Alternativas ao Uso de Animais Vivos em Experimentos
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Alternativas ao Uso de Animais Vivos em Experimentos
INTRODUÇÃO Os conhecimentos biológicos empíricos datam da época pré-histórica, quando o homem primitivo, na sua condição de caçador e coletor, conheceu diferentes tipos de plantas e animais. A representação de animais em pinturas rupestres já demonstrava esse interesse biológico. No século VI a.C, produziu-se um salto qualitativo nos campos do saber, com o florescimento da cultura na Grécia. Por meio de pesquisa e dedução, os gregos teorizavam sobre o conhecimento do mundo e das leis que os regiam (GOLDIM & RAYMUNDO, 1997). Surgiram nesse período grandes cientistas, tais como Aristóteles, Galeno e Hipócrates, que realizaram importantes estudos anatômicos e fisiológicos, utilizando várias espécies animais. Mais tarde, as contribuições de Vesalius (1543) na moderna anatomia, permitiram um grande passo para a ciência. Concomitantemente, Bacon e Descartes contribuíram para que a metodologia de especulação fosse substituída pela experimentação (ANDRADE et al., 2002). Em 1628, Harvey descobriu através da utilização de cobaias animais, o sistema circulatório, lançando os fundamentos da Fisiologia Experimental. Além do esclarecimento dessa função, introduziu a vivissecção na prática científica (MENDES, 2003). No século XVIII, com os estudos da bacteriologia, os trabalhos científicos de Koch e Pasteur já contavam amplamente com a utilização de cobaias, que se tornaram verdadeiras “ferramentas de trabalho” dos pesquisadores (ANDRADE et al., 2002). Foi com Claude Bernard (1813-1878), considerado o maior fisiologista de todos os tempos, que a vivissecção tornou-se institucionalizada no século XIX. Segundo ele: “A experimentação animal é um direito integral e absoluto. O fisiologista não é um homem do mundo, é um sábio, é um homem que está empenhado e absorto por uma idéia científica que prossegue, não ouve o grito dos animais, nem vê o sangue que escorre. Só vê a sua vida e só repara nos organismos que lhes escondem problemas que ele quer descobrir” (BERNARD apud PAIXÃO, 1994). Desde então, muitos e importantes segmentos das Ciências, como a Farmacologia e Toxicologia, Bacteriologia, Virologia, Parasitologia, Genética, Histologia entre outros, incluem experimentos realizados com cobaias vivas em suas linhas de pesquisas (TREZ & GREIF, 2000). Com a evolução da pesquisa houve também a crescente preocupação com a ética e com os métodos que poderiam substituir o uso de cobaias animais nos experimentos científicos. Tal conscientização acerca do tema manifestou-se já no início do século XIX, na Inglaterra, com 1 o surgimento de movimentos que se dedicavam a mudar as atitudes do homem em relação aos animais (PAIXÃO, 2001). Desde então, o número de Organizações Não-Governamentais que protegem o direito dos animais e visam incentivar a substituição de cobaias vivas por alternativas viáveis é cada vez maior. Entretanto, os ativistas sempre esbarram em inúmeras barreiras, sejam elas de interesse financeiro, à falta de iniciativa, visões conservadoras e até mesmo o desprezo por parte dos grandes centros de pesquisas (SINGER, 1975). A implementação de métodos alternativos apresenta-se como uma solução moralmente justificada e plenamente viável, possibilitando o exercício de uma postura de respeito em relação à vida e dor de outrem (ALVES, 2004). Com a crescente procura de métodos que substituam os animais vivos em experimentos, torna-se importante o conhecimento e a divulgação de novas técnicas alternativas, que visam à substituição integral do uso de animais na experimentação científica e educacional. 2 OBJETIVO Este trabalho tem como objetivos apontar algumas das alternativas existentes atualmente no mercado mundial, de substituição ao uso de animais vivos em experimentos científicos e educacionais, além de fomentar a reflexão acerca de valores éticos sobre a preservação da vida animal. 3 MATERIAIS E MÉTODOS Foram levantados dados bibliográficos sobre os principais métodos alternativos existentes atualmente que substituem o uso de animais vivos na pesquisa científica e nas instituições de ensino, nas bibliotecas da USP – Instituto de Ciências Biomédicas, Universidade Guarulhos, UNIFESP/ Escola Paulista de Medicina e sites. A literatura consultada foi restringida aos últimos vinte anos e a publicações em língua portuguesa e inglesa Alguns pontos de vista de cientistas a respeito da experimentação animal foram coletados através de entrevista realizadas via correio eletrônico e extraídas de páginas da internet, no período de setembro a novembro de 2004. 4 1. Experimentação animal Antes de falar sobre as alternativas ao uso de animais em experimentos, vale a pena recordar alguns conceitos sobre experimentação animal, que podem auxiliar, de certo modo, a compreensão e estruturação de uma metodologia alternativa, contrapondo-se à utilização dos métodos convencionais empregados atualmente (RIVERA, 2002). Tendo em vista que o campo da experimentação animal é bastante abrangente, e para se ter uma idéia do que representa hoje esse campo, em termos de realidade científica, faz se necessário mapear os experimentos em animais (PAIXÃO, 2001). 1.1 O que é experimentação animal? A experimentação animal se baseia nas observações dos efeitos de substâncias sobre organismos vivos, ou na observação de mudanças comportamentais em organismos privados de nutrir-se, de maneira geral, com regiões nervosas extirpadas, e fora de seu habitat natural. O experimentador se vale então de técnicas fisiológicas ou bioquímicas, para obtenção de dados qualitativos ou quantitativos sobre a ação de medicamentos e substâncias. (RIVERA, 2002). De uma forma geral, qualquer animal pode ser utilizado em experimentos; porém, o modelo animal é escolhido de acordo com a especificidade da ação estudada (ANDRADE et al., 2002). Alguns grupos de proteção animal e opositores à experimentação animal, no entanto, preferem utilizar o termo “vivisseção”, que tem sua origem no latim, com a junção de “vivus” (vivo) e “sectio” (corte secção). Logo, vivisseção quer dizer “cortar um corpo vivo”, enquanto o termo “dissecação” refere-se a “cortar um corpo morto” (PAIXÂO, 2001). De acordo com FADALI (1996), médico cirurgião que critica o método da experimentação animal, o termo “vivisseção” foi cunhado por Claude Bernard, considerado o fundador da fisiologia experimental e príncipe dos vivissectores. Para FADALI (1996), o termo se aplica a todos os tipos de experimentos que envolvem animais, independente do fato de ocorrerem cortes ou não. Ainda segundo o posicionamento de alguns, os cientistas utilizam o termo “experimentação” para não revelar o que realmente ocorre nos laboratórios (SCHÄR-MANZOLI, 1996). Uma outra explicação para a preferência pelo termo vivisseção é que a disseminação da sua utilização data de um tempo em que os procedimentos eram invasivos, em sua maior parte (MONAMY, 1996 apud PAIXÃO, 2001). 5 A experimentação animal pode se referir ao estudo em animais, com o objetivo de obter maior conhecimento deles próprios, e possíveis aplicações na própria saúde e bem estar dos mesmos, tal como ocorre no campo da Medicina Veterinária. Porém, de forma mais freqüente, os animais são utilizados como “modelos”, a fim de que se obtenham conhecimentos e possíveis benefícios inerentes à saúde humana (PAIXÃO, 2001). As diferentes formas de utilização de animais que se enquadram no campo da “experimentação animal”, atualmente podem ser divididas em sete categorias principais (ROLLIN, 1998 apud PAIXÃO, 2001): a) Pesquisa básica – biológica, comportamental e psicológica. Refere-se à formulação e testes de hipóteses sobre questões teóricas fundamentais, tais como, a natureza da duplicação do DNA, a atividade mitocondrial, as funções cerebrais, o mecanismo de aprendizagem, enfim, com pouca consideração para o efeito prático dessa pesquisa. b) Pesquisa aplicada – biomédica e psicológica. Formulações e testes de hipóteses sobre doenças, disfunções, defeitos genéticos, etc., as quais não há necessariamente conseqüências. Incluem-se nesta categoria os testes de novas terapias: cirúrgicas, terapia gênica, tratamento a base de radiação, tratamento de queimaduras, etc. c) O desenvolvimento de substâncias químicas e drogas terapêuticas. A diferença entre essa categoria e as anteriores é que aqui se refere ao objetivo de encontrar uma substância específica para um determinado propósito, mais do que o conhecimento por si próprio. d) Pesquisas voltadas para um aumento da produtividade e eficiência dos animais na prática agropecuária. Isso inclui ensaios alimentares, estudos de metabolismo, estudos na área de reprodução, desenvolvimento de agentes que visam ao aumento da produção leiteira, entre outros. e) Testes de várias substâncias quanto à sua segurança, potencial de irritação e grau de toxicidade. Dentre essas substâncias, incluem-se cosméticos, aditivos alimentares, herbicidas, pesticidas, químicos, industriais e drogas. As drogas, que podem ser de uso veterinário ou humano, são testadas quanto à sua toxicidade, carcinogênese (produção de câncer), mutagênese (produção de mutação nos organismos vivos), e teratogênese (ocorrência de anormalidades no desenvolvimento embrionário e produção de monstros). 6 f) Uso de animais em instituições educacionais para demonstrações, vivisseções, treinamento cirúrgico, indução de distúrbios com finalidades demonstrativas, projetos científicos relacionados ao ensino. g) Uso de animais para extração de drogas e produtos biológicos, tais como vacinas, sangue, soro, anticorpos monoclonais, proteínas de animais geneticamente modificados para produzi-las, dentre outros. Além destes sete tipos de experimentos realizados em animais, existe o campo de estudos com animais silvestres e/ou selvagens, cuja parte significativa da pesquisa envolve um trabalho de campo, no qual os animais permanecem em seu habitat. Tais pesquisas têm como propósito obter conhecimentos sobre ecossistemas, organização social, transmissão de doenças, entre outros (DONELLY & NOLAN, 1990 apud PAIXÃO, 2001). Um outro tipo de experimentação que envolve animais é a chamada “pesquisa militar”, que inclui o desenvolvimento de armas e seus testes. Os animais podem ser submetidos a armas químicas, radiações ionizantes, laser, microondas e alta potência e armas biológicas (BUDKIE, 2001). As pesquisas espaciais também utilizam animais. Muitos desses estudos envolvem o envio de animais, especialmente primatas, para o espaço em satélites, a fim de investigar vários parâmetros, tais como: efeitos na estrutura e função dos ossos, músculos e nervos, ritmo circadiano, equilíbrio hidroeletrolítico, entre outros. Nessas situações os animais são submetidos a implante de eletrodos, isolamento e pouca mobilidade, durante longo tempo, para treinamento e durante a viagem (WALKER, 1996 apud PAIXÃO, 2001). Na área de ensino, os animais são amplamente utilizados com propósitos educativos em toda área biomédica e biológica, em todos os níveis. Os objetivos da utilização de animais estão vinculados ao processo de aprendizagem de diversas formas (PAIXÃO, 2001). Na área da educação, vem ocorrendo uma diminuição cada vez maior da utilização de animais, devido às novas técnicas alternativas, mobilização de alunos contra tais experimentos, legislações restritivas que definem o uso de animais no ensino e questões éticas, nas quais o educador se vê diante de um paradoxo moral (TRÉZ & GREIF, 2000). Novas possibilidades se desenvolveram no campo da experimentação animal nos últimos anos, a partir do advento da tecnologia, da engenharia genética, especialmente com a produção de animais transgênicos, e, mais recentemente, com a técnica da clonagem. Estas 7 novas tecnologias, por sua vez, expõem os animais a fatores de risco adicionais que terão implicações em seu bem-estar (BALLS, 1998). De acordo com ROLLIN (ROLLIN, 1998 apud PAIXÃO, 2001), as questões advindas desta biotecnologia, estão sendo pouco discutidas, e pouca atenção tem sido dada ao aspecto do possível sofrimento animal. Com a possibilidade de criar “modelos” animais para doenças, uma nova e significativa fonte de sofrimento animal está se desenvolvendo. A idéia dos xenotransplantes, isto é, a utilização de animais como fonte de órgãos para transplantes em humanos, embora não seja propriamente nova, voltou a ser considerada a partir do desenvolvimento biotecnológico; porém um dos aspectos que se destaca no debate ético é o risco da transmissão de doenças infecciosas para a população e a questão dos danos impostos aos animais, em prol dos benefícios humanos (HUGHES, 1998). A necessidade de se manter tais animais “livres” de agentes patogênicos pode requerer um isolamento e uma alteração genética que venham a comprometer, de forma adicional, o bem estar animal (PAIXÃO, 2001). É importante salientar que qualquer tipo de experimentação prejudica o bem-estar do animal envolvido, não importando o método utilizado. A experimentação animal não pode ser considerada a única via metodológica para se obter o conhecimento científico, pois o metabolismo animal jamais será parecido com o humano, acarretando atraso e erros para o progresso da ciência (TRÉZ & GREIF, 2000). 