Casa da Morte de Petrópolis

Transcrição

Casa da Morte de Petrópolis
CASA DA MORTE
DE PETRÓPOLIS
Apresentação
A Casa da Morte, como ficou popularmente conhecido o local, situa-se no imóvel número
120 [antigo nº 668] da Rua Arthur Barbosa, bairro Caxambú, Petrópolis, RJ. A casa, cedida ao Centro de
Informações do Exército [CIE] pelo empresário alemão Mario Lodders, morador de uma residência na
cercania e habitué do local, era bem isolada e praticamente não tinha vizinhos à época, o que facilitava as
sessões de tortura. Considerada um dos piores porões de tortura da ditadura civil-militar, conta-se que do
local, também conhecido como Casa dos Horrores e Codão, ninguém saía vivo. A exceção é Inês Etienne
Romeu, ex-dirigente da VAR-Palmares, que conseguiu sair da casa graças a uma campanha internacional de
"Ali, [Inês] permaneceu incomunicável.
Era a chamada Casa da Morte. Desse local, Inês
guardaria na memória dois detalhes significativos.
Um deles era o número de telefone: 4090; o outro,
a figura de um vizinho estrangeiro, chamado
Mário Lodders, que vivia na companhia de uma
irmã e de uma cão dinamarquês que atendia por
Kill. Esse homem mantinha relações cordiais com
os agentes de segurança e tinha conhecimento das
atrocidades que cometiam ali. Seria o locatário da
casa, conjectura Inês, ou seja, a personagem que
servia para dar um falso aspecto de normalidade
a um aparelho clandestino de tortura." (BRASIL,
2010, p. 120)
Com a promulgação da Lei de Anistia em 1979, Inês foi libertada da Penitenciária Talavera Bruce,
no Rio de Janeiro, na qual se encontrava detida desde sua saída da Casa da Morte em 1971. Última presa
política a ser libertada no país, entregou, naquele mesmo ano de 1979, seis documentos nas mãos do
presidente da Ordem dos Advogados do Brasil [OAB], Eduardo Seabra Fagundes,
os quais continham diversas informações sobre o período em que esteve presa: as
sevícias a que foi submetida, as 4 tentativas de suicídio, as investidas, por partes do
agentes da repressão, no sentido de conseguir 'virá-la'1, bem como os codinomes
1 ‘Virar’ era uma expressão utilizada pelos agentes da ditadura que significava fazer com que os militantes passassem a colaborar com a repressão, seja se infiltrando no movimento estudantil, nos sindicatos ou nas organizações de esquerda.
Casa da Morte [fonte: Florian Kopp]
denúncia de sua prisão clandestina.
e apelidos dos repressores e nomes de militantes que
passaram por aquele centro clandestino de tortura e
desaparecimento forçado.
Conta-se um número superior a 20 pessoas que
passaram pela casa: Aluisio Palhano, Antônio Joaquim de
Souza Machado, Ana Rosa Kucinski, Carlos Soares Alberto
de Freitas, Celso Gilberto de Oliveira, David Capistrano
Costa, Gerson Theodoro de Oliveira, Heleny Ferreira Telles
Guariba, Issami Okamo, Ivan Mota Dias, José Raimundo
Costa, José Roman, Mariano Joaquim da Silva, Marilena
Villas Boas, Maurício Guilherme da Silveira, Paulo de Tarso
Celestino, Rubens Beirodt Paiva, Thomaz Antônio Meireles
Neto, Victor Luiz Papandreu, Walter de Souza Ribeiro,
Walter Ribeiro Novaes e Wilson Silva.
Sabe-se que desde os anos 1980 a casa pertence
a Renato Firmento de Noronha, que ainda vive no imóvel.
Caravana OAB/RJ para reconhecimento da Casa
da Morte por Inês Etienne [fonte: livro Habeas
Entretanto, em agosto de 2012, a Prefeitura Municipal
corpus: que se apresente o corpo]
de Petrópolis editou um decreto2 declarando o imóvel
como de utilidade pública para fins de desapropriação.
Mais recentemente, em 2013, a Prefeitura de Petrópolis reeditou o decreto de desapropriação do imóvel,
ampliando o objeto do documento anterior para abrigar o imóvel vizinho à Casa da Morte, localizado no nº
210, posto no período da ditadura civil-militar não haver a divisão entre os dois imóveis, pois eram parte de
um mesmo lote.
