A Visão do Outro
Transcrição
A Visão do Outro
Brasil – Argentina: A Visão do Outro Soberania e Cultura Política brasil-argentinaFIM.pmd 1 5/2/2004, 11:01 Ministério das Relações Exteriores Ministro de Estado Embaixador Celso Amorim Secretário-Geral Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães Fundação Alexandre de Gusmão - Funag Presidente Embaixadora Thereza Maria Machado Quintella Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais - Ipri Diretora Embaixadora Heloísa Vilhena de Araujo Fundação Centro de Estudos Brasileiros - Funceb Presidente Monica Hirst brasil-argentinaFIM.pmd 2 5/2/2004, 11:01 Brasil – Argentina: A Visão do Outro Soberania e Cultura Política Carlos Henrique Cardim Monica Hirst Organizadores brasil-argentinaFIM.pmd 3 5/2/2004, 11:01 As idéias, opiniões e propostas apresentadas neste livro são de responsabilidade exclusiva dos autores, não expressando, necessariamente, o pensamento ou as posições do Ministério das Relações Exteriores (MRE), ou da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG). Brasil - Argentina: a Visão do Outro: Soberania e cultura política / Carlos Henrique Cardim, Monica Hirst orgs. - Brasília: IPRI/FUNAG, 2003 ISBN 85-7631-004-X 1. Soberania. 2. Argentina - Política e governo. 2. Brasil Política e governo. 3. Argentina - Relações Exteriores Brasil. 4. Brasil - Relações Exteriores - Argentina. I. Cardim, Carlos Henrique, org. II Hirst, Monica, org. III. Título: A Visão do Outro. CDU: 341.211(82) Editoração eletrônica e capa: André Luís Pires de Carvalho Direitos de Publicação reservados ao: Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais - IPRI Esplanada dos Ministérios, Bloco “H”, Anexo I, s. 708 70.170-900, Brasília - DF Tel.: (61) 411.6800/6816 Fax: (61) 224.2157 www.mre.gov.br/ipri [email protected] brasil-argentinaFIM.pmd 4 5/2/2004, 11:01 Sumário Introdução .................................................................................. 9 Thereza Maria Machado Quintella Notas Biográficas ................................................................... 13 Sobre a Soberania I . História José Carlos Chiaramonte ........................................................... 23 La cuestión de la soberanía en la génesis y constitución del Estado Argentino. Affonso Carlos Marques dos Santos ........................................... 57 A construção do Estado Imperial no Brasil: soberania e legitimidade. II . Economia Gilberto Dupas ........................................................................ 89 Identidade, Soberania e Integração sob o impacto das novas tensões econômicas globais. Roberto Frenkel ..................................................................... 125 El costo financiero de la soberanía. III . Política Francisco Delich ...................................................................... 143 Soberanías acotadas, legitimidades cuestionadas. brasil-argentinaFIM.pmd 5 5/2/2004, 11:01 Sobre a Cultura Política I . História Luis Alberto Romero................................................................... 161 La nueva Argentina y la vieja Argentina. Una mirada al siglo XX. Jose Murilo de Carvalho.............................................................. 197 Política brasileira no século XX: o novo no velho. Comentários Boris Fausto ........................................................................... 217 II . Dimensão Econômica João Paulo de Almeida Magalhães................................................ 221 Condições para uma estratégia de desenvolvimento conjunto do Brasil e Argentina. Bernardo Kosacoff - Adrián Ramos ............................................. 245 El caso Argentino: La desorganización económica actual y la identificación del sendero de crescimiento. Comentários Sergio Besserman Vianna ....................................................... 277 Felipe de la Balze ................................................................... 285 Mônica Baer ........................................................................... 291 III . O Universo Político José Nun................................................................................... 299 El Proceso Democrático en la Argentina Maria Hermínia Tavares de Almeida............................................ 329 A Democracia Brasileira nos anos 90 brasil-argentinaFIM.pmd 6 5/2/2004, 11:01 Comentários Walter Costa Porto ................................................................. 344 Renato Lessa .......................................................................... 346 João Almino de Souza Filho ................................................... 356 Carlos Henrique Cardim ......................................................... 361 IV . Política Externa Roberto Russell / Juan Tokatlian................................................. 371 El lugar del Brasil en la política exterior argentina: la visión del otro. Monica Hirst / Maria Regina Soares de Lima .............................. 405 Contexto Internacional, Democracia e Política Externa. Comentários Denilde Holzhacker ............................................................... 431 Carlos Perez Llana ................................................................ 434 brasil-argentinaFIM.pmd 7 5/2/2004, 11:01 brasil-argentinaFIM.pmd 8 5/2/2004, 11:01 Introdução É uma grande satisfação para mim fazer a apresentação deste volume, que reúne as contribuições apresentadas em dois seminários da série Brasil – Argentina: a Visão do Outro, iniciada em maio de 1997, e que é uma iniciativa conjunta da Fundación Centro de Estudos Brasileiros (FUNCEB) de Buenos Aires, e do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG), de Brasília. É política dessas entidades editar os anais dos seminários que promovem, para que fiquem registrados e cheguem a um público mais amplo os excelentes textos especialmente preparados para eles. Os intelectuais, por meio da História, revelam-nos o caminho. Não é fácil essa tarefa que lhes cabe e é importante que estejam conscientes do papel fundamental que têm a desempenhar na construção das relações entre o Brasil e a Argentina, como também função de buscar disseminar os resultados do seu esforço de reflexão. Essa série de seminários tem reunido diplomatas, políticos, cientistas políticos, economistas e historiadores para examinar tanto a evolução de cada um dos dois países, que são irmãos e sócios igualmente empenhados na conformação de um futuro comum, quanto a história de seu inter-relacionamento. Esse hoje é muito estreito, mas já atravessou fases de dificuldades provocadas por uma rivalidade herdada, ainda no período colonial, das respectivas metrópoles. Como lembra o Embaixador Sebastião do Rego Barros na apresentação do volume em que estão reunidos os textos dos três primeiros seminários da série, virou passado o impulso de rivalidade e diferenciação que caracterizou até meados da década de 1980 as nossas respectivas histórias nacionais e o relacionamento entre nossos países. Esse impulso, graças à iniciativa dos presidentes Alfonsín e Sarney, foi substituído por um espírito de cooperação, pelo trânsito de pessoais, informações, bens, serviços e investimentos, por uma atração recíproca, por interesses convergentes e pela busca da complementariedade. Através de um maior conhecimento do outro, procuramos chegar ao fortalecimento de uma identidade compartilhada em várias dimensões: 9 brasil-argentinaFIM.pmd 9 5/2/2004, 11:01 política, econômica, social e cultural. Como disse no primeiro seminário o vice-ministro argentino Andrés Cisneros: “quando olhamos as coisas da perspectiva aberta pelo Mercosul, começamos a ver que, em muitos sentido, o outro somos nós próprios e necessitamos compartilhar nossas visões para enriquecer-nos mutuamente.” O primeiro seminário foi dividido em duas partes: a primeira em Buenos Aires e a segunda em São Paulo, realizadas ambas em 1997. Nesta etapa analisou-se a Formação da Identidade Nacional nos dois países. O seguinte, ocorrido em 1998, em Buenos Aires, intitulou-se Brasil-Argentina na Transição ao Século XX: da Consolidação das Nacionalidades à Construção de Projetos Civilizatórios e deu seguimento às reflexões comparativas de caráter histórico. Na mesma direção orientou-se o seminário de 1999, no Rio de Janeiro, Brasil-Argentina, os Anos 30: Reflexos e Vínculos. Um dos comentários feitos neste seminário e que provocou uma atenção especial foi feita pelo cientista político Jorge Caldeira, que ao apontar o ineditismo desses encontros de intelectuais para falar um do outro e citando um intelectual uruguaio: “o que se passa aqui é que os políticos fizeram o Mercosul e agora nos chamaram para ver como explicar e justificar as ações deles.” Qual foi a motivação, e se foi mesmo esta, parece-me menos importante do que o resultado, que tem sido brilhante e de crescente relevância. No presente volume estão reunidas as contribuições apresentadas nos seminários Brasil-Argentina – A Visão do Outro; uma Aproximação Interdisciplinária em torno à Questão da Soberania (Buenos Aires, dezembro de 2002) e A Visão do Outro: A Cultura Política (Brasília, abril de 2002). Ambos em muito contribuíram para adensar o nosso conhecimento recíproco e espero que esta publicação só venha a reforçar estes aspectos. O presidente Fernando Henrique Cardoso, em seu segundo discurso de posse, em 1999, enfatizou o caráter estratégico e de irmandade profunda do relacionamento Brasil-Argentina e apontou – como uma obviedade que era importante repetir – o fato de ser o Mercosul a pedra de toque da política externa brasileira. Mantém-se vivo e prioritário no Brasil o propósito de dar prosseguimento à construção da aliança 10 brasil-argentinaFIM.pmd 10 5/2/2004, 11:01 estratégica com nossos irmãos e vizinhos argentinos, fator decisivo para a preservação e o fortelecimento do Mercosul. Para isso recorreremos, quanto e quando necessário, às adaptações criativas a que se tem referido o ministro Celso Lafer em alguns de seus discursos, quando fala dos atuais desafios enfrentados pela Argentina ou da fase difícil que atravessa o Mercosul. Não pode haver dúvida de que as relações Brasil-Argentina têm importância única e fundamental para ambos os países e constituem, ainda nas palavras do ministro Celso Lafer, “uma parceria de grande alcance que os fortalece mutuamente, facilita sua inserção no mundo e constitui um dado-chave da estabilidade política e do crescimento econômico sustentável da América do Sul.” Gostaria de terminar com uma nota pessoal e emocionada para lembrar que a Argentina – e mais especificamente a cidade de Bahia Blanca – foi meu primeiro posto diplomático. Nessa cidade portuária teve o Brasil, até fins dos anos 1960, um pequeno Consulado, que tive o desafio de chefiar com toda a minha inexperiência e auto-suficiência de jovem diplomata. Primeiro posto é como primeiro amor: uma iniciação que nos marca indelevelmente para toda a vida. Dos dois anos que passei na Argentina ficou-me muito carinho por aquele país e por sua gente e uma grande confiança no futuro do nosso relacionamento bilateral. Thereza Maria Machado Quintella Presidente da Fundação Alexandre de Gusmão Brasília, julho de 2002 11 brasil-argentinaFIM.pmd 11 5/2/2004, 11:01 brasil-argentinaFIM.pmd 12 5/2/2004, 11:01 NOTAS BIOGRÁFICAS Afonso Carlos Marques dos Santos Professor Titular de Teoria e Metodologia da História do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e Coordenador do PROCULT – Programa de Teoria, Historiografia e História da Cultura da mesma universidade. Autor, entre outros trabalhos, de “No Rascunho da Nação. Inconfidência no Rio de Janeiro”, “O Rio de Janeiro de Lima Barreto”, “O Paço da Cidade: biografia de um monumento”, “A Academia Imperial de Belas Artes e o projeto civilizatório do Império”, “Nação e História: Jules Michelet e a criação da História Nacional na França” e “Invenções do Brasil”. Bernardo Pedro Kosacoff Argentino, Economista de la Universidad Nacional de Buenos Aires. Director de la Oficina en Buenos Aires de la CEPAL-Naciones Unidas) . Profesor titular de Organización Industrial en la Universidad Nacional de Buenos Aires (desde 1984) y de Política Económica en la Universidad Nacional de Quilmes (desde 1993). Presidente del Instituto Desarrollo Econômico y Social (IDES). (desde 1999). Boris Fausto Professor aposentado do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo e presidente do Conselho Acadêmico do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional (Gacint) da mesma Universidade. Entre suas obras mais recentes, encontram-se “Negócios e ócios - Histórias da imigração”; “História do Brasil” e “O pensamento autoritário brasileiro”. Carlos Pérez LLana Profesor de “Relaciones Internacionales Contemporáneas”. Maestría de posgrado en RR.II. Universidad T. Di Tella. Profesor de “Relaciones Internacionales” y “Agenda Internacional”. Universidad de San Andrés. Ex-Embajador de la Rep.Argentina en Francia ( 2000-2002 ) Último libro: “El Regreso de la Historia. La política internacional de la posguerra fría”. Editorial Sudamericana. Bs.As, 1998. Último artículo: “Argentina: destination Mercosur”. Politique Internationale; nª 95 - printemps 2002. Paris, 2002. 13 brasil-argentinaFIM.pmd 13 5/2/2004, 11:01 Denilde Holzhacker Pesquisador no Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo. Mestre em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo, 2001. Doutoranda do Departamento de Ciências Políticas da USP, com trabalho sobre as Percepções das Elites e da Opinião Pública sobre a Política Externa Brasileira. Felipe De la Balze Académico, empresario y especialista en temas internacionales. Secretario General del Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales (CARI). Ha publicado numerosos libros entre los que se incluyen recientemente, “El Futuro del Mercosur. Entre la Retórica y el Realismo”, CARI, Buenos Aires; “The Remaking of the Argentine Economy” con el Council of Foreign Relations de Nueva York y ha sido coautor de “Paths to Regional Integration. The Case of Mercosur”, Woodrow Wilson International Center for Scholars. Autor, asimismo, de numerosos artículos sobre la inserción de la Argentina en la economía y la política internacional, publicados en revistas internacionales como Foreign Affairs (USA), Foreign Affairs (Español), Internationale Politik (Alemania), Politica Internazionale (Italia) y Archivos del Presente (Argentina). Profesor de Economía Internacional en el Instituto del Servicio Exterior del Ministerio de Relaciones Exteriores, en el Curso Superior del Estado Mayor Conjunto de las Fuerzas Armadas, en FLACSO (Fundación Latinoamericana de Ciencias Sociales) y en la Universidad Torcuato Di Tella. Francisco Delich Se graduó como Abogado en 1961 en la Facultad de Derecho de la Universidad Nacional de Córdoba. Diploma en Economía y Sociología de la Universidad de París, junio de 1964. Doctor en Derecho y Ciencias Sociales, Universidad Nacional de Córdoba, agosto de 1968. Doctor Honoris Causa de la Universidad Mayor de San Marcos, Lima, Perú (1991). Doctor Honoris Causa de la Universidad de Nottingham, Inglaterra (1993). Doctor Honoris Causa de la Soka University de Tokio, Japón (1994). Elegido miembro del Consejo Superior de la Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales. Período 19962004.Director de la Biblioteca Nacional 2000 – 2004 Director de la Carrera de Sociología de la Universidad Siglo 21desde marzo de 2002. 14 brasil-argentinaFIM.pmd 14 5/2/2004, 11:01 Gilberto Dupas Coordenador geral do Grupo de Conjuntura Internacional(GACINT - Universidade de São Paulo), presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais - IEEI, ex-membro do Conselho Deliberativo do Instituto de Estudos Avançados (IEA - USP) e professor da FDC junto ao European Institute of Business Administration - Insead (França) e à Northwestern University - Kellogg (EUA). Autor, entre outros livros, de “Crise Econômica e transição democrática”, “Alca e os interesses do Mercosul”, “Economia global e exclusão social”, “Ética e poder na sociedade da informação” e de “Hegemonia, Estado e Governabilidade”. João Almino de Souza Filho Diplomata e escritor. Entre seus livros se incluem, na ficção, A Trilogia de Brasília, integrada pelos romances Idéias para Onde Passar o Fim do Mundo, Samba-Enredo e As Cinco Estações do Amor, e, na não-ficção, Os Democratas Autoritários, A Idade do Presente, Era uma vez uma Constituinte, O Segredo e a Informação, Naturezas Mortas e Brasil/EUA Balanço poético. Doutor pela École des Hautes Etudes en Sciences Sociales (Paris), foi professor da UNAM (México), da UnB e das Universidades de Berkeley e de Stanford. Foi Conselheiro na Embaixada do Brasil em Washington, Cônsul-Geral em São Francisco e Lisboa, Ministro-Conselheiro em Londres e é Diretor do Instituto Rio Branco. João Paulo de Almeida Magalhães Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – 1950. Doutor em Ciências Econômicas ( doutorado de estado ) Universidade de Paris I –1953. Livre docente de Economia Política da Universidade de São Paulo – 1958. Professor Titular de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro 1964. Professor Titular de Economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro 1994. Economista –chefe do Núcleo de Planejamento Econômico do Governo Jânio Quadros 1961. Membro do Comitê de Peritos da Aliança para o Progresso -1967. Presidente do Instituto de Economia do Rio de Janeiro 1998. Coordenador da Comissão de Política Econômica do Conselho Federal de Economia 2003 José Carlos Chiaramonte Profesor Honorario de la Universidad de Buenos Aires; Director del Instituto de Historia Argentina y Americana “Dr. Emilio Ravignani”de la Facultad de 15 brasil-argentinaFIM.pmd 15 5/2/2004, 11:01 Filosofía y Letras de la misma Universidad; Investigador del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET). Entre otros trabajos, autor de: Nacionalismo y liberalismo económicos en Argentina, 1860-1880, Buenos Aires, Solar-Hachette, 1970; Formas de sociedad y economía en Hispanoamérica, México, Grijalbo, 1983; La Ilustración en el Río de la Plata, Cultura eclesiástica y cultura laica durante el Virreinato, Buenos Aires, Punto Sur, 1989; Mercaderes del Litoral, Buenos Aires, F.C.E., 1991; Ciudades, provincias, Estados: Orígenes de la nación argentina (1800-1846), Buenos Aires, 1997. José Murilo de Carvalho Doutor em Ciências Políticas (Universidade de Stanford), professor titular de História do Brasil da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Seu último livro publicado é ‘‘Cidadania no Brasil. O longo caminho”. José Nun Director del Instituto de Altos Estudios Sociales de la Universidad Nacional de General San Martín e Investigador Principal del CONICET. Entre sus principales libros se cuentan: América Latina - La crisis hegemónica y el golpe militar; La rebelión del coro - Ensayos sobre la racionalidad política y el sentido común; Ensayos sobre la transición democrática en la Argentina (con Juan C. Portantiero); Crisis económica y despidos en masa; Marginalidad y exclusión social; Averiguación sobre algunos significados del peronismo; Democracia: ¿gobierno del pueblo o gobierno de los políticos?; El gobierno de Alfonsín y las corporaciones agrarias (con Mario Lattuada). Juan Gabriel Tokatlian Director de Ciencia Política y Relaciones Internacionales de la Universidad de San Andrés (Victoria, Provincia de Buenos Aires, Argentina). Fue Profesor Asociado (1995-1998) de la Universidad Nacional de Colombia (Bogotá), donde se desempeñó como investigador principal del Instituto de Estudios Políticos y Relaciones Internacionales (IEPRI). Fue co-fundador (1982) y director (1987-94) del Centro de Estudios Internacionales (CEI) de la Universidad de los Andes (Bogotá). Luis Alberto Romero Investigador Principal del CONICET. Profesor de la Universidad de Buenos Aires y de la Maestría en Ciencias Sociales de la Facultad Latinoamericana de 16 brasil-argentinaFIM.pmd 16 5/2/2004, 11:01 Ciencias Sociales Recientemente ha publicado “Sectores populares, cultura y política: Buenos Aires en la entreguerra” (con Leandro H. Gutiérrez, 1995), “Qué hacer con los pobres. Elite y sectores populares en Santiago de Chile en el siglo XIX” (1996), “Argentina. Crónica total del siglo XX” (2000), “Buenos Aires, historia de cuatro siglos” (2da edición, 2000), y “Breve historia contemporánea de la Argentina” (2da ed. 2001) y “A History of Argentina in the Twentieth Century.” The Pennsylvania State University Press, Pennsylvania, 2002. Dirige la colección “Historia y cultura”. Maria Hermínia Tavares de Almeida Professora titular do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, membro do Comitê Executivo da Latin American Studies Association (LASA), do Conselho Superior da CAPES, do Comitê de Ciências Humanas e Sociais da Fapesp e do Comitê Acadêmico da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS). Foi Tinker Visiting Professor na Stanford University. Autora do livro “Crise econômica e interesses organizados” e de artigos sobre políticas públicas no Brasil. Maria Regina Soares de Lima Professora titular e pesquisadora do IUPERJ e professora do Instituto de Relações internacionais (IRI) na PUC-Rio. Autora de vários ensaios críticos e trabalhos de pesquisa sobre política externa em revistas especioalizadas. Monica Baer Sócia-Diretora da MB Associados, empresa de consultoria especializada em análises macroeconômica e setorial, ex-Professora-Doutora do Instituto de Economia da Universidade de Campinas/UNICAMP, foi pesquisadora do CIDE e do CEBRAP, exerceu cargos junto às Secretarias de Planejamento de São Paulo e do Rio de Janeiro e junto à Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, prestou serviços de consultoria a vários órgãos internacionais e regionais como PNUD, ALADI, ILPES/CEPAL e SELA. Tem vários artigos e trabalhos publicados sobre questões financeiras internacionais e economia brasileira, destacando-se os livros, “Políticas globales en el capitalismo”, “A internacionalização financeira no Brasil”, “Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial - Estratégias e políticas do poder financeiro”, “Rumo perdido - A crise fiscal e financeira do Estado Brasileiro”. 17 brasil-argentinaFIM.pmd 17 5/2/2004, 11:01 Monica Hirst Directora Ejecutiva de la Fundación Centro de Estudos Brasileiros (FUNCEB), Profesora en la Universidad Torcuato Di Tella y en el Instituto del Servicio Exterior de la Nación (ISEN). Autora de libros y trabajos sobre las relaciones internacionales de América Latina, con especialización en el Mercosur; la Política Exterior de Brasil; Integración Regional; y Cuestiones de Seguridad Internacional. Renato Lessa Professor titular de Ciência Política no Iuperj e na Universidade Federal Fluminense. Foi professor visitante em diversas instituições nacionais e internacionais, tais como a Universidade de São Paulo, The Queen’s University of Belfast (Irlanda do Norte), Universidad de la Republica (Uruguai) e The American University (Washington, DC). De 1997 a 2000 ocupou a Secretaria Executiva da Associação Brasileira de Ciência Política. No ano de 2002 foi presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Desde 1999 pertence ao Conselho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Assessor especial da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) no programa de implantação e acompanhamento dos Núcleos de Pesquisa, Inovação e Difusão e membro do Conselho do Programa de Estudos Judaicos da UERJ e do Núcleo de Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra. Roberto Frenkel Miembro de la Task Force on Capital Market Liberalization, coordinada por Joe Stiglitz y José Antonio Ocampo. Initiatives for Policy Dialogue, University of Columbia, New York (desde mayo 2002). Director del Banco de la Provincia de Buenos Aires (desde diciembre 1999). Investigador Titular en el Centro de Estudios de Estado y Sociedad (CEDES), Argentina (desde 1977). Director del Programa de Especialización en Mercado de Capitales. Convenio UBA – MERVAL – Bolsa de Comercio de Buenos Aires (desde 1991). Profesor de la Maestría en Economía, Facultad de Ciencias Económicas, Universidad de Buenos Aires (desde 1993). Roberto Russell Director de la Maestría en Estudios Internacionales de la Universidad Torcuato Di Tella y profesor del Instituto del Servicio Exterior de la Nación, Buenos 18 brasil-argentinaFIM.pmd 18 5/2/2004, 11:01 Aires, Argentina. Ha escrito extensivamente sobre Teoría de las Relaciones Internacionales, Relaciones Internacionales de América Latina y Política Exterior Argentina. Su último libro, junto a Deborah Norden es The United States and Argentina: Changing Relations in a Changing World, Nueva York-Londres: Routledge, 2002. Sergio Besserman Vianna Presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE e da Conferência Estatísticas das Américas. Foi Diretor de Planejamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Economico e Social. Autor do livro Política Ecônomica no Segundo Governo Vargas - (1951-1954) e publicou diversos ensaios sobre Globalização e Desenvolvimento Sustentável. Walter Costa Porto Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Foi Ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Autor de vários livros entre os quais “O Voto no Brasil” e “Dicionário do Voto”. 19 brasil-argentinaFIM.pmd 19 5/2/2004, 11:01 brasil-argentinaFIM.pmd 20 5/2/2004, 11:01 SOBRE A SOBERANIA brasil-argentinaFIM.pmd 21 5/2/2004, 11:01 brasil-argentinaFIM.pmd 22 5/2/2004, 11:01 LA CUESTIÓN DE LA SOBERANÍA EN LA GÉNESIS Y CONSTITUCIÓN DEL ESTADO ARGENTINO José Carlos Chiaramonte1 ¿QUÉ FUE ANTES, LAS PROVINCIAS O LA NACIÓN? La cuestión de qué fue anterior, la nación o las provincias, el todo o las partes, ha sido un problema delicado para la historia constitucional argentina, particularmente porque de la respuesta dada a la misma se podía fundar, o negar, el derecho de cada parte a separarse del conjunto. Se trataba de un riesgo muy sensible en el siglo XIX, tal como lo mostraron, entre otros incidentes, la segregación de Buenos Aires en 1852 y los sucesos del 80, así como también lo avivaba el ejemplo de un conflicto exterior, el de la guerra civil norteamericana. Ese riesgo se había desvanecido ya en el siglo actual, pero sus efectos condicionantes en el constitucionalismo argentino seguían vigentes.2 El problema provenía de que tanto la preexistencia de las provincias con anterioridad a la constitución de 1853, como su participación en calidad de entidades soberanas en el Acuerdo de San Nicolás, en 1852 _y fue en toda esa década Buenos Aires la más aferrada a su condición de Estado independiente y soberano_, no podían ser ignoradas fácilmente. De modo que conciliar esa realidad con el principio constitucional de que la nación argentina está formada por un conjunto de provincias que son producto de ella y que sólo ejercen ciertas atribuciones soberanas que, a través de la constitución, la nación les ha concedido, no era cosa sencilla. La voluntad de «poner» la nación ab initio ha sido fuerte en los constitucionalistas, que unen así el recurso convencional propio del 1 Agradezco las observaciones de los investigadores del Instituto, Nora Souto, Pablo Buchbinder y Roberto Di Stefano, así como también los comentarios de Alfonso Marques dos Santos, Hilda Sábato, y demás participantes del Simposio. 2 Problema no ajeno tampoco al caso del Brasil. Véase un reciente reexamen en Manuel Correia de Andrade, As raízes do separatismo no Brasil, São Paulo, Unesp/Educ, 1999. 23 brasil-argentinaFIM.pmd 23 5/2/2004, 11:01 régimen representativo liberal de imputar la soberanía a un sujeto de derecho político denominado nación, con un supuesto histórico discutible. Tal como se observa en este texto de uno de los más importantes constitucionalistas argentinos contemporáneos, Carlos Sánchez Viamonte: «...en el proceso histórico, las provincias son anteriores a la Constitución de 1853, pero posteriores a la existencia de la Nación Argentina, nacida de la Revolución de 1810 y con plena independencia y soberanía desde 1816.»3 Y más claramente en el siguiente: “La NaciónArgentina había comenzado por ser una unidad en la Colonia, durante el Virreinato, y siguió siendo así después de la Revolución de Mayo [...] las provincias no actuaron nunca como Estados soberanos independientes, sino como entidades creadas dentro de la Nación y como partes integrantes de la misma, circunstancialmente afectadas por conflictos internos.”4 El argumento adoptado en la historiografía respectiva con mayor frecuencia para justificar la preexistencia de la nación es, así, suponerla desde al menos el momento inicial del proceso de Independencia.5 La misma tesis es recogida más recientemente por otro destacado constitucionalista, quien sostiene que mientras en EE. UU. la confederación unió a colonias independientes, en Argentina el proceso comenzó con 3 Cit. en Jorge R. Vanossi, Situación actual del federalismo, Buenos Aires, Depalma, 1964, pág. 11. Según la constitución argentina, las provincias están subordinadas a la voluntad soberana de todo el pueblo cuando éste opera como poder constituyente. En este sentido la fórmula de una sentencia del chief justice Chase, pronunciada con motivo del caso «Texas v. White», por la cual el Estado federal es «una unión indestructible de Estados indestructibles», no es aplicable al caso argentino, según Sanchez Viamonte, quien sostiene que las provincias no son destructibles para el gobierno ordinario, pero sí para la voluntad constituyente del pueblo de la Nación Argentina: Jorge R. Vanossi, «La influencia de la constitución de los Estados Unidos de Norteamérica en la Constitución de la República Argentina», Revista Jurídica de San Isidro, Diciembre 1976, pág. 18. 4 Carlos Sánchez Viamonte, Historia Institucional Argentina, Segunda edición, México, F. C. E., 1957, págs. 196 y 197 [la primera edición es de 1948] 5 Un punto de vista parcialmente diferente es el de Germán J. Bidart Campos, que observa la inexistencia de una nacionalidad argentina en 1810, aunque la supone preexistente al acto constitucional de 1853. Germán J. Bidart Campos, Historia Política y Constitucional Argentina, 3 tomos, Buenos Aires, EDIAR, 1976, t. III, págs. 134 y 139. 24 brasil-argentinaFIM.pmd 24 5/2/2004, 11:01 «...una entidad nacional única, heredera del virreinato, que luego de atravesar por un largo período de anarquía y desorganización, devino en la forma constitucional descentralizante de 1853/1860.»6 Si las provincias que concurrieron al nacimiento del actual Estado nacional argentino en 1853 eran Estados independientes y soberanos que pactaban su fusión en un Estado federal o sólo eran partes remanentes de una nación previa que se había disgregado luego de 1810 o 1819 y que desde entonces habían intentado reunirse sin éxito, conforma un problema de capital importancia, no sólo para el derecho constitucional sino también para la historia rioplatense del siglo XIX. Pues también entre los historiadores ha sido preocupación predominante. Un excelente ejemplo de las tesis sobre la existencia de la nación en 1810, así como una muestra bastante traslúcida de la voluntad creadora del mito, los ofrece la Historia del Derecho Argentino de Ricardo Levene. Especialmente desde su primera página, en la que afirma la existencia de un “Derecho Patrio” que si bien se desprende del Derecho Indiano, «...desde sus orígenes es vertebral, formativo de una nacionalidad y no un derecho intermedio al decir de Alberdi, como si careciera de naturaleza propia.» [Derecho intermedio: el francés que va de 1789 al Código de Napoleón de 1804] Se trata en cambio de un «Derecho Patrio Argentino» precodificado, antes de 1853, y codificado luego de esa fecha. El Derecho Patrio Precodificado corresponde «...a un período nuevo que se inicia con la Revolución de 1810, cuyo plan consistió en fundar la Independencia de una Nación, convirtiendo el vínculo jurídico del vasallaje en el del ciudadano que integra la soberanía, y que además de la Independencia, organizaba la República democrática...»7 Nuestro criterio es que lo que puede considerarse una “ficción” jurídica, en el sentido de una convención aceptada como un postulado 6 Jorge R. Vanossi, Situación actual del federalismo, Buenos Aires, Depalma, 1964, pág. 11. 7 Ricardo Levene, Historia del Derecho Argentino, Tomo IV, (desde la Revolución de Mayo a la Asamblea de 1813-15), Buenos Aires, Kraft, 1948, págs. 11 y 12. Sobre la formación de la historiografía constitucional argentina, véase José Carlos Chiaramonte y Pablo Buchbinder, «Provincias, caudillos, nación y la historiografía constitucionalista argentina, 1853-1930», Anuario IHES, Instituto de Estudios Histórico-Sociales, Universidad del Centro de la Provincia de Buenos Aires, Nº 7, 1992. 25 brasil-argentinaFIM.pmd 25 5/2/2004, 11:02 para la organización de un Estado, ha sido convertida en una tesis historiográfica que vela la comprensión del proceso abierto por la Independencia. La comentada tesis constitucional no coincide con lo realmente ocurrido en el proceso de organización estatal rioplatense, cuando las primeras entidades soberanas fueron posteriores a 1810 y consistieron en las ciudades con Ayuntamiento. Posteriormente, se convirtieron en cabeceras de provincias, las que tratarían de organizarse como Estados soberanos e independientes y actuarían en calidad de tales, independientemente del mayor o menor logro de esos intentos de organización estatal, de dispares resultados en el conjunto rioplatense.8 La cuestión de qué fue antes, la provincia o la nación, es de especial interés y es útil observar, según veremos más adelante, cómo se instaló también en el debate constitucional norteamericano porque, como ya advertimos, de la forma en cómo se la resuelva depende la posibilidad de una mejor comprensión del proceso histórico que va de 1810 a 1853. Pero para un examen no anacrónico del problema en este caso, no anacrónico retrospectivamente, en el sentido de no proyectar sobre el pasado la imagen de nuestros conflictos contemporáneos, es imprescindible advertir que el conflicto y su interpretación giran sustancialmente en torno al concepto de soberanía y al general predominio del derecho natural y de gentes como fundamento de las ideas y prácticas políticas de la época.9 Al respecto, y antes de continuar con lo ocurrido en el Río de la Plata en la primera mitad del siglo XIX, creo oportuno efectuar algunas consideraciones sobre la historia de la noción de soberanía, no con el propósito de discutir la teoría al respecto, cosa ajena al propósito de este trabajo, sino para comprender mejor las modalidades de su uso de 8 Véase, al respecto, nuestros trabajos «El federalismo argentino en la primera mitad del siglo XIX» , en Marcello Carmagnani (comp.), Federalismos latinoamericanos: México/Brasil/Argentina, México, El Colegio de México/F.C.E., 1993, y Ciudades, provincias, Estados: Orígenes de la nación argentina (1800-1846), Buenos Aires, Ariel, 1997. 9 Respecto de la función del Iusnaturalismo como fundamento de la política del período y no como mero capítulo de la historia del derecho, véanse nuestros trabajos «La formación de los Estados nacionales en Iberoamérica», Boletín del Instituto de Historia Argentina y Americana «Dr. Emilio Ravignani», 3a. Serie, No. 15, Buenos Aires, 1997, y “Fundamentos iusnaturalistas de los movimientos de independencia”, Congreso Internacional “Los Procesos de Independencia en la América Española”, Instituto Nacional de Antropología e Historia/El Colegio de Michoacán; Morelia, Mich., México, 1999, en prensa en las actas del Congeso. 26 brasil-argentinaFIM.pmd 26 5/2/2004, 11:02 época, algo imprescindible para la inteligencia de la historia de la organización del Estado nacional argentino. LA NOCIÓN DE SOBERANÍA EN EL DERECHO DE GENTES Se ha señalado que una diferencia sustancial entre las doctrinas escolástica y moderna sobre el origen y naturaleza del poder, es que para la primera existe un dualismo en la concepción de la soberanía, una soberanía radical y otra derivada. La doctrina escolástica supone que el dualismo comunidad/príncipe (ateniéndonos a una de las tres formas de gobierno definida ya por Aristóteles, la monarquía) subsiste luego del traspaso del poder, lo que se refleja en otro dualismo, el de un poder originario o virtual de la comunidad, y un poder en función, el del príncipe. Estas dos consecuencias son comunes a todas las variantes de las doctrinas pactistas de la Escolástica, pero mientras en Suárez o Vitoria, una vez transferido el poder al príncipe la comunidad carecía enteramente de él mientras no lo recobrase por razones de excepción como la tiranía del príncipe en Mariana y otros autores «el poder seguiría conjuntamente en ambos», lo que daba lugar a la concepción de un ejercicio de la soberanía conjunto por “rey y reino”, fórmula que, si bien no exitosa en España, tendría buena acogida en los medios autonomistas iberoamericanos antes de las independencias, pero que implicaba una contradicción con la doctrina de la indivisibilidad de la soberanía, que Bodino y otros autores modernos encarecían como fundamento imprescindible del Estado.10 En cuanto respecta a la noción de soberanía, podrían encontrarse antecedentes, antes de Bodino, en conceptos políticos formulados en los siglos XII en adelante, pues se ha advertido que ya entonces se usaba el término, aunque no totalmente en el mismo sentido con que se lo emplearía luego, o se utilizaban conceptos que como los de auctoritas y potestas contienen algunas de las notas posteriormente propias del concepto de soberanía.11 Pero en su uso actual, el concepto se acuña en 10 Joaquín Varela Suanzes-Carpegna, La teoría del Estado en los orígenes del constitucionalismo hispánico (Las Cortes de Cádiz), Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1983, págs. 66 y 67. 11 Pedro Bravo Gala, «Estudio Preliminar», en J. Bodin, Los seis libros de la república, Madrid, Tecnos, 1985, pág. LVII. 27 brasil-argentinaFIM.pmd 27 5/2/2004, 11:02 el siglo XVI para dar cuenta del ejercicio del poder político en un contexto que niega el poder de las dos grandes potencias universales de la Edad Media, la Iglesia y el Imperio. Ejercicio del poder político, esto es, del poder del Estado otro concepto acuñado en el mismo siglo_ entendido como supremo poder de mando, no sometido a ningún otro y no eludido por ningún individuo, grupo o corporación del territorio en que se ejerce. Un concepto, el de soberanía, que tiene asimismo, como una de sus funciones fundamentales, la de conciliar poder y derecho, esto es, la de proporcionar legitimidad al monopolio de la fuerza característico del concepto del Estado moderno. Para el propósito de indagar los fundamentos de las tendencias centralistas y confederales en la historia iberoamericana, es útil recordar que Bodino puede ser considerado, efectivamente, punto inicial de la tendencia moderna a fundar la estabilidad y éxito de un Estado en la unidad e indivisibilidad de la soberanía, mientras Altusio lo sería de la opuesta concepción de la coexistencia de distintos poderes soberanos en el marco de una misma asociación política. Pues uno de los problemas centrales del concepto de soberanía era el de su unidad. Frente a las doctrinas del Estado mixto, de antigua data, que hacían centro en la necesidad del consenso de los grupos intermedios de la sociedad feudal para la legislación, y que tendrá en Altusio (1557-1638) un nuevo y fuerte partidario, la que habrá de ser considerada doctrina moderna del Estado tuvo en juristas como Bodino (c. 1530-1596) una radical afirmación de la indivisibilidad de la soberanía.12 El objetivo de dotar a la monarquía de todo el poder necesario para instaurar un orden de concordia y justicia, que Bodino juzgaba no podían alcanzar los grupos sociales intermedios, lo llevaba a atacar los poderes feudales y estamentales y a acentuar el del príncipe, de una forma que no estuviese trabado por ninguna clase de fiscalización. En otros términos, como efecto de la ruptura de un orden social basado en 12 Bodino hacía pie en una tradición cristiana que se remonta a los Papas Bonifacio VIII e Inocencio IV, a quien Bodino elogia: «Tras su rigurosa construcción lógica de la soberanía, está presente, debidamente secularizada, la vieja teoría política cristiana, de acuerdo a la cual es preciso reconducir la diversidad del orden jurídico a la unidad (omnis multitudo derivat ab uno), según la forma en que ha sido expuesta por Bonifacio VIII e Inocencio IV, a quien Bodino, poco amigo de prodigar elogios, se refiere, sin embargo, como celui qui a mieux entendu que c’est de puissance absolue.» P. B. Gala, ob. cit., pág. LVIII. 28 brasil-argentinaFIM.pmd 28 5/2/2004, 11:02 las relaciones de dependencia personal entre señores y vasallos, la imputación de la obligación política era desplazada de los poderes intermedios (señores, Iglesia, ciudades, corporaciones varias...) al Estado, cuyo poder excluyente, manifestado a través de las leyes, es lo que denomina Bodino soberanía.13 El concepto de la unidad de la soberanía llevaba a Bodino a condenar sin atenuantes la forma del Estado mixto: “Si la soberanía es indivisible, como hemos demostrado, ¿cómo se podría dividir entre un príncipe, los señores y el pueblo a un mismo tiempo? Si el principal atributo de la soberanía consiste en dar ley a los súbditos, ¿qué súbditos obedecerán, si también ellos tienen poder de hacer la ley? ¿Quién podrá hacer la ley, si está constreñido a recibirla de aquellos mismos a quienes se da?”14 Pero mientras Bodino se empeñaba en asentar el poder absoluto, de una forma que, sustancialmente, prevalecería en la historia de las monarquías de la Europa continental, el proceso inglés se encaminaba hacia otra forma de ejercicio de la soberanía, más cercana a la antigua noción del Estado mixto. Pues a diferencia de lo ocurrido en monarquías como la francesa y española, en las que la soberanía se imputaría a la persona del monarca, en la Inglaterra de fines del siglo XVI, a partir de antecedentes medievales, se terminó de formular la doctrina de la soberanía del Parlamento al atribuírsele la capacidad de aprobar leyes rasgo esencial de la soberanía según Bodino.15 En opinión de los partidarios de imputar la soberanía al Parlamento, en Inglaterra la corona estaba sometida al derecho que ella misma había establecido de consuno con aquél y según el cual, por ejemplo, se 13 “En este proceso de objetivación del poder, el concepto de soberanía se reveló como el instrumento adecuado para la integración de los poderes feudales y estamentales en una unidad superior, el Estado. Ahora bien, en la medida en que la soberanía aparece necesariamente vinculada a su titular, éste se identificó con el Estado, pues sólo a través de él cobra el Estado realidad.» Id., págs. LIV y LV. 14 J. Bodin, ob. cit., Libro Segundo, Cap. I, pág. 89. 15 Joaquín Varela Suanzes-Carpegna, “La soberanía en la doctrina británica (de Bracton a Dicey)”, en Fundamentos, Cuadernos Monográficos de Teoría del Estado, Derecho Público e Historia Constitucional, 1/1998, Soberanía y Constitución, Oviedo, Instituto de Estudios Parlamentarios Europeos de la Junta General del Principado de Asturias, 1998. 29 brasil-argentinaFIM.pmd 29 5/2/2004, 11:02 requería el consentimiento del mismo para aprobar impuestos. Es cierto que la monarquía dualista estamental también existía en la Europa continental, como en Francia y en España. Pero en Francia los Estados Generales dejaron de convocarse en 1614. Y en España, donde las Cortes de Castilla y las de León había surgido casi cien años antes que el Parlamento inglés, durante los siglos XVI y XVII la soberanía se imputó al monarca y las Cortes fueron prácticamente neutralizadas. En Castilla, luego de 1538, debido al rechazo de los nobles a un impuesto que pretendía establecer el rey, éste excluyó a la nobleza y al clero de la convocatoria a Cortes. Las Cortes de Castilla quedaron así integradas por los representantes de las pocas ciudades (fueron dieciocho) con voto en Cortes, las que entendiendo que esa representación conformaba un privilegio, no la compartían con otras ciudades. En cambio, en Inglaterra las cámaras de los lores y los comunes fueron activos protagonistas políticos, aún frente al paralelo fortalecimiento de la monarquía. Por otra parte, es de interés notar que la tendencia absolutista en el continente se apoyó en algunas normas del derecho romano y del derecho canónico, que favorecían la interpretación de la monarquía como creadora de la ley en vez de órgano sujeto a ella. Mientras que, en cambio, en Inglaterra -no así en Escocia, la circunstancia de que la influencia del derecho romano había sido menor que en el continente recuérdese la fuerza allí del derecho consuetudinario, favoreció la atribución de la soberanía al Parlamento.16 Otro lugar donde siguió teniendo acogida la admisión de la divisibilidad de la soberanía fue Italia, donde Maquiavelo había ya manifestado la conveniencia de que el poder se distribuyese entre distintos grupos sociales, para que cada uno sirviera de control de los otros. Varios autores, además de Maquiavelo, se pronunciaron por un criterio contrario al de Bodino, sosteniendo que la soberanía podía ser dividida y repartida entre varias instancias de poder dado que “su indivisibilidad era un falso axioma” y, sobre esta base, defendieron el principio del estado mixto. Mientras que en España, con excepción de posturas como la de Juan de Mariana, si bien la doctrina del estado mixto tuvo cierta 16 Id., págs. 96 y 97. 30 brasil-argentinaFIM.pmd 30 5/2/2004, 11:02 difusión, no logró hacer pie en la literatura política dado el peso de la monarquía absoluta.17 En cuanto a los teóricos de la unidad de la soberanía, y pese a sus diferencias, tanto Rousseau como Hobbes, Locke y Kant, entienden la soberanía como única e indivisible, y admiten un sólo sujeto soberano que corresponde a su concepción unitaria del Estado. De manera que la soberanía es concebida en ellos como «una cualidad originaria, permanente, inalienable y perpetua.” No algo concedido a plazo, limitadamente, «...sino que reside y sigue residiendo originaria y esencialmente en el sujeto a quien se atribuye, ya sea el Monarca o la Voluntad General.» Los teóricos modernos del Estado, por partir de su idea del estado de naturaleza y del carácter artificial del Estado, afirman que al mismo tiempo que los hombres deciden libremente entrar en la sociedad civil «se someten a la autoridad política por ellos creada.» No hay pues dos partes previas con autoridad propia sino sólo individuos en estado de naturaleza. Ellos pactan un Estado que una vez pactado se coloca por encima de ellos.18 Pero existe una diferencia importante entre Hobbes y Rousseau, que proviene de su diferente concepto del sujeto de imputación de la soberanía y que curiosamente coloca al segundo más cerca de los neoescolásticos. Mientras en el autor del Leviathan la soberanía es concedida al monarca, que la conserva para siempre, «de un modo irrevocable y perpetuo», sin compartirla con quienes se la han concedido, en Rousseau la soberanía es inalienable y debe ser ejercida por el soberano mismo. El pueblo no puede enajenar la soberanía, lo que significa también que el soberano no puede ser representado sino por sí mismo. Esta concepción, que reedita a fines del siglo XVIII el concepto de la democracia directa, será fuente de vivos conflictos cuando la influencia del autor del Contrato Social se haga sentir en las Independencias iberoamericanas y se enfrente a los proyectos de organización de regímenes representativos.19 17 José A. Maravall, Estado moderno y mentalidad social, siglos XV a XVII, 2 tomos, Madrid, Revista de Occidente, 1972, t. 1, págs. 328 y 329. 18 J. Varela Suanzes-Carpegna, La teoría del Estado..., ob. cit., págs. 68 y 69. 19 J. J. Rousseau, ob. cit., Libro II, Capítulo primero, “La soberanía es inalienable”, pag. 863. Sobre el conflicto entre democracia directa y régimen representativo en Buenos Aires, véase nuestro libro Ciudades, provincias, Estados..., ob. cit., págs. 169 y sigts. 31 brasil-argentinaFIM.pmd 31 5/2/2004, 11:02 En cuanto a Bodino, si bien es la piedra angular de uno de los rasgos fundamentales de la teoría moderna del Estado, la indivisibilidad de la soberanía, sin embargo estaba aún lejos de abandonar la tradición escolástica. Él es exponente de una conjunción del nuevo pensamiento político correspondiente a la emergencia de los Estados monárquicos con tradiciones escolásticas, conjunción que es particularmente acentuada en el caso español. Respecto de éste, advierte Maravall que la noción de Estado un Estado «ordinariamente llamado todavía República por nuestros escritores del siglo XVII» se gesta en oposición a la de Imperio, en el sentido del ideal de un imperio universal, como el Sacro Imperio Romano. Frente a él, se va formando la visión de un conjunto de entidades soberanas. Paradójicamente, la voz que da cuenta del poder del Imperio universal, precisamente imperium, se aplicará al poder de cada uno de esos Estados.20 La noción de Estado que se puede registrar en los autores españoles une generalmente el criterio de Aristóteles por su concepto de autarquía y suficiencia- con el de Bodino -por la nota esencial de la soberanía. La definición más completa en este sentido es la de Diego Tovar y Valderrama, de 1645, que llama República a «‘un agregado de muchas familias que forman cuerpo civil, con diferentes miembros, a quienes sirve de cabeza una suprema potestad que les mantiene en justo gobierno, en cuya unión se contienen medios para conservar esta vida temporal y para merecer la eterna’.»21 El concepto de Estado de los españoles del XVII prolonga aquí todavía la noción organicista medieval, que metafóricamente concibe un cuerpo político a imagen del cuerpo humano. Pero en él no son individuos los que se relacionan entre sí, sino las familias. Bodino había ya introducido esta mediación entre individuo y Estado. De ahí lo 20 «La ilusión del Imperio, brote tardío de la tradición medieval en el Renacimiento español, pasa rápidamente. Lo que juristas y políticos tienen ante sí es la gran creación moderna del Estado. En Europa, un sistema de entidades estatales, independientes, soberanas, ha empezado a actuar. Durante cerca de tres siglos, y en ellos plenamente comprendido el XVII, los Estados serán los protagonistas de toda la historia europea, hasta que el romanticismo y la revolución los desplacen con el advenimiento de los pueblos nacionales. De la existencia de aquéllos quedará fundamentalmente condicionado el pensamiento político de la época.” José Antonio Maravall, La teoría española del Estado en el siglo XVII, Madrid, Instituto de Estudios Políticos, 1944, pág. 94. 21 Cit. en Id., pág. 99. Ver definiciones españolas de ciudad y de República, en págs 97 y sigts. 32 brasil-argentinaFIM.pmd 32 5/2/2004, 11:02 toman los españoles, lo mantienen y lo acentúan. Aún más, el Estado será concebido como compuesto de otras más amplias... «...congregaciones de individuos caracterizados por los diferentes ministerios y oficios. Es la concepción estamental, viva aún en la doctrina como en la realidad política de los países, hasta que la disuelva la crítica social y la reforma económica a que abocará el siglo XVIII.»22 Un destacado ejemplo de la conciliación de tradición escolástica y concepciones modernas es, en una etapa muy posterior, a comienzos del siglo XIX, el del español Francisco Martínez Marina, quien las combina, aparentemente, sin percibir su disparidad. En su doctrina de la soberanía muestra una extraña mezcla de individualismo y corporativismo territorial y reúne conceptos tomados de la Declaración de los derechos del hombre de 1789 con los de autores tomistas del siglo XVII y otros escolásticos.23 Comenta al respecto Maravall que aunque Marina sabe que la soberanía es permanente y perpetua, acude a un antiguo criterio estamental para concebir a ésta como divisible y sostener que los individuos y las provincias la comparten. Así escribe afirmaciones como la siguiente: “los pueblos (así, en plural; se refiere a las ciudades con voto en Cortes), en virtud de la porción de la soberanía que les compete.” La persistencia de restos de pensamiento tradicional hace que para él el concepto de pueblo refiera a un conjunto de ciudades y villas, resabio estamental que no le permite comprender la forma de la representación nacional en régimen representativo y que lo lleva a a interesarse particularmente por las entidades municipales... “Influido por el ejemplo de las 22 Y añade Maravall: «Tovar enumera esos miembros o estamentos, que reduce a ocho: los religiosos, los magistrados y jueces -predomino de la ‘nobleza togada’, característica del gran Estado administrativo-, los soldados, los nobles, los labradores, los comerciantes y mercaderes, los oficiales liberales y mecánicos, y sobre todo, como principal ‘miembro’, la suprema potestad, que causa la amistad, unión y obediencia en el cuerpo del Estado, es decir, que le da vida como tal. ‘Sin ella no puede un cuerpo nombrarse vivo’. Id., pág. 100. 23 José Antonio Maravall, «Estudio Preliminar» a Francisco Martínez Marina, Discurso sobre el origen de la monarquía y sobre la naturaleza del gobierno español, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1988, págs. 56 y 59. El Discurso... apareció en Madrid en 1813, fue reeditado en el mismo año como prólogo a la obra mayor de Martínez Marina, Teoría de las Cortes, y se reimprimió como Estudio Preliminar de esa misma obra en 1820. Id, pág. 7. 33 brasil-argentinaFIM.pmd 33 5/2/2004, 11:02 Cortes medievales y llevado de su individualismo, en lugar de representación nacional, se atiene al sistema de mandato imperativo.”24 El caso de Martínez Marina es congruente con la trayectoria del reformismo español del siglo XVIII y también con lo ocurrido en Iberoamérica luego de las independencias, sincretismo de influencias ilustradas y otras corrientes, algunas muy anteriores. Hemos comentado en otro lugar cómo el guatemalteco José Cecilio del Valle definía, en 1825, lo que entendía por nación, cuando fundamentando un proyecto constitucional manifestaba que quería que, respecto del «...origen de las sociedades se pusiese la base primera de que todas son reuniones de individuos que libremente quieren formarlas; que pasando después a las naciones se manifestase que éstas son sociedades de provincias que por voluntad espontánea han decidido componer un todo político...»25 [subrayado nuestro] Respecto de España, como lo advirtió Richard Herr, en cuanto a cómo se conforma y evoluciona el derecho natural y de gentes en el ámbito hispanoamericano, es de notar que cuando el impacto de la Revolución Francesa pone en situación difícil a los reformadores españoles, éstos reaccionan combinando diversas tradiciones, unas ibéricas y otras no, entre ellas las del derecho natural y de gentes: «De su interés por la historia nacional, de su estudio del derecho natural y de gentes y de su conocimiento del tema general de los escritos de Montesquieu, confeccionaron la tradición liberal. España, descubrieron (según algunos ya habían sospechado), tenía una antigua constitución que estipulaba restricción popular sobre el rey a través de las Cortes representativas.»26 24 Id., págs. 55, 57 y 66. Mientras Sieyès excluye del pueblo a los estamentos privilegiados, Marina, que los critica duramente, no lo hace. De la antigua concepción estamental queda un corporativismo territorial que lleva a Martínez Marina a sostener “que las provincias y los reinos de que se compone la Monarquía, son parte de la asociación general, y si alguna de ellas faltara en el momento del pacto o de su renovación no quedaría obligada en tanto que no ratificara el acuerdo» Id., pág. 55. 25 José Cecilio del Valle, «Manifiesto a la nación guatemalteca, 20 de mayo de 1825», en Ídem, Obra Escogida, Caracas, Ayacucho, 1982, pág. 29. 34 brasil-argentinaFIM.pmd 34 5/2/2004, 11:02 LA “ESCISIÓN DE LA SOBERANÍA”: FEDERALISMO E IUSNATURALISMO Pero si la corriente predominante en la teoría política iusnaturalista moderna fue la que afirmaba la indivisibilidad de la soberanía, corresponde interrogarse sobre cuál habría sido, entonces, el sustento doctrinario de las tendencias “federales” (esto es, confederales) desarrolladas luego de las independencias iberoamericanas? La cuestión es más compleja que lo aparente debido a la confusión entre confederación y Estado federal que llevaba consigo el uso de época del vocablo federalismo.27 Pese a que la respuesta más frecuente a la pregunta que acabamos de formular remite al ejemplo del federalismo norteamericano, es preciso recordar que los letrados iberoamericanos estaban al tanto de la difundida discusión de las virtudes y defectos de la confederación en la literatura política de los siglos XVI a XVIII, desde autores iusnaturalistas aún parcialmente inmersos en la tradición medieval, como el ya mencionado Altusio, hasta el mismo Montesquieu. Y que, asimismo, eran por demás conocedores de los casos de las uniones confederales de los Países Bajos, de las ciudades, provincias y reinos alemanes, y de la misma Suiza. De manera que la muy recordada “influencia del federalismo norteamericano” refiere en realidad a sólo uno de los casos históricos de los tantos que conocían los letrados de la época. Y, por otra parte, a un caso mal interpretado por quienes, casi sin excepción, no advertían la radical diferencia entre la confederación resultante del Acta de Confederación y el Estado federal nacido con la Constitución de Filadelfia. 26 R. Herr, ob. cit., pág. 369. A esta observación sobre la tradición política que se conforma en España, el mismo autor agrega, respecto de la tradición eclesiástica española, que a la desconfianza respecto de la política regalista reciente, suscitada por la resurrección de la Inquisición por Floridablanca, añadían el disgusto por el dominio total del clero por el pueblo, como se había instituido en Francia. De manera que «...en su lugar, añadieron a la receta de la nueva tradición liberal una antigua sazón galicana, puesta recientemente a la venta en Pistoia, y llegaron al convencimiento de que la Iglesia tenía también una verdadera constitución que confería a los obispos la soberanía, con autoridad sobre los herejes. En sus mentes, la monarquía absoluta, la Inquisición y la supremacía papal aparecían ahora reveladas en su forma verdadera: llagas gangrenosas de formación reciente.” Id., lug. cit. 27 Respecto de esta confusión en la historiografía iberoamericana, véase nuestro trabajo «El federalismo argentino en la primera mitad del siglo XIX» , ob. cit. 35 brasil-argentinaFIM.pmd 35 5/2/2004, 11:02 La observación recogida más arriba señala a Altusio como una aislada emergencia del federalismo en el seno del Iusnaturalismo moderno. Si bien sería absurdo ver en su obra el fundamento de las tendencias federales iberoamericanas, es útil observar que las características de su sistema político corresponden a una tradición que hunde sus raíces en el medioevo pero que, con variantes a veces de magnitud, perdurarán a lo largo de la Edad Moderna. Y, por otra parte, que esas características son indicadores de formas de vida social que en alguna medida tienen similitud con el mundo iberoamericano. Por ejemplo, en el capítulo en que Altusio trata de la “consociación o confederación”, la diversidad de entidades políticas que menciona como capaces de unirse en confederación “reinos, provincias, ciudades, pagos o municipios”28 es un rasgo en cierta medida no extraño al mundo iberoamericano, correspondiente a la emergencia de soberanías de ciudades y provincias en tiempo de las independencias, y a la inmediata reivindicación de soberanía por parte de poblaciones menores. Tal como en un artículo periodístico de 1821 un enemigo del federalismo lo reflejaba con tanta elocuencia como indignación: “En segundo lugar pretende la facción federal, que para formar federación, se despedace el cuerpo político en mínimas secciones; que la república federativa se componga de tantas partes integrantes cuantas ciudades y villas tiene el país, por miserables que sean; pretende que cada pueblo, en donde hay municipalidad, aunque no tenga cincuenta vecinos sea una provincia y un estado independiente. Así vemos que en el día se llaman provincias, y tiene gobierno separados las ciudades mas pequeñas, mas pobres y mas despobladas, en donde siempre ha habido gran dificultad en hallar un alcalde ordinario. [...] Por este orden, si cada pueblo tiene derecho a ser independiente y soberano dentro de un mismo estado, cada familia pretenderá derecho a ser independiente y soberana dentro de un mismo pueblo, y enseguida cada persona querrá serlo dentro de una misma familia, hasta dar en tierra con toda apariencia de sociedad civil y caer en el estado de naturaleza. Que delirio!”29 28 Juan Altusio, La Política, Metódicamente concebida e ilustrada con ejemplos sagrados y profanos, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1990, pág. 179. Siguen a esto numerosas consideraciones sobre formas, modalidades y disposiciones de las uniones confederales. La importancia de Altusio como antecedente de las concepciones federales fue recordada por Richard Morse en El espejo de Próspero, México, Siglo Veintiuno, 1982, pág. 57. 29 «Continúan las observaciones sobre la facción federal», La Gaceta de Buenos Ayres, miércoles 2 de mayo de 1821. 36 brasil-argentinaFIM.pmd 36 5/2/2004, 11:02 Altusio elaboró una complicada clasificación de las asociaciones que prolongaba un criterio, de frecuente presencia en los textos políticos de la Edad Media, tendiente a lograr un esquema definitivo de la articulación de las organizaciones sociales que, entre el individuo y el Imperio, agrupaban a los seres humanos en una disposición concéntrica. Más allá de las diferencias que se encuentran entre los diversos autores medievales, observaba Otto Gierke que eran cinco los “grupos orgánicos” que en el pensamiento político medieval estaban situados por encima del individuo y de la familia: la comunidad local, la ciudad, la provincia, el pueblo o Regnum y el Imperio. Se trataba de una “construcción federativa del todo social” a la cual se fue oponiendo lentamente, primero en el terreno eclesiástico y luego en el estatal, la tendencia centralizadora que habría de imponerse en la teoría política moderna.30 En el conjunto de asociaciones delineado por Altusio, que difiere parcialmente de la recién apuntada, éste distingue dos comunidades privadas, la familia, fundamento natural de la sociabilidad, y el colegio o compañía, un especie de asociación voluntaria tal como la corporación de oficio. De tal manera, los individuos participan en una comunidad mayor como integrantes de una comunidad primaria que, como la comuna o la ciudad, resulta un agregado de grupos y no de ciudadanos. Lo mismo ocurre en el siguiente escalón, la provincia, integrado por los órdenes o colegios generales (clero, nobles, burgueses, campesinos), en cuya cúspide el príncipe ocupa un lugar equivalente al del alcalde de una ciudad. Por último, el Estado es concebido por Altusio como una federación de regiones y ciudades autónomas.31 Mientras la obra de Bodino refleja el contexto de un reino que unido en torno a una dinastía vive un proceso de concentración del poder, la de Altusio corresponde a la peculiar geografía política de tierras germanas, en donde predominan las autonomías locales y provinciales y en donde las repúblicas urbanas defienden esa autonomía frente al avance del Estado. Una autonomía que Altusio defiende sin por eso dejar de preocuparse por preservar la unidad del Estado, resultando su 30 Otto von Gierke, Teorías políticas de la Edad Media (Edición de F. W. Maitland), Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1995, págs. 116 y 117. Véanse diversas variantes de este tipo de clasificación en la nota 64 de la página 116. 31 Jean Touchard, Historia de las ideas políticas, Madrid, Tecnos, 5a.ed., 1983, pág. 233. 37 brasil-argentinaFIM.pmd 37 5/2/2004, 11:02 federalismo una especie de conciliación entre poderes superpuestos, tal como se observaría en los cantones suizos o en las Provincias Unidas liberadas del dominio español.32 “FEDERALISMO” O CENTRALISMO: ¿DIVISIBILIDAD O INDIVISIBILIDAD DE LA SOBERANÍA? El estallido de las independencias iberoamericanas abrió una historia de conflictos que en buena medida provenían de la existencia también en estas tierras de una variedad de entidades políticas que reclamarían un status de soberanía independiente. Esos conflictos han sido por lo general mal interpretados por dos razones que poseen una estrecha conexión. Una de ellas, la inadecuación de nuestro actual esquema “binario” de países independientes y colonias (más la eventual situación intermedia de “dependencia”). Otra, la no percepción de la legitimidad de tales reclamos, que emergía del derecho político de la época. En 1834, un texto de Andrés Bello, el famoso publicista venezolano residente en Chile, enumeraba una variedad de posibles formas estatales, a las cuales les cabía la calidad de independencia soberana, que refleja una situación histórica en que las formas de independencia soberana no se reducían a las del referido esquema de nación independiente/colonia. Luego de definir el concepto de nación, a la manera del Iusnaturalismo del siglo XVIII esto es, como sinónimo de Estado desprovisto de toda nota de etnicidad («Nación o Estado es una sociedad de hombres que tiene por objeto la conservación y felicidad de los asociados; que se gobierna por las leyes positivas emanadas de ella misma y es dueña de una porción de territorio.»), Bello señalaba que como el conjunto de los individuos que componen la nación no pueden obrar en masa, se requiere una persona o un grupo de ellas encargada de «administrar los intereses de la comunidad y de representarla ante las naciones extranjeras». Este sujeto, individual o colectivo, es lo que llamamos el soberano. “La independencia de la nación 32 Id., pág. 235 y 232. Por otra parte, una tal concepción del estado en que ciudades y provincias se obligan por medio de una ley común resultaba poco adaptada a las condiciones de Francia e Inglaterra, donde se habría de elaborar lo principal de la teoría política de los siglos XVI y XVII, razón por la cual la historia de la teoría política moderna pareció olvidarse de Altusio. George H. Sabine, Historia de la teoría política, México, FCE, 3a. ed., 1994, págs. 326 y 327. 38 brasil-argentinaFIM.pmd 38 5/2/2004, 11:02 agregaba consiste en no recibir leyes de otra, y su soberanía en la existencia de una autoridad suprema que la dirige y representa.»33 Por lo tanto cualquier nación “que se gobierna a sí misma, bajo cualquiera forma que sea y tiene la facultad de comunicar directamente con las otras, es a los ojos de éstas un estado independiente y soberano.» Y a continuación, Bello enumeraba los diversos casos de independencia estatal soberana que recogía de la historia moderna europea: “Deben contarse en el número de tales aún los estados que se hallan ligados a otro más poderoso por una alianza desigual en que se da al poderoso más honor en cambio de los socorros que éste presta al más debil; los que pagan tributo a otro estado; los feudatarios, que reconocen ciertas obligaciones de servicio, fidelidad y obsequio a un señor; y los federados, que han constituido una autoridad común permanente para la administración de ciertos intereses; siempre que por el pacto de alianza, tributo, federación o feudo no hayan renunciado la facultad de dirigir sus negocios internos, y la de entenderse directamente con las naciones extranjeras. Los estados de la Unión Americana han renunciado a ésta última facultad, y por tanto, aunque independientes y soberanos bajo otros aspectos, no lo son en el derecho de gentes.”34 Como apuntamos más arriba, la variedad de “soberanías” emergentes del proceso de las independencias en el mundo iberoamericano era también un fenómeno en cierta medida similar a la de esta diversidad de comunidades políticas que podían ser portadoras de pretensiones de independencia soberana. El panorama de posibles soberanías independientes que traduce el texto de Bello que no es otra cosa que resumen de la tratadística del derecho de gentes que manejaba su autor permite comprender que esa proliferación de pueblos soberanos desatada por las 33 Andrés Bello, Derecho Internacional, I, Principios de Derecho Internacional y Escritos Complementarios, Caracas, Ministerio de Educación, 1954, págs. 31 y 32. [Primera edición: Principios de Derecho de Gentes, por A. B., Santiago de Chile, 1832; otras ediciones: Caracas, 1837; Bogotá, 1839; Madrid, 1843. Principios de Derecho Internacional, Segunda edición corregida y aumentada, Valparaíso, 1844] 34 Id., pág. 35. Bello sigue al pie de la letra a Vattel: [Emmer du] Vattel, Le Droit de Gens ou Principes de la Loi Naturelle apliqués a la conduite e aux affaires des Nations et des Souverains, Nouvelle Edition, Tome I, París, 1863 [la primera edición era de Leyden, 1758], págs. 123 y sigts. Sobre la influencia de Vattel en Iberoamérica véase nuestro trabajo citado más arriba, “Fundamentos iusnaturalistas de las independencias iberoamericanas...” 39 brasil-argentinaFIM.pmd 39 5/2/2004, 11:02 independencias iberoamericanas no era una aberración de “mezquinos intereses locales” sino algo compatible con las perspectivas políticas que tenían los hombres de esa época. “Pueblos” soberanos _villas, ciudades, provincias... que al mismo tiempo que intentaban afirmarse en tal calidad, buscaban afanosamente alguna forma de asociación política que les permitiese compensar su debilidad mediante ligas, alianzas o confederaciones. Pero este proceso, que aflora en todo el continente, desde la independencia de las colonias angloamericanas hasta la del hispanoamericano Río de la Plata, no era el único que hacía colisión con el dogma de la indivisibilidad de la soberanía. La calidad unitaria e inalienable de la soberanía, defendida con tenacidad por una parte de los líderes de las independencias, los llamados centralistas o unitarios según los lugares, también tendía a ser negada por la variedad de “poderes intermedios” internos a un Estado que, como legado de la desaparecidas monarquías metropolitanas, aún persistían en las ex colonias ibéricas y retenían distintas porciones de las atribuciones de la soberanía, tales como las corporaciones, la más importante de ellas el ayuntamiento cabildo o camara. También en este punto la historia iberoamericana de la primera mitad del siglo XIX posee cierta similitud con la europea de los siglos XVI a XVIII. Observemos, si no, este párrafo de Norberto Bobbio que se podría aplicar sin sustancial corrección al conflicto de unitarios y federales: “La lucha del Estado moderno es una larga y sangrienta lucha por la unidad del poder. Esta unidad es el resultado de un proceso a la vez de liberación y unificación: de liberación en su enfrentamiento con una autoridad de tendencia universal que por ser de orden espiritual se proclama superior a cualquier poder civil; y de unificación en su enfrentamiento con instituciones menores, asociaciones, corporaciones, ciudades, que constituyen en la sociedad medieval un peligro permanente de anarquía. Como consecuencia de estos dos procesos, la formación del Estado moderno viene a coincidir con el reconocimiento y con la consolidación de la supremacía absoluta del poder político sobre cualquier otro poder humano. Esta supremacía absoluta recibe el nombre de soberanía. Y significa, hacia el exterior, en relación con el proceso de liberación, independencia; y hacia el interior, en relación con el proceso de unificación, superioridad del poder estatal sobre cualquier otro centro de poder existente en un territorio 40 brasil-argentinaFIM.pmd 40 5/2/2004, 11:02 determinado. De este modo, a la lucha que el Estado moderno ha librado en dos frentes viene a corresponderle la doble atribución de su poder soberano, que es originario, en el sentido de que no depende de ningún otro poder superior, e indivisible, en el sentido de que no se puede otorgar en participación a ningún poder inferior.”35 Como se puede inferir, la analogía no consiste solamente en la afirmación de los nuevos Estados ante una autoridad externa (que en el texto de Bobbio es el papado, pero que podemos suplantar en nuestro caso por las metrópolis), sino también en el conflicto con los “poderes intermedios”, entre los cuales las ciudades americanas, y sus cabildos, si bien los más importantes, no fueron los únicos. No otro fue el argumento esgrimido por el ministro de gobierno del Estado de Buenos Aires, Bernardino Rivadavia, en diciembre de 1821, para defender la supresión de los cabildos, supresión que inauguró una serie de medidas similares en todas las provincias rioplatenses, entre 1821 y 1837.36 Y, asimismo, el principio de la incompatibilidad de un soberanía indivisible con la existencia de “cuerpos intermedios” está en el fundamento de las reformas que suprimieron los fueros corporativos.37 La reducción de la reforma eclesiástica 35 Norberto Bobbio, Thomas Hobbes, México, F.C.E., 1992, pág. 71. 36 Véanse los argumentos de Rivadavia en Carlos Heras, «La supresión del Cabildo de Buenos Aires», Humanidades, Universidad Nacional de La Plata, T. XI, 1925, págs. 31, y en Marcela Ternavasio, “La supresión del cabildo de Buenos Aires: ¿Crónica de una muerte anunciada?”, Boletín del Instituto de Historia Argentina y Americana «Dr. Emilio Ravignani», 3ra. Serie, N° 21, 1er. semestre de 2000. 37 Heineccio, uno de los autores de derecho natural más utilizado en la España borbónica escribía: «Uno de los principales derechos de la soberanía que el supremo imperante ejerce dentro de su república es el derecho acerca de las cosas sagradas, o acerca de la Iglesia, tomada en particular; por la cual entendemos aquí una sociedad o reunión, cuyo objeto es la religión: y como todas las reuniones o sociedades menores o más simples deben estar subordinadas a las más compuestas, de manera que nada puedan hacer en justicia que se oponga manifiestamente a la sociedad mayor, se sigue que la iglesia particular de un estado debe estar subordinada en lo temporal a su gobierno, y que por lo mismo los que mandan tienen derecho sobre la iglesia, en lo que concierne solamente a lo temporal: lo que se prueba sólidamente por la razón de que en la república no debe haber más que una voluntad y no sucedería así si la iglesia en alguna nación no estuviese sujeta al gobierno en lo temporal, y pudiesen los particulares al formar esta sociedad religiosa, constituirse en una sociedad libre e independiente del gobierno en las cosas temporales. Y como son propios de la soberanía todos aquellos derechos sin lo cuales no se puede conseguir la seguridad de los ciudadanos y acredita la experiencia que con el pretexto de religión se suele perturbar en gran manera esta seguridad, no hay duda que compete a los príncipes el derecho de procurar que se mantenga la religión en toda su pureza, y de castigar a los que intenten introducir novedades contrarias a la verdadera religión.» J. Gottlieb Heineccio, Elementos del Derecho Natural y de Gentes, traducidos del latín al castellano por el Presbítero Don Juan Díaz de Baeza, catedrático interino de Filosofía Moral en los Estudios de S. Ysidro de Madrid, Madrid, 1837. 41 brasil-argentinaFIM.pmd 41 5/2/2004, 11:02 bonaerense de 1822 a una forma de anticlericalismo es una interpretación prejuiciosa de un fenómeno que ya había generado similares conflictos en la España borbónica.38 LAS “SOBERANÍAS” RIOPLATENSES En vísperas del Pacto Federal de 1831, el más destacado de los que invoca como fuentes el Preámbulo de la Constitución de 1853, las llamadas “provincias” se consideraron Estados soberanos que buscaban una forma de unión que al tiempo que creara un nuevo Estado nacional les permitiese conservar su estatuto de independencia soberana. De allí que la forma confederal fuese la preferida, incluso y sobre todo por Buenos Aires.39 Mientras duraron las tratativas de la primera década revolucionaria, las ciudades actuaron de hecho, implícitamente, como entidades soberanas calidad que se manifestó, entre otros aspectos, en la forma de representación (mandato imperativo) vigente en las reuniones y congresos del período, transferida luego a las provincias que se fueron definiendo en esos años. Pero después de la llamada “anarquía del año 20", las provincias fueron asumiendo explícitamente su independencia soberana, al tiempo que persistían en tentativas de unión. La serie de “pactos interprovinciales”, inaugurada por el Tratado del Pilar de febrero de 1820, si bien se mira, traduce tal realidad, dado que los pactos son, justamente, formas de relación entre entidades soberanas. Mientras que en la mayoría, la promulgación de textos constitucionales, a partir del Reglamento Provisorio santafesino de 1819, traducía también la 38 Sobre la reformas eclesiástica rivadaviana y la cuestión de la soberanía en el ejercicio del patronato, véase nuestro trabajo Ciudades, provincias..., ob. cit., págs 189 y sigts. Asimismo, Roberto Di Stefano y Loris Zanatta, Historia de la Iglesia Argentina, Buenos Aires, Grijalbo/ Mondadori, 2000, págs. 206 y sigts. 39 La sinonimia de provincia y Estado se comprueba en numerosos textos de la época, como éste de Artigas que forma parte del juramento exigido a los funcionarios de su gobierno: «¿Juráis que esta Provincia, por derecho debe ser un Estado libre, soberano e independiente, y que debe ser reprobada toda adhesión, sujeción y obediencia al Rey, Reina, Príncipe, Princesa, Emperador o Gobierno Español, y a todo otro poder extranjero...» El texto del juramento dejaba luego a salvo la posibilidad de integrar una confederación con el resto de los pueblos rioplatenses. Cit. en Arturo Ardao, Artigas, Bautista de la República Oriental, Montevideo, Cuadernos de Marcha, 1994, pág. 6. 42 brasil-argentinaFIM.pmd 42 5/2/2004, 11:02 necesidad de reglamentar el ejercicio de las atribuciones soberanas de esas provincias-Estados. Esta realidad la había anunciado el Cabildo de Buenos Aires a los demás ayuntamientos como consecuencia de los sucesos del año 20. «...Todas las [provincias] de la Unión están en estado de hacer por sí mismas lo que más convenga a sus intereses, y régimen interior....»40 Similar criterio se hizo público en una Declaración del gobierno de Buenos Aires, del 1 de setiembre de 1821, en la que se afirma que hasta tanto se reuniese el congreso constituyente, era necesario «...abrir una senda nueva por la que reconcentrándose cada provincia momentáneamente en sí misma, pueda reparar los quebrantos de tantos infortunios...»41 El lenguaje con que la provincia de Córdoba describía la situación, en un documento en el que prevalece la identidad americana en protestas de fraternidad con las “Provincias de Sud América”, era más explícito. En una “Declaración de los móviles patrióticos que inspiraron a los Representantes con relación a la soberanía e independencia de la Provincia [...] Los Representantes aprueban y sancionan la declaración de la independencia hecha por el M[uy]. I[lustre]. C[abildo]. de esta Ciudad el 17 de Enero de 1820”, “...declarando en la forma más solemne que la soberanía de esta Provincia reside en ella misma y por su representación en esta Asamblea, entre tanto se arregla su constitución; que como tal Provincia libre y soberana no reconoce dependencia, ni debe subordinación a otra; que mira como uno de sus principales deberes la fraternidad y unión con todas, y las más estrechas relaciones de amistad con ellas, entre tanto reunidas todas, en Congreso General, ajustan los tratados de una verdadera federación, en paz y en guerra, a que aspira, de conformidad con las demás...”42 40 «Reasunción de facultades por parte de las Provincias», Sala Capitular de Buenos Aires, Febrero 12 de 1820, Registro Oficial de la República Argentina, Tomo I, 1810-1821, pág. 542. 41 «Manifiesto sobre las proposiciones que el gobierno ha presentado a la sanción de la H. J. sobre el congreso general, y objetos a que deben contraerse los diputados para él, existentes en Córdova, [1 de setiembre de 1821]», [Emilio Ravignani, comp.], Asambleas Constituyentes Argentinas, 6 vols., Buenos Aires, Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires, Buenos Aires, 1937, vol. I, págs. 743 a 749. La cita «...reconcentrándose cada provincia momentáneamente en sí misma...» en pág. 746. 42 Archivo de la H. Cámara de Diputados de la Provincia de Córdoba, Córdoba, 1912, Tomo I, 18201825, “Sesión del 18 de Marzo de 1820", pág. 9 y sigts. 43 brasil-argentinaFIM.pmd 43 5/2/2004, 11:02 Entre las más celosas de la independencia y soberanía se contaba Santa Fe, cuyo gobernador Estanislao López, en 1826, instruyó a sus diputados al Congreso constituyente, José Elías Galisteo y Pedro Pablo Vidal, para que «...poniendo en ejercicio todos los derechos que competan a esta Provincia...», propusieran «...de acuerdo con los demás miembros del Cuerpo Soberano, la nueva y mejor organización de las Provincias elevándolas a Estados Soberanos, y las Constituciones que los deban regir en Confederación, bajo la libertad e independencia de cada uno que proclamamos, y todo cuanto conduzca al bien y prosperidad común de los Estados Confederados, y al particular de cada uno...”43 Afirmándose en este terreno, las provincias adoptaron las normas que el Congreso de Viena había estipulado respecto a la calidad de los representantes de un Estado ante Estados extranjeros, y pasaron a calificar a sus diputados de “agentes diplomáticos” y definiendo su reuniones como reuniones diplomáticas.44 Esto ya había sido percibido por historiadores pertenecientes a la renovación historiográfica de comienzos de siglo XX, tal como se aprecia en este párrafo del constitucionalista Juan A. González Calderón quien, si bien imposibilitado de admitir la tesis de la plena independencia soberana de las provincias por participar del supuesto de la nacionalidad preexistente, refleja con bastante aproximación aquella realidad: «Entre la situación política de los Estados norteamericanos confederados (1778-1787) y la de las provincias argentinas confederadas (1831-1852) hay mucha analogía, aunque no haya identidad. La comparación puede hacerse sin exagerar la concordancia. Desde luego, el fundamento, la base, de esas dos confederaciones fue el pacto, lo que significa que las partes contratantes, Estados o Provincias, eran entidades jurídicas con absoluta capacidad o plenitud de poder para obligarse, 43 Archivo Histórico de la Provincia de Buenos Aires, Documentos del Congreso General Constituyente de 1824-1827, La Plata, 1949, pág. 435. 44 Véase E. Ravignani (comp.), Relaciones Interprovinciales, La Liga del Litoral, (1829-1833), Documentos para la Historia Argentina, Tomo XV, Buenos Aires, Instituto de Investigaciones Históricas, Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires, 1922, págs. 347-349; Idem, Asambleas Constituyentes Argentinas, t. IV, Buenos Aires, Instituto de Investigaciones Históricas, Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires, 1937, pág. 10. 44 brasil-argentinaFIM.pmd 44 5/2/2004, 11:02 y delegar voluntariamente, a una autoridad común, los derechos y atribuciones cuyo ejercicio en particular no les convenía reservarse.» Y afirma de las provincias que «cada una era una entidad cuasisoberana, cercada con bayonetas y con aduanas, y en cuyos negocios particulares nadie, sino ella misma, podía inmiscuirse»45 Asimismo, Carlos Ibarguren, en su biografía de Rosas escribía en 1929: «En ese momento [comienzos del primer gobierno de Rosas] no había una Nación propiamente dicha; los Estados provinciales estaban separados y el sentimiento nacional quedaba subordinado al localista. Las provincias eran entidades soberanas o independientes en guerra unas contra otras, o en coaliciones beligerantes recíprocas.» Y agregaba: «El 31 de Agosto de 1830 los `Agentes Diplomáticos’ de nueve provincias: Mendoza, San Luis, San Juan, Salta, Tucumán, Santiago, Córdoba, Catamarca y La Rioja, celebran un pacto de unión y alianza y nombran al general Paz `Jefe Supremo’ hasta la instalación de la autoridad nacional.»46 Entre las provincias que asumieron su calidad de Estado soberano independiente sobresalió Buenos Aires. Ya en una de las reuniones secretas en que la Junta de Representantes discutió el Tratado del Litoral, en enero de 1831, el presidente de la comisión encargada de la revisión del tratado, Félix de Ugarteche, declaró que las provincias eran equivalentes a naciones independientes y se regían por las normas del derecho de gentes.47 Asimismo, en febrero del año siguiente, el representante de Buenos Aires en la Comisión Representativa de la Liga del Litoral, Ramón Olavarrieta, subrayó ante sus colegas de Corrientes, Entre Ríos y Santa 45 Juan A. González Calderón, Derecho Constitucional Argentino, Historia, Teoría y Jurisprudencia de la Constitución, Tomo I, Buenos Aires, Lajouane, 1930, págs. 187 y 189. 46 Carlos Ibarguren, Juan Manuel de Rosas, su tiempo, su vida, su drama, 2a. ed. [la primera es de 1929], Buenos Aires, Roldan, 1930, págs. 222 y 223. 47 Reunión secreta de la Junta de Representantes de la provincia de Buenos Aires, 22 de enero de 1831, en E. Ravignani [comp.], Relaciones Interprovinciales, La Liga del Litoral (1829-1833), Documentos para la Historia Argentina, Tomo XVII, Buenos Aires, Peuser, 1922, pág. 83. 45 brasil-argentinaFIM.pmd 45 5/2/2004, 11:02 Fe que ese organismo era de carácter diplomático, calidad en la que acordaron todos, si bien diferían en los alcances prácticos de tal condición.48 El sorprendente hecho de que Buenos Aires, que fuera la más firme sede de las corrientes centralistas, hasta haber sido identificada con el unitarismo por gran parte de la historiografía argentina, pasara a ser la más firme defensora del confederalismo, es sólo una aparente paradoja. Sucede que luego de la brutal agresión que sufriera su integridad durante la presidencia de Bernardino Rivadavia, cuando el partido unitario en el poder decidió expropiarle la ciudad capital y gran parte del territorio para dar sede al gobierno nacional, la adhesión al unitarismo sufrió una seria crisis. En términos generales podría interpretarse que mientras aquellos porteños que habían sido unitarios por razones de convicción política persistieron en su postura, los que habían sido centralistas por las ventajas que un Estado unitario reportaría a la “antigua capital del reino” no encontrarían otra defensa contra semejantes amenazas, que se sumaban a las más antiguas del resto de las provincias demandas de nacionalización de las rentas de la Aduana de Buenos Aires, libre navegación de los ríos y regulación del comercio exterior, que asumir plenamente su independencia en calidad de Estado soberano y propugnar, para su relación con las demás Estados rioplatenses, una unión confederal. Política que encontraría en Juan Manuel de Rosas su exitoso ejecutor. Retrospectivamente, en 1846, Tomás Manuel de Anchorena explicaba a Rosas que él había previsto ya esta contingencia. En carta a Rosas recordaba que en 1814 en Buenos Aires no se podía hablar de federación: “Entonces el que un porteño hablase de federación era un crimen. A mí me miraban algunos de los diputados cuicos y provincianos con gran prevención, porque algunas veces les llegué a indicar que sería el partido que tendría al fin que tomar Buenos Aires para preservarse de las funestas consecuencias a que lo exponía esa enemistad que manifestaban contra él. El grito de federación empezó a resonar en las provincias 48 Vigésima cuarta reunión de la Comisión representativa..., 17 de febrero de 1832, en E. Ravignani (comp.), Relaciones Interprovinciales..., ob. cit., págs. 347 y sigts. 46 brasil-argentinaFIM.pmd 46 5/2/2004, 11:02 interiores a consecuencia de la reforma luterana (sic) que emprendió don Bernardino Rivadavia...”49 Pero si durante mucho tiempo el “federalismo” pareció ser una aberración para la mayor parte de los hombres públicos de la provincia, los sucesos que arrancan de la presidencia de Rivadavia precipitaron la mudanza y la antigua campeona del unitarismo se convirtió en la más firme base del confederacionismo, afianzándose en su autonomía soberana, en un marco confederal hasta la caída de Rosas y, posteriormente, hasta 1860, en plena independencia. La nueva postura de Buenos Aires fue claramente expuesta en 1832 por el principal vocero del gobierno de Rosas, Pedro De Ángelis, así como también por “El Porteño” aparentemente, José María Roxas y Patrón_ en su polémica contra las pretensiones nacionalizantes del gobernador correntino Pedro Ferré. En un artículo publicado en el Lucero, Pedro de Ángelis afirmó, rotundamente, que “la soberanía de las provincias es absoluta y no tiene más límites que los que quieren prescribirle sus mismos habitantes...”. Por su parte, el autor amparado en el seudónimo de “El Porteño”, en otro artículo enviado al editor de La Gaceta Mercantil, fue más explícito al declarar que Buenos Aires, como «toda sociedad política, libre e independiente», poseía un derecho exclusivo sobre su territorio. Ese derecho, afirmaba, implicaba, por una parte, el dominio, fundamento del usufructo de sus ventajas naturales, y, por otra, el imperio o «derecho del mando soberano». Y continuaba arguyendo que era “un principio proclamado desde el 25 de mayo de 1810, por todos los habitantes de la República, que cada una de las provincias que la componen es libre, soberana e independiente de las demás...», principio en virtud del cual Buenos Aires podía disponer libremente de su territorio, sus costas, puertos, etc. y «sacar de ellas toda la utilidad de que sean capaces.» Y además... «...puede comerciar con los que quieran prestarse a ello, y puede permitir el comercio a otros estados, bajo las condiciones que tenga a 49 Tomás Manuel de Anchorena a Rosas del 4 de diciembre de 1846, en Enrique M. Barba, “Orígenes y crisis del federalismo argentino”, Unitarios y Federales, Revista de Historia, N° 2, Buenos Aires, 1957, pág. 4. (Barba no aclara si el subrayado es suyo, aunque por lo del “(sic)”, que no puede ser de Anchorena, se infiere que es suyo.) 47 brasil-argentinaFIM.pmd 47 5/2/2004, 11:02 bien imponerles, y de consiguiente fijar los impuestos que deban pagar en su aduana los frutos y efectos de importación y exportación...» Por tales razones, concluía, era «...exclusivamente la verdadera dueña de todos los lucros que reporte tanto de sus costas y puertos, como del comercio que haga con otros estados», incluido el producto de los derechos de aduana.50 LA ORGANIZACIÓN CONFEDERAL Desde el Pacto Federal de 1831 hasta la Constitución de 1853, las “provincias” rioplatenses se rigieron por el supuesto de su condición de independencia soberana, unidas en una débil confederación que reunía a las partes independientes de una nación argentina, entendida en su fundamento contractual, no en clave étnica. Como es sabido, la posibilidad de un órgano de gobierno de esta confederación fue rápidamente bloqueada por Buenos Aires, al lograr disolver la Comisión Representativa de las provincias del Litoral, surgida del tratado entre las cuatro provincias litorales convertido en Pacto Federal al incorporarse las demás provincias. Y la única atribución soberana que las provincias resignaron, transitoriamente, no definitivamente, era la representación exterior, encomendada al gobernador de Buenos Aires dada la inexistencia de una Dieta o Consejo confederal. Por lo demás, las provincias continuaron ejerciendo su independencia soberana en la organización de sus fuerzas armadas, en el régimen aduanero, en el ejercicio del patronato eclesiástico, etc. Si bien a partir de la prédica de los hombres de la generación romántica de 1837 el concepto de nacionalidad como fundamento de un Estado nacional comenzó a difundirse, los cimientos contractualistas 50 [Pedro de Ángelis], «[Acusaciones formuladas en] El Lucero [contra el gobernador de Corrientes, D. Pedro Ferré, al juzgar éste la conducta de Buenos Aires]» y [¿José María Roxas y Patrón?], «[Defensa de la conducta de Buenos Aires, por] El Porteño [y ataque de la observada por Ferré] [Año 1832]»,documentos reproducidos en E. Ravignani [comp.], Relaciones Interprovinciales..., ob. cit., Apéndice Segundo, “Impresos Publicados por los Gobiernos de Buenos Aires y Corrientes relativos a la Liga Litoral, /Colección / de / Documentos [publicados por el Gobierno de Buenos Aires]”, pág. 133 y sigts. Las citas del texto la tomamos de las págs. 591 y 593 del apéndice documental de nuestro libro Ciudades, provincias, Estados: Orígenes de la nación argentina (1800-1846), Buenos Aires, Ariel, 1997. 48 brasil-argentinaFIM.pmd 48 5/2/2004, 11:02 de la organización política persistirían largamente, e incluso se yuxtapondrían a la posterior predominante visión de la historia política argentina fundada en el principio de las nacionalidades. Esos supuestos de una calidad soberana de las provincias y de una organización pactada en forma confederal, y por lo tanto reversible por voluntad de esos pueblos soberanos, estuvo en la base de las alianzas de algunas provincias con países extranjeros, tales como la que formó Corrientes en 1838 con Francia para combatir a Rosas y, asimismo, las que Corrientes y Entre Ríos formaron con Brasil y Uruguay para derrocar a Rosas en 1851. Y también, como ya observamos, fue el asidero de Buenos Aires para justificar su rechazo del Acuerdo de San Nicolás y su segregación entre 1852 y 1860. El notable discurso que en junio de 1852 pronunciara Bartolomé Mitre para impugnar, en defensa de los intereses de Buenos Aires, el Acuerdo de San Nicolás, se apoya reiteradamente en el derecho natural, fundamento de la concepción contractualista del origen de la nación y del carácter soberano de las entidades de las que recibían sus instrucciones los diputados. Si bien se manifiesta partidario de que la representación política a definirse en la futura constitución su funde en el carácter de los legisladores como diputados de la nación y no como apoderados de las provincias, en lo que respecta a la situación que está analizando lo hace con plena asunción del carácter soberano de los pueblos representados en el Acuerdo, aunque impugna la legitimidad del mandato de muchos de los gobernadores que concurrieron al mismo por considerarlos usurpadores de la representación legítima. “La autoridad creada por el acuerdo de San Nicolás no se funda sobre el derecho natural, desde que es una autoridad despótica. [...] Interrogue cada cual su mandato y contésteme si se cree autorizado para ello [para crear una autoridad despótica]. Yo interrogo mi mandato y veo que he sido enviado por el pueblo a este lugar para hacer la ley y para hacerla cumplir. [...] Lo juro por la organización definitiva de nuestra patria, que es lo que más anhelo, y por la noble y desgraciada República Argentina que todos amamos, yo no estoy autorizado para dar mi voto en favor de un poder que está en abierta contradicción con mi mandato popular.”51 51 Bartolomé Mitre, «Discurso contra el acuerdo de San Nicolás, Junio 21 de 1852», en Arengas, Tomo Primero, Buenos Aires, Biblioteca de «La Nación», 1902, págs. 14 y 16. 49 brasil-argentinaFIM.pmd 49 5/2/2004, 11:02 En el alegato de Mitre Buenos Aires seguía escudándose en su condición soberana para defender sus intereses contra el embate de las demás provincias y acusando de despotismo, violador del derecho natural, a la autoridad encarnada en Urquiza. “Esa autoridad puede disponer de las rentas nacionales sin presupuesto y sin dar cuenta a nadie. Puede reglamentar la navegación de los ríos como si fuera un cuerpo legislativo y soberano. Puede ejercer por sí y ante sí la soberanía interior y exterior, sin necesidad de previa o posterior sanción.” Etc.52 Pero la defensa de la independencia y soberanía de Buenos Aires no estaba pensada por Mitre aunque sí por otros hombres de Buenos Aires_ como definitiva. Su perspectiva era la de ir a una nación argentina soberana en la que los intereses de su provincia no resultasen menoscabados. Y en este sentido su perspicacia respecto a las relaciones de provincia y nación en uno y otro contexto, confederal o federal, son también notables. Dos años más tarde, ya Buenos Aires segregada, se discute la constitución de la provincia. Es la primera vez en la historia que Buenos Aires va a darse una constitución, pues desde los años 20 en adelante, durante gobierno unitario o bajo el gobierno de Rosas, careció de ella. Como el proyecto debatido abordaba la cuestión de la ciudadanía, Mitre rechazó que la constitución de Buenos Aires debiera ocuparse de la ciudadanía, porque tal cosa era competencia de la nación. “...o somos nación o somos provincia, es decir, parte de un gran todo. Los señores de la comisión dicen terminantemente que somos ‘parte de una nación’. Y entonces, ¿con qué derecho legislamos sobre la ciudadanía?” Pero lo más notable de su alegato es el discernimiento de la diferencia entre confederación y federación y su percepción, rara en la época, de la calidad federal de la constitución de Filadelfia. Esto es, la radical diferencia, en lo que concierne a la cuestión de la soberanía, entre la relación de Estados independientes en una confederación, en la que conservan 52 Id., pág. 15. 50 brasil-argentinaFIM.pmd 50 5/2/2004, 11:02 su personalidad internacional, y la pérdida de esa condición de sujetos de derecho internacional cuando forman parte de un Estado federal. Como Sarmiento lo había también subrayado, al percibir, alborozadamente, que la constitución de 1853 definía un Estado federal, no una confederación, pese a que el país con capital en Paraná conservara aún la designación de Confederación Argentina.53 Mitre impugna el abordaje de la cuestión de la ciudadanía en la constitución de Buenos Aires por considerarlo “una violación de los principios del derecho público federativo, del cual no se encontrará precedente alguno en la historia”. Y añade: “La única nación federal que conocemos en el mundo, adviértase que digo nación, el único modelo que puede citarse en este caso, la única república federal que puede hacer autoridad en esta materia, puesto que todas las demás que así se llaman son confederaciones, son pueblos federados, no repúblicas federativas; la única repito, son los Estados Unidos de América, que a la vez de formar una verdadera nación, en que las partes conservan cierto grado de independencia en medio de la armonía del gran todo, el todo se subordina a ciertas reglas fundamentales, que son del resorte exclusivo del poder nacional.”54 Y con la cita de Mitre volvemos a la ya mencionada similitud del debate rioplatense y norteamericano sobre la prioridad de la soberanía de las provincias, o Estados, y de la nación. EL PROBLEMA EN LA HISTORIOGRAFÍA NORTEAMERICANA Ya muy tempranamente surgió en los Estados Unidos la cuestión de si la constitución era producto de la d ecisión de trece Estados independientes o del pueblo de un solo Estado. La cuestión era fundamental para los reclamos de los Estados sobre sus derechos.55 53 Sarmiento, D. F., Comentarios de la Constitución, Buenos Aires, Luz del Día, 1948. [1a. ed.: Comentarios de la Constitución de la Confederación Argentina..., Santiago de Chile, Imprenta de Julio Belín y Ca., Setiembre de 1853], págs. 55 y sigts. 54 Id., pág. 31. 55 «Whether the States were independent soveraignities before the adoption on the Constitucion has long been a subject of controversy.» R. Berger, ob. cit., cap. segundo, “Nation or Sovereign States: Which Came First?”, pág. 21. Las siguientes referencias están tomadas de este capítulo, págs. 21 y sigts. 51 brasil-argentinaFIM.pmd 51 5/2/2004, 11:02 Un amplio conjunto de comentaristas han considerado que el Congreso Continental (1774-1776), y no los Estados, fue soberano. El principal de ellos fue el Juez Joseph Story. Sin embargo, al independizarse de Gran Bretaña, las colonias devinieron entidades independientes sin vínculos políticos entre ellas. Más aún, sus relaciones fueron frecuentemente no amistosas, y sólo la amenaza británica las unió. Las colonias estaban separadas por orígenes y tradiciones distintas y, sobre todo, por las distancias, y se consideraron Estados independientes y no Estados Unidos, según las instrucciones provistas a sus delegados al Congreso Continental. El Congreso Continental fue, según escribió en 1787 uno de sus principales organizadores, John Adams, «only a diplomatic assembly» expresión que hemos visto utilizar por las provincias rioplatenses hacia 1830, y sus miembros no olvidaron nunca que estaban allí en calidad de diplomáticos de gobiernos extranjeros. Es de notar, también, que las citadas declaraciones de independencia estatal de Virginia y Rhode Island al par que proclaman el carácter soberano e independiente de esos Estados, incluyen, como algunas de las constituciones rioplatenses, el propósito de una confederación con las otras colonias. Por otra parte, la independencia fue declarada por algunos Estados por separado (Rhode Island, 4-V-776; Massachussets, 15/V/776) antes de la declaración del Congreso (4/VII/776). El sentimiento de independencia tuvo fuerte expresión en las Constituciones de Pennsylvania (1776) y de Massachusets (1780), que asentaron explícitamente el carácter independiente de los Estados. Y es de interés observar también que el título original de Jefferson para la Declaración de la Independencia, que era «A Declaration by the Representatives of the United States of America, in General Congress assembled», fue cambiado por «The unanimous Declaration of the thirteen united States of America», y que la ratificación de la Constitución no fue por el pueblo de la Unión sino por el pueblo de cada Estado. Los testimonios opuestos son escasos. El Juez Story fue el que montó un ataque vigoroso, ya desde antes de la Declaración de la Independencia, a la tesis del carácter soberano independiente de los Estados. Estos no habrían sido soberanías independientes durante el dominio británico, aducía, y luego lo fueron en un sentido limitado, dado que la mayoría de los Estados actuando en Congreso podía controlar y dominar a la minoría. Opinión que contradicen las propias ex colonais, como Rhode Island o Virginia que 52 brasil-argentinaFIM.pmd 52 5/2/2004, 11:02 declararon en 1776 su independencia de Gran Bretaña. La Constitución de Massachussets de 1780 expresa así su soberanía: «The people of this commonwealth have the sole and exclusive right of governing themselves as a free, sovereign and independent State...» y ejercer todo poder, jurisdicción y derecho no delegado a los Estados Unidos de América reunidos en Congreso. CONSIDERACIONES FINALES Pero, independientemente de estas sugestivas similitudes cuya evidencia es amplia, hay otro rasgo común en el proceso de las independencias anglo e hispanoamericanas que me parece interesante formular como merecedor de ulterior análisis. Y es que en ambos casos la soberanía de cada Estado, o cada ciudad o provincia en el caso hispanoamericano, no ha sido admitida unánimemente y fue asunto de discusión. El hecho de que puntos de vista como los de Story o los de Alberdi y otros, que suponen una soberanía preexistente a los Estados y provincias, aunque los consideremos erróneos, hayan existido, tengan o no algún soporte válido, indica que la tesis de la soberanía e independencia de los Estados no es suficientemente evidente por sí misma. Observando las cosas más de cerca, la explicación estaría en algo que tienen en común los casos angloamericano e hispanoamericano: que se trataba de Estados de muy reciente origen. De manera que lo que en realidad estamos discutiendo no es la calidad soberana de una entidad política firme y reconocida desde hace mucho tiempo, sino de entidades políticas recién nacidas, en la que la afirmación de soberanía e independencia es una postulación de los «fundadores» -esto es, de las élites políticas de cada Estado-, una tesis a ser avalada por hechos futuros. Por eso, cuando autores como Berger afirman que la tesis de Story no refleja el pensamiento de los “fundadores”, su afirmación, y toda la evidencia reunida, corresponden al criterio político de los actores del momento, no a la existencia real de esos Estados soberanos, cuya calidad de tales es otro tipo de problema. Esto significaría que la definición de confederación en el Derecho Político Internacional no es totalmente adecuada a los casos históricos que nos ocupan: afirmar que la confederación está formada por Estados soberanos e 53 brasil-argentinaFIM.pmd 53 5/2/2004, 11:02 independientes, con plena personalidad en las relaciones internacionales es insuficiente, por cuanto debería agregarse, para corresponder más ajustadamente a estos casos históricos, que se trata de Estados de reciente formación, que se supone han recuperado una soberanía que hasta ese momento residió fuera de ellos. Estados cuya subsistencia por separado es difícil no sólo por su posible debilidad económica, política o bélica, sino por la débil legitimidad en su condición de tales. Es, en sustancia, un problema de legitimidad lo que está implícito en ese debate de si es primero la nación o la provincia, el Estado federal o los Estados, cuestión que los gobiernos de la época analizarían según las normas del Derecho de Gentes.56 La falta de legitimidad de la soberanía independiente de cada Estado o provincia fue argumento de quienes consideraban posible e imprescindible una sola organización estatal que englobase a todas las partes del ex-dominio metropolitano. Es cierto que no podían invocar una anterior soberanía legítima para ese conjunto, dado que ella no había existido mientras fueron parte de la nación inglesa o española. Pero sí una cuestión de legitimidad de herencia o traspaso de la soberanía. En el caso de los líderes centralistas que se afirmaban en el papel hegemónico de Buenos Aires, el argumento consistió, en un primer momento, en convertir la calidad de cabeza administrativa del territorio en cuestión, de «antigua capital del reino» según la expresión de ese entonces, en sustento de su función dirigente y unificadora, como también ocurrió en otros casos hispanoamericanos, como los de México o Caracas. Y, posteriormente, en la postulación de una nación creada en algún momento del pasado, fuera el 25 de mayo de 1810 o el 9 de julio de 1816. 56 Véase, al respecto, [Emmer du] Vattel, Le Droit de Gens..., Tomo I. No sólo, como ya observamos, Vattel fue ampliamente utilizado en Iberoamérica luego de las independencias, sino también en los Estados Unidos, donde además de circular las ediciones europeas se lo editó en 1796: Emerich de Vattel, The Law of Nations: or, Principles of the Law of Nature..., etc., [...] First American Edition, corrected and revised from the latest London edition, New York, 1796 (dato tomado de: “American Bibliography by Charles Evans, A Chronological Dictionary of all Books, Pamphlets adn Peridodical Publicatios Printed in th United States of America”, [de 1769 a 1820], Vol. 11, 1796-1797, New York, 1942.) 54 brasil-argentinaFIM.pmd 54 5/2/2004, 11:02 La alternativa de un origen contractual basado en el supuesto de la calidad soberana de las provincias o étnico basado en el supuesto de una nacionalidad preexistente al acto constitucional y determinante del mismo_ volvió a instalarse en el centro de los conflictos políticos hacia 1880, cuando una parte de la elite política de Buenos Aires intentó una última resistencia al poder nacional.57 Pero, a partir de entonces, la noción de una originaria nacionalidad predominó en las interpretaciones de la historia política del siglo XIX, si bien entendemos que no se ajusta, como sostenemos en este trabajo, a lo ocurrido en esa historia. 57 Sobre esa alternativa y su incidencia en ese conflicto, véase J. C. Chiaramonte y P. Buchbinder, ob. cit. 55 brasil-argentinaFIM.pmd 55 5/2/2004, 11:02 brasil-argentinaFIM.pmd 56 5/2/2004, 11:02 A C ONSTRUÇÃO DO E STADO I MPERIAL SOBERANIA E LEGITIMIDADE NO B RASIL : Afonso Carlos Marques dos Santos A história da formação do Estado nacional no Brasil possui grande especificidade em relação ao processo de constituição da soberania nos países da América hispânica. Contudo, a particularidade do processo brasileiro não pode ser compreendida apenas pela flagrante diferença entre a forma republicana adotada no lado hispano-americano e a forma monárquica assumida na América portuguesa. Duas outras dimensões acompanham essa questão: a unidade territorial e os padrões de legitimidade adotados. No caso brasileiro a unidade foi construída a partir da implementação de um projeto de Império que teve a sua origem nos quadros do próprio aparelho de Estado metropolitano, contando com a participação de letrados de procedência colonial. A opção monárquica na definição do processo, por sua vez, permitiu garantir uma legitimidade incontestável ao exercício do poder autônomo. Caso único de apropriação da simbologia do velho reino colonizador na criação do novo Estado e da nova Nação, o que foi possível graças à decisão do herdeiro do trono lusitano em permanecer na América e não se subordinar às decisões das Cortes de Lisboa. José Bonifácio de Andrada e Silva, ao justificar a opção monárquica e traçar as características aristocratizantes do mundo da propriedade no Brasil de então, registrou após a separação política que “sem a monarquia não haveria um centro de força e união, e sem esta não se poderia resistir às cortes de Portugal e adquirir a Independência Nacional”1 . O PROJETO DE IMPÉRIO LUSO-BRASILEIRO A discussão em torno da idéia de Império, no mundo lusobrasileiro do final do século XVIII e início do século XIX, tem sido objeto de alguns equívocos de abordagem. O mais freqüente é a 1 José Bonifácio de Andrada e Silva. “Notas Íntimas”, em Obra Política, vol. II. Brasília: Senado Federal, p. 119. 57 brasil-argentinaFIM.pmd 57 5/2/2004, 11:02 confusão entre a noção de império colonial e o significado do projeto político que concebeu um império luso-brasileiro. Este projeto aparece nas formulações dos estadistas portugueses desse período, em textos elaborados por atores da expressão de Dom Rodrigo de Sousa Coutinho - o futuro Conde de Linhares - e do jurisconsulto Silvestre Pinheiro Ferreira. Nestes textos, a noção de império assume um caráter diferente do uso tradicional, vinculado aos domínios coloniais. Trata-se agora de tentar uma reforma, de caráter geopolítico, do Estado monárquico sob a égide da Casa de Bragança. Este projeto é atravessado pelas vicissitudes enfrentadas por Portugal face às alterações na política européia, especialmente após a Revolução Francesa. A história política desse período ainda carece de maior atenção, tanto no lado português como no brasileiro. Para a história lusitana trata-se de uma fase traumática, aquela que corresponde ao reinado de Dona Maria I e à regência e reinado de Dom João VI, quando a dinastia é ameaçada, a autonomia do Reino é atingida pela invasão estrangeira, a sede da Corte é transferida para a América e verifica-se o que Oliveira Lima chamou de “a inversão brasileira”. Como observou o Visconde de Porto-Seguro, “em meados de 1820, era já toda esta região [do Amazonas ao Prata] a sede de um Império maior que os dois romanos, o qual estendia o seu poderio pelas cinco partes do globo terrestre, tendo no Portugal hispânico uma simples regência [...].”2 Do lado brasileiro desta história a opção pela forma monárquica, na construção do Estado autônomo, deveria colocar estas questões no centro das investigações sobre a Independência, não apenas pela singularidade do fenômeno no continente americano, mas pelo que pode ser elucidado acerca do modelo de Estado adotado. Há inúmeros aspectos simbólicos que não devem ser desprezados e que são fundamentais para compreender a época e o processo. Afinal, trata-se também de estudar aquilo que, no movimento da história, diz respeito não ao material, mas ao “ideal”, para usar a expressão que Georges Duby recupera de Maurice Godelier3 . 2 Francisco Adolfo de Varnhagen (Visconde de Porto-Seguro). História da Independência do Brasil (até ao reconhecimento pela antiga metrópole, compreendendo, separadamente, a dos sucessos ocorridos em algumas províncias até essa data). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1917 (Tomo LXXIX da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro), p.32. 3 Georges Duby. A História Continua. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed./Ed. da UFRJ, 1993, p.81. 58 brasil-argentinaFIM.pmd 58 5/2/2004, 11:02 Por outro lado é necessário observar que a questão do Estado neste período, antecede, mais do que nunca, à questão nacional. É dele que partirá o fomento a uma produção simbólica que, após a Independência, transforma a Nação num autêntico projeto de Estado. Este, por sua vez, não é nem território, nem população, nem corpo de regras obrigatórias. Georges Burdeau assinala que apesar destes dados sensíveis não lhe serem estrangeiros, o Estado os transcende. A sua existência não pertenceria, nesta perspectiva, à fenomenologia tangível, fazendo parte da ordem do espírito. O Estado é, no sentido pleno do termo, uma idéia; o que permite a Burdeau considerar que “não tendo outra realidade senão conceptual”, o Estado “só existe porque é pensado”4 . Para Burdeau esta afirmação deve ser entendida no pé da letra isto porque o Estado não seria uma “construção do espírito” destinada a dar conta de uma realidade preexistente, mas uma realidade concebida. Daí a necessidade de procurar compreender a gênese do Estado autônomo no Brasil a partir do mundo das idéias, onde a construção da realidade atravessa ambiguidades e contradições - um processo doloroso de separação não apenas política, mas onde será preciso romper laços identitários profundos. Não foram poucos os autores que apontaram para as características peculiares da autonomia política brasileira. Caio Prado Jr., por exemplo, lembrou que “até às vésperas da independência, e entre aqueles mesmos que seriam seus principais fautores, nada havia que indicasse um pensamento separatista claro e definido. O próprio José Bonifácio, que seria o Patriarca da Independência, o foi apesar dele mesmo, pois sua idéia sempre fôra unicamente a de uma monarquia dual, uma espécie de federação luso-brasileira”5 . A Independência não seria, portanto, o resultado ascendente da insubordinação dos colonos da América portuguesa, mas algo inevitável, encerrando “em seu contexto o espírito de conciliação” apontado por Paulo Mercadante6 . 