2) O modelo animal Primeiramente, “modelo” define-se como algo passível de ser reproduzido, imitado. Diante deste primeiro conceito, estabeleceremos a associação entre modelo e animal (SANTOS, 2002). Como visto anteriormente, para desvendar os mistérios do ambiente que o cercava, o homem passou a utilizar os animais como “instrumento” de teste, já que os consideravam seres inferiores, além de ter uma infinidade de espécies disponíveis ao seu alcance para efetuar tal prática, indiscriminadamente. Com a evolução dos conhecimentos científicos, diversas instituições de ensino começaram a surgir, convergindo para seus domínios estudantes de todo o mundo. Estes aplicados alunos estudavam e realizavam pesquisas e experimentos em suas escolas e estavam aptos a reproduzir o aprendizado em seus países de origem (SANTOS, 2002). 8 Tal fato proporcionou a disseminação da experimentação animal através do mundo e fortaleceu o conceito do modelo animal. O estudante, que outrora aprendera a desenvolver suas experiências em determinado animal, sentia-se plenamente à vontade em prosseguir a realização de testes em animais da mesma espécie, como forma de garantir a reprodução fidedigna do que havia constatado em seus estudos. (ANDRADE et al., 2002). Eis então que o conceito de modelo animal surgiu da necessidade da utilização de determinada espécie animal, que melhor respondia a determinado experimento, assegurando a continuidade reprodutiva da espécie, para que gerações inteiras de cientistas pudessem atingir resultados convergentes, já que o modelo era o mesmo através dos tempos (ANDRADE et al., 2002). As pesquisas cresceram, desenvolveram-se e atingiram alto grau de refinamento, e, concomitantemente, os modelos animais também. Esse número cada vez maior de experimentos demandou a necessidade do conhecimento biológico de cada espécie envolvida no processo, fazendo com que determinadas espécies fossem mais utilizadas que outras (ANDRADE et al., 2002). A escolha dos animais para realização de testes passou a obedecer a critérios como o tamanho reduzido do animal, ciclo reprodutivo curto, prole numerosa, precocidade, nutrição variada, adaptação ao cativeiro e baixo custo. (TRÉZ & GREIF, 2000). 3) Os principais animais utilizados em experimentos De uma maneira mais ampla, qualquer animal pode ser utilizado em experimentação, entretanto, procura-se um modelo específico para cada ação estudada. Como exemplo, podemos citar o uso do gato para estudo do sistema circulatório, a utilização do cão como modelo para estudo geniturinário e os pequenos roedores para avaliações do sistema respiratório, entre outros (ANDRADE et al., 2002). Os animais mais constantemente utilizados em experimentos são os roedores (camundongos, hamsters, ratos, porquinhos da índia). Aproximadamente 90% dos animais utilizados em pesquisas são da espécie dos roedores, compreendendo num total estimado entre 17 e 25 milhões de animais usados anualmente (AAVS, 2003). Figura 1: Porquinhos-da-índia, camundongo e rato 9 As justificativas para tal massificação na utilização dos roedores são o custo baixo, o porte reduzido, o fato de ser uma espécie mansa, fácil de manter, exigir pouca alimentação, ocupar pouco espaço e produzir prole numerosa (TRÉZ & GREIF, 2000). Embora sejam as mais empregadas, muitas outras espécies de animais são utilizadas, como os coelhos, cães, gatos, porco-anões, aves, rãs, ovelhas e alguns primatas (TRÉZ & GREIF, 2000). Figura 2: Coelhos, cães, gatos, primatas e aves, principalmente pombos, são alguns dos principais animais utilizados em experimentos. Segundo dados do biotério da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP), fornecido pela médica veterinária responsável, doutora Cláudia Mori, 9.030 animais foram utilizados no ano de 2002 em pesquisas, sendo 9.004 roedores e 26 coelhos (ANEXO1). Se compararmos os dados de 2002 com os de 1993, notaremos uma grande redução no número de animais utilizados em experimentos na Universidade. Num período de dez anos, o número de roedores utilizados diminuiu em 35%. A partir de 1998 foi abolido o uso de cães e galinhas no biotério (MORI, 2004). A quantidade de animais utilizados é também uma questão relevante no debate sobre experimentação animal. A esse respeito, estima-se que o número de animais torturados e mortos anualmente nos laboratórios dos EUA divirja largamente entre 17 e 70 milhões de animais (TRÉZ & GREIF, 2000). O Animal Welfare Act, lei que regulamenta a experimentação animal nos EUA, requer dos laboratórios o registro do número de animais utilizados em experimentos. Porém, a lei não faz referência a camundongos, aves e ratos, animais utilizados em 80 a 90% dos experimentos, dificultando a contabilidade precisa, limitando-se a dados especulativos e aproximados. Infelizmente, devido à inoperância dos órgãos fiscalizadores brasileiros, não há estatísticas oficiais sobre a quantidade de animais utilizados em experimentos. (TRÉZ & GREIF, 2000). 10 Atualmente, conforme descrito por PAIXÃO (2001), observa-se a diminuição gradual do número de animais utilizados, e, algumas hipóteses têm sido sugeridas para tal acontecimento, tais como: a) A substituição dos métodos tradicionais por culturas in vitro. b) A suposta melhora da qualidade dos animais de laboratório, conseqüentemente reduzindo o número utilizado dos mesmos. c) Os experimentos em animais tornaram-se onerosos, de tal forma que passaram a ser evitados. d) Os protestos contra experimentação animal cresceram, especialmente a partir da década de 70, obrigando cientistas a planejarem melhor seus experimentos, levando em consideração os chamados métodos alternativos. Porém, a expectativa futura para o número total de animais utilizados é incerta, especialmente devido à tecnologia da engenharia genética. De um lado, os animais geneticamente modificados podem permitir uma redução e um refinamento do uso de animais, já que pode haver mais precisão no “alvo” a ser atingido. Por outro lado, as possibilidades de vários procedimentos a partir dos transgênicos e de outras técnicas podem promover uma maior utilização de animais, uma maior variedade de aplicações, com conseqüente aumento do número de animais utilizados (FORSMAN, 1993; HUBRECHT, 1995; ECVAM, 1998 apud PAIXÃO, 2001). As estatísticas recentes no Reino Unido demonstram que os procedimentos realizados em animais transgênicos aumentaram cerca de dez vezes a partir da década de 90, atingindo cerca de 450.000 procedimentos (STOKSTAD, 1999 apud PAIXÃO, 2001). 4) Os biotérios Um biotério é uma instalação concebida para permitir a criação de animais que serão destinados a experimentos científicos e/ou educacionais, onde os animais supostamente encontram um ambiente “agradável”, e que os proporcionam saúde e condições apropriadas para o desenvolvimento e reprodução da espécie. Assim, os animais podem responder satisfatoriamente aos testes neles realizados. (ANDRADE et al., 2002). 11 Os biotérios nasceram da necessidade de se ter os animais em número, idade e sexo adequado ao estudo em andamento, além de facilitarem o alojamento, a manutenção e o transporte dos mesmos (ANDRADE et al., 2002). Os pesquisadores exigem que estes animais reúnam condições ideais, isto é, que atendam aos parâmetros de qualidade genética e sanitária, uma vez que nada mais são que “reagentes biológicos”, e os resultados dos experimentos são afetados em razão da qualidade de cada espécie utilizada. Para manter a infra-estrutura de um biotério, demanda-se um alto custo operacional, seja na aquisição dos animais, como na manutenção dos mesmos (ANDRADE et al., 2002). Segundo dados fornecidos pelo professor LUNA (2004), da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da UNESP Botucatu, no ano de 2001 foram gastos R$ 129.344,00 para manter aproximadamente 65.000 animais. Neste valor, não estão contabilizados os gastos com manutenção, custo dos funcionários, limpeza e demais custos externos. 5) Principais tipos de testes realizados em animais na pesquisa científica De acordo com LUNA (2004), 90% dos trabalhos científicos realizados não são publicados, demandando tempo, recursos e a utilização de animais sadios para a experimentação. Segundo descrito por TRÉZ & GREIF (2000), os principais tipos de testes envolvendo a utilização de animais em pesquisas científicas estão assim divididos: 5.1) Indústria Química e Farmacêutica Anualmente, milhares de produtos químicos são manufaturados para uso em geral (comercial, agrícola, militar, industrial, doméstico, etc). Muitos deles são altamente tóxicos, e necessitam de cuidados especiais de manuseio, pois apresentam alta periculosidade. Os produtos e seus insumos químicos são largamente testados em animais, sob o título “teste de toxicidade”, tais como Lethal Dose (Dose Letal - DL) 50, 40, 30...Lethal Concentration (Concentração Letal - CL) 50, 40, 30...Lethal Dose Low (Baixa Dose Letal - BDLo), Total Concentration Low (Baixa Concentração Total - BCTo), Maximum Torelable Dose (Dose Máxima Tolerada - DMT), etc. 12 Figura 3: Animais submetidos a testes nas indústrias químicas e farmacêuticas, os segmentos industriais que mais utilizam a experimentação animal em seus laboratórios de teste Outras pesquisas incluem testes de carcinogenicidade (câncer) e mutagenicidade (mutações genéticas), estudos de teratogenicidade (defeitos de nascimento) e toxicidade reprodutiva, estudos de hepatotoxicidade (fígado), etc. Os testes de toxicidade realizados em animais, além de envolverem um grande número de animais, ocasionam diretamente sérios efeitos nos mesmos. Além disso, uma outra questão relevante nesse caso, é que se trata de um dos poucos procedimentos em que há uma obrigatoriedade legal de se realizar os testes (TRÉZ & GREIF, 2000). 5.2) Indústria Cosmética Para determinar a segurança de cosméticos e produtos de limpeza e higiene doméstica, diversas substâncias são testadas em animais: Teste de irritação ocular (Draize Eye Test) Realizado desde 1994, visa avaliar alterações oculares e perioculares provocadas por produtos químicos diversos. Para execução do teste, são colocados 100 mg de solução concentrada de determinada substância nos olhos de um grupo de 6 a 9 coelhos albinos, que não receberam anestesia. Figura 4: Coelhos submetidos a teste de irritação ocular (Draize Eye Test) 13 Os coelhos permanecem em caixas de contenção, imobilizados pelo pescoço. Não são utilizados analgésicos, pois os cientistas alegam que seu emprego causa alteração nos resultados. As pálpebras dos animais são presas por grampos, que mantêm os olhos constantemente abertos. Embora 72 horas sejam geralmente suficientes, a prova pode durar 18 dias, quando, então, o olho do animal se transforma em uma massa irritada e dolorida. As reações observadas incluem processos inflamatórios das pálpebras e íris, úlceras, hemorragias ou mesmo cegueira. Teste de sensibilidade cutânea (Draize Skin Test) O procedimento consiste na depilação de áreas do corpo do animal, onde se raspa a pele (muitas vezes até provocar sangramento) e aplica-se a substância a ser analisada. Observamse sinais de enrijecimento cutâneo, úlceras, edemas, etc. Lethal Dose (Dose Letal – DL) 50 A prova compreende em forçar o animal a ingerir determinada quantidade da substância, através de sonda gástrica. Por muitas vezes, ocorre morte do animal por perfuração. Os efeitos observados incluem convulsões, dispnéia, diarréia, úlceras, emagrecimento, postura anormal, epistaxe, hemorragias da mucosa ocular e oral, lesões pulmonares, renais e hepáticas, coma e morte. Continua-se a administrar o produto até que 50% do grupo experimental morram. A substância também pode ser administrada por via subcutânea, intravenosa, intraperitonial, misturada à comida, por inalação, via retal ou vaginal. As cobaias utilizadas incluem ratos, coelhos, gatos, cachorros, cabras e macacos. 5.3) Indústria Armamentista Experimentos de guerra Testes de irradiação, nos quais as cobaias são expostas a diferentes tipos de radiação, apresentando sintomas como vômitos, salivação intensa e letargia, provas químicas com gases letais, provas biológicas – exposição a insetos hematófagos, testes balísticos (em que os 14 animais servem de alvo), bem como provas de explosão, com cobaias expostas aos efeitos de bombas. As Forças Armadas Americanas realizam testes de inalação de fumaça, prova de descompressão, testes de consumo de drogas e álcool, testes sobre a força da gravidade, testes com gases tóxicos, entre outros. É estimado que cerca de 1/3 dos animais utilizados em pesquisa se destinam à indústria bélica (Miranda, 2004). Nos países desenvolvidos, uma grande variedade de animais é utilizada nos testes militares, incluindo ovelhas, porcos, cães, roedores e macacos. No reino Unido, apesar do largo emprego de animais em testes militares, também são conduzidos, paralelamente, testes com voluntários humanos, evidenciando a baixa confiabilidade dos resultados obtidos com as provas envolvendo animais, dada a grande diferença existente entre o homem e as demais espécies animais. 