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Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus Frei Guido Moacir Scheidt, ofm Presidente Jorge Apóstolos Siarcos Diretor-Geral FAE Centro Universitário Frei Nelson José Hillesheim, ofm Reitor da FAE Centro Universitário Diretor-Geral da Faculdade FAE São José dos Pinhais André Luis Gontijo Resende Pró-Reitor de Ensino, Pesquisa e Extensão Coordenador de Legislação e Normas Educacionais Régis Ferreira Negrão Pró-Reitor de Administração e Planejamento Cleonice Bastos Pompermayer Diretora de Campus – Campus Centro, FAE Centro Universitário Elcio Douglas Joaquim Diretor Acadêmico da Faculdade FAE São José dos Pinhais Antoninho Caron Diretor de Pós-Graduação José Vicente Bandeira Mello Cordeiro Vice-diretor de Pós-Graduação Samar Merheb Jordão Ouvidoria Paulo Roberto Araújo Cruz Diretor de Relações Corporativas Editor Frei Nelson José Hillesheim, ofm Coordenação Editorial Cleonice Bastos Pompermayer Revisão Edith Dias (Normalização) Jéssica Deus Soares (Revisão) Karina Quadrado (Revisão) Luiz Henrique Bezerra (Revisão) Marcos Fernando Justino da Silva (Revisão) Editoração Ana Maria Oleniki Braulio Maia Junior Débora Cristina Gipiela Kochani Eliel Fortes Barbosa Maristela Ferreira de Andrade Gomes da Silva (Coordenação) Thaís Suzue Ikuta Coordenadores de Cursos Andrea Regina H. C. Levek Negócios Internacionais Daniele Cristine Nickel Psicologia Élcio Douglas Joaquim Tecnologia em Sistemas para Internet Everton Drohomeretski Administração Érico Eleutério da Luz Ciências Contábeis Frei Jairo Ferrandin, ofm Filosofia Gilson Paula Lopes de Souza Engenharia Ambiental e Sanitária, Engenharia de Produção e Engenharia Mecânica Karlo Messa Vettorazzi Direito Lucina Reitenbach Viana Tecnologia em Marketing e Tecnologia em Produção Multimídia Marco Antônio Regnier Pedroso Desenho Industrial Maristela Ferreira de Andrade Gomes da Silva Tecnologia em Gestão Comercial Randy Rachwal Comunicação Social: Publicidade e Propaganda Rogério Tomaz Letras Silvia Iuan Lozza Pedagogia Solídia Elizabeth dos Santos Ciências Econômicas Valter Pereira Francisco Filho Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos, Tecnologia em Gestão Financeira e Tecnologia em Logística Núcleos e Departamentos Areta Galat Coordenadora do Núcleo de Relações Internacionais Carlos Roberto de Oliveira Almeida Santos Coordenador do Núcleo de Extensão Universitária Cleonice Bastos Pompermayer Coordenadora do Núcleo de Pesquisa Acadêmica Edith Dias Biblioteca – Campus Centro e Faculdade FAE São José dos Pinhais José Zenildo Vidal Staniszewski Coordenador do Núcleo de registro e controle Acadêmico Nacib Mattar Junior Coordenador do Núcleo de Admissão Nelcy Terezinha Lubi Finck Coordenadora do Núcleo de Carreira Docente Rita de Cássia Marques Kleinke Coordenadora da Pastoral Universitária Samir Bazzi Coordenador do Núcleo de Empregabilidade Soraia Helena F. Almondes Biblioteca – Campus Centro Comitê Editorial Bruno Harmut Kopittke, Dr. (UFSC); Francisco Antonio Pereira Fialho, Dr. (UFSC); Glauco Ortolano, Ph.D (Lauder Institute/Wharton School/University of Pennsylvania); Harry J.; Burry, Ph.D (Baldwin Wallace); Heloisa Lück, Ph.D (UFPR); Heloiza Matos, Dra. (USP); Jair Mendes Marques, Dr. (FAE Centro Universitário, UTP); João Benjamin da Cruz Junior, Ph.D (UFSC); Cleverson Vitório Andreoli, Dr. (USP); Mirian Beatriz Schneider Braun, Dra. (Unioeste); Christian Luiz da Silva, Dr. (UFSC). Indexação CAPES/Qualis Latindex Portal Livre/CNEN GeoDados Distribuição Comunidade Científica: 388 exemplares Permuta: 112 exemplares Adelar Fochezatto, Dr. (PUCRS ); Afonso Augusto Teixeira de Freitas de Carvalho Lima, Dr. (Philip Kotler e Nancy Le); Aida Franco de Lima, Me. (SECAL); Alvair Silveira Torrer Junior, Dr. (USP); Ana Maria Coelho Pereira Mendes, Dra. (FAE); Anselmo Chaves Neto, Dr. (UFPR); Antonio Artur de Souza, Dr. (UFMG); Antonio Carlos Giuliani, Dr. (UNIMEP); Bezamat de Souza Neto, Dr. (UFSJ); Carla Cristina Dutra Búrigo, Dra. (UFRGS/UFSC); Carlos Roberto Oliveira de Almeida Santos, Me. (FAE); Claudia Born Caravantes, Dra. (ICDEP); Dilson Gabriel dos Santos, Dr. (USP); Djair Picchiai, Dr. (FGV); Douglas Soares, Dr. (AESA); Eugenio Stefanelo, Dr. (FAE); Everton Drohomeretski, Me. (FAE); Fernando Cesar Lenzi, Dr. (UNIVALI); Gerson Pereira Lima, Dr. (Facinter); Hugo Eduardo Meza Pinto, Dr. (FARESC); João Ildebrando Bocchi, Dr. (PUCSP); José Genivaldo Pereira, Esp. (Treelog S/A Logística e Distribuição); José Henrique de Faria, Dr. (UFPR); José Henrique Souza, Dr. (PUC-Campinas); José Manoel Pires Alves, Dr. (UCB); Karin Sell Schneider Lima, Me. (Uninter); Lafaiete Santos Neves, Dr. (FAE); Márcio Jacometti, Dr. (UTFPR); Marison Luiz Soares, Dr. (UFES); Olindina Xavier Cunha, Dra. (FFCC) ; Raimundo Nonato Rodrigues Dr. (UFPE); Romilda Teodora Ens, Dr. (PUCPR); Ubiradir Mendes Pinto, Esp. (UTFPR). Revista da FAE, n. 1/2, jan./dez. 1998 – Curitiba, 1998 – v. ilust. 28cm. Semestral ISSN 1516-1234 Substitui ADECON: Revista da Faculdade Católica Administração e Economia 1. Abordagem interdisciplinar do conhecimento.I. FAE Centro Universitário. Núcleo de Pesquisa Acadêmica. CDD – 001 Os artigos publicados na Revista da FAE são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não representam, necessariamente, pontos de vista da FAE Centro Universitário. A Revista da FAE tem periodicidade semestral e está disponível em www.fae.edu. Endereço para correspondência: FAE Centro Universitário - Núcleo de Pesquisa Acadêmica Rua 24 de Maio, 135 - 80230-080 - Curitiba-PR Tel.: (41) 2105-4093 - e-mail: [email protected] 4 Sumário Organizações, relações de trabalho e informatização: controle cronológico ou domínios de Kairos? Jonas Cardoso Summary 06 Organizations, labor relations and information technology: chronological control or Kairos domains? Jonas Cardoso Governança corporativa: análise em uma cooperativa de crédito rural com interação solidária Gilmar Ribeiro de Mello, Silvania Pizzatto Schiavini 24 Corporate governance: analysis in a rural credit cooperative with partnership interaction Gilmar Ribeiro de Mello, Silvania Pizzatto Schiavini Portais de transparência fiscal: uma crítica aos municípios com população entre 50 e 100 mil habitantes Abimael de Jesus Barros Costa, Deivid Bruno Araújo Leite, Edmilson Soares Campos 42 Fiscal Transparency Portals: a critique of cities with populations between 50 and 100 thousand people Abimael de Jesus Barros Costa Deivid Bruno Araújo Leite, Edmilson Soares Campos Valores organizacionais sob a ótica dos colaboradores de uma Instituição de Ensino Superior Aleksander Roncon, Denise Del Prá Netto Machado, Marcia Regina Santiago Scarpin, Luciano Castro de Carvalho 62 Organizational values under the perspective of employees of an Institution of Higher Education Aleksander Roncon, Denise Del Prá Netto Machado, Marcia Regina Santiago Scarpin, Luciano Castro de Carvalho As contribuições e o pensamento de John Stuart Mill no campo da economia Eduardo H. Martins L. Scoville, Gilson Batista de Oliveira 80 The contributions of the John Stuart Mill’s thoughts about economy Eduardo H. Martins L. Scoville, Gilson Batista de Oliveira Economia ecológica, economia solidária e o pensamento econômico de E. F. Schumacher Lucas Barbosa e Souza, Rogério Ferreira Teixeira 96 Ecological economy, economy solidarity, and E. F. Schumacher’s economic thought Lucas Barbosa e Souza, Rogério Ferreira Teixeira Adoção de plataforma estratégica de tecnologia de informação e comunicação: análise baseada no modelo UTAUT Fernando de Souza Meirelles, Luci Longo 110 Adoption of the strategic platform for information and communication technology: analysis based on the UTAUT model Fernando de Souza Meirelles, Luci Longo Método de estudo de caso como estratégia construtivista de ensino: proposta de aplicação nos cursos de Administração e Contabilidade de Custos Georgia Fabiana da Silva, Mariano Yoshitake, Suely Morais de França, Yumara Lúcia Vasconcelos 126 Case study method as constructivist teaching strategy: proposed application courses in Management and Cost Accounting Georgia Fabiana da Silva, Mariano Yoshitake, Suely Morais de França, Yumara Lúcia Vasconcelos Atratividade do comércio popular: fatores que motivam os clientes a comprar no comércio popular Fernando César Lenzi 144 Attractiveness of popular trade: factors that motivate customers to buy in popular trade Fernando César Lenzi Originale Cucina – um estudo de caso de posicionamento estratégico no segmento gastronômico de Curitiba Ricardo Teixeira Miranda, Richard Schwarz 162 Originale Cucina – a strategic positioning case study in the Curitiba’s gastronomic segment Ricardo Teixeira Miranda, Richard Schwarz Valor do cliente – estudo do mercado de operadoras de telefonia Eliane Cristine Francisco-Maffezzolli, Paulo de Paula Baptista, Richard Schwarz, Wesley Vieira da Silva A distribuição espacial do emprego formal na produção algodoeira e têxtil no Estado do Paraná no período de 1997 a 2007 Katia Fabiane Rodrigues, Jandir Ferrera de Lima, Lucir Reinaldo Alves, Ricardo Rippel FA E Cen t ro 180 198 Customer value – market study of telephone operators Eliane Cristine Francisco-Maffezzolli, Paulo de Paula Baptista, Richard Schwarz, Wesley Vieira da Silva The location of the employment in the cotton production and textile industries in Paraná State the period 1997 to 2007 Katia Fabiane Rodrigues, Jandir Ferrera de Lima, Lucir Reinaldo Alves, Ricardo Rippel U n i ver s i t ár i o Apresentação Prezados leitores, Temos a alegria e a satisfação de disponibilizar à comunidade acadêmica e à sociedade em geral mais uma edição inédita da Revista da FAE. Assim, esperamos contribuir mais uma vez com as reflexões e o pensamento acadêmico, através dos estudos compartilhados. Por se tratar de uma publicação multidisciplinar, a elaboração deste volume contou com autores representantes de várias áreas do conhecimento, cujos conteúdos serão agora brevemente descritos. Começamos a leitura com uma análise das transformações nas organizações a partir da percepção do tempo, considerando a informação e as relações de trabalho. Na sequência, um estudo sobre governança corporativa nas cooperativas de crédito rural, com foco nas boas práticas de governança com a finalidade de cumprir com as responsabilidades perante o quadro social. Ainda no campo da Administração, um estudo sobre a importância dos portais de transparência fiscal, como instrumento de informação para a sociedade, a partir de investigação em alguns municípios selecionados. O quarto artigo desta edição analisa a percepção dos valores organizacionais sob a ótica dos colaboradores em uma Instituição de Ensino Superior. Permeando os estudos na área de Economia, apresentamos um artigo a respeito das contribuições de John Stuart Mill para a evolução do pensamento econômico. Também, um estudo sobre a visão econômica de E. F. Schumacher à luz da economia ecológica e solidária. Na sequência, um estudo sobre a adoção da tecnologia de informação em ambiente universitário, com foco nos processos educacionais. Ainda voltando-se para o ambiente educacional, contamos com um artigo que propõe a aplicação do método de estudo de caso como estratégia de ensino. Contemplando as contribuições na área de Marketing, encontraremos uma pesquisa que identifica quais são os fatores motivadores que levam os consumidores a frequentar e comprar no comércio popular. Também, um estudo de caso sobre o reposicionamento estratégico no segmento gastronômico de Curitiba. E, ainda, um estudo do mercado de operadoras de telefonia, com foco no valor real do cliente. Concluímos esta edição com uma análise do padrão de localização do emprego formal no cultivo do algodão e na indústria têxtil no Paraná. Esperamos que a Revista da FAE atinja o seu propósito de difusão e compartilhamento de reflexões, ideias e pesquisas, como contribuição ao indivíduo e à sociedade. Boa leitura! Paz e Bem! Frei Nelson José Hillesheim, ofm Editor Organizações, relações de trabalho e informatização: controle cronológico ou domínios de Kairos? Organizations, labor relations and information technology: chronological control or Kairos domains? Organizações, relações de trabalho e informatização: controle cronológico ou domínios de Kairos? Organizations, labor relations and information technology: chronological control or Kairos domains? Jonas Cardoso1 Resumo Este artigo analisa as transformações nas organizações a partir da percepção do tempo. A análise é realizada considerando a questão da informatização e as relações de trabalho nas organizações. A partir de pesquisa bibliográfica, foram analisados livros e artigos sobre o uso do tempo pelas organizações e sua relação com a informatização e consequências para as relações de trabalho. A partir dessa análise, percebe-se que o tempo tornou-se estratégico para as organizações contemporâneas, que dele se apropria quando da utilização do trabalho para realização do lucro. O avanço da informatização funciona como um catalisador, aumentando o controle e o tempo dedicado ao trabalho. Palavras-chave: Relações de Trabalho. Organizações. Informatização. Tempo. Abstract This article analyzes the organizations changes that derive for time perception. The point of departure is the advancement of information technology and its consequences in labor relations. From literature, were analyzed books and articles about the use of time for organizations, the advancement of information technology and changes in labor relations. This analysis pointed that a time perception has become strategic for contemporary organizations, which utilizes time working and non work for the realization of profit. The advance of information technology acts as a catalyst, increasing control and time devoted to work. Keywords: Labor Relations. Organizations. Information Technology. Time. 1 Doutor em Administração na UFRGS. Professor Adjunto do Departamento de Economia da Universidade Federal de Rondônia. Tutor do Programa de Educação Tutorial do curso de Ciências Econômicas. E-mail: [email protected]. Rev. FAE, Cu r it iba, v. 17, n. 1, p. 6 - 23, jan./jun. 2014 7 Introdução Na mitologia grega, Cronos é a perso- A interação entre trabalho e tempo torna- nificação do tempo, mas há também um outro -se sinônimo de cumprimento de tarefas por metas, deus, Kairos, que é o próprio tempo – enquanto as quais independem do espaço e tempo em que Cronos é comparado a uma medida de tempo são cumpridas. O que importa é o prazo. Ficou em intervalos mecânicos, Kairos está em todos os para trás o tempo entendido na produção fordista, tempos, presente em alguns momentos e distante cujos trabalhadores se baseavam numa jornada em outros (CZARNIAWSKA, 2001). de trabalho fixa e com trabalhos repetitivos. Com Até 1980, o tempo era abordado nos estudos das organizações como variável externa, passível de ser medido e independente dos processos organizacionais. O tempo era determinado como absoluto e linear. A partir de 1980, os estudos organizacionais foram influenciados sobremaneira por áreas como Antropologia (CZARNIWASKA, 2009) e Sociologia (BURRELL, 2003; FOUCAULT, 1997; LEE; LIEBENAU, 1999), que levaram a uma nova percepção sobre o tempo, que se transfor- as novas tecnologias e estruturas organizacionais baseadas em processos mais flexíveis, o tempo é refém da velocidade ditada pela informatização (GRISCI, 1999; 2008). Aliado a isso, conforme destacado por Mello e Tonelli (2002), deve-se levar em conta o estilo de gestão, que investe cada vez mais em uma cultura organizacional que se preocupa mais com resultados de curto prazo, utilizando nessa nova visão de todo o tempo que o trabalhador dispõe, seja no trabalho ou fora dele. mou em um componente importante da cultura or- Este artigo procura trazer elementos que ganizacional. O tempo se tornou relativo do ponto pontuem a forma como está configurada a orga- de vista da teoria das organizações, portanto, pas- nização contemporânea no que concerne às rela- sível de ser relido conforme o momento, assumindo ções de trabalho, ao aumento da informatização e aspectos com diferentes significados em cada con- a influência do tempo nos processos de produção. texto (TONELLI, 2002; VERGARA; VIEIRA, 2005). O ensaio é composto de cinco tópicos, que além desta introdução e das considerações finais, conta com o primeiro tópico que discute Na mitologia grega, Cronos é a personificação do tempo, mas há também um outro deus, Kairos, que é o próprio tempo – enquanto Cronos é comparado a uma medida de tempo em intervalos mecânicos, Kairos está em todos os tempos, presente em alguns momentos e distante em outros. a dinâmica temporal, o qual procura trazer elementos que auxiliem no entendimento do uso do tempo e suas transformações, conforme o desenvolvimento das organizações. O tópico seguinte relaciona organizações, tempo e relações de trabalho, analisando como estas foram influenciadas conforme se processava o uso do tempo pelas organizações. O terceiro tópico, além de abordar organizações e tempo, traz outro elemento importante: a informatização. O objetivo foi inserir na discussão as transformações na concepção do tempo por que passaram as organizações com o avanço tecnológico da informatização e seus desdobramentos nas relações de trabalho. 8 1 Dinâmica Temporal e Organizações Na História, o tempo não pertence a ninguém (WIJK, 2006). O tempo sempre foi entendido como possessão de Deus. Como Santo Agostinho escreveu, tentando refutar o entendimento aristo- Hassan (2003) observou que a cada perío- télico, o segredo do tempo ficou inexplicável. O do histórico há uma forma diferente de com- raciocínio ficou embasado no seguinte argumento: preensão do tempo. O conceito de tempo tem apesar do movimento dos corpos astrais entre um relacionamento próximo com as formas de outros instrumentos relacionados com o tempo, ele produção e reprodução da sociedade. Assim, o não depende disso. Josué pediu para Deus parar período pré-industrial foi caracterizado por ter uma o sol para finalizar a batalha no mesmo dia, o sol produção essencialmente artesanal feita em casa parou, mas o tempo continuou. e por usar suas próprias ferramentas, realizar seu Contudo, o tempo não deve ser entendido trabalho sem regularidade temporal, com taxa de como um movimento de coisas, embora coisas se produção e tempo de forma diferente, dependendo movam no tempo (LE GOFF, 1960). O tempo era do dia e das estações do ano. percebido como alguma coisa pertencente a nada Além disso, algumas culturas não se importavam muito com o fluxo do tempo. Gregos possuíam relógios de sol e de areia (dispostos, por exemplo, em parlamentos para limitar o tempo de fala), mas isso não era de uso comum (BAUMAN, 2001). Na verdade, como alguns pesquisadores apresentam (CZARNIAWSKA, 2001), relógios de sol e de areia foram usados por gregos não ne- mais do que o domínio divino, alguma coisa independente do movimento regular das coisas, provavelmente um dos atributos de Deus. Consequentemente, como apontado por Adam (2001), na Idade Média um dos principais argumentos contra a usura foi que mercadores davam créditos e os usurários tentavam vender uma mercadoria que não pertencia a eles: o tempo. cessariamente para medir o tempo, mas principal- O monge Dominicano Etiene de Bourbon, mente para representações cosmológicas, símbo- na Tabula Exemplorum (LE GOFF, 1960), construiu los do universo. o argumento de que toda noção de crédito foi Similarmente, na Idade Média, viajantes cau- fundamentalmente má e corrupta, principalmente por que resultava de negociação nos domínios de saram agitação na China quando ofereceram relógios Deus; contudo, mercadores e usurários ousaram o como presente. Porém, os chineses não estavam suficiente para prolongar o pagamento do débito interessados na invenção em si, mas curiosos com por dado preço, sendo condenados à maldição. aquele brinquedo estranho e inútil (LE GOFF, 1960). Com o passar dos séculos a percepção do A ideia básica da medição exata do tempo pode ser percebida como obsessão excêntrica. tempo mudou. A mensuração e o controle exato do tempo transformaram-se em domínios das A Era Industrial inaugurou o tempo associado organizações e, gradualmente, tornaram-se dessa- com o ritmo das fábricas com uma produção marcada cralizados. Por exemplo, segundo Le Goff (1960), por situações de copresença e sincronização tem- em 1355, o rei governador em Artois permitiu a poral. Em consonância com essa compreensão do construção de uma torre a fim de anunciar as horas tempo, produção e serviços seguem um sistema para os negócios e as transações, assim como dominado pelas horas, minutos e segundos. para regular a jornada de trabalho nas fábricas. Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 6 - 23, jan./jun. 2014 9 Rapidamente, a Igreja se rendeu à tradicional volvimento histórico constante (ELIADE, 1992). O ocupação – a mais exata torre de relógio laica planejamento, baseado no tempo, abriu as portas massivamente integrou a realidade social. Toda para a burocracia e para internalização do controle torre para ser reconhecida como tal deveria estar organizacional (FOUCAULT, 1997). junto a uma igreja e ter um prédio com relógio. Ainda, mesmo no século XIX, segundo De acordo com Bauman (2001), esse Zerubavel (1993), trabalhadores se atentaram para a processo de ganho de poder por meio da falta de liberdade e se rebelaram ante a possibilidade usurpação do controle sobre e por meio dos de um longo confinamento e produção estável. estabelecimentos de horários foi determinante A presença era irregular, trabalhadores podiam na transição da época pré-moderna para a não comparecer no serviço por dias e receber moderna. O controle simétrico dos movimentos seu salário no final de cada semana conforme foi substituído pelo controle simétrico opressivo os baseado em prazos “impessoais”. Não é apenas capitalistas que procuraram mudar os hábitos dos o tempo de controle que muda de localização trabalhadores, tentando forçá-los a uma rotina hierárquica, ele é transformado em processo diária. A contenda entre trabalhadores e patrões objetivado, relacionado com a maquinaria externa. foi violenta e demorada, e somente após muitas dias trabalhados. Foram as organizações restrições severas, incluindo multas de até metade do salário, é que foi obtida uma vitória parcial para os patrões, que puderam, enfim, aplicar horários de trabalho mais rígidos (ZERUBAVEL, 1993). Segundo Morgan (1996), a luta em relação à O relacionamento com o linearização do tempo de trabalho foi o encontro da tempo é, algumas vezes, entre os gerentes até os dias de hoje. De forma al- percebido como a base metáfora máquina-organização, então expandida guma, a ideia de fixar um horário de trabalho regular foi “natural”, nem pertenceu à cultura monocrômica em que se constitui a por muito tempo (MORGAN, 1996). Embora essa humanidade. ciência organizacional, o abismo entre tempos de questão seja pouco debatida no mainstream da trabalho e de não trabalho tem aumentado a partir da diferenciação entre os que obedecem e os que mandam nos horários fixados, e como tal, é dado pela definição que reforça a visão de tempo linear, Mas essa mudança não aconteceu sem protestos, pois qualquer rebelião contra a marcação 10 escamoteando tempos definidos por prazos e metas cada vez mais complexos. do tempo de trabalho estritamente linear era per- Com a multiplicidade do tempo, a questão seguida e sancionada com penalidades, variando da linearidade é ainda muito mais filosófica e de multas até sentença de morte (LE GOFF, 1960). controversa (ADAM, 2001), especialmente nos De fato, a Idade Média e seu crescimento orientado estudos organizacionais, nos quais pode ser útil para a produção teve seu auge no século XVII de considerar o contexto histórico das mudanças forma linear e percepção progressiva do desen- discutidas. Antes de tudo, o relacionamento com o tempo é, algumas vezes, percebido como a base a restabelecer a época do “tempo físico real”, em que se constitui a humanidade (ADAM, 2006). entendido como medida de um relógio mecânico Além disso, é importante também olhar as práticas e promovido por gerentes e seus equivalentes organizacionais na definição do tempo numa desde a Idade Média. Para muitos trabalhadores, análise retrospectiva. a participação em uma organização é uma forma A Revolução Industrial é marcadamente o princípio para a inserção científica do tempo nos modos de produção, ele se torna o principal instrumento de controle utilizado para aumentar a produtividade dos trabalhadores. O tempo de alcançar a imortalidade, para isso, deve aceitar a obsessão terrestre por cronogramas, o qual só parece natural se as pessoas são reduzidas a meros agentes, elementos do sistema eterno ou produtos do trabalho (PAGÈS et al., 1990). de trabalho homogêneo, objetivo, mensurável quantitativamente e mais preciso torna as tarefas mais padronizadas, resultando também na 2 padronização das relações sociais e hegemonização dos outros tempos (GASPARINI, 1996; Organizações Produtivas, Tempo e Relações de Trabalho HASSARD, 2001). É a partir de 1970, porém, que uma nova Embora o tempo tenha acelerado, o processo organização do trabalho começa a se configurar, as burocrático não sofreu grandes mudanças. Se mudanças são consequências de transformações por um lado há novos métodos persuasivos nas nos cenários socioeconômicos e políticos, e tam- relações de trabalho, por outro há a busca por bém devido à expansão do setor tecnológico, prin- padronizações ditadas pela aplicação de normas cipalmente no que concerne ao uso intensivo da e procedimentos visando a chamada qualidade tecnologia da informação. A percepção do tem- total (WOOD, 1995). Exemplifica-se pela busca po passa por mudanças, tornando-se resposta à da certificação ISO 9000, cujas normas rígidas velocidade da informação, o tempo toma forma con- implantadas possuem semelhança aos métodos forme a demanda que, por sua vez, tem caráter de de racionalização clássicos. simultaneidade e instantaneidade (GIDDENS, 1991). Para Vergara e Vieira (2005, p. 111), as organizações globais transpuseram os limites de tempo impostos pelas distâncias e pelas tecnologias da informação disponíveis na era da industrialização mecânica. A revolução da microeletrônica, a partir de A ideia de que a vida está em constante aceleração é muito recente. No ano de 1936, Charlie Chaplin, em sua famosa comédia Tempos Modernos, mostrou como o local de trabalho podia se transformar num pesadelo na vida do trabalhador. O objetivo do aumento do tempo de 1970, cuja rápida evolução chegou aos anos 90 como trabalho não parece ser tão óbvio, se as pessoas alta tecnologia, mudou as noções de tempo-espaço na se mantêm trabalhando mais a produtividade nova economia. deveria ser muito alta, mesmo se todos os esforços se tornassem menos intensivo, porém, Bauman (2001) sugere que o intenso e economicamente não é o caso (JACOBS; GERSON, profundo contato com atores não humanos 2001), muitos trabalhadores enfrentam sérios (computadores) contribui para a quebra da desafios para atender as demandas advindas linearidade temporal. De acordo com esse autor, do trabalho e da família (OLTRAMARI; WEBER; a utilização do tempo de um processador ajuda GRISCI, 2009). Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 6 - 23, jan./jun. 2014 11 As organizações pós-modernas precisaram se adaptar ao novo trabalhador, que se apresenta não mais com sua mão de obra material, mas traz também todo um aparato de conhecimento de difícil mensuração de seu valor. Na visão de Vergara e Vieira (2005, p. 113), a transição do sistema de produção fordista para o de flexibilidade produtiva quebra a rigidez sistêmica das estruturas organizacionais. A complexidade burocrática, vertical e densamente hierarquizada, vai cedendo lugar à movimentação dos fluxos de demandas e decisões no sentido horizontal e mais desburocratizado das ações digitais. Também mudou o relacionamento do trabalhador com a organização, agora ele aparentemente não quer apenas um emprego, ele está em busca de desafios e de reconhecimento, ele quer trabalhar em uma organização que tenha objetivos e regras claras, e não se importa de ser “explorado” desde que seja “recompensado” por isso. As palavras O que predomina é a percepção de que o agravamento da demanda de tempo passa por uma geral aceleração temporal (GIDDENS, 1991). Jacobs e Gerson (1998) demonstraram que a translação da percepção ocorre, em parte, devido às mudanças na distribuição de trabalho dentro das famílias (o provedor não é mais apenas o homem, rendas compartilhadas são comuns, pais solteiros formam uma parte significante da população etc.). Para Lazzarato e Negri (2001), as organizações pós-modernas precisaram se adaptar ao novo trabalhador, que se apresenta não mais com sua mão de obra material, mas traz também todo um aparato de conhecimento de difícil mensuração de seu valor. Se na Modernidade os trabalhadores eram apenas um componente na produção, agora eles são a principal fonte de lucro das organizações. A composição orgânica do capital se modificou, o capitalista não precisa de mais máquinas para aumentar sua produtividade, o trabalhador já tem suas 12 entre aspas possuem significados que podem ser explicados em parte por Pagès et al. (1990), que analisam de forma clara a relação “maternal” entre a organização e o trabalhador, a exploração é reconhecida pelo trabalhador (angústia), mas ao mesmo tempo ele se sente “feliz” de fazer parte de um grupo seleto, que lhe “criou” desde o estágio e lhe mostrou novos desafios e conquistas. As funções assumidas, ainda segundo os estudos de Pagés et al. (2001), são dinâmicas, evitando-se, assim, relacionamentos que possam levar a uma associação com objetivos de reivindicação. Aliás, o esvaziamento dos movimentos reivindicatórios são resultados de políticas que procuram se antecipar às reivindicações. Além disso, há também a mudança no padrão de cobrança de resultados. O trabalhador passa a ter metas, independente de como irá cumpri-las, ou seja, o tempo dedicado ao trabalho não possui mais amarras, o trabalhador está “livre” para trabalhar no horário que quiser (SENNET, 1999). “ferramentas” que, diferente da época pré-moder- A principal função das organizações em- na, não são utilizadas para a cristalização de valor presariais ainda é maximizar o lucro, a burocracia nas mercadorias unitariamente, mas são ferramen- ainda permeia os processos, o que muda é a forma tas potencializadas, que aliadas ao conhecimento e de controle (FARIA, 2004). Para desempenhar criatividade do trabalhador produz demanda base- este papel, existem os executivos que buscam ada no modismo e fidelização dos clientes. estabelecer e executar as normas necessárias para o novas competências por parte dos empregados. Para as regulamento do comportamento dos trabalhadores organizações globais a reestruturação foi um imperativo e manutenção do lucro. Eles são responsáveis por de produtividade e competitividade. estabelecer a harmonia na organização, assegurando a produtividade e diluindo as tensões que Para Virilio (1999), o avanço das TIs significa venham interferir no processo, para isso, utilizam- que o tempo tecnológico está, cada vez mais, -se dos instrumentos de controle disponíveis invadindo o tempo e espaço tanto na dimensão (TRAGTENBERG, 1974; FARIA, 2004). profissional como na vida particular, criando novos A organização burocrática, na sua forma clássica, centralizada, hierárquica e autoritária, foi substituída pelo ideal da organização pós- ritmos, experiências e modos de interação que estão transformando a sociedade. Os exemplos dessa nova configuração estão presentes de várias formas. formatada Por exemplo, o mito da contínua melhoria ba- pela descentralização, utilização das tecnologias seada em apenas um caminho e o desenvolvimento de informação para formação de redes e pela ou a metáfora do trabalho como forma de galgar no- mediação, assim descrita por Pagès et al. (1990). vos postos da carreira estão inseridos nessa forma O trabalho é fruto da cooperação e as escalas de pensamento. A crença em constante progresso hierárquicas são camufladas pela decisão em e a ideia do ciclo de vida da organização são resul- equipes conforme as regras implícitas. Os conflitos tados tangíveis desse processo. Além disso, a popu- presentes na produção fordista dão lugar à laridade dos conceitos, tal como gerenciamento de harmonia total oriunda do papel da organização tempo e produção just in time, mostram uma fixa- dita pós-burocrática. Uma análise mais aprofun- ção intensiva na percepção de tempo linear entre as dada mostra a verdadeira face dessa nova confi- organizações. Nesse sentido, torna-se muito claro guração, a burocracia remodelou a hierarquia e porque a pontualidade, atendimento e conformação escamoteou os mecanismos utilizados no controle, com horários são fatores tão importantes na avalia- o trabalhador se encontra preso voluntariamente, ção do desempenho dos trabalhadores. moderna (CLEGG; HARDY, 1996), sem possibilidade de se emancipar desta nova gaiola de ferro (WEBER, 1999). A ampliação dos mercados e a competição aumentam as demandas de clientes ou consu- Novas formas de controle operacionaliza- midores voláteis, mas bem informados. Esse das, por meio do aporte em tecnologia da infor- contexto coloca o trabalho em primeiro lugar e mação, são utilizadas para fortalecer os sistemas aumenta carga sobre os trabalhadores. Além disso, burocráticos de supervisão (REED, 1996), os a flexibilidade imposta aumenta a responsabilidade quais são desenvolvidos a partir da necessidade e consequentemente aumenta o problema relativo de possibilitar o acompanhamento do trabalha- ao inchaço de horas despendidas no trabalho. A dor, que agora tem mais controle sobre suas ativi- intensificação da produção tornou-se um padrão dades devido à aceleração dos processos de pro- usual, resultando em pressão não somente no local dução. A burocracia se adapta conforme as mais de trabalho, como também no planejamento fora diferentes circunstâncias. dele (OLTRAMARI; WEBER; GRISCI, 2009). Para Neste sentido, Vergara e Vieira (2005, p. 113) destacam que, Rev. enfrentar a forte competição, muitas empresas necessitam ser mais flexíveis, o que é feito com a imposição de horários flexíveis e de delegação de a tecnologia, então, passa a expressar-se nos novos formatos maiores responsabilidades para os trabalhadores. organizacionais, nos fluxos de tarefas e na exigência de Nesse sentido, as empresas requerem mais e mais FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 6 - 23, jan./jun. 2014 13 comprometimento de seus empregados, ao tempo Já com os operários de fábricas, onde há cada que os empregos tornam-se cada vez menos vez mais pressão para maximizar a utilização seguros (MALENFANT; FOUCHER, 2006). de bens de capital, também relatam tempos de O tempo de trabalho mais flexível surgiu como a possibilidade de realizar um trabalho com maior equilíbrio entre a vida e trabalho, em detrimento do caso em que horas de trabalho são fixas sem referência à realidade dos trabalhadores consequentemente, fadiga extrema (RUBERY et al., 2000). A necessidade de maior renda também faz que com os trabalhadores alonguem seu tempo de trabalho. (WEBSTER, 2004). Blair e Wharton (2004) desco- Profissionais de certas áreas têm aumentado briram que mesmo quando os trabalhadores dizem suas jornadas de trabalho com compromissos que estar satisfeitos com a introdução do horário flexível, fogem do seu horário de trabalho, como para isso ainda não possibilita totalmente a recon- atender clientes ou para concluir um trabalho em ciliação entre as responsabilidades profissionais e casa. Nesse caso, o processo de autoexploração familiares. Mesmo quando os trabalhadores usam (self-exploration) seja talvez mais atuante do a jornada de trabalho flexível, eles não conse- que a exploração externa. Isso transparece mais guem aproveitar como deveriam devido às metas claramente nos profissionais da área de TI, na de produção e às regras informais no local de qual eles possuem uma considerável autonomia trabalho, que reduz essa flexibilidade. A cultura quanto à jornada de trabalho e, ao mesmo tempo, organizacional também deve ser levada em conta, sentem pressão para cumprimento de metas, o pois ela usualmente contribui para a valoração do que Lehndorff (1997, p. 23) chama de “flexibilidade comprometimento com o trabalho, disponibilidade ativa por meio da auto-organização”. e eficácia, características do trabalhador padrão (PAGÈS et al., 1990). Para Sennett (1999), o trabalho flexível no ambiente da corporação capitalista corrói o caráter As pessoas gastam mais e mais tempo com pessoal e também as relações de confiança e de o trabalho. Para os trabalhadores do conhecimento, comprometimento que são necessárias na maioria a expectativa temporal não é limitada à média de das interações sociais. Estudos sobre a dinâmica oito horas por dia, diferentemente dos demais do emprego nas organizações contemporâneas trabalhadores tradicionais, ela é muito maior. na Europa, privada e pública, apontam para Tempo de trabalho sem definição baseada em problemas, como insegurança, estresse físico e horários predeterminados são particularmente mental, observadas em certas ocupações e setores, por e corrompido e relações sociais e familiares exemplo, para funções gerenciais (OLTRAMARI; fragmentadas (WEBSTER, 2004). Segundo Castel WEBER; GRISCI, 2009) e profissões na área de (1998), a mudança nas relações de trabalho trouxe engenharia e tecnologia da informação (ADAM, mais angústia para um número cada vez maior de 2006; WIJK, 2006; ZERUBAVEL, 1993). trabalhadores, e está associada principalmente Para esses profissionais, o problema é a grande carga de trabalho devido à demanda dos 14 trabalho maiores do que o de não trabalho e, relacionamento pessoal interrompido com o medo de perder o emprego. Trabalhadores altamente especializados clientes. Porém, o problema também acontece em são mais vulneráveis à crescente pressão por outras áreas do trabalho como os profissionais que performance e inovação na forma de tempo de atuam no setor público, tais como professores, trabalho excessivo, além disso, esses profissionais profissionais da saúde e assistentes sociais. encontram dificuldades em controlar o limite que separa o trabalho da vida pessoal. Essa situação e utilizar técnicas baseadas no taylorismo para au- tem contribuído para o aumento do estresse na mentar a produção, por isso a organização se utiliza última década do século XX nos países da OCDE da artimanha conhecida como gestão por objeti- (ALASOINI, 2001). vos, ou seja, são fixados objetivos que devem ser Os aumentos da carga e da acumulação de trabalho são apontados como as principais razões para o aumento das horas trabalhadas, principalmente naquelas áreas em que os trabalhadores não exercem qualquer controle sobre o tempo (HOGARTH et al., 2000). Outra razão para o aumento da jornada de trabalho informal (não paga) é a necessidade de cumprir prazos, a qual demonstra mais uma vez a falta de controle do tempo por parte dos trabalhadores (HYMAN; SUMMERS, 2004). Na pesquisa desenvolvida por cumpridos pelos trabalhadores em determinado período. O autor também afirma que as organizações procuram desenvolver estratégias como oferecer stock-options na tentativa de transformar a relação assalariada em relação de associação. É uma forma de demonstrar a importância da participação dos trabalhadores nos objetivos da empresa, promovendo um maior comprometimento e, consequentemente, uma maior carga de trabalho. Nesse sentido, Gorz (2005, p, 23) destaca que “a pessoa deve, para si mesma, tornar-se uma empresa; ela deve se tornar, como força de trabalho, um capi- Hogarth et al. (2000), os resultados mostraram tal fixo que exige ser continuamente reproduzido, que entre os trabalhadores em tempo integral, um modernizado, alargado, valorizado.” em cada nove trabalha até 60 horas semanais. Castel (1998) destaca que neste novo conConforme Fracalanza (2003) e Dal Rosso texto, o trabalho assalariado com tempo prede- (1997), para uma dada tecnologia e duração da terminado não pode ser mais considerado uma jornada de trabalho há um grau de intensidade do forma de integração, as organizações estão exigin- trabalho considerado normal. Ocorre que quando o do uma maior fidelidade e consequentemente alongamento extensivo da jornada de trabalho pas- maior disponibilidade no que tange à carga horária sa a ser vedado pelo Estado, os trabalhadores são dedicada ao trabalho. O emprego passa a ser visto solicitados a trabalhar de forma mais intensiva, em como a própria vida para uma grande massa de um ritmo mais acelerado do que aquele socialmente trabalhadores, e eles fazem uma simbiose entre habitual, com o que o número de bens produzidos sua vida e a organização, criando um forte laço amplia-se para a mesma duração da jornada de de dependência do viver para com o trabalho trabalho. O processo de intensificação do trabalho (GAULEJAC, 2007). é resultante do aperfeiçoamento tecnológico, e o trabalhador precisa desenvolver um novo ritmo de produção. A tecnologia desloca o valor do trabalho humano em direção a uma produção tecnológica automatizada, o sujeito se torna um mero dispositivo que utiliza seu corpo a funcionalidades requeridas no sistema tecnológico (VIRILIO, 1999). Como forma de resistência, muitos profissionais de setores que exigem produtos com alta intensidade de conhecimento, como os produtores de trabalho imaterial, estão tendo problemas com seus superiores no que tange ao gerenciamento do tempo (ADAM, 2006). O conflito entre executivos e profissionais sobre prazos e mensuração da qualidade Gorz (2005) contribui para o entendimento do produto é bastante presente em muitos negócios de como o processo de alongamento do tempo de e campos (JACOBS; GERSON, 2001). Se horários são trabalho toma forma: o autor defende que é cada entendidos como a principal ferramenta simbólica vez mais difícil mensurar o desempenho individual (mais do que funcional) de controle, torna-se claro Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 6 - 23, jan./jun. 2014 15 por que os horários muitas vezes não são suficientes de fato ser multivariada, o outro lado da moeda é para atenderem prazos e metas estabelecidas de o enfoque organizacional/gerencial que pode ser cima pra baixo, mas que nem por isso deixam de extremamente controlador. Nesse sentido, ser seguidos. É também quase entendido o porquê de os horários serem tão rejeitados. A dominação gerencial ainda resiste, formal ou informalmente, em muitas ocupações (PRASAD; PRASAD, 2000). os procedimentos informatizados podem também se tornar cruéis, imprimindo sobre os indivíduos formas de controle menos visíveis e, portanto, de grande caráter manipulador e coercitivo, a maior parte dessas A literatura gerencial tradicional e sua visão formas, sem dúvida, proporcionada pelas tecnologias da sobre organizações trazem fortes conotações de informação, ferramentas-chaves das realidades virtuais linearidade (BURRELL, 2003). Esta é uma percepção do mundo que reforça a hierarquia tradicional e mantém a hegemonia do gerencialismo. (VERGARA; VIEIRA, 2005, p. 113). Com o enfraquecimento do modelo de produção baseado nas premissas taylorista/fordista, caracterizado, em grande parte, pelo equilíbrio entre 3 Organizações, Tempo e Informatização a intensificação do trabalho, produtividade e rentabilidade, fortalece-se o modelo baseado na produção flexível que é singularizado pela dependência do trabalho vivo principalmente aos ditames da organização do trabalho, da comunicação e da integração. Enquanto Cronos é o deus do tempo contínuo, Kairos é o deus do tempo oportuno. As organizações estão fadadas a se adaptar às circunstâncias, fruto das estripulias de Kairos, e ninguém escapa a essas adaptações; quem comanda é de um estilo industrial de produção clássico para outro de flexibilidade produtiva”. quem tem domínio sobre o capital, principalmente Para Thompson (1998), a introdução de o capital acumulado, que precisa achar meios de novos meios de comunicação possibilitou novas se reproduzir avidamente. Os trabalhadores se en- formas de ação e interação, aliadas aos novos contram como fantoches, que devem se adaptar, tipos de relacionamentos sociais. Nesse sentido, não devido a Kairos, mas devido à necessidade de o avanço da informatização traz consigo tanto atender o capital, que está à mercê das oportu- novos objetos (ciberespaço, realidade virtual etc.) nidades. A informatização aumenta a velocidade como novos modos de percepção e representação das transações e da quantidade de tarefas a serem (geometria fractal, representações da realidade via cumpridas, os prazos se tornam ferramentas de computador etc.), que por si só requerem novos controle simbólico. O tempo passa a ser relativo, modos de pensamento e cognição (VIRILIO, 1999). aleatório, fruto das condições dadas pela capacidade intelectual e uso da informatização. 16 Segundo Vergara e Vieira (2005, p. 113), “o tempo é uma variável fundamental na mudança A informatização e seu consequente espraiamento oferece novas configurações na vida pessoal Na era da internet, as atividades rotineiras e nas formas de produção. Para Virilio (1999), o estão se tornando mais e mais multitarefa. Muitas avanço das TIs significa que o tempo tecnológico coisas são feitas simultaneamente, enviar um e- está, cada vez mais, invadindo o tempo e espaço na mail, participar de fóruns, bate-papos, tuitar e, oca- dimensão profissional e na vida particular, criando sionalmente, fazer um trabalho acadêmico. Porém, novos ritmos, experiências e modos de interação enquanto a tarefa diária no local de trabalho pode que estão transformando a sociedade. Castells (1999, p. 51) destaca que as novas pela nova economia. Segundo Wijk (2006), a tecnologias da informação são continuamente informatização contribuiu para o fortalecimento aperfeiçoadas devido ao seu uso generalizado, por da estrutura temporal pela disponibilização da isso o autor entende que “as novas tecnologias da informação na infraestrutura. O acesso rápido à informação não são simplesmente ferramentas a informação auxilia na redução do tempo ocioso, serem aplicadas, mas processos a serem desen- aumentando o tempo de reação do sistema. volvidos”. O avanço da TI permite uma aceleração Também contribui para facilitar a coordenação na troca e acesso de informações que antes es- pelo fornecimento de uma plataforma sofisticada tavam apenas em seu campo de abrangência. O do sistema de controle. autor conclui que a atual revolução tecnológica não é devido à centralidade de conhecimento e informação, mas da aplicação para a geração de novos conhecimentos, resultando em um ciclo que se realimenta cumulativamente pela inovação e utilização (CASTELLS, 1999). Nos modelos pós-fordistas predomina a flexibilidade organizacional, aliada ao avanço da TI, no qual a abordagem gerencial passou a ser orientada de forma diferenciada quanto ao que torna as organizações mais eficazes. Surge, dessa forma, um enfoque orientado para o envolvimento, destacan- A capacidade intelectual passa a ser uma do a motivação intrínseca e a capacidade de au- ferramenta essencial da força de trabalho aplicada togerenciamento e controle dos trabalhadores e o à produção. Segundo Srour (1998), a Revolução entendimento de que as pessoas têm ideias impor- Digital é responsável por mudanças nos aspectos tantes sobre como os processos devem funcionar relativos ao trabalho manual e repetitivo, como (CALDWELL, 2005; BOWDITCH; BUONO, 2004). também no trabalho profissional e qualificado, A organização do trabalho passa por transforma- responsável pela execução de rotinas padronizadas ções; se antes era sustentada em cargos isolados, e até no trabalho intelectual que lida com a agora passa a ser feita em atividades baseadas em concepção criativa. Dessa forma, “a qualificação processos, com grupos multifuncionais responsabi- do trabalho passa a ser generalizada, atingindo lizando-se por segmentos ou por processos inteiros todos os trabalhadores envolvidos em processos e assumindo algumas funções de controle (REED, informatizados” (SROUR, 1998, p. 19). 1996). Como resultado, há a descentralização do No contexto atual de trabalho, para atingir processo, a maior agregação do conhecimento dos o pleno potencial de produtividade, o trabalhador trabalhadores, o que viabiliza a participação em de- deve ter certa autonomia. Uma condição que se cisões técnicas e no gerenciamento (SROUR, 1998). reconhece, portanto, é a de que “a tecnologia da informação exige maior liberdade para trabalhadores mais esclarecidos atingirem o pleno potencial da produtividade prometida” (CASTELLS, 1999, p. 63). Neste contexto, a hierarquia tradicional dá lugar a estruturas mais equilibradas e horizontais e o papel gerencial será motivar o comprometimento e o envolvimento dos trabalhadores Destaque-se que Rodrigues y Rodrigues (FARIA, 2004), voltando-se mais para questões (2002), quando caracteriza a vantagem compe- relativas ao seu desenvolvimento, interação e titiva, demonstra que o tempo é variável mais cooperação, receptividade a mudanças e inova- importante na organização produtiva atual. Tempo ções. Os avanços em TIs possibilitaram a criação o qual é fundamental para constante atualização de redes entre organizações produtivas concor- tecnológica, fruto das transformações impostas rentes, que se aliam em caráter temporário para Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 6 - 23, jan./jun. 2014 17 fazer frente a alguma circunstância favorável às do processo. “A comunicação e a cooperação são partes (CASTELLS, 1999). O efeito conjunto des- partes integrantes da natureza do trabalho” (GORZ, sas trocas tem permitido melhor flexibilidade 2005, p. 17), que por meio de uma rede sincroniza- para responder às demandas. Mas esse processo se com os demais em tempo integral para tornar o repercute nas características do trabalho. resultado individual parte do coletivo. Esse processo Em muitos mercados, as regras da com- potencializa os resultados para a organização petência têm evoluído no mesmo sentido em que em detrimento do resultado para a vida social do varia as vantagens competitivas. O tempo de reação trabalhador, que perde a noção de tempo e de às demandas precisa ser o mais rápido possível, as espaço dedicado ao lazer e o tempo dedicado à empresas vivem a necessidade contínua de inovação realização das metas impostas pela organização. (BARBOSA; ZILBER; TOLEDO, 2009). Essa nova Como afirma Gorz (2005, p. 22), “doravante, não nos configuração afeta a criatividade dos trabalhadores, é mais possível saber a partir de quando estamos os conhecimentos e a capacidade de se qualificar, ‘do lado de fora’ do trabalho que somos chamados que se convertem em ativos estratégicos. O trabalho mental substitui a força física e aumenta o valor agregado, fortalecendo-se a completa utilização do trabalho humano nas empresas. As relações de trabalho passam a ser mais flexíveis, influenciadas pela capacitação técnica, pelo nível de produtividade controla e desenvolve meios de potencializar a acumulação flexível, um desses meios é a submissão da subjetividade social aos avanços da TI e de comunicação, que dominam o cenário atual para um e pela capacidade de agregar valor de cada cenário que transgride o tempo de trabalho direto, trabalhador (SROUR, 1998). atingindo o tempo do viver social. Para Gorz (2005), a informatização trouxe nova valoração para as formas de saber como a experiência, o discernimento, a capacidade de coordenação, de auto-organização e de comunicação. Dal Rosso (2008) defende que essa transição traz novas implicações. O uso de tecnologias de informação como computadores e telefones, fixos ou portáteis, que cada vez mais trazem novas possibilidades de interação, tendem a modificar o padrão dos tempos de trabalho e de não trabalho. Como afirma Gorz (2005, p. 21), “o computador aparece como o instrumento universal, universalmente acessível, por meio do qual todos os saberes e todas as atividades podem, em princípio, ser partilhados.” Outra implicação explanada por Dal Rosso (2008) refere-se à porosidade do trabalho, 18 a realizar”. Para Vasapollo (2003), a informatização Neste sentido, Lazzarato e Negri (2001, p. 74) afirmam que atividades ‘culturais, relacionais, informacionais, cognitivas, educativas, ambientais’ e o ‘tempo liberado de trabalho’ que se tornam os ‘objetos’ e os ‘sujeitos’ das novas relações de exploração e de acumulação que a revolução da informação organiza. A informatização resulta em maior ganho de lucratividade e aumento da competitividade das organizações produtivas, mas, por outro lado, traz efeitos nefastos para os trabalhadores, como a desumanização, os impactos psicológicos (depressão, solidão), a redução do nível de emprego, a ansiedade da informação, o estresse, que diminui conforme a utilização de TIs. A gestão as lesões por esforços repetitivos e a exclusão baseada em um fluxo contínuo de informações digital (TURBAN; McLEAN; WETHERBE, 2004). é consequência da informatização da indústria, Em decorrência, encontram-se muitas reações na qual o trabalhador deve estar atento para esse contrárias à tecnologia, inclusive rejeição, seja fluxo, tendo de assumir sua condição como sujeito explícita ou não. Considerações Finais Ao trabalhador sobra cada vez menos tempo de não trabalho, cada minuto é dedicado a resolver ou criar, conforme a demanda da organização. Este artigo teve como objetivo analisar o comportamento organizacional com o avanço da informatização, utilizando como elemento principal o tempo. O tempo organizacional está multifacetado, a sobrevivência depende da destruição paulatina do trabalhador, que sem tempo para viver, vira autômato, refém do sistema informatizado. As organizações passaram por transformações conforme a necessidade de sobrevivência e de acumulação de capital. O tempo entra como uma importante variável para mostrar a lógica de reprodução e manutenção do sistema em que as organizações se proliferam. O trabalhador, enquanto instrumento utilizado na produção de valor, surge como apêndice, refém dos prazos cada vez mais curtos para a realização das tarefas. Cada segundo deve ser dedicado ao trabalho, pois caso contrário não haverá trabalho, ou seja, devido ao medo de perder o emprego ou a promoção, o trabalhador se dedica totalmente aos ditames do tempo controlado pelas organizações. A informatização acelerada a partir do final do século XX foi fruto das necessidades de adaptação às demandas de mercado. Sua utilização foi generalizada para todos os processos organizacionais, tornando-se imprescindível para a manutenção da competitividade. O tempo passa a ser mais acelerado, decisões são tomadas instantaneamente e afetam todos os envolvidos que • Recebido em: 16/08/2012 • Aprovado em: 01/07/2013 precisam se adaptar para sobreviver ao trabalho. O tempo cronológico e linear é substituído por momentos kairóticos, no qual há diversas situações acontecendo e afetando o mesmo evento o tempo todo. Não há mais uma divisão clara de horários preestabelecidos entre trabalho e não trabalho. As organizações atuam sem tempo de descanso, é preciso vencer todas as etapas a todo o momento. Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 6 - 23, jan./jun. 2014 19 Referências ADAM, B. The multiplicity of times: contributions from the tutzing time ecology project. Time and Society, London, v. 10, n. 2, p. 349-50, Mar. 2001. ______. Time. Time and Society, London, v. 23, n. 3 p. 119-38, Feb. 2006. ALASOINI, T. Challenges of work organization development in the knowledge-based economy. DG Employment & Social Affairs, v. 6, n. 2, Brussels, 2001. BARBOSA, C. A; ZILBER, M. A; TOLEDO, L. A. A aliança estratégica como fator de vantagens competitivas em empresas de TI – um estudo exploratório. 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FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 6 - 23, jan./jun. 2014 23 Governança corporativa: análise em uma cooperativa de crédito rural com interação solidária v. 15, n. 2, p. 4 - 25, jul./dez. 2012 Corporate governance: analysis in a rural credit cooperative with partnership interaction Revista d a FAE 24 Governança corporativa: análise em uma cooperativa de crédito rural com interação solidária Corporate governance: analysis in a rural credit cooperative with partnership interaction Gilmar Ribeiro de Mello1 Silvania Pizzatto Schiavini2 Resumo Este estudo tem como tema a Governança Corporativa nas cooperativas de crédito rural, delimitado na atuação dos Conselhos Administrativos, Fiscal, Diretoria Executiva e Colaboradores quanto ao desempenho de suas funções por meio das boas práticas de Governança. Questiona se os diretores, colaboradores e conselheiros fiscais, da Cresol Coronel Vivida, Paraná, detêm suficiente conhecimento sobre as boas práticas de governança a fim de cumprir com suas responsabilidades perante o quadro social e investiga o seu nível de conhecimento. A pesquisa foi feita com vinte e três funcionários da cooperativa, com entrevistas individuais, em março de 2012. Os resultados indicam um nível de conhecimento das funções a serem desempenhadas em cada setor da cooperativa de 52,38%, por parte dos diretores; de 51,00%, pelos conselheiros e de 38,93%, por parte dos funcionários. Palavras-chave: Governança Corporativa. Conselho Administrativo. Cresol. Abstract This study is subject to Corporate Governance in rural credit cooperatives, bounded in the performance of Boards of Directors, Fiscal Executive Directors and employees regarding the performance of its functions through good governance practices. Questions whether the directors, employees and Fiscal Council of Cresol Coronel Vivida, Paraná, hold enough knowledge on good governance practices in order to fulfill their responsibilities to the social context and investigates their level of knowledge. Displays field research with twenty three employees of the cooperative, with individual interviews in March 2012. The results indicate a level of knowledge of the functions to be performed in each sector of the cooperative of 52.38% by the directors; 51.00%, the counselors, and 38.93%, for the employees. Keywords: Corporate Governance. Board. Cresol. 1 Doutor em Ciências Contábeis pela FEA/USP. Professor Adjunto do Centro de Ciências Sociais Aplicadas e do Mestrado em Gestão e Desenvolvimento Regional, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste, Campus de Francisco Beltrão. E-mail: [email protected]. 2 Especialista em Gestão do Cooperativismo Solidário, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste, Campus de Francisco Beltrão. E-mail: [email protected]. Rev. FAE, Cu r it iba, v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 2014 25 Introdução Na história da sociedade, a economia sempre Com um grande potencial na comercialização configurou como seria a estrutura da sociedade, de produtos e prestação de serviços, as cooperativas seja feudal, manufatura ou o capitalismo, de base de crédito rural atuam como agentes financeiros de trocas ou de compra. Assim, entende-se que a locais que buscam desenvolvimento sustentável e a sociedade está sempre regida pela organização permanência do agricultor no campo com qualidade de base estrutural econômica e de relações de vida e sustentabilidade financeira. interpessoais (MARTINEZ FANDIÑO et al., 2007). Nesse contexto, apresenta-se o tema Go- O sistema financeiro é um dos segmentos vernança Corporativa nas cooperativas de crédito mais globalizados no mundo e as cooperativas rural e, diante da necessidade de aprimorar o de crédito fazem parte desse sistema capitalista, conhecimento, o estudo é direcionado a um en- em que a mais valia é meta principal para tantas foque específico, seja a atuação dos Conselhos instituições. Os sistemas de crédito com economia Administrativos, Fiscal, Diretoria Executiva e Cola- solidária fazem parte de um cenário nacional boradores quanto ao desempenho de suas funções desde 1980 e, atualmente, apresentam um acele- por meio das boas práticas de governança. rado crescimento devido a sua atuação social diante das populações de menor poder aquisitivo, empreendedores de pequeno porte e agricultores familiares. Este último, objeto da pesquisa e que tem como necessidade superar problemas de acesso ao crédito, serviços bancários e microfinanças (PRAXEDES, 2009). A instituição de melhores práticas de Governança Corporativa pelo Instituto Brasileiro Governança Corporativa (IBGC) e pelo Banco Central do Brasil (BCB), objetiva proteger os sócios das corporações dos malefícios que alguns administradores podem causar, tais como a falta de ética, a conivência e a irresponsabilidade. Tendo como base este propósito, é questionado se os diretores, os funcionários e os conselheiros fiscais detêm suficiente conhecimento Os sistemas de crédito com economia solidária apresentam um acelerado crescimento devido a sua atuação social diante das populações de menor poder aquisitivo, empreendedores de pequeno porte e agricultores familiares. 26 sobre as boas práticas de governança a fim de cumprir com suas responsabilidades perante o quadro social. Buscando respostas a isso, este artigo pretende verificar o nível de conhecimento dos diretores, funcionários e conselheiros fiscais da cooperativa sobre as funções do Conselho Administrativo, da Diretoria Executiva e do Conselho Fiscal. De modo específico, apresentam-se descrições sobre as funções dos setores da cooperativa e investiga-se o conhecimento das mesmas por parte dos funcionários. 