4 Georges Burdeau. L’État. Paris: Seuil, 1970, p.14. 5 Caio Prado Jr. Formação do Brasil Contemporâneo. Sào Paulo: Livraria Martins Editora, 1942, p.364. 6 Paulo Mercadante. A Consciência Conservadora no Brasil. Rio de Janeiro, Ed. Saga, 1965, p.57. 59 brasil-argentinaFIM.pmd 59 5/2/2004, 11:02 A Independência define-se pela constituição de um novo Estado politicamente autônomo e que, no caso do Brasil, resulta num Estado monárquico-constitucional: o Império do Brasil. Porém, este novo Estado já possuía, desde 1815, o estatuto de reino, Reino do Brasil unido a Portugal e Algarves. A opção pela forma monárquica deveria, diante deste fato anterior, ter conduzido à separação dos reinos, permanecendo o Reino do Brasil como designação adequada para o território autonomizado da antiga América portuguesa. Contudo, a forma adotada foi Império do Brasil e não Reino, como se poderia esperar. No que se refere ao uso da designação Império, é necessário recuar no tempo a algumas formulações anteriores, pelo menos e mais diretamente àquelas oriundas do final do século XVIII e às que surgem no debate acerca da permanência da família real portuguesa no Brasil. O tema da Independência, as alternativas políticas e ideológicas do período, o debate de idéias, bem como as opções vencedoras constituem um dos momentos mais ricos e significativos da história política brasileira. Daí partirão algumas das definições fundamentais no delineamento do Estado, na organização da sociedade e nas práticas políticas. Neste sentido, é sempre oportuno revisitar o tema e as representações deste período de transição do absolutismo para o sistema liberal. Como introdução a estas questões destacamos aqui duas dimensões do que chamamos de projeto de Império: aquela que aparece nas iniciativas de Dom Rodrigo de Sousa Coutinho e a que encaminha, sob a influência direta de José Bonifácio de Andrada e Silva, a separação política para a constituição do Império do Brasil. Estas notas acerca da opção monárquica, na verdade nos remetem à reflexão acerca do rascunho do Estado, possível de ser identificado nos fragmentos de idéias e ações da época. É importante assinalar que estamos considerando, de acordo com o historiador alemão Hagen Schulze, que os conceitos de Estado e Nação “constituem projetos culturais que nasceram no decurso da história européia e se foram modificando constantemente ao longo da história”7 . Esta posição remete-nos também para pensar os fenômenos culturais e políticos na América a partir de uma história marcada por um processo de ocidentalização, onde os parâmetros intelectuais são 7 Hagen Schulze. Estado e Nação na História da Europa. Lisboa: Editorial Presença, 1997, p.17. 60 brasil-argentinaFIM.pmd 60 5/2/2004, 11:02 dados pela experiência histórica das matrizes européias ocidentais. Trata-se aqui de pensar esses projetos no quadro da transição de um mundo ordenado pelos valores do Antigo Regime para novas formas de conceber a organização da sociedade e do poder político. “Sob o genérico nome de Brasil”: o projeto de Dom Rodrigo de Sousa Coutinho O projeto de construção de um Império luso-brasileiro, que viria a se constituir na base da elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves, tem um significativo delineamento num importante documento da autoria de D. Rodrigo de Souza Coutinho, conhecido como Memória sobre os Melhoramentos dos Domínios de sua Majestade na América8 . Este texto foi escrito quando D. Rodrigo ocupava a pasta da Marinha e Ultramar e deve datar de 1797. D. Rodrigo assumira, em setembro de 1796, a responsabilidade governativa de lidar com os problemas relativos à conservação e ampliação da marinha e da navegação mercantil portuguesa e à direção administrativa, política e econômica das colônias. Neste segundo aspecto das suas novas responsabilidades, destacavam-se os domínios da América, ou melhor, “as províncias da América”, na expressão do próprio estadista, ao acrescentar: “que se denominam com o genérico nome de Brasil”9 . Em outra oportunidade 8 Este texto foi publicado, várias vezes, a partir de cópias existentes em Portugal e no Brasil, como é o caso do Arquivo Histórico Ultramarino, de Lisboa, (A.H.U., Papéis Avulsos, Rio de Janeiro, 1797), e da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (B.N.R.J., Coleção Linhares: Mss. I 29-13-16),onde surge com o título de “Discurso pronunciado perante a junta de ministros e outras pessoas”. Marcos Carneiro de Mendonça, no seu livro O Intendente Câmara, ao publicar a trancrição do documento, usou o manuscrito da Biblioteca Nacional e, mais recentemente, Andrée Mansuy Diniz Silva utilizou o manuscrito do Arquivo Histórico Ultramarino na magnífica edição, de textos de D. Rodrigo, que dirigiu para o Banco de Portugal, dentro da Coleção de Obras Clássicas do Pensamento Econômico Português. Também há trancrição integral, desta Memória de D. Rodrigo, na revista Brasília , vol. IV, 1949, p. 383-422, com introdução de Américo Pires de Lima e transcrição parcial na biografia de D. Rodrigo de Sousa Coutinho da autoria do Marquês do Funchal. Este documento tem sido objeto das considerações de Fernando Antonio Novais. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial. São Paulo: HUCITEC, 1981, p. 117-118; José Luís Cardoso. O Pensamento Económico em Portugal nos finais do século XVIII: 17801808. Lisboa: Editorial Estampa, 1989, p. 191-203 e Kenneth Maxwell. A Devassa da Devassa. A Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal (1750-1808). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, Capítulo 8, p. 233-271), entre outros. 9 Já havíamos chamado a atenção para esta frase no livro No Rascunho da Nação. Inconfidência no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura: Biblioteca Carioca, 1992, p. 112. 61 brasil-argentinaFIM.pmd 61 5/2/2004, 11:02 já havíamos apontado para essa apreensão metropolitana das partes da América portuguesa e para o fato de que o Estado Absolutista lusitano detinha o que chamamos de uma espécie de monopólio da percepção do todo. A esta percepção seria possível opor uma outra apreensão do território objeto da colonização e que se daria a partir do âmbito interno do espaço colonial: uma apreensão fragmentada e regionalizada. Do ponto de vista dos próprios colonos luso-brasileiros contemporâneos da conjuntura das inconfidências o horizonte político não teria sido percebido, nessa perspectiva, muito além dos limites da Capitania. Essa Memória de Dom Rodrigo foi considerada, por Fernando Novais, ao analisar as manifestações da crise do Antigo Sistema Colonial, como um “vasto e articulado plano de fomento da exploração econômica do Brasil”10 . Novais trata o documento como uma tentativa de remover obstáculos ao “pleno funcionamento do sistema colonial na nova conjuntura”, chamando a atenção para o uso da expressão “sistema” no texto de D. Rodrigo, onde o estadista procuraria definir, de maneira vantajosa, as relações entre Portugal e seus “domínios”. Por outro lado, a historiadora portuguesa Graça Silva Dias, ao examinar a “ruptura cultural” e a “ruptura política” nas origens do liberalismo em Portugal, reduz o futuro Conde de Linhares a uma dimensão muito próxima de vários manuais de História do Brasil, isto é, à condição de “político anglófilo”, caracterizando-o como um letrado dado à “moderação” e à “conciliação”, “vivendo a duas velocidades: a aceleração cultural e o ralenti político”11 . Esta avaliação de Dom Rodrigo vincula-se, principalmente, à sua ação como Ministro de D. João, no Rio de Janeiro, após a transferência da Corte, onde assumiria a posição de “principal e corifeu do partido inglês” como também o identificou Oliveira Lima12 . Estas visões, contudo, mostraram-se insuficientes para permitir uma ampla compreensão da importância deste estadista na 10 Novais, F. A., op.cit., p. 117. 11 Graça Silva Dias. “Ruptura cultural e ruptura política nas origens do liberalismo” in O Liberalismo na Península Ibérica na primeira metade do século XIX (org. por Miriam Halpern Pereira). Lisboa: Sá da Costa Editora, 1982, 2o. vol., p. 220. 12 Manuel de Oliveira Lima. Dom João VI no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio Ed., 1945, 1o. vol., p. 187. 62 brasil-argentinaFIM.pmd 62 5/2/2004, 11:02 história luso-brasileira da fase identificada, por Fernando Novais, como a conjuntura de crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). O historiador inglês Kenneth Maxwell compreendeu, de forma mais adequada, a inserção de D. Rodrigo na história política dessa conjuntura, dando uma atenção maior ao significado da “Memória sobre os Domínios da América”, apontando para o que chamou de “um programa muito mais amplo” e que visava a “reconciliação imperial”13 . Maxwell considerou o plano para o Império como audaz e examinou-o à luz das atitudes tomadas por D. Rodrigo no trato da questão das insurgências coloniais, reveladas nas devassas contra as inconfidências de Minas Gerais, em 1789, Rio de Janeiro, em 1794, e Bahia, em 1798. Maxwell observou, de maneira inovadora, a estratégia de D. Rodrigo diante do fracasso das idéias autonomistas, apontando para o fato de que a “atmosfera estava receptiva para reformas que evitassem o risco de um levante social”14 . Neste sentido D. Rodrigo teria percebido, “com maior sensibilidade do que a maioria, as oportunidades que a situação oferecia e a necessidade de fazer ajustes inteligentes para evitar uma revolução destruidora”15 . A perspectiva de Maxwell aproxima-se da posição que defendemos ao analisar o que identificamos como a derrota da “vertente autonomista nacional” e onde atribuíamos o fracasso desta tendência a dois aspectos básicos: de um lado à violência da repressão, como foi o caso do movimento baiano de 1798, e de outro aos limites de consciência dos letrados e da elite colonial - sensíveis, que foram, aos aliciamentos do Estado português, responsável por um verdadeiro trabalho de cooptação de quadros na elite letrada da América portuguesa16. Maxwell lembrou que a severidade do tratamento dado aos insurretos baianos de 179817 foi acompanhada e sucedida de favores que a administração metropolitana continuava a conceder aos brasileiros diplomados 13 Maxwell, K., op.cit., p. 238. 14 idem, p. 254. 15 idem, p. 254. 16 Afonso Carlos Marques dos Santos. No Rascunho da Nação. Inconfidência no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura [Biblioteca Carioca],1992, p. 142. 17 Ver o livro de István Jancsó. Na Bahia, contra o Império. História do Ensaio de Sedição de 1798. São Paulo: HUCITEC-EDUFBA, 1996. 63 brasil-argentinaFIM.pmd 63 5/2/2004, 11:02 pela Universidade de Coimbra. Estas atitudes, capitaneadas por D. Rodrigo, no entender de Maxwell, “indicavam com clareza seus pontos de vista”. Contudo, apesar das evidências contidas na teoria e na ação de estadistas como Dom Rodrigo e apesar da documentação explorada por Maxwell, pela nossa investigação já mencionada e pelos estudos referentes ao caso baiano, surgiu recentemente uma outra versão, diferente da nossa, desenvolvida pelo historiador português Valentim Alexandre numa alentada tese doutoral18 . Este autor procura despolitizar a análise do período, a partir da descaracterização da crise do Antigo Sistema Colonial e privilegiando os aspectos econômicos. A crise não teria existido no império luso-brasileiro nos anos que antecedem à ruptura do regime do pacto-colonial. Assim, para Valentim Alexandre, não haveria no Brasil “qualquer indício de contestação generalizada do domínio português”. No seu entender, “as duas únicas ‘inconfidências’ que ganham alguma expressão, a de Minas Gerais e a da Bahia, são a manifestação, no primeiro caso, das tensões específicas de uma zona já então marginal do império, e, no segundo, de contradições internas da sociedade colonial. Por seu lado, o poder metropolitano continua a confiar nas formas tradicionais de defesa das colônias, entregue fundamentalmente às forças locais”19 . Para este autor, portanto, o aumento das tensões não vem de uma crise do sistema que se manifestaria no perigo da sublevação generalizada em todo o território colonial, mas viria das “ameaças externas, das perturbações que sacodem o sistema internacional: é para esse lado que teremos de olhar, se quisermos compreender os problemas que vão conduzir à desagregação do império, a partir de 1808”20. Valentim Alexandre procura desqualificar análises como as de Kenneth Maxwell e de autores brasileiros como Carlos Guilherme Mota, notadamente na ênfase que dá a inexistência da crise. Para ele, as autoridades metropolitanas consideravam “que a solidariedade da colônia para com a metrópole era um dado natural”21 e que os colonos e as autoridades estavam muito mais preocupados com a defesa contra inimigos externos. Tal 18 Valentim Alexandre. Os Sentidos do Império. Questão Nacional e Questão Colonial na Crise do Antigo Regime Português. Lisboa: Edições Afrontamento, 1993, cap. 2, p. 77-89. 19 idem, p. 89. 20 idem, p. 89. 21 idem, p. 83. Valentim Alexandre critica o livro de Carlos Guilherme Mota Atitudes de Inovação no Brasil: 1789-1801. Lisboa: Livros Horizonte, s.d. 64 brasil-argentinaFIM.pmd 64 5/2/2004, 11:02 concepção colocaria num segundo plano as possíveis tensões entre brasileiros e europeus. Para confirmar a sua tese, Alexandre tenta sustentar-se em aparentes evidências documentais, como, por exemplo, quando afirma que, apesar da “questão da ordem pública interna” não estar totalmente ausente da correspondência oficial, o seu peso seria muito reduzido na fase que corresponderia aos cinco anos em que D. Rodrigo de Souza Coutinho foi ministro da Marinha e do Ultramar (1796 a 1801). Neste período, segundo Alexandre, apenas um “aviso”, de 29 de julho de 1797, e um ofício, de 12 de março de 1801, mandam fazer uma vigilância especial sobre os suspeitos de professarem idéias políticas e religiosas. Contudo, o recorte temporal feito por Valentim Alexandre parecenos bastante equivocado, bem como o alcance das suas evidências documentais. Alexandre limitou-se a citar códices relativos ao Brasil existentes no Arquivo Histórico Ultramarino, mas deixa de lado a ampla documentação política e administrativa existente nas inúmeras caixas de documentos avulsos do mesmo arquivo e que, apenas para o período 1789 a 1801, no que se refere ao Rio de Janeiro, compreendem mais de 50 caixas com documentos que expressam opiniões e reclamações dos colonos, além das querelas de ordem administrativa e jurídica. Alexandre, por desconhecer a documentação originária da colônias, deixou de perceber o contexto do Império português, ignorando, por exemplo, a linha de ação, no Brasil, do vice-rei Conde de Resende22 . Rezende, que governa de 1790 a 1801, promoveu o que chamamos de “administração do medo” na capital da América portuguesa e sua atuação correspondeu ao mesmo tipo de preocupação, por vezes exagerada, evidenciada nas ações do Intendente Geral de Polícia de Lisboa, Pina Manique, e na correspondência diplomática estudada por Graça e J. S. da Silva Dias em Os Primórdios da Maçonaria em Portugal23 . Caracterizamos este período como um tempo tomado pelo “terror universal”, onde o medo da sublevação estava sempre presente, como também o medo da proliferação das “idéias francesas”. Estas significavam não apenas a crítica ao sistema colonial, mas a crítica ao 22 Cf. o Capítulo 2, do livro No Rascunho da Nação , que tem como título “A Adminstração do Medo”. Neste capítulo abordamos o clima de repressão e arbítrio existente no Rio de Janeiro durante o governo do Conde de Resende, examinamos o seu raio de ação e o contextualizamos na política do Estado português nesta conjuntura de crise. 23 Graça e J. S. da Silva Dias. Os Primórdios da Maçonaria em Portugal . 4 vols. Lisboa, Instituto Nacional da Investigação Científica, 1980. Em especial o vol. I, tomo I. 65 brasil-argentinaFIM.pmd 65 5/2/2004, 11:02 Absolutismo, às bases do direito divino e a todas as estruturas do Antigo Regime. O fato da inconfidência de Minas Gerais ter ficado restrita ao âmbito da Capitania e às articulações com o porto do Rio de Janeiro, não retira do movimento a sua importância para compreender as possibilidades de insurgência na Colônia. Valentim Alexandre incorre no mesmo erro daqueles que procuraram associar a inconfidência ao processo de separação política do Brasil24 . O que importa não é discutir o seu insucesso, mas inseri-la na conjuntura, para tentar compreender as atitudes mentais dos colonos - que, de fato, até então se viam como portugueses do Brasil. As nuanças da difícil opção por uma nova identidade e um novo status não são percebidas pela visão economicista de Valentim Alexandre. Os colonos que, no interior da América portuguesa, ousaram pensar a construção da autonomia e o rompimento não apenas com a metrópole, mas com a sua “pátria mãe”, o que possui uma dimensão psicológica profunda, tinham clareza do perigo que corriam ao se reunirem para discutir os acontecimentos internacionais, as idéias de liberdade, os desdobramentos do direito natural e os planos, mesmo que incipientes, de insubordinação contra o poder metropolitano. A verdade é que as inconfidências fracassaram tanto pela repressão, como pela cooptação realizada sobre os letrados oriundos da Colônia. Para compreender a conjuntura e, no seu interior, o ministro Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, é necessário atentar para o fato de que ele assume o ministério da Marinha e Ultramar em 1796 e realiza, a partir daí, um processo de acomodação e aliciamento em relação aos estudantes brasileiros. É o outro lado da moeda e que fica bem claro no processo de libertação dos “inconfidentes” do Rio, onde o Conde de Resende é colocado na parede pelo ministro e se vê forçado a dar por encerrado o caso da Sociedade Literária, libertando, por falta de provas, os indiciados fluminenses. Valentim Alexandre perde as sutilezas desta trama ao minimizar as possibilidades de expansão das idéias separatistas e da generalização da insurreição. 24 Como é o caso do historiador brasileiro João Capistrano de Abreu que minimizou e secundarizou a Inconfidência, excluindo-a dos seus Capítulos de História Colonial. Capistrano, preocupado com as bases de constituição da nacionalidade, não percebeu que as devassas abertas contra os letrados constituem uma janela aberta para a compreensão das formas de pensamento e dos limites da consciência dos colonos. 66 brasil-argentinaFIM.pmd 66 5/2/2004, 11:02 É também importante lembrar que, dois anos antes da prisão dos letrados mineiros, na distante Goa, na Índia portuguesa, as autoridades metropolitanas detectaram um plano de sublevação reagindo com grande violência. Foram quinze condenações à morte e dez ao degredo e galés, acompanhadas de atitudes simbólicas mais severas que a execução exemplar do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, no Rio, em 1792. Em Goa os condenados ao degredo foram obrigados a assistir à execução de seus companheiros. Todos os enforcados tiveram suas cabeças decepadas e pregadas em postes altos nos lugares donde eram naturais, lá permanecendo até que o tempo as consumisse. Tudo isso ainda foi acompanhado de um terrível espetáculo onde as ruas de Goa foram banhadas de sangue. Nada se compara, sem dúvida, no caso dos mineiros e fluminenses, com o que ocorreu na Índia portuguesa. Porém os letrados mineiros e fluminenses não tinham condições para avaliar que o mesmo não se repetiria aqui. Até o último momento todos aguardavam a condenação máxima, como resultado da sentença contra os inconfidentes de Minas Gerais. No caso de Goa, dois tenentes, da legião de Pondá, foram arrastados a caudas de cavalos pelas ruas da cidade até o lugar das forcas e, juntamente com um cirurgião-mor e um cabo de esquadra da mesma legião, tiveram ainda em vida suas mãos decepadas. Os dois primeiros foram esquartejados e todos tiveram as partes amputadas expostas pelos lugares públicos das ilhas de Goa, e províncias de Salcete e Bardez e nas aldeias de Candolim, Nerul, Pilerne, Piedade, Mandur e Nagoá. Acrescente-se, ainda, que 14 padres foram deportados presos para Lisboa. Apesar de já ter narrado esses fatos em trabalho anterior, julgo importante mencioná-los nesta discussão. Infelizmente tanto a historiografia brasileira como a portuguesa costumam desprezar, com a exceção dos estudos de história das relações internacionais, tudo aquilo que foge ao autocentramento na “história nacional”, como se não existisse um contexto mundial e pluricontinental a ser considerado. No caso do império colonial, entretanto, a questão é mais grave ainda, porque leva a reproduzir visões extremamente fragmentadas, regionalizadas e aprisionadas aos limites territoriais da América portuguesa, desconhecendo a dinâmica do império colonial e a sua real dimensão. 67 brasil-argentinaFIM.pmd 67 5/2/2004, 11:02 Para compreender a gestão e as medidas de Dom Rodrigo no ministério da Marinha e Ultramar, a partir de 1796, é preciso justamente identificar a ruptura nos procedimentos da governação e as divergências de atitude existentes no próprio aparelho de Estado metropolitano. A correspondência oficial do vice-rei Conde de Resende é bastante incisiva nas seguidas proposições de obras e medidas de defesa do porto do Rio de Janeiro e na preocupação em ampliar o poder de fogo de suas fortalezas. Resende, porém, não temia apenas o inimigo externo, mas dedica-se, desde 1790, a farejar e perseguir toda e qualquer manifestação de descontentamento face à dominação colonial. Havia uma espécie de “rede de conspiração” invisível, tecida entre as capitanias de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, e que torna a questão da insubordinação muito mais complexa do que supõe V. Alexandre. Ao negar as possibilidades da rebelião e até mesmo de conspirações generalizadas na Colônia, este autor deixou de lado o exame de todo um clima persecutório e repressivo que não se justificaria se não houvesse o efetivo perigo das idéias subversivas se alastrarem pelos domínios lusitanos na América. John Barrow, que acompanhou Lord Macartney na primeira embaixada inglesa para China e que aportou no Rio de Janeiro em 1792, exatamente no ano da condenação dos inconfidentes mineiros, encontrou, nas conversações que manteve com um rico negociante e proprietário de terras e escravos, o que identificou como uma clara consciência contra a dominação colonial. Barrow registrou que este “homem muito rico”, “reclamava muito gravemente da opressão que os habitantes da América do Sul sofriam da mãepátria; que os monopólios, as proibições e as taxas obstaculizavam o comércio, impediam a agricultura e destruíam o espírito de empresa e manifestava que a insatisfação havia se tornado tão geral pelos encargos impostos e pelas restrições a que eram obrigados a se submeterem, que não se surpreenderia,...,se eles fossem levados finalmente, como seus irmãos na parte norte do mesmo continente, a libertarem-se do jugo de Portugal e afirmarem sua independência”25. No mesmo ano, portanto, da execução exemplar de Tiradentes e da condenação dos letrados mineiros, ainda era possível encontrar, 25 John Barrow. A Voyage to Cochinchina, in the years 1792 and 1793. London: Cadell and Davies, 1806, p. 101-2. A passagem de Lord Macartney e sua comitiva pelo Rio de Janeiro, também foi registrada por Aeneas Anderson, Samuel Holmes e George Leonard Staunton, além de Barrow. Todos publicaram os seus relatos. 68 brasil-argentinaFIM.pmd 68 5/2/2004, 11:02 na capital da América portuguesa, expressões vivas da transição pela qual passavam as mentes coloniais. A consciência da desigualdade em relação à Metrópole e a percepção de que o sistema colonial bloqueava, nos colonos, o espírito de empresa fazia-se notar, ao menos no universo do comércio e da propriedade - lugar social de origem do que identificamos, em outra oportunidade, como os “rebeldes invisíveis”. A conversa mantida pelo inglês Barrow com o colono fluminense indicava que nem mesmo a repressão aos mineiros fora capaz de impedir que idéias contestatárias e críticas ao sistema continuassem a circular entre os colonos. Há outros indícios a recordar. Em 1793 o Conde de Resende mandou abrir uma devassa para investigar a autoria de uma carta anônima endereçada ao Juiz de Fora e Presidente do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, Baltasar da Silva Lisboa, onde este era convidado, por potenciais rebeldes ocultos na anonímia, a assumir o governo civil e militar da Capitania26 . O alvo do vice-rei acaba sendo o próprio Juiz de Fora, com quem Resende vivia às turras em matérias jurídicas e administrativas. O Juiz era um letrado brasileiro que encontrava certo eco, nas autoridades de Lisboa, para as críticas que fazia aos desmandos locais do vice-rei, daí o interesse em atingi-lo através da suspeita de envolvimento com possíveis sublevações. No ano seguinte, em 1794, Resende também mandaria abrir a famosa devassa contra os membros da Sociedade Literária do Rio de Janeiro que, mesmo postos em suspeição pelo vice-rei desde 1790, continuavam a se reunir na casa do poeta e professor régio de retórica e poética Manoel Inácio da Silva Alvarenga. Esta devassa deveria esclarecer se, além dos “escandalosos discursos” proferidos na Cidade pelos letrados fluminenses, haviam os “mesmos indivíduos formado, ou insinuado algum plano de sedição”27 . 26 Tratei desta questão, com alguns detalhes, no livro No Rascunho da Nação, vide cap:. 2. 27 Ofício do Conde de Resende para o Desembargador (e poeta) Antônio Diniz da Cruz e Silva. Rio de Janeiro, 8 de dezembro de 1794. Autos da Devassa ordenada pelo vice-rei Conde de Resende contra os membros da Sociedade Literária do Rio de Janeiro em 1794. Rio de Janeiro, Anais da Biblioteca Nacional , 1941, vol. 61, p. 215. A devassa e a trama envolvida foi tratada, por nós, no cap. 3 de No Rascunho da Nação , que recebeu o título “Procedendo à Devassa”, p. 77111. 69 brasil-argentinaFIM.pmd 69 5/2/2004, 11:02 A ação de Resende, no Rio da primeira metade da década de 1790, correspondia, no espaço colonial, às funções cumpridas em Lisboa pelo Intendente Geral de Polícia Pina Manique que, procurando identificar jacobinismo e maçonaria, via como uma luta única a perseguição às “idéias francesas” e às sociedades secretas, já que ambas punham em risco, a ordem social e política do Reino, como observou Silva Dias ao estudar o período em Portugal28. Pina Manique andara tentando apagar “na origem qualquer faísca de sedição que, soprada pelo espírito do século” pudesse “atear a faísca revolucionária”29. Resende, como tentamos mostrar em outra oportunidade30 , procurava cumprir no Ultramar a função de agente da contra-revolução, identificando “faíscas” e exercendo uma ação preventiva - o que indica que a ação repressiva na colônia não era isolada de uma prática mais global no império colonial português. O “espírito do século”, como revelara Pina Manique, soprava suas faíscas por toda parte. Na verdade não era apenas o sistema colonial que estava em crise, mas o próprio Antigo Regime, como acima mencionamos. Alguma coisa muda, entretanto, após o início da gestão de Dom Rodrigo de Sousa Coutinho na pasta do Ultramar. No caso dos letrados do Rio é notória a abertura para os seus apelos. Sousa Coutinho exige de Resende uma definição para o processo. Caso o vice-rei não desejasse soltar os réus, estes deveriam ser remetidos para a Corte juntamente com os autos contendo a relação dos seus crimes. A outra alternativa será colocá-los em liberdade considerando que já haviam sido suficientemente castigados com a prisão. As ordens de Lisboa não desautorizavam, de imediato, o Vice-Rei, mas deixavam-no sem escolha. Resende, apoiado em parecer do Desembargador Antônio Dinis da Cruz e Silva, prefere soltá-los a se expor à verificação do poder metropolitano e, em especial, ao olhar arguto de Dom Rodrigo de Sousa Coutinho. 28 Graça e J. S. da Silva Dias, op. Cit., vol. 1, p. 340. 29 Ofício do Intendente Geral da Polícia, Pina Manique, para o marquês de Ponte de Lima Lisboa, 8 de agosto de 1799. Apud Simão José da Luz Soriano. História da guerra Civil e do Estabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal . Lisboa: 1866-1890, t. 3, p.70. 30 A. C. Marques dos Santos, op.cit., p. 100-107. 70 brasil-argentinaFIM.pmd 70 5/2/2004, 11:02 Deixemos, por ora, o tema das possibilidades de insurreição na Colônia para abordar a outra dimensão apresentada pela conjuntura: o projeto de reformas no império luso-brasileiro. Cabe ainda lembrar que a esse plano se agrega uma prática de preparação de quadros para a administração, oriundos da elite colonial, o que por vezes identificamos como formas de cooptação, tema que mereceria estudos mais aprofundados e a análise das biografias dos letrados ajustados ao sistema e que participam de missões especiais do Estado metropolitano. Nesta altura cabe retomar o texto de 1797, onde Dom Rodrigo manifesta suas avaliações e perspectivas acerca das “províncias da América” 31. Venho chamando, certamente influenciado por K. Maxwell, de projeto de Império às idéias esboçadas, por Dom Rodrigo, em seus textos. E, neste sentido, parece bastante reveladora a avaliação acerca dessa personagem feita pela historiadora Andrée Mansuy Diniz Silva na Introdução aos Textos Políticos, Econômicos e Financeiros de Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, publicados sob a sua orientação. Mansuy chama a atenção para uma carta de 1787, quando Dom Rodrigo, que então exercia missão diplomática em Turim, comenta ter recebido, de Lisboa, informações de que “geralmente me dão o nome de projetista que com esta qualificação lançam sobre mim todo o ridículo correspondente. Se um tal epíteto convém a quem lembrou alguns planos para animar a nossa agricultura e indústria, deduzidos da imitação de outras nações que tiraram já da sua adoção a maior utilidade, então convirei que ele me convém, e de boa vontade me sujeitarei a todo o ridículo que me querem dar”32 . Estes comentários curiosamente correspondem ao papel que verdadeiramente Dom Rodrigo assumiria, na década seguinte, como um dos principais agentes do plano geral de reformas do Reino, ao exercer as funções de Ministro e Secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos (1796-1801), Presidente do Real Erário e Ministro e Secretário de Estado da Fazenda (1801-1803), e Ministro da 31 vide nota 7. 32 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, M.N.E., Legação Portuguesa em Turim, Caixa 864, ofício nº. 4, de 24/01/1787, apud Andrée Mansuy Diniz Silva. “Introdução”. Textos Políticos, Econômicos e Financeiros (1783-1811). Lisboa, Banco de Portugal, 1993, Tomo I, p. XII. 71 brasil-argentinaFIM.pmd 71 5/2/2004, 11:02 Guerra e Negócios Estrangeiros (1808-1812)33 . Andrée Mansuy considera Dom Rodrigo, na fase que vai da queda de Pombal em 1777 à Revolução liberal de 1820, como o estadista português que “mais convictamente conduziu o país na via das grandes reformas administrativas e financeiras”, tendo orientado “a sua ação governativa no sentido da mudança das mentalidades e da reforma das instituições, preparando assim a sociedade portuguesa e brasileira para a eclosão do liberalismo”34. Outros ainda, como o Cônego Fernandes Pinheiro, o identificaram como “o único homem da Corte de D. João VI que compreendeu as necessidades do Brasil”35. D. Rodrigo teve uma clara consciência do papel dos domínios da América para o trono português e soube definí-los no conjunto do império, defendendo a manutenção do enlace entre as partes, ao afirmar que: “Os domínios de Sua Majestade na Europa não formam senão a capital e o centro das suas vastas possessões. Portugal reduzido a si só, seria dentro de um breve período uma província de Espanha, enquanto servindo de ponto de reunião e de assento à monarquia que se estende ao que possui nas ilhas de Europa e África, ao Brasil, às costas orientais e ocidentais de África, e ao que ainda a nossa Real Coroa possui na Ásia, é sem contradição uma das potências que tem dentro de si todos os meios de figurar conspicua e brilhantemente entre as primeiras potências da Europa. Com uma extensão territorial na Europa três vezes menor, com possessões inferiores às nossas, pôde a República das Províncias Unidas 33 Dom Rodrigo de Sousa Coutinho (nascido em 3 de agosto de 1755 e falecido, no Rio de Janeiro, em 26 de janeiro de 1812, aos 56 anos). Era filho primogênito de D. Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, importante figura da administração pombalina: Governador e CapitãoGeneral de Angola (1764-1772) e Embaixador em Espanha (17775-1780). D. Francisco descendia de uma das mais antigas casas nobres de Portugal, a dos Condes de Redondo. É interessante registrar que D. Rodrigo teve como padrinho de batismo, ninguém menos que Sebastião José de Carvalho e Mello, então Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Também é importante observar a posição familiar de D. Rodrigo no âmbito da diplomacia portuguesa. Em 1778, ao ser nomeado como Enviado extraordinário e ministro plenipotenciário na Corte de Sardenha, seu pai, D. Francisco, era Embaixador em Madrid e seu tio, D. Vicente de Sousa Coutinho, Embaixador em Paris. Sua missão diplomática em Turim prolongou-se até 1796, num total de 17 anos, tendo coincidido com fatos como a Revolução Francesa e a invasão do Piemonte pelo exército francês. 34 Andrée Mansuy Diniz Silva, op. cit., “Introdução”, p. LII. 35 Apud Max Fleuiss. História Administrativa do Brasil. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1923, p.97. 72 brasil-argentinaFIM.pmd 72 5/2/2004, 11:02 ter o maior peso na balança política da Europa, e figurar como a segunda entre as pot6encias marítimas. A feliz posição de Portugal na Europa, que serve de centro ao comércio do Norte e Meio-dia do mesmo continente, e do melhor entreposto para o comércio da Europa com as outras três partes do mundo, faz que este enlace dos domínios ultramarinos portugueses com a sua Metrópole seja tão natural, quanto pouco o era o de outras colônias que se separaram da mãe-pátria; e talvez sem o feliz nexo que une os nossos estabelecimentos, ou eles não poderiam conseguir o grau de prosperidade a que a nossa situação os convida, ou seriam obrigados a renovar artificialmente os mesmos vínculos que hoje ligam felizmente a monarquia, e que nos chamam a maiores destinos, tirando deste sistema todas as suas naturais conseqüências.36 D. Rodrigo identificou as características do império português e procurou dar aos colonos um estatuto de integração à uma única nacionalidade. Defendia o que chamava de “inviolável e sacrossanto princípio de unidade, primeira base da monarquia, que se deve conservar com o maior ciúme”; com isto estabelecia o objetivo de “que o Português nascido nas quatro partes do mundo se julgue somente português, e não se lembre senão da glória e da grandeza da monarquia a que tem a fortuna de pertencer, reconhecendo e sentindo os felizes efeitos da reunião de um só todo composto de partes tão diferentes que separadas jamais poderiam ser igualmente felizes, pois que enquanto a metrópole se privaria do glorioso destino de ser o entreposto comum, cada domínio ultramarino sentiria a falta das vantagens que lhe resultam de receber o melhor depósito para todos os seus gêneros, de que se segue a mais feliz venda no mercado geral da Europa”37. Desta forma, o “português do Brasil” deveria se sentir integrado ao todo da monarquia, esquecendo qualquer particularidade que o tornasse diferente do português metropolitano. Era uma forma de prever a integração do Império impedindo a constituição de outras identidades. O plano de D. Rodrigo, apresentado nesta Memória, comportava um conjunto de medidas que deveriam assegurar a articulação entre as partes do império, definindo os papéis entre a metrópole e seus domínios ultramarinos, tanto do ponto de vista dos aspectos econômicos, como administrativos. A quase totalidade das propostas 36 D. Rodrigo de Sousa Coutinho. “Memória sobre o Melhoramento dos Domínios de Sua Majestade na América” In Textos Políticos, Económicos e Financeiros (1783-1811). Vol. II. Lisboa, Banco de Portugal, 1993, p.48. 37 D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Op. cit., p.49. 73 brasil-argentinaFIM.pmd 73 5/2/2004, 11:02 contidas no projeto não foram levadas a cabo, o que indica que, do ponto de vista prático, a Memória não teria tido grande resultado. Contudo, deve ter repercutido de maneira favorável no universo letrado da América portuguesa, exatamente no meio social onde D. Rodrigo também desejava obter adeptos para a causa do império, enfraquecendo, pela via da incorporação dos letrados coloniais às ações do Estado, as possibilidades de oposição ao sistema monárquico. Assim é que buscava a eficiência do sistema, num quadro de crise e enfraquecimento do Antigo Regime, buscando meios alternativos para prevenir as dissidências e sublevações. As considerações de D. Rodrigo sobre os domínios da América se somaram aos inúmeros conselhos que o príncipe regente D. João receberia antes de transferir a Corte para o Brasil, efetuando uma manobra política que imprimiu enorme singularidade ao processo de emancipação do Estado no caso brasileiro. Em 1803, o mesmo D. Rodrigo de Sousa Coutinho dirigiria para D. João uma memória sobre a mudança da sede da monarquia portuguesa, justificando as razões do traslado: “Quando se considera que Portugal por si mesmo muito defensável, não é a melhor, e mais essencial parte da Monarquia; que depois de devastado por uma longa e sanguinolenta guerra, ainda resta ao seu soberano, e aos seus Povos o irem criar um poderoso Império no Brasil, donde se volte a reconquistar, o que se possa ter perdido na Europa, e donde se continue uma guerra eterna contra o fero inimigo, que recusa reconhecer a Neutralidade de uma Potência, que mostra desejar conservá-la”38 . Assim aconselhava D. Rodrigo o deslocamento da Corte para a empresa de “ir criar um poderoso Império no Brasil”. Dois anos antes, a idéia aparecera numa carta de 30 de maio de 1801, onde D. Pedro - o marquês de Alorna - expressava ao príncipe regente a sua avaliação das possibilidades portuguesas naquela conjuntura: “A balança da Europa está tão mudada que os cálculos de há dez anos saem todos errados na era presente. Em todo caso o que é preciso é que Vossa 38 D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Seção de Manuscritos: Coleção Linhares: lata 2, apud Oliveira Lima, op.cit., p.54. 74 brasil-argentinaFIM.pmd 74 5/2/2004, 11:02 Alteza Real continue a reinar, e que não suceda à sua coroa, o que sucedeu à de Sardenha, à de Nápoles e o que talvez entra no projeto das grandes Potencias que suceda a todas as coroas de segunda ordem na Europa. Vossa Alteza Real tem um grande Império no Brasil, e o mesmo inimigo que ataca agora com tanta vantagem, talvez trema, e mude de projeto, se Vossa Alteza Real o ameaçar de que se dispõe a ir ser Imperador naquele vasto território aonde pode facilmente conquistar as Colônias Espanholas e aterrar em pouco tempo as de todas as Potências da Europa. Portanto é preciso que Vossa Alteza Real mande armar com toda pressa todos os seus Navios de guerra, e todos os de transporte, que se acharem na Praça de Lisboa - que meta neles a Princesa, os seus Filhos e os seus Tesouros, e que ponha tudo isto pronto a partir sobre a Barra de Lisboa, e que a pessoa de Vossa Alteza Real venha a esta Fronteira da Beira aparecer aos seus Povos, e acender o seu entusiasmo”39 . O marquês de Alorna ainda observaria que, mesmo perdendo o território da metrópole européia para o inimigo invasor, estando na América seria mais fácil resgatá-lo, mandando socorro. Sabia também Alorna do perigo das recomendações que fazia, mas não seria o único a pensar nessa solução. Aí aparecem explicitamente as idéias da criação de um grande Império no Brasil e a transformação do monarca português em seu Imperador. DO REINO UNIDO À INDEPENDÊNCIA Os quatro primeiros anos da presença da Corte no Brasil, de 1808 a 1812, pertenceram, como observou Max Fleiuss40 , ao Conde de Linhares e à sua intensa atividade reformadora, mas caberá ao Conde da Barca, Antonio de Araujo e Azevedo a liderança do Gabinete na fase onde o Brasil foi elevado à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves. Apesar da conhecida atribuição dessa idéia ao príncipe de Talleyrand, que a teria sugerido ao conde de Palmela, a medida já fora proposta a D. João por um dos seus mais brilhantes conselheiros, Silvestre Pinheiro Ferreira, no ano anterior. Oliveira Lima considerou que a “elevação 39 Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Marquês de Alorna, Carta de 30 de maio de 1801. Apud. Oliveira Lima. Op. cit., p. 56. 40 Max Fleiuss. Op. cit., p. 88. 75 brasil-argentinaFIM.pmd 75 5/2/2004, 11:02 do Brasil a Reino, além der ser uma afirmação solene da sua integridade territorial, foi a derivação lógica e a conseqüência necessária de um estado de coisas criado por circunstâncias fortuitas, mas não menos imperiosas”41 . Porém, é importante observar que o novo estatuto do Brasil, em 1815, correspondia àquela lógica projetista presente no pensamento e na ação do Conde de Linhares que, falecendo em 1812, não pode assistir ao novo passo na montagem do Império, luso-brasileiro, por ele sonhado. Em parecer exarado a 22 de abril de 1814, Silvestre Pinheiro Ferreira apresentava uma proposta que abordava o problema do regresso da Corte para Portugal e sugeria “providências convenientes para prevenir a revolução” e “tomar a iniciativa na reforma política”. Para o conselheiro tratava-se de “ suspender e dissipar a torrente de males, com que a vertigem revolucionária do século, o exemplo dos povos vizinhos, e a mal entendida política, que vai devastando a Europa, ameaçam de uma próxima dissolução e de total ruína os estados de Vossa Alteza Real, espalhados pelas cinco partes do mundo, quer seja pela emancipação das colônias, no caso de Vossa Alteza Real regressar para a Europa, quer seja pela insurreição do reino de Portugal, se aqueles povos, perdida a esperança, que ainda os anima, de tornar a ver o seu amado príncipe, se julgarem reduzidos à humilhante qualidade de colônia”42 . Silvestre Pinheiro Ferreira considerava que a conjuntura exigia providências “grandes e extraordinárias” para enfrentar o perigo da revolução nas duas principais partes do império. Era preciso “assegurar a integridade da monarquia, sustentar a dignidade do trono, e manter o sossego e a felicidade dos povos”. Com estes objetivos é que apresentava ao Príncipe Regente D. João um sumário das providências a serem tomadas, contendo leis, decretos e alvarás. No primeiro projeto de Lei recomendava que D. Maria I fosse proclamada “imperatriz do Brasil e rainha de Portugal”, garantindo, para D. João, a regência do império do Brasil e dos domínios da Ásia e da África. Ao príncipe da Beira, D. Pedro, deveria ser entregue a regência de Portugal e ilhas dos Açores, Madeira e Porto-Santo, onde seria assistido 41 Oliveira Lima, op. cit., p. 553. 42 Silvestre Pinheiro Ferreira. “Memórias Políticas sobre os Abusos Gerais e Modo de os Reformar e Prevenir a Revolução Popular Redigidas por Ordem do Príncipe Regente no Rio de Janeiro em 1814 e 1815. Idéias Políticas. Rio de Janeiro, PUC/CFC/Ed. Documentário, 1976, p. 20-31. 76 brasil-argentinaFIM.pmd 76 5/2/2004, 11:02 pelo conselho de Estado até completar a idade de vinte anos. Recomendava, ainda, que após o falecimento da Rainha, D. João tomasse o título de “imperador do Brasil, soberano de Portugal” e o príncipe da Beira o de “rei de Portugal, herdeiro da coroa do Brasil, procedendo do mesmo modo a sucessão na augusta descendência de Vossa Alteza Real”. O projeto recomendava, ainda, para as diferentes partes deste Estado multicontinental “uma só lei, e um só legislador”, garantindo a sua unidade. Com isto, Silvestre Pinheiro Ferreira previa a definição de um novo estatuto para a América portuguesa, definindo-a como Império e praticamente subordinando o Reino ao Brasil, uma vez que D. Pedro, como Rei de Portugal, deveria reinar sob a autoridade de seu pai, Imperador do Brasil. Na segunda lei proposta, o conselheiro sugeria a forma de divisão dos domínios da coroa, estabelecendo uma ordem nobiliárquica para a gestão do Império. Alvarás e decretos deveriam fixar as divisões territoriais dos títulos e as nomeações dos titulares. Também propunha, através de lei, a divisão administrativa e judiciária, abolindo “a odiosa distinção de colônias e metrópole”. Com isto seria garantida a ascensão aos títulos e cargos “sem distinção alguma de países”. Ao explicar, através de uma nota, os fins desta providência, Silvestre Pinheiro Ferreira afirma: “O primeiro é assegurar a Vossa Alteza Real e aos seus augustos sucessores no império do Brasil o exercício do poder legislativo no reino de Portugal, sem que aqueles povos se julguem por isso reduzidos à categoria de colônia, ou de algum modo minorados na independência, que de direito compete àquele reino. O segundo fim é de estabelecer, por meio da promoção dos empregados de um tribunal inferior a outro tribunal superior, seja do ultramar para o reino, seja do reino para ultramar, uma rotação regulada e moderada, como consta da mesma lei, que produz necessariamente uma extensa ramificação de interesses e de famílias, vínculo este que em toda a parte constitui a verdadeira idéia de pátria”. O conjunto de medidas propostas incluía Alvarás e decretos para fixar as divisões territoriais mencionadas nas medidas anteriores e um Alvará com força de lei para regulamentar a administração da real fazenda, regulando o erário régio e o conselho da fazenda. É importante ressaltar que a “sede do império” não ficava estabelecida previamente na capital da antiga metrópole, devendo estar situada onde “o governo 77 brasil-argentinaFIM.pmd 77 5/2/2004, 11:02 possa melhor acudir com providências à maior parte dos seus Estados; e donde melhor possa paralisar a influência das potências estrangeiras, na parte que julgar ser-lhe nociva”. Mais importante do que fixar a sede do Império parecia para Silvestre Pinheiro Ferreira ser primordial “unir, de maneira indissolúvel, as duas dinastias em uma só”. Com isto referia-se não apenas à casa reinante, mas à seqüência dinástica dos titulares que deveriam gerir as duas partes do Império. A pedra angular de todo o edifício residiria em impedir qualquer distinção entre a América portuguesa e o velho Reino. Ao procurar a reforma da monarquia, o Conselheiro buscava modernizá-la, não com a adesão aos princípios liberais, de quem se tornaria um dos maiores defensores e propagandistas, mas buscando adaptar o novo estado às novas formas de ascensão social e política. Com isso considerava que “as instituições de nobreza devem variar, segundo as leis, usos e costumes de cada nação, e de cada século”. Previa, então, que das “cinzas da antiga nobreza” deveria nascer “outra nova, cujas funções, honra e vantagens sejam mais conformes aos usos e costumes do nosso século”. No sentido de permitir a transição entre dois mundos e procurando adaptá-la aos novos tempos, permitindo a incorporação dos emergentes, admitia: “Cumpre combinar a nobreza hereditária com a de aquisição. É justo, que o nascimento habilite. Mas é necessário, que, coeteris paribus43 , o merecimento prefira”. Com isto Silvestre Pinheiro Ferreira defendia que “a promoção de Portugal para o ultramar, e deste para aquele, forma estreito vínculo entre ambos os países”. O Conselheiro parecia estar forjando um novo conceito de Pátria e de Nação, ao idealizar um novo equilíbrio político sob uma monarquia dual, assentada numa aristocracia a ser plasmada a partir da aceitação da ascensão burguesa em coexistência com os direitos da velha ordem estamental. Seria uma forma de cooptar o mundo da empresa, das finanças e da propriedade, no novo e no velho mundo, para um projeto que visava impedir a eclosão da Revolução burguesa e popular nos dois mundos. Impedir o que viria a acontecer com o Vintismo e a Independência do Brasil. Contudo, no projeto do Conselheiro estavam, como no de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, as sementes da opção monárquica que daria a forma ao Estado autônomo brasileiro. Kenneth Maxwell já havia nos alertado para as dificuldades enfrentadas pelo projeto de império luso-brasileiro que talvez estivesse, desde o 43 Expressão latina: em iguais condições. 78 brasil-argentinaFIM.pmd 78 5/2/2004, 11:02 princípio, condenado a falhar. Para ele, “os conflitos fundamentais entre interesses e ideologias e as tensões interiores à estrutura social e econômica do Brasil puxavam em muitas direções diferentes”44 . Maxwell apontou para as dificuldades do processo, tendo em vista os obstáculos na alteração das estruturas sociais básicas no Brasil, o que era um impedimento para a construção de uma nova sociedade, observando ainda que, após a independência, todas as alternativas para a transformação da organização econômica da mão-de-obra falharam. Suas análises, entretanto, apontaram para uma especificidade na transição, dando relevo à atuação de letrados como José Bonifácio de Andrada e Silva e ao que denominou de “geração de 1790”. Com isto também chamou a atenção para a especificidade das relações entre o Brasil e Portugal a partir de meados do século XVIII, recuo fundamental para a compreensão desta história comum aos dois países. Há, todavia, uma dimensão insuficientemente estudada na transição para a Independência e que corresponde às adesões ao modelo político do Reino Unido. Adesões no mundo letrado, do comércio e da propriedade, isto é, na base social do que virá a sustentar, em 1822, a própria autonomia. Um debate político impresso, revelado em folhetos que circularam desde 1820, pode nos conduzir às atitudes de defesa da permanência do rei português no Rio de Janeiro. Além dos folhetos impressos45 , há um conjunto de representações, no ano de 1821, onde o Senado da Câmara do Rio de Janeiro é tomado como uma espécie de via de acesso ao rei. Estas representações encaminhadas pela Câmara exemplificam as adesões a uma concepção de transformação política que desejava conservar os reinos unidos e garantir a permanência de D. João VI no Brasil. Todas as representações são motivadas pela iminência do retorno da família real a Portugal e se referem ao decreto de 7 de março de 1821. Na Representação dos habitantes do Rio de Janeiro a D. João VI pedindo a sua permanência no Brasil46 , assim se expressam os signatários: “Ao doloroso silêncio, que em nós, os habitantes do Rio de Janeiro, produziu o inesperado Decreto de 7 de março do corrente ano, sucedem necessariamente os 44 Kenneth Maxwell. O Império Luso-Brasileiro, p.383. 45 Seis folhetos foram reunidos, em fac-símile, no livro O Debate Político no Processo de Independência. Introdução de Raymundo Faoro. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1975. 46 Bibliteca Nacional do Rio de Janeiro. Seção de Manuscritos: II-34,30,61. 79 brasil-argentinaFIM.pmd 79 5/2/2004, 11:02 magoados gemidos, que agora exalamos aos Pés de Vossa Majestade cheios de amor e respeitosa submissão, esperando que o melhor dos Soberanos não desprezará as súplicas do mais humilde e mais aflito de todos os povos, que sem pretender entrar nos Segredos da Alta Prudência do seu quase adorado Monarca, só representa em lágrimas os motivos, que o fazem desaprovar a Real Determinação de se mudar Vossa Majestade com a sua Corte para o antigo berço da Monarquia Portuguesa, como uma calamidade particularíssima ao Brasil. O nosso cuidado pela Augusta Pessoa de Vossa Majestade ainda mais que o nosso bem pela sua Real Presença, neste País abençoado, obriga-nos as seguintes humildes representações, pouco ordenadas pela confusão da nossa dor, mal desenvolvidas pela rapidez de uma mudança de tanta ponderação; porém muito sinceras e muito filhas do nosso amor e respeito, que por tantas vezes havemos testemunhado, e que Vossa Majestade tem feito público em eternos monumentos, que se difundem pela face do mundo. Quando no memorável Dia 7 de março do ano de 1808 Vossa Majestade apareceu no seio deste povo, escapando felizmente a perfídia do usurpador dos Tronos da Europa, nós, os habitantes do Brasil, vimos realizado o grande Plano de alguns dos nossos antigos Monarcas, que conhecendo a pequenez dos Reinos de Portugal e Algarves, em comparação com a magnanimidade de todos os seus habitantes, consideraram sempre o Brasil como uma Égide da glória e do nome Português. Os nossos aplausos por este rasgo da mais iluminada política de Vossa Majestade foram respondidos na Europa por muitos e grandes Sábios, que então viram erguer-se no Brasil um Império, que a Presença de Vossa Majestade fazia grande e respeitável na geração presente, colossal e assombroso nos séculos futuros. O céu pareceu igualmente confirmar este acerto de Vossa Majestade cobrindo os nossos Bravos de imortais louros, em tantas e tão bem feridas batalhas, que enriquecem as páginas da nossa história, mas ainda apressando-nos a Paz Geral, tão necessária a verdadeira prosperidade dos Impérios, e muito principalmente aos que principiam a florescer. O rápido estabelecimento de tantos Tribunais, e de tantas obras indispensáveis em uma Corte, obrigavam-nos a ver no Brasil o mesmo quadro, que nos princípios do passado século a História nos apresenta no Império da Rússia; a fundação da nova Capital de Petersburg pelo grande Pedro, substituindo-a à velha Moscou, berço de quase todos os seus Czares, não deixava a menor dúvida de que o estabelecimento do Trono Português no Rio de Janeiro, depois de haver mudado de Lisboa, assegurava a Nação toda a mesma, ou muito maior glória a face do mundo e dos Impérios os mais poderosos”. 80 brasil-argentinaFIM.pmd 80 5/2/2004, 11:02 Esta representação dos habitantes da Corte tropical era assinada por um grande número de sacerdotes, alguns ilustres como o Monsenhor José de Sousa Azevedo Pizarro e Araujo e o Cônego Januário da Cunha Barbosa, que encabeçavam a lista ao lado de professores régios, advogados, militares, cirurgiões e comerciantes, gente do universo letrado. Defendiam a permanência do Rei no Brasil utilizando uma retórica de súplica aos moldes do Antigo Regime, ao mesmo tempo em que valorizavam o juramento do Rei à Constituição (no caso a espanhola) “que os povos pediram”, “reformando antigos abusos”. Argumentavam que para a manutenção dos três Reinos o Trono não precisava estar na Europa, valendo mais que “ele se assente em um País mais amplo, e mais suscetível de engrandecimento, como é o Brasil”, do que “num pequeno País”. Apelavam para a paternidade real como “sinceros filhos” e assim se definiam: “Somos Portugueses, Senhor, somos fiéis e respeitosos vassalos, somos interessados no bem do Monarca e da Nação; por isso chorando um futuro desgraçado e próximo, pela orfandade, em que seremos deixados, pedimos com amor e com submissão, requeremos com justiça que viva sempre Vossa Majestade nos braços dos seus fiéis habitantes do Rio de Janeiro, que tantos sacrifícios tem feito por Vossa Majestade e que conhecendo o tesouro que possuem com a Pessoa do seu Respeitado Monarca, empenham os seus corações, as suas vozes, e as suas lágrimas, para possuí-lo sempre defendido dos seus inimigos com a generosidade de fiéis e honrados vassalos”. O mesmo teor desse texto se repetirá nos demais, como a Representação da Corporação dos Ourives e Mercadores de Metais e Pedras Preciosas e a Representação do Corpo de Comércio da Corte47 , que definia o “Brasil como o verdadeiro Corpo da Monarquia Lusitana”, apesar de reconhecer que o país devia “a Portugal sua existência, e vida”. Consideravam, ainda, os comerciantes que “Portugal hoje rico de Luzes, conhecendo o pouco que vale, e pode por si só, devia sacrificar um pouco de seu melindre, como antiga metrópole, ao bem de sua conservação, e grandeza, deixando-nos esta honrosa qualidade, ou repartindo-a conosco de modo a se ajustar e decidir em Cortes”. Ambicionavam assim a manutenção da qualidade de sede da monarquia para o Rio de Janeiro, recusando o retorno à condição de colônia e avaliando que o abandono do Brasil poderia levar à separação. A ausência do Rei conduziria às “querelas intestinas de independência e 47 BNRJ, idem. 81 brasil-argentinaFIM.pmd 81 5/2/2004, 11:02 separação recíproca das Capitanias” e estas, por sua vez, “ensoparão de sangue este belo País, como ensangüentaram a América do Norte, e atualmente tem desolado a América Espanhola”. Ressurgia também aí também um velho medo, quando constatam: “nossa sorte será muito mais horrível por termos um número imenso de bárbaros africanos entre nós”48 . A defesa da união dos reinos também surgirá no expressivo Manifesto do Povo do Rio de Janeiro Sobre a Residência de Sua Alteza Real no Brasil Dirigido ao Senado da Câmara, de 29 de dezembro de 198149 . O sujeito deste Manifesto é o “povo do Rio de Janeiro” que se dirige ao seu “legítimo representante” para que evitar que o Príncipe Regente D. Pedro também retornasse para a “antiga sede da Monarquia Portuguesa”. O tom deste documento, porém, vai se distanciando das Representações anteriores e a palavra “independência” aparece como o possível resultado da convocação do Príncipe Regente pelas Cortes de Lisboa. O Manifesto cita, em francês, a M. De Pradt50 na avaliação que fizera sobre a vinda da Corte, seus condicionantes e resultados. O vocabulário e os argumentos usados no texto revelam uma rápida evolução, nas atitudes dos colonos, a partir do retorno do Rei. Os riscos da queda de status do Reino do Brasil conduz a uma nova forma de utilização das palavras, em especial: nação, interesses nacionais, fraternidade nacional, prosperidade nacional e povo. Contudo, ainda é a união dos reinos que se quer preservar: “O Brasil conservado na sua categoria, nunca perderá de vista as idéias de seu respeito para com a sua ilustre, e antiga metrópole; nunca se lembrará de romper esta cadeia de amizade, de honra, que deve ligar os dois continentes através da mesma extensão dos mares que o separam; [...] este mesmo espaço nunca será capaz de afrouxar os vínculos de nossa aliança, nem impedirá que o Brasil vá ao longe com mais alegria, com a mão mais cheia de riquezas, do que ia dantes, engrossar a grande artéria da Nação.51 ” 48 BNRJ, idem. 49 Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Caixa 740 - pac.4 - doc.3 50 Entre os vários textos que M. De Pradt escreveu sobre as colônias da América destaca-se Des Trois Derniers Mois de L’Amérique M’’eridionale et du Brésil. Paris: F.Bechet, Libraire, 2e. ed., 1817. 51 ANRJ, idem. 82 brasil-argentinaFIM.pmd 82 5/2/2004, 11:02 A idéia de rompimento, portanto, irá crescendo ao longo dos meses e impondo novas atitudes. Os colonos potencialmente revolucionários, e alguns o foram, haviam se tornado súditos do império luso-brasileiro. Tratava-se agora de transitar para uma nova e difícil condição, rompendo os laços com a Nação portuguesa. Os acontecimentos precipitaram-se conduzindo para a radicalização os que até às vésperas da Independência mantinham-se leais à monarquia lusitana. E este é o caso do próprio patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva, cuja trajetória e importância é sempre merecedora de atenção. Bonifácio, ao proferir, em 24 de junho de 1819, o seu último discurso na Academia de Ciências de Lisboa, às vésperas da sua partida para o Brasil, já afirmava: “é forçoso deixar o antigo, que me adotou, para ir habitar o novo Portugal, onde nasci. Assim o requer a gratidão, e o ordena a vassalagem: assim o manda a honra, o instiga a saúde, e a razão o exige”52 Vamos surpreendê-lo em dois momentos da sua correspondência aos Sousa Coutinho, seus protetores. Em 9 de novembro de 1803 escrevia José Bonifácio para o Conde de Linhares definindo-se como um bom servidor do Estado no cumprimento de suas obrigações, autodenominando-se como “bom português e fiel vassalo”, perfeitamente integrado à “nação” portuguesa e à sua história. Contudo, na mesma correspondência, onde critica a conjuntura portuguesa e o desrespeito às autoridades, aproveita para manifestar o seu desejo de voltar ao Brasil para servir no posto de Intendente Geral das Minas, pelo menos, no seu dizer: na administração das minas de Goiás, Mato Grosso e Cuiabá, onde teria, segundo ele, “campo mais vasto, e menos dificuldades - em pouco tempo, trabalhando com sossego e prazer produziria muito mais, do que cá [Portugal]”53 . Ao avaliar o seu desejo de retorno à América, José Bonifácio confessava ao Ministro de D. João, seu amigo e protetor, que “saudades da pátria” foram avivadas “no íntimo do meu coração”. Porém, quando o Andrada se expressava em documentos oficiais, como na Representação ao Príncipe Regente [de 28 de julho de 1811] acerca dos Estabelecimentos de Minas e Metais do Reino de 52 “Discurso Histórico Recitado na Seção Pública de 24 de junho de 1819 da Academia Real de Sciencias de Lisboa pelo Secretário José Bonifácio de Andrada e Silva”. In Obras Científicas, Políticas e Sociais. São Paulo, 1963, vol.I, p.445. 53 BNRJ. Seção de Manuscritos. Coleção José Bonifácio: I - 4, 35. 83 brasil-argentinaFIM.pmd 83 5/2/2004, 11:02 Portugal54 , os vocábulos Nação e Estado, como sempre, referem-se a Portugal e ao Reino e Pátria, com maiúscula, também a Portugal. Outro momento significativo se daria após a morte do Conde de Linhares quando José Bonifácio, ao escrever para um irmão de D. Rodrigo, afirma: “já estou velho e mal acostumado para ser sabujo e galopim de ante-salas; mas, se me quisessem dar algum governilho subalterno, folgarei muito em ir morrer na pátria e viver o resto dos meus dias debaixo do meu natural Senhor pois sou português castiço”55 . Verificava-se aí a transição, onde pátria surgia como lugar de nascimento, ao mesmo tempo em que a nacionalidade continuava a ser portuguesa. Com a radicalização do processo e o rompimento com as Cortes de Lisboa o discurso de José Bonifácio, bem como o de seus contemporâneos também se radicaliza. Bonifácio passa a propor a D. Pedro um “basta” aos “insultos” e “desprezos da parte do Congresso de Lisboa” por parte dos “habitantes do Brasil” e questiona com energia: “Porventura somos Escravos? Porventura o Brasil ainda está habitado de hordas bravias sem civilização e sem política? Porventura a Providência fez aparecer o Brasil, e depositou nas entranhas dos seus montes o ouro só para nutrir o luxo, a magnificência, e orgulho europeu? Acaso somos mesmo ainda obrigados a dissimular por motivos de gratidão? Que bens / não nos iludamos / que bens, que favores tem o Brasil recebido de Portugal? Que cuidados, que desvelos, teve nunca este Pai ingrato a respeito de um filho tão feliz disposição? Governá-lo por mais de três séculos com um cetro de ferro? Um pai deve vigiar desveladamente pela felicidade de seus Filhos: um Proprietário pelo aumento da sua propriedade, e quando, em que época se pôde o Brasil lisonjear de ter exaltado esses sentimentos, e gozado destas vantagens? Que ousem desmentir-nos: que apresentem os bens que nos têm feito, e porem em imparcial balança os que do Brasil tem recolhido. No decurso de tantos séculos só conhecemos a Portugal pelos males que dali recebíamos; e agora, que havemos adquirido uma nova existência, havemos de abjurá-la só pelo seu interesse?”56 54 ANRJ. Cod. 807, vol. 5, fls. 170-171. 55 Carta de José Bonifácio de Andrada e Silva. Apud Hélio Vianna. “Correspondência de José Bonifácio (1810-1820). Revista de História. Vol. 27. São Paulo, USP, 1963. 56 B.N.R.J. Seção de Manuscritos. Coleção José Bonifácio - I - 4,35. 84 brasil-argentinaFIM.pmd 84 5/2/2004, 11:02 José Bonifácio prosseguia na radicalização, afirmando: “Ah! Senhor, enquanto tivermos braços, enquanto tivermos corações, enquanto girar uma gota de sangue nas nossas veias, havemos de sustentar os nossos Direitos à face da Nação, e do Mundo inteiro. A Independência ou a morte - eis aqui a nossa divisa”. Neste texto, o Andrada conclamava D. Pedro a aceitar o título de Imperador do Brasil, “Imperador deste vasto, e riquíssimo Império”. A “nossa amada pátria” não exprime mais apenas o lugar de nascimento, mas o resultado de uma intenção política - voltada para o enfrentamento com a velha metrópole e seus interesses. Para garantir direitos face ao “Mundo inteiro” seria preciso, todavia, atingir um padrão de legitimidade para o novo Estado independente. A autonomia se fez com o príncipe europeu tornado Imperador. Assim, o novo Estado apropriava-se da figura do herdeiro da dinastia dos Bragança, apropriando-se também de todos os significantes que poderiam permitir a sua legitimidade. Um indicador bastante interessante deste aspecto pode ser verificado na cerimônia da coroação e sagração de D. Pedro como Imperador do Brasil realizada, na Capela Imperial do Rio de Janeiro, a 1º de dezembro de 1822, quando do aniversário da aclamação de D. João IV como primeiro rei da dinastia de Bragança. Com isto, dava-se, também, a apropriação da própria História de Portugal e do passado monárquico da nacionalidade portuguesa, tomado aí como um instrumento eficaz para garantir o reconhecimento internacional da Independência. Daí não ser possível passar ao largo da dimensão simbólica da História, sem o estudo dos seus significados. A opção monárquica na formação do estado nacional no Brasil não deve ser entendida, portanto, como uma mera opção conservadora, mas uma escolha racional que procurava garantir um padrão de legitimidade para a unidade territorial da América portuguesa. É obvio que esta dimensão não é auto-explicativa, estando irremediavelmente vinculada aos interesses econômicos e políticos do mundo da propriedade na antiga Colônia. Parece-nos, contudo, profundamente equivocado continuar a reduzir a ação dos homens na história unicamente à condição de reflexo dos interesses econômicos, perspectiva que vai se tornando cada 85 brasil-argentinaFIM.pmd 85 5/2/2004, 11:02 vez mais insuficiente na análise histórica. É obvio que esses interesses movem a vontade dos homens, mas num quadro de complexidade onde os fatores de ordem ideológica cruzam-se com uma infinidade de aspectos simbólicos. É preciso, nesta direção, compreender as construções imaginárias instituidoras da própria sociedade e identificar os significados simbólicos do processo. No caso em questão tudo estava por construir: a unidade do território, a administração do novo estado independente, as instituições estruturantes da sociedade, os padrões civilizatórios e a própria nação. Tratava-se de um conjunto de tarefas difíceis e polêmicas, onde a produção simbólica foi peça fundamental; daí a importância assumida pela escrita da história, pela produção literária e pelas artes plásticas num processo que é fundador da Nação como “comunidade imaginada”57. O projeto de fundação da nacionalidade, é importante ressaltar, não se esgota na implantação do Estado independente. É preciso organizar, para efeito interno e externo, uma nova rede simbólica que afirme a soberania e a legitimidade do novo Estado nacional. É isto que torna importante investigar as “invenções” da nacionalidade, bem como as idéias de criação de um povo a caminho da civilização. Por outro lado, é sempre bom lembrar que estas reflexões em torno dos projetos hegemônicos de construção do estado e da nação ainda não abrangem as especificidades dos projetos de âmbito regional expressas, no caso brasileiro, nas revoltas do período regencial e da primeira fase do reinado de D. Pedro II. Há muita coisa para ser estudada e reexaminada na história das províncias, antigas capitanias, e nos projetos alternativos, ou dissidentes, que nelas eclodiram. São os outros Brasis possíveis, que certamente teriam conduzido à fragmentação do território da antiga América portuguesa e ao surgimento de repúblicas, como ocorreu na parte espanhola do continente. Os elementos que reunimos neste texto são indicadores de aspectos que precisam ser aprofundados e rediscutidos. Vamos recorrer, mais uma vez, ao Patriarca. Desta vez em 2 de setembro de 1823, por ocasião de uma entrevista no jornal de O Tamoio, 57 A expressão é usada aqui no sentido atribuído por Benedict Anderson em Nação e Consciência Nacional. São Paulo, Ática, 1989, p.13-16. 86 brasil-argentinaFIM.pmd 86 5/2/2004, 11:02 publicada em forma de Carta ao Redator, onde ele mesmo constrói a sua localização no processo histórico recente e justifica a opção monárquica: “...eu tive a desgraça de ser o primeiro Brasileiro que cheguei a ser Ministro d’Estado: isto não podia passar pela goela dos Europeus, e o que é pior, nem pela de muitos Brasileiros. Ajunte a isto que fui também o primeiro que trovejei das alturas da Paulicéia contra a perfídia das Cortes Portuguesas: o primeiro que preguei a Independência e a liberdade do Brasil, mas uma liberdade justa e sensata debaixo das formas tutelares da Monarquia Constitucional, único sistema que poderia conservar unida e sólida esta peça majestosa e inteiriça de arquitetura social desde o Prata ao Amazonas, qual a formara a Mão Onipotente e sábia da Divindade”. 87 brasil-argentinaFIM.pmd 87 5/2/2004, 11:02 brasil-argentinaFIM.pmd 88 5/2/2004, 11:02 IDENTIDADE, SOBERANIA E INTEGRAÇÃO SOB O IMPACTO DAS NOVAS TENSÕES ECONÔMICAS GLOBAIS Gilberto Dupas INTRODUÇÃO Após quase duas décadas de implantação de profundas reformas associadas à abertura e à integração de mercados, os grandes países da periferia do capitalismo têm tido medíocre desempenho do PIB, piora na concentração de renda e aumento da exclusão social. Como decorrência, aparecem sintomas de erosão de legitimidade das representações políticas que sustentaram esses programas de reformas. O rigor do cumprimento de metas de orçamentos públicos equilibrados acarretou uma redução significativa dos recursos alocados a programas sociais e de emergência, justamente no momento em que a exclusão acentua a demanda por esses programas. Esses países estão acuados com o atual nível de violência de suas sociedades e seus governos têm perdido capacidade de mediação dessas tensões utilizando os controles tradicionais. Os Estados nacionais manifestam progressiva dificuldade de legitimarem-se com ações de comando e de organização. Enfim, as pressões das lógicas inerentes ao processo de globalização sobre essas nações e sobre o espaço remanescente de governabilidade têm feito crescer os problemas envolvendo preservação da identidade, exercício da soberania e, por decorrência, dificultando a viabilidade de integrações regionais. As políticas de blocos regionais têm se constituído em tentativas de articulação de políticas nacionais defensivas ou ofensivas, visando ampliar hegemonias ou resistir a ataques hegemônicos, mediante processos de integração. Esses mercados comuns - em alguns casos projetos supranacionais mais ambiciosos - podem se constituir em eventuais proteções temporárias às tendências avassaladoras de globalização dos mercados. No entanto, até aqui eles não tem garantido estruturas 89 brasil-argentinaFIM.pmd 89 5/2/2004, 11:02 permanentes que permitam arranjos econômicos suficientemente sinérgicos que compensem as limitações quanto às questões de soberania e identidade. Resumo, a seguir, a análise que pretendo fazer nesse texto: inicialmente examino as importantes forças que tem surgido como resistência às experiências de integração; em seguida as experiências da União Européia e do Mercosul; por fim, a radical mudança nos atores que atuam na economia global e suas conseqüências para as questões de identidade e soberania. No mundo que emergiu depois do final da guerra fria e dos blocos Leste-Oeste reapareceram antigas fronteiras e surgiram fortes policentrismo nos quais, em vários casos, os diferenciais ideológicos retrocederam em favor de antigos substratos culturais. A União Européia, por exemplo, tem a pretensão de uma fusão monetária com forte homogeneização das políticas macroeconômicas, ampliando horizontes nacionais e índices de produtividade sem perda de legitimidade política. Este início de novo século será um importante teste para os resultados dessa integração. Os desafios são imensos: é preciso garantir crescimento econômico e recuperação do euro, baixar o desemprego para aliviar as tensões sociais e modernizar a estrutura da Comissão Européia, estabilizar a situação dos pequenos países da área e testar a tese alemã de incluir os países do leste. O que está em jogo nessa aposta é a viabilidade de unidades políticas maiores e regimes supranacionais que, sem necessariamente romper a cadeia de legitimação democrática, possam compensar a perda de funções do Estado nacional. No continente americano o Nafta acabou constituindo-se num arranjo sinérgico e geopoliticamente adequado para os três parceiros envolvidos. Bem diferente é o caso do Mercosul. O comércio interno entre seus parceiros havia evoluído de US$ 4 para US$ 20 bilhões entre 1990 e 1998, sendo que 60% desse volume veio da troca intra-cadeias industriais. Porém o tão elogiado modelo de regionalismo aberto, característica do bloco, acarretou um novo desequilíbrio estrutural na balança comercial de seus países. Enquanto as importações de fora da região cresceram 146% naquele período, a exportações evoluíram 90 brasil-argentinaFIM.pmd 90 5/2/2004, 11:02 apenas 61%. No ano típico de 1997, anterior ao início da crise desencadeada pela desvalorização cambial brasileira, os déficits na área de manufaturas para com o Nafta, a UE e o resto do mundo estiveram longe de serem compensados pelos pequenos superávits na área do agribusiness, gerando um déficit comercial geral de US$ 25 bilhões para o bloco. Para tanto contribuíram razões intrínsecas de produtividade sistêmica, fortes restrições tarifárias e não tarifárias à entrada de produtos da área nos EUA e pesados subsídios da UE aos seus produtores e produtos agrícolas. De fato, a abertura econômica acentuou o desequilíbrio externo estrutural na América Latina. A lógica das cadeias produtivas globais exige mais importações do que permite exportações. A conseqüência é um regime do tipo stop and go, que limita o crescimento a algo entre 2 e 3%. Esse desequilíbrio não será resolvido pelo mercado financeiro e provavelmente também não o será pela entrada maciça de investimento direto. Sua superação irá depender da condição de exportação de maior valor adicionado, incorporando localmente etapas tecnológicas de agregação de valor, reforçando a competitividade sistêmica e a eficiência individual e lutando tenazmente pelo acesso aos mercados internacionais restritos, especialmente no agribusiness. A crise cambial brasileira e a desvalorização do Real em janeiro de 1999 trouxeram um agudo componente de fragilidade à idéia da definitiva consolidação e ampliação do Mercosul. Se o desejar, o próxima administração norte-americana implantará com facilidade a Alca iniciando pelo pequenos países - onde mínimas concessões de quotas podem significar o equilíbrio tão almejado da balança comercial - negociando acordos especiais com o Chile e a Argentina e isolando o Brasil. Quanto aos atores da lógica global, o mundo tem assistido, em todas as áreas econômicas, a um violento processo de fusões e incorporações motivado pela novo padrão competitivo que pressupõe saltos tecnológicos e busca de mercados cada vez mais globais. O resultado é que o volume de fusões e aquisições operado no mundo evoluiu de 150 para 720 bilhões de dólares entre 1990 e 1999. 91 brasil-argentinaFIM.pmd 91 5/2/2004, 11:02 Complementaridade e especialização são fatores que definem as decisões estratégicas desses atores, as grandes corporações globais, em busca de maximização de seus lucros. É dentro deste contexto, informado pela lógica da fragmentação das cadeias globais, que as decisões de investimento são tomadas. As grandes empresas, atores principais que regem a nova economia mundial, concentram-se cada vez mais. Isso não significa, porém, que o espaço das pequenas e médias empresas irá desaparecer. Atualmente elas assumem um novo papel, associando-se aos líderes das cadeias produtivas, graças à possibilidade de controle descentralizado da informação e de sua integração em um sistema flexível associado a suas estratégias globais. Essa radical tendência de concentração das corporações na economia global, somada aos intensos processos de privatização que transferiram um imenso patrimônio produtivo das mãos dos Estados nacionais para o controle das grandes corporações, provocam uma rápida mudança dos atores do cenário econômico em vários dos grandes países da periferia do capitalismo mundial , com importantes decorrências sociais, políticas e culturais. Uma nova elite econômica mais concentrada e internacionalizada assume a cena. A questão fundamental relativa a essa radical mudança de atores é a percepção das diferenças de interesse dos Estados-nacionais e essas corporações globais. Quando situações futuras tornarem esses interesses divergentes - indexações tarifárias, qualidade dos serviços públicos, remessa de lucros e questões tributárias, apenas para citar alguns exemplos - os governos desses países estarão pressionados por forças muito atuantes e gigantescos lobbies e precisarão estar muito bem preparados para identificar e saber opor critérios soberanos à pressão econômica, agindo no sentido do melhor interesse nacional. No momento em que a dinâmica da globalização passa a mostrar com nitidez a sua face socialmente perversa e uma crise de legitimidade das representações políticas atinge até os países capitalistas de maior tradição de estabilidade democrática, introduzem-se importantes tensões entre os problemas de identidade, autoridade e igualdade. Torna-se uma questão obrigatória que as estratégias de crescimento, 92 brasil-argentinaFIM.pmd 92 5/2/2004, 11:02 especialmente dos grandes países da periferia, contenham necessariamente políticas redistributivas que enfrentem a questão crônica da concentração de renda e da pobreza. Nessas circunstâncias, do ponto de vista da democracia, o desafio de reconstruir a governabilidade - o que eqüivale a reconstruir o próprio Estado - passa a ser crítico em função da deterioração difusa do tecido social, da criminalidade e da violência urbana crescentes, com conseqüente surgimento de espaços onde a autoridade estatal não tem tido condições de se fazer valer de modo efetivo. Por outro lado, a reconstrução o Estado outorgando-lhe novos papéis condizentes com a exigência do mundo global tem como locus a redescoberta da identidade coletiva, ou seja, de uma nova visão compartilhada do interesse comum “possível” em tempos de globalização. Identidades nacionais se formaram no contato e na interação com o Outro. Se a nação nasce de um postulado e de uma invenção, ela só vive pela adesão coletiva a esta invenção, ou seja, por obra da interiorização de uma cidadania, daquilo que é considerado o repertório comum. Ressalte-se que os indivíduos continuam a projetar suas expectativas, reivindicações e esperanças sobre as nações a que pertencem. As nações e os Estados que as representam são e permanecem sendo indispensáveis instâncias públicas de intermediação com a população e com o mundo. Uma das principais constatações vindas da observação da segunda metade do século XX é que um desenvolvimento econômico auto-sustentado exige mercados ativos escorados por sólidas instituições públicas. Toda a economia de mercado bem-sucedida foi uma mistura de Estado e mercado, “laissez-faire” e intervenções. Não é por outra razão que os países que tiveram melhor desempenho foram os que liberalizaram parcial e gradualmente sua economia. A liberdade crescente aos mercados tornou os Estados latino-americanos progressivamente inábeis e sem órgãos reguladores para enfrentar a turbulência econômica mundial. É preciso, além disso, combinar as oportunidades oferecidas pelos mercados internacionais com uma estratégia de desenvolvimento doméstico que estimule o lado agressivo dos empreendedores locais. Um importante equívoco de alguns dos grandes países da periferia que se inseriram no comércio internacional foi terem confundido 93 brasil-argentinaFIM.pmd 93 5/2/2004, 11:02 abertura com estratégia. A abertura econômica é uma mera circunstância da nova ordem internacional. No entanto, essa circunstância torna ainda mais importante a definição de uma estratégia. A integração de um país à economia mundial não substitui estratégias de desenvolvimento. Nos próximos itens procurarei detalhar vários dos conceitos aqui formulados. AS FORÇAS DE RESISTÊNCIA ÀS INTEGRAÇÕES As políticas de blocos e as crescentes pressões de liberação do comércio mundial convivem com forças simultâneas de dissolução e afirmação de identidades. De um lado, os mecanismos de mercados comuns regionais como tentativas de proteção parcial - e, provavelmente, provisória - para algum espaço da soberania; de outro, o desencadeamento de forças de fragmentação e afirmação de identidades nacionais, étnicas, religiosas e culturais. Um caso interessante sobre a perplexidade gerada por essas forças contraditórias é o Canadá. Uma questão perturbadora para a opinião pública canadense no pósNafta é se o seu país sobreviverá como nação independente ou tornarse-á, dentro de algum tempo, uma espécie de 51o. estado americano. Para John Gray, em seu livro Lost in North America, “o Estado-nação Canadá virou uma concha sem conteúdo. Se alguém encosta-lo no ouvido conseguirá ouvir o oceano”. Os 80% dos canadenses que falam inglês lêem praticamente os mesmo livros, acompanham as mesmas ligas esportivas e vêem os mesmos filmes e programas de TV dos americanos. Os burocratas dos dois países trabalham para harmonizar a imigração, a alfândega, as leis a circulação de bens no perímetro comum. Em recente pesquisa metade dos consultados apoiavam a idéia de elegerem representantes ao Congresso dos EUA e descreviam-se como “essencialmente” iguais aos americanos. E um terço deles manifestou-se favorável à transformação dos dois países em um só. No entanto, em grande parte do último século, as elites empresariais e políticas canadenses tentaram tenazmente criar uma identidade nacional cultivando o anti-americanismo através do protecionismo e da política externa independente. Hoje percebem que é a questão da afirmação de 94 brasil-argentinaFIM.pmd 94 5/2/2004, 11:02 uma identidade nacional, submetida ás forças da globalização, transformou-se em algo mais sutil. A questão é verificar em que termos essa afirmação é ainda possível e necessária. Pretendo, inicialmente, aprofundar a análise das forças que surgem como resistência importante às integrações. A imposição de unidades artificiais - ainda que legitimadas por consensos circunstanciais tem um exemplo radical no fim do comunismo. Ele provocou o surgimento da separação, não da comunhão. Alain Finkielkraut lembra que “reapareceram antigas fronteiras, rugas esquecidas ressurgiram no rosto da humanidade européia.” O desenrolar de crises no leste europeu nos dá a entender que, embora isso possa parecer irônico ou decepcionante, nos dias de hoje, por vezes, a única forma de chegar a uma coexistência entre os povos consiste em separá-los. O dilema para as pequenas nações parece mais grave, já que integração muitas vezes pode significar desaparecimento; não é o seu tamanho ou a sua superfície territorial que as caracterizam, é o seu destino. Pequeno, nesse caso, significa precário e perecível. Finkielkraut recorda que a pequena nação é aquela cuja existência pode, não importa em que momento, ser posta em dúvida; que pode desaparecer, e que sabe disso. Não é à toa que o hino polonês começa com : “A Polônia ainda não morreu.” Para compreender as nações pequenas é necessário a experiência da fragilidade e a angústia do perecer. Em 1930 o romancista húngaro Dezso Kosztolanyi escreveu uma carta aberta a Antoine Meillet, professor do Collège de France, autor do famoso Les langues dans l’Europe nouvelle, atacando sua idéia que o velho mundo de múltiplas linguagens retardava o progresso técnico e adiava o espetacular avanço das comunicações na Europa. Ambos profundamente europeus, o moderno Meillet queria tornar a Europa clara e distinta, impor-lhe regras precisas, racionalizá-la. Para Kosztolanyi, pelo contrário, a Europa é essa realidade obstinada que não se deixa dissolver em pura funcionalidade. “Onde Meillet vê um escândalo, apresenta-se a Kosztolanyi um recurso e um dom”, diz Finkielkraut. Apesar dos avanços, as maiores dificuldades atuais na integração européia vêm desses complexos paradoxos. Valulik lembra que a alma 95 brasil-argentinaFIM.pmd 95 5/2/2004, 11:02 complicada da Europa procede do seu terreno, do contorno ondulado de suas margens, da altura de suas montanhas, do clima e da direção dos rios. Em cada enseada mandava um duque diferente; cada ilha tinha seu rei. E, como do outro lado de cada montanha falava-se uma outra língua, era impossível estabelecer uma administração única. Nenhum conquistador pôde apoderar-se da Europa de uma assentada, esbarrava sempre num obstáculo que o fazia perder tempo e força; nos territórios conquistados, deixava atrás de si comunidades insurretas que, apesar de suas dimensões, proclamavam-se Estado, faziam de seu dialeto uma língua administrativa. Expulsos de um lugar, pregadores, professores, artistas, cientistas, instalavam-se um pouco mais longe, lá ficavam e ainda estão até nossos dias. Faz parte, por exemplo, da identidade profunda francesa não existir lugar para a atenção às particularidades. Enquanto na Alemanha romântica se é, em primeiro lugar, alemão e depois homem através de sua qualidade de alemão, na França de Montesquieu, Voltaire, pensase espontaneamente que se é homem por natureza e francês por acidente. Para o cidadão francês seu país é a democracia, a república. Alguns deles dirão que a França mostrou ao gênero humano e ao mundo o caminho dos direitos do homem e do cidadão. Valéry já observava que a particularidade dos franceses é a de se crerem e se sentirem os homens do universo. A queda do muro de Berlim precipitou acontecimentos como a crise do golfo e a tragédia Kosovo. Eles evidenciam a importância das tradições culturais que dão suporte às sociedades em conflito por hegemonias regionais ou globais. O mundo que emerge depois do final da guerra fria e dos blocos Leste-Oeste caracteriza-se por um forte policentrismo no qual os diferenciais ideológicos retrocederam em favor desses substratos culturais. A visão de uma unidade européia pressupõe que o engajamento com a própria realidade particular tenha como contraponto uma ampla visão universal. No momento atual, o renascimento dos Estados-nação ou de toda a plêiade de nações sem Estado candidatas a esse estatuto convive com uma pálida idéia europeísta entregue às cegas forças da economia e da burocracia. 96 brasil-argentinaFIM.pmd 96 5/2/2004, 11:02 A UNIÃO EUROPÉIA E SUAS TENSÕES Na União Européia, a maior experiência mundial em integração econômica, essa política encerra conceitos mais amplos, tendo a pretensão de uma fusão monetária com forte homogeneização das políticas macroeconômicas, através do estabelecimento de metas e compromissos de performance. O caso da UE é apontado por Anthony Guiddens como um exemplo de operação ofensiva visando ampliar horizontes nacionais e índices de produtividade sem perda de legitimidade política. No entanto, a União Européia continua a avançar em ritmo inconstante. No ano que passou a Europa ocidental, com menos de 7% da população e quase 31% do PIB mundiais, gerou 25% da nova riqueza global. Já os EUA, com PIB e população semelhante aos europeus, foram responsáveis por 46% desse acréscimo de riqueza. Numa década que havia iniciado com a comemorada derrubada das fronteiras leste-oeste e que terminou com a consolidação da União Européia, os cinco principais países da região, responsáveis por quase 70% do seu PIB (Alemanha, Grã-Bretanha, França, Itália e Espanha) tiveram o crescimento econômico médio decepcionante de 1,6% ao ano. As esperanças de recuperação começaram a vir em 1999, quando esse número subiu para 1,9%. E estão presentes nas projeções para 2000, quando se prevê um salto para 3,0%. Quanto ao desemprego, depois de ter assustado a região ao evoluir de 7% no início dos anos 1980 para mais de 11% em 1998, finalmente iniciou um declínio que espera-se possa permanecer. Agora com a Grécia sendo admitida como mais um país da “zona do euro”, restam apenas três membros da UE fora do sistema de moeda única: Grã-Bretanha, Suécia e Dinamarca. O comportamento do euro, no entanto, causa grande perplexidade com sua constante depreciação, tendo atingindo um novo recorde de baixa diante do dólar e do iene. Políticos e investidores continuam desorientados em relação à fraqueza da moeda européia. Ainda que seja consenso que ele tenha começado sua vida como uma moeda superavaliada em relação aos fundamentos econômicos como custos relativos e desempenho das exportações - e que foi impulsionado artificialmente no final de 1998 por 97 brasil-argentinaFIM.pmd 97 5/2/2004, 11:02 uma euforia pouco racional sobre as sinergias da integração e a perspectiva de uma depressão nos EUA - nos últimos meses esses fundamentos melhoraram e a moeda não reagiu. Na verdade, depois que o euro caiu abaixo de US$1,00; todos os países da Europa se tornaram competitivos com relação aos EUA, exceto a Alemanha. Agora, com a atual cotação abaixo de US$ 0,90; até a indústria alemã está recuperando sua competitividade. Todas as questões e dificuldades já relatadas aparecem ao analisarmos o quadro atual da integração européia e seus dilemas. O “núcleo duro” da UE - França e Alemanha - continua ensaiando divergências e aproximações. Em agosto de 2000, na véspera de sua posse na presidência rotativa da UE, Jacques Chirac pediu apoio ao governo alemão para seu projeto de integração da Europa em “duas velocidades”. Aqueles que queiram acelerar a integração deveriam estar livres para fazê-lo, mantendo o direito de uma velocidade menor para aqueles que preferirem um processo mais lento. Esta parece ser uma resposta francesa à proposta do chefe da diplomacia alemã, Joschka Fischer, de acelerar a formação de uma federação européia. Chirac sugere que França e Alemanha avancem mais rápido na consolidação política e econômica do “núcleo duro”. Tony Blair reagiu imediatamente dizendo não se sentir isolado. No entanto sua oposição, em especial o líder do Partido Conservador Francis Maude, acusou França e Alemanha de pretenderem um superestado para empurrar a Inglaterra para as margens da Europa. Na França, a manutenção de uma excelente taxa de crescimento para os padrões europeus - 3,0% nos últimos 3 anos e 3,7% no período em curso, contra a média de 1,6% da década para o conjunto da região - e uma queda razoável no alto nível de desemprego - 12,5% em 1997 contra os atuais 9,8% - dão fôlego temporário a seus líderes para posições mais amplas sobre a Europa e o mundo. Desde o último verão tem se elevado o tom da sociedade civil francesa contra globalização. Seu impacto na política francesa pode marcar alterações no corporativismo agrícola usual. Um público cada vez mais em dúvida continua a pagar - contando com grande contribuição da Alemanha através de fundo específico da UE - enormes subsídios à sua agricultura, para preservar a atividade e a paisagem rural, além de não tantos 98 brasil-argentinaFIM.pmd 98 5/2/2004, 11:02 empregos. Isto permite à França continuar a ser o segundo maior exportador agrícola do mundo. Mas o conceito de multifuncionalidade agrícola, defendido pela nova geração, abrange um horizonte mais amplo, uma visão cultural e de saúde pública, projetando-se para a sociedade como um todo e exigindo novos posicionamentos do lobby tradicional. Cerca de 70% dos cidadãos franceses são agora a favor da integração européia. Mas um percentual ainda maior cobra da UE a luta contra os efeitos da globalização. O ciclo francês da Conferência Intergovernamental, que agora se inicia, enfatizará a maior autonomia de seus membros e posições mais firmes da UE em relação aos EUA. E Chirac também anuncia uma agenda social dando prioridade ao emprego e uma carta de direitos fundamentais do cidadão europeu. Pascal Lamy, o comissário do comércio sucedeu um ultraliberal, o inglês Leon Brittan e é sensível a algumas posições francesas a favor da multifuncionalidade da agricultura, da competição multilateral e da garantia de segurança alimentar. As posições originais francesas sobre a globalização podem encontrar aliados em outras partes do mundo. Há inúmeras razões para o descontentamento com a imposição do padrão global norte-americano, especialmente nos grandes países da periferia do capitalismo. E a UE, especialmente se conseguir superar suas próprias contradições, como o pesadíssimo subsídio agrícola que prejudica as exportações dos países mais pobres, pode significar uma nova força ideológica que equilibre as posições mais radicais de livre comércio exacerbado. Quanto à Alemanha, a comemoração dos 20 anos de início das negociações para a reunificação e dos 10 anos da queda efetiva do muro se dão com sinais alentadores de retomada do crescimento. Ela constituiu-se, sem dúvida, num dos mais ousados experimentos políticos, sociais e econômicos do século que passou. Com custos e ônus que superaram as expectativas, ainda assim o país cresceu tanto quanto a França na última década, ainda que ambos os países tenham crescido a um modesto índice médio anual de 1,6%. Com o índice de desemprego fortemente pressionado pela região leste, que ainda carrega taxas de mais que o dobro do restante do país. Finalmente tem-se conseguido reduzi-lo nos últimos 3 anos, com a ajuda da economia que se aquece mais um pouco e aponta para 2,6% em 2000. Os inevitáveis 99 brasil-argentinaFIM.pmd 99 5/2/2004, 11:02 compromissos políticos, no entanto, causam pressões de ambos os lados de um país ainda marcado pela divisão. As projeções indicam que a Alemanha deverá se converter nas próximas 3 décadas na nação com a maior idade média do mundo. No entanto, ainda no último outono europeu o chanceler Schröeder mostrou-se sensível à reivindicação dos sindicatos de reduzir a idade de aposentadoria de 65 para 60 anos, desde que conseguisse os fundos necessários. As projeções oficiais, porém, mostram que uma das condições para conter os déficits crescentes na previdência alemã será de elevar as taxas de contribuição de 19,3% dos salários brutos para 22% nos próximos 30 anos, bem como reduzir os benefícios de 70% para 64%. São contradições que só poderão caminhar para a superação se a Alemanha continuar a crescer em conjunto com a UE. Do outro lado do Mar do Norte, mais uma vez a práxis política de regimes democráticos obrigados a enfrentar regularmente as urnas teima em desmentir os enunciados retóricos dos seus dirigentes. Em função da aceleração do seu crescimento econômico, que de modestos 1,8% em 1999 - e média de 2,2% na década - aponta para 3,0% para 2000, a Grã-Bretanha prevê o maior superávit orçamentário dos últimos dez anos. O governo Tony Blair anunciou que a maior parte desse ganho inesperado será utilizado para aumentar os gastos com saúde e educação, tentando uma vez mais atenuar as reações ao discurso da “terceira via”, que propõe uma inevitável redução dos programas de welfare state. Essa pode ser uma resposta ao aumento das tensões sociais e da exclusão social em áreas do país, em especial regiões urbanas deterioradas, o que faz do aumento do crime e do vandalismo uma ansiedade nova para mais de 60% da população das cidades inglesas. Finalmente a Itália, o quarto maior parceiro da União Européia, convive com sua crise recorrente e com um regime que já gerou, no pós-guerra, tantos primeiros-ministros quantos foram os anos deste período. As reformas no sistema político operadas a partir de 1990 foram cosméticas; desde lá o país estagnou, amargando o menor crescimento médio entre os grandes países da Europa, com apenas 1,2% ao ano. Após a renúncia de Massimo D’Alema, têm aumentado as pressões para uma verdadeira reforma política que enseje a formação de consistentes alianças eleitorais e um sistema bipartidário com maiorias 100 brasil-argentinaFIM.pmd 100 5/2/2004, 11:02 sólidas. Mas ainda é cedo para saber quando a Itália conseguirá adotar políticas econômicas consistentes que permitam retomar seu crescimento auto-sustentado. Este início de novo século será, pois, um importante teste para os resultados da integração européia. Ao lado da anunciada recuperação do crescimento, ele terá que garantir a recuperação do euro, fundamental à lógica da UE, que vem de contínua depreciação em relação ao dólar desde sua criação. O desemprego precisa baixar mais para aliviar as tensões sociais e dar consistência à retórica da cúpula da UE de março, em Lisboa, que garantiu uma política de “maior solidariedade e busca do pleno emprego”. Finalmente, os planos de modernização da estrutura da Comissão Européia necessitam caminhar. Eles são essenciais para estabilizar a situação dos pequenos países da área e para viabilizar a tese alemã, assimilada pela maioria, de ampliar seus membros com a inclusão de países do leste, esse conjunto incerto de pequenas nações entre a Rússia e a Alemanha, sempre em sobressalto porque sua existência parece precária e perecível. Trata-se, portanto, de uma pauta imensa, plena de riscos. A hipótese de sucesso é que a UE possa superar seus desafios e se viabilize com uma moeda forte e um novo poder real que equilibre uma hegemonia unipolar norte-americana potencialmente perigosa para o equilíbrio deste mundo global e plural. Mas ela não é a única. O que está em jogo nessa experiência é a viabilidade de unidades políticas maiores e regimes supranacionais que, sem necessariamente romper a cadeia de legitimação democrática, possam compensar a perda de funções do Estado nacional. Porém, a política só será capaz de “ter precedência” sobre os mercados globalizados quando lograr produzir, a longo prazo, uma sólida infra-estrutura regulatória que não seja desvinculada dos processos de legitimação. Na realidade, a solidariedade cívica, hoje restrita ao Estado nacional, teria de se estender de tal forma que, por exemplo, portugueses e suecos se dispusessem a amparar uns aos outros. Diante deste quadro complexo de desafios e possibilidades, os cenários de médio prazo para a Europa - segundo a Forward Studies Unit da Comissão Européia - são variados e complexos. O sucesso das políticas de integração e do esforço institucional para sua legitimação, associado a um eventual período de crescimento econômico mundial, 101 brasil-argentinaFIM.pmd 101 5/2/2004, 11:02 pode sustentar Governos e estruturas públicas renovadas implantando reformas no mercado de trabalho e no welfare, incluindo pactos de geração de emprego e mecanismos de estabilização cíclica, permitindo avanço simultâneo da globalização e dos regionalismos e consolidando a UE. Num cenário neoliberal mais agressivo, porém, com o eventual sucesso de medidas de flexibilização das políticas trabalhistas e tributárias é provável um forte crescimento do crime organizado e dos problemas ambientais. Sob comando de uma nova elite política, em conflito com a burocracia e os sindicatos, a Europa poderá crescer mais rápido, mas com aumento da desigualdade e exclusão. Um outro cenário possível leva em conta uma redução do crescimento do comércio mundial. A exploração da biotecnologia pode ter forte oposição popular, com as grandes organizações, os governos centrais e a mídia global progressivamente hostilizados pela opinião pública e com grande explosão de operações pessoais via redes eletrônicas. Várias regiões e cidades podem se atritar contra governos centrais, provocando grandes crises nos Estados-nação. Algumas funções públicas poderão passar a ser exercidas por associações e organizações privadas trazendo de volta a crença na solidariedade entre vizinhos e na auto-ajuda, juntamente com uma onda de anti-consumismo e do-it-yourself, mas com grande adesão às tecnologias de informação, com os valores “verdes” em alta. Multiplicar-se-ia o espaço das ONGs, mas a violência em muitas áreas poderiam ficar fora de controle, com agravamento dos conflitos étnicos na Europa Central e Oriental. Finalmente, um subproduto ainda mais pessimista do cenário anterior pode ser vislumbrado caso haja uma forte recessão mundial, com a UE ficando em progressiva desvantagem na competição mundial, especialmente em alta tecnologia. Neste caso pode aumentar a intolerância e o racismo, crescer a preocupação com estabilidade econômica , criminalidade urbana, máfias e guerras próximas. Os grandes países podem tender a aumentar sua segurança para recuperar autoridade, deslocando o centro de gravidade político para o populismo de direita e a re-legitimização via Estados fortes. Conflitos e tensões internas nos Estados da UE podem forçar a intervenções militares, com grande instabilidade em suas fronteiras e um aperto geral das políticas de imigração. Todo esse quadro complexo de cenários possíveis mostra o quanto é ainda prematuro apostar no sucesso da integração. 102 brasil-argentinaFIM.pmd 102 5/2/2004, 11:02 POSSIBILIDADES E LIMITES DA INTEGRAÇÃO NO CONTINENTE AMERICANO O primeiro olhar sobre o continente americano deverá ser lançado para as suas assimetrias, definidoras de poder econômico real, e dos possíveis espaços para consolidação desse poder. Ou, alternativamente, para o surgimento de novas forças que busquem esse espaço a partir de oportunidades que se encaixem na lógica dominante da complementaridade e da especialização. A atual situação hegemônica norte-americana está longe de ser ocasional ou definidora de um paradigma para as virtudes do livre mercado. Vários fatores ligados ao desenvolvimento e o uso de novas tecnologias permitiram a este país a consolidação de uma fase virtuosa que lhe tem garantido um longo ciclo de crescimento - desigual se comparado ao restante da economia mundial - consolidando essa impressionante hegemonia tenazmente construída a partir dos dois últimos conflitos mundiais. Numa realidade onde os processos produtivos alcançaram uma integração planetária, a hegemonia econômica consiste na capacidade de determinar como se organiza e se leva a cabo essa produção. A conexão em redes globais constitui-se no elo final desse novo paradigma, já que as funções e os processos dominantes na era da informação estão cada vez mais organizados em torno de redes. São redes os fluxos financeiros globais; o tráfico de drogas que comanda pedaços da economia do mundo inteiro; a rede global da nova mídia que define a essência da expressão cultural e da opinião pública. As redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades, e a difusão de sua lógica altera radicalmente a operação e os resultados dos processos produtivos, bem como o estoque de experiência, cultura e poder. A nova economia está organizada em torno de redes globais de capital, gerenciamento e informação. As corporações e a sociedade norteamericana, que hoje lideram essas tecnologias, como decorrência dominam ferramentas-chave para a produtividade e a competitividade na era da informação. Desde o início deste novo século, os EUA vêm experimentando uma nova e enorme aceleração das inovações em direção a um aumento de produtividade. A emergência extremamente rápida da Internet e os efeitos ligados ao comércio eletrônico promete realimentar esse ciclo virtuoso. 103 brasil-argentinaFIM.pmd 103 5/2/2004, 11:02 Os fatores mencionados aqui apenas potencializam ainda mais o poderio econômico dos EUA sobre o restante da América, fazendo determinante ao futuro da região a maneira pela qual este país definirá seus interesses estratégicos no futuro próximo, tema para o qual voltaremos no final desse texto. O Nafta acabou constituindo-se num arranjo sinérgico e geopoliticamente adequado para as três partes. Nele as assimetrias se acomodaram com rara complementariedade e o bolsão de pobreza mexicana, fornecendo mão-de-obra de baixa qualificação a um custo quase dez vezes inferior ao dos EUA, foi um dado de realidade muito oportuno para as duas partes, especialmente nessa de profunda expansão da economia hegemônica mundial. A vigorosa troca comercial está suportada pela intensa atividade das maquiladoras, abrindo espaço para uma troca comercial da ordem de 100 bilhões fortemente centrada no mercado norte-americano. Apesar de algumas resistências iniciais de sindicatos norte-americanos, o pujante crescimento econômico daquele país e a manutenção de baixas taxas de desemprego amenizaram essas tensões. Outro é o caso do Mercosul. Estruturado a partir do desanuviamento das relações políticas entre Brasil e Argentina, com a adesão de Uruguai e Paraguai, esse bloco evoluiu com amplo sucesso até o final de 1998. Fruto de um momento de consolidação de regimes democráticos e relativa estabilidade macroeconômica, o Mercosul cresceu rapidamente e conseguiu elevar o comércio interno entre seus parceiros de US$ 4 para US$ 20 bilhões entre 1990 e 1998. Um exame atento dessa evolução demonstra, no entanto, que cerca de 60% desse volume veio da troca intra-cadeias industriais. Isto quer dizer que foi intensa a aplicação da lógica da complementaridade e da especialização no processo de internacionalização das economias locais, aproveitando-se da redução temporária das incertezas macroeconômicas e do benefício das tarifas e quotas entre países. Ao mesmo tempo que isso ocorria, no entanto, a mesma lógica aplicada exigia uma grande elevação dos componentes importados dessa produção local, justamente aqueles cujo custo de produção era sensivelmente mais barato no exterior, especialmente os itens de maior valor tecnológico adicionado. O tão elogiado modelo de regionalismo aberto pode ser constatado pelo volume de importações de fora do bloco, que cresceu 146% no período 92-98, enquanto as exportações evoluíram apenas 61%, como se observa no Quadro 1. 104 brasil-argentinaFIM.pmd 104 5/2/2004, 11:02 A UE e os EUA, pela ordem, foram os mais beneficiados por essa distorção, que ocasionou crescentes desequilíbrios comerciais nos países do Mercosul. Observando-se a pauta do ano típico de 1997 (Quadro 2), nota-se que os déficits na área de manufaturas para com o Nafta, a UE e o resto do mundo estiveram longe de serem compensados pelos pequenos superávits na área do agribusiness, acumulando-se naquele ano um déficit comercial geral de US$ 25 bilhões no comércio externo da região. Tal se deu, além de razões intrínsecas de produtividade sistêmica, pela permanência das restrições da entrada de produtos da área nos EUA, mediante forte política de barreiras tarifárias e não tarifárias, acrescentadas na UE aos subsídios aos seus produtores e produtos agrícolas. Na realidade, a abertura econômica acentuou um desequilíbrio externo estrutural na maior parte dos países da América Latina. A lógica das cadeias produtivas globais exige para tais países mais importações do que permite exportações e, toda a vez que os países da região começaram a crescer, aumentaram os déficits comerciais. A conseqüência é um regime do tipo stop and go, que permite um crescimento de até 2% a 3%. Esse desequilíbrio da América Latina não será resolvido pelo mercado financeiro e provavelmente não o será pela entrada maciça de investimento direto, dado que seu regime depende fortemente 105 brasil-argentinaFIM.pmd 105 5/2/2004, 11:02 do ciclo de privatizações. Tudo dependerá da condição de exportação de maior valor adicionado, incorporando localmente etapas tecnológicas de agregação de valor, reforçando competitividade e lutando tenazmente pelo acesso a mercados restritos, especialmente no agribusiness. A crise cambial brasileira e a desvalorização do Real em janeiro de 1999 trouxeram um agudo componente de fragilidade à idéia da definitiva consolidação e ampliação do Mercosul, baseada que estava na idéia da estabilidade dos preços relativos. A queda rápida do comércio intra-países em quase 30%, o movimento de transferência de instalações industriais da Argentina para o Brasil e introdução de forte instabilidade na política cambial argentina são os indícios mais evidentes. Por outro lado, é preciso levar em consideração as recentes fissuras em vários regimes democráticos da região, pressionados por um medíocre crescimento econômico das últimas duas décadas e fragilizados por um processo de abertura econômica que, se de certo modo era inevitável e necessário, por outro aumentou o desemprego e a informalidade e fragilizou as bases já muito precárias do welfare state dessas nações. A questão da crescente importância do narcotráfico e do crime organizado nessas economias é outro fator de instabilidade a considerar. Sem esquecer recentes episódios em favor da dolarização de alguns desses países, tendência essa vista por enquanto com muita cautela pelas autoridades econômicas norte-americanas. O fato é que, se o desejar, a próxima administração norte-americana implantará com facilidade a Alca “comendo pelas bordas”, ou seja, iniciando pelo pequenos países - onde mínimas concessões de quotas podem significar e equilíbrio tão almejado da balança comercial - negociando acordos especiais com o Chile e a Argentina e isolando o Brasil. Quanto mais fragilizado estiver o Mercosul, mais factível é essa hipótese. Para o Brasil, no entanto, a implantação acarretaria sérios inconvenientes. Apesar de sua adoção do câmbio flexível e da recente desvalorização cambial, sua balança comercial continua ligeiramente deficitária. Assim, o equilíbrio de sua balança de transações correntes está a depender totalmente da entrada anual de cerca de 24 bilhões de dólares de investimento direto internacional para compensar um déficit incomprimível de 17 bilhões em serviço da dívida e 7 bilhões de remessa de lucros. A redução inevitável do fluxo maciço de privatizações 106 brasil-argentinaFIM.pmd 106 5/2/2004, 11:02 aliado a um eventual desvio de investimento direto futuro para a fronteira americana-mexicana aproveitando a vantagem da competitividade sistêmica, da mão-de-obra barata e da exportação com alíquota zero para o Brasil, pode ter graves efeitos para esse país. CONCENTRAÇÃO DE PODER E MUDANÇA DOS ATORES NO CENÁRIO ECONÔMICO Os fenômenos relacionados ao processo de internacionalização afetaram profundamente a condição de competição no mercado internacional a partir de meados da década dos 70. Esse processo ganhou características inusitadas e um assombroso impulso com o enorme salto qualitativo ocorrido nas tecnologias da informação, que induziu à reformulação das estratégias de produção e distribuição das empresas e a formação de grandes networks. A forma de organização da atividade produtiva foi radicalmente alterada para além da busca apenas de mercados globais; ela própria passou a ter uma lógica global. A revolução tecnológica atingiu igualmente o mercado financeiro mundial, cada mercado passando a funcionar em linha com todos os outros, em tempo real. Isso permitiu a mobilidade de capital requerida pelo movimento de globalização da produção. As empresas controladas por capital local ou grupos internacionais com operações em cada país passaram a rever toda sua estratégia a partir dos novos paradigmas de competição. A abertura geral dos mercados iniciada nos anos 80, por sua vez, veio a transformar o conceito de internacionalização. Qualquer operação, por mais restrita que fosse a um mercado nacional, passou a ter como competidores concorrentes internacionais em busca de ampliação do seu market share global. O capitalismo atual é alimentado pela força de suas contradições. De um lado, a enorme escala de investimentos necessários à liderança tecnológica de produtos e processos – e a necessidade de networks e mídias globais – continuará forçando um processo de concentração que habilitará como líderes das principais cadeias de produção apenas um conjunto restrito de algumas centenas de empresas gigantes mundiais. Essas corporações decidirão basicamente o que, como, quando, quanto 107 brasil-argentinaFIM.pmd 107 5/2/2004, 11:02 e onde produzir os bens e os serviços (marcas e redes globais) utilizados pela sociedade contemporânea. Ao mesmo tempo, elas estarão competindo por redução de preços e aumento da qualidade, em um jogo feroz por market share e acumulação. Simultaneamente, este processo radical em busca de eficiência e conquista de mercados força a criação de uma onda de fragmentação – terceirizações, franquias e informalização –, abrindo espaço para uma grande quantidade de empresas menores que alimentam a cadeia produtiva central com custos mais baixos. Tanto na sua tendência de concentrar como na de fragmentar, a competição opera como o motor seletivo desse processo. Assim, ao mesmo tempo em que a cadeia produtiva globalizada se concentra no topo ela se fragmenta na base, induzindo também um amplo espectro de empregos flexíveis. Enquanto seleciona, reduz, qualifica – e, portanto, exclui – no topo, a nova lógica das cadeias inclui na base trabalhadores com salários baixos e contratos flexíveis, quando não informais. Por outro lado, na medida em que o processo da produção global opera ganhos contínuos nos produtos mundiais, reduzindo seu preço e melhorando sua qualidade, acaba incluindo novos segmentos de mercado à sua cadeia. Mais do que nunca, nessas últimas três décadas, as novas tecnologias acabaram se transformando na essência da competição global, permitindo às empresas ampliar sua participação no mercado mundial e gerar caixa para permitir novos investimentos em tecnologia, realimentando o ciclo de acumulação. Uma das expressões mais importantes dessa tecnologia atual é a morfologia das redes. A nova economia está organizada em torno de redes globais de capital, gerenciamento e informação. As corporações que lideram essas tecnologias de rede dominam as ferramentas-chave para a produtividade e a competitividade na era da informação. As mais novas delas são a Internet e o comércio eletrônico. A brutal ampliação das pessoas, residências e empresas conectadas ao e-commerce são uma prova disso. Na realidade, os grandes avanços de eficiência da sociedade norte-americana têm sido baseados no acesso à informação em tempo real, com a redução dos prazos e das horas de trabalho requeridas para a 108 brasil-argentinaFIM.pmd 108 5/2/2004, 11:02 produção e entrega de toda sorte de bens, encurtando os ciclos de produção e a necessidade de capital. Etapas intermediárias de produção e atividades de distribuição estão sendo reduzidas em grande escala e, em alguns casos, eliminadas. Prazos de projetos e custos têm caído dramaticamente à medida que a modelagem computadorizada tem eliminado a necessidade de grandes equipes de projetistas. A tecnologia da informação aumenta a produção por hora no total da economia principalmente por reduzir horas de trabalho nas atividades necessárias ao controle do processo produtivo, diminuindo as incertezas e as perdas. A relação entre fabricantes, comerciantes e seus clientes já está sendo radicalmente transformada pelo comércio eletrônico. As novas tecnologias possibilitam novos bens e serviços com maior média de valor adicionado por hora trabalhada, operando verdadeiras revoluções nas áreas de biotecnologia, agribusiness e medicina. Por conta das tendências de concentração assiste-se, em todas as áreas econômicas, a um violento processo de fusões e incorporações motivado pela nova lógica competitiva, que pressupõe saltos tecnológicos e busca de mercados cada vez mais globais. O resultado é um enorme movimento de fusões e aquisições operado no mundo nos últimos anos cujo valor evoluiu de 150 para 720 bilhões de dólares entre 1990 e 1999. Isso não significa, porém, que o espaço das pequenas e médias empresas irá desaparecer. Na economia global, as pequenas e médias empresas manterão ainda um espaço importante, especialmente via terceirizações, franquias e subcontratações; porém, basicamente subordinadas às decisões estratégicas das empresas transnacionais – e integradas às suas cadeias produtivas. Complementaridade e especialização são pressupostos que, viabilizados em escala planetária pela possibilidade da ampla fragmentação das cadeias produtivas, através das tecnologias da informação e em busca da composição dos fatores mais eficientes para cada uma de suas etapas de produção de bens ou serviços, definem as decisões estratégicas das grandes corporações globais em busca de menores custos finais e, portanto, da maximização de seus lucros. Fatores de produção são aqui entendidos no seu sentido mais amplo, sejam diretos, sejam relativos às condições amplas do environment. Assim, abrangem eles: custo e especialização da mão-de-obra; atributos do capital – como 109 brasil-argentinaFIM.pmd 109 5/2/2004, 11:02 taxa de juros, termo e mobilidade; vantagens tecnológicas – tipo clusters e especializações; restrições ambientais mais ou menos favoráveis; restrições fiscais mais ou menos flexíveis; escala do mercado interno; políticas tarifárias externas; estabilidade macroeconômica; etc. É dentro desse contexto que as decisões de investimentos são tomadas, influindo diretamente nas políticas governamentais dos países do continente, especialmente aqueles países que olham os mercados externos como fator fundamental de expansão ou consolidação hegemônica. Os intensos processos de concentração das corporações na economia global associaram-se às privatizações, que transferiram um imenso patrimônio produtivo – e portanto de poder - das mãos dos Estados nacionais para o controle das grandes corporações globais, provocando uma rápida e radical mudança dos atores do cenário econômico - e, por decorrência, social, político e cultural - em vários dos grandes países da periferia do capitalismo mundial. No caso do Brasil, país com estrutura industrial muito diversificada - gerando um PIB industrial equivalente à décima posição mundial - a melhor evidência dessa conseqüência é o crescimento e a alteração das posições das maiores empresas operando no país, seja pelo critério de patrimônio líquido seja pelo de receita operacional líquida. O Quadro 3 mostra que, tanto para as 20, 10 ou 5 maiores corporações nacionais ou internacionais, os grupos internacionais, após a abertura econômica, cresceram seu patrimônio entre 170 a 250%, enquanto os nacionais o fizeram entre 84 a 88%. Para a evolução da receita operacional ocorre o mesmo. Para os grupos internacionais, entre 179 e 253%. Fica evidente a concentração crescente do poder econômico no topo do setor privado, agora cada vez mais representada por grupos internacionais. 