5.4) Animais no programa espacial Vários animais são utilizados nas pesquisas aeroespaciais, principalmente macacos e cães. Experimentos com animais incluem testes com balões, foguetes, cápsulas espaciais, mísseis e pára-quedas. São avaliados parâmetros fisiológicos das cobaias, testes comportamentais e experimentos sobre a força gravitacional. 5.5) Outras Experiências Comportamento e aprendizado São conduzidos estudos sobre agressividade, aprendizado e comportamento sexual, como por exemplo, alguns animais que têm parte do cérebro retirada e são colocados em labirintos, para que possam achar a saída; gatos operados e reduzidos ao estado meramente vegetativo são deixados durante dias inteiros em equilíbrio sobre plataformas cercadas de água, para evitar que durmam, com o objetivo de registrar suas reações durante a vigília. Cabe ressaltar que o comportamento agressivo dos animais é espontâneo e está ligado diretamente à condição da garantia da sobrevivência, diferentemente do homem, que se torna 15 agressivo por outros fatores, como a vingança, por exemplo. É evidente que o homem difere dos animais sob o ponto de vista psicológico. Doenças mentais São realizados estudos sobre amnésia, dependência, hipotensão, delírios, depressão e suicídio. Os animais são artificialmente induzidos a tais comportamentos, como, por exemplo, nos tratamentos à base de eletro choque. Cirurgias experimentais Animais de várias espécies são usados como modelos experimentais para o desenvolvimento de novas técnicas cirúrgicas, aperfeiçoamento das já existentes e técnicas de transplantes de órgãos. Muitas técnicas cirúrgicas, quando executadas pela primeira vez em humanos, apresentam efeitos diferentes daqueles observados nos procedimentos experimentais envolvendo animais. Figura 5 – Animais vítimas de cirurgias experimentais Experimentos com tabaco Apesar de vários anos de observação terem evidenciado os riscos que o fumo causa à saúde, ainda hoje animais são utilizados para investigação dos efeitos do tabagismo. Um exemplo de testes com tabaco é a medição de alterações ultra-estruturais de macrófagos alveolares de ratos, induzidas pela fumaça do tabaco. Uma comparação entre cigarros com altos e baixos teores de alcatrão. Figura 6 – Coelho(à esquerda) e galinha (à direita) utilizados como cobaias em teste para a indústria do tabaco 16 Outros testes mais comumente utilizados são os de patologia pulmonar comparada em ratos, após a exposição à fumaça de cigarro e charuto, hipersecreção traqueal induzida pela fumaça do tabaco em ratos e efeitos da nicotina sobre o consumo de alimentos e água em ratos. Experimentos com álcool Já se sabe que o etilismo afeta a saúde dos fetos humanos; apesar disso, experimentos com fetos de camundongos ainda são praticados. Destacam-se os principais: Passagem para o feto e líquido amniótico de etanol, administrado por via oral a camundongos fêmeas prenhes; Efeitos do etanol no comportamento de camundongos agressivos, pertencentes a duas linhagens diferentes. Acúmulo hepático de triglicerídeos, induzido pelo etanol, em camundongos e diferenças genéticas na síndrome de abstinência física do etanol. Efeitos agudos do álcool sobre a atividade da creatino-quinase (CK) plasmática do rato. 6) Efeitos de drogas em animais x efeitos de drogas em humanos A diferença biológica e fisiológica entre organismos é evidente e cada indivíduo apresenta respostas diferentes a estímulos externos. O metabolismo, as reações a agentes patogênicos, as respostas a cada tipo de droga são influenciadas pelas diferenças, que fazem com que cada organismo vivente se torne único. Por conta desta diferença, grande quantidade de produtos e fármacos testados em animais acaba causando efeitos desastrosos em humanos. Conforme descrito por TRÉZ & GREIF (2000), os efeitos indesejáveis freqüentes, como tonturas, mal-estar, confusão mental, dor-de-cabeça, formigamento e outros, não podem ser expressos em animais de laboratório. Outro ponto é a preocupação de que agentes potencialmente úteis à saúde humana sejam recusados, por apresentarem resultados adversos quando testados em animais, não chegando ao mercado. O alto custo que gera a indústria farmacêutica a produção de novas drogas também é um fator relevante. Um medicamento leva, em média 12 anos para ser lançado e consome 800 milhões de dólares em pesquisa (CARELLI, 2004). 17 Num universo de 5.000 drogas testadas, apenas três chegam à fase final e apenas uma chega às farmácias (MIRANDA, 2004). O que ocorre é que muitas vezes, na última etapa dos estudos clínicos, o remédio revela-se inseguro ou com uma eficácia aquém das expectativas. O prejuízo é fenomenal. Para evitar a perda de tempo, a nova estratégia da indústria farmacêutica é conduzir testes rápidos, com poucas pessoas, antes de submeter o medicamento a estudos com grandes populações. A idéia é descartar logo as substâncias com maior potencial de fracasso. Antes, estes testes de pré-seleção eram realizados exclusivamente em animais; agora, a cobaia também é humana (CARELLI, 2004). Tal afirmação nos leva a crer que os modelos animais não são tão confiáveis. Conforme quadro a seguir, descrito por FADALI (1996), são relacionados alguns dos efeitos de drogas em animais e seres humanos. Tabela 1: Efeitos de drogas em animais versus efeitos de drogas em seres humanos Droga Ácido Fenclózico Acutano Acetilcolina Amanita phalloides (Espécie de cogumelo) Aminoglutetimida Amidopirina Amil Nitrato Antimonia Arsênico Aspirina Atropina Beladona Bradiquinina Butazolidina Canamicina Cetoconazole Efeito em cobaias Seguro em ratos, camundongos e macacos. Seguro Dilata as artérias coronárias de cães Alimento de coelhos Efeito em seres humanos Toxicidade hepática Defeitos de nascimento Contrai as mesmas Tóxico, podendo levar à morte. Anticonvulsivante Inibidor de cortisol Nenhum efeito importante Doenças sanguíneas Glaucoma Reduz a pressão interna dos olhos Engorda suínos Fatal Seguro em grandes doses Fatal administradas em ovelhas Mata gatos, causa defeitos Analgésico e retarda a congênitos em cães, coagulação sanguínea macacos, ratos e gatos. Inofensivo para coelhos e Fatal em altas doses cabras Inofensivo para coelhos e Fatal cabras Contrai os vasos sanguíneos Relaxa cerebrais em cães Não afeta a medula óssea Afeta a medula óssea, geralmente fatal. Sem efeitos colaterais Danos renais e surdez preocupantes Seguro Danos hepáticos, morte. continua 18 Droga Cloranfenicol Clorofórmio Clorpromazina Clindamina Clioquinol Clonidina Cortisona Cianido Depo-provera DES Dinitrofenol Dipitrex Disulfiram Donperidona Encainida Eraldin Estricnina Fenacetina Fenformina Fluorido Furmetina Furosemida Glutetimida Halotano Holofenato Efeito em cobaias Seguro Efeito em seres humanos Danos irreversíveis à medula óssea Asfixia Infarto cardíaco como causa mais comum Doença motora Tranqüilizante, pode causar danos ao fígado. Seguro em ratos e cães Diarréia, às vezes fatal. Sem registro Cegueira, paralisia e morte. Descongestionante nasal Antidepressivo Defeitos congênitos em Problemas endócrinos, camundongos e coelhos pressão alta, psicose, etc. Sem defeitos congênitos Seguros em corujas Fatal Câncer; Infecções uterinas e Seguro de mamas em cães. Seguro Câncer em filhas de mães que receberam DES e defeitos congênitos em suas filhas Não provoca cataratas Provoca cataratas Nenhum dano nervoso Danos nervosos Anti-helmíntico Reações tóxicas após ingestão de álcool Nenhuma mudança no ritmo Arritmias sérias cardíaco Seguro Ataques cardíacos e morte. Junto com a Flecaidine, foi causa de morte de cerca de 3.000 pessoas. Altamente seguro Danos à córnea, incluindo cegueira, danos ao aparelho digestivo e morte. Não mata porcos-da-índia, Fatal macacos e galinhas. Sem efeitos importantes Danos renais e às células vermelhas do sangue Diferente Mortes Nenhum Inibe as cáries dentárias Seguro, mesmo em contato Obstrução permanente do com olhos de coelhos por canal lacrimal em pacientes longo tempo. que usaram a substância por três meses Danos hepáticos em Nenhum camundongos e outros Anticonvulsivante Sedativo e hipnótico Sem danos hepáticos Danos hepáticos e morte Hipolipêmico Hipouricêmico continua 19 Droga Hemlock Ibufenac Imipramina Isoniasida Isopretenerol Metildopa Metilsergida Mianserina Opren (Oraflex) PCP (ou “Angel dust”) Penicilina Pentazocina Perexilina Prenilamina Psicofuranina Quimiotripsina Selacrin Sorbitol férreo Suprofen Tegretol Talidomida Zimelidina Zipeprol Efeito em cobaias Inofensivo para cabras, cavalos, camundongos e ovelhas. Sem danos hepáticos, apenas em ratos, quando expostos a doses letais. Depressivo Sem danos hepáticos Sem efeitos importantes Não reduz a pressão sanguínea Sem efeitos sérios Efeito em seres humanos Fatal em humanos Danos hepáticos e morte Anti-depressivo Pode causar danos hepáticos Pode causar danos hepáticos É eficiente em reduzir a pressão sanguínea Fibrose retroperitonial, que pode ser fatal por obstruir os vasos sanguíneos e ureteres. Danos cardíacos foram registrados. Sem desordens sanguíneas Desordens sanguíneas fatais Seguro em altas doses em Danos hepáticos e morte primatas não-humanos Sedativo para cavalos Altamente estimulante Fatal para porquinhos-da- Antibiótico índia Antagonista narcótico Analgésico Sem danos hepáticos Danos hepáticos e morte Reduz o ritmo cardíaco em Taquicardia ventricular muitos animais Sem danos cardíacos em Tóxico ao coração camundongos, ratos, cães e macacos. Perfuração córnea e danos Nenhuma complicação séria severos aos olhos de coelhos Seguro Danos hepáticos e fatalidades Câncer no local da injeção Nenhum Seguro Danos renais sérios Seguro Doenças sanguíneas fatais. Descobertas epidemiológicas sugerem um aumento na incidência de defeitos congênitos Seguro Defeitos congênitos e morte do feto Seguro Febre, danos hepáticos, dores nas articulações, danos nervosos e paralisia. Considerado seguro Sintomas neurológicos sérios, ataques e mortes. FONTE: FADALI, 1996 20 7) Principais tipos de testes realizados em animais na Educação São variados os tipos de experimentos e suas finalidades nas instituições de ensino brasileiras, sobretudo em universidades: observação de fenômenos fisiológicos e comportamentais a partir da administração de drogas; estudos comportamentais de animais em cativeiro; conhecimento da anatomia interna e desenvolvimento de habilidades em técnicas cirúrgicas (PAIXÃO, 2001). Conforme descrito por TRÉZ & GREIF (2000) abaixo estão algumas breves descrições dos experimentos mais realizados nas universidades: Miografia: um músculo esquelético, geralmente da perna é retirado da rã, no qual se estuda a resposta fisiológica a estímulos elétricos. As respostas são registradas em gráficos. O procedimento é realizado com a rã ainda viva, anestesiada com éter. Sistema nervoso: uma rã é decapitada e um instrumento pontiagudo é introduzido repetidamente na sua espinha dorsal, observando-se o movimento dos músculos esqueléticos do restante do corpo. Sistema cardiorespiratório: um cão é anestesiado, tem seu tórax aberto e então se observa os movimentos pulmonares e cardíacos. Em seguida aplicam-se drogas como a adrenalina e acetilcolina, para análise da resposta dos movimentos cardíacos. Outras intervenções podem ser realizadas. O experimento termina com a injeção de uma dose elevada de anestésico ou acetilcolina que causa a parada cardíaca (eutanásia). Anatomia interna: diversos animais podem ser utilizados para tal finalidade. Geralmente estão mortos ou são sacrificados como parte do exercício, com éter ou anestesia intravenosa. Estudos psicológicos: ratos, porquinhos-da-índia ou pequenos macacos podem ser utilizados como instrumentos de estudo. Alguns experimentos realizados são: privação de alimentos ou água (caixa de Skinner); experimentos com o cuidado materno, nos quais a prole é separada dos genitores; indução ao estresse, utilizando-se choques elétricos; comportamento social em indivíduos artificialmente debilitados ou caracterizados. Alguns animais são mantidos durante toda a vida em condições de experimentos, outros são mortos pelas condições intensas de estresse ou quando não podem mais ser reutilizados. Habilidades cirúrgicas: muitos animais podem ser utilizados para estas práticas, geralmente vivos ou anestesiados. Os exercícios de técnicas operatórias são comuns em 21 faculdades de Medicina Veterinária e Humana, e exigem grande quantidade de animais, muitos dos quais recolhidos nas ruas ou através de parcerias firmadas entre Universidades e prefeituras municipais, para coleta de animais nos Centros de Controle de Zoonoses. Farmacologia: geralmente utilizam-se pequenos mamíferos, como ratos e camundongos. Drogas são injetadas intravenosas, intramuscular ou diretamente no estômago (via trato digestivo, por cateter ou injeção). Os efeitos são visualizados e registrados. Figura 7 – Cadáveres de cães, submetidos a treinamentos cirúrgicos, gato ingerindo substância farmacológica e rã decapitada em experimento. Estas práticas vêm sendo criticadas severamente por educadores e profissionais. Seus argumentos são de ordem ética, e, alguns casos, técnica, levantados em favor da educação mais inteligente e responsável Uma consideração relevante se faz necessária a respeito das inovadoras alternativas tecnológicas que podem substituir os experimentos com animais. (TRÉZ, 2004). Um crescente número de artigos científicos publicados comprova que estudantes que aprenderam através de técnicas alternativas assimilam igualmente, e, alguns casos, até melhor que aqueles que utilizaram o método tradicional da vivisseção (TRÉZ, 2004). 