathieson e Wall (1993) destacam esses como alguns dos fatores responsáveis pelos incêndios em parques da Califórnia e Austrália. A exclusão de vegetação pode atingir, além da madeira, outras formas de extração vegetal como a exploração de frutos, plantas medicinais, ornamentais, forrageiras, folhas, bambus e fungos. Essa ação pode ser atribuída à comunidade local ou ao turista, que, direta ou indiretamente colabora para a permanência do problema, colhendo “mudas” de plantas ou alimentando o comércio de artesanato elaborado com base nesses materiais. Uma boa forma de resolver essa questão é atra- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 51 vés da criação de reservas extrativistas e regulamentação da exploração vegetal, restringindo-a àquelas espécies que podem se regenerar e determinando quotas máximas e períodos em que a atividade é permitida. Embora aconteça em uma escala infinitamente inferior à exclusão, a introdução de espécies exógenas também é um problema que pode resultar em desequilíbrio do ecossistema e aflige os administradores de unidades de conservação. Morsello (2001) destaca que dentre as espécies vegetais sob perigo de extinção, 18% são ameaçadas por espécies invasoras. A autora alerta para o caso específico das ilhas, ambientes isolados em que os efeitos danosos da introdução de novas espécies podem ser desastrosos. Esse é o caso do arquipélago de Galápagos, em cujo parque nacional, o zoneamento impede a visitação da maioria das ilhas desabitadas, onde a introdução de espécies exógenas seria capaz de pôr em risco as espécies endêmicas singulares do local, que evoluíram com tão poucas ameaças e proporcionaram a Darwin o cenário ideal para o desenvolvimento de sua teoria sobre a evolução das espécies. A administração do parque já pensa em medidas para evitar esse problema, através do estabelecimento de quarentena para as mercadorias que chegam e inspeção de passageiros, inclusive com a descontaminação dos seus sapatos. (WALLACE, 1993) Finalmente, ainda relativo à vegetação, o pisoteio das raízes e utilização do tronco das àrvores como apoio nas passagens mais difíceis das trilhas são procedimentos muitas vezes recomendados pelos guias mas, que ameaçam a sobrevivência desses indivíduos. Westhoff (1967 apud WHELAN, 1991 ) constatou esse fato estudando as sequóias da Califórnia. O lixo é um outro fator que, além do aspecto estético desagradável e da atração que exerce sobre insetos e roedores, contribui para a alteração da estrutura do solo, bloqueando a passagem da luz e do ar. Glick (1991) e Whelan (1991) alertam para os prejuízos causados pelo lixo deixado pelos visitantes no Parque Nacional de Yellowstone2: 52 Os gêiseres Minute e Ebony, na base Norri, no Parque de Yellowstone, cessaram suas erupções porcausa do lixo depositado em suas bocas (GLICK, 1991, p. 65). A remoção de fauna, assim como acontece com a exclusão de vegetação, é uma externalidade para a qual contribuem principalmente os moradores locais, estimulados pelo valor atribuído a esses animais pelos visitantes. Em uma pequena parcela dos casos, pode-se falar em atividades de caça e pesca realizadas pelos turistas, notadamente nas reservas da África, de maneira clandestina, mas é adquirindo artesanato e consumindo pratos típicos elaborados com esses animais, que o seu impacto é maior. Em Fernando de Noronha, no Brasil, a caça aos tubarões foi incrementada com o objetivo de extrair a sua cartilagem para a produção de bijouterias. No Caribe, os visitantes compram jóias feitas com coral negro e outros espécimes raros. (WHELAN, 1991). Os turistas também interferem na dinâmica social das espécies animais e, em alguns casos chegam até a alterar os seus hábitos alimentares A maioria dos relatos a respeito dessa interação turistas x fauna silvestre referem-se a exemplos africanos e norte americanos, onde o efeito da visitação já é perceptível principalmente no comportamento de grandes predadores. Gray (1973) ressalta, por exemplo, que o interesse dos turistas que fazem safári nos parques africanos em observar o momento da captura de uma presa por um predador, ao mesmo tempo que se constitui no auge da experiência para o visitante, mina a privacidade dos animais observados e frustra seu intento. Olindo (1991) também alerta para o impacto dos balonistas sobre as manadas de elefantes do Parque Nacional do Serengeti; Glick (1991) relata a mudança no comportamento dos coiotes, que ficaram mais agressivos após se acostumarem a ser alimentados pelos visitantes. O mesmo efeito foi percebido por Whelan (1991) com os ursos de Yellowstone. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 2 No que diz respeito à poluição da água, engloba-se nesse item o despejo de esgotos de empreendimentos turísticos em rios e mares, a contaminação da água pelo combustível de veículos de passeio como jetskis, lanchas, etc; e, menos citados mas, igualmente preocupantes, o dano de longo prazo causado pela contaminação de riachos e córregos pela gordura dos utensílios domésticos lavados em água corrente pelos campistas e por dejetos humanos depositados inapropriadamente. Glick (1991) revela que esse é mais um dos problemas vivenciados pelo Parque de Yellowstone, onde já se constatou a presença de parasitas do tipo giárdia nas águas dos lagos. Há também outros tipos de poluição que não são citados por todos os autores como a poluição visual e auditiva lembrada por Mathieson e Wall (1990). Elas se dão, principalmente, através da utilização de letreiros, luminosos e/ou construções pintadas com cores chamativas e, no segundo caso, através do comportamento descompromissado dos visitantes e de alguns agentes da oferta que recorrem a aparelhos de som e não se preocupam em manter um mínimo de silêncio durante passeios a áreas mais isoladas das UC´s. Quando se procura listar as conseqüências positivas oriundas da exploração da atividade, encontrase sempre uma argumentação de cunho econômico, que justifica a sua existência em função dos ganhos obtidos pelas reservas e pelas comunidades. Raramente se discute sobre benefícios ambientais que, embora menos freqüentes do que os impactos apresentados, podem ter alcance considerável em um contexto de desenvolvimento planejado. Basicamente, pode-se trabalhar com dois aspectos mais genéricos que são: a) os visitantes ajudam no processo de sensibilização política e social para a criação de leis e atração de investimentos que protejam esses espaços; b) o ecoturismo praticado dentro dos seus imperativos éticos contribui “Minute and Ebony geysers, at Norris Geyser Basin in Yallowstone Park, have ceassed erupting because of litter carelessly tossed in their mouths” (tradução própria). RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO para a melhoria da consciência ambiental de visitantes e moradores. Parte-se do pressuposto de que só se valoriza aquilo que se conhece e, nesse caso, o ecoturismo pode passar da posição de ameaça para a de instrumento de conservação.3 Os argumentos econômicos a favor do ecoturismo são inúmeros, bastante freqüentes em qualquer obra sobre o assunto e se resumem na possibilidade de auto-financiamento que a atividade traz para as UC´s, aliada à melhoria da qualidade de vida da comunidade local, que terá mais oportunidades de emprego e renda. Essa apologia aos benefícios econômicos do turismo, ou do ecoturismo, não é novidade e, como já foi objeto de inúmeros outros trabalhos, não tomará muito espaço desse artigo. Mas, todavia, faz-se necessário apresentar algumas experiências de espaços protegidos que reforçam o primeiro argumento e demonstram que a melhoria da qualidade de vida das comunidades locais está longe de ser resolvida mediante um simples aumento do fluxo de visitantes e da arrecadação das UC´s. Um dos maiores problemas enfrentados pelas UC´s e pelas economias locais é a centralização das operações turísticas em mãos de empresas estrangeiras que, preocupadas com a qualidade de seus serviços e a maximização dos seus lucros, subutilizam os recursos produtivos locais e, como conseqüência, têm um impacto econômico bem menos representativo do que se costuma considerar. No Nepal, onde os locais hospedam os caminhantes, apenas US$ 0,20 dos US$ 3,00 gastos diariamente pelos turistas ficam com as comunidades. De acordo com o autor, o problema maior são as operadoras estrangeiras que trazem seus suprimentos e guias e contratam poucos nativos para guiar seus grupos (PUNTENNEY, 1990 apud WHELAN, 1991). Das 32 operadoras de ecoturismo baseadas nos Estados Unidos (41% do total), 20 usavam guias locais; apenas 8 utilizavam agências ou gerentes locais, 6 usavam cozinhei- ros e 8 usavam motoristas da própria comunidade. Das 20 que alegaram usar guias locais, a maioria os trazia de grandes cidades (INGRAM; DURST,1987 apud WHELAN, 1991). Para Whelan (1991), um outro problema relevante é a distribuição dos recursos que ficam no país com a atividade: A economia nacional dos países receptores normalmente são mais beneficiadas do que as economias locais; um estudo concluiu que pelo menos 50% dos gastos dos turistas nos países em desenvolvimento ficam nesses países [...] entretanto, é pouco comum encontrar essas receitas canalizadas de volta para as comunidades locais ou, até mesmo, para o manejo das áreas protegidas que geraram essa receita 4 (WHELAN, 1991, p. 10). É o que também constata Olindo (1991) em relação aos Parques Nacionais do Quênia. Segundo o autor, em 1990, apenas US$ 7 milhões, dos US$ 350 milhões arrecadados com a atividade foram direcionados para o sistema de parques. A baixa repercussão econômica verificada nos casos relatados se deve, também, à existência de problemas relacionados com os altos níveis de corrupção e desorganização das estruturas administrativas desses espaços. Não é incomum que a gestão dos recursos arrecadados com a atividade fique centralizada em algum órgão burocrático, freqüentemente da administração federal, sobrecarregado com outras atribuições e/ou prioridades, o que quase sempre resulta no direcionamento da receita para fins outros que não a conservação da UC. Muitas vezes, o dinheiro arrecadado em uma unidade mais lucrativa é dividido com outros espaços protegidos, em um sistema de rateio nem sempre justo, como acontece em Galápagos: RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Embora a administração do Parque Nacional de Galápagos disponha de mais recursos do que outros parques do Equador, esses recursos são ainda muito modestos e limitam o investimento no quadro de funcionários, treinamento, equipamentos e infra-estrutura. A receita gerada com a cobrança de ingressos de 40 dólares pagos por turistas estrangeiros, bem como as taxas pagas pelos visitantes equatorianos e pelos operadores turísticos, ajuda a financiar outras áreas protegidas do Equador. (WALLACE, 1993, p. 100). Finalmente, a despeito de serem bastante discretos e muitas vezes estarem mascarados sob o argumento de que são uma conseqüência inevitável em um ambiente onde a presença do homem não é desejada e/ ou permitida, os impactos sócio-culturais somam-se às repercussões elencadas nesse capítulo e, ao mesmo tempo em que vitimam as comunidades autóctones, podem servir de estopim para deflagrar um movimento de reação desses moradores à implantação e conservação da UC. Aspecto muito pouco explorado na bibliografia consultada, os impactos sócio-econômicos são citados sempre sob a ótica das ameaças representadas pela presença de populações no interior dos espaços protegidos, enquanto que muito raramente, como no caso do trabalho da OMT(1992) e o de Diegues (1998) a relação inversa é destacada. Genericamente, considera-se que as comunidades locais são beneficiadas com a criação de infra-estruturas básicas e equipamentos de lazer, além de poderem desfrutar do intercâmbio cultural proporcionado pelo contato com pessoas diferentes, inclusive provenientes de outros países. A análise das interações que se estabelecem entre comunidade autóctone e os meios físico e biótico dos espaços protegidos implica em uma 3 Exemplos de casos em que o ecoturismo tenha contribuído para a mudança de conduta da comunidade podem ser encontrados na seção 3.3.2. 4 The national economy of the host country is likely to do substantially better than the local economy; one study found that at least 50 percent of tourist expenditures in developing countries are likely to stay in the country (…) however, it is unusual to find those receipts channeled back to the local communities or even to the management of the protected areas that generated the income. (Tradução Própria). Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 53 discussão mais profunda e polêmica, que envolve questões éticas, sociológicas e jurídicas, onde a sua própria existência e permanência são contestadas, conforme será abordado em seguida. As comunidades autóctones e o fenômeno turístico em Unidades de Conservação A presença humana causa impactos, quase sempre negativos, fato que justifica e fundamenta os argumentos contrários à permanência de comunidades autóctones dentro de espaços protegidos. Sabe-se que o objetivo das áreas protegidas, notadamente aquelas denominadas de proteção integral5 é a preservação de atributos ecológicos importantes, através da criação de redomas ou ilhas, onde a natureza pode permanecer intocada, longe da ação devastadora do homem. Essa concepção, conforme analisado anteriormente, surgiu com a criação dos primeiros parques nacionais americanos e se expandiu pelo mundo, tendo influenciado a classificação das categorias de UC´s existentes atualmente, quer seja no âmbito internacional ou no contexto do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) brasileiro. Esse entendimento da relação homem x natureza leva ao que a antropóloga Debra Bird Rose (apud MERCER, 2001) diz ser a “ encruzilhada dramática e lesiva” a que os humanos chegaram como espécie, ao enxergar-se como elemento estranho ao meio-ambiente. De acordo com Mercer (2001), ela se opõe a essa visão antagônica entre direitos humanos e ecológicos: uma oposição que, em última instância, é fatal tanto para o planeta quanto para a espécie humana. A mensagem rude de Bird é que não temos escolha senão atentar para a “sabedoria dos antigos” e prestar muita atenção às percepções das populações nativas sobre o funcionamento e o papel dos ecossistemas (MERCER, 2001, p.119). Diegues (1998) lembra que esse modelo de parques nacionais sem moradores para a preservação da vida selvagem sofreu duras críticas 54 tanto dentro como fora dos Estados Unidos, provenientes de correntes antropocêntricas, que defendem a consideração do elemento humano e ecocêntricas, como no caso do filósofo Baird Callicot (1991 apud DIEGUES, 1998) que alertava para a importância das populações humanas tradicionais do Terceiro Mundo na conservação da natureza. De fato, quando se analisa as relações de conflito e simbiose entre o homem e a natureza, em um contexto de uma unidade de conservação, ignora-se, com muita freqüência, que essa presença humana está composta por grupos diversos de pessoas, com interesses e costumes diferenciados. Pádua (1996) elenca a existência de dois grupos: as populações permanentes e transitórias que, por sua vez, subdividem-se em populações indígenas, populações tradicionais, caçadores, extrativistas, caboclos, madeireiros, agricultores, garimpeiros, mineradores, fazendeiros, população urbana, caçadores, grandes pescadores, comerciantes, missões religiosas, sem-terra, turistas e pesquisadores. Segundo a autora, “há gente e gente”, ou seja, deve-se considerar que há aqueles que não concorrem e, até mesmo impedem o objetivo da conservação enquanto, outros, notadamente as populações consideradas tradicionais, que podem vir a se transformar em aliadas efetivas das administrações das UC´s. Nesse contexto da discussão sobre a importância das chamadas populações tradicionais, é fundamental que se delimite a natureza desse grupo de pessoas e que se as diferencie dos demais habitantes dos espaços protegidos. As populações consideradas tradicionais se caracterizam por: a) dependência e até simbiose com a natureza, os ciclos naturais e os recursos naturais renováveis a partir dos quais se constrói um modo de vida; b) conhecimento aprofundado da natureza e dos seus ciclos que se reflete na elaboração de estratégias de uso e manejo dos recursos naturais. Esse conhecimento é Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 5 transferido de geração em geração por via oral; c) noção de território ou espaço onde o grupo social se reproduz econômica e socialmente; d) moradia e ocupação desse território por várias gerações, ainda que alguns membros individuais possam ter se deslocado para os centros urbanos e voltado para a terra dos seus antepassados; e) importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de mercadorias possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implica em uma relação com o mercado; f) reduzida acumulação de capital; g) importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e às relações de parentesco ou compadrio para o exercício das atividades econômicas, sociais e culturais; h) importância das simbologias, mitos e rituais associados à caça, à pesca e a atividades extrativistas; i) a tecnologia utilizada é relativamente simples, de impacto limitado sobre o meio-ambiente. Há reduzida divisão técnica e social do trabalho, sobressaindo o artesanal, cujo produtor (e sua família) domina o processo de trabalho até o produto final; j) fraco poder político, que em geral reside com os grupos de poder dos centros urbanos; k) auto-identificação ou identificação pelos outros de se pertencer a uma cultura distinta das outras. A crença de que as populações tradicionais podem se classificadas em uma outra categoria de análise quando se questiona a presença de moradores em espaços protegidos reside, principalmente, nas características a,b,h e i, listadas acima, refletidas nas atividades do fazer, do conhecer, das técnicas patrimoniais e do campo simbólico dessas comunidades. O convívio das populações tradicionais com o meio-ambiente é considerado de mais baixo impacto e, até mesmo, benéfico para os objetivos da conservação, como reforça Diegues, enfatizando a sua natureza: Denominação utilizada no Brasil para designar as UC´s de uso mais restrito, como os parques nacionais. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO a simbiose entre homem e natureza é muito mais evidente nas sociedades indígenas brasileiras, por exemplo, em que o tempo para pescar, caçar e plantar é marcado por mitos ancestrais, pelo aparecimento de constelações estelares no céu, por proibições e interdições. (...) Nesse sentido é importante analisar o sistema de representações, símbolos e mitos que essas populações tradicionais constroem, pois é com base nele que elas agem sobre o meio. (...) O imaginário popular dos povos da floresta , dos rios e dos lagos brasileiros, está repleto de entes mágicos que castigam os que destroem as florestas (caipira, caipora, mãe da mata, boitatá); os que maltratam os animais da mata (anhangá); os que matam os animais em época de reprodução (tapiora), os que pescam mais do que o necessário (mãe d´água) (1998: p.92). ora, grande parte das florestas tropicais e outros ecossistemas ainda não destruídos pela invasão capitalista é, em grande parte, habitada por tipos de sociedades diferentes das industrializadas, isto é, por sociedades extrativistas, ribeirinhos, grupos e nações indígenas. Muitas delas ainda não foram totalmente incorporadas à lógica do lucro e do mercado, organizando parcela considerável de sua produção em torno da auto-subsistência. Sua relação com a natureza, em muitos casos, é de verdadeira simbiose, e o uso dos recursos naturais só pode ser entendido dentro de uma lógica mais ampla de reprodução social e cultural, distinta da existente na sociedade capitalista (DIEGUES, 1998: p.79). E continua mais adiante: mas ainda mais importante, e menos reconhecido, o modo de vida sustentável nessas áreas de florestas e pobres em recursos é uma salvaguarda política contra a pilhagem e degradação pelos interesses econômicos comerciais e contra os ricos. Ao contrário do preconceito profissional popular, há evidência crescente que quando as populações pobres têm assegurados seus direitos à terra e a uma quantidade suficiente de bens para cobrir os imprevistos, elas tendem a ter uma visão de longo prazo, agarrando-se tenazmente à terra, protegendo e salvando árvores, assegurando-as para seus descenden- tes. Nesse sentido, sua perspectiva temporal é mais longa que a dos interesses comerciais, que visam somente os lucros do capital a curto prazo (CHAMBERS, 1987 apud DIEGUES, 1998, p.95). Até mesmo nos Estados Unidos, como comentado anteriormente, sabe-se, hoje, que os parques nacionais não foram implantados em áreas despovoadas. Yellowstone, por exemplo, foi criado no território dos índios Crow, Blackfeet e ShoshoneBannock, estes últimos vivendo durante todo o ano dentro dos limites atuais do parque. A necessidade de sair do parque nunca chegou a ser compreendida pelos índios remanescentes, como fica claro nas palavras do chefe Standing Bear, da tribo Sioux: nós não consideramos selvagens as vastas planícies abertas, os maravilhosos montes ondulados, as torrentes sinuosas. Somente para o homem branco a natureza é selvagem, mas, para nós, ela é domesticada. A terra não tinha cercas e era rodeada pelas bênçãos do Grande Mistério. (MCLUHAN, 1971 apud DIEGUES, 1998, p.28). Nos tempos atuais, a importância da discussão dessa questão se desloca para os países menos desenvolvidos, onde vastas áreas de ecossistemas relevantes são ocupadas por habitantes fixos. Morselo (2001) estima que 50% das áreas protegidas do mundo sejam habitadas e, que na América do Sul, essa participação chegue a 86%. Estudo realizado pelo Nupaub (VIANA et al, 1995) constatou que 83% dos parques nacionais implantados nos estados do Paraná, São Paulo, Espírito Santo e Rio de Janeiro possuem moradores em seu interior. De acordo com o Ibama (1997) essa participação é menor, embora igualmente preocupante, com 51% dos parques nacionais, 265 das reservas biológicas e 28% das estações ecológicas habitadas. Apesar de não se dispor de dados estatísticos precisos e mais recentes, sabe-se que esse quadro é preocupante no País. A consideração da natureza manos impactante dessas comunida- RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO des tem levado à construção de algumas propostas que cogitam sobre a possibilidade da sua permanência em suas moradias, desde que observe-se o que Bailey (1992) denomina de o estereótipo do “bom selvagem”, partindo do pressuposto de que essas comunidades devem permanecer imutáveis, alheias aos acontecimentos e transformações externas, principalmente no que se refere à sua relação com os recursos naturais. Freqüentemente se permite que as populações nativas (indigenous) permaneçam nas áreas protegidas desde que continuem “tradicionais” (...) (muitas vezes para aumentar seu valor turístico) enquanto o resto do mundo se transforma. A política de manejo para as reservas deve ser suficientemente geral e flexível para permitir variações nos estilos administrativos em relação aos grupos locais ao longo do tempo (BAILEY, 1992 apud DIEGUES, 1998, p.96). Além de reprovável eticamente, visto que interfere em direitos fundamentais dos seres humanos e reduz essas comunidades a um papel quase inanimado de atrativo turístico, essa condição é absurda pela impossibilidade de se evitar o inevitável. Como manter as populações tradicionais vivendo sob condições ancestrais, sem conforto e acesso às informações, ao mesmo tempo em que se fomenta a sua exposição ao público visitante e, conseqüentemente a modos de vida bastante diferentes dos seus? A propósito desse fato, inclusive, é pertinente ressaltar que para muitos moradores de espaços protegidos não é compreensível que o local possa ser visitado por forasteiros e que a comunidade, muitas vezes estabelecida há gerações, tenha que se retirar. Quando uma unidade de conservação é criada sem o suporte das comunidades que habitam o seu interior e as áreas vizinhas, o objetivo da conservação e o próprio ecoturismo estão fadados ao fracasso. Exemplos dessa afirmação infelizmente são bastante comuns, em países como a Índia, Costa Rica e Quênia, para não se falar apenas do Brasil. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 55 Whelan (1991) cita o caso do Projeto Tigre, na Índia, onde os parques nacionais foram criados sem envolver os membros da comunidade e sem oferecer-lhes opções econômicas que substituíssem o corte da madeira e a criação de gado. Como resposta, essas duas atividades econômicas nunca puderam ser extintas, continuando a existir dentro da área do parque, ameaçando o projeto. O mesmo autor relata que, na Costa Rica, há casos de incêndios e derrubada de árvores causados pelos vizinhos e moradores que não foram indenizados após terem tido suas atividades econômicas proibidas. Olindo (1991) nos apresenta o caso do povo Masai na Reserva de Masai Mara, no Parque Nacional do Serengeti, Quênia. De acordo com ele, os pequenos proprietários de terra locais, passaram a sentir-se menos importantes e privilegiados do que a fauna selvagem. Seus animais domésticos e fontes de água eram constantemente ameaçados pelos grandes mamíferos. Para enfrentar esse problema, os Masai resolveram construir cercas para isolar a vida selvagem e evitar o acesso dela às fontes de água em suas propriedades, o que causou uma diminuição no número de animais. Por outro lado, existem exemplos de experiências bem-sucedidas, em que a comunidade local se tornou importante aliada dos projetos de conservação, como no caso do Projeto Rara Avis, reserva particular localizada nas montanhas da Costa Rica. Whelan (1991) descreve o envolvimento dos locais na operação do projeto, provendo transporte, mantimentos para as expedições, alimentação e alojamento para os grupos. Ainda na Costa Rica, constatou-se que na comunidade de Tortuguero, no entorno do Parque Nacional de Tortuguero, mais de 70% das pessoas envolvidas com a atividade turística eram membros da comunidade local. Também em Belize procurou-se resolver o problema da retirada das populações tradicionais através da inserção dos moradores em atividades econômicas compatíveis que substituíssem a caça e a agricultura. 56 O Santuário da Vida Silvestre Cockscomb, citado por Lindberg e Hawkings (1993) ilustra bem esse processo, com o aproveitamento dos moradores desde em atividades tradicionais relacionadas com alojamento e alimentação até a venda de artesanato. De forma diferente, a KWS – Kenya Wildlife Service, tentou resolver o impasse estabelecido com o povo Masai: optou-se por cobrar uma taxa diária adicional de Us$ 10,00 para os turistas estrangeiros, cuja metade vai para um fundo administrado pelos Masai, que determinam o melhor uso dos recursos para a comunidade. No caso do Brasil, embora não existam estudos detalhados que analisem essa relação, sabe-se que a realidade não difere da dos países citados anteriormente. Para o Ibama e perante a Legislação Brasileira, a situação dos habitantes de unidades de conservação de proteção integral, notadamente dos parques nacionais, é ilegal, devendo ser resolvida através da desapropriação dos imóveis particulares e indenização dos posseiros pelas benfeitorias construídas (IBAMA, 1996). Contudo, Morsello (2001) identifica alguns sinais de mudança nessa postura radical do órgão. Em parte por incapacidade administrativa e, também, por restrições orçamentárias, a remoção dos habitantes das UC´s nunca foi possível. Com o passar do tempo, entretanto, ao passo em que os prazos legais para a remoção dos moradores iam se expirando, a administração do Instituto começou a sofrer influências do debate internacional que se estabeleceu sobre esse tema, tendo passado a admitir a relevância do tema e buscado encontrar soluções mais flexíveis para o problema. Um dos sinais mais claros dessa preocupação foi a criação de um grupo de trabalho interno, em 1992, Centro Nacional de Desenvolvimento Sustentado das Populações Tra- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA dicionais – CNPT6 com o objetivo de minimizar o impacto que as UC´s têm sobre a população local, partindo do princípio de que a maior agressão ao meio-ambiente é a miséria. A despeito de seu significado simbólico, o CNPT não conseguiu avançar muito além da criação das reservas7 extrativistas, enfrentando muitas resistências internas dentro da estrutura do próprio IBAMA. Em que pese a iniciativa da criação do CNPT, continuam existindo direcionamentos divergentes dentro da estrutura do governo, e as ações efetivas em prol das populações tradicionais acabam por direcionar-se unicamente para aquelas que habitam o entorno de áreas de proteção integral ou que estejam estabelecidas em unidades de uso direto.8 Em outras palavras, não existem indícios de que alguma mudança fundamental no tratamento da questão ocorrerá no curto ou no médio prazo e, considerando-se a incapacidade administrativa para aplicar a legislação vigente, subentende-se que, pelo menos essa ameaça, continuará existindo por muito tempo ainda nos espaços protegidos brasileiros. A análise do ecoturismo como uma ferramenta para alcançar o desenvolvimento local em unidades de conservação De todo o exposto sobre os casos analisados, conclui-se que, a despeito do forte poder desestruturante que pode exercer sobre comunidades e economias menos articuladas, a atividade, em sua essência, apresenta grande potencial para se transformar em uma ferramenta tanto da conservação como do desenvolvimento local dos espaços naturais protegidos e suas populações tradicionais. O ecoturismo é uma das poucas atividades em que a junção desses dois objetivos é clara e direta pois suas condições de produção são particulares a exemplo das poucas barreiras à entrada e a adoção de estraté- 6 Criado através da Portaria IBAMA N 22, de 10/02/92. 7 Até julho de 2004 haviam sido criadas 33 Reservas Extarativistas. 8 Unidades de conservação consideradas de uso sustentável, que admitem algum tipo de manejo econômico. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO gias artesanais que se traduzam na criação de uma oferta difusa e de baixa intensidade e na gestão local e personalizada dos recursos. O conceito de desenvolvimento local sustentável é uma derivação do próprio conceito de desenvolvimento, trabalhado pela Geografia e pelas Ciências Econômicas desde os seus primórdios e, mais recentemente, foi objeto das análises de Albuquerque (1997), Jordan e Zapata (1998), Valcarcel – Resalt (1998), Vazquez Baquero (1999a e 1999b), Rodriguez Gutiérrez (coord) (1999), Pérez Ramírez e Carrillo Benito (Coord) (2000). A relação entre turismo e desenvolvimento está presente nas obras de Rodrigues (1997), Benevides (1997), Souza (1997), López Palomeque (2000) e Irving (2002), enquanto as implicações específicas do ecoturismo em unidades de conservação são abordadas por Lindberg e Hawkings (org) (1995), Whelan (org) (1991), Wearing e Neil ( 2001), Fennel ( 2002) dentre outros autores consultados para esse estudo. Como visto, a definição do termo “desenvolvimento” passou por uma evolução conceitual ao longo do tempo, assumindo diferentes acepções que variaram do seu entendimento como sinônimo de crescimento econômico, depois incorporando parâmetros relacionados com o bem-estar das comunidades no que se convencionou chamar de desenvolvimento social ou sócio-espacial (SOUZA, 1997); e ainda, desenvolvimento sustentável, desenvolvimento local e endógeno, para citar apenas algumas das denominações mais utilizadas na produção científica sobre o tema. Para Perez e Carrillo (2000) o conceito de desenvolvimento local seria um novo enfoque do conceito de desenvolvimento, baseado no aproveitamento dos recursos endógenos (humanos, naturais e de infra-estrutura) ou, em suas palavras: estimular e fomentar o seu crescimento econômico, criar emprego, renda e riqueza e, sobretudo, melhorar a qualidade de vida e bem estar social da comunidade local (2000, p.48). O local é entendido como o espaço socialmente construído e onde se conformam comunidades e se constroem identidades (COELHO E FONTES, 1998). Em linhas gerais, a perspectiva do desenvolvimento local exige a integração do turismo, e do ecoturismo no caso específico desse estudo, de maneira compatível às condições físico-ecológicas, econômicas e sociais das unidades de conservação e suas áreas de entorno mais imediato, através de um processo de planejamento e gestão permanente e participativa da atividade, que privilegie a construção de um poder endógeno por parte das comunidades capaz de torná-las auto-gerenciadas e independentes. Contudo, esse não é um desafio fácil de ser vencido, ou melhor, trata-se, justamente, da condição mais difícil de ser alcançada, tendo em vista o baixo nível de instrução, informação e cidadania encontrados nas comunidades de áreas subdesenvolvidas do planeta, que são forçadas a se adaptar a uma nova realidade, muitas vezes não desejada. Considerando todas as externalidades levantadas e as dificuldades de gestão enfrentadas por esses espaços que, em sua maioria, continuam a reproduzir o modelo excludente dos parques nacionais norte-americanos, cabe questionar como, então, o ecoturismo pode contribuir para o desenvolvimento local das unidades de conservação? Alguns autores arriscam sugestões mas todos são unânimes ao concordar em pelo menos dois pontos: a) em que nenhuma ação pode excluir a população local, de acordo com o princípio da orien- aquele processo reativador da economia e dinamizador da sociedade local que mediante o aproveitamento dos recursos endógenos existentes em uma determinada zona ou espaço físico é capaz de RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO tação social defendida pela concepção de turismo sustentável, e b) na necessidade de planejamento para qualquer ação com esse propósito. Brandon (1993) esclarece que é importante que se atente para o tipo de participação comunitária que se buscará nesse processo. Com base em inúmeras experiências estudadas, ela diferencia dois tipos de abordagem: a beneficiária e a participativa. A primeira consistiria na cooptação passiva da população local, através da oferta de postos de trabalho, de eventuais consultas quanto às suas expectativas ou do repasse de recursos para a realização de ações comunitárias ou a título de remuneração compensatória em função de algum transtorno provocado pela iniciativa. Exemplos dessa abordagem são citados por Lindberg & Huber (1993) na Zâmbia, em Fiji e no Quênia e pela própria autora, no México9. Essa abordagem se assemelharia ao pagamento de uma esmola, que não conscientiza, não educa e não contribui para o desenvolvimento individual e da comunidade. Já a abordagem participativa, busca envolver as pessoas em seu próprio desenvolvimento através da mobilização do seu potencial. Que elas sejam agentes ativos, gerenciem os recursos, tomem decisões e controlem as atividades que afetam a sua vida, a exemplo do que ocorre com os modelos de co-gestão de parques nacionais adotados na Austrália. Mas, de acordo com Brandon (1993) a maior parte dos projetos de implantação ecoturística segue a abordagem beneficiária, o que não implica no verdadeiro engajamento e participação dos locais.10 É importante ressaltar que o modelo participativo de planejamento é mais difícil de ser implementado e demanda um horizonte temporal de longo prazo, quase sempre disso- 9 Na Zâmbia, o Programa de Administração de Äreas Comunitárias para Reservas Indígenas – CAMPFIRE, próximo ao Parque Nacional de Lwanga do Sul, distribui 40% dos recursos auferidos com os turistas para as comunidades vizinhas à área protegida. No Quênia, esse repasse é de 25%. Em Fiji, a metade dos ingressos para o Parque e Reserva Florestal de Tavoro são destinados ao desenvolvimento de projetos comunitários. 10 Para mais detalhes sobre a abordagem participativa ver o relato da experiência Annapurna, no Nepal em Brandon,(1993). Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 57 ciado do timing da dinâmica empresarial e dos meandros da legislação ambiental que implicam no alijamento das populações tradicionais do processo de planejamento dessas unidades. As experiências relatadas demonstram, portanto, que não é possível perseguir os objetivos da conservação da natureza e do desenvolvimento local, especialmente nas unidades de conservação localizadas nos países em desenvolvimento, sem atentar para as necessidades humanas de subsistência das populações que os habitam e, conseqüentemente, proceder-se a uma nova discussão sobre os modelos de gestão adotados nesses espaços e a sua capacidade de equacionar todas as variáveis derivadas do uso turístico desses espaços. A construção e o fortalecimento do capital social de uma comunidade não é um processo rápido. Deve observar as peculiaridades da sua cultura e respeitar a sua dinâmica própria. Ressalte-se, contudo, que a incorporação de inovações tecnológicas no tecido empresarial e produtivo local, constitui-se na estratégia mais direta e segura de obtenção do desenvolvimento local sustentável, através do turismo ou de qualquer outra atividade econômica que se pense implementar. 