Em fevereiro e março de 2014, a CEV-Rio colheu o depoimento do coronel reformado Paulo
Malhães, que integrou o Centro de Inteligência do Exército [CIE]. Torturador confesso, Malhães afirmou ser
um dos mentores da Casa da Morte, “considerada por ele um “laboratório” clandestino fora dos espaços
Ato pela desapropriação da casa da morte em dezembro de 2012 [fonte: Comitê Petrópolis em Luta]
2 Decreto Municipal nº 966 de 23 de agosto de 2012.
militares, que permitia uma atuação mais livre e mais violenta em
seu aspecto psicológico.” (CEV-Rio, 2014, p. ii). Malhães comentou
no depoimento que se especializou em 'virar' militantes para
serem colaboradores do regime. No dia 25 de abril de 2014, Paulo
Malhães foi encontrado morto em sua casa, um sítio localizado
em Nova Iguaçu.
Trechos de depoimentos
Inês Etienne Romeu3
“Chegando ao local, uma casa de fino acabamento, fui
colocada numa cama de campanha, cuja roupa estava marcada
com as iniciais C.I.E (Centro de Informação do Exército), onde o
interrogatório continuou. (...) Colocavam-me completamente
nua, de madrugada, no cimento molhado, quando a temperatura
estava baixíssima. Petrópolis é intensamente fria na época em
que lá estive (oito de maio a onze de agosto). (...).”
“Quando fui levada para a casa de Petrópolis, lá já se
encontrava um camponês nordestino, Mariano Joaquim da Silva,
cognominado Loyola. Conversamos três vezes, duas na presença de
nossos carcereiros e uma a sós. Mariano foi preso no dia primeiro
ou dois de maio, em Pernambuco. Após sua prisão, permaneceu
vinte quatro horas em Recife, onde foi barbaramente torturado.
Seu corpo estava em chagas. Em seguida, foi levado para aquele
Ato pela desapropriação da Casa da Morte em delocal, onde foi interrogado durante quatro dias ininterruptamente,
zembro de 2012 [fonte: Comitê Petrópolis em Luta]
sem dormir, sem comer e sem beber. Permaneceu na casa até o
dia trinta de maio, fazendo todo o serviço doméstico, inclusive
cortando lenha para a lareira. Dr. Teixeira disse-me em princípio de julho que Mariano fora executado porque
pertencia ao Comando da VAR-Palmares, sendo considerado irrecuperável pelos agentes do governo.”
Paulo Malhães4
“Nós queríamos um lugar que fosse tranquilo, que fosse calmo. E a casa de Petrópolis era o ideal.
Atrás tinha um alemão. Morava um alemão, com a irmã dele, com a mãe, que ganhavam dinheiro graças
ao pai que aplicou dinheiro no Banco do Brasil, então ganhavam dinheiro, não precisavam trabalhar. (...) O
CIE tinha controle daquilo. Sabia o que se passava por ali.”
3 A mineira Inês Etienne Romeu, única sobrevivente da Casa da Morte, foi militante da POLOP e da VAR-Palmares. Em 2009, Inês
recebeu do governo brasileiro o Prêmio Direitos Humanos na categoria Direito à Memória e à Verdade.
4 Paulo Malhães era coronel reformado e chefe de uma das equipes do CIE que atuava na Casa da Morte. Torturador confesso,
foi encontrado morto em sua casa no dia 25 de abril de 2014.