8) Alguns pontos de vista sobre experimentação animal A experimentação animal é um tema controverso no meio científico. Muitos cientistas afirmam as vantagens do uso de animais para experimentação, tendo como argumentos que todas as descobertas para prevenção de doenças e sua conseqüente cura se devem a experimentação animal, além de novas técnicas cirúrgicas e controle de produtos farmacêuticos, provenientes da mesma fonte de experimentação (ZANETTI, 2004). Por outro lado, estes mesmos pesquisadores que não abrem mão do uso de animais em suas pesquisas, já admitem que o uso de animais deva ser racionalizado (PRESGRAVE, 2002). Entretanto, todos são unânimes ao reconhecerem as alternativas como meios eficazes, dependendo da pesquisa a ser realizada. 22 Cientistas que utilizam métodos alternativos garantem a sua eficácia, e citam tristes exemplos relacionados ao uso de animais, como o caso das drogas retiradas do mercado: Talidomida, Manoplax,, Phenacetin, E-feral, Zomax, Vioxx, entre outros , que resultaram em efeitos totalmente desastrosos aos seres humanos (TRÉZ & GREIF, 2000). A discussão é muito mais ampla, e envolve, não somente a utilização de animais em si, mas também a forma de tratamento dispensada a estes animais, seja anteriormente ou posteriormente ao experimento. Os princípios éticos acerca dos acontecimentos ocorridos nos interiores de laboratórios de pesquisa vêm sendo amplamente estudados e divulgados (PAIXÃO, 2001). Relatos de alguns cientistas - Manuel de Jesus Simões, professor doutor da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Chefe do Departamento de Histologia e Biologia Estrutural. - Sérgio Greif, biólogo graduado pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Mestre em Ciências da Nutrição. - Rosana Soibelmann Glock, mestre em Bioética e Ética em Pesquisa, assessora especial do Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-RS e professora de Ética Profissional e Bioética. - Peter Singer, nascido na Austrália, fundador do Centro de Bioética Humana da Monash University, em Melbourne e catedrático de Bioética no Centro de Valores Humanos da Universidade de Princeton. Os princípios éticos na utilização de animais em experimentos científicos e educacionais são os principais pontos de discórdia entre profissionais que participam da realização dos experimentos e defensores da adoção de técnicas alternativas de substituição. Para Sérgio Greif, os Comitês de Ética no Uso de Animais em Experiências pressupõe um tratamento mais digno aos animais, porém o maior objetivo dos mesmos é validar experimentos que de outra forma não poderiam ter seus resultados publicados em jornais internacionais. Segundo o biólogo, os Comitês de Ética fundamentam-se no Princípio dos "3R's", que defende que deve haver uma redução no número de animais utilizados em experimentos, um refinamento na técnica de utilização, visando minimizar o estresse e sofrimento, e por fim, "quando possível" a substituição (replacement, em inglês) dos animais por técnicas 23 alternativas. Porém, grandes partes dos pesquisadores ainda acreditam que a substituição dos animais por técnicas alternativas seja um “sonho futuro e distante”, talvez utópico. O professor Manuel de Jesus Fernandes, que coordena uma equipe de pesquisadores na UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), compartilha de opinião semelhante. As pesquisas realizadas por sua equipe utilizam principalmente ratos e camundongos, resultando num consumo médio mensal de 60 roedores. Apesar de reconhecer que a substituição de cobaias por modelos experimentais, como cultura de células, é uma tendência mundial, até o momento a instituição em que trabalha não adotou tal iniciativa, em função da escassez de recursos financeiros. Para o pesquisador, é plenamente possível a substituição de métodos tradicionais por alternativos, dependendo do tipo de estudo a ser realizado. Porém, tece uma reflexão um tanto pessimista, considerando que os experimentos com animais ainda serão utilizados durante vários anos. Alguns fatores podem ser relacionados com este distanciamento entre a realidade e um modelo idealizado para acabar com o sofrimento e morte causados aos animais utilizados em experiências. A polêmica envolve desde questões éticas até econômicas. “Os princípios éticos que são repassados aos alunos por parte do corpo acadêmico deveriam ser feitos de forma agradável, inserindo na prática do futuro profissional exemplos de situações reais e discussão de casos”, conclui a professora Rosana Soibelmann Glock, professora de Bioética na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). De uma maneira mais abrangente, o comportamento ético é o elemento que norteia todo e qualquer estudo envolvendo o uso de animais. Assim, como exigir um tratamento mais ético e humano por parte dos pesquisadores para com os animais, se muitas vezes tais conceitos ainda não soam convincentes para os profissionais, que pouco se interessaram pela disciplina durante sua formação acadêmica? Segundo Rosana, a grande maioria dos alunos os estudantes consideram as aulas de ética pouco importante e as vêem apenas como mais uma das disciplinas obrigatórias. Ainda, conclui a professora, é fundamental lembrar que não adianta apenas um professor estar empenhado no estudo da ética com seus alunos, mas que todo o corpo docente deve agir com correção e adequação de conduta. Sobre o ponto de vista econômico, o professor Peter Singer, considerado o pioneiro do movimento moderno dos direitos animais, tem um veredicto: os animais são utilizados como meros objetos, mercadorias. “É uma questão de encomendar 200 ratos ou porquinhos-da-índia para a próxima segunda-feira e testar determinado produto neles”, conclui Singer. 24 Uma reflexão semelhante é feita por Sérgio Greif, que acrescenta ainda a grande dimensão do mercado voltado ao suprimento de animais, alimentação e serviços aos laboratórios de pesquisas, que obviamente movimentam alguns milhões de dólares anualmente. Apesar disso, o setor notabiliza-se pela baixa qualificação de mão-de-obra e pelos métodos tradicionais de produção, conclui Sérgio. Este “abismo tecnológico” impede a transição para as atividades de produção de métodos alternativos, como simuladores e softwares. Porém, a iniciativa de substituição deve partir dos laboratórios, que não o fazem por motivos meramente econômicos. 9) Movimentos de Proteção Animal: Um Breve Histórico A preocupação com o sofrimento animal partiu inicialmente de cientistas como Robert Boyle (1627-1691) e Robert Hook (1635-1703), que utilizavam animais em seus experimentos e, declararam perceber intenso sofrimento e não desejar repetir os mesmos experimentos. Em 1665, Edmund O’Meara (1614-1681) já dizia que a agonia a qual os animais eram submetidos originaria resultados distorcidos (RYDER, 1989 apud PAIXÃO, 2001). Nessa época, também surge o cientista considerado o pioneiro em buscar alternativas à utilização de animais em experimentos: James Ferguson (1710-1776), que criticava o sofrimento do animal utilizado em experimentos sobre o sistema respiratório, e, em suas demonstrações públicas, utilizou um balão para simular os pulmões (RYDER, 1989 apud PAIXÃO, 2001). Assim, com idéias que começavam a divergir sobre a questão da utilização de animais, o século XIX iniciou. A experimentação animal se tornava crescente e institucionalizada com Claude Bernard (cientista considerado o pai da Fisiologia e vivisseccionista), e, surpreendentemente, neste mesmo momento aparece, no âmbito científico, a preocupação com o bem-estar animal (PATON, 1993). Em 1831, o neurologista Marshall Hall escreveu os princípios nos quais os experimentos fisiológicos deveriam se basear para que a ciência fisiológica pudesse minimizar incertezas e crueldades, e pudesse ser então vista como um importante segmento do conhecimento e da pesquisa científica. Entre seus princípios constava a idéia de somente realizar experimentos quando a simples observação não fosse capaz de fornecer as respostas, assim como a de evitar a repetição desnecessária de experimentos, e de que todos os experimentos deveriam ser conduzidos com o mínimo de sofrimento animal. Embora não tenha usado o termo 25 “alternativas”, pode ser considerado um dos primeiros cientistas a se preocupar com esta questão (ROWAN & ANDRUTIS, 1990). Data também desta época (1824) o surgimento da primeira Sociedade Protetora de Animais (Society for the Prevention of Cruelty to Animals – SPCA, atualmente RSPCA), visando atuar em diversos âmbitos da questão animal, que, embora fizesse objeção à vivisseção, reconhecia que alguns experimentos eram justificáveis, devendo ser conduzidos de forma “humanitária” (RYDER, 1989 apud PAIXÃO, 2001). Em 1876, surgiu na Inglaterra a primeira lei que tinha por objetivo regulamentar a experimentação animal: The Cruelty to Animal Act (1876). A partir de então, várias outras sociedades protecionistas foram criadas em vários países (TRÉZ & GREIF, 2000). Gradativamente, os movimentos de proteção animal, ou anti-vivisseccionistas, como também são chamados, cresceram. Em 1926, Charles Hume fundou a UFAW (Universities Federation for Animal Wellfare), numa tentativa de fazer com que os cientistas pensassem racionalmente sobre suas atitudes para com os animais. Com a colaboração de outros cientistas, Hume publicou, em 1947, a primeira edição do UFAW Handbook on the Care and Massagement of Laboratory Animals, mostrando assim a preocupação cientificamente embasada com o bemestar animal (TRÉZ & GREIF, 2000). Atualmente os movimentos de proteção animal contam com ajuda de organizações nãogovernamentais para aumentar seu espaço na mídia e também para seu fortalecimento, angariando fundos e simpatizantes para a defesa da causa animal (SINGER, 2004). Além deste crescimento, houve também a criação de duas vertentes: os movimentos de proteção animal abolicionistas, que seguem os princípios de total abolição da experimentação animal, preconizados pelo escritor suíço Hans Ruesch, e os movimentos reducionistas, que pregam a redução dos experimentos envolvendo o uso de animais (TRÉZ & GREIF, 2000). Figura 8 – Manifestações pacíficas de grupos de proteção animal pelo Brasil e pelo mundo Alguns grupos de proteção animal, rotulados por grande parte da mídia como “ecoterroristas”, são a vertente mais radical destes movimentos, substituindo manifestações pacíficas por táticas muitas vezes consideradas violentas. Seus militantes aterrorizam funcionários de 26 laboratórios científicos para defenderem o fim dos experimentos animais. Os principais grupos ecológicos radicais atuam principalmente na Inglaterra e Estados Unidos (POLONI, 2004). 10) O princípio dos “3R’s” O princípio dos “3R’s” surgiu como um dos reflexos do debate envolvendo a questão do sofrimento animal. Os três “R’s” são a abreviação das iniciais das palavras replacement, reduction e refinament, que, em português significam substituição, redução e refinamento, respectivamente. Tais termos aplicam-se à utilização de animais em experimentos. A expressão foi criada pelo zoólogo W.M.S. Russel e pelo microbiologista R.L.Burch em seu livro “The Principles of Human Experimental Technique”, publicado pela primeira vez em 1959 (RUSSEL & BURCH, 1992 apud PAIXÃO, 2001). A origem deste conceito encontra suas raízes em Charle Hume, fundador da U.F.A.W. (Universities Federation for Animal Welfare), que propôs à entidade, no ano de 1954, que desenvolvesse estudos sobre técnicas “humanitárias” em experimentos realizados em animais de laboratório (PAIXÃO, 2001). Os cientistas indicados para desenvolver este estudo foram justamente Russel e Burch, que logo em seguida escreveram o livro que preconizava que tais técnicas humanitárias deveriam seguir os princípios propostos pelos “3R’s” (PAIXÃO, 2001). A alusão do primeiro “R”, replacement (substituição) indica que se deve procurar substituir a utilização de vertebrados por outros métodos que utilizem matérias que não possuem sensibilidade, como plantas e microrganismos (RUSSEL & BURCH, 1992 apud PAIXÃO, 2001). O segundo “R” ou reduction (redução) indica que se deve procurar reduzir o número de animais utilizados no experimento, sempre que possível, incentivando uma “escolha correta das estratégias” (RUSSEL & BURCH, 1992 apud PAIXÃO, 2001). Neste sentido, a ciência também pode se beneficiar, com a melhora dos delineamentos experimentais, e mesmo na área da estatística, o diálogo com os cientistas vem inovando as estratégias e contribuindo para o aprimoramento dos campos de biomédicas e da estatística (Geller, 1983 apud PAIXÃO, 2001). O terceiro dos “R” (refinement – ou refinamento, em português), indica que se deve procurar minimizar ao máximo o desconforto e/ou sofrimento animal (RUSSEL & BURCH, 1992 27 apud PAIXÃO, 2001). Neste sentido, a utilização de drogas anestésicas ou analgésicas é relevante (PATON, 1993). A idealização dos “3R’s” representou um impulso inicial à comunidade científica acerca dos conceitos de alternativas; porém, para os anti-vivisseccionistas do movimento abolicionista, o princípio dos “3R’s” só exalta a vivisseção, já que o primeiro “R” (substituição), segundo a visão destes grupos, nunca será capaz de se sobrepor aos outros dois “R”. Para estes grupos, o conceito inicial dos “3R’s” talvez tenha sido uma proposta bem intencionada, porém, acabou por beneficiar a prática da vivisseção, não cumprindo o seu objetivo inicial, que era impedir a materialização desta técnica (TREZ & GREIF, 2000). Cabe ressaltar que, no âmbito científico, os “3R’s” atualmente são referências para a ciência contemporânea, que utiliza animais em experiências de laboratório, norteando os trabalhos dos cientistas. Porém, sabe-se que não funciona como instrumento de regulação e fiscalização dos procedimentos de pesquisa, pois, em sua grande maioria, estes procedimentos são realizados em laboratórios com acesso restrito, e pode-se afirmar que o uso ético de animais ainda depende muito da integridade e consciência de cada cientista (ANDRADE et al, 2002). 