1 Revisão de Literatura 1.1 Conceitos Sobre Governança Corporativa O tema Governança Corporativa traz conceitos sobre o papel da Governança no interior das organizações, demonstrando que por meio de princípios e boas práticas é possível criar um ambiente participativo, descentralizado, com atuação horizontal, garantindo a viabilidade econômica e financeira da cooperativa. Várias são as definições sobre o tema Go-vernança Corporativa. Segundo publicação do IBGC, entende-se que: Governança Corporativa é o sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre proprietários, Conselho de Administração, Diretoria e órgãos de controle. As boas práticas de Governança Corporativa convertem princípios em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para sua longevidade (IBGC, 2009, p. 19). A Comissão de Valores Mobiliários (CVM, 2002, p. 1) define o termo como “o conjunto de práticas que tem por finalidade otimizar o desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais como investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital”. Andrade (2007) conceitua as diversas dimensões da Governança Corporativa, sintetizando-as em 7 Ps, conforme dados no QUADRO 1. QUADRO 1 – Conceito das dimensões de governança corporativa Ps Dimensão P1 Propriedade P2 Princípios P3 Propósitos P4 Poder P5 Processos P6 Práticas P7 Conceito Refere-se à pulverização da propriedade e a proliferação de sociedades anônimas negociadas em bolsas de valores. Base da ética da governança, são universais e estão presentes nos códigos de boas práticas. Auxiliam a contribuir para o máximo retorno total dos investidores. A estrutura de poder é definida pelos proprietários, separando em funções e responsabilidades dos Conselhos e Executivos. Perenidade Definem relações funcionais entre Conselhos de Administração, Direção Executiva e sistema de auditoria, homologando e monitorando as estratégias corporativas. Referem-se à gestão do conflito de agência, riscos de desvio de conduta a idoneidade dos gestores. Define o que é a continuidade do negócio e sua permanência saudável na cadeia de negócios. FONTE: Andrade (2007) Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 2014 27 a ética (ethics), proporcionará ao investidor uma maior 1.2 Modelos de Governança Corporativa segurança, a qual repercutirá na garantia de retornos aos investimentos efetuados e uma menor percepção de risco, tendo em vista que a incerteza atrelada ao investi- Segundo Andrade (2007), a literatura acadêmica identifica quatro modelos de Governança Corporativa: — — — — mento figura-se menor. Os sistemas de cooperativas de crédito Cresol não são diferentes dos conceitos anterior- modelo financeiro, focado no retorno mente citados: também devem cumprir normas e financeiro dos investidores; segmentos elaborados pelo BC, onde os princípios modelo dos públicos relevantes basilares, como transparência, equidade e ética, (stakeholders), que preconiza a res- serão os principais pilares para se desenvolver as ponsabilidade social; melhores práticas de Governança. Contudo, deve-se modelo político, cuja ênfase é a pensar na construção de diretrizes de boas práti- questão institucional; cas de Governança para qualquer setor ou grupo modelo de procuradoria, que valoriza de organizações, observando suas características o poder de os gerentes gerarem próprias, nas suas forças e fraquezas, nas relações valores tangíveis e intangíveis. entre cooperados e diretores e funcionários. Cada um desses modelos enfatiza com maior rigor algumas características da Governança Corporativa, sem, contudo, deixar de lado variáveis destacadas nos outros. No caso deste estudo o 1.3 Governança Corporativa em Cooperativas de Crédito foco é no modelo dos públicos relevantes. Segundo Steinberg (2003, p. 18 apud Observando a crise ocorrida nos grandes MACEDO; MELLO; TAVARES FILHO, 2006, p. 4), mercados mundiais, verifica-se o agravamento ao se referir à redução de riscos e aumento na como consequência da fragilidade na construção de transparência da gestão: processos e procedimentos de análises e avaliações É um engano imaginar que praticar boa governança de riscos e a tomada de decisões. Também implica quase somente acatar regulamentos. Governança podem ser identificados fatores que mostram tem tudo a ver também com qualidade da atitude e problemas na condução da boa governança, como escala de valores no mais puro sentido humano. Daí pouca participação efetiva dos conselheiros no alguns considerarem que a boa governança depende de monitoramento da gestão financeira e demais ações. alinhar o pensamento entre acionistas, controladores e stakeholders. A percepção deste quadro pelo Banco Central do Brasil promoveu a instituição do projeto Além disso, afirmam Macedo, Mello e Tavares Filho (2006, p. 4), que: Governança Cooperativa, cujo objetivo foi “estimular e induzir as cooperativas de crédito brasileiras a adotarem boas práticas de governança”, desen- A governança corporativa, ao buscar atingir seus objetivos, tendo como princípios basilares: a transparência (disclosure); a equidade (fairness); a prestação de contas (accountability); o cumprimento das leis (compliance); e 28 volvendo-se paralelo ao incentivo acerca da temática governança aplicada ao campo corporativo (VENTURA; FONTES FILHO; SOARES, 2009, p. 11). Segundo Pinheiro (2008, p. 7), as cooperativas de crédito, São instituições financeiras constituídas sob a forma de sociedade cooperativa, tendo por objeto a prestação de serviços financeiros aos associados, como concessão de crédito, captação de depósitos à vista e a prazo, cheques, prestação de serviços de cobrança, de custódia, de recebimentos e pagamentos por conta de terceiros sob convênio com instituições financeiras públicas e privadas e de correspondente no País, além de outras operações específicas e atribuições estabelecidas na legislação em vigor. Grande parte das cooperativas atuais foi constituída na década de 1990, em razão da estabilidade vivida pela economia nacional e com o respaldo Dar formação cooperativista ao quadro social contribui para preparar futuros administradores e conselheiros ficais qualificados para planejar corretamente, buscar o autodesenvolvimento e dar continuidade às ações institucionais. do marco legal. A redução nas taxas inflacionárias e a queda das receitas com flutuação permitiu a reestruturação do modelo de negócios das instituições bancárias, número de profissionais ideal, dificuldade de convergências diante das diferentes otimização da quantidade e localização geográfica percepções e pontos de vista. de seus pontos de atendimento, com abertura ampla de espaço para crescimento das cooperativas de crédito (SOARES; BALLIANA, 2009). Soares e Balliana (2009, p. 28) indicam a utilização das práticas de governança como elemento de controle organizacional e a necessidade Em sua atuação, no ano de 2006, o coope- de que todos os atores envolvidos participem de rativismo de crédito no Brasil respondia por 2,26% modo efetivo na fiscalização e no acompanhamento das operações de crédito realizadas no âmbito dos atos de gestão dos dirigentes executivos. Os da área bancária do Sistema Financeiro Nacional, autores referem que, de janeiro de 2005 a março de atendendo a mais de três milhões de pessoas 2008, “dos 38 processos administrativos punitivos (PINHEIRO, 2008). instaurados pelo Banco Central contra cooperativas As instituições que compõem os sistemas financeiros nacionais têm a recomendação do de crédito, todos continham a ‘má gestão’ como item de acusação”. Comitê de Supervisão Bancária da Basileia, órgão Para tanto, a adoção de padrões de gover- que congrega autoridades de supervisão bancária nança corporativa pelas cooperativas de crédito e presidentes dos bancos centrais de países se torna primordial, considerando a perspectiva desenvolvidos, de utilizar princípios essenciais para de expansão deste setor no país e entendendo a uma supervisão bancária eficaz (BRASIL, 2009). complexidade das relações contratuais existentes Além disso, a complexidade das relações contratuais entre os agentes que compõe uma sociedade cooperativa, seja do quadro de associados, do Conselho de Administração, do Conselho Fiscal ou do quadro de administradores, sugere a Rev. FA E , C uritiba, neste ambiente institucional. Esses padrões de governança viriam ao encontro das necessidades de estabelecimento de regras e valores norteadores das ações organizacionais, para minimizar o efeito dos conflitos existentes entre os interesses v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 2014 29 individuais – originários da atividade exercida eficácia possível, garantindo a competitividade da por cada cooperado (associado/cotista) – e os organização e a segurança dos proprietários. interesses da organização (OLIVEIRA, 2004). A educação é peça chave nesse contexto, em que dar formação cooperativista ao quadro social contribui para preparar futuros administradores 1.4 Atribuições dos Conselhos Administrativo, Fiscal e Diretoria Executiva e conselheiros ficais qualificados para planejar corretamente, buscar o autodesenvolvimento e dar continuidade as ações institucionais. É de suma importância a renovação dos membros dos 1.4.1 Funções do Conselho Administrativo Conselhos de Administração e Fiscal estimulando a criação de novas lideranças. Definindo-se, primeiramente, o Conselho Na FIG. 1, a seguir, pode-se observar como o Administrativo, segundo o IBGC (2009, p. 29), trata- Banco Central apresenta a estrutura de gestão nas se do “Guardião do objeto social e do sistema de cooperativas de crédito. governança. É ele que decide os rumos do negócio, conforme o melhor interesse da organização”. FIGURA 1 – Governança das organizações Ao Conselho de Administração é delegada a missão de proteger e valorizar a organização, promovendo a otimização do retorno do investimento no longo prazo e de equilibrar os anseios das partes interessadas, quais sejam, aqueles que detêm ações ou quotas de determinada organização e Conselho de demais pessoas, entidades ou sistemas que afetam Admistração ou são afetados pelas atividades de determinada organização (IBGC, 2009). A competência do Conselho de Administração da Governança Corporativa é determinada pelo conteúdo do art. 142, da Lei nº 6.404, de 15 de Áreas funcionais e operações dezembro de 1976, na íntegra: Art. 142. Compete ao Conselho de Administração: I – fixar a orientação geral dos negócios da companhia; II – eleger e destituir os diretores da companhia e fixar-lhes as atribuições, observado o que a respeito dispuser o estatuto; III – fiscalizar a gestão dos diretores, examinar, a qualquer 30 Na FIG. 1, pode-se observar como a diretoria tempo, os livros e papéis da companhia, solicitar executiva está interligando as estruturas operacionais informações sobre contratos celebrados ou em via de e administrativas. O corpo executivo é peça-chave; celebração, e quaisquer outros atos; ele implementa as ações que os cooperados IV – convocar a assembleia-geral quando julgar conveni- tomaram em assembleia com a maior eficiência e ente, ou no caso do artigo 132; V – manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da diretoria; VI – manifestar-se previamente sobre atos ou contratos, quando o estatuto assim o exigir; e no mundo – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); o Bank for International Settlementes (BIS); o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC); e VII – deliberar, quando autorizado pelo estatuto, sobre a emissão de ações ou de bônus de subscrição; a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), sobre modelos e códigos de melhores práticas de gover- VIII – autorizar, se o estatuto não dispuser em contrário, a alienação de bens do ativo não circulante, a constituição de ônus reais e a prestação de garantias a obrigações de terceiros; nança – com o objetivo de identificar tendências em diferentes contextos, para servir de fundamento para análise nas cooperativas. IX – escolher e destituir os auditores independentes, se De acordo com o Banco Central do Brasil, as houver. § 1º Serão arquivadas no registro do comércio e recomendações são as seguintes: publicadas as atas das reuniões do Conselho de — Administração que contiverem deliberação destinada a o IBGC recomenda que as atribuições do presidente do conselho de adminis- produzir efeitos perante terceiros. tração sejam diversas daquelas do ex- § 2º A escolha e a destituição do auditor independente ecutivo principal, evitando a concen- ficará sujeita a veto, devidamente fundamentado, dos tração conselheiros eleitos na forma do art. 141, § 4º, se houver de poder em prejuízo da supervisão adequada da gestão; (BRASIL, 1976). — Citada pelo Banco Central (BRASIL, 2009, a CVM recomenda que o Conselho de Administração atue na proteção do p. 44), a avaliação realizada por Hung (1998) sobre patrimônio da companhia, buscando quais papéis cabe ao Conselho de Administração a consecução de seu objeto social e desempenhar, sintetizando-os em seis papéis oriente a Diretoria, de modo a maxi- distintos: ligação, coordenação, controle, estra- mizar o retorno do investimento e tégia, conformidade e apoio. agregando valor ao empreendimento; Com base na avaliação e sugestões de Hung — (1998), Cornforth (2004) analisou os paradoxos o BIS recomenda que o Conselho de Administração aprove a estratégia geral do da utilização desses papéis e seu desempenho banco, supervisione a Diretoria Executiva pelo Conselho de Administração na Governança na implementação das estratégias e avalie Corporativa, afirmando a presença de uma pers- o desempenho da gestão; pectiva democrática no papel e nas práticas de tais conselhos, considerando que os seus membros — são eleitos pelos associados (BRASIL, 2009). a OCDE recomenda que a Governança Corporativa das sociedades assegure a gestão estratégica da empresa, o acompanhamento e a fiscalização efi- 1.4.2 Funções da Diretoria Executiva cazes da gestão, via órgão de administração, bem como a responsabiliza diante da empresa e de seus acionistas. Para explicitar as funções da diretoria (BRASIL, 2009) executiva, Brasil (2009, p. 50) informa sobre a convergência a qual chegaram estudos realizados por diferentes organizações no Brasil Rev. FA E , C uritiba, A intenção comum é que Conselho de Administração e Diretoria Executiva exerçam diferentes atribuições, cabendo-lhe composição e v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 2014 31 funções específicas, a fim de minimizar conflitos de Art. 163. Compete ao Conselho Fiscal: interesse e que sejam atribuídas responsabilidades I - fiscalizar, por qualquer de seus membros, os atos dos singulares para a condução dos negócios corpo- administradores e verificar o cumprimento dos seus rativos (BRASIL, 2009). deveres legais e estatutários (Redação dada pela Lei nº Na Lei nº 6.404/1974, Seção IV, Deveres 10.303, de 2001); e Responsabilidades, os artigos 153 a 158 com- II - opinar sobre o relatório anual da administração, fa- preendem as funções da Diretoria Executiva, des- zendo constar do seu parecer às informações comple- tacando-se dever de diligência; finalidade das atribuições e desvio de poder; dever de lealdade; mentares que julgar necessárias ou úteis à deliberação da Assembleia Geral; conflito de interesses; dever de informar; respon- III - opinar sobre as propostas dos órgãos da adminis- sabilidade dos administradores (BRASIL, 1976). tração, a serem submetidas à Assembleia Geral, relativas a modificação do capital social, emissão de debêntures Segundo o IBGC (2009), compete ao ou bônus de subscrição, planos de investimento ou orça- diretor-presidente garantir que sejam prestadas aos mentos de capital, distribuição de dividendos, transfor- stakeholders as informações de seu interesse, bem mação, incorporação, fusão ou cisão; como daquelas obrigatórias por lei ou regulamento, IV - denunciar, por qualquer de seus membros, aos tão logo estejam disponíveis. A comunicação deve órgãos de administração e, se estes não tomarem as primar pela clareza, prevalecendo a substância sobre providências necessárias para a proteção dos interesses a forma, mediante busca pela Diretoria de uma da companhia, à Assembleia Geral, os erros, fraudes ou linguagem acessível ao público-alvo em questão. crimes que descobrirem, e sugerir providências úteis à companhia (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001); 1.4.3 Funções do Conselho Fiscal V - convocar a Assembleia Geral ordinária, se os órgãos da administração retardarem por mais de 1 (um) mês essa convocação, e a extraordinária, sempre que ocorrerem motivos graves ou urgentes, incluindo na agenda das as- De acordo com Tosini e Bastos (2009), o Conselho Fiscal é subordinado apenas à Assembleia Geral e é totalmente independente do Conselho Administrativo e Diretoria Executiva, não sendo um órgão que se atém somente a assuntos de natureza contábil, como balanços e demonstrações. É função do Conselho Fiscal: “fiscalizar os sembleias as matérias que considerarem necessárias; VI - analisar, ao menos trimestralmente, o balancete e demais demonstrações financeiras elaboradas periodicamente pela companhia; VII - examinar as demonstrações financeiras do exercício social e sobre elas opinar; VIII - exercer essas atribuições, durante a liquidação, atos dos administradores e verificar o cumprimen- tendo em vista as disposições especiais que a regulam to de seus deveres legais e estatutários”. São com- (BRASIL, 1976). preendidos como atos dos administradores todos os atos de gestão praticados pelo administrador, Constam no Código das melhores práticas delegação de autoridade e de qualquer emprega- de Governança Corporativa os mesmos itens do do da cooperativa (TOSINI; BASTOS, 2009, p. 163). artigo citado, em que o Conselho Fiscal deve ser As funções do Conselho Fiscal da Governança Corporativa constam na Lei nº 6.404/1976, art. 163, com o seguinte teor: 32 visto como um controle independente para os sócios com o propósito de agregar valor para a organização, salientando que os conselheiros fiscais possuem poder de atuação individual, mesmo o órgão sendo colegiado (IBGC, 2009). Quanto maior for o campo de fiscalização do Conselho Fiscal, melhor atenderá às responsabilidades legais que lhe são impostas, que responde em caso de má conduta, conforme disposto no Art. A visão consiste em “Crescer juntamente com nosso quadro social para que possamos atender o maior número de famílias agricultoras, oferecendo crédito e acesso a serviços financeiros na busca do desenvolvimento social” (CRESOL, 2012, p. 1). 1.070 do Código Civil: “As atribuições e poderes Quanto aos valores, define-os na excelên- conferidos pela lei ao Conselho Fiscal não podem cia, ética, honestidade, transparência e responsa- ser outorgados a outro órgão da sociedade, e a res- bilidade social. Seus princípios incluem a interação ponsabilidade de seus membros obedece à regra solidária, formação, capacitação e organização que define a dos administradores” (BRASIL, 2002). dos associados, descentralização das decisões, crescimento horizontal, democratização e profissionalização do crédito, desenvolvimento social e 1.5 Cresol: Características e Evolução As cooperativas foram criadas a partir do sustentabilidade (CRESOL, 2012, p. 1). 1.5.1 Histórico da Cresol Coronel Vivida Fundo de Crédito Rotativo (FCR), financiado pela cooperação internacional (Misereor), na década de A Cresol Coronel Vivida foi constituída em 1980 e início de 1990, no Sudoeste do Paraná, por um conselho de entidades populares da região. O Sistema Cresol de Cooperativas de Crédito Rural com Interação Solidária advém da luta dos agricultores familiares por acesso ao crédito e por uma vida digna e sustentável no campo. 27 de julho de 1997. Por meio de encontros, debates coordenados pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais e a Secretaria Municipal de Agricultura, alguns agricultores se reuniram para discutir a criação de uma cooperativa de crédito. Atua mediante estruturas descentralizadas, com Somente após a aprovação do Banco Central, forma de rede e unidades pequenas, articuladas iniciou suas atividades em 2 de janeiro de 1998, entre si e com a comunidade local e sob a forma com 20 associados fundadores e destes já foram de interação solidária, de modo que mesmo escolhidos para representarem a primeira chapa do sendo independentes e possuindo suas próprias conselho de administração, que foram eleitos para os regras de conduta, as cooperativas são solidárias três primeiros anos, tendo como principal objetivo: entre si, auxiliando-se mutuamente, com apoio Propiciar, através da mutualidade, assistência financeira financeiro, técnico e social, confirmando a ideia de aos associados em suas necessidades pessoais e responsabilidade compartilhada entre cooperados atividades específicas, com finalidade de melhoria e dirigentes, que devem acompanhar e ter controle de condições de vida sua e de sua família e fomentar sobre seu funcionamento (CRESOL, 2012). a produção e a produtividade rural, bem como sua circulação e industrialização (CRESOL, 2005, p. 1). A Cresol define como missão “promover a inclusão social da Agricultura Familiar por meio do acesso ao crédito, da poupança e da apropriação do conhecimento, visando o desenvolvimento local e a sustentabilidade institucional” (CRESOL, 2012, p. 1). Rev. FA E , C uritiba, Conforme o primeiro Regimento Interno, redigido em 1998, para exercer cargo de administração na cooperativa é preciso ser agricultor v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 2014 33 ou filho de agricultor, cumprir as normas estatu- de Pato Branco e Mariópolis com 1.850 associados tárias e regimentares. Ela será administrada por no total, e um patrimônio de quatro milhões de reais. um presidente, um vice-presidente, um secretário e por três conselheiros, que poderão permanecer durante três anos, sendo obrigatória a renovação 2 Metodologia de no mínimo um terço de seus componentes a cada eleição, não podendo ser parentes entre si até segundo grau em linha direta ou colateral. Segundo o Regimento Interno de 2008 da cooperativa, Cap. IV, Art. 10 - A Cresol não terá executivos contratados ou mandatários por procuração, sendo esta uma atribuição dos diretores eleitos em assembleias, portanto, autorizados a responder pela cooperativa dentro do que determina a lei, o estatuto e este regimento. O Art. 11 - Os diretores executivos liberados podem ser: o presidente, o vice-presidente, o secretário, ou outro membro eleito na assembleia para compor o conselho de administração. O Art. 12 - Cabe ao conselho de Administração aprovar a liberação dos diretores executivos, bem como definir detalhadamente um plano de metas e responsabilidades de cada diretor executivo liberado. Os primeiros dois mandatos do conselho de administração foram eleitos por meio de chapas pré-definidas, em 2003 foram escolhidos 20 nomes que se adequavam às exigências estatutárias e os mais votados, de ordem do maior para o menor, preencheram os cargos de presidente, vice-presidente, secretário e demais conselheiros. De 2003 em diante, as chapas foram montadas previamente por meio das pré-assembleias realizadas nas comunidades do interior, pois a sucessão de cargos se faz necessária para a preparação dos membros que irão participar do conselho. A atual presidente da cooperativa está no cargo a dois mandatos, é formada no curso de Bacharel em Administração Rural e Especialização em Desenvolvimento Rural, administra a cooperativa de Coronel Vivida e os Postos de Atendimento 34 Como procedimento metodológico, definiu-se a pesquisa exploratória, que tem como objetivo, “desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses mais pesquisáveis para estudos posteriores” (GIL, 1999, p. 43). Com a sua realização, a pesquisa exploratória permite ao pesquisador conhecer novas fontes de informação, que podem ser encontradas por meio de levantamento bibliográfico e entrevistas com profissionais que atuam na área do estudo (SANTOS, 2000). Foi realizada pesquisa de campo junto aos vinte e três funcionários da Cresol Coronel Vivida, sendo 3 diretores, 9 conselheiros e 11 funcionários. Como instrumento de coleta de dados foi utilizado um questionário de perguntas fechadas de múltipla escolha, extraídas da Lei nº 6.404/1976, do BC (2009, p. 50) e do IBGC (2009), os quais regulamentam as funções dos Conselhos e Diretoria Executiva, com coleta de dados realizada em março de 2012. Os dados coletados foram ordenados e processados e são apresentados em forma de gráficos e tabelas, com consequente interpretação dos resultados. 3 Apresentação e Análise dos Resultados Na TAB. 3, destacam-se as características dos entrevistados quanto ao sexo, sendo 13 femininos e 10 masculinos. TABELA 3 – Características dos entrevistados quanto Quanto aos cargos dos entrevistados, são ao sexo citados na TAB. 1. Sexo TABELA 1 – Cargo dos entrevistados Cargos Quantidade Feminino 13 Masculino 10 Quantidade Diretor presidente 1 Diretor secretário 1 Vice-presidente 1 Conselheiros 9 Analista de crédito 4 Técnico agrícola 1 Caixa 3 Caixa de PAC 1 Caixa operacional 1 Analista de produtos e serviços 1 Com maior incidência para a faixa etária entre 36 a 45 anos (11), seguida de 26 a 35 anos (6) e dentre 18 e 25 anos (5). TABELA 4 – Características dos entrevistados quanto à faixa etária Faixa Etária Quantidade De 18 a 25 anos 5 De 26 a 35 anos 6 De 36 a 45 anos 11 De 46 a 55 anos 1 O estado civil dos entrevistados é apresentado em sua incidência na TAB. 5, sendo que a maioria Conforme os dados da TAB. 1, são 3 os cargos de direção, 9 os cargos de conselheiros e dos entrevistados é casada, com 16 respostas; 5 são solteiros; 2 não responderam à questão. 11 os cargos de funcionários, sendo que 4 deles atuam como analistas de crédito, 1 técnico agrícola, TABELA 5 – Características dos entrevistados quanto ao 3 caixas, 1 caixa de PAC, 1 caixa operacional e 1 estado civil analista de produtos e serviços. O tempo médio de atuação dos entrevistados é apresentado na TAB. 2. TABELA 2 – Tempo médio de cargo dos entrevistados Cargos 8,6 Conselheiros 5,2 Funcionários 3,5 FA E , Quantidade Casado 16 Solteiro 5 Sem resposta 2 Tempo (média em anos) Diretoria Rev. Estado civil C uritiba, v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 2014 35 Quanto à formação (TAB. 6), a maioria dos entrevistados é graduada, embora ainda tenha um número significativo de respostas citando o ensino médio; do total de entrevistas, 7 não responderam a questão. TABELA 6 – Características dos entrevistados quanto à formação Formação Escolar Ensino Médio Quantidade 6 Superior 7 Pós-graduado 3 Sem resposta 7 Das diversas funções elencadas no questionário, buscou-se saber dos entrevistados quais são as competências de cada setor da cooperativa de crédito. Na apresentação dos resultados, relacionam-se as funções específicas de cada setor e as incidências das respostas obtidas. Assim, para as funções do Conselho Administrativo, os dados são mostrados na TAB. 7. TABELA 7 – Respostas sobre a função do Conselho Administrativo Respostas dos diretores Respostas dos conselheiros Respostas dos funcionários Autorizar a prestação de garantias a obrigações de terceiros. 2 7 3 Manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da diretoria. 2 5 6 Proteger e valorizar a cooperativa. 3 8 8 Autorizar a alienação de bens do ativo não circulante. 1 6 1 Promover a otimização do retorno do investimento no longo prazo. 1 4 1 Equilibrar os anseios das partes interessadas. 1 2 1 Escolher e destituir os auditores independentes. 0 3 3 Fixar a orientação geral dos negócios da cooperativa. 1 6 0 Fiscalizar a gestão dos diretores. 0 0 5 Eleger e destituir os diretores da cooperativa e fixar-lhes as atribuições. 2 3 6 Examinar, a qualquer tempo, os livros e papéis da cooperativa. 0 4 3 Autorizar a constituição de ônus reais. 2 1 0 Deliberar, sobre a emissão de ações ou de bônus de subscrição. 1 2 3 Manifestar-se previamente sobre atos ou contratos. 1 2 1 Convocar a assembleia geral quando conveniente. 1 2 7 Solicitar informações sobre contratos celebrados ou em via de celebração. 2 2 2 Exercer os papéis de ligação, coordenação, controle, estratégia, conformidade e apoio. 0 3 7 Total de respostas 20 60 57 Funções do Conselho Administrativo 36 Para a análise dos resultados, retoma-se o objetivo do estudo de verificar o nível de conhecimento dos diretores, funcionários e conselheiros fiscais da cooperativa sobre as funções do Conselho Administrativo, da Diretoria Executiva e do Conselho Fiscal, dispostas no Art. 142 da Lei nº 6.404/1976 as funções do Conselho Administrativo. Dos diretores a questão recebeu 37 respostas assinaladas, sendo 20 respostas corretas e 17 respostas incorretas. Evidencia-se, portanto, um nível de conhecimento de 54,05%. Dos conselheiros a questão recebeu 132 respostas assinaladas, sendo 60 respostas corretas e 72 incorretas; o nível de conhecimento situa-se em 45,45%. Dos funcionários a questão recebeu 128 respostas, sendo 57 respostas corretas e 71 incorretas, de modo que o nível de conhecimento situa-se em 44,53%. Para as funções da Diretoria Executiva, os dados obtidos são mostrados na TAB. 8. TABELA 8 – Respostas sobre a função da Diretoria Executiva Respostas dos diretores Respostas dos conselheiros Respostas dos funcionários Dever de diligência. 1 5 2 Dever de finalidade das atribuições. 2 7 7 Responsabilidade quanto ao desvio de poder. 0 3 5 Dever de lealdade. 1 8 4 Conflito de interesses. 2 1 2 Dever de informar. 2 8 5 Prestar informações obrigatórias por lei ou regulamento. 3 5 7 Responsabilidade dos administradores. 1 6 5 Prestar aos stakeholders as informações de seu interesse. 2 8 4 Total de respostas 14 51 41 Funções da Diretoria Executiva Dos diretores a questão recebeu 36 respostas assinaladas, sendo 14 respostas corretas e 22 respostas incorretas. Evidencia-se, portanto, um nível de conhecimento de 38,89%. Dos conselheiros a questão recebeu 134 respostas assinaladas, sendo 51 respostas corretas e 83 incorretas; o nível de conhecimento situa-se em 38,05%. Dos funcionários a questão recebeu 163 respostas sendo 41 respostas corretas e 122 incorretas, de modo que o nível de conhecimento situa-se em 25,15%. Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 2014 37 Por fim, foi investigado o nível de conhecimento acerca das funções do Conselho Fiscal, com dados coletados mostrados na TAB. 9. TABELA 9 – Respostas sobre a função do Conselho Fiscal Respostas dos diretores Respostas dos conselheiros Respostas dos funcionários 3 8 6 Denunciar os erros, fraudes ou crimes que descobrirem. 3 7 9 Opinar sobre as propostas dos órgãos da administração. 1 3 1 Fiscalizar os atos dos administradores. 3 8 11 1 6 5 3 7 2 1 5 3 3 6 8 Exercer atribuições, durante a liquidação. 1 3 0 Opinar sobre o relatório anual da administração. 1 8 6 1 5 4 21 66 55 Funções do Conselho Fiscal Sugerir providências úteis à cooperativa quanto aos erros, fraudes e crimes descobertos. Verificar o cumprimento de deveres legais e estatutários dos administradores. Convocar a assembleia geral ordinária, na ocorrência de motivos graves ou urgentes. Analisar o balancete. Examinar as demonstrações financeiras do exercício social e sobre elas opinar. Analisar as demonstrações financeiras elaboradas periodicamente pela cooperativa. Total de respostas Dos diretores a questão recebeu 32 respostas assinaladas, sendo 21 respostas corretas e 11 respostas incorretas. Evidencia-se, portanto, um nível de conhecimento de 65,62%. Dos conselheiros a questão recebeu 131 respostas assinaladas, sendo 66 respostas corretas e 65 incorretas; o nível de conhecimento situa-se em 50,38%. Dos funcionários a questão recebeu 102 respostas. sendo 55 respostas corretas e 47 incorretas, de modo que o nível de conhecimento situa-se em 53,92%. É possível identificar o nível de conhecimento de cada grupo de entrevistados, a partir do total de respostas recebidas, mostrado no GRÁF. 1. 38 GRÁFICO 1 – Nível de conhecimento dos entrevistados 52,38% Nível de conhecimento Total de respostas Respostas incorretas Respostas corretas 51,00% 105 347 50 393 220 55 240 177 Diretores 38,93% 153 Conselheiros Funcionários Analisando estes resultados, indica-se que o diretores que possuem maior tempo de atuação Sistema Cresol possui o Instituto de Formação do dentro da cooperativa, dos quais apenas um possui Cooperativismo Solidário (Infocos), de modo que ensino superior e pós-graduação, evidenciando que nos cursos de formação para diretores possam ser a experiência no cargo contribui para o melhor co- apresentados os dados coletados neste trabalho, e nhecimento do assunto estudado. seja aprofundado como conteúdo nos treinamentos do Sistema, como também a sugestão a estes conselheiros de retomarem seus estudos buscando cursar o ensino superior. É possível que durante os treinamentos realizados na admissão dos funcionários, a ênfase dos conteúdos resida nas atividades operacionais que a cooperativa realiza durante o seu exercício, de Em uma visão geral, verifica-se que os entre- forma que as indicações sobre as funções específi- vistados conhecem de modo mais amplo as questões cas de cada setor sejam um pouco negligenciadas de gestão, como produtos e serviços, assuntos ope- no cotidiano em detrimento das responsabilidades racionais, contratações, Pronaf, Proagro e demais do trabalho. atividades. Quanto ao conhecimento das funções de cada setor, por exemplo, os entrevistados não detêm o mesmo conhecimento. Além disso, verificou-se que os maiores percentuais apresentaram-se pelos Rev. FA E , C uritiba, Apresentados os dados coletados na pesquisa de campo e interpretados os seus resultados, tem-se as considerações finais do estudo. v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 2014 39 Considerações Finais O presente estudo teve como objetivo verificar o nível de conhecimento dos diretores, funcionários e conselheiros fiscais da cooperativa sobre as funções do Conselho Administrativo, da Diretoria Executiva e do Conselho Fiscal. Ao longo do estudo foram descritas as funções de cada um destes setores da cooperativa de acordo com o estabelecido na Lei nº 6.404/1976, a qual regulamenta as funções de cada setor. Assim, constata-se que o nível de conhecimento por parte dos entrevistados deixa a desejar, porquanto são funções regidas por Lei e, por isso, de conhecimento acessível a todos os interessados. De modo específico, é preciso que todos os envolvidos com a Cresol aprimorem o conhecimento sobre as funções atribuídas a cada setor, de modo a dominar de modo adequado as responsabilidades que assumem no exercício delas. Sugere-se ao Infocos para que utilize o tema pesquisado nos cursos de aperfeiçoamento a diretores e funcionários, pois se julga de suma importância o conhecimento das atribuições do corpo diretivo da cooperativa. Também, que seja disponibilizado um material específico contendo as funções de cada setor a todos os funcionários, para que o conhecimento fique mais acessível e, aos poucos, as funções individuais sejam inteiramente assimiladas. Ressalva-se que não se tem a pretensão de concluir definitivamente sobre o tema investigado, porquanto sua relevância declina ao interesse para a realização de novos estudos e pesquisas que possam trazer outras informações e novos dados. 40 • Recebido em: 04/01/2013 • Aprovado em: 05/06/2013 Referências ANDRADE, A. 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Governança corporativa: diretrizes e mecanismos para fortalecimento da governança em cooperativas de crédito. Brasília: BCB, 2009. VENTURA, E. C. F.; FONTES FILHO, J. R.; SOARES, M. M. Introdução. In: VENTURA, E. C. F. (Coord.). Governança corporativa: diretrizes e mecanismos para fortalecimento da governança em cooperativas de crédito. Brasília, BCB, 2009. Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 2014 41 Portais de transparência fiscal: uma crítica aos municípios com população entre 50 e 100 mil habitantes Fiscal Transparency Portals: a critique of cities with populations between 50 and 100 thousand people Portais de transparência fiscal: uma crítica aos municípios com população entre 50 e 100 mil habitantes Fiscal Transparency Portals: a critique of cities with populations between 50 and 100 thousand people Abimael de Jesus Barros Costa1 Deivid Bruno Araújo Leite2 Edmilson Soares Campos3 Resumo O desejo da população de manter-se informada sobre as realizações do governo torna os instrumentos de transparência fiscal meios completos para que essa expectativa seja satisfeita. Como os cidadãos dispõem de recursos próprios que são administrados em seu favor por agentes governamentais, é necessária ampla transparência na utilização desses recursos, de modo que o agente faça uso deles sempre visando a uma situação ótima do ponto de vista do principal, a sociedade. A Teoria da Agência foi utilizada como suporte teórico para a pesquisa e o objetivo principal da investigação foi ranquear os portais de transparência dos municípios analisados. Este artigo, tendo como base a análise dos portais de um grupo selecionado de municípios com população entre 50 e 100 mil habitantes, criou um ranking, resultado da implementação de um índice para medir a transparência desses portais. Para tal análise, foram escolhidos, de maneira amostral não probabilística, 28 municípios das cinco regiões brasileiras. Os instrumentos de transparência fiscal mais divulgados são relatório resumido da execução orçamentária, relatório de gestão fiscal e relatórios de execução da receita e despesa. A partir dos resultados podemos inferir que o nível de transparência atual é divergente do ideal, pois poucos municípios observam as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e, entre os que a observam, não há preocupação com a qualidade da informação disponibilizada ao usuário. Palavras-chave: Teoria da Agência. Transparência. Gestão Fiscal. Municípios. Abstract The desire of the population to keep informed about the achievements of the government makes the instruments of fiscal transparency to complete this expectation is fulfilled means. As citizens have their own resources that are administered on their behalf by government agents, wide transparency in the use of these resources is necessary , so that the agent makes use of them always seeking a great situation from the point of view of the main society. The Agency Theory was used as theoretical support for the research and the main objective of the investigation was to rank the portals of transparency of the municipalities analyzed. This article, based on the analysis of a selected portals of municipalities with populations between 50 and 100 thousand group created a ranking result of the implementation of an index to measure the transparency of these portals. For this analysis, were chosen, in non-probability sampling manner, 28 municipalities in the five Brazilian regions. The instruments of fiscal transparency are more widespread summarized report on budget execution, fiscal management report and progress reports of income and expense. From the results we can conclude that the current level of transparency is diverging from ideal, because few municipalities comply with the requirements of the Fiscal Responsibility Law (LRF), and those who observe it, there is concern about the quality of information available to the user. Keywords: Agency Theory. Transparency. Fiscal Management. Municipalities. 1 2 3 Professor Mestre da Universidade de Brasília – UnB, Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais. E-mail: [email protected]. Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade de Brasília – UnB. E-mail: [email protected]. Professor Mestre da Universidade de Brasília – UnB. Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais. E-mail: [email protected]. Rev. FAE, Cu r it iba, v. 17, n. 1, p. 42 - 61, jan./jun. 2014 43 Introdução A administração pública voltada para o cidadão é base do desmembramento da administração pública gerencial (COUTINHO, 2000). Com esse fim, foram constituídos conjuntos de instrumentos de gestão, fundados no contexto democrático, que pretendem tornar a administração pública mais eficiente e voltada para o cidadão (PEREIRA, 1999). Em um contexto mais específico, a ação do governo nos municípios é essencialmente via orçamento público, prestando serviços variados e utilizando os recursos disponíveis de maneira otimizada para o usuário (MEIRELLES, 1996). Conforme esse entendimento, a boa administração pública deve emanar dos dispositivos da Constituição Federal (1988), refe- prazos são contados da data da publicação da Lei Complementar nº 131, de 27 de maio de 2009. Neste trabalho, analisam-se, empiricamente, os níveis de transparência dos portais eletrônicos de um grupo de municípios, selecionados a partir de amostragem dos munícipios citados no art. 73-B, inciso II, da Lei de Responsabilidade Fiscal (nº 101/2000), artigo incluído pela Lei Complementar nº 131, de 27 de maio de 2009. O propósito é destacar a frequência das formas utilizadas pelos municípios para divulgar as informações necessárias a que os princípios relativos à governança coorporativa sejam satisfeitos. Assim, este artigo pretende mostrar quais são os instru- rentes à obrigatoriedade dos agentes públicos mentos de transparência fiscal mais divulgados prestarem contas dos seus atos à sociedade. eletronicamente pelos municípios com população entre 50 e 100 mil habitantes. A Constituição Federal (1988), em seu artigo 30, inciso III, obriga os municípios a arrecadarem “os O interesse pelo desenvolvimento do estu- tributos de sua competência, bem como aplicar suas do está relacionado ao constante crescimento rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar do acesso à internet pelos brasileiros (JAEGER, contas e publicar balancetes nos prazos fixados 2005). Com custo menor e de acesso fácil, esse em lei”. Assim, a Lei de Responsabilidade Fiscal meio de comunicação deve ser utilizado pelo go- (LRF), a partir da publicação da Lei Complementar verno como forma de disponibilização de infor- nº 131/2009, tornou obrigatória a publicação, em mações relevantes para a sociedade (FANG, 2002). tempo real, de informações pormenorizadas, em A governança eletrônica aparece como forte ten- meio eletrônico, por parte da administração pública dência para inovar a maneira de a administração brasileira, para assegurar a transparência das ações pública trabalhar (GHOSH, 2005). do Estado diante do cidadão. 44 Para que isso aconteça, é preciso que os A Lei Complementar nº 131/2009 foi precisa gestores evoluam na divulgação dos instrumen- ao definir prazos para a implementação de portais tos fiscais (BERTOT; JAEGER, 2008). Com a in- de transparência, nos quais devem ser divulgados serção desses dispositivos de transparência fis- dados econômico-financeiros dos entes públi- cal na LRF, fortalece-se o controle social, ou seja, cos, bem como os relatórios necessários ao pleno facilita-se à obtenção de informações relativas à acompanhamento das contas públicas pela socie- execução orçamentária e financeira. Ademais, a dade. Foi delimitado o prazo de um ano para a LRF apresenta o prazo de dois anos para que tais União, os estados, o Distrito Federal e os muni- gestores divulguem as informações financeiras de cípios com mais de cem mil habitantes; o prazo seus municípios em meios eletrônicos de amplo de dois anos para os municípios que tenham entre acesso. Considerando a data de sua publicação, cinquenta mil e cem mil habitantes; e o prazo de conclui-se que o prazo para esses municípios im- quatro anos para os municípios que tenham até plantarem suas ferramentas eletrônicas de divul- cinquenta mil habitantes. Cabe ressaltar que esses gação encontra-se encerrado. Esse fato justifica a realização desta pesquisa que representa oportu- outra para tomar decisões de gestão que afetam nidade ímpar de verificação se o prazo estabele- os retornos que serão obtidos por esta última. cido pela LRF foi cumprido pelos municípios. A Teoria da Agência se sustenta ao analisar A pesquisa é ainda importante para a so- o relacionamento dos membros de uma instituição, ciedade no aspecto participativo. Os cidadãos tendo em vista o fato de serem motivados por seus terão conhecimento sobre o cumprimento da prin- interesses pessoais. Está relacionada à existência cipal lei de transparência em vigor no Brasil. O de um contrato, em que o principal delega o resultado dessa pesquisa enfatizará a adoção dos agente para tomar decisões acerca da utilização dispositivos legais por parte dos gestores públicos, dos recursos em nome do principal (KASSAI; além de convidar a população brasileira a fiscalizar KASSAI; NOSSA, 2000). e acompanhar o uso dos recursos por parte de seu maior agente. Este artigo traz contribuição fundamental aos profissionais que realizarão a divulgação dos orçamentos nos portais eletrônicos dos municípios. Os administradores devem ter pleno conhecimento de suas atribuições, pois têm de estar capacitados a administrar os recursos recolhidos pela população (HITT, 1999). Entretanto, as estruturas de agência podem apresentar diversos problemas econômicos e organizacionais. Um pro- 1 Teoria da Agência blema de agência ocorre quando os objetivos dos agentes e dos principais passam a não convergir da maneira esperada pelos principais. A relação O funcionamento das entidades brasileiras, principal-agente pode levar ao oportunismo ad- públicas e privadas, é semelhante em relação à ministrativo, direcionamento os gestores a agir com estrutura de utilização dos recursos de terceiros. base em interesses de cunho pessoal (HITT, 1999). As organizações modernas costumam funcionar Assim, a Teoria da Agência passa a considerar de maneira centralizadora, com pessoas dispostas inexistente o agente perfeito ou a elaboração de a investir seus recursos em fundos específicos, que contratos completos, que não permitam desvio de serão utilizados por um único gestor, tendo este a conduta por parte dos agentes (MELLO, 2009). atribuição de obter os melhores resultados possíveis de acordo com a visão da população investidora. É possível ainda estabelecer ligação entre as esferas públicas e a Teoria da Agência, pois estão É notável a existência da relação de agên- satisfeitas as condições necessárias elencadas por cia, que pode existir de maneira parecida entre Slomski (1999): (I) O agente possui diversos com- governo e sociedade, ou entre empresa e acionista, portamentos a serem adotados; (II) A ação do uma vez que, em ambos os casos, há um contrato agente afeta os resultados para ambas as par- sob o qual uma ou mais pessoas, denominadas tes; e (III) A ação do agente dificilmente está principais, engajam outras pessoas, agentes, para sendo observada pelo principal, o que resulta em desempenhar os serviços que envolvam delegação assimetria informacional, que ocorre quando a de decisão aos agentes (JENSEN; MECKLING, capacidade de o principal monitorar o agente fica 1976). Ainda de acordo com Jensen e Meckling interrompida por motivos conhecidos somente pelo (1976), existe uma boa razão para se acreditar agente, de acordo com Akdere e Azevedo (2006). que o agente nem sempre agirá de acordo com Segundo Mello (2009), assume-se que, com a exis- os melhores interesses do principal. Essa estrutura tência da assimetria informacional, a dificuldade acontece sempre que uma das partes é admitida por está em aceitar que o agente (gestor público) Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 42 - 61, jan./jun. 2014 45 de agência, já que estão envolvidas diretamente A Teoria da Agência relacionada ao Setor Público em solucionar harmonicamente as diferenças entre as partes envolvidas (HOPE, 2002). Baseando-se em Carvalho (2002), é possível concluir que engloba a existência de a Governança Corporativa é um conjunto de contrato sob o qual a processo decisório dentro de uma organização. sociedade engaja o governo da incidência dos problemas de agência aliada para desempenhar funções, princípios que impõem a maneira de realização do Basicamente, são regras necessárias à diminuição a uma boa política de divulgação de informação sobre a execução dos recursos utilizados. de modo a atingir o resultado esperado pelos cidadãos. O principal pode limitar a divergência de interesses, estabelecendo incentivos ao agente, como o reconhecimento de uma boa execução do trabalho planejado. Todavia, é improvável que o agente sempre se disponha a tomar decisões ótimas do ponto de vista do principal. Logo, é necessário tomará as decisões certas para atingir os interesses do principal (sociedade) (SLOMSKI, 2009). que a parte do principal fiscalize a gestão do agente, para que não haja desvio de planejamento na consecução das metas (EISENHARDT, 1989). Assim, considerando as ideias de Slomski (1999), tem-se que a Teoria da Agência relacionada ao Setor Público engloba a existência de contrato sob o qual a sociedade (principal) engaja o governo (agente) para desempenhar funções, de modo a atingir o resultado esperado pelos cidadãos (principal). Como a relação entre sociedade e governo envolve a aceitação de diversos contratos com alto grau de complexidade, faz-se necessária a elaboração de mecanismos capazes de permitir ao cidadão acesso à fiscalização do uso de recursos públicos por parte dos gestores (SLOMSKI, 2003). Conclui-se, então, que a adoção de medidas transparentes de gestão permite à sociedade o acompanhamento mais detalhado das realizações do Estado. A divulgação eficaz de Os mecanismos de Governança Corporativa são capazes de reduzir drasticamente os conflitos de agência (GOSWANI, 2002). Entre eles, cabe maior atenção para a ampla divulgação de relatórios e informações contábeis que possam traduzir o desempenho obtido relativamente às atribuições do agente (CABRI; FERRARI; LEONARDI, 2005). Os princípios de Governança Corporativa exigem que haja transparência em todo o processo decisório, assim como na avaliação dos objetivos conquistados (CHOUDRIE; GHINEA; WEERAKKODY, 2004). Dessa maneira, a sociedade será capaz de estabelecer raciocínios críticos sobre os resultados obtidos e sobre a gestão de seus recursos por parte dos agentes. informações é, portanto, essencial para garantir que os cidadãos compreendam, de maneira mais relevante, o desempenho dos gestores públicos (MELLO, 2009; MOON, 2002). 46 2 Instrumentos de Transparência Fiscal As ações alinhadas à Governança Corporati- A Lei de Responsabilidade Fiscal determina va são soluções consideráveis para os problemas que relatórios de gestão sejam disponibilizados ao controle público, com o fim de que a arrecadação à Lei de Diretrizes Orçamentárias funções de e execução dos recursos públicos sejam avaliadas planejamento operacional voltadas ao equilíbrio pela população. A Lei de Responsabilidade Fiscal entre receitas e despesas (SANTANA JUNIOR; disponibilizou, em seu artigo 48, os instrumentos LIBONATI; VASCONCELOS, 2009). necessários à transparência dos atos da administração pública, entenda-se essa transparência como ativa. A Controladoria Geral da União (CGU) conceitua transparência ativa “como aquela que a administração pública tem um custo para divulgar as informações e milhares de pessoas podem acessar as informações disponibilizadas” (2012). Os instrumentos exigidos são os planos, os orçamentos e a lei de diretrizes orçamentárias, além dos relatórios Resumidos da Execução Orçamentária e de Gestão Fiscal, inclusive as versões simplificadas desses instrumentos. Seguindo as orientações impostas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias, a Lei Orçamentária Anual deve estar atrelada à política econômico-financeira e à execução do planejamento de trabalho do governo, que deve ser prestada pelos órgãos diretos e indiretos da Administração (SANTANA JUNIOR; REIS, 2001). Giacomoni (2005) afirma que a Lei Orçamentária Anual é instrumento de curto prazo, que operacionaliza os programas governamentais de médio prazo, os quais são responsáveis por atingir o planejamento imposto pelos planos nacionais, em que estão O Plano Plurianual é uma lei de iniciativa do definidas as metas, os objetivos e as políticas Chefe do Poder Executivo e um instrumento de básicas. Além disso, a Lei nº 4.320/1964 determina ação do governo de médio prazo. Deve estabelecer, que a organização da Lei Orçamentária Anual de maneira regionalizada, as diretrizes, objetivos e deve seguir orientações de orçamento-programa, metas do governo para despesa de capital e para definindo programas, subprogramas, projetos as relativas aos programas de duração continuada de execução da ação do governo por categorias (ANDRADE, 2002). Tem sua utilidade para um econômicas, por funções e por unidades orçamen- período de quatro anos, a fim de que o governo tárias (MILESKI, 2003). execute seus projetos para a consecução dos objetivos e metas fiscais. É importante destacar que o plano plurianual é uma tendência das ações do governo. Sendo assim, a Lei Orçamentária Anual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias deverão estar em consonância com as propostas oferecidas pelo Plano Plurianual (GATTRINGER, 2004; O instrumento de transparência fiscal denominado Prestação de GIACOMONI, 2005). A Lei de Diretrizes Orçamentárias tem a função de estabelecer metas e prioridades da administração pública federal. Deve incluir despesas de capital e orientar a elaboração da Lei Orçamentária Anual, contemplando os aspectos da legislação tributária (CF, 1988, art. 165, § 2º). De acordo com Silva (2004), a Lei de Diretrizes Orçamentárias é utilizada como instrumento de planejamento operacional do governo, uma vez Contas é um documento em que o administrador público demonstrará sua situação organizacional para a sociedade. que a Lei de Responsabilidade Fiscal atribuiu Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 42 - 61, jan./jun. 2014 47 O instrumento de transparência fiscal deno- Se esses limites forem ultrapassados, a Lei de minado Prestação de Contas é um documento Responsabilidade Fiscal determina que medidas em que o administrador público demonstrará sua corretivas sejam tomadas imediatamente (CULAU; situação organizacional para a sociedade. A pres- FORTIS, 2006). tação de contas realizada para a população deveria ser a mesma informada pelos municípios aos Tribunais de Contas, entretanto, os municípios divulgam apenas os aspectos que julgam relevantes (CRUZ, 2006; SANTANA JUNIOR; LIBONATI; VASCONCELOS, 2009). A Lei de Responsabilidade Fiscal ainda elenca duas modalidades de divulgação necessárias pelas entidades públicas: os Relatórios de Execução da Receita e Despesa e os Relatórios Relativos a Contratos e Convênios. Os Relatórios de Execução da Receita e Despesa representa a O Relatório Resumido de Execução Orça- programação financeira e o cronograma de exe- mentária tem de ser publicado até trinta dias cução mensal de desembolso. Já os Relatórios após o encerramento de cada bimestre, de Relativos a Contratos e Convênios devem abranger acordo com a Constituição Federal de 1988 (art. detalhadamente as relações contratuais do Poder 165, § 3º) e deve abranger todos os Poderes da Público com entidades privadas. Administração Pública. Nesse sentido, o relatório pretende demonstrar o comparativo de execução das receitas de acordo com sua previsão. Segundo Gattringer (2004), o Relatório Resumido de Execução Orçamentária deve ser publicado com periodicidade, permitindo ao cidadão o controle, o conhecimento, a análise e o acompanhamento da execução orçamentária dos governos. Dessa maneira, o cidadão tem a oportunidade de acompanhar, de modo transparente, a execução do planejamento orçamentário do governo (SANTANA JUNIOR; LIBONATI; VASCONCELOS, 2009). Da análise do art. 48 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que dispõe que os instrumentos de transparência fiscal devem ser divulgados também em versões simplificadas, percebe-se a preocupação do legislador com a acessibilidade da informação, ou seja, a redução das dificuldades de entendimento por parte do cidadão. Nesse sentido, a transparência de que fala a LRF é mais do que simplesmente a publicidade dos dados (GATTRINGER, 2004). A LRF determina que a transparência deve ser assegurada, entre outras maneiras, pelo incentivo à participação popular O Relatório de Gestão Fiscal tem perio- e realização de audiências públicas durante a dicidade quadrimestral. Foi incluído pela Lei de apreciação e elaboração de estratégias, da Lei de Responsabilidade Fiscal, devendo ser emitido com Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária o intuito de fiscalizar todos que são dependentes Anual (CULAU; FORTIS, 2006). dos recursos do governo, no sentido de sempre atingir o equilíbrio das contas públicas (SANTANA JUNIOR; LIBONATI; VASCONCELOS, 2009). O relatório deve abranger o comportamento da rea- 3 Procedimentos Metodológicos lização da receita e da execução da despesa, e o detalhamento do alcance das metas e resultados, 48 como também o acompanhamento e evolução da Neste artigo, foi utilizado o método indutivo, dívida pública (GATTRINGER, 2004). O relatório enfatizando-se a comprovação empírica do estudo, deve conter, ainda, os níveis máximos de gastos com procedimento de análise dos dados coletados com pessoal, dívidas consolidada e mobiliária, em amostragem investigativa acessando-se os concessão de garantias e operações de crédito. portais de transparência dos municípios. O estudo pode ser considerado exploratório, relação as suas respectivas regiões. Ou seja, um já que mede os níveis de qualidade dos sites dos estado de cada região brasileira foi selecionado, municípios analisados quanto ao cumprimento das sendo estes por obterem a nota mais baixa dentre orientações dispostas pela Lei de Responsabilidade os outros de suas respectivas regiões. Foi formada Fiscal. As técnicas de observação foram essenciais assim uma amostra de 28 municípios, sendo um para o procedimento de coleta de dados, já que do estado do Acre (Região Norte), três do estado foi requerido exame detalhado das informações do Piauí (Região Nordeste), quatro do estado encontradas nos portais dos municípios. Foram do Mato Grosso (Região Centro-Oeste), onze utilizadas informações referentes à quantidade do estado do Rio de Janeiro (Região Sudeste) e de habitantes por município, tendo como fonte o nove do estado de Santa Catarina (Região Sul). censo demográfico do IBGE do ano de 2000. Quanto ao tipo de amostragem, essa investigação Foram identificados 299 municípios dentro da faixa populacional de 50 e 100 mil habitantes. Assim, para que os sites dos municípios fossem analisados de maneira qualitativa, fez-se necessária a delimitação de uma amostra dos municípios com essa população. A seleção de amostragem envolveu utiliza o não probabilístico, visto que a escolha dos elementos da amostra foi realizada de forma não aleatória, existindo um procedimento de seleção dos elementos da população segundo critérios preestabelecidos no referido ranking (CORRAR; THEÓPHILO, 2008). o trabalho desenvolvido por Biderman e Puttomatti, O presente estudo, portanto, teve a cons- pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas, que trução de um índice próprio de transparência, em desenvolveram estudo para a Associação Contas que os critérios utilizados para a avaliação dos sites Abertas, (http://indicedetransparencia.com), que de transparência dos municípios analisados foram trata da criação de um índice que mede a transpa- construídos com base no trabalho desenvolvido rência aplicado aos sites de estados brasileiros. por De acordo com a metodologia abordada por (2009), juntamente com o mencionado trabalho Biderman e Puttomatti, o índice é calculado de da Associação Contas Abertas. O índice foi com- acordo com três considerações: (1) o conteúdo posto com os critérios relativos à usabilidade dos disponível no site, que corresponde a 60% do total; sites, correspondendo a 30% do índice; com a (2) a disponibilização de séries históricas, entre um comprovação da divulgação dos instrumentos e cinco anos, e a frequência da atualização, que de transparência fiscal propostos pela Lei de correspondem a 7% do total; (3) A usabilidade do Responsabilidade Fiscal, correspondendo a 60% portal, que representa 33% do total, em um total do índice; e, por fim, com a constatação de séries geral de 100%. históricas dos dados e pela frequência de sua atuali- Com base na criação do Índice de Transparência Estadual, pesquisadores da Associação Contas Abertas desenvolveram um ranking, envolvendo todos os estados da Federação, ordenados de acordo com a nota obtida por seu portal de Santana Junior, Libonati e Vasconcelos zação, correspondendo a 10% do índice (APÊNDICE A). Os aspectos de pontuação utilizados para a construção de cada categoria podem ser encontrados nas descrições do QUADRO 1, bem como no Apêndice A. transparência. Assim, a amostragem escolhida neste trabalho foi selecionada a partir do ranking disponibilizado pela Associação Contas Abertas, sendo escolhidos apenas os municípios dos estados que obtiveram as notas mais baixas em Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 42 - 61, jan./jun. 2014 49 QUADRO 1 – Categorias de análise dos portais de transparência dos municípios Categoria Itens de Investigação Pontos O site do Portal apresenta a ferramenta de “Mapa do Sítio” ou “Busca” para facilitar a busca 30% Aspectos do Portal de informações por parte do usuário O site apresenta glossário dos termos técnicos. 1 O glossário, se existir, facilita a compreensão das informações disponibilizadas 1 Há uma área com perguntas e respostas frequentes 1 O site do Portal divulga um e-mail ou formulário de contato institucional 1 O site do Portal divulga o contato com o Tribunal de Contas, o Ministério Público ou Câmara 10% 60% Atualização Frequência de Instrumentos de Transparência Fiscal Federal para incentivar denúncias 1 As informações apresentadas possibilitam interatividade (chat) 1 Existe possibilidade de download dos dados 1 Plano Plurianual 1 Lei de Diretrizes Orçamentárias 1 Lei de Orçamento Anual 1 Prestação de Contas 1 Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária 1 Relatório de Gestão Fiscal 1 Relatórios da Execução da Receita/Despesa 1 Relatórios Relativos a Contratos/Convênios 1 Dados em tempo real 1 Disponibilização de séries históricas de dados orçamentários e financeiros 1 Periodicidade de disponibilização de dados (diário, semanal, mensal e anual) 1 Total 19 FONTE: Bardin (2011); Geraldes (2006); Santana Júnior, Libonati e Vasconcelos (2009) Assim, o total de pontos que os municípios podem alcançar é 19, correspondendo à nota 10 no ranking de transparência municipal, a nota máxima, conforme aplicação da fórmula elaborada exclusivamente para este estudo: 50 1 IT = ΣA1x3 + ΣA2x6 + ΣA3 7,5 Na fórmula, IT significa o índice de trans- da Receita e Despesa). A técnica estatística de parência obtido do município; A1 significa os correlação é utilizada para analisar a relação entre pontos obtidos no critério “Aspectos do Portal”; as diversas variáveis existentes, ou seja, é uma A2 significa os pontos obtidos no critério “Instru- métrica que mede o relacionamento matemático de mentos de Transparência Fiscal”; e A3 significa duas variáveis. Os resultados obtidos podem indicar os pontos obtidos no critério “Frequência de correlação positiva, negativa ou nula. A correlação Atualização”. Assim, a soma de pontos de cada positiva apresenta uma relação direta entre as critério multiplicado por seus respectivos pesos é variáveis, enquanto a correlação negativa apresenta dividida pelo número 7,5, a fim de criar uma escala uma relação inversa. A correlação nula indica que que obtenha como nota máxima o número 10. as variáveis não estão relacionadas linearmente, Para uma análise mais robusta dos dados sendo o valor da correlação bastante próximo de encontrados, pretende-se analisar a mediana dos zero (CORRAR; THEÓPHILO, 2008). Desse modo, índices de transparência encontrados, pois esta poderá ser verificada a possibilidade de o cidadão medida representa o valor situado de tal forma conseguir relacionar o planejamento e a execução no conjunto, que o separa em dois subconjuntos por meio da análise dos instrumentos. de mesmo número de elementos (CIENFUEGOS, 2005). Assim, será possível separar a metade da 4 amostra que teve desempenho superior da metade da amostra que teve desempenho inferior. Seguindo Portais de Transparência Fiscal a análise estatística, pretende-se analisar o desviopadrão das notas obtidas pelos municípios, uma vez Seguindo as informações divulgadas pelo que esta medida indica a dispersão dos elementos Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em relação à média. (IBGE), com base nos relatos emitidos previamente Por fim, pretende-se analisar a correlação entre os instrumentos de planejamento ao Censo 2010, constata-se que o Brasil possui (Lei atualmente 5.565 municípios dispostos em cinco Orçamentária Anual, Lei de Diretrizes Orçamentárias regiões. Entre esses municípios, vinte e oito e Plano Plurianual) e os instrumentos de gestão foram selecionados para que seus portais fossem (Relatórios Resumidos de Gestão Orçamentária, analisados, conforme QUADRO 2. Relatório de Gestão Fiscal e Relatórios de Execução QUADRO 2 – Relação de municípios analisados Região Estado Norte Acre Nordeste Piauí Centro-Oeste Rev. FA E , Município Mato Grosso C uritiba, Continua Nº Portal Analisado Cruzeiro do Sul 1 www.cruzeirodosul.ac.gov.br/transparencia Floriano 2 www.floriano.pi.gov.br Picos 3 www.picos.pi.gov.br Piriri 4 www.piripiri.pi.gov.br/novo/ Barra do Garças 5 www.barradogarcas.com/2010 Cáceres 6 www.caceres.mt.gov.br Sinop 7 www.sinop.mt.gov.br Tangará da Serra 8 www.tangaradaserra.mt.gov.br v. 17, n. 1, p. 42 - 61, jan./jun. 2014 51 QUADRO 2 – Relação de municípios analisados Região Sudeste Estado Rio De Janeiro Município Santa Catarina Nº Portal Analisado www.araruama.rj.gov.br/index.php/portal-da- Araruama 9 Barra do Piraí 10 www.pmbp.rj.gov.br Itaguaí 11 www.prefeituraitaguai.com.br transparencia Itaperuna 12 www.itaperuna.rj.gov.br Japeri 13 www.japeri.rj.gov.br Maricá 14 www.marica.rj.gov.br/transparencia/ São Pedro da Aldeia 15 www.cogemspa.com.br Saquarema 16 www.transparencia.saquarema.rj.gov.br/pronimtb Seropédica 17 Três Rios Sul Conclusão 18 www.seropedica.rj.gov.br www.tresrios.rj.gov.br/v2007/n/info_ transparencia.php Valença 19 www.valenca.rj.gov.br Araranguá 20 www.ararangua.net/?acao=home Balneário Camboriú 21 www.balneariocamboriu.sc.gov.br Brusque 22 www.brusque.sc.gov.br/web/ Caçador 23 www.cacador.sc.gov.br/portal Canoinhas 24 www.pmc.sc.gov.br Concórdia 25 www.concordia.sc.gov.br Rios do Sul 26 www.riodosul.sc.gov.br São Bento do Sul 27 www.saobentodosul.sc.gov.br/novo Tubarão 28 www.tubarao.sc.gov.br FONTE: Os autores (2014) Nas regiões Norte e Nordeste, foram ana- Nas regiões Sul e Sudeste, foram analisados lisados quatro municípios, pertencentes aos es- vinte municípios, situados nos estados de Santa tados do Acre e Piauí. Essas regiões mantêm, Catarina e Rio de Janeiro. Juntas, essas regiões juntas, 2.243 municípios, com aproximadamente têm população estimada em 100 milhões de habi- 69 milhões de habitantes no total. A densidade tantes, dividida em um total de 2.786 municípios. demográfica é de 4,12 habitantes por quilômetro Apesar de ocuparem território menor que o das quadrado na região Norte, e de 34,15 habitantes regiões Norte e Nordeste, apresentam população por quilômetro quadrado na região Nordeste. numericamente superior. Assim, a densidade de- Na Região Centro-Oeste, foram analisados mográfica da Região Sul é de 48,58 habitantes por quatro municípios do estado do Mato Grosso. quilômetro quadrado, e a densidade demográfica Essa região possui 466 municípios, com o total da Região Sudeste é de 86,92 habitantes por qui- aproximado de 14 milhões de habitantes e densi- lômetro quadrado. dade demográfica na faixa de 8,75 habitantes por quilômetro quadrado. 52 5 Análise dos Portais de Transparência Fiscal Os portais de transparência fiscal dos 28 municípios analisados apresentam algumas falhas em comum em relação à usabilidade. Por exemplo, conforme GRÁF. 1, em nenhum dos sites foi possível identificar elementos como glossário de termos técnicos ou área em que estivessem postadas perguntas frequentes feitas pelos usuários. Em nenhuma das páginas eletrônicas existe a possibilidade de conversação por meio de chat e apenas 39,29% dos sites fornecem links de contato que incentivam denúncias de irregularidades, como os links do Tribunal de Contas, do Ministério Público ou da Câmara Federal. GRÁFICO 1 – Aspectos do Portal Campo de busca Glossário Glossário facilita entendimento Perguntas frequentes Contato institucuinal Contato com MP Tribunal de Contas Chat Download de dados 0 20 40 60 80 100 FONTE: Os autores (2014) Seguindo na análise do acesso aos portais pelos usuários, destacam-se os pontos positivos encontrados. Por exemplo, a possibilidade de download dos dados disponíveis está presente em 60,71% dos sites, bem como a divulgação de formulário de contato institucional e a presença de campo de busca que facilite a pesquisa no percentual de 78,57% e 67,86% respectivamente, conforme disposições do GRAF. 1. Nesse quesito da análise, cabe ressaltar o ponto negativo ao acesso ao portal de transparência do município de Itaperuna/RJ. O site apresenta um link denominado “Contas Públicas”, entretanto, ao se acessar o referido link, não é possível visualizar nenhuma informação, pois nenhuma das opções apresentadas funciona corretamente. Cabe ressaltar também que o portal de transparência de Itaperuna recebeu destaque por ser um dos três municípios a não somar nenhum ponto na análise dos portais, sendo considerado o pior na consolidação do ranking dos municípios analisados. Os outros portais que não somaram pontos na análise foram os dos municípios de Caçador e de Rio do Sul, ambos no estado de Santa Catarina, conforme TAB. 1. A maior parte da composição do índice de transparência é dada pela divulgação dos instrumentos de transparência fiscal citados pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Na análise dos portais, nenhum dos componentes deste quesito foi encontrado em percentual superior a 50% (GRÁF. 2). Por exemplo, em apenas 28,57% dos sites foi possível encontrar dados referentes ao Plano Plurianual e à Lei de Diretrizes Orçamentárias. O maior fator negativo do conjunto que representa a amostra do estudo é o fato de que não existe, em nenhum dos portais analisados, divulgação do instrumento de transparência fiscal denominado Prestação de Contas. Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 42 - 61, jan./jun. 2014 53 O GRÁF. 2 aponta os percentuais de divulgação dos instrumentos de transparência fiscal pelos municípios. GRÁFICO 2 – Instrumentos de transparência fiscal Plano Plurianual Lei de Diretrizes Orçamentárias Lei de Orçamento Anual Rel. Res. Execução Orçamentária Relatório de Gestão Fiscal Rel. Ex. da Receita/Despesa Rel. Rel. a Contratos/Convênios 0 20 40 60 80 100 FONTE: Os autores (2014) Nesse quesito de análise, é importante destacar que a porcentagem obtida pelos sites dos munícipios foi bastante baixa. Os instrumentos denominados Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária, Relatórios de Gestão Fiscal e Relatórios da Execução da Receita e Despesa são encontrados em apenas 42,86% dos sites. A Lei Orçamentária Anual é apresentada em 32,14% dos portais, enquanto os Relatórios Relativos a Contratos e Convênios são encontrados em 35,71%. Os aspectos abordados nesse quesito são os portais de transparência dos municípios de Picos/PI, Piriri/ PI, Itaperuna/RJ, Saquarema/RJ, Seropédica/RJ, Valença/RJ, Caçador/SC e Rio do Sul/SC. Em todos eles não há nenhuma divulgação de instrumentos de transparência fiscal (APÊNDICE A). Outro ponto importante a destacar foi verificado no portal de transparência de Balneário Camboriú. Excluindo-se o instrumento Prestação de Contas, este portal disponibiliza todos os outros instrumentos de transparência fiscal abordados neste estudo e previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal. O portal de transparência de Balneário Camboriú foi considerado pelo estudo o melhor dos portais, liderando o ranking proposto, conforme TAB. 1. Quanto à frequência de atualização dos portais, nenhum dos municípios analisados disponibiliza suas informações em tempo real (GRÁF. 3), contrariando o que define a Lei de Responsabilidade Fiscal em seu art. 48, parágrafo único, inciso II, em que são descritas maneiras de disponibilização dos dados financeiros do Poder Público, quando estabelece a “liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público”. GRÁFICO 3 – Frequência de atualização Tempo Real Séries Históricas Periodicidade 0 FONTE: Os autores (2014) 54 20 40 60 80 100 Os outros componentes do quesito atingiram percentual próximo a 50%. Por exemplo, 46,43% dos portais analisados disponibilizam séries históricas dos dados, considerando o mínimo de cinco anos anteriores, ou seja, pelo menos a partir de 2007. Quanto à periodicidade de disponibilização dos dados, diária, semanal, mensal ou anual, 57,14% dos municípios apresentam periodicidade correspondente a pelo menos uma dessas frequências. Entre os municípios que divulgam seus instrumentos de transparência fiscal, apenas dois não conseguiram somar pontos neste quesito, Floriano/PI e São Pedro da Aldeia/RJ. Assim, de acordo com os critérios adotados para a construção do índice de transparência e sua posterior aplicação aos sites dos municípios analisados, o ranking de transparência adotado neste trabalho é disposto na TAB. 1. TABELA 1 – Ranking geral dos municípios analisados Clas. Uf Região Município Índice Clas. Uf Região Município Índice 1º SC Sul Balneário Camboriú 7,07 15º SC Sul Brusque 3,33 2º MT Centro-Oeste Tangará da Serra 6,67 16º RJ Sudeste Araruama 3,20 3º PI Nordeste Floriano 5,60 17º AC Norte Cruzeiro do Sul 2,93 4º MT Centro-Oeste Cáceres 5,47 18º MT Centro-Oeste Barra do Garças 2,27 5º SC Sul Tubarão 5,47 19º RJ Sudeste Japeri 2,13 6º MT Centro-Oeste Sinop 5,07 20º RJ Sudeste Três Rios 1,73 7º SC Sul Araranguá 5,07 21º RJ Sudeste Valença 1,20 8º RJ Sudeste Maricá 4,53 22º PI Nordeste Picos 0,80 9º SC Sul Concórdia 4,27 23º PI Nordeste Piriri 0,80 10º RJ Sudeste São Pedro da Aldeia 4,00 24º RJ Sudeste Saquarema 0,80 11º RJ Sudeste Itaguaí 3,87 25º RJ Sudeste Seropédica 0,80 12 SC Sul Canoinhas 3,87 26º RJ Sudeste Itaperuna 0,00 13º SC Sul São Bento do Sul 3,87 27º SC Sul Caçador 0,00 14º RJ Sudeste Barra do Piraí 3,47 28º SC Sul Rio do Sul 0,00 FONTE: Os autores (2014) As notas obtidas pelos municípios estão bastante abaixo do esperado pelas atribuições da Lei de Responsabilidade Fiscal. A mediana encontrada pelo estudo foi de 3,4, separando-se a metade da amostra com resultados superiores da metade da amostra que apresenta resultados mais baixos, ou seja, entre os municípios de Barra do Piraí/RJ e Brusque/SC. O desvio-padrão encontrado foi de 2,08, que simboliza a dispersão dos valores em relação à média, que, no caso, é de 3,15. O desvio-padrão é alto quando comparado com a média, esse fato comprova que existe grande diferença entre os níveis de transparência dos municípios. No intuito de investigar a existência da relação entre a divulgação dos instrumentos de planejamento e a divulgação de informações de gestão, foi utilizada a técnica estatística de correlação linear. O resultado encontrado foi a correlação de 0,067, ou seja, valor bastante próximo de zero, o que significa que não existe relação direta ou indireta entre a divulgação de instrumentos de planejamento e a divulgação de instrumentos Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 42 - 61, jan./jun. 2014 55 de gestão. De acordo com a métrica utilizada municipais estão cumprindo apenas em parte suas pelo estudo, não há padrão na divulgação de tais obrigações legais, pois disponibilizam nos portais instrumentos fiscais. Diante da amostra analisada, de transparência de seus municípios apenas é possível concluir que, na maioria dos municípios alguns instrumentos de transparência fiscal. Não que divulgam informações fiscais, pode ser que o existe preocupação de que o usuário entenda os cidadão tenha dificuldade em extrair conclusões dados divulgados, ou seja, não há predisposição significativas a respeito da comparação entre o dos gestores em divulgar informações fiscais de planejamento de governo e a gestão estatal. maneira clara e conclusiva para a sociedade. É possível perceber que nos portais faltam avaliações de desemprenho, não havendo nenhum controle Considerações Finais superior capaz de avaliar e discutir tais questões com os gestores dos sites. O estudo realizado permite perceber que os gestores municipais, na totalidade da amostra, demonstram preocupação em manter disponível um portal de transparência fiscal. Verifica-se que o cumprimento da LRF não está sendo garantido na maioria dos municípios pesquisados. A qualidade da disponibilização dos dados encontra-se comprometida, porque na maioria dos municípios estudados existe baixo percentual de transparência. É possível afirmar que os usuários que não estão habituados à linguagem técnica ou que não têm conhecimento suficiente dos termos empregados nos planos e leis orçamentárias não conseguem chegar a conclusões completamente acertadas quanto aos dados disponibilizados. Por exemplo, o fato de não existir nenhum glossário ou área de perguntas frequentes nos 28 sites Este estudo sugere que os portais sejam avaliados e que o feedback seja dado pelos principais na relação de agência, uma vez que são eles os maiores beneficiários da disponibilização eficaz das informações prestadas pelos municípios. Cabe ressaltar ainda o papel da contabilidade governamental como sistema de informações, de modo a tornar possível a instauração de gestão pública remodelada, participativa, acessível e que assegure os melhores níveis de transparência governamental. A realização do trabalho foi limitada à análise de parte dos municípios com população na faixa entre 50 e 100 mil habitantes. Diante disso, podemos inferir que o resultado final do estudo poderia ser diferente, caso fosse analisada toda a população de municípios que se encaixam nesta faixa populacional. investigados evidencia a possível dificuldade de Assim, torna-se necessário a realização de análise de pessoas leigas no assunto. Acresça- pesquisas futuras relacionadas aos assuntos tra- se a isso o fato de que a disponibilização dos tados. Além disso, considera-se relevante reaplicar relatórios não está completa, conforme exige a o estudo de modo a observar a evolução dos LRF e alguns portais não divulgam nenhum dos portais de transparência dos municípios, pois al- instrumentos de transparência fiscal. Outro ponto guns podem estar em fase de adaptação, já que a que contraria a LRF é que nenhum dos municípios obrigação legal é bastante recente. divulga suas informações em tempo real. Quanto a esse quesito, pode-se afirmar que os preceitos estabelecidos em lei não estão sendo cumpridos. É possível, pois, concluir que os gestores 56 • Recebido em: 27/05/2013 • Aprovado em: 01/07/2013 Referências AKDERE, M.; AZEVEDO, R. Agency theory implications for efficient contracts in organization development. Organization Development Journal, Chesterland, v. 24, n. 2, p. 43-54, 2006. ANDRADE, M. A. M. de. Impactos da Lei de Responsabilidade Fiscal sobre o sistema de planejamento governamental. 2002. Disponível em: <http://www.tce.ba.gov.br/images/lrfeorcamentos.pdf>. Acesso em: 16 jan. 2014. BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. BERTOT, John Carlo; JAEGER, Paul T. The e-government parados: better customer service doesn’t necessarily cost less. Government Information Quarterly, v. 25, n. 2, p. 149-154, Apr. 2008. BIDERMAN, C. PUTTOMATTI, G.. Metodologia do índice de transparência. Disponível em: <http://www. indicedetransparencia.org.br/?page_id=7>. Acesso em: 19 jul. 2011. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 40. ed. 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FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 42 - 61, jan./jun. 2014 59 60 2 3 4 5 6 7 8 PONTOS 30% 10% 100% 60% Frequência de Atualização 1 AC O site do portal apresenta a ferramenta “Mapa do Sítio” ou “Busca” para facilitar a busca de informações doo usuário 1 1 1 1 1 0 1 1 1 O site apresenta glossário dos termos 1 0 0 0 0 0 0 0 0 O glossário, se existir, facilita a compreensão das informações disponibilizadas 1 0 0 0 0 0 0 0 0 Há uma área com perguntas e respostas frequentes 1 0 0 0 0 0 0 0 0 O site portal divulga um e-mail ou formulário de contato institucional 1 1 1 1 1 1 1 1 1 O site portal divulga o contato com o Tribunal de contas, o Ministério Público ou Câmara Federeal para incentivar denúncias 1 1 1 0 0 0 0 1 1 As informações apresentadas possibilitam interatividade (chat) 1 0 0 0 0 0 0 0 0 Existe possibilidade de download de dados 1 0 1 0 0 0 1 1 1 Plano plurianual 1 0 1 0 0 0 1 1 1 Lei de diretrizes orçamentárias 1 0 1 0 0 0 1 1 1 Lei do orçamento anual 1 0 1 0 0 0 1 1 1 Prestação de contas 1 0 0 0 0 0 0 0 0 Relatórios resumidos da execução orçamentária 1 1 1 0 0 1 1 0 1 Relatório de gestão fiscal 1 1 1 0 0 1 1 0 1 Relatórios de execução da receita/despesa 1 0 0 0 0 0 0 1 0 Relatórios de execução da contratos/onvênios 1 0 0 0 0 0 0 0 1 Dados em tempo real 1 0 0 0 0 0 0 0 0 Disponibilização de séries históricas de dados orçamentários e fincanceiros 1 0 0 0 0 1 1 1 1 Periodicidade de disponibilização de dados (diário, semanal e anual) 1 1 0 0 0 1 1 1 1 19 6 9 2 2 5 10 10 12 10 2,93 5,6 0,8 0,8 2,27 5,47 5,07 6,67 % Total Instrumentos de Tranparência Aspectos do Portal Categoria Apêndice – A ITENS DE INVESTIGAÇÃO PI MT 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 RJ 24 25 26 27 28 SC 0 0 0 1 1 1 0 1 1 0 1 1 1 1 0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 0 1 0 1 1 0 1 1 0 0 1 1 0 0 0 1 1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 1 0 0 1 1 0 0 1 0 1 1 1 0 1 1 0 1 1 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 1 1 1 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 1 1 0 1 1 0 1 0 0 1 1 0 1 1 0 0 0 1 0 1 1 0 0 1 1 0 1 1 0 1 1 0 1 1 0 0 0 0 0 1 1 0 0 1 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 0 1 0 1 1 0 0 1 1 0 1 1 0 1 1 0 1 1 0 0 0 0 0 1 1 1 0 1 1 0 1 1 5 8 8 0 4 8 7 2 2 4 3 10 12 7 0 7 8 0 8 10 3,2 3,47 3,87 0 2,13 4,53 4 0,8 0,8 1,73 1,2 5,07 7,07 3,33 0 3,87 4,27 0 3,87 5,47 Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 42 - 61, jan./jun. 2014 61 Valores organizacionais sob a ótica dos colaboradores de uma Instituição de Ensino Superior Organizational values under the perspective of employees of an Institution of Higher Education Valores organizacionais sob a ótica dos colaboradores de uma Instituição de Ensino Superior Organizational values under the perspective of employees of an Institution of Higher Education Aleksander Roncon1 Denise Del Prá Netto Machado2 Luciano Castro de Carvalho3 Marcia Regina Santiago Scarpin4 Resumo O objetivo deste artigo é analisar a percepção dos valores organizacionais sob a ótica dos colaboradores em uma instituição de ensino superior (IES). Para tanto, foi realizada uma pesquisa quantitativa, descritiva, transversal, com levantamento de dados primários, com a aplicação de questionário. Os dados foram analisados por meio de médias e desvios padrões, além da análise discriminante múltipla. Como principais resultados foi possível identificar que o valor organizacional conformidade foi considerado o mais importante pelos funcionários da IES, indicando respeito pelas regras e normas da instituição e manutenção do status quo. Palavras-chave: Valores Organizacionais. Valores Pessoais. Instituição de Ensino Superior. Abstract The purpose of this paper is to analyze organizational values perception from an employee’s outlook in a Higher Education Institution (HEI). Was performed a quantitative, descriptive, transverse research with primary data collection through survey application. Data was analyzed using means and standard deviations, as well as multiple discriminant analysis. As main results, was found compliance to be considered the most important organizational value by HEI’s employees, indicating respect for rules and regulations of the institution and maintenance of the status quo. Keywords: Organizational Values. Personal Values. Higher Education Institution. 1 Mestre em Administração pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, Coordenador do Curso de Administração da Faculdade Arthur Thomas – Londrina/PR. E-mail: [email protected]. 2 Pós-Doutorado em Administração (PPGA) – Universidade de Brasília (UnB), Doutora em Administração - EAESP/FGV-SP, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Administração – PPGAd - Universidade Regional de Blumenau – FURB. E-mail: [email protected]. 3 Doutorando em Administração de Empresas – EAESP/FGV-SP. Bolsista FAPESP. E-mail: [email protected]. 4 Doutoranda em Administração de Empresas – EAESP/FGV-SP. Bolsista CAPES. E-mail: [email protected]. Rev. FAE, Cu r it iba, v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 2014 63 Introdução Introdução se esforçam para tentar realizar seus projetos corporativos, produzem e transmitem valores que se transformam em elementos expressivos da cultura Atualmente, experimenta-se um ambiente organizacional. Conhecer esses valores significa ter organizacional repleto de profundas e constantes formas de acesso a aspectos subjetivos da vida or- mudanças. Nesse cenário, para sobreviverem e ganizacional, condicionadores da cultura. se manterem competitivas, as organizações enfrentam desafios, como alterações do ambiente de trabalho, novos modelos de estrutura, ou ainda, práticas e políticas de gestão fundamentadas no relacionamento interpessoal e no desenvolvimento do potencial humano. Portanto, compreender o modo como os valores atribuem significado para o êxito organizacional tornou-se altamente relevante frente às necessidades apresentadas pelo mundo contemporâneo (TAMAYO; GONDIM, 1996). Já que para alcançar seus objetivos, as organizações precisam Como resultado, inovações são geradas por se constituir de pessoas capazes de reconhecer grupos e implementadas de forma a se posicionar estes valores, cumprir a missão organizacional, diferentemente sobre velhos problemas, integrando atingir sua visão e administrar seus recursos para os colaboradores nas decisões organizacionais. superar metas. Estas ações deliberadas e aplicadas exigem estruturas descentralizadas, ágeis e flexíveis, com princípios e visões compartilhadas, para que assim os objetivos propostos sejam alcançados. Os valores apresentam-se como direcionadores nas decisões dos indivíduos, responsáveis por definir o que é desejável entre todas as opções disponíveis para determinado contexto. Eles for- É da qualidade do capital humano, da capa- necem um senso de direção comum a todos os cidade de uma equipe em criar, inovar, acelerar, agir empregados e um guia para o comportamento primeiro e melhor, que surge a vantagem daquelas humano que conseguem manter seu espaço e seus valores TAMAYO, 1998; SANTOS; ROSSO, 2004; TAMAYO; em tempos de crise. À medida que as organizações PORTO, 2005; PEREIRA, 2006). Tornando-se um diário (BILSKY; SCHWARTZ, 1994; poderoso instrumento para explicar o comportamento das organizações e seus membros. Diante desse cenário, observa-se que os valores são À medida que as organizações se esforçam para tentar realizar seus projetos corporativos, partes constituintes fundamentais na composição da cultura organizacional e são reconhecidos por meio da percepção que os colaboradores têm de uma organização no momento em que o assumem como elementos representativos dela. Com isso, este estudo justifica-se pelo fato produzem e transmitem dos indivíduos constituírem o meio pelo qual se in- valores que se transformam nas decisões. Os valores percebidos e internaliza- troduz a inteligência nos negócios e a racionalidade em elementos expressivos da dos pelos colaboradores de uma organização atri- cultura organizacional. determinadas situações, tornando-se indispensável buem significado ao modo de agir das pessoas em para a obtenção de êxito organizacional. 64 As organizações Nesta perspectiva, este estudo tem como objetivo analisar a percepção dos valores orga- procuram selecionar nizacionais sob a ótica dos colaboradores em uma instituição de ensino superior (IES). 1 novos funcionários que apresentam modelos Referencial Teórico mentais mais próximos a seus valores, de modo a facilitar sua 1.1 Valores socialização. Os valores são considerados um dos elementos constitutivos da cultura organizacional, que por sua vez, representa um conjunto de símbolos, cerimônias e mitos que transmitem os valores e crenças subjacentes da organização a seus colaboradores (OUCHI, 1982). Com base nestes pressupostos, Schein (1984) desenvolveu um esquema que analisa a cultura organizacional por meio de seus componentes, explicando que cada cultura se apresenta em três níveis distintos: os artefatos, os valores compartilhados e os pressupostos básicos. Os valores são componentes fundamentais da cultura organizacional, exercendo sobre ela uma função de integração organizacional. Segundo Schein (1987), eles formam o núcleo da cultura e são percebidos facilmente pelos membros da organização, que os reconhecem e os assumem como característicos dela. O conceito de valores surge das reflexões sobre os significados que os valores pessoais apresentam no sentido de pessoas se comunicam. Os valores pessoais são representações cognitivas das necessidades dos indivíduos, enquanto os valores organizacionais representam as necessidades das organizações, que orientam o funcionamento e a vida desta (TAMAYO, 1998; PEREIRA, 2006; TEIXEIRA, 2008). Nesse sentido, os valores se tornam um instrumento capaz de explicar o comportamento das organizações e seus membros. Como consequência, as organizações procuram selecionar novos funcionários que apresentam modelos mentais mais próximos a seus valores, de modo a facilitar sua socialização (O’REILLY et al., 1991). Modelos mentais diferentes provocam, inevitavelmente, percepções diferentes da organização, do comportamento e da forma como as tarefas profissionais devem ser executadas (ROS; GOUVEA, 2006). direcionar o comportamento dos indivíduos, o âmbito organizacional e suas respectivas culturas, e revelam que o ser humano não é indiferente diante 1.2 A Teoria de Valores de Schwartz da realidade em que vive (SCHWARTZ; BILSKY, 1987). Eles ainda atribuem significado à cultura Na teoria de valores de Schwartz, os valores existente em cada organização. São representações pessoais encontram maior relação com os estudos das metas humanas que coordenam seu com- organizacionais, no sentido em que avança em portamento, além de direcionar a forma como as direção à hierarquia de valores (ROS; GOUVEA, Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 2014 65 2006) e busca identificar o significado do trabalho na vida das pessoas, bem como o modo que este as tradições. No outro eixo, a dimensão Autopromoção versus Autotranscendência, mostra o conflito entre uma orientação voltada para os interesses próprios em contraste significado influência a prioridade dos valores com uma orientação para considerar os interesses dos culturais (SCHWARTZ, 1999). outros, quer sejam indivíduos ou coletividades. Um sistema de valores pode ser percebido Schwartz (1999) propôs ainda uma teoria por meio de uma estrutura bidimensional e bipolar, composta por três dimensões bipolares: a natu- contendo dez tipos motivacionais representados reza das relações entre indivíduo e o grupo; o por meio de uma apresentação gráfica circular comportamento responsável que vise preservar a que demonstra as diferenças e semelhanças entre sociedade e a relação da humanidade ao mundo os tipos motivacionais (SCHWARTZ, 1992). Ilustra- natural e social. E, por sete tipos de valores pelos quais -se esta estrutura por meio da FIG. 1. as culturas possam ser comparadas: a harmonia, o FIGURA 1 – Valores Pessoais: modelo teórico das relações entre os tipos motivacionais, tipos de valores de ordem superior e dimensões de valores bipolares igualitarismo, a autonomia intelectual, a autonomia efetiva, o domínio, hierarquia e o conservadorismo, que definem a estrutura dos valores organizacionais sob a ótica dos empregados. Esse conjunto de postulados não implica ia Seg uran ça em torno dessas três dimensões (ROS; GOUVEA, 2006). A FIG. 2 apresenta a estrutura teórica dos sete tipos de valores. FIGURA 2 – Estrutura teórica dos tipos de valores er d Po ism ção o on Tradição nev olê Be lação Harmonia Re al d He de ida m or nf Co iza Abertura minação organizações, mas sim, que eles se organizam Conservação o lism rsa ive nc Un Autodet er Estimu que os valores sejam os mesmos em todas as FONTE: Schwartz (1992, adaptado) Igualitarismo Conservadorismo A estrutura de valores de Schwartz (1992) apresenta quatro grandes ordens, formando duas dimensões conceituais básicas: abertura à mu- Hierarquia Domínio dança versus conservação e autopromoção versus autotranscendência, que representam as relações de conflito entre os tipos motivacionais específicos de valores. Segundo Teixeira (2008, p. 82): O eixo da dimensão Abertura à Mudança versus Conservação enfatiza o contraste entre a motivação para seguir o interesse próprio em direções imprevistas e incertas, 66 FONTE: Schwartz (1999, adaptado) A primeira dimensão refere-se à definição da natureza das relações entre o indivíduo e o grupo. Aborda a polaridade entre o valor “conservadorismo”, enfatiza aspectos culturais da manutenção da posição social dentro da organização e a “autono- com o desejo de manter o status quo e a segurança em mia” representada pelas culturas. Nestas, as pes- relacionamentos com o próximo, com as instituições e soas são vistas como autônomas e encontram sen- tido em sua individualidade. Este valor subdivide-se explicam que a verdadeira realidade organizacional em “autonomia intelectual”, e se refere à indepen- não é objetiva, mas representada e construída. dência das ideias e “autonomia efetiva”, que busca Cada ator organizacional assume um papel ativo na a independência individual e aspiração de experiên- construção dessa realidade por meio de diversos cias positivas (SCHWARTZ, 1999; SOARES, 2006). esquemas interpretativos descritos na cultura de Conforme Schwartz (1999) e Soares (2006), uma organização. garantir um comportamento responsável que Schwartz (1999) considera a dimensão cul- vise preservar a sociedade refere-se à segunda tural de valores mais adequada, comparada à dimensão, composta pelo valor “hierarquia”, que dimensão individual, para o entendimento do sig- trata da legitimação da distribuição desigual do nificado do trabalho, visto que a primeira, por ser poder, regras e recursos e pelo valor “igualitarismo”, constituída pela sociedade ou grupo cultural, não que visa à transcendência dos interesses próprios sofre o impacto das diferenças de prioridade de em prol do bem-estar dos outros. valores pessoais (SOARES, 2006). A terceira dimensão representa a relação entre a humanidade e o mundo natural e social e é dividido pelo valor “domínio”, enfatizando valores pessoais como ambição, sucesso e ousadia e o valor 1.3 Abordagem Fundamentada em Valores Pessoais “harmonia” que identifica o ajuste harmônico com o meio ambiente, com destaque para a integração com a natureza e proteção ao meio ambiente (SCHWARTZ, 1999; SOARES, 2006). Os valores pessoais são considerados indicadores das motivações das pessoas, em que as prioridades axiológicas dos membros da orga- A análise das três dimensões bipolares e nização podem determinar a quantidade de seus respectivos valores possibilita a cada empre- esforço individualmente despendido para realizar gado identificar quais deles predominam em sua um determinado comportamento, bem como a organização, bem como, detectar diferenças entre persistência em sua execução (OLIVEIRA; TAMAYO, os valores internos e os de outras empresas 2004). Berger (2004) aponta que as regras de (TAMAYO et al., 2000). comportamento estabelecidas por meio de acordos Os valores adotados pelas organizações para referenciar suas práticas refletem o que seu corpo diretivo realmente acredita ser a realidade de sua organização, ou o que eles gostariam que as entre as pessoas de um grupo, determinam as situações sociais que produzem pressões com a intenção de garantir que as pessoas deem as respostas esperadas e adotadas pela sociedade. partes interessadas acreditassem ser a organização A organização hierárquica dos valores indi- (KABANOFF; DALY, 2002). Considerando que as ca o grau de preferência por determinados com- prioridades dos valores culturais são compartilha- portamentos, metas ou estratégias. Dessa forma, das, os gestores das instituições podem selecionar as prioridades axiológicas distinguem uma organi- comportamentos socialmente adequados e justifi- zação da outra, conforme a escala de importância car suas escolhas comportamentais aos demais. dos valores, atribuída pelo corpo funcional de cada Essas considerações permitem estudar os organização (OLIVEIRA; TAMAYO, 2004). valores organizacionais a partir da representação A função dos valores é auxiliar na construção mental dos empregados em relação ao sistema de modelos que servem de orientação para as ne- axiológico da empresa. Ros e Gouvea (2006) cessidades humanas, abordadas tanto sob as formas Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 2014 67 Os indivíduos transportam seus valores pessoais para dentro das organizações assim que são contratados e os valores organizacionais são formados a partir de seus valores pessoais. sobre pessoas, recursos e mercado; (iv) bem-estar: valorização da satisfação dos empregados mediante a qualidade de vida no trabalho; (v) tradição: valorização dos costumes e práticas consagradas; (vi) prestígio: valorização do prestígio organizacional na sociedade, mediante a qualidade de produtos; (vii) autonomia: valorização de desafios, a busca de aperfeiçoamento constante, a curiosidade, a variedade de experiências e a definição de objetivos profissionais dos empregados; (viii) preocupação com a coletividade: valorização do relacionamento com pessoas que estão próximas da comunidade. Sob o ponto de vista conceitual, os valores pessoais e os organizacionais apresentam compo- de expressar as necessidades humanas, tanto quan- nentes motivacionais, cognitivos, hierárquicos e to um guia padrão de atividades no sentido de solu- sociais semelhantes (OLIVEIRA; TAMAYO, 2004) cionar conflitos e tomar decisões (SOARES, 2006). e guiam a vida das pessoas e das organizações, Eles criam comportamentos e atitudes semelhantes cada qual sob seu respectivo valor. entre os empregados que, associados ao funcionamento e missão da organização, auxiliam na cons- 2 trução de uma identidade organizacional. Os indivíduos transportam seus valores Procedimentos Metodológicos pessoais para dentro das organizações assim que são contratados e os valores organizacionais são formados a partir de seus valores pessoais. Existe, entre os valores pessoais e os valores organizacionais. dos colaboradores em uma instituição de ensino A coexistência cotidiana entre eles no ambiente superior (IES). Para tanto, realizou-se a pesquisa organizacional constituiu um elemento suficiente quantitativa, descritiva, transversal, por meio de para justificar que Oliveira e Tamayo (2004) utili- levantamento de dados primários, com a aplicação zassem o sistema motivacional de valores pessoais de questionário. Richardson (1989) afirma que o proposto por Schwartz (1992) e assim, construir método quantitativo, como o próprio nome indica, e validar uma escala de medida de valores caracteriza-se pelo emprego da quantificação organizacionais, o Inventário de Perfis de Valores tanto nas modalidades de coleta de informações, Organizacionais (IPVO), constituído pelos valores: quanto no tratamento dessas, por meio de técnicas (i) realização: a valorização da competência pa- estatísticas, desde as mais simples, como percentual, ra o alcance do sucesso da organização e dos média, desvio-padrão, às mais complexas, como empregados; (ii) conformidade: valorização do res- análise discriminante, correlação canônica etc. Hair peito às regras e modelos de comportamento no Jr. et al. (2005) explicam que a pesquisa descritiva ambiente de trabalho e no relacionamento com outras têm seus planos estruturados e especificamente organizações; (iii) domínio: valorização do poder, criados para medir as características descritas em tendo como meta a obtenção de status, controle uma questão de pesquisa. portanto, 68 O principal objetivo deste estudo foi analisar a percepção dos valores organizacionais sob a ótica uma similaridade motivacional A técnica utilizada foi survey, com escala lirket de seis pontos, que se baseia no questionamento aos participantes com perguntas fechadas. O instrumento de pesquisa utilizado foi o questionário, já consolidado, elaborado e praticado por Oliveira e Tamayo (2004) e Tamayo et al. (2000), que deram origem ao Inventário de Perfis de Valores Organizacionais (IPVO). Oliveira e Tamayo (2004) desenvolveram o IPVO em quatro etapas, que resultou em um dos questionários utilizados por este estudo, contendo 48 itens em uma escala não numérica, distribuídos em oito fatores (QUADRO 1). QUADRO 1 – Fatores motivacionais do inventário de perfis de valores organizacionais Fator/Valor Aspectos 1 Realização Competência e sucesso da organização e dos empregados. 2 Conformidade Respeito às regras e modelos de comportamento no ambiente. 3 Domínio Valorização do poder, status, controle sobre pessoas, recursos e mercado. 4 Bem-estar Satisfação dos empregados mediante a qualidade de vida no trabalho. 5 Tradição Valorização dos costumes e práticas consagradas. 6 Prestígio Valorização do prestígio organizacional. 7 Autonomia Desafios, aperfeiçoamento constante e curiosidade. 8 Preocupação com a coletividade Valorização do relacionamento com pessoas. FONTE: Tamayo (2004) O objeto para a aplicação desta pesquisa tionários, perfazendo uma amostra consolidada de foi uma IES escolhida por seu tempo de existência, respondentes de 88,60%, com erro amostral de 4%. crescimento e representatividade na Região Norte do Paraná. Suas atividades tiveram início em 2002, com realização de cursos de Pós-Graduação Lato Sensu inéditos na região. Em 2007 vieram os cur- Em relação à análise dos dados, pode-se afirmar que os recursos utilizados estão baseados na estatística multivariada e sua apresenta- sos de graduação, e, em 2008, a consolidação do ção foi disponibilizada em tabelas e textos des- grupo com a construção de seu campus institucio- critivos. Apresentou-se uma tabela com o perfil nal. Atualmente a IES funciona com os cursos de dos respondentes para melhor caracterização da Graduação em Administração e Direito, com apro- amostra estudada e analise das relações de pro- ximadamente 1.000 discentes. porcionalidade entre grupos (tempo de trabalho, A amostra constitui-se de diretores, coorde- cargos e gênero). nadores, professores e colaboradores da IES. Dos Dados descritivos foram apresentados das 70 colaboradores que compõem o quadro de fun- percepções dos funcionários a respeito dos valo- cionários da organização, 62 responderam os ques- res organizacionais por meio das médias e des- Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 2014 69 vios -padrões, indicando maior ou menor percep- Lambda e quanto menor o F-ANOVA (desejável ção dos valores e a amplitude da divergência de ser menor que 0,05), mais discriminante será a percepções entre os funcionários. variável (HAIR JR. et al., 2005). A fim de verificar diferenças de percepções Dentre as limitações da pesquisa, destaca-se de valores, estabeleceram-se grupos de análises. que foi aplicada em um grupo restrito de indivíduos, Desta forma, foram criados grupos em relação não sendo assim passível de generalizações; e sua ao perfil dos respondentes, tais como tempo de aplicação se deu em uma única IES, impossibilitando trabalho (grupo 1: menos de 6 meses trabalho; estender seus resultados para outras instituições. grupo 2: mais de 6 meses de trabalho), cargos (grupo 1: acadêmicos; grupo 2: diretor, coordenador; 3 grupo 3: administrativo; grupo 4: outros) e gênero Análise de Dados (grupo 1: feminino; grupo 2: masculino). Foram verificadas as diferenças de percep- Inicialmente, levantou-se a caracterização do ções por teste de igualdade das médias, levando perfil dos respondentes na organização pesquisada. em consideração o coeficiente Wilks’ Lambda (es- No total foram 62 funcionários, envolvendo cargos tatística U) e o teste F-ANOVA. O coeficiente Wilks’ acadêmicos, administrativos, diretoria/coordenação Lambda implica na análise univariados, neste caso e outros. Verificou-se dentre os pesquisados que cada um dos valores organizacionais, indicando a 58% são do gênero feminino e 42% do gênero habilidade discriminante de cada um deles entre masculino. Embora haja diferença de 16% entre grupos. O teste F-ANOVA auxilia no entendimento o número de homens e mulheres, não se pode e análise do coeficiente Wilks’ Lambda por apre- evidenciar tal discrepância na função acadêmica sentar o nível de significância de cada variável, que em que 51% são mulheres e 49% são homens. pode indicar diferenças relevantes entre grupos. Nos demais cargos há predominância feminina, conforme TAB. 1. Os critérios da interpretação destes testes indicam que quanto menor o coeficiente Wilks’ TABELA 1 – Perfil dos respondentes Cargos Menos de 6 meses Total % Fem Masc Fem Masc Fem Masc Total F M Acadêmico 10 10 8 7 18 17 35 51 49 Administrativo 4 2 4 1 8 3 11 73 27 1 1 3 2 4 3 7 57 43 Outros 4 1 2 2 6 3 9 67 33 Subtotal 19 14 17 12 36 26 62 58 42 Diretor/ Coordenador Total 33 (53%) FONTE: Os autores (2012) 70 Mais de 6 meses 29 (47%) 62 (100%) Destaca-se ainda que, no momento da pesquisa, grande número de funcionários (53%) ainda não havia completado um semestre letivo de trabalho na instituição de ensino, sendo que 60% destes são professores (acadêmicos). Desta forma, pode-se apresentar que a instituição de ensino pesquisada possui quadro de funcionários que se divide homogeneamente em dois grupos: o primeiro com menos de 6 meses de trabalho (grupo 1) e o outro com mais de 6 meses de trabalho (grupo 2). Para alcançar o objetivo deste estudo, que é analisar a percepção dos valores organizacionais sob a ótica dos colaboradores em uma IES, foram realizadas as médias dos respondentes, considerando a ferramenta do IPVO de Oliveira e Tamayo (2004), apresentada na TAB. 2. TABELA 2 - Média total da amostra por fator motivacional (IPVO) e dimensão de Schwartz Fator motivacional (IPVO) Dimensão de Schwartz (1992) Média Desvio Padrão Conformidade Conservação 3,93 1,22 Realização Autopromoção 3,78 1,40 Preocupação com a coletividade (sociedade) Autotranscendência 3,77 1,39 Prestígio Autopromoção 3,52 1,27 Autonomia Abertura 3,50 1,38 Domínio Autopromoção 3,35 1,36 Tradição Conservação 2,45 1,36 Bem-estar Abertura 2,08 1,57 FONTE: Os autores (2012) Conforme TAB. 3, a conformidade é o fator análise das assertivas que compõem este fator, ob- motivacional de maior importância para a amostra serva-se que a maior similaridade encontrada pela de funcionários da IES, com a maior média 3,93. amostra de funcionários pesquisada está na honesti- Este fator motivacional descreve o modo pelo qual dade das pessoas em dizer a verdade como parte do os indivíduos agem, considerando as expectativas princípio da organização e o valor empregado ao re- sociais e tendo como meta promover o status lacionamento com seus stakeholders (SCHWARTZ, quo. Ele se traduz em cortesia e boas maneiras 1999; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004). no trabalho e respeito às normas da instituição. (SCHWARTZ, 1999; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004). O fator motivacional prestígio, com média 3,52, aponta aspectos relativos à influência e Com média geral de 3,78, o fator motivacional prestígio da organização que, por meio do aperfei- realização ficou com a segunda posição. Para este çoamento constante, busca admiração, reconheci- fator, o principal destaque está na valorização profis- mento e respeito da sociedade pela qualidade de sional dos funcionários que compõem a organização. seus produtos e serviços prestados (SCHWARTZ, Nesta dimensão, eles acreditam que é importante 1999; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004). O fator motiva- ser competente, demonstrando suas habilidades cional autonomia tem como meta oferecer desa- e conhecimentos (SCHWARTZ, 1999; OLIVEIRA; fios e variedade no trabalho, além de estimular a TAMAYO, 2004). Próximo a este fator, ocupando a criatividade e a inovação. Essa dimensão foi apre- terceira posição, tem-se o da preocupação com a sentada com média 3,50, o que demonstra que os coletividade (sociedade) com média geral 3,77. Na funcionários percebem um grau de abertura para Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 2014 71 expor suas ideias e um incentivo quanto ao aper- da organização, explicando o porquê deste fator feiçoamento de suas competências (SCHWARTZ, motivacional ter ficado em penúltimo lugar (TIDD; 1999; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004). BESSANT; PAVITT, 1997, p. 100; SCHWARTZ, 1999; ROHAN, 2000; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004). O fator motivacional domínio, com meta 3,35, congrega itens relativos ao poder, cuja meta central E finalmente o fator motivacional bem-estar é a obtenção de status, controle sobre pessoas que simboliza a compreensão, agradecimento, tole- e recursos, bem como à busca de uma posição rância e proteção do bem-estar de todas as pessoas dominante no mercado (OLIVEIRA; TAMAYO, e natureza. Seus valores são derivados das necessi- 2004). Ele também é associado à segurança dos dades de sobrevivência dos grupos e indivíduos. O negócios e ao estímulo dos clientes na aquisição de bem-estar tem como meta promover a satisfação e a novos produtos ou serviços, atribuindo um aspecto qualidade de vida no trabalho. A média de 2,08, pode de preocupação com o domínio do mercado. estar relacionada ao fato da organização não possuir Tem como meta obter lucros, ser competitivo e implementada práticas destinadas a satisfação pes- dominar o mercado, denotando importância para soal de seus empregados, bem como projeto sociais o sucesso organizacional e satisfação dos clientes que contribuam para o seu bem-estar (SCHWARTZ, (SCHWARTZ, 1999; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004). 1999; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004). Apresentado na forma de ritos, crenças e Após essa primeira análise, buscou-se verificar normas de comportamento, o fator motivacional se a percepção dos valores organizacionais, medida tradição geralmente ressalta a hierarquia e a pelo inventário de Perfil dos Valores Organizacionais aceitação de regras, que preservam práticas (IPVO), possui comportamento heterogêneo entre tradicionais e protegem a estabilidade, sua média os grupos devido a diferença de tempo de trabalho geral ficou em 2,45. Essa nota pode ser atribuída entre eles (grupo 1 < 6 meses e grupo 2 > que 6 ao fato da instituição atuar há pouco no mercado. meses). Para esta constatação, utilizou-se testes Com isso, seus funcionários não vivenciaram de igualdades das médias dos grupos, conforme a momentos críticos, de transição, de inovação, TAB. 3, os quais examinam a existência de diferenças de celebração, entre outros, que fizessem com de percepções entre grupos e verifica se estas que internalizassem “o jeito de fazer as coisas” diferenças são relevantes ao ponto de discriminá-los. TABELA 3 – Testes de igualdades das médias dos grupos – Tempo de trabalho Fatores IPVO Wilks' Lambda df1 df2 F-ANOVA 1 REALIZAÇÃO ,966 2,099 1 60 ,153 2 CONFORME ,997 ,153 1 60 ,697 3 DOMÍNIO ,986 ,872 1 60 ,354 4 BEM-ESTAR ,941 3,738 1 60 ,058 5 TRADIÇÃO ,997 ,161 1 60 ,690 6 PRESTÍGIO ,984 ,978 1 60 ,327 7 AUTONOMIA ,995 ,316 1 60 ,576 8 COLETIVIDADE ,979 1,315 1 60 ,256 FONTE: Dados da pesquisa (2012) 72 F Os resultados apontaram por meio do Wilks’Lambda (estatística U) que as variáveis em estudo, caracterizadas pelas altas estatísticas (todas próximas a 1), possuem baixo ou nenhum valor discriminatório para os grupos de funcionários, indicando que as variáveis possuem semelhanças de médias entre os grupos. Para esta análise, estatísticas próximas a zero são desejadas para inferir poder discriminatório às variáveis. Buscando auxiliar a interpretação e avaliação da estatística U, realizou-se o teste F-ANOVA, apresentando o nível de significância de cada variável, em que valores menores que 0,05 indicam diferenças significantes entre as médias dos grupos (MARIO, 2009). Sendo assim, constata-se que o teste F-ANOVA confirma os resultados da estatística U, uma vez que as variáveis em estudo possuem níveis de significância maiores que 0,05, e, por sua vez, aponta para a homogeneidade entre as médias dos grupos. Nesta análise, verifica-se que, embora a variável bem-estar possua o menor nível de significância e a menor estatística U (0,941) dentre as variáveis analisadas, evidencia-se que seus valores ainda são altos perante os valores desejados. Portanto, as percepções de valores, operacionalizadas pelas variáveis do IPVO não apresentam diferenças significantes que possam identificar os funcionários por tempo de trabalho. Nessa mesma lógica de análise, verificou-se também se o cargo ocupado pelo funcionário pode influenciar na percepção dos valores organizacionais. Cada cargo foi considerado um grupo e esses foram codificados por: Acadêmicos (grupo 1), Diretor/Coordenador (grupo 2), administrativo (grupo 3) e outros (grupo 4). Assim, fez-se uso, de acordo com a análise anterior, da estatística U e do teste F-ANOVA, demonstrados na TAB. 4. TABELA 4 – Testes de igualdades das médias dos grupos – Cargos Fatores IPVO Wilks' Lambda F df1 df2 F-ANOVA 1 REALIZAÇÃO ,986 ,280 3 58 ,840 2 CONFORME ,957 ,873 3 58 ,460 3 DOMÍNIO ,932 1,403 3 58 ,251 4 BEM-ESTAR ,895 2,261 3 58 ,091 5 TRADIÇÃO ,989 ,216 3 58 ,885 6 PRESTÍGIO ,957 ,868 3 58 ,463 7 AUTONOMIA ,955 ,913 3 58 ,441 8 COLETIVIDADE ,975 ,505 3 58 ,680 FONTE: Dados da pesquisa (2012) De forma semelhante à análise realizada com o tempo de trabalho, o cargo ocupado também apresenta altas estatísticas para Wilks’Lambda e altos valores de significância no teste F-ANOVA. Para esta unidade de análise, a variável bem-estar também apresentou as menores estatísticas, mas não o suficiente para exercer função discriminante. Em suma, os testes comprovam a igualdade das médias dos grupos que, em termos práticos, refere-se à ausência de diferenças significantes de percepções Rev. FA E , C uritiba, de valores organizacionais que possa caracterizar os diferentes cargos ocupados pelos funcionários. A última análise refere-se ao gênero dos funcionários. As variáveis do IPVO foram analisadas a fim de identificar maiores ou menores percepções de valores organizacionais entre o gênero feminino (grupo1) e o gênero masculino (grupo 2). Os testes das igualdades dos grupos são apresentados na TAB. 5. v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 2014 73 TABELA 5 – Testes de igualdades das médias dos grupos – Gênero Fatores IPVO Wilks' Lambda F df1 df2 F-ANOVA 1 REALIZAÇÃO ,900 6,677 1 60 ,012 2 CONFORME ,993 ,426 1 60 ,516 3 DOMÍNIO ,941 3,772 1 60 ,057 4 BEM-ESTAR ,894 7,090 1 60 ,010 5 TRADIÇÃO ,999 ,047 1 60 ,829 6 PRESTÍGIO ,936 4,078 1 60 ,048 7 AUTONOMIA ,924 4,914 1 60 ,030 8 COLETIVIDADE ,891 7,369 1 60 ,009 FONTE: Os autores (2012) Diferente das análises anteriores, o teste riáveis que tenham igualdade de médias refutadas entre os grupos. de igualdade das médias dos grupos possibilitou identificar variáveis que podem ter poder discri- Para complementar o processo de análise, minante entre os gêneros. Verifica-se que todas as apresentou-se uma matriz de correlação com as va- variáveis possuem estatística U com valores eleva- riáveis do IPVO, a fim de verificar possíveis casos de dos e algumas com níveis de significância satisfa- multicolinearidade e identificar variáveis que, mesmo tórios (bem-estar, prestígio, autonomia e coletivi- com bons níveis de significância, podem comprome- dade), sendo assim, fazem-se necessárias análises ter o método stepwise, e assim, deixar de compor a complementares para que se possa identificar va- função discriminante. Destacado na TAB. 6. REALIZAÇÃO CONFORME DOMÍNIO Autonomia Prestígio Tradição Bem-estar ,669** ,141 ,329** BEM-ESTAR ,608** ,350** ,052 TRADIÇÃO ,358** ,446** ,161 ,493** PRESTÍGIO ,710** ,664** ,224 ,437** ,490** AUTONOMIA ,839** ,701** ,270* ,617** ,372** ,719** COLETIVIDADE ,855** ,689** ,107 ,659** ,383** ,693** FONTE: Os autores (2012) * Correlação é significante ao nível de 0,01. ** Correlação é significante ao nível de 0,05. 74 Domínio Conforme Realização TABELA 6 – Matriz de correlação entre as variáveis do IPVO ,815** Com base na matriz demonstrada na TAB. 6, percebe-se que sete das oito variáveis em estudo possuem correlações significantes ao nível de 0,05, e que apenas a variável domínio possui comportamento diferenciado das demais por apresentar correlações não significantes ao nível de 0,01 e 0,05. Desta forma, foi realizado o teste final para verificação da quebra ou não da premissa da igualdade das médias dos grupos por meio do teste Box’s M. TABELA 7 – Teste Box’s M Box's M 4,223 Approx. 1,355 df1 3 df2 244605,745 Sig. ,255 F FONTE: Os autores (2012) Nesse teste (TAB. 7), pode-se constatar que as médias dos grupos das variáveis em estudo quebram a premissa da igualdade de médias entre grupos por apresentar nível de significância de 0,255, ou seja, maior do que o valor desejado de 0,05. Isso significa que existem variáveis com poder discriminante, uma vez que as médias entre grupos (feminino e masculino) são diferentes. Sendo assim, por meio dos coeficientes da função discriminante canônica, identificaram-se as variáveis que representam a desigualdade das médias dos grupos e que representam diferenças de percepção de valores organizacionais entre os gêneros. TABELA 8 – Função discriminante canônica e função discriminante linear de Fisher Função Gênero 1 Feminino Masculino Tolerância ,764 2,664 3,398 ,958 DOMÍNIO -,738 4,525 3,817 ,958 (Constant) -,378 -17,209 -17,646 COLETIVIDADE FONTE: Os autores (2012) A leitura da equação canônica, dada pela As análises do coeficiente de Fisher (colunas Função 1 na TAB. 8, indica que as variáveis coletivi- Gênero) sugerem que as mulheres têm maior per- dade e domínio compõem a função discriminante, cepção no fator motivacional domínio, que pos- caracterizadas por altos pesos com sinais invertidos, suem prevalência no eixo autopromoção (FIG. 1), dada a ausência de multicolinearidade entre elas. indicando uma orientação voltada para valoriza- A ausência da multicolinearidade afeta também o ção do poder, com tendência sobre a competi- poder de explicação das variáveis, já que ambas tividade da organização e domínio de mercado. não oferecem explicações redundantes quanto às Os homens se destacam no fator motivacional diferenças de percepções entre gêneros (0,958 coletividade (sociedade), enquadrando-se no eixo constante na coluna Tolerância). autotranscendência (FIG. 1), com preocupações Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 2014 75 voltadas ao relacionamento com seus stakeholders. Com isso, são mais perceptivos aos tratamentos igualitários, justos e honestos, atentos à satisfação dos seus pares. Para finalizar, buscou-se compreender a eficiência da discriminação entre homens e mulheres baseada na análise da coletividade e domínio. Para isso, a Função 1 foi executada e seus resultados são apresentados na TAB. 9. TABELA 9 – Classificação de gêneros Gênero Contagem % Predições Feminino Total Masculino Feminino 24 12 36 Masculino 7 19 26 Feminino 66,7 33,3 100,0 Masculino 26,9 73,1 100,0 FONTE: Os autores (2012) De acordo com a TAB. 9, as variáveis coletividade e domínio possuem poder discriminante para o gênero feminino em torno de 66,7%, enquanto para o gênero masculino 73,1%. De uma forma geral, pode-se afirmar que a validade discriminante das variáveis em epígrafe é de 69,9%. Considerações Finais Como resultado, foi possível identificar que o valor organizacional conformidade foi considerado o mais importante pelos funcionários da As empresas buscam competitividade no IES, indicando respeito pelas regras e normas da mercado, desenvolvendo estratégias que as possi- instituição e manutenção do status quo. Em seguida, bilitem alcançarem seus objetivos. Porém, as metas o valor realização, representando a percepção organizacionais devem estar alinhadas aos seus va- dos funcionários quanto à valorização de suas lores, visto que os resultados obtidos terão grande competências, habilidades e conhecimentos por influência daqueles que executam as tarefas cotidi- parte da empresa. Em terceiro lugar, destaca-se o anas. Os valores organizacionais atuam como guias, valor coletividade, demonstrando a preocupação orientando o comportamento de pessoas e orga- dos funcionários com o relacionamento de seus nizações. Efetivamente, eles norteiam as ações de stakeholders. O valor prestígio segue em quarto cada indivíduo que integra uma instituição e, portan- lugar, e representa a importância da empresa pelo to, fazem parte do núcleo da cultura organizacional. reconhecimento e respeito da sociedade pela qualidade de seus serviços. No quinto lugar está o 76 Identificar quais valores organizacionais valor autonomia, sugerindo abertura dos funcionários norteiam as decisões dos funcionários de uma or- em expor suas ideias e identificando a capacidade ganização, pode ajudá-la a entender sua posição da IES em promover um ambiente desafiador para no mercado. Nesse sentido, este estudo teve por se trabalhar. Em sexto lugar, encontra-se o valor objetivo analisar a percepção dos valores orga- domínio, mostrando que a liderança do mercado nizacionais sob a ótica dos colaboradores em uma não é percebida como primordial. O penúltimo lugar instituição de ensino superior. é representado pelo valor tradição, com pouca representatividade devido aos poucos anos de desempenhando o papel de “dominador” e a mulher existência da organização, evidenciando uma cultura atuando como “dominada”, o que demonstra que as em formação. E por último, o valor bem-estar, com relações de poder entre homens e mulheres, altera- a menor média, comprovando não ser percebido se também a configuração das relações sociais pelos funcionários da IES questões relacionadas à entre esses sujeitos no âmbito organizacional qualidade de vida e projetos sociais. (CAPPELLE, et al. 2004) Os resultados evidenciam Os resultados demonstram que os valores organizacionais da instituição pesquisada são condizentes com o seu porte e tempo de existência. Uma vez que a pouca idade da instituição não lhe permite, ainda, possuir valores relacionados à tradição, característica esta que leva tempo para ser desenvolvida e internalizada pelos funcionários. que este ambiente está em permanente modificação nos hábitos e condições de vida, permeadas por inovações tecnológicas e pelo desenvolvimento sociocultural. E, por mais que se busque a igualdade entre gêneros, é preciso considerar as diferenças existentes e utilizá-las a favor da empresa, na busca de melhores resultados. Dominação, atributo este que inicialmente precisa O tema deste estudo é amplo e relevante passar pela estabilização no mercado em que para o entendimento do cotidiano organizacional, atuam. E por fim, o valor bem-estar que foi o último cabe na relação de importância, pois está relacionado proporcionar resultados parecidos, bem como se com a maturidade e o planejamento da instituição seria interessante a realização de novos estudos em atender esta que é uma demanda cada vez mais aplicados em outras instituições privadas, públicas, requerida pelos funcionários. ou ainda, relacionando valores organizacionais Além da classificação dos valores, foi realizada indagar se novas pesquisas poderiam entre instituições públicas e privadas. análise discriminante múltipla com o objetivo de Adotando as considerações de Tamayo (1998), determinar a existência ou não de diferenças entre em que os valores organizacionais correspondem grupos no que se refere a percepção dos valores aos valores percebidos como característicos de organizacionais. Para os grupos “tempo de trabalho” uma organização e que são importantes na própria e “cargos” não houve diferenças entre os valores construção da identidade de uma organização, organizacionais. No entanto, entre o grupo “gênero” cabe questionar se a forma como as organizações ocorreu diferença entre os fatores motivacionais, são reconhecidas no mercado podem ter relação coletividade e domínio, evidenciando que mulheres com os valores percebidos e praticados por seus tendem para o valor domínio, indicando uma busca colaboradores. por prestígio, associado à sua posição na empresa e propensão a controlar os diversos recursos existentes na organização. Enquanto o homem enfatiza o valor coletividade, sugerindo maior atenção no relacionamento com seus stakeholders. Neste caso, a preocupação é com o tratamento e treinamento oferecido aos funcionários, e a boa convivência com os clientes e os fornecedores. que de forma polarizada, o que se tem é o homem FA E , C uritiba, um passo no sentido de mensurar a percepção dos colaboradores em identificar os valores organizacionais compartilhados pela instituição pesquisada. Assim, entende-se que as organizações precisam empreender os maiores e melhores esforços no sentido de identificar quais valores representam o comportamento de seus colaboradores e, consequentemente, Este é um achado interessante, uma vez Rev. De qualquer modo, este trabalho representa verificar de que maneira esses valores contribuem para o êxito organizacional. v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 2014 77 Referências BERGER, P. L. Perspectivas sociológicas: metodologia científica no caminho de Habernas. Petrópolis: Vozes, 2004. BILSKY, W.; SCHWARTZ, S. Values and personality. 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Managing innovation: integrating technological, market and organizational change. Chichester: J. Wiley, 1997. Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 2014 79 As contribuições e o pensamento de John Stuart Mill no campo da economia The contributions of the John Stuart Mill’s thoughts about economy As contribuições e o pensamento de John Stuart Mill no campo da economia The contributions of the John Stuart Mill’s thoughts about economy Eduardo H. Martins L. Scoville1 Gilson Batista de Oliveira2 Resumo O objetivo desse artigo é apresentar a contribuição de John Stuart Mill para a evolução do pensamento econômico. Alguns aspectos teóricos levantados por ele são incoerentes e contraditórios e outros extremamente intrigantes dentro do debate econômico. Sobre Mill, pode-se dizer que poucos economistas tiveram uma obra tão vasta e aberta para discussões realmente relevantes para o progresso da Economia Política. Palavras-chave: Economia política. Utilitarismo. Estado Estacionário. Abstract The aim of this paper is to present the contribution of John Stuart Mill to the evolution of economic approach. Some theoretical issues raised by him are inconsistent and contradictory and the extremely intriguing in the economic debate. About Mill, one can say that few economists had a work so vast and truly open for discussions relevant to the advancement of political economy. Keywords: Political economy. Utilitarianism. Steady State. 1 Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Professor da FAE Centro Universitário/Curitiba-PR. E-mail: [email protected]. 2 Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). E-mail: [email protected]. Rev. FAE, Cu r it iba, v. 17, n. 1, p. 80 - 95, jan./jun. 2014 81 Introdução Presentemente, é percebido pela maioria impôs desde os 5 anos de idade, contribuiu para dos pesquisadores do pensamento econômico, que a sua obra não se encerrasse em uma postura que a maioria das formulações teóricas que totalmente rígida em relação aos economistas aparecem em “Uma investigação sobre as causas clássicos e tampouco à Economia Política. Aos 12 da riqueza das nações” (1776), do célebre filósofo e anos, Mill já possuía um grande conhecimento em economista escocês, Adam Smith (1723-1790), não história, lógica, filosofia clássica, poesia, álgebra são inteiramente originárias do autor. Adam Smith e geometria, além do total domínio do latim e do abordou questões como a Teoria do Valor-Trabalho, grego. A tutela de David Ricardo e as lições diárias que já aparecera nos escritos de William Petty (1623- de seu pai, que enfatizavam o pensamento de -1687), ou do liberalismo econômico, das obras de seu tutor, de T. R. Malthus (1766-1834) e Jeremy seu grande mestre, David Hume (1711-1776), de forma Bentham (1748-1832) despertaram o interesse pela elegante, vigorosa e essencialmente acadêmica, por economia e, principalmente, pelo utilitarismo do meio de uma combinação dos métodos dedutivos último autor. O aprendiz, diariamente, apresentava e históricos indutivos. Smith organizou um ideário resumos que, mais tarde, serviram de base para a previamente elaborado, averiguou as fontes do obra de seu pai, “Elementos de economia política” crescimento econômico e ofereceu notáveis consi- (1821), apesar dele não fazer menção à contribuição derações pessoais. Mesmo assim, a sua obra mais do filho. conhecida não perdeu em qualidade, tornando-se Até os 20 anos, Mill estava totalmente um paradigma teórico no final do século XVIII e a imerso na Economia Clássica e no utilitarismo pedra angular da Economia Política. Bentham3 Depois de uma grave depressão, revê “Princípios de economia política” (1848), suas considerações e crenças, e neste período de John Stuart Mill (1806-1873), também não foi as mais variadas áreas da atividade intelectual, marcado pela integral originalidade das ideias como a poesia romântica de William Wordsworth, expostas. Todavia, a obra apresenta o principal do alteraram muitas das suas antigas convicções. corolário teórico da Economia Política Clássica, com um importante pormenor: o autor não se limitou a reproduzir os pressupostos clássicos. Mill, de forma airosa e clara, expôs as principais ideias de Jean Baptiste Say (1767-1832) e David Ricardo (17721823), revitalizando-as, completando-as, mas não as vulgarizando de forma doutrinária. Apresentou considerações que, em muitos casos, acabavam por destoar de muitas das premissas básicas, como nos casos da Teoria do Valor-Utilidade, da distribuição da riqueza e do intervencionismo do Estado. dos melhores relatores dos efeitos da Revolução Industrial sobre a população pobre inglesa, descritos em obras como “Oliver Twist” (1837), “Christmas Carol” (1843) e “Hard Times” (1854), e o cartista inglês Thomas Carlyle (1795-1881), que chamou a Economia Política de ciência lúgubre, contribuíram também nas novas concepções de Mill. Questões como o sufrágio universal, reformas econômicas, o governo representativo, o voto feminino, abolicionismo, dentre outros, passam a permear as suas preocupações cotidianas. No O ecletismo intelectual de Mill, um ponto entanto, seria a jovem Harriet Taylor (1808-1858), coincidente com Smith, vindo da educação que seu quem Mill desposaria em 1853, a maior influência. pai (o renomado economista James Mill, 1773-1836) Segundo Mill (1986, p. 8), em sua autobiografia, 3 82 O romancista Charles Dickens (1812-1870), um A convicção de Mill no utilitarismo de Bentham e na Teoria da População de Malthus era visível. Aos 17 anos, plenamente absorvido pela Teoria da População de Malthus, Mill foi preso por distribuir panfletos defendendo o controle da natalidade e da contracepção. publicada em 1873, Harriet Taylor “foi a autora do obra “Princípios...”, acerca da separação da pro- que há de melhor em minha obra”. dução e a distribuição, pois as duas estavam inti- Após 5 anos da publicação de “Sistema de mamente ligadas. lógica” (1843), trabalho influenciado pelo positivismo John Stuart Mill permanece como uma de Auguste Comte (1798-1857), Mill publica a sua figura ímpar na Economia Política. A sua obra contribuição máxima para a Economia, “Princípios econômica vem à luz quando a Economia Clássica de economia política”. Tal obra teria uma grande (basicamente as ideias de David Ricardo) estavam influência e se tornaria o livro-texto da cadeira de sendo postas à prova. A materialização de algumas Economia Política da maioria das universidades ideias de Ricardo, tais como o lastro da libra com inglesas na segunda metade do século XIX. Uma o ouro, que levou a uma crise sem precedentes na geração de economistas ingleses, notadamente Inglaterra em meados do século XIX, por exemplo, Alfred Marshall (1842-1924), foram extremamente atirou os esquemas e os modelos interpretativos influenciados pelas ideias contidas no livro. O clássicos em uma vala de dúvidas e suspeitas. Mill, historiador do pensamento econômico, HUNT (1981, e possuía uma enorme capacidade, para tanto, p. 202), chegou a afirmar corretamente que Mill foi buscou recuperar as premissas dos seus mestres, o precursor da escola neoclássica de Marshall. mesmo que mais tarde chegasse a conclusões por Sendo apontado por muitos como o filó- vezes díspares deles. sofo do liberalismo clássico e do utilitarismo, a Mill apresentou influentes teorias como a obra “Princípios de economia política” confirma do valor, da distribuição, dos salários e do inter- tal posição, Mill, por outro lado, se inclinava nas vencionismo do Estado. O propósito da presente ponderações de reformadores sociais como Henri pesquisa é apresentar alguns aspectos de seus Saint-Simon (1760-1825) e C. L. S. Sismondi (1773- pensamentos na área econômica. Alguns são 1842), verificando as dificuldades no processo de incoerentes e contraditórios e outros extremamente distribuição da riqueza e o emprego do utilitarismo intrigantes dentro do debate econômico. Poucos como meio para fins estreitos, por exemplo. Não considerava que o estado mínimo, a livre concorrência na iniciativa privada e a propriedade privada representassem o estágio mais evoluído da economia. Acreditava que o sistema cooperativo economistas – e o fato de também ser um filósofo é cabal para tal constatação – tiveram uma obra tão vasta e aberta para discussões realmente relevantes para o progresso da Economia Política. de produção seria o último estágio, se aproximando muito do socialismo utópico. Estas questões foram abordadas mais claramente em seus escritos de ciência política tais como “O utilitarismo” (1863), 1 A Questão do Valor: um Utilitarismo Revisto “Sobre a liberdade” (1859), “Considerações sobre o governo representativo” (1860). Um discípulo de Bentham e Ricardo. Assim Tal posicionamento fez com que Karl Marx Mill se definia. Porém, o autor se afastou tanto de (1818-1883), em suas obras “Contribuição para alguns pressupostos básicos apontados pelos seus a crítica da economia política” (1859) e “O capi- mestres que acabou moldando uma concepção tal” (1867), levasse a sério Mill como oponente de valor que não recaia nem no utilitarismo de intelectual. Mesmo assim, o filósofo/economista/ certa forma puro e tampouco na Teoria do Valor- sociólogo alemão desferiu uma severa crítica a -Trabalho. Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 80 - 95, jan./jun. 2014 83 O filósofo inglês Jeremy Bentham, no final do Ao adotar parcialmente as suposições de século XVIII, apresentou premissas que embasavam o Bentham e verificar certas incoerências, Mill aporta pensamento utilitarista. Primeiramente, afirmou que em um utilitarismo diferente do daquele que sempre todos os motivos humanos podem ser reduzidos à professou, como o seu mestre. Inicialmente, aceita busca incessante do prazer e de evitar a dor, baseada que a riqueza provém da utilidade gerada pelo única e exclusivamente no interesse próprio. Assim, trabalho. Porém, afirma que o motivo maximizador para Bentham, os dois princípios soberanos que a da utilidade e a atuação unicamente em interesse natureza depositou e que governam a humanidade próprio seriam visíveis somente em indivíduos eram a dor e o prazer. Destarte, estes princípios cuja personalidade fosse modelada dentro de uma determinarão a utilidade, que pode ser quantificada, lógica de mercado puramente concorrencial – tornando-se também a medida invariável do valor capitalista, ou seja, o interesse próprio não é o único de troca de qualquer objeto. Portanto, a utilidade é elemento que condiciona as motivações humanas a propriedade de um determinado bem de produzir (HUNT, 1981, p. 204). A redução das motivações algum benefício ou evitar danos (HUNT, 1981, p. 147). humanas a interesses próprios que sempre buscam Desta maneira, Bentham aponta para a a maximização da utilidade servem unicamente utilidade como medida invariável e quantificável, apesar de utilizá-la basicamente na ética e moral. Ao construir o conceito de homem econô- O autor refutou a quantidade de trabalho como mico, Mill apresenta um elemento fundamental medida de valor, ao contrário das proposições de para a construção dos modelos econômicos. A Adam Smith, e criticou o exemplo da água e do Economia Política deveria, segundo o autor, se diamante4. O trabalho é realizado somente se há voltar para as atividades puramente econômicas, a promessa de produzir prazer ou de evitar a dor, tornando alheia qualquer conduta que não seja e normalmente é considerado penoso, gerando aversão nos indivíduos. Portanto, as pessoas não o concebem como uma medida que determina o valor de bens ou ações (BENTHAM, 1984). voltada para a acumulação material5. Isto é, deve-se isolar os comportamentos puramente pecuniários, orientados para a obtenção de riquezas, e dar como certa a aversão ao trabalho. Assim, o homem Todo indivíduo é único e possui o livre econômico é um ser fictício, pois são abstraídos dele arbítrio de seus próprios prazeres e dores, todas as paixões e motivos humanos que não sejam pressupôs Jeremy Bentham. Por isso é inconcebível a procura incessante pela renda monetária e pela a comparação de prazeres entre os indivíduos. Tal reprodução de sua própria espécie6. A humanidade pressuposto pode ser interpretado da seguinte não se comporta necessariamente assim, mas forma: se a quantidade de satisfação for a mesma, tal padronização de comportamento facilita a limpar uma janela seria igualmente prazeroso do construção de modelos econômicos capazes de que pintar quadros (HUNT, 1981, p. 203). apresentar previsões de curto e longo prazo. 4 5 6 84 como artifício para a análise da Economia Política. Bentham critica o exemplo do diamante e da água de Adam Smith, pois o filósofo escocês determina uma relação inversa entre valor de uso e valor de troca. Maiores informações ver: Bentham (1984) e Smith (1986). Neste ponto, deve-se ressaltar que Mill parte das concepções de David Ricardo sobre a análise da Economia Política. Ricardo verifica que a análise da economia deveria recair na estrutura e não no indivíduo, pois a primeira condiciona o segundo. Ao construir um comportamento padrão para trabalhadores, capitalistas e proprietários de terras, Ricardo acaba por moldar um modelo explicativo utilizando as ações puramente econômicas. Este modelo abstrato buscava cunhar previsões e não tendências históricas inalteráveis. Tal modelo influenciou muito Mill, que tentou salvá-lo após as inúmeras críticas feitas as previsões de Ricardo. Maiores detalhes ver Ricardo (1982) e Meek (1971, p. 99). Esta última consideração provém da aceitação de Mill à Teoria da População de Malthus, que buscou averiguar as causas e os efeitos do crescimento demográfico desordenado. Para Malthus, a população crescia em progressão geométrica devido à ânsia de reprodução das camadas menos favorecidas, que são desprovidas do que o autor denominou de contenção moral. Maiores detalhes ver Malthus (1996). Como visto anteriormente, Bentham não trabalho humano, e estes são os que realmente comparava negativamente prazeres qualitativa- importam para o crescimento da economia nacional. mente diferentes. Contudo, Mill discorda des- Portanto, o valor de troca é determinado pela ta suposição e destaca a valoração moral de quantidade de trabalho humano, tanto o aplicado prazeres. Alguns prazeres são muito mais dese- diretamente na confecção de uma mercadoria jáveis e valiosos que outros, pois envolvem como também o depositado nas máquinas e equi- julgamentos morais. Ou seja, limpar uma janela pamentos (RICARDO, 1982, p. 43-63). possui um princípio moral menos elevado do que pintar quadros. Portanto, pintar quadros é muito mais desejado do que o de limpar uma janela, independentemente da quantidade de prazer envolvida. Segundo o historiador do pensamento econômico Hunt (1981), tal posicionamento de Mill o afasta dos princípios básicos do utilitarismo, apesar de se declarar um utilitarista. Ao verificar mercadorias com a mesma quantidade de trabalho humano, mas com preços diferentes, Ricardo, ao contrário de Smith, que conseguiu somente visualizar a Teoria do Valor-Trabalho nas sociedades primitivas, constatou que a medida trabalho não variava, mas sim os preços, compostos por salários e lucros. O que alterava a medida preço eram os lucros, que eram O prazer, segundo este enfoque, não é o normativo afetados pela quantidade, qualidade e durabilidade final. Mill não tinha dúvida alguma de que era melhor ser do capital fixo (máquinas, instalações e outros) um Sócrates insatisfeito do que um tolo satisfeito. Isto (RICARDO, 1982, p. 43-63). destrói por completo a base sobre a qual os economistas utilitaristas construíram as suas economias normativas Mill inicialmente afiança que o valor de uma e procuraram mostrar a vantagem universal da troca. mercadoria depende da quantidade de trabalho [...] e apesar do fato de que o utilitarismo influenciou necessário para a sua produção. Assegura também significativamente suas ideias, ele não era, com certeza, que os instrumentos de produção foram produzidos um utilitarista convicto (HUNT, 1981, p. 204). pelo trabalho e pelo capital, que podem ser medidos por trabalho. Porém, logo adverte que o trabalho é Mill também se afasta de seu outro mestre, David Ricardo, no tocante da determinação do valor. David Ricardo pressupunha que todo bem possui uma utilidade, ou seja, um valor de uso. Porém, a utilidade é um elemento condicionante para o bem ser produzido. Assim, David Ricardo proferiu que havendo utilidade, todo bem terá seu valor de troca determinado pela escassez ou pela quantidade de trabalho incorporado. Mas Ricardo não se preocupou com bens escassos, que ele exemplificou em vinhos e quadros raros, por exemplo, pois estes não são reproduzíveis e o mais importante elemento na determinação do valor, mas não é o único (MILL, 1983, p. 50-59). A quantidade de trabalho determinaria o valor de um bem se as proporções de capital e trabalho fossem idênticas em todas as indústrias. Neste caso, os custos de produção de uma mercadoria (somatório do preço do capital, do trabalho e da terra) seriam equivalentes ao trabalho incorporado em todos os elementos necessários à produção (máquinas, prédios etc), porém, isso não acontecia em todas as indústrias (MILL, 1983, p. 50-59). seus valores de troca são altos devido à dificul- Nesse ponto, há uma discordância com dade em adquiri-los. Além disso, não afetam o Ricardo, e Mill acaba determinando que o trabalho processo de distribuição dos fatores de produção não estava por trás do valor de troca. O valor não e não contribuem para acumulação de capital, é nada mais que o valor de troca ou preço relativo que é essencial para o bem-estar do país. Bens e que era inútil tentar verificar o trabalho como reproduzíveis e, industrializados são fruto do medida invariável (MILL, 1983b, p. 4). Além disso, Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 80 - 95, jan./jun. 2014 85 o processo de ajustamento do mercado causava produtor disposto a custear tal bem, ele não será variações tanto na renda quanto no preço relativo. disponibilizado ao mercado (MILL, 1983b, p. 17-18). O trabalho é o agente da produção de utilidades. A utilidade expressa a aptidão de alguma Conclui-se, portanto, que o custo de produção regulará a disponibilidade de bens no mercado7. coisa em satisfazer as necessidades. Alguma coisa Quando a produção de um artigo resulta do trabalho e somente terá valor se for útil. Portanto, a utilidade dos gastos feitos, seja o artigo suscetível de multiplicação determinará o preço máximo que o indivíduo ilimitada ou não, há um valor mínimo que representa a estará disposto a pagar (MILL, 1983b, p. 9-10). condição essencial para que ele seja permanentemente Quanto à questão do custo de produção, ele reaparece conjugado com a utilidade. No livro produzido. O valor, em qualquer momento determinado, é resultado da oferta e da procura, sendo isso sempre necessário para criar um mercado para a oferta Princípios..., o autor busca desvendar os elementos existente. Entretanto, se tal valor não for suficiente determinantes do valor de troca. Neste trabalho, para compensar o custo de produção, e, além disso, Mill apresenta a relação entre a oferta e a demanda para assegurar o lucro normal que se espera, não se com o valor e conclui: O valor de troca dependerá continuará a produzir a mercadoria (MILL, 1983b, p. 17). da utilidade e da dificuldade de aquisição de um determinado bem. Para que uma coisa tenha algum valor de troca, são de produção e utilidade, obviamente se refere à es- necessárias duas condições. A coisa deve ter alguma fera da troca. O autor adota a Teoria de Preços e utilidade, isto é (como já explicamos), deve servir para afirma que o preço de mercado seria ajustado pela alguma finalidade, atender algum desejo. Ninguém oferta e pela demanda, mas este sempre se aproxi- pagará um preço, ou se desfará de alguma coisa que serve a algum de seus objetivos, para adquirir uma coisa maria do preço natural8 - preços habitualmente que não atenda a nenhuma de suas finalidades. Em praticados (MILL, 1983b, p. 101). Tal processo de segundo lugar, a coisa não deve ter somente alguma ajuste faz com que a renda e os preços se modi- utilidade, mas também deve haver alguma dificuldade fiquem, mas impedem uma perene superprodução para consegui-la (MILL, 1983b, p. 9). de mercadorias. Neste ponto, há uma inversão feita Ele retoma a questão dos bens reproduzíveis, por Mill à “lei de Say”, pois o filósofo/economista in- assim como Ricardo, e verifica que a dificuldade de glês verificava que era possível uma superprodução aquisição está intimamente ligada aos custos de geral de mercadorias, porém chegou à conclusão produção de um determinado bem. Se houver al- que essa também seria temporária (MILL, 1983b, guém disposto a cobrir os preços de custos, então p. 107). No entanto, verificou também que toda este bem será produzido. Não havendo nenhum crise levava muitos à pauperização9. 7 8 9 86 A teoria do valor de Mill, baseada em custos O economista inglês, Alfred Marshall, recorre a essa formulação de valor. Porém, o analisa por meio da combinação entre utilidade marginal (o valor é determinado pela utilidade da unidade adicional consumida) e custos de produção. Maiores informações ver Silva (1997, p. 149 – 156). A teoria de preços referida é a de Adam Smith. Há dois preços: o natural (salários, lucros e renda da terra em seus níveis habituais) e o de mercado (regulado pela oferta e demanda). Para Smith, o preço de mercado sempre se aproximaria do preço natural devido aos ajustes naturais do mercado. Maiores informações em SMITH (1986 p. 47-52). A lei de Say, que na verdade foi desenvolvida por James Mill, pai de John Stuart Mill, e não pelo economista francês Jean Baptiste Say, foi derivada da Teoria de Preços de Adam Smith e tornou-se a pedra angular de toda a teoria clássica e neoclássica. Segundo a lei de Say, toda oferta gera uma demanda de mesma magnitude a pleno emprego de fatores de produção. Tal lei também propunha que poderia haver uma superprodução de mercadorias, mas esta não seria geral. As faltas e os excessos se cancelariam e a superprodução seria temporária. Maiores informações ver Say (1986). 2 A Questão da Distribuição: em Direção do Socialismo da proporção existente entre a população e o capital. Por população entende-se aqui somente o número de trabalhadores, ou melhor , daqueles que trabalham como assalariados, e por capital, somente o capital circulante, e nem sequer este em sua totalidade dele, se não apenas Ao verificar o processo de distribuição, os a parte gasta no pagamento direto de mão-de-obra. A salários e os lucros mereceram, por parte de Mill, uma isso porém, deve-se acrescentar que todos os fundos que, atenção muito especial. Voltando-se para a esfera se forem capital, são pagos tais como os vencimentos dos soldados, criados domésticos e todos os outros da troca, Mill concluiu que os lucros eram gerados trabalhadores improdutivos (MILL, 1983a, p. 287). pela permuta de mercadorias e não na produção. Seguindo a premissa do também economista inglês A teoria dos fundos salariais de Mill Nassau William Senior (1790-1864), concluiu que tornou-o ainda mais notório. Curiosamente, o o lucro é preço da abstinência, uma recompensa autor acabou a repudiando muitos anos depois, que o industrial deseja por deixar de consumir o capital para o seu próprio uso e por permitir que os trabalhadores o utilizem para gerarem utilidades que os beneficiar. A taxa mínima ou natural do lucro é aquela que remunera o risco, a abstinência, o esforço e a habilidade de supervisionar do capitalista (MILL, 1983a, p. 333-334). segundo Hunt (1981, p. 208). Mill acabou por reverter a teoria, afirmando que os salários eram determinados pelos lucros totais almejados pelos capitalistas menos os que eles necessitavam para a sua própria sobrevivência. Se o capitalista tiver que pagar a mais pelo trabalho, a sua renda será diminuída. Conclui-se, portanto que, os salários Ao verificar os salários, Mill conclui, assim como a maioria da escola clássica (Smith, Ricardo, seriam determinados pela concorrência entre os capitalistas e os trabalhadores. Malthus e Sênior), que ele era determinado pela divisão do fundo para o pagamento de salários pelo número de trabalhadores que vão o dividir. Porém, Mill não considerava o fundo salarial como o capital total, como Smith defendia nem o fundo de subsistência como arguiu Malthus ou somente o capital circulante, posição defendida A característica mais marcante da obra Princípios... é a clara distinção que o autor faz dos processos de produção e distribuição. A produção e a distribuição são fenômenos totalmente díspares, pois são regulados por princípios diferentes e por isso deveriam ser analisados separadamente. por Ricardo10. Mill apresentou outra definição No início de sua obra Princípios..., Mill afir- de fundo salarial: é apenas uma parte do capital ma que as leis que regulam a produção não são circulante empregada para a compra de mão- as mesmas que regulam a distribuição. Segundo de-obra direta. Portanto, os salários dependiam, o autor, a produção de riquezas não provém de sobretudo, da oferta e da procura de trabalho, ou mais precisamente, da porção do capital constante destinada ao pagamento dos trabalhadores assalariados (trabalhadores produtivos geradores de utilidades) e do número destes. 10 leis arbitrárias e sim de condições materiais de produção. As condições físicas determinavam as leis produtivas, supunha o autor. A poupança, a disponibilidade de matéria-prima, avanço da técnica e a divisão do trabalho, por exemplo, [...] os salários dependem sobretudo da procura e da regulam totalmente o processo produtivo de oferta mão de obra, ou então, como se diz com frequência, qualquer sociedade humana. Para maiores informações ver: Smith (1986, p. 52-86) e Ricardo (1982, p. 81–89). Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 80 - 95, jan./jun. 2014 87 Obviamente, a produção de riqueza e a extração dos como a forma como é efetuada essa distribuição, através meios de subsistência e prazer a partir das matérias- de vários modos de conduta que a sociedade possa -primas existentes no globo não constituem uma coisa considerar oportuno adotar, constituem matéria de arbitrária. Tudo isso tem as suas condições necessárias. investigação científica, tanto quanto qualquer uma das Destas, algumas são físicas, dependendo então das leis físicas da natureza (MILL, 1983a, p.39). propriedades da matéria, e da soma de conhecimento sobre essas propriedades possuídas no lugar e no A questão da distribuição tornou-se um dos pontos em que Mill se afasta dramaticamente momento específico (MILL, 1983a, p. 39). de Malthus, Ricardo e Bentham, autores os quais A produção depende de dois quesitos fun- jurou ser discípulo. O processo de troca não é o damentais: trabalho e objetos materiais que pos- elemento determinante da distribuição de riqueza sam ser transformados pela ação humana. A na- e tampouco o mais justo, a troca simplesmente é tureza disponibiliza a matéria e os meios de sua mais um elemento utilizado em tal processo. transformação e o homem simplesmente as organiza e as movimenta (MILL, 1983a, p. 43-44). A essência do trabalho humano, portanto, é a transformação dos objetos. Dessa forma, os princípios reguladores da produção provêm das leis naturais, fugindo totalmente do controle e da intervenção dos homens. O processo de distribuição não é determinado pela simples troca no mercado, e a propriedade privada e a sua distribuição não é natural. A propriedade, segundo o autor, é uma instituição humana e não “sagrada”, como outros autores da Economia Política proferiram. A propriedade fundiária, por exemplo, foi instituída para facilitar as relações entre os indivíduos. Desigualmente a produção, as leis de distribuição, na visão do autor, são concebidas por instituições humanas. Em cada sociedade os homens estabelecem regras que determinam como a riqueza será distribuída, porém essas normas mudam de acordo com a sociedade e com a história, elas mudaram no passado e, provavelmente, mudarão Mas quando ela não é conveniente, simplesmente se torna injusta (MILL, 1983b, p. 203). O direito à propriedade é justificado por Mill apenas em dois casos: se houve trabalho do próprio indivíduo para produzir ou se foi concedido de forma espontânea (MILL, 1983b, p. 195). Porém, para o autor, a propriedade privada dos meios de produção no futuro. não é fruto do comportamento abstêmio e frugal Diversamente do que ocorre com as leis da produção, as que regem a distribuição da mesma são em parte de instituição humana, já que a maneira de se distribuir a riqueza em qualquer sociedade específica depende quanto os desprovidos de tais virtudes meramente esbanjavam e perdiam tudo que possuíam (MILL, ou nações tenham o poder de decidir que instituições 1983b, p. 194). Ao examinar a história da Europa existirão, determinar ocidental, concluiu que a força e as leis arbitrárias dos arbitrariamente como tais instituições funcionarão. As homens ordenaram a distribuição da propriedade não tem a possibilidade de e as nações têm sobre a distribuição de riqueza, bem 88 acumularam por livre e espontânea iniciativa, en- das leis ou usos nela vigentes. Ora, embora os governos condições de que depende o poder que os governos 11 de pessoas moralmente virtuosas que, no passado, privada (MILL, 1983b, p. 182)11. Marx considerou Mill um oponente de respeito por tal constatação, pois o autor inglês verificou o processo histórico de formação da propriedade da privada. Porém, Mill esteve muito longe de fazer uma análise mais acurada que Marx fez. Marx, ao verificar o processo histórico de formação de classes e do capital, construiu o que ele denominou de “acumulação primitiva”. Maiores Informações ver: Marx (1994, p. 828 – 882). A propriedade privada, como instituição, não deveu sua origem a nenhuma daquelas considerações de utilidade parcela da população vivia luxuosamente sem que militam pela manutenção dela, uma vez estabelecida. qualquer ligação com a atividade produtiva, Sabe-se bastante sobre épocas primitivas, tanto da não era justa, necessária e tampouco eterna história passada quanto de estados análogos à sociedade duradoura nas relações sociais (MILL, 1983, p. em nossos dias, para mostrar que os tribunais (que sempre 255). Criticava duramente o que ele definiu como precedem leis) foram originalmente fundados, não para determinar direitos, mas para reprimir a violência e dirimir disputas (MILL, 1983b, p. 182). teoria da dependência, em que o “estado das coisas” é determinado para os pobres e não por eles. Uma classe privilegiada (os ricos) conduziria Além da força, o padrão de como a autoritariamente os despojados e os refrearia distribuição é feita, que varia de sociedade para quando fosse necessário (MILL, 1983, p. 256). sociedade, também gera inúmeras dificuldades Porém, tal dependência não seria mais aceita e foge do que seria do ponto de vista da moral pelos trabalhadores, pois estes, por meio do que e ética como sendo justo. O direito de posse Mill definiu como aprimoramento intelectual, de terras e propriedade afeta a distribuição de buscarão o seu próprio destino, fundado na justiça renda. Ao analisar a pobreza dos agricultores e no autogoverno (MILL, 1983, p. 258). irlandeses no século XIX, chegou à conclusão que a forma como as terras foram distribuídas determinou tal condição e não as leis naturais (MILL, 1983, p. 203). [...] os trabalhadores aceitarão ainda menos do que hoje ser guiados e governados – e dirigidos para o caminho que devem trilhar – pela simples autoridade e prestígio dos superiores. Se atualmente os trabalhadores não tem Avaliando a concentração de riquezas e nenhum sentimento de deferência ou princípio religioso dos meios de produção na sociedade capitalista, de obediência que os mantenha mentalmente sujeitos a Mill concluiu que uma classe composta por um diminuto número de indivíduos não deveria usufruir com exclusividade as benesses da riqueza produzida, enquanto a maioria estava uma classe acima deles, muito menos o terão daqui em diante. A teoria da dependência e da proteção será cada vez mais intolerável para eles, e exigirão que sua conduta e sua condição sejam basicamente governadas por eles mesmos. Ao mesmo tempo, é perfeitamente possível que condenada à pobreza. Em seguida faz uma dura em muitos casos exijam a intervenção de legisladores crítica à estrutura de classes “hereditárias” de sua em seus problemas, bem como que a lei regulamente época: empregadores que não fazem o trabalho várias coisas que não lhes dizem respeito, aliás, muitas necessário para a manutenção da vida humana vezes baseadas em conceitos equívocos em relação a e os empregados que trabalham (MILL, 1983b, p. seus interesses. Mesmo que assim fosse, o que exigem é 255). Asseverou que a instituição da propriedade que se atenda a vontade deles, ás suas próprias ideias e privada acarretava em uma relação inversa entre sugestões, e não a normas estabelecidas para eles, mas trabalho e o produto do trabalho, ou seja, a por outras pessoas. Coaduna-se perfeitamente com isso propriedade privada garantiria que o produto do o respeito que sentem pela superioridade de inteligência trabalho fosse para quem praticamente nunca trabalhou. A remuneração caminharia em direção oposta ao aumento da dificuldade e da brusquidão do trabalho (MILL, 1983, p. 201). A divisão de classes não se manteria por muito o tempo, acreditava Mill. Para ele a estrutura de classes do capitalismo, onde uma pequena Rev. FA E , C uritiba, de qualquer assunto, daqueles que consideram bem versados na matéria. Tal deferência está profundamente enraizada na natureza humana; o que querem, porém, é julgar eles próprios acerca das pessoas que merecem ou não esse acatamento (MILL, 1983b, p. 259). O estágio que a sociedade capitalista havia atingido no século XIX não era o mais elevado, segundo o autor. Ele tenderia a evoluir v. 17, n. 1, p. 80 - 95, jan./jun. 2014 89 para alguma forma de sociedade socialista, que série de associações em Paris e, sobretudo as considerava um estágio muito mais satisfatório e inglesas (“Leeds Flour Mill’ e “Rochdale Society of desejável. Todavia, o filósofo inglês acreditava que Equitable Pioneers”), Mill sugere a experimentação o socialismo somente seria possível se as pessoas com as cooperativas, pois elas mostrariam a atingissem um estado moral e ético satisfatório, deficiência das relações capital e trabalho. Desta o aprimoramento intelectual: educação, amor à forma, a tendência é a relação capitalista e independência e à liberdade do bom senso, que trabalhador desaparecer com o tempo. refletirá em condutas preventivas que permitirão o decréscimo das taxas demográficas em relação ao Todavia, a forma de associação que, se a humanidade capital e emprego (MILL, 1983, p. 259). Além disso, continuar a se aperfeiçoar, como se espera, não é aquela todos que executam o serviço devem se identificar com o espírito de prosperidade do empreendimento e, principalmente, o de concorrência (MILL, 1983, p. 277-278). Caso contrário, a luta individual e concorrencial por riqueza será a única solução. Tais considerações afastam Mill totalmente das premissas comunistas e revolucionárias de Engels que pode existir entre um capitalista, que funciona como chefe, e trabalhadores destituídos de voz na administração, mas sim a associação dos próprios trabalhadores entre si, em termos de igualdade, possuindo eles, coletivamente, a propriedade do capital com o qual operam, e trabalhando sob o comando de administradores eleitos e substituídos por eles mesmos (MILL, 1983b, p. 266). e Marx e parcialmente do reformismo social do industrial Robert Owen (1771–1858) e do socialismo utópico de Charles Fourier (1772–1837). Em uma estrutura industrial capitalista, o trabalhador é observado pelas vistas precavidas do empregador e sua remuneração é baixa. Além Concordo, portanto, com a concepção que os autores socialistas têm sobre a forma que o mundo industrial tende a assumir, á medida que o progresso avança [...] Mas, ao mesmo tempo que concordo e solidarizo... disso, o tipo de trabalho que executa não estimula a sua produção. Em um sistema cooperativo há o estímulo à produção, pois o espírito público reside discordo totalmente da parte mais relevante e veemente no trabalhador. A própria comunidade o cobra e do seu ensinamento, a saber, das suas catilinária contra vigia, e as distribuições das tarefas seriam mais a concorrência. [...] É erro comum dos socialistas não justas e adequadas às aptidões. Além disso, a levarem em conta a indolência natural da humanidade, produtividade global tenderia a aumentar (MILL, a sua tendência à passividade, a permanecer escrava 1983, p. 276-278). do hábito [...] Se deixarmos que a humanidade uma vez atinja algum estado de existência que considere Com tolerável, o perigo a ser temido é que a partir daí ela cooperativista, pode-se esperar grande aumento até base no avanço crescente do movimento estagnará, não se empenhará no sentido de melhorar da produtividade global do trabalho. As fontes desse e, deixando enferrujar suas faculdades, perderá até sua aumento são duas. Em primeiro lugar, reduzir-se-á a energia necessária para preservá-lo de deterioramento. dimensões menores a classe dos distribuidores, que A concorrência pode não ser o melhor estímulo não são os produtores mais simples da produção, e cujo concebível, mas no momento é um estímulo necessário, número exorbitante, muito mais do que os ganhos dos e ninguém é capaz de prever o dia em que ela não será capitalistas, representam a causa que explica por que tão mais dispensável ao progresso (MILL, 1983b, p. 278-279). grande da riqueza não atinge os produtores. [...] A outra maneira de o sistema de cooperação tender, ainda mais 90 Todavia, de modo incisivo e coincidente eficazmente, a aumentar a produtividade do trabalho a Fourier, Mill profere à favor das cooperativas consiste no grande estímulo dado ás energias produtivas, produtivas. Verificando a prosperidade de uma colocando os trabalhadores, como massa, em uma relação tal com seu serviço, que faria com que o princípio O governo deveria promover a caridade e o interesse deles – já que atualmente isso não ocorre – pública, porém caberia à caridade privada definir o seja fazer o máximo possível e, e não o mínimo possível, que é mais necessário e quem realmente necessita em troca da remuneração que recebem. Dificilmente se (MILL, 1986, p. 414). Todavia, o governo deveria pode exagerar esse benefício substancial, que no entanto reservar uma parte do orçamento para promover não é nada em comparação com a revolução moral da sociedade que o acompanharia: acura deste mal que é a hostilidade constante entre o capital e o trabalho, a transformação da vida humana, de um conflito de classes colônias agrárias em terras comuns. Tais colônias seriam ocupadas por famílias jovens pobres, e que o resultado das terras sempre deveriam ser que se batem por interesses opostos, em uma rivalidade revertidos para as camadas carentes da população amiga na busca de um bem comum a todos, a elevação da (MILL, 1986, p. 414–418). dignidade do trabalho, um novo sentimento de segurança e de independência na classe trabalhadora, e a conversão da ocupação diária de cada ser humano em uma escola em que se aprende a solidariedade social e a inteligência prática (MILL, 1983b, p. 276-277). O governo deveria intervir para alterar os efeitos maléficos do livre mercado capitalista, que desembocava naturalmente em uma concentração de renda sem precedentes. A maioria trabalhava e pouco usufruía do produto de seu trabalho, Outro ponto marcante na obra de Mill é a estando condenada desde o seu nascimento questão da intervenção do governo. Primeiramente à pobreza, enquanto isso, uma minoria gozava advoga a favor do princípio do laissez-faire, de todas as vantagens da produção de riquezas afirmando que deveria ser a prática geral (MILL, sem ter o direito a elas, pois não foi fruto de seus 1983b, p. 401). Acredita que o protecionismo e próprios esforços. Mill chegou a sugerir uma as interferências nos contratos, por exemplo, são mudança nos direitos de herança, estas deveriam extremamente danosos à economia (MILL, 1983b, instituir rigorosos limites aos direitos de sucessão 377-387). Contudo, adiante em “Princípios...”, o causas mortis (MILL, 1983, p. 196-197). autor aponta para a necessidade de intervenção do governo, salientando que há aspectos bons e A questão do monopólio é também revista por Mill. Alguns empreendimentos são tão ruins na intervenção. dispendiosos e necessitam tanto de capital que Ele considerava inadmissível que o governo poucos conseguem entrar em tais negócios. Tal apenas atuasse na proteção das pessoas e suas restrição permitiria uma taxa de lucro elevadíssima propriedades. A sociedade, se achar que é prejudicial ao bem comum, tem o direito de alterar qualquer direito à propriedade e o estado deve a representar. ou por conluio dos poucos capitalistas neste negócio ou pela própria posição monopolista. Para obter altas taxas de lucros, os preços fixados A questão da pobreza é amplamente pelo monopolista estariam acima do que os discutida por Mill. A maioria da população pobre consumidores estariam dispostos ou aptos a pagar. não tem condições adequadas para julgar o que Nesse caso, cabe a intervenção do governo para seria melhor para o seu destino (MILL, 1986, p. 406). que a formação dos monopólios não prejudique a A interferência do governo na educação básica comunidade (MILL, 1986, p. 409 - 410). é justificada pelo autor, pois esta modificaria as condutas e o julgamento dos pobres, tornado-se melhores árbitros e percebendo o que seria melhor para os seus interesses (MILL, 1986, p. 407-408). Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 80 - 95, jan./jun. 2014 91 3 O Estado Estacionário na Visão de Mill da prosperidade e a riqueza ficará em condição estacionária. Isso se dará em condição na qual a taxa de retorno esperada de cada unidade monetária aplicada na concretização dos investimentos Ao discutir a “Condição estacionária” da produtivos apresente um valor mínimo13, com economia, no capítulo VI do livro quarto dos efeito nulo ao estímulo de acumular. Em relação Princípios de Economia Política, Mill chama atenção aos salários, acréscimos populacionais, e demais para o estado de inércia, por que não dizer de variáveis constantes, podem induzir a queda dos estagnação, que caminha a economia capitalista. salários reais e, por conseguinte, da qualidade de A pergunta central desse polêmico capítulo paira vida da classe trabalhadora. Isso, na visão de Mill, sobre a condição final da humanidade quando tende a levar a “uma interrupção na expansão da cessar o progresso industrial, posto que “o aumento produção e, por via de consequência, também no da riqueza não é ilimitado; que ao final daquilo que crescimento da população. Cessará o progresso denominam condição progressista está a condição econômico, mantendo-se certo equilíbrio: será os estacionária [...]” (MILL, 1996, p.325). ‘estado estacionário’” (HUGON, 1984, p. 137). John Stuart Mill deduz que cada passo a Na interpretação dos economistas políticos caminho do progresso, por que não dizer desen- da velha escola14, conforme a denominação de volvimento industrial, é um passo na direção da Mill, esse estado estacionário combinado com o inércia, do que ele chama de estado estacionário12. aumento populacional conduziria a sociedade Quando um país durante muito tempo possui uma para uma situação de miséria. Por isso, assim como produção grande, e uma renda líquida grande da qual Malthus, propõe a adoção de medidas de controle pode fazer poupanças, e quando, por conseguinte, populacional. durante muito tempo existiram os recursos para aumentar anualmente muito o capital (na hipótese de o país não Mesmo em uma condição de progresso do capital, em dispor, como na América, de uma grande reserva de terra países velhos [entenda desenvolvidos], é indispensável fértil ainda não utilizada), uma das características de tal um controle consciencioso ou prudente da população, país é a taxa de lucro situada a uma distância pequena para impedir que o aumento de habitantes supere o do do mínimo, e portanto o país está a poucos passos da capital, bem como impedir que se deteriore a condição condição estacionária [...] (MILL, 1996, p. 310-311). das classes que estão da sociedade. Onde não existe, Mill chega a essa conclusão ao examinar a tendência do lucro e dos salários nas sociedades capitalistas. Se o lucro, a mola propulsora do sistema, apresentar tendência de baixa, devido ao progresso industrial e à concorrência crescente, inerentes do capitalismo, haverá a eliminação 12 13 14 92 no povo, ou em alguma percentagem muito grande dele, uma resistência resoluta a esse deterioramento – uma determinação de preservar um padrão de conforto estabelecido –, piora a condição da classe mais pobre, mesmo em uma condição de progresso, até o ponto mais baixo que ela consentir em suportar (MILL, 1996, p. 326). Conforme Bell (1976, p. 248), “estado estacionário significa o estado em que se encontra um país no qual aquela taxa atingiu o mínimo e ‘não pode ocorrer no momento qualquer aumento de capital’”. Essa visão converge com o tratado por Ricardo em relação à tendência decrescente da taxa de lucro. Maiores detalhes ver Hugon (1984). Mill se refere aos economistas da escola clássica que, na sua maioria, contribuíram para sua formação e inspiraram seu trabalho, tais como Ricardo Smith e outros. Ao contrário dos demais economistas No campo da economia, Mill tentava políticos, Mill vê com bons olhos essa condição apresentar a Economia Política como parte de estacionária países Ciência Social completa e racional. Na definição avançados, pois não lhe agradava a constante luta dele Economia Política é “a ciência que esboça entre as classes sociais. as leis dos fenômenos sociais que surgem das para qual caminha os Confesso que não me encanta o ideal de vida defendido operações combinadas da humanidade para a por aqueles que pensam que o atropelar e pisar os produção da riqueza, enquanto esses fenômenos outros, o dar cotoveladas, e um andar sempre ao encalço não são modificados pela busca qualquer de outro do outro (características da vida social de hoje) são o objetivo” (MILL apud BELL, 1976, p. 235). destino mais desejável da espécie humana, quando na realidade não são outra coisa senão os sintomas É inegável que os trabalhos de John desagradáveis de uma das fases do progresso industrial Stuart Mill no campo da filosofia e da economia (MILL, 1996, p. 327). política são de grande significância para os estudiosos contemporâneos. Mesmo que suas Na visão de Mill, quando a economia atingir contribuições econômicas originais não superem a um estado estacionário a questão distributiva de seus mestres, conforme aponta Bell (1976), seu ganhará maior relevância15. Questões ligadas ao aumento da produção são importantes nos países atrasados. Nos países mais avançados, cuja incidência da condição estacionária pode ser atingida com certa facilidade, as instituições e os agentes devem empreender esforços no sentido de melhorar e elevar a sorte de todos16. trabalho, Princípios de Economia Política, devido ao refinamento teórico e sistematização de sua exposição, torna-se por vários anos o livro didático padrão para quem desejava estudar economia. Trata-se de “uma síntese do melhor que havia sobre Economia clássica, apresentado em arranjo ordenado e científico e com garantia da inteireza” (BELL, 1976, p. 232). Considerações Finais Mill é antes de qualquer coisa um visionário que sonhava com um mundo melhor e mais Graças às lições do pai, que o ensinou e o instigou para o mundo do pensamento filosófico e científico, Mill se apropriava de tudo aquilo que considerava o melhor no campo intelectual de sua justo para a sociedade. Na sua obra é premente a preocupação com a distribuição dos frutos do progresso, sem a qual não há sentido para a busca desenfreada do crescimento econômico. época para poder tecer suas próprias ideias, seus próprios argumentos. Na concepção moderna ele aplicava o método científico. 15 16 Mill chega a sugerir que o governo adote “um conjunto de legislação que favoreça a igualdade das fortunas, na medida em que isso for conciliável com o justo direito do homem ou da mulher aos frutos, grandes ou pequenos, do seu próprio trabalho” (1996, p. 328). Conforme Hugon (1984, p. 137), a noção de Mill de estado estacionário “ganha de novo, hoje, surpreendente atualidade. Assiste-se, com efeito, em numerosos meios, a uma coordenação de crescimento econômico como finalidade e como ideal de vida, assim como a apologia ao crescimento zero”. Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 80 - 95, jan./jun. 2014 93 Referências BELL, J. F. História do pensamento econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1976. BENTHAM, J. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. São Paulo: Abril Cultural, 1984. (Os pensadores). HUGON, P. História das doutrinas econômicas. São Paulo: Atlas, 1984. HUNT, E. K. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Campus, 1981. MALTHUS, T. R. Ensaio sobre o princípio da população. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Os pensadores). MARX, K. O capital. São Paulo: Bertrand Brasil, 1994. Livro I, v. 2. MEEK, R. Economia e ideologia. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1971. MILL, J. S. Autobiografia. Madrid: Alianza, 1986. ______. On Liberty. In: LINSCOTT, R. (Org.). Man and the state: the political philosophers. 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Para tanto, serão apresentados alguns autores que exploram essas duas vertentes do pensamento econômico, alguns pioneiros e outros que deram continuidade a essa agenda de pesquisa, e em seguida será observada a perspectiva proposta por Schumacher para a análise dos fenômenos econômicos. A busca principal será pelo enfoque comparativo da visão do referido autor com os principais conceitos trabalhados pela economia ecológica e pela economia solidária, realçando as semelhanças e ao mesmo tempo salientando os aspectos originais, a contemporaneidade e o caráter interdisciplinar do seu pensamento. A abordagem estará centrada, sobretudo, na obra O negócio é ser pequeno: um estudo de economia que leva em conta as pessoas, publicada por Schumacher em 1973, na sua primeira edição. Palavras-chave: Economia Ecológica. Economia Solidária. Sustentabilidade. Abstract The aim of this paper is to conduct on the economic vision of E. F. Schumacher thought in the light of ecological economics and the economy solidarity. To do so, we introduce some authors that explore these two strands of economic thought, a few pioneers and others who continued this research agenda, and then will be observed perspective proposed by Schumacher for the analysis of economic phenomena. The main quest is by comparing the sight of that author with the main exploreds concepts by ecological economics and economy solidarity, highlightining the similarities and at the same time showing the unique aspects, the contemporary and interdisciplinary character of his thought. The approach will focus mainly in the book “Small is beautiful: a study of economics that takes into account people”, published by Schumacher in 1973, in its first edition. Keywords: Ecological Economics. Economic solidarity. Sustainability. 1 Doutor em Geografia, Professor da Universidade Federal do Tocantins no Programa de Mestrado em Ciências do Ambiente, no Programa de Mestrado em Geografia e no Curso de Geografia. E-mail: [email protected]. 2 Mestre em Ciências do Ambiente pela Universidade Federal do Tocantins, Fundador e Gestor da Comunidade Residencial Sustentável Ecológica Espiritual Morada da Paz – CoMPaz/RS. E-mail: [email protected]. Rev. FAE, Cu r it iba, v. 17, n. 1, p. 96 - 109, jan./jun. 2014 97 Introdução E. F. Schumacher é um economista frequentemente esquecido quando se trata da realização de estudos que se referem às searas da economia ecológica e da economia solidária, o que é inexplicável, dadas as suas preciosas contribuições para o avanço da compreensão sobre as complexas interações entre as sociedades humanas e o meio ambiente. Seu livro mais famoso é O negócio é ser pequeno: um estudo da economia que leva em conta as pessoas, publicado em 1973, a partir de uma série de palestras e conferências realizadas pelo autor em anos anteriores, em vários países, A noção de riqueza na economia solidária difere da economia mercantil, pois a primeira valoriza os benefícios sociais gerados pelo trabalho coletivo em patamares mais elevados do que a segunda. sobre a temática anteriormente referida. Nesta obra, o autor alerta para a necessidade de um uso racional dos recursos disponíveis no planeta, dada a finitude de uma parcela considerável destes e de acordo com Pinto (2006). Este autor aponta também para a urgência de novos métodos de que o reaproveitamento de materiais e o uso de produção e gestão. fontes renováveis de energia são muito frequentes Inicialmente, neste artigo serão abordados aspectos teóricos da economia solidária e da economia ecológica, para em seguida ser apresentado o pensamento econômico de Schumacher, buscando-se as correlações existentes entre eles. O objetivo principal do artigo será demonstrar a atualidade do pensamento econômico de Schumacher e sua possível aplicabilidade na resolução de questões sociais, ambientais e econômicas contemporâneas. em empreendimentos solidários. A economia solidária tem suas análises voltadas às áreas da gestão social, processos autogestionários, redes solidárias e empreendimentos solidários. Razeto (1993, p. 40) esclarece conceituando economia solidária como uma formulação teórica de nível científico elaborada a partir e para dar conta de conjuntos significativos de experiências econômicas que compartilham alguns traços constitutivos e essenciais de solidariedade, mutualismo, cooperação e autogestão comunitária, que 1 Economia Solidária Na economia solidária, dada a sua natureza cooperativa, prevalece, na maioria das suas ações, uma atitude de respeito que se traduz em ações em prol do bem-estar social e da conservação ambiental. As suas atividades orientam-se por parâmetros distintos de empresas de mercado, como a busca pelo lucro, pela produtividade e a competição desenfreada com outras concorrentes, 98 definem uma racionalidade especial, diferente de outras racionalidades econômicas. França Filho (2007), adicionalmente, traz contribuições muito significativas para a conceituação da economia solidária, esclarecendo ao público que não tem familiaridade com a área. O autor chama atenção para as questões relativas à sustentabilidade e à viabilidade dos empreendimentos da economia popular e solidária, sendo necessária uma compreensão que extrapole a lógica do mercado, baseada no lucro e na competição. Por outro lado, a participação e o além de espaços de produção (de bens, serviços, engajamento coletivo nos projetos desenvolvidos empregos), espaços de socialização, de reflexão e devem ser considerados e valorizados. ação política, considera Andion (2005). A noção de riqueza na economia solidária No Brasil, a partir do início do governo Lula, difere da economia mercantil, pois a primeira em 2003, houve a criação da Secretaria Nacional valoriza os benefícios sociais gerados pelo trabalho de Economia Solidária (Senaes), dirigida desde coletivo em patamares mais elevados do que a então pelo professor Paul Singer, fomentando e segunda, conforme Pinto (2006). articulando ações nesta área. A Senaes, de acordo O conceito de economia solidária é rela- com o Atlas da Economia Solidária no Brasil (2006), tivamente recente no Brasil, e nessa área atuam destaca quatro características importantes para cooperativas e associações (formais e informais) a economia solidária: cooperação, autogestão, denominadas Empreendimentos Solidários (ES), viabilidade econômica e solidariedade. redes e fóruns de economia solidária, feiras de Cançado e Cançado (2009) consideram trocas solidárias, comércio justo e solidário, além a autogestão, isto é, a autonomia do trabalhador de Entidades de Apoio a Fomento (EAF), como enquanto gestor do seu empreendimento, como as Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs) ligadas às universidades. França Filho (2007, p. 172) explica que: um traço essencial dos empreendedorismo social, embora não seja o único. O contrário da autogestão é a heterogestão, modelo hegemônico na sociedade capitalista, na qual a autonomia do As práticas de economia popular e solidária no Brasil ganharam em complexidade nos últimos anos, afirmando-se como um campo de atores que inventam alternativas econômicas e políticas inovadoras para a trabalhador desaparece, em decorrência de uma hierarquia burocrática e funcional institucionalizada nas organizações. resolução dos problemas cotidianos enfrentados em A economia solidária tem procurado o seus respectivos territórios, decorrentes dos processos fortalecimento e a união de seus atores através de de exclusão social. Sobre os ES, França Filho (2007) afirma que eles representam a forma predominante de auto-organização socioeconômica. Existem ES em diferentes segmentos, como bancos populares, que trabalham com microcrédito, clubes de trocas, associações de moradores e cooperativas populares constituem a sua maioria. Os ES atuam com intensidade no seio da sociedade civil em diferentes países, promovendo ações em áreas como educação, saúde, meio ambiente e direitos humanos. São também reconhecidos pela sua capacidade de geração de trabalho e pelo impacto social das atividades que desempenham em Autogestão é a autonomia do trabalhador enquanto gestor do seu empreendimento, como um traço essencial dos empreendedorismo social. nível local, expressando a mobilização dos cidadãos para transformarem a realidade em que vivem. São Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 96 - 109, jan./jun. 2014 99 redes. Este tipo de organização reduz a dependência Fernández Durán (2001, p. 25), que expõe sua do sistema hegemônico por meio da troca e do perspectiva sobre esta temática: compartilhamento de produtos, saberes e serviços. Neste sentido, Mance (2008, p. 1) considera que: Todas as experiências de transformações alternativas da sociedade a margem do mercado e da lógica patriarcal As Redes de Colaboração Solidária são fundamentadas dominante tem um grande valor como sementes e em um sistema de produção onde não pode haver pontos de referência do que pode chegar a ser uma exploração transformação nem dominação dos trabalhadores, em maior escala. A reconstrução com equilíbrio nos processos, com uso de insumos das estruturas comunitárias, das novas áreas da produzidos de forma ecologicamente correta, e com comunidade, deve ser produzida principalmente a partir partilha dos excedentes, havendo reinvestimento e do local. O local, que foi submetido e desarticulado pelo formação de novas redes. capitalismo global, é necessário em grande medida restaurá-lo novamente (tradução nossa). A economia solidária experimentou neste início do século XXI um crescimento extraordinário no Brasil e no mundo, em que os atores sociais, por meio de um processo de autogestão democrática, buscam com criatividade formas de inserção social, política e econômica e de conservação ambiental, construindo alternativas sustentáveis frente à ordem hegemônica capitalista vigente. Complementando sobre a economia solidária, Pinto (2006, p. 16) refere que: Não se trata, portanto, apenas de se alcançar trabalho e renda, por meio de saídas cooperativas. Assiste-se também como possibilidade a emergência, a partir de relações mediadas pelo trabalho associado, de novos significados compartilhados, novas solidariedades, que requalificam os sentidos do trabalho, da produção, do consumo e das trocas. A realização desses vínculos implica, também, na produção de novas identidades pessoais, modos distintos de autopercepção. Os ES privilegiam o desenvolvimento segundo a perspectiva local, promovendo a geração e a circulação de renda, serviços e saberes junto aos 100 Segundo Tenório (2007), o desenvolvimento local é uma abordagem que procura reforçar a potencialidade do território mediante ações endógenas, articuladas pelos seus diferentes atores (sociedade civil, poder público e o mercado). De acordo com o autor, o desenvolvimento local pressupõe a reciprocidade, a cooperação e a solidariedade em benefício do bem-estar socioeconômico, político, cultural e ambiental do local, podendo assumir três vertentes: (1) econômica, guiada por parâmetros de mercado; (2) social, orientada pela cooperação; e (3) solidariedade ou híbrido, em que há orientação econômica e cooperativa, estimulando o fomento de capital social. Para Baquero (2007), o capital social nasce de interações cotidianas, não de legislações. Promove a participação coletiva e o engajamento das pessoas em projetos de desenvolvimento comunitário e sustentável. Gera empoderamento dos atores sociais, o que possibilita bem-estar e qualidade de vida. atores que estão envolvidos diretamente em seu Conforme Vasconcelos (2007), a economia contexto de atuação socioprodutiva, fomentando, solidária desenvolve princípios e valores em seus dessa forma, a sustentabilidade econômica e movimentos, como a reciprocidade e a confiança que ambiental de suas atividades. O desenvolvimento acabam contribuindo na construção do capital social. local tem sido pensado e discutido no meio Pequenas ações solidárias dentro de um ES podem acadêmico e possui muitos defensores, como ser responsáveis pela construção de um grande O desenvolvimento local pressupõe a reciprocidade, a cooperação e a solidariedade em benefício do bem-estar socioeconômico, político, cultural e ambiental do local. A economia ecológica apresenta inovações significativas na forma de abordar as interações do homem com o meio ambiente, propondo estratégias que minimizem nossa alta produção de entropia e garantam a sustentabilidade da vida, conforme Mueller (2007). Pela segunda lei da entropia, é impossível um sistema fechado prosseguir seu crescimento indefinidamente, captando energia de baixa entropia e liberando resíduos de alta entropia no ecossistema, pois há um limite para a absorção e a reciclagem destes resíduos. Tal fato é ignorado pela teoria econômica convencional (neoclássica). Assim sendo, os impactos ambientais podem acabar restringindo o crescimento econômico, na capital social capaz de permitir o enfrentamento de crises, pondera Vasconcelos (2007). opinião de Cechin e Veiga (2009). A economia ecológica preocupa-se com os Assim, de acordo com os autores men- processos de reciclagem de insumos e a minimiza- cionados, percebe-se que a essência dos ES en- ção de impactos ambientais3. Para Martinez-Alíer contra-se pulsante na força coletiva dos processos que desencadeiam, na integração dos sujeitos em torno da unidade de princípios e na crença em um projeto comunitário capaz de garantir aos sujeitos que o impulsionam condições para uma vida digna e ética. 2 A economia ecológica Economia Ecológica preocupa-se com os processos de reciclagem A partir da preocupação de alguns economistas com o meio ambiente e a sustentabilidade das atividades humanas em longo prazo – como Nicolas Georgescu-Roegen, Keneth Boulding e Herman Daly –, a dimensão ambiental foi sendo incorporada na construção dos modelos e teorias da ciência de insumos e a minimização de impactos ambientais. econômica, nascendo, então, a economia ecológica. 3 A Resolução nº 001 de 23 de janeiro de 1986 do Conama (Código Nacional de Meio Ambiente), em seu art. 1º define impacto ambiental como “qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetem: a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; a qualidade dos recursos ambientais”. Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 96 - 109, jan./jun. 2014 101 (1998, p. 268), um dos precursores da economia para uma mudança de paradigma, as sugestões do ecológica, ela pode ser definida como autor têm muitas limitações na sua exequibilidade, uma economia que usa os recursos renováveis (água, pesca, lenha e madeira, produção agrícola) com um ritmo que não exceda sua taxa de renovação, e que usa os recursos esgotáveis (petróleo, por exemplo) com um ritmo não superior ao de sua substituição por recursos renováveis (energia fotovoltaica, por exemplo). Georgescu-Roegen (1971) aponta que os principais postulados da economia ecológica são a utilização de processos de reciclagem, a minimização do uso de energia e de materiais, a consideração do custo ambiental decorrente de todo o processo de extração, produção e consumo e a minimização da produção de dejetos e da poluição. Segundo sua análise, a entropia (aumento da desordem no sistema) coloca limites para a expansão contínua das atividades, dada a finitude dos recursos naturais do planeta. O fundamento central da economia ecológica é a escala em que o sistema econômico opera em relação ao ecossistema. Além de uma escala ótima, o seu crescimento pode acarretar mais prejuízos do que benefícios à humanidade, na concepção de Cechin e Veiga (2009). Daly (1984) propôs a economia do estado-estável, que consistiria em suprimir a obstinação pelo crescimento econômico ilimitado. Em sua opinião, um nível de crescimento com estabilidade é necessário para gerenciar as relações econômicas minimizando a pressão antrópica sobre o meio ambiente. A ênfase para a política econômica, segundo o autor, estaria deste momento em diante, em gerenciar o estoque de recursos existentes e não mais o fluxo econômico. Apesar de contribuir 4 102 sendo a principal delas quanto à determinação do nível desejável para estabilizar o crescimento econômico4. Como definir um nível de consenso com tantas disparidades entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, por exemplo? A grande questão que permanece sem resposta ainda nos dias de hoje é qual seria a “escala ótima” em que o volume de bens e serviços produzidos pelo sistema econômico se tornará compatível com a capacidade do planeta em absorver os resíduos de alta entropia gerados. Não é prudente acreditarmos, como alguns teóricos da economia convencional, que poderemos substituir produtos e serviços ambientais por recursos tecnológicos para manter a curva exponencial de crescimento econômico por tempo indeterminado, considera Mueller (2007). Martine (2007) propõe que uma estratégia prática para minimizar impactos ambientais seria estudar a distribuição populacional em um território, focando no seu uso sustentável de acordo com os recursos disponíveis, a população, o potencial econômico e o contexto atual de desenvolvimento para atingir índices toleráveis de crescimento econômico e social, embora isso também se constitua em uma tarefa complexa. A economia convencional (neoclássica) não desconta dos índices de mensuração da riqueza econômica como o PIB (Produto Interno Bruto) o somatório das externalidades econômicas, como propõe a economia ecológica, nem considera a alocação inter-geracional de recursos não renováveis, sendo um indicador impreciso da realidade Convém ressaltar que uma das premissas básicas do comportamento do consumidor, segundo a teoria microeconômica é a de que uma quantidade maior de bens normais é sempre preferível, mesmo tratando-se de uma quantidade não significativa. Esse axioma também é conhecido como o da não saciedade (PINDYCK; RUBINFELD, 2005). econômica e ambiental de um país (MARTÍNEZ- rigor em suas análises, uma vez que estes podem ALÍER, 1998). esconder Tolmasquim (1998) caracteriza as externalidades como efeitos positivos ou negativos resultantes da definição imprecisa do direito de relações ecologicamente desiguais. Ressalta que a economia ecológica advoga uma participação política ativa dos ambientalistas, a fim de pressionar a sociedade para que o meio propriedade, de caráter incidental, involuntário, ambiente receba a atenção adequada dos gestores sem um controle direto sobre as fontes dos efeitos públicos na elaboração de projetos e formulação externos. A poluição atmosférica causada por uma de políticas específicas para as suas demandas. fábrica é um exemplo de externalidade (negativa, neste caso), porque afeta o ar, que é um bem público (pertencente à coletividade) e tem caráter involuntário, já que a finalidade do dono da fábrica é teoricamente a produção, e não a poluição. M’Gonigle (1999) distingue duas correntes M’Gonigle (1999) esclarece que a economia ecológica aponta caminhos para a sustentabilidade por meio de processos mais estáveis associados com comunidades territoriais, que são formas de organização participativa existentes dentro de sistemas naturais. As comunidades, no seu na economia ecológica: uma associada a uma ponto análise baseada em formalismos técnicos (de uma base apropriada para a construção de vertente econômica neoclássica), na qual o meio políticas econômicas que garantam o êxito e ambiente é analisado como mais um recurso para a sustentabilidade de projetos em um amplo finalidades econômicas, e outra de abordagem horizonte de tempo, desde que seja observado um mais ampla, que engloba um olhar profundo sobre adequado planejamento territorial. de vista, podem constituir, portanto, os contextos institucionais, em que são analisadas as interações da sociedade, da política, da cultura Teixeira (2009) demonstra as possibilidades e do meio ambiente com a ciência econômica. O de integração entre comunidade, ética e economia autor considera que elas não são excludentes, mas ecológica, a partir da construção de redes soli- acabam complementando-se. dárias, práticas de autogestão, técnicas de reci- Söderbaum (1999), por seu turno, complementa sobre a economia ecológica, afirmando que seus recursos chaves são: (1) trabalhar para uma clagem de resíduos e reaproveitamento de materiais, abordando a experiência da Comunidade Sustentável Morada da Paz desde 2003. sociedade sustentável com um senso ecológico, (2) O planejamento territorial, de acordo com prontidão para encaminhar as questões fundamentais M’Gonigle (1999), envolve seleção de territórios de quadros conceituais e de valores, (3) interação restritos, socialização da riqueza produtiva do ter- com acadêmicos de outras disciplinas e (4) observar ritório, equalização de acesso à base de forças soci- os imperativos essenciais da democracia. O autor ais e econômicas e o fortalecimento de economias refere ainda que a economia ecológica tem uma territoriais através do reforço da autossuficiência e natureza interdisciplinar, podendo interagir com o desenvolvimento de mercados controlados re- várias áreas do conhecimento. gionalmente. O autor salienta ainda que o metabo- Para Melo (2006), a análise dos fluxos físi- lismo circular de estado-estável que está embutido cos de energia e de materiais é um pressuposto na comunidade social (com todos os processos ins- importante da economia ecológica, além da con- titucionais e culturais que isto implica) é a essência sideração dos preços de mercado com o devido do modelo territorial. Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 96 - 109, jan./jun. 2014 103 3 O Pensamento Econômico de Schumacher muitos teóricos do desenvolvimento local, como Tenório e Durán (2007). O autor também critica a tendência de A tentativa de analisar as interações entre a economia e diferentes correntes espiritualistas não é algo inédito. Muitos autores já buscaram esse caminho no passado e na contemporaneidade. Neste artigo, limitaremos-nos à análise de E. F. Schumacher, buscando dialogar com outros produção e advoga que pequenas unidades fabris, em que os trabalhadores produzem em equipamentos que realcem o aspecto humano (criativo) do trabalho, podem trazer viabilidade econômica e eficiência técnica-produtiva. economistas ecológicos e solidários na busca por Schumacher (1983) critica a economia con- opiniões compartilhadas quanto às possibilidades vencional, de vertente neoclássica, que ignora os para um novo sistema socioambiental. custos ambientais (externalidades) do processo E. F. Schumacher nasceu na Alemanha e estudou na Inglaterra nos anos 1930, quando se tornou discípulo de John Maynard Keynes, um dos expoentes do pensamento macroeconômico. Também publicou artigos na companhia de outros importantes economistas da época, entre eles o polonês Kalecki. Auxiliou na reconstrução da Alemanha no pós-guerra e realizou diversos trabalhos de consultoria econômica, um deles na Birmânia, em 1955, onde se inspirou para escrever sob a economia na perspectiva budista. Propôs, assim, uma base mais humanista para a ciência econômica. Seu principal livro, O negócio é ser pequeno, um estudo de economia que leva em conta as pessoas, produtivo, operando dentro de uma lógica restrita que considera apenas a questão de custo e benefício para a alocação dos fatores e despreza a necessidade de reciclagem e reutilização dos recursos. Assim, a visão de Schumacher do sistema econômico aproxima-se do modo de pensar dos fundadores da economia ecológica, como Georgescu-Roegen, Martinez-Alíer e Daly. Segundo a economia convencional, todos os bens são tratados pelo mercado como mercadorias. O autor considera que o mercado, ao atribuir preços a bens e serviços, acaba retirando a sacralidade da vida, uma vez que nada pode haver de sagrado em alguma coisa precificada. A economia, na visão de Schumacher de 1973, é o resultado da compilação de uma série de (1983), encerra a análise de questões éticas (níveis de palestras realizadas e artigos publicados na década pobreza e riqueza, por exemplo), morais, ambientais, de 1960 e início da década de 1970. Em duas obras políticas, culturais e institucionais. Nessa perspectiva, posteriores, aprofundou temas referidos no livro a visão do autor é muito semelhante a de outros inicial, como observaram Moraes e Serra (2005). economistas heterodoxos referidos neste artigo, Schumacher (1983) tece críticas severas ao processo de globalização, afirmando que ele poderia provocar o desarranjo de estruturas produtivas locais. No seu ponto de vista, o caminho mais lógico para organizar o processo produtivo seria em pequenas unidades, utilizando recursos disponíveis no local (ou na região), tanto recursos naturais, 104 grandes unidades fabris como padrões para a como Sen (1999), Söderbaum (1999), Cechin e Veiga (2010) e Melo (2010). Percebe-se, dessa forma, que a sua maneira de analisar o sistema econômico leva em consideração aspectos interdisciplinares e o pensamento complexo, que é exatamente o oposto da visão reducionista-mecanicista de mundo difundida por Descartes, Bacon e Hobbes, no século XIX. como mão de obra. Isso geraria benefícios às A ciência econômica, ao ser equiparada à economias locais, em sua concepção. Nesse sentido, física newtoniana na construção de suas teorias seu pensamento aproxima-se do pensamento de e modelos, tornou-se abstrata demais para a compreensão da realidade dos fenômenos eco- opinião de Schumacher (1983), é maçante e noci- nômicos, limitando-se. vo espiritualmente ao trabalhador. Na visão da Schumacher (1983) reflete que a economia está dessa forma acabou economia budista, segundo o autor, o trabalho deve muito mais direcionada a analisar problemas de conduzir à superação do ego, além de simplesmente uma forma quantitativa do que aprofundar a prover as necessidades básicas dos trabalhadores. análise qualitativa. Em sua opinião, os pressupostos econômicos, ao suprimirem as diferenças qualitativas, tornam estéreis as teorias econômicas. A análise econômica (econométrica) não leva em consideração se o crescimento é benéfico ou não. Entretanto, o autor pondera que é mais fácil lidar com variáveis quantitativas do que manipular informações qualitativas. Quanto ao mercado, Schumacher (1983) acredita que ele é a institucionalização do individualismo e da não responsabilidade, numa postura claramente crítica à sua lógica de funcionamento. Nesse ponto, o autor compartilha a mesma opinião de Polanyi (2000), para quem o mercado representa apenas uma dentre tantas outras formas de interações econômicas existentes na sociedade. Em sua Schumacher (1983) defende a construção de obra, Polanyi (2000) aponta a domesticidade, na uma ciência econômica sobre outras bases e valores, qual predomina a produção para o autoconsumo, a em que haja a consideração de diferenças qualitativas reciprocidade, em que existe o processo de dar, rece- entre bens e serviços pelo mercado. Para isso, ber e retribuir os bens (fortalecendo os laços sociais, lança a proposição de uma economia baseada em dessa forma) e a troca, havendo uma organização princípios e valores do budismo. Nessa perspectiva, hierárquica que coordena a redistribuição dos frutos faz uma série de considerações para uma verdadeira do trabalho coletivo, como os mutirões, por exemplo. reprogramação da economia, como o princípio da subsistência correta, com a redução do consumo às necessidades básicas, a eliminação dos supérfluos e, consequentemente, a busca por uma forma de vida com mais simplicidade, liberdade e criatividade, em pequenas unidades. Na atualidade, esse modo de vida proposto por Schumacher tem sido experimentado em inúmeras ecovilas e comunidades sustentáveis espalhadas pelo mundo, como Findhorn (Escócia), A sabedoria, conforme Schumacher (1983), leva à paz e à permanência. Hoje poderíamos traduzir estes termos como sustentabilidade, ou desenvolvimento sustentável, conceitos que ainda não haviam se disseminado na época de Schumacher. A antítese da sabedoria são os conflitos e os tensionamentos, para o autor. Em suas palavras, Schumacher (1983, p. 32) complementa: Lebensgarten (Alemanha), Cristal Waters (Austrália) O cultivo e a expansão das necessidades é a antítese e Morada da Paz (Brasil), como referem Santos Jr. da sabedoria. É igualmente a antítese da liberdade e da (2006), Dornelles (2008) e Teixeira (2009). paz. Cada aumento de necessidades tende a agravar a dependência de uma pessoa de forças externas sobre Schumacher (1983) defende uma forma as quais não pode exercer controle, e, portanto, agrava o de gestão participativa nas organizações, em medo existencial. Só com uma redução de necessidades que os trabalhadores estejam engajados nos pro- pode-se promover uma genuína redução naquelas tensões cessos de tomadas de decisões e sintam-se satis- que são as causas fundamentais da discórdia e da guerra. feitos com aquilo que realizam. Nesse aspecto, o pensamento do autor aproxima-se de Cançado e Cançado (2009), França Filho (2007) e Pinto (2006), que destacam a autogestão como traço característico dos empreendimentos solidários. O trabalho desenvolvido de forma mecânica, na Rev. FA E , C uritiba, O problema não é acumular riquezas, destaca Schumacher (1983), mas segundo ele, na visão budista, o problema consiste no apego à riqueza, que impede as pessoas de enxergarem além dos seus próprios interesses, contribuindo para v. 17, n. 1, p. 96 - 109, jan./jun. 2014 105 a construção de um pensamento autocentrado. Finalmente, Schumacher (1983) considera Esse aspecto nefasto do mundo contemporâneo a necessidade de um estudo da economia em também é referido por Samten e Caruso Jr. (2004), bases mais amplas (metaeconômicas), para que se ao dialogarem sobre os problemas causados pela alcancem discernimentos válidos na construção de atitude autointeressada do ser humano na interação políticas e projetos econômicos e que esses sejam econômica e seu reflexo na degradação ambiental. exitosos no alcance de suas metas e objetivos. É preciso a sabedoria acumulada ao longo da história, segundo Schumacher (1983), para o Considerações Finais ser humano continuar a trilhar o seu caminho de evolução na Terra e esse caminho, segundo o au- A economia ecológica e a economia solidária tor, deve ser preferencialmente o caminho do meio, são dois ramos recentes do pensamento econômi- como idealiza a tradição budista. Schumacher (1983) chegou a cunhar o termo pontos em comum, como a preocupação com a metaeconomia, o qual envolveria o estudo do sustentabilidade ambiental nas atividades econômi- homem em seu meio ambiente. Esse segmento da cas. Tal fato tem fomentado o desenvolvimento de economia teria como foco a inferência de metas e novas pesquisas tanto empíricas quanto teóricas objetivos a partir do estudo do homem, tendo como utilizando essas duas áreas da ciência econômica. metodologia a observação da natureza. Segundo o autor, a dependência do homem (e da economia) com relação à natureza é ignorada pela economia convencional (neoclássica), assim como também 106 co, sendo que suas abordagens encontram muitos Como foi possível verificar ao longo desse ensaio, Schumacher apresenta opiniões que se filiam tanto à economia ecológica como à econo- constata a economia ecológica e seus principais mia solidária. Talvez por esse motivo, qual seja a teóricos. Schumacher (1983) pondera que a análise abrangência de seus pontos de vista, e a dificuldade econômica convencional atribui maior valor ao em enquadrá-lo em alguma vertente de pensamen- curto-prazo, não considerando os custos ambientais to, ele tenha ficado à margem das próprias áreas (externalidades) que geram distorções nas análises heterodoxas da economia e carente de uma leitura econômicas. Nesse ponto seu pensamento se mais aprofundada e de maiores comentários na li- correlaciona com a análise de Tolmasquim (1998). teratura econômica corrente. Schumacher (1983) afirma que toda a análise Contudo, em um período de intensas crises econômica desconsiderou a base (meio ambiente) ambientais, sociais e econômicas, como vivencia- em que se desenvolviam as atividades econômicas, mos na atualidade, as quais demandam alterna- porque no momento de sua formulação ela parecia tivas sustentáveis e ações eficazes para os seus inesgotável. A partir das provas de sua deterioração enfrentamentos, a (re)leitura de Schumacher pode ambiental, o autor reflete que as perspectivas e a trazer inspirações interessantes aos cientistas que metodologia econômica passam a ser contestáveis. pesquisam sobre a sustentabilidade socioambi- Capra (2006) demonstra ter sido profun- ental na construção de projetos direcionados ao damente influenciado por Schumacher quando bem-estar e a qualidade de vida das populações. se refere à necessidade do ser humano aprender Nesse sentido, ressalta-se o caráter original, con- com os processos naturais, além de também temporâneo e interdisciplinar deste autor, cuja defender a importância da economia buscar um contribuição continua viva, conforme se buscou perfil mais humanista. demonstrar no presente artigo. Referências ANDION, C. A Gestão no campo da economia solidária: particularidades e desafios. Revista de administração contemporânea, Curitiba, v. 9, n. 1, p. 70-101, jan./mar. 2005. 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FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 96 - 109, jan./jun. 2014 • Recebido em: 20/12/2012 • Aprovado em: 04/06/2013 109 Adoção de plataforma estratégica de tecnologia de informação e comunicação: análise baseada no modelo UTAUT Adoption of the strategic platform for information and communication technology: analysis based on the UTAUT model Adoção de plataforma estratégica de tecnologia de informação e comunicação: análise baseada no modelo UTAUT Adoption of the strategic platform for information and communication technology: analysis based on the UTAUT model Fernando de Souza Meirelles1 Luci Longo2 Resumo Este artigo apresenta um estudo desenvolvido em ambiente universitário e tem como foco a adoção de tecnologia de informação por parte do corpo docente da Instituição nos processos educacionais. A pesquisa se justifica em razão da pouca informação sobre as dificuldades de aceitação e intenções de uso por parte dos professores e foi baseada no modelo UTAUT (Unified Theory of Acceptance and Use of Technology visando analisar o sistema e-learning para apoio de atividades educacional denominado Moodle – Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment, da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Unicentro). A metodologia adotada foi qualiquantitativa e dividida em duas etapas. A primeira serviu como diagnóstico, constatando que a Universidade tem diferentes estágios de adoção de tecnologia e que o Ensino a Distância (EAD), implantado há pouco menos de três anos, já atingiu 42,5% dos alunos. Na segunda etapa, foi realizada uma survey encaminhada aos docentes cadastrados para uso dos recursos do sistema de tecnologia de informação e comunicação destinada à educação (TIC) dos três campi universitários, totalizando 650 professores, equivalente a 86,4% do total dos docentes, para testar se os elementos apontados no modelo teórico são comprovados empiricamente para a adoção das TIC. A apresentação dos resultados possibilitou evidenciar a abrangência da teoria utilizada, apesar do baixo índice de participação dos professores na pesquisa, mostrando a necessidade de novas pesquisas para aprofundar o estudo no ambiente acadêmico e de medidas para tornar mais efetivo o uso das TICs educacionais. Palavras-chave: Adoção de Tecnologia de Informação. Tecnologia de Informação e Comunicação destinada à Educação (TIC). Modelo Unificado de Aceitação de Tecnologia. Aspectos Sociais da TI. Abstract This paper presents a study developed in a university environment and which is focused on the adoption of information technology by the teaching staff institution in the educational process. The research is justified because there is few information about the difficulties of acceptance and usage intentions of professors and it was based on the UTAUT (Unified Theory of Acceptance and Use of Technology) in order to analyze the e-learning system for support of educational activities called Moodle – Modular Object Oriented Dynamic Learning Environment, of the Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Unicentro). The methodology was qualitative and quantitative and was divided into two stages. The first one was used as a diagnosis, noting that the university has different stages of adoption of technology, and distance education (e-learning), implanted just under three years, has reached 42.5% of students. In the second step, we conducted a survey sent to teachers registered for use of system resources for Information Technology and Communication to Education (ICT) of the three university campuses, a total of 650 teachers, representing 86.4% of all teachers; the survey research was conducted to test whether the elements highlighted in the theoretical model are confirmed in empirical research of ITC adoption. The presentation of the results allowed to highlight the scope of the theory used, despite the low level of teacher participation in research, showing the need for further research to further study in the academic environment and measures to make more effective use of ICT in education. Keywords: Adoption of Information Technology. Information and Communication Technology for Education (ICT). Unified Theory of Acceptance and Use of Technology (UTAUT). Social Aspects of IT. 1 2 Doutor em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas FGV-EAESP, Professor Titular da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP). E-mail: [email protected]. Doutora em administração pela Fundação Getulio Vargas FGV-EAESP, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Professora da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná. E-mail: [email protected]. Rev. FAE, Cu r it iba, v. 17, n. 1, p. 110 - 125, jan./jun. 2014 111 Introdução A TIC pode ser utilizada A Tecnologia de Informação (TI) tem sido abordada sob diferentes enfoques, destacando sua importância no ambiente empresarial, sua contínua evolução e seus impactos para os indivíduos e para a sociedade. A educação é uma das áreas que merece destaque. Os estudos relacionados à educação e evolução da TI já era destacada por Dertouzos (1997), enfatizando que a Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) podia ajudar a melhorar o aprendizado, graças a sua capacidade de tratar certas restrições existentes, tais como o tempo e o espaço, para seus participantes e componentes. Com este estudo, foi possível acompanhar a evolução da TIC junto à Instituição de Ensino Superior estudada. Um dos pontos centrais da investigação foi verificar o funcionamento do Moodle, o sistema de e-learning da Universidade, bem como seu efetivo uso por parte dos docentes. O sistema Moodle foi implementado inicialmente para o Ensino a Distância (EAD), devido à parceria da Universidade e o Governo Federal, no Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB). Estes esforços alavancaram a infraestrutura de TI. A plataforma Moodle foi disponibilizada também aos docentes do ensino presencial. Decorridos mais de dois anos, não estava claro a participação dos docentes e quais os principais motivadores do uso do sistema. O objetivo desta pesquisa, portanto, foi estudar a adoção e intenção do uso de tecnologia de informação por professores nos processos educacionais, utilizando o modelo unificado de aceitação de TI, Unified Theory of Acceptance and Use of Technology – UTAUT (VENKATESH; MORRIS; DAVIS, 2003). A metodologia procurou formas para compreender algumas questões, como por exemplo, se o gênero, idade, experiência e voluntariedade no uso presentes no modelo teórico UTAUT são diagnosticados na pesquisa empírica, interferindo na intenção do indivíduo e também na frequência de uso. O modelo de pesquisa adotado serviu de base para orientar a pesquisa junto aos docentes da Universidade Estadual do Centro Oeste do 112 no contexto educacional, para apoiar atividades administrativas, de gestão educacional, de aprendizagem, entre outras. Paraná, quanto à aceitação da plataforma Moodle para o apoio às atividades educacionais da Entidade dos cursos presenciais de Graduação e Pós-Graduação. 1 Uso de Tecnologia de Informação e Comunicação 1.1 Tecnologia da Informação e Comunicação para Educação (TIC) Damásio (2007) discorre sobre a utilização da tecnologia no contexto educativo, e enfatiza que o seu uso deve ser introduzido mediante reais necessidades dos sujeitos envolvidos e não somente pelo fato de utilizar a tecnologia por ela mesma. A TIC pode ser utilizada no contexto educacional, para apoiar atividades administrativas, de gestão educacional, de aprendizagem, entre outras. Nesta pesquisa, analisou-se a adoção da TIC pelo corpo docente como ferramenta de apoio às atividades de ensino e aprendizagem, ou seja, como um sistema de gestão do aprendizado. Este tipo de sistema agrega grande quantidade de recursos que podem ser utilizados para disponibilização de materiais tais como artigos e vídeos, construção individual do conhecimento por meio de tarefas, construção colaborativa de conhecimento por wikis e fóruns de discussão, comunicação entre professor-aluno e aluno-aluno via mensagens, fóruns de notícias e fóruns de discussão em geral e avaliação do aprendizado do aluno com a utilização de testes eletrônicos. Estas tecnologias podem ser utilizadas tanto para ensinar o aluno determinado conteúdo, como para promover o desenvolvimento do conhecimento e, neste contexto, o aprendizado acontece pelo fato do indivíduo estar executando determinada tarefa por intermédio da tecnologia (VALENTE, 1993a). Segundo Albertin (2010), estas tarefas podem ser pesquisa de dados, elaboração de textos, resolução de diversos domínios do conhecimento e representação desta resolução, controle de processos em tempo real, comunicação e uso de redes de computadores, entre outras. O processo de aceitação e efetiva adoção de determinada tecnologia é um ponto-chave para o sucesso desta, seja um sistema de informação, um processo ou produto no ambiente digital. planejado (TCP); (5) Uma teoria combinada de TCP e TAM (TAM2); (6) Modelo do uso do computador pessoal (CP); (7) Difusão de inovações e (8) Teoria social (cognitiva). 1.2 Adoção de Tecnologia Visando compreender melhor a origem do UTAUT, apresenta-se um dos modelos mais co- A adoção de tecnologia tem sido foco de pesquisa de muitos autores. Um dos artigos mais conhecidos sobre o tema é de Venkatesh, Morris, Davis e Davis (2003), que divulgaram o modelo utilizado nesta pesquisa o Unified Theory of Acceptance and Use of Technology (UTAUT), cuja tradução é Teoria Unificada de Aceitação e Uso da Tecnologia. nhecidos que o antecedeu, o Modelo de Aceita- Salienta Albertin (2010) que o processo de aceitação e efetiva adoção de determinada tecnologia é um ponto chave para o sucesso desta, seja um sistema de informação, um processo ou produto no ambiente digital (ALBERTIN, 2010). ria livre de esforço (DAVIS, 1989). A UTAUT é oriunda da consolidação das construções de oito modelos de pesquisas antecessoras: (1) Teoria da ação racional (TRA); (2) Aceitação do modelo de tecnologia (TAM); (3) Modelo motivacional; (4) Teoria do comportamento tativa de esforço, influência social e condições de Rev. FA E , C uritiba, ção Tecnológica (TAM) – Technology Acceptance Model, que se refere ao momento quando os usuários são apresentados a uma nova tecnologia, pois há fatores que influenciam na decisão de usá-lo, quais sejam: percepção de utilidade e da facilidade, ou seja, grau de percepção que uma pessoa ao utilizar um determinado sistema, esta- O UTAUT visa explicar também as intenções do usuário para usar um sistema e comportamento posterior. A teoria sustenta as quatro principais construções: expectativa de desempenho, a expecfacilidade. Além disso, os determinantes da intenção de uso são os seguintes elementos: gênero, idade, experiência e voluntariedade de uso (VENKATESH et al., 2003). v. 17, n. 1, p. 110 - 125, jan./jun. 2014 113 O modelo UTAUT, na FIG. 1, foi validado com sucesso em um estudo longitudinal, obtendo 70% da variação na intenção de uso. FIGURA 1 – Modelo da Teoria Unificada de Aceitação da Tecnologia (UTAUT) Expectativa de Desempenho Expectativa de Esforço Intenção de Comportamento Uso de Uso Influência Social Condições Facilitadoras Gênero Idade Experiência Voluntariedade no Uso FONTE: Venkatesh et al. (2003) 2 Aspectos Metodológicos 2.1 Escolha da Empresa A entidade escolhida para esta pesquisa é uma das mais jovens Universidades do Estado do Paraná, que surgiu da fusão de duas faculdades dos municípios de Guarapuava e de Irati. A partir do ano de 1997, depois de concluído seu processo de reconhecimento, a Instituição iniciou seu processo de expansão, implantando novos cursos em diversas áreas do conhecimento. Atualmente, conta com 59 ofertas de cursos. 114 Instalada na região central do estado, a Unicentro conta com mais de cinquenta municípios em sua região de abrangência, compreendendo uma população de mais de 1 milhão de habitantes, para os quais oferece uma variada gama de serviços que propiciam maior desenvolvimento regional. Conta com cursos de Formação Superior de Graduação, Pós-Graduação e Ensino a Distância (EAD), em parceria com o Governo Federal por meio da Universidade Aberta do Brasil (UAB). No ano em que foi desenvolvida a pesquisa a universidade tinha 9.108 acadêmicos no ensino presencial e 3.874 no EAD. O processo de consolidação da Instituição vem ocorrendo pelo reconhecimento da comunidade e dos órgãos oficiais encarregados da gestão das políticas de Ensino Superior no país. Ressalta-se a implantação, no ano de 2006, dos quatro primeiros programas de Pós-Graduação stricto sensu da Universidade, os mestrados nas áreas de Química, Engenharia Florestal, Agronomia e Biologia. 2.2 Modelo Conceitual de Pesquisa Com o objetivo de compreender melhor o atual estágio de adoção de TI, pelos docentes, nas atividades educacionais de Graduação e Pós-Graduação dos cursos presenciais na Unicentro, aplicamos o modelo UTAUT, com algumas adaptações, conforme a FIG. 2. FIGURA 2 – Modelo de Pesquisa baseado no UTAUT Expectativa de Desempenho Plataforma Moodle Expectativa de Esforço Intenção de Uso (TIC para suporte das tarefas educacionais) Comportamento de Uso Influência Social Condições Facilitadoras Gênero Idade Experiência Voluntariedade no Uso DOCENTES - ENSINO SUPERIOR FONTE: Os autores (2011) Esta abordagem possui apenas uma diferenciação em relação ao modelo original, ou seja, a proposição ao modelo aponta que os elementos de gênero, idade, experiência e voluntariedade do uso podem interferir na intenção do indivíduo e também na frequência da utilização do recurso tecnológico. Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 110 - 125, jan./jun. 2014 115 2.3 População e Coleta de Informações A pesquisa, para atender aos seus objetivos, foi dividida em duas fases: (a) diagnóstico do uso de TI pela Entidade (utilizando dados secundários dos usuários ativos do Moodle) e (b) coleta de dados junto aos docentes da entidade, por meio de uma survey com questionário estruturado (opção digital ou manual/físico), focado no objetivo da pesquisa. Os professores dos três campi universitários totalizam 752 indivíduos, entretanto, a pesquisa foi encaminhada para aqueles que tinham seus cadastros junto ao sistema, totalizando 650 professores. A Unicentro, no ano de 2009, iniciou um programa de treinamento para os professores, apresentando o Moodle, sendo que nesta ocasião os professores foram orientados a fazer seus cadastros e acessos para a utilização básica do sistema. Para os testes, processamento dos dados amostrais e validação do modelo proposto, utilizou-se o software MINITAB versão 15. Optou-se pela técnica de análise discriminante devido à variável resposta de natureza binária. Foi construído um modelo de Regressão Logística para encontrar os motivadores do uso do sistema. A análise discriminante assume a seguinte forma: Z= f(X1, X2, ..., Xp) Z= a0 + a1 X1 + a2 X2+...+ap Xp Onde: Z = escore discriminante a = intercepto Xi = variável independente i Regra de Decisão (Zo: é o ponto de corte para classificação dos grupos): Dos questionários que retornaram, pouco mais de 100, muitos estavam com informações incompletas, portanto, puderam ser aproveitados 56. 2.4 Procedimentos Adotados para Análise dos Dados O tipo de pesquisa foi qualiquantitativo para alcançar a verificação empírica do assunto estudado. Para responder ao objetivo proposto e para uma efetiva triangulação das informações foram utilizadas diversas técnicas para a coleta de dados (DUBÉ; PARÉ, 2003; EISENHARDT, 1989; YIN, 2001). Na fase de diagnóstico, adotou-se fazer inicialmente a coleta junto ao site da Universidade, bem como a análise de documentos e entrevistas semiestruturadas com o Coordenador da TIC, cuja, sua equipe atende os três campi. Paralelo a isto, foi feito entrevista com a Coordenadora do Programa de Ensino a Distância, para compreender a atual situação do EAD. Por último, foram obtidas também informações, junto aos Departamentos, Financeiro, da Reitoria e dos Recursos Humanos. 116 Z > Z0 = G1 (usuários) Z < Z0 = G2 (Não Usuários) Para mensurar se o modelo ajusta-se aos dados, foram feitos alguns testes de validação, como o teste de Hosmer-Lemeshow. Também foi analisada a significância do modelo e a hipótese nula foi rejeitada: Ho: (b1=0, b2=0,.... bp = 0). As variáveis mais ajustadas ao modelo, quanto ao uso do sistema foram: Intenção e Frequência, sendo G = 21,176, DF = 2, P-Value = 0,000. 3 Apresentação e Análise dos Resultados 3.1 Descrição da Plataforma Moodle/ Unicentro O Moodle – Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment – é um ambiente virtual de aprendizagem (AVA), também conhecido O Moodle conjuga um sistema de administração de atividades educacionais com um pacote de software desenhado para ajudar os educadores a obter alto padrão de qualidade em atividades educacionais no ambiente on-line. como LMS – Learning Management System, que tem destaque no mercado digital, devido às suas diversas possibilidades. Muitas instituições utilizam essa ferramenta em cursos on-line, blended ou como apoio a cursos presenciais, todas elas com o intuito de dar suporte ao aluno por meio da atuação de professores e/ou tutores (CTAE, 2011). um pacote de software desenhado para ajudar os educadores a obter alto padrão de qualidade em atividades educacionais no ambiente on-line. Este sistema gera informações e relatórios referentes a sua utilização. Para evidenciar a adoção dos usuários ativos, apresentam-se algumas informações geradas para a Coordenação de TI da Universidade. No que se refere à situação atual do EAD, há 10 cursos em funcionamento, 3.874 alunos e 550 tutores externos ligados ao programa. Indicando o volume movimentado pelos usuários, em números totais, houve 21.892 visitantes, 52.807 visitas, ou seja, 2,41 acessos por visitantes. Mensurando o volume de informação, as visitas equivalem a 54,21 GB ou 1076,3 KB por visita. Verificando as informações do último trimestre de 2010, conforme a TAB. 1, é possível ter noção do fluxo dos usuários do sistema e da utilização do Moodle e o tempo médio destas. TABELA 1 – Duração das visitas no Moodle Tempo médio das Número de visitas visitas Por cento 0s-30s 8.376 15.8 % 30s-2min 7.844 14.8 % 2min-5min 7.827 14.8 % 5min-15min 9.303 17.6 % 15min-30min 5.650 10.6 % 6.231 11.7 % 7.440 14% 163 0.3 % Tecnicamente, o Moodle é um software de Open Source, o que significa que é livre para carregar, usar, modificar e até mesmo distribuir (sob a condição do GNU). Funciona sem necessidade de modificação em Unix, Linux, Windows, Mac OS X, Netware e em qualquer outro sistema que suporte a linguagem PHP, podendo, portanto, ser incluído na maioria dos provedores de hospedagem. Os dados são armazenados em um único banco de dados e de maneira mais eficiente com MySQL e PostgreSQL, porém também pode ser utilizado com Oracle, Access, Interbase, ODBC, entre outros. FONTE: Coordenação de TI/UNICENTRO (2010) O Moodle é um projeto de desenvolvimento contínuo projetado para apoiar o sócio construtivismo educacional. Conjuga um sistema de administração de atividades educacionais com O GRÁF. 1 ilustra os Cursos Ativos de Ensino a Distância (EAD) com maior participação no uso da plataforma Moodle, desde a implantação do sistema em 2009: Rev. FA E , C uritiba, 30min-1h 1h+ Desconhecido v. 17, n. 1, p. 110 - 125, jan./jun. 2014 117 GRÁFICO 1 – Uso do Moodle nos Programas de EAD 190, 000 152, 000 114,000 76,000 38,000 TICs - 2010 Imersão - 2010 TFL-2010 Hist Brasil I Estado, Governo e Mercado Inf. Aplicada História da Arte Sem Pesq. Estado, Governo e Mercado - 10 Educação a Distância EAD HISUBDID2010 Introdução à Informática - 10 Sociologia Teoria da Administração Int. à informatica - 2010 Psicologia Organizacional Estado, Governo e Mercado Introdução ao EAD Int. à informática 2010 TCC- Gestão 0 Atividade FONTE: Coordenação de TI/UNICENTRO (2010) Analisando apenas um curso e as movimentações do EAD, tomando-se como exemplo o curso de Gestão Escolar, que completou seu ciclo na fase final de conclusão de curso, verificase a participação de três agentes (usuários do sistema) que utiliza a nomenclatura distinta, conforme segue: a) Estudantes – não há diferença de nomenclatura; b) Assistentes – que dão suporte aos estudantes, denominados operadores ou tutores; c) Professor – também recebe a denominação de tutor. Destaca-se algumas características que são inerentes à funcionalidade do EAD na entidade 118 estudada, os assistentes que dão suporte no dia a dia e os professores são chamados de tutores. A responsabilidade e organização do conteúdo é atribuição do professor, assim como programa da disciplina, material, exercício e atividades desenvolvidas, mas em geral o professor não está permanentemente em contato virtual com o aluno do EAD, pois a equipe de assitentes é que oferece o suporte para estes alunos e também é o elo de informação junto ao professor. Verifica-se que em um semestre de atividades aproximadamente, há picos de acessos dos usuários de forma diferenciada. As participações do estudante e do tutor assemelham-se às demandas de um curso de orientação presencial. GRÁFICO 2 – Acesso na disciplina TCC Gestão Escolar 21/08/24 25/11/21 01/03/19 04/06/16 08/09/13 Estudante 13/12/10 Moderador Tutor 18/03/08 22/06/05 26/09/02 00/01/00 17/05/2010 17/06/2010 17/07/2010 17/08/2010 17/09/2010 17/10/2010 FONTE: Coordenação de TI/UNICENTRO (2010) 3.2 Análise e Validação do Modelo para a Amostra Obtida na Pesquisa Uso do Moodle-Unicentro Alguns pontos da análise são destacados, conforme mostra a primeira parte da TAB. 2, com o resumo da variável de saída (binária), sendo o uso da TIC, 1 para sim e 0 para não. Do conjunto de variáveis previsoras (independentes) do modelo UTAUT, as variáveis SIDADE, EXPER, destacadas na TAB. 2, possuem parâmetros não significantes para o modelo em 10%. Dessa forma, foram retiradas estas variáveis para compor o modelo final. Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 110 - 125, jan./jun. 2014 119 TABELA 2 – Regressão logística: uso de TI x variáveis previsoras Variável Dependente (Binária) Valor USO Quant. 1 25 0 31 TOTAL 56 Intervalo de Confiança Previsores Coef Constante SE Coef Z P Relação de Probalidade Mínimo 95% Máximo - 7,670 2, 555 - 3,000 0,003 SIDADE 0,425 0,722 0,590 0,556 1,530 0,370 6,300 SGÊNERO 2,286 0,875 2,610 0,009 9,830 1,770 54,640 - 0,240 0,355 - 0,680 0,498 0,790 0,390 1,580 2,480 1,191 2,080 0,037 11,940 1,160 123,130 EXPER INTENÇÃO Log-Probalidade = Teste (slopes = zero): - 23,465 G= 30,058 DF = 5,0 P-Value = 0,000 FONTE: Os autores (2011) No teste de significância, conforme TAB. 3, pelo valor de P, pode ser rejeitada a hipótese nula. Entretanto, a estatística e o teste de Hosmer Lemeshow mostram que o modelo não se ajusta aos dados, mesmo com o índice D de Somers mostrando uma concordância de 78%. TABELA 3 – Testes estatísticos de ajustes e associação Testes Estatísticos de Ajustes (Goodness-of-Fit ) Método Chi - Quadrado DF P Pearson 74,7335 34 0,000 Deviance 39,6591 34 0,232 Hosmer-Lemeshow 8,4488 8 0,391 Medidas de Associação: Entre a Variável e os Preditores Número de Pares Concordante Discordante Ties Total FONTE: Os autores (2011) 120 Percent Medidas Resumo 688 88,8 D de Somers 0,78 83 10,7 Goodman-Kruskal Gamma 0,78 4 0,5 Kendall’s Tau-a 0,39 850 100 Na sequência, os cálculos foram processados novamente, considerando apenas as variáveis Intenção e Frequência. Os resultados encontram-se na TAB. 4. TABELA 4 – Regressão logística: uso x previsoras intenção e frequência Intervalo de Confiança Previsores Coef SE Coef Z Relação de P Probalidade Mínimo 95% Máximo Constante - 3,39572 1,1833 -2,87 0,004 INTENÇÃO 2,64870 1,1292 2,35 0,019 14,14 1,55 129,28 1,09526 0,4893 2,24 0,025 2,99 1,15 7,80 FREQUÊNCIA Log-Probalidade = -27,906 Teste (slopes = zero): G=21,176 DF = 2,0 P-Value = 0,000 Testes Estatísticos de Ajustes (Goodness-of-Fit ) Método Chi - Quadrado DF P Pearson 26,522 5 0,00 Deviance 13,4358 5 0,02 20,9454 3 0,00 Hosmer-Lemeshow Medidas de Associação: Entre a Variável e os Preditores Número de Pares Percent Medidas Resumo Concordante 587 75,7 D de Somers 0,69 Discordante 50 6,5 Goodman-Kruskal Gamma 0,84 Ties 138 17,8 Kendall’s Tau-a 0,35 Total 775 100 FONTE: Os autores (2011) Na TAB. 4, os testes estatísticos indicam um bom nível de concordância quanto à associação entre a Variável resposta “Z” e as variáveis previsoras (Intenção e Frequência). O teste de significância, pelo valor de P indica que a hipótese nula pode ser rejeitada, ou seja, pelos menos um dos b é diferente de zero. O modelo se ajusta aos dados pelo teste estatístico de Hosmer Lemeshow e o teste D de Somers mostra uma concordância de 69%. Neste modelo (TAB. 4), todas as estimativas dos parâmetros das variáveis são significantes em 0.10. O valor de P é zero. Dessa forma, a equação da regressão logística para o escore do modelo é: Z = -3,39572 + 2,64870*INTENÇÃO + 1,09526*FREQUÊNCIA Indicando quanto aumenta “Z” a cada aumento de uma unidade de X. Então, o uso da TIC triplica para cada aumento de uma unidade de intenção de uso e o aumento de frequência em uma unidade significa aumento de “Z” em 1,09526. Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 110 - 125, jan./jun. 2014 121 3.3 Outras Informações da Pesquisa Os docentes envolvidos nos cursos de ensino a distância são necessariamente usuários do Moodle. Mas o interesse foi destinar a pesquisa a todos os docentes que fazem parte do quadro de professores ativos da entidade. Os resultados dos questionários que retornaram e válidos, envolvendo os usuários e não usuários, quanto ao gênero são 39% mulheres e 61% homens. O GRÁF. 3 evidencia a idade dos docentes envolvidos na pesquisa, segundo o modelo UTAUT, verifica-se que há uma predominância da faixa etária dos 25 aos 40 anos com 57%. TABELA 6 – Motivação para o uso Motivador de Uso Respondentes Por expectativa melhoria de desemprenho Por expectativa melhoria de esforço 29% 4% O tempo experiência é um Por influência dosde colegas (social) de docência 4% dos elementos do modelo e nos resultados não Por condição de facilidade 32% houve um grupo predominante. Não responderam 32% 100% FONTE: Autores (2011) GRÁFICO 3 – Idade dos participantes Mais de 60 anos 2% Entre os usuários do sistema Moodle da amostra, o que representa pouco menos da metade, em relação à motivação de uso, destacam-se as condições de facilidade 32% e expectativa de melhoria de desempenho 29%. Outras informações aparecem ainda na TAB. 6. Até 25 anos 5% 0 e4 0 is d Ma até 6 s ano s 36% ano Mais de 25 anos até 40 anos 57% FONTE: Os autores (2011) Do total dos respondentes da pesquisa, apenas 45% utilizam o Moodle, conforme apresentado na TAB. 5. Quanto à intenção de uso do sistema, grande parte dos professores, que não usam, afirmaram iniciar no próximo período letivo, ou seja, ainda no ano de 2011, uma vez que a pesquisa foi desenvolvida entre final de 2010 e início de 2011. O tempo de experiência de docência é um dos elementos do modelo e nos resultados não houve um grupo predominante. No GRÁF. 4, apresenta-se o tempo de experiência dos professores, representado em número de anos de docência. Ocorre uma divisão bastante semelhante em termos percentuais para os grupos, sendo o grupo mais numeroso dos usuários do instrumento de TIC foram professores com pouca experiência (0-3 anos) e os professores que menos utilizam do sistema Moodle são os docentes com mais de 20 anos de experiência. GRÁFICO 4 – Experiência dos docentes Mais de 10 anos até 20 anos 24% Mais de 20 anos 4% 0 até 3 anos 28% TABELA 5 – Detalhamento dos usuários Utilização do Moodle Usam (frequência do uso Mensal e Bimestral) 45% Perspectiva Respondentes Intenção de uso em 2011 73% Não têm intenção de usar 27% FONTE: Autores (2011) 122 Respondentes Mais de 6 anos até 10 anos 20% FONTE: Os autores (2011) Mais de 3 anos até 6 anos 24% Estes dados parecem lógicos, também evidenciam a utilidade do modelo teórico UTAUT, na análise empírica para o mapeamento dos usuários, visto que professores com maior tempo de experiência utilizam menos o sistema Moodle e de forma esporádica, já os professores com menos tempo de docência utilizam o sistema com mais frequência (diariamente, semanalmente ou mensalmente de forma regular). Conclusões A Instituição de Ensino estudada teve muitas mudanças, em pouco mais de uma década, no seu processo de evolução da TI/TIC. Segundo a entrevista com o Coordenador da TIC, o site foi implementado no ano de 1997. Em 1999, deu-se início ao sistema de secretaria e em 2002 os acadêmicos passaram a ter acesso para consultar suas notas on-line. Também a partir do ano de 2002 foram disponibilizadas as grades de cursos e outras informações sobre os Programas da Universidade. Naquele ano iniciaram-se as inscrições para o vestibular on-line. Atualmente possui inúmeros cursos ofertados em parceria com a Universidade Aberta do Brasil e utiliza a plataforma Moodle para suporte destes cursos, bem como para as atividades de ensino presenciais na Graduação, Pós-Graduação e Extensão. Esta pesquisa evidenciou a abrangência do modelo UTAUT, confirmando sua validade para explicar o uso e aceitação de tecnologia pelos docentes analisados. A variável ”Intenção de Uso” de TI do modelo UTAUT recebe inúmeros estímulos de variáveis relacionadas ao comportamento do indivíduo, consequentemente implicará em uso e frequência de uso da tecnologia de informação disponível. Portanto, o êxito está atrelado ao convencimento da utilidade e de facilidade do uso. Estas questões podem ser utilizadas para melhorar as ações por parte da gestão e para aumentar a utilização das plataformas de apoio à docência. Uma das limitações da pesquisa foi o baixo número de questionários que retornaram com todas as questões respondidas, mas este fator não impediu a evidenciação dos problemas relacionados à aceitação e uso de tecnologia por seus professores. No ambiente acadêmico atual, os docentes enfrentam o desafio de adaptação aos novos instrumentos de trabalho, uma vez que o aluno, de modo geral, já tem bastante familiaridade com a tecnologia disponível. A busca acelerada por novas tecnologias vem ocorrendo na maioria das Instituições de Ensino Superior no Brasil. A entidade estadual pública, não está isenta da pressão dos concorrentes, como as instituições da iniciativa privada que investem fortemente em TIC e em melhoria da infraestrutura educacional. É fundamental que novas pesquisas investiguem mais detalhadamente os docentes que não utilizam a plataforma Moodle, ou outro sistema de apoio de ensino, a fim de mapear as intenções de uso e, dessa forma, promover ações direcionadoras para o corpo docente, visando ampliar a compreensão dos instrumentos que são disponibilizados, por meio de treinamentos, grupos de usuários multiplicadores entre outras ações. • Recebido em:23/04/2012 • Aprovado em: 04/06/2013 Quanto às implicações práticas, verifica-se que a aceitação de tecnologia de informação somente ocorre quando da pré-disposição do professor para uma determinada tecnologia, o Moodle, no caso específico desta pesquisa. Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 110 - 125, jan./jun. 2014 123 Referências ALBERTIN, A. L. Comércio eletrônico: modelo, aspectos e contribuições de sua aplicação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010. ______. Tecnologia de informação e desempenho empresarial: as dimensões de seu uso e sua relação com os benefícios de negócio. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. COMUNIDADE DA COORDENADORIA DE TECNOLOGIA APLICADA A EDUCAÇÃO. CTAE. Ning. 2009. Disponível em: <http://saladosprofessores.ning.com>. Acesso em: 4 dez. de 2009. DAMÁSIO, J. M. Tecnologia e educação: as tecnologias da informação e da comunicação e o processo educativo. Lisboa: Nova Veja, 2007. DAVIS, F. Perceived usefulness, perceived ease of use, and user acceptance of information technology. MIS Quarterly, Minneapolis, USA, v. 13, n. 3, p. 319-340, Sept. 1989. DERTOUZOS, M. O que será: como o novo mundo da informação transformará nossas vidas. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 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FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 110 - 125, jan./jun. 2014 125 Método de estudo de caso como estratégia construtivista de ensino: proposta de aplicação nos cursos de Administração e Contabilidade de Custos Case study method as constructivist teaching strategy: proposed application courses in Management and Cost Accounting Método de estudo de caso como estratégia construtivista de ensino: proposta de aplicação nos cursos de Administração e Contabilidade de Custos Case study method as constructivist teaching strategy: proposed application courses in Management and Cost Accounting Georgia Fabiana da Silva1 Mariano Yoshitake2 Suely Morais de França3 Yumara Lúcia Vasconcelos4 Resumo Este artigo objetiva apresentar uma proposta de aplicação do método de estudo de caso, consagrado na área de pesquisa, como estratégia de ensino. A culminância deste trabalho, a partir da pesquisa bibliográfica, foi a elaboração do protocolo de estudo de caso. A abordagem do estudo de caso como estratégia didáticopedagógica tem referencial construtivista. A complementaridade das características do método e as demandas da área de Administração o qualificam à condição de estratégia de ensino. Os argumentos concatenados convergiram para a viabilidade de aplicação do método como estratégia de ensino, mas aponta para a necessidade de se repensar aspectos relacionados às condições de aplicação em razão das limitações mapeadas nesse estudo. Palavras-chave: Construtivismo. Estudo de Caso. Estratégia de Ensino. Método do Caso. Pesquisa. Imersão. Abstract This article presents a proposal of application of case study method, enshrined in research, as a teaching strategy. The culmination of this work, from the literature, was the preparation of the case study protocol. The case study approach as didacticpedagogic strategy has the Constructive. The complementarity of the features of the method and the demands of the Administration area qualify for the status of teaching strategy. The arguments concatenated converged on the feasibility of applying the method as a teaching strategy, but points to the need to rethink aspects related to the conditions of application because of limitations in this study mapped. Keywords: Constructivism. Case Study. A Teaching Strategy. Case Method. Search. Immersion. 1 2 3 4 Egressa do curso de Engenharia Florestal da Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE. E-mail: [email protected]. Mestre em Administração das Faculdades Alves Faria – ALFA. E-mail: [email protected]. Mestranda em Gestão e Tecnologia em Educação a Distância da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE. E-mail: [email protected]. Doutora em Administração pela Universidade Federal da Bahia. Professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE. E-mail: [email protected]. Rev. FAE, Cu r it iba, v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014 127 Introdução O estudo de caso define-se como método de exploração de realidades, denominadas de unidades-caso, apresentando cunho investigativo (analítico). Sua operacionalização pode ser norteada por uma ou mais provocações, as quais podem surgir ao longo da experiência de imersão, suscitando novos recortes e análises. A proposta enunciada neste trabalho destaca a importância do estudo de caso e sua abordagem construtivista e o referencial pedagógico adequado à aplicação didática da estratégia. O emprego do método como estratégia de ensino, entretanto, não o faz perder sua identidade A estratégia de estudo de caso ressalta o valor do ensino experiencial, promovendo um enquadramento social importante, pois o ensino não pode ser baseado exclusivamente em abstrações ou considerações ideais. de investigação empírica (usualmente referenciada nos trabalhos de pesquisa). O caso, como parte de uma estratégia pedagógica, é tratado como culminância de um processo de vivência do aluno, que realidade investigada ou situação-problema, mas se envolve com a realidade investigada, interpre- posteriormente a elaboração do estudo, o qual tando-a, atribuindo significado e elaborando con- viabilizará a sugestão de pontos para intervenção. clusões a partir dessas observações (participação As recomendações advindas dos estudos de caso ativa do discente: da gênese do caso aos produtos (nessa abordagem de aplicação) são, desta forma, propriamente ditos, que correspondem à análise produtos de convergência. crítica e intervenção). O estudo de caso como estratégia pedagógi[...] um caso é a descrição de uma situação administrativa ca tem potencial de intervenção na realidade investi- recente, comumente envolvendo uma decisão ou um gada, visando dentre outros propósitos, desenvolver problema. Ele normalmente é escrito sob o ponto no discente a capacidade de análise (interpretação, de vista daquele que está envolvido com a decisão e julgamento), síntese e planejamento de intervenção permite aos estudantes acompanhar os passos de quem tomou a decisão e analisar o processo, decidindo se o analisaria sob enfoques diferentes ou se enveredaria por É a formação de pontes ou canais entre análise outros caminhos no processo de tomada de decisão e decisão (ou conclusão) que revela o referencial (ERSKINE et al, apud CESAR, 2006, p. 10). pedagógico subjacente à prática. Na composição do case, nesse formato de aplicação, o aluno é livre para formular seus métodos de trabalho, aportar diferentes ferramentas de análise e conteúdos. Essa plasticidade de abordagem e liberdade de criação é que conferem 128 (função proativa). O método, nesta proposta, exige que o fenômeno ou realidade seja recortado em dimensões de análise para facilitar o processo de exploração. Reclama-se que essas dimensões reflitam uma plataforma teórica como base de sustentação. identidade construtivista à prática. O discente O tema reveste-se de inequívoca impor- pode, ainda, assumir o propósito de intervir na tância posto que a prática docente nas áreas de Administração e Contabilidade ainda se ressente método de estudo de caso (formato empregado de uma abordagem pragmática, contextualizada e nas atividades de pesquisa) à condição de estra- inserida nas demandas de mercado. Vislumbra-se, tégia de ensino. nesta proposta, uma possibilidade real de aplicação do método na consecução dessa lacuna. Utilizou-se de pesquisa qualitativa que, segundo Tozoni-Reis (2009), tem base o estudo Acredita-se que o método, já consagrado em de pontos de vistas, olhares e experiências pesquisas, pode se apresentar eficaz como estraté- vivenciadas pelos sujeitos da pesquisa que, neste gia de ensino (especialmente na Administração de trabalho, foram os autores revisados, uma vez Custos), se conduzida como resultado da imersão que esta pesquisa tem natureza eminentemente do aluno no ambiente profissional. Assim, este bibliográfica. Exploraram-se, nas leituras dos trabalho objetiva discutir o estudo de caso sob a trabalhos revisados, alguns fundamentos que perspectiva instrumental, facilitadora da aprendiza- abonam a tese advogada neste trabalho, a qual gem, culminando numa proposta de aplicação. ressalta o valor do método de estudo de caso para A estratégia de estudo de caso ressalta o valor do ensino experiencial, promovendo um enquadramento social importante. O ensino não qualificação do processo ensino-aprendizagem. O estudo foi desenvolvido conforme a seguinte sequência: pode ser baseado exclusivamente em abstrações ou considerações ideais. É importante que o aluno 1. realizou-se a composição do eixo meto- seja apresentado às limitações de sua realidade, dológico (elementos estruturantes do nível que é alcançado pela imersão em campo. estudo); Esta foi a principal justificativa à modelagem da 2. estratégia apresentada. procedeu-se à revisão de literatura, explorando-se as bases de dados Directory of Dentro desse cenário, estabeleceu-se como Open Access Journals (DOAJ) e SciELO problematização deste estudo: o método de Brazil (Scientific Electronic Library Online); estudo de caso, à luz da orientação teórica construtivista, amplia suas possibilidades de aplicação 3. entíficos, a partir do recorte definido, como estratégia de ensino, pesquisa e extensão? objetivando a concentração da abor- Considerando o eixo de abordagem apresentado, dagem em torno do eixo problemati- a pesquisa enquadra-se como qualitativa, de na- zante, iniciando-se em seguida o estudo tureza exploratório-descritiva e propositiva. sistemático do material selecionado visando ao desenvolvimento da linha de O objetivo geral é apresentar o método argumentação. de estudo de caso, a partir da orientação construtivista, como estratégia de ensino. realizou-se a triagem de trabalhos ci- 4. Após o levantamento citado, prosseguiu- Os objetivos específicos são: identificar se com a análise de conteúdo (técnica experiências na elaboração de estudos de casos aplicada ao exame acurado das obras descritos nas obras revisadas, especialmente as revisadas sob um olhar crítico e focado, dificuldades encontradas; diferenciar o método de modo a ensejar inferências dentro de caso (estratégia de ensino) do estudo de do recorte investigado. caso (método de pesquisa); recolher e estruturar argumentos necessários para a adaptação do Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014 129 1 Fundamentos do Estudo A aplicação do método enseja o esboço de respostas a situações reais e complexas, por meio de uma abordagem de ênfase aplicada na Nesta seção serão apresentados os aspectos conceituais atinentes ao estudo de caso, ressaltando suas aplicações e alcance. De acordo com o protocolo de pesquisas, a revisão de literatura explorou as bases de dados Directory of Open Access Journals (DOAJ) e SciELO Brazil (Scientific Electronic Library Online). avaliação dos problemas investigados. O método pressupõe a decomposição de uma situação-problema em instâncias unitárias de análise. Na própria conceituação de estudo de caso – exame aprofundado e sistemático de uma instância – está implícita a necessidade de um contato estreito e prolongado do pesquisador com a situação ou objeto pesquisado (ANDRÉ, 1984, p. 53). Essa abordagem impõe contornos precisos 1.1 Estudos de Caso aos trabalhos, direcionando a prática para ângulos de leitura relevantes à exploração dos problemas e Gil (2005, apud FAGUNDES 2009, p. 26) conceitua estudo de caso como “[...] estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo e detalhado conhecimento”. O método tem por objeto uma ou mais unidades-caso, as quais podem ser uma organização, um projeto, uma situação-problema, encaminhamento de soluções. De fato, “mediante um mergulho profundo e exaustivo em um objeto delimitado, o Estudo de Caso possibilita a penetração em uma realidade social, não conseguida plenamente por um levantamento amostral e avaliação exclusivamente quantitativa” (MATIAS, 2008, p. 9). um programa, decisões, um conjunto de processos, Fagundes (2009) resume o processo em uma perspectiva ou qualquer outro elemento de duas etapas principais: escolha e definição da análise (incluindo unidades sociais – um indivíduo, unidade-caso e determinação do número de casos, um grupo, uma comunidade, ou mesmo, um país). que deve ser suficiente para alcance dos objetivos da Seu enfoque é predominantemente descritivo. pesquisa. Gil (2002, p. 137) estabelece as seguintes Yin (2005) ressalta que o emprego do etapas: formulação do problema; definição da estudo de caso tem o potencial de contribuir para unidade-caso; determinação do número de casos; a compreensão dos fenômenos em nível individual, elaboração do protocolo; coleta de dados; avaliação característica que amplia seu alcance naquele e análise de dados; e preparação do relatório. raio (unidade-caso), em face da profundidade Martins (2008a) ressalta a necessidade na abordagem, orientação compartilhada por de uma abordagem formal junto à unidade-caso Fagundes (2009). A unidade-caso é a matéria- para obtenção da autorização para acesso do -prima e objeto delimitado de investigação. “Vale, no pesquisador e do aporte de teorias explicativas entanto, lembrar que a totalidade de qualquer objeto (lastro teórico): é uma construção mental, pois concretamente não há limites, se não forem relacionados com o objeto Um estudo de caso começa com a permissão para de estudo da pesquisa no contexto em que será realizá-lo e um plano incipiente – uma carta de intenções investigada” (VENTURA, 2007, p. 384). – que vai se delineando mais claramente à medida que se desenvolve. Inicialmente, são enunciadas algumas 130 questões orientadoras e colocados pontos críticos que serão melhor explicitados e reformulados à medida que o estudo avança. Nesta primeira etapa são iniciadas as reflexões e ações para a definição do escopo do objeto do estudo, e enunciadas proposições – teses O discente, na composição do caso sob tutoria do professor, ganha nessa iniciativa a possibilidade de identificar e analisar problemas reais, sob diferentes perspectivas e recortes, ensejando pro- – que compõem uma teoria preliminar sobre o caso, fundidade à elaboração do conhecimento. Trata-se sendo discutidas e defendidas ao longo do trabalho, na de uma oportunidade singular para confrontar a busca da construção de uma teoria que possa explicar teoria: os estudos realizados contra os dados reve- o fenômeno sob investigação (MARTINS, 2008a, p. 10). lados por meio da investigação naquela instância Vasconcelos (2012, p. 1) sugere o desenvolvimento dos trabalhos seguindo a trilha descrita: Planejamento (definição de objetivos, formulação da questão principal estruturante e aquelas de natureza secundária, seleção de técnicas de coleta e de análise de dados, desenho da sistemática de obtenção dos dados, estabelecimento do perfil dos sujeitos de pesquisa e da abordagem a ser adotada junto aos mesmos, organização do processo de mapeamento de dados, dentre outros da realidade. A segregação da realidade em instâncias estabelece foco e direcionamento, o que viabiliza a especialização na abordagem. André (1984, p. 52) enfatiza que os estudos de caso “é assim um “sistema delimitado”, algo como uma instituição, um currículo, um grupo uma pessoa, cada qual tratado como uma entidade única, singular”. Uma mesma unidade-caso tem o potencial de abrigar diferentes linhas de desen- elementos metodológicos); escolha e definição da volvimento, circunscritas em limites bem definidos. unidade-caso (recorte); elaboração e formalização do Significa que uma mesma situação-problema pode protocolo de estudo; imersão na realidade investigada ser avaliada sob perspectivas distintas, o que torna para observação in loco; coleta de dados; organização dos os casos sempre particulares. dados obtidos; análise e discussão dos resultados, à luz dos objetivos planejados e problematização formulada; elaboração das conclusões, a partir do referencial teórico e resultados obtidos. Inexiste consenso na literatura do que seja realmente um estudo de caso. O que seria uma análise profunda? Quais os parâmetros a serem utilizados nessa análise? Essas são questões Independente do roteiro adotado, o plane- metodológicas fundamentais, porque a confia- jamento do estudo assume posição de relevo, fa- bilidade desses estudos depende do modus como tor determinante para sua qualidade. foi desenvolvido (juízo de validade), assim como A prática do estudo de caso demanda o aporte de pesquisadores docentes especializados na área, com sensibilidade apurada o suficiente para perceber as nuances da realidade investigada, ca- sua contribuição, se assenta na análise crítica empreendida. Os estudos de caso não devem se restringir a narrativas, posto que é o componente crítico que enseja um juízo de valor. pacitados à transcrição fidedigna dessa percepção, Apesar das diferenças identificadas nas defi- e com afirmação aparentemente contraditória frente nições, são elementos recorrentes nas seções dos tra- à proposta deste trabalho. O estudo de caso como balhos científicos que utilizam o método: estudo pro- estratégia de ensino deve ser orquestrado pelo do- fundo; análise de um fenômeno (evento) delimitado cente experiente, todavia com a participação ativa no tempo, espaço, área e/ou atividade; descrição de do aluno (devidamente preparado) no processo de uma unidade social e investigação empírica. A deter- construção do conhecimento. minação dos limites periféricos de um estudo de caso Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014 131 A exploração propiciada pelo estudo de caso culmina em descobertas e teúdos principais e transversais no desenvolvimento de questões particulares, ao passo que valoriza a interpretação pessoal (superando estatísticas, em face da inserção do componente subjetivo). O estudante, na observação in loco, é instado ressignificação dos conteúdos a interpretar aquela realidade, além de transcrevê-la, principais e transversais no desenvolvimento da habilidade de comunicação. desenvolvimento de questões particulares, ao passo que valoriza a interpretação pessoal. o que implica ressaltar o potencial do método para A generalização não constitui preocupação dos atores na condução de um estudo de caso. As conclusões advindas de seu desenvolvimento decorrem de processos subjetivos e não de inferências estatísticas, como destaca André (1984). Os estudos de caso entregam interpretações, explicações, descrições, comparações, evidências que contribuem para o esclarecimento de questões justifica-se pela impossibilidade de o pesquisador pendentes e provocações temáticas. Sua aplicação analisar o fenômeno explorando sua totalidade. representa um exercício preliminar ao processo de Os estudos de caso, quando adotados como estratégia de pesquisa, variam desde estudos simples até àqueles complexos e abstratos. Nada crítica, apurando o aporte das técnicas de gestão, numa abordagem indutiva. impede que tenham entre si pontos de semelhança, Casos são relatos sobre situações por meio o que importa é a particularidade da análise. É o dos quais indivíduos ou grupos podem tomar olhar do pesquisador e seu prisma que torna o decisões ou solucionar problemas. Os casos caso único (não neutralidade) (VENTURA, 2007). em Administração são, portanto, descrições, de Vasconcelos (2012) define o estudo de caso como uma análise em perspectiva. Essa multiplicidade de focos temáticos confere ao método notável potencial aplicativo e sinérgico, característica que situações administrativas reais que envolvem algum tipo de problema para o qual se requer uma solução (ERSKINE; LEENDERS; MAUFFETTE- LEENDERS, 1998 apud GIL, 2004, p.8). permite ao aluno o livre arbítrio para escolhas das São elementos de um estudo de caso como trajetórias de busca pelo conhecimento; a articu- estratégia de ensino: objetivo de aprendizado; lação dos conteúdos apresentados em disciplinas área e especialidade; proposições orientadoras distintas (relação interdisciplinar); a conexão com a do estudo; plataforma teórica de sustentação; realidade empresarial; a criticidade na avaliação dos unidade-caso e sua caracterização; descrições problemas; além da obtenção de lastro para o pro- (diário); coleta de dados (instrumentos e técnicas); cesso decisório, considerando um universo maior análise de dados e discussão. de variáveis. Um único case pode ensejar ‘n’ abordagens inéditas e igualmente relevantes. 132 tomada de decisão, aguçando sua perspectiva Ventura (2007, p. 384) tipifica os objetivos dos estudos de caso numa pesquisa: conforme os A exploração propiciada pelo estudo de caso objetivos da investigação, o estudo de caso pode ser culmina em descobertas e ressignificação dos con- classificado como intrínseco ou particular, quando procura compreender melhor um caso particular A literatura aborda e ressalta o método de caso em si, em seus aspectos intrínsecos; instrumental, como estratégia de ensino exclusivamente e o estudo ao contrário, quando se examina um caso para de caso como método de pesquisa sem qualquer se compreender melhor outra questão, algo mais vislumbre de outra aplicação (GIL, 2009; MARTINS, amplo, orientar estudos ou ser instrumento para 2007; RODRIGO, 2008; GIL, 2004; VENTURA, 2007; pesquisas posteriores; e coletivo, quando estende o FAGUNDES, 2009; IKEDA, VELUDO-DE-OLIVEIRA, estudo a outros casos instrumentais conexos com o CAMPOMAR, 2005; BOAVENTURA, 2004; CESAR, objetivo de ampliar a compreensão ou a teorização 2006). sobre um conjunto ainda maior de casos. O estudo de caso é uma técnica de pesquisa Entende-se que, quando aplicado como qualitativa, que volta às atenções do pesquisador estratégia de aprendizagem, o caráter particular e para o diagnóstico de um “caso”. O método do caso, instrumental são marcos distintivos dos objetivos por sua vez, apresenta finalidades pedagógicas dos estudos. e serve, sobretudo, para ilustrar conceitos e O valor pedagógico do estudo de caso desenvolver habilidades nos estudantes, podendo decorre da exploração da realidade, que é inves- inclusive ser elaborado a partir de um estudo tigado em profundidade, do estímulo ao debate, de caso. A grosso modo, enquanto o estudo de da compreensão do status dessa realidade, dos caso refere-se à pesquisa científica, o método do fatores determinantes e consequentes, bem como caso refere-se ao ensino (IKEDA; VELUDO-DE- de seu contexto, da identificação das rotinas e das OLIVEIRA; CAMPOMAR, 2005, p. 142). práticas da unidade-caso (apreensão das técnicas utilizadas no mercado de trabalho). De fato, o estudo de caso, nos moldes de um método de pesquisa, não se confunde com Os cases são exploratórios por natureza estratégia de ensino (na orientação apresentada), porque não resultam em generalizações, mas po- posto que nesta última condição requer envolvi- dem servir de embrião para trabalhos empíricos mento e imersão integral na realidade investiga- de maior alcance. da ou explorada. Também não corresponde Pode-se dizer que os estudos de caso têm algumas características em comum: são descrições complexas e holísticas de uma realidade, que envolvem um grande conjunto de dados; os dados são obtidos basicamente por observação pessoal; o estilo de relato é informal, narrativo e traz ilustrações, ao método de caso, em que as situações reais são apresentadas aos alunos para análise e discussões, sem flexibilidade de intervenção na realidade ou mesmo, possibilidade de percepção in loco. De fato, o método é implementado em sala de aula. alusões e metáforas; as comparações feitas são mais O método do caso consiste em uma estra- implícitas do que explicitas; os temas e hipóteses são tégia educacional cujo intuito é levar os estudantes importantes, mas são subordinados à compreensão a refletirem sobre situações apresentadas no do caso. Para Stake, citado por Denzin e Lincoln caso, podendo envolver a tomada de decisões (2001, p. 135 apud CESAR, 2006, p. 6), um estudo de sobre o episódio estudado. O objetivo da técnica caso é mais indicado para aumentar a compreensão basicamente é apresentar um problema aos de um fenômeno do que para delimitá-lo, é mais alunos, fazendo com que o analisem e reflitam idiossincrático do que pervasivo; e apesar de ser sobre o assunto (IKEDA, VELUDO-DE-OLIVEIRA, usado na construção de teorias, pode não ser o CAMPOMAR, 2005, p. 142). melhor método para isto. Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014 133 Sobre o método de caso, Gil (2004, p. 8) destaca: Os professores utilizam-nos para ensinar a complexidade dos mais diversos problemas na gestão das organizações. O que é plenamente justificado, pois o estudo de casos proporciona ao aluno muito mais do que a memorização ou a compreensão dos fatos administrativos, mas permite que este se coloque no papel de administrador numa autêntica situação de gestão. Com efeito, os casos possibilitam uma aproximação da realidade muito maior do que as tradicionais aulas expositivas e leituras. Sem contar que sua eficácia tem sido verificada em pesquisas no campo da Psicologia da Aprendizagem. O QUADRO 1 apresenta uma análise comparativa dos métodos, considerando suas aplicações. QUADRO 1 – Analogia entre os métodos Características Estudo de caso como método de pesquisa Estudo de caso como estratégia de ensino Método do caso Visa à descoberta, resposta às questões da Objetiva o aprendizado e pesquisa. amadurecimento profissional, bem a avaliação de situações complexas Investigam objetos bem específicos e delimitados, como a compreensão da prática contextualizados nas dimensões temporal e espacial. laboral. Tem o propósito de preparar para (perspectiva profissional) e tomada de decisão a partir do quadro desenhado. Níveis cognitivos explorados: análise, síntese e avaliação. Ressaltam a interpretação contextualizada. Métodos ecléticos quanto ao aporte de técnicas e instrumentos (de coleta e análise): entrevistas, questionários, observação participante ou não, levantamento documental, análise de conteúdo, análise de discurso, dentre outras. As evidencias são diversas: de documentos institucionais (relatórios, pareceres, cartas), anotações em diários a gravações e fotografias. O aluno tem autonomia no processo de planejamento e O aluno pesquisador é copartícipe do processo de concepção do estudo. O docente planejamento e concepção do estudo na maioria tem o papel de orientar e mediar das vezes, mas em alguns casos sua autonomia o processo de comparação e é relativizada pelas intervenções frequentes do contraste de realidades professor ou imposição de um modelo rígido. (delimitação de papéis). O protocolo advém do processo de discussão e negociação. Exige conhecimento profundo da unidade-caso, mas não necessariamente, uma imersão completa. O docente apresenta a descrição da situação (retrato detalhado da realidade), geralmente vivenciada por ele. O aluno restringe-se a avaliação dos elementos apresentados, orientados por questões ou pontos estabelecidos pelo professor, não obstante esse direcionamento seja uma regra. Pressupõe integração profunda Não requer integração com a unidade- com a unidade-caso. Imersão -caso investigada. completa naquela realidade Muitas vezes, aspectos relevantes da para observação sistemática e unidade-caso não são contemplados nas prolongada. descrições. Abriga diferentes perspectivas Contempla múltiplas dimensões de analise, de análise, delimitadas conforme delimitadas conforme projeto. protocolo e orientações (diretrizes) do plano pedagógico. Os casos podem ser avaliados por diferentes pontos de vistas, conforme plano de ensino. Elevado rigor metodológico (exigência que confere respaldo ao trabalho). Exigência de um quadro teórico como referencia para discussão das questões orientadoras do estudo. Demanda por criatividade. Plasticidade analítica em níveis distintos. Uso de vocabulário científico. FONTE: Os autores (2012) 134 Uso do vocabulário empresarial (coloquial) no retrato ou caracterização da unidade-caso. A revisão de literatura empreendida aponta para a síntese de que os métodos de estudo de As práticas didático- caso em razão de suas características estruturais, agregam valor à elaboração de conteúdo por parte do discente, contribuindo significativamente para seu desenvolvimento cognitivo. -pedagógicas construtivistas aguçam o discernimento do discente no exercício das 1.2 Construtivismo como Referencial Pedagógico dos Estudos de Caso escolhas gerenciais, visto que o construtivismo pressupõe interação com o mundo, O construtivismo apresenta uma abordagem dialogicidade. pedagógica que ressalta a importância do aprendente e sua relação com o mundo na elaboração do conhecimento. Em razão de suas características, é considerada emancipadora e libertadora. Discursos ideológicos a parte, em Administração e Contabilidade, as orientações construtivistas convergem as A abordagem construtivista se assenta na demandas da prática do processo decisório no am- orientação de que a aprendizagem significativa é biente acadêmico, visto que desenvolve autonomia. aquela que decorre da interação social. Nesse senti- A autonomia é um pré-requisito fundamental ao do, o processo ganha contornos de fenômeno social, processo de tomada de decisão. amplamente disseminado. A aprendizagem, compo- O construtivismo convida o aluno a participar ativa e criticamente do próprio aprendizado, por meio de experimentações, imersão profissional, nente fundamental da socialização, ressalta o papel do indivíduo como sujeito do mundo, aprendente na consecução das trocas sociais. pesquisas de campo e em grupo. A expectativa As práticas construtivistas contextualizam dessas práticas é o desenvolvimento do indivíduo os objetos de aprendizagem, inserindo o indivíduo uno. A inserção planejada no mercado de trabalho numa situação de instrução, sem apelo a tão dis- e o estímulo a interações sociais proativas, próprias seminada abordagem caricatural. O conhecimento do estudo de caso potencializam essa formação. codificado ou traduzido pelo professor corresponde As práticas didático-pedagógicas construtivistas (e o estudo de caso pode ser considerada uma delas) aguçam o discernimento do discente no exercício das escolhas gerenciais (livre arbítrio). O construtivismo pressupõe interação com o mundo, dialogicidade presente na condução dos estudos de caso. Segundo Sanchis e Mahfoud (2010, p. 20) a uma janela do processo de elaboração. O contexto histórico-cultural e o próprio conhecimento tácito são uma fonte fecunda de dados a serem incorporados ao processo ensino-aprendizagem. A valorização do repertório de experiências, descrições, explicações e significados constituem um marco do referencial pedagógico. “Uma ideia fundamental do construtivismo era não Nesta orientação, os estudos de caso podem considerar o conhecimento como a reprodução de assumir diferentes formatos, sendo categorizados uma realidade independente de quem a conhece”. em exploratórios, descritivos e experimentais (tipo- Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014 135 logia básica). Os estudos de cunho experimental são ANDRÉ, 1984; YIN, 2005; MARTINS, 2008; BUFONI, desenvolvidos com maior frequência nas ciências 2002; ALVES-MAZZOTTI, 2006); morosidade na naturais, raros nas ciências humanas. A dificuldade na realização, processo intenso, requerendo tempo definição da tipologia reside na identificação e distin- de ção precisa dos estudos descritivos e exploratórios. ANDRÉ, 1984; MARTINS, 2008b); dedicação parcial Os estudos de caso descritivos podem apresentar como propósitos a caracterização da unidade-caso ou fenômeno a ela atrelado, determinação de sua natureza e condições, identificação dos pontos de vistas e perfil dos sujeitos de pesquisa, dentre outros aspectos (ZAINAL, 2007). campo (RODRIGO, 2008; CESAR, 2006; dos estudantes dos cursos de Administração (e Contabilidade), o que exige adaptações à realidade, comprometendo o alcance da plenitude dos benefícios advindos da aplicação do método, características da realidade brasileira (ANDRÉ, 1984; CESAR, 2006); pouca objetividade (CESAR, 2006); pouco controle sobre as observações realizadas; Os estudos de caso exploratórios têm (BUFONI, 2002); falta de rigor metodológico. Sobre finalidade de reconhecimento, visando alcançar a questão, Yin (1984, p. 21 apud Zainal 2007, p. 5) maior familiaridade com o tema, objeto do destaca que “muitas vezes, o pesquisador do estudo recorte. (ZAINAL, 2007). Esses estudos explicitam de caso tem sido descuidado, permitindo leituras abordagens, oferecem caminhos ou alternativas equívocadas ou tendenciosas para influenciar o para desenvolvimento do conteúdo à luz do rumo dos resultados e conclusões”. construto. Os estudos de caso experimentais visam, em geral, testar condições ou variáveis atinentes ao fenômeno-base do case. Cesar (2006, p. 4) destaca que os “[...] casos também podem ser definidos As restrições identificadas se esbarram na análise da importância do preparo do pesquisador para condução do estudo de caso. temporariamente (eventos que ocorreram num Entende-se que das limitações citadas, aquela dado período), ou espacialmente (o estudo de um que trata da impossibilidade de generalização é a fenômeno que ocorre num dado local)”. que a torna mais interessante em face da diversidade Independente da tipologia do trabalho, esse confronto com a realidade, próprio de sua característica artesanal, incita mais que a um olhar meramente apreciativo. inerente às ciências sociais. A atipicidade de situações é igualmente rica em significados, posto que viabiliza a exploração daquilo que é singular no objeto investigado. Os resultados obtidos nos estudos de caso não encaminham à teorização, mas podem atender a finalidades explanatórias ou causais, fazê- 1.3 Restrições ao Método Aplicado à Atividade de Pesquisa lo é incorrer em um erro, superestimando sua função como método de pesquisa. Qualquer generalização, sob esse ângulo de análise, provém da teoria e não do exame 136 A utilização de estudos de caso tem sido empreendido (YIN, 1994 apud ZAINAL, 2007). ao longo dos tempos, alvo de relativo preconceito. Sendo assim, os argumentos mais comuns dos São apontadas como restrições do método: críticos dos estudos de caso estão no risco de o possibilidade de manipulação ou interferência do investigador apresentar uma falsa certeza das suas pesquisador (RODRIGO, 2008; CESAR, 2006); conclusões e fiar-se demais em falsas evidências. dificuldades ou impossibilidade de generalização Em decorrência disso, deixar de verificar a (RODRIGO, 2008; CESAR, 2006; VENTURA, 2007; fidedignidade dos dados, da categorização e da análise realizada. A recomendação para eliminar o lacionais, realizados junto a amostras assintóticas, viés de estudo é elaborar um plano de estudo de paradoxalmente também perdem significado por caso que previna prováveis equívocos subjetivos conta dos padrões de representatividade. (VENTURA, 2007, p. 386). O estudo de caso, aplicado em pesquisas, 2 Proposta de Aplicação corresponde a um estudo em profundidade e perspectiva, subjetivo por natureza, não subordinado a qualquer outro. A demanda temporal é A prática do estudo de caso demanda pro- consequência. Portanto, não implica a simplificação tocolo e sistematização, bem como parâmetros de de realidade complexas ou desconsideração de validade, confiabilidade e desempenho. “[...] isto é, sua subjetivação inerente. O que se discute como indicadores de que os resultados, as afirmações das restrição, no entendimento dos autores, deve ser proposições – teses – e outras evidências, de fato, considerado como traço inerente ao método. revelaram o que se pretendia do estudo dentro do Cesar (2006) ressalta a necessidade de se discutir o estudo de caso em três dimensões de análise: natureza da experiência (como fenômeno investigado), natureza do conhecimento a ser elaborado e a possibilidade de generalização do estudo. Nesse trabalho, que considera a utilização do domínio teórico e prático que circunscreveram o Estudo de Caso” (MARTINS, 2008, p. 3). São etapas do método, empregado como estratégia de ensino: DOCENTE a) Integração entre os conteúdos curricu- método como estratégia de ensino, estabeleceram- lares e experiências de mercado por -se as seguintes perspectivas: aprendizado – quali- meio de pesquisa de campo, fase que dade da experiência – produtos e contribuições compreende desde a identificação das – desdobramentos do estudo. Almeja-se que o dis- possibilidades de atuação e expertise cente, sob tutoria/orientação especializada do do- necessária para atuação ao reconhe- cente, promova ou facilite a aprendizagem por meio cimento das expectativas do público- da imersão e entrega à experiência vivenciada. -alvo (conteúdos de base e transversais). É forçoso identificar previamente as neces- b) sidades de ensino-aprendizagem e a duração da imersão. Entende-se que os estudos de caso são longitudinais por natureza, característica que tem- dos para a experiência. c) d) tácito (carga de experiência dos atores) em explícito. A ênfase da estratégia está na elaboração do estudo, nas intenções implícitas e explícitas subjacentes, aquisição e consolidação da experiência. Orientação quanto à composição do protocolo de estudo de caso. DISCENTE a) Estudo sistematizado dos conteúdos de base e aqueles transversais. Entende-se que as restrições atribuídas ao estudo de caso apresentadas se agigantam em Planejamento relativo à aplicação da estratégia. poriza a validade de suas conclusões. A experiência de composição do case converte o conhecimento Seleção dos conteúdos pré-requisita- b) decorrência do desalinhamento entre procedi- Composição do referencial teórico de suporte aos trabalhos (repertório técnico). mentos e objetivos propostos. Os estudos popu- Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014 137 c) Planejamento do estudo à luz da revisão d) realizada e orientação f) do usado como fonte para aplicações do método do caso, estratégia distinta e escolha dos instrumentos de coleta). desta descrita. Imersão profissional. Observação e Essas etapas integram o protocolo de estudo de caso, definido como “[...] conjunto de códigos, Tratamento dos dados obtidos, trian- menções e procedimentos suficientes para replicar gulação e sistematização. o estudo ou aplicá-lo em outro caso que mantém Análise e conclusões, por meio da articulação entre conteúdo e prática (confronto dirigido). g) Composição do caso, que poderá ser docente (definição dos procedimentos coleta de dados. e) h) características semelhantes ao Estudo de Caso original” (MARTINS, 2008, p. 9). O uso do método como estratégia de en- Apresentação dos resultados e obten- sino independe do tipo de ensino, se presencial ou ção de feedback. a distância. QUADRO 2 – Protocolo do estudo de caso Protocolo de Estudo de Caso (Imersão Profissional) Unidade-caso Temática de exploração Tipologia do estudo (exploratória, descritiva ou experimental) Objetivos de aprendizado Objetivo geral Objetivos específicos Referencial teórico de suporte Questão estruturante (norteadora) - Principal e complementares Técnicas de coleta Procedimentos Duração prevista Duração real (tempo efetivo no campo) Observações Restrições da análise empreendida Prognósticos Resultados Parâmetros de indexação Análise de resultados Conclusões Avaliação da experiência Recortes emergentes Produtos do estudo de caso FONTE: Os autores (2012) 138 O protocolo, tal como estruturado no recimento. O olhar descomprometido com vínculos QUADRO 2, define o design do estudo e direciona institucionais evita contaminações e influências na o trabalho do discente, ensejando direcionamento composição de interpretações, em geral decor- às questões norteadoras do estudo, além de rentes de vínculos laborais, crenças, valores cris- corresponder a um exercício de planejamento e talizados, impressões e juízos circunstanciais. Na observação sistemática. Sua utilização orienta a verdade, produz efeito contrário, amplia a lente de imersão profissional, parametrizando a abordagem, análise, incitando a reflexões variadas e não predi- evitando que o produto do estudo de caso se limite a tas sobre o objeto de estudo; especialmente sobre um relato de fatos, desprovido de uma análise crítica, aspectos de sua composição. voltada para a descoberta ou inovação, movida pela necessidade de compreender a realidade. O discente parte de um repertório técnico de base (adquirido em sala de aula), conhecimento A sistematização de dados impõe critério tácito, em direção à aquisição de novos elementos, e organização, compreendendo todo o processo suscitados pela vivência (conhecimento explícito). de transcrição de relatos, observações e opiniões, estruturados a partir de parâmetros predefinidos de indexação, previsto no protocolo (MARTINS, 2008). A aplicação do método tem o potencial de ensejar ao aluno o desenvolvimento de capacidade de resposta em diferentes situações de mercado, Essas características credenciam o método contribuindo efetivamente para o aprimoramento à condição de estratégia de ensino na área de Ad- do repertório profissional por meio de comparações ministração sem desprestigiar o reconhecido mé- e contraste. todo do caso (ferramenta de aprendizagem amplamente empregada na capacitação de gestores), entendimento compartilhado nesse trabalho. O uso do método como estratégia de ensino desloca o controle do processo ensino-aprendizagem para o discente, forçando-o a planejar e elaborar sua Ressalte-se que a estratégia de estudo trilha de aprendizagem, conduzindo o docente à de casos, tal como apresentada, não comporta atuação como orientador e mediador de realidades. protocolos rígidos, inflexíveis. É nesse ponto que os reflexos da experiência diferem O documento em questão é igualmente útil daqueles produzidos pelo método do caso. Almeja- à elaboração da carta de intenções, que dá start ao -se que o caso seja um catalisador da construção e diálogo com o mercado. não exclusivamente de discussão. Destaque-se que o estudo de caso não corresponde a uma atividade de supervisão ou inspeção, em razão do seu forte componente crítico e construtivista, posto que assume função didática na condição de instrumento de aprendizagem, Na atividade ou elaboração de casos empresariais o êxito da abordagem do estudo [...] depende da perseverança, criatividade e raciocínio crítico do investigador para construir descrições, interpretações, enfim, explicações originais que possibilitem complementando a experiência em sala de aula. a extração cuidadosa de conclusões e recomendações. Trata-se de uma oportunidade à elaboração de as- Nesse sentido, o pesquisador deve apresentar encadea- sociações e dissociações intelectualmente embasa- mentos de evidências e testes de triangulações de das, edificando sentidos e significados. dados que orientaram a busca de resultados alcançados Esse contato mediado com a realidade pro- (MARTINS, 2008, p. 3). fissional tem o potencial de preparar o discente São duas as categorias de informações em para a experiência do estágio, facultando amadu- um estudo de caso: aquelas de apoio argumentativo Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014 139 e as de apoio secundário. As informações de apoio relato de longas histórias, entrevistas e obtenção argumentativo compõem o eixo que estrutura o tra- de volumosos dados secundários. balho de campo (construto), conferindo identidade ao estudo. São benefícios potenciais da aplicação do método de estudo de caso como estratégia de Um dos atributos fundamentais a um estudo ensino: estabelecimento de vínculo entre a aca- de caso é a existência de limites bem definidos, demia e as organizações; promoção de inserção à luz de um eixo de desenvolvimento teórico e no mercado de trabalho, ensejando o mapeamen- planejamento elaborado. A robustez analítica, lógi- to de perfis e adequação dos conteúdos disci- ca das conclusões e defesa das proposições sob o plinares; desenvolvimento de funções cognitivas; caso, com certeza, não lhe garante suficiência pela estímulo à aquisição de relacionamentos interpes- construção de uma teoria que consiga explicar o soais fora do âmbito institucional (composição de recorte da realidade explorado no estudo de caso network) e negociação de ideias, bem como à tri- (MARTINS, 2008, p. 4). agem eficaz de conteúdo (prática seletiva) e co- As informações de apoio secundário são aquelas relevantes à contextualização ou mesmo à caracterização da unidade-caso. Seu aporte deve ser dosado para não ensejar a perda de foco. laboração intelectual entre os pares; acomodação de diferentes conteúdos curriculares simultaneamente na prática profissional, característica que o credencia a condição de atividade interdisciplinar (adaptabilidade) encurtamento do ciclo de vali- São parâmetros de avaliação do estudo de dade dos estudos, o que força sua recontextua- caso, aplicado como estratégia de ensino: qualidade lização, renovação e releitura (existência de um das informações de apoio argumentativo; harmonia prazo de validade, cuja identificação demanda (equilíbrio) entre informações de apoio secundário uma avaliação subjetiva). Gil (2004) destaca esse e argumentativo; lógica na concatenação dos ar- último item como restrição, todavia, entende-se gumentos, conclusões e recomendações (encadea- que a revisão continuada dos estudos decorre mento de ideias e proposições); fundamento analíti- da necessidade de acompanhar as tendências, a co; rigor metodológico; completude; limites bem evolução do próprio conhecimento. definidos; estrutura do arranjo e experiência imersiva. A convergência dos benefícios depende da O desenvolvimento de um estudo de caso preparação, disciplina de preparação, transparência empresarial demanda imersão profissional, não se na comunicação e feedback (FIG. 1), componentes confundindo com a realização de poucas visitas, presentes no processo de planejamento. FIGURA 1 – Requisitos de sucesso da estratégia — Sensibilização sobre a importância do estudo e do rigor metodológico. — Planejamento. — Orientação sistemática. — Composição do lastro teórico. — Observação. — Assistência do docente. FONTE: Os autores (2012) 140 — Acompanhamento. — Transparência. — Avaliação e comunicação do desempenho, numa perspectiva proativa. A eficácia da estratégia é função direta da sistematização e dificuldades, colocando o aluno qualidade do planejamento e protocolo do estu- dentro do contexto onde o fenômeno analisado do, do comprometimento, motivação, autonomia acontece ou se expressa. e predisposição do discente a aprendizagem, requerendo disciplina, iniciativa e dedicação. A reconfiguração do papel do professor nessa abordagem constitui fator crítico. O arranjo metodológico de um estudo de caso é complexo e encadeado, conduzido geralmente por questões do tipo “como” e “por que” (este último, componente analítico). No intuito O desenvolvimento de estudos de caso se es- de responder a essas questões, a realidade é barra em dificuldades ou restrições, especialmente o preservada durante a análise, sem prescindir o tempo demandado para sua elaboração e imersão potencial de intervenção do discente. propriamente dita, o que afronta a realidade brasileira, especialmente dos cursos noturnos. Essa característica não exime a academia do debate sobre as condições adequadas à aplicação do método no contexto local, contemplando em análise as limitações aplicativas. A contextualização metodológica é A proposta resgata o potencial contributivo do discente na construção de significados a partir da conexão com a realidade de mercado. O aluno não é um elemento passivo no processo de aprendizagem. importante, mas sem perder de vista os parâmetros Os argumentos concatenados convergiram de qualidade e demandas estruturais necessárias a para a viabilidade de aplicação do método como sua consecução, suscitando uma reflexão sobre o es- estratégia de ensino, mas aponta para a neces- tudo de caso nos moldes brasileiros. sidade de se repensar aspectos relacionados às condições de aplicação em razão das limitações Considerações Finais mapeadas nesse estudo. Neste artigo foi apresentado o estudo de caso como estratégia didático-pedagógica com abordagem construtivista, na condição de experiência de imersão. A complementaridade das características do método e as demandas da área de Administração o qualificam. Advogou-se que o método de estudo de caso pode ser utilizado como estratégia de ensino, se conduzido como atividade de imersão orientada por um docente, tende a ser eficaz aos propósitos de aprendizagem. Acredita-se que o método de estudo é mais efetivo do que aquele em que o caso é apresentado ao aluno como produto. • Recebido em: 22/10/2012 • Aprovado em: 01/07/2013 O estudo de caso como estratégia de ensino viabiliza a vivência da coleta de dados, sua Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014 141 Referências ALVES-MAZZOTTI, A. J. Usos e abusos dos estudos de caso. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. 129, p. 637-651, set./dez. 2006. ANDRÉ, M. E. D. A. Estudo de caso: seu potencial na educação. Cadernos de Pesquisa: revista de estudo e pesquisa em educação, São Paulo, v. 49, p. 51-54, maio 1984. BOAVENTURA, E. M. Metodologia da pesquisa. São Paulo: Atlas, 2004. BUFONI, A. L. O rigor na exposição dos estudos de caso simples: um teste empírico em uma universidade brasileira. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO, 26, 2002, Salvador. Anais... Salvador: Anpad, 2002. 1 CD-ROM. CESAR, A. M. R. V. C. 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No entanto, a concorrência entre as organizações do setor tem aumentado, assim como a concorrência do comércio popular com outros canais de venda. Diante disso, é relevante descobrir o que leva o consumidor a tais práticas de compras. O presente artigo tem como objetivo principal identificar quais são os fatores motivadores que levam os consumidores a frequentar e comprar no comércio popular. Para a realização da pesquisa, utilizou-se o método descritivo, realizando um questionário estruturado. A amostra foi de 352 pessoas que frequentam comércio popular. Primeiramente, foi identificado o perfil dos respondentes. Em seguida, foram levantados os hábitos de consumo com relação às compras em comércio popular e, na sequência, com relação aos canais de venda alternativos. Foram verificados a frequência de visitas, o valor gasto em cada compra, os produtos mais procurados e os fatores que influenciam na decisão de compra, sendo estes últimos identificados como preço e variedade de produtos para o comércio popular, assim como a facilidade de pagamento e descontos e promoções para os canais de venda alternativos. Entre os quatro produtos mais procurados, observou-se que três deles são concomitantes aos dois locais mencionados. Enquanto o consumidor de comércio popular busca preços mais vantajosos e variedade de produtos, o consumidor de locais alternativos procura formas de pagamento facilitadas, descontos e promoções. A renda familiar mensal do consumidor influencia pouco, pois se notou que quem possui renda maior prefere efetuar compras de menor valor. Palavras-chave: Marketing. Comércio Popular. Comportamento do Consumidor. Abstract The popular trade has increasingly attracted crowds to their outlets. Differentiated goods, full stock and low prices are some of the attractions of this market segment. However, competition between organizations in the sector is increasing, as well as the popular trade competition with other sales channels. In this sense, it is important to discover what leads consumers to these places. This study aimed to identify the main motivating factors that lead consumers to attend and buy at popular trade. In order to carry out the research was used the descriptive method, using a structured questionnaire. The sample comprised 352 people who attend popular trade. First, it was identified the profile of the respondents. Then, consumer habits related to purchases in popular trade were collected, following with regards to alternative sales channels. It was checked the frequency of visits, amount spent on each purchase, the most sought after products and the factors that influence the buying decision, the latter being identified as price and range of popular products for trade, and ease of payment and discounts and promotions for alternative sales channels. It was observed that that among the four most popular products, three are concomitants to the two places mentioned. While consumers trade popular search better prices and variety of products, the consumer of alternative places search payment methods facilitated, discounts and promotions. The monthly income of the consumer little influence because it was noticed that those who have higher incomes prefer to make purchases of less value. Keywords: Marketing. Popular Trade. Consumer Behavior. 1 Doutor em Administração pela FEA/USP. Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Administração da Univali. Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Políticas Públicas da Univali. E-mail: [email protected]. Rev. FAE, Cu r it iba, v. 17, n. 1, p. 144 - 161, jan./jun. 2014 145 Introdução O consumo, em geral, configura o perfil de milhões de pessoas espalhadas pelo mundo afora. Mercadorias de todas as espécies e a iniciativa de consumir são características do mercado moderno e não faltam meios de compra. Em várias ocasiões, depara-se com anúncios e comerciais incentivando essa tendência, e, cada vez mais cedo e com mais frequência, as pessoas estão aderindo à compra. Com a facilidade de adquirir o produto e parcelar sem sair de casa, a internet também se tornou uma concorrente e, ao mesmo tempo, uma forte aliada das empresas. A concorrência acirrada e a disputa para conquistar, manter e vender o maior número Oferecer produtos mais baratos não gera uma vantagem competitiva para as empresas, é preciso que haja uma estratégia consistente, com uma combinação adequada entre o posicionamento da empresa e seu mix de marketing para atender ao público de baixa renda. de itens possíveis ao consumidor tem deixado o mercado cada vez mais saturado, devido ao acesso de novas empresas que surgem já visando ao resultado desejado. A empresa que consegue isoladamente o setor do comércio do estado de acompanhar o mercado, conhecer tendências Santa Catarina em quantidade de empresas e e adaptar-se às inúmeras situações adversas vínculos empregatícios, segundo dados do Sebrae/ poderá considerar-se uma empresa vitoriosa. SC (2008), Santa Catarina possuía um total de “Quem souber enxergar oportunidades em meio 374.629 empresas formalmente estabelecida. As às dificuldades e conseguir tirar proveito delas, microempresas representam 94% e as pequenas estará pelo menos um passo a frente” (BRUNETTI; empresas representam 5,1% dos estabelecimentos BRANDALIZE, 2005, p. 96). do Estado. Juntas, geram 892.208 empregos, o Oferecer produtos mais baratos não gera uma vantagem competitiva para as empresas, é preciso que haja uma estratégia consistente, com renda média de salários, em 2008, no estado de Santa Catarina era de R$ 765,78. uma combinação adequada entre o posicionamento A importância das micro e pequenas empresas da empresa e seu mix de marketing para atender brasileiras (MPEs) para o desenvolvimento econômico ao público de baixa renda. Ou seja, ao priorizarem e geração de empregos não tem encontrado paralelo, este segmento de mercado, as empresas adotam no que tange à produção de teorias no campo da um posicionamento que reflete nos preços, nos estratégia, consideradas as limitações da capacidade produtos, na promoção e no ponto de venda de ação das MPME e das idiossincrasias de seus (SPERS; WRIGHT, 2006). líderes (FONTES; NUNES, 2010). a No segmento de comércio popular, que preocupação com o desenvolvimento de pro- naturalmente são pequenas empresas, é desafiante dutos, pesquisas e hábitos de preferências e se manter ativo e em contínuo crescimento diante da comportamentos evolução de opções de compras para o consumidor. No 146 equivalente a 50,2% dos postos de trabalho. A âmbito empresarial, regionais. identifica-se Assim, analisando Por isso, questionar como esse segmento de comércio consegue competir com organizações que realizam investimentos tanto no campo de pesquisa, treinamento de pessoal, atendimento ao cliente quanto no espaço físico da empresa, o que parece relevante, pois empresas de médio e grande porte também exploram este mercado. Tendo em vista o contexto do comércio popular e da ampliação do consumo de produtos dessa natureza, o objetivo deste artigo é determinar quais os fatores motivadores que levam os consumidores a frequentar e comprar no comércio popular de pequeno porte. No varejo, o consumidor considera aspectos como variedade, qualidade, apresentação e ambientação, na avaliação dos custos, ele leva em conta os preços e as ofertas apresentadas pela loja. Este estudo contribui no sentido de trazer à tona os motivos que estão relacionados à motivação de compra por parte dos consumidores Apesar de existirem dois tipos de varejo do comércio popular, preenchendo uma lacuna de (loja física e virtual), a loja física consegue chamar investigação que leve a novas formas de gestão de a atenção dos clientes e despertar maior desejo pequenas empresas. para efetuar a compra. A concorrência é uma realidade que deve ser administrada para que dela 1 Fundamentação Teórica se tirem os maiores e melhores proveitos possíveis (STADLER, 2000). O varejo, conforme conceituam Levy e Weitz (2000, p. 27), “é um conjunto de atividades de negócios que adiciona valor a produtos e serviços 1.1 Varejo vendidos a consumidores para seu uso pessoal ou familiar [...]”. Enquanto os atacadistas satisfazem A loja de varejo como se conhece até hoje, conforme explica Gonçalves (2005), foi inventada no Japão ao final do século XVII. Pouco as necessidades dos varejistas, estes direcionam seus esforços para satisfazer as necessidades dos consumidores finais. depois, surgiu na Europa Ocidental baseada em No varejo, ao avaliar os benefícios, Parente três hipóteses: a compra oferecida ao cliente, (2000) salienta que o consumidor considera especialmente à dona de casa, oferecendo a única aspectos como variedade, qualidade, apresentação saída da rotina de cuidar das crianças, ir à igreja, e ambientação, na avaliação dos custos, ele leva cozinhar etc.; a tomada de decisão, uma forma em conta os preços e as ofertas apresentadas pela de conquistar o poder da escolha, algum tipo de loja. O varejo deve ser sempre o mais acessível poder; e oportunizar o acesso a outras pessoas e possível ao seu público, buscando atrair o maior outras fontes de informação. número de clientes. Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 144 - 161, jan./jun. 2014 147 No entendimento de Engel, Blackwell e muito importante de diferenciação do varejo. Miniard (1995), o ambiente de varejo também A venda no varejo proporciona um aspecto de influencia a busca do consumidor, uma vez que a reforço dos vínculos com o cliente. distância entre os varejistas concorrentes pode determinar o número de lojas que os consumidores visitam durante a tomada de decisão. Nesse sentido, quanto maior a distância menos lojas são visitadas. Há uma infinidade de lojas de pequeno porte nas ruas centrais, nas galerias e nos shopping centers, as quais possuem clientes exclusivos pela utilização do produto. São lojas que não necessitam de ponto comercial em zona específica, pois se instalam em calçadas das ruas centrais, como 1.2 Comércio Popular também em galerias ou shopping center. Possuem público especial: aquele que compra o produto Dentro do comércio varejista destacase o comércio popular, personalizado pelos camelódromos. Conforme explica para uso próprio ou para presentear alguém (PAGNUSSAT, 2003). Pagnussat Spers e Wright (2006) sustentam que, (2003, p. 93), o “camelódromo faz parte do quanto às características do produto, os bens e comércio varejista”. O autor argumenta ainda que serviços são padronizados e simples, sendo que há camelódromos que modificaram o comércio a empresa não precisa de tantos esforços em varejista, pela mudança do perfil de consumidor e termos de amplitude da linha de produtos como do público-alvo das lojas, as quais já não vendem no caso de empresas que atuam junto às classes como antigamente. Muitos itens que os camelôs A e B, que apresentam uma maior variedade de vendem são iguais aos das lojas nas proximidades. produtos, com uma maior amplitude de suas O camelódromo de Balneário Camboriú (SC) é o mais organizado que existe no Sul do País. As tendas (ou lojas) do camelódromo têm linhas. Além de mais padronizados, as mercadorias populares são mais simples, tendo pouco custo em produto e processos. qualidade e variedade de produtos maiores que algumas lojas da cidade (PAGNUSSAT, 2003). 1.3 O Comportamento do Consumidor A ideia do comércio popular é exatamente incentivar o cliente a comprar, impressionar e preencher a visão dos clientes com quantidade, O campo do comportamento do consu- oferecendo variedade de marcas, tipos e tamanhos, midor estuda como as pessoas, os grupos e as criando um conceito de potência. O segredo é organizações “encher” os olhos dos clientes. descartam artigos, serviços, ideias ou experiências Para os autores Spers e Wright (2006), a ideia de que as empresas atuantes no mercado de bens populares possuem um posicionamento de preços baixos para a maioria de seus produtos em relação aos concorrentes, considerada como um importante fator de competitividade. O ambiente 148 selecionam, compram, usam e para satisfazer suas necessidades e desejos. Estudar o cliente ajuda a melhorar ou lançar produtos e serviços, determinar preços, projetar canais, elaborar mensagens e desenvolver outras atividades de marketing. Assim, analisar o comportamento do de compra, ou seja, a atmosfera do ponto de venda consumidor tem por objetivo descobrir o que é uma variável a ser gerenciada e um instrumento cada um busca no mercado para satisfazer suas necessidades. “Ser consumidor é ser humano. Ser consumidor é alimentar-se, vestir-se, divertir-se... é Se os consumidores são viver” (KARSAKLIAN, 2000, p. 11). diferentes uns dos outros, Como todo cidadão tem comportamentos distintos diante de cada situação, também apre- são as suas diferenças senta atitudes distintas diante de ofertas que estão que vão determinar seus a sua volta. No ato da compra de um produto ou serviço existem influências que interferem atos de compra e seus na decisão no momento de sua aquisição. Se os consumidores são diferentes uns dos outros, são comportamentos em as suas diferenças que vão determinar seus atos de compra e seus comportamentos em relação as relação às outras pessoas no outras pessoas no mercado de consumo. mercado de consumo. Complementa Cobra (1997, p. 59) ao destacar que “cada consumidor reage de forma diferente sob estímulos iguais, e isso ocorre porque cada um possui uma ‘caixa preta’ diferente”. Corroborando com o autor, Engel; Blackwell e Miniard (1995) descrevem que se todos os seres humanos fossem idênticos em suas preferências e comportamentos, não haveria necessidade de segmentação de mercado e todos os produtos seriam iguais. Como as pessoas diferem em suas motivações, necessidades e processos decisórios, o comportamento de compra também é distinto. Os fatores sociais influenciam no comportamento do consumidor, uma vez que os grupos de referência, a família, os amigos etc. têm forte poder de apelo no momento de decisão da compra. Na concepção trazida por Kotler e Armstrong (1993, p. 83) afirma-se que “cada classe social apresenta preferências distintas por produtos e marcas levando em consideração o valor dos produtos”. No tocante aos fatores econômicos, Kotler (1999) salienta que uma população não constitui, 1.4 Fatores que Influenciam o Comportamento do Consumidor por si só, um mercado. É preciso haver pessoas dispostas e capazes de comprar, sendo o poder aquisitivo quase sempre distribuído desigualmente, seja entre consumidores ou entre empresas O consumidor é influenciado por vários fatores que podem determinar o seu poder de compra, como as classes sociais a que pertence, as variáveis sociais, variáveis econômicas e culturais. compradoras. Segundo Cobra (1997, p. 62), “a noção essencial do comportamento do consumidor diz que ele é influenciado pelas perspectivas econômicas”, Para Karsaklian (2004, p. 321), “comprar já ou seja, as mudanças no valor líquido (o que traz satisfação, sentimento que é prolongado pelo entra menos o que sai) é que influenciarão na consumo do produto em si. Assim, a compra e o predisposição de consumir, porque tais mudanças consumo servirão de atividades que possibilitarão modificam o estado de espírito das pessoas. “De a experimentação de novas sensações”. todas as variáveis do marketing mix, a decisão Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 144 - 161, jan./jun. 2014 149 de preço é aquela que mais rapidamente afeta a busca de modelos explicativos do comportamento competitividade, o volume de vendas, as margens de compra por impulso são recentes e requerem e questionamentos, aperfeiçoamentos e validações a lucratividade das empresas varejistas.” (PARENTE, 2000, p. 160). empíricas. De forma sucinta, Schiffman e Kanuk (1997) Impulso é considerável uma necessidade salientam que apesar da renda ser a muito tempo forte, às vezes, irresistível, com a inclinação de uma variável importante para diferenciar segmentos agir sem deliberação ou planejamento. Hoch e de mercado, essa indica apenas a capacidade ou Loewenstein (1991 apud COSTA; LÁRAN, 2003) incapacidade de se pagar por um produto. explicam que a compra impulsiva trata do resultado Tendo como base de estudo e pesquisa a cidade de Itapema/SC, a caracterização de renda da população foi avaliada segundo informações da luta entre forças psicológicas dos desejos e da força de vontade, ou seja, entre a vontade de comprar e o autocontrole, prevalecendo o desejo. do Sebrae/SC (2008), em R$ 907,15 (novecentos Para Dias (2004), as compras planejadas e sete reais e quinze centavos) segundo os valores são realizadas por consumidores que saem de médios dos salários pagos em 2008 no município. suas casas tendo em mente o que vão adquirir. A caracterização do porte empresarial de Itapema No entanto, muitas mercadorias são compradas é de 3.763 empresas formais que geram 8.681 impulsivamente e isso ocorre quando o indivíduo empregos. Os fatores culturais envolvem um é atingido por algum estímulo forte que o leva complexo de valores, ideias e atitudes que permitem a comprar no momento em que não resiste à as pessoas comunicarem-se e avaliarem-se como exposição do produto. “Uma pessoa motivada membros da sociedade por meio dos fatores está pronta para agir. Como ela realmente age culturais, na forma de agir no mercado e na sua é influenciado por sua percepção da situação” interação com o ambiente (ENGEL; BLACKWEEL; (KOTLER, 1998, p.173). MINIARD, 2005). Consumidores passeiam pela loja como uma forma de entretenimento e prazer, vivenciando 1.5 Fatores que Motivam os Clientes sentimentos positivos como contentamento (BABIN; DARDEN; GRIFFIN, 1994 apud COSTA; LÁRAN, 2006). Estudos anteriores apontam que Com relação aos fatores motivadores dos clientes, Stadler (2000, p. 119) salienta que “as pessoas, em geral, refletem uma motivação equilibrada. Elas analisam uma oferta, a fim de se mais compras não planejadas do que aqueles que passeiam menos (JARBOE; MCDANIEL, 1987 apud COSTA; LÁRAN, 2006). satisfazerem com ela. Porém, também a examinam Para Las Casas (1997), a força interna que de uma forma a evitar situações desagradáveis dirige o comportamento dos consumidores é a que possam prejudicar sua situação [...]”. motivação. Os indivíduos sentem-se motivados Discordando com o autor acima, Costa e Láran (2006) ressaltam a questão da compra por impulso, argumentando que os esforços em 150 os indivíduos que “circulam” mais tendem a realizar à compra, em grande parte impulsionada pela proteção de si própria. Essa força interna que leva as pessoas a comprarem produtos e serviços poderá ser de ordem psicológica ou fisiológica. 1.6 Mix de Marketing O preço básico é definido A teoria dos quatro Ps – produto, preço, pela equação: preço = praça e promoção –, de Jerome McCarthy, precede custo + lucro, mas também significativa relevância nas ações do varejo popular. Esses quatro elementos interagem constante- pode ser definido pela mente na busca de resultados efetivos em cada empresa (GONÇALVES, 2005). concorrência que varia em Para Kotler (1999), da mesma forma que função da marca e no critério os economistas usam os conceitos demanda e de quanto o consumidor está oferta para estrutura de análise, o profissional de marketing sustenta o conceito dos quatro Ps disposto a pagar. como uma “caixa de ferramentas” para orientá-lo no planejamento de marketing. O primeiro “P” vem de produto. Nesse sentido, ressalta Kotler (1999, p. 126), que “a base de qualquer negócio é um produto ou serviço”. O preços. O preço, diferentemente dos outros três objetivo, nesse sentido, é oferecer algo de maneira mix de marketing, tem o poder de gerar a receita. diferente e melhor aos clientes. As empresas tentam elevar seus preços até onde A praça, segundo Gonçalves (2005), é a o nível de diferenciação permite (KOTLER, 1999). alma do varejo tradicional. Consumidores sempre No entendimento de Pancrazio (2000), o preço se agrupam onde há maior variedade de lojistas básico é definido pela equação: preço = custo + lucro, ofertando produtos. No mercado consumidor mas também pode ser definido pela concorrência há uma intensa batalha entre pequenos, médios que varia em função da marca e no critério de quanto e grandes varejistas. Para Kotler (1999), os o consumidor está disposto a pagar. consumidores, hoje, conseguem comprar produtos a partir de sua própria casa, evitando transtornos, como tirar o carro da garagem, enfrentar trânsito, calor, chuva e filas em lojas. Em tais pontos de venda, não há grandes investimentos em serviços Promoção de vendas é o conjunto de métodos e formas utilizadas para aumentar a venda de um produto ou serviço durante um período determinado (LEGRAIN; MAGAIN, 1992). diferenciados como no mercado de luxo e de alta renda, nos quais a diferenciação é um importante fator de competitividade. No varejo, as empresas 2 Metodologia oferecem a seus clientes um atendimento básico (SPERS, WRIGHT, 2006). Para o desenvolvimento deste artigo, optou- O terceiro “P” é o preço, que, para Gonçalves -se por uma pesquisa descritiva, que, como salientam (2005), geralmente é constituído baseando-se nos Collis e Hussey (2005), é usada para identificar e custos. No entanto, essa prática tem-se revelado obter informações sobre as características de um ineficiente quando se deseja competir, pois a determinado problema ou questão. concorrência está atenta e disposta a cortar seus Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 144 - 161, jan./jun. 2014 151 Os procedimentos metodológicos para atrativos vistos pelos clientes neste segmento de sustentar este estudo foram de abordagem comércio. Além disso, o instrumento de pesquisa quantitativa que, segundo Collis e Hussey (2005), possibilitou investigar a percepção dos clientes em tendem a produzir dados específicos e precisos, relação ao comércio popular identificando qual de confiabilidade considerada alta. a atratividade que este segmento de comércio Na abordagem da pesquisa utilizou-se o questionário autopreenchível, buscando a opinião desperta nos clientes e as principais características destes consumidores. do entrevistado em relação aos fatores expostos, O levantamento de informações inclui fontes demonstrando a sua interação com a decisão de de dados primários, que, para Mattar (1996), são compra. aqueles que não foram coletados anteriormente, O sujeito deste estudo abrange o público frequentador do comércio popular de Itapema/ SC, constituindo uma amostra não probabilística e estando ainda em posse dos pesquisados e que são coletadas com o propósito de atender as necessidades específicas da pesquisa em andamento. aleatória simples, pois pretende atingir da mesma Ocorreu aplicação de pré-teste mediante forma toda a população pesquisada, escolhendo pesquisa aleatória, sendo readaptadas algumas aleatoriamente questões que haviam ficado confusas para o os respondentes (LAKATOS; MARKONI, 1992). entendimento dos respondentes. “A amostragem aleatória simples carac- Após aplicado o questionário e coletados teriza-se pelo fato de cada elemento da população os dados, estes foram tabulados e lançados ter probabilidade conhecida, diferente de zero, no idêntica a dos outros elementos, de ser selecionado apresentados por meio de gráficos para facilitar a para fazer parte da amostra” (MATTAR, 1996, p. 275). compreensão das respostas. programa Excel, cujos resultados foram Com base no erro amostral tolerável esta- Os fatores limitantes resumem-se ao preen- belecido (5%), uma primeira aproximação para chimento incompleto e/ou incorreto de alguns o tamanho da amostra aleatória (n0) a ser reti- questionários, acarretando realização de novas co- rada pela equação N0= 1/ (E0)2 é de 352 pessoas, letas. Ressalta-se também que um único local de representando 11,73% da população que frequentam coleta de dados também é um fator limitante, visto mensalmente o camelódromo da Meia Praia nesta a abrangência do tema comércio popular. época do ano (setembro). O instrumento de coleta de dados utilizado no estudo foi um questionário estruturado com 3 Resultados uma sequência de perguntas fechadas organizadas após a realização de pré-teste, tendo em vista que o objetivo é extrair respostas confiáveis da amostra escolhida e descobrir o que um grupo 3.1 Perfil dos Respondentes selecionado de participante pensa ou sente (COLLIS; HUSSEY, 2005). 152 Nesta etapa do estudo são apresentados As perguntas foram elaboradas visando os resultados obtidos após a realização da obter informações sobre a qualidade do atendi- pesquisa de campo e posterior análise. Aborda-se mento, os motivos que levam a esta escolha e os primeiramente o perfil do público participante da pesquisa; em seguida, é feita uma análise do setor dirigem-se ao mencionado local uma vez por mês, de camelódromos e, por fim, uma análise dos canais enquanto apenas 5% frequentam o comércio popular de venda que concorrem com os camelódromos. uma vez por semana e 3% dos respondentes nunca No tocante ao perfil dos respondentes, observa-se que a maioria da amostra pesquisada de 352 frequentadores do comércio popular, foi composta por integrantes do sexo feminino, representando 64% do total, enquanto que os frequentam o comércio popular. Ao frequentar o comércio popular, 51% dos respondentes afirmam que se dirigem direto à loja relacionada ao produto desejado, enquanto 49% costumam passar por todas as lojas na ocasião, a fim de conferir as novidades. respondentes do sexo masculino totalizaram 36%. Com relação ao valor gasto em cada compra, Com relação à faixa etária, verifica-se que a amostra verificou-se que 38% dos respondentes gastam entre é composta predominantemente de jovens na faixa R$ 51 e R$ 100 em cada compra realizada; enquanto de 17 a 24 anos, representando 63% do total. Ainda, 37% gastam menos de R$ 50; 22% gastam entre R$ 30% dos respondentes encontram-se na faixa de 25 101 e R$ 200; e apenas 3% dos respondentes gastam a 34 anos; e 7%, de 35 a 50 anos. Verifica-se também acima de R$ 200. O valor gasto geralmente é que a maioria dos respondentes tem renda familiar desembolsado em apenas uma loja, correspondendo mensal média acima de R$ 3.001, representando a 56% dos respondentes da pesquisa; enquanto 44% 48% do total da amostra; 23% possuem renda gastam esse valor em várias lojas. familiar de R$ 2.001 a R$ 3.000; 21%, de 1.001 a R$ 2.000; e 8%, até R$ 1.000. Traçando uma correlação entre a renda do respondente e o valor gasto na compra, percebe-se que 56% dos que gastam menos de R$ 50 no 3.2 Compras em Comércio Popular comércio popular possuem renda mensal familiar acima de R$ 3.001. Entre os que gastam de R$ 51 a R$ 100, também predomina a renda acima de R$ Após a análise do perfil dos respondentes da pesquisa, verificaram-se os aspectos relacionados às compras realizadas em comércio popular pelo público pesquisado, identificando frequência de visitas, valor gasto em cada compra, os produtos mais procurados e os fatores que influenciam nessa decisão. Identificou-se que 69% dos respondentes raramente costumam frequentar camelódromos. 3.001, porém com uma diminuição de percentual para 46%. Na faixa de valor gasto entre R$ 101 e R$ 200 há uma aproximação das rendas, sendo 36% acima de R$ 3.001,00, 21% de R$ 2.001 a R$ 3.000, 29% de R$ 1.001 a R$ 2.000 e quem tem renda familiar até R$ 1.000 representa 14%. Nos gastos acima de R$ 200, a renda predominante passa a ser de R$ 1.001 a R$ 2.000. Esse número permite supor que a maioria apenas Nesse sentido, denota-se que quem possui desloca-se ao comércio popular quando sente renda mensal familiar acima de R$ 3.001 costuma necessidade de adquirir um produto que é mais efetuar compras de menor valor, enquanto quem facilmente encontrado neste local ou está disponível possui renda na faixa de R$ 1.001 a R$ 2.000 gasta apenas em comércio popular. Constatou-se que 23% um valor maior, conforme gráfico a seguir. Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 144 - 161, jan./jun. 2014 153 GRÁFICO 1 – Renda x valor gasto no comércio popular 29% 14% Gasto acima de R$ 200,00 43% Acima de R$ 3.001,00 14% 36% R$ 2.001,00 a R$ 3.00,00 21% Gasto entre R$ 101,00 e R$ 200,00 29% 14% Gasto entre R$ 51,00 e R$ 100,00 8% 19% 27% Até R$ 1.00,00 56% 20% 16% Gasto abaixo de R$ 50,00 R$ 1.001,00 a R$ 2.00,00 46% 8% No tocante aos produtos mais procurados, os respondentes priorizaram oito categorias. Eletrônicos e acessórios para computadores constituem a categoria de produtos. O segundo produto mais visado são CDs e DVDs. Cosméticos, maquiagem e perfumes representam o terceiro item em ordem de prioridade. TABELA 1 – Produtos mais procurados no comércio popular Produto Eletrônicos e acessórios para computadores Prioridade Percentual de preferência 1 32,88% CD e DVD 2 24,66% Cosméticos, maquiagem, perfumes 3 16,44% Bolsas, malas e mochilas 4 13,70% Bijuterias 5 4,11% Brinquedos 6 4,11% Bebidas 7 2,74% Roupas e calçados 8 1,37% Por meio da correlação entre os produtos mais procurados no comércio popular e o gênero de quem compra esses produtos, verifica-se que nos produtos eletrônicos e acessórios para computadores a distribuição entre sexo masculino e feminino está bem equilibrada com 46% e 54%, respectivamente. O mesmo equilíbrio ocorre com relação a CD e DVD, havendo 53% de compradores do sexo masculino e 47% do sexo feminino, sendo o único produto com maioria masculina. Nos demais produtos, há predominância de determinado gênero, uma vez que o produto pode ser mais direcionado para aquele público-alvo. Produtos como bolsas, malas e mochilas; cosméticos, maquiagem e perfumes; bijuterias e brinquedos houve predominância do gênero feminino (89%). Para os produtos bebidas, a totalidade é composta por homens, com renda familiar mensal superior a R$ 3.001, que possuem o hábito de realizar compras em shoppings e lojas de grifes. Nos produtos roupas e calçados, a totalidade dos compradores é composta por homens, os quais foram identificados com renda familiar mensal entre R$ 1.001 a R$ 2.000, que costumam efetuar compras para toda a família em valores entre R$ 101 e R$ 200 e acima de R$ 200. 154 Considerando que os produtos mais procurados no comércio popular são eletrônicos e acessórios para computador, importante detalhar o perfil de quem procura tais produtos. Nesse sentido, observa-se que 44% dos respondentes que procuram os produtos mencionados anteriormente possuem renda familiar mensal acima de R$ 3.001, e 26% possuem renda de R$ 2.001 a R$ 3.000. Quem possui renda familiar de R$ 1.001 a R$ 2.000 representa 17%. Os respondentes com renda familiar até R$ 1.000 constituem 13%. Com relação à faixa etária dos consumidores de eletrônicos e acessórios para computadores, verificase que 63% dos respondentes possuem de 17 a 24 anos de idade; 33% possuem de 25 a 34 anos; e apenas 4% possuem de 35 a 50 anos. Em resumo, o perfil predominante de quem procura eletrônicos e acessórios para computador no comércio popular é constituído por mulheres, com idade de 17 a 24 anos e com renda familiar mensal acima de R$ 3.001. Quando da identificação dos fatores que influenciam na decisão de compra do consumidor que frequenta comércio popular, foi questionado ao público-alvo da pesquisa entre sete fatores se estes influenciam muito, influenciam pouco, ou se não influenciam em sua decisão de compra. Verificou-se que o fator que mais influencia é o preço do produto comercializado, tendo como resultado o seguinte: 66% dos respondentes afirmaram que influencia muito, 32% que influencia pouco e apenas 3% afirmaram que o fator preço não influencia. O segundo fator que gera mais influência sobre a decisão de compra é a variedade dos produtos, seguida da disponibilidade de produtos similares aos originais. O fator que menos influencia na decisão de compra, de acordo com os respondentes, é o público frequentador de comércio popular: 57% afirmaram que tal fator não influencia; 29% que influencia pouco; e 13% afirmaram que influencia muito. O segundo fator que menos influencia é o ambiente, observando--se, portanto, que o público pesquisado dirige--se ao comércio popular apenas quando surge a necessidade de um produto disponível neste local. GRÁFICO 2 – Fatores que influenciam na decisão de compras no comércio popular FONTE: O autor (2012) Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 144 - 161, jan./jun. 2014 155 3.3 Canais de Venda Alternativos Nesta etapa são analisados os dados relativos aos canais de venda que são alternativos ao comércio popular, os quais se configuram como concorrentes a este tipo de comércio. Questionou-se aos respondentes qual outro local eles costumam frequentar. A maioria dos respondentes frequenta shoppings, representando 32% do total; enquanto 23% frequentam lojas de rua/avenida; 19% utilizam a internet; 12% frequentam boutiques/lojas de grife; 9% visitam lojas de departamento; e 5% utilizam catálogos/vendedoras ambulantes para realizar suas compras. Identificados os locais/formas de compra mais utilizados pelos respondentes, parte-se para a identificação dos produtos mais procurados nesses locais, listados na TAB. 2. TABELA 2 – Produtos mais procurados em locais alternativos Produto Prioridade Percentual de Preferência Roupas e calçados 1 52,11% Eletrônicos e acessórios para computadores 2 21,13% Bolsas, malas e mochilas 3 12,68% Cosméticos, maquiagem, perfumes 4 5,63% CD e DVD 5 4,23% Bijuterias 6 1,41% Brinquedos 7 1,41% Bebidas 8 1,41% FONTE: O autor (2012) Analisando a tabela, percebe-se que os pro- mais procurados por mulheres (78%). A totalidade dutos mais procurados em comércios alternativos dos respondentes que procuram cosméticos, maqui- são roupas e calçados, seguido de eletrônicos e agem e perfumes em locais alternativos é do sexo acessórios para computadores. O terceiro item mais feminino. Houve também resultados inusitados, isto procurado são bolsas, malas e mochilas. Cosméti- é, 100% das pessoas do gênero masculino procuram cos, maquiagem e perfumes são o quarto item mais bijuterias e 100% do gênero feminino procuram bebi- visado. Bijuterias, brinquedos e bebidas são os tipos das; porém é um dado sem muita relevância devido de produtos menos procurados nesses locais. ao baixo índice de preferência apresentado anterior- Ao se verificar o gênero predominante dos 156 mente na TAB. 2. produtos em locais alternativos, denota-se que a Roupas e calçados constituíram os produtos maioria dos que procuram roupas e calçados são mais procurados nos locais alternativos de compra. do sexo feminino (76%). Com relação a eletrônicos Com isso, é importante identificar o perfil predominante e acessórios para computadores, o sexo masculino de quem procura por esses produtos. Observa-se constitui a maioria, representando 60% dos respon- que quem possui renda familiar mensal de R$ 2.001 dentes, assim como bolsas, malas e mochilas são a R$ 3.000 representa 44% dos respondentes que procuram os produtos mencionados anteriormente; Com relação aos fatores que influenciam 36% possuem renda familiar acima de R$ 3.001; e 21% na decisão de compra quando os respondentes de R$ 1.001 a R$ 2.000. frequentam os locais mencionados, o fator que mais Quanto à faixa etária dos consumidores influencia é a forma de pagamento facilitado, a qual que procuram roupas e calçados em locais para 73% dos respondentes é fator que influencia alternativos (shopping, lojas de grife, internet, muito; 16% consideram que influencia pouco; e lojas de departamento etc.), verifica-se que 67% 8% afirmaram que não influencia. Descontos e possuem idade entre 17 e 24 anos; 27% possuem promoções vêm em seguida como segundo fator de entre 25 e 34 anos; e apenas 6% tem de 35 a 50 maior influência. Os fatores que menos influenciam anos de idade. Em suma, percebe-se que o perfil são o ambiente que envolve diversão/compras predominante dos respondentes que procuram passeio; 32% afirmaram que influencia muito; 45% roupas e calçados em locais alternativos ao comércio popular é composto de mulheres com influencia pouco; e 22% que não influencia; além do idade entre 17 e 24 anos, com renda familiar mensal ambiente sofisticado, sendo considerado também de R$ 2.001 a R$ 3.000. um fator de pouca influência. GRÁFICO 3 – Fatores de influência na decisão de compra em locais alternativos Forma de pagamento facilitado 73 70 Atendimento personalizado 53 Ambiente sofisticado 45 40 33 32 35 31 31 Ambiente que envolve/ diversão/compras/passeio 30 26 22 22 16 Descontos e promoções 14 8 5 Influencia muito Influencia pouco Não influencia 3 3 1 1 3 4 Facilidade de compra sem sair de casa Não sei dizer/ não lembro FONTE: O autor (2012) Mediante a análise dos dados apresentados, pode-se traçar um comparativo entre os consumidores de comércio popular e consumidores de locais alternativos. Enquanto os primeiros estão em busca de preço baixo e ampla variedade de produtos, os segundos procuram formas de pagamento facilitadas e descontos e promoções. Percebe-se, assim, que um preço atrativo é fator motivador para ambos os tipos de comércio. Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 144 - 161, jan./jun. 2014 157 Comparando os produtos mais procurados no comércio popular com os produtos mais Considerações Finais visados em locais alternativos, percebe-se que entre os quatro produtos mais procurados, três são comuns a dois pontos de venda: eletrônicos e acessórios para computadores; cosméticos, maquiagem, perfumes; e bolsas, malas e mochilas. CDs e DVDs são mais procurados no comércio popular, porém, os itens roupas e calçados são os mais procurados nos locais alternativos. O objetivo deste estudo foi identificar quais os principais fatores motivadores que levam os consumidores a frequentar e a comprar no comércio popular. Nesse sentido, foram identificados quais são os produtos mais procurados pelos consumidores e os principais hábitos de consumo. Foi ainda levantada a frequência de retorno às com- Ressalta-se ainda que se verificou, por meio pras por parte dos clientes do comércio popular; da correlação da renda familiar mensal com as além de identificada a média de valor gasto em preferências de consumo, que consumidores de cada compra. maior poder aquisitivo costumam, proporcionalmente, realizar compras de menor valor, enquanto os respondentes que possuem renda familiar um pouco menor costumam gastar mais em suas visitas ao comércio popular. Num primeiro momento, tratou-se da identificação dos produtos mais procurados pelos consumidores e os principais hábitos de consumo, cujos produtos mais visados na ocasião de uma visita ao comércio popular são eletrônicos e jogos Bolsas, malas e mochilas, que constituem para computador. Os produtos menos procurados o mix de produtos da organização em estudo, são roupas e calçados. Com relação à quantidade são o quarto item mais procurado no comércio de itens e a diversidade dos segmentos comprados popular e o terceiro item mais procurado em em cada visita ao comércio, verificou-se que a locais alternativos. Nesse sentido, ressalta-se a maioria dos respondentes gasta o valor da compra necessidade da empresa focar nos fatores que, em apenas uma loja de comércio popular. Foi de fato, influenciam o consumidor na decisão realizada também uma análise dos locais/formas de compra com relação ao comércio popular: alternativas de compra. preço e variedade dos produtos. Cabe salientar o entendimento de Parente (2000, p. 160) de que Na sequência, identificou-se que o público “de todas as variáveis do marketing mix, a decisão pesquisado raramente dirige-se ao comércio po- de preço é aquela que mais rapidamente afeta a pular, fazendo-o apenas quando surge a neces- competitividade, o volume de vendas, as margens sidade de se adquirir um produto que está associado e a lucratividade das empresas varejistas”. a estes locais, seja pela facilidade de encontrar ou O estudo, de forma geral, acabou confirmando o entendimento empírico de que o con- 158 pela exclusividade de venda (quando o produto é encontrado apenas no comércio popular). sumidor que frequenta comércio popular está Por último, abordou-se a identificação da em busca de produtos baratos. Além disso, no média de valor gasto em cada compra, perce- comércio popular ele encontra uma variedade de bendo-se que a maioria dos respondentes gasta produtos que dificilmente encontra-se em outros entre R$ 51 e R$ 100. Todavia, é importante ressaltar canais, constituindo um fator de influência na que boa parte dos respondentes gasta até R$ 50 decisão de compra tão importante quanto o preço. em cada compra. Essa média de gasto corrobora com o entendimento de que o consumidor de distintos: enquanto o consumidor de comércio comércio popular busca preços módicos. popular busca preços mais vantajosos e variedade Os resultados do estudo se mostraram de grande relevância às empresas que atuam ou pretendem atuar no comércio popular. Num primeiro momento, ressalta-se a identificação dos produtos mais procurados no comércio popular, assim como em outros locais, o que permitiu de produtos, o consumidor de locais alternativos procura formas de pagamento facilitadas, descontos e promoções. Ressalta-se, ainda, que a renda familiar mensal do consumidor influencia pouco, visto que quem possui renda maior prefere efetuar compras de menor valor. observar que entre os quatro produtos mais Demonstradas as principais contribuições do procurados, três são concomitantes aos dois locais estudo, ressalta-se que futuros trabalhos poderão mencionados. Destarte, é notável a competição complementar na preferência do consumidor em procurar no no tocante à facilidade de pagamento como comércio popular ou em locais alternativos os motivador de compra em comércio popular, bem produtos que ele necessita, muito embora os como aos fatores de atratividade do camelódromo fatores de influência na compra identificados sejam de Itapema. Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 144 - 161, jan./jun. 2014 esta pesquisa, principalmente • Recebido em: 21/01/2013 • Aprovado em: 19/06/2013 159 Referências BRUNETTI, M. C.; BRANDALIZE, A. 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FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 144 - 161, jan./jun. 2014 161 Originale Cucina – um estudo de caso de posicionamento estratégico no segmento gastronômico de Curitiba Originale Cucina – a strategic positioning case study in Curitiba’s gastronomic segment Originale Cucina – um estudo de caso de posicionamento estratégico no segmento gastronômico de Curitiba Originale Cucina – a strategic positioning case study in Curitiba’s gastronomic segment Ricardo Teixeira Miranda 1 Richard Schwarz2 Resumo O panorama da gastronomia no Brasil, do início do século XXI, está passando por profundas transformações. O aumento de renda e o fortalecimento do poder de compra de classes que antes não possuíam acesso a certas condições de consumo, aliados ao crescente incremento no empreendedorismo do segmento voltado à alimentação, vêm se refletindo em uma expansão do setor e em um inevitável acirramento da concorrência. Especificamente em Curitiba, certas regiões estão se tornando conhecidos polos gastronômicos, sendo um deles localizado no bairro Cabral, onde se encontra a Originale Cucina e Pizzeria, presente no mercado local há 12 anos. Para enfrentar este contexto de impactantes mudanças, a Originale optou por realizar um completo reposicionamento estratégico de sua atuação e marca, buscando elevar seu patamar de qualidade e atendimento, porém sem abdicar dos pontos críticos de sua essência, que garantiram sua longevidade. O objetivo deste artigo é analisar, por meio de um estudo de caso, como este processo dinâmico vem ocorrendo no empreendimento e quais suas formas, dificuldades e impactos, no sentido de agregar informações sobre o peculiar setor de gastronomia curitibano, ao contrastar a atuação e evolução de um player tradicional e estabelecido, em relação a um contexto de fortes mudanças em seu cenário competitivo de atuação. Palavras-chave: Marketing. Empreendedorismo. Estratégia. Concorrência. Gastronomia. Curitiba. Abstract The food segment scenery in Brazil at the beginning of the XXI century is undergoing profound changes. The growth of income and the strengthening of the purchasing power of classes that previously had no access to certain conditions of consume, added to the raise in the entrepreneurship on the food segment have reflected in an expansion of the sector and an unavoidable increase in competition. Specifically in Curitiba, some regions are becoming known gastronomic poles, as the Cabral neighborhood, where Originale Cucina and Pizzeria is located, for the last 12 years. To confront this strongly changing context, Originale has chosen to conduct a complete strategic repositioning of its operations and brand, seeking to raise its level of quality and service, but without sacrificing the essence of the critical points that ensured its longevity. The purpose of this article is to examine through a case study how this dynamic process is occurring in the enterprise and which forms, difficulties and impacts are, in order to gather information about the peculiar food sector in Curitiba, by contrasting the performance and evolution of a traditional and established “player” against a backdrop of major changes in its competitive landscape of business. Keywords: Marketing. Entrepreneurship. Strategy. Competition. Food. Curitiba. 