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Departamento de Ciências Sociais Aplicadas Curso de Ciências Econômicas (concentração em Economia Regional) CEMPRE – Centro de Estudos Empresariais UNIFACS – Universidade Salvador Prédio de Aulas 8 – Campus Iguatemi – Alameda das Espatódias, 915 Caminho das Árvores, Salvador, BA, CEP 41820-460 Tel.: (71) 3273-8557 – E-mail: [email protected] RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 59 CLUSTERS DE TURISMO: ABORDAGEM TEÓRICA E AVALIAÇÃO Sieglinde Kindl da Cunha. João Carlos da Cunha 1 2 Resumo Este artigo tem por objetivo problematizar teoricamente sobre a dinâmica de competitividade gerada pelas redes de cooperação e propor um modelo de análise de clusters de turismo a partir de um olhar multidisciplinar entre as áreas de conhecimento da sócio-economia, geografia-social e estudos de redes. Para atender a este objetivo, inicialmente o artigo apresentará o conceito de desenvolvimento local, o papel das redes de cooperação nos serviços turísticos e o potencial de formação de clusters com base no fortalecimento das relações de cooperação e interação entre os agentes e atores vinculados a um produto turístico. Em seguida, discutem-se os modelos de competitividade de um cluster turístico, contrapondo-se a abordagem de competitividade sistêmica (ALTENBURG, 1998) como resultado das interações nos níveis meta, macro, meso e micro, com a abordagem do diamante (PORTER, 1999). A partir da avaliação crítica dos dois modelos de competitividade sugerese um modelo alternativo que tem por objetivo avaliar as vantagens competitivas sistêmicas de clusters de turismo. Finalmente, destacam-se as vantagens e limitações do modelo e os possíveis resultado de aplicação em análises do desenvolvimento local de clusters. Palavras chaves: cluster de turismo, desenvolvimento local, competitividade. the cooperation networks and to propose a model for analyzing tourism clusters based on a multidiscipline approach, considering socioeconomy, social-geography and network analysis. This article will firstly introduce the concept of local development, the cooperation network‘s role on tourism services and the potential of clustering constitution derived from the strengthening of the cooperation and interaction relationships between the agents and players associated to a tourism product. Secondly the competitiveness models of a tourism cluster will be discussed opposing the Systemic Competitiveness approach (ALTENBURG, 1998) as a result of the meta, macro, meso and micro levels against the Diamond approach PORTER, 1999).An alternative model with the objective of evaluating the Systemic Competitive Advantages from tourism clusters is consequently suggested resulting from the critical consideration of both previous models. Lastly the advantages and limitations of the proposed model and the possible results of its employment on the analysis of local clusters development are demonstrated. Key words: tourism cluster, local development and competitiveness. Introdução O turismo nos últimos 50 anos vem se destacando como uma das atividades com maior potencial de expansão em escala mundial. A partir dos anos 80, a aceleração do processo de internacionalização e a abertura das economias nacionais provocam verdadeira explosão na atividade de turismo, sendo apontado como o segundo setor mais globalizado, perdendo em escala mundial somente para o setor financeiro (SILVEIRA, 2002). Os avanços tecnológicos do sistema de transporte e comunicações, com melhorias significativas da qualidade, redução do tempo e dos custos das viagens, o aumento do número de viagens de negócios e as conquistas sociais (férias remuneradas e finais de semana prolongado), tem atuado como acelerador do processo de crescimento e globalização do turismo. Pelo seu potencial de crescimento e por ser um produto que só pode ser consumido in loco, o turismo assume papel de destaque como estratégia de desenvolvimento local. A atividade do turismo tem sido o foco do planejamento regional tanto dos países desenvolvidos como em desenvolvimento, com papel relevante na definição de diretrizes, estratégias e ações governamentais de caráter intervencionista direcionada para reduzir as desigualdades sociais e regionais na busca de um desenvolvimento sustentável. O turismo como setor estratégico nos planos de Desenvolvimento Local, vem recebendo atenção especial da Organização Mundial do Turismo – OMT, com estudos e sugestões de Abstract 1 The main objectives of this article are to discuss the theory of the competitiveness dynamics generated by Doutora em Economia pelo IE/UNICAMP. Professora Sênior do Mestrado e Doutorado em Administração – CEPPAD –UFPR. skcunha unicenp.edu.br Skcunha brturbo.com.br 2 Doutor em Administração pela FEA/USP. Professor Titular do Departamento de Administração da UFPR. jccunha ufpr.br Jccunha brturbo.com.br 60 Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO modelos de planejamento (OMT, 2004). Este artigo tem por objetivo problematizar teoricamente a dinâmica de “clusterização” dos serviços turísticos e o potencial competitivo gerado pelas redes de cooperação e propor um modelo de análise de cluster de turismo, a partir de um olhar multidisciplinar entre as áreas de conhecimento da sócio-economia, geografia-social e estudos de redes. Para atender a este objetivo, inicialmente o artigo apresentará o conceito de desenvolvimento local, o papel das redes de cooperação nos serviços turísticos e o potencial de formação de clusters a partir da cooperação e interação entre os agentes e atores vinculados a um produto turístico. Em seguida, discute-se os modelos de competitividade de um cluster de turismo, a partir da visão de competitividade sistêmica (ALTENBURG, 1998), que considera a competitividade como resultado das interações nos níveis meta, macro, meso e micro, e da abordagem de competitividade do diamante de Porter (PORTER, 1999). A partir da avaliação crítica dos dois modelos de competitividade sugere-se um modelo alternativo que tem por objetivo analisar o potencial competitivo e os fatores propulsores do desenvolvimento de clusters de turismo. Finalmente na conclusão, destacam-se as vantagens e limitações do modelo e os possíveis resultado da aplicação do modelo em análises de desenvolvimento e competitividade de clusters de turismo. O primeiro aspecto que chama a atenção é a multidisciplinaridade (economia, sociedade e geografia social), como elemento chave para a construção social dos territórios, que ocorre através de redes de cooperação. Estas redes permitem explorar de maneira eficaz as eficiências coletivas e/ou desenvolver as economias externas nas relações sociais de produção. Este é um conceito que se aproxima do conceito de capital social que resulta da experiência associativa, dos laços de confiança, das competências e capacidades organizacionais e das configurações de caráter tácito ou institucionalizado que sedimentam relações interpessoais e interorganizacionais, passíveis de abordagem na ótica da construção social dos territórios (SILVEIRA, 2002, p. 239). O turismo possui um diferencial em relação as outras atividades produtivas, pois é um produto que só pode ser consumido in loco, estimula o desenvolvimento de outras atividades econômicas (comércio, transportes, meios de hospedagem, agências de viagens, artesanato, serviços de apoio), estimula o desenvolvimento da infra-estrutura (estradas, aeroportos, saneamento, energia, etc), depende da sustentabilidade cultural e ambiental e tem um forte efeito indutor na geração de renda e emprego local. MONFORT (2000, p. 46) propõe o seguinte conceito de cluster turístico, adaptado a partir do conceito de Aglomerações de Porter: O conjunto complexo de diferentes elementos, entre os quais se encontram os serviços prestados por empresas ou negócios turísticos (alojamento, restauração, agência de viagens, parques – aquáticos, temáticos, etc.); a riqueza que proporciona a experiência das férias de um turista; o encontro multidimensional entre empresas e indústrias relacionadas; as infra-estruturas de comunicação e transporte; as atividades complementares (dotação comercial, tradição em feiras, etc.); os serviços de apoio (formação e informação, etc.); e os recursos naturais e as políticas institucionais. 1 Redes de cooperação de serviços de turismo: potencial de formação de clusters A compreensão do processo de desenvolvimento local a partir de atividades turísticas, cria um campo de interlocução entre três áreas de conhecimento: a sociedade, o ambiente e a economia, que interagem e se reforçam mutuamente, em um contexto no qual a diversidade social e cultural e a diferenciação produtiva devem ser utilizadas como recursos potenciais na geração de transformações, de competitividade e de sustentabilidade. Enquanto Monfort destaca as características e os componentes de um RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO cluster, Beni em artigo publicado no ano de 2003, define cluster enfatizando a articulação entre os agentes e a cooperação através da formação de redes de empresas: Cluster turístico é o conjunto de atrativos com destacado diferencial turístico, concentrado num espaço geográfico delimitado dotado de equipamentos e serviços de qualidade, de eficiência coletiva, de coesão social e política, de articulação da cadeia produtiva e de cultura associativa, e com excelência gerencial em redes de empresas que geram vantagens estratégicas comparativas e competitivas (BENI, 2003, p.74) (Grifos nossos). Rodríguez Domínguez (2001, p. 307), afirma que ao se trabalhar com clusters no turismo torna-se necessário contemplar um nível geográfico reduzido, concreto, um destino turístico, onde se pode adquirir um número limitado de produtos turísticos. Nesta perspectiva,um cluster turístico define-se segundo os seguintes critérios: • existe um âmbito geográfico local, medido em função de conexões reais; • conforma relações comerciais, entendidas como a distância máxima que permite a um fornecedor servir adequadamente aos seus clientes e desenvolver outras atividades complementares, bem como muitos outros aspectos a exemplo da promoção, das escolas de formação turística, etc.; • contém infra-estruturas suficientes para toda a área; • dispõe de uma estratégia própria muito diferenciada, com características de oferta ou de demanda muito distintas em relação ao resto do território. Neste artigo desenvolvemos o conceito de que um cluster turístico está associado a um conjunto de empresas e instituições vinculadas a oferta de um produto ou um conjunto de produtos turísticos. Estas empresas e instituições estão espacialmente concentradas e estabelecem entre si relações verticais (dentro da cadeia produtiva do turismo) e horizontais (envolvendo o intercâmbio de fatores, competências e Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 61 informações entre agentes vinculados a oferta dos produtos turísticos). O cluster representado na figura 1, apresenta conformação interna que geralmente inclui: a) um conjunto de atrações turísticas que exerçam atração sobre os não residentes b) uma concentração de empresas de serviços turísticos: restaurantes, meios de hospedagem, serviços de transporte, artesanatos, agências de viagens, etc; c) setores de apoio à prestação de serviços turísticos; d) infra-estrutura apropriada e de baixo custo (estradas, energia, saneamento, serviços de saúde, segurança, etc); e empresas ou instituições que fornecem qualificações especializadas, informações, capital financeiro; f) agentes internos organizados em associações de classe; g) agências governamentais e outros órgãos reguladores que exerçam influência sobre a aglomeração turística. 2 Modelos de vantagens competitivas de clusters turísticos De acordo com Altenburg (1998) e Porter (1990), uma visão dinâmica de competitividade deve ser desenvolvida a fim de que, se possa promover uma análise mais condizente com a realidade econômica, política e social nas quais as organizações estão inseridas. Altenburg enfatiza a dimensão dinâmica e sistêmica da competitividade. Como visão dinâmica compreende a competitividade baseada nos resultados de capacitações acumuladas, estratégias adotadas pelas empresas e percepções quanto ao processo concorrencial e ao ambiente econômico e institucional onde estão inseridas. Nesta visão, a competitividade resulta da capacidade dos agentes em formular e implementar estratégias que permitam conservar posições sustentáveis, destacando-se as vantagens associadas à qualidade e produtividade dos recursos humanos e à capacitação produtiva e inovadora das empresas. Esta dimensão dinâmica está condicionada por fatores que podem favorecer e aperfeiçoar a capacidade de acumulação tecnológica das empresas a partir dos di- 62 Figura 1 – Representação de um cluster turístico Fonte: elaborada pelos autores versos níveis de inter-relações das organizações com seu meio. Como dimensão sistêmica, Altenburg destaca quatro dimensões que resultam das ações entre os agentes e destes com o seu ambiente: níveis meta, macro, meso e micro. Porter desenvolve o conceito de competitividade associado ao conceito de valor. As empresas possuem a capacidade de criar valor para seus compradores pelo desempenho obtido a partir de suas atividades internas e que constituem o que o autor denomina de cadeia de valores. A vantagem competitiva, sob a perspectiva da organização, é obtida através das inovações alcançadas nestas atividades, ou na sua cadeia de valores e na capacidade de coordenação das mesmas. As organizações fazem parte de um sistema associadas as cadeias de valores: fornecedores, clientes, canais de distribuição e outros agentes do processo produtivo. A capacidade de coordenar, de forma mais eficiente possível este “sistema de valores” é que gera a vantagem competitiva. A seguir analisa-se competitividade associada às condições de um cluster turístico. O modelo de Competitividade Sistêmica do Instituto Alemão de Desenvolvimento (AL- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA TENBURG, 1998) e o modelo do diamante de Porter, serão adaptados para explicar e relacionar as principais variáveis da dinâmica competitiva de um cluster de turismo. 2.1 Modelo de competitividade sistêmica No enfoque sistêmico, a competitividade compreende o alinhamento de quatro dimensões de ação objetiva: nível meta (valores, coesão social, organização política); nível macro (políticas macroeconômicas, comércio exterior e políticas regulatórias); nível meso (interação entre o Estado e os atores sociais que desenvolvem políticas de apoio específico, fomentando a formação de estruturas e articulando processos de aprendizagem a nível social); nível micro (ação interna às empresas na busca simultânea de eficiência, qualidade, flexibilidade e rapidez de reação, estando muitas delas articuladas em redes colaborativas). Em nível meta a competitividade de um cluster turístico se materializa quando o mercado (turistas) e as organizações sociais (agentes que compõe o cluster) se movem na mesma direção e estão estreitamente associados, permitindo mobilizar sinergias em constante movimento RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO As ações que influenciam a competitividade em nível macro são as ações específicas do Estado... de correção e ajuste. Esta convergência de direcionamentos se dá através da capacidade dos atores em compartilhar uma visão conjunta, cultura e valores no sentido de implementar estratégias de desenvolvimento que criam vantagens socialmente apropriáveis para os agentes locais. As ações que influenciam a competitividade em nível macro são as ações específicas do Estado que interferem no nível de atividade, na distribuição e na forma de apropriação do produto gerado pelo cluster turístico a curto, médio e longo prazo. Um ambiente econômico, político e institucional propício é condição imprescindível para gerar competitividade de um cluster. O nível meso depende da capacidade organizativa e estratégica de interação e cooperação entre os numerosos agentes sociais que atuam na atividade do turismo ou que a ele se relacionam. O meio que envolve as empresas tem sido influenciado pelas mudanças tecnológico-organizativas, e pela superação do tradicional paradigma de produção fordista. O novo paradigma das tecnologias de informação e comunicação possibilita a expansão e penetração de redes organizacionais em toda a estrutura sócio-produtiva, transformando e reforçando os arranjos institucionais que se vinculam ao cluster. O nível micro compreende essencialmente a perspectiva de análise da competitividade ao nível das empresas do cluster de turismo que para manterem sua vantagem competitiva, enfrentam adversidades do meio que lhe é imposto pela competição, exigindo a definição de estratégias e processos de produção eficientes, flexíveis, com qualidade e velocidade de reação. O modelo de competitividade apresentado por Altenburg permite avaliar como as diferentes variáveis influenciam nos níveis de competitividade de um cluster turístico. Possibilitam ainda avaliar: as fragilidades e potenciais dos agentes e de suas relações; os valores culturais comuns que orientam as estratégias de desenvolvimento; a posição de cada ator na divisão social do trabalho do cluster de turismo; as lacunas, fragilidades ou potencialidades das políticas públicas; as estratégias de cooperação e de formação de redes entre os agentes; assim como as estratégias individuais de competição e competitividade das organizações. 2.2 Modelo de competitividade de Porter De acordo com Porter, o sucesso de determinada empresa e ou de determinada indústria está associado às condições nacionais de seu país de origem, na medida em que potencializam a adoção de estratégias próprias a partir de um contexto favorável ao seu desenvolvimento. O sucesso de empresas e indústrias a partir deste favorecimento constituiria a vantagem competitiva de uma nação. Porter destaca quatro determinantes e mais o papel do governo e do acaso como determinantes da vantagem competitiva de uma nação, região ou cluster: condições dos fatores; condições da demanda; indústrias correlatas e de apoio; estratégia, estrutura e rivalidade de empresas. Estas condições são normalmente encontradas em clusters turísticos. Na maioria dos clusters turísticos as atividades vinculadas ao produto turístico, têm fortes ligações com outras atividades industriais e de serviços (através da compra de equipamentos, treinamento, design, indústria de alimentos, vestuário, etc...), necessitam de condições de fatores favoráveis, mercado exigente e sofisticado e de elementos que fortaleçam as estratégias de rivalidade entre empresas. Mais detalhadamente podemos verificar os determinantes do diamante de Porter em um cluster turístico: RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO • Condições de fatores: abrangem os recursos envolvidos no desenvolvimento das vantagens competitivas e podem ser encontrados nas atividades de: capacitação de recursos humanos para o trabalho e de serviços prestados ao turista, na disponibilidade de recursos físicos e atrativos turísticos, na disponibilidade de recursos do conhecimento (agencias de informação e divulgação), na disponibilidade de recursos de capital (para financiamento de médio e longo prazo, destinados a infra e supra-estrutura turística); na infra-estrutura de acesso aos produtos turísticos (estradas, energia, saneamento, etc) e nos serviços de segurança, etc. • Condições de demanda: compreendem os elementos de mercado a que se reportam determinadas indústrias. Isto quer dizer que um cluster turístico terá seu desenvolvimento associado à composição e tamanho da demanda de seus produtos e serviços, bem como ao seu padrão de crescimento e exigências de qualidade. • Indústrias correlatas e de apoio: as indústrias correlatas compreendem aquelas que fazem parte do sistema de cadeia de valores, ou seja, que em alguma das partes de sua cadeia de valores esteja associada através de um processo ou produto à cadeia de valores da empresa em foco. Já, as empresas de apoio compreendem fornecedores e empresas que servem como canais de distribuição e intermediação. • Estratégia, estrutura e rivalidade de empresas: este determinante localiza-se na esfera interna da empresa, associada às práticas administrativas adotadas por determinada indústria e suas respectivas firmas, à percepção dos agentes envolvidos no processo competitivo sobre comércio interno e externo, à formação dos profissionais de determinada empresa e à influência de políticas governamentais no interior das organizações. O modelo proposto por Porter ainda acrescenta aos quatro deter- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 63 minantes os efeitos do acaso e do governo. O acaso está vinculado aos fenômenos da natureza, ou fatores geopolíticos tais como terrorismo, guerras, etc... Também para Porter, a ação pública também afeta as atividades de turismo através das políticas públicas, como por exemplo. a taxa de cambio, políticas de renda, taxa de juros, falta de controle da poluição ambiental, regulação do mercado de trabalho. Ao compararmos o modelo do diamante de Porter com o modelo de Altenburg, observamos claramente que Porter enfatiza as variáveis que definem as condições de mercado, que estão associados ao tamanho da demanda e ao grau de sofisticação desta demanda. Nas atividades turísticas as condições de mercado são especialmente importantes para estimular inovações de produtos e serviços e estas variáveis são pouco exploradas no modelo de competitividade de Altenburg. Sem minimizar o papel da cooperação entre as organizações, o modelo de Porter destaca a rivalidade como variável estratégica essencial para desenvolver inovações e diferenciação na oferta de produtos e serviços turísticos. Enquanto que, no modelo de competitividade a ênfase é dada às variáveis de cooperação (especialmente a cooperação que ocorre em nível meso) entre instituições públicas e organizações para definir estratégias de desenvolvimento da infra-estrutura, supra-estrutura e das estruturas organizacionais do cluster turístico. A parceria público-privada é colocada como estratégica para a competitividade sistêmica no modelo de Altenburg. 3 Divergências e convergências entre os modelos de competitividade sistêmica e o diamante do porter: uma abordagem específica para clusters de turismo Os dois modelos se complementam para a análise da competitividade de clusters turísticos na medida em que o modelo de competitividade sistêmica de Altenburg propõe-se a determinar os níveis ou dimensões da competitividade com ênfase em vari- 64 Figura 2 – O diamante de competitividade de um cluster de turismo. Fonte: Santos Silva (2004). áveis econômicas, que envolvem um conjunto complexo de fatores dimensionados nos níveis meta, macro, meso e micro. Devido à complexidade e características sistêmicas destes fatores, o agrupamento por níveis de competitividade facilita o processo de análise de estudiosos, pesquisadores, tomadores de decisão e elaboradores de políticas uma vez que as análises de clusters turísticos devem sustentar-se em abordagens que envolvam a visão holística, multidisciplinar e multiescalar das relações sociais, econômicas, culturais e ambientais. As variáveis analíticas do modelo permitem avaliar o cluster pelo potencial dos agentes locais de viabilizarem um projeto local de desenvolvimento do cluster turístico através da cultura associativa e de coesão social e do fortalecimento das redes locais de cooperação. Na avaliação da competitividade a nível meta e meso Altenburg também destaca, a capacidade interna dos agentes de formação de novos Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA negócios e a visão holística, multidisciplinar e multiescalar dos agentes envolvidos no processo competitivo. O segundo modelo apresentado tem sua origem em uma abordagem estratégica e, apresenta entre seus determinantes os elementos comuns à discussão mercadológica e de recursos estratégicos das organizações. Estes elementos são especialmente importantes em clusters turísticos uma vez que as organizações e agentes que o integram, sustentamse no mercado, através da definição de estratégias de competição interna entre as organizações e também através de estratégias externas de competição com outros clusters turísticos. A principal característica do modelo de Porter é a ênfase dada a interação entre os determinantes do diamante. Cada determinante encerra também um conjunto de agentes que promovem pressões sobre os elementos dos outros determinantes, de RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO forma que o grau de interação define a vantagem competitiva nacional. Fica destacado no modelo de Porter que a competição é o elemento determinante do sucesso de um cluster. O autor do modelo do diamante minimiza os elementos macroeconômicos que interferem no desempenho da vantagem competitiva nacional, ou seja, nas condições do ambiente econômico favorável ao fortalecimento do cluster turístico. Também não foi enfatizado no modelo de Porter, os valores e culturas comuns dos agentes para criar um ambiente colaborativo voltado para o desenvolvimento contínuo das dimensões sócio-econômica e ambientais do cluster turístico. O modelo de Porter reconhece o papel do governo na definição de políticas que interferem na competitividade do cluster turístico, mas não destaca a importância da colaboração e da cooperação entre o governo e as organizações na definição de estratégias de desenvolvimento de um cluster. Porter coloca o governo como um agente responsável pela regulação e pela disponibilidade de infra-estrutura, sem enfatizar a relação sinérgica que ocorre entre os agentes públicos e privados. A parceria público-privado pode ser um dos elementos fundamentais na promoção e apoio aos clusters turísticos, especialmente porque o Estado pode atuar em relações horizontais de cooperação com os demais agentes, além de ser o agente facilitador do desenvolvimento através de investimentos públicos na formação da infra-estrutura básica de apoio ao setor de turismo. O modelo do diamante de Porter, quando adaptado a estudos de competitividade de clusters deixa lacunas na análise dos fatores meta e meso. Porter não enfatiza a capacidade dos atores em compartilhar uma visão conjunta no sentido de implementar estratégias de desenvolvimento setorial e local e também minimiza a importância das relações e parcerias do setor privado com as instituições públicas no sentido de desenvolver um modelo cooperativo de desenvolvimento do cluster turístico. Figura 3 – Vantagens competitivas sistêmicas de clusters turísticos Fonte: elaborada pelos autores com base nos modelos de competitividade sistêmica e o diamante da competitividade de Porter. No entanto o modelo é rico quando se pensa em um modelo estratégico de desenvolvimento em nível meso e microeconômico. O modelo de Porter destaca a rivalidade como variável estratégica essencial para desenvolver inovações e diferenciação na oferta de produtos e serviços turísticos. Embora ocorram lacunas na definição das variáveis estratégicas entre o dois modelos, a maioria dos determinantes da competitividade apresenta variáveis convergentes, embora agregadas com tipologias diferentes. As relações convergentes identificadas entre os dois modelos são apresentadas por variáveis fundamentais para a competitividade de um cluster turístico, ou seja, os determinantes competitivos do modelo de Porter podem ser claramente identificados nas variáveis agregadas por níveis de competitividade do modelo proposto por Altenburg. Por exemplo, o nível meso dá ênfase a discussão de elementos de infra-estrutura, de relações entre as organizações privadas e instituições públicas de apoio e a disponibilização dos recursos necessários ao desenvolvimento. Da mesma forma o determinante proposto no modelo de Porter sobre condições de fatores, também enfoca o mesmo conjunto de RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO elementos. O nível Micro, por sua vez, compreende a dimensão da estratégia organizacional para a competitividade da mesma forma que o determinante de “Estratégia, estrutura e rivalidade de empresas” do segundo modelo. Na figura 3, apresenta-se uma proposta de avaliação das vantagens competitivas sistêmicas, a partir da combinação de variáveis apresentadas nos dois modelos discutidos neste artigo. 4. Vantagens e desvantagens na aplicação do modelo A aplicação do modelo de avaliação do desenvolvimento e competitividade de clusters de turismo poderá contribuir com subsídios aos formuladores de políticas de desenvolvimento local, no sentido de identificar lacunas e potencialidades que para o desenvolvimento competitivo do cluster de turismo. Como contribuição ao enfoque de políticas públicas ou de competitividade macro, o modelo poderá responder questões tais como: • existem políticas de estímulo específicas para o desenvolvimento do Cluster turístico? • se existem: Quais são estas políticas? São adequadas para as espe- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 65 cificidades do cluster local? Como contribuem para a competitividade? Que política poderiam melhorar a competitividade do cluster? • qual o papel do estado na oferta da infra-estrutura de turismo? Quais as lacunas ou deficiências em termos de infra-estrutura física e de apoio ao turismo? A aplicação do modelo também poderá contribuir em termos de potencial de organização interna do cluster e de formulação de um projeto local de desenvolvimento ao responder questões tais como: • qual a capacidade dos agentes locais para formular um projeto estratégico para o desenvolvimento do turismo? • fatores que fomentam ou criam obstáculos ao associativismo e cooperativismo. • como os agentes se organizam para atingir as metas de desenvolvimento local? • qual o plano estratégico de desenvolvimento do turismo local a curto, médio e longo prazo? • quais são os principais agentes componentes do cluster turístico? • qual o papel que cada agente ocupa no cluster turístico? • que tipo de relações que ocorrem entre os agentes internos e qual a intensidade destas relações? • quais atividades não são atendidas pelos agentes locais? • quem são os principais ofertantes de serviços turísticos internamente e quais são as atividades que não são atendidas pelos agentes locais? O modelo também permite responder questões sobre estratégias, estrutura e concorrência em nível microeconômico, tais como: • qual o potencial competitivo da indústria local? • quais as estratégias de concorrência das empresas dentro do cluster e com os clusters turísticos concorrentes? • qual o potencial de inovação das empresas componentes do cluster? • quais as estratégias de concorrência microeconômica em termos de diferenciação dos serviços e de vantagens de custo? A aplicação de um de um modelo estatístico, como por exemplo, o de 66 componentes principais, permitirá selecionar e hierarquizar as variáveis com maior poder de explicação em termos de competitividade do cluster. O modelo de vantagens competitivas sistêmicas de clusters turísticos, resultado da fusão dos dois modelos analisados, apresenta uma visão holística, multidisciplinar e multisetorial, resgatando através da abordagem sistêmica os conceitos de competitividade. A análise da competitividade de clusters turísticos busca orientar estrategicamente os agentes responsáveis pelas políticas públicas, como também as empresas e instituições públicas e privadas em suas estratégias de competitividade, competição, cooperação e sustentabilidade. Conclusão O turismo vem se destacando como uma das atividades com maior potencial de expansão em escala mundial. Pelo seu potencial de crescimento, e por ser um produto que só pode ser consumido in loco, a atividade assume papel de destaque como estratégia de desenvolvimento local. Contudo, mesmo com o potencial de desenvolvimento em todas as escalas e o papel relevante na definição das políticas públicas da caráter intervencionista, pouco se avançou em termos de estudos, pesquisas e modelos de medidas de impactos que a atividade de turismo exerce sobre uma localidade. Este artigo teve por objetivo problematizar teoricamente a análise de competitividade de cluster de turismo utilizando como embasamento o enfoque o modelo diamante de Porter e a análise sistêmica de competitividade de Altenburg. O modelo tem como fundamentação teórica o conceito e a tipologia de cluster, adaptando e integrando os conceitos de competitividade às dimensões econômicas, sociais, culturais, ambientais e políticas. Os conceitos utilizados nos dois modelos, embora com foco e abordagem inicial diferente (o modelo sistêmico tem um enfoque mais econômico de análise de impactos e o modelo do diamante de Porter, um enfoque mais de estratégia das organiza- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA ções), não são contraditórios, mas interagem e dão uma visão mais abrangente dos fatores e variáveis que interferem na competitividade de clusters turísticos. As associações realizadas acima e outras que ainda podem ser realizadas, determinam a complementaridade dos dois modelos. Não se discute, neste enfoque, qual daqueles apresentados possa ser mais ou menos efetivo, todavia propõe-se que a adoção de ambos possa promover uma análise mais apurada dos elementos envolvidos no processo de competitividade dinâmica e sistêmica de um cluster de turismo. O modelo proposto apresenta uma visão holística, multidisciplinar e multisetorial do desenvolvimento local, resgatando, através da abordagem sistêmica, os conceitos de competitividade, eqüidade social e desenvolvimento sustentável. Os resultados possibilitam orientar estrategicamente agentes responsáveis pelas políticas públicas, bem como as empresas e instituições públicas e privadas em suas estratégias de competitividade, competição, cooperação e sustentabilidade. Como principal limitação do modelo destaca-se o seu corte temporal e regional, ou seja, o modelo é estático e sua comparabilidade no tempo e no espaço depende da sua reaplicação. Referências ALTENBURG, T.; GILLEGRAND, W. STAMER, J.M. 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CEDRE CENTRO DE ESTUDOS DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL • – Análises regionais para programas de desenvolvimento – Avaliações e acompanhamento de programas de fomento – Estudos de viabilidade econômica – Estudos setoriais de oportunidades de investimento – Estudos de localização industrial – Projetos de implantação e ampliação de empresas – Diagnósticos municipais – Planejamento espacial e econômico nos planos macro e microeconômicos – Planos diretores de desenvolvimento urbano – análises urbanas. • – Planejamento turístico macro e microeconômico – Estudos de viabilidade econômica de empreendimentos turísticos – Projetos turísticos – Estudos de impactos ambientais (Rima). Sendo uma instituição universitária o CEDRE não tem finalidades lucrativas e opera em termos bastante acessíveis para as prefeituras municipais e as pequenas e médias empresas. Tel.: (71) 3273-8528 / 3271-8780 RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E-mail: [email protected] Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 67 A EFICÁCIA DOS PROGRAMAS DE QUALIDADE NO SETOR PÚBLICO: O CASO DO QUALIOP Augusto de Oliveira Monteiro1 Carlos Palma de Mello2 Resumo O objetivo desse artigo é analisar a natureza e avaliar a eficácia de programas de qualidade adotados no âmbito das administrações públicas estaduais do Brasil nos últimos anos. Para tal, é realizado um estudo de caso do Programa de Qualidade em Obras Públicas do Estado da Bahia – QUALIOP, buscando-se descrever os seus principais atributos e, sobretudo, discutir a sua eficácia. Desta forma, os resultados apresentados decorrem de uma ampla pesquisa de campo realizada junto às empresas executantes e aos contratantes de obras públicas no Governo do Estado da Bahia, mediante a aplicação de questionários estruturados, com os quais se pretendeu ressaltar as suas diferentes dimensões de desempenho, assim como apontar as suas deficiências e requisitos de evolução. Os resultados da pesquisa indicam significativos avanços na melhoria dos processos e nos mecanismos e instrumentos de controle das obras públicas no Estado da Bahia. Palavras-chave: Reforma do Estado, Modelo de Gestão, Mudança Organizacional, Programa de Qualidade. Abstract The purpose of this paper is to study the nature of quality programs at Brazilian states and to assess its effectiveness In order to do so, a case study of Bahia’s Quality Program in Public Works – QUALIOP was developed, searching to describe its main features and to evaluate its effectiveness. The results presented derived from a field research at outsourced companies and public works contractors at Bahia State 68 Government, which aimed to highlight the different performance dimensions and the deficiencies, as well as its requirements for further development. The results indicate significant improvements on the processes and control tools of the public works. Key-words: State Reform, Management Model, Organizational Change, Quality Program. Introdução Ao longo da última década, o processo de Reforma do Estado e as mudanças nos organismos públicos se aprofundaram e ganharam notoriedade. Diversos governos realizaram um grande esforço para melhor focar as atividades de governo no atendimento ao cidadão, tornando a máquina estatal mais leve e produtiva. As diretrizes desta reforma foram lastreadas no conjunto de princípios da chamada Administração Pública Gerencial, a saber: foco nos resultados, indicadores de desempenho, parcerias, trabalho em rede, gestão do conhecimento, autonomia e responsabilização, transparência, controle social e avaliação. Os instrumentos desta reforma estão estabelecidos através da difusão de novas tecnologias, da promoção de diálogos e da construção efetiva de parcerias e redes entre o Estado, instituições privadas e não-governamentais. Procura-se mudar a qualidade gerencial das instituições públicas, pesquisando e implementando novos modelos de gestão Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA que possibilitem a execução destas tarefas, com o objetivo principal de melhorar a qualidade de vida do cidadão. Para isso, é necessário o desenho de um novo Estado através de um ajuste fiscal, assim como reformas estruturais orientadas para o mercado, com profundas repercussões na forma como o Governo atua, nas dimensões política, econômica, social e gerencial. Também no âmbito da administração do Estado da Bahia, é possível perceber um número crescente de projetos que visam promover a evolução da gestão pública. Alguns programas estaduais parecem possuir estas características, fazendo parte de um conjunto de movimentos que constituem uma ampla agenda de trabalho de fins transformadores e que buscam, em certa medida, assegurar a transformação necessária à consolidação do novo modelo gerencial. Desta forma, o objeto de estudo deste trabalho é o Programa de Qualidade em Obras Públicas do Estado da Bahia – QUALIOP. Instituído formalmente através do Decreto n o 7.795, de 24 de abril de 2000, este programa pretende ser o agente incentivador da inovação e da competitividade na atuação das empresas do setor de construção civil que atuam no Estado. Como resultado de extensa negociação entre o Estado e a cadeia produtiva, este programa é uma ação estratégica de introdução da Gestão pela Qualidade Total no âmbito das obras públicas estatais. O QUALIOP está alinhado como o 1 Doutor, Professor Titular da Universidade Salvador (Unifacs), Coordenador do Programa de PósGraduação em Administração da Unifacs. 2 Mestre, Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Administração da Unifacs, Coordenador do Curso de Marketing do Centro Universitário da Bahia – FIB. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade do Habitat (PBQP-H), coordenado pelo Ministério das Cidades. O programa visa a melhoria das obras públicas contratadas pelo Governo do Estado mediante um sistema evolutivo que monitora a qualidade dos materiais, componentes, sistemas construtivos e projetos, bem como os processos e procedimentos dos contratantes (órgãos do Estado). Seu funcionamento está calcado no estabelecimento de acordos setoriais com segmentos da construção civil e contratantes públicos, através da implantação de processos de qualificação, homologação e certificação de produtos, serviços e procedimentos. O objetivo deste trabalho, portanto, é avaliar e discutir a eficácia do Programa QUALIOP na melhoria dos processos de contratação, execução e resultados das obras civis no Estado da Bahia. Sendo assim, é analisado também em que medida o QUALIOP está alinhado com os preceitos da Reforma Gerencial em curso no Brasil. Acredita-se que este programa esteja de acordo com as propostas elencadas para este esforço, figurando como um dos modelos de atuação com intenção de transformar a administração pública, representando ainda um avanço nas relações entre o Governo e o setor produtivo privado. Reforma do Estado e Novos Modelos de Gestão Pública Nos últimos anos, tem-se observado um intenso debate acerca do papel que o Estado deve desempenhar na vida contemporânea e o grau de intervenção que deve ter na economia. No Brasil, o tema ganha relevância maior, tendo em vista que o governo, em razão do modelo de desenvolvimento adotado, desviou-se de suas funções precípuas para atuar fortemente na esfera produtiva (BRASIL, 1995). Bresser Pereira (1996) argumenta que a globalização empurrou o Estado na direção da redefinição de suas funções, antes fundamentadas na proteção e no fomento de suas economias e, neste momento, na garantia da universalidade dos servi- ços de educação básica, de saúde e segurança, financiando a formação do capital humano e promovendo a competitividade internacional das empresas. O foco estaria centrado na regulação destes serviços ditos monopolistas, além da intervenção capaz de compensar os desequilíbrios promovidos pela globalização. Spink (1999) cita o Relatório das Nações Unidas de sua conferência em Brighton, em 1971, na tentativa da definição de Reforma Administrativa do Estado, como sendo o esforço que tem como alvo a indução das mudanças fundamentais nos sistemas de administração pública, através de reformas de todos os sistemas ou, pelo menos, de medidas que visem à melhoria de um ou mais elementos-chave, como estruturas administrativas, pessoal e processos. Neste particular, estas são consideradas essenciais para a criação de capacidade administrativa necessária ao desenvolvimento econômico, alem da execução das funções governamentais essenciais. A definição de Reforma Gerencial se encerra em sete características da nova gestão pública: administração profissional, indicadores de desempenho explícitos, maior ênfase no controle de resultados, divisão das organizações públicas em unidades menores, maior competição entre unidades, ênfase no uso de práticas de gestão originadas no setor privado, e ênfase em maior disciplina e parcimônia no uso de recursos. A reforma do Estado pela via da Reforma Gerencial da Administração Pública é uma resposta ao processo de globalização em curso, com premente ameaça à autonomia dos Estados na formulação e implementação de políticas públicas, e à chamada crise do Estado com início nos anos 1970, e consolidação a partir dos anos 1980 (BRESSER PEREIRA, 1992). A grande crise dos anos 1980, como cita o autor, reduziu drasticamente taxas de crescimento dos países centrais, e levou à estagnação por quinze anos a renda por habitante nos países em desenvolvimento. Este fato decorre da crise do Estado – uma crise fiscal, do modo de RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO A intensa intervenção do Estado no mercado acarretou distorções crescentes nos anos 80 que se tornaram insustentáveis nos anos 90. intervenção econômica e social e uma crise na forma burocrática de administrar o Estado. Bresser Pereira ainda associa a crise ao caráter cíclico da intervenção estatal, bem como à perda de autonomia decorrente da globalização, como fora citado anteriormente. A intensa intervenção do Estado no mercado acarretou distorções crescentes nos anos 1980 que se tornaram insustentáveis nos anos 1990. No sistema capitalista, Estado e mercado são as duas instituições centrais que operam na coordenação dos sistemas econômicos. Desta forma, se um deles apresenta funcionamento irregular, é inevitável que os efeitos da crise se façam presentes. No Brasil, também nos anos 1980, esta crise caracterizou-se pela perda do crédito público e pela poupança pública negativa. Agravada pelo processo de globalização, a crise do modelo de intervenção acelerou o esgotamento do modelo intervencionista de proteção e substituição de importações até então vitorioso. Por sua vez, a crise do modelo burocrático de administrar o Estado emergiu no final dos anos 1980, em função do retrocesso burocrático da Constituição de 1988 (BRESSER PEREIRA, 1992). O Plano Diretor da Reforma do Estado (BRASIL, 1995) ainda cita que, a partir do início desta década, como resultado de reformas administrativas apressadas, notadamente no início dos anos 1990, verificou-se total desorganização dos centros decisórios importantes, que afetaram a “memória administrativa” e desmantelaram a sistema de informações para o processo governamental. O Decreto-Lei nº 200, do final dos Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 69 anos 1960, visou conferir maior flexibilidade à Administração Pública, principalmente por meio da criação de autarquias, fundações e empresas públicas, resultando, em parte, em grande desenvolvimento econômico até o final dos anos 1970 (PACHECO, 1999). Este é considerado o primeiro esforço na direção de uma reforma administrativa no País (ABRÚCIO, 1997). Timidamente, a reforma começa nos anos 1980, em meio a uma crise econômica com seu auge no início dos anos 1990. Problemas como o ajuste fiscal, as privatizações e a abertura comercial foram atacados de frente. Já a reforma administrativa só começou efetivamente em 1995 com uma proposta de reformulação gerencial do Governo, a qual apontava para a direção da modernização do serviço público, da busca da eficiência e profissionalização, da consolidação do ajuste fiscal e do melhor atendimento da necessidade dos cidadãos (BRESSER PEREIRA, 1999). Essa direção procurou dotar os governos de condições para enfrentar falhas históricas, trazendo ao Estado mais condições de governabilidade, aqui definida como a capacidade de governo eficaz na condução dos negócios públicos, e governança, entendida como a capacidade de comando, direção, coordenação e implementação de distintas políticas com ambientes mais democráticos e eficientes, atendendo melhor às demandas dos cidadãos a um custo menor (DINIZ, 1997). Ainda entre os objetivos da reforma havia duas mudanças fundamentais. A primeira dizia respeito à redução do aparelho do Estado, privatizando e publicizando atividades que necessitavam ter sua forma de propriedade redefinida. A segunda referia-se à assimilação da administração gerencial naqueles setores voltados para a prestação de serviços ao público ou de operacionalização de atividades de fomento ou fiscalização. A Reforma Gerencial nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, assim como em alguns países em 70 desenvolvimento, foi baseada na idéia de transferir mais autonomia e maior responsabilidade aos administradores públicos, tornando a administração pública voltada para o cidadão-cliente (BRESSER PEREIRA, 1999). Nas duas direções, a inspiração vem da administração privada, distinguindo-se dela porque não objetiva o lucro, mas o interesse público. A Reforma Gerencial pretende uma governança forte, resultante de um Estado sadio no plano fiscal e financeiro e competente no plano administrativo. Uma outra abordagem interpretativa do processo de construção da Nova Gestão Pública é apresentada por Abrúcio (1997), segundo o qual a mesma pode ser compreendida a partir da análise dos seguintes modelos. • o primeiro modelo é o gerencialismo puro, baseado na economia e eficiência: “fazer mais com menos”; • o segundo denominado consumerismo, com foco na flexibilização da gestão, qualidade nos serviços e na prioridade às demandas do consumidor: é o “fazer melhor”; • e o terceiro, a Public Service Orientation (PSO), focada na noção de eqüidade, de resgate do conceito de esfera pública e da ampliação do dever social de prestação de contas (accountability). Desta forma, o Programa da Qualidade e Participação na Administração Pública surgiu estrategicamente enquanto principal instrumento de aplicação do Plano Diretor da Reforma do Estado no Brasil. A proposta deste Plano era a de introduzir no Setor Público novos valores e comportamentos recomendados pela Administração Pública Gerencial. Além disso, pretendia-se, através do programa, viabilizar a revisão dos processos internos da Administração Pública para melhorar sua eficiência e eficácia. Considera-se neste trabalho que a Qualidade Total no Serviço Público é parte integrante do conjunto de inovações gerenciais propostas pelo Novo Gerencialismo. Os termos “qualidade” e “parti- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA cipação” definem bem a orientação e ênfase que se deseja dar às ações que são desenvolvidas pelo programa. Neste sentido, a estratégia de implementação observa as diretrizes dos programas de qualidade, interpretados e aplicados segundo a ótica da administração pública. A participação significa o envolvimento de todos os servidores independentemente de cargos, função ou nível hierárquico, além do compromisso da cooperação entre todos os envolvidos na direção da satisfação de todos os clientes da organização (BRESSER PEREIRA, 1999). Bresser Pereira (1996) assinala que o Programa veio estimular novos esforços no sentido da busca da melhoria da qualidade da ação governamental, em especial as com foco na redução de custo e na melhoria na qualidade do atendimento prestado ao cidadão. Como instrumento desta empreitada, sugere a adoção de um modelo referencial de administração pública gerencial, que funcione como sinalizador para as organizações públicas que desejem a gestão por excelência. De acordo com Mendes (2000), a qualidade, no contexto aqui estabelecido pela temática das Gestões Públicas, é um modelo de gestão inovador, que tem como objetivo aumentar a produtividade, reduzir os custos, obter a satisfação do cliente e elevar a competitividade. “A qualidade, na sua essência, é uma forma de gerenciar uma organização” (MORGAN; MURGATROYD, 1994, p. 38) e, em decorrência disso, confundese com o próprio conceito de política de gestão. Monteiro (1991) assinala que, tratando-se de órgãos e empresas da administração governamental, o benefício final consiste na melhoria da qualidade de vida da sociedade. Pode-se afirmar, seguindo as vias desse pensamento, que a qualidade da gestão implica na qualidade de vida de uma sociedade. A gestão pela qualidade e a gestão por resultados constituem uma prescrição gerencialista (FISHER, 2003). A Gestão da Qualidade é um modelo que revolucionou a Administração, de acordo com o método RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO desenvolvido pelo americano W. Edwards Deming, adotado pela indústria japonesa no período do pósguerra, em 1950. Outros autores contribuíram para construir a estrutura e a história do Total Quality Management (TQM), tais como Ishikawa, Crosby, Feigenbaun e Juran. O instrumental deste processo definido no programa brasileiro é a certificação. No contexto da gerência de processos, este expediente é de fundamental importância para a classificação do grau de qualidade e eficácia desses processos, funcionando como “selo de qualidade” pelos resultados obtidos e pela garantia de continuidade na produção dos mesmos padrões alcançados (BRASIL, 1997). Esta metodologia viria a ser amplamente defendida inclusive no objeto de pesquisa deste trabalho. Por meio do Programa, espera-se melhorar a Qualidade dos Serviços Públicos produzidos no Brasil, além de apoiar o processo de mudança cultural burocrática para uma cultura gerencial. A finalidade última é a melhoria da qualidade de vida do cidadão. Afinal, como ressalta Monteiro, “[...] qualidade total significa, em última instância, qualidade de vida”. Em resumo, é preciso concentrar esforços em cada uma das etapas: “[...] qualidade do processo; qualidade do que é processado; qualidade de resultados; qualidade de quem processa; qualidade de vida para quem usufrui” (MONTEIRO, 1991, p. 152). Para Mendes (2000), no setor de serviços e, em particular, na Administração Pública, o enfoque gerencial é de grande importância para a qualidade. Neste setor, a qualidade depende muito dos executantes da ação e dos que sofrem a ação – o cidadão. Sendo assim a qualidade deve ser vista transformando o cidadão agora em usuário. Como também cita Kettl (1998), o Estado passa a atender às necessidades do cidadão e não à conveniência burocrática. A exemplo de todo o mundo, os cidadãos reclamam de filas intermináveis, atendimento descortês e de regras arbitrárias. Decorrentes dos movimentos re- formistas, os programas da qualidade na gestão pública ainda despertam discussão acerca de dois dilemas. O primeiro diz respeito ao impulso de organizar os governos para que funcionem melhor e custem menos. As táticas comumente utilizadas orientam-se por interesses de curto prazo, eventualmente atrelados à lógica dos processos eleitorais, o que torna ainda mais difícil melhores resultados a longo prazo. O segundo dilema está relacionado com a necessidade da busca de resultados bons e rápidos, concomitantemente com os cortes orçamentários inerentes aos esforços de ajuste fiscal. Isto tem, freqüentemente, impedido melhorias de desempenho mais significativas, com destaque para os processos contínuos de mudanças, que exigem recursos substanciais para a sua implementação, além do envolvimento de um grande número de atores neste processo (KETTL, 1998, apud SPINK, 1999). Metodologia Para avaliação do desempenho e resultados do Programa e verificação do seu alinhamento com os preceitos da Reforma do Estado em curso no País, foi realizada uma pesquisa de campo, durante o segundo semestre de 2004. Nessa ocasião o programa já contava com mais de quatro anos de instituído, contemplando mais de 1.500 licitações com a observância das exigências do QUALIOP. Assim, esta pesquisa investiga os possíveis ganhos de produtividade desde a contratação até a execução das obras, fazendo um levantamento da presença e do uso de instrumentos de controle destinados a garantir a melhoria de resultados nas obras contratadas a partir do dia 1º de dezembro de 2001. Desta forma, foram realizadas entrevistas estruturadas com ocupantes de cargos estratégicos nas organizações contratantes e executoras que participam do QUALIOP. As questões foram elaboradas usando a escala de Likert, para classificar de maneira direta as respostas dos entrevistados, facilitando assim a sua tabulação e interpretação. As entrevistas versaram sobre aspectos RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO objetivos e subjetivos referentes aos ganhos de qualidade nos procedimentos ligados à contratação e à execução das obras públicas, desde os aspectos formais, gerenciais até os resultados concretos da implementação do programa. Para a avaliação dos resultados do QUALIOP, foram adotadas quatro dimensões de análise. A primeira refere-se à percepção e ao cumprimento dos prazos estabelecidos para cada fase dos dois processos – contratação e execução. A segunda trata da presença e evolução dos itens de controle desenvolvidos pelo programa, identificando ocorrências de desvios e problemas de operação. A terceira dimensão caracteriza-se pelo nível de satisfação e pelo atendimento de expectativas dos contratantes quanto ao resultado final da obra. A quarta e última está relacionada com a redução dos custos das respectivas obras. As entrevistas foram efetuadas com empresas e instituições que participaram ou foram afetadas de maneira decisiva pelo programa QUALIOP. Vale salientar que em todos os casos, as pessoas entrevistadas foram selecionadas em função dos cargos de direção e controle que exerciam nas organizações a que pertenciam. Foram executadas 60 entrevistas, sendo 35 delas com os executantes e o restante com os contratantes. Até o dia 17 de novembro de 2003, data da última atualização dos registros do QUALIOP, o Programa contava com um total de 578 empresas qualificadas em diversos níveis evolutivos e setores, indicando uma boa adesão da cadeia produtiva ao Programa. Resultados da Pesquisa Os resultados obtidos através desta pesquisa são a seguir apresentados, tendo por base as quatro dimensões analisadas através da aplicação do questionário: cumprimento de prazos, itens de controle, atendimento à sociedade e redução de custos. No que tange ao cumprimento de prazos, a redução do tempo gasto e o atendimento de padrões nessas atividades é fundamental para evo- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 71 lução de todo o processo. Esse resultado é muito importante para as atividades de governo. É sabido que a administração pública é reconhecidamente lenta na execução de suas atividades, e evoluções desse comportamento podem indicar que os esforços de reforma estão surtindo efeito e trazendo mudanças para esse ambiente organizacional. Apesar de 72% de todos os entrevistados declararem que as datas do processo de contratação não foram respeitadas, 74% dos entrevistados declararam que houve evolução no processo de contratação com a implantação do QUALIOP, principalmente com a adoção do edital-padrão de licitação. A Figura 1, a seguir, ilustra melhor este resultado. Os executantes e contratantes apontaram a melhor seleção de empresas autorizadas a participar dos processos de compra como um dos maiores benefícios gerados pelo QUALIOP. Em contrapartida, a má qualidade dos projetos foi indicada como a principal responsável pelo atraso no processo de contratação e execução das obras. É necessário destacar que uma melhor seleção de empresas também pode significar ganhos, tanto na reforma do Estado como na melhoria da qualidade de seus processos. As decisões de contratação de governo se baseavam nas práticas burocráticas ou no atendimento de interesses particulares, sem uma atenção maior para medir a competência do contratado ou avaliar os resultados finais da contratação (BRASIL, 1995). Foi destacada também a dificuldade de caixa do Estado para tocar as obras de forma conveniente. Nesse caso, a falta de recursos para a execução de obras já contratadas, como assinalado por Osborne e Gaebler (1994), demonstra que o governo ainda decide em cima de componentes políticos transitórios. A visão de curto prazo e os diversos projetos executados simultaneamente impedem que essas obras tenham o abastecimento de recursos necessários para a sua conclusão no tempo esperado, sem trazer prejuízos à sua execução. Nas atividades ligadas ao controle das obras, os resultados foram 72 Figura 1 – Gráfico sobre o cumprimento de prazos de contratação execução de obras. Fonte: Elaboração própria. Figura 2 – Gráfico sobre a contribuição para a melhoria nas práticas de controle e execução das obras públicas. Fonte: Elaboração própria. bem positivos. Na grande maioria das empresas e no entendimento dos contratantes, existe um controle maior dos materiais e dos serviços envolvidos nas obras, conforme demonstra a Figura 2. Alguns entrevistados declaram que esta prática, antes do QUALIOP, era deixada em segundo plano. Nesse caso, o QUALIOP foi certamente capaz de trazer mudanças organizacionais para a cadeia produtiva e o ambiente do governo. A natureza estratégica e cultural das mudanças que ocorreram com a implantação e o uso dessas práticas de controle, mesmo sendo utilizadas para atender à finalidade de controle documental do programa, indica significativa evolução na gestão desses dois componentes. Um resultado positivo na melhoria das práticas de controle sempre é bem-vindo, principalmente quan- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA do esses instrumentos, oriundos da esfera pública, sempre foram enxergados pela sociedade como excessivos e associados a práticas exageradamente burocráticas. A forma consensual como foram implantados impediu exageros e trouxe o apoio dos envolvidos, a ponto de ser apontado por eles como um ganho gerado com a implantação do programa. O poder de compra do Estado foi utilizado com sucesso na promoção de avanços de gestão e controle na cadeia produtiva da construção civil no Estado da Bahia. O QUALIOP funcionou como verdadeiro indutor da qualidade e competitividade dessa indústria local. No aspecto de atendimento à sociedade, abordando as funcionalidades e durabilidade das obras, as conseqüências não foram animadoras. Segundo a percepção dos entrevistados, o Programa ainda não che- RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Figura 3 – Gráfico sobre a contribuição do QUAILOP para que as obras atendam melhor a sociedade. Fonte: Elaboração própria. Figura 4 – Gráfico sobre a contribuição do QUALIOP para a redução dos custos das obras públicas. Fonte: Elaboração própria. gou a esse nível de envolvimento, sendo que este aspecto também depende de projetos bem elaborados. É interessante notar que o novo gerencialismo público prega um melhor atendimento às demandas da sociedade e, para isso, a melhoria desses dois itens das obras públicas seria um passo importante. Tanto a durabilidade quanto a funcionalidade foram aspectos que não encontraram um posicionamento firme por parte dos entrevistados. Cabe ressaltar, no entanto, que o pouco tempo decorrente entre a implementação das obras avaliadas e a realização desta pesquisa contribuiu para este nível de desconhecimento. As obras são novas e estes dois fatores dependem de um maior intervalo de tempo para que possam ser analisados. Os resultados são apresentados na figura 3. Considerada a relevância destes preceitos da reforma do Estado, a aferição da efetividade das ações de governo e de seu desempenho, associados à implantação de uma cultura gerencial, ainda precisam, neste caso, de mais tempo para a sua verificação. A redução de custo, fator de interesse público, determinado pelos objetivos de eficiência da administração pública gerencial e defendido pelo Plano Diretor de Reforma do Estado (BRASIL, 1995), foi certamente um ponto avaliado negativamente. Quase a totalidade dos entrevistados respondeu negativamente sobre este aspecto como demonstra a figura 4. Neste caso, os conceitos debatidos por Abrúcio (1997) quanto a “fazer mais por menos” ou à “prestação de contas” ainda não são contemplados pelo Programa. Considerações Finais O QUALIOP pode ser entendido como um modelo de gestão inserido RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO no processo de reforma do estado. Foi visto, ao longo deste artigo, que o processo de reforma desenvolvido pelo governo brasileiro, a partir no Plano Diretor de Reforma do Estado de 1995, estava voltado para a consecução de alguns objetivos. Os principais são: o aumento da governança e governabilidade, dotando o governo de maior eficiência e eficácia, a redução do tamanho do estado, focando-o nas ações que lhe são próprias, a transferência de algumas das ações do governo central para os outros membros da federação e a assimilação de práticas gerenciais mais efetivas. O modelo de gestão pela qualidade utiliza-se de princípios inovadores, em que se procura efetuar a redução de custos, o aumento da produtividade e a conseqüente diminuição de eventuais desperdícios. O foco central desse programa é a satisfação dos clientes e a conseqüente melhoria da competitividade. A Qualidade Total no ambiente governamental está associada à melhoria de atendimento ao cidadão. Neste caso, é totalmente compatível com os mandamentos da Reforma do Estado. Estes e outros princípios centrais da Gestão pela Qualidade, como o incremento dos mecanismos de controle, foram medidos na pesquisa de campo, e comparados com os resultados alcançados com a implantação do QUALIOP. Em especial, foram registrados importantes aperfeiçoamentos nas práticas de execução e controle das obras, mesmo que, eventualmente, o cumprimento dos mandamentos do QUALIOP sejam encarados por alguns como o mero atendimento a condicionantes burocráticos, mantendo as empresas aptas a participar dos certames licitatórios. Outro ganho importante está relacionado com a melhoria do processo de contratação das obras. Mesmo com um alto percentual de entrevistados declarando que os prazos não atenderam à sua expectativa, um grande contingente também declarou que houve avanços significativos, principalmente no que se refere às atitudes relacionadas com a padronização de processos. Não obstante, observou-se que o Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 73 efetivo atendimento aos anseios do cliente final do QUALIOP, o cidadão, ainda não pode ser constatado. É prematuro afirmar qualquer coisa sobre as funcionalidades e durabilidade das obras ou aos custos de manutenção relacionados. Além disso, o modelo de contratação que privilegia só o preço, como ainda é o caso das obras públicas, não contribui para o incremento desses aspectos. Sendo assim, é difícil estabelecer considerações sobre a utilidade das obras. Isto ainda não é objeto do Programa e sem dúvida não existe, dentro do escopo de suas atividades, resultados que demonstrem evolução nesse sentido. Os resultados menos favoráveis, no entanto, estão ligados à variável custo. O programa QUALIOP ainda não foi capaz de reduzir o gasto do governo com essa atividade, tanto na execução quanto na manutenção. Não foi possível identificar efetivamente progressos nesta área. Adicionalmente, cabe observar que a dificuldade financeira que o governo local atravessou durante o período em exame parece ser apontada como a maior responsável pelo não cumprimento de prazos das obras e pela manutenção de práticas ainda fora dos padrões da gestão pela qualidade. Por fim, cabe ressaltar que o QUALIOP mostrou-se mais presente como instrumento de controle de processos, o que reflete mais diretamente as premissas do modelo burocrático de gestão pública, e menos efetivo na obtenção de resultados finais, compatíveis com as diretrizes da administração pública gerencial. Tratando-se, porém, de um programa relativamente recente, talvez seja necessário um mai- or prazo de maturação para que os seus resultados finais sejam alcançados. Com a continuidade e evolução deste modelo de gestão, ensejando a gradativa prevalência dos princípios gerais da gestão da qualidade entre contratantes e executantes de obras públicas no Estado da Bahia, é esperado um progressivo atendimento aos seus propósitos precípuos, estendendo os seus benefícios à sociedade. Constata-se, portanto, através desta pesquisa, a elevada dificuldade para o efetivo estabelecimento de um estado gerencial, capaz de orientar-se por seus objetivos finais e de afastar-se de uma tradição burocrática que impõe limites objetivos a sua condição de eficácia e eficiência. Não obstante, reflete também a crescente prioridade concedida à construção de programas voltados para tal, o que nos permite esperar melhores resultados em um futuro não muito distante. Referências ABRÚCIO, Fernando L. O impacto do modelo gerencial na Administração Pública: Cadernos ENAP, Brasília, 1997. BRASIL. Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. 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Leia todos os números da RDE acessando o site: Arquivos prontos para download. 74 Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ESTRUTURA DE MERCADO E PADRÕES DE CONCORRÊNCIA: BARREIRAS À ENTRADA NO SETOR DE SUPERMERCADOS EM SALVADOR Cláudio Damasceno Pinto1 Resumo O artigo realiza uma análise estrutural do setor de supermercados em Salvador, apresentando considerações teóricas, legais e mercadológicas, relativas ao nível de rivalidade, aos padrões de concorrência, concentração do mercado, níveis de barreiras à entrada, e levantamento das técnicas de defesa da concorrência utilizada pelos órgãos regulatórios, numa tentativa de compreender as razões para a fraca penetração das grandes cadeias de varejo internacional e nacional no mercado relevante de Salvador, em função do amplo processo de expansão, adoção de estratégias competitivas e internacionalização vigente no setor de supermercados. Neste sentido, são apresentadas as condições concorrenciais, efetivas e potenciais do referido mercado relevante, na tentativa de obter informações e estabelecer relações de causalidade que possam identificar e responder aos questionamentos acima apresentados. Para tanto, torna-se imprescindível analisar o contexto na qual estão inseridas as empresas supermercadistas de Salvador, a partir do estudo das forças estruturais que condicionam as estratégias e o comportamento das firmas atuantes nesta indústria. Palavras-chave: Entrantes potenciais; Barreiras à entrada; Concentração do mercado, Mercado relevante; Oligopólio; Estrutura de mercado. level of rivalry, to the competition patterns, market concentration, level of barriers to new entrances and a presentation of the competition defense techniques used by the regulatory organs, in an attempt to understand the reasons for the weak penetration of the big chains of national and international retail in the relevant market of Salvador, regarding the ample process of expansion, adoption of competitive strategies and internationalization in vigor in the supermarket sector. This way, it is presented herein effective and potential competition conditions of the referred relevant market, in the attempt to obtain information and establish causality relationships which can identify and respond the questions presented above. In order to do that it is essential to analyze the context in which the supermarket firms in Salvador are inserted, from the study of structural forces which condition the strategies and the behavior of the acting firms in this industry. Key-words: Potential newcomers; Barriers to entrance; Market concentration; Relevant market; Oligopoly; Market structure. 1. Introdução Neste artigo pretende-se analisar a estrutura de mercado e os padrões de concorrência vigentes no setor de supermercados em Salvador, a partir das tendências de internacionali- Abstract: This article presents a structural analysis of the supermarket sector, presenting theoretical, legal and market considerations related to the RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO zação do varejo. Neste sentido, inicialmente são feitas considerações e apresentados alguns fatos estilizados que condicionam o processo evolutivo e das transformações estruturais ocorridas na indústria de supermercados nos últimos tempos. Com essas referências procura-se estabelecer uma análise do mercado relevante do setor supermercadista em Salvador, definindo-se a dimensão do produto e o mercado geográfico, que fazem parte do raio de abrangência desta indústria2 em Salvador. Complementarmente, faz-se uma revisão da literatura de alguns aspectos concernentes à rivalidade e aos padrões de concorrência nos mercados e sua aplicabilidade no setor de supermercados em Salvador para, a posteriori, considerando-se as técnicas utilizadas pela SEAE (Secretaria de Acompanhamento Econômico) e pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) na avaliação de práticas anticompetitivas, verificar se existe nexo causal entre o nível de concentração do setor supermercadista de Salvador e as barreiras à entrada de novas firmas. Neste contexto, são apresentados alguns aspectos que constituem fatores determinantes e explicativos da rivalidade no setor de supermercados no Brasil, utilizando-se como referencial teórico a literatura de Organização Industrial (visão microeconômica) e da Legislação Brasileira Antitruste (pareceres da Se- 1 Economista –FCE-UFBA, Especialista em Finanças –EPGE-FGV e Mestrando em Análise Regional – UNIFACS, Coordenador do Curso de Gestão Mercadológica e Professor da disciplina Economia e Mercado dos Cursos de Graduação Tecnológica da IBES. Email: [email protected]; Telefone (71) 9967 2521 2 Conceito da microeconomia, caracterizado pelo conjunto de firmas atuantes num mesmo mercado. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 75 As operações do setor varejista, tradicionalmente, se caracterizavam por atributos pouco difundidos, reduzido poder de mercado, pouca disputa concorrencial e competências gerenciais limitadas... cretaria de Acompanhamento Econômico sobre atos de concentração e defesa da concorrência no setor supermercadista brasileiro e análise econômica de práticas ou condutas limitadoras da concorrência, fundamentada na Lei n° 8.884, de 11 de junho de 1994). Esses trabalhos são fortemente influenciados pela corrente neo-schumpeteriana da firma, vertente do pensamento econômico que direciona seus estudos para as questões relacionadas à competitividade nos mercados, sobretudo em estruturas oligopolísticas, destacando também aspectos da teoria da firma e da regulação econômica. uma grande parcela do mercado, sendo capaz de gerenciar a distribuição dos produtos que negociavam. Essas grandes operações de varejo, tendo em vista a concentração de mercado estabelecida, deslocaram o poder de mercado do fornecedor para o varejista (DIB, 1997). Assim, na década de noventa, o setor supermercadista ganha importância, ocorrendo uma transferência de poder da indústria para o varejo. Algumas cadeias de supermercados têm superado, em tamanho ou em faturamento, diversas firmas do setor industrial, consideradas, ao longo da história, como as principais responsáveis pelo crescimento das economias capitalistas. O tamanho crescente das cadeias de varejo estimulou as estratégias de expansão internacional, de tal maneira que as receitas obtidas nos mercados domésticos e a própria magnitude das transações realizadas permitiram o desenvolvimento de competências gerenciais específicas, capaz de alavancar a internacionalização das grandes empresas do referido setor. O varejo internacional, portanto, deixou de ser algo impulsionado apenas pelas limitadas perspectivas de crescimento doméstico. Do ponto de vista das firmas, a internacionalização passou a se constituir numa oportunidade de expansão da base operacional para novos mercados, nos quais, os produtos e serviços são valorizados por uma intocada base de consumidores, possibilitando maiores economias de escala e incremento dos lucros (DIB, 1997, p.4). 2. Principais aspectos e condicionantes do varejo brasileiro As operações do setor varejista, tradicionalmente, se caracterizavam por atributos pouco difundidos, reduzido poder de mercado, pouca disputa concorrencial e competências gerenciais limitadas. O setor industrial dominava e coordenava toda a cadeia produtiva, de tal maneira que, aos varejistas, cabiam apenas a função de agente intermediário entre a indústria e o mercado, repassando para os consumidores os produtos que ali chegavam. Esta situação começou a ser modificada pelo poder emergente das grandes cadeias de varejo como a Sears, nos Estados Unidos, ou a Marks & Spencer na Inglaterra que, em âmbito nacional, dominavam 76 O aprofundamento da internacionalização, sobretudo no Brasil, provocou profundas transformações na estrutura do mercado nacional e no interior das firmas, que estavam acostumadas a uma concorrência doméstica, muitas vezes regional, apresentando atributos pouco sofisticados, sem muita inovação, e estrutura administrativa baseada na gestão familiar. Com a entrada de redes estrangeiras no setor as cadei- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 3 as varejistas nacionais sentiram a necessidade de se adequar ao novo cenário competitivo que se configurava já no início da década de noventa. Nos últimos anos, o número de fusões3 e aquisições no varejo de alimentos cresceu rapidamente e o mercado brasileiro vem sendo uma das alternativas para o aumento da participação externa. O crescimento externo está associado a estratégias de diversificação, tendo em vista a penetração em mercados pouco explorados, mas com amplo potencial a ser desenvolvido, conjugada a própria necessidade de conseguir economias de escala e escopo. Desde o começo da década de 1990, com a entrada do grupo varejista Wal- Mart, até os dias atuais, percebe-se profundas transformações que influenciam diretamente na configuração e dinamismo do setor supermercadista no Brasil. A chegada deste grupo no Brasil pode ser considerada como uma terceira revolução no mercado, semelhante à introdução do auto-serviço na década de 1950 com a rede Peg-Pag, do grupo Pão de Açúcar e a chegada dos hipermercados Carrefour na década de setenta (PINTO, 2000 p.5). A concentração do capital, fundamentada no processo de globalização econômica, reduz o número de firmas atuantes no mercado, estimulando a competição entre as empresas “sobreviventes” que, em geral, possuem vantagens absolutas de custo, aporte financeiro, maiores economias de escala e vantagens de diferenciação de produtos e serviços. Por outro lado, a diminuição de empresas na indústria através de fusões e aquisições das redes menores pelas empresas competitivas do mercado cria barreiras à entrada de novos concorrentes e, conseqüentemente, permite a formação de oligopólios bastante concentrados. Assim, como os investimentos em modernização e expansão demandam muitos recursos, a abertura de capital e associação com empresas A fusão se caracteriza pela união de duas ou mais empresas, formando uma grande firma, cujo controle administrativo geralmente é designado pela maior empresa (envolvida no processo) ou para a organização melhor posicionada economicamente (SANDRONI, 1999). RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO estrangeiras são algumas das estratégias que vem sendo adotada pelas redes domésticas. Para as empresas estrangeiras, a penetração em mercados internacionais via aquisição ou fusão é mais vantajosa, pois acelera o conhecimento do mercado e dos hábitos dos consumidores, adquirindo uma rede ou participando de uma firma já estabelecida no mercado, sem a necessidade de incorrer em vultosos custos de publicidade e propaganda na divulgação e fidelização da marca. Da mesma forma, esse processo de associação facilita a exploração de sinergias, a conquista de market share e a entrada em novos mercados, no qual as empresas adquiridas possuíam significativas participações, superando rapidamente a etapa, em geral demorada, de cultivar o nome, fidelizar os clientes e, principalmente, formar canais de distribuição e suprimento. No caso do setor de supermercadista brasileiro, a luta competitiva encontra-se diretamente associada a globalização da concorrência que impôs dificuldades e desafios para as redes domésticas que tiveram de realizar grandes investimentos ou alianças estratégicas para manter e ampliar seu posicionamento no mercado. Neste contexto, existe uma relação de causalidade entre o processo de internacionalização e a formulação de estratégias na indústria de supermercados, mostrando que são as estruturas de mercado que condicionam as decisões de investimento das firmas. No tocante ao setor supermercadista, são as forças estruturais do mercado que determinam a conduta das empresas no interior da indústria. As modificações provocadas nas estruturas da indústria de supermercados no Brasil, a partir da concentração do varejo, culminando com o número cada vez maior de firmas estrangeiras disputando o mercado com as redes nacionais, tem estabelecido um ambiente seletivo, no qual somente as firmas bem posicionadas, com maior disponibilidade de fundos para a expansão, condutoras de inovações organizacionais e tecnológicas, conseguem permanecer no mercado. A dimensão da concorrência é o parâmetro que orienta e condiciona os movimentos competitivos das firmas rivais e o próprio funcionamento da economia capitalista. O esforço relevante para a análise da concorrência não se constitui num elemento estático, sendo constantemente redelineado, a partir da evolução da indústria e conseqüentemente das transformações ocorridas no comportamento dos agentes econômicos, os quais, de acordo com o cenário econômico, estabelecem novas metas, táticas e estratégias (POSSAS, 1999, p.69). A estrutura de mercado se constitui num fator importante na análise da decisão de investimento da firma, principalmente em indústrias extremamente concentradas, nas quais as empresas podem utilizar o investimento em capital fixo para impedir a entrada de novos competidores no mercado, ou seja, o investimento pode ser utilizado como uma fonte de barreira à entrada. Assim, as inversões em capital fixo pode sinalizar para as entrantes potenciais que as firmas estabelecidas estão dispostas a retaliar a entrada de qualquer novo concorrente (OREIRO, 1997). Em nível regional, percebe-se uma maior competição entre as empresas localizadas no Centro-Sul do país através de uma vigorosa disputa por consumidores. Redes como Carrefour, Pão de Açúcar e Wal-Mart adotam estratégias ousadas para atrair compradores em suas lojas, envolvendo até guerra de preços entre as firmas varejistas. Entretanto, as armas usadas nesta disputa não se resumem apenas a preços e promoções, existindo atributos como a qualidade no atendimento aos clientes, automação e modernização das lojas, criação e expansão de novos formatos de lojas e facilidade nas formas de pagamentos. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO 3. Estrutura do setor de supermercados no mercado relevante de Salvador No Estado da Bahia, mais precisamente em Salvador, grande centro varejista, não se verifica muita competição entre as redes varejistas. O reduzido número de grandes cadeias existentes e a própria concentração do Bompreço nesta área impedem o desenvolvimento de uma maior competitividade e movimentos estratégicos agressivos em busca de novos consumidores. Neste sentido, a análise estrutural da indústria de supermercados em Salvador permite identificar um mercado caracterizado por um oligopólio4 concentrado e com pequenas franjas (formada por pequenas lojas de vizinhança que não possuem os mesmos atributos das principais redes pertencentes ao mercado relevante), existindo a presença de firmas estrangeiras, a exemplo do WalMart, cuja entrada foi realizada via aquisição da rede Bompreço em 2004, sem provocar grandes alterações na estrutura de mercado vigente em função de que, nesta transação, houve apenas a mudança do agente econômico.O processo de concentração deste setor em Salvador não se constitui num movimento recente, sendo estabelecida ao longo do tempo, onde o Bompreço adentrou neste mercado comprando a rede Paes Mendonça5 e a posteriori promoveu, a partir de estratégias empresarias e influenciada pelo processo de concentração dos mercados, um movimento de expansão, adquirindo firmas médias locais como o PetiPreço, além da firma G. Barbosa que possuía uma loja nesta cidade. Esse processo de concentração estabelecido pelo Bompreço em Salvador produz dois efeitos sobre o 4 Tipo de estrutura de mercado na qual poucas empresas detém o controle da maior parcela do mercado. Reflete a tendência à concentração da propriedade em poucas empresas de grande porte, pela fusão entre elas, incorporação ou eliminação das pequenas firmas (por compra, dumping e outras práticas restritivas. Tipo de mercado caracterizado pela existência de barreiras à entrada, na qual as firmas atuantes normalmente competem via diferenciação do produto ou vantagem de custo, apresentando economias de escala, acesso aos canais de distribuição e não há perfeita mobilidade dos fatores de produção. (SANDRONI, 1999). 5 Na década de 1980, a rede de supermercados Paes Mendonça dominava cerca de 80% do setor de supermercados em Salvador. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 77 aspecto concorrencial e competitivo do setor supermercadista soteropolitano, tendo em vista que a aquisição de empresas locais (ainda que não possuam o porte da firma líder, competiam em determinadas áreas geográficas da cidade compreendida pelo mercado relevante) impede a penetração de potenciais entrantes e ao mesmo tempo elimina um concorrente, o qual foi absorvido no processo de aquisição. Ao analisar as estratégias empresariais adotadas pelo Bompreço nos últimos tempos, observa-se que esta empresa mantém uma posição defensiva em relação à concorrência, na medida em que possui crescimento restrito a região nordeste, não se expandindo a outras áreas do país, para disputar novos consumidores. Assim, além de não atuar em outros mercados, o Bompreço possui condições de estabelecer barreiras estruturais à entrada de novas firmas que possam ocupar sua liderança, seja através de economias de escala, vantagens de custo ou até mesmo pelo poder da marca, fidelizando clientes. Desta forma, como até então não existe grande rivalidade entre as redes no mercado soteropolitano, é correto afirmar que as decisões de investimento do Bompreço estão diretamente condicionadas aos movimentos dos entrantes potenciais que sinalizam uma provável penetração no setor supermercadista nordestino. Entretanto, a inexistência de outras grandes e médias redes de supermercados disponíveis para a realização de fusão ou aquisição por parte de uma grande cadeia varejista nacional ou internacional, bem como a concentração de mercado exercida pelo Bompreço, dificulta a entrada de novas firmas no mercado relevante de Salvador. Definido como o menor grupo de produtos e/ou serviços e a menor área geográfica necessária para que uma suposta firma esteja em condições de impor aumentos de preço, o mercado relevante se constitui num atributo crucial para a análise dos efeitos anticompetitivos potenciais de operações que impliquem concentração de mercado e/ou condutas pratica- 78 das por empresas que se supõem detentoras de poder de mercado, cujo exercício abusivo incumbe à legislação antitruste e às agências de defesa da concorrência, estabelecendo mecanismos regulatórios que visam assegurar o bem-estar econômico6. Na determinação do mercado relevante7 da cidade de Salvador, utilizamos as orientações e os parâmetros adotados pela SEAE (Secretaria de Acompanhamento Econômico do Governo Federal) nos pareceres sobre atos de concentração do setor de supermercados. Este tipo de comércio varejista é conhecido como de auto-serviço ou auto-atendimento, em que o consumidor escolhe os produtos que deseja adquirir, que se encontram acondicionados em gôndolas, e efetuam o pagamento diretamente nos caixas (BRASIL, 2004). Neste sentido, caracteriza-se um supermercado como um estabelecimento que apresenta suas principais áreas de vendas constituídas de mercearia, bazar e perecíveis, cerca de 1.500 a 5.000 itens em exposição; de 3 a 40 check-outs8 e mais de 300m² de áreas de vendas e um faturamento anual acima de R$ 1 milhão de reais; enquanto que um hipermercado é definido como a unidade em que suas principais seções de vendas são constituídas de mercearia, bazar, perecíveis, têxteis e eletrodomésticos, compreendendo mais de 5.000 itens em exposição, mais de 40 check-outs e mais de 5.000 m² de áreas de vendas e um faturamento anual de no mínimo R$ 12 milhões de reais (BRASIL, 2003). O horizonte de análise estudado é o setor de super e hipermercados, de modo que o conceito de lojas de vizinhança, mercearia, feiras, açougues e correlatos, ainda que possam representar uma concorrência parcial com o referido setor, não fazem Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA parte do mercado relevante. Isto porque, o tipo de consumo que se pratica nesses pequenos estabelecimentos, via de regra, é o de conveniência, na qual são realizadas pequenas compras que suprem necessidades imediatas, de tal maneira que os consumidores não podem efetuar o mesmo tipo de compra integrada proporcionada pelo supermercado ou hipermercado, se defrontado, portanto, com uma situação de substitutibilidade incompleta ou de menor grau (BRASIL, 2003). Do ponto de vista do espaço geográfico, o mercado relevante de Salvador, compreende uma população de 2.443.107 habitantes, de acordo com dados do IBGE em 2000, distribuídos numa área de 325 km², caracterizada por uma população com diferentes faixas de renda. Do ponto de vista estratégico, as lojas de supermercados apresentam localizações privilegiadas, existindo uma estratégia de segmentação de mercado em função de determinadas localidades, fundamentado na demanda e no perfil do consumidor. Partindo de uma percepção menos restritiva, em 2003, a SEAE definiu para o mercado relevante de Salvador a hipótese de que o consumidor típico desloca sua demanda em direção a outros estabelecimentos situados em um raio de 5 Km, a partir do ponto médio da área de concentração das lojas, tendo em vista que segundo esses estudos, essa é a distância máxima capaz de motivar o deslocamento do consumidor, uma vez que corresponde ao raio de influência de um hipermercado, conforme tabela 1. A análise dos dados acima, conjugada com a concentração do setor de supermercados soteropolitano, favorecida também pelo processo de aquisição de redes médias e peque- 6 Por essas razões, a finalidade da política de defesa da concorrência é assegurar condições estruturais para o adequado funcionamento dos mercados, preservando a livre iniciativa dos agentes econômicos. Em última análise, o controle de concentrações deve restringir-se a evitar a formação de estruturas de mercado capazes de gerar prejuízos à eficiência econômica e/ou ao bem-estar social (BRASIL, 2004). 7 Cabe destacar que o conceito de poder de mercado afeta diretamente a própria delimitação do mercado relevante, tendo em vista que o mesmo é definido como um lócus (produto/região) em que o poder de mercado possa ser hipoteticamente exercido, de tal maneira que as elasticidades-preço da demanda e da oferta são os principais fatores dessa delimitação. 8 Caixas, pontos de vendas onde são registradas as mercadorias vendidas aos consumidores. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Tabela 1 -– Dimensões típicas da área de influência de supermercados Tipo de loja Supermercado pequeno Supermercado grande Hipermercado Nº de check-outs De 03 a 19 De 20 a 39 40 ou mais Área de influência (Km) 1.8 2.5 5.0 Fonte: SEAE, 2003 nas na cidade de Salvador, nos últimos cinco anos, sobretudo por parte do Bompreço, possivelmente, afetou o comportamento do consumidor, no sentido de que antes das operações de compra e venda, a exemplo dos negócios envolvendo a rede PetiPreço e G. Barbosa, o cliente tinha a opção de realizar suas compras nas referidas firmas, no Bompreço e nos concorrentes, e após as mesmas, o cliente passou a ter uma opção a menos, encontrando-se, a partir daí, em pior situação. Do mesmo modo, com 45 lojas espalhadas pela cidade, a rede de supermercados Bompreço domina a indústria de Salvador, de tal maneira que só existe competição em pequenos espaços compreendidos pelo mercado relevante. A competição em preços é um elemento fundamental no setor supermercadista, visto que o consumidor, ao efetuar suas compras, costuma fazer suas escolhas sobre a economia que, potencialmente, pode realizar. A acentuada rivalidade entre os concorrentes no que tange à competição em preços favorece ao bemestar social e econômico dos consumidores. Entretanto, no mercado relevante de Salvador, a intensidade da rivalidade é relativamente baixa, não existindo guerra de preços entre as redes, que apresentam participações desiguais no mercado. Presente em quase todos os estados nordestinos, o Bompreço é líder absoluto em Salvador e não há grandes competidores para disputar o mercado em igualdade de forças. Outro fator fundamental que influencia a rivalidade, é o grau de diferenciação do produto ou serviço criado pelas estratégias das empresas. No setor supermercadista, a diferenciação se constitui numa estratégia convergente entre as firmas, as quais investem cada vez mais no marketing voltado para os clientes, otimização da área de vendas, melhorias na qualidade do atendimento, ampliação das formas de crédito, que se constituem em atributos importantes para conquista de novos consumidores (PINTO, 2000). A partir de uma perspectiva dinâmica, o desempenho no mercado e a eficiência produtiva decorrem da capacitação acumulada pelas firmas, que, por conseguinte, reflete as estratégias competitivas adotadas em função de suas percepções quanto ao processo concorrencial e ao meio ambiente no qual estão inseridas. Os padrões de concorrência9 são influenciados pelas características estruturais e comportamentais do ambiente competitivo da firma, sejam as referentes ao setor (mercado de atuação), sejam relacionados ao próprio sistema econômico (FERRAZ et alii, 1995). O setor supermercadista de Salvador, ao longo dos anos, não tem sido alvo das grandes cadeias varejistas nacionais e internacionais, as quais tem realizado pesados investimentos para disputar fatias do mercado brasileiro. Isto porque, em função do grande participação exercida pelo Bompreço nesta cidade, historicamente, não há grande interesse das empresas em adentrar neste mercado. Além da falta de espaço físico, a consolidação do Bompreço em quase todas as áreas do mercado relevante tem inibido supostas tentativas de potencias entrantes nesta região. 4. Concentração do mercado A concentração do mercado é uma condição necessária para determinar a possibilidade estrutural de RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO existência de poder de mercado. A literatura econômica define que o poder de mercado é função crescente da concentração, em função da possibilidade de maior colusão e domínio do setor. Entretanto, esta relação de causalidade não se constitui numa condição suficiente para a verificação do exercício do poder de mercado, existindo outras variáveis e métodos de avaliação para a comprovação efetiva de práticas anticompetitivas por parte de uma determinada firma. Do mesmo modo, acredita-se existir uma correlação positiva entre a concentração do mercado e os níveis de barreiras à entrada como instrumentos de inferência e análise da existência efetiva de poder de mercado. De acordo com Possas et alii (1998), uma condição adicional decisiva para a avaliação do poder de mercado é o nível das barreiras à entrada, apesar de não ser mensurável diretamente. Afirma-se que na ausência de barreiras à entrada, por exemplo, se não houver custos irrecuperáveis numa indústria, não é possível fixar preços acima dos custos de forma persistente e significativa. Desta forma, o nível das barreiras à entrada se constitui numa variável fundamental de análise antitruste, não apenas para atos de concentração (fusões e aquisições), horizontais e verticais, como também para condutas, já que a sua presença constitui um segundo fator necessário, ainda que não suficiente, para o exercício de poder de mercado. A Secretaria de Acompanhamento Econômico do Governo Federal através do embasamento legal do Art. 20 da Lei 8.884/94 define critérios para identificar se a concentração gera o controle de parcela de mercado elevada: • considera-se que uma concentração gera o controle de participação de mercado suficientemente alta para viabilizar o exercício unilateral do poder de mercado 9 Os níveis de competição em indústrias concentradas podem se alterar como resultado de modificações nas posições relativas das firmas. O corolário deste processo é a diminuição do número de firmas atuantes no mercado, realização de fusões, joint venture e aquisições entre firmas independentes, de modo que apenas as maiores empresas sobrevivem na arena competitiva (KON, 1994). Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 79 sempre que resultar numa participação igual ou superior a 20% do mercado relevante; • admite-se que uma concentração gera o controle de parcela de mercado suficientemente alta para viabilizar o exercício coordenado do poder de mercado sempre que: a concentração tornar a soma da participação de mercado das quatro maiores empresas (C4) igual ou superior a 75%; a participação da nova empresa formada for igualou superior a 10% do mercado relevante. De acordo com Possas et alii (1998), uma estrutura de mercado somente será eficiente, do ponto de vista da maximização do bem estarsocial, se a entrada for possível, sendo impedida apenas pela política de preços das empresas presentes no mercado. Neste sentido, a eficiência da estrutura de mercado dependerá do nível das barreiras à entrada 10 e a saída na indústria, ou seja, de seu grau de contestabilidade 11. De acordo com (FARINA, 1990 apud BASSO; SILVA, 2000, p. 1): Considera-se um mercado como sendo contestável, quando não houver barreiras à entrada nem custos à saída (sunk-costs) para as firmas que eventualmente nele desejem ingressar. As empresas nele atuantes não estão protegidas de eventuais entradas do tipo hit and run, firmas de fora que, atraídas por lucros extra-econômicos desse mercado, nele ingressem e obtenham lucro, isso ocorrendo antes que as firmas estabelecidas tenham tempo de sair do negócio ou mesmo alterar seu preços. Para que um determinado mercado seja contestável, é necessária a maior homogeneização possível dos produtos e o livre acesso aos métodos de produção para todos os produtores, que devem ter acesso à mesma tecnologia e possuírem a mesma demanda de mercado. Tabela 2 – Participação (nº de lojas) das principais redes no Mercado Relevante de Salvador Empresa Bompreço Companhia Brasileira de Distribuição Hiper Ideal Atakarejo Super Monteiro Perini Delicatessen Makro –Atacadista S/A Atacadão Ebal – Cesta do Povo Ponto Verde Supermercado G. Barbosa Mercantil Rodrigues Total Participação de mercado (%) 45 3 2 1 1 3 2 1 7 3 01 01 64,29 4,29 2,86 1,43 1,43 4,29 2,86 1,43 10,00 4,29 1,43 1,43 100,00 Nota: Elaboração própria, a partir dos dados divulgados pela SEAE (2003) e pela ABASE 12 em 2005. sições e considerações podem ser feitos em relação às firmas atuantes no setor de supermercados em Salvador e ao potencial destas empresas em estabelecer uma competição mais vigorosa com as principais redes atuantes neste mercado, sobretudo em relação ao Bompreço, conforme se observa na tabela 2. Neste sentido, a rede de supermercados Extra, bandeira pertencente a Companhia Brasileira de Distribuição, maior empresa do setor de supermercados do Brasil, poderia estabelecer uma disputa mais acirrada com o Bompreço, mas em função do reduzido número de lojas desta firma em Salvador (apenas 3 unidades), verifica-se que a disputa concorrencial com o Bompreço apresenta um reduzido efeito. Do mesmo modo, apesar da boa infra-estrutura da empresa Atakarejo e das inserções publicitárias na mídia televisiva realizadas por esta firma, operando com prazos longos e aceita- A análise das firmas atuantes no setor supermercadista de Salvador, permite observar a desproporção do mercado em termos de market share, demonstrando uma dificuldade de se implementar uma maior rivalidade inter-firmas e uma maior competição neste mercado. Algumas supo- 80 Nº de lojas Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA ção de cheques pré-datados em suas vendas, a sua atuação em Salvador com apenas uma loja, não consegue rivalizar com o Bompreço que possui uma grande quantidade de lojas nesta cidade. Em relação à rede Perini, as três lojas que esta firma possui no mercado relevante em questão é considerada uma parcela muito baixa, e apesar de estarem revestidas de características especiais (segmentação de mercado, marcas próprias, operando fundamentalmente para um consumidor com perfil de renda elevado, infra-estrutura razoável), pertence uma rede local, com operações restrita a cidade de Salvador, não possui porte para rivalizar com as maiores redes pertencentes a esta indústria. No tocante às redes Makro (duas lojas), Atacadão 13 (1 loja) e Mercantil Rodrigues (1 loja), podese afirmar que as mesmas detém uma parcela muito pouco expressiva do mercado, fundamentadas no sistema 10 A depender da magnitude das barreiras à entrada e da elasticidade-preço da demanda, uma firma pode exercer o seu poder de mercado praticando preços além dos níveis competitivos (preços acima do custo médio de produção), auferindo lucros supra-normais, sem tornar convidativa a entrada de novas firmas no mercado. 11 No tocante a política antitruste, na década de 80 foi criada a teoria dos mercados contestáveis, estabelecendo condições nas quais uma determinada estrutura de mercado pode apresentar desempenho competitivo nos preços (conduta) e nos custos (eficiência) apenas sob a ameaça de entrada da concorrência potencial. Ver POSSAS, 2002. 12 Associação Baiana de Supermercados 13 Cabe salientar que a 2ª loja do Atacadão localiza-se no município de Lauro de Freitas, não fazendo parte do mercado relevante de Salvador. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO atacadista, superando as vendas no varejo, de tal maneira que as mesmas não tem condições de competir em igualdades de condições com o Bompreço (BRASIL, 2003). Além dos concorrentes mais expressivos já mencionados, verificase a presença de outras duas redes, quais sejam Ponto Verde e Cesta do Povo-Empresa Baiana de Alimentos S/A (EBAL). A empresa Ponto Verde, rede varejista de pequeno porte, conta três lojas, em toda a cidade de Salvador, possuindo em suas lojas de 6 a 7 check–outs. O reduzido tamanho da rede e das respectivas lojas denotam as limitações do Ponto Verde14 em termos de competição no mercado considerado, concluindose pela sua incapacidade de plena concorrência com a firma líder desta indústria (BRASIL, 2003). Do mesmo modo, a rede Cesta do Povo apresenta-se como uma alternativa de compras, fundamentalmente para clientes com perfil de baixa renda, ainda que nos últimos tempos tenha diversificado o seu mix de produtos e a aceitação de cartões de crédito para a realização de compras. Sendo assim, o pequeno porte de suas lojas, combinado ao tipo de estratégia comercial pouco agressiva da empresa, não credencia esta firma como um concorrente efetivo no mercado relevante de Salvador (BRASIL, 2003). Neste sentido, percebe-se uma elevada participação do Bompreço15 no setor de supermercados e hipermercados em Salvador e uma incapacidade das empresas concorrentes disputarem o mercado em condições equilibradas com esta empresa. Desta forma, cabe correlacionar o nível de concentração do mercado e a existência de barreiras à entrada nesta indústria, fato que pode sinalizar para o exercício do poder de mercado e adoção de práticas anticompetitivas vis-à-vis consumidores e fornecedores. O principal fator estrutural a afetar o grau de coordenação das condutas das empresas estabelecidas é o nível de concentração da produção e das vendas, visto ser razoável supor que comportamentos colusivos serão mais facilmente implementados quando um reduzido número de firmas domina o mercado. Em mercados concentrados, a intensidade da concorrência potencial, inversamente proporcional à magnitude das barreiras à entrada existentes, é um elemento crucial na determinação do desempenho observado. (PINTO, 2000). Neste sentido, Possas (1990) destacou o consenso dos teóricos do paradigma Estrutura-Conduta- Desempenho em utilizar a concentração econômica como elemento básico da estrutura do mercado e a intensidade das barreiras à entrada como um elemento chave do poder de mercado das firmas oligopolísticas e codeterminante do nível de preços, destacando que é possível estabelecer relações e generalizações teóricas entre preços e barreiras à entrada. Para Bain (1958), citado por Gonçalves (2003) a condição de entrada16 de uma firma no mercado pode ser definida como o estado de concorrência potencial de possíveis novos produtores/vendedores, podendo ser avaliada pelas vantagens que as firmas estabelecidas possuem sobre os competidores potenciais, sendo que estas vantagens se refletem na capacidade de elevar persistentemente os preços acima do nível competitivo sem atrair novas firmas para a indústria em questão. Do mesmo modo, uma entrada consiste no estabelecimento de uma nova empresa que constrói ou introduz uma nova capacidade produtiva em uma indústria/mercado. A ameaça de entrantes em um mercado depende das barreiras à entrada existentes, conjugada a reação que o novo con- 5. Barreiras à entrada Por barreiras à entrada entendese como qualquer fator em um mercado que ponha um potencial competidor eficiente em desvantagem, em relação aos agentes econômicos estabelecidos. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO corrente pode esperar dos competidores já estabelecidos. Segundo Bain (1958) citado por Gonçalves (2003), Porter (1986) e baseando-se nos estudos da Secretaria de Acompanhamento Econômico (BRASIL, 2003), as principais fontes de barreiras à entrada são: • custos irrecuperáveis (sunk costs) – Se constituem em custos que não podem ser recuperados quando a empresa decide sair do mercado. A extensão dos sunk-costs depende principalmente em função do grau de especificidade do uso do capital; da existência de mercados para máquinas e equipamentos usados; da existência de mercado para o aluguel de bens de capital; de volume de investimentos necessários para garantir a distribuição do produto (gastos com promoção, publicidade e formação da rede de distribuidores); • diferenciação de produtos – Caracterizado pelo controle de acesso a tecnologia para projetar produtos por parte das firmas já atuantes no mercado; elevados gastos com propaganda e vendas para garantir a fidelidade dos clientes, impondo aos potenciais entrantes elevadas despesas para tornar seu produto conhecido e aceito no mercado; reputação da empresa perante os consumidores através da durabilidade e complexidade dos produtos; acesso a canais de distribuição que limitam a utilização de determinadas formas de acesso ao consumidor para novos concorrentes; A diferenciação, portanto, estabelece uma barreira à entrada, exigindo que as firmas entrantes incorram em custos elevados de publicidade, serviços, para superar os vínculos dos clientes junto às firmas fixadas no mercado; • economias de escala – Se constituem numa forma de barreiras à 14 O Ponto Verde recentemente passou a integrar a Redemix, uma aliança estratégica estabelecida por pequenos supermercados, com a finalidade de obter maior economia de escala nas compras e poder de negociação junto aos fornecedores, além de tentar fortalecer o poder da marca. 15 Market Share (participação relativa) calculado baseado no número de lojas estabelecido no mercado relevante de Salvador. 16 Sendo assim, a compra do Bompreço pelo Wal-Mart em 2004 não se configura como uma entrada, tendo em vista que se constituiu num processo de aquisição de uma firma já estabelecida nesta indústria. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 81 A necessidade de investir altos recursos financeiros em tecnologia e marketing para competir em igualdade de condições com as empresas atuantes cria uma barreira à entrada de novas firmas... entrada, pois a sua utilização exige que as empresas entrantes adentrem em larga escala, arriscandose a uma forte reação das firmas existentes ou ingressem no mercado em pequena escala, incorrendo em desvantagens de custo; • necessidade de capital – A necessidade de investir altos recursos financeiros em tecnologia e marketing para competir em igualdade de condições com as empresas atuantes cria uma barreira à entrada de novas firmas, sobretudo se o capital for utilizado em atividades arriscadas e irrecuperáveis, tais como publicidade e pesquisas em P & D; • custos de mudança – Custos enfrentados pelo comprador quando muda de fornecedor. São considerados custos de mudança, os custos auferidos de um novo treinamento dos empregados, custo de implementação de uma nova tecnologia, novo equipamento auxiliar, custos psíquicos de desfazer um relacionamento, havendo, portanto, custos de transação exante e ex-post. A elevação destes custos, exige que as firmas entrantes ofereçam um aperfeiçoamento considerável em custo ou desempenho, de modo que o comprador decida abandonar um produtor já fixado na indústria; • acesso aos canais de distribuição – Torna-se uma fonte de barreira à entrada, dada a necessidade da empresa entrante de garantir a distribuição de seus produtos. Admitindo-se que os canais de dis- 82 • • • • Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA tribuição da indústria já estão sendo utilizados pelas firmas atuantes, a recém-chegada organização precisa convencer os canais a aceitarem seus produtos através de descontos, verbas para campanha publicitária, etc., o que reduz o lucro e inibe a entrada das empresas no mercado; desvantagens de custo independentes de escala – As firmas atuantes podem ter vantagens de custos (know-how, localização estratégica, subsídios governamentais, utilização da curva de aprendizagem, etc.) irrecuperáveis pelas empresas entrantes, independentes do tamanho e das economias de escala das mesmas, se constituindo numa barreira à entrada; política governamental - O governo tem o poder de regular, limitar ou impedir a entrada de firmas numa indústria, defendendo os interesses sociais, impedindo práticas oportunistas e anticompetitivas por parte dos agentes econômicos, que possa afetar o funcionamento dos mercados, bem como evitar atos de concentração que possibilitem a criação de empresas monopolistas em determinado setor; localização estratégica – proximidade dos consumidores (enfatizada pelo cliente em sua decisão de escolha de um determinado estabelecimento para realizar suas compras) e fornecedores (redução de custos de transportes, agilidade no processo de logística e necessidade mínima de acumular estoques). Neste sentido, em cidades com escassez de terrenos (vazios ou ocupados), o preço da localização tende a ser elevado, se constituindo numa barreira à entrada; fidelidade dos consumidores – Caracteriza-se como uma importante fonte de barreira à entrada no setor supermercadista, na medida em que os consumidores incorrem em custos ao mudarem de supermercados, condição que gera um efeito de aprisionamento (lock-in) dos consumidores nas redes estabelecidas. Associa-se também a indisposição do consu- midor de se locomover para outras lojas, aos hábitos e costumes, localização das gôndolas onde estão os produtos nas lojas em que determinados clientes costumam realizar suas compras, ou até mesmo imagem ou reputação que se tem da firma; • ameaça de retaliação por parte das firmas atuantes no mercado – As empresas pertencentes à indústria podem baixar seus preços e mantê-los, por no mínimo um ano, em níveis inferiores aos vigentes antes da entrada. Este movimento pode sinalizar para às potenciais entrantes que as oportunidades de vendas serão inferiores àquelas que vigoram atualmente, impedindo e/ou dificultando a entrada. A partir destas considerações teóricas apresentadas em relação aos principais tipos de barreiras à entrada é possível identificar e correlacionar tais atributos com algumas características observadas no setor de supermercados em Salvador. Assim, os principais tipos de barreiras à entrada identificados no mercado relevante de Salvador via concentração do mercado são: • economias de escala – associadas à racionalização da estrutura de logística, tendo em vista que o maior volume de vendas permite, por exemplo a centralização do abastecimento das lojas em um único centro de distribuição, incorrendo em redução de custo. Ademais, a existência de um centro de distribuição e o processo de automação do setor de supermercados permitem às redes aumentar a área de vendas das lojas, ocupando espaços que normalmente se destinam aos estoques de mercadorias. Neste sentido, o Bompreço possui uma vantagem competitiva em relação à concorrência e isto pode inibir a entrada das principais redes de varejo em Salvador, na medida em que esta empresa possui um centro de distribuição nesta cidade, como também investe cada vez mais no processo de automação de suas lojas; • diferenciação do serviço – Através do atributo de desenvolvimen- RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO to de marcas próprias, o Bompreço estabelece a diferenciação da marca em relação à concorrência, conquistando a lealdade do consumidor e realizando uma integração vertical para trás, estabelecendo concorrência com firmas posicionadas à montante da cadeia produtiva. Por outro lado, o Bompreço pode ser caracterizado como um comprador com forte poder de negociação junto aos fornecedores, tendo em vista o seu tamanho e a escala de compras que realiza. O desenvolvimento de programas de fidelização17 pode ser entendido como uma estratégia de marketing, na medida em que permite a segmentação do mercado, bem como a escolha do mix de produtos que serão oferecidos num determinado mercado ou numa loja específica; • necessidade de elevados investimentos em capital – Pertencente a maior rede de varejo do mundo, o Bompreço possui acesso a fontes de capital de modo a promover o seu processo de expansão e consolidação do mercado, exercendo a sua liderança e dificultando a penetração de novas empresas nesta indústria. Num setor em que as condições de crescimento imponham a necessidade de consideráveis economias de escala, as firmas estabelecidas podem considerar lucrativo acumular uma quantidade de capital suficiente para tornar não lucrativa a entrada de uma nova firma no mercado, conseguindo, com isso, manter seus lucros a um nível mais alto do que obteriam caso permitissem a entrada de um novo competidor (OREIRO, 1997). Localização estratégica – se constitui numa barreira à entrada tendo em vista a escassez de terrenos adequados para a instalação de empreendimentos da magnitude de um supermercado ou hipermercado, tendo em vista a característica estratégica deste atributo, como também o fato de grande maioria das lojas das firmas já atuantes no setor supermercadista em Salvador possuírem localizações privilegiadas e definidas em função do perfil do consumidor. Desta forma, apenas no sentido Norte da cidade (região compreendida pela avenida Paralela, no sentido do Aeroporto), é possível encontrar disponibilidades de terrenos, dificultando a penetração via construção de unidades próprias neste mercado. A liderança absoluta e o tamanho ocupado pelo Bompreço em Salvador se constituem, portanto, em entraves ao desenvolvimento e a consolidação de forma agressiva de grandes cadeias (tais como Carrefour, Pão de Açúcar, etc) nesta região, sendo que todas estas empresas estão acostumadas a disputar a liderança dos mercados em que operam, possuindo elevadas participações nas regiões Centro-Sul do Brasil. A grande diferença das participações relativas das empresas neste mercado e a eficiente logística do Bompreço, possuindo lojas em diversos bairros da cidade de Salvador, todas localizadas estrategicamente para atender os mais variados segmentos da sociedade, dificultam o desenvolvimento e a inserção de novas empresas neste mercado. Face à inexistência de redes atrativas para a aquisição em Salvador, as empresas entrantes no referido mercado, terão que adquirir redes menores, ou construir unidades próprias, o que requer pesados investimentos em marketing para conquistar clientes (que podem de constituir em sunk costs, custos irrecuperáveis, para determinada firma), podendo ainda incorrer em retaliações dos principais competidores. Além disso, existe a possibilidade de recusa dos consumidores, que estão acostumados com as bandeiras locais18, sobretudo com a marca Bompreço, que possui forte identidade junto aos RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO consumidores de Salvador, se constituindo também numa barreira à entrada. 6 Conclusões O presente trabalho ao analisar a estrutura de mercado e os padrões de concorrência vigentes no setor de supermercados em Salvador, tem como finalidade entender, analisar e fomentar a discussão sobre as razões pelas quais as grandes redes de supermercados nacional e internacional, tendo em vista o processo de expansão e de internacionalização dos mercados, não conseguem penetrar de forma agressiva no setor de supermercados em Salvador, estabelecendo uma competição mais vigorosa com a firma Bompreço. Neste sentido, o alto grau de concentração do mercado, a elevada participação do Bompreço nesta indústria e as barreiras à entrada existentes constituem condições necessárias, contrariando, inclusive o Art. 20 da Lei 8884/94, porém não suficientes para configurar o exercício do poder de mercado no setor de supermercados em Salvador. Uma das justificativas que a literatura econômica relativa ao tema deste trabalho admite para o elevado tamanho e concentração de uma determinada firma é o grau de eficiência decorrente do ato de concentração. De acordo com a Secretaria de Acompanhamento Econômico (BRASIL, 2003), tais eficiências apresentadas devem ser específicas da operação, não podendo ser obtidas de outra forma menos restritiva à concorrência, que não por intermédio da operação. Do mesmo modo, as eficiências devem derivar tão somente de economias reais, devendo 17 Em 1996, o Bompreço criou o Bomclube, um sistema de premiação à fidelização dos clientes, no qual os consumidores recebem uma bonificação (o cliente junta os pontos e depois troca por mercadorias, sendo que cada um Real em compras vale um ponto). Esta estratégia além de se constituir numa fonte de barreiras à entrada (a partir do fortalecimento da marca), possibilita a formação de um banco de dados com as informações específicas de cada consumidor, se constituindo num processo de customização. Com isso, é possível identificar o perfil da demanda e a freqüência de cada cliente na realização de compras, podendo desenvolver um posicionamento específico para cada segmento-alvo (PINTO, 2000). 18 O atributo da fidelidade da marca é tão significante para o Bompreço em relação aos consumidores que mesmo após ser vendido para o Wal-Mart, esta firma adotou a estratégia de manter a bandeira Bompreço, aproveitando o poder da marca fortemente consolidada no mercado de Salvador, além do elevado custo de mudança que teria que incorrer, mesmo se tratando da maior rede de varejo do mundo. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 83 ser apresentadas de forma clara e precisa, como também compensar os efeitos anti-competitivos resultantes da concentração, gerando eficiências consideráveis. Como forma de caracterizar e exemplificar as considerações acima mencionadas explicitaremos abaixo algumas eficiências apresentadas pela Secretaria de Acompanhamento Econômico relativa ao setor de supermercados em Salvador, decorrente do ato de concentração nº 08012006976/01-58 referente à aquisição do Bompreço/Royal Ahold (BR Participações e Empreendimentos S/A dos ativos operacionais e estoques do G. Barbosa & Cia Ltda, tais como: Economia de escala, economias de escopo, transferências de melhores práticas e de melhores tecnologias, aumento do número de produtos oferecidos e criação de um poder de mercado compensatório por meio de utilização de marcas próprias, melhorias da qualidade de produtos e serviços ofertados e geração de externalidades positivas (BRASIL, 2003). Cabe salientar que a análise do referido ato, bem como do parecer da SDE (Secretaria de Direito Econômico) nº 08012005104/99-51 relativo à aquisição pelo Bompreço de seis estabelecimentos comerciais do PetiPreço, permite concluir que as informações apresentadas pelas firmas envolvidas nas operações não foram suficientes para comprovar que as eficiências previstas não poderiam ser obtidas de outra forma que não através da concentração (eficiências específicas do ato), caracterizando-se como dados insuficientes e vagos, sem apresentar justificativa técnica plausível para a viabilidade das operações. Entretanto, apesar das restrições, ambas as transações foram aprovadas pela SEAE (Secretaria de Acompanhamento Econômico e pelo CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), após a apresentação, por parte do Bompreço, firma adquirente, de estudos técnicos detalhados certificados por auditores independentes. Tais documentos possuem caráter confidencial, não sendo de fácil acesso, nem tampouco se encontram dis- 84 poníveis ao público na internet. Sendo assim, tendo em vista as considerações, características e particularidades inerente aos setor supermercadista de Salvador apresentadas neste trabalho, fundamentada na concentração do mercado e na existência de barreiras à entrada, configura-se que a identificação de tais variáveis no mercado relevante de Salvador limitam a conduta de potenciais concorrentes e o próprio desempenho das firmas rivais, seja em razão do seu reduzido porte e ou da pequena participação relativa (market share) que exercem em relação ao Bompreço (líder do setor). O fator mais preocupante, é que algumas empresas incluídas no cálculo da participação do mercado pelo nº de lojas, a exemplo da Cesta do Povo e da firma Ponto Verde, não reúnem todas as características do mercado relevante de supermercado e hipermercado de Salvador, sendo acrescentados na pesquisa tão somente porque exercem parcialmente concorrência (substitutibilidade de menor grau) com o Bompreço, de tal maneira que a concentração do setor, considerando-se apenas as redes de super e hipermercados conforme definição da Secretaria de Acompanhamento Econômico (2003), deve apresentar índice ainda mais elevado. Por essas razões, se faz necessário à realização de uma ampla e minuciosa pesquisa com a finalidade de verificar, de forma técnica e empírica, se existe excessiva concentração de mercado sem a existência de eficiências econômicas que compensem ou suplantem tal condição, favorecendo a probabilidade do exercício do poder de mercado de forma unilateral ou coordenada, ou se o oligopólio concentrado verificado neste setor se adequa às especificidades técnicas e mercadológicas referentes a esta indústria em Salvador (aplicação do princípio da razoabilidade). BASSO, L. F. C.; SILVA, M. R. Reflexões sobre a Regulamentação. RAC, v. 4, n. 2, Maio/Ago, 2000. Referências GONÇALVES, A. L. Concorrência sob condições oligopolísticas. Contribuição das análises centradas no grau de atomização/concentração dos mercados. 2003. Tese (Doutorado em Economia)- Unicamp, Campinas. BAIN, J. Workable competition in oligopoly: theoretical considerations and some empirical evidence. 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Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 85 ÁREAS URBANAS DEGRADADAS: RELAÇÕES COM A GESTÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS Generoso de Angelis Neto1 Bruno Luiz Domingos de Angelis2 Paulo Fernando Soares3 Resumo A Agenda 21, apresentada na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente em 1992 (RIO 92), apresenta três condições básicas para a correta gestão dos resíduos sólidos: reduzir, reciclar e reutilizar. Dentro dessa premissa busca-se discutir alguns conceitos relacionados ao tema “resíduos sólidos” num contexto voltado para a análise geográfica. Neste enfoque geográfico procura-se relacionar os resíduos sólidos com o planejamento e recuperação de áreas urbanas, principalmente decorrentes dos impactos ambientais derivados da gestão incorreta destes resíduos. Destacam-se quais assuntos são de interesse do futuro licenciado em Geografia e de que forma estes conceitos podem ser analisados. Assim, têm-se alguns pontos que devem ser de conhecimento deste futuro profissional, alicerçado em aspectos técnicos, como normas e conceituações, na busca da construção do conhecimento geográfico. Palavras chave: Resíduos sólidos urbanos; Práticas pedagógicas; Recuperação de áreas degradadas. Abstract Agenda 21, presented in the Conference of the United Nations on Environment in 1992 (RIO 92), presents three basic conditions for the correct management of the solid residues: to reduce, to recycle and to reuse. Inside of this premise one searchs to argue some concepts related to the subject “solid residues” in a context directed toward the geographic analysis. In this geographic approach it is looked to relate the solid residues with the 86 planning and recovery of urban areas, mainly decurrent of the ambient impacts derivatives of the incorrect management of these residues. Which subjects are distinguished are of interest of the future permitted in Geography and of that it forms these concepts can be analyzed. Thus, one has some points that must be of knowledge of this professional future, based in aspects technician, as norms and conceptualizations, in the search of the construction of the geographic knowledge. Key words: Urban solid residues; Practical pedagogical; Recovery of degraded areas. Introdução O modo de vida dominante nos dias atuais, influenciado pela propaganda e pelo consumismo, tem levado a uma apropriação nunca antes vista em termos de sobrecarga ambiental, em busca de matériasprimas exauríveis, em um espaço de tempo bastante curto. Novas tecnologias produzem novos tipos de resíduos, cada vez mais inorgânicos, que tendem a aumentar seu tempo de contaminação do meio até que retorne à natureza, de onde geralmente são extraídos. O aumento da densidade demográfica que vem ocorrendo nas últimas décadas nos Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA grandes centros urbanos (principalmente naqueles de países em desenvolvimento) em conseqüência do êxodo rural ou crescimento vegetativo da população (maior longevidade) faz com que estas áreas necessitem, cada vez mais, de ações voltadas ao saneamento do meio, ou seja: abastecimento e distribuição de água, eliminação de águas servidas e destinação adequada dos resíduos sólidos. A correta gestão dos resíduos sólidos esbarra numa série de fatores como a inexistência de uma política federal de limpeza pública e as descontinuidades administrativas. A ausência de uma política abrangente em todas as esferas do poder (federal, estaduais e municipais) faz com que ocorra a degradação ambiental em áreas urbanas, ocasionando densidades demográficas elevadas, diversidade de atividades e funções incompatíveis nas cidades além da carência de áreas para disposição adequada dos resíduos. Neste sentido, se faz necessário conhecer os principais aspectos envolvidos na gestão dos resíduos sólidos e suas implicações sobre o meio ambiente, nas etapas de coleta, transporte e destino final. Classificação dos resíduos Entende-se aqui por “resíduo” 1 Prof. Dr do Departamento de Engenharia Civil e dos Programas de Pós-graduação em Engenharia Urbana e em Geografia – Mestrado – da Universidade Estadual de Maringá/PR. Vice-Diretor do Centro de Tecnologia da Universidade Estadual de Maringá. E/mail: [email protected] 2 Prof. Dr do Departamento de Agronomia e dos Programas de Pós-graduação em Engenharia Urbana e em Geografia – Mestrado – da Universidade Estadual de Maringá/PR. Vice-Diretor do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Estadual de Maringá; 3 Prof. Dr do Departamento de Engenharia Civil e dos Programas de Pós-graduação em Engenharia Urbana e em Geografia – Mestrado – da Universidade Estadual de Maringá/PR. Chefe do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Estadual de Maringá. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Quadro 1 – Classificação dos resíduos Fonte: ANGELIS NETO (1999) tudo aquilo que é descartado durante um processo produtivo, execução de uma atividade ou consumo, mas que pode agregar valor ou ser utilizado em outra função. Já o termo “lixo” será entendido como aquilo que já não tem função e não se agrega valor econômico. O quadro 1 apresenta uma classificação geral dos resíduos de acordo com diversas características que os mesmos podem possuir, fornecendo um panorama amplo de como pode-se classificar os resíduos. Para normalizar estes conceitos, definições e classificações, existem uma série de normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), resoluções do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), portarias da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitá- ria), além de normas e decretos federais e estaduais. Com relação às responsabilidades de gestão destes resíduos, somente aqueles domiciliares, comerciais e públicos são de responsabilidade do poder público municipal. Os demais são dos geradores. O nível de vida da população, o grau de industrialização dos alimentos, os hábitos da população e fatores sazonais influenciam a quantidade e a composição dos resíduos domiciliares gerados. Estas variações interferem diretamente nas rotinas de gestão dos mesmos, dificultando-as e gerando alguns transtornos para a população quando não resolvidas a tempo. O mesmo podese dizer com relação aos resíduos públicos, que sofrem influência direta da arborização das vias públi- RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO cas, dos hábitos culturais da população de uma localidade e também da qualidade e conservação dos logradouros públicos. Dentro deste enfoque, há que se destacar algumas dificuldades decorrentes da própria gestão, dentre as quais pode-se citar, além da inexistência de política federal de limpeza pública, as limitações financeiras, ausência de capacidade técnica (recursos humanos não qualificados), descontinuidades políticoadministrativas (tanto entre as três esferas de poderes públicos – federal, estaduais e municipais – como entre uma gestão e outra) e a falta de controle ambiental, sem considerar as falhas operacionais decorrentes de cada uma das etapas de gestão dos resíduos: coleta, transporte e destino final dos mesmos. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 87 Caracterização dos resíduos Entre as diversas caracterizações existentes para os resíduos sólidos apresentaremos a seguir aquela que melhor representa o aspecto geográfico que aqui se pretende, ou seja, relacionada com a forma de produção dos mesmos. Assim, destaca-se na seqüência os resíduos de construção e demolição, os resíduos de serviço de saúde, os resíduos industriais, os resíduos agrícolas, os resíduos domésticos ou domiciliares, os resíduos comerciais e os resíduos públicos. Resíduos de Construção e Demolição (RCD) Sob esta denominação, encontram-se os resíduos decorrentes da construção, reforma, demolição e reparos nas obras de construção civil. Com uma produção diária média em torno da metade de todos os resíduos produzidos nas cidades, representam um grave problema ambiental, principalmente devido a seu grande potencial inerte, ou seja, sua dificuldade em ser re-absorvido pelo meio ambiente e sua forma inadequada de disposição (fundos de vales, terrenos baldios e áreas degradadas). Na busca de uma correta gestão dos mesmos, ou seja, sua utilização para outros fins, atividades especiais devem ter lugar no próprio canteiro-de-obras. Estas atividades devem se concentrar na separação destes em caçambas independentes e individualizadas, como as que recolhem cerâmicas vermelhas, argamassas, vidros e cerâmicas esmaltadas, concretos, pedras, areias e metais além daqueles produtos descartados como “lixo”, entre os quais destacam-se o gesso e resíduos de limpeza dos canteiros-de-obras. Esta separação deve-se ao fato de como estes resíduos de construção e demolição serão utilizados, se em forma de agregados miúdo ou graúdo, ou como materiais que devem apresentar elevada resistência estrutural. Entre as vantagens de se proceder a reciclagem dos RCD’s, destacam-se: redução do consumo de recursos naturais, proteção ao meio ambiente, economia na aquisição de 88 matéria-prima, redução de áreas necessárias para aterro, redução da geração de poluição, redução no consumo de energia e redução no preço de produtos, entre outros. Um outro aspecto que merece destaque é a utilização destes produtos reciclados como material utilizável em tecnologias apropriadas, alternativas ou de baixa renda, visando o aspecto social de políticas públicas urbanas. Assim, utilizando-se mão-de-obra local (geralmente não qualificada) pode-se implantar medidas de melhoria urbana em áreas mais pobres ou degradadas da cidade, aliando-se melhorias da qualidade ambiental com medidas de amplo alcance social. Dentre os produtos reciclados que podem ser utilizados, após processamento em usinas apropriadas, destacam-se: blocos, painéis, briquetes, tubos, placas, meios-fios, elementos pré-moldados vários, além da confecção de concreto não-estrutural in loco. Além destas utilizações, tem-se ainda a diminuição do passivo ambiental decorrente das atividades de construção civil. Resíduos de Serviço de Saúde (RSS) A Resolução RDC nº 33 da ANVISA define como geradores de RSS todos os serviços que prestem atendimento à saúde humana ou animal, incluindo os prestadores de serviço que promovam os programas de assistência domiciliar, serviços de apoio à preservação da vida, indústrias e serviços de pesquisa na área de saúde, hospitais e clínicas, serviços ambulatoriais de atendimento médico e odontológico, serviços de acupuntura, tatuagem, serviços veterinários destinados ao tratamento da saúde animal, serviços de atendimento radiológico, de radioterapia e de medicina nuclear, serviços de tratamento quimioterápico, serviços de hemoterapia e unidades de produção de hemoderivados, laboratórios de análises clínicas e de anatomia patológica, necrotérios e serviços onde se realizem atividades de embalsamamento e serviços de medicina legal, drogarias e farmácias, inclusive as de manipulação, estabelecimentos de ensino e pesquisa Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA na área de saúde, unidades de controle de zoonoses, indústrias farmacêuticas e bioquímicas, unidades móveis de atendimento à saúde e demais serviços relacionados à saúde, humana e animal, que gerem resíduos perigosos. De uma maneira mais coloquial, são aqueles resíduos que apresentam riscos físicos, químicos ou biológicos sobre a saúde do ser humano, gerados em estabelecimentos como hospitais, laboratórios, farmácias, clínicas, hospitais veterinários, portos, aeroportos e outros locais em que possa haver riscos de transmissão de doenças. Estes resíduos devem ser gerenciados de forma adequada em todas as etapas envolvidas: geração, acondicionamento, armazenamento, coleta, transporte, tratamento e destino final, através da elaboração de um Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde – PGRSS. Este Plano constitui-se num conjunto de procedimentos de gestão, planejados e implementados a partir de bases científicas e técnicas, normativas e legais, com o objetivo de minimizar a produção de resíduos e proporcionar aos resíduos gerados um encaminhamento seguro. Os resíduos dos serviços de saúde podem ser classificados, segundo a Resolução RDC nº 33/2003 da ANVISA, em: • Resíduos do Grupo A – Potencialmente Infectantes: Resíduos com a possível presença de agentes biológicos que, por suas características de maior virulência ou concentração, podem apresentar riscos de infecção; • Resíduos do Grupo B – Químicos: Resíduos contendo substâncias químicas que apresentam risco à saúde pública ou ao meio ambiente, independente de suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade e toxicidade; • Resíduos do Grupo C – Rejeitos Radioativos: São considerados rejeitos radioativos quaisquer materiais resultantes de atividades humanas que contenham radionuclídeos em quantidades superiores aos limites toleráveis aos serem humanos, e para os RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO quais a reutilização é imprópria ou não prevista; • Resíduos do Grupo D – Resíduos Comuns: São todos os resíduos gerados nos serviços abrangidos por esta Resolução que, por suas características, não necessitam de processos diferenciados relacionados ao acondicionamento, identificação e tratamento, devendo ser considerados como resíduos sólidos domiciliares; e • Resíduos do Grupo E – Resíduos Perfurocortantes: São os objetos e instrumentos contendo cantos, bordas, pontos ou protuberâncias rígidas e agudas, capazes de cortar ou perfurar. Através da RDC nº 33, a ANVISA estabeleceu que até março de 2004 todos os estabelecimentos que produzem RSS’s deveriam se adequar a ela. Para a solução deste problema, os estabelecimentos geradores de resíduos de serviços de saúde têm procurado a união de esforços como saída para a implantação de uma empresa para o tratamento de seus resíduos, além da elaboração de seus Planos de Gerenciamento. Resíduos Industriais Segundo ROCCA et al. (1993) resíduos sólidos industriais podem ser caracterizados como: os resíduos em estado sólido e semisólido que resultam da atividade industrial, incluindo-se os lodos provenientes das instalações de tratamento de águas residuárias, aqueles gerados em equipamentos de controle de poluição bem como determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou corpos d’água, ou exijam, para isso, soluções economicamente inviáveis, em face da melhor tecnologia disponível. Por um caminho semelhante, GERBER (1999) define resíduos sólidos industriais da seguinte maneira: o resíduo industrial é aquele originado das atividades de diversos ramos da indústria (metalúrgica, química, petroquímica, papeleira, alimentícia). O resíduo industrial é bastante variado, podendo ser representado por cinzas, lodos, óle- os, resíduos alcalinos ou ácidos, plásticos, papel, madeira, fibras, borracha, metal, escórias, vidros e cerâmica. Nesta categoria, incluise a grande maioria dos resíduos considerados tóxicos. A NBR 10.004/87 – Resíduos Sólidos – Classificação – baseia-se para classificar os resíduos em listagens de resíduos reconhecidamente perigosos e listagens padrões de concentração de poluentes. A partir destas listagens classifica os resíduos quanto aos riscos potenciais ao meio ambiente e à saúde pública em três categorias: • Resíduos Classe I – Perigosos: São classificados como resíduos Classe I ou Perigosos os resíduos sólidos ou mistura de resíduos que, em função de suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade e patogenicidade, podem apresentar algum risco à saúde pública, provocando ou contribuindo para um aumento de mortalidade ou incidência de doenças e/ou apresentar efeitos adversos ao meio ambiente, quando manuseados ou dispostos de forma inadequada; • Resíduos Classe II – Não Inertes: Pertencem a classe dos resíduos não inertes de Classe II os resíduos sólidos ou mistura de resíduos que não se enquadram nas especificações definidas para a Classe I (Perigosos) ou Classe III (Inertes). Apesar de não se enquadrarem na categoria de resíduos perigosos, os resíduos Classe II podem apresentar características como combustibilidade, biodegradabilidade e solubilidade em água; e • Resíduos Classe III – Inertes: São classificados como Classe III ou resíduos inertes os resíduos sólidos ou mistura de resíduos sólidos que, submetidos ao teste de solubilização, não tenham como resultado nenhum de seus constituintes solubilizados em concentrações superiores aos padrões definidos pela NBR 10.004/87. nas em um município. Podem resultar de atividades agrícolas, como embalagens de agrotóxicos e restos de culturas, ou da pecuária, como a criação de animais confinados. Com relação às embalagens de agrotóxicos, é necessária a tripla lavagem destas embalagens antes que as mesmas sejam encaminhadas ao fabricante, por força de lei. Quando manipuladas, é necessário o uso de equipamentos de proteção individual como luvas e máscaras, para evitar danos à saúde dos operários. Quando da limpeza dos equipamentos agrícolas após o uso, deve-se faze-lo em locais específicos para tal, de forma a não contaminar os mananciais superficiais e o solo. Os restos de cultura que ficam sobre o campo após a colheita têm a função, na maioria dos casos, de fornecer nutrientes e minerais, pela decomposição da matéria orgânica e reabsorção pelo solo. Há que se destacar ainda a função de servir como barreira física ao desencadeamento de processos do meio físico, como erosões e assoreamentos, diminuição da velocidade das águas do escoamento superficial, além de proporcionar uma melhor infiltração das águas de chuva. Cuidados especiais deverão ser tomados para se evitar a queima da matéria orgânica seca que fica sobre o solo, pois a queima compromete a fertilidade pela perda de minerais e nutrientes presentes no solo. A pecuária confinada, como a criação de gado (principalmente em países europeus) e de aves, gera uma grande quantidade de resíduos com elevada carga orgânica. No caso de aves, a produção de excrementos vem acompanhado da “cama”, ou seja, palha de arroz ou outro tipo de material inerte, que fica sob as gaiolas para acomodar estes resíduos. Devido à elevada carga orgânica que estes resíduos geram, necessário se faz encaminhar o mesmo para uma destinação que não cause impactos ambientais, como contaminações e/ ou poluições. Resíduos Agrícolas Também conhecidos como resíduos rurais, são aqueles produzidos fora dos domínios das áreas urba- RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Resíduos Domésticos ou Domiciliares São aqueles produzidos diariamente nas casas e apartamentos, e Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 89 que se constituem basicamente dos resíduos provenientes das atividades domésticas. São constituídos por restos de comidas, embalagens plásticas e de metais, papéis, ciscos de varrição, panos e matéria orgânica. São gerados em grandes quantidades diárias, por isso devem ser removidos periodicamente do interior das casas e apartamentos. aterro sanitário para disposição final. Gestão dos resíduos sólidos O gerenciamento correto dos resíduos sólidos urbanos apresenta três etapas bastante características: a coleta, o transporte e o destino final. Falaremos brevemente sobre cada uma delas, dando enfoque sobre os resíduos sólidos urbanos. Resíduos Comerciais São aqueles gerados em estabelecimentos comerciais e se aproximam bastante das características dos resíduos domiciliares. Estão relacionados diretamente com as atividades desenvolvidas no estabelecimento, e podem apresentar em sua constituição: papéis, restos de alimentos, embalagens e matéria orgânica, entre outros. Não apresentam coleta diferenciada com relação aos domésticos e são gerados normalmente nas zonas centrais ou comerciais das cidades. Coleta O usuário é responsável pela coleta interna, acondicionamento e armazenamento dos resíduos, que é função da quantidade, da composição dos resíduos gerados e da freqüência de coleta. Cabe ao poder público a definição de padrões, tipos ou métodos de acondicionamento e sua fiscalização na fase externa, dinâmica, e com roteiro elaborado. A eficiência dos serviços de coleta depende da universalidade dos serviços prestados e da regularidade da mesma. Resíduos Públicos São aqueles resíduos produzidos por atividades que se desenvolvem em logradouros públicos e cuja responsabilidade é do poder público. Entre estas atividades destacam-se a limpeza de praias, bocas-de-lobo, pintura de meios-fios, podas de árvore, roçadas em lotes urbanos, limpeza de logradouros públicos e varrição, entre outros. Seus principais constituintes podem ser assim caracterizados: • Restos orgânicos vegetais: são aqueles provenientes da varrição de folhas, podas de árvores, restos de roçadas em canteiros e praças e que podem ser aproveitados como composto orgânico ou serrapilheira, desde que devidamente tratados e selecionados; • Resíduos inorgânicos: provenientes dos vários serviços de limpeza urbana, não logram apresentar qualquer possibilidade de reuso ou reciclagem. São os materiais inertes e os inservíveis; e • Lodos: são os resíduos provenientes das bocas-de-lobo, bueiros e canais em áreas urbanas. Devido à sua consistência e composição, devem ser encaminhados ao 90 Transporte A necessidade da remoção dos resíduos gerados para longe da fonte geradora faz com que seja necessário um serviço de transporte eficiente, na seqüência da coleta externa efetuada pela guarnição. A obtenção desta eficiência depende de fatores econômicos (dimensionamento da frota e de pessoal), técnicos (escolha do melhor itinerário, com menor percurso “morto”) e higiênico (início da decomposição dos resíduos). A escolha do veículo de transporte está relacionada com a quantidade de resíduos gerados, com a forma de acondicionamento dos resíduos e com as condições de acesso aos pontos de coleta. Destino Final A última etapa da gestão dos resíduos sólidos urbanos pode ser caracterizada sob dois aspectos: o destino final propriamente dito (em lixões, aterros controlados ou aterros sanitários) e o tratamento, que compõe-se basicamente da incineração, compostagem e reciclagem. A disposição dos resíduos diretamente em lixões a céu aberto é a pior Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA forma de disposição final, pois contamina o meio ambiente em vários aspectos e causa uma série de impactos ambientais. Não possui amparo legal e jurídico algum, sendo condenado pelo poder público e por órgãos ambientais em todo o país. Apresenta ainda o agravante de proporcionar a presença de seres humanos (especialmente crianças) e animais que dali retiram seu sustento, seja in natura, seja através de materiais recicláveis garimpados e vendidos. Não conta com nenhuma forma de proteção ambiental ou obra de engenharia, sendo os resíduos simplesmente lançados em uma área qualquer, geralmente fundos de vales, cavas de pedreiras abandonadas ou áreas degradadas. Os aterros controlados caracterizam-se pelo revestimento do fundo da escavação, para evitar-se o contado dos resíduos sólidos depositados e dos líquidos percolados com o meio externo, além de apresentar compactação e cobertura diária (ou ao menos regular) das células de resíduos. São utilizados para comunidades que apresentam uma produção máxima de 30 ton/dia de resíduos em média. Os aterros sanitários apresentamse como a melhor forma de disposição para os resíduos sólidos urbanos, no tocante aos aspectos técnicos, econômicos e ambientais. São considerados obras de engenharia onde os resíduos são dispostos em áreas previamente selecionadas, licenciadas e preparadas, com revestimento de fundo, drenos de gases e líquidos percolados, além de sistemas de queima dos gases gerados e tratamento dos líquidos percolados. Embora tenham grande eficiência, começam a surgir problemas em algumas áreas urbanas, principalmente nas grandes metrópoles, em decorrência da falta ou carência de áreas para a implantação destes aterros, visto que seu período de vida útil deve atingir próximo de 20 anos. Os sistemas de tratamento dos resíduos sólidos urbanos, em sua última etapa, apresenta como objetivo principal a redução da quantidade e periculosidade dos resíduos a serem aterrados. Além disso, justifi- RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Quadro 2 – Principais fatores que causam impactos ambientais por falhas na gestão dos resíduos sólidos urbanos Fonte: ANGELIS NETO (1999) cam-se pela escassez de áreas em grandes centros urbanos, pela disputa de terras remanescentes, pela valorização dos componentes dos resíduos e pela necessidade de inertização dos resíduos de serviços de saúde. Assim, tem-se resumidamente as formas mais comuns de tratamento como também suas vantagens. A compostagem consiste na decomposição induzida de matéria orgânica animal ou vegetal. Proporciona uma economia de área nos aterros, o aproveitamento agrícola da matéria orgânica gerada, a reciclagem de nutrientes para o solo, além de ser um processo ambientalmente seguro e proporcionar a eliminação de patógenos. A reciclagem é a derivação, coleta, separação e processamento de materiais que iriam ao aterro, usados como matéria-prima através de indústrias de reciclagem ou coleta seletiva. Deve ser encarada como um conjunto de ações que visem simultaneamente os aspectos social, econômico e ambiental, com as vantagens de diminuir a quantidade de resíduos a ser aterrado, preserva os recursos naturais, economiza ener- gia, diminui a poluição e ainda gera empregos. A incineração é definida como uma tecnologia térmica, que atua acima de 900º centígrados, com o objetivo de reduzir a massa e o volume dos resíduos a cinzas, além de inertizá-los. Assim, suas principais vantagens são a redução do volume de resíduos a ser aterrado, a redução do impacto ambiental, a destoxificação dos resíduos e a recuperação da energia térmica para outros fins. Medidas para recuperação de áreas degradadas por resíduos sólidos Os problemas de gestão que ocorrem no gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos nas fases de coleta (acondicionamento irregular e falhas na freqüência de coleta), de transporte (utilização de veículos impróprios e itinerários inadequados de coleta) e de destino final (ausência de cobertura com material inerte, ausência de sistemas de drenagem e coleta de líquidos percolados, ausência de impermeabilização no contato resíduo x solo, utilização de técnicas inadequadas de disposição dos resíduos e ausência de es- RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO tudo criterioso para escolha do local de disposição) no caso de lixões a céu aberto, não encontram respaldo jurídico na grande maioria dos instrumentos legais disponíveis. A correta gestão dos resíduos sólidos urbanos é um dos maiores desafios enfrentados pelos governos municipais, responsáveis pelas atividades nestas áreas. Se por um lado percebe-se a presença de problemas estruturais (como a falta de infra-estrutura necessária, dificuldades de acesso a determinadas localidades e carência de informações reais e atuais sobre o problema) por outro notase a ausência de políticas para a área, que privilegiem soluções globais de médio e longo prazos. Como conseqüência o poder público fica impedido de prestar os serviços necessários e que atenda satisfatoriamente a população, evitando-se os impactos ambientais. Assim, apresenta-se no quadro 2 as principais causas destes impactos ambientais que causam degradações em áreas urbanas. Em função dos fatores que causam impactos ambientais por falhas na gestão dos resíduos sólidos urbanos, surge a necessidade de dire- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 91 Quadro 3 – Instrumentos e diretrizes utilizadas para o controle e recuperação de áreas degradadas por resíduos sólidos urbanos Fonte: ANGELIS NETO (1999). trizes que visem não só a recuperação das áreas degradadas por resíduos sólidos, mas também algumas propostas de forma a contribuir para evitar a ocorrência destes impactos. Assim, apresenta-se no quadro 3 a seguir os instrumentos econômicos, educacionais e informativos com este fim. Longe de se querer indicar todos os instrumentos potencialmente utilizáveis para o planejamento e recuperação de áreas degradadas por resíduos sólidos, destacamse tão somente aqueles mais importantes. Conclusão A abordagem do tema sobre planejamento e recuperação de áreas degradadas por resíduos sólidos ensejou uma série de considerações que descrevessem os conhecimentos envolvidos nestes dois aspectos: se por um lado houve a necessidade de se conhecer os tipos de resíduos sólidos e as formas de gestão, além dos impactos decorrentes de suas falhas, por outro houve a necessidade de explorar alguns aspectos envolvidos com a degradação de áreas urbanas, relacionadas com a gestão incorreta dos resíduos sólidos. Neste contexto, procurou-se traçar um paralelo entre os problemas de gestão que 92 ocorrem com os resíduos e os potenciais instrumentos utilizáveis para o controle e desenvolvimento de impactos ambientais. Os conhecimentos técnicos sobre os problemas ambientais são comuns a diversas áreas de conhecimento. Cabe ao futuro profissional especializar-se, dentro de sua área de formação, de como fazer uso destes conhecimentos em busca de soluções, técnica e economicamente viáveis, para a melhoria da qualidade ambiental. Os cursos da área de Ciências Sociais Aplicadas são um exemplo bem acabado de como estes futuros profissionais podem e devem agir: conhecedores do espaço que os cerca, num aspecto mais amplo do que comporta a palavra “espaço”, estes profissionais são responsáveis por, através de uma abordagem crítica, analítica e conclusiva, transformar os conhecimentos técnicos em práticas pedagógicas, engajadas num processo de transformação e inseridas no contexto social, econômico e cultural da sociedade do momento, sem descartar as conseqüências das transformações históricas sobre o meio. A análise do espaço, sob essa ótica, não deve ser estático, mas relacionado diretamente com o dinamismo que a história produz, Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA transformando e re-transformando o meio a partir da presença humana e os processos tecnológicos envolvidos nesta ocupação. Referências AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – ANVISA. Resolução RDC nº 33 de 25 de fevereiro de 2003. Dispõe sobre o regulamento técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde. Brasília/DF. ANGELIS NETO, G. As deficiências nos instrumentos de gestão e os impactos ambientais causados por resíduos sólidos urbano: O caso de Maringá/PR Tese, 1999 (Doutorado, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo). ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT – NBR 10004/ 87 – Resíduos Sólidos – Classificação. Rio de Janeiro: ABNT, 1987. GERBER, W. Impacto ambiental: resíduos sólidos e reciclagem. Pelotas: UCPEL, 1999. ROCCA, A.C.C (org.). Resíduos sólidos industriais. São Paulo: CETESB, 1993. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO AN ESSAY ON THE INTERDEPENDENCE BETWEEN ECONOMIC GROWTH AND THE FINANCIAL SECTOR Paulo Renato Soares Terra1 Abstract This essay surveys the theoretical and empirical literature on the interdependence between economic growth and the financial sector. It is shown that typical financial sector functions such as price discovery, risk sharing, and liquidity transformation have a non-trivial effect on the growth of the real sector of the economy. Gains come mainly from reduced transactions costs as well as better allocation of resources. International empirical evidence largely supports the proposition that more financially sophisticated countries grow at faster rates than financially repressed ones. Nevertheless, several questions regarding the effect of financial development on economic growth remain unanswered, and several suggestions for future research are given in the final section of the paper. Keywords: economic growth; financial sector; financial development; interdependence. Resumo Este ensaio revisa a literatura teórica e empírica sobre a interdependência entre crescimento econômico e o setor financeiro. É apresentado que as funções típicas do setor financeiro tais como revelação de preços, compartilhamento de riscos e transformação de liquidez têm um efeito não trivial sobre o crescimento do setor real da economia. Os ganhos provêm principalmente da redução dos custos de transação assim como da melhor alocação de recursos. A evidência empírica internacional em geral apoia a proposição de que países mais sofisticados finan- ceiramente crescem a taxas mais rápidas do que países financeiramente reprimidos. Não obstante, muitas questões sobre o efeito do desenvolvimento financeiro sobre o crescimento econômico permanecem sem resposta. Ao final do artigo, são oferecidas diversas sugestões para futuras pesquisas. Palavras-chave: crescimento econômico, setor financeiro, desenvolvimento financeiro; interdependência. The understanding of business on an international scale usually requires from the professional analyst the mastering of several disciplines: marketing, economics, finance, operations management, and intercultural studies, among other social and human sciences. It is tempting – in such a diverse field of study – to attribute great importance to conditions particular of a single country, such as its history, the culture of its people, its institutional arrangements, and its particular economic environment. However, as any basic science course teaches, a theoretical model must be an accurate description of the real world and yet parsimonious enough to be implemented with a finite number of variables. In my point of view, this fact poses one of the central research problems in international business studies: are universal theories suitable to understand economic agents’ behavior under particular business conditions in different countries? It RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO 1 is within this broad framework that this paper is developed. The main objective is to explore the interdependence between the macroeconomic environment and the financial sector and how the interactions between them affect the business conditions of firms. The paper’s ultimate purpose is to derive a few lessons regarding the interdependence between the macroeconomic environment and finance that may be useful to a variety of parties such as academic researchers, economic policymakers in developing countries, managers of local and multinational private corporations, executives of international financial institutions, managers of the investment fund industry, and the staff of multilateral organizations, particularly those interested in developing countries. The remainder of this paper is structured as follows. The next section presents an overall literature review on the relationship between economic growth and the financial sector. Section 2 presents the main empirical evidence on this subject, while the last section outlines a synthesis of this literature. From this synthesis, I suggest several prospective research topics for future investigation. 1. Theoretical Overview The relationship between the financial and the real sector of the economy and its potential effects on Doutor em Administração pela McGill University (Montreal, Canadá), Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). O autor agradece à Fundação CAPES pelo apoio financeiro e ao Sr. Guilherme Heurich, bolsista de pesquisa, pela assistência na realização deste estudo. E-mail profissional: [email protected]. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 93 growth were largely ignored until the late 1960s. It was with the breakthrough works of Goldsmith (1969), McKinnon (1973) and Shaw (1973) that financial markets come to occupy a major role in the growth literature. These authors argue that the development of the financial sector is not simply a byproduct of overall economic growth, but rather leverages the growth process. It can assist in the breakaway from sluggish economic performance to accelerated growth, mainly through incentives to save and invest. Based on quantitative comparative analysis of the financial structure of between half to three dozen countries, Goldsmith (1969) tries to answer the following questions: who finances whom at different stages of financial development; to what extent; through which instruments; and with what effects on economic development. He concludes that (1) financial superstructure grows more rapidly than the infrastructure of national product and wealth (the ratio of aggregate market value of all financial instruments to the value of tangible net national wealth increases); (2) this increase is bounded upwards (between 1 and 1½); (3) LDCs have much smaller ratios than Europe and North America; (4) the main determinant of the financial superstructure is the separation of the saving and investment functions among different economic units; (5) the share of financial institutions in the issuance and ownership of financial assets increases considerably with economic development; (6) this institutionalization of saving and ownership has affected the main types of financial instruments differently: more progress on claims than on equity securities; (7) financial development started everywhere with the banking system and has been dependent on the diffusion of scriptural money through the economy; (8) the share of the banking system in the assets of all financial institutions has declined with economic development; (9) foreign financing has played a substantial role in some phase of the development of most countries; (10) trans- 94 fers of technology and entrepreneurship have been easier to accomplish, and on the whole more successful, with respect to financial instruments and institutions than in many other fields; (11) the cost of financing is distinctly lower in financially developed countries than in LDCs; and (12) as real income and wealth increase, in the aggregate and per head of the population, the size and complexity of the financial superstructure grow, although the direction of causation could not be established. McKinnon (1973) focuses on the extraordinary distortions commonly found in the domestic capital markets of developing countries. He finds that the impact of monetary and financial policies on LDCs capital markets is much greater than is generally supposed, and that policies often stifle incentives to save and invest. Repression of the financial sector is paralleled by the use of tariffs and quotas in an effort to promote development by manipulating the foreign trade sector. The author suggests that a more effective strategy for economic growth would proceed from a thorough liberalization of domestic financial markets, the liberalization of the foreign exchange market, and the lifting of restraints on foreign trade. This strategy, which he calls a “bootstrap” approach for development, aims at securing a country’s own economic development without having to rely on foreign aid, foreign capital investment, and multinationals’ direct investment, technology, and managerial skills. Shaw (1973) argues that the financial sector of an economy does matter in economic development. It can assist in the break from plodding repetition of repressed economic performance to accelerated growth. Numerous economies with low levels of per capita income and wealth have been attracted at times to a development strategy that results in “shallow” finance. By distorting financial prices including real money balances, interest rates and foreign exchange rates, it has reduced the real rate of growth and the size of the financial system relative to non- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA financial activity. The author elaborates on the classical approach of money, finance and capital accumulation by introducing uncertainty and rigidities in output and financial decisions. Also, his model diverges from the Keynesian Liquidity Trap by considering money not as wealth but as debt of the monetary system. After outlining the principles of his model, the author discusses financial repression, its negative impact on growth, and its interrelations with the monetary system, fiscal policy and international trade and finance. As a subsidiary result of his analysis, the author argues that financially repressed economies not only sacrifice the leverage for growth that could be realized from financial deepening, improved fiscal performance and closer integration with external markets, but also suffer from a higher degree of shortterm instability in the growth process. The author concludes that financial deepening along with compatible reforms in the fiscal and international sectors may make growth paths both steeper and smoother. In traditional growth theory, it was believed that financial intermediation could have an effect on the levels of the capital stock per worker or to the level of productivity, but not on growth rates. The breakthrough work of Romer (1986), however, allowed the emergence of endogenous growth models in which institutional arrangements influence the growth rate endogenously, thus providing the theoretical basis for a relationship between financial markets and economic growth. Pagano (1993) provides a simple example of how the financial structure can affect growth. Assume a competitive economy where N identical firms produce output yt with individual capital stock kt according to: yt = Bktα (Eq. 1) Where B is the average capital stock in the economy, given by: B = Akt1−α (Eq. 2) B it is taken as a parameter by the individual firm and A is regarded RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO as the social marginal productivity of capital. Aggregate output is then given by: Yt = Nyt = NBktα = AKt (Eq. 3) Aggregate investment is given by: I t = K t +1 − (1 − δ ) Kt (Eq. 4) Where d is the rate of depreciation of capital. For simplicity, assume a constant population and a closed economy with no government sector. This implies that in capital market equilibrium, savings must equal investment. However, let’s consider that a fraction 1 – f of savings is captured by the financial sector in the form of fees and spreads (it is assumed that these rents are totally consumed instead of reinvested). Therefore: φSt = I t (Eq. 5) Using Eq. 3, Eq. 4, and Eq. 5, the growth rate g at t + 1 is given by: (Eq. 6) Where st denotes the gross savings rate. Dropping the time subscripts, the steady state growth rate becomes: (Eq. 7) In short, financial markets may affect the growth rate directly through the portion 1 – f of savings that are consumed in the financial intermediation process. There are, however, other plausible ways in which the financial sector may influence growth. Pagano (1993) makes the distinction between positive effects of financial development on growth and ambiguous effects. Positive effects of a developed financial sector refer to the channeling of savings to firms and the improvement of the allocation of capital. As the financial sector becomes more developed, the proportion of savings consumed by financial in- termediaries (1 – f) tends to be competed away, and the total resources available for investment increases, therefore increasing the growth rate g (BENCIVENGA, SMITh, and STARR, 1996). Besides fees and spreads, the size of f can also be affected by government specific policies such as restrictive regulations, taxation, and reserve requirements (AMABLE and CHATELAIN, 1996). Another way financial markets can positively affect the growth rate is by providing efficient allocation of capital. Financial intermediaries help investment in projects with the highest marginal product of capital by collecting and disseminating information on alternative projects, and by encouraging individuals to invest in riskier – and usually more productive – projects by providing portfolio diversification (ATJE and JOVANOVIC, 1993; LEVINE and ZERVOS, 1996; Obstfeld, 1994). This risk sharing role of the financial sector affects the marginal productivity of capital (A) by pooling resources and permitting the funding of less liquid projects, preventing inefficient bankruptcy, as well as creating the conditions for g = Aφs − δ diversification of volatility risks. Finally, productivity may be increased by technological specialization of firms, once these higher idiosyncratic risks can be shared efficiently via the stock market. More ambiguous effects of the financial sector over growth refer to its impact on the saving rate and the interest rate. The existence of a financial market may actually reduce s – and therefore g – for several reasons. By providing risk-sharing technology, the financial sector reduces the need for precautionary savings of households. Also, portfolio diversification may lead to a negative effect on the saving rate if the (constant) risk-aversion coefficient is bigger than unity (Pagano 1993; Devereux and Smith, 1994). The financial sector also extends credit for households under the form of mortgages and loans and this too reduces the needs for precautionary savings. 