11) Aspectos Legais Sobre a Experimentação Animal no Brasil A primeira lei a formalizar a vivisseção no território brasileiro foi a lei nº. 6638, de 8 de maio de 1979, que estabelecia as normas para a prática didático-científica à vivisseção de animais. Após esta lei, a legislação seguinte a abranger a vivisseção foi a Lei dos Crimes Ambientais, de nº. 9605, aprovada em 12 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Esta lei também abrange a fauna doméstica e de laboratório. Abaixo, segue trecho do artigo 32, que faz referência ao tema: Art.32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. § 1º. Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. § 2º. A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal. As instituições em que a vivisseção é praticada também seriam responsabilizadas e sujeitas às penalidades estabelecidas, conforme descrito nos seguintes artigos: 28 Art.2º. Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta lei, incide nas penas a este cominados, na medida a sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la. Art.3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. A lei também dispõe das penalidades: Art.79. Aplicam-se subsidiariamente a esta lei as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal. Um projeto de lei, apresentado pelas principais instituições científicas do país (projeto de Lei nº3964/1997 – FESBE, SBPC, FIOCRUZ e Academia Brasileira de Ciências) através do deputado federal Sérgio Miranda de Matos Brito (MG), encontra-se em fase de tramitação no Congresso Nacional. Os principais aspectos deste projeto apresentam adesão ao princípio dos “3R’s” (refinamento, diminuição e substituição). Prevê ainda que as Comissões de Ética passem a tornarem-se obrigatórias nas instituições que utilizarem animais em experimentos. 12) Comissões de Ética no Uso de Animais Um dos instrumentos de controle à experimentação animal que mais tem crescido em diversos países são as Comissões de Ética no Uso de Animais, geralmente estabelecidas no âmbito das instituições científicas (PAIXÃO, 2004). O papel destes comitês pode ser resumido das seguintes formas: “Assegurar que os animais sob a sua supervisão estejam sendo mantidos e utilizados de uma forma humanitária” (PODOLSKY, 1999). No Brasil, os comitês de ética surgiram na década de 90, e são mantidos principalmente para assegurar o respaldo legal, as razões humanitárias, padronização, qualidade e publicação da pesquisa, conforme descrito por LUNA (2004). Dentre as funções de um comitê, três aspectos podem ser destacados (STEWART, 2007 apud PAIXÃO, 2001): 29 Revisão de projetos: avaliação de projetos de pesquisa a fim de verificar se há a necessidade da realização da mesma, se o modelo animal proposto é o melhor modelo biológico e assegurar que os animais não sofrerão dor ou estresse desnecessário. Inspeções: locais onde os animais são mantidos e locais dos experimentos. Proporcionar atendimento veterinário aos animais, sempre que possível. Em todo o país, apenas 14 instituições possuem Comissões de Ética no Uso de Animais, embora não exista um cadastro nacional e nenhuma forma de regulamentação vigente no momento (CHAVES, 2000 apud PAIXÃO, 2001). 13) Métodos Alternativos: Um Breve Histórico Segundo definição de PRESGRAVE (2002), métodos alternativos são procedimentos que podem substituir o uso de animais em experimentos, reduzirem o número de animais necessários, ou refinar a metodologia, de forma a diminuir a dor ou desconforto sofrido pelos animais. Para JUKES & CHIUIA (2003), a definição das alternativas, no âmbito educacional, pode ser mais ampla e abrangente que apenas o conceito de alternativas de substituição, podendo estender-se até caminhos que envolvam a neutralização ou mesmo um uso benéfico dos animais. O conceito de “alternativas” para substituição de animais em experimentos é antigo e teve como precursor o cientista James Ferguson (1710 – 1776), que já utilizava métodos alternativos em seus experimentos. No entanto, foi apenas na década de 60 que ocorreu a disseminação do conceito de métodos alternativos, quando três organizações anti-vivisseccionistas britânicas resolveram fundar a Lawson Tait Trust, para estimular e financiar os pesquisadores que não utilizassem animais em suas pesquisas (ROWAN & ANDRUTIS, 1990). Logo após, duas outras entidades teriam um relevante papel no estímulo ao uso de alternativas: a United Action for Animals (U.A.A), criada em 1967, nos EUA, e, em 1969 a F.R.A.M.E. (Fundation for Replacement of Animals in Medical Experiments), na Inglaterra, criadas para promover o conceito de alternativas no âmbito das instituições de pesquisa científica (FRAME, 2001 apud PAIXÃO, 2001). Na década de 70 foi possível observar um interesse crescente nas alternativas e recursos passaram a ser alocados para o desenvolvimento das mesmas. No entanto, foi nos anos 80 que 30 esse interesse se consolidou as legislações passaram a aderir ao conceito dos “3R’s”, e, as pesquisas acerca de métodos alternativos aumentaram (ROWAN & ANDRUTIS, 1990). As campanhas dos grupos de proteção nesta década representaram um impulso fundamental para que as alternativas invadissem o campo dos testes toxicológicos e retirassem das indústrias mais financiamento para testes de toxicologia in vitro (SINGER, 2004). O papel das instâncias reguladoras entraria em destaque nos anos 90, com uma maior evidência no debate para a questão da “validação dos métodos alternativos” (HILL & STOKES, 1999 apud PAIXÃO, 2001). Atualmente, tais métodos encontram-se em estágios distintos de desenvolvimento e validação. Esse processo é bastante árduo, podendo atingir dez anos ou mais, pois, para a validação são necessários estudos de avaliações inter e intra laboratoriais (HENRIQUES & SAMPAIO, 2002). É importante ressaltar que os métodos alternativos estão cada vez mais avançados e sua implantação nas instituições de ensino e pesquisa é uma questão de tempo, sobretudos pela pressão exercida por boa parte da sociedade, que passou a cobrar métodos alternativos, como forma de evitar o sofrimento animal (JUKES & CHIUIA, 2003). 31 RESULTADOS De acordo com a literatura consultada, existem vários métodos alternativos ao uso de animais vivos em experimentos, grande parte desses métodos pode substituir efetivamente a experimentação em animais. Entretanto a implantação dessas alternativas depende da ruptura com os padrões tradicionais, tanto na docência quanto na pesquisa. A seguir, alguns métodos alternativos encontrados em substituição aos animais vivos em experimentos científicos, retirados de TRÉZ & GREIF (2000): 01) Alternativas ao Uso de Animais em Pesquisas Atualmente, os métodos alternativos em substituição aos animais na pesquisa estão cada vez mais viáveis e eficientes e cada vez mais caminhos alternativos estão sendo percorridos. A seguir, serão mostrados alguns destes caminhos (TREZ & GREIF, 2000): a)Ttecnologia in vitro A cultura de células, tecidos e órgãos são algumas das várias aplicações deste modelo tecnológico, que permite realizar pesquisas de câncer, imunologia, testes toxicológicos, produção de vacinas, desenvolvimento de drogas, estudo de doenças infecciosas, diagnose e estudo de doenças ou distúrbios genéticos. A tecnologia envolvida na cultura de células in vitro vem sendo aperfeiçoada a cada dia. Uma importante área de aplicação das metodologias de cultura in vitro é a produção de anticorpos, inclusive monoclonais, que podem substituir o método tradicional de obtenção, através da injeção de substâncias em cobaias animais. Outra aplicação importante é na produção de vacinas. Produzidas a partir da cultura de tecidos humanos, são mais seguras que as produzidas a partir de animais, pois evitam que vírus desconhecidos cruzem as barreiras das espécies e infectem o ser humano com outras doenças e disfunções. Figura 9 – A tecnologia in vitro vem se destacando como uma das principais alternativas de substituição ao uso de animais em experimentos. 32 A placenta humana também pode ser utilizada, pois, além de constituir fonte de células para cultura pode ser utilizada como material para testes de toxicidade e carcinogenicidade, e até mesmo como instrumento para treinamento de técnica micro cirúrgica. Abaixo, descreveremos algumas das principais tecnologias in vitro para utilização em substituição ao uso de animais: Eytex – procedimento in vitro que mede a irritação ocular, através de sistema de alteração protéica. Uma proteína vegetal obtida da semente de feijão mimetiza a reação da córnea humana a exposição de substâncias estranhas. Skintex – método in vitro para avaliar irritação cutânea, usando a casca da semente de abóbora para mimetizar a reação de substâncias estranhas sobre a pele humana (tanto o EYTEX quanto o SKINTEX podem testar mais de 5.000 materiais diferentes). Neutral red bioassay – consiste em células humanas em cultura, usadas para computar a absorção de um pigmento hidrossolúvel, que mede a toxicidade relativa. Testskin – utiliza pele humana cultivada em saco plástico estéril, podendo ser utilizada para medir o grau de irritação cutânea. Pele Reconstituída – utilização de fragmentos de pele humana (a partir de circuncisão ou sobras de cirurgias plásticas), para observação de alterações histológicas e/ou liberação de mediadores inflamatórios. RBC (Red Blood Cell Assay) – baseia-se na avaliação da hemólise e na desmaturação causadas por produtos (cosméticos) e/ou substâncias tensoativos) perante um controle conhecido, geralmente Lauril sulfato de cobre. WBC (Whole Blood Assay) – possível substituto para o ensaio de detecção de pirogênio em coelhos, por meio da liberação de medidores inflamatórios quando um produto injetável é colocado em contato com sangue total humano. Agarose diffusion method – teste de citotoxicidade, que utiliza os parâmetros de morte ou alterações fisiológicas de diferentes linhagens celulares. 33 LAL (Limulus Amoebocyte Lysate) – substitui o ensaio de pirogênio em coelhos. Baseiase na reação entre a endotoxina e substrato LAL. Dependendo do método, a presença da endotoxina pode ser constatada por meio de coagulação (método gel-clot) ou da liberação de cor (método cromogênico). b)Eestudos epidemiológicos Os estudos epidemiológicos são considerados os verdadeiros responsáveis pelos principais avanços na saúde humana. Com estes estudos, conseguiu-se eliminar ou reduzir drasticamente a incidência de doenças infecto contagiosa, ao relacioná-las com as condições de higiene e saneamento. A epidemiologia é baseada em comparações, nas quais pesquisadores obtêm indícios comparando os níveis de exposição ao fator investigado. Estudos epidemiológicos também estabeleceram relações entre o colesterol e as doenças do coração, o câncer com o tabagismo, dietas ricas em gorduras e sua associação com os tipos de câncer mais comuns e defeitos de nascimento com a exposição a químicas, entre outros. Os mecanismos de transmissão do vírus da AIDS também resultaram de análises epidemiológicas. c)Estudos Clínicos e Autópsias As descobertas provenientes a partir de estudos de casos clínicos em seres humanos e do seu acompanhamento forma e são responsáveis por uma gama de descobertas cruciais para a saúde humana. Alguns exemplos de avanços relacionados ao trabalho clínico: anestesia, respiração artificial, cateterização cardíaca, uso de iodina como anti-séptico, etc. Abaixo, citamos alguns estudos clínicos: CAT – utiliza computadores na reconstrução de imagens tridimensionais do corpo humano, através de raios X. MRI (Magnetic Ressonance Imaging) – permite a elaboração de mapas funcionais do cérebro humano, assim como diagnóstico de pacientes com epilepsia. Pode monitorar as mudanças de fluxo sanguíneo e revelar novas introvisões do mecanismo dos ataques. A 34 técnica também permite revelar anomalias no cérebro, causadas por falhas no desenvolvimento psicológico de pacientes autistas. PET (Position Emission Tomograph) e SPECT (Single Photon Emission Computadorized Tomography) – usados em estudos de Mal de Parkinson, Doenças de Alzheimer e Huntington, assim como outras doenças cerebrovasculares e distúrbios psiquiátricos. A autópsia é um recurso fundamental para a descoberta de detalhes acerca de determinadas doenças. Foi muito utilizada para compreender os mecanismos de ação de doenças que assolaram a humanidade ao passar dos anos. d)Simulações computadorizadas e modelos matemáticos Os computadores podem predizer reações biológicas causadas por drogas novas, baseados no conhecimento de sua estrutura tridimensional, eletrônica e química. Uma dessas técnicas é a farmacologia quântica – explica o comportamento de drogas através de cálculos matemáticos, envolvendo o nível de energia das substâncias químicas. As simulações computadorizadas têm sido utilizadas para avaliar a toxicidade de substâncias, eliminando os testes LD50 em animais. Figura 10 – Exemplos de técnicas alternativas computadorizadas: simulador da fisiologia, neurologia e musculatura humana (à esquerda) e simulador de corrente sanguínea (à direita) Várias empresas como a Agouron Pharmaceuticals Affymax Research Institute, Vertex e Neurogen Corp. já produzem drogas a partir de simulações computadorizadas, obtendo bons resultados, e, o mais importante, sem a utilização de animais. 