1 2 Mestre em Administração pela PUC-PR. Professor do ISAE/FGV da disciplina Geomarketing e professor auxiliar da PUCPR no curso de Administração. E-mail: [email protected]. Mestre em Administração pela PUC-PR. Consultor empresarial especializado em Marketing, Comunicação, Planejamento Estratégico e Desenvolvimento de Negócios. E-mail: [email protected]. Rev. FAE, Cu r it iba, v. 17, n. 1, p. 162 - 179, jan./jun. 2014 163 Introdução Na década de 2000, o Brasil passou por um dos maiores processos de crescimento econômico de sua história. Essa expansão proporcionou um ambiente de estabilização econômica e ampliação das condições de oferta de crédito e empregos, o que, por sua vez, permitiu que 60 milhões de cidadãos, oriundos principalmente das classes C e D, ampliassem seu acesso ao mercado de consumo. De acordo com o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), cerca de 130 milhões de brasileiros compõem estas faixas, que contam com renda mensal entre 2 e O aumento do poder de consumo, relacionado em grande parte ao aumento da renda per capita, levou os brasileiros, em geral, a alterar também seus hábitos alimentares. 4 salários mínimos. Para o Portal Alimentação Fora do Lar (2013), além desse cenário, outros principais fatores de expansão do mercado de alimentação fora do domicílio são a falta de tempo para preparação da comida em casa, a busca por maior conveniência e a diminuição do número médio de 37%. Ou seja, a ampliação da classe média no país teria um impacto direto no costume de comer fora do domicílio (ABRASEL, 2012). Apesar dos gastos com alimentação com- habitantes por residência. prometerem uma fatia menor da renda das famílias 1 Perfil Brasileiro do Consumo de Alimentação Fora do Domicílio brasileiras, esses ainda representam uma grande parcela do orçamento familiar, quase um quinto de seu consumo total. De acordo com a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, elaborada em 1974/1975, as despesas com alimentos correspondiam a 33,9% dos gastos das famílias. Na Segundo a ABRASEL (2012), o aumento do última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF3) poder de consumo, relacionado em grande parte ao do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística aumento da renda per capita, levou os brasileiros, (IBGE), esse comprometimento recuou 14 pontos em geral, a alterar também seus hábitos alimentares. percentuais, totalizando 19,8% (IBGE, 2009), e Houve, com isso, um aumento significativo na grande parte destes gastos são realizados fora demanda por serviços de alimentação fora do do domicílio. Segundo o Portal Alimentação Fora domicílio, sendo que, no Brasil, 31% das pessoas do Lar (2013), mais de 25% das refeições no Brasil consomem semanalmente, atualmente são consumidas fora de casa, sen- percentual que deverá atingir 50% em 2020. A do que, nos grandes centros urbanos, esse índice classe com renda mensal de até R$ 400,00 gasta chega a ultrapassar 33%. Ou seja, o potencial de 12% do valor com alimentação na rua, quando essa crescimento desse mercado parece promissor renda passa a ser de R$ 1.000,00 a R$ 1.200,00 quando comparado aos Estados Unidos, onde este essa fatia também cresce, passa a 21%, e quando o setor responde atualmente por mais de 60% das trabalhador recebe mais de R$ 4.000,00 chega a refeições das pessoas. 3 164 alimentos na rua A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) é uma pesquisa domiciliar que tem como principal objetivo a obtenção de informações sobre a estrutura de orçamentos das famílias, ou seja, quanto ganham e qual a destinação de seu dinheiro. Para o segmento de alimentação fora do a cidade como a 4ª maior economia do Brasil (ver domicílio, segundo Bezerra e Sichieri (2010), a TAB. 1), apesar de ocupar apenas a 8ª colocação em frequência de consumo brasileira foi de 35%, sendo população, conforme demonstrado no GRÁF. 1. Em maior na região Sudeste (38,8%), seguida da Sul 2010, a renda média dos responsáveis por domicílios (34,8%) e menor na região Norte (28,1%). A frequência curitibanos foi de aproximadamente R$ 7.904 por foi maior entre os indivíduos de 20 a 40 anos (42%), mês (TAB. 2), o que, comparado à renda média dos do sexo masculino (39%), com maior nível de renda domicílios brasileiros, chega a ultrapassar a renda (52%) e maior escolaridade (61%). Os alimentos nacional em 273%. Em relação à distribuição de mais frequentemente consumidos fora do domicílio renda segundo as classes sociais, observa-se que foram: refrigerantes (12%), refeições (11,5%), doces 15,2% correspondem à classe A, 29% à classe B, (9,5%), salgados fritos e assados (9,2%) e fast foods 18,4% à classe C, 25,3% à classe D e apenas 5,94% (7,2%). Os pesquisadores também identificaram pertencem à classe E. maiores regularidades entre os indivíduos residentes TABELA 1 - Ranking das 10 cidades com maior em domicílios situados na área urbana, no município participação no PIB Nacional da capital e com menos de quatro moradores. Esses aspectos, juntamente com a escolaridade, são Capital importantes marcadores do nível socioeconômico Estado 2009 Ranking Part. % dos indivíduos, confirmando a importância da São Paulo SP 1º 12,02 renda como um dos principais determinantes do Rio de Janeiro RJ 2º 5,43 consumo de alimentos. Brasília DF 3º 4,06 Curitiba PR 4º 1,41 1.1 Curitiba e o Setor de Alimentação Fora do Domicílio Curitiba vem se desenvolvendo em um ritmo cada vez maior, fato demonstrado pelos seus indicadores socioeconômicos que mostram Belo Horizonte MG 5º 1,38 Manaus AM 6º 1,25 Porto Alegre RS 7º 1,17 Duque de Caxias RJ 8º 1,01 Garulhos SP 9º 1,00 Osasco SP 10º 0,98 FONTE: Agência Curitiba de Desenvolvimento (2012) GRÁFICO 1 - População das maiores cidades brasileiras (milhões) 12 11,24 10 8 6,32 6 4 2,68 2,56 2,45 2,38 2 1,8 1,75 1,54 1,41 0 São Paulo Rio de Janeiro Salvador Brasília Fortaleza Belo Manaus Horizonte Curitiba Recife Porto Alegre FONTE: Agência Curitiba de Desenvolvimento (2012) Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 162 - 179, jan./jun. 2014 165 Em relação à renda dos bairros de Curitiba, vê-se na TAB. 2 que o bairro do Batel lidera o ranking com um rendimento médio de R$ 10.340,00 e o Cabral, bairro onde se localiza a empresa foco deste estudo de caso, apresenta-se como 3º colocado, com um valor médio 274% maior que a média do município. TABELA 2 - Rendimento médio e mediano dos responsáveis por domicílios, por bairros – 2010 Medio5 Valor (R$) Batel Mediano6 Ranking Valor (R$) Ranking 10,340 1º 7,068 1º Jardim Social 9,302 2º 6,058 2º Cabral 7,904 3º 6,058 3º Bigorrilho 7,659 4º 5,250 4º Juvevê 6,937 5º 5,048 5º Água Verde 6,730 6º 4,241 7º Alto da Glória 6,590 7º 4,443 6º Seminário 6,483 8º 4,039 8º Hugo Lange 6,300 9º 4,039 9º Mossungê 5,988 10º 2,264 26º Curitiba 2,890 - 1,141 - FONTE: IBGE (2000), IPPUC/Banco de Dados e Agência Curitiba de Desenvolvimento (2012)456 1.2 O Bairro Cabral A denominação “Cabral” surgiu no século XIX. Segundo o próprio historiador Ermelino de Leão, o nome do bairro é uma homenagem à influente família Cabral, que residia na O bairro, a 3,3 km de distância do Marco onde se ergueu a pequena capela consagrada ao Bom Zero do Centro de Curitiba, seguiu a mesma linha Jesus, hoje conhecida como Igreja do Cabral. Os primeiros de desenvolvimento do bairro Juvevê: a partir da moradores chegaram no início do século XVIII, conseguindo implantação da Estrutural Norte e dos eixos de seus lotes de terra mediante concessão da Câmara de transporte urbano na década de 70. Abrigando Curitiba. Muitos desses sítios compõem hoje o Graciosa um dos grandes terminais de transporte público da cidade, o terminal Cabral, suas vias principais atraem empreendimentos residenciais de porte, comércio e serviços de todos os gêneros. 4 5 6 166 região e, em meados do século passado, doou o terreno Country Club, alguns trechos da Av. João Gualberto, da Anita Garibaldi e da Munhoz da Rocha (IPPUC, 2013). O bairro Cabral, com 2,04 km de área total (TAB. 3), possui uma população média de 13 mil Estimativa para 2010 pela UTFPR, com base no IPCA. Média ponderada é calculada através do quociente da soma dos produtos entre o ponto médio da classe de rendimento e o número de observações desta classe pelo número total de observações. Mediana é a realização que ocupa a posição central da série de observações quando estas estão ordenadas segundo suas grandezas. pessoas. Seus moradores são bem servidos: há 370 que o setor de alimentação responde por 10,3% pontos de comércio e outros 685 de serviços, três deste total com 152 estabelecimentos de refeições praças, além de supermercados e escolas; também prontas para consumo no local. Devido à alta densi- possui edifícios residenciais de bom padrão e dade demográfica da região (TAB 4), o setor de ser- muitas residências. viços coloca-se como importante setor econômico. TABELA 3 - Dados do bairro Cabral TABELA 4 – Cabral: população, área e densidade Área (Km ) demográfica 432 2 População Total 13, 060 Comércio 370 Insdústrias Densidade Total de Habitantes 116 Serviços Absoluto 685 Distância do bairro ao Centro (Marco Zero) (Km) Cabral 3, 32 Hospitais 1 Jardinetes 3 Praças 2 Curitiba Área Demográfica (Km2) (hab/km2) % Valor (R$) 13,060 0,75% 2,04 6,402 1.751,907 100 432 4,054 A TAB. 5 traz dados referentes às classes FONTE: Os autores (2013) de rendimentos das famílias residentes no bairro Dados do Instituto de Pesquisa e Planeja- Cabral, demonstrando uma população com maior mento Urbano de Curitiba (IPPUC, 2013) mostram poder aquisitivo que a média do município, em que o setor de alimentação possui 1.480 estabele- que 31,26% ganham acima de 30 salários mínimos, cimentos comerciais em atividade no bairro, sendo contra 9,34% da média da cidade. TABELA 5 - Famílias residentes, por classes de rendimento nominal familiar – 2000 Famílias residentes Bairro Cabral Até 0,50 salário mínimo Curitiba 18 0,38% 1.183 0,24% + de 0,5 até 1 SM 28 0,59% 16.163 3,26% + De 1 até 2 SM 45 0,96% 38.223 7,72% + De 2 até 3 SM 7 0,15% 41.313 8,34% Até 3 SM 98 2,08% 96.882 19,56% + de 3 até 5 SM 165 3,51% 83.015 16,76% + de 5 até 10 SM 515 10,94% 128.264 25,90 + de 10 até 15 SM 496 10,54% 54.841 11,07% + de 15 até 20 SM 507 10,77% 34.642 6,99% + de 20 até 30 SM 564 11,98% 33.836 6,83% + de 30 SM + de 3 SM Sem Rendimento Totais Rev. FA E , C uritiba, 1.471 31,26% 46.277 9,34% 3.718 79,01% 380.875 76,90% 890 18,91% 17.553 3,54% 4.706 100,00% 495,310 100,00% v. 17, n. 1, p. 162 - 179, jan./jun. 2014 167 2 Fundamentação Teórico-Empírica Curitiba é uma cidade em que apenas 3% dos moradores residem sozinhos e o padrão familiar mais comum é o de um casal com dois filhos, com uma valorização expressa da manutenção da família, haja vista que o lazer preferido do curitibano é passar seu tempo livre com a família (RETRATO..., 2001). Desta forma, a identificação dos hábitos alimentares é de grande valia para entender um pouco mais sobre este consumidor, A preocupação com a alimentação é algo que faz parte do cotidiano das pessoas, que costumam fazer, em geral, três refeições por dia: café da manhã, almoço e jantar, sendo que a maioria não tem o hábito de comer entre essas refeições. que mantém a tradição, mas, ao mesmo tempo, encontra-se na vanguarda do desenvolvimento econômico e cultural do país. Segundo Strobel et al. (2005), cerca de 70% dos curitibanos têm o hábito de almoçar em restaurantes pelo menos um final de semana por mês, com destaque para 12% que frequentam restaurantes todos os finais de semana (sábados e domingos). Os restaurantes preferidos são as churrascarias (56%) e os italianos (22%). Ainda, conforme os estudiosos, a preocupação com a alimentação é algo que faz parte do cotidiano das pessoas, que costumam fazer, em geral, três fora dessas aglomerações. Essas vantagens eram derivadas da maior capacidade de inovação e das economias geradas em equipamentos e mão de obra. A partir daquele momento, as aglomerações passaram a ser caracterizadas pelo grande fluxo de conhecimento, intensa especialização de mão de obra e existência de uma rede de indústrias subsidiárias e de maquinário especializado (MARSHALL, 1920). refeições por dia: café da manhã, almoço e jantar, No século XX, Porter (1998) vai além e sendo que a maioria não tem o hábito de comer passa a apontar os benefícios das aglomerações, entre essas refeições. enfatizando o potencial de aumento da produtividade e a taxa de inovação das firmas nelas instaladas, levando à expansão e à formação 2.1 Polos de Atividades: Conceitos e Considerações de novas empresas que reforçam a inovação e ampliam o aglomerado (PORTER, 1998). Na mesma obra, o autor definiu os aglomerados como um agrupamento geograficamente concentrado A 168 busca pela aproximação geográfica de empresas inter-relacionadas e instituições entre empresas do mesmo ramo de atividade traz correlatas numa determinada área, vinculadas benefícios já bastante estudados desde o século por elementos comuns e complementares, o XIX. Quando Marshall (1920) estabeleceu a relação autor incluiu ainda, em sua definição, empresas entre aglomeração geográfica de empresas e de produtos ou serviços finais, fornecedores desempenho, observou que firmas concentradas e empresas clientes na cadeia de produção, desfrutavam de vantagens em relação àquelas conforme o grau de sofisticação e profundidade do aglomerado. No entanto, a importância de se vantagens que se pode obter da aglomeração. estudar a economia por meio deste enfoque é Pode-se justificar o processo de desenvolvimento devido ao fato de que os aglomerados se alinham dos aglomerados por meio dos estudos de Porter melhor com a natureza da competição e com as (1998), que comenta ser mais facilmente previsível fontes da vantagem competitiva. Assim, enquanto seu desenvolvimento do que a determinação dos Marshall enfatizava como principal benefício da fatores do seu surgimento, pois se assemelha a uma aglomeração o aumento da produtividade, Porter reação em cadeia, induzida pela rivalidade saudável acrescenta ainda a inovação e o crescimento al- e das iniciativas empreendedoras. Ou seja, é cançado com- importante compreender que o APL se desenvolve partilhamento de infraestruturas e apoio institu- dentro de um contexto dinâmico de cooperação cional entre empresas dos aglomerados. em contraste com a competição. Por exemplo, no pelo intercâmbio, cooperação, Imbuzeiro e Lustosa (2010) afirmam que o diferencial competitivo é construído ao longo de cadeias produtivas, que são integradas tanto setorialmente como espacialmente e que podem ser denominadas de diversas formas (arranjos caso da Originale Cucina, ao mesmo tempo em que um empreendimento se beneficia do movimento de pessoas gerado pelos concorrentes vizinhos, também se estabelece a luta pela conquista da preferência destes potenciais clientes. produtivos locais, clusters, aglomerados produtivos, distritos industriais), porém expressando o mesmo fenômeno. Para os autores, não há mais sentido em 2.2 Estratégias de Competição se desvincular localidades de setores produtivos e dividi-los, de forma estanque, em industrial, agrícola e comercial. E que, apesar da globalização, não existem evidências do declínio de identidades locais, o que favoreceria o surgimento de novos polos. O acirramento da concorrência e a competição por um espaço no mercado têm forçado as organizações a definirem estratégias com vistas a capacitarem-se para suportar, ou mesmo Em Curitiba, verifica-se a consolidação de superar, as novas e crescentes demandas do várias aglomerações, a partir daqui denominadas ambiente em que estão inseridas. Neste sentido, Arranjos Produtivos Locais (APLs), como o co- a essência da formulação estratégica consiste em mércio de veículos na Avenida Mário Tourinho nos enfrentar a competição em que, segundo Porter bairros Batel e Campina do Siqueira e também na (1998), cinco forças básicas compõem o estado Avenida Marechal Floriano Peixoto, no bairro Vila de competição em um setor. Neste estudo, dadas Hauer; comércio de tecidos, no bairro Vila Hauer; as características observadas na aglomeração sapatos na Rua Teffé, no bairro Centro Cívico; móveis onde se situa a Originale Cucina, serão focadas as na Al. Dr. Carlos de Carvalho, no bairro Batel, entre ameaças de novos entrantes e as manobras pelo outros. Uma forte característica desses APLs, é o posicionamento entre os atuais concorrentes. surgimento deles por meio da casualidade, onde, após a instalação das primeiras empresas comuns ao setor, ocorre uma simples imitação da estratégia das pioneiras pelas outras empresas, que vêm a se instalarem nas proximidades. Diferentemente de APLs, que são estimulados pelo poder público, essa geração espontânea se dá em função das Rev. FA E , C uritiba, Devido ao seu relativo baixo custo de instalação e exigência de capital, necessidade de escala de produção mediana, fácil acesso a fornecedores e canais de distribuição e facilidade em se estabelecer estratégias de diferenciação de produtos, o setor gastronômico apresentaria uma fraca barreira a novos entrantes. Apenas v. 17, n. 1, p. 162 - 179, jan./jun. 2014 169 exigências legais, como alvarás, aprovação de simultaneamente pelos seus concorrentes atuais projetos pela prefeitura, corpo de bombeiros e ou potenciais. Por ser facilmente duplicada, essa Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) não é uma vantagem competitiva sustentada, são fatores operacionais dificultantes à entrada de mas tão somente uma estratégia de imitação ou novos concorrentes. substituibilidade, pois concorrentes ou poten- A disputa entre concorrentes, por meio de campanhas publicitárias, competição por preços e diferenciação por produtos e serviços é uniformi- ciais entrantes podem programar as mesmas estratégias, mas de uma maneira diferente ao utilizar diferentes recursos. zada mediante nivelamento entre os concorrentes, Também, na abordagem das capacidades verificado no aglomerado gastronômico do bairro dinâmicas, cujos estudos conduzidos por Teece; Cabral. A instalação de alguns restaurantes dife- Pisano; Schuen (1997) indicam a replicabilidade renciados, como o restaurante Madero Burger & e imitabilidade de um processo organizacional, Grill e a Pizzaria Mercearia Bresser, trouxe à região somente serão comportados como vantagem um novo padrão de cardápio e atendimento, até competitiva se essas estiverem formadas por um então predominantemente dominado por pizza- conjunto de rotinas, capacidades e ativos com- -rias, lanchonetes e serviços de entrega rápida. plementares difíceis de imitar. Entende-se aqui Dentro deste cenário, a vantagem com- replicabilidade e imitabilidade como fenômenos petitiva pela visão baseada em recursos examina que determinam o quão rapidamente uma compe- a ligação entre as características internas da tência ou uma capacidade pode ser copiada pelos empresa e seu desempenho (BARNEY, 1991). competidores (TEECE; PISANO; SCHUEN, 1997). Segundo esse pesquisador, a empresa apresenta vantagem competitiva ao adotar uma estratégia de criação de valor que não está sendo implementada 2.3 A Gastronomia Local em Curitiba Curitiba caracteriza-se por apresentar duas grandes concentrações de estabelecimentos de A empresa apresenta dor Franco (mais conhecida como “Avenida das vantagem competitiva ao Torres”), que interliga a cidade ao município de adotar uma estratégia de internacional Afonso Pena), onde se localizam di- criação de valor que não está sendo implementada São José dos Pinhais (localização do aeroporto versas churrascarias que servem rodízio de carnes e também massas. Outra localidade gastronômica de Curitiba é o famoso bairro de Santa Felicidade, que, por sua vez, concentra a culinária italia- simultaneamente pelos na. Além dessas duas rotas gastronômicas, preva- seus concorrentes atuais ou espalhados pela cidade, como as imediações da potenciais. 170 alimentação: uma situada na Avenida Comenda- lecem os pequenos e médios nichos culinários Praça Espanha, os bairros Cabral, Juvevê e Batel, o Largo da Ordem e a Avenida Batel, com seus bares, e os shoppings centers, que, além de suas praças em faturamento como em imagem) dentro deste de alimentação, agora também oferecem espaços contexto de uma forte concorrência e das mudanças diferenciados e a presença de “grifes” gastronômi- do cenário macroeconômico sobre os hábitos de cas locais, tais como Madero, Bistrô do Victor e La consumo alimentares da população curitibana, Pasta Gialla, entre outras. sempre tão tradicionalista, crítica e exigente. 2.4 O Bairro Cabral: um Novo Polo Gastronômico? 2.5 Perfil do Empreendedor Abrigo do foco deste estudo de caso, o bairro Cabral vem apresentando um expressivo crescimento no número de estabelecimentos deste setor, o que levou os proprietários a reposicionarem estrategicamente seu negócio de acordo com as novas características da concorrência e dos consumidores que frequentam a região, que passou a atrair não apenas os moradores locais, mas também clientes de outras localidades da cidade e inclusive dos municípios-satélite que compõem a região da grande Curitiba, tais como Colombo, Almirante Tamandaré e Araucária, entre outros. Exemplo claro deste crescimento é a diversificação de casas que se estabeleceram no bairro tais como Subway e Au Au (sanduíches), Mercearia Bresser e Atolinni (pizzarias), Madero (hamburgueria), Wikimaki e Saikoo (comida japonesa), Yogufast e Freddo (iogurteria e sorveteria) etc. Para entender a evolução do desen- volvimento da Originale Cucina e Pizzeria, é necessário compreender um pouco da trajetória do seu empreendedor, Luiz Ricardo Iwersen. Após concluir seu Bacharelado em Administração de Empresas em 1998, Iwersen começa a atuar como Gerente de Negócios Corporativos em uma instituição bancária em Curitiba, atendendo o mercado de pequenas e médias empresas. Por meio desta experiência, fez contatos com empresários de diversos segmentos, como varejo, automobilístico e farmacêutico. Em função do porte dessas organizações, o profissional começa a entender a dinâmica de um negócio deste porte, muitas vezes regional e até familiar, principalmente devido ao contato com os proprietários, o que lhe proporciona uma visão geral dos empreendimentos. Em função desse conhecimento, sai do banco e começa a atuar na empresa de transportes de Além disso, a abertura de diversos esta- valores de sua família, trabalhando na transferência belecimentos voltados à alimentação em bairros de uma nova tecnologia norte-americana para contíguos ao Cabral também influem na atração de confecção de coletes à prova constituídos por clientes para esta região da cidade, anteriormente uma malha de kevlar trançado. Assim, iniciou um não tão associada à gastronomia curitibana. Como intercâmbio de informações com empresas dos exemplo, pode-se citar também os bairros do Alto Estados Unidos que resultou em uma estadia de da XV, Alto da Glória e Juvevê, com casas como um ano estudando na Universidade da Califórnia, Beto Batata, Cantina do Délio, Baggio, Abaré, em San Diego, para consolidar seu conhecimento Vindouro, Fornão, do idioma inglês e também da cultura de negócios Jacobina, Capitu, Paraguassu, Menina Zen e Cana americana. Nesse período, é feita uma proposta Benta, entre outros O principal desafio, então, para de um grupo para a aquisição da empresa de sua um player já estabelecido e posicionado na região, é família, que é aceita. Ao retornar ao Brasil, Iwersen como continuar sendo competitivo e crescer (tanto é contatado por um possível parceiro para analisar Rev. Mangiare FA E , Felice, C uritiba, Yoguland, v. 17, n. 1, p. 162 - 179, jan./jun. 2014 171 em conjunto a viabilidade da abertura de um novo empreendimento, desta vez no segmento de alimentação. 2.6 Originale Cucina e Pizzeria: um Pouco de História 3 Metodologia de Pesquisa 3.1 Caracterização da Pesquisa Pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a A Originale Cucina e Pizzeria, citada a descrição das características de determinada população partir deste momento como somente Originale, ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações foi inaugurada em 2002 como uma nova unidade entre variáveis. Algumas pesquisas descritivas vão além da Luiz da simples identificação da existência de relações entre Ricardo Iwersen e Mário Niclevicz, a partir de as variáveis, e pretendem determinar a natureza dessa Pizzaria Di Piu, pelos empresários uma análise geográfica de regiões com potencial de absorver serviços de alimentação. O grupo Di Piu já possuía duas outras unidades nas ruas relação. Nesse caso, tem-se uma pesquisa descritiva que se aproxima da explicativa. Há, porém, pesquisas que, embora definidas como descritivas com base em seus objetivos, acabam servindo mais para proporcionar Padre Anchieta e Princesa Isabel, e procurava há uma nova visão do problema, o que as aproxima das mais de um ano um local para abrir uma unidade pesquisas exploratórias (GIL, 2002, p. 42). na região do Cabral, já antecipando o possível forte potencial de consumo para alimentação do bairro. Porém, não havia disponibilidade de bons imóveis comerciais para aluguel ou compra. Nesta época, os poucos e principais estabelecimentos do segmento estabelecidos na região eram McDonald’s, Pizza Hut e Di Frango. O ponto que finalmente surgiu e foi escolhido, se trata de uma casa na Avenida Munhoz da Rocha, 665, tendo como fortes diferenciais iniciais de atuação o Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, cuja estratégia é de estudo de caso único de natureza descritivo-analítica (YIN, 2005). A proposta é investigar as estratégias de reposicionamento de uma empresa do setor gastronômico do bairro Cabral de Curitiba, para fazer frente ao crescente incremento no empreendedorismo do segmento, à expansão do setor e ao acirramento da concorrência. ambiente discreto e introspectivo, a capacidade original para atender 70 pessoas sentadas em 3.2 População e Amostra quatro salas e possuir estacionamento interno para cerca de 10 veículos. Em 2006, ocorre uma 172 divisão amigável da sociedade, apenas em função A população seria, de modo geral, a totalidade de divergências conceituais sobre a estratégia de de restaurantes e casas voltadas para o segmento de atuação do negócio, sendo que a partir daí Mário alimentação da cidade de Curitiba. Para uma maior Niclevicz prossegue com o nome e com as demais delimitação, poderia se dizer que seria o grupo de unidades Di Piu (que também ainda se encontram restaurantes franco-italianos e pizzarias da cidade. em atividade) e Luiz Iwersen fica com a direção A amostra escolhida foi o restaurante Originale, que da unidade Cabral, que é então rebatizada com o possui uma única unidade, no bairro do Cabral. A nome de Originale Cucina e Pizzeria. amostra foi escolhida de forma não probabilística e por meio do critério de conveniência, por possuir folders, embalagens de viagem e o site da empresa. o perfil ideal para a análise e por fornecer de forma ampla e irrestrita o acesso às informações relativas à sua atuação, mesmo aquelas consideradas de cunho mais sigiloso e estratégico. Finalizando as formas de coleta de dados, chegou-se às entrevistas, que são, de acordo com Gil (2009, p. 63), a mais importante técnica no sentido de obter informações acerca do que os sujeitos da investigação sabem, acreditam, esperam, imaginam, planejam, agem ou intencionam. Sendo 3.3 Coleta e Tratamento de Dados bem conduzida, a entrevista pode até desvendar aspectos inconscientes determinantes do compor- Os dados para a elaboração do estudo foram coletados por meio de três métodos complementares: observação, documentação e entrevista. A observação, segundo Gil (2009, p. 72), no tamento humano. No presente estudo, optou-se por realizar duas entrevistas em profundidade e semiestruturadas com o proprietário da empresa, Luiz Ricardo Iwersen, com tempo total de cerca de quatro horas de duração. contexto do presente estudo, pode ser classificada como espontânea, informal e não planificada, ao se combinar os teores exploratório e descritivo do tema. Este formato se mostra de grande utilidade ao promover a aproximação dos pesquisadores 4 Análise: Reposicionamento da Originale Cucina e Pizzeria com o fenômeno pesquisado, permitindo que eles obtenham uma compreensão mais precisa do problema e de suas implicações. Procurou-se aqui se atentar aos sujeitos (quem e quais são os participantes e como se relacionam entre si), ao 4.1 Reposicionamento Estratégico cenário (onde tudo se situa e suas características) e ao comportamento social (papéis e condutas desempenhados). Esta observação aconteceu na forma de visitas à Originale e ao acompanhamento de seu funcionamento durante um período de aproximadamente uma semana. O reposicionamento estratégico da Originale, iniciado com a separação da sociedade do Grupo Di Piu, em 2006, e que se encontra em andamento até o presente momento, envolveu basicamente os seguintes grandes itens relacionados Já a análise de documentação foi de grande à atuação do estabelecimento: comunicação, es- importância para aumentar o grau de conhecimento trutura, atendimento, cardápio e precificação, além sobre de outros diferenciais menores, que serão devida e a empresa, seus métodos, processos, estrutura, atuação e características, além da forma especificamente abordados a seguir. como se deu o seu efetivo reposicionamento e quais foram seus impactos. A documentação da Originale também ajudou na complementação das 4.2 Comunicação informações obtidas mediante as outras formas de coleta de dados, auxiliando a corroborar fatos A reformulação da comunicação da Originale e a suscitar novas ideias e conceitos no processo teve origem a partir da própria constituição no novo analítico. Os tipos de documentos analisados foram nome. A opção por Originale para suceder Di Piu cardápios, cartas de vinhos, anúncios publicitários, deve-se a uma questão anterior de disputa do nome Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 162 - 179, jan./jun. 2014 173 Di Piu e que havia feito o grupo começar a assinar ir aonde originalmente pretendiam. Apesar disso, suas casas como “Di Piu. La Originale”, para evitar um dos focos de comunicação da casa é tornar seu confusões associativas. Com a cisão societária, a nome cada vez mais forte e reconhecido na região, unidade Cabral adotou apenas o nome “Originale”, como se verá a seguir. que acabaria posteriormente sendo adaptado e expandido para “Originale Cucina e Pizzeria”. Com relação a essa concorrência, o aspecto de polo gastronômico privilegia sobremaneira Para manter a sinergia e essência do trabalho a Originale, ao atrair clientes que tenderiam de construção de marca e identidade que a Di Piu originalmente a se dirigir a outras regiões como já havia realizado no Cabral durante os quatro Batel e Santa Felicidade e, ao mesmo tempo, o anos de atuação, optou-se por conservar as cores posicionamento da casa é não conflitar com esta verde e vermelho na constituição da nova marca e nova concorrência, o que será comentado em mais na comunicação da nova casa Originale, de forma detalhes no item “Cardápio e Precificação”. que o apelo aos clientes tradicionais da casa fosse mantido, ao mesmo tempo que apontava uma nova direção em sua atuação. Com relação à comunicação interna, foi reelaborada toda a parte visual de cardápios e uma nova carta de vinhos, além de parcerias com fornecedores e demais empresas para apoio à produção de embalagens de pizza e jogos americanos descartáveis das mesas. Buscou-se uma comunicação mais leve, sutil e refinada, já que o principal público é um que espera passar momentos agradáveis enquanto saboreia um bom prato e degusta uma A internet também se mostrou um importante aspecto de ajuda ao reposicionamento da Originale, por constituir um site refinado, direto e agradável e com inovações, como a possibilidade de se realizar o pedido on-line. Por fim, a respeito da comunicação, é muito interessante salientar que o principal veículo de comunicação da Originale é a recomendação pessoal, o popular “boca a boca”, fato que ocorre até pela limitação física imposta por dispor de apenas uma unidade. excelente bebida, por exemplo, casais das classes A-, B e C+. 4.3 Estrutura Já para a comunicação externa, iniciou-se com anúncios em revistas regionais e nacionais A estrutura física da Originale era inicialmente especializadas em gastronomia e entretenimento, constituída de 70 lugares (sentados) para aten- além de anúncios com chamadas em rádios locais e dimento em mesas dispostas em quatro salas. O da colocação de backlight e sinalização exterior no aumento da demanda e da busca por se jantar imóvel. Ultimamente, o foco neste tipo de comuni- fora de casa no novo polo gastronômico do Cabral cação não tem sido muito forte, até porque os no- impulsionou o investimento para a construção vos e fortes concorrentes que chegaram ao bairro, de uma nova sala com mais 20 lugares, para tais como Madero e Bresser, tendem a investir pesa- aproveitar o ganho em escala, além do aumento damente em mídia, atraindo tal demanda de clien- do ticket médio por cliente7. O salão (conjunto das tes que, por vezes, não conseguem absorver e que salas) é considerado como o “cartão de visitas” da acabam conhecendo a Originale, por não poderem Originale, sendo que quem conhece os produtos na 7 174 Total do faturamento com refeições e bebidas, dividido pela quantidade de clientes, mensal. Representa o gasto unitário médio de cada cliente. casa acaba posteriormente também pedindo pelo necessitando de praticamente uma nova equipe delivery. A decoração foi realizada com paredes de atendimento e uma de cozinha. de vidro e placas decorativas de bebidas, criando um clima simultaneamente intimista, acolhedor e nostálgico. Uma parede viva (paisagismo vertical) 4.5 Cardápio e Precificação foi elaborada junto à nova área (inspirada na arquitetura do restaurante paulistano Kaa), para trazer um toque de natureza, rusticidade e beleza A Originale realizou seu reposicionamento ao novo espaço. Aquecedores a gás e iluminação neste aspecto ao migrar da posição de ser uma incidental ajudaram a complementar a expansão. simples provedora de fast food (basicamente pizzaria Ambientações especiais também são planejadas com entregas em domicílio) para rumar a ser um e elaboradas pela casa em datas especiais, como restaurante e cantina de teor franco-italiano. A origem balões vermelhos em forma de coração no Dia dos da Di Piu, que iniciou suas atividades anteriormente Namorados, por exemplo. ao governo do Presidente Lula, enxergava na competição de preço um forte elemento de seu posicionamento, apesar de não ter ofertado um preço 4.4 Atendimento de entrada no mercado, e sim, ter tentado se colocar como uma empresa de qualidade ligeiramente superior aos demais concorrentes, focado em O atendimento da Originale é dividido em vários pontos de vendas e ganhos de escala. Essa basicamente quatro canais diferentes: balcão foi a principal razão da separação da sociedade e o (para pedidos no local), delivery (entrega em motor do reposicionamento da Originale, buscando domicílio), salão (conjunto das quatro salas) e site. se posicionar mais como restaurante, e com um Balcão e delivery não tiveram grandes alterações subsequente valor maior de ticket médio por cliente. estruturais e de funcionamento em relação ao O boom dos cursos de chef de cozinha e o interesse início das atividades do restaurante, e as inovações pelo tema gastronomia também funcionaram para relativas ao site já foram comentadas. No canal dar propulsão à busca deste objetivo. Surge uma salão, além das mudanças físicas já citadas, há visão de busca pela perenidade no exigente mercado também a qualidade técnica dos garçons, pois eles curitibano, ao se pretender seguir o modelo de casas são estimulados a realizar cursos e treinamentos altamente tradicionais da cidade como Scavollo, de capacitação e desenvolvimento, como vinhos, Pamphylia e Spaghetto, por meio da oferta da águas especiais e barman, por exemplo. maior qualidade pelo menor preço possível (melhor Outro ponto forte de diferenciação da Originale em relação à concorrência é o seu foco na constituição de equipes qualificadas e com longevidade, sendo que o pagamento de salários acima da média de mercado atrai e retém bons custo-benefício). Outro benchmark importante a ser citado é o Restaurante Ráscal, de São Paulo, que busca proporcionar a aproximação entre a cozinha e o cliente para uma maior integração e satisfação gastronômica. profissionais, bastando citar que, atualmente, o O cardápio evoluiu para abranger pratos tais funcionário mais recente foi admitido há dois anos. como carnes, aves e peixes, além de massas mais O reposicionamento da Originale fez que a equipe elaboradas do que as simples pizzas, lasanhas e da casa aumentasse em 30%, principalmente nhoques anteriormente ofertados. Foi estabelecida devido ao almoço à la carte que foi instituído, uma nova metodologia de busca de padronização e Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 162 - 179, jan./jun. 2014 175 excelência dos pratos ofertados, e foram elaboradas casa, a partir da adoção e oferta de vinhos espe- pesquisas de satisfação do consumidor para apoiar ciais nacionais. A ideia surgiu a partir de uma visi- na consolidação deste processo. Outro ponto ta dos proprietários a vinícolas da Serra Gaúcha, decisivo para a escolha dessa oferta de pratos mais onde constataram a altíssima qualidade de certos elaborados foi pautada no fato da casa utilizar produtores, cujos vinhos de tipo exportação são garçons em vez de atendentes, que possuem mais praticamente desconhecidos em Curitiba. Isto au- técnica ao servir, o que poderia ser explorado ao se xilia na criação de cultura gastronômica no clien- buscar ofertar mais opções ao cliente Originale e, te e no ganho de imagem da empresa, pois seria simultaneamente, obter um maior ticket médio por mais fácil e lucrativo apostar em vinhos chilenos e cliente. O posicionamento mais elaborado também argentinos populares, mas a Originale optou por exigiu sacrifícios, como a extinção de panfletagens até sacrificar parte de sua receita em nome do seu locais e também de promoções antigas de pontos posicionamento desejado. O fato de a expansão cumulativos (para troca por pizzas ou refrigerantes de cardápio também apresentar carnes, aves e gratuitos) e de indicações de porteiros de prédios da massas diferenciadas também auxiliou nesta con- região, sendo que as únicas promoções que ocorrem solidação do vinho nacional de qualidade como são mais refinadas, como a de segunda-feira, com diferencial de pioneirismo no segmento na cidade. vinho à luz de velas (focando casais) e de terça-feira, com pedido especial de pizza (uma gigante ou duas Outro diferencial desenvolvido foi a criação grandes) dando direito a uma sobremesa gratuita, do cardápio vegan (completamente vegetariano, visando fortalecer o movimento nestes dias. O fator sem a utilização de nenhuma substância animal, tais preço foi outro que se beneficiou da vinda dos novos como ovos e leite), tendência de mercado em busca concorrentes à região, uma vez que o alto nível deles de vida mais saudável e da redução do consumo de valorizou a importância do produto da Originale, que carne. Os cinco pratos desenvolvidos neste sistema pode ser considerado relativamente mais barato do atraíram uma clientela específica de pessoas volta- que os dos concorrentes como Bresser, Abaré, Baggio das para o consumo vegetariano, e chegou a con- e até mesmo da Di Piu, apesar de não apresentar templar uma menção em uma conceituada revista uma qualidade inferior a eles em termos de opções, de gastronomia como referência nesta área, sendo ingredientes e sabor. A inserção de pratos à la o único restaurante franco-italiano a apresentar tal carte se mostrou uma decisão acertada, já que hoje tipo de opção para seus clientes na cidade. responde por 30% do faturamento total da empresa, contra 70% da pizzaria, que ainda permanece sendo o carro-chefe do empreendimento. Prosseguindo na busca de diferenciais criativos, a Originale também desenvolveu uma oferta de diversas cervejas especiais, tais como Paulaner, Erdinger e Murphy’s, entre outras (mais uma tendência 4.6 Demais Diferenciais atual do mercado gourmet) para harmonizar com seus pratos, e está iniciando também a comercializa- Um dos pilares da estratégia de reposicionamento da Originale está, de certa forma, pautada no seu próprio nome: a busca em ser original para impressionar o seu cliente. Além dos pontos 176 ção de águas minerais premium, tais como San Pellegrino, Acqua Panna e Perrier, outra nova tendência. Café expresso e biscoitos artesanais também são ofertados aos clientes após as refeições. já citados nos outros itens, certos aspectos tam- E, finalizando o desenvolvimento de dife- bém merecem ser destacados. O primeiro deles renciais originais, no momento, está se institucio- é a completa reelaboração da carta de vinhos da nalizando a disponibilização para seu público de um de drinks especiais como Manhattan, Sex On nefícios de sua refinada concorrência, sem incorrer The Beach etc., no lugar de bebidas tradicionais, no erro de querer disputar posição, o que poderia ar- também focando no aumento do valor médio con- ranhar sua imagem e performance. Ao absorver a de- sumido na casa. manda não trabalhada por seus vizinhos, a Originale também começa a criar novos clientes, atualmente Considerações Finais, Limitações e Recomendações de todas as partes da grande Curitiba. E também cria clientes cativos, ao prestar atenção a detalhes, por exemplo, e trabalhar para desenvolver diferenciais únicos e criativos. A busca por um aumento do O presente sucesso da Originale e sua longevidade em um mercado onde o índice de mortalidade de novas empresas é tão alto são indicativos do acerto na sua política de reposicionamento. As divergências de visões que originaram a separação societária que implicou na criação da Originale refletem a primeira constatação e recomendação oriunda do presente estudo: em certo momento, houve uma ticket médio por cliente (em função de suas limitações físicas) impulsionou a imagem da empresa, ao também demandar mudanças significativas em processos e produtos, assim a percepção dos clientes acompanhou a evolução do novo posicionamento, fato que, também a título de recomendação, poderia se buscar comprovar via pesquisas. bifurcação de caminhos empresariais, em que um Ao investir cada vez menos em mídias lado optou pelo posicionamento original mais volta- tradicionais, a Originale parece estar na contramão do à atuação como fast food e pizzaria, orientada de seu principal objetivo no momento, que é tornar ao atendimento de massa via delivery, com vistas ao seu nome cada vez mais forte e reconhecido na ganho em escala (Di Piu) e o outro lado, por sua vez, região. Para isto, o que poderia ser uma boa opção optou por desenvolver um novo posicionamento seria a abertura de uma nova casa ou a criação de mais elaborado, rumando para uma atuação mais diversificada, como um restaurante com mais opções de pratos e com vistas a um ganho incremental sobre o consumo de cada cliente (Originale). um sistema de franquias, por exemplo. Porém, ao optar por permanecer como a empresa que capta os clientes excedentes do polo que se desenvolveu ao seu redor, além de contar com as indicações de A recomendação aqui seria para novos es- seus habitués, aumentar sua clientela não é difícil, tudos que pudessem apontar os benefícios e as ao ofertar bom preço, combinado a qualidade. A desvantagens de cada opção dentro do mercado visão da empresa é que o mercado é dinâmico, curitibano, por exemplo, o que poderia resultar em devendo-se acompanhá-lo, especialmente se já se interessantes análises. Outro ponto conclusivo do sabe qual é a posição pretendida no mesmo e se estudo foi que a Originale soube muito bem admi- deseja consolidá-la. nistrar a questão da mudança proporcionada pela economia nos últimos governos, bem como a ocor- Fechando estas conclusões, vê-se como prin- rida localmente em seu reduto de atuação, fazendo cipal limitação deste estudo de caso a sua dificulda- a casa focar em novos clientes de crescente poder de de validação externa deste estudo de caso, em aquisitivo, mas que valorizam seu dinheiro e estão função das especificidades da empresa, do contexto sempre em busca da melhor relação custo-benefício, e do momento histórico, apesar de que as constata- ao mesmo tempo em que, às vezes, não se sentem ções e ideias aqui aventadas e discutidas possam ser tão à vontade em estabelecimentos considerados de grande utilidade para estabelecimentos similares mais sofisticados. em Curitiba ou outros lugares que também desejem Desta maneira, a Originale busca obter os beRev. FA E , C uritiba, reorientar seu posicionamento estratégico. v. 17, n. 1, p. 162 - 179, jan./jun. 2014 177 Referências AGENCIA CURITIBA DE DESENVOLVIMENTO. Guia do investidor. Curitiba, 2012. Disponível em: <http:// www.agencia.curitiba.pr.gov.br/multimidia/PDF/00000450.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2014. ALIMENTAÇÃO FORA DO LAR: Números do setor. Disponível em: <http://alimentacaoforadolar.com.br/ numeros-do-setor/>. Acesso em: 22 abr. 2014. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BARES E RESTAURANTES (Abrasel). Com renda maior, brasileiro come mais fora de casa. Notícias. Disponível em: <http://www.abrasel.com.br/index.php/noticias/1725-161012-comrenda-maior-brasileiro-come-mais-fora-de-casa.html>. Acesso em: 22 abr. 2014. BARNEY, J. B. Firm resources and sustained competitive advantage. Journal of Management, New York, v. 17, n. 1, p. 99-120, 1991. BEZERRA, I. N.; SICHIERI, R. Características e gastos com alimentação fora do domicílio no Brasil. 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Apesar de existirem divergências com relação à própria conceituação da expressão “valor do cliente”, o conhecimento de quanto cada um deles efetivamente vale para uma empresa pode ser uma poderosa ferramenta na definição das estratégias empresariais. A relevante importância social e o acelerado crescimento do segmento de telefonia celular no Brasil nos últimos anos o elegem como importante campo de estudos para este tema. Para isto, o que se procurou neste estudo foi investigar se haveria uma correlação estatística entre o aumento da base total de assinantes de duas das maiores operadoras do país, Vivo e TIM, e seus respectivos valores acionários e de mercado, no período compreendido entre 2006 e 2010. Também se procurou criar índices preditivos a partir das possíveis correlações, através de cálculos de regressão linear. As correlações foram verificadas, porém de forma intensa e positiva para a Vivo, enquanto que de forma mais suave e negativa para a TIM, o que leva à conclusão de que efetivamente existe relação entre as variáveis, mas outros fatores estratégicos também contribuem de forma significativa para aumentar o valor de uma operadora, além do crescimento de sua base de clientes. Palavras-chave: Marketing. Valor. Cliente. Telefonia Celular. Abstract What is the real value of a customer? Although there are even divergences about the real concept of “customer value”, the knowledge of how much each one is worth for a company may be a powerful tool in the definition of organization strategies. The relevant social importance and the fast growth of the cellular telephony segment in Brazil during the last years elect it as the perfect field study for this theme. For this, what this study wanted was to investigate if there would be a statistic correlation between the raise of the total customer basis of two of the country´s largest operators, Vivo and TIM, and their respective actions and market values, during the period comprehended between 2006 and 2010. It was also the intent here to try to create predictive indices from these possible correlations, through linear regression analysis techniques. The correlations were verified, but in an intense and positive form for Vivo, while in a negative and softer way for TIM, which leads to the conclusion that, although there are effective relations between the variables, other strategic factors also contribute in a significant way to raise the value of a telephony company, besides the growth of its base of customers. Keywords: Marketing. Value. Customer. Mobile Telephony. 1 2 3 4 Doutora em Administração pela UFPR. Professora adjunta do PPAD – PUCPR. E-mail: [email protected]. Doutor em Administração pela USP. Professor adjunto do PPAD – PUCPR. E-mail: [email protected]. Mestre em Administração pela PUCPR. Consultor empresarial especializado em Marketing, Comunicação, Planejamento Estratégico e Desenvolvimento de Negócios. E-mail: [email protected]. Doutor em Engenharia de Produção pela UFSC. Professor titular do PPAD – PUCPR. E-mail: [email protected]. Rev. FAE, Cu r it iba, v. 17, n. 1, p. 180 - 197, jan./jun. 2014 181 Introdução Clancy e Shulman (1994) iniciam seu livro para cada grupo de 100 habitantes), superando Mitos do marketing que estão matando seus ne- até mesmo os Estados Unidos (com 102 celulares gócios com um divertido cartum em que um men- para cada 100 habitantes), de acordo com os digo, em um banco de praça, diz a outro que “ia dados muito bem – um bom escritório, carro da empre- Intelligence (divulgados pelo portal especializado sa, sala de refeições executiva – quando eles atre- em telecomunicações IDG Now!), demonstrando laram meu salário ao retorno que eu conseguiria que o país é efetivamente um dos maiores (e mais para o orçamento de marketing”. Os autores con- desejados) mercados mundiais do setor. cluem sua obra afirmando que mais da metade dos gerentes indagados por pesquisas recentes não acreditam que a maioria dos programas de marketing produza retorno sobre investimentos. Os motivos seriam a errada opção por mitos, palpites e esperanças, porque o marketing é muito consultoria internacional Wireless Tais fatos demonstram que esta ferrenha competição apenas tenderá a se acirrar, pois as operadoras agora terão que tirar clientes de suas concorrentes, já que o mercado está se tornando cada vez mais escasso e disputado. mais ciência do que arte, existindo atualmente Diferentemente de outras conceituações cada vez mais dados e instrumentos que possibili- que definem o valor do cliente como a soma tam aumentar drasticamente a taxa de sucesso de do que ele pode gastar com uma empresa, esta uma empresa. E um dos mistérios relativos a este análise procura relacionar diretamente, e de sucesso seria: quanto realmente vale um cliente? forma estatística, o quanto a entrada de um novo Esta deve ser uma das perguntas mais importantes cliente afeta o valor de mercado percebido desta do marketing e, simultaneamente, também uma empresa, bem como quais seriam as tendências das mais difíceis de responder, pois este conhe- estatísticas de crescimento ou redução das bases cimento pode representar toda a diferença entre de clientes e valores de mercado das principais perdurar ou perecer para uma empresa. Mesmo operadoras do país para os próximos períodos. assim, as organizações operam com diferentes in- Em busca destas respostas, foram analisadas as dicadores, avaliações e índices, muitas vezes até evoluções das bases de clientes e dos resultados sem qualquer cientificidade ou critério racional, na Bolsa de Valores e de valor de mercado das tentando sempre estimar o potencial valor de um operadoras Vivo e TIM, no período compreendido cliente para sua operação, para poder estabelecer entre 2006 e 2010. suas estratégias. 182 da Em termos teóricos, a mensuração é um dos O mercado brasileiro de telefonia celular grandes aliados dos administradores na moderna constitui um excelente campo de estudos para tomada de decisão. Farris et al. (2007) enfatizam este tema. A forte competitividade, que se que, provavelmente, nenhuma métrica é perfeita, traduz na busca dos clientes, tem se acentuado recomendando que os profissionais de marketing cada vez mais a partir da formação de grandes utilizem “painéis” de métricas combinadas, poden- grupos de telecomunicações móveis, com bases do visualizar de forma mais ampla as dinâmicas de consolidadas de milhões de clientes. Além disso, mercado e utilizando uma medição para verificar as recentemente, o Brasil rompeu a barreira de 100% outras, minimizando os possíveis erros cometidos e de penetração de telefonia celular (mais de um maximizando a precisão de seu conhecimento. Por- aparelho celular por habitante, com 107 telefones tanto, quanto mais apurada for a métrica com que uma empresa consiga avaliar a representatividade real de um cliente frente ao seu empreendimento, mais confortável, segura e embasada tenderá a ser a tomada de decisão de seus administradores. Um dos maiores problemas em uma sociedade moderna resulta do fato de que muitos dos conceitos que medem o estado de assuntos importantes ou são conceitos inventados e longe da intuição ou são tratados por ferramentas estatísticas complexas e igualmente discrepantes da intuição e do senso comum. (CASTRO, 2006, p. 118) O aumento da base de clientes é essencial para o desenvolvimento das operadoras por permitir o aumento de suas receitas totais e ganhos de escala na manutenção de Em termos práticos, o aumento da base de suas bases. clientes é essencial para o desenvolvimento das operadoras por permitir o aumento de suas receitas totais e ganhos de escala na manutenção de suas bases (ao dividir os custos de atendimento, por exemplo). Também por reforçar o apelo publicitário e de comunicação, pois atua na percepção de qualidade dos seus prospects e pode influenciá- 2004, sendo que, em 2009, 78,5% dos domicílios los, ao divulgar quantas pessoas estão optando possuíam aparelho celular, contra apenas 43,1% pelos seus serviços, por exemplo. Acrescida a com telefone fixo. Além disso, não podemos es- estas possibilidades, a criação de um indicador quecer o enorme benefício que o telefone celular que relacionasse o quanto a entrada de um novo pode representar às camadas menos favorecidas cliente reflete diretamente no valor de mercado da população, pois, em 2009, entre os domicílios da empresa se mostra interessante por simplificar com renda inferior a dez salários mínimos, 76,6% e facilitar as análises gerenciais sobre o retorno de possuíam telefone celular e somente 38,3%, te- seus investimentos. lefones fixos. Este fator se deve provavelmente Constata-se também que a telefonia celular é extremamente importante para o Brasil por ser a principal responsável pelo desenvolvimento das telecomunicações na última década, principalmente em função da forte concorrência que se estabeleceu no segmento. Em quinze anos de à atratividade do sistema pré-pago da telefonia celular para as famílias de menor renda, além dos incomensuráveis benefícios agregados ao serviço como mobilidade, serviços de dados, internet móvel e recursos dos aparelhos (fotografias, vídeo, música, music players etc.). presença no Brasil, a partir do início da década de Analisando o quadro competitivo das ope- 1990, o número de telefones celulares ultrapas- radoras celulares no Brasil, fica ainda mais evidente sou o de telefones fixos, representando uma das a importância de se conhecer o valor de seu clien- mais altas taxas de crescimento no mundo. Se- te, em função da distribuição do marketshare no gundo a Pesquisa Nacional de Amostra de Domi- final de 2010, pois 99,7% (202.230.517 usuários) cílios (IBGE – PNAD, 2009), divulgada no site es- do mercado atual estavam em poder de apenas pecializado Teleco, 31% dos domicílios brasileiros quatro operadoras, e com uma distribuição relati- possuíam telefone celular e 51% tinham telefone vamente equilibrada: Vivo (29,7%), Claro (25,4%), fixo em 2001. Este quadro se inverteu a partir de TIM (25,2%) e Oi (19,4%), de acordo com os dados Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 180 - 197, jan./jun. 2014 183 oficiais do site da Agência Nacional de Telecomu- destas colocações, feitas por uma das maiores nicações (Anatel). E com a penetração superando referências mundiais no assunto, verifica-se que é 100%, todas disputam praticamente os mesmos muito importante para a organização de sucesso clientes (variando apenas em função de sua atu- estabelecer parâmetros válidos para avaliar o valor ação geográfica). Desta forma, em um cenário de seu cliente. que tende a se tornar cada vez mais competitivo e difícil, quanto mais informações sobre o valor do cliente se tiver em mãos, mais facilmente os gesto- 2 Valor do Cliente res poderão tomar suas decisões estratégicas. 1 Organizações e Resultados Rust, Zeithaml e Lemon (2001, p. 16) definem valor do cliente de uma empresa como o total dos valores de consumo do cliente ao longo de seu ciclo de consumo, naquela empresa. Os autores pontuam Segundo Kotler (2009), o marketing reali- que este valor, embora não represente o valor zado com qualidade demanda pesquisa cuidadosa total da empresa (que também compreende seus sobre a oportunidade no mercado e a preparação de estimativas financeiras baseadas na estratégia proposta que indiquem se os retornos atenderiam os objetivos financeiros da empresa. O autor aponta que os mercados se caracterizariam por abundância de fornecedores e marcas, existindo uma escassez de clientes, e não de produtos, e afirma que, devido ao esforço de aquisição de novos clientes, as empresas precisam analisar se o Custo de Aquisição do Cliente (CAC), ou seja, o investimento realizado para a conversão daquele cliente será coberto pelos “Lucros no Ciclo de Vida do Cliente” (LCVC), ou seja, o lucro total que aquele mesmo cliente proporcionará à companhia. Outro dado importante citado por Kotler, a partir 184 ativos físicos, suas competências e propriedade intelectual), é o componente mais importante do seu valor total. Isto ocorre porque os clientes existentes são simplesmente a fonte mais certa e confiável de receitas futuras e a administração de seus valores é vital para a tomada de decisões, podendo resultar em significativa vantagem competitiva em seu segmento. Esta é uma era em que profundas mudanças estão acontecendo, de forma cada vez mais rápida e irreversível e com o acelerado desenvolvimento tecnológico, produtos vêm e vão, mas os clientes permanecem. Por isso, a gerência está historicamente mudando seu foco do valor de marca para o valor do cliente de uma pesquisa do Technical Assistance Research (RUST et al., 2001). Isto é importante também Program (TARP), é que o custo incorrido para para compreender o momento de crescimento atrair um novo cliente é cinco vezes maior que o econômico do Brasil, pois as classes econômicas custo para manter um cliente fidelizado, e destaca de menor poder aquisitivo estão tendo acesso a que é necessário para as empresas estimar o custo bens que, anteriormente, encontravam-se fora de da perda dos clientes (KOTLER, 2009). O autor seu alcance de consumo. E as empresas brasileiras acredita que uma empresa não vale mais do que terão que entender e se adaptar rapidamente a o valor vitalício de seus clientes, e que o ideal do esta nova realidade, especialmente aquelas de um marketing é conhecer tão bem seu cliente-alvo mercado tão dinâmico e competitivo quanto o que as barreiras para sua conversão deixassem das telecomunicações móveis, em que cada novo de existir, a ponto de até se poder dispensar o cliente é altamente valioso e, justamente por isso, seu esforço de vendas (KOTLER, 2003). A partir extremamente disputado. QUADRO 1 – Tendências a longo prazo FONTE: Rust et al. (2001) Rust et al. (2001) estabelecem que, neste momento de transição destas tendências, o valor do cliente é dinâmico e para competir no futuro, as 3 Valor do Cliente versus Valor para o Cliente empresas precisam cada vez mais focar em seus clientes, devendo, em conjunto, observar se seus Day (2011) afirma que, de cadeias de valor principais concorrentes também buscam fazer o (fluxo de processos unilateral passando das mesmo. Este mesmo raciocínio de que o foco das empresas para os clientes), atualmente se passa empresas deve passar do interno para o externo a ciclos de valor (processo bilateral de reforço é colocado por Day (2011), pois, em uma era tão contínuo, com as empresas interagindo com os turbulenta e competitiva, somente as organizações clientes, definindo, desenvolvendo e entregando com qualificações superiores para compreender, valor e recebendo seus feedbacks, em uma atrair e reter clientes poderão criar estratégias construção contínua). Colocações como esta para oferecer mais valor aos seus consumidores e, desta maneira, alinhar-se com as mutáveis exigências do mercado. O autor também assinala que estas empresas são as capazes de identificar e alimentar seus clientes valiosos e que não têm ajudam a compreender a relação entre o valor do cliente (o que ele representa para a empresa) e o valor percebido pelo cliente (o que a empresa representa para o cliente), conceitos distintos, porém profundamente interligados e dependentes. A empresa somente perdura se os clientes medo de desencorajar os clientes que drenam acreditarem na proposta de valor da mesma e seus lucros, por sua inconstância e por ser caro consumirem seus produtos e serviços em vez dos demais atendê-los. Estas tendências vêm cada vez da concorrência e eles (os clientes), por sua vez, mais se confirmando, com o aumento do número acabam se constituindo no principal valor (ativo) de promoções diferenciadas pelas operadoras, para a organização. especialmente voltadas aos clientes de maior Gale (1996) define valor do cliente como a consumo de telefonia e serviços móveis agregados qualidade percebida pelo mercado ajustada pelo (os chamados heavy users), inclusive chegando a preço relativo de seu produto, conceituação que realizar ofertas de aparelhos celulares gratuitos, se aproxima daquela do valor percebido pelo desde que condicionados à permanência do cliente cliente, de Day (2011). Esta distinção (e possível na base da operadora por um determinado período. confusão) também foi abordada por Leão e Mello Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 180 - 197, jan./jun. 2014 185 (2008), que enunciam três conceitos de valor associados a clientes: o primeiro é relacionado ao custo e benefício, ou seja, a diferença entre os valores que o cliente obtém (benefícios funcionais e subjetivos) comprando e usando um produto e os custos (dinheiro, esforço, custo físico ou psíquico) de que ele dispõe para obter este produto. O segundo, relativo às métricas de O marketing é uma arte sutil, que demanda sensibilidade para avaliar sua efetividade. marketing, refere-se ao valor que um indivíduo tem para uma organização, durante toda a sua vida útil enquanto cliente. E o terceiro, baseado na psicologia social, aborda o aspecto do valor relativo à existência humana em suas relações 186 sociais, assumindo que as pessoas alcançam seus O marketing é uma arte sutil, que demanda valores pessoais por meio de ações específicas, sensibilidade para avaliar sua efetividade. Clancy dentre elas, o consumo. Os problemas relativos e Shulman (1994) afirmam que não se dispõe de à definição destes conceitos começam pela instrumentos para se medir o marketing, como própria terminologia adotada, na tradução dos os que possuímos para medir a velocidade de originais para a língua portuguesa. Em inglês, um furacão ou a intensidade de um terremoto. enquanto o segundo conceito é chamado de Farris et al. (2007) dizem que o marketing, apesar customer equity ou lifetime customer value, o de sua importância, é uma das funções menos primeiro e o terceiro são ambos chamados de compreendidas e mensuráveis das empresas, customer value. Se o primeiro conceito aparece chegando a representar, somado aos custos da agora como valor para o cliente (até mesmo nos área de vendas, 10% ou mais dos orçamentos manuais de marketing), é a vez de os outros dois operacionais, em uma imensa quantidade de serem apresentados com um mesmo nome: valor organizações. Por isso, eles sugerem a utilização do cliente. A terminologia de “valor do cliente”, de diferentes formas de mensuração em conjunto, relativa ao segundo conceito, surgiu na tradução para aumentar a precisão e o conhecimento a do livro de Rust, Zeitham e Lemon (2001). Por sua respeito de seus mercados. Farris (2007, p. 164), vez, a terminologia de “valor do cliente”, relativa inclusive, define Valor de Duração do Cliente (VDC) ao terceiro conceito, foi sugerida por Leão e Mello como o “valor atual de fluxos de caixa futuros (2008, p. 39), sob o argumento de “que se se atribuídos ao relacionamento com o cliente”, discutem os valores relativos aos próprios clientes, alinhado com o conceito já anteriormente citado então estes só podem ser do cliente”. Resumindo de Kotler (2009), de Lucros no Ciclo de Vida do e esclarecendo, temos as seguintes definições: (1) Cliente (LCVC). Um dos principais usos do valor de “Valor para o cliente” – valor(es) da empresa para duração do cliente seria subsidiar decisões sobre o cliente; (2) “Valor do cliente” – valor do cliente a prospecção, segundo os autores, pois somente para a empresa e (3) “Valor do cliente” – valores com uma completa compreensão de como se pessoais e íntimos do cliente. Cada definição dará seu relacionamento financeiro com o cliente tem sua área, momento e contexto próprios de recém-adquirido é que a empresa poderá tomar aplicação. O item abordado no presente estudo, uma decisão embasada, econômica e realista neste caso, refere-se então ao segundo conceito quanto aos custos totais que serão necessários apresentado por estes autores. para promover sua aquisição. 