2 RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO 2 Finally, besides the effects of the direct financial sector cost f on growth, there are interest rate effects to be considered. The effect of the real interest rate on the savings rate is theoretically ambiguous and definite empirical evidence has not been presented. If the development of the financial sector helps to narrow the spread and therefore raises the interest rate paid to savers, it is still unclear what the impact should be on growth. An interesting question however is not whether the existence of a financial sector contributes to growth but how the development of such a sector relates to economic development. In order to do so, it is essential that financial development be precisely defined. Arestis and Demetriades (1996) list three problems that financial sectors are expected to resolve: informational problems, principal/agent problems, and uncertainty problems. Informational problems refer to problems such as adverse selection. Principal/agent problems address problems such as moral hazard and incentive mechanisms. Finally, uncertainty problems relate to risk sharing technologies such as insurance and portfolio diversification. The degree of development of the financial sector would be ideally measured by how well it resolves these problems. Of course, this is not an easy task, and most empirical work in this area has chosen proxies related more to the size of financial indicators relative to aggregate output or per capita output. As a matter of fact, these indicators are more measures of depth and scope of the financial market rather than strict measures of its degree of development, but this is a typical shortcoming of empirical research. It is easy to identify a typology of financial systems. There are two basic types often mentioned in the literature: bank-based financial systems and market-based financial systems. Bank-based systems rely on the involvement of the banking firm with industrial firms as the main way to Notice however, that if households take loans to finance the accumulation of human capital, then the effect on growth may be ambiguous: a lower saving rate but perhaps a higher productivity of capital. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 95 transfer resources into production. Banks collect the savings of the households and invest such funds according to its valuation techniques and private information of the firms they work with. In such a system, the industrial firm’s ownership is concentrated in a small number of shareholders, each with a large stake in the company. Banks participate actively in the board of directors, management performance is evaluated by the small group of shareholders, and changes in management are decided usually within the scope of the firm. The market for corporate control is small, and mergers and acquisitions are rare. Firms rely heavily on bank loans for their financing and not so much on equity. Banks exercise an important role in monitoring corporate performance and providing liquidity transformation technology for the economy. Germany and Japan are usually mentioned as examples of a bankbased financial system. The market-based system on the other hand, relies on capital markets as the main source of funds for longterm investment, either as debt or equity. Banks do not get closely involved with industrial firms, corporate ownership is dispersed among a large number of small shareholders, and the market for corporate control is very active. Management performance is monitored by markedbased mechanisms such as hostile takeovers. Examples of such system are the United States and the United Kingdom. Besides these two “pure” types of financial systems, there is a continuum of intermediary possibilities in between. Also, one cannot underestimate the role of banks in market-based systems: investment banks provide much of the financing for hostile takeovers in the United States. With respect to the three problems that financial systems should resolve, it is generally accepted that – under appropriate incentives – bankbased systems are more capable of addressing those problems than market-based systems (Arestis and Demetriades, 1996). However, one cannot really establish that one sys- 96 tem is a priori more developed than the other. Moreover, one can observe countries with similar types of financial systems but at different stages of financial development. Finally, some empirical evidence exists for a complementary role between the capital market and the banking system (BOYD and SMITH, 1996; DEMIRGÜÇ-KUNT and Levine, 1996b). In this sense, it is useful to introduce yet another dimension of financial development: the government’s role in administering prices and quantities in the financial sector, as in the case for interest rate controls, capital rationing, and directed lending. A financial system is said to be repressed when such kinds of government intervention are common. Liberalized financial systems, on the other hand, are those in which the economic agents decide the allocation of capital based on market rates. The effects of repression on growth, in a government-administered framework like the one discussed above, can occur in three ways: firstly, interest rate controls, taxation, and capital requirements all depress f which in turn reduces growth. Secondly, directed lending may allocate investment to sub-optimal projects, reducing the marginal product of capital.3 Finally, repressive policies may artificially reduce the real interest rate, which in turn may have an ambiguous effect on the saving rate. One can observe that bankbased financial systems allow for a more active role of the government in implementing repressive policies. Under a specific set of conditions, however, it can be shown that government intervention on the financial market may indeed boost growth. Hellmann, Murdock, and Stiglitz (1996) focus on interventionist policies to enhance deposit mobilization, while Levine (1996) contends that intervention and/or regulation may be growth enhancing in the presence of pervasive market failures, but admits that interventions themselves may at times cause or aggravate other market failures. Finally, Amable and Chatelain (1996) suggest that Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 3 government policies that reduce the problem of asymmetric information are likely to have a positive effect on growth. So far the financial sector as a whole has been discussed. One important element of a financial system is the stock market. That is particularly true not only for marketbased financial systems but also for many emerging economies, which observed a great increase in international portfolio investment in their domestic markets since the early 1990s. Demirgüç-Kunt and Levine (1996c) summarize the role of stock markets in economic growth under four topics: creation of liquidity, risk diversification, incentives to governance, and price discovery. Stock markets provide liquidity for equity investment and therefore create incentives for longer-term investment. The liquidity generated by a stock market reduces the transaction costs associated with holding equity and therefore improves the allocation of capital towards higher productivity projects. The positive effects of improved liquidity are twofold: first, it allows the economy to grow faster because of an improvement in marginal returns (Boyd and Smith, 1996); second, because investment in equity can be cheaply reversed by selling shares in the market, higher volumes of savings are allocated in such projects (Bencivenga, Smith, and Starr, 1996). However, one can list at least three potentially negative effects of liquidity on growth: by reducing the savings rate through income and substitution effects generated by higher average returns, by reducing the need for precautionary savings, and by encouraging investor myopia and therefore relaxing monitoring (Demirgüç-Kunt and Levine, 1996b). Although there is theoretical research on these effects, the empirical evidence is still scarce. The technology to diversify risks of specialized projects through the stock market affects growth by shifting a higher proportion of savings towards riskier, higher return invest- Not to mention moral hazard and rent seeking. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ment projects. This boosts economic growth provided that the effects on the savings rate (income and substitution effects, reduction of precautionary savings) do not offset the higher productivity of capital. Large and more liquid stock markets may provide incentives that reduce the principal/agent problem between management and shareholders. The creation of an active market for corporate control is an effective incentive to keep management’s interests aligned with shareholder interests. Moreover, the development of the stock market and the creation of new financial instruments such as derivatives help in the design of incentive mechanisms for managers to maximize shareholders wealth. Finally, the price discovery function of the stock market may affect growth in two ways. In relatively inefficient markets, it pays investors to research firms carefully before making their investment decisions, since they can profitably trade using their better information. This leads to an improvement of the quality of the projects to be executed. In efficient markets, all information is quickly revealed in prices, again contributing to the quality of projects. However, this may lead to the freerider problem: investors will not spend resources collecting information about firms if they cannot profit from it.4 2. Empirical Evidence Despite the obvious implications that the relationship between financial development and economic growth may suggest, the empirical literature in this field is not as comprehensive as one might expect. Beyond the early studies of Goldsmith (1969) and McKinnon (1973), empirical tests of such relationship are in general recent. In a well-known paper, King and Levine (1993) study the empirical link between a range of indicators of financial development and economic growth. They find that indicators of the level of financial development (the size of the formal financial intermediary sector relative to GDP, the importance of banks relative to the central bank, the percentage of credit allocate to private firms, and the ratio of credit issued to private firms to GDP) are strongly and robustly correlated with growth, the rate of physical capital accumulation, and improvements in the efficiency of capital allocation. Also, the predetermined components of these financial development indicators significantly predict subsequent values of the growth indicators. The data are consistent with the view that financial services stimulate economic growth by increasing the rate of capital accumulation and by improving the efficiency with which economies use that capital. The authors concluded that Schumpeter might have been right about the importance of finance for economic development. Similarly, Atje and Jovanovic (1993) empirically test whether financial development (especially stock market development) affects the level and/or the growth rate of economic activity, and they find a substantial effect on both. They find no effect when the financial development proxy used is credit extended by private and government banks as a ratio to gross domestic product (GDP). However, when the proxy is the ratio of annual value of all stock market trades to GDP, the data strongly supports the model. As for level effects, the authors also find significant coefficients, although the estimates do not seem fully consistent with the tendency for intermediation’s share in income to rise with the level of development. Murinde (1996) estimates an endogenous growth model in which growth derives from the behavior of economic agents in markets for credit, bonds and shares using the Zellner (1962) procedure for a group of seven Pacific Basin countries. The empirical investigation is further extended by using growth accounting exercises and by extending the analysis of the role of stock markets RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO 4 as suggested by Atje and Jovanovic (1993). In particular, the empirical analysis indicates that stock market development is significantly linked to economic growth. Odedokun (1996) provides an indepth empirical analysis of the relationship between financial development and the efficiency of investment, proxied by the incremental output-capital ratio. For his analysis, the author constructs a wide range of alternative indicators for financial intermediation, government intervention in the financial sector, interest rates, exchange rates, and inflation. His findings show that financial intermediation (measured in terms of flow variables) is positively related to investment efficiency. By contrast, government intervention appears to be negatively related to efficiency. He also finds that policies of real exchange rate appreciation, as well as high inflation are adversely related to investment efficiency. The relation between interest rates and efficiency remains undetermined in his analysis however. Fry (1996) investigates the role financial conditions have played in producing the virtuous circles of high saving, investment, output growth and export growth in a sample of Pacific Basin countries during the past few decades. High saving and investment stimulate output growth and export growth. In turn high growth raises saving and investment levels. The author finds that the relatively undistorted nature of both financial and foreign exchange markets in these countries has been important to raise their saving, investment, output and export levels over a long period of time. Levine and Zervos (1996) examine whether there is a strong empirical association between stock market development and long-term growth. The authors use cross-country regressions to examine the association between stock market development and economic growth. Using data of One can argue that recent developments in the U.S. stock market (e.g. Tyco, Enron, Worldcom, etc) cast doubt on the depth of the financial analysis carried on. In this case, free-riders have been punished for complacent reliance on market-generated information. I am thankful to Prof. Jan J. Jorgensen for pointing this out. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 97 forty-one countries over the period from 1976 to 1993, they split the sample period so that each country has two observations with data averaged over each subperiod. The authors regress the growth rate of GDP per capita on a variety of variables designed to control for initial conditions, political stability, investment in human capital, and macroeconomic conditions. Then, they include the composite index of stock market development. Thus they evaluate whether there is a relationship between economic growth and stock market development that is independent of other variables associated with economic growth. They find a strong correlation between overall stock market development and long-run economic growth. After controlling for the initial level of GDP per capita, initial investment in human capital, political instability, and measures of monetary, fiscal, and exchange rate policy, stock market development remains positively and significantly correlated with long-run economic growth. Studies such as the one mentioned above generally assume that financial development causes economic growth. However, the direction of causality between financial development and economic growth has been a controversial issue in economics. Arestis and Demetriades (1996) challenge the causal interpretation of previous empirical work that is based on a fragile statistical basis. Once contemporaneous correlation between the financial indicator and economic growth has been accounted for, there is no longer any evidence of causality from financial development to economic growth. The second goal of the authors is to demonstrate that cross section data sets cannot address the question of causality in a satisfactory way. The authors conduct cointegration and causality tests using time series data for twelve representative countries. The results in all cases tend to justify their claim for the importance of institutional considerations and policy differences. The results depends very much on the institutional characteristics, including the type of 98 financial system and the type of financial policies followed, as well as the efficiency in implementing such policies. Also, the authors find that the definition of the financial indicator used in the analysis also has considerable importance for the results. The empirical definition of “stock market development” is the main concern of Demirgüç-Kunt and Levine (1996b). They contribute to the literature by collecting and comparing a broader array of empirical indicators of stock market development than any previous study. Using data on forty-four developing and industrial countries from 1986 to 1993, the authors examine different measures of stock market size, market liquidity, market concentration, market volatility, institutional development, and integration with world capital markets. The goal is to produce a set of stylized facts about various indicators of stock market development that facilitates and stimulates research into the links among stock markets, economic development, and corporate financing decisions. These authors find enormous cross-country variations in stock market indicators and attractive correlations among the indicators. Although many stock market development indicators are significantly correlated in an intuitively plausible fashion, the individual indicators produce different country rankings. Although richer countries generally have more developed stock markets than pioneer countries, many markets labeled emerging are more developed than those in France, the Netherlands, Australia, Canada, Sweden, and Norway. Using measures of size, liquidity, and international integration, the authors evaluate which markets have been developing fastest over the years. The article documents the relationship between the various stock market indicators and measures of financial intermediary development. Since debt and equity are frequently viewed as alternative Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 5 sources of corporate finance, stock markets and banks are sometimes viewed as alternative vehicles for financing corporate investments. The authors document the cross-country ties between stock market development and financial intermediary development using measures of the size of the banking system, the amount of credit going to private firms, the size of non-bank financial corporations, and the size of private insurance and pension companies. They find that most stock market indicators are highly correlated with the development and efficient functioning of banks, non-bank financial corporations, and private insurance companies and pension funds. Countries with well-developed stock markets tend to have well-developed financial intermediaries. Also, developing countries with well-developed financial systems are growing faster than developing countries with under-developed financial sectors.5 Demirgüç-Kunt and Maksimovic (1996) empirically explore the effect of financial market development, particularly stock market development, on financing choices of firms. The authors use aggregated firmlevel data for a sample of thirty countries from 1980 to 1991. They measure stock market development by the ratio of market capitalization to GDP, the ratio of total value of shares traded to GDP, and the ratio of total value of shares traded to market capitalization. Taking all the countries in the sample together, the authors find that there is a statistically significant negative correlation between stock market development, as measured by market capitalization to GDP, and the ratios of both long-term and short-term debt to total equity of firms. There is also a statistically significant positive relationship between the size of the banking sector and leverage. The relationship between leverage and stock market development loses significance when they control for variables that have been identified in the corporate Demirgüç-Kunt and Levine’s (1996b) data ends in 1993, before the Mexican and Asian crises. Thus, it would be interesting to test for the robustness of their results after these episodes. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO finance literature as determining firms’ financial structures.6 An interesting pattern emerges when the full sample is broken down into subsamples. In developed markets, further development leads to a substitution of equity for debt financing, especially for long-term debt. In developing markets, large firms become more levered as the stock market develops, but small firms do not appear to be significantly affected by market development. These findings suggest that the development of a stock market initially affects directly the financial policies of only the largest firms. This may be because diversification of ownership and the aggregation of information provided by the development of stock markets initially benefits the larger firms more because of the need to spread fixed issuance costs and traders’ costs of information acquisition. Demirgüç-Kunt and Levine (1996a) discuss the relationship between the initial state and reform of the financial system on the one hand and public enterprise reform on the other hand. Based on detailed information of nine country case studies, they find that private enterprise reform is more successful in countries with initially relatively well-developed financial systems. Moreover, they find that private enterprise reform is implemented much more successfully if such a reform is supplemented by substantial and well-designed financial sector reforms. However, they underline the fact that the causal relationship between the two kinds of reforms runs in both directions, and that exogenous factors are important in determining the ultimate outcome of both reforms. Berthélemy and Varoudakis (1996) empirically test an endogenous growth model, which exhibits multiple steady state equilibria due to reciprocal interactions between the financial and real sectors in the economy. The model shows that depending on the nature of steady state, there may exist a poverty trap in which the financial sector “disappears” and where the economy stagnates, or endogenous economic growth may be positive and finan- cial intermediation follows a normal development path. They support their model by testing empirically the existence of multiple steady states linked to the initial state of financial development in a cross-section of 95 developed and developing countries. Their results show that while education is a pre-condition for growth, financial under-development may become a major obstacle in countries where the educational pre-condition is satisfied. Moreover, they show that the optimality of other policies such as trade policy and government expenditure policy depend on a reasonably well-developed financial system. This result leads to the conclusion that secondbest policies in countries that have not succeeded in developing a financial system might be quite different from the policies usually advocated in a first-best framework. 3 Synthesis In summary, there is a vast theoretical literature going back three decades explaining the linkages of financial sector development and economic growth. Under competitive markets the role of the financial system in channeling savings towards the highest return projects is beneficial to welfare and allows faster growth. Moreover, as the financial market develops and becomes more competitive, transaction costs tend to fall and the net savings directed to investment increase. Therefore, given these conditions, the financial sector plays an important role as a catalyst for growth. More recent literature, however, questions the direction of the impact of financial development on aggregate savings because of income and substitution effects. Also, improvements in risk diversification may induce investors to become reckless in their research for projects because of the free-rider problem, which may in the aggregate lead to less efficient resource allocation. The available empirical evidence in general supports the view that RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO 6 overall financial development has a positive effect on economic growth and that stock market development in particular has an even more substantial impact than banking development. There is however plenty of evidence on the complementary roles between banking system and stock market development as the financial system becomes more developed. Government intervention on the financial sector has been shown to be in general adverse to development, except in the presence of very specific market failures. Finally, the evidence on the effect of financial integration with the global market is as yet ambiguous. A few aspects are not explored in the literature and should deserve more detailed investigation. For instance, how do different financial intermediation systems (marketbased versus bank-based) compare in terms of their contribution to growth? Is competition policy in the banking sector a major element of financial development and therefore economic growth? Given different initial conditions (income, deposits, liquidity, etc), what are the policies that developing countries should address in order to develop their financial sectors? Similarly, given imperfect competition in the banking sector and incompleteness in capital markets that characterize developing countries, how should policymakers proceed in order to develop the financial sector in a sustainable fashion? Is there an optimal sequence of measures? How does the recent experience of developing countries contrast to theory with respect to financial liberalization? What are the causality linkages between the real sector and the financial sector of the economy? To what extent do macroeconomic factors influence the degree of indebtedness of households and firms? These are all interesting questions whose answers will greatly contribute to our understanding of the subtler interrelations between finance and growth. Of course, ad- Such as the ratio of net fixed assets to total assets, the ratio of earnings to total assets, the ratio of net sales to total assets, and the ratio of total assets to firm size. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 99 dressing all of them at once in a single piece of research is a near impossible task. Therefore, these topics are left as suggestions for future research initiatives. References AMABLE, Bruno and Jean-Bernard Chatelain. “Endogenous Growth With Financial Constraint”. in Niels Hermes and Robert Lensink, editors, Financial Development and Economic Growth. Chapter 3, pp.53-65. 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Jefferson Andronio Ramundo Staduto 1 Ednilse Willers 2 Paulo Roberto Azevedo 3 Resumo O objetivo central deste artigo é relatar a experiência do surgimento do conjunto de empresas de confecção infantil do pequeno município de Terra Roxa – Paraná. A idiossincrasia é um forte componente dos APLs, no entanto, nesse caso a dinamização de elementos ligados sinalizam para uma completa antivocação territorial na qual está imersa a concentração de empresas de confecção infantil desse município. A capacidade de transformar uma rede de pessoas em rede de negócios está fortemente associada à idéia de resistir e criar condições de sobreviver no local onde se vive, que se expressa por meio do capital social, transformando-o em elemento indissociável ao conceito territorial. O capital sinérgico colocado na história de declínio econômico do município de Terra Roxa e a biografia de seus sujeitos sociais lideram a produção e a geração de emprego e renda de tal magnitude que possibilita a reconfiguração econômica desse município empobrecido. Palavras chave: arranjo produtivo local, capital social, desenvolvimento local, Terra Roxa-PR. Abstract The central objective of this article is to report the experience of the sprouting companies of infantile clothes confection of the small city of Terra Roxa- Paraná. The idiosyncrasy is a strong component of the APLs, however, in this case the dynamiting of elements signals to a complete territorial anti-vocation in which is located the concentration of companies of infantile clothes confection of this city. The capacity to transform a net of people into a business net is strongly associated with the idea to resist and to create conditions to survive in the place where people live, that it is expressed by the social capital, transforming it into an indissociable element to the territorial concept. The synergic capital placed in the history of the economic decline of Terra Roxa and the biography of its social citizens leads to the production and generation of job and income of such magnitude that it makes possible the economic reconfiguration of this impoverished city. Key words: local productive arrangement, social capital, local development, Terra Roxa-PR. 1 Introdução No Brasil, o planejamento e as políticas de desenvolvimento regional estão ausentes da agenda do Estado por muitos anos, as primeiras experiências remontam a década de 1950 e as últimas a década de 1970. A partir dos anos de 1980, a política econômica voltou os seus esforços para a estabilidade monetária. Recentemente, a década de 1990 foi marcada por uma nova ordem econômica, na vida pública e privada dos cidadãos e empresas RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO brasileiras, pois o Estado não tinha mais condições de incentivar e fazer dispêndios financeiros para estimular intensivamente qualquer setor econômico ou mesmo região. Não obstante esta situação, alguns fenômenos de desenvolvimento se espraiavam pelo Brasil, sendo que muitos com características marcantes, como a aglomeração de médias, pequenas e microempresas em uma mesma localidade, ligadas à produção de um ramo de atividade específico – industrial ou de serviço. Esta forma de organizar a produção já havia sido registrada no final do século XIX na Inglaterra, por Alfred Marshall. Mas no Brasil, começou a ser estudada de forma mais intensa há pouco mais de quinze anos. Atualmente, as políticas de fomento ao desenvolvimento regional e, até então, o esquecido desenvolvimento local tem nova roupagem, pois integram e favorecem ações entre o público e o privado. Já é extremamente conhecida a capacidade de empregar e de gerar renda das médias, pequenas e microempresas, as quais, conciliadas ao fato de estarem agrupadas em torno de um mesmo ramo de atividade, criam condições favoráveis ao sinergismo capaz de aumentar a competitividade e a sobrevivência no mercado. 1 Doutor em Economia Aplicada pela ESALQ/USP. Professor Adjunto do Colegiado do Curso de Ciências Econômicas e do Mestrado em Desenvolvimento Regional e Agronegócio da Unioeste/Campus de Toledo. E-mail: [email protected]. 2 Mestre em Desenvolvimento Regional e Agronegócio pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste/Campus de Toledo). E-mail: [email protected]. 3 Doutor em Ciências Sociais pela UFRGS e Pós-Doutor pela Universidade do Texas. Professor Adjunto do Colegiado do Curso de Ciências Sociais da Unioeste/Campus de Toledo. E-mail: pazevedo@ unioeste.br. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 101 ... uma impetuosa geada dizimou os cafezais de toda a região, resultando na perda de quase três quartos da população do município em 20 anos... No Paraná, mais precisamente na região Oeste do Estado, no município de Terra Roxa irrompe um desses fenômenos sócio-econômicos, o qual serviu de esteio para o município começar a remover a poeira da crise que se arrastava desde meados da década de 1970, devido a uma impetuosa geada que dizimou os cafezais de toda a região. Isto resultou na perda de quase três quartos da população do município em 20 anos. A agricultura que fora o grande catalisador do surgimento da cidade, já não parecia tão benevolente, fazendo com que muitos deixassem as suas terras para buscar o sustento da família em outros locais. Contudo, aparentemente do vazio surgiu um número expressivo de indústrias de confecções de moda infantil. O hobby de uma das moradoras da cidade, que poderia ser apenas a tão sonhada renda extra, frutificou e liderou uma nova configuração econômica para o município cujos resultados já impactou positivamente na estrutura econômico-social local. O objetivo central deste artigo é relatar a experiência do surgimento do conjunto de empresas de confecção infantil do pequeno município de Terra Roxa – Paraná. Este artigo avança de forma breve e concisa nos conceitos de capital social e territorialidade bem como no processo de transformação econômico-social que o Brasil e o Estado do Paraná vivenciaram a partir da década de 1950, como forma de se compreender o processo de declínio econômico dos municípios pequenos, tal como Terra Roxa, e suas necessidades de mudanças em favor de sua sobrevivência econômica e social. 102 Para tanto, o artigo está dividido em cinco partes, sendo esta introdução a primeira, seguida do quadro teórico que se subdivide na conceituação de capital social e territorialidade (tidos pela literatura econômica regional recente como reais desencadeadores de desenvolvimento econômico). Na seqüência será apresentado um breve resgate histórico do cenário econômico brasileiro e do Estado do Paraná da década de 1950 em diante. Em seguida é relatado o processo de transformação econômica do Município de Terra Roxa, destacando a nova configuração produtiva que surgiu a partir do ano 2000 e que foi responsável pela alteração da estrutura urbano-rural, existente até 1999, para a urbanoindustrial. Nessa secção também são apresentados os resultados obtidos das pesquisas realizadas nos anos de 2004 e 2005 sobre as causas da reestruturação produtiva ocorrida. E para encerrar, as considerações finais. 2 Quadro teórico Na nova concepção de desenvolvimento econômico ganham importância, entre outros, alguns componentes socioculturais. O espaço deixa de ser contemplado simplesmente como suporte físico das atividades e dos processos econômicos, passando a ser mais valorizados os territórios e as relações entre seus atores sociais, suas organizações concretas, as técnicas produtivas, o meio ambiente e a mobilização social e cultural (MARTINELLI e JOYAL, 2004). Neste contexto termos como capital social e territorialidade passam a centralizar as discussões acadêmicas enquanto promissoras vertentes de desenvolvimento econômico local. O termo capital social tem sido utilizado para contrapor a visão economicista do desenvolvimento econômico, pois modifica o centro de análise das relações econômicas para as relações humanas e sociais, passando a ser reconhecido como um ativo, no qual as estruturas sociais passam a ser vistas como recursos que podem desencadear o desenvolvimento econômico local. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA Sendo o capital social um recurso em potencial, sua utilização enquanto instrumento que leva ao desenvolvimento econômico está fazendo parte, desde meados da década de 1990, das discussões acerca dos modelos de desenvolvimento econômico propostas pela Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento – OCDE, Banco Mundial e a Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL (AMÂNCIO et al., 2005). Nesta configuração, o termo capital não se reporta, apenas, ao acúmulo de riqueza ou a um estoque que serve à produção e da qual a renda é o objetivo, mas sim, a uma conotação de coletividade, onde um local comum é compartilhado por grupos cooperantes (MILANI apud AMÂNCIO et al., 2005). O capital social, no atual contexto de desenvolvimento econômico, é visto como um ativo que oferece às localidades a possibilidade de consolidar metas de desenvolvimento econômico por meio das próprias potencialidades e capacidades da sociedade local. É o que Bourdieu apud Amâncio et al. (2005) afirmava quando disse que o capital social é um recurso que pode ser mobilizado com a finalidade de permitir aos grupos e/ou indivíduos formas mútuas de ajuda e de cooperação, pois pode ser tanto um estoque quanto a base de um processo de acumulação que permite à determinada sociedade ter maiores chances de competitividade e de sobrevivência no mercado. Neste formato, o capital social compreende a capacidade de organização de uma sociedade, a qual, associada à vida econômica, à confiança e a cooperação transforma-se em potencialidades reais de intervenção econômico-social, facilitando ações coordenadas que podem se tornar a base do desenvolvimento econômico local. Este processo se torna viável por ter o capital social a função de criar e de gerar oportunidades, capacidades e potencialidades nos diversos atores de uma determinada sociedade, é o que Putnam (1996) já demonstrou em suas pesquisas quando afirmou que onde existe capital social, é RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ele o ponto fundamental para o desenvolvimento econômico. Freeman (1991) e Newby (1992), apud Albagli e Maciel (2003), também introduzem no contexto do capital social a inovação, tida pelos autores como a capacidade de uma sociedade, nas relações entre seus agentes, movimentos e organizações, empenhar-se nas escolhas que lhes são mais adequadas dentre as opções disponíveis e acessíveis, bem como aplicar os resultados de suas opções onde e como serão mais produtivas social e economicamente. Mas o que é capital social? Para Putnam (1996) capital social diz respeito a determinadas características de uma organização social, como confiança, normas e sistemas, as quais contribuem para o aumento da eficiência da sociedade, pois facilita ações coordenadas em prol de um objetivo comum. É uma resposta que contrapõe o mito de que a sociedade é composta apenas por grupos de indivíduos independentes, na qual cada um age para atingir objetivos pessoais. Segundo Coleman (1990) apud Abramovay (2000), o capital social vem contrapor este mito, pois demonstra que os indivíduos não agem isoladamente e que seus objetivos também não são definidos de forma individualizada. É diante desta constatação que as estruturas sociais contemporâneas devem ser vistas como recursos, como um ativo, pois o capital social é produtivo e através dele se torna possível o alcance de objetivos que não seriam atingidos de forma individualizada. O capital social é um ativo coletivo de grupos inseridos numa estrutura social. Trata-se de valores e crenças que os cidadãos compartilham, expressando socialização e consenso normativo. Esta postura favorece o espírito cívico e a vida cooperativa, gerando espaços e estruturas de trabalho em equipe, instigando a inovação e a aprendizagem coletiva, fatores importantes para o dinamismo econômico recente (ALBAGLI e MACIEL, 2003). Sendo assim, podese dizer que vários podem ser os benefícios econômicos do capital social, quais sejam: a) maior facilidade de compartilhamentos de informações e conhecimentos, devido a relações de confiança, “espírito” cooperativo, referências sócio-culturais e objetivos comuns; b) conformação de ambientes propícios ao empreendedorismo; c) melhor coordenação e coerência de ações, processos de tomada de decisão coletiva e maior estabilidade organizacional, contribuindo para a redução de custos. Mas é a partir da década de 1990, que se percebeu a existência de forte relação entre capital social e a formação de aglomerações produtivas localizadas. Estudos teóricos e empíricos4 demonstram que em aglomerações produtivas, especialmente aquelas reconhecidas como arranjos produtivos locais, as empresas (de micro, pequeno e médio porte) têm mais condições de sobreviver de modo competitivo e sustentado. Em conjunto com a sociedade local tem alcançado índices de crescimento econômico que viabilizam a retomada do desenvolvimento econômico-social local (ALBAGLI e MACIEL, 2003). Se o capital social é tido como um ativo que possibilita a convergência de interesses coletivos na direção de determinado objetivo, neste caso para o desenvolvimento econômico de uma localidade, então se faz necessário entendermos também o significado que se está delineando para o espaço de ação deste capital social, ou como se tem denominado na literatura recente, o espaço territorial do desenvolvimento. Para a OCDE (1994) apud Abramovay (2000, p. 385), “um território representa uma trama de relações com raízes históricas, configurações políticas e identidades que desempenham um papel ainda pouco conhecido no próprio desenvolvimento econômico”. A idéia de que é a partir de uma realidade territorial específica que se pode desencadear o desenvolvimento econômico adveio dos exemplos de sucesso obtidos na Terceira Itália (década de 1980) e nos EUA (1980/1990) com o Vale do Silício. Nestes casos o desenvolvimento econômico foi resultado de formas específicas de interação social e da RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO 4 capacidade inovativa e empreendedora da população local, a qual, através de suas empresas conseguiram promover e construir ligações dinâmicas que foram capazes de valorizar conhecimentos, tradições e confiança, criando a sinergia necessária entre os atores locais em prol do objetivo comum de superar seu estado de estagnação econômica (ABRAMOVAY, 2000). Com base nestas experiências de sucesso, percebeu-se que o desenvolvimento econômico está diretamente ligado à emergência do potencial do capital social local, bem como com as iniciativas de seus atores em inovar e em definir planos de ação coletivos que os levem a agir em direção a projetos comuns que busquem desencadear o desenvolvimento econômico local. Neste contexto, o território é visto como um meio inovador, até porque, as empresas por si só não se transformam em agentes inovadores. Elas são partes de um meio onde a história, a organização, os comportamentos coletivos e o consenso que os estrutura é que são seus verdadeiros componentes de inovação. Sendo assim, os comportamentos inovadores de um território dependem, diretamente, das variáveis definidas no plano local e na densidade de seu tecido institucional e capital de relações (MAILLAT, 2002). Storper (1996), apud Abramovay (2000), afirma que os sistemas produtivos mais dinâmicos são aqueles que se caracterizam pelas inovações e que emergem das potencialidades endógenas e diferenciadas de atores coletivos ligados uns aos outros por objetivos comuns e localizados. Ou seja, conforme Albagli (1999), é no nível local que se desenvolvem as empresas e as atividades úteis ao desenvolvimento econômico, social e cultural de uma coletividade. É nele que se apresentam os elementos de transformações sócio-político-econômicos, pois é o locus operandi de novas formas produtivas e de parcerias, onde a competição cede lugar à cooperação. Assim, os lugares estão se especializando de acordo com suas con- Ver mais referências www.ie.ufrj.br/redesist. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 103 dições naturais, de sua realidade técnica e de suas vantagens de ordem social. Na medida em que as potencialidades dos lugares se evidenciam, suas escolhas para o exercício dessa ou daquela atividade se tornam mais precisas, o que, segundo Santos (1996, p. 199) irá desencadear o sucesso dos empreendimentos lá existentes, “é desse modo que os lugares se tornam competitivos”. O local passa a adquirir conotações socioterritoriais de ação, passando a ser redefinido enquanto agente ativo dos processos de desenvolvimento econômico. Para tanto se faz necessário pensar o território como um sistema, cujas ações coletivas devem objetivar a implantação e a gestão de projetos que potencializem a economia local, gerando trabalho e renda através da criação de pequenas e médias empresas. Ou seja, é preciso instigar o potencial competitivo do território, pois é através deste que se dinamiza a organização e a participação dos agentes sociais nos processos de desenvolvimento econômico local (MORAES, 2005). São as ações coletivas preconizadas por Schmitz (1997) tidas como a tônica que dinamiza as mudanças necessárias à construção de planos locais que possam levar ao desenvolvimento econômico. E são essas mesmas ações coletivas que alteraram e estão movimentando a economia de Terra Roxa, tendo nas empresas de confecções infantis o desencadeador de superação da estagnação econômico que se apoderou do município desde a década de 1970. Mas para que se possa compreender, efetivamente, o processo de desenvolvimento econômico do Município de Terra Roxa, se faz necessário resgatar, mesmo que em breves palavras, seu contexto histórico, ampliando essa análise a partir da realidade econômica do país e do próprio Estado do Paraná. 3 Um Brasil em transformação 3.1 A Compressão dos municípios pequenos O processo de modernização da agricultura brasileira, não obstante, 104 Tabela 1 - Trabalhadores Ocupados em Equivalente Homem na Agropecuária Brasileira e por região – 1970 a 1995/96 Fonte: IBGE-Censo Agropecuário (1970, 1980, 1985 e 1995/96). aos benefícios econômicos e sociais, contribuiu para a concentração da terra. O sistema de produção vinculado pelo pacote tecnológico atrelado ao crédito rural inviabilizou vários produtores rurais. A policultura expressa pelo sistema de produção tradicional, não apresentou a sustentabilidade econômica necessária, detonando a “bomba” imigratória do campo para as cidades que ocorreram na década de 1960. Este cenário acentuou-se nas décadas de 1970 e 1980, e continuou na década 1990, cuja alteração da estrutura fundiária passou a ser o fenômeno que reforçou os índices de urbanização em quase todos os estados brasileiros. A partir da década de 1970, a pequena propriedade entra em crise. As estatísticas revelaram que o número de estabelecimentos rurais estava diminuindo e o impacto da concentração de terra nos estados do Sul aumentando. Nas cidades do interior as mudanças na estrutura fundiária alteraram profundamente a estrutura econômica e a fixação da população nessas localidades. Portanto, o estudo e a análise do movimento populacional das cidades brasileiras e paranaenses é fundamental para entender o significado das transformações sócio-econômicas e espaciais que ocorreram a partir da década de 1970. A mão-de-obra rural ocupada começa a reduzir-se drasticamente no campo em função do alastramento da mecanização das culturas de soja, trigo e milho. Um grande contingente populacional ficou sem trabalho e renda. Não só a pequena propriedade desapareceu, mas também os trabalhadores rurais perderam seus postos de trabalho. Considerando essas duas situações, nos fortale- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA ce a idéia de que o movimento migratório campo-cidade no Brasil teve um forte caráter de expulsão, estimulando os residentes do meio rural a se deslocarem para as cidades e outras regiões. A Tabela 1 revela o impacto que a mecanização agrícola causou no número de mão-de-obra empregada na agropecuária brasileira. Este contexto nos conduz a uma forte reflexão sobre a necessidade dos municípios, ou mesmo regiões, vislumbrarem e concretizarem novas possibilidades de investir em mão-de-obra não-agrícola ou urbano-industrial. Alguns municípios estão conseguindo renovar a vida produtiva com novas atividades, produzindo desenvolvimento com pouco ou mesmo nenhum vínculo com a atividade agropecuária, tal como, é o caso das indústrias de confecção infantil de Terra Roxa. O crescimento econômico de qualquer região (cidade, estado ou país), pode ter um grande caráter de “espontaneidade”, ou seja, sem planejamento. Por outro lado, o desenvolvimento pode ser planejado, programado e integrado do ponto de vista social, produtivo e territorial. Ora, o Brasil já teve uma forte experiência de planejamento, por meio de diversos projetos de desenvolvimento iniciados na década de 1950, com os Planos de Metas. Nas décadas seguintes, no regime militar, outros planos de desenvolvimento foram adotados, mas estes tinham por alcance as macrorregiões brasileiras. Contudo, a classe dirigente do país percebeu que não bastava ter projetos de desenvolvimento bem concebidos e simplesmente fazer a sua implementação. Havia o gargalo financeiro, pois os custos advindos RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Tabela 2 – Distribuição da população urbana segundo sua classe de tamanho – 1970 a 2000 Fonte: Brito, Horta e Amaral (2001). Dados Básicos: IBGE-Censos Demográficos (1970, 1980, 1991 e 2000) destes projetos estavam, em grande parte, atrelados ao sistema financeiro internacional. Além deste agravante, tinha-se ainda o problema da inflação. Após um longo período de diversas tentativas de combate a inflação, somente na década de 1980/1990, é que o governo começa a ter êxito em seu controle. Mas, isto teve um custo social e econômico considerável para o país. Foram lançados e implantados sete planos de estabilização monetária, transformando o Brasil em um laboratório de controle inflacionário. O desenvolvimento planejado por meio de políticas públicas foi praticamente abandonado e o crescimento das regiões e cidades acabaram se tornando produtos de iniciativas privadas ou políticas públicas isoladas. Este fato contribuiu para que, em meados da década de 1990, conceitos como o empreendedorismo se tornasse a palavra de ordem dos processos de crescimento econômico das localidades, ou mesmo, do planejamento, por meio de mecanismos de interação da iniciativa privada e o público. Nos últimos 30 anos a reorganização territorial bem como a sua evolução pode ser revelada pelos aspectos demográficos dos municípios. Desta forma, deve-se examinar o cenário nacional, com a inversão da população campo-cidade e a crise da pequena propriedade, afetando fortemente as pequenas cidades, com menos de 50 mil habitantes. Pode-se observar por meio da Tabela 2 que estas cidades estão reduzindo a sua participação no total da população, sendo liderados pelas cidades com menos de 20 mil habitantes. De uma participação de aproximadamente 26% da população em 1970, reduziu-se para pouco mais de 18% em 2000. Já as cidades entre 20 a 50 mil habitantes tiveram a sua participação no total da população nacional praticamente estável com uma certa tendência de baixa. Este comportamento populacional demonstra uma certa crise geral das pequenas cidades e, principalmente, das menores. O movimento migratório que aconteceu no sentido campocidade fortaleceu as cidades maiores e apenas algumas conseguiram crescer para alcançar o status de cidade média. O município de Terra Roxa fez parte do movimento geral que se observou no Brasil. Naturalmente, que cada região e cidade tiveram suas particularidades, contudo, muito de suas relações se igualam às causas já apresentadas aqui. Sendo um pouco mais específico, a participação das cidades médias não-metropolitanas (100 a 500 mil habitantes), ao longo do período de 1970 a 2000, cresceu expressivamente no total da população brasileira, passando de 10,29%, em 1970, para 17,31%, em 2000, números esses não acompanhados pelas cidades médias que fazem parte das regiões metropolitanas, que cresceram apenas 1,31%, no período, e pelas cidades de maior porte, apesar do crescimento que ocorreu na década de 1970 (BRITO, HORTA e AMARAL, 2004). Outro fato que merece atenção é que de 1970 a 2000 ocorreu a eman- RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO cipação política de 1.555 municípios, sendo 1.149 de pequeno porte, com população de até 20 mil habitantes. No entanto, a participação da população no total desses municípios diminuiu consideravelmente de 28%, em 1970, para 19,8%, em 2000. Para os municípios do segundo extrato (20 a 50 mil habitantes), não foi muito diferente, ou seja, houve um aumento no número de municípios, mas a população total também diminuiu cerca de 10% (Tabela 3). As cidades médias exercem uma grande atração regional de empresas e, conseqüentemente, de trabalhadores. Neste contexto, as transformações ocorridas no Paraná também refletiram as mudanças populacionais e as formas de organização das cidades de maior porte (cidades médias). O crescimento de algumas e a redução de outras, foram resultantes das atividades sócio-econômicas, que por sua vez, foram construídas ao longo de uma trajetória de desenvolvimento marcadas por particularidades e ao mesmo tempo integradas ao movimento geral do desenvolvimento brasileiro e paranaense. Na região Oeste do Paraná, por exemplo, a crise que está ocorrendo em muitos municípios pequenos é reflexo do efeito de polarização que está muito associado com a agroindustrialização. 3.2 O Paraná na segunda metade do século xx No estado do Paraná até a década de 1940, as atividades econômicas eram restritas, basicamente, à extração da erva-mate e madeira. Nas Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 105 Tabela 3 – Classificação dos municípios segundo sua classe de tamanho – 1970 a 2000 Fonte: Brito, Horta e Amaral (2001). Dados Básicos IBGE/Censo Demográfico de (1970, 1980, 1991 e 2000). décadas de 1950 e 1960 a produção preponderante era o café e ainda a extração da madeira. Contudo, foi através da expansão da cultura do café que o Estado sofreu sua transformação sócio-econômica (LEÃO, 1989). A cultura do café era extremamente representativa no total da produção agrícola e da economia paranaense. “O crescimento acelerado da cafeicultura no Paraná, tratouse da mais dinâmica das economias primário-exportadoras do Brasil, a mesma que fora a base sobre o qual se dera o desenvolvimento econômico de São Paulo, criara a ilusão de que o estado [do Paraná] trilharia agora o mesmo caminho.” (MAGALHÃES FILHO, 1996, p.9). No entanto, no final da década de 1960, a economia cafeeira apresenta sinais de sua fragilidade, pois a sustentabilidade política que o café teve quando ocorreu a sua expansão em território paulista no século XIX e início do século XX, já não se mantinha na segunda metade do século XX. O foco do governo federal era a indústria que se desenvolvia no estado de São Paulo, cujo financiamento adveio do confisco cambial do café. Neste período, o estado de São Paulo já não era o maior produtor de café, mas sim o Paraná, sobre o qual recaia todo o ônus pelo financiamento. O ano de 1975 foi um dos mais difíceis na história da economia paranaense, contribuindo para que ocorresse a mudança do perfil da economia, tornando o Estado mais urbano-industrial e menos rural. A agricultura, setor que representava 106 mais de 40% da renda interna do Estado, sofreu os efeitos dos fenômenos climáticos adversos, desde do início desse ano, tendo por impacto secas anormais que se alternaram com geadas violentas e com o excesso de chuvas, o que resultou em pesados prejuízos para a agricultura. Nesse ano as perdas nas lavouras de café, trigo e cana-de-açúcar, nas pastagens e criações de gado, nos campos de produção de sementes e em outras atividades vinculadas à agropecuária foram equivalentes a mais de um terço do Produto Interno Bruto do Estado. (A ECONOMIA PARANAENSE..., 1975). “Em termos absolutos, as perdas e prejuízos que resultaram da conjunção desses fatores, extremamente adversos, podem ser consideradas como o maior revés da agricultura paranaense, em toda a sua história” (A ECOMOMIA PARANAENSE, 1975, p.61). A partir de então a economia do Estado começa a tomar outra configuração, auxiliada pelo intenso processo de modernização da agropecuária, sendo a região Oeste do Paraná um dos territórios mais afetados por este processo, o qual alterou fortemente o seu perfil produtivo. 3.3 A marcha para o oeste do Paraná A região Oeste do Paraná teve dois fluxos colonizadores. O primeiro oriundo do fluxo migratório dos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, motivado principalmente pelas empresas colonizadoras. O segundo foi impulsionado pela cultura do café, tornando-se uma extensão da expansão do Norte do Esta- Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA do, a qual atravessou o Rio Pequiri. O fluxo populacional era mais heterogêneo, originava de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e do Nordeste brasileiro. O povoamento do Oeste do Paraná por estas pessoas contribuiu para o surgimento de vários municípios, tais como, Terra Roxa, Assis Chateaubriand, Palotina, Tupãssi, Corbélia, Cafelândia, entre outros (COLODEL, 2003). Pode-se notar que o Oeste do Paraná sofreu um processo migratório inverso ao que ocorreu no Brasil a partir dos anos 1950. No setor rural brasileiro ocorria um forte processo de esvaziamento, atraído pelo crescimento do setor urbano-industrial da região Sudeste, e principalmente no estado de São Paulo. A produção agropecuária de modo geral não tinha praticamente nenhuma incorporação tecnológica. A estrutura fundiária concentrada era apontada como uma das causas, pois com exceção do Sul do país havia grande predomínio dos latifúndios. A forma preponderante de expandir a produção era por meio da incorporação de terra. Com efeito, as fronteiras agrícolas tinham que ser agregadas ao processo produtivo nacional. O Oeste paranaense era considerado a última fronteira agrícola do Sul do país. A princípio a sua ocupação, idealizada na década de 1930, tinha por componente principal a segurança nacional, mas a partir da década de 1950 o grande êxodo rural poderia comprometer a produção agropecuária e a colonização contribuiu para contrapor a este movimento. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO É a partir dos anos 1960, que a região teve sua grande explosão populacional. Entre 1960 e 1970, a região recebeu 374.082 pessoas, e a taxa decenal de migração de 0,82% a.a.. Neste período apenas o Distrito Federal, considerada área de fortíssima atração populacional, recebeu mais migrantes que o Extremo Oeste Paranaense (RIPPEL, 2004). A partir da década de 1970, teve início na região uma nova fase de produção agrícola. A modernização da agricultura brasileira que se alastrou fundamentalmente pelas regiões Sul e Sudeste encontrou condições sócio-econômicas para ser implantada no Oeste do Paraná. O crédito rural oficial e subsidiado era atrelado a um pacote tecnológico. As lavouras temporárias, como as culturas de soja e trigo, foram as principais responsáveis pelo crescimento da produção agrícola e desenvolvimento da região. A produção não resultava mais da policultura de subsistência, mas da especialização na produção de soja e trigo destinados ao mercado interno e exportador (PIFFER, 1997). Os pequenos proprietários foram alvo deste processo de reorganização do espaço rural e muitos estabelecimentos desapareceram da contagem dos Censos Agropecuários. O esvaziamento populacional do campo, resultante da queda da população rural ocorrida nas regiões Norte e no Oeste paranaense tiveram suas causas nas transformações que constituíram a modernização da agropecuária. Essa redução ocorreu de forma mais nítida nessas regiões, onde houve um grande adensamento populacional decorrente da expansão agrícola que ocorreu anteriormente. O movimento de concentração fundiária foi um dos responsáveis pelo forte processo de êxodo rural: entre 1970 e 1980 as migrações na região Oeste do Paraná deixaram um saldo negativo de 117.047 pessoas. Na década seguinte mais 62.295 pessoas deixaram a região. Boa parte destas 179.342 pessoas deixou o setor rural (1970 a 1990) deslocandose para o meio urbano. Em 1970 a população rural do Oeste do Paraná estava na ordem de 80%, já em 1980, a população rural e urbana iguala- Figura 1 – Evolução da população de Terra Roxa de 1970-2000. FONTE: IBGE- Censo Populacional (1970, 1980, 1991 e 2000). vam-se em 50%, iniciando a década de 1990 com uma população urbana de aproximadamente 71%. A alteração na composição da população dos municípios na região Oeste do Paraná bem como no Estado tornaram ambos mais urbanizadas. Esta situação está associada à necessidade de geração de emprego nas cidades. A partir da década de 1990, a produção agroindustrial nas regiões produtoras de grãos e outras matérias-primas agropecuárias cresceu verticalmente e começa a ter grande visibilidade para a sociedade e os segmentos políticos, o que contribuiu para que essas regiões caminhassem para a viabilização do desenvolvimento regional e, particularmente, alguns municípios se tornassem pólos com grande área de influência atraindo novos investimentos e, fundamentalmente, a população dos municípios vizinhos. Também se tornaram receptores de antigos produtores rurais que hoje não tem mais a sua propriedade agrícola. Mais recentemente, a região Oeste do Paraná teve um grande processo de agroindustrialização concentrada em alguns municípios em razão de vários vetores derivados de vantagens locacionais. Do ponto de vista institucional também há vantagens por meio do recebimento de royalties pelos municípios lindeiros que fazem margem com o lago de Itaipu. Há também o município de Foz de Iguaçu que é um pólo turístico. No caso de Terra Roxa apesar de ser um município lindeiro recebe um valor irrisó- RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO rio, não contribuindo como fator exógeno para aumentar a sua vantagem locacional como ocorre com outros municípios lindeiros e não foi alvo de investimentos da indústria processadora dos produtos agropecuários. De fato, havia um caminho aberto para o forte declínio desse município. 3.4 No oeste paranaense, o solo de terras roxas O município de Terra Roxa está situado na parte norte da Região Oeste do Paraná, e encontrou-se no centro do fenômeno de ocupação citado anteriormente. Em 1970, o município também ingressou na segunda fase econômica paranaense, caracterizada pela produção agrícola centrada no binômio trigo e soja, altamente tecnificada, mecanizada e com largo uso de insumos. A transição da primeira fase para a segunda contribuiu para a emigração do Oeste do Paraná, revelando grande a substituição de mão-de-obra rural por máquinas e equipamentos, acarretando na estrutura fundiária mais concentrada. Em Terra Roxa este processo de emigração foi particularmente dramático. Entre 1970 a 1980, considerando-se a migração inter-estadual, intra-estadual e intra-regional a população decresce de 37.452 habitantes para 25.535, e entre 1980 a 1990 para 19.820 habitantes e, ainda, entre 1990 a 2000 o decréscimo deixa um saldo populacional de apenas 16.293 habitantes no município, como demonstra o Figura 1. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 107 Figura 2 - Quantidade colhida de mandioca em Terra Roxa de 1974-2003 (tonelada) Fonte: IPARDES (2005) Figura 3 - Quantidade produzida de algodão em Terra Roxa de 1990-2003 (em toneladas) Fonte: IPARDES (2005). O decréscimo populacional do município de Terra Roxa, principalmente na década de 1970, pode ser explicado pela transformação no modelo de produção agrícola que afetou todo Oeste do Paraná e que já foi comentado anteriormente. Terra Roxa não escapou da tendência geral dos movimentos demográficos que ocorreu no Brasil, de redução de tamanho das pequenas cidades. Excluído os aspectos políticos, religiosos, raciais ou mesmo de risco de integridade física e psicológica o indivíduo tem a sua moradia onde ele obtém a sua renda, por meio do seu próprio negócio ou tendo uma ocupação assalariada. A evasão populacional dos pequenos municípios na grande maioria é reflexo do baixo dinamismo econômico. No Paraná principalmente na década de 1990, ocorreu intenso pro- 108 cesso de migração intrarregional. Esta situação não poupou, principalmente, os municípios menores do Estado, tal como o município de Terra Roxa, onde seus habitantes não fixaram residência em função de não visualizarem a possibilidade de geração de renda para suas famílias. Mesmo sendo a agricultura a grande geradora de renda para o município, logo se percebeu que a mesma não dava conta de atender a abundante oferta de mão-de-obra existente, até porque na situação de pequeno proprietário não havia muita demanda de serviços. Outro agravante foi o fato de Terra Roxa estar cercada por várias cidades mais dinâmicas, como: Cascavel, Toledo e Foz do Iguaçu, e em segundo plano as cidades de Palotina e Guairá. Para ilustrar a evolução da produção agrícola do município, foram Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA selecionados 4 produtos, que representam as culturas produzidas pelas propriedades familiares na década de 1970 – café, algodão herbáceo e milho. As figuras 2, 3, 4 e 5 demonstram muito bem como a alteração da composição das culturas em Terra Roxa tornou desfavorável seu cultivo para a pequena propriedade. As culturas do café e algodão foram, praticamente, dizimadas no município. Eram produtos dinâmicos e cultivados pela pequena propriedade. O café na década de 1970 reduziu a sua produção como discutido anteriormente em virtude da geada de 1975 que afetou essa cultura no estado do Paraná. Já o algodão, na década de 1990, teve a sua redução devido ao deslocamento da cultura para a região Centro-Oeste (Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás) porque propiciava a implan- RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Figura 4 – Quantidade produzida de milho em Terra Roxa de 1990-2003 (em toneladas) Fonte: IPARDES (2005). Figura 5 – Quantidade produzida de café em Terra Roxa de 1990-2003 (em toneladas) Fonte: IPARDES (2005). tação de um novo padrão tecnológico (a mecanização). As culturas do milho e mandioca continuaram a ser cultivadas em grande parte para subsistência. As transformações sócio-econômicas que ocorreram no campo refletiram diretamente na redução da população de Terra Roxa. Uma vez que, as opções de trabalho diminuíram com a redução da pequena propriedade, e as outras cidades mais próximas e até mais afastadas pareciam mais atrativas. No entanto, a situação começa a mudar com o surgimento das primeiras empresas de confecção infantil. As quais, a partir da segunda metade da década de 1990, registram um rápido crescimento de absorção de mão-de-obra local. A Figura 6 demonstra a mudança do perfil do município, nos quais o expressivo aumento do emprego da mão-de-obra no setor industrial, sobrepõe o ramo tradicional local (agricultura) e inclusive serviço. Verificase que a partir de 1999 ocorreu crescimento abrupto da ocupação industrial e, por sua vez, crescem os setores de serviço e comércio. 4 Evidências empiricas da emergência do capital social e territorialidade Nos primeiros anos da década de 1990, o cenário nacional, tanto econômico quanto político, não era muito favorável no Brasil bem como no Paraná. Os municípios da Região Oeste do Paraná já vinham enfren- RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO tando a crise das pequenas propriedades, como narrado anteriormente. Neste mesmo período, em Terra Roxa, inicia-se um fenômeno que refletia a necessidade de mudar. A primeira empresa de confecção infantil surgiu a partir do ideal de uma das moradoras em contribuir no orçamento familiar. Inicialmente, era um hobby de uma das moradoras de Terra Roxa, Dona Celma, que bordou o enxoval de seus filhos, que por sua vez, expandiu a atividade de forma restrita para aumentar o orçamento familiar como é muito comum nas mulheres que não se engajam no mercado de trabalho, e preferem atuar por conto própria ou se deparam com a realidade de falta de oportunidade, Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 109 Figura 6 - Evolução da ocupação de trabalho, por setores da economia em Terra Roxa de 1985-2002. Fonte: RAIS (vários anos). e sem dúvida Terra Roxa não era um lugar propício para geração de emprego. No entanto, esta atividade complementar tomou rumos maiores, primeiro tornando-se atividade principal da família, com a adesão do esposo, isto ainda na primeira metade da década de 1990. Vários fatores fizeram que alcançasse o êxito dessa atividade no âmbito familiar, no entanto, o mesmo se estendeu e se alastrou pela cidade ávida por um modelo de sucesso que outras habitantes queriam replicar com suas famílias. Desta forma, estavase levantando uma bandeira de resistência ao declínio econômico e sem dúvida no logo prazo refletiria no dilaceramento do tecido social. Em menos de cinco anos, a idéia de investir em confecções para bebês contagiou parcela expressiva dos empresários locais e de novos empreendedores, os quais passaram a investir neste segmento, iniciando uma nova fase na história econômica de Terra Roxa. Mas foi em 2004 que “nasceu” oficialmente a organização denominada de “Arranjo Produtivo Local de Moda Bebê de Terra Roxa”, em decorrência do crescente número de empresas que se especializaram no setor. Essa organização expressou a vontade dos empresários em criar uma agenda em comum de discussões e ações para fortalecer o coletivo das empresas locais 110 (ARRANJO PRODUTIVO CONFECÇÃO MODA BEBÊ, 2004). Segundo Staduto, Willers e Azevedo (2005), em 2005 existiam cerca de 47 empresas regularmente abertas e ativas. E com a criação dessa organização o conjunto das empresas pode alcançar os conceitos mais elaborados que a literatura configura como arranjo produtivo local. A seguir são colocadas algumas evidências sobre os elementos que conduziram para o crescimento dessas empresas e ao desenvolvimento local, os quais estão assentados sobre um território que foi construído fundamentalmente pelo processo de resistência dos seus moradores frente a um declínio econômico persistente. A história dos empresários das confecções de moda bebê de Terra Roxa está diretamente vinculada à história do Oeste do Paraná, de uma maneira geral, e da história do município de um modo mais específico. A maioria absoluta dos empresários nasceu ou veio a residir ainda criança no município, acompanhando o itinerário de seus pais. Segundo o LIS (2004), 67% dos empresários de confecções são nascidos em Terra Roxa ou residente desde a infância, e 33% mudou para Terra Roxa depois dessa época. O vínculo entre estes empresários e a história regional municipal é Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA a origem rural da grande maioria dos empresários. Entre 27 empresários pesquisados, 21 deles (77,8%) são filhos de agricultores e 7 ainda tem a agricultura como seu meio de vida. Este dado remete diretamente ao índice de esgotamento de postos de mão-de-obra no setor rural como demonstrado anteriormente. Com respeito às atividades realizadas anteriormente por esses empresários, em boa parte dos casos, os mesmos já operavam em alguma atividade relacionada com a área em que atualmente estão empreendendo. Entre os 27 entrevistados 9 atuavam em áreas diretamente relacionadas ao setor de confecções, outros 5 atuavam como empresários e os demais eram autônomos ou funcionários assalariados. A origem das empresas é proveniente de capital autóctone, ou seja, as empresas nasceram com capitais oriundos da economia pessoal de cada um dos empresários. Indagados diretamente sobre esta questão mais da metade dos empresários indicaram esse expediente como a fonte de recursos do seu empreendimento (LIS, 2004). As fontes de inspiração para a tomada de decisão de ingresso no ramo foram diversas, entre elas destacam-se principalmente o conhecimento de atividades do ramo, opinião de amigos ou familiares do ramo, bem como o aproveitamento RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO de mão-de-obra local (LIS, 2004). A maior parte das empresas de confecção infantil Terra Roxa foram criadas a partir de 2000. Essas empresas na grande maioria são de micro e pequeno portes sendo que cerca de 96% tem menos de 100 empregados, e 71%, destas, tem até 20 empregados, como ilustra a Tabela 4. Tabela 4 - Empresas de confecção moda infantil segundo o número de empregados em 2003. Figura 7 - Qualificação nas próprias empresas confecção infantil de Terra Roxa por ocupação Fonte: Censo Empresarial (2005). exportados e a competir com os produtos de outros estados brasileiros, a Tabela 5 ilustra esta expansão. Fonte: CAGED (2004). As empresas no ramo de confecções infantis são na maior parte de fabricação dos vestuários. Há outras empresas atuando como prestadoras de serviços, principalmente fazendo as costuras das roupas e aplicando os bordados. É provável que com a expansão da produção nos próximos anos a participação das empresas prestadoras de serviços se amplie, como um processo natural de complexificação e de fortalecimento da estrutura produtiva. Segundo o Censo Empresarial (2005), 96% da empresas são de industriais de confecção infantil e 4% são de prestadoras de serviços. A mão-de-obra empregada nestes estabelecimentos é preponderantemente formal e os treinamentos ocorrem na maioria, no âmbito interno das empresas (Figura 7). O processo de aprendizagem iniciou extremamente endógeno, desta forma, espera-se haja forte respostas dos agentes com a introdução organizada de treinamento da mão-deobra, e que ocorra um aprendizado coletivo. O setor desde seu surgimento ampliou significativamente a abrangência de seu mercado. Hoje seus produtos não se limitam mais ao mercado regional, passando a ser Tabela 5 – Destino das vendas das empresas de confecção infantil de Terra Roxa em 2004 Fonte: Censo Empresarial (2005). Segundo o Censo Empresarial (2005), constata-se que 82% das empresas têm marca própria, um resultado extremamente positivo, pois configura a autonomia em termos de designer e de produção das peças produzidas pelas empresas, aumentando expressivamente as chances de fixação das marcas no mercado. Desta forma, estas empresas diferenciam-se das chamadas empresas de facção. As empresas respondem por boa parte da criação de suas roupas, 75% têm até 100% de criação própria, 17% e 8% têm até 90% e 80%, respectivamente, de cri- RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ação própria. Esta constatação evidencia e valoriza o potencial artístico local. Contudo, o que se destaca na análise feita, é que as mudanças ocorridas na estrutura econômica de Terra Roxa foram oriundas do capital social local e está refletindo em um rápido posicionamento no mercado de moda bebê. No caso deste município, o capital social parece ter maiores proporções, por ter uma parcela expressiva de empresários nascidos no município. Este fato “criou” um vínculo maior com a idéia de crescer e morar no município natal. Um outro elemento importante para caracterizar a origem comum dos empresários é a origem rural dos mesmos, pois 78% deles afirmaram que entre as profissões exercidas pelos pais estava a de agricultor (Censo Empresarial, 2005). Outro indicador que representa um traço de capital social é as relações constituídas entre os empresários, uma vez que, o círculo social de convivência dos empresários é formado em sua grande maioria por pessoas do mesmo ramo. A Figura 8 mostra que parcela pequena dos empresários pesquisados apresentava baixo nível de confiança nos seus colegas de atividade. Estes dados evidenciam uma forte propensão à coesão social, pois existe uma confiabilidade média tendendo para o crescimento entre os empresários. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 111 Figura 8 – Nível de confiança entre os empresários das confecções moda bebê de Terra Roxa. Fonte: LIS (2004) Quadro 1 - Exemplos de benefícios citados pelos empresários das confecções infantis de Terra Roxa Fonte: LIS (2004). Atualmente, com a implantação do Grupo Gestor APL de Moda Bebê de Terra Roxa a totalidade dos empresários vinculados a esta associação declararam haver colaboração entre as empresas, e cerca 93% das empresas já recebeu algum tipo de benefícios. No Quadro 1 são listados esses benefícios. 5. Considerações finais e perspectivas Como exaustivamente visto, o município de Terra Roxa tinha uma 112 base econômica apoiada na produção agropecuária e, atualmente mais diversificada, tende a uma complexidade nas relações intersetoriais pelo efeito desencadeador gerado pelas empresas de confecções infantis. No final dos anos de 1950 até início da década de 1970, ocorre o esgotamento da fronteira agrícola associado ao processo de tecnificação agrícola em áreas de ocupação mais antigas, o que gerou um importante processo de emigração na região. Com a modernização da agropecuária uma enorme quantidade de mão-de-obra foi liberada e, não tendo um suporte industrial urbano próximo que pudesse representar alguma alternativa, a solução foi à migração para outras fronteiras agrícolas, ou mesmo para centros urbanos mais próximos. Foi o que ocorreu em Terra Roxa entre 1970 a 1980, quando praticamente 15 mil pessoas, deixaram o município. A incapacidade de absorção urbana se refletiu nos índices estacionários do emprego no setor da indústria e de serviços até, pelo menos, no final da década de 1990. É neste período (final de década de 1990 e início de 2000) que começam a proliferar as empresas de confecções infantis. A origem familiar agrícola da maior parte dos empresários indica o esgotamento ocupacional do setor e a necessidade de busca por outros caminhos. A escolha deste caminho, num primeiro momento, deveu-se à Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA perspicácia de alguns empresários que perceberam um mercado promissor para empresas de confecções infantis, ainda na década de 1990. Num segundo momento, foi o aprendizado e a percepção do setor, ainda em crescimento, que levou alguns empregados a tentarem o empreendimento próprio. O que aparece, sempre em comum, é que esses empresários são em sua grande maioria moradores de longo tempo no município e, ainda, que são os geradores dos recursos financeiros utilizados para iniciar seu próprio negócio. Contudo, a sociedade de Terra Roxa, 25 anos depois da grande perda populacional da década de 1970, visualiza nas empresas de confecções infantis, uma nova oportunidade de recuperação da economia local. Surge um nicho de mercado que, desde seu início já se configurou como opção de crescimento econômico. Os empresários de confecção infantis perceberam que não resolveriam as dificuldades de gerar renda e bem estar para suas famílias mudando para outras regiões. A estratégia encontrada pelas pessoas que decidiram ficar em Terra Roxa foi a de apostar na idéia das empresas de confecções infantis. Esta ação evidencia os principais agentes de mudança da cidade e da sua população. É o que se chama de capital social, e é esta particularidade que atribui uma territorialidade específica e única, se comparado aos demais municípios de seu entorno. Enfim, nas décadas de 1970 e 1980 o agente fundamental da economia do município foi a terra, tida como recurso físico que desenvolvia o capital produtivo local. Hoje, o que fez Terra Roxa ganhar um “novo fôlego” não é mais a terra, mas, sim sua gente e sua capacidade de gerar renda de um atividade que escapa da vocação da região, a anti-vocação. Gente em sua maioria nascida ou criada no município e que, como muitos outros agricultores e filhos de agricultores, viu seu meio de vida definhar em pouco mais de uma geração. Agora, com o surgimento de um novo caminho de crescimento eco- RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO nômico a ser trilhado, cuja expansão depende, essencialmente, de sua população, tida como o verdadeiro capital de sua retomada econômica. Essas pessoas são o diferencial de competitividade e de sucesso deste município, e é nelas que se deve investir. A constituição do Grupo Gestor APL de Moda Bebê de Terra Roxa parece ser um ato consciente neste sentido, e os empresários do setor parecem estar convencidos de que sua empresa depende desta “matéria prima”, que se configurou por uma “gente” que vive e trabalha nesta cidade. Desta forma, uma empresa que treina funcionários não pode ser vista apenas como sua concorrente, mas sim uma colaboradora. Para tanto, é necessário ter claro que a expansão econômica de hoje só aconteceu em função da existência da existência da população que vive em Terra Roxa, apesar dela ter uma composição heterogênea, pois foi formada por imigrantes de vários estados do Brasil, e de se tratar de um município jovem. As empresas de confecção infantil por mais que sejam de capital privado, têm um grande componente de construção coletiva, cuja organização se configura na atual constituição do APL. Para uma gente que através de sua história viu seus próximos partirem em busca de alternativas de melhoria da qualidade de vida. Para uma população que, muito provavelmente, tenha, em cada família, um parente que, há anos atrás, tenha migrado de seu local de origem e que hoje, muito provavelmente, também já tenha em cada família um membro que já possua alguma experiência nas empresas de confecções infantis. Desta vez, no entanto, não é a terra o principal bem, mas o seu povo. Assim, como a terra se cultiva para produzir, a “gente” de Terra Roxa também deve ser “cultivada” para que possa manter-se produtiva. Referências A ECONOMIA PARANAENSE EM 1975. Revista Paranaense de Desenvolvimento, novembro/dezembro, n. 51, p.61-1970, 1975. ABRAMOVAY, R. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento rural. In: Economia Aplicada. v. 4, nº 2. Departamento de Economia FEA/ USP/FIPE. abr/jun.2000. p. 379-397. ALBAGLI, S. Globalização e espacialidade: o novo papel do local. In: CASSIOLATO J.E.; LASTRES, H.M.M. Globalização e inovação localizada: experiências de sistemas locais no Mercosul e proposições de políticas de C&T. Brasília: IBICT/MCT, 1999. ALBAGLI, S.; MACIEL, M. L. Capital social e desenvolvimento local. In: LASTRES, H. M. M.; CASSIOLATO, J.E.; MACIEL, M.L. (Orgs.). Pequena empresa: cooperação e desenvolvimento local. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003. p. 423-440. AMÂNCIO, C.O.G. et al. 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O primeiro da sua categoria no Estado da Bahia RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 113 DETERMINANTES DO CRESCIMENTO DA POPULAÇÃO E DO EMPREGO DAS MICRORREGIÕES DO NORDESTE DO BRASIL 1970/1996: UMA ABORDAGEM ECONOMÉTRICA José Raimundo Vergolino 1 Alexandre Domingos Sávio Caldas Jatobá 2 Resumo A Região Nordeste do Brasil, ao longo das décadas de 70 e 80, apresentou uma performance econômica que, para os padrões de uma região localizada na periferia do capitalismo brasileiro, pode ser caracterizada como virtuosa. Apesar disso, esse resultado positivo, tanto no contexto econômico quanto no social, não foram capazes de diminuir os níveis absolutos de pobreza.O objetivo principal deste trabalho é analisar os determinantes do crescimento da Região Nordeste, no período 1970-1996, a partir de um banco de dados sociais, demográficos e econômicos ao nível das microrregiões – aglomerados de municípios com as mesmas características geoeconômicas. O trabalho está divido em seis seções. A primeira contempla a introdução. A segunda seção contempla breves considerações sobre a dinâmica do emprego e da população da região nordestinas nos últimos anos. A terceira apresenta o marco teórico e a quarta contempla a escolha do modelo econométrico a ser utilizado. A quinta seção mostra os principais resultados obtidos e a última seção enumera as principais conclusões e algumas recomendações. Palavras chave: População, emprego, Nordeste. had an economic performance that, considering a region located in the periphery of the country, can be characterized as virtuous. But these results were not sufficient enough to diminish the poverty level of the region. The main purpose of this paper is to analyze the determinants of growth of the Northeast, in the period of 1970-1996, using a data bank of social, demographic and economic variables in a microrregional perspective – group of cities with similar geoeconomic features. The paper is divided in six sections. The first section contains the introduction. The second is a brief summary of the dynamics of population and employment in the region. The third and the fourth sections contain the theoretical approach and the econometric model used in this work, respectively. The fifth section shows the main results of the estimations. Finally, the last section contains the conclusion and some recommendations regarding public policies. Key words: population, employment, Northeast. Introdução A Região Nordeste do Brasil, ao longo das décadas de 70 e 80, apresentou uma performance econômica que, para os padrões de uma re- Abstract The Northeastern Region of Brazil, during the 70s and the 80s, has 114 Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA gião localizada na periferia do capitalismo brasileiro, pode ser caracterizada como virtuosa. O Produto Interno Bruto regional cresceu acima da média do país. Parte desse crescimento pode ser explicado pelo avanço das atividades manufatureiras, cujas plantas procuraram se instalar nos principais sítios urbanos existentes na região. A balança comercial regional com o resto do mundo apresentou-se sistematicamente superavitária. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) regional, mesmo abaixo da média nacional, apresentou taxas de crescimento acima da média do país, sugerindo a ocorrência de um processo de convergências nos padrões de bem-estar. Esses resultados positivos, tanto no contexto econômico quanto social, rebateram, todavia, de forma bastante tênue, sobre o panorama da pobreza e sobre o perfil de distribuição da renda pessoal. No contexto demográfico, a região Nordeste apresenta singularidades dignas de menção. Em 1996 abrigava, aproximadamente, 44 milhões de habitantes, e três Regiões Metropolitanas. É a segunda região brasileira em contingente populacional. Apresenta o maior percentual de famílias pobres do país e de população rural, as maiores taxas de analfabetismo, mortalidade infantil e fecundidade, a menor esperança de 1 Ph.D. em Economia-University of Illinois-USA. E-mail: [email protected] 2 Mestre em Economia – UFPE E-mail:[email protected] RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO vida ao nascer e o menor grau de urbanização. Além disto, desde os anos quarenta tem se constituído num centro expulsor de população para o restante do país (CAMARANO, 1998). Em relação ao comportamento do emprego, as evidências mais recentes indicam um processo de crescimento do grau de informalização dos postos de trabalho acompanhado de um processo de precarização desses empregos. Com efeito, o processo de industrialização que se instalou na Região, apoiada com recursos governamentais, foi intensivo em capital físico gerando, por via de conseqüência, um número reduzido de novos empregos formais. Sucede, todavia, que o rebatimento do processo de industrialização sobre o segmento terciário foi bastante intenso. Nesse sentido foram criados centenas de postos de trabalho, do tipo formal, no segmento terciário, mas que não foram capazes de absorver grande parte da População Economicamente Ativa. O excedente da PEA, bastante elevado, tomou o caminho da informalidade. O desenvolvimento da atividade industrial na região Nordeste, como não poderia deixar de acontecer, concentrou-se naqueles sítios urbanos de maior nível de renda e que dispunham de uma boa oferta de infra-estrutura econômica e social. O impacto dessa concentração sobre o crescimento populacional dos aludidos sítios foi significativo, levando, num espaço de 40 anos, a formação de três grandes regiões metropolitanas – Recife, Salvador e Fortaleza. O entendimento do processo de transformação da economia e da sociedade nordestina, nas últimas três décadas, não se apresenta trivial. Inúmeras variáveis sociais e econômicas, fortemente interrelacionadas, explicam o comportamento da sociedade. O objetivo desse trabalho é de investigar uma faceta da questão. Trata-se de analisar o comportamento da população e do emprego no espaço regional, no período 1970-96, fase que coincide com o período de grandes transformações da economia brasileira e regional. Tabela 1 – Nordeste: Índice de Crescimento da População dos Estados Nordestinos Fonte: IBGE. Censos Demográficos A dinâmica da população e do emprego População Historicamente, a Região Nordeste vem apresentando características bem peculiares no que diz respeito a sua dinâmica populacional. Segundo Camarano (1998), as transformações demográficas no Nordeste têm se dado de forma defasada em relação às outras regiões brasileiras e os diferenciais intra-regionais são bem mais expressivos do que os diferenciais inter-regionais. A região contém o segundo maior contingente populacional do país, atrás apenas da Região Sudeste. Além disso, a região apresenta o maior percentual de população pobre e de população rural do país. Outra característica marcante da dinâmica populacional nordestina é que a região tornou-se, desde os anos 40, uma região de emigração. Assim, apesar de continuar sendo a região com o segundo maior contingente populacional do país, o Nordeste vem perdendo ao longo dos anos sua posição relativa. Em 1872, a população do Nordeste representava 47% da população brasileira e, em 1996, esse percentual caiu para 28%. A tabela 1 mostra que, em termos de crescimento populacional, o Nordeste obteve o segundo pior desempenho dentre as regiões brasileiras, atrás apenas da Região Sul. Segundo Camarano (1998), este fraco desempenho da Região Nordeste se deve, principalmente, das altas taxas líquidas de migração negativas. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Como mencionado anteriormente, a região nordestina também apresenta desigualdades intra-regionais bastante acentuadas. Desde 1970 até 1996, os três estados de maior contingente populacional detêm cerca de 60% da população da região. Além disso, as microrregiões das três regiões metropolitanas da região concentravam, em 1996, 18% do total da população. Considerando-se também as microrregiões das demais capitais este percentual sobe para 28%. A tabela 2 evidencia o padrão concentrador das microrregiões das capitais, uma vez que, entre 1970 e 1996, a taxa de crescimento de todas as capitais foi bem maior do que a taxa de crescimento do conjunto das demais microrregiões da região. Deste modo, a dinâmica populacional nordestina apresenta duas características bastante peculiares. Primeiramente, o Nordeste apresenta um padrão de concentração populacional em torno dos seus principais centros urbanos (as capitais). E, em segundo lugar, o Nordeste vem perdendo sua posição relativa em relação à demais regiões do país. Emprego As informações sobre emprego em uma perspectiva temporal, a nível microrregional, estão presentes nos Censos e desde 1986, são disponibilizados, anualmente pela Rais do Ministério do Trabalho. Desta maneira, será utilizado para a análise da dinâmica do emprego nordestino, uma combinação dos dados de Pessoal Ocupado publicados pelo Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 115 Tabela 2 – Nordeste: Taxa de Crescimento das Microrregiões do Nordeste Fonte: IBGE. Censos Demográficos Tabela 3 – Nordeste: Participação dos Estados no Total do Pessoal Ocupado Fonte: IBGE.Censos Demográficos 1970 e 1980. Para 1996 MT/Rais. Tabela 4 – Nordeste: Participação das Microrregiões no Total do Pessoal Ocupado IBGE através dos Censos Econômicos e Demográficos de 1970, 1980 e 1991 e os dados da RAIS para os anos de 1991 e 1996. Em termos estaduais, nota-se no caso nordestino uma concentração dos empregos nos seus três principais estados, a saber, Bahia, Pernambuco e Ceará, semelhante ao caso da população. Trata-se dos Estados da Região que apresentam os maiores níveis de Produto Interno Bruto. No período analisado, a participação do emprego mantém-se em torno de 60% com um ligeiro aumento da concentração no período 1980-1996. A participação de Pernambuco no emprego total, no período 1970/96, permanece estagnada enquanto cresce o índice da Bahia e do Ceará. O fato singular diz respeito à elevada participação do estado do Maranhão no total do pessoal ocupado, sem apresentar uma forte correspondência com o PIB do Estado (tabela 3). Outra característica da dinâmica do emprego na região é a forte concentração nas regiões metropolitanas e nas capitais. Entre 1970 e 1996, a concentração dos empregos nas microrregiões das regiões metropolitanas e das demais capitais tem se intensificado. A tabela abaixo mostra que, em 1970, o emprego das microrregiões das capitais representava cerca de 6% do total do emprego nordestino. Esta participação aumentou para cerca de 26% em 1996. Nota-se que o processo de concentração foi mais intenso no período 1980 a 1996 (tabela 4). Marco teórico Fonte: IBGE Censos Demográficos 1970 e 1980. Para 1996 MT/Rais. 116 Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA O crescimento das regiões tem sido bastante explorado pelos analistas regionais nos últimos trinta anos. Dentre os vários aspectos analisados, destaca-se a discussão acerca do movimento e do crescimento populacional, como também do emprego de algumas regiões em detrimento à perda populacional e diminuição do nível de emprego de outras regiões. Em primeiro lugar, tem sido dado destaque a questão da relação de causalidade entre a migração ou o crescimento populacional e o nível de emprego. Em segundo lugar, tem-se procurado determinar RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO que outros fatores influenciam a migração e o crescimento populacional, bem como a oferta de empregos de uma determinada região. Existe uma corrente da ciência regional, liderada por Blanco3, Mazek4 e Lowry5, que defende que os diferenciais entre as taxas de migração a nível de regiões são induzidos pelo crescimento diferenciado nas oportunidades de trabalho ou emprego. Esta corrente se baseia na Teoria da Base Exportadora do Crescimento Regional. A segunda delas, defendida por Borts e Stein6, diz que as variações no emprego são induzidas por diferentes taxas de imigração. O movimento de migração, assim como o crescimento populacional, provoca um deslocamento da curva de oferta de trabalho e, com isso, uma mudança na remuneração do trabalho/hora para baixo, caso a demanda por trabalho permaneça invariante. A extensão deste deslocamento irá depender na composição demográfica dos migrantes. Quanto maior o número de migrantes na faixa etária chamada “população economicamente ativa”, maior será este deslocamento. A variação do emprego que resulta do deslocamento da oferta de trabalho irá depender da elasticidade da demanda por trabalho e na programação da oferta de trabalho na região. Além destes, a variação no emprego irá se refletir nos salários que são capazes de se ajustar livremente ou não. As duas correntes de pensamento acima destacadas discordam sobre a rigidez das taxas de salário. Os seguidores da teoria “emprego causa crescimento populacional” defendem que as taxas de salários são totalmente rígidas enquanto os seguidores da teoria “crescimento populacional causa emprego” defendem que se existe rigidez nos salários, esta só diz respeito a diminuição de salários. Com o intuito de elucidar a relação de dependência entre migração e crescimento do nível de emprego, Muth (1971) utiliza o método de mínimos quadrados de dois estágios onde as variáveis migração e emprego total ou força de trabalho são tratadas como sendo simultaneamente determinadas. As variáveis cresci- mento populacional natural e corpo das forças armadas são variáveis independes das duas equações. Como determinantes do emprego total e também da força de trabalho foram incluídas as variáveis renda média das famílias em 1960 em relação a 1950, a participação do emprego industrial no emprego total da cidade em 1950 e o tamanho da área populacional urbanizada em 1950. Na equação da migração, foram incluídas as variáveis taxa de desemprego em 1950, renda familiar média em 1949, e duas variáveis dummy regionais, uma indicando as cidades do sul e outra para as cidades do oeste americano. Os resultados alcançados por Muth mostram que tanto a migração é determinada pelo nível de emprego quanto o nível de emprego é determinado pela migração. No caso da equação do emprego e da força de trabalho, obteve-se na maioria dos casos um coeficiente unitário para a variável migração. Porém, no caso da equação da migração, obteve-se, na maioria dos casos coeficientes variando entre 0,6 e 0,7 para a variável emprego. Assim, os dados estudados por Muth indicam que há uma relação de simultaneidade entre emprego e migração, porém, a migração tem um efeito maior sobre o emprego do que o emprego tem sobre a migração. Steinnes e Fisher (1974) introduziram um modelo intra-urbano que permite que o crescimento populacional e do emprego sejam simultaneamente determinados. O ponto de partida é o modelo de equilíbrio geral convencional. Neste modelo, os consumidores maximizam utilidade. Esta utilidade depende dos produtos e serviços que eles adquirem, da localização de suas residências em relação aos seus locais de trabalho e de algumas amenidades loca- RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO cionais. Uma restrição orçamentária iguala a renda dos consumidores aos gastos por eles feitos em bens e serviços. Já as firmas objetivam maximizar seus lucros produzindo bens e serviços através da aquisição de insumos. Estes produtos e serviços são produzidas em mercados competitivos. Os custos de produção variam de acordo com a localização da firma. As firmas entram e saem do mercado até o momento em que os lucros se igualam entre as regiões aos níveis competitivos, e as famílias migram até o momento em que os níveis de utilidade são equalizadas a nível regional. Neste tipo de modelo a população e o emprego não só se influenciam, mas também várias outras variáveis os afetam. Estas variáveis também poderiam ser determinadas simultaneamente, porém é necessário assumir que as variáveis que afetam a população e o nível de emprego sejam consideradas exógenas. O modelo, como sugerido por Steinnes e Fisher (1974), apresenta a seguinte resolução: (1) E * = AE P + B E S (2) P * = AP E + B P T Onde, E e P são, respectivamente, o emprego e a população de um dado município; S e T são os vetores das variáveis que afetam E e P; os asteriscos indicam os valores de equilíbrio; AE e AP são os coeficientes das variáveis endógenas; e BE e BP são os coeficientes das variáveis exógenas. Mills e Price (1985) sugerem que a população e o emprego se ajustam aos seus valores de equilíbrio com defasagens, introduzindo as seguintes expressões: ( (P ) ) (3) E = E −1 − λ E E * − E −1 (4) P = P−1 + λ P * − P−1 3 BLANCO, Cicely. “The Determinants of Interstate Population Movements”, Journal of Regional Science, Summer 1963, 77-84. 4 MAZEC, Warren. “The Efficacy of Labor Migration with Special Emphasis on Depressed Areas”, Working Paper CUR 2, Institute of Urban and Regional Studies, Washington University (Processed), June 1966. 5 LOWRY, Ira S. “Migration and Metropolitan Growth: Two Analytical Models”, San Francisco: Chandler Publishing Co., 1966. 6 BORTS, George H & STEIN, Jerome L. “Economic Growth in a Free Market”, New York: Columbia University Press, 1964. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 117 O índice –1 mostra a defasagem em um período, uma década neste caso. lE e lP são os coeficientes que indicam a velocidade do ajustamento com lE > 0 e lP < 1. Substituindo (1) e (2) por E* e P* em (3) e (4), tem-se: (5) E = λ E AE P + λ E B E S + (1 − λ E ) E −1 (6) P = λ P AP E + λ P B P T + (1 − λ P )P−1 Onde as variáveis endógenas E e P são determinadas simultaneamente e dependem das variáveis exógenas e de suas defasagens. Modelo empírico Em um estudo realizado em 1985 para identificar os determinantes do crescimento dos condados americanos durante os anos 70, Carlino e Mills (1985), utilizando o marco teórico acima descrito, sugeriram o seguinte modelo econométrico: Onde, Pi é a população do condado i em 1980; Ei é o emprego total de i em 1979; Pi-1 é a população de i em 1970; Ei-1 é o emprego total de i em 1969; PBi é a participação dos negros na população de i em 1970; Ii é a densidade das estradas inter-estaduais de i em 1982; Ti são os impostos governamentais per capita de i em 1972; Yi é a renda média familiar de i em 1970; CRi é a taxa de criminalidade por 100.00 habitantes de i em 1975; Ui é a participação dos empregados sindicalizados no total dos empregados não-agrícola, por estado, em 1970; LAi é a quantidade de áreas agricultáveis em milhas quadradas de i; MSi é número médio de anos de estudo da população de i em 1970; IDBi é o valor total dos Títulos do Desenvolvimento Industrial emitidos em 1981, por estado; CCi é a variável dummy que tem valor um se o condado possui uma cidade central; NMj são duas variáveis dummy, uma que assume o valor um quando o condado é adjacente a um 118 condado metropolitano, e outra que assume o valor um quando o condado nem é metropolitano nem adjacente a um condado metropolitano; e Rj é cada uma das oito variáveis dummy regionais. As equações (7) e (8), denominadas de equações estruturais, foram estimadas através do Método de Mínimos Quadrados de Dois Estágios. Foi feita também uma estimação, utilizando o emprego industrial ao invés do emprego total pelo fato da indústria ser o setor chave em várias economias. Todos os coeficientes estimados tiveram os sinais esperados e se mostraram significantes a pelo menos 5%, e os coeficientes de determinação foram todos maiores do que 95%, revelando a adequação do modelo. Foram também calculados os coeficientes na forma reduzida, uma vez que nesta formas, os coeficientes incorporam tanto os efeitos diretos como os efeitos indiretos de todas as variáveis independentes. Além disso, através dos coeficientes da forma Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA reduzida, foi possível o cálculo de diversas elasticidades. Uma conclusão interessante extraída dos resultados das estimações diz respeito à não importância das amenidades das cidades centrais (poluição e tráfego intenso de veículos) em relação aos movimentos populacionais. Os coeficientes das variáveis dummy regionais sugerem que os efeitos das amenidades naturais são importantes para o movimento da população, são pouco importantes para o emprego total e não são importantes para o emprego industrial. Sobre o debate “população segue o emprego ou o emprego segue a população”, as elasticidades estimadas revelam que, um aumento de 10% na população resulta em um aumento de 4% no emprego total e de 3,5% no emprego industrial; enquanto que, um aumento de 10% no emprego total leva a um aumento de 0,7% na população total. Estes resultados revelam que a população determina o emprego. Finalmente, foi feita uma análise da estabilidade do modelo utilizado e o sistema se mostrou instável, revelando que as conclusões acima destacadas aplicam-se ao curto prazo, não sendo possível realizar previsões de longo prazo. Seguindo Carlino e Mills (1985), Clark e Murphy (1996) também fizeram uso do modelo de equilíbrio geral e sugeriram o modelo apresentado na equação 9 para analisar os determinantes do crescimento dos mesmos condados americanos nos anos 80, onde FISCAL representa as variáveis fiscais, LOCALCHARS representa as características demográficas, BUSCOND representa as variáveis de ambiente para negócios, AMENITY são as amenidades locacionais e LOCATION representa as variáveis dummy locacionais. Foi utilizado o método de mínimos quadrados ordinários de dois estágios. Através do teste de White foi detectada a presença de heterocedasticidade. Para a correção das estimativas, foi utilizada a técnica da matriz de covariância heterocedástica de White. Na equação da densidade populacional foram encontrados sinais e RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO níveis de significância similares ao estudo de Carlino e Mills (1987) em relação à variável emprego (+), população defasada (–), renda (+), e várias dummies locacionais. As outras variáveis, em sua maioria, tem sinais iguais, as os níveis de significância diferem. Em relação à equação do emprego, descobriu-se, assim como Carlino e Mills (1987) que a população e a renda influenciam positivamente o nível de emprego. Contrariamente ao estudo acima citado, o percentual da população negra e o percentual dos empregados sindicalizados revelaram sinais negativos e significantes. Finalmente, as variáveis dummy locacionais mantiveram os mesmos sinais e níveis de significância. Em relação às variáveis “novas” incluídas neste trabalho foi constatado, na equação da população, que todas as categorias de variáveis, com a exceção das variáveis fiscais, mostraram-se significantes. No caso da equação do emprego, somente as variáveis da categoria amenidade locacionais mostraram-se insignificantes a 95% de nível de significância. Foi feita uma análise considerando cinco setores econômicos (manufatureiro, construção, serviços, comércio e finanças/seguros/imobiliário FSI). A variável endógena crescimento populacional é positiva em todos os setores e significantes no setor FSI. Quase todas as categorias de variáveis são conjuntamente significantes a 95% de nível de confiança (as exceções são as amenidades no setor de construção). Finalmente, foi realizada também uma análise das elasticidades. As elasticidades de curto prazo são derivadas das equações estruturais e as elasticidades de longo prazo são derivadas das equações na forma reduzida. As elasticidades de curto e longo prazos não se mostraram muito diferentes, sugerindo que os efeitos de feedback entre população e emprego não são muito importantes. Finalmente, foi constatado que a população tem uma influência maior sobre o emprego do que a influência do emprego sobre a população, principalmente nos setores comer- ciais (serviços, comércio e FIS). Este resultado contraria as conclusões obtidas em Carlino e Mills para os anos 70. Para analisar o crescimento das microrregiões do Nordeste será utilizado um modelo semelhante aos modelos acima apresentados. Neste artigo serão realizadas duas estimações. A primeira delas refere-se ao período 1970-1980 e a segunda refere-se ao período 1980-1996. Também será utilizado o Método de Mínimos Quadrados de Dois Estágios. O modelo tem a forma apresentada nas equações 11 e 12. Onde POP é a população residente na microrregião i; EMP é o pessoal ocupado da microrregião i, YPC é o PIB per capita de i, EDU é o índice de condição de vida para educação de i, HAB é o índice de condição de vida para a habitação de i, RUR é o crescimento do PIB agropecuário da microrregião i, URB é o índice de urbanização de i definido como a participação da população urbana na população total, IND é o grau de industrialização de i definido como a participação do PIB industrial no PIB total de cada microrregião e DCAP é a variável dummy que assume valor unitário para as microrregiões das capitais nordestinas. Os resultados e análises das estimações estão apresentados na próxima seção. Fonte de dados e resultados Esta seção apresenta os principais resultados obtidos através da estimação do modelo acima destacado. Primeiramente, vale a pena salientar que os dados de população e urbanização foram extraídos dos Censos Demográficos de 1970 e 1980, e da Contagem da População de 1996. Os dados referentes ao emprego foram extraídos dos Censos Econômicos de 1970 e de 1980, e do Censo Demográfico de 1991. As publicações acima citadas foram ela- RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO boradas pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Para a extrapolação dos dados até o ano de 1996, foram utilizados os dados da RAIS – Registro Anual de Informações Sociais, desenvolvido pelo Ministério do Trabalho. Os dados dos Produtos Internos Brutos Total, Agropecuário e Industrial foram estimados através de metodologia desenvolvida por Maia Gomes, Vergolino e Monteiro Neto (1997). E, os índices de condição de vida da habitação e da educação foram retirados do Atlas de Desenvolvimento Humano publicado pelo IPEA. As tabelas 1 e 2 apresentam os coeficientes das equações estruturais e reduzidas, respectivamente. De acordo com o método de mínimos quadrados de dois estágios, os coeficientes das equações estruturais incorporam os efeitos diretos das variáveis exógenas sobre as endógenas e os coeficientes das equações reduzidas incorporam tanto os efeitos diretos quanto os indiretos (causados pela simultaneidade). Deste modo, utilizando as equações reduzidas, foram estimadas elasticidades no ponto médio, apresentadas na tabela 3. Os resultados constantes da tabela acima indicam que, no caso das microrregiões nordestinas, a população provoca o aumento do emprego. Isto é observado tanto para o período 1970-1980 quanto para o período 1980-1996. O coeficiente da população (POPit) na equação do emprego mostrou-se significante nas duas estimações. A hipótese emprego causa aumento da população é rejeitada para o caso nordestino já que, no período 1970-80, contrariamente às expectativas, o coeficiente mostrou-se negativo, indicando que o emprego age de forma a diminuir o crescimento populacional. No caso da estimação para o período 19801996, este mesmo coeficiente mostrou-se insignificante. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 119 Tabela 5 – Nordeste: Equações Estruturais para a População e o Emprego Os números em parênteses indicam a estatística t. * insignificantes. Fonte: Elaboração nossa. A inclusão de variáveis endógenas defasadas em um modelo de equações simultâneas objetiva representar outras variáveis que possam influenciar as variáveis endógenas e que não foram incluídas no modelo. No presente caso todos os coeficientes mostraram-se significantes. Em relação à equação da população, todas as outras variáveis obtiveram os sinais esperados e semelhantes aos encontrados na literatura (Muth (1971); Carlino & Mills (1985); Clark & Murphy (1996)). Com exceção da variável educação na estimação para o período 1980-1996, todas as variáveis mostraram-se estatisticamente significantes. Os coeficientes da variável crescimento do PIB agropecuário encontrados nas 120 equações da população indicam que, no caso nordestino, as microrregiões que obtêm crescimento do setor agropecuário tendem reter e até aumentar sua população. Apesar disso, os resultados também revelam que as capitais obtiveram crescimento populacional superior às outras microrregiões. Em relação à equação do emprego, somente as variáveis índice de urbanização (URBit-1) e dummy das capitais para o período 1970-1980 mostraram-se significantes. O coeficiente da dummy revela que no período acima citado o crescimento do emprego foi menor nas microrregiões das capitais do que nas demais microrregiões. O outro coeficiente significante revela que, no período Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 1970-80, as empresas têm oferecido mais empregos nas microrregiões com menor índice de urbanização, provavelmente por causa das amenidades negativas das metrópoles (trânsito, poluição, maiores impostos, etc.). O fato dos demais coeficientes mostrarem-se insignificantes revela que, apenas diretamente, tais variáveis não influenciam o crescimento do emprego nas microrregiões do Nordeste. A maioria dos coeficientes das equações reduzidas mostraram-se significantes e com os sinais semelhantes aos obtidos na literatura (Muth (1971); Carlino & Mills (1985); Clark & Murphy (1996). Didaticamente, uma melhor forma de analisar os resultados acima é através do cálculo das elasticidades nos pontos médios das variáveis exógenas. Tais elasticidades encontram-se expostas na tabela 7. De acordo com as elasticidades estimadas das equações reduzidas, um aumento em 10% na população do período base provocou um aumento de 1,34% (para o período 1970-80) e de 8,80% (para o período 1980-96) no emprego total. E, um aumento em 10% no emprego do período base provocou, por sua vez, uma queda de 0,86% (para o período 1970-80) e de 0,73% (para o período 1980-96) na população. Estes resultados estão de acordo aos encontrados nas equações estruturais e reforçam a idéia de que a população é que determina o emprego no caso nordestino. Em relação à variável renda, pode-se dizer que a mesma desempenhou um papel discreto uma vez que um aumento em 10% na renda do período base provocou um aumento entre 1,48% e 1,86% na população da microrregião, e entre 1,45% e 2,62% no emprego. Este resultado é um pouco inferior aos resultados encontrados por Carlino & Mills (1985) cujas respostas em relação a um aumento em 10% na renda das cidades americanas provocou um aumento em 3,1% na população e 6,3% no emprego. Como os coeficientes da variável renda nas equações estruturais do emprego mostraram-se insignificantes, as elasticida- RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Tabela 6 – Nordeste: Equações Reduzidas para a População e o Emprego Os números em parênteses indicam a estatística t. * insignificantes. Fonte: Elaboração nossa. Tabela 7 – Nordeste: Elasticidades da Forma Reduzida para a População e Emprego de 0,85% em 1980 e em 2,62% em 1996. Isto mostra que o investimento no nível educacional é uma das políticas que poderiam ser utilizadas para diminuir as diferenças entre as microrregiões do Nordeste. Com relação a variável urbanização, os resultados mostram que quanto mais urbanizada a microrregião, menor é o crescimento populacional da mesma. As elasticidades em relação ao emprego no período mostraram-se insignificantes na equação reduzida em questão. Além destas, embora significantes, as elasticidades da variável habitação em relação à população e ao emprego foram as únicas a terem os sinais contrários aos esperados e encontrados na literatura. Deste modo, torna-se necessário uma investigação mais detalhada acerca destes resultados. Com relação ao grau de industrialização as elasticidades negativas revelam que tanto a população quanto à oferta de empregos têm sido relativamente maiores nas microrregiões menos industrializada, provavelmente por causa dos maiores custos existentes em microrregiões que já possuem um parque industrial consolidado, como por exemplo, sindicatos mais atuantes e maiores impostos em relação à oferta de emprego e maior poluição em relação à população. Isso pode estar associado também ao padrão de industrialização implantado no Nordeste que foi do tipo intensivo no fator capital e poupador de mão-de-obra. Finalmente, as elasticidades positivas do crescimento do PIB agropecuário em relação à população e ao emprego reforçam a hipótese de que um setor agropecuário forte é gerador de empregos e atua como fator de sustenção da mão-de-obra na área rural afetando assim, o movimento da população. Conclusões Fonte: Elaboração nossa. des revelam que a renda influencia o crescimento dos empregos de forma indireta via população. As elasticidades da variável educação revelaram que um aumento em 10% no nível educacional da microrregião gerou um aumento na população em 1,56% em 1980 e de 2,14% em 1996. No caso da elasticidade em relação ao emprego esse aumento foi RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO O presente artigo teve como objetivo principal determinar os principais determinantes do crescimento populacional das microrregiões do Nordeste. Foi constatado que o nível de emprego no ano base e a população são os principais determinantes diretos do crescimento na Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 121 oferta de emprego. Outras variáveis como renda, educação, habitação, crescimento agropecuário e grau de industrialização agem de forma indireta sobre o nível de emprego das microrregiões. Para a população, foi constatado que todas as variáveis contidas na respectiva equação estrutural agem de forma direta sobre seu crescimento, enquanto que, as variáveis que só estão contidas na equação estrutural do emprego agem sobre o crescimento populacional de forma indireta. Uma das principais conclusões do presente estudo foi a constatação de que, no caso nordestino, a população determina o emprego. Assim, sugere-se a elaboração de políticas públicas que atuem naqueles espaços urbanos de médio e pequeno porte, onde as deseconomias externas ainda não estão presentes, com vistas a evitar a migração para as áreas metropolitanas, onde os problemas urbanos são graves e cuja solução implica em custos elevados vis-à-vis as cidades de médio porte. Concluindo, vale a pena salientar que este estudo tem caráter inédito no que diz respeito à Região Nordeste. Por isso, mais estudos serão necessários para auxiliar as autoridades governamentais no que diz respeito a diminuição das desigualdades regionais existentes na sociedade nordestina. Referências AFFONSO, Rui de Britto Álvares & SILVA, Pedro Luiz Barros (organizadores). Federalismo no Brasil – Desigualdades Regionais e Desenvolvimento. FUNDAP, Editora UNESP, 1995. AZZONI, Carlos Alberto. A Concentração Regional e Dispersão das Rendas Per Capita Estaduais: Análise a Partir de Séries Históricas Estaduais de PIB, 1939-1995. Estudos Econômicos, Instituto de Pesquisas Econômicas (USP), Vol. 27, Nº 3, pp.341-393, 1997. CAMARANO, Ana Amélia. Movimentos Migratórios Recentes na Região Nordeste. In Anais do Encontro Nacional sobre Migração, Curitiba, 1997. CANO, Wilson. Concentração e Desconcentração Econômica Regional no Brasil: 1970/95. Economia e Sociedade, Nº 8, pp.101-141, junho de 1997. 122 CARLINO, Gerald A. & MILLS, Edwin S. The Determinants of County Growth. 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Podem ser submetidos trabalhos redigidos em Português, Inglês, Francês, Espanhol, Italiano e Alemão. Devem ser observadas as normas e orientações indicadas a seguir. I – Entrega do Material Os artigos não deverão ultrapassar 30 páginas com título, resumo e abstract e até cinco palavras-chave, em português e outro idioma aceito pela revista, além da classificação segundo o Classification System for Journal Articles do Journal of Economic Literature. O resumo e o seu correspondente em outro idioma deverá ser estruturado em um único parágrafo com, no máximo, 300 palavras. As resenhas deverão ter, no máximo, 10 páginas (equivalentes a 2 500 palavras). Deverão constar no final do artigo os dados referentes ao autor, tais como: titulação, sua atividade atual, instituição a que esteja vinculado, endereço comercial e residencial, telefones e correio eletrônico. Os originais devem ser enviados à Secretaria da Revista em três vias impressas, das quais uma com identificação do autor e duas sem identificação, e uma cópia em CD padrão IBM-PC, no formato Word for Windows. Os originais devem ser acompanhados de carta submetendo o trabalho para publicação e de uma folha à parte contendo informações completas sobre o(s) autor (es): nome, vínculo institucional, endereço para correspondência, telefone, fax e correio eletrônico. A RDE não aceita artigos enviados exclusivamente por meio eletrônico (Internet). O endereço para a remessa é o seguinte PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E URBANO Secretaria da Revista de Desenvolvimento Econômico (RDE) Rua Dr. José Peroba 25 Edifício Civil Empresarial, Sala 601 – Stiep 41770235 – Salvador – Bahia II – Apresentação Gráfica do Texto 1. Especificações 1.1. Papel, Espaço e Letras Tamanho do papel: A4 Tamanho das letras: – do corpo do trabalho 12 – do título 16 – de sub-títulos 14 Tipo de letras: Arial Espaços: Entrelinhas: 1,5 Superior:3,0 cm Inferior:2,0 cm Lateral direita:3,0 cm Lateral esquerda:3,0 cm 2. Formatação • O texto deve ser justificado. •Nunca separar as sílabas para evitar desconfiguração do texto ao ser aberto em outro computador. RDE - REVISTA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO • Usar somente a cor padrão do texto (preto). • As páginas devem ser numeradas. • Os gráficos, tabelas e figuras e/ou ilustrações deverão ser fornecidos em monocromia (em preto e branco, com ou sem tons de cinza), apresentados no corpo do texto enviado e, também, em anexo, nos formatos originalmente produzidos. 3. Primeira Página do Texto 3.1. Título do artigo Centralizado na página a 3 cm da borda superior. 3.2. Parágrafos Cada parágrafo deve ter um recuo de 0,5 cm na primeira linha e nenhuma linha em branco entre eles, exceto para os subtítulos que deverão ter apenas uma linha em branco depois do parágrafo que o antecede. III – Notas As notas devem ser devidamente numeradas e indicadas no final do texto, antecedendo as referências. IV – Tabelas e ilustrações • Devem ser encaminhadas em arquivos separados. Na cópia impressa deverá ser indicado, com destaque, o local a serem inseridas. • As Tabelas e Quadros devem seguir as normas da ABNT (padrão IBGE) e devem ser numeradas seqüencialmente. • As figuras devem ser numeradas e apresentar título e fonte. V – Referências Devem seguir os padrões estabelecidos pela ABNT. VI – Responsabilidades É responsabilidade do autor a correção ortográfica e sintática, como a revisão de digitação do texto, que será publicado conforme o original recebido pela editoração. O conteúdo dos textos assinados é de exclusiva responsabilidade dos autores. VII – Procedimentos de avaliação Os trabalhos submetidos serão avaliados no sistema duplo cego por pareceristas, de instituições distintas daquela à qual o(s) autor (es) está(ão) vinculado(s). Os direitos autorais dos trabalhos aprovados são automaticamente transferidos à RDE como condição para sua publicação. O resultado da avaliação de artigos recusados será comunicado ao autor, neste caso os originais poderão ser recebidos pessoalmente na redação da revista até um prazo de 60 dias contados da data de postagem da comunicação, após o qual serão destruídos. Ano VIII • Nº 13 • Janeiro de 2006 • Salvador, BA 123 Uma publicação da PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E URBANO Diagramação, arte final e laser-filme: JOSEH CALDAS Tel.: (71) 3356-1920 Impresso nas oficinas da SVICTOR GRÁFICA LTDA. Tel.: (71) 3381-9033