35 Alguns exemplos destas alternativas: QSAR (Quantitative Structure Activity Relationship) – prediz os efeitos tóxicos, com base na comparação estrutura-atividade das substâncias. PBPK (Phisiologically Based Pharmaco-Kinetic) – prediz as ações farmacocinéticas (absorções, metabolismo, eliminação, etc.). TOPKAT (Toxicity Prediction by Computer Assisted Technology) – é um programa de computador (software) que avalia a toxicidade, mutagenicidade, carcinogenicidade e teratogenicidade, irritação de pele, olhos e LD50. e) Culturas de Bactérias e Protozoários As bactérias e protozoários são organismos sensíveis a mutagênicos, permitindo que identifiquem agentes cancerígenos. Podem ser utilizados também para estimar os níveis de vitaminas em estudos farmacológicos e toxicológicos e identificar antibióticos, como no exemplo: AMES TEST – teste para avaliação de carcinogenicidade, através de uma linhagem de Salmonella, chamada de Salmonella typhimurium e através de enzimas. Pode detectar 156 carcinógenos animais (90% de um total de 174 substâncias testadas). f) Tecnologia DNA Recombinante A tecnologia envolve a síntese de compostos protéicos, através da manipulação genética em bactérias, como a Escherichia coli. Um gene responsável pela produção de determinada substância é isolado e inserido á bagagem gênica destas bactérias, que passarão a produzir a substância. Esta tecnologia também é utilizada para a produção de insulina. 36 g) Cromatografia O método repara e identifica componentes de drogas e amostras de sangue ou urina, por exemplo. Pode ainda permitir a identificação de substâncias químicas desconhecidas ou estranhas. O HPLC (High Performance Liquid Chromatography) é uma destas tecnologias. Mais recentemente, o aprimoramento da técnica vem permitindo mensurar insulina por métodos que não envolvam o uso de animais, substituindo o teste LD50 na mensuração de antibióticos anti-tumorais, como a dactinomicina (TREZ & GREIF, 2000 apud SHARPE 1988). h) Espectrometria de Massas Estas alternativas consistem em técnicas utilizadas para identificar e localizar substâncias químicas, medir atividade enzimática, determinar constantes de cinética enzimática e medir reações, sem a necessidade de invasão do organismo. i) Medicina Preventiva As práticas que estimulam cuidados com a saúde podem reduzir crucialmente a incidência de enfermidades no ser humano. Hábitos maléficos como o tabagismo, alimentação rica em gorduras e estresse são os maiores responsáveis pela maioria das doenças que assolam a humanidade, principalmente as doenças cardíacas, derrames e câncer. Muitas destas doenças podem ser evitadas como a adoção de hábitos de vida mais saudáveis. Infelizmente, os gastos com a medicina preventiva são muito menores que os gastos destinados às pesquisas. j) Opção à Produção do Soro Antiofídico O soro antiofídico, antídoto para veneno de cobras obtido através de um processo caro e complicado, envolvendo o sofrimento e martírio de cavalos, criados especificamente para esta finalidade, já pode ser considerado um método ultrapassado, através da confirmação dos efeitos de testes realizados com algumas plantas apresentarem efeitos semelhantes ao do soro de origem animal. 37 Os estudos realizados em laboratórios, por cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) comprovaram os efeitos neutralizantes de seis plantas encontradas no Brasil, mas, até agora nenhuma indústria farmacêutica manifestou interesse em produzir um medicamento antiofídico de origem 100% vegetal. 02) Alternativas ao Uso de Animais na Educação Segundo JUKES & CHIUIA (2003), as alternativas são um apoio à educação humana, e uma forma de ensino que pode substituir o uso nocivo de animais, além de fornecer recursos para o complemento educacional. Abaixo, são descritas algumas das principais alternativas disponíveis para utilização em experimentos educacionais: a) Filmes e Vídeos Os filmes e vídeos podem ser importantes recursos realísticos e alternativos à dissecação e experimentação animal, principalmente quando associados a outros meios de baixo custo para a apresentação dos métodos de ensino. Embora passivo, o vídeo pode oferecer bom retorno para o aprendizado da aula. Os vídeos profissionais de dissecação geralmente divulgam muito mais informações adicionais aos estudantes e são alternativas eficientes aos estudantes que não realizarão testes e manejo de animais em suas carreiras. Para aqueles profissionais que trabalharão necessariamente com dissecações, como os veterinários, os vídeos podem ser utilizados como treinamento antes da prática real. Alguns dos filmes e vídeos mais difundidos entre os profissionais que utilizam estes recursos alternativos: Cat dissection – vídeo de uma dissecação de gato, com narração e detalhes para melhor visualização, além de legendas explicativas. Drug metabolism – vídeo que aborda a absorção, distribuição, biotransformação e excreção de drogas no organismo. Também aborda a transferência de drogas pela placenta e como as diferenças individuais afetam o metabolismo. 38 Anatomy of the Earthworm – Vídeo que aborda a anatomia e estruturas internas desses anelídeos. Cell Division – Vídeo que aborda as divisões celulares com animações em 3D. As fases da mitose são discutidas com detalhes. Cytology e Histology – as organelas celulares e suas funções são realçadas através de fotomicrografias histológicos para descobrir as várias estruturas, em diferentes tecidos. Visualisando os processos celulares – série com cinco vídeos que demonstra os processos celulares (células e moléculas, movimento e transporte celular, fotossíntese e respiração celular, replicação de DNA, mitose e reprodução celular e o código genético e tradição). Ressucitação cardio-pulmonar em cães – este vídeo apresenta os fundamentos da parada cardiorespiratória em cães e técnicas de ressuscitação (massagem cardíaca e administração de drogas). Monitoração geral da anestesia em cães e gatos – este vídeo aborda o monitoramento de anestesia geral em cães e gatos e também demonstra a intubação e emergências, no momento das principais cirurgias. Castração canina – vídeo que demonstra o processo de castração de cães. Castração felina - vídeo que demonstra o processo de castração de cães. Sutura e sua prática – mostra com detalhes a sutura e suas aplicações, através de efeitos de computação gráfica e in vivo de um cachorro. O milagre da vida – vídeo que mostra a trajetória do ser humano, da célula-ovo ao nascimento. Técnicas básicas de histologia – mostra os principais passos para a confecção de lâminas histológicas. 39 Fisiologia cardiovascular: demonstra vários experimentos realizados no sistema cardiovascular de ratos e cães, demonstrando os efeitos da massagem cardíaca e desfibrilação elétrica. b) Vídeos digitais A recente tecnologia digital oferece novas oportunidades para desenvolver de modo criativo e maximizar o potencial dos vídeos baseados em recursos didáticos, associados aos programas para computadores (softwares). A digitalização permite que videoclipes sejam acessados rapidamente e utilizados com facilidade durante as aulas práticas de laboratório, permitindo inclusive que muitos destes vídeos possam ser capturados da internet. c) Modelos, Manequins e Simuladores. Estas alternativas incluem a execução de treinamentos em objetos sintéticos, desenvolvidos para simular órgãos, membros ou mesmo partes inteiras de animais e aparatos para treinamento e simulação de funções fisiológicas ou perícia clínica. Em linhas gerais, os modelos referem-se a objetos designados por estrutura anatômica de fácil compreensão. Já os manequins são representações de animais ou seres humanos, desenhados para treinamento de práticas clínicas, enquanto que os simuladores são ferramentas para o treinamento clinico cirúrgico e prática de cuidados críticos, incluindo manequins computadorizados, dispositivos para treinamento de cirurgias e suturas. Simuladores dinâmicos São simuladores guiados por instruções que ilustram processos dinâmicos, tais como a fisiologia da circulação, os processos neurofisiológicos, etc. As cirurgias realísticas podem de fato ser praticadas, e, o potencial técnico aplicado em ambas as fontes: cadáveres humanos ou animais, de forma ética, sem agressão ou sofrimento. 40 Treinamentos Manuais Manequins de pacientes humanos são utilizados para treinamentos de estudantes e profissionais em perícias clínicas e procedimentos, assim como em cuidados críticos. Os manequins mais avançados possuem pele artificial, ossos e órgãos, às vezes incluindo corações que batem, até fluídos artificiais, simulando sangue e bílis. Alguns são computadorizados para apresentar “tempo real” das emergências e sua monitoração. Através de simuladores de situações clínicas os estudantes ganham perícia, prática mental e emocional, requeridas em situações da vida real. Os manequins animais também favorecem o aprendizado de diferentes técnicas médicoveterinárias, facilitam o treinamento no manejo, coleta de sangue, intubação, toracocentese e técnicas de PCR (parada cardio-respiratória). As experiências adquiridas nos manequins podem depois ser direcionadas para cadáveres eticamente obtidos e somente depois, chegar ao trabalho clínico com pacientes animais. Os manequins e simuladores oferecem um ganho efetivo nos treinamentos manuais. Eles fornecem mais liberdade aos estudantes para praticar no seu próprio ritmo, podendo errar e repetir os procedimentos, sem alto custo para os animais. Jerry critical carry – manequim de cão, realístico, em tamanho natural, que simula a inspiração do ar e da cavidade torácica, para simular traumas, assim como acesso vascular jugular. Oferece respiração real, representações da traquéia, esôfago e epiglote. Simula o trabalho dos pulmões e a pulsação artificial. Figura 11 – “Jerry Critical Care”,um dos mais modernos manequins de simulação, têm sido usado inclusive pelas Forças Armadas da Grã-Bretanha.. 41 Fluffy – simulador de cuidados críticos com gatos, em paradas cardiorespiratórias. É um manequim de gato, em tamanho natural, que permite o treinamento de uma parada cardiorespiratória, procedimentos de anestesia, intubação traqueal, punção venosa, ventilação manual, verificação de pulso artificial e curativos. Figura 12 – “Fluffy”, a versão felina do simulador “Jerry” Simulador de paciente humano – modelo dirigido por computador, em tamanho natural de um ser humano, que permite o treinamento de sinais vitais, ventilação, cateterismo vesical e programas de simulação do sistema neurológico, pulmonar, cardíaco, vascular, metabólico e geniturinário. Figura 13 – Manequim simulador do corpo humano Substituto do Abdômen Canino para Instrução Cirúrgica – modelo desenvolvido para simular a prática cirúrgica abdominal em geral e especificamente procedimentos cirúrgicos gastrintestinais e urogenitais. Neurosimulador – sistema que simula as funções elétricas e sinapses do sistema neurológico, mostrando todos os neurônios e suas características de neurotransmissão. Rato de PVC – modelo/ simulador desenvolvido para práticas cirúrgicas e aprendizado de técnicas micro cirúrgicas, possibilitando a prática de até 25 tipos diferentes de técnicas de micro cirurgia. 