110 brasil-argentinaFIM.pmd 110 5/2/2004, 11:02 Mais claro ainda se desenha o profundo processo de alteração dos atores empresariais quando se examina a relação das empresas que conseguiram se manter na posição de 20 ou 10 maiores durante o curto período 1992-1999. Entre os grupos internacionais, mantinham-se entre os 20 maiores em 1999 apenas 6 dos que estavam nessa posição em 1992: Citicorp, Souza Cruz, Bunge, SaintGobain, Shell e Alcoa. Entraram na lista como novos maiores atores 14 outros grupos que não ocupavam antes essa posição: Telefônica, MCI, Fiat, ABN Amro, EDF, Bombril Cirio, Whirpool, Portugal Telecom, Sonae, SBHC Santander, BankBoston, Telecom Itália, Arbed e Praxair. Entre os 10 maiores a renovação foi total. Nenhum dos que estavam na lista em 1992 manteve essa posição em 1999. Quanto aos grupos nacionais, a renovação foi menos intensa mas, ainda assim, expressiva. Entre os 20 maiores, 9 mantiveramse na posição: Itaúsa, Bradesco, Votorantim, Unibanco, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, C R Almeida, Gerdau e Odebrecht. Os demais foram substituídos por Telemar, Vale do Rio Doce, Brasil Telecom, CSN, Aracruz, Organizações Globo, Usiminas, Pão de Açúcar, Jereissati de São Paulo, Copene e Acesita .Entre os 10 maiores de 1992, apenas 3 permaneceram na classificação em 1999: Itaúsa, Bradesco e Votorantim. A questão fundamental relativa a essa radical mudança de atores - concentrando interesses e um estoque de riscos de investimento direto superior a 200 bilhões de dólares - é a percepção das diferenças de interesse entre os Estados-nacionais e essas corporações globais. Enquanto esses interesses coincidirem provisoriamente, assentados na prioridade à estabilidade e ao crescimento econômico, não parece haver tensões maiores. No entanto, quando situações futuras tornarem esses interesses divergentes - indexações tarifárias, qualidade dos serviços públicos, remessa de lucros e questões tributárias, apenas para citar alguns exemplos - os governos desses países estarão pressionados por forças atuantes e gigantescos lobbies e precisarão estar muito bem preparados para opor conceitos soberanos à pressão de interesses econômicas privados, agindo no sentido do melhor interesse nacional. 111 brasil-argentinaFIM.pmd 111 5/2/2004, 11:02 VI - GLOBALIZAÇÃO, IDENTIDADE E GOVERNABILIDADE Após quase duas décadas de implantação de profundas reformas associadas à abertura e à integração de suas economias ao mercado global, uma parte expressiva das nações - em especial os grandes países da periferia do capitalismo - têm apresentado medíocre desempenho do PIB per capita e piora de sua concentração de renda. Os indícios de aumento da exclusão social estão por toda a parte. Este quadro, recentemente agravado pelas sucessivas crises internacionais nos finais de 97 e 98 e pelo crescimento do desemprego e da informalidade, tem provocado sintomas de erosão de legitimidade das representações políticas que sustentaram esses programas de reformas. Aumenta a dissonância entre o discurso oficial da necessidade do aprofundamento dos ajustes e a dúvida das populações desses países sobre se, ao final de outros sacrifícios adicionais, poderá surgir de fato um processo de crescimento acelerado e auto-sustentado que melhore sua renda e a empregabilidade. O rigor do cumprimento de metas de orçamentos públicos equilibrados, necessárias não só para a manutenção da estabilidade monetária mas também devido a acordos e compromissos com o FMI , acarretam uma redução significativa dos recursos alocados a programas sociais e de emergência, justamente no momento em que a exclusão social aumenta e a demanda por esses programas se acentua. Em função da complexidade de um quadro econômico mundial que agrava o desemprego, a informalidade e a exclusão, Jürgen Halbermas constata: “Os Estados Nacionais têm manifestado progressiva incapacidade de dar provas, com efeito legitimador, de ações de comando e de organização: desaparece a integridade funcional da economia nacional, quer dizer, a confiável presença nacional daqueles fatores complementares - sobretudo capital e organização - de que depende a oferta de trabalho originada por uma sociedade, a fim de capacitar-se à produção. Um capital isento do dever de presença nacional vagabundeia à solta e utiliza suas opções de retirada como uma ameaça. Os governos nacionais perdem, assim, a capacidade de esgotar os recursos tributários da economia interna, de estimular o crescimento e, com isso, assegurar bases fundamentais de sua legitimação.” 112 brasil-argentinaFIM.pmd 112 5/2/2004, 11:02 O Estado contemporâneo não se sente mais responsável pelas políticas de bem estar social e de emprego. As corporações transnacionais, que definem os vetores tecnológicos que parametrizam a empregabilidade, também não. Cada um que encontre sua oportunidade , corra o seu risco, seja um responsable risk taker. Quem está na periferia do capitalismo mundial, que encontre seu lugar no informal, que invente seu emprego. Os grandes países da periferia do capitalismo estão acuados com o atual nível de violência de suas sociedades. A principal causa parece estar nas tensões geradas pela crescente concentração de renda e exclusão social de grandes contigentes populacionais urbanos, convivendo com uma mídia global que valoriza o comportamento anti-social e estimula padrões de consumo que poucos podem ter. Os Estados nacionais e os partidos políticos passam a perder legitimidade e capacidade de mediação dessas tensões utilizando os controles tradicionais. É o que ocorre atualmente no Brasil na questão dos sem-terra e na descontrolada criminalidade urbana, especialmente entre os jovens. E na Argentina, com a intensa e inédita dualização social de um país cuja história tinha sido marcada por certa prosperidade e equilíbrio social. Todas as questões relatadas até aqui nos remetem novamente aos temas de identidade e governabilidade, a partir das novas relações de força entre os atores que comandam a cena dos processos globais e nacionais. A identidade como dimensão propriamente “nacional” está ligada a aspectos profundos de natureza psicossocial ou cultural da identidade dos cidadãos de um país. Ela tem a ver com a sensação de cada um em sentir-se parte e estar representado sob a forma de coletividade nacional que, por sua vez, pode esperar a lealdade de cada um. Já a questão da autoridade depende da estrutura administrativa e simbólica do Estado. O poder do Estado para atuar em nome da sociedade envolve importantes problemas de legitimidade. Estão nessa esfera três categorias de poder: o político, o ideológico e o econômico. Max Weber nos mostra que o “monopólio da força legítima” é condição básica para a existência do Estado como poder político. O Estado pode renunciar ao poder ideológico, como ocorreu com a separação entre Estado e Igreja; 113 brasil-argentinaFIM.pmd 113 5/2/2004, 11:02 pode renunciar ao poder econômico, como o fez o Estado liberal e do laissez-faire; mas não pode renunciar ao monopólio do poder coercitivo sem cessar de ser um Estado. Isso significaria o retorno à luta sem regras, à guerra de todos contra todos, ao império da força individual mais poderosa. Também para Hobbes é atributo essencial do Estado o controle da paz interna, protegendo a vida dos indivíduos que nele confiaram. O poder econômico, por ser o dono do capital, mantém o controle dos meios de produção que lhe permite obter trabalho em troca de salário; o poder ideológico baseia-se na influencia que idéias de pessoas ou grupos tem sobre a conduta da sociedade; o poder político, no entanto, funda-se na posse de instrumentos pelos quais se exerce a força, teoricamente em benefício da sociedade . Para Bobbio, todas as três formas de poder instituem e mantêm coesa uma sociedade sempre constituída de desiguais, dividida que é entre classes econômicas, níveis de conhecimento, fortes e fracos. No entanto o uso da força é uma condição necessária mas não suficiente para a existência do poder político. O governo de plantão deve deter a exclusividade do uso dessa força em relação a todos os grupos que agem em um determinado contexto social. E seu uso pelo Estado precisa ser considerado legítimo pela maioria. Por aceitarem essa legitimidade, os indivíduos renunciam ao direito de usarem cada qual sua própria força, para entregá-la nas mãos de um Estado que será o único a poder utilizá-lo no interesse deles. No momento em que a dinâmica da globalização passa a mostrar com nitidez a sua face socialmente perversa e uma crise de legitimidade das representações políticas atinge até os países capitalistas de maior tradição de estabilidade democrática, introduzem-se importantes tensões entre os problemas de identidade, autoridade e igualdade. Fábio Wanderley Reis lembra: “O Estado nacional continua a prover o foco decisivo quanto a questões de identidade. A referência aos elementos sociopsicológicos e culturais da nacionalidade segue sendo o principal condicionante do sentido pessoal de identidade, e não há, no plano transnacional, nada que eqüivalha ao sentimento de inserção numa comunidade de maneira comparável à que se têm no plano nacional. De outro lado, porém, os termos em que se colocam os problemas de autoridade e igualdade são dramaticamente afetados pela globalização. Estados Nacionais vêem solapado seu poder de administração econômica e 114 brasil-argentinaFIM.pmd 114 5/2/2004, 11:02 intervenção social, a resposta social-democrática ao problema da igualdade tende a surgir como arcaísmo oneroso, cada qual se avenha como possa com as asperezas do mercado.” As conseqüências negativas da inserção na dinâmica da globalização tendem a surgir como algo que se superpõe aos fatores tradicionais herdados da desigualdade histórica, em alguns como o do Brasil, de uma longa experiência escravista. Cristaliza-se, assim, uma distribuição de riqueza arcaica e profundamente injusta, não permitindo às classes mais baixas a incorporação de eventuais vantagens que poderiam advir da nova lógica de acumulação. No caso brasileiro, por exemplo, as últimas décadas têm consolidado uma longa tradição de intensa desigualdade de renda e enorme contingente de população excluída. Em 1998, pelos dados da PNAD, 14% da população brasileira (21 milhões de pessoas) vivia na indigência. Essa categoria faz parte dos 33% de cidadãos (50 milhões) que situavam-se abaixo da linha de pobreza. O mais grave, porém, é a tendência à estabilidade desses percentuais. Embora momentaneamente aliviados por períodos de crescimento e choques econômicos – é o que ocorreu logo após os planos Cruzado e Real, quando o índice de pobreza recuou respectivamente para 28% e 34% –, a tendência desses números parece ser retornarem sempre aos mesmos patamares médios vigentes no final dos anos 1970. Se adicionarmos a esse quadro a mudança de paradigma do mercado de trabalho pós-abertura econômica, com intensa automação e flexibilização da mão-de-obra, podemos perceber com toda extensão o desafio que o país terá de enfrentar para manter sua inserção global em clima de equilíbrio social e político. Desde 1990, os níveis de desemprego cresceram de 5% para os atuais 7%, simultaneamente a um aumento do trabalho flexível - em boa parte precário - de 42% para 56% do total da ocupação metropolitana. Já a Argentina vem de um histórico relativamente igualitário, no qual não existiam abismos sociais. Com o maior nível per-capita da América Latina - mais de duas vezes o brasileiro - ela assiste hoje a uma profunda deterioração das condições de trabalho e da sua estrutura de seguridade social. Somada a um nível de desemprego que atinge 16% da população ativa, sendo que mais de 55% dela submetida a jornadas anormais e trabalho precário, essa situação causa um profundo impacto e desestrutura o seu tecido social. 115 brasil-argentinaFIM.pmd 115 5/2/2004, 11:02 Como os atuais processos econômicos globais são naturalmente conflituosos e excludente, especialmente nos países pobres, parece inevitável que a sobrevivência do espaço de ação dos Estados exija a competência de se construir modelos de equilíbrio que –ainda que sempre baseados em tensão ou conflitos – apontem para algum crescimento econômico, políticas de emprego e certa desconcentração da renda. Torna-se, para tanto, questão obrigatória que as estratégias de crescimento contenham necessariamente políticas redistributivas que enfrentem a questão crônica da concentração de renda e da pobreza. Até porque já sabemos que crescimento econômico é condição necessária mas está longe de ser suficiente para a redução da exclusão. Isso implica desde aquelas medidas mais estruturais (redistribuição de ativos, educação, reforma agrária) até outras de caráter compensatório (programas de renda mínima). Isso exige, também, que os governos mantenham sua responsabilidade relativa a programas básicos abrangentes nas áreas de saúde, educação e promoção social geral, já que o imenso contingente de pobres não terá renda disponível para comprá-los no mercado privado. Em todos esses casos é fundamental saber de onde tirar os recursos sem estourar o orçamento público cada vez mais comprimido pelas metas comprometidas com o FMI consideradas necessárias ao equilíbrio fiscal e à estabilidade monetária. Do ponto de vista da democracia, o desafio de criar governabilidade nessas circunstâncias passa a ser crítico. Samuel Huntington fala em “ingovernabilidade de sobrecarga” num quadro de crise fiscal do Estado e de demandas crescentes a ele dirigidas, podendo destemperar o modelo social-democrático de um Estado aberto e sensível à multiplicidade dos interesses. Essa situação pode abrir brechas para a saída pretoriana a partir do confronto direto dos interesses diversos não mediados por instituições políticas com precária capacidade de processamento institucional desse confronto. Wanderley lembra a “ingovernabilidade hobbesiana”, a deterioração difusa do tecido social, da criminalidade e da violência urbana crescentes, do surgimento de espaços onde a autoridade estatal não tem condições de se fazer valer de modo efetivo, causando o comprometimento da capacidade de ação do Estado no plano da própria manutenção da ordem pública e 116 brasil-argentinaFIM.pmd 116 5/2/2004, 11:02 da segurança coletiva. A própria população mergulhada na insegurança passa a se sensibilizar por retóricas populistas e poderes ditatoriais: “Contra as ingenuidades do patriotismo tradicional, a melhor maneira de afirmar a identidade coletiva consistiria em levar a cabo as tarefas materiais do desenvolvimento econômico e criar as condições para a autonomia nacional. A referência ao Estado continua a impor-se como parte da inescapável referência ao nacional. O aparelho Estado nacional segue sendo um instrumento indispensável e um objeto crucial de disputa pelos diversos interesses setoriais.” Celso Lafer julga ser a identidade um conjunto mais ou menos ordenado de predicados por meio dos quais se responde à pergunta: quem sois? O ponto de partida da construção da identidade coletiva é uma visão compartilhada do interesse comum. Identidades nacionais se formaram no contato e na interação com o Outro. Se a nação nasce de um postulado e de uma invenção, ela só vive pela adesão coletiva a esta invenção, ou seja, por obra da interiorização, por uma cidadania, daquilo que é considerado o repertório comum. A tarefa da política externa, por exemplo, constitui-se em traduzir necessidades internas em possibilidades externas para ampliar o poder de controle de uma sociedade sobre o seu destino. O processo de globalização diluiu a relação entre o “interno” e o “externo” pela ação das complexas redes de interação – governamentais e não-governamentais – que estruturam o espaço do planeta e a governança do mundo. No entanto, apesar de todas as forças globais, Lafer lembra que “os indivíduos continuam a projetar suas expectativas, reivindicações e esperanças sobre as nações a que pertencem, como também o bemestar da imensa maioria dos seres humanos segue intimamente vinculada ao desempenho dos países em que vivem. As nações e os estados que as representam são e permanecem sendo indispensáveis instâncias públicas de intermediação. Instância interna de intermediação das instituições políticas do estado com uma população; instância externa de intermediação com o mundo. Esta intermediação externa parte de uma visão de identidade coletiva, de um nós assinalador de especificidades. Localização geográfica no mundo, a experiência histórica, o código da língua e da cultura, os níveis de desenvolvimento e os dados de estratificação social.” 117 brasil-argentinaFIM.pmd 117 5/2/2004, 11:02 No caso do Brasil, sua identidade internacional começa com a escala continental de seu território, cuja origem está na expansão ultramarina portuguesa. A ela se agrega os componentes da miscigenação através de uma ação colonizadora que realizou-se por uma contínua adaptação ao meio-ambiente, numa flexibilidade aberta a padrões primitivos e rudes dos indígenas. A ação dos diplomatas complementou a dos navegantes e dos bandeirante na delimitação do espaço nacional durante e depois do período colonial. A criação de um governo soberano no Brasil em 1822 é também um fio peculiar de continuidade, que diferencia seu processo de Independência de todos os demais países das Américas. A monarquia constitucional, que se estendeu até 1889, manteve o Brasil unido no espaço do seu vasto território. Quanto à vizinhança, para o Brasil a América do Sul não é uma opção diplomática, e sim, a circunstância do seu eu. A visão brasileira escorrega facilmente das clássicas fronteiras-separação para as modernas fronteirascooperação, num contínuo exercício de soluções conciliatórias. Para Lafer, “o Brasil está à vontade e em casa com o componente sul-americano de sua identidade internacional, que é uma força profunda, de natureza positiva, de sua política externa. VII - ABERTURA ECONÔMICA, ESTADO E SOBERANIA Todas essas considerações nos levam a inevitável revisão do conceito de Estado nacional em tempos de abertura econômica. A idéia de que mercado e Estado são complementares permitiu a prosperidade sem precedentes experimentada pelos Estados Unidos, Europa Ocidental e alguns países asiáticos na segunda metade do século. No entanto, o conceito de que a iniciativa privada e a ação do Estado são igualmente necessárias para o êxito econômico foi fortemente abalado a partir das reformas neoliberais recomendadas pelo que acabou sendo designado de “consenso de Washington”, conjunto de princípios que tiveram forte apoio do FMI e induziram a direção daquelas reformas em muitos grandes países da periferia global. Eles incluíam: rígida disciplina fiscal; redirecionamento dos gastos públicos para educação e saúde; liberalização comercial com eliminação de cotas e rebaixamento e homogeneização de tarifas; abertura para o investimento estrangeiro; 118 brasil-argentinaFIM.pmd 118 5/2/2004, 11:02 privatização; desregulamentação da economia; segurança para os direitos de propriedade. Dani Rodrik lembra que essas reformas, fundamentadas no mercado, a princípio deram pouca atenção às instituições e à complementaridade entre as esferas pública e privada da economia. O papel destinado ao governo se resumia a manter a estabilidade macroeconômica e a assegurar o acesso à educação. A prioridade era afastar o Estado, não torná-lo mais eficiente. A conseqüência, para além da vitória expressiva no combate à inflação, foram o fracasso das reformas na Rússia e a generalizada insatisfação com as reformas na América Latina. E a crise financeira na Ásia, que expôs os riscos de liberar as finanças sem mecanismos reguladores. Em todos esses casos, pouca ou nenhuma consideração foi dada aos mecanismos de assistência social e as chamadas “redes de segurança”. Na verdade, o desempenho econômico a partir da década de 70 dependeu da habilidade das instituições domésticas em lidar com os conflitos de distribuição deflagrados por choques externos. Hoje sabemos que os mercados de capitais internacionais têm dificuldades em discernir riscos. A capacidade de controlar os conflitos sociais domésticos deflagrados pela turbulência econômica na década de 70 acabou representando a diferença entre a manutenção do crescimento e o colapso econômico. Quanto mais livres os mercados, maior é a tarefa dos órgãos reguladores. Essa é, aliás, uma das principais razões de sucesso da economia norte-americana. A liberdade crescente aos mercados tornou a América Latina progressivamente inábil e sem órgãos reguladores para enfrentar a turbulência econômica mundial. Hoje também já há consenso que, particularmente na América Latina, as instituições fiscais e monetárias contribuíram para aumentar a instabilidade macroeconômica, em vez de reduzi-la. Toda a economia de mercado bem-sucedida é uma mistura de Estado e mercado, “laissez-faire” e intervenções. Embora haja muitas diferenças entre os arranjos institucionais possíveis, os países que tiveram melhor desempenho foram os que liberalizaram parcial e gradualmente sua economia. Não há provas de que a liberalização esteja 119 brasil-argentinaFIM.pmd 119 5/2/2004, 11:02 sistematicamente associada a taxas de crescimento maiores. Nenhum país conseguiu desenvolver-se simplesmente abrindo a sua economia para o comércio e para o capital estrangeiro. É preciso combinar as oportunidades oferecidas pelos mercados estrangeiros com uma estratégia de desenvolvimento doméstico que estimule o lado agressivo dos empreendedores locais. Uma das principais constatações vindas da observação da segunda metade do século XX é que um bem-sucedido desenvolvimento econômico exige mercados ativos escorados por sólidas instituições públicas. O desenvolvimento econômico derivou basicamente de uma estratégia desenvolvida localmente, e não do mercado global. No caso dos países em desenvolvimento deve-se adicionar o complicador adicional de serem esses mercados globais serem freqüentemente muito restritivos aos seus produtos de exportação, submetendo-os a inúmeras, barreiras tarifárias ou não. Um importante equívoco de alguns dos grandes países da periferia que se inseriram no comercio internacional foi terem confundido abertura com estratégia. A globalização é, de certo modo, irreversível porque é um mecanismo sinérgico global que tem dado certo. A abertura econômica, inevitável a essas nações que provavelmente teriam maiores perdas com o fechamento que com sua inserção na lógica das cadeias globais - que almejam seus mercados e alguns bolsões de mão-deobra barata - é uma mera circunstância da nova ordem internacional. Essa circunstância torna ainda mais importante a definição de uma estratégia, até porque as pressões internacionais lideradas pelos atores principais do cenário global e seu aparato institucional (FMI, OMC, etc) dificultam crescentemente os espaços para o exercício de políticas industriais nacionais. O acordo sobre TRIMs, por exemplo, determina que os membros da OMC não devem aplicar medidas de incentivo a investimentos condicionadas a exigências de conteúdo local ou de desempenho de exportações. Discute-se ainda a ampliação de novos TRIMs, proibindo exigências de transferência de tecnologia, capital mínimo nacional ou formação de “joint ventures”. Por outro lado, o acordo sobre TRIPs prevê o estabelecimento de regras e disciplinas muito rígidas para proteção aos direitos da propriedade intelectual direitos autorais, marcas, patentes, “design” industrial e topografia de circuitos 120 brasil-argentinaFIM.pmd 120 5/2/2004, 11:02 integrados, o que dificultará sobremaneira a condição de incorporação tecnológica a produções locais de países mais pobres. Torna-se, portanto, cada vez mais imperioso que as estratégias nacionais dos grandes países da periferia definam e incluam claros estímulos para especializações, clusterizações e políticas tecnológicas e industriais consistentes com suas especificidades e prioridades. A integração de um país à economia mundial não substitui, pois, estratégias de desenvolvimento. Integração econômica global não é a principal fonte de crescimento para a maioria dos países. Países em desenvolvimento podem tirar vantagens do mercado internacional e dos fluxos de capitais, mas o principal dinamismo de seu crescimento virá sempre de seus empreendedores e investidores. Acessar o mercado internacional e se beneficiar dos fluxos de capitais deve ser parte dessa estratégia, mas não um objetivo central. É necessária uma sólida base institucional para investidores e empreendedores domésticos, formação de capital humano, de infra-estrutura pública e vitalização do setor privado doméstico. Faz-se, portanto, cada vez mais necessária uma estratégia própria que não se resuma a inserção internacional do país e envolva opções de estratégia industrial, de diversificação e especialização. É o caso do esforço indiano para habilitar-se na exportação de software. Formando 68 mil profissionais da área de computação a cada ano, a Índia tornou-se uma incubadora virtual de talentos infotécnicos cortejada pelo Ocidente. O governo dos Estados Unidos deve ampliar seus vistos especiais de 115 mil para 200 mil no próximo ano visando indianos. Empresas indianas continuam a crescer exportando programas de software a baixo custo, cujas exportações cresceram de US$ 734 milhões em 1999 para US$ 6,3 bilhões em 1999-2000. O objetivo para 2001 são US$ 9,5 bilhões. Cerca de 60 mil a 70 mil indianos estão empregados no Vale do Silício no segmento high tech ; esse fluxo intensificou-se em 1996-1997 por causa das oportunidades do bug do milênio. A maioria dos cerca de 2 mil empresários indianos do Vale do Silício investiu no segmento de software da Índia. O caso da Finlândia também merece registro. De um pequeno país tradicional dependente do mercado russo surgiu um líder mundial em telefonia de última geração. O fim da URSS, com a qual a Finlândia tinha grande sinergia utilizando sua conveniente posição de neutralidade, fez o país perder seu grande cliente e entrar em grave crise econômica. Em dois anos o PIB contraiu-se 13%, com o desemprego passando de 3% para 17%. 121 brasil-argentinaFIM.pmd 121 5/2/2004, 11:02 O espírito empresarial e a tecnologia de ponta acharam a solução. As altas tecnologias dominam as exportações sustentadas por um projeto social-democrata que reduziu impostos. Vários outros exemplos poderiam ser citados, alguns com especificidades mais radicais como a Coréia e a China. Os governos dos países em desenvolvimento devem, portanto, ser capazes de colocar a globalização apenas como uma perspectiva e centralizar sua atenção na construção de instituições domésticas e projetos realistas de desenvolvimento, confiando mais em si mesmos e menos na economia global ou em projetos a ela ligados. A necessidade de reconstruir Estados nacionais capazes do exercício maduro de uma soberania informada simultaneamente por uma nova noção de identidade e pelas circunstâncias do mercado global surge, assim, como condição para que os grandes países da periferia possam, eventualmente, através de alianças estratégicas e mercados regionais, procurar um espaço de inserção que lhes preserve alguma condição de crescimento econômico e equilíbrio social. 122 brasil-argentinaFIM.pmd 122 5/2/2004, 11:02 BIBLIOGRAFIA BOBBIO, Norberto (2000). Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Campus. CASTELLS, Manuel (1998). La era de la información. Economia., sociedad y cultura. Vol. 1. “La sociedad red”. Madri: Alianza Editorial. DERRIDA, Jacques & VATTIMO (2000), Gianni. A religião. São Paulo: Editora Estação Liberdade. DUPAS, Gilberto (1997). Alca e os interesses do Mercosul. São Paulo: Edição Fundação Memorial da América Latina. ________ (1999). “Lógica da globalização, tensões e governabilidade na sociedade contemporânea”. Table Ronde Unesco: Principles démocratiques et gouvernance mondiale, novembro de 1999. Paris. ________ (1999). “A lógica da globalização e as tensões da sociedade contemporânea”. II Congresso Sul-Americano de Filosofia, outubro de 1999. São Paulo: Anais. ________ (2000). Economia global e exclusão social: pobreza, emprego, Estado e o futuro do capitalismo. 2ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Paz e Terra, 2000. ________ (2000). “As tensões econômicas e sociais na EU”. Apresentado no seminário: As relações entre Brasil e Alemanha e os caminhos do Mercosul e da União Européia. setembro de 2000. ________ (2000). “Estado, violência e legitimidade”. O Estado de São Paulo, 21/10/2000. ________ (2000). “Assimetrias econômicas, lógica das cadeias produtivas e políticas de bloco no continente americano”. Apresentado no Seminário Preparatório para a Reunião dos Presidentes. Brasília, 31 de julho –02 de agosto de 2000. ________ (2000). “União Européia e globalização: um discurso de muitas faces”. Panorama da Conjuntura Internacional, nº 7, ano 2, out-nov 2000. FINKIELKRAUT, Alain (2000). A ingratidão. Rio de Janeiro: Editora Objetiva. GIDDENS, Anthony (1998). A terceira via. São Paulo: Record. HABERMAS, J. (1998). Die Postnationale Konstellation. Frankfurt/M. 123 brasil-argentinaFIM.pmd 123 5/2/2004, 11:02 ________ (1999). “Nos limites do Estado”. Folha de São Paulo, 18/07/ 1999. HARDING, Luke (2000). “Indianos mostram força no Vale do Silício”. O Estado de São Paulo, 15/10/2000. HOBSBAWM, Eric (1998). Sobre a história. São Paulo: Companhia das Letras. HURRELL, Andrew & WOODS, Ngaire (ed.) (2000). Inequality, globalization, and world politics. Oxford: Oxford University Press. INTERNATIONAL LABOR ORGANIZATION (1997-1998). “Industrial relations, democracy and social stability”. World Labor Report, Genebra. KÜHNE, Winrich & BALLERSTEDT, Tobias (2000). “Evolving global governance structures”. International Workshop, april/2000. Stiftung Wisssenschaft und Politik. LAFER, Celso (2000). “Brazilian international identity and foreign policy: past, present, and future in Daedalus - Journal of the American Academy of Arts and Sciences. Cambridge: American Academy of Arts and Sciences. ________ (2000). “O cenário mundial: União Européia e Mercosul”. Revista Política Externa, vol. 9, nº 1, IEA/USP, jun-ago/2000. PEARLSTEIN, Steven (2000). The Washington Post, setembro/2000. POK, Cynthia (1992). “Medición del sector informal”. Apresentação no Seminário Latino-Americano da OEA. Lima, 26-28 de agosto de 1992. REIS, Fábio Wanderely (2000). “Atualidade mundial e desafios brasileiros”. Revista Estudos Avançados 14 (39), IEA/USP. RODRIK, Dani (2000). “A valiosa herança da economia mista”. O Estado de São Paulo. 06/08/2000. ________ (2000).Entrevista ao jornal Valor. São Paulo, 29/09/2000. THORSTENSEN, Vera (2000). “Os acordos regionais e as regras da OMC”. Revista Política Externa, vol. 9, nº 1, IEA/USP, jun-ago/2000. 124 brasil-argentinaFIM.pmd 124 5/2/2004, 11:02 SOBERANÍA Y GLOBALIZACIÓN FINANCIERA FINANCIERO DE LA SOBERANÍA) (EL COSTO 1 Roberto Frenkel I. INTRODUCCIÓN A. El proceso de globalización financiera de AL La inserción de AL en el proceso cumple veinticinco años, interrumpidos por la crisis de la deuda externa. Hay una reinserción desde comienzos de los noventa y la emergencia de tendencias que sugerían que AL se encontraba en un proceso de integración creciente. La transitoriedad de los efectos tequila pareció confirmar esas tendencias. Sin embargo, después de la crisis asiática no se retornó a un proceso de creciente integración. No se trata tan solo de que las crisis no son “cortas”, en el sentido de que sus consecuencias son persistentes en las economías que las sufrieron, sino de interrogarse sobre las tendencias que manifestó el proceso de globalización financiera después de la crisis asiática. Además, han aparecido fenómenos novedosos, tales como la inestabilidad financiera en EEUU y sus contagios sobre los emergentes de AL. Hay una inestabilidad financiera potencial de EEUU que podría tener repercusión importante sobre las economías más frágiles. Recientemente, la reducción de la tasa de interés en EEUU ha tenido un impacto favorable y se proyectan mayores reducciones con efectos semejantes. Este es un curso posible, pero cabe también interrogarse sobre su probabilidad en el contexto post-1997, caracterizado por el “aprendizaje” que realizó el mercado en el último trienio y sin mayores innovaciones en las instituciones internacionales. También cabe abrir un interrogante sobre la magnitud de los renovados flujos de capital. ¿Puede esperarse una réplica del “boom” de ingresos 1 El borrador de este artículo fue presentado en la conferencia Brasil-Argentina - A Visão do Outro. Sobre a Soberanía. La versión aquí presentada fue escrita a pricipios de 2001 e incluída como primera sección del artículo: Roberto Frenkel, “Reflexiones sobre el financiamiento del desarrollo”, Revista de la CEPAL. Santiago de Chile, agosto de 2001. 125 brasil-argentinaFIM.pmd 125 5/2/2004, 11:02 de 1996-97? Las necesidades de financiamiento de las mayores economías de la región implican flujos de magnitud semejante a los recibidos en esa oportunidad, para alcanzar tasas de crecimiento significativas. Si no se replica ese “boom”, Brasil y Argentina se encuentran en situaciones de gran fragilidad. B. Cambios en la inserción financiera de los países Uno de los aspectos novedosos con relación a la década de los noventa son los cambios experimentados en las economías receptoras. La inserción de los países ha ido cambiando. La acumulación de deuda externa e IED ha ido modificando la inserción. Los balances de pagos tienen diferente estructura que al comienzo de la década. Los países altamente endeudados enfrentan como principal problema el roll-over de sus deudas y el financiamiento de los déficit de cuenta corriente determinados por servicios del capital (intereses y utilidades). El déficit de balance comercial ha perdido importancia relativa frente al rígido y creciente déficit en las cuentas de servicios financieros y factoriales. En este aspecto, la situación se asemeja más a la de 1980 que a la de 1990. Se puede analizar la evolución diferencial de las economías en los años noventa en términos de trayectorias de integración financiera internacional. La noción subyacente es que es que se trata de un proceso con hysteresis, en el cual las condiciones vigentes en un momento dependen de la historia previa. El ejemplo más evidente es el stock de deuda externa. Ciertas trayectorias de integración financiera conducen a situaciones de mayor vulnerabilidad relativa, más propensas a sufrir crisis. La CEPAL ha enfatizado este aspecto y discutido políticas para evitar esas trayectorias. Sus recomendaciones están en buena medida fundadas en el análisis comparado de las trayectorias que siguieron los países, las distintas políticas que confluyeron a determinarlas y la experiencia que proporcionan los episodios de crisis (por dinámica propia o por mayor propensión al contagio). Pero los países que siguieron las trayectorias conducentes a mayor vulnerabilidad, aunque hayan tenido y superado crisis financieras y cambiarias, exhiben, como consecuencias de su trayectoria pasada, situaciones “estructurales” actuales de mayor vulnerabilidad (relaciones Deuda Externa/PIB, Dé126 brasil-argentinaFIM.pmd 126 5/2/2004, 11:02 ficit en Cuenta Corriente/PIB, DeudaExterna/Exportaciones, Déficit en Cuenta Corriente/Exportaciones, estructura de la cuenta corriente, estructura del sistema financiero). Las altas primas de riesgo país que enfrentan esas economías resultan de la apreciación realizada por el mercado de estas condiciones de mayor vulnerabilidad relativa. Al mismo tiempo, dicha apreciación tiende a preservar o acentuar esas condiciones, por los efectos de las altas tasas de interés y menores flujos de capital sobre el crecimiento, el sector externo y las condiciones del sector financiero. Estos países están estacionados en una trampa de financiamiento. Son más propensos a las crisis por desencadenantes internos o por contagio, pero su situación se ha prolongado sin devenir en una crisis cambiaria y financiera. Brasil, por ejemplo, corrigió después de la crisis varios de los elementos que configuraron su trayectoria previa (devaluación, establecimiento de un régimen cambiario de flotación sucia, ajuste fiscal). Sin embargo, el país no podía cambiar la herencia “estructural” de su trayectoria previa (por ejemplo, sus relaciones de endeudamiento y la componente predeterminada de su cuenta corriente). El mercado aprecia estas condiciones con una prima de riesgo país alta y la economía, pese a que en el año 2000 tuvo un crecimiento, sigue presa en su trampa de financiamiento. Argentina superó su crisis de finales de 2000 con un rescate internacional, pero sin ningún cambio de política con relación a la que determinó su trayectoria previa (ésta incluía en el año previo un ajuste fiscal contractivo que no tuvo efecto sobre la prima de riesgo). El mercado obtuvo un reaseguro en el corto plazo, pero la prima de riesgo siguió reflejando condiciones de trampa. C. Las propuestas de políticas Si el diagnóstico no toma en cuenta las cuestiones que esbozamos arriba, las recomendaciones de la CEPAL pueden estar desactualizadas o resultar abstractas con relación a los problemas que enfrentan varios países. Los pros y contras de distintas líneas de política tienen que ponderarse con las exigencias que resultan de los problemas que enfrentan los países. Podemos mencionar dos ejemplos. Un ejemplo es 127 brasil-argentinaFIM.pmd 127 5/2/2004, 11:02 el énfasis que ha expresado la CEPAL con relación a las medidas destinadas a frenar los ingresos de capital en el auge, en circunstancias en que varios países necesitan financiamiento con urgencia. El otro ejemplo es el argumento de moral-hazard (el incentivo a tomar riesgos excesivos) que suele formularse con relación a los mecanismos de “prestamista de última instancia”. El argumento teórico es correcto, pero los “riesgos excesivos” están lejos de ser un problema actual para Brasil y Argentina. En cambio, es importante enfatizar los roles que debería cumplir el prestamista de última instancia. D. Excesivo énfasis en las políticas de prevención de crisis La CEPAL ha colocado gran énfasis en el problema en las crisis. Ciertamente son la crisis las que recortan el financiamiento externo, aumentan su costo y provocan recesión, desorganización de la economía y ajustes con efectos persistentes. Sin embargo, un argumento centrado en políticas para reducir riesgos en condiciones de auge no provee orientaciones para la situación presente. Los elementos de política orientados a evitar las crisis son importantes y sintetizan bien la experiencia regional en la década pasada, pero deben complementarse con orientaciones más sincronizadas con los problemas actuales de las grandes economías de la región. II. SUGERENCIAS ARGUMENTALES A. El riesgo de soberanía La frontera nacional define una jurisdicción política y legal. Dentro de esta jurisdicción rige la soberanía del gobierno y otras instituciones del estado nacional. En determinadas circunstancias, las autoridades de una nación pueden decidir o avalar el incumplimiento de ciertos contratos. Este aspecto de la soberanía limita la capacidad de un agente económico extranjero de hacer cumplir el contrato que lo involucra. Este es un riesgo de soberanía irreductible. No hay razones para suponer a priori que el valor de este riesgo resulte muy significativo, pero hay una tensión entre el proceso de globalización financiera y la institucionalidad de los estados nacionales que puede resultar en situaciones de integración financiera segmentada. 128 brasil-argentinaFIM.pmd 128 5/2/2004, 11:02 B. El proceso de globalización financiera Ese proceso está cerca de cumplir tres décadas. Parece razonable fechar su comienzo entre 1971 y 1973, cuando Estados Unidos liberó la atadura del dólar al oro y se adoptó la flotación de las monedas de los principales países desarrollados. Desde entonces tuvo lugar una secuencia de liberalizaciones y desregulaciones de los movimientos internacionales de capital y de los sistemas financieros nacionales. La competencia en el mercado jugó un importante papel impulsor, de modo que los procesos de liberalización de los flujos entre países y de los sistemas nacionales se incentivaron mutuamente. La emergencia de nuevos negocios internacionales puso presión para la reducción de costos y menores regulaciones en el plano nacional. A la inversa, nuevas oportunidades abiertas en algunos países impulsaron la desregulación de las transacciones entre países. En paralelo con la secuencia de reformas se verificó un rápido crecimiento del volumen de transacciones financieras a través de las fronteras. Este proceso de creciente integración involucró e involucra principalmente a los países desarrollados. Sin embargo, las mayores economías de América Latina fueron parte del mismo desde sus primeros tiempos. Brasil primero y más adelante México, Venezuela, Argentina y Chile fueron importantes receptores de capital en los años setenta. Los dos últimos, junto con Uruguay, fueron entonces pioneros de drásticas reformas liberalizantes que anticiparon las que se generalizaron en los años noventa. La participación de la región en la globalización financiera tuvo una interrupción con la crisis de la deuda de los ochenta. La crisis impuso un hiato de unos ocho años, en los cuales desapareció el financiamiento voluntario. En los años noventa – digamos desde la firma del Plan Brady por parte de México, si queremos fecharlo – América Latina se reincorporó vigorosamente al proceso de globalización en sus dos planos, a través de drásticas reformas liberalizantes y crecientes flujos (y reflujos) de capital. C. El grado de integración financiera En las formulaciones de las tempranas experiencias del Cono Sur y más generalizadamente en los años noventa, la integración 129 brasil-argentinaFIM.pmd 129 5/2/2004, 11:02 financiera internacional es el horizonte manifiesto de quienes promueven intelectualmente el proceso. La integración completa equivale al establecimiento de una intermediación financiera global donde el rendimiento de las colocaciones del público, por un lado, y el costo del capital de los tomadores, por otro, se igualan para las transacciones económicamente equivalentes (plazos, riesgos, garantías, etc.), con independencia de la localización geográfica de ahorristas y deudores. La integración completa supondría minimizar los costos de intermediación, reducir el costo del capital al nivel de los países desarrollados y en la medida que nuestro menor desarrollo relativo implica mayores oportunidades de nuevos negocios, aseguraría las corrientes de inversión y financiamiento que tenderían a cerrar la brecha de desarrollo. En comparación con el aislamiento financiero que rigió desde la crisis del treinta hasta avanzados los años sesenta, es indudable que el proceso de globalización alcanzó un significativo grado de integración financiera entre los países desarrollados y también entre éstos y los que se constituyeron como mercados emergentes. Sin embargo, aún la avanzada integración financiera entre países desarrollados está lejos de ser completa. La igualación entre las tasas de interés nominales solo se verifica en los casos de operaciones aseguradas en los mercados de cambios futuros. Las tasas de interés reales no tienden en general a igualarse. Los ciudadanos de cada país muestran una marcada preferencia por activos de su propio país. Las tasas de inversión muestran una alta correlación con las tasas de ahorro nacionales. En síntesis, aún habiendo alcanzado un alto grado histórico de integración, los mercados financieros de los países desarrollados continúan exhibiendo una significativa diferenciación. Menor aún es el grado de integración financiera entre países desarrollados y subdesarrollados. No solo porque la globalización involucra una pequeña proporción de países con “mercados emergentes”, sino también por las características propias de la integración de estos mercados. Señalemos, en primer lugar, que aún en los momentos de boom, el volumen de los flujos es muchísimo más pequeño de lo que cabría teóricamente esperar de una integración completa. En los 130 brasil-argentinaFIM.pmd 130 5/2/2004, 11:02 países desarrollados, la inversión en mercados emergentes está concentrada en agentes especializados y representa una pequeña proporción de los activos de sus residentes. D. El costo del capital Para las mayores economías de la región, la mencionada reincorporación de América Latina al proceso de globalización en los noventa tuvo como primer acto la conversión en los bonos Brady de la deuda externa pública arrastrada en las negociaciones de los años ochenta. El reingreso al mercado voluntario se hizo simultáneamente con la flotación de una importante masa de bonos públicos cuya tenencia se diversificó en un activo mercado secundario. Los bonos de deuda pública se constituyeron así en el basamento del nuevo mercado de inversiones en la región desde su inicio. Ese mercado de deuda pública se engrosó posteriormente con las emisiones que realizaron los gobiernos. Como representan compromisos en dólares, el único riesgo que conllevan los bonos de deuda externa pública es el de incumplimiento. El valor que el mercado atribuye a este riesgo – la prima de riesgo país o prima de riesgo soberano – se mide como la diferencia entre el rendimiento que se obtendría comprando el bono a su precio actual y el rendimiento resultante de adquirir un bono de semejantes características financieras del gobierno de Estados Unidos – el deudor en dólares de menor riesgo de incumplimiento. La evolución de las primas de riesgo soberano no muestra evidencias de que el sistema internacional que se ha ido conformando con la globalización tienda a una integración financiera completa. Por el contrario. La experiencia de los recientes tres años – el período que se inicia con la crisis asiática – sugiere que el sistema ha conformado una integración segmentada, en la cual el costo del capital para los emergentes de América Latina es sistemáticamente mucho mayor que en los países desarrollados. E. Las primas de riesgo país Una tendencia convergente a una integración financiera completa hubiera supuesto una continua reducción de las primas de riesgo 131 brasil-argentinaFIM.pmd 131 5/2/2004, 11:02 país de América Latina. No ha ocurrido así. Tomamos como ejemplo la evolución en los noventa de la prima (medida por el EMBI+) de Argentina, la economía financieramente más abierta y desregulada de la región. La prima nunca cayó por debajo de un promedio mensual de 280 puntos básicos y solo tocó ese mínimo en un par de ocasiones. Luego de reducirse desde principios de los noventa, alcanzó ese mínimo en los primeros meses de 1994, para retomar una tendencia ascendente desde marzo de 1994, cuando EEUU aumentó sus tasas de interés. Luego, la media mensual se disparó a 1800 pb con el efecto tequila. Descendió gradualmente desde entonces para tocar nuevamente el mencionado mínimo en el mes previo a la devaluación de Tailandia. En adelante, desde la crisis asiática, las medias mensuales nunca cayeron por debajo de los 400 pb y superaron los 1000 pb con las crisis rusa y brasileña. En 1999 y 2000, en ausencia de nuevas crisis financieras y cambiarias nacionales, la prima nunca descendió por debajo de los 500 pb y en el año 2000 tendió a incrementarse en correlación con otros impulsos, primero con la caída del NASDAQ y luego con el aumento del precio del petróleo. El gráfico 1 muestra las medias mensuales de las primas de riesgo de Argentina, Brasil, Chile y México (medidas por el EMBI+). El nivel relativo de las primas de riesgo de los emergentes latinoamericanos está asociado con ciertas características estructurales de las economías, indicativas de su solvencia. Por ejemplo, tal como indica el Cuadro 1, puede constatarse que los niveles recientes de las primas de México y Chile, de un lado, y Argentina y Brasil, por otro, están asociados con las respectivas relaciones deuda externa/exportaciones. También cabe mencionar que ingredientes locales (tales como los episodios de incertidumbre política en Argentina), influyen en la variación relativa de las primas latinoamericanas. Pero en el dibujo de su evolución a lo largo de los noventa, es nítida la fluctuación común asociada a los mencionados episodios de crisis nacionales y más recientemente, a brotes de incertidumbre de otras fuentes en el mercado de los países desarrollados. 132 brasil-argentinaFIM.pmd 132 5/2/2004, 11:02 133 brasil-argentinaFIM.pmd 133 5/2/2004, 11:02 F. Contagio y movimientos de manada Tales fluctuaciones comunes son resultado de movimientos de manada por parte de los inversores. La misma posibilidad de estos movimientos era desacreditada en la primera mitad de los noventa por la ortodoxia que predominaba entonces en los organismos internacionales, los gobiernos y entre los analistas. Pero ese diagnóstico ganó reconocimiento con la crisis de México y se impuso como una realidad indiscutible con la crisis asiática y sus continuaciones. La noción ganó status en el concepto de contagio, idea que ahora está incorporada en el diagnóstico del FMI y fundamenta algunas de sus nuevas líneas de acción. Sin embargo, este concepto de contagio se limita a caracterizar los movimientos de manada inducidos por crisis nacionales. ¿Pero no representa un contagio semejante el detonado por la caída de las acciones tecnológicas que agrupa el NASDAQ, al cabo de una prolongada burbuja? ¿No cabe en el mismo concepto el efecto observado del aumento del precio del petróleo? El impacto sobre la prima de México ilustra este último punto. El aumento del precio del petróleo beneficia la economía mexicana, sin embargo, su prima riesgo soberano subió junto con las del resto de la región. El reconocimiento de que también los mencionados son fenómenos de contagio es importante para el diseño y la promoción de medidas internacionales a favor de la estabilidad y el mejor funcionamiento del mercado globalizado, como argumentaremos más adelante. Puede imaginarse cualquier escenario futuro, desde una crisis financiera generalizada y el retorno al aislamiento y la negociación de las deudas externas, hasta una estabilización de los mercados y la gradual convergencia a una integración financiera completa, porque es verdad que el futuro es irremediablemente incierto. Pero antes de imaginar el futuro debe reconocerse como un hecho que al cabo de una década de la reinserción financiera de AL, en los tres años que van desde la crisis asiática, las primas de riesgo país determinan que el costo de capital de las colocaciones gubernamentales de Brasil y Argentina es - en las mejores condiciones de corto plazo experimentadas en el período - aproximadamente el doble de la tasa de interés de Estados Unidos y significativamente más alto que la misma en el caso de México. 134 brasil-argentinaFIM.pmd 134 5/2/2004, 11:02 En AL solo la prima de Chile es semejante a las de Corea, Malasia, Polonia y Hungría, los mercados emergentes de menor prima de riesgo soberano. G. El riesgo soberano se extiende más allá de la solvencia fiscal Podría pensarse que bastaría tener equilibrio fiscal y no requerir nuevas colocaciones para esterilizar los efectos del riesgo soberano. Podría argumentarse, y muchos lo hacen, que todo el problema reside en las finanzas del sector público. No es así. Chile, por ejemplo, goza de superávit fiscal, pero su prima no es despreciable. ¿En qué reside el riesgo soberano en un caso así? Las finanzas de un país pueden estar equilibradas o arrojar superávit, pero eso no garantiza que su economía disponga de los recursos en moneda extranjera necesarios para atender los servicios y las amortizaciones de la deuda en dólares. Más aún, el gobierno podría contar con los recursos necesarios en moneda extranjera para atender sus propios requerimientos, pero no así el conjunto de la economía, de modo que podría no disponerse de los dólares necesarios para servir la deuda externa privada. En estas condiciones, las autoridades pueden verse forzadas - o elegir hacerlo - a suspender la convertibilidad de la moneda doméstica (o suspender los pagos al exterior, en el caso de una economía dolarizada) y forzar el incumplimiento de los contratos. La soberanía faculta esta posibilidad. El riesgo soberano se extiende más allá del riesgo de insolvencia fiscal. H. La prima de riesgo país es determinante del costo del capital para la economía La tasa de interés en dólares que ofrecen los títulos de deuda pública transados en el mercado secundario proporciona a todo el mercado una medida del riesgo país y es la base que tiende a determinar el costo del capital de las actividades del país, en moneda extrajera y en moneda local. En primer lugar, es el costo de oportunidad del capital de la inversión extranjera directa. En segundo lugar, establece un piso del costo de captación de recursos internacionales por parte de las empresas nacionales. En tercer lugar, determina el piso del costo de captación internacional de los bancos y consecuentemente, el piso del costo marginal de quienes se financian localmente en moneda extranjera. Por último, también tiende a determinar el piso del costo del capital en moneda local. Un breve desarrollo de este último punto da pie para 135 brasil-argentinaFIM.pmd 135 5/2/2004, 11:02 señalar otras particularidades de la integración segmentada. Indicamos más arriba que los inversores locales de los países desarrollados evidencian una preferencia por activos de su propio país, denominados en su propia moneda. Aún con un alto grado de interconexión financiera internacional, esta preferencia permite, en principio, que sus autoridades monetarias instrumenten políticas tendientes a determinar una tasa de interés en moneda local sistemáticamente inferior a la tasa “internacional” (esto es, a la tasa que el inversor obtendría de una colocación en moneda extranjera). En nuestras economías, por varias razones que no cabe puntualizar aquí, las preferencias son las inversas. Como la apertura financiera funciona en ambas direcciones, los agentes locales están habilitados para arbitrar entre activos en moneda local y dólares. Por esta razón, salvo en el caso (excepcional) de una tendencia sistemática y predecible a la apreciación de la moneda local, la tasa de interés real en moneda local debe ser a lo menos igual y generalmente mayor que la tasa de interés en dólares. I. Consecuencias de la integración segmentada La persistencia de altas primas de riesgo país es un resultado impensado de la globalización financiera. Tiene varias consecuencias negativas. En primer lugar, las altas tasas de interés reducen la inversión y representan un freno al crecimiento. En segundo lugar, determinan una tendencia regresiva a la distribución de los ingresos. En tercer lugar, imponen una transferencia de renta al exterior, directamente a través del servicio la deuda externa e indirectamente a través de las utilidades de la inversión extranjera directa. Por último, en algunos casos – notablemente Argentina y Brasil – implican trayectorias macroeconómicas insostenibles, por la tendencia explosiva de las obligaciones de la deuda externa. Frente a esta situación podría sugerirse volver atrás, desembarcar al país del proceso de la globalización financiera. No parece existir un camino sencillo para instrumentar esta idea. La deuda externa pública y privada es actualmente la principal ancla con el sistema financiero internacional. El servicio regular de la deuda absorbe la gran parte de los ingresos brutos de capital. 136 brasil-argentinaFIM.pmd 136 5/2/2004, 11:02 A principios de los años noventa los países tenían cierto margen de elección del tipo y grado de apertura financiera, frente a la presión de los fuertes ingresos de capital. La situación es completamente diferente en la actualidad para varios países.Para éstos, el problema es ahora principalmente la obtención de financiamiento para el giro regular de la deuda y la imperiosa necesidad de obtenerlo a precios menores que los que se enfrentan. Consideremos los ejemplos de Brasil y Argentina. A principios de los años noventa Brasil contaba con un superávit comercial de unos u$s 12 MM y un balance de cuenta corriente equilibrado. Ensayaba entonces medidas para frenar los ingresos de capital, por sus efectos monetarios desestabilizantes. En 1999, luego de haber atravesado el proceso de estabilización y apertura comercial y financiera y un año después de la crisis y las medidas correctivas, las cuentas externas de Brasil muestran un balance comercial aproximadamente equilibrado y un déficit de cuenta corriente del orden de u$s 25 MM, por intereses y servicios de factores. Entre principios de los noventa y 1999, el saldo de la cuenta de servicios por intereses, utilidades y dividendos pasó de 22% a 40% de las exportaciones de bienes. Análogamente, Argentina a principios de los noventa contaba con un déficit comercial de unos u$s 2 MM y un déficit de cuenta corriente de u$s 6 MM. En 1999, en el piso de la recesión, el balance comercial arrojó un déficit de u$s 0.7 MM, mientras el déficit de cuenta corriente alcanzó u$s 12.3 MM, por intereses y servicios del capital. El saldo de la cuenta de intereses y servicios del capital, en proporción de las exportaciones de bienes, pasó de 20% a 33%, entre principios de los noventa y 1999. J. Equilibrios múltiples Los niveles relativos de las primas de riesgo reflejan la apreciación del mercado de distintos grados de vulnerabilidad y están correlacionados con indicadores de solvencia, como señalamos arriba. La mayor vulnerabilidad relativa implica una mayor propensión a la crisis, frente a un shock equivalente. La ocurrencia de una crisis (por cualquier factor desencadenante) puede racionalizarse como el pasaje de un equilibrio a otro en un modelo de equilibrios múltiples (esta es la principal aplicación de los modelos de equilibrios múltiples en la literatura sobre el tema). Cualquier economía puede sufrir una crisis frente a 137 brasil-argentinaFIM.pmd 137 5/2/2004, 11:02 un shock de suficiente entidad, pero hay configuraciones más propensas a experimentar crisis (a “saltar” de su equilibrio presente a una situación de crisis). De esta manera, todas las economías tienen dos “equilibrios”: el equilibrio presente (sin crisis, el bueno) y el equilibrio de la crisis. En algunas economías el equilibrio presente es más inestable, esto es, exhibe mayor vulnerabilidad. La mencionada perspectiva puede enriquecerse con dos consideraciones. La primera es razonar en términos de trayectorias, calificadas de acuerdo a sus potenciales de crecimiento y sostenibilidad, en lugar de concebir como un único “equilibrio” a cualquier situación no crítica. La economía puede situarse por un período más o menos prolongado en una trampa de altas tasas de interés, bajo crecimiento y alta vulnerabilidad. La economía está sobre una trayectoria no sostenible a largo plazo (por la tendencia explosiva de las relaciones de endeudamiento), pero puede desenvolverse en esta situación por un cierto período sin enfrentar efectivamente una crisis. Esta configuración es resultado conjunto de cierta trayectoria previa de integración financiera internacional y de la apreciación que hace el mercado de sus riesgos. Así, en lugar de la noción de dos equilibrios (crisis y no crisis) podemos distinguir entre dos trayectorias: la configuración de trampa de bajo crecimiento y una trayectoria de crecimiento virtuoso. La segunda consideración es que la ocurrencia o no de crisis y el tipo de trayectorias sobre la que evoluciona la economía no son independientes de la apreciación que hace el mercado, esto es, de la prima de riesgo que demanda y del volumen de activos del país que está dispuesto a absorber. Por ejemplo, a igualdad del resto de las condiciones, una economía puede encontrarse sobre una trayectoria de trampa o sobre una de crecimiento virtuoso, según la prima de riesgo país y el flujo de capitales que recibe. La economía puede haber caído en una trayectoria de trampa por un efecto de contagio, pero una vez situada en esta posición, sus indicadores tienden a empeorar y la apreciación negativa del mercado es una profecía autocumplida. La baja de la prima de riesgo país y mayor flujo de financiamiento podría reponer un crecimiento virtuoso, pero los inversores no modificarán sus expectativas sin una señal coordinadora. 138 brasil-argentinaFIM.pmd 138 5/2/2004, 11:02 Con la perspectiva de equilibrios múltiples, una acción internacional para reducir el riesgo soberano (por ejemplo, la presencia de una función de prestamista de última instancia) puede racionalizarse como una acción preventiva de la crisis, pues reduce la propensión a saltar al equilibrio crítico. Análogamente, la distinción entre tipos de trayectoria permite racionalizar la intervención como la acción necesaria en determinados casos para (generar la posibilidad de) que la economía salga de una situación de trampa de bajo crecimiento a una trayectoria de crecimiento virtuoso. K. Cursos de acción En lo que sigue comentamos algunos mecanismos que apuntan a la reducción del riesgo país. El fundamento más profundo de las primas de riesgo soberano es precisamente la soberanía de la cual gozan las naciones en nuestro tiempo. El proceso de globalización financiera podría haber dado otros resultados, pero la situación en que se encuentra estaba dentro de los cursos probables. Frente a los hechos que configuran la integración segmentada solemos razonar por analogía con los sistemas financieros nacionales para señalar las fallas del sistema conformado por la globalización. Observamos que se conformó un sistema internacional en el cual están ausentes gran parte de las instituciones que fueron construyéndose a lo largo del tiempo en los sistemas nacionales, para mejorar su funcionamiento y darles estabilidad. Estas instituciones y experiencias nacionales sugieren el diseño de instituciones que desempeñen funciones análogas en el plano internacional. En cada caso, el establecimiento de estas instituciones requiere la cesión de distintos atributos de la soberanía nacional. Ocurre así aún en el tema de producción y disponibilidad de información fiscal y financiera, que es en el cual más se ha avanzado en las discusiones y acuerdos de la Arquitectura Financiera Internacional (AFI). Mucho más en el caso del establecimiento en el plano internacional de instituciones de supervisión y regulación prudencial, tema en el que poco se avanzó. Con relación a este tema se expresaron resistencias por parte de países subdesarrollados, temerosos de que las previsiones por riesgo restrinjan los ansiados flujos de capital. Las discusiones internacionales de la AFI son importantes, 139 brasil-argentinaFIM.pmd 139 5/2/2004, 11:02 pero creemos que no cabe esperar soluciones provenientes de ellas en un plazo corto. Las alternativas deberían buscarse por otros caminos. En tanto el riesgo soberano es esencialmente un riesgo de incumplimiento de contrato motivado por la imposibilidad práctica de afrontarlo, tiende a reducirlo la existencia de garantías adicionales en la forma de fondos de acceso contingente, a disposición de países que enfrentan dificultades. Esta función es análoga a la de prestamista de última instancia que cumplen los bancos centrales en el plano nacional en muchos países. Pueden imaginarse muchas instituciones para esta función y NNUU debería continuar impulsando su discusión en los foros de la AFI. Pero considerando las posiciones que venía sosteniendo Estados Unidos y las que sostendrá probablemente su nuevo gobierno, parece claro que las funciones internacionales financieras seguirán concentrándose en el plazo previsible en las instituciones de Bretton Woods. El instrumento del FMI que más se acerca formalmente a la función de provisión garantías para la reducción del riesgo soberano es el CCL (Contingent Credit Line), recientemente reglamentado. Sin embargo, sus condiciones de acceso son tan exigentes que los países que las cumplen no se sienten inducidos a requerirla, mientras que quienes más la necesitan no alcanzan sus condiciones de acceso. En paralelo, el FMI ha instrumentado otra línea, la SRF (Suplementary Reserves Facility) de monto no definido y condiciones de acceso mucho más discrecionales. El FMI creó esta línea en la operación de rescate de Corea, la aplicó en las operaciones relacionadas con las crisis de Rusia y Brasil y la concedió recientemente a la Argentina. Con la creación de esta línea, el FMI ha dado un paso significativo en la dirección de acercar su función a la de un prestamista de última instancia en el plano internacional. Parece razonable procurar el desarrollo de esta línea como el camino más viable, aunque no debería abandonarse la discusión de las condiciones de acceso al CCL. Pasos adicionales en la dirección de lograr un efecto significativo sobre las primas de riesgo requerirían aumentar los fondos disponibles y extender las circunstancias que definen su accesibilidad. Un acceso más abierto resultaría, por ejemplo, de ampliar la noción de contagio, reconociendo 140 brasil-argentinaFIM.pmd 140 5/2/2004, 11:02 los efectos derivados de brotes de incertidumbre de distintas fuentes en el mercado financiero desarrollado, como señalamos arriba. Mayor disponibilidad de fondos - de origen público, o levantados en los mercados con garantía indirecta de los gobiernos de los países desarrollados - y condiciones de acceso más amplias y automáticas podrían tener efecto significativo sobre las primas de riesgo y mejorarían el funcionamiento del sistema porque reducirían las probabilidades de crisis. Pero difícilmente puedan lograrse esas condiciones sin cesiones adicionales de soberanía a los organismos multilaterales, precisamente porque esa cesión de soberanía opera conjuntamente con la mayor disponibilidad de fondos contingentes para reducir el riesgo soberano. (Un ejemplo al nivel de los sistemas nacionales es la doble función del Banco Central: como prestamista de última instancia y superintendente del sistema). Un ejemplo de este tipo de efecto es la nula prima de riesgo que paga la economía de Grecia, por ser país miembro de la Unión Europea. En teoría, ceder soberanía a los organismos multilaterales no significa perderla sino ejercitarla en forma compartida, negociada. Sin embargo, el FMI y el Banco Mundial no están organizados democráticamente. Las cesiones de soberanía sin contrapartida en un incremento de la participación de los países cedentes en el gobierno de los organismos están destinadas a confrontar una creciente (y legítima) conflictividad. En consecuencia, en paralelo con la orientación tendiente a ampliar las funciones de prestamista de última instancia indicadas arriba, la agenda debería incluir en forma prioritaria la cuestión de gobierno de los organismos multilaterales. 141 brasil-argentinaFIM.pmd 141 5/2/2004, 11:02 BIBLIOGRAFIA FISCHER, Stanley (2000) Strengthening Crisis Prevention: The Role of Contingent Credit Lines. Speech given at the Banco de México, México City, November 15. International Monetary Fund. MASSON, Paul R. (1999) Multiple equilibria, contagion, and the emerging market crises. Working paper nº164, International Monetary Fund PESENTI, Paolo and Cédric Tille (2000) The Economics of Currency Crises and Contagion: An Introduction, Federal Reserve Bank of New York Economic Policy Review / September. RODRIK, Dani (2000) How far will international economic integration go?, Journal of economic perspectives, Vol.14, Nº1. STIGLITZ, Joseph E. (2000) Capital Market Liberalization, Economic Growth and Instability, World Development Vol. 28, No. 6. 142 brasil-argentinaFIM.pmd 142 5/2/2004, 11:02 SOBERANÍAS ACOTADAS, LEGITIMIDADES CUESTIONADAS Francisco Delich La soberanía del Estado/Nación nunca fue respetada enteramente, durante los últimos cuatro siglos. Sin embargo se mantuvo como principio organizativo de la convivencia pacífica entre los Estados/Naciones. Nominalmente, los Estados/Naciones/Soberanos recientemente (1945) se dieron una organización común, supraestatal, las Naciones Unidas con cierta capacidad para asegurar la convivencia garantizando el respeto de aquellos. El reconocimiento de la Soberanía del Estado Nación, aseguraba el reconocimiento del gobierno administrador del mismo, independientemente de su legitimidad de origen y de su comportamiento. Hans Kelsen lo justificó en su Teoría pura del Derecho con extrema precisión. El respeto a la soberanía nacional (externa) se extendía a la legitimidad (interna). El respeto por la soberanía del Estado / Nación durante el siglo XX se convirtió, en América Latina, en un principio de legitimidad política y de sobrevivencia, de la propia existencia de los Estados Naciones. La experiencia del siglo XIX que comprobó la lucha por la independencia de las potencias coloniales, las guerras civiles que lo sucedieron en muchos casos entrecruzados por intereses externos a la región, y las dificultades en establecer fronteras definitivas entre los Estados (soberanos) después del desmembramiento virreynal fueron elementos y situaciones que forjaron una conciencia difundida de identidad fundada en la demanda de autonomía y respeto por la soberanía nacional. Las luchas por la organización jurídica del Estado, sujeto de la Soberanía y la invención de la Nación para asegurar la soberanía del sujeto colectivo y garante subjetivo de la soberanía objetiva, marcaron el difícil y dramático siglo XIX. La soberanía del Estado y la identidad de la Nación fueron afirmándose como principios constitutivos tanto del Estado (republicano) como de la subjetividad de la Sociedad Civil. El capitalismo 143 brasil-argentinaFIM.pmd 143 5/2/2004, 11:02 emergente en la segunda mitad del siglo XIX en la mayoría de los países de América Latina, adoptó la forma del capitalismo nacional, acorde con las demandas de soberanía y autonomía política. La primera mitad del siglo XX fue testigo de la prolongación de esta tendencia. La legitimidad del Estado tenía fuente en la soberanía declamada como principio la identidad y era reforzada por la legitimidad de la Nación y aún del propio capitalismo, organizador del aparato productivo con identidad nacional: en la segunda mitad del mismo siglo la estrategia de desarrollo industrial por sustitución de importaciones, implicaba la autarquía económica fundada en la soberanía del Estado y la Nación. La soberanía de los Estados / Naciones fue el principio filosófico jurídico que permitió la convivencia pacífica tanto en los años de la post independencia y aún en los momentos más álgidos de la guerra fría. Incluso los Estados comunistas adoptaron como principio la defensa de la soberanía y el respeto por la legalidad interna como autodefensa. La soberanía del Estado fundaba la legitimidad y la legalidad de cualquier orden interno, impedía que un Estado / Nación juzgue con sus propios criterios el orden interno de otro. Se podía denunciar la situación de un Estado pero no agredirlo militarmente y cuando esto ocurrió se recibía la condena moral (en algunos casos) algo más, pero no se reconocía la legitimidad de la agresión. Las muchas intervenciones armadas de los USA en América Latina fueron siempre provisorias y cuando podían, disimuladas: Guatemala en 1954 o Cuba en 1961 no eran invasiones abiertas como lo fueron en Panamá, Santo Domingo o Grenada. La violación de la fronteras de estados nominalmente soberanos eran presentados como excepciones, como circunstancias, como coyunturas reactivas. El principio del respeto por la soberanía no estaba en disputa en el ámbito de las relaciones interamericanas. El temor de los pueblo más débiles por las invasiones externas era más fuerte que la aprehensión por los gobiernos locales. Una dictadura nacional-parecía- era siempre mejor que una intervención extranjera. La legitimidad política y social cruzaba todas las ideologías, 144 brasil-argentinaFIM.pmd 144 5/2/2004, 11:02 los partidos, las clases y grupos sociales, las edades, las regiones. Un sólido, formidable principio de convivencia aseguraba un orden jurídico impuesto y asimétrico, pero al menos contenido por un principio de legitimidad común. La guerra del Golfo – la primera guerra del siglo XXI por sus características estratégico tecnológicas - reforzó la idea de soberanía: una intervención militar devolvió la soberanía a un Estado invadido (Kuwait) y restableció las fronteras en su status anterior, pero no modificó las condiciones de legalidad interna del país agresor. Para la siguiente y más esclarecedora, desde este punto de vista, fueron las acciones militares en Kosovo: se intervino militarmente en el interior de un Estado soberano (Yugoeslavia), invocando un principio de respeto por el derecho de gentes, utilizado como referencia, un orden superior al Estado/Nación, un supra-Estado emergente escudado en una nueva versión del derecho de gentes. Más interesante aún, fue la detención del general Pinochet en Inglaterra a pedido de un juez español. El gobierno de Chile reclamó sin éxito – el respeto por la soberanía chilena y el derecho a juzgar a sus propios súbditos. El destino posterior de Pinochet no cambia la naturaleza del precedente. Pinochet regresa por razones ajenas al reclamo de Soberanía. Aunque menos espectacular la paciente construcción de la Unión Europea y lo más reciente del Mercosur muestran también el desplazamiento de la soberanía del Estado / Nación a los organismos políticos (parlamento, comisarios, Bancos) a un nuevo sujeto, el Estado multinacional, la aparición de dobles ciudadanías y de una doble identidad: nacional y europea. Los principios que organizan las condiciones en el presente, están sufriendo, de un modo pacífico o violento, explícito o implícito, una lenta regresión. Ni el Estado, ni la Nación, ni ambos reunidos, constituyen entidades sin fisuras, no solamente en la práctica histórica, sino sobre todo en los principios de legitimidad. Cómo reunirlos con un concepto tan liso como el absoluto? 145 brasil-argentinaFIM.pmd 145 5/2/2004, 11:02 a) El concepto de soberanía Jean Bodin (Angers 1529 – Lyon 1596) definió, en el capítulo VIII del libro Primero (Los seis libros de la República) editado en 1576 y que obtuvo un éxito inmediato. En 1583 aparece un “abregé” que sirve de referencia a las ediciones actuales. Bodin, tradujo él mismo el texto al latin para presentarlo en Cambridge en 1581/82. “La soberanía en el poder (puissance) absoluto y perpetuo de una República que los latinos llaman majestatem, los griegos Kurion Politruma o Kuria Aveche, los: italianos señorío, palabra que usan también hacia los particulares y hacia aquellos que manejan todos los asuntos de Estado de una república: los hebreos lo llaman el más grande poder de ordenar (commander):” Así lo define porque a su juicio “no hay jurisconsulto ni filósofo político que lo haya definido aunque este será el punto principal y el más necesario a ser comprendido en un tratado sobre la República” (Bodin 1583: reedición de Gerard Meiret 1993: 111. Traducción FD) Las citas siguientes corresponden a esta edición y serán mencionadas solamente como Bodin seguido de: y el número de página). También podría traducirse Puissance por autoridad, nomenclador que utiliza el propio Bodin en su primer libro en 1566 (método para un conocimiento fácil de las historias / donde señala la soberanía como “la autoridad suprema en lo que reside el principio de la República” (Simone Goyard - Fabre 1999:30). Bodin mas erudito – aunque menos sagaz - que Maquiavelo, era no solamente un jurisconsulto formado en Toulousse sino también abogado en ejercicio. Conocía muy bien el Derecho Romano, pero también la organización política de los griegos y sorprendente para muchos, de organización política de las primeras tribus que formaría la Nación judía y particularmente desde David en adelante. De modo que, Bodin no inventa el concepto de soberanía, sino que lo sintetiza, como suelen hacer los sabios en una fórmula simple y demoledora que ha perdurado cuatro siglos y contribuido a fundar el Estado laico que conocemos desde las revoluciones americana y francesa. 146 brasil-argentinaFIM.pmd 146 5/2/2004, 11:02 La condición absoluta y perpetua no puede conferise a la persona del príncipe sino a la función del príncipe, a la República que gestiona. El príncipe es depositario del poder, pero es soberano dictando la ley; leyes que solo tiene como límites las leyes de Dios y de la naturaleza. Bodin desprende el concepto de soberanía de cualquier otro poder terrenal, incluyendo el poder del Papa, por entonces poder religioso y terrenal. Esa es su actualidad. Los dictadores – estima Bodin (:113) no tienen soberanía aunque dispongan de poder. Los dictadores romanos, señala solo tenían poder para hacer la guerra o reprimir un estado de sedición, o reformar el Estado “ la soberanía no es limitada ni en poder ni en función, ni a un cierto tiempo”. Absoluto y perpetua, sigue insistiendo Bodin utilizando ejemplos de Roma y Grecia. El único límite a la soberanía está en Dios y la naturaleza. Cita a Marco Aurelio (Bodin:129) “los magistrados son jueces de los particulares, los príncipes de los magistrados y Dios de los príncipes”. El principio absoluto y perpetuo reconoce la capacidad de no respetar ni sus propias leyes: si puede dictarlas ¿Cómo no podría abrogarlas? Pero estamos hablando del ejercicio del poder no de su alcance. Aunque superficialmente el razonamiento parece conducir a la idea de poder absoluto (y elogio del absolutismo) que no pocos críticos de Bodin aprecian en su obra. Es difícil imaginarlo en esa dirección: todo el tratado De la República es un persistente llamado a la tolerancia religiosa, más cerca del humanismo y del posterior iluminismo que de las teorías totalitarias del poder. El príncipe dice Bodin “debe respetar los contratos que ha hecho, porque … es el garante de los contratos formalizados entre otros … (:132). Sin embargo la idea de absoluto es incompatible – en la política democrática con la tolerancia. En el capítulo X “Los atributos (marques) de la soberanía” en primer lugar la majestad que no debería interpretarse como arbitrariedad: 147 brasil-argentinaFIM.pmd 147 5/2/2004, 11:02 el príncipe no puede tomar lo que no es suyo como lo señala Samuel en su arega al pueblo judío (:152) los más grandes magistrados, los ayudantes del rey, los regentes están obligados por las leyes (:155) “El príncipe creado a imagen y semejanza de Dios, no es igual a Dios” el único dispensador de soberanía (:157) Detengámonos en este punto crucial del análisis. El Príncipe no es Dios. Fue creado por este – como todos los hombres – elegido para ejercer el poder disponiendo de una Soberanía sin límites; pero no es Dios. Un absoluto (la Soberanía) se subordina a otro absoluto (Dios). Hay un absoluto que es menos absoluto donde se cuelan restricciones teóricas y prácticas. Esta contradictio in termine nos permitirá más adelante plantear la redefinición de la Soberanía. Es parte de nuestro problema. Su primer atributo es entonces: el poder para dictar la ley a todos y a cada uno en particular” (:160) El segundo atributo es una especificación poder para hacer la guerras y la paz. El tercero el poder de designar a magistrados y funcionarios, es la última instancia (dernier resort) Bodin:167) la quinta el poder de otorgar indultos más allá de las disposiciones vigentes” para atenuar el rigor de las leyes, por la vida, bienes o por el honor…” (:170) que como se advierte se mantiene aún hoy como facultad del presidente de la República por encima de las leyes de la República. Volvamos al centro del razonamiento. La soberanía es la potestad de prevalencia de la voluntad (del príncipe) luego será del Estado, más tarde, del pueblo a través de sus representantes. La voluntad tiene en la concepción de Bodin, igualmente límites en las leyes de Dios y de la naturaleza como se ha dicho. En el Estado moderno lo tendrá en la razón y de la pasión ( de la Sociedad Civil) La soberanía es indivisible - escribía Cardin Le Bret “tan indivisible como el punto en geometría” citado por Simone GoyardFabre (1999:37) Pero la voluntad que la constituye es necesariamente el producto de construcciones diversas. 148 brasil-argentinaFIM.pmd 148 5/2/2004, 11:02 b ) Soberanía e Independencia La soberanía absoluta y perpetua es una herencia, en los albores del Renacimiento mas que una propuesta. Es una comprobación y también su superación. “La existencia del príncipe era el presupuesto mismo del Estado “, escribe con razón Shennan (1991:31) El Príncipe dispone de poder no tanto por sus posesiones – que son importantes como por la legitimidad que Dios le confiere, a su misión en la tierra y así lo atestiguan en el siglo XV el Escorial en España (palacio, monasterio y tumba) la capilla de los Medici en San Lorenzo (Florencia) y el propio Ivan el terrible o la recuperación de Granada. El Príncipe debe aferrarse a los principios de justicia universales (cristianos) simultáneamente como sugiere Maquiavelo a la real politik. No es fácil, sí realizable. Los intereses públicos y los intereses particulares del propio príncipe se confunden. El príncipe debe conformar su conducta política a la conveniencia del Estado y la privada a la moral. Comienza a esbozarse, la razón de Estado, y su infinita tensión con los códigos éticos que alcanza hasta nuestros días. En el 1600 “la expansión del poder del príncipe interfiere con los conflictos religiosos, transforma a tal punto el clima político en Europa hasta mostrar que ni las pequeñas tiranías italianas, ni las aspiraciones universales del Papa o del emperador eran un modelo a imitar” (Shennan 1991:93). Interferencia insoluble que se traducirá en una crisis generalizada en Francia y los Países Bajos. Aquí interviene el pensamiento de Bodin despersonalizando el poder y separando la propiedad territorial de la actividad política. El territorio se convierte en bien público o privado. La razón natural y el bien común, configuran, sin embargo un ente absoluto, el Estado que recibirá (dos siglos después los atributos del príncipe: la soberanía, asentada sobre “la unidad de lo múltiple y del uno, entre gobernantes y gobernados”. Pero por qué insiste en el carácter absoluto? Porque es un pre-requisito de la estabilidad política supone Shennan (1991:115 = comentando la propia crisis francesa y de los países bajos siglos XVI y XVII). 149 brasil-argentinaFIM.pmd 149 5/2/2004, 11:02 Un elemento histórico debe incluírse para comprender mejor la revolución que el concepto de soberanía introduce para consolidar el nuevo concepto - premoderno del Estado: la expansión del comercio internacional y la conquista de las Américas reclaman un orden diferenciado con garantías para la actividad económica. El conflicto, la guerra y la negociación-, no se limitan a los Príncipes sino incluyen crecientemente un nuevo actor en la escena: los mercados. La necesidad de separar teórica y prácticamente el poder político, las ideas religiosas de los intereses particulares económicos se abre camino: El Estado soberano es la respuesta a todos las demandas de las sociedades en formación”: Es un absoluto abstracto que justifica un dominio concreto. Todavía no hay Naciones en el sentido actual ni Sociedades Civiles, ni Estados, ni Mercados. Mejor: existen, coinciden y se confunden pero todavía falta un siglo para la irrupción de la modernidad que los define, y sobre todo, define sus espacios específicos. La independencia nacional, esto es, América libre de toda dominación extranjera, es inseparable de esta concepción de soberanía del Estado, es decir la voluntad de ejercer en el plano internacional una representación absoluta necesaria para proteger al Estado naciente de las tendencias centrífugas asegurando el respeto de sus fronteras. Los Estados Unidos forman parte del pequeño número de países independizados donde una distinción entre Soberanía y Estado es todavía – al menos teóricamente, posible en la medida en que los fundamentos mismos de la República no fueran amenazados. Según la constitución, los tratados con el extranjero son inseparables de las leyes nacionales, como lo hizo notar el juez James Wilson en 1793 “la Constitución de los Estados Unidos ignora completamente la noción de soberanía” pero no la independencia, como es obvio. Esta negación audaz y lúcida de la terminología tradicional y del marco conceptual del Estado / Nación europea pertenece al pasado”. Arendt con pena comprueba que “la herencia la revolución americana ha sido olvidada. Para bien o para mal el gobierno americano ha hecho suyo el concepto europeo como patrimonio propio … (traducción de FD) Hanna Arendt (1972: 108) 150 brasil-argentinaFIM.pmd 150 5/2/2004, 11:02 Para los iberoamericanos, sin embargo, el viejo concepto europeo de Soberanía es funcional, protege la independencia su bien más preciado. c ) Soberanía y representación La Revolución Francesa introduce el concepto de Nación e inmediatamente la convierte en depositaria de la soberanía. La Nación desplaza a la monarquía., pero sobre todo despega el Estado de todo metagarante (Dios, la tradición, la dinastía) para convertirlo en un único depositario y garante de la soberanía legitimada por la sociedad. El Estado (republicano) alcanza _ legitimidad fundado en la razón (y la fuerza) para asegurar su respeto a los valores: la igualdad, la libertad, la fraternidad. La Nación es su complemento: el sentimiento, la identidad del todo social o popular, su legitimidad. “La soberanía no reside sino en el todo reunido” dice Lally - Tollendal el 3 de julio de 1789. (Citado P. Rosanvallon (2000:17) ilustra bien el criterio revolucionario. Sin embargo como anota a continuación P Rosanvallon, la soberanía de la Nación es la misma que la soberanía del pueblo predicada por Rousseau? No lo piensa así el autor que estoy citando, ni nosotros tampoco. “La diferencia entre estos dos conceptos – comenta Rosanvallon – no ha sido jamás imaginada” (2000:22). Estas breves observaciones sugieren un concepto de Soberanía algo más complejo. Una Soberanía extraordinaria, y otra ordinaria, un concepto legislativo y una concepción judicial (Rosanvallon 2000:20), una soberanía activa y una soberanía pasiva, etc. Un concepto más complejo es un concepto también incompatible con el carácter absoluto. Pero estos matices alcanzan a la Sociedad Civil en tanto esta constituye la fuente de legitimidad del Estado a quien a su vez legitima las formas institucionales. También ésta se redefine por la complejidad, tanto en el sentido clásico de Durkhim como en el reciente de Edgard Morin. En estas condiciones, en las sociedades contemporáneas no es fácil - sino imposible, separar el Estado de la Nación, ni la Nación de la Sociedad Civil. 151 brasil-argentinaFIM.pmd 151 5/2/2004, 11:02 Es analíticamente posible y necesario separar estos conceptos, sólo para reunirlos en su práctica histórica. Seymour Martin Lipset en uno de sus primeros libros (1963) publicado por Eudeba treinta años después, (1993) reúne problemáticamente la soberanía ligada a la legitimidad. “un problema mayor- que deben atender todas las naciones nuevas y las sociedades pre-revolucionarias es la crisis de legitimidad. El antigüo orden fue abolido y, con él, las creencias que justificaban su sistema de autoridad (subrayado por FD) agrego “ el otro imperialista al cual se le adjudicaban todos los males ha desaparecido y se produjo una convergencia en la gran fuerza unificadora, el nacionalismo, bajo cuya bandera las diferencias particulares, étnicas, regionales y de cualquier otra índole quedaban anuladas”. El nuevo sistema está en proceso de formación y por ello surgen los cuestionamientos: a quien se debe lealtad? Por qué? La soberanía del nuevo Estado (en realidad un modelo federal de trece estados) Estaba claro a partir del triunfo militar sobre la antigua potencia dominante. También el esquema institucional, la República Federal, con un sistema político democrático-local. Los Estados Unidos organizaban su Estado desde los poderes locales hacia el poder nacional, pero la Sociedad al revés, desde la identidad nacional hacia todos sus rincones geográficos. Esta es su diferencia mayor y definitiva con los antigüos dominadores europeos. No había aristocracia ni oligarquías, ni privilegios: una sociedad emergía y establecía sus consensos en torno a un líder carismático (como Washington) pero también a un sistema de valores que definiría el american dream. Los Estados Unidos se constituyen como una Nación nueva. Los latinoamericanos no pudieron o no supieron hacerlo. La revolución estadounidense fue radical en el sentido literal del término, en la cual la nueva soberanía se asentaba en una nueva Nación y en una sólida Sociedad Civil, como señalará Tocqueville, en los comienzos de los USA. Tres causas concurrentes erosionan el concepto de soberanía absoluta (estrictamente el ejercicio de la soberanía absoluta) ligada a la 152 brasil-argentinaFIM.pmd 152 5/2/2004, 11:02 capacidad militar, de imponer por la fuerza su decisión, o de asegurar su respeto, tal como lo había advertido Hobbes “sin la espada los pactos no son más que palabras”, pero constituiría un principio de organización, de orden internacional hasta nuestros días, valioso como señalo. En primer lugar el desarrollo tecnológico cuyo aplicación” no reconoce fronteras. La ex URSS lo sintió en carne propia cuando no pudo controlar las ondas que invadía de información y mensajes su territorio. La expansión comercial, el intercambio aéreo que requiere normas comunes de seguridad sancionando la piratería aérea, cualquiera fuese la motivación de los piratas. Países enfrentados como Cuba y USA se comprometieron a respetar – y lo hacen – la seguridad en los vuelos. La expansión de los mercados financieros, que operan, traspasando todas las fronteras, requiere no sólo permisividad sino también garantías. Más recientemente una convención acerca de los derechos humanos reforzó y complementó la tendencia. Este acotamiento de la soberanía se produce de tres maneras: por decisión propia del país soberano, por decisión externa del nuevo poder supra- Estatal (las N U) o bien por decisión de uno o varios países que, en nombre de legitimidad más importante que la soberanía (la libertad o el derecho a la vida) recortan la soberanía. El primer caso pude ilustrarlo correctamente la Reforma de la Constitución Argentina en 1994. Allí se establece el predominio de la legislación internacional sobre lo nacional cuando se trate de derechos humanos. El segundo caso se corresponde con la guerra del golfo. Un Estado invade a otro Estado soberano, la ONU lo sanciona y restablece el status anterior a la invasión. El tercer caso, la intervención de la OTAN en Yugoslavia puede ejemplificar bien la violación de la soberanía para dar fin a las agresiones étnicas t asegurar el respeto de los derechos humanos. 153 brasil-argentinaFIM.pmd 153 5/2/2004, 11:02 Es probable que la tendencia a aceptar una soberanía acotada o relativa se convalide en el futuro inmediato. En tal caso los Estados solo podrán compensar esta pérdida de poder con un incremento de la legitimidad en el ejercicio del poder ligado a una redefinición de la relación con la Sociedad Civil. d ) Soberanía e Integración regional El inexorable avance de la planetarización, probablemente consolidará la visible tendencia a una mayor integración entre Estados Nacionales y Sociedades Civiles. Es también inevitable el abandono del concepto de Soberanía Nacional? No. No necesariamente. Es el atributo absoluto reiteradamente señalado que lo definió durante estos siglos pasados el obstáculo mayor. Lógico para la época en que fue acuñado, por las razones que se señalaron, inconsistente ahora con los ordenamientos jurídicos vigentes como con los códigos sociales predominantes. No existen derechos absolutos en la legislación positiva. Ni tampoco un orden (ranking) de valores absoluto. En consecuencia tampoco cabe la aceptación de una Soberanía absoluta del Estado hacia adentro o hacia fuera. Por otra parte, la emergencia de una conciencia moral en las Sociedades está asentada por lo menos en dos dimensiones en las cuales no cabe el absoluto, no es imaginable ni la discrecionalidad, ni la interpretación por parte del Estado Nacional: los derechos humanos y la protección del medio ambiente. Ningún Estado puede incluir en su Soberanía la capacidad de proteger la violación sistemática de los derechos humanos o eludir sus consecuencias, ningún Estado tiene derecho a comprometer el futuro de la humanidad destruyendo la naturaleza. Ningún Estado, en ejercicio de su Soberanía, puede tolerar las formas aberrantes de explotación como la esclavitud. Esta nueva conciencia humana, se expande como un elemento unificador en Sociedades crecientemente complejas (en apariencia fragmentadas) capaz de consolidar la vigencia de códigos plurinacionales. 154 brasil-argentinaFIM.pmd 154 5/2/2004, 11:02 Estas Sociedades contemporáneas desafían además y complementariamente los criterios de legitimidad, ligados a la Soberanía Nacional. Los debates – en curso - acerca de la representación política, la articulación de intereses y la disputa por lo público así lo están demostrando. En cualquier caso, un nuevo concepto de Soberanía ligado a una revisión de los criterios de legitimidad, se está abriendo camino, no demasiado lentamente, para conformar un nuevo orden planetario. e ) La prospectiva federal Las instituciones federales no fueran consideradas en el momento de Machiavello (para decirlo como Pockock) ni tampoco en la Revolución Francesa: la soberanía absoluta era perfectamente consistente con la unidad del poder y con su centralización. El absoluto soberano,se expresa en un absoluto unitario temporal y especialmente, en una referencia perfectamente identificable, porque los atributos coinciden en un lugar físico y en una persona física. Lo abstracto deviene concreto sin mediaciones. La idea de absoluto no es incompatible con la idea de República. Es incompatible con la Democracia, pero eso es otro problema. La tradición federal se impone-en la modernidad- desde la Revolución Americana, tal como lo registró Tocqueville, y se difunde en los países de mayor tamaño – nada casualmente – de nuestra región: México, Brasil y Argentina. La crisis del absolutismo político, tiene entre otras razones, la dificultad, con predominio históricos de tecnológicas insuficientes, en la gestión de los grandes espacios. Las razones de la rápida aceptación del federalismo en toda América se explica históricamente porque su invención como Naciones y Estados parte de una brusca ruptura con el centro (del poder absoluto) es decir ruptura con la tendencia centrípeta que la corona generaba y la necesidad de evitar la tendencia centrifugadora que la independencia inevitablemente registraría. 155 brasil-argentinaFIM.pmd 155 5/2/2004, 11:02 El Estado Federal garantizaba igualdad formal y relativa equidad entre los estados federados, unidad nacional simbólica, mercado extenso y abierto (libre circulación de mercancías, libre circulación en ríos y caminos, unidad de moneda de cambio. No obstante – como lo demuestra la historia latinoamericana – la tendencia centrípeta de la monarquía colonial, se translada a la sede del poder mal llamado nacional. La capital del Estado Federal (nacional) el asiento del poder político se convierte rápidamente en primus inter pares . Hacia allí tienden las migraciones masivas de la mitad del siglo XX en adelante en las ciudades de México, Río de Janeiro y Buenos Aires (tanto como en los Estados Unitarios como Uruguay, Venezuela o Chile). El estado federal originario se desdibuja en la región latinoamericana, a medida que la distancia entre las disposiciones constitucionales que lo regulan y la experiencia demográfica, urbanizadora y política, se amplía. El cambio de sistema electoral que establece la Constitución Argentina de 1994 es ilustrativa en este sentido: al reemplazar la reelección indirecta del presidente y vice por el sistema de elección directa, rompe el equilibrio entre los estado federales mas o menos poblados, pero se corresponde a una práctica histórica que hace del ganador en términos nominales y nacionales de la elección, quede automáticamente consagrado, reforzando la idea de una Democracia plesbicitaria. El traslado de la capital de Brasil de Río de Janeiro a Brasilia, se correspondió con una visión no solamente federal, sino de una concepción del Estado/Nación cuyo rol integrador prevaleció sobre el riesgo de una hiperconcetracion de poder, trabajo, producción y riqueza. La soberanía absoluta del Estado/Nación es compartida entre el Estado central y los Estados federales, entre el gobierno central y los gobiernos federales. Los estados federados son soberanos en sus orígenes y producen una delegación de poderes en el Estado central, reservándose otros (económicos, políticos y culturales) de modo que la soberanía absoluta y perpetua esta condicionada en el Estado/Nación federal por su origen. 156 brasil-argentinaFIM.pmd 156 5/2/2004, 11:02 No solo carece de metagarantes, sino que se sostiene en un pacto político que obtiene rango constitucional y una vez en ejecución no puede cancelarse. En este contexto la delegación de soberanía que un Estado/Nación realice en función de alguna forma de integración supra estatal (o supra nacional) solo es posible lógicamente si la práctica política y jurídica se aparta de una concepción absoluta de la soberanía y asume una visión y un comportamiento que registre el cambio más importante producido por la modernidad en las sociedades civiles: la referencia a la razón tolerante. Si Bodin, reclamaba un poder absoluto como garantía de tolerancia, la tolerancia reconocida como necesidad / virtud, como condición del nuevo orden planetario, debe pensarse que un nuevo concepto relativo de soberanía se impone. Es nuestra próxima tarea. 157 brasil-argentinaFIM.pmd 157 5/2/2004, 11:02 brasil-argentinaFIM.pmd 158 5/2/2004, 11:02 SOBRE A CULTURA POLÍTICA brasil-argentinaFIM.pmd 159 5/2/2004, 11:02 brasil-argentinaFIM.pmd 160 5/2/2004, 11:02 LA NUEVA ARGENTINA Y LA VIEJA ARGENTINA. UNA MIRADA AL SIGLO XX. Luis Alberto Romero1 La crisis argentina, de una profundidad sin precedentes, tiene hoy para nosotros algo de inconmensurable e indescriptirle: problemas que nos parecían claves hasta ayer mismo, hoy han sido desplazados por otros, más urgentes y a la vez más profundos. No confío en poder superar ese obstáculo: escribir desde el fondo de un pozo seguramente achata la perspectiva. Intentaré aquí explicarla, de modo sin duda parcial, a partgir de un examen de los procesos históricos del largo siglo XX. He elegido hacer una presentación estilizada de algunos procesos políticos, sociales y económicos, tomando un punto quiebre: el año 1976, que en esta versión separa la vieja Argentina de la nueva. He optado por esta alternativa, desechando otro análisis igualmente relevante: buscar en el proceso anterior a 1976 las raíces de esa gran transformación. En beneficio de la estilización, he suprimido matices y transiciones; hablaré de la Argentina en general, sin hacer hincapié en las diferencias regionales, y de tendencias, sin referencias a los ciclos y coyunturas, indispensables en otro tipo de análisis.2 I. LA VIEJA ARGENTINA, 1880-1876 1. La Argentina tuvo una economía próspera Esa tendencia secular fue el resultado de la articulación de distintos ciclos de crecimiento. El primero, entre 1880 y la Primera Guerra Mundial, se sustentó en la exportación de carne y cereales. Hubo un óptimo aprovechamiento de las ventajas naturales de las praderas 1 Universidad de Buenos Aires. CONICET. Este trabajo se basa en investigaciones realizadas con el apoyo del programa UBACYT y de la Fundación Antorchas. 2 Para un presentación más propiamente histórica de estos argumentos me permito remitir a mi Breve historia contemporánea de la Argentina (2da ed. Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2000), y sobre todo a la excelente bibliografía en que se apoya, allí citada. 161 brasil-argentinaFIM.pmd 161 5/2/2004, 11:02 pampeanas y de las circunstancias de la economía mundial: consolidación del mercado, necesidades de alimentos, disponibilidad de capitales y de mano de obra europea dispuesta a emigrar. Como se dirá, el Estado hizo lo necesario para la confluencia de estas circunstancias. La economía agraria para la exportación creció de manera espectacular, y sus beneficios se repartieron entre los inversores extranjeros, los productores e intermediarios locales, las economías urbanas y hasta las provincias no favorecidas. Creció sobre todo la industria – elaboración de materias primas y manufacturas sencillas para el mercado interno – que siguió los ritmos de la economía exportadora. Las dos guerras mundiales, y en el medio la crisis de 1929, marcaron el fin de esta etapa de crecimiento fácil y la incorporación a un mundo más complejo, caracterizado por los relaciones simultáneas con Gran Bretaña y Estados Unidos, la escasez de inversiones, la administración de las divisas, el déficit presupuestario. Aprender a manejarse en ese mundo no fue fácil, lo que explica en parte las dificultades del primer gobierno radical. La crisis de 1929 fue dura, pero benigna en términos relativos. El país se recuperó con rapidez y a mediados de la década de 1930 inició un nuevo ciclo de crecimiento, basado en el mercado interno y en la sustitución de importaciones industriales, aunque sustentado en el comercio exterior. La base para este crecimiento – la existencia de consumidores e industriales – había sido establecida en la etapa interior. La Segunda Guerra Mundial mejoró aún más las condiciones para este camino, que la acción estatal profundizó durante el peronismo. Beneficiados con ingresos de origen agrario, industriales, trabajadores y consumidores crecieron a pasos parejos. La crisis de 1952 mostró las limitaciones de este modo de crecimiento por sustitución de importaciones: debilidad agraria, ineficiencia industrial, escasa capitalización. También señaló el comienzo de un nuevo rumbo en política económica, completado y profundizado en 1958 y en 1967. Consistió en recurrir a las empresas de capital extranjero y concederles ventajas – privilegios fiscales, mercados cautivos – para el desarrollo de las ramas industriales complejas: petróleo y petroquímica, siderurgia, automotores. El nuevo ciclo, que culminó a principios de los setenta, se caracterizo por un espectacular crecimiento de la industria y del campo, que recuperó el tiempo perdido 162 brasil-argentinaFIM.pmd 162 5/2/2004, 11:02 desde 1914. También fue característica la fuerte desigualdad, entre regiones y entre ramas de la economía, y la liquidación de una buena parte del sector industrial menos eficiente, que había prosperado en la etapa anterior. Pero a la larga, los beneficios de ese crecimiento alcanzaron a un sector significativo de las empresas nacionales, que maduraron y pudieron desenvolverse razonablemente bien dentro de los estándares establecidos por las extranjeras. En suma – otra vez, visto desde el pozo actual – hubo en esta centuria una tendencia al crecimiento, y en el tramo final, una economía con problemas pero fuerte y con alternativas.3 2. La Argentina tuvo una sociedad abierta, móvil y democrática La tendencia sostenida del crecimiento económico creó – en términos de tendencia – permanentes oportunidades para la incorporación social. Fue inicialmente la inmigración externa: los italianos y españoles de la primera fase, y también los “turcos” (en general balcánicos) de la segunda. Desde 1930 fue la inmigración interna, atraída a las ciudades por la demanda industrial: los que venían de la “pampa gringa” primero, y más tarde los del Interior tradicional, identificados como “cabecitas negras”. Desde la década de 1950 o 1960 se sumaron los migrantes de países limítrofes, así como contingentes menores pero muy visibles provenientes del Lejano Oriente. La incorporación consistió inicialmente en tener empleo. Globalmente, y sin considerar ciclos y crisis, hubo trabajo para todos. Luego de 1955, cuando avanzan los procesos de racionalización laboral, el mantenimiento de la fuente de trabajo – el pleno empleo – se convirtió en la reivindicación principal de los trabajadores. A partir de esa base se abrían distintos caminos de ascenso. Uno consistió en acumular un poequeño ahorrro y pasar a trabajar por cuenta propia en el comercio o el pequeño taller; esta vía funcionó bastante bien hasta mediados de siglo y luego se fue estrechando. Otro camino pasó por llegar a poseer la casa propia, en alguno de los nuevos suburbios que se agregaron a las 3 Dos cuestiones están deliberadamente ausentes en esta síntesis: la cuestión de los ciclos y coyunturas, decisivos para entender la perspectiva y acción de los protagonistas, y el debate sobre el momento del comienzo del declive, la oportunidad perdida y otras similares, una pregunta que ha dado lugar a iluminadoras interpretaciones. 163 brasil-argentinaFIM.pmd 163 5/2/2004, 11:02 ciudades. La vivienda, de material, era la base de un hogar establecido, modelo aceptadp para la incorporación de los sectores en ascenso. También significaba participar en una empresa colectiva: la transformación del espacio rural en urbanización, como ocurrió con los barrios de las ciudades en las décadas posteriores a 1920, o de manera algo distinta en los asentamientos de emergencia en los ’60. El otro gran mecanismo de ascenso fue la educación. La expansión del sistema educativo fue prioridad para todos los gobiernos: la “oligarquía”, el radicalismo y el peronismo. La educación fue el instrumento por excelencia para la incorporación en todos sus sentidos: de ella dependían tanto la posibilidad de un buen empleo como la convicción de pertenecer a una nación cuyos significados simbólicos se aprendían allí. Sobre esas bases se desarrollaron luego los restantes “derechos sociales”: salario justo, jubilación, salud, vacaciones y todo aquello que constituía el “bienestar” de la sociedad. La posibilidad de gozar de esos beneficios hizo que, durante mucho tiempo, los hijos habitualmente estuvieran en una situación mejor que sus padres, o aspiraran a ello y construyeran su vida en función de esa aspiración.4 Es difícil entender la sociedad argentina en términos de distintas “culturas de clase”. En cambio, operó una ideología espontánea, no teorizada, surgida de la experiencia y asentada en el sentido común: la de la movilidad social. Como señaló José Luis Romero5 , la ideología de la “justicia social”, ampliamente implantada por el peronismo, no contradijo aquella sino que la confirmó: puesto que cada individuo tenía derecho a mejorar su posición personal, el Estado concurría a solucionar los problemas iniciales de los menos favorecidos, para que luego cada uno hiciera su experiencia. Fue en suma una sociedad móvil, donde los ascensos predominaron por sobre los descensos y conformaron la imagen aceptada. En las décadas iniciales perduró un sector que no fue afectado 4 No ignoro que hubo perdedores (por ejemplo los tres millones de inmigrantes que retornaron entre 1880 y 1930, sin poder establecerse). Quiero decir que el número de los ganadores fue tal, que definieron la imagen de la sociedad, las expectativas y los comportamientos. 5 José Luis Romero, Latinoamérica, las ciudades y las ideas. 2da ed., Buenos Aires, Siglo Veintiuno Editores, 2001. 164 brasil-argentinaFIM.pmd 164 5/2/2004, 11:02 por estos procesos. Se trata de la así llamada “oligarquía”, que se mantuvo en la cima de la sociedad por razones no solo económicas, sino también de familia, educación, prestigio y consideración. Sin embargo, esta elite era en realidad mucho más abierta y móvil de lo que indicaba su propia imagen. Pero finalmente el proceso de esta sociedad móvil y abierta terminó diluyendo ese fragmento de “Antiguo Régimen”, que después de la experiencia peronista perdió significación. Desde entonces, las elites surgieron principalmente sobre la base del mérito, así fuera el del estraperlista hábil o el sindicalista corrupto. No se quiere decir que fuera una sociedad de iguales, sino que en ella había gradaciones y no cortes tajantes, y que las diferencias no estaban consolidadas en términos de nacimiento, de tez o siquiera de apariencia. Fue una sociedad de masas de clases medias.6 Este término, que ha sido ampliamente utilizado en los análisis sociológicos, es poco útil si se considera a la “clase media” como un segmento de la sociedad, con atributos deducibles de su posición intermedia. Es sugestivo si se lo considera desde la perspectiva de una sociedad móvil, donde cada uno de sus miembros está de alguna manera en tránsito. En las dos décadas anteriores a 1976 ya era visible que ese tránsito era cada vez más lento, e inclusive que el carril de retorno se ensanchaba. Desde mediados de la década de 1960 fue visible que un título universitario estaba lejos de garantizar una buena posición social; que el obrero altamente calificado difícilmente se convertiría en pequeño tallerista, y que la anhelada casa propia ya no era una de las que en 1920 se llamaban “casas baratas” (dos plantas, techo de tejas, pisos de roble de Eslavonia), sino una casilla mejorada. Como se verá, estos cambios se relacionan con una mayor crispación en los conflictos sociales. 