4 Metodologia de Pesquisa CRT) e a TIM (controlada pela italiana Telecom Itália Móbile e composta pelas subsidiárias TIM Sul, TIM Maxitel e TIM Nordeste). A população considerada seria o conjunto de todas as operadoras celulares 4.1 Caracterização da Pesquisa do Brasil até 2010, que são, além destas, a Claro (controlada pelo grupo mexicano América Móvil e composta pelas subsidiárias Americel, ATL, BCP Apesar de este artigo demonstrar possíveis pontos de relação com a pesquisa descritiva e explicativa, trata-se de, fundamentalmente, de um estudo exploratório (de acordo com seu objetivo) e documental/não experimental (de acordo com a Nordeste, Claro Digital e Tess), a Oi (controlada pela portuguesa Portugal Telecom com outros sócios e que agora engloba as antigas Telemar, Brasil Telecom e Amazônia Celular) e as menores CTBC, Sercomtel e Unicel (Aeiou). sua coleta de dados), de teor quantitativo (na busca Estas duas empresas (Vivo e TIM) foram de representatividade estatística) e longitudinal escolhidas por seu tamanho e relevância no país e (de acordo com a classificação temporal). Também no segmento, pois somadas representam mais de apresentou uma pequena fase bibliográfica (apenas 55% do mercado, em termos de número atual de para a sua contextualização e para a elaboração de clientes. E a tendência de crescimento de todos estes seu referencial teórico). grandes players ainda deverá impactar e intensificar As unidades de análise serão as operadoras de telefonia celular do mercado brasileiro. Como o seu valor de mercado também pode ser influenciado por outras variáveis que não somente o aumento de clientes, o foco do presente estudo será apenas verificar se existe correlação estatística especificamente entre a variação/crescimento destas duas variáveis. O método científico utilizado para esta investigação será o hipotético-dedutivo, definido por Lakatos e Marconi (2001, p. 106) como aquele “que se inicia pela percepção de uma lacuna nos conhecimentos, acerca da qual formula hipóteses e, pelo processo de inferência dedutiva, testa a predição da ocorrência de fenômenos abrangidos pela hipótese”. a absorção de operadoras menores pelas maiores. Optou-se apenas por excluir as duas outras maiores operadoras (Claro e Oi) do estudo por limitações que serão descritas a seguir, e as operadoras menores também não foram consideradas para a análise, pois apresentam maiores flutuações em suas bases, além de operarem em reduzidas áreas geográficas e possuírem menor capacidade de investimentos e impacto sobre o mercado como um todo, o que muda (e muito) seu perfil de atuação. Como a tendência das menores é que sejam gradualmente absorvidas pelos grandes grupos em função de sinergias e ganhos de escala, o que já foi citado anteriormente, optou-se por focar o estudo apenas nos grupos. Como foi calculadamente selecionada, de acordo com critérios previamente estabelecidos para 4.2 População e Amostra a busca da otimização dos resultados esperados, a classificação da amostra é não probabilística e intencional (ou de seleção racional), que é A amostra selecionada é composta por duas definida, de acordo com Richardson (1999, p. 161), das principais operadoras atuantes no Brasil: a Vivo como aquela em que “os elementos que formam a (controlada pela espanhola Telefónica e composta amostra relacionam-se intencionalmente de acordo pelas subsidiárias Telesp, Tele Sudeste, Tele Leste e com certas características estabelecidas no plano Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 180 - 197, jan./jun. 2014 187 e nas hipóteses formuladas pelo pesquisador”. A sequência de operações que sugerem Lakatos e hipótese, no caso, é a de que o aumento da base Marconi (2001, p. 166): “seleção, codificação e ta- de clientes de um grupo de telefonia aumentaria bulação”, para a posterior análise e interpretação, proporcionalmente o valor de sua ação. cuja eficácia, segundo as autoras, é que “determinará o valor da pesquisa” (LAKATOS, MARCONI, 2001, p. 169). Utilizou-se de Coeficientes de Cor- 4.3 Coleta e Tratamento de Dados relação, como o de Pearson (paramétrico) ou de Spearman (não paramétrico), que, de acordo com Vieira (2003), são medidas do grau de associação A coleta de dados das bases históricas das ou dependência entre duas variáveis. operadoras foi efetuada via a fonte oficial governamental de informações sobre telecomunicações, o site da Agência Nacional de Telecomunicações 4.4 Definição das Variáveis (Anatel). A coleta de dados dos valores históricos mensais das operadoras se deu via informações do site oficial ligado ao mercado de ações da Bolsa de Com base no referencial teórico buscou- Valores de São Paulo, a Bovespa, extraídos por meio se responder o seguinte questionamento: existe da utilização da ferramenta eletrônica Economáti- uma relação direta entre o crescimento da base ca. Ambos os dados são considerados secundários, de clientes de uma operadora de telefonia mó- devido a sua prévia disponibilização nestas fontes. vel e seu valor de mercado? A hipótese H0 (nula) O seu tratamento estatístico e analítico foi então era de que não existe uma correlação estatística procedido com o auxílio da ferramenta de software entre o crescimento da base de clientes de uma SPSS 17.0, onde se determinou a melhor forma de operadora de telefonia móvel e seus correspon- se avaliar os dados. Também se utilizou as planilhas dentes valores de mercado e acionário. A hipóte- Excel, do Microsoft Office para auxiliar nos cálculos se H1 era de que existe uma correlação estatística e análises da hipótese proposta para este artigo. Fo- entre o crescimento da base de clientes de uma ram levantados os dados das variáveis relativos ao operadora de telefonia móvel e seus correspon- período de 5 anos compreendido entre os anos de dentes valores de mercado e acionário. Caso H1 2006 e 2010, pois foi a partir de quando os mesmos fosse comprovada, a intenção complementar do começaram a ser compilados e divulgados oficial- estudo seria a elaboração de índices de valores mente pelo Governo Federal, e com a quantidade de de clientes e de possíveis modelos preditivos de dados acumulados em 60 meses de evolução já se crescimento para as operadoras. possuía volume e relevância para suportar aceitáveis verificações estatísticas. autor), “construtos são as abstrações que os cientistas Em seguida, foram procedidas análises com sociais consideram nas suas teorias. Para medir um base na estatística descritiva, com a realização de construto, precisamos primeiramente identificar uma cálculos de correlação e regressão linear simples. A variável que represente, de maneira mais concreta, modalidade de análise foi a definida por Gil (2008, abstração”. Partindo desta definição, os principais p. 163) como bivariada, pois é o caso daquelas elementos considerados no escopo deste projeto (e pesquisas que, “mesmo sem definir relações de que melhor representam estas abstrações) são: dependência procuram verificar em que medida as variáveis estão relacionadas entre si”. Após a coleta, os dados foram devidamente trabalhados, na 188 De acordo com Selltiz (1987, p. 1, grifo do — Construto: o valor do cliente das operadoras de telefonia celular. — — Variável independente: o número de segundo definição do site da Bovespa clientes da base das operadoras. (2011), seção de Perguntas Frequentes, 2 – Mercado de Ações, é “um título Variáveis dependentes: o valor das nominativo negociável que representa, ações das operadoras na bolsa de para quem a possui, uma fração do ca- valores e o valor total de mercado da pital social de uma empresa, significan- operadora, segundo o Economática. — do que este indivíduo é um dos sócios”. Variável interveniente: a influência do — tamanho da base de clientes no valor Definição operacional: o valor das ações utilizado para a consecução deste estu- acionário (e no valor de mercado) da do foram números (dados secundários) operadora. extraídos da Bovespa, sendo escolhidas para análise as ações do tipo PN, deno- 4.4.1 minadas “Preferencial Nominal” e que Base de clientes priorizam o foco de seu proprietário no retorno sobre o seu investimento. — Definição constitutiva: a base de clientes é a soma do número total de assinantes de uma operadora de telefonia móvel, 4.4.3 Valor de mercado tanto de clientes de planos pós-pagos como de pré-pagos. No caso de um — indivíduo possuir dois aparelhos celulares cado de cada operadora é o valor total ou chips de duas empresas, ele será em reais estipulado para cada empre- contado como dois clientes diferentes, sa, em função de todos seus ativos, um de cada operadora, pois cada cliente operações e patrimônios. equivale a uma linha de telefone móvel. — Definição constitutiva: o valor de mer- — Definição operacional: a base de clien- Definição operacional: o valor de mercado das operadoras estudadas é a conso- tes de cada operadora celular foi me- lidação de seu total patrimonial, calcula- dida através do número total de assi- do e compilado pela área de Indicadores nantes (dados secundários) extraídos de Mercado do software Economática. da fonte oficial do governo de informa- Foi agregado à análise do valor da ação ções sobre o setor, a Anatel. de cada empresa no sentido de buscar enriquecer as análises deste estudo. 4.4.2 Valor de ação 5 — Definição constitutiva: o valor da ação é Apresentação e Análise de Dados o valor de transação estipulado para as cotas das operadoras estudadas e lançadas nas bolsas de valores, de acordo com a regulamentação, leis e diretrizes do mercado financeiro nacional. Ação, Rev. FA E , C uritiba, A análise se inicia com os dados da operadora Vivo. Após a obtenção da sequência de 60 meses (5 anos) da evolução da base de v. 17, n. 1, p. 180 - 197, jan./jun. 2014 189 clientes da operadora a partir do site da Anatel, extraiu-se também da base do Economática as suas ações de classificação PN 4, com fechamento mensal na Bolsa de Valores de São Paulo. Também se procedeu a análise de um dos Indicadores de Mercado do software Economática denominado “Valor de mercado” consolidado, que será tratado neste artigo como “preço”, nas tabelas em que vier a constar. Ambos são medidos em moeda nacional brasileira Real (R$), enquanto que a base de clientes é contabilizada pelo número total de assinantes. De janeiro de 2006 a dezembro de 2010, o valor da ação PN4 da Vivo subiu de R$ 35,87 para R$ 48,45, e o número de clientes subiu de 30.005.229 para 60.292.511, dobrando de tamanho e consolidando sua posição como líder de mercado no Brasil. Isto resultou no seu valor de mercado total (“preço”) praticamente quadruplicado (!) de R$ 6,98 bilhões para R$ 28,72 bilhões no mesmo período, segundo dados do Economática. Analisou-se, então, a normalidade de ambas as curvas de dados para a determinação de utilização de testes paramétricos ou não paramétricos, por meio do software estatístico SPSS Statistics 17.0. TABELA 1 – Resultado de testes de normalidade para dados da operadora Vivo Kolmogorov-Smirnova Estatística Clientes DF Shapiro-Wilk Sig. Estatística DF Sig. ,177 60 ,000 ,884 60 ,000 Ação ,079 60 ,200* ,979 60 ,404 Preço ,181 60 ,000 ,921 60 ,001 a. Correção de Significância Lilliefors * Este é um limite inferior da significância real. FONTE: Os autores (2011) Analisando os resultados da TAB. 1, percebe-se que somente a sequência de dados relacionada ao valor de “ações” teria uma distribuição normal, com nível de significância acima de 0,05 (0,2 e 0,404, respectivamente), sendo as demais distribuições não normais. Dessa forma, optou-se por uma posterior avaliação de teor não paramétrico, utilizando-se para isto o Coeficiente de Correlação de Spearman, conforme se pode verificar na TAB. 2. TABELA 2 – Resultado de testes de correlação para dados da operadora Vivo Clientes Coeficiente de Correlação Clientes Sig. (bicaudal) N Coeficiente de Correlação rho de Spearman Ação Sig. (bicaudal) N Coeficiente de Correlação Preço Sig. (bicaudal) N ** Correlação é significante ao nível de 0.01 (bicaudal). FONTE: Os autores (2011) 190 Ação Preço 1,000 ,745** ,629** . ,000 ,000 60 60 60 ,745** 1,000 ,890** ,000 . ,000 60 60 60 ,629** ,890** 1,000 ,000 ,000 . 60 60 60 Estudando-se os resultados obtidos após o de apresentar menor intensidade, com índice de teste de Correlação de Spearman e expostos na 0,629, significando 62,9% de influência do aumento TAB. 2, rejeita-se a hipótese nula de não correlação do número de clientes sobre o crescimento do e se percebe que existe correlação entre os dados valor de mercado indicado da empresa. devido ao valor calculado para os Sig. (todos A partir destes resultados, e comprovada, zero) para um nível de significância de 0,01. Desta como se desejava, a correlação entre as variáveis, forma, verifica-se que o nível de correlação entre buscou-se então, por meio de um modelo de o número de clientes e o valor da ação da Vivo é regressão linear, estabelecer uma fórmula preditiva positivo e intenso, com o valor de 0,745, ou seja, integrada para a evolução da base de assinantes 74,5% de influência do crescimento do número de e o crescimento do valor da ação da operadora clientes sobre o aumento do valor final da ação. Vivo. Procedendo-se a esta construção também Também é positiva a correlação entre a base de no software estatístico SPSS, chegou-se aos assinantes e o valor patrimonial da empresa, apesar resultados elencados na TAB. 3. TABELA 3 – Resultado de Testes de Regressão Linear para Operadora Vivo Coeficientes Não Padronizados Modelo B Erro Padrão 11,471 2,888 5,377E-7 ,000 (Constante) 1 Clientes Coeficientes Padronizados Beta ,717 T Sig. 3,972 ,000 7,823 ,000 a. Variável Dependente: ação. FONTE: Os autores (2011) Utilizando os dados aqui obtidos, a fórmula preditiva integrada entre valor de ação e número de clientes para a operadora Vivo se constitui, então, na seguinte: Valor da Ação Vivo = 11,471 + 5,377E-7 x (Número de Clientes Vivo) Aplicando a fórmula, é possível gerar interessantes visualizações: por exemplo, para chegar ao valor de R$ 50,00 cada ação, a Vivo deveria amealhar 71.655.198 clientes, aproximadamente 19% a mais do que possuía em dezembro de 2010. Também se calcularia que, ao atingir a marca de 100 milhões de clientes, sua ação deveria estar cotada a R$ 65,24, sendo que, em dezembro de 2010, cada ação sua valia R$ 48,45, segundo a Bovespa. A fórmula para a previsão do valor de mercado (“preço”) seria: Valor do Preço Vivo = 3,229E9 + 326,254 x (Número de Clientes Vivo) Usando a fórmula, verifica-se que, para chegar ao valor patrimonial total de R$ 30 bilhões, a Vivo deveria atingir o total de 82.055.699 clientes. Também se calcula que, ao atingir a marca de 100 milhões de clientes, seu valor patrimonial estimado seria aproximadamente de R$ 35.854.400.000. Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 180 - 197, jan./jun. 2014 191 Com relação à operadora TIM, um fato de início já chama a atenção: diferentemente da Vivo, o valor da sua ação PN TCSL 4 caiu no período investigado, apesar de sua base de clientes ter aumentado consideravelmente. Em resumo, as ações desceram de R$ 7,00 a R$ 5,35, ao passo que o número total de clientes mais que dobrou, passando de 20.512.073 a 51.027.625, representando 25,14% do total de usuários de celulares do país no final de 2010. Isso gera uma disputa, palmo a palmo, da vice-liderança nacional com a Claro, que possui, por sua vez, 51.637.685 clientes, 25,44% do total do Brasil, no mesmo período. Porém, segundo o indicador de mercado do Economática, o seu valor de mercado total (“preço”) praticamente dobrou no intervalo estudado, de R$ 7,2 bilhões para R$ 14,7 bilhões. Procedendo-se, a seguir, com a análise da normalidade das curvas de dados para a operadora TIM, tem-se como resultado os números que são apresentados na TAB. 4. TABELA 4 – Resultado de testes de normalidade para dados da operadora TIM Kolmogorov-Smirnova Estatística Shapiro-Wilk DF Sig. Estatística DF Sig. Clientes ,078 60 ,200* ,970 60 ,141 Ação ,074 60 ,200* ,973 60 ,215 Preço ,109 60 ,073 ,967 60 ,103 a. Correção de Significância Lilliefors. * Este é um limite inferior da significância real. FONTE: Os autores (2011) Observando os resultados da TAB. 4, percebe-se que todas as sequências de dados apresentam distribuições normais, com níveis de significância acima de 0,05 (0,2; 0,2; 0,073; 0,141; 0,215 e 0,103). Optou-se, então, por uma posterior avaliação de teor paramétrico, utilizando-se o Coeficiente de Correlação de Pearson, conforme se pode verificar na TAB. 5. TABELA 5 – Resultado de testes de correlação para dados da operadora TIM Correlações Clientes Correlação de Pearson Clientes Correlação de Pearson Sig. bicaudal N Correlação de Pearson Preço Sig. bicaudal N ** Correlação é significante ao nível de 0.01 (bicaudal). FONTE: Os autores (2011) 192 Preço -,501** -,382** ,000 ,003 60 60 60 -,501** 1 ,743** 1 Sig. bicaudal N Ação Ação ,000 ,000 60 60 60 -,382** ,743** 1 ,003 ,000 60 60 60 Estudando os resultados obtidos após o teste de Correlação de Pearson e expostos na TAB. 5, rejeita-se a hipótese nula de não correlação e se verifica que, de fato, existe correlação entre os dados devido ao valor calculado para os Sig. (zero e 0,003) para um nível de significância de 0,01. Dessa forma, verifica-se que o nível de correlação entre o número de clientes e o valor da ação da TIM é, surpreendentemente, negativo e de média intensidade, com o valor de -0,501, ou seja, 50,1% de influência do aumento do número de clientes sobre o decréscimo do valor final da ação. Também é negativa a correlação entre a base de assinantes e o valor patrimonial da empresa, apesar de apresentar menor intensidade, com índice de -0,382, significando 38,2,% de influência do crescimento do número de clientes sobre a redução do valor de mercado indicado da empresa. Verificada esta inesperada correlação negativa entre as variáveis, fez-se o exercício, através de um modelo de regressão linear, de estabelecer uma fórmula preditiva integrada para o aumento da base de assinantes e a redução (!) do valor da ação da operadora TIM, apenas para efeitos de análise. Procedendo-se a esta experiência, chegou-se aos resultados exibidos na TAB. 6. TABELA 6 – Resultado de testes de regressão linear para operadora TIM Coeficientes Não Padronizados Modelo B 1 Erro Padrão Clientes T Sig. Beta 7,500 ,587 -7,472E-8 ,000 (Constant) Coeficientes Padronizados -,501 12,782 ,000 -4,408 ,000 a. Variável Dependente: ação. FONTE: Os autores (2011) A fórmula preditiva integrada entre o valor de ação e o número total de clientes para a operadora TIM é a seguinte, então: Valor da Ação TIM = 7,5 - 7,472E-8 x (Número de Clientes TIM) Utilizando a fórmula, pode-se também realizar curiosos exercícios: por exemplo, ao amealhar 71.655.198 clientes (quantidade que a Vivo deveria ter para cada ação sua valer R$ 50,00, como simulado anteriormente), a TIM teria o valor de cada ação cotado a R$ 2,15, quase vinte e cinco vezes menor. Também utilizando a fórmula, calcula-se que, ao atingir a marca de 100.374.733 clientes, a ação da TIM valeria zero (!) reais. Já a fórmula para a previsão do valor de mercado (“preço”) da operadora é: Valor do Preço TIM = 2,052E10 – 175,656 x (Número de Clientes TIM) Por meio da fórmula, verifica-se, surpreendentemente, que quando a TIM atingisse a marca de 116.819.238 clientes, seu valor patrimonial estimado seria de zero (!) reais. Sabe-se que, tanto este valor, como o da ação acima, de zero reais, não são factíveis, porém apenas uma tendência apontada pela correlação. Estudos mais aprofundados devem ser feitos a partir destas constatações, como será visto no próximo item. Rev. FA E , C uritiba, v. 17, n. 1, p. 180 - 197, jan./jun. 2014 193 Considerações Finais, Limitações e Recomendações como sugestões para possíveis futuros estudos neste sentido, desde que se torne possível a obtenção dos dados nos formatos necessários para atingir tais objetivos. Fica evidente a importância de se salientar as limitações encontradas no decorrer da elaboração deste artigo. Inicialmente, este estudo visava contemplar a análise dos quatro maiores grupos de telefonia celular do Brasil, Vivo, TIM, Claro e Oi, responsáveis por mais de 99% dos clientes do país. A primeira dificuldade foi com a obtenção dos dados relativos ao crescimento das operadoras, contornada depois pela obtenção deles por meio de uma profunda investigação do site da Anatel, até se conseguir chegar a uma determinada área de extração de informações onde se mostrou possível gerar esta evolução para o período desejado. Porém, outra limitação logo se apresentou: a aglutinação dos dados da Oi Celular, englobando as empresas Telemar e Brasil Telecom, além da não adição dos valores da Amazônia Celular (adquirida posteriormente) a este grupo; e da Telemig Celular a Vivo (também adquirida em seguida). Estes fatores foram corrigidos e ajustados, de forma a não virem a prejudicar as posteriores análises, mas então outra dificuldade se apresentou: as ações de Brasil Telecom e Telemar se apresentavam separadas na Bovespa, bem como aglutinadas entre si, no caso da operação móvel e da operação fixa de cada uma, conjugadas. Como isto geraria uma distorção nesta análise, por não englobar operações fixas, apenas as celulares, optou-se por retirar a Oi da amostra considerada. Fator semelhante ocorreu com a operadora Claro, controlada pela América Móvil: suas ações, que se encontram disponibilizadas apenas na Bolsa de Valores de Nova York, contemplam operações de diversos segmentos, incluindo telefonia fixa e até mesmo negócios do setor de televisão, entre outros, o que impossibilita a análise direta do crescimento de seu valor apenas em função da evolução da base de clientes da marca de telefonia móvel Claro no Brasil. Desta forma, ficam ambas 194 As principais conclusões a que se chegou a partir da realização deste estudo foram: 1 - Existe uma correlação entre valor da empresa e aumento de sua base de clientes. Apesar de não se desejar correr o risco de uma possível generalização, e de somente duas empresas terem sido aqui analisadas, verificou-se que existe uma forte tendência de ligação entre o valor da ação de uma empresa e o aumento de seu número de clientes. Ou seja, não são meros fatores isolados, aleatórios e independentes. O presente fato deve ocorrer devido ao acompanhamento da opinião pública e principalmente dos investidores sobre o desempenho das operadoras e sua subsequente busca pelos papéis daquelas que se apresentam com os melhores prognósticos de crescimento futuros. Isto ficou mais evidente no caso da operadora Vivo, cujo crescimento de base rendeu dividendos aos seus acionistas, evidenciado a partir de uma forte correlação estatística verificada. Porém, isto não ocorreu simplesmente devido ao aumento do número de seus clientes, mas de uma possível série de fatores integrados. Mais pormenores sobre estes fatores serão detalhados nos próximos itens conclusivos. 2 - A mera aquisição de clientes não é garantia de valorização de uma operadora. Mesmo parecendo contradizer a conclusão anterior, não é o que acontece. Como se sabia anteriormente, a partir do estudo da teoria estatística, a correlação entre duas variáveis não implica necessariamente em uma relação de causalidade. Ou seja, apesar do consumidor ser um ativo estratégico vital para o sucesso de uma organização, o fato de uma empresa valer mais não seria decorrente apenas do aumento de sua base de clientes, pura e simplesmente. Por isso, verificou-se que, mesmo a base da operadora TIM tendo crescido significativamente (cerca de duas vezes e meia), o valor de suas ações caiu drasticamente (quase um terço) no período analisado. E, mesmo assim, continuou se apresentando um fator correlacional entre ambas as variáveis, apesar deste inesperado efeito invertido. Outro ponto interessante é que, diferentemente da correlação positiva constatada no caso das ações da Vivo, que se mostrou forte (coeficiente de 0,745), a correlação negativa das ações da TIM se apresentou significativamente mais fraca (coeficiente de -0,501). O valor de mercado da empresa, segundo o indicador mercadológico do Economática, porém, também dobrou, acompanhando relativamente o grau de crescimento de sua base de clientes. Estes fatos, surpreendentemente, também podem ajudar a originar novos estudos quantitativos que aprofundem a compreensão das razões entre este relacionamento que se apresenta estatisticamente real e efetivo, mesmo que de forma inversa ao que, de início, esperava-se encontrar nesta pesquisa. 3 - A aquisição de clientes faz parte de uma estratégia integrada rumo ao sucesso. Como visto aqui, a aquisição de clientes apresentaria correlação com o valor de uma operadora celular, porém nem sempre de forma forte e positiva. O que isto quer dizer é que a fórmula de sucesso de uma operadora depende de diversos fatores, tais como suas estratégias de crescimento e fusão/aquisição, expansão para novos mercados e desenvolvimento de públicos-alvo, sinergias, comunicação, publicidade e alinhamentos internacionais, entre outros, que devem estar plenamente integrados e concatenados sob um mesmo “guarda-chuva” estratégico. Como no caso da TIM, cujos problemas financeiros da Telecom Italia em seu país de origem e suas incertezas sobre a manutenção das suas operações na América Latina nos últimos anos podem ter afetado mais o valor de suas ações do que seu intenso crescimento de base de clientes no Brasil. Conseguirá a operadora reverter esta tendência? É possível, porque, apesar desta queda no valor no período, suas ações parecem atualmente apontar uma tendência de crescimento. E, no caso da Vivo, o fato de ter efetivamente definido sua situação acionária entre Portugal Telecom e Telefônica, além de apresentar Rev. FA E , C uritiba, uma estratégia consistente e integrada para sua atuação no Brasil (e também na América Latina), da mesma forma impactou no aumento de seu valor acionário e na sua consolidação na liderança do segmento, mesmo com o avanço considerável das demais concorrentes. O futuro do mercado deste segmento parece ser extremamente excitante em termos de competição no Brasil. 4 - Novos estudos do tema se mostram necessários e de possível (e relevante) interesse. Como estas operadoras estudadas não apresentaram uma tendência uniforme de crescimento e uma evolução combinada de clientes-valor, não foi possível estabelecer um índice de crescimento conjunto ou um efetivo fator preditivo geral do segmento, que pudesse ajudar a indicar tendências mais amplas, gerais e impactantes, neste caso. Só foi possível desenvolvê-los individualmente, por operadora, como foi aqui apresentado. Futuros novos estudos no contexto do mercado móvel também poderão ser efetuados a partir destas perspectivas, como o estabelecimento de valores diferenciados para clientes de planos pré e pós-pagos, ou formas de se conquistar completamente para suas bases clientes que também possuem celulares de empresas concorrentes, por exemplo. De qualquer forma, ficam aqui as sugestões para possíveis novas pesquisas neste sentido, tanto para o segmento analisado de telecomunicações como para outros, que possam ajudar a lançar novas luzes sobre a variação do valor de uma empresa a partir do seu número de clientes e também auxiliar a se medir efetivamente o real “valor de um cliente” para a organização, de forma simples e precisa, ao menos sob este prisma, para fornecer melhores, mais assertivos e mais seguros subsídios para a tomada de decisão de seus líderes e gestores. v. 17, n. 1, p. 180 - 197, jan./jun. 2014 195 Referências ANATEL. Sala de Imprensa/ANATEL em Dados. Disponível em: <http://sistemas.anatel.gov.br/SMP/ Administracao/Consulta/ConsolidadoDadosMesaMes/tela.asp?SISQSmodulo=18940>. Acesso em: 23 abr. 2014. BOVESPA. Perguntas frequentes/Mercado de ações. Disponível em: <http://www.bmfbovespa.com.br/pt-br/ perguntas-frequentes-resposta.aspx?idioma=pt-br>. Acesso em: 23 abr. 2014. CASTRO, C. de M. 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A análise constatou que ocorreram transformações significativas na distribuição setorial do emprego principalmente na produção de algodão, mudança que está vinculada ao processo de reestruturação da agricultura, que caracterizou uma nova localização geográfica dessa atividade. Palavras-chave: Localização. Análise Regional. Economia Espacial. Abstract This paper examines the location pattern of formal employment in the cultivation of cotton and textile industry in the region-meso of Paraná state in Brazil, from 1997 to 2007. We used methods of regional analysis to estimate the pattern of location of productive activities. The analysis found that there were significant changes in the sector distribution of employment on the cotton production, change that is bound linked to the restructuring of agriculture that characterized a new geographic location of this activity. Keywords: Regional. Analysis. Spatial Economics. 1 2 3 4 Ph.D. em Desenvolvimento Regional pela Université du Québec (UQAC). Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). Professor da Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Agronegócio da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Campus de Toledo. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Agronegócio e Desenvolvimento Regional (GEPEC). E-mail: [email protected]. Doutoranda em Desenvolvimento Regional e Agronegócio pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Campus de Toledo. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Agronegócio e Desenvolvimento Regional (GEPEC). E-mail: [email protected]. Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Professor Assistente do Colegiado de Ciências Econômicas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Campus de Toledo. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Agronegócio e Desenvolvimento Regional (GEPEC) e do Grupo Dinâmicas Socioeconômicas Nacionais e Regionais Comparadas (DISENREC). E-mail: [email protected] ou [email protected]. Doutor em Demografia pela Universidade de Campinas (UNICAMP). Professor da Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Agronegócio da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Campus de Toledo. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Agronegócio e Desenvolvimento Regional (GEPEC). E-mail: [email protected]. Rev. FAE, Cu r it iba, v. 17, n. 1, p. 198 - 211, jan./jun. 2014 199 Introdução O estado do Paraná passou por transformações em sua estrutura produtiva no final da década de 1970, devido ao esgotamento da fronteira agrícola e à modernização das atividades agropecuárias. Esse fenômeno deu início a um processo de reestruturação da base agrícola do estado, com o fortalecimento da integração produtor-agroindústria em setores específicos. Destaca-se também, nesse cenário, a migração de algumas atividades agrícolas e a substituição de cultivos, principalmente a permutação de culturas permanentes por temporárias. Entre as culturas temporárias, o algodão foi a mais significativa. Segundo Rolim (1997), a A agricultura paranaense passou a expandir suas atividades por meio de realocações dos recursos produtivos entre as culturas, preferencialmente na expansão de área daquelas com mercado mais estáveis e mais rentáveis. produção algodoeira brasileira, que ao longo da década de 1980 garantia a autossuficiência do produto na faixa de 860 mil toneladas de pluma, de permutação de culturas, quando se analisa a foi reduzida pela metade na safra de 1994/1995. A introdução da cultura da soja no espaço paranaense. redução das alíquotas de importação da pluma e Assim, impulsionada por esse processo e aliada ao a fragilidade financeira do produtor rural em todas programa Corredores da Exportação, entre outros as regiões do Brasil estimularam essa tendência. eventos, a soja ganha espaço na produção do estado Para Traionotti et al. (2003), isso exigiu uma do Paraná, tanto que nas últimas décadas aparece intensa reestruturação da produção de algodão como uma das principais atividades produtivas do nacional, fato que a longo prazo levaria à crise da estado, como demonstram os dados a seguir. cotonicultura e sua migração para outras regiões. Conforme a TAB. 1, houve um aumento O estado do Paraná, que sustentava um dos nominal de 1.356% na produção de soja no estado do primeiros lugares no cultivo nacional de algodão, Paraná, que passou de 456.710 toneladas em 1970 contou com um declínio de sua produção, que para 3.264.946 toneladas em 1975, o equivalente encontrou espaço para expansão da cultura no a 25% da produção nacional. Diferentemente da Centro-Oeste brasileiro, na segunda metade da soja, o algodão diminuiu o montante produzido década de 1990. Tal cenário revela um processo depois de uma forte expansão na década de 1980. TABELA 1 – Produção das principais lavouras no Paraná, em toneladas – 1970-1995 Lavouras 1970 1980 1985 1995 Algodão 399.123 272.923 452.490 846.682 267.433 Café 116.900 1.195.013 367.914 569.186 109.470 3.550.555 1.953.470 5.466.967 5.803.713 8.988.166 Soja 456.710 3.264.946 5.400.192 4.413.000 5.694.427 Trigo 268.246 443.600 1.350.276 2.639.225 1.033.689 Milho FONTE: Censos Agropecuários – IBGE (1970-1995) 200 1975 Pela TAB. 1, observa-se que o produtor paranaense mudou sua estrutura de cultivo, focando as commodities com maior retorno. 1 Elementos Teóricos e Metodológicos Com isso, a agricultura paranaense passou a expandir suas atividades por meio de realocações dos recursos produtivos entre as culturas, preferencialmente na expansão de área daquelas com mercado mais estáveis e mais rentáveis. Isso gera mudanças nas explorações agrícolas, havendo uma seleção de culturas em termos de vantagens comparativas regionais, com isso, o impacto da modernização diferencia-se regionalmente e conforme a conjuntura. Da mesma forma que a produção de algodão, o setor têxtil também passou por turbulências, devido à política de inserção do Brasil no mercado internacional nos anos 1990. Isso representou uma mudança importante nos setores nacional e paranaense. E todos esses fatores corroboram as mudanças no padrão de localização das atividades do setor têxtil no espaço geográfico paranaense. Como a produção de algodão e a indústria têxtil, que usa a pluma como matéria-prima, são empregadores significativos da força de trabalho, essa análise procura compreender, por meio dos Esta seção apresentará, além do ferramental metodológico, que abordará medidas de análise regional, breves conceitos das teorias de localização industrial e agrícola, de forma a complementar os métodos de localização regional. Os fatores de produção estão distribuídos no espaço, e a ciência econômica estuda esses fatores a partir de sua utilidade na geração de riquezas. Nesse sentido, é importante analisar as mudanças espaciais dos fatores de produção com as mudanças que ocorrem na localização das atividades produtivas. Assim, a análise econômica espacial introduz a noção de espaço como uma tendência dinâmica do sistema produtivo. A economia espacial estuda a localização das atividades econômicas, ou seja, questiona os problemas relativos à concentração e dispersão das atividades e as semelhanças ou diferenças dos padrões de distribuição geográfica dessas atividades ao longo do tempo (PONSARD, 1988; FERRERA DE LIMA, 2003; CAROD, 2005). métodos de análise regional, o comportamento do emprego formal nesses setores produtivos e como eles mudam espacialmente em intervalos de tempo. Assim, o objetivo deste artigo é analisar a localização do emprego formal da produção de algodão e da indústria têxtil no estado do Paraná. Para isso, foram utilizados os métodos de análise regional, pelas medidas de localização e associação geográfica, no período de 1997 a 2007. Destarte, este artigo encontra-se dividido em quatro seções, além desta introdução. Na seção seguinte, são abordados o referencial teórico, os materiais e o método utilizado. Na terceira seção são apresentados os resultados e as discussões relacionadas ao padrão de localização das atividades produtivas. As conclusões, na quarta A localização das atividades implica a determinação de preços, o dinamismo da produção, a dispersão dos postos de trabalho e o desenvolvimento econômico regional. seção, sintetizam esta pesquisa. Rev. FA E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 198 - 211, jan./jun. 2014 201 Dessa forma, o espaço é elemento fundamental para análise da concentração das atividades produtivas e de regiões polarizadas. A localização das atividades implica a determinação de preços, o dinamismo da produção, a dispersão dos postos de trabalho e o desenvolvimento econômico regional. A natureza econômica do espaço é causa de todo um conjunto de decisões que influencia a dinâmica do sistema de produção (PONSARD, 1988). A localização da produção dependerá dos fatores locacionais: mercado consumidor, mão de obra, disponibilidade de matérias-primas ou condições especiais para produção, como subsídios, incentivos ou acesso a recursos naturais. Os fatores Os produtos agrícolas chegam ao mercado numa situação de concorrência, de modo que a produtividade, os custos de transporte e a procura determinam, em conjunto, uma sucessão no espaço das áreas cultivadas. locacionais são todos os fatores que influenciam na escolha da localização de uma unidade produtiva, eles são de natureza econômica e não econômica. Se os produtos agrícolas in natura chegam O primeiro grupo está relacionado ao lucro, o segun- ao mercado numa posição mais próxima à do está relacionado aos fatores que influem em sua concorrência perfeita, o mesmo não ocorre com os função utilidade, como, por exemplo, o clima e a vida produtos oriundos de complexos agroindustriais, social. Assim, o fator locacional constitui um ganho, cujo perfil transita da concorrência imperfeita ao uma redução de custos, que determinada atividade oligopólio. O complexo agroindustrial é o conjunto econômica obtém quando se localiza em determina- formado pelos setores produtores de insumos e do ponto no espaço (AZZONI, 1985; FERREIRA, 1989). máquinas agrícolas, de transformação industrial No que se refere à atividade agrícola, segun- 202 dos produtos agropecuários, de distribuição, do Ferreira (1989), o fator principal do estudo das de comercialização e também atingindo a área áreas de abastecimento é a terra, pois a utilização de financiamentos para custeio da produção. O desse fator obriga essa atividade a se dispersar no complexo industrial compreende a “explosão” espaço geográfico, devido a elementos tecnoló- da matéria-prima, que pode ser transformada gicos e econômicos. A tecnologia é o uso da terra em vários outros produtos finais, por meio dos no processo produtivo. Já o elemento econômico processos industriais e comerciais. Ou seja, o é o preço da terra, cujo valor afeta a sua utilização, complexo industrial está intimamente ligado às e, além disso, inclui os custos de transporte. Desse cadeias de produção, cada uma associada a um modo, existem dois efeitos, um no sentido da disper- produto. O surgimento do complexo agroindustrial são relacionada à renda da terra e outro no sentido moderno é o resultado da expansão do parque da concentração da atividade agrícola, devido aos industrial, que passa a buscar novos campos custos, em particular dos transportes. Segundo Ma- de atividades para aumentar seus lucros, e tos (1998), os produtos agrícolas chegam ao merca- da expansão da produção agrícola moderna, do numa situação de concorrência, de modo que a assumindo as mesmas características de outros produtividade, os custos de transporte e a procura ramos da produção industrial, com alto grau de determinam, em conjunto, uma sucessão no espaço concentração e cartelização (BATALHA, 1997; das áreas cultivadas. SORJ, 1986). Nesse ambiente de ideias, as medidas de de informações desagregadas em nível de setor e localização fundamentam o estudo da dispersão espaço, sua uniformidade para medir e comparar a e da concentração das atividades produtivas no distribuição das atividades e setores. espaço geográfico. Mediante esse cenário, a seção a seguir versará sobre as medidas de localização, de modo a elucidar o objetivo desta pesquisa. Os dados sobre o emprego formal foram extraídos da base de dados on-line da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para os ramos produtivos, 1.1 Os Indicadores do Padrão de Localização do cultivo de algodão e da indústria têxtil. Os períodos analisados foram 1997, 2000 e 2007. Como o foco do estudo são as atividades algodoeiras, tanto na produção quanto na transformação, elas foram Para contemplar o escopo deste estudo, utilizaram-se as medidas de localização, pois permitem o conhecimento do padrão de localização das atividades produtivas de uma região. O ponto de partida para o cálculo das medidas de localização é uma matriz de informações setorial-espacial de uma variável base. Neste estudo, utilizar-se-á o emprego formal como variável base. Segundo Haddad (1989), a variável emprego é escolhida com frequência, haja vista a disponibilidade desagregadas dos seus respectivos setores. As medidas de localização escolhidas para a análise foram o Quociente Locacional e o Coeficiente de Associação Geográfica (Cagik). Essas medidas são de natureza setorial e se preocupam com a localização do emprego formal nos ramos produtivos entre as regiões, além disso, elas identificam padrões de concentração ou dispersão espacial do emprego. Desse modo, para a estimativa dessas medidas, têm-se as seguintes equações: Eij = Número de empregados no ramo prod. i da mesorregião j; (1) ∑ Eij = Número de empregados no ramo prod. i de todas as mesorregiões; (2) j ∑ Eij = Número de empregados em todos os ramos prod. da mesorregião j; (3) i ∑∑ Eij = Número de empregados em todos os ramos prod. de todas as mesorregiões. (4) i j Assim, a partir das equações 1, 2, 3 e 4, podem ser representadas, no QUADRO 1, as medidas de localização e o seu padrão de análise. Rev. FA E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 198 - 211, jan./jun. 2014 203 QUADRO 1 – Descrição das medidas de localização Indicador Equação Interpretação dos Resultados Eij / ∑ Eij Quociente QL = Locacional (QL) ∑ Eij / ∑∑ Eij i Setor i Coeficiente de Associação Geográfica (Cagik) QL ≥ 1/Localização significativa j i j 0,50 ≤ QL ≤ 0,99/Localização média QL ≤ 0,49/Localização fraca Setor k E ij E ij − ∑j ∑ E ∑ E ij ij i i Cag ik = 2 0,7745 ≤ (Cagik) = associação fraca 0,5162 ≤ (Cagik) ≤ 0,2582 = associação média 0,2581 ≤ (Cagik) ≤ 0,0001 = associação significativa FONTE: Haddad (1989) O Quociente Locacional (QL) compara a participação percentual de uma região em A seguir, os resultados e discussões formalizam as observações deste método. determinado setor com a participação percentual da mesma região no emprego total do conjunto da economia, neste caso, o estado do Paraná. Caso o valor do QL seja maior que a unidade, a região detém importância no ramo produtivo, no contexto 2 O Padrão de Localização do Emprego Formal na Cotonicultura Paranaense do estado. Ao contrário, se o QL for menor que a unidade, então, o setor em questão possui pouca importância no contexto estadual. O Coeficiente de Associação Geográfica (Cagik) compara as distribuições percentuais de emprego de dois ramos produtivos entre as regiões. Se os valores se aproximarem da unidade, significa que a atividade produtiva não está associada geograficamente com a outra atividade produtiva. No entanto, se o valor do coeficiente aproximar-se de 0 (zero), então os setores estão distribuídos regionalmente da mesma forma, ou seja, os padrões locacionais dos dois ramos produtivos estão associados geograficamente. 204 Esta seção apresentará os resultados das medidas de localização. Entretanto, primeiramente, é interessante analisar a distribuição do emprego formal entre os setores analisados para as mesorregiões do Paraná. Nesse sentido, a TAB. 2 apresenta essa distribuição. TABELA 2 – Distribuição percentual do emprego formal no cultivo de algodão e na indústria têxtil nas mesorregiões do Paraná de 1997, 2000 e 2007 Período 1997 Setores 2000 2007 Cultivo de Algodão % 1997 2000 2007 Indústria Têxtil % Noroeste Paranaense 0.05 0.01 0.02 7.74 9.08 12.34 Centro Ocidental Paranaense 0.00 0.02 0.04 4.90 5.08 5.62 Norte Central Paranaense 0.00 0.00 0.02 6.02 7.02 7.47 Norte Pioneiro Paranaense 0.01 0.01 0.07 4.39 5.39 5.86 Centro Oriental Paranaense 0.00 0.00 0.09 1.79 1.51 0.99 0.01 0.00 0.03 1.49 2.40 3.44 Sudoeste Paranaense 0.00 0.00 0.04 6.75 7.54 8.27 Centro-Sul Paranaense 0.00 0.00 0.12 0.30 0.55 1.27 Sudeste Paranaense 0.00 0.00 0.07 0.78 0.76 1.14 Mesorregião Metropolitana de Curitiba 0.00 0.00 0.01 0.75 0.69 0.65 Estado do Paraná 0.00 0.00 0.03 2.59 3.03 3.55 Oeste Paranaense FONTE: MTE-RAIS (2009) Nota-se, mediante os dados da TAB. 2, que Destarte, para além do aumento da parti- a participação do cultivo de algodão foi crescente cipação do setor de cultivo de algodão na con- no estado do Paraná ao longo do tempo, mas, centração do emprego formal, na maior parte das nos anos de 1997 e 2000, não representava mesorregiões, também houve um aumento da par- significância no estoque de empregos formais ticipação da indústria têxtil. Por exemplo: enquanto e, no ano de 2007, esse percentual passou para no Noroeste paranaense houve uma diminuição da 0,03%. Além disso, o setor ganhou participação participação do setor de cultivo de algodão, o setor na maioria das mesorregiões. A exceção foi a da indústria têxtil mais do que compensou esse de- mesorregião Noroeste paranaense, que tinha a clínio. Assim, supõe-se que essa mesorregião está se maior participação, de 0,05% em 1997, passou especializando mais na industrialização do algodão para 0,02% em 2007. Neste ano, a mesorregião do que no plantio da matéria-prima. que se destacou foi a Centro-Sul paranaense, que Esses resultados ressaltam o fenômeno de tinha um percentual de 0,12% de empregados migração da cultura de algodão para outras regiões formais nesse setor. Já a indústria têxtil teve dentro ou fora do estado do Paraná. Para corroborar maior concentração de emprego na mesorregião essa colocação, a série histórica do GRAF. 1 demons- Noroeste região tra a queda na participação na produção de algodão apresentou um significativo aumento no emprego, do estado do Paraná a partir da década de 1990, per- passando dos 7,74% em 1997 para 12,34% em 2007. durando com oscilações negativas. Rev. paranaense, FA E , além disso, a C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 198 - 211, jan./jun. 2014 205 GRÁFICO 1 – Participação percentual das regiões geográficas na quantidade produzida de algodão – 1970-2006 70% 60% 50% Norte Nordeste 40% Sudeste Sul 30% Centro-Oeste Paraná 20% 10% 0% FONTE: IBGE (2010) O Paraná, a partir de 1980, detinha uma Central e Nordeste do Brasil, onde predomina a significativa participação na produção nacional cotonicultura mais competitiva, mecanizada e de algodão, contribuindo para o atendimento do conduzida empresarialmente em grandes áreas. consumo interno até meados dos anos de 1990. Conforme mostra o GRAF. 1, as regiões Centro- Somente no ano de 1985, o Paraná (que sempre -Oeste e Nordeste foram responsáveis por 61% e produziu quase 100% de toda a produção de 33%, respectivamente, da produção de algodão algodão da Região Sul) produzia 39% de todo o em 2006. Essa migração ocorreu principalmente algodão nacional. Segundo o censo agropecuário pelos seguintes fatores: declividade dos solos, de 2006, essa produção era somente de 1%. que permite a colheita mecânica, reduzindo Uma hipótese para esse decréscimo é que está gastos com mão de obra; maior regularidade ocorrendo a substituição da produção de pluma climática; e plantio em escala, propiciando maiores por outras atividades agrícolas no estado. investimentos nas lavouras e, consequentemente, Nesse sentido, nota-se que houve um declínio na produção. Esse declínio foi paralelo 206 melhor produtividade (BARBOSA; NOGUEIRA JUNIOR, 2000; PARANÁ, 2003). ao deslocamento do plantio das Regiões Sul e Esse panorama evoluiu de modo acelerado Sudeste (Paraná e São Paulo) para as regiões e contribuiu para o agravamento da crise na cotonicultura paranaense, refletindo em diversos municípios do interior do estado, pois as perdas com as receitas municipais, a redução dos estabelecimentos rurais e a eliminação de postos de trabalhos nessa atividade contribuíram para o êxodo rural e a deslocalização de postos de trabalho nas atividades urbanas. Além disso, a cultura, por ser explorada por pequenos agricultores no Paraná e por ser a maior geradora de mão de obra, em comparação com a soja e o milho, também desestimula a agricultura familiar. Assim, as opções por outras culturas no estado desaceleraram a produção de tal maneira que se produziu somente 27% da demanda das fiações. E todos esses fatores foram cruciais para que o estado do Paraná passasse de exportador para um grande importador do produto. Observa-se que as mudanças ocorridas, devido à abertura comercial, foram exigentes para alguns setores da economia, o que levou muitos setores à reestruturação. Esse processo envolveu atividade produtiva têxtil, com ênfase maior na cotonicultura (GUILHERME; MICHELLON, 2004). Assim, a TAB. 3 mostra o padrão de localização nos dois setores de estudos. TABELA 3 – O padrão de localização (QL) do emprego formal em ramos produtivos selecionados nas mesorregiões do Paraná – 1997-2007 Mesorregiões Noroeste Paranaense Centro Ocidental Paranaense Cultivo de Algodão 1997 2000 13.29 Indústria Têxtil 2007 4.19 0.77 1997 2000 2.88 2007 3 3.48 - 11.17 1.59 1.89 1.68 1.58 Norte Central Paranaense 0.42 0.91 0.83 2.32 2.32 2.1 Norte Pioneiro Paranaense 3.38 9.06 2.81 1.69 1.78 1.65 - 0 3.39 0.69 0.5 0.28 1.77 0 0.96 0.58 0.79 0.97 Sudoeste Paranaense - 0 1.52 2.6 2.49 2.33 Centro-Sul Paranaense - 0 4.7 0.12 0.18 0.36 Centro Oriental Paranaense Oeste Paranaense Sudeste Paranaense - 0 2.57 0.3 0.25 0.32 Metropolitana de Curitiba - 0 0.24 0.29 0.23 0.18 FONTE: Os autores (2010) Verifica-se que o segmento de cultivo de al- dental, Norte Central, Norte Pioneiro e Sudoeste godão demonstrou um significativo padrão de lo- foram as únicas que apresentaram um padrão de calização do emprego nas mesorregiões Noroeste localização do emprego formal significativo para paranaense em 1997 e no Centro Ocidental para- esse setor. Destas, a mesorregião Noroeste para- naense em 2000. Já em 2007, o QL apresentou naense nos períodos analisados obteve os maio- uma forte queda, e a localização mais expressiva res valores de QL na indústria têxtil, revelando ocorreu na mesorregião Centro-Sul paranaense. que essa mesorregião concentra uma significativa Por outro lado, é possível notar que a quantidade parte do emprego formal nesse ramo de atividade. de mesorregiões que apresentaram um QL signifi- Nota-se também que a mesorregião metropolitana cativo nesse setor aumentou. de Curitiba apresentou a menor concentração de Quando se analisa o setor da indústria têxtil, não se observa nenhuma mudança mais significa- emprego na indústria têxtil do estado, com valores entre 0,29 e 0,18. tiva nas mesorregiões. Nos três anos analisados, as Dessa forma, a mesorregião Noroeste pa- mesorregiões Noroeste paranaense, Centro Oci- ranaense tem a indústria têxtil como um grupo- Rev. FA E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 198 - 211, jan./jun. 2014 207 -chave da economia regional dessa localidade. Essa mesorregião constitui um importante polo de vestuário e confecções, concentra um dos maiores números de empresas e mão de obra ocupada do estado do Paraná. As empresas contam com cooperativas de vendas por atacado e associação de shoppings atacadistas, como a da cidade de Cianorte (Asamoda) (IPARDES, 2004). O parque industrial do segmento do vestuário cresceu de 277 confecções, em 1995, para 763, em 2002, com destaque para as empresas Be Eight, Morena Rosa, Lúcia Figueiredo Macksonn e For Boys, de Cianorte; Cortez & Massambani, de Japurá; Storti, de Altônia; Retook, de Umuarama; Noroeste e Kollan, de Paraíso do Norte; Willitex, de Tamboara; Paranacity, de Paranacity; e Sandy, de Paranavaí. A A mesorregião Noroeste paranaense tem a indústria têxtil como um grupo-chave da economia regional e constitui um importante polo de vestuário e confecções, concentra um dos maiores números de empresas e mão de obra ocupada do estado do Paraná. mesorregião ainda conta com 35 empresas no segmento de malharia, estamparia, texturização e têxteis diversos, 14 unidades industriais no segmento de beneficiamento e fiação de algodão (INSTITUTO PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO ECONÔ- tria têxtil. Segundo o Ipardes (2004), a indústria têxtil não tem muito dinamismo nessa mesorregião, que é caracterizada pelos complexos industriais ele- MICO E SOCIAL, 2004). Cabe ressaltar também que, em 2003, o estado do Paraná já havia conquistado um lugar de destaque na indústria da moda. Segundo Camara tro-metal-mecânico, complexo químico, complexo agroindustrial e madeireiro e outros complexos de eletroeletrônicos e bebidas. et al. (2006), o Estado se firmara como o segundo maior polo industrial de confecção do país, sua produção era estimada em 150 milhões de peças/ ano, com um faturamento anual de R$ 2,8 bilhões. Já a mesorregião metropolitana de Curitiba teve perda relativa de empregos formais na indús- Nesse contexto, após abordagem dos resultados do QL, a seguir será realizada a análise dos resultados do Coeficiente de Associação Geográfica. O QUADRO 2 apresenta as associações conforme resultados da pesquisa. QUADRO 2 – Coeficiente de Associação Geográfica (Cagik) do emprego formal no cultivo de algodão e na indústria têxtil no Paraná – 1997-2007 Ramos de Atividade Cultivo do Algodão 1997 Cultivo do Algodão Indústria Têxtil FONTE: Os autores (2010) Nota: níveis de associação geográfica: Associação significativa Associação média 208 2000 Indústria Têxtil 2007 1997 2000 2007 Esse coeficiente revela que, de modo geral, os ramos produtivos analisados tiveram forte associação geográfica, ou seja, o emprego formal nessas atividades está distribuído regionalmente da mesma forma. As exceções ocorreram no ano de 1997, quando os setores de cultivo de algodão e a indústria têxtil apresentaram Cagik médios. Dessa forma, o cultivo de algodão e a indústria têxtil apresentaram rotatividade no período, pois Cagik passou de médio em 1997 para forte em 2000 e 2007, ou seja, os resultados para os últimos períodos demonstram que o emprego formal nesses ramos produtivos está geograficamente associado. A TAB. 4, a seguir, especifica esses resultados quando apresenta o Cagik para as mesorregiões. TABELA 4 – Coeficiente de Associação Geográfica (Cagik) do emprego formal no cultivo do algodão e na indústria têxtil para as mesorregiões do Paraná nos intervalos de 1997, 2000 e 2007 Mesorregiões 1997 2000 2007 Cultivo do algodão/ Indústria têxtil Cultivo do algodão/ Indústria têxtil Cultivo do algodão/ Indústria têxtil Noroeste Paranaense 0.4914 0.062 0.1532 Centro Ocidental Paranaense 0.0461 0.2217 0.0001 Norte Central Paranaense 0.3544 0.2708 0.2479 Norte Pioneiro Paranaense 0.0686 0.2796 0.0441 Centro Oriental Paranaense 0.0391 0.0281 0.1826 Oeste Paranaense 0.1059 0.0722 0.0008 0.079 0.0745 0.0287 Centro-Sul Paranaense 0.0037 0.0057 0.1314 Sudeste Paranaense 0.0069 0.0061 0.0498 0.1368 0.1059 0.0227 Sudoeste Paranaense Metropolitana de Curitiba FONTE: Os autores (2010) De acordo com os resultados da TAB. 4, no apresentaram forte associação geográfica do ano de 1997, somente as mesorregiões Noroeste emprego formal nas atividades do cultivo do e Norte Central obtiveram um Cagik médio para o algodão e da indústria têxtil, e a mesorregião Centro emprego formal nas atividades da produção de Ocidental obteve a maior associação geográfica. algodão e da indústria têxtil. As demais mesorregiões Esses resultados apontam para hipótese de que a representaram uma forte associação, sendo a mais produção de algodão e a indústria têxtil passaram expressiva na mesorregião Centro-Sul paranaense. por um processo de distribuição espacial do Já em 2000, associação média ocorreu nas mesorregiões Norte Central e Norte Pioneiro e associação forte novamente na mesorregião CentroSul. No período que sucede, todas as mesorregiões Rev. FA E , emprego formal no estado ao longo do período. Isso posto, cabe ressaltar que no ramo agrícola são visíveis diversas mudanças de localização. Sobre isso, Souza e Santos (2009) apontam que C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 198 - 211, jan./jun. 2014 209 determinadas culturas migraram do Paraná para Essa atividade apresentou maior participação outras regiões do país na década de 1990 a 2005. na mesorregião Noroeste paranaense, destarte, Essas culturas foram substituídas por outros culti- essa mesorregião é caracterizada pelas facções e vos, como é o caso do algodão, que diminuiu sig- confecções, que tornam-na conhecida por fazer nificativamente a produção no estado. Entretanto, parte do corredor da moda da região Norte. outras culturas, como a cana-de-açúcar, apresen- Entretanto, de modo geral, em todas as mesorregiões taram um crescimento substancial de área planta- verificou-se um aumento da participação dessa da e de produção no estado. Além disso, outras atividade na concentração de emprego formal, lavouras migraram e se concentraram em regiões mostrando o espraiamento no espaço paranaense específicas dentro do Paraná, como ocorreu com a das indústrias têxteis. Ao que se refere ao Cagik, com exceção para do feijão e a do café. o primeiro período, em que o índice apresentou Conclusão média associação regional, os demais períodos apresentaram para os setores forte distribuição regional. Para os ramos produtivos de cultivo do O objetivo deste artigo foi analisar a locali- algodão e a indústria têxtil, a associação geográfica zação do emprego formal na produção de algodão foi significativa. Entre essas atividades, a produção de e na indústria têxtil no estado do Paraná e deter- algodão, em virtude do processo de reestruturação minar o desempenho setorial do emprego formal que ocasionou a migração dessa cultura, apresentou nessas atividades. O estudo abrangeu as mesorre- uma giões paranaenses em relação ao Paraná no perí- relevante ao longo do período. tendência de deslocamento geográfico odo de 1997 a 2007. Analisou-se, por meio de um instrumental de análise regional, o desempenho das 10 mesorregiões do estado. Nesse sentido, os resultados para o QL demonstraram mudanças na estrutura do emprego, principalmente no ramo de produção de algodão. Essa atividade apresentou mudanças geográficas quanto à participação desse setor na economia do estado. Ao longo do período, a participação mudou da mesorregião Noroeste paranaense, em 1997, para Centro Ocidental paranaense, em 2000, e em 2007 para o Centro-Sul paranaense. Além disso, a produção de algodão decresceu significativamente no Paraná devido ao processo de reestruturação da atividade, que teve início na década de 1970 e intensificou-se com abertura comercial da década de 1990, e, por fim, registrando as menores safras em 2006. Nesse sentido, essa atividade não possui relevância no estado do Paraná como na década de 1980. Já a indústria têxtil possui uma relevância maior, no Paraná, que a produção de algodão. 210 • Recebido em: 25/04/2012 • Aprovado em: 01/03/2013 Referências AZZONI, C. R. Onde produzir? Aplicações da teoria da localização no Brasil. São Paulo: BID, 1985. BARBOSA, M. Z.; NOGUEIRA JUNIOR, S. Reestruturação da cadeia de produção de têxteis no Brasil e seus reflexos na cotonicultura. In: WORLD CONGRESS OF RURAL OF SOCIOLOGY, 10., Rio de Janeiro, RJ; BRAZILIAN CONGRESS OF RURAL ECONOMY AND SOCIOLOGY, 38., 2000, Rio de Janeiro, RJ. Anais… Rio de Janeiro: SOBER, 2000. 1 CD-ROM. BATALHA, M. O. Gestão agroindustrial. São Paulo: Atlas, 1997. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Relação anual de informações sociais (RAIS): base de dados estáticos. Brasília. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/>. Acesso em: 23 abr. 2014. CAMARA, M. R. G. da. et al. 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FA E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 198 - 211, jan./jun. 2014 211 212 Orientações aos Colaboradores da Revista da FAE Histórico e Missão A Revista da FAE, existente desde 1998, é um espaço para divulgação da produção científica e acadêmica de temas multidisciplinares, que enfoca, principalmente, as áreas de Administração, Contabilidade, Economia, Direito, Engenharia, Educação, Sistemas de Informação, Psicologia e Filosofia, com o intuito de discutir o posicionamento das organizações e o desenvolvimento local. Por sua missão ser a de fomentar a produção e a disseminação de conhecimento em áreas correlatas à discussão sobre a gestão de negócios e o posicionamento das organizações no processo de desenvolvimento local, entre nossos leitores, encontram-se professores, alunos de graduação e pós-graduação, consultores, empresários e profissionais de empresas públicas e privadas. Já com o tema organizações e desenvolvimento, o objetivo é analisar o papel e a interação da organização, qualquer que seja sua origem ou situação societária, no processo de sustentabilidade econômica, social, ambiental e política. Além de trabalhos puramente teóricos, serão aceitos para apreciação artigos resultantes de estudos de casos ou pesquisas direcionadas que exemplifiquem ou tragam experiências fundamentadas teoricamente e que contribuam com o debate estimulado pelo objetivo da revista. Enfatiza-se a necessidade de os autores respeitarem as normas estabelecidas nas Notas para Colaboradores, especialmente as referentes ao limite de tamanho. Os trabalhos serão publicados de acordo com a ordem de aprovação, porém será priorizado o conteúdo multidisciplinar do debate. Todos os artigos estão disponíveis para download, exceto a última edição. Objetivo Focos O objetivo da Revista da FAE é promover a publicação de temas relacionados à gestão de negócios e à inserção das organizações no processo de desenvolvimento local. A Revista da FAE deseja motivar e instigar os seus leitores a compreender o papel das organizações no processo de desenvolvimento local, tendo acesso à discussão de temas atuais e relevantes para definição estratégica e operacional das organizações. Assim, será dada prioridade à publicação de artigos que, além de inéditos, nacional e internacionalmente, versem sobre o papel das organizações no desenvolvimento local e discutam temas contemporâneos da gestão de negócios. O principal requisito para publicação na Revista da FAE consiste em que o artigo represente, de fato, uma contribuição científica. Tal requisito pode ser desdobrado nos seguintes tópicos: • O tema tratado deve ser relevante e pertinente ao contexto e ao momento e, preferencialmente, pertencer à orientação editorial. • O referencial teórico-conceitual deve refletir o estado da arte do conhecimento na área. • O desenvolvimento do artigo deve ser consistente, com princípios de construção científica do conhecimento. • A conclusão deve ser clara e concisa e apontar implicações do trabalho para a teoria e/ou para a prática administrativa. Orientação Editorial Os trabalhos selecionados pela Revista da FAE serão aqueles que abordem temas relacionados ao seu objetivo, ou seja, que se refiram a ferramentas técnicas e teorias relacionadas à gestão de negócios e à função das organizações no processo de desenvolvimento local. Com o tema gestão de negócios, visa-se contribuir com o debate sobre sistemas de gestão de produção e gestão econômica de sistemas produtivos, com o intuito de discutir o processo de desenvolvimento da organização. Trata-se de uma visão holística sobre a gestão de negócios, a partir de uma abordagem multidisciplinar das áreas de Ciências Sociais Aplicadas (Administração, Contábeis e Economia), Jurídica (Direito) e Exatas (Engenharias). 214 Espera-se, também, que os artigos publicados na Revista da FAE desafiem o conhecimento e as práticas estabelecidas com perspectivas provocativas e inovadoras. Escopo A Revista da FAE tem interesse na publicação de artigos de desenvolvimento teórico e trabalhos empíricos. referências bibliográficas completas deverão ser apresentadas em ordem alfabética no final do texto, de acordo com as normas da ABNT (NBR-6023). • Os artigos de desenvolvimento teórico devem ser sustentados por ampla pesquisa bibliográfica e devem propor novos modelos e interpretações para fenômenos relevantes com relação à gestão de negócios e à interação das organizações no desenvolvimento local. Os trabalhos empíricos devem trazer avanços ao conhecimento na área, por meio de pesquisas metodologicamente bem fundamentadas, criteriosamente conduzida, e adequadamente analisadas. Diagramas, quadros, figuras e tabelas devem ser numerados sequencialmente, apresentar título e fonte, bem como ser referenciados no corpo do artigo. Permuta A Revista da FAE faz permuta com as principais faculdades e universidades do País. Notas para Colaboradores Assinatura A Revista da FAE está aberta a colaborações do Brasil e do exterior. A pluralidade de abordagens e perspectivas é incentivada. Podem ser publicados artigos de desenvolvimento teórico e artigos baseados em pesquisas empíricas (de 5 mil a 8 mil palavras). A aceitação e publicação dos textos implicam a transferência de direitos do autor para a Revista. Não são pagos direitos autorais. Periodicidade: Anual Valor: R$ 65,00 • Para assinar, favor entrar em contato pelo telefone (41) 2105-4093 ou [email protected]. Envio de Artigos Os textos enviados para publicação são apreciados por pareceristas pelo sistema blind review. Os artigos deverão ser encaminhados para o Núcleo de Pesquisa Acadêmica (NPA) com as seguintes características: • Rev. Na folha de rosto deverão constar o título do trabalho, o(s) nome(s) completo(s) do(s) autor(es), acompanhado(s) de um breve currículo, relatando experiência profissional e/ou acadêmica, endereço, números do telefone e do fax e e-mail. • A primeira página do artigo deve conter o título (máximo de dez palavras), o resumo em português (máximo de 250 palavras) e as palavras-chave (máximo de cinco), assim como os mesmos tópicos vertidos para o inglês (title, abstract, keywords). • A formatação do artigo deve ser: tamanho A4, editor de texto Word for Windows, margens 2,5 cm, fonte times new roman 13 e/ou arial 12 e espaçamento 1,5 linha. • As referências bibliográficas devem ser citadas no corpo do texto pelo sistema autor-data. As FA E , Curitiba, Os artigos deverão ser encaminhados para: FAE Centro Universitário Núcleo de Pesquisa Acadêmica Rua 24 de Maio, 135 80230-080 Curitiba/PR E-mail: [email protected] Fone: (41) 2105-4093 - Fax (41) 2105-4195 Agradecemos o seu interesse pela Revista da FAE e esperamos tê-lo(a) como colaborador(a) frequente. v. 16, n. 2, p. 211 - 214, jul./dez. 2013 215