42 Figura 14 – O rato de PVC já vem sendo utilizado como método alternativo de ensino em diversas Universidades O rato de PVC tem 30 cm de altura por 20 cm de largura, pesa 1 kg, tem estruturas internas, como veia jugular, artéria carótida, traquéia, rim, bexiga, veias cava, porta e renal, aorta abdominal com artéria renal e lombar, semelhante ao do animal vivo. Com o auxílio de um CD-ROM, ele simula a temperatura corpórea, o sistema vascular e ainda a administração de anestesias, que podem ser monitoradas. d) Simuladores Multimídia O aparecimento e a aplicação das tecnologias da computação revolucionaram a ciência e a sociedade como um todo. Na educação a internet, os softwares disponíveis em CD ROM e DVD desempenham um poderoso papel. Para dissecações virtuais e experiências em bem equipados laboratórios, os estudantes podem executar performances na tela ou acessar simuladores de realidade virtual de técnicas clínicas com facilidades táteis. Com os avanços tecnológicos, os programas de interação multimídia podem integrar um laboratório virtual, imagens fotográficas e gráficos em 3D, videoclipes e informações textuais que aumentam a qualidade e a oportunidade de aprendizado. Os softwares foram criados e aprovados por professores e profissionais para facilitar a visualização de estruturas e processos, e aumentar a capacidade de compreensão dos estudantes. Aumentando o ensino de anatomia Numa dissecação virtual ou programa anatômico, os estudantes podem realizar tarefas passoa-passo, repetindo se necessário. A gama de facilidades varia de acordo com o programa. Certos programas permitem comparar a morfologia entre as espécies ao clicar do mouse, com comentários fornecendo informações aos estudantes. Oferecem a facilidade de realçar ou melhorar a resolução de específico órgão ou sistemas de órgãos, pelo controle da opacidade 43 da imagem composta, apresentar processos fisiológicos como a digestão ou a ativação dos músculos através da técnica “mórfica”. Geram órgãos e sistemas de esqueleto e apresentar animações e sobrevôos por qualquer parte do corpo. Estas oportunidades ausentes em laboratórios reais, mas accessível rapidamente em simuladores de alta velocidade, podem fornecer uma experiência muito rica e sensorial, que permite uma apreciação muito mais completa da estrutura e do relacionamento estrutural. O laboratório virtual Um software que abrange um laboratório virtual é capaz de apresentar uma série de equipamentos na tela e ainda oferecer um alto grau de interatividade. Os laboratórios virtuais apresentam com detalhes a preparação, os equipamentos essenciais e métodos práticos relevantes, e os estudantes podem praticar ativamente os experimentos entre si, com simuladores de tecidos e de resposta a estímulos ou agentes farmacológicos, como em praticas envolvendo animais, em cenário clínico, monitorando e gravando informações em osciloscópios na tela, gráficos e outros aparatos. Isso proporciona uma oportunidade de trabalhar mias rápido e num custo mais baixo que em convencionais animais de laboratório. As respostas dos programas podem derivar de experimentos animais prévios ou através de algoritmos. Algumas simulações permitem a ilustração de conceitos ou desenvolver tarefas que poderiam ser antiéticas, difíceis ou impossíveis em situações reais. Aplicações na web O uso de softwares com acesso à web entre estudantes é uma forte tendência que está em crescente exploração no desenvolvimento do ensino apoiado na computação. Alguns programas podem oferecer experimentação on line, os estudantes podem trabalhar onde e quando escolherem e voltar a acessar seus laboratórios individuais on line para revisar ou continuar com os experimentos específicos. Os professores podem monitorar e analisar os resultados individuais com facilidade. Mcpee – Programa que analisa a interação entre a circulação, função renal, líquido corpóreo e equilíbrio eletrolítico. Registra níveis de sódio, potássio, uréia, creatinina, albumina, hemoglobina, volume celular, peso corpóreo, entre outros. O programa simula condições como diabetes, por exemplo. 44 Figura 15 – Software simulador da circulação humana. Permite simular inclusive diabetes. Dissection works – Programa interativo em CD ROM que mostra a dissecação de minhocas, peixes, lagostas, sapos, fetos suínos. Anatomia de Rãs – CD ROM que aborda os órgãos e sistemas da rã. Cada órgão e sistema podem ser discutidos separadamente. Anestesia de ratos – Programa interativo, em CD ROM, que reproduz técnicas de anestesia em ratos, simula as dosagens e concentrações do anestésico e informações básicas dos parâmetros fisiológicos (coração, respiração, pressão sanguínea, etc.). Figura 16 – Programa simulador de anestesia para ratos Rã digital – Proporciona uma maneira divertida de aprender a dissecação, anatomia e a ecologia da rã, sem o cheiro do formaldeído. Este CD ROM interativo pode ser usado para substituir uma dissecação em rã, possui narração e animações tridimensionais detalhadas Figura 17 – Rã digital, software que pode ser utilizado em substituição à dissecação da rã. 45 Guia de dissecção de vertebrados: POMBO – Este CD ROM examina o pombo vivo, as características externas e técnicas iniciais de dissecação e fornece uma investigação detalhada das características internas, como sistemas digestivo, circulatório, urogenital de machos e fêmeas, o cérebro e o esqueleto. Figura 18 – Software simulador das características vitais de um pombo. Processos celulares – Exercícios interativos sobre osmose, difusão, processos celulares (respiração, fotossíntese, transporte ativo e passivo, mitose), passo a passo com narração, ilustrações e animações. Embriologia – CD ROM apresentando o desenvolvimento de um sapo e um pintinho, com imagens que podem ser manipuladas e medidas como num microscópio tradicional. Testes selecionados em animais dentro da farmacologia e toxicologia – Este CD ROM contém uma seleção de sete filmes que caracterizam experimentos executados em animais dentro da Farmacologia e Toxicologia: envenenamento por muncarina e sua reversão com atropina em gatos; efeito da morfina em cães; métodos de validação sistêmica de medicamentos em animais de pequeno porte; efeito de anti-epiléticos; interação do álcool com drogas depressoras do sistema nervoso central. e) Fornecimento Ético de Cadáveres Animais Para os estudantes de Zoologia e Medicina Veterinária, os estudos da anatomia não estão completos sem algum grau de experiência de toques manuais dos tecidos animais e dos próprios animais em si. Similarmente para os procedimentos cirúrgicos, o treino não é suficiente se a experiência com tecidos reais e a prática das habilidades for ausente. A alternativa ética à matança de animais é a obtenção de animais “fornecidos eticamente” e seus tecidos. Este termo, neste contexto significa cadáveres animais e tecidos obtidos a partir 46 de animais que morreram naturalmente ou em acidentes, que sofreram eutanásia, proveniente de doença terminal ou ferimentos graves sem chances de cura. A prática de utilização de cadáveres “fornecidos eticamente” é comum na Medicina humana, o desafio é fazer com que a utilização ética de cadáveres animal siga padrões semelhantes, tendo em vista a maior facilidade de obtenção. Substituição As dissecações de cadáveres “fornecidos eticamente” podem substituir as dissecações de animais mortos em práticas de anatomia. Tais dissecações podem ser complementadas por alternativas multimídia, permitindo que os estudantes treinem primeiramente utilizando modelos e depois passem para cadáveres eticamente fornecidos, que são valiosos e não devem ser usados para as habilidades básicas e sim para um estágio mais avançado de treinamento. Programas de doação de corpos Os programas de doação de corpos são um excelente exemplo das soluções de multi-benefício que o processo de executar alternativas pode oferecer. Com a disposição dos cadáveres de animais, estes programas substituem a negligência de recursos, o gasto de energia e a matança de animais. Com o histórico médico dos animais em mãos, há uma garantia de cadáveres livres de doenças e permite a observação de patologias, bem como a anatomia normal. Os estudantes ficarão felizes de saber que nenhuma matança foi requerida e o ambiente de aprendizagem é melhorado, consequentemente. É um desafio às universidades, que podem estabelecer parcerias entre departamentos e clínicas independentes e construir uma infra-estrutura sustentável a fim de utilizar de forma eficaz os recursos do cadáver. Bancos de tecido animal Os bancos de tecido animal podem centralizar os materiais fornecidos eticamente. A coleta e o uso quase imediato do tecido fresco também seriam possíveis se os processos de aquisição e distribuição obedecessem a um padrão suficientemente elevado. O sangue de animais coletados também pode substituir o sangue dos animais de laboratório. Os investimentos em publicidade seriam necessários para ajudar no fornecimento de sangue 47 suficiente para uso clínico e educacional. Os bancos de sangue podem estar ligados aos bancos de tecido animal. Outras fontes de suprimento A cooperação entre os departamentos de Patologia, Anatomia e Cirurgia pode proporcionar a utilização mais intensa de cadáveres de animais doentes, para fins educacionais. Por exemplo, as partes e membros de animais que não são utilizados no ensino da Patologia poderiam ser usados no ensino da Anatomia, na prática cirúrgica ou para o treinamento de habilidades clínicas. f) Trabalho clínico com pacientes animais e voluntários O trabalho clínico envolvendo pacientes reais promove um melhor aprendizado para os alunos. No ambiente real, eles podem vivenciar e ter a oportunidade de aprender Anatomia, Fisiologia e quadros de emergência, o que ficaria difícil de ser compreendido se os trabalhos fossem limitados ao interior dos laboratórios. Treinamento realístico Os estudantes de Veterinária podem adquirir habilidades clínicas e experiência cirúrgica, através do trabalho realizado com pacientes e “voluntários” animais. Para alguns estudantes ao redor do mundo tal fato já é realidade, uma tradição de benefício clínico melhor que a prática da vivisseção. Além de substituir o uso de animais mortos e o uso estressante e invasivo ou até mesmo terminal do animal vivo, este tipo de alternativa incentiva o respeito e a consideração para com o animal, envolvendo os estudantes no processo interno de cuidado animal, do diagnóstico à recuperação pós-operatória. Aquisição de habilidades Os animais voluntários pertencem aos próprios estudantes, que são incentivados a participar de treinamentos clínicos não-invasivos e não prejudiciais. Exames, diagnósticos, amostras de 48 sangue e técnicas de curativo são os principais exemplos da utilização clínica de animais voluntários. A prática de habilidades clínicas utilizando técnicas invasivas pode ser justificada apenas no caso de comprovado benefício clínico aos pacientes animais. A participação dos estudantes nos trabalhos clínicos requer um nível avançado de habilidades. Alternativas não-animais, como manequins e simuladores podem ajudar os estudantes a atingirem este grau de conhecimento avançado dentro do ambiente clínico. O gerenciamento, a intubação e as cirurgias podem ser melhores e mais eticamente assimilados com pacientes reais. Esterilização de animais em abrigos É uma outra forma alternativa dos estudantes, supervisionados pelos seus professores, aplicarem a técnica da castração, através de parcerias entre as Universidades e as ONG’s que abrigam animais de rua. Isso colaboraria para um aumento das doações dos animais, além de contribuir para o controle de natalidade das espécies, além do cuidado veterinário pelo qual passarão os animais abandonados. g) Auto-experimentação entre estudantes Para os estudantes de Ciências Biológicas, a importância do trabalho com o corpo vivo é essencial. A compreensão eficaz dos processos e fisiologias e a prática de habilidades clínicas dependem diretamente do experimento com corpos vivos. A auto-experimentação é um recurso eficaz de alternativa humana não-invasiva. O intenso envolvimento e a auto-referência de todas as práticas de aulas experimentais podem fazê-los memorizar de forma mais agradável as qualidades, que são significativas no processo de aprendizagem. Biologia e medicina humana A auto-experimentação e os treinamentos de técnicas clínicas em estudantes são usados nas instituições como parte da prática normal. A amostragem de sangue, a medição da pressão sanguínea e a punção venosa são alguns dos exemplos. 49 Práticas como exercícios de análise de urina e sangue (antes e depois da ingestão de determinadas substâncias), associação de softwares para testes de verificação de temperatura da pele em descanso, em exercício, em situações mentalmente ativas e testes de função pulmonar são alguns exemplos de métodos alternativos já adotados no meio acadêmico. g) Cultura in vitro O desenvolvimento de culturas in vitro para pesquisas é baseado nas vantagens científicas e éticas da opção pela cultura de tecidos. O custo mais baixo e a taxa mais rápida de seleção para avaliação de toxicidade, somados à confiabilidade são fatores que justificam o emprego deste modelo de alternativa. A utilização do tecido animal nos trabalhos in vitro supera as questões éticas do uso de fetos de bovídeos em experimentos. Além disso, em diversos procedimentos da prática biológica, o tecido animal pode ser substituído diretamente por materiais extraídos de plantas. h) Estudos de Campo Os estudos de campo oferecem oportunidades para o estudo dos animais em seu próprio habitat, onde expressam seu comportamento natural, ao contrário dos laboratórios, onde os animais apresentam um comportamento limitado ou estereotipado, sejam de forma individual ou nos grupos isolados dentre de laboratórios. O método do estudo de campo pode fornecer uma experiência de aprendizagem extremamente rica para o estudante, permitindo analisar fatores sociais, culturais e ecológicos, ausentes nos laboratórios. Situações e impactos O trabalho de campo ideal deve contribuir à proteção animal e ao seu bem estar, direta ou indiretamente, e não causando danos. Os estágios de planejamento e projeto do estudo de campo devem avaliar a possibilidade de alguma das atividades terem caráter invasivo, e adotar medidas para diminuir seu impacto. As cidades também oferecem ricas possibilidades para o estudo de populações de animais selvagens ou semi-selvagens, como pombos, ratos, vaca, etc. Os insetos e os cães e gatos domesticados também podem integrar os estudos de campo realizados pelos estudantes. 