3. La Argentina tuvo un Estado potente En las décadas anteriores a 1914 el Estado “liberal” no solo completó el montaje de las instituciones relativas al establecimiento de la ley y el orden; también tuvo una activa participación en la 6 La expresión en Manuel Mora y Araujo, “Las clases medias consolidadas”, en José Luis Romero y Luis Alberto Romero, (directores), Buenos Aires, historia de cuatro siglos. 2da ed., Buenos Aires, Altamira, 2000. Sobre la “oligarquía”, véase allí mismo: Francis Korn, “La gente distinguida”. 165 brasil-argentinaFIM.pmd 165 5/2/2004, 11:02 transformación de la economía. Instrumentó el traspaso de la tierra pública a manos privadas, a bajo costo y en grandes extensiones; garantizó las inversiones extranjeras y se endeudó para realizar obras públicas; promovió activamente la inmigración; apoyó a los inversores locales con una política crediticia generosa y emitió moneda de manera poco ortodoxa. Desarrolló con éxito un vasto y costoso programa de educación básica y media, destinado a formar, a la vez, trabajadores y ciudadanos. Encaró una vigorosa política de nacionalización, a la que concurrieron el sistema educativo y el Servicio Militar Obligatorio, para afrontar el desafío de una sociedad con nacionalidades heterogéneas, consolidar su lealtad al Estado y fortalecer su soberanía. Finalmente, formó una burocracia especializada en el análisis de los problemas, y preparada para intervenir en su solución. La Primera Guerra Mundial y el advenimiento de la democracia política empujaron el desarrollo de nuevas funciones. Al principio hubo tanteos y aprendizaje. Luego de la crisis económica de 1930, muy rápidamente, se montaron las instituciones necesarias para la dirección de la economía: el Banco Central, las Juntas Reguladoras, el control de cambios, los sistemas arancelarios, un financiamiento del Estado independiente de los ciclos del comercio exterior. En la segunda posguerra, durante el gobierno peronista, las funciones de intervención aumentaron: nacionalización del crédito bancario y de las empresas de servicios públicos y una presencia mucho más activa en la redistribución de ingresos, del agro a la industria y de los empresarios a los trabajadores. Por otra parte, bajo la bandera de la “justicia social” se desarrollaron las instituciones propias del Estado de Bienestar – en una de sus versiones – , a través de las cuales se garantizaron los derechos sociales. Sobre todo, el Estado se involucró plenamente en la regulación de la conflictividad social y en la instrumentación de mecanismos para su concertación. Caído el peronismo, el Estado no retrocedió en ninguna de estas funciones de intervención y regulación. Luego de 1955, además del manejo rutinario del aparato heredado – por ejemplo, el control del ciclo económico, la concertación de los conflictos laborales – se desarrollaron ambiciosos proyectos de transformación o de incidencia en la marcha general del proceso económico. Así ocurrió con Arturo 166 brasil-argentinaFIM.pmd 166 5/2/2004, 11:02 Frondizi y su propuesta “desarrollista”, y con el general Onganía (y su ministro Krieger Vasena) y el fuerte impulso al sector empresarial más concentrado y “eficiente”; ambas políticas incluían propuestas correlativas en lo social y lo político. Por entonces, luego de 1955, había un Estado potente pero con signos de debilidad. La hegemonía norteamericana, la inclusión de la Argentina en la “guerra fría”, que la obligó a asumir el problema de la “seguridad interior”, y por otra parte la presencia recurrente del Fondo Monetario Internacional para solucionar los problemas cíclicos de la economía indican una reducción importante de la autonomía estatal. La legitimidad de quienes gobernaban el Estado resultó muy cuestionada por su origen en golpes militares o, cuando provenían de elecciones, por la proscripción del peronismo. La interpenetración de intereses corporativos y públicos – de la que se hablará en el próximo punto – debilitó la unidad de acción del Estado y fraccionó a su burocracia en segmentos relativamente independientes. El deterioro salarial, las secuelas del faccionalismo político y el clientelismo redujeron la calidad de la burocracia estatal. Como se dirá, la reconstrucción del Estado fue el centro de la propuesta de Juan Domingo Perón en 1973: orden, monopolio de la fuerza, dirigismo económico, concertación social. Por entonces, todavía era imaginable la recuperación de la potencia del Estado. 4. Conflictividad social: las corporaciones y el Estado Una parte de los conflictos de esta sociedad se debió a su carácter abierto y democrático, a la sucesiva y brusca irrupción de los grupos nuevos y la resistencia de los ya instalados. Se manifestaron sobre todo como conflictos culturales: “oligarcas” y “descamisados”; quienes creían en el respeto y la deferencia debida contra los que reclamaban la igualdad y el derecho a la ciudad. Estos conflictos desaparecieron al promediar la centuria, con la ya mencionada licuación de la “oligarquía”. Los conflictos de intereses, atenuados por la tendencia general de la economía próspera y la sociedad abierta, tuvieron en cambio agudeza cíclica y tendencia al crecimiento. Fueron más fuertes durante la crisis de la primera posguerra; volvieron a crecer en intensidad en la 167 brasil-argentinaFIM.pmd 167 5/2/2004, 11:02 década anterior a 1945, reaparecieron luego de 1955 y se agudizaron a partir de 1969. Sin embargo, siempre estuvieron imbricados con una fuerte tendencia a la negociación. Los intereses se definieron en el marco de diversas asociaciones. Desde fines del siglo pasado, fue llamativa la capacidad de la sociedad argentina para generarlas, sobre todo aquellas que apuntaron a la ayuda mutua y la defensa de los intereses de sus miembros. Hubo mutuales de tipo étnico, cooperativas, sociedades de fomento vecinal, profesionales, y en menor medida patronales, de evolución más tardía. Finalmente las más importantes resultaron las sindicales. Desde 1920 el sindicalismo de acción, de orientación anarquista, fue desplazado por el de organización, que durante mucho tiempo tuvo como modelo a los gremios ferroviarios. En la década de 1930 la sindicalización fue impulsada por el crecimiento industrial, y luego de 1943 por estímulo del Estado, a través de la Secretaría de Trabajo y Previsión. En 1945, los sindicatos tenían ya peso suficiente como para ser decisivos en la llegada al poder de Juan Domingo Perón. En el marco de las asociaciones se definieron los intereses sectoriales conflictivos. Tempranamente se apeló al Estado para que definiera las reglas, regulara los conflictos y garantizara los logros, franquicias y privilegios de cada corporación. Esa apelación coincidió con el avance del Estado, para controlar y regular los distintos espacios de la sociedad. Así, el crecimiento del movimiento corporativo acompañó, pari passu, el desarrollo del Estado. Tomemos un caso: las “sociedades de fomento” surgidas espontáneamente en los barrios de Buenos Aires para mejorar las condiciones del hábitat (aceras, iluminación, vigilancia, escuela). Estas sociedades pronto aprendieron a gestionar ante el Estado y a establecer vínculos con la parte pertinente: el empleado, el funcionario, el concejal. Ante la proliferación de demandas, desde los años ’20 el gobierno municipal reglamentó la existencia y funcionamiento de las sociedades de fomento, creó el mecanismo del “reconocimiento” que las habilitaba para gestionar y dividió la ciudad en sectores o “radios”: en cada uno, solo sería reconocida una sociedad fomentista. Algunas quedaron marginadas, o se dedicaron a otra cosa. Lo más importante es 168 brasil-argentinaFIM.pmd 168 5/2/2004, 11:02 que, donde no las había, el reglamento las hizo surgir, estimuladas pero a la vez controladas por el Estado. Mutatis mutandis, fue la historia de prácticamente todo el movimiento asociativo organizado para defender intereses, y también la de los sindicatos. En la década de 1930 hubo esbozos de regulación y de concertación estatal, y desde 1943 el Estado se volcó a resolver por esa vía lo que proclamaba una amenaza para el orden social. La promoción de la sindicalización se acompañó del reconocimiento del peso gremial y político de los sindicatos. La norma legal determinó la existencia del sindicato único por rama de industria, la “personería gremial” otorgada por el Estado y el descuento de la cuota sindical por planilla. En los diez años de gobierno peronista, el gobierno intervino ampliamente en la conformación de las direcciones sindicales, desplazando a aquellos dirigentes que querían mantener una acción política o gremial independiente. Durante el gobierno peronista los conflictos de intereses fueron firmemente controlados por el Estado.7 Pero no fue solo verticalismo: los sindicatos participaron en la definición de las políticas estatales. Un buen ejemplo de este balanceo e interpenetración es el fracaso del proyecto gubernamental de seguro de salud único, bloqueado por los sindicalistas en favor de las incipientes “obras sociales”, que tomaban como modelo el Hospital Ferroviario.8 Cada sindicato tendría, a la larga, los beneficios sociales que pudiera pagarse con los aportes de sus afiliados o con las contribuciones patronales que pudiera negociar. El Estado se plegó ante el vigor del interés corporativo, pese a que este régimen no equitativo ponía en cuestión la propuesta de la “justicia social”. Luego de la caída de Perón en 1955 hubo cambios importantes 7 La “Comunidad Organizada”, una concepción organicista formulada por Perón, extendió al conjunto de la sociedad, al menos idealmente, este modelo de organización corporativa, y le agregó un ingrediente político ideológico: la unanimidad en torno de la “doctrina nacional justicialista”. 8 A principios de la década de 1940 la Unión Ferroviaria, modelo de sindicato gestionado por socialistas, había construido su Hospital Ferroviario. Desde 1943 obtuvo de Perón concesiones varias: afiliación obligatoria de todos los trabajadores ferroviarios y descuento automático por planilla. El ejemplo cundió, y muchas organizaciones, sobre todo de trabajadores estatales, reclamaron un régimen similar, lo que hizo fracasar el proyecto de seguro de salud impulsado pro el ministro Ramón Carrillo. Sobre el tema, Susana Belmartino, “Las Obras Sociales. Continuidad o Ruptura en la Argentina de los años ’40.” En Mirta Lobato (ed.), Política, Médicos y enfermedades. Buenos Aires, Biblos 1996. 169 brasil-argentinaFIM.pmd 169 5/2/2004, 11:02 y continuidades sustanciales. Liberada del lazo político, la conflictividad social creció, impulsada por las políticas de racionalización capitalista ya mencionadas, que trajeron recortes en el poder sindical, retroceso en los ingresos y reducción del empleo. Se sumó la proscripción política del peronismo, que le dio a la resistencia gremial una bandera y una identidad política de gran capacidad de agregación. Hubo otro salto notable en 1969, luego del Cordobazo, tanto por la aparición de un tipo de organizaciones sindicales “antiburocráticas” y “clasistas” como por la fácil agregación –bajo la consigna de la resistencia al imperialismo y la dictadura- de reclamos provenientes de los más variados intereses sociales, en un contexto “revolucionario” del que se hablará luego. El crescendo en la conflictividad culminó poco antes de 1976. Junto con este hilo de la historia, espectacular y heroico, hay otro menos visible pero igualmente importante. Luego de 1955 el Estado mantuvo los resortes para intervenir en la economía y en la sociedad. A la sombra de su capacidad de regular y de conceder franquicias – que aumentó con la política “desarrollista” – se fortalecieron las corporaciones: las sindicales – recuperaron la ley que regulaba sus privilegios – , las profesionales, que avanzaron en la colegiación, o las patronales, desagregadas para la defensa de intereses sectoriales y agregadas para los grandes combates sobre políticas estatales. Además de fijar el rumbo general, el Estado adoptó permanentemente decisiones coyunturales, para enfrentar los ciclos económicos (devaluaciones, retenciones y gravámenes), que pusieron a las corporaciones en estado de permanente movilización, para presionar, defender y negociar. Como se verá, el deterioro del escenario específicamente político trasladó el grueso de la negociación social a la puja entre corporaciones. El Estado se fue desgarrando en esta puja y no pudo defender un interés general que trascendiera los intereses corporativos. Retomando el ejemplo anterior, en 1970 el Ministerio de Bienestar Social extendió el sistema de obras sociales: todo trabajador debía aportar obligatoriamente a la de su sindicato. Según sus recursos, las habría ricas y pobres. Los dirigente sindicales recibieron una prebenda inmensa (desde entonces los fondos de las obras sociales financian las actividades gremiales y políticas y alimentan una vasta corrupción), cuya defensa pasó a ser el objetivo primero de la militancia sindical. Lo curiosos es 170 brasil-argentinaFIM.pmd 170 5/2/2004, 11:02 que la decisión bloqueó el proyecto de creación de un seguro social único, que la Secretaría de Salud Pública negociaba con la corporación de los médicos. Un segmento de la burocracia estatal, en acuerdo con los dirigentes sindicales, logró un triunfo a costa de otro segmento, que negociaba con la otra corporación implicada. Médicos y sindicalistas compitieron en el seno de un Estado que sacrificaba su autonomía y se convertía en el premio mayor de la lucha.9 La relación entre el interés general y los intereses corporativos se manifestó también en la compleja interacción entre el Gobierno nacional y los provinciales. Su origen se remonta a la consolidación de un centro político con base en el Litoral próspero, a fines del siglo XIX, que se acompañó con variados subsidios a provincias pobres pero con peso político. Así, se protegieron las industrias del azúcar y del vino en Tucumán y Cuyo; los empleos públicos nacionales beneficiaron a los sectores educados locales; dirigentes provinciales complementaron su carrera política capitalina con el enriquecimiento, por ejemplo aprovechando los créditos de bancos estatales. Todas esas líneas se desarrollaron ampliamente a lo largo del siglo. Con el crecimiento del Estado se multiplicaron oficinas y establecimientos; cada uno significó empleos, tanto más importantes cuanto más pobre era la provincia, convertidos en prenda para el intercambio entre poderes nacionales y provinciales. En 1932 se estableció el sistema de coparticipación impositiva federal, y se asignó a cada provincia una porción fija de lo recaudado, en función de sus necesidades. La proporción asignada fue otra de las cuestiones a negociar entre el gobierno nacional y las provincias. Se estableció un criterio de equidad pero a la vez se disoció la función de recaudación de la de ejecución y gasto; libres de responsabilidad y control, los gobiernos provinciales pudieron hacer un uso libre del presupuesto provincial con fines de patronazgo. También desde 1930 se generalizó la protección de las economías regionales: el algodón, la yerba mate o el tabaco. Desde 1958 se generalizó la promoción de actividades industriales, mediante la exención impositiva; el mecanismo servía tanto a las grandes empresas 9 Susana Belmartino, “Transformaciones Internas al Sector Salud: la ruptura del pacto corporativo”. En Desarrollo Económico. N° 137, Buenos Aires, 1995. 171 brasil-argentinaFIM.pmd 171 5/2/2004, 11:02 como a las provincias menos favorecidas, donde se abrirían nuevas fuentes de empleo. Todos estos mecanismos, que implicaban la transferencia de fondos del presupuesto nacional a los estados provinciales, eran objeto de negociaciones políticas complejas, donde era factible el intercambio de favores. Los intereses tenían sus representantes en el seno mismo del gobierno. En los períodos de normalidad institucional estas negociaciones se desarrollaron principalmente en el Congreso, y sobre todo en el Senado, una institución clave en el juego de los poderes, donde cada provincia tenía dos representantes. En los períodos militares los gobernadores designados se hicieron cargo con naturalidad de la gestión de estos intereses. En suma: centralidad de la puja corporativa, fragmentación e inequidad de los derechos sociales, y debilitamiento de un Estado con alta capacidad de intervención y poca fuerza para definir un rumbo. 5. La democracia ilusionó, pero las instituciones democráticas fueron débiles Desde 1853 la Constitución había establecido el sufragio universal masculino. Sin embargo, la participación electoral fue baja – inclusive considerando solo a los varones nativos – y en general fueron los gobiernos quienes hicieron las elecciones, con un sistema que desde 1880 redujo al mínimo la competencia entre máquinas electorales. Por otra parte, la práctica del gobierno acentuó un rasgo ya marcado por la Constitución: la autoridad del Presidente, cabeza indiscutida del sistema institucional y del partido de gobierno. Este ejercicio de la autoridad coincidió con la amplia vigencia de las libertades civiles y con la existencia de un activo espacio público de debate. En 1912, la reforma política impulsada por el presidente Sáenz Peña incorporó el carácter secreto y obligatorio del voto, el uso del padrón militar y un sistema de representación de mayoría y minoría. Como casi todos los países por entonces, la Argentina avanzó en la democratización de la vida política combinando lo conseguido por las demandas de participación y lo concedido por las elites gobernantes. 172 brasil-argentinaFIM.pmd 172 5/2/2004, 11:02 En la ecuación pesó aquí mucho más lo concedido,10 y más aún, lo obligado: hubo un imperativo estatal para la transformación de habitantes en ciudadanos, que el presidente Sáenz Peña expresó con el imperativo “Quiera el país votar”. Como ha explicado Natalio Botana,11 más que por la exigencia de la minoría disidente, que existió, la reforma se explica por procesos internos de la propia elite: la ruptura de la unidad, la preocupación por la legitimidad, la búsqueda de la integración de la sociedad en torno del Estado y la creencia en la potencia regeneradora de la competencia electoral, que concluiría, en sus erróneos cálculos, con la inclusión de un tercio minoritario. De allí en más, la imposición se transformó en aceptación. La sociedad comenzó el entusiasta aprendizaje de la democracia, y la construcción de un imaginario democrático que iba a soportar sin fisuras muchas confrontaciones poco halagüeñas con las prácticas de la democracia realmente existente. Las identidades políticas que se constituyeron desde entonces – la radical, y la peronista luego – tuvieron un arraigo y una fuerza singulares que trascendió lo electoral, al punto que muchas de las prácticas sociales se politizaron profundamente.12 En una sociedad diversa, los aprendizajes de la práctica democráticas fueron variados pero concurrentes. En las provincias tradicionales fue más superficial: las identidades políticas nacionales se adecuaron al cuadro de las luchas facciosas locales, y los gobiernos siguieron decidiendo las elecciones, sobre todo mediante el patronazgo, los empleos públicos u otro tipo de dádivas, distribuidas con más generosidad cuando lograban financiarlas con recursos aportados por el presupuesto nacional. En general, la identidad política se asoció con líderes, imágenes y signos identitarios: desde el mate o el pañuelo con la figura de Yrigoyen –frecuentemente asimilado con un santón o con el mismo Jesús – hasta el retrato de Perón y 10 Al respecto, debe matizarse la versión –más bien un relato de identidad- que asigna un papel primordial a la acción de la Unión Cívica Radical (UCR), como vocero de un extendido reclamo de participación; hasta los primeros años del siglo XX la UCR fue un partido de dimensión reducida, que creció rápidamente luego de que la ley abrió la perspectiva electoral. 11 Natalio Botana, El orden conservador. La política argentina entre 1880 y 1916. 2ª ed., Buenos Aires, Sudamericana, 1994. 12 Esto ocurrió ya antes del peronismo: el señor Guereño, un fabricante de jabón, que a la vez era dirigente político, presidente de una sociedad de fomento y de un club de fútbol, esperaba aumentar sus ventas con un jabón de marca “Radical”. 173 brasil-argentinaFIM.pmd 173 5/2/2004, 11:02 Evita, la “marcha peronista” o fórmulas abstractas pero convocantes como “Apoye el Segundo Plan Quinquenal”. Por otra parte, las asociaciones civiles resultaron verdaderas “escuelas de la democracia”.13 En mutuales, clubes deportivos, y sobre todo en sociedades de fomento, bibliotecas populares y cooperativas hubo un aprendizaje de la participación: hablar en público, escuchar, proponer, consensuar, liderar, seguir. Estas prácticas espontáneas confluyeron con una corriente cultural, originada en los sectores intelectuales “progresistas” (los socialistas fueron los más visibles), que difundieron ampliamente las ideas y valores propios del “ciudadano educado”, consciente, responsable y conocedor de los problemas sociales y políticos y de las alternativas. Su rastro puede seguirse desde la década del veinte hasta la del cincuenta, cuando el peronismo impuso otros ámbitos de socialización y otro modelo de ciudadano. En el mismo proceso, la política de partidos y la construcción de las maquinarias electorales, que permitía iniciar desde abajo un cursus honorum, conformó una nueva vía para la “aventura del ascenso”, que como se señaló constituye el rasgo más característico de esta sociedad. Así, las nuevas actividades ciudadanas se entrelazaron con las prácticas sociales y se potenciaron recíprocamente. En ese sentido, relacionado con la participación, la democracia fue un valor y una ilusión, que se mantuvo firme aún en períodos de prácticas electorales fraudulentas. En 1931 el presidente Uriburu, especulando con el gran desprestigio de la derrocada UCR, jugó a una elección su proyecto corporativista (un dato de por si significativo) y recibió un contundente rechazo. En 1936, en pleno “fraude patriótico”, la bandera de la democracia unificó al menos transitoriamente un difícil “frente popular”; los sindicatos comunistas y socialistas invitaron al ex presidente Alvear, jefe de la UCR, a participar en el acto del 1º de Mayo como “obrero de la democracia”. En 1946, en una elección decisiva y singularmente limpia, la Unión Democrática reunió las voluntades de algo menos de la mitad del electorado; contra ellos, Juan Domingo Perón, triunfador en la ocasión, levantó a su vez la bandera de la “democracia real”. 13 Leandro Gutiérrez acuñó la fórmula “nidos de la democracia”, que desarrollamos en varios trabajos. Véase Leandro H. Gutiérrez y Luis Alberto Romero, Sectores populares, cultura y política. Buenos Aires en la entreguerra. Buenos Aires, Sudamericana, 1995. 174 brasil-argentinaFIM.pmd 174 5/2/2004, 11:02 Estos ejemplos de fervor cívico son llamativos en tanto la práctica democrática no se había traducido hasta entonces en instituciones representativas eficientes. En parte puede atribuirse a la insuficiencia de la “revolución democrática” de 1916, la ya mencionada persistencia de amplios bolsones de “política criolla”, no beneficiados por la regeneración política, y luego de 1930 a la práctica sistemática del fraude electoral, que algunos presentaron como virtuoso. Pero hay algo más. Entre 1916 y 1955 la Argentina tuvo dos grandes experiencias democráticas, la radical (1916-1930), signada por la figura de Hipólito Yrigoyen, y la protagonizada por Juan Domingo Perón (1946-1955). Las credenciales democráticas respectivas son inobjetables, tanto en lo que hace a lo electoral como a su notoria popularidad: es difícil negar que ambos dirigentes encarnaron el ideal de la “voluntad popular”. No se discute aquí si desarrollaron o no una política “de interés popular”. Se señala, en cambio, que uno y otro hicieron poco por construir instituciones democráticas en el sentido liberal y republicano, en las que en realidad creían poco. Un primer dato es la escasa relevancia que para ambos tuvo el Parlamento. Durante la presidencia de Yrigoyen una mayoría normalmente opositora se opuso a casi cualquier iniciativa presidencial, pero a su vez Yrigoyen, desde el primer día de su gobierno, decidió ignorarlo. Con Perón el gobierno tuvo amplia mayoría en las dos Cámaras, no había bloqueo, pero el Parlamento se limitó a aprobar las iniciativas del Ejecutivo. Desde 1958 el presidente Frondizi – una suerte de alma en pena, a merced de los militares y los gremialistas – , pese a disponer de una amplia mayoría parlamentaria, no consideró la posibilidad de apelar a esa institución para paliar en algo su inmensa horfandad política. En suma, lo que debía ser el centro de la política democrática, la discusión y el acuerdo en el Parlamento, nunca jugó un papel importante. En cambio la autoridad presidencial, potenciada por la figura del caudillo de masas, creció aún más. A medida que la organización del Estado se hacía más compleja, un numero mayor de funciones dependían directamente del vértice presidencial. La imbricación entre Estado y partido de gobierno continuó avanzando hasta extremos asombrosos.14 Más 14 En los diagramas del Movimiento Peronista que a Perón le gustaba diseñar (aunque raramente ejecutar), en cada instancia de decisión la autoridad política correspondía al encargado respectivo de la administración estatal: el gobernador en el nivel provincial, el intendente en el local; la posibilidad de que alguna intendencia o gobernación fuera ganada por un partido opositor no estaba contemplada. 175 brasil-argentinaFIM.pmd 175 5/2/2004, 11:02 en general, el radicalismo, y luego el peronismo se definieron como “movimientos”, que encarnaban la representación del pueblo o de la nación, investidos con la misión de regenerar la sociedad, y no como partidos que hacen parte de un conjunto. Se trataba de un pensamiento democrático en estado puro, sin pizca de contaminación con la tradición liberal; no habría razonado de otro modo la mayoría de los revolucionarios de 1789 o 1792. Ciertamente, la distancia entre los enunciados y las prácticas era grande; no fue lo mismo Yrigoyen que Perón, ni tampoco Perón obraba siempre de manera consecuente con esas ideas. Pero aún sin pasar a los hechos, lo cierto es que un discurso político de ese tipo no asignó a la oposición un lugar legítimo, como no fuera el de enemigo de la patria o el del antipueblo: el “régimen falaz y descreído” de Yrigoyen o “la oligarquía” de Perón. En esos términos, la nueva política democrática fue tan facciosa como lo había sido la política del siglo XIX, y mucho más, potenciada por el imaginario de la política de masas. Lo verdaderamente asombroso es que ese faccionalismo se desarrollara en una sociedad donde los conflictos de intereses se desplegaban de una manera extremadamente mesurada. Juan Carlos Torre ha subrayado hace poco esta paradójica coexistencia entre una baja conflictividad social y una elevadísima conflictividad política y cultural.15 Este dato cambió rápidamente luego de 1955, y correspondió tanto a una agudización de la conflictividad social – se señaló en el punto anterior- como a una politización de los conflictos. Coincidieron luego de 1955 las políticas de racionalización capitalista con la simple revancha, institucionalizada en una decisión de enorme trascendencia: la proscripción del peronismo. Con ella comenzó la decadencia acelerada del imaginario democrático16. Cuanto más predicaban los herederos de la Revolución Libertadora acerca de la democracia y la libertad, más vacías resultaban las instituciones, deslegitimadas por la proscripción. Por otra parte, esa misma proscripción 15 Juan Carlos Torre y Elisa Pastoriza, “La democratización del bienestar en los años del peronismo”, en J.C. Torre (dir.). La época peronista. Nueva Historia Argentina, t. VII, Buenos Aires, Sudamericana, 2002. 16 Que todavía en 1955 había servido para unir a los antiperonistas de siempre con lo recientemente conversos, provenientes de un integrismo católico escasamente democrático. 176 brasil-argentinaFIM.pmd 176 5/2/2004, 11:02 contribuyó a galvanizar la identidad peronista y a nuclearla alrededor de quienes, ausente el líder, resultaron la única voz del “pueblo peronista”: los dirigentes sindicales. Su enorme poder en el escenario corporativo, que se mencionó antes, se nutrió de esa representación vicaria. La debilidad de las instituciones democráticas facilitó y justificó la presencia creciente de las Fuerzas Armadas, que pasaron del pretorianismo a la dictadura. Se hablará de esto en el próximo punto. Pero antes de 1966, la debilidad de las autoridades electas contribuyó al rápido desprestigio de la democracia, que fue total a medida que ese espacio de la ilusión era ocupado por la alternativa revolucionaria. Ésta se nutría de la experiencia cubana, la guerrilla latinoamericana, los movimientos estudiantiles, la prédica de los sacerdotes tercermudistas: lo propio del imaginario revolucionario consistió en hacer compatibles mensajes tan diversos, y en muchos aspectos inconciliables, y además en fundirlos con un reclamo menos reflexivo pero hondamente arraigado en la experiencia: la “vuelta de Perón”, panacea de todos los males. Carlos Altamirano ha mostrado hace poco que el imaginario revolucionario de los sesenta no se limitó al “campo popular” o a la izquierda, y que la experiencia protagonizada por el general Onganía puede explicarse perfectamente en términos de “revolución”.17 Lo cierto es que en 1966, cuando el general Onganía declaró suprimidos para siempre los partidos políticos y las elecciones y anunció que, al final del camino, se ensayaría otra forma de democracia, funcional y orgánica, nadie lo lamentó: ni los que creían en esa propuesta, ni los que esperaban conducir su ímpetu regenerador por otras vías, ni quienes, desde el campo popular y la izquierda, celebraron el fin del “opio burgués”. La dictadura militar y el imperialismo, encarnados en Onganía y Krieger Vasena, fueron los enemigos contra los que se construyó, desde 1968 o 1969, una amplia movilización popular. Su fecha de fundación fue el Cordobazo de 1969; la ola ascendente llegó hasta 1973, y con la llegada de Perón a la presidencia tuvo una inflexión, aunque conservó su vitalidad hasta quizás 1975. Fue un fenómeno social asombroso. Estaba ampliamente arraigada la certeza de que la sociedad ideal estaba 17 Carlos Altamirano, Bajo el signo de las masas (1943-1973. Buenos Aires, Ariel, 2001. 177 brasil-argentinaFIM.pmd 177 5/2/2004, 11:02 al alcance de la mano: la realidad era plástica y moldeable por la voluntad política, la diferencia entre los buenos y los malos era clara, tajante y concluyente, y sobre todo, lo más personal de la vida de cada uno se fundía con lo publico, en una realización que era individual y colectiva a la vez. La creatividad social de estos años fue notable, como lo fue la emergencia de la solidaridad, el sacrificio y otros valores igualmente estimables. La concreción política en cambio fue particularmente pobre. Un factor importante fue el deterioro del imaginario democrático. Entre tantas cosas que se pensaron para dar forma a ese inmenso caudal de voluntad participativa, las propuestas democráticas estuvieron ausentes. Otras, ofrecidas, fracasaron. Solo había lugar para una que combinara el imaginario “revolucionario” con la mítica aspiración a la vuelta de Perón. Es lo que logró Montoneros, una agrupación armada cuyo acto fundacional fue el asesinato del general Aramburu, jefe del golpe de Estado que había derrocado a Perón en 1955. A través de ellos llegamos a otra dimensión de la política. 6. Nacionalismo, dictadura, violencia Examinaremos el proceso político desde otra perspectiva. Aunque en el siglo XX no llegaron a formarse los “partidos de ideas” que preveía la reforma electoral, hubo grandes corrientes de ideas, que se manifestaron en la política. Una de ellas, que arranca de la Organización Nacional, articuló el liberalismo republicano con la democracia, la reforma social, el laicismo y el progresismo, que se mencionó más arriba. Fue un arco amplio, complejo y a menudo contradictorio, cuya unidad se advierte más bien, en relación con las manifestaciones extremas de la otra corriente, en la que el nacionalismo ocupó un lugar central. En las décadas finales del siglo XIX, la construcción de la nacionalidad fue una de las preocupaciones principales de la elite dirigente, preocupada por desarrollar mecanismos de identificación e integración de la sociedad en torno de un Estado que era, a la vez, el garante de los derechos individuales. Como ha explicado Lilia Ana Bertoni18 , se trataba de una nación de ciudadanos, en la que el vínculo 18 Lilia Ana Bertoni. Patriotas, cosmopolitas y nacionalistas. La construcción de la nacionalidad argentina a fines del siglo XIX. Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2001. 178 brasil-argentinaFIM.pmd 178 5/2/2004, 11:02 político, primordial, se robustecía con una adhesión emocional y valorativa a la “patria”. Tal preocupación, común a todas las culturas democráticas de entonces, era quizá más viva aquí debido al carácter aluvial de la sociedad, así como a la necesidad de fundamentar adecuadamente la soberanía internacional del Estado. Progresivamente, la cuestión de la nacionalidad se fue haciendo conflictiva. Al igual que en la mayoría de los países, en la Argentina se desarrolló una preocupación por encontrar un fundamento de la nación que estuviera más allá de las contingencias históricas y de la voluntad de los ciudadanos: un imperativo que definiera la unidad, y que surgiera de la raza, la lengua, el territorio (el “paisaje”, que destilaba esencias nacionales) o quizá de un pasado histórico mítico, sin fechas precisas, tal que en Mayo de 1810 la Nación ya estuviera, como Palas Atenea, lista para nacer, con lanza y casco. Ninguno de aquellos rasgos era evidente por si mismo, y en torno de su definición se libraron intensos combates, puesto que una u otra elección determinaba quien quedaba dentro del tronco principal de la esencia nacional y quien ocupaba un lugar marginal, residual o hasta antagónico: ¿el gaucho era un tipo residual y primitivo, o la esencia misma del ser nacional? La tentación de imponer el propio criterio por un acto de autoridad fue grande. La unidad nacional fue traumática, y paradójicamente, lo que debía ser prenda de unión se convirtió en fuente de inacabables querellas. En parte, esas querellas se manifestaron en la política democrática. Como se acaba de señalar, los dos grandes partidos democráticos asumieron ser la expresión no solo del “pueblo” sino también de la nación: el radicalismo fue la “causa nacional”, y la “doctrina justicialista” devino en “doctrina nacional”. Los adversarios políticos fueron no solo enemigos del pueblo sino de la misma nación, y la política se hizo inevitablemente facciosa. Las querellas también se expresaron fuera de la política de partidos, pues quienes se consideraban los intérpretes, voceros o custodios de “lo nacional” ubicaban esos intereses más allá y antes de la política partidaria, mera expresión de intereses particulares. Lo hicieron los nacionalistas de corte maurrasiano, que en 1930 animaron al general Uriburu. Pesaron poco. Más importancia tuvo la 179 brasil-argentinaFIM.pmd 179 5/2/2004, 11:02 incursión de la Iglesia Católica en la definición de lo nacional; lo hizo desde 1910, y con más dedicación en la década de 1930, hasta concluir que la Argentina era una nación católica y que la Iglesia, dedicada a “instaurar a Cristo en todas partes”, poseía la clave para resolver todos y cada uno de los problemas de la sociedad. Un trayecto similar recorrió el Ejército (y progresivamente, todas las fuerzas armadas y de seguridad, hasta los boy scout). Desde principios de siglo el Ejército se consolidó como institución y afirmó su presencia en la sociedad, cuyos miembros varones, jóvenes ciudadanos, debían pasar por sus filas. A la vez, definió su posición respecto de la Nación: el Ejército, que nació con la patria, era el custodio y el garante de los supremos intereses nacionales. Como ha mostrado recientemente Loris Zanatta19 , Ejército e Iglesia se vincularon y potenciaron, en torno a la noción de Nación católica, tan fuerte en 1943 como en 1966. Por otra parte, el Ejército incorporó las ideas de la soberanía económica y la autarquía y la defensa de los intereses estratégicos. Finalmente, asumió la doctrina de la seguridad interior. “Masones”, “cipayos” y “subversivos” fueron algunas, entre otras, de las denominaciones de los excluidos por cada una de estas definiciones de la identidad nacional. 1930 (todavía bastante parecido a 1890), 1943, 1955, 1966 y 1976 fueron los jalones del avance del Ejército hacia el centro del poder del Estado; en cambio, dos presidentes militares que fueron electos – Justo y Perón – decidieron que el Ejército se circunscribiera a sus tareas profesionales. En cada episodio, ese avance clausuró el escenario político, y a la larga lo corroyó insanablemente. En cambio, por acción u omisión, fortaleció el de la negociación corporativa. El avance de las concepciones integristas de la nacionalidad y de las dictaduras militares estuvo acompañado de una presencia creciente de la violencia en la política. Ciertamente, nunca estuvo ausente. Pero desde 1880 – último episodio de las guerras civiles decimonónicas – fue más episódica que constitutiva,20 y visto en la 19 Loris Zanatta, Del estado liberal a la nación católica. Iglesia y Ejército en los orígenes del peronismo. Bernal, Universidad Nacional de Quilmes, 1996. 20 La hubo en 1910, con los anarquistas y las “bandas blancas”, y entre 1917 y 1921, cuando la Liga Patriótica acompañó la represión militar. También en 1930, con torturas y fusilamientos, y en también durante los años de gobierno de Perón: torturas y un par de asesinatos, terrorismo antiperonista y violencia de masas. 180 brasil-argentinaFIM.pmd 180 5/2/2004, 11:02 perspectiva de 1976 no fue mucho. Pero hay que agregar la creciente violencia discursiva, la apelación verbal a la violencia regeneradora, que corroyó la noción de derechos y garantías. Progresivamente se instaló la idea de que, dadas ciertas circunstancias, en política los fines justificaban los medios. En 1956 hubo un salto cualitativo: el Estado ordenó fusilar a los jefes de un levantamiento militar peronista – un episodio tan emblemático como el fusilamiento del gobernador de Buenos Aires Manuel Dorrego en 1828 – , mientras de manera casi clandestina hacía lo mismo con un número indeterminado de civiles. Luego, a lo largo de los años sesenta, creció la guerrilla, inspirada en Cuba y en sus secuelas; también la contra insurgencia, que los militares aprendieron en la Escuela de Panamá, empujando al Estado al territorio de la clandestinidad. El desarrollo del criterio del fin y los medios avasalló cualquier principio acerca de derechos humanos inalienables: la violencia no solo se justificaba por la violencia del enemigo; era sobre todo un instrumento adecuado para el cambio. Un paso más en ese camino fue afirmar que la violencia era, no ya un instrumento sino la fundadora de la práctica revolucionaria. Montoneros, la más exitosa en lo político de las agrupaciones guerrilleras, nació como se dijo de un asesinato a sangre fría; durante su existencia practicó un verdadero culto de la muerte heroica. La revista El Caudillo, (asociada con J. López Rega, la Triple A y otras organizaciones enemigas de Montoneros) tenía como epígrafe “El mejor enemigo es el enemigo muerto”. A diferencia de la década del cincuenta, cuando Perón proclamaba “al enemigo, ni justicia”, pero no pasaba de allí, a comienzos de los setenta esas palabras se traducían en actos, que al principio al menos, fueron ampliamente celebrados como justicieros; si no se conocía la causa, se concedía a sus ejecutores el beneficio de la duda: por algo sería. II. LA NUEVA ARGENTINA, 19761. El “Proceso” llevó hasta sus últimas consecuencias tendencias políticas preexistentes En 1976 estaba claro el agotamiento de la tendencia expansiva de la economía argentina, acechada tanto por los problemas del mundo 181 brasil-argentinaFIM.pmd 181 5/2/2004, 11:02 como por sus propias y acumuladas dificultades: inflación, conflictos distributivos, recurrencia a la recesión como remedio. Puede discutirse hasta que punto se trataba de una dificultad cíclica, en la que cabía una recuperación, o insuperable en los términos vigentes; en cualquier caso, se traducía en dificultades crecientes para el secular proceso de ampliación e incorporación, y en imposibilidad para satisfacer las ilusiones de 1973. Quienes habían creído en una vuelta a los felices ’40 estaban desengañados. Una manifestación fue la exacerbación de los conflictos corporativos y la dificultad para acordar soluciones transaccionales. A fines de 1973 la crisis cíclica activó la clásica reacción de partes: presionar al Estado para arrancarle una solución satisfactoria y hacer valer el poder logrado con el control de alguna de sus porciones. Sobre este mecanismo clásico operó la presión de las bases revolucionadas –un ejemplo: las comisiones de fábrica, atraídas e impulsadas por la Juventud Peronista-, de modo que los dirigentes tuvieron un margen mucho más estrecho para lo suyo: negociar. Buena parte de la sociedad había puesto su fe en la capacidad del Estado para reconducir los conflictos, y sobre todo en el talento de Perón para volver a poner en pie al Estado. Plebiscitado en 1973, Perón utilizó la fórmula de 1945, el Pacto Social, para constatar la estructural infidelidad de quienes, sin embargo, le ofrecían el sacrificio su vida, pero no de sus intereses. Allí -más que en el conflicto interno del peronismo- fracasó el gobierno peronista. A pesar de la espectacular ruptura con Montoneros, Perón consiguió mantener un precario equilibrio, que se derrumbó a poco de su muerte. Mientras la puja corporativa se desmadraba – en 1975 la jerarquía sindical le hacía una huelga a la viuda de Perón – , se derrumbaron los escasos límites que mantenían dentro de parámetros civilizados la lucha política que dividía al peronismo. La “política de calles”, vigentes desde 1972 y consistente movilizar y “ganar espacios”, dejó todo el lugar a la guerra de aparatos militares: Montoneros pasó a la clandestinidad; las Fuerzas Armadas reemplazaron a los grupos paramilitares en la tarea de la represión clandestina y obtuvieron un éxito contundente en el exterminio del foco guerrillero del trotzkista ERP en Tucumán. 182 brasil-argentinaFIM.pmd 182 5/2/2004, 11:02 En rigor, nadie gobernaba. Con su intervención en marzo de 1976, las Fuerzas Armadas pusieron fin a la crisis, a su manera. ¿Era solo de ellos? El Proceso de Reorganización Nacional aplicó una solución desmesurada, pero no absolutamente novedosa. Trabajaron con materiales conocidos, y lograron el consenso que necesitaban. Es bien sabido – no hace falta abundar en referencias – que desde marzo de 1976 la violencia ejercida de manera clandestina por el Estado alcanzó niveles nunca vistos. Hubo una cantidad inmensa de muertes y “desapariciones”; también campos de concentración, tortura y exterminio, depredación de bienes y robos de niños. Ciertamente, las diferencias de cantidad hacen a las de calidad. Pero es indudable que la violencia estaba ya ampliamente instalada en la vida política. La mayor novedad fue que desde 1976 la ejecutó principalmente un Estado clandestino, que operaba de noche y aparentaba de día, y que además de matar derrumbaba la fe en las instituciones y las leyes, sistemáticamente violadas por quienes debían custodiarlas. Otra vez, hay diferencia de cantidad, pero en un rumbo ya conocido: las actividades del terrorismo de Estado eran reconocibles y hasta aceptadas por muchos, en tanto arraigaban en tradiciones y prácticas políticas conocidas.21 El Proceso se caracterizó por la convicción de que un rígido autoritarismo y la concentración del poder, no limitado por restricciones jurídicas, solucionarían el problema de autoridad del Estado. No faltan precedentes de esta idea, no solo en los períodos de gobierno militar sino en las etapas democráticas, que como se vio fueron escasamente republicanas. Aquí el Proceso (que continuó la tradición militar de denunciar el desgobierno en los civiles ignorando la anarquía en su propio campo) fracasó contundentemente. No resultó el singular experimento de dividir el poder entre las tres Fuerzas, ni se logró nunca que tuviera un punto de concentración: en general Videla fue un protagonista mediocre del Proceso, y sus sucesores mucho más. Cada fuerza se reservó un área de influencia, para el ejercicio de la represión y del gobierno, y los jefes de cuerpos militares transformaron los gobiernos provinciales 21 Guillermo O‘Donnell dejó un vívido testimonio de esto al caracterizar a los diversos kappos que encontró en Buenos Aires en los años del Proceso. Véase su “Democracia en la Argentina. Micro y macro”. En Oszlak, Oscar (comp.), ”Proceso”, crisis y transición democrática. Buenos Aires, CEAL, 1984. 183 brasil-argentinaFIM.pmd 183 5/2/2004, 11:02 en feudos, de modo que los complejos procesos de negociación de intereses en el seno del Estado, continuaron de manera aún más espuria. También caracterizo al Proceso su voluntad de identificarse imaginariamente con la Nación. Al declarar los gobernantes que asumían la custodia de sus intereses supremos, las voces divergentes o alternativas pudieron ser eliminadas, tanto física como discursivamente, en nombre de la Nación. El terror, la tortura y las desapariciones también permitieron a los militares no solo acallar toda otra voz sino hasta negar su existencia legítima: cualquier disidencia era atribuible a la “subversión apátrida” y estaba, por definición, fuera de la Nación. Tuvieron éxito, porque machacaron en terreno conocido: es difícil ignorar las profundas raíces que esta negación del otro tiene en nuestra cultura política contemporánea. Inclusive, apelaron con éxito a la pasión nacionalista, de larga tradición, y a su habitual combinación de soberbia y paranoia: la Argentina tiene un destino de grandeza, no alcanzado por la falta de temple y por la colusión del enemigo externo y el interno. Ya en 1909 Manuel Gálvez –obsesionado con los “mulatos”, que encarnaban lo antinacionalhabía recomendado una buena guerra con Brasil para robustecer la fibra nacional.22 Desde entonces, esa pasión estuvo muchas veces lista para emerger, apenas se frotaba la lámpara, para legitimar los autoritarismos. Los militares lo intentaron con el Mundial de fútbol, el conflicto con Chile y la Guerra de Malvinas. Con ésta casi tuvieron éxito: en 1982 produjo un momento de enajenación, cuando tantos argentinos creyeron que el destino nacional se asociaba con la aventura militar. Por cierto, la Guerra selló el destino militar, no tanto por el intento cuanto por el fracaso. 2. El “Proceso” introdujo novedades irrevocables Esos aspectos del Proceso serán condenados desde 1982, y contra ellos se construirá la actual democracia, que los repudiará ritualmente. En cambio otras innovaciones, igualmente discutidas, se incorporaron 22 Con un destello de realismo, en un texto enajenado, declaraba preferir una derrota, por sus virtudes regenerativas. Manuel Gálvez, El diario de Gabriel Quiroga. Opiniones sobre la vida argentina. Estudio preliminar de María Teresa Gramuglio. Colección Nueva Dimensión Argentina, Buenos Aires, Taurus, 2001. 184 brasil-argentinaFIM.pmd 184 5/2/2004, 11:02 como datos permanentes. La más importante fue el giro sustancial de la política económica, asociado con el ministro Alfredo Martínez de Hoz. Como se dirá enseguida, estuvo montado en las tendencias neoliberales de su tiempo y del mundo. Pero además sirvió a los fines de la represión: quitar a los llamados “subversivos” su base, aplacar los conflictos sociales y particularmente los industriales, la ríspida lucha entre corporaciones de patronos y trabajadores, que a juicio de los nuevos gobernantes derivaba tanto en enfrentamientos inmanejables como en asociaciones espurias y colusivas. El mercado debía disciplinar la sociedad. La solución –la apertura de la economía, el achique del Estadosirvió para sangrar al enfermo, bajarle la fiebre pero a la vez dejarlo exangüe. Se logró disminuir la potencia de los actores del conflicto industrial y a la vez achicar el premio de la lucha: la capacidad de intervención del Estado, que empezó a ser desmantelado. Sin embargo este camino fue recorrido solo a medias; los militares no renunciaron a lucrar con sus empresas y de paso enriquecer a los empresarios que actuaban como contratistas: por entonces, grandes grupos económicos se constituyeron y crecieron exprimiendo al Estado. La decadencia del Estado se profundizó por la corrupción de sus instituciones. Amplios sectores de las Fuerzas Armadas y de seguridad participaron en la rapiña que acompaño el terror, e hicieron de las armas estatales el instrumento de negocios privados. Perdidos los límites éticos e institucionales, no renunciaron a hacerlo luego de 1983. Los acompañó una parte de los jueces, que aprendieron a tolerar, encubrir y participar, y ese camino siguieron muchos segmentos del funcionariado. Los empresarios se habituaron a jugar con estas reglas, y todo el proceso de privatización posterior a 1989 les ofreció un amplio campo. La corrupción llegó a las mismas normas legales: el Estado, aún en su parte diurna y legal, hizo gala de la arbitrariedad, subordinando la norma jurídica al ejercicio discrecional del poder. De modo que a aquellas prácticas del terrorismo de Estado se agregó una segunda cadena de complicidades, que se hundió en lo profundo de la sociedad y llegó a convertirse en hábito aceptado; dejó una herencia de funcionarios, policías y jueces corruptos y acostumbrados 185 brasil-argentinaFIM.pmd 185 5/2/2004, 11:02 a vivir en la corrupción, y una pobre idea del respeto a la ley, siempre subordinada a otras necesidades prácticas. Hubo una exitosa exitosa pedagogía de la corrupción y la arbitrariedad. Después, fue mucho más fácil restablecer la fe colectiva en la democracia –ajena a los militaresque la credibilidad en el Estado que estos corrompieron. Por otra parte, el Proceso y su ministro Martínez de Hoz se asociaron con el advenimiento del nuevo consenso económico neoliberal, triunfante en todo el mundo, caracterizado por la doble propuesta de la reforma y el ajuste. Según la nueva fe, las crisis recurrentes, juzgadas insolubles, se superarían con la apertura de la economía, la eliminación de la protección y otros subsidios estatales, lo que provocaría el fin de los sectores ineficientes, sobre todo los industriales, y el crecimiento de los eficientes. Esa reducción de subsidios era parte de una propuesta más general de ajuste de los gastos estatales – se juzgaba que las economías no estaban en condiciones de solventarlos de manera genuina – e incluía la eliminación de sus partes ineficientes e innecesarias, pero también la retracción en campos vinculados con el bienestar social, y aún la educación y la salud, donde su acción solo debía ser subsidiaria. Se trataba de una línea de acción genérica, que en cada caso podía ejecutarse de maneras diversas, según se atendiera más o menos a la gradualidad, la previsión y la equidad. La experiencia del Proceso mostró que era más fácil abrir la economía que achicar las funciones del Estado; de todos modos, el endeudamiento externo lo dejó fuertemente condicionado, de un modo tal que era muy difícil volver atrás en el camino adoptado. Durante el gobierno de Alfonsín parece haber habido una coincidencia general con la propuesta de reforma y modernización, en su versión más gradual, previsora y equitativa; así lo indica el “discurso de Parque Norte”, que muestra, por otra parte, la amplia gama de posibilidades existentes dentro de esa propuesta general. Pero no encaró el problema hasta el último tramo de su gobierno, cuando ya no tenía fuerza política para ponerlo en marcha. Menem asumió plenamente el programa de la reforma y el ajuste, y lo aplicó en su versión más simple, tosca, brutal y destructiva; sin embargo, debió hacer innumerables concesiones – la “anestesia” que decía no utilizar – a empresarios contratistas, gobiernos provinciales, sindicalistas y hasta congresistas. Su éxito inicial correspondió, al igual 186 brasil-argentinaFIM.pmd 186 5/2/2004, 11:02 que el de Martínez de Hoz, con un período de gran afluencia de capitales externos y fácil endeudamiento; como en aquel caso, el límite de su éxito lo marcó el final de la afluencia. 3. Economía, Estado y sociedad en la nueva Argentina Fueron, en suma, tres golpes de volante para un “giro copernicano”. ¿Qué cambios produjo?23 En la economía, es mucho más claro lo que en veinticinco años estos cambios destruyeron que lo que construyeron. Lo que mejor funcionó fue el sector orientado a la exportación -aunque desde 1991 sus beneficios estuvieron acotados por la sobrevaluación del peso- pero sus efectos sobre el resto de la economía fueron reducidos, sobre todo en materia de empleo. La convertibilidad hizo difícil las exportaciones industriales, pero el Mercosur fue una importante compensación. La reducción arancelaria y la supresión de subsidios24 liquidaron la industria ineficiente y afectaron también al segmento de las que se modernizaron y reequiparon. Unas y otras contribuyeron a la pérdida de empleos, junto con las racionalizadas empresas del Estado. Muchos grupos empresarios, antiguos contratistas del Estado, ingresaron en las empresas privatizadas, junto con operadores y grupos financieros internacionales; no está claro cuánto hay allí de manejo capitalista eficiente – es de temer que poco – , cuánto de apropiación de activos baratos y cuanto de nuevos negocios monopólicos. En suma, un balance complejo, con algunos pocos ganadores y muchos perdedores. En el mediano plazo, la pregunta es que lugar puede ocupar la Argentina en una economía mundial integrada. Qué hacemos mejor o más barato que otros. En segundo lugar, que capacidad tiene el reducido sector modernizado para influir en el conjunto, restablecer el dinamismo de la economía capitalista y eliminar los comportamientos prebendarios. 23 Aquí se impone un caveat. El pozo de la crisis no es el lugar más adecuado para evaluar estos cambios. Nunca lo es: cualquiera que frecuente la historia sabe que quienes viven una crisis perciben con claridad lo que ésta destruye, y rara vez lo nuevo que empieza a emerger. A mí me basta recordar los ajustes, a veces bastante fuertes, que he debido hacer a mis “balances” a lo largo de los últimos diez años. 24 Distó de ser total: se salvaron los industrias automotrices, y unas cuantas industrias fantasma, en provincias que lograron conservar regímenes de promoción gracias a la “anestesia” del período de Menem. 187 brasil-argentinaFIM.pmd 187 5/2/2004, 11:02 En el corto plazo, lo que más pesa es el endeudamiento externo. Desde 1976, las fases de prosperidad y las de contracción coincidieron con el flujo y reflujo de fondos, en su mayoría especulativos, en parte compensados por los ingresos, por única vez, de las privatizaciones. El resultado fue una impresionante deuda externa, que el Estado es absolutamente incapaz de pagar. Hay una permanente exigencia por parte de los acreedores de ajuste de los gastos fiscales, siempre insuficiente. La modalidad del ajuste, los lugares donde se cortó y donde se mantuvo la afluencia de fondos fiscales, así como la política impositiva, sus rigideces y permisividad, han de ser, para quien sepa leerla, una verdadera radiografía del Estado. El Estado, actor principal de la fase de construcción y responsable de sus virtudes y sus defectos, perdió protagonismo, iniciativa, y hasta unidad. El endeudamiento acotó su soberanía; el ajuste afectó su funcionamiento, sin reducir su colonización por los intereses corporativos. Buscando ganar confianza, se ató las manos con la convertibilidad. Buscando atenuar oposiciones y ganar aliados, los gobernantes concedieron mucho, a los grupos empresarios y a los dirigentes políticos, una corporación que se sumó a las restantes en la empresa de vivir del presupuesto nacional. Entre ellos, los dirigentes de los estados provinciales, y sus representantes senatoriales, se convirtieron en insaciables demandantes de prebendas, tanto mayores cuanto más débil era el centro del poder político. Mientras la crisis económica y la desocupación reducían la masa de contribuyentes, el deterioro administrativo redujo la capacidad para recaudar. Con menos ingresos, el Estado achicó un poco las prebendas y cortó drásticamente donde era más fácil: en la educación, la salud y la seguridad. Por otra parte, las secciones del Estado dedicadas al control de los actores económicos privados se deterioraron, en parte por decisiones deliberadas, en el caso de las privatizaciones, y en parte por la corrupción. Vieja como el mundo, ésta creció fuertemente en dos momentos: el ya mencionado del Proceso y los diez años de gobierno de Menem, en los que el país estuvo dirigido por una banda depredadora. En suma, en la nueva Argentina, y por una serie de factores 188 brasil-argentinaFIM.pmd 188 5/2/2004, 11:02 concurrentes, el Estado ha resultado cada vez más incapaz para financiarse, para actuar autónomamente, para imponer normas, para dirigir. Además, ha sido sistemáticamente descalificado y convertido en la bête noire, por razones legítimas e ilegítimas, pues fácilmente se ha echado por el desagüe el agua sucia y el niño. Hoy, aún los mejores gobernantes pueden hacer poco con semejante instrumento. Desde hace mucho es difícil representar a la sociedad argentina como democrática, móvil e integradora. Del pleno empleo de los años cincuenta hemos pasado a la desocupación, muy alta. Los sindicatos, expresión final de la Argentina democrática y corporativa a la vez, perdieron su relevancia y poco significan en el vasto mundo de la pobreza, donde los límites entre las “clases laboriosas”, los desocupados y las “clases peligrosas” no son fáciles de definir. ¿Qué es exactamente el saqueo a un supermercado? En términos de identidad y organización, el lugar de los sindicatos es ocupado por las organizaciones de “piqueteros”, capaces como aquellos de contener, luchar organizadamente y negociar las migajas que aún tiene el Estado para la asistencia social.25 Por otra parte las clases medias, emblema de la sociedad democrática y móvil, están en plena licuación; ellas aportan el grueso de los emigrantes; muchos se suman al mundo de la pobreza y, uno tras otro, pierden los signos de su dignidad. El segmento de los “ganadores” no es despreciable: son lo suficientemente numerosos como para animar un mundo de consumo y visibilidad. Pero deben encerrarse y protegerse. La sociedad móvil, continua, sin cortes estamentales, es remplazada por otra donde la polarización lleva a la segmentación. La ciudadanía social, el logro final de la Argentina próspera, ha sido arrasada. La violencia social y la delincuencia llevan a los gobiernos a aplicar una “mano dura” que cuestiona seriamente la ciudadanía civil. ¿Qué ocurre con la ciudadanía política? 4. La paradójica vigencia de la democracia Lo curioso de esta historia es que, por primera vez, desde 1983 la sociedad argentina conoció la política democrática representativa, 25 Muchos dirigentes vuelcan en su organización la experiencia acumulada en la actividad sindical. 189 brasil-argentinaFIM.pmd 189 5/2/2004, 11:02 liberal y republicana, como nunca la había conocido antes la sociedad democrática en vías de extinción. El Proceso militar fue decisivo para esta construcción de la democracia. Quizá porque puso en evidencia, en su extremo, las lacras de las experiencias políticas anteriores, tanto dictatoriales como democráticas. Quizá porque bastaba referirse a él para unir voluntades y minimizar diferencias. Lo cierto es que, de las ruinas de la dictadura militar, abatida por la derrota de Malvinas, surgió una nueva convicción ciudadana acerca de la capacidad de la democracia para restaurar la convivencia pacífica y muchas cosas más, pues una de las características de esta nueva fe fue la enorme confianza en las potencialidades de la fórmula política. A la vez se desarrolló una convicción, también original, acerca de las bondades del pluralismo; la existencia de adversarios, quizá, pero no de enemigos políticos; la importancia de la diferencia y la confrontación en la constitución del interés común. También hubo una nueva valoración de la ley y las formas institucionales. En primer lugar, fundamentándolo todo, un consenso acerca del valor absoluto de los derechos humanos y un rechazo total a la subordinación de los medios a los fines. El entusiasmo cívico se tradujo en prácticas políticas pertinentes: la afiliación masiva a los partidos políticos, su organización formal, la renovación de dirigentes y también de ideas. Ninguno, ni siquiera el peronismo, pretendió ya ser la encarnación del pueblo y de la nación (por otra parte, las pasiones nacionalistas amenguaron y hasta pudimos concluir las diferencias con Chile). Probablemente hubo entre los partidos más búsqueda del consenso que debate a fondo sobre alternativas, y en los ciudadanos más reclamos de sus derechos que asunción de sus deberes. En un cierto sentido, se trató de una democracia “boba”.26 Pero es difícil imaginar que la democracia – al fin, un sistema político profano, que debe fundarse en una convicción compartida – pudiera constituirse sin esta fe, quizá desmesurada. En esos años iniciales – diría entre mediados de 1982 y mediados de 1985 – los argentinos se tomaron un recreo para la utopía, como lo 26 Tomo esta expresión de la experiencia de la primera república de Nueva Granada, idealista y pacifista, liquidada en 1812; luego, Bolívar mostró la necesidad de respaldar la verdad con las armas. 190 brasil-argentinaFIM.pmd 190 5/2/2004, 11:02 habían hecho, en otro contexto, al comenzar los años setenta. Durante ese breve período pudo olvidarse no solo que la Argentina había cambiado de manera irrevocable luego de 1976; pudo creerse que los viejos y duros protagonistas corporativos de los antiguos conflictos estaban domesticados, atrapados en la red de los partidos políticos, la representación y la civilidad: el conjunto de hombres de buena voluntad que construían el interés común. Pronto se descubrió que no era así. El impulso progresista del primer gobierno democrático se detuvo ante los sindicatos, que resistieron ser reformados, la Iglesia, que peleó duramente en el terreno del laicismo, y las Fuerzas Armadas, que toleraron el juzgamiento de sus antiguos jefes, ya retirados – el Juicio a las Juntas fue el logro más importante de la civilidad – pero resistieron con éxito al juzgamiento de oficiales en actividad. El gobierno fracasó en sus intentos de revisar la deuda externa o de organizar un frente de países deudores. En cuanto a los grupos económicos, cumbres del nuevo ordenamiento de la economía, ni siquiera se insinuó la batalla. Hacia 1987 el impulso había encontrado su freno, y el primer gobierno democrático convocaba a integrar el gabinete a los representantes de los grandes intereses corporativos. En realidad, se habían constatado dos limitaciones: la del instrumento de acción, el Estado, sin la capacidad de otrora para modificar el orden espontáneo de las cosas, y la de la civilidad, un actor político de enorme potencialidad en algunas acciones pero inútil para otras. Todo su respaldo no alcanzó para que, en la Semana Santa de 1987, el Presidente encontrara un solo oficial del Ejército dispuesto a disparar contra sus camaradas rebelados. Allí se rompió la ilusión ciudadana. Quienes se negaban a aceptar que la realidad era tal cual era, echaron culpas, naturalmente, al gobierno, que claudicaba ante los enemigos del pueblo. El fin de esta “primavera de los pueblos”, efímera como todas, dejó lugar a una relación más normal, menos apasionada, de la sociedad y sus actores con sus gobernantes. Fue el comienzo de un desapego que se convirtió a la larga en apatía – salvo el breve entusiasmo mesiánico despertado por Menem en 1989 – y en el último tramo en descontento y furia. Pero antes de eso, el sistema democrático había arraigado, convertido en práctica normal, que podía prescindir de las manifestaciones 191 brasil-argentinaFIM.pmd 191 5/2/2004, 11:02 cotidianas de apoyo. Sus éxitos no son despreciables: elecciones regulares, al menos cada dos años, tres gobiernos de signo opuesto que se sucedieron en menos de veinte años, y algunos datos un poco más folclóricos: el peronismo, el partido-pueblo, perdiendo una elección presidencial en 1983, y otra como oficialismo, en 1999. Instituciones que funcionaron, parlamentos que legislaron y jueces que juzgaron con alguna autonomía son logros significativos si se los compara con las experiencias militares anteriores, y no solo con ellas, aunque lógicamente las imperfecciones son abrumadoras si se las compara con el deber ser o la letra constitucional. Pero cualquier democracia realmente existente es inferior al modelo. ¿En qué se apartó esta democracia realmente existente del modelo democrático-republicano contra el que eligió medirse? En primer lugar, se plegó a la realidad, admitió que las instituciones sustentadas en el sufragio y fundadas en el interés común, que gobernaban un Estado desarmado, no podían modificar mucho de los rasgos ya definidos de la economía y la sociedad gobernada. Esta aceptación de la realidad, visible ya en la segunda parte del gobierno de Alfonsín, fue plena en el de Menem que exageró un poco, para que le creyeran. Las instituciones democráticas, aunque algo hicieron, cumplieron mal su papel de balancear los poderes corporativos. En segundo lugar, se alteró el equilibrio de poderes propio de la República. Los gobernantes debieron gobernar en medio de las tormentas: todo lo señalado en el punto anterior, y lo no dicho, como las hiperinflaciones de 1989 y 1990; en medio de las turbulencias, en nombre de la gobernabilidad, el Ejecutivo avanzó sobre los otros poderes, alterando el equilibrio republicano. Ayudado por la crítica coyuntura con que empezó su gobierno, y también por las tradiciones peronistas, Menem avanzó mucho por este camino y su jefatura, casi de príncipe, se alejó bastante de la tradición republicana; pero en los momentos oportunos el Parlamento, ya que no la Corte Suprema, recordó que había algunos límites. En tercer lugar, la llamada clase política no lució. Por cierto, en lo suyo fue eficiente y profesional. Los partidos produjeron elecciones aceptables, con bajos costos en materia de enfrentamientos y 192 brasil-argentinaFIM.pmd 192 5/2/2004, 11:02 polarizaciones; los representantes fueron flexibles a la hora de realizar acuerdos. Todo se hizo muy profesionalmente: puede comparárselo – no hay otra coyuntura similar- con el período 1916-1930. Por otra parte, no era exactamente una “clase política” como la pensó Mosca: no tenía tradición de gobierno, ni ejemplos y valores con los que confrontarse. En materia de funcionarios, lo que había detrás de ellos eran las prácticas del Proceso, ya establecidas en las instituciones (la Policía Bonaerense es al respecto paradigmática). Pasado el impulso inicial, desatenta la sociedad que los miraba de lejos, los políticos, quien más quien menos, se corrompieron, es decir se comportaron exactamente igual que sus congéneres en las prácticas civiles, y hasta generaron su propio corporativismo. Es cierto que con Menem se instaló una banda depredadora organizada, pero actuó sobre un terreno ya preparado. En suma, no fueron ni mejores ni peores que la sociedad de donde venían. Tampoco fueron eficaces administrando, pero no veo cómo podrían haberlo sido. 5. Final Lo singular del caso argentino no está –me parece- en estas imperfecciones, sino en la coexistencia entre esta democracia política que funcionaba con una sociedad que ya no era democrática, pero que, a diferencia de otras, lo había sido, y todavía podía recordarlo. Durante unos años muchos especulamos acerca de cuanto podía durar ese divorcio: un sistema político democrático en una sociedad que se vaciaba de ciudadanía; un sistema fundado en la igualdad política –un hombre, un voto- pero que era incapaz de modificar la tendencia de la sociedad hacia la desigualdad creciente. Es posible que un sistema de partidos eficiente y aceitado pueda funcionar sin la participación cotidiana de la ciudadanía. Es más difícil imaginar que se sostenga si falta, entre los representados, el fuego sagrado de la fe, sobre todo si no es compensado con alguna valoración de la eficacia gubernamental. El 19 de diciembre de 2001 se produjo el pasaje del desapego a la furia, y efectivamente todo el andamiaje se conmovió. Asistimos hoy a un nuevo acto de esta historia, pero todavía es demasiado pronto para que un historiador lo incluya aquí. 193 brasil-argentinaFIM.pmd 193 5/2/2004, 11:02 BIBLIOGRAFIA ALTAMIRANO, Carlos, Bajo el signo de las masas (1943-1973), Biblioteca del Pensamiento Argentino. Buenos Aires, Ariel, 2001. BERTONI, Lilia Ana, Patriotas, cosmopolitas y nacionalistas. La construcción de la nacuionalidcad argentina a fines del siglo XIX. Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2000. BOTANA, Natalio, El orden conservador. La política argentina entre 1880 y 1916. 2ª ed., Buenos Aires, Sudamericana, 1994. CAVAROZZI, Marcelo, Autoritarismo y democracia (1955-1996). La transición del Estado al mercado en la Argentina, Buenos Aires, Ariel, 1997. DE RIZ, Liliana, La política en suspenso, 1966-1976. Buenos Aires, Paidós, 2000. GERCHUNOFF, Pablo y Llach, Lucas, El ciclo de la ilusión y el desencanto. Un siglo de políticas económicas argentinas. Buenos Aires, Ariel, 1998. HALPERÍN Donghi, Tulio, La larga agonía de la Argentina peronista. Buenos Aires, Ariel, 1994. HALPERÍN DONGHI, Tulio, Vida y muerte de la República verdadera (1910-1930), Buenos Aires, Ariel, 2000. GILLESPIE, Richard, Soldados de Perón. Los montoneros, Buenos Aires, Grijalbo, 1987. JAMES, Daniel, Resistencia e integración. El peronismo y la clase trabajadora argentina, 1946-1976. Buenos Aires, Sudamericana, 1990. PALERMO, Vicente y Marcos Novaro, Política y poder en el gobierno de Menem, Buenos Aires, Norma, 1996. QUIROGA, Hugo, El tiempo del “Proceso”. Conflictos y coincidencias entre políticos y militares, 1976-1983. Rosario, Editorial Fundación Ross, 1994. ROMERO, José Luis y Romero, Luis Alberto (directores), Buenos Aires, Historia de cuatro siglos. 2da ed. Buenos Aires, Altamira, 2000. ROMERO, José Luis, Las ideas políticas en Argentina, 5a ed., Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 1975. ROMERO, Luis Alberto, Breve historia contemporánea de la Argentina. 2da ed., Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2001. ROMERO, Luis Alberto: Argentina. Crónica total del siglo XX. Buenos 194 brasil-argentinaFIM.pmd 194 5/2/2004, 11:02 Aires, Aguilar. 2000. ROUQUIÉ, Alain, Poder militar y sociedad política en la Argentina. Buenos Aires, Emecé, 1981/1982. SCHVARZER, Jorge La política económica de Martinez de Hoz. Hyspamérica, Buenos Aires, 1986. SIGAL, Silvia y Verón, Eliseo, Perón o muerte. Las estrategias discursivas del fenómeno peronista. Buenos Aires, Legasa, 1986. TORRE, Juan Carlos, Los sindicatos en el gobierno, 1973-1976. Buenos Aires, CEAL, 1983. ZANATTA, Loris, Del estado liberal a la nación católica. Iglesia y Ejército en los orígenes del peronismo. Bernal, Universidad Nacional de Quilmes, 1996. 195 brasil-argentinaFIM.pmd 195 5/2/2004, 11:02 brasil-argentinaFIM.pmd 196 5/2/2004, 11:02 POLÍTICA BRASILEIRA NO SÉCULO XX: O NOVO NO VELHO José Murilo de Carvalho INTRODUÇÃO O tema da política brasileira no século XX é por demais complexo e vasto para permitir tratamento sistemático dentro dos limites deste papel. Por comodidade e prudência, opto por abordagem algo informal e fragmentada do assunto. Apresento notas em torno do tema da cultura e do comportamento político, sem tentar sistematização teórica. Espero que a estratégia adotada não prejudique a finalidade do texto que é a de provocar ou, pelo menos, sugerir, o debate. Dentro da opção feita, recorro, como ponto de partida, a episódio recente ocorrido com candidata à presidência da República. Trata-se da entrada da polícia federal no escritório de firma pertencente à candidata e a seu marido, feita em obediência a mandado judicial e de que resultou a apreensão de documentos e de R$ 1,3 milhão em pacotes de notas de R$ 50,00. Análise do episódio e de seus desdobramentos pode revelar características que de longa data vêm marcando nossa política e também dimensões novas que começam a despontar graças a mudanças profundas verificadas na sociedade nacional, sobretudo a partir da década de 1930. O episódio nos fala de um estilo de política, a oligárquica, em fase de desaparecimento; de mudanças nas relações entre os poderes; do surgimento de um poder novo e agressivo, o do Ministério Público; da alteração no padrão de impunidade das elites; do surgimento de uma opinião pública atenta e exigente; da permanência de uma característica até agora constante, a superposição do velho e do novo em combinações que se renovam mas não desaparecem. UMA TIPOLOGIA DA POLÍTICA BRASILEIRA Para a análise das características indicadas acima, recupero texto de agudo sociólogo que escreveu a maior parte de sua obra na década de 1960, quando já se faziam sentir as grandes mudanças sociais por 197 brasil-argentinaFIM.pmd 197 5/2/2004, 11:02 que passava o país. Refiro-me a Guerreiro Ramos, que desenvolveu em 1961 uma caracterização da política brasileira inspirada metodologicamente nos tipos ideais de Max Weber e historicamente nas análises de Oliveira Viana e Gilberto Amado. Guerreiro Ramos construiu cinco tipos de política: a política de clã, a política de oligarquia, a política populista, a política de grupos de pressão e a política ideológica. A política de clã correspondia, segundo ele, à situação prépolítica, característica do período colonial. Nela inexistia o direito público, dominava apenas o poder de grupos familiares, limitados às localidades. A política de oligarquia, predominante até 1930, significava um passo adiante. Estendia-se do domínio local para o provincial e o nacional, congregava clãs familiares em alianças para conquista e manutenção do poder. Mas nela o Estado era ainda utilizado apenas para fins clientelísticos privados. Após 1930, deu-se grande transformação na política nacional: o povo entrou em cena, dando origem à política populista. Nesse tipo de política, superava-se o domínio familístico e oligárquico, o fundamento do vínculo político passava a ser a lealdade pessoal ao líder populista, sustentada por benefícios que ele distribuía a seus seguidores. Começava a se formar uma opinião pública independente. O populismo teria florescido nas décadas de 40 e 50. Nessa mesma época, teria também surgido a política dos grupos de pressão, marcada pela atuação de setores organizados da sociedade, sobretudo os sindicatos patronais e operários. Na década de 60, finalmente, o país já estaria, segundo Guerreiro Ramos, preparado para uma forma superior de política, a ideológica, sustentada sobre classes sociais organizadas e capazes de formular projetos políticos próprios, e sobre opinião pública amadurecida. Dentro do espírito da época, Guerreiro Ramos acreditava no evolucionismo histórico. Seus tipos se sucediam uns aos outros, o posterior superando o anterior, até atingir o ponto culminante e aparentemente final da evolução, a política ideológica. A abordagem é também tipicamente sociológica. A passagem de um tipo para outro, à exceção do primeiro para o segundo, é determinada por mudanças demográficas e sociais. O populismo surgiu quando a urbanização e a industrialização permitiram a emergência de setores urbanos médios e operários, os 198 brasil-argentinaFIM.pmd 198 5/2/2004, 11:02 grupos de pressão apareceram quando a divisão de trabalho permitiu a organização de interesses diversificados, a política ideológica se tornou possível com a melhor definição e a conscientização das classes sociais. Evolucionismo e sociologismo são tidos hoje como posturas analíticas ingênuas. Mas não se pode dizer que sejam totalmente equivocados. É perfeitamente aceitável apontar avanços nas práticas políticas se se tomam como parâmetros certas variáveis, como a ampliação da participação eleitoral, a honestidade das eleições, a redução da corrupção, a liberdade e independência do eleitor, etc. Igualmente, seria tolo não admitir que transformações radicais na demografia e na estrutura social sejam elementos importantes na transformação de comportamentos políticos. A vinculação das políticas de clã e oligárquica ao mundo rural e a dos outros três tipos ao mundo urbano é bastante óbvia, embora não sejam óbvias as formas que ela pode assumir. MUDANÇAS RADICAIS O analista de hoje, com o benefício de 40 anos de perspectiva, não discordaria de Guerreiro Ramos quanto às grandes mudanças que começaram a acontecer a partir de 1930. Até essa data, as transformações sociais tinham sido poucas e muito lentas. A partir de 1930, o tempo social acelerou-se. Houve alteração radical no tamanho, localização e ocupação da população. A população do país quintuplicou entre 1920 e 2000, passando de 30 para 160 milhões. O Brasil de 1930 tinha menos habitantes que o estado de São Paulo de hoje. Além disso, houve deslocamento maciço de pessoas do campo para a cidade. Se em 1920 menos de 20% da população moravam nas cidades, em 1960 já eram 45%, em 1980, 68%, e no ano de 2000 mais de 80%, subindo para 90% no Sudeste do país. Inverteu-se completamente a relação rural-urbano, o Brasil passou a ser um país urbano, comparável nesse ponto aos Estados Unidos. O grosso da população reside hoje em megalópoles e em médias e pequenas cidades. Como conseqüência, alterou-se também radicalmente a composição do emprego. Em 1920, 70% da população ativa ocupava-se na agricultura, pecuária e extração. Hoje, cerca de 80% dos brasileiros ocupam-se nos setores de serviço, 199 brasil-argentinaFIM.pmd 199 5/2/2004, 11:02 comércio e indústria, quando não engrossam o contingente de desempregados e subempregados. No campo econômico, a crise de 1929 e, 10 anos mais tarde, a Segunda Guerra Mundial, aceleraram muito o processo de substituição de importações, iniciado durante a Primeira Guerra. O país teve que produzir os bens industrializados que antes sempre importara. O processo não mais se interrompeu, expandindo-se na década de 50 via implantação da indústria automobilística e aprofundando-se na década de 70 graças à produção de máquinas e equipamentos. O Brasil deixou de ser um país essencialmente agrícola, como na primeira metade do século. O café, responsável pela maior parcela das exportações durante um século, hoje ocupa papel modesto no comércio externo. Há ainda produtos importantes de origem rural, como a carne, a soja e o suco de laranja, mas eles não representam o grosso da exportação, que se localiza em bens industrializados, como carros, máquinas, eletrodomésticos, aviões, além de minérios e bebidas. Mesmo a exportação de produtos agropecuários depende hoje da agroindústria mecanizada, com baixo componente de mão-de-obra. O contexto social de produção dessas mercadorias é totalmente distinto daquele em que se dava a atividade agrícola do velho Brasil. A ENTRADA DO POVO NA POLÍTICA A intuição de Guerreiro Ramos também estava correta quando afirmou que, do ponto de vista político, um elemento importante, se não o mais importante, da mudança que teve início em 1930, foi a entrada do povo em cena. De fato, desde a proclamação da República até 1945, a participação eleitoral não passou de 5% da população. Durante toda a Primeira República (1889-1930), período áureo da política de oligarquia, só houve uma eleição presidencial, a de 1930, em que o número de votantes ultrapassou os 5% da população. Essa eleição foi invalidada pelo movimento revolucionário que então se verificou. Em algumas das eleições presidenciais da Primeira República, as de 1906, 1918, 1919, a participação não chegou a 2% da população. Literalmente, tratava-se de uma república sem povo. A partir da democratização de 1945, o crescimento do eleitorado foi rápido e 200 brasil-argentinaFIM.pmd 200 5/2/2004, 11:02 constante, mesmo, e ironicamente, durante os governos militares, quando fora suprimida a liberdade política. A Constituição de 1988, ao permitir o voto do analfabeto, mais de cem anos depois que ele foi excluído, e ao baixar para 16 anos a idade mínima para votar, deu o impulso final à democratização do voto. Hoje estão alistados quase 70% dos brasileiros, porcentagem que se compara favoravelmente com as dos países de mais longa tradição democrática. Em termos absolutos, havia 1,4 milhão de eleitores em 1933; em 1998, época da última eleição presidencial, o eleitorado ultrapassava 106 milhões de cidadãos. Em números, pelo menos, trata-se de dois países totalmente distintos. A CONVIVÊNCIA DE TEMPOS HISTÓRICOS DISTINTOS Outro ponto útil da análise de Guerreiro Ramos é a rejeição de um evolucionismo simplista. Ele aceita, é verdade, a idéia de evolução de um tipo para outro, talvez inspirado na sucessão de modos de produção do esquema marxista. Mas tempera o evolucionismo com a idéia da superposição de fases e tipos políticos. Um tipo não desaparece, pelo menos de imediato, quando outro se inaugura. Em cada momento dado, há um tipo predominante que convive com resíduos de tipos anteriores. Assim é que, segundo ele, em 1961 predominava a política populista, mas sobreviviam em várias partes do país a política de oligarquia e até mesmo restos da política de clã, ao mesmo tempo em que o país já pedia a política ideológica. A idéia da sobreposição de épocas e estilos políticos, de grande utilidade analítica, foi talvez buscada em um autor da década de 1930, Martins de Almeida, que escreveu, falando da economia: “Um dos aspectos mais característicos do nosso país é essa desconformidade de etapas evolutivas da nossa economia geral dentro da mesma unidade de tempo” (Almeida, p. 47-48). O conceito foi elaborado por Inácio Rangel em 1957, com a ajuda de uma expressão sintética e elegante de W. Pinder. Ao defender a tese da existência de uma dualidade básica na economia brasileira, Rangel afirmou que o Brasil era marcado pela contemporaneidade do não-coetâneo. Com isso queria dizer que conviviam na contemporaneidade da época fenômenos sociais, práticas e valores, que pertenceriam a momentos históricos passados. Naturalmente, a idéia 201 brasil-argentinaFIM.pmd 201 5/2/2004, 11:02 de não-coetâneo implica concepção que pode ser considerada evolucionista. Inácio Rangel refere-se explicitamente ao evolucionismo marxista. Mas nada impede que se aproveite a idéia jogando fora sua conotação evolucionista, isto é, a concepção de movimento em direção a objetivos pré-definidos. Basta admitir a noção, pouco controversa, de mudança, de dinâmica histórica. O Brasil, e talvez todos os outros países, sobretudo os que passam por rápido processo de mudança social, seria, nessa visão, uma espécie de museu sociológico, em que várias épocas poderiam ser visitadas ao mesmo tempo. Inácio Rangel usa imagem geológica, comparando o país a uma formação rochosa em que vários estratos, pertencentes a eras distintas, estariam visíveis ao olho do observador contemporâneo (Rangel, p. 33). A idéia de convivência de práticas e valores pertencentes a configurações históricas distintas é uma constante nas principais análises macro-sociológicas do país, pelo menos desde Euclides da Cunha. Em geral, ela se apresenta na forma dicotômica, como observou Wanderley G. dos Santos (Santos, 1970). Haveria, nessa perspectiva, dois brasis convivendo em harmonia ou em conflito. Em Euclides era o litoral e o sertão; em Gilberto Freyre, a casa grande e a senzala; em Sérgio Buarque, o público e o privado; em Nestor Duarte, a família e o Estado; em Faoro, o Estado e a sociedade, o estamento e a classe; em Hélio Jaguaribe, a modernidade e o atraso; em Roberto da Matta, o indivíduo e a pessoa; em outros autores, o campo e a cidade, a elite e o povo, o capitalismo e a escravidão, a nação e a anti-nação, o nacional e o global. Colocada, no entanto, em termos dicotômicos, a análise perde capacidade explicativa. O próprio Rangel, embora parta de uma dualidade básica (título de seu livro) termina a análise recorrendo ao símile da estratificação geológica, que tem a vantagem de admitir a coexistência de várias camadas e não de apenas duas. A desvantagem dessa imagem é que ela sugere a separação dos estratos, ou tipos, sociais, quando a riqueza da idéia da sobreposição dos tempos está exatamente em permitir o exame de sua iteração. 202 brasil-argentinaFIM.pmd 202 5/2/2004, 11:02 ATUALIZANDO GUERREIRO RAMOS Há, no entanto, como era de esperar, pontos em que a análise de Guerreiro Ramos perdeu utilidade. Sua tipologia era boa para o momento em que escreveu. Os dois primeiros tipos ele os tirou de Oliveira Viana e se adaptavam bem ao Brasil até a década de 1930. Igualmente, o populismo já era fenômeno conhecido e analisado quando publicou seu livro. Os dois últimos tipos, no entanto, são menos úteis. A política de grupos de pressão é conceito tirado da prática política norte-americana. Interpretada nessa direção, supõe uma organização de interesses forte mas fragmentada, baseada em lobbies junto ao Executivo e o Legislativo, voltada para resultados práticos. Mesmo no Brasil de hoje seria difícil pensar nesse tipo de política como dominante. Nossos grupos de interesse vêm de outra tradição de organização social, a corporativa e a clientelista. Além disso, a pressão entre nós se exerce muito mais sobre o Executivo que é de onde se distribuem as benesses do poder. Interpretado o conceito grupos de pressão em sentido mais amplo, como era talvez a intenção de Guerreiro Ramos, abrangendo organizações sindicais, profissionais, e de outra natureza, ele se aproxima do tipo ideológico de política e perde especificidade e, portanto, utilidade analítica. O olho de Guerreiro Ramos estava voltado principalmente para o estilo político europeu, no qual via a predominância dos partidos ideológicos representativos de classes sociais e não de grupos de pressão e de interesse. Era outro tributo que pagava ao pensamento dominante na esquerda da época. Por culpa ou não dos governos militares que interromperam a experiência democrática iniciada em 1945, da qual Guerreiro Ramos foi engajado militante, a política ideológica não deitou raízes entre nós. Embora tenha havido e continue havendo partidos que se pautam por princípios ideológicos, eles são minoria e não se enraízam necessariamente nas tradicionais classes sociais. A reação negativa generalizada a decisão recente do Tribunal Superior Eleitoral obrigando os partidos a manterem nos níveis estadual e local a mesma coalizão feita no nível federal é sintomática. O TSE partiu da premissa de que os partidos deveriam ser ideológicos, baseados em princípios, como queria Guerreiro Ramos. Se o fossem, não haveria reação negativa, 203 brasil-argentinaFIM.pmd 203 5/2/2004, 11:02 pois nada mais natural que as alianças fossem coerentes e consistentes. A reação mostrou o que todos sabem: a grande maioria dos partidos não é ideológica. Trata-se de agrupamentos políticos voltados sobretudo para a disputa do poder e para a fruição de suas benesses. As alianças variam de acordo com as condições de cada estado ou município. Segue daí que para o período recente seria necessário pensar em outra tipologia. Por falta de melhor termo, utilizo o de política de massas, combinando dois sentidos dessa palavra, a ampla participação dos cidadãos via eleições e opinião pública, e o grande peso dos meios de comunicação de massas. Os dois aspectos estão profundamente conectados, uma vez que a formação da opinião pública não pode ser desvinculada, para o bem ou para o mal, da atuação da mídia. OS PACOTES DE NOTAS DE R$ 50,00 No episódio mencionado no início do texto, o país se chocou (e se divertiu) com a foto dos pacotes de notas de R$ 50,00, totalizando 1,3 milhões de reais. Sublinho a seguir algumas características do episódio que esclarecem o que mudou e o que permanece na política nacional, sobretudo nos valores e práticas relacionados com o exercício do poder. A PERSISTÊNCIA DO CLIENTELISMO A investigação que levou à busca no escritório tinha a ver com o uso fraudulento de verbas públicas da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) pelas oligarquias de alguns estados. Já resultara em 2001 na abdicação do presidente do Senado, acusado de se enriquecer graças a tais falcatruas. Desde a década de 30, o governo federal vinha criando agências de desenvolvimento regional que serviam sobretudo para cooptar e enriquecer oligarquias estaduais. O uso fraudulento dos recursos dessas agências era conhecido e tolerado sempre que servisse à necessidade de criar e sustentar alianças políticas. A novidade no caso em questão está no fechamento da SUDAM e na investigação das fraudes. O travo de ambigüidade reside no fato de que por muito tempo os beneficiários das fraudes foram aliados e protegidos do governo federal. 204 brasil-argentinaFIM.pmd 204 5/2/2004, 11:02 A REAÇÃO OLIGÁRQUICA O totalmente velho, o não-coetâneo do episódio, foi a reação dos investigados, sobretudo da candidata e de sua família, aí incluído um ex-presidente da República. Traços típicos das velhas oligarquias eram a apropriação privada de recursos públicos e a convicção da impunidade. O fato de que a polícia federal, obedecendo a ordem judicial, tenha entrado no escritório foi visto pelos suspeitos como arbítrio, ilegalidade, perseguição. No vocabulário dos oligarcas, arbítrio é a aplicação a eles das leis penais que só deveriam valer para os inimigos. A candidata investigada reafirmou ingenuamente os valores oligárquicos ao reclamar do governo por não ter sido avisada previamente da ação da polícia. A única explicação possível admitida por essa velha elite para investigação de seus atos é a perseguição por parte dos adversários, jamais sua própria culpabilidade. O Partido da Frente Liberal (PFL), tido como moderno e profissional, revelou sua cara tradicional ao se render à chantagem de sua candidata e reagiu atacando o governo, sem exigir dela o que a opinião pública pedia: a explicação da origem dos pacotes de notas de R$ 50,00. A AÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO A autonomia do Ministério Público, conferida pela Constituição de 1988, redundou em mudança radical na atuação dessa organização. Libertos do controle do Executivo, jovens promotores, imbuídos de espírito missionário, talvez inspirados na operação Mãos Limpas empreendida pelos juizes italianos, iniciaram uma cruzada contra o crime que não tem respeitado status, riqueza e poder. Por vezes arrogantes, arbitrários e desastrados, já foram responsáveis por fatos inéditos na história do país, como a visão de um ex-presidente do Senado ser conduzido, algemado, à prisão. A ação da polícia no escritório da candidata se deveu à investigação desses promotores, em andamento desde 1997. Embora ainda seja cedo para avaliar todas as conseqüências da mudança na atuação do Ministério Público, pode-se dizer que ela aponta em direção revolucionária: o fim da cultura de impunidade que beneficia as elites nacionais. Um juiz de tribunal superior foi para a cadeia, três influentes senadores de partidos aliados ao governo foram forçados a renunciar, dois deles com rápi205 brasil-argentinaFIM.pmd 205 5/2/2004, 11:02 da passagem pela cadeia, e submetidos a investigação. Vários outros políticos, ex-ministros, empresários, estão sob investigação. UMA OPINIÃO PÚBLICA NACIONAL Outro componente do episódio indicador de mudança foi o papel da opinião pública. A entrada do povo na política via eleição a partir de 1945 teve seu impacto democratizante interrompido, para não dizer viciado, pelos governos militares (1964-1985). Durante a ditadura militar, o país experimentou algo parecido com o que se passava nos países comunistas: alta participação eleitoral sem liberdade de imprensa e de organização. Entre 1960 e 1986, a participação eleitoral cresceu 161%. Em números absolutos, isso significa que 53 milhões de brasileiros, cifra eqüivalente à população total do país em 1950, começaram a votar durante um período em que não havia liberdade de manifestação de pensamento, em que os partidos eram mutilados e censurados, o Congresso funcionava para legitimar atos do Executivo, os políticos da oposição estavam sob permanente ameaça de perder os direitos políticos. Pode-se perguntar que sentido tinha o ato de votar para os cidadãos que assim o exerciam. Certamente não era o do exercício do direito de determinar o destino político do país. O esvaziamento do ato eleitoral seguramente ainda persiste em parcelas do eleitorado, como se pode verificar na eleição e reeleição de políticos reconhecidamente desinteressados de qualquer outra coisa que não a promoção de seu ganho pessoal. O que representa avanços maiores na democratização da política é a formação de uma opinião pública nacional mais informada e mais exigente. A força dessa opinião se tem manifestado em vários episódios. A primeira eleição popular de um presidente desde 1960 colocou Fernando Collor no governo em 1989. Três anos depois, evidência de vasta corrupção no governo gerou manifestações de massa que forçaram o Congresso a votar o impedimento do presidente. Mais recentemente, políticos influentes alvos de denúncias de corrupção ou comportamento inadequado têm sido forçados à renúncia para evitar processos de perda de mandato. Como no caso de Collor, o Congresso só tem agido contra os denunciados por receio de piorar ainda mais sua 206 brasil-argentinaFIM.pmd 206 5/2/2004, 11:02 péssima imagem diante da opinião pública. Um político corrupto pode facilmente enganar seus eleitores nos estados, mas dificilmente enganará a opinião nacional. Mesmo que mantenha influência local, sua imagem nacional fica irremediavelmente comprometida. O PAPEL DA MÍDIA ELETRÔNICA A criação dessa opinião pública nacional ajuda a reduzir o índice de “não-coetaneidade”, na medida em que esta última é gerada por distâncias sociais e geográficas. O fator principal na criação de uma opinião nacional é sem dúvida a mídia eletrônica, sobretudo a televisão. É conhecida a enorme influência que a televisão exerce no país, devida em boa parte aos baixos índices educacionais. Cerca de 30% da população de 15 anos ou mais são analfabetos funcionais, isto é, pessoas com menos de quatro anos de escolaridade. No Nordeste, o analfabetismo funcional na mesma faixa de idade chega a 50% da população. Para essa população, o acesso à informação se dá via rádio e televisão. Na área urbana, mais de 90% da população possui televisão em casa, na área rural mais de 50%. Devido ao maior atrativo das programações televisivas, sobretudo das telenovelas, vistas indistintamente por ricos e pobres, é esse o meio que exerce maior influência nacional. Pesquisa feita em 1996 na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, onde os níveis educacionais altos para o padrão nacional, indicou que 26% da população nunca liam jornal, ao passo que apenas 9% nunca assistiam aos noticiários da TV (naturalmente, muitos desses 9% viam outros programas que não os noticiários). Essa última porcentagem subia a 11% entre os analfabetos funcionais. Isto é, quase 90% dos analfabetos funcionais assistiam ao noticiário, quando apenas 48% liam de vez em quando um jornal (CPDOC-FGV/ISER, p. 25-34). Pesquisa nacional do IBGE no mesmo ano, indicava que 59% da população usavam a televisão como fonte de informação política, contra 15% que preferiam o rádio e 27% os jornais (IBGE, p. 63). Fica óbvia a importância dos noticiários da TV como fonte de informação, inclusive política. Mas é preciso acrescentar, como dado negativo, que, no que se refere aos noticiários, há enorme predomínio de um canal de televisão, a Globo. Na pesquisa do Rio de Janeiro, acima referida, 63% dos 207 brasil-argentinaFIM.pmd 207 5/2/2004, 11:02 entrevistados assistiam ao Jornal Nacional, produzido por esse canal. Somando outros noticiários da mesma emissora, a porcentagem subia para 80%. Tais números conferem à Rede Globo supremacia pouco saudável na formação da opinião pública. O predomínio é ainda mais acentuado quando se leva em conta a enorme audiência conseguida pelas telenovelas produzidas por esse canal. Muitas das telenovelas incluem explicitamente temas políticos e exercem influência talvez maior do que a dos noticiários sobre a formação da cultura política. Outra ressalva a ser feita é que a ambigüidade do sistema se manifesta também no papel exercido pela mídia. Os canais nacionais ajudam a formar uma opinião pública nacional pautada por valores que poderíamos chamar de modernos, como democracia, honestidade, transparência, eficiência administrativa. Essa opinião nacional moderna vai aos poucos desmontando estilos e valores tradicionais da política oligárquica e populista. Mas sucede que essas mesmas emissoras formam suas redes nacionais associando-se a canais estaduais. Esses últimos são quase sempre controlados por oligarquias. As concessões de rádios e tevês pelo governo federal sempre constituíram instrumento clássico de clientelismo político. Com isso, os canais nacionais, a tevê Globo à frente, se vêem muitas vezes em situações ambíguas, obrigados, de um lado, a fornecer informação objetiva ao público nacional e constrangidos, de outro, por suas conexões estaduais quando o interesse das oligarquias estão envolvidos. O episódio que venho comentando é ilustrativo. A Rede Globo, em seus noticiários nacionais, tinha que atender às exigências da opinião pública nacional que exige postura isenta. Mas sua repetidora no Maranhão pertence à família da candidata suspeita de fraude. A repetidora estadual se viu obrigada a veicular o Jornal Nacional da emissora, cuja cobertura era desfavorável a seus donos. Esse o lado positivo do papel da mídia. Mas o compromisso político com a oligarquia levou à contenção das críticas e mesmo à parcialidade nos próprios programas nacionais. A parcialidade ficou óbvia no tempo concedido no Jornal Nacional ao discurso agressivo contra o governo feito no Senado pelo pai da candidata, muito maior do que o concedido à resposta dada por aliado do governo. A mesma parcialidade esteve presente no jornal escrito, pertencente ao mesmo grupo. A decisão do Superior Tribunal de Justiça validando as investigações do Mi208 brasil-argentinaFIM.pmd 208 5/2/2004, 11:02 nistério Público sobre a empresa da candidata e seu marido, por exemplo, foi publicada discretamente na quinta página do jornal do grupo, quando o assunto era manchete de primeira página em outros grandes jornais. Isto significa que o não-coetâneo, as oligarquias, não apenas convive com o contemporâneo, a mídia, como se alia a ele em pactos que reduzem o ritmo de transformação e conferem sobrevida às velhas elites. ELITE E POVO O tardio ingresso do povo na política e a interrupção do processo democrático entre 1964 e 1985 geraram povos políticos distintos. O povo das eleições vota maciçamente, por exigência legal, mas tem contribuído apenas modestamente para alterar a natureza das políticas governamentais. Nos níveis estadual e local, ele tem mesmo ajudado a sustentar grupos oligárquicos e populistas. Há outro povo que também vota, mas que, além disso, se organiza em sindicatos e outras modalidades de associação. O poder de pressão desses grupos, sobretudo dos sindicatos, foi maior na época em que escreveu Guerreiro Ramos, uma conseqüência da própria política populista e da natureza corporativa da legislação trabalhista. A pluralidade de organização sindical, a redução do peso do Estado na economia, e a abertura comercial, têm reduzido substantivamente o poder de fogo desses grupos, à exceção do Movimento dos Sem-Terra (MST), cuja militância, até o momento, tem tido grande eficácia. Há um terceiro povo, que também vota, que não é organizado, mas que se manifesta politicamente em reações de rua. Trata-se da massa urbana desvinculada do mercado formal de trabalho. É um setor que pode ser decisivo em momentos de crise mas cuja ação é episódica e vulnerável a políticas paternalistas do Estado. A novidade em termos de ação popular é o surgimento de milhares de organizações não-governamentais, muitas das quais se têm revelado capazes de alterar a natureza das políticas públicas no sentido de favorecer a redução da desigualdade. Parece haver tendência na direção de crescente unificação do povo político, possibilitada, conjuntamente, pela ação da mídia eletrônica, pelo avanço da educação popular, e pelo aprendizado político 209 brasil-argentinaFIM.pmd 209 5/2/2004, 11:02 verificado graças à vigência das liberdades próprias ao sistema democrático. A redução drástica da ocupação rural, o crescimento modesto do setor secundário, e o grande avanço do emprego terciário não permitem prever uma divisão do povo político ao longo do modelo clássico das classes sociais, apesar da grande incidência de desigualdade econômica. No máximo, seria possível falar em uma polarização entre pobres e ricos. Mas, a haver tal polarização, ela não se cristalizou em partidos políticos. O Partido dos Trabalhadores (PT) tem boa parte de seus adeptos entre funcionários públicos e setores da população de mais alta escolaridade. Muitos pobres ainda se voltam para lideranças residuais do populismo localizadas no Partido Democrático Trabalhista (PDT). Outra razão que dificulta a união dos pobres é a atração do consumismo. O simples barateamento dos telefones celulares permitindo seu uso até mesmo a camelôs gera efeito simbólico extraordinário no sentido de arrefecer a mobilização política dos pobres. Por seu lado, as elites se diversificaram tendo o cuidado de evitar grandes conflitos internos, em outra manifestação da contemporaneidade do não-coetâneo. Setores oligárquicos se aliaram a elites nacionais modernas, que se aliaram a grupos internacionais. O fenômeno é típico de países sem revolução, em que setores da elite, ou mesmo das classes dominantes, se sobrepõem uns aos outros, se interpenetram, sem se eliminarem mutuamente. Ele confere às elites uma extraordinária capacidade de sobrevivência, reforçada pela tardia incorporação do povo. PARA ONDE? Uma pergunta que se coloca a essa altura é se é possível apontar tendências, direção, no campo móvel e fluido de valores e comportamentos que procurei desenhar. Não basta diagnosticar a mistura do velho e do novo, a contemporaneidade do não-coetâneo, é preciso tentar prognosticar, com todos os riscos inerentes à tarefa. Guerreiro Ramos apostava no surgimento e consolidação da política ideológica. Se não podemos contar com ela pelas razões indicadas, será possível perguntar em que outra direção caminhará nossa política? Imagino que sim, desde que evitemos a perspectiva evolucionista, isto é, o estabelecimento 210 brasil-argentinaFIM.pmd 210 5/2/2004, 11:02 apriorístico de percursos necessários. A sobrevivência de traços arcaicos não tem impedido que a cultura e a prática da política tenham estado em constante mutação. Há nelas elementos dinâmicos que as empurram em novas direções. Podemos perfeitamente indagar da probabilidade da construção de um sistema estável de governo que consiga conciliar liberdade política e justiça social, seja qual for o nome que lhe queiramos dar. Lendo o processo político-social brasileiro em perspectiva talvez excessivamente otimista, resumo a seguir os pontos positivos do cenário que me parece aos poucos se delinear. Mudanças na opinião pública Verifica-se constante e consistente ampliação e consolidação da opinião pública nacional informada por valores de justiça social e de identificação do bem público como distinto do interesse privado. Tratase de um progressivo distanciamento das práticas e valores patrimonialistas e clientelistas, tradicionalmente adotados tanto pela elite como pelo povo. Se permanece a visão de que cabe ao Estado cuidar do bem-estar dos cidadãos, muda a percepção dos métodos a serem utilizados. O aumento da competição pelos favores do Estado, possibilitado pela educação escolar e cívica, vem tornando clara a necessidade de se estabelecerem regras impessoais de distribuição dos bens públicos, validando o velho dito atribuído a Rui Barbosa: ou todos nos locupletamos ou instaure-se a moralidade. Como agora são muitos ao candidatos às benesses, não há o suficiente para locupletar a todos, restando a alternativa da moralidade. Cria-se, então, a consciência da ilegitimidade dos métodos clientelistas e cresce a intolerância à corrupção. Essa modificação na opinião pública requer, para sua consolidação, o aumento da competição no campo da mídia eletrônica e uma drástica alteração nos indicadores de escolaridade. As duas coisas se têm verificado nos últimos anos. Mudanças no Ministério Público e no Judiciário Pode-se com razoável segurança supor a continuação e ampliação da atuação agressiva do Ministério Público no sentido de levar o rigor das leis aos altos escalões da sociedade. A isso se deve acrescentar a reforma do Judiciário, até agora mais discutida do que implementada. Mas é grande e crescente a pressão por sua efetivação. 211 brasil-argentinaFIM.pmd 211 5/2/2004, 11:02 A reforma do Judiciário se faz necessária para a inclusão dos pobres na distribuição dos benefícios da lei. Levar o rigor da lei aos ricos e seus benefícios aos pobres significa, no final, a garantia dos direitos civis da população com o conseqüente aumento de sua adesão ao sistema e de sua capacidade cívica. Esse componente das mudanças mantém uma relação de reforço mútuo com o fortalecimento da opinião pública. Em minha hipótese otimista, as duas forças continuariam a minar as práticas oligárquicas e clientelísticas e a depurar o mundo político dos representantes dessas práticas, conferindo aos poderes da República a representatividade e a credibilidade de que tanto carecem. Mudanças nos indicadores sociais Verifica-se retomada da tradição de ênfase nos direitos sociais iniciada nos anos 30 por Vargas via introdução da legislação trabalhista e previdenciária. Os setores da elite brasileira posteriores a 30 não dominados por concepções ortodoxas do liberalismo sempre compreenderam a importância da política social como mecanismo eleitoreiro e como tática de cooptação política. A grita pelo social é hoje geral. Isso não é exclusivo do Brasil, mas entre nós a tradição de estadania, de esperar do Estado a solução de todos os problemas, faz da política social um elemento central do êxito político. Nas condições de hoje, a atenção ao social por parte dos governos, sobretudo do federal, se dirige sobretudo aos benefícios indiretos trazidos pela melhoria dos serviços públicos nas áreas da educação, saúde, saneamento, segurança e lazer. As estatísticas têm demonstrado a sistemática melhoria desses indicadores sociais, com reflexos positivos nos índices de mortalidade infantil e de esperança de vida. Até mesmo iniciativas de conotação populista, como a construção do piscinão na praia de Ramos, no Rio de Janeiro, atendem a legítima cobrança do direito ao lazer e podem afetar a visão do Estado na população de bairros periféricos. O único indicador social que tem piorado é o da segurança pública, não por acaso transformado em item prioritário da campanha presidencial e preocupação central dos cidadãos e governos das grandes cidades. Mudanças na qualidade da representação A serem verdadeiras as mudanças acima apontadas, podese esperar também alteração no comportamento do eleitorado. Aos 212 brasil-argentinaFIM.pmd 212 5/2/2004, 11:02 poucos, o ato de votar, que se esvaziara de sentido durante os governos militares e que antes disso exibia características clientelísticas e populistas, adquire conotação mais próxima da representação coletiva de interesses e da cobrança de eficiência e correção no comportamento dos eleitos. O teste definitivo dessa alteração deverá acontecer nas eleições locais, mais protegidas da pressão da opinião pública nacional e mais sujeitas aos vícios das velhas práticas. Casos de impedimento de prefeitos e cassação judicial de mandatos de vereadores já têm acontecido e a probabilidade é que eles se multipliquem. CONCLUSÃO: O DESAFIO DA CONSTRUÇÃO SOCIAL DA DEMOCRACIA O conteúdo positivo de todas essas mudanças pode, no entanto, ser anulado pela teimosa persistência das desigualdades sociais. Apesar de ser a undécima economia do mundo, em termos de Produto Interno Bruto, o Brasil se coloca entre os países mais desiguais, entre aqueles em que é maior a distância entre ricos e pobres. Em 1998, os 50% mais pobres detinham apenas 11% da renda nacional. Nos últimos 20 anos, a renda geral da população cresceu, mas a distância entre ricos e pobres não diminuiu. Tudo muda no país, exceto a desigualdade. A desigualdade incide mais pesadamente sobre os grupos da população vitimados ao longo da história, os descendentes dos escravos, os trabalhadores rurais, as mulheres, os nordestinos. Ela se verifica na distribuição da renda e da educação. O analfabetismo dos nãobrancos é duas vezes superior ao dos brancos. Os últimos têm dois anos a mais de escolaridade do que os primeiros. Igualmente, a renda média dos brancos é o dobro da dos não-brancos. As mulheres conseguiram eliminar sua desvantagem no campo educacional onde até mesmo superaram os homens. Mas os salários pagos para igual trabalho ainda é menor para elas. Segundo o Censo de 2000, o salário médio das mulheres ainda eqüivalia naquela data a apenas 71% do salário médio dos homens. A pobreza rural se reflete nas estatísticas de educação e renda. A taxa nacional de analfabetismo em 2000 era de 12,8%, mas nas áreas rurais subia para 28%. A renda média urbana era de R$ 854,00, contra R$ 327,00 da renda rural. As desigualdades regionais também são dramáticas. O analfabetismo no Nordeste em 2000 era de 26%, 213 brasil-argentinaFIM.pmd 213 5/2/2004, 11:02 mais do dobro do nacional. O analfabetismo funcional atingia 50% da população nordestina. Cálculos da Organização Mundial da Saúde para 1997 indicavam que havia no Brasil 54% de pobres (definidos como aqueles que recebiam 70 dólares ou menos de renda mensal). No Nordeste, a porcentagem subia para 80% da população. Em outras culturas políticas, tal distância entre ricos e pobres poderia facilmente levar ao fortalecimento de partidos ou grupos radicais, ou mesmo a explosões de radicalismo político. Mas entre nós previsões nessa direção têm fracassado sistematicamente. Lembrando um estudo de Barrington Moore, Jr, pode-se dizer que nossa cultura, à semelhança da indiana, contém alta dose de tolerância à injustiça (Moore Jr., 1978). O PT tem crescido, mas tudo indica que sua possibilidade de chegar ao poder está vinculada ao abandono de posições radicais. O MST é o movimento que mais se aproxima de movimento radical hoje, mas padece da limitação oriunda do fato de mobilizar parcela da população que perde rapidamente seu peso numérico no quadro nacional. Mas, mesmo na ausência de tradução política dos efeitos da desigualdade, permanece a pergunta de como poderá o país lidar com a grande massa de pobres e miseráveis que povoa as grandes cidades. Sintoma perturbador é a expansão do crime a níveis nunca antes verificados. Graças à presença do tráfico de drogas nas comunidades, nossas metrópoles se tornaram inseguras, apresentando índices de homicídios comparáveis aos de países em guerra civil. O enfrentamento desse problema ultrapassa em muito medidas de reforma policial e judiciária. Não se pode excluir de antemão a possibilidade de organização política dessas massas marginalizadas ao longo de linhas radicais ou mesmo de sua manifestação em explosões tópicas, como já aconteceu no passado. Mesmo que tal não se dê, a simples expansão do governo paralelo dos comandos do tráfico, abrangendo territórios cada vez maiores das grandes cidades, já significa perda irreparável para as liberdades civis e, portanto, para a qualidade da democracia. O grande teste de nossa democracia política, e isso vale também para quase todos os outros países da América Latina, será sua capacidade de promover a democracia social, de produzir e implementar políticas que reduzam a desigualdade que nos separa e a violência que nos amedronta. Internamente, militam a favor de um cenário positivo 214 brasil-argentinaFIM.pmd 214 5/2/2004, 11:02 as mudanças apontadas, sobretudo a cobrança da opinião pública, o aperfeiçoamento da representação, os investimentos na melhoria das condições de vida. Militam contra, entre outros fatores, a dificuldade de retomar índices satisfatórios de crescimento econômico, a dívida pública, a baixa eficácia das máquinas governamentais, a resistência das elites em abrir mão de privilégios, a oposição das corporações policiais e judiciária à reforma de suas entidades e atribuições. Externamente, joga a favor o apoio generalizado aos regimes democráticos. Jogam contra, entre outros, o impacto negativo da abertura comercial sobre a geração de empregos, as limitações aos investimentos sociais decorrentes da exigência de disciplina fiscal, a dívida externa, os ataques especulativos do capital financeiro internacional. O impasse poderia ser descrito da seguinte maneira: a desigualdade social pode ser reduzida diretamente pelo aumento do emprego ou indiretamente por política sociais compensatórias, ou, idealmente, pelas duas coisas ao mesmo tempo; as disciplinas fiscal e monetária, exigências da nova ordem internacional, freiam o crescimento econômico e reduzem os recursos para investimento social; investimento social sem novos recursos implica um jogo distributivo de soma zero, isto é, o que se aloca em uma rubrica tem que ser tirado de outra; tal redistribuição para ser feita em escala significativa exige políticas públicas só possíveis na presença de forte representação política dos pobres; uma das características de nossos pobres é não serem capazes de se representar politicamente. Nas sociedades que tiveram êxito na construção de democracias sólidas, a democratização da política ou se deu concomitantemente à da sociedade, ou esta precedeu àquela. Quando a ação política democratizou a sociedade, caso dos países que passaram por revoluções socialistas, ela o fez por métodos não democráticos. As mudanças apontadas acima caminham na direção de tornar o sistema político mais sensível às necessidades sociais. Continuará sendo, no entanto, tarefa árdua, que desafia nosso otimismo, a de reformar nossa sociedade por métodos democráticos, sobretudo na presença de uma herança social tão negativa como a que construímos. 