Vídeos
A luta pelo memorial da Casa da morte
https://www.youtube.com/watch?v=4YBfMyi7-H8
Além da Cidade Imperial - Casa da Morte
https://www.youtube.com/watch?v=NlqP4pTkLUE
Apenas uma pessoa sobreviveu às torturas sofridas em uma casa em Petrópolis nos anos 70
http://noticias.r7.com/videos/apenas-uma-pessoa-sobreviveu-as-torturas-sofridas-em-uma-casa-empetropolis-nos-anos-70/idmedia/0ed74eacf43f54565ef3300bdf77a56c-1.html
Audiência sobre a Casa da Morte de Petrópolis: Inês reconhece agentes da repressão
http://www.youtube.com/watch?v=OkQ8i1zA3vc
Casa da Morte - Parte II - Relatos de uma Prisioneira.mp4
www.youtube.com/watch?v=r_UNRg1BpdA
Documentos da Ditadura - Casa da Morte
https://www.youtube.com/watch?v=ZBOgiqij6jk
Encontro de Inês Etienne com Mario Lodders em Petrópolis
https://www.youtube.com/watch?v=ACKN3ezLHo0&feature=youtu.be
Luta para desapropriação da Casa da Morte
www.youtube.com/watch?v=viTrezmSQYg
Museu Casa da Morte - 06 de Julho de 2012
https://www.youtube.com/watch?v=6M4A8NbQ8ZI
Torturas na Casa da Morte
http://www.youtube.com/watch?v=332cVU0oCQs
Bibliografia consultada e indicada
ARNS, Dom Paulo Evaristo [Org.]. Brasil: Nunca Mais. Um relato para a história. Petrópolis, RJ: Editora Vozes,
1986.
BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Direitos Humanos. Habeas corpus: que se apresente o
corpo. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, 2010. Disponível em: http://www.marxists.org/portugues/
tematica/livros/diversos/corpus.htm
CEV-Rio. A Memória do Terror. Depoimento do coronel reformado Paulo Malhães à CEV-Rio. Maio de 2014.
Disponível em: http://www.cev-rio.org.br/wp-content/uploads/2014/05/depoimentomalhaes.pdf
CNV. Relatório Preliminar de Pesquisa sobre a “Casa da Morte de Petrópolis. Comissão Nacional da Verdade,
Março de 2014. Disponível em: http://www.cnv.gov.br/images/pdf/petropolis/relatorio_preliminar.pdf
Decreto Municipal nº 966 de 23 de agosto de 2o12 que declara a Casa da Morte para fins de utilidade
pública. Disponível em: http://www.petropolis.rj.gov.br/pmp/index.php/servicos-na-web/informacoes/
diario-oficial/finish/148-agosto/2777-4050-sexta-feira-24-de-agosto-de-2012.html
Depoimento por escrito completo de Inês Etienne Romeu entregue à OAB em 1979. Disponível em: www.
epsjv.fiocruz.br/upload/doc/DEPOIMENTO_INES.pdf
Infográfico Vítimas da Casa da Morte. Disponível em: http://oglobo.globo.com/infograficos/casatortura/
Lançamento da Campanha pela desapropriação da Casa da Morte encampada pelo CDDH de Petrópolis
http://www.ceavcddh.blogspot.com.br/2010/12/25-anos-do-lancamento-do-livro-brasil.html
Reportagem A ditadura dentro da Casa. Disponível em: http://www.revistaovies.com/reportagens/2011/06/
ditadura-dentro-da-casa/
Reportagem “Matei quanto foi necessário”, diz torturador. Disponível em: http://www.cartacapital.com.
br/sociedade/matei-quanto-foi-necessario-diz-torturador-1850.html
Reportagem Única sobrevivente da Casa da Morte relata tortura, estupro e humilhação. Disponível
em:
http://oglobo.globo.com/brasil/unica-sobrevivente-da-casa-da-morte-relata-tortura-estuprohumilhacao-5300325
Texto A casa da tortura e o médico da ditadura. Disponível em: http://ditacasa.wordpress.com/2009/12/15/
a-casa-dos-horrores-e-o-medico-da-tortura/
Texto A casa dos horrores, parte i. Disponível em: http://ditacasa.wordpress.com/2009/12/15/a-casados-horrores/
Texto A casa dos horrores, parte ii. Disponível em: http://ditacasa.wordpress.com/2009/12/15/a-casados-horrores-parte-ii/
Texto O cordeiro era o doutro Lobo, parte iii. Disponível em: http://ditacasa.wordpress.com/2009/12/15/
o-cordeiro-era-o-doutor-lobo-parte-iii/
Este documento foi produzido em maio de 2014 por Carla Fernandez, Mariana Barros e Rafael Coelho, integrantes do Centro de Defesa dos Direitos
Humanos de Petrópolis [CDDH de Petrópolis]
Rua do Russel, 76, 5º Andar, Glória, Rio de Janeiro
[email protected]