50 Os jardins zoológicos e cativeiros raramente proporcionam um ambiente suficientemente natural ou livre de danos que justifiquem seu uso para os estudos de campo, embora possam ser utilizados em estudos que ensejam ilustrar o sofrimento causado aos animais e o exemplo de como estes animais não devem ser mantidos. Interação homem-animal A interação entre humanos e animais também pode ser estudada; investigações sobre as populações animais, durante e depois da interação que beneficiou os animais – como, por exemplo, a expansão da população de pombos ou de gatos abandonados, que são abrigados e alimentados – pode fornecer materiais interessantes para análise, assim como para o benefício direto dos animais. 51 DISCUSSÃO O debate ético acerca do tratamento dispensado aos animais nos laboratórios e instituições de ensino é complexo e repleto de contradições. Métodos antigos e cruéis impostos aos animais apresentados como sendo a única forma de “evolução” da ciência estão fomentando grandes discussões entre a sociedade e os cientistas, confirmando as afirmativas de PAIXÃO (2001). Diante desse impasse moral e também cultural, as alternativas produzidas para abolir a utilização de animais em experimentos estão se tornando mais divulgadas e acessíveis às empresas e instituições de ensino. Os diversos autores consultados não divergem quanto à praticidade e eficácia que envolve as alternativas; entretanto, a implantação de tais métodos envolve uma atitude mais ativa dos profissionais que estão envolvidos com a experimentação animal, ou seja, pressupõe uma ruptura definitiva com os métodos tradicionais. Opor-se aos métodos tradicionais significa também romper com conceitos, idéias, hábitos e regras que foram embasados a partir de experiências antigas e conservadoras. Essa afirmação é similar ao pensamento de SINGER (2004) que se refere ao hábito como sendo a principal barreira a ser enfrentada: “hábitos de pensamentos e linguagens devem ser contestados e alterados”. Não se pode deixar de mencionar as vantagens que tanto a pesquisa científica quanto as instituições de ensino ganharão ao adotarem métodos alternativos, que, além de opções viáveis são eticamente corretos. A indústria paralela, formada com as práticas de experimentação animal, também aparece como forte opositora à implantação da metodologia alternativa, pois seu lucro provém justamente da venda de materiais, aparatos e animais, além da mão de obra empregada nessa área (especializada e não especializada). Pode-se confirmar tal afirmativa quando se observa que as alternativas são muito mais viáveis que o alto custo gerado pela manutenção e gastos com animais de laboratórios. As diferenças fisiológicas e anatômicas existentes entre as espécies também demonstra que a experimentação animal não é um caminho eficaz para a comprovação dos resultados de pesquisas científicas e educacionais, devido às diferença existentes, muitos resultados experimentais obtidos podem não ser prejudiciais aos animais, mas podem ser para seres humanos, ou vice-versa. Essas afirmações são concordantes com o pensamento de TRÉZ & GREIF (2000). 52 O sofrimento imposto aos animais é outro aspecto relevante observado. A crueldade aplicada aos animais fere o senso moral e ético humano. A prática de tais testes só comprova o fato da espécie humana ser “especista” (preconceito ou atitude tendenciosa de alguém a favor dos interesses de membros de sua própria espécie e contra os de outras), afirmação de SINGER (2004). 53 CONCLUSÃO Com base na literatura consultada e na pesquisa realizada, conclui-se que: 1 – Segundo TRÉZ & GREIF (2000), os métodos alternativos representam importantes meios de substituição ao uso de animais, tanto nos centros de pesquisa científica quanto em instituições de ensino. 2 - De acordo com PAIXÃO (2001), “o medo do novo” atrasa o processo de desenvolvimento de novos métodos alternativos, enquanto evidências cientifícas e econômicas indicam que, com maiores investimentos na área, a abrangência de tais métodos seria maior. 3 – Conforme descreve PAIXÃO (2001) é interessante observar que não são relatadas conseqüências negativas para a pesquisa científica, e, de fato, os representantes das sociedades científicas preconizam também o uso de alternativas quando essas existirem. 4 – LUNA (2004) complementa que entre os pesquisadores há um consenso na busca pelas alternativas, mas, quando não há outra escolha, a solução é manter a utilização de animais. 5 – Segundo TRÉZ & GREIF (2000), “os métodos alternativos existentes são perfeitamente viáveis, eficazes e duradouros, além de permitirem aos estudantes aprenderem no seu próprio ritmo, sem o estresse das aulas envolvendo animais”. 6 – Para PAIXÃO (2001) a experimentação animal se tornou definitivamente um "problema moral". Esse "problema moral" ganha visibilidade quando se fala em ética na pesquisa ou em ética aplicada, seja na bioética, na ética ambiental ou, mais especificamente, na ética animal. 7 – De acordo com JUKES & CHIUIA (2003), resta aos educadores experimentar as alternativas em suas aulas, algo que envolve superar o antropocentrismo, que coloca a vida humana como mais importante do que todas as outras. As opções para isso já são conhecidas e cada vez mais eficientes. 8 – Segundo TRÉZ (2004), independente de qualquer tradição humanitária na educação, a maioria do uso de animais na educação é prejudicial, isto é, causa algum tipo de prejuízo físico ou psicológico ao animal envolvido, e pode envolver de forma negativa o estudante em situações de conflito ético. 9 – As alternativas apresentadas nesse trabalho e várias outras que aqui não estão descritas são meios eficazes e viáveis de substituição ao uso de animais vivos, e elevam o grau de humanização nas situações em que são implantadas. Sem dúvida os métodos alternativos representam o fim do sofrimento de milhares de animais e o início de um processo mais ético na educação e na pesquisa. 54 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AAVS. Testing. AAVS – American Anti-Vivissection Society. Disponível em: <http://www.www.aavs.org/laboratories02.html>. Acesso em: 10 ago. 2004. ALVES, A.F. Métodos Alternativos ao Uso de Animais na Docência. Textos sobre Bioética, Rio Grande do Sul, 10 ago. 2004. Disponível em: http://www.geocities.yahoo.com.br/elnamugrabi/bioetica.htm. Acesso em: 4 set.2004. ANDRADE, A.; PINTO, S.C; OLIVEIRA, R.S. (orgs). Animais de Laboratório: Criação e Experimentação. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2002. 385 p. BALLS, M. The Production of Genetically Modified Animals and Humans: an inescaple moral challenge to scientists and laypeaple alike. England: ATLA, c. 26, p 1-2 BRASIL, 1998. Lei n 9605 de 12 de fevereiro de 1998. Diário Oficial da União em 13/02/98, seção 1, página 1 . BUDKIE, M. A. Military Animal Research. 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Anais do I Simpósio sobre Alternativas ao Uso de Animais em Pesquisas e Ensino. São Paulo: USP, 2004. p.52-60. 57 TRÉZ, T. & GREIF, S. A Verdadeira Face da Experimentação Animal: sua saúde em risco. 2 ed. Rio de Janeiro: Sociedade Educacional Fala Bicho, 2000. 200 p. ZANETTI, C. Práticas Laboratoriais. In: Simpósio sobre Alternativas ao Uso de Animais em Pesquisas e Ensino, 1., São Paulo, 3 e 4 de set. 2004. Anais do I Simpósio sobre Alternativas ao Uso de Animais em Pesquisas e Ensino. São Paulo: USP, 2004. p.6-14. 58 ANEXOS 59 ANEXO - 1 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PELO BIOTÉRIO DA FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA E ZOOTECNIA Espécie CÃES (a) CAMUNDONGOS COBAIAS (a) COELHOS (a) GALINHAS HAMSTERS RATOS 1993 273 20.300 130 52 1.600 5.200 10.800 1994 151 18.000 80 55 1.200 4.300 8.000 1995 72 20.500 36 32 1.500 3.100 9.700 1996 25 5.000 20 20 800 1.600 8.000 1997 30 5.900 16 24 2.200 1.000 8.200 1998 0 5.365 4 33 0 809 6.852 1999 0 3.974 4 26 0 468 5.816 2000 0 3.730 10 96 0 1.000 6.547 2001 0 4.000 9 156 0 1.000 6.600 2002 0 4.500 6 24 0 500 4.000 Obs.: As quantidades informadas referem-se à produção e consumo, sendo que os excedentes não ultrapassam 1%. (a) Animais para manutenção. Fonte: FMVZ (Dados fornecidos pela professora responsável pelo setor, Cláudia Mori) 60 GLOSSÁRIO Biotecnologia: Aplicação de processos biológicos à produção de materiais e substâncias para uso industrial, medicinal, farmacêutico, etc Biotério: Viveiro de cobaias e outros animais empregados em experiências de laboratório, produção de soros, vacinas, etc. Circuncisão: Rito de iniciação, que consiste em cortar o prepúcio (pele que cobre a glande do pênis). Dispnéia: Dificuldade na respiração. Dissecação (ou dissecção): Individualização, mediante o uso de instrumental adequado, de parte(s) ou de órgão(s), seja de um ser vivo (em caso de intervenção cirúrgica), seja de um cadáver (para estudo anatômico). Epistaxe: Hemorragia nasal; hemorrinia, coanorragia. Espectrometria: Técnica de análise qualitativa e quantitativa baseada na obtenção e estudo do espectro de emissão de substâncias. Eutanásia: Morte serena, sem sofrimento. Prática, sem amparo legal, pela qual se busca abreviar, sem dor ou sofrimento, a vida de um doente reconhecidamente incurável. Experimentação: Método científico que consiste em observar um fenômeno natural sob condições determinadas que permitem aumentar o conhecimento que se tenha das manifestações ou leis que regem esse fenômeno; experiência, método experimental. Geniturinário: Relativo ou pertencente aos órgãos genitais e urinários. Hemólise: Destruição de glóbulos vermelhos do sangue, com libertação de hemoglobina; hemotexia. 61 Hepatotoxicidade: caráter da substância que é tóxica para o fígado. Hipolipêmico: aquele que tem pouco teor de gordura no sangue. Hipouricêmico: aquele que tem pouca presença de ácido úrico no sangue. In vitro: Que ocorre, ou que se pode observar, dentro de um tubo de ensaio; em meio artificial. Intraperitonial: Relativo ao interior do peritônio - Membrana serosa que reveste, internamente, as cavidades abdominal e pélvica (peritônio parietal) e, externamente, as vísceras contidas nessas cavidades (peritônio visceral). Intravenosa: Relativo ao interior de veia, ou ali situado Macrófago: Célula de tecido conjuntivo, com grande capacidade de pinocitose e de fagocitose; pode ser fixo, denominado histiócito, ou móvel. Miografia: Descrição dos músculos. Estudo do registro gráfico de contrações musculares, mediante o uso do miógrafo. Monoclonal: Próprio de, ou produzido por clones de uma única célula. Motocondrial: De, ou relativo a mitocôndria (organela membranosa presente em célula eucariótica, e que gera energia química na forma de ATP). Mutagênese: Processo que dá origem às mutações. Produção de mutações em uma população de células. Pirogênio: Substância originada em células vivas, que produz elevação de temperatura corporal. 62 Radiação ionizante: Energia emitida por uma fonte sob a forma de partículas subatômicas (elétrons, alfas, nêutrons, etc.). Retroperitonial: que se localiza atrás do peritônio - Membrana serosa que reveste, internamente, as cavidades abdominal e pélvica (peritônio parietal) e, externamente, as vísceras contidas nessas cavidades (peritônio visceral). Subcutâneo: Situado por baixo da cútis ou da pele; intercutâneo: tecido subcutâneo; Que se dá ou aplica sob a pele: infecção subcutânea, vacina subcutânea. Toxicidade: Caráter do que é tóxico. O quociente, expresso em quilogramas, da quantidade duma substância necessária para matar um animal. Transgênico: Diz-se de, ou organismo que possui em seu genoma um ou mais genes provenientes de outra espécie, inseridos por processo natural ou, mais destacadamente, empregando métodos da engenharia genética Triglicerídeo (ou triacilglicerídeo): Qualquer éster da glicerina no qual as três hidroxilas desta sofreram condensação com ácidos, especialmente ácidos graxos; triglicídeo, triglicéride, triglicerídeo. Úlcera: Solução de continuidade, aguda ou crônica, de uma superfície dérmica ou mucosa, e que é acompanhada de processo inflamatório; ulceração. Vivissecção (ou vivisseção): [Do latim vivus, 'vivo', + -i- + latim sectione, 'seção'.] Operação feita em animais vivos para estudo de fenômenos fisiológicos. Zoonose: Doença que incide sobretudo em animais. Doença transmissível de outros animais vertebrados ao homem, e vice-versa, sob condições naturais. 63