215 brasil-argentinaFIM.pmd 215 5/2/2004, 11:02 BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Martins de. Brasil Errado. Rio de Janeiro: Organizações Simões, 1952 (1ª ed. 1932). AMADO, Gilberto. Eleição e representação. Rio de Janeiro, 1931. CARVALHO, José Murilo. A construção da cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. CPDOC-FGV/ISER. Lei, justiça e cidadania. Sinopse dos resultados da pesquisa. Rio de Janeiro, 1998. IBGE. Associativismo, representação de interesses e intermediação política. Rio de Janeiro, 1997. MOORE Jr., Barrington. Injustice. The social bases of obedience and revolt. New York: Macmillan, 1978. RAMOS, Guerreiro. A crise do poder no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1961. 46-67. RANGEL, Inácio. Dualidade básica da economia brasileira. Rio de Janeiro: ISEB, 1957. SANTOS, Wanderley Guilherme dos. “Raízes da imaginação política brasileira”. DADOS, 7 (1970), 137-171. VIANA, Oliveira. Instituições políticas brasileiras. Rio de Janeiro: José Olympio, 1949. ROMERO, José Luis, Las ideas políticas en Argentina, 5a ed., Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 1975. ROMERO, Luis Alberto, Breve historia contemporánea de la Argentina. 2da ed., Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2001. ROMERO, Luis Alberto: Argentina. Crónica total del siglo XX. Buenos Aires, Aguilar. 2000. ROUQUIÉ, Alain, Poder militar y sociedad política en la Argentina. Buenos Aires, Emecé, 1981/1982. SCHVARZER, Jorge La política económica de Martinez de Hoz. Hyspamérica, Buenos Aires, 1986. SIGAL, Silvia y Verón, Eliseo, Perón o muerte. Las estrategias discursivas del fenómeno peronista. Buenos Aires, Legasa, 1986. TORRE, Juan Carlos, Los sindicatos en el gobierno, 1973-1976. Buenos Aires, CEAL, 1983. ZANATTA, Loris, Del estado liberal a la nación católica. Iglesia y Ejército en los orígenes del peronismo. Bernal, Universidad Nacional de Quilmes, 1996. 216 brasil-argentinaFIM.pmd 216 5/2/2004, 11:02 Comentários Boris Fausto: Em primeiro lugar, me chamou muito a atenção – é uma coisa óbvia, mas que vale à pena ser ressaltada – o clima mental, por assim dizer, em que esses dois papers foram escritos. Eu diria, provocadoramente, que o paper de Luís Alberto reflete a situação social de um país que está dentro de um poço; ele se pergunta como sair desse quadro tão difícil. O papel de José Murilo me parece bafejado por uma onda de otimismo. Eu seria das últimas pessoas a desmentir o otimismo. Mas, em todo caso, é um otimismo que, partindo dele – mente quase sempre crítica muito aguçada – chega a surpreender. A partir dessa primeira observação “climática”, acho útil comparar as culturas políticas brasileira e argentina, com relação a um longo período histórico. Há algo muito visível, no período 1890-1930, que é a diferença dos sistemas políticos. Com todos os seus problemas, com as suas deficiências, a Argentina levava uma enorme vantagem sobre o Brasil, em termos de constituição do sistema partidário, participação da população, comparecimento às eleições etc. Não vou insistir no que era o Brasil oligárquico mas lembro, no plano institucional, a diferença com a Argentina, sobretudo a partir da Lei Saenz Peña, de 1912. Lembro a riqueza da disputa partidária entre conservadores, União Cívica Radical, socialistas e por aí vai. Ora, tenho a impressão de que devemos marcar isso, mas devemos salientar também uma coisa que o Luís Alberto colocou, que é um vício, digamos assim, da cultura política argentina, não obstante o avanço das suas instituições, formalmente liberal-democráticas. Estou me referindo ao que ele chamou de coexistência de baixa conflitividade social com elevadíssima conflitividade política e cultural, durante um longo período da história argentina. Penso que a conflitividade política argentina vem de longe. Assumiu aspectos dramáticos, a partir das ditaduras militares. Mas é algo que ocorre já na vigência de um sistema democrático aberto, onde nunca se estabeleceu um consenso básico, entre as diferentes correntes. 217 brasil-argentinaFIM.pmd 217 5/2/2004, 11:02 Isto é, se as regras formais democráticas de alguma maneira funcionaram, houve ao mesmo tempo um espírito de exclusão do outro, traduzido, a partir dos anos 20, no radicalismo, no anti-radicalismo, na veneração de Hipólito Yrigoyen e na correspondente execração dessa figura política. E, depois, segue-se, começando em meados dos anos 40, o peronismo e o anti-peronismo, como sombras que percorrem a História argentina dos anos mais recentes. Alguém diria: “Bom, mas no Brasil nem tudo são flores”. Certamente, não são flores. Até porque me parece que uma das razões da menor conflitividade no Brasil reside no fato de que houve aqui uma emergência muito menor do povo, na vida social e na vida política. Há uma baixa pressão sobre as elites. E, de algum modo, as elites puderam chegar a um entendimento, maior ou menor, ao longo dos anos. Creio que o exemplo mais nítido são os casos de Perón e Vargas. A sombra de Perón permanece, na História argentina, depois da primeira queda, reemergindo a figura do general em um segundo governo, a partir de 1973. Mais do que isso, em toda a História argentina dos anos mais recentes, a presença fantasmática, pode ser, mas a presença, de qualquer forma, de Perón permanece, pelo menos até o início dos anos 90, quando Meném se propõe então, como peronista, a desfazer as idéias, realizações, fracassos e mitos peronistas. No caso brasileiro, podemos dizer que a presença varguista, a presença getulista, como se dizia no meu tempo, é muito menor. A sombra de Getúlio, em última análise, depois da ditadura militar, vai ter um último eco, com Brizola. E, hoje, Brizola é apenas um simulacro de líder populista. Entre outros fatores, a existência de um consenso básico relativo – que pode ir água abaixo – torna o quadro político brasileiro relativa – ano do chegada ao poder do general Videla e do início do chamado processo de reorganização nacional – pode ser tomado como referência básica de uma bifurcação de caminhos entre o Brasil e a Argentina. Por que digo isso? Porque, a meu ver, a ditadura implantada em 1976, na Argentina, teve um caráter bem mais deletério do que a ditadura militar brasileira, apesar desta ter tido uma longa duração no 218 brasil-argentinaFIM.pmd 218 5/2/2004, 11:02 tempo. Não preciso dizer que não estou fazendo o elogio da ditadura brasileira, mas quero assinalar que, a partir de meados dos anos 70, ocorre um envolvimento total das forças armadas argentinas numa ofensiva visando à destruição física dos adversários ou inimigos políticos do regime, acompanhada de um gradativo processo de desmoralização das instituições do país. No Brasil, não chegamos a tanto. As Forças Armadas, bem ou mal, preservaram certas instituições, ou se viram obrigadas a preservá-las. Para ficar num exemplo expressivo, vejam o caso da Universidade. Quando se fala em repressão nas universidades brasileiras, durante o regime militar, não me parece que devamos identificá-la, não obstante seus enormes males, como uma repressão maciça. A não existência de um quadro totalitário, permitiu a permanência e a formação de novos quadros universitários, apesar da atmosfera de medo e das aposentadorias compulsórias dos nomes em maior evidência. Além disso, vale a pena lembrar que o regime militar perdeu a batalha ideológica no âmbito universitário, pois as idéias democráticas e as idéias de esquerda permaneceram como idéias dominantes. Em suma, apesar de tudo, não ocorreu um desmantelamento institucional, como aconteceu na Argentina. Com a ressalva de que, no caso argentino, os males já vinham de longe, começando, a partir do peronismo, se não estou enganado, a partidarização da vida universitária. É evidente que as diferenças de cultura política da Argentina e do Brasil não se prendem apenas ao enfoque que, breve e algo irresponsavelmente, procurei sugerir. Mas creio que há um campo importante por explorar, na linha da maior ou menor conflitividade sóciopolítica e cultural, na linha da formação ou não de um consenso básico, a partir da qual talvez possamos entender um pouco mais os dilemas complicados dos dias que correm. 219 brasil-argentinaFIM.pmd 219 5/2/2004, 11:02 220 brasil-argentinaFIM.pmd 220 5/2/2004, 11:02 CONDIÇÕES PARA UMA ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO CONJUNTO DO BRASIL E ARGENTINA João Paulo de Almeida Magalhães Ao assinarem o Tratado de Assunção, o Brasil e Argentina fizeram opção por estratégia de desenvolvimento conjunto. Com isso obedeceram à tendência da conclusão de acordos de integração regional, que se difunde rapidamente no mundo. O objetivo do presente documento é indagar a melhor forma de traduzir em ações concretas a opção por política de desenvolvimento conjunto, corporificada no MERCOSUL. Para tanto, começaremos por traçar as linhas básicas de estratégia capaz de proporcionar a eliminação do atraso econômico dos dois países, passando depois a indagar de que forma esta pode ser implementada e qual o papel do MERCOSUL nesse contexto.1 O assunto será dividido em três seções: na primeira, se fará recapitulação das análises recentes que indicam as condicionantes básicas de política eficaz de desenvolvimento; na segunda, se indagará as causas do pouco sucesso, nas última décadas, das políticas econômicas implementadas nos dois países passando–se, em seguida, a propor os meios e modos de corrigir tal situação e, na terceira, serão propostas as grandes linhas de política destinadas a transformar o MERCOSUL no instrumento básico para se alcançar o objetivo de desenvolvimento conjunto. 1 No curso da exposição as referências e análises se basearão, algumas vezes, somente na situação brasileira sobre a qual dispomos de mais informações. Na maioria das vezes ,contudo, as observações e conclusões propostas valem igualmente para a Argentina. Quando se falar do MERCOSUL as referências serão apenas a esses dois países, seja pelo seu maior peso relativo, seja por constituírem eles o objeto principal do presente texto. Assinale –se, finalmente. Que muitas das idéias aqui expostas já foram por nós desenvolvidas em outros textos pelo que preferimos , em vez de onerar o trabalho com citações e referência bibliográficas, remeter o leitor diretamente aos textos pertinentes. 221 brasil-argentinaFIM.pmd 221 5/2/2004, 11:02 I – C ONDICIONANTES PRINCIPAIS DE MODELO EFICAZ DE DESENVOLVIMENTO 1 – A melhor forma de enfocar a questão consiste em indagar porque existem países subdesenvolvidos. A resposta parece, em princípio, simples. Até fins do século XVIII e princípios do XIX, inexistiam países subdesenvolvidos. Estudos disponíveis mostram, de fato, que a diferença, em termos de produto por habitante, entre pobres e ricos não ia além de 1 para 2. A grande disparidade atual surgiu com a chamada Revolução Industrial, em que progresso tecnológico, rápido e contínuo, tornou possível constante aumento de capital por trabalhador, com o resultante incremento no produto por habitante. Os países que aproveitaram essas oportunidades são os hoje desenvolvidos e os que se abstiveram de fazê–lo, se viram relegados à condição de subdesenvolvimento. Esse fato fez com que as medidas propostas para eliminar o atraso econômico se concentrassem na perspectiva da oferta. Ou seja, o necessário e suficiente para os subdesenvolvidos seria levar poupanças a nível que permitisse seu capital por trabalhador crescer mais rapidamente que o dos desenvolvidos. Com isso, após algum tempo, se eliminaria o hiato existente entre países ricos e pobres, em termos de produto por habitante2. Nesse contexto, cabe observação importante. A tendência a enfocar o problema pelo lado da oferta vai se refletir amplamente nas teorias do crescimento econômico. Tanto em estudos neoclássicos, como de Solow (1956) quanto nos trabalhos mais recentes sobre o crescimento endógeno, o mercado é simplesmente ignorado. A exceção representada pelo modelo Domar – Harrod (1957) é apenas aparente. Ele incorpora, de fato, o aspecto da demanda monetária que nada tem a ver com o mercado ou demanda real3. O mesmo abandono da perspectiva do mercado acontece nas análises sobre o desenvolvimento 2 Alguns estudos brasileiros recente conferem grande importância à produtividade total dos fatores nas políticas de desenvolvimento. Em Magalhâes ( 2000) sustentamos que tal posição não é confirmada nem pelos fatos e nem pela literatura especializada. 3 A diferença entre demanda monetária e mercado ( ou demanda real) é explicitada em Magalhães ( 1974) 222 brasil-argentinaFIM.pmd 222 5/2/2004, 11:02 econômico, como a que conferiu a Lewis (1958) o prêmio Nobel de Economia. Ou seja, a chamada lei de Say , segundo a qual a oferta cria sua própria procura, era implicitamente aceita por toda literatura. A inadequação desse enfoque somente vai ser reconhecida nos escritos de Rosenstein– Rodan (1961) e Nurkse (1955) que, contudo, não fizeram escola. Análises recentes sobre o caso de sucesso dos países do Leste da Ásia, introduziriam radical mudança nesse estado de coisas. O primeiro passo nesse sentido foi dado pelo relatório do Banco Mundial “East Asian Miracle”(1993). Mostrou ele que, ao contrário do geralmente aceito, não era o aumento da poupança que determinava o incremento mais rápido do PIB, mas sim o aumento deste último que elevava as poupanças. Ou, colocando a questão em outros termos, verificou –se registrarem todos países da região elevadas taxas de poupança ( em torno de 30% do PIB) sem que fosse possível identificar política uniforme capaz de determinar esse resultado. Tal fato levou os analistas a aceitarem que, diferentemente do suposto até agora, a simples existência de mercado (ou de oportunidades de investimento) se traduzia em aumento das poupanças4. Ou seja, a condição básica do sucesso das políticas de desenvolvimento deixava de ser a existência de poupanças de nível suficiente, para se tornar a disponibilidade de mercado de dimensão e dinamismo adequados. O mercado como condicionante principal das políticas de desenvolvimento teve, aliás, interessante confirmação no Brasil em situação que segundo a CEPAL (1995) vale para toda a América Latina. Nos últimos anos ingressaram no país grandes montantes de poupança externa (em nível anual de 20 a 30 bilhões de dólares) sem que a percentagem de investimentos sobre o PIB registrasse qualquer elevação (mantendo–se ancorada na percentagem de 19% do PIB). A interpretação desse fato, em termos do enfoque analítico aqui proposto, é simples. Diante de estratégia de desenvolvimento que não proporcionava mercado capaz de viabilizar grandes investimentos, a entrada da poupança externa nada mais fez que deslocar para o consumo quantidade equivalente da poupança interna, sem qualquer ganho para o desenvolvimento. 4 Esse aspecto é examinado com profundidade em Magalhães (2002 A) 223 brasil-argentinaFIM.pmd 223 5/2/2004, 11:02 Em termos da gíria econômica a poupança interna foi “crowded out” pela externa Em suma, na inexistência de mercado das dimensões requeridas pela política de desenvolvimento, não adianta elevar poupanças. Em sentido oposto, se o mercado existir nenhuma ação especial é requerida: as poupanças se formarão espontaneamente. Donde se conclui que o aspecto básico a ser considerado em estratégia conjunta de desenvolvimento Brasil - Argentina é a disponibilidade de mercado5. Esse fato não deveria, aliás, ser considerado surpreendente visto que, em toda literatura, os modelos de desenvolvimento sempre foram classificados pelo tipo de mercado em que se apoiavam. Tivemos, assim, no Brasil, o modelo primário – exportador , baseado no mercado externo de produtos agrícolas, o modelo de substituição de importações, explorando o mercado interno de manufaturas e se tenta hoje implementar modelo de “integração competitiva no mercado mundial”, cujo sucesso depende, fundamentalmente da exportação de montante adequado de produtos industrializados. A par disso, em todos os casos, o fracasso (ou abandono) dos modelos foi determinado pela insuficiência de mercado. O primeiro, foi deixado de lado porque o mercado internacional para bens primários crescia lentamente sendo incompatível com a necessidade de crescimento acelerado dos países subdesenvolvidos. O segundo modelo estagnou ao se esgotar o mercado representado pelas oportunidades de substituir importações e, finalmente, os maus resultados do atual modelo econômico são atribuídos à insuficiente penetração das mercadorias brasileiras no mercado mundial. 2- Estabelecida a garantia de mercado como a condicionante básica das políticas de desenvolvimento conjunto Brasil–Argentina, faz -se necessário indagar se o mercado a ser explorado é o interno ou externo. Ou seja, se a preferência deve ser dada ao crescimento para 5 O fato de a disponibilidade de mercado assumir papel central nas políticas de desenvolvimento não autoriza, todavia, ignorar o aspecto da oferta. De pouco valerá, de fato, a existência de mercado se o país não contar com empresariado dinâmico, capacitação tecnológica , mão – de obra de nível adequado e instituições capazes de orientar a disponibilidade de poupanças para aplicações prioritárias 224 brasil-argentinaFIM.pmd 224 5/2/2004, 11:02 dentro ou para fora. A pergunta é importante porque, dispondo o Brasil de um dos dez maiores mercados internos do mundo, importante corrente de especialistas defende a adoção de estratégia de crescimento para dentro. E essa tese ganha força com a integração do mercado brasileiro com o da Argentina. Em favor da estratégia de crescimento para dentro temos os bons resultados do modelo de substituição de importações. No caso brasileiro este proporcionou, nas três décadas seguintes à Segunda Guerra Mundial incremento do PIB na média anual de 7%. Não seria possível repetir esses bons resultados ? Para bem responder à pergunta faz-se necessário indagar as causas do estancamento do modelo de substituição de importações. Nos debates ocorridos no Brasil no início dos anos 60 ( quando o modelo apresentou seu os primeiros problemas) a opinião, praticamente unânime, era de que se estava diante de dificuldade ligada à insuficiência de mercado. As sugestões para contornar a dificuldade lançaram mão do pouco que se dispunha, na literatura especializada, sobre a insuficiência da demanda como obstáculo ao crescimento. Assim, com base no paradigma keynesiano se propôs grandes investimentos governamentais e, a partir da visão marxista6, foram sugeridas amplas medidas de distribuição de renda. Na verdade, contudo, a interpretação correta é a baseada em Rosenstein-Rodan e Nurkse. O problema era de indivisibilidade, ou da dimensão mínima imposta às atividades produtivas pela moderna tecnologia. Enquanto existiram oportunidades de substituição de importações estas, mais o crescimento vegetativo do PIB, contornavam o problema. Do momento, no entanto, que se esgotaram as oportunidades de substituir importações, o simples crescimento vegetativo do PIB se revelou insuficiente, em setores de vital importância, para viabilizar a criação de novas unidades produtivas. Com isso o modelo substituidor entrou em colapso. Ou seja, diferentemente do que se supunha, não foi possível passar automaticamente da substituição de importações para o 6 Observe–se que a posição de Marx constitui exceção na literatura sobre o crescimento ao considerar a insuficiência do mercado ( entendido corretamente como demanda real) importante obstáculo ao crescimento, situação manifestada seja nas crises de subconsumo, seja mo colapso final do capitalismo 225 brasil-argentinaFIM.pmd 225 5/2/2004, 11:02 crescimento auto sustentado. Tal evolução só ocorreria se a substituição de importações houvesse proporcionado PIB de dimensões tais que seu simples crescimento proporcionasse o mercado necessário para viabilizar a manutenção dos investimentos no nível anterior. O que não aconteceu7. Como, de então para cá, o PIB brasileiro cresceu em ritmo relativamente lento, a situação não se modificou. A pergunta relevante torna-se, então, a seguinte: não teria a integração dos mercados brasileiro e argentino, proporcionada pelo MERCOSUL, modificado a situação? A resposta é negativa porque, se tal fosse o caso, após meia década de existência do Acordo, pelo menos os primeiros sintomas da volta a crescimento acelerado deveriam se ter manifestado. A conclusão a que se chega, portanto, é dever programa conjunto de desenvolvimento Brasil - Argentina adotar como base o mercado externo. Isto é, ser do tipo crescimento para fora. 3 - Essa modalidade de crescimento é defendida tanto pela “mainstream economics” como pelas agências internacionais. Em seu favor se alega não só a experiência de sucesso dos países do Leste da Ásia, como as seguintes vantagens específicas: (a) eliminação do problema da indivisibilidade decorrente da pequena dimensão do mercado interno dos subdesenvolvidos, (b) exigência de elevados níveis de produtividade para permitir o rápido aumento das exportações e suportar a concorrência das importações e (c) viabilizar o apoio ao processo dinâmico pela poupança externa. Este último aspecto deve ser explicitado. O investimento estrangeiro entra no país em função da rentabilidade esperada e da garantia da conversibilidade, significando esta última a possibilidade de transferir os ganhos obtidos para moeda do país de origem do capital. Nos modelos de crescimento para fora, a conversibilidade não constitui problema pois quanto mais capital estrangeiro entra no país, mais crescem as exportações e , portanto, mais rapidamente se elevam as disponibilidades de divisas. O modelo 7 Esse aspecto e aprofundado em Magalhães ( 1974 ) 226 brasil-argentinaFIM.pmd 226 5/2/2004, 11:02 de substituição de importações, se não aumenta, pelo menos economiza a moeda estrangeira viabilizando, dessa forma, o serviço da dívida externa. O crescimento auto-sustentado, que configuraria o novo tipo de crescimento para dentro, não aumenta nem economiza divisas, gerando o problema da conversibilidade, incompatível com apoio da poupança externa. Aspecto importante a ser sublinhado é que, embora programa de desenvolvimento conjunto do Brasil-Argentina deva se basear fundamentalmente no mercado externo, o mercado interno não pode ser ignorado. Isso por três motivos motivos. Em primeiro lugar porque, economicamente unificados, os dois países disporão de grande mercado interno e a experiência demonstra que nações com essa característica não exportam mais que 20% do PIB. Isto significa que os investimentos destinados a atender o mercado interno serão significativamente mais altos do que os destinados ao mercado externo. Isto significa que, embora as exportações constituam o setor dinâmico básico, seu impacto positivo sobre o desenvolvimento só será maximizado por programas orientados para o mercado interno. Em segundo lugar, a experiência demonstra que uma das formas mais eficazes de elevar a produtividade aos níveis requeridos pela exportação, consiste no atendimento inicial do mercado interno, viabilizado este inclusive através de medidas protecionistas. Finalmente, o mercado externo revela - se muitas vezes inacessível em função de custos – país inelimináveis ou mesmo de medidas protecionistas de terceiros países. Nesse caso a única solução disponível consiste em explorar o mercado interno. E essa alternativa encontra em grandes mercados internos, como o constituído pelo Brasil e Argentina integrados, condições especialmente favoráveis. II- LINHAS BÁSICAS DE POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO CONJUNTO BRASIL – ARGENTINA 227 brasil-argentinaFIM.pmd 227 5/2/2004, 11:02 1 - A proposta de estratégia de crescimento para fora, a ser adotada pelo Brasil e Argentina, se defronta, de imediato, com importante indagação. Com base no Consenso de Washington e em função de pressões exercidas por organismos internacionais, esses dois países já vinham implementando estratégia de crescimento para fora, sem qualquer sucesso. Não seria esse fato demonstração suficiente, conforme afirmam alguns defensores do crescimento para dentro, da inconveniência desse tipo de estratégia? A ilação correta não é esta mas simplesmente de que, não basta optar por crescimento com base no mercado externo, mas faz - se indispensável que a estratégia adotada obedeça a determinadas características. O que não ocorreu no caso dos dois países. Colocando a questão sobre outro ângulo, e baseado no esquema analítico da seção anterior, diríamos que as políticas implementadas nos dois países, da modalidade “integração passiva” na economia mundial, não foram capazes de proporcionar–lhes mercado de dimensões e dinamismo adequados. Isso por três motivos básicos. Em primeiro lugar, inspirados pelo neoliberalismo do Consenso de Washington, os dois países abriram rápida e unilateralmente suas economias. A expectativa era de que as coisas se passariam da maneira que segue. Liberadas as importações, a concorrência dos fornecedores estrangeiros faria com que as empresas locais atingissem níveis internacionais de produtividade. Feito isso, a simples procura da maximização de lucros as lançaria em agressivas políticas exportadoras. O que de fato sucedeu foi o lento crescimento das vendas externas e a explosão das importações. Isso aconteceu porque os proponentes dessa política não levaram em conta um fato básico (a análise refere–se aqui especificamente ao Brasil) a saber: a industrialização do país representou, para as empresas estrangeiras e importadores nacionais de manufaturas um “second best” Teriam preferido continuar importando o produto acabado. Diante, todavia, da escassez de divisas e medidas protecionistas viram–se obrigados a produzir no país. Do momento, porém, que a economia foi amplamente aberta às importações, era lógico e normal que evoluíssem para o first best voltando 228 brasil-argentinaFIM.pmd 228 5/2/2004, 11:02 a trazer o produto acabado do exterior, transformando gradualmente suas empresas locais em simples distribuidoras. Isso foi, em boas parte, o que aconteceu. Ou seja, em função do modelo adotado, o Brasil não somente deixou de conquistar parcela significativa do mercado externo como perdeu para o fornecedor estrangeiro margem significativa do interno. A segunda causa do insucesso registrado foi a passividade do Governo. Inspirado pela visão neoliberal, ele se absteve de qualquer esforço de apoio ao produtor local. Com isso, o país se especializou em setores nos quais gozava de vantagens comparativas naturais, a saber, abundância de recursos naturais e mão-de-obra relativamente barata. Ou seja, o Brasil (e isso vale também para a Argentina) se especializou na exportação de “commodities” agrícolas e industriais (papel e celulose, aço, produtos petroquímicos etc). Ora esse setor, por ter mercado de lento crescimento, registrar aixo valor adicionado por trabalhador e ser altamente competitivo, não se ajusta à estratégia de crescimento para fora8. Novamente por esse motivo, a política adotada esbarrou na barreira da insuficiência de mercado. Em terceiro e último lugar, tivemos o problema das empresas multinacionais. Elas desempenharam papel relevante no modelo de substituição de importações e, segundo algumas estimativas, são hoje responsáveis por cerca de 40% do faturamento da indústria brasileira A título de comparação pode–se lembrar que tal percentagem não vai, na Coréia do Sul, além de 11%. Outro ponto importante é que elas empresas controlam exatamente os setores de maior dinamismo no mercado mundial. Essas empresas entraram no Brasil e Argentina para atender ao mercado interno. Os grandes mercados mundiais ( Japão, Estados Unidos e União Européia) lhes estão fechados por já serem atendidos por suas matrizes. Tal fechamento se acha, aliás, amplamente comprovado no caso do Brasil. As estatística mostram, de fato, serem suas exportações significativas somente para os mercados, relativamente pequenos e pouco dinâmicos, do MERCOSUL e países vizinhos. Ou seja , o peso 8 Esse faro foi amplamente reconhecido tanto na literatura brasileira como internacional, conforme se mostra em Magalhães ( 2000) 229 brasil-argentinaFIM.pmd 229 5/2/2004, 11:02 das filiais de multinacionais em setores de grande dinamismo no comércio mundial, ao limitarem os mercados à nossa disposição, constituiu o terceiro fator negativo no modelo brasileiro–argentino de crescimento para fora. Em suma, conforme acima se disse o fracasso da política de desenvolvimento dos dois países decorreu fundamentalmente de não terem conseguido equacionar o problema do mercado. 2 – Essas três falhas apontam claramente para o que se deve fazer em modelo de desenvolvimento conjunto Brasil - Argentina. Trata-se, em última análise, de evoluir do modelo de “integração passiva” no mercado mundial para modelo de “integração ativa” onde o papel do Estado é importante. Este deve se desdobrar dentro de três linhas principais. Em primeiro lugar, o Poder Público deve contribuir de forma importante para a criação de vantagens comparativas em setores dinâmicos do mercado internacional. A literatura especializada mostra, de fato, que muitos dos principais casos de sucesso nas exportações se basearam em vantagens comparativas criadas, e mantidas através do tempo, mediante contínuo esforço para defender a competitividade obtida.. Em países desenvolvidos, as próprias empresas se encarregam da tarefa . Nos subdesenvolvidos a criação de vantagens comparativas depende, porém, de ação ampla e permanente do Estado. Complementarmente o Governo deve lançar-se em política industrial cujo objetivo precípuo é aproveitar as vantagens comparativas, criadas em setores de alto valor adicionado por trabalhador e mercado internacional dinâmico, para lançamento do país em agressiva política exportadora . Isso não significa, obviamente, abandonar o setor de “commodities” onde os dois países têm vantagens comparativas naturais. Elas devem ser aproveitadas no sentido de apoiar o esforço principal levado adiante nos segmentos supra referidos. A segunda medida , a exemplo do ocorrido nos países do Leste Asiático, deve ser de condicionar a abertura às importações ao sucesso da política exportadora. Isso, não apenas evitará o agravamento dos gigantescos déficits de contas correntes dos dois países, como 230 brasil-argentinaFIM.pmd 230 5/2/2004, 11:02 permitirá que qualquer perda de mercado interno para fornecedores alienígenas, seja compensada por ganhos equivalentes no mercado externo. A par disso, não se pode ignorar os graves problemas, não só de contas correntes como de desnacionalização e desindustrialização, resultantes da abertura excessivamente rápida das duas economias e da colocação do produtor local em condições desvantajosas relativamente ao concorrente estrangeiro (em função de impostos em cascata, juros elevadíssimos etc.). Para corrigir essas distorções programa de substituição de importações deve ser previsto. O objetivo deste será, todavia, apenas corrigir os efeitos indesejáveis da abertura da economia nas condições em que foi levada adiante. Medidas protecionistas se farão eventualmente necessárias evitando-se, contudo, repetir o erro de viabilizar atividades de custos injustificadamente elevados9. Será, por fim, necessário definir –se que empresas terão a seu cargo o comando do processo. Mostramos acima que as multinacionais se abstiveram da entrada nos grandes mercados mundiais, já atendidos por suas matrizes A verdade, porém, é que o Governo brasileiro (e possivelmente o argentino) não fez qualquer esforço para modificar esse tipo de comportamento. Cumpre, portanto, verificar previamente até que ponto as multinacionais seriam capazes de (ou se interessariam por) assumir, no novo modelo de desenvolvimento, o mesmo papel de ponta do passado. A aceitação deste, constituiria, sem dúvida, a melhor solução dado que já dispõem da tecnologia requerida, do acesso aos grande capitais necessários, além de amplo conhecimento do mercado mundial. Poder-se-ia colocá–las diante do seguinte problema: segundo estimativas disponíveis, o Brasil (e algo semelhante deve valer igualmente para a Argentina) a fim de voltar ao crescimento acelerado (e resolver seu problema de contas externas) deve aumentar suas exportações à taxa 9 Quaisquer medidas protecionistas encontrarão resistência da OMC. Hoje já se generaliza, todavia, a opinião de que as regras destas, como as do FMI, se inspiram mais na conveniência dos desenvolvidos do que nas necessidades das economias retardatárias. Deve –se, assim, esperar abrandamento dessas regras diante da pressão dos prejudicados. . Sobre o protecionismo como instrumento de desenvolvimento veja –se Magalhães (2001 ) 231 brasil-argentinaFIM.pmd 231 5/2/2004, 11:02 anual de 15%. Aceitariam as multinacionais assumir essa responsabilidade? Que medidas oficiais de apoio necessitariam para tanto? Embora provavelmente concordem (dadas determinadas vantagens e estímulos) em aumentar os nichos que já nos proporcionam em setores dinâmicos dos mercados internacionais, dificilmente irão além disso. Sendo assim, o comando do processo deverá caber a empresas de capital nacional dos dois países , isoladamente ou em “ joint ventures”. E, nesse caso, Governo terá papel importante através de fundos de investimento, de apoio à pesquisa tecnológica e à formação de mão de obra de alta qualificação, de criação de infraestrutura adequada , de reservas de mercado etc. O apoio financeiro à empresa nacional pode ser feito de diversas formas. Uma delas consistiria na subscrição pelo Poder Público da parcela do capital que se revelar necessária deixando, porém, o controle do empreendimento aos sócios privados. O capital do Governo seria posteriormente escoado no mercado ou vendido ao grupo controlador. Essa fórmula tem a vantagem de não determinar a volta atrás na privatização, dado que as empresas ficariam sob controle de particulares. Não se deve, contudo, rejeitar liminarmente modelos como o da EMBRAER, em que o Governo assume integralmente o empreendimento transferindo-o posteriormente a particulares. Nessa política o BNDES (e sua contrapartida argentina existente ou a ser criada), que é um dos dois maiores bancos de desenvolvimento do mundo, terá importante papel a desempenhar . Sua forma de operar deverá, para tanto, sofrer substanciais alterações. Caber– lhe-á, assim, financiar indiscriminadamente empresas situadas no Brasil, ou na Argentina. A par disso, num mundo em que as empresas bem sucedidas são “global players” deverá, sempre que necessário, apoiar investimentos fora do país de empresas de controle brasileiro e argentino. Finalmente, deverá ser autorizado a subscrever qualquer percentagem do capital de empresas privadas. O comando por firmas privadas nacionais do novo modelo de desenvolvimento não exclui importante papel do capital estrangeiro. Este continuará atendendo ao mercado interno e regional, tanto em setores de infra–estrutura como em atividades diretamente produtivas, 232 brasil-argentinaFIM.pmd 232 5/2/2004, 11:02 além de investir no setor de “commodities” onde o problema de concorrência com as matrizes tem menor significado. III – MERCOSUL COMO INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO CONJUNTO BRASIL – ARGENTINA As dificuldades para levar o MERCOSUL a bom termo são conhecidas. Estas devem, porém, ser contornadas qualquer que seja o esforço necessário. Isso equivale a dizer que, mais do que opção econômica, o MERCOSUL deve ser considerado decisão política. A globalização é usualmente considerada aspecto central da moderna economia. Para que isso fosse inteiramente verdade ela deveria, contudo, tomar a forma da abertura comercial de cada país para todos os outros, sem exceção. Ora, o que de fato tende a predominar são aberturas regionalmente restritas. Isto é, o fenômeno central da economia moderna é menos a globalização do que a regionalização. Nesse contexto, países que não se inserirem em processos de integração correm o risco de se verem marginalizados. Donde a importância do MERCOSUL, não só na abrangência atual como até, e preferencialmente, ampliado. A indagação é, portanto, até que ponto ele se ajusta à estratégia de desenvolvimento conjunto acima proposta. O Tratado de Assunção, da maneira por que foi formulado e do modo como está sendo implementado apresenta, desse ponto de vista, quatro falhas graves. Em primeiro lugar, traduz a aceitação implícita de uma estratégia de crescimento para dentro. Ele configura o que poderíamos chamar de política supra nacional de mercado interno.10 Ou seja, da mesma forma que a ALALC dos anos sessenta ele facilita o desenvolvimento enquanto proporciona ao investidor mercado mais amplo, capaz de atender à exigência de tamanho mínimo das unidades produtivas e de proporcionar economias de escala. 10 As integrações podem ser chamadas de políticas de mercado interno porque seu objetivo é permitir a livre circulação de mercadorias e fatores de produção dentro de dado espaço geográfico. Exatamente como acontece no interior de um mesmo país. 233 brasil-argentinaFIM.pmd 233 5/2/2004, 11:02 Quando foi lançada, a ALALC tinha como objetivo facilitar e estimular o modelo de crescimento para dentro, da modalidade substituição de importações, em curso na região. Ora, da forma por que se acha colocado, o MERCOSUL só pode (a exemplo da ALALC) ser entendido como tentativa de viabilizar modelo de crescimento para dentro. Apenas que este do tipo auto sustentado. Nesse contexto, a pergunta relevante é a seguinte: unidos comercialmente Brasil e Argentina oferecem mercado das dimensões necessárias a um crescimento auto sustentado? Essa pergunta já foi antes respondida negativamente. A conclusão é, portanto, clara: posto que a integração Brasil-Argentina signifique substancial aumento no mercado interno conjunto dos dois países, ela não é suficiente para viabilizar novo modelo de crescimento para dentro. O segundo defeito é que o MERCOSUL se coloca, claramente, dentro da visão neoliberal. Dessa perspectiva, os resultados positivos dele esperados resultariam simplesmente da abertura comercial. Realizada esta, a simples ação das forças de mercado proporcionaria o aproveitamento das novas oportunidades surgidas. Em nenhum momento se pensou, assim, em política industrial conjunta capaz de permitir inserção mais ampla do dois países no mercado internacional ou mesmo de atender melhor ao mercado interno ampliado. O terceiro defeito, e esse de especial relevância, pode ser melhor entendido recorrendo-se à experiência da ALALC. Esta, no primeiro momento, se apresentava extremamente promissora, tendo recebido adesão da maioria dos países da região, inclusive do longínquo México. O Tratado previa a total abertura do comércio entre os participantes no prazo de doze anos. Esta deveria ser alcançada através de dois mecanismos de negociação. Em primeiro lugar, reuniões anuais. em que seriam aprovadas concessões tarifárias ou “listas nacionais”. Estas poderiam ser retiradas se o país concedente julgasse estar sendo prejudicado algum setor de sua economia. A par disso, a cada três anos se achava prevista a aprovação de “listas comuns” que, contrariamente, não admitiam volta atrás. Aí vai surgir o problema. Os países da região temiam a concorrência do parque industrial, e contornar corolários negativos de medidas adotadas por um dos 234 brasil-argentinaFIM.pmd 234 5/2/2004, 11:02 membros. Mudanças na taxa de câmbio ilustram bem esse tipo de problema. Colocada a inflação sob controle, o Brasil adotou taxa de câmbio praticamente fixa, o mesmo ocorrendo com a Argentina. Quando o Brasil decidiu liberar o câmbio o real, em pouco tempo, se desvalorizou em relação ao peso em mais de 50%. Com isso, o exportador brasileiro registrou substancial vantagem no mercado argentino, acontecendo o oposto com as exportações daquele país para o Brasil. Isso provocou grandes protestos do prejudicados, com sério risco para o Acordo . Recentemente a situação se inverteu com vantagem para o exportador argentino e perda para o brasileiro. Ora, a repetição desse tipo de problema pode comprometer o MERCOSUL com a exclusão, para todos efeitos práticos, de qualquer política de desenvolvimento conjunto, do qual constitui peça fundamental. Vejamos o que se pode fazer para corrigir essas distorções. 2 – O MERCOSUL deverá, antes de mais nada, deixar de ser simples abertura comercial, destinada a aumentar o mercado interno de seus participantes, se tornando a base de política industrial conjunta do Brasil e Argentina. O objetivo desta seria criar vantagens comparativas em setores do mercado mundial dinâmico e de maior valor adicionado por trabalhador, com a consequente ruptura da especialização em “commodities”. Esse programa poderia ser comandado por empresas multinacionais instaladas em tais setores. A maior probabilidade, todavia, (pelos motivos anteriormente expostos) é de ficar o processo a cargo de empresas nacionais, argentinas, brasileiras ou mistas. Em suma, o MERCOSUL deixaria de ser um fim em si mesmo, para se tornar instrumento viabilizador de estratégia de crescimento para fora, levada adiante, conjuntamente, pelos dois países. Outro ponto de importância básica é a adoção de medidas destinadas a fazer com que as atividades de maior valor adicionado por trabalhador se distribuam equitativamente pelos dois países. Fórmula possível para se chegar a esse resultado foi a proposta no Tratado de Cartagena, que criou o Grupo Andino. Com o fracasso da ALALC, países de porte médio da região lançaram processo de integração incorporando medidas destinadas a evitar que atividades de maior dinamismo e valor 235 brasil-argentinaFIM.pmd 235 5/2/2004, 11:02 adicionado por trabalhador se concentrassem em um, ou alguns dos participantes. Da perspectiva de longo prazo, o sucesso de política de desenvolvimento conjunto Brasil-Argentina dependerá da adoção de instrumento desse tipo . Poder-se ia adotar sistema de reserva de mercado com base no qual atividade designada para um país não seria permitida em outro. Ou se optar por sistema menos agressivo aos mecanismo do mercado consistente em se estabelecer que os instrumentos de apoio e estímulo previstos na política industrial conjunta só beneficiariam empresas instaladas em país para o qual o setor houvesse sido designado. Medidas desse tipo são habitualmente criticadas por se estar abandonando localizações ótimas que seriam as escolhidas no caso de livre funcionamento das forças do mercado. Ora, num mundo em que a competitividade pode resultar de vantagens comparativas criadas, problemas decorrentes de localizações infra-ótimas poderiam ser neutralizados através da adoção de medidas apropriadas. Finalmente, é necessário definir instrumentos destinado a neutralizar os efeitos negativos de medidas de política econômica adotadas por um dos participantes do MERCOSUL. Ocorrências desse tipo podem ser de diferentes modalidades. Limitar-nos-emos ao caso, anteriormente referido, de desvalorizações decididas unilateralmente por uma das partes. O exemplo é importante por ter sido esse tipo de problema que criou graves crise dentro do sistema. A literatura sobre as relações econômicas internacionais mostra que os efeitos de uma desvalorização cambial podem ser reproduzidos através de subsídios às exportações e tributação das importações. Suponhamos que dado país julgue necessário desvalorizar de 20% a taxa de câmbio para equilibrar suas contas externas. Ele pode conseguir os mesmos resultados através de subsídio dessa percentagem às exportações e gravame tributário do mesmo nível sobre as importações. No caso de balança comercial equilibrada, o sistema é, inclusive, autofinanciável. Quando, nas circunstância supra referidas, o real se desvalorizou de mais de 50%, os justos protestos argentinos poderiam ter sido evitados se se autorizasse aquele país a tributar o produto importado brasileiro e a subsidiar suas exportações para o Brasil em igual percentagem. Isso 236 brasil-argentinaFIM.pmd 236 5/2/2004, 11:02 não foi feito e, no momento presente, com desvalorização do peso os protestos passarão a ser das empresas brasileiras 3 – A par das iniciativas acima, destinadas a tornar o MERCOSUL instrumento adequado de desenvolvimento conjunto argentino-brasileiro, outras decisões importantes devem ser tomadas de comum acordo. A mais significativa delas se refere à ALCA. Alega-se em favor desta, que nos daria livre acesso ao mercado dos Estados Unidos, o maior do mundo. Dentro do esquema analítico por nós adotado, que coloca a disponibilidade de mercado no centro da política de desenvolvimento, tal vantagem parece especialmente promissora. Contra esse otimismo existem, no entanto, análises que apontam riscos na integração econômica entre países em níveis muito diferentes de desenvolvimento. A disparidade máxima aceitável entre os produtos por habitante dos participantes de acordos desse tipo seria de 1 para 3. Observe-se que, na União Européia, essa diferença entre Portugal , um dos participantes economicamente mais atrasados , e a Itália e Inglaterra é de 1 para 2. A mesma relação entre o conjunto Brasil-Argentina e Estados Unidos é de cerca de 1 para 6. O problema resulta, em última análise de que, na integração entre desenvolvidos e subdesenvolvidos, os primeiros monopolizam as atividades de maior valo adicionado por trabalhador e mercado mais dinâmico. Ou seja , na prática a ALCA consolidaria a especialização do Brasil e Argentina na exportação de “commodities” o que, como vimos, é incompatível com modelo de crescimento capaz de proporcionar a eliminação do nosso atraso econômico. A dificuldade de se perceber tal fato resulta de, na fase inicial do processo de integração, os países economicamente mais atrasados registrarem ganhos importantes, ao atraírem atividades intensiva de mãode-obra. Tal como no caso das “ maquiladoras” mexicanas. O problema é que, a médio e longo prazos, eles se especializam nessas atividades, o que significa serem condenados a situação de permanente semidesenvolvimento. A rigor a implementação da ALCA deveria ser precedida de programa do tipo Aliança paro Progresso que reproduziria, ao nível das 237 brasil-argentinaFIM.pmd 237 5/2/2004, 11:02 Américas. o que se fez na Europa com o Plano Marshall. A diferença em termos de produto per capita entre os Estados Unidos e seu vizinhos do Sul se reduziria rapidamente, gerando condições para processo de integração igualmente vantajoso para todos envolvidos . Ao lado da ALCA ,e um pouco em consequência dela, surgiram as propostas da União Européia para a abertura do comércio com o MERCOSUL. A vantagem principal alegada no caso seria a abertura para os participantes do grande mercado europeu de produtos agrícolas, hoje protegido por toda sorte de barreiras. Na verdade, porém, o esquema nos colocaria diante de novo tipo de “dutch disease”, em que evolução à primeira vista favorável registra, a prazo mais longo, resultados negativos importantes11. O desaparecimento do protecionismo agrícola europeu viabilizaria, de fato, o rápido aumento de nossas exportações primárias e a retomada de desenvolvimento acelerado, reforçando a visão neoliberal de abstenção do Poder Público. A par disso, a abertura da economia para as manufaturas daquela região, debilitaria nosso parque fabril. O resultado final seria que, após fase de rápido incremento do PIB, o MERCOSUL evoluiria para situação de lento crescimento, em função do baixo dinamismo (ou da pequena elasticidade-renda de demanda) do mercado para produtos agrícolas. Como no caso da ALCA, o resultado final seria a especialização em “commodities” com as consequências já referidas. Na verdade, porém, é politicamente inexequível e mesmo economicamente indesejável a simples recusa a considerar essas propostas. Concentraremos nossa análise no caso da ALCA que configura a situação de maior risco. Em termos econômicos poderíamos, em princípio, (a referência é aqui especificamente ao Brasil) obter nas negociações a imediata eliminação das atuais barreiras americanas contra produtos como o álcool, aço e suco de laranja. O importante é, assim, as negociações serem conduzidas tendo em mente o interesse maior do desenvolvimento conjunto Brasil-Argentina. 11 Bhagwati (1996) referindo –se a esse tipo de problema nos Estados Unidos mostra que a entrada de grandes capitais japoneses valorizou o dólar com as repercussões negativas de dificultamento das exportações e aumento das importações 238 brasil-argentinaFIM.pmd 238 5/2/2004, 11:02 Há diversas maneiras de atender a essa condição. Uma delas consistiria em definir previamente política industrial conjunta para os dois países, cujo objetivo final, como acima proposto, seria alcançar o pleno desenvolvimento através do rápido aumento das exportações em setores dinâmicos e de alto valor adicionado por trabalhador. Essa política, seria levada às negociações da ALCA fazendo-se de sua aceitação requisito básico para o MERCOSUL (ou o Brasil e Argentina) participar no processo. Resposta americana favorável eliminaria qualquer objeção à ALCA. A provável resposta negativa confirmaria os temores de que a aceitação desta, nos conduziria ao semi-desenvolvimento. Colocação do problema nesses termos apresenta a vantagem de elidir intermináveis, e ideologicamente viesadas, discussões dos prós e contras de abertura na escala do continente americano. Cumpre fazer referência final à ALCSA, processo de integração abrangendo todos países da América do Sul. Em 2001, o Presidente do Brasil convocou chefes de Governo dos países da região para discutir o assunto. Todos compareceram e foi unanime a aceitação das vantagens da ALCSA. Depois disso pouco ou nada se fez, o que nos leva a examinar rapidamente as providência a serem eventualmente tomadas para desencadear o processo. Antes de mais nada, caberia garantir aos participantes de menor peso econômico não pretenderem o Brasil e Argentina monopolizar as atividades mais dinâmicas e de maior valor adicionado por trabalhador. A menos que seja apresentada proposta realista e confiável nesse sentido eles jamais aceitarão participar do processo. Pelos simples fato de que, sem ela, ser-lhes-ia mais vantajoso ingressar na ALCA. Outro obstáculo importante para a ALCSA é a precariedade do sistema de transporte entre os potenciais participantes. Esta se traduz, na prática, em elevado custo para o deslocamento de mercadorias, custo esse que pode tornar inócuas quaisquer reduções tarifárias. A eliminação dessa dificuldade caberia essencialmente ao Brasil, que tem fronteira com todos países da região, exceto Chile e Equador. Esse tipo de problema , cujas raízes se acham nas características específicas da colonização ibérica, existiu também na América Portuguesa, fato reconhecido pelos analistas ao se referirem ao 239 brasil-argentinaFIM.pmd 239 5/2/2004, 11:02 “arquipélago brasileiro”. Esse “arquipélago” desapareceu quando suas “ilhas” foram unificadas por extensa malha rodoviária. Presentemente se desenvolve importante esforço no sentido de aperfeiçoá-la e complementá-la através de hidrovias e ferrovias. No caso de firme opção pela ALCSA, cumpriria ao Governo brasileiro considerar satisfatória a atual rede interna de transporte, passando a priorizar as ligações com países vizinhos. Nada disso se fez, ou se tentou fazer, até o momento. CONSIDERAÇÕES FINAIS Mostramos, nas páginas anteriores, que a estratégia de desenvolvimento conjunto do Brasil e Argentina deve ser do tipo crescimento para fora. Mostramos, igualmente, que a modalidade de crescimento para fora, adotada em toda América Latina, não teve sucesso. 12 Em sentido oposto, esse tipo de estratégia apresentou resultados excepcionalmente favoráveis no Leste Asiático região que, em termos de recursos naturais, tamanho de mercado interno e nível inicial de industrialização, apresentava condições bem menos favoráveis que o Brasil e Argentina. Surge, então, então a pergunta: serão os economistas daquela região mais competentes que os nossos, tendo sido capazes de definir para seus países políticas econômicas eficazes, o que não conseguimos fazer? A explicação é outra. Países subdesenvolvidos não criam paradigmas científicos capazes de orientar a ação concreta. Eles os importam. Em termos específicos de política econômica, o que eles fazem é copiar casos de sucesso, transformando-os no que se poderia chamar de seus “padrões miméticos”. Ora, os padrões miméticos normalmente adotados são os de países bem sucedidos da mesma região, com história comum ou inter relacionada, cultura semelhante etc. Isto significa que o padrão mimético dos asiáticos foi o Japão e da América Latina os Estados Unidos. Acontece que, ao iniciar em meados do século XIX seu desenvolvimento, o Japão era país medieval. Foi, diante disso, forçado a lançar mão de interferência sistemática do Governo na economia, 12 Cabe reconhecer a exceção representada pelo Chile. 240 brasil-argentinaFIM.pmd 240 5/2/2004, 11:02 através da criação de empresas (posteriormente transferidas a particulares), de esforço de atualização tecnológica e formação de mão– de-obra qualificada, de estímulo geral a atividade produtiva e assim por diante. Ou seja, o Japão fez tudo aquilo que se revela, hoje, necessário para que país subdesenvolvido elimine seu atraso econômico. Os Estados Unidos jamais foi subdesenvolvido, no sentido, geralmente aceito. de registrar diferença entre seu produto por habitante e o dos países ricos superior à relação 1 para 2. Já antes da sua independência a Inglaterra nomeava inspetores, cuja tarefa era proibir manufaturas americanas que ameaçavam concorrer com as da metrópole. Sua prosperidade de base agrícola, já em meados do século XIX, foi substituída por rápido surto industrial. Ou seja, o país cresceu e prosperou com base exclusivamente nos mecanismos do mercado13 . Não se revelou, portanto, necessária para ele qualquer ação pública do tipo requerido pelas políticas de desenvolvimento. Ou seja, enquanto o padrão mimético japonês valorizava as medidas requeridas para eliminar o atraso econômico, o americano apontava exatamente no sentido oposto. Por valorizar o padrão americano, e contrariamente do que ocorreu no Leste da Ásia, aceitamos sem maior resistência, os ditames do Consenso de Washington. O resultado final foi nossa semi estagnação em flagrante contraste com a prosperidade asiática. A melhor solução para o Brasil e Argentina não é, todavia, transferir nossa preferência para o modelo japonês. A dimensão dos mercados internos dos dois países, abundância de seus recursos naturais, a forma de ocupação do seu território e mesmo seus traços culturais diferem de tal forma dos bem sucedido asiáticos que a cópia da experiência seria solução pelo menos simplista. Se em termos de ciências sociais a cópia de paradigmas científicos gerados no Primeiro Mundo não encontra maiores objeções (a cura da aids e do câncer descoberta na Europa ou nos Estados Unidos serão eficazes igualmente no Hemisfério Sul) o mesmo não vale para a 13 A exceção foram as medidas protecionistas adotadas sempre, sem qualquer hesitação, sempre que requeridas pelos interesses do país. 241 brasil-argentinaFIM.pmd 241 5/2/2004, 11:02 ciências sociais. A solução correta para o Brasil e Argentina seria, portanto, de realizar esforço comum para encontrar soluções ajustadas a sua realidade deixando de importar fórmulas cujos maus resultados já não deixam hoje qualquer dúvida. O simples reconhecimento de que (contrariamente do que afirma a mainstream economics) a disponibilidade de mercado constitui o requisito principal de qualquer estratégia bem sucedida de desenvolvimento, já constitui importante passo nesse sentido. 242 brasil-argentinaFIM.pmd 242 5/2/2004, 11:02 BIBLIOGRAFIA BHAGWATI, B. (1996) Political Economy and International Economics, The MIT Press Cambridge Banco Mundial - (1993 ) The Asian Miracle : Economic Growth and Public Policy, Oxford University Press ,New York CEPAL - ( 1995 ) America Latina y Caribe , Politicas para Mejorar la Inserción en la Economia Mundial Nações Unidas, Santiago do Chile DOMAR, E.D. (1957) Essay in the Theory of Economic Growth, Oxford University Press, New York LEWIS, W.A. ( 1958) “Economic Development with Unlimitrd Supply of Labour”, in A. N. Agarwala e S.P. Sing The Economics of Underdevelopment, Oxford University Press, Galsgow MAGALHÃES, J.P.A.( 2000) Brasil Século XXI, uma Alternativa ao Neoliberalismo, Paz e Terra, São Paulo 2000 __________. (1974) Economia (dois volumes), Editora Paz e Terra, São Paulo, 1974 __________. (2001) Protecionismo como Instrumento de Desenvolvimento, Carta Mensal da Confederação Nacional do Comércio Outubro. __________. (2002 A) Mercado e Desenvolvimento Econômico (mimeo), a ser publicado em trabalho em homenagem a Celso Furtado patrocinado pela CEPAL __________. (2002 B) Significado do Mercosul para os Programas de Desenvolvimento de sua Região, 12 páginas a ser publicado na revista Tiers Monde NURKSE, R. ( 1955 ) Problemas de Formación de Capital, Fondo de Cultura Economica, cidade do México ROSENSTEIN-RODAN, P. (1961) “Problems of Development in Eastern and South Eastern Europe” in B. Okun e R. W. Richardson (orgs), Studies in Economic Development, Holt, Rinehart and Winston, New York. SOLOW, R. W. (1956) “Model of Growth” em A. Sen (org ) Growth Economics Hammonsworth, Penguin Books 243 brasil-argentinaFIM.pmd 243 5/2/2004, 11:02 brasil-argentinaFIM.pmd 244 5/2/2004, 11:02 EL CASO ARGENTINO: LA DESORGANIZACIÓN ECONÓMICA ACTUAL Y LA IDENTIFICACIÓN DEL SENDERO DE CRECIMIENTO Bernardo Kosacoff – Adrián Ramos El colapso del régimen económico configurado en los años noventa profundizó la crisis y generó una desorganización de la actividad económica hasta en sus elementos más básicos. Tras una década de convertibilidad, Argentina enfrenta el desafío de rediseñar prácticamente desde la nada las reglas centrales del juego económico, en sus aspectos cambiario-monetarios, fiscales y financieros. Previo a cualquier consideración acerca del crecimiento de largo plazo hace falta que restablezca cierta “normalidad” en el funcionamiento del sistema económico. En este sentido, recuperar los atributos que dan cuenta de la existencia de una moneda (ser unidad de cuenta, medio de cambio y, como objetivo futuro, reserva de valor), reconstituir la trama de relaciones contractuales y relanzar un sistema financiero que pueda administrar las transacciones, captar parte del ahorro local y retomar el otorgamiento de crédito aparecen como objetivos básicos. La forma que adquiera la resolución de la actual crisis de confianza y desorganización del sistema económico depende tanto de las reformas de política fiscal, monetaria y financiera que implemente el gobierno como de la asistencia financiera internacional (no sólo en cuanto a la provisión concreta de recursos, sino en términos de generar expectativas sobre la viabilidad de la economía). En la actual situación es muy difícil que se genere credibilidad “internamente”. De cualquier modo, pasan a ser fundamentales los resultados que se vayan observando, en particular, en términos de la tasa de inflación, la cotización de la divisa estadounidense, la performance del nivel de actividad y la evolución de la emergencia social. En lo inmediato, la Argentina debe evitar caer en una situación de inestabilidad extrema (del tipo de la hiperinflación). Este desafío constituye una condición necesaria para que se recupere un sendero de crecimiento sostenido en los próximos años. 245 brasil-argentinaFIM.pmd 245 5/2/2004, 11:02 Uno de los problemas centrales de economías como la Argentina, caracterizadas por una historia de considerable volatilidad económica es la dificultad que aparece para identificar y extrapolar tendencias individuales o agregadas de ingreso y producto. Si se observa la evolución del producto por habitante en dólares constantes, como un indicador del poder de compra de los ingresos generados internamente y de la capacidad de gasto de los agentes económicos, se verifica que en 1980 (por cierto en un estado de sobrevaluación cambiaria) los argentinos generaban un PIB similar al que hoy tienen países como España, en torno a los 15 mil dólares del año 2000. Esta situación se mostró insostenible y un par de años despúes el producto por habitante se ubicó alrededor de los 5 mil dólares. La inestabilidad de fines de los años ochenta que culminó en los episodios hiperinflacionarios colocó el nivel en un mínimo, superando apenas los 3 mil dólares por habitante, un valor inferior al de muchos países latinoamericanos. Pero poco tiempo después, en los años noventa, la Argentina alcanzó y mantuvo durante casi una década un PIB con valores que oscilaban alrededor de los 8 mil dólares per cápita. En estas circunstancias, los “parámetros fundamentales” de la economía no pueden considerarse fijos. Los agentes económicos toman decisiones haciendo conjeturas acerca de la futura evolución e intentan aprender sobre cuál es el comportamiento del entorno en el que actúan. Pero a la vez, el propio accionar de estos agentes en el conjunto modifica la performance económica y por lo tanto, influye también sobre las percepciones que tienen acerca del grado de certeza de sus proyecciones y decisiones (Heymann y Sanguinetti, 1998). En este sentido, la década de los años noventa aparece como un período donde este comportamiento de revisión de expectativas trajo consecuencias de primer orden sobre las fluctuaciones cíclicas observadas y donde las decisiones económicas que fueron adoptadas en base a previsiones de crecimiento de los ingresos futuros que después no se confirmaron, terminaron provocando la crisis económica. No es imprudente sostener que la Argentina de hoy se parece muy poco a lo que se podría haber proyectado pocos años atrás. Pero tampoco lo es, que el país de los años noventa no se parecía a las 246 brasil-argentinaFIM.pmd 246 5/2/2004, 11:02 percepciones sobre el futuro que presumiblemente se habían generado los agentes económicos en medio de la hiperinflación. En cualquier caso, parece quedar en evidencia que prever el futuro no es una tarea sencilla en economías como la Argentina. LA POLÍTICA ECONÓMICA EN LOS AÑOS NOVENTA Y EL PROCESO DE REFORMAS ESTRUCTURALES El inicio de la década de los noventa se produce en simultáneo con una etapa de cambios políticos y económicos significativos, tanto a nivel nacional como en el contexto regional e internacional. Los impulsos provenientes de factores externos desempeñaron un papel protagónico, en particular, el aumento notable de la oferta de crédito internacional para los países denominados emergentes y los mayores precios para los productos de exportación. Sin embargo, la década se caracteriza principalmente por las reformas de política doméstica encaradas. A lo largo de los años noventa Argentina implementó una serie de profundas reformas económicas que tuvieron como ejes la estabilización de precios, la privatización o concesión de activos públicos, la apertura comercial para amplios sectores de la economía local, la liberalización de buena parte de la producción de bienes y la provisión de servicios y la renegociación de los pasivos externos (Heymann, 2000). La política monetaria fue uno de los ámbitos objeto de grandes cambios. En 1991, mediante la sanción de una ley, se estableció un esquema de convertibilidad con tipo de cambio fijo entre la moneda local y el dólar estadounidense (a razón de 1 peso por dólar). Se reformó también la Carta Orgánica del Banco Central para adecuarla al nuevo esquema, limitando a la entidad en el financiamiento al gobierno y en el otorgamiento de redescuentos. Asimismo, en 1992, el gobierno nacional alcanzó un acuerdo con los acreedores externos por el cual se reemplazaba la deuda de capital e intereses atrasados con los bancos por bonos públicos de largo plazo con garantía, en el marco del denominado Plan Brady. Luego del inicio del programa económico, la tasa de inflación mostró una discontinuidad hacia abajo y siguió disminuyendo gradual247 brasil-argentinaFIM.pmd 247 5/2/2004, 11:02 mente. Esta ruptura con el pasado inflacionario se constituyó en un elemento crucial para la evolución de las actividades económicas, dada su importancia para la formación de precios y la demanda de activos. La ampliación del horizonte de las decisiones inducida conllevó un cambio de primer orden para la formación de capital. La estabilización de precios estuvo acompañada por un aumento apreciable del volumen de crédito, denominado tanto en dólares como en pesos convertibles. Pronto se pudo notar que el funcionamiento del mercado de crédito, y de un modo más general el conjunto de las relaciones contractuales, en gran medida se basaban en expectativas respecto a la continuidad del régimen cambiario. De ese modo, este comportamiento de los agentes económicos determinaba un aumento de los costos percibidos y efectivos de salida del régimen de convertibilidad. En relación a la reforma del funcionamiento y alcance del Estado, se sancionó una ley que declaró sujetas a privatización o concesión a un amplio conjunto de empresas y actividades del sector público. Este proceso se desarrolló con suma celeridad: en el año 1990 fueron traspasadas al sector privado las empresas de telefonía (ENTel) y de aeronavegación (Aerolíneas Argentinas). A ellas siguieron áreas y otros activos petroleros (1991 y 1992), las empresas de electricidad y gas (1992), la siderúrgica estatal SOMISA (1992) y la petrolera YPF (1993), entre otras operaciones. El comportamiento de la política fiscal a lo largo de los años noventa es aún debatido. Cuando se compara con la década precedente, la gestión fiscal presenta mejoras apreciables. Sin embargo, la sustentabilidad del régimen cambiario requería como condición necesaria que la reducción del déficit no se interrumpiera al promediar la década, sino que los esfuerzos por aumentar la solvencia del sector público se reforzaran aún más. Inicialmente, los efectos sobre los ingresos públicos del desempeño del producto agregado y de las privatizaciones dieron lugar a un aumento del gasto público que acompañaba la revaluación real de la economía. Al tiempo, se concentraba la estructura impositiva en pocos gravámenes y se ampliaba la base imponible. Posteriormente, los ingresos se vieron afectados por 248 brasil-argentinaFIM.pmd 248 5/2/2004, 11:02 las propias reformas estructurales (en particular, la reforma del sistema de seguridad social que no motivó por parte de los agentes económicos comportamientos “ricardianos”) y la crisis financiera originada en México. A partir de ahí, en un contexto recesivo desde mediados de 1998, se inicia un período caracterizado por las tensiones crecientes entre las demandas de gasto público, la caída en la recaudación y los intentos de solucionar parte de los problemas de precios relativos a través de la gestión fiscal. La política de comercio exterior en los años noventa tuvo en la apertura comercial y la integración regional a dos de sus pilares. La reducción de aranceles y barreras no arancelarias a las importaciones y la eliminación de impuestos a las exportaciones modificaron los incentivos a la producción y a la demanda de bienes. El proceso de integración regional en el Mercosur se intensificó en la década y junto con la apertura comercial condujo a un aumento notable de los flujos de comercio entre los países miembros. En ciertos momentos, las políticas comerciales y la actitud hacia el proceso de integración se vieron severamente afectadas por los problemas de competitividad de los bienes transables internacionalmente, particularmente a partir de la devaluación brasileña a comienzos de 1999. El desempeño macroeconómico de inicios del decenio de los noventa se caracterizó por un aumento notable de la demanda interna, impulsada por el crecimiento de la oferta de crédito local e internacional. El origen de este comportamiento se vincula con las expectativas positivas de ingresos futuros derivadas del cambio del régimen económico que impulsan aumentos en el consumo y generan nuevas oportunidades de inversión. La menor restricción financiera se verificaba no sólo en la recuperación del crédito bancario, producto de una monetización creciente, sino también en el auge del mercado de capitales donde se emitían títulos de deuda y acciones por montos significativos. El aumento de la demanda agregada fue difundido en los distintos sectores de la economía, aún cuando hay que notar que el elevado ascenso del producto manufacturero fue inferior que el del producto total. El escaso impacto de la expansión de la producción sobre la ocupación, derivado de los efectos negativos de la reestructuración productiva, contribuyó a elevar el desempleo. El abrup249 brasil-argentinaFIM.pmd 249 5/2/2004, 11:02 to aumento en las importaciones de bienes, sumado a exportaciones que no respondían del mismo modo, generaron saldos comerciales negativos de magnitud considerable. Asimismo, los déficit en la cuenta corriente del balance de pagos comenzaban a suscitar algunas dudas respecto a la sustentabilidad del esquema macroeconómico, aunque eran cubiertos y en exceso por los ingresos de inversión extranjera, los reflujos de fondos de los residentes y las operaciones de crédito internacional. En este contexto, los incrementos de la tasa de interés internacional y la devaluación mexicana provocaron una crisis financiera en 1995. Este shock derivado de la retracción en la oferta de crédito tuvo un impacto inmediato sobre el nivel de actividad y el desempleo, y afectó severamente al sistema financiero. Es probable que la rápida superación de la crisis, sustentada en mejoras en los precios internacionales, en el crecimiento de la demanda brasileña posterior al lanzamiento del Plan Real y en reformas regulatorias en el sistema financiero, haya contribuido a reafirmar las percepciones positivas sobre el crecimiento de los ingresos y la solidez de un esquema macroeconómico que ahora incrementaba las exportaciones, el ahorro y el empleo. Desde 1998, la economía argentina estuvo afectada por varios shocks negativos en forma simultánea. Los efectos de la crisis rusa sobre el acceso al financiamiento y las tasas de interés en los países emergentes, la posterior devaluación y modificación del régimen cambiario en el principal socio comercial, la abrupta caída en los precios de los productos que exporta el país, la persistente fortaleza del dólar respecto a otras monedas del mundo y el continuo desplazamiento del sector privado de los mercados de financiamiento interno por parte del sector público, constituyen los ejemplos más destacados de lo ocurrido. A fines de la década, el inicio de un largo período dominado por la recesión y la deflación de precios generó tensiones crecientes y modificó las expectativas respecto al potencial de crecimiento de la economía y la solvencia del sector público, provocando por último el colapso definitivo del régimen económico. 250 brasil-argentinaFIM.pmd 250 5/2/2004, 11:02 ESTRATEGIAS PRODUCTIVAS Y TRANSFORMACIONES EMPRESARIALES EN EL DECENIO DE LOS NOVENTA Desde comienzos de la década del noventa las empresas argentinas se encontraron frente a un escenario en donde a las transformaciones que se sucedían en el plano internacional, se agregaba el cambio radical en las reglas de juego que enfrentaban previamente en el mercado doméstico. En respuesta a una nueva configuración del marco competitivo local, caracterizada por el desmantelamiento del viejo régimen regulatorio que sustentó la etapa de la industrialización sustitutiva de importaciones (ISI) y la puesta en marcha de un programa de reformas estructurales “pro-mercado”, comenzaron a desplegarse fuertes procesos de reconversión, en los cuales se alteran tanto las estrategias como el peso relativo de las distintas actividades y agentes económicos, así como las prácticas productivas, tecnológicas y comerciales. La dinámica microeconómica de los noventa es el resultado de estrategias puestas en práctica por los agentes económicos y fundadas en el desarrollo de capacidades adquiridas en el pasado y en los límites impuestos por un entorno económico en transición. En este proceso, las distintas respuestas de las firmas determinaron resultados contrapuestos que se pueden estilizar en dos grandes grupos de conductas empresariales. Por un lado, aparecen las denominadas “reestructuraciones ofensivas” que se caracterizan por haber alcanzado niveles de eficiencia comparables con las mejores prácticas internacionales y que abarcan a un grupo reducido de alrededor de 400 empresas. Aunque se pueden encontrar casos en casi todo el entramado productivo, predominan particularmente en las actividades vinculadas a la extracción y procesamiento de recursos naturales, las ramas productoras de insumos básicos y en parte del complejo automotriz. Por otro lado, el resto del tejido productivo, cerca de 25 mil firmas si no se consideran las microempresas, se caracterizó por llevar a cabo los denominados “comportamientos defensivos” que a pesar de los avances en términos de productividad con respecto al propio pasado están alejados de la frontera técnica internacional y mantienen vigentes ciertos rasgos de la etapa sustitutiva, tales como una escala de producción reducida o escasas economías de especialización (Kosacoff ed., 2000). 251 brasil-argentinaFIM.pmd 251 5/2/2004, 11:02 Se puede afirmar que el proceso de estabilización económica encarado en los noventa aumentó la capacidad de prever la evolución de las principales variables macroeconómicas de modo notable e implicó una ventaja incomparable para la organización de las actividades productivas. Sin embargo, surgió un nuevo tipo de incertidumbre, que puede denominarse estratégica, y que se corresponde con la modificación del entorno competitivo de las firmas y con las nuevas reglas de juego que determinan qué van a producir las empresas y cómo lo van a hacer. Decisiones sobre inversión en activos específicos, incorporación o reemplazo de líneas de producción, calificación de recursos humanos en la firma o el sendero a seguir de aprendizaje tecnológico adquieren una dimensión inasible y de difícil evaluación con los esquemas predominantes en una economía semicerrada. Estas nuevas tendencias es posible ejemplificarlas al considerar las diferentes perspectivas que confluyen en el traspaso de firmas locales a manos de filiales de empresas transnacionales. Razones de índole financiera, tecnológica y organizativa jugaron un papel destacado a la hora de tomar una decisión de compraventa. Pero también, pasó a ser decisiva cierta incapacidad para responder de manera adecuada al desafío de operar en contextos de economía abierta y fuerte internacionalización, donde el posicionamiento estratégico definido por la casa matriz de la transnacional fue clave para aminorar las incertidumbres. Uno de los aspectos centrales de las transformaciones estructurales fue la reconfiguración del perfil empresario respecto del vigente durante el proceso sustitutivo. Un panorama general indicaría que a la retirada de las empresas estatales, y cierta involución de las pequeñas y medianas empresas, se suma la reorganización de los conglomerados económicos locales y el liderazgo y sostenido dinamismo de las empresas transnacionales. Dentro del universo de empresas productivas hay que destacar en primer lugar el comportamiento de las empresas transnacionales, cuyas estrategias principales están asociadas a los flujos de inversión extranjera directa que ingresaron durante los años noventa. Hacia fines del decenio de los ochenta comenzó una recuperación en los flujos de IED que alcanzó niveles notables y crecientes en la década siguiente. Según estimaciones oficiales entre 1990 y 2000 ingresaron 78 mil 252 brasil-argentinaFIM.pmd 252 5/2/2004, 11:02 millones de dólares de IED, por lo cual el acervo de capital extranjero creció a tasas anuales superiores a 20% y superó los 80 mil millones en el año 2000 (Kulfas, Porta y Ramos, 2002). La inversión extranjera lideró el proceso de reconversión productiva de los noventa en especial en aquellos aspectos modernizadores del proceso y se destaca la elevada correlación entre los sectores más dinámicos de la producción local y el aumento de la participación del capital extranjero en dichos sectores. Aún en el marco de estrategias destinadas en buena medida al aprovechamiento del mercado doméstico o subregional, las filiales realizaron inversiones tendientes a utilizar más eficientemente sus recursos físicos y humanos y, mucho más selectivamente, a integrarse de un modo más activo en la estructura internacional de la corporación. Es posible identificar dos etapas en el comportamiento de los flujos de IED hacia la Argentina. Entre 1990 y 1993, más de la mitad de los ingresos de inversión extranjera corresponden a operaciones de privatización y concesión de activos públicos. Con posterioridad, las fusiones y adquisiciones de empresas privadas adquiere el rol central en el crecimiento de las inversiones extranjeras en el país. En suma, a diferencia de períodos anteriores, la mayor parte de los fondos de IED (al menos el 56% de los flujos totales entre 1992 y 2000) se destinaron a la compra de activos existentes, tanto estatales como privados. El proceso de fusiones y adquisiciones de empresas en Argentina acumula entre 1990 y 1999 un monto de más de 55 mil millones de dólares, de los cuales el 88% corresponde a desembolsos de empresas de capital extranjero. La ventaja decisiva de las filiales de transnacionales sobre las empresas locales residió en el control de los aspectos tecnológicos, en las habilidades ya acumuladas para operar en economías abiertas y en la capacidad de financiar la reconversión. Sin embargo, el aporte de las firmas de capital extranjero a la generación de encadenamientos productivos, a la difusión de externalidades y a una inserción activa en redes dinámicas de comercio internacional siguió siendo débil. Una tercera parte de los flujos de IED hacia la Argentina entre 1992 y 2000 se concentran en el sector petrolero y un 23% tiene como 253 brasil-argentinaFIM.pmd 253 5/2/2004, 11:02 destino a la industria manufacturera (donde se destacan las actividades productoras de alimentos, el sector químico y el complejo automotriz). Los servicios públicos privatizados o concesionados (electricidad, gas, agua, transporte y comunicaciones) alcanzan el 21% del total y el sector financiero el 11% de los flujos de IED del período. El hecho más destacado en cuanto al origen geográfico de la IED es el notable aumento de la inversión de empresas españolas por el cual España es el principal inversor extranjero durante los noventa en Argentina. El conocimiento de aspectos culturales, linguísticos, o del sistema legal y administrativo son los fundamentos de inversiones que comprenden casi el 40% del total de los flujos de IED del período 1992-2000 y el 28% del stock de IED en el último año (sólo superado por Estados Unidos). Otros países con inversiones destacadas son los Estados Unidos (con el 25% de participación en la década), Francia, Chile, Italia, Países Bajos, Alemania y Reino Unido. Los años noventa marcaron un cambio de rumbo en la dinámica de los conglomerados económicos locales en Argentina. Las nuevas condiciones económicas abrieron múltiples oportunidades de negocios en un clima de estabilidad y crecimiento, pero al mismo tiempo los enfrentaron a la contestabilidad de la competencia internacional. Por un lado, su articulación previa con el Estado les permitió, asociados a inversores y bancos extranjeros, un ventajoso posicionamiento en las privatizaciones y concesiones de activos públicos. Tiempo después muchos de estos conglomerados locales vendieron sus participaciones accionarias a los inversores extranjeros. Por otro lado, la apertura y desregulación económica a la vez que significó el acceso a los mercados financieros internacionales debilitó significativamente las bases para acumular exclusivamente y con cierto poder monopólico en el mercado local. Las condiciones de liquidez internacional facilitaron el endeudamiento para adquirir compañías estatales y diversificar su inversiones, incluyendo inversiones localizadas en el exterior. A diferencia de etapas anteriores en la historia económica argentina, la conducta de los conglomerados locales en los años noventa es altamente heterogénea y cambiante. El tipo de producción, el grado de diversificación inicial, el tamaño relativo respecto a los competidores 254 brasil-argentinaFIM.pmd 254 5/2/2004, 11:02 internacionales, la conducta de la demanda, la etapa de cambio generacional por la que transita el grupo económico incidirán de modo determinante para conformar distintos senderos de ajuste. Sin embargo, las estrategias que siguieron poseen algunos rasgos comunes: una tendencia a la especialización en un conjunto más reducido de actividades respecto al pasado, una expansión hacia terceros mercados mediante la inversión directa y la concentración de las actividades productivas en sectores con mayores ventajas naturales o menor transabilidad y escasa presencia en los sectores más dinámicos internacionalmente basados en el conocimiento y la innovación tecnológica. Como fuera señalado anteriormente, surge como un elemento distintivo del posicionamiento estratégico de los conglomerados la realización de inversiones directas en el exterior, con una intensidad y una modalidad muy distinta que la verificada en la etapa de la ISI. La mayor parte de las inversiones en el exterior se destina a otros países latinoamericanos, aún cuando existen casos de inversiones directas en Estados Unidos, Europa o el Este Asiático. Los conglomerados económicos locales conducen este proceso basados en capacidades de management, conocimiento y manejo de tecnologías maduras, acceso a recursos financieros o la capacidad de operar en entornos culturales similares o el conocimiento de condiciones específicas de ciertos mercados próximos. Algunos grupos nacionales buscan mediante este tipo de estrategia alcanzar el liderazgo mundial o regional en segmentos de mercado específicos. Para otro grupo de empresas, la internacionalización a través de la inversión directa es indispensable para la propia supervivencia y expansión en el nuevo contexto económico (Kosacoff, 1999). Existe un cierto consenso en que los rasgos predominantes de las PyMEs argentinas durante la ISI eran la centralización de la gestión en la figura del dueño, la inserción externa poco significativa, el predominio de estrategias defensivas, el amplio mix de producción, la escasa especialización productiva, la reducida cooperación con otras firmas, la escasa relevancia de las actividades de innovación y el reducido nivel de inversión. Estas características, que en gran medida persistieron en el transcurso de los años noventa, condicionaron las respuestas que pudieron implementar frente a las reformas estructurales. 255 brasil-argentinaFIM.pmd 255 5/2/2004, 11:02 Se pueden identificar tres grupos de PyMEs con características y demandas específicas propias: i) un grupo minoritario de firmas de elevado posicionamiento competitivo (5% del total) que exhibía rasgos de excelencia productiva y comercial y con perspectivas favorables para adaptarse a las nuevas reglas del juego; ii) un grupo numeroso de PyMEs (30% del total) con un reducido posicionamiento competitivo y escasas posibilidades de sobrevivir en el escenario de los años noventa y iii) la mayor parte de las PyMEs, de “conductas estratégicas defensivas” que enfrentaban un desafío refundacional. En este contexto, la dificultad de definir una estrategia productiva adecuada durante el proceso de transformación económica abarcó al conjunto de PyMEs, independientemente de su especialización productiva. El nuevo “ambiente económico” aumentó la incertidumbre de las firmas y la cantidad y calidad de la información que debían procesar. La preocupación por la situación y perspectivas de las PyMEs se expresó en la proliferación de distintas iniciativas gubernamentales en las áreas de financiamiento, asistencia técnica, información, etc.(las cuales, en general, han tenido, por distintas razones, grandes dificultades para cumplir sus objetivos), en la actuación y propuestas de las distintas cámaras empresarias, así como en los reclamos que, desde el ámbito social y político, apuntaban a la protección y promoción de las PyMEs. La creciente tendencia a la adopción de tecnologías de producto de origen externo con niveles cercanos a las mejores prácticas internacionales fue en desmedro de la generación de esfuerzos adaptativos locales. Esto implicaba una brecha menor en términos de tecnologías de producto, pero una pérdida significativa en la adquisición de capacidades domésticas mediante actividades de investigación y desarrollo. Sin embargo, la fuerte incorporación de máquinas y equipos importados necesariamente estuvo acompañada de cambios organizacionales y de mayores inversiones en capacitación. Asimismo, la tendencia hacia la desverticalización de la producción se afianzó fundamentalmente a través de la incorporación de partes y piezas importadas, reduciendo la probabilidad de conformar redes de producción basadas en la subcontratación local. 256 brasil-argentinaFIM.pmd 256 5/2/2004, 11:02 En resumen, los principales elementos que caracterizan al desempeño de la microeconomía en los años noventa son la disminución del número de establecimientos productivos, el aumento del grado de apertura comercial (con énfasis por el lado de las importaciones), un proceso de inversiones basado la adquisición de equipos importados, el aumento de la concentración y la extranjerización de la economía y la caída abrupta del coeficiente de valor agregado. Asimismo, hubo una mayor adopción de tecnologías de producto de nivel de “frontera tecnológica” y de origen externo, un abandono de la mayor parte de los esfuerzos tecnológicos locales en la generación de nuevos productos y procesos, una desverticalización de las actividades basada en la sustitución de valor agregado local por abastecimiento externo, una reducción en el mix de producción junto con una mayor complementación con la oferta externa, una creciente externalización de actividades del sector servicios, una mayor internacionalización de las firmas y la importancia de los acuerdos regionales de comercio en las estrategias empresariales. Pero quizás el rasgo más saliente de la conformación productiva en los años noventa sea la hetoregeneidad. Es indudable que no todos los agentes económicos elaboraron de igual manera el desafío que presentaba el paso del “taller a la empresa”: nuevas estrategias productivas en donde la producción local, se combinó con la importación de insumos y de bienes finales, con el fin de aprovechar las nuevas reglas del juego económico. En los últimos años el retorno a la extrema volatilidad del entorno condujo a que las decisiones de producción e inversión se vieran gravemente afectadas y a dudas crecientes respecto a la solvencia de un grupo numeroso de empresas. Los problemas actuales de la economía argentina aún generan notables perturbaciones financieras y comerciales. Las consecuencias negativas en el plano empresarial todavía se están desplegando y aún no surge con claridad cúales serán las respuestas dominantes de los agentes económicos ante el regreso de una elevada incertidumbre macroeconómica. 257 brasil-argentinaFIM.pmd 257 5/2/2004, 11:02 PATRÓN DE ESPECIALIZACIÓN Y CRECIMIENTO ECONÓMICO DE LARGO PLAZO La riqueza económica de un país, como la de cualquier empresa o individuo, surge de los ingresos que generan y generarán en el futuro los activos con los que cuenta. En el caso particular de un país, la cantidad y calidad de los recursos humanos que posee, el acervo de maquinarias y equipos de producción, los recursos naturales que se encuentran en el territorio que lo contiene, la infraestructura física que desarrolló en el pasado constituyen los principales activos a considerar. Pero aquello que es significativo para el bienestar de la población no es sólo el nivel actual de producción sino particularmente su capacidad de aumento en el tiempo. Debido a la incorporación de nuevos desarrollos conceptuales y de un herramental econométrico y de procesamiento de datos que no estaba disponible en épocas anteriores, la teoría económica nos enseña que el crecimiento de largo plazo se explica en gran medida por la capacidad que tienen las economías para la generación e incorporación de conocimientos y tecnologías, por la educación y el entrenamiento de la mano de obra, por los cambios en la organización de la producción y por la calidad institucional. Pero también nos enseña que para que los países puedan aplicar de modo efectivo las nuevas tecnologías y cierren las brechas de productividad que los separan de las naciones avanzadas deben realizar esfuerzos endógenos de desarrollo de capacidades locales y de fortalecimiento institucional. Una parte significativa de la competitividad de la producción se basa en las formas de articulación entre las diversas etapas de producción y comercialización: desde el insumo básico hasta el consumidor final. Para ello, es preciso generar y fortalecer las redes productivas mediante el estímulo al desarrollo de eslabonamientos de proveedores y de cadenas de comercialización, la coordinación de inversiones en activos complementarios en la trama y promoviendo la incorporación de mejoras de calidad a través de la interacción entre firmas, una información compartida y la identificación conjunta de mejoras productivas. El impulso a la conformación de estas redes productivas tiende a romper con los falsos dilemas de la empresa grande vs. la pyme y del sector agropecuario vs. la industria vs. los servicios. 258 brasil-argentinaFIM.pmd 258 5/2/2004, 11:02 Argentina es un país que posee una dotación relativa de activos abundante en recursos naturales. Estos recursos además tuvieron un avance notable en los últimos años, no sólo en los agropecuarios, sino en los energéticos, forestales, mineros, pesqueros. Abundantes recursos naturales aumentan el nivel de la riqueza de un país y favorecen las capacidades potenciales de crecimiento económico, pero no garantizan el crecimiento sostenido. La “Argentina pastoril” es un mito del siglo XIX que hoy no tiene sustento. Las políticas de subsidios al sector agroindustrial en los países centrales y los problemas vinculados a la volatilidad de los precios de exportación de las commodities son sólo algunos ejemplos de los problemas a los que debe hacer frente un país como la Argentina. De cualquier modo, el desafío de aumentar la calidad del patrón de especialización productivo incorpora el mejor aprovechamiento de los recursos naturales. El actual patrón exportador argentino refleja el grado de competencia que se alcanzó en las producciones basadas en los recursos naturales (agrícolas, energéticos, forestales y mineros) y en la producción de insumos básicos (aluminio, petroquímica y siderurgia). Pero, a su vez, nos ilustra sobre el potencial aún no desarrollado para avanzar con estos productos. La posibilidad de utilizar los recursos naturales y los insumos básicos en cadenas productivas con mayor valor agregado, transitando al mundo de los productos diferenciados es una alternativa que permitiría superar algunas dificultades. Este avance solo se puede generar a partir de una fuerte articulación entre la base primaria y los servicios técnicos de apoyo a la producción, comercialización, distribución, logística, transporte e industria (insumos y producción de maquinaria). La industria manufacturera posee potencial para el desarrollo de algunos sectores de bienes de consumo intensivos en el uso de diseño. Sustentados en una trama productiva de proveedores y subcontratistas tal sería el caso de las confecciones, zapatos, muebles, artefactos de iluminación, industria gráfica. Sería factible el crecimiento de actividades caracterizadas por series cortas de producción, en metalmecánica y química fina. La reestructuración del complejo automotriz tiene un lugar central en el rediseño productivo. Las actividades turísticas aparecen con una gran oportunidad para su 259 brasil-argentinaFIM.pmd 259 5/2/2004, 11:02 expansión, así como la producción de software y servicios informáticos. En cualquier caso, este camino requiere de un uso intensivo de la calificación de los recursos humanos y del fortalecimiento del sistema innovativo nacional. La tarea de construir el mercado, a partir de igualar las oportunidades, mejorar las capacidades, desarrollar las instituciones y replantear el papel de la “empresa” en el sistema económico, permitiría crear un nuevo entorno para fortalecer el progreso económico. En este sentido, las políticas productivas en el nuevo siglo parecen tener tres ejes clave que las ordenan: fortalecer las capacidades de la economía, mediante el fomento del entrepreneurship y la innovación, la inversión en educación, y el mejor funcionamiento de los mercados de capital; estimular la cooperación intra y entre firmas e instituciones, en términos sectoriales, regionales y locales; y por último, fomentar la competencia, a través de la apertura de mercados y la transparencia. Las políticas públicas, con instrumentos distintos a los empleados en el pasado, debieran actuar como catalizadoras de los procesos de transformación, respetando algunos requisitos básicos sin los cuales pierden efectividad. El primero de ellos es que estén insertas en una estrategia económica de irrupción en el mercado mundial; en segundo lugar, que se garantice la continuidad en el tiempo de las políticas; en tercer lugar, que exista coordinación y consistencia con el resto de las políticas públicas; y en cuarto lugar, la creación de instancias institucionales del estado y de la sociedad civil con contrapesos para la ejecución de las políticas de modo que reduzcan el riesgo de captura rentística. 260 brasil-argentinaFIM.pmd 260 5/2/2004, 11:02 BIBLIOGRAFIA HEYMANN, D.: “Políticas de reforma y comportamiento macroeconómico: la Argentina en los noventa”, in Heymann y Kosacoff (editores): La Argentina de los noventa: desempeño económico en un contexto de reformas, Eudeba, Buenos Aires, 2000. HEYMANN, D. y P. Sanguinetti: “Business cycles from misperceived trends”, Economic Notes Nº2, 1998. KOSACOFF, B.: “Las multinacionales argentinas”, in Chudnovsky, D., B. Kosacoff y A. López: Las multinacionales latinoamericanas: sus estrategias en un mundo globalizado, Fondo de Cultura Económica, Buenos Aires, 1999. KOSACOFF, B. (editor): Corporate strategies under structural adjustment in Argentina, Macmillan Press/St Antony´s Series, Gran Bretaña, 2000. KULFAS, M.; F. Porta y A. Ramos: La inversión extranjera en la Argentina, CEPAL/Naciones Unidas, Buenos Aires, 2002. 261 brasil-argentinaFIM.pmd 261 5/2/2004, 11:02 ANEXOS 262 brasil-argentinaFIM.pmd 262 5/2/2004, 11:02 263 brasil-argentinaFIM.pmd 263 5/2/2004, 11:02 264 brasil-argentinaFIM.pmd 264 5/2/2004, 11:02 265 brasil-argentinaFIM.pmd 265 5/2/2004, 11:02 266 brasil-argentinaFIM.pmd 266 5/2/2004, 11:02 267 brasil-argentinaFIM.pmd 267 5/2/2004, 11:02 268 brasil-argentinaFIM.pmd 268 5/2/2004, 11:02 269 brasil-argentinaFIM.pmd 269 5/2/2004, 11:02 270 brasil-argentinaFIM.pmd 270 5/2/2004, 11:02 271 brasil-argentinaFIM.pmd 271 5/2/2004, 11:02 272 brasil-argentinaFIM.pmd 272 5/2/2004, 11:02 273 brasil-argentinaFIM.pmd 273 5/2/2004, 11:02 274 brasil-argentinaFIM.pmd 274 5/2/2004, 11:02 275 brasil-argentinaFIM.pmd 275 5/2/2004, 11:02 brasil-argentinaFIM.pmd 276 5/2/2004, 11:02 Comentários Sérgio Besserman Vianna: Obrigado, Mônica. Sinto pela falta de protocolo, mas, dessa forma, podemos aproveitar melhor o tempo, dada a minha limitação. Agradeço muito ao Instituto, ao Ministro Cardim pela oportunidade de estar numa sessão em companhia de Felipe Balze, do Professor Kosacoff e da Mônica Baer. Para mim, esta é uma oportunidade de poder tirar um pouco o chapéu de Presidente do IBGE. Presidentes de institutos de estatísticas oficiais no Brasil, na Argentina, em qualquer lugar do mundo, não fazem projeções. Nessa função, me escudei nessa característica do posto. Mas, já estava com vontade de falar um pouco para a frente e essa é uma oportunidade muito boa. Vou procurar ater meu comentário ao excelente texto do Professor, à sua brilhante exposição. Acho que tivemos uma descrição muito acurada, tanto dos principais processos macroeconômicos como dos principais processos microeconômicos, na Argentina. Vou procurar fazer um comentário com uma linha mais permanente, ao invés de observações pontuais. Trata-se da relação entre a estabilidade macroeconômica e a instabilidade nas expectativas dos atores econômicos e sociais. Talvez até mais do que uma grande instabilidade, tratase de uma variância enorme nas expectativas, entre outras razões, porque não reagem sincronicamente às mudanças de conjuntura A incerteza muito alta, como foi antes acentuado é o principal fator de busca de flexibilidade e, portanto, de liquidez. No final do texto do Professor Kosacoff, nós temos observações muito significativas, sobre esse aspecto, numa conclusão bastante sintética, mas forte, onde quatro temas são levantados. O primeiro, a necessidade de definir um caminho para inserção na economia mundial. Desde o esgotamento do modelo baseado na substituição de importações, em meados da década de 70, o grande tema das economias latino-americanas tem sido definir, escolher, trabalhar por um tipo de inserção. Isso é uma escolha, isso é uma visão de futuro. Uma visão de futuro que exige uma visão da própria sociedade e uma visão do que se passa no mundo. 277 brasil-argentinaFIM.pmd 277 5/2/2004, 11:02 O outro tema é continuidade das políticas. O terceiro, a coordenação e consistência das políticas públicas e o quarto, a institucionalidade. O Professor, na sua fala final, desenvolveu um pouco o tema de por que a Argentina entrou na conversibilidade. E mencionou, o que me parece correto, que, na verdade, essa escolha decorre menos de uma inevitabilidade nas opções de política econômica (mesmo num contexto de processo hiperinflacionário, a experiência histórica dos países que venceram uma hiperinflação sugere que a âncora cambial é o principal mecanismo, o mais utilizado, mas não, necessariamente, o único), e, mais, a busca de uma espécie de contrato social sem contrato. Um contrato social imposto por uma espécie de disciplina externa. Estou de acordo e acho que vale a pena comentar o debate ocorrido após o início da segunda fase de conversibilidade, pós-95, pós crise mexicana. Eu não consigo descrever – nem vou procurar tentar – o tamanho do meu espanto com a natureza do debate pós-crise mexicana na sociedade argentina. É claro que é correta a observação do Professor, de que a conversibilidade parecia bem sucedida e capaz de enfrentar esses desafios, porque ela teve êxitos de curto prazo. Mas isso me parece pouco, porque no pós-95 o mundo entra numa trajetória de choques externos, evidentemente relacionados entre si; no pós-95, pouco a pouco, o regime de conversibilidade cambial vai se tornando, como finalmente acaba se tornando, singular, ou seja, num determinado momento restrito à Argentina e a Hong Kong. A aderência ao modelo pode explicar porque não se abriu, na sociedade argentina, ainda que houvesse vozes, mas muito poucas e pouco contundentes, um debate sobre a conversibilidade, ainda no decorrer do seu êxito. Mas, não explica porque não se abriu o debate sobre as exigências, do ponto de vista da política fiscal e da expansão do crédito, como o texto nos mostra. Andaram na direção oposta aos requisitos necessários para a manutenção da conversibilidade. No mínimo, esse debate: “Ok, nós decidimos manter a conversibilidade. O mundo abandona a conversibilidade. Os países, não muitos, que a adotavam a abandonaram. Mas 278 brasil-argentinaFIM.pmd 278 5/2/2004, 11:02 nós decidimos mantê-la e, para isso, temos a seguinte agenda”. Mas é a ausência de debate, que considero um fato merecedor da mais profunda análise. Não consigo deixar de pensar num grande escritor argentino e num outro grande dramaturgo brasileiro. Primeiro, penso em Borges, quando ele indagava se nós vivemos a vida ou a sonhamos. E, depois, penso em Nelson Rodrigues, que lembrava que “toda unanimidade é burra”. É impossível não ser. O mais incrível é que a conversibilidade é uma opção estratégica. E uma opção estratégica exige uma análise do que está ocorrendo no exterior. Ela exige uma análise do comportamento dos que competem, dos que cooperam e assim por diante. A necessidade dessa análise é óbvia na América Latina. Trabalhei um pouco em História econômica, na década de 50 no Brasil, e me detive na mudança da política do Presidente Trumann, com seu famoso ponto 4 e sua abertura para o desenvolvimento na América Latina, a partir da qual surge todo um conjunto de expectativas e de atos de política e de condução econômica em vários países da América Latina, inclusive e principalmente no Brasil com a fundação do BNDES, instalação da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e assim por diante. Mais a frente há uma solução de continuidade, porque o Presidente deixa de ser Trumann passa a ser Eisenhower, que muda completamente a política que havia definido grande parte dos nossos atos. Bom, a Argentina chegou à conversibilidade, e sai Clinton, entra Bush. A eleição americana estava marcada há muito tempo, ela tinha uma data. Eu torcia muito para o Gore ganhar. Aparentemente, ganhou, mas não se tornou o Presidente. Mas não se pode fazer uma opção estratégica, não se pode construir toda uma ação de política pública e, muito mais do que isso, de comportamento dos atores com base numa determinada visão de futuro, que é o que em estratégia quer dizer, sem considerar essas possibilidades. Há um ditado – os ditados populares, são pouco úteis porque sempre tem um ditado popular para dizer “A” e tem um ditado popular 279 brasil-argentinaFIM.pmd 279 5/2/2004, 11:02 para dizer o oposto de “A”. E, às vezes, eles são mal redigidos. Mas eu vou usar um, que diz assim: “O pior cego é aquele que não quer ver”. Não é isso, todo cego quer ver. Mas, há uma verdade profunda, aqui. A pior cegueira, (e é isso que as pessoas entendem, desse ditado) é aquela que recai sobre o objeto que a gente não quer ver, ou que a gente não quer aceitar. Isso é válido para cada um de nós, como indivíduos. O que que é mais difícil para a gente ver? Precisamente aquele aspecto das neuroses que cada um de nós tem, obrigatoriamente. É o óbvio, é o evidente e é o que mais aparece na nossa vida todo o tempo, mas é aquilo para o qual nós, para enxergarmos, temos que nos esforçar muito. Isso é válido para o indivíduo, e é válido também para as Nações. É válido para os Estados Unidos da América do Norte, hoje. Talvez a pior cegueira dos Estados Unidos é não quererem enxergar como o exercício da hegemonia mudou. Na medida em que não há mais um oponente do porte da União Soviética, as ponderações na fórmula gramsciana de coerção mais consenso, para o exercício da hegemonia, obrigatoriamente tem que se alterar. É preciso mais consenso e menos coerção. Eu sou judeu. Estou profundamente comovido com os acontecimentos atuais no Oriente Médio. Sou partidário do movimento “Paz Agora”. Não consigo deixar de pensar numa frase de um grande escritor israelense Amos Oz, na Folha de São Paulo, há dois anos atrás, que dizia: “Quanto tempo nós vamos levar, e os nossos vizinhos vão levar, para entender o que nós, sociedade israelense, realmente somos: um bando de refugiados, traumatizados e sobreviventes”. Se isso não se torna consciente, somos capazes de cometer atos da mais profunda miopia estratégica. No Brasil, há, também, uma cegueira. Eu tive há pouco a oportunidade de conversar com um dos meus amigos economistas argentinos. Ouvi, com profundo espanto, de um excelente economista, a seguinte observação: “Nós precisamos do Brasil. Nós precisamos do Brasil, não por essas razões que nós estamos discutindo aqui. Mas nós precisamos do Brasil porque nós precisamos da disciplina de vocês. Vocês são a Alemanha da América do Sul”. Bom, eu sei, pelo amor de Deus, que nós somos, no Brasil, muitas coisas, mas disciplina germânica, definitivamente, não é um traço nosso. 280 brasil-argentinaFIM.pmd 280 5/2/2004, 11:02 Mas o que que é que, na cabeça de uma pessoa muito inteligente, pareceu ser disciplina germânica? Eu acho que é o seguinte: a nossa neurose, a nossa cegueira, a cegueira da sociedade brasileira, ela está sendo vencida devagarinho, aos pouquinhos. Eu estou falando da desigualdade social e dos vários tipos de populismo que dela se aproveitam. Não desejo tratar do fato e sim da aceitação de sua realidade. A palavra “desigualdade” estava fora do debate brasileiro, há poucos anos atrás. Nós somos uma sociedade em que 1% se apropria de uma fatia da renda equivalente à dos 50% mais pobres. Costuma-se dizer que o Brasil é uma das sociedades mais desiguais do mundo, e é verdade. Há uma farsa embutida nessa colocação, porque não se nota que existe uma outra sociedade muito mais desigual que o Brasil: a sociedade do mundo. Se vivemos numa época globalizada, temos que pensar em termos globais. O mundo é muito mais desigual do que o Brasil. E o mundo é desigual pelas mesmas razões que o Brasil é, porque o mundo gera riqueza, mas quem se apropria é uma parcela pequena. A nossa desigualdade é um fato ao qual fomos cegos no passado, utilizando um instrumento excelente para o exercício da miopia, que é o crescimento econômico. Então, se nós crescemos, vivemos embalados por “brasileiro, profissão esperança”, “Brasil, o país do futuro”, e assim por diante. A desigualdade era uma questão que o próprio crescimento nublava tanto do ponto de vista do cidadão comum e pobre como do ponto de vista das elites. Um crescimento de 7% ao ano, como tivemos de 30 a 80, igualado apenas, talvez, pelo Japão, escondia a realidade da desigualdade. Depois, a catarata que levava à cegueira, passou a ser, de um lado, a falta de democracia, a ditadura e, de outro lado, a falta de estabilidade econômica. Com um processo hiperinflacionário, quando ninguém enxerga nem uma semana à frente, quanto mais um mês, não há como pensar em redistribuição de ativos. Hoje, estamos assumindo esse drama histórico. E assumindo com o corolário inevitável, que ele não é superável por magia. É uma realidade que nós estamos, junto já com 14 anos de democracia, assumindo. 281 brasil-argentinaFIM.pmd 281 5/2/2004, 11:02 O Ministro Malan disse, há pouco tempo, uma frase e o Presidente Fernando Henrique repetiu: “O problema do Brasil não é o futuro, é o passado”. A frase é absolutamente verdadeira, mas ela merece uma seqüência com a qual, tenho certeza, o Ministro Malan e o Presidente concordariam, que é, como diz Goethe, em “Fausto”: “Se queres a herança do teu pai, compre-a”. A herança não vem de graça, tem que comprar a herança, assumi-la. Nós precisamos “comprar” o nosso passado. Nós estamos fazendo isso, comprar o nosso passado é comprar a desigualdade. Disso resultou, mesmo numa sociedade cujo estoque é muito pior do que o da sociedade argentina, em termos de indicadores sociais, a possibilidade de um contrato, que se reflete na Lei de Responsabilidade Fiscal, na institucionalidade com que certos comportamentos são rejeitados... enfim, em maiores dificuldades para o populismo prosperar. Então, a minha pergunta é: qual a cegueira, qual a neurose da Argentina? Ninguém se sinta ofendido com isso, todos os países têm uma neurose, todos os países têm uma cegueira de algo que eles não querem ver. O nosso caso, muito mais dramático que o argentino, é a desigualdade social brutal. Mas, o que os argentinos, e a Argentina, tem que ver e não querem ver, para superar seus desafios? Eu não tenho resposta. E é bom que não tenha, um psicanalista francês disse que “La mailheur de la question c’est la response”. É muito melhor a pergunta do que a resposta. Mas, eu vou me atrever a fazer sugestões. Eu sou judeu, então, posso responder a uma pergunta com três perguntas. Será que é o fato de que a Argentina é América Latina e são fantasias os sonhos de ser Itália, de ser Espanha... O Uruguai já quis ser a Suíça da América Latina. Será que por detrás da projeção dos indicadores macroeconômicos, não se esconde essa ilusão? Será que é o fato de que em termos relativos, pelo menos, o empobrecimento argentino da segunda metade do Século era, no meu modo de ver, uma inexorabilidade histórica? 282 brasil-argentinaFIM.pmd 282 5/2/2004, 11:02 E é muito difícil aceitar o empobrecimento, seja por empresas, famílias, países, Governos. A gente sempre tem em mente que se fosse diferente... No senso comum brasileiro e, provavelmente, na opinião de cada um dos brasileiros aqui, nós teríamos ganho todas as Copas do Mundo de Futebol, não fossem os dirigentes. Porque os jogadores e os nossos times são suficientes, e todo mundo aqui acha isso, para ganhar, com facilidade, todas as Copas do Mundo, o que, evidentemente, não é verdade, é uma ilusão. Outro dia, o Zizinho, jogador que jogou tanto quanto o Pelé – dizem os que viram, eu nunca vi – dizia que o time do Uruguai, em 1950, era melhor do que o brasileiro. Para quem nasceu em 57, como eu, e ouviu a história da Copa de 50 incontáveis vezes, isso parece inconcebível. Será que um empobrecimento relativo inexorável, independente dos dirigentes, é tão inaceitável mentalmente que nubla a realidade, da mesma forma como nos recusamos a aceitar que alguém possa jogar futebol melhor que nós? Finalmente, será que a Argentina não é mais um Chile grande (quem dera que o Brasil pudesse ser o Chile, ninguém se sinta, de novo, ofendido) do que o México ou um Brasil? será que importa tanto o tamanho? Para a vida do povo, para a vida dos cidadãos, para a vida dos indivíduos, isso não importa a mínima. O Brasil é uma economia muito maior do que a do Chile e todos nós, aqui, estaríamos dispostos a atos de heroísmo, para que pudéssemos ser como o Chile, institucional e socialmente. Alguns aspectos à parte, porque eles, como todos, também têm os seus. A diferença não é uma suposta disciplina brasileira mas, sim, que, realmente, nos últimos 14 anos, nós avançamos mais em substantivação da democracia, em transparência, em fazer frente à nossa cegueira, que é a desigualdade. Meu tempo encerrou, eu gostaria de fazer apenas mais dois comentários. Primeiro, as exportações argentinas para o Brasil já são cerca de 10% do PIB argentino, não das exportações, do PIB argentino. Eu acho que não é possível desconsiderar essa realidade como algo estrutural. 283 brasil-argentinaFIM.pmd 283 5/2/2004, 11:02 E, um último comentário, talvez o mais importante dessa minha fala. Eu li com muito interesse no paper, o trecho das reestruturações ofensivas. Tem sido o meu trabalho, porque eu sou funcionário dos quadros do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. No final da década de 80 e início da década de 90, no Brasil, quando se discutiu reforma tributária, uma das perspectivas era acabar com o FAT, que é a poupança fiscal, que provê 40% do funding do BNDES. E, na verdade, havia, também, na agenda, a intenção clara contra a qual eu lutei, de acabar com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Na época, fizemos estudos, mostrando que mesmo países cujo último dos problemas seria a ausência de capital, falta de capital, como a Alemanha o Japão, tinham instrumentos de poupança fiscal, tinham instrumentos de poupança compulsória. Ao ler no paper que a reestruturação, principal fonte de esperança para o povo e o futuro da Argentina, dependeu e depende apenas de capital estrangeiro como fonte de financiamento, eu me pergunto: seria diferente a História da Argentina, teríamos motivos para um otimismo maior, se a Argentina tivesse um instrumento para alavancar a reestruturação produtiva semelhante ao BNDES? O Professor Kosacoff insistiu num ponto muito interessante: o papel dos instrumentos e das políticas públicas, na década de 60 e 70, nessa reestruturação. E agora ela depende, em seu financiamento, do imponderável. E Banco de Investimento é a construção do futuro, é a visão estratégica. De modo que eu não tenho como deixar de pensar em como somos felizes, no Brasil, por termos esse instrumento de construção do futuro, de financiamento de parte do investimento e, portanto, de alguns meios para viabilizar uma determinada concepção estratégica. Obrigado. 284 brasil-argentinaFIM.pmd 284 5/2/2004, 11:02 Felipe de la Balze: Buenas tardes. Muchas gracias al IPRI y a Mónica Baer. Yo trataré de cumplir mis diez minutos de presentación hasta que llegue el próximo conferencista. Yo creo que el trabajo del Doctor Kosakoff, es un trabajo muy importante, muy claro, que cubre prácticamente todas las áreas que se pueden analizar desde el punto de vista de la evolución de la economía argentina durante los últimos diez años. Ahora, si yo tuviera un alumno de economía y me preguntara cómo hago para entender la crisis argentina, en estas circunstancias particulares, yo no lo mandaría a estudiar economía a Harvard, en realidad la mandaría a estudiar los “clásicos” a Oxford. En otras palabras, la dimensión de la crisis argentina tiene más que ver con lo mitológico, con lo bíblico en este momento, que con lo puramente económico. ¿Por qué digo esto? Lo digo por lo siguiente. Argentina es un país que se construyo material y simbólicamente a partir del deseo de progreso individual. Pedro de Mendoza, el primer fundador de Buenos Aires, llegó con la idea de encontrar El Dorado, y el último comerciante coreano recién llegado, que algunos de ustedes vieron en televisión golpeado por los saqueadores de supermercados durante el proceso de caída del ex-Presidente Fernando de la Rua, que llegó hace tres años y abrió una frutería, también llegó como Pedro de Mendoza, con el objetivo de ganar plata, de tener un éxito material rápido. Dados estos antecedentes simbólicos y de expectativas si uno reflexiona sobre lo que ha pasado en la Argentina en los últimos seis meses, lo que ha pasado es de unas proporciones absolutamente mitológicas para un pueblo donde el progreso material y la propiedad personal es tan prioritaria en el imaginario colectivo. Primero, los títulos públicos cuyos principales detentores son los bancos locales, los fondos de pensión y los fondos comunes locales y las personas de altos ingresos (aproximadamente el equivalente a US$ 150.000) millones pasaron en el mercado de valer $100 a valer $20 en un periodo de menos de 6 meses. 285 brasil-argentinaFIM.pmd 285 5/2/2004, 11:02 Segundo, al poco tiempo las empresas de servicio público, mayoritariamente en manos de capitales extranjeros (aproximadamente unas 40 empresas en los sectores de agua, electricidad, gas y energía), descubrieron que la moneda argentina se había depreciado de mas del 200% en un corto periodo de tres meses y que ellas no podían ajustar sus tarifas, y que en un período de tiempo tendrían que entrar en default con sus acreedores externos, cosa que ya han comenzado a suceder, y que sus balances y el de sus casa matrices tendrían que incorporar cuantiosas perdidas en un periodo muy corto de tiempo. Tercero, poco tiempo después los depósitos de los ahorristas (aproximadamente U$S 80.000 millones; mayoritariamente la clase media) fueron congelados. Varios millones de personas y sus familias vieron sus sueños (la casa, la jubilación, el viaje a Europa, la educación de un hijo) simbólicamente desaparecer. Cuarto, el número de desempleados aumentó de un millón a más de tres millones de personas en un período relativamente corto. Quinto, once millones de personas que tienen empleo, que ganan entre 500 y 2.500 pesos por mes (que eran dólares equivalentes hasta mediados de enero del año 2002) van a sufrir durante los próximos sesenta a noventa días pérdidas de entre el 30 y el 50% de sus ingresos en términos de poder adquisitivo. Ahora, si volvemos a Pedro de Mendoza y al coreano y analizamos lo que yo les acabo de decir, realmente la macroeconomía no puede responder este desafío, es un desafío de la política, es un desafío de la cultura y es un desafío de un impacto emocional muy difuso y muy grande. El segundo tema que quería comentar es que el Estado argentino tiene en este momento un déficit primario significativo (si incluimos el déficit cuasi-fiscal del Banco Central que se exterioriza principalmente en redescuentos al sistema financiero). En otras palabras, sus ingresos corrientes no cubren sus egresos corrientes, mismo sin pagar la deuda externa. En otras palabras, dejamos de pagar la deuda externa se generó una corrida bancaria y tenemos un déficit operativo incluyendo el déficit cuasi-fiscal del Banco Central relativamente importante (aproximadamente de más de mil millones de pesos por mes). 286 brasil-argentinaFIM.pmd 286 5/2/2004, 11:02 ¿Qué quiere decir esto? Hay solo tres soluciones: o se financia, cosa que parece imposible después de haber confiscado los depósitos, repudiado la deuda, sacado el derecho de que la gente transforme el peso en dólar, o se emite moneda espúrea o se confisca. Las crisis fiscales del siglo XIX, que son las más relevantes para la situación que vive Argentina, muestran que en realidad, si uno no puede financiar uno tiene que confiscar. Y ya hemos confiscado varias cosas en Argentina en los últimos cuatro meses. Comencemos por los dólares, que no eran del Banco Central eran de la población. Los 27 mil millones de dólares que había en el Banco Central, eran de los argentinos que tenían pesos. Seguimos con los depósitos, luego la inflación (que no será menos de 100% en el año). Finalmente el Banco Central emite moneda y potencia el proceso inflacionario y/o cuasi monedas emitidas por los gobiernos provinciales. ¿Qué más queda por confiscar? ¿O qué impuesto se puede poner hoy? Bueno, podemos poner retenciones a las exportaciones, es la última que queda. Los siguientes pasos son confiscaciones mucho más difíciles, porque pasan del terreno de lo intangible al terreno de lo tangible. Es mucho más fácil quedarse con un título o quedarse con un depósito, o emitir moneda o cuasi monedas que ir a la casa de la gente y vender sus muebles, como se hizo en la Revolución Francesa. Cualquiera de ustedes que haya ido a los grandes palacios ingleses encontrará maravillosos muebles franceses, que fueron comprados en remates públicos en las puertas de Versalles y del Louvre por testaferros de las familias más importantes inglesas entre 1792 y 1795, donde después de haber guillotinado a la clase dirigente francesa, los muebles se vendían en remate público al mejor postor. Argentina está muy cerca de tener que, o ajustar de una forma muy brutal y muy poco eficaz su gasto público, o emitir (que es el camino a la hiperinflación) o seguir confiscando, que es el camino que lleva a la disolución de la sociedad civil y a crecientes grados de violencia anárquica.. Porque una vez que yo comienzo a sacarle a ustedes su propiedad privadas, sus depósitos, sus muebles, sus haciendas, lo más probable es que ustedes se defiendan. Vuelvo a repetir, es mucho más fácil quedarse con depósitos o no pagar la deuda que quedarse con cosas físicas, tangibles. 287 brasil-argentinaFIM.pmd 287 5/2/2004, 11:02 Por lo tanto la crisis argentina no es una crisis económica, es una crisis económica y es una crisis del sistema político. Es una combinación de la crisis financiera y bancaria que produjo el Tequila, agravado por el default, más una crisis donde gran parte de la población pone en duda la legitimidad de grandes segmentos de la clase política. La prueba de eso es que miles de personas salen a las calles, de izquierda, de derecha, del centro o sin opinión política, pidiendo “que se vayan” o “ que dejen de robar”. Y después están todos los que no salen a la calle pero que expresan de una u otra forma un profundo rechazo a la clase política. Quedarnos simplemente al nivel del análisis económico no nos permitiría explicar ni lo que está pasando ni lo que va a suceder; porque lo que va a suceder no se puede explicar solo con los instrumentos que nos han enseñado en las clases de economía. Si algunos de mis colegas economistas pudo predecir la especulación de Internet y su caída posterior, hubiera sido millonario, personalmente no conozco a ninguno. ¿Por qué? Porque lo de Internet tuvo que ver con pasiones desatadas, la codicia desatada. No hay modelo macroeconómico que explique ese tipo de comportamiento. Lo que está sucediendo en Argentina, políticamente, culturalmente y económicamente no puede ser explicado solamente con modelos económicos. Ahora, ¿cuáles son las cosas positivas? Porque después de haber dicho esto ustedes pueden llegar a la conclusión que la Argentina va a entrar en una hecatombe – y es posible. No digo que es probable, pero no es imposible. ¿Cuáles son las cosas positivas? Primero hay una reacción en la sociedad civil absolutamente extraordinaria. Yo tengo una hermana que es muy buena chica pero es súper egocéntrica, quiere nada más que a su novio y a su perro. Es bióloga, es muy difícil tener un buen salario siendo bióloga, es joven, tiene 29 años y hace 30 días me llama y me dice: Felipe, ¿qué puedo hacer? Esto se está yendo al diablo. Yo dije: Mirá, andá a la iglesia, que queda aquí a dos cuadras, hay un lugar donde dan sopa, ofrecete todos los días, andá a servirle sopa a los pobres. Y mi hermana, desde hace un mes, va a la iglesia todos los días a servir la sopa a los pobres. Y eso mismo está pasando en muchos 288 brasil-argentinaFIM.pmd 288 5/2/2004, 11:02 estratos de las clases medias y de las clases altas de Argentina. Yo creo que es una respuesta de la sociedad civil, que vamos a ver crecer en los próximos meses, y que nos va a sorprender. Y eso es el resultado de 18 años de democracia. En otras palabras, la democracia, a pesar de sus defectos, a pesar de haber sido bastante corrupta, a pesar de haber enfatizado demasiado las elecciones y demasiado poco las instituciones, ha creado un área de responsabilidad de respuesta civil que yo creo que va a ser muy valiosa en la recuperación de la Argentina. La segunda dimensión positiva es lo que dijo el profesor Kosakoff sobre la genuina modernización de vastos sectores de la economía nacional. Yo agregaría a lo que él dijo un elemento adicional, que es que Argentina hoy en día tiene una muy buena infraestructura, en otras palabras, las rutas funcionan, los teléfonos funcionan, el gas funciona, la electricidad funciona, cosa que hace diez años no teníamos. Es decir, que agregaría a los tres puntos que hizo el Dr. Kosakoff, que me parecieron muy relevantes, este punto adicional. El punto siguiente es un recuerdo de Pinochet y de la teoría de la “convergencia” (el “catch up”). Mucho nos han dicho en los últimos 15 años que Chile creció sostenidamente al 7% por 20 años, porque Pinochet con la mano dura generó 25% de desempleo, destruyó una buena parte del capitalismo prebendario, corporativista chileno y permitió, con estabilidad política, un crecimiento económico más eficiente de nuevos sectores de la economía. Bueno, fíjense ustedes, nosotros sin Pinochet, simplemente por virtud de nuestra clase política, estaremos llegando antes de fin de año al 25% de desempleo y hay 20 mil empresas que están quebrando por mes. Ahora, lo que es un horror es también la fuente de un potencial crecimiento extraordinario eficiente. Lo más difícil en economía para crecer no es ahorrar, ahorrar es un sacrificio, ahorrar es un esfuerzo, ¿quién quiere ahorrar? Es una obligación. Lo más difícil en una economía es asignar eficientemente los recursos, es hacer que aquel que es buen profesor sea profesor y aquel que es buen almacenero sea almacenero. La circunstancia argentina es tan adversa - de 25% de desempleo antes de fin de año; similares a la 289 brasil-argentinaFIM.pmd 289 5/2/2004, 11:02 gran depresión; con miles y miles de empresas quebradas -que si Argentina tiene estabilidad política e implementa buenas políticas macroeconómicas, el crecimiento economic (el “cath up”) va a ser absolutamente espectacular. Lo que quise hacer con este corto comentario fue evadirnos un poco del análisis puramente económico y traer de vuelta la economía al debate después de haber realizado un corte transversal de camino a través de lo psico-social y lo mitológico; volver a la escuela de economía de Harvard después de haber hecho una pequeña parada para releer los “clásicos” en Oxford. 290 brasil-argentinaFIM.pmd 290 5/2/2004, 11:02 Mônica Baer: Eu queria, rapidamente, fazer dois comentários que havia preparado, tentando inclusive fazer uma ponte entre a exposição e o documento que o Bernardo Kosacoff apresentou e o paper que o Dr. Joao Paulo apresentou sobre a economia brasileira. Bernardo Kosacoff levantou uma questão importante para nossos países, ao diferenciar o que é de “responsabilidade”, da condução da política econômica, do sistema político, da gestão da economia e dessa sociedade daquilo que são, na realidade, choques externos, diante dos quais estes países estão mais ou menos vulneráveis. Essa é uma questão que permeia, praticamente, todas as economias da América Latina. Diante dos condicionantes externos, o raio de manobra que cada uma dessas economias tem, para enfrentar estes choques autônomos, depende dos aspectos internos mencionados. O tema deste Seminário é, exatamente, avaliar o percurso, comparativamente, das economias dos dois países, Brasil e Argentina, ao longo da década de 90. Mas, mesmo se olhassemos um pouco mais para trás, identificaríamos processos muito parecidos. Por exemplo, já na década de 70, tanto o Brasil como a Argentina procuraram uma inserção internacional, que teve uma dimensão financeira significativa, da qual resultou, no início dos anos 80, a crise da dívida externa. Embora os processos dos dois países apresentassem características diferentes, o choque externo, decorrente da reversão do cenário internacional, implicou o mesmo tipo de crise externa nos dois países. Passamos a década 80 inteira, praticamente, sob uma forte restrição de financiamento internacional, todos tentando enfrentar os processos inflacionários crônicos. Foi quando se iniciaram as tentativas heterodoxas de combate à inflação, tanto na Argentina como no Brasil. Entramos na década de 90, condicionados por um cenário internacional de financiamento mais favorável, que viabilizou um processo de combate à inflação, baseado em uma estratégia de valorização da moeda local. Quer dizer, a característica específica das políticas de estabilização da década de 90, tanto na Argentina como depois no Brasil, foi a âncora cambial, que esta mudança no cenário internacional viabilizou. No caso do Brasil, ela só foi implementada em 1994 e no caso da Argentina já em 1991, com o modelo de conversibilidade. 291 brasil-argentinaFIM.pmd 291 5/2/2004, 11:02 Da mesma forma, quando olhamos o processo de privatização, tanto a Argentina como nós o tivemos. Também todo o debate em torno da disciplina fiscal. Então, o que diferencia as duas experiências? A sensação que se tem vai um pouco na direção do que o Sérgio quis colocar e do que foi levantado hoje de manhã, do ponto de vista político. A diferença entre a Argentina e o Brasil é que, no fundo, os modelos ou as políticas, na sua natureza, são bastante parecidos. Mas, as experiências, no modelo argentino, parecem ser levadas ao extremo, ao passo que no Brasil nunca são implementadas na sua total magnitude. Parece que no caso deste último, diante dos problemas que se vão enfrentando, há mais flexibilidade para reorientar a política. Não sei se fica muito claro o que eu estou querendo dizer. Por exemplo, na conversibilidade, a Argentina persistiu no modelo por um período muito longo, a pesar de todas as contradições que se manifestavam. Obviamente, isso tem a ver com a dolarização desta economia, as hiperinflações que teve, que foram anteriores a esta crise argentina. No Brasil, ao contrário, o debate em torno das contradições do câmbio sobrevalorizado, base da estratégia de estabilização, nunca parou. Quer dizer, sempre teve, de uma ou de outra maneira, vozes dissidentes, vozes críticas. E o debate em torno do que fazer, como mudar de rota, nunca se estancou. A sensação que dá, no modelo argentino, principalmente depois da conversabilidade e o seu aparente sucesso, nunca se levantaram críticas abertas. Na Argentina, comparado com o Brasil, todas as experiências e todas as etapas são mais extremas. Se fôssemos mapear o processo econômico, chegaríamos à conclusão de que temos trajetórias muito parecidas, mas que a intensidade e os contrastes no caso Argentino são maiores, extremos. Por quê isso? Do que discutimos aqui, fica claro que essa questão não se esgota no econômico. Nesse sentido, acho que as discussões da manhã de hoje, a través de algumas colocações do Professor Romero e do Professor Murilo, contribuíram para esclarecer que há características políticas importantes que condicionam estes processos de maneira diferenciada. 292 brasil-argentinaFIM.pmd 292 5/2/2004, 11:02 Entretanto, do ponto de vista estritamente econômico, apesar de trajetórias parecidas, me fica uma dúvida que eu gostaria de compartilhar com vocês. A dúvida se refere a como caracterizamos o “modelo econômico” destes países. É fácil tachar os modelos: o neoliberal, o de substituição de importações, todos eles tiveram os seus problemas. O Professor João Paulo, em seu paper, também entra nessa discussão, ao debater o crescimento para fora versus o crescimento para dentro. Caricaturas à parte, de fato, nós continuamos não tendo claro, substantivamente, que tipo de modelo nos leva a uma trajetória de crescimento sustentado. No Brasil, foi uma surpresa positiva que tenhamos conseguido sair do regime de câmbio fixo, com relativo êxito, pelo menos do ponto de vista do controle inflacionário. Mas, no médio prazo, continuamos discutindo se, da forma como a gente vem, ele é sustentável ou não, do ponto de vista do crescimento. Portanto, o modelo continua em xeque, e o que que é este modelo, que tipo de políticas que a gente pode enfrentar? E, neste sentido, eu queria fazer uma observação ao Bernardo: acho que nós estamos olhando, hoje, a Argentina no fundo do poço e, realmente, não vendo saída. Fiquei positivamente surpreendida que Você é mais otimista quanto à capacidade dos agentes produtivos em reagirem, após o colapso do modelo. Há remodelações, há reestruturações, Com uma nova relação de preços relativos, empresas/setores vão reagir. Então, na sua opinião, já há sinais positivos. A dúvida que fica, é se esses setores/agentes serão capazes de colocar a Argentina numa trajetória de crescimento razoável, que é fundamental, inclusive do ponto de vista político. Aí é que eu fico na dúvida, e ela não é trivial. O segundo aspecto que eu gostaria de colocar ao Bernardo é quanto às dificuldades de curtíssimo prazo. E, nesse sentido, mesmo que você tenha setores que estão reestruturados, que estão, digamos, em condições de competir internacionalmente, no curto prazo, há, praticamente, uma destruição dos instrumentos básicos da política econômica. Você mesmo confirmou isso. O sistema financeiro acabou. A crise financeira, como o próprio Felipe colocou, é muito profunda. No fundo, é uma crise de credibilidade total. Nenhum argentino, por muito 293 brasil-argentinaFIM.pmd 293 5/2/2004, 11:02 tempo, vai recompor a confiança e voltar a botar o seu dinheiro no sistema financeiro argentino. Não estamos nem falando de sistema financeiro apto para dar crédito. Essa é uma outra etapa. Nós estamos falando de um sistema que não dá nem conta do sistema de pagamentos, da troca, do funcionamento elementar de uma economia monetária. Porque, do jeito que está, tenho a sensação de que a Argentina, neste momento, não tem nem mais moeda. Estão em circulação várias moedas e funciona, mal e mal, a troca. A quebra dos contratos e a crise das instituições é tão profunda, que retomar uma certa normalidade vai levar algum tempo. E este tempo será maior, porque, além das dificuldades internas, a Argentina também está sendo laboratório de experimento de uma nova política, de uma nova postura internacional, liderada pelo Governo norte-americano. Em 1998, o Brasil necessitou de ajuda financeira internacional de 41 bilhões de dólares para não ter uma crise de liquidez externa. Se, naquele momento, não tivéssemos no final do Governo Clinton e tivéssemos sido tratados sob o novo prisma do governo Bush, “a pão e agua”, provavelmente nossa situação se aproximaria à da argentina, pelo menos do ponto de vista das contas externas. Eu diria, na situação atual dos processos económicos/políticos, o Brasil tem mais raio de manobra que a Argentina, mas isso não significa que esse raio seja ilimitado. E com corte absoluto do financiamento internacional, como é o caso da Argentina neste momento, fica difícil para qualquer país, pois até o comércio dos produtos nos quais o país é competitivo, fica difícil. Em suma, eu diria que sou mais pessimista quanto às consequências de curto prazo sobre a economia Argentina do que o Bernardo. Acho que não é uma questão de semanas, nem de meses. E a reconstruturação dos instrumentos/insitutuições econômicos e da sua confiabilidade é extremamente difícil e lenta. Além disso temos que ter clareza que o cenário internacional é outro, muito mais difícil, pelo menos do que se percebe neste momento. E a gente tem que ter isso em mente, no balizamento da situação das nossas economias. Posso ousar fazer mais um comentario, a título comparativo dos dois papers apresentados. 294 brasil-argentinaFIM.pmd 294 5/2/2004, 11:02 Em seu trabalho, o Doutor João Paulo é muito propositivo. Com toda a coragem, ele volta, no fundo, a priorizar: “Olha, nós precisamos pensar no desenvolvimento”. Embora o debate no Brasil ainda seja o mais ativo no âmbito da América Latina, eu acho que ainda estamos longe de conseguir uma visão completa do que significa o desenvolvimento, prospectivamente. Enfatizamos temas específicos, estabilização, vulnerabilidade externa, etc., mas não temos uma visão completa e integrada do assunto. O Dr. João Paulo, em seu documento resgata coisas interessantes do passado. Mas, se quisermos com a proposição do desenvolvimento participar ativamente do debate, acho que temos que ter coragem de aprofundarmos as questões tanto nos aspectos positivos, como nos negativos. Porque, toda a história da substituição de importações, todo o debate de crescer para fora ou para dentro, e mesmo toda a atuação do Estado, no passado, não são possíveis de serem reproduzidos no futuro. Principalmente, se pensarmos em termos das condicionantes financeiras. Para ilustrar este ponto, gostaria de resgatar algumas coisas do documento do Bernardo. Ele mostra que, apesar de todas as adversidades macroeconômicas e políticas, houve setores, agentes e experiências microeconômicas de recuperação e reestruturação positiva. Teríamos que reformular o enfoque analítico nesta direção e avaliar , em que condições, que setores serão capazes de se ajustar. O debate “crescer para fora x crescer para dentro” perde essa riqueza. Só quero dar mais um exemplo neste sentido. Outro dia, numa reunião, apresentei uma tabela de um estudo recente da FUNCEX, em que eles comparam a evolução das exportações brasileiras, por nível de dinámica internacional. E o Brasil, apesar de todas as adversidades, cresce em setores dinámicos a nivel internacional, coisa que não se imaginaria, a priori. Ou seja, acho que teremos que ter coragem para repensar as categorías analíticas. Temos que enfrentar o desafio da heterogeneidade. Além disso, a classificação tradicional dos setores, também está sob júdice. Dizer que o primário é atrasado e que o setor de serviços é o avançado, é no mínimo questionável. Porque você tem, no primário, 295 brasil-argentinaFIM.pmd 295 5/2/2004, 11:02 setores de altíssima tecnologia e setores absolutamente estancados. Da mesma maneira, você tem nos serviços ainda o informal e você tem o serviço de alta tecnologia, todos eles classificados como serviços. Então, eu sou uma defensora da retomada do debate do desenvolvimento. Mas, acho que precisamos atualizar as categorías analíticas à dinâmica económica que estamos presenciando. Da mesma maneira, temos que rever o que é, hoje, uma postura ativa do Estado, em termos de formulação de políticas? Acho que elas podem ser muito diferenciadas, dependendo do tipo de setor que estejamos falando, como pode ser muito diferenciada uma política ativa na área social, porque as realidades são muito diferentes. Além disso, se voltarmos a resgatar o conceito de desenvolvimento, deveremos fazê-lo não na sua dimensão estritamente econômica, mas incluindo a questão social. No Brasil, hoje, o debate é o seguinte: precisamos de crescimento econômico, precisamos reduzir vulnerabilidade externa, etc. No diagnóstico há bastante consenso e também de que não podemos continuar tão vulneráveis às flutuações internacionais. Entretanto, como fazer, como sair da situação que estamos, aí falta discussão e debate. Cresce o consenso de que crescimento é condição necessária. Longe de suficiente para o desenvolvimento e, principalmente, para o combate à desigualdade social, como o próprio Sérgio Besserman hoje disse, no comentário anterior. Então, eu queria resgatar essa questão fundamental do desenvolvimento que o senhor trouxe. Mas também sugerir que repensemos melhor as categorias para poder, ativamente, participar desse debate. Senão, vamos perdê-lo. Essa é a minha sensação. O segundo ponto que é extremamente interessante na proposta do Doutor João Paulo, sua proposição de um projeto de desenvolvimento conjunto Brasil e Argentina. Hoje, esse projeto tem mais condições de vingar. Ele não é mais uma pura ilusão. Mas, não podemos incorrer nos mesmos erros do passado. Nós, economistas, temos soluções econômicas. Eu gostaria de ver isso acoplado a um projeto político. Senão, obviamente, nós voltamos a ter essa dicotomia, que obviamente não se materializa em projeto algum. Porque, como bem colocou a Mônica Hirst, cada um tem um jeito de ver a integração com a 296 brasil-argentinaFIM.pmd 296 5/2/2004, 11:02 Argentina. Só consigo ver um projeto politicamente sustentável, se houver harmonia entre as partes. Se houver complementariedades em que o benefício é do conjunto. Obviamente, a posição brasileira é extremamente frágil, pois este seria o momento em que o Brasil devería ajudar a Argentina, mas não tem tanto raio de manobra para isso, principalmente no cenário internacional em que nos encontramos. Essas eram minhas observações. 297 brasil-argentinaFIM.pmd 297 5/2/2004, 11:02 298 brasil-argentinaFIM.pmd 298 5/2/2004, 11:02 EL PROCESO DEMOCRÁTICO EN LA ARGENTINA José Nun “Si pasamos de lo que es mejor a lo que es peor para la prosperidad, probablemente habría acuerdo en que cuando ganar está más incentivado que producir – cuando se obtienen más beneficios con la predación que con las actividades productivas y mutuamente ventajosas -, las sociedades se hunden”1 1. Seguramente serían pocos los observadores que se opondrían hoy a describir la situación de la Argentina en términos de “desintegración del orden civil, quiebra de la disciplina social, debilidad de los líderes y alienación de los ciudadanos”. Sólo que ésta era exactamente la imagen de Europa, de Norteamérica y de Japón que trazaba a mediados de los años 70 un resonante Informe acerca de la gobernabilidad de las democracias que le encargó la Comisión Trilateral a tres conocidos especialistas2. ¿Recuerdo tranquilizador que acaso pueda servirnos de consuelo para no desesperar ante las penurias por las que atraviesa la Argentina en estos momentos? No precisamente. Porque lo que importa revisar son sobre todo las razones en las cuales se fundaba una descripción como ésa. Y éstas implicaban una interpretación de las supuestas consecuencias negativas que habían tenido aquellos mismos factores que, veinte años antes, autores como Raymond Aron o Daniel Bell habían considerado como los verdaderos pilares en que se sostenían las democracias capitalistas de Occidente. Uno era la economía mixta (reputada por muchos como la innovación económica más importante del siglo XX); otro, el Estado 1 Mancur Olson, Poder y prosperidad (Buenos Aires, Siglo XXI, 2001), pág. 1 2 Ver Michel J. Crozier, Samuel P. Huntington y Joji Watanuki, The Crisis of Democracy (Nueva York, New York University Press, 1975), p. 2 299 brasil-argentinaFIM.pmd 299 5/2/2004, 11:02 de Bienestar (“un tipo de capitalismo ablandado por una inyección de socialismo”, al decir de T. H. Marshall); y el tercero, una prosperidad sostenida y creciente. Según Huntigton y sus colegas, en los años 60 todo ello le dió una vitalidad tan grande a la democracia que finalmente ésta se salió de madre y desencadenó la crisis de gobernabilidad de los 70. De acuerdo a esta lectura eminentemente conservadora, el pueblo - estimulado por las críticas de los medios masivos de comunicación y por la emergencia de los nuevos movimientos sociales - había desarrollado expectativas exageradas, planteaba cada vez mayores demandas y había terminado por perder confianza en las instituciones, desafiando en todos los planos los criterios de autoridad vigentes. En una palabra, habrían ocurrido allí una serie de excesos inaceptables que desestabilizaron el sistema político. ¿Cuáles eran estos excesos (y la palabra desempeña un papel clave en el Informe)? Una disminución excesiva de las desigualdades y un aumento excesivo de la participación política que acabaron por producir un “exceso de democracia” (sic) que se convirtió en una carga excesiva para los gobiernos3. De ahí las recurrentes crisis fiscales; y de ahí también que la inflación se transformase en “la enfermedad económica de las democracias”4. Como se ve, aquella descripción que transcribí al comienzo aludía a un estado particular de cosas que era atribuído básicamente a la desmesura de los de abajo, favorecidos por las políticas de pleno empleo, de redistribución progresiva de los ingresos y de gran crecimiento que caracterizaron a los “treinta años gloriosos” de la posguerra. Este diagnóstico fue el preanuncio de las políticas que implementarían poco después gobiernos de derecha como los de Thatcher y Reagan, con el explícito propósito de desactivar la “bomba democrática”, de reimponer el orden, de ampliar y fortalecer las posiciones de los grandes grupos económicos y de disciplinar a la mano de obra, que se consideraba que había adquirido demasiado poder. La lucha contra la inflación desplazó desde entonces al combate contra el desempleo como la preocupación macroeconómica principal y tanto la economía mixta como el Estado de Bienestar fueron sentados de mala manera en el banquillo de los acusados, donde se les endilgaron todas las culpas. 3 4 Ver especialmente Huntington, op. cit., págs. 64 ss. y 113-114. Esto corresponde al capítulo de conclusiones del Informe, op. cit., p. 164. 300 brasil-argentinaFIM.pmd 300 5/2/2004, 11:02 El caso argentino ilustra una evolución que poco o nada tiene que ver con la indicada, que es más bien su opuesto simétrico y que viene generando desde hace tiempo resultados inmensamente más desastrosos que aquélla. Es que hay un aspecto decisivo de esta evolución que no fue contemplado por los análisis a los cuales vengo de referirme, pese al papel determinante que ya había tenido en el desencadenamiento de la depresión de los años 30 en los países capitalistas industriales. Hablo de la profunda crisis de gobernabilidad que puede provocar la desmesura de los de arriba, no la de los de abajo. Dicho de otra manera: ¿qué sucede con la democracia representativa cuando es definida meramente como un sistema de equilibrio posible mediante el cual las mayorías populares son sometidas sin miramientos a los intereses y a los designios de las minorías económicas y políticas dominantes? ¿Cuando lejos de haber un “exceso de democracia” hay un “exceso de capitalismo prebendario, concentrador y excluyente”? Si todas las democracias representativas que conocemos son, en el fondo, “oligarquías electivas”, ¿qué pasa cuando una de estas oligarquías busca perpetuarse por todos los medios en el poder, se desconecta crecientemente de sus bases y contribuye a la marginación y al empobrecimiento de una gran parte de la población? Para ser justo con los informantes de la Comisión Trilateral, si es cierto que no le prestaron atención alguna a este tipo de exceso ni entonces ni ahora, al menos estaban convencidos de que “una estructura social en la que la riqueza y la educación se hallen concentradas en las manos de unos pocos no puede conducir a la democracia” 5 . En verdad, no hacían más que repetir así una de las premisas mayores en las que, desde Schumpeter en adelante, se fundaron los análisis de todos los teóricos de la llamada democracia procedimentalista y que, lamentablemente, sus epígonos latinoamericanos de las últimas dos décadas se dedicaron a ignorar con un empeño digno de mejor causa6. 5 Op. cit., pág. 5 6 Para un extenso desarrollo del tema, ver mi libro Democracia: ¿gobierno del pueblo o gobierno de los políticos? (Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2000). Según Robert Dahl, por ejemplo, todos los requisitos de la democracia se condensan en la exigencia de un principio fuerte de igualdad. Como solía recordar Schumpeter: “si un físico observa que el mismo mecanismo funciona de un modo diferente en épocas distintas y en lugares distintos, concluye que su funcionamiento depende de condiciones extrañas al mismo. Nosotros no podemos sino llegar a la misma conclusión por lo que se refiere al sistema democrático”. 301 brasil-argentinaFIM.pmd 301 5/2/2004, 11:02 Aquí reside una de las claves más importantes para descifrar una parte de lo que llamé en otro sitio “el enigma argentino”7. Es que, en efecto, según el paradigma teórico-ideológico de la modernización que se difundió desde los años 50, los países atraviesan tres grandes etapas históricas: primero, la del desar r ollo económico; casi simultáneamente, la del desarrollo social; y, por último, una vez cumplidos esos requisitos, la del desarrollo político, entendido como la instalación de un régimen constitucional de democracia representativa. En los años de la posguerra, la Argentina gozaba de niveles muy apreciables de desarrollo económico y de desarrollo social; sin embargo, su desembocadura política fue el populismo peronista y no la democracia representativa (como sucedió, digamos, en Uruguay o en Chile). Es la anomalía que trataron de explicar Germani y otros y de la cual no me ocuparé en este trabajo, salvo para decir que echó las bases históricas de la construcción de una ciudadanía muy desequilibrada, en la que la dimensión social primó claramente sobre la civil y la política. Porque ahora me interesa constatar la medida en que, medio siglo después, ese enigma ha invertido sus términos. Sucede que, según dicen los papeles, la Argentina es ya una democracia representativa mientras que, al mismo tiempo, el país se subdesarrolla activamente en lo económico y en lo social (des-monetización, des-salarización, des-industrialización, des-ocupación, des-nacionalización, desigualdad, des-protección, des-nutrición, de-crecimiento del producto, etc.). En una palabra, antes la modernización no nos trajo la democracia. Y hoy en día la democracia está muy lejos de llevarnos a la modernización. La tesis que quiero defender es que esto es así debido a las características y a los efectos propios del régimen social de acumulación que empezó a cobrar forma desde mediados de la década del 70 y que llegó a su apogeo en los años 90. Vale aclarar que referirse a un régimen social de acumulación no es hablar simplemente de un sistema económico sino de las instituciones, de las reglas y de las prácticas públicas y privadas siempre peculiares a través de las cuales este sistema se configura, de los modos operativos que normaliza, 7 Ver mi artículo “El enigma argentino”, en Punto de Vista, 71, diciembre 2001, pp. 1-5. 302 brasil-argentinaFIM.pmd 302 5/2/2004, 11:02 del tipo de actores que moldea y de las relaciones que se establecen entre ese régimen y el régimen político de gobierno8. 2. En su obra póstuma ya mencionada, Mancur Olson apela a lo que llama prudentemente una “metáfora” para echar luz sobre ciertos mecanismos centrales de la lógica del poder económico. Distingue así, con ejemplos históricos, entre los comportamientos de los bandidos errantes y de los bandidos estacionarios. Los intereses de los primeros son muy restringidos y consisten, básicamente, en apoderarse de todo lo que encuentran a su paso pues, como a Atila, los tiene sin cuidado que después el pasto vuelva o no a crecer ya que no los guía la intención de quedarse. Los segundos, en cambio, se preocupan por dejarles a sus víctimas lo suficiente como para que continúen produciendo a fin de seguir explotándolas y es incluso probable que las provean de ciertos bienes públicos como la educación, la salud, la seguridad, etc., para aumentar su productividad y, de esta manera, el excedente del que se apropian. Más aun: su participación en la sociedad puede llegar a ser tan inclusiva “que su propio interés los lleve a actuar como si fueran totalmente benevolentes”9. Mi cita de Olson es tan poco inocente como su metáfora. Creo que ayuda a entender un aspecto no menor de lo ocurrido en la Argentina desde que se inició en el país el ciclo hegemónico del capital financiero que todavía persiste. Ese comienzo se sitúa a mediados de la década del setenta, con el “rodrigazo”, primero, y el Plan Martínez de Hoz, después, que abrió la economía y liberalizó totalmente los movimientos financieros en un contexto de intensa represión política. Además de su validez histórica, la ventaja de fijar estos hitos es establecer de entrada la medida en que la instalación de ese ciclo fue un producto deliberado de medidas adoptadas por gobiernos 8 Para elaboraciones más amplias debo remitirme a José Nun y Juan Carlos Portantiero, Ensayos sobre la transición democrática en la Argentina (Buenos Aires, Puntosur, 1987) y a mi artículo “Populismo, representación y menemismo”, en Sociedad, 5, octubre 1994, págs. 91-122. 9 Mancur Olson, op. cit., pág. 31. Es sabido, por ejemplo, que en lugares controlados por la mafia ésta protege a la población de modo que no sea robada por terceros, con lo cual en realidad está defendiendo sus propios intereses. 303 brasil-argentinaFIM.pmd 303 5/2/2004, 11:02 que tenían abiertas otras alternativas. El resultado de esta primera alianza entre los nada benevolentes bandidos estacionarios que controlaban las palancas económicas de la dictadura militar y los bandidos errantes que llegaron montados en sus petrodólares para obtener enormes ganancias especulativas fue una crisis sin precedentes dado, entre otras cosas, el uso improductivo que por añadidura se hizo de los fondos disponibles: gran caída del producto per capita, una fenomenal redistribución regresiva del ingreso, una tasa anual de inflación de tres dígitos que ningún otro país soportó por un período tan largo y una deuda externa agobiante, que fijó los cimientos de la llamada “patria financiera”. Éste fue el marco en el que llegó al gobierno Raúl Alfonsín, para inaugurar un régimen político de democracia representativa (o más bien, como él mismo tardó bastante en entenderlo, la transición hacia un régimen de tales características). Nótese que, como los bandidos er rantes, los capitales financieros especulativos son esencialmente cortoplacistas y se desplazan con gran rapidez ante cualquier señal de riesgo. Fue lo que ocurrió aquí, luego del desastre de la guerra de las Malvinas y del default mexicano de 1982. En una coyuntura en que además subían las tasas de interés en los países centrales, se percibió que también la Argentina estaba técnicamente en virtual cesación de pagos y, además, no se advirtió de inmediato la creciente brecha que separaba a los ataques verbales que Alfonsín les dirigía en público a las corporaciones de las prácticas concretas que privilegiaban cada vez más los diálogos a puertas cerradas entre los funcionarios radicales y los directivos de esas corporaciones y de los organismos multilaterales10. No es de sorprender, entonces, que en medio de un creciente deterioro económico (fracaso del Plan Austral, fuga de depósitos, falta de crédito) y político (derrota en las elecciones legislativas y de gobernadores de 1987) el gobierno concluyera por lanzarse abiertamente 10 Según un relato no desmentido, varias semanas antes de anunciar el Plan Austral de junio de 1985, el entonces Ministro de Economía Juan V. Sourrouille llevó los borradores a Washington, para explicar el proyecto a las autoridades del Fondo Monetario Internacional y obtener su visto bueno (Joaquín Morales Solá, Asalto a la ilusión, Buenos Aires, Planeta, 1990, pág. 256). Como consigna otro observador, “en vísperas del Plan Austral, Alfonsín recibía en Olivos a los capitanes de la industria” (Horacio Verbitsky, La educación presidencial, Buenos Aires, Puntosur, 1990, pág. 114). Ver, también, Pierre Ostiguy, Los capitanes de la industria (Buenos Aires, Legasa, 1990). 304 brasil-argentinaFIM.pmd 304 5/2/2004, 11:02 a contener a los especuladores nacionales y extranjeros mediante el denominado Plan Primavera. ¿Cómo? Garantizándoles que no habría devaluación y que, invirtiendo en australes, obtendrían una tasa de interés del 10% mensual en momentos en que, en Estados Unidos, la tasa de interés era del 10% anual11. ¿Con qué se financiaba esta extraordinaria transferencia de recursos? Esencialmente, con el impuesto inflacionario que gravaba cada vez más a los trabajadores y al resto de los ciudadanos con ingresos fijos. El problema es que los capitalistas errantes pronto comenzaron a olfatear el riesgo de una situación altamente inestable, complicada por el inesperado ascenso político del entonces todavía temido populismo menemista. Se buscó contenerlos con la promesa de un préstamo que el Banco Mundial le daría al país aunque tiempo después se supo que, en realidad, no sería de desembolso inmediato12. Finalmente, en febrero de 1989 se produjo la corrida, luego de una sangría cuantiosa de las reservas del Banco Central que no pudo impedir la devaluación. La inflación se volvió imparable y entre mayo y junio superó el 100% mensual. La tempestad arrastró a Alfonsín (responsable de muchos de los vientos que la generaron, aunque no de todos), quien debió entregar la presidencia seis meses antes de que concluyera su mandato. Desde luego, mi objetivo no es hacer aquí una crónica ni, mucho menos, un examen detallado de lo ocurrido en las últimas dos décadas sino simplemente señalar la plausibilidad de la tesis que formulé más arriba. Pero, antes de proseguir, conviene despejar algunos malentendidos posibles. El primero es que la metáfora olsoniana de la que me valgo no resulta obviamente aplicable a la totalidad de los sectores capitalistas que han operado y operan en la Argentina por lo que el lector no debe confundir una parte (que considero muy significativa) de la historia con toda la historia. Dicho en otros términos, según las circunstancias, espe11 Como señala Morales Solá (op. cit., pág. 46), “quien haya especulado entre noviembre de 1988 y enero de 1989 en la plaza financiera se llevó un 30 % de ganancia en dólares: un rédito en tres meses que, en cualquier capital del mundo desarrollado, implicaría más de tres años de depósitos a plazo fijo”. 12 Ver sobre este tema Walter Graziano, Las siete plagas de la economía argentina (Buenos Aires, Norma, 2001), cap. 1 305 brasil-argentinaFIM.pmd 305 5/2/2004, 11:02 cialmente los grandes empresarios y grupos económicos pueden o no comportarse como si fuesen bandoleros errantes o estacionarios. Mi argumento es que, en la Argentina, se crearon condiciones particularmente favorables para que la mayoría de ellos así lo hicieran, con el agregado de que prevaleció la lógica de los bandoleros errantes y, con el correr de los años, se redujeron en forma ostensible tanto las áreas de acción como la tradicionalmente módica benevolencia de los bandoleros estacionarios. Esto sucedió en el marco previsible de frecuentes conflictos entre bandas, que fortalecieron el papel “protector” de verdaderas mafias enquistadas en los aparatos estatales. La segunda aclaración es que, precisamente porque aludo a estilos de comportamiento, ni el capital errante ha sido o es necesariamente extranjero ni el capital estacionario ha sido o es necesariamente nacional. En rigor, uno de los principales temas de campaña de Alfonsín fue que iba a empeñarse en desentrañar cuáles habían sido las reales características del endeudamiento externo que su gobierno heredó, discriminando entre los acreedores legítimos y no legítimos, ya que buena parte de estos últimos eran ciudadanos argentinos que habían fugado capitales del país para reingresarlos luego como préstamos falsos13. Es un tema que, como tantos otros, quedaría en pura promesa y se agravaría cada vez más en los años siguientes. Por otro lado, si no todos los capitalistas establecidos en el país pueden ser tratados como bandidos estacionarios, hubo muchos y muy importantes que se acostumbraron a actuar como si lo fueran y a tomar por dados sus comportamientos. Es lo que ponen en evidencia desde los contratos leoninos que celebraban con el estado ( lo que dió en llamarse la “patria contratista”, con su componente necesario de corrupción) hasta la gran evasión y elusión impositivas pasando por la estafa al fisco que constituyeron un buen número de los supuestos programas de “promoción industrial” que se implementaron desde esa época. 13 Para apreciar esta cuestión en toda su magnitud, se estima que más de dos tercios del total de la deuda externa pública de hoy deriva de los 48.000 millones de dólares de deuda que contrajo la última dictadura militar, ajustados por la tasa de interés. Ver Jorge Gaggero, FMI/Argentina: el mejor alumno en la picota (Buenos Aires, 2/4/2002, monografía inédita). 306 brasil-argentinaFIM.pmd 306 5/2/2004, 11:02 3. Con la llegada a la presidencia de Carlos Menem, los excesos de los de arriba iban a potenciarse de una manera tan espectacular como escandalosa. Si el gobierno de Alfonsín cortejaba a los grandes grupos empresarios, les anticipaba lo que haría y negociaba su apoyo a cambio de las ventajas que les otorgaba, el de Menem sencillamente le entregó de entrada el manejo de la economía a uno de esos grupos. A la vez, sacó partido de la crisis para obtener del Congreso una delegación de facultades legislativas en el Ejecutivo de una extensión y profundidad que ningún gobierno constitucional había gozado antes. Mediante las leyes “ómnibus” de Emergencia Económica y de Reforma del Estado, primero, y un conjunto de medidas tributarias, después, quedaron a su exclusivo arbitrio tanto la privatización de una larga lista de empresas públicas como la concesión de casi todos los ser vicios públicos; la posibilidad de autorizar para ello capitalizaciones de la deuda externa; los niveles y las características de la apertura comercial; la creación o la eliminación de subsidios públicos; la generalización a su solo criterio del impuesto al valor agregado; las decisiones acerca de la des- y de la re-regulación de los mercados; etc.14. Según explicaba tempranamente quien sería luego uno de los máximos ideólogos del menemismo, éste se proponía reconstruir el poder del estado “desde sus raíces”, implementando lo que “puede denominarse conceptualmente con precisión una `revolución conservadora`” 15 . Nuevamente, se recurrió a una tasa de interés exorbitante 14 Ver Vicente Palermo y Marcos Novaro, Política y poder en el gobierno de Menem (Buenos Aires, Norma, 1996), págs. 256 ss. 15 Jorge Castro, en el diario El Cronista, 24/9/1989. Para una útil revisión de éste y de otros textos parecidos, ver Fabián Bosoer y Santiago Leiras, “Los fundamentos filosófico-políticos del decisionismo presidencial en la Argentina, 1989-1999”, en Julio Pinto, comp., Argentina entre dos siglos (Buenos Aires, Eudeba, 2001), págs. 41-90. Castro ha considerado desde entonces a Menem como una especie de Cavour argentino, que lideró en el país cambios similares a los realizados por el Partido de los Moderados en el Risorgimento italiano. Alcanza con comparar la situación a la que fue conducida la Argentina por las políticas menemistas con el desplazamiento efectivo del viejo orden que ocurrió en ese país y con el desarrollo industrial del Norte italiano (que llevó a que ya el Tratado de Paz de Versalles pudiera reconocerle a Italia el status de Gran Potencia), para sospechar seriamente del particular sentido que Castro ha pretendido darle así a la noción de “revolución conservadora”. 307 brasil-argentinaFIM.pmd 307 5/2/2004, 11:02 para atraer inversiones y, otra vez, el país comenzó a avanzar hacia la hiperinflación. Mientras el precio del dólar se disparaba, un equipo económico de recambio quiso frenarlo recurriendo a un expediente poco apto para generar confianza pública: a fines de 1989, el Plan Bonex confiscó todos los depósitos a plazo fijo, sustituyéndolos por bonos a diez años de plazo que inicialmente redujeron el valor de esos depósitos en un setenta por ciento. La cotización del dólar bajó pero a costa de una fuerte recesión y de una inflación en rápido ascenso. Poco después, llegaba Domingo Cavallo al Ministerio de Economía y, a comienzos de 1991, en un contexto de notorio retraso cambiario, lanzaba el Plan de Convertibilidad, fijando una paridad 1 a 1 entre el peso y el dólar. El Plan iba a lograr dos cosas: liquidar la inflación y consolidar definitivamente el ciclo de hegemonía del capital financiero. Es verdad que, en los tres años siguientes, la economía argentina creció a un ritmo excepcionalmente elevado. Pero, como se apreciaría mejor después y sin perjuicio de los aumentos de productividad que experimentaron diversos sectores, incidieron en ello una serie de factores circunstanciales que no volverían a repetirse 16. En primer término, la liquidez internacional de los capitalistas errantes alcanzó máximos históricos desconocidos y, entre otros lugares, muchos de ellos volvieron también sus ojos hacia la Argentina, atraídos por una ausencia absoluta de restricciones a sus movimientos, tasas de interés muy atractivas, el respaldo que le brindaban al país los organismos internacionales de crédito, una serie de incentivos fiscales y el seguro de cambio gratuito que les ofrecía el Plan de Convertibilidad. En segundo término, este flujo se vio fuertemente incrementado por el programa de privatizaciones menos controlado, más veloz y de menor riesgo empresario de que se tenga memoria, esa famosa “venta de las joyas de la corona” que liquidó y desnacionalizó la mayor parte de 16 Acerca de los cambios tecnológicos que ya habían comenzado a registrarse desde la dictadura militar en algunas áreas (especialmente, en la agricultura y en ciertos segmentos de la industria), ver mi “Vaivenes de un régimen social de acumulación en decadencia”, en J. Nun y J. C. Portantiero, op.cit., págs. 83-116. Para una visión de conjunto y actualizada de este tema, me remito a Bernardo Kosacoff y Adrián Ramos, Liberalización, estabilidad y desarrollo: el caso argentino (Brasilia, FUNCEB, 2002). 308 brasil-argentinaFIM.pmd 308 5/2/2004, 11:02 las empresas públicas 17 . Un tercer elemento, que se revelaría también coyuntural, fue la expansión de la recaudación impositiva, conseguida mediante una regresividad creciente del sistema tributario que pasó a depender de impuestos indirectos cada vez más altos (como el IVA) mientras quedaban exentas las rentas financieras y los dividendos de los dueños de las sociedades anónimas. En todo caso, la falta de un genuino programa de desarrollo y, en especial, de políticas industriales activas (con algunas pocas excepciones favorables a las grandes empresas, como el régimen especial de protección a la industria automotriz, que supuso una cuasi-reserva del mercado interno para un puñado de terminales) hizo que la fase expansiva concluyera en la recesión de 1995, influída en buena medida por la retracción de los capitales errantes, asustados ante la crisis mexicana del año anterior. El cuadro volvió a modificarse favorablemente en el bienio 1996-98 hasta que, en el segundo semestre de este último año, el país ingresó en un proceso de depresión creciente, del cual aun no ha salido. (Es significativo que fuera éste el momento elegido por el F.M.I. para invitar a Menem a hablar ante su Asamblea General, privilegio sólo compartido hasta entonces por los primeros mandatarios de Estados Unidos). Se confirmaba así que, en el nuevo régimen social de acumulación que había empezado a gestarse en la década del 70, los movimientos de capitales de corto plazo se habían constituído en el factor autónomo determinante de las fluctuaciones de la producción y del empleo18. Uno de los efectos más ostensibles de esta dinámica ha 17 “Teléfonos, electricidad, agua y algunos servicios de transporte pasaron a ser monopolios privados en vez de públicos; sus tarifas, en contratos de largo plazo, subieron según la inflación de los Estados Unidos, aun cuando en la Argentina caían los precios. Y las tasas de interés siguieron siendo altas. Los bancos prestaban dólares al 25 %, por más que, en teoría, el riesgo era bajo”. Esta síntesis (válida aunque moderada) la tomo de una publicación tan conservadora como The Economist, 2/3/2002, lanzada a explicar el derrumbe argentino. Para análisis más extensos y rigurosos de este tema crucial, ver los Documentos de Trabajo producidos desde 1996 por el Proyecto Privatización y Regulación en la Economía Argentina, Área de Economía y Tecnología, FLACSO/SECYT/CONICET, Buenos Aires. 18 Cf. Aldo Ferrer, “Los ciclos económicos en la Argentina: del modelo primario exportador al sistema de hegemonía financiera” (Buenos Aires, Academia Nacional de Ciencias Económicas, 1995). 309 brasil-argentinaFIM.pmd 309 5/2/2004, 11:02 sido la frecuencia y la intensidad históricamente inusitadas de las ondas recesivas experimentadas por el país: 1975-76, 1978, 1981-82, 198990, 1995, 1999-2002. Más aun: en las condiciones descriptas, la debilidad y la vulnerabilidad de las fuentes autónomas de generación de divisas supuso que, en los hechos, un Plan como el de Convertibilidad sólo pudiera mantenerse al precio de un continuo endeudamiento externo (que subió fuertemente desde 1993) y de un aumento extraordinario de la desocupación y del subempleo, que alcanzaron prontamente sus máximos históricos. En realidad, son dos fenómenos que se entrelazan, toda vez que la conflictiva alianza entre los capitalistas errantes y los capitalistas estacionarios hizo que, a partir del Plan Brady, el servicio de la deuda se convirtiese en el eje principal de la política económica, a fin de evitar por todos los medios que sonara la alarma en las computadoras de los capitalistas errantes19. 4. Dicen que Milton Friedman nunca aceptó un cargo oficial para evitar que su neoliberalismo ortodoxo pudiera verse empañado por los compromisos que siempre exige la actividad política. Sus seguidores argentinos no han tenido los mismos reparos y, por el contrario, ahora intentan magnificar el peso de tales compromisos para eludir las responsabilidades que les caben en el actual desastre. Es verdad, por ejemplo, que el Plan de Convertibilidad fue localmente generado y que el Fondo Monetario Internacional nunca lo vió con buenos ojos. Esto no quita que le brindase un amplio apoyo y que erigiera a la Argentina en el caso modelo de las ventajas y de la eficacia del llamado “consenso de Washington”. Ocurre, en efecto, que el canon neoliberal fue uno de los grandes soportes ideológicos de la peculiar “revolución conservadora” encabezada por Menem, a quien todavía en 1998 Michel Camdessus no vacilaba en calificar como “el mejor presidente” que hubiera tenido el país “en los últimos 50 años”. De acuerdo a este canon, el motor del crecimiento son las 19 “Los objetivos referidos al nivel de la actividad económica y el empleo quedan subordinados al reciclaje de fondos externos necesarios para complementar los recursos propios destinados al servicio de la deuda”, Aldo Ferrer, op.cit., pág. 9. Acerca de los conflictos entre las cúpulas económicas, particularmente a partir de la crisis de 1995, ver especialmente Eduardo Basualdo, Concentración y centralización del capital en la Argentina durante la década del noventa (Buenos Aires, Universidad Nacional de Quilmes, 2000). 310 brasil-argentinaFIM.pmd 310 5/2/2004, 11:02 inversiones en capital fijo, las cuales requieren que las tasas de interés sean bajas. A su vez, esto sólo resulta posible en un contexto de precios estables y de altos niveles de ahorro. Por lo tanto, la inflación se erige en el principal enemigo del crecimiento y combatirla impone, entre otras cosas, que se achique el estado y que haya equilibrio fiscal; la flexibilización del mercado de trabajo, para evitar cualquier presión alcista de los salarios; y una política de libre comercio que fomente la competencia. Exactamente, se dice, el camino que recorrió los Estados Unidos bajo Clinton. ¿Evidencias que lo confirman? El rápido crecimiento de ese país en los 50 y los 60, cuando la inflación era baja; su pobre desempeño después, cuando la inflación subió y los ahorros descendieron; y la bonanza de los 90, cuando retornaron los precios estables, desapareció el déficit fiscal, aumentó el ahorro y el gobierno redujo drásticamente su papel. Como sucede a menudo, la lógica de un razonamiento de este tipo es impecable siempre que se acepten sus premisas. Y son estas premisas las que no se sostienen, como ha sido suficientemente demostrado20. El error es haberle atribuído un vínculo causal a dos procesos que simplemente coexistieron en el tiempo. Porque el descenso de la inflación en los Estados Unidos fue anterior a las políticas que mencioné más arriba y no sólo el crecimiento no resultó de estas políticas sino que lo limitaron seriamente, no resolvieron el problema de la desigualdad y colocaron al país al borde de la recesión. ¿Qué pasó, entonces? Que, tal como ocurrió antes con la máquina a vapor o con el motor eléctrico, los grandes cambios técnicos siempre tardan en madurar y es recién desde fines de los 80 que comenzó a dar realmente sus frutos la revolución informática, generando aumentos de productividad espectaculares e inesperados. Fueron estos aumentos los que hicieron que creciesen las ganancias pero no los precios y es a ellos que se debió la estabilidad monetaria y no a la desregulación o al equilibrio fiscal. Más todavía: el impulso y buena parte de los fondos que financiaron inicialmente esa revolución provinieron del gobierno. (Recuérdense, por ejemplo, los enormes gastos en defensa que realizó Reagan, a quien Galbraith llamaba por eso “un gran keynesiano”). 20 Para un excelente análisis del tema, ver Barry Bluestone y Bennett Harrison, Growing Prosperity (Boston, Houghton Mifflin, 2000. Hay traducción castellana: Prosperidad, Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2001). Es significativo que un economista de los quilates de Robert Heilbroner no haya vacilado en arriesgar su reputación (son sus propias palabras) para sostener que esta obra iguala en importancia a la Teoría general de Keynes. 311 brasil-argentinaFIM.pmd 311 5/2/2004, 11:02 Se perfila así un modelo alternativo, muy distinto al de la propaganda neoliberal, mucho más firmemente anclado en la evidencia histórica y cuya meta explícita es el desarrollo con equidad. Para este modelo, el motor del crecimiento son las innovaciones tecnológicas y no las inversiones en sí mismas. En medida considerable, tales innovaciones resultan un producto no casual del contexto: necesitan de políticas públicas y privadas que promuevan activamente la investigación y el desarrollo; de grandes inversiones del gobierno en infraestructura; de una expansión continua de la educación y la capacitación; etc. La prioridad no es aquí un presupuesto fiscal equilibrado sino un crecimiento social equilibrado. Para lo cual no alcanza con lo dicho. El modelo exige, a la vez, que la demanda se amplíe al máximo y no de cualquier manera sino a través del incremento de los salarios, apoyado por la acción del estado y de los sindicatos. Como ha mostrado Lester Thurow, salarios más altos conducen a una productividad más alta y no al revés, como se creía21. Por lo demás, todo indica que la señal más significativa para los mercados es la demanda futura esperable y no el nivel de la tasa de interés. 5. Desde el ángulo de lectura que he adoptado aquí, no aplicar a un caso como el argentino principios como los mencionados (que, a su modo, ya habían funcionado exitosamente en el Sudeste asiático, por ejemplo) y sí, en cambio, los del “modelo de Wall Street” (o “consenso de Washington”) supuso, entre otras cosas, abrirles de par en par las puertas del país a los capitalistas errantes e indujo una rápida concentración y centralización del capitalismo estacionario. Este último combinó la valorización financiera con la producción rentística en mercados oligopolizados, los cuales generaron muchos más encadenamientos multiplicadores hacia afuera que hacia adentro del país. Las consecuencias que se siguieron resultan hoy irrefutables. Para citar a Schvarzer: “En el período 1949-74 la industria multiplicó su valor agregado en más de tres veces y se convirtió en el motor de la economía y en la principal fuente de empleo y de riqueza 21 Lester Thurow, “Wages and the Service Sector”, en Ray Marshall, comp., Restoring Broadly Shared Prosperity (Austin, University of Texas, 1997) 312 brasil-argentinaFIM.pmd 312 5/2/2004, 11:02 del país”. En cambio, debidamente recalculadas, las cifras oficiales “sugieren que la industria no ha crecido, en términos de su aporte productivo, en el curso del último cuarto de siglo”22. El impresionante proceso de desindustrialización consiguiente no fue compensado por otros mecanismos de creación de riqueza que beneficiaran al conjunto de la sociedad. Según los criterios de medición que se utilicen, en veinticinco años de “economía cerrada” (1949-74), el producto per capita había crecido entre un 48 y un 67%; en el cuarto de siglo siguiente, dominado por las políticas neoliberales, este crecimiento fue prácticamente nulo. Y el país pasó de ocupar tradicionalmente el primer lugar en América Latina en materia de ingreso per capita a ubicarse hoy detrás de Uruguay, Chile, Brasil, México y Venezuela23. Lo cual no debe ser leído en absoluto como un elogio irrestricto de la “economía cerrada” sino como una crítica a los descomunales excesos de los de arriba que están en la base de la supuesta “revolución conservadora” que ha venido padeciendo la Argentina. Porque como indicador promedio que es, esa falta de crecimiento del producto per capita encubre una brutal traslación de ingresos hacia los más ricos, que han resultado ganadores en todas las fases del ciclo económico. Datos oficiales de noviembre de 2001 para la Capital Federal y el Gran Buenos Aires indican que la brecha entre el 20 % de mayores recursos (que se queda con el 53 % de los ingresos) y el 20 % de menores recursos pasó de 7.8 veces en 1974 a 14.6 veces en el 2001; y si se toman solamente el primero y el último decil, se comprueba que la diferencia se amplió de 12 a 28 veces. (Dada la propensión de los más ricos a subdeclarar sus ingresos y de los más pobres a sobrevaluarlos, es muy probable que estas distancias sean en realidad mucho mayores. Conviene recordar que la cifras se refieren a los ingresos anuales y no al patrimonio acumulado). Este incremento de la desigualdad (que coloca a la Argentina entre los 15 países con la peor distribución del ingreso en el mundo) se ha visto acompañado por otros tres fenómenos de similar gravedad. Uno es la desocupación: en 1993, en pleno auge del Plan de Convertibilidad, el 22 Jorge Schvarzer, “Economía argentina: situación y perspectivas”, La Gaceta de Económicas, 24/ 6/2001, pág. 6 23 Ver La Nación, 17/3/2002, p. 10, en base a datos oficiales. 313 brasil-argentinaFIM.pmd 313 5/2/2004, 11:02 desempleo abierto llegaba por primera vez en el último medio siglo al 10%, para duplicarse después con la crisis del tequila y afectar estimativamente hoy a cerca de un tercio de la fuerza de trabajo, cuya amplia mayoría carece de cualquier forma de protección social. A esto se suman guarismos semejantes de subocupación y entre un 40% y un 50% de trabajadores no registrados o “en negro” (incluídos muchos que tienen empleo en grandes empresas o en el propio sector público). El segundo fenómeno es, desde 1984, el descenso del salario real (apenas interrumpido en 1991-92), de modo que las remuneraciones de los trabajadores terminaron cayendo a niveles análogos a los de hace medio siglo y ahora tienden a seguir bajando. En tercer lugar, más del 50 % de la población se ubica en la actualidad por debajo de la línea de pobreza, que supera apenas un nivel mínimo de mera subsistencia (y ello en un país que produce alimentos suficientes para una población diez veces superior a la actual). A esto se suma que, en la última década, 6 de cada 10 nuevos pobres han provenido de la otrora poderosa clase media argentina. Alcanza con estos elementos para advertir la magnitud del saqueo a que ha sido sometido el país y por qué no es arbitrario apelar a una metáfora como la de Olson para tratar de entenderlo, por lo menos en parte. El ciclo de la hegemonía del capital financiero ha sido claramente también el del exceso de participación del gran capital en los asuntos públicos en su exclusivo beneficio y me interesa explorar ahora algunos de los efectos generales que esto ha tenido sobre el régimen político de gobierno. 6. Si es cierto que el bandolerismo no reconoce fronteras, también lo es que una de las principales obligaciones de los gobiernos consiste en proteger de él a sus ciudadanos e impedir que prospere. Como subraya Manent, la función de custodiar y conservar es siempre inherente al ejercicio legítimo de la soberanía24. No fue éste el caso de la Argentina, especialmente en la década pasada. Más aun, para llevar adelante su tipo de “revolución conservadora” al menemismo no le bastaba con lograr la extraordinaria delegación de facultades legislativas a la cual ya me referí ni con recurrir incesantemente a los “decretos de necesidad y 24 Pierre Manent, Cours familier de philosophie politique (París, Fayard, 2001) 314 brasil-argentinaFIM.pmd 314 5/2/2004, 11:02 urgencia” y al veto parcial o total de las leyes que no le convenían. Necesitaba también reducir al máximo la independencia del Poder Judicial para que el decisionismo a ultranza que puso en práctica no quedara expuesto a su control. Lo consiguió sobre todo de dos maneras, que sacudieron las bases mismas del estado de derecho republicano, ya seriamente debilitadas, antes, por las leyes de Punto Final y de Obediencia Debida y, después, por el indulto que benefició a los responsables del terrorismo de estado. Por un lado, incrementó de 5 a 9 el número de miembros de la Corte Suprema, asegurándose así una “mayoría automática” que convalidó hasta las menos defendibles de sus medidas. (Agrego un dato que trasciende lo anecdótico. La única justificación explícita que se dió de ese incremento fue que la Corte iba a poder dividirse así en Salas a fin de operar con mayor eficiencia. En su primera acordada, la Corte resolvió no dividirse en Salas). Por otro lado, el gobierno se las compuso para renovar por completo el fuero federal – esto es, el fuero llamado a entender en causas que lo involucrasen -, poblándolo de jueces que le fueran adictos. Sumadas al control oficialista del Congreso, ambas circunstancias no sólo destruyeron de hecho la división de poderes sino que redundaron en un sensible descenso de la idoneidad de sectores estratégicos de la magistratura. A esto se añadieron fenómenos tales como las prebendas, los nombramientos y ascensos antojadizos en distintos fueros y un desfinanciamiento generalizado para afectar gravemente tanto la acción como la credibilidad de la justicia, incluyendo también en este desprestigio a jueces que seguramente no lo merecían. (Quizás no esté demás advertir que, en este sentido, sistemas como el judicial son indivisibles: alcanza conque se corrompa una parte – especialmente si ésta abarca a su cabeza – para que el conjunto se vuelva no confiable pues resulta incierto el destino de cualquier recurso). A la vez, semejante desquicio de los centros neurálgicos del Poder Judicial garantizó la impunidad de numerosos funcionarios públicos y de dirigentes políticos, empresarios y sindicales que se plegaron al clima de época, obraron en colusión con los capitalistas errantes y estacionarios y amasaron enormes fortunas facilitando sus actividades, fuesen éstas lícitas o no. Es que, por así decirlo, descendió palpablemente el “costo de oportunidad” de la corrupción, que adquirió 315 brasil-argentinaFIM.pmd 315 5/2/2004, 11:02 desde entonces magnitudes tan grandes que un sindicalista (hoy senador) pudo decir sin rubores y sin consecuencias: “Si dejamos de robar durante dos años, el país se salva”. La situación fue denunciada abundantemente por los sectores más sanos del periodismo y, no por casualidad, la respuesta de los acusados (incluído el propio Presidente de la República) resultó siempre la misma: “que decida la justicia”25 . En estas condiciones, y a pesar de algunos intentos que se hicieron, tampoco demostró ser factible constituir una burocracia pública altamente capacitada, bien remunerada y éticamente irreprochable que, como en otros lugares, pudiese asegurar la continuidad, la transparencia y la eficacia de la acción del estado. Conspiraron contra ello la propia corrupción ambiente, los favores clientelísticos, los cambios constantes del personal jerárquico y las asignaciones presupuestarias insuficientes o muchas veces caprichosas. Es decir que tampoco este importante espacio estatal de diseño, implementación y evaluación de políticas públicas y de defensa de los intereses colectivos ha funcionado en forma siquiera medianamente adecuada. Tres ejemplos que lo ilustran con mucha claridad son la estéril superposición y los muy magros resultados de los programas sociales; la general inoperancia (cuando no directamente la complicidad) de los órganos encargados de supervisar y de regular el desempeño de las empresas privatizadas; y la abr umadora incompetencia de los controles fiscales a todos los niveles26. La contracara (y muy a menudo la causa) de esas considerables limitaciones de la burocracia estatal fue una persistente ocupación partidaria de los lugares que les hubieran correspondido a los funcionarios de carrera. Esta tendencia se inició durante el gobierno de Alfonsín (quien, además, rompiendo una larga tradición del radicalismo, concentró a la vez las presidencias de la República y de la UCR) y culminó bajo Menem, reduciendo a un mínimo la autonomía de los partidos. Por eso ha podido compararse al Partido Justicialista de los años 90 con el PRI mexicano, dadas su organización “de arriba 25 Ver, por ejemplo, Horacio Verbitsky, Robo para la corona: los frutos prohibidos del árbol de la corrupción (Buenos Aires, Planeta, 1996) 26 Un dato comparativo: mientras que la recaudación impositiva supera en Brasil al 30 % del PBI, en Argentina apenas llega al 21 %. 316 brasil-argentinaFIM.pmd 316 5/2/2004, 11:02 hacia abajo, desde los despachos oficiales hasta cada unidad territorial local” y su financiamiento parcial o total con fondos públicos, en una época en la que “el dinero reemplazó a la militancia voluntaria como recurso estratégico en las luchas internas”27. Tales luchas sin duda existieron pero muy pocas veces fueron el signo de una real vitalidad democrática de los partidos. Tanto en los casos del radicalismo como del justicialismo consistieron sobre todo en enfrentamientos, negociaciones y compromisos entre caudillos, sea en vísperas electorales, sea en las constantes disputas por fondos entre los gobernadores y el poder central, sea en el plano de los debates y componendas parlamentarios. Ni hubo ni se promovió una auténtica participación ciudadana y esto ni siquiera varió cuando ingresó a la escena el FREPASO, una coalición de centro-izquierda que, para crecer, dependió esencialmente de la continua presencia de sus líderes en los medios masivos de comunicación y no de un esfuerzo organizativo más o menos coherente de construcción desde las bases. Caben pocas dudas de que la crisis de representación se ha convertido en un fenómeno bastante habitual en las sociedades contemporáneas y que inciden fuertemente sobre ella desde la fragmentación y desestructuración de las clases sociales hasta la videopolítica, pasando por el peso enorme que adquirieron las grandes corporaciones en un mundo globalizado a su medida. También es cierto que, por definición, en una democracia representativa debe existir siempre una distancia entre gobernantes y gobernados y que esta distancia reconoce dos extremos: cuando es nula, nos hallamos ante una democracia directa; cuando es total, ante una tiranía. Entre esos extremos, el grado tolerable de tal separación es indecidible a priori y depende de una historia, de tradiciones culturales, de las ideologías en pugna, de las formas organizativas, etc. Pues bien: lo que trato de decir es que, en las condiciones de la Argentina que he descripto, la distancia 27 Marcos Novaro, “El presidencialismo argentino entre la reelección y la alternancia”, en I. Cheresky e I. Pousadela, comps., Políticas e instituciones de las nuevas democracias latinoamericanas (Buenos Aires, Paidós, 2001), pág. 84. Resulta curioso el argumento al que apela este autor para afirmar que “las dificultades que resultan del modelo menemista no obedecen a un supuesto ‘debilitamiento del partido’, como se sostiene en algunos análisis, sino a su elevada ‘estatización’: ella supone altos costos de transacción para la formación de consensos en torno a políticas, establece una fuerte dependencia de las estructuras partidarias respecto de los recursos públicos y pone en riesgo las instituciones al borrar la diferencia entre partido y Estado”, op. cit., págs. 85-86, cursiva agregada. 317 brasil-argentinaFIM.pmd 317 5/2/2004, 11:02 se volvió tan grande que acabó conduciendo desde mediados de los 90 a una virtual ruptura del lazo de representación. Sólo que resulta necesario ir todavía más lejos pues esta ruptura es la manifestación más visible de un problema de una gravedad mucho mayor, que el fracaso del gobierno de De la Rúa se encargó de profundizar. Aludo a un verdadero vaciamiento de la vida pública, a la pérdida de eso que Hegel llamaba la “ética objetiva” o Sittlichkeit. Se refería de esta manera no al subjetivismo individualista del deber ser kantiano sino a la moral colectiva, al lenguaje que hablan cotidianamente las instituciones y las prácticas concretas de una sociedad y a través de las cuales se puebla de sentido la existencia de quienes la habitan28. Por eso, cuando las instituciones no cumplen los fines para los cuales fueron creadas y la gente pierde la confianza en los políticos o en los jueces o en los empresarios o en los sindicalistas o en los policías, se ingresa en el mundo alienado del sin sentido29. Basten nuevamente algunas evidencias empíricas30. Para la amplia mayoría de los argentinos entrevistados en los últimos cinco meses, la política se ha vuelto un sinónimo por antonomasia de corrupción y de privilegio y un 75 % no muestra interés alguno de involucrarse en ella (PNUD). Tres de cada cuatro, ni se sienten identificados con el sistema democrático argentino ni creen tampoco que el resto de los ciudadanos confíe en él (IBOPE). Menos del 5 % emiten juicios positivos sobre los legisladores (0,9%); el Poder Judicial (0,8%); los jueces (1,8%); el Congreso (4,9%); los gobernadores (1,8%); o las relaciones entre los partidos políticos (2,2%) o el estado (4,8%) con la sociedad (IBOPE). 28 He desarrollado estas cuestiones en La rebelión del coro (Buenos Aires, Nueva Visión, 1989) y más recientemente, en relación a la crisis argentina actual, en “Variaciones sobre un tema de Hegel”, en J. E. Burucúa y otros, La ética del compromiso (Buenos Aires, Altamira/Fundación OSDE, 2002) 29 “La Argentina es un Estado debilucho, que está al borde de la anomia, atravesando una situación riesgosa que se agudiza porque tenemos instituciones débiles y una sociedad desintegrada, propensa a caer en el fastidio”. Viene de declararlo el propio ministro de Justicia actual, Jorge Vanossi, en La Nación, 17/3/2002, pág. 11 30 Los datos son inéditos y provienen de dos fuentes distintas. Por una parte, las encuestas nacionales realizadas en octubre de 2001 y febrero de 2002 por PNUD para el “Informe sobre la democracia en Argentina” del PNUD (en adelante, PNUD). Por la otra, la encuesta nacional efectuada en febrero de 2002 por IBOPE OPSM para el “Monitor de tendencias económicas y sociales” (en adelante, IBOPE). 318 brasil-argentinaFIM.pmd 318 5/2/2004, 11:02 Un 70 % considera que la opinión de los ciudadanos no cuenta para nada y son mayoría quienes afirman que los grandes capitalistas nacionales y extranjeros poseen más poder que el gobierno (PNUD). Es interesante constatar que, en el último sondeo de PNUD, únicamente un 25 % de los encuestados afirma que los políticos son los principales responsables de la crisis que vive el país mientras que un 72% achaca la situación a “toda la clase dirigente”, esto es, a “los políticos, los banqueros, los sindicalistas, los empresarios, los jueces, etc.” A esto se agrega que el rechazo hacia las empresas de servicios públicos privatizadas ha subido ahora a un inédito 88% (PNUD). Los datos presentados tienen un corolario muy significativo. Mientras que en junio de 1995 un 76% de los respondentes consideraba que “la democracia es preferible a cualquier otra forma de gobierno”, tanto en octubre de 2001 como en febrero de 2002 alrededor de un 40% dejó de creerlo así y la cifra exhibía una tan clara como esperable asociación positiva con el nivel económico y social de los entrevistados (PNUD). Algo más: entre 4 y 5 de cada 10 encuestados admitieron ya en octubre que tolerarían “un gobierno autoritario si de esta manera se pudieran resolver los problemas de seguridad o los económicos” (PNUD). Por otra parte, es revelador que la proporción de quienes opinaron que una democracia puede funcionar sin partidos políticos haya crecido casi un 50% entre octubre y febrero últimos, pasando del 28% al 41% (PNUD). Desde luego, una crisis orgánica de esta profundidad provoca siempre reacciones múltiples. Una de ellas – anunciada y estigmatizada por el propio Hegel hace doscientos años – consiste precisamente en un repliegue aun más intenso en el individualismo cerril del “sálvese quien pueda”, lo cual incrementa los comportamientos bandoleriles que mencioné antes. Una segunda respuesta es la fuga: el flujo real y potencial de emigrantes alcanza hoy niveles sin precedentes en períodos de vigencia de la Constitución. En tercer lugar, se han expandido fenómenos que van desde el refugio en comunidades religiosas, en la “cultura del narcisismo” o en prácticas esotéricas hasta el incremento de las adicciones y de la criminalidad, especialmente entre los jóvenes. En el otro extremo, además del fortalecimiento de movimientos sociales ya existentes, han surgido en diversos sectores nuevas y 319 brasil-argentinaFIM.pmd 319 5/2/2004, 11:02 originales actitudes solidarias de variados alcances y formas: el Frente Nacional de Lucha contra la Pobreza (que, en diciembre de 2001, consiguió juntar más de tres millones de votos en su reclamo de un ingreso mínimo para los desocupados); los movimientos de “piqueteros”; los “clubes del trueque”; las asambleas populares; los cacerolazos; etc. La pregunta obvia es por qué demoró tanto esta reacción popular contra el despojo y todavía hoy las movilizaciones resultan relativamente acotadas31. Contestarla requeriría estudios de los que aun no se dispone. Imagino, de todas maneras, que la respuesta tiene que ver, entre otras cosas, con las expectativas que despertó la caída de la dictadura, primero, y la derrota de la hiperinflación, después, así como con la saturación del espacio ideológico por el “discurso único” del neoliberalismo, con el modo en que los partidos políticos y los sindicatos (salvo excepciones) terminaron usurpando los canales de expresión ciudadana y con la propia desilusión que siguió a las promesas incumplidas de dirigentes en los que muchos creyeron. De cualquier manera, los umbrales de la protesta generalizada suelen ser siempre altos en los regímenes representativos. Aquí, en los últimos meses, empujaron finalmente a franquearlos tanto la desesperación de los marginados (y su necesidad de hacerse oir) como la indignación de los sectores de clase media que, por un lado, desde diciembre de 2001, han visto confiscados una vez más sus ahorros y, por el otro, empiezan a construir lentamente nuevos espacios de igualdad y de solidaridad. En todo caso, resulta pertinente señalar, en relación con mi argumento, que a las previsibles demandas de empleo, de seguridad, de justicia o de educación, los crecientes focos de resistencia que se han desencadenado en estos meses les han sumado otros tres grandes reclamos: que se deje de robar al país, que se corten lazos con el Fondo Monetario Internacional 31 En febrero de 2002, sólo un 20 % de los entrevistados dijo haber asistido a una reunión pública vecinal o a una marcha de protesta en los últimos dos meses (PNUD). Es claro que se trata de datos nacionales y no reflejan en toda su intensidad los niveles de protesta que se registran en los principales centros urbanos, especialmente la Capital Federal y el Gran Buenos Aires. Otro indicador no desdeñable del descontento reinante es el hecho de que en las elecciones legislativas de octubre de 2001, un 40 % de los ciudadanos o no votó o emitió un voto nulo o en blanco. 320 brasil-argentinaFIM.pmd 320 5/2/2004, 11:02 (responsable y garante de la mayoría de las políticas económicas que se adoptaron en los 90) y que se vayan todos los políticos. 7. Dije que, en el plano del régimen social de acumulación, el canon neoliberal fue el principal soporte ideológico de lo sucedido en la Argentina, refractado en el prisma expoliador que describí. A esto hay que añadirle que, a nivel del régimen político de gobierno, ha dominado la llamada doctrina de la libertad negativa, según la cual la libertad equivale simplemente a la falta de interferencias. La combinación de ese canon y de esta doctrina sirvió aquí para allanarle el camino a los bandoleros y para justificar los excesos de los de arriba32. Veamos rápidamente por qué. El esquema neoclásico/neoliberal reposa sobre tres bases conocidas. Una es la estricta separación entre la economía y la política, pues se considera que la primera se halla dotada de una lógica propia y autosuficiente. Otra, que se deriva necesariamente de la anterior, es la idea de que los agentes económicos obran guiados exclusivamente por criterios de racionalidad instrumental. Y la tercera, que el problema de la distribución del ingreso no es central, como creían Adam Smith o David Ricardo, sino que se resuelve por arrastre, en tanto nada entorpezca una acción sin trabas de los mercados. (Según afirmara von Hayek en los años 40: “La demanda de distribución justa es un atavismo basado en emociones primarias que son fomentadas por los profetas y por los moralistas”). Desde esta perspectiva, entonces, el papel que se le asigna al estado es mínimo y subsidiario y la tarea de la época consiste en ponerle fin al protagonismo que tuvo durante los últimos doscientos años. En cuanto a la doctrina de la libertad negativa, conduce por otro camino al mismo resultado y lo refuerza. Por una parte, si la libertad es un mero sinónimo de la ausencia de obstáculos externos para la acción individual, es obvio que, entre otras cosas, se impongan como principios necesarios la desregulación de los mercados, la flexibilización 32 Debo subrayar que fue así aquí pues, en otros lugares – de larga tradición republicana, instituciones consolidadas, etc. – los efectos no resultaron igualmente devastadores. 321 brasil-argentinaFIM.pmd 321 5/2/2004, 11:02 de las reglas, la primacía de la iniciativa privada, etc. Pero, sobre todo, tiende a seguirse de este planteo que, establecida la democracia liberal, todos los ciudadanos son libres por definición, ya que se supone que una cosa es la libertad y otra, su ejercicio 33 . Nótese: de acuerdo a la ley, cualquier persona es libre de estudiar, de circular, de asociarse, etc.; si no lo puede hacer por carencia de recursos, esto no afecta su condición de persona libre sino simplemente su capacidad de hacer uso de la libertad de la cual se presume que, de todas maneras, goza. Volens nolens, la conclusión que resulta es exactamente la que no ha vacilado en apropiarse el neoliberalismo en su lucha contra el Estado de Bienestar: esto es, que la obligación del gobierno se limita a garantizar la libertad de los ciudadanos y no a asegurar su ejercicio. Por el contrario, cada vez que intenta hacer esto último estaría violando su misión pues acaba interfiriendo la libertad de los agentes económicos y de los mercados, que son los únicos capaces de realizar una asignación óptima de los recursos disponibles. Se cierra así un círculo plagado de falacias pero que no por eso ha sido menos eficaz desde el punto de vista ideológico, al punto que, de un modo o de otro, fue asumido por los partidos mayoritarios argentinos. Ante todo, se soslaya que cualquier compromiso con la libertad implica también un compromiso con las precondiciones sociales que la tornan posible. Si éstas no se hallan presentes, si no existe esa “igualdad básica de condiciones” de que hablaba Tocqueville, si el sujeto no dispone de una cuota mínima de dignidad y está dominado por miedos tan elementales como el de no lograr sobrevivir, se encuentra privado de autonomía moral y su presunta libertad se convierte en apenas un simulacro. Como sostuvo hace años León Blum: “Toda sociedad que quiera asegurar a los hombres la libertad debe empezar por garantizarles la existencia”34. Al mismo tiempo, todas las evidencias históricas indican que no 33 Es la posición que sostienen teóricos tan importantes como Isaiah Berlin o John Rawls. Para una refutación muy convincente, ver G. A. Cohen, “Falta de dinero es falta de libertad” (mimeo) 34 Ver sobre esto mi Democracia..., págs. 100-103. Para salir al paso de una posible objeción de corte demagógico-populista: la falta de libertad no implica necesariamente falta de resistencia, como ya lo probaron hace mucho las revueltas de los esclavos. Y, desde luego, todo sujeto cuenta con la libertad última de dejarse morir. Pero no es de esto de lo que hablo sino del goce pleno de los derechos constitucionales en los que se funda una democracia representativa. 322 brasil-argentinaFIM.pmd 322 5/2/2004, 11:02 es válido postular una separación tajante entre la economía y la política, como si los mercados, por ejemplo, pudieran funcionar al margen de las instituciones y de las normas que los estructuran o el derecho de propiedad no implicase siempre un derecho de exclusión que exige que haya autoridades públicas que lo hagan respetar . Hace rato que quedó claro que puede haber un estado sin capitalismo pero no un capitalismo sin estado. De ahí que las pretendidas des-regulaciones sean siempre en realidad el nombre que se les da a las re-regulaciones llamadas a favorecer otros intereses, como el caso argentino lo demuestra sobradamente35. Pero, en especial, no hay ninguna prueba valedera de que el bienestar económico colectivo pueda generarse meramente por arrastre. Primero, porque como alguna vez puso de manifiesto ul Haq, a todo esquema productivo le son inherentes determinadas pautas distributivas y no otras. Y segundo, porque sin una acción estatal sostenida, el mentado “efecto derrame” no pasa de ser un slogan propagandístico del neoliberalismo36 . Sobre todo, porque allí donde dominan los capitalistas errantes y los gobiernos no protegen a su pueblo, los márgenes de benevolencia de los capitalistas estacionarios se reducen casi hasta desaparecer y sus comportamientos se identifican cada vez más con los de aquéllos. La culminación de este proceso es no sólo la evasión fiscal o la fuga de fondos sino el traslado mismo de sus empresas a otros países o, muchas veces, su venta a capitalistas errantes que las endeudan, las vacían y las desguazan. Esto sin contar la repetida práctica de los préstamos back to back, que hoy les permiten, por ejemplo, obtener réditos excepcionales con la pesificación indiscriminada de las deudas bancarias en dólares dispuesta por el actual gobierno en medio de una devaluación que está fuera de control. Las consecuencias de todo esto se hallan a la vista y hacen que el parecido de familia de la democracia representativa argentina con los casos que habitualmente se usan como paradigmas (las naciones 35 Ver Daniel Azpiazu, Graciela E. Gutman y Adolfo Vispo, La desregulación de los mercados (Buenos Aires, Norma, 1999). 36 Como he indicado en otros lugares, es notable que la propaganda neoliberal haya convertido demagógicamente en derrame lo que, en su versión original, no era más que el trickle down effect, esto es, el efecto goteo que se le atribuyó, bastante razonablemente, a los procesos sostenidos de crecimiento económico. 323 brasil-argentinaFIM.pmd 323 5/2/2004, 11:02 capitalistas desarrolladas de Occidente) sea cada vez más remoto. No hay mucho de qué extrañarse. Expliqué en otro texto lo que llamé “la singular paradoja latinoamericana de nuestros días”; esto es que “allí donde tanto las viejas como las nuevas democracias del Primer Mundo se consolidaron en el contexto de una marcada baja de la desigualdad, de la pobreza y de la polarización, aquí ocurre todo lo contrario y los procesos de democratización en curso están acompañados por un crecimiento crítico de los tres fenómenos”37. Pero existe algo que singulariza y agrava la situación de la Argentina. Junto con Uruguay, primero, y con Costa Rica, después, fue el país capitalista de mayor integración social en América Latina. O sea que mientras que en otros lugares el tema ha sido y es incorporar a quienes estuvieron largamente excluídos, el drama argentino radica hoy en la creciente marginación de los que desde hace mucho tiempo estaban ya incluídos. En términos de las dimensiones de la ciudadanía que definió clásicamente T. H. Marshall, asistimos a profundos y extendidos procesos de des-ciudadanización parcial o total, enmarcados por la crisis de las instituciones y de las libertades públicas a las que aludí. La cuestión que se impone es establecer en qué punto una democracia representativa acaba perdiendo su derecho al nombre dado el bajo porcentaje de ciudadanos plenos que alberga. 8. ¿Cómo termina esta historia? No lo sé. Sólo estoy seguro de que para que termine bien sería necesario, entre otras cosas, liquidar el bandolerismo; fortalecer (y, en muchos casos, cambiar) las instituciones; reconstruir el tejido social y la vida pública, con todo lo que ello implica en términos normativos y de organización; poner en práctica políticas activas de producción y de empleo; redistribuir progresivamente los ingresos y las riquezas; expandir los derechos de ciudadanía; reformar tanto la política como las burocracias públicas a nivel nacional y provincial; y acabar de una buena vez con los excesos de los de arriba. Insisto: la experiencia de las democracias liberales exitosas demuestra que su consolidación ha dependido de un compromiso social, garantizado y conducido por el estado, entre los afanes de lucro del 37 J. Nun, Democracia..., pág. 127 324 brasil-argentinaFIM.pmd 324 5/2/2004, 11:02 capitalismo y la prosperidad y el bienestar de la mayoría de los ciudadanos. Cuando este compromiso se debilitó (o directamente despareció), también se debilitaron esas democracias (o directamente desaparecieron). En esto, las lecciones de los años 30 y de la posguerra siguen siendo muy claras. ¿Hay algún indicio de que la Argentina esté marchando en dirección a un compromiso semejante? Podrían llevar a pensarlo así tanto el dramatismo sin precedentes de la situación que atraviesa el país como ciertas declaraciones oficiales y el hecho bastante auspicioso de que, aun en estas circunstancias, un 80% de la población crea todavía que es posible mejorar la calidad de la política y de los políticos (PNUD). Sin embargo, un gobierno endeble como el de Duhalde viene cediendo cada vez más ante las presiones de los responsables internos y externos de la catástrofe y, luego de un breve silencio, el discurso neoliberal y sus voceros mediáticos han vuelto alegremente por sus fueros. Uno de los símbolos de lo que digo es la apelación a la seguridad jurídica que ahora enarbolan como bandera los mismos que sacaron partido cuantas veces pudieron de la corrosión de las leyes y de los contratos y de las múltiples formas de corrupción que se difundieron. Valgan un par de ejemplos. Las compañías petroleras (que gracias a la legislación menemista ya no son nacionales y sólo están obligadas a ingresar al país un 30 % de los ingresos que obtienen por la exportación de un recurso no renovable como el que explotan) han eludido impunemente todas las medidas que les exigían alinear los precios locales con los internacionales. Como anota Zaiat: “Durante la década del 90, a partir de la desregulación del sector, las petroleras contabilizaron una ganancia extraordinaria de 4.500 millones de dólares por no cumplir con la ley. Esa inseguridad jurídica la pagaron los consumidores”38. A su vez, las empresas de servicios públicos privatizadas, en connivencia con las autoridades de turno y en un país en deflación, se las compusieron para indexar sus tarifas por la inflación de los Estados Unidos (sic), violando disposiciones expresas de la ley de Convertibilidad. Gracias a esto, en el período 1991-2000 lograron ganancias adicionales por 9.000 38 Alfredo Zaiat, “Chasman y Chirolita”, Suplemento Cash, Página 12, 17/3/2002, de quien tomo ambos ejemplos. 325 brasil-argentinaFIM.pmd 325 5/2/2004, 11:02 millones de dólares. En ninguno de los dos casos, los capitalistas errantes y estacionarios o sus socios locales y extranjeros alzaron la voz para denunciar la falta de seguridad jurídica que implicaban tales maniobras; y también callaron cuando, de la noche a la mañana, el gobierno de De la Rúa rebajó de un plumazo los sueldos de los empleados públicos y los haberes de los jubilados. En cambio, hoy se rasgan las vestiduras cuando algún juez osa citar a declarar a unos cuantos banqueros que se presume que fugaron miles de millones de dólares de la Argentina en los últimos tiempos o cuando surgen propuestas de revisar los inequitativos contratos de las empresas privatizadas. Otro símbolo impor tante es la conducta del Fondo Monetario Internacional que, no únicamente clama también recién ahora por la seguridad jurídica, sino que demanda mayores ajustes y recortes del gasto público en medio de una recesión que lleva ya más de cuatro años y que se ha convertido en una verdadera depresión. ¿Qué país del llamado Primer Mundo seguiría un camino así en estas condiciones? Pero ocurre que, en los hechos, el Fondo considera que una de sus principales misiones es proteger a los capitalistas errantes y no asumir las responsabilidades que le caben y compensar al pueblo argentino por las políticas económicas que tan decididamente impulsó y apoyó en los años 90. Por eso, su mayor preocupación es que el país salde su deuda externa, sin contribuir para nada, por ejemplo, a que recupere el dinero que, por un monto muy similar (o quizás superior) al de esta deuda, nuestros capitalistas estacionarios enviaron ilegalmente al exterior39. Todo lo cual es recubierto por una retórica moralista que se viene instalando en el mundo con la fuerza que suelen adquirir los lugares comunes: “la Argentina vivió más allá de sus medios y ahora es justo que pague por sus excesos”. Lo notable es que el argumento se usa precisamente para custodiar los intereses de quienes cometieron tales excesos. Porque es dudoso que aun el más encallecido de los burócratas internacionales se atreva a decir que bastante más de 39 Según fuentes oficiales, los activos de argentinos en el exterior han oscilado entre un 85 % y un 120 % del monto de la deuda pública nacional acumulada y se estima que cerca del 90 % de esos activos son producto de la evasión tributaria (Gaggero, op.cit.) 326 brasil-argentinaFIM.pmd 326 5/2/2004, 11:02 15 millones de pobres han estado viviendo aquí más allá de sus medios. Pero no sólo eso. Si se dejan fuera los comportamientos bandoleriles a los cuales me referí, ni siquiera es cierto que la Argentina haya “vivido más allá de sus medios”: durante varios años, tuvo superávit primario en sus cuentas fiscales (es decir, antes de computar el pago de intereses), duramente golpeadas por fenómenos como la privatización del sistema previsional, la eliminación de los aportes patronales o directamente el no pago de impuestos. O sea que probablemente no haría falta ajuste alguno si, por ejemplo, se reestr ucturase el sistema previsional, se reincorporaran los aportes patronales y se suspendieran por un par de años los pagos de la deuda, máxime tomando en cuenta que los acreedores (legítimos o no) eran conscientes de los riesgos que asumían cuando optaban por comprar títulos argentinos para obtener los altos intereses que brindaban40 . En la medida en que el actual gobierno acepte esta clase de presiones y trate de cumplir con los deberes que se le imponen (como es notorio que lo está haciendo), es obvio que no habrá compromiso social posible porque continuará operando el régimen social de acumulación que nos ha traído donde estamos. Peor todavía: se agudizarán las desigualdades sociales, crecerán el descontento y las protestas y cualquier alternativa es imaginable, incluído un retorno abierto a las prácticas autoritarias y represivas que, con diferentes ropajes, tantas veces sufrió el país . La sensatez más elemental sugeriría que es momento de cambiar vigorosamente de rumbo. Pero los hechos (y los intereses establecidos) son obstinados y no creo que esto ocurra simplemente porque los que alguien ha llamado “los dueños del país” decidan de la noche a la mañana volverse caballeros altruístas. De ahí que no sea difícil pronosticar que ha comenzado un período probablemente largo de alta conflictividad social. Ni tampoco advertir que este período sólo podrá acortarse y resolverse más o menos pacífica y productivamente si tanto la mayoría de los 40 Conviene aclarar que no harían falta ajustes del tipo que se exigen pero sí otros que permitiesen ubicar al país en un sendero genuino y autosostenido de desarrollo con equidad. 327 brasil-argentinaFIM.pmd 327 5/2/2004, 11:02 argentinos como el resto del mundo comprenden la verdadera índole de lo sucedido, toman conciencia de la medida en que los excesos de los de arriba han impedido e impiden que la democracia representativa eche raíces duraderas en la Argentina y actúan como corresponde41. 41 Algunos malos recuerdos históricos no son fáciles de olvidar, por distintas que sean las épocas y las circunstancias. Escribe Rita Thalmann en La république de Weimar (París, P.U.F., 1986), pág. 122: “La democracia a la occidental que querían promover los republicanos de Weimar exigía una integración de capas sociales cada vez más amplias a través de su participación creciente en los beneficios del sistema (...) En definitiva, no podía haber democracia en Alemania sin una reforma profunda de las estructuras de la sociedad”. Ojalá pudieran servir todavía a modo de alerta éste y otros ejemplos parecidos. 328 brasil-argentinaFIM.pmd 328 5/2/2004, 11:02 A DEMOCRACIA BRASILEIRA NOS ANOS 90* Maria Hermínia Tavares de Almeida Existe um problema institucional com o sistema político brasileiro? Essa pergunta se repete muitas vezes ao longo da nossa história como estado independente. Quase sempre, a resposta de acadêmicos e analistas políticos tem sido afirmativa. Nas décadas de 1920 e 1930, pensadores sociais enfatizaram o abismo entre o país legal das regras políticas formais e o país real. No Brasil real, dizia-se, as instituições políticas liberais da Constituição de 1891 perdiam seu significado original e deformavam-se sob o peso de uma ordem política de fato oligárquica e de um cultura política privatista, autoritária e patrimonialista. Entre 1945 e 1964, ressaltou-se o efeito conservador das instituições representativas da Constituição de 1946, que permitiam a sobre-representação de interesses retrógrados e de regiões onde as estr uturas de mando reforçavam o a cultura política patrimonialista e bloqueavam a competição política efetiva. Nos anos 1980 e 1990, à visão do desencontro entre instituições formais e cultura política, agregou-se outra, mais estritamente institucionalista. Segundo ela, escolhas institucionais incorretas, no momento da redemocratização, comprometeriam o bom funcionamento do novo regime, expondo-o aos perigos da ingovernabilidade ou, alternativamente, ao conluio das elites e à conseqüente corrupção do espírito das leis pela prática do clientelismo e do patrimonialismo. O objetivo deste texto é dar um balanço da experiência democrática brasileira nos últimos 20 anos, da ótica da capacidade de governo no plano federal. Nessa medida, a intenção é discutir as teses * Esta é uma versão modificada do trabalho apresentado na sessão “O universo político: o processo democrático”, Seminário Brasil – Argentina: a visão do outro, organizado pelo Instituto Rio Branco, em abril, 2002. Ela beneficiou-se da proveitosa discussão aí realizada. Agradeço, particularmente, os comentários sempre argutos e pertinentes de Renato Lessa. 329 brasil-argentinaFIM.pmd 329 5/2/2004, 11:02 que afirmam haver algo de fundamentalmente errado com nossas instituições políticas, por conflitarem com a cultura política prevalecente ou por incentivarem atitudes, comportamentos e resultados políticos perversos. Aqui se discorda dessa visão negativa das escolhas institucionais cristalizadas na Constituição de 1988. Porque, de um lado, elas não foram obstáculo ao cumprimento de uma agenda pesada de reformas; e, de outro, permitiram a multiplicação de agências e mecanismos de controle dos governantes – que, por sua vez, parecem estar contribuindo para aumentar os riscos e os custos do patrimonialismo e da corrupção. O argumento aqui apresentado tem a seguinte estrutura: na primeira parte, exponho e discuto as teses que relacionam escolhas institucionais e governabilidade. Na segunda, resumo e discuto os argumentos que enfatizam o caráter oligárquico e patrimonialista do sistema político brasileiro. Na terceira, apresento conclusões. A abordagem adotada, que põe o foco sobre a atuação do governo federal, é ao mesmo tempo abrangente e limitada. Abrangente porque leva em conta o conjunto das instituições associadas ao exercício do governo. Limitada porque deixa de considerar sistematicamente aquele outro grupo de instituições que asseguram a expressão da vontade popular na formação democrática dos governos. INSTITUIÇÕES POLÍTICAS E GOVERNABILIDADE Não foram poucos os autores que descreveram os primeiros dez anos do regime democrático brasileiro como um caso agudo de crise de governabilidade e atribuiram-na às (más) escolhas institucionais feitas neste período (Lamounier1992,1992a; Kinzo,1993, Sola, 1993; Sola & Kugelmas, 1999; Mainwaring1993, 1997, Abrucio & Costa 1998). Essas teriam sido basicamente: 1. um sistema federativo descentralizado, no qual os governos sub-nacionais adquiriram mais autonomia em seu âmbito de ação e significativa influência na esfera federal; 330 brasil-argentinaFIM.pmd 330 5/2/2004, 11:02 2. um sistema eleitoral proporcional de voto preferencial, com conseqüências fragmentadoras sobre o sistema de partidos e a conduta dos parlamentares; 3. um sistema multipartidário fragmentado, com partidos pouco coesos e indisciplinados, contrapartida da presumida autonomia individual dos parlamentares; 4. um sistema presidencialista, no qual o Executivo teria dificuldades em constituir maiorias parlamentares estáveis. A independência do parlamento, característica do presidencialismo, criaria fortes incentivos para que nele se desenvolvessem estratégias de confronto – ou, pelo menos, de descompromisso – com relação ao Executivo. Ou, alternativamente, os partidos e parlamentares teriam incentivos para negociar seu apoio ao Executivo caso a caso, trocando votos por favores políticos. Em resumo, as escolhas relativas à organização federativa, ao sistema de governo, ao sistema eleitoral e às regras partidárias teriam como conseqüência a constituição de uma estrutura decisória com muitos pontos de veto e inúmeros agentes com poder de veto (Tsebelis,1997; Immergut,1995). O resultado seria uma crise de governabilidade de raiz institucional. Ela comprometeria a capacidade do governo nacional de definir, aprovar e implementar políticas, no curto prazo, e ameaçaria a própria a estabilidade da democracia, no futuro. Os exemplos mais evidentes do déficit de capacidade de governar teriam sido as sucessivas tentativas fracassadas de estabilizar a moeda, entre 1985 e 1994. Outros poderiam ser citados, entre eles: a dificuldade de impedir estratégias oportunistas e predatórias de gasto por parte dos governos sub-nacionais; as vicissitudes do processo de transferência de competências e atribuições da esfera federal para estados e municípios em matéria de políticas sociais; a própria falta de rumo com relação às esperadas reformas do sistema tributário e do sistema de proteção social. Para os que consideravam as reformas de mercado inescapáveis, quando não desejáveis, a dificuldade de transformá-las em itens prioritários da agenda governamental constituiria outro indício de uma governabilidade problemática. 331 brasil-argentinaFIM.pmd 331 5/2/2004, 11:02 A experiência da década de 1990 parece indicar que a hipótese da ingovernabilidade, resultante de uma combinação de instituições que multiplicava pontos de veto e agentes com poder de veto, não se apoia em evidências empíricas sólidas. Especialmente depois de 1995 – mas, mesmo antes – os governos nacionais lograram pôr em marcha uma carregada agenda de reformas econômicas e do aparato de proteção social. A realização dessa agenda mostrou que o Congresso raramente atuou como agente com poder de veto. O processamento da agenda de reformas, em geral de iniciativa do Executivo, requereu extensa produção legislativa e um bom número de emendas à Constituição, situação em que se multiplicam as oportunidades de veto. A Constituição de 1988 foi emendada 37 vezes, 27 das quais ao longo de seis anos da presidência de Fernando Henrique Cardoso. Foram tantas emendas quanto as aprovadas nos 21 anos da Constituição 1946 e muitas mais do que em qualquer outro momento da história brasileira (Melo, 2002:59). Naturalmente, o grau de interferência do Congresso sobre as iniciativas reformadoras do Executivo variou de reforma a reforma. Ela foi nula na reforma da política de comércio exterior, toda feita por meio da mudança de normas administrativas. Foi bastante limitada na privatização de empresas públicas incluídas no Programa Nacional de Desestatização e algo maior na privatização de serviços públicos e na criação de agências de regulação (Almeida, 1999; Almeida & Moya, 1997). Foi, enfim, significativa na reforma da administração pública e, sobretudo, na reforma da Previdência Social (Melo, 2002). Em que pese a descentralização federativa e a importância política dos governadores, estes tampouco foram importantes agentes com poder de veto. São disso testemunhos a renegociação das dívidas dos estados com o governo federal e, especialmente, a rapidez da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, duas matérias que afetavam diretamente os interesses estaduais. Da mesma forma, a complexidade das negociações intergovernamentais não foi obstáculo sério à descentralização de 332 brasil-argentinaFIM.pmd 332 5/2/2004, 11:02 políticas sociais, sempre e quando o governo federal foi capaz de criar incentivos à transferência de atribuições e responsabilidades, como ocorreu com a atenção básica à saúde, depois do Plano de Assistência Básica (PAB) e das Normas Operacionais Básicas do Sistema Único de Saúde (NOB) de 1996 e 2000; com a educação fundamental, depois do Fundo de Desenvolvimento da Educação Fundamental (FUNDEF); e com a assistência social, de 1996. Na verdade, a hipótese da ingovernabilidade sustentava-se no suposto de que a fragmentação partidária provocada pelo sistema eleitoral se traduziria diretamente no funcionamento do Congresso, como se esse vivesse em um vácuo de regras e como se não houvessem outras instituições a contrabalançar os efeitos do sistema eleitoral e o sistema federativo descentralizado. Estudos mais recentes (Figueiredo & Limongi, 2000 Santos, 1997) mostraram como os poderes legislativos do Executivo – notadamente, a faculdade de emitir Medidas Provisórias – e as normas de funcionamento do Congresso foram capazes de produzir seja o controle da agenda legislativa pelo Executivo, seja a disciplina partidária, seja ainda a previsibilidade no comportamento dos partidos. Outros estudos mostraram também que, no terreno da descentralização das políticas sociais, o governo federal pode contornar pontos de veto, evitando a via do Congresso e recorrendo amplamente a normas administrativas no âmbito dos ministérios (Arretche, 2001). De outra parte, estudos recentes que retomam o trabalho pioneiro de Abranches (1982) desvendaram a lógica do sistema de governo brasileiro: o presidencialismo de coalizão, distinto do presidencialismo bipartidário, que serviu de modelo a muito do que se escreveu sobre as tensões e vissicitudes do sistema (Amorim, 1995). Esta forma de presidencialismo se assenta na construção de coalizões congressuais que se refletem na formação do ministério, tal como ocorre em muitos regimes parlamentaristas. Os seus momentos de crise política – ou de crise de “governabilidade” – parecem corresponder à situação bem específica de existência de governos não-partidários, nos quais a composição do gabinete deixa de corresponder a uma coalizão congressual. Assim, por tudo que se sabe até agora, não há indícios fortes de que as instituições políticas da Constituição de 1988 tenham produzido, 333 brasil-argentinaFIM.pmd 333 5/2/2004, 11:02 ou favorecido a produção, de governos condenados à imobilidade e à impotência. Pode-se concordar ou discordar das políticas dos governos na década de 1990. Mas não se pode dizer que tenham encontrado obstáculos institucionais à implementação de suas agendas. INSTITUIÇÕES, OLIGARQUIA E PATRIMONIALISMO A visão de que as instituições políticas da Constituição de 1988 permitiriam o predomínio do jogo oligárquico e das práticas patrimonialistas tem diferentes versões, ancoradas em abordagens e teorias diversas, umas de corte institucionalista, outras culturalista (O´Donnell,1994,1996; Hagopian,1996;Stepan(1999);Ames,1995, 2001; Samuels,1998; Castro Santos, 1997.). Nesse sentido, na medida em que essa visão da democracia brasileira emerge de argumentos apresentados por diferentes autores, é possível que a apresentação sintética que aqui se faz das suas principais proposições signifique um empobrecimento das análises de cada autor. De toda forma, elas afirmam que: 1) No Brasil, a transição negociada para a democracia permitiu que parte importante das elites políticas conservadoras, as quais controlavam oligarquicamente o poder em alguns estados durante o regime militar, mantivesse, sob a democracia, recursos e posições de poder significativos. Reproduziramse, assim, sob o novo regime, estruturas de mando fechadas, assentadas no patrimonialismo e nas relações de clientela. 2) O sistema federativo brasileiro é limitador do demos. Os critérios de representação dos cidadãos na Câmara Federal, que violam o princípio “uma pessoa, um voto”, bem como as amplas atribuições legislativas do Senado, onde estados tem representação igual, restringem o exercício do princípio da maioria, em benefício de minorias que controlam a política em alguns estados. 3) Uma versão menos elaborada da proposição anterior afirma simplesmente que a regra que faz coincidir estados e distritos eleitorais para a Câmara Federal e a norma que estabelece limites mínimos e máximos para a magnitude dos distritos 334 brasil-argentinaFIM.pmd 334 5/2/2004, 11:02 distorcem a representação em detrimento dos estados mais populosos, onde é maior a competição eleitoral, em benefício dos estados sob mando oligárquico. 4) A fragmentação partidária, resultante do sistema eleitoral proporcional; a baixa coesão dos partidos; o elevado pragmatismo e o paroquialismo dos parlamentares transforma o dia a dia das relações entre Executivo e Congresso em escambo político permanente. Ele se materializa na troca, caso a caso, de voto e apoio ao governo por cargos ou recursos que alimentam as práticas clientelistas nos redutos eleitorais dos deputados, bem como a corrupção. Assim as regras eleitorais e partidárias terminam por reforçar uma cultura política autoritária e patrimonialista, reproduzir as oligarquias estaduais e limitar de fato a competição política. Nessas circunstâncias, o clientelismo, o patrimonialismo e a oligarquização são a contrapartida indesejável, mas inevitável, da “governabilidade” sob instituições políticas mal escolhidas. 5) A arquitetura institucional do Estado brasileiro consagra o desequilíbrio entre os poderes em benefício do Executivo e a ausência de mecanismos de responsabilização horizontais que assegurem o funcionamento eficiente de freios e contrapesos. O predomínio do Executivo sobre o Legislativo, fortalecido pelo recurso à Medida Provisória, e a inoperância do Judiciário favorecem o “decretismo” e uma forma delegativa de democracia. O resultado é um sistema onde torna-se amplo o raio de manobra do Executivo – e, em especial, da Presidência – e reduzido o controle institucionalizado sobre sua ação. Em resumo, ao contrário da hipótese da ingovernabilidade, aqui se afirma que democracia no Brasil seria de fato um sistema de Presidência quase imperial, a encabeçar um arranjo político conservador e fechado que reproduz estruturas oligárquicas e patrimonialistas de mando, sustentadas por altas doses de clientelismo, quando não de corrupção. As explicações oscilam entre argumentos institucionalistas, que 335 brasil-argentinaFIM.pmd 335 5/2/2004, 11:02 põem ênfase nas características de certas instituições; culturalistas, que sublinham a permanência de uma cultura política autoritária e privatista fortemente enraizada nas elites; ou ainda argumentos tributários da teoria de path dependence, que atribuem importância central à natureza – negociada e conservadora – do processo de transição do autoritarismo à democracia. As evidências apresentadas são, com freqüência, diretamente tiradas das páginas da imprensa escrita e dos escândalos políticos que têm alimentado suas manchetes. O problema dessa visão, que capta traços reais do funcionamento do sistema democrático brasileiro, é sua incapacidade de registrar e explicar outros processos que não parecem compatíveis com a hipótese da oligarquização, da decisão em circuito fechado, do presidencialismo imperial e da falta de controles horizontais sobre as ações do Executivo. A hipótese do pecado original da transição negociada parece supor que a distribuição de forças na inauguração da democracia se perpetua, congelando o jogo político. Não é esse o quadro que emerge, quando se observam os resultados eleitorais para a Câmara Federal e para os Executivos estaduais e municipais. Entre 1986 e 2000, a participação dos partidos de esquerda – PT, PDT, PSB, PPS e PCdoB – na Câmara Federal aumentou de 9,4% para 21,9% das cadeiras, enquanto a dos partidos de direita – PDS/PPB e PFL – manteve-se praticamente no mesmo nível – 31% e 32,2%, respectivamente. Mais impressionante foi a mudança nos Executivos estaduais e municipais. Em 1986, só se elegeram governadores do PMDB (95,7%) e do PFL (4,3%). Em 2000, o PMBD e o PFL controlavam, cada um, 22,2% dos governos estaduais; o PSDB 25,9% e o PT 11,1%. O restante se distribuía entre o PPB, o PDT e o PSB. Em 1985, sete partidos controlavam todas as prefeituras existentes no país: o PMDB 63,2% delas; o PFL, 12,4%; o PDS/PPB 10,9%; o PDT 6,5%; e o PT, 0,5%. Em 2000, 22 partidos elegeram prefeitos. Especialmente significativos são os resultados nas capitais. Em 1985, o PMBD controlava 80% delas, 336 brasil-argentinaFIM.pmd 336 5/2/2004, 11:02 seguido pelo PDT com 8% e pelo PT com 4%. Em 2002, o PT elegeu mais candidatos nas capitais – 23,1% – do que qualquer outra legenda, seguido pelo PSB, PMDB e PSDB com 15,4 % cada. Além disso, o PT, o PSB e o PDT foram vitoriosos em capitais de estados tradicionalmente controlados por oligarquias: Pará, Maranhão, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Os resultados eleitorais indicam com clareza que, longe de permanecer congelado, em virtude da transição, o sistema político brasileiro tornou-se mais competitivo. Revelam, também, indícios inequívocos de redução do controle político das oligarquias estaduais tradicionais que se teriam beneficiado do rítmo lento e negociado da passagem do autoritarismo para a democracia. O desenho da federação brasileira e as regras que fazem coincidir o estado com o distrito eleitoral, além de definir o piso e o teto das representações estaduais, efetivamente distorcem o perfil da Câmara Federal. Entretanto, suas conseqüências ainda precisam ser melhor entendidas. Santos (1987), estudando a distribuição das cadeiras na Câmara Federal entre 1945 e 1982, chamou a atenção para o fato de que esse sistema promoveu uma representação equilibrada onde “tornavam-se impossíveis tanto o veto da minoria quanto a tirania da maioria”(1987:94)1. Descartou também a tese da oligarquização da representação política, mostrando que a taxa de renovação na Câmara dos Deputados desmente a hipótese do controle oligárquico do voto nos Estados economicamente mais atrasados e de menor eleitorado. Nicolau (1997), ao mesmo tempo em que mostrou que sobrerepresentação e sub-representação na Câmara constituem uma característica permanente de nosso sistema político2 , ressalvou que 1 Estudando a distribuição de cadeiras na Câmara Federal entre 1945 e 1982, ele verificou que a possibilidade de veto da minoria jamais ocorreu, pois, para controlar 50% das cadeiras, sempre se requereu um número de Estados correspondente a cerca de 50% do eleitorado nacional. Tampouco a tirania da maioria foi uma possibilidade, salvo sob o autoritarismo, já que nunca a maioria conseguiu atingir 50% das cadeiras sem o apoio de pelo menos um Estado “minoritário”. 2 Segundo seus cálculos a distorção média é de aproximadamente 10%, ou seja essa é a porcentagem total ganha pelos estados sobre-representados e perdida pelos sub-representados (Nicolau, 1997:457). 337 brasil-argentinaFIM.pmd 337 5/2/2004, 11:02 as conclusões daí extraídas sobre as conseqüências políticas desse fato ainda não passaram por um teste empírico mais rigoroso. Ele sugeriu que existe uma espécie de falácia ecológica na proposição que deduz o predomínio do conservadorismo na Câmara da desproporção entre cadeiras e dimensão do eleitorado. O mais correto seria verificar quais partidos se beneficiam ou se prejudicam, no plano nacional, quando o eleitorado de um ou mais estados é sub ou sobre-representado. Finalmente, o autor mostra que, em certas circunstâncias, a proporção de votos nas coalizões pode permanecer estável, embora alguns partidos percam e outros ganhem com a distorção da representação (Nicolau, 1997). Os estudos recentes sobre o funcionamento do Congresso (Figueiredo & Limongi, 1999, 2000; Amorim Neto & Santos, 2001) apresentam evidências que reduzem as presumíveis proporções do escambo político entre Executivo e partidos da coalizão governista para a obtenção de apoio parlamentar ao governo. Eles mostram também que o Congresso tem tomado medidas que reduzem consideravelmente o espaço para a ação dos parlamentares em favor de suas clientelas eleitorais3 . Se é fato que o Executivo exerce predomínio inconteste sobre a agenda do Legislativo (Figueiredo & Limongi, 1999), não é completamente certo que faltem ao sistema político brasileiro mecanismos de responsabilização horizontal. Figueiredo (2002) mostrou que as Comissões Parlamentares de Inquérito do Congresso, embora com resultados menos efetivos do que as do período 1946-64, têm-se constituído em importante mecanismo de “alarme de incêndio” (Macnollast, 1995) com relação às ações do Executivo e de sua coalizão no Congresso. De outra parte, a mudança das atribuições do Ministério Público, que a Constituição de 1988 transformou em defensor dos interesses difusos da cidadania (Sadek, 1997, Arantes, Vianna, 1997), vem propiciando o desenvolvimento de ações de responsabilização e controle sobre o Executivo, nos três níveis de governo, cujo impacto sobre o funcionamento da democracia e a mudança na cultura política patrimonialista não pode ser minimizado. 3 É o caso das mudanças nos procedimentos de emenda ao Orçamento da União que ampliaram significativamente o espaço das emendas de bancada, reduziram a iniciativa individual dos parlamentares e procuraram estreitar as oportunidades de corrupção. 338 brasil-argentinaFIM.pmd 338 5/2/2004, 11:02 O Ministério Público, aliado à uma imprensa – concentrada em grandes grupos porém, competitiva – parece funcionar mais como mecanismo de “alarme de incêndio” do que como instrumento de controle. Mesmo assim, sua ação eleva os custos e os riscos tanto do decretismo e da conduta arbitrária, quanto do patrimonialismo, do clientelismo e da pura corrupção. CONCLUSÕES Os argumentos aqui apresentados não devem levar à conclusão de que tudo vai bem, no melhor dos mundos, no sistema político brasileiro. Procurou-se tão somente discutir interpretações bastante difundidas, na academia e fora dela, sobre a suposta má-formação institucional da democracia brasileira. Tentou-se argumentar que as instituições que conformam o jogo político no Brasil não bloquearam a capacidade de governar, além de permitir que a competição política se ampliasse e se multiplicassem os mecanismos para limitar o arbítrio dos governos e as oportunidades de apropriação privada de bens públicos. Sem dúvida, o espaço do arbítrio continua grande. A competição política, a redução do poder oligárquico e do patrimonialismo, bem como o controle da corrupção política não se expandiram de forma continuada nem homogênea no território. Entretanto, os avanços em 13 anos, sob uma Constituição democrática, e em 17 anos de governos civis foram significativos. Na verdade, as escolhas institucionais materializadas na Constituição de 1988 estão mais próximas do modelo consociativo do que do modelo majoritário, nos termos de Lijpihart (1999). Nessa medida, elas multiplicam instâncias decisórias e tornam as decisões de governo mais complexas e negociadas. Sob esse arcabouço institucional, a democracia basileira passou por um duro teste: o de permitir que mudanças profundas nas relações entre estado e mercado, de um lado, e entre estado e sociedade, de outro se fizessem sob regras democráticas. Esse não foi um resultado trivial, pois mudanças dessa natureza tem conseqüências 339 brasil-argentinaFIM.pmd 339 5/2/2004, 11:02 redistributivas importantes, criam ganhadores e perdedores e, por isso, produzem divisões políticas e pressões fortes sobre o sistema político. Nos anos 90, a sociedade brasileira esteve de fato dividida com relação a temas de política substantiva, como a estabilização da moeda, as reformas de mercado e o papel do estado, as formas de lidar com a desigualdade e a pobreza e, em conseqüência, as mudanças do sistema de proteção social. As instituições democráticas foram capazes de permitir a controvérsia, processar essas disputas e produzir decisões. O fato de essas decisões não serem do pleno agrado de nenhum dos atores políticos talvez seja um indício adicional de que as instituições democráticas cumpriram seu papel. 340 brasil-argentinaFIM.pmd 340 5/2/2004, 11:02 BIBLIOGRAFIA ABRANCHES, Sergio, 1988. “Presidencialismo de coalizão”, Dados 31 (1), Rio de Janeiro: Iuperj, p. 5-34. ABRUCIO, Fernando & Costa, Valeriano (1998). Reforma do estado e o contexto federativo brasileiro, Série Pesquisa n 2, São Paulo: Fundação Konrad Adenauer-Stiftung. ALMEIDA, Maria Hermínia e Moya, Maurício (1997 “A reforma negociada: o Congresso e a política de privatização”, Revista Brasileira de Ciências Sociais 12 (34), São Paulo: ANPOCS, pp. 119-132. ALMEIDA, Maria Hermínia (1999). “Negociando a reforma: a política de privatização de empresas públicas no Brasil”, Dados 45(3), Rio de Janeiro: IUPERJ AMES, Barry. “Electoral Rules, Constituency Pressures, and Pork Barrel: Bases of Voting in the Brazilian Congress”.The Journal of Politics, v. 57, n. , May, 1995, p. 324-43. AMES, Barry. The Deadlock of Democracy in Brazil. University of Michigan Press, 2001. AMORIM NETO, Octavio, (1997). “Cabinet formation and party politics in Brazil’, paper. AMORIM NETO, Octavio & Santos, Fabiano (2001). “A conexão presidencial: facções pró e antigoverno e disciplina partidária no Brasil”. Dados, 44 (2), Rio de Janeiro: Iuperj. ARRETCHE, Marta (2001). “Federalismo, Legado De Políticas Prévias E Arenas Decisórias: A Reforma Dos Programas Sociais”, paper . CASTRO SANTOS, Maria Helena (1997). “Governabilidade, governança e democracia: criação capacidade governantiva e relações executivo-legislativo no Brasil pós-Constituinte”, Dados 40 (3), Rio de Janeiro: Iuperj. FIGUEIREDO, Argelina (2002). “ Instituições políticas e controle do Executivo”, Dados 44 (4), Rio de Janeiro: Iuperj. FIGUEIREDO, Argelina & Limongi, Fernando (2000). Executivo e legislativo na nova ordem constitucional, Rio de Janeiro: Ed. FGV HAGOPIAN ,Frances (1996) . Traditional politics and regime change in Brazil, Cambridge University Press. 341 brasil-argentinaFIM.pmd 341 5/2/2004, 11:02 IMMERGUT, Ellen. (1995), ‘As regras do jogo: a lógica da política de saúde na França, na Suiça e na Suécia”, Revista Brasileira de Ciências Sociais 11(30). São Paulo, Anpocs, pp. 139-166. KINZO, Maria DÁlva (1993). Radiografia do quadro partidário brasileiro, Sâo Paulo: Fundação Konrad Adenauer. KUGELMAS, Eduardo & Sola, Lourdes (1999).Recentralização/ descentralização - dinâmica do regime federativo no Brasil dos anos 90", Tempo Social 11 (2), São Paulo: USP/FFLCH LAMOUNIER, Bolivar (1992).” Estrutura institucional e governabilidade na década de 90”, In: Velloso, João Paulo dos Reis (org), O Brasil e as reformas políticas, Rio de Janeiro:José Olympio. LAMOUNIER, Bolivar (1992a).” A democracia brasileira dos anos 80 e 90:a síndrome da paralisia hiperativa” . João Paulo dos Reis (org), Governabilidade, sistema político e violência urbana, Rio de Janeiro:José Olympio. LIJPHART, Arend (19990. Patterns of democracy, New Haven: Yale University Press. MAINWARING, Scott (1993).”Presidentialism, multipartism and democracy: the difficult combination”, Comparative Political Studies 26 (2), julho, pp.198-228. MAINWARING, Scott & Samuels, David (1997), Robust federalism and democracy in contemporary Brazil, paper. MELO, Marcus André (2002). Reformas Constitucionais no Brasil, Rio de Janeiro: Revan. NICOLAU, Jairo Marconi,(1997). “As distorções na representação dos estados na Câmara dos deputados brasileira”, Dados 40 (3), Rio de Janeiro: Iuperj. O´DONNELL, Guillermo (1994). “Delegative democracy?” . Journal of Democracy 5 (1). pp. 55-69. O´DONNELL, Guillermo (1996). “Uma outra institucionalização: América Latina e Alhures”, Lua Nova37, São Paulo: Cedec, pp. 531. O´DONNELL, Guillermo (1998).”Accountability horizontal e novas poliarquias”, Lua Nova 44, p.27-54. SADEK, Maria Tereza (1997). O Ministério Público e a Justiça no Brasil, São Paulo: Sumaré. 342 brasil-argentinaFIM.pmd 342 5/2/2004, 11:02 SAMUELS, David, 1998.”Careerism and its consequences:federalism, elections and policy making in Brazil”, tese de doutoramento. SANTOS, Fabiano (1997). “Patronagem e poder de agenda na política brasileira”, Dados 40 (3), pp. 465-492. SANTOS, Wanderley Guilherme dos Santos (1987). Crise e Castigo. Partidos e generais na política brasileira, São Paulo: Vértice. SOLA, Lourdes (1993). “Estado, transformação econômica e democratização no Brasil”,Lourdes Sola, ed. Estado, mercado e democracia, São Paulo, Paz e Terra, pp. 137-198. STEPAN, Alfred (1999). “Para uma nova análise comparativa do federalismo e da democracia: federações que restringem o ampliam o poder do demos”, Dados 42(2), Rio de Janeiro:Iuperj, pp. 197-252. VIANNA, Luiz Werneck(1997). Corpo e Alma da magistratura brasileira, Rio de Janeiro: Revan. 343 brasil-argentinaFIM.pmd 343 5/2/2004, 11:02 Comentários Walter Costa Porto: Foi muito gratificante, para mim, a participação neste Seminário, que me permitiu ouvir as lições tão enriquecedoras da Professora Hermínia, do Professor Nun. E, também, possibilitou uma aproximação ao quadro político brasileiro e a este país, a Argentina, que tanto admiro. Sempre lamentei o afastamento do Brasil, com os outros países que o cercam, na América Latina. Costuma-se dizer que os americanos e ingleses sáo separados pela mesma língua. No caso brasileiro, o problema é que nós pretendemos entender perfeitamente o castelhano e “los otros” não nos compreendem. Eu tenho uma má experiência participante de reuniões com magistrados da Justiça Eleitoral de todos os países, de ficar isolado, falando devagar, não sendo compreendido. E há outras causas desse afastamento: questões geográficas, os Andes, essa fronteira imensa, na maior parte despovoada. E questões, também, políticas. Fomos, no Século XIX, um Império cercado de Repúblicas. Eu me lembro de uma carta de Bolívar, em que ele lança um pouco de suspeição contra o monarca brasileiro, que estaria se acertando com cortes européias contra o seu sonho de unir as Américas. Bem, mas ficando no quadro eleitoral, permitam-me limitar-me apenas a um ponto, que foi tocado pela Professora Hermínia: o problema da desiguldade de nossa representação na Câmara dos Deputados, em razão do Federalismo. E, pelo que eu sei é, também, uma realidade argentina. Tudo começou no Brasil, como sabem muitos, com a Constituinte de 1890/91, quando Epitácio Pessoa, que representava a Paraíba e que, depois, em 19 , seria nosso Presidente, trouxe a sua irresignação contra o fato de que – dizia ele – quatro ou seis estados pudessem decidir, exclusivamente, sobre itens que interessavam a todos os demais estados. Propôs ele, então – e a sua emenda foi aprovada – que houvesse uma representação mínima por Estado, de 4 Deputados. Depois, as outras Constituições trouxeram modificação e, como sabem, hoje a Constituição atual, de 1988, determina um mínimo de 8 344 brasil-argentinaFIM.pmd 344 5/2/2004, 11:02 Deputados e o máximo de 70 Deputados por Estado. Essa desigualdade, essa desproporção, foi agravada pelo fato de que, mais recentemente, houve, a meu ver, a leviana criação de Estados, que eram esses territórios, com uma população mínima, com uma economia deficiente. O que fez com que, já em 1959 o Professor Miguel Reale trouxesse, em um artigo, a indicação desse fato: de que um voto em Rondônia seria 15 vezes mais forte do que um voto em São Paulo. Pelo que sei, essa também é a realidade argentina. Pelo que li, em províncias como La Rioja, como a Terra do Fogo, elege-se um deputado com cerca de 15 mil votos, ao passo que, em Buenos Aires, exige-se quase 200 mil para a designação de um Deputado. Mais recentemente, como a própria Professora Hermínia lembrou, houve a palavra, em favor dessa desproporção do nosso tão estimado Guilherme dos Santos. Ele lembrou que José de Alencar, no Século passado, nosso maior teórico do voto, insistia em uma contenção à coeração da maioria. Daí que Guilherme diga que, ao contrário da Federação americana, com a sua distribuição matemática de representação pelos Estados, haveria, aqui, um esforço que ele diz “alencariano e prudente”. E, também, indago do Professor Nun se há uma irresignação da ciência política, de parte dos dirigentes argentinos, quanto a essa desigualdade na representação à Câmara dos Deputados. E se, afinal, isso teria meio de ser corrigido. 345 brasil-argentinaFIM.pmd 345 5/2/2004, 11:02 Comentários Renato Lessa: Quero, falar da minha dupla sorte: da sorte de estar aqui, no Seminário, e da sorte de estar nesta Mesa, provocada por dois textos – Murilo diria “papéis”, porque ele foi ao Padre Vieira; como eu sempre vou aos gregos, eu diria “papiros”, há quem fale assim – , enfim, dois papiros de excelente qualidade, aos quais li fundamentalisticamente, quer dizer, li repetidas vezes. Terei grande dificuldade de fazer comentários à altura das questões postas, por razões próprias, felizmente camufladas pela escassez de tempo. Então, já sei e vos aviso que cometerei injustiças e impropriedades no meu comentário. Nenhuma, contudo, de má fé. Não poderia deixar de mencionar, de saída, o privilégio dos que leram os textos, dos que ouviram as apresentações que tivemos aquí.Trata-se do privilégio de constatar a diferença de estilos e de linguagens, presentes não sei se na ciência política latino-americana – não sei. Enfim, pelo menos dois estilos e linguagens distintos para tratar de questões de natureza política. Ao dizer duas linguagens, estou querendo me referir a algo mais forte ou mais profundo do que, simplesmente, duas idiossincrasias de estilo para tratar dos fenômenos políticos. Estou me referindo, de maneira forte, ao que o filósofo norte-americano Nelson Goodman define como ways of world making, quer dizer, a linguagem como forma de fabricação de mundos. Ou seja, não só ela possibilita narrativas distintas sobre o mundo, como constitui objetos distintos para sua observação. E, ao construir objetos distintos, constitui meios e recursos metodológicos próprios para aferir a propriedade do que está sendo dito. No limite, no âmbito das ciencias humanas não há métodos, mas tão somente linguagens. E acho que as duas apresentações dão ensejo a uma reflexão desse tipo. No caso da apresentação excelente do texto de Maria Hermínia, seu trabalho denota o processo de amadurecimento da ciência política brasileira, que respondeu positivamente à pergunta posta há alguns anos a respeito da importância das instituições: as instituições importam? A ciência política brasileira respondeu “sim”. A principal vertente da ciência política brasileira deu uma resposta afirmativa a essa questão e passou a trabalhar as conseqüências dessa resposta afirmativa. 346 brasil-argentinaFIM.pmd 346 5/2/2004, 11:02 Acho interessante considerar, inclusive nesse sentido, retomando um comentário feito por José Nun, no início da sua apresentação, que essa resposta positiva da ciência política brasileira para tratar o tema das instituições tem uma pré-História. Essa pré-História tem a ver com o fato de que, durante o regime autoritário, a comunidade de cientistas políticos brasileiros cresceu, quer dizer, foi constituída e cresceu, em uma experiência que nos distingue da experiência argentina, marcada por uma relação entre a ditadura, o autoritarismo e a vida universitária muito mais dramática. No nosso caso, não só cresceu e se desenvolveu – muitos de nós fomos treinados fora do país. A politização dessa comunidade científica, na área de ciência política, colocou-nos frente a um tema incontornável: o tema da democratização. Esse foi o nosso tema. Vários de nós vínhamos de questões diferentes. Maria Hermínia, por exemplo. Sua área de trabalho original era o estudo do movimento operário, do sindicalismo. E a maior parte dos colegas acabou convergindo para um tema comum, que é o tema da democracia, da importância das instituições democráticas. E isso no contexto de um regime político muito singular, que, apesar de autoritário, fechado, era um regime que dava margem para interpelações internas. Não apenas para interpelações exógenas, ações de oposição exógena, mas ações de oposição endógenas, no sentido de interpelar o próprio regime a respeito de democratização e, sobretudo, a respeito de mais institucionalização. É como se o tema das instituições passasse a ser um tema natural na linguagem da ciência política brasileira. Isso foi reforçado recentemente por inovações teóricas na ciência política internacional, na área do institucionalismo, que, portanto, configuram – não tenho tempo para desenvolver mais isso, mas acho que o ponto é esse –uma linguagem específica e, conseqüentemente, uma escolha específica de objetos. Ganhamos muito com isso e perdemos muito com isso. Esse é o ponto fundamental. E, aqui, concordo muito com a observação inicial da apresentação de José Nun. A narrativa por ele apresentada está constituída por outras referências. Quer dizer, aqui há uma narrativa para a qual a História, a narrativa histórica, aparece como fundamental. Uma narrativa para a 347 brasil-argentinaFIM.pmd 347 5/2/2004, 11:02 qual uma reflexão sobre a economia política aparece como importante. A sociologia política também; para não falar da fenomenologia política. É como se fosse impossível, do ponto de vista dessa narrativa, falar do contexto democrático argentino e de seus problemas sem referências à economia política, à sociologia política e, sobretudo, à fenomenologia política. Acho que neste ponto reside uma grande utilidade de seminários desse tipo. Isso demonstra como seria fundamental que nós cooperássemos para que o nosso excessivo institucionalismo fosse contaminado, no bom sentido, pela sensibilidade para a fenomenologia política, para a sociologia política e, por outro lado, para que as narrativas gerais sobre essas dimensões sociológicas, econômicas e conjunturais fossem também acompanhadas por uma preocupação com o caráter próprio das instituições, com a centralidade que elas têm e com o fato de que elas são incontornáveis. Se a reflexão é política, ela tem que, num certo sentido, tomar as instituições como referência incontornável, mesmo que seja para superá-las, para dizer que outras coisas têm que ser adicionadas. Então, antes de qualquer coisa, acho que é uma oportunidade interessante para considerar esses dois estilos, suas diferenças e, sobretudo, suas possibilidades de cooperação e de interpelação recíproca. Outro ponto que gostaria também de sublinhar tem a ver com uma concordancia com um comentário feito na apresentação – não está no texto, mas está na apresentação – feita por José Nun, a respeito – pelo menos entendi assim e compartilho com isso – de pensar a democracia no Brasil e na Argentina, e suas dificuldades, tendo como exigência pensar as dificuldades e os problemas da democracia em geral. Concordo muito com a sensação apresentada de que a democracia é uma coisa muito estranha. Acho que se a academia dos politólogos marcianos pudesse mandar alguns de seus afiliados ao planeta Terra, para entender a democracia, certamente estes retornariam dizendo: “Olha, eles têm lá um sistema que não funciona, que não vai funcionar, pois como é que podem compatibilizar liberdade individual, direitos iguais, isonomia política, com um sistema econômico fundado em desigualdade, em formas diferenciadas de apropriação do produto social? Isso não vai funcionar.” 348 brasil-argentinaFIM.pmd 348 5/2/2004, 11:02 Num certo sentido, essa bizarra combinação ficou em pé, porque amalgamaram direitos liberais, direitos políticos de participação e aquilo que Marshall designou como uma “pitada de socialismo”, introduzida a partir, sobretudo, da Segunda Guerra Mundial. É um sistema tenso. É um sistema a respeito do qual não temos ainda tempo para fazer previsões sobre a sua durabilidade. Só tem 50 anos, na sua universalidade, pelo menos. E não é prudente fazer juízos de perenidade sobre fenômenos recentes. A democracia, nesse sentido, é muito recente. O Império Romano durou muito mais tempo. Se a gente fosse escrever uma História da Humanidade para ser lida em 90 minutos, para ler num vôo entre Rio de Janeiro e Buenos Aires, essa História da Humanidade, em 90 minutos, talvez tivesse meia página sobre democracia. Seria o pedaço editorial atribuído ao texto à uma história do mundo em 90 minutos. A dinastia Ming talvez exigisse, ao menos por sua duração, maior espaço editorial. Então, longe de mim querer fazer juízo sobre a durabilidade. Mas acho que temos razões suficientes para crer numa certa instabilidade, que deve ser considerada em termos gerais para que as nossas estabilidades e instabilidades específicas, de alguma forma, sejam contempladas. E, aí, vai uma questão, uma provocação. Independentemente das linguagens e dos estilos apresentados, acho que vai uma provocação que tem a ver com a teoria democrática em geral, mas tem a ver também com o estado da democracia dos nossos países, que é assim: qual é a lógica da legitimação contemporânea nos contextos democráticos? Na medida em que a demanda por igualização, que é a demanda original da democracia, exige a “pitada de socialismo”, e esta não encontra mais abrigo (ou menor acolhida, para dizer a coisa em tom moderado) nas formas contemporâneas do Estado democrático, qual é a lógica da legitimação democrática que se apresenta para os nossos países? Acho que algumas indicações, que consigo imaginar, foram postas no texto de José Nun. Elas dizem respeito ao predomínio de uma linguagem da liberdade negativa, o que apresentaria uma circunstância muito curiosa. Em outros termos, ela indica a possibilidade de uma legitimidade democrática fundada no acesso ao consumo e, por outro lado, 349 brasil-argentinaFIM.pmd 349 5/2/2004, 11:02 na preservação da liberdade negativa. Algo semelhante ao que foi brilhantemente posto por T. S. Elliot, e utilizado por Moses Finley na tentativa de descrever a disposição do demos de Ítacan diante da ausência de Ulises e da conseqüente aparição de uma legião de usurpadores: “Governem os reis ou governem os barões, o que me importa é que me deixem quieto, me deixem à parte.” O demos de Ítaca queria ficar intocado. Em que medida essa lógica de legitimação, a la Ítaca, pode estar sendo apresentada como sendo suficiente para as nossas sociedades? Para fechar o ponto, porque tenho muito pouco tempo, e deixando várias considerações que tenho a pretensão de achar que são importantes de lado, eu queria fazer alguns comentários mais pontuais com relação ao texto da Maria Hermínia, com o qual concordo inteiramente. Acho que Hermínia demonstra, de maneira claríssima, para mim definitiva que não há um problema institucional, estrutural, grave na democracia brasileira. Acho que o ponto é feito de uma maneira muito clara e numa estratégia argumentativa que acho a melhor possível, ou seja, desafiando as visões que dizem o contrário. Uma maneira de argumentar que acho interessante. Chamo a atenção para o fato de que há uma tradição pessimista no Brasil, que vem sempre repetindo a idéia de que fizemos escolhas institucionais erradas. Isso já começa, dez anos depois da proclamação da República, com o volume chamado “A Década Republicana”, no qual os autores não davam mais dois meses de vida para a República brasileira. Em toda a Primeira República há uma literatura enorme sobre a reforma constitucional. Nos anos 30, há uma produção imensa pessimista a respeito da viabilidade brasileira. É um ano em que Martins de Almeida publica um livro com o título maravilhoso “O Brasil Errado: Ensaios sobre os Erros do Brasil Enquanto País”, que é uma coisa magnífica. Uma pena que a ciência política brasileira nos proíba de escrever títulos com esses nomes, senão a gente não ganha nenhum concurso, nem financiamento para fazer pesquisa. Mas são títulos geniais. Qual é a pretensão de uma reflexão desse tipo? Demonstrar que o país escolhe erradamente suas instituições. Não tenho tempo aqui para fazer uma fenomenologia longa desse diagnóstico, mas ele tem se apresentado, recente e justamente nos ar350 brasil-argentinaFIM.pmd 350 5/2/2004, 11:02 gumentos que Hermínia acabou por resumir no seu texto. Não vou repetir esses argumentos. Acho que a Hermínia fez isso de uma maneira que eu não conseguiria reproduzir. Só queria acrescentar a seguinte pergunta: se os nossos problemas não são institucionais – e acho que não são – em que domínio eles se localizam? Onde eles estão? Talvez estejam do lado de fora. E como é que se considera o lado de fora? É muito complicado considerar o lado de fora, porque, num certo sentido, fomos para as instituições porque, num dado momento, achamos que era insuficiente pensar o lado de fora para entender endogenamente o sistema político. Mas, já que entendemos tão bem o sistema político, talvez estejamos calçados para ir para o lado de fora com mais prudência analítica. E o que significa ir para o lado de fora? Trata-se, simplesmente, de considerar a relação entre instituições e vida social. É simplesmente isso. É considerar as instituições como algo que tem dimensão endógena, portanto, relevante para fins de análise, mas como algo também que confere sentido a uma experiência nacional. Temo que nossa ênfase institucionalista tenha embotado a sensibilidade para uma sociología histórica da política, tão urgente quanto necessária entre nós. Acho que, talvez, aí, tenhamos que encontrar e discutir com velhos fantasmas brasileiros, alguns dos quais não sei se são tão fortes na Argentina. O principal fantasma talvez esteja contido na surrada afirmação de que o lado de fora é constituído por um país dotado de identidade natural, pela língua, pela religião, pelo amálgama pacífico das raças. Enfim, é um pouco o que a literatura dominante, num certo sentido, na esfera do pensamento social brasileiro ressalta, com exceções brilhantes. Com exceção, por exemplo, de Oliveira Viana em “Instituições Políticas Brasileiras”, que complementa o que Ezequiel Martinez Estrada, na Argentina, no belíssimo “Radiografia de La Pampa”, apresenta como caráter fragmentado da experiência do hinterland argentino, aquela vida silenciosa, fragmentada, sem contatos, de baixíssima sociabilidade. Essa imagem Oliveira Viana atribui também ao passado brasileiro, como passado de homens dendrófilos, quer dizer, de homens que amam a floresta, que amam o meio natural e que, portanto, são avessos à sociabilidade. Exageros à parte, metáforas à parte, o ponto que Oliveira Viana fez e que tem paralelo na literatura 351 brasil-argentinaFIM.pmd 351 5/2/2004, 11:02 social argentina é o seguinte: não há sociabilidade natural. O natural é a fragmentação. Então, acho que é possível, a partir desse reconhecimento hipotético de que há um estado de natureza marcado pela fragmentação, propor uma espécie de história das experiências institucionais brasileiras e argentinas para lidar com fragmentação. E a nossa História Republicana, com relação a isso, apresentou várias modos, vários modelos de lidar com a fragmentação societária. E não tenho tempo para falar sobre todos eles. Passamos pela experiência oligárquica da Primeira República, pela experiência mal chamada de corporativismo, dos anos 30 e 40 – mal chamada porque é um conceito difícil de resumir; e o melhor é feito por um colega nosso, César Guimarães, do IUPERJ, que diz que corporativismo é o interesse organizado dos outros; acho que é a melhor definição que conheço. Enfim, às experiencias oligárquica e corporativista seguiu-se a solução que o país deu, em 1946, para o tema da fragmentação, que acho fundamental. É uma solução que incorporou clientelismo, que vinha da Primeira República, que incorporou o corporativismo – há aquí algo da idéia de camadas arqueológicas que são trazidas pelo passado -e acrescentou a isso o tema da representação. O país foi amalgamado, foi conectado através da idéia de representação. E, aí, acho que há um certo heroísmo, uma definição generosa, visionária dos Constituintes de 46, quando optam por um modelo de representação proporcional. E uma de suas características é a desigualdade da representação dos Estados. Acho que a desigualdade da representação dos Estados faz parte dessa perspectiva de integração via representação. É fundamental para a democracia no Amapá que ali haja oito deputados. É fundamental para a democracia no Acre e para que certos facínoras, piores que os errantes mencionados por Nun, estejam na prisão, que haja oito deputados no Acre. Se a política brasileira fosse tratada à moda da aritmética política, o Acre teria um deputado. E não é muito difícil saber quem ele seria, que interesses ele representaria. Então, se a opção é democrática e federalista, ela tem custos. Um dos custos da opção democrática federalista é distorção na representação. Não se pode ter o melhor de todos os mundos. 352 brasil-argentinaFIM.pmd 352 5/2/2004, 11:02 Concluindo eu diria o seguinte: como é que temos lidado com a fragmentação? Como temos lidado com ela recentemente? Acho que há problemas à vista. Um deles diz respeito à redução de uma certa capacidade do Estado brasileiro de lidar com programas sociais substantivos. Aí temos uma aproximação com o caso argentino, de descentralidade do Estado como agente de integração, de pelo menos agente redutor da fragmentação. Não tenho tempo para desenvolver muito esse ponto. Eu queria concentrar as frases finais em alguns problemas que devemos considerar nas nossas linguagens, como problemas relevantes para tratar não só do tema da fragmentação, mas para tratar do que está do lado de fora. E a pergunta deflagradora para isso pode ser a seguinte: como é que o demos brasileiro está sendo constituído, o demos argentino, o demos, enfim, das nossas sociedades está sendo constituído? Através de que rotinas? É evidente que, no caso brasileiro, o hardware da política brasileira vai muito bem: competitividade, desoligarquização, alta participação eleitoral. Isso é ótimo. Mas há problemas dramáticos, por exemplo, quando começamos a analisar a correlação entre educação e eleitorado, quando, por exemplo, 75% do eleitorado tem primário; 60%, primário incompleto. Não estou fazendo nenhum juízo aqui, evidentemente elitista, dizendo que os iletrados não sabem votar. Estou querendo, sim, chamar a atenção para a baixa centralidade da experiência educacional como uma experiência estratégica nacional para a constituição da identidade do eleitorado. A educação não constitui um agente – há dez anos, seria um horror falar isso, mas podemos falar agora – de civismo, de experiência cívica compartilhada. Há uma velha anedota, que infelizmente, segue atual, que diz que, quando estamos no Rio Grande do Sul – e, em vários lugares do Rio Grande do Sul, a fronteira com o Uruguai é seca – o modo que temos para saber que entramos no Uruguai é quando as escolas começam a aparecer. Uma velha história. Quando começam a aparecer os grupos escolares, é o Uruguai, não é mais Brasil. Enfim, uma anedota dramática. 353 brasil-argentinaFIM.pmd 353 5/2/2004, 11:02 Então, quais são as redes reais de sociabilidade? Algumas foram tocadas aqui, ontem. A mídia. O Murilo, na discussão dele, tocou nessa questão. Isso, em si, já mereceria um seminário à parte. E, para o lado da mídia, aí, eu iria além do que o Murilo comentou. Não se trata apenas do monopólio de uma rede, Murilo. Acho que se estabeceu no Brasil uma espécie de competição pela programação pior e não só monopólio. Acho que devíamos, inclusive indenizar Portugal pela firme contribuição da televisão brasileira para a descaracterização da lingua portuguesa por meio do lixo televisisvo que para lá exportamos. Mas, o fato é que, pelos indicadores estatísticos, a televisão é o único elemento nacional de constituição da experiência comum. Não há outro. O que está e o que não está no mundo é decidido por esse tipo de mecanismo. O tema da religiosidade acho que é fundamental no caso brasileiro. Não sei como anda no caso argentino, sobretudo a partir da explosão, de progressão geométrica praticamente, do pentecostalismo, de igrejas com base local de baixíssimo custo inclusive de organização, que produzem mundos à parte, linguagens à parte, no sentido de Goodman, que apresentei antes, que tem contatos esporádicos com a sociabilidade comum, mas que não tem nexos automáticos com a política, com o mundo público. Isso tudo, sem falar do tema da violência. O tema da violência não só na dimensão policial, mas no que ele tem de mais traumático, constitui a experiencia básica de grandes segmentos da população brasileira. Penso que o tema do desespero social tem marcado a experiência de grandes contingentes da população brasileira das periferias, que têm uma participação forte no eleitorado brasileiro. Acho que importa, portanto, tentar incluir esses temas, essas questões, na avaliação do estado da democracia nos nossos países. Tenho muito medo de estar certo com relação a essas observações, porque, no Brasil, mais cedo ou mais tarde, quem está certo acaba errado. E outros problemas aparecem e, portanto, essas considerações perdem a sua pertinência. Enfim, concluindo, acho que é essa a idéia: buscar uma aproximação das linguagens e buscar também objetos que, por um certo 354 brasil-argentinaFIM.pmd 354 5/2/2004, 11:02 vício profissional, nós acostumamos a situar fora da nossa órbita de observação. No meu ponto de vista, eles são fundamentais para o entendimento da qualidade da política e da democracia. No Brasil, na Argentina e alhures. 355 brasil-argentinaFIM.pmd 355 5/2/2004, 11:02 Comentários João Almino de Souza Filho: Vou acrescentar alguns comentários a esses que já foram feitos e, depois, nós abrimos ao debate. Como aqueles que falaram antes de mim disseram, nós partimos de dois excelentes trabalhos, o que facilita nossos comentários. E vou, sobretudo, tentar traçar algum paralelo entre um trabalho e outro, a partir das leituras feitas de ambos e também do que foi dito aqui. Como o Professor Renato Lessa destacou, de fato, se trata de trabalhos muito distintos um do outro. Em parte porque o próprio escopo e o enfoque de um diferem dos do outro. Mas observei uma característica interessante. Acho que o Doutor José Nun parte sobretudo de uma análise econômica, embora eu diria que a grande força do seu trabalho, da sua exposição sejam essas metáforas que ele utilizou. Mas, enfim, a base da análise é econômica, para tentar explicar os problemas do sistema político argentino. E, no caso da Professora Maria Hermínia, o processo é inverso. A discussão sobre a política, sobre as instituições políticas brasileiras, não propriamente levam a conclusões definitivas sobre a economia, mas explicam, em grande medida, a forma como determinadas reformas econômicas foram realizadas no Brasil. O trabalho do Doutor José Nun é voltado para a Argentina, exclusivamente. Mas acredito que poderíamos traçar um paralelo entre o que ele disse em relação à Argentina e o que ocorreu no Brasil no mesmo período por ele considerado. Sem fazer qualquer julgamento de valor, eu diria que o modelo econômico a que ele se refere foi, em certa medida, seguido tanto no Brasil quanto na Argentina. Perseguimos – com passos e procedimentos distintos – objetivos de enxugamento da máquina do Estado, de equilíbrio fiscal e de estabilidade econômica. Estávamos empreendendo, aqui e lá, processos de privatização, liberalização comercial etc. Poderíamos, portanto, traçar muitos paralelos de semelhança entre os dois processos, inclusive no que se refere a seus problemas. O Dr. Nun dá, por exemplo, uma importância muito grande, no 356 brasil-argentinaFIM.pmd 356 5/2/2004, 11:02 início sobretudo do regime Alfonsin, digamos, na inauguração do que seria o regime político da democracia representativa, ao problema da dívida externa argentina, inclusive colocando a crise mexicana de 1982 como o estopim dessa crise. A mesma percepção em relação à dívida externa se aplicaria ao caso brasileiro. Os vários planos fracassados, o Plano Austral, por exemplo, no caso da Argentina, terá paralelos no Brasil. A questão mesma da chamada hegemonia do capital financeiro, os problemas relacionados com a volatilidade dos capitais de curto prazo são problemas que afetaram – e ainda afetam, de fato ou potencialmente - nossas economias. Tanto é assim que, no caso brasileiro, o nosso próprio Presidente, Fernando Henrique Cardoso, tem, reiteradamente, proposto nos foros internacionais medidas que possam corrigir esse problema da volatilidade dos capitais financeiros internacionais. Mesmo aquilo que possa parecer peculiar à experiência argentina – por exemplo, o plano de convertibilidade de 1991 – pode encontrar paralelos no Brasil, como, por exemplo a âncora cambial de 94, que durou vários anos. No entanto, eu diria que a percepção que se tem desse processo é diferente aqui e lá. Em primeiro lugar, ao ouvirmos as duas exposições desta manhã, as exposições do Doutor José Nun e da Professora Maria Hermínia, reforçamos a conclusão de que, mesmo do ponto de vista estritamente econômico, houve diferenças importantes de intensidade ou de ritmo desses processos, aqui e na Argentina. Mas, pelo menos ouvindo os expositores, fica a impressão de que a diferença mais significativa, que terá impacto sobre as percepções, ocorre no plano político. E uma vez mais, aí quero fazer a ressalva de que, sem conhecer tão bem a questão argentina, estou de fato tirando essa conclusão unicamente das exposições e das leituras dos dois papers, papéis ou papiros. Ou seja, no caso argentino, segundo o Doutor José Nun, as mudanças econômicas teriam tido um impacto grande sobre a própria independência dos poderes. Para que as reformas econômicas pudessem ser realizadas no nível adequado, teria havido uma concentração muitíssimo grande de poder, enquanto que, no caso brasileiro, como mostrou a Professora Maria Hermínia – na verdade, mostrou isso para 357 brasil-argentinaFIM.pmd 357 5/2/2004, 11:02 enfatizar que não houve, apesar de uma independência grande dos poderes, um problema de governabilidade – repito, no caso brasileiro, o Executivo teve de enfrentar um poder expressivo do Congresso. E esse poder do Congresso vai fazer com que haja decisões negociadas, que certamente terão uma repercussão sobre o próprio ritmo das reformas realizadas ao longo desses anos. Quer dizer, ela mostra que as reformas, sim, são realizadas, mas o ritmo é mais lento do que muitos esperavam. É mais lento, certamente, do que em outros países, inclusive a Argentina. Ela se referiu a essa conferência do Professor Rudiger Dornbush, em 1992, no Reino Unido. E, ao ouvir isso, me recordei de que, exatamente nessa época, por volta de 1992, participei de um encontro na Universidade de Stanford. Como brasileiro, tive que ficar muito na defensiva e dar muitas explicações, porque havia, mais ou menos, um consenso entre os expositores – eram quase todos economistas, mas mesmo os cientistas políticos presentes pensavam a mesma coisa – repito, havia um consenso de que existia uma espécie de trilho que devia ser seguido por todos os países da América Latina. Era claro o que deveria ser feito. E havia países que estavam conseguindo fazer isso de maneira muito mais rápida, de maneira muito mais eficiente de que outros. O Brasil, na visão de todos, era o que estava no último lugar, digamos, era o último carro do trem. Isso porque justamente havia empecilhos do próprio sistema e do processo político brasileiro para que essas reformas pudessem ser implementadas. E talvez o maior deles fosse o fato de que o Congresso podia obstaculizar medidas de interesse do Executivo. O que era visto como negativo naquele momento, hoje em dia talvez possa ser entendido como tendo sido positivo para o próprio processo econômico brasileiro. A Professora Maria Hermínia demonstrou de maneira muito convincente que esse “presidencialismo de coalizão”, que ela diz ser um termo de empréstimo do Professor Sérgio Abranches, pode funcionar num país como o Brasil; que, de fato, esse presidencialismo não criou uma crise de governabilidade e não criou crises institucionais. 358 brasil-argentinaFIM.pmd 358 5/2/2004, 11:02 Mostrou, por exemplo, isso: que as reformas, talvez não no ritmo que alguns desejavam, puderam ser realizadas. Acho interessante que ela tenha ressaltado, mais no texto escrito – não me recordo se ela frisou isso na exposição –, uma contradição que existe nas críticas: o mesmo sistema político que, para uns, cria um grande problema de governabilidade, quer dizer, gera ingovernabilidade, para outros, é visto como um sistema em que a presidência é imperial. Portanto, as próprias críticas são contraditórias. Acho que de maneira muito convincente ela mostrou isso. O que não me parece muito claro, na verdade – e essa talvez seja a questão que eu colocaria para ela, para eventualmente ela expandir sua colocação, se quiser – é se essas instituições, apesar do bom desempenho até agora, têm a capacidade de evitar essas crises no futuro. Ela mesma, aliás, já deu a entender que não. Quer dizer, ela se refere ao fato de que esse sistema de presidencialismo de coalizão também pode gerar as suas crises quando se formam governos não partidários. Ela se referiu sobretudo ao Governo Jânio Quadros – portanto, num período ainda anterior ao da Constituição de 88 – e ao Governo do Presidente Collor. Mas nessa discussão, acho que poderíamos expandir um pouco mais a idéia, indo ao fundo de certas questões institucionais. Em primeiro lugar, um Presidente de um pequeno partido sem expressão parlamentar pode, em tese, chegar ao poder no Brasil. Além disso, acho que são reais alguns dos problemas político-institucionais ou de cultura política que têm sido apontados com freqüência no Brasil. Por exemplo, de fato não temos partidos nacionais consolidados. De fato, nosso eleitor vota muito pouco em programa, vota muito pouco no partido político. De fato, a nossa política é muito personalista, quer dizer, as pessoas contam muito mais não apenas do que os partidos, mas do que as instituições em geral. De fato, somos um país ainda sem instituições muito sólidas. Enfim, temos um longo caminho a percorrer nesse plano institucional. E continuamos – não apenas a elite, mas amplos setores da sociedade – a cultivar, a meu ver, um relativo desprezo pelas leis, um apreço à flexibilidade, uma falta de autodisciplina e de autoordenamento social que pedem, por outro lado, a figura do pai, do protetor, do salvador. 359 brasil-argentinaFIM.pmd 359 5/2/2004, 11:02 Quer dizer, temos tido a oportunidade, nos últimos anos, de ver esse presidencialismo de coalizão funcionando. Mas não acho que exista uma garantia de que ele vai sempre funcionar. Em outras palavras, esse sistema, que pode ter funcionado até aqui, pode deixar de funcionar, por deficiências muito importantes, institucionais e de cultura política. Temos provas de que funcionou, mas não de que tenha funcionado por causa de suas qualidades intrínsecas. O Professor Renato Lessa se referiu também a questões – e comparto esse ponto de vista dele – que têm a ver com problemas mais gerais da democracia, que não se limitam ao exemplo brasileiro, nem ao argentino, e que são também altamente relevantes para o funcionamento de nossa democracia. Uma delas é a chamada questão da crise da representatividade. Uma questão, portanto, que vai muito além da experiência brasileira ou argentina. Ela abrange as democracias ocidentais. Eu acrescentaria uma crise também significativa para o funcionamento das nossas democracias e, sobretudo, para a mobilização social em torno dessas democracias: a chamada crise ideológica. Refirome ao esgotamento dos modelos ideológicos dos séculos XIX e XX, que, até hoje, demandam fórmulas criativas das nossas sociedades. E eu diria que essa crise explica, em parte, a baixa mobilização políticosocial nos últimos anos em nossos países. 360 brasil-argentinaFIM.pmd 360 5/2/2004, 11:02 CULTURA POLÍTICA E FUNDAÇÕES PARTIDÁRIAS NO BRASIL Carlos Henrique Cardim “...todos nos preocupamos de igual modo com os assuntos privados e públicos da pátria, que se referem ao bem comum ou privado, e gentes de diferentes ofícios se preocupam, também, com as coisas públicas. Nós consideramos o cidadão que se mostra estranho ou indiferente à política como um inútil à sociedade e à República. Não acreditamos que o discurso entrave a ação. Ao contrário, discutimos previamente todas os assuntos sobre os quais devemos deliberar. Péricles, trecho do discurso “no enterro dos que morriam nas guerras dos atenienses”, citado por Tucídides in “História da Guerra do Peloponeso”. O PARADOXO DE WEIMAR: UMA DEMOCRACIA SEM DEMOCRATAS A Constituição da República de Weimar foi um marco na evolução do Estado de Direito Democrático pelas inovações que trouxe no terreno da legislação social e econômica, além, logicamente, de estabelecer normas para aprimorar o sistema representativo no Parlamento. No entanto, apesar da excelência de seus propósitos e metas, o regime político alemão da década de 1920 naufragou de maneira catastrófica, e abriu terreno para a implantação da ditadura nazista. Como foi possível que uma Constituição pioneira da democracia contemporânea, em país de alta cultura, tenha sido rechaçada pela maioria da população, não tenha convencido os cidadãos e tenha fracassado tão completamente? Sem aprofundar em respostas que já renderam extensa e relevante bibliografia, pode-se afirmar que uma das principais razões dessa tragédia política de nosso tempo tenha sido, como foi dito, que “Weimar foi uma democracia sem democratas”. 361 brasil-argentinaFIM.pmd 361 5/2/2004, 11:02 A dura lição que se pode tirar da experiência de Weimar é que a democracia para existir de fato, e não somente de maneira formal, tem que estar viva na convicção dos indivíduos em valores básicos, como o respeito pelas diferenças, a realização de eleições periódicas, a continuidade do processo político, independente de êxitos econômicos, e mesmo em períodos de dificuldades econômicas e sociais. A lição que a sociedade alemã tirou de Weimar e de suas consequências é a de que para a democracia é regime onde todos somos políticos, e não somente a denominada “classe política”. É voltar a esse preceito tão enraizado nos cidadãos de Atenas, expresso na oração fúnebre de Péricles aos atenienses mortos na Guerra do Peloponeso, na qual esse líder democrata dizia que “consideramos inúteis aqueles que não se interessam pelas coisas da cidade”. A Alemanha, após 1945, tem sido um laboratório de construção de um regime democrático moderno, tirando ensinamentos de seus graves erros do passado. Além dos dispositivos estabelecidos na nova Constituição como a “cláusula construtiva”, merece destaque a idéia de dotar, com financiamento público e regular, cada partido com uma fundação destinada aos seguintes objetivos: a) oferecer educação política; b) promover a pesquisa e organizar a documentação da história e evolução da corrente ideológica que defende; c) apoiar a integração européia e colaborar para o entendimento internacional, inclusive dando suporte moral e assistência material a democratas que estejam sofrendo perseguição política. d) divulgar os resultados de seus trabalhos. e) servirem de “refúgios” dignos e momentâneos para quadros partidários que sofreram eventuais reveses eleitorais. A avaliação do modelo alemão, em seus quase 50 anos de experiência, revelou-se bastante positiva, fato que sem dúvida inspirou os legisladores brasileiros a proporem a criação de fundações e institutos de formação política. 362 brasil-argentinaFIM.pmd 362 5/2/2004, 11:02 BRASIL , CONTRASTE ENTRE SISTEMA ECONÔMICO E SISTEMA POLÍTICO. O Brasil, segundo estudos da OCDE, foi o país que no século XX apresentou a maior taxa de crescimento do Produto Nacional Bruto, superando, inclusive, nações como os Estados Unidos, Alemanha, Japão, Coréia. Se pelo lado econômico os resultados foram impressionantes, o mesmo não pode ser afirmado pelo lado político-institucional. O século XX brasileiro foi marcado pela oscilação entre períodos de autoritarismo e de democracia, e pela dificuldade de se implantar um estável sistema político democrático moderno. Há quatro variáveis fundamentais para a viabilização efetiva de um sistema democrático sólido: a) o sistema partidário; b) o sistema eleitoral; c) a cultura política; d) os grupos de pressão. Dos quatros elementos acima mencionados a cultura política é aquele que diz respeito mais diretamente ao que poderia se denominar de infra-estrutura do sistema político democrático. A educação política, em termos humanistas e plural, contribui, decisivamente, para a criação e consolidação dos regimes democráticos, em particular em casos como o Brasil, onde ainda persiste, conforme analistas como Simon Schwarztman, fortes traços de uma cultura política autoritária, e a prática personalista na vida pública. No presente, corre o debate sobre a reforma política no Congresso brasileiro, focado, principalmente, no aperfeiçoamento dos sistemas partidário e eleitoral. O propósito desse artigo é o de chamar a atenção para uma nova e positiva realidade no quadro político brasileiro, qual seja o das fundações e institutos partidários, que trabalham na construção da infraestrutura do regime democrático. A visão, ainda que geral e incompleta, das atividades e projetos em curso por essas entidades mostra algumas iniciativas de bom nível qualitativo e quantitativo, e um potencial que muitas vezes não está sendo, devidamente, explorado. 363 brasil-argentinaFIM.pmd 363 5/2/2004, 11:02 Otávio Mangabeira, destacado político brasileiro dos anos 40 e 50, costumava dizer que “a democracia no Brasil é uma plantinha muito tenra” que necessita de cuidados intensos e permanentes para resistir as intempéries. Às necessárias atenções com a melhora do sistema partidário e do sistema eleitoral devem se somar igual prioridade com a elevação do nível da cultura política . Algo nesse terreno já está sendo feito, porém há, ainda, muitas tarefas pendentes para fazer da “plantinha muito tenra” uma árvore da democracia no solo brasileiro. UM NOVO ELEMENTO NO SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO As fundações e institutos partidários brasileiros, considerando a qualidade de algumas de suas iniciativas, o fluxo de recursos financeiros legais regulares e certo volume de suas atividades nos últimos anos, tem se firmado como um novo e relevante elemento no sistema político nacional. Tal fato já foi observado, entre outros, por destacados políticos, como o Vice-Presidente da República e um dos líderes do Partido da Frente Liberal (PFL) Marco Maciel. Tal realidade expressaria uma terceira fase no atual processo de desenvolvimento dos partidos políticos, iniciado em 1985, com o fim do ciclo dos governos militares. A primeira fase seria a da criação e constituição formal dos partidos, a segunda a da consolidação mínima, e a terceira, ora em progresso, a da expansão e formação de quadros e sua militância. Previstos na lei desde 1976, as fundações e institutos partidários passaram por diferentes etapas, marcadas pela descontinuidade em seus programas, e pela incerteza de recursos. Um visão geral dos projetos das fundações e institutos dos principais partidos, quais sejam o que possuem representação no Congresso Nacional, exposta nesse artigo, evidencia não somente a crescente densidade dessa novo dado da vida política brasileira, como, igualmente, demonstra a sua potencialidade que poderá ser explorada nos próximos anos. Sublinhe-se, a propósito, que o Brasil hoje possui o quinto contingente eleitoral do mundo com cerca de 102 milhões de votantes, e que existem indicadores sociais que possibilitariam uma participação política ampliada e mais qualificada de expressivos setores da população, 364 brasil-argentinaFIM.pmd 364 5/2/2004, 11:02 A Lei número 6339, de 1 de julho de 1976, trouxe nova redação ao artigo 118 da Lei Orgânica dos Partidos Políticos ( Lei número 65.682, de 21 de julho de 1971): “Artigo 118 – Os partidos terão função permanente através: ............................................................................................. V – da criação e manutenção de institutos de doutrinação e educação política destinado a formar, renovar e aperfeiçoar quadros e lideranças partidárias”. A nova Lei dos Partidos – Lei número 9096, de 19 de setembro de 1995, dispõe: “Artigo 44 – Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados: ..................................................................................................... IV – na criação e manutenção de instituto ou fundação de pesquisa e doutrinação e educação política, sendo esta aplicação de, no mínimo, vinte por cento do total recebido” Artigo 53 – A fundação ou instituto de direito privado, criado por partido político, destinado ao estudo e pesquisa, à doutrinação e ã educação política, rege-se pelas normas da lei civil e tem autonomia para contratar com instituições públicas ou privadas, prestar serviços e manter estabelecimentos de acordo com suas finalidades, podendo, ainda, manter intercâmbio com instituições não-nacionais”. Conforme estabelecido nos dispositivos legais acima citados, no mínimo vinte por cento do Fundo Partidário tem que ser aplicado nas atividades das fundações e institutos partidários. No ano de 1999, esses recursos totalizaram a cifra de cerca de R$ 10.284.293,00 (equivalentes a U.S.$ 5 910 513.20), distribuídos entre os partidos de acordo com sua votação no último pleito. 365 brasil-argentinaFIM.pmd 365 5/2/2004, 11:02 AS FUNDAÇÕES PARTIDÁRIAS BRASILEIRAS Os seis maiores partidos brasileiros com representação no Congresso Nacional organizaram a fundação ou instituto previsto na acima referida legislação. Assim sendo, existem hoje no Brasil as seguintes entidades vinculadas às agremiações partidárias majoritárias: Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB): Instituto Teotônio Vilela. Partido da Frente Liberal (PFL): Instituto Tancredo Neves. Partido dos Trabalhadores (PT): Fundação Perseu Abramo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB): Fundação Ulysses Guimarães ( anteriormente, denominada de Fundação Pedroso Horta). Partido Progressista Brasileiro (PPB): Fundação Milton Campos. Partido Democrático Trabalhista (PDT): Fundação Alberto Pasqualini. Merecem, também, ser citadas outras agremiações partidárias com assento no Parlamento e que estão começando a organizar suas fundações ou institutos: Partido Progressista Socialista (PPS): Fundação Astrogildo Pereira Partido Socialista Brasileiro (PSB): Fundação João Mangabeira Partido Comunista do Brasil (PC do B): Instituto Maurício Grabois Partido Trabalhista Brasileiro (PTB): Instituto Getúlio Vargas Considerando a novidade da presença das fundações e institutos partidários na cena política nacional, com certo volume de ativida366 brasil-argentinaFIM.pmd 366 5/2/2004, 11:02 des e com relativa continuidade, são apresentados a seguir breves notas sobre três daqueles que tem apresentado maior número de atividades. Tais relações, apesar de meramente descritivas, são interessantes para se avaliar o tipo de contribuição que essas entidades têm trazido, e poderão trazer no futuro ao processo democrático brasileiro. PSDB – Instituto Teotônio Vilela (ITV) Orçamento em 1999: R$ 2.003.708,00 (U.S.$ 1.151.556,40) O Instituto Teotônio Vilela (ITV), presidido pelo Senador do Estado do Ceará Lúcio Alcântara, está instalado além da capital federal em vários Estados, e tem desenvolvido as seguintes principais atividades: I) Edições: a) “Coleção Pensamento Social Democrata”. Série de livros que publica clássicos das principais vertentes históricas dessa corrente ideológica como Eduard Bernstein, Karl Kautsky, Carlo Rosselli, Clement Attlee, John Rawls, ao lado de obras do atual debate sobre novos caminhos da social democracia, como Anthony Giddens, Tony Blair e Pierre Rosanvallon. Destaque especial dessa coleção são os títulos dedicados à trajetória do socialismo democrático no Brasil como o volume intitulado “O Socialismo Brasileiro”, organizado ente por Evaristo de Moraes Filho, e o livro de Hélio Jaguaribe “A Proposta Social-Democrata”. Entre os próximos lançamentos da “Coleção”, figuram um volume com os textos do recente encontro de Florença sobre “Governança Progressiva”, e o segundo volume de “O Socialismo Brasileiro”, esse organizado por Antonio Paim. Já saíram 16 títulos até o presente, estando previsto para 2000 o lançamento de mais dez obras. Os livros são tanto editados pelo Instituto Teotônio Vilela, como alguns publicados sob a forma de coedição com editoras privadas, e são comercializados através da rede de vendas da Editora Universidade de Brasília (UnB). 367 brasil-argentinaFIM.pmd 367 5/2/2004, 11:02 b) Série de Papers “Idéias e Debates”. c) Série “Cadernos 45”. II) Formação de Quadros: a) “Laboratório de Atividades Políticas”. PFL – Instituto Tancredo Neves (ITN) Orçamento em 1999: R$ 1.982.630,00 (U.S.$ 1.139.442,50) O Instituto Tancredo Neves (ITN) tem como atual Presidente o Deputado Federal da bancada do Estado de Goiás Vilmar Rocha. O ITN já se instalou em todos Estados brasileiros. De seu plano de atividades em curso merecem destaques as seguintes iniciativas: I) Edições: a) “Biblioteca Liberal”. Projeto de coedição com a Editora Mandarim, e distribuição através da rede Siciliano de livrarias (cerca de 80 em todo o Brasil), de títulos fundamentais do pensamento liberal de autores estrangeiros e brasileiros. Até a presente data, já foram publicados os dois primeiros livros da coleção: “História do Liberalismo Brasileiro” de Antonio Paim, e “Tocquevile e o Liberalismo” de Ricardo Velez Rodriguez. Para o ano 2000 estão previstos os lançamentos das seguintes obras: “Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant” de Norberto Bobbio, “O Que É Democracia?” de Giovani Sartori, “Os Pensadores da Liberdade” de Mariano Grondona e “Armando Sales de Oliveira e o Liberalismo Brasileiro”, antologia organizada e prefaciada por Arsênio Correia. b) “Cadernos Liberais”. Série de livretos editados pelo ITN sobre temas doutrinários do liberalismo de interesse para o público. Já foram publicados doze títulos, entre eles os seguintes: “A Agenda Teórica dos Liberais Brasileiros” de An- 368 brasil-argentinaFIM.pmd 368 5/2/2004, 11:02 tonio Paim, “O Liberalismo Moderno” de Ubiratan Borges de Macedo. Nova série deverá ser iniciada em 2000 com textos breves, de cerca de 60 páginas, sobre temas da conjuntura política, econômica e social nacional, preparados por especialistas. II) Formação de Quadros: a) Organização da “Escola Superior de Política”, que deverá oferecer, em 2000, Curso de Gestores Municipais. III) Outros projetos: a) Prêmio Luís Eduardo Magalhães. Organizado em 1998, o Prêmio encontra-se em sua terceira edição, e tem como público participante os universitários de graduação e pósgraduação das instituições de ensino superior brasileiras. PT - Fundação Perseu Abramo (FPA) Orçamento em 1999: R$ 1.405.984,00 ( U.S.$ 808.036,89) A Fundação Perseu Abramo é presidida pelo cientista político Professor Luis Soares Dulci, e no seu quadro de atividades destacamse os seguintes projetos: I) Edições: a) Revista “Teoria & Debate”, de periodicidade trimestral, que já completou 11 anos com 43 números publicados. b) Editora Fundação Perseu Abramo. A FPA constituiu uma empresa editorial que já publicou, entre outros, os seguintes livros: “Antonio Cândido-Pensamento e Militância”; “O Brasil Desempregado”; “O Brasil Privatizado”; “Brava Gente-Trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil”; “Desafios do Governo Local-o modo petista de governar”; “Dos Filhos deste Solo: mortos e desaparecidos políticos”; “Manifesto Comunista 150 Anos 369 brasil-argentinaFIM.pmd 369 5/2/2004, 11:02 Depois”; “O Marxismo na América Latina”; “Mulher e Política”; PT-Resoluções de Encontros e Congressos 19791998”; “Sérgio Buarque e o Brasil”; Reforma Política”. Estão previstos para 2000 no programa editorial os lançamentos, entre outros, dos títulos de Marilena Chauí “Brasil 500 Anos-Cidadania, Cultura e Sociedade”, e de Maria Conceição Tavares “Império, Território e Dinheiro-origens da riqueza e da miséria no Brasil”. II) Núcleo de Opinião Pública (NOP). Criado em 1997 o NOP já realizou as seguintes pesquisas: “Presidente e Governadores: dados das eleições de 1994 e 1998”; “Juventude, Cultura e Cidadania: perfil dos jovens das regiões metropolitanas brasileiras quanto à percepção da cultura e cidadania”; “Cultura, Política e Cidadania: níveis de participação e adesão populares aos processos democráticos no Brasil”, e “Perfil da Delegação Petista; características dos delegados e delegadas participantes dos Encontros do PT em 1997 e 1999”. III) Projeto Memória, voltado para a documentação da história do PT. 370 brasil-argentinaFIM.pmd 370 5/2/2004, 11:02 EL LUGAR DEL BRASIL EN LA POLÍTICA ARGENTINA: LA VISIÓN DEL OTRO EXTERIOR DE LA Roberto Russell y Juan Gabriel Tokatlian I. INTRODUCCIÓN Este trabajo estudia la “visión” argentina sobre el lugar que ha ocupado históricamente el Brasil en la inserción internacional del país. Para ello, apelamos a un enfoque teórico ecléctico que combina varias perspectivas. Primero, empleamos de modo complementario los aportes de Kenneth Waltz1 (realismo estructural) y de Stephen Walt2 (origen de las alianzas) con el objeto de explorar, respectivamente, la influencia de las disparidades de poder relativo en la visión argentina del Brasil y del papel de las motivaciones percibidas del “otro” en la configuración de las alianzas externas que promovieron los dos países – tanto entre sí como con terceros, particularmente con Estados Unidos. La teoría del “equilibrio de amenazas” desarrollada por Walt3 , a diferencia de la teoría del “equilibrio del poder” en su formulación waltziana, requiere contemplar, además de la distribución de atributos de poder entre los estados, otras variables que influyen en la definición de la política exterior; por ejemplo la proximidad geográfica, las capacidades ofensivas y las intenciones agresivas de un Estado hacia otro u otros estados. Asimismo, utilizamos las contribuciones teóricas del constructivismo, especialmente del “idea-ismo estructural” desarrollado por Alexander Wendt, sobre el papel de las creencias y expectativas que los estados tienen sobre los otros en la determinación del carácter 1 Kenneth Waltz, Theory of International Politics, Random House, Nueva York, 1979. 2 Stephen M. Walt, The Origins of Alliances, Cornell University Press, Ithaca, 1987. 3 Ibid, p. 25. 371 brasil-argentinaFIM.pmd 371 5/2/2004, 11:03 de la vida internacional4 . Desde esta perspectiva teórica, las ideas compartidas entre países son más importantes que la distribución de atributos materiales de poder, dado que el significado y efectos de estos últimos dependen de la cultura que predomina en una determinada estructura social5 . Según Wendt, desde el mismo origen del sistema internacional moderno tres tipos de culturas han caracterizado las relaciones interestatales: hobbesiana, lockeana y kantiana6 . A cada una de ellas, corresponde una posición distinta del sujeto en la que el Yo y el Otro se representan respectivamente como enemigos, rivales y amigos. En sus palabras: “The posture of enemies is one of threatening adversaries who observe no limits in their violence toward each other; that of rivals is one of competitors who will use violence to advance their interests but refrain from killing each other; and that of friends is one of allies who do not use violence to settle their disputes and work as a team against security threats.”7 En suma, ponemos aquí el acento en el stock y flujo de ideas compartidas sobre la naturaleza y el rol del Yo y del Otro en las relaciones argentino-brasileñas. Esta conjunción de enfoques teóricos realistas y constructivistas nos parece imprescindible dado que, como sostiene Vendulka Kubálková, es preciso contemplar “what states can do because of their position in the (international) structure” y “what they want to do because of how they see themselves in relation to others”8 . Por último, consideramos el papel del tipo de régimen en la formación de las visiones recíprocas, fundamentalmente a partir del inicio del proceso de democratización en ambos países en la década del ochenta. Nuestro trabajo se sustenta en cuatro hipótesis: a) que la visión argentina del Brasil nunca tuvo elementos propios de una cultura de enemistad (hobbesiana); b) que esa visión fue constituida desde el origen de la nacionalidad argentina y hasta principios de la década de 4 Alexander Wendt, Social Theory of International Politics, Cambridge University Press, Cambridge, 2000. 5 Según Wendt: “To say that a structure is “social” is to say, following Weber, that actors take each other into account in choosing their actions... Shared ideas make up the subset of social structures known as cultures”. Ibid. p. 249. 6 Ibid, p. 259-312. 7 Ibid, p. 258. 8 Vendulka Kubálková, “Foreign Policy, International Politics, and Constructivism”, Vendulka Kubálková (ed.) Foreign Policy in a Constructed World, Sharpe, New York, 2001, p. 17. 372 brasil-argentinaFIM.pmd 372 5/2/2004, 11:03 los ochenta en el siglo XX por una cultura de rivalidad (lockeana), cuyas normas alcanzaron un alto grado de internalización9 ; c) que a partir de esa década, esta cultura de rivalidad ha incorporado en forma creciente elementos característicos de una cultura de amistad (kantiana); y d) que este cambio cultural es producto de un proceso en el que destacan tres factores: altas tasas diferenciales de crecimiento entre la Argentina y el Brasil en beneficio de este último país (inviabilidad de las estrategias de restricción del otro mediante el mecanismo del equilibrio de poder); la democratización de ambos países (mayor convergencia trasnacional de valores definidos en clave democrática); y la mayor interdependencia económica (mayores intereses comunes). Estos tres factores han favorecido el desarrollo de conductas e intereses que trascienden la cultura de rivalidad así como la emergencia de una incipiente estructura social de amistad en la que se aprecian signos de identificación positiva con el otro y en la que se cumple la regla de la no violencia (las disputas entre los dos países serán resueltas sin guerra o amenaza de guerra). Sin embargo, esta nueva cultura es frágil por dos motivos principales: 1) el grado de internalización de sus normas es bajo, dado que la amistad es más una estrategia interesada para obtener beneficios individuales que una identificación legítima con los intereses y necesidades del otro; y 2) que los dos países todavía no observan la regla de la mutua ayuda (actuar como un equipo si la seguridad de uno de ellos es amenazada por un tercero)10 . Con fines metodológicos, hemos dividido el estudio en tres etapas que corresponden gruesamente a tres modelos de inserción internacional seguidos históricamente por la Argentina: I) el de la relación especial con Gran Bretaña que se extiende desde fines del siglo XIX hasta los años 30 del siglo XX; II) el paradigma “globalista” que comienza a mediados de los cuarenta y llega hasta el fin de la Guerra Fría11 ; y III) la estrategia de “aquiescencia pragmática” inicia9 Las normas de una cultura se “internalizan” en distintos grados. A más bajo grado de internalización, más probabilidades de que esa cultura pueda modificarse. Véase, Alexander Wendt, op. cit., p. 250. 10 La cultura de la amistad requiere que los estados cumplan tanto la regla de la no violencia como la de la mutua ayuda. Ver, Alexander Wendt, op. cit., p. 298/9. 373 brasil-argentinaFIM.pmd 373 5/2/2004, 11:03 da a principios de los noventa y que, con diferentes gradaciones, ha orientado la política exterior del país hasta el presente12 . A cada una de estas etapas corresponden distintas visiones del Brasil que se correlacionan con seis variables principales: los incentivos del sistema político internacional y de la economía mundial, el papel de los Estados Unidos en la relación con el “otro”, los cambios en la distribución de los atributos de poder relativo de la Argentina y el Brasil, las intenciones percibidas del Brasil en materia de política exterior, la estrategia de desarrollo nacional promovida por las distintas fuerzas sociales que detentaron el poder en la Argentina y la evolución de su política interna. Durante los dos primeros períodos hubo una visión dominante que fue acompañada por otras visiones del “otro” opuestas o, al menos, diferentes que operaron como una perspectiva secundaria, más o menos influyente según la naturaleza crítica de alguna coyuntura específica. En la primera etapa, el Brasil fue visto con indiferencia desde el punto de vista económico, como un país inferior desde el cultural y como un rival por la supremacía sub-regional desde el político. En los años de vigencia del paradigma globalista, el Brasil fue considerado fundamentalmente como un rival, al menos hasta fines de la década del setenta y principios de los ochenta. No obstante los acercamientos intermitentes, el signo de la relación bilateral fue el de la competencia. A medida que la Argentina fue perdiendo poder respecto del Brasil, se 11 Este paradigma se ordenó a partir de las siguiente premisas: a) el no alineamiento con los Estados Unidos que nunca implicó equidistancia entre los bloques; b) el alto perfil en los foros internacionales en defensa de la paz, el desarme y la distensión Este-Oeste; c) el rechazo a organismos y regímenes internacionales que procuran congelar la distribución del poder mundial, particularmente en materia de desarrollo de tecnologías sensibles; d) la oposición al establecimiento de organismos supranacionales que coarten la autonomía y el desarrollo argentinos; e) el impulso a la integración latinoamericana, aunque desde una perspectiva gradualista y asentada en el reconocimiento de la gran diversidad de situaciones económicas nacionales; f) la ejecución de una estrategia de desarrollo orientada a la sustitución de importaciones a nivel nacional y regional como vía principal para superar las vulnerabilidades del modelo tradicional basado en las exportaciones primarias; g) la introducción de reformas en el sistema económico y financiero internacional que contemplen los intereses de los países en desarrollo; y h) la diversificación de los socios comerciales externos sin barreras ideológicas. 12 Para Mann este tipo de comportamiento se da cuando el individuo se conforma porque no percibe otra alternativa realista. Michael Mann, “The Social Cohesion of Liberal Democracy”, en Amercian Sociological Review, Vol. 35, Junio 1970, p. 423-439. 374 brasil-argentinaFIM.pmd 374 5/2/2004, 11:03 comenzó a temer que el destino del país fuese tan solo el de un “socio menor” de Brasilia, una idea que se acompañó, a diferencia de la etapa anterior, por un sentimiento creciente de inferioridad. El inicio del proceso de democratización ayudó a desplazar esta visión de rivalidad por la de socio, aunque las preocupaciones por restringir poder, tanto en términos políticos como económicos, continuaron presentes. Es interesante destacar que en los años de quiebre de los dos primeros modelos se acentuó el debate sobre el lugar de las alianzas exteriores del país; en ambos casos ganaron importancia las visiones, no necesariamente coincidentes, del Brasil como un socio indispensable de la Argentina13 . A partir de los años noventa, puede distinguirse una visión dominante en medios gubernamentales que sitúa a la relación con el Brasil en un lugar subordinado a la relación “especial” con los Estados Unidos y en un plano preferentemente económico/comercial. Más aún, este vínculo con Washington fue concebido como una estrategia de restricción de ciertos objetivos de la política exterior del Brasil que fue considerada en su conjunto como anacrónica. Simultáneamente, también cobró fuerza una visión secundaria que le otorgó al vínculo con el Brasil un valor político crucial no sólo para el desarrollo nacional, sino también para limitar un alineamiento estrecho con Washington. Esta perspectiva ha sido sustentada a lo largo de un amplio abanico que incluye, entre otros, a sectores importantes de los partidos tradicionales (justicialismo y radicalismo) y diversas agrupaciones de centro-izquierda. 13 La imagen del “otro” se vincula a la imagen propia. En este caso, siguiendo a Philippe Le Prestre, lo crucial es observar el entrecruzamiento entre lo que el sistema internacional constriñe y lo que facilita, por un lado, y lo que la identidad nacional impulsa y tolera, por el otro. Como resulta natural un fuerte disenso sobre la identidad nacional dificulta la concreción de los intereses nacionales; lo cual afecta la identificación del rol de un país en el mundo y, consecuentemente, la práctica de su política exterior. Véase, Philippe G. Le Prestre, “Autor! Autor! Defining Foreign Policy Roles after the Cold War”, en Philippe G. Le Prestre (ed.), Role Quests in the Post-Cold War Era: Foreign Policies in Transition, McGill-Queen’s University Press, Montreal, 1997. 375 brasil-argentinaFIM.pmd 375 5/2/2004, 11:03 CUADRO 1: La “visión” del Brasil en la política exterior argentina 376 brasil-argentinaFIM.pmd 376 5/2/2004, 11:03 II. LA RELACIÓN BRASIL ESPECIAL CON GRAN BRETAÑA Y LA VISIÓN DEL Desde 1880 hasta 1930, la Argentina logró un nivel de integración al sistema internacional que no volvería a repetirse. A partir de 1860, pero especialmente en los ochenta, las clases dirigentes del país construyeron un modelo de política exterior que siguió cuatro orientaciones principales: el europeismo, la oposición a los Estados Unidos, el pacifismo y el aislamiento de América Latina14 . Esta última orientación fue una consecuencia directa de la debilidad de los vínculos comerciales del país con la región y se concretó en un rechazo sistemático al establecimiento de esfuerzos asociativos permanentes. La indiferencia económica hacia América Latina incluyó ciertamente al Brasil; país que, por su parte, adoptó una posición similar frente a la Argentina. La baja densidad de la relación económica tuvo su correlato en los campos de la cultura y las ideas. Hacia fines del siglo XIX, García Merou señalaba en su obra El Brasil intelectual que de todas las expresiones intelectuales sudamericanas, “ninguna es tan poco conocida entre nosotros como la del Brasil”15 . Por su parte, Victor Raúl Haya de la Torre opinaba que: “La Reforma Universitaria, que extendió sus fecundas rebeldías a toda Sud América, y llegó hasta Cuba, no conmovió al Brasil. El movimiento antiimperialista y unionista que parte de la Argentina y repercute en (...) Uruguay, Chile, Perú y Colombia, no alcanzó resonancia en el Brasil. Por mucho tiempo nos hemos sentido extraños y alejados”16 Al mismo tiempo, el vertiginoso crecimiento de la Argentina durante los años de apogeo del modelo de la relación especial con Gran Bretaña dio lugar al surgimiento de un sentimiento de superioridad del país respecto del resto de la región. En su registro de impresiones sobre 14 Ver, Gustavo Ferrari, Esquema de la Política Exterior Argentina, Eudeba, Buenos Aires, 1981, capítulo 1 y Juan Carlos Puig, «La política exterior argentina y sus tendencias profundas», en Revista Argentina de Relaciones Internacionales, no 1, 1975. 15 Martín García Merou citado en Liborio Justo, Argentina y Brasil en la integración continental, Centro Editor de América Latina, Buenos Aires, 1983, p. 9. 16 Víctor Haya de la Torre, en Ibid., p. 34-35. 377 brasil-argentinaFIM.pmd 377 5/2/2004, 11:03 la Argentina, Oliveira Lima escribía a fines de la década de 1910: “No descubrí en la Argentina rastro de la animosidad que algunos en el Brasil juzgan una característica de ella. Al contrario, parecióme que predominaba cierta indiferencia elegante, hija tal vez del sentimiento de superioridad, inspirado por la magnitud de sus fuentes de riqueza y por la seguridad de su porvenir fecundo”17 . Para muchos argentinos de la elite la superioridad del país también se expresaba en el plano racial. Para José Ingenieros, por ejemplo, la superioridad racial argentina debía conducir al país a aventajar a sus rivales de la región (el Brasil y Chile) y, además, justificaba el establecimiento de una hegemonía argentina en toda Sudamérica18 . Desde una óptica similar, Luis Tamini, uno de los autores nacionalistas más importantes de ese período, llegó a sostener que “la fe en el porvenir del argentino, su tendencia incoercible a expandirse, su confianza en el trabajo, no las posee el brasileño, y como el hombre es ante todo una fuerza moral, el argentino vale más que el brasileño y lo ha probado ya en la paz y en la guerra”19 . La animosidad hacia el Brasil que Oliveira Lima no advirtió en su visita al país se manifestó sobre todo a partir de fines del siglo XIX y principios del XX por parte de sectores de la clase dirigente argentina que habían hecho suyos los supuestos de la teoría realista en materia de relaciones internacionales entonces en boga en Europa y en menor medida en los Estados Unidos. Por cierto, la indiferencia económica y el aislamiento cultural no tuvieron su equivalente en el plano de la política exterior. La visión del Brasil como rival geopolítico y como amenaza fue compartida por la mayoría de la dirigencia argentina desde los orígenes mismos del país. Esta visión del Brasil se nutrió más del temor a la “expansión territorial” brasileña y al desequilibrio de poder que de los conflictos territoriales que enfrentaron a los dos países durante los años de consolidación de sus respectivos estados nacionales. En los hechos, la rivalidad bilateral se manifestó a partir de la Guerra de la 17 Manuel de Oliveira Lima, en Ibid., p. 37. 18 Citado en Andrés Cisneros y Carlos Escudé (ed.), Historia general de las relaciones exteriores de la República Argentina, Tomo VII, CARI/GEL, Buenos Aires, 1999, p. 136. 19 Luis Tamini, “Corta memoria sobre los medios de llegar pacíficamente a la reconstrucción del Virreinato”, Revista de Derecho, Historia y Letras, Tomo XXXIII, 1909, p. 517. 378 brasil-argentinaFIM.pmd 378 5/2/2004, 11:03 Triple Alianza en la búsqueda de aliados en los países del Cono Sur para atraerlos a una esfera de influencia propia y en el desarrollo de una carrera armamentista. El logro de la supremacía regional y el aislamiento del otro fueron los dos principales objetivos de las políticas exteriores de ambos países hacia la sub-región. Dos de las principales figuras de esa etapa, Juan Bautista Alberdi y Domingo Faustino Sarmiento procuraron diferenciar claramente a la Argentina del Brasil. El autor de las Bases, por ejemplo, consideraba que su “propensión histórica y tradicional a extender sus límites hasta el Plata y sus afluentes” convertía al Brasil en un foco de amenaza a las naciones hispanoamericanas20. La visión del Brasil como rival tuvo su apogeo en la primera década del siglo XX debido a dos motivos principales: la sanción de la Ley de armamentos navales del Brasil (1904) y el desplazamiento del eje de sus relaciones especiales desde Londres a Washington21 . Este cambio de orientación política y económica en la inserción internacional del país vecino fue percibido por la elite brasileña como el más funcional a los intereses del Brasil en esos años. Los Estados Unidos se constituyó en su principal mercado y, al mismo tiempo, en su primer proveedor y financista. Secundariamente, la búsqueda de una “relación especial” con los Estados Unidos apuntó a neutralizar el poderío militar argentino y las amenazas al Brasil que pudieran surgir de una coalición sub-regional liderada por la Argentina. En suma, la lógica del equilibrio de poder en el Cono Sur fue uno de los factores principales que llevaron al Baron do Rio Branco a estrechar las relaciones con Washington. Esta política fue así percibida en Buenos Aires; más aún, muchos dirigentes la vieron como el primer intento de reparto de influencias en el hemisferio. La lógica del equilibrio sub-regional también prevaleció en la mayor parte de los acercamientos bilaterales producidos en esa época. Durante la primera y segunda presidencias de Roca, la Argentina e aproximó al Brasil con el objeto de evitar un segundo frente de conflicto 20 Juan Bautista Alberdi, El Brasil ante la democracia de América, Ediciones Ele, Buenos Aires, 1946, p. 57. 21 José Paradiso, Debates y trayectoria de la política exterior argentina, Grupo Editor Latinoamericano, Buenos Aires, 1993, p. 40. 379 brasil-argentinaFIM.pmd 379 5/2/2004, 11:03 en el Cono Sur y de poner freno a un posible cerco geopolítico, que podría surgir de una eventual alianza Santiago-Rio22 . El propio ABC, generalmente citado como uno de los primeros esfuerzos de cooperación política entre la Argentina, el Brasil y Chile, fue una especie de pequeño concierto a la europea sustentado en la lógica del equilibrio de poder en un contexto en el que se “panamericanizan” las relaciones internacionales en el hemisferio23 . Así, comienza a gestarse un mecanismo de vinculación complementaria en el que la relación argentino-brasileña es percibida como un instrumento para contrapesar una relación estrecha con los Estados Unidos concebida en parte, a su vez, para equilibrar al “otro”. Mónica Hirst y Roberto Russell explican de este modo el funcionamiento de este mecanismo en esta etapa, cuando es el Brasil el país que tiene una “alianza no escrita” con los Estados Unidos: “Ciertamente el Baron do Rio Branco pensaba en el equilibrio de poder con la Argentina cuando propuso la alianza con Estados Unidos, pero su interés en profundizar el ‘pacto ABC’ reflejó también su deseo de consolidar un esquema diplomático complementario destinado a balancear la relación con Washington”24 . Del lado argentino, la visión cooperativa hacia el Brasil de las dos primeras décadas del siglo XX reunió componentes que luego darían sustento a los proyectos de corte autonomista propios del paradigma globalista (convergencia de intereses, complementación económica, contrapeso del poder de los Estados Unidos), pero todavía en el marco de una política pro-europea que fue adquiriendo un carácter cada vez más defensivo frente al avance de los Estados Unidos en América Latina. Así, la Argentina buscó el acuerdo con el Brasil (el caso más notorio fue el de Roque Sáenz Peña, quien pronunció la conocida frase “todo nos une, nada nos separa” en su visita a Río de Janeiro en agosto de 1910) con un doble propósito: estrechar los vínculos económicos 22 Andrés Cisneros y Carlos Escudé, op. cit., Tomo VII, p. 117. 23 El ABC buscaba evitar los enfrentamientos entre los tres países frente al peligro de la intervención de las grandes potencias. Así, la Argentina, el Brasil y Chile se unen para dar respuesta a una corriente intervencionista mundial y para defender el orden “progresista” frente a una América Latina en cambio violento simbolizado por la Revolución Mexicana. Ver, Javier Pérez, “El A.B.C. una respuesta conservadora”, en Todo es historia, n° 211, Noviembre de 1984, p. 64. 24 Monica Hirst y Roberto Russell, Los cambios en el sistema político internacional y el Mercosur, Fundación OSDE, Buenos Aires, 2001, p. 42. 380 brasil-argentinaFIM.pmd 380 5/2/2004, 11:03 bilaterales y formar un bloque sudamericano para oponerse al poder en expansión de Washington25 . La ampliación del sistema democrático argentino producida tras el triunfo del Partido Radical en 1916 no fue acompañada de un cambio significativo en la orientación de la política exterior hacia el Brasil; la proclamada solidaridad latinoamericana del nuevo gobierno se redujo en la práctica al fomento preferencial de los intereses y aspiraciones de los países hispanoamericanos26 . LA CRISIS DEL PARADIGMA DE LA RELACIÓN ESPECIAL Las profundas transformaciones producidas en la política y en la economía mundiales tras la Primera Guerra Mundial pusieron en jaque al modelo agro-exportador para restarle progresivamente toda viabilidad. Luego de 1930, los cambios en el sistema de comercio mundial le asestaron el golpe de gracia y tornaron vanos los esfuerzos realizados para recrear la antigua bilateralidad con Gran Bretaña. El fin del modelo desató un debate sobre las alianzas que deberían favorecerse (Europa-Estados Unidos o, más tibiamente, América Latina), el grado de apertura de la economía al comercio exterior, el desarrollo del mercado interno y las estrategias de industrialización27 . Quienes más se habían beneficiado del modelo durante casi medio siglo, todavía pensaban en la década de 1940 que se podía “volver a la normalidad”, una aspiración definitivamente sepultada durante el primer gobierno de Perón. Otras voces, todavía en franca minoría, postulaban una vinculación estrecha con Washington considerada necesaria tanto por razones políticas y de mercado como para sustentar el crecimiento de las industrias “naturales”, es decir; las que elaboran materias primas 25 Según Camilión, “cuando esa frase se dijo, lo que unía a Brasil y a la Argentina era una dependencia absoluta dentro del esquema clásico de la división internacional del trabajo”. Oscar Camilión, “Relaciones argentino-brasileñas”, en Estrategia, n° 21, Marzo-Abril 1973, p. 48. 26 Lucio Moreno Quintana, La diplomacia de Irigoyen, Ediciones Inca, La Plata, 1928, p. 397. 27 Ver, José Paradiso, op. cit., cap. X. 381 brasil-argentinaFIM.pmd 381 5/2/2004, 11:03 locales de manera eficiente y, por ello, con capacidad de competir en los mercados externos. Los partidarios de esta posición también asignaban un lugar de importancia a América latina y en particular al Brasil, debido a la necesidad de superar la estrechez del mercado interno y de diversificar los externos. Sin duda, la voz más representativa de esta visión fue la de Federico Pinedo. Inspirado en las ideas ya desarrolladas, entre otros, por Alejandro Bunge y por Ricardo Pillado durante la primera década del siglo XX, Pinedo propuso una asociación íntima con el Brasil en materia económica asentada no sólo en la complementariedad de ambas economías sino también en una “cuantiosa y creciente producción futura” 28 . Para Pinedo esta asociación debería armonizarse “con los intereses de las potencias o grupos de potencias con los cuales nuestros pueblos tienen hoy y probablemente continuarán teniendo por un tiempo, vinculaciones económicas más considerables que entre nosotros mismos”29 . Estas ideas, que no cuajaron en su época, inducían a forjar una alianza social y política interna mucho más amplia que la elite gobernante no estuvo dispuesta a llevar a cabo30 . En una vertiente más política y proponiendo otro tipo de alianzas sociales, algunas voces expresaron la visión cooperativa desde un ángulo distinto: el de la comunidad de origen y de la condición común del subdesarrollo. Para estos autores, la rivalidad con el Brasil sólo servía para hacerle el juego a los intereses externos e internos empeñados en profundizar las diferencias en el mundo en desarrollo. En contra de las visiones que enfatizaban la superioridad cultural y racial de la Argentina, esta visión se inspiró en trabajos realizados a principios de siglo por escritores como Manuel Ugarte quien así opinaba en su libro El Porvenir de América Latina: “Los sudamericanos de origen portugués y los de origen español han pasado por idénticos trances, se 28 Federico Pinedo, La Argentina en la vorágine, Ediciones Mundo Forense, Buenos Aires, 1943, p. 112. 29 Ibid, p. 76. 30 Acerca de la incapacidad de las clases dirigentes tradicionales para recrear una nueva hegemonía ver, Juan José Llach, “El Plan Pinedo de 1940, su significado histórico y los orígenes de la economía política del peronismo”, en Desarrollo Económico, Vol. 23 no 92, Enero-Marzo 1984. 382 brasil-argentinaFIM.pmd 382 5/2/2004, 11:03 han modificado al influjo de una misma naturaleza virgen y han sufrido la influencia de inmigraciones equivalentes. Las discrepancias iniciales, lejos de agravarse, se atenúan. Además, iguales peligros, paralelas esperanzas y un porvenir común empujan a las nuevas repúblicas en un grupo estrecho por un camino único. El Brasil forma parte integrante del haz hispanoamericano y su destino como nación es inseparable del resto del Continente... Las querellas históricas y las diferenciaciones secundarias desaparecen ante las vastas perspectivas y los problemas vitales que se abren ante nosotros al comenzar el siglo”31 . Durante los años 30 y principios de los 40, la Argentina y el Brasil tuvieron un rol activo en la mediación de conflictos producidos en América del Sur32 . Sin embargo, las diferencias diplomáticas que se habían producido en el marco panamericano y durante la Primera Guerra Mundial, con la Argentina neutral y el Brasil aliado a la Triple Entente, se profundizaron en los años siguientes, particularmente durante la Segunda Guerra Mundial. La preocupación por el equilibrio sub-regional y la competencia por la influencia en los países vecinos seguía modelando la visión del otro al tiempo que la Argentina acentuaba su neutralidad y el Brasil consolidaba su alineamiento con los Estados Unidos. Esto último dio lugar al surgimiento en la Argentina de una nueva visión del Brasil, inscripta en la lógica de la rivalidad geopolítica, como “país llave” de la acción futura norteamericana en el continente. Según lo explica la dirección de una revista que tendría mucha influencia en los años setenta en la configuración de las visiones del Brasil: “se entiende por ‘país llave’ el que, dentro de una región determinada puede servir de pivote a la política de poder de una gran potencia, la cual le otorga prioridad en sus programas de ayuda y asistencia económica, militar, etc.”33 Simultáneamente, vertientes del nacionalismo de inspiración católica y tradicionalista seguían enfatizando la rivalidad con el Brasil por el dominio de América del Sur. En uno de sus manifiestos el G.O.U. 31 Manuel Ugarte, El porvenir de América Latina, Editorial Indoamérica, Buenos Aires, 1953, p. 25. 32 Bolivia y Paraguay (1932-1935), Perú y Colombia (1933-1934) y Perú y Ecuador (1941). 33 Ver, Dirección de Estrategia, “Relaciones argentino-brasileñas”, en Estrategia, n° 5, EneroFebrero 1970, p. 49. 383 brasil-argentinaFIM.pmd 383 5/2/2004, 11:03 sostenía: “En Sudamérica existen sólo dos naciones lo suficientemente grandes y fuertes como para hacerse cargo de la hegemonía: la Argentina y el Brasil. Es nuestra misión hacer que la hegemonía de la Argentina sea, no sólo posible, sino indispensable. Las alianzas serán nuestro próximo paso. Paraguay ya está con nosotros. Conseguiremos a Bolivia y Chile. Juntos y unidos con estos países, nos será fácil ejercer presión sobre el Uruguay. Estas cinco naciones pueden atraer fácilmente al Brasil, debido a su tipo de gobierno y a sus importantes grupos de alemanes. Una vez que el Brasil haya caído, el continente sudamericano será nuestro”34 . III. EL PARADIGMA GLOBALISTA. MÁS ÉNFASIS EN LA COMPETENCIA QUE EN LA COOPERACIÓN A partir del fin de la Segunda Guerra Mundial, las circunstancias mundiales y de la Argentina fueron dando forma a un nuevo paradigma de la política exterior que desplazó al de la relación especial con Gran Bretaña para convertirse en el principal cuadro de referencia de la acción internacional del país. Este paradigma, que denominamos “globalista”35 , respondió a una nueva realidad externa e interna signada por las polaridades Este-Oeste y Norte-Sur y por la necesidad del país de poner en marcha una nueva estrategia de desarrollo que abrazó, con más o con menos y hasta mediados de los setenta, el sistema de creencias de cuño nacionalista-desarrollista en boga durante esos años en América Latina36. Hacia afuera, el paradigma globalista exigió la puesta en práctica de una diplomacia más sofisticada que la requerida por el de la relación especial con Gran Bretaña. Hacia adentro, procuró responder a las demandas crecientes de un país mucho más complejo que el de los años de apogeo 34 Edwin Liewen, Armas y política en América Latina, Editorial Sur, Buenos Aires, 1960, p. 92. 35 Del mismo modo, Soares de Lima denominó al paradigma de política exterior que orientó la política exterior del Brasil desde fines de los ‘50 y principios de los ‘60 hasta la década del ‘90. Ver, María Regina Soares de Lima, “Ejes analíticos y conflicto de paradigmas en la política exterior brasileña», en America Latina/Internacional, Nueva Época, Vol. 1 no. 2, 1994. 36 Durante los años del denominado Proceso de Reorganización Nacional (1976-1983), la puesta en marcha de una nueva política económica orientada hacia afuera no derivó en una revisión profunda de la acción internacional del país, que siguió en líneas gruesas las premisas del paradigma globalista, si bien a los tumbos y con muchas diferencias dentro del grupo gobernante. 384 brasil-argentinaFIM.pmd 384 5/2/2004, 11:03 del modelo agro-exportador. A pesar de que sus premisas fueron compartidas por la mayoría de las fuerzas políticas y económicas, de los militares y de la sociedad argentina, nunca pudo plasmarse con la facilidad ni los niveles de consenso que alcanzó el paradigma de inserción internacional de la Argentina “próspera”. A derecha e izquierda del espectro político, fue acosado por quienes favorecieron otros dos paradigmas alternativos: el de la relación de preferencia con una gran potencia, esta vez con los Estados Unidos, y el paradigma secesionista que proponía, desde una vereda opuesta, el antagonismo con Washington, la militancia activa con las causas políticas y económicas del Tercer Mundo y un mayor acercamiento a la Unión Soviética que, sin embargo, nunca significó el alineamiento de la Argentina con los objetivos estratégicos y políticos globales de Moscú37 . En el eje Este-Oeste, la Argentina se definió como un país occidental aunque todos los gobiernos, incluso aquellos que mostraron una inequívoca voluntad de estrechar filas con los Estados Unidos, procuraron mantener espacios de decisión propia frente a las demandas y presiones de Washington. La profundización de la dependencia económica del país con respecto a los Estados Unidos desde fines de los cuarenta atenuó en ocasiones este perfil autonomista, pero jamás lo puso en la retaguardia. De todos modos, los gobiernos argentinos se mostraron menos dispuestos a confrontar con los Estados Unidos que en la etapa de predominio del paradigma de la relación especial con Gran Bretaña, acaso más forzados por la necesidad que por convicción. Más aún, el mayor acercamiento económico a los Estados Unidos fue generalmente justificado desde un “nacionalismo de fines” y, en la práctica, acompañado de políticas compensatorias hacia América Latina, Europa Occidental y los países socialistas y de medidas dirigidas a obstaculizar aspiraciones estadounidenses, particularmente en el plano hemisférico. Desde la Tercera Posición, el tercermundismo, el desarrollismo 37 El primer paradigma ocupó un espacio significativo en la orientación de la política exterior de la Revolución Libertadora (1955-1958), del gobierno de José María Guido (1962-1963) y del período de Leopoldo Fortunato Galtieri en la etapa pre-Malvinas (diciembre 1981-marzo 1982). El segundo inspiró la acción efímera de los sectores del peronismo de izquierda que controlaron la Cancillería durante el breve período de Héctor José Cámpora. 385 brasil-argentinaFIM.pmd 385 5/2/2004, 11:03 o el no alineamiento, la política exterior de la Argentina cuestionó, con distinto énfasis según los momentos, las asimetrías del orden internacional y las políticas tendientes al statu quo e intervencionistas de las grandes potencias. También propuso reformas al orden económico internacional con el objeto de reducir la sensibilidad y vulnerabilidad del país al medio externo. En el ámbito de las relaciones Sur-Sur, la Argentina dio prioridad a los vínculos horizontales con sus vecinos, aunque no logró establecer un patrón de relaciones duradero capaz de vencer antiguos recelos en el Cono Sur. Las políticas dirigidas a fortalecer la cooperación regional para encarar con criterios comunes los temas internacionales y los problemas del subdesarrollado fueron superadas por los enfoques de política de poder que enfatizaban la competencia y la lucha por la influencia en el ámbito sub-regional. Ya con Perón, a fines de 1940 y principios de la década del 50, los esfuerzos para construir un bloque económico sudamericano pusieron de manifiesto esta situación ambigua. Acciones genuinas orientadas al fortalecimiento de la autonomía regional mediante la constitución de uniones aduaneras y otras formas de complementación económica fueron acompañadas por una indudable ambición política de convertir a la Argentina y al movimiento peronista en el eje de este proyecto en un momento en que, además, el país no tenía las condiciones para enfrentar los costos económicos propios de todo liderazgo internacional. En el balance final, la política latinoamericana del peronismo produjo más rechazos que adhesiones y fue vista en los países vecinos más como un intento expansionista que como un proyecto verdaderamente cooperativo. La causa latinoamericana impulsada por Perón nunca logró entusiasmar a los gobernantes brasileños que la vieron no sólo con escepticismo y desconfianza sino como una amenaza a su relación especial con los Estados Unidos. Para Perón los principales obstáculos a la política de cooperación con el Brasil se encontraban en la Cancillería brasileña, que estimaba toda unión con la Argentina como un acto inamistoso frente a los Estados Unidos, y en las fuerzas armadas imbuidas de una doctrina estratégica que ponía el acento en la rivalidad geopolítica con nuestro país 38 . En sus propias palabras: “Debe 38 Juan A. Lanús, De Chapultepec al Beagle. Política exterior argentina 1945-1980, Edición Emecé, Buenos Aires, 1984, p. 297 y 298. 386 brasil-argentinaFIM.pmd 386 5/2/2004, 11:03 desmontarse todo el sistema de Itamaraty y deben desaparecer esas excrecencias imperiales que constituyen más que ninguna otra razón los principales obstáculos para que el Brasil entre a una unión verdadera con la Argentina”39 . Hacia fines de los cincuenta, visiones compartidas sobre la realidad regional y mundial posibilitaron un acercamiento inédito entre la Argentina y el Brasil. El paso más importante, dirigido a cambiar el signo de la relación bilateral para pasar de la competencia por la influencia sub-regional a la cooperación, fue la firma de los acuerdos de Uruguayana el 22 de abril de 1961 por los presidentes Arturo Frondizi y Janio Quadros, cuyo principal objetivo fue coordinar una acción internacional común frente a los grandes centros de poder mundial como así también en distintos foros internacionales. El propósito de los dos presidentes era el de extender este “espíritu de Uruguayana” a otros países del Cono Sur, en especial a Chile. A pesar de su indudable importancia, la aproximación argentina al Brasil se circunscribió a la concertación política debido al temor de Frondizi a que la integración económica con ese país pudiera, sin antes consolidar la integración nacional de la Argentina, generar una nueva división internacional del trabajo que reservara a este país el rol de proveedora de bienes primarios. La inquietud del líder desarrollista se fundaba en las ventajas que el Brasil ya había sacado a la Argentina en el sector industrial desde mediados de los cincuenta. Estos esfuerzos cooperativos quedaron truncos por la situación política interna en los dos países. Durante el breve gobierno de Arturo Illia (1963-1966) no hubo espacio para una vinculación selectiva con el Brasil como la propuesta por el desarrollismo frondizista. El nuevo presidente, fiel a la tradición yrigoyenista de oposición a la formación de bloques parciales en América Latina, propugnó una política de tipo “latinoamericanista” que no fue mucho más allá, en el plano bilateral, de la mera enumeración de coincidencias y de buenas intenciones40 . 39 Párrafo de la disertación del presidente Juan D. Perón en la Escuela Nacional de Guerra, 11 de noviembre de 1953, citado en Ibid, p. 288. 40 Andrés Cisneros y Carlos Escudé, op. cit., Tomo XIII, p. 446. 387 brasil-argentinaFIM.pmd 387 5/2/2004, 11:03 La agenda de política exterior de la Revolución Argentina (19661973) hacia la región fue dominada por una creciente preocupación sobre la marcha ascendente del Brasil, que se reflejaba en el incremento de su gravitación política y económica en América del Sur. El temor al “expansionismo brasileño” y al aislamiento en la Cuenca del Plata impulsó a los gobiernos argentinos durante la década del setenta a procurar un acercamiento hacia el Pacífico desde una matriz geopolítica que compartieron civiles y militares. La relación con el país vecino se definió en clave de rivalidad desde dos vertientes: la geopolítica, que ponía el acento en el desequilibrio del poder entre ambos países con una indisimulada envidia por los resultados del “milagro brasileño”; y la teoría de la dependencia, que destacaba el peligro del “subimperialismo brasileño” en la Cuenca del Plata y el papel del Brasil, a partir de una alianza privilegiada con Washington, de gendarme de los Estados Unidos en la sub-región41 . Los éxitos brasileños fueron vistos como la consecuencia natural de una acción política metódica, perseverante y eficaz ejecutada por un Estado que había logrado definir con precisión los intereses nacionales. Esta situación se contrastaba con la del propio país, sin rumbo claro y marcado por una profunda inestabilidad política. En el plano específico de la política exterior, se destacaba la creatividad y empuje de Itamaraty frente al inmovilismo y la ineficiencia de la diplomacia argentina. En este contexto creció una vasta literatura geopolítica que destacó los riesgos para el país que emanaban del creciente desequilibrio 41 El tema principal que dividió a los dos países fue el de la utilización del potencial energético de los ríos de uso compartido - más específicamente, la disputa sobre la central hidroeléctrica que terminaría construyéndose en Itaipú - y dio lugar a un áspero enfrentamiento que trascendió el plano bilateral. Más aún, el tercer gobierno peronista (1973-1976) decidió el ingreso de la Argentina al Movimiento No Alineados en septiembre de 1973 y los militares que condujeron el Proceso se quedaron en ese foro, entre otras razones de importancia (además de la búsqueda de apoyo a la cuestión Malvinas) por considerar que ofrecía un ámbito importante para defender la tesis argentina sustentada en la necesidad de acudir a la “consulta previa” entre países que comparten un río de curso sucesivo con el objeto de evitar perjuicios a los de aguas abajo. Por su parte, el Brasil consideraba que la Argentina utilizaba su posición como un pretexto para impedir la realización de obras hidroeléctricas que eran vitales para su desarrollo económico y puso en práctica una política de hechos consumados. 388 brasil-argentinaFIM.pmd 388 5/2/2004, 11:03 de poder con el Brasil. Esta literatura reflejó dos visiones distintas: Por un lado, se puso el acento en la rivalidad y el conflicto, recreando la antigua competencia geopolítica. Temas tales como la cuestión de las “fronteras vivas”, el innato impulso brasileño para expandir el espacio geoeconómico y la necesidad de desarrollar “operaciones de contracerco” para aislar al Brasil y aumentar la influencia argentina en los países vecinos aparecen permanente en estos escritos42 . Por otro lado, una segunda visión enfatizó la necesidad común de superar “definitivamente el subdesarrollo” como la principal variable para definir “las respectivas políticas nacionales y la consecuente relación bilateral entre los dos países”43 . Desde este punto de vista, “queda claro que la cooperación, en particular frente a los factores externos, puede redituar muchas más ventajas que la disputa, la prevención o simplemente las trabas a los requerimientos del otro”44 . Así, se prescribe la conveniencia de consolidar un área de poder en el Cono Sur que multiplique la capacidad negociadora de ambos países y lleva a cabo acciones comunes ante los organismos económicos y financieros internacionales. Para esta literatura, la alianza propuesta no apuntaba tan sólo a enfrentar amenazas y problemas comunes sino que también procuraba funcionar como un pacto de restricción del poder brasileño en una circunstancia de creciente disparidad45 . Fuera de la matriz geopolítica, se publicaron en esta misma época trabajos más elaborados basados en una visión cooperativa. Estos escritos pusieron el acento en la semejanza de las situaciones nacionales, derivadas de la geografía y de experiencias históricas com42 Ver, por ejemplo, Nicolás Boscovich, “Análisis comparativo: Argentina y Brasil en el espacio geoeconómico del ‘Cono Sur’”, en Estrategia, N° 31/2, Noviembre-Diciembre 1974/ EneroFebrero 1975 y Florencio Díaz Loza, “Geopolítica del Brasil”, en Estrategia, n° 29, Julio-Agosto 1974. 43 Dirección de Estrategia, op. cit., p. 52. 44 Ibid, p. 52. 45 Acerca del papel de las alianzas para restringir a los socios ver, Paul W. Schroeder, “Alliances, 1815-1945: Weapons of Power and Tools of Management”, en Klaus Knorr (ed.) Historical Dimensions of National Security Problems, University Press of Kansas, Lawrence, 1975; George Liska, Nations in Alliance: The Limits of Interdependence, The Johns Hopkins University Press, Baltimore, 1967 y George Liska, Alliances and the Third World, The Johns Hopkins University Press, Baltimore, 1968. 389 brasil-argentinaFIM.pmd 389 5/2/2004, 11:03 partidas, y en perspectivas comunes sobre la posición y el papel de los dos países en el escenario internacional. Para autores como Celso Lafer y Félix Peña, esta perspectiva común podía ser “la base de una identificación de políticas exteriores” y el fundamento para realizar esfuerzos conjuntos en el plano internacional46 . Por su parte, desde la teoría de la dependencia el Brasil fue visto como un “contramodelo”, como un país que parecía sentirse cómodo en su situación de subordinación a los Estados Unidos47 . Esta visión fue duramente cuestionada por los desarrollistas argentinos48 . Vale la pena incluir aquí un párrafo extenso de un artículo de Oscar Camilión escrito en mayo de 1973 que sintetiza los aspectos que sustentaban esta visión alternativa: “Debe tenerse presente, por otra parte, que aunque sea cierto que el Brasil haya fortalecido hoy sus vínculos tradicionales con Estados Unidos y aunque nadie pueda negar la contradicción que existe entre algunos objetivos perseguidos en el Brasil por las grandes corporaciones y el interés nacional brasileño a largo plazo, esos son aspectos parciales de un cuadro total. Ese cuadro debe registrar el indudable aumento del potencial del Brasil y los significativos progresos de todo orden operados en los últimos años. Tales progresos, sólo posibles con el ‘modelo’ brasileño en un país como el Brasil, tienen también un potencial liberador a largo plazo nada desdeñable. La imagen simplificadora que considera a los generales brasileños como meros delegados de un poder exterior es una mala caricatura. Dicho sea de paso, un sector decisivo de los problemas reales de carácter bilateral que enfrentan hoy al Brasil y a la Argentina resulta del ritmo con que nuestros vecinos promueven su política nacional de desarrollo económico”49 . Luego de muchas idas y venidas, las diferencias con el Brasil por la cuestión de las represas hidroeléctricas se destrabaron con la firma del Acuerdo Tripartito sobre Corpus-Itaipú del 19 de octubre de 1979 entre la Argentina, el Brasil y el Paraguay, que abrió interesantes 46 Celso Lafer y Félix Peña, Argentina e Brasil no sistema das relacoes internacionais, Livraria Duas Cidades, Sao Paulo, 1973, p. 29. 47 José Paradiso, op. cit., p. 163. 48 Ibid, p. 162-164. 49 Oscar Camilión, op. cit., p. 45. 390 brasil-argentinaFIM.pmd 390 5/2/2004, 11:03 perspectivas para avanzar en el terreno de la cooperación. Poco después la Argentina y el Brasil firmaron en Buenos Aires el 17 de mayo de 1980 un acuerdo de cooperación para el desarrollo y la aplicación de los usos pacíficos de la energía nuclear. Para esa época, el Brasil ya había dejado de ser la hipótesis de conflicto prioritaria para el pensamiento estratégico militar argentino. “Tanto el despliegue militar respecto a Chile adoptado a fines de 1978, como el desarrollado con motivo de la Guerra de Malvinas, se realizan descartando la posibilidad de que el Brasil tuviera algún tipo de participación hostil hacia la Argentina”50 . La inclusión de la democracia como un aspecto de la política exterior abrió un nuevo capítulo en la inserción internacional de la Argentina y en la relación con el Brasil a partir del gobierno de Raúl Alfonsín (19831989). El gobierno radical asumió que la Argentina debía desempeñar un papel activo en la cuestión Norte-Sur dada la pertenencia «estructural» del país al mundo en vías de desarrollo. América Latina en general y los países vecinos en particular, fueron el escenario donde se pusieron en práctica iniciativas y políticas de cooperación, integración y concertación. Indudablemente, el ejemplo más claro de esta política de aproximación a la región fue el proceso de integración con el Brasil iniciado a mediados de la década del ochenta que encontró en la simultaneidad de la transición democrática de ambos países la causa de su mayor impulso. De esta manera, se profundizó la tendencia hacia el acercamiento bilateral iniciada en 1979 y que se afianzó, con una serie de pasos importantes, entre los que cabe mencionar, las gestiones diplomáticas del Brasil en favor de los derechos argentinos sobre Malvinas y la coordinación de posiciones en foros tales como la Asamblea General de Naciones Unidas, la UNCTAD y el GATT51 . Del mismo modo, la crisis de la deuda, el proteccionismo comercial del mundo industrializado, la necesidad de preservar la región del conflicto Este-Oeste operaron como elementos aglutinantes, rescatando (en especial, del lado argentino) la imagen de la capacidad de “arrastre” en términos de la 50 Rosendo Fraga, “Una visión política del Mercosur”, en Jorge Campbell (ed.), Mercosur entre la realidad y la utopía, Grupo Editor Latinoamericano, Buenos Aires, 1999 , p. 272. 51 El Brasil se solidarizó con la Argentina durante la Guerra de Malvinas, aunque no estuvo de acuerdo con la acción armada. 391 brasil-argentinaFIM.pmd 391 5/2/2004, 11:03 autonomía individual y colectiva del entendimiento previo y solidario de la Argentina y el Brasil. En esta última fase del paradigma globalista, la visión cooperativa del Brasil se convierte claramente en la predominante. De la competencia se pasa gradualmente a la construcción de una sociedad, a la que se concibe como un proyecto de carácter estratégico para consolidar el proceso democrático en ambos países, resguardar la soberanía nacional, impulsar el desarrollo argentino en complementaridad con el del Brasil y reunir masa crítica para ampliar la capacidad de negociación internacional. IV. EL PARADIGMA DE LA “AQUIESCENCIA PRAGMÁTICA” Cuando Carlos Saúl Menem asumió la presidencia de la Argentina en julio de 1989, el mundo y el país vivían circunstancias muy distintas a las que habían caracterizado la primera etapa de la transición a la democracia conducida por Raúl Alfonsín. En el orden externo, la Guerra Fría se desvanecía, la globalización económica se extendía y profundizaba, el proceso de democratización, en distintas fases, comprendía a todo el Cono Sur, la crisis de América Central se había aplacado, y en buena medida solucionado, y la cuestión de la deuda externa estaba encuadrada en un marco de negociación provisto por los gobiernos de los países acreedores y los organismos multilaterales de crédito. En el plano interno, la crisis hiperinflacionaria de 1989 produjo el fin anticipado del gobierno de Alfonsín, los reclamos propios de los primeros años de la recuperación democrática-la defensa de los derechos humanos y la vigencia de las libertades públicas – habían pasado a un segundo lugar y las principales demandas sociales se moldeaban al calor de la crisis económica. En este contexto, el gobierno de Menem definió el interés nacional en términos de desarrollo económico, algo que fue mucho más que una mera adecuación al fin de la Guerra Fría o la globalización creciente de la economía. Estos procesos han afectado a América Latina más o menos por igual y llevado a la mayoría de los países de la región a definir sus políticas exteriores en clave económico-comercial. 392 brasil-argentinaFIM.pmd 392 5/2/2004, 11:03 Sin embargo, en el caso de la Argentina hubo tres variables específicas que influyeron de manera importante en el rumbo adoptado. Primero, la firme percepción del gobierno de Menem de que era necesario poner fin a la oposición tradicional a Estados Unidos. La confrontación de naturaleza política con este país fue considerada una estrategia inútil, además de un indudable escollo para alcanzar los objetivos económicos propuestos52 . Segundo, el escaso o nulo poder de los militares para influir en temas de política exterior (a diferencia de lo que sucedía en países como el Brasil o Chile) como consecuencia de su fracaso en la gestión del gobierno y de la derrota de Malvinas. Ambas desataron una transición a la democracia por colapso que posibilitó subordinar, en forma creciente, las fuerzas armadas al poder civil. Y tercero, la creencia del gobierno de Menem – compartida por vastos sectores sociales – de que la construcción de una estrecha alianza política y económica con los países occidentales era una condición necesaria de la inserción exitosa de la Argentina en el orden mundial de la posguerra fría53 . En forma persistente, se sostuvo que esta orientación de la política exterior era la que correspondía naturalmente a un país como la Argentina. Apelamos a palabras de Di Tella: “Lo que se ha hecho desde 1989 hasta ahora fue devolver al país a su posicionamiento normal, a las alianzas que le corresponden tanto por su historia como por vocación e interés. Esto significa cooperación con los 52 El discurso oficial, criticó expresamente al «confrontacionismo inútil» del gobierno de Alfonsín, aunque se reconoció que este tipo de actitudes había caracterizado a todos lo gobiernos argentinos en el pasado, incluidos, desde luego, los peronistas. 53 Según un estudio de principios de los noventa acerca de la política exterior argentina y la opinión pública realizado por Mora y Araujo, Di Rado y Montoya, “los argentinos hemos experimentado un cambio en la manera de pensar respecto de aquellos países con los que nos gustaría estrechar lazos de unión. Las preferencias del público en 1985 se orientaban claramente hacia los países de América Latina, seguidas por el grupo de países desarrollados de Occidente (Estados Unidos, Japón y Europa Occidental). En 1987 la situación se invierte y este grupo de países pasa a ocupar el primer lugar en las preferencias, seguido por América Latina. Desde ese momento y de manera progresiva la opiniones a favor de Estados Unidos, Japón y Europa Occidental fueron cada vez más favorables en detrimento de las adhesiones hacia el conjunto de países latinoamericanos. En la actualidad (1992) estrechar vínculos prioritarios con los países del ‘primer mundo’ es preferido por el 70% de la población, mientras el 15% prefiere América Latina...Dentro de este bloque de países del ‘primer mundo’, Estados Unidos es el que genera mayor grado de adhesión (45%)”. Manuel Mora y Araujo, Graciela Di Rado y Paula Montoya, “La política exterior y la opinión pública argentina”, en Roberto Russell (ed.), La política exterior argentina en el nuevo orden mundial, Grupo Editor Latinoamericano, Buenos Aires, 1992, p. 239. 393 brasil-argentinaFIM.pmd 393 5/2/2004, 11:03 países de la región y firme ubicación en Occidente, compartiendo los valores democráticos, el respeto a los derechos humanos, la economía de mercado y el comercio libre y abierto”54 . Las prioridades económicas también determinaron la definición de un primer círculo de países a los que se otorgó preferencia: los Estados Unidos, los países miembros de la Unión Europea y los que conforman el Mercosur, más Chile y Bolivia. De este modo, el alto perfil en otras áreas del mundo, como la participación en la Guerra del Golfo y en la crisis de Haití, se explica por razones que tuvieron que ver con el diseño de políticas dirigidas a los países del círculo preferido, en especial a los Estados Unidos. En breve, el gobierno de Menem se propuso recuperar posiciones perdidas en el sistema internacional y una identidad, que en su percepción, se había extraviado en pos de causas equivocadas y ajenas. El declarado retorno a la normalidad significaba un doble regreso al pasado con la mirada puesta en “otra” Argentina, y en “otro” Brasil, el país que fuera un firme aliado de los Estados Unidos. Respecto a lo primero se apeló a la imagen de la Argentina próspera de fines del siglo XIX y primeras décadas del XX y al proyecto nacional e internacional de la generación que construyó aquel país y lo insertó exitosamente en el mundo. En cuanto al Brasil como modelo de política exterior, se recurrió a la imagen del Brasil que optó por el alineamiento con los Estados Unidos en la Segunda Guerra Mundial, esto es; un “otro” del pasado, no del presente. Aquel Brasil era visto en términos laudatorios -a diferencia de lo que ocurrió en su momento histórico – , mientras que el actual era percibido con preocupación. Su relativo distanciamiento de los Estados Unidos y la búsqueda de mayor poder e influencia externas eran considerados como ejemplos del tipo de políticas que, precisamente, debían evitarse tanto por su anacronismo como por haber contribuido significativamente a la declinación del país. La Argentina, que nunca miró con buenos ojos el acercamiento histórico del Brasil a Washington, procuraba en los noventa imitar al Brasil de ayer pero no al de hoy. Se prefería el Brasil del statu quo, el “políticamente correcto” de antaño, el país “lúcido” que supo entender, adaptarse y aprovechar las grandes transformaciones del orden mundial. El Brasil contemporáneo era 54 Guido Di Tella, “Prólogo”, en Andrés Cisneros (comp.) Política Exterior Argentina 1989-1999. Historia de un éxito, Nuevo Hacer, Buenos Aires, 1998, p. 15 394 brasil-argentinaFIM.pmd 394 5/2/2004, 11:03 percibido como “políticamente incorrecto”; más aun como un poder revisionista55 y económicamente volátil. Por ello, la Argentina debía insistir en la búsqueda de una “relación especial” con Estados Unidos y en promover la diversificación de su comercio internacional porque, de lo contrario, “compraría” del Brasil “riesgo e inestabilidad”56 . Tanto la mirada hacia la Argentina de finales del siglo XIX como la dirigida al Brasil de la primera mitad del siglo XX indicaban una visión nostálgica, estática y simplista del pasado. El destino del país parecía estar atrás y no adelante. En ese caso, como dijera Wallace, “the past becomes an obstacle to the pursuit of altered objectives in changed circumstances”57 . Adicionalmente, el Brasil aparecía en la política internacional de Menem como un modelo de estilo diplomático. De allí el énfasis en el carácter pragmático de la nueva política exterior argentina, presuntamente idéntico al talante brasileño 58 . Ahora bien, los “pragmatismos” del Brasil y la Argentina no son equiparables. El “pragmatismo responsable”, en la formulación de 1974 del canciller brasileño Francisco Antonio Azeredo da Silveira, fue muy distinto de la política de “aquiescencia pragmática” seguida por la Argentina desde 1989 en adelante. Brasilia optó por una estrategia de gradual desalineamiento respecto a Washington, mientras que Buenos Aires escogió el alineamiento. En términos de actitud, el Brasil adoptó una conducta 55 Los “revisionist states—variously called imperialist, expansive, revolutionary, have-nots, aggressor, or unsatiated powers—are those states that sep to increase, not just sep, their resources...Thus, they often share a common desire to overturn the statu quo order—the prestige, resources, and principles of the system”. Randall L. Schweller, “Hitler’s Tripolar Strategy for World Conquest”, en Jack Snyder y Robert Jervis (eds.), Coping with Complexity in the International System, Westview Press, Boulder, 1993, p. 211. 56 Felipe de la Balze, “El destino del Mercosur: Entre la unión aduanera y la ‘integración imperfecta’”, en Felipe de la Balze (comp.), El futuro del Mercosur: Entre la retórica y el realismo, ABA/CARI, Buenos Aires, 2000, p. 62. 57 William Wallace, “Foreign Policy and National Identity in the United Kingdom”, en International Affairs, Vol. 67, no 1, Enero 1991, p. 70. 58 La idea de pragmatismo en política exterior encierra varias connotaciones. Puede indicar la existencia de una política carente de principios o ajena a la defensa de principios básicos; una política ad hoc movida por las circunstancias cambiantes; una política práctica, instrumental o utilitaria; una política centrada en las razones de conveniencia; una política orientada al problem solving; una política incremental y prudente; una política consistente que persiste en un curso de acción determinado; una política que parte del escepticismo y descansa en respuestas racionales; una política que confía en que lo que se impone es lo verdadero; etc. 395 brasil-argentinaFIM.pmd 395 5/2/2004, 11:03 moderada y flexible, mientras que la Argentina privilegió la sobreactuación y la rigidez. En términos de vocación, Brasilia pretendió una mayor proyección en los ámbitos multilaterales con un espíritu más ecuménico; al tiempo que la Argentina adoptó una posición firmemente prooccidental59 . El Brasil persistió en otorgarle un rol crucial al Estado y a su fortalecimiento en relación a la política internacional (y doméstica) mientras que la Argentina confió en que el mercado, casi mecánicamente, le asignaría al país un lugar significativo en los asuntos mundiales60 . Las referencias al pragmatismo, además, pretendían oscurecer la naturaleza ideológica de toda escogencia de un rumbo de acción político. Una opción ideológica implica un conjunto integrado de representaciones, valores y pensamientos que movilizan un determinado comportamiento. Y en esa dirección, la política exterior argentina de los noventa fue tan ideológica como cualquier otra. En cuanto al modelo de inserción, el Brasil, junto a los Estados Unidos, fue un “otro” esencial. Si bien se hicieron innumerables referencias conceptuales al equilibrado “triángulo” Argentina-Brasil-Estados Unidos en el diseño y práctica de la política exterior argentina, lo cierto es que jamás se pensó o aplicó una política que se sustentara en una visión de lados idénticos. En breve, nunca se trató de un triángulo equilátero: lo que primó fue un esquema de dos vinculaciones diferenciadas y asimétricas. Se buscó un alineamiento completo y categórico con los Estados Unidos y con el Brasil se pretendió una alianza limitada y contingente. Dicha modalidad de comportamiento se explica mejor evaluando las condiciones internas que lo facilitaron dado que no era inexorable que la Argentina adopara la conducta específica que finalmente siguió. El Brasil fue visto instrumentalmente como una contraparte funcional en términos económicos y disfuncional en términos políticos. No al azar Estados Unidos fue racionalizado como el referente del 59 Deborah Norden and Roberto Russell, The United States and Argentina: Changing Relations in a Changing World, Routledge, New York, 2002, capítulo V. 60 Cabe destacar que la elite de la segunda parte del siglo XIX consideró importante otorgarle al Estado un rol destacado en el desarrollo del país. De allí que, como señalara Halperin Donghi, los principales líderes le asignaran al Estado un “papel decisivo en la definición de los objetivos de cambio económico-social y también un control preciso de los progresos orientados a lograr esos objetivos”. Tulio Halperin Donghi, Una nación para el desierto argentino, Centro Editor de América Latina, Buenos Aires, 1982, p. 28. 396 brasil-argentinaFIM.pmd 396 5/2/2004, 11:03 “alineamiento estratégico”61 o de la “relación especial”62 , mientras el Brasil se presentaba como el punto de referencia de una alianza básicamente económica. Históricamente, el Brasil había sido un “otro” competidor cuya expansión económica, contrastante con el relativo estancamiento argentino, había servido para nutrir la imagen de rivalidad; ahora era económicamente indispensable pero políticamente molesto63 . Por ello, si bien en el plano de los postulados se dijo que el gobierno justicialista había “estructurado en forma cuidadosa...dos alianzas (con Brasil y Estados Unidos) complementarias que se contrapesan mutuamente, imponiéndose límites la una a la otra”...en el plano de las propuestas efectivas se indicaba, con claridad, que “nuestra política exterior no estará condicionada por los deseos del Brasil (pues) se encuentra alineada con Estados Unidos”64 . Además, en esencia, las divergencias en términos estratégicos globales entre Brasilia y Buenos Aires eran notables y difíciles de atenuar65 . En lógica waltziana, Argentina prefería el bandwagoning con Estados Unidos; en lógica waltiana, Brasil prefería el balancing hacia Estados Unidos. Para Buenos Aires, la racionalidad dominante era la del balance de poder, mientras que para Brasilia era la del balance de amenazas. La opción del plegamiento a Washington – bandwagoning en la definición de Waltz66 – fue objeto de cierto análisis en la Argentina en 61 Ver, Jorge Castro, “La Argentina, Estados Unidos y Brasil: El triángulo de la década del 90”, en Andrés Cisneros (comp.), op.cit. 62 Ver, Felipe de la Balze, “La política exterior de ‘reincorporación al primer mundo’”, en ibid. 63 Como señala Luiz A. Moniz Bandeira, las tasas diferenciales de crecimiento fueron la “verdadera esencia de las tensiones entre los dos países”. Luiz A. Moniz Bandeira, “Argentina y Brasil: regímenes políticos y política exterior”, en Ciclos, n° 3, 1992, p. 168. 64 Carlos Escudé, “Argentina y sus alianzas estratégicas”, en Francisco Rojas Aravena (ed.), Argentina, Brasil y Chile: Integración y seguridad, Nueva Sociedad, Caracas 1999, p. 75 y 86. 65 Ver, Carlos Escudé y Andrés Fontana, “Argentina‘s Security Policies: Their Rationales and Regional Context”, en Jorge I. Domínguez (ed.), International Security and Democracy: Latin America and the Caribbean in the Post-Cold War Era, Univeristy of Pittsburgh Press, Pittsburgh, 1998. 66 Según Kenneth Waltz, la acumulación y distribución de atributos de poder (militares, económicos, tecnológicos, demográficos, diplomáticos, etc.) conduce a que los estados opten por equilibrar (balance) a quienes tienen más poder formando una coalición desafiante o antihegemónica, o plegarse (bandwagon) a la coalición ganadora o hegemónica. Dado que el balance de poder predomina en la política mundial, lo usual es recurrir al balancing para contrapesar el poderío de una superpotencia solitaria. Por su parte, Stephen Walt entiende que el comportamiento estatal es una respuesta a las amenazas que provienen de otros estados. Por ello, en realidad tiende a predominar el bandwagoning con el Estado que no representa una amenaza. 397 brasil-argentinaFIM.pmd 397 5/2/2004, 11:03 el que sobresalen dos elementos. Por un lado, se explica el plegamiento en función de la estructura internacional; esto es, dado que los Estados Unidos ha sido el gran ganador de la Guerra Fría, que se ha transformado en la principal potencia mundial y que aspira a una hegemonía benévola, un país relativamente irrelevante como la Argentina no tendría alternativa a un bandwagoning contundente. Por otro lado, en virtud del esquema hemisférico existente, las segundas potencias regionales (en este caso, la Argentina) no tendrían más opción que diferenciarse de las primeras potencias regionales (en este ejemplo, el Brasil) y plegarse al país hegemónico (esto es, a los Estados Unidos). Estas dos interpretaciones neorrealistas son útiles para entender el alineamiento, aunque insuficientes. No incorporan las razones domésticas que también inciden sobre esa elección y que ayudan a entender mejor las razones que llevan a un país a optar por ese tipo específico de alianza. La literatura especializada indica que el bandwagoning se produce por la condición débil (primero) y aislada (secundariamente) de un país67 ; por tener instituciones débiles que dificultan o impiden a un Estado alcanzar una identidad nacional, asegurar la legitimidad doméstica o adaptarse a un ambiente externo riesgoso (con sus consecuencias de una mayor penetración externa a la espera de dividendos materiales provenientes del poder hegemónico y de una mejor consolidación de la elite local que sacrifica independencia internacional por preservación de dominio interno)68 ; y por el hecho de que elites ilegítimas que controlan un Estado débil vis-a-vis sus sociedades se comportan de manera oportunista para obtener ganancias69 . En resumen, una mezcla de debilidad (del Estado), necesidad (de poder político y recursos económicos) y oportunismo (obtención de ganancias) favorecen el plegamiento al polo hegemónico. En el caso argentino, estos elementos internos, junto a los cambios de la estructura de poder internacional y a la distribución de 67 Stephen M. Walt, op. cit, p. 29-32 y 173-175. 68 Ver, Deborah Welch Larson, “Bandwagoning Images in American Foreign Policy: Mith or Reality?”, en Robert Jervis y Jack Snyder (eds.), Dominoes and Bandwagons: Strategic Beliefs and Great Power Competition in the Eurasian Rimland, Oxford University Press, New York, 1991. 69 Ver, Randall L. Schweller, “Bandwagoning for Profit”, en Michael E. Brown, Sean M. LynnJones y Steven E. Miller (eds.) The Perils of Anarchy: Contemporary Realism and International Security, The MIT Press, Cambridge, 1995. 398 brasil-argentinaFIM.pmd 398 5/2/2004, 11:03 poder en el plano sudamericano, jugaron un papel importante en la decisión del gobierno de Menem de adoptar una estrategia de alineamiento. El gobierno de la Alianza (Unión Cívica Radical, Frepaso y otros partidos minoritarios y moderados de centro-izquierda) que asumió el 10 de diciembre de 1999 no cambió, salvo en el estilo, los lineamientos básicos de la política exterior seguida por Menem. En un principio, el gobierno presidido por Fernando de la Rúa pareció inclinado a mirar más al Brasil y a relanzar el Mercosur. La visión entonces predominante era que los vínculos con el Brasil resultaban esenciales en lo económico y lo político por igual. El Brasil, de cierto modo, tenía mucho de lo que carecía la Argentina: una política exterior relativamente autónoma y un proyecto industrial consistente. El acercamiento al Brasil se percibía como funcional para una reinserción argentina más asertiva y diversificada70 . Sin embargo, muy pronto se hizo evidente que la relación con el Brasil no se alteraría porque el alineamiento con los Estados Unidos continuaba siendo la piedra angular de la política exterior argentina. Cambió el eslogan político – de las “relaciones carnales” del canciller Guido Di Tella a las “relaciones maduras” del canciller Adalberto Rodríguez Giavarini – pero no el contenido y el alcance del plegamiento de Buenos Aires a Washington. Al mismo tiempo, la Argentina evitó comprometerse en iniciativas que podrían ser vistas como intentos de equilibrio u oposición al poder norteamericano en la sub-región. Así, en ocasión de la Primera Cumbre de Presidentes de Sudamérica, convocada por el Brasil a fines de agosto de 2000, la Cancillería argentina expresó claramente que este encuentro de 12 países no debería ser interpretado por un intento de crear un bloque sudamericano71 . Como en el caso del gobierno de Menem, las urgencias económicas volvieron a determinar las prioridades. Además, el gobierno de la Alianza debió conducir la relación con el Brasil en un momento 70 Ver, entre otros, Varios Autores, “Hacia el plan Fénix: Diagnóstico y propuestas”, en Enoikos, Año IX, No. 19, 2001; Aldo Ferer, “La globalización, la Argentina y Brasil”, en Aldo Ferer y Helio Jaguaribe, Argentina y Brasil en la globalización: ¿Mercosur o ALCA?, Fondo de Cultura Económica, Buenos Aires, 2001 y José Paradiso, “Mercosur: Un lugar en el mundo”, en Escenarios Alternativos, Año 4, no 9, Invierno 2000. 71 Adalberto Rodríguez Giavarini, “Hacia la integración latinoamericana”, La Nación, 30 de agosto de 2000, p. 17. 399 brasil-argentinaFIM.pmd 399 5/2/2004, 11:03 que coincidió con su fase de estancamiento, iniciada en 1997 e intensificada luego de la devaluación del Brasil en enero de 1999. Ello, sumado a sus propios problemas internos – crisis de gobernabilidad, recesión económica y ambivalencias respecto del Brasil – también obstaculizó la construcción de una genuina cultura de amistad. V. CONCLUSIONES La Argentina y el Brasil jamás se representaron como enemigos. Como concluye Julio César Carasales, su competencia por la hegemonía de América del Sur “distó mucho de ser una lucha abierta y permanente. La Argentina y el Brasil nunca fueron enemigos. Fueron sí – es innegable – rivales y competidores”72 . Durante los años de la relación especial con Gran Bretaña y del paradigma globalista, la rivalidad estuvo matizada por escasos momentos de acercamiento que nunca alcanzaron a despejar las desconfianzas recíprocas. Por muchas décadas, esta visión del Brasil fue bastante homogénea debido a que civiles y militares, conservadores y liberales, empresarios y trabajadores, nacionalistas e internacionalistas, derechistas e izquierdistas, por igual, aunque con distintos supuestos y argumentos, tuvieron una mirada de ese “otro” marcada por la noción de rivalidad. Ello alentó la búsqueda de un equilibrio de poder sub-regional en el que la lucha por el prestigio y el liderazgo de América del Sur y la preocupación por las ganancias relativas fueron las notas predominante. Este “dilema de seguridad sudamericano”, que combinó elementos materiales e ideacionales, fue “construido” por los dos países a partir de un stock de ideas compartidas en el que las fuerzas materiales del otro fueron siempre consideradas como una amenaza. Fortalecida por experiencias autoritarias similares, la cultura de rivalidad afectó negativamente las posibilidades de desarrollo nacional, perjudicó el avance de la democracia, impidió el ejercicio de una práctica de cooperación frente a los problemas regionales y hemisféricos, obstruyó la generación de un poder de negociación conjunto y puso 72 Julio Cesar Carasales, De rivales a socios: El proceso de cooperación nuclear entre Argentina y Brasil, Grupo Editor Latinoamericano, Buenos Aires, 1997, p. 35 400 brasil-argentinaFIM.pmd 400 5/2/2004, 11:03 frenos a la gravitación de ambos países en los asuntos mundiales. En breve, la rivalidad argentino-brasileña significó una oportunidad perdida en términos económicos, políticos, culturales y militares. A su vez, facilitó la práctica de una estrategia de divide et impera por parte de los Estados Unidos, que retroalimentó la competencia. Sería importante evaluar hasta qué punto esta rivalidad incidió para prolongar el vínculo estrecho entre el Brasil y los Estados Unidos hasta la década de los setenta y dilatar el distanciamiento entre la Argentina y los Estados Unidos después de la Segunda Guerra Mundial73 . El primer resquebrajamiento de esta estructura social de rivalidad no provino de una gradual interdependencia entre los dos países, ni de lustros de prácticas democráticas comunes, ni tampoco de una reconstrucción sustantiva de la identidad. El factor clave fueron las tasas diferenciales de crecimiento en favor del Brasil que hicieron inviable la estrategia argentina de restricción del poder brasileño mediante el mecanismo del equilibrio74 . Este proceso de varias décadas, tuvo su punto de inflexión en la Guerra de las Malvinas que puso un punto final al dilema de seguridad argentino-brasileño75 . Poco después, la democratización de los dos países posibilitó dar los primeros pasos en dirección de una nueva cultura en la cual el “otro” es percibido en términos de amistad76 . En parte por convicción y en parte por necesidad, el gobierno de Raúl Alfonsín realizó importantes contribuciones para “desrivalizar” 73 De acuerdo a Phillip Kelly, un balance de la rivalidad entre la Argentina y el Brasil hasta los ochenta muestra que la misma “ha obstaculizado la integración del Cono Sur, ha creado posibilidades para el desarrollo serio de armas nucleares nativas, ha puesto en peligro el acuerdo pacífico de las disputas en la región, ha intensificado la competencia entre los estados en el Cono Sur por el control de la Antártida y ha evitado que Brasil se distanciara de Estados Unidos” (subrayado del autor). Philip Kelly, “Temas tradicionales de la geopolítica brasileña y el futuro de la geopolítica en el Cono Sur”, en Philip Kelly y Jack Child (eds.), Geopolítica del Cono Sur y de la Antártida, Editorial Pleamar, Buenos Aires, 1990, p. 120. 74 La evolución ascendente del Brasil hizo más notoria para la Argentina su declinación que reunió elementos materiales e identitarios. La Argentina no sólo fue perdiendo su posición relativa en la estructura del poder mundial y sus atributos tangibles de poder, sino que fue extraviando su identificación propia y su proyección internacional. 75 Como indica Jervis, “when balance of power assumptions no longer hold, the incentives shift so that anarchy and the security dilemma no longer provide a powerful stimulus to undesired conflict”. Robert Jervis, “From Balance to Concert: A Study of International Security Cooperation”, en Kenneth A. Oye (ed.), Cooperation under Anarchy, Princeton University Press, Princeton, 1986, p. 79. 401 brasil-argentinaFIM.pmd 401 5/2/2004, 11:03 la relación con el Brasil. La dimensión más significativa de este giro fue política; la Argentina de principios de la década de 1980 era un país debilitado que necesitaba más socios y menos contrincantes. Si bien se estimuló desde el Estado una mirada más cooperativa hacia el Brasil, abandonando la retórica conflictiva, los recelos mutuos no desaparecieron completamente. A partir del inicio del gobierno de Menem, la política exterior argentina atravesó cambios significativos que respondieron a las premisas del paradigma de la aquiescencia pragmática. Según sus principales formuladores, este paradigma requería el fin de una conducta internacional que había oscilado permanentes entre la adhesión ciega y el desafío desatinado a Occidente, el estrecho alineamiento con los Estados Unidos y el abandono de la práctica de políticas ilusorias (por ejemplo, procurando la paz en una distante y nada vital Centroamérica), aberrantes (por ejemplo, impulsando al proyecto misilístico Cóndor II) o extravagantes (por ejemplo, aspirando a un presunto liderazgo moral en el Tercer Mundo). Todo ello permitiría la “reincorporación” gradual de la Argentina al Primer Mundo77 . El lugar reservado al Brasil por este paradigma, que se derivaba lógicamente de sus premisas, fue el de un simple “socio” económico y no el de un “aliado estratégico”. Así, los importantes avances producidos en el plano económico, que aumentaron la interdependencia entre los dos países, no fueron correspondidos por un aumento de las 76 Conviene indicar que la superación de dilemas de seguridad semejantes posibilitó un avance significativo de la integración. Por ejemplo, la derrota de Alemania en la Segunda Guerra Mundial permitió que el histórico dilema de seguridad franco-alemán se superara y que se diera inicio a un proceso de acercamiento y cooperación que facilitó la concreción posterior de la Comunidad Europea. La implosión de la URSS y el fin de los “socialismos reales” en Europa — que eliminaron de la noche a la mañana el dilema de seguridad entre Europa occidental y Europa oriental— han contribuido a un avance cada vez más elocuente de la integración entre la Unión Europea y las naciones de Europa del este. Asimismo, la inexistencia de un dilema de seguridad entre Canadá y los Estados Unidos ha favorecido a una mayor integración formal e informal entre los dos países. Inversamente la continuidad de dilemas de seguridad zonales llevó a la guerra a Irak e Irán durante los ochenta y hoy tiene a India y Pakistán al borde de una confrontación militar que podría involucrar el uso de armas nucleares. En cierta forma, la permanencia de un dilema de seguridad entre palestinos e israelíes augura una continuación del conflicto entre estos dos pueblos. A su vez, la variedad de dilemas de seguridad en Asia permite suponer la persistencia de las tensiones en el área y la dificultad para asegurar una cooperación e integración efectivas. 77 Ver, Felipe de la Balze, “La política exterior...”op.cit. 402 brasil-argentinaFIM.pmd 402 5/2/2004, 11:03 convergencias en el campo de la política exterior donde las diferencias fueron notorias. El gobierno de la Alianza propuso una mirada política del Brasil78 . Esa eventual mayor reaproximación a Brasil se insertaba en un contexto en que las encuestas sobre política exterior mostraban que la opinión pública no desaprobaría tal viraje79. Sin embargo, la administración De la Rúa se resignó con desencanto (y quizás fastidio), aunque sin hacerlo explícito a seguir pasos casi idénticos a los de su antecesor en materia de relaciones argentino-brasileñas. Indudablemente, la Argentina del siglo XXI tenía pocos activos, una confusa identidad, escaso poder negociador e insuficiente voluntad para modificar el sentido y el alcance de la inserción internacional del país. De hecho, las contradicciones en los vínculos con el Brasil se exacerbaron. En el propio gobierno, las discrepancias entre ministerios y personalidades condujeron a una mayor tensión diplomática entre Buenos Aires y Brasilia. Ello expresaba que no sólo se carecía de una clara visión del “otro” sino que se adolecía de una imagen propia consistente80. 78 En la denominada “Carta de los Argentinos”, el programa de gobierno de la Alianza antes de llegar a la presidencia, el Mercosur aparecía como la “prioridad estratégica”. Ello anticipaba que la relación con el Brasil pasaría a ocupar un lugar esencial en la política exterior de la Argentina. 79 En efecto, por un lado, Brasil resultaba “consistentemente...el país de América Latina con el cual se expresa la más alta preferencia por estrechar vínculos (55%)”. Asimismo Brasil es una de las dos (junto con España) “naciones cruciales en la percepción que tienen los argentinos de la inserción de su país en el mundo...Brasil representa la potencialidad productiva y el mercado interno del que la Argentina carece...(por ello) muchos admiran en Brasil esa potencialidad”. Ver, Manuel Mora y Araujo, “Opinión pública y política exterior de la presidencia Menem”, en Andrés Cisneros (comp.), op.cit., pp. 357-358. Por otro lado, el alineamiento estrecho del Presidente Menem con Estados Unidos no contaba con un fuerte respaldo de la ciudadanía. Según un estudio desarrollado por el Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales (CARI) sobre opinión pública y política exterior con base en dos encuestas (una de la población general y la otra entre líderes de opinión), “la estrategia de alineamiento de la Argentina con los Estados Unidos que en los últimos años ha llevado adelante el gobierno del Presidente Carlos Menem es el tema de política exterior que más distancia a la población de los líderes de opinión. En efecto, el sondeo muestra el contraste ya que mientras los líderes la apoyan decididamente, la población general se encuentra muy dividida, con la primera minoría afirmando que el alineamiento perjudica al país”. Ver, Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales, 1998-La opinión pública argentina sobre política exterior y defensa, CARI, Buenos Aires, 1998, p. 23. 80 Es oportuno insistir sobre la importancia de la identidad nacional en materia de política exterior. Como subraya Henry Nau, “national identity...actually matters more than material power...because without a unified and healthy self-image, a nation has no incentive to accumulate or use material power. It cannot defend its national interests; indeed, it may desintegrate”. Henry R. Nau, At Home Abroad: Identity and Power in American Foreign Policy, Cornell University Press, Ithaca, 2002, p. 4. 403 brasil-argentinaFIM.pmd 403 5/2/2004, 11:03 La inédita crisis política, económica y social que hoy sufre la Argentina ha vuelto a abrir un debate sobre la naturaleza del vínculo que debería construirse con el Brasil. Los partidarios de profundizar el bandwagoning siguen viendo al Brasil como una amenaza; ya no como en los años de la cultura de la rivalidad sino como un actor que puede obstaculizar sus objetivos. Ciertamente, la gravedad de la crisis da pie a quienes miran más al Norte y alienta una visión negativa del Brasil cuyo futuro se ve como incierto y problemático. Sin embargo, los elementos propios de una cultura de amistad que se desarrollaron en los últimos años siguen presentes y son muchos los actores políticos, económicos y sociales argentinos que alientan esa cultura81 . La experiencia de los noventa ha servido para mostrar que la democratización, la interdependencia y la integración son condiciones necesarias pero no suficientes para que esa cultura se consolide82 . La ausencia de rivalidad no implica la presencia, ipso facto y per se, de amistad83 . Para ello, es también preciso fortalecer las alianzas sociales, que en uno y otro país, siguen pensando la relación con un profundo sentido estratégico. 81 Para trabajos más recientes que apoyan la visión del Brasil como amigo véase, José María Llados y Samuel Pinheiro Guimaraes (eds.), Perspectivas Brasil y Argentina, IPRI/CARI, Brasilia, 1999, José Paradiso y Gustavo Adiolfo Smith, “¿Será posible una política exterior común?”, en Archivos del Presente, Año 5, no 19, Enero-Marzo 2000 y Fundacao Alexandre De Gusmao, A visao do outro, FUNAG, Brasilia, 2000. 82 Como bien señala Pllippe Schmitter las lecciones de una nueva modalidad de cooperación en el Cono Sur no permiten afirmar concluyentemente que la democratización incrementó de modo elocuente la interdependencia y que ello selló de manera definitiva la integración: “all we can say with certainty is that the demise of despotic governments has produced a significant decline in the likelihood of recourse to interstate violence and an unprecedented increase in the volume of interstate agreement”. Philippe C. Schmitter, “Change in Regime Type and Progress in International Relations”, en Emanuel Adler y Beverly Crawford (eds.), Progress in Postwar International Relations, Columbia University Press, New York, 1991, p. 118. 83 Siempre es bueno recordar que para que la Argentina y el Brasil alcancen una genuina integración se necesita lo que Deutsch llamó las “condiciones de fondo” para entender si ese proceso será exitoso o resultará un fracaso. Dichas condiciones son: “1) relevancia mutua de los países, 2) compatibilidad de valores y ciertas gratificaciones conjuntas reales, 3) comprensión mutua, y 4) cierto grado de identidad o lealtad común generalizada”. Sin duda, esas condiciones están siendo puestas a prueba para argentinos y brasileños por igual en este tormentoso comienzo de un nuevo siglo. Karl W. Deutsch, Análisis de las relaciones internacionales, Ediciones Gernika, México D. F., 1990, p. 366. 404 brasil-argentinaFIM.pmd 404 5/2/2004, 11:03 CONTEXTO INTERNACIONAL, DEMOCRACIA E POLÍTICA EXTERNA Monica Hirst Maria Regina Soares de Lima ABERTURA A noção de que o Brasil se caracteriza como um país de movimentos lentos e premeditados tanto na condução de seus afazeres domésticos como na definição de suas opções internacionais representa tecla batida. Também constitui lugar comum a identificação do instinto de conservação compartilhado pela elite política e a escassez de vocações redistributivas dos segmentos econômicos mais poderosos que motivou esta peculiaridade desde o período de nossa formação nacional. Em conseqüência, a identificação de traços de continuidade e a vinculação com o passado foi sempre tarefa fácil nas análises de processos de transformação deste país. Nos estudos sobre a política externa este se tornou um vício perigoso que fomentou o recurso a interpretações circulares. Fatores como tipo de regime e ordem internacional passaram a correr o risco de tornarem-se condicionantes secundários em face do peso explicativo de atributos permanentes. Estes por sua vez foram agraciados por uma generosa plataforma institucional incrustada no Estado brasileiro antes mesmo de sua conversão à vida republicana. Por isso mesmo, simbólico ou não, o legado imperial sempre constituiu um aspecto identitário da moderna diplomacia brasileira. Alias, não é casual que o único edifício a merecer a titularidade de “palácio” na futurista esplanada dos ministérios de Brasília seja o das Relações Exteriores. A leitura do passado à luz do presente e/ou a do presente à luz do passado colaborou para sedimentar a idéia de que a política externa fosse percebida como a esfera mais previsível — e portanto racional — de ação do Estado brasileiro. Do ponto de vista analítico, o instrumental mais adequado para abordar o “fenômeno” seria uma 405 brasil-argentinaFIM.pmd 405 5/2/2004, 11:03 estranha combinação de neo-realismo waltziano com as inventivas do construtivismo. Esta heterodoxia permitiria estabelecer uma relação de complementaridade entre o “primado da política externa” e o seu respectivo sistema de crenças; entre premissas orientadoras e autopercepção. Para ilustrar o ponto podemos mencionar o parentesco tão evocado entre a política externa independente de início dos anos 60 e o pragmatismo responsável lançado uma década mais tarde. Este trabalho pretende fugir à regra; pelo menos até certo ponto. Nossa intenção essencial será sublinhar os fatores que indicam mudança ou pelo menos esgotamento de trajetórias passadas na política internacional brasileira. Partimos da suposição de que atualmente esta política enfrenta tensões causadas simultaneamente pelas transformações em curso na ordem internacional e pelas pressões introduzidas pelo cotidiano democrático interno. Dito de forma mais simples, queremos avaliar a capacidade de reação dessa política nessas duas frentes. Na primeira, o Brasil, como os demais membros da comunidade internacional, enfrenta a escalada de incertezas produzida pela unipolaridade. Nascida no berço da multipolaridade eurocêntrica, a nação brasileira aprendeu com precocidade a fazer bom uso dos espaços propiciados pelas contradições dominantes no sistema de poder mundial. Foi ao longo do meio século de bipolaridade que o país se projetou com maior êxito econômica e politicamente na comunidade internacional. A partir do sucesso relativo de seu modelo desenvolvimentista, o Brasil soube explorar o viés da politização das contradições Norte-Sul como principal fonte legitimadora de uma atuação de corte autonomista. Na frente interna, a atual etapa democrática brasileira vem proporcionando novos desafios à política internacional do país. São corretos os trabalhos de comparação diacrônica que recuperam outros momentos da história contemporânea brasileira nos quais o protagonismo das instituições democráticas — particularmente o Legislativo — influenciou o curso das opções externas. Na frente externa, os termos da convivência entre democracia e política internacional enfrenta uma escala desconhecida de complexidades, causada em grande medida pela 406 brasil-argentinaFIM.pmd 406 5/2/2004, 11:03 globalização. Ao mesmo tempo, no cenário internacional a concentração de poder do mundo pós-Guerra Fria termina limitando o campo de iniciativa e autonomia do Brasil no tabuleiro mundial, o que restringe os novos recursos auferidos pela democracia para sua atuação como agente de estabilidade e paz na região sul-americana. Nossa intenção será avaliar o impacto dos novos condicionantes domésticos e internacionais sobre a política externa a partir da identificação dos atores que influenciam a sua formulação e implementação. Nossa hipótese central é que o surgimento de um leque mais diversificado de atores vem se constituindo um fator com impacto crescente sobre a ação internacional brasileira. Esta ação já não obedeceria apenas aos desígnios previamente estabelecidos pelo legado institucional, abrigado na agência constitucionalmente responsável pela condução da política externa, mas corresponderia a um processo abrangente de interações políticas entre atores públicos e privados, nacionais, subnacionais e internacionais. Observar-se-ia portanto uma dinâmica de agendas simultâneas, paralelas ou sobrepostas, pertencentes a esferas diferenciadas de relacionamento externo. O novo internacionalismo, protagonizado por atores e redes fora do Estado, representa uma nova faceta no relacionamento externo do país. Pode-se dizer que esse novo internacionalismo é fruto da globalização, não apenas na esfera econômica que acentuou a interdependência entre as economias nacionais, mas no plano das relações sociais, culturais e políticas transnacionais. É portanto uma realidade que adquire sentido estrutural e não apenas conjuntural com a qual a diplomacia convencional se vê forçada a lidar. Com vistas a desenvolver a argumentação pertinente, decidimos apresentar separadamente as duas esferas de atuação internacional: aquela centrada na ação do Estado, que corresponde à agenda da política externa propriamente dita, e a que contempla o espectro de interesses e interações da sociedade política1 . Fazemos esta separação apenas com o intuito de facilitar a exposição, uma vez que questões internacionais específicas podem provocar distintos padrões 1 Utilizamos o conceito de sociedade política adotado por N. Bobbio quando define as formas de organização política da sociedade civil, sejam os partidos políticos ou outras estruturas políticas que representam demandas específicas cuja inserção se dá entre o Estado e a sociedade civil. Ver Bobbio, N. Matteucci, N. e Pasquino, G. Dicionário de Política, Ed. Univ. De Brasilia, 1986. 407 brasil-argentinaFIM.pmd 407 5/2/2004, 11:03 de conflito e cooperação entre agendas e atores. Na agenda do Estado procuramos indicar as principais estratégias de ação utilizadas pelo Brasil na sua ação externa. Identificamos duas modalidades de ação internacional: uma primeira que compreende a projeção externa dos “interesses nacionais” e uma segunda estratégia que acentua a cooperação internacional interestatal e a adesão aos regimes internacionais. No âmbito da sociedade política, também nos pareceu oportuno estabelecer uma linha divisória entre duas principais arenas e atores: a primeira, vinculada ao espaço legislativo, local da ação política institucionalizada, configurada pela presença (ou ausência) da política externa no exercício parlamentar; e a segunda, representada pela rede de movimentos e organizações sociais conhecida como terceiro setor, com vinculações subnacionais, nacionais e transnacionais. Em vista dos objetivos deste seminário, utilizaremos a questão do relacionamento com a Argentina como a chave ilustrativadiferenciadora no tratamento das quatro aproximações aludidas. Nossa suposição é a de que a centralidade desse relacionamento para o Brasil permite um rico exercício de vinculação entre agendas, arenas e estilos de ação. A Agenda Estatal: Projeção e Credibilidade Internacionais As conseqüências do fim da Guerra Fria e da restauração do regime representativo no país sobre a agenda substantiva da política externa podem ser resumidas na idéia da configuração de um novo paradigma ou, ao contrário, da reformulação do paradigma globalista que orientou a política externa nos últimos quarenta anos. Em linhas muito gerais, essa orientação, que enfatizava o aumento da autonomia internacional do país, combinava três dimensões: a defesa da universalização das relações internacionais do país, para além do relacionamento especial com os Estados Unidos; a ênfase nas características restritivas da macroestrutura internacional, em especial a crítica ao “congelamento do poder mundial”, na expressão do embaixador Araújo Castro; e a articulação da aliança terceiro-mundista nas negociações das questões de desenvolvimento e da reforma dos regimes econômicos internacionais. Os quatro governos pós-Guerra Fria e pós-restauração democrática têm oscilado entre uma postura de adaptação do paradigma globalista às novas realidades internacionais – José Sarney e 408 brasil-argentinaFIM.pmd 408 5/2/2004, 11:03 Itamar Franco – e uma reconfiguração em novas bases daquele modelo de política externa – Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso. Ao contrário da relativa estabilidade do modelo de política externa nos últimos quarenta anos, cuja principal sustentação era de natureza estrutural representada pelo padrão de inserção econômica internacional, podemos dizer que passados mais de dez anos do fim da Guerra Fria e do regime militar, não se obteve ainda o mesmo consenso, entre as elites estatais e não estatais, com relação a uma abordagem coerente de política externa que possa substituir o paradigma globalista. A questão da configuração de um espaço econômico homogêneo nas Américas, sob a liderança da proposta norte-americana de constituição da ALCA, dá a medida da diferença de posição entre as elites, dentro e fora do Estado. Em certo sentido, as respostas à pergunta formulada há quase dez anos, ainda dividem as opiniões das elites brasileiras: se o país se “conformará com um projeto de “Brasil pequeno” ou, alternativamente buscará a “realização de um projeto maior, de mobilização de todo o seu imenso potencial, transformando-se, conseqüentemente, numa das mais importantes potências econômicas do planeta?”2 Mesmo que não se possa falar de um consenso na sociedade e entre as elites com respeito a um novo paradigma, a agenda diplomática pós-Guerra Fria/pós-regime militar tem combinado duas estratégias de atuação internacional, que podem ser vistas como dois estilos típicos de ação externa. No jargão das abordagens de política internacional, estes dois estilos diplomáticos estariam próximos ao que se entende por um modo de ação “realista” e “institucionalista liberal”, respectivamente.3 O estilo realista caracteriza-se por uma política externa ativista que pode compreender desde uma política expansionista e de participação na diplomacia das grandes potências, 2 Paulo Nogueira Batista, “A Política Externa de Collor: Modernização ou Retrocesso?”, Política Externa vol. 1, nº 4, 1993, p.107. 3 Para uma análise da combinação de matrizes teóricas distintas no novo paradigma diplomático brasileiro, ver Letícia Pinheiro, “Traídos pelo Desejo: Um Ensaio sobre a Teoria e a Prática da Política Externa Brasileira Contemporânea”, Contexto Internacional, vol. 22, no. 2, 2000. A substituição do modelo de “autonomia pela distância” pelo de “autonomia pela participação” é sugerido por Gelson Fonseca Júnior, A Legitimidade e Outras Questões Internacionais. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1998. Do nosso ponto de vista, ainda não se constituiu um paradigma alternativo ao globalismo, com o mesmo grau de coesão e consenso entre as elites e na sociedade, observando-se diferenças de estilos e estratégias de atuação internacional. 409 brasil-argentinaFIM.pmd 409 5/2/2004, 11:03 ao maior ativismo internacional e aumento da presença diplomática no mundo.4 Na típica receita do modelo realista de auto-ajuda, os atores governamentais exibem baixa tolerância com os custos de soberania e, portanto, menor grau de adesão a compromissos internacionais que impliquem abrir mão de parcela de sua soberania em áreas específicas de políticas públicas. O estilo realista combina o objetivo de projeção dos interesses do país no exterior com o maior grau possível de flexibilidade e liberdade da política externa. Esta é uma representação estilizada da política realista e própria das potências. Mesmo assim, elementos deste estilo podem ser encontrados na agenda contemporânea da política externa. Resíduo do globalismo, mas adaptado ao mundo pós-guerra fria, mencione-se a postulação do Brasil a uma vaga do Conselho de Segurança das Nações Unidas, bem como a resistência do país em construir arranjos institucionais supranacionais, optando pela fórmula inter-governamental que implica um grau bem menor de regulação acima das vontades nacionais. A posição brasileira contrária ao aprofundamento da institucionalização do Mercosul, ou em arranjos mais flexíveis como o Grupo do Rio, bem como um certo desconforto em assumir os ônus de uma liderança explícita em eventuais esquemas de coordenação regional são exemplos deste estilo de atuação. O estilo “institucionalista liberal”, ao contrário, enfatiza a necessidade de se obter a credibilidade com respeito às ações e compromissos assumidos no plano internacional. Neste estilo diplomático, os decisores governamentais estão mais dispostos a tolerar os custos de soberania e a aderir a regimes internacionais o que necessariamente implica aceitar maior coordenação de políticas governamentais entre parceiros e maiores injunções na condução soberana da política externa. Novamente, esta é uma representação estilizada da ação diplomática e está associada aos países com escassez de recursos de poder no sistema internacional. Para estes, em um sistema em que o poder é o principal regulador, qualquer regra é melhor que nenhuma. Desta perspectiva, o Brasil, entre os países periféricos, exibe um histórico ponderável, tendo participado das etapas fundadoras dos principais organismos internacionais como as Nações Unidas e o GATT, por 4 Cf. Fared Zakaria, From Wealth to Power: The Unusual Origins of America’s World Role. Princeton, Princeton University Press, 1999. 410 brasil-argentinaFIM.pmd 410 5/2/2004, 11:03 exemplo. Mais recentemente, destaca-se a ativa participaçãp do país na conformação da OMC, bem como em seus grupos negociadores. Seja pela crença na validade intrínseca da norma, seja por razões do auto-interesse do ator, a ênfase na credibilidade internacional e na adesão a regimes internacionais está associada a situações de transição política que configuram uma nova ordenação político-jurídica e, simultaneamente, constituem situações particularmente incertas com respeito a seu eventual desfecho. O caso brasileiro não fugiu a regra da quase imediata adesão das novas democracia aos regimes de direitos humanos após o término do regime autoritário. Ainda em 1985, o Brasil aderiu à Convenção contra a Tortura da ONU, ratificada pelo Congresso em 1988. No nosso caso, a adesão aos regimes de direitos humanos parece estar associada tanto à expectativa de reduzir a incerteza com respeito ao futuro da transição política, como à necessidade de readquirir credibilidade internacional com a eliminação do “entulho autoritário” da política externa do governo militar. Por outro lado, no caso dos regimes de controle de tecnologia sensível e da proliferação nuclear, a adesão brasileira foi bem posterior ao início da transição.5 Na transição por negociação, como foi a experiência brasileira, que implica em uma negociação política entre as elites da situação e da oposição, as incertezas futuras são menores. Pode-se especular que o próprio timing da adesão brasileira a estes regimes foi parte da negociação da transição. A convivência de estilos diplomáticos heterodoxos não tem nada de surpreendente. Afinal, o legado institucional da política externa combina uma aspiração das elites brasileiras de reconhecimento pelos países grandes de um status de potência para o Brasil no sistema internacional, com uma tradição da defesa dos princípios do direito internacional e participação nos organismos multilaterais, em particular nos regimes de comércio e desenvolvimento. Contudo, esta adesão aos regimes internacionais sempre foi seletiva e, pelo menos no período militar, a não adesão aos sistemas de segurança e controle de tecnologias sensíveis foi justificada pela restrição prematura que tal adesão implicaria para 5 Em 1995, o país aderiu ao regime de Controle de Tecnologia de Mísseis; em 1996, assinou o Tratado para a Proibição Completa de Testes Nucleares e em 1998 subscreveu o Tratado de NãoProliferação de Armas Nucleares. 411 brasil-argentinaFIM.pmd 411 5/2/2004, 11:03 os projetos futuros do país. Apesar de um posicionamento histórico de defesa dos princípios constitutivos da sociedade internacional, as elites dirigentes sempre foram sensíveis ao oportunismo das grandes potências beneficiadas que são pela condição de anarquia que caracteriza a ordem interestatal. A política brasileira de aprofundamento da cooperação com a Argentina tem combinado estes diferentes estilos diplomáticos. O PIC negociado nos governos Alfonsin e Sarney só pôde ser viabilizado no contexto da transição democrática e da valorização imprimida por estes dois governos à cooperação regional. O aprofundamento desta cooperação, com a constituição do Mercosul, foi pensado por parte da burocracia do Executivo brasileiro como um mecanismo para lock-in as políticas de liberalização comercial então prenunciadas. Por outro lado, assim como o Brasil imaginou a cooperação com a Argentina, nos seus primórdios, como um instrumento para ampliar o poder de barganha internacional dos dois países, mais recentemente, o próprio Mercosul foi utilizado como instrumento de barganha nas negociações hemisféricas a propósito da proposta norte-americana de constituição da ALCA. O ESPAÇO DO ‘OUTRO’ Desde o período que precede o Mercosul nos anos 80 as razões que levaram o Brasil a decidir-se por um compromisso de integração regional de caráter mais profundo e permanente estiveram mais relacionadas a ponderações políticas do que econômicas. Também desde esta época, o foco deste movimento foi a montagem de um relacionamento especial com a Argentina, que se tornou o componente essencial da política sul-americana do Brasil. A motivação inicial de aproximação ao vizinho meridional vinculava-se às premissas de sua política externa de viés autonomista. Acreditava-se que uma intensa e abrangente cooperação com a Argentina, no contexto das redemocratizações simultâneas, ampliaria as condições de resistência às pressões ideológicas da contenção, à imposições de atrofiamento provenientes das políticas de não proliferação de tecnologias sensíveis e às condicionalidades econômicas impostas pela crise da dívida externa. Observamos assim uma complementaridade entre os incentivos 412 brasil-argentinaFIM.pmd 412 5/2/2004, 11:03 presentes no paradigma globalista da política externa e a nova percepção da cooperação regional como um percurso desejado. As vantagens do ‘mix’ foram concretizadas tanto nas esferas econômica, que vincularam a abertura comercial gradual ao projeto de formação de um mercado regional, como na de segurança internacional, com iniciativas de cooperação em campos sensíveis que viabilizaram posteriormente a negociação do Acordo Nuclear Quadripartite. De fato, o caminho da aproximação à Argentina, além do mérito primordial de soterrar os vestígios da mais pesada agenda conflitiva interestatal já experimentada pelo Brasil, ofereceu a chance de o país dar os primeiros passos em direção à superação de barreiras defensivas das políticas comercial e de segurança internacional. A partir de 1990, a vinculação argentino-brasileiro sofreu profundas modificações em conseqüência da combinação produzida pelas rápidas alterações de curso dos acontecimentos internacionais e os caminhos trilhados no âmbito doméstico por ambos países. O fértil território de convergências políticas desertificou-se a partir dos novos rumos da política externa desenhados pelo governo menemista. Para o Brasil, o contundente alinhamento aos Estados Unidos no qual embarcava a Argentina tornara impossível a identificação de uma plataforma compartilhada de inserção no mundo da pós-guerra fria. O diálogo bilateral adquiriu um sentido mais pragmático do que político, outorgando-se centralidade a esfera dos entendimentos comerciais. Ao mesmo tempo, a agenda da integração regional foi ajustada à nova metodologia condizente com as políticas de liberalização econômica levadas a cabo nos dois países. Com o Mercosul iniciou-se uma fase de sucessivas “vitórias”; primeiro pelo notável aumento das trocas bilaterais e logo pelo marco de coincidências de gestões macro-econômicas à medida que o Brasil abria mão de sua “relutância” ao receituário neo-liberal da estabilização. Durante o qüinqüênio dourado do Mercosul (1994-98) o Brasil e a Argentina avançaram timidamente em seus compromissos integracionistas. O aumento do intercâmbio, a expansão de vinculações inter-empresariais e a mobilização de um leque diversificado de campos de políticas públicas em torno da criação de um espaço comum de interesses foram insuficientes para outorgar um textura institucional ao 413 brasil-argentinaFIM.pmd 413 5/2/2004, 11:03 processo. Tornou-se moeda corrente neste período apontar o governo brasileiro- e particularmente o seu Ministério das Relações Exteriorescom o principal responsável por esta limitação. Não obstante, tanto o governo brasileiro como o argentino coincidiam na avaliação de que qualquer institucionalização enfrentaria uma negociação especialmente difícil com os demais sócios do Mercosul, em vista das condições assimétricas da associação. Também foi durante este período que se observou o esvaziamento do processo de convergência entre as premissas das políticas internacionais de ambos países. Se bem destacava-se a importância da aliança estratégica selada lado a lado, de fato para o Brasil o relacionamento tornara-se pouco rentável politicamente. O custo maior do desencontro foi pago com a falta de apoio argentino à candidatura potencial do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, na hipótese de sua ampliação. À medida que o desempenho econômico nos dois países passou a enfrentar novas dificuldades, que inevitavelmente afetaram o bom andar do Mercosul, novas evidências quanto a fragilidade da aliança bilateral se fizeram notar. O reduzido alcance do “espírito” da integração no plano governamental na Argentina e no Brasil conduziu a uma crescente sobreposição dos interesses internos frente aos compromissos associativos. Após a “malaise” causada pela reativação de medidas protecionistas nos dois lados, o Mercosul foi atingido pelas medidas cambiais adotadas no Brasil em resposta ao ataque especulativo sofrido por sua moeda em fins de 1998. Logo, foram feitas ao Brasil sérias imputações por parte da Argentina quanto ao excessos de unilateralismo, tendo em vistas o impacto de suas opções de política econômica para o seu principal vizinhos. Foi neste contexto que ganhou forma a controvérsia sobre a responsabilidade do Brasil como condutor do processo de integração e mais ainda como um fator de equilíbrio da economia Argentina. A tênue fronteira entre a questão da responsabilidade e da liderança passaram a gerar novas situações de “desconforto” bilateral. Estas foram agravadas pelas vulnerabilidades compartilhadas frente à uma nova onda de pressões externas provenientes, por um lado, das respectivas exposições frente aos vai-e-vens da globalização financeira e, por outro pelo adensamento das negociações da ALCA. Do lado brasileiro a reação a 414 brasil-argentinaFIM.pmd 414 5/2/2004, 11:03 este tipo de colocação suscita questionamentos sobre os prós e contras de uma vinculação tão estreita com a Argentina, temendo-se o risco de contaminação econômica. Regressemos ao tema da desativação de uma agenda comum de política externa entre o Brasil e a Argentina, para remarcar que apesar dos pesares o Mercosul gerou importantes dividendos políticos com impacto imediato para toda a América do Sul. Desde a insistência sobre o vínculo entre a defesa da democracia e integração regional avançou-se na projeção do Mercosul como uma Zona de Paz. Se bem a construção de uma comunidade pluralista de segurança não tenha alcançado o grau de efetividade da experiência européia, sem dúvida tem cumprido um papel de contenção no manejo da frágil condição institucional do Paraguai e na própria crise de governabilidade enfrentada pela Argentina a partir de fins de 2001. De fato o Itamaraty, levado em grande parte pelo impulso da diplomacia presidencial, vem pouco a pouco flexibilizando - ainda que de forma velada e seletiva - seu dogma contrário a intervenção em assuntos internos de outros Estados. A percepção de que o Brasil deve assumir maiores responsabilidades nesta direção vem a reboque do chamado projeto ‘sul-americano’, posto sobre a mesa de maneira mais explícita nos últimos dois anos.6 Não obstante, se bem houve avanço na identificação dos interesses do país envolvidos na consolidação de seu projeto sul-americano avançou-se menos na identificação dos seus “termos de troca”. Assume-se a idéia de que a América do Sul poderá ser funcional economicamente para viabilizar a continuidade do projeto neodesenvolvimentista brasileiro e politicamente para ampliar a cota de poder internacional do país num cenário externo de poder mais concentrado desde a queda do Muro de Berlim. Entretanto a tradução desta dinâmica num projeto de liderança positiva esbarra em dois entraves; i) as restrições domésticas, no caso brasileiro, para uma efetiva opção cooperativa do país que se localizam na esfera políticopartidária, bem como esbarra nos interesses dos atores econômicos, 6 Ver, Celso Lafer, A Identidade Internacional do Brasil e a Política Externa Brasileira, Perspectiva, São Paulo, 2001; Sergio Danese, “Brasil e América do Sul: Apontamentos para a História de uma Convergência”, Política Externa, vol. 9, n. 4, 2001 e George Lamaziere, “O Impacto dos Processos de Integração Regional nas Políticas de Defesa e Segurança: o Brasil e a Cooperação Políticomilitar na América do Sul”, Política Externa, vol. 9, no.4, 2001. 415 brasil-argentinaFIM.pmd 415 5/2/2004, 11:03 dificultando maiores contrapartidas para qualquer exercício de liderança; ii) as restrições impostas pela convivência com a potência hegemônica no plano regional e pela configuração acentuadamente unipolar da ordem mundial pós-Guerra Fria. Naturalmente o espaço para a ação encontra-se no âmbito do primeiro tipo de obstáculo uma vez que frente ao segundo as opções dificilmente poderão escapar do universo de respostas defensivas e reativas. Mais uma vez o relacionamento com a Argentina aparece como um ponto sensível e definidor. A articulação entre argumentações políticas e fatores econômicos torna-se fundamental para compreender a posição do Brasil no âmbito sul-americano. Devemos aqui destacar o poder de atração de seu mercado a partir das novas condições de acesso propiciadas pelas políticas de liberação comercial. Ao mesmo tempo os mercados vizinhosprincipalmente os do Mercosul- ganharam importância crucial para suas exportações manufaturadas. Nos últimos 5 anos o percentual médio das importações do Brasil provenientes do grupo ALADI foi de 20%, dos quais 15% vieram do Mercosul ; o percentual médio das exportações foi de 22%, dos quais 16% se destinaram à essa mesma sub-região. Apesar da evidência revelada por estes percentuais, a atuação do Brasil nas negociações intra-regionais, entretanto, está mais dominada pela percepção de que seus sócios vizinhos são os principais beneficiados pela liberalização dos mercados na região. Esta visão está sustentada por dois fatores: a repetição de deficits comerciais com alguns dos principais parceiros da região- destacando-se a Argentina- e o peso dos interesses “import-competing” versus os dos setores exportadores nas políticas industriais e comerciais do país7. Na literatura acadêmica dedicada ao tema do regionalismo nas Américas tem sido freqüentemente levantada a questão da liderança brasileira. Quando tratada em sua dimensão política são suscitadas as condições de constituição de uma Comunidade Pluralística de Segurança indicando-se a função do Brasil como fator de estabilidade e equilíbrio no espaço sul-americano8. Já o enfoque que privilegia os fatores econômicos 7 Cf. Pedro da Motta Veiga, “O Brasil, O Mercosul e a ALCA”, Carta Internacional, São Paulo n.106, dez. 2001. 8 A análise desenvolvida por Arie Kacowicz sobre a América do Sul como uma Zona de Paz representa um interessante exercício neste sentido. Ver Kacowicz, Arie Zones of Peace in the Third World, State Univ. N.Y. Press, 1998. 416 brasil-argentinaFIM.pmd 416 5/2/2004, 11:03 envolvidos na formação de um novo espaço regional chama a atenção para as responsabilidades do Brasil derivadas não apenas do tamanho de sua economia – e naturalmente de seu mercado – mas principalmente do peso de suas crenças e realizações industrialistas9. O tema também tem merecido atenção, e mesmo alguma preocupação política, nos Estados Unidos provocando reações variadas no meio acadêmico e político10. A preeminência econômica do Brasil abre um espaço natural para o exercício de sua liderança, o que se torna um tema sensível no contexto de uma aliança estratégica com a Argentina. O ponto de equilíbrio entre a negação de um papel hegemônico e a aceitação da responsabilidade pela liderança constitui o aspecto político mais sensível deste relacionamento bilateral. A posição líder do Brasil compreende ônus e benefícios e sua aceitação só poderia se desenvolver em termos não coercitivos. Para tanto, a reciprocidade e a plena convicção no interesse comum tornam-se as forças motrizes do processo associativo. Uma aliança desta natureza implica não apenas a identificação de incentivos prévios, mas a capacidade de seu gerenciamento, entendida como a condução de processos conjuntos e unilaterais que permitem simultaneamente manter a aliança viva e avançar na defesa de seus próprios interesses. SOCIEDADE POLÍTICA E POLÍTICA EXTERNA EM TEMPOS DE DEMOCRACIA A ampliação do espaço público no Brasil vem renovando notavelmente a agenda internacional do país. Lado a lado com a ampliação do espaço ocupado pela representação política institucionalizada, expande-se um novo território coabitando por uma miscelânea de atores 9 Vários autores têm abordado esta questão, destacando-se Joseph Grieco, Walter Mattli, Roberto Bouzas eVer Grieco, Joseph “Systemic Sources of Variation in Regional Institutionalization in Western Europe, East Asia and the Americas”, in Mansfield E. &Milner,H The Political Economy of Regionalism, Columbia Univ. Press, NY, 1997; Mattli,Walter The Logic of Regional Integration, Cambridge Univ. Press, 1999; Bouzas, RobertoR. Korzeniewics and “El Mercosur Diez Años Después: ¿Proceso de Aprendizaje o Déjà Vù?”, Desarrollo Económico Núm 162, julio-septiembre 2001. 10 Ver Hakin, Peter “Dos formas de ser Global”, Foreign Affairs (en Espanol), Primavera 2001, vol.2, n.1. e Kissinger,Henry “EE.UU y Brasil: las potencias sean unidas”. http\\ar.clarin.com\diario\2001-05-21. 417 brasil-argentinaFIM.pmd 417 5/2/2004, 11:03 e organizações cuja principal resultante vem sendo a corrosão da fronteira entre problemáticas internas e externas. É justamente a eliminação das barreiras entre ambos domínios que impulsiona uma diversificação do tipo de vinculação entre globalização e vida democrática, entre espaços públicos locais e atores transnacionais. O ESPAÇO LEGISLATIVO E A POLÍTICA EXTERNA No Brasil, como alhures, é parte do senso comum a noção de que “política externa não dá votos”. Esta imagem despolitizada da política externa é conseqüência de uma visão idealizada da mesma como o instrumento central da defesa dos “interesses nacionais”. Em vista da natureza de suas funções que exigem conhecimento especializado e segredo governamental e da proteção legal conferida às atividades que envolvem a segurança internacional do país, as políticas externas e de segurança constituem objetos por excelência da delegação de autoridade do corpo político aos órgãos executivos. Nos sistemas presidencialistas, que se caracterizam pela divisão entre os Poderes, é ainda mais nítida a predominância do Executivo na condução da política externa, cabendo ao Legislativo o papel de posterior ratificação das ações e compromissos assumidos externamente. Este distanciamento da política partidária é reforçado pelo ambiente social da regulação externa, caracterizado pela baixa densidade e presença de grupos de interesse na sociedade que, como esperado pelas teorias da ação coletiva, não se mobilizam para a defesa de interesses coletivos/nacionais. Se a política externa não interessa ao eleitor, por que interessaria aos políticos profissionais? Os modelos com base na racionalidade do eleitor explicariam assim por que a política externa não dá votos e por que os parlamentares têm poucos incentivos para se envolverem diretamente na regulação das atividades das agências de política externa e de segurança. Como observamos, esta é uma visão convencional e idealizada da política externa. Não resiste assim ao movimento da globalização no que este implica na dissolução das fronteiras entre o doméstico e o internacional. Ademais, uma das principais características da ordem mundial contemporânea é seu acentuado componente legalista, no sentido que a 418 brasil-argentinaFIM.pmd 418 5/2/2004, 11:03 própria interdependência entre estados nacionais estimula formas variadas de regulação internacional de questões as mais diversas. Independentemente da natureza assimétrica desta regulação, a sua principal conseqüência é a internacionalização das questões domésticas e, o seu reverso, a internalização daquelas ditas internacionais. Assim sendo, a política externa passa a regular de fato questões que previamente faziam parte do ambiente regulatório doméstico. Neste contexto, a politização da política externa é inevitável. Esta última pode gerar modificações ou adaptações dos regimes de delegação em curso, concebidos para uma realidade de high politics, e demandas de redesenho institucional dos mecanismos tradicionais de delegação e prestação de contas. Para um país periférico como o Brasil as conseqüências das mudanças na regulação internacional são ainda mais acentuadas, pois às iniciativas voluntárias de cooperação bilateral e participação multilateral, somam-se às injunções da adesão aos diversos regimes regulatórios internacionais. A principal conseqüência do adensamento da agenda estatal cooperativa regional e multilateral no pós-Guerra Fria/pósredemocratização foi a modificação da agenda substantiva da política externa que, além de representar interesses coletivos no plano mundial, passou a ter que negociar interesses setoriais, inserindo-se diretamente no conflito distributivo interno11 . Para que estas mudanças da agenda substantiva gerem mudanças institucionais e de comportamento dos atores políticos é preciso algum tempo. Assim, entre as razões apontadas para explicitar o déficit democrático do Mercosul destaca-se a carência de vinculações transfronteiriças no âmbito da política institucional. Diferentemente do que observamos na experiência européia, pecamos pela ausência de parentescos partidários e por limitado paralelismo ideológico, o que restringe o escopo e alcance do interesse pela agenda da integração na vida parlamentar de nossos países. No Brasil, os partidos políticos ainda percebem a integração regional como um item de política externa, cabendo ao Ministério das Relações Exteriores a responsabilidade pela definição programática e condução do processo associativo. Quando 11 Cf. Maria Regina Soares de Lima, Instituições Democráticas e Política Exterior, Contexto Internacional, vol. 22, 2000 419 brasil-argentinaFIM.pmd 419 5/2/2004, 11:03 tomamos os conteúdos dos programas dos principais partidos brasileiros constatamos a falta de interesse pelo tema que quando merece menção esta se dá apenas de forma genérica. Ressalva merece ser feita com relação à atuação do Partido dos Trabalhadores (PT), cujo engajamento em temas internacionais vem se destacando tanto em espaços institucionais, como a Comissões de Relações Exteriores no Congresso Nacional, como naqueles de natureza informal no âmbito das organizações e movimentos sociais. Uma outra maneira de se avaliar este relativo “desinteresse” é entendê-lo como uma evidência da concordância implícita dos atores políticos que, exatamente por estarem de acordo com as orientações gerais da política externa, delegam aos órgãos competentes, no caso o MRE, a autoridade para sua condução. Alguns modelos de delegação têm salientado a importância na delegação da convergência de preferências entre agente e principal. Evidência nesta direção foi a ratificação da política externa por ocasião da elaboração da Constituição de 1988 em dois aspectos relevantes. Em primeiro lugar, a manutenção do princípio constitucional da competência do Executivo na condução da política externa, cabendo ao Legislativo o poder de ratificação expost dos acordos internacionais. Ao manter o status quo constitucional em uma dimensão crucial do processo decisório, os constituintes ratificaram sua concordância com a política externa em curso. A segunda dimensão de aprovação legislativa da política externa em curso, foi a inclusão do artigo 4o na Carta Constitucional de 1988 avalizando a política de cooperação regional com os países da América Latina, visando “à formação de uma comunidade latino-americana de nações”12 . Apenas nos casos de conflito de objetivos ou orientações entre os Poderes, os atores políticos/legislativos buscarão institucionalizar sua participação no processo decisório da política externa.13 Desta forma, ao contrário do consenso observado com relação à política de integração regional, o mesmo não vem ocorrendo na sociedade brasileira com respeito à proposta da constituição da ALCA. A diferença de 12 Cf. João Augusto de Castro Neves, A Participação do Poder Legislativo na Política Externa Brasileira: O Caso do Mercosul, tese de Mestrado em Ciência Política, IUPERJ/UCAM, 2002. 13 Para uma análise nesta direção, ver, Lisa Martin, Democratic Commitments: Legislatures and International Cooperation, Princeton, Princeton University Press, 2000. 420 brasil-argentinaFIM.pmd 420 5/2/2004, 11:03 posições com relação à integração hemisférica, tem levado à mobilização dos interesses empresariais e sindicais e ao questionamento pelo Legislativo com relação à oportunidade de um acordo nos moldes da ALCA14 . Significativamente, e ao contrário do momento constituinte, o Legislativo passou a questionar o próprio processo decisório da política externa e a propugnar pela modificação do regime de delegação em curso. Neste momento, estão em tramitação dois projetos de emenda constitucional que visam instituir controles ex-ante da política externa pelo Legislativo que, se aprovados, implicarão em uma mudança do padrão histórico de delegação congressual.15 Olsonianamente, é mais fácil mobilizar o interesse das forças políticas e setores econômicos nacionais que se considerem eventualmente prejudicados pela participação do Brasil num Acordo Hemisférico de Livre Comércio do que para o aprofundamento dos compromissos do país com o Mercosul16 . Do ponto de vista da representação parlamentar, este quadro sofre alguma alteração quando se contempla a atuação de legisladores provenientes da região sul. Neste caso, o Mercosul vem propiciando a conformação de uma agenda “interméstica” na qual se sobrepõem temas locais, nacionais e sub-regionais. Durante o período mais recente no qual o processo de integração atravessou uma etapa de acentuada desaceleração, a agenda pública relacionada ao tema passou a estar dominada pelos percalços enfrentados no relacionamento com a nação argentina. Da mesma forma como observado no âmbito governamental, o meio parlamentar reagiu defensivamente à sinalização conflitiva do país vizinho exacerbada ao longo do ano 2001, dando um passo político atrás frente à opção da integração regional. A veloz mudança do cenário político-institucional na Argentina, acompanhada da grave crise produzida pela mudança do regime cambial, se bem teve o efeito de neutralizar este tipo de 14 Neste particular, destaca-se a decisão conjunta da Conferência Nacional dos Bispos (CNBB), da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e outras instituições representativas da sociedade civil de convocarem um plebiscito nacional sobre a ALCA para setembro de 2002. 15 As duas propostas de emenda constitucional são a PEC 345/01 de autoria do Deputado Aloizio Mercadante do PT e a PEC 52/01, de autoria do Senador Roberto Requião do PMDB. Ver, João Augusto Castro Neves, op.cit. p. 63-64. 16 Vigevani et alii “Democracia e Atores Políticos no Mercosul”, in Sierra (2001). 421 brasil-argentinaFIM.pmd 421 5/2/2004, 11:03 reação não diluiu integralmente seus efeitos. De fato, observamos uma variação curiosa no tipo de repercussão da crise política argentina no âmbito político-partidário brasileiro. Sua coincidência temporal com o início da campanha eleitoral no Brasil, levou a que alguns candidatos utilizassem paradigmaticamente a debacle do país vizinho para reforçar as respectivas plataformas eleitorais. O emprego deste artifício eleitoreiro, entretanto, destoa das orientações dominantes da atual política exterior no sentido de reforçar os canais de apoio político á nação argentina. Curiosamente, tornou-se mais fácil encontrar convergência para posicionamentos desta índole no meio opositor. Simultaneamente à emissão de uma nota de solidariedade à Argentina, na qual se destacou a responsabilidade pela crise ao modelo neoliberal, o PT apresentou no Congresso uma moção vinculando a necessidade de respaldo ao país vizinho a da própria sustentação do Mercosul, considerado “o mais relevante projeto geopolítico e estratégico da América do Sul”17 . A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS ATORES E MOVIMENTOS SOCIAIS No último decênio o Brasil vem conhecendo uma nova faceta de sua inserção internacional a partir de uma peculiar combinação do processo de democratização com a formação de redes da sociedade civil, transnacionais. Diferentemente de outras experiências sul-americanas, a vinculação externa dos movimentos políticos democráticos brasileiros foi limitada durante a etapa do regime autoritário e mesmo durante o processo de transição ao Estado de direito.18 Fosse pelo “volume” de violações de direitos humanos, pela brevidade e diminuta expressão demográfica das comunidades de exílio, ou o limitado espaço de vinculações internacionais dos partidos políticos brasileiros, o retorno à democracia no país contou com mais simpatia do que apoio e pressão externa19. 17 Moção sobre Argentina, de 21/12/2001, apresentada pelo Deputado Walter Pinheiro, líder do PT na Câmara dos Deputados. Em seu preâmbulo, “Manifesta solidariedade à Nação argentina e conclama o governo brasileiro a contribuir ativamente com a busca de solução adequada para a presente crise do país vizinho, inclusive mediante a convocação emergencial de reunião de cúpula do Mercosul para debater e deliberar sobre o tema”. 18 Para uma analise histórica das redes transnacionais de proteção aos direitos humanos na América Latina, ver, Margaret E. Keck e Kathryn Sikkink, Activists Beyond Borders, Ithaca, Cornell University Press, 1996. 19 Não se pretende ignorar as comunidades de exilados brasileiros no exterior e os contatos mantidos com organizações políticas internacionais, mas apenas relativizar o peso destas mesmas em comparação com outras experiências sul-americanas, particularmente as chilena, uruguaia e argentina. 422 brasil-argentinaFIM.pmd 422 5/2/2004, 11:03 Esta especificidade da transição do autoritarismo no Brasil, sofre profunda alteração quando nos debruçamos sobre o tempo presente. Observa-se uma veloz internacionalização dos atores e movimentos sociais brasileiros resultante da articulação positiva entre globalização e vida democrática. Percebe-se uma nova porosidade internacional, senão desconhecida pelo menos não observada desde os anos de influência dos movimentos anarquista e comunista europeus sobre a agenda e organização da classe trabalhadora brasileira nas primeiras décadas do século XX. Entre os inúmeros pontos que diferenciam uma da outra experiência, destaca-se o nível de abrangência e diversidade dos temas envolvidos e o volume de recursos canalizados pelas redes transnacionais na atualidade. A principal base operacional destas redes é a extensa teia de organizações não governamentais, denominada terceiro setor, que atuam no país. Na virada do milênio, calculava-se que 80% das fontes de financiamento que apóiam as ONGs no Brasil provinham de origem estrangeira. Na maioria são organizações voltadas para temáticas específicas que quase sempre ganham visibilidade por sua convergê ncia com o repertório do que atualmente se conhece como a agenda global. Dois macro-temas dominam esta agenda: direitos humanos e meio ambiente. A mobilização da sociedade civil brasileira em torno destes temas somada a sua crescente importância junto à opinião pública internacional levaram a que gradualmente ambos se tornassem áreas de preocupação da ação diplomática brasileira. O que assistimos portanto é uma dinâmica combinada – com graus de cooperação e dissenso diversos – entre pressões externas e domésticas provenientes de organizações e movimentos sociais e iniciativas governamentais, partindo do Itamaraty e/ou outras agências credenciadas complementada por crescente atuação parlamentar.20 Simultâneo ao 20 Entre os resultados deste tipo de cooperação na área de direitos humanos, destacamos a adesão em 1985 pelo Brasil à Convenção contra a Tortura da ONU (ratificada em 1988 pelo Congresso) e a aceitação em 1994 da jurisdição da Corte Inter-Americana de Direitos Humanos. Destacamos também a participação brasileira na Conferencia Mundial de Direitos Humanos de Viena em 1993. No que se refere à questão ambiental, o primeiro passo ocorreu durante a Conferência Rio 92 quando se realizou paralelamente uma extensa reunião de representantes do terceiro setor. Na ocasião, iniciou-se um diálogo entre ONGs locais e os representantes diplomáticos em torno da Agenda 21. Dez anos depois, observamos canais diversos de entendimento entre o MRE e as ONGs na preparação das posições brasileiras para reunião Rio+10 a ser realizada na África do Sul, em 2002. 423 brasil-argentinaFIM.pmd 423 5/2/2004, 11:03 processo de permanente expansão e diversificação das agendas de direitos humanos e meio ambiente, ganhou impulso no Brasil um novo tipo de mobilização estimulada pelos movimentos antiglobalização de alcance mundial. Enquanto os temas referidos conduziam a uma ação voltada para temas específicos, o segundo se move com base em premissas ideológicas mais abrangentes. Este tipo de movimento encontra-se vinculado a uma agenda internacionalizada sujeita a permanente transformação, estimulada pelo aprofundamento da democracia e pelas reações defensivas frente aos efeitos da globalização e das negociações de áreas de livre comércio, particularmente a ALCA. Vale destacar, portanto, que se transita desde um universo difuso de questões que abarca temas como direitos raciais e/ou de gênero, equidade, educação, ordem jurídica, e meio ambiente, até outro campo extremamente concreto com agenda e calendário pré-fixados, envolvendo negociações técnicas e políticas entre 34 Estados americanos. Da parte da sociedade civil brasileira, procura-se ampliar o poder de pressão dos segmentos empresariais e sindicais na definição das posições do país no processo negociador. Interessantemente este esforço vem se realizando ora em oposição ora de forma coordenada com o Estado. Foi com este espírito que se criou, sob a presidência do Ministério de Relações Exteriores, a Seção Nacional de Coordenação dos Assuntos Relativos a ALCA (SENALCA) logo integrada por entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Força Sindical. O principal desafio político destas entidades passou a ser a transformação dos interesses que representam em posições negociadoras concretas a serem veiculadas pelos grupos negociadores da ALCA. O denominador ideológico comum deste tipo de mobilização é a condenação ao neoliberalismo somada à crítica aos acordos de livre comércio21 . Estimuladas pelo que se rotulou como “internacionalismo popular”, pretende-se a constituição de uma globalização alternativa a 21 Ver Morris, David “Free Trade the Great Destroyer” e Nader, Ralph & Wallach, Lori “GATT, NAFTA and the Subversion of the Democratic Process”, in Jerry Mander & Edward Goldsmith (eds.), The Case Against the Global Economy, Sierra Club, San Francisco 1996. 424 brasil-argentinaFIM.pmd 424 5/2/2004, 11:03 partir de um processo de mundialização das lutas sociais, de fato inaugurado em meados dos anos 90.22 Ao lado da construção de um ideário comum, tecido em torno da crítica ao neoliberalismo e à proposta de formação de uma cidadania em escala planetária, observa-se a elaboração de uma nova agenda de debates e posicionamentos. Como seus temas prioritários mencione-se: a metodologia da ação de protesto; a identificação de seu alvos principais – destacando-se as instituições de poder mundial como o G7, a OMC, o FMI e outros organismos internacionais no campo econômico – ; e a vinculação entre as esferas social e política, remetendo ao questionamento da democracia formal e do processo de concentração de riquezas mundial. Caracterizando-se como um processo descentralizado de ação política, este movimento compreende clivagens diversas em torno das que apregoam orientações reformistas e outras que defendem a radicalização destas ações. Constitui tarefa complexa avaliar o grau de articulação ou subordinação deste tipo de movimento no Brasil às organizações congêneres estrangeiras.23 Igualmente difícil torna-se a caracterização da influência ideológica exercida por estas últimas. De modo geral, observa-se uma sobreposição de dois tipos de orientações vindas “de fora”. A primeira, de essência mais ideológica, procura vincular positivamente as dimensões global e regional (latino-americana) na identificação de novas bandeiras de luta contra a economia de mercado. A segunda, que almeja resultados políticos concretos, reivindicando um universo Americano de interesses sociais a ser canalizado como a voz da sociedade civil no processo negociador da ALCA. Levantamentos preliminares revelam a existência, no âmbito Americano, de 300 redes de organizações da sociedade civil, das quais 56 são de origem brasileira e 165 provenientes de países hispânicos.24 22 Amin, Samir in Houtar y Poulet p. 93. Para uma cronologia das manifestações anti-globalização ver Seone (2001). 23 Mais de 400 organizações participam das redes da sociedade civil que se mobilizam em torno das negociações da ALCA.Entre as organizações mais representativas destacam-se a Fundação Grupo Esquel (EUA), a Fundação Canadense para as Américas (FOCAL), e a própria USAID que vem financiando – por via da Companeros de América - a Rede interamericana para a democracia com a participação de diversas entidades. 24 Smith, William, “Protest and Collaboration: Transnacional Civil Society Networks and the Politics of Summitry and Free Trade in the Americas”, The North/South Agenda Papers 51, September 2001. 425 brasil-argentinaFIM.pmd 425 5/2/2004, 11:03 A manifestação mais contundente deste tipo de mobilização no Brasil vem sendo a realização do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, em 2001 e 2002. A “primavera social” de Porto Alegre reuniu movimentos sociais, ONGs, sindicatos, pastorais religiosas, entidades de classe e da sociedade civil. Do ponto de vista doméstico, não deixa de ser relevante a constatação de que este tipo de iniciativa tenha lugar em um estado da federação cuja identidade histórica se sobrepõe a da formação platina. Esta convergência de identidades e o consolidado êxito político do PT na cidade de Porto Alegre, fruto dos últimos 10 anos de gestão ininterrupta, vem constituindo um estímulo adicional para a presença de organizações sociais argentinas e uruguaias nestes encontros. Uma nova rede de interação começa a se manifestar estimulada pelo “..espírito da esquerda social e política brasileira”.25 Vale mencionar que a reunião de 2001 foi convocada por 170 entidades, das quais 38 eram de origem brasileira e 19 de origem argentina. Já no ano seguinte, foram 5.000 as entidades organizadoras, das quais 67% de origem brasileira e 23% de origem espanhola, italiana, francesa e argentina. Havendo adquirido uma dimensão massiva, o Segundo Fórum Social Mundial compreendeu a realização de 28 conferências, 100 seminários e 700 workshops. A presença da Argentina fez-se notar numericamente e pela inclusão do tema da crise deste país na agenda do encontro.26 Percebida como a “aluna mais bem aplicada do Consenso de Washington que não deu certo”, esta nação experimenta uma crise que adquiriu um sentido “…paradigmático dos impactos da globalização das políticas neoliberais no contexto latino-americano.” 27 De acordo com destacados representantes do terceiro setor no Brasil, trata-se de uma situação sem precedente na qual se soma uma população altamente politizada com a falência da estrutura partidária formal e das lideranças locais. 25 Seoane Jose e Taddei, Emilio “Resistencias mundiales,de Seattle a Porto Alegre Clacso, B. Aires,2001, p.120. 26 Os debates do Segundo Fórum Social Mundial giraram em torno dos seguintes temas: os atentados de 11 de setembro e o crescimento da hegemonia norte-americana em todo o mundo; a crise na Argentina; o conflito árabe-israelense; a possível criação da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas); a dívida externa; a economia solidária; a democratização das comunicações e o acesso aos medicamentos contra a Aids. 27 Entrevista com Sergio Haddad, presidente da Associação Brasileira de ONGs (Abong), www.abong.org.br 426 brasil-argentinaFIM.pmd 426 5/2/2004, 11:03 De fato, a recente proliferação de organizações sociais na Argentina estimulada pela própria crise econômica e política que o país atravessa gerou um novo terreno de diálogo e interação com o Brasil. Ademais, a sonora onda de protestos observada nos últimos meses despertou sentimentos de simpatia e solidariedade nos âmbitos formais e informais de representação da sociedade civil. Surge neste contexto a idéia de que o espaço da integração regional propicie também uma nova identidade coletiva a partir da ação de movimentos sociais que venham a defender a inclusão de suas problemáticas na agenda formal do Mercosul. A simultaneidade entre a expansão das redes transnacionais de movimentos sociais e os processos de integração econômica colocam novas questões relativas à regionalização das respectivas sociedades civis. Ganha impulso a idéia de que as organizações por detrás desta expansão se transformem em agentes de socialização política estimulando o surgimento de uma solidariedade intracidadã. Em conseqüência, poder-se-ia vislumbrar a formação de um espaço público regional sempre e quando se fizessem disponíveis os instrumentos institucionais adequados. A experiência européia nos ensina, porém, que mesmo em contextos avançados de integração, este caminho é lento e dificultoso constatando-se certa cronicidade ao problema do “déficit democrático”28 . A tarefa de construção de bases de suporte trans-fronteiriças deve contar com o apoio tanto dos governos como das instituições que conduzem o processo associativo. No caso europeu, a realidade vem revelando certa negligência por parte das entidades partidárias locais frente a esse tipo de projeto em função de seus compromissos com questões domésticas ou com os temas que pertencem a agenda clássica da integração. No caso do Mercosul, devemos estar atentos para o fato de que bandeiras compartilhadas de contestações e reivindicações não serão necessariamente propícias ao aprofundamento da integração entre os países da região uma vez que ao déficit democrático deve-se-ia somar o déficit institucional do processo. No caso do Brasil, merecem destaque os novos entrelaçamentos que acompanham o processo de 28 Walreigh, Alex “ ‘Europeanizing’ Civil Society: NGOs as Agents of Political Socialization”, Journal of Common Market Studies. Vol. 39, n.4, Nov. 2001. 427 brasil-argentinaFIM.pmd 427 5/2/2004, 11:03 aprofundamento da democracia no qual as agendas “próprias” e as “do outro” se articulam no contexto de opções inovadoras de internacionalismo. Estes movimentos poderão ou não constituir uma contra-face à consolidação do Mercosul. Observações finais Mencionamos o expressivo grau de consenso interno que permitiu ao Estado brasileiro operar com relativa margem de autonomia com relação à sociedade política na formulação e execução da política externa nos últimos quarenta anos. Também nos referimos ao fato de que o consenso entre as elites com relação a esse projeto de política externa tornou possível que suas premissas essenciais fossem preservadas nos anos da transição democrática brasileira. O que parece interessante assinalar é o contraste entre aquela combinação da política externa e contexto político doméstico e a que se observa no tempo presente. No início dos anos 80, a dimensão substantiva da política internacional do país era percebida “à frente” de sua política interna. O questionamento da ordem bipolar, a sintonia com as bandeiras do mundo em desenvolvimento e a visão crítica de uma postura alinhada aos Estados Unidos encontravam sinergia nos movimentos de contestação da ordem mundial e pareciam mais de acordo com as visões de mundo comprometidas com o pluralismo do que com um governo responsável pela manutenção da ordem autoritária. Podemos entender, assim, a ausência de preconceitos no estabelecimento de posições internacionais convergentes com o Brasil por parte de governos vizinhos cujos processos de democratização se anteciparam ao nosso. De fato, a partir de meados dos anos 70, a política externa brasileira revelou-se menos prisioneira dos condicionamentos ideológicos impostos pela Guerra Fria do que na condução da vida política interna. Atualmente, a realidade mostra uma dinâmica distinta na relação entre política interna e externa. O “novo internacionalismo” brasileiro resulta tanto da mudança do perfil de inserção internacional face à globalização dos mercados, quanto da ampliação da rede de alianças transnacionais oriunda da sociedade civil. É esta diversidade de atores e interesses, não necessariamente convergentes em suas respectivas 428 brasil-argentinaFIM.pmd 428 5/2/2004, 11:03 orientações e preferências mas para os quais o internacional se torna âmbito relevante de atenção e atuação, que fez desaparecer o consenso monolítico prévio com relação à política externa. Por outro lado, é inevitável que a atenção dedicada a novos temas na agenda do Estado responda às pressões provenientes de um leque diverso de atores não governamentais legitimados pelo próprio processo democrático local. Os vínculos internacionais desses atores mais do que corresponder a um campo de mediação estatal resultam de uma articulação direta com novos processos globais. Esse tipo de articulação reduz o grau de autonomia do Estado e gera um conjunto de interações domésticas que diluem a fronteira entre o interno e o externo. Como já aludido, as áreas de meio ambiente e direitos humanos ganham especial destaque nesse processo. Esta constatação nos conduz a uma segunda apreciação, agora referente ao contexto internacional. Também nesta esfera, o Estado brasileiro sofre uma redução significativa de seu espaço de manobra, neste caso pelo esgotamento da bipolaridade. O marco restritivo imposto pela emergência de uma ordem unipolar torna-se ainda mais dramático para países periféricos que se encontram em situação de vulnerabilidade externa e marginalidade estratégica. A experiência recente da Argentina mostra-nos que a opção pelo alinhamento automático pouco ou nada contribuiu para reverter o peso desse tipo de “irrelevância”. Nesse quadro, e apesar da reduzida visibilidade de suas vantagens de curto prazo, pode tornar-se mais atraente o caminho oferecido pela presença mais atuante nos foros multilaterais com vistas ao seu fortalecimento no sistema mundial. Não obstante, o risco da subordinação dessa opção à distribuição desigual de poder, reforçada pelo unilateralismo, reduz seus incentivos e implica custos domésticos que a sociedade brasileira talvez não esteja disposta a incorrer. No plano da cooperação regional, em especial com a Argentina, o Brasil ainda preserva considerável poder de iniciativa. Sabemos que este caminho não significa a superação dos dois desafios mencionados anteriormente, a saber, as restrições impostas pelo contexto democrático e pela unipolaridade, que tornam mais complexa a tarefa de construção de um projeto cooperativo regional, especialmente quando 429 brasil-argentinaFIM.pmd 429 5/2/2004, 11:03 se contempla a responsabilidade da liderança que caberá ao Brasil na coordenação desse processo. Por outro lado, o contexto democrático não deve ser encarado apenas como uma nova restrição, uma vez que representa simultaneamente uma oportunidade para a modificação de elementos essenciais da cultura política da política externa, em duas esferas convergentes. Em primeiro lugar, porque apenas os regimes democráticos dispõem de mecanismos institucionais que podem garantir a credibilidade dos compromissos internacionais assumidos e, em muitos casos, constituem uma garantia para a barganha externa. Em segundo, porque hoje uma das principais restrições à unilateralidade das grandes potências está no interior de suas respectivas sociedades. O novo internacionalismo da sociedade civil brasileira e sua participação em redes transnacionais configuram portanto um canal que pode criar espaços de interação e cooperação dentro dessas mesmas sociedades. 430 brasil-argentinaFIM.pmd 430 5/2/2004, 11:03 Comentários Denilde Holzhacker: Gostaria de agradecer ao convite do Professor Cardim e da Professora Mônica. Tenho um grande desafio, que é comentar em cinco minutos dois papers muito instigantes, por isso, tentarei ressaltar alguns aspectos relacionados ao tema do seminário: cultura política e política externa. A incorporação de questões como normas, valores e cultura nas análises de relações internacionais, por meio da vertente construtivista, ampliou a dimensão cultural nas análises de política externa. Neste contexto, ressalta-se cada vez mais os aspectos da cultural política na formulação da política externa. E sua interface como os atores domésticos. O primeiro aspecto que irei comentar envolve a visão sobre a liderança brasileira e como será exercida nos próximos anos, pois acredito que é um tema presente nas duas apresentações. Acredito que esse tema está associado a visão, que o Professor Juan nos apresentou, a respeito das opções estratégicas da Argentina. Já no caso brasileiro, não há um consenso sobre as posições externas do País nos próximos anos e qual o modelo que será adotado. Entretanto, um dos pontos centrais nas discussões refere-se à sua atuação junto aos países da região, sendo constantemente questionado o quanto sua atuação é próativa ou reativa. Um outro aspecto que gostaria de ressaltar envolve a atuação de novos atores na agenda da política externa. Concordo com as professoras quanto ao aumento da influência desses atores nos processos da política externa. Juntamente com as modificações domésticas (democratização e abertura dos mercados), o novo cenário internacional criou novos dilemas e desafios para a atuação diplomática, que necessitou atualizar sua visão sobre os interesses do país e estimular a participação da sociedade civil. Essa mudança colocou novas questões no relacionamento com a sociedade, pois no regime democrático aumenta a credibilidade da atuação externa da diplomacia, mas diminui sua autonomia com relação ao processo de decisão de política exterior. Além disso, gostaria de acrescentar as visões e percepções que esses atores têm sobre a atuação externa do Brasil. 431 brasil-argentinaFIM.pmd 431 5/2/2004, 11:03 Na Argentina são realizadas pesquisas sobre questões externas junto a opinião pública desde a Guerra das Malvinas (1982). No caso brasileiro é pequena a tradição nesta área, mas um estudo realizado em 1998 pelo Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais da USP buscou compreender como a sociedade brasileira percebe a atuação externa brasileira e as relações internacionais de forma geral. As pesquisas que analisei no Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais mostram que a população percebe a atuação externa brasileira de forma estruturada e coerente, e de forma análoga com os princípios que regem a atuação diplomática do País. As atitudes da população estão associadas às concepções gerais da atuação externa brasileira, como a busca do desenvolvimento do País, uma atuação pacifista e voltada para a construção de foros de negociações internacionais. No plano econômico uma agenda direcionada para a cooperação e a participação de processos em integração regional, principalmente, o Mercosul. Na visão da população a prosperidade externa somente será conseguida se estiver acompanhada de uma política de aumento do poder internacional, evidenciando dessa forma, a percepção geral da população sobre o cenário internacional: as relações internacionais são baseadas na capacidade de influência e decisão. Com isso, a prosperidade deve ser almejada, mas não se deve desconsiderar melhores condições de poder e influencia no contexto internacional. Essa visão a respeito do cenário internacional reflete-se na avaliação da posição internacional do País, que se divide em dois grupos: o que consideram o Brasil desprovido de qualquer capacidade de influência no cenário internacional, sendo somente mais um país sem peso e capacidade de influenciar as decisões internacionais; e os otimistas, que se subdividem entre os que acham que atuação brasileira está restrita ao cenário regional e os que a estende para o contexto mundial. Para os pessimistas o não exercício de liderança mostra-se em posição secundária, com pouca influência nos contextos regional e mundial. Nessa perspectiva o Brasil não influencia os processos internacionais e os resultados da sua atuação são bastante limitados, inclusive nos processos de integração regional. 432 brasil-argentinaFIM.pmd 432 5/2/2004, 11:03 Nesse caso, a política externa é vista como um instrumento para a busca do desenvolvimento e do crescimento econômico, sendo que o País não deveria atuar em fóruns ou processos que não significarão resultados imediatos para alcançar tais objetivos. Essa percepção explica em parte as hesitações da população quanto ao grau de apoio nas relações internacionais e ao exercício da liderança brasileira no Continente. Com isso, observamos atualmente uma influência no grau de apoio nas relações entre Brasil e Argentina, que consequentemente reflete nas decisões estratégicas dos dois parceiros. Por outro lado, na sociedade argentina as sondagens de opinião mostram que há uma expectativa positiva quanto aos benefícios da atuação brasileira. É uma percepção benigna da liderança brasileira, no qual traria maiores ganhos para esses países. De certa forma, se atribui uma expectativa maior comparada a que observamos na própria sociedade brasileira. Outro ponto diz respeito ao relacionamento com os Estados Unidos. A meu ver a triângulação entre Argentina, Brasil e Estados Unidos é central. Esse relacionamento possibilita uma melhor compreensão das limitações e desafios para os próximos anos, principalmente quando considerarmos as negociações da Alca e suas implicações nas políticas domésticas dos países. Além disso, as relações com os Estados Unidos envolvem temas que provocam grandes divergências no interior da sociedade brasileira. E como nos países desenvolvidos, onde as atitudes e percepções da população são acompanhadas e servem de termômetro para o estabelecimento das ações governamentais, no Brasil essa é uma tendência natural. Essas discussões envolvem o posicionamento brasileiro no cenário internacional e as prioridades que devem ser estabelecidas. Acho que, nesse pouco tempo, era isso que eu gostaria de ressaltar. 433 brasil-argentinaFIM.pmd 433 5/2/2004, 11:03 Carlos Pérez Llana: Como moderador de esta sesión resulta difícil hacer comentarios, dado que los autores, con rigor poco común, prácticamente han agotado las visiones argentino-brasileñas desde la “perspectiva del otro”. Respecto del trabajo de Roberto Russell y Juan Tokatlian quisiera introducir algún comentario respecto de un período muy corto que los autores no abordan y que, en general, la literatura soslaya, me refiero a la gestión externa del período Cámpora. Sobre esos meses existe una lectura muy asociada a un “velo ideológico”. Sin embargo existen dos hechos que conviene destacar, vinculados a la política de alianzas privilegiadas por los responsables de la política exterior, los mismos autores de las llamadas “Pautas Programáticas”, documento central de la Plataforma electoral de 1973. El primero alude a las relaciones con el mundo socialista, en particular con el régimen castrista. La visión clásica de la guerra fría había inspirado la política exterior argentina, pero por esos años la detente observada en el núcleo Este-Oeste de la política internacional no había sido asumida por la diplomacia argentina, salvo algún pequeño gesto relacionado con la política hacia China Popular. Por esa razón en dichas Pautas Programáticas una de las ideas centrales giró en torno a cómo maximizar la autonomía nacional aprovechando la nueva agenda internacional. Cuando se presentó la ocasión de realizar las invitaciones a las autoridades extranjeras, con motivo de la asunción presidencial, de inmediato surgió el tema Castro. Invitarlo o no invitarlo?. Se sabía que el Presidente de Chile, Salvador Allende, concurriría y muchos sostenían la necesidad de incorporar a Castro como una forma adicional de enviar mensajes hacia fuera y hacia adentro. La decisión de invitar sólo a los jefes de Estado constituyó toda una definición, la presencia del Presidente de Cuba Osvaldo Dorticós fue el expediente encontrado para evitar que la figura de Castro le diera el contenido y el marco a ese acto fundacional de la Casa Rosada. El segundo hecho está asociado a la política latinoamericana diseñada por la gestión del Canciller J. C. Puig. Al crearse el Pacto Andino 434 brasil-argentinaFIM.pmd 434 5/2/2004, 11:03 se entendió que había que invitar a participar a la Argentina del proyecto subregional. Desgraciadamente la invitación, según relata el ex-canciller del Pte. Eduardo Frei, Gabriel Valdes, llegó a Buenos Aires el mismo día que el Pte. Arturo Illía fue derrocado por el golpe militar encabezado por el Gral. Onganía. Ese gesto fue rescatado en los ‘70 por quienes entendieron que la agenda autonomizante para la Argentina implicaba sumarse a ese emprendimiento. No se trató de una respuesta al Brasil asociada al litigio por el aprovechamiento de los recursos hídricos compartidos. Si bien bajo la gestión Puig se denunció, como se prometió en las Pautas Programáticas, el “Acuerdo de Nueva York” suscripto con el Brasil, debido a que no se ajustaba debidamente a los intereses argentinos, la idea de aproximarse al Pacto Andino se apoyaba en un razonamiento estratégico asociado a las nuevas modalidades que debía abrazar el proceso de integración regional. Como se advertirá en momentos que el gobierno de Allende tomaba distancias del Pacto Andino, una presencia argentina pudo haber significado un cambio cualitativo en el esquema andino. En el orden de lo concreto la idea de retomar la relación andinoargentina se esbozó en un primer encuentro, celebrado en Lima con algunos de los miembros de la Junta de Cartagena en el mes de junio de 1973 en la sede de la Embajada de la Rep. Argentina. Entre otras ideas se esbozó allí la posibilidad de nombrar, de inmediato, a un Embajador argentino ante el propio Pacto y entre quienes más se citaba para esas funciones era un argentino que había participado activamente en la aprobación de la llamada “Decisión 24”. Con referencia al trabajo de Monica Hirst y María Regina Soares de Lima, quisiera introducir, también, dos comentarios. El primero alude a lo que allí se afirma, respecto a que en el Brasil el papel preponderante del Ministerio de Relaciones Exteriores en parte se explica por la despreocupación de la sociedad y de la clase política en todo lo referido a las cuestiones externas (en concreto la política exterior no da votos). El caso argentino me parece que es un poco diferente. Si bien en las campañas electorales el tema externo no ha sido relevante, como por lo demás ocurre en todo el mundo, esa temática está muy presente 435 brasil-argentinaFIM.pmd 435 5/2/2004, 11:03 en el debate permanente. Para ello basta recordar la presencia histórica de los hechos vinculados, en el siglo XIX, a la Guerra del Pacífico y a la Guerra del Paraguay. Muchos políticos adoptaron posiciones destacadas, tal vez las más recordadas a favor del Perú. Mientras que la Guerra del Paraguay conformó toda una polémica asociada al esquema de poder de la época. En el siglo XX, la Guerra del Chaco, que tuvo al canciller Saavedra Lamas como protagonista diplomático destacado; la actitud argentina en la I y II Guerra Mundial; fueron el centro de debates que todavía dejan sentir sus ecos. Más cerca, la guerra de Malvinas también significó un punto de ruptura imposible de soslayar, que todavía impregna algún rincón del imaginario colectivo de los argentinos. Por esa razón en este punto se destacan algunos matices que resulta necesario incluir en toda lectura comparada. El segundo hecho se vincula con la naturaleza del Estado. En el Brasil el peso de los Estados no guarda relación con el peso histórico de las provincias argentinas. En la Argentina los temas internacionales históricamente pasaron “por el puerto”, de manera que fue muy reducido el espacio donde estos temas fueron debatidos. En general puede afirmarse que la agenda externa argentina estuvo en manos de poca gente y una vez que esa gente decidió la cuestión se cerró. En el caso del federalismo brasileño el tema es diferente y las consecuencias se han hecho sentir en tiempos muy presentes, por ejemplo en las diferentes sensibilidades que se advierten en torno al Mercosur. 436 brasil-argentinaFIM.pmd 436 5/2/2004, 11:03 brasil-argentinaFIM.pmd 437 5/2/2004, 11:03 brasil-argentinaFIM.